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O DESAPARECIMENTO DA CONTEMPLAÇÃO OU
A «EROSÃO LENTA» DA NOSSA HUMANIDADE
O que é que se passava realmente na cabeça de Hawthorne 1 enquanto se sentava no retiro verde de
Sleepy Hollow2 e se perdia em contemplação? E em que é que isso era diferente do que se passava na
mente dos habitantes da cidade, dentro do sobrelotado e barulhento comboio? Uma série de estudos
psicológicos, ao longo de vinte anos, revelou que, depois de passar algum tempo num ambiente sossegado
5 e rural, próximo da natureza, as pessoas exibem maior atenção, memória mais forte e capacidades cogniti-
vas melhoradas de um modo geral. Os seus cérebros tornam-se ao mesmo tempo mais calmos e mais
perspicazes. A razão, segundo a teoria da restauração da atenção, ou ART, é que quando as pessoas não
estão a ser bombardeadas por estímulos externos, os seus cérebros podem, na realidade, relaxar. Já não
têm de sobrecarregar as suas memórias de trabalho com o processamento de uma torrente de distrações
10 bot-tom-up. O resultante estado contemplativo fortalece a capacidade de controlarem a sua mente.
Os resultados do estudo mais recente que incidiu sobre esse assunto foram publicados na revista
Psychological Science no final de 2008. Uma equipa de investigadores da Universidade de Michigan,
chefiada pelo psicólogo Marc Berman, recrutou cerca de três dezenas de pessoas e sujeitou-as a uma série
de testes rigorosos e mentalmente esgotantes, projetados para medir a capacidade das suas memórias de
15 trabalho e a sua aptidão para exercer controlo top-down sobre a sua atenção. Os sujeitos foram então
divididos em dois grupos. Metade deles passou cerca de uma hora a caminhar por um isolado parque
arborizado e a outra metade passou igual intervalo de tempo a caminhar em ruas movimentadas da
cidade. Ambos os grupos foram submetidos aos testes pela segunda vez. Os investigadores observaram que
passar tempo no parque «melhorou significativamente» o desempenho das pessoas nos testes cognitivos,
20 indicando um substancial aumento da atenção. Caminhar na cidade, em contraste, não conduziu a nenhuma
melhoria nos resultados do teste.
Os investigadores realizaram então uma experiência semelhante com outro grupo de pessoas. Em vez
de darem longas caminhadas entre as partidas de testes, estes sujeitos simplesmente olhavam para foto-
grafias de cenas rurais calmas ou de cenas urbanas e movimentadas. Os resultados foram os mesmos. As
25 pessoas que olharam para fotografias de cenas naturais foram capazes de exercer controlo sobre a sua
atenção substancialmente mais forte, enquanto aqueles que olharam para cenas da cidade não mostraram
qualquer evolução na sua atenção. «Em suma», concluíram os investigadores, «interações simples e breves
com a natureza podem produzir significativo aumento do controlo cognitivo». Passar tempo no mundo
natural parece ser de vital importância para um «funcionamento cognitivo eficaz» (Psychological Science, 19,
30 n.º 12, 2008, pp. 1207-1212).
Não existe Sleepy Hollow na Internet, nenhum lugar pacífico onde a contemplação possa levar a cabo
a sua magia restauradora. Só existe o interminável e hipnotizante zumbido da rua urbana. Os estímulos da
Internet, como os da cidade, podem ser revigorantes e inspiradores. Não desejaríamos abrir mão deles. Mas
eles são, também, esgotantes e perturbadores. Eles podem facilmente, como Hawthorne compreendeu,
35 destruir todas as formas de pensamento mais tranquilo. Um dos grandes perigos que enfrentamos ao auto-
matizarmos o trabalho das nossas mentes, ao cedermos o controlo do fluxo dos nossos pensamentos e
memórias a um poderoso sistema eletrónico, é […] uma erosão lenta da nossa natureza humana e da nossa
humanidade.
NICHOLAS CARR, Os Superficiais. O que a Internet está a fazer aos nossos cérebros. Lisboa, Gradiva, 2012, pp. 268-270.
(1) Hawthorne: Nathaniel Hawthorne. Escritor norte-americano (1804-1964), considerado, por muitos, um expoente do
Romantismo tardio.
(2) Sleepy Hollow: lugar tranquilo da cidade de Concord, Massachusetts.