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Antonio Miguel, Antonio Vicente Marafioti Garnica, Sonia Barbosa Camargo Igliori e Ubiratan D’Ambrósio

A educação matemática: breve histórico,


ações implementadas e questões sobre
sua disciplinarização*

Antonio Miguel
Universidade Estadual de Campinas

Antonio Vicente Marafioti Garnica


Universidade do Noroeste do Estado de São Paulo

Sonia Barbosa Camargo Igliori


Ubiratan D’Ambrósio
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Introdução bastante clareza, similaridades entre aquela trajetória


e a brasileira. Sonia Igliori, em seguida, particulariza
Este trabalho foi elaborado em tópicos autôno- o panorama geral traçado por D’Ambrósio, discutin-
mos. Seu título, entretanto, reflete a dinâmica interna do as motivações e estrangulamentos que levaram à
de sua composição, tendo sido preservadas as inten- criação de um grupo de trabalho específico sobre edu-
ções de seus vários autores. Em seu conjunto, os qua- cação matemática na ANPEd. É importante ressaltar
tro textos tratam da configuração da educação mate- que, tendo optado por incluir em sua apresentação
mática como área de pesquisa e, num panorama depoimentos de pesquisadores brasileiros ligados à
histórico, de como têm sido implementados, efetiva- criação do grupo de trabalho, Igliori permite que se
mente, esforços para a consolidação desse projeto. configure com mais especificidade as idas e vindas
Ubiratan D’Ambrósio inicia a exposição, apresentan- que se fizeram presentes no debate entre os que apoia-
do alguns elementos relativos à emergência e à orga- vam ou não a constituição do espaço que hoje torna
nização da pesquisa em educação matemática no pa- possível, neste artigo, o registro dos embates. O texto
norama internacional, a partir do que estabelece, com de Antonio Miguel, por sua vez, dá um colorido novo
a esse debate, podendo ser ele próprio considerado um
outro depoimento dentre aqueles coletados por Igliori.
* Inicialmente intitulado “A educação matemática: uma área Miguel discute a disciplinarização da educação mate-
de conhecimento em consolidação e o papel da constituição de mática, tema já considerado por D’Ambrósio num
um grupo de trabalho dessa área na ANPEd”, este texto foi elabo- panorama histórico. A discussão dessa disciplinariza-
rado sob a coordenação de Sonia Barbosa Camargo Igliori e apre- ção, conseqüentemente, implica a discussão de temas
sentado ao Grupo de Trabalho de Educação Matemática, na 26ª como o da relação entre educação e educação mate-
Reunião Anual da ANPEd, realizada em Poços de Caldas, MG, de mática; entre matemática e educação matemática e,
5 a 8 de outubro de 2003. ainda, a pertinência da implantação desse GT – do qual

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Igliori traçou o histórico – na ANPEd. Valendo-se de do século XIX para o século XX. Os passos que abrem
fundamentação teórica específica para apresentar seus essa nova área de pesquisa são devidos a John Dewey
pontos de vista, Miguel reapresenta o debate. Final- (1859-1952), ao propor em 1895, em seu livro Psico-
mente, tratando das relações entre educação e educa- logia do número, uma reação contra o formalismo e
ção matemática – com o que o tema dos outros textos uma relação não tensa, mas cooperativa, entre aluno e
ainda se mantém presente –, Antonio Vicente professor, e uma integração entre todas as disciplinas.
Marafioti Garnica discute o espaço e alguns estrangu- Em 1901, durante uma reunião da British
lamentos da pesquisa em educação matemática a par- Association em Glagow, o cientista John Perry diz
tir de uma visão panorâmica sobre os estudos acerca ser imensamente importante considerar que a adoção
da formação de professores. São olhares e vozes que, de um método de ensino elementar deve satisfazer
ora em fina sintonia, ora em contraponto, surgem fin- um jovem, entre mil, que gosta de raciocínio abstra-
cados no espaço que os autores desejam, com seus to, mas que é igualmente importante que os demais
discursos, ver consolidado: a educação matemática. não sejam prejudicados. E lamenta o conflito que co-
meça a se notar entre matemáticos e educadores, ao
Algumas notas históricas sobre a emergência dizer que é o matemático quem decide que assuntos
e a organização da pesquisa em educação devem ser ensinados nas escolas para os cientistas e
matemática, nos Estados Unidos e no Brasil1 os engenheiros, e que é ele mesmo, o matemático,
que forma os professores para esse ensino.
Ubiratan D’Ambrósio A crise e os conflitos de opinião sobre as refor-
mas na educação estimulam pesquisadores matemá-
A educação matemática como disciplina ticos de importância, alguns provavelmente preocu-
pados com a educação dos filhos, a se interessarem
Embora já se identifiquem na antiguidade preo- pelo ensino da matemática. É o caso do casal de in-
cupações com o ensino da matemática, particularmen- gleses Grace C. Young (1868-1944) e William H.
te na República VII, de Platão, é na Idade Média, no Young (1879-1932), que no livro Beginner’s book of
Renascimento e nos primeiros tempos da Idade Mo- geometry, publicado em 1904, propõe trabalhos ma-
derna que essas preocupações são melhor focaliza- nuais, ou seja, o concreto auxiliando o ensino da geo-
das. De especial interesse para o Brasil é o enfoque metria abstrata. Seus filhos tornaram-se grandes ma-
dado por Luis Antonio Verney ao ensino da matemá- temáticos.
tica no Verdadeiro método de estudar, de 1746. Mas é O respeitadíssimo matemático americano
somente a partir das três grandes revoluções da mo- Eliakim H. Moore (1862-1932) resolve escrever so-
dernidade – a Revolução Industrial (1767), a Revolu- bre educação e, num artigo de 1902, propõe um novo
ção Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789) – programa, incluindo um sistema de instrução integrada
que as preocupações com a educação matemática da em matemática e física, baseado em um laboratório
juventude começam a tomar corpo. permanente, cujos principais objetivos são desenvol-
A identificação da educação matemática como ver ao máximo o verdadeiro espírito de pesquisa, con-
uma área prioritária na educação ocorre na transição duzindo à apreciação, tanto prática como teórica, dos
métodos fundamentais da ciência.
Mas o passo mais importante no estabelecimento
1
O autor agradece a James W. Wilson por haver comparti- da educação matemática como uma disciplina é devi-
lhado suas recordações pessoais sobre a criação do Special Interest do à contribuição do eminente matemático alemão
Group “Research in Mathematics Educational” da American Felix Klein (1849-1925), que publicou, em 1908, um
Educational Research Association. livro seminal, Matemática elementar de um ponto de

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vista avançado. Klein defende uma apresentação nas A pesquisa era menos importante nos objetivos
escolas que se atenha mais a bases psicológicas que do NCTM. Embora a pesquisa em educação matemá-
sistemáticas. Diz que o professor deve, por assim di- tica estivesse crescendo em intensidade, poucos pes-
zer, ser um diplomata, levando em conta o processo quisadores freqüentavam as reuniões anuais do
psíquico do aluno, para poder agarrar seu interesse. NCTM. Havia maior presença de autores de livros
Afirma que o professor só terá sucesso se apresentar didáticos. Alguns autores eram importantes pesqui-
as coisas de uma forma intuitivamente compreensível. sadores em educação matemática, mas suas presen-
A consolidação da educação matemática como ças nessas reuniões tinham outra finalidade. O am-
uma subárea da matemática e da educação, de natu- biente para pesquisadores em educação matemática
reza interdisciplinar, se dá com a fundação, durante o era pouco convidativo, tanto nas reuniões anuais do
Congresso Internacional de Matemáticos, realizado NCTM quanto nas da AMS e da MAA, enquanto as
em Roma, em 1908, da Comissão Internacional de reuniões da AERA ofereciam o ambiente adequado
Instrução Matemática, conhecida pelas siglas IMUK/ para as pesquisas avançadas, que tomavam grande
ICMI, sob liderança de Felix Klein. vulto na época.
O pós-guerra representou uma efervescência da
A criação de grupos especializados nas grandes educação matemática em todo o mundo. Propostas
organizações profissionais de renovação curricular ganharam visibilidade em vá-
rios países da Europa e dos Estados Unidos. Floresce
A partir de muitas reflexões de natureza filosófi- o desenvolvimento curricular. Psicólogos como Jean
ca, a educação ganha novas características no início Piaget, Robert M. Gagné e Jerome Bruner, B. F.
do século XX, marcada pelos movimentos sociais, Skinner dão a base teórica de aprendizagem de su-
pelos novos conhecimentos de psicologia e pelo aper- porte para as propostas. Europeus como Georges Papy,
feiçoamento da análise estatística. Uma intensa pes- Zoltan Dienes e Caleb Gattegno tornaram-se conhe-
quisa em educação começa a se desenvolver. Um re- cidos em todo o mundo. Um dos primeiros projetos a
flexo disso nos Estados Unidos é a fundação, em 1916, ter repercussão internacional nos Estados Unidos foi
da American Educational Research Association o University of Illinois Committee on School
(AERA). Mathematics, criado em 1951 sob a liderança de Max
Após a criação do IMUK/ICMI, no Congresso Bieberman. Em seguida, com grande projeção, foi
Internacional de Matemáticos de 1908, em Roma, criado, em 1958, na Stanford University, o School
começa-se a notar a busca de um espaço adequado Mathematics Study Group (SMSG), sob a liderança
para a educação matemática. de Edward G. Begle. O mesmo se passava com as
Embora a American Mathematical Society (AMS) demais ciências. Um passo decisivo foi um colóquio,
e a Mathematical Association of America (MAA), fun- organizado pela Organização Européia de Coopera-
dadas respectivamente em 1894 e 1915, tivessem al- ção Econômica em Royaumont, em 1959. O mal in-
guma preocupação com o ensino da matemática, as terpretado brado “À bas Euclide”, do prestigioso ma-
preocupações e propostas dos professores de matemá- temático Jean Dieudonné, uma liderança do grupo
tica, principalmente daqueles envolvidos com a educa- Bourbaki, marca o início do movimento que viria a
ção pré-universitária, encontravam pouca repercussão ser identificado como Matemática Moderna.2 O nú-
nessas sociedades. A busca de um espaço adequado
para refletir sobre suas preocupações e interesses, e
para discutir as propostas, levou os professores de 2
Jean Dieudonné, um dos mais importantes matemáticos
matemática a fundarem, em 1920, o National Council do século XX, numa conferência sobre educação matemática (em
of Teachers of Mathematics (NCTM). Royaumont, 1959), usou uma frase de impacto – “Abaixo Euclides” –

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mero de projetos cresceu de tal maneira que foi ne- anuais da AERA. A direção do grupo ficou a cargo de
cessário criar um centro de referência, surgindo as- uma comissão executiva, constituída por James W.
sim o International Clearinghouse on Science and Wilson (presidente), da Stanford University, Kenneth
Mathematics Curricular Development, em 1963, em J. Travers, da University of Illinois at Champaign-
Maryland, sob a direção de J. David Lockard. Em Urbana, e Sandra Vickery, da Syracuse University. O
1969, realizou-se em Lyons, França, o Primeiro Con- SIG/RME passou a atrair então para suas sessões, or-
gresso Internacional de Educação Matemática (ICME ganizadas no âmbito das reuniões anuais da AERA,
1); em 1972 realizou-se o ICME 2, em Exeter, e des- os pesquisadores dessa nova temática.
de então, a cada quatro anos, reúne-se um ICME, com A partir dos anos de 1990, as reuniões anuais do
a presença de pesquisadores em educação matemáti- NCTM tornaram-se enormes, com cerca de 20 mil
ca de todo o mundo e organizado sob a responsabili- participantes. Era, portanto, difícil a inteiração de pes-
dade da Internacional Commission of Mathematics quisadores. Decidiu-se, então, organizar sessões com
Instruction (ICMI), uma das comissões especializa- participação limitada, inicialmente cerca de 50, as
das da International Mathematics Union (IMU). Os chamadas Research Presessions, restrita a pesquisa-
ICMEs têm dois anos de defasagem dos Congressos dores em educação matemática. Pouco depois, AERA
Internacionais de Matemáticos (ICM). e NCTM decidiram unificar as suas reuniões de pes-
O interesse crescente em educação matemática quisadores. Com duração de dois a três dias, as
teve sua repercussão no NCTM. Seu Research Research Presessions, organizadas conjuntamente
Advisory Committee (RAC) propôs, na década de pelo SIG/RME da AERA e pelo RAC do NCTM, têm
1960, uma revista especializada em pesquisa. Fundou- reunido cerca de 300 participantes. Todas as inter-
se, então, o Journal of Research in Mathematics venções são a convite e cobrem as diversas áreas de
Education (JRME), com alguma oposição da lideran- pesquisa em educação matemática. O SIG/RME con-
ça do NCTM. Também se decidiu organizar, prece- ta com cerca de 500 membros.
dendo por um ou dois dias a reunião anual do NCTM, Explicitado este histórico, parece ser possível
uma Research Presession, sob responsabilidade do considerar a Associação Nacional de Pós-Graduação
RAC. Mas a maioria dos pesquisadores em educação e Pesquisa em Educação (ANPEd) e a Sociedade Bra-
matemática dava preferência às reuniões anuais da sileira de Educação Matemática (SBEM) represen-
AERA. O número crescente de educadores matemáti- tando, no Brasil, objetivos respectivamente semelhan-
cos na AERA teve como resultado a criação, por ini- tes aos da AERA e do NCTM, enquanto o GT 19-EM
ciativa de James W. Wilson, então uma das lideranças é o equivalente ao SIG/RME, e o Seminário Interna-
do School Mathematics Study Group, da Stanford cional de Pesquisa em Educação Matemática (SIPEM)
University, de um Special Interest Group (SIG) em o correspondente ao RAC do NCTM.
Research in Mathematics Education (RME), em 1968,
cujas sessões eram realizadas no âmbito das reuniões A criação do Grupo de Trabalho de Educação
Matemática na ANPEd
querendo dar força à proposta de modernização da matemática
escolar, que se fazia e ainda se faz necessária. Essa expressão foi Sonia Barbosa Camargo Igliori
interpretada por muitos como uma sugestão de abolir a geometria
dos programas escolares. Mas a intenção de Dieudonné era outra. A criação de um grupo de trabalho numa asso-
O significado da afirmação é que os métodos de tratar a geometria ciação nacional do porte da ANPEd, que congregue
baseados nos Elementos de Euclides não respondem à evolução pesquisa de uma determinada área de saber, pressu-
da matemática nos 2.300 anos que decorreram desde sua obra (tra- põe, antes de tudo, reconhecimento da área pela aca-
dução nossa). demia. No que tange à área de educação matemática,

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no Brasil, no final da década de 1980 e início de 1990, área de educação matemática e de ensino de ciências,
começava a se formar um círculo vicioso. Por um lado, aqueles que, por convicção, defendiam posição con-
se seu reconhecimento adviria da divulgação das pes- trária à criação do GT. Acreditavam que, ao contrário
quisas, por outro os espaços próprios a essa divulga- do que nosso documento postulava, a sua criação iria
ção restringiam-se quase que a duas revistas – Bolema provocar maior isolamento dos pesquisadores de edu-
e Zétetiké – e aos trabalhos acadêmicos para fins de cação matemática em relação aos da educação. Diziam
titulação. Por todo o país era crescente a organização eles que era mais importante participar dos grupos de
de núcleos de pesquisas em educação matemática nos trabalhos já existentes do que criar um específico de
programas de pós-graduação em educação, além da educação matemática. Os proponentes contra-argu-
consolidação dos programas de pós-graduação espe- mentavam que muitos de nós já havíamos tentado
cíficos em educação matemática, como o da UNESP- enviar trabalhos de pesquisa para a ANPEd e recebí-
Rio Claro e o da PUC-SP. amos como resposta que o trabalho não poderia ser
A Sociedade Brasileira de Educação Matemáti- aceito, mesmo sem a análise de mérito, por falta de
ca (SBEM), a essa época, abrigava em seus encon- condições de análise, uma vez que seu tema não se
tros – fossem regionais, estaduais ou nacionais – mais incluía em nenhum dos grupos de trabalho existen-
resultados de estudos relativos ao ensino de matemá- tes. Apenas o GT de Formação de Professores era
tica, do que, propriamente, de pesquisas acadêmicas receptível aos trabalhos de pesquisa da área de edu-
sobre educação matemática. Ao lado disso, ampliava- cação matemática, quando estes se incluíam na espe-
se o número de doutores na área, muitos com títulos cificidade do primeiro. Ora, as direções de pesquisa
obtidos fora do país. em educação matemática, como sabemos, cobrem um
A importância da ANPEd no cenário nacional, espectro muito maior de temáticas. O trabalho de pro-
aliada à identidade de temáticas de pesquisa, indica ser posição continuou e, na Assembléia Geral dessa reu-
essa associação um espaço bem adequado para a orga- nião, foi aprovada a criação do Grupo de Estudos (GE)
nização dos pesquisadores em educação matemática. em Educação Matemática, com Sonia Igliori na coor-
Assim, em 1997, os professores Benedito Antonio da denação por um período de dois anos.
Silva, Maria Cristina de Souza Albuquerque Maranhão, O GE, criado em fase probatória, diferencia-se do
Sandra Pinto Magina, Saddo Ag Almouloud, Silvia GT. Os autores dos trabalhos aprovados para GT rece-
Dias Alcântara Machado, Sonia Barbosa Camargo bem financiamento para participação, e a seleção des-
Igliori e Tânia Maria Mendonça Campos, da PUC-SP, ses trabalhos é da responsabilidade do Comitê Cientí-
decidem propor à ANPEd a criação de um GT em edu- fico da Associação. Estes dois aspectos poderiam ser
cação matemática. Essa ação exigiu desses professo- um entrave para um grupo que iniciava sua atuação.
res um aprofundamento de suas análises, na medida Mesmo assim, para a 21ª Reunião Anual, em 1998, a
em que os embates entre os sócios e os proponentes quantidade de trabalhos enviados foi significativa, per-
acrescentavam argumentos novos pró e contra a cria- mitindo selecionar o número exigido pela ANPEd. Na
ção do GT. Os corredores do Hotel Glória, em Caxam- qualidade de coordenadora, tive o cuidado de, desde o
bu, Minas Gerais, constituíram-se no habitat dos pro- início, manter para a seleção dos trabalhos as mesmas
fessores da PUC-SP durante os dias em que durou a regras do Comitê Científico da ANPEd, tendo sido
20ª Reunião, na defesa de suas opiniões. Os apoios à selecionados pareceristas ad hoc entre pesquisadores
criação do novo GT vieram desde logo de Maria Tereza de diversas universidades brasileiras.
Carneiro (UFP), Janete Bolite Frant e Mônica Rabelo Para a reunião de 1999 houve um acréscimo con-
(USU/RJ) e de Sérgio Nobre (UNESP/RC). siderável tanto dos trabalhos enviados quanto do pú-
Havia, entre os sócios da ANPEd presentes na blico presente às reuniões do GE. Neste ano, novamente
20ª Reunião, em 1997, especialmente os da própria por ampla maioria dos sócios presentes à Assembléia

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Geral da ANPEd, o GE transformou-se em GT 19 e só faziam aumentar as dificuldades de avaliação com-


passou a reger-se pelas regras da ANPEd. Silvia Dias petente das produções dos docentes e discentes vin-
Alcântara Machado, da PUC/SP, assume a direção até culados àquela modalidade de ensino; a criação pos-
2001, seguida por Luiz Carlos Pais, da UFMS. terior de programas integralmente dedicados aos
O trabalho sobre a produção deste GT, desenvol- estudos e pesquisas de questões implicadas no ensino
vido por Dario Fiorentini (UNICAMP) e apresentado ou na educação matemática só confirmou a necessi-
na 25ª Reunião, indica que este espaço possibilita di- dade de agregar ao comitê de educação pesquisado-
vulgação de parte considerável da produção da pesqui- res especializados no assunto.
sa acadêmica em educação matemática, em âmbito De onde me era dado acompanhar o adensamen-
nacional. No entanto, não há como aquilatar a impor- to dos estudos e pesquisas sobre o ensino ou a educa-
tância que este GT assume como meio de troca entre ção matemática, só poderia ver com bons olhos a cria-
as demais áreas que compõem a ANPEd, e mesmo entre ção junto à ANPEd de um GT dedicado à circulação
as diversas correntes de pensamento que se desenvol- dos resultados daqueles estudos e pesquisas.
vem no interior da própria educação matemática. O iso- Apesar de considerar acertada e oportuna a cria-
lamento de correntes não é desejável. Que a vida do ção do GT de Educação Matemática, não alimentei a
GT 19 seja longa e que nele ocorram debates teóricos ilusão de que, alocando-se em uma associação de pes-
profícuos, único caminho para a pesquisa científica. quisa e pós-graduação em educação, os especialistas
na temática teriam facilidade de intercambiar siste-
Depoimentos maticamente com os membros dos outros GTs os re-
sultados de suas pesquisas, porque se é de todo sabi-
Os depoentes foram escolhidos segundo dois cri- do que os pesquisadores da educação matemática não
térios não exclusivos: função institucional e partici- padecem só das dificuldades decorrentes do seu iso-
pação no GT. Foram consultados, também, alguns lamento no próprio campo da matemática; no campo
pesquisadores em educação matemática que se en- da educação o isolamento não tem sido historicamente
quadrariam numa terceira categoria, a saber, a de não- menor.
participação no GT ou na ANPEd. Dentre esses, ape- Se os prognósticos menos otimistas têm se con-
nas um respondeu à consulta, não desejando emitir firmado, há que se levar em conta, portanto, que as
opinião por falta de conhecimento a respeito do as- dificuldades ultrapassam a esfera específica do GT
sunto. Os depoimentos que seguem estão apresenta- Educação Matemática. Este é um problema que me-
dos seguindo uma certa hierarquia institucional. receria reflexão de toda a Associação, pois de isola-
mento estão padecendo muitos outros GTs, decorrên-
Mirian Jorge Warde cia provável da fragmentação pela qual o campo
Representante da Área de Educação na CAPES educacional está passando, cujos evidentes prejuízos
de 1995 a 1998 deveriam provocar a reflexão de todos os educadores,
quaisquer que sejam suas áreas de especialização.
Durante o primeiro período em que assumi a
função de representante da área de educação junto à Maria Malta Campos
CAPES (1995/1996), eram evidentes as dificuldades Presidente da ANPEd por dois mandatos
enfrentadas quer pelos técnicos quer pelo comitê da
área de ajuizar adequadamente os processos relativos Fui presidente da ANPEd em duas gestões: de
ao ensino de matemática. A existência de áreas de 1995 a 1997 e de 1997 a 1999. No biênio anterior fui
concentração, linhas ou projetos de pesquisas no in- vice-presidente na gestão de Neidson Rodrigues. As-
terior de Programa de Pós-Graduação em Educação sim, posso dizer que acompanhei de perto a consti-

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tuição do grupo de educação matemática que se tor- sembléia de que sua reivindicação era justificada.
naria um GE, e depois um GT da Associação. Houve até correria por parte de alguns para entregar
Durante esses anos, vários outros grupos também os documentos e assinaturas na última hora antes de
reivindicaram a criação de novos GTs, e foi preciso começar a assembléia, para não perder a oportunida-
que a assembléia da ANPEd deliberasse a respeito de de de seu pleito ser contemplado na pauta.
regras para isso, o que não estava previsto anterior- O que posso dizer além disso é que os três GTs
mente. Uma das coisas que se resolveu é que, antes corresponderam plenamente às expectativas de todos,
de se transformar em GT, um grupo deveria organizar- contribuindo para enriquecer as reuniões e ampliando
se e funcionar como grupo de estudos durante um pe- o alcance da ANPEd. O GT de Educação Matemática
ríodo de dois anos, se me lembro bem. Se nesses dois sempre manteve uma imagem de muita seriedade em
anos o grupo demonstrasse que tinha conseguido or- seus trabalhos, fato que era comentado informalmen-
ganizar uma boa programação e apresentar uma pro- te na diretoria: cumpria prazos, mandava o que era
dução significativa em termos de trabalhos e pôsteres, solicitado em tempo, era bem organizado, bem como
e também uma participação relevante nos debates da dava contribuições importantes nas reuniões de coor-
Associação e na interação com outros GT, então a as- denadores de GT.
sembléia deveria apreciar sua transformação em GT, É isso que posso testemunhar após tantos anos,
em igualdade de condições com os demais. esperando que essa trajetória continue interessante e
Segundo o que me lembro, dois outros GEs pas- produtiva para os participantes do GT e para a ANPEd
saram por esse processo nesse período: o de Educa- como um todo.
ção de Jovens e Adultos e o de Psicologia da Educa-
ção. Anteriormente, a mesma coisa tinha ocorrido com Tânia Maria Mendonça Campos
o GT de Movimentos Sociais, mas não me recordo Presidente da SBEM à época da criação do GT
mais se nessa ocasião já existiam essas regras (isso e uma de suas proponentes
pode ser verificado examinando-se as atas das assem-
bléias, que sempre são publicadas nos relatórios das No ano de criação do GT da ANPEd, todos os
reuniões anuais). Programas de Pós-Graduação em Educação Mate-
Esse processo foi bastante discutido na direto- mática e Ensino de Ciências, espaço institucional
ria. Vários de nós tínhamos dúvidas sobre a criação onde as pesquisas da área aconteciam, estavam no
desses novos GTs: Já não havia espaço suficiente nos Comitê da Área de Educação na CAPES. Então, um
GTs existentes para esses temas? Haveria “massa crí- grupo de educadores matemáticos, entre os quais me
tica” suficiente para sustentar esses novos grupos? A incluo, entendeu que a criação de um grupo de estu-
ANPEd teria fôlego e meios para acolher tantos GTs? dos seria muito bem-vindo, uma vez que, enquanto
Outras associações não seriam mais adequadas para área, temos nossas especificidades. Seria mais um
contemplar alguns desses temas? espaço para apresentação e debate das pesquisas rea-
No caso do GE de Educação Matemática, essa lizadas no âmbito da educação matemática. Como
última dúvida era a mais ressaltada. Perguntava-se: presidente da SBEM na época, entendi que o espaço
Por que não ensino de ciências? Por que só matemáti- que se criava era reconhecidamente complementar
ca, e não todos os outros “ensinos de”? Esses temas ao que vínhamos desenvolvendo na Sociedade Bra-
já não estavam sendo discutidos no GT de Didática? sileira de Educação Matemática (SBEM), que já
Lembro-me que houve muita mobilização de contava na ocasião com mais de dez mil sócios (na-
cada um desses três grupos que desejavam ter espaço turalmente, nem todos pesquisadores da educação
próprio na ANPEd para convencer a diretoria e a as- matemática).

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A educação matemática

Célia Maria Carolino Pires ceitual sobre suas maneiras de agir, e há as que fazem
Atual presidente da SBEM referência aos alunos, buscando suas idéias, as difi-
culdades que têm na aprendizagem, a influência do
Considero que a existência do grupo de trabalho meio social, cultural e afetivo sobre a aprendizagem,
sobre educação matemática na ANPEd é altamente o papel dos alunos, das atitudes e das aptidões, das
relevante. interações entre estudantes e entre professores e estu-
Em primeiro lugar, pelo fato de que a educação dantes.
matemática, como área de investigação jovem e em Há ainda as que fazem referência às estratégias e
construção, ainda busca definições mais precisas refe- recursos de ensino, as que debatem a aprendizagem a
rentes ao seu objeto de estudo, a seus campos de in- partir da resolução de problemas e as que se referem
vestigação, a seus métodos, à sua autonomia. O ao marco em que se desenvolve o ensino (contexto),
contacto com outras áreas de investigação desempe- como são a escola, a aula, a oficina, o laboratório, as
nha papel decisivo para a construção dessa identidade. inter-relações aluno –aluno, professor–aluno, profes-
Outro aspecto em favor dessa aproximação é o sor–classe. Estes exemplos, por si sós, revelam a im-
fato de a educação matemática ser uma área de inves- portância do estreitamento de relações entre a mate-
tigação de caráter interdisciplinar. Ela tem como fon- mática e a pedagogia.
tes imediatas principais, além da matemática, dife- Outro argumento em prol da relação está ligado à
rentes campos ligados à educação, como por exemplo formação de professores, em especial num momento
a sociologia, que nos esclarece como se dá a interde- em que se discutem os caminhos dessa formação. A
pendência entre ciência e sociedade e sua influência esse respeito é interessante lembrar Guy Brousseau,
na formação dos indivíduos em uma sociedade de- que afirma que um dos papéis do professor consiste
mocrática; a psicologia, que explicita aspectos do em assumir uma epistemologia; se o professor não tem
desenvolvimento do indivíduo e dos modelos teóri- um bom controle de suas concepções epistemológicas
cos para análise do conhecimento a ensinar, da apren- em relação a diferentes tipos de situação, seus erros
dizagem e dos processos de ensino e aprendizagem terão conseqüências mais graves. Ao mesmo tempo
em que o professor atua como mediador; a pedago- que ensina um saber, o professor recomenda como usá-
gia, que aborda relações entre ensino e aprendizagem lo. Manifesta-se assim uma posição epistemológica
no marco das instituições escolares. que o aluno adota muito mais rapidamente porque a
Há ainda relações essenciais com a lingüística, mensagem permanece implícita, ou ainda inconscien-
para compreender muitos dos problemas conceituais te. Infelizmente, essa posição epistemológica é difícil
próprios das dificuldades de aprendizagem, e com a de ser identificada, assumida e controlada e, por outro
história e a epistemologia da ciência, que explicam a lado, parece desempenhar um papel importante na
gênese, o desenvolvimento e a evolução do conheci- qualidade dos conhecimentos adquiridos.
mento científico e, em particular, da matemática. Des- De nossa parte, acreditamos que as ações de for-
se modo, a participação dos pesquisadores em educa- mação de professores devem avançar no sentido de
ção matemática em eventos ou outras atividades em possibilitar o acesso desses professores a esses estu-
que essas relações possam ser melhor compreendidas dos e pesquisa, bem como envolvê-los em investiga-
é de enorme importância. ções, mesmo que simples, que lhes permitam um olhar
É importante destacar ainda que uma análise das mais crítico e um pensar reflexivo sobre sua prática.
investigações na área de educação matemática mos- Isso significa que é essencial que a educação mate-
tra essas relações: há as que fazem referência ao pen- mática e a educação se mantenham em permanente
samento do professor e à influência de seu marco con- relação.

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Silvia Dias Alcântara Machado ção de duas reuniões, auxiliando na organização de


Coordenadora do GT no período de 1999 a 2001 mesas-redondas e criamos o site do GT 19, que fun-
cionou de 1999 até 2001. Como também coordenar
Desde 1994, quando optamos, os membros do as reuniões dos pareceristas ad hoc para discutir cri-
Programa de Pós-Graduação em Educação Matemáti- térios de avaliação de trabalhos e pôsteres. Nessa
ca da PUC/SP, em direcionar nossas pesquisas para a época, o número de trabalhos enviados para serem
educação matemática, aumentamos a convivência analisados aumentou, ficando o GT dentre os gru-
com essa comunidade. Percebemos então a importân- pos que mais trabalhos recebiam.
cia da ANPEd como foro essencial para discussões
sobre pesquisas em Educação. Já em 1995, João Bosco Luiz Carlos Pais
Pitombeira nos alertava sobre a necessidade de irmos Coordenador do GT no período de 2001 a 2003
à reunião da ANPEd e de nos integrarmos mais à co-
munidade que ali se reunia. Nós, do PEPGEM, come- No período em que contribui na coordenação do
çamos então a freqüentar as reuniões da ANPEd e ti- GT de Educação Matemática da ANPEd, entre 2001
vemos a oportunidade de conversar com colegas e 2003, gostaria de destacar, primeiramente, dois mo-
pesquisadores em educação matemática de outras ins- mentos que considero relevantes para as anotações his-
tituições, que já estavam habituados a enviar trabalhos tóricas do GT e que, de uma certa forma, estão interli-
para a ANPEd. Alguns, como por exemplo Dario gados entre si. Um deles diz respeito à discussão sobre
Fiorentini, diziam que o ideal era nos integrarmos aos as diretrizes nacionais para a formação de professores
grupos de trabalho já existentes, pois tínhamos muito de matemática, e o outro refere-se à discussão sobre a
a trocar com os pesquisadores em educação propria- produção científica apresentada no contexto do pró-
mente dita; outros reclamavam da falta de oportunida- prio GT, desde sua criação até o ano de 2001. A dis-
de de discutir problemas relativos a área de educação cussão sobre as diretrizes foi estimulada pela profes-
matemática com outros pesquisadores de educação. sora Célia Carolino, presidente da Sociedade Brasileira
Além disso, alguns coordenadores de GTs, como o de de Educação Matemática, e a análise da produção cien-
Formação de Professores da época, nos diziam que tífica foi coordenada pelo professor Dario Fiorentini.
seria ótimo criar-se um GT de educação matemática, Segundo minha visão, esses dois eventos revelam algo
pois tinham muita dificuldade em analisar os traba- em comum que pode ser caracterizado como a expan-
lhos de educação matemática que lhes eram enviados. são efetiva da área de pesquisa da educação matemá-
Concluímos, nós do PEPGEM e alguns pesqui- tica, que vem se transformando em um cenário tão
sadores de outras instituições, como Regina Damm, polêmico como é a grande área da educação.
da UFSC, e José Luiz Magalhães, da UFMT, que seria Um terceiro aspecto é necessário ser destacado,
importante criarmos um grupo de estudos em educa- mas infelizmente não tem uma conotação positiva
ção matemática. As razões alegadas para tal criação como os dois anteriores. A partir do ano de 2002, os
foram: criar um lugar dentro da ANPEd para discutir autores de trabalhos aprovados no contexto do GT
as pesquisas em educação matemática e, além disso, passaram a não ter mais garantido o financiamento
participar mais de perto do grupo que decidia as ques- necessário para a efetiva apresentação. Os resultados
tões da educação em geral. Em 1997, liderados por foram imediatos e negativos, como podem sinalizar
Sonia Igliori, coordenadora do PEPGEM, esse grupo os números: quatro dos dez trabalhos previstos na
de professores criou o GE de Educação Matemática. programação do GT do ano de 2002 foram cancela-
Assumi a coordenação após a reunião da ANPEd dos devido à falta de financiamento; além disso, no
de 1999, quando o GE se transformou em GT. Tive- ano de 2003 houve uma redução de cerca de 50% no
mos a responsabilidade de participar da organiza- número de trabalhos propostos para a apresentação

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A educação matemática

no GT; essa redução acompanha, aproximadamente, tê específico criado pela CAPES; e o valor inestimá-
a redução ocorrida em todos os GTs. vel da ANPEd e dos pesquisadores em educação, área
de conhecimento já constituída e reconhecida dentro
Maria Thereza Carneiro da grande área das ciências humanas, na constituição
Participante do GT e apoio à sua criação desde o da educação matemática como área de pesquisa, ao
início concordarem e contribuírem para a formação do GE
e posterior GT 19, principalmente quando solicita-
A proposta de criação do GT 19, prenunciada pe- dos para trabalhos em parceria, mesmo em meio aos
la aprovação da criação do GE Educação Matemáti- debates acalorados de algumas políticas da CAPES
ca, deveu-se, em minha opinião, principalmente: (a) que propunham novas modalidades de mestrado e co-
ao entendimento de membros da SBEM que partici- mitês específicos.
pavam dos encontros da ANPED, entre 1997 e 1998,
da necessidade e possibilidade de se constituir um Sérgio Nobre
fórum específico para discussão das pesquisas em Apoio à criação do GT desde seu início
educação matemática, em reunião anual que se cons-
tituía e se constitui no fórum maior de discussão das O principal ponto gerador para a criação do GT
pesquisas que são desenvolvidas nos programas de 19 foi a existência de programas de pós-graduação em
pós-graduação em educação brasileiros, uma vez que educação matemática no Brasil, vinculados à área de
as pesquisas em educação matemática estavam sendo educação da CAPES, e a participação ativa de mem-
desenvolvidas em programas de pós-graduação vin- bros destes programas nas reuniões anuais da ANPEd.
culados à área de educação; e (b) ao fato de nas reu- Depois de alguns anos participando em diferentes GTs,
niões de coordenadores de programas de pós-gradua- educadores matemáticos sentiram a necessidade de ter
ção vinculados à área de educação, ser opinião um fórum próprio de discussão de assuntos mais es-
consensual, entre os coordenadores que tinham em pecíficos. Isto não significaria o isolamento e a sepa-
seus programas a educação matemática como área ração de outros GTs que também possuíam discussões
única de pesquisa, a importância que teria, na consti- pertinentes a educadores matemáticos em seu fazer
tuição dessa área de conhecimento, a existência de científico, mas sim o fortalecimento de um grupo com
um fórum que privilegiasse a discussão da pesquisa objetivos próprios. Por isso, lançou-se a idéia da cria-
em educação matemática (reivindicação antiga dos ção de um GT específico de educação matemática.
membros da SBM, uma vez que o ENEM não tinha
esse propósito), no interior de reunião reconhecida- Marcelo Borba
mente de pesquisa, como é o caso da ANPEd. Participante ativo da ANPEd e apoio ao GT
Gostaria de registrar dois aspectos que me cha-
maram muito a atenção: a constituição progressiva A maneira como colocas a questão é apropriada.
de uma comunidade de pesquisadores em educação Ou seja, eu estava em dúvida quanto à abertura do GT.
matemática que encontraram anualmente nesse es- Por um lado, via com simpatia os argumentos apre-
paço possibilidades de divulgação e discussão, inclu- sentados pelos proponentes visando à criação de mais
sive com debatedores, de investigações que vinham um espaço para a apresentação de pesquisas em edu-
e vêm sendo desenvolvidas em programas de pós- cação matemática, ainda mais em uma época em que
graduação em educação, com áreas de concentração não tínhamos ainda o SIPEM e quando o EBRAPEM
ou linhas de pesquisa em educação matemática, as- ainda não estava consolidado. Por outro lado, tinha
sim como nos programas especificamente de educa- reservas, já que percebia que havia um movimento
ção matemática, mesmo após a constituição de comi- secreto para a criação do GT que me lembrava uma

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questão política de aumento de espaço de pessoas e de professores e educadores em 1987 com o I ENEM,
instituições. Via isso como uma questão pequena, de depois com a fundação da SBEM em 1988.
forma semelhante ao que aconteceu com a revista da Os ENEM e os encontros regionais cumpriam e
SBEM, que saiu sem revisão do conselho editorial, cumprem seu papel de troca de experiências e divul-
em 2002. Mas a causa principal era uma dúvida cau- gação mas não tinham como vocação específica a
sada por um outro argumento defendido anos antes pesquisa. Os pesquisadores que desejavam participar
em uma reunião de um grupo especial de educação apresentando trabalhos na ANPEd encontravam pro-
matemática e ciências (creio que era esse o nome, blemas similares àqueles que desejavam apresentar
mas não me lembro), na qual, de forma majoritária trabalhos na SBM; isto é, não raro o trabalho era re-
(eu me abstive, pois tinha a mesma dúvida), defendi- cusado por falta de entendimento, por falta de um
am o ponto de que a ANPEd deveria ser o fórum para consultor ad hoc que desse conta do referencial e tema
que a educação matemática se “misturasse” com a utilizado. Observo que existiam e existem interseções
educação através da participação de outros GTs. A com vários GTs da ANPEd (para citar apenas alguns:
criação do GT poderia significar uma separação entre formação de professor, comunicação e tecnologia,
educação e educação matemática. didática, trabalho).
Tal discussão se torna mais relevante num mo- Os três Programas de Pós-Graduação em Educa-
mento em que, às vezes, noto dentro da comunidade ção Matemática que participavam do fórum de coor-
de educação matemática um certo triunfalismo, cor- denadores e de alguns GTs eram representados por
porativismo ou tendência ao auto-isolamento, que cerca de 70 participantes. Como até então não havia
basicamente vê a educação matemática como auto- nenhum movimento da SBEM visando um encontro
suficiente, rejeitando muitas vezes a educação (“pura”) voltado especificamente para pesquisas, achamos que
ou discursos plurais baseados na inter ou multidisci- aquele poderia ser o local mais adequado para tal. Foi
plinaridade. Nos anais do quinto EBRAPEM, PUC/ então constituído o GE de Educação Matemática, que,
SP, pode ser encontrado um texto de minha autoria por apresentar por dois anos consecutivos trabalhos
no qual mostro minhas preocupações neste sentido, de alto nível e congregar um número elevado de par-
embora esteja devendo um artigo maduro, completo, ticipantes, foi transformado em GT.
sobre esta questão. Hoje, a SBEM, atenta à necessidade de um fó-
Hoje, vejo como positiva a criação do GT, ape- rum para os pesquisadores, realiza o II SIPEM, e o
sar da dúvida, no sentido já discutido, continuar. A EBRAPEM já se encontra em seu sétimo ano. No en-
justificativa para minha avaliação é de caráter prag- tanto, cabe observar que o GT da ANPEd é um espa-
mático, ou seja, a existência deste GT está impedindo, ço da maior importância, pois a troca não se limita
agora, contraditoriamente, que haja uma separação aos pares de educação matemática, mas inclui outros
mais radical entre educação matemática e educação. pesquisadores interessados, o que reforça a transdis-
Neste sentido, o GT se tornou um espaço político ciplinaridade que é característica de nossa área.
importante de diálogo entre a educação e a educação
matemática, que, para mim, são vistas como comple- O projeto de disciplinarização da prática social
tamente entrelaçadas. em educação matemática

Janete Bolite Frant Antonio Miguel


Participante ativa do GT desde seu início
Como todos sabemos, o complexo problema do
A educação matemática no Brasil deu um pri- lócus da educação matemática em relação às demais
meiro passo no intuito de agregar uma comunidade disciplinas acadêmicas já constituídas e instituciona-

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A educação matemática

lizadas, tais como a educação, a matemática, a física, mática”. Apesar das divergências, um tal projeto exis-
a psicologia, a antropologia, a lingüística etc., tem te, bem como existem ações concretas empreendidas
sido reiteradamente colocado e debatido pela comu- em diferentes espaços no sentido de viabilizá-lo.
nidade internacional e brasileira de educadores mate- O problema que estamos colocando aqui à nos-
máticos, e se manifesta em todos os espaços nos quais sa reflexão é, portanto, de natureza mais profunda e
a educação matemática, de algum modo, se acha anterior àquele que se manifesta na dúvida: deve-
tematizada: nas universidades; nas escolas; nas so- mos ou não fortalecer o GT de Educação Matemáti-
ciedades científicas; nas associações profissionais; nos ca da ANPEd? É claro que a questão mais profunda
órgãos oficiais nacionais, estaduais e municipais está ligada à natureza dos argumentos explícitos ou
definidores e implementadores de políticas públicas tácitos que se manifestam em favor ou contra esse
relativas à educação e à pesquisa etc. fortalecimento. Achamos que, a princípio, ninguém
O modo talvez mais visível como esse proble- discordaria da afirmação de que um tal GT se cons-
ma se manifesta a nós é através da sensibilidade de titui num espaço a mais para que possamos discutir
que, embora a educação matemática seja uma prática nossas produções acadêmicas e/ou estreitar nossas
social interdisciplinar, e que, por essa razão, estaria relações com os educadores. Mas pensamos não ser
aberta ao diálogo com as demais práticas sociais, dia- esta a razão fundamental que tem levado alguns seg-
logar com os educadores tendo como local de traba- mentos de nossa comunidade a realizar esforços no
lho os institutos de matemática é algo bem diferente sentido de se procurar fortalecê-lo e consolidá-lo.
de dialogar com os matemáticos tendo como local de Acreditamos que a razão fundamental é que a
trabalho as faculdades de educação e, algo ainda mais ANPEd e as reuniões que ela promove são vistas
diferente porque não vivenciamos essa experiência, como um espaço de poder, isto é, como um espaço
dialogar com os educadores e com os matemáticos por onde circulam poderes e onde, constantemente,
tendo como local de trabalho o que poderíamos cha- relações assimétricas de poderes entre grupos são
mar, provisoriamente, institutos de educação mate- configuradas e reconfiguradas. E não há nada de er-
mática. Neste último caso, estamos supondo uma si- rado em vê-las assim. Também nós as vemos assim,
tuação em que a educação matemática tivesse se dado que, como bem sabemos, poderes circulam por
constituído em um campo disciplinar autônomo. Mas todos os espaços institucionais e sociais. Pensamos,
isso, é claro, é apenas uma suposição, uma vez que, então, que a questão mais profunda que a nossa co-
em nosso modo de entender, a educação matemática munidade de educadores matemáticos deveria colo-
é uma prática social que não está ainda nem topolo- car para si mesma seria: em que medida o espaço
gicamente diferenciada das demais no interior do es- criado na ANPEd através deste GT não estaria sen-
paço acadêmico, nem juridicamente estabelecida do utilizado, consciente ou inconscientemente, como
como campo profissional autônomo, nem, portanto, um das formas de se lutar pela viabilização do que
institucionalmente reconhecida como campo disci- estamos aqui denominando de “projeto de discipli-
plinar. Além disso, embora a educação matemática narização da educação matemática” ou, em outras
já tenha construído as suas sociedades científicas, as palavras, de se lutar pelo projeto de constituição de
suas revistas especializadas, os seus congressos es- uma nova categoria profissional, qual seja, a dos
pecíficos e os seus grupos de pesquisa no interior de profissionais da educação matemática, categoria esta
algumas universidades, não existe um consenso, no que manteria uma relação de independência e auto-
interior de nossa própria comunidade, se de fato de- nomia tanto em relação aos profissionais da educa-
veríamos nos engajar coletiva e solidariamente em ção quanto em relação à categoria dos matemáticos
um “projeto de disciplinarização da educação mate- profissionais.

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Antonio Miguel, Antonio Vicente Marafioti Garnica, Sonia Barbosa Camargo Igliori e Ubiratan D’Ambrósio

Antecipamos que não há nada de ruim ou anti- Já a palavra disciplinarização participa do cam-
ético em se acreditar e defender um tal projeto de dis- po semântico da palavra disciplina,3 e esta, por sua
ciplinarização, nem em se utilizar este ou outros es- vez, não será entendida aqui apenas em seu sentido
paços na tentativa de viabilizá-lo. Mas cabe a nós usual de matéria escolar ou acadêmica que participa
mesmos, enquanto comunidade científica, trazê-lo à da formação geral e/ou profissional das pessoas, mas,
luz para uma discussão aberta e democrática no inte- sobretudo, como um campo autônomo de investiga-
rior de nossa própria comunidade. E por ter sido este ção e de formação profissional institucionalmente le-
o modo como entendemos o objeto de discussão des- gitimado, topologicamente diferenciado no interior do
ta mesa, tomamos então a decisão de realizar aqui espaço acadêmico e juridicamente estabelecido como
uma reflexão sobre o que denominamos “O Projeto campo profissional autônomo. Conseqüentemente,
de Disciplinarização da Prática Social em Educação utilizamos a palavra disciplinarização para nos refe-
Matemática”, na esperança de que tal reflexão possa rir ao complexo processo histórico-social de trans-
representar uma contribuição a mais dentre as inú- formação de uma prática social em uma disciplina
meras outras que já foram e têm sido realizadas por acadêmica concebida do modo como acima o fize-
nossos colegas. Mas, antes de desenvolver o próprio mos. Feitos tais esclarecimentos, passamos, então, a
tema, precisamos fazer alguns esclarecimentos acer- considerar o tema que resolvemos trazer à reflexão
ca de duas expressões que aparecem nesse tema: a neste GT, qual seja, o referente ao projeto de discipli-
primeira delas é a expressão “prática social”, e a se- narização da prática social em educação matemática.
gunda, a expressão “disciplinarização”. Antes de mais nada, é claro que não é o mero
Utilizando uma linguagem que todos nós deste desejo de um ou mais membros isolados que partici-
GT compreendemos bem, uma “prática social” será pam e promovem uma prática social (por mais que
aqui entendida como um conjunto de conjuntos com-
posto por quatro elementos: 1) por uma comunidade
humana ou conjunto de pessoas; 2) por um conjunto 3
A palavra disciplina, como nos afirma Chervel (1990), só
de ações realizadas por essas pessoas em um espaço recentemente tem sido objeto de consideração e reflexão mais apro-
e tempo determinados; 3) por um conjunto de finali- fundada: “Demasiado vagas ou demasiado restritas, as definições
dades orientadoras de tais ações; 4) por um conjunto que dela são dadas de fato não estão de acordo a não ser sobre a
de conhecimentos produzidos por tal comunidade. Em necessidade de encobrir o uso banal do termo, o qual não é distin-
relação a essa noção de prática social, ressaltamos guido de seus ‘sinônimos’, como ‘matérias’ ou ‘conteúdos’ de ensi-
pelo menos um aspecto que a caracteriza, qual seja, o no. A disciplina é aquilo que se ensina e ponto final. [...] A história
de que todas as práticas sociais estão em constante da palavra ‘disciplina’ (escolar) e as condições nas quais ela se im-
interação e, nesse processo, todas elas acabam pro- pôs após a Primeira Guerra Mundial colocam contudo em plena luz
duzindo conhecimentos e também se apropriando de a importância deste conceito, e não permitem confundi-lo com os
e ressignificando conhecimentos produzidos por ou- termos vizinhos. No seu uso escolar, o termo ‘disciplina’ e a ex-
tras práticas que lhe são contemporâneas ou não, que pressão ‘disciplina escolar’ não designam, até o fim do século
participam do mesmo espaço geográfico ou não. Sem- XIX, mais do que a vigilância dos estabelecimentos, a repressão
pre que nos referirmos aqui à matemática ou à educa- das condutas prejudiciais à sua boa ordem e aquela parte da edu-
ção, ou ainda à educação matemática, nós as estare- cação dos alunos que contribui para isso. No sentido que nos inte-
mos concebendo como práticas sociais, isto é, como ressa aqui, de ‘conteúdos do ensino’, o termo está ausente de to-
atividades sociais realizadas por um conjunto de in- dos os dicionários do século XIX, e mesmo do Dictionnaire de
divíduos que produzem conhecimentos, e não apenas l’Academie de 1932” (p. 177-178). Estamos concebendo, neste
ao conjunto de conhecimentos produzidos por esses artigo, a noção de disciplina de um modo diferente do apresenta-
indivíduos em suas atividades. do, nesta passagem, por Chervel.

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A educação matemática

tais pessoas gozem de credibilidade e respeitabilidade zada. Segundo, porque pesquisas recentes no âmbito
dentro e fora dessa comunidade) que faria com que da história das ciências têm mostrado, cada vez mais,
um estatuto disciplinar fosse pacificamente concedi- que não teria sido desse modo que teriam ocorrido os
do a essa prática social. Além disso, se todas as práti- diferentes processos históricos de disciplinarização.
cas sociais comportam uma atividade investigativa, Fourez (1995), por exemplo, argumenta que os pro-
uma comunidade de investigadores e um conjunto de cessos de disciplinarização não poderiam ser explica-
conhecimentos produzidos, mas apenas algumas de- dos através de “lógica” predeterminada e previsível:
las chegaram a ser disciplinarizadas, então não é a
mera existência de uma comunidade de investigado- [...] a evolução das disciplinas científicas não corresponde
res, de uma atividade investigativa e de um conjunto a uma lógica da história predeterminada e previsível. Deve-
de conhecimentos que constitui o fator explicativo se mais a uma verdadeira história na qual o novo é possí-
principal de disciplinarização de uma prática social. vel, assim como bifurcações imprevisíveis, o todo condi-
Uma vez afastadas essas hipóteses, acrescenta- cionado por um conjunto de condições sociais, econômi-
mos que o processo de disciplinarização de uma cas, culturais, etc., mas não inteiramente determinado por
prática social não poderia também ser explicado com elas. [...] Assim, a informática não aguardava em uma es-
base na hipótese da existência de um poder intrínseco pécie de mundo das idéias para ser “descoberta” pelos cien-
e exclusivo da comunidade acadêmica, vista, supos- tistas do século XX. É provavelmente mais adequado dizer
tamente, como portadora de critérios epistemológi- que uma série de pessoas forjaram para si mesmas, em
cos fixos, justos e bem definidos para outorgar o es- meados do século XX, representações de fenômenos de co-
tatuto disciplinar a uma determinada prática social. municações e de informações que se tornaram tecnologias
Em vez dessas hipóteses, iremos aqui defender o extremamente eficazes. Essas pessoas formaram uma co-
ponto de vista de que o processo de disciplinarização munidade de especialistas que se autodenominou “infor-
de uma prática social só é explicável com base no mática”. Os fenômenos informáticos são então finalmente
potencial de sintonização dos propósitos e dos conhe- definidos como aquilo de que se ocupam os especialistas
cimentos produzidos no interior dessa prática com a em informática. (p. 111)
viabilização dos propósitos subjacentes ao projeto
político, social, econômico e cultural de grupos so- Para o fim que temos aqui em vista, seria preci-
ciais com capacidade concreta de influir sobre a ges- so, porém, ir além dessa conclusão genérica e tentar
tão político-administrativa da vida de uma nação. buscar apoio em estudos de caso concretos de disci-
Entretanto, tendo em vista a explicação recor- plinarização suficientemente específicos e pertinen-
rente – mas, a meu ver, incompleta – de que o maior tes à nossa reflexão particular.
foco de resistência ao projeto de disciplinarização da Antes disso, entretanto, precisamos dar mais um
educação matemática estaria situado no interior do passo em nossa reflexão, afirmando que toda prática
próprio meio acadêmico, ou, mais particularmente, social comporta uma atividade educativa em seu inte-
entre os matemáticos profissionais e os profissionais rior, ainda que tal atividade possa ocorrer de forma
da educação, é natural darmos continuidade à nossa difusa e até mesmo inconsciente. Se assim não fosse,
reflexão introduzindo os campos disciplinares da ma- isto é, se a própria comunidade promotora de uma
temática e da educação como principais interlocuto- prática social não se preocupasse, de algum modo, em
res. Mas essa interlocução será mais histórica do que assegurar as condições de produção e reprodução dos
epistemológica. Primeiro, porque não acreditamos que conhecimentos gerados em seu interior, então tal
seja a configuração epistemológica clara e criteriosa prática tenderia a desaparecer. Isso significa que a pro-
de uma prática social o fator decisivo que a levaria dução de conhecimentos educacionais ocorre em to-
inevitavelmente a tornar-se uma prática disciplinari- das as práticas sociais e, portanto, também no interior

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Antonio Miguel, Antonio Vicente Marafioti Garnica, Sonia Barbosa Camargo Igliori e Ubiratan D’Ambrósio

da própria prática social de investigação em matemáti- educadores matemáticos também realizam atividade
ca, ainda que, na maioria das vezes, de forma não- matemática e também produzem conhecimento ma-
intencional e pouco valorizada pelos integrantes des- temático, ainda que não seja essa a dimensão inten-
sa prática. Esse pressuposto nos desautoriza a dizer cional, consciente e predominante de sua atividade.
coisas do tipo: “os matemáticos investigam e produ- Podemos dizer, então, que além de um conheci-
zem conhecimento matemático, ao passo que o edu- mento intencionalmente produzido e absolutamente
cador matemático, por não possuir um objeto próprio necessário para uma prática social se constituir e so-
e autônomo de investigação, nada produz, apenas di- breviver, seus promotores acabam também produzindo
vulga o conhecimento matemático já produzido”. outros conhecimentos que, embora não sejam vistos
As investigações mais recentes no terreno da his- como tão importantes quanto aqueles intencionalmen-
tória da educação matemática começam a se dar con- te produzidos, são também absolutamente necessários
ta desse pressuposto metodológico fundamental. De para que essas práticas se constituam e sobrevivam. E
fato, Schubring (2001) defende o ponto de vista de daí, resguardadas as diferenças, um matemático pro-
que as pesquisas no terreno da história da educação fissional não é um não-educador matemático, do mes-
matemática deveriam evitar qualquer separação en- mo modo que um educador matemático não é um não-
tre produção e reprodução do conhecimento. Isso sig- matemático profissional.
nifica, em outras palavras, que o pesquisador, em suas Este nosso ponto de vista é reforçado por Bruno
investigações, deveria evitar trabalhar, implícita ou Belhoste (1998) quando afirma que ainda que os ma-
explicitamente, com o pressuposto maniqueísta que temáticos, em sua grande maioria, sejam hoje profes-
associa produção com invenção e ensino com socia- sores, dado que suas atividades se realizam dentro de
lização, divulgação ou recepção passiva do conheci- um quadro universitário ou escolar, e ainda que para
mento. É importante que se evite um tal pressuposto a opinião pública a matemática seja vista, antes de
porque ele nos leva, inelutavelmente, ao estabeleci- tudo, como uma disciplina de ensino, não é desse
mento inadmissível de uma hierarquia entre inven- modo que os próprios matemáticos se vêem. Para eles,
ção e transmissão, e nos leva, em seguida, a ver a a atividade de pesquisa constitui o elemento definidor
pesquisa como uma atividade nobre, original e indis- de sua identidade profissional, e ensinar matemática
pensável, e o ensino como uma atividade secundária não é uma atividade vista como suficiente para ser
cujo exercício não requereria o mesmo grau de talen- matemático; para isso seria preciso, ainda e sobretu-
to, imaginação e formação que aquele requerido pela do, produzir resultados matemáticos.
atividade de pesquisa. Entretanto, continua Belhoste, essa representa-
Mas, por outro lado, devemos admitir que a ati- ção que o próprio matemático tem da sua identidade
vidade matemática também não se realiza ou se ma- profissional é bastante recente, remontando ao final
nifesta em uma única prática social, qual seja, aquela do século XIX; e quando se considera o estatuto de
na qual seus promotores se colocariam consciente- matemático não uma categoria aistórica, mas como
mente, a si próprios, a tarefa de produzir conhecimen- uma construção social, nada nos autorizaria a dizer
tos matemáticos. Isso implica que os chamados ma- que Descartes teria sido um matemático, ao invés de
temáticos profissionais – pelo fato de serem também filósofo, enquanto o professor de matemática de
professores, mas não exclusivamente por essa razão – Galois, no liceu, não teria sido um matemático, uma
realizam uma atividade educacional, bem como pro- vez que foi principalmente por meio da atividade de
duzem conhecimentos educacionais, ainda que não ensinar matemática que a própria atividade matemá-
seja essa a dimensão intencional, consciente e predo- tica se profissionalizou na Europa, dando origem ao
minante de sua atividade. Mas implica ainda que os matemático profissional de nossos dias.

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A educação matemática

Desse modo, mesmo sendo hoje a disciplinariza- do aqui uma passagem do artigo denominado “Da
ção da matemática um fato consumado, as comunida- bossa das matemáticas à educação matemática: de-
des de matemáticos e de educadores matemáticos não fendendo uma jurisdição profissional”, escrito por
deveriam ser vistas como duas comunidades radical- André Luis Mattedi Dias (2002).
mente distintas, isto é, que não compartilhassem pelo Nessa passagem, Dias afirma que, embora no
menos alguns objetivos. Isso porque, em nosso país, e Brasil do século XIX o magistério já fosse conside-
mesmo no plano internacional, são raras as institui- rado uma profissão liberal, ao lado da medicina e da
ções exclusivamente dedicadas à pesquisa matemáti- advocacia, os profissionais que lecionavam as diver-
ca, e mesmo nelas algum tipo de atividade educativa, sas disciplinas escolares – em qualquer nível – eram
ainda que não sistemática, acaba se efetivando. os médicos, os engenheiros, os advogados ou os pa-
Dando mais um passo em nossa reflexão, pensa- dres. Além disso, não era exigido de tais profissio-
mos que esse ponto de vista relativo à inconveniência nais nenhuma preparação especial ou qualquer tipo
histórica de se conceber as comunidades de matemá- de credenciamento educacional, além da própria for-
ticos e de educadores matemáticos como incomensu- mação científica obtida nas suas escolas e faculdades.
ráveis e radicalmente separadas deveria também ser Os professores de matemática – de qualquer nível –
estendido, agora, às comunidades de educadores e de eram normalmente os engenheiros. Mas a matemáti-
educadores matemáticos. Isso porque, por um lado, o ca e o ensino não eram considerados conhecimentos
desconhecimento da constituição da identidade pro- ou ocupações estranhas à engenharia ou às ativida-
fissional do matemático e do educador matemático des do engenheiro. A partir de meados do século XX,
na história tem gerado, na atualidade, muitas contro- com a implantação das universidades, a diversifica-
vérsias e pontos de vista maniqueístas e inflexíveis ção dos cursos de nível superior e a reestruturação
entre matemáticos e educadores matemáticos; por da economia nacional, os engenheiros passaram a
outro lado, controvérsias e inflexibilidades semelhan- sofrer a concorrência de outros especialistas de nível
tes, mas de natureza distinta, também acabaram se superior, como economistas e administradores. Algo
manifestando entre as comunidades de educadores e semelhante também ocorreu depois da implantação
de educadores matemáticos. dos cursos de formação de professores de matemáti-
Mas as controvérsias com as quais a comunida- ca e de física nas faculdades de filosofia, cujos egres-
de de matemáticos e de educadores matemáticos bra- sos passaram a concorrer com os engenheiros na dis-
sileiros se defrontaram, nem sempre envolveram as puta pelas vagas do ensino secundário. Nessa disputa,
mesmas comunidades de resistência da atualidade, e Dias destaca a figura do educador baiano Isaías Alves
nem sempre eles estiveram em lados opostos. Embo- de Almeida (1888-1968), pelo fato de, já em 1909,
ra os estudos referentes aos processos de disciplinari- ter iniciado um movimento em torno da necessidade
zação da matemática e da educação matemática e de de profissionalização do professorado secundário, com
profissionalização do matemático e do educador ma- base na tese de que os professores licenciados deve-
temático em nosso país apenas tenham se iniciado,4 riam ter, para o exercício de sua profissão, privilé-
vamos dar continuidade à nossa reflexão consideran- gios análogos aos de outras categorias profissionais;
que tivessem uma “educação técnica” especializada,
4
A única investigação acadêmica concluída até o momen- ministrada numa instituição específica, que lhes pro-
to, de que tenho ciência, referente a essa temática, é a tese de dou- piciasse a formação de uma “consciência profissio-
torado defendida na USP, em 2002, por André Luis Mattedi Dias, nal”. Essas idéias tiveram tal repercussão na Bahia
professor da Universidade Estadual de Feira de Santana, BA, de- que, no final dos anos de 1940, chegou a ser consti-
nominada Engenheiros, mulheres, matemáticos: interesses e dispu- tuída uma associação para a defesa do monopólio do
tas na profissionalização da matemática na Bahia (1896-1968). ensino secundário para os licenciados.

Revista Brasileira de Educação 85


Antonio Miguel, Antonio Vicente Marafioti Garnica, Sonia Barbosa Camargo Igliori e Ubiratan D’Ambrósio

Nessa proposta, Dias vê alguns dos elementos aqui realizando, pelo fato de pôr em evidência o pon-
característicos do processo de institucionalização de to de vista – que compartilho – de que, mais importan-
uma nova profissão, ainda que a rigor não se tratasse te do que definir condições ou critérios epistemológi-
de uma nova profissão, uma vez que o ensino secun- cos e etapas ou fatores prévios e rígidos que estariam
dário da matemática já se inseria, de uma forma ou de na base de todo e qualquer processo de profissionali-
outra, dentro dos limites da engenharia. O que na ver- zação e de disciplinarização, seria “investigar as for-
dade ocorria, segundo o autor, era uma tentativa de mas pelas quais as profissões se institucionalizam his-
redefinição e reorganização do ensino da matemáti- toricamente e pelas quais contribuem para as estruturas
ca, com o surgimento de novas instituições profissio- de desigualdades sociais, desvendando os mecanis-
nais específicas, de uma associação de professores mos pelos quais os profissionais se apropriam de van-
licenciados e de uma faculdade para formação espe- tagens materiais e simbólicas” (Diniz apud Dias, 2002,
cializada de professores, com a realização de uma série p. 193).
de eventos profissionais que mobilizaram especialis- Mas é claro que, subjacente a tal conclusão, existe
tas em debates, levando a pesquisas, a publicações e uma concepção de profissionalização que também
ao intercâmbio, que resultaram nas tentativas de va- compartilho com Dias. De acordo com essa concep-
lorização e reconhecimento de um novo tipo de pro- ção, a profissionalização é vista como um processo
fissional do ensino, dominando novos conhecimen- de legitimação social e de legalização política de
tos matemáticos e pedagógicos, proclamando novos monopólios de práticas intelectuais, racionais e téc-
valores éticos, seguindo novos métodos etc. É claro, nicas por parte de certos grupos corporativos, para o
porém, que tal movimento não poderia ter deixado de que é de fundamental importância a consideração dos
gerar o que Dias denomina “conflitos jurisdicionais”. processos de formação das jurisdições profissionais,
Na Bahia, por exemplo, os catedráticos de matemáti- isto é, a história das lutas pelo controle de um corpo
ca da Faculdade de Filosofia e da Escola Politécnica de conhecimentos e de suas aplicações, e pela autori-
reagiram negativamente às tentativas de renovação dade para definir sua natureza. Tal luta pela hegemo-
da prática matemática ou, em outras palavras, reagi- nia numa área de conhecimento e atuação pode gerar
ram negativamente a esse projeto de redefinição e competições interprofissionais, disputas e conflitos
reestruturação da profissão matemática, uma vez que entre grupos que tentam impor os seus modelos, os
tal projeto previa o intercâmbio com outros centros seus padrões, os seus valores contra os demais, com o
matemáticos, a importação de matemáticos estrangei- objetivo de obter reconhecimento social e poder polí-
ros, a renovação dos programas de ensino etc. Inter- tico (Dias, 2002).
pretando tal episódio, Dias conclui dizendo que o que Entretanto, voltando aos nossos dias, pensamos
estava em jogo era, na realidade, o poder acadêmico que, no processo de viabilização do projeto de discipli-
e o prestígio profissional, a autoridade para nomear narização da educação matemática, não seria suficien-
os novos professores para os cargos vagos, a legiti- te, e talvez nem necessária, a superação de controvér-
midade para definir qual a matemática que seria ensi- sias, inflexibilidades e divergências geradas no campo
nada nas escolas secundárias e nos cursos superiores. do difícil e complexo diálogo que se vem estabelecen-
Enfim, o que estava realmente em jogo era saber quem do entre as comunidades de matemáticos, educadores
deteria o monopólio na área de conhecimento: os ve- matemáticos e educadores, uma vez que tal superação,
lhos engenheiros catedráticos e seus sucessores, ou mesmo que viesse a ocorrer, não asseguraria, por si só,
as jovens professoras de matemática e seus aliados? que a reivindicação de disciplinarização da educação
(Dias, 2002). matemática viesse a ser contemplada. Vamos ilustrar
Essa passagem do artigo de Dias mostra-se par- esse ponto de vista considerando, inicialmente, o pro-
ticularmente importante para a discussão que estamos cesso de disciplinarização da educação.

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A educação matemática

A rigor, embora as preocupações, reflexões e prá- detinham, constituía um mal necessário, uma vez que
ticas relativas à educação sejam quase tão antigas o não atendimento dessa reivindicação poderia, por
quanto o surgimento das primeiras sociedades huma- outro lado, pôr em risco a viabilização do projeto po-
nas, a própria disciplinarização da educação, isto é, o lítico modernizador e desenvolvimentista que tais gru-
seu reconhecimento acadêmico como campo autôno- pos intencionavam, naquele momento, impor a toda a
mo de pesquisa e de formação profissional, é relati- nação. Se tivermos presente o fato de que essa comu-
vamente recente. Em nosso país isso só viria a ocor- nidade de educadores congregava em seu interior,
rer no ano de 1968, por força da lei nº 5.540, com a como ainda congrega, pessoas e grupos com interes-
criação das chamadas faculdades de educação, as quais ses diversificados, defendendo projetos e pontos de
passariam a responsabilizar-se pela gestão dos cha- vista políticos e epistemológicos muitas vezes dife-
mados cursos de pedagogia e pela formação, em ní- rentes e até mesmo conflitantes e antagônicos, não é
vel superior, de um novo tipo de profissional: o peda- difícil concluir que a conquista da disciplinarização
gogo. Mesmo que em nosso país não tenha existido – da educação não pode ser explicada com base na tese
e ainda não exista – a exigência legal de que todos os de que, para tal, a comunidade de educadores teve
profissionais que atuam no terreno da educação te- que construir um consenso epistemológico ou políti-
nham realizado e concluído o curso de pedagogia, co através da pacificação e da conciliação de interes-
pode-se afirmar que tais cursos, juntamente com os ses diversificados que imperavam no campo da pró-
mais antigos e hoje já extintos cursos normais, cons- pria prática social da educação e/ou no campo de
tituíram os primeiros núcleos de reflexão e investiga- diálogo estabelecido por essa prática social com ou-
ção independentes acerca da prática social educativa. tras comunidades científico-culturais ou acadêmico-
Foi com base nesses núcleos que se constituiu a co- científicas.
munidade de educadores brasileiros, a qual, mais tar- Vamos nos voltar, agora, para o caso particular
de, isto é, na década de 1970, com o surgimento dos da disciplinarização da matemática. São bastante re-
primeiros cursos de pós-graduação em nosso país, centes, e ainda insuficientes, as investigações sobre a
veria ser contemplada a sua reivindicação de reco- história da matemática e da educação matemática que
nhecimento acadêmico da educação como uma disci- procuram pôr em relevo o papel central e condiciona-
plina comportando um estatuto epistemológico pró- dor desempenhado pelo contexto da educação mate-
prio e autônomo, e, conseqüentemente, como uma mática sobre o processo de disciplinarização da pró-
prática social autônoma de pesquisa ao lado de sua já pria matemática. Nas investigações que vem realizando
antiga função social de ação pedagógica. com base nesse pressuposto, Belhoste (1998), ao ten-
Mas essa disciplinarização e o conseqüente re- tar localizar na história cultural do Ocidente o mo-
conhecimento acadêmico da comunidade brasileira mento do surgimento da primeira comunidade de edu-
dos profissionais da educação não teria ocorrido sem cadores matemáticos, afirma que ela teria começado
que, paralelamente à luta desenvolvida por essa co- a se constituir durante o século XIV, notadamente na
munidade no intuito de se concretizar o seu projeto Itália, na França e na Alemanha. Os primeiros repre-
político, não tivesse também se constituído – entre os sentantes dessa comunidade teriam sido, na opinião
grupos sociais que naquele momento histórico deti- desse autor, os chamados “mestres do ábaco”, que
nham o poder político e econômico e se apresenta- organizaram as primeiras escolas, principalmente em
vam como os definidores dos destinos políticos da Florença e em outras vilas italianas, com o objetivo de
sociedade brasileira – a consciência de que a contem- ensinar aritmética comercial aos comerciantes. Mas
plação de uma tal reivindicação, embora pudesse re- uma demanda mais expressiva por formação mate-
presentar, a longo prazo, uma ameaça ao poder que mática teria ocorrido durante o século XVI em fun-

Revista Brasileira de Educação 87


Antonio Miguel, Antonio Vicente Marafioti Garnica, Sonia Barbosa Camargo Igliori e Ubiratan D’Ambrósio

ção do surgimento de novas técnicas militares, sobre- fessores de matemática. Tais professores coroam, no
tudo as da artilharia, da fortificação e da cartografia. século XIX, um corpo funcionarizado de professores
Tais tipos de necessidades é que teriam levado à cria- de matemática que ensinam nos liceus.
ção de cadeiras de matemática nas universidades e Como se vê, são inicialmente as “razões dos co-
colégios. O período compreendido entre 1770 e 1820, merciantes”, e posteriormente as “razões de Estado”,
segundo Belhoste, foi particularmente expressivo para as “razões de última instância” invocadas por Belhoste
a emergência do matemático professor, uma vez que para explicar tanto a constituição de uma comunida-
nesse momento histórico, primeiramente na França e de inicialmente indissociada e indiferenciada de ma-
depois por toda a Europa, o matemático teria passado temáticos e educadores matemáticos como o proces-
a adquirir o estatuto de profissional e a pesquisa ma- so de institucionalização e disciplinarização da prática
temática teria se implantado nas instituições de ensi- social em matemática.
no. Também em Portugal, o processo de disciplina-
Mas são particularmente interessantes e sugesti- rização da matemática, como nos afirma Silva (1999),
vas, para a tese que temos procurado defender, as duas não poderia ser entendido fora do quadro da ampla
razões levantadas por Belhoste (1998) para explicar reforma político-mercantilista da sociedade portugue-
essas conquistas fundamentais para a institucionali- sa, que antecipa a concepção francesa de escolas es-
zação e disciplinarização da matemática, ou melhor, pecializadas, após 1793. Através dos Estatutos Pom-
para explicar as concessões feitas aos matemáticos e balinos relativos à reforma da Universidade de Coimbra,
à matemática. A primeira delas é que essa disciplina- cria-se a profissão de matemático, os quais “seriam
rização esteve intimamente conectada com o interes- destinados não só ao ensino, como também poderiam
se revelado por grande parte dos Estados europeus, a servir na Marinha e Engenharia, sem exames prévi-
partir do final do século XVIII, pela formação de es- os, e ainda poderiam ocupar cargos nos ofícios de
pecialistas, notadamente de especialistas militares; Arquitetura e no ofício de medidores dos Conselhos,
dado que a matemática constituía o núcleo fundamen- em todo o Reino e domínios” (Silva, 1999, p. 23).
tal dessa formação, ela passa também a ser vista como Voltemo-nos, finalmente, à questão central que
uma disciplina por excelência, e os professores de motivou essa inserção histórica, qual seja, a das con-
matemática se tornam assim, pouco a pouco, integra- dições de viabilização do projeto de disciplinariza-
dos no sistema de formação de elites administrativas. ção da prática social em educação matemática. As
A segunda razão apresentada por Belhoste está liga- discussões que temos presenciado mais recentemen-
da à crise do modelo humanista de cultura escolar te acerca da revisão dos cursos de licenciatura em
que vigorava desde o século XVI, crise esta que viria nosso país tendem a reproduzir as mesmas dúvidas e
a favorecer a introdução da matemática como elemen- receios em torno da conveniência ou não de agluti-
to fundamental da formação intelectual e moral no narmos esforços no sentido da viabilização do proje-
ensino de nível secundário. Isso criava, é claro, a ne- to de disciplinarização da educação matemática, isto
cessidade de um corpo de professores aos quais o é, tendem a reproduzir as mesmas dúvidas e receios
Estado deveria assegurar a formação e o enquadra- em relação à conveniência ou não de fortalecermos o
mento. Na França, por exemplo, os examinadores que GT Educação Matemática na ANPEd. Em ambos os
interrogavam os candidatos à administração nos cor- casos, as controvérsias nos têm mostrado a diversida-
pos de artilharia e da marinha militar eram, no século de de interesses dos diferentes segmentos envolvidos
XVIII, matemáticos membros da Academia de Ciên- e a natureza muitas vezes acirrada e corporativa de
cias. Em função dos exames, cursos preparatórios são certos segmentos acadêmicos e não-acadêmicos que
criados nos colégios de elite, abrindo carreiras a pro- se sentem ameaçados pela provável perda de espaços

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A educação matemática

e de poder de influência na tomada de decisões no nuação, e até mesmo de dissolução da disciplinariza-


interior das instituições nas quais desenvolvem suas ção fechada no que respeita à formação do professor e
atividades, e também em outros espaços institucio- mesmo do pesquisador, esses supostos profissionais
nais. E, em ambos os casos, essa controvérsia envol- da educação matemática teriam o desejo e a compe-
ve mais diretamente três comunidades assimétricas tência política de constituir e de lutar por um projeto
relativamente às possibilidades de exercício de po- político-epistemológico de disciplinarização da edu-
der, de tomada de decisões e de capacidade de in- cação matemática? Em outras palavras, teriam, neste
fluência nas diversas instâncias, acadêmicas ou não: momento, esses supostos profissionais da educação
as já academicamente instaladas e relativamente ho- matemática, o desejo e a competência política de lutar
mogêneas comunidades dos chamados matemáticos pela independência de sua profissionalização em rela-
profissionais e dos educadores profissionais, e a co- ção aos profissionais da matemática e da educação,
munidade emergente dos educadores matemáticos. isto é, de serem algo diferente de educadores em ma-
Esta última, eclética e heterogeneamente composta temática ou de matemáticos educadores?
por: professores de matemática que não pesquisam É claro que cabe a cada um de nós debater e en-
suas práticas e que não vêem com bons olhos os pes- frentar tais questões. Pessoalmente, confesso que não
quisadores acadêmicos em educação matemática; me sinto inclinado a participar de um projeto de dis-
pesquisadores acadêmicos em matemática e em edu- ciplinarização dessa natureza. Mesmo porque sem-
cação que participam da formação desses professores, pre acreditei que fazer educação matemática é, antes
mas que não gostam muito de fazer isso e, se pudes- de mais nada, fazer educação, e que é a partir desse
sem, não o fariam; de matemáticos que não pesquisam locus, portanto, que deveríamos estabelecer um diá-
nem matemática e nem educação, mas que formam, a logo aberto com todas as áreas de conhecimento que
gosto ou a contragosto, professores de matemática; possam contribuir para a construção e abordagem de
pesquisadores matemáticos que gostariam de fazer nossos objetos de investigação. Entretanto, mesmo que
educação matemática, mas que se acham impedidos um desejo de disciplinarização venha a se mostrar im-
de fazer o que desejariam fazer; pedagogos e psicólo- perioso e majoritário entre nós, penso que não seria
gos, por alguns considerados matematicamente incul- esse mero desejo, ainda que associado a ações con-
tos, mas que realizam pesquisas em educação mate- cretas no sentido de viabilizá-lo, que asseguraria, por
mática; matemáticos conteudistas de última hora, si só, a conquista de uma tal reivindicação. Restaria
moralizadores, arrogantes e inflexíveis, que se ima- ainda saber se um tal projeto político-epistemológico
ginam salvadores da pátria e legítimos proprietários associado a esse desejo poderia exercer um real im-
e defensores do nível e do rigor da educação matemá- pacto no fortalecimento e concretização dos interes-
tica da população; mas também por professores de ses subjacentes aos projetos políticos dos diferentes
matemática, pesquisadores em matemática, pesqui- grupos sociais que, em nosso país, hoje, conquista-
sadores em educação matemática e outros profissio- ram o poder de influenciar e tomar decisões não ape-
nais que fazem e acreditam na educação matemática nas no interior do espaço acadêmico, mas sobretudo
e tentam, de fato, levar a sério o que fazem. ao nível da definição de políticas públicas nos terre-
Poderíamos, a rigor, incluir todos esses profis- nos da pesquisa, da educação, da ciência e da tecno-
sionais na categoria inexistente do que alguns andam logia, bem como no da esfera político-econômica mais
denominando de profissionais da educação matemáti- ampla. Reafirmo, uma vez mais, com Fourez (1995),
ca? Neste momento em que uma considerável parcela que “a evolução das disciplinas científicas não cor-
da comunidade mais ampla dos profissionais da edu- responde a uma lógica predeterminada e previsível
cação vem colocando e defendendo um projeto de ate- da história” (p. 111).

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Antonio Miguel, Antonio Vicente Marafioti Garnica, Sonia Barbosa Camargo Igliori e Ubiratan D’Ambrósio

O si-mesmo e o outro: um ensaio sobre nessa educação matemática, têm deixado portas aber-
educação matemática a partir dos trabalhos tas para outras direções. Além disso, Lagemann foca
sobre formação de professores apenas o contexto americano, não permitindo ao lei-
tor conhecer outras trajetórias de pesquisa em educa-
Antonio Vicente Marafioti Garnica ção.
O review de Kilpatrick motiva-nos a pensar a edu-
Num review do livro de Ellen Langemann publi- cação matemática brasileira não apenas com a inten-
cado em 2000, Jeremy Kilpatrick (2001) aponta o que ção de responder às críticas de Langemann acerca de
autores julgam ser uma característica que a educação sua constituição em relação à ciência da educação con-
matemática compartilha com a ciência da educação: cebida como domínio mais geral (o que, em si, já é
“research in Mathematics Education [is] a field in concepção que merece aprofundamento), mas no in-
disarray, a field whose high hopes for a science of tuito de considerar, sob alguns pontos de vista, a tra-
education have been overwhelmed by complexity and jetória das investigações nacionais e seus pontos de
drowned in a sea of competing theories” (p. 223).5 dispersão ou convergência, fadiga, vitalidade ou es-
Langemann, por sua vez, focando a ciência da educa- trangulamento. Um olhar nessa perspectiva é, sem
ção como um campo mais geral, afirma: “The variety dúvida, um olhar ousado demais a um único pesqui-
that has characterized educational scholarship from sador, por mais legítima que seja sua iniciativa. Do
the first, combined with the field’s failure to develop meu locus, julgo possível – ainda que lacunar e pro-
a strong, self regulating professional community, has visoriamente – lançar o olhar sobre certos aspectos
meant that the field has never developed a high degree da produção nacional sobre a formação do professor
of internal coherence” (Langemann, 2000, p. IX).6 A de matemática, uma seara extremamente cara à edu-
natureza desses “desarranjos” a autora vai buscar na cação matemática (chegando a confundir-se com ela,
desvalorização do ensino (que, segundo ela, nos Es- segundo alguns autores – entre os quais o próprio
tados Unidos, ocorre principalmente pela crescente Kilpatrick).
feminização do exercício do magistério, que faz sur- Nesse caso específico, julgo que a variedade de
gir uma burocracia sexista) e na disputa, ocorrida no procedimentos metodológicos que vêm caracterizan-
campo acadêmico, entre as concepções fundadas em do essa produção específica é bastante salutar, estando
Thorndike e Dewey. Ao trazer a discussão para a edu- bem distante de caracterizar-se como ausência de coe-
cação matemática dos nossos dias, uma das falhas do rência interna: essa convivência entre várias aborda-
discurso de Langemann, também apontadas por gens parece ser reflexo da pluralidade de perspectivas
Kilpatrick, é valorizar demasiadamente algumas ten- com as quais, na prática, nos deparamos. Penso que
dências, omitindo, em contrapartida, domínios que, essa multiplicidade de enfoques metodológicos per-
mite compreender a gama de concepções que atraves-
sam tanto o discurso educacional quanto as práticas
5
“A pesquisa em educação matemática é um campo con- usadas para aplicá-lo ou pensá-lo (também porque é
fuso, um campo cuja esperança de estar dentre as ciências da edu- essencial trabalharmos pela concepção de uma educa-
cação tem sido subjugada pela complexidade, naufragando num ção matemática que não desvincule prática e teoria).
mar de teorias que competem entre si” (tradução nossa). Exatamente por conta dessa necessidade de vincula-
6
“A variedade que tem caracterizado a pesquisa em edu- ção, a variedade de enfoques metodológicos é bem-
cação, aliada à ineficácia das tentativas para o desenvolvimento vinda: ela representa a diversidade dinâmica que a pes-
de uma comunidade profissional auto-regulada, permite compreen- quisa não poderia negligenciar. Pensemos na gama de
der porque a área nunca alcançou um alto grau de coerência inter- abordagens qualitativas – mais significativamente pre-
na” (tradução nossa). sentes em nosso discurso metodológico atual, ao con-

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A educação matemática

trário do que ocorre com a produção americana, por Ainda que se admita como salutar a convivência
exemplo – das quais os pesquisadores têm se valido, e dos diversos fazeres metodológicos e suas diversas li-
na convivência dessas abordagens com aquelas inicia- nhas fundantes, deve-se também ressaltar a necessi-
tivas de natureza quantitativa. Há um arsenal de mo- dade de serem continuamente avaliadas a qualidade e
dos “qualitativos” de fazer e fundamentar esse fazer: a a pertinência com que essa diversidade tem constituí-
fenomenologia, as intervenções da didática francesa, do o discurso dos pesquisadores (caso contrário pode-
a história oral, a psicanálise, as linhagens mais próxi- mos estar incorrendo no equívoco de julgar como apro-
mas à antropologia e à etnografia, os estudos de caso, priada qualquer forma de intervenção balizada por
os grupos de controle, as análises interpretativas (a quaisquer parâmetros, com o que tudo seria permitido
hermenêutica, a semiótica). Um “objeto” escorrega- e tudo seria validado) e, conseqüentemente, como tem
dio como a formação de professores, com seus múlti- se constituído nosso discurso sobre educação mate-
plos aspectos, não se deixaria apanhar por uma única mática. Por esse questionamento passa, necessariamen-
técnica ou linha de fundamentação teórica. te, aquele sobre a necessidade de constituição de uma
Isso não significa, entretanto, que os limites das comunidade disposta a auto-regular-se, para o que um
metodologias e de seus pressupostos teóricos não de- desejo político é visceralmente necessário. A consti-
vam ser testados. Esse exercício quanto aos limites tuição do discurso da educação matemática vincula-
teóricos tem sido muito timidamente operacionaliza- se à constituição de uma comunidade que fala de um
do, o que fica claro se considerarmos as resistências a locus próprio, segura de seu discurso, ainda que bus-
novas abordagens e posturas alternativas que ocor- cando recursos e parceiros externos a ela.
rem internamente em nossa comunidade, ressaltando A pesquisa sobre formação continuada de pro-
que o discurso da flexibilidade para ouvir o diferente fessores é um exemplo dessa necessidade de parce-
sempre foi arduamente defendido em educação ma- rias. Não há, na educação matemática, um discurso
temática. Além disso, é necessário destacar nossa re- próprio sobre essa formação em serviço, ao passo que
sistência (ou nossa falta de hábito) em questionar o os profissionais da educação – embora não focando
julgamento da produção somente por conta da pureza especificamente o “objeto matemático” – têm desen-
metodológica (que se restringiria à descrição e justi- volvido incontáveis estudos e alternativas de inter-
ficação técnica dos procedimentos de investigação). venção nesse panorama. Um diálogo entre essas pro-
Temos nos esforçado muito pouco – se julgarmos que duções é mais do que possível: é necessário para que
essa necessidade estende-se a todos que participam um tratamento da especificidade – não a formação
da comunidade e não só a alguns pesquisadores – com continuada de professores, mas a formação continua-
relação a colocar sob suspeita nossos fundantes epis- da de professores “de matemática” – seja possível,
temológicos. A sensível ausência de esforços para visando a intervenções mais adequadas.
compreender quais são e como operam nossas con- Diante das recentes determinações sobre a for-
cepções sobre o conhecimento nos afasta, cada vez mação de professores em cursos de licenciatura, a te-
mais, do processo de produção desse conhecimento, mática tem estado em cena de modo privilegiado: fala-
sem o que nossos discursos alternativos sobre com- se da necessidade de parcerias para um repensar dessa
plexidade e totalidade, por exemplo, naufragam nos formação que, via de regra, ocorre num “entre” áreas,
já conhecidos processos que não ultrapassam a lógi- de forma desconexa, fundada apenas numa prática que
ca formal, o princípio-meio-fim linearizado e justifi- se perpetua pautada numa pretensa ditadura paradig-
cado por um método bem definido, com o que estare- mática, justificada por um processo dito “histórico”,
mos sustentando apenas ilusória e artificialmente uma embora já devêssemos ter aprendido com Marc Bloch
comunidade científica. (2001) que a origem não justifica a permanência.

Revista Brasileira de Educação 91


Antonio Miguel, Antonio Vicente Marafioti Garnica, Sonia Barbosa Camargo Igliori e Ubiratan D’Ambrósio

Educadores matemáticos e matemáticos das mais ANTONIO MIGUEL, professor assistente-doutor do De-
diversas vertentes discordam da nova legislação (já partamento de Metodologia de Ensino da Faculdade de Educação
aprovada) para os cursos de licenciatura. Essa discor- da Universidade Estadual de Campinas (FE-UNICAMP), onde atua
dância, entretanto, está distante de representar uma na pós-graduação em educação matemática. É um dos coordena-
concordância quanto aos objetos, meios e concepções dores do grupo de pesquisa História, Filosofia e Educação Mate-
que essa nova legislação deveria privilegiar. Como, mática (HIFEM), filiado ao Círculo de Estudo, Memória e Pes-
então, buscar parcerias de modo a pensar, de forma quisa em Educação Matemática (CEMPEM) da FE-UNICAMP.
orgânica, a formação dos futuros professores? Em co-autoria com Maria Ângela Miorim desenvolve o projeto
Penso que cabe à educação matemática estabe- de pesquisa: O movimento contemporâneo em torno da história
lecer seus princípios (inegociáveis) para que se pos- da matemática e suas relações com a educação matemática. Publi-
sa, com a cautela necessária, formar essas parcerias, cou recentemente: Breve ensaio acerca da participação da história
buscando formas de negociação. Esses princípios pas- na apropriação do saber matemático. In: SISTO, F. F.,
sam, forçosamente, por avaliarmos os limites de nos- DOBRÁNSZKY, E. A., MONTEIRO, A. (orgs.). Cotidiano esco-
sas teorias e as epistemologias que as sustentam. Ainda lar: leitura, matemática e aprendizagem (Petrópolis: Vozes, 2002,
com relação a essa questão, sugiro algo que, ao me- p. 100-117); MIGUEL, Antonio, MIORIM, Maria Ângela. Os
nos em princípio, poderia ser um ponto de apoio ine- logaritmos na cultura escolar brasileira (Rio Claro: Sociedade
gociável: o estabelecimento da concepção de que a Brasileira de História da Matemática, 2002); Algumas formas de
matemática não é um conjunto de objetos que supor- ver e conceber o campo de interações entre filosofia e educação
tam tratamentos distintos, mas um conjunto de práti- matemática. In: BICUDO, Maria Aparecida Viggiani (org.). Filo-
cas sociais determinadas exatamente por esses trata- sofia da educação matemática: concepções & movimento (Brasília:
mentos aos supostos “objetos matemáticos”. É esse Plano, p. 25-44). E-mail: miguel@unicamp.br
princípio que, ao menos aparentemente, em nossa
comunidade, tem permitido o surgimento de expres-
SONIA B. C. IGLIORI, professora titular do Departamento
sões como “a matemática dos matemáticos” ou “a
de Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
matemática do professor de matemática”. Ainda que
é coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação Ma-
se possa argumentar pela unidade dessas “matemáti-
temática dessa universidade desde 1995. Desenvolveu trabalho
cas”, penso que diferenciá-las, ao menos num primeiro
de pós-doutoramento na Universidade Paris VII. Pesquisa atual,
momento, é uma tática pertinente e necessária, cujo
apoiada pelo CNPq: Do elementar e superior em matemática. Em
objetivo é formar núcleos de significado que condu-
co-autoria com Michael Otte, desenvolve também o projeto de
zam essa estratégia das parcerias.7 A partir desse prin-
pesquisa: Os números e a aritmetização do pensamento. Publicou
cípio – a matemática como conjunto de fazeres so-
recentemente: Une intervention didactique visant l’apprentissage
ciais – podemos pensar em traçar parâmetros para
d’une relation d’ordre. In: Acte de le 11éme École d’Été de
escolher nossos interlocutores dentre os profissionais
Didactique des Mathématiques, 2001, CD-ROM; IGLIORI, Sonia
das diversas áreas com as quais a educação matemá-
MARANHÃO, Cristina: Registros de representação e números
tica, necessariamente, interage e deve continuar
racionais (Campinas: Papirus, 2003, p. 63-70); IGLIORI, Sonia e
interagindo.
MEYER Cristina: Um estudo sobre a interpretação geométrica do
conceito de derivada por estudantes universitários, 2003, II Semi-
nário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática (SIPEM),
Anais... E-mail: sigliori@pucsp.br

7
Tática e estratégia, aqui, estão sendo concebidas na ANTONIO VICENTE MARAFIOTI GARNICA, professor
acepção dada em Certeau (2002). assistente-doutor do Departamento de Matemática da Faculdade

92 Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27


A educação matemática

de Ciências da Universidade do Estado de São Paulo (UNESP, ta Cruz do Sul: EDUNISC, 2004, p. 39-52); A busca da paz como
campus de Bauru), credenciado no Programa de Pós-Graduação responsabilidade dos matemáticos. Mathematicæ Notæ, Boletin del
em Educação Matemática da UNESP (campus de Rio Claro). Coor- Instituto de Matemática “Beppo Levi”, Rosrio, año XLII (2003-
dena o grupo de pesquisa História Oral e Educação Matemática 2004), p. 41-54. E-mail: ubi@pucsp.br ou ubi@usp.br
(disponível em: <www.ghoem.com>), com bolsa de produtivida-
de em pesquisa do CNPq. Publicações recentes: História oral e Referências bibliográficas
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dologia da pesquisa qualitativa em educação matemática (Belo BELHOSTE, B., (1998). Pour une réevaluation du rôle de
Horizonte: Autêntica, 2004, p. 77-98); (Re)traçando trajetórias, l’enseignement dans l’histoire des mathématiques. Revue
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Filosofia da educação matemática (Belo Horizonte: Autêntica, zer. Petrópolis: Vozes.
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se de seu sentido doutrinário. Quadrante (Lisboa: APM, v. IX, nº 2, p. 177-229.
2002, p. 75-98). E-mail: vgarnica@travelnet.com.br DIAS, A. L. M., (2002). Da bossa das matemáticas à educação
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UBIRATAN D’AMBRÓSIO, professor titular emérito da
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Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), é atualmente
FOUREZ, G., (1995). A construção das ciências: introdução à
professor dos Programas de Pós-Graduação em Educação Mate-
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promovido pela Associação de Filosofia e História da Ciência do
Cone Sul (AFHIC); Etnomatemática e educação, In: KNIJNIK,
Recebido em outubro de 2003
Gelsa; WANDERER, Fernanda e OLIVEIRA, Cláudio José de
Aprovado em maio de 2004
(orgs.). Etnomatemática, currículo e formação de professores (San-

Revista Brasileira de Educação 93


Resumos/Abstracts

self-formation, which allow them to time public schooling and the social artigo argumenta que a investigação so-
reflect on their practice, the creation of representation that users and workers bre a cultura escolar de uma determina-
spaces for exchange and conviviality in formed about it. After analysing the da escola pode conduzir à reconstitui-
which individuals can exercise main themes of the relevant literature, ção da história da cultura escolar de
criticality, creativity and a four Integrated Centres of Public uma cidade.
strengthening of the relations between Education (CIEP) were selected, in Palavras-chave: cultura escolar; currí-
practice/theory/practice, promoting the working-class districts, in order to culo; disciplinas escolares
autonomous and systematic exercise of identify the social representations From the history of school subjects
their actions, knowledge and powers. created by their students, parents, to the history of school culture: a
Key-words: adult and youth education; teachers and administrative staff. research trajectory
formation of teachers; between-places Although some of the questions raised This text is a reflection on the
by the literature could not be verified, trajectory that a research group on
Lúcia Velloso Maurício the research indicated the existence of “Teachers and School Subjects”, from
Literatura e representações da two different social representations the Federal University of Mato Grosso
escola pública de horário integral about the full-time public school and do Sul, has been pursuing and on how
O artigo apresenta o confronto entre o the demand for it. One of them was the it arrived at the study of history of
que se depreende da literatura produzida teachers’ view, based on the needs of school culture, starting from research
entre 1983 e 2001 sobre a escola públi- children to justify the maintenance of into the history of school subjects. For
ca de horário integral e a representação these schools, which was similar to the this reflection we analyse
social que usuários e trabalhadores arguments found in the literature. The presuppositions from the field of
construíram sobre este tema. Após aná- other was the social representation of investigation known as “history of
lise temática da literatura pertinente, parents and school children and was school subjects”, according to
realizou-se pesquisa de campo em qua- formed around the notion of Chervel, and concepts of culture and
tro Centros Integrados de Educação Pú- satisfaction, contemplating the ideas of school culture, as posited by Williams,
blica (CIEP) de 1ª a 4ª série, localizados leisure, future and education. Forquin, Julia, Faria Filho, Viñao-
em bairros populares, para identificar a Key-words: full-time public school; so- Frago and Escolano. We argue that
representação social construída por alu- cial representation; needs x satisfaction research into the school culture of a
nos, pais, professores e funcionários. determined school can lead to the
Nem todas as questões colocadas pela Eurize Caldas Pessanha, Maria Emília reconstitution of the history of school
literatura foram contempladas no cam- Borges Daniel e Maria Adélia culture in a specific city.
po. Entretanto, ficou evidenciada a exis- Menegazzo Key-words: school culture;
tência de duas óticas distintas a respeito Da história das disciplinas escolares curriculum; school subjects
da função social desta escola e dos fato- à história da cultura escolar: uma
res mobilizadores para sua demanda. De trajetória de pesquisa Antonio Miguel e outros
um lado, a representação dos professo- Este texto reflete sobre a trajetória que A educação matemática: breve
res, centrada na necessidade do aluno o grupo de pesquisa Professores e Dis- histórico, ações implementadas e
como justificativa para essa escola, ciplinas Escolares da Universidade Fe- questões sobre sua disciplinarização
assemelha-se aos argumentos encontra- deral de Mato Grosso do Sul vem per- Este trabalho foi elaborado em tópicos
dos na literatura. De outro lado, a repre- correndo e sobre como, partindo de autônomos para discutir a configuração
sentação dos pais e alunos, centrada na pesquisas sobre a história das discipli- da educação matemática como área de
satisfação, contempla as idéias de lazer, nas escolares, o grupo chegou ao estu- pesquisa e, num panorama histórico, ex-
futuro e educação. do da história da cultura escolar. Para põe e analisa como têm sido implementa-
Palavras-chave: escola pública de ho- essa reflexão, são analisados os pressu- dos, efetivamente, esforços para sua con-
rário integral; representação social; ne- postos do campo de investigação co- solidação no Brasil. A partir da
cessidade x satisfação nhecido como “história das disciplinas apresentação de alguns elementos relati-
Literature and representations escolares”, conforme Chervel, e os vos à emergência e à organização da pes-
concerning full-time public schooling conceitos de cultura e cultura escolar, quisa em educação matemática no pano-
This article compares the literature de acordo com Wiliams, Forquin, Julia, rama internacional (D’Ambrósio), ele
produced between 1983-2001 on full- Faria Filho, Viñao-Frago e Escolano. O passa a esboçar as motivações e estran-

Revista Brasileira de Educação 209


Resumos/Abstracts

gulamentos que levaram à criação de um formação envolvendo professores e O texto procura compreender as rela-
grupo de trabalho específico sobre edu- alunos ções entre os conhecimentos matemáti-
cação matemática na ANPEd (Igliori). Discute os principais resultados de um cos construídos por jovens e adultos
Miguel e Garnica, por fim, discutem, sob projeto de pesquisa que teve como obje- trabalhadores na vida cotidiana e os co-
referenciais distintos, a disciplinarização tivo investigar problemas relativos ao nhecimentos matemáticos escolares.
da educação matemática. São, em resu- ensino e à aprendizagem da Geometria, Para tanto, foi desenvolvida uma pes-
mo, quatro olhares e vozes que, ora em enfrentados por professores da rede pú- quisa etnográfica no Morro de São
fina sintonia, ora em contraponto, sur- blica estadual de ensino, bem como por Carlos, Rio de Janeiro, acompanhando
gem fincados no espaço que os autores seus alunos de 5a a 8a séries. Analisa es- a rotina local de um curso de educação
desejam, com seus discursos, ver conso- sencialmente procedimentos metodoló- de jovens e adultos, assim como aspec-
lidado: a educação matemática. gicos, fundamentos teóricos e principais tos da vida diária dos alunos e da vida
Palavras-chave: educação matemáti- resultados, focalizando a origem dos comunitária na favela. Os resultados
ca; pesquisa; disciplinarização problemas relacionados com o ensino e indicaram uma estreita associação
Mathematical education: a brief a aprendizagem da Geometria, as estra- entre o uso de habilidades matemáticas
history, actions adopted and questions tégias montadas para enfrentar uma par- no cotidiano com a necessidade de ga-
on its formation as a discipline te desses problemas e as mudanças de rantir formas de sobrevivência, assim
This text was elaborated in concepções e práticas de professores. como a importância de fatores afetivo-
autonomous topics in order to discuss Palavras-chave: ensino e aprendiza- emocionais como impulsionadores de
the configuration of mathematical gem; geometria; formação de professo- raciocínio matemático. O mundo da
education as an area of research and, res; mudança de práticas pedagógicas escola e o mundo da vida cotidiana
in a historical panorama, explains and The geometry in primary education: apareceram como separados, assim
analyses how the efforts for its reflections on a training experience como os conhecimentos matemáticos
consolidation in Brazil have been involving teachers and school pertencentes a um ou outro contexto.
effectively implemented. Starting from children Palavras-chave: etnomatemática; edu-
a presentation of some elements related In this text we present the main results cação matemática de jovens e adultos;
to the emergence and organisation of of a research project whose aim was to representações quantitativas e espaciais
research in mathematical education investigate teaching and learning The construction of mathematical
within an international perspective problems in Geometry, faced by public knowledge by young people and
(D’Ambrósio), it goes on to sketch in school teachers and their pupils from 5 th adults from Morro de São Carlos
the motivations and difficulties which to 8 th grade. We intend to concentrate This study aimed to understand
led to the creation of a specific working our discussion on methodological relationships between the everyday
group in mathematical education procedures, theoretical concepts and mathematical knowledge constructed by
within ANPEd (Igliori). Finally, Miguel main results, focusing our analysis on working-class youth and adults and the
and Garnica discuss the three aspects: first, the origin of school mathematical knowledge that
implementation of mathematical problems related to the teaching and they confront when they return to school
education as a discipline from different learning of Geometry; second, the for basic education. For this study, an
theoretical perspectives. There are, courses of action adopted to confront ethnographic research methodology
then, four different views and voices, at some of these problems; and third, was developed in a poor neighbourhood
times finely tuned and, at others, changes in teachers’ concepts and of the city of Rio de Janeiro, Morro de
discordant which arise rooted in that practices. São Carlos, monitoring routines of a lo-
space which the authors with their Key-words: teaching and learning; cal course for adult education, as well
discourses, desire to see consolidated – geometry; teacher development; as aspects of the daily life of the
mathematical education. changes in pedagogical practices students and their community. Results
Key-words: mathematical education; showed a strong association between
research; formation as a discipline Maria Cecilia de Castello Branco the use of mathematical skills in daily
Fantinato life and survival strategies to satisfy
Saddo Ag Almouloud e outras A construção de saberes basic needs. Emotional factors
A geometria no ensino fundamental: matemáticos entre jovens e adultos appeared to stimulate some of the
reflexões sobre uma experiência de do Morro de São Carlos subjects’ mathematical strategies. For

210 Set /Out /Nov /Dez 2004 No 27

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