Inserido nas discussões da Antropologia Social inglesa Edmund Leach integra a
série de estudiosos de organizações e sistemas políticos africanos que marcaram boa parte do século XX. Leitor de Radcliffe-Brown e Mallinowski, o autor se debruça para a problemática das dinâmicas e processos de mudança estrutural postulando questões aos conceitos de integração e funcionamento recorrentes à época. Tomando por base uma antropologia influenciada particularmente pela escola sociológica francesa, notadamente na figura de Émile Durkheim, o autor questiona a luz da sociologia de autores como Max Weber, a análise centrada nos fatores de integração e equilíbrio das sociedades.
Em Sistemas Políticos da Alta Birmânia, Leach trata a partir da análise das
populações katchin e chan da problemática sociológica em torno da estabilidade das estruturas sociais. Nesse sentido, a contribuição do autor no que se refere aos conceitos de Cultura e Sociedade pode ser entendida a partir de suas releituras de uma literatura antropológica voltada para o entendimento da sociabilidade humana enquanto um todo integrado, buscando abstrair em forma de estruturas sociais as constantes que organizam o conjunto das relações sociais, e no caso específico, as relações de poder. Para o autor a antropologia social herdeira teórica de Radcliffe-Brown, a qual utiliza o conceito de estrutura social enquanto mecanismo analítico para viabilizar o método comparativo, tem por pressuposto implícito o equilíbrio estável das sociedades em questão. De modo, que a sua análise se insere enquanto alternativa metodológica tendo por argumentação teórica os processos de transformação dinâmicos das sociedades.
Nesse sentido o autor insere a Sociedade – ou pelo menos a noção conceitual da
mesma em voga na antropologia social britânica à época – na esfera do tempo e espaço. Em outras palavras o autor defende a tese de que o conceito de estrutural social que em detrimento dos processos de transformação foca-se nos princípios de organização sistêmica social isola a Sociedade, ou a forma social de seu conteúdo cultural. Ao dizer que ‘toda sociedade é um processo no tempo’(69), o autor leva em conta os processos de mudança cujo caráter é eminentemente estrutural. Em outras palavras ao se referir as transformações na estrutura social estas apresentam uma dimensão formal, isto é, que impliquem em descontinuidade na ordem previamente estabelecida e não mudanças cujo caráter é de manutenção e continuidade (como a substituição de um chefe por seu filho, etc.).
Desse modo, a definição de sociedades passa pela conceituação do autor de
unidade social. Não bastaria então uma circunscrição em termos de localidade, mas partindo de um entendimento efetivo dos sistemas de organização poder então delinear unidades políticas autônomas. Essa noção de sociedade inclui assim a percepção dos processos intensos de transformação estrutural, na medida em que inclui as dimensões do conflito e do sectarismo no escopo não apenas analítico como delineador das fronteiras que constituem uma sociedade. Para Leach a dissociação das sociedades do tempo e do espaço é o que permite analisá-las a luz dos elementos que produzem integração e solidariedade, formatando um sistema de modelo efetivamente afastado da realidade social.
A noção de sistema de modelo pressupõe e de certa forma abstrai da realidade
um todo coerente e integrado. Entretanto, a partir dos estudos desenvolvidos na alta Birmania o autor demonstra como os elementos incongruentes e de desintegração são igualmente organizadores da estrutura no que tange aos seus processos de mudanças. As incongruências constituem-se enquanto os elementos acionados pelo conjunto de indivíduos na alteração da estrutura social. Assim a análise de sistemas políticos permite entender a Sociedade a partir das disputas de poder que caracterizam os processos de mudança.
A relação que o autor estabelece entre as estruturas sociais – que possibilitam no
jogo de suas transformações a delimitação mesma das sociedades – e a dimensão da cultura perpassa o entendimento da segunda enquanto um conjunto fatos contingentes. A cultura está no nível da forma, ‘reveste’ uma estrutura social subjacente e em grande medida independente. Não haveria como explicar os porquês dos hábitos e costumes contingentes, notadamente os da ordem estética, entretanto o universo de regulamentações éticas proporciona o entendimento dos significados simbólicos referidos por sua vez à estrutura social. Em suma, o que tem significado real é o modelo estrutural básico e não o modelo estrutural manifesto1.
Destarte, variações culturais não implicam em diferentes estruturas sociais.
Logo, grupos de religiões, vestuários e até línguas distintas podem não apenas 1 P 80 apresentar estruturas sociais equivalentes como também constituírem uma unidade social, podendo ser analisados de maneira conjunta no que tange o seu trânsito e compartilhamento. Essa é em resumo a proposta do autor na obra acima citada, aonde os processos de transformação estrutural abrangem dois grupos culturais distintos, os kachin e os chan.
A despeito de não evidenciarem estruturas sociais diferenciadas os fenômenos
propriamente culturais, ao se localizarem na esfera eminentemente simbólica, possuem um papel intrínseco na atualização cotidiana das estruturas sociais. Ao tratar, por exemplo, da noção de Ritual o autor critica as análises que tomam por pressuposto a contraposição entre a esfera do sagrado, por conseguinte não instrumentalizada, e a esfera do profano, do técnico, de atividades utilitárias. Nesse sentido a dimensão estética, dos adornos e formas teoricamente inúteis não estaria descolada da esfera propriamente ética, das normas, regulações e efetivamente das estruturas sociais. De modo que os Rituais constituiriam, não obstante seu papel religioso e mítico, ações simbólicas, representações de determinados lugares sociais e políticos. O mesmo se aplica a diversos elementos estéticos que ao comporem ações da ordem técnica possuem, não obstante, uma dimensão sagrada, efetivamente estética. A contraposição que encontramos em Durkheim2 torna-se assim numa escala, aonde as ações sociais encarnam ambas as esferas em níveis diferenciados. Os rituais são, portanto formas de afirmação simbólica sobre a ordem social, explicitando sua estrutura. Em outras palavras, está encarnado de forma ritual o sistema ético das relações sociais.