Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
FACULDADE DE BELAS-ARTES
RETRATO E FISIOGNOMONIA
Recriação de personagens com base no seu retrato literário
Dissertação
Mestrado em Anatomia Artística
Especialização em Anatomia Artística
2015
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS-ARTES
RETRATO E FISIOGNOMONIA
Recriação de personagens com base no seu retrato literário
2015
Resumo
i
Abstract
The present study aims to show how Physiognomy, which repeatedly falls by the
wayside, but it is common and instinctively used by nearly all of us, it can play a
fundamental role in the interpretation of description of literary portraits, as well as in the
creation of countenances from the character.
On a final stage, we will compare the achieved results with the characters from a
recent film adaptation of the literary work chosen. From here, we can ascertain that
Physiognomy is a tool of great importance in the creation of countenances and if we
account for it, it can influence how we view the characters or actors.
ii
Agradecimentos
Após a enorme viagem que foi este mestrado, são inúmeras as pessoas a quem devo e
tenho de agradecer pelo apoio incondicional que me deram no decorrer. É o culminar de
uma viagem de dois anos em que tantas pessoas participaram e que agradecer a todos
seria uma outra dissertação.
Tenho também de agradecer ao Filipe Martins, pela sua amizade, pela paciência e
pelo papel fundamental que desempenhou ao ajudar com a revisão da dissertação.
Agradeço também à minha namorada, Cristiana Mota, que foi o meu pilar e quem
me apoiou e ajudou quando mais precisava, que também desempenhou um papel
importante em me ajudar com a revisão, e que sem ela tudo isto teria sido muito mais
difícil.
Ao David Gray, que acompanhou todo o processo desde Great Yarmouth e que
sempre foi uma voz de apoio nas alturas difíceis.
Resta apenas agradecer aos meus pais pelo apoio incondicional que me deram na
elaboração desta dissertação, estando sempre ao meu lado e que me ajudaram sempre a
ultrapassar as adversidades e os obstáculos que surgiam.
iii
Índice
Resumo ............................................................................................................................. i
Abstract ........................................................................................................................... ii
Agradecimentos ............................................................................................................. iii
Índice .............................................................................................................................. iv
Introdução, objetivos e propósitos .................................................................................1
Parte I
1 - O Retrato - premissas, propósitos, origens e breve história .............................3
1.1 – O retratar .........................................................................................13
1.2 - Fisiognomonia e Fisionomia – Ler do Exterior para o Interior .......18
1.2.1 – Métodos de leitura fisiognomónica ..................................29
Parte II
2 – Análise fisionómica do rosto – a forma, do geral para o particular ...............36
2.1 – A cabeça e o seu formato, o perfil e a proporção ............................41
2.1.1 – A importância da concordância ou da sua falta ...............46
Parte III
3 – A escolha, a obra, as personagens e o seu retrato ..........................................50
3.1 – Sobre a aproximação Analítica .......................................................55
3.1.1 – Carlos da Maia .................................................................59
3.1.2 – Pedro da Maia ..................................................................67
3.1.3 – Afonso da Maia ................................................................73
3.1.4 – Maria Eduarda ..................................................................79
3.1.5 – Maria Monforte ................................................................87
3.2 – Sobre uma aproximação menos Analítica e mais Convencional – Um
possível retrato .................................................................................................................93
4 – Confronto com outras adaptações e comentários ........................................104
5 – Conclusão ....................................................................................................116
6 – Índice de Imagens ........................................................................................118
7 – Referencias Bibliográficas ...........................................................................123
7.1 – Bibliografia Impressa ....................................................................123
7.2 – Bibliografia Digital .......................................................................126
iv
Introdução, objetivos e propósitos.
Na origem da escolha deste tema, está uma longa ligação à área da ilustração de
personagens, fomentada por diversos projetos que integrei, assim como um grande
projeto pessoal que tenho vindo a desenvolver e que carece de um conhecimento mais
aprofundado acerca da matéria.
Este tema abre também caminho a uma outra procura. Através do uso da
fisiognomonia, pretende-se representar um rosto que transmita as características que o
artista quer atribuir. A título de exemplo, se uma personagem é má, iremos querer que o
seu rosto transmita isso mesmo. Isto tudo sem nunca se perder o que o retrato tem de bom,
atendendo às suas características.
1
Apesar das suas diferenças, fisionomia e fisiognomonia serão as principais
ferramentas deste trabalho. Como se terá a oportunidade de ver, são as disciplinas mais
relevantes na construção de um rosto que corresponda à descrição dada pelo autor,
procurando-se manter afastado de uma variante do retrato de reconstituição como é o
retrato robot.
2
Parte I
1
Cf. GUEDES, Mariana, Retrato Robot, o desenho da identidade ausente, 2011, p.25
2
Poder-se-ia aqui considerar as primeiras representações do homem na pré-história, mas por estes não
estarem munidos de elementos caracterizantes não se podem considerar retratos. - Cf. ROQUE, 2011, p.11
3
Cf. ROQUE, Ana, O estudo fisionómico na caracterização de personagens, 2011, p.11
4
Cf. RAMOS, Artur, Retrato, o desenho da presença, 2010, p.13 Artur Ramos (1966) em Aveiro, Portugal.
Licenciado em Pintura pela FBAUL, Mestre em Filosofia da Arte pela FLUL e Doutor pela FBAUL.
Professor na FBAUL conta com um vasto trabalho não só na área do retrato mas também no desenho
arqueológico. Conta com várias publicações e comunicações assim como lecionou diversos cursos livres
ligados ao retrato e ao desenho e pintura de figura humana.
5
“De facto, o retrato para além de mostrar o rosto de alguém do passado, impede que essa pessoa
desapareça para sempre pois deixa viva a sua recordação.” - Cf. RAMOS, 2010, p.14
6
Cf. AZARA, Pedro, El ojo e la sombra. Una mirada al retrato en Occidente, 2002, p.14
7
Idem, p.24
8
Cf. RAMOS, 2010, p.13
9
“Se o artista reproduz apenas os traços superficiais, tal como a fotografia pode fazê-lo, se assinala com
exactidão as linhas de uma fisionomia, mas sem relacioná-las com o carácter, não merece, absolutamente,
ser admirado.” - Cf. BARBA, Miguel Àngel Elvira, Rostos de Roma, retratos romanos do museu
arqueológico nacional, Espanha – Sinceridade e convencionalismo no retrato romano 2011, p.32
10
Invoca uma frase de Rodin: “Através dos olhos, decifrava as almas… Em tais circunstâncias, não vale
a pena perguntar-se se os bustos eram parecidos com os modelos” - Cf. BARBA, 2011, p.32
3
Fig.1 – Retrato de múmia de um jovem de Al Fig.2 - Busto do Imperador Romano Lucius
Fayum. Antikensammlungen Munich. Verus. Metropolitan Museum of Art
Fig. 3 – Retrato de Charles Baston de Lariboisière, 1815, 75x 59cm, Antoine-Jean Gros. Coleção
privada
4
Azara11 defende que é este o motivo, o da invocação, que cria alguma dificuldade,
presente em alguns de nós, em observar um retrato ou uma estátua durante um longo
período de tempo, de estar sob o olhar penetrante colocado desde alto, que retribui o nosso
olhar12. Tende a invocar um modelo que já não se encontra entre nós, como se este
surgisse e nos encarasse13. Torna-se um retrato intimidante, onde o olhar14 ganha um
alcance que é inexistente noutro género artístico e onde se revela a presença do
retratado15. Porém a função do retrato tem vindo a modificar-se ao longo dos séculos, e
consoante a função altera-se também a sua natureza oscilando entre a pura representação
do retratado e a sua substituição16. Também o retrato foi considerado um recetáculo da
alma17, uma maneira de imortalizar um ente querido. Esta imortalização acontece pois
por muito que o homem envelheça e desfaleça, o seu retrato e a sua imagem perdura18.
Transformando-se no último testemunho deste em vida19, e tornando-se na sua morte,
mais vivo do que nós20. Assim podemos ter alguém que faleceu séculos atrás, com mais
presença que alguém recentemente falecido21.
11
Pedro Azara, arquiteto e professor de estética na Escola Técnica e Superior de Arquitetura de
Barcelona. Além do seu trabalho de investigação e de diversas publicações tem sido também curador de
diversas exposições.
12
Cf. AZARA, 2002, p.14
13
“Un retrato alude siempre a un modelo humano ausente, cuya presencia, real y verdadera, debe ser
sentida en la imagen, como si la persona viva hubiera aparecido y se hubiera encarado en vivo con el
espectador.” – Idem, Ibidem.
14
Idem, Ibidem.
15
Cf. RAMOS, 2010, p.14
16
Aborda o retrato enquanto substituição referindo exemplos de chefes de estado, que tiram partido da sua
imagem e usam o retrato como ícone de forma a estarem presentes mesmo não estando. - Cf. AZARA,
2002, p.19
17
Diz que no seu último suspiro, o homem deixava escapar a sua alma e que esta pairava sobre o corpo até
de esvanecer, no entanto haviam almas que se tornavam malévolas por terem sido esquecidas, como nos
campos de batalha e chegavam por vezes a atacar os vivos. Desta forma foi necessário dar um corpo, um
recetáculo para a alma, e diz ainda que era esta a função da estatuaria clássica onde o material remetia para
o mundo dos espectros. - Cf. AZARA, 2002, p.30-31
18
Fala também de certa forma na importância do desenho, onde destaca que acima de pintor devia ser um
“singular” desenhador. - Cf. HOLANDA, Francisco de, Do tirar pelo natural, p.75
19
– “Los hombres envejecen y desfallecen, pero sus imágenes, no sólo perduran casi eternamente (…), sino
que se convierten en el único testimonio fiable y duradero sobre la fisionomia y el alma de un ser humano
en concreto” - Cf. AZARA, 2002, p.23
20
– “(…)pero sólo la imagen gráfica nos proporciona la impresión de que están vivos todavía, más vivos
que nosotros, porque sabemos que sus retratos nos sobrevivirán.” - Cf. AZARA, 2002, p.24
21
– Dá o exemplo de Tutankhamon que embora tenho morrido há três milénios continua a ter uma presença
forte através das suas imagens. – Idem, Ibidem.
22
Cf. SCHRÖDER, Stephan F., Rostos de Roma, retratos romanos do museu arqueológico nacional,
Espanha – Sinceridade e convencionalismo no retrato romano, 2011, p.58
5
certa sobrevivência da alma23. Assim, os bustos além da pura representação do retratado,
funcionavam também como substituição deste na sua ausência. Contudo, o primeiro
contacto que os cidadãos romanos tinham com o novo imperador era primeiramente feito
pelas moedas e mais tarde pelas estátuas e bustos24. Em Atenas por exemplo, temia-se a
influência que o retrato de alguém ainda vivo pudesse ter na população25, algo que os
romanos parecem ter tirado partido na propagação do seu Império, porém com algumas
limitações26. Mas enquanto até aqui apenas foi referido a estatuária, na pintura, Azara diz-
nos que na arte da antiguidade clássica faltava corpo à pintura27, não corpo no sentido
literal, mas um corpo tridimensional que apenas encontramos em escultura. Porém, não
devemos esquecer que um bom retrato não implica um determinado e estrito suporte, mas
sim a forma como este é feito e se capta tudo aquilo que tem de captar. A única relação
estrita que deve existir é entre o modelo e a sua imagem28. E enquanto num determinado
período histórico o retrato se focava apenas na preservação da memória, para Rembrandt
e os seus autorretratos, séculos mais tarde, servia como um método de divulgação do seu
trabalho enquanto pintor29 (fig.4) onde se representava com vestes nobres que não possuía
de forma a melhor poder mostrar as suas qualidades. Desta forma, observamos que a
função do retrato depende do seu contexto, porém as imagens, representações de seres
divinos ou não, como nos bustos romanos, servem de substituto perante a ausência. Existe
ainda, uma outra característica do retrato que se tem mantido independentemente da sua
função, que é o da propagação de costumes e de estilos, adquirindo assim um valor
documental. Da mesma forma que toda a pintura serve de retrato da humanidade através
dos tempos, também o retrato tem essa mesma característica, seja nos retratos de Luís
XIV, seja nos bustos femininos romanos e na representação dos seus penteados30.
23
Cf. AZARA, 2002, p.35
24
Cf. SCHRÖDER, 2011, p.56
25
“Na Atenas democrática era proibido expor imagens de pessoas que ainda estavam vivas, pois
considerava-se perigosa a influencia que um retrato podia exercer sobre os cidadãos.” - Em muito
poderíamos tecer um paralelismo com as campanhas politicas actuais, a propagação de uma determinada
imagem podia levar a revoltas ou a tumultos. Idem, p.52
26
Idem, p.53
27
Cf. AZARA, 2002, p.42
28
“Platón partía del supuesto tradicional que debía existir una estrecha relación entre el modelo y su
imagen (dibujada, pintada o esculpida).” - Idem, p.43
29
Cf. RAMOS, 2010, p.14
30
Cf. RUIZ-NICOLI, Bruno, Rostos de Roma, retratos romanos do museu arqueológico nacional, Espanha
– Sinceridade e convencionalismo no retrato romano.2011, p.60
6
Fig.4 – Autorretrato usando boina e corrente de ouro, 1633, 70,4 x 54cm, Rembrandt. Museu do Louvre.
7
Ao observamos o retrato do Rei Sol, Luís XIV, podemos ver dois tipos de representação,
uma física, a que podemos associar a fisionomia, e outra que ultrapassa o que é físico, a
que podemos associar a fisiognomonia. Desde cedo encontramos exemplos do que
ultrapassa o físico, nas representações dos faraós, onde de uma forma sintetizada
captavam a essência do que era o faraó, ao qual lhe era atribuído atributos de deuses31. O
mesmo acontece com a ostentação presente no retrato de Luís XIV.
31
Cf. AZARA, 2002, p.16
32
“La imagen artística es un documento. Nos muestra cómo es o cómo era era la persona figurada, cuáles
son o cuáles eran sus rasgos físicos y, en el caso de las obras maestras, qué se encuentra detrás de su
apariencia.” - Idem, p.14
33
Cf. LOPES, O retrato de Afonso Henriques nos textos medievais, 2005, p.2
34
“ (…) uma efigie imaginária de homens famosos que viveram em épocas pretéritas (Homero, Anacreonte,
etc.) (…)” - Cf. BARBA, 2011, p.36
35
“(…) pois por um lado não apresentam características próprias da pessoa em si retratada, e por outro
representam algo para além do nosso universo físico (…)” - Cf. ROQUE, 2011, p.12
36
Cf. AZARA, 2002, p.24
37
Cf. BARBA, 2011, p.38
8
Antes de mais, um bom retrato deve ser inconfundível, em que quer o modelo quer
a sua presença estejam representados de forma inquestionável38. Tem de invocar a pessoa
e o seu carácter, uma união entre fisionomia e fisiognomonia. O ato de retratar acaba por
ter algo de divino, pois ao retratarmos o modelo de uma forma fiel e inequívoca, quer ao
nível da sua aparência, como ao da sua alma e carácter, estamos perante uma cópia de
uma criação de Deus e nem todos os homens devem ser retratados39. Desta forma o peso
sobre o retratista é imenso pois tem de ser capaz de, além de representar a pessoa,
representar o seu interior e a sua alma40, pois o retrato é, no essencial, uma representação.
Como já foi referido, no retrato existem duas principais questões que devemos ter
em linha de conta. A primeira prende-se a uma representação objetiva, focando-se nos
traços do rosto e preocupando-se com a representação da aparência física41. A segunda
prende-se com a representação subjetiva, similar à encontrada no teatro, quando o ator
encarna a personagem, a qual muda sempre que é representada por um ator diferente.
Azara dá este exemplo em que se percebe que esta representação é uma representação ao
nível psicológico42, onde a preocupação é retratar alguém pelo que é interiormente e não
pelo que é exteriormente. Entramos então no reino da fisiognomonia, deixando de
representar o modelo físico para passar a representar o que o modelo é no seu interior.
Este retrato mais teatral tem as suas origens nos kouros e kore gregos do período arcaico,
que mais tarde originaram um retrato tipológico usado no retrato teatral43.
38
Cf. AZARA, 2002, p.14
39
Diz que ao fazermos esta cópia do divino devemos ter em conta que somente homens importantes deverão
ser lembrados e imortalizados do natural, pelos seus feitos em vida e que para sempre os devemos recordar.
- Cf. HOLANDA, p.73
40
“el buen retratista tenía que ser capaz de transmitir la “viveza del alma” del modelo.(…) El Artista, por
tanto, debía conseguir que la matéria hiciera visible algo tan impalpable, secreto y oculto como el alma
del modelo.” - Cf. AZARA, 2002, p.25
41
Idem, Ibidem.
42
Idem, p.15
43
Cf. BARBA, 2011, p.34
44
“Sabemos que na pintura o retrato permite-nos falar em termos de desenho, a propósito da configuração,
da proporção, dos traços fisionómicos ou expressivos e nesse sentido estamos a abordar o rosto
representado segundo alguns dos seus aspectos construtivos. Porém acreditamos que no desenho esses
aspectos estão mais claros (…)” - Cf. RAMOS, 2010, p.21
9
entanto iremos procurar representar de uma forma que não só mostre o indivíduo
fisicamente como também o seu carácter, e tentar-se-á isto através das suas descrições,
procurando ao mesmo tempo evitar cair na estilização que facilmente torna o retrato numa
simples representação de um ícone ou símbolo. Falamos aqui de personagens e indivíduos
que nunca tiveram uma presença física, que nunca existiram, isto é, indivíduos não reais.
Poderíamos fazer aqui um paralelismo com o retrato robô pois também este funciona
através do relato e do testemunho, e embora a finalidade desse retrato seja a correta
identificação de um indivíduo, a preocupação com o carácter não é tão tida em
consideração, preocupando-se mais com descrição física pois é esta a que mais contribui
para a correta identificação do suspeito. É uma abordagem clara, fria e objetiva sem nada
para lá do visível.
Por outro lado, a arte dita “Fantástica” era tida em maior consideração pois aqui
os artistas tinham toda a liberdade para usar a sua capacidade inventiva, dando corpo a
deuses e a heróis da mitologia48.
45
“Sin embargo, hasta el siglo XIX, el retrato era considerado como un género menor, indigno de los
maestros, y praticado por motivos extraartísticos.” - Cf. AZARA, 2002, p.20
46
“Un retratista, por el contrario, debía reproducir minuciosamente unos rasgos humanos a menudo
carentes de gracia. Podía en ocasiones, sugerir un traje o un color, una postura, algún complemento, pero
lo que se le pedia era que respetara el parecidoy la dignidade, lo que le acarreaba no pocos problemas” -
Cf. AZARA, 2002, p.21
47
Refere os exemplos de Velásquez e Goya e a particularidade de os seus retratos de Felipe IV e de Carlos
IV respetivamente, terem algo de caricaturesco na sua representação, e que isto era ao mesmo tempo uma
acentuação das suas características interiores, seja o seu desapego pela situação do povo e do que o rodeia,
seja o porte sobre-humano da monarquia e simultaneamente o desprezo por esta. - Cf. AZARA, 2002, p.21
48
Cf. AZARA, 2002, p.20
10
autónomo, não servindo apenas de base para a pintura49. Exemplo disso são os retratos de
Ingres (fig.5). De facto são imensos os manuais de desenho que surgem neste século
dedicados aos que não sabiam desenhar, procurando guiá-los através de métodos simples
para que fossem capazes de representar, ainda que duma maneira muito rudimentar,
abordando o desenho em geral50. Até aqui o desenho enquanto retrato limitava-se de
esboços, esquiços, estudos, e eram sempre desenhos preparatórios para a pintura51.
Passaremos agora a abordar o que se pressupõe como retrato, neste caso do retrato
aplicado ao tema deste trabalho.
49
Cf. RAMOS, 2010, p.16
50
“É raro o ensaio destinado ao desenhador que para além das noções básicas relacionadas com a
construção do retrato, aborde também todo o conjunto de questões que o retrato e a sua experiência
potenciam. Na maioria são obras sobre o desenho em geral que utilizam o género do retrato para expor
melhor as suas ideias sobre como desenhar.”- Idem, p.23
51
Idem, p.15
52
Idem, p.16
11
Fig.5 - Retrato de Guillaume Guillon Lethiére, Fig,6 - Luís XIV de França, 1701, 238 x 149cm,
1815, Jean-Auguste Dominique Ingres. The Morgan Hyacinthe Rigaud. Museo Nacional del Prado
Library & Museum
12
1.1 - O retratar
Durante o ato de retratar, devemos ter em conta alguns aspetos, o olhar, a expressão
natural, a postura, a posição da cabeça e do corpo, o traçado, Embora a natureza desta
dissertação seja em torno de um modelo incorpóreo, que apenas existe em diferentes tipos
de descrição e narrativa, podemos e devemos ter em consideração algumas destas ideias.
Assim, neste ponto, iremos abordar as diversas premissas inerentes ao ato de retratar, não
só a partir do natural como também a partir de uma descrição, fazendo referencia também
ao retrato robot. No entanto, apenas algumas destas serão importantes na sua aplicação
ao tema.
Devemos dizer que tanto o retrato robot como o tipo de retrato estudado nesta
dissertação são aproximações especulativas53. No caso do retrato robot este assenta sobre
descrições que podem ser alteradas por uma vítima demasiado traumatizada pela
experiência e que não seja capaz de descrever corretamente o criminoso, tornando-se por
vezes numa descrição inconstante ou perturbada54. Já este retrato através de descrição
literária não deixa de ser uma especulação pois a verdadeira imagem reside na mente de
quem o criou. Limitamo-nos apenas a interpretar o que lemos, e procuramos representar
o mais fielmente possível de acordo com a descrição dada.
Existem aqui dois casos que podemos também ter em particular atenção, o do
conhecimento ou desconhecimento do modelo. Se por um lado o modelo se pode-se
apresentar descontraído e confortável na posição em que está a ser retratado, por outro,
poderá também apresentar uma expressão ou postura falsas que não lhe sejam
características. Assim, é importante conhecermos o modelo, quer fora quer durante a
sessão para que, desta forma, o nosso traçado se altere de forma a melhor representar o
modelo à medida que vamos percebendo a sua verdadeira natureza. E à medida que o
53
Cf. GUEDES, 2011, p.118
54
Idem, Ibidem.
55
Cf. HOLANDA, p.80
13
tempo passa a expressão do retratado altera-se acabando por revelar a sua verdadeira
fisionomia56.
56
Cf. ROQUE, 2011, p.17
57
Idem, p.18
58
Idem, p.22
59
Idem, p.18
14
deve retribuir o olhar, que como iremos ver, é um dos elementos mais importantes no
retrato.
60
Cf. RAMOS, 2010, p.93
61
Idem, p.379
62
Cf. PONTÈVIA, Jean-Marie. Ogni Dipintori Dipinge Sè’ - Écrits sur l’Art et Pensées Détachées, 1986,
p.29
63
Cf. DIDEROT, D. Essais sur la Peiture, Salons de 1759, 1761,1763, p.68
15
retratado64. Ao falharmos isto temos um retrato que nada significa pois não se consegue
ultrapassar a frieza e a inexpressividade. Johann Kaspar Lavater65 (1741-1801) usa o
termo “petrificado”, de forma a identificar este tipo de retratos onde existe uma
fisionomia artificial66. Este retrato “petrificado” pode ser intencional se desejarmos
apenas estudar um rosto ou uma cabeça objetivamente e não retratar alguém. Porém
iremos recorrer a uma vista de perfil e um tipo de traço diferente do que aplicaríamos a
um retrato. Este desenho, considerado analítico (fig.9), é um desenho onde procuramos
abstrair das questões do retrato. Ainda que este possa ter algo do retratado remete,
segundo alguns autores, para uma ausência e distância do observador-67
64
Cf. RAMOS, 2010, p.380
65
Johann Kaspar Lavater (1741-1801), pastor, filósofo, teólogo e poeta Suíço, é considerado o pai da
fisiognomonia, escrevendo inúmeros tratados e textos acerca dessa mesma matéria.
66
Idem, p.381
67
Cf. ROQUE, 2011, p.19
68
“Lambido” é o termo empregue quando falamos de excesso de acabamento por parte do artista. Como se
este se divertisse lambendo determinada parte não sabendo quando a deveria dar por terminada.
Encontramos uma maior descrição do termo, e do seu uso na Encyclopedie Methodique de Claude-Henri
Watelet: “LÉCHÉ, (adj. Solvente pris substantivement). On appelle léché l’excés du fini. L’artiste qui ne
fait pas quitter son ouvrage à propos, semble, en quelque sorte, s’amuser à le lécher.(…)” - Cf. WATELET,
Claude-Henri. Encyclopedie Methodique Beaux-Arts 1788, p.471
69
Cf. ROQUE, 2011, p.16
16
Fig.8 - Esquema de construção da cabeça, Figure Drawing For All It’s Worth, Andrew Loomis.
17
1.2 - Fisiognomonia e Fisionomia – ler do exterior para o interior.
“Remove thyself from here-remove thyself afar ; for to remain with thee is a misery for others
; thy mouth forms words contrary to thy thought ; thou art always ready to mingle lies with
truth.
“Never hast thou dared to face a danger ; never hast thou taken thought for others ; thou
fleet like the buck or the swift goat ; thou avoidest the passer-by from afar.
“To every noble spirit, to every honest hear thou art as brier, and as thorns, a coward,
deceiver, idle ande vil.
“I cannot deny that if thy lips are lying, thy hair, stiff and bristly, is truthful and reveals thy
vices.”
- Marquis Errico Rossi, membro da Academia Arcadiana de Bolonha 70
Da mesma forma que o rosto nos ajuda a compreender o Homem, também este
nos pode enganar, revelando que a mentira não existe apenas por meio da fala71. Desde
sempre que o Homem aplica leituras fisiognomónicas72 a todos os objetos73. De facto
Lavater tem um capítulo reservado a pássaros, peixes, serpentes e insetos74. No entanto,
chamar de fisiognomonia a toda e qualquer leitura faria com que esta caísse ainda mais
no descrédito. Como tal deve ser somente aplicada a seres com um grau médio de
inteligência ou de vida instintiva75, assim como devem ser munidas de forma e de
expressão. Tudo tem uma aparência fisiognomónica, e todos nós fazemos juízos sobre
tudo e todos. Desde quando vamos comprar comida e procuramos analisar qual a melhor
fruta através da sua aparência externa, à observação das nuvens que nos permite aferir se
irá chover ou se se avizinha uma tempestade, e até mesmo quando analisamos um
comerciante pela sua aparência. Algumas senhoras mais idosas podem sentir-se chocadas
quando confrontadas com um jovem coberto de tatuagens que alterem a sua aparência
(fig.10). Podem sentir desde repulsa até medo, sendo que isso advém de um conjunto de
circunstâncias, desde a aceitação à educação da pessoa. No entanto, julgamos e somos
julgados pela nossa aparência externa diariamente. Tiramos conclusões a partir da
70
Cf. MANTEGAZZA, Paolo. Physiognomy and Expression, c.1890, p.12
71
Cf. GUEDES, 2011, p.25
72
Termo extenso e ao qual podemos chamar de várias formas, desde Fisiognomónica a Fisiognómica ou
até Fisiognomia – Cf. ROQUE, 2011, p.24
73
Cf. LAVATER, Johann Kaspar. Physiognomy or The corresponding analogy between the conformation
of the features and the Ruling Passions of the Mind, 1866, p.4-5
74
Idem, p.225
75
Cf. WILLIS, A. E. Encyclopaedia of Human Nature and Physiognomy, 1889, p.17
18
aparência e do “ar”76, é com base na aparência escolhemos com quem interagimos.
Somente esta última leitura se pode considerar uma leitura fisiognomónica, pois procura
conhecer o interior do homem a partir do seu semblante, de modo a saber se alguém é
bondoso, maldoso, generoso ou egoísta…77 Trata-se de uma ciência, assim considerada
por quem sobre ela escreve, que visa estabelecer uma lista de principais tipos de
carácter78. É uma janela para conhecermos o interior e a natureza de quem nos rodeia79.
Trabalha sobre o rosto em repouso, e sem este estar sob acão de emoções ou paixões.
Alfred E. Willis80 no entanto, defende que a fisiognomonia está dividida em dois tipos, a
ativa e a passiva81. Já Paolo Mantegazza82 parece confundir um pouco a fisiognomonia
com a metoscopia (fig.11), afirmando serem dois termos com o mesmo significado, ou
seja, o estudo do semblante83. Embora exista semelhança entre ambas, a metoscopia
aproxima-se mais da fisionomia, estudando as rugas faciais84. Há também quem diga que
76
Por “ar” compreenda-se todo um conjunto de características externas e internas que contribuem para a
aparência geral de um individuo, nestas características encontramos tudo aquilo que define um individuo
como tal, desde a sua maneira de andar, escrever falar, cantar, dançar como encontramos na definições
presentes no dicionário universal de Furetière. Neste encontramos três significados da palavra “ar” que
melhor definem o termo: “Air, signifie encore, Maniere d'agir, de parler, de vivre, soit en bonne, ou en
mauvaise part. Il est des gens du bel air. il a l'air de pedant, de campagnard. il a bon air, bonne grace à
parler, à danser, il vit d'un air à se faire bien des amis, ou des ennemis, il a l'air bas, l'air dédaigneux, ce
que vous me rapportez qu'il a dit, a bien de son air, de son stile, il a bien l'air d'entre du complo les allemand
disent ardsen la meme signification
Air, signifie aussi, la mine, les traits du visage. Ces deux personnes ont bien de l’air l'une de l'autre.
On dit aussi, qu'un tableau a bon air, que le peintre a bieu pris l'air d'un visage, qu'il y a de beaux airs de
teste, pour dire, qu'un tableau est bien ressemblant ou bien dessigné
On dit absolutement d'un homme, qu'il se donne des airs pour dire, qu'il affecte des manieres qui le rendent
ridicule pour vouloir paroistre plus qu'il n'est” – Cf. FURETIERE, Antoinne. Dictionaire Universel 1690,
p.68
77
Podemos invocar aqui uma análise de Rodin feita a um retrato de Voltaire feito por Houdon em que diz:
“Que maravilha! É a personificação da malícia. O seu olhar ligeiramente oblíquo parece espiar um
adversário. O seu nariz pontiagudo parece o nariz de uma raposa… Vê-se a palpitar. E a boca – que obra
magistal! – aparece emolduara por sulcos de ironia… e quanto aos olhos, volto a eles… são diáfanos, são
luminosos…” – Cf. BARBA, 2011, p.32
78
Cf. BLACKBURN, Patricia. La technique physiognomonique de J. K. Lavater et son influence sur le
personnage de roman, 2008, p.8
79
Cf. WILLIS,1889, p.17
80
Professor A. E. Willis foi um fisiognomonista e frenologista, autor de diversos livros sobre a cabeça
humana dando exemplos de determinados atributos físicos acompanhados de estudos de carácter.
81
“PHYSIOGNOMY may be defined, first as the revelation of the character or spirit of any living organic
being, by and through the form, expression and color of the features; second, as the art and science of
discerning and understanting the character so revealed to the observer”- Cf. WILLIS, 1889, p.17
82
Paolo Mantegazza (1831-1910) foi um neurologista, fisiologista e antropólogo Italiano, escreveu diversas
obras em torno da fisiologia assim como em torno da mímica e fisiognomonia.
83
Cf. MANTEGAZZA, c.1890, p.2
84
Cf. ROQUE, 2011, p.25 – Atribui a metoscopia a Jerome Cardan (1501-1576)
19
a fisiognomonia85 tem raízes orientais, e uma ligação com a semiologia86, embora as
raízes apresentadas em cima tenham maior fundamento que a última.
Fig.10 - Rick Genest, também conhecido como Zombie Boy, tem todo o corpo coberto de tatuagens,
inclusive o rosto, o que altera a nossa perceção e leitura fisiognomónica ao tornar difícil a leitura de
alguns elementos.
85
Cf. GUEDES, 2011, p.26-27
86
Semiologia: estudo dos sinais e sintomas das doenças humanas.
20
Como foi já afirmado, tudo aquilo que tem uma aparência pode ser alvo de uma
leitura fisiognomónica, tudo tem um ar sobre o qual podemos fazer um determinado juízo.
Deste modo, a partir do momento em que o Homem foi dotado da capacidade de pensar
e de julgar, podemos afirmar que a Fisiognomonia tem origem na génese da civilização87.
No entanto, Fritz Lange88 defende que os primeiros fisiognomonistas foram os povos
primitivos que tiravam partido de tatuagens e outras marcas faciais, como pinturas, para
alterar a sua fisionomia e instigar medo nos seus adversários89. Por uma questão filosófica
e do entendimento do que é na realidade a fisiognomonia, pelas descrições que fomos
encontrando acima, faz mais sentido haver uma maior identificação com a primeira teoria
da sua origem. Pois a fisiognomonia nasce com o homem, a partir do momento em que
este observa e julga com base na aparência.
87
Cf. RAMOS, 2010, p.192
88
Fritz Lange (1864-1952) médico e ortopedista alemão.
89
Cf. LANGE, Fritz. 1942, p.41
90
Cf. MANTEGAZZA, c.1890, p.3
91
Cf. ECO, Humberto., p.53
92
Cf. ROQUE, 2011, p.28
93
Cf. RAMOS, 2010, p.192
94
Cf. MANTEGAZZA, c.1890, p.4-5
95
Um exemplo deste tipo pode ser encontrado nos escritos de della Porta que tece uma análise baseada no
boi e em pessoas que partilham da sua fisionomia: “Os bois são lentos e preguiçosos, têm a ponta do nariz
grosso e os olhos grandes; são lentos e preguiçosos aqueles que possuem o nariz espesso e os olhos
grandes” Cfr. GUEDES, 2011, p.30
96
Cf. RAMOS, 2010, p.192-193
21
escreverem sobre o assunto, o que tornou a fisiognomonia na antiguidade menos
discutível. O mesmo não acontece sobre a sua validade científica97, que nunca foi aceite,
não só pela sua subjetividade como também pelas suas constantes associações às artes
divinatórias, e também à astrologia98 e outras crenças. Apesar de algumas tentativas da
sua inclusão na ciência99, e das suas constantes defesas por parte dos autores e
fisiognomonistas, esta nunca conseguiu ser integrada.
97
Cf. RAMOS, 2010, p.193
98
Inúmeras referências são feitas às artes divinatórias, como estando associadas à fisiognomonia, essas
referências aparecem também espalhadas um pouco por toda a literatura associada à matéria em questão.
Cf. MANTEGAZZA, c.1890.
99
Refere a tentativa de contrariar as associações e de uma tentativa de devolver a fisiognomonia ao campo
da medicina. Cf. RAMOS, 2010, p.193.
100
Cf. RAMOS, 2010, p.194
101
Cf. GUEDES, 2011, p.26
102
Idem, p.28
103
Franz Josef Gall (1758-1828) neuroanatomista e fisiologista responsável pelo estudo e pela localização
de funções mentais no cérebro, assim como fundador da frenologia.
104
Cf. GUEDES, 2011, p.89
105
Cf. ROQUE, 2011, p.25
22
Fig.12 - Espécimes Leoninos. Ilustração de De humana physiognomia de Giambattista della Porta.
Napoles, 1602. The Getty Research Institute
23
É no séc. XVIII que surge o grande impulsionador da fisiognomonia, e um
verdadeiro apaixonado na matéria. Falamos novamente de Lavater, que de entre os muitos
escritos sobre esta temática, e que ajudaram na sua difusão, há que salientar Essai sur
Physiognomonie, Destiné a Faire connâitre l’Homme à le Faire Aimer. Pelas palavras de
Mantegazza, este considera que Lavater é não só um apaixonado pela matéria e pela
humanidade, como é revelado no próprio título da obra, mas também muito religioso,
referindo inúmeras vezes a vontade de Deus, ou referindo-se ao rosto e ao Homem como
criação divina, ou criação de Deus. Muito à semelhança daquilo que lemos nos livros de
Mantegazza e Willis, também Lavater, como todos aqueles que da fisiognomonia
escrevem, procuram elevá-la ao estatuto de ciência mas sem nunca serem bem-sucedidos.
É Lavater quem estuda mais profusamente o perfil como sendo esta a vista que mais
elementos nos dá acerca do interior e do carácter106, pois é pelo perfil que nos podemos
abstrair de marcas e deformidades que encontramos ou não numa vista frontal ou de três
quartos, assim como acaba também por ser uma vista que nos apresenta uma estrutura
mais fixa tendo por base a estrutura óssea.
106
Não obstante, Dürer e Camper são dois autores importantes que estudam de igual modo o perfil e os
seus traços. Porém, para esta dissertação e tendo em vista o seu objetivo, será sobre Lavater que mais nos
iremos debruçar.
107
Cf. WILLIS, 1889, p.21
108
Cf. GUEDES, 2011, p.57
109
Nesta catalogação poderíamos encontrar algo como: “o degenerado, o melancólico, o matreiro, o
criminoso nato, a prostituta e ainda o génio” - Cf. COURTINE, HAROCHE, p.225
24
entender a natureza humana, o carácter, através do seu semblante, com um grau elevado
de certeza é impossível, dadas as suas inúmeras variantes. De uma forma muito
romântica, Willis defende que apesar das inúmeras coisas que não compreendemos na
totalidade, nada nos impede de continuar o seu estudo e a sua investigação, aplicando isto
à fisiognomonia110. A sua não-aceitação deve-se muito ao facto de ser difícil padronizar
esta leitura, de sermos capazes de dizer que todas as pessoas com um determinado formato
do seu nariz apresentam ou partilham determinadas características psicológicas, não só
isso como a falibilidade desta “ciência” torna-a também impossível de ser assim
apelidada111.
110
Cf. WILLIS, 1889, p.21
111
Cf. ROQUE, 2011, p.25
112
Quiromancia: Arte divinatória, ou de adivinhação, conseguida através das linhas da palma da mão.
113
Quirologia: Interpretação de sinais e marcas em ambas as mãos com o propósito de adquirir
conhecimento sobre a pessoa.
114
Cf. LAVATER, 1866, ver Prefácio
115
Cf. GUEDES, 2011, p.27
116
“Nos anos 1580 surgem várias tentativas de fisiognomonia “natural” que se desviam da astrologia e
da adivinhação no exame da fisiognomonia. A separação da fisiognomonia e da astrologia esboça-se assim
no decurso dos últimos vinte anos do século.” - Cf. COURTINE, HAROCHE, p.52
117
Cf. WILLIS, 1879, p.33
118
“Hegel, por exemplo, afirmou que, para exprimir o sentimento e a paixão, o artista tem à sua
disposição apenas o rosto e as posições do corpo.” - Cf. VENTURI, 1984, p.32
119
Le Brun explica a paixão de uma maneira mais romântica acabando no fundo por dizer que esta se prende
mais com algo involuntário do que algo voluntário, pois ao ser voluntário pode acabar por ser forçado e
não natural: “Premierement, la Passion est un mouvement de l’Ame, qui reside en la partie sensitive, lequel
se fait pour suivre ce que l’Ame pense lui étre bom, ou pour fuir ce qu’elle pense lui être mauvais; &
d’ordinaire tout ce qui cause à lAme de la passion, fait faire au corps quelque action.” - Cf. LE BRUN,
25
associação com a qual podemos discordar, pois uma expressão, ou paixão, é algo
temporário sobre algo que é permanente. O rosto sob o efeito de uma expressão é alterado,
e a sua fisionomia deforma-se de acordo com esta, impossibilitando assim uma leitura
fisiognomónica mais correta, pois esta atua principalmente sobre o rosto em repouso, algo
que as silhuetas de Lavater pretendiam combater (fig.15). Não obstante, o estudo sobre
as paixões da alma de Le Brun (1619-1690)120 veio a ter um impacto no entendimento do
Homem e revelar novos dados na ligação entre o rosto e a alma121. É possível presumir
que o uso frequente de uma determinada expressão pode marcar a face, conferindo-lhe
assim com o passar do tempo uma expressão natural através da formação de rugas, ou do
encurtamento de determinados músculos, que pode corresponder a um determinado
carácter, estabelecendo então mais uma relação com as paixões da alma122. Desta forma
percebemos a predisposição de um individuo para uma determinada expressão que é
revelada pelos seus traços quando em repouso123. Para este estudo das paixões, Le Brun
apresenta uma série de desenhos esquemáticos e explicados, que nos ajudam a
compreender as deformações. Assim temos um desenho esquemático que apresenta as
diferenças entre vários géneros de traços do rosto. Outros desenhos esquemáticos mas
desta vez com a ajuda de grelhas como forma de melhor podermos compreender as
mudanças de paixão. Posteriormente, um desenho mais elaborado e mais cuidado que
melhor ilustra então a força de determinada paixão124.
A fisiognomonia não trabalha só, pois está sempre lado a lado com a fisionomia.
Esta última procura analisar de uma forma mais objetiva a cabeça, analisando os formatos
dos diferentes elementos que constituem o rosto125, o formato dos olhos, da boca, do
nariz… É a partir desta análise mais objetiva que a fisiognomonia tira as suas conclusões
para tentar conhecer o interior do Homem, o seu carácter, analisando primeiro a
informação e depois sintetizando-a126. Desta forma dividia-se o Homem e o ser humano
em duas partes, a interior e a exterior127. A fisionomia trata da segunda, e a fisiognomonia
Charles. Méthode pour apprendre à dessiner les passions : proposée dans une conférence sur l'expression
générale et particulière p.3
120
Charles Le Brun (1619-1690), pintor francês, teórico e professor na Academia Real de Pintura e
Escultura de Paris no séc. XVII.
121
Cf. GUEDES, 2011, p.47
122
Teremos oportunidade de melhor vermos esta teoria no ponto referente aos temperamentos.
123
Cf. RAMOS, 2010, p.380
124
Cf. ROQUE, 2011, p.26
125
Cf. RAMOS, 2010, p.191
126
Cf. WILLIS, 1889, p.18
127
Cf. GUEDES, 2011, p.26
26
da primeira. Por ser uma ciência que gira em torno do que observa, algo mais palpável do
que a fisiognomonia, a fisionomia tem vindo a ser mais aceite quer pelo público quer pela
comunidade científica128. Tanto a fisiognomonia129 como a fisionomia130 estendem-se
para além do rosto e do semblante. No caso da fisionomia, esta procura analisar os
diferentes formatos das diferentes partes do corpo, enquanto a fisiognomonia procura
analisar a forma como este se mexe, como anda, como escreve, fala... para poder tecer os
seus comentários quanto ao carácter.
128
Cf. ROQUE, 2011, p.25
129
Cf. RAMOS, 2010, p.191
130
Cf. ROQUE, 2011, p.24
131
Cf. LAVATER, 1866, p.13
132
Cf. WILLIS, 1889, p.18
133
Cf. LAVATER, 1866, p.20
134
Cf. WILLIS, 1889, p.20
27
fisiognomonia é constante, pois ao se trabalhar com descrições psicológicas assim como
físicas teremos de ir buscar a fisiognomonia para melhor poder ilustrar o personagem.
Iremos fazer portanto o processo inverso de uma leitura fisiognomónica, partindo das
conclusões já tiradas e construindo um semblante com base nestas.
28
1.2.1 – Métodos de leitura e análise fisiognomónica
Até aqui temos falado do que é e do que trata a fisiognomonia, assim como da
fisionomia. Iremos agora abordar que métodos são aplicados numa leitura
fisiognomónica. A partir dos livros de Mantegazza e Willis, por exemplo, constatamos
que existem vários métodos de análise fisiognomónica onde, inclusive, se interpreta a cor
do cabelo135.
135
Willis tem um capítulo dedicado exclusivamente à leitura e interpretação entre loiros e morenos, e a
relação da cor do cabelo e dos olhos com a mente. Cf. WILLIS, 1889.
136
“…, quente e húmida, quente e seca, fria e seca e finalmente fria e húmida, às estações da primavera,
do verão, do Outono e do Inverno e até às quatro idades da vida, a infância, a juventude, a idade madura
e a velhice.” - Cf. RAMOS, 2010, p.383
137
Cf. HIPÓCRATES, 1923, p.87
138
Cf. ROQUE, 2011, p.34
139
Cf. RAMOS, 2010, p.382
140
Cf. ROQUE, 2011, p.34
141
Cf. RAMOS, 2010, p.382
142
Idem, p.383
29
referindo que o corpo é composto por diferentes ingredientes e optando por aumentar a
lista dos elementos tradicionais143. Com isto podemos entender que cada corpo tem o seu
determinado temperamento e um determinado grau de irritabilidade144. Poderíamos
continuar e aumentar a lista à medida que nos vamos apercebendo de mais e mais
ingredientes, ou elementos, porém a parte que mais nos interessa é a forma como isto se
pode traduzir no rosto e depois como o transpor para o retrato. Revela-se no rosto, na
forma como os traços do mesmo se apresentam, e na atitude que estes transmitem. A
irritabilidade é considerada propensa a altos e baixos, distantes e próximos145, o que acaba
de ir de encontro à ideia de concordância146, na forma como os traços se relacionam entre
si, a sua forma e também na sua relação com o resto do rosto. Desta forma o colérico
aspira a elevação e empenha-se sem temer o perigo, segundo as palavras de Lavater.
Lavater faz uma breve descrição dos quatro humores e das suas características,
tudo isto surge na elasticidade do rosto, digamos na sua forma ou na sua atitude, na atitude
que os próprios traços do rosto transmitem e estes dependem da irritabilidade148.
Posteriormente Lavater tece análises e faz comparações com a linha do perfil, a sua linha
principal, a que define o seu contorno. Esta linha principal de diferentes formas pode
identificar determinado temperamento conforme é reta ou curva, por exemplo
temperamentos melancólicos terão perfis mais escavados como Lavater afirma no excerto
143
Cf. LAVATER, 1786, p.86-87
144
Cf. RAMOS, 2010, p.383
145
“Em relação aos quatro temperamentos, considera-se a irritabilidade através da propensão para o alto
e o baixo, o distante e o próximo que a atitude ou os traços transmitem. – Idem, p384
146
Ver ponto 2.1.1 referente à ideia de Concordância.
147
“C’est ainsi que le tempérament colére asoure toujours à s’élever: il prend l’effort, sans craindre le
danger. Plus timide au contraire, le mélancolique creuse, approfondit: i laime le solidem & s’y attache. Le
sanguin se jette dans le lointain, & ses distractions l’égarent dans l’infini. Le fleumatique ne cherche ni à
monter, ni à descendre, ni à s’éloigner; il ne veut que ce qu’il peut obtenir paisiblement & sans peine, que
ce qui est à sa portée; il choisit le chemin le plus cour pour parcourir l’horizon borné qu’il s’est tracé;
rarement fera-t-il un pas de plus que’il ne doit.” – Cf. LAVATER, 1786, p.88
148
Cf. RAMOS, 2010, p.385
30
acima, ou no colérico curvos e aguçados, (fig.16). Porém, como é hábito, a redução a um
número restrito acaba por nunca ser representativa de todos os verdadeiros tipos, pois
podem existir combinações. No séc. XIX, surgem autores que defendem o aumento destes
quatro tipos de temperamento conforme a morfologia de cada rosto 149. É portanto,
importante percebermos, e sabermos, distinguir na fisionomia o que é permanente do que
aquilo que é temporário, e a questão dos temperamentos permite-nos perceber se os traços
do rosto revelam marcas de uma paixão dominante, de um temperamento quando o rosto
está em repouso150. Percebemos que, ao falarmos de expressão natural, não falamos de
marcas de uma tensão momentânea mas sim daquilo que pode alterar de uma forma
permanente os traços do rosto, e que nos permitem facilmente identificar determinado
temperamento a partir dos mesmos.151
149
Cf. RAMOS, 2010, p.385
150
Idem, p.387
151
Idem, p.388
152
Mantegazza exemplifica referindo inúmeros exemplos de descrições sobre a fronte: “Those with
rounded foreheads are passionate, and it is a sign that they are inflated with presumption” – Cf.
MANTEGAZZA, c.1890, p.35
153
Cf. GUEDES, 2011, p.89
154
Mantegazza tece associações de determinados tipos de fronte, a “raças inferiores” especificando da
Papuásia. Cf. MANTEGAZZA, c.1890, p.34
155
Cf. WILLIS, 1889, p.27
31
Debrucemo-nos agora sobre a fisionomia comparada, novamente uma matéria que
pode ser mais ou menos insultuosa consoante a aceitação e a compreensão de cada
indivíduo. Esta matéria torna-se importante pois durante a narrativa podemos encontrar
analogias, paralelismos ou comparações, entre um personagem e um animal. Já tivemos
oportunidade de ver as suas origens mas nem tanto de a vermos em ação, ou de falarmos
dos seus métodos. É Giovanni Battista della Porta156 quem fala deste tema no seu tratado
Della fisonomia dell’ huomo. Foca-se principalmente na comparação de características
fisionómicas, na sua semelhança e comparação com animais, relacionando as duas a partir
daí se tecem os comentários que podem ser identificativos do carácter. Baltrusaitis157
menciona que todos os tratados têm tido um capítulo referente à fisionomia zoológica,
onde cada parte do corpo é relacionada com a de um animal revelando determinadas
características. Acaba por existir uma relação entre o interior e o exterior do homem, entre
o racional e o irracional e forma-se uma ligação entre a fisionomia e a fisiognomonia, tal
como noutros estudos. Baltrusaitis dá-nos o exemplo do leão, de extremidades grandes,
peito e ombros largos, poderoso e generoso. Que se um homem se assemelhasse a este
seria corajoso e forte158. Se anteriormente vimos um desenho desta matéria, vemos agora
um outro sobre o qual devemos tecer um parêntesis. Dadas as inúmeras reproduções feitas
dos desenhos de della Porta, que já nem inicialmente eram algo de espantoso159, estes
começaram a perder a sua leitura e qualidade, é então que devemos olhar para os desenhos
de Le Brun, que demonstram um diferente e melhor entendimento não só da matéria como
do rosto humano e ainda procurando um realismo que della Porta falha em conseguir
(fig.17). Por sua vez, Le Brun acabou também por investigar o tema, no entanto baseava-
se na troca de elementos do rosto entre animais e o homem (fig.18), colocando olhos de
homem em cabeças de cavalos e leões, e acentuando noutros casos o ângulo entre as duas
comissuras revelando desde logo um ar mais bestial (fig.19). Isto tem um cariz de procura
e de busca pelos elementos que remetem para o animal, pois segundo os tratados pseudo-
Aristotélicos, nenhum homem seria igual a um animal por completo, levando a procurar
e estabelecer quais as características do animal que seriam representativas de determinada
156
Giovanni Battista della Porta (1535-1615) Erudito Italiano e dramaturgo. Contribuiu para o
desenvolvimento científico onde estudou também outras matérias e artes ditas mais ocultas.
157
Jurgis Baltrusaitis (1903-1988) Filho do poeta Lituano do mesmo nome, foi um crítico e historiador de
arte e fundador da teoria comparativa.
158
“Ainsi le lion, puissant er génèraux, a la poitrine large, les épaules amples et les extrémités grandes.
Les personnes qui ont ces signes sont corageuses et fortes.”- Cf. BALTRUSAITIS, p.23
159
Podemos afirmar o mesmo que Jane Montagu que chega a referir-se aos desenhos de della Porta como
rudes, em especial quando comparados com os de Le Brun - Cf. MONTAGU, 1994, p.20
32
característica de carácter, elementos comuns em todos os animais160. Assim enquanto o
homem perderia os seus atributos e as suas características que o definiam enquanto
individuo, o animal manteria as mesmas, não sendo alvo da troca, e o homem adquiriria
uma nova identidade161. Ao contrário do seu antecessor, os desenhos de Le Brun são
muito mais demonstrativos quer dos animais, quer dos humanos que deforma, havendo
autores que assumem o estudo como sendo o mesmo pela quantidade de desenhos mas
também por estes derivarem de della Porta162. Foi no seu estudo de filósofos e antigos
governantes que o trabalho de Le Brun se evidenciou, pois em vez de procurar apenas e
somente a comparação, a sua preocupação prendia-se nos elementos faciais que mais se
destacavam de entre os outros, como sendo o mais representativo do carácter163.
160
Idem, p.22-23
161
Cf. ROQUE, 2011, p.39-40
162
Cf. MONTAGU, 1994, p.20
163
Idem, p.21
33
Fig.16 – Addition F. Alguns tipos de perfis de acordo com a teoria dos temperamentos. Ilustração de
Essai sur Physiognomonie, Destiné à Faire Connoître l’Homme & à Faire Aimer. Vol. III, Johann Kaspar
Lavater, 1786, p.97.
Fig.17 - Anatomia comparada inspirada por Camelo, c.1670, 23 x 32cm. Charles Le Brun. Museu do
Louvre.
34
Fig. 18 - Bois, Leão e Cavalo com Olhos Humanos, Charles Le Brun.
Fig.19 - Antoninus Pius com olhos inclinados, Charles Le Brun. Museu do Louvre.
35
Parte II
Antes que possamos proceder a qualquer retrato, seja este tirado do natural ou de
descrições como o retrato robot e como os desenhos que serão aqui apresentados, tem de
existir um conhecimento dos diferentes elementos que constituem o rosto, não só da sua
forma, mas também da forma como se relacionam uns com os outros. Todos os rostos
possuem diferentes características, e cada um dos elementos tem um formato particular,
existindo assim uma caracterização tipológica de cada um destes elementos.164
Para termos uma base sobre a qual nos possamos debruçar, é necessário abordar
os diferentes pontos notáveis que encontramos na cabeça humana. Tal é importante na
construção de um rosto pois temos de ter conhecimento, quer dos cânones que lhe podem
ser aplicados, quer dos diferentes pontos notáveis nele presentes. Desta forma
entenderemos melhor aquilo que estamos a observar e não confundimos uma
protuberância com uma deformidade.
Para que possamos estudar os diferentes pontos notáveis é necessário ter em conta
que o desenho da cabeça humana terá aqui um carácter de estudo e não de retrato como o
temos vindo a falar até aqui. Isto é, colocaremos as premissas e as condicionantes do
retrato, e observaremos a cabeça, como objeto de estudo. Consideremos então a cabeça
colocada num eixo vertical e atendendo à horizontal de Frankfurt 165 e observá-la-emos
em duas vistas, a de frente e a de perfil, de forma semelhante a um alçado de projeção
ortogonal. Ainda que estes pontos notáveis possam ser observados de outros pontos de
vista, são nestas duas que se evidenciam mais166. Estes pontos são assim importantes pois
podem ser usados entre si como medidas, e também como pontos que revelam geometrias
no rosto adjuvantes à sua representação167.
164
Cf. GUEDES, 2011, p.68
165
“A cabeça deve ser também posicionada segundo a horizontal de Frankfurt, na qual a linha que une o
rebordo inferior da órbita ao orifício de entrada do conduto auditivo externo é colocada num plano
horizontal.” - Uma linha traçada horizontal desde a parte inferior da órbita ocular até à entrada do conduto
auditivo externo. Isto garante que a cabeça está perfeitamente direita, ainda que por vezes seja difícil
encontrar e garantir que ambos os pontos estejam alinhados. - Cf. RITTO, 2001, p.263
166
Cf. RAMOS, 2010, p.61
167
Idem, p.63
36
Olhando para a cabeça colocada numa vista frontal, ou segundo Francisco de
Holanda168, Fronteiro169 (fig.20), e percorrendo-a de alto a baixo, encontramos, excluindo
a massa do cabelo, em primeiro lugar o Vertex, que corresponde ao ponto mais alto da
cabeça. Este ponto assim como o Menton, o ponto mais baixo do crânio correspondendo
à base do queixo, são ambos importantes para se poder definir a altura da cabeça. O
Trichion, ponto que corresponde à raiz dos cabelos, é outro ponto importante pois aliado
a outros permite-nos descobrir a proporção e relação do rosto e das suas partes, como por
exemplo a divisão tripartida do rosto que iremos ver mais adiante. Referente à largura da
cabeça, esta deve ser tomada pelos pontos dos ossos parietais e não pelas orelhas, pois
como sabemos estas variam de forma, e sendo principalmente cartilagem correspondem
a um ponto mole e por isso nem sempre sendo iguais. O mesmo já não acontece com os
ossos do crânio e à semelhança do que se sucede com o Vertex, também estes são de
difícil localização devido ao volume de cabelo.
Outros elementos tais como os olhos, o nariz e a boca, cada um com características
muito particulares, serão abordados à medida que a necessidade assim o exigir, a fim de
não cairmos na redundância.
168
Francisco de Holanda (1517-1585) além de desenhador, escultor, pintor e iluminista, Francisco de
Holanda conta com inúmeras obras escritas e tratados de arte tendo sido uma das figuras com maior
importância no renascimento Português (renascimento esse, que em Portugal se integra nos
descobrimentos).
169
“Fronteiro é quando o Rosto está igualmente mostrado, com ambos os olhos direitos em nós, e o nariz,
e a boca, e a barba, e a fronte, e as faces que não mostrem nem escondam mais de uma parte que da outra,
mas que estejam medidamente mostradas todas as feições, tanto de uma parte, como da outra, como este
malfeito desenho.” - Cf. HOLANDA, 2013, p.88
170
Isabel Ritto, Professora Doutora na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e médica
oftalmológica, tendo realizado inúmeros trabalhos e pesquisas relacionando sempre a anatomia e a arte.
171
Cf. RITTO, 2001, p.277
172
“Tirar do natural de meio Rosto, segundo outras vezes tratamos, é quando o Rosto está virado de uma
ilharga e lhe não vemos mais que meio olho, e meio nariz e meia boca e inteira toda a sua face, e inteira
37
ziguezaguear e a sinuosidade da linha do perfil revelam também novos pontos
importantes a ter em consideração, e que apenas surgem nesta vista. Porém iremos
remete-los novamente para a autora acima referida, pois apresenta um trabalho mais
pormenorizado e mais incisivo nesta matéria (fig. 21).
Podemos salientar também a importância dos ângulos, que nos podem dizer não
só aquilo que é considerado como estando dentro da média como também aquilo que é
menos comum. (fig.22). Ritto refere os inúmeros ângulos que podemos encontrar na vista
de perfil e que podemos também considerar importantes na construção de um retrato173.
A partir destes, podemos aferir se um nariz pode ser considerado aquilino ou empinado,
como também se o perfil é grego, côncavo ou convexo, assim como outras
particularidades, sabendo se o mento se projeta ou recua. Camper apresenta também
desenhos onde mostra a importância do ângulo geral do perfil em questões raciais e de
um ponto de vista evolutivo (fig.23). Deste retiramos apenas a importância do ângulo
colocando de parte outras questões como a evolução das espécies, e raciais.
Estes cânones e estas questões estruturais do rosto servirão de apoio e de base para
que a construção das aproximações seja feita com a maior correção possível. Assim os
esquemas iniciais terão por base esta informação, quer na construção de um rosto
harmonioso quer na de um rosto disforme.
toda a orelha, a qual se não vê quando o Rosto é fronteiro senão apenas; e vê-se então o perfil do rosto da
pessoa que é coisa nobilíssima na pitura, como…”- Cf. HOLANDA, 2013, p.88
173
Cf. RITTO, 2001, p.302-303
38
Fig.20 - Pontos Notáveis na Vista Frontal, 2006, 30x21cm, Artur Ramos.
39
Fig.22 - Ângulos na Vista de Perfil
40
2.1 – A cabeça e o seu formato, o perfil e a proporção
Da mesma forma que existem cânones para o corpo e a sua relação com as partes,
existe o mesmo referente ao rosto. São inúmeras as variações que podem ocorrer, no
entanto os cânones são o principal sistema para a construção e subsequente modificação
do rosto. Desde os primeiros cânones egípcios até aos mais recentes, todos estes apontam
a um idealização e a uma procura de proporção e harmonia 176. Foi na Grécia antiga que
surgiram os cânones que conhecemos hoje e que são usados mais frequentemente no
desenho quer de figura humana quer de retrato 177. Foi no séc. V a.C., na antiguidade
clássica, que surgiu, aliada à estética, uma nova noção de beleza associada às proporções
e relação entre as partes e o todo. Policleto é apontado como o responsável por um novo
sistema que colocava a cabeça como medida para todo o corpo178. Na sua estátua o
Doríforo (fig.24), encontramos repetida sete vezes e meia a medida da cabeça, como
vimos no ponto anterior desde o vertex ao menton, em toda a altura do corpo. Embora a
real medida usada seja ainda alvo de discussões, a base matemática é dada certa179. Mais
174
Cf. MAIA, 2009, p.346
175
É difícil de averiguar, por exemplo, o angulo do nariz, ou seja, o que este faz com a fronte, a partir de
uma vista frontal.
176
Cf. FRANCO, 2012, p.65
177
Idem, p.66
178
Cf. CALADO, Calado, Desenhar o corpo - uma metodologia de ensino constante na arte ocidental
In: Representações do corpo na ciência e na arte, 2012, p.110
179
Richard Tobin (1975) apresenta um estudo sobre o cânone matemático usado por Policleto e as diferentes
relações entre diferentes partes do corpo. Marylin Stokstad (2006) refere o mesmo que Richard Tobin onde
diz que Policleto explora não só a concordância entre proporção mas também do balanco e do equilíbrio.
Porém nenhum parece chegar a um consenso quanto à medida usada apesar do conhecimento comum a
cabeça ser a unidade de medida.
41
tarde, Lisipo com o seu Apoxyomenos (fig.25), faz com que a cabeça seja a oitava parte
do corpo, aumentando em meia cabeça o cânone de Policleto, conferindo assim à figura
uma maior elegância tornando-a mais heroica ou delgada180 consoante a sua conformação
física. No entanto é apenas no séc. I a.C. que surge o primeiro tratado sobre a proporção
humana, com a parte que mais nos interessa relativa à divisão em três partes do rosto181
(fig.26). Esta tem-se mantido até aos dias de hoje. As palavras de Lavater vão ao encontro
deste cânone, referindo que o nariz, para ser belo, terá de ter uma altura igual à da testa182.
Relativamente à forma da cabeça, quer de perfil quer a três quartos quer numa
vista frontal, é de fácil reconhecimento uma forma ovoide e a do pescoço uma forma
cilíndrica. De facto muitos são os esquemas de construções de cabeças que revelam as
primeiras formas como sendo estas mesmas183. Apesar de alguns autores considerarem a
cabeça como sendo mais aproximada a uma forma esferoidal, a cabeça de formato mais
oval aparece como estando associada a uma forma mais agradável e também mais
harmoniosa. Assim, podemos ter a liberdade de alterar o formato de forma a conferir à
cabeça uma outra leitura184. Qualquer o processo de desenho da cabeça, de teor mais
prático, está direcionado para que seja possível desenhar uma cabeça sem recorrer a um
modelo185. Exemplo disso são os desenhos de Villard de Honnecourt (fig.27) onde recorre
a formas geométricas simples, e outras mais complexas para a construção não só de rostos
e figuras humanas, como também animais. Algumas destas formas, quando vistas em
rostos humanos são um passo fundamental na leitura fisionómica e depois
fisiognomónica186. Mas até em representações puramente esquemáticas, o rosto aparece
sempre com uma forma oval (fig.28). Enquanto nos referimos à ovalidade da cabeça, é
também verdade que esta pode assumir muitas outras formas (que não uma forma oval
perfeita), mas sempre com a sua ovalidade presente. Possuindo uma fronte ampla ou um
queixo diminuto, a forma envolvente, quando vista de frente e com a exclusão do cabelo
(este último em nada deve afetar o desenho da cabeça) deverá estar inserida dentro de um
180
Cf. POLLIT, 1986, p.106
181
Traduz o Latim de Vitruvio revelando esta divisão: “Desde o mento à base do nariz, mede a terça parte
do rosto, desde a base do nariz às sobrancelhas, outra terça parte e desde as sobrancelhas até às raízes
do cabelo, a fronte mede igualmente outra terça parte.” No entanto, a colocação do ponto entre as
sobrancelhas parece ter vindo a ser debatido pois não se sabe ao certo qual o ponto a ter em conta, se a
Glabela se o Nasion - Cf. FRANCO, 2012, p.66
182
Cf. LAVATER., 1866, p.57
183
Cf. RAMOS, 2010, p.90
184
Idem, p.91
185
Idem, p.93
186
Idem, p.95
42
retângulo, este terá as suas faces mais pequenas tangentes ao vertex e ao menton. Já na
vista de perfil, a cabeça deverá estar inserida num quadrado, por ser mais larga devido à
sua profundidade, onde as partes superiores e inferiores do quadrado serão tangentes aos
mesmos pontos187. Como já tivemos oportunidade de constatar, a cabeça humana pode
ser reduzida a formas geométricas simples, e do mesmo modo que isto ocorre na cabeça,
também os outros elementos constituintes do rosto podem ter uma simplificação
preliminar188.
187
Cf. RAMOS, 2010, p.97
188
Idem, p.98
189
Cf. RAMOS, 2011, p.27
190
Jean Baptiste Delestre (1800-1871), ainda que tenha recebido instrução artística por Antoine-Jean Gros,
deixou-a de forma a dedicar-se à sua história e crítica da mesma.
43
Fig.24 - Doríforo, 200cm altura, Policleto. Museu Fig.25 - Apoxyomenos, 205cm altura, cópia
Arqueológico Nacional de Nápoles. romana de Lísipo. Museu do Vaticano.
Fig.26 - Diagrama referente aos cânones das divisões: tripartida da face (linha verde) e bipartida da
cabeça (linha rosa). Filipe Franco.
44
Fig.27 – Esquemas geométricos aplicados a cabeças, Villard de Honnecourt.
45
2.1.1 – A importância da concordância ou da sua falta
É sobre esta temática da concordância que iremos falar um pouco agora. Tem tido
diferentes nomes mas foi a concordância que ficou191. É de grande importância termos
este assunto em consideração, quer seja na construção de um rosto harmonioso ou de um
que tem falta desta. Ramos defende que a concordância prende-se com uma busca
extrema de relações dentro do rosto e do corpo192. Esta busca pode levar depois à
harmonia ou à falta dela, dependendo daquilo que pretendemos para a personagem.
Poderíamos definir esta questão de uma forma em que tudo está ligado a tudo. Em
que uma parte mostra algo das restantes às quais se liga193. Mas também, como uma
pequena parte pode influenciar as restantes e criar harmonia ou desarmonia. É através da
cabeça que conhecemos e reconhecemos o ser humano, mais do que qualquer outra parte.
É uma zona de extrema complexidade, onde é clara a sua relação com as suas partes e
enquanto parte de um todo. A mais pequena alteração que ocorra será mais notória aqui
do que em qualquer outra parte do corpo194. Assim teremos uma premissa simples de que
se o rosto tiver um determinado formato, também as suas partes deverão acompanhar esse
mesmo formato195.
191
“Esta questão que nos aparece segundo diversos autores, ao longo dos tempos, através de várias
denominações, desde a conveniência, correspondência, acordo, conformidade, consonância,
homogeneidade até à ideia de concordância…” - Cf. RAMOS, 2011, p.27
192
Cf. RAMOS, 2010, p.253
193
“Leibniz desenvolve um sistema que acreditamos poder ajudar-nos a compreender melhor a natureza
da concordância, ou seja de como a mais pequena parte de um rosto participa ou reflecte as características
do todo e de todas as suas partes” - Idem, p.254
194
Cf. RAMOS, 2011, p.27
195
“Tout devient oval, si la tête est ovale; si elle est ronde, tout s’arrondit; tout est quarré, si elle est
quarrée.” - Cf. LAVATER, 1783, fragmento 14, p.267
196
No capítulo Concordance du traits du visage, um dos exemplos deste tipo de relações que nos é
apresentado é o de que uma fronte recuada terá como correspondente um nariz aquilino. – Cf. DELESTRE,
J. B., De la Physiognomonie, 1866, p.132
197
Cf. RAMOS, 2011, p.28
46
“Ce profil est défectueux : son expression est fausse ; la partie inférieure est en désacord
avec le dessus ; un mentón carré ne termine pas la tête commençant par un tel front. Nous
sourions en entendant regretter sérieusement l’impossibilité de retoucher ce que l’on considère
comme un défaut dans l’oeuvre de la nature. Le remède serait pire que le mal. Il ne faudrait pas
toucher à un point : le tout serait à refondre.”
Delestre fala da sua importância para atingir esta concordância como sendo um
“meio mnemónico ao servirem de unidade comparativa199”, assim seria mais fácil, através
da identificação correta da linha do perfil, identificar também algumas relações de
concordância entre os três patamares, fronte, nariz e boca, porém sempre caso a caso.
198
Cf. RAMOS, 2011, p.31
199
Cf. DELESTRE, 1899, p.138
200
Idem, p.139
47
da procura da harmonia pelo qual o rosto se rege. É algo que ultrapassa as medições, a
proporção ou a própria geometria, e que por vezes apenas nos deparamos com ela à
medida que o desenho vai sendo construído201. Que um determinado nariz apenas pode
ser usado com uma determinada fronte, e onde a harmonia esteja presente. Desta forma,
Lavater diz-nos que o artista deverá estudar o maior número de rostos, tirados do natural,
de forma a não só observar o maior número de variedades, assim como o maior número
de relações uniformes dentro de cada um202.
201
“… só depois de ter desenhado o nariz e se lança no desenho a orelha, é que se apercebe que existe,
naquele rosto, uma subtil ligação…”- Cf. RAMOS, 2011, p.32
202
Idem, p.28
48
Fig.30 – Fig.178 à qual Delestre se refere como sendo um rosto defeituoso onde a concordância falha.
49
Parte III
Uma personagem pode ser fictícia ou real. No entanto, para que seja uma
personagem, ela tem de ser um interveniente numa história ou estória. Hoje em dia
encontramos personagens em tudo, desde videojogos, literatura, cinema, televisão, séries,
desenhos animados, teatro, banda-desenhada... Personagem pode ser também o termo
atribuído, em forma de adjetivo, pejorativo ou não, à qualidade boa ou má de um homem.
“Alexandre foi uma grande personagem da história”, por exemplo, enquanto vilões
podem ser terríveis ou personagens ridículas203. Uma personagem traduz acções,
pensamentos e ideias204, quando interpretados por um ator, este perde a sua identidade
assumindo a personagem, fazendo com que as suas ideias sejam as dele e focando-se em
transmiti-las. Se a personagem for uma personagem histórica, tudo o que fez foi real, a
menos que deturpado em ficção, ou fantasia histórica. Porém uma personagem pode ser
puramente fictícia, imaginada na mente do autor, ou na pele do ator que a interpreta, se
for esse o caso.
203
Cf. FURETIERE, 1690, p.1568
204
Cf. ROQUE, 2011, p.42
205
Idem, Ibidem.
50
ora em banda desenhada, enfim, em tudo o que tenha uma imagem, o recurso não só a
determinadas características visuais como também a características fisionómicas que
mostrem uma propensão para determinado carácter, bom ou mau, e claro, isto vai de
encontro ao que estuda a fisiognomonia. Tudo isto ocorre quando existem imagens, mas
no caso da literatura é o leitor que, através das descrições, cria na sua mente a aparência
personagem.
Relativamente à escolha das personagens a serem retratadas, muito tem que ver
não só com a diferente personalidade com que é retratada literariamente, mas muito tem
que ver também na forma como é retratada. Terá uma descrição vaga, deixando muitos
elementos em aberto? Ou exaustiva, retratando pormenorizadamente cada traço do seu
rosto assim como cada traço do seu carácter? Focar-se-á somente nos aspetos
psicológicos, deixando a parte física a ser preenchida pelo leitor e por aquilo que o leitor
entende do período no qual a personagem se insere? Existe uma grande alteração ao longo
da história que justifique vários retratos tendo em conta a perceção que temos da
personagem no decorrer da história? Por exemplo, uma personagem que começa como
sendo boa e termina como um vilão? É segundo estas questões que irá assentar a nossa
escolha, e enquanto umas podem ter um determinado interesse, outras podem tornar-se
impraticáveis por inúmeros motivos, que vão desde um número excessivo de alterações
a descrições demasiado vagas, estas últimas mais frequentes em casos de personagens
secundárias, o que de certa forma irá fazer com que nos foquemos nalgumas personagens
principais e na sua primeira impressão. E porquê a primeira impressão apenas? Porque é
nessa primeira impressão que nos é dada uma descrição pelo autor. Todas as outras
alterações que surgem no decorrer da história são, em muitos casos, alterações feitas pelo
leitor nos diferentes momentos em que as personagens são confrontadas com
determinadas situações. Pode existir mais ou menos afinidade consoante os casos e as
situações em que a personagem se envolve, pelo que cada leitor inadvertidamente altera
a sua perceção. Desta forma permite-nos focar em determinada personagem sem que
entremos em devaneios demasiado pessoais que possam ser impossíveis de justificar sem
que tenhamos de partir para outro ramo que não o retrato.
51
espaço a qualquer outra interpretação. Desta forma, optou-se por um método em que se
tira partido quer da descrição física, quer da psicológica, para construirmos as
personagens e simultaneamente adicionar conjeturas da fisiognomonia, alterando os seus
traços de forma a melhor se enquadrar com o seu carácter.
Ir-nos-emos focar numa obra de Eça de Queirós, Os Maias. Porquê Eça e porquê
Os Maias? A escolha do autor foi feita tendo em conta o género literário e a forma como
nos são dadas as descrições dos personagens. Eça é conhecido pela sua escrita realista e
pela forma pormenorizada como descreve não só espaços físicos como também
personagens. Por vezes Eça dá-nos mais pormenores acerca dos traços psicológicos das
personagens do que dos físicos, abrindo assim espaço para que a fisiognomonia possa
entrar. Para a escolha da obra teve-se também em conta uma recente adaptação
cinematográfica com a qual iremos poder comparar os resultados quer na caracterização
quer nas semelhanças fisionómicas entre ator e personagem. De forma não comprometer
o trabalho e de forma a limitar as influências externas, a visualização do filme apenas foi
feita somente após a realização do trabalho prático desta dissertação.
206
Por classe dirigente podemos entender classe alta com cargos de poder, ou relativo poder e influência
na sociedade. Cf. QUEIRÓS, Eça de, Os Maias, 1998, ver prefácio
52
informação dada na descrição desta. Desta forma, podem existir personagens secundárias
com muita informação, tal como pode haver personagens principais com pouca
informação na sua descrição. Será com este fator de mais ou menos elementos descritivos
no qual se basearão as escolhas. Sendo que Eça tem as características de um escritor
realista, há tendência para haver um equilíbrio entre a descrição psicológica e física, sendo
que um complementa o outro tornando-se assim um fator determinante na escolha quer
da obra quer das personagens.
Apesar do tipo de retrato que estudamos nesta dissertação se focar em descrições quer
psicológicas quer físicas, podemos tecer um pequeno paralelismo com o retrato robot.
Este trabalha em torno de descrições das suas particularidades fisionómicas de forma a
poder identificar e reconhecer um individuo207. A componente artística presente nesses
mesmos, pode ser comparada no espirito da procura da identificação.
Deste modo, ainda que as premissas de ambas as vertentes do retrato possam ser
idênticas, a desta dissertação procura uma vertente mais ilustrativa, ainda que também
representativa, mantendo à mesma o realismo presente no retrato e afastando-se do retrato
robot na sua frieza característica, onde não há espaço para improviso, para o devaneio e
para outras características que podem estar presentes no retrato.
207
Cf. GUEDES, 2011, p.118
53
intrínseco acerca da anatomia da cabeça, sabemos também o que não é normal e ou o que
é irregular. Assim podemos alterar e distorcer conforme seja a nossa vontade sem nunca
perdermos a harmonia, a menos que seja essa a nossa intenção. Podemos elaborar
esquemas e outras formas de construção de um rosto, dentro dos parâmetros normais e da
harmonia, os quais podemos modificar de forma a evitar esses mesmos parâmetros e a
esse mesmo conceito de harmonia208.
208
Cf. ROQUE, 2011, p.45
54
3.1 – Sobre a aproximação Analítica
Com base nas descrições das personagens que escolhemos e antes de podermos
fazer um retrato dessa personagem, temos de a observar. Neste caso olharmos para as
descrições, e procuramos representar a personagem de uma forma analítica para que
possamos observar os contornos do seu rosto e tudo aquilo que a define. Somente mais
tarde, depois desta análise fisionómica ser feita, poderemos avançar para um retrato de
cariz mais artístico que procure retratar não só formalmente a personagem, como também
de um ponto de vista fisiognomónico, atendendo aos escritos de Lavater e outros
fisionomistas, e recorrendo se necessário à fisionomia comparada. Atendendo ao facto de
que nem todas as descrições físicas aparecem completas, teremos de recorrer logo na
primeira fase à fisiognomonia. Porém, será apenas na seguinte fase que o interior terá
mais relevo e onde se notará maior semelhança com o que idealizamos a partir da leitura
das descrições psicológicas.
55
A primeira personagem a ser retratada de um ponto de vista analítico foi Carlos
da Maia. A escolha aqui foi de acordo com a grande quantidade de elementos descritivos,
quer físicos quer psicológicos, da personagem. As primeiras características a terem sido
tidas em conta foram as características físicas pois é a partir destas que será mais fácil
modificá-las de acordo com as características psicológicas. A marcação dos diversos
patamares do rosto209 foi também feita de acordo com a sua menção nas descrições,
quando presentes. Apenas o caso de Maria Eduarda Runa fazia referência a uma testa
curta e curva, pelo que a partir daqui podemos considerar que a testa seria curta
relativamente aos outros patamares, logo a divisão tripartida não seria feita por igual, ou
com dimensões mais próximas umas das outras.
A partir daqui os seguintes rostos a serem recriados foram o do pai, Pedro da Maia,
e o do avô, Afonso da Maia. Podendo recriar assim então as três gerações presentes, aqui
não foi só tido em conta o fator descritivo, mas também este elemento genealógico. Pedro
é descrito como tendo crises de melancolia negra210 dando ênfase ao seu carácter
melancólico, uma característica adquirida da mãe, Maria Eduarda Runa. Assim optou-se
por acentuar esta mesma característica escolhendo os elementos que mais são associados
e enfatizando-os. O resultado final, mais artístico, tem um impacto maior e traduz melhor
a personagem.
209
Referimo-nos aqui à divisão tripartida do rosto.
210
Cf. QUEIRÓS, Eça de, Os Maias, 1998, p.55
56
No entanto foram nas personagens femininas, Maria Eduarda e Maria Monforte,
que mais dificuldades surgiram, isto porque, os tratados de Lavater focam principalmente
o homem e não o Homem, de uma forma literal, sendo que são raras as passagens onde
encontramos menção da mulher, ou até gravuras ou desenhos das mesmas, sendo que
apenas encontramos no Vol.7 de L'art de connaitre les hommes par la physionomie, um
paralelismo generalista como Lavater assim afirma211. Desta forma houve recurso a uma
obra menos conhecida, atribuída a Lavater, Le Lavater des dames, ou, L'art de connoitre
les femmes sur leur physionomie: suivi d'un essai sur les moyens de procréer des enfants
d'esprit. Acaba por ser uma compilação dos paralelismos presentes no Vol.7
anteriormente referido, criando possíveis rostos, arquétipos, que representam
determinados carácteres. Ainda que aqui haja um maior enfoque na mulher, o estudo não
é tão aprofundado como nos ensaios anteriores. Não obstante, o processo de levantamento
de descrições físicas e psicológicas, e a subsequente interpretação das mesmas e tradução
fisionómica e fisiognomónica foi a mesma. Salvaguardando apenas as variantes
femininas que autor o descreve.
Em termos práticos, que poderemos ver mais adiante, a par de outros importantes
fatores e características, teve de se ter em linha de conta a concordância e a premissa de
que “se o rosto é oval tudo será oval, e se for quadrado que tudo será quadrado”. Porquê
a concordância e não a falta dela? Todos os retratos literários presentes abordam de certa
forma um determinado grau de beleza que apenas se consegue com recurso à
concordância. Não há nos Maias nenhum rosto não seja concordante, que apresente maior
ou menor deformidade a criar desarmonia. Assim, todos os rostos aqui presentes estarão
concordantes e de acordo com as premissas desta.
211
Cf. LAVATER, 1807, p.1
57
hierarquização que diferentes autores podem ter. Assim, consoante a importância ou
relevância de determinado elemento, poderá ter mais destaque mais que os restantes212.
Com base nesta linha de pensamento, acabou-se por se recriar todas as três
gerações dos Maias. A exclusão de Maria Eduarda Runa não veio por mero acaso: a falta
de elementos descritivos, ainda que pudesse ser considerada uma mais-valia, torna a
personagem numa aproximação tipológica de pessoa do que propriamente de um
personagem, e como tal, iria fugir daquilo que se pretende. A não abordagem de uma
temática de foro mais científico não foi novamente uma opção tomada de forma aleatória.
Quando estamos perante uma fronte curta, não estamos prante uma fronte curta em termos
de uma média populacional. É curta apenas na medida em relação aos outros dois
patamares, seguindo a teoria da tripartição do rosto. O mesmo se aplica a qualquer outro
elemento do rosto. Ao entrarmos no estudo, estatístico e cientifico, das características
físicas e psicológicas transmitidas pelos progenitores, estaríamos a entrar num campo
vasto que por motivos de ordem prática não seria viável e estaríamos a fugir aquilo que
nos interessa, a fisiognomonia. Não só isso, como estaríamos de um certo modo a
contrapor os dados que nos são apresentados e a questionar a forma como o autor
idealizou as personagens, e a forma como este nos dá a conhecê-las. Estaríamos a colocar
demasiadas questões e a divagar para assuntos genológicos os quais, ainda que
interessantes, estariam descontextualizados atendendo ao tipo de retrato que se procura e
à especificidade que é o retrato literário.
212
Tanto Montagu, referindo Le Brun, como o próprio Lavater, falam nalguns casos, acerca da
predominância de um elemento sobre os outros, no entanto que uns podem anular outros dependendo não
só do caso como dependendo do elemento em questão deixando um pouco em aberto. - Cf. MONTAGU,
1994, p.22-23 e Cf. LAVATER, 1786, p.318
213
Tal não quer dizer, que aquando da recriação de personagens, da sua ilustração, não possamos recorrer
a outros tratados ou a outros autores que melhor se enquadrem no trabalho a ser realizado.
58
3.1.1 Carlos da Maia
Comecemos com Carlos da Maia. Como anteriormente foi dito, a escolha desta
personagem foi feita, não por ser um dos personagens principais, mas sim atendendo ao
número de elementos descritivos da personagem, assim como a sua particular
personalidade e características psicológicas.
Caracterização Física:
- Formoso e magnífico moço. Alto, bem feito, de ombros largos. Olhos negros do
pai, Eça refere “os olhos dos Maias”. Testa de mármore sob os anéis dos cabelos negros.
Tinha barba fina, castanha escura, pequena e aguçada no queixo. O bigode era arqueado
nos cantos da boca.
Caracterização Psicológica:
Note-se que aqui, a recolha de elementos do caracter foi feita através de uma
leitura e de análise acabando algumas por não estar explicitamente descritas no livro.
Este passo de recolha foi repetido para as personagens seguintes sendo que é na
interpretação destes elementos e das teorias de Lavater, Mantegazza e Willis que reside
o maior enfoque e desenvolvimento posterior dos desenhos.
214
É neste parágrafo que reside a maioria d informação física da personagem que ajuda em grande parte na
caracterização da mesma, acabando assim por se resumir aqui aquilo que é descrito de uma forma mais
romântica e mais poética. Cf. QUEIRÓS, 1998, p.116
59
O processo inicial pouco divergiu entre os desenhos, não foi feito de forma
genérica mas foi feito atendendo ao formato do crânio. Inserido dentro de um quadrado e
apoiado num retângulo que serviria de pescoço. Por haver cabelo na personagem não se
optou aqui por usar a frenologia, se o tivéssemos feito, a circunferência do crânio poderia
ter altos e baixos em conformidade com os traços psicológicos da personagem.
215
Cf. MANTEGAZZA, c.1890, p.34
216
Cf. LAVATER, 1786, p.239
217
Cf. MONTAGU, 1994, p.22
60
altura do nariz fosse igual à da fronte218. Relativamente à sua proporção e relação com os
restantes elementos, Reis diz-nos que que o nariz normal deveria ter menos de um quarto
do comprimento total da cabeça, e que se houver alterações deverá ser considerado ora
grande ora pequeno219. Este elemento acaba por ser recorrente e transversal a todas as
personagens, de certa forma, e pelo que podemos ver a partir de algumas fotografias e
caricaturas, um elemento presente também no próprio Eça, colocando assim algo de si
mesmo, além de possivelmente outras características suas, nas personagens de Os Maias
(Fig.31).
Embora dotado de barba e bigode, que podem ocultar o mento e o lábio superior
respetivamente, foi feita uma análise de elementos que possam de ir de encontro às
características da personagem. No perfil, optou-se por colocar o lábio superior
ligeiramente avançado em relação ao inferior pois segundo Lavater, se tal acontecer
denota bondade220. Por exclusão, os lábios ficaram bem definidos com uma linha clara e
serpentina no seu bordo livre221. Relativamente ao mento, Lavater diz que sempre que se
projete remete para características boas e quando recua remete para negativas222.
Atendendo aqui à personagem optou-se pelo primeiro, ainda que a sua forma esteja algo
escondida pela barba.
218
Cf. LAVATER, 1866, p.57
219
Cf. REIS, p.118
220
Cf. LAVATER, 1866, p.61
221
“well defined, large and proportionate lips, the middle line of which is equally serpentine on both sides
and easy to be drawn, though they may denote an inclination to pleasure, are never seen in a bad, mean ,
common, false, crouching, vicious countenance.” – Idem, Ibidem.
222
“I am, from numerous experiments, convinced that the projecting chine ever denotes something positive,
and the retreating something negative. The presence or absence of strength in a man is often signified by
the chin” - Idem, p.63
223
Cf. VENERO, 1865, p.26
61
no olho é inequívoca e inquestionável224. Para Mantegazza é de grande importância
observarmos tudo o que o olho nos diz de forma a podermos fazer dele uma correta leitura
não só do carácter como da sua beleza225. Neste caso em particular, foi dada uma forma
arredondada ao bordo livre da pálpebra superior pois é característico de pessoas bondosas
enquanto as pálpebras não estão demasiado comprimidas226. Atendendo a que os olhos
negros são uma característica dos Maias, não tivemos aqui qualquer espaço para
interpretação, apenas podemos ler, numa adição de Lavater onde cita Buffon o significado
dos olhos negros227. No entanto é possível que a cor por si só não seja determinante mas
também em conjugação com os restantes elementos, acabando a cor por não ser
hermética. Seguidamente algo que merece a atenção é o desenho da pálpebra superior.
Existem diferentes tipologias de pálpebra superior que foram analisadas por Fritz
Lange228 (fig.32). Embora as tipologias sejam seis, podem sofrer inúmeras variações que
podem corresponder a diferentes tipos de características do carácter, neste caso a menor
compressão da pálpebra aumentou o seu tamanho diminuindo a prega existente. Foi, no
entanto, necessário recorrer novamente a Lavater para poder concluir o olho recorrendo
ao tipo que considera como sendo o mais apaixonado e corajoso de todos229. Sendo ainda
um jovem aplicou-se as palavras de Lavater ao se desenhar sobrancelhas retas e
horizontas por estas serem características de uma juventude masculina mas ao mesmo
tempo ligeiramente arqueadas para que pudessem indicar uma bondade mais presente nas
mulheres230. Mantegazza embora teça algumas considerações acerca das sobrancelhas,
não atribui características pelo que se teve somente de recorrer a Lavater231.
224
Venero recorre às paixões para justificar a presença da fisiognomonia, faz uma analogia com a vida
servindo-se das diferentes etapas para provar a sua presença. - Cf. VENERO, New system of Physiognomy
or the art of knowing men by their eyes. 1865, p.26
225
Diz-nos que as características mais notórias neste prendem-se com a sua expressão, posição, cor e o
arranje das pestanas, e que de acordo com estas características julgamos se este é bonito, feio, eloquente,
estupido, expressivo… considerando os olhos maiores os mais belos e os pequenos os mais feios. - Cf.
MANTEGAZZA, c.1890, p.38
226
Cf. LAVATER, 1866, p.51
227
“Black eyes have most strength of expression, and most vivacity(…)” - Idem, p.53
228
Cf. LANGE, 1942, p.109-110
229
“Le 4 est plus passionné de tous, & il les surpasse aussi tous en fierté, en courage & en prétentions.” -
Cf. LAVATER, 1786, p.285
230
Cf. LAVATER, 1866, p.55
231
Cf. MANTEGAZZA, c.1890, p.44
62
Fig.31 – Caricatura de Eça de Queiroz.
Fig.32 - Os Seis Tipos de Pálpebras Superiores Segundo Fritz Lange, 2006 30x21cm, Artur
Ramos.
63
Poderia questionar-se aqui o porquê de, já que à partida começamos por recriar
um personagem da família Maia, e por conseguinte a restante família, até usando
elementos genealógicos dos pais e avô, se não faria sentido começar em sentido
descendente, do avô até aos netos. A ir por esse caminho teríamos, quase que
obrigatoriamente passar por questões essencialmente genealógicas e de elementos
hereditários. Atendendo a que nos queremos focar somente nos retratos literários e no
carácter, mais do que no físico, tentamos colocar ao máximo tais questões de lado,
evitando divagar para áreas que envolvem por si só um estudo profundo. No entanto
houve questões, como iremos ver, que são incontornáveis.
64
Fig.33 – Primeira aproximação analítica ao perfil de Carlos da Maia, Desenho do Autor, 2015.
65
Fig.34 – Segunda aproximação analítica ao perfil de Carlos da Maia, Desenho do Autor, 2015.
66
3.1.2 Pedro da Maia
Caracterização Física:
Caracterização Psicológica:
232
À semelhança do que se sucede com Carlos, é também praticamente num capitulo que tudo nos é dado
relativamente a Pedro . Cf. QUEIROS, 1998, p.54-56
233
Numa fase posterior a melancolia negra passa a ser uma melancolia nervosa, o que deixa a entender que
o adjetivo apenas é uma forma de enfatizar a sua melancolia. Idem p.56
234
Idem, p.55
67
escavado, visto ser mais comum num carácter mais melancólico235. Porém, como já
dissemos, tem de haver um equilíbrio, nem demasiado escavado, nem de menos.
235
Cf. LAVATER, 1786, p.88
236
Tradução livre do autor: 1 – Quanto mais longa a fronte, menos atividade e mais compreensão” Cf.
LAVATER, 1866, p.47 Mantegazza apenas transcreve reinterpretando: 1 - A fronte é alongada em
proporção da mente destituída de energia e elasticidade. Cf. MANTEGAZZA, c.1890, p.37
237
Lavater iguala os lábios ao carácter, lábios firmes corresponderiam a um carácter firme, e se estes fossem
fracos e rápidos no seu movimento, o caracter seria fraco e vacilante. Lábios grossos e bem proporcionados,
com a linha serpenteante simétrica, a formada pela divisão dos lábios, e facilmente desenhável nunca são
associados a vícios, falsidades ou a más características. Cf. LAVATER, 1786, p.322
238
Cf. MANTEGAZZA, c.1890, p.51
239
“Flatness of the chin speaks for the cold, and dry; smallness, fear; and roundness, with a dimple,
benevolence.”- Cf. LAVATER, 1866, p.64
68
São nos “belos olhos”, no olhar, de Pedro, que reside a parte mais complicada da
recriação feita. Como já dissemos, a melancolia, o olhar melancólico, daria por si só uma
dissertação, e embora haja inúmeros livros sobre a melancolia, são poucos os autores que
dela escrevem aplicada ao retrato. No entanto, como já constatámos, é possível encontrar
passagens nos tratados de fisiognomonia relativas à melancolia e até mesmo Azara
menciona a melancolia no olhar, mas não de uma forma fisionómica, não de uma forma
prática, que nos permita aplicar, como noutros casos, uma tipologia de olhar, de pálpebra,
de sobrancelha, que remeta automaticamente para a melancolia. Desta forma procurou-se
conjugar não só olhares e características de olhares em pinturas que remetessem para a
melancolia, e é numa fase final, numa aproximação artística, que mais ênfase e melhor
resultado se consegue. Pois por muito analítica que esta aproximação seja, há algumas
limitações com o olhar, pois a forma como este nos é retribuído, ou não, influencia
também a leitura que fazemos do rosto. Homero diz-nos que os olhos são belos quando
são grandes como de bovinos, mas quando são pequenos, como serpentes, morcegos,
macacos, por exemplo, são de pessoas inteligentes240. Neste caso não poderiam ser nem
demasiado grandes nem demasiado pequenos. Há também uma semelhança com o olho
de Carlos, só que neste caso mais acentuado; referimo-nos ao facto do bordo livre da
pálpebra superior descrever um arco perfeitamente circular, porém, e ao mesmo tempo,
aberto (como um bovino chegando assim ao que nos diz Homero) onde podemos ver a
esclerótica sob a menina-do-olho241, afirma que tal é encontrado em indivíduos
fleumáticos e tímidos, mas também corajosos e precipitados.242.
240
Cf. BALTRUSAITIS, 1995, p.24
241
Lavater refere-se à pupila e à iris como “apple” que numa tradução coloquial podemos considerar como
sendo a menina-do-olho – Cf. LAVATER, 1866, p.51
242
Carlos tem um olho semelhante mas ligeiramente alterado, pois como podemos ver, a descrição que
Lavater dá sobre esta particularidade adequa-se bem: “When the under arch described by the upper eyelid
is perfectly circular, it always denotes goodness and tenderness, but also fear, timidity and weakness.” –
Idem, Ibidem.
69
concordantes com o rosto mas também que estejam de acordo com o retrato literário e o
correspondente carácter. Por sair à mãe, ao lado materno243, é natural que não existam
tantos elementos semelhantes da mesma forma que existe entre Carlos e Afonso como
teremos oportunidade de ver.
243
“O Pedrinho, no entanto, estava quase um homem. Ficara pequenino e nervoso como Maria Eduarda,
tendo pouco da raça, da força dos Maias (…)” - Cf. QUEIRÓS, 1998, p.55
70
Fig.35 - Primeira aproximação analítica ao perfil de Pedro da Maia, Desenho do Autor, 2015.
71
Fig.36 - Segunda aproximação analítica ao perfil de Pedro da Maia, Desenho do Autor, 2015.
72
3.1.3 Afonso da Maia
Caracterização Física:
- Podemos aqui citar todo o parágrafo pois encontramos a sua caracterização física
bastante já resumida:
“Afonso era um pouco baixo, maciço, de ombros quadrados fortes: e com a face larga de nariz
aquilino, a pele corada, quase vermelha, o cabelo branco todo cortado à escovinha, e a barba
de neve aguda e longa – lembrava, como dizia Carlos, um varão esforçado das idades heroicas,
um D. Duarte de Meneses ou um Afonso de Albuquerque.”
Caracterização Psicológica:
A face larga de Afonso não pode ser tomada em consideração na vista de perfil,
sendo que será na aproximação mais livre que poderemos dar a entender essa largura.
Sobre a fronte Lavater começa o seu ponto afirmando que a forma, a altura, o arco,
a proporção, a obliquidade e a posição do crânio e do seu osso da fronte mostram a
propensão, o grau de poder, o pensamento e a sensibilidade de homem, enquanto a cor,
as rugas e a tensão mostram as paixões e o estado de espírito. Ou seja, os ossos mostram
o que é interno no homem, e o que os cobre mostra a “aplicação do poder”, pois enquanto
a testa pode estar enrugada os ossos permanecem os mesmos, inalterados, e as suas rugas
dependem da forma dos ossos244. Resultante disto, optou-se por uma fonte ligeiramente
244
Cf. LAVATER, 1866, p.46
73
arqueada com dois ângulos dissimulados e perpendicular à linha do cabelo (ao ponto que
chamamos de Trichion, ponto que corresponde à raiz do cabelo). Esta fronte resulta de
uma conjugação dos pontos 2, 3, 5 e 17 de Lavater sobre a fronte245 onde cada uma destas
considerações contém características que ligadas entre si podem aplicar-se a Afonso.
Se até aqui temos usado o nariz aquilino para os Maias, Afonso não foge a esta
regra, até porque Eça especifica o nariz aquilino de Afonso no seu retrato físico. Temos
também falado do nariz aquilino como sendo um elemento de valentia e coragem, não
podemos deixar de referenciar Nivelon246 pois adiciona uma diferente leitura247. Este diz-
nos nos seus textos que é o nariz o elemento mais relacionado com os animais,
especificamente com as aves248. Que um nariz ligeiramente aquilino é um sinal de
coragem mas se no entanto for combinado com determinadas outras características, como
por exemplo sobrancelhas bem definidas e uma testa alta denota coragem, se combinada
com uma fronte estreita, indicará mais a audácia. Porém se este for combinado com
elementos menos favoráveis e que sejam dominantes em relação ao nariz, será sinal de
uma crueldade sanguinária e aponta, por exemplo, no estudo que Le Brun fez sobre o
Imperador Romano Nero, que o seu nariz, pendurado sobre a boca, lembra as aves de
rapina e a sua crueldade. Acrescenta ainda que se o nariz for predominante em relação
aos outros elementos do rosto, indica um homem que está centrado nele próprio, cheio de
si249. É claro que até aqui tivemos esse cuidado, em especial com Pedro. A adição desta
informação aqui prende-se com os dados do retrato psicológico de Afonso. Pelo que será
de ter em conta, novamente, os restantes elementos.
Algo que varia com mais acentuação que nos anteriores, é a forma como a ponta
deste, formada essencialmente por uma estrutura cartilaginosa, desce e pende sobre a boca
245
“2. The more compressed, short, and firm the forehead, the more compression, firmness, and less
volatility in the man. 3. The more curved and cornerless the outline, the more tender and flexible the
character; the more rectilinear, the more pertinacity and severity. 5. Perfect perpendicularity, gently
arched at the top, denotes excellent propensities of cold, tranquil, profound thinking. 17. I tis a sure sign
of a clear, sound understanding, and a good temperament, when the profile of the forehead has two
proportionate arches, the lower of which projects.” - Cf. LAVATER, 1866, p.47-49
246
Claude Nivelon (1648-1720), discípulo de Charles Le Brun e pintor régio, escreveu por volta de 1698
a biografia do seu mestre.
247
Cf. MONTAGU, 1994, p.23
248
Idem, p.22
249
Cf. MONTAGU, 1994, p.22-23
74
mais do que nos seus filhos. Tal acontece devido à idade avançada e à perda de
elasticidade, o que impede de contrariar a força da gravidade250.
À semelhança do que se sucede em Carlos, também o avô tem barba, ainda que
este último a tenha em maior quantidade cobrindo ainda mais os pormenores da boca e
do mento. Não obstante, iremos de qualquer modo procurar informação e características
que se possam aplicar a esta personagem. Lavater tece algumas considerações para
melhor podermos ler a boca251, neste caso além da boca estar parcialmente coberta pela
barba, iremos partir das suas observações para construirmos a boca de Afonso.
Observando a informação dada acabamos por ficar com uma boca semelhante à de Carlos,
isto acontece dado ao facto de terem características psicológicas concordantes. Deste
modo a boca de Afonso poderia ter a seguinte configuração: lábios bem definidos e
proporcionais, com o superior a avançar e a pender tenuemente sobre o inferior e em que
o bordo livre é serpentino em ambos os lados. A boca fecha-se naturalmente e sem força
e sem marcas da mesma de forma a denotar coragem e força mental252. Sobre o mento,
encontramos de igual modo algumas semelhanças com Carlos, nomeadamente na forma
como se projeta ligeiramente. Todas estas semelhanças, assim como a presença da mesma
tipologia de nariz, podem ser justificadas não só por algumas semelhanças nos carácteres
das personagens mas também pelo seu cariz hereditário.
250
Ao contrário do que se poderia pensar, são os ossos nasais os principais responsáveis por conferir
determinada forma ao nariz e encontramos quatro principais tipos de nariz: o direito, se a parte superior
seguir direita com a fronte; aquilino, se a fronte for convexa, também o nariz o será; nariz chato; e
finalmente nariz largo. Ao lermos as duas primeiras descrições é evidente a presença da concordância já
falada e a forma como a fronte influencia também o nariz. No entanto as misturas entre os quatro grupos
geram um número vasto de tipos de narizes, mas que no entanto estes devem-se inserir mais ou menos
dentro destes quatro tipos. Se um nariz arrebitado com o passar dos anos pode ir perdendo um pouco a
resistência, um nariz aquilino será mais pronunciado. Cf. RAMOS, 2010, p.76
251
“Observe the following rules: Distinguish in each mouth the upper lip singly; the under lip the same;
the line formed by the union of both when tranquilly closed, if they can be closed without constraint; the
middle of the upper lip, in particular, and of the under lip; the bottom of the middle line at each end; and
lastly, the extending of the middle line on both sides. For unless you thus distinguish, you will not be able
to delineate the mouth accurately.” - Cf. LAVATER, 1866, p.60-61
252
Idem, p.61-62
75
com pelo suave, comprimidas e firmes253 enquanto que ao mesmo tempo são arqueadas254
criando uma combinação de elementos e de características que podemos atribuir a
Afonso.
253
“Wild and complexed, denote a corresponding mind, unless the hair be soft, and they then signify gentle
ardour.
Compressed, firm, with the hair running parallel as if cut, are one of the most decisive signs of a
firm, manly, mature understanding, profound wisdom, and a true unerring perception” – Cf. LAVATER,
1886, p.55-56
254
Podemos ver na prancha presente na página 287, o modelo 8 que apresenta sobrancelhas arqueadas de
pelo espesso “Caractére noble & magnanime; ce regard clair &perçaut suppose beaucoup d’ordre, de
netteté & d’application, un esprit qui met dans tout ce qu’il fait le dernier degré d’exctitude & de
perfection” – Cf..LAVATER, 1866, p.288
76
Fig.37 - Primeira aproximação analítica ao perfil de Pedro da Maia, Desenho do Autor, 2015.
77
Fig.38 - Segunda aproximação analítica ao perfil de Afonso da Maia, Desenho do Autor, 2015.
78
3.1.4 Maria Eduarda
Caracterização Física:
- Era uma bela mulher: alta, loira, bem-feita, sensual mas delicada, “com um passo
soberano de deusa255”, é “flor de uma civilização superior, faz relevo nesta multidão de
mulheres miudinhas e morenas256”. Bastante simples na maneira de vestir, “divinamente
bela, quase sempre de escuro com um curto decote onde resplendecia o incomparável
esplendor do seu colo”257.
Caracterização Psicológica:
- Existem poucos elementos referentes ao seu retrato psicológico, este é feito mais
com base nas suas atitudes, na sua postura e no contraste com outras personagens, desde
modo sabemos que além de culta, era sensata e com um forte sentido de dignidade.
Ainda que não exista uma descrição dos aspetos de cada um dos elementos do
rosto feminino, fomos em busca das descrições do rosto com maior número de elementos
positivos. Isto é, em Le Lavater des dames, ou, L'art de connoitre les femmes sur leur
physionomie: suivi d'un essai sur les moyens de procréer des enfants d'esprit, existem
apenas descrições de rostos. Ocasionalmente surgem descrições dos seus elementos e do
que estes mostram na cara, mas não é regra. Como resultado disto, no caso de Maria
Eduarda, fomos ao encontro de características positivas como as que Eça tanto procura
evidenciar pela forma como desenvolve a personagem.
255
Cf. QUEIRÓS, 1998, p.163
256
Idem, p.530
257
Idem, p.455
79
Não existiram diferenças no processo inicial entre homens e mulheres. No entanto,
como resultado de modificações de elementos mais direcionados aos rostos masculinos,
teve de haver uma adaptação dos mesmos para poderem ser enquadrados em rostos
femininos.
Para o rosto de Maria Eduarda usámos o rosto “tipo” nº25258 (fig.39) por ser aquele
que mais tem que ver com o carácter de Maria Eduarda. O autor tece somente
considerações sobre o que o rosto nos transmite não revelando que elemento transmite a
característica do carácter. Poderíamos simplesmente copiar na íntegra o rosto, mas a sua
falta de descrição morfológica leva-nos a ter de observar novamente os escritos de Lavater
sobre o rosto masculino para podemos melhor adaptar os elementos ao rosto de Maria
Eduarda. Isto porque as considerações que tece sobre os elementos constituintes do rosto
feminino são diminutos e pouco informativos, pelo que teremos de comparar todos os
elementos com a gravura para perceber se estão em concordância ou não, e na
eventualidade de não estarem, qual a melhor maneira de se conseguir o objetivo. Outro
fator que nos leva a recorrer a isso mesmo, é o de as gravuras serem pouco rigorosas, algo
Lavater frequentemente se queixava.
Uma vez efetuado o esboço inicial, de igual modo que se procedeu para os
anteriores, iniciamos um processo de comparação de elementos presentes no rosto “tipo”
que Lavater nos dá, com as suas anotações sobre esses mesmos elementos em L'art de
connaitre les hommes par la physionomie. Uma comparação que é dificultada por
estarmos a observar um rosto terçado, em oposição ao perfil com o qual trabalhamos
nesta fase. Neste rosto “tipo” encontrámos os seguintes elementos259 aos quais
258
Cf. LAVATER, Johann Gaspard, Le Lavater des dames, ou, L'art de connoitre les femmes sur leur
physionomie: suivi d'un essai sur les moyens de procréer des enfants d'esprit., 1815, p.54-56
259
Leitura feita pelo autor através da observação directa, pois Lavater não faz referencia alguma aos
elementos presentes no rosto “tipo”.
80
adicionámos o que Lavater nos diz acerca deles assim como algumas considerações
próprias adjuvantes à elaboração do rosto de Maria Eduarda:
81
Fronte: Ligeira perpendicularidade desde a linha do cabelo até às sobrancelhas
com ténue marcação das “bossas” frontais260. Este patamar também parece ser o maior
dos três, tomando em linha de conta a divisão tripartida, podendo estar ou não com a
mesma altura do segundo (o do nariz). – Lavater: Sobre a fronte longa, isto é, quando é o
maior dos patamares como aparenta ser o caso, denota maior compreensão e menor
atividade. Atendendo a que as bossas do osso frontal têm uma ligeira pronunciação, tal
torna a fronte igualmente curva e sem ângulos sendo sinónimo de um carácter tenro e
flexível261.
260
Ramos refere-se a uma bossa, frequentemente duas, que encontramos na fronte resultantes da forma do
osso frontal: “Na parte superior média da fronte, encontramos por vezes uma só bossa mas o mais
frequente é existirem duas bossas frontais, mais ou menos pronunciadas, situadas por cima das arcadas
supraciliares.” - Cf. RAMOS, 2010, p.75
261
Cf. LAVATER, 1866, p.47
262
Idem, p.55
263
“A pálpebra em maça apresenta uma diferença de espessura entre a sua porção interna e externa. A
porção interna apresenta pouco tecido adiposo ao contrário da externa. Esta diferença de grossura explica
a forma com que Lange define este grupo. Por conseguinte a área tarsal visível pode ser maior na parte
interna do que na externa, o que constitui um pormenor a ter em atenção sobretudo nas vistas a três-
quartos.” - Cf. RAMOS, 2010, p.82
264
Vem em comparação com o numero 5: “6 est plus animé, plus aimant, plus énergique, & plus solide
que le precedente.” - Cf. LAVATER, 1786, p.291
265
Cf. RITTO, 2001, p.48
82
herda esta característica da mesma forma que Carlos e Pedro herdam o nariz aquilino de
Afonso e da linhagem dos Maias. Ossos nasais e cartilagem larga mas permanecendo
proporcional e concordante com os restantes elementos do rosto. A ponta deste parece
também estar ligeiramente elevada mas não a ponto de se poder considerar um nariz
“empinado” – Lavater: Após análise dos diversos escritos deste, parece apenas ter feito
menção do nariz na continuação da fronte uma vez266 associando este a todas as virtudes.
Sendo que o que mais analisa é a forma da ponta do nariz, assim como da sua linha desde
os ossos próprios até à cartilagem e além da análise usual de perfis, desta forma faremos
com que o nariz de Maria Eduarda vá de encontro daquele que detém todas as virtudes.
Boca: Aparenta ser o patamar mais pequeno. Lábios regulares bem desenhados
tendo os bordos livres igualmente desenhados, sinuosos e simétricos. – Lavater: Os lábios
presentes na gravura em muito se assemelham à forma dos lábios de Carlos, pelo que as
considerações de Lavater são iguais para ambos e aplicam-se assim de forma igual. Desta
forma conseguimos também um ponto de semelhança entre os dois irmãos.
Mento: Redondo com ligeira projeção para diante, sem cova267. – Lavater: A subtil
projeção para diante denota bondade, à semelhança do que ocorre com Carlos.
Curiosamente, refere o mento redondo mas sempre provido de cova e associado à
benevolência, não fazendo menção de um mento redondo mas sem a mesma.
É através do cruzamento destes elementos com o que Lavater nos diz que
poderemos ensaiar o rosto de Maria Eduarda.
Para o rosto de Maria Eduarda optou-se por deixar a fronte igual mas alterar as
sobrancelhas de forma a conferir-lhes um arco natural e regular de forma a perder a sua
horizontalidade. Relativamente às pálpebras, optou-se por manter a mesma forma de
maça, apenas aumentando um pouco a área visível da pálpebra superior, entre a prega e
o bordo livre, de modo a ir de encontro à gravura 7 da prancha XXXI (fig40) pelas suas
266
“Voici à peu près l'idéal d'un nez fur humain, tel qu'il convient à la fainte majesté de la Vierge, qui
rassembloit le caractére de toutes les vertus, la pureté, le recueillement, la pieté, la patience, l'esperance,
l'humilité. Seulment la partie inférieure du contour devroit etre plus nuancée: elle este trop unie pour
s'accorder avec la courbure élegante du sourcil. On pourroit critiquer aussi la teinte voluptueuse qui
résulte du trop d'arrondissement de la bouche, & le menton, dont la forme est très commune” - Cf.
LAVATER, 1786, p.316
267
Segundo Ramos, pode existir ou não uma cova no queixo dividindo-o em duas partes: “A extremidade
do mento apresenta por vezes uma pequena cova da qual parte para baixo uma pequena prega que produz
um pequeno franzir da pele”- Cf. RAMOS, 2010, p.74
83
características irem mais de encontro as de Maria Eduarda enquanto que ao mesmo tempo
mantém características presentes do 6268. Já na boca, embora esta se enquadre no carácter
de Maria Eduarda, optou-se por tornar os seus lábios mais carnudos de forma a torna-los
mais sensuais269. Já no que toca ao mento, manteve-se a projeção e o arredondamento
porém adicionando uma pequena cova não muito pronunciada.
268
“7 l’emporte sur tous les autres: ce regard es put, tendre, délicat, plein de noblesse & de génie, mais il
n’annonce pas un homme conformmé dans l’art de faire & de conduire un plan.” - Cf. LAVATER, 1786,
p.291
269
Cf. LAVATER, 1866, p.61
84
Fig.41 - Primeira aproximação analítica ao perfil de Maria Eduarda, Desenho do Autor, 2015.
85
Fig.42 - Primeira aproximação analítica ao perfil de Maria Eduarda, Desenho do Autor, 2015.
86
3.1.5 Maria Monforte
Se começámos com Maria Eduarda, acabamos agora com a mãe Maria Monforte,
mantendo assim a ordem de linhagem como fizemos com os personagens masculinos.
Como teremos oportunidade de ver, esta personagem em muito difere da sua filha, não só
fisicamente, mas ainda mais a um nível psicológico.
Caracterização Física:
Caracterização Psicológica:
Como podemos ver, Maria Monforte acaba por ser uma personagem cuja única
semelhança com a filha reside na sua beleza, acabando por ter atitudes e características
opostas. Mais uma vez recorremos ao mesmo texto que vimos no ponto referente a Maria
Eduarda. Porém este rosto apresentou outras dificuldades pois o autor não refere pontos
em concreto do retrato psicológico de Maria Monforte. Desta forma observámos três
rostos de duas edições distintas273. Da quinta edição olharemos para o nº9274 (fig43) e
270
Este último é inúmeras vezes descrito por Eça nas descrições que faz de Maria Monforte.
271
Cf. QUEIRÓS, 1998, p.56
272
Willis refere isto mesmo, a forma como as novelas, como a literatura romântica e fantasiosa provoca
alterações no caracter dos mais jovens vendendo-lhes um lado da vida que não é real, ou é, mas apenas
para alguns. Cegando-os para o que é realmente a vida. – Cf. WILLIS, 1889, p.20
273
O uso da segunda e da quinta edição de Le Lavater des dames, ou, L'art de connoitre les femmes sur
leur physionomie: suivi d'un essai sur les moyens de procréer des enfants d'esprit, prende-se pelo facto de
estarem em falta algumas ilustrações e de outras por apresentarem substanciais diferenças.
274
Cf. LAVATER, 1815, p.33
87
para o nº12275 (fig44) enquanto que da segunda olharemos para o nº28276 (fig. 45). Da
combinação das características destes rostos iremos tirar os elementos que nos transmitem
características correspondentes às de Maria Monforte.
Sobre a fronte grega, presente no nº12, podemos ver no ponto anterior (no entanto
na parte referente ao nariz) o que Lavater diz, atendendo que, sendo características
positivas, terão aqui de ser equilibradas com as outras menos boas de Maria Monforte. Já
sobre o facto de a fronte ser curta, Lavater diz que quanto mais curta mais concentrado é
o carácter, mais fechado e sólido277. Aqui encontramos um conflito entre a descrição e o
carácter ao qual esta corresponde. Teremos de manter a fronte curta mas, de forma a estar
de acordo com Eça, procuraremos outra característica que anule e vá de encontro ao
retrato psicológico. Desta forma tiraremos partido de uma perpendicularidade perfeita
desde a linha do cabelo às sobrancelhas de forma a atingir uma falta de espírito descrita
por Lavater278.
275
Cf. LAVATER, 1815, p.37
276
Cf. LAVATER, 1809, p.48
277
Cf. LAVATER, 1786, p.239
278
Idem, Ibidem.
279
Linha que divide o rosto na vertical.
88
se por se usar uma pálpebra semelhante ao tipo 7 presente na prancha XXXI pelas suas
características280 pois, apesar da sua imoralidade e falta de bom senso, algumas atitudes
de Maria Monforte podem ser atribuídos a uma certa inocência assim como um amor cego
e pouco ponderado.
Fig.45 - Prancha nº 28
280
Cf. LAVATER, 1786, p.291
89
Sobre o nariz sabemos que este está na continuação da fronte, resta-nos desvendar
qual a ponta, ou cartilagem, que se adequa melhor ao rosto e ao caracter de Maria. Em
ambos os casos têm um comprimento semelhante ao da fronte. Na gravura nº9
encontramos uma ponta empinada enquanto no nº28 encontramo-la mais descaída. Sobre
o primeiro podemos observar dois tipos semelhantes presentes na prancha XXXVIII, os
números 1 e 2281. No entanto aquilo que Lavater nos diz, nada vai de encontro ao que
Maria Monforte é, segundo o seu retrato literário. Sobre o segundo diz traduzir bom senso
e nada mais, e o primeiro afirma estar destituído de qualquer espécie de sentimento
delicado. Sobre o nº 28 nenhum foi encontrado que fosse semelhante excetuando os
aquilinos que por sua vez tendem a ter uma enfatização dos ossos nasais, algo que
dificilmente ocorre quando o nariz fica na continuação da fronte como é o caso do perfil
grego. Assim, como ascendente de Maria Eduarda, a escolha da ponta será na mesma
linha que a filha tem.
281
Cf. LAVATER, 1786, p.304
282
Cf. RAMOS, 2010, p.78
283
Cf. LAVATER, 1866, p.61
284
Idem, Ibidem.
285
“Dans la 3ª, la lèvre de dessus est trop ombré, dessinée de travers & d'ailleurs exagérée; mais en
modifiant mème ce trait, vous n'en effacerez point l'expression de la volupté, de la fatuité & de l'orgueil.“
- Cf. LAVATER, 1786, p.326
90
mento (que acaba por ser um capítulo curtíssimo em Lavater) dá-nos pouco espaço de
manobra sendo os restantes elementos a terem de transmitir o carácter da personagem da
forma mais adequada.
Fig.46 - Primeira aproximação analítica ao perfil de Maria Monforte, Desenho do Autor, 2015.
91
Fig.47 - Segunda aproximação analítica ao perfil de Maria Monforte, Desenho do Autor, 2015.
92
3.2 – Sobre uma aproximação menos Analítica e mais Convencional - Um possível
retrato
Enquanto nos capítulos anteriores tivemos uma abordagem analítica, tendo em conta os
aspetos descritivos da personagem referentes à sua forma mas também um pouco quanto
à sua descrição psicológica, aqui tendo em conta os desenhos anteriores, faremos uma
abordagem menos analítica, com espaço para uma maior liberdade expressividade que
possa ajudar a uma representação mais expressiva da personagem como um todo e não
apenas de um ponto de vista formal, procurando capturar tudo aquilo que um retrato deve
ter como vimos nos pontos anteriores, tendo particular atenção ao carácter.
As próximas aproximações acabam por ser uma visão artística na medida em que
não é possível medir com tanta certeza o rosto, como é numa vista de perfil ou frontal.
Não só isso como o tratamento gráfico, enquadramento, claro-escuro, adição de valores
tonais, mancha e colocação da cabeça conferem um carácter menos analítico e mais
artístico, mais dramático atendendo à personalidade literária de um modo mais teatral.
Um retrato mais convencional na medida em é o que podemos interpretar como sendo o
retrato das personagens. Tiraremos assim partido de questões como o traço e a
expressividade para acentuar as características psicológicas das personagens abordadas
no ponto anterior para que, por exemplo, o traçado de um personagem nos transmitia o
seu carácter enérgico e fervoroso, ou por outro lado, a sua falta mostre um carácter mais
débil, fraco ou até mesmo esbatido.
93
onde se procurou transmitir não só uma postura relativamente importante, mas também
um certo carisma natural e uma certa sensualidade e espirito boémio herdado da sua mãe.
Esta aproximação remete-nos também de certa forma às fotografias da época, mostrando
assim também o seu espirito vanguardista.
94
Fig.48 – Aproximação artística de Carlos da Maia remontando para fotos características da época,
Desenho do Autor, 2015.
95
No retrato de Pedro procurou-se dar ênfase àquilo que mais o caracteriza, a sua
fraqueza, nervosismo e debilidade e as suas crises de melancolia. Sendo este último o seu
ponto mais “forte” foi também aquele onde se procurou representar da maneira mais
adequada. Embora escritos sobre a melancolia sejam prolíferos, poucos se prendem com
questões práticas aplicadas ao retrato, sendo sempre algo mais filosófico e menos
tangível286. Deste modo foi maior o recurso a pinturas e a desenhos que tenham um cariz
semelhante, onde esteja presente a melancolia, quer no olhar quer em toda a obra. Em
muitas das obras vistas, parece haver elementos que estão presentes de uma forma
transversal. Falamos primeiramente do olhar, sempre distante, nunca observando
diretamente o observador e frequentemente apontado para a parte inferior. Noutros casos
as pálpebras aparecem cerradas de uma forma natural e não forçada, quase como se
estivessem dormindo ou até mesmo mortos. Perdeu-se no entanto, alguma leitura das suas
pálpebras e dos elementos descritos no ponto anterior dada esta condicionante. Procurou-
se aqui também dar ênfase à sua face oval descrita por Eça onde na vista de perfil se torna
menos evidente. Já quanto à iluminação, outra característica presente parece ter que ver
com as pinturas tenebristas, apelando a um lado mais negro e frequentemente com altos
contrastes. Aqui tentou-se o equilíbrio aliado de uma mancha mais fugidia que torne
menos forte a presença de Pedro e o seu carácter mais esfumado enegrecido pelo próprio
ambiente que contribuiu para a tão frequente “melancolia negra”. A questão que levou a
não olharmos novamente para a comparação, desta vez com um belo príncipe árabe
prende-se com o que leva um príncipe árabe a ser considerado belo. Teríamos de perceber
também o século em que foi feita a comparação, o que nos levaria a questionar quais
seriam as características de um belo príncipe árabe nos finais do séc. XIX e, sobretudo,
quais seriam as considerações estéticas, quais os padrões de beleza a aplicar, em suma,
teríamos de equacionar para qual cultura (europeia ou árabe) teria Eça remetido o seu
padrão do ”belo”. Como tal, e dada a problemática que esta simples comparação
levantava, iriamos divagar por outros campos, como o da beleza ou da estética, que não
obstante do seu interesse, não teriam cabimento nesta dissertação.
286
Ramos faz uma introdução aquilo que é a melancolia procurando explicá-la enquanto condição,
explorando depois a sua presença no autorretrato analisando diversos autorrepresentações de diversos
artistas. - Cf. RAMOS, 2010, p.392
96
Fig.49 - Aproximação artística de Pedro da Maia, Desenho do Autor, 2015.
97
Além de Pedro da Maia, semelhante a um belo príncipe árabe, Afonso é a segunda
personagem com comparações, embora neste caso com figuras históricas. Lembrava,
segundo Carlos, um D. Duarte de Meneses ou um Afonso de Albuquerque. Porém Afonso
respondia sempre dizendo que as aparências iludem, possivelmente referindo-se ao
carácter destes287. Fisicamente parecem existir semelhanças com Afonso de Albuquerque,
para tal basta observarmos qualquer imagem deste (fig.50), ainda que o carácter possa
não ser o mesmo, ou ter quaisquer parecenças. Por que motivo não colocamos esta
comparação de lado como fizemos com Carlos e Pedro? Acaba por ser a mais objetiva
das três, e não permite que diversas interpretações possam ser feitas. Resultado disso
mesmo, e resultado do seu carácter obtemos um retrato que mostra uma energia do seu
carácter a sua presença e força, refletindo também os seus altos princípios morais e a sua
integridade. Já os ombros elevados remetem para a sua figura sentada confortavelmente
como era seu hábito.
Fig.50 - Retrato de Afonso de Albuquerque em Goa, c.1500, 182 x 108cm. Museu Nacional de Arte
Antiga.
287
Cf. QUEIRÓS, 1998, P.48
98
Fig.51 - Aproximação artística de Afonso da Maia, Desenho do Autor, 2015.
99
Em Maria Monforte, procurou-se um retrato mais romantizado, mais angelical e
rococó dado o cariz mais inocente e sensual da personagem. Podemos entender com estes
termos que o seu retrato não só se assemelha a representações da época, como o seu
espírito deixa transparecer um espírito sem malicia. Leviana e imoral, é vítima de
literatura romântica e é daqui que deriva muito do seu carácter, e acaba por ser, em parte,
responsável pelas desgraças da família Maia, porém pelo amor e não por maldade. Por
sua vez o olhar distante, colocado em algo indecifrável, quase como se estivesse perdido
noutro amor que não o que tinha (poderíamos considerar o observador como Pedro da
Maia e o olhar colocado em Tancredo, o napolitano com quem Maria Monforte fugiu).
100
Fig.53 - Aproximação artística de Maria Monforte, Desenho do Autor, 2015.
101
O retrato de Maria Eduarda teve características semelhantes com o de sua mãe, o
olhar distante, porém desta vez apontando de forma muito ligeira, para a metade superior
do desenho, assim como a sua própria cabeça, numa tentativa de lhe conferir um cariz
mais etéreo como parece ser tão descrito no seu retrato literário mas também um tanto
sonhador ambicionando não só algo para si como para o próprio país, defendendo as suas
visões (por ser apologista da república). Este olhar, foi também adotado aqui, pois o
habitual olhar para baixo de rosto sereno poderia não só ter um cariz religioso, o que não
era pretendido, como também esconder o olhar da personagem. Maria Eduarda pouco ou
nada é criticada no decorrer do livro, contrariamente ao que se sucede com outras
personagens femininas, acabando por assim se destacar e elevar das restantes. De certa
forma o olhar para baixo poderia remeter para algum desdém para com estas restantes
personagens. É uma caracterização feita por contrastes com outras personagens e como
tal atinge um grau quase de divindade, em especial para Carlos da Maia, pois tudo o que
vinha de Maria Eduarda considerava perfeito. Esta colocação da cabeça vai não só de
encontro a alguns retratos da época, como também da imagem do rosto tipo 28 a partir do
qual se criou esta aproximação.
102
Fig.52 - Aproximação artística de Maria Eduarda, Desenho do Autor, 2015.
103
4 – Confronto com outras adaptações e comentários
Neste confronto, não faremos qualquer crítica ao casting nem tão pouco à
caracterização dos atores. O objetivo, como já foi expresso, é o de verificar até que ponto
os retratos literários podem influenciar a forma como são idealizadas as personagens e
comparar a nossa interpretação fisiognomónica com a feita por outros leitores ou seja,
com a forma como eles podem visualizar as personagens. Como tal apenas iremos focar
o que nos é apresentado como sendo as personagens e na forma como os atores escolhidos
têm ou não algo que ver com o trabalho fisiognomónico e fisionómico desta dissertação.
104
que é este o caso? É uma questão de difícil resposta. Poderíamos ter em linha de conta o
número de elementos físicos que nos são dados versus o número de elementos
psicológicos, uma maior propensão para um ou para o outro poderá dar a entender qual
deles está o autor mais atento em transmitir. Em casos de falta de retrato psicológico
direto (isto é, quando apenas existe uma descrição de determinadas características
psicológicas), são as acções dos personagens que definem esse mesmo retrato e formam
a ideia daquilo que é o carácter da personagem.
Uma das principais ferramentas para este confronto seriam desenhos, quer as
nossas aproximações, quer retratos analíticos dos atores. Porém a falta de imagens
satisfatórias para a elaboração destes retratos foi um impedimento na sua concretização.
Tal não impediu que as comparações e confrontos pudessem ser à mesma feitas, com as
devidas salvaguardas.
105
Fig.54 – Carlos da Maia interpretado por Graciano Fig.55 – Carlos da Maia interpretado por
Dias. Graciano Dias.
106
Com Pedro da Maia deixamos de parte a problemática da caracterização. Eça de
Queirós não refere qualquer tipo de pormenores como faz com Carlos ou Afonso e como
tal quer esta aproximação, quer a versão cinematográfica tiveram uma componente mais
improvisada quanto à sua caracterização. Seria este o desejo de Eça? Como já aqui foi
falado, somente ele o poderia dizer. Relativamente à fisionomia de Pedro, as semelhanças
que encontramos são poucas. A fronte acaba por ser o elemento onde maior semelhança
encontramos; assim como os olhos que parecem ter algo que ver com esta aproximação.
O nariz aparenta-se reto sem ter a forma aquilina herdada do seu pai, sendo possivelmente
herdado da sua mãe Maria Eduarda Runa, porém a falta de elementos descritivos desta
não nos permite afirmar com maior grau de certeza. Os lábios aparecem mais espessos
embora o bordo livre permaneça mais horizontal aparentando não ter curvas de grande
evidência. Já o mento embora mais recuado apresenta uma pequena projeção em relação
ao ponto labiale inferius.
107
Fig.58 – Pedro da Maia interpretado por Nuno Casanovas
108
Afonso da Maia parece ser aquele que mais semelhanças tem com o retrato por
nós elaborado. Em termos de caracterização, o corte de cabelo difere, não obstante
concedemos essa diferença devido à moda da época. Já a barba aparece comprida, sendo
o formato dependente da visão e das fontes que se consulta. Ambas as aproximações
mostram Afonso de cara larga e com as marcas do tempo bem presentes no seu rosto.
Sobre a fronte pouco há a dizer sendo ambas muito semelhantes assim como o formato
das sobrancelhas. Os olhos tornam-se difíceis de analisar e embora apresentem algumas
semelhanças, o facto de nunca estarem em repouso e com uma expressão natural tornam
difícil a confirmação desta comparação. Quanto ao nariz, este não se apresenta aquilino
como Eça o descreve. A boca e os lábios são de difícil leitura assim como é na
aproximação desta dissertação por estarem em ambos os casos encobertos pelo bigode e
pela barba.
109
Fig.59 – Afonso da Maia interpretado por João Perry
110
Maria Eduarda é outra personagem que apresenta algumas semelhanças com a
aproximação aqui feita. Relativamente à fronte, apresenta características semelhantes,
desde a ligeira perpendicularidade até à marcação das bossas frontais assim como sendo
um dos maiores patamares. Porém as sobrancelhas aparecem mais horizontais e
demarcadas em oposição às curvas e finas que transmitem, segundo Lavater, uma
juventude feminina. Os olhos, à semelhança do que aconteceu nos restantes casos, são
difíceis de se analisar pois não existe nenhuma foto nem tão pouco nenhum momento no
qual os olhos se apresentem sem expressão que os deformem. No entanto, pelo que é
possível observar, verifica-se a mesma sinuosidade e o mesmo paralelismo entre o bordo
livre e a prega da pálpebra, sendo igualmente de grandes dimensões, indo ao encontro do
que por nós foi proposto através do nosso retrato fisiognomónico. Constata-se que o nariz
não se apresenta na continuação da fronte, perdendo assim o perfil grego. A única
característica semelhante presente no nariz reside na cartilagem nasal onde podemos
observar o seu formato e melhor compará-lo com o desenho analítico de Maria Eduarda.
Na boca, os carnudos lábios estão também presentes conferindo ao rosto maior
sensualidade, porém, o bordo livre dos mesmos apresenta-se mais retilíneo com menor
sinuosidade assim como o contorno dos mesmos. Já o mento, embora projetado,
apresenta-se com a pequena cova, sendo esta a única característica distinta indo assim de
acordo com a nossa aproximação. A visão do conjunto e de uma forma geral é de que
embora haja pequenas diferenças nos elementos, como um todo parece ter muito em
comum o que podemos considerar um resultado bastante razoável.
111
Fig.61 – Maria Eduarda interpretada por Maria Flor.
Fig.62 – Maria Eduarda interpretada por Maria Fig.63 – Maria Eduarda interpretada por Maria Flor.
Flor.
112
Em muito o resultado de Maria Monforte, assemelha-se de uma forma geral com
a personagem no formato cinematográfico, em especial na caracterização e na forma
como a aproximação. Na fronte optámos por uma mais perpendicular; já a personagem
na sua adaptação é dotada de uma fronte um pouco inclinada para trás com alguma
acentuação nas bossas e na arcada superciliar. As sobrancelhas apresentam-se finas e
penteadas, sendo no entanto menos arqueadas que as da aproximação feita. Embora o
olhar pareça estar em concordância com o que aqui foi escrito, a pálpebra superior aparece
mais escondida na sua adaptação cinematográfica, porem descrevendo um arco perfeito
como esta aproximação. O perfil grego formado pelo nariz na continuação da fronte
desaparece também, semelhante ao que acontece com Maria Eduarda, talvez por uma
questão de dificuldade em encontrar uma atriz com esta característica. Na cartilagem
nasal, a ponta parece também semelhante à da nossa aproximação. A boca é relativamente
semelhante com a de Maria Monforte, de lábios carnudos e com menor sinuosidade, sendo
também mais larga do que a desta recriação. Porém, e à semelhança daquilo que se sucede
com Maria Eduarda, o resultado final acaba não só por ter algo que ver com a personagem
em si mas também com o resultado obtido nesta dissertação.
113
Fig.65 – Maria Monforte interpretada por Catarina Wallenstein
114
Como é natural todas as falhas fisionómicas aqui apontadas servem apenas para
uma base comparativa entre aquilo que foi feito nesta dissertação e aquilo que nos é
apresentado enquanto personagens. Tudo isto se dissipa quando entram em cena e
representam o papel da personagem, todas as diferenças se esfumam e surgem diante de
nós as personagens que aqui analisámos.
115
5 – Conclusão
116
caracterizadores a melhor visualizarem as personagens, como também noutras indústrias,
desde os videojogos à banda-desenhada.
117
Índice de Imagens
Figura 1 - Retrato de múmia de um jovem de Al Fayum. Antikensammlungen
Munich. (fonte:
https://en.wikipedia.org/wiki/Fayum_mummy_portraits#/media/File:Fayum-01.jpg)
Figura 6 – Luís XIV de França, 1701, 238 x 149cm, Hyacinthe Rigaud. Museo
Nacional del Prado. (fonte:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Rigaud_Hyacinthe_-
_Louis_XIV,_roi_de_France.jpg)
Figura 8 – Esquema de construção da cabeça, Figure Drawing For All It’s Worth,
Andrew Loomis. (fonte:
https://www.goodreads.com/ebooks/download/147941?doc=25358)
Figura 10 – Rick Genest, também conhecido como Zombie Boy, tem todo o corpo
coberto de tatuagens, inclusive o rosto, o que altera a nossa perceção e leitura
fisiognomónica ao tornar difícil a leitura de alguns elementos. (fonte:
http://i.ytimg.com/vi/Q6I-CGThyZs/maxresdefault.jpg).
118
Figura 13 – Frenologia, Diagrama da cabeça. (fonte:
http://thegraphicsfairy.com/vintage-clip-art-antique-phrenology-head/)
Figura 18 – Bois, Leão e Cavalo com Olhos Humanos, Charles Le Brun. (fonte:
http://spenceralley.blogspot.pt/2015/01/physiognomic-heads.html)
119
Figura 27 - Esquemas geométricos aplicados a cabeças, Villard de Honnecourt.
(fonte:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Villard_de_Honnecourt_Trois_tetes.png)
Figura 29 - Os três tipos de perfis, Albrecht Dürer. (fonte: RAMOS, Artur (2011)
– Em Torno da Ideia de Concordância: Desenhar Saber Desenhar, p.31)
120
Figura 43 - Prancha nº 9 (fonte:
https://books.google.pt/books/reader?id=s_xdAAAAcAAJ&hl=pt-
PT&printsec=frontcover&output=reader&pg=GBS.PA60-IA41, p.32)
Figura 44 - Prancha nº 12
(https://books.google.pt/books/reader?id=s_xdAAAAcAAJ&hl=pt-
PT&printsec=frontcover&output=reader&pg=GBS.PA60-IA41, p.36)
121
Figura 61 – Maria Eduarda interpretada por Maria Flor. (fonte:
http://38.mostra.org/br/filme/8282-OS-MAIAS---CENAS-DA-VIDA-ROMANTICA)
122
9 - Referencias Bibliográficas
9.1 - Bibliografia
BARBA, Miguel Ángel Elvira, SCHRÖDER, Stephan F., RUIZ-NICOLI, Bruno (2011)
– Rostos de Roma, retratos romanos do museu arqueológico nacional, Espanha –
Sinceridade e convencionalismo no retrato romano. Sociedad Estatal de Acción e
Cultura, 2011. ISBN 978-84-1527-15-1
BALTRUSAITIS, Jurgis – Aberrations, Essai sur la legénd dês formes, les Perspectives
Dépravées - I. Paris: Flammarion, 1995. ISBN 978-2-08-081617-9
ECO, Umberto – Sobre os espelhos e outros ensaios. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
1989
123
GUEDES, Marina Vale de (2011) – Retrato Robot, o desenho da identidade ausente.
Dissertação de Mestrado em Desenho e Técnicas de Impressão, Faculdade de Belas-Artes
da Universidade do Porto.
HOLANDA, Francisco de – Do tirar pelo natural. São Paulo: Unicamp, 2013. ISBN 978-
75-268-1009-9
MONTAGUE, Jennifer (1994) – The expression of the passions. Yale University Press,
New Haven & London, 1994. ISBN 0-300-05891-8
POLLITT, J. J. (1986), Art in the Hellenistic Age. Cambridge: Cambridge UP, 1986.
PONTÈVIA, Jean-Marie (1986), Ogni Dipintori Dipinge Sè’ - Écrits sur l’Art et Pensées
Détachées. Paris: William Blake & Co., 1986.
QUEIRÓS, Eça de. FERREIRA, José Tomaz (prefácio) (1998), Os Maias. Mem Martins:
Edições Europa-América, 1998. ISBN 972-1-01341-2
REIS, Albani Borges dos – Desenho para a Criminalística e Retrato-Falado: São Paulo:
Milennium Editora, 2003
124
ROQUE, Ana (2011) – O estudo fisionómico na caracterização de personagens.
Dissertação de Mestrado em Desenho, Faculdade de Belas-Artes da Universidade de
Lisboa.
STOKSAD, Marylin (2006) – ART: A Brief History. Prentice Hall; 3rd edition (Fevereiro,
2006) ISBN 978-0131955417
WIEDEMANN, Julius, Illustration Now! Portraits. Colónia: Taschen, 2011. ISBN 978-
383-6524-26-1
125
9.2 - Bibliografia Digital
126
LAVATER, Johann Kaspar (1807) - L'art de connaitre les hommes par la physionomie,
par Gaspard Lavater, Vol. VII. Disponível em
https://books.google.pt/books?id=lUdjBBVfQgAC&dq=lavater+la+femme&hl=pt-
PT&source=gbs_navlinks_s [Consultado em 27-04-2015]
LAVATER, Johann Kaspar (1809) - Le Lavater des dames, ou, L'art de connoitre les
femmes sur leur physionomie: suivi d'un essai sur les moyens de procréer des enfants
d'esprit. 2ª Edição Disponível em
http://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=njp.32101064297292;view=2up;seq=8 [Consultado
em 17-06-2015]
LAVATER, Johann Kaspar (1815) - Le Lavater des dames, ou, L'art de connoitre les
femmes sur leur physionomie: suivi d'un essai sur les moyens de procréer des enfants
d'esprit. 5ª Edição Disponível em
https://books.google.pt/books?id=s_xdAAAAcAAJ&pg=PA20&lpg=PA20&dq=lavater
+faire+connaitre+la+femme&source=bl&ots=4I1ki2ACfu&sig=jyZ7iUWtSo5-wO-
p3AVFpA9pKyg&hl=pt-PT&sa=X&ei=oJ0QVZ-
LB8us7Aaa84DQCw&ved=0CCQQ6AEwAQ#v=onepage&q=lavater%20faire%20con
naitre%20la%20femme&f=false [Consultado em 23-03-2015]
LE BRUN, Charles (1702) - Méthode pour apprendre à dessiner les passions : proposée
dans une conférence sur l'expression générale et particulière. Disponível em
https://archive.org/details/bub_gb_CaYGAAAAQAAJ [Consultado em 18-05-2015]
LOPES, Graça Videira (2005) – O retrato de Afonso Henriques nos textos medievais.
Disponível em
127
http://www.fcsh.unl.pt/docentes/gvideiralopes/index_ficheiros/modelo.pdf [Consultado
em 08-11-2014]
128