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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

RETRATO E FISIOGNOMONIA
Recriação de personagens com base no seu retrato literário

Rui Carlos Pinto Ferreira

Dissertação
Mestrado em Anatomia Artística
Especialização em Anatomia Artística

2015
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS-ARTES

RETRATO E FISIOGNOMONIA
Recriação de personagens com base no seu retrato literário

Rui Carlos Pinto Ferreira

Dissertação orientada pelo Prof. Doutor Artur Vitória de Sousa Ramos

Mestrado em Anatomia Artística


Especialização em Anatomia Artística

2015
Resumo

O retrato desempenha um papel importante não só na imortalização de um


individuo, fazendo com que a sua memória perdure no tempo, como também mostra os
costumes da época em que o individuo viveu. A partir do mesmo podemos não só
observar como foi o retratado fisicamente, como também é possível tirar ilações a deste
e descobrir, por exemplo, que tipo de carácter tinha e qual a classe social a que pertencia.

O presente estudo visa mostrar como a Fisiognomonia, que recorrentemente cai


no esquecimento, mas que é habitual e instintivamente usada por quase todos nós, pode
desempenhar um papel fundamental na interpretação de descrições e de retratos literários,
assim como na elaboração de rostos a partir do carácter.

Teremos, como principal objetivo, a elaboração de aproximações, de retratos


possíveis, de personagens de uma obra literária com base nos seus respetivos retratos
escritos. Tiraremos partido das descrições dos personagens, aliando-as à Fisiognomonia
e à Fisionomia para a sua elaboração. Assim dividiu-se o processo em duas partes, uma
primeira onde desenvolveremos uma aproximação analítica e posteriormente uma
segunda de cariz mais artístico onde iremos ter uma visão mais representativa do carácter,
daquilo que poderia ser a personagem.

Numa fase final, comparámos os resultados obtidos com as personagens de uma


adaptação cinematográfica da obra escolhida. A partir daqui constatámos que a
Fisiognomonia é uma ferramenta importante na elaboração das aproximações e que se a
tivermos em conta, pode influenciar a forma como vemos ou escolhemos as personagens
ou atores.

Palavras-chave: Retrato; Personagem; Cabeça; Fisionomia; Fisiognomonia; Desenho

i
Abstract

Portrait carries a role of great importance not only on the immortalization of an


individual, but also in the perpetuation of his memory in time, as well as it showcases the
habits and costumes of an era from said individual has lived on. From it we can not only
observe how the portrayed was physically, but we can also draw conclusions from the
same and for instances, discover what kind of character he had as well as his social
stratum.

The present study aims to show how Physiognomy, which repeatedly falls by the
wayside, but it is common and instinctively used by nearly all of us, it can play a
fundamental role in the interpretation of description of literary portraits, as well as in the
creation of countenances from the character.

As main objective, we have the creation of possible portraits of characters from a


literary work, based on their respective written portraits. We will then take said
descriptions, combining both aspects of Physiognomy, not only the appearance but also
the character, for their creation. Thus, the process was divided into two parts, a first one
where we will develop a countenance from an analytic point of view, and later on a
possible portrait from a more artistic approach where we will have a more clear vision
and next to what could be real, what the character could be like if it were real.

On a final stage, we will compare the achieved results with the characters from a
recent film adaptation of the literary work chosen. From here, we can ascertain that
Physiognomy is a tool of great importance in the creation of countenances and if we
account for it, it can influence how we view the characters or actors.

Keywords: Portrait; Character; Head; Physiognomy; Drawing

ii
Agradecimentos

Após a enorme viagem que foi este mestrado, são inúmeras as pessoas a quem devo e
tenho de agradecer pelo apoio incondicional que me deram no decorrer. É o culminar de
uma viagem de dois anos em que tantas pessoas participaram e que agradecer a todos
seria uma outra dissertação.

Em primeiro lugar agradeço ao meu orientador, o professor Artur Ramos, que me


ajudou com todo o seu conhecimento, gosto e motivação, sendo por vezes mais do que
orientador e mais do que professor. Alguém com quem tem sido um prazer trabalhar e
que espero que assim possa continuar a ser.

Tenho também de agradecer ao Filipe Martins, pela sua amizade, pela paciência e
pelo papel fundamental que desempenhou ao ajudar com a revisão da dissertação.

Agradeço também à minha namorada, Cristiana Mota, que foi o meu pilar e quem
me apoiou e ajudou quando mais precisava, que também desempenhou um papel
importante em me ajudar com a revisão, e que sem ela tudo isto teria sido muito mais
difícil.

Ao David Gray, que acompanhou todo o processo desde Great Yarmouth e que
sempre foi uma voz de apoio nas alturas difíceis.

Resta apenas agradecer aos meus pais pelo apoio incondicional que me deram na
elaboração desta dissertação, estando sempre ao meu lado e que me ajudaram sempre a
ultrapassar as adversidades e os obstáculos que surgiam.

iii
Índice

Resumo ............................................................................................................................. i
Abstract ........................................................................................................................... ii
Agradecimentos ............................................................................................................. iii
Índice .............................................................................................................................. iv
Introdução, objetivos e propósitos .................................................................................1
Parte I
1 - O Retrato - premissas, propósitos, origens e breve história .............................3
1.1 – O retratar .........................................................................................13
1.2 - Fisiognomonia e Fisionomia – Ler do Exterior para o Interior .......18
1.2.1 – Métodos de leitura fisiognomónica ..................................29
Parte II
2 – Análise fisionómica do rosto – a forma, do geral para o particular ...............36
2.1 – A cabeça e o seu formato, o perfil e a proporção ............................41
2.1.1 – A importância da concordância ou da sua falta ...............46
Parte III
3 – A escolha, a obra, as personagens e o seu retrato ..........................................50
3.1 – Sobre a aproximação Analítica .......................................................55
3.1.1 – Carlos da Maia .................................................................59
3.1.2 – Pedro da Maia ..................................................................67
3.1.3 – Afonso da Maia ................................................................73
3.1.4 – Maria Eduarda ..................................................................79
3.1.5 – Maria Monforte ................................................................87
3.2 – Sobre uma aproximação menos Analítica e mais Convencional – Um
possível retrato .................................................................................................................93
4 – Confronto com outras adaptações e comentários ........................................104
5 – Conclusão ....................................................................................................116
6 – Índice de Imagens ........................................................................................118
7 – Referencias Bibliográficas ...........................................................................123
7.1 – Bibliografia Impressa ....................................................................123
7.2 – Bibliografia Digital .......................................................................126

iv
Introdução, objetivos e propósitos.

Na origem da escolha deste tema, está uma longa ligação à área da ilustração de
personagens, fomentada por diversos projetos que integrei, assim como um grande
projeto pessoal que tenho vindo a desenvolver e que carece de um conhecimento mais
aprofundado acerca da matéria.

A ilustração de personagens, sejam elas do âmbito literário ou com outro propósito


que não este, como os videojogos, é uma matéria de alguma complexidade, pois
facilmente se pode incorrer no erro de cair no estereótipo, atribuindo determinadas
características que tornam a personagem óbvia e/ou desinteressante.

Além da possível contribuição desta dissertação para futuros ilustradores,


investigadores, a mesma poderá ser uma ferramenta no casting de atores para
determinados papeis. Para além disso, há também o enriquecimento pessoal e a vontade
da procura de algo que possa ser a chave para melhor ilustrar personagens e os seus
semblantes, sejam elas dotadas de um carácter dissimulado ou evidente. Tal como a
ilustração parte do texto, e de algo que não é apreensível de imediato, que conjeturamos
com base numa biblioteca de imagens da nossa mente, também este trabalho seguirá um
pouco essa lógica, procurando diversas formas de descrição literária, e tentando ilustrar
de uma forma objetiva e depois artística diferentes personagens. Isto pode resultar num
retrato de um modelo que não existe (ainda que, neste caso em concreto, o modelo exista),
pois só existe num plano literário, onde a base de trabalho é a descrição escrita do
personagem, a sua descrição física e psicológica. Portanto, estamos a retratar, ou a
representar, alguém que não existe fisicamente.

Este tema abre também caminho a uma outra procura. Através do uso da
fisiognomonia, pretende-se representar um rosto que transmita as características que o
artista quer atribuir. A título de exemplo, se uma personagem é má, iremos querer que o
seu rosto transmita isso mesmo. Isto tudo sem nunca se perder o que o retrato tem de bom,
atendendo às suas características.

Não obstante o enfoque na fisiognomonia, condição necessária à criação de


personagens de ilustração, não podemos esquecer que apesar de se apoiar na
fisiognomonia não é uma ciência válida, devido à sua subjetividade.

1
Apesar das suas diferenças, fisionomia e fisiognomonia serão as principais
ferramentas deste trabalho. Como se terá a oportunidade de ver, são as disciplinas mais
relevantes na construção de um rosto que corresponda à descrição dada pelo autor,
procurando-se manter afastado de uma variante do retrato de reconstituição como é o
retrato robot.

2
Parte I

1 - O Retrato – premissas, propósitos, e o retrato desenhado.

Além de ser a mais imediata forma de comunicação, o rosto desempenha um papel


importante no entendimento que o Homem tem entre si1. Desde os primórdios da
civilização que o retrato tem estado presente2. Desde os retratos de Al Fayum (Fig.1) e
dos bustos de imperadores3 (Fig.2) tão frequentes na antiguidade clássica até aos retratos
mais tardios do séc. XIX (Fig.3), a principal preocupação tem sido a representação de
alguém4, de nos dar a conhecer alguém que não conhecemos em vida, e que por vezes
viveu muitos séculos antes de sequer termos nascido. De certa forma é uma maneira de
imortalizar5 o retratado, de perpetuar a sua memória, de manter viva a sua presença6 e a
sua lembrança7, prolongar a memória dos antepassados ou de evitar que a mesma seja
apagada ou substituída. Sendo que estas funções advêm de duas motivações, uma de
veneração solene, e outra da lembrança ou da recordação de um cariz mais sentimental 8.
Para isto ser alcançado, quer o retrato exterior quer o retrato interior têm de ser
conseguidos, isto é, há que captar a aparência física, os seus traços fisionómicos, as
marcas que definem o seu rosto9, mas também captar a alma, o interior humano e o
carácter. Quantos de nós não temos por vezes dificuldades em olhar nos olhos de uma
estátua, sentimo-nos desconfortáveis e por vezes até sentimos que o nosso olhar é
retribuído pela própria estátua, desenho ou pintura, pois é neste que reside a alma10.

1
Cf. GUEDES, Mariana, Retrato Robot, o desenho da identidade ausente, 2011, p.25
2
Poder-se-ia aqui considerar as primeiras representações do homem na pré-história, mas por estes não
estarem munidos de elementos caracterizantes não se podem considerar retratos. - Cf. ROQUE, 2011, p.11
3
Cf. ROQUE, Ana, O estudo fisionómico na caracterização de personagens, 2011, p.11
4
Cf. RAMOS, Artur, Retrato, o desenho da presença, 2010, p.13 Artur Ramos (1966) em Aveiro, Portugal.
Licenciado em Pintura pela FBAUL, Mestre em Filosofia da Arte pela FLUL e Doutor pela FBAUL.
Professor na FBAUL conta com um vasto trabalho não só na área do retrato mas também no desenho
arqueológico. Conta com várias publicações e comunicações assim como lecionou diversos cursos livres
ligados ao retrato e ao desenho e pintura de figura humana.
5
“De facto, o retrato para além de mostrar o rosto de alguém do passado, impede que essa pessoa
desapareça para sempre pois deixa viva a sua recordação.” - Cf. RAMOS, 2010, p.14
6
Cf. AZARA, Pedro, El ojo e la sombra. Una mirada al retrato en Occidente, 2002, p.14
7
Idem, p.24
8
Cf. RAMOS, 2010, p.13
9
“Se o artista reproduz apenas os traços superficiais, tal como a fotografia pode fazê-lo, se assinala com
exactidão as linhas de uma fisionomia, mas sem relacioná-las com o carácter, não merece, absolutamente,
ser admirado.” - Cf. BARBA, Miguel Àngel Elvira, Rostos de Roma, retratos romanos do museu
arqueológico nacional, Espanha – Sinceridade e convencionalismo no retrato romano 2011, p.32
10
Invoca uma frase de Rodin: “Através dos olhos, decifrava as almas… Em tais circunstâncias, não vale
a pena perguntar-se se os bustos eram parecidos com os modelos” - Cf. BARBA, 2011, p.32

3
Fig.1 – Retrato de múmia de um jovem de Al Fig.2 - Busto do Imperador Romano Lucius
Fayum. Antikensammlungen Munich. Verus. Metropolitan Museum of Art

Fig. 3 – Retrato de Charles Baston de Lariboisière, 1815, 75x 59cm, Antoine-Jean Gros. Coleção
privada

4
Azara11 defende que é este o motivo, o da invocação, que cria alguma dificuldade,
presente em alguns de nós, em observar um retrato ou uma estátua durante um longo
período de tempo, de estar sob o olhar penetrante colocado desde alto, que retribui o nosso
olhar12. Tende a invocar um modelo que já não se encontra entre nós, como se este
surgisse e nos encarasse13. Torna-se um retrato intimidante, onde o olhar14 ganha um
alcance que é inexistente noutro género artístico e onde se revela a presença do
retratado15. Porém a função do retrato tem vindo a modificar-se ao longo dos séculos, e
consoante a função altera-se também a sua natureza oscilando entre a pura representação
do retratado e a sua substituição16. Também o retrato foi considerado um recetáculo da
alma17, uma maneira de imortalizar um ente querido. Esta imortalização acontece pois
por muito que o homem envelheça e desfaleça, o seu retrato e a sua imagem perdura18.
Transformando-se no último testemunho deste em vida19, e tornando-se na sua morte,
mais vivo do que nós20. Assim podemos ter alguém que faleceu séculos atrás, com mais
presença que alguém recentemente falecido21.

Já os bustos romanos por sua vez, serviam um propósito diferente, o da


propagação da imagem de alguém vivo e da sua divinização22, e mais uma vez como uma

11
Pedro Azara, arquiteto e professor de estética na Escola Técnica e Superior de Arquitetura de
Barcelona. Além do seu trabalho de investigação e de diversas publicações tem sido também curador de
diversas exposições.
12
Cf. AZARA, 2002, p.14
13
“Un retrato alude siempre a un modelo humano ausente, cuya presencia, real y verdadera, debe ser
sentida en la imagen, como si la persona viva hubiera aparecido y se hubiera encarado en vivo con el
espectador.” – Idem, Ibidem.
14
Idem, Ibidem.
15
Cf. RAMOS, 2010, p.14
16
Aborda o retrato enquanto substituição referindo exemplos de chefes de estado, que tiram partido da sua
imagem e usam o retrato como ícone de forma a estarem presentes mesmo não estando. - Cf. AZARA,
2002, p.19
17
Diz que no seu último suspiro, o homem deixava escapar a sua alma e que esta pairava sobre o corpo até
de esvanecer, no entanto haviam almas que se tornavam malévolas por terem sido esquecidas, como nos
campos de batalha e chegavam por vezes a atacar os vivos. Desta forma foi necessário dar um corpo, um
recetáculo para a alma, e diz ainda que era esta a função da estatuaria clássica onde o material remetia para
o mundo dos espectros. - Cf. AZARA, 2002, p.30-31
18
Fala também de certa forma na importância do desenho, onde destaca que acima de pintor devia ser um
“singular” desenhador. - Cf. HOLANDA, Francisco de, Do tirar pelo natural, p.75
19
– “Los hombres envejecen y desfallecen, pero sus imágenes, no sólo perduran casi eternamente (…), sino
que se convierten en el único testimonio fiable y duradero sobre la fisionomia y el alma de un ser humano
en concreto” - Cf. AZARA, 2002, p.23
20
– “(…)pero sólo la imagen gráfica nos proporciona la impresión de que están vivos todavía, más vivos
que nosotros, porque sabemos que sus retratos nos sobrevivirán.” - Cf. AZARA, 2002, p.24
21
– Dá o exemplo de Tutankhamon que embora tenho morrido há três milénios continua a ter uma presença
forte através das suas imagens. – Idem, Ibidem.
22
Cf. SCHRÖDER, Stephan F., Rostos de Roma, retratos romanos do museu arqueológico nacional,
Espanha – Sinceridade e convencionalismo no retrato romano, 2011, p.58

5
certa sobrevivência da alma23. Assim, os bustos além da pura representação do retratado,
funcionavam também como substituição deste na sua ausência. Contudo, o primeiro
contacto que os cidadãos romanos tinham com o novo imperador era primeiramente feito
pelas moedas e mais tarde pelas estátuas e bustos24. Em Atenas por exemplo, temia-se a
influência que o retrato de alguém ainda vivo pudesse ter na população25, algo que os
romanos parecem ter tirado partido na propagação do seu Império, porém com algumas
limitações26. Mas enquanto até aqui apenas foi referido a estatuária, na pintura, Azara diz-
nos que na arte da antiguidade clássica faltava corpo à pintura27, não corpo no sentido
literal, mas um corpo tridimensional que apenas encontramos em escultura. Porém, não
devemos esquecer que um bom retrato não implica um determinado e estrito suporte, mas
sim a forma como este é feito e se capta tudo aquilo que tem de captar. A única relação
estrita que deve existir é entre o modelo e a sua imagem28. E enquanto num determinado
período histórico o retrato se focava apenas na preservação da memória, para Rembrandt
e os seus autorretratos, séculos mais tarde, servia como um método de divulgação do seu
trabalho enquanto pintor29 (fig.4) onde se representava com vestes nobres que não possuía
de forma a melhor poder mostrar as suas qualidades. Desta forma, observamos que a
função do retrato depende do seu contexto, porém as imagens, representações de seres
divinos ou não, como nos bustos romanos, servem de substituto perante a ausência. Existe
ainda, uma outra característica do retrato que se tem mantido independentemente da sua
função, que é o da propagação de costumes e de estilos, adquirindo assim um valor
documental. Da mesma forma que toda a pintura serve de retrato da humanidade através
dos tempos, também o retrato tem essa mesma característica, seja nos retratos de Luís
XIV, seja nos bustos femininos romanos e na representação dos seus penteados30.

23
Cf. AZARA, 2002, p.35
24
Cf. SCHRÖDER, 2011, p.56
25
“Na Atenas democrática era proibido expor imagens de pessoas que ainda estavam vivas, pois
considerava-se perigosa a influencia que um retrato podia exercer sobre os cidadãos.” - Em muito
poderíamos tecer um paralelismo com as campanhas politicas actuais, a propagação de uma determinada
imagem podia levar a revoltas ou a tumultos. Idem, p.52
26
Idem, p.53
27
Cf. AZARA, 2002, p.42
28
“Platón partía del supuesto tradicional que debía existir una estrecha relación entre el modelo y su
imagen (dibujada, pintada o esculpida).” - Idem, p.43
29
Cf. RAMOS, 2010, p.14
30
Cf. RUIZ-NICOLI, Bruno, Rostos de Roma, retratos romanos do museu arqueológico nacional, Espanha
– Sinceridade e convencionalismo no retrato romano.2011, p.60

6
Fig.4 – Autorretrato usando boina e corrente de ouro, 1633, 70,4 x 54cm, Rembrandt. Museu do Louvre.

7
Ao observamos o retrato do Rei Sol, Luís XIV, podemos ver dois tipos de representação,
uma física, a que podemos associar a fisionomia, e outra que ultrapassa o que é físico, a
que podemos associar a fisiognomonia. Desde cedo encontramos exemplos do que
ultrapassa o físico, nas representações dos faraós, onde de uma forma sintetizada
captavam a essência do que era o faraó, ao qual lhe era atribuído atributos de deuses31. O
mesmo acontece com a ostentação presente no retrato de Luís XIV.

A imagem artística é um documento a partir do qual podemos ver como era a


pessoa figurada, como eram os seus traços e nalguns casos como era o seu carácter32. Isto
parece ser algo questionável, pois nada nos garante que todas as representações de figuras
históricas estejam corretas, pelo menos fisicamente. Muitas vezes o pintor baseava-se
somente em relatos, nos feitos, ou nas descrições psicológicas do retratado. Poderíamos
tomar como exemplo os diversos retratos de D. Afonso Henriques que se apoiam somente
em escritos33. Este tipo de retrato remonta a um “retrato de reconstrução”34, que tem as
suas origens no séc. V a.C.. Ao olharmos mais para trás um pouco, temos um exemplo
flagrante deste tipo de representação ou de retrato baseado num conceito, onde se
procuram representar ideias, ou uma ideologia e um tipo de pensamento. As
representações de Jesus Cristo, e outras divindades, estão repletas de significado e de
simbologia, apoiando-se em escritos e em ideias mais do que num modelo. Há quem
defenda que estas representações não podem ser encaradas como retratos por se tratarem
de idealizações e por não apresentarem características da pessoa retratada, um dos
requisitos para um verdadeiro retrato35, considerando que este seja o casamento perfeito
entre fisionomia e fisiognomonia, entre a aparência física e o carácter. No entanto, algo
não deixa de ser verdade, somente graças ao retrato somos capazes de olhar nos olhos de
homens que morreram e tornar a vê-los com alguma vida36, como disso são exemplo as
máscaras funerárias romanas37.

31
Cf. AZARA, 2002, p.16
32
“La imagen artística es un documento. Nos muestra cómo es o cómo era era la persona figurada, cuáles
son o cuáles eran sus rasgos físicos y, en el caso de las obras maestras, qué se encuentra detrás de su
apariencia.” - Idem, p.14
33
Cf. LOPES, O retrato de Afonso Henriques nos textos medievais, 2005, p.2
34
“ (…) uma efigie imaginária de homens famosos que viveram em épocas pretéritas (Homero, Anacreonte,
etc.) (…)” - Cf. BARBA, 2011, p.36
35
“(…) pois por um lado não apresentam características próprias da pessoa em si retratada, e por outro
representam algo para além do nosso universo físico (…)” - Cf. ROQUE, 2011, p.12
36
Cf. AZARA, 2002, p.24
37
Cf. BARBA, 2011, p.38

8
Antes de mais, um bom retrato deve ser inconfundível, em que quer o modelo quer
a sua presença estejam representados de forma inquestionável38. Tem de invocar a pessoa
e o seu carácter, uma união entre fisionomia e fisiognomonia. O ato de retratar acaba por
ter algo de divino, pois ao retratarmos o modelo de uma forma fiel e inequívoca, quer ao
nível da sua aparência, como ao da sua alma e carácter, estamos perante uma cópia de
uma criação de Deus e nem todos os homens devem ser retratados39. Desta forma o peso
sobre o retratista é imenso pois tem de ser capaz de, além de representar a pessoa,
representar o seu interior e a sua alma40, pois o retrato é, no essencial, uma representação.

Como já foi referido, no retrato existem duas principais questões que devemos ter
em linha de conta. A primeira prende-se a uma representação objetiva, focando-se nos
traços do rosto e preocupando-se com a representação da aparência física41. A segunda
prende-se com a representação subjetiva, similar à encontrada no teatro, quando o ator
encarna a personagem, a qual muda sempre que é representada por um ator diferente.
Azara dá este exemplo em que se percebe que esta representação é uma representação ao
nível psicológico42, onde a preocupação é retratar alguém pelo que é interiormente e não
pelo que é exteriormente. Entramos então no reino da fisiognomonia, deixando de
representar o modelo físico para passar a representar o que o modelo é no seu interior.
Este retrato mais teatral tem as suas origens nos kouros e kore gregos do período arcaico,
que mais tarde originaram um retrato tipológico usado no retrato teatral43.

No decorrer desta dissertação, o retrato estará sempre presente com a premissa do


retrato a partir da descrição. O mesmo pelo qual se guiam os exemplos citados antes, de
D. Afonso Henriques e figuras religiosas. Além do retrato, será o desenho a acompanhá-
lo, por ser o meio mais rápido e que permite maior correção ao longo do processo de
representação, onde todas as questões que a pintura levanta estão mais claras 44. No

38
Cf. AZARA, 2002, p.14
39
Diz que ao fazermos esta cópia do divino devemos ter em conta que somente homens importantes deverão
ser lembrados e imortalizados do natural, pelos seus feitos em vida e que para sempre os devemos recordar.
- Cf. HOLANDA, p.73
40
“el buen retratista tenía que ser capaz de transmitir la “viveza del alma” del modelo.(…) El Artista, por
tanto, debía conseguir que la matéria hiciera visible algo tan impalpable, secreto y oculto como el alma
del modelo.” - Cf. AZARA, 2002, p.25
41
Idem, Ibidem.
42
Idem, p.15
43
Cf. BARBA, 2011, p.34
44
“Sabemos que na pintura o retrato permite-nos falar em termos de desenho, a propósito da configuração,
da proporção, dos traços fisionómicos ou expressivos e nesse sentido estamos a abordar o rosto
representado segundo alguns dos seus aspectos construtivos. Porém acreditamos que no desenho esses
aspectos estão mais claros (…)” - Cf. RAMOS, 2010, p.21

9
entanto iremos procurar representar de uma forma que não só mostre o indivíduo
fisicamente como também o seu carácter, e tentar-se-á isto através das suas descrições,
procurando ao mesmo tempo evitar cair na estilização que facilmente torna o retrato numa
simples representação de um ícone ou símbolo. Falamos aqui de personagens e indivíduos
que nunca tiveram uma presença física, que nunca existiram, isto é, indivíduos não reais.
Poderíamos fazer aqui um paralelismo com o retrato robô pois também este funciona
através do relato e do testemunho, e embora a finalidade desse retrato seja a correta
identificação de um indivíduo, a preocupação com o carácter não é tão tida em
consideração, preocupando-se mais com descrição física pois é esta a que mais contribui
para a correta identificação do suspeito. É uma abordagem clara, fria e objetiva sem nada
para lá do visível.

De um ponto de vista histórico, até ao séc. XIX o retrato era considerado um


género artístico menor45. Isto prendia-se muito com o facto de o retrato ser algo onde a
imaginação e a criatividade do artista eram colocadas de parte, não havia muito a fazer
diante de um rosto real se não retratá-lo fielmente onde apenas nalguns casos se podia
contribuir ou opinar sobre a luz, a cor ou as vestes46. Não obstante, o estatuto menor do
retrato não impediu os retratistas, uns mais que outros, de realizarem obras que enalteciam
determinados aspetos do carácter do retratado47, nem tão pouco na pintura histórica, ainda
que nesta última não pretendessem retratar o modelo mas sim alguém de acordo com a
História.

Por outro lado, a arte dita “Fantástica” era tida em maior consideração pois aqui
os artistas tinham toda a liberdade para usar a sua capacidade inventiva, dando corpo a
deuses e a heróis da mitologia48.

O retrato enquanto desenho surge tardiamente, à medida que o retrato começa a


elevar o seu estatuto em relação aos outros temas no séc. XIX, e a assumir-se enquanto

45
“Sin embargo, hasta el siglo XIX, el retrato era considerado como un género menor, indigno de los
maestros, y praticado por motivos extraartísticos.” - Cf. AZARA, 2002, p.20
46
“Un retratista, por el contrario, debía reproducir minuciosamente unos rasgos humanos a menudo
carentes de gracia. Podía en ocasiones, sugerir un traje o un color, una postura, algún complemento, pero
lo que se le pedia era que respetara el parecidoy la dignidade, lo que le acarreaba no pocos problemas” -
Cf. AZARA, 2002, p.21
47
Refere os exemplos de Velásquez e Goya e a particularidade de os seus retratos de Felipe IV e de Carlos
IV respetivamente, terem algo de caricaturesco na sua representação, e que isto era ao mesmo tempo uma
acentuação das suas características interiores, seja o seu desapego pela situação do povo e do que o rodeia,
seja o porte sobre-humano da monarquia e simultaneamente o desprezo por esta. - Cf. AZARA, 2002, p.21
48
Cf. AZARA, 2002, p.20

10
autónomo, não servindo apenas de base para a pintura49. Exemplo disso são os retratos de
Ingres (fig.5). De facto são imensos os manuais de desenho que surgem neste século
dedicados aos que não sabiam desenhar, procurando guiá-los através de métodos simples
para que fossem capazes de representar, ainda que duma maneira muito rudimentar,
abordando o desenho em geral50. Até aqui o desenho enquanto retrato limitava-se de
esboços, esquiços, estudos, e eram sempre desenhos preparatórios para a pintura51.

Passaremos agora a abordar o que se pressupõe como retrato, neste caso do retrato
aplicado ao tema deste trabalho.

A definição mais comum e que mais facilmente encontramos, entre o público


menos educado na matéria, do que é de retrato, foca-se essencialmente no rosto, e mais
concretamente na representação do rosto de um individuo em particular. Tal não é uma
definição ou interpretação incorreta do que é o retrato. No entanto, como teremos
oportunidade de ver, este estende-se também a todo o corpo52 (fig.6), à semelhança do
que se passa com a fisionomia e a fisiognomonia.

Contudo, para esta dissertação, restringiremos o retrato à cabeça, ao rosto e aos


seus diversos elementos. (fig.7). De entre esses elementos encontraremos os olhos e por
conseguinte o olhar, que tem um papel de grande importância.

49
Cf. RAMOS, 2010, p.16
50
“É raro o ensaio destinado ao desenhador que para além das noções básicas relacionadas com a
construção do retrato, aborde também todo o conjunto de questões que o retrato e a sua experiência
potenciam. Na maioria são obras sobre o desenho em geral que utilizam o género do retrato para expor
melhor as suas ideias sobre como desenhar.”- Idem, p.23
51
Idem, p.15
52
Idem, p.16

11
Fig.5 - Retrato de Guillaume Guillon Lethiére, Fig,6 - Luís XIV de França, 1701, 238 x 149cm,
1815, Jean-Auguste Dominique Ingres. The Morgan Hyacinthe Rigaud. Museo Nacional del Prado
Library & Museum

Fig.7 - Retrato de Rita Silvestre, Desenho do Autor, 2014.

12
1.1 - O retratar

Durante o ato de retratar, devemos ter em conta alguns aspetos, o olhar, a expressão
natural, a postura, a posição da cabeça e do corpo, o traçado, Embora a natureza desta
dissertação seja em torno de um modelo incorpóreo, que apenas existe em diferentes tipos
de descrição e narrativa, podemos e devemos ter em consideração algumas destas ideias.
Assim, neste ponto, iremos abordar as diversas premissas inerentes ao ato de retratar, não
só a partir do natural como também a partir de uma descrição, fazendo referencia também
ao retrato robot. No entanto, apenas algumas destas serão importantes na sua aplicação
ao tema.

Devemos dizer que tanto o retrato robot como o tipo de retrato estudado nesta
dissertação são aproximações especulativas53. No caso do retrato robot este assenta sobre
descrições que podem ser alteradas por uma vítima demasiado traumatizada pela
experiência e que não seja capaz de descrever corretamente o criminoso, tornando-se por
vezes numa descrição inconstante ou perturbada54. Já este retrato através de descrição
literária não deixa de ser uma especulação pois a verdadeira imagem reside na mente de
quem o criou. Limitamo-nos apenas a interpretar o que lemos, e procuramos representar
o mais fielmente possível de acordo com a descrição dada.

Um dos primeiros aspetos a considerar no retrato é o de garantirmos que estamos


a sós com o modelo e imperturbáveis. É importante não deixar que as vozes de quem nos
rodeia nos disturbem, para que as suas críticas não existam durante o retrato, mas também
para que o nosso pensamento, os nossos primeiros traços, não estejam expostos perante
os olhares de muitos55.

Existem aqui dois casos que podemos também ter em particular atenção, o do
conhecimento ou desconhecimento do modelo. Se por um lado o modelo se pode-se
apresentar descontraído e confortável na posição em que está a ser retratado, por outro,
poderá também apresentar uma expressão ou postura falsas que não lhe sejam
características. Assim, é importante conhecermos o modelo, quer fora quer durante a
sessão para que, desta forma, o nosso traçado se altere de forma a melhor representar o
modelo à medida que vamos percebendo a sua verdadeira natureza. E à medida que o

53
Cf. GUEDES, 2011, p.118
54
Idem, Ibidem.
55
Cf. HOLANDA, p.80

13
tempo passa a expressão do retratado altera-se acabando por revelar a sua verdadeira
fisionomia56.

Roque fala-nos de uma questão que se prende com a transferência de atitude,


encontrada recorrentemente quando começamos a dar os primeiros passos no retrato. Fala
então da forma como nas suas aulas de retrato frequentemente colocava elementos seus
no retrato que desenhava, distorcendo o modelo e toda a realidade57, quebrando com a
sua concordância. Podemos acreditar que em determinado ponto durante o nosso percurso
acontece-nos o mesmo pois estamos mais habituados a vermo-nos e a observarmos a
nossa forma, seja através dos espelhos ou fotografia. Assim, quando confrontados com
um novo modelo que pretendemos retratar, inevitavelmente, enquanto não aprendemos a
contornar essas falhas, colocamos algo fisionómico nosso no retratado. Desta forma
altera-se uma das características do retrato que se prende com a semelhança. Diga-se uma,
pois como já tivemos oportunidade de ver, as características de um bom retrato não se
prendem apenas com questões fisionómicas e de semelhança, mas também como de
presença, e de representação da alma, da essência. Isto acontece também com alguma
frequência quando a única base que o aluno tem ao seu dispor prende-se somente com um
manual de retrato. Por vezes a falha destes manuais, em particular os mais
contemporâneos, prende-se com questões de construção e semelhança, esquecendo a
parte teórica que tem um papel, como vimos até aqui, de grande relevância 58. Com
manuais um pouco mais antigos, dos anos 50 ou 60, surge um outro problema, o da
estética da época. Isso leva por vezes o aluno a ser induzido em erros de representação
típicos de uma época tornando o desenho algo estilizado e fugindo a algumas das regras
do retrato. Porém muitos destes manuais têm por vezes boas raízes e boas ideias
estruturais e esquemáticas relativas ao rosto (fig.8).

Contudo antes de nos lançarmos no desenho temos de procurar o ponto de vista


que mais se adeque ao modelo. Apesar de poder variar é porém é a vista a três quartos
que mais informação nos dá acerca do retratado. É uma vista que, sem lhe tirar a ausência
como na vista de perfil59, torna-o assim menos estático como na vista frontal apesar de
conter elementos das duas vistas referidas. É também um ponto de vista que nos pode e

56
Cf. ROQUE, 2011, p.17
57
Idem, p.18
58
Idem, p.22
59
Idem, p.18

14
deve retribuir o olhar, que como iremos ver, é um dos elementos mais importantes no
retrato.

Relativamente ao traçado que devemos empregar no retrato, este tem de sintetizar


as formas gerais da cabeça com vista a podermos trabalhar de uma forma correta. Este
traçado deverá ser o mais fugidio e o mais escorreito que conseguirmos para que se
construa o rosto gradualmente e seja passível de ser corrigido durante o processo. Com a
progressão do traço, e com o desenvolvimento gráfico, este traçado inicial irá desaparecer
cada vez mais, à medida que as linhas e os traços mais decididos tomam o seu lugar, e à
medida que o pormenor vai surgindo60. É neste traçado inicial que a cabeça deve ser
resolvida com rapidez, de forma a conseguir conferir-lhe uma orientação e onde mais
tarde se fazem os apontamentos dos elementos que constituem o rosto.

Deve-se aqui novamente salientar a questão da expressão e da fotografia. Como


já foi dito, a fotografia capta o momento, e muito frequentemente um momento no qual a
expressão natural do retratado é inexistente, estando o rosto sob uma expressão. Já numa
sessão de retrato, ainda que o modelo possa estar desconfortável durante a sessão e após
pequenas conversas, a sua expressão natural, uma expressão que não tem influencias do
que rodeia61, acaba por se revelar, a partir da qual podemos inclusive obter um leve
sorriso62. Este pode ser facilmente conseguido através de subtilezas no traço, enquanto
numa fotografia ou noutra ocasião poderá ser um sorriso forçado, em especial quando é
mantido durante um longo período de tempo, acabando por ser algo momentâneo e
passageiro. Segundo Diderot “… um retrato que ri carece de nobreza, de carácter, e às
vezes inclusivamente de verdade e consequentemente é uma estupidez. O riso é
passageiro. Rimos por um motivo; mas não somos risonhos por natureza.”63 Trata-se da
perda não só da compostura assim como da postura natural do retratado. Podemos desta
forma resolver a questão da expressão no retrato, no entanto como iremos ver, é possível
que existam indivíduos com predisposições para determinadas paixões ou expressões.
Porém é importante que sejamos capazes de captar, mesmo nos momentos em que a
expressão natural se apresenta mais fria, a pequena subtileza que torna presente o

60
Cf. RAMOS, 2010, p.93
61
Idem, p.379
62
Cf. PONTÈVIA, Jean-Marie. Ogni Dipintori Dipinge Sè’ - Écrits sur l’Art et Pensées Détachées, 1986,
p.29
63
Cf. DIDEROT, D. Essais sur la Peiture, Salons de 1759, 1761,1763, p.68

15
retratado64. Ao falharmos isto temos um retrato que nada significa pois não se consegue
ultrapassar a frieza e a inexpressividade. Johann Kaspar Lavater65 (1741-1801) usa o
termo “petrificado”, de forma a identificar este tipo de retratos onde existe uma
fisionomia artificial66. Este retrato “petrificado” pode ser intencional se desejarmos
apenas estudar um rosto ou uma cabeça objetivamente e não retratar alguém. Porém
iremos recorrer a uma vista de perfil e um tipo de traço diferente do que aplicaríamos a
um retrato. Este desenho, considerado analítico (fig.9), é um desenho onde procuramos
abstrair das questões do retrato. Ainda que este possa ter algo do retratado remete,
segundo alguns autores, para uma ausência e distância do observador-67

Porém, a importância de desenhar a partir do natural, prende-se com o acabamento


que damos ao desenho. Pelo facto de estarmos na presença de um modelo que é humano,
este, com o passar do tempo ficará cansado e temos de procurar formas de representação
que melhor se adequem. Assim, evitamos o desenho bidimensional, “lambido”68 e
excessivamente acabado que por vezes encontramos naqueles que recorrem apenas à
fotografia69, pois copiam a fotografia, e como tal o retrato só ficará bom se a fotografia
for copiada na íntegra, esquecendo por vezes o próprio modelo.

Assim, abordámos as principais premissas sob as quais o retrato assenta. Não só


o retrato por si só, como também o retrato robot e o tipo de retrato que iremos construir.
Atendendo ao olhar, à fisionomia, à presença e tendo em conta as questões que se
prendem na sua construção.

64
Cf. RAMOS, 2010, p.380
65
Johann Kaspar Lavater (1741-1801), pastor, filósofo, teólogo e poeta Suíço, é considerado o pai da
fisiognomonia, escrevendo inúmeros tratados e textos acerca dessa mesma matéria.
66
Idem, p.381
67
Cf. ROQUE, 2011, p.19
68
“Lambido” é o termo empregue quando falamos de excesso de acabamento por parte do artista. Como se
este se divertisse lambendo determinada parte não sabendo quando a deveria dar por terminada.
Encontramos uma maior descrição do termo, e do seu uso na Encyclopedie Methodique de Claude-Henri
Watelet: “LÉCHÉ, (adj. Solvente pris substantivement). On appelle léché l’excés du fini. L’artiste qui ne
fait pas quitter son ouvrage à propos, semble, en quelque sorte, s’amuser à le lécher.(…)” - Cf. WATELET,
Claude-Henri. Encyclopedie Methodique Beaux-Arts 1788, p.471
69
Cf. ROQUE, 2011, p.16

16
Fig.8 - Esquema de construção da cabeça, Figure Drawing For All It’s Worth, Andrew Loomis.

Fig.9 - Retrato analítico do perfil de Rita Silvestre, Desenho do Autor, 2014

17
1.2 - Fisiognomonia e Fisionomia – ler do exterior para o interior.

“Remove thyself from here-remove thyself afar ; for to remain with thee is a misery for others
; thy mouth forms words contrary to thy thought ; thou art always ready to mingle lies with
truth.
“Never hast thou dared to face a danger ; never hast thou taken thought for others ; thou
fleet like the buck or the swift goat ; thou avoidest the passer-by from afar.
“To every noble spirit, to every honest hear thou art as brier, and as thorns, a coward,
deceiver, idle ande vil.
“I cannot deny that if thy lips are lying, thy hair, stiff and bristly, is truthful and reveals thy
vices.”
- Marquis Errico Rossi, membro da Academia Arcadiana de Bolonha 70

Da mesma forma que o rosto nos ajuda a compreender o Homem, também este
nos pode enganar, revelando que a mentira não existe apenas por meio da fala71. Desde
sempre que o Homem aplica leituras fisiognomónicas72 a todos os objetos73. De facto
Lavater tem um capítulo reservado a pássaros, peixes, serpentes e insetos74. No entanto,
chamar de fisiognomonia a toda e qualquer leitura faria com que esta caísse ainda mais
no descrédito. Como tal deve ser somente aplicada a seres com um grau médio de
inteligência ou de vida instintiva75, assim como devem ser munidas de forma e de
expressão. Tudo tem uma aparência fisiognomónica, e todos nós fazemos juízos sobre
tudo e todos. Desde quando vamos comprar comida e procuramos analisar qual a melhor
fruta através da sua aparência externa, à observação das nuvens que nos permite aferir se
irá chover ou se se avizinha uma tempestade, e até mesmo quando analisamos um
comerciante pela sua aparência. Algumas senhoras mais idosas podem sentir-se chocadas
quando confrontadas com um jovem coberto de tatuagens que alterem a sua aparência
(fig.10). Podem sentir desde repulsa até medo, sendo que isso advém de um conjunto de
circunstâncias, desde a aceitação à educação da pessoa. No entanto, julgamos e somos
julgados pela nossa aparência externa diariamente. Tiramos conclusões a partir da

70
Cf. MANTEGAZZA, Paolo. Physiognomy and Expression, c.1890, p.12
71
Cf. GUEDES, 2011, p.25
72
Termo extenso e ao qual podemos chamar de várias formas, desde Fisiognomónica a Fisiognómica ou
até Fisiognomia – Cf. ROQUE, 2011, p.24
73
Cf. LAVATER, Johann Kaspar. Physiognomy or The corresponding analogy between the conformation
of the features and the Ruling Passions of the Mind, 1866, p.4-5
74
Idem, p.225
75
Cf. WILLIS, A. E. Encyclopaedia of Human Nature and Physiognomy, 1889, p.17

18
aparência e do “ar”76, é com base na aparência escolhemos com quem interagimos.
Somente esta última leitura se pode considerar uma leitura fisiognomónica, pois procura
conhecer o interior do homem a partir do seu semblante, de modo a saber se alguém é
bondoso, maldoso, generoso ou egoísta…77 Trata-se de uma ciência, assim considerada
por quem sobre ela escreve, que visa estabelecer uma lista de principais tipos de
carácter78. É uma janela para conhecermos o interior e a natureza de quem nos rodeia79.
Trabalha sobre o rosto em repouso, e sem este estar sob acão de emoções ou paixões.
Alfred E. Willis80 no entanto, defende que a fisiognomonia está dividida em dois tipos, a
ativa e a passiva81. Já Paolo Mantegazza82 parece confundir um pouco a fisiognomonia
com a metoscopia (fig.11), afirmando serem dois termos com o mesmo significado, ou
seja, o estudo do semblante83. Embora exista semelhança entre ambas, a metoscopia
aproxima-se mais da fisionomia, estudando as rugas faciais84. Há também quem diga que

76
Por “ar” compreenda-se todo um conjunto de características externas e internas que contribuem para a
aparência geral de um individuo, nestas características encontramos tudo aquilo que define um individuo
como tal, desde a sua maneira de andar, escrever falar, cantar, dançar como encontramos na definições
presentes no dicionário universal de Furetière. Neste encontramos três significados da palavra “ar” que
melhor definem o termo: “Air, signifie encore, Maniere d'agir, de parler, de vivre, soit en bonne, ou en
mauvaise part. Il est des gens du bel air. il a l'air de pedant, de campagnard. il a bon air, bonne grace à
parler, à danser, il vit d'un air à se faire bien des amis, ou des ennemis, il a l'air bas, l'air dédaigneux, ce
que vous me rapportez qu'il a dit, a bien de son air, de son stile, il a bien l'air d'entre du complo les allemand
disent ardsen la meme signification
Air, signifie aussi, la mine, les traits du visage. Ces deux personnes ont bien de l’air l'une de l'autre.
On dit aussi, qu'un tableau a bon air, que le peintre a bieu pris l'air d'un visage, qu'il y a de beaux airs de
teste, pour dire, qu'un tableau est bien ressemblant ou bien dessigné
On dit absolutement d'un homme, qu'il se donne des airs pour dire, qu'il affecte des manieres qui le rendent
ridicule pour vouloir paroistre plus qu'il n'est” – Cf. FURETIERE, Antoinne. Dictionaire Universel 1690,
p.68
77
Podemos invocar aqui uma análise de Rodin feita a um retrato de Voltaire feito por Houdon em que diz:
“Que maravilha! É a personificação da malícia. O seu olhar ligeiramente oblíquo parece espiar um
adversário. O seu nariz pontiagudo parece o nariz de uma raposa… Vê-se a palpitar. E a boca – que obra
magistal! – aparece emolduara por sulcos de ironia… e quanto aos olhos, volto a eles… são diáfanos, são
luminosos…” – Cf. BARBA, 2011, p.32
78
Cf. BLACKBURN, Patricia. La technique physiognomonique de J. K. Lavater et son influence sur le
personnage de roman, 2008, p.8
79
Cf. WILLIS,1889, p.17
80
Professor A. E. Willis foi um fisiognomonista e frenologista, autor de diversos livros sobre a cabeça
humana dando exemplos de determinados atributos físicos acompanhados de estudos de carácter.
81
“PHYSIOGNOMY may be defined, first as the revelation of the character or spirit of any living organic
being, by and through the form, expression and color of the features; second, as the art and science of
discerning and understanting the character so revealed to the observer”- Cf. WILLIS, 1889, p.17
82
Paolo Mantegazza (1831-1910) foi um neurologista, fisiologista e antropólogo Italiano, escreveu diversas
obras em torno da fisiologia assim como em torno da mímica e fisiognomonia.
83
Cf. MANTEGAZZA, c.1890, p.2
84
Cf. ROQUE, 2011, p.25 – Atribui a metoscopia a Jerome Cardan (1501-1576)

19
a fisiognomonia85 tem raízes orientais, e uma ligação com a semiologia86, embora as
raízes apresentadas em cima tenham maior fundamento que a última.

Fig.10 - Rick Genest, também conhecido como Zombie Boy, tem todo o corpo coberto de tatuagens,
inclusive o rosto, o que altera a nossa perceção e leitura fisiognomónica ao tornar difícil a leitura de
alguns elementos.

Fig.11 - Metoscopia, Diagrama da Cabeça, Girolamo Cardano

85
Cf. GUEDES, 2011, p.26-27
86
Semiologia: estudo dos sinais e sintomas das doenças humanas.

20
Como foi já afirmado, tudo aquilo que tem uma aparência pode ser alvo de uma
leitura fisiognomónica, tudo tem um ar sobre o qual podemos fazer um determinado juízo.
Deste modo, a partir do momento em que o Homem foi dotado da capacidade de pensar
e de julgar, podemos afirmar que a Fisiognomonia tem origem na génese da civilização87.
No entanto, Fritz Lange88 defende que os primeiros fisiognomonistas foram os povos
primitivos que tiravam partido de tatuagens e outras marcas faciais, como pinturas, para
alterar a sua fisionomia e instigar medo nos seus adversários89. Por uma questão filosófica
e do entendimento do que é na realidade a fisiognomonia, pelas descrições que fomos
encontrando acima, faz mais sentido haver uma maior identificação com a primeira teoria
da sua origem. Pois a fisiognomonia nasce com o homem, a partir do momento em que
este observa e julga com base na aparência.

Os primeiros fisiognomonistas recolheram provérbios, textos bíblicos, passando


de igual modo pelos filósofos e poetas, criando assim a sua doutrina, adicionando
conjeturas próprias90. Diz-se que Aristóteles está na base da fisiognomonia91, onde
registou no seu texto Organon, dentro de uma obra maior, a Physiognomonica, diferentes
referências sobre a fisionomia e a fisiognomonia desenvolvendo vários pensamentos92. É
a partir deste que duas vertentes surgiram, a Fisiognomonia Comparada (fig.12) e a do
temperamento93. A Fisiognomonia Comparada, de origem aristotélica e descrita por
Platão94, baseia-se num estudo de comparação do semblante com um animal, através do
qual se poderia determinar as características de um indivíduo95. Isto de certa forma, abre
caminho à sátira forçando determinadas comparações enfatizando-as. A segunda vertente,
a do temperamento, tem a sua origem nos textos de Hipócrates sobre os humores, em que
é possível determinar o temperamento a partir de toda a sua forma externa, desde a pele
ao movimento e à sua constituição física, todos os elementos que associamos à
fisionomia96. Desta forma estes textos aristotélicos abrem caminho para outros autores

87
Cf. RAMOS, 2010, p.192
88
Fritz Lange (1864-1952) médico e ortopedista alemão.
89
Cf. LANGE, Fritz. 1942, p.41
90
Cf. MANTEGAZZA, c.1890, p.3
91
Cf. ECO, Humberto., p.53
92
Cf. ROQUE, 2011, p.28
93
Cf. RAMOS, 2010, p.192
94
Cf. MANTEGAZZA, c.1890, p.4-5
95
Um exemplo deste tipo pode ser encontrado nos escritos de della Porta que tece uma análise baseada no
boi e em pessoas que partilham da sua fisionomia: “Os bois são lentos e preguiçosos, têm a ponta do nariz
grosso e os olhos grandes; são lentos e preguiçosos aqueles que possuem o nariz espesso e os olhos
grandes” Cfr. GUEDES, 2011, p.30
96
Cf. RAMOS, 2010, p.192-193

21
escreverem sobre o assunto, o que tornou a fisiognomonia na antiguidade menos
discutível. O mesmo não acontece sobre a sua validade científica97, que nunca foi aceite,
não só pela sua subjetividade como também pelas suas constantes associações às artes
divinatórias, e também à astrologia98 e outras crenças. Apesar de algumas tentativas da
sua inclusão na ciência99, e das suas constantes defesas por parte dos autores e
fisiognomonistas, esta nunca conseguiu ser integrada.

No Renascimento, a fisiognomonia reaparece, e começam a surgir os primeiros


tratados, quer de desenho, quer de pintura, com capítulos dedicados exclusivamente à
fisiognomonia, procurando estar acompanhados de citações que contribuíssem para a sua
validação e/ou credibilidade100. É apenas mais tarde que aparecem escritos somente
dedicados a esta temática. Estes livros procuravam dar conhecimento aos que entendiam
pouco da matéria, permitindo através da análise de um desenho, melhor conhecermos não
só a anatomia como também o Homem101. Estes escritos, aliados aos estudos de Darwin
e Lombroso no séc. XIX, dão origem à frenologia102 (fig.13). Esta, desenvolvida por
Franz Gall103, estuda as formas exteriores do crânio procurando revelar características
interiores do individuo, estudando as suas reentrâncias104 averiguando as deformações
cranianas provocadas por determinadas áreas do cérebro, por estas serem mais
desenvolvidas, revelando assim supostos atributos que poderiam ser lidos nas formas
exteriores da cabeça105.

97
Cf. RAMOS, 2010, p.193
98
Inúmeras referências são feitas às artes divinatórias, como estando associadas à fisiognomonia, essas
referências aparecem também espalhadas um pouco por toda a literatura associada à matéria em questão.
Cf. MANTEGAZZA, c.1890.
99
Refere a tentativa de contrariar as associações e de uma tentativa de devolver a fisiognomonia ao campo
da medicina. Cf. RAMOS, 2010, p.193.
100
Cf. RAMOS, 2010, p.194
101
Cf. GUEDES, 2011, p.26
102
Idem, p.28
103
Franz Josef Gall (1758-1828) neuroanatomista e fisiologista responsável pelo estudo e pela localização
de funções mentais no cérebro, assim como fundador da frenologia.
104
Cf. GUEDES, 2011, p.89
105
Cf. ROQUE, 2011, p.25

22
Fig.12 - Espécimes Leoninos. Ilustração de De humana physiognomia de Giambattista della Porta.
Napoles, 1602. The Getty Research Institute

Fig.13 - Frenologia, Diagrama da cabeça.

23
É no séc. XVIII que surge o grande impulsionador da fisiognomonia, e um
verdadeiro apaixonado na matéria. Falamos novamente de Lavater, que de entre os muitos
escritos sobre esta temática, e que ajudaram na sua difusão, há que salientar Essai sur
Physiognomonie, Destiné a Faire connâitre l’Homme à le Faire Aimer. Pelas palavras de
Mantegazza, este considera que Lavater é não só um apaixonado pela matéria e pela
humanidade, como é revelado no próprio título da obra, mas também muito religioso,
referindo inúmeras vezes a vontade de Deus, ou referindo-se ao rosto e ao Homem como
criação divina, ou criação de Deus. Muito à semelhança daquilo que lemos nos livros de
Mantegazza e Willis, também Lavater, como todos aqueles que da fisiognomonia
escrevem, procuram elevá-la ao estatuto de ciência mas sem nunca serem bem-sucedidos.
É Lavater quem estuda mais profusamente o perfil como sendo esta a vista que mais
elementos nos dá acerca do interior e do carácter106, pois é pelo perfil que nos podemos
abstrair de marcas e deformidades que encontramos ou não numa vista frontal ou de três
quartos, assim como acaba também por ser uma vista que nos apresenta uma estrutura
mais fixa tendo por base a estrutura óssea.

Porém, e apesar de ser algo importante no quotidiano, a Fisiognomonia nunca foi


além de uma pseudociência, pois apesar de todos os tratados, livros e artigos escritos
sobre a matéria, foi alvo de constantes ataques e nunca foi bem aceite pela comunidade
científica tendo caído no esquecimento recorrentemente. No entanto, é algo que usamos
com frequência como por exemplo no cinema, onde podemos logo nos primeiros
instantes, perceber se um personagem é bom ou mau.

Há quem defenda a existência de arquétipos ou tipologias de carácter às quais


determinadas pessoas podem pertencer, e que uma vez que a descodificação de um destes
tipos fosse feita, poder-se-ia desvendar o carácter geral de todas as pessoas desse tipo107.
No fundo acaba por ser uma catalogação108 de rostos criando uma espécie de quadro onde
se poderiam identificar diferentes tipos de carácter109. Porém, da mesma forma que existe
essa defesa também existe o ataque à fisiognomonia invalidando-a como ciência, e que
ao que parece tem sido a principal crítica. Desta forma, outros afirmam que a ideia de

106
Não obstante, Dürer e Camper são dois autores importantes que estudam de igual modo o perfil e os
seus traços. Porém, para esta dissertação e tendo em vista o seu objetivo, será sobre Lavater que mais nos
iremos debruçar.
107
Cf. WILLIS, 1889, p.21
108
Cf. GUEDES, 2011, p.57
109
Nesta catalogação poderíamos encontrar algo como: “o degenerado, o melancólico, o matreiro, o
criminoso nato, a prostituta e ainda o génio” - Cf. COURTINE, HAROCHE, p.225

24
entender a natureza humana, o carácter, através do seu semblante, com um grau elevado
de certeza é impossível, dadas as suas inúmeras variantes. De uma forma muito
romântica, Willis defende que apesar das inúmeras coisas que não compreendemos na
totalidade, nada nos impede de continuar o seu estudo e a sua investigação, aplicando isto
à fisiognomonia110. A sua não-aceitação deve-se muito ao facto de ser difícil padronizar
esta leitura, de sermos capazes de dizer que todas as pessoas com um determinado formato
do seu nariz apresentam ou partilham determinadas características psicológicas, não só
isso como a falibilidade desta “ciência” torna-a também impossível de ser assim
apelidada111.

A fisiognomonia em sido frequentemente associada às práticas quiromânticas112


(não confundir com quirológicas113), assim como a astrologia, embustes e às artes
divinatórias114. Estas têm sido as principais associações que estão no mau nome que se
tem vindo a dar à fisiognomonia. Contudo foram vários os escritos relativos a estas
matérias no início do séc. XVI115. Já no final do séc. XVI, parecem desenvolver-se novas
exigências e a fisiognomonia começa a distanciar-se das artes divinatórias e de outras más
associações116, porém sem nunca ser muito bem aceite pela comunidade científica.

As paixões da alma têm também vindo a ser associadas à fisiognomonia (fig.14)


na medida em que estas se tornam um meio para poder ler o carácter117. O artista, para
poder exprimir a paixão e o sentimento, apenas pode recorrer ao rosto e às disposições do
corpo118. Estas paixões acabam por ser acções musculares, voluntárias ou involuntárias,
que afetam o rosto formando assim uma expressão de acordo com o sentimento119. É uma

110
Cf. WILLIS, 1889, p.21
111
Cf. ROQUE, 2011, p.25
112
Quiromancia: Arte divinatória, ou de adivinhação, conseguida através das linhas da palma da mão.
113
Quirologia: Interpretação de sinais e marcas em ambas as mãos com o propósito de adquirir
conhecimento sobre a pessoa.
114
Cf. LAVATER, 1866, ver Prefácio
115
Cf. GUEDES, 2011, p.27
116
“Nos anos 1580 surgem várias tentativas de fisiognomonia “natural” que se desviam da astrologia e
da adivinhação no exame da fisiognomonia. A separação da fisiognomonia e da astrologia esboça-se assim
no decurso dos últimos vinte anos do século.” - Cf. COURTINE, HAROCHE, p.52
117
Cf. WILLIS, 1879, p.33
118
“Hegel, por exemplo, afirmou que, para exprimir o sentimento e a paixão, o artista tem à sua
disposição apenas o rosto e as posições do corpo.” - Cf. VENTURI, 1984, p.32
119
Le Brun explica a paixão de uma maneira mais romântica acabando no fundo por dizer que esta se prende
mais com algo involuntário do que algo voluntário, pois ao ser voluntário pode acabar por ser forçado e
não natural: “Premierement, la Passion est un mouvement de l’Ame, qui reside en la partie sensitive, lequel
se fait pour suivre ce que l’Ame pense lui étre bom, ou pour fuir ce qu’elle pense lui être mauvais; &
d’ordinaire tout ce qui cause à lAme de la passion, fait faire au corps quelque action.” - Cf. LE BRUN,

25
associação com a qual podemos discordar, pois uma expressão, ou paixão, é algo
temporário sobre algo que é permanente. O rosto sob o efeito de uma expressão é alterado,
e a sua fisionomia deforma-se de acordo com esta, impossibilitando assim uma leitura
fisiognomónica mais correta, pois esta atua principalmente sobre o rosto em repouso, algo
que as silhuetas de Lavater pretendiam combater (fig.15). Não obstante, o estudo sobre
as paixões da alma de Le Brun (1619-1690)120 veio a ter um impacto no entendimento do
Homem e revelar novos dados na ligação entre o rosto e a alma121. É possível presumir
que o uso frequente de uma determinada expressão pode marcar a face, conferindo-lhe
assim com o passar do tempo uma expressão natural através da formação de rugas, ou do
encurtamento de determinados músculos, que pode corresponder a um determinado
carácter, estabelecendo então mais uma relação com as paixões da alma122. Desta forma
percebemos a predisposição de um individuo para uma determinada expressão que é
revelada pelos seus traços quando em repouso123. Para este estudo das paixões, Le Brun
apresenta uma série de desenhos esquemáticos e explicados, que nos ajudam a
compreender as deformações. Assim temos um desenho esquemático que apresenta as
diferenças entre vários géneros de traços do rosto. Outros desenhos esquemáticos mas
desta vez com a ajuda de grelhas como forma de melhor podermos compreender as
mudanças de paixão. Posteriormente, um desenho mais elaborado e mais cuidado que
melhor ilustra então a força de determinada paixão124.

A fisiognomonia não trabalha só, pois está sempre lado a lado com a fisionomia.
Esta última procura analisar de uma forma mais objetiva a cabeça, analisando os formatos
dos diferentes elementos que constituem o rosto125, o formato dos olhos, da boca, do
nariz… É a partir desta análise mais objetiva que a fisiognomonia tira as suas conclusões
para tentar conhecer o interior do Homem, o seu carácter, analisando primeiro a
informação e depois sintetizando-a126. Desta forma dividia-se o Homem e o ser humano
em duas partes, a interior e a exterior127. A fisionomia trata da segunda, e a fisiognomonia

Charles. Méthode pour apprendre à dessiner les passions : proposée dans une conférence sur l'expression
générale et particulière p.3
120
Charles Le Brun (1619-1690), pintor francês, teórico e professor na Academia Real de Pintura e
Escultura de Paris no séc. XVII.
121
Cf. GUEDES, 2011, p.47
122
Teremos oportunidade de melhor vermos esta teoria no ponto referente aos temperamentos.
123
Cf. RAMOS, 2010, p.380
124
Cf. ROQUE, 2011, p.26
125
Cf. RAMOS, 2010, p.191
126
Cf. WILLIS, 1889, p.18
127
Cf. GUEDES, 2011, p.26

26
da primeira. Por ser uma ciência que gira em torno do que observa, algo mais palpável do
que a fisiognomonia, a fisionomia tem vindo a ser mais aceite quer pelo público quer pela
comunidade científica128. Tanto a fisiognomonia129 como a fisionomia130 estendem-se
para além do rosto e do semblante. No caso da fisionomia, esta procura analisar os
diferentes formatos das diferentes partes do corpo, enquanto a fisiognomonia procura
analisar a forma como este se mexe, como anda, como escreve, fala... para poder tecer os
seus comentários quanto ao carácter.

Em contrapartida, existem casos de leituras unicamente fisiognomónicas, em que


não existe um conhecimento fisionómico da parte do leitor, pelo que essa leitura nasce
dotada de uma sensibilidade fisiognomónica131. Esta particular sensibilidade pode
também ser apelidada de perceção intuitiva132, e é esta que usamos quando lemos os
objetos do dia-a-dia como já foi descrito e que no entanto pode também ser aplicada ao
Homem. Lavater diz que existem alguns casos, relativos a esta perceção intuitiva, em que
se tecem por vezes comentários mais acertados que alguém instruído. Por outro lado,
afirma também que existem rostos aos quais não se conseguem tecer quaisquer
comentários133. No entanto, Willis afirma, e podemos aqui fazer um paralelismo com os
dias de hoje, que os jovens passam imenso tempo agarrados a livros românticos e a
novelas que embelezam as mais terríveis das situações, toldando-lhes assim a visão para
o que realmente se passa em seu redor134. Desta forma, esta falta de sensibilidade impede
o que tem sido dito e tomado como natural até aqui, a visão fisiognomónica natural, ou
seja, a perceção intuitiva.

Qual a importância então da fisiognomonia e a sua aplicação ao tema? Quando


estamos diante de um personagem, temos de ser capazes de perceber se é o herói ou o
vilão. Fazemos isso através da análise fisionómica e subsequentemente fisiognomónica,
quer do seu semblante, quer de tudo o resto que o constitui enquanto personagem, como
a postura, andar, vestes e os seus gestos. Isto torna-se tudo mais claro quando estamos
perante filmes de animação, onde a sintetização e a estilização desempenham um papel
importante na descodificação da personagem, tornando tudo mais evidente. O recurso à

128
Cf. ROQUE, 2011, p.25
129
Cf. RAMOS, 2010, p.191
130
Cf. ROQUE, 2011, p.24
131
Cf. LAVATER, 1866, p.13
132
Cf. WILLIS, 1889, p.18
133
Cf. LAVATER, 1866, p.20
134
Cf. WILLIS, 1889, p.20

27
fisiognomonia é constante, pois ao se trabalhar com descrições psicológicas assim como
físicas teremos de ir buscar a fisiognomonia para melhor poder ilustrar o personagem.
Iremos fazer portanto o processo inverso de uma leitura fisiognomónica, partindo das
conclusões já tiradas e construindo um semblante com base nestas.

Fig.14 - L’attention, Ilustração de Expressions des Passions de l’Âme Charles Le Brun.

Fig.15 - Perfis, Johann Kaspar Lavater.

28
1.2.1 – Métodos de leitura e análise fisiognomónica

Até aqui temos falado do que é e do que trata a fisiognomonia, assim como da
fisionomia. Iremos agora abordar que métodos são aplicados numa leitura
fisiognomónica. A partir dos livros de Mantegazza e Willis, por exemplo, constatamos
que existem vários métodos de análise fisiognomónica onde, inclusive, se interpreta a cor
do cabelo135.

Dado que existe um número consideravelmente grande de métodos que


interpretam diversos elementos, iremos focar principalmente naqueles que se prendem
com a interpretação e leitura direta de elementos presentes no rosto.

A teoria dos quatro humores de Hipócrates, não sendo um método de leitura


fisiognomónica, acaba por constituir uma teoria importante pois ajuda-nos a compreender
melhor algumas questões relativas ao interior do Homem e a forma como isso pode
transparecer e surgir no retrato. Fazendo uma passagem breve por esta teoria, temos uma
categorização de quatro humores, baseando-se nas quantidades e nas misturas de vários
fluxos dentro do Homem, aos quais são associados os quatro Elementos. Ar, fogo, terra e
água, são associados aos fluxos, a saber, o sangue, a bílis amarela, a bílis negra e a fleuma.
São também associadas diferentes qualidades136 assim como às estações do ano. Ao
lermos o seu capítulo referente aos humores, Hipócrates tece um comentário comparando
as doenças às quatro estações137, e acaba por haver um paralelismo entre estas e os quatro
humores que estão na base da teoria não só dos fluxos138 como de toda a vida139. Deste
modo, quando tudo está equilibrado, também o Homem está equilibrado e de boa saúde,
no entanto se um destes Elementos predomina ou há um desequilíbrio, o Homem pode
sentir dor140, ou entristecer141. Isto pode então ser usado de forma a identificar uma
possível doença ou determinado carácter de determinado individuo142. Embora reticente
quanto a esta teoria, Lavater acaba por recapitulá-la e adicionar-lhe novos elementos,

135
Willis tem um capítulo dedicado exclusivamente à leitura e interpretação entre loiros e morenos, e a
relação da cor do cabelo e dos olhos com a mente. Cf. WILLIS, 1889.
136
“…, quente e húmida, quente e seca, fria e seca e finalmente fria e húmida, às estações da primavera,
do verão, do Outono e do Inverno e até às quatro idades da vida, a infância, a juventude, a idade madura
e a velhice.” - Cf. RAMOS, 2010, p.383
137
Cf. HIPÓCRATES, 1923, p.87
138
Cf. ROQUE, 2011, p.34
139
Cf. RAMOS, 2010, p.382
140
Cf. ROQUE, 2011, p.34
141
Cf. RAMOS, 2010, p.382
142
Idem, p.383

29
referindo que o corpo é composto por diferentes ingredientes e optando por aumentar a
lista dos elementos tradicionais143. Com isto podemos entender que cada corpo tem o seu
determinado temperamento e um determinado grau de irritabilidade144. Poderíamos
continuar e aumentar a lista à medida que nos vamos apercebendo de mais e mais
ingredientes, ou elementos, porém a parte que mais nos interessa é a forma como isto se
pode traduzir no rosto e depois como o transpor para o retrato. Revela-se no rosto, na
forma como os traços do mesmo se apresentam, e na atitude que estes transmitem. A
irritabilidade é considerada propensa a altos e baixos, distantes e próximos145, o que acaba
de ir de encontro à ideia de concordância146, na forma como os traços se relacionam entre
si, a sua forma e também na sua relação com o resto do rosto. Desta forma o colérico
aspira a elevação e empenha-se sem temer o perigo, segundo as palavras de Lavater.

Segundo Lavater, o temperamento colérico aspira sempre à elevação e empenha-


se sem temer o perigo. O tímido melancólico pelo contrário, encova-se profundamente:
ama o sólido e liga-se a ele. O sanguíneo lança-se no longínquo, e distrai-se
invariavelmente no infinito. O fleumático não procura nem a subir nem a descer, nem a
se distanciar; procura apenas aquilo que pode obter sem dificuldade e sem custo, o que
está ao seu lado; e escolhe o caminho mais curto para percorrer o horizonte por ele
limitado 147.

Lavater faz uma breve descrição dos quatro humores e das suas características,
tudo isto surge na elasticidade do rosto, digamos na sua forma ou na sua atitude, na atitude
que os próprios traços do rosto transmitem e estes dependem da irritabilidade148.
Posteriormente Lavater tece análises e faz comparações com a linha do perfil, a sua linha
principal, a que define o seu contorno. Esta linha principal de diferentes formas pode
identificar determinado temperamento conforme é reta ou curva, por exemplo
temperamentos melancólicos terão perfis mais escavados como Lavater afirma no excerto

143
Cf. LAVATER, 1786, p.86-87
144
Cf. RAMOS, 2010, p.383
145
“Em relação aos quatro temperamentos, considera-se a irritabilidade através da propensão para o alto
e o baixo, o distante e o próximo que a atitude ou os traços transmitem. – Idem, p384
146
Ver ponto 2.1.1 referente à ideia de Concordância.
147
“C’est ainsi que le tempérament colére asoure toujours à s’élever: il prend l’effort, sans craindre le
danger. Plus timide au contraire, le mélancolique creuse, approfondit: i laime le solidem & s’y attache. Le
sanguin se jette dans le lointain, & ses distractions l’égarent dans l’infini. Le fleumatique ne cherche ni à
monter, ni à descendre, ni à s’éloigner; il ne veut que ce qu’il peut obtenir paisiblement & sans peine, que
ce qui est à sa portée; il choisit le chemin le plus cour pour parcourir l’horizon borné qu’il s’est tracé;
rarement fera-t-il un pas de plus que’il ne doit.” – Cf. LAVATER, 1786, p.88
148
Cf. RAMOS, 2010, p.385

30
acima, ou no colérico curvos e aguçados, (fig.16). Porém, como é hábito, a redução a um
número restrito acaba por nunca ser representativa de todos os verdadeiros tipos, pois
podem existir combinações. No séc. XIX, surgem autores que defendem o aumento destes
quatro tipos de temperamento conforme a morfologia de cada rosto 149. É portanto,
importante percebermos, e sabermos, distinguir na fisionomia o que é permanente do que
aquilo que é temporário, e a questão dos temperamentos permite-nos perceber se os traços
do rosto revelam marcas de uma paixão dominante, de um temperamento quando o rosto
está em repouso150. Percebemos que, ao falarmos de expressão natural, não falamos de
marcas de uma tensão momentânea mas sim daquilo que pode alterar de uma forma
permanente os traços do rosto, e que nos permitem facilmente identificar determinado
temperamento a partir dos mesmos.151

Talvez a forma mais comum, à qual mais associamos a fisiognomonia, prende-se


com a observação direta dos seus elementos e a partir deles, assim como da combinação
entre eles, entre eles e o próprio rosto, tecer conjeturas de forma a identificar o carácter.
É de difícil certeza se isto se trata ou não de um método, no entanto diversos autores
frequentemente observam os elementos e deles extraem conclusões 152. Existiram
inclusive casos de pessoas acusadas de crimes sem fundamento somente com base na sua
fisionomia153. Isto vai de encontro a uma ideia que já foi reforçada, a de uma visão
estereotipada, pré-concebida, e preconceituosa. Algumas destas considerações deverão
ser lidas atendendo o século em que foram escritas, pois descontextualizadas podem ser
consideradas ofensivas ou até racistas154. Isto poderia por ainda mais em causa a
veracidade da fisiognomonia, pois até que ponto os antigos escritos sobre a matéria não
têm algo de preconceituoso, devidamente argumentado e justificado? Willis descreve
pormenorizadamente aquilo que devemos ter em conta durante a análise de um
determinado rosto de modo a podermos ler o carácter a partir deste155.

149
Cf. RAMOS, 2010, p.385
150
Idem, p.387
151
Idem, p.388
152
Mantegazza exemplifica referindo inúmeros exemplos de descrições sobre a fronte: “Those with
rounded foreheads are passionate, and it is a sign that they are inflated with presumption” – Cf.
MANTEGAZZA, c.1890, p.35
153
Cf. GUEDES, 2011, p.89
154
Mantegazza tece associações de determinados tipos de fronte, a “raças inferiores” especificando da
Papuásia. Cf. MANTEGAZZA, c.1890, p.34
155
Cf. WILLIS, 1889, p.27

31
Debrucemo-nos agora sobre a fisionomia comparada, novamente uma matéria que
pode ser mais ou menos insultuosa consoante a aceitação e a compreensão de cada
indivíduo. Esta matéria torna-se importante pois durante a narrativa podemos encontrar
analogias, paralelismos ou comparações, entre um personagem e um animal. Já tivemos
oportunidade de ver as suas origens mas nem tanto de a vermos em ação, ou de falarmos
dos seus métodos. É Giovanni Battista della Porta156 quem fala deste tema no seu tratado
Della fisonomia dell’ huomo. Foca-se principalmente na comparação de características
fisionómicas, na sua semelhança e comparação com animais, relacionando as duas a partir
daí se tecem os comentários que podem ser identificativos do carácter. Baltrusaitis157
menciona que todos os tratados têm tido um capítulo referente à fisionomia zoológica,
onde cada parte do corpo é relacionada com a de um animal revelando determinadas
características. Acaba por existir uma relação entre o interior e o exterior do homem, entre
o racional e o irracional e forma-se uma ligação entre a fisionomia e a fisiognomonia, tal
como noutros estudos. Baltrusaitis dá-nos o exemplo do leão, de extremidades grandes,
peito e ombros largos, poderoso e generoso. Que se um homem se assemelhasse a este
seria corajoso e forte158. Se anteriormente vimos um desenho desta matéria, vemos agora
um outro sobre o qual devemos tecer um parêntesis. Dadas as inúmeras reproduções feitas
dos desenhos de della Porta, que já nem inicialmente eram algo de espantoso159, estes
começaram a perder a sua leitura e qualidade, é então que devemos olhar para os desenhos
de Le Brun, que demonstram um diferente e melhor entendimento não só da matéria como
do rosto humano e ainda procurando um realismo que della Porta falha em conseguir
(fig.17). Por sua vez, Le Brun acabou também por investigar o tema, no entanto baseava-
se na troca de elementos do rosto entre animais e o homem (fig.18), colocando olhos de
homem em cabeças de cavalos e leões, e acentuando noutros casos o ângulo entre as duas
comissuras revelando desde logo um ar mais bestial (fig.19). Isto tem um cariz de procura
e de busca pelos elementos que remetem para o animal, pois segundo os tratados pseudo-
Aristotélicos, nenhum homem seria igual a um animal por completo, levando a procurar
e estabelecer quais as características do animal que seriam representativas de determinada

156
Giovanni Battista della Porta (1535-1615) Erudito Italiano e dramaturgo. Contribuiu para o
desenvolvimento científico onde estudou também outras matérias e artes ditas mais ocultas.
157
Jurgis Baltrusaitis (1903-1988) Filho do poeta Lituano do mesmo nome, foi um crítico e historiador de
arte e fundador da teoria comparativa.
158
“Ainsi le lion, puissant er génèraux, a la poitrine large, les épaules amples et les extrémités grandes.
Les personnes qui ont ces signes sont corageuses et fortes.”- Cf. BALTRUSAITIS, p.23
159
Podemos afirmar o mesmo que Jane Montagu que chega a referir-se aos desenhos de della Porta como
rudes, em especial quando comparados com os de Le Brun - Cf. MONTAGU, 1994, p.20

32
característica de carácter, elementos comuns em todos os animais160. Assim enquanto o
homem perderia os seus atributos e as suas características que o definiam enquanto
individuo, o animal manteria as mesmas, não sendo alvo da troca, e o homem adquiriria
uma nova identidade161. Ao contrário do seu antecessor, os desenhos de Le Brun são
muito mais demonstrativos quer dos animais, quer dos humanos que deforma, havendo
autores que assumem o estudo como sendo o mesmo pela quantidade de desenhos mas
também por estes derivarem de della Porta162. Foi no seu estudo de filósofos e antigos
governantes que o trabalho de Le Brun se evidenciou, pois em vez de procurar apenas e
somente a comparação, a sua preocupação prendia-se nos elementos faciais que mais se
destacavam de entre os outros, como sendo o mais representativo do carácter163.

Assim temos a leitura fisiognomónica direta, a teoria dos quatro humores e a


fisiognomonia comparada. Atendendo a estes métodos, iremos aplicar aqueles que mais
se adequam a determinada circunstância no desenvolvimento dos retratos.

160
Idem, p.22-23
161
Cf. ROQUE, 2011, p.39-40
162
Cf. MONTAGU, 1994, p.20
163
Idem, p.21

33
Fig.16 – Addition F. Alguns tipos de perfis de acordo com a teoria dos temperamentos. Ilustração de
Essai sur Physiognomonie, Destiné à Faire Connoître l’Homme & à Faire Aimer. Vol. III, Johann Kaspar
Lavater, 1786, p.97.

Fig.17 - Anatomia comparada inspirada por Camelo, c.1670, 23 x 32cm. Charles Le Brun. Museu do
Louvre.

34
Fig. 18 - Bois, Leão e Cavalo com Olhos Humanos, Charles Le Brun.

Fig.19 - Antoninus Pius com olhos inclinados, Charles Le Brun. Museu do Louvre.

35
Parte II

2 – Análise fisionómica do rosto – a forma, do geral para o particular

Antes que possamos proceder a qualquer retrato, seja este tirado do natural ou de
descrições como o retrato robot e como os desenhos que serão aqui apresentados, tem de
existir um conhecimento dos diferentes elementos que constituem o rosto, não só da sua
forma, mas também da forma como se relacionam uns com os outros. Todos os rostos
possuem diferentes características, e cada um dos elementos tem um formato particular,
existindo assim uma caracterização tipológica de cada um destes elementos.164

Para termos uma base sobre a qual nos possamos debruçar, é necessário abordar
os diferentes pontos notáveis que encontramos na cabeça humana. Tal é importante na
construção de um rosto pois temos de ter conhecimento, quer dos cânones que lhe podem
ser aplicados, quer dos diferentes pontos notáveis nele presentes. Desta forma
entenderemos melhor aquilo que estamos a observar e não confundimos uma
protuberância com uma deformidade.

Para que possamos estudar os diferentes pontos notáveis é necessário ter em conta
que o desenho da cabeça humana terá aqui um carácter de estudo e não de retrato como o
temos vindo a falar até aqui. Isto é, colocaremos as premissas e as condicionantes do
retrato, e observaremos a cabeça, como objeto de estudo. Consideremos então a cabeça
colocada num eixo vertical e atendendo à horizontal de Frankfurt 165 e observá-la-emos
em duas vistas, a de frente e a de perfil, de forma semelhante a um alçado de projeção
ortogonal. Ainda que estes pontos notáveis possam ser observados de outros pontos de
vista, são nestas duas que se evidenciam mais166. Estes pontos são assim importantes pois
podem ser usados entre si como medidas, e também como pontos que revelam geometrias
no rosto adjuvantes à sua representação167.

164
Cf. GUEDES, 2011, p.68
165
“A cabeça deve ser também posicionada segundo a horizontal de Frankfurt, na qual a linha que une o
rebordo inferior da órbita ao orifício de entrada do conduto auditivo externo é colocada num plano
horizontal.” - Uma linha traçada horizontal desde a parte inferior da órbita ocular até à entrada do conduto
auditivo externo. Isto garante que a cabeça está perfeitamente direita, ainda que por vezes seja difícil
encontrar e garantir que ambos os pontos estejam alinhados. - Cf. RITTO, 2001, p.263
166
Cf. RAMOS, 2010, p.61
167
Idem, p.63

36
Olhando para a cabeça colocada numa vista frontal, ou segundo Francisco de
Holanda168, Fronteiro169 (fig.20), e percorrendo-a de alto a baixo, encontramos, excluindo
a massa do cabelo, em primeiro lugar o Vertex, que corresponde ao ponto mais alto da
cabeça. Este ponto assim como o Menton, o ponto mais baixo do crânio correspondendo
à base do queixo, são ambos importantes para se poder definir a altura da cabeça. O
Trichion, ponto que corresponde à raiz dos cabelos, é outro ponto importante pois aliado
a outros permite-nos descobrir a proporção e relação do rosto e das suas partes, como por
exemplo a divisão tripartida do rosto que iremos ver mais adiante. Referente à largura da
cabeça, esta deve ser tomada pelos pontos dos ossos parietais e não pelas orelhas, pois
como sabemos estas variam de forma, e sendo principalmente cartilagem correspondem
a um ponto mole e por isso nem sempre sendo iguais. O mesmo já não acontece com os
ossos do crânio e à semelhança do que se sucede com o Vertex, também estes são de
difícil localização devido ao volume de cabelo.

Outros elementos tais como os olhos, o nariz e a boca, cada um com características
muito particulares, serão abordados à medida que a necessidade assim o exigir, a fim de
não cairmos na redundância.

Na sua tese de doutoramento Antropometria: medidas dos ângulos e inclinações


do perfil de uma população portuguesa e comparação com alguns cânones artísticos,
Ritto170 aborda de uma forma minuciosa e extensiva todos os restantes pontos notáveis
do rosto localizando-os com precisão e explicando-os detalhadamente171. Desta forma,
não faria sentido transcrever tudo o que foi dito noutro lugar e com maior exatidão, pois
ficaríamos apenas com um breve resumo daquilo que se pretende na realidade.

Coloquemos agora a cabeça de perfil, ou meio rosto172 e observamos alguns


pontos notáveis já referidos, alguns com maior exatidão. Também nesta posição, o

168
Francisco de Holanda (1517-1585) além de desenhador, escultor, pintor e iluminista, Francisco de
Holanda conta com inúmeras obras escritas e tratados de arte tendo sido uma das figuras com maior
importância no renascimento Português (renascimento esse, que em Portugal se integra nos
descobrimentos).
169
“Fronteiro é quando o Rosto está igualmente mostrado, com ambos os olhos direitos em nós, e o nariz,
e a boca, e a barba, e a fronte, e as faces que não mostrem nem escondam mais de uma parte que da outra,
mas que estejam medidamente mostradas todas as feições, tanto de uma parte, como da outra, como este
malfeito desenho.” - Cf. HOLANDA, 2013, p.88
170
Isabel Ritto, Professora Doutora na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e médica
oftalmológica, tendo realizado inúmeros trabalhos e pesquisas relacionando sempre a anatomia e a arte.
171
Cf. RITTO, 2001, p.277
172
“Tirar do natural de meio Rosto, segundo outras vezes tratamos, é quando o Rosto está virado de uma
ilharga e lhe não vemos mais que meio olho, e meio nariz e meia boca e inteira toda a sua face, e inteira

37
ziguezaguear e a sinuosidade da linha do perfil revelam também novos pontos
importantes a ter em consideração, e que apenas surgem nesta vista. Porém iremos
remete-los novamente para a autora acima referida, pois apresenta um trabalho mais
pormenorizado e mais incisivo nesta matéria (fig. 21).

Podemos salientar também a importância dos ângulos, que nos podem dizer não
só aquilo que é considerado como estando dentro da média como também aquilo que é
menos comum. (fig.22). Ritto refere os inúmeros ângulos que podemos encontrar na vista
de perfil e que podemos também considerar importantes na construção de um retrato173.
A partir destes, podemos aferir se um nariz pode ser considerado aquilino ou empinado,
como também se o perfil é grego, côncavo ou convexo, assim como outras
particularidades, sabendo se o mento se projeta ou recua. Camper apresenta também
desenhos onde mostra a importância do ângulo geral do perfil em questões raciais e de
um ponto de vista evolutivo (fig.23). Deste retiramos apenas a importância do ângulo
colocando de parte outras questões como a evolução das espécies, e raciais.

Estes cânones e estas questões estruturais do rosto servirão de apoio e de base para
que a construção das aproximações seja feita com a maior correção possível. Assim os
esquemas iniciais terão por base esta informação, quer na construção de um rosto
harmonioso quer na de um rosto disforme.

toda a orelha, a qual se não vê quando o Rosto é fronteiro senão apenas; e vê-se então o perfil do rosto da
pessoa que é coisa nobilíssima na pitura, como…”- Cf. HOLANDA, 2013, p.88
173
Cf. RITTO, 2001, p.302-303

38
Fig.20 - Pontos Notáveis na Vista Frontal, 2006, 30x21cm, Artur Ramos.

Fig.21 - Pontos Notáveis na Vista Frontal, 2006, 30x21cm, Artur Ramos.

39
Fig.22 - Ângulos na Vista de Perfil

Fig.23 – Variações no angulo geral do perfil, Petrus Camper

40
2.1 – A cabeça e o seu formato, o perfil e a proporção

A importância do perfil na fisiognomonia, surge quando Lavater o começou a


estudar e a afirmar que este revela o carácter e o comportamento174. Para além disso, o
perfil dá-nos informações acerca do contorno do rosto, dos seus ângulos e da sua forma,
que numa visão terçada ou frontal se tornam difíceis de identificar ou ficam omissos175.
Como tal, é ao perfil que daremos alguma da nossa atenção.

À semelhança do que iremos ver nos seguintes pontos, também o formato da


cabeça varia e assim como existem diferentes tipos de bocas, narizes e olhos, também
existem diferentes tipos, ou formatos, de cabeça. Além da variante que provoca na vista
frontal, também o perfil é afetado por estes diferentes formatos, que em conjunto com os
restantes elementos determinam diversas leituras fisiognomónicas.

Da mesma forma que existem cânones para o corpo e a sua relação com as partes,
existe o mesmo referente ao rosto. São inúmeras as variações que podem ocorrer, no
entanto os cânones são o principal sistema para a construção e subsequente modificação
do rosto. Desde os primeiros cânones egípcios até aos mais recentes, todos estes apontam
a um idealização e a uma procura de proporção e harmonia 176. Foi na Grécia antiga que
surgiram os cânones que conhecemos hoje e que são usados mais frequentemente no
desenho quer de figura humana quer de retrato 177. Foi no séc. V a.C., na antiguidade
clássica, que surgiu, aliada à estética, uma nova noção de beleza associada às proporções
e relação entre as partes e o todo. Policleto é apontado como o responsável por um novo
sistema que colocava a cabeça como medida para todo o corpo178. Na sua estátua o
Doríforo (fig.24), encontramos repetida sete vezes e meia a medida da cabeça, como
vimos no ponto anterior desde o vertex ao menton, em toda a altura do corpo. Embora a
real medida usada seja ainda alvo de discussões, a base matemática é dada certa179. Mais

174
Cf. MAIA, 2009, p.346
175
É difícil de averiguar, por exemplo, o angulo do nariz, ou seja, o que este faz com a fronte, a partir de
uma vista frontal.
176
Cf. FRANCO, 2012, p.65
177
Idem, p.66
178
Cf. CALADO, Calado, Desenhar o corpo - uma metodologia de ensino constante na arte ocidental
In: Representações do corpo na ciência e na arte, 2012, p.110
179
Richard Tobin (1975) apresenta um estudo sobre o cânone matemático usado por Policleto e as diferentes
relações entre diferentes partes do corpo. Marylin Stokstad (2006) refere o mesmo que Richard Tobin onde
diz que Policleto explora não só a concordância entre proporção mas também do balanco e do equilíbrio.
Porém nenhum parece chegar a um consenso quanto à medida usada apesar do conhecimento comum a
cabeça ser a unidade de medida.

41
tarde, Lisipo com o seu Apoxyomenos (fig.25), faz com que a cabeça seja a oitava parte
do corpo, aumentando em meia cabeça o cânone de Policleto, conferindo assim à figura
uma maior elegância tornando-a mais heroica ou delgada180 consoante a sua conformação
física. No entanto é apenas no séc. I a.C. que surge o primeiro tratado sobre a proporção
humana, com a parte que mais nos interessa relativa à divisão em três partes do rosto181
(fig.26). Esta tem-se mantido até aos dias de hoje. As palavras de Lavater vão ao encontro
deste cânone, referindo que o nariz, para ser belo, terá de ter uma altura igual à da testa182.

Relativamente à forma da cabeça, quer de perfil quer a três quartos quer numa
vista frontal, é de fácil reconhecimento uma forma ovoide e a do pescoço uma forma
cilíndrica. De facto muitos são os esquemas de construções de cabeças que revelam as
primeiras formas como sendo estas mesmas183. Apesar de alguns autores considerarem a
cabeça como sendo mais aproximada a uma forma esferoidal, a cabeça de formato mais
oval aparece como estando associada a uma forma mais agradável e também mais
harmoniosa. Assim, podemos ter a liberdade de alterar o formato de forma a conferir à
cabeça uma outra leitura184. Qualquer o processo de desenho da cabeça, de teor mais
prático, está direcionado para que seja possível desenhar uma cabeça sem recorrer a um
modelo185. Exemplo disso são os desenhos de Villard de Honnecourt (fig.27) onde recorre
a formas geométricas simples, e outras mais complexas para a construção não só de rostos
e figuras humanas, como também animais. Algumas destas formas, quando vistas em
rostos humanos são um passo fundamental na leitura fisionómica e depois
fisiognomónica186. Mas até em representações puramente esquemáticas, o rosto aparece
sempre com uma forma oval (fig.28). Enquanto nos referimos à ovalidade da cabeça, é
também verdade que esta pode assumir muitas outras formas (que não uma forma oval
perfeita), mas sempre com a sua ovalidade presente. Possuindo uma fronte ampla ou um
queixo diminuto, a forma envolvente, quando vista de frente e com a exclusão do cabelo
(este último em nada deve afetar o desenho da cabeça) deverá estar inserida dentro de um

180
Cf. POLLIT, 1986, p.106
181
Traduz o Latim de Vitruvio revelando esta divisão: “Desde o mento à base do nariz, mede a terça parte
do rosto, desde a base do nariz às sobrancelhas, outra terça parte e desde as sobrancelhas até às raízes
do cabelo, a fronte mede igualmente outra terça parte.” No entanto, a colocação do ponto entre as
sobrancelhas parece ter vindo a ser debatido pois não se sabe ao certo qual o ponto a ter em conta, se a
Glabela se o Nasion - Cf. FRANCO, 2012, p.66
182
Cf. LAVATER., 1866, p.57
183
Cf. RAMOS, 2010, p.90
184
Idem, p.91
185
Idem, p.93
186
Idem, p.95

42
retângulo, este terá as suas faces mais pequenas tangentes ao vertex e ao menton. Já na
vista de perfil, a cabeça deverá estar inserida num quadrado, por ser mais larga devido à
sua profundidade, onde as partes superiores e inferiores do quadrado serão tangentes aos
mesmos pontos187. Como já tivemos oportunidade de constatar, a cabeça humana pode
ser reduzida a formas geométricas simples, e do mesmo modo que isto ocorre na cabeça,
também os outros elementos constituintes do rosto podem ter uma simplificação
preliminar188.

Relativamente ao perfil, encontramos também com alguma facilidade diferentes


tipos. Lavater diz-nos que este é constituído por uma só espécie de linha, ou seja, ou
côncava ou convexa, direita ou esticada189, já Delestre190 (1800-1871) cita a sua
importância na harmonia do rosto como iremos ver adiante usando os desenhos de Dürer
(1471-1528) (fig.29).

187
Cf. RAMOS, 2010, p.97
188
Idem, p.98
189
Cf. RAMOS, 2011, p.27
190
Jean Baptiste Delestre (1800-1871), ainda que tenha recebido instrução artística por Antoine-Jean Gros,
deixou-a de forma a dedicar-se à sua história e crítica da mesma.

43
Fig.24 - Doríforo, 200cm altura, Policleto. Museu Fig.25 - Apoxyomenos, 205cm altura, cópia
Arqueológico Nacional de Nápoles. romana de Lísipo. Museu do Vaticano.

Fig.26 - Diagrama referente aos cânones das divisões: tripartida da face (linha verde) e bipartida da
cabeça (linha rosa). Filipe Franco.

44
Fig.27 – Esquemas geométricos aplicados a cabeças, Villard de Honnecourt.

Fig.28 - Esquemas ilustrativos de expressões de personagens a partir de Humbert Superville e de Carlos


Plasencia Climent, Ana Roque.

Fig.29 – Os três tipos de perfis, Albrecht Dürer.

45
2.1.1 – A importância da concordância ou da sua falta

É sobre esta temática da concordância que iremos falar um pouco agora. Tem tido
diferentes nomes mas foi a concordância que ficou191. É de grande importância termos
este assunto em consideração, quer seja na construção de um rosto harmonioso ou de um
que tem falta desta. Ramos defende que a concordância prende-se com uma busca
extrema de relações dentro do rosto e do corpo192. Esta busca pode levar depois à
harmonia ou à falta dela, dependendo daquilo que pretendemos para a personagem.

Poderíamos definir esta questão de uma forma em que tudo está ligado a tudo. Em
que uma parte mostra algo das restantes às quais se liga193. Mas também, como uma
pequena parte pode influenciar as restantes e criar harmonia ou desarmonia. É através da
cabeça que conhecemos e reconhecemos o ser humano, mais do que qualquer outra parte.
É uma zona de extrema complexidade, onde é clara a sua relação com as suas partes e
enquanto parte de um todo. A mais pequena alteração que ocorra será mais notória aqui
do que em qualquer outra parte do corpo194. Assim teremos uma premissa simples de que
se o rosto tiver um determinado formato, também as suas partes deverão acompanhar esse
mesmo formato195.

Delestre diz-nos que existem um determinado número de relações formais que


garantem a concordância196. Diz-nos então que um determinado nariz apenas pode
pertencer a um só rosto e a mais nenhum tornando-se insubstituível pela forma como se
liga com os seus restantes elementos197. Isto pode parecer de tal forma óbvio durante o
ato de retratar que mal damos por isso, no entanto perante o olhar atento constatamos que
a questão da concordância é algo importantíssimo para atingirmos a essência do retrato.
De tal forma que Delestre apresenta um exemplo onde a concordância falha (fig.30).

191
“Esta questão que nos aparece segundo diversos autores, ao longo dos tempos, através de várias
denominações, desde a conveniência, correspondência, acordo, conformidade, consonância,
homogeneidade até à ideia de concordância…” - Cf. RAMOS, 2011, p.27
192
Cf. RAMOS, 2010, p.253
193
“Leibniz desenvolve um sistema que acreditamos poder ajudar-nos a compreender melhor a natureza
da concordância, ou seja de como a mais pequena parte de um rosto participa ou reflecte as características
do todo e de todas as suas partes” - Idem, p.254
194
Cf. RAMOS, 2011, p.27
195
“Tout devient oval, si la tête est ovale; si elle est ronde, tout s’arrondit; tout est quarré, si elle est
quarrée.” - Cf. LAVATER, 1783, fragmento 14, p.267
196
No capítulo Concordance du traits du visage, um dos exemplos deste tipo de relações que nos é
apresentado é o de que uma fronte recuada terá como correspondente um nariz aquilino. – Cf. DELESTRE,
J. B., De la Physiognomonie, 1866, p.132
197
Cf. RAMOS, 2011, p.28

46
“Ce profil est défectueux : son expression est fausse ; la partie inférieure est en désacord
avec le dessus ; un mentón carré ne termine pas la tête commençant par un tel front. Nous
sourions en entendant regretter sérieusement l’impossibilité de retoucher ce que l’on considère
comme un défaut dans l’oeuvre de la nature. Le remède serait pire que le mal. Il ne faudrait pas
toucher à un point : le tout serait à refondre.”

- Jean Baptiste Delestre, 1866, pág. 135

Delestre é bastante pragmático na sua análise de um rosto não concordante,


chamando-lhe de defeituoso e constatando que a parte inferior não corresponde com a
superior, que o queixo não se adequa à fronte, que a expressão é falsa, e logo o retrato
falhou. Não existe harmonia, nem presença, nem a expressão natural. Ramos acrescenta
que alguns outros exageros198 não explicados por Delestre contribuem para este retrato
falhado.

Delestre fala da sua importância para atingir esta concordância como sendo um
“meio mnemónico ao servirem de unidade comparativa199”, assim seria mais fácil, através
da identificação correta da linha do perfil, identificar também algumas relações de
concordância entre os três patamares, fronte, nariz e boca, porém sempre caso a caso.

Não se trata de um sistema, nem de um conjunto de regras que devemos seguir à


risca, mas sim algo baseado na harmonia e na forma como os elementos constituintes do
rosto se ligam nas suas formas, isto é, se os seus traços acompanham os traços dos outros
elementos. Delestre menciona que no início do séc. XVIII, um determinado artista,
procurando diminuir o tempo de pose a que submeteria o retratado, arranjou um método
de elementos do rosto já desenhados, ao qual o retrato se moldaria200. Isto estaria então
condenado ao fracasso, pois por mais tipologias e categorias que se conseguisse criar,
nunca seriam suficientes para a incomensurável quantidade de variedades do rosto
humano. Não só isso como é mais fácil apontarmos a dissemelhança do que a semelhança,
ou parecença. Trata-se então da procura de traços que sejam correspondentes, digam-se
concordantes, com outros e observarmos como estes se relacionam entre si e entre outros,

198
Cf. RAMOS, 2011, p.31
199
Cf. DELESTRE, 1899, p.138
200
Idem, p.139

47
da procura da harmonia pelo qual o rosto se rege. É algo que ultrapassa as medições, a
proporção ou a própria geometria, e que por vezes apenas nos deparamos com ela à
medida que o desenho vai sendo construído201. Que um determinado nariz apenas pode
ser usado com uma determinada fronte, e onde a harmonia esteja presente. Desta forma,
Lavater diz-nos que o artista deverá estudar o maior número de rostos, tirados do natural,
de forma a não só observar o maior número de variedades, assim como o maior número
de relações uniformes dentro de cada um202.

Porquê então a importância da falta de concordância, depois de tudo o que foi


dito? A concordância contribui para um rosto harmonioso; se este não for concordante o
rosto deixa de o ser. Como tal, podemos ter rostos mais ou menos concordantes, mais ou
menos harmoniosos e que nos podem até sugerir, em vez de prazer, repulsa. Desta forma
iremos tirar partido da falta de concordância e aplicá-la, quando necessária nas
aproximações, ou não, caso estejamos na presença de uma personagem feia ou disforme.

201
“… só depois de ter desenhado o nariz e se lança no desenho a orelha, é que se apercebe que existe,
naquele rosto, uma subtil ligação…”- Cf. RAMOS, 2011, p.32
202
Idem, p.28

48
Fig.30 – Fig.178 à qual Delestre se refere como sendo um rosto defeituoso onde a concordância falha.

49
Parte III

3 – A escolha, a obra, as personagens e o seu retrato.

O que é uma personagem? O que se compreende por uma personagem e que


determinado conjunto de atributos definem uma personagem? Antes da sua escolha para
este tema, temos de saber a saber definir.

Uma personagem pode ser fictícia ou real. No entanto, para que seja uma
personagem, ela tem de ser um interveniente numa história ou estória. Hoje em dia
encontramos personagens em tudo, desde videojogos, literatura, cinema, televisão, séries,
desenhos animados, teatro, banda-desenhada... Personagem pode ser também o termo
atribuído, em forma de adjetivo, pejorativo ou não, à qualidade boa ou má de um homem.
“Alexandre foi uma grande personagem da história”, por exemplo, enquanto vilões
podem ser terríveis ou personagens ridículas203. Uma personagem traduz acções,
pensamentos e ideias204, quando interpretados por um ator, este perde a sua identidade
assumindo a personagem, fazendo com que as suas ideias sejam as dele e focando-se em
transmiti-las. Se a personagem for uma personagem histórica, tudo o que fez foi real, a
menos que deturpado em ficção, ou fantasia histórica. Porém uma personagem pode ser
puramente fictícia, imaginada na mente do autor, ou na pele do ator que a interpreta, se
for esse o caso.

A caracterização destas personagens pode ser considerado como um elemento


adjuvante à transmissão dos seus ideais e ideias, pode ajudar e dar a entender melhor qual
a inclinação da personagem, se para o bem se para o mal, a compreender melhor o seu
interior205. Isto é possível através de um enorme número de combinações, não só de
características físicas, falamos por exemplo no rosto e no que este nos pode transmitir,
mas também pela forma como se veste e age, pelos adereços, etc… Na literatura, como é
o caso analisado neste trabalho, apesar destes elementos todos poderem estar descritos,
são ao mesmo tempo criados na mente do leitor, ainda que por vezes seja o autor quem
tenha a imagem mais vívida e clara da personagem. É nesta parte que a fisionomia
desempenha o papel de caracterizador. Na literatura é menos provável de ocorrer pois não
existem imagens, salvo ocasionais ilustrações. No entanto é frequente ver, ora em jogos,

203
Cf. FURETIERE, 1690, p.1568
204
Cf. ROQUE, 2011, p.42
205
Idem, Ibidem.

50
ora em banda desenhada, enfim, em tudo o que tenha uma imagem, o recurso não só a
determinadas características visuais como também a características fisionómicas que
mostrem uma propensão para determinado carácter, bom ou mau, e claro, isto vai de
encontro ao que estuda a fisiognomonia. Tudo isto ocorre quando existem imagens, mas
no caso da literatura é o leitor que, através das descrições, cria na sua mente a aparência
personagem.

Relativamente à escolha das personagens a serem retratadas, muito tem que ver
não só com a diferente personalidade com que é retratada literariamente, mas muito tem
que ver também na forma como é retratada. Terá uma descrição vaga, deixando muitos
elementos em aberto? Ou exaustiva, retratando pormenorizadamente cada traço do seu
rosto assim como cada traço do seu carácter? Focar-se-á somente nos aspetos
psicológicos, deixando a parte física a ser preenchida pelo leitor e por aquilo que o leitor
entende do período no qual a personagem se insere? Existe uma grande alteração ao longo
da história que justifique vários retratos tendo em conta a perceção que temos da
personagem no decorrer da história? Por exemplo, uma personagem que começa como
sendo boa e termina como um vilão? É segundo estas questões que irá assentar a nossa
escolha, e enquanto umas podem ter um determinado interesse, outras podem tornar-se
impraticáveis por inúmeros motivos, que vão desde um número excessivo de alterações
a descrições demasiado vagas, estas últimas mais frequentes em casos de personagens
secundárias, o que de certa forma irá fazer com que nos foquemos nalgumas personagens
principais e na sua primeira impressão. E porquê a primeira impressão apenas? Porque é
nessa primeira impressão que nos é dada uma descrição pelo autor. Todas as outras
alterações que surgem no decorrer da história são, em muitos casos, alterações feitas pelo
leitor nos diferentes momentos em que as personagens são confrontadas com
determinadas situações. Pode existir mais ou menos afinidade consoante os casos e as
situações em que a personagem se envolve, pelo que cada leitor inadvertidamente altera
a sua perceção. Desta forma permite-nos focar em determinada personagem sem que
entremos em devaneios demasiado pessoais que possam ser impossíveis de justificar sem
que tenhamos de partir para outro ramo que não o retrato.

A partir do que foi dito teríamos diferentes metodologias que poderíamos


empregar. Uma delas, prender-se-ia com o retrato da personagem físico e o confronto
deste com seu carácter através da sua análise fisiognomónica. Tal teria o seu interesse,
mas o facto da descrição física estar presente de uma forma tão hermética não abriria

51
espaço a qualquer outra interpretação. Desta forma, optou-se por um método em que se
tira partido quer da descrição física, quer da psicológica, para construirmos as
personagens e simultaneamente adicionar conjeturas da fisiognomonia, alterando os seus
traços de forma a melhor se enquadrar com o seu carácter.

Ir-nos-emos focar numa obra de Eça de Queirós, Os Maias. Porquê Eça e porquê
Os Maias? A escolha do autor foi feita tendo em conta o género literário e a forma como
nos são dadas as descrições dos personagens. Eça é conhecido pela sua escrita realista e
pela forma pormenorizada como descreve não só espaços físicos como também
personagens. Por vezes Eça dá-nos mais pormenores acerca dos traços psicológicos das
personagens do que dos físicos, abrindo assim espaço para que a fisiognomonia possa
entrar. Para a escolha da obra teve-se também em conta uma recente adaptação
cinematográfica com a qual iremos poder comparar os resultados quer na caracterização
quer nas semelhanças fisionómicas entre ator e personagem. De forma não comprometer
o trabalho e de forma a limitar as influências externas, a visualização do filme apenas foi
feita somente após a realização do trabalho prático desta dissertação.

Os Maias é um romance sobejamente conhecido e estudado, da autoria de Eça de


Queirós e publicado em 1888. A ação decorre na segunda metade do século XIX
desenrolando o seu enredo ao longo de três gerações, retratando a classe dirigente206.
Aqui, o que acaba por ser importante na caracterização da personagem é a época e o
período em que decorre, pois o século XIX tem características estéticas próprias, desde o
formato dos bigodes (quando existiam) aos penteados, das cartolas aos chapéus de coco,
dos lenços de pescoço às camisas, etc… sendo que o meio ao qual pertencem as
personagens, a sua classe social, acaba também por ser um fator determinante na sua
caracterização.

É também por este motivo que se procurou estudar fisiognomonistas da época,


como Lavater, Mantegazza e Willis, para que as questões de beleza fossem mais de
acordo com o século XIX e o mais aproximado da data. Pois como sabemos, o gosto e o
belo alteram-se de século para século, de ano para ano.

Relativamente à escolha das personagens, esta não se baseou numa questão


hierárquica, isto é, personagens principais ou secundárias, mas sim na quantidade de

206
Por classe dirigente podemos entender classe alta com cargos de poder, ou relativo poder e influência
na sociedade. Cf. QUEIRÓS, Eça de, Os Maias, 1998, ver prefácio

52
informação dada na descrição desta. Desta forma, podem existir personagens secundárias
com muita informação, tal como pode haver personagens principais com pouca
informação na sua descrição. Será com este fator de mais ou menos elementos descritivos
no qual se basearão as escolhas. Sendo que Eça tem as características de um escritor
realista, há tendência para haver um equilíbrio entre a descrição psicológica e física, sendo
que um complementa o outro tornando-se assim um fator determinante na escolha quer
da obra quer das personagens.

Apesar do tipo de retrato que estudamos nesta dissertação se focar em descrições quer
psicológicas quer físicas, podemos tecer um pequeno paralelismo com o retrato robot.
Este trabalha em torno de descrições das suas particularidades fisionómicas de forma a
poder identificar e reconhecer um individuo207. A componente artística presente nesses
mesmos, pode ser comparada no espirito da procura da identificação.

“Teoricamente, o objectivo primordial do retrato robot reside na procura de uma (id)entidade


invisível, feita por intermédio de elementos descritivos capazes de construir uma imagem
semelhante à da face procurada”

- Mariana Guedes, 2011, pág. 118

Deste modo, ainda que as premissas de ambas as vertentes do retrato possam ser
idênticas, a desta dissertação procura uma vertente mais ilustrativa, ainda que também
representativa, mantendo à mesma o realismo presente no retrato e afastando-se do retrato
robot na sua frieza característica, onde não há espaço para improviso, para o devaneio e
para outras características que podem estar presentes no retrato.

Abordámos a concordância como sendo um elemento importante que contribui


para a harmonia do rosto e da cabeça. Assim todas e quaisquer alterações feitas num rosto
serão evidentes. Desta forma antevê-se um problema na criação de um rosto, ainda que
com base em descrição, pois se os elementos não se relacionarem estaremos perante uma
figura disforme, o que apenas pode ser assumido como intencional, caso seja uma
característica da própria personagem. Da mesma forma que temos um conhecimento

207
Cf. GUEDES, 2011, p.118

53
intrínseco acerca da anatomia da cabeça, sabemos também o que não é normal e ou o que
é irregular. Assim podemos alterar e distorcer conforme seja a nossa vontade sem nunca
perdermos a harmonia, a menos que seja essa a nossa intenção. Podemos elaborar
esquemas e outras formas de construção de um rosto, dentro dos parâmetros normais e da
harmonia, os quais podemos modificar de forma a evitar esses mesmos parâmetros e a
esse mesmo conceito de harmonia208.

No ponto 3, abordámos a forma como a personagem evolui ao longo do livro, ao


longo da sua história. Embora tenhamos uma visão da personagem a partir do primeiro
contacto com ela, começando a visualizá-la, esta pode nalguns casos evoluir e pender
entre o bem e o mal, deformar-se por acções externas ou até mesmo envelhecer. Aqui
surgem várias questões. Devemos apenas retratar o primeiro contacto? Devemos procurar
retratar a sua essência? Ou devemos procurar retratar a personagem como ela é no final?
A ideia que temos dela no final, após uma sucessão de emoções que podem alterar a nossa
perceção. Se aplicarmos o que sabemos acerca do retrato, não procuramos retratar o que
a pessoa será, mas sim aquilo que é e/ou foi, pelo que teremos de escolher uma altura
determinada, seja no início, o primeiro contacto com a personagem, seja no fim, no
momento em que sabemos aquilo que foi e como termina. Porém, como nos referimos a
personagens literárias, que sofrem constantemente mudanças no nosso imaginário, pois
além das páginas do livro, é nele, no imaginário, que a personagem também reside. Esta
é criada a partir do primeiro contacto que temos com a sua descrição. Diferentes pessoas
irão ter diferentes abordagens e criarão diferentes semblantes das personagens na sua
mente, no entanto, a intenção é que as descrições das personagens transmitam uma ideia
de como ela é e deve ser considerada universalmente. Por exemplo, se uma personagem
nos for descrita como sendo loira e de olhos azuis, a nossa mente automaticamente irá ter
em conta estes elementos por serem objetivos e com o propósito de, desde o início, limitar
a personagem. Imaginar algo diferente seria chocar contra aquilo que nos é dito e
contrariaria a vontade do autor.

208
Cf. ROQUE, 2011, p.45

54
3.1 – Sobre a aproximação Analítica

Com base nas descrições das personagens que escolhemos e antes de podermos
fazer um retrato dessa personagem, temos de a observar. Neste caso olharmos para as
descrições, e procuramos representar a personagem de uma forma analítica para que
possamos observar os contornos do seu rosto e tudo aquilo que a define. Somente mais
tarde, depois desta análise fisionómica ser feita, poderemos avançar para um retrato de
cariz mais artístico que procure retratar não só formalmente a personagem, como também
de um ponto de vista fisiognomónico, atendendo aos escritos de Lavater e outros
fisionomistas, e recorrendo se necessário à fisionomia comparada. Atendendo ao facto de
que nem todas as descrições físicas aparecem completas, teremos de recorrer logo na
primeira fase à fisiognomonia. Porém, será apenas na seguinte fase que o interior terá
mais relevo e onde se notará maior semelhança com o que idealizamos a partir da leitura
das descrições psicológicas.

Numa primeira fase, é feito o levantamento de todos os elementos descritivos de


todas as personagens intervenientes, sejam elas secundárias ou principais. Nalguns casos,
as descrições físicas eram diminutas comparativamente ao retrato psicológico; noutros
casos, como teremos oportunidade de ver, há descrições de elementos físicos que vão de
encontro ao retrato psicológico, comprovando assim alguns aspetos da fisiognomonia.
Contudo, nem todos os aspetos do retrato psicológico são fundamentais nesta elaboração.
Alguns tendem a ser redundantes ou a contribuir pouco na descoberta do carácter, sendo
que teve de haver uma procura por palavras-chave. O processo poucas alterações sofreu
de caso para caso, havendo apenas a sua optimização. Optou-se por uma vista de perfil,
não por tudo aquilo que foi dito nos pontos anteriores mas também por ser uma vista mais
explicativa e que nos permitiu observar de forma mais objetiva o rosto, sem sermos
influenciados pelo olhar direto do retratado enquanto simultaneamente tiramos ilações
acerca de quem está representado.

Todos os desenhos aqui apresentados começaram segundo esquemas de


representação iniciais, evoluindo posteriormente à medida que os diversos elementos são
adicionados. Optou-se por uma vista de perfil onde os desenhos são apresentados sem um
grande tratamento gráfico (nesta fase apenas se recorre a um desenho essencialmente
linear) de forma a podermos ter uma visão o mais objetiva possível, sem que os nossos
olhos divaguem em zonas mais trabalhadas.

55
A primeira personagem a ser retratada de um ponto de vista analítico foi Carlos
da Maia. A escolha aqui foi de acordo com a grande quantidade de elementos descritivos,
quer físicos quer psicológicos, da personagem. As primeiras características a terem sido
tidas em conta foram as características físicas pois é a partir destas que será mais fácil
modificá-las de acordo com as características psicológicas. A marcação dos diversos
patamares do rosto209 foi também feita de acordo com a sua menção nas descrições,
quando presentes. Apenas o caso de Maria Eduarda Runa fazia referência a uma testa
curta e curva, pelo que a partir daqui podemos considerar que a testa seria curta
relativamente aos outros patamares, logo a divisão tripartida não seria feita por igual, ou
com dimensões mais próximas umas das outras.

Continuando com o primeiro caso de estudo, Carlos da Maia, após um esboço


preliminar da proporção e dos traços gerais do seu rosto, iniciou-se um processo de
pesquisa nos tratados estudados acerca de como se poderiam traduzir os elementos
presentes no retrato psicológico. Outro aspeto a ter em consideração era a sua linhagem,
os seus ascendentes, e o modo como estes poderiam influenciar determinados elementos
do seu rosto. Observemos a descrição de Afonso da Maia, avô de Carlos. Na descrição
física encontramos um nariz aquilino. Como tivemos oportunidade de ver este pode
adquirir diversos significados conforme a sua relação com outros elementos, assim como
a sua própria forma. A partir daqui entendeu-se que por uma questão de hereditariedade,
Pedro e Carlos teriam também nariz aquilino misturados com elementos das suas mães
que poderiam alterar o formato, assim como os restantes elementos do rosto e a sua
concordância.

A partir daqui os seguintes rostos a serem recriados foram o do pai, Pedro da Maia,
e o do avô, Afonso da Maia. Podendo recriar assim então as três gerações presentes, aqui
não foi só tido em conta o fator descritivo, mas também este elemento genealógico. Pedro
é descrito como tendo crises de melancolia negra210 dando ênfase ao seu carácter
melancólico, uma característica adquirida da mãe, Maria Eduarda Runa. Assim optou-se
por acentuar esta mesma característica escolhendo os elementos que mais são associados
e enfatizando-os. O resultado final, mais artístico, tem um impacto maior e traduz melhor
a personagem.

209
Referimo-nos aqui à divisão tripartida do rosto.
210
Cf. QUEIRÓS, Eça de, Os Maias, 1998, p.55

56
No entanto foram nas personagens femininas, Maria Eduarda e Maria Monforte,
que mais dificuldades surgiram, isto porque, os tratados de Lavater focam principalmente
o homem e não o Homem, de uma forma literal, sendo que são raras as passagens onde
encontramos menção da mulher, ou até gravuras ou desenhos das mesmas, sendo que
apenas encontramos no Vol.7 de L'art de connaitre les hommes par la physionomie, um
paralelismo generalista como Lavater assim afirma211. Desta forma houve recurso a uma
obra menos conhecida, atribuída a Lavater, Le Lavater des dames, ou, L'art de connoitre
les femmes sur leur physionomie: suivi d'un essai sur les moyens de procréer des enfants
d'esprit. Acaba por ser uma compilação dos paralelismos presentes no Vol.7
anteriormente referido, criando possíveis rostos, arquétipos, que representam
determinados carácteres. Ainda que aqui haja um maior enfoque na mulher, o estudo não
é tão aprofundado como nos ensaios anteriores. Não obstante, o processo de levantamento
de descrições físicas e psicológicas, e a subsequente interpretação das mesmas e tradução
fisionómica e fisiognomónica foi a mesma. Salvaguardando apenas as variantes
femininas que autor o descreve.

Em termos práticos, que poderemos ver mais adiante, a par de outros importantes
fatores e características, teve de se ter em linha de conta a concordância e a premissa de
que “se o rosto é oval tudo será oval, e se for quadrado que tudo será quadrado”. Porquê
a concordância e não a falta dela? Todos os retratos literários presentes abordam de certa
forma um determinado grau de beleza que apenas se consegue com recurso à
concordância. Não há nos Maias nenhum rosto não seja concordante, que apresente maior
ou menor deformidade a criar desarmonia. Assim, todos os rostos aqui presentes estarão
concordantes e de acordo com as premissas desta.

Poderemos observar, conforme o nosso estudo prossegue, que poderão haver


casos de elementos com significados diferentes e outros iguais. Embora a concordância
deva harmonizar e conciliar os elementos, o que acontece quanto estes denotam
características de carácteres diferentes? Embora não se tenha encontrado uma resposta
objetiva, podemos ter em conta que o elemento que mais se destaca terá as suas
características colocadas em primeiro lugar que os demais. Poderá haver também uma

211
Cf. LAVATER, 1807, p.1

57
hierarquização que diferentes autores podem ter. Assim, consoante a importância ou
relevância de determinado elemento, poderá ter mais destaque mais que os restantes212.

Com base nesta linha de pensamento, acabou-se por se recriar todas as três
gerações dos Maias. A exclusão de Maria Eduarda Runa não veio por mero acaso: a falta
de elementos descritivos, ainda que pudesse ser considerada uma mais-valia, torna a
personagem numa aproximação tipológica de pessoa do que propriamente de um
personagem, e como tal, iria fugir daquilo que se pretende. A não abordagem de uma
temática de foro mais científico não foi novamente uma opção tomada de forma aleatória.
Quando estamos perante uma fronte curta, não estamos prante uma fronte curta em termos
de uma média populacional. É curta apenas na medida em relação aos outros dois
patamares, seguindo a teoria da tripartição do rosto. O mesmo se aplica a qualquer outro
elemento do rosto. Ao entrarmos no estudo, estatístico e cientifico, das características
físicas e psicológicas transmitidas pelos progenitores, estaríamos a entrar num campo
vasto que por motivos de ordem prática não seria viável e estaríamos a fugir aquilo que
nos interessa, a fisiognomonia. Não só isso, como estaríamos de um certo modo a
contrapor os dados que nos são apresentados e a questionar a forma como o autor
idealizou as personagens, e a forma como este nos dá a conhecê-las. Estaríamos a colocar
demasiadas questões e a divagar para assuntos genológicos os quais, ainda que
interessantes, estariam descontextualizados atendendo ao tipo de retrato que se procura e
à especificidade que é o retrato literário.

De forma a melhor explicar o processo de elaboração destes desenhos e a forma


como foi abordado cada elemento, nos pontos seguintes encontraremos uma memória
descritiva do processo para cada um dos cinco retratos analíticos das personagens
escolhidas. O recurso à obra de Lavater prende-se por ser este que melhor estrutura o seu
pensamento, sendo capaz de abordar os diferentes tipos, e dando espaço a que possamos
também nós, leitores, tirar elações e fazer combinações de elementos que melhor podem
traduzir um carácter específico. Acaba também por ser um autor que mais se aproxima da
época a par de Mantegazza e Willis213.

212
Tanto Montagu, referindo Le Brun, como o próprio Lavater, falam nalguns casos, acerca da
predominância de um elemento sobre os outros, no entanto que uns podem anular outros dependendo não
só do caso como dependendo do elemento em questão deixando um pouco em aberto. - Cf. MONTAGU,
1994, p.22-23 e Cf. LAVATER, 1786, p.318
213
Tal não quer dizer, que aquando da recriação de personagens, da sua ilustração, não possamos recorrer
a outros tratados ou a outros autores que melhor se enquadrem no trabalho a ser realizado.

58
3.1.1 Carlos da Maia

Comecemos com Carlos da Maia. Como anteriormente foi dito, a escolha desta
personagem foi feita, não por ser um dos personagens principais, mas sim atendendo ao
número de elementos descritivos da personagem, assim como a sua particular
personalidade e características psicológicas.

Após o levantamento de palavras-chave nas descrições da personagem, obteve-se


a seguinte informação.

Caracterização Física:

- Formoso e magnífico moço. Alto, bem feito, de ombros largos. Olhos negros do
pai, Eça refere “os olhos dos Maias”. Testa de mármore sob os anéis dos cabelos negros.
Tinha barba fina, castanha escura, pequena e aguçada no queixo. O bigode era arqueado
nos cantos da boca.

Curiosamente Eça refere-se a Carlos como tendo a fisionomia de um belo


cavaleiro da renascença214.

Caracterização Psicológica:

- Culto e bem-educado, de gostos requintados. Fruto de uma educação inglesa ao


contrário do pai. Corajoso e frontal, amigo do seu amigo e generoso. De destacar no seu
carácter a sua sensualidade, o gosto pelo luxo e o seu diletantismo, muito por causa de
algumas más influências da sociedade e do mau exemplo que foi seu pai.

Note-se que aqui, a recolha de elementos do caracter foi feita através de uma
leitura e de análise acabando algumas por não estar explicitamente descritas no livro.

Este passo de recolha foi repetido para as personagens seguintes sendo que é na
interpretação destes elementos e das teorias de Lavater, Mantegazza e Willis que reside
o maior enfoque e desenvolvimento posterior dos desenhos.

214
É neste parágrafo que reside a maioria d informação física da personagem que ajuda em grande parte na
caracterização da mesma, acabando assim por se resumir aqui aquilo que é descrito de uma forma mais
romântica e mais poética. Cf. QUEIRÓS, 1998, p.116

59
O processo inicial pouco divergiu entre os desenhos, não foi feito de forma
genérica mas foi feito atendendo ao formato do crânio. Inserido dentro de um quadrado e
apoiado num retângulo que serviria de pescoço. Por haver cabelo na personagem não se
optou aqui por usar a frenologia, se o tivéssemos feito, a circunferência do crânio poderia
ter altos e baixos em conformidade com os traços psicológicos da personagem.

Após o esquiço preparatório estar concluído, onde de uma forma esquemática se


colocou a divisão em três patamares do rosto e se marcou algumas áreas para a colocação
dos elementos constituintes do rosto, iniciou-se uma procura nos textos dos três autores
(Lavater, Willis e Mantegazza) em torno de elementos que fosse correspondentes com o
retrato psicológico de Carlos da Maia. Tendo em conta que não há descrição direta de
elementos do rosto no retrato físico da personagem, houve maior liberdade nas escolhas
feitas. Atendendo apenas ao único elemento que se optou por manter transversal a todas
as personagens masculinas que seria o nariz aquilino, pois este além de poder ter
diferentes leituras dependendo da forma como se relaciona com os restantes elementos é
também um elemento característico dos Maias como teremos oportunidade de ver.

Começando a caracterização propriamente dita, iniciou-se pela fronte, como


forma de auxiliar a definição do perfil. Optou-se por uma fronte larga e sublime pois
Mantegazza considera estas como belas. Não sendo um homem feio, Carlos poderia ter
tido uma fronte semelhante até porque se a tornarmos quadrada e alta iria de encontro à
caracterização de um leão, revelando assim a sua bravura e o seu lado corajoso215. Aliado
a isto, recorreu-se também a um dos pontos de Lavater sobre a fronte na vista de perfil.
Falamos do ponto 5 onde refere que uma fronte perfeitamente perpendicular ao cabelo e
suavemente arqueada, denota excelente propensão para o pensamento frio, decisivo,
profundo e tranquilo216.

Continuando noutro elemento que define o perfil, o nariz, optou-se por um


nariz aquilino, pois como já dissemos não só o seu pai e o seu avô o tinham e logo poderá
tê-lo herdado de ambos, mas também por ser ligeiramente aquilino, poderá remeter para
a coragem por ser um elemento frequentemente associado a aves217. Relativamente à
beleza deste, seguiu-se os apontamentos de Lavater, tendo particular atenção para que a

215
Cf. MANTEGAZZA, c.1890, p.34
216
Cf. LAVATER, 1786, p.239
217
Cf. MONTAGU, 1994, p.22

60
altura do nariz fosse igual à da fronte218. Relativamente à sua proporção e relação com os
restantes elementos, Reis diz-nos que que o nariz normal deveria ter menos de um quarto
do comprimento total da cabeça, e que se houver alterações deverá ser considerado ora
grande ora pequeno219. Este elemento acaba por ser recorrente e transversal a todas as
personagens, de certa forma, e pelo que podemos ver a partir de algumas fotografias e
caricaturas, um elemento presente também no próprio Eça, colocando assim algo de si
mesmo, além de possivelmente outras características suas, nas personagens de Os Maias
(Fig.31).

Embora dotado de barba e bigode, que podem ocultar o mento e o lábio superior
respetivamente, foi feita uma análise de elementos que possam de ir de encontro às
características da personagem. No perfil, optou-se por colocar o lábio superior
ligeiramente avançado em relação ao inferior pois segundo Lavater, se tal acontecer
denota bondade220. Por exclusão, os lábios ficaram bem definidos com uma linha clara e
serpentina no seu bordo livre221. Relativamente ao mento, Lavater diz que sempre que se
projete remete para características boas e quando recua remete para negativas222.
Atendendo aqui à personagem optou-se pelo primeiro, ainda que a sua forma esteja algo
escondida pela barba.

Muito conseguimos retirar do olhar, uns inspiram confiança enquanto outros


retiram-na por completo. A partir destas frases, desta forma de pensar, e dos incontáveis
olhares e expressões do olhar que podíamos dizer que a fisiognomonia no olho é
inequívoca e inquestionável223. Sobre os olhos, pálpebras e sobrolho encontramos variada
informação nos diferentes livros, no entanto nem todos foram usados pois há visões
semelhantes nalguns aspetos. Muito conseguimos retirar do olhar, uns inspiram confiança
enquanto outros retiram-na por completo. A partir destas frases, desta forma de pensar, e
dos incontáveis olhares e expressões do olhar que podíamos dizer que a fisiognomonia

218
Cf. LAVATER, 1866, p.57
219
Cf. REIS, p.118
220
Cf. LAVATER, 1866, p.61
221
“well defined, large and proportionate lips, the middle line of which is equally serpentine on both sides
and easy to be drawn, though they may denote an inclination to pleasure, are never seen in a bad, mean ,
common, false, crouching, vicious countenance.” – Idem, Ibidem.
222
“I am, from numerous experiments, convinced that the projecting chine ever denotes something positive,
and the retreating something negative. The presence or absence of strength in a man is often signified by
the chin” - Idem, p.63
223
Cf. VENERO, 1865, p.26

61
no olho é inequívoca e inquestionável224. Para Mantegazza é de grande importância
observarmos tudo o que o olho nos diz de forma a podermos fazer dele uma correta leitura
não só do carácter como da sua beleza225. Neste caso em particular, foi dada uma forma
arredondada ao bordo livre da pálpebra superior pois é característico de pessoas bondosas
enquanto as pálpebras não estão demasiado comprimidas226. Atendendo a que os olhos
negros são uma característica dos Maias, não tivemos aqui qualquer espaço para
interpretação, apenas podemos ler, numa adição de Lavater onde cita Buffon o significado
dos olhos negros227. No entanto é possível que a cor por si só não seja determinante mas
também em conjugação com os restantes elementos, acabando a cor por não ser
hermética. Seguidamente algo que merece a atenção é o desenho da pálpebra superior.
Existem diferentes tipologias de pálpebra superior que foram analisadas por Fritz
Lange228 (fig.32). Embora as tipologias sejam seis, podem sofrer inúmeras variações que
podem corresponder a diferentes tipos de características do carácter, neste caso a menor
compressão da pálpebra aumentou o seu tamanho diminuindo a prega existente. Foi, no
entanto, necessário recorrer novamente a Lavater para poder concluir o olho recorrendo
ao tipo que considera como sendo o mais apaixonado e corajoso de todos229. Sendo ainda
um jovem aplicou-se as palavras de Lavater ao se desenhar sobrancelhas retas e
horizontas por estas serem características de uma juventude masculina mas ao mesmo
tempo ligeiramente arqueadas para que pudessem indicar uma bondade mais presente nas
mulheres230. Mantegazza embora teça algumas considerações acerca das sobrancelhas,
não atribui características pelo que se teve somente de recorrer a Lavater231.

224
Venero recorre às paixões para justificar a presença da fisiognomonia, faz uma analogia com a vida
servindo-se das diferentes etapas para provar a sua presença. - Cf. VENERO, New system of Physiognomy
or the art of knowing men by their eyes. 1865, p.26
225
Diz-nos que as características mais notórias neste prendem-se com a sua expressão, posição, cor e o
arranje das pestanas, e que de acordo com estas características julgamos se este é bonito, feio, eloquente,
estupido, expressivo… considerando os olhos maiores os mais belos e os pequenos os mais feios. - Cf.
MANTEGAZZA, c.1890, p.38
226
Cf. LAVATER, 1866, p.51
227
“Black eyes have most strength of expression, and most vivacity(…)” - Idem, p.53
228
Cf. LANGE, 1942, p.109-110
229
“Le 4 est plus passionné de tous, & il les surpasse aussi tous en fierté, en courage & en prétentions.” -
Cf. LAVATER, 1786, p.285
230
Cf. LAVATER, 1866, p.55
231
Cf. MANTEGAZZA, c.1890, p.44

62
Fig.31 – Caricatura de Eça de Queiroz.

Fig.32 - Os Seis Tipos de Pálpebras Superiores Segundo Fritz Lange, 2006 30x21cm, Artur
Ramos.

63
Poderia questionar-se aqui o porquê de, já que à partida começamos por recriar
um personagem da família Maia, e por conseguinte a restante família, até usando
elementos genealógicos dos pais e avô, se não faria sentido começar em sentido
descendente, do avô até aos netos. A ir por esse caminho teríamos, quase que
obrigatoriamente passar por questões essencialmente genealógicas e de elementos
hereditários. Atendendo a que nos queremos focar somente nos retratos literários e no
carácter, mais do que no físico, tentamos colocar ao máximo tais questões de lado,
evitando divagar para áreas que envolvem por si só um estudo profundo. No entanto
houve questões, como iremos ver, que são incontornáveis.

Uma vez determinados os elementos principais do rosto acima referidos, o restante


rosto é formado através do recurso à concordância, procurando com que as formas e os
ângulos dos restantes elementos estejam de acordo com os restantes. Já questões como o
penteado, roupa e outros assuntos serão deixados para uma fase posterior. Não obstante
e de forma a poder melhor enquadrar o rosto na cabeça, recorreu-se, através de diferentes
fontes, a penteados da época, quer para Carlos, quer para as restantes personagens.

Duas aproximações analíticas foram feitas relativamente ao perfil de Carlos. A


primeira (fig.33) foi um levantamento inicial menos trabalhado e com diversos
apontamentos, anotações e correções que deveriam ser feitos posteriormente. Na segunda
aproximação (fig.34), e final, foram feitas as devidas correções, onde se deu também um
maior tratamento gráfico e acabamento de forma a tentar tornar o retrato de Carlos o mais
plausível possível. Este processo foi efetuado para todas as aproximações seguintes.
Relativamente à orientação da face, enquanto algumas primeiras aproximações tenham
sido realizadas com a face voltada para o lado esquerdo, as aproximações finais foram
feitas com orientação para a direita por uma questão de técnica do autor.

64
Fig.33 – Primeira aproximação analítica ao perfil de Carlos da Maia, Desenho do Autor, 2015.

65
Fig.34 – Segunda aproximação analítica ao perfil de Carlos da Maia, Desenho do Autor, 2015.

66
3.1.2 Pedro da Maia

A partir do momento em que se recriou a personagem de Carlos da Maia, seria


lógico seguirmos o passo ascendente e recriar o pai, Pedro da Maia. O primeiro passo foi
feito à semelhança daquilo que se sucedeu no caso anterior.

Caracterização Física:

- Pequeno de face oval, olhos belos.

Se o filho Carlos se parecia a um Príncipe da Renascença, já o pai assemelha-se a


um belo árabe mais pelos seus olhos232.

Caracterização Psicológica:

- Nervoso de alma adormecida e passiva. Era em tudo fraco. Crises de melancolia


negra233. Apesar de tudo era esperto, são e valente. Forte amor pela mãe, herda algumas
das características dos Runa (família da mãe) e não dos Maia, que eram mais fortes.

Seguindo o mesmo esquema de desenho aplicado em Carlos da Maia, foi de


relativa facilidade conseguir as mesmas bases sobre as quais trabalhar o rosto de Pedro.
Antes de procedermos com a memória descritiva daquilo que foi “dar um rosto” a esta
personagem, devemos tecer um breve comentário relativo ao seu retrato literário. Embora
haja um grande destaque na melancolia, sendo referida até mais que uma vez ao longo do
seu retrato psicológico, há também um elemento de grande valentia física em que “com
um chicote, dispersa na estrada três saloios de varapau” assim como outras características
positivas apesar do enfase dado a algumas negativas. Tal leva-nos a crer que apesar do
realce dado, acaba por não ser a grande e determinante característica, mas sim uma
importante, entre outras que juntas conseguem equilibrar a personagem, pelo que o
processo de recriação foi tendo sempre em conta este equilíbrio234.

Neste caso em particular, atendendo à melancolia, um tema que por si só daria


uma outra dissertação, procurou-se conferir à face de Pedro uma linha geral de perfil mais

232
À semelhança do que se sucede com Carlos, é também praticamente num capitulo que tudo nos é dado
relativamente a Pedro . Cf. QUEIROS, 1998, p.54-56
233
Numa fase posterior a melancolia negra passa a ser uma melancolia nervosa, o que deixa a entender que
o adjetivo apenas é uma forma de enfatizar a sua melancolia. Idem p.56
234
Idem, p.55

67
escavado, visto ser mais comum num carácter mais melancólico235. Porém, como já
dissemos, tem de haver um equilíbrio, nem demasiado escavado, nem de menos.

Para a fronte encontrámos de imediato uma que se poderia adequar a este


personagem, pois não só poderia dar origem à fronte de Carlos, pela sua
perpendicularidade, mas também por ter características, de acordo com Lavater, que se
enquadram nesta personagem236.

Relativamente ao nariz, optou-se novamente pelo nariz aquilino por ser um


elemento comum aos Maias, e também por estar associado a um caracter forte e a
coragem, novamente uma característica comum aos Maias. Talvez haja algum fundo de
verdade, pois se da mesma forma que encontramos uma associação do nariz aquilino a
coragem, encontramos também a coragem presente nos Maias e a partir do momento em
que Afonso teria nariz aquilino, quase certamente os seus filhos teriam também, isto
obviamente não entrando no campo da genética.

Apesar da sua valentia e coragem, transmitida pelo seu nariz, frequentemente


considerado a parte mais honesta da cara, a sua boca e o mento serão de alguém mais
débil e fraco. Desta forma a forma dos lábios deverá transmitir isso mesmo237. Já o mento
ficou recuado relativamente ao lábio inferior. Não falamos aqui, nem no caso de Carlos
nem no de Pedro, de prognatismo ou de retrognatismo, pois isso envolve deslocamento
ao nível do maxilar, sendo que aqui são apenas variações não tão profundas, nem tão
acentuadas. Mas qual a razão para o recuo do mento? Mantegazza tece um comentário
típico da época, referindo que as raças inferiores têm um mento recuado238, mas Lavater
é mais comedido nas suas palavras e diz que um queixo pequeno e recuado denota
medo239.

235
Cf. LAVATER, 1786, p.88
236
Tradução livre do autor: 1 – Quanto mais longa a fronte, menos atividade e mais compreensão” Cf.
LAVATER, 1866, p.47 Mantegazza apenas transcreve reinterpretando: 1 - A fronte é alongada em
proporção da mente destituída de energia e elasticidade. Cf. MANTEGAZZA, c.1890, p.37
237
Lavater iguala os lábios ao carácter, lábios firmes corresponderiam a um carácter firme, e se estes fossem
fracos e rápidos no seu movimento, o caracter seria fraco e vacilante. Lábios grossos e bem proporcionados,
com a linha serpenteante simétrica, a formada pela divisão dos lábios, e facilmente desenhável nunca são
associados a vícios, falsidades ou a más características. Cf. LAVATER, 1786, p.322
238
Cf. MANTEGAZZA, c.1890, p.51
239
“Flatness of the chin speaks for the cold, and dry; smallness, fear; and roundness, with a dimple,
benevolence.”- Cf. LAVATER, 1866, p.64

68
São nos “belos olhos”, no olhar, de Pedro, que reside a parte mais complicada da
recriação feita. Como já dissemos, a melancolia, o olhar melancólico, daria por si só uma
dissertação, e embora haja inúmeros livros sobre a melancolia, são poucos os autores que
dela escrevem aplicada ao retrato. No entanto, como já constatámos, é possível encontrar
passagens nos tratados de fisiognomonia relativas à melancolia e até mesmo Azara
menciona a melancolia no olhar, mas não de uma forma fisionómica, não de uma forma
prática, que nos permita aplicar, como noutros casos, uma tipologia de olhar, de pálpebra,
de sobrancelha, que remeta automaticamente para a melancolia. Desta forma procurou-se
conjugar não só olhares e características de olhares em pinturas que remetessem para a
melancolia, e é numa fase final, numa aproximação artística, que mais ênfase e melhor
resultado se consegue. Pois por muito analítica que esta aproximação seja, há algumas
limitações com o olhar, pois a forma como este nos é retribuído, ou não, influencia
também a leitura que fazemos do rosto. Homero diz-nos que os olhos são belos quando
são grandes como de bovinos, mas quando são pequenos, como serpentes, morcegos,
macacos, por exemplo, são de pessoas inteligentes240. Neste caso não poderiam ser nem
demasiado grandes nem demasiado pequenos. Há também uma semelhança com o olho
de Carlos, só que neste caso mais acentuado; referimo-nos ao facto do bordo livre da
pálpebra superior descrever um arco perfeitamente circular, porém, e ao mesmo tempo,
aberto (como um bovino chegando assim ao que nos diz Homero) onde podemos ver a
esclerótica sob a menina-do-olho241, afirma que tal é encontrado em indivíduos
fleumáticos e tímidos, mas também corajosos e precipitados.242.

Embora a ordem “usual” (se tivermos em conta autores como Lavater e


Mantegazza, sobre os quais nos temos mais debruçado) seja fronte, olhos e sobrancelha,
nariz, boca e lábios e finalmente o mento, a ordem aqui foi trocada deixando os olhos
para último elemento a ser referenciado. Isto acontece porque ao estarmos a definir
primeiro o perfil da personagem, os olhos são um elemento que não define o contorno do
perfil, pelo que o deixamos para o final, de forma a podermo-nos focar inteiramente no
contorno e posteriormente adicionando os olhos de forma a que não só fiquem

240
Cf. BALTRUSAITIS, 1995, p.24
241
Lavater refere-se à pupila e à iris como “apple” que numa tradução coloquial podemos considerar como
sendo a menina-do-olho – Cf. LAVATER, 1866, p.51
242
Carlos tem um olho semelhante mas ligeiramente alterado, pois como podemos ver, a descrição que
Lavater dá sobre esta particularidade adequa-se bem: “When the under arch described by the upper eyelid
is perfectly circular, it always denotes goodness and tenderness, but also fear, timidity and weakness.” –
Idem, Ibidem.

69
concordantes com o rosto mas também que estejam de acordo com o retrato literário e o
correspondente carácter. Por sair à mãe, ao lado materno243, é natural que não existam
tantos elementos semelhantes da mesma forma que existe entre Carlos e Afonso como
teremos oportunidade de ver.

243
“O Pedrinho, no entanto, estava quase um homem. Ficara pequenino e nervoso como Maria Eduarda,
tendo pouco da raça, da força dos Maias (…)” - Cf. QUEIRÓS, 1998, p.55

70
Fig.35 - Primeira aproximação analítica ao perfil de Pedro da Maia, Desenho do Autor, 2015.

71
Fig.36 - Segunda aproximação analítica ao perfil de Pedro da Maia, Desenho do Autor, 2015.

72
3.1.3 Afonso da Maia

Finalmente chegámos ao patriarca da família Maia, pai de Pedro e avô de Carlos.


Se até agora apenas existiram referências breves deste, iremos ver agora mais acerca
daquilo que o define e o resultado da aproximação analítica feita.

Caracterização Física:

- Podemos aqui citar todo o parágrafo pois encontramos a sua caracterização física
bastante já resumida:

“Afonso era um pouco baixo, maciço, de ombros quadrados fortes: e com a face larga de nariz
aquilino, a pele corada, quase vermelha, o cabelo branco todo cortado à escovinha, e a barba
de neve aguda e longa – lembrava, como dizia Carlos, um varão esforçado das idades heroicas,
um D. Duarte de Meneses ou um Afonso de Albuquerque.”

- Eça de Queirós, 1998, pág. 48

Caracterização Psicológica:

- Não se lhe conhecem defeitos. É um homem de carácter culto e requintado nos


gostos. De altos e firmes princípios morais, generoso com os amigos e os necessitados.
Símbolo do velho Portugal em contraste com o novo Portugal.

A face larga de Afonso não pode ser tomada em consideração na vista de perfil,
sendo que será na aproximação mais livre que poderemos dar a entender essa largura.

Sobre a fronte Lavater começa o seu ponto afirmando que a forma, a altura, o arco,
a proporção, a obliquidade e a posição do crânio e do seu osso da fronte mostram a
propensão, o grau de poder, o pensamento e a sensibilidade de homem, enquanto a cor,
as rugas e a tensão mostram as paixões e o estado de espírito. Ou seja, os ossos mostram
o que é interno no homem, e o que os cobre mostra a “aplicação do poder”, pois enquanto
a testa pode estar enrugada os ossos permanecem os mesmos, inalterados, e as suas rugas
dependem da forma dos ossos244. Resultante disto, optou-se por uma fonte ligeiramente

244
Cf. LAVATER, 1866, p.46

73
arqueada com dois ângulos dissimulados e perpendicular à linha do cabelo (ao ponto que
chamamos de Trichion, ponto que corresponde à raiz do cabelo). Esta fronte resulta de
uma conjugação dos pontos 2, 3, 5 e 17 de Lavater sobre a fronte245 onde cada uma destas
considerações contém características que ligadas entre si podem aplicar-se a Afonso.

Se até aqui temos usado o nariz aquilino para os Maias, Afonso não foge a esta
regra, até porque Eça especifica o nariz aquilino de Afonso no seu retrato físico. Temos
também falado do nariz aquilino como sendo um elemento de valentia e coragem, não
podemos deixar de referenciar Nivelon246 pois adiciona uma diferente leitura247. Este diz-
nos nos seus textos que é o nariz o elemento mais relacionado com os animais,
especificamente com as aves248. Que um nariz ligeiramente aquilino é um sinal de
coragem mas se no entanto for combinado com determinadas outras características, como
por exemplo sobrancelhas bem definidas e uma testa alta denota coragem, se combinada
com uma fronte estreita, indicará mais a audácia. Porém se este for combinado com
elementos menos favoráveis e que sejam dominantes em relação ao nariz, será sinal de
uma crueldade sanguinária e aponta, por exemplo, no estudo que Le Brun fez sobre o
Imperador Romano Nero, que o seu nariz, pendurado sobre a boca, lembra as aves de
rapina e a sua crueldade. Acrescenta ainda que se o nariz for predominante em relação
aos outros elementos do rosto, indica um homem que está centrado nele próprio, cheio de
si249. É claro que até aqui tivemos esse cuidado, em especial com Pedro. A adição desta
informação aqui prende-se com os dados do retrato psicológico de Afonso. Pelo que será
de ter em conta, novamente, os restantes elementos.

Algo que varia com mais acentuação que nos anteriores, é a forma como a ponta
deste, formada essencialmente por uma estrutura cartilaginosa, desce e pende sobre a boca

245
“2. The more compressed, short, and firm the forehead, the more compression, firmness, and less
volatility in the man. 3. The more curved and cornerless the outline, the more tender and flexible the
character; the more rectilinear, the more pertinacity and severity. 5. Perfect perpendicularity, gently
arched at the top, denotes excellent propensities of cold, tranquil, profound thinking. 17. I tis a sure sign
of a clear, sound understanding, and a good temperament, when the profile of the forehead has two
proportionate arches, the lower of which projects.” - Cf. LAVATER, 1866, p.47-49
246
Claude Nivelon (1648-1720), discípulo de Charles Le Brun e pintor régio, escreveu por volta de 1698
a biografia do seu mestre.
247
Cf. MONTAGU, 1994, p.23
248
Idem, p.22
249
Cf. MONTAGU, 1994, p.22-23

74
mais do que nos seus filhos. Tal acontece devido à idade avançada e à perda de
elasticidade, o que impede de contrariar a força da gravidade250.

À semelhança do que se sucede em Carlos, também o avô tem barba, ainda que
este último a tenha em maior quantidade cobrindo ainda mais os pormenores da boca e
do mento. Não obstante, iremos de qualquer modo procurar informação e características
que se possam aplicar a esta personagem. Lavater tece algumas considerações para
melhor podermos ler a boca251, neste caso além da boca estar parcialmente coberta pela
barba, iremos partir das suas observações para construirmos a boca de Afonso.
Observando a informação dada acabamos por ficar com uma boca semelhante à de Carlos,
isto acontece dado ao facto de terem características psicológicas concordantes. Deste
modo a boca de Afonso poderia ter a seguinte configuração: lábios bem definidos e
proporcionais, com o superior a avançar e a pender tenuemente sobre o inferior e em que
o bordo livre é serpentino em ambos os lados. A boca fecha-se naturalmente e sem força
e sem marcas da mesma de forma a denotar coragem e força mental252. Sobre o mento,
encontramos de igual modo algumas semelhanças com Carlos, nomeadamente na forma
como se projeta ligeiramente. Todas estas semelhanças, assim como a presença da mesma
tipologia de nariz, podem ser justificadas não só por algumas semelhanças nos carácteres
das personagens mas também pelo seu cariz hereditário.

Quanto aos olhos, novamente encontramos em Afonso, à semelhança de Carlos,


o bordo livre da pálpebra superior a descrever um perfeito arco circular. Relativamente
ao formato da pálpebra superior, encontramos um formato semelhante novamente ao de
Carlos atendendo simplesmente aqui à falta de elasticidade da pele resultante da idade.
Quanto às sobrancelhas teve de se encontrar um equilíbrio entre várias, desde as selvagens

250
Ao contrário do que se poderia pensar, são os ossos nasais os principais responsáveis por conferir
determinada forma ao nariz e encontramos quatro principais tipos de nariz: o direito, se a parte superior
seguir direita com a fronte; aquilino, se a fronte for convexa, também o nariz o será; nariz chato; e
finalmente nariz largo. Ao lermos as duas primeiras descrições é evidente a presença da concordância já
falada e a forma como a fronte influencia também o nariz. No entanto as misturas entre os quatro grupos
geram um número vasto de tipos de narizes, mas que no entanto estes devem-se inserir mais ou menos
dentro destes quatro tipos. Se um nariz arrebitado com o passar dos anos pode ir perdendo um pouco a
resistência, um nariz aquilino será mais pronunciado. Cf. RAMOS, 2010, p.76
251
“Observe the following rules: Distinguish in each mouth the upper lip singly; the under lip the same;
the line formed by the union of both when tranquilly closed, if they can be closed without constraint; the
middle of the upper lip, in particular, and of the under lip; the bottom of the middle line at each end; and
lastly, the extending of the middle line on both sides. For unless you thus distinguish, you will not be able
to delineate the mouth accurately.” - Cf. LAVATER, 1866, p.60-61
252
Idem, p.61-62

75
com pelo suave, comprimidas e firmes253 enquanto que ao mesmo tempo são arqueadas254
criando uma combinação de elementos e de características que podemos atribuir a
Afonso.

Relativamente ao seu penteado e à sua barba longa foram analisadas várias


pranchas e desenhos referentes a modas do século XIX para que estes possam não só estar
de acordo com a descrição dada mas também de acordo com a moda do século e
adequados à idade patriarca.

253
“Wild and complexed, denote a corresponding mind, unless the hair be soft, and they then signify gentle
ardour.
Compressed, firm, with the hair running parallel as if cut, are one of the most decisive signs of a
firm, manly, mature understanding, profound wisdom, and a true unerring perception” – Cf. LAVATER,
1886, p.55-56
254
Podemos ver na prancha presente na página 287, o modelo 8 que apresenta sobrancelhas arqueadas de
pelo espesso “Caractére noble & magnanime; ce regard clair &perçaut suppose beaucoup d’ordre, de
netteté & d’application, un esprit qui met dans tout ce qu’il fait le dernier degré d’exctitude & de
perfection” – Cf..LAVATER, 1866, p.288

76
Fig.37 - Primeira aproximação analítica ao perfil de Pedro da Maia, Desenho do Autor, 2015.

77
Fig.38 - Segunda aproximação analítica ao perfil de Afonso da Maia, Desenho do Autor, 2015.

78
3.1.4 Maria Eduarda

Foi neste e no caso seguinte que maiores dificuldades surgiram. Fruto da


sociedade centralizada no homem dos séculos XVIII e XIX poucos são os tratados e/ou
manuais que referem ou abordam a mulher. Como já vimos, os diversos tratados de
Lavater, ainda que façam referência à mulher, são dirigidos essencialmente ao homem de
uma forma literal, sendo que é posteriormente apenas que surge uma obra abordando
única e exclusivamente as mulheres, mas de uma forma muito sucinta e pouco
desenvolvida em comparação com os restantes. Desta forma procurou-se combinar os
diversos tratados de forma a tentar alcançar retratos que possam ser representativos destas
duas personagens femininas.

Caracterização Física:

- Era uma bela mulher: alta, loira, bem-feita, sensual mas delicada, “com um passo
soberano de deusa255”, é “flor de uma civilização superior, faz relevo nesta multidão de
mulheres miudinhas e morenas256”. Bastante simples na maneira de vestir, “divinamente
bela, quase sempre de escuro com um curto decote onde resplendecia o incomparável
esplendor do seu colo”257.

Caracterização Psicológica:

- Existem poucos elementos referentes ao seu retrato psicológico, este é feito mais
com base nas suas atitudes, na sua postura e no contraste com outras personagens, desde
modo sabemos que além de culta, era sensata e com um forte sentido de dignidade.

Ainda que não exista uma descrição dos aspetos de cada um dos elementos do
rosto feminino, fomos em busca das descrições do rosto com maior número de elementos
positivos. Isto é, em Le Lavater des dames, ou, L'art de connoitre les femmes sur leur
physionomie: suivi d'un essai sur les moyens de procréer des enfants d'esprit, existem
apenas descrições de rostos. Ocasionalmente surgem descrições dos seus elementos e do
que estes mostram na cara, mas não é regra. Como resultado disto, no caso de Maria
Eduarda, fomos ao encontro de características positivas como as que Eça tanto procura
evidenciar pela forma como desenvolve a personagem.

255
Cf. QUEIRÓS, 1998, p.163
256
Idem, p.530
257
Idem, p.455

79
Não existiram diferenças no processo inicial entre homens e mulheres. No entanto,
como resultado de modificações de elementos mais direcionados aos rostos masculinos,
teve de haver uma adaptação dos mesmos para poderem ser enquadrados em rostos
femininos.

Para o rosto de Maria Eduarda usámos o rosto “tipo” nº25258 (fig.39) por ser aquele
que mais tem que ver com o carácter de Maria Eduarda. O autor tece somente
considerações sobre o que o rosto nos transmite não revelando que elemento transmite a
característica do carácter. Poderíamos simplesmente copiar na íntegra o rosto, mas a sua
falta de descrição morfológica leva-nos a ter de observar novamente os escritos de Lavater
sobre o rosto masculino para podemos melhor adaptar os elementos ao rosto de Maria
Eduarda. Isto porque as considerações que tece sobre os elementos constituintes do rosto
feminino são diminutos e pouco informativos, pelo que teremos de comparar todos os
elementos com a gravura para perceber se estão em concordância ou não, e na
eventualidade de não estarem, qual a melhor maneira de se conseguir o objetivo. Outro
fator que nos leva a recorrer a isso mesmo, é o de as gravuras serem pouco rigorosas, algo
Lavater frequentemente se queixava.

Encontramos no 7º volume de L'art de connaitre les hommes par la physionomie


vários paralelismos e considerações de Lavater em torno do homem e da mulher, embora
como tenhamos visto, mais generalista, incidindo nalguns aspetos e com afirmações
questionáveis, por este mesmo motivo optou-se por não o referir com tanta assiduidade
como outros.

Uma vez efetuado o esboço inicial, de igual modo que se procedeu para os
anteriores, iniciamos um processo de comparação de elementos presentes no rosto “tipo”
que Lavater nos dá, com as suas anotações sobre esses mesmos elementos em L'art de
connaitre les hommes par la physionomie. Uma comparação que é dificultada por
estarmos a observar um rosto terçado, em oposição ao perfil com o qual trabalhamos
nesta fase. Neste rosto “tipo” encontrámos os seguintes elementos259 aos quais

258
Cf. LAVATER, Johann Gaspard, Le Lavater des dames, ou, L'art de connoitre les femmes sur leur
physionomie: suivi d'un essai sur les moyens de procréer des enfants d'esprit., 1815, p.54-56
259
Leitura feita pelo autor através da observação directa, pois Lavater não faz referencia alguma aos
elementos presentes no rosto “tipo”.

80
adicionámos o que Lavater nos diz acerca deles assim como algumas considerações
próprias adjuvantes à elaboração do rosto de Maria Eduarda:

Fig.39 – Prancha nº25

81
Fronte: Ligeira perpendicularidade desde a linha do cabelo até às sobrancelhas
com ténue marcação das “bossas” frontais260. Este patamar também parece ser o maior
dos três, tomando em linha de conta a divisão tripartida, podendo estar ou não com a
mesma altura do segundo (o do nariz). – Lavater: Sobre a fronte longa, isto é, quando é o
maior dos patamares como aparenta ser o caso, denota maior compreensão e menor
atividade. Atendendo a que as bossas do osso frontal têm uma ligeira pronunciação, tal
torna a fronte igualmente curva e sem ângulos sendo sinónimo de um carácter tenro e
flexível261.

Sobrancelhas: Ligeiramente arqueadas, direção do pelo de difícil leitura,


aparentando ser penteado naturalmente. – Lavater: Quando o arco é regular é
característico de juventude feminina e quando horizontal e reto serão masculinas262.
Embora seja mencionada a localização das sobrancelhas relativas a estas mesmas assim
como relativas aos olhos a localização neste rosto, não estando nem muito separadas, nem
unidas, nem juntas nem afastadas dos olhos, não permitem que uma característica seja
atribuída.

Olhos: Olhos ligeiramente grandes. Bordo livre da pálpebra superior, e prega da


mesma, sinuosas e paralelas. Podemos considerar que a pálpebra tem formato em maça
pela diferença de espessura entre a face interna e externa263. – Lavater: Os olhos
ligeiramente grandes são uma característica partilhada com Carlos, sendo que denotam
bondade. Podemos relacionar o formato da pálpebra, em maça, com a gravura 6 da
prancha XXXI, onde atribui características como animado e amável e amoroso.264

Nariz: Aparente perfil grego, estando o nariz na continuação da fronte265, esta


característica está também presente na mãe, Maria Monforte, desta forma Maria Eduarda

260
Ramos refere-se a uma bossa, frequentemente duas, que encontramos na fronte resultantes da forma do
osso frontal: “Na parte superior média da fronte, encontramos por vezes uma só bossa mas o mais
frequente é existirem duas bossas frontais, mais ou menos pronunciadas, situadas por cima das arcadas
supraciliares.” - Cf. RAMOS, 2010, p.75
261
Cf. LAVATER, 1866, p.47
262
Idem, p.55
263
“A pálpebra em maça apresenta uma diferença de espessura entre a sua porção interna e externa. A
porção interna apresenta pouco tecido adiposo ao contrário da externa. Esta diferença de grossura explica
a forma com que Lange define este grupo. Por conseguinte a área tarsal visível pode ser maior na parte
interna do que na externa, o que constitui um pormenor a ter em atenção sobretudo nas vistas a três-
quartos.” - Cf. RAMOS, 2010, p.82
264
Vem em comparação com o numero 5: “6 est plus animé, plus aimant, plus énergique, & plus solide
que le precedente.” - Cf. LAVATER, 1786, p.291
265
Cf. RITTO, 2001, p.48

82
herda esta característica da mesma forma que Carlos e Pedro herdam o nariz aquilino de
Afonso e da linhagem dos Maias. Ossos nasais e cartilagem larga mas permanecendo
proporcional e concordante com os restantes elementos do rosto. A ponta deste parece
também estar ligeiramente elevada mas não a ponto de se poder considerar um nariz
“empinado” – Lavater: Após análise dos diversos escritos deste, parece apenas ter feito
menção do nariz na continuação da fronte uma vez266 associando este a todas as virtudes.
Sendo que o que mais analisa é a forma da ponta do nariz, assim como da sua linha desde
os ossos próprios até à cartilagem e além da análise usual de perfis, desta forma faremos
com que o nariz de Maria Eduarda vá de encontro daquele que detém todas as virtudes.

Boca: Aparenta ser o patamar mais pequeno. Lábios regulares bem desenhados
tendo os bordos livres igualmente desenhados, sinuosos e simétricos. – Lavater: Os lábios
presentes na gravura em muito se assemelham à forma dos lábios de Carlos, pelo que as
considerações de Lavater são iguais para ambos e aplicam-se assim de forma igual. Desta
forma conseguimos também um ponto de semelhança entre os dois irmãos.

Mento: Redondo com ligeira projeção para diante, sem cova267. – Lavater: A subtil
projeção para diante denota bondade, à semelhança do que ocorre com Carlos.
Curiosamente, refere o mento redondo mas sempre provido de cova e associado à
benevolência, não fazendo menção de um mento redondo mas sem a mesma.

É através do cruzamento destes elementos com o que Lavater nos diz que
poderemos ensaiar o rosto de Maria Eduarda.

Para o rosto de Maria Eduarda optou-se por deixar a fronte igual mas alterar as
sobrancelhas de forma a conferir-lhes um arco natural e regular de forma a perder a sua
horizontalidade. Relativamente às pálpebras, optou-se por manter a mesma forma de
maça, apenas aumentando um pouco a área visível da pálpebra superior, entre a prega e
o bordo livre, de modo a ir de encontro à gravura 7 da prancha XXXI (fig40) pelas suas

266
“Voici à peu près l'idéal d'un nez fur humain, tel qu'il convient à la fainte majesté de la Vierge, qui
rassembloit le caractére de toutes les vertus, la pureté, le recueillement, la pieté, la patience, l'esperance,
l'humilité. Seulment la partie inférieure du contour devroit etre plus nuancée: elle este trop unie pour
s'accorder avec la courbure élegante du sourcil. On pourroit critiquer aussi la teinte voluptueuse qui
résulte du trop d'arrondissement de la bouche, & le menton, dont la forme est très commune” - Cf.
LAVATER, 1786, p.316
267
Segundo Ramos, pode existir ou não uma cova no queixo dividindo-o em duas partes: “A extremidade
do mento apresenta por vezes uma pequena cova da qual parte para baixo uma pequena prega que produz
um pequeno franzir da pele”- Cf. RAMOS, 2010, p.74

83
características irem mais de encontro as de Maria Eduarda enquanto que ao mesmo tempo
mantém características presentes do 6268. Já na boca, embora esta se enquadre no carácter
de Maria Eduarda, optou-se por tornar os seus lábios mais carnudos de forma a torna-los
mais sensuais269. Já no que toca ao mento, manteve-se a projeção e o arredondamento
porém adicionando uma pequena cova não muito pronunciada.

Apesar de todas as considerações e de todas as ideias aqui colocadas, o desenho


do rosto de Maria Eduarda foi elaborado somente depois da análise do rosto da sua mãe
Maria Monforte. Desta forma alguns elementos aqui presentes foram modificados
ligeiramente de modo a se conseguir obter algumas características da mãe mas de forma
a não alterar o suposto carácter de Maria Eduarda.

Fig.40 – Prancha XXXI

268
“7 l’emporte sur tous les autres: ce regard es put, tendre, délicat, plein de noblesse & de génie, mais il
n’annonce pas un homme conformmé dans l’art de faire & de conduire un plan.” - Cf. LAVATER, 1786,
p.291
269
Cf. LAVATER, 1866, p.61

84
Fig.41 - Primeira aproximação analítica ao perfil de Maria Eduarda, Desenho do Autor, 2015.

85
Fig.42 - Primeira aproximação analítica ao perfil de Maria Eduarda, Desenho do Autor, 2015.

86
3.1.5 Maria Monforte

Se começámos com Maria Eduarda, acabamos agora com a mãe Maria Monforte,
mantendo assim a ordem de linhagem como fizemos com os personagens masculinos.
Como teremos oportunidade de ver, esta personagem em muito difere da sua filha, não só
fisicamente, mas ainda mais a um nível psicológico.

Caracterização Física:

- Extremamente bela e sensual. Tinha os cabelos loiros e colo ebúrneo270. “Sob as


rosinhas que ornavam o seu chapéu preto, os cabelos louros, de um ouro fulvo, ondeavam
de leve sobre a testa curta clássica: os olhos maravilhosos iluminavam-na toda; a
friagem fazia-lhe mais pálida a carnação de mármore: e com o seu perfil grave de
estátua, o modelado nobre dos ombros e dos braços que o xale cingia (…).”271

Caracterização Psicológica:

- O seu caracter pobre, excêntrico e excessivo deriva muito da literatura romântica


da qual foi “vitima”272. Leviana e imoral, é em parte culpada de todas as desgraças da
família Maia começando pelo suicídio de Pedro, fruto da sua fuga com um Napolitano de
nome Tancredo, por e amor e não por maldade revelando aqui um carácter irresponsável
e imprudente revelando ao mesmo tempo alguma inocência quando aliamos isto ao seu
carácter pobre. Morre mais tarde na miséria depois de Tancredo ser morto num duelo.

Como podemos ver, Maria Monforte acaba por ser uma personagem cuja única
semelhança com a filha reside na sua beleza, acabando por ter atitudes e características
opostas. Mais uma vez recorremos ao mesmo texto que vimos no ponto referente a Maria
Eduarda. Porém este rosto apresentou outras dificuldades pois o autor não refere pontos
em concreto do retrato psicológico de Maria Monforte. Desta forma observámos três
rostos de duas edições distintas273. Da quinta edição olharemos para o nº9274 (fig43) e

270
Este último é inúmeras vezes descrito por Eça nas descrições que faz de Maria Monforte.
271
Cf. QUEIRÓS, 1998, p.56
272
Willis refere isto mesmo, a forma como as novelas, como a literatura romântica e fantasiosa provoca
alterações no caracter dos mais jovens vendendo-lhes um lado da vida que não é real, ou é, mas apenas
para alguns. Cegando-os para o que é realmente a vida. – Cf. WILLIS, 1889, p.20
273
O uso da segunda e da quinta edição de Le Lavater des dames, ou, L'art de connoitre les femmes sur
leur physionomie: suivi d'un essai sur les moyens de procréer des enfants d'esprit, prende-se pelo facto de
estarem em falta algumas ilustrações e de outras por apresentarem substanciais diferenças.
274
Cf. LAVATER, 1815, p.33

87
para o nº12275 (fig44) enquanto que da segunda olharemos para o nº28276 (fig. 45). Da
combinação das características destes rostos iremos tirar os elementos que nos transmitem
características correspondentes às de Maria Monforte.

O procedimento foi o mesmo usado em Maria Eduarda, com algumas


particularidades como iremos ver dado o recurso a mais que um modelo.

Sobre a fronte grega, presente no nº12, podemos ver no ponto anterior (no entanto
na parte referente ao nariz) o que Lavater diz, atendendo que, sendo características
positivas, terão aqui de ser equilibradas com as outras menos boas de Maria Monforte. Já
sobre o facto de a fronte ser curta, Lavater diz que quanto mais curta mais concentrado é
o carácter, mais fechado e sólido277. Aqui encontramos um conflito entre a descrição e o
carácter ao qual esta corresponde. Teremos de manter a fronte curta mas, de forma a estar
de acordo com Eça, procuraremos outra característica que anule e vá de encontro ao
retrato psicológico. Desta forma tiraremos partido de uma perpendicularidade perfeita
desde a linha do cabelo às sobrancelhas de forma a atingir uma falta de espírito descrita
por Lavater278.

Em ambas as gravuras podemos observar sobrancelhas arqueadas e um pouco


curtas. Sobre estas Lavater diz serem reflexo de uma juventude feminina. Sobre a
localização pouco nos diz no que toca o carácter desta personagem.

À semelhança daquilo que acontece com as sobrancelhas, o mesmo acontece nos


olhos. Poucas diferenças existem, e sendo que uma das gravuras se encontra de perfil
pouco poderemos dizer acerca do afastamento dos olhos da linha média279. Atendendo as
características da personagem optou-se então por sobrancelhas arqueadas, de pelo macio
e penteado e afastadas uma da outra.

Observamos então os olhos um pouco pequenos, com a pálpebra superior em


forma de maça, iguais aos de Maria Eduarda. O formato do bordo livre da pálpebra
superior apresenta-se horizontal descendo depois em “S” para a comissura externa.
Atendendo a que estas características não são as mais apropriadas para este rosto, optou-

275
Cf. LAVATER, 1815, p.37
276
Cf. LAVATER, 1809, p.48
277
Cf. LAVATER, 1786, p.239
278
Idem, Ibidem.
279
Linha que divide o rosto na vertical.

88
se por se usar uma pálpebra semelhante ao tipo 7 presente na prancha XXXI pelas suas
características280 pois, apesar da sua imoralidade e falta de bom senso, algumas atitudes
de Maria Monforte podem ser atribuídos a uma certa inocência assim como um amor cego
e pouco ponderado.

Fig.43 - Prancha nº 9 Fig.45 - Prancha nº 12

Fig.45 - Prancha nº 28

280
Cf. LAVATER, 1786, p.291

89
Sobre o nariz sabemos que este está na continuação da fronte, resta-nos desvendar
qual a ponta, ou cartilagem, que se adequa melhor ao rosto e ao caracter de Maria. Em
ambos os casos têm um comprimento semelhante ao da fronte. Na gravura nº9
encontramos uma ponta empinada enquanto no nº28 encontramo-la mais descaída. Sobre
o primeiro podemos observar dois tipos semelhantes presentes na prancha XXXVIII, os
números 1 e 2281. No entanto aquilo que Lavater nos diz, nada vai de encontro ao que
Maria Monforte é, segundo o seu retrato literário. Sobre o segundo diz traduzir bom senso
e nada mais, e o primeiro afirma estar destituído de qualquer espécie de sentimento
delicado. Sobre o nº 28 nenhum foi encontrado que fosse semelhante excetuando os
aquilinos que por sua vez tendem a ter uma enfatização dos ossos nasais, algo que
dificilmente ocorre quando o nariz fica na continuação da fronte como é o caso do perfil
grego. Assim, como ascendente de Maria Eduarda, a escolha da ponta será na mesma
linha que a filha tem.

A boca e os lábios apresentam-se distintos em ambas as gravuras. No rosto tipo


nº9 apresenta-se pequena, com lábios carnudos e com os bordos livres horizontais com
alguma sinuosidade. Já no nº28 vemos igualmente uma boca pequena, com os bordos
livres mais sinuosos que horizontais, onde o lábio superior avança relativamente ao
inferior e onde o tubérculo282 cai ligeiramente assim como as comissuras. Em ambos os
casos observamos lábios firmes que correspondem a uma firmeza de carácter.
Relativamente à última, Lavater tece algumas considerações, sobre o bordo livre
serpenteante, estes denotam prazer e não são associados a vícios nem a más
características283, o tubérculo pendente diz denotar bondade, já sobre as comissuras nada
foi encontrado. Sobre os lábios carnudos presentes na primeira boca, Lavater diz que se
associam a sensualidade e indolência284 já sobre a boca como um todo observemos a
adição C. do capítulo dedicado à boca e aos lábios285 que nos diz estar associada ao prazer,
orgulho e à vaidade.

Em ambas as gravuras encontramos um mento que se projeta, o que como já vimos


denota sempre algo de positivo. Porém, mais uma vez, a falta de considerações sobre o

281
Cf. LAVATER, 1786, p.304
282
Cf. RAMOS, 2010, p.78
283
Cf. LAVATER, 1866, p.61
284
Idem, Ibidem.
285
“Dans la 3ª, la lèvre de dessus est trop ombré, dessinée de travers & d'ailleurs exagérée; mais en
modifiant mème ce trait, vous n'en effacerez point l'expression de la volupté, de la fatuité & de l'orgueil.“
- Cf. LAVATER, 1786, p.326

90
mento (que acaba por ser um capítulo curtíssimo em Lavater) dá-nos pouco espaço de
manobra sendo os restantes elementos a terem de transmitir o carácter da personagem da
forma mais adequada.

Fig.46 - Primeira aproximação analítica ao perfil de Maria Monforte, Desenho do Autor, 2015.

91
Fig.47 - Segunda aproximação analítica ao perfil de Maria Monforte, Desenho do Autor, 2015.

92
3.2 – Sobre uma aproximação menos Analítica e mais Convencional - Um possível
retrato

Enquanto nos capítulos anteriores tivemos uma abordagem analítica, tendo em conta os
aspetos descritivos da personagem referentes à sua forma mas também um pouco quanto
à sua descrição psicológica, aqui tendo em conta os desenhos anteriores, faremos uma
abordagem menos analítica, com espaço para uma maior liberdade expressividade que
possa ajudar a uma representação mais expressiva da personagem como um todo e não
apenas de um ponto de vista formal, procurando capturar tudo aquilo que um retrato deve
ter como vimos nos pontos anteriores, tendo particular atenção ao carácter.

As próximas aproximações acabam por ser uma visão artística na medida em que
não é possível medir com tanta certeza o rosto, como é numa vista de perfil ou frontal.
Não só isso como o tratamento gráfico, enquadramento, claro-escuro, adição de valores
tonais, mancha e colocação da cabeça conferem um carácter menos analítico e mais
artístico, mais dramático atendendo à personalidade literária de um modo mais teatral.
Um retrato mais convencional na medida em é o que podemos interpretar como sendo o
retrato das personagens. Tiraremos assim partido de questões como o traço e a
expressividade para acentuar as características psicológicas das personagens abordadas
no ponto anterior para que, por exemplo, o traçado de um personagem nos transmitia o
seu carácter enérgico e fervoroso, ou por outro lado, a sua falta mostre um carácter mais
débil, fraco ou até mesmo esbatido.

Com base nos desenhos efetuados no ponto anterior, atendeu-se às características


psicológicas mais do que às características físicas na escolha da pose, da luz e de outros
elementos e adereços na elaboração destes retratos. No fundo, assemelham-se mais aos
verdadeiros retratos das personagens, conjugando aqui o retrato psicológico com o físico
explorado anteriormente tentando sempre dar ênfase a que essas mesmas particularidades
físicas estejam presentes.

Carlos da Maia é considerado um belo cavaleiro da renascença. Este tipo de


comparações levantam outro tipo de questões, o mesmo se vem a suceder com Pedro
como iremos ver. Teríamos que considerar o espirito romântico e revivalista da época, e
a partir dos padrões de beleza desta procurar um cavaleiro da renascença que fosse de
encontro a esses mesmos padrões. Para Carlos foi usada uma vista simples a três quartos

93
onde se procurou transmitir não só uma postura relativamente importante, mas também
um certo carisma natural e uma certa sensualidade e espirito boémio herdado da sua mãe.
Esta aproximação remete-nos também de certa forma às fotografias da época, mostrando
assim também o seu espirito vanguardista.

94
Fig.48 – Aproximação artística de Carlos da Maia remontando para fotos características da época,
Desenho do Autor, 2015.

95
No retrato de Pedro procurou-se dar ênfase àquilo que mais o caracteriza, a sua
fraqueza, nervosismo e debilidade e as suas crises de melancolia. Sendo este último o seu
ponto mais “forte” foi também aquele onde se procurou representar da maneira mais
adequada. Embora escritos sobre a melancolia sejam prolíferos, poucos se prendem com
questões práticas aplicadas ao retrato, sendo sempre algo mais filosófico e menos
tangível286. Deste modo foi maior o recurso a pinturas e a desenhos que tenham um cariz
semelhante, onde esteja presente a melancolia, quer no olhar quer em toda a obra. Em
muitas das obras vistas, parece haver elementos que estão presentes de uma forma
transversal. Falamos primeiramente do olhar, sempre distante, nunca observando
diretamente o observador e frequentemente apontado para a parte inferior. Noutros casos
as pálpebras aparecem cerradas de uma forma natural e não forçada, quase como se
estivessem dormindo ou até mesmo mortos. Perdeu-se no entanto, alguma leitura das suas
pálpebras e dos elementos descritos no ponto anterior dada esta condicionante. Procurou-
se aqui também dar ênfase à sua face oval descrita por Eça onde na vista de perfil se torna
menos evidente. Já quanto à iluminação, outra característica presente parece ter que ver
com as pinturas tenebristas, apelando a um lado mais negro e frequentemente com altos
contrastes. Aqui tentou-se o equilíbrio aliado de uma mancha mais fugidia que torne
menos forte a presença de Pedro e o seu carácter mais esfumado enegrecido pelo próprio
ambiente que contribuiu para a tão frequente “melancolia negra”. A questão que levou a
não olharmos novamente para a comparação, desta vez com um belo príncipe árabe
prende-se com o que leva um príncipe árabe a ser considerado belo. Teríamos de perceber
também o século em que foi feita a comparação, o que nos levaria a questionar quais
seriam as características de um belo príncipe árabe nos finais do séc. XIX e, sobretudo,
quais seriam as considerações estéticas, quais os padrões de beleza a aplicar, em suma,
teríamos de equacionar para qual cultura (europeia ou árabe) teria Eça remetido o seu
padrão do ”belo”. Como tal, e dada a problemática que esta simples comparação
levantava, iriamos divagar por outros campos, como o da beleza ou da estética, que não
obstante do seu interesse, não teriam cabimento nesta dissertação.

286
Ramos faz uma introdução aquilo que é a melancolia procurando explicá-la enquanto condição,
explorando depois a sua presença no autorretrato analisando diversos autorrepresentações de diversos
artistas. - Cf. RAMOS, 2010, p.392

96
Fig.49 - Aproximação artística de Pedro da Maia, Desenho do Autor, 2015.

97
Além de Pedro da Maia, semelhante a um belo príncipe árabe, Afonso é a segunda
personagem com comparações, embora neste caso com figuras históricas. Lembrava,
segundo Carlos, um D. Duarte de Meneses ou um Afonso de Albuquerque. Porém Afonso
respondia sempre dizendo que as aparências iludem, possivelmente referindo-se ao
carácter destes287. Fisicamente parecem existir semelhanças com Afonso de Albuquerque,
para tal basta observarmos qualquer imagem deste (fig.50), ainda que o carácter possa
não ser o mesmo, ou ter quaisquer parecenças. Por que motivo não colocamos esta
comparação de lado como fizemos com Carlos e Pedro? Acaba por ser a mais objetiva
das três, e não permite que diversas interpretações possam ser feitas. Resultado disso
mesmo, e resultado do seu carácter obtemos um retrato que mostra uma energia do seu
carácter a sua presença e força, refletindo também os seus altos princípios morais e a sua
integridade. Já os ombros elevados remetem para a sua figura sentada confortavelmente
como era seu hábito.

Fig.50 - Retrato de Afonso de Albuquerque em Goa, c.1500, 182 x 108cm. Museu Nacional de Arte
Antiga.

287
Cf. QUEIRÓS, 1998, P.48

98
Fig.51 - Aproximação artística de Afonso da Maia, Desenho do Autor, 2015.

99
Em Maria Monforte, procurou-se um retrato mais romantizado, mais angelical e
rococó dado o cariz mais inocente e sensual da personagem. Podemos entender com estes
termos que o seu retrato não só se assemelha a representações da época, como o seu
espírito deixa transparecer um espírito sem malicia. Leviana e imoral, é vítima de
literatura romântica e é daqui que deriva muito do seu carácter, e acaba por ser, em parte,
responsável pelas desgraças da família Maia, porém pelo amor e não por maldade. Por
sua vez o olhar distante, colocado em algo indecifrável, quase como se estivesse perdido
noutro amor que não o que tinha (poderíamos considerar o observador como Pedro da
Maia e o olhar colocado em Tancredo, o napolitano com quem Maria Monforte fugiu).

100
Fig.53 - Aproximação artística de Maria Monforte, Desenho do Autor, 2015.

101
O retrato de Maria Eduarda teve características semelhantes com o de sua mãe, o
olhar distante, porém desta vez apontando de forma muito ligeira, para a metade superior
do desenho, assim como a sua própria cabeça, numa tentativa de lhe conferir um cariz
mais etéreo como parece ser tão descrito no seu retrato literário mas também um tanto
sonhador ambicionando não só algo para si como para o próprio país, defendendo as suas
visões (por ser apologista da república). Este olhar, foi também adotado aqui, pois o
habitual olhar para baixo de rosto sereno poderia não só ter um cariz religioso, o que não
era pretendido, como também esconder o olhar da personagem. Maria Eduarda pouco ou
nada é criticada no decorrer do livro, contrariamente ao que se sucede com outras
personagens femininas, acabando por assim se destacar e elevar das restantes. De certa
forma o olhar para baixo poderia remeter para algum desdém para com estas restantes
personagens. É uma caracterização feita por contrastes com outras personagens e como
tal atinge um grau quase de divindade, em especial para Carlos da Maia, pois tudo o que
vinha de Maria Eduarda considerava perfeito. Esta colocação da cabeça vai não só de
encontro a alguns retratos da época, como também da imagem do rosto tipo 28 a partir do
qual se criou esta aproximação.

102
Fig.52 - Aproximação artística de Maria Eduarda, Desenho do Autor, 2015.

103
4 – Confronto com outras adaptações e comentários

Após a elaboração do nosso trabalho, iremos em seguida fazer a confrontação com


os personagens conforme eles nos são apresentados noutros meios, neste caso, meios
audiovisuais. Assim, optámos por fazer o termo de comparação das personagens recriadas
nesta dissertação com as que estão presentes na adaptação cinematográfica de Os Maias
– Cenas da Vida Romântica de 2014 realizado por João Botelho. Não se pretende avaliar
nenhuma das partes, apenas o confronto entre ambas e verificar a forma como as
discrepâncias tornam por um lado difícil a análise, e pelo outro mostram o quão
apaixonante pode ser este tema.

Neste confronto, não faremos qualquer crítica ao casting nem tão pouco à
caracterização dos atores. O objetivo, como já foi expresso, é o de verificar até que ponto
os retratos literários podem influenciar a forma como são idealizadas as personagens e
comparar a nossa interpretação fisiognomónica com a feita por outros leitores ou seja,
com a forma como eles podem visualizar as personagens. Como tal apenas iremos focar
o que nos é apresentado como sendo as personagens e na forma como os atores escolhidos
têm ou não algo que ver com o trabalho fisiognomónico e fisionómico desta dissertação.

Algo que devemos considerar determinante aqui é a capacidade de interpretação


individual, de quem lê e de quem procura recriar. No exemplo de Pedro da Maia, apesar
de se ter dado maior atenção ao seu lado melancólico e de termos colocado de parte a sua
valentia física, esta existe, e como tal temos de a ter em linha de conta, no entanto aquilo
que mais se torna visível é a melancolia e como tal o ênfase teria de ser colocado nesta.
Poderia haver diferentes pessoas com diferentes níveis de interpretação? Poderiam essas
mesmas pessoas colocar em primeiro plano apenas e somente a melancolia, ou apenas e
somente a valentia? Seriam mais acertadas outras interpretações do que o resultado obtido
nesta dissertação? São questões que apenas e somente o autor poderia responder, pois é
apenas neste que reside a personagem na sua forma mais pura. Porém tal nem sempre é
certo, pois poderá haver casos nos quais o autor tenha apenas em mente o retrato
psicológico da personagem em vez de o ver claramente na sua mente tal como ela é
fisicamente.

Poderá haver outros casos onde pretenda apenas passar um arquétipo de


personagem sem se preocupar demasiado com a sua aparência física. Podemos afirmar

104
que é este o caso? É uma questão de difícil resposta. Poderíamos ter em linha de conta o
número de elementos físicos que nos são dados versus o número de elementos
psicológicos, uma maior propensão para um ou para o outro poderá dar a entender qual
deles está o autor mais atento em transmitir. Em casos de falta de retrato psicológico
direto (isto é, quando apenas existe uma descrição de determinadas características
psicológicas), são as acções dos personagens que definem esse mesmo retrato e formam
a ideia daquilo que é o carácter da personagem.

Uma das principais ferramentas para este confronto seriam desenhos, quer as
nossas aproximações, quer retratos analíticos dos atores. Porém a falta de imagens
satisfatórias para a elaboração destes retratos foi um impedimento na sua concretização.
Tal não impediu que as comparações e confrontos pudessem ser à mesma feitas, com as
devidas salvaguardas.

Ao compararmos a personagem de Carlos, a primeira diferença que


imediatamente observámos é a caracterização da pilosidade facial. Embora Eça descreva
diretamente o seu aspeto, são desconhecidos os motivos pelo qual a caracterização optou
por se desviar dessa mesma descrição. Já o penteado pode ser alvo de diferentes
interpretações, ambos estão inseridos no período embora fosse o cabelo imaculadamente
penteado o mais frequente em determinados círculos. Deixando de parte a caracterização,
observamos algumas semelhanças entre o ator e a aproximação aqui feita. O nariz
ligeiramente arqueado remete para o nariz aquilino herdado do pai, e a boca de lábios é
com bordo livre sinuoso está igualmente presente. Já nas sobrancelhas, observamos
alguma discrepância nomeadamente na sua espessura, ainda que o seu formato mais
horizontal e retilíneo pareça estar de acordo com o que aqui foi feito. Outros elementos,
como os olhos e a fronte dizem algo diferente segundo Lavater, pois o formato destes
diferem daquilo que foi adotado. Embora assim seja, é de difícil leitura e análise alguns
dos elementos, por estarem sob constante ação de uma paixão, ou expressão, algo que se
repete com outras personagens, assim como a natureza da própria imagem e o pormenor
das fotografias que surgem em pesquisas ficam aquém de uma leitura mais
pormenorizada.

105
Fig.54 – Carlos da Maia interpretado por Graciano Fig.55 – Carlos da Maia interpretado por
Dias. Graciano Dias.

Fig.56 – Carlos da Maia interpretado por Graciano Dias.

106
Com Pedro da Maia deixamos de parte a problemática da caracterização. Eça de
Queirós não refere qualquer tipo de pormenores como faz com Carlos ou Afonso e como
tal quer esta aproximação, quer a versão cinematográfica tiveram uma componente mais
improvisada quanto à sua caracterização. Seria este o desejo de Eça? Como já aqui foi
falado, somente ele o poderia dizer. Relativamente à fisionomia de Pedro, as semelhanças
que encontramos são poucas. A fronte acaba por ser o elemento onde maior semelhança
encontramos; assim como os olhos que parecem ter algo que ver com esta aproximação.
O nariz aparenta-se reto sem ter a forma aquilina herdada do seu pai, sendo possivelmente
herdado da sua mãe Maria Eduarda Runa, porém a falta de elementos descritivos desta
não nos permite afirmar com maior grau de certeza. Os lábios aparecem mais espessos
embora o bordo livre permaneça mais horizontal aparentando não ter curvas de grande
evidência. Já o mento embora mais recuado apresenta uma pequena projeção em relação
ao ponto labiale inferius.

Fig.57 – Pedro da Maia interpretado por Nuno Casanovas

107
Fig.58 – Pedro da Maia interpretado por Nuno Casanovas

108
Afonso da Maia parece ser aquele que mais semelhanças tem com o retrato por
nós elaborado. Em termos de caracterização, o corte de cabelo difere, não obstante
concedemos essa diferença devido à moda da época. Já a barba aparece comprida, sendo
o formato dependente da visão e das fontes que se consulta. Ambas as aproximações
mostram Afonso de cara larga e com as marcas do tempo bem presentes no seu rosto.
Sobre a fronte pouco há a dizer sendo ambas muito semelhantes assim como o formato
das sobrancelhas. Os olhos tornam-se difíceis de analisar e embora apresentem algumas
semelhanças, o facto de nunca estarem em repouso e com uma expressão natural tornam
difícil a confirmação desta comparação. Quanto ao nariz, este não se apresenta aquilino
como Eça o descreve. A boca e os lábios são de difícil leitura assim como é na
aproximação desta dissertação por estarem em ambos os casos encobertos pelo bigode e
pela barba.

109
Fig.59 – Afonso da Maia interpretado por João Perry

Fig.60 – Afonso da Maia interpretado por João Perry

110
Maria Eduarda é outra personagem que apresenta algumas semelhanças com a
aproximação aqui feita. Relativamente à fronte, apresenta características semelhantes,
desde a ligeira perpendicularidade até à marcação das bossas frontais assim como sendo
um dos maiores patamares. Porém as sobrancelhas aparecem mais horizontais e
demarcadas em oposição às curvas e finas que transmitem, segundo Lavater, uma
juventude feminina. Os olhos, à semelhança do que aconteceu nos restantes casos, são
difíceis de se analisar pois não existe nenhuma foto nem tão pouco nenhum momento no
qual os olhos se apresentem sem expressão que os deformem. No entanto, pelo que é
possível observar, verifica-se a mesma sinuosidade e o mesmo paralelismo entre o bordo
livre e a prega da pálpebra, sendo igualmente de grandes dimensões, indo ao encontro do
que por nós foi proposto através do nosso retrato fisiognomónico. Constata-se que o nariz
não se apresenta na continuação da fronte, perdendo assim o perfil grego. A única
característica semelhante presente no nariz reside na cartilagem nasal onde podemos
observar o seu formato e melhor compará-lo com o desenho analítico de Maria Eduarda.
Na boca, os carnudos lábios estão também presentes conferindo ao rosto maior
sensualidade, porém, o bordo livre dos mesmos apresenta-se mais retilíneo com menor
sinuosidade assim como o contorno dos mesmos. Já o mento, embora projetado,
apresenta-se com a pequena cova, sendo esta a única característica distinta indo assim de
acordo com a nossa aproximação. A visão do conjunto e de uma forma geral é de que
embora haja pequenas diferenças nos elementos, como um todo parece ter muito em
comum o que podemos considerar um resultado bastante razoável.

111
Fig.61 – Maria Eduarda interpretada por Maria Flor.

Fig.62 – Maria Eduarda interpretada por Maria Fig.63 – Maria Eduarda interpretada por Maria Flor.
Flor.

112
Em muito o resultado de Maria Monforte, assemelha-se de uma forma geral com
a personagem no formato cinematográfico, em especial na caracterização e na forma
como a aproximação. Na fronte optámos por uma mais perpendicular; já a personagem
na sua adaptação é dotada de uma fronte um pouco inclinada para trás com alguma
acentuação nas bossas e na arcada superciliar. As sobrancelhas apresentam-se finas e
penteadas, sendo no entanto menos arqueadas que as da aproximação feita. Embora o
olhar pareça estar em concordância com o que aqui foi escrito, a pálpebra superior aparece
mais escondida na sua adaptação cinematográfica, porem descrevendo um arco perfeito
como esta aproximação. O perfil grego formado pelo nariz na continuação da fronte
desaparece também, semelhante ao que acontece com Maria Eduarda, talvez por uma
questão de dificuldade em encontrar uma atriz com esta característica. Na cartilagem
nasal, a ponta parece também semelhante à da nossa aproximação. A boca é relativamente
semelhante com a de Maria Monforte, de lábios carnudos e com menor sinuosidade, sendo
também mais larga do que a desta recriação. Porém, e à semelhança daquilo que se sucede
com Maria Eduarda, o resultado final acaba não só por ter algo que ver com a personagem
em si mas também com o resultado obtido nesta dissertação.

Fig.64 – Maria Monforte interpretada por Catarina Wallenstein

113
Fig.65 – Maria Monforte interpretada por Catarina Wallenstein

114
Como é natural todas as falhas fisionómicas aqui apontadas servem apenas para
uma base comparativa entre aquilo que foi feito nesta dissertação e aquilo que nos é
apresentado enquanto personagens. Tudo isto se dissipa quando entram em cena e
representam o papel da personagem, todas as diferenças se esfumam e surgem diante de
nós as personagens que aqui analisámos.

As condicionantes na escolha dos atores são demasiadas quando se trata de um


filme, pois se analisarmos realmente as personagens e virmos as suas características,
teríamos de encontrar alguém com características iguais, ou proceder a um processo de
caracterização. Desta forma a personagem, ou a fisionomia resultante, depende de quem
a faz a caracterização.

115
5 – Conclusão

No decorrer desta dissertação, apercebemo-nos da importância da Fisiognomonia,


não obstante de esta ser considerada ou não ciência, assim como independente da sua
aceitação ou rejeição e que todos a usamos consciente ou inconscientemente. Por vezes
sem nos apercebermos, julgamos as pessoas com quem nos cruzamos com base na sua
aparência, com base por vezes em estereótipos dos quais não sabemos as suas origens.
Algo que certamente poderá ser explorado futuramente noutra dissertação.

Primeiramente, constatámos a forma como o retrato não só é um reflexo da cultura


de cada período como mostra diferentes costumes de diferentes épocas. A forma não só
como este se alterou e adaptou entre períodos históricos e movimentos artísticos, mas
também a sua importância ao retratar um individuo e imortalizá-lo. Desta forma o retrato
adquire um significado maior, torna presente a memória de alguém que há muito partiu.
Não só o retrato deve ter a capacidade de mostrar como o individuo foi fisicamente, como
também de mostrar o seu carácter. Consequentemente constatámos aquilo que define um
retrato, e quais as premissas de um. Que fatores devemos ter em conta na sua elaboração
e sob que condicionantes estamos durante o ato de retratar.

Observámos depois no rosto a sua proporção, e os seus elementos, assim como a


relação entre si pode gerar harmonia ou desarmonia, influenciando então a leitura
fisiognomónica. Estas podem ter vários, ou métodos, não sendo leitura direta a única
forma de observarmos o interior do homem, havendo também outras, que em conjugação
com a direta podem ajudar a tecer comentários mais elaborados sobre um rosto, falamos
então da fisionomia Comparada, da teoria dos quatro humores, da frenologia e da
metoscopia. Vimos as variantes que cada elemento pode adquirir através da leitura de
diversos tratados e manuais sobre Fisiognomonia, e a forma como conjugados com outros
podem anular algumas das suas características, ou modificar-se por completo, aplicado
nos casos das personagens.

Vimos a forma como a Fisiognomonia, aliada à Fisionomia e não obstante a


questão da sua validação científica, pode desempenhar um papel importante na criação e
interpretação de rostos com credibilidade para diferentes áreas. Esta dissertação pode não
só ter utilidade e aplicabilidade na indústria cinematográfica, ajudando os

116
caracterizadores a melhor visualizarem as personagens, como também noutras indústrias,
desde os videojogos à banda-desenhada.

A fase final desta dissertação prendeu-se com a interpretação do retrato literário


das personagens de Os Maias, e a subsequente elaboração de aproximações com base nas
mesmas, tendo em conta os diversos escritos sobre Fisiognomonia e Fisionomia.
Culminamos assim na elaboração de cinco aproximações possíveis das personagens que
constituem a família Maia. Cada uma destas aproximações teve duas fases de trabalho,
uma onde observaríamos os rostos de um ponto de vista analítico, medindo distâncias,
comprimentos, larguras e ângulos, e uma segunda de maior liberdade artística menos
analítica e mais convencional procurando o gosto da época. Nesta última procurámos
retratar, com as premissas inerentes à arte do retrato, as personagens unindo a primeira
análise formal e mostrando mais do interior e mais do carácter de cada personagem.

Numa última instância, tivemos a oportunidade de comparar estas aproximações


com a mais recente adaptação cinematográfica de Os Maias, e em que medida divergiam
estas aproximações daquilo que nos foi apresentado enquanto personagens.

Posteriormente poderão surgir diferentes estudos, não só prendendo-se com as


origens dos estereótipos que nos levam a tecer leituras fisiognomónicas, como também a
Fisiognomonia e a Fisionomia aplicada à construção e criação de rostos que sejam reflexo
de determinado conjunto de características. Assim, em vez de recorrermos somente aos
estereótipos que tanto conhecemos, podemos talvez atingir um maior grau de realismo
num rosto criado a partir da união quer da Fisionomia quer da Fisiognomonia, atendendo
assim aos diversos escritos que sobre ambas existem.

Digo talvez porque as teorias fisiognomónicas são uma tentativa de interpretação


dos traços que obviamente pode falhar. Aqui seguiu-se a fisiognomonia através sobretudo
de Lavater. É portanto, uma aproximação possível de entre muitas outras...

117
Índice de Imagens
Figura 1 - Retrato de múmia de um jovem de Al Fayum. Antikensammlungen
Munich. (fonte:
https://en.wikipedia.org/wiki/Fayum_mummy_portraits#/media/File:Fayum-01.jpg)

Figura 2 – Retrato do Imperador Romano Lucius Verus. Metropolitan Museum


of Art. (fonte:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Metropolitan_bust_Lucius_Verus_Roman_2
C_AD_2.JPG)

Figura 3 - Retrato de Charles Baston de Lariboisière, 1815, 75x 59cm, Antoine-


Jean Gros. Coleção privada (fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Antoine-
Jean_Gros#/media/File:Gros_-
_Portrait_du_comte_Honor%C3%A9_de_La_Riboisi%C3%A8re_(1788-1868).jpg)

Figura 4 – Auto-retrato usando boina e corrente de ouro, 1633, 70,4 x 54cm,


Rembrandt. Museu do Louvre. (fonte:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Rembrandt_-_Self-
Portrait_Wearing_a_Toque_and_a_Gold_Chain_-_WGA19210.jpg)

Figura 5 – Retrato de Guillaume Guillon Lethiére, 1815, Jean-Auguste


Dominique Ingres. The Morgan Library & Museum. (fonte:
http://www.deborahfeller.com/news-and-views/wp-content/uploads/2011/10/Portrait-of-
Guillaume-Guillon-Lethi%C3%A8re.jpg)

Figura 6 – Luís XIV de França, 1701, 238 x 149cm, Hyacinthe Rigaud. Museo
Nacional del Prado. (fonte:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Rigaud_Hyacinthe_-
_Louis_XIV,_roi_de_France.jpg)

Figura 7 – Retrato de Rita Silvestre, Desenho do Autor, 2014.

Figura 8 – Esquema de construção da cabeça, Figure Drawing For All It’s Worth,
Andrew Loomis. (fonte:
https://www.goodreads.com/ebooks/download/147941?doc=25358)

Figura 9 – Retrato analítico do perfil de Rita Silvestre, Desenho do Autor, 2014

Figura 10 – Rick Genest, também conhecido como Zombie Boy, tem todo o corpo
coberto de tatuagens, inclusive o rosto, o que altera a nossa perceção e leitura
fisiognomónica ao tornar difícil a leitura de alguns elementos. (fonte:
http://i.ytimg.com/vi/Q6I-CGThyZs/maxresdefault.jpg).

Figura 11 – Metoscopia, Diagrama da cabeça, Girolamo Cardano. (fonte:


https://archive.org/details/bub_gb_KTnAy4_pdhIC)

Figura 12 – Espécimes Leoninos. Ilustração de De humana physiognomia de


Giambattista della Porta. Nápoles, 1602. The Getty Research Institute. (fonte:
http://blogs.getty.edu/iris/physiognomy-the-beautiful-pseudoscience/)

118
Figura 13 – Frenologia, Diagrama da cabeça. (fonte:
http://thegraphicsfairy.com/vintage-clip-art-antique-phrenology-head/)

Figura 14 – L’attention, Ilustração de Expressions des Passions de l’Âme Charles


Le Brun. (fonte : http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1352510/f11.image)

Figura 15 – Perfis, Johann Kaspar Lavater. (fonte:


http://cabinetmagazine.org/issues/24/stoichita.php)

Figura 16 – Addition F. Alguns tipos de perfis de acordo com a teoria dos


temperamentos. Ilustração de Essai sur Physiognomonie, Destiné a Faire Connoître
l’Homme & à Faire Aimer. Vol. III, Johann Kaspar Lavater, 1786, p.97. (fonte:
https://archive.org/stream/essaisurlaphysio03lava#page/96/mode/2up)

Figura 17 – Anatomia comparada inspirada por Camelo, c.1670, 23 x 32cm.


Charles Le Brun. Museu do Louvre. (fonte:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Charles_Le_Brun_-
_Physiognomic_Heads_Inspired_by_a_Camel_-_WGA12557.jpg)

Figura 18 – Bois, Leão e Cavalo com Olhos Humanos, Charles Le Brun. (fonte:
http://spenceralley.blogspot.pt/2015/01/physiognomic-heads.html)

Figura 19 – Antoninus Pius com olhos inclinados, Charles Le Brun. Museu do


Louvre. (fonte: MONTAGUE, Jennifer (1994) – The expression of the passions, p.22)

Figura 20 - Pontos Notáveis na Vista Frontal, 2006, 30x21cm, Artur Ramos.


(fonte: RAMOS, Artur (2010) – Retrato, o desenho da presença, p.62)

Figura 21 - Pontos Notáveis na Vista de Perfil, 2006, 30x21cm, Artur Ramos.


(fonte: RAMOS, Artur (2010) – Retrato, o desenho da presença, p.70)

Figura 22 – Ângulos na Vista de Perfil. (fonte: RITTO, Isabel (2001) –


Antropometria : medidas dos ângulos e inclinações do perfil de uma população
portuguesa e comparação com alguns cânones artísticos / Isabel Maria Dinis Correia
Ritto, p.303

Figura 23 - Variações no angulo geral do perfil, Petrus Camper (fonte:


https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Petrus_Camper_facial_angles_by_son_Adria
an_Gilles_-_europeaan_tot_antiek.jpg)

Figura 24 – Doríforo, 200cm altura, Policleto. Museu Arqueológico Nacional de


Nápoles. (fonte:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Doryphoros_MAN_Napoli_Inv6011-2.jpg)

Figura 25 – Apoxyomenos, 205cm altura, cópia romana de Lísipo. Museu do


Vaticano. (fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Apoxyomenos_Pio-
Clementino_Inv1185.jpg)

Figura 26 – Diagrama referente aos cânones das divisões: tripartida da face


(linha verde) e bipartida da cabeça (linha rosa). Filipe Franco. (fonte: FRANCO, Filipe
(2012) – Aproximação facial de quatro crânios da colecção osteológica Luís Lopes, p.68)

119
Figura 27 - Esquemas geométricos aplicados a cabeças, Villard de Honnecourt.
(fonte:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Villard_de_Honnecourt_Trois_tetes.png)

Figura 28 – Esquemas ilustrativos de expressões de personagens a partir de


Humbert Superville e de Carlos Plasencia Climent, Ana Roque (fonte: ROQUE, Ana
(2011) – O estudo fisionómico na caracterização de personagens, p.66)

Figura 29 - Os três tipos de perfis, Albrecht Dürer. (fonte: RAMOS, Artur (2011)
– Em Torno da Ideia de Concordância: Desenhar Saber Desenhar, p.31)

Figura 30 - Fig.178 à qual Delestre se refere como sendo um rosto defeituoso


onde a concordância falha. (fonte: https://archive.org/details/delaphysiognomon00dele,
p.137)

Figura 31 - Caricatura de Eça de Queiroz (fonte:


https://queirosiana.wordpress.com/page/4/)

Figura 32 - Os Seis Tipos de Pálpebras Superiores Segundo Fritz Lange, 2006


30x21cm, Artur Ramos. (fonte: RAMOS, Artur (2010) – Retrato, o desenho da presença,
p.82)

Figura 33 – Primeira aproximação analítica ao perfil de Carlos da Maia, Desenho


do Autor, 2015.

Figura 34 - Segunda aproximação analítica ao perfil de Carlos da Maia, Desenho


do Autor, 2015.

Figura 35 - Primeira aproximação analítica ao perfil de Pedro da Maia, Desenho


do Autor, 2015.

Figura 36 - Segunda aproximação analítica ao perfil de Pedro da Maia, Desenho


do Autor, 2015.

Figura 37 - Primeira aproximação analítica ao perfil de Afonso da Maia, Desenho


do Autor, 2015.

Figura 38 - Segunda aproximação analítica ao perfil de Afonso da Maia, Desenho


do Autor, 2015.

Figura 39 – Prancha nº 25 (fonte:


https://books.google.pt/books/reader?id=s_xdAAAAcAAJ&hl=pt-
PT&printsec=frontcover&output=reader&pg=GBS.PA60-IA40, p.55)

Figura 40 - Prancha XXXI (fonte:


https://archive.org/details/essaisurlaphysio03lava, p.291)

Figura 41 - Primeira aproximação analítica ao perfil de Maria Eduarda, Desenho


do Autor, 2015.

Figura 42 - Primeira aproximação analítica ao perfil de Maria Eduarda, Desenho


do Autor, 2015.

120
Figura 43 - Prancha nº 9 (fonte:
https://books.google.pt/books/reader?id=s_xdAAAAcAAJ&hl=pt-
PT&printsec=frontcover&output=reader&pg=GBS.PA60-IA41, p.32)

Figura 44 - Prancha nº 12
(https://books.google.pt/books/reader?id=s_xdAAAAcAAJ&hl=pt-
PT&printsec=frontcover&output=reader&pg=GBS.PA60-IA41, p.36)

Figura 45 - Prancha nº 28 (fonte:


http://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=njp.32101064297292;view=2up;seq=, p.51)

Figura 46 – Primeira aproximação analítica ao perfil de Maria Monforte, Desenho


do Autor, 2015.

Figura 47 - Segunda aproximação analítica ao perfil de Maria Monforte, Desenho


do Autor, 2015.

Figura 48 - Aproximação artística de Carlos da Maia remontando para fotos


características da época, Desenho do Autor, 2015.

Figura 49 – Aproximação artística de Pedro da Maia, Desenho do Autor, 2015.

Figura 50 – Retrato de Afonso de Albuquerque em Goa, c.1500, 182 x 108cm.


Museu Nacional de Arte Antiga. (fonte:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Afonso_de_Albuquerque.jpg)

Figura 51 - Aproximação artística de Afonso da Maia, Desenho do Autor, 2015.

Figura 52 – Aproximação artística de Maria Eduarda, Desenho do Autor, 2015.

Figura 53 - Aproximação artística de Maria Monforte, Desenho do Autor, 2015.

Figura 54 – Carlos da Maia interpretado por Graciano Dias. (fonte:


http://www.ardefilmes.org/osmaias/)

Figura 55 – Carlos da Maia interpretado por Graciano Dias. (fonte: fotograma


do filme)

Figura 56 – Carlos da Maia interpretado por Graciano Dias. (fonte:


http://mycutemoviesblog.blogspot.pt/2014/12/os-maias.html)

Figura 57 - Pedro da Maia interpretado por Nuno Casanovas (fonte:


http://www.tvi24.iol.pt/cinebox/fotos/358171/1)

Figura 57 - Pedro da Maia interpretado por Nuno Casanovas (fonte: fotograma


do filme)

Figura 59 – Afonso da Maia interpretado por João Perry. (fonte:


http://www.ardefilmes.org/osmaias/)

Figura 60 – Afonso da Maia interpretado por João Perry. (fonte:


http://www.tvi24.iol.pt/cinebox/fotos/358171/1)

121
Figura 61 – Maria Eduarda interpretada por Maria Flor. (fonte:
http://38.mostra.org/br/filme/8282-OS-MAIAS---CENAS-DA-VIDA-ROMANTICA)

Figura 62 – Maria Eduarda interpretada por Maria Flor. (fonte: fotograma do


filme)

Figura 63 – Maria Eduarda interpretada por Maria Flor. (fonte: fotograma do


filme)

Figura 64 - Maria Monforte interpretada por Catarina Wallenstein. (fonte:


fotograma do filme)

Figura 65 - Maria Monforte interpretada por Catarina Wallenstein. (fonte:


http://38.mostra.org/br/filme/8282-OS-MAIAS---CENAS-DA-VIDA-ROMANTICA)

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