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Civil
Orlando Gomes
Catedrático de Direito Civil da Faculdade de Direito da Bahia.
Também quanto ao estilo cumpre eleger. Um Código pode ser redigido com uma
terminologia rigorosamente técnica, acessível apenas aos especialistas, como pode fugir
ao tecnicismo rígido por uma redação extremamente simples, que o torne inteligível aos
profanos.
Uma reforma pode ser, sob outra perspectiva, uma obra completa, que integre o que
falta na legislação em vigor e sepulte o que está morto, como pode ser uma simples
reformulação, que conserve suas características essenciais, incorporando ao seu texto a
legislação subseqüente, mais no intuito de consolidar do que renovar. É preciso decidir
se deve abarcar tôdas as relações jurídicas que se travam na ordem civil ou, se ao
contrário, convém deixar fora do seu âmbito matérias expostas a alterações freqüentes
ou que implicam regulamentação minuciosa com regras de organização administrativa e
normas de direito público.
Por fim a própria classificação das matérias constitui problemas cuja solução é relevante
para a estrutura e a fisionomia do Código. A opinião dominante é no sentido de que deve
ser feita “consoante os caracteres preponderantes das relações de Direito (Clóvis
Bevilaqua, “Em Defesa do Projeto de Código Civil (LGL\2002\400) Brasileiro”, pág. 49).
O fenômeno jurídico deve ser encarado sob êsse ponto-de-vista, pois é aquêle através
do qual se tem uma visão mais nítida do comportamento dos indivíduos pela melhor
fixação das situações subjetivas típicas, caracterizadas pela correlação entre o direito e o
dever, a pretensão e a obrigação. A aceitação dêsse critério de classificação não indica
preferência pela concepção do Direito que vê na intersubjetividade o traço característico
da experiência jurídica, mas, tão só, a convicção de que, num Código, as matérias se
distribuem mais harmoniosas e inteligìvelmente se classificadas conforme as diversas
categorias das relações jurídicas.
De acôrdo com êsse critério, hoje generalizado por influência do Código Civil
(LGL\2002\400) Alemão, as relações jurídicas na ordem privada se distribuem em quatro
grupos inconfundíveis: Direito de Família, Direito das Coisas, Direito das Obrigações e
Direito das Sucessões.
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Lineamentos gerais do anteprojeto de reforma do Código
Civil
O Direito das Obrigações constituirá objeto de Código à parte, conforme o plano traçado
pelo Govêrno, para a reforma da legislação. Em conseqüência, o futuro Código Civil
(LGL\2002\400) ocupar-se-á sòmente dos institutos da família, da propriedade e da
herança. Sua fragmentação, inconveniente a todos os títulos, desconjunta a parte geral,
aconselhando sua eliminação, se outras razões não a justificassem.
A aspiração geral parece ser a de que a reforma deve ir além de uma simples revisão. Já
se vem processando desordenadamente pelo método das mutilações e enxertos,
empregado ao sabor das improvisações, sob a influência de aspirações ou mesmo de
paixões momentâneas. Êsse processo é manifestamente condenável, quando mais não
seja porque rompe a unidade do Código, quebra o espírito de sistema e desarticula a
necessária ordenação lógica dos preceitos. Preferível enfrentar, por conseguinte, a
dificultosa emprêsa de uma reforma orgânica, na convicção de que o Código Civil
(LGL\2002\400) é como se fôsse, segundo a observação de Lawson, uma Constituição
para o Direito Privado. (“A Common Law Lawyer Looks at Codification”).
Reformar o Código com êsse pensamento não significa, porém, subvertê-lo nos seus
fundamentos. Os institutos básicos do Direito Privado não devem ser recondicionados em
desacôrdo com os valores essenciais da nossa constituição social, eis que a crise dêsses
valores não os atinge no que têm de permanente. Os povos a que estamos ligados pelos
mais estreitos laços de parentesco espiritual encaram-nos de novos ângulos, mas não os
rejeitam, nem os espezinham. Os princípios que regem e qualificam a nossa conduta no
território cultural em que habitamos continuam a honrar a pessoa humana na sua
eminente dignidade. Os impactos sofridos por êsses valores não os obscureceram e
sequer os sombrearam com as tintas do crepúsculo. Mas vacilam sob o pêso de uma
vigorosa e desesperada oposição que joga o destino do homem na fronteira do mistério,
que só será transposta quando realizar a síntese do revolucionário e do tradicional.
Para a conciliação das fôrças antagônicas também a ordem jurídica privada terá que se
deslocar para o seu ponto de confluência, conservando e inovando com senso de
equilíbrio, fiel à sua positividade, mas, acolhendo, sem temor, o que necessário seja
para eliminar seus aspectos negativos.
Imbuída dêsse espírito de renovação, a reforma, entretanto, precisa ser cautelosa para
não enveredar por um daqueles desvios a que se referiu o incomparável Teixeira de
Freitas ao censurar o plano de Cardoso da Costa (“Consolidação das Leis Civis”,
Introdução, nota 47). O amor da novidade positivamente não a orientou. Conquanto
preconize numerosas inovações, estão lastreadas, em nossa experiência jurídica e na
dos povos cultos. Nenhuma disposição há que precedente não tenha em outro Código ou
na legislação vigente, embora as modificações se adaptem às nossas necessidades
atuais ou visem a melhorá-lo sob o ponto-de-vista da técnica jurídica.
“Rapport preliminaire”, “in” “Avant-projet de Code civil”, pág. 11). Ainda assim, a
tendência instintiva dos juristas para a conservação do direito em vigor os indispõe
contra tôda inovação, de sorte que tôda reforma provoca forte resistência, mesmo que
preserve as bases ideológicas do Código no que têm de irredutíveis.
Por mais respeitáveis que sejam êsses sentimentos, é imperioso vencer a fôrça da rotina
com espírito de compreensão, mas, do mesmo passo, repelir as soluções radicais
preconizadas por espíritos afoitos ou, quando menos, impacientes.
Ninguém de boa fé pode negar que relevantes transformações modificaram nos últimos
anos o quadro das instituições de direito privado. Vêm proclamando-as, desde o comêço
do século, os juristas que se dedicaram à crítica aos Códigos inspirados na doutrina
filosófica do individualismo jurídico, clamando pela sua revisão. Os fatos confirmaram os
anseios revisionistas tão incisivamente que hoje não se contesta a superação dos
princípios que informaram os Códigos do século XIX. Verdade é que alguns perduram
aparentemente hígidos, mas, sobrevivendo por fôrça de um processo de respiração
artificial que lhes retira a autenticidade.
Sem embargo de ter nascido no primeiro quartel do século XX, o Código Civil
(LGL\2002\400) em vigor é, desenganadamente, um monumento legislativo do século
XX. Ao tempo de sua elaboração, o país não alcançara ainda, na sua marcha evolutiva, a
faixa que outros povos, mais adiantados, já haviam ultrapassado. Histórica e
socialmente estávamos no século passado quando começou a viger. Foi, por isso, um
Código paradoxalmente avançado e anacrônico. Em relação à realidade nacional, uma
codificação progressista que concorria, na medida de sua influição, para acelerar o
desenvolvimento do país, tanto mais quando soube captar elegantemente, com
sabedoria e descortínio, a experiência legislativa dos povos mais desenvolvidos,
empregando técnica de alto nível. Mas, nasceu quando, sob o impacto de
acontecimentos decisivos para a evolução social e jurídica da humanidade, estouravam e
se refundiam as matrizes filosóficas dos Códigos impregnados do espírito do século
anterior.
A necessidade de substituí-las não se fêz sentir tão prementemente entre nós, como em
outras latitudes. Mas, em quase meio século de vigência, tornou-se positivamente
antiquado.
Para atualizá-lo nas partes em que passou a reclamar alterações mais urgentes, foi-se
modificando fragmentàriamente, através de leis extravagantes, que o mutilaram sem
piedade. Urge, por conseguinte, reformá-lo com espírito de sistema para reajustá-lo às
condições de desenvolvimento do país, assimilando as idéias que palpitam, estuantes de
vida, no substrato cultural dos povos ocidentais.
estão coordenados sob o plano sistemático da fidelidade a essas duas diretrizes centrais.
Os chamados direitos autorais, que uma corrente doutrinária classifica entre os direitos
da personalidade, devem ser objeto de lei especial. A complexidade de sua
regulamentação, a multiplicidade de seus aspectos, a variedade de seu objeto tornam
inconveniente a sua inclusão no Código Civil (LGL\2002\400), ainda que fôsse para
apenas lhes traçar os lineamentos gerais. Não obstante a tendência atual para
classifica-lo como direito de propriedade, a disciplina dos direitos autorais nesse título do
Direito das Coisas sacrificaria a feição particularíssima que os distingue. Aconselhável,
por conseguinte, que, em tôdas as suas formas, inclusive as que são objeto do Direito
Industrial, sejam regulados numa lei à parte do Código, que cuide igualmente da
organização administrativa de sua proteção.
Sumário:
Direito de família
De certo não é uniforme a nova estrutura do grupo doméstico. O gênero de vida dos
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Lineamentos gerais do anteprojeto de reforma do Código
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Convém que a política legislativa de proteção aos filhos prossiga na direção que vem
sendo seguida no sentido contrário ao tratamento discriminatório do Código e, até certo
ponto, da legislação posterior. A completa equiparação dos filhos simplesmente naturais
aos filhos legítimos; a qualificação dos filhos de desquitado entre os ilegítimos
reconhecíveis, a permissão de reconhecimento dos filhos extramatrimoniais são,
entretanto, marcos importantes no caminho da indistinção. Os generosos propósitos que
norteiam essa política animam a levá-la às suas últimas conseqüências, sem sacrificar,
porém, o interêsse de resguardar e fortalecer a família legítima.
O Livro dos Direitos Reais precisa abrigar disposições que incorporem à propriedade seu
significado atual.
O legislador que não tenha a idéia preconcebida de negá-lo, não pode aceitar a
contradição que, sem aniquilar o direito de propriedade, o paralisaria. É preciso, por
conseguinte, não esquecer, proposital ou inadvertidamente, que as formas jurídicas do
nôvo conceito de propriedade não comportam os esvaziamento da sua substância.
adquire relêvo social quando os organiza para fins lucrativos, quando os movimenta
como instrumento econômico. A função social da propriedade é exigível, em suma,
quando o direito se exerce sob a forma de emprêsa, quando implica, numa palavra, em
uma atividade econômica lucrativa.
Os deveres sociais do proprietário que exerce atividade produtiva não podem ser
discriminadas em lei, dada a dificuldade de especificá-los como obrigações jurídicas de
conteúdo preciso. Daí o recurso à forma negativa das proibições, por via do qual o
comportamento do proprietário, em vez de ser pré-traçado na lei, é limitado por
disposições que, indiretamente, confinam a sua normalidade. Mas êsse sistema de freios
compõe-se de preceitos que não se enquadram no Código Civil (LGL\2002\400), porque
são de direito público. Nestas condições, a transfusão da idéia econômica e política de
função social num Código de Direito Privado só se pode realizar mediante um preceito
elástico, no qual se declare que a propriedade exercida sob a forma de emprêsa deve
conformar-se às exigências do bem estar social, sujeitando-se às disposições legais que
limitem seu conteúdo, lhe impõem obrigações e reprimem os abusos. Preceitos dessa
consistência são indispensáveis para que o direito se adapte às circunstâncias por uma
determinação ulterior do seu conteúdo por outras disposições ou para que o juiz, no seu
prudente arbítrio, lhes dê aplicação circunstanciada, Não se trata, porém, de um preceito
em branco, que assegure ao aplicador da lei um poder de apreciação ilimitado, de que
poderia resultar o desvirtuamento do sentido e a distensão do alcance que deve ter no
sistema do Código. Assim, a conformação do exercício do direito de propriedade ao bem
comum não ficará na dependência das convicções do juiz ou de falsas apreciações das
circunstâncias.
Mas, no campo do direito privado, e sem que seja necessário distinguir a propriedade
por seu objeto, há necessidade de uma norma, também flexível, que permita verificar se
o direito está sendo exercido normalmente. A noção de abuso de direito, está hoje
difundida em têrmos que permitem a sua incorporação ao texto do Código Civil
(LGL\2002\400), para servir de freio aos excessos que o titular de um direito pode
cometer ao exercê-lo, notadamente o proprietário. O direito de propriedade, na
observação de Josserand, é aquêle cujo exercício se acha exposto a contrariar mais
freqüentemente sua finalidade. Impõe-se, por conseguinte, a formulação de um preceito
que permita, qualificar seu exercício abusivo. A noção de abuso de direito que mais se
harmoniza à concepção da propriedade dominante atualmente é, fora de tôda dúvida, a
que abstrai o elemento subjetivo de que se acha impregnada, quer na doutrina que o
configura como exercício malicioso do direito, quer na que exige para a sua
configuração, a intenção de prejudicar. A finalidade do direito deve constituir o suporte
do seu uso regular. Se a lei assegura o direito de propriedade para que seja exercido
com fim social, não pode admitir atos do proprietário que signifiquem desvio dessa
finalidade. Declarando-se, pois, que o proprietário não pode exercer o seu direito em
desacôrdo com o fim econômico e social para que é protegido, a lei oferecerá um critério
objetivo de qualificação do abuso de direito no setor da propriedade, sem o perigo,
temido por Amiaud, de escancarar a porta ao arbítrio judicial ou às distorsões das
paixões políticas do dia, a que não estão imunes os magistrados.
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Lineamentos gerais do anteprojeto de reforma do Código
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Dois direitos reais limitados, não tipificados no Código vigente poderão ser incluídos no
elenco: o direito de superfície e a promessa irretratável de venda.
Não se deve permitir, entretanto, que o proprietário concedente cobre qualquer taxa,
seja a que título fôr, na alienação do direito de superfície, nem que se aposse da
construção, ou plantação, se o concessionário não pagar pontualmente a renda
estipulada.
A estrutura atual da família exige que se limite o circulo da sucessão legal, dêle
excluindo parentes mais afastados, dantes admitidos. Mas a medida que êsse círculo se
contrai para conter apenas os cônjuges, a prole, os ascendentes e parentes colaterais
muito próximos, asseguram-se a seus integrantes uma participação na herança em
consonância com o presumido grau de afeição mútua que o conforma. A
consangüinidade deve ceder, em conseqüência, ao laço que une marido e mulher, só se
admitindo que um não seja chamado à sucessão do outro se tem descendentes. Caso
contrário, qualquer dêles deverá recolher a herança, totalmente se o outro deixa apenas
parentes colaterais e, parcialmente, se lhe sobrevivem ascendentes.
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Não se compreende, realmente, que por uma disposição testamentária possa alguém,
sem uma razão justa, retirar da circulação todos os bens do seu patrimônio, pondo-os,
inclusive ao abrigo de penhoras, por tôda a vida de seus sucessores. E se compreende
ainda muito menos que o autor da herança possa determinar a inalienabilidade dos bens
que constituem a legítima, impondo tamanha restrição aos que, de pleno direito,
pertencem ao herdeiro necessário.
Afora essas alterações de maior profundidade, o livro das sucessões não demanda outras
que sejam indispensáveis a uma coordenação mais estreita com o regime modernizado
da família e da propriedade.
Conclusão
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