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Lineamentos gerais do anteprojeto de reforma do Código

Civil

LINEAMENTOS GERAIS DO ANTEPROJETO DE REFORMA DO CÓDIGO


CIVIL
Doutrinas Essenciais de Direito Civil | vol. 2 | p. 1207 - 1223 | Out / 2010
Revista de Direito Privado | vol. 104/2020 | p. 249 - 263 | Mar - Abr / 2020
DTR\2012\1506

Orlando Gomes
Catedrático de Direito Civil da Faculdade de Direito da Bahia.

Área do Direito: Civil


Revista dos Tribunais • RT 334/07 • ago./1963

A reforma do Código Civil (LGL\2002\400) só se justifica se empreendida com o


propósito de reajustá-lo às novas condições econômicas, políticas e sociais do país, e
incorporar-lhe as mais recentes conquistas da ciência jurídica.

Do contrário, seria, na frase de Planiol, um grande cometimento para um pequeno


proveito.

A tarefa da codificação, ainda na dimensão de uma reforma, há de obedecer a um


método que lhe trace os lindes. Exige, portanto, uma seqüência de opções. Em relação à
estrutura do Código pode-se optar entre um sistema de conceitos, princípios e normas
ordenados com rigorosa congruência, em têrmos técnicos de alta precisão, para que
contenha, nas suas abstrações, a solução de qualquer questão jurídica e um sistema
pelo qual se ofereça solução às questões mais importantes em têrmos elásticos que
permitem se resolvam outros problemas.

Também quanto ao estilo cumpre eleger. Um Código pode ser redigido com uma
terminologia rigorosamente técnica, acessível apenas aos especialistas, como pode fugir
ao tecnicismo rígido por uma redação extremamente simples, que o torne inteligível aos
profanos.

Uma reforma pode ser, sob outra perspectiva, uma obra completa, que integre o que
falta na legislação em vigor e sepulte o que está morto, como pode ser uma simples
reformulação, que conserve suas características essenciais, incorporando ao seu texto a
legislação subseqüente, mais no intuito de consolidar do que renovar. É preciso decidir
se deve abarcar tôdas as relações jurídicas que se travam na ordem civil ou, se ao
contrário, convém deixar fora do seu âmbito matérias expostas a alterações freqüentes
ou que implicam regulamentação minuciosa com regras de organização administrativa e
normas de direito público.

Por fim a própria classificação das matérias constitui problemas cuja solução é relevante
para a estrutura e a fisionomia do Código. A opinião dominante é no sentido de que deve
ser feita “consoante os caracteres preponderantes das relações de Direito (Clóvis
Bevilaqua, “Em Defesa do Projeto de Código Civil (LGL\2002\400) Brasileiro”, pág. 49).
O fenômeno jurídico deve ser encarado sob êsse ponto-de-vista, pois é aquêle através
do qual se tem uma visão mais nítida do comportamento dos indivíduos pela melhor
fixação das situações subjetivas típicas, caracterizadas pela correlação entre o direito e o
dever, a pretensão e a obrigação. A aceitação dêsse critério de classificação não indica
preferência pela concepção do Direito que vê na intersubjetividade o traço característico
da experiência jurídica, mas, tão só, a convicção de que, num Código, as matérias se
distribuem mais harmoniosas e inteligìvelmente se classificadas conforme as diversas
categorias das relações jurídicas.

De acôrdo com êsse critério, hoje generalizado por influência do Código Civil
(LGL\2002\400) Alemão, as relações jurídicas na ordem privada se distribuem em quatro
grupos inconfundíveis: Direito de Família, Direito das Coisas, Direito das Obrigações e
Direito das Sucessões.
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Civil

O Direito das Obrigações constituirá objeto de Código à parte, conforme o plano traçado
pelo Govêrno, para a reforma da legislação. Em conseqüência, o futuro Código Civil
(LGL\2002\400) ocupar-se-á sòmente dos institutos da família, da propriedade e da
herança. Sua fragmentação, inconveniente a todos os títulos, desconjunta a parte geral,
aconselhando sua eliminação, se outras razões não a justificassem.

De todos os problemas que se antepõem à reforma do Código Civil (LGL\2002\400), o


principal é sem dúvida, o de sua extensão e alcance.

A aspiração geral parece ser a de que a reforma deve ir além de uma simples revisão. Já
se vem processando desordenadamente pelo método das mutilações e enxertos,
empregado ao sabor das improvisações, sob a influência de aspirações ou mesmo de
paixões momentâneas. Êsse processo é manifestamente condenável, quando mais não
seja porque rompe a unidade do Código, quebra o espírito de sistema e desarticula a
necessária ordenação lógica dos preceitos. Preferível enfrentar, por conseguinte, a
dificultosa emprêsa de uma reforma orgânica, na convicção de que o Código Civil
(LGL\2002\400) é como se fôsse, segundo a observação de Lawson, uma Constituição
para o Direito Privado. (“A Common Law Lawyer Looks at Codification”).

Reformar o Código com êsse pensamento não significa, porém, subvertê-lo nos seus
fundamentos. Os institutos básicos do Direito Privado não devem ser recondicionados em
desacôrdo com os valores essenciais da nossa constituição social, eis que a crise dêsses
valores não os atinge no que têm de permanente. Os povos a que estamos ligados pelos
mais estreitos laços de parentesco espiritual encaram-nos de novos ângulos, mas não os
rejeitam, nem os espezinham. Os princípios que regem e qualificam a nossa conduta no
território cultural em que habitamos continuam a honrar a pessoa humana na sua
eminente dignidade. Os impactos sofridos por êsses valores não os obscureceram e
sequer os sombrearam com as tintas do crepúsculo. Mas vacilam sob o pêso de uma
vigorosa e desesperada oposição que joga o destino do homem na fronteira do mistério,
que só será transposta quando realizar a síntese do revolucionário e do tradicional.

Para a conciliação das fôrças antagônicas também a ordem jurídica privada terá que se
deslocar para o seu ponto de confluência, conservando e inovando com senso de
equilíbrio, fiel à sua positividade, mas, acolhendo, sem temor, o que necessário seja
para eliminar seus aspectos negativos.

Nessa linha de raciocínio, impõe-se inequìvocamente, uma reforma do Código Civil


(LGL\2002\400), que articule regras suficientemente plásticas para permitirem que
doutrina e jurisprudência trabalhem com apreciável margem de liberdade (Nicolo). Uma
reforma que penetre nas raízes dos institutos e modifique as estruturas formais onde se
revelarem inadequadas às estruturas econômicas e sociais e ao impulso de
desenvolvimento. Uma reforma orientada, afinal, pelo sábio ensinamento de Ihering, o
de que a vida não deve dobrar-se aos princípios, mas os princípios é que devem
modelar-se pela vida.

Imbuída dêsse espírito de renovação, a reforma, entretanto, precisa ser cautelosa para
não enveredar por um daqueles desvios a que se referiu o incomparável Teixeira de
Freitas ao censurar o plano de Cardoso da Costa (“Consolidação das Leis Civis”,
Introdução, nota 47). O amor da novidade positivamente não a orientou. Conquanto
preconize numerosas inovações, estão lastreadas, em nossa experiência jurídica e na
dos povos cultos. Nenhuma disposição há que precedente não tenha em outro Código ou
na legislação vigente, embora as modificações se adaptem às nossas necessidades
atuais ou visem a melhorá-lo sob o ponto-de-vista da técnica jurídica.

Como, porém, as alterações sugeridas com essa dupla finalidade, dar-lhe-ão, em


conjunto o aspecto de construção que obedece a outro estilo, muitos estranharão o
arrôjo de algumas das suas linhas arquitetônicas. Mas o que pretende ser, como disse
Juliot de la Morandiére do anteprojeto de reforma do “Código Civil (LGL\2002\400)”
francês, é uma reconstrução que conserva, do antigo edifício, o que ainda é sólido
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“Rapport preliminaire”, “in” “Avant-projet de Code civil”, pág. 11). Ainda assim, a
tendência instintiva dos juristas para a conservação do direito em vigor os indispõe
contra tôda inovação, de sorte que tôda reforma provoca forte resistência, mesmo que
preserve as bases ideológicas do Código no que têm de irredutíveis.

Por mais respeitáveis que sejam êsses sentimentos, é imperioso vencer a fôrça da rotina
com espírito de compreensão, mas, do mesmo passo, repelir as soluções radicais
preconizadas por espíritos afoitos ou, quando menos, impacientes.

Ninguém de boa fé pode negar que relevantes transformações modificaram nos últimos
anos o quadro das instituições de direito privado. Vêm proclamando-as, desde o comêço
do século, os juristas que se dedicaram à crítica aos Códigos inspirados na doutrina
filosófica do individualismo jurídico, clamando pela sua revisão. Os fatos confirmaram os
anseios revisionistas tão incisivamente que hoje não se contesta a superação dos
princípios que informaram os Códigos do século XIX. Verdade é que alguns perduram
aparentemente hígidos, mas, sobrevivendo por fôrça de um processo de respiração
artificial que lhes retira a autenticidade.

Sem embargo de ter nascido no primeiro quartel do século XX, o Código Civil
(LGL\2002\400) em vigor é, desenganadamente, um monumento legislativo do século
XX. Ao tempo de sua elaboração, o país não alcançara ainda, na sua marcha evolutiva, a
faixa que outros povos, mais adiantados, já haviam ultrapassado. Histórica e
socialmente estávamos no século passado quando começou a viger. Foi, por isso, um
Código paradoxalmente avançado e anacrônico. Em relação à realidade nacional, uma
codificação progressista que concorria, na medida de sua influição, para acelerar o
desenvolvimento do país, tanto mais quando soube captar elegantemente, com
sabedoria e descortínio, a experiência legislativa dos povos mais desenvolvidos,
empregando técnica de alto nível. Mas, nasceu quando, sob o impacto de
acontecimentos decisivos para a evolução social e jurídica da humanidade, estouravam e
se refundiam as matrizes filosóficas dos Códigos impregnados do espírito do século
anterior.

A necessidade de substituí-las não se fêz sentir tão prementemente entre nós, como em
outras latitudes. Mas, em quase meio século de vigência, tornou-se positivamente
antiquado.

Para atualizá-lo nas partes em que passou a reclamar alterações mais urgentes, foi-se
modificando fragmentàriamente, através de leis extravagantes, que o mutilaram sem
piedade. Urge, por conseguinte, reformá-lo com espírito de sistema para reajustá-lo às
condições de desenvolvimento do país, assimilando as idéias que palpitam, estuantes de
vida, no substrato cultural dos povos ocidentais.

Reduzidos à sua expressão mais simples, cristalizam-se no primado do interêsse


coletivo, fundido ao calor da justiça social.

É pacífico, hoje, o entendimento de que os interêsses individuais não devem sobrepor-se


ao interêsse geral. Mas, a simples afirmação dessa primazia poderia ser distorcida pela
tendência para confundir o interêsse geral com o de grupos ou o do próprio Estado,
exacerbados ao ponto de anular ou desacreditar a personalidade, pelo sacrifício dos
direitos indispensáveis à sua expansão. Entre as duas ordens de interêsses, que
representam tendências divergentes, a reforma só será fecunda se souber encontrar o
ponto de equilíbrio.

A necessidade de conciliar êsses interêsses obriga a ordenar os institutos básicos do


Direito Civil com nôvo espírito. Se possível fôsse materializá-lo, ter-se-ia sua imagem
delineada por dois traços incisivos: a proteção da personalidade humana nas relações
pessoais, notadamente nas de família, e a subordinação das relações de ordem
patrimonial ao critério da predominância do interêsse coletivo. Os preceitos em que se
distribuem os quatro livros a que foi reduzida a matéria do Código Civil (LGL\2002\400)
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estão coordenados sob o plano sistemático da fidelidade a essas duas diretrizes centrais.

O primeiro propósito há de ser a preservação de um dos valores fundamentais da


civilização: o do respeito à pessoa humana. Com tôda a certeza, não pode ser alcançado,
se o indivíduo não está protegido contra o arbítrio do Estado. Evidentemente essa
proteção se organiza através do efetivo reconhecimento de direitos públicos,
intransigentemente assegurados a todo homem. Ao Direito Civil, não compete, porém,
regulá-los. Cumpre-lhe, apenas, resguardar a pessoa humana dos atentados que de
particulares pode sofrer. Mas êsses direitos públicos condicionam a livre expansão da
personalidade na órbita privada, e alguns tanto podem ser turbados pelo Estado como
por outro indivíduo. Necessário, assim, que a tutela das liberdades individuais as
complete com a proteção aos direitos da personalidade. Uma codificação moderna
precisa dedicar especial atenção às duas categorias fundamentais dos direitos
personalíssimos, enriquecidos de novos aspectos, devido ao progresso científico; a
categoria dos direitos à integridade física e a categoria dos direitos à integridade moral
(Mazeaud, “Leçons de Droit Civil”, tomo I, pág. 629). Os direitos compreendidos na
primeira classe apresentam-se principalmente sob a forma negativa de defesa do próprio
corpo humano contra atentados de terceiros, mas, também, se consubstanciam no poder
de disposição de suas partes. Partindo de sua inviolabilidade, é forçoso admitir, não
obstante, que, excepcionalmente, o indivíduo deve sujeitar-se a exame ou a tratamento
médico, seja no seu próprio interêsse, seja no de terceiro. Contudo, a lei não pode
coagi-lo ao constrangimento físico que tais exames impõem. O resguardo da
personalidade humana obriga, assim, ao emprêgo de sanções indiretas, se necessários o
exame ou o tratamento. Inadmissível, por outro lado, que disponha livremente do
próprio corpo ou de suas partes, só se tolerando o uso dêsse direito se a separação não
acarretar diminuição permanente da integridade física, ou não ofender os bons
costumes.

A proteção à integridade moral da pessoa humana há de abranger os múltiplos aspectos


sob que se apresenta, desde o que se qualifica como direito à honra até os que se
configuram como direitos às produções da inteligência.

Ressalte-se, dentre tantos, outros, o direito de constituir família, um dos mais


necessários à preservação da liberdade civil do indivíduo por se encontrar numa das
esferas mais íntimas da personalidade. Para preservá-lo não se deve tornar obrigatório o
exame pré-nupcial, porque, conquanto aconselhável sob o ponto-de-vista eugênico, só
seria eficaz, se sancionado com medidas intoleráveis.

Os chamados direitos autorais, que uma corrente doutrinária classifica entre os direitos
da personalidade, devem ser objeto de lei especial. A complexidade de sua
regulamentação, a multiplicidade de seus aspectos, a variedade de seu objeto tornam
inconveniente a sua inclusão no Código Civil (LGL\2002\400), ainda que fôsse para
apenas lhes traçar os lineamentos gerais. Não obstante a tendência atual para
classifica-lo como direito de propriedade, a disciplina dos direitos autorais nesse título do
Direito das Coisas sacrificaria a feição particularíssima que os distingue. Aconselhável,
por conseguinte, que, em tôdas as suas formas, inclusive as que são objeto do Direito
Industrial, sejam regulados numa lei à parte do Código, que cuide igualmente da
organização administrativa de sua proteção.
Sumário:

Direito de família - Direito das coisas - Direito das sucessões - Conclusão

Direito de família

É talvez, no Direito de Família, que mais se faz sentir a necessidade da modernização do


nosso ordenamento jurídico. O Código vigente organizou as relações de família sem
introduzir consideráveis, alterações no direito então em vigor. A evolução dos costumes,
no particular, reclama, porém, uma reforma mais profunda da legislação familiar, que já
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vem se cumprindo através de sucessivas leis extravagantes, nem sempre bem


orientadas.

Observa um sociólogo que o traço dominante da evolução da família é a sua tendência a


se tornar um grupo cada vez menos organizado e hierarquizado, que, cada vez mais, se
funda sôbre a afeição mútua (Levy Bruhl, “Aspects sociologiques du droit”, pág. 147).
Essa tendência desdobra-se em duas direções, que marcam, em conjunto o sentido das
transformações do Direito de Família.

A primeira polariza-se no impulso para tornar o casamento uma sociedade igualitária na


qual marido e mulher com os mesmos direitos e deveres ocupem uma posição de
completa paridade. O movimento tende a organizar a sociedade·conjugal em moldes que
exclua decididamente os resíduos do resistente preconceito da superioridade masculina.
A emancipação da mulher concorreu para a modificação da vida matrimonial elevando-a,
efetivamente, à condição de companheira, consorte e colaboradora do marido. O poder
marital, expressão e símbolo dêsse preconceito, sobrevivo sob formas atenuadas, está
involuído nos costumes e vai desaparecendo das leis.

A fôrça da rotina dificultará, por algum tempo ainda, a aceitação de tôdas as


conseqüências de sua abolição. Mas um Código que pretenda ser a expressão do direito
atual não deve temê-la, e, muito menos, fazer concessões ao passado, organizando um
regime híbrido e incongruente. Seria ingênuo supor que a família permanece unida
porque está sob a chefia do marido. Até os que reputam necessária a conservação das
prerrogativas do marido admitem que seu uso deve ser controlado judicialmente. Antes
que reprimir o abuso, melhor é preveni-lo, estabelecendo que as deliberações de
interêsse do casal sejam tomadas de comum acôrdo, como, de resto, acontece no
matrimônio das pessoas educadas. Uma vez que se aceite a idéia de que a sociedade
conjugal deve ser estruturada em moldes igualitários, passando a mulher à condição de
colaboradora do marido na direção da família, será forçoso admitir que não precisará de
sua autorização para a prática dos atos que êle, sem a sua outorga, pode praticar; que,
com êle, reja a pessoa e os bens dos filhos; que exerça a profissão de sua escolha e
disponha livremente do fruto de seu trabalho, mas, que, como contrapartida, tenha o
dever de concorrer para o sustento da família, qualquer que seja o regime de bens do
casamento.

O princípio igualitário tem implicações no regime de bens. Se à mulher se reconhecem


tais direitos, preferível será adotar, como regime legal, o da separação de bens com a
comunhão dos aqüestos, que a cada cônjuge permitirá a posse e a administração dos
seus bens antes do casamento.

Os efeitos negativos da abolição do regime da comunhão universal de bens como regime


legal são contrabalançados pela inclusão do cônjuge entre os herdeiros necessários e
pela concessão do direito a concorrer com os ascendentes do outro, se o casal não tiver
filhos.

Tais inovações tendentes a completar o processo evolutivo da política de igualdade entre


os cônjuges, posta em prática entre nós pela recente lei n. 4.121, não contribuirão,
como parece a alguns tradicionalistas, para desagregar a família. A reação à abolição do
poder marital encontrou, em França, na voz autorizada de H. Mazeaud o eco do
preconceito da superioridade do homem, engrossado pelo argumento falaz de que a
preeminência do marido é indispensável à coesão familiar. De La Morandiére
retrucaram-lhe, porém, que, nas condições atuais, a qualidade de chefe da família se
tornou um contra-senso, observando que, atualmente, a verdadeira coesão da família
não depende da autoridade que se atribua a um dos cônjuges, pois, realmente, depende
da união dos dois (“Avant-projet de Code civil”, pág. 37). Se a família, patriarcal e
autoritária é uma estrutura perempta a lei deve organizá-la, sem que o seu estatuto
recenda ao passado.

De certo não é uniforme a nova estrutura do grupo doméstico. O gênero de vida dos
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casais varia de acôrdo com o grau de educação, os sentimentos, os conceitos e o próprio


ambiente em que vivem. Seria errôneo supor a existência, mesmo entre os povos mais
cultos, de um tipo único de família. A diversidade acentua-se naquelas comunidades
onde o descompasse cultural entre regiões ou entre classes sociais alonga distâncias ou
aprofunda diferenças no teor das relações pessoais entre os componentes do grupo
familiar. Mas, tendo que escolher, o legislador não pode preferir a imagem da família
como a idealizam ou representam os setores mais atrasados ou mais intransigentes no
apêgo à tradição. Há de tomar por modêlo a que formam os setores mais adiantados e
conscientes, até porque a lei que consagre a igualdade dos cônjuges não impedirá na
prática que o marido continue a exercer sua autoridade se a mulher se submete
voluntàriamente ou aceita humildemente o estado de subordinação próprio da família
hierarquizada ou autoritária.

Em relação à prole, o abrandamento da autoridade paterna é aceito sem resistência


maior. A mudança na conceituação do pátrio poder determinou um movimento
legislativo, à margem do Código, que vem restringindo os direitos ou prerrogativas de
que tradicionalmente desfrutava o pai. A nova orientação no tratamento jurídico das
relações entre pais e filhos, no sentido de que o pátrio poder é, antes, um complexo de
deveres do que de direitos é irreversível, caracterizando-se, em última análise, pela
submissão do seu exercício contrôle da autoridade pública, não só para fiscalizar o
comportamento dos pais, mas também para reprimir sua imoderação.

No capítulo da dissolução da sociedade conjugal, a reforma do Código Civil


(LGL\2002\400) para a permissão do divórcio a vínculo não pode ser preconizado em
face do preceito constitucional que declara indissolúvel o vínculo matrimonial. Devendo
ser mantido o desquite como solução única para os desajustamentos conjugais, não se
justifica o acréscimo das causas que podem determiná-lo, não só porque a injúria grave
tem sido conceituada liberalmente como tôda violação de dever matrimonial que não
cabe entre as infrações típicas, como, também, porque aos sentimentos dominantes
repugna admitir a dissolução da sociedade conjugal por motivos nos quais se abstrai a
idéia de culpa. Necessário, porém, que o desquite não seja admitido unicamente como
sanção aplicável ao cônjuge que infringe os mais importantes deveres conjugais. Com a
devida cautela, deve-se autorizar o juiz a decretá-lo como insubstituível remédio aos
desentendimentos conjugais que tornam impossível a vida em comum.

Convém que a política legislativa de proteção aos filhos prossiga na direção que vem
sendo seguida no sentido contrário ao tratamento discriminatório do Código e, até certo
ponto, da legislação posterior. A completa equiparação dos filhos simplesmente naturais
aos filhos legítimos; a qualificação dos filhos de desquitado entre os ilegítimos
reconhecíveis, a permissão de reconhecimento dos filhos extramatrimoniais são,
entretanto, marcos importantes no caminho da indistinção. Os generosos propósitos que
norteiam essa política animam a levá-la às suas últimas conseqüências, sem sacrificar,
porém, o interêsse de resguardar e fortalecer a família legítima.

No intuito, ainda, de amparar os menores abandonados será útil transplantar para o


direito pátrio o instituto da legitimação adotiva que possibilitará a êsses infelizes o
confôrto de um lar e as vantagens da filiação legítima.

No capítulo das relações patrimoniais entre os cônjuges, importantes inovações


merecem guarida. Uma das mais interessantes será a que faculte a alteração do regime
matrimonial, a qualquer tempo, por fundadas razões e decisão judicial.

Conquanto a imutabilidade do regime de bens seja um princípio geralmente aceito, pela


segurança que oferece, não há razão imperiosa para mantê-lo. Situações surgem nas
quais a mudança deve ser permitida uma vez que não seja admitida imotivadamente, ao
talante dos interessados.

Supresso o anacrônico regime dotal, será interessante facilitar a constituição do bem de


família, estimulando sua difusão por adoção de normas que permitam se estabeleça
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sôbre imóvel de qualquer valor, sobreviva à dissolução da sociedade conjugal, e o seja


cancelável, se motivo relevante o justificar.

No título concernente à proteção dos incapazes, mantido no livro do Direito de Família


em razão de sua finalidade e conexão histórica (Lehmann), não se justificam alterações
substanciais. Todavia, os princípios que organizam a assistência aos menores, no que
entende com a regência de sua pessoa ou de seus bens, devem ser atraídos para o
Código Civil (LGL\2002\400).

Conviria, outrossim, dispensar o antipático processo de interdição sempre que a


incapacidade não resulte de perturbação mental que exclua inteiramente o uso da razão,
ou que, exigindo o internamento do doente, não justifique a imediata nomeação de
curador. Criar-se-ia, para essas situações, a figura do administrador provisório,
facilitando-se, por êsse modo, a proteção do enfêrmo, ou do pródigo.

Direito das coisas

O Livro dos Direitos Reais precisa abrigar disposições que incorporem à propriedade seu
significado atual.

Incontestàvelmente, o instituto da propriedade não mais se conceitua conforme os


critérios da economia liberal, segundo os quais, tida como a expressão mais concreta da
liberdade, apresentava-se como um direito intocável pois que até as restrições exíguas
impostas no interêsse público ou privado aos podêres do proprietário eram como
demonstrou Francesco Ferrara (“Scritti giuridici”, vol. II, pág. 510), simples atenuações
da soberania do proprietário.

Como é compreensível o Código Civil (LGL\2002\400) aceitou e consagrou essa


concepção da propriedade, hoje geralmente repudiada. Possível não é ater-se ainda aos
corolários do conceito individualista, que a própria Constituição sepultou. Entende-se,
atualmente sem maior oposição, que o exercício do direito de propriedade deve ser e
estar condicionado ao bem comum.

Mas, se acôrdo existe quanto ao novo sentido do direito de propriedade, pela


convergência das tentativas de sua fixação para a idéia de função social, grandes
dificuldades surgem quando se tenta positivá-la em fórmulas de teor normativo. Lavram
divergências que extremam posições e se radicalizam na dos que, exagerando o sentido
funcional que se lhe pretende atribuir, acabam pela negação de sua essência de direito
subjetivo. Entretanto, o conceito de propriedade como função social não pode levar ao
ponto de se atribuir ao Estado o poder de determinar o fim do exercício do direito, visto
que tanto importaria sua negação.

O legislador que não tenha a idéia preconcebida de negá-lo, não pode aceitar a
contradição que, sem aniquilar o direito de propriedade, o paralisaria. É preciso, por
conseguinte, não esquecer, proposital ou inadvertidamente, que as formas jurídicas do
nôvo conceito de propriedade não comportam os esvaziamento da sua substância.

Para harmonizar o exercício do direito de propriedade com a sua concepção


contemporânea, há que partir de uma classificação dos bens sob o ponto-de-vista
econômico, a que os juristas não tem dado o devido aprêço. O direito de propriedade
recai necessàriamente em bens de produção, de uso, ou de consumo. À evidência, não
faz sentido atribuir à propriedade dos bens de uso de consumo a qualidade de um direito
que deva ser exercido não apenas no interêsse do proprietário, que os utiliza ou
consome. Tais bens são de interêsse individual não se justificando, pois, em relação a
êles, qualquer distorsão no conceito clássico do domínio, “suae rei moderator et
arbitrer”. Em relação, porém, aos bens de produção, é forçoso admitir que o proprietário
não pode exercer o seu direito contra o interêsse coletivo, mas que também lhe cumpre
usá-la como um instrumento de cooperação social, e não no seu exclusivo interêsse.

O comportamento do proprietário no exercício do seu direito sôbre bens de produção


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adquire relêvo social quando os organiza para fins lucrativos, quando os movimenta
como instrumento econômico. A função social da propriedade é exigível, em suma,
quando o direito se exerce sob a forma de emprêsa, quando implica, numa palavra, em
uma atividade econômica lucrativa.

A controvérsia sôbre a natureza da empresa se esvazia desde que se veja em sua


constituição um modo de exercício da propriedade, uma forma de atividade do
proprietário. O Direito moderno empresta relêvo aos atos ordenados a escopo único,
unificados sôbre o plano funcional da unidade de fim, submetendo a “atividade”, em
conjunto, a normas, regulando-a em suma, como comportamento e pressuposto de
efeitos jurídicos. Sendo atividade econômica destinada à produção de bens ou de
serviços avaliáveis patrimonialmente, é a emprêsa a atividade, em sentido jurídico, do
proprietário de bens produtivos. Por sua finalidade, não interessa apenas a seu
proprietário, mas, em grau maior ou menor, a outros, e, em última análise, à
comunidade. Assim sendo, o proprietário que exerce o seu direito sob essa forma tem
deveres sociais, não lhe devendo ser permitido comportar-se como quem é dono de um
bem no seu exclusivo interêsse individual.

Os deveres sociais do proprietário que exerce atividade produtiva não podem ser
discriminadas em lei, dada a dificuldade de especificá-los como obrigações jurídicas de
conteúdo preciso. Daí o recurso à forma negativa das proibições, por via do qual o
comportamento do proprietário, em vez de ser pré-traçado na lei, é limitado por
disposições que, indiretamente, confinam a sua normalidade. Mas êsse sistema de freios
compõe-se de preceitos que não se enquadram no Código Civil (LGL\2002\400), porque
são de direito público. Nestas condições, a transfusão da idéia econômica e política de
função social num Código de Direito Privado só se pode realizar mediante um preceito
elástico, no qual se declare que a propriedade exercida sob a forma de emprêsa deve
conformar-se às exigências do bem estar social, sujeitando-se às disposições legais que
limitem seu conteúdo, lhe impõem obrigações e reprimem os abusos. Preceitos dessa
consistência são indispensáveis para que o direito se adapte às circunstâncias por uma
determinação ulterior do seu conteúdo por outras disposições ou para que o juiz, no seu
prudente arbítrio, lhes dê aplicação circunstanciada, Não se trata, porém, de um preceito
em branco, que assegure ao aplicador da lei um poder de apreciação ilimitado, de que
poderia resultar o desvirtuamento do sentido e a distensão do alcance que deve ter no
sistema do Código. Assim, a conformação do exercício do direito de propriedade ao bem
comum não ficará na dependência das convicções do juiz ou de falsas apreciações das
circunstâncias.

Mas, no campo do direito privado, e sem que seja necessário distinguir a propriedade
por seu objeto, há necessidade de uma norma, também flexível, que permita verificar se
o direito está sendo exercido normalmente. A noção de abuso de direito, está hoje
difundida em têrmos que permitem a sua incorporação ao texto do Código Civil
(LGL\2002\400), para servir de freio aos excessos que o titular de um direito pode
cometer ao exercê-lo, notadamente o proprietário. O direito de propriedade, na
observação de Josserand, é aquêle cujo exercício se acha exposto a contrariar mais
freqüentemente sua finalidade. Impõe-se, por conseguinte, a formulação de um preceito
que permita, qualificar seu exercício abusivo. A noção de abuso de direito que mais se
harmoniza à concepção da propriedade dominante atualmente é, fora de tôda dúvida, a
que abstrai o elemento subjetivo de que se acha impregnada, quer na doutrina que o
configura como exercício malicioso do direito, quer na que exige para a sua
configuração, a intenção de prejudicar. A finalidade do direito deve constituir o suporte
do seu uso regular. Se a lei assegura o direito de propriedade para que seja exercido
com fim social, não pode admitir atos do proprietário que signifiquem desvio dessa
finalidade. Declarando-se, pois, que o proprietário não pode exercer o seu direito em
desacôrdo com o fim econômico e social para que é protegido, a lei oferecerá um critério
objetivo de qualificação do abuso de direito no setor da propriedade, sem o perigo,
temido por Amiaud, de escancarar a porta ao arbítrio judicial ou às distorsões das
paixões políticas do dia, a que não estão imunes os magistrados.
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Lineamentos gerais do anteprojeto de reforma do Código
Civil

O outro aspecto da evolução do conceito de propriedade, que se revela sob a forma de


limitação exterior ao seu objeto e ao seu conteúdo não oferece maior dificuldade em ser
transposto para o plano normativo. Vigem pacificamente numerosas disposições legais,
inspiradas em gama variada de interêsse público. Contudo, a consolidação, no Código,
de tôdas as restrições dêsse teor, que se encontram até em regulamentos
administrativos, seria impraticável. Bastará, portanto, a afirmação de que o proprietário
pode usar e dispor da coisa nos limites da lei, segundo a fórmula clássica.

Fatos novos reclamam adequada institucionalização. Por sua importância social,


salientam-se os que decorrem da proliferação dos edifícios de apartamentos nos centros
urbanos de maior progresso. Ao complexo de relações jurídicas oriundas dêsse
condomínio “sui generis” é preciso dar uma disciplina conforme às exigências dos
importantes interêsses em jôgo. Caracterizando-se essa chamada propriedade horizontal
pela coexistência do domínio privativo dos apartamentos “lato sensu” e do condomínio
necessário de partes essenciais do edifício e de partes necessárias ao uso comum dos
moradores, mister se faz organizar as relações entre êsses por uma definição precisa de
sua estrutura e do seu funcionamento, indispensável que a lei regule os órgãos
necessários à direção e administração de tais edifícios, para impedir, sobretudo, através
de um critério justo para o cálculo da maioria nas assembléias, que as deliberações,
inclusive a escolha do administrador, sejam tomadas contràriamente ao interêsse geral,
que só pode resultar da combinação do critério de valor com o critério numérico.

O interêsse social está a exigir, outrossim, que a denominada incorporação dêsses


edifícios obedeça a prescrições que protejam seus participantes contra a ação
inescrupulosa dos promotores do empreendimento. Para alcançar êsse objetivo,
impõe-se como principais medidas: a profissionalização da atividade do incorporador, a
obrigação de depositar no cartório do registro de imóveis documentos comprobatórios da
seriedade de empreendimento, retenção de parte das quantias que o incorporador
receber, durante a construção, dos que participarem da incorporação, e destituição do
incorporador, se desonesto, ou negligente.

Dois direitos reais limitados, não tipificados no Código vigente poderão ser incluídos no
elenco: o direito de superfície e a promessa irretratável de venda.

A reconstituição do direito de superfície para figurar num Código que se propõe a


modernizar a legislação civil pode parecer, à primeira vista, um contra-senso. Todavia, o
exemplo de Códigos recentes desautoriza êsse juízo. A sua utilidade voltou a ser
reconhecida, se recomposto com novos elementos que o transformem em instrumento
idôneo a facilitar, nas cidades, as construções, e, no campo, as plantações. A rigor,
imprescindível não será dar-lhe a feição de uma figura autônoma, tendo-se em vista que
as exceções à regra de que as acessões pertencem ao dono do solo podem ser admitidas
sob a forma de propriedade separada por fôrça de uma dissociação que seja autorizada
pela lei. Mas a construção técnica pela qual o direito de superfície se qualifica como
direito real, limitado, parece ser mais correta. Preferível, nessa construção, isolá-lo como
relação típica de que classificá-lo como uma servidão, como no direito suíço. Contudo,
não se rejeita a possibilidade de uma separação entre a propriedade do solo e a da
construção; não se exige, por outras palavras, que tôda propriedade superficiária seja
objeto de um direito de superfície. Quando, porém, o proprietário do solo o cede a
outrem para que edifique, a concessão “ad aedificandum” importa constituição de um
direito real limitado, que impede, precisamente, venha a adquirir a propriedade da
acessão levantada. Êsse o seu efeito típico e a sua vantagem prática. Em vez de alienar
o terreno, o proprietário, recorrerá à concessão superficiária, por várias razões, dentre
as quais salienta o Professor Lino Salis (“La superficie”, “Trattato di Diritto Civile
Italiano”, dirigido por Vassali, vol. 49, l. 3.º, pág. 59) a do recebimento de uma renda
periódica e a de aquisição da propriedade da construção, decorrido o prazo da
concessão.

Informa Hedemann que, na Alemanha, o direito de superfície recebeu, depois da guerra,


nova e útil aplicação, por ter facilitado as construções em terrenos pertencentes ao
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Civil

Estado, concorrendo, assim, para a solução do problema da habitação.

Não se deve permitir, entretanto, que o proprietário concedente cobre qualquer taxa,
seja a que título fôr, na alienação do direito de superfície, nem que se aposse da
construção, ou plantação, se o concessionário não pagar pontualmente a renda
estipulada.

A inclusão da promessa irretratável de venda entre os direitos reais limitados é uma


necessidade, não só como aproveitamento da experiência favorável resultante da
aplicação da lei que lhe atribui êsse caráter, generalizando-o, mas, também, porque se
difundiu largamente como instrumento de circulação da riqueza. Contestam alguns que
possua verdadeiramente essa natureza, atentos à circunstância de que se caracteriza
por traços que lhe emprestam fisionomia bem distinta dos direitos reais clássicos.
Contudo, é de tôda conveniência conservá-la, na sua feição atual, aprimorando-a
tècnicamente. Aos dois pressupostos exigidos para que seja direito real, a
irrevogabilidade e a inscrição no registro imobiliário, deve acrescentar-se o de que o
preço seja pago em prestações, para evitar que a promessa seja desvirtuada em sua
causa contratual. O aperfeiçoamento técnico se conseguirá afastando-se a idéia de que é
inevitável o chamado contrato definitivo de venda, gerada no equivoco generalizado de
que o contrato de promessa de venda, sendo preliminar, produz uma obrigação de fazer,
exigindo, em conseqüência, nôvo consentimento contratual. Êsse circuito inútil deve ser
abolido na promessa de venda registrada, sem cláusula de arrependimento, uma vez
que, contendo ela todos os elementos para habilitar a transferência da propriedade,
pode-se tornar eficaz sem nôvo vinculo contratual. A aquisição da propriedade
independerá, assim, de nova escritura, bastando, para a transcrição, que o
promitente-comprador apresente ao oficial do registro prova da quitação.
Simplificando-se com essa providência, o mecanismo da aquisição da propriedade por
intermédio da promessa irretratável de venda, ter-se-á dado ao nôvo direito real, que
constitui um particularismo do nosso ordenamento jurídico, uma configuração mais
precisa, e uma garantia mais prática e eficiente aos promitentes-compradores.

Direito das sucessões

A estreita ligação entre o regime hereditário e os institutos da família e da propriedade


obriga o legislador a organizá-lo em função das tendências predominantes na disciplina
dêsses dois institutos. Mas, conquanto regulados sob o influxo de um nôvo espírito êles
se conservam conformes a princípios jurídicos que não foram alterados
substancialmente. Conseqüentemente o Direito das Sucessões orienta-se segundo
alguns conceitos gerais persistentes, como o do respeito a vontade do finado, o da
limitação, em proveito da família, da liberdade de testar e o da igualdade das legítimas,
conservando o sistema da divisão hereditária e restringindo o poder do testador de
retirar da circulação, bens da herança.

Contudo, ao levar às suas conseqüências inevitáveis essa orientação, não se organiza


em têrmos que possam influir perniciosamente na constituição da família e no regime da
propriedade, nem que atritem com o sentido nôvo que a êsses institutos se empresta. As
diretrizes dêsse regime hereditário permanecem, mas, isso não significa que deva
manter-se estreme de alterações.

A estrutura atual da família exige que se limite o circulo da sucessão legal, dêle
excluindo parentes mais afastados, dantes admitidos. Mas a medida que êsse círculo se
contrai para conter apenas os cônjuges, a prole, os ascendentes e parentes colaterais
muito próximos, asseguram-se a seus integrantes uma participação na herança em
consonância com o presumido grau de afeição mútua que o conforma. A
consangüinidade deve ceder, em conseqüência, ao laço que une marido e mulher, só se
admitindo que um não seja chamado à sucessão do outro se tem descendentes. Caso
contrário, qualquer dêles deverá recolher a herança, totalmente se o outro deixa apenas
parentes colaterais e, parcialmente, se lhe sobrevivem ascendentes.

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A posição do cônjuge na sucessão hereditária merece ser melhorada através de preceito


que lhe atribua a condição de herdeiro necessário, para que, de pleno direito, tal como
ocorre atualmente em relação aos descendentes e ascendentes, lhe pertença a metade
dos bens da herança. Não é justo que qualquer dêles possa transmitir todos os seus
bens a pessoa estranha ao círculo familiar, ou mesmo a um parente, se deixa o outro na
viuvez. Nada mais razoável do que limitar nessa hipótese a liberdade de testar, tanto
mais quanto a substituição do regime da comunhão universal de bens pelo da separação
com a comunhão de aqüestos pode deixar ao desamparo notadamente a mulher.
Instituindo-a herdeira necessária do marido como de resto êle será dela, concorrer-se-á
para o refôrço do vínculo conjugal.

Dois processos técnicos de livre utilização devem ser limitados. A cláusula de


inalienabilidade e a substituição fideicomissária usados irrestritamente, constituem
entrave à circulação da riqueza, antepostos pela vontade particular, quando, em
verdade, só devem ser tolerados excepcionalmente, se um interêsse legítimo justifica
seu uso.

Não se compreende, realmente, que por uma disposição testamentária possa alguém,
sem uma razão justa, retirar da circulação todos os bens do seu patrimônio, pondo-os,
inclusive ao abrigo de penhoras, por tôda a vida de seus sucessores. E se compreende
ainda muito menos que o autor da herança possa determinar a inalienabilidade dos bens
que constituem a legítima, impondo tamanha restrição aos que, de pleno direito,
pertencem ao herdeiro necessário.

Outrossim, não há justificativa para permitir a instituição de fideicomisso quando não


seja o processo único de que dispõe o testador para contemplar herdeiros que ainda não
existem no momento da abertura da sucessão. Fora daí, o fim que se tem em vista com
a instituição de fideicomisso pode ser alcançado, com vantagem, por meio de usufruto. A
limitação do fideicomisso à substituição de herdeiros por virem terá, ademais, a
vantagem prática de eliminar as dúvidas freqüentes na interpretação das disposições
testamentárias que não qualificam com rigor técnico a intenção do testador de
beneficiar, simultânea ou sucessivamente, duas pessoas.

Afora essas alterações de maior profundidade, o livro das sucessões não demanda outras
que sejam indispensáveis a uma coordenação mais estreita com o regime modernizado
da família e da propriedade.

Conclusão

Tais, em síntese apertada, os principais lineamentos do anteprojeto. Traçados com o


pensamento voltado para uma sociedade que se distanciou da ambiência sob cuja
influição codificara suas leis civis, pretende acompanhar a evolução, favorecendo-a com
instrumentos jurídicos, flexíveis e modernos, que correspondam às suas novas
exigências. Um que outro poderá ser tido antes como prefiguração, talvez prematura, de
estágio ainda não alcançado, sem perfeita correspondência com as necessidades
imediatas da época histórica em que estamos penetrando. O que, entretanto, importa
fundamentalmente é o espírito com que deve ser realizada a reforma para que seja
fecunda, a compreensão, por outras palavras, de que, em conseqüência da arrancada do
povo brasileiro para vencer o seu atraso, criou situações novas e irreversíveis que
exigem tratamento jurídico diverso. Se as tendências divergentes que marcam e
fecundam o processo evolutivo devem combinar-se, as oscilações entre os pólos que
magnetizam o espírito conservador e o espírito progressista enriquecem a nossa
experiência, da qual, sem temor, mas, também sem hostilidade, devemos colhêr os
frutos, fieis às nossas raízes culturais, mas receptivos às concepções que,
aparentemente, antinômicas, visam, não obstante, a sua penetração em camada mais
resistente do subsolo cultural do nosso povo, convencidos de que nenhum
empreendimento, para ser grandioso, pode apartar-se do espírito de generosidade para
com o futuro.

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