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AULA 06: A RUPTURA ROMÂNTICA NA EUROPA - O SUBJETIVO ................. 2
AULA 07: ROMANTISMO BRASILEIRO: IDENTIDADE NACIONAL ..................11
AULA 08: A PROSA REALISTA E NATURALISTA .......................................... 24
AULA 09: POESIA PARNASIANAS, AS VANGUARDAS E A SEMANA DE 22 .. 36

CONSTRUTORES(AS) DO MATERIAL DIDÁTICO: Alex Alves de Ameida, Bernard Cardoso, Deise Karoline da Silva, Leon
Dias Bueno, Luísa Caron, Mariana Zocchi, Olívia Tavares, Rafael Rodrigues, Renata Pereira, Roberta Browne, Thuan
Cofani, Tiago Seminatti, Vincícius Bisterço

CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 1


LIT 06
A ruptura
romântica na
Europa - o
subjetivo

CONTEXTO HISTÓRICO
Como já vimos nas aulas anteriores, definir um período literário não é uma tarefa simples. No Romantismo, a essa
dificuldade é adicionada a diversidade de obras, temas e tendências implicadas no próprio termo. Quando falamos em
Romantismo não podemos pensar tão somente em um estilo, uma escola ou um período, trata-se, antes, de uma visão de
mundo romântica, que de meados do século XVIII até fins do XIX, dominou a Europa. Uma concepção acerca do mundo
que tem como pano de fundo as Revoluções Industrial e Francesa, suas contradições e inovações, a ascensão da burguesia
e os movimentos de independência nacional.

Eugène Delacroix. A Liberdade guiando o povo. 1830. Óleo sobre tela, 260cm x 325cm. Museu do Louvre, Paris. Fonte:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Eug%C3%A8ne_Delacroix_-_La_libert%C3%A9_guidant_le_peuple.jpg

Eugène Delacroix (1798-1863), maior expoente do Romantismo francês. No célebre A Liberdade guiando o Povo
(1850) é uma alegoria da independência nacional, tema fundamental para os românticos. Aqui, a Liberdade é
representada pela figura feminina que ergue a bandeira da França sobra as barricadas.

CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 2


A ascensão da burguesia como classe
dominante e os ideais revolucionários de liberdade, Em 1872 Monet (1840-1926) pintou Impressão,
igualdade e fraternidade ocupavam a Europa. Afastada nascer do sol. Este quadro deu origem ao
do poder, a nobreza nostalgicamente relembrava os anos movimento chamado de Impressionismo. Este
do Antigo Regime. E a pequena burguesia ao ver seus tinha como mote central a sensação: telas sem
ideais e projetos sociais barrados pelos grandes contornos absolutos, fazendo uso apenas das sete
burgueses, olhava em torno com sentimentos de espanto cores do prima, com tons decompostos e cores
e insegurança. A base do pensamento romântico se justapostas.
encontra nessas duas classes sociais.
Historicamente tão diferentes, naquele momento
algo em comum elas possuíam: a insatisfação e o No pensamento clássico (em seu sentido amplo,
inconformismo com a realidade que os cercava. Essa abrangendo o Renascimento, o Barroco e o
necessidade de escapar da realidade encontra no mundo Neoclassicismo), temos a retomada da arte antiga,
subjetivo o perfeito refúgio: ao privilegiar o sujeito em especialmente greco-romana, que remete à ordem, ao
detrimento das regras sociais, o romântico se enxerga equilíbrio e à objetividade – em outras palavras, a
como o mais livre de todos. racionalidade. Para os românticos, o cerne de seu
Essa ideia de liberdade não fica restrita à teoria, a pensamento se encontra no sujeito, suas paixões, suas
liberdade de criação é uma das características marcantes ilusões, seus exageros.
do Romantismo. No teatro, o drama vem ocupar o lugar Essas diferenças ficam bastante claras quando
das tragédias e comédias. Na poesia, o soneto perde a sua pensamos na representação da mulher. Para os clássicos,
força – baladas, canções e indefinições ganham a vez. Na temos a concretização de um ideal abstrato de perfeição,
prosa, as grandes epopeias abrem caminho para os seja ela por meio de convenções ou de imagens retiradas
romances – que acabou se tornando o grande veículo de da mitologia greco-latina – a realidade aqui é
difusão de ideias, sentimentos e emoções, e inclusive representada conceitualmente por meio das ideias de Bem
crítica social da época. Com o crescimento dos centros e Belo. O Romantismo também idealiza a realidade em
urbanos e a consolidação da classe burguesa, a literatura que se encontra, porém nem a ideia de Mulher nem
se tornou uma forma de lazer e de entretenimento. Além mesmo a mulher real o interessam, o que ele busca é a
disso, com o surgimento de jornais e revistas, gerou um idealização por meio da emoção, da imaginação, do
suporte material que, além de barato e de fácil acesso ao sonho, do desejo.
público em geral, se revelou intrinsecamente propício ao Abaixo, compararemos um soneto de Bocage,
romance. Capítulo a capítulo no formato de folhetim, os poeta de difícil classificação – por vezes árcade, por vezes
romances eram assim publicados. Alternativa que, além romântico – e um poema de Alexandre Herculano – um
de expandir o alcance das obras, criava um ar de dos grandes nomes do movimento romântico português.
expectativa – “O que acontecerá no próximo capítulo?”
LEITURA
ROMANTISMO VERSUS CLASSICISMO OH RETRATO DA MORTE, OH NOITE AMIGA
Oh retrato da morte, oh Noite amiga
Por cuja escuridão suspiro há tanto !
Calada testemunha de meu pranto,
De meus desgostos secretária antiga !

Pois manda Amor, que a ti sòmente os diga,


Dá-lhes pio agasalho no teu manto ;
Ouve-os, como costumas, ouve, enquanto
Dorme a cruel, que a delirar me obriga :

E vós, oh cortesãos da escuridade,


Fantasmas vagos, mochos piadores,
Inimigos como eu, da claridade !

Em bandos acudi aos meus clamores;


Quero a vossa medonha sociedade,
Claude Monet. Impressão, nascer do sol. 1872. Óleo sobre tela, 48cm x Quero fartar meu coração de horrores.
63cm. Museu Marmottan Monet, Paris. Fonte: (BOCAGE, Manuel du. Sonetos. São Paulo : Martin
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Claude_Monet,_Impression,_soleil_ Claret, 2003)
levant,_1872.jpg

CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 3


A CRUZ MUTILADA invocar os males idos e vividos, em vez de esforçar-se por
Amo-te, ó cruz, no vértice, firmada tornar suportável um presente medíocre.
De esplêndidas igrejas; (GOETHE, Johann Wolfgang. Os sofrimentos do jovem Werther. Porto
Alegre : L&PM, 2001)
Amo-te quando à noite, sobre a campa,
Junto ao cipreste alvejas;
Junho, 6
Amo-te sobre o altar, onde, entre incensos,
A razão por que eu não lhe tenho escrito? E é você que
As preces te rodeiam;
me pergunta, você que se inclui entre os sábios? Pode
Amo-te quando em préstito festivo
bem adivinhar que sou feliz, e mesmo... Em duas
As multidões te hasteiam;
palavras, conheci alguém que tocou o meu coração. Eu...
Amo-te erguida no cruzeiro antigo,
eu não sei o que diga.. Não é fácil contar-lhe,
No adro do presbitério,
metodicamente, as circunstâncias que me fizeram
Ou quando o morto, impressa no ataúde,
conhecer a mais adorável das criaturas. Sinto-me
Guias ao cemitério;
contente, feliz; serei, portanto, um mau narrador. É um
Amo-te, ó cruz, até, quando no vale
anjo!... Bolas! Já sei que todos dizem isso da sua amada,
Negrejas triste e só,
não é verdade? Entretanto, é-me impossível dizer a você
Núncia do crime, a que deveu a terra
o quanto ela é perfeita, nem por que é tão perfeita. Só isto
Do assassinado o pó:
basta: ela tomou conta de todo o meu ser. Tanta
Porém quando mais te amo,
naturalidade aliada a tão alto espírito de justiça! Tanta
Ó cruz do meu Senhor,
bondade aliada a tamanha firmeza! Uma alma tão serena
É, se te encontro à tarde,
e tão cheia de vida e energia! Tudo quanto acabo de dizer
Antes de o Sol se pôr,
não passa de pobres abstrações que não dão a menor
Na clareira da serra,
ideia da sua individualidade. De outra vez... Não; de
Que o arvoredo assombra,
outra vez, não; é agora que eu quero contar a você tudo
Quando à luz que fenece
quanto acaba de acontecer. Se não contar agora, não
Se estira a tua sombra,
contarei nunca mais. Porque, aqui entre nós, três vezes
E o dia últimos raios
depois que comecei a escrever, estive a pique de
Com o luar mistura,
descansar a pena, mandar arrear o cavalo e ir vê-la.
E o seu hino da tarde
Entretanto, eu havia jurado a mim mesmo que não iria lá
O pinheiral murmura.
(HERCULANO, Alexandre. Disponível em: hoje, mas a cada momento vejo-me à janela olhando a
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bi000018.pdf) que altura ainda está o sol…
(GOETHE, Johann Wolfgang. Os sofrimentos do jovem Werther. Porto
Alegre : L&PM, 2001)
O ROMANTISMO EM SUA ORIGEM
STURM UND DRANG
Tempestade e ímpeto. Foi assim que o movimento Werther não é simplesmente um romance em
literário pré-romântico alemão passou para a história. A cartas. Esta que é uma das mais célebres obras de
figura mais conhecida do movimento é Goethe, com seu Goethe é o romance de uma alma, uma história
romance Os Sofrimentos do Jovem Werther, um dos interior. Dilacerante e arrebatadora. É a história de
marcos fundadores do Romantismo europeu, do qual uma paixão literalmente devastadora. Na época do
leremos um trecho a seguir. seu lançamento, ocorreu uma onda de suícídios na
Europa, um testemunho de como a literatura tinha
Maio, 4 poder de agir na sociedade.
Alegre, eu, por haver partido! Meu caro amigo, que é
então o coração humano? Separar-me de você, que tanto
estimo, você, de quem eu era inseparável, e andar BYRON: A POESIA DO SPLEEN
contente! Mas eu sei que me há de perdoar. Longe de
você, todas as minhas relações não parecem
expressamente escolhidas pelo destino para atormentar
um coração como o meu? Pobre Leonor! E, no entanto,
eu não sou culpado. Cabe-me alguma culpa se,
procurando distrair-me com as suas faceirices, a paixão
nasceu no coração da sua irmã? Entretanto... serei eu
inteiramente irrepreensível? Não procurei alimentar os
seus sentimentos? Eu mesmo não me divertia com o seu
modo inocente e sincero de expressá-los, que tantas vezes
nos fez rir, quando na verdade não havia motivos para
riso? Não... Que é o homem, para ousar lamentar-se a
respeito de si mesmo? Meu amigo, prometo emendar-me.
Não mais, como foi sempre meu costume, repisarei os
aborrecimentos miúdos que a sorte nos reserva. Quero Lord Byron. Fonte:
fruir o presente e considerar o passado como o passado. https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Lord_Byron_coloured_drawing.
Você tem razão: os homens sofreriam menos se não se png
aplicassem tanto (e Deus sabe por que eles são assim!) a
CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 4
Ninguém melhor do que Lord Byron para A CRÍTICA SOCIAL D'OS MISERÁVEIS
representar os ideais do homem romântico: sedutor, Por quase duas mil páginas, Victor Hugo nos leva
elegante, mundano, passional. Um homem em busca da a mergulhar em dois episódios específicos da história
liberdade, Byron, em suas obras, nos mostra toda a francesa: a Batalha de Waterloo, em 1815, que
melancolia e a tristeza do romântico. Com uma pitada de representou o fim do sonho imperialista de Napoleão
cinismo, deixou uma legião de jovens poetas Bonaparte, e os motins de junho de 1832, em Paris,
autodenominados “byronianos”. quando estudantes republicanos tentaram, em vão,
derrubar o regime do rei Luís Filipe I.
LEITURA Não apenas um livro de história, Os Miseráveis nos
UMA TAÇA FEITA DE UM CRÂNIO HUMANO apresenta também o que antes era escondido: a miséria.
Não recues! De mim não foi-se o Por tudo isso, e um pouco mais, ele é considerado um
espírito... épico da injustiça social e um estudo da natureza do bem
Em mim verás - pobre caveira fria – e do mal.
Único crânio que, ao invés dos vivos,
Só derrama alegria. PREFÁCIO
Enquanto existir nas leis e nos costumes uma
Vivi! amei! bebi qual tu: Na morte organização ocial que cria infernos artificiais no seio da
Arrancaram da terra os ossos meus. civilização, juntando ao destino, divino por natureza, um
Não me insultes! empina-me!... que a fatalismo que provém dos homens; enquanto não forem
larva resolvidos os três problemas fundamentais a degradação
Tem beijos mais sombrios do que os teus. do homem pela pobreza, o aviltamento da mulher pela
fome, a atrofia da criança pelas trevas; enquanto, em
Mais vale guardar o sumo da parreira certas classes, continuar a asfixia social ou, por outras
Do que ao verme do chão ser pasto vil; palavras e sob um ponto de vista mais claro, enquanto
- Taça - levar dos Deuses a bebida, houver no mundo ignorância e miséria, não serão de todo
Que o pasto do réptil. inúteis os livros desta natureza.
(HUGO, Victor. Os miseráveis. São Paulo : Martin Claret, 2014)
Que este vaso, onde o espírito brilhava,
Vá nos outros o espírito acender. MME DE LA FAYETTE (1634 – 1693)
Ai! Quando um crânio já não tem mais cérebro
...Podeis de vinho o encher!

Bebe, enquanto inda é tempo! Uma outra


raça,]
Quando tu e os teus fordes nos fossos,
Pode do abraço te livrar da terra,
E ébria folgando profanar teus ossos.

E por que não? Se no correr da vida


Tanto mal, tanta dor ai repousa?
É bom fugindo à podridão do lado
Servir na morte enfim p'ra alguma coisa!...
(BYRON, Lord. A uma taça feita de crânio humano. São
Paulo : Melhoramentos, 2014)

ROUSSEAU E O MITO DO BOM SELVAGEM


Seu pessimismo em relação à sociedade e à
civilização, evidente no postulado de uma natureza
humana pura, corrompida pela cultura, o torna um dos
grandes precursores do Romantismo. Em seu Discurso Madame de La Fayette. Fonte:
sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Madame_de_La_Fayette.jpg
os homens, publicado em 1755, Rousseau desenvolve
uma explicação do motivo pelo qual os seres humanos, Trata-se de uma escritora francesa que atuou no
tanto social quanto moralmente, perpetuam a século XVII. Filha da pequena nobreza da época, La
desigualdade. Para o filósofo genebrino, o homem nasce Fayette se tornou, aos 16 anos, dama de honra da rainha
bom e virtuoso, sendo corrompido no momento em que Ana de Austria. Assim, começou a receber educação
se insere no sistema social – o homem é bom por natureza. literária com Gilles Ménage – quem foi responsável por
É a sociedade quem o corrompe. introduzi-la nos salões da Senhora de Rambouillet e
Madeleine de Scudéry. Agora, por que falar de uma
autora do século XVII quando estamos discutindo
Romantismo – século XVIII? Há dois motivos que
respondem esta pergunta. Primeiro, Senhora de La
Fayette é uma importante autora da literatura francesa.
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Suas obras são referências para filmes e outras obras. Em admirável que ele pensou morrer de dor. Abraçou-a,
Segundo lugar, uma de suas principais obras – A Princesa erguendo-a:
de Clèves – é entendida, hoje, como um romance. - Tende piedade de mim, senhora, disse-lhe ele,
A partir do século XVIII podemos começar a falar pois que sou digno dela. E perdoai-me se, nos primeiros
de romances, mas anteriormente a este momento já momentos de uma aflição tão violenta quanto a minha,
existiam textos que se assemelhavam com o que viria a não respondo como devo a um procedimento como o
ser um romance. Isto nos mostra que um movimento vosso. Parecei-me mais digna de estima e de admiração
artístico não uma data determinada para começar e para que todas as mulheres do mundo.
terminar, com hora e minutos exatos. Mostra-nos, ainda, (LA FAYETTE, Sra. de. A Princesa de Clèves. p. 141-142)
que estes movimentos não nascem do nada. Cada
momento da literatura – das artes em geral – ligação com CARACTERÍSTICAS
seu aquele que o precede. → O predomínio do sentimento: individualismo,
O romance de La Fayette podia ser entendido como subjetivismo, imposição do “eu” do artista a toda
um pequeno/breve romance. Ele já não mais se realidade;
assemelhava com obras escritas na época e um pouco → O “eu” versus o mundo: liberalismo, rebeldia,
antes disto, mas também não poderia ser chamado de um inconformismo, ímpeto revolucionário, insatisfação,
romance tal como conhecemos. A Princesa de Clèves melancolia, saudosismo, nostalgia;
estava numa linha de transição. Há, também, quem o → A fuga como resposta: escapismo, evasão do mundo,
chame de novela histórica por trazer personagens reais sonho, fantasia, delírio, atração pela noite;
(figuras da Corte francesa da época) vivenciando → A busca pela originalidade: o terror, o fantástico, o
situações ficcionais. exótico, o diferente, o macabro, o violento;
→ A idealização da coletividade: nacionalismo,
LEITURA valorização da cor local, do típico, do pitoresco;
A PRINCESA DE CLÈVES → A liberdade na criação: repúdio às regras e modelos
O romance apresenta um triângulo amoroso entre: clássicos, liberdade formal, liberdade métrica, formas
a Princesa (ou Senhora) de Clèves, o Senhor de Clèves e livres, licenças poéticas, uso do vocabulário popular,
o Senhor de Nemours. A obra chamou a atenção em mistura de gêneros;
função da confissão feita pela Princesa a seu marido. Ela → O exagero na fala: linguagem enfática e declamatória,
diz, então, estar apaixonada por outro homem, o que foi, pontuação expressiva, uso de figuras de linguagem;
para a época, motivo suficiente para levantar diversos → O ideal romantico: o amor é idealizado e para ser
questionamentos. Os leitores se dividiram entre aqueles concretizado, o romântico deveria morrer por amor.
que julgavam esta conduta aceitável e aqueles que
acreditavam ser um absurdo e até mesmo inverossímel
uma mulher fazer tal confissão a seu marido. O romance é, a par do conto, ou da epopeia (...),
género narrativo (v.) de larga projecção cultural,
Cena da confissão fruto de uma popularidade e de uma atenção por
A senhora de Clèves não respondeu, e seu silêncio parte dos seus cultores que, sobre tudo a partir do
acabou por confirmar o que seu marido tinha em mente: século XVIII, fez dele de certo o mais importante
- Nada dizeis, retomou ele. Isso siginifica que não dos géneros literários modernos. Particularmente
estou enganado. talhado para modelizar (...) em registro ficcional
- Pois bem, respondeu ela pondo-se de joelhos, vou os conflitos, as tensões e o devir no homem
vos fazer uma confissão que jamais mulher alguma fez a inscrito na Hitória e na Sociedade (...)
(REIS, Carlos Á. dos; LOPES, Ana C. Dicionário de
um marido. Mas a inocência de minha conduta e de Narratologia. São Paulo : Almedina, 2002)
minhas intenções me dá forças. É verdade que tenho
motivos para me afastar da Corte e que quero evitar os
perigos em que por vezes se encontram pessoas de minha
idade. Jamais dei marcas de franqueza e não recearia
LEITURA
deixá-las transparecer se me désseis a liberdade de me
CANTO DO AMOR
afastar da Corte e se ainda tivesse a senhora de Chartres A M. * *
para me orientar. Por mais perigosa que seja a decisão Eu vi-a e minha alma antes de vê-la
que tomo, tomo-a com alegria para conservar-me digna Sonhara-a linda como agora a vi;
Nos puros olhos e na face bela,
de vosso nome. Peço-vos mil perdões se experimentei
sentimentos que vos desagradam, mas ao menos jamais o Dos meus sonhos a virgem conheci.
desagradarei por minhas ações. Pensai que para
Era a mesma expressão, o mesmo rosto,
proceder como faço, é preciso ter por um marido mais
amizade e mais estima de que jamais se teve. Orientai- Os mesmos olhos só nadando em luz,
E uns doces longes, como dum desgosto,
me, tende piedade de mim, e amai-me, se ainda puderdes.
Durante todo esse discurso, o senhor de Clèves Toldando a fronte que de amor seduz!
permanecera com a cabeça entre as mãos, fora de si, e
E seu talhe era o mesmo, esbelto, airoso
não havia pensado em fazer a senhora de Clèves se
levantar. Quando ela parou de falar, olhou-a: viu-a a Como a palmeira que se ergue ao ar,
seus pés, o rosto coberto de lágrimas; sua beleza era tão Como a tulipa ao pôr-do-sol- saudoso,
Mole vergando à viração do mar.
CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 6
Dera a mesma visão que eu dantes via, Eu sofro tanto! meus exaustos dias
Quando a minha alma transbordava em fé; Não sei por que logo ao nascer manchou-os
E nesta eu creio como na outra eu cria, De negra profecia um Deus irado.
Porque é a mesma visão, bem sei que é! Outros meu fado invejam... Que loucura!
Que valem as ridículas vaidades
No silêncio da noite a virgem vinha De uma vida opulenta, os falsos mimos
Soltas as tranças junto a mim dormir; De gente que não ama? Até o gênio
E era bela, meu Deus, assim sozinha Que Deus lançou-me à doentia fronte,
No seu sono d'infante inda a sorrir!... Qual semente perdida num rochedo,
(ABREU, Casimiro de. As Primaveras. São Paulo : Martin Claret, 2014) Tudo isso que vale, se padeço!

QUANDO EU SONHAVA Nessas horas talvez em mim não pensas:


Quando eu sonhava, era assim Pousas sombria a desmaiada face
Que nos meus sonhos a via Na doce mão e pendes-te sonhando
E era assim que me fugia, No teu mundo ideal de fantasia...
Apenas eu despertava, Se meu orgulho, que fraqueia agora,
Pudesse crer que ao pobre desditoso
Essa imagem fugidia Sagravas uma idéia, uma saudade...
Que nunca pude alcançar. Eu seria um instante venturoso!
Agora, que estou desperto,
Agora a vejo fixar... Mas não... ali no baile fascinante,
Para quê? — Quando era vaga, Na alegria brutal da noite ardente,
Uma idéia, um pensamento, No sorriso ebrioso e tresloucado
Um raio de estrela incerto Daqueles homens que, pra rir um pouco,
No imenso firmamento, Encobrem sob a máscara o semblante,
Tu não pensas em mim. Na tua idéia exercícios
Uma quimera, um vão sonho, Se minha imagem retratou-se um dia
Eu sonhava - mas vivia: Foi como a estrela peregrine e pálida
Prazer não sabia o que era, Sobre a face de um lago…
Mas dor, não na conhecia … (AZEVEDO, Álvares. Lira dos Vinte Anos. Disponível em:
(GARRET, Almeida. Folhas Caídas. Disponível em: http://cvc.instituto- http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000021.pdf)
camoes.pt/conhecer/biblioteca-digital-camoes/literatura-1/1050-
1050/file.html)
DIÁLOGO
DESÂNIMO AMO-TE TANTO!
Estou agora triste. Há nesta vida Vozes de Vinicius de Moraes e Florbela Espanca
Páginas torvas que se não apagam,
Nódoas que não se lavam... se esquecê-las SONETO DE AMOR TOTAL
De todo não é dado a quem padece... Amo-te tanto, meu amor… não cante
Ao menos resta ao sonhador consolo O humano coração com mais verdade…
No imaginar dos sonhos de mancebo! Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade
Oh! voltai uma vez! eu sofro tanto!
Meus sonhos, consolai-me! distraí-me! Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
Anjos das ilusões, as asas brancas E te amo além, presente na saudade.
As névoas puras, que outro sol matiza. Amo-te, enfim, com grande liberdade
Abri ante meus olhos que abraseiam Dentro da eternidade e a cada instante.
E lágrimas não tem que a dor do peito
Transbordem um momento... Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
E tu, imagem, Com um desejo maciço e permanente.
Ilusão de mulher, querido sonho,
Na hora derradeira, vem sentar-te, E de te amar assim muito e amiúde,
Pensativa e saudosa no meu leito! É que um dia em teu corpo de repente
O que sofres? que dor desconhecida Hei de morrer de amar mais do que pude.
(MORAES, Vinisius de. Disponível em:
Inunda de palor teu rosto virgem? http://www.viniciusdemoraes.com.br/pt-br/poesia/poesias-
Por que tu'alma dobra taciturna, avulsas/soneto-do-amor-total)
Como um lírio a um bafo d'infortúnio?
Por que tão melancólica suspiras? OS VERSOS QUE TE FIZ
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Ilusão, ideal, a ti meus sonhos, Que a minha boca tem pra te dizer!
Como os cantos a Deus se erguem gemendo! São talhados em mármore de Paros
Por ti meu pobre coração palpita... Cinzelados por mim pra te oferecer
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Têm dolência de veludos caros, d) divide o mundo entre ricos e pobres e não leva em consideração
São como sedas pálidas e arder… que uma vida justa depende da riqueza produzida na sociedade.
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer! 03. (SANTA CASA-SP) Afrânio Coutinho aponta as seguintes
qualidades que caracterizam o espírito romântico:
Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda… I – Individualismo e subjetivismo
Que a boca da mulher é sempre linda II – Escapismo
Se dentro guarda um verso que não diz! III – Exagero

Amo-te tanto! E nunca te beijei… E explica:


E nesse beijo, amor, que eu te não dei A – Na sua busca de perfeição, o romântico cria o mundo em que
Guardo os versos mais lindos que te fiz! coloca o que imagina de bom, bravo, belo, amoroso, puro, um mundo
(ESPANCA, Florbela. Disponível em: de perfeição e sonho.
https://pt.wikisource.org/wiki/Os_Versos_Que_Te_Fiz)
B – O romantismo é o primado exuberante da emoção, imaginação,
paixão, intuição, libertade pessoal e interior.
TAREFA MÍNIMA C – Nem fatos nem tradições despertam o respeito do romântico.
Pela liberdade, revolta, fé e natureza, constrói o mundo novo à base
do sonho.
01. (FUVEST) Poderíamos sintetizar uma das características do
Romantismo pela seguinte aproximação de opostos: A melhor associação de qualidade e explicações é:
a) Aparentemente idealista, foi, na realidade, o primeiro momento a) I – B; II – C; III – A.
do Naturalismo Literário. b) I – C; II – A; III – B.
b) Cultivando o passado, procurou formas de compreender e c) I – A; II – B; III – C.
explicar o presente. d) I – C; II – B; III – A.
c) Pregando a liberdade formal, manteve-se preso aos modelos e) I – B; II – A; III – C.
legados pelos clássicos.
d) Embora marcado por tendências liberais, opôs-se ao 04. (FUVEST) Assinale a alternativa que só contém características
nacionalismo político. românticas:
e) Voltado para temas nacionalistas, desinteressou-se do a) fusionismo – dualismo – sentido dilemático da vida – oposições,
elemento exótico, incompatível com a exaltação da pátria. paradoxos e antítese – metaforização.
b) simplicidade – bucolismo – pastoralismo – relacionalismo –
02. (UNICAMP) (...) plantai batatas, ó geração de vapor e de pó de “poesia de gramática”.
pedra, macadamizai* estradas, fazei caminhos de ferro, construí c) sentimentalismo – valorização da natureza – religiosidade –
passarolas de Ícaro, para andar a qual mais depressa, estas horas egocentrismo – miscigenação dos gêneros literários –
contadas de uma vida toda material, maçuda e grossa como tendes metaforização.
feito esta que Deus nos deu tão diferente do que a que hoje vivemos. d) formalismo – temas greco-latinos e patrióticos – preferência pelas
Andai, ganha-pães, andai: reduzi tudo a cifras, todas as formas fixas e versos alexandrinos – impassibilidade – denotação –
considerações deste mundo a equações de interesse corporal, descritivismo.
comprai, vendei, agiotai. – No fim de tudo isto, o que lucrou a espécie e) musicalidade – sinestesia – sugestão – não-separação de sujeito
humana? Que há mais umas poucas dúzias de homens ricos. E eu e objeto – metaforização – fusão de concreto + abstrato.
pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam
o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao
trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à TAREFA COMPLEMENTAR
ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para
produzir um rico? 05. (ITA-SP) Observe as afirmações abaixo:
*Macadamizar: pavimentar. I. "eu" romântico, objetivamente incapaz de resolver os conflitos com
(Almeida Garrett, Viagens na minha terra. São Paulo: Ateliê Editorial, 2012, p.77.)
a sociedade, lança-se à evasão. No tempo, recriando a Idade Média
Gótica e embruxada. No espaço, fugindo para ermas paragens ou
“Formou Deus o homem, e o pôs num paraíso de delícias; tornou a
para o Oriente exótico.
formá-lo a sociedade, e o pôs num inferno de tolices.” (Almeida Garrett,
Viagens na minha terra. São Paulo: Ateliê Editorial, 2012, p.190.) II. A natureza romântica é expressiva. Ao contrário da natureza
árcade, decorativa. Ela significa e revela. Prefere-se a noite ao dia,
Vários discursos organizam a estrutura narrativa do romance pois sob a luz do sol o real impõe-se ao indivíduo, mas é na treva
Viagens na minha terra, de Almeida Garrett. Isso permite afirmar que que latejam as forças inconscientes da alma: o sonho, a imaginação.
a visão de mundo dessa narrativa III. No romantismo, a epopéia, expressão heróica já em crise no séc.
a) compartilha exclusivamente dos valores éticos dos ricos e é XVIII, é substituída pelo poema político e pelo romance histórico, livre
demagógica com a miséria social, marca inconfundível do romance das peias de organização interna que marcavam a narrativa em
de Garrett. verso. Renascem, por outro lado, formas medievais de estrofação e
b) relativiza posições dogmáticas sobre a vida social, cultural e dá-se o máximo relevo aos metros livres, de cadência popular, as
política, permitindo vários ângulos de observação. redondilhas maiores e menores, que passam a competir com o nobre
c) denuncia as condições sociais injustas dos pobres da sociedade, decassílabo.
o que indica o caráter panfletário do romance de Garrett.

CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 8


Estão corretas: Os versos acima:
a) todas. a) ilustram a característica romântica da projeção do estado de
b) apenas a I. espírito do poeta nos elementos da natureza.
c) apenas a I e a II. b) exemplificam a característica romântica do pessimismo, mal-do-
d) apenas a II e a III. século, que vê na natureza algo nefando, capaz de matar o poeta.
e) apenas a I e a III. c) exploram a característica romântica do sentimentalismo amoroso,
que vê em tudo a tragédia do amor não correspondido.
06. (UFV-MG) Assinale a alternativa falsa: d) apontam a característica romântica do nacionalismo, que valoriza
a) o Romantismo, como estilo, não é modelado pela individualidade a paisagem de nossa terra.
do autor; a forma predomina sempre sobre o conteúdo. e) apresentam a característica romântica do descritivismo, capaz de
b) o Romantismo é um movimento de expressão universal, inspirado valorização exagerada da natureza.
por modelos medievais e unificado pela prevalência de características
comuns a todos os escritores da época. 10. (FUVEST) Assinale o que não é correto sobre a poesia
c) o Romantismo, como estilo de época, constitui, basicamente, um romântica:
fenômeno estético-literário, desenvolvido em oposição ao a) de modo geral, a mensagem focaliza a pessoa do emissor (“eu”),
intelectualismo e à tradição racionalista e clássica do século XVIII. predominando a função emotiva da linguagem.
d) o Romantismo, ou melhor, o espírito romântico, pode ser b) a poesia romântica marca uma ruptura com a poética clássica,
sintetizado numa única qualidade: a imaginação. Pode-se creditar à quando abandona os esquemas métricos regulares e deprecia o
imaginação a capacidade extraordinária dos românticos de criarem soneto.
mundos imaginários. c) a poesia romântica retoma os temas do Neoclassicismo, apenas
e) o Romantismo possui características como o subjetivismo, o inovando a seleção vocabular, que se torna pessoal.
ilogismo, o senso de mistério, o exagero, o culto da natureza e o d) de maneira geral, acentua-se na poesia romântica o seu caráter
escapismo. intimista, uma vez que a poesia é pensada como “voz do coração”
ou expressão de um pensamento divino.
07. (UFU-MG) O homem de todas as épocas se preocupa com a e) dos dois procedimentos básicos de operação com a língua, a
natureza. Cada período a vê de modo particular. No Romantismo, a metáfora e a metonímia, os românticos tomam partido da metáfora:
natureza aparece como: do que decorre a idealização de seus poemas.
a) um cenário cientificamente estudado pelo homem; a natureza é
mais importante que o elemento humano.
b) um cenário estático, indiferente; só o homem se projeta em busca TAREFA DISSERTATIVA
de sua realização.
c) um cenário sem importância nenhuma; é apenas pano de fundo 11. (VUNESP – adaptado) Amor de perdição
para as emoções humanas. E Simão Botelho, fugindo à claridade da luz e ao voejar
d) confidente do poeta, que compartilha seus sentimentos com a das aves, meditando, chorava e escrevia assim as suas meditações:
paisagem; a natureza se modifica de acordo com o estado emocional "O pão do trabalho de cada dia, e o teu seio para repousar uma hora
do poeta. a face, pura de manchas: não pedi mais ao céu. Achei-me homem
e) um cenário idealizado onde todos são felizes e os poetas são aos dezesseis anos. Vi a virtude à luz do teu amor. Cuidei que era
pastores. santa a paixão que absorvia todas as outras, ou as depurava com o
seu fogo sagrado. Nunca os meus pensamentos foram denegridos
08. (UEL) Assinale a alternativa que completa adequadamente a por um desejo que eu não possa confessar alto diante de todo o
asserção: mundo. Dize tu, Teresa, se os meus lábios profanaram a pureza de
O Romantismo, graças à ideologia dominante e a um complexo teus ouvidos. Pergunta a Deus quando quis eu fazer do meu amor o
conteúdo artístico, social e político, caracteriza-se como uma época teu opróbrio. Nunca, Teresa! Nunca, ó mundo que me condenas! Se
propícia ao aparecimento de naturezas humanas marcadas por teu pai quisesse que eu me arrastasse a seus pés para te merecer,
a) teocentrismo, hipersensibilidade, alegria, otimismo e crença. beijar-lhos-ia. Se tu me mandasses morrer para te não privar de ser
b) etnocentrismo, insensibilidade, descontração, otimismo e crença feliz com outro homem, morreria, Teresa!"
na sociedade. (CASTELO BRANCO, Camilo. Amor de Perdição - A Brasileira de Prazins. São Paulo:
c) egocentrismo, hipersensibilidade, melancolia, pessimismo, Difusão Européia do Livro, 1971, p. 151.)
angústia e desespero.
d) teocentrismo, insensibilidade, descontração, angústia e Os Maias
desesperança. Mas Carlos vinha de lá enervado, amolecido, sentindo já
e) egocentrismo, hipersensibilidade, alegria, descontração e crença na alma os primeiros bocejos da saciedade. Havia três semanas
no futuro. apenas que aqueles braços perfumados de verbena se tinham
atirado ao seu pescoço - e agora, Exercício de aprofundamento pelo
09. (F.C.CHAGAS-BA) "É bela a noite, quando grave estende passeio de São Pedro de Alcântara, sob o ligeiro chuvisco que batia
Sobre a terra dormente o negro manto as folhagens da alameda, ele ia pensando como se poderia
De brilhantes estrelas recamado; desembaraçar da sua tenacidade, do seu ardor, do seu peso... É que
Mas nessa escuridão, nesse silêncio a condessa ia-se tornando absurda com aquela determinação
Que ele consigo traz, há um quê de horrível ansiosa e audaz de invadir toda a sua vida, tomar nela o lugar mais
Que espanta e desespera e geme n'alma; largo e mais profundo - como se o primeiro beijo trocado tivesse
Um quê de triste que nos lembra a morte!" unido não só os lábios de ambos um momento, mas os seus destinos
(DIAS, G. Primeiros Cantos. p. 89) também e para sempre. Nessa tarde lá tinham voltado as palavras
que ela balbuciava, caída sobre o seu peito, com os olhos afogados
CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 9
numa ternura suplicante: Se tu quisesses! que felizes que seríamos! Nos dois textos apresentados, as personagens Simão Botelho e
que vida adorável! ambos sós!... E isto era claro - a condessa Carlos comentam, em situações diversas e sob pontos de vista
concebera a idéia extravagante de fugir com ele, ir viver num sonho diferentes, suas respectivas relações amorosas. Releia-os e, em
eterno de amor lírico, nalgum canto do mundo, o mais longe possível seguida:
da Rua de São Marçal! Se tu quisesses! Não, com mil demônios, não a) indique uma característica romântica da abordagem do tema do
queria fugir com a Sra. Condessa de Gouvarinho!... amor no texto de Amor de Perdição;
(QUEIRÓS, Eça de. Os Maias. p. 172) b) comente um aspecto do fragmento de Os Maias que, pelo seu
caráter realista, contraria a abordagem romântica do tema do amor.

CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 10


LIT 07
Romantismo
brasileiro:
Identidade
Nacional

CONTEXTO HISTÓRICO
Com a proclamação da Independência, em 1822, intensificou-se no Brasil o processo de emancipação política que
teve como resultado o surgimento da necessidade de uma identidade nacional. É nesse momento histórico, de busca por
identidade, que o desenvolvimento do Romantismo brasileiro pode ser melhor compreendido, refletindo de modo direto ou
indireto as expectativas, os projetos, as contradições e os conflitos que envolveram as elites brasileiras no processo de
consolidação da Independência e de construção do novo país.
Na literatura, a busca por uma identidade nacional refletiu-se no desejo de liberdade de criação, que tornava as
produções literárias independentes e diferentes das realizadas em Portugal, que passavam a ter seu papel de referência
substituído pela literatura de outros países da Europa como França, Alemanha e Inglaterra. Mas, quais são as diferenças e
semelhanças entre o Romantismo na Europa e o Romantismo no Brasil? De certa maneira, é possível dizer que o
Romantismo brasileiro pegou para si muitas das características do Romantismo europeu. Porém, a adaptação de tais
características à realidade do país possibilitou o surgimento de uma literatura romântica de caráter peculiar.

Pedro Américo. O grito do Ipiranga. 1888. Óleo sobre tela, 415cm x 760cm. Museu Paulista, São Paulo. Fonte:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Independence_of_Brazil_1888.jpg

Um dos principais traços do nosso Romantismo é o nacionalismo, que, guiando o movimento, abriu-lhe um rico leque
de temas a serem explorados. Entre eles, o indianismo, o regionalismo, a pesquisa histórica, a folclórica e a linguística, além
da crítica aos problemas nacionais.

CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 11


Costumeiramente, a poesia romântica brasileira é bom selvagem, descrito por Rousseau: um homem
dividida em três gerações: indianista, ultrarromântica e corrompido pela civilização, que vive em perfeita
condoreira. Com os romancistas, a história é diferente. harmonia com a natureza, que é honesto, franco e leal
Por conta da versatilidade temática de suas obras, (tudo aquilo que o homem civilizado não é).
dificilmente conseguiríamos enquadrá-los em uma única
geração. Basta olharmos para José de Alencar: se em um LEITURA
livro ele nos mostra a sociedade carioca, em outro, somos I-JUCA-PIRAMA
levados ao território indígena. Norte e sul, cidade e sertão, Gonçalves Dias narra a história vivida por I-Juca-
índio e branco: a esses temas dedicou-se, igualmente, o Pirama, um índio tupi que se torna prisioneiro de uma
autor. Sua preocupação não era uma característica tribo inimiga: os Timbiras. O drama da narrativa
brasileira ou sentimental, mas o brasileiro banhado em manifesta-se nos sentimentos contraditórios que invadem
toda sua pluralidade. a alma do prisioneiro: por um lado, ele anseia lutar como
guerreiro corajoso que sempre fora, mesmo que isso o
leve à morte; por outro, deseja viver para cuidar de seu
Romantismo versus romantismo pai, doente e cego.
O Romantismo, grafado com letra maiúscula, VIII
deve ser diferenciado do romantismo, grafado “Tu choraste em presença da morte?
com letra minúscula. O primeiro termo designa o Na presença de estranhos choraste?
movimento literário, enquanto o segundo, se Não descende o cobarde do forte;
refere a um comportamento social e afetivo, sem Pois choraste, meu filho não és!
época determinada. Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
PRIMEIRA GERAÇÃO OU INDIANISTA POESIA Seres presa de vis Aimorés.
A primeira geração romântica tem início com a
publicação do livro Suspiros Poéticos e Saudades, do “Possas tu, isolado na terra,
maranhense Gonçalves de Magalhães, em 1836. Sem arrimo e sem pátria vagando,
Enquanto o branco era identificado como colonizador Rejeitado da morte na guerra,
europeu, e o negro, como escravo africano, o índio era Rejeitado dos homens na paz,
considerado como o único e legítimo representante da Ser das gentes o espectro execrado;
América. Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
CARACTERÍSTICAS: Tenham alma inconstante e falaz!
→ Nacionalismo
“Não encontres doçura no dia,
→ Indianismo
Nem as cores da aurora te ameiguem,
→ Descrição da natureza (cor local)
E entre as larvas da noite sombria
Nunca possas descanso gozar:
GONÇALVES DIAS (1823-1864) Não encontres um tronco, uma pedra,
Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,
Padecendo os maiores tormentos,
Onde possas a fronte pousar.

“Que a teus passos a relva se torre;


Murchem prados, a flor desfaleça,
E o regato que límpido corre,
Mais te acenda o vesano furor;
Suas águas depressa se tornem,
Ao contacto dos lábios sedentos,
Lago impuro de vermes nojentos,
Donde festas como asco e terror!

“Sempre o céu, como um teto incendido,


Creste e punja teus membros malditos
E o oceano de pó denegrido
Gonçalves Dias. Fonte: Seja a terra ao ignavo tupi!
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Gon%C3%A7alves_Dias.jpg Miserável, faminto, sedento,
Manitôs lhe não falem nos sonhos,
A obra poética de Gonçalves Dias é caracterizada E do horror os espectros medonhos
pelo forte teor nacionalista aliado à idealização da figura Traga sempre o cobarde após si.
do índio, cuja constituição de caráter baseia-se no mito do
CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 12
“Um amigo não tenhas piedoso DIÁLOGO
Que o teu corpo na terra embalsame, NOITES BRASILEIRAS
Pondo em vaso d'argila cuidoso Ai que saudades que eu sinto
Arco e flecha e tacape a teus pés! Das noites de São João,
Sé maldito, e sozinho na terra; Das noites tão brasileiras na fogueira,
Pois que a tanta vileza chegaste, Sob o luar do sertão.
Que em presença da morte choraste, Meninos brincando de roda,
Tu, cobarde, meu filho não és." Velhos soltando balão,
(DIAS, Gonçalves. Antologia Poética. p. 9-10) Moços em volta à fogueira,
Brincando com o coração.
Eita, São João dos meus sonhos.
Eita, saudoso sertão.
(Luiz Gonzaga e Zé Dantas, 1954. In LP São João na roça, RCA Victor,
1962)

SEGUNDA GERAÇÃO OU ULTRARROMÂNTICA


Com a publicação da obra poética de Álvares de
Azevedo, em 1853, tem início a segunda geração
romântica brasileira. Aqui, o índio, a pátria e a natureza
cedem lugar à dor existencial, ao sofrimento, à angustia,
ao amor que passeia entre a sensualidade e a idealização
da figura feminina, e a tantas outras temáticas de teor
altamente subjetivo.
Rodolfo Amoedo. O último Tamoio. 1883. Óleo sobre tela, 180,3cm x
261,3cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Ultimo_tamoio_1883.jpg CARACTERÍSTICAS:
→ Mal do século
LEITURA → Excesso de subjetivismo, emocionalismo, tédio,
CANÇÃO DO EXÍLIO melancolia e desespero
Em sua lírica naturista e saudosista, Gonçalves → Irracionalismo
Dias imprime características de uma atitude panteísta, de → Escapismo, fantasia, sonho e culto à morte
contemplação da natureza como manifestação de Deus. O → Pessimismo
cenário natural aparece como refúgio e confidente do
poeta nos momentos de saudade, solidão e desalento.

Minha terra tem palmeiras,


Onde canta o Sabiá,
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá,
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar –sozinho, à noite–
Mais prazer eu encontro lá,
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores Edgar Degas. O absinto. 1873. Óleo sobre tela, 95cm x 68,5cm. Museu de
Orsay, Paris. Fonte :
Que não encontro por cá, https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Edgar_Degas_-
Sem qu'inda aviste as palmeiras, _In_a_Caf%C3%A9_-_Google_Art_Project_2.jpg
Onde canta o Sabiá.
(DIAS, Gonçalves. Primeiros Cantos. p. 2-3)
ÁLVARES DE AZEVEDO (1831-1852)
Apesar de uma vida curta (faleceu aos 21 anos),
Álvares de Azevedo é conhecido como o autor mais
expressivo da geração ultrarromântica. Em sua principal
CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 13
obra, Lira dos Vinte Anos, o poeta reflete uma sentimento de melancolia que se apossa do eu-lírico ao
característica comum a toda geração da época: a longo dos versos.
imaturidade e os exageros da juventude diante de um
amor idealizado. No prefácio da obra, Álvares de Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Azevedo afirma: “são os primeiros cantos de uma pobre Que o espírito enlaça à dor vivente,
poeta, desculpai-os. As primeiras vozes do sabiá não tem Não derramem por mim nem uma lágrima
a doçura dos seus cânticos de amor”. Além disso, o autor Em pálpebra demente.
arriscou-se na prosa com a obra Noite na Taverna (1855).
E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como deixa o tédio


Do deserto o poento caminheiro...
Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro…

Descansem o meu leito solitário


Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz! e escrevam nela:
— Foi poeta, sonhou e amou na vida. —
(AZEVEDO, Á. de. Lira dos Vinte Anos. p. 49)

CASIMIRO DE ABREU (1839-1860)

Álvares de Azevedo. Fonte:


https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:%C3%81lvares_de_Azevedo.jpg

LEITURA
IDEIAS ÍNTIMAS
A seguir, leia o fragmento de um poema que pode
ser considerado um verdadeiro quadro dos sentimentos
íntimos do poeta. Nele, o eu-lírico (um sonhador)
descreve uma vida monótona, solitária e triste, e vê na arte
uma possibilidade de traduzir seus sentimentos.

XI
Junto do leito meus poetas dormem Casimiro de Abreu. Fonte:
— O Dante, a Bíblia, Shakespeare e Byron https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Casimiro_de_Abreu_(Iconogr%
C3%A1fico).jpg
Na mesa confundidos. Junto deles
Meu velho candeeiro se espreguiça
Casimiro de Abreu é considerado um dos poetas
E parece pedir a formatura.
brasileiros mais populares. Em sua obra, diferentemente
Ó meu amigo, ó velador noturno,
de Álvares de Azevedo, Casimiro associa o amor à vida e
Tu não me abandonaste nas vigílias,
à sensualidade. Seus temas mais recorrentes são a
Quer eu perdesse a noite sobre os livros,
saudade, a infância, a família, o amor platônico e o medo
Quer, sentado no leito, pensativo
do amor. Em 1859, um ano antes de sua morte, publicou
Relesse as minhas cartas de namoro...
As Primaveras, seu único livro de poesias.
Quero-te muito bem, ó meu comparsa
Nas doudas cenas de meu drama obscuro!
E num dia de spleen, vindo a pachorra, LEITURA
Hei de evocar-te dum poema heróico AMOR E MEDO
Na rima de Camões e de Ariosto, No fragmento a seguir, a temática amorosa,
Como padrão às lâmpadas futuras! marcada pela sensibilidade e pelas pulsões eróticas da
(AZEVEDO, Á. de. Lira dos Vinte Anos. p. 68) visão ingênua do poeta, se desenvolve sem grande
profundidade. Nele, o sentimento que o eu-lírico sente
LEMBRANÇAS DO MORRER pela figura da virgem oscila entre o amor e o medo.
Agora você lerá um fragmento em que Álvares de
Azevedo nos apresenta os presságios da morte, o medo e Quando eu te vejo e me desvio cauto
o desejo de morrer como temas centrais de seu poema. Da luz de fogo que te cerca, ó bela,
Vale notar que já no título somos tomados pelo Contigo dizes, suspirando amores:
CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 14
— "Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!" quais o discurso predominante era o a favor da libertação
dos escravos, como em O Navio Negreiro. O poeta
Como te enganas! meu amor, é chama faleceu aos 24 anos de idade, vítima de tuberculose.
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco... LEITURA
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo... MOCIDADE E MORTE
Neste poema, Castro Alves nos mostra uma forte
Tenho medo de mim, de ti, de tudo, preocupação com a morte, vista como uma expectativa
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes. amargurada frente a sua juventude e como um
Das folhas secas, do chorar das fontes, impedimento às grandes realizações de que se julga
Das horas longas a correr velozes. capaz. O eu-lírico revela o contraste entre a ambição e a
mesquinhez, e só desfruta de algum acolhimento no amor
O véu da noite me atormenta em dores da família.
A luz da aurora me enternece os seios,
E ao vento fresco do cair das tardes, E eu sei que vou morrer... dentro em meu peito
Eu me estremeço de cruéis receios. Um mal terrível me devora a vida:
Triste Ahasverus, que no fim da estrada,
Oh! não me chames coração de gelo! Só tem por braços uma cruz erguida.
Bem vês: traí-me no fatal segredo. Sou o cipreste, qu’inda mesmo flórido,
E se de ti fujo é que te adoro e muito Sombra de morte no ramal encerra!
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo... Vivo — que vaga sobre o chão da morte,
(ABREU, C. de. As Primaveras. p. 54-55) Morto — entre os vivos a vagar na terra.
Do sepulcro escutando triste grito
TERCEIRA GERAÇÃO OU CONDOREIRA Sempre, sempre bradando-me: maldito! —
A última geração romântica brasileira inicia-se no
ano de 1870, quando Castro Alves publica a obra Adeus, pálida amante dos meus sonhos!
Espumas Flutuantes. Nesse momento, nasce um projeto Adeus, vida! Adeus, glória! amor! anelos!
poético engajado em questões de realidade social e Escuta, minha irmã, cuidosa enxuga
política do país. O subjetivismo e o patriotismo, até então Os prantos de meu pai nos teus cabelos.
dominantes, tornam-se incompatíveis com os ideais Fora louco esperar! fria rajada
abolicionistas dos poetas condoreiros. Sinto que do viver me extingue a lampa...
Resta-me agora por futuro — a terra,
CARACTERÍSTICAS: Por glória — nada, por amor — a campa.
→ Temas sociais e políticos Adeus!... arrasta-me uma voz sombria
→ Liberdade (campanha republicana e, sobretudo, a Já me foge a razão na noite fria!...
campanha abolicionista) (ALVES, Antônio de C. Espumas Flutuantes. p.11-12)
→ Tom retórico e exaltado
O NAVIO NEGREIRO
CASTRO ALVES (1847-1871) Um dos poemas mais conhecidos de nossa
literatura, O Navio Negreiro revela que a participação na
campanha abolicionista rendeu a Castro Alves o principal
tema de sua obra. Para denunciar a condição miserável e
desumana com que os escravos eram tratados, o poeta
valeu-se do drama dos negros em sua travessia da África
para o Brasil.

Castro Alves por Alberto Henschel. Fonte:


https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Alberto_Henschel_-
_Castro_Alves.jpg Johann Moritz Rugendas. Navio negreiro. 1830. Gravura, 35,5cm x
51,3cm. Museu Itaú Cultural, São Paulo. Fonte:
Castro Alves, também conhecido como “poeta dos https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Navio_negreiro_-
_Rugendas_1830.jpg
escravos”, tornou-se um dos poetas mais populares do
Brasil pela força épica impressa em seus poemas nos
CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 15
I Senhor Deus dos desgraçados!
'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço Dizei-me vós, Senhor Deus,
Brinca o luar — dourada borboleta; Se eu deliro... ou se é verdade
E as vagas após ele correm... Cansam Tanto horror perante os céus?!...
Cansam como turba de infantes Ó mar, por que não apagas
'Stamos em pleno mar... Do firmamento Co'a esponja de tuas vagas
Os astros saltam como espumas de ouro... Do teu manto este borrão?
O mar em troca acende as ardentias, Astros! noites! tempestades!
— Constelações do líquido tesouro... Rolai das imensidades!
(ALVES, C. Navio Negreiro. p. 1) Varrei os mares, tufão!...
de alguma profunda decepção.
IV (ALVES, C. Navio Negreiro. p.4-6)
Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho. DIÁLOGO
Em sangue a se banhar. NAVIO NEGREIRO EM RAP: O CANTO DOS EXCLUÍDOS
Tinir de ferros... estalar de açoite... No CD Livro, de 1988, o baiano Caetano Veloso
Legiões de homens negros como a noite, juntamente com Maria Bethânia transporta o poema O
Horrendos a dançar... Navio Negreiro para o rap, gênero musical cultivado
geralmente na periferia das grandes cidades por negros e
Negras mulheres, suspendendo às tetas negras e por outros grupos socialmente marginalizados.
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães: PROSA DE FICÇÃO
Outras moças, mas nuas e espantadas, Nos anos seguintes à Independência do Brasil
No turbilhão de espectros arrastadas, (1822), os romancistas dedicaram-se ao projeto de
Em ânsia e mágoa vãs! construção de uma cultura brasileira autônoma. Tal
empreitada exigia dos escritores o reconhecimento e a
E ri-se a orquestra irônica, estridente... pesquisa da identidade de nosso povo, nossa língua,
E da ronda fantástica a serpente nossas tradições e nossas diferenças regionais e culturais.
Faz doudas espirais... Se na poesia tínhamos três gerações distintas de produção
Se o velho arqueja, se no chão resvala, poética, na prosa é um pouco diferente. O que vemos aqui
Ouvem-se gritos... o chicote estala. é a utilização de espaços nacionais, caracterizados como
E voam mais e mais... a selva, o campo e a cidade, motivando, respectivamente,
o surgimento do romance indianista, do romance regional
Presa nos elos de uma só cadeia, e do romance urbano.
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali! ROMANCE FOLHETINESCO: O PAI DA TELENOVELA
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri! Você sabia que o formato do romance como
(ALVES, C. Navio Negreiro. p. 3) conhecemos hoje já foi bem diferente? Em sua
origem, o romance surgiu sob a forma de
V folhetim, publicação diária em jornais e
Senhor Deus dos desgraçados! capítulos de determinada obra literária. Os
Dizei-me vós, Senhor Deus! autores dos folhetins valiam-se de determinadas
Se é loucura... se é verdade técnicas, como interromper a narrativa no
Tanto horror perante os céus?! momento máximo de uma cena, para instigar no
Ó mar, por que não apagas leitor a vontade de comprar o jornal no dia
Co'a esponja de tuas vagas seguinte e de ler mais um capítulo do romance.
De teu manto este borrão?... Essa técnica, muito utilizada, pode ser observada
Astros! noites! tempestades! ainda hoje nas telenovelas, herdeiras diretas do
Rolai das imensidades! romance folhetinesco. Quem nunca se pegou
Varrei os mares, tufão! ansioso pelo capítulo seguinte de uma novela de
Quem são estes desgraçados Manoel Carlos ou de Glória Perez? Para além,
Que não encontram em vós outras características comuns aos dois tipos de
Mais que o rir calmo da turba narrativas são a presença de um triângulo
Que excita a fúria do algoz? amoroso, a vitória do bem contra o mal e o final
Quem são? Se a estrela se cala, feliz.
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa... JOSÉ DE ALENCAR (1829 - 1877)
Dize-o tu, severa Musa, Por conta da fecundidade da imaginação literária
Musa libérrima, audaz!... de José de Alencar, cabe ao autor o título de “patriarca da
CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 16
literatura brasileira” e principal romancista da fase Serenai, verdes mares, e alisai docemente a vaga
romântica. Sua obra traça um perfil da cultura e dos impetuosa, para que o barco aventureiro manso resvale
costumes de sua época, tendo como preocupação a busca à flor das águas.
pela identidade nacional, abordando o presente e o Onde vai a afouta jangada, que deixa rápida a
passado, o norte e o sul, o litoral e o sertão, a cidade e o costa cearense, aberta ao fresco terral a grande vela?
campo. Além disso, o escritor defendeu o uso brasileiro Onde vai como branca alcíone buscando o
da língua portuguesa, enriqueceu nossa linguagem rochedo pátrio nas solidões do oceano?
literária com brasileirismos e ofereceu sugestões e Três entes respiram sobre o frágil lenho que vai
soluções que facilitaram a tarefa da nacionalização da singrando veloce, mar em fora
literatura no Brasil. Um jovem guerreiro cuja tez branca não cora o
sangue americano; uma criança e um rafeiro que viram
a luz no berço das florestas, e brincam irmãos, filhos
ambos da mesma terra selvagem
A lufada intermitente traz da praia um eco
vibrante, que ressoa entre o marulho das vagas:
— Iracema!
(ALENCAR, J. de. Iracema. p. 6)
II
Além, muito além daquela serra, que ainda azula
no horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os
cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos
que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem
a baunilha recendia no bosque como seu hálito
perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem
José de Alencar. Fonte: corria o sertão e as matas do Ipu onde campeava sua
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jose_de_Alencar.png
guerreira tribo da grande nação tabajara, o pé grácil e
nu, mal roçando alisava apenas a verde pelúcia que
O ROMANCE INDIANISTA vestia a terra com as primeiras águas.
Os romances indianistas caracterizam-se pelo teor (ALENCAR, J. de. Iracema. p. 7)
lírico, poemático e, principalmente, pela idealização da
figura do índio. Não raro, o mito do bom selvagem entra O ROMANCE URBANO
em conflito com a ganância e a falsidade do civilizado Os romances urbanos tinham a intenção de retratar
europeu. A esta fase pertencem os livros: O Guarani os costumes da sociedade carioca do Segundo Reinado,
(1857), Iracema (1865) e Ubirajara (1874). criticando a superficialidade das relações humanas e a
duplicidade dos valores morais. Aliado às histórias de
LEITURA amor e aos perfis femininos idealizados mescla-se o
IRACEMA (1865) estudo psicológico das personagens, muitas vezes de
Nesta obra, José de Alencar narra uma bela e complexidade surpreendente. Os principais livros dessa
trágica história de amor entre Iracema e Martin, que fase são Lucíola (1862) e Senhora (1875).
representam os elementos indígena e branco, únicos para
a formação de uma nova “raça”, o povo cearense, LEITURA
simbolizado no filho Moacir. Para compor a narrativa, o SENHORA (1875)
autor mescla fatos e personagens históricos (a Com um enredo tipicamente Romântico, José de
colonização do Ceará no início do século XVII e as lutas Alencar denuncia alguns comportamentos e valores da
entre tribos indígenas locais, colonizadores portugueses e “boa sociedade” carioca, como o casamento por interesse
invasores franceses) com elementos da tradição oral e financeiro e a submissão da mulher. Aurélia, a heroína da
com seu imaginário. A simbologia do romance é obra, uma menina pobre que se envolve com Fernando
anunciada no subtítulo do livro: Lenda do Ceará. Vale Seixas (que também não tinha muitos bens), é uma das
ressaltar que Iracema é um livro escrito em prosa poética, personagens mais complexas criadas pelo autor. No
ou seja, um texto em prosa, com sonoridade e ritmo de romance, Aurélia conduz a história, ora atraindo o leitor
poesia. parra o seu lado, ora instigando neste uma reprovação
para suas ações. Disputa com Iracema o título de melhor
I romance de Alencar.
Verdes mares bravios de minha terra natal, onde
canta a jandaia nas frondes da carnaúba; Primeira Parte - O Preço
Verdes mares, que brilhais como líquida I
esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as Há anos raiou no céu fluminense uma nova estrela.
alvas praias ensombradas de coqueiros; Desde o momento de sua ascensão ninguém lhe
disputou o cetro; foi proclamada a rainha dos salões.
CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 17
Tornou-se a deusa dos bailes; a musa dos poetas e conhecida pelo apelido de Til, é a típica heroína
o ídolo dos noivos em disponibilidade. romântica de alma bondosa, aquela que se sacrifica em
Era rica e formosa. prol de todos. A partir da reafirmação regional, José de
Duas opulências, que se realçam como a flor em Alencar constrói uma narrativa baseada no amor e no
vaso de alabastro; dois esplendores que se refletem, como heroísmo alinhada ao seu projeto de busca por uma
o raio de sol no prisma do diamante. identidade nacional.
Quem não se recorda da Aurélia Camargo, que
atravessou o firmamento da Corte como brilhante I - Capanga
meteoro, e apagou-se de repente no meio do Eram dois, ele e ela, ambos na flor da beleza e da
deslumbramento que produzira o seu fulgor? mocidade.
Tinha ela dezoito anos quando apareceu a O viço da saúde rebentava-lhes no encarnado das
primeira vez na sociedade. Não a conheciam; e logo faces, mais aveludadas que a açucena escarlate recém-
buscaram todos com avidez informações acerca da aberta ali com os orvalhos da noite. No fresco sorriso dos
grande novidade do dia. lábios, como nos olhos límpidos e brilhantes, brotava-
(...) lhes a seiva d’alma.
Assaltada por uma turba de pretendentes que a Ela, pequena, esbelta, ligeira, buliçosa, saltitava
disputavam como o prêmio da vitória, Aurélia, com sobre a relva, gárrula e cintilante do prazer de pular e
sagacidade admirável em sua idade, avaliou da situação correr; saciando-se na delícia inefável de se difundir pela
difícil em que se achava, e dos perigos que a ameaçavam. criação e sentir-se flor no regaço daquela natureza
Daí provinha talvez a expressão cheia de desdém luxuriante.
e um certo ar provocador, que eriçavam a sua beleza Ele, alto, ágil, de talhe robusto e bem conformado,
aliás tão correta e cinzelada para a meiga e serena calcando o chão sob o grosseiro soco da bota com a
expansão d’alma. bizarria de um príncipe que pisa as ricas alfombras,
Se o lindo semblante não se impregnasse seguia de perto a gentil companheira, que folgava pelo
constantemente, ainda nos momentos de cisma e campo, a volutear e fazendo-lhe mil negaças, como a
distração, dessa tinta de sarcasmo, ninguém veria nela a borboleta que zomba dos esforços inúteis da criança para
verdadeira fisionomia de Aurélia, e sim a máscara. Como a colher.
acreditar que a natureza houvesse traçado as linhas tão (ALENCAR, J. de. Til. p. 1)
puras e límpidas daquele perfil para quebrar-lhes a
harmonia com o riso de uma pungente ironia? XII - Idílios
Os olhos grandes e rasgados, Deus não os De Berta, que direi? Com todos brincava; a todos
aveludaria com a mais inefável ternura, se os destinasse queria bem, e sabia repartir-se de modo que dava a cada
para vibrar chispas de escárnio. um seu quinhão de agrado. Em roda ferviam os ciúmes
Para que a perfeição estatuária do talhe de sílfide, de muitos que a ansiavam só para si, e penavam-se de vê-
se em vez de arfar ao suave influxo do amor, ele devia ser la desejada e querida de tantos. Mas como um sorriso ela
agitado pelos assomos do desprezo? trocava tais zelos em extremos de dedicação, e o pleito já
(...) não era de quem mais recebesse carinho, e sim de quem
Não acompanharei Aurélia em sua efêmera mais daria em sacrifício.
passagem pelos salões da Corte, onde viu, jungido a seu O gracioso e ingênuo sorriso de seus lábios, era o
carro de triunfo, tudo que a nossa sociedade tinha de mesmo, desfolhando beijocas na face de Linda, como
mais elevado e brilhante. zombando de Afonso ou ralhando com Miguel. Não fora
Proponho-me unicamente a referir o drama íntimo o recato da educação, que ela seria muito capaz de fechar
e estranho que decidiu do destino dessa mulher singular. os olhos e à sorte lançar o beijo, como um pombinho,
(ALENCAR, J. de. Senhora. p. 2-3) para qual dos três mais ligeiros o apanhasse.
(ALENCAR, J. de. Til. p. 26)
O ROMANCE REGIONALISTA
O romance regionalista de José de Alencar buscou XXXI - Alma sóror
compreender e valorizar as diferentes características - Não, Miguel. Lá todos são felizes! Meu lugar é
étnicas, linguísticas, sociais e culturais que marcam as aqui, onde todos sofrem.
regiões do Brasil. Como não havia modelo europeu a ser E rompendo o doce enlevo que a prendia
seguido, o romance regionalista teve de explorar seus um momento antes, soluçou:
próprios caminhos, o que exigiu dos escritores pesquisa e - Adeus!...
observação da realidade. Por conta dessa atitude, os Correu então para o mísero idiota e sentando-se
romances regionalistas contribuíram de maneira muito na grama para deita-lo ao colo, ocupou-se em afaga-lo.
eficaz com a tão desejada autonomia cultural brasileira. Quando moderou o acesso e que ele pode ouvi-la,
Nesta fase, temos romances como O Gaúcho (1870), Til falou-lhe com profunda comoção:
(1872) e O Sertanejo (1875). - Eu sou Til!... Til só!...
Compreendeu Brás a significação destas palavras,
e adivinhou quanta sublime abnegação exprimiam elas?
LEITURA Nesse instante Miguel voltou-se além, na extrema
TIL (1872) do caminho onde ia sumir-se, e a brisa trouxe um eco de
Neste livro, José de Alencar registra o cotidiano de sua voz:
uma fazenda do interior paulista, no século XIX. Berta, - Adeus, Inhá!...
CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 18
Os lábios de Berta murmuraram frouxamente: razões principais e finais, e todos esses trejeitos judiciais
- Para sempre! que se chamava o processo.
(ALENCAR, J. de. Til. p. 150) Daí sua influência moral.
(...)
MANUEL ANTÔNIO DE ALMEIDA (1831 – 1861) Mas voltemos à esquina. Quem passasse por aí em
Considerado uma voz de exceção em nosso qualquer dia útil dessa abençoada época veria sentado
Romantismo, pela originalidade de sua obra, Manuel em assentos baixos, então usados, de couro, e que se
Antônio de Almeida não se interessava em sucesso, nem denominavam-cadeiras de campanha-um grupo mais ou
na moda literária. Por isso, descreveu, em tom direito e menos numeroso dessa nobre gente conversando
bem-humorado e com tendências realistas, a sociedade e, pacificamente em tudo sobre que era lícito conversar: na
principalmente, as pessoas que moravam no Rio de vida dos fidalgos, nas notícias do Reino e nas astúcias
Janeiro naquela época. Sua grande produção literária, policiais do Vidigal. Entre os termos que formavam essa
Memórias de um Sargento de Milícias, fez sucesso pelo equação meirinhal pregada na esquina havia uma
humor imparcial e amoral, pelo coloquialismo e pelo quantidade constante, era o Leonardo-Pataca.
talento do autor como narrador. Chamavam assim a uma rotunda e gordíssima
personagem de cabelos brancos e carão avermelhado,
que era o decano da corporação, o mais antigo dos
meirinhos que viviam nesse tempo. A velhice tinha-o
tornado moleirão e pachorrento; com sua vagareza
atrasava o negócio das partes; não o procuravam; e por
isso jamais saía da esquina; passava ali os dias sentado
na sua cadeira, com as pernas estendidas e o queixo
apoiado sobre uma grossa bengala, que depois dos
cinqüenta era a sua infalível companhia. Do hábito que
tinha de queixar-se a todo o instante de que só pagassem
por sua citação a módica quantia de 320 réis, lhe viera o
apelido que juntavam ao seu nome.
Sua história tem pouca coisa de notável. Fora
Leonardo algibebe em Lisboa, sua pátria; aborrecera-se
porém do negócio, e viera ao Brasil. Aqui chegando, não
se sabe por proteção de quem, alcançou o emprego de
Manuel Antônio de Almeida. Fonte:
https://id.m.wikipedia.org/wiki/Berkas:Manuel_Antonio_de_Almeida.jpg que o vemos empossado, e que exercia, como dissemos,
desde tempos remotos. Mas viera com ele no mesmo
navio, não sei fazer o quê, uma certa Maria da hortaliça,
LEITURA
quitandeira das praças de Lisboa, saloia rechonchuda e
MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS (1854-55)
bonitota. O Leonardo, fazendo-se-lhe justiça, não era
Ao contrário do que acontece nos demais romances
nesse tempo de sua mocidade mal apessoado, e sobretudo
urbanos, que retratam o cotidiano da aristocracia, em
era maganão. Ao sair do Tejo, estando a Maria encostada
Memórias de um Sargento de Milícias, ganham espaço
à borda do navio, o Leonardo fingiu que passava
figuras comuns da sociedade: o protagonista não é um
distraído por junto dela, e com o ferrado sapatão
herói, tampouco vilão, ele é um anti-herói simpático (suas
assentou-lhe uma valente pisadela no pé direito. A Maria,
virtudes compensam os seus pecados, rompe a tensão bem
como se já esperasse por aquilo, sorriu-se como
versus mal, herói versus vilão, típica do Romantismo). Na
envergonhada do gracejo, e deu-lhe também em ar de
obra, não há idealização da mulher, da natureza, ou do
disfarce um tremendo beliscão nas costas da mão
amor e a linguagem se dá em tom humorístico, de forma
esquerda. Era isto uma declaração em forma, segundo os
direta e coloquial.
usos da terra: levaram o resto do dia de namoro cerrado;
ao anoitecer passou-se a mesma cena de pisadela e
I – Origem, Nascimento e Batizado. Era no tempo do rei.
beliscão, com a diferença de serem desta vez um pouco
Uma das quatro esquinas que formam as ruas do
mais fortes; e no dia seguinte estavam os dois amantes
Ouvidor e da Quitanda, cortando-se mutuamente,
tão extremosos e familiares, que pareciam sê-lo de muitos
chamava-se nesse tempo O canto dos meirinhos-; e bem
anos.
lhe assentava o nome, porque era aí o lugar de encontro (ALMEIDA, M. Antônio de. Memórias de um Sargento de Milícias. p. 2-
favorito de todos os indivíduos dessa classe (que gozava 3)
então de não pequena consideração). Os meirinhos de
hoje não são mais do que a sombra caricata dos
meirinhos do tempo do rei; esses eram gente temível e TAREFA MÍNIMA
temida, respeitável e respeitada; formavam um dos
extremos da formidável cadeia judiciária que envolvia
01. (FUVEST) Tomadas em conjunto, as obras de Gonçalves Dias,
todo o Rio de Janeiro no tempo em que a demanda era
Álvares de Azevedo e Castro Alves demonstram que, no Brasil, a
entre nós um elemento de vida: o extremo oposto eram os
poesia romântica:
desembargadores. Ora, os extremos se tocam, e estes,
tocando-se, fechavam o círculo dentro do qual se
passavam os terríveis combates das citações, provarás,
CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 19
a) Pouco deveu às literaturas estrangeiras, consolidando de forma 04. (UNESP, 2016) Outro traço importante da poesia de Álvares de
homogênea a inclinação sentimental e o anseio nacionalista dos Azevedo é o gosto pelo prosaísmo e o humor, que formam a vertente
escritores da época. para nós mais moderna do Romantismo. A sua obra é a mais variada
b) Repercutiu, com efeitos locais, diferentes valores e tonalidades da e complexa no quadro da nossa poesia romântica; mas a imagem
literatura europeia: a dignidide do homem natural, a exacerbação das tradicional de poeta sofredor e desesperado atrapalhou a
paixões e a crença em lutas libertárias. reconhecer a importância de sua veia humorística.
c) Constituiu um painel de estilos diversificados, cada um dos poetas (Antonio Candido. “Prefácio”. In: Álvares de Azevedo. Melhores
criando livremente sua linguagem, mas preocupados todos com a poemas, 2003. Adaptado.)
afirmação dos ideais abolicionistas e republicanos.
d) Refletiu as tendências ao intimismo e à morbidez de alguns poetas A veia humorística ressaltada pelo crítico Antonio Candido na poesia
europeus, evitando ocupar-se com temas sociais e históricos, tidos de Álvares de Azevedo está bem exemplificada em:
como prosaicos. a) Cavaleiro das armas escuras,
e) Cultuou sobretudo o satanismo, inspirado no poeta inglês Byron, Onde vais pelas trevas impuras
e a memória nostálgica das civilizações da Antiguidade clássica, Com a espada sanguenta na mão?
representadas por suas ruínas. Por que brilham teus olhos ardentes
E gemidos nos lábios frementes
Texto para as questões 2 e 3 Vertem fogo do teu coração?
Nasceu o dia e expirou. b) Ontem tinha chovido...
Já brilha na cabana de Araquém o fogo, companheiro da noite. Que desgraça!
Correm lentas e silenciosas no azul do céu, as estrelas, filhas da lua, Eu ia a trote inglês ardendo em chama,
que esperam a volta da mãe ausente. Mas lá vai senão quando uma carroça
Martim se embala docemente; e como a alva rede que vai e vem, sua Minhas roupas tafuis encheu de lama...
vontade oscila de um a outro pensamento. Lá o espera a virgem c) Pálida, à luz da lâmpada sombria,
loura dos castos afetos; aqui lhe sorri a virgem morena dos ardentes Sobre o leito de flores reclinada,
amores. Como a lua por noite embalsamada,
Iracema recosta-se langue ao punho da rede; seus olhos negros e Entre as nuvens do amor ela dormia!
fúlgidos, ternos olhos de sabiá, buscam o estrangeiro, e lhe entram d) Se eu morresse amanhã, viria ao menos
n’alma. O cristão sorri; a virgem palpita; como o saí, fascinado pela Fechar meus olhos minha triste irmã;
serpente, vai declinando o lascivo talhe, que se debruça enfim sobre Minha mãe de saudades morreria
o peito do guerreiro. Se eu morresse amanhã!
(ALENCAR, J. de. Iracema. p. 29) e) Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
02. (FUVEST, 2017) Atente para as seguintes afirmações, extraídas
Não derramem por mim nem uma lágrima
e adaptadas de um estudo do crítico Augusto Meyer sobre José de
Em pálpebra demente.
Alencar:
I. “Nesta obra, assim como nos ‘poemas americanos’ dos nossos
poetas, palpita um sentimento sincero de distância poética e TAREFA COMPLEMENTAR
exotismo, de coisa notável por estranha para nós, embora a
rotulemos como nativa.”
05. (FUVEST, 2013) XX – O samba
II. “Mais do que diante de um relato, estamos diante de um poema,
À direita do terreiro, adumbra-se na escuridão um maciço
cujo conteúdo se concentra a cada passo na magia do ritmo e na
de construções, ao qual às vezes recortam no azul do céu os
graça da imagem.”
trêmulos vislumbres das labaredas fustigadas pelo vento.
III. “O tema do bom selvagem foi, neste caso, aproveitado para um
(...)
romance histórico, que reproduz o enredo típico das narrativas de
É aí o quartel ou quadrado da fazenda, nome que tem um
capa e espada, oriundas da novela de cavalaria.”
grande pátio cercado de senzalas, às vezes com alpendrada corrida
em volta, e um ou dois portões que o fecham como praça d’armas.
É compatível com o trecho de Iracema aqui reproduzido, considerado
Em torno da fogueira, já esbarrondada pelo chão, que ela
no contexto dessa obra, o que se afirma em
cobriu de brasido e cinzas, dançam os pretos o samba com um
a) I, apenas.
frenesi que toca o delírio. Não se descreve, nem se imagina esse
b) III, apenas.
desesperado saracoteio, no qual todo o corpo estremece, pula,
c) I e II, apenas.
sacode, gira, bamboleia, como se quisesse desgrudar-se.
d) II e III, apenas.
Tudo salta, até os crioulinhos que esperneiam no cangote
e) I, II e III.
das mães, ou se enrolam nas saias das raparigas. Os mais taludos
viram cambalhotas e pincham à guisa de sapos em roda do terreiro.
03. (FUVEST, 2017) No texto, corresponde a uma das convenções
Um desses corta jaca no espinhaço do pai, negro fornido, que não
com que o Indianismo construía suas representações do indígena:
sabendo mais como desconjuntar-se, atirou consigo ao chão e
a) O emprego de sugestões de cunho mitológico compatíveis com o
começou de rabanar como um peixe em seco. (...)
contexto. (ALENCAR, J. de. Til. p. 116-117)
b) A caracterização da mulher como um ser dócil e desprovido de
vontade própria. Considerada no contexto histórico a que se refere Til, a desenvoltura
c) A ênfase na efemeridade da vida humana sob os trópicos. com que os escravos, no excerto, se entregam à dança é
d) O uso de vocabulário primitivo e singelo, de extração oral-popular. representativa do fato de que
e) A supressão de interdições morais relativas às práticas eróticas.
CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 20
a) A escravidão, no Brasil, tal como ocorreu na América do Norte e 06. (VUNESP, 2013) Do segundo ao último verso da primeira estrofe
no Caribe, foi branda. do poema, revelam-se características marcantes do Romantismo:
b) Se permitia a eles, em ocasiões especiais e sob vigilância, que a) Conteúdos e desenvolvimentos bucólicos.
festejassem a seu modo. b) Subjetivismo e imaginação criadora.
c) Teve início nas fazendas de café o sincretismo das culturas negra c) Submissão do discurso poético à musicalidade pura.
e branca, que viria a caracterizar a cultura brasileira. d) Observação e descrição meticulosa da realidade.
d) O narrador entendia que o samba de terreiro era, em realidade, e) Concepção determinista e mecanicista da natureza.
um ritual umbandista disfarçado.
e) Foi a generalização, entre eles, do alcoolismo, que tornou 07. (ENEM, 2015) Quem não se recorda de Aurélia Camargo, que
antieconômica a exploração da mão de obra escrava nos cafezais atravessou o firmamento da corte como brilhante meteoro, e
paulistas. apagou-se de repente no meio do deslumbramento que produzira
seu fulgor? Tinha ela dezoito anos quando apareceu a primeira vez
A questão número 6 toma por base um fragmento de Glória na sociedade. Não a conheciam; e logo buscaram todos com avidez
moribunda, do poeta romântico brasileiro, Álvares de Azevedo (1831 informações acerca da grande novidade do dia. Dizia-se muita coisa
– 1852) que não repetirei agora, pois a seu tempo saberemos a verdade, sem
os comentos malévolos de que usam vesti-la os noveleiros. Aurélia
É uma visão medonha uma caveira? era órfã; tinha em sua companhia uma velha parenta, viúva, D.
Não tremas de pavor, ergue-a do lodo. Firmina Mascarenhas, que sempre a acompanhava na sociedade.
Foi a cabeça ardente de um poeta, Mas essa parenta não passava de mãe de encomenda, para
Outrora à sombra dos cabelos loiros. condescender com os escrúpulos da sociedade brasileira, que
Quando o reflexo do viver fogoso naquele tempo não tinha admitido ainda certa emancipação feminina.
Ali dentro animava o pensamento, Guardando com a viúva as deferências devidas à idade, a moça não
Esta fronte era bela. declinava um instante do firme propósito de governar sua casa e
Aqui nas faces Formosa palidez cobria o rosto; dirigir suas ações como entendesse. Constava também que Aurélia
Nessas órbitas — ocas, denegridas! — tinha um tutor; mas essa entidade era desconhecida, a julgar pelo
Como era puro seu olhar sombrio! caráter da pupila, não devia exercer maior influência em sua vontade,
do que a velha parenta.
Agora tudo é cinza. Resta apenas (ALENCAR, J. Senhora. São Paulo: Ática, 2006)
A caveira que a alma em si guardava, O romance Senhora, de José de Alencar, foi publicado em 1875. No
Como a concha no mar encerra a pérola, fragmento transcrito, a presença de D. Firmina Mascarenhas como
Como a caçoula a mirra incandescente. “parenta” de Aurélia Camargo assimila práticas e convenções sociais
inseridas no contexto do Romantismo, pois
Tu outrora talvez desses-lhe um beijo; a) o trabalho ficcional do narrador desvaloriza a mulher ao retratar
Por que repugnas levantá-la agora? a condição feminina na sociedade brasileira da época.
Olha-a comigo! Que espaçosa fronte! b) o trabalho ficcional do narrador mascara os hábitos sociais no
Quanta vida ali dentro fermentava, enredo de seu romance.
Como a seiva nos ramos do arvoredo! c) as características da sociedade em que Aurélia vivia são
E a sede em fogo das ideias vivas remodeladas na imaginação do narrador romântico.
Onde está? onde foi? d) o narrador evidencia o cerceamento sexista à autoridade da
Essa alma errante mulher, financeiramente independente.
Que um dia no viver passou cantando, e) o narrador incorporou em sua ficção hábitos muito avançados
Como canta na treva um vagabundo, para a sociedade daquele período histórico.
Perdeu-se acaso no sombrio vento,
Como noturna lâmpada apagou-se? 08. (UFPEL-RS, 2005) Os textos a seguir servirão de base as
E a centelha da vida, o eletrismo questões A e B.
Que as fibras tremulantes agitava
Morreu para animar futuras vidas? I.Abaixo aparecem as duas primeiras estrofes de “Canção do Exílio”
(1843), de Gonçalves Dias.
Sorris? eu sou um louco. As utopias, Minha terra tem palmeiras,
Os sonhos da ciência nada valem. Onde canta o Sabiá;
A vida é um escárnio sem sentido, As aves que aqui gorjeiam,
Comédia infame que ensanguenta o lodo. Não gorjeiam como lá.
Há talvez um segredo que ela esconde;
Mas esse a morte o sabe e o não revela. Nosso céu tem mais estrelas,
Os túmulos são mudos como o vácuo. Nossas várzeas têm mais flores,
Desde a primeira dor sobre um cadáver, Nossas flores têm mais vida,
Quando a primeira mãe entre soluços Nossa vida mais amores.
Do filho morto os membros apertava (DIAS, Gonçalves. Obras poéticas de Antônio Gonçalves Dias. São Paulo,1944.)
Ao ofegante seio, o peito humano
Caiu tremendo interrogando o túmulo... II. Observe atentamente os quadrinhos a seguir.
E a terra sepulcral não respondia.
(AZEVEDO, Á. de. Poemas Malditos. p. 50-51)

CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 21


III. Gonçalves Dias inspirou-se na necessidade de se criar um
passado mítico embasado na visão romântica da história brasileira,
que buscava, à época, reforçar a independência política do país.
IV. O Romantismo – caracterizado também pelo desejo de expressar
a subjetividade – foi o primeiro movimento literário significativo
brasileiro, tendo surgido em Minas Gerais, no período de maior
extração aurífera.

Apenas é correto o que se afirma em:


a) I e II.
b) II e IV.
c) III e IV.
d) I e III.
e) II e III.

09. (ITA, 2017) Na ficção romântica, em geral, o destino das


personagens femininas é a felicidade pelo casamento ou a morte
trágica. Nesse aspecto, Til, de José de Alencar, traz um final inovador,
resultante do amadurecimento de Berta após conhecer a história de
Besita, sua mãe. Podemos afirmar isso acerca do romance em
questão, pois Berta:
a) Recusa-se a se casar com Miguel quando descobre ser filha
A. Comparando o fragmento da “Canção do Exílio” com os incógnita de Luís Galvão.
quadrinhos, e utilizando também seus conhecimentos, assinale a b) Abre mão do casamento, ainda que com algum sofrimento,
alternativa correta: optando por cuidar de Zana e Brás.
a) A idealização da terra natal é a mesma nos dois textos, ocorrendo c) Aceita ser reconhecida legalmente como filha por Luís Galvão,
neles a exaltação da paisagem da região, que se refere mostrando-se mais flexível que a mãe.
especificamente às várzeas altas, sempre inundadas de igapós, d) Enfrenta o assédio de Jão Fera, que violentou Besita.
formadas por árvores de grande porte. e) Assassina Ribeiro, como vingança pela morte da mãe.
b) Tanto o texto de Gonçalves Dias quanto os quadrinhos ilustram a
importante característica romântica de preocupação ecológica com a 10. (UNICAMP, 2015) Um elemento importante nos anos de 1820 e
preservação das matas e das aves nativas, fazendo alusão a uma 1830 foi o desejo de autonomia literária, tornado mais vivo depois
área de transição entre o Sertão e a Amazônia onde se destacam o da Independência. (…) O Romantismo apareceu aos poucos como
extrativismo vegetal da carnaúba e do babaçu. caminho favorável à expressão própria da nação recém-fundada,
c) Os textos estabelecem, respectivamente, as seguintes pois fornecia concepções e modelos que permitiam afirmar o
correspondências: poeta/sabiá, terra natal/palmeira – vegetal que particularismo, e portanto a identidade, em oposição à Metrópole
remete ao Sertão Nordestino, com seus pés de oiticica e ceridó –; (…).
eu-lírico/sabiá, palmeira/desmatamento predatório – apesar dos (CANDIDO, A. O Romantismo no Brasil. São Paulo: Humanitas, 2004, p. 19.)
avanços na política ambiental.
d) Enquanto, na poesia, a vertente ufanista do nacionalismo Tendo em vista o movimento literário mencionado no trecho acima,
romântico se expressa através da exaltação da paisagem brasileira, e seu alcance na história do período, é correto afirmar que:
nos quadrinhos, essa vertente se intensifica ao revelar a realidade a) O nacionalismo foi impulsionado na literatura com a vinda da
cruel do desmatamento e da exploração desmedida da natureza do família real, em 1808, quando houve a introdução da imprensa no
país, com os loteamentos ilegais ou com as instalações de garimpos. Rio de Janeiro e os primeiros livros circularam no país.
e) No texto de Gonçalves Dias, a saudade do eu-lírico também se b) O indianismo ocupou um lugar de destaque na afirmação das
prende ao distanciamento espacial, enquanto nos quadrinhos – que identidades locais, expressando um viés decadentista e cético quanto
mostram a paisagem modificada pela ação humana – a saudade à civilização nos trópicos.
remete principalmente a um distanciamento temporal. c) Os autores românticos foram importantes no período por
produzirem uma literatura que expressava aspectos da natureza, da
B. Com base na leitura do fragmento da “Canção do Exílio” e em seus história e das sociedades locais.
conhecimentos, analise as afirmativas. d) A população nativa foi considerada a mais original dentro do
I. O Romantismo brasileiro – cujo apogeu transformou o Rio de Romantismo e, graças à atuação dos literatos, os indígenas
Janeiro no centro artístico-cultural do país – preocupava-se passaram a ter direitos políticos que eram vetados aos negros.
fundamentalmente com os problemas contemporâneos de então,
sendo marcado por forte análise da sociedade a partir de grupos
marginalizados.
TAREFA DISSERTATIVA
II. A obra de Gonçalves Dias visa reforçar os laços que uniam os
brasileiros e criar uma identidade nacional no recém independente 11. (FUVEST, 2012) Leia o excerto de Memórias de um sargento de
país, mostrando a relação entre o momento histórico de afirmação milícias, de Manuel Antônio de Almeida, para responder ao que se
da nacionalidade e o Romantismo. pede.

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Caldo Entornado
A comadre, tendo deixado o major entregue à sua
vergonha, dirigira-se imediatamente para a casa onde se achava
Leonardo para felicitá-lo e contar-lhe o desespero em que a sua fuga
tinha posto o Vidigal. (...) A comadre, segundo seu costume,
aproveitou o ensejo, e depois que se aborreceu de falar no major
desenrolou um sermão ao Leonardo, (…). O tema do sermão foi a
necessidade de buscar o Leonardo uma ocupação, de abandonar a
vida que levava, gostosa sim, porém sujeita a emergências tais como
a que acabava de dar-se. A sanção de todas as leis que a pregadora
impunha ao seu ouvinte eram as garras do Vidigal.

Você concorda com as afirmações que seguem? Justifique suas


respostas.
a) Vê-se, no excerto, que a comadre procura incutir em Leonardo
princípios morais destinados a corrigir o comportamento do afilhado.
b) No sermão que prega a Leonardo, a comadre manifesta a
convicção de que o trabalho é fator decisivo na formação da
personalidade de um jovem.

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LIT 08
A Prosa
Realista e
Naturalista

CONTEXTO HISTÓRICO
A escola do Realismo tem como marco inicial nas artes a exposição Pavilhão do Realismo, organizada em 1855 pelo
pintor francês Gustave Courbet (1819-1877) para expor 40 de suas obras polêmicas. A mostra foi organizada nas redondezas
da Exposição Universal de Paris, que havia recusado as obras do pintor. O incidente difundiu o nome da nova escola que
surgia.

Gustave Courbet. Homem Desesperado [Auto-retrato]. 1843-1845. Óleo sobre tela, 45cm x 54cm. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Gustave_Courbet.

Enquanto as pinturas da época eram marcadas pela idealização e pelo sentimentalismo, características da escola
romântica, as inovadoras obras de Courbet eram cruas e objetivas, abordando temas do cotidiano, como o trabalho braçal,
mas sem retratá-los como algo heroico ou sublime.
A entrada da literatura no Realismo se deu, segundo os críticos, em 1856, com a publicação parcial de Madame
Bovary, do escritor francês Gustave Flaubert (1821-1880). O livro, que narra os casos amorosos de uma mulher casada,
assume uma postura crítica ao denunciar o sucesso dos gananciosos e dos hipócritas na sociedade da época. Na forma,
distancia-se do ideal romântico, pois se propõe a construir uma representação objetiva da realidade com base em observação
e análise minuciosas. Assim, a escola realista tem a proposta de se aproximar da ciência, adotando, principalmente,
procedimentos associados à anatomia: dissecação do caráter e dos comportamentos das personagens.
A relação entre a ciência e a literatura fica ainda mais forte com outro escritor francês, Émile Zola (1840-1902),
influenciado pelas correntes de pensamento materialistas da segunda metade do século XIX. Sua obra busca atingir um
conhecimento – científico – a respeito do homem e de suas ações e funda, assim, uma corrente do Realismo que ganha o
nome de Naturalismo.

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Grande parte da literatura realista é voltada para a média. Tal classe tornou-se aliada da burguesia e
sociedade e os homens de seu tempo. Por isso, é muito desenvolveu uma mentalidade em parte conservadora.
mais fácil compreender o que é e como se deu o É na sociedade burguesa em desenvolvimento,
surgimento do Realismo se o estudarmos no contexto com suas novas classes sociais e o dinheiro como mola
político e social no qual despontou e se desenvolveu. Para propulsora, revirando e questionando os valores e
isso, voltemos a 1789, ano da Revolução Francesa. Com conceitos herdados do passado em todos os terrenos, que
esse movimento revolucionário, o Antigo Regime é surgem os autores do Realismo, retratando os dilemas da
derrubado e começa a constituição do Estado burguês na época e explorando as novas relações sociais.
França, cujas instituições, nas décadas seguintes, serão O método empregado pelo Realismo para abordar
modelo para outras nações da Europa. Com isso, começa seus temas sofre influência direta de correntes de
a expansão do sistema capitalista, cuja base principal é, pensamento daquele período. Enquanto o Romantismo
nesse primeiro momento, a produção fabril com fundava seu método de representação na focalização
trabalhadores assalariados. subjetiva, colocando os fatos em segundo plano ante a
Na segunda metade do século XIX, a Revolução emoção, o Realismo buscava estudar o assunto antes de
Industrial entra em uma nova fase, com a utilização do retratá-lo, observando-o minuciosamente e procurando
aço, do petróleo e da eletricidade. Há um enorme avanço construir uma imagem fiel da realidade, sem
científico em curto espaço de tempo. O capitalismo passa interferências das opiniões pessoais do autor. Para isso,
a atuar em moldes que se modernizam, surgem grandes recorria a métodos em desenvolvimento naquele tempo
complexos industriais e cresce a exportação de pela ciência.
mercadorias. Ao mesmo tempo, forma-se uma numerosa Muitas linhas de pensamento científico
classe operária – uma população brutalizada, com apareceram nesse período e marcaram o Realismo. Do
condições degradantes de trabalho e de vida. Deste modo, Materialismo oitocentista, a Literatura realista extraiu o
havia um grande progresso material, mas a mão de obra tratar dos acontecimentos humanos e sociais como
responsável por ele ficava à margem dos benefícios que manifestações de leis da natureza. A biologia teve um
gerava, causando um contraste gritante entre a opulência papel de extrema importância nesse caso, com as teses
da vida da burguesia ascendente e a miséria dos revolucionárias de Charles Darwin (1809-1882), que
trabalhadores braçais. defendiam a evolução das espécies como fruto de um
Para Eça de Queiroz - um dos principais autores do processo de seleção natural. Esse pensamento expandiu-
realismo português – o Realismo vinha como reação se para outras áreas – de forma muitas vezes mecânica –,
contrária ao Romantismo, movimento artístico anterior. como a dos estudos dos fenômenos psicológicos e sociais
Enquanto românticos exaltam os sentimentos humanos, o do Darwinismo social de Herbert Spencer (1820-1903).
realistas analisam e anatomia do caráter humano. Para ele, em campos como a arte, a indústria, o comércio,
a linguagem, assim como na biologia, havia a mesma
evolução: todos eram pautados pelo contínuo progresso.

Honoré-Victorien Daumier. Carruagem de terceira classe. 1863-1865.


Óleo sobre tela, 65,4cm x 90,2cm. Galeria Nacional do Canadá. Fonte:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Honor%C3%A9_Daumier_034.
jpg

Foi nesse contexto que surgiu o socialismo O positivista Augusto Comte (1798-1857). Fonte:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Auguste_Comte.jpg
científico de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels
(1820-1895), que defendia uma revolução social, liderada A ideia de progresso também aparece no
pela classe operária, para extinguir a propriedade privada Positivismo de Augusto Comte (1798-1857), que acredita
dos meios de produção e o Estado burguês que a que o objetivo da ciência é descobrir leis gerais que
sustentava. Essas ideias influenciavam o movimento regulem os fenômenos, para que seja possível dominá-los.
operário que crescia, assim como o anarquismo de Assim, coloca a ciência como a forma de conhecimento
Proudhon (1809-1865) e Bakunin (1814-1876), que humano mais importante, que encaminharia a sociedade
propunha a dissolução imediata do Estado. para o desenvolvimento.
Do ponto de vista econômico, com a expansão do Em oposição a essas ideologias otimistas que se
capitalismo industrial e financeiro, que demandou um apoiavam na ideia do progresso civilizatório,
volumoso contingente de técnicos e administradores da desenvolveu-se também a corrente pessimista do alemão
produção industrial, ganhou corpo também a classe
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Schopenhauer (1788-1860). Para ele, a força maior é a Com o Romantismo, os escritores começaram a se
vontade, que controla homens e fenômenos. Sendo a preocupar em retratar o seu tempo e o seu país, mas não
vontade um estado ininterrupto, a vida equivale à dor, já souberam construir uma linguagem que acompanhasse
que estamos destinados a sempre estar sofrendo pela essa mudança, mantendo-a demasiadamente solene.
ausência de algo que desejamos. Para ele, portanto, viver
é sofrer. Seu pensamento influenciou bastante a literatura
realista, como podemos perceber na prosa de Machado de
Assis. Como exemplo, lembremos da frase final do
protagonista de Memórias Póstumas de Brás Cubas:
“Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o
legado de nossa miséria”.

REALISMO EM PORTUGAL
Na segunda metade do século XIX, Portugal entra
nos anos da chamada Regeneração, quando, depois de
passar por um longo período de graves crises – políticas,
sociais e econômicas –, vive um período de
desenvolvimento e relativa estabilidade.
A produção agrária se expande, o comércio urbano
cresce, como também a rede bancária. Aumenta a
valorização da educação, que se desenvolve no país. No
entanto, se comparado às potências europeias, Portugal
permanece um país atrasado. Eça de Queirós em 1882. Fonte:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:E%C3%A7a_de_Queir%C3%B
Em 1865, ocorre o incidente conhecido como 3s_c._1882.jpg
‘Questão Coimbrã’ – uma troca de farpas pública entre a
velha e a nova geração de escritores portugueses: Antônio
Feliciano de Castilho, grande nome da literatura "A minha ambição seria pintar a sociedade
romântica e Antero Quental, líder que desencadeou o portuguesa (...) e mostrar-lhe, como num espelho,
movimento realista em Portugal. Com tal episódio, as que triste país eles formam – eles e elas." (QUEIRÓS,
novas ideias que haviam florescido nas potências Eça. O Primo Basílio. Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ph000227.pdf
europeias chegam a Portugal, plantando as sementes do
Realismo no país.
Em 1871, o novo movimento já se encontrava mais
forte, quando foi organizado, por Antero de Quental, uma Eça de Queirós foi capaz de reinventar a prosa em
série de conferências para discutir as transformações da língua portuguesa, criando uma linguagem rápida e
sociedade portuguesa. O primeiro romance realista moderna, em sintonia com o ideal e a temática realistas.
português veio em 1875: O Crime do Padre Amaro, de Suas novidades estão em muitos campos da língua. Em
Eça de Queirós. O romance critica o atraso da vida relação ao léxico, acabou com o abismo que havia entre a
provinciana e denuncia o clero. linguagem falada e a escrita. Diminuiu seu vocabulário
Antero de Quental e Eça de Queirós, somados a para facilitar a compreensão de suas obras, ao mesmo
Guerra Junqueiro e Cesário Verde, são os quatro grandes tempo em que enriqueceu a linguagem com neologismos,
nomes do Realismo português. Neste material, veremos estrangeirismos do francês e do inglês, dando ainda novos
um dos mais importantes escritores do movimento: Eça usos para velhas palavras. Quanto à sintaxe, rompeu com
de Queirós. a tradição portuguesa de frases longas e complexas, por
influência da retórica tradicional. Seu estilo é de frases
EÇA DE QUEIRÓS (1845-1900) naturais, diretas, curtas: imitando as formas da linguagem
O foco do projeto literário de Eça de Queirós era falada.
construir uma obra que traçasse o perfil de Portugal. A crítica divide a obra de Eça de Queirós em três
Dessa forma, seus romances exploram a fundo questões fases. A primeira, da juventude, é composta por escritos
da realidade do país, expondo a burguesia por sua folhetinescos, sob a influência do Romantismo. A
hipocrisia e ociosidade, e fazendo denúncias de suas segunda é a fase do Realismo mais combatente, de
instituições, encarando o casamento como uma encenação denúncia. Contém os romances Crime do Padre Amaro
e atacando a Igreja Católica por seu falso moralismo. (1875) e O Primo Basílio (1878). A última fase já é de um
Uma das grandes contribuições que trouxe a Realismo mais brando, com uma visão menos corrosiva e
literatura de Eça de Queirós, um dos mais importantes mais humanitária dos problemas de Portugal, com uma
escritores da história de Portugal, foi a renovação da maior valorização da fantasia. Os livros A Ilustre Casa de
linguagem. Antes dele, a prosa portuguesa apresentava Ramires (1900) e A Cidade e as Serras (1901) fazem
um linguajar que, embora rico, parecia ultrapassado e parte dessa fase.
estava ainda muito ligado a padrões da Era Clássica (com
forte influência do padre Antônio Vieira, por exemplo).

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LEITURA
A CIDADE E AS SERRAS (1901)

ROUSSEAU, Theodore. Vista panorâmica da Ilha de França. Fonte: http://www.publicdomainpictures.net/view-


image.php?image=73938&picture=&jazyk=ES

Esse romance da fase mais branda de Eça de - E acumulaste civilização, Jacinto! Santo Deus...
Queirós já mostra o escritor reconciliado com Portugal, Está tremendo, o 202!
que foi duramente criticado em algumas de suas obras. Na Ele espalhou em torno um olhar onde já não
história, Jacinto, morador de Paris, rico e apaixonado pela faiscava a antiga vivacidade:
civilização, mas que começa a se entediar com sua vida -Sim, há confortos... Mas falta muito! A
repleta dos mais modernos avanços da ciência, se vê humanidade ainda está mal apetrechada, Zé Fernandes...
levado a passar uma temporada nas serras portuguesas. O E a vida conserva resistências.
campo dá novo sentido à vida da personagem, que se Subitamente, a um canto, repicou a campainha do
estabelece em Tormes e não mais volta a Paris. Eça faz telefone. E enquanto o meu amigo, curvado sobre a placa,
um elogio dos campos portugueses, afastando-se do murmurava impaciente “Está lá? – Está lá?”, examinei
Realismo mais radical e idealizando a vida campestre, curiosamente, sobre a sua imensa mesa de trabalho, uma
tornando o texto sensivelmente mais lírico em seu estranha e miúda legião de instrumentozinhos de níquel,
segundo bloco, com detalhadas descrições da natureza. A de aço, de cobre, de ferro, com gumes, com argolas, com
crítica se volta contra o artificialismo que há na tenazes, com ganchos, com dentes, expressivos todos, de
civilização urbana do final do século XIX. utilidades misteriosas. Tomei um que tentei manejar – e
No entanto, a relação com a natureza é diferente logo uma ponta malévola me picou um dedo. Nesse
daquela encontrada no mais clássico gênero bucólico, já instante rompeu de outro canto um tiquetique açodado,
que, aqui, o conhecimento não vem da contemplação da quase ansioso. Jacinto acudiu, com a face no telefone:
natureza, mas sim do contraste com a civilização – e -Vê aí o telégrafo!... Ao pé do divã. Uma tira de
agora, um homem que adquiriu uma enorme carga papel que deve estar a correr.
teórica, pode aplicá-la a um contexto campestre, -E, com efeito, duma redoma de vidro posta numa
especificamente português. coluna, e contendo um aparelho esperto e diligente,
escorria para o tapete como uma tênia, a longa tira de
II papel com caracteres impressos, que eu, homem das
Eu murmurei, nas profundidades do meu serras, apanhei, maravilhado.
assombrado ser: (QUEIRÓS, Eça de. A cidade e as serras. São Paulo : Ciranda Cultural,
-Eis a Civilização! 2015)
Jacinto empurrou uma porta, penetramos numa
nave cheia de majestade e sombra, onde reconheci a V
Biblioteca pôr tropeçar numa pilha monstruosa de livros Uma noite no meu quarto, descalçando as botas,
novos. O meu amigo roçou de leve o dedo na parede: e consultei o Grilo:
uma coroa de lumes elétricos, refulgindo entre os lavores -Jacinto anda tão murcho, tão corcunda... Que
do teto, alumiou as estantes monumentais, todas de será, Grilo?
ébano. O venerando preto declarou com uma certeza
.......................... imensa:
Ele erguera uma tapeçaria – entramos no seu -S. Exª. sofre de fartura.
gabinete de trabalho, que me inquietou. (...) Um biombo Era fartura! O meu Príncipe sentia abafadamente
de laca verde, fresco de verde de relva, resguardava a a fartura de Paris: - e na Cidade, na simbólica Cidade,
chaminé de mármore verde, verde de mar sombrio, onde fora de cuja vida culta e forte (como ele outrora gritava,
esmoreciam as brasas duma lenha aromática. E entre iluminado) o homem do século XIX nunca poderia
aqueles verdes reluzia, pôr sobre peanhas e pedestais, saborear plenamente a “delícia de viver”, ele não
toda uma Mecânica suntuosa, aparelhos, lâminas, rodas, encontrava agora forma de vida, espiritual ou social, que
tubos, engrenagens, hastes, friezas, rigidezas de metais.... o interessasse, lhe valesse o esforço duma corrida curta
.......................... numa tipóia fácil. Pobre Jacinto!

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(QUEIRÓS, Eça de. A cidade e as serras. São Paulo : Ciranda Cultural, pessimismo são as duas principais marcas de sua
2015)
literatura. Lembrando sempre que Machado de Assis é
aquele que escreve com “a pena da galhofa e a tinta da
IX
melancolia”.
-Como a inteligência aqui se liberta, hem? E como
tudo é animado duma vida forte e profunda!... dizes tu
agora, Zé Fernandes, que não há aqui pensamento... LEITURA
-Eu?! Eu não digo nada, Jacinto... MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS (1881)
-Pois é uma maneira de refletir muito estreita e
muito grosseira...
-Ora essa! Mas eu... “Ao vermo que primeiro roeu as frias carnes do
-Não, não percebes. A vida não se limita a pensar, meu cadáver dedico como saudosa lembrança
meu caro doutor... estas memórias póstumas.” (ASSIS, Machado. de.
Memórias Póstumas de Brás Cubas. São Paulo : Saraiva, 2009)
-Que não sou!
-A vida é essencialmente Vontade e Movimento: e
naquele pedaço de terra, plantado de milho, vai todo um
Machado de Assis cria, em Memórias Póstumas
mundo de impulsos, de forças que se revelam, e que
de Brás Cubas, um dos mais inusitados narradores que
atingem a sua expressão suprema, que é a Forma. Não,
podemos encontrar: trata-se de um defunto. Depois de
essa tua filosofia está ainda extremamente grosseira...
morto, Brás Cubas resolve contar sua vida, partindo de
-Irra! Mas eu não...
seu velório e voltando ao nascimento. Em sua narrativa,
-E depois, menino, que inesgotável, que
busca expor os defeitos de uma série de conhecidos, mas,
miraculosa diversidade de formas... E todas belas!
(QUEIRÓS, Eça de. A cidade e as serras. São Paulo : Ciranda Cultural,
aos poucos, por meios dos casos que conta, revela seu
2015) próprio caráter fútil e egoísta. Brás Cubas não teria nada
a perder ao revelar coisas sobre si, já que está morto. No
MACHADO DE ASSIS (1839-1908) entanto, em certos momentos, o leitor percebe que o
Machado de Assis é considerado um dos mais morto está tentando dissimular seus defeitos. Termina
importantes escritores da literatura brasileira. Soube fazendo um balanço melancólico de sua existência ao
extrair de coisas mínimas de seu tempo conclusões de final do livro.
alcance universal, deixando também uma visão da A obra é uma análise da ética e do comportamento
sociedade da época. Por isso, sua literatura permanece humano nas pequenas ações cotidianas. Como o autor
atual. Realizou uma revolução formal e conceitual, ao não defunto supostamente não tem mais preocupação com o
adotar o discurso dogmático utilizado pela grande maioria julgamento dos outros, é exposta a indiferença e o
dos escritores até então e introduzir uma literatura para desprezo de Brás Cubas diante dos outros, enquanto este
problematizar dilemas morais, instigando o leitor à não se acanha em narrar todo tipo de ação vil que
reflexão. cometeu. O grande paradoxo da obra é o fato de a
linguagem, por vezes, ser direta e clara, pela
despreocupação do morto, mas, em outros momentos,
servir de biombo para o narrador tentar ocultar questões
importantes do leitor. Inserindo diversas digressões no
meio da narrativa, chamando atenção para pontos
secundários, dando tons de humor, Brás Cubas aparece
dissimulando suas reais intenções. Sendo ele o narrador,
tem o monopólio da história que conta e pode nos
conduzir da forma como bem entender: para não se deixar
enganar é preciso compreender o foco real da cena e a
importância das sequências digressivas (como
comentários sobre o que conta ou sobre o próprio livro,
breves histórias, diálogo direto com leitor etc.) para o
Machado de Assis. Fonte: conjunto da narrativa. No final, suas confissões
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Machado-450.jpg
conformam uma implacável análise da existência
Como escritor, Machado de Assis não estava
humana.
preocupado em produzir um grande retrato da sociedade
brasileira. O que lhe interessava mais era mostrar as
Capítulo 1 - Óbito do Autor
estruturas que sustentavam a sociedade da época, que se
Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias
mostravam por meio dos reflexos deixados no mundo e
pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro
nas pessoas. Buscava retratar os indivíduos, não a
lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso
paisagem ou a multidão, e, em seu interior, expor o que
vulgar seja começar pelo nascimento, duas
há escondido e se deixa ver por pequenos detalhes,
considerações me levaram a adotar diferente método: a
pormenores reveladores de aspectos profundos da
primeira é que eu não sou propriamente um autor
psicologia das personagens. O humor irônico e afiado era
defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi
a grande ferramenta do escritor. No entanto, o que
outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais
aparentemente provocava apenas riso, era acompanhado
galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua
de um pessimismo profundo e melancólico. Humor e
CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 28
morte, não a pôs no intróito, mas no cabo; diferença Morri de uma pneumonia; mas se lhe disser que
radical entre este livro e o Pentateuco. foi menos a pneumonia, do que uma idéia grandiosa e
Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma útil, a causa da minha morte, é possível que o leitor me
sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela não creia, e todavia é verdade. Vou expor-lhe
chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, sumariamente o caso. Julgue-o por si mesmo.
rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos (ASSIS, Machado. de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. São Paulo :
Saraiva, 2009)
contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos.
Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem
Capítulo 27 - Virgília?
anúncios. Acresce que chovia — peneirava — uma
Virgília? Mas então era a mesma senhora que
chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e tão
alguns anos depois...? A mesma; era justamente a
triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a
senhora, que em 1869 devia assistir aos meus últimos
intercalar esta engenhosa idéia no discurso que proferiu
dias, e que antes, muito antes, teve larga parte nas minhas
à beira de minha cova: — “Vós, que o conhecestes, meus
mais íntimas sensações. Naquele tempo contava apenas
senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece
uns quinze ou dezesseis anos; e era talvez a mais atrevida
estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos
criatura da nossa raça, e, com certeza, a mais
caracteres que tem honrado a humanidade. Este ar
voluntariosa. Não digo que já lhe coubesse a primazia da
sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que
beleza, entre as mocinhas do tempo, porque isto não é
cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor
romance, em que o autor sobredoura a realidade e fecha
crua e má que lhe rói à natureza as mais íntimas
os olhos às sardas e espinhas; mas também não digo que
entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre
lhe maculasse o rosto nenhuma sarda ou espinha, não.
finado.”
Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia
Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das
daquele feitiço, precário e eterno, que o indivíduo passa
vinte apólices que lhe deixei. E foi assim que cheguei à
a outro indivíduo, para os fins secretos da criação. Era
cláusula dos meus dias; foi assim que me encaminhei
isto Virgília, e era clara, muito clara, faceira, ignorante,
para o undiscovered country de Hamlet, sem as ânsias
pueril, cheia de uns ímpetos misteriosos; muita preguiça
nem as dúvidas do moço príncipe, mas pausado e
e alguma devoção, — devoção, ou talvez medo; creio que
trôpego, como quem se retira tarde do espetáculo. Tarde
medo.
e aborrecido. Viram-me ir umas nove ou dez pessoas,
Aí tem o leitor, em poucas linhas, o retrato físico e
entre elas três senhoras, minha irmã Sabina, casada com
moral da pessoa que devia influir mais tarde na minha
o Cotrim, — a filha, um lírio-do-vale, — e... Tenham
vida; era aquilo com dezesseis anos. Tu que me lês, se
paciência! daqui a pouco lhes direi quem era a terceira
ainda fores viva, quando estas páginas vierem à luz, — tu
senhora. Contentem-se de saber que essa anônima, ainda
que me lês, Virgília amada, não reparas na diferença
que não parenta, padeceu mais do que as parentas. É
entre a linguagem de hoje e a que primeiro empreguei
verdade, padeceu mais. Não digo que se carpisse, não
quando te vi? Crê que era tão sincero então como agora;
digo que se deixasse rolar pelo chão, convulsa. Nem o
a morte não me tornou rabugento, nem injusto.
meu óbito era coisa altamente dramática... Um solteirão
— Mas, dirás tu, como é que podes assim
que expira aos sessenta e quatro anos, não parece que
discernir a verdade daquele tempo, e exprimi-la depois
reúna em si todos os elementos de uma tragédia. E dado
de tantos anos?
que sim, o que menos convinha a essa anônima era
Ah! indiscreta! ah! ignorantona! Mas é isso
aparentá-lo. De pé, à cabeceira da cama, com os olhos
mesmo que nos faz senhores da terra, é esse poder de
estúpidos, a boca entreaberta, a triste senhora mal podia
restaurar o passado, para tocar a instabilidade das
crer na minha extinção.
nossas impressões e a vaidade dos nossos afetos. Deixa
— Morto! morto! dizia consigo.
lá dizer Pascal que o homem é um caniço pensante. Não;
E a imaginação dela, como as cegonhas que um
é uma errata pensante, isso sim. Cada estação da vida é
ilustre viajante viu desferirem o vôo desde o Ilisso às
uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida
ribas africanas, sem embargo das ruínas e dos tempos, —
também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça
a imaginação dessa senhora também voou por sobre os
aos vermes.
destroços presentes até às ribas de uma África juvenil... (ASSIS, Machado. de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. São Paulo :
Deixá-la ir; lá iremos mais tarde; lá iremos quando eu Saraiva, 2009)
me restituir aos primeiros anos. Agora, quero morrer
tranqüilamente, metodicamente, ouvindo os soluços das LEITURA
damas, as falas baixas dos homens, a chuva que DOM CASMURRO (1889)
tamborila nas folhas de tinhorão da chácara, e o som Dom Casmurro apresenta Bento dAlbuquerque
estrídulo de uma navalha que um amolador está afiando Santiago que, no final da vida, homem solitário e fechado,
lá fora, à porta de um correeiro. Juro-lhes que essa decide escrever sua autobiografia, narrando tudo o que lhe
orquestra da morte foi muito menos triste do que podia aconteceu, com foco em sua relação com Capitu, com
parecer. De certo ponto em diante chegou a ser deliciosa. quem foi casado, e com seu melhor amigo, Escobar, com
A vida estrebuchava-me no peito, com uns ímpetos de quem rompeu os laços definitivamente, por suspeitar de
vaga marinha, esvaía-se-me a consciência, eu descia à uma traição com sua esposa. O intuito do narrador é
imobilidade física e moral, e o corpo fazia-se-me planta, convencer, a si mesmo e aos leitores, que tinha razão
e pedra, e lodo, e coisa nenhuma. quanto às suas desconfianças de traição, e que agiu
corretamente ao afastar a mulher e renegar o filho.
CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 29
Quem comanda a narrativa é Bento. Dessa forma, conhecidas. A demora da contemplação creio que lhe deu
tudo o que é permitido ao leitor é ver através das lentes outra ideia do meu intento; imaginou que era um pretexto
do narrador. Os fatos que narra, as personalidades das para mirá-los mais de perto, com os meus olhos longos,
demais personagens, são, na verdade, projeções do constantes, enfiados neles, e a isto atribuo que entrassem
próprio narrador e produtos de sua memória. Bento evoca a ficar crescidos, crescidos e sombrios, com tal expressão
os outros para que possa falar de si mesmo, para que possa que...
tentar se encontrar e reconstituir o seu equilíbrio interior. Retórica dos namorados, dá-me uma comparação
Para isso, é preciso entender o outro. Assim, reconstitui, exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de
por meio da memória, quem foi Capitu, para que possa Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem
tentar compreendê-la. Aí está a riqueza da personagem de quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me
Capitu: sua ambiguidade insolúvel, vinda do fato de que fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá
tudo o que sabemos sobre ela é o que nos é contado por ideia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido
seu marido ciumento e inseguro, e que, por conta disso, misterioso e enérgico, uma força que arrastava para
nunca foi capaz de olhar verdadeiramente para a sua dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de
esposa. ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras
artes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos
Capítulo XXXII – Olhos de Ressaca espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as
Tudo era matéria às curiosidades de Capitu. pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e
Caso houve, porém, no qual não sei se aprendeu ou escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me.
ensinou, ou se fez ambas as coisas, como eu. É o que Quantos minutos gastamos naquele jogo? Só os relógios
contarei no outro capítulo. Neste direi somente que, do Céu terão marcado esse tempo infinito e breve. A
passados alguns dias do ajuste com o agregado, fui ver a eternidade tem as suas pêndulas; nem por não acabar
minha amiga; eram dez horas da manhã. D. Fortunata, nunca deixa de querer saber a duração das felicidades e
que estava no quintal, nem esperou que eu lhe dos suplícios. Há de dobrar o gozo aos bem-aventurados
perguntasse pela filha. do Céu conhecer a soma dos tormentos que já terão
— Está na sala, penteando o cabelo, disse-me; vá padecido no inferno os seus inimigos; assim também a
devagarzinho para lhe pregar um susto. quantidade das delícias que terão gozado no Céu os seus
Fui devagar, mas ou o pé ou o espelho traiu-me. desafetos aumentará as dores aos condenados do inferno.
Este pode ser que não fosse; era um espelhinho de pataca Este outro suplício escapou ao divino Dante; mas eu não
(perdoai a barateza), comprado a um mascate italiano, estou aqui para emendar poetas. Estou para contar que,
moldura tosca, argolinha de latão, pendente da parede, ao cabo de um tempo não marcado, agarrei-me
entre as duas janelas. Se não foi ele, foi o pé. Um ou definitivamente aos cabelos de Capitu, mas então com as
outro, a verdade é que, apenas entrei na sala, pente, mãos, e disse-lhe, — para dizer alguma coisa, — que era
cabelos, toda ela voou pelos ares, e só lhe ouvi esta capaz de os pentear, se quisesse.
pergunta: — Você?
— Há alguma coisa? — Eu mesmo.
— Não há nada, respondi; vim ver você antes que — Vai embaraçar-me o cabelo todo, isso sim. —
o Padre Cabral chegue para a lição. Como passou a Se embaraçar, você desembaraça depois.
noite? — Vamos ver.
— Eu bem. José Dias ainda não falou? (ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo : Via Leitura, 2015)
— Parece que não.
— Mas então quando fala? Capítulo CXXIII – Olhos de Ressaca
— Disse-me que hoje ou amanhã pretende tocar no Enfim, chegou a hora da encomendação e da
assunto; não vai logo de pancada, falará assim por alto partida. Sancha quis despedir-se do marido, e o
e por longe, um toque. Depois, entrará em matéria. Quer desespero daquele lance consternou a todos. Muitos
primeiro ver se mamãe tem a resolução feita... homens choravam também, as mulheres todas. Só Capitu,
— Que tem, tem, interrompeu Capitu. E se não amparando a viúva, parecia vencer-se a si mesma.
fosse preciso alguém para vencer já, e de todo, não se lhe Consolava a outra, queria arrancá-la dali. A confusão
falaria. Eu já nem sei se José Dias poderá influir tanto; era geral. No meio dela, Capitu olhou alguns instantes
acho que fará tudo, se sentir que você realmente não quer para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que
ser padre, mas poderá alcançar?... Ele é atendido; se, não admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e
porém... É um inferno isto! Você teime com ele, Bentinho. caladas...
— Teimo; hoje mesmo ele há de falar. As minhas cessaram logo. Fiquei a ver as dela;
— Você jura? Capitu enxugou-as depressa, olhando a furto para a
— Juro! Deixe ver os olhos, Capitu. gente que estava na sala. Redobrou de carícias para a
Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera amiga, e quis levá-la; mas o cadáver parece que a retinha
deles, "olhos de cigana oblíqua e dissimulada." Eu não também. Momento houve em que os olhos de Capitu
sabia o que era oblíqua, mas dissimulada sabia, e queria fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem
ver se podiam chamar assim. palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do
Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me mar lá fora, como se quisesse tragar também o nadador
perguntava o que era, se nunca os vira; eu nada achei da manhã.
(ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo : Via Leitura, 2015)
extraordinário; a cor e a doçura eram minhas
CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 30
DIÁLOGO ALUÍSIO AZEVEDO (1857-1913)
CAPITU
De um lado vem você com seu jeitinho Hábil, hábil, hábil
E pronto!
Me conquista com seu dom
De outro esse seu site petulante
WWW
Ponto
Poderosa ponto com
É esse o seu modo de ser ambíguo
Sábio, sábio
E todo encanto
Canto, canto
Raposa e sereia da terra e do mar Na tela e no ar
Você é virtualmente amada amante
Você real é ainda mais tocante
Não há quem não se encante
Um método de agir que é tão astuto Aluísio Azevedo. Fonte:
Com jeitinho alcança tudo, tudo, tudo https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Aluisio_Azevedo.jpg
É só se entregar, é não resistir, é capitular
Capitu O primeiro escritor brasileiro a se profissionalizar,
A ressaca dos mares Aluísio Azevedo é autor de um grande número de
A sereia do sul Captando os olhares Nosso totem tabu romances, que podem ser divididos em dois grupos. O
A mulher em milhares primeiro é composto por obras românticas, espécies de
Capitu folhetins baseados em clichês. O segundo grupo, que não
No site o seu poder provoca o ócio, o ócio vêm após o primeiro na vida do autor, mas intercalado a
Um passo para o vício, o vício ele no tempo, contém seus romances naturalistas,
É só navegar, é só te seguir, e então naufragar influenciados por Émile Zola e Eça de Queirós, que
Capitu adotam a análise e a descrição minuciosa e científica do
Feminino com arte cotidiano.
A traição atraente Um capítulo à parte Aluísio Azevedo se impôs como escritor com o seu
Quase vírus ardente polêmico livro O Mulato (1881) que, lançado no mesmo
Imperando no site ano que Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado
Capitu de Assis, causou muito mais choque do que o segundo.
(Luiz Tatit, Rodopio, 2007) Fez denúncias claras e diretas à falsidade do clero, à
burguesia corrupta e ao racismo sofrido pela personagem
O NATURALISMO NO BRASIL principal. Em 1884, Aluísio Azevedo se vale de um caso
A escola realista-naturalista, vinda da Europa, real – um crime envolvendo dois estudantes – para aplicar
ganhou novos contornos no Brasil, devido às nossas a técnica de Zola do romance experimental, escrevendo
características sociais e culturais particulares. Aqui, Casa de Pensão. A obra procura mostrar como o meio
pelas enormes contradições que caracterizavam o país no deforma as pessoas, e emprega um raciocínio
período, a literatura tornou-se mais engajada e determinista para explicar as falhas de caráter da
preocupada com a renovação dos modelos sociais e personagem principal pelas relações que estabeleceu na
também da linguagem. Nosso Naturalismo tem como infância. O livro apresenta os impulsos carnais e o
marca principal o elemento determinista, trazendo dinheiro como motivadores das ações humanas.
personagens fortemente moldadas pelo meio no qual
estão inseridas e por seus instintos mais primitivos. O LEITURA
foco das narrativas, em grande parte, recai sobre os O CORTIÇO (1890)
grupos marginalizados, muitas vezes valorizados pelo O livro considerado a melhor obra de Aluísio
coletivo – se pensarmos em O Cortiço, a grande Azevedo é o romance O Cortiço (1890), que faz o retrato
personagem do romance é justamente o próprio cortiço. das habitações coletivas pobres que proliferavam no Rio
Os narradores são oniscientes, o que contribui para a de Janeiro no final do século XIX. O romance segue duas
construção dos retratos feitos pelos escritores, que histórias principais, ambas de imigrantes portugueses: a
detalhavam minuciosamente lugares, pessoas e ações de Jerônimo, trabalhador braçal numa pedreira, e a de
banais do cotidiano da época. João Romão, dono do cortiço e da pedreira. João
enriquece com o trabalho obsessivo e inescrupuloso de
comerciante e também por meios ilícitos. Compra o
cortiço, ambiente no qual se passa boa parte da história, e
mostra-se uma pessoa muito egoísta, prejudicando outros
em busca de sua ascensão social. Jerônimo, por outro
lado, possui um caráter nobre notado por todos.
Entretanto, após certo tempo morando no cortiço, começa
CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 31
um relacionamento adúltero e vai se degradando física e Capítulo 3
moralmente, uma vez que passa por um processo de Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava,
“tropicalização” de forma a contribuir com a tese abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e
determinista de que o meio faz o homem. Para a janelas alinhadas.
realização da obra, Azevedo visitou inúmeras habitações Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma
coletivas e conversou com seus moradores, seguindo a assentada sete horas de chumbo. Como que se sentiam
prática da escola realista do estudo minucioso, como se ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da
fosse um cientista. Depois de longo período de trabalho, última guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz
produziu um retrato desses espaços: a promiscuidade dos loura e tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade
habitantes e a exploração de trabalhadores que levam uma perdido em terra alheia.
vida que a obra assimila à de animais, sendo às vezes Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum
retratados como tais (zoomorfismo) por viverem apenas crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e
para saciar seus instintos básicos. Nos entornos, morando fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara,
confortavelmente em sobrados, patrões exploradores e incomodamente, debaixo do fio de água que escorria da
corruptos conseguem obter sucesso nos negócios por altura de uns cinco palmos. O chão inundava-se. As
meios inescrupulosos. mulheres precisavam já prender as saias entre as coxas
para não as molhar; via-se-lhes a tostada nudez dos
Capítulo 1 braços e do pescoço, que elas despiam, suspendendo o
Não obstante, as casinhas do cortiço, à proporção cabelo todo para o alto do casco; os homens, esses não
que se atamancavam, enchiam-se logo, sem mesmo dar se preocupavam em não molhar o pelo, ao contrário
tempo a que as tintas secassem. Havia grande avidez em metiam a cabeça bem debaixo da água e esfregavam com
alugá-las; aquele era o melhor ponto do bairro para a força as ventas e as barbas, fossando e fungando contra
gente do trabalho. Os empregados da pedreira preferiam as palmas da mão. As portas das latrinas não
todos morar lá, porque ficavam a dois passos da descansavam, era um abrir e fechar de cada instante, um
obrigação. entrar e sair sem tréguas. Não se demoravam lá dentro e
O Miranda rebentava de raiva. vinham ainda amarrando as calças ou as saias; as
— Um cortiço! exclamava ele, possesso. Um crianças não se davam ao trabalho de lá ir,
cortiço! Maldito seja aquele vendeiro de todos os diabos! despachavam-se ali mesmo, no capinzal dos fundos, por
Fazer-me um cortiço debaixo das janelas!... Estragou-me detrás da estalagem ou no recanto das hortas.
a casa, o malvado! O rumor crescia, condensando-se; o zunzum de
E vomitava pragas, jurando que havia de vingar- todos os dias acentuava-se; já se não destacavam vozes
se, e protestando aos berros contra o pó que lhe invadia dispersas, mas um só ruído compacto que enchia todo o
em ondas as salas, e contra o infernal baralho dos cortiço. Começavam a fazer compras na venda;
pedreiros e carpinteiros que levavam a martelar de sol a ensarilhavam-se discussões e resingas; ouviam-se
sol. gargalhadas e pragas; já se não falava, gritava-se.
O que aliás não impediu que as casinhas Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula
continuassem a surgir, uma após outra, e fossem logo se viçosa de plantas rasteiras que mergulham os pés
enchendo, a estenderem-se unidas por ali a fora, desde a vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer
venda até quase ao morro, e depois dobrassem para o animal de existir, a triunfante satisfação de respirar
lado do Miranda e avançassem sobre o quintal deste, que sobre a terra.
parecia ameaçado por aquela serpente de pedra e cal. Da porta da venda que dava para o cortiço iam e
O Miranda mandou logo levantar o muro. vinham como formigas, fazendo compras.
Nada! aquele demônio era capaz de invadir-lhe a (AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. p.37-38)
casa até a sala de visitas!
E os quartos do cortiço pararam enfim de encontro
ao muro do negociante, formando com a continuação da
TAREFA MÍNIMA
casa deste um grande quadrilongo, espécie de pátio de
quartel, onde podia formar um batalhão. 01. (ENEM, 2010) Capítulo III
Noventa e cinco casinhas comportou a imensa Um criado trouxe o café. Rubião pegou na xícara e, enquanto lhe
estalagem. deitava açúcar, ia disfarçadamente mirando a bandeja, que era de
Prontas, João Romão mandou levantar na frente, prata lavrada. Prata, ouro, eram os metais que amava de coração;
nas vinte braças que separavam a venda do sobrado do não gostava de bronze, mas o amigo Palha disse-lhe que era matéria
Miranda, um grosso muro de dez palmos de altura, de preço, e assim se explica este par de figuras que está aqui na
coroado de cacos de vidro e fundos de garrafa, e com um sala: um Mefistófeles e um Fausto. Tivesse, porém, de escolher,
grande portão no centro, onde se dependurou uma escolheria a bandeja - primor de argentaria, execução fina e
lanterna de vidraças vermelhas, por cima de uma acabada. O criado esperava teso e sério. Era espanhol; e não foi sem
tabuleta amarela, em que se lia o seguinte, escrito a tinta resistência que Rubião o aceitou das mãos de Cristiano; por mais que
encarnada e sem ortografia: lhe dissesse que estava acostumado aos seus crioulos de Minas, e
“Estalagem de São Romão. Alugam-se casinhas e não queria línguas estrangeiras em casa, o amigo Palha insistiu,
tinas para lavadeiras”. demonstrando-lhe a necessidade de ter criados brancos. Rubião
(AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. p. 26-27) cedeu com pena. O seu bom pajem, que ele queria pôr na sala, como

CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 32


um pedaço da província, nem pôde deixar na cozinha, onde reinava lentamente: fazia-se contemplativo e amoroso. A vida americana e a
um francês, Jean; foi degradado a outros serviços. natureza do Brasil patenteavam-lhe agora aspectos imprevistos e
(ASSIS, M. Quincas Borba. In: Obra completa. V.1. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1993 sedutores que o comoviam; esquecia-se dos seus primitivos sonhos
(fragmento))
de ambição, para idealizar felicidades novas, picantes e violentas;
tornava-se liberal, imprevidente e franco, mais amigo de gastar que
Quincas Borba situa-se entre as obras-primas do autor e da literatura
de guardar; adquiria desejos, tomava gosto aos prazeres, e volvia-
brasileira. No fragmento apresentado, a peculiaridade do texto que
se preguiçoso, resignando-se, vencido, às imposições do sol e do
garante a universalização de sua abordagem reside calor, muralha de fogo com que o espírito eternamente revoltado do
a) no conflito entre o passado pobre e o presente rico, que simboliza último tamoio entrincheirou a pátria contra os conquistadores
o triunfo da aparência sobre a essência. aventureiros.
b) no sentimento de nostalgia do passado devido à substituição da E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os
mão de obra escrava pela dos imigrantes. seus hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo abrasileirou-
c) na referência a Fausto e Mefistófeles, que representam o desejo se. (...)
de eternização de Rubião. E o curioso é que, quanto mais ia ele caindo nos usos e
d) na admiração dos metais por parte de Rubião, que costumes brasileiros, tanto mais os seus sentidos se apuravam,
metaforicamente representam a durabilidade dos bens produzidos posto que em detrimento das suas forças físicas. Tinha agora o
pelo trabalho. ouvido menos grosseiro para a música, compreendia até as
e) na resistência de Rubião aos criados estrangeiros, que reproduz intenções poéticas dos sertanejos, quando cantam à viola os seus
o sentimento de xenofobia. amores infelizes; seus olhos, dantes só voltados para a esperança
de tornar à terra, agora, como os olhos de um marujo, que se
02. (FUVEST, 2014) CAPÍTULO LXXI habituaram aos largos horizontes de céu e mar, já se não revoltavam
O senão do livro com a turbulenta luz, selvagem e alegre, do Brasil, e abriam-se
Começo o arrepender-me deste livro. Não que ele me amplamente defronte dos maravilhosos despenhadeiros ilimitados e
canse; eu não tenho que fazer; e, realmente, expedir alguns magros das cordilheiras sem fim, donde, de espaço a espaço, surge um
capítulos para esse mundo sempre é tarefa que distrai um pouco da monarca gigante, que o sol veste de ouro e ricas pedrarias
eternidade. Mas o livro é enfadonho, cheira a sepulcro, traz certa refulgentes e as nuvens toucam de alvos turbantes de cambraia, num
contração cadavérica; vício grave, e aliás ínfimo, porque o maior luxo oriental de arábicos príncipes voluptuosos.
defeito deste livro és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o livro (AZEVEDO, A. O cortiço. p. 44)
anda devagar; tu amas a narração direita e nutrida, o estilo regular
e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à Os costumes a que adere Jerônimo em sua transformação, relatada
direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, no excerto, têm como referência, na época em que se passa a
gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem... história, o modo de vida
E caem! – Folhas misérrimas do meu cipreste, heis de cair, a) dos degradados portugueses enviados ao Brasil sem a companhia
como quaisquer outras belas e vistosas; e, se eu tivesse olhos, dar- da família.
vos-ia uma lágrima de saudade. Esta é a grande vantagem da morte, b) dos escravos domésticos, na região urbana da Corte, durante o
que, se não deixa boca para rir, também não deixa olhos para Segundo Reinado.
chorar... Heis de cair. c) das elites produtoras de café, nas fazendas opulentas do Vale do
(ASSIS, M. de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. p. 134) Paraíba Fluminense.
d) dos homens livres pobres, particularmente em região urbana.
Na primeiras versões das Memórias Póstumas de Brás Cubas, e) dos negros quilombolas, homiziados em refúgios isolados e
constava, no final do capítulo LXXI, aqui reproduzido, o seguinte anárquicos.
trecho, posteriormente suprimido pelo autor:
[... Heis de cair.] Turvo é o ar que respirais, amadas folhas. O sol 04. (FUVEST, 2016) - Pois, Grilo, agora realmente bem podemos
que vos alumia, com ser de toda a gente, é um sol opaco e reles, de dizer que o Sr. D. Jacinto está firme. O Grilo arredou os óculos para
.................... e .................... . a testa, e levantando para o ar os cinco dedos em curva como pétalas
de uma tulipa:
As duas palavras que aparecem no final desse trecho, no lugar dos - Sua Excelência brotou!
espaços pontilhados, podem servir para qualificar, de modo figurado, Profundo sempre o digno preto! Sim! Aquele ressequido galho da
a mescla de tonalidade estilísticas que caracteriza o capítulo e o Cidade, plantado na Serra, pegara, chupara o húmus do torrão
próprio livro. Preenchem de modo mais adequado as lacunas as herdado, criara seiva, afundara raízes, engrossara de tronco, atirara
palavras ramos, rebentara em flores, forte, sereno, ditoso, benéfico, nobre,
a) acaso e invernia. dando frutos, derramando sombra. E abrigados pela grande árvore,
b) finados e ritual. e por ela nutridos, cem casais* em redor o bendiziam.
c) senzala e cabaré. (QUEIRÓS, Eça de. A cidade e as serras. 73-74)
d) cemitério e carnaval. *casal: pequena propriedade rústica; pequeno povoado.
e) eclipse e cerração.
O teor das imagens empregadas no texto para caracterizar a
03. (FUVEST, 2012) Passaram-se semanas. Jerônimo tomava agora, mudança pela qual passara Jacinto indica que a causa principal dessa
todas as manhãs, uma xícara de café bem grosso, à moda da Ritinha, transformação foi
e tragava dois dedos de parati “pra cortar a friagem”. a) o retorno a sua terra natal.
Uma transformação, lenta e profunda, operava-se nele, dia a dia, b) conversão religiosa.
hora a hora, reviscerando-lhe o corpo e alando-lhe os sentidos, num c) o trabalho manual na lavoura.
trabalho misterioso e surdo de crisálida. A sua energia afrouxava d) a mudança da cidade para o campo.
CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 33
e) o banimento das inovações tecnológicas. I. o realce da argúcia, da capacidade de exame acurado das
situações e da firmeza de propósito, ainda quando impliquem
malignidade;
TAREFA COMPLEMENTAR II. a relevância da observação das relações interpessoais e dos
funcionamentos mentais correspondentes; III. a operação consciente
05. (FUVEST, 2014) dos elementos envolvidos no processo de composição literária:
narração, personagens, motivação, trama, intertextualidade,
Examine as seguintes afirmações relativas a romances brasileiros do recepção etc.
século XIX, nos quais a escravidão aparece e, em seguida, considere
os três livros citados: Está correto o que se indica em:
a) I, somente.
I. Tão impregnado mostrava-se o Brasil de escravidão, b) II, somente.
que até o movimento abolicionista pode servir, a ela, c) I e II, somente.
de fachada. d) II e III, somente.
II. De modo flagrante, mas sem julgamentos morais ou e) I, II e III.
ênfase especial, indica-se a prática rotineira do tráfico
transoceânico de escravos. 07. (ENEM, 2001) No trecho abaixo, o narrador, ao descrever a
III. De modo tão pontual quanto incisivo, expõe-se o personagem, critica sutilmente um outro estilo de época: o
vínculo entre escravidão e prática de tortura física. romantismo.
“Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos; era
A. Memórias de um Sargento de Milícias. talvez a mais atrevida criatura da nossa raça, e, com certeza, a mais
B. Memórias Póstumas de Brás Cubas. voluntariosa. Não digo que já lhe coubesse a primazia da beleza,
C. O Cortiço. entre as mocinhas do tempo, porque isto não é romance, em que o
autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas;
As afirmações I, II e III relacionam-se, de modo mais direto, mas também não digo que lhe maculasse o rosto nenhuma sarda ou
respectivamente, com os romances: espinha, não. Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia
a) B, A, C. daquele feitiço, precário e eterno, que o indivíduo passa a outro
b) C, A, B. indivíduo, para os fins secretos da criação.”
(ASSIS, M. de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Jackson,1957)
c) A, C, B.
d) B, C, A.
e) A, B, C.
A frase do texto em que se percebe a crítica do narrador ao
06. (FUVEST, 2014) Capítulo CVII - Bilhete romantismo está transcrita na alternativa:
“Não houve nada, mas ele suspeita alguma cousa; está a) ... o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e
muito sério e não fala; agora saiu. Sorriu uma vez somente, para espinhas...
Nhonhô, depois de o fitar muito tempo, carrancudo. Não me tratou b) ... era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça ...
mal nem bem. Não sei o que vai acontecer; Deus queira que isto c) Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele
passe. Muita cautela, por ora, muita cautela.” feitiço, precário e eterno, ...
(ASSIS, M. de. Memórias póstumas de Brás Cubas. p. 179) d) Naquele tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos ...
e) ... o indivíduo passa a outro indivíduo, para os fins secretos da
Capítulo CVIII - Que se não entende criação.
Eis aí o drama, eis aí a ponta da orelha trágica de
Shakespeare. Esse retalhinho de papel, garatujado em partes, 08. (FUVEST, 2014) Com base na leitura da obra A cidade e as
machucado das mãos, era um documento de análise, que eu não serras, de Eça de Queirós, publicada originalmente em 1901, é
farei neste capítulo, nem no outro, nem talvez em todo o resto do correto concluir que, nela, encontra-se
livro. Poderia eu tirar ao leitor o gosto de notar por si mesmo a frieza, a) o prenúncio de uma consciência ecológica que iria eclodir com
a perspicácia e o ânimo dessas poucas linhas traçadas à pressa; e força somente em finais do século XX, mas que, nessa obra, já
por trás delas a tempestade de outro cérebro, a raiva dissimulada, o mostrava um sentido visionário, inspirado pela invenção dos motores
desespero que se constrange e medita, porque tem de resolver-se a vapor.
na lama, ou no sangue, ou nas lágrimas? b) uma concepção de hierarquia civilizacional entre as regiões do
(ASSIS, M. de. Memórias póstumas de Brás Cubas. p. 179-180) mundo, na qual, a Europa representaria a modernidade e um modelo
a seguir, e a América, o atraso e um modelo a ser evitado.
Atente para o excerto, considerando-o no contexto da obra a que c) a construção de uma associação entre indivíduo e divindade, já
pertence. Nele, figura, primeiramente, o bilhete enviado a Brás Cubas que, no livro, a natureza é, fundamentalmente, símbolo de uma
por Virgília, na ocasião em que se torna patente que o marido da condição interior a ser alcançada por meio de resignação e
dama suspeita de suas relações adúlteras. penitência. d) a manifestação de um clima de forte otimismo,
Segue-se ao bilhete um comentário do narrador (cap. CVIII). Feito decorrente do fim do ciclo bélico mundial do século XIX, que trouxe
isso, considere a afirmação que segue: à tona um anseio de modernização de sociedades em vários
No excerto, o narrador frisa aspectos cuja presença se costuma continentes.
reconhecer no próprio romance machadiano da fase madura, entre e) uma valorização do meio rural e de modos de vida a ele
eles, associados, nostalgia típica de um momento da história marcado pela
consolidação da industrialização e da concentração da maior parte
da população em áreas urbanas.
CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 34
a) “Matamos o tempo; o tempo nos enterra.” Pode-se relacionar
09. (UNICAMP, 2016) (...) pediu-me desculpa da alegria, dizendo essa máxima à maneira de viver do próprio Brás Cubas? Justifique
que era alegria de pobre que não via, desde muitos anos, uma nota sucintamente.
de cinco mil réis. – Pois está em suas mãos ver outras muitas, disse b) “Suporta-se com paciência a cólica do próximo.” A atitude diante
eu. – Sim? acudiu ele, dando um bote pra mim. – Trabalhando, do sofrimento alheio, expressa nessa máxima, pode ser associada a
concluí eu. Fez um gesto de desdém; calou-se alguns instantes, algum aspecto da filosofia do “Humanitismo”, formulada pela
depois disse-me positivamente que não queria trabalhar. personagem Quincas Borba? Justifique sua resposta.
(ASSIS, M. de. Memórias póstumas de Brás Cubas. p.158)

O trecho citado diz respeito ao encontro entre Brás Cubas e Quincas


Borba, no capítulo 49, e, mais precisamente, apanha o momento em
que Brás dá uma esmola ao amigo. Considerando o conjunto do
romance, é correto afirmar que essa passagem
a) explicita a desigualdade das classes sociais na primeira metade
do século XIX e propõe a categoria de trabalho como fator
fundamental para a emancipação do pobre.
b) indica o ponto de vista da personagem Brás Cubas e propõe a
meritocracia como dispositivo pedagógico e moral para a promoção
do ser humano no século XIX.
c) elabora, por meio do narrador, o preconceito da classe social a
que pertence Brás Cubas em relação à classe média do século XIX,
na qual se insere Quincas Borba.
d) sugere as posições de classe social das personagens
machadianas, mediante um narrador que valoriza o trabalho, embora
ele mesmo, sendo rico, não trabalhe.

10. (UNIFEI - SP) Leia atentamente:


I. "A segunda Revolução Industrial, o cientificismo, o progresso
tecnológico, o socialismo utópico, a filosofia positivista de Augusto
Comte, o evolucionismo formam o contexto sócio-político-
econômico-filosófico-científico em que se desenvolveu a estética
realista".
II. "O escritor realista acerca-se dos objetos e das pessoas de um
modo pessoal, apoiando-se na intuição e nos sentimentos".
III. "Os maiores representantes da estética realista-naturalista no
Brasil foram: Machado de Assis, Aluísio de Azevedo e Raul Pompéia".
IV. "Podemos citar como características da estética realista: o
individualismo, a linguagem erudita e a visão fantasiosa da
sociedade".

Verificamos que em relação ao Realismo-Naturalismo está(estão)


correta(s):
a) apenas a I e II;
b) apenas a I e III;
c) apenas a II e IV;
d) apenas a II e III;
e) apenas a III e I.

TAREFA DISSERTATIVA
11. (FUVEST, 2016) No capítulo CXIX das Memórias póstumas de
Brás Cubas, o narrador declara: “Quero deixar aqui, entre parêntesis,
meia dúzia de máximas* das muitas que escrevi por esse tempo.”.
Nos itens a) e b) encontram-se reproduzidas duas dessas máximas.
Considerando-as no contexto da obra a que pertencem, responda ao
que se pede.
*“Máxima”: fórmula breve que enuncia uma observação de valor
geral; provérbio.

CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 35


LIT 09
Poesia
parnasiana, as
Vanguardas e a
Semana de 22

CONTEXTO HISTÓRICO
O Parnasianismo se origina no século XIX, na França (Parnase Contemporain). Seguindo os princípios do Realismo/
Naturalismo, essa escola literária também vai à contramão dos ideais românticos e se baseia nos ideais do positivismo,
cientificismo e na busca pela objetividade. Além disso, seus autores buscam recuperar os valores estéticos clássicos. O nome
Parnasianismo viria do Monte Parnassus (no original Παρνασσός – Parnassus), região grega da Fócida que, segundo a
lenda, era morada dos poetas.
O movimento vai se destacar por pregar o princípio da Arte pela Arte, isto é, uma arte voltada para si própria. Assim,
ideais como a Beleza e a Verdade devem ser procurados nas coisas concretas, palpáveis, e não no sentimento individual do
poeta. A forma, por isso, passa a ser mais valorizada do que o conteúdo em si.

Andrea Mantegna. Parnassus: Marte e Venus. 1497. Tempera e ouro sobre tela, 159cm x 192cm. Louvre, Paris. Fonte:
https://www.flickr.com/photos/59393412@N02/7753897972

CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 36


CARACTERÍSTICAS
→ Retomada de valores da cultura clássica; Hoje, segues de novo… Na partida
→ Retomada de valores da cultura clássica; Nem o pranto os teus olhos umedece,
→ A arte pela arte; Nem te comove a dor da despedida.
→ Rigor técnico;
→ Formas poéticas tradicionais; E eu, solitário, volto a face, e tremo,
→ Purismo e preciosismo vocabular; Vendo o teu vulto que desaparece
→ Objetividade; Na extrema curva do caminho extremo.
→ Tendência descritivista; (BILAC, O. Sarças de Fogo. p. 24)
→ Erotismo.
FRANCISCA JULIA (1874-1920)
O parnasianismo surge no Brasil na década de
1880, a partir da influência direta francesa. Aparece então
a tríade parnasiana – Alberto de Oliveira, Raimundo
Correia e Olavo Bilac – além de Francisca Júlia da Silva,
Martins Fontes, Raul de Leôni, entre outros.

OLAVO BILAC (1865 – 1918)

Francisca Julia. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Fjulia.jpg

Francisca Julia da Silva Munster nasceu em


Xiririca, atual Eldorado, cidade na região do Vale do
Ribeira, à 140 km de São Paulo. Seu primeiro livro,
Olavo Bilac. Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Olavo_Bilac_2.jpg
Mármores (1895), a consagra como uma verdadeira
poetisa parnasiana, tamanha a sua rigidez com que
Olavo Bilac é um dos mais reconhecidos poetas praticava a escrita de seus poemas. Como prova de que
parnasianos. Jornalista e poeta, é um dos membros não existe fronteiras entre as chamadas Escolas Literárias,
fundadores da Academia Brasileira de Letras. Em seus ela atravessa para o Simbolismo, trazendo em seus
poemas, utiliza-se muito de figuras de linguagem poemas uma nova postura artística e espiritual, mostrando
(antíteses, polissíndeto e sinestesias) e, além de se dedicar a inquietação religiosa da sua maturidade. Isso pode ser
a poesia, também escrevia crônicas, sendo essas mais observado no seu segundo livro, Esfinges (1903).
humorísticas e menos complexas que seus poemas.
Dedicou-se também à literatura infantil e à poesia satírica. LEITURA
Aqui se tem um exemplo clássico de um poema
LEITURA parnasiano, pelo uso das rimas finais de cada verso
Nesse poema, Olavo Bilac usa de um título em (Carrara – encara; escultura – postura), com as imagens
italiano (traduzido No meio do caminho). Ele faz o uso de gregas da Vênus e Minerva. Contudo aqui se tem um
uma estrutura clássica de poema, que é o soneto. Aqui o ponto que é muito caro ao Simbolismo: a relação com a
eu-lírico dialoga com uma pessoa que lhe foi amada e brancura, com o etéreo. Um poema que funde
reflete sobre a relação de carinho entre os dois. Parnasianismo com os ideais do Simbolismo.

NEL MEZZO DEL CAMIN... VÊNUS


Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada A Victor Silva
E triste, e triste e fatigado eu vinha. Branca e hercúlea, de pé, num bloco de Carrara,
Tinhas a alma de sonhos povoada, Que lhe serve de trono, a formosa escultura,
E a alma de sonhos povoada eu tinha… Vênus, tímido o colo, em severa postura,
Com seus olhos de pedra o mundo inteiro encara.
E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha Um sopro, um quê de vida que o gênio lhe insuflara;
A tua mão, a vista deslumbrada E impassível, de pé, mostra em toda brancura,
Tive da luz que teu olhar continha. Desde as linhas da face ao talhe da cintura,
CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 37
A majestade real de uma beleza rara. CRUZ E SOUSA (1861-1898)
João da Cruz e Sousa é filho de pais negros
Vendo-a nessa postura e nesse nobre entorno escravos e recebeu sua educação de brancos até a
De Minerva marcial que pelo gladio arranca, adolescência, graças ao apadrinhamento de um tutor. Ele
Julgo vela descer lentamente do trono, viveu numa época de fortíssima discriminação racial, vide
que a escravidão ainda estava muito arraigada no país.
E, na mesma atitude a que a insolência a obriga, Atuou como jornalista defendendo a abolição da
Postar-se à minha frente, impassível e branca, escravatura e dos ideais socialistas nos jornais
Na régia perfeição da formosura antiga. catarinenses. Inaugura o Simbolismo no Brasil com seus
(JULIA, F. Poesias. p. 37)
livros Missal e Broqueis e se torna uma referência para
toda a Literatura.
SIMBOLISMO
Pode-se dizer que um estado de espírito marcado
pela sensação de mal-estar diante do mundo e revolta
contra a sociedade burguesa, denominou-se
Decadentismo, e sua faceta literária recebeu o nome de
Simbolismo. É um tema comum a rejeição do mundo e
revolta contra os modos de escrever aceitos. Nasceu na
França na última parte do século XIX, com o livro As
flores do mal (Les fleurs du mal), do poeta Charles
Baudelaire. Muitos dos simbolistas foram influenciados
pelo escritor inglês Edgar Allan Poe. O embasamento
filosófico dessa corrente é dado pelo filosofo alemão
Arthur Schopenhauer, o qual cultuou o pessimismo e a
dor existencial e questionou a total validade do
conhecimento científico.
Cruz e Sousa. Fonte:
Em Portugal se destacam Antônio Nobre e https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Cruz_e_Sousa.jpg
Eugênio de Castro e, em especial, Camilo Pessanha, com
seu livro Clepsidra (1920). No Brasil se tem as vozes de LEITURA
Alphonsus de Guimaraens, Pedro Kilkerry, e a maior voz Aqui se tem um poema que trata da dor existencial
é de Cruz e Sousa. Vale ressaltar que devido aos realistas- de viver, retrato que Cruz e Sousa trabalha tão bem. O eu-
naturalistas e parnasianos, os poetas brasileiros lírico fala do palhaço, mas que também cabe a ele, tanto
simbolistas foram abafados. eu-lírico, quanto poeta. O riso presente não trás nenhum
sinal de felicidade, é um verdadeiro grito de dor.
CARACTERÍSTICAS
→ Egocentrismo; ACROBATA DA DOR
→ Ousadia formal; Gargalha, ri, num riso de tormenta,
→ Controle rigoroso da forma; Como um palhaço, que desengonçado,
→ Antissentimentalismo; Nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
→ Sugestão em lugar da descrição objetiva; De uma ironia e de uma dor violenta.
→ Hermetismo (saber oculto, esotérico, reservado a
poucos); Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
→ Aproximação das música e da poesia; Agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta clown, varado
Pelo estertor dessa agonia lenta ...

Pedem-se bis e um bis não se despreza!


Vamos! retesa os músculos, retesa
Nessas macabras piruetas d'aço...

E embora caias sobre o chão, fremente,


Afogado em teu sangue estuoso e quente,
Ri! Coração, tristíssimo palhaço.
(SOUSA, Cruz e. Bróqueis. p. 47)

PRÉ-MODERNISMO
O pré-modernismo corresponde às primeiras
Pierre Puvis Chavannes. O sonho. 1883. Óleo sobre tela, 82cm x 102cm. décadas do século XX. São considerados autores pré-
Museu de Orsay, Paris. Fonte: modernistas aqueles que ainda mantêm uma tendência
https://www.flickr.com/photos/32357038@N08/5212039774
formal realista/naturalista, mas que de alguma forma,
desafiam os padrões temáticos da época, encarando de
maneira crítica a realidade brasileira.
CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 38
Na prosa, se destacam Simões Lopes Neto, discuti-la, de pensá-la, de representá-la. O contraste social
Monteiro Lobato e Valdomiro Silveira com uma visão foi o ponto forte das manifestações artísticas dessa época,
crítica do ambiente rural, além de Lima Barreto e Graça e vários manifestos foram escritos.
Aranha, que revelam o meio urbano. Euclides da Cunha A palavra vanguarda vem do francês, avant-garde
com seu relato de jornalista em Os sertões (1902) (termo militar que designa o pelotão que vai à frente).
denuncia a destruição do Arraial de Canudos e a Designa aqueles que, no campo das artes ou das ideias,
resistência daquele movimento popular. estão à frente de seu tempo. As cinco principais são:
Na poesia destacam-se Augusto dos Anjos e com
menos destaque, Gilka Machado com seu livro Cristais EXPRESSIONISMO
partidos (1915). Augusto, poeta de um só livro, Eu, causa Surgido em 1910, foi manifestação de povos
escândalo nos meios literários devido à linguagem técnica nórdicos, germânicos e eslavos. Essa tendência expressou
utilizada. Seus versos se compõem de uma linguagem a angústia do período anterior à Primeira Guerra Mundial.
científica abastada, provinda de áreas como Física,
Química e Biologia.

PSICOLOGIA DE UM VENCIDO
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Produndissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —


Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,


E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
(ANJOS, A. Eu e Outras Poesias. p. 5) Edvard Munch. O grito. 1893. Óleo e pastel sobre cartão, 91cm x 73,5 cm.
Museu Munch. Oslo. Fonte: https://pixabay.com/pt/edvard-munch-gritar-
VANGUARDAS EUROPEIAS pintura-terror-1332621/
O início do século XX foi um período bastante
movimentado, em todos os sentidos. Se por um lado a CUBISMO
Europa, diante dos avanços tecnológicos, das descobertas Segundo essa tendência, as figuras, reduzidas a
científicas e do progresso da indústria, regozijava de formas geométricas, apresentam, ao mesmo tempo, o
felicidade, o que é chamado de Belle Époque. Por outro, perfil e a frente, mostrando mais de um ângulo de visão.
a luta pelo poder e a disputa pelos mercados financeiros A literatura cubista, inaugurada por Apollinaire,
levaram as nações europeias ao campo de batalha: em preocupou-se com a construção física do texto: valorizou
1914 inicia-se a Primeira Guerra Mundial, que só terá fim o espaço da folha e a camada significante das palavras e
quatro anos depois. negou a estrofe, a rima, o verso tradicional. Esse seria o
Em uma situação contrastante como essa, o clima embrião da nossa poesia concreta, da década de 50.
pedia uma nova forma de se enxergar a realidade, de

CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 39


Pablo Picasso. Guernica. 1937. Óleo sobre tela, 349,3 cm x 776,6 cm. Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, Madrid. Fonte:
https://www.flickr.com/photos/galrinho/5410199284

FUTURISMO SURREALISMO
Essa estética celebrava os signos do novo mundo – Bastante influenciado pela psicanálise freudiana, o
a velocidade, a máquina, a eletricidade, a industrialização. Surrealismo caracterizou-se pela busca do homem
Nas artes plásticas procurava-se passar ideia de primitivo através da investigação do mundo do
movimento, não representado a imagem de um carro, mas inconsciente e dos sonhos. Na literatura, o traço
o seu movimento ao andar. Isto faz sentido se pensarmos fundamental foi a escrita automática (o autor deixa-se
no nome desta vanguarda. Visa-se sempre o futuro, o que levar pelo impulso e registra, sem controle racional, tudo
está por vir. A ideia de movimento – sempre no mesmo o que o inconsciente lhe ditar, sem se preocupar com a
sentido, para frente – permeia as obras futuristas. lógica).

Giacomo Balla. Voo das andorinhas. 1913. Têmpera sobre papel, 49,5 cm
x 73,6 cm. Fonte: Salvador Dalí. Oasis. 1946. Óleo sobre tela, 36cm x 59cm. Fundação Gala
https://www.flickr.com/photos/42676028@N02/3977631978/in/album- Salvador Dalá, Girona.
72157622507611280/ https://www.flickr.com/photos/centralasian/6751285205

DADAÍSMO
MODERNISMO EM PORTUGAL
Embrenhado de um sentimento se saturação
Em Portugal, o movimento, costumeiramente, é
cultural, de crise social e política, o considerado mais
dividido da seguinte forma:
radical movimento das vanguardas negava o presente, o
 Orfismo (1915 - 1927): iniciado com a publicação da
passado, o futuro e defendia a ideia de que qualquer
revista Orpheu, atrelou a irreverência, com o
combinação inusitada promove um efeito estético.
propósito de escandalizar o “burguês”, às mudanças
sócio-políticas pelo qual passava Portugal. Bastante
influenciado pelo Futurismo, tem em Fernando
Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almanda Negreiros e
Florbela Espanca como seus principais autores;
 Presencismo (1927 - 1940): tem início com a
publicação da revista Presença, que diferentemente do
seu antecessor, traz uma literatura intimista na qual a
forte presença do indivíduo, do eu é uma constante –
é praticamente um retorno ao discurso parnasiano da
arte pela arte. Seus principais autores são: Rodrigues
Miguéis, Branquinho da Fonseca, José Régio e Irene
Marcel Duchamp. Fonte. 1917. Urinol de porcelana invertido, 36 cm x 48 Lisboa;
cm x 61 cm. Fonte:  Neo-Realismo (1940 - 1974): voltamos aqui a termos
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Fontaine_Duchamp.jpg
uma literatura mais engajada, comprometida, de
denúncia social. Trazendo as discussões e críticas do
CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 40
Orfismo e criticando o escapismo do Grupo Presença, Começa a não saber o que é o sol
acabou por ter uma linguagem quase que panfletária. E a pensar em muitas cousas cheias de calos.
Destacam-se neste período: Alves Redol, Ferreira de Mas abre os olhos e vê o sol,
Castro, Fernando Namora e Vergílio Ferreira; E já não pode pensar em nada,
 Surrealismo (1947 - 1974): Buscando uma arte que Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
expressasse uma outra realidade, substituindo as De todos os filósofos e de todos os poetas.
questões dos neorrelistas pelo universo onírico e pela A luz do sol não sabe o que faz
exploração do inconsciente, fundamentados pelos E por isso não erra e é comum e boa.
manifestos de André Breton e da psicanálise de (...)
Sigmund Freud. Os principais autores foram Cândido (CAEIRO, Alberto. O Guardador de Rebanhos. p. 4-5)
Costa Pinto, Mário Cesariny de Vasconcelos, Antônio
Pedro e Alexandre O’Neill. RICARDO REIS
Diferentemente de Caeiro, Reis é um clássico
FERNANDO PESSOA E SEUS HETERÔNIMOS (1888- racionalista: esforçado, disciplinado, lúcido. Bastante
influenciado pelo carpe diem, o poeta acredita no gozo da
1935)
vida, porém com serenidade e sem excessos, assim como
os neoclássicos.

LEITURA
NÃO SÓ QUEM NOS ODEIA OU NOS INVEJA
Não só quem nos odeia ou nos inveja
Nos limita e oprime; quem nos ama
Não menos nos limita.
Que os deuses me concedam que, despido
De afectos, tenha a fria liberdade
Dos píncaros sem nada.
Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada
É livre; quem não tem, e não deseja,
Fernando Pessoa. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:216_2310- Homem, é igual aos deuses.
Fernando-Pessoa.jpg (REIS, Ricardo. Poemas de Ricardo Reis. p. 26)

Como falar de um autor, que não satisfeito em um ÁLVARO DE CAMPOS


ser, vários se torna. Uma pessoa, vários poetas - Fernando Vemos aqui a personalidade mais “moderna” de
Pessoa, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Pessoa. Em um tom irreverente, Campos observa
Reis. Cada um desses possui características que lhe são criticamente o mundo que o cerca, atrela o amor ao
únicas, modos de escrita, temáticas, suas inquietudes e progresso à melancolia da absurdidade da vida.
inspirações.
LEITURA
ALBERTO CAEIRO TABACARIA
Considerado por muitos o mestre dos heterônomos Não sou nada.
de Pessoa, Caeiro é pura sensação. Poeta bucólico, Nunca serei nada.
sempre em busca de um contato direto com a natureza, Não posso querer ser nada.
sem mediadores, escreve com os sentidos, pensa com À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
eles, vê as coisas como elas são, como as sente e não como Janelas do meu quarto,
elas são pensadas, conceitualizadas, intelectualizadas. Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém
sabe quem é
LEITURA (E se soubessem quem é, o que saberiam?),
O GUARDADOR DE REBANHOS Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente
Há metafísica bastante em não pensar em nada. por gente,
O que penso eu do mundo? Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Sei lá o que penso eu do mundo! Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente
Se eu adoecesse pensaria nisso. certa,
Que idéia tenho eu das cousas? Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos? seres,
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos
E sobre a criação do Mundo? brancos nos homens,
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada
E não pensar. É correr as cortinas de nada.
Da minha janela (mas ela não tem cortinas). (...)
O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério! (CAMPOS, Álvaro. Poemas de Álvaro de Campos. p. 36)
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 41
FERNANDO PESSOA (ELE MESMO - ÔRTONIMO) de definições e do rompimento com as estruturas do
Fernando Pessoa ortônimo diverge de seus passado. A segunsa se mostra como um momento de
heterônimos ao nos mostrar sua faceta saudosista: amadurecimento de tudo aquilo que foi instaurado na fase
“nacionalista místico”, aqui o poeta nos apresenta o tédio anterior. Por fim, a terceira fase (ou geração) nos revela
e os anseios de uma alma nostálgica. um retorno às formas tradicionais, ao academicismo, à
preocupação com rimas, métrica, etc.
LEITURA Ao mesmo tempo, o modernismo expressa
POBRE VELHA MÚSICA! múltiplas facetas. Há um forte apelo nacionalista
Pobre velha música! demarcado pela busca de voltar às origens e de encontrar
Não sei por que agrado, uma “língua brasileira”, além da valorização da imagem
Enche-se de lágrimas do índio e do folclore nacional. Porém, como discutir a
Meu olhar parado. questão nacional? Há apenas uma maneira de se voltar às
origens? Como os próprios modernistas perceberam, a
Recordo outro ouvir-te, resposta para perguntas como estas é claramente um não.
Não sei se te ouvi Assim, em decorrência dessa pluralidade, podemos
Nessa minha infância explicitar quatro movimentos culturais: Pau-Brasil,
Que me lembra em ti. Antropófago, Verde-Amarelismo e Anta.

Com que ânsia tão raiva PAU-BRASIL


Quero aquele outrora! Usando como base o passado histórico e cultural
E eu era feliz? Não sei: brasileiro e uma aceitação e valorização dos nossos
Fui-o outrora agora. contrastes e riquezas, o movimento Pau-Brasil defendia
(PESSOA, Fernando. Cancioneiro. p. 43-44) uma poesia primitivista e nacional, porém crítica.

MODERNISMO NO BRASIL LEITURA


As últimas décadas do século XIX e as primeiras MANIFESTO DA POESIA PAU-BRASIL (1924)
do XX foram extremamente revolucionárias para a arte A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão
como um todo. Iniciou-se um entrecruzamento de e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são
movimentos estéticos e uma tentativa de abandonar tudo fatos estéticos.
que fosse tradicional e, portanto, ultrapassado. Tanto a O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da
literatura, quanto a arquitetura, a pintura, escultura, teatro raça. Pau-Brasil. Wagner submerge ante os cordões de
e música buscavam novos rumos que se adequassem ao Botafogo. Bárbaro e nosso. A formação étnica rica.
“progresso”. O passado artístico, então, passava a ser Riqueza vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro
relido e substituído por um novo que se adequasse ao e a dança.
novo mundo urbano, mundo das máquinas, da velocidade, Toda a história bandeirante e a história comercial
das crises e desigualdades sociais. do Brasil. O lado doutor, o lado citações, o lado autores
conhecidos. Comovente. Rui Barbosa: uma cartola na
SEMANA DE ARTE MODERNA Senegâmbia. Tudo revertendo em riqueza. A riqueza dos
Aqui no Brasil, o Modernismo tem seu marco bailes e das frases feitas. Negras de jockey. Odaliscas no
inicial com a realização da Semana de Arte Moderna, em Catumbi. Falar difícil.
fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo. O lado doutor. Fatalidade do primeiro branco
Este evento, considerado um divisor de águas, foi aportado e dominando politicamente as selvas selvagens.
organizado por um grupo de intelectuais bastante O bacharel. Não podemos deixar de ser doutos. Doutores.
heterogêneo formado por pintores – tais como Anita País de dores anônimas, de doutores anônimos. O
Malfatti e Di Cavalcante –, músicos – tendo em Heitor Império foi assim. Eruditamos tudo. Esquecemos o
Villa-Lobos seu principal expoente –, escultores – Victor gavião de penacho.
Brecheret é o nome da vez – e escritores – como não falar A nunca exportação de poesia. A poesia anda
em Mario de Andrade e Oswald de Andrade. Ao mesmo oculta nos cipós maliciosos da sabedoria. Nas lianas da
tempo em que apresentavam ao Brasil os movimentos de saudade universitária.
vanguarda, eles também romperam com a arte acadêmica Mas houve um estouro nos aprendimentos. Os
e parnasiana que dominava a sociedade brasileira. Eles homens que sabiam tudo se deformaram como borrachas
buscavam um “estilo novo”, uma renovação estética, uma sopradas. Rebentaram.
nova forma de discutir as questões nacionais. A volta à especialização. Filósofos fazendo
Segundo Mário de Andrade, os modernistas não filosofia, críticos, crítica, donas de casa tratando de
sabiam definir o que queriam, mas sabiam muito bem o cozinha.
que não queriam. E o que eles não queriam? Reproduzir A Poesia para os poetas. Alegria dos que não
mais do mesmo. sabem e descobrem.
Após a Semana de 1922, costuma-se dividir o Tinha havido a inversão de tudo, a invasão de
Modernismo brasileiro, para fins analíticos e didáticos, tudo: o teatro de base e a luta no palco entre morais e
em três fases. A primeira, que compreende os anos de imorais. A tese deve ser decidida em guerra de
1922 e 1930, é a fase mais radical do movimento sociólogos, de homens de lei, gordos e dourados como
modernista, justamente em consequência da necessidade Corpus Juris.
CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 42
Ágil o teatro, filho do saltimbanco. Ágil e ilógico. Contra as elites vegetais. Em comunicação com o
Ágil o romance, nascido da invenção. Ágil a poesia. solo. (…)
A poesia Pau-Brasil, ágil e cândida. Como uma Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o
criança (…) Brasil tinha descoberto a felicidade. (…)
O Brasil profiteur. O Brasil doutor. E a A luta entre o que se chamaria Incriado e a
coincidência da primeira construção brasileira no Criatura - ilustrada pela contradição permanente do
movimento de reconstrução geral. Poesia Pau-Brasil. homem e o seu Tabu. O amor cotidiano e o modusvivendi
Como a época é miraculosa, as leis nasceram do capitalista. Antropofagia. Absorção do inimigo sacro.
próprio rotamento dinâmico dos fatores destrutivos. A Para transformá-lo em totem. A humana aventura. A
síntese terrena finalidade. Porém, só as puras elites conseguiram
O equilíbrio realizar a antropofagia carnal, que traz em si o mais alto
O acabamento de carrosserie sentido da vida e evita todos os males identificados por
A invenção Freud, males catequistas. O que se dá não é uma
A surpresa sublimação do instinto sexual. É a escala termométrica
Uma nova perspectiva do instinto antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo
Uma nova escala e cria a amizade. Afetivo, o amor. Especulativo, a ciência.
Qualquer esforço natural nesse sentido será bom. Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. A
Poesia Pau-Brasil (…) baixa antropofagia aglomerada nos pecados de
(ANDRADE, O. Manifesto da Poesia Pau-Brasil. p. 1-2) catecismo - a inveja, a usura, a calúnia, o assassinato.
Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é
LEITURA contra ela que estamos agindo. Antropófagos.
MANIFESTO ANTROPÓFAGO (1928) (…)
Como o próprio nome sugere, o movimento propõe (ANDRADE, O. Manifesto Antrpófago. p. 3-6)
uma devoração. Assim como algumas tribos indígenas
possuíam o costume de devorar os seus inimigos (só LEITURA
assim extrairiam sua força), aqui o ato de devorar é NHENGAÇU VERDE-AMARELO - MANIFESTO DO VERDE-AMARELISMO
simbólico – consumir o que há para ser consumido da OU DA ESCOLA DA ANTA (1929)
cultura europeia sem que isso implique na perda da nossa O nacionalismo presente nos dois movimentos
própria identidade cultural. anteriores, tende aqui para o ufanismo xenofóbico,
bastante influenciado pelos movimentos nazifascistas que
Só a ANTROPOFAGIA nos une. Socialmente. dominavam a Europa. Como símbolos deste movimento
Economicamente. Filosoficamente. temos a Anta – maior mamífero terrestre brasileiro – e as
Única lei do mundo. Expressão mascarada de cores da bandeira do Brasil. Estes símbolos servem
todos os individualismos, de todos os coletivismos. De também para dar nome ao manifesto.
todas as religiões. De todos os tratados de paz. Tupi, or
not tupi that is the question.
Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos TAREFA MÍNIMA
Gracos.
Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. 01. (ENEM, 2012) Desde dezoito anos que o tal patriotismo lhe
Lei do antropófago. absorvia e por ele fizera a tolice de estudar inutilidades. Que lhe
(...) importavam os rios? Eram grandes? Pois que fossem... Em que lhe
Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados e contribuiria para a felicidade saber o nome dos heróis do Brasil? Em
amados ferozmente, com toda a hipocrisia da saudade, nada... O importante é que ele tivesse sido feliz. Foi? Não. Lembrou-
pelos imigrados, pelos traficados e pelos touristes. No se das coisas do tupi, do folk-lore, das suas tentativas agrícolas...
país da cobra grande. Restava disso tudo em sua alma uma satisfação? Nenhuma!
Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem Nenhuma!
coleções de velhos vegetais. E nunca soubemos o que era O tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, o
urbano, suburbano, fronteiriço e continental. escárnio; e levou-o à loucura. Uma decepção. E a agricultura? Nada.
Preguiçosos no mapa-múndi do Brasil. As terras não eram ferazes e ela não era fácil como diziam os livros.
Uma consciência participante, uma rítmica Outra decepção. E, quando o seu patriotismo se fizera combatente,
religiosa. Contra todos os importadores de consciência o que achara? Decepções. Onde estava a doçura de nossa gente?
enlatada. A existência palpável da vida. E a mentalidade Pois ele não a viu combater como feras? Pois não a via matar
pré-lógica para o Sr. Lévy-Bruhl estudar. prisioneiros, inúmeros? Outra decepção. A sua vida era uma
Queremos a Revolução Caraíba. Maior que a decepção, uma série, melhor, um encadeamento de decepções.
revolução Francesa. A unificação de todas as revoltas A pátria que quisera ter era um mito; um fantasma criado
eficazes na direção do homem. Sem nós a Europa não por ele no silêncio de seu gabinete.
teria sequer a sua pobre declaração dos direitos do (BARRETO, L. Triste fim de Policarpo Quaresma. p.)
homem.
A idade de ouro anunciada pela América. (...) O romance Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, foi
Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um publicado em 1911. No fragmento destacado, a reação do
direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou personagem aos desdobramentos de suas iniciativas patrióticas
em Belém do Pará. (…) evidencia que
CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 43
a) a dedicação de Policarpo Quaresma ao conhecimento da natureza Coerente com a proposta parnasiana de cuidado formal e
brasileira levou-o a estudar inutilidades, mas possibilitou-lhe uma racionalidade na condução temática, o soneto de Raimundo Correia
visão mais ampla do país. reflete sobre a forma como as emoções do indivíduo são julgadas em
b) a curiosidade em relação aos heróis da pátria levou-o ao ideal de sociedade. Na concepção do eu lírico, esse julgamento revela que
prosperidade e democracia que o personagem encontra no contexto a) a necessidade de ser socialmente aceito leva o indivíduo a agir de
republicano. forma dissimulada.
c) a construção de uma pátria a partir de elementos míticos, como a b) o sofrimento íntimo torna-se mais ameno quando compartilhado
cordialidade do povo, a riqueza do solo e a pureza linguística, conduz por um grupo social.
à frustração ideológica. c) a capacidade de perdoar e aceitar as diferenças neutraliza o
d) a propensão do brasileiro ao riso, ao escárnio, justifica a reação sentimento de inveja.
de decepção e desistência de Policarpo Quaresma, que prefere d) o instinto de solidariedade conduz o indivíduo a apiedar-se do
resguardar-se em seu gabinete. próximo.
e) a certeza da fertilidade da terra e da produção agrícola e) a transfiguração da angústia em alegria é um artifício nocivo ao
incondicional faz parte de um projeto ideológico salvacionista, tal convívio social.
como foi difundido na época do autor.
04. (ENEM, 2014) Vida obscura
02. (ENEM, 2012) Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,
Ó ser humilde entre os humildes seres,
Embriagado, tonto de prazeres,
O mundo para ti foi negro e duro.

Atravessaste no silêncio escuro


A vida presa a trágicos deveres
E chegaste ao saber de altos saberes
Tornando-te mais simples e mais puro.

Ninguém te viu o sentimento inquieto,


Magoado, oculto e aterrador, secreto,
Que o coração te apunhalou no mundo,

Picasso, P. Les Demoiselles d’Avignon. Nova York, 1907.


Mas eu que sempre te segui os passos
ARGAN, G. C. Arte moderna: do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. São Paulo: Sei que cruz infernal prendeu-te os braços
Companhia das Letras, 1992. E o teu suspiro como foi profundo!
(SOUSA, C. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1961.)
O quadro Les Demoiselles d’Avignon (1907), de Pablo Picasso,
representa o rompimento com a estética clássica e a revolução da Com uma obra densa e expressiva no Simbolismo brasileiro, Cruz e
arte no início do século XX. Essa nova tendência se caracteriza pela Sousa transpôs para seu lirismo uma sensibilidade em conflito com a
a) pintura de modelos em planos irregulares. realidade vivenciada. No soneto, essa percepção traduz-se em:
b) mulher como temática central da obra. a) sofrimento tácito diante dos limites impostos pela discriminação.
c) cena representada por vários modelos. b) tendência latente ao vício como resposta ao isolamento social.
d) oposição entre tons claros e escuros. c) extenuação condicionada a uma rotina de tarefas degradantes.
e) nudez explorada como objeto de arte. d) frustração amorosa canalizada para as atividades intelectuais.
e) vocação religiosa manifesta na aproximação com a fé cristã.
03. (ENEM, 2013) Mal secreto
Se a cólera que espuma, a dor que mora
N’alma, e destrói cada ilusão que nasce, TAREFA COMPLEMENTAR
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse; 05. (ENEM, 2014) Psicologia de um vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Se se pudesse, o espírito que chora, Monstro de escuridão e rutilância,
Ver através da máscara da face, Sofro, desde a epigênese da infância,
Quanta gente, talvez, que inveja agora A influência má dos signos do zodíaco.
Nos causa, então piedade nos causasse!
Produndissimamente hipocondríaco,
Quanta gente que ri, talvez, consigo Este ambiente me causa repugnância...
Guarda um atroz, recôndito inimigo, Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Como invisível chaga cancerosa! Que se escapa da boca de um cardíaco.

Quanta gente que ri, talvez existe, Já o verme — este operário das ruínas —
Cuja ventura única consiste Que o sangue podre das carnificinas
Em parecer aos outros venturosa! Come, e à vida em geral declara guerra,
(CORREIA, R. In: PATRIOTA, M. Para compreender Raimundo Correia. Brasília: Alhambra,
1995.)
CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 44
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
(ANJOS, A. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.)

A poesia de Augusto dos Anjos revela aspectos de uma literatura de


transição designada como pré-modernista. Com relação à poética e
à abordagem temática presentes no soneto, identificam-se marcas
dessa literatura de transição, como:
a) a forma do soneto, os versos metrifica dos, a presença de rimas
e o vocabulário requintado, além do ceticismo, que antecipam
conceitos estéticos vigentes no Modernismo.
b) o empenho do eu lírico pelo resgate da poesia simbolista,
manifesta em metáforas como “Monstro de escuridão e rutilância” e
“influência má dos signos do zodíaco”. Edvard Munch. O grito. 1893. Óleo e pastel sobre cartão, 91cm x 73,5 cm. Museu
c) a seleção lexical emprestada ao cientificismo, como se lê em Munch. Oslo. Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Edvard_Munch_-
_The_Scream_-_Google_Art_Project.jpg
“carbono e amoníaco”, “epigênesis da infância” e “frialdade
inorgânica”, que restitui a visão naturalista do homem.
O texto de Drummond
d) a manutenção de elementos formais vinculados à estética do
I. traduz a estreita relação entre a forma e o conteúdo da pintura.
Parnasianismo e do Simbolismo, dimensio - nada pela inovação na
II. mostra como o desespero do homem retratado repercute no
expressividade poética, e o desconcerto existencial.
ambiente.
e) a ênfase no processo de construção de uma poesia descritiva e
III. contém o mesmo exagero dramático e aterrorizante da pintura.
ao mesmo tempo filosófica, que incorpora valores morais e científicos
IV. interpreta poeticamente a pintura.
mais tarde renovados pelos modernistas.
Está (ão) correta(s)
06. (ITA, 2013) Violões que Choram...
a) apenas I e II.
Ah! plangentes violões dormentes, mornos,
b) apenas I, II e IV.
Soluços ao luar, choros ao vento...
c) apenas II, III e IV.
Tristes perfis, os mais vagos contornos,
d) apenas III e IV.
Bocas murmurejantes de lamento.
e) todas.
Noites de além, remotas, que eu recordo,
08. (ENEM, 2015) A pátria
Noites de solidão, noites remotas
Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!
Que nos azuis da Fantasia bordo,
Criança! não verás nenhum pais como este!
Vou constelando de visões ignotas.
Olha que céu! que mar! que rios! que floresta!
A Natureza, aqui, perpetuamente em festa,
Sutis palpitações à luz da lua,
É um seio de mãe a transbordar carinhos.
Anseio dos momentos mais saudosos,
Vê que vida há no chão! vê que vida há nos ninhos,
Quando lá choram na deserta rua
Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos!
As cordas vivas dos violões chorosos. [...]
(Cruz e Sousa) Vê que luz, que calor, que multidão de insetos!
Vê que grande extensão de matas, onde impera,
O poema traz a seguinte característica da escola literária em que se Fecunda e luminosa, a eterna primavera!
insere: Boa terra! jamais negou a quem trabalha
a) tendência à morbidez. O pão que mata a fome, o teto que agasalha...
b) lirismo sentimental e intimista.
c) precisão vocabular e economia verbal. Quem com o seu suor a fecunda e umedece,
d) depuração formal e destaque para a sensualidade feminina. Vê pago o seu esforço, e é feliz, e enriquece!
e) registro da realidade através da percepção sensorial do poeta.
Criança! não verás pais nenhum como este:
07. (ITA, 2014) Considere o poema abaixo, de Carlos Drummond de Imita na grandeza a terra em que nasceste!
(BILAC, O. Poesias infantis. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1929.)
Andrade, à luz da reprodução da pintura de Edvard Munch a que ele
se refere.
Publicado em 1904, o poema A pátria harmoniza-se com um projeto
ideológico em construção na Primeira República. O discurso poético
O grito (Munch)
de Olavo Bilac ecoa esse projeto, na medida em que
A natureza grita, apavorante.
a) a paisagem natural ganha contornos surreais, como o projeto
Doem os ouvidos, dói o quadro.
brasileiro de grandeza.
b) a prosperidade individual, como a exuberância da terra,
independe de políticas de governo.
c) os valores afetivos atribuídos à família devem ser aplicados
também aos ícones nacionais.

CURSO PRÉ-UNIVERSITÁRIO MAFALDA 45


d) a capacidade produtiva da terra garante ao país a riqueza que se d) corpo e espírito.
verifica naquele momento. e) ideal e real.
e) a valorização do trabalhador passa a integrar o conceito de bem-
estar social experimentado.
TAREFA DISSERTATIVA
09. (ENEM, 2015)
10. (FGV, 2013) Este texto foi extraído de um conto de Monteiro
TEXTO I Lobato, cujo personagem principal enlouquece, quando vê seu
Versos de amor cafezal inteiramente destruído pela geada.
A um poeta erótico E a geada veio! Não geadinha mansa de todos os anos,
Oposto ideal ao meu ideal conservas. mas calamitosa, geada cíclica, trazida em ondas do Sul.
Diverso é, pois, o ponto outro de vista O sol da tarde, mortiço, dera uma luz sem luminosidade, e
Consoante o qual, observo o amor, do egoísta raios sem calor nenhum. Sol boreal, tiritante. E a noite caíra sem
Modo de ver, consoante o qual, o observas. preâmbulos.
Deitei-me cedo, batendo o queixo, e na cama, apesar de
Porque o amor, tal como eu o estou amando, enleado em dois cobertores, permaneci entanguido uma boa hora
É Espírito, é éter, é substância fluida antes que ferrasse no sono. Acordou-me o sino da fazenda, pela
É assim como o ar que a gente pega e cuida, madrugada.
Cuida, entretanto, não o estar pegando! Sentindo-me enregelado, com os pés a doerem, ergui-me
para um exercício violento. Fui para o terreiro.
É a transubstanciação de instintos rudes, O relento estava de cortar as carnes – mas que
Imponderabilíssima, e impalpável, maravilhoso espetáculo! Brancuras por toda a parte.
Que anda acima da carne miserável Chão, árvores, gramados e pastos eram, de ponta a ponta,
Como anda a garça acima dos açudes! um só atoalhado branco. As árvores imóveis, inteiriçadas de frio,
(ANJOS, A. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996 (fragmento)) pareciam emersas dum banho de cal. Rebrilhos de gelo pelo chão.
Águas envidradas.
TEXTO II As roupas dos varais, tesas, como endurecidas em goma
Arte de amar forte. As palhas do terreiro, os sabugos de ao pé do cocho, a telha
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma. dos muros, o topo dos moirões, a vara das cercas, o rebordo das
A alma é que estraga o amor. tábuas – tudo polvilhado de brancuras, lactescente, como chovido
Só em Deus ela pode encontrar satisfação. por um suco de farinha. Maravilhoso quadro!
Não noutra alma. Invariável que é a nossa paisagem, sempre nos mansos
Só em Deus - ou fora do mundo tons do ano inteiro, encantava sobremodo vê-la súbito mudar, vestir-
As almas são incomunicáveis. se dum esplendoroso véu de noiva – noiva da morte, ai!...
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. (LOBATO, M. O drama da geada, in Negrinha. São Paulo: Brasiliense, 1951.)
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
(BANDEIRA, M. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.) Em outra passagem do conto, o narrador afirma: “Só então me
acudiu que o belo espetáculo que eu até ali só encarara pelo prisma
Os Textos I e II apresentam diferentes pontos de vista sobre o tema estético tinha um reverso trágico: a morte do heroico fazendeiro”. O
amor. Apesar disso, ambos definem esse sentimento a partir da que o narrador chama de “prisma estético” pode ser identificado no
oposição entre excerto aqui reproduzido? Justifique sua resposta.
a) satisfação e insatisfação.
b) egoísmo e generosidade.
c) felicidade e sofrimento.

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GABARITO
AULA 6
01.B
02.B
03.E
04.C
05.A
06.A
07.D
08.C
09.A
10.C

AULA 7
01.A
02. C
03. A
04.B
05. B
06. B
07. D
08. A) E/ B) E
09. B
10. C

AULA 8
01.A
02.D
03.D
04.D
05.B
06.E
07.A
08.E
09.D
10.B

AULA 9
01.C
02.A
03.A
04.A
05.D
06.E
07.E
08.B
09.D

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CITAÇÕES
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SOUSA, Cruz e. Bróqueis. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000073.pdf

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ANOTAÇÕES

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