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,
O PRI VIL EGIO
,.,,, .
DA SE RVI DAO
o novo proletariado de
serviços na era digital
ti' --
Capítulo 2
A EXPLOSÃO DO NOVO
PROLETARIADO DE SERVIÇOS
1
Dada a clara divisão sociossexual do trabalho. frequentemente desigual e diferen-
ciada, neste livro a noção de trabalhadores e de classe trabalhadora contemplarã
sempre sua dimensão de gênero. como trabalhadores e trabalhadoras.
· '11'idito A explosão do novo prolet:ariado de serviços • 27
:zt, , () />l'Íl'l lt '!-}lO <1
(1 SL
Nokia. entre várias outras transnacionais. E~ sua unidad~ de Lon- panhia são manufaturados por parce iros terce irizados localizados
hen) . onde são fabricados os iPhones. ampharam-se principalmente na Ásia7 .
g1ma (sh e nz • · d
desde 2010 os suicídios de trabalhadores. emalsuat~aionba t~dnu~- Nessa forte impulsão à terceirização em escala global. sempre
ciando a intensa exploração do trabalho ao qu es ~o su me i os . segundo a obra citada de Ngai, Chan e Selden. os fornecedores de
Se por um lado esse padrão chinês de. exploraça? do trabalho, eletrônicos são impelidos a competir uns contra os outros visando
presente em tantas outras unidades pr~dutivas do pais~ vem se con- atender tanto as rigorosas especificações de preço quanto a qualida-
figurando como uma tendência agr~ssiva de explora~ª? em escala de do produto e o tempo de produção, o que acaba gerando pressões
ampliada. por outro sinaliza que muitas das ~utas sociais e das_g:e- salariais e riscos à saúde dos trabalhadores. Essas fortes pressões
ves recentes lá gestadas encontram suas ongens nessas precanas salariais e condições árduas de trabalho provocaram. em julho de
condições. As causas do relativo aumento da média salarial da clas- 2009 . um suicídio. Na ocasião. um jovem operário de nome Sun
se trabalhadora na China, nesse último período, não foram outras Danyong. com 25 anos de idade. foi apontado como responsável pela
senão resultado das inúmeras greves e ações de resistência desen- perda de um dos protótipos do iPhone 4 . Por causa disso. atirou-se
cadeadas pelo operariado chinês. do 122 andar da Foxconn.
Segundo a organização Students and Scholars Against Corporate Desde então. vártas manifestações de descontentamento e também
Misbehaviour (Sacom), os operários da Foxconn trabalhavam, em várias greves vêm ocorrendo, como forma de denúncia da superex-
2010, doze horas por dia em média, recebendo salártos aviltantes. ploração e intensificação do trabalho vigente na empresa global ter -
Os estudos de Pun Ngai. Jenny Chan e Mark Selden4 nos mostram ceirizada de capital originárto de Taiwan. Ainda segundo Ngai, Chan
que a tragédia da Foxconn foi de tal intensidade que. nos primeiros e Selden. as greves e manifestações de revolta na Foxconn formam
oito meses daquele ano, 1 7 jovens trabalhadores entre 1 7 e 25 anos um espectro mais amplo de ações do trabalho por toda a parte na
tentaram suicídio, dos quais 13 morreram5 . Segundo os autores. o China ao longo das últimas décadas. Com a ampliação das plantas
triunfo comercial da Apple reside, em grande parte, na terceirização produtivas da Foxconn em outras cidades da China (no Brasil. tam-
da produção de seus eletrônicos para a Ásia (e para a Foxconn em bém há uma unidade) . houve novos suicídios, ainda que em menor
particular). que, apenas na China. empregava naquele período cerca escala. nos anos seguintes. como os três casos denunciados na uni-
de 1.4 milhão de trabalhadores6 . Lembram ainda que, desde o final dade de Zhengzhou em 2013.
dos anos 1970, a China estabeleceu zonas econômicas especiais para No Japão, cujo capitalismo de tipo toyotista inspirou os países
atrair capital estrangeiro, o que levou a Apple a buscar essas grandes ocidentais, as figuras dos jovens operários (decasséguis) que migram
empresas de terceirização a fim de reduzir custos e ampliar mercados. e m busca de trabalho nas cidades e dormem em cápsulas de vidro
Vale recordar também que a Foxconn não só possuía complexos são emblemáticas. como também o são as ocorrências mais recentes.
fabris em Shenzhen, mas em mais de quinze províncias por todo o em Tóquio, de jovens trabalhadores sem-casa, subempregados ou
país. Acrescentam ainda os autores. citando informações da própria desempregados. que procuram refúgio noturno em cibercafés - sendo.
Apple, que substancialmente todos os produtos de hardware da com- por isso, denominados ciber-refugiados - . buscando encontrar algum
trabalho ao mesmo tempo que descansam e interagem virtualmente8 •
3
Pun NgaJ. J e nny C h a n e Mark Selden . '"The Polittcs of Global Produc lion: Apple. Eles se somam às diversas expressões. na ponta mais precarizada,
Foxconn and China·s New Worklng Class·. The Asia Pacifi.c Joumal: Japan Fo- do que Ursula Huws9 designou como cibertariado, do irifoproletaria-
cus. ed. 32. v. 11 . n . 2 . ago. 2013; dis poníve l e m : <http://www.Ja pa nfoc us.org/ do1 0. ou ainda dos intermitentes globais.
-Jenny-Chan/3981 >: acesso e m : 2 0 a go. 2014.
4
Idem.
5
Ver também Pun NgaJ e Jenny Chan . "The Advent of Capital Expansion ln China: a 7
Ide m .
C~se Study of Foxconn Production and the Impac ls on lts Wo rkers ··. 2 012; d lspo-
~ Ma riana Shlnohara Ronca to. Dekassegui. ciber-refugiado e working poor: o trabalho
ruvel em: <http:/ /rdln .files .wordpress.c om/2012/01 /pun -n gal_c han-je nny_on-
foxconn.pdf>; acesso em : 20 ago. 2014; Pun Ngal. Chrts IQng-Chl Ch a n e J e nny imigrante e o lugar do outro na sociedade d e classes (dissertação de mestrado em
Chan. "The Role of the State . Labour Policy and Mlgranl Worke rs Slruggles in Sociologia . Ca mplnas. Ins tituto de Filosofia e Ciê ncias Humana s . Unicamp. 2013) .
9
Globalized China··, Global LabourJournal. v. 1. n . 1, 2010; disponível em : <http:/ / Urs ula Huws . Labor ín the Global Digital Economy: The Cybertarial Comes of Age
sacom.hk/wp-content/uploads /2013/07 /20 JOGlobalLaborJourna l- PN .CC.J C . (Londres. Merlin. 2014).
pdf>; aces so em : 26 dez. 2017 . - 'º Ricardo Antunes e Ruy Braga (orgs. ). Infoproletários: degradação real do trabaU10
G Pun Nga i, J enny Chan M k S ld . . uirtual {São Paulo. Boltempo. 2009) .
e ar e e n . "The Pohtics of Global Productton '" . c il.
A explosão d o rwvo proletariado de serviços • 3 1
30 • O privilégio da servidão
. . aça-0 completa do trabalho pelo maquinário de etc.). ao mesmo tempo que expulsa da produção um conjunto
trário da e11mm
Ao con . . al tamos presenciando o advento e a expansão significativo de trabalhadores (incluindo Jovens qualificados e ultra-
1nformacional-digit · esletariado da era digital cujos trabalhos, mais qualificados. muitos dos quais pós-graduados) que não encontram
ntal do novo pro
monume lt t s mais ou menos constantes, ganharam novo emprego em seus países. Isso sem falar dos enormes contingentes
os 1nterm en e , .
ou men TIC ue conectam, pelos celulares. as mais distin- de Imigrantes menos qualificados. cujos novos fluxos migratórios
impulso c~mdas d str,lalho. Portanto, em vez do fim do trabalho na (Sul-Norte. Norte-Sul. Sul-Sul. Norte-Norte e Leste-Oeste) aumentam
tas modalida es e . . l
. . t vivenciando o crescimento exponencia do novo os bolsões de trabalhadores sobrantes. descartáveis. subempregados
era digital. es amos d d
_...,_,.,_ de serviç·os uma variante global o que se po e deno- e desempregados 13 .
proletw
.
= '
idão dinital. Em pleno seculo
• XXI
• O resultado dessa processualidade é que. em todos os espaços
nunar escrav -::,não se limita ao mund o as1a •· t · e
Mas esse quadrº _ . 1co.. orno . os exem- possíveis. os capitais convertem o trabalho em potencial gera dor de
-
pios sao a un b dantes , vale fazer uma referencia
. dJreta
. a empresa
. mais-valor. o que inclui desde as ocupações. tendencialmente em
norte-americana de comércio global Walmart. 1?sprradora da p_eJora- retração em escala global. que ainda estabelecem relações de trabalho
tiva denominação "walmartização do trabalho ~ara caractenzar a pautadas pela formalidade e contratualidade, até aquelas claramente
Intensidade da exploração em suas diversas umdades. Segundo o caracterizadas pela informalidade e flexibilidade. não importando se
sociólogo italiano Pletro Basso 11 • a Walmart utiliza-se de elementos suas a tividades são mais intelectualizadas ou mais manuais.
do taylorismo e do toyotismo, remunerando o trabalho sempre nos Um desenho contemporãneo da classe trabalhadora deve englobar.
patamares mais baixos. Do taylorismo, diz Basso, a empresa busca portanto. a totalidade dos assalariados. homens e mulheres que vivem
sempre maior produtividade, através do uso de tecnologias conjun- da venda de sua força de trabalho em troca de salário. seja na in-
tamente com o parcelamento das tarefas laborativas. E do modelo dústria. na agricultura e nos serviços. seja nas interconexões exis-
japonês, o toyotismo, utiliza-se do just-in-time, tanto em seu espaço tentes entre esses setores, como na agroindústria . nos serviços
de trabalho quanto na sua enorme rede de fornecedores. industriais. na indústria de serviços et c. Dadas as profun das meta-
Como lembra ainda o autor. a Walmart não incorporou nenhum morfoses ocorridas no mundo produtivo do capitalismo contemporã-
traço de efetiva valorização salarial. sempre recusando salários maio- neo. o conceito ampliado de classe trabalhadora. em sua nova
res, além de praticar altas taxas de turn over. O seu maior "segredo" morfologia. deve incorporar a totalidade dos trabalhadores e t raba-
é a utilização de uma ampla força de trabalho composta por mulheres. lhadoras. cada vez mais integrados pelas cadeias produtivas globais
Jovens. negros e portadores de deficiência, que vendem sua força de e que vendem sua força de trabalho como mercadoria em troca de
trabalho por valores bastarJte reduzidos, valendo-se também de for- salário. sendo pagos por capital-dinheiro. não importando se as a ti-
necedores chineses que produzem sob encomenda para a empresa 12 . vidades que realizam sejam predominantemente materiais ou imate-
Portanto, a "longa transformação" do capital chegou à era d a fi- riais. mais ou menos regulamentadas.
nancelrtzação e da mundialização em escala global. introduzindo uma Sabemos que. no capitalismo financeirtzado da era informacio-
nova_divisão internacional do trabalho, que apresenta uma cla ra nal 14 . se desenvolve cada vez mais uma simbiose entre o que é pro-
tendencia. quer inten s ificando os níveis de precarização e informali- dutivo e o que é improdutivo, uma vez que no mesmo t rabalho podem
dade, quer se direcionando à "intelectualização" do trabalho. espe- ser executadas atividades que geram valor e. posteriormente. outras
cialmente na s TICs. Nã o raro, as duas tendências se m esclam e ações voltadas para conferir a qualidade dos prod utos criados. mes-
sofrem um processo de simbiose. clando assim ações tanto "produtivas" quanto "improdutivas" (sempre
Um
_ resultado forte de ta·1s tend enclas . e. que . ao contrario . da re- no sentido que lhes é dado pelo capital).
traçao ou descompensa - d 1 . Em um universo em que a economia está sob c omando e hege-
. çao a e1 do valor, o mundo do capital vem
assistindo a uma fort _ monia do capital financeiro. as empresas buscam garantir seus altos
menta . e amp11açao de seus mec a nismos d e funciona-
, mcorporando no fi luc ros exigindo e transferindo aos trabalhadores e trabalhadoras a
(presentes nos tr b Ih vas ormas de geração d e tra b a lho exceden te
ªª os tercelrizados ou pautados pela tn fo rmaltda -
13
11 V~r tamb~m os livros d e Pielro B asso e Fab to Perocco. Gil immlgrati Úl E uropa:
PI et ro Basso. "Lºorarto dl 1 • diseguaglianze. razzismo iotte (Milão. Angell. 2008) : e Razzismo di s talo: s tati wi 1·e·
Soltlle (orgs.]. Ma il capila~:ºª10
tnt-:lo secolo... em Antonio Pagllaron e e Gluseppe Europa. lialia (Milão. Angell. 2010) . L
12
Idem. mo st espande ancora? (Triest e. A sl erlos . 2008) .
' '' François ChesnaJs. A m und ialização do capital (São Paulo . Xamã. 1996).
A explos(w do ,,,.,V<, /JrOlcrarlado d,t se111tços • 3:1
periódica do processo de trabalho durante a noite, por exemplo. ainda Assim. como hipótese que parece plausível, a indústria de trans-
que interrompa a função desses meios de trabalho, não interrompe sua portes. expressão de uma modalidade de produção imaterial - visto
permanência nos locais de produção. Eles pertencem a esses locais não que não produz nenhuma mercadoria, pois atua centralmente na
só quando ativos. mas também quando inativos. 3 0 esfera da circulação - , torna-se imprescindível para a concretização
da produção material e da efetivação do mais-valor. Por certo. essa
E acrescenta ainda que:
exceção aberta por Marx não significa que o mais-valor encontre fora
o capitalista precisa dispor de um determinado estoque de matérias- da produção seu espaço de criação. Mas, partindo de sua excepcional
·primas e materiais auxiliares para que o processo de produção con- percepção e teorização de que há um processo de produção que se
tinue a se desenrolar durante um tempo mais curto ou mais longo desenvolve dentro do processo de circulação, qualquer leitura que
sobre a escala previamente estabelecida. sem depender da contingên- atribua uma concepção estreita de produção e de indústria em Marx
cia de ter de abastecer-se diariamente desses materiais no mercado. fica em grande medida bastante fragilizada. Por outro lado, essa
Esse estoque de matérias-primas etc. só é produtivamente consumido concepção ampla de processo de produção dentro da circulação não
de modo paulatino. Há. portanto, uma diferença entre seu tempo de pode ser acríticamente generalizada.
produção e seu tempo de funcionamento. O tempo de produção dos Como exemplo. podemos recordar que. no Livro m 33 . ao tratar
meios de produção em geral abarca. desse modo. 1) o tempo durante do comércio. Marx adicionou que este. embora seja imprescindível
o qual eles funcionam como meios de produção, ou seja. durante o para a concretização da venda, não gera mais-valor. sendo por isso
qual atuam no processo de produção; 2) as pausas. durante as quais considerado pelo capital como improdutivo. O capital comercial , diz
se interrompe o processo de produção e . com ele, a função dos meios de Marx. se apropria de parte do mais-valor gerado na produção indus-
produção nele incorporados; 3) o tempo durante o qual. embora já se trial e por isso não é responsável pela sua criação. Mas o autor não
encontrem dispon1·ve1·s c orno con d'1çoes
· do processo e . portanto. Ja· deixa de afirmar que as similitudes são maiores do que as diferenças.
representem O capital produtivo. eles ainda não estão incorporados no quando se pe nsa nas condições de classe dos comerciários enquan -
processo de produção.31 to assalariados . Em suas palavras:
Por um lado. tal trabalha dor comercial é um assalariado como qualquer
algumas das hipóteses aqui d . outro. Em primeiro lugar. porque o traba lho é comprado n ã o pelo dinhei -
Se santos co . d esenvo1vidas sao apresentadas com competência. ro gasto como renda . mas pelo capital variável do comerciante e. por
trabalhos 'ant~o m i;a em seus est udos (p. 130-132). retomou pistas de meus
i ores. ,aço o mesmo aqui conseguinte. n ão para a obtenção de um serviço privado. mas com a
quando ele aprese ta . em re 1açao
.
ao seu texto. principalmente
ção Imaterial e O dan sua d criativa
. hipótes e comparativa entre o mundo da prod u·
30
pro uçao material. :
12
Ibidem. p . 2 0 4 -5 : grifos meus.
Karl Marx• o capital.
• Livro
. li . cit.. p. 1.
31 20 "" l,a rl Marx . O capital: crilica ela economia política. Livro llf: O proces so global da
ibidem. p. 20! -Z.
p roclw; âo cc1pitalis to (São Pa ulo. Boi tempo, 2017) .
/\ 1•xr,lnsáo do novo proletariado d.e ser v iços • 45
. ção do capital aJi adiantado. Em segundo 1
. l"chck da autovaJ onza
1111 1 1
< ugar
- ' d força de trabalho - e. portanto. seu salário _ '.
rciu<' 0 valor e sua · . esta No universo da produção. onde há presen ça do trabalho Imate-
po ·. caso de todos os demrus assalariados. pelos
dt·iermmado. como no . cus- rial. a exemplo de diversas allvidades caracterizadas como de ser -
. d ça-o e reprodução de sua força de trabalho especifica, e na-
1os dc p10 u o viços. por exemplo nas T!Cs. nos call-cente rs e tc .. pode -se afirmar
pelo produto de seu trabalho.34 que o trabalho com traços ou coágulos d e ima terialidade gere valor.
tornando-se por isso também produtivo? É do que trata remos no
E acrescenta:
item seguinte.
Porém. entre ele e os trabalhadores diretamente em~regados pelo capital
industrial tem de existir a mesma diferença que ha entre o capital in- O trabalho imaterial pode ser produtivo?
dustrial e O comerciante. Como o comerciante. na qualidade de mero Para responder a essa questão. por si mesma bastante complexa.
agente da circulação. não produz valor nem mais-valor [...). também é é preciso desde logo apresentar duas formulações centra.is em nos-
impossível que os trabalhadores de comércio que ele emprega nas mes- so argumento . A primeira delas remete à conceitualização do que é
mas fun ções possam criar diretamente mais-valor para ele.35 produtivo e improdutivo para Marx. A segunda se refere à sua for -
mulação acerca da materialidade ou imaterialidade da produção e
Assim. se é claro para Marx que o trabalho produtivo não se
do trabalho.
c onforma no âmbito do comércio, o mesmo não se pode dizer em Vamos. então. esclarecer como concebemos a síntese marxiana
relação a um setor particular da indústria de serviços, a indústria de de trabalho produtivo e improdutivo. Resumiremos nos pontos a
transporte. Isso porque a sua análise foi capaz de compreender seguir o que entendemos como central da formulação marxiana
precocemente. ainda em meados do século XIX. que esse ramo era acerca do trabalho produtiva38 . Trata-se daquele trabalho que:
por si mesmo capaz de criar mais-valor. Hoje, um século e meio
depois. com as profundas mutações vivenciadas pelo capitalismo da 1) Cria mais-valor. Se, no Capitulo VI (inédito). Marx o define como
era digital-informacional e com a expressiva expansão dos serviços aquele que cria diretamente mais-valor, em O capital ele suprime
e sua mercadorização. torna-se premente oferecer um efetivo enten- essa qualificação. Em nosso entendimento. isso ocorre porque o
dimento de qual é o papel dos serviços na acumulação de capital, acréscimo da palavra diretamente é por demais restritivo . numa
como se realiza o processo de produção dentro desse setor. bem como produção que é coletiva.
qual é a real participação desses trabalhadores e dessas trabalha- 2) É pago por capital-dinhe iro, e não por renda. Esta segunda forma
doras no processo de valorização do capital e de criação (ou não) de de pagamento - por renda - é a que caracteriza. sempre de acor-
mais-valor. do com Marx, o pagamento pelo trabalho improdutivo. que cria
A principal hipótese, que vem sendo desenvolvida ao longo de valor de uso. e não valor de troca.
nossa pesquisa e que se constitui no principal fio condutor deste livro, 3) Resulta do trabalho coletivo, social e complexo, e não mais indi-
é que estamos presenciando o advento de novas formas de extração vidual. É por isso que o autor afirma. no Capitulo VI (inédito). que
do mais-valor também nas esferas da produção não material ou não é o operário individual que se converte no agente real do pro-
imaterial, espaço por excelência dos serviços que foram privatizados cesso de trabalho no se u coryunto. mas sim uma capacidade de
durante a longa fase de vigência do neoliberalismo. Lembremos que trabalho socialmente combinada.
a _Prin~ipal transformação da empresa flexível e mesmo do toyotismo 4) Valoriza o capital. não importando se o resultado de seu produto
é material ou imaterial.
n~o foi.ª co~versão da ciência em principal força produtiva36 , mas sim
a imbncaçao progressiva entre trabalho e ciência imaterialidade e 5) Mesmo quando realiza uma mesma atividade. somente poderá
materialidade, trabalho produtivo e improdutiva3 7 . '
ser definido como produtivo ou improdutivo em sua efetividade
concreta. isto é , dependendo de sua relação social da forma social
como se insere na criação e valorização do capital É por isso que.
34
Ibidem, p. 334. para Marx, trabalhos idênticos quanto à sua natureza podem ser
39 41
Q u e trataremos sempre como sinônimos. Ibidem. p . 578 ; grifos meus.
40 42
Karl Marx. O capital. Livro I. cit. . p . 577; grifos meus. Ricardo Antunes. Adeus ao trabalho?. cll.
,1 -!'°' • ( l J'IJH 'l/c~/tv I 1ti ·,, -rt•ttiúo
/\ explr,s lu, dr, 11nv,, fJr<.A,"•lc1rtado (/(' sc:ruf.ÇO!:> • 4 9
dirrital fez deslanchar essa processuaJ· 1
. .
•i ·o-intormac10na1· s · · 1c a-
t,·n111 1<'1'- < . e ·sante convertendo a reestruturação produt·
• .._, tornou me s · . wa Acrescenta a autora que todas essas categorias se utilizam cada vez
<1e. qu, · ' permanente. da qual a denommada indústria 4 _0 . mais das T!Cs e dos trabalhos on -linc'1f;_
<·m um processo e
mais 110\'ª etapa. · t · - f1 - Por certo. a expansão dessa mlriacle ele trabalhos on -line . digita -
1
· d . ra-o que se desenvolve a 11npor ante I e exao rea)i'za lizados. pode tornar mais difícil a percepção elas relações existe ntes
E nessa ire~ . -
.. ga do trabalho Ursula Huws. Ao discorrer sobre entre tals atividades e as mercadorias com as quais esses trabalhos
da pela SOCIO 1o - . o
·g·tal ela afirma que este nao pode ser considerado de se inserem e se conectam. Mas a autora apresenta uma nuance que
tra b a li10 d 1 1 · • " · d
. 1 d do coniunto da economia. Soc1e ade baseada no co pode ser importante: quando elas são realizadas por assalariados
mod o 1so a o ~ -
nhecimento- e "trabalho imaterial .. são. antes de tudo , expressões da trabalhando em empresas que geram lucro. então esses são mais
complexilkação atingida pela divisão do t.raba~o. em que coeXistem facilmente inseridos em atividades que produzem "diretamente mais-
tanto as atividades intelectuais como as manua.1s, tanto as de Criação -valor para o capital". constituindo-se naqueles trabalhos que ela
43 designa como "dentro do nó". isto é. que estão no núcleo das ativi -
como aquelas mais rotineiras .
Ao tratar das conexões existentes entre trabalho digital e teoria dades geradoras de valor47 .
do valor, a autora acrescenta que a generalização dos computado- De nossa parte. parece importante, entretanto. enfatizar um ele-
mento de diferenciação conceituai: realização de lucro não é o mesmo
res e das TICs nos mais diversos ramos da economia demonstra
que criação de mais-valor. como, aliás. vimos na distinção apresenta-
que O trabalho digital se expande celeremente em atividades rurais,
da por Marx entre a indústria de transporte e o comércio. a primeira
fábricas. escritórios. lojas. casas, condução de veículos etc., sendo
permitindo a geração de valor e o segundo possibilitando exclusiva-
cada vez menos expressivos os setores da economia que se de- mente a realização de lucro. Mas é preciso também indicar que o
senvolvem sem utilizá-lo . Assim, as atividades on-line avançam, capitalismo de nosso século é muito diferenciado em relação àquele
inserindo-se crescentemente nas complexas cadeias produtivas que vigorou no século XIX.
globais. Apreender esse movimento, diz Huws , desde as origens até Na esteira das indicações anteriores. Huws afirma que o amplo
a finalização das mercadorias, é um bom caminho para um melhor conjunto de atividades. como
entendimento do papel desempenhado pelas atividades digitais no
processo de geração do valor. Essa tarefa , embora não seja simples, marketing. gestão da logística. distribuição. transportes. atendimento ao
é realizável 44 . consumidor. vendas no varejo e atacado (seja on-line ou off-line) e en-
Encontra-se aqui, então, a chave para compreender melhor a Lrega de produtos. em suma. a totalidade da cadeia de suprimentos. da
participação do trabalho digital nas cadeias produtivas, já que ele entrada da fábrica (ou do local onde se desenvolve o software) até o
consumidor. deve ser entendida como trabalho produtivo.48
está inserido de "vários modos nos processos de produção", por meio
das ferramentas de comando digital, do uso de softwares etc., cada Avançando nas indagações e nas respostas. ã procura de com-
vez mais presentes nos processos produtivos 45 . preender as novas dimensões da teoria do valor hoje. a autora
A autora agrega elementos importantes quando trata da ampla acrescenta: o que ocorre quando o trabalho não remunerado dos
gama de atividades denominadas "serviços". Pode ser útil distinguir consumidores, ao realizar atividades de compra, substitui os antigos
aquelas que interferem mais diretamente na produção (ainda que sua assalariados produtivos? Por exemplo. quando os consumidores fazem
percepção nem sempre seja fácil), a exemplo das atividades de lim- a compra de s e us bilhetes de viagem diretamente no site das empre-
peza das fábricas ou das de manutenção do seu maquiná.rio, daque- sas, digitando seus próprios dados, ou quando os compram via ope-
las voltadas para a gestão da força de trabalho, como as responsáveis radores assalariados ele teleatendimento? A resposta de Huws é
pel_o processamento das folhas de pagamento e pela contratação e apresentada. Neste último exemplo. o trabalho pode ser tranquila-
trema~1ent~ dos assalanados. Cita tan1bém aquelas que dizem res· me nte considerado produtivo. Mas. indo além dessa primeira respos-
ª
peito gestao administrativa e financeira das empresas ou a ativida- ta - que considera menos polêmica - , a autora acrescenta que também
des de compra · venda , mai·ketmg . . no outro exemplo cilaclo eleve-se considerar tal atividade como proclu·
e distribuição das m e rcadonas.
13 •IG lbi<len1, p . 16 5 .
Ursula Huws Labor · li
44 · rn l e Glo/Ja/ DigiLal Economy , cil. . p. 15 7 . -11 Ibidem. p . 166-7 .
Ibidem, p. 164-S.
18
· Ibidem. p . 167.
"' Idem .
/\ explust', o d o 11000 proletaric.ulo ele se rviços • 5 1
dlferenc1.c1 ça·o
.<
que nos parece importante·•
ril'<l. Mas condut cot11 uma . d p;r trabalhadores remunerados não pode ria ser sequer co nec tada. Por conta desse elemento vital.
• ·d d -•s realiza as - acrescenta a autora, são ainda poucos os trabalhos que não deman -
Cl/.>Cll<l~ n.-; a e
cuw1 . ,. uma vez que a relaçao com o processo
cnro11rrnm -sc "dentro do no ,'9 dam alguma forma de atividade física. mesmo que seja a penas a de
- · · direta~ •
de valorv.açao e rnms . ponto importante e que traz uma utilizar um teclado 51 •
. . d menos mrus um Portanto. quando a tematização acerca do mundo do trabalho é
Ha ..un a ao tudos do trabalho e sua nova mor-
nítida conouencia
- • entre .
nossos es
d ·ealizados por Huws. Suas pesquisas feita de modo abrangente e totalizante. contemplando não só o Nor -
. 1 s que vem sen o 1 . te. mas em especial o Sul. com um volume multo maJor de trabalha-
tologia e aque e d uma significativa expansao de traba-
, e vem ocorren o . dores e trabalhadoras. aflora mais intensamente a fragilidade
conlirmam qu tretanto este ainda se mantem como
- nual mas que. en · empírica e analítica da tese do fim do trabalho. bem como a da con-
lho nao ma · 'dera a totalidade do trabalho. Acrescen-
. •t · ·0 quando se cons1 sequente perda de validade da teoria do valor.
mmon an_ · d d los que ressaltam a expansão do trabalho
ta que a enfase a a pe . 1 . d . Aqui vale indicar que uma variante crítica procurou dar novo
'alizado vinculado as tecno og1as a mfor-
·aparentemente d esma t en · .. fôlego às teses do fim da teoria do valor. recorrendo ao argumento
maçao . e comumcaçao . - (TlCs)"• tem por vezes permitido _ que se .obli- da sua intangibilidade. visto que na sociedade atual. de feição "pós-
.d d uma vez que não se destaca (ou nao se considera -industrial". tornar-se-ia impossível quantificar e contabUizar a me-
tere a real I a e. . 'd d .. ·rt · .. -
com o peso qu e merece) q ue as chamadas atiVI a es VI ums
. .
sao dição do valor52 . O argumento principal dessa proposição é o de que.
d epen dentes e têm conexões fortes com o mundo da materialidade. no trabalho. em particular nos serviços considerados imateriais. sua
d infind . . d .
Elas não poderiam existir sem a existência e . . -~veis merca onas intangibilidade acabaria por impedir a mensuração do valor. tornan-
produzidas em áreas e espaços com menor V1s1bihdade. co~o nas do impraticàvel a vigência do valor-trabalho e . por consequência. a
minas da África ou da América Latina, nas sweatshops da China ou criação do mais-valor53 •
50
em outros países localizados no Sul do mundo . Mas o capitalismo contemporãneo parece ter jogado por terra essa
Sua conclusão é relevante, apreende o trabalho em sua globa- possibilidade. uma vez que o valor é cada vez mais resultante de
lidade sem herdar nenhum traço eurocêntrico, tão frequente nos trabalho social e coletivo. complexo e combinado. predominantemente
estudos do tema. Sem a produção de energia. de cabos, de compu- material. mas crescente em seus traços de imaterialidade, ambos
tadores. de celulares e de uma infinidade de produtos materiais, sem presentes nas novas cadeias produtivas globais, cada vez mais imbri-
0 fornecimento das matérias-primas para a produção das mercado- cados e interrelacionados. Assim. é preciso enfatizar que o trabalho
rias. sem o lançamento de satélites ao espaço para carregar seus imaterial se tornou também parte integrante e vital da forma -
sinais. sem a construção de edifícios onde tudo isso é produzido e -mercadoria, em vez de ser excluído do complexo processo de criação
vendido. sem a produção e a condução de veículos que viabilizem do valor que encontra vigência no capitalismo financeiro. informacional
sua distribuição, sem toda essa infraestrutura material. a internet e digital d e nosso tempo54. Sua mensuração deixou de ser. há muito
tempo. individualizada. sendo uma média social, uma vez que ova-
49 Idem . Além das qualificadas formulações d e Ursula Huws aqui e em The Making lor é resultante do trabalho social. coletivo. complexo e combinado.
of a Cyberlarial: Virtual Work in a Real World (Londres, Merlin, 2003). que con- Pode ser elucidativo o exemplo seguinte: um iPhone X, produzido
ferem validade à teoria do valor na era do trabalho digital . o debate e a polémica pela Foxconn na China. utilizando-se de uma intensa exploração do
têm sido amplos e intensos. Hà. mais recentemente. uma gama d e novos estu-
dos sobre o tema. Destacamos. por exemplo. a pesquisa d e Nick Dyer-Witheford.
Cyber-Proletarial: Global Labou.r in the Digital Vortex (Londres. Pluto. 2015). que 51 Ibidem. p . 157-8.
apresenta novos elementos para uma melhor c ompreensão dos significados do 52
ciberprolet.arlado: Eran Fisher e Christian Fuchs (orgs.). em Reconsidering Value Ver, por exemplo. a formulação de André Gorz. O imate rial. cit.
5
and Labou.r in the Digital Age (Hampshire, Palgrave Macmillan. 2015) . ampla co- " Tanto no próximo capitulo qua nto em outras partes des te livro. faremos uma cri-
lelãnea contemplando diversos autores. com perspec tivas ta mbém diferenciadas, tica mais d e talhada d essa concepção.
esboçan1 uma c1itica da economia política d a internet e do tra balho digital a partir 54
André Tosei. ·centralilé et non -cenlralité du travai! ou la pass ion d es hommes
da teoria do valor -trabalho de Marx. Entre nós. remeto o d e bate ta mbém a César s uperflus". e m J acques Bidet e J acques Texier. La crise du travai!: actuel Marx
Bolailo. Indústria cultural. iriformação e capitalismo (São Pa ulo . Hucilec . 2000): co,ifronlation (Pa ris. Presses Universitaries d e France. 1995): J ean- Marie Vincent.
Eleutério Prado. Desmedida do valor: crítica da p ós-grande ind ústria (São Paulo. "Les a utom a tlsmes soclaux et le ·général inte JJec t"'. F'utur Antérieur. Paris. n. 16.
Expressão Popular. 2005): e aos textos nos qua is pude desenvolvê -lo m a is ampla- 1993. p . 12 1-30 . e "Flexibilité du travai! et plastlcité humaine". em J a cques Bidet
mente. Os sentidos d o trabalho. cil. . e Adeu s ao Lra/Jalho?. cit. e Jacques Tex.le r. La crise du travai!. cit. : Ricardo Antunes . Os sentidos do traba ·
50
Ursula Huws . Labor in lhe Global Digital Economy, cit., p . 157. lho. c lt .. e Adeus cw trabalho?. cit.
f~
. . lo "t·n·i< l<-,Cl
52 • O pril'il• ! I'º < . A explosão d o novo proletariado de s erviços • 53
l
clll ,:,.l ·11 ·u ler<>
GO • O p n1·1l, -ç110
. . _ buscam com frequência aurnent J\ explosão rio nouo proldurla.do d.e serviços • 6 1
cip1ta1:s l t ) . ar
un1,1 ,t ·
. ·z que os · •lcztivoqucanto O abso u o . . a tincessante
• . arnpJ la.0
· . . , ·,1 101. (t •·into o rt: 1 tre o valor que o p1 o 1e. anado . produz e buscam trabalho e sobrevivência em todos os espaços presentes na
11'.a1:sd 1 tr'lX'CI ctcsigun end _ eia presente na propna lógica do ca o (nova?) divisão internacional do trabalho.
,·ao • • a ten en · PI-
,. , , • •cebt' e ui 11 _ dos vários mecanismos, como a int Se Engels já demonstrou . em seu excelente A situação da classe
que t 1l 1 < t sao usa . - d 69 en.
1ah::-n1 ·
. o para tan lho o . o pio - longamento da JOI na a . . a _restriça·o e trabalhadora na lnglaterra71 • que o operariado britânico era bastante
.'::-1- 1·ll..•,ção
. .-
do traba . . os novos métodos de orgamzaçao sociote·c
dos direitos. -
heterogêneo e diferenciado. essas clivagens se acentuam quando ~ ~r-
a 1i1111tc1çao etc - cebe a taxa diferencial de exploração praticada entre centro e perifena.
·ca do trabalho · _ da classe trabalhadora e uma processu Feito esse parêntese. retomemos a questão que estávamos tratan~o.
n1 cruiZaçao a- a respeito da necessidade de buscar uma luta unificada entre os dis-
Assirn. a pre b" da luta entre as classes. da capacidade d
te tam em . e tintos segmentos que compõem a classe trabalhadora. Um de~o se
tidade resultan . d podendo. por isso . tanto se ampliar co"'-
resistenc1a
- . d O proletana º· sse movimento ocorre tanto em função d
.. .., torna central: os setores heterogêneos que compreendem a totalidade
. Dessa forma, e I d o da classe estão compelidos a construir laços de solidariedade e sentido
se reduzir. _ api·talista quanto das utas a classe traba
d xploraçao c . . - de pertencimento de classe. de consciência de seu novo modo de ser.
aumento ª esuas greves. lutas sindicais e embates contra o capita] .
conjugando suas lutas cotidianas com seus projetos societais.
!hadora. e~ t to Marx quanto Engels demonstraram que se
Somente através de fortes ações coletivas é que serão capazes de se
Foi por isso quet anente as formas de exploração do trabalho 'e-
. cessan em , 11 contrapor ao sistema de metabolismo social do capital, profundamente
alternam
- os que m se acentuam com a expansão · . . da "superpopulação re- adverso ao trabalho. aos seus direitos e às suas conquistas. O maior
nomen f que os capitais se utilizem .da _força excedente desafio no momento é impedir que as fraturas objetivas obliterem as
1 . .. que az com
dativa ·
trabalho para m . tensificar ainda mais a amphaçao dos níveis de possibilidades de ação suqjetiva. dificuJtando ou até mesmo impedindo
e
exploraçao _ e a consequente precariZação da - classe -
trabalhadora.
( - sua ação enquanto classe trabalhadora em sua totalidade. Isso porque
·ta1· mo atual a superpopulaçao re 1ativa ou exercito in- a contradição central de nosso tempo perpassa a separação que há en-
No cap1 1s · . .
dustrial de rese rua) , que Marx • no capitulo _ 23 do Livro I de O capital, tre a totalidade do traballw social e a totalidade do capüal global
ind1cou como. sendo constituída por tres
. formas_ - a latente. a_ estag- Aqui o papel do novo proletariado de serviços é emblemático. Sua
nada e a flutuante- . adquire novas d1mensoes e confi~u~açoes. Fe- aglutinação como parte constitutiva e crescente da classe trabalha-
-
nomeno. alia·s . que o autor indicou. nos contornos e hm1tes de seu dora ampliada, corno parte integrante de suas lutas. de seus emba-
tempo histórico. quando, ao definir o contingente flutuante, lembrou tes e resistências. tem (e terá cada vez mais) repercussões de grande
ue "uma parte dela [da superpopulação flutuante , ou seja. dos dis- importância nas lutas do coryunto da classe trabalhadora. do prole-
~ensados pela indústria] emigra e, na realidade . não faz mais do que tariado em geral. em todos os seus segmentos. contra a lógica des-
seguir os passos do capital ernigrante" 70 . trutiva que preside o sistema de metabolismo social do capital72 na
Hoje. dados o crescimento e a circulação da força de trabalho era da financeirização .
imigrante, que se intensificam exponencialmente em dimensões glo- Por fim , dada a conformação desigual e combinada da divisão
internacional do trabalho, é preciso fazer algumas mediações quando
bais, aumenta ainda a superpopulação relativa e , por consequência,
o exército de força sobrante global de trabalho. Nessa contextualidade, se trata de tematizar o precariado. A primeira delas é dada pelas
clivagens existentes entre Norte e Sul. Nas periferias. o proletariado
ampliam-se ainda mais os mecanismos de exploração. intensificação
nasceu eivado da condição de precariedade. Bastaria dizer que o
e precarização da classe trabalhadora, uma vez que a destruição dos
proletariado no Brasil - e em vários outros países que vivenciaram
direitos sociais conquistados passa a ser uma imposição do sistema
o escravismo colonial - efetivamente floresceu a partir da abolição
global do capital em sua fase de hegemonia financeira .
do trabalho escravo. herdando a chaga de um dos mais Iongevos
Com isso se acentua a heterogeneidade no interior da própria períodos de escravidão. de modo que sua precwização não é a exceção.
classe trabalhadora. cuja diferenciação entre ramos e setores ganha mas um traço constante de sua particularidade desde a origem.
novos componentes étnico-raciais, dados pelos migrantes globais que Como no Sul não se desenvolveu nenhum tipo persistente de
aristocracia operária. nosso proletariado sempre se confundiu com a
69
O
~er _excelente estudo de Pietro Basso, Mode m Times. Anc ie nt Hoi;rs : Working
wes the Twenty-fust Ce ntury (Londres, Verso . 2003) .
111 71
70 Ed . bras.: Sã o Pa ulo, Boltempo. 2008.
O capital, Livro J, cit. . p . 716 _ 72
ls tván Mészá ros. Para alé m do capital, c lt.
A cxplosán do ,in,X> prolewrlad-0 de serviços • 63
. traço marcante de sua ontogêh
. d de que e . d ,,ese
. . de precane a . ca foram mwto gran es, corno aq .
r0ni h(IIO • . ternas nun . árl Ue. Dos homens e mulheres Jovens mais quallflcados aos !migrantes
. diferenças in ·stocrac1a oper a e, posterlorrne l
.,, :-u:i:, ·ceJ·ou a an ·1·d 1· n e, pobres: dos imigrantes com qualificação às Jovens naUvas sem for -
· · .·-trntes onde VI . nunca houve uma so 1 a e tte O[Jerrír-1~
1~, ex1:, . ntre nos . - '¼. mação: das mulheres brancas às imigrantes negras. indígenas.
- u,1,rare State. pois e re presentes essas c1ivagens e diferencia
o tt "-u' ue esuvesse . m semP h1·stória da c1asse t ra b a Ih adora e! · amarelas , enfim, em um amplo espectro da população excedente de
Al nda q . toda a . · as trabalhadores e trabalhadoras, que Marx denominou superpop~
. como. alias. em _ f ndo entre seus diferentes polos
çoes. fosso tao u . d . relativa ou exército de reserva, podem-se encontrar. hoje. Incrusta-
nunca c1iaran:1 um o Norte. onde nasceu. na gene~e o moVirnento dos neles, cada vez mais contingentes que no centro do mundo são
J á 1105 pa1ses d
iOrt aristocra
ci·a operária e, postenormente se d
. · e- definidos (ou se definem) como preca.riado. Seja nos seus contingen-
operário, uma ·!idoe pro Ietan·ado herdeiro do taylonsmo, .
do fordis"'
"'º tes flutuantes . latentes ou estagnados, seja em outros que possam
senvolveu um so d to recente do precanado acentuou eno _ aparecer. a precarização se amplia de modo exponenciaJ e cada vez
State o a ven - . ti r
e do weifare , ~ rt de diferenciaçao que exis a , por exemplo com menos limites e crescente desregulamentação. ainda que essa
O
memente um traço ed_ i·onal do welfare State e os bolsões d ' expansão ocorra de modo desiguaJ, quando se toma o mundo em
1 t nado tra 1c e
entre o pro e ª tr vam na base da classe trabalhadora ~;n sua globaJidade.
encon a · ..... -
imigrantes que se _ tamanho muito menores do que os atuais Assim. se parece plausível e pertinente reconhecer empiricamen·
m dimensao e . d'' · te, no Norte , a emergência recente do preca.riado como sendo um dos
da q_ue e . ue em nosso entendimento, essas l!erenciações
0
E por iss q . · tri com O proletariado do Sul. A crise estru polos mais precarizados da classe trabalhad.ora e muito diferencia.do
_ tram s1me a · e distancia.do do proletariado herdeiro do welfare State. no Sul, no
nao encon subemprego, os novos fluxos migratórios
al o desemprego e O . , espaço periférico. o que poderíamos chamar de precariado tem sin-
tur · h vas significações, ampliando enormemente as
t dO isso gan ou no - gularidades e particularidades muito distintas em relação àquele que
u t da classe trabalhadora dos pa1ses capitalistas
clivagens den ro . 1 'd d floresceu no Norte. Como é límpido no caso brasileiro, ele não só não
. N S I as particularidades e smgu an a es da classe
centrais. o u · . ( rt · se constitui como uma nova classe. como também não é tão profun-
trabal hadora 1,'azem com que suas clivagens . por
. ce o existentes e damente diferenciado em relação ao proletariado mais regulamenta·
• tenham entretanto, a mtens1dade do centro de
relevantes) nao · ' do. pois aqui nunca floresceu um padrão societaJ típico do welfare
é uma
mo do que 1a em ·uma nova classe" abaixo
, lar . do proletariado
_ .. State - ainda que, no presente. esse novo contingente do proletaria-
completa desproporção, assim com? _foi um eqmvoc~ empmco e do esteja sendo redesenhado com novas configurações que se inserem
analitico falar em aristocracia operana como um fenomeno dura- no que venho denominando nova mo,jologia do trabalho73 .
douro nas periferias. Contrartamente, portanto, às teses que advogavam a perda de irn·
Desse modo. 0 precariado - se assim o quisermos chamar - deve portância da classe trabalhadora, que estaria sendo substituida pela
ser compreendido como parte constitutiva do nosso proletariado des- "sociedade de classe média". ou ainda àquelas que vislumbram a criação
de sua origem o seu polo mais precarizado, ainda que seja evidente, de "novas classes" (para não faJar daquelas que propugnaram o "fim"
como já indicamos ao longo deste capítulo, que entre nós também das classes sociais). estamos desafiados a compreender sua nova polis-
venha se desenvolvendo com rapidez um novo contingente _do prole-
tariado, largamente vinculado aos serviços, com um traço geracional
73
marcante Uuventude) e cujas relações de trabalho estão mais próximas No capitulo 7. trataremos da nova mo,:fologia do trabalho no Brasil e esses elemen-
da informalidade, do trabalho por tempo determinado, dos terceiriza- tos empíricos serão evidenciados. Sobre o debate em torno do precariado, vale
lembrar que. além de um amplo debate na Europa. hã também aquele que se de-
dos e intermitentes, modalidades que não param de se expandir. senvolve no Brasil. Ver. por exemplo: Ruy Braga, A política do precariado: do popu·
Já nos países capitalistas centrais, especialmente os da Europa, l/smo à hegemonia lulista (São Paulo, Boltempo. 2012) . e A rebeldia do precariado:
o precariado é uma criação mais recente, ao menos em sua confor- trabalho e neoliberalismo no Sul global (São Paulo, Boi tempo. 2017); e Giovanni Al-
mação atual, impulsionado pela crise estrutural do sistema capita- ves, Condição de proletariedade: a precariedade do trabalho no capitalismo global
(Londrina, Praxls, 2009). Em relação ã tematlzação acerca de classe trabalhadora
lista, pelo advento do neoliberalismo e pelo comando do capital no Brasil ai uai. ver os artigos de Marcelo Mattos Badaró. •A classe trabalhadora:
financeiro , que fizeram emergir um proletariado muito mais explora- uma abordagem contemporãnea ã luz do materialismo histórico·. Revista Outu·
do :m pleno coração do capitalismo. A superexploração do trabalho, bro. Rio de Janeiro , n. 21. 2013; disponível em: <http://outubrorevlsta.corn.br/
wp-content/uploads/2015/02/Revlsta-Outubro-Edlção-21-Artlgo-03.pdf>; aces-
então, deixou de ser um discreto charme da burguesia dependente e so em: 26 dez. 201 7; e de Graça Druck. "Trabalho, precarização e resistências",
subordinada e ad en trou o coraçao- do weljare State. Caderno CRH (UFBA). Salvador, v. 24, 2011.
morfologia. cujo elemento mais visível .
·<1 -.\1'\ m,1'<1 . e od
~\ •1111 : ~ • que t'-lz atlorar lan las transversalidades e l esenho
illil ·\l'l' l :ll 1
o. , ~ d n re 1
tl\l _' .· , 'lnia etc. Clivagens que se esenvolvem ern tn·le e asse
· ,1.., \Ç \l) Ot'l\t::JU, l r-r 1
~'t ' ' · ~ d do tmbatho. ent..re homens e mulheres: joven
1
e ação
,0 rn 0 mun o . d. s e id
l . . ._ imio)--antes: brancos, negros e m 1genas; qualificad osos:
n:lnona1~ e ~ . . . . e. aliz d . _ . os e d
. _ . d . estáveis e precanos. ,orm ra os e informalizact . es.
qualifica os. i ... os, em
regados· dentre tantos ouuos exemplos Pre.
â· \dOS e dese1llp · _ . ·
~· E . iova morfologia compreende nao so o operariado h
ssa r . erct •
lmista e fordista. em 1
reativo processo de encoth· eira
da era tay . ( une t
. lnlente nos países centrais mas que segue um rn . n o
espec1a . . . ºVime t
., rendado em vários paises do Sul. como China, lndia no
di1e . . 1 t ) d . 1 . . , 8 rasu
. _. Coreia Afiica do Su e e. , mas eve me uir tambem ,
Mexico. · . . os noVo
proletários precarizados de serviços, parte mtegrante e crescent s
se-que-vive-do-trabalho. Trabalhadores e trabalhadoras q e da
clas 'd ue corn
frequência oscilam entre a heterogenei ade em sua forma d
fliênero. etnia. geraçao, · qu alificaçao, · nac10n · alid a d e etc.) e a ho e ser
neização que resulta da con 1çao crescen temente pautada pelaT11Dge-
l5 d' -
carização, cada vez mais . d esproVI.d a d e d·irei·t os d o trabalho epre- de
regulamentação contratual.
Não menos importante é dizer ainda que a classe trabalhador
em sua nova morfologia, participa cada vez mais do processo:
valorização do capital e da g~ração _de m_ais-valor nas cadeias pro~
dutivas globais. As formas de mtens1ficaçao do trabalho, a burla dos
direitos, a superexploração, a vivência entre a formalidade e a in-
formalidade , a exigência de metas, a rotinização do trabalho, 0
despotismo dos chefes, coordenadores e supervisores, os salários
degradantes, os trabalhos intermitentes, os assédios, os adoecimen-
tos, padecimentos e mortes decorrentes das condições de trabalho
indicam o claro processo de proletarização dos assalariados de ser-
viços que se encontra em expansão no Brasil e em várias partes do
mundo, dada a importância das informações no capitalismo finan-
ceiro global. Constituem-se, portanto, numa nova parcela que amplia
e diversifica a classe trabalhadora.
As consequências dessas mutações são profundas no que con-
cerne às lutas sociais e sindicais, incluindo aquelas que assumem
uma conformação anticapitalista. Se há uma nova morfologia do
trabalho, ela inclui o advento de uma nova morfologia das lutas, das
formas de organização e da representação do trabalho.
O mundo hoje é um excepcional laboratório para se compreender
tanto essa tendência de precarização intensificada do trabalho, que
amplia exponencialmente as modalidades cada vez mais intermitentes
e desprovidas de direitos, quanto a nova era das lutas sociais que
acompanh~ essa processualidade complexa em expansão de esca·
la global. E disso que trataremos nos capítulos seguintes.