Sei sulla pagina 1di 13

21

APONTAMENTOS DOS CONCEITOS DE BOURDIEU AOS PROCESSOS


DE IDENTIDADE DOS JOVENS KALUNGAS DE CAVALCANTE-GO

JOAZEIRO, Nelson Marsílio dos Santos 

RESUMO

O presente artigo se propõe a tratar dos elementos culturais e simbolicamente significantes


enquanto constituintes e determinantes do processo de construção identitária dos jovens kalungas
das comunidades remanescentes de quilombolas do município de Cavalcante a partir de alguns
conceitos e categorias da sociologia reflexiva de Pierre Bourdieu. Visa também compreender em
que medida os conceitos de habitus, espaço social, campos sociais e estratégia criados pelo
sociólogo francês ajudam a levantar questionamentos acerca da cultura e identidade desse grupo
social que remonta períodos pretéritos da história do país e do estado de Goiás e como são
reproduzidos e presentes na identidade dos jovens kalungas de hoje.

Palavras-chave: Habitus. Campo Social. Estratégia. Kalungas. Bourdieu.

1 INTRODUÇÃO

Esse artigo tem como objetivo tratar dos principais conceitos, categorias e postulados
presentes nas principais obras do sociólogo francês Pierre Bourdieu procurando relacioná-los
com o processo de construção da identidade dos jovens habitantes das comunidades
remanescentes de quilombolas, os chamados povos kalungas localizados na região nordeste do
estado de Goiás nos municípios de Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre.
Pierre Bourdieu é considerado um dos mais importantes teóricos da sociologia, pois sua
produção além de ter promovido rupturas nas análises, abordagens e diversidade de temas
tratados, inaugurou um novo e rico olhar para o estudo sociológico, conseguindo capturar o
dinamismo das bases que edificam a estrutura social, e ainda continua a contribuir para a
renovação do questionamento e da compreensão da multiplicidade de fenômenos sociais
recorrentes e emergentes.
Essa visão positiva que se tem da riqueza e relevância da obra de Bourdieu, segundo


Sociólogo e mestrando do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação pela PUC Goiás. Pontifícia
Universidade Católica de Goiás, Goiânia-GO. E-mail: nelsonjoazeiro@gmail.com
22

Bonnewitz (2003, p. 9) se deve por que:

Este reconhecimento o faz figurar nos programas de ensino dos cursos de economia e
sociologia, ao lado de Tocqueville, Marx, Weber e Durkheim. Mas a importância atual
da sociologia tende a apagar o fato de que ela é fruto de uma longa gestação, ligada à
trajetória individual do autor, caracterizada por uma série de “rupturas” pessoais com o
meio de origem, com sua formação inicial, com as correntes intelectuais dominantes.
Além disso, encontra-se na confluência da herança legada por três “pioneiros” da
sociologia.

Bourdieu conseguiu tanta liberdade para trabalhar as abordagens científicas que lhe
possibilitou tratar de temas variados devido ao fato de não pertencer a nenhuma das correntes
sociológicas fundadas nos três pensadores clássicos da Sociologia que são Durkheim, Marx e
Weber, por compreender a filiação a um único paradigma limitador da própria prática científica,
mas ele soube como poucos utilizar-se das proposições e elementos teóricos de cada um deles,
sendo fácil de identificar em suas obras, postulados, conceitos e construção de categorias.
Da tradicional escola sociológica fundada por Émile Durkheim herdou a mesma visão e
o desejo de elevar a Sociologia ao status de uma verdadeira ciência, dotada de método particular
e definido com procedimentos bastante objetivos. Embora também recorra, assim como
Durkheim, aos fatos sociais para compreender a dinâmica e funcionamento da sociedade, confere
um novo olhar a essa categoria, entendendo-a como dotada de fortes esquemas e mecanismos de
coação que exercem sobre os indivíduos, reconhecendo o domínio da coletividade sobre as
individualidades.
Das proposições de Karl Marx, compartilha da visão da realidade social a partir das
relações de dominação, pois olhar para as estruturas sociais é naturalmente enxergar correlações
de forças em proporções desiguais e de caráter histórico exercendo grande influência no jogo de
poder. Mas diferente do marxismo, o sociólogo francês não atribuirá o caráter onipotente do
economicismo nas determinações estruturais que operam no âmbito da sociedade capitalista, que
o pensador alemão explicita em suas principais obras.
Tanto que o tema da cultura que fora de certa maneira relegada ao segundo plano nos
estudos de Marx, terá em boa parte das obras de Bourdieu centralidade enquanto aporte para
desvelar as teias de dominação construídas pelos grupos hegemônicos. Também diferente de
Marx, Bourdieu tratará de atores sociais ao invés de lançar mão do viés classista.
Acerca das influências de Max Weber à produção científica, nota-se expressa na
23

importância que atribui às representações simbólicas no tocante à interpretação dos fenômenos


sociais. Tendo forte presença do conceito de “ação social” onde Weber, à grosso modo afirma que
a melhor e genuína forma de se compreender a ocorrência de um evento no meio social é buscar
o que de fato motivou o agente ou agentes em questão a agirem de tal maneira, daí se chega a
relevância da interdependência existente nas relações sociais.
Outro conceito central na sociologia weberiana é o de legitimidade ou dominação
presente nas estruturas sociais, sendo importante compreender os mecanismos de legitimidade.
No entanto, para Bourdieu, desvelar como os atores sociais produzem e reproduzem a ideia de
legitimidade no âmbito social tenha maior relevância, bem semelhante à Max Weber.
A partir desses aportes herdados dos clássicos da sociologia, que Bourdieu deu origem a
uma visão particular acerca do fazer ciência, a chamada sociologia reflexiva que a inaugura.
Basicamente encontra na atividade relacional entre os elementos, categorias, atores sociais, etc.
mecanismos que operam dentro de um sistema coerente de relações, capaz de interrogar
sistematicamente, guiar-se pela dúvida radical, rompendo com as pré-noções e assim construir
novas possibilidades interpretativas sobre os fenômenos sociais sob o olhar de outras dimensões
de observação.
A tentativa de encontrar respostas acerca dos determinantes constitutivos dos processos
formativos que engendram a identidade dos jovens kalungas, as proposições de Bourdieu têm
muito a contribuir, pois nos convida a ir além do olhar antropológico que tende ao congelamento
de um grupo social como o dos kalungas fixando-se somente na descrição dos elementos da
cultura herdada dos antepassados, mas que pouco pode explicar a comunidade atualmente sob os
limites da ideia do fazer folclore.
O mesmo risco se corre ao empreender isoladamente a trajetória histórica, mesmo
considerando que ao longo das épocas essa comunidade foi sofrendo influências externas que
gestaram mudanças no seu interior e, por conseguinte promoveu alterações na própria identidade
cultural do grupo. Ainda que não se perca de vista que a escravidão no Brasil operou numa
dinâmica que visava atender aos determinantes dos objetivos da produção econômica como
expresso nas palavras de Florestan Fernandes apud Ianni (2008, p. 225):

Em quase quatro séculos, em que a escravidão se constituiu e refez em conexão com as


determinações diretas e indiretas dos vários “ciclos econômicos”, não foi só a história
24

que se alterou. Com ela se alteraram as relações de produção, a estratificação da


sociedade e a articulação das raças contidas nos vários polos da dominação escravista.

Historicizar a trajetória das comunidades kalungas é reconhecer, sobretudo que mesmo


em meio à sua condição voluntária de isolamento não foi possível que isso se desse de forma
absoluta. Mas o que se verificou foi a ocorrência de intermitentes contatos com outros grupos
sociais, seja no meio rural ou mesmo no estabelecimento de relações contingenciais e
institucionais localizadas, sobretudo no meio urbano. Como afirma Baiocchi (2013, p. 22) acerca
do relativo isolamento dessas comunidades,

As populações da Contenda Vão de Almas, Vão do Muleque, Kalunga e Ribeirão dos


Bois (também conhecido como Ribeirão dos Negros) já mantinham contatos
intermitentes com os municípios vizinhos. Levavam farinha e traziam em troca sal e
querosene. Alguns relacionavam-se, durante suas festas, com políticos e religiosos
daqueles locais.

Seguindo os passos de Bourdieu, a pesquisa se robustece e ganha maior relevância


quando o olhar sociológico, de caráter reflexivo descrito acima e, atento às múltiplas relações
sociais e seus simbolismos significativos de caráter estruturante próprios das comunidades
kalungas de hoje, sobretudo o jovem. As dimensões antropológica e histórica e suas contribuições
levantadas possibilitarão que o olhar sociológico direcionado para os jovens, como herdeiros
dessa cultura e história para identificar em que medida são depositários desse corolário que se
inicia com a formação dos quilombos, e como atualmente enxergam significância ao ser kalunga.
Em outras palavras, quem são os jovens de hoje das comunidades kalungas?

2 APROXIMAÇÕES DOS CONCEITOS DE BOURDIEU COM A HISTÓRIA DAS


COMUNIDADES KALUNGAS

2.1 A juventude do campo é parte integrante dessa história

De antemão compreendemos que os jovens das comunidades kalungas agregam em seu


modo de ser, características próprias e inerentes à sua condição juvenil, porém também deve-se
considerá-los como portadores de elementos específicos como o fato de habitarem no campo e
possuírem a particularidade étnica de um grupo social.
25

As comunidades remanescentes de quilombolas, como são os kalungas devem ser


sempre reconhecidas como eminentemente do campo, onde seus modos de vida produtivos e suas
subjetividades, como sua cultura, têm grande influência do caráter campesino. As festividades,
por exemplo, seguem a lógica do calendário dos dias associados aos santos da Igreja Católica,
além de estarem ligadas aos períodos de plantio, colheita e descanso da terra. Vemos uma espécie
de catolicismo popular fortemente marcado pelas devoções, novenas, folias e danças que são
manifestações claras da relação imbricada entre o profano e sagrado. Verifica-se desde a
linguagem simples como no tradicionalismo dos costumes, hábitos e valores morais, exercerem a
função da socialização levando os jovens a seguirem os mesmos caminhos dos adultos e da
coletividade.
Os jovens kalungas enquanto inseridos no meio rural, que trataremos aqui como campo,
nos dá uma dimensão que está além da suposta dicotomia que há entre meio urbano e o campo e
são tratadas como Carneiro (2008, p. 243) propõe onde:

Geralmente as pesquisas sobre a organização no campo referem-se ao jovem apenas na


condição de membro da equipe de trabalho familiar, seja como aprendiz de agricultor,
nos processos de socialização e de divisão social do trabalho no interior da unidade
familiar, seja como trabalhador fora do estabelecimento familiar complementando a
renda da família com seus salários precários e engrossando, assim, as estatísticas sobre a
população economicamente ativa (PEA) no meio rural.

Nesse sentido, é preciso olhar para os jovens do campo a partir de outras dimensões,
reconhecendo seus desejos e potencialidades. Compreendendo que estes mesmos jovens aspiram
outras perspectivas futuras tanto para sim como para a coletividade, sobretudo quando desejam
melhor qualidade de vida e novas oportunidades de ascensão social, demonstra o quanto estar no
campo não significa alheamento e isolamento do modo de vida urbano, que exerce grande apelo
sobre essa faixa etária.
O jovem kalunga por trazer em si todo um arcabouço da coletividade os reproduz em
suas ações práticas e em suas crenças cotidianas assentadas na plataforma da territorialidade
somente terá significado pelo que Halbwachs (2006, p. 185) chama de memória que se dá dentro
do seguinte entendimento:

A maioria dos grupos, não somente aqueles que resultam da justaposição permanente de
seus membros, dentro dos limites de uma cidade, de uma casa ou de um apartamento,
26

porém muitos outros também imprimem de algum modo sua marca sobre o solo e
evocam suas lembranças coletivas no interior do quadro espacial assim definido. Em
outras palavras, há tantas maneiras de representar o espaço quantos sejam os grupos. (...)
Podemos, enfim, ser sensíveis à separação, que passa ao primeiro plano da consciência
religiosa, entre lugares sagrados e lugares profanos, porque há partes do solo e regiões
do espaço que o grupo dos fiéis considerou "proibidos" a todos os outros, onde
encontram ao mesmo tempo, um abrigo e um apoio sobre o qual apoiar suas tradições.
Assim, cada sociedade recorta o espaço a seu modo, mas por sua vez para todas, ou
seguindo sempre as mesmas linhas, de modo a constituir um quadro fixo onde encerra e
localiza suas lembranças.

Portanto, diante da citação acima nota-se que através dos jovens pode-se entender o
processo de construção e constituição da identidade desse grupo na atualidade, justamente pelo
fato de pertencerem a uma categoria privilegiada do qual se captura os elementos latentes e
explícitos que envolvem o ser kalunga. Ou seja, o jovem é parte integrante da história do povo
kalunga.
Mas o que efetivamente pode-se extrair dos conceitos de Bourdieu e em quê podem
contribuir na compreensão da identidade desses indivíduos e do grupo social kalunga, sobretudo
da juventude? É o que veremos a seguir.

2.1 Habitus, campo social e estratégias como elementos constituintes da cultura

No contexto da colonização brasileira pelos europeus, é a partir do ano de 1532 que a


coroa portuguesa começa por via do mercado de escravos da África dá-se o início das primeiras
remessas de contingente de escravos ao país. As primeiras levas de africanos escravizados vêm
atender a demanda por braços para trabalhar nas fazendas de cana de açúcar e por extensão na
empresa açucareira, mais especificamente nos grandes latifúndios dotados de engenhos
localizados no Nordeste e Sudeste brasileiro, destaque para as capitanias de Pernambuco e São
Vicente respectivamente.
Se considerarmos o período açucareiro brasileiro do início, auge e declínio que se
efetivou por volta de 1693 sua derrocada em função da concorrência do açúcar antilhano
patrocinado pelos holandeses, podemos afirmar que esse ciclo produtivo até que durou por um
longo tempo sob a hegemonia produtiva da colônia Brasil. Depois do declínio absoluto do açúcar
no nordeste, os fazendeiros arruinados procuraram vender a escravaria para outros
empreendedores que vislumbraram obter riquezas num novo negócio, a mineração. E novamente
o braço negro é que vai se desgastar servindo na geração de riqueza.
27

Em meio a essa realidade de espoliação, os negros escravizados desejarão a todo custo


libertar-se dessa estrutura social em busca de um lugar em que pudessem concretamente construir
outros modelos de vivência e sobrevivência a partir de novas relações sociais, esse lugar era real,
nos chamados quilombos.
Nos quilombos as vivências se darão de maneira mais intensas e contínuas, capazes de
gestar os laços de solidariedade que até então haviam sido ostensivamente negados e sufocados
nas fazendas e nas lavras mineradoras. Dessas vivências é que se pode verificar a presença do
conceito de habitus que Bourdieu define, como expresso por Bonnewitz (2003, p. 75):

O habitus é um conceito central da sociologia bourdiesiana. Ele garante a coerência


entre a sua concepção da sociedade e a do agente social individual; fornece a articulação,
a mediação entre o individual e o coletivo. Por meio desta noção, surge uma teoria
específica da produção social dos agentes e de suas lógicas de ação. Segundo Bourdieu,
a socialização, realizando a incorporação dos habitus de classe, produz a filiação de
classe dos indivíduos, reproduzindo ao mesmo tempo a classe enquanto grupo que
compartilha o mesmo habitus.

Da concepção de habitus os elementos que aparentemente são corriqueiros e imersos nas


práticas cotidianas se tornam tão peculiares, mas reproduzem as solidariedades existentes entre os
indivíduos, dando feições ao grupo. Assim a identidade das comunidades kalungas é resultante da
incorporação coletiva dos habitus criados, expressos, compartilhados e transmitidos pelos vários
processos de socialização.
Qualquer referência às comunidades kalungas é direta ou indiretamente considerando o
somatório desses habitus constituidores material e simbolicamente do que chamamos a
identidade e por extensão da cultura desse grupo. É por meio do processo de socialização que os
mecanismos de produção e transmissão das regras, normas e valores morais do grupo criam
condições eficientes para que os indivíduos os assimilem e assim sintam-se e sejam reconhecidos
como verdadeiros integrantes do grupo.
O habitus para Bourdieu mesmo possuindo uma aparência micro dentro da ampla e
múltipla rede de relações sociais existentes no âmbito de um grupo social possui caráter
relevante, pois além de ser um sistema de disposições duradouras que o indivíduo adquire por
meio da socialização, apresenta dois componentes que o caracteriza, que são: o ethos e a hexis. O
ethos de uma maneira objetiva representa o conjunto de valores expressos e notados na prática
cotidiana, enquanto que a hexis são o conjunto de posturas e disposições incorporadas
28

inconscientemente, mas que são expressas pelo corpo.


É através do habitus, portanto que o homem se torna um ser social, quando apreende
coletivamente as formas de como individual e coletivo deve agir, perceber e refletir na realidade
social.
Quando Bourdieu opta por não tratar da divisão hierarquizante presente na distinção das
classes sociais ele estava enxergando que os espaços de produção e reprodução dos elementos
distintivos é que efetivamente são facilmente capturados, pois se materializam, pois estão
escancarados aos nossos olhos, ao passo que fixar na concepção classista pretende-se muito mais
à essência do que no que é ostensivamente notado. Como a sociedade é marcada pelas divisões
desiguais de poder e prestígio, a presença dos espaços sociais será a extensão dessas
desigualdades.
O espaço social conquistado, construído e utilizado ao longo de sua existência pelas
comunidades remanescentes de quilombolas carrega em si um alto grau de importância que age
como elemento integrante e associado a própria identidade desse grupo. Ao olhar para os
kalungas e percebemos que sem o espaço social materializado no seu território não haveria a
própria cultura kalunga. Em Bourdieu o conceito de campo social pode ser direcionado para
analisar os constituintes da identidade cultural do grupo dos kalungas dentro de um espaço que
foi conquistado e posteriormente prosseguiu dentro de um ambiente social e histórico
extremamente marcado pelo conflito, e quando a territorialidade se gesta dentro dessas condições
adquire-se um valor simbólico intangível. E para Bourdieu o campo expressa os conflitos
inerentes à sociedade estruturada nos domínicos desiguais, como fica claro:

A estrutura do campo é um estado de força entre agentes ou as instituições engajadas na


luta ou, se preferirmos, da distribuição do capital específico que, acumulado no curso
das lutas anteriores, orienta as estratégias ulteriores. Esta estrutura, que está na origem
das estratégias destinadas a transformá-la, também está sempre em jogo: as lutas cujo
espaço é o campo têm por objeto o monopólio da violência legítima (autoridade
específica) que é característica do campo considerado (BOURDIEU, 1983, p. 90).

A partir da categoria campo social, no caso dos kalungas verifica-se um longo processo
de auto reconhecimento étnico, enquanto origem, e a busca de integração à sociedade mais ampla
no tocante à garantia de seus direitos como comunidade específica que se enquadra numa
tipologia de grupo especial, como define Almeida (2015, p. 292) que:
29

O Decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003, em seu artigo 2º, considera remanescentes


das comunidades dos quilombos, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-
atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas,
com presunção de ancestralidade negra, relacionada com a resistência à opressão
histórica sofrida.

Considerando que grande parte das comunidades remanescentes de quilombolas estão


localizadas muito próximas ao meio urbano de alguns municípios na região nordeste do estado de
Goiás é natural que relações conflituosas adentraram os períodos pós-Abolição da escravidão
onde as lutas dos negros ex escravos aos poucos buscavam meios que garantissem dignamente
sua inclusão na sociedade de classes que nascia nesse período. E a questão fundiária passou a ser
de fundamental importância e sendo assumida como principal bandeira de luta. Tal postura
novamente se justifica, pois, a terra dos quilombolas deveria permanecer com eles e seus
descendentes, não por mero desejo da posse material, mas pela identidade, fazendo memória de
feitos históricos que queira ou não está na identidade do povo kalunga.
Em meio a essas disputas e lutas que ao longo da história das comunidades kalungas
ocorreram, forçou seus integrantes a assumirem ideias, posturas e ações que visassem à garantia
de seus direitos, pois se compreendem como forte ligação ao território, e o mesmo como
plataforma de convívio numa dimensão de relações sociais amplas, que são políticas e
simbólicas.
O conceito de estratégia está estritamente relacionado ao de campos sociais,
determinado por busca de legitimação e dominação dos meios de sobrevivência na sociedade.
Nesse sentido, o conceito de estratégia em Bourdieu se fundamenta a partir de
posicionamentos dos indivíduos que no interior dos campos sociais que fazem parte envolvem-se
numa constante disputa de poder com outros indivíduos. Os jogadores buscam ora conquistar
maior poder ou conservar o que já possui, portanto, esse conjunto de ações verte para os
interesses que os indivíduos consideram mais caros e significantes para a manutenção e
permanência de sua existência individual, mas também coletiva.
Dessa maneira o território passa a ser considerado como parte da própria identidade do
grupo. Não há como pensar uma coletividade, com a dos kalungas sem seu território.
30

3 CONCLUSÕES

Diante da trajetória dos negros, primeiro na condição de escravizados e posteriormente


como aquilombados ou quilombolas tentando construir um contraponto às desumanidades
inerentes à condição de escravo até chegar à luta pela terra de seus antepassados e nos dias atuais,
são inegáveis que o povo kalunga soube ante as adversidades da sociedade patrimonialista e
racista construir estratégias para primeiramente sobreviver, pois subsistia ou como afirmou
Darcy Ribeiro (2006) a vida dos negros era gasta no empreendimento colonial até a morte.
Sobre as estratégias Bonnewitz (2003, p. 70) cita Bourdieu e Wacquant:

De todos os agentes interessados, são as inúmeras estratégias de reprodução – ao mesmo


tempo independentes (às vezes até o conflito) e orquestradas – que contribuem,
continuamente, para reproduzir a estrutura social, mas com vicissitudes e falhas,
provenientes das contradições inerentes às estruturas e dos conflitos ou concorrências
entre os agentes envolvidos.

Diferente da base social que Bourdieu utiliza para conceituar e exemplificar a ideia de
estratégia, pois sua análise aponta para o as posições das classes sociais dentro das estruturas da
sociedade capitalista industrial que é imperativo na garantia da sobrevivência dos indivíduos e
grupos sociais saber jogar o jogo dominado por uma minoria privilegiada, enquanto que no caso
dos remanescentes dos quilombos poucas possibilidades lhes eram oferecidas, havia sim apenas
duas opções aos escravos que vislumbravam sua liberdade, resignar-se ante ao servilismo ou
empreender planos e tentativas de fugas individuais ou coletivas, mesmo correndo alto risco de
morte.
Para os jovens das comunidades kalungas de hoje fica o desafio de dar continuidade à
manutenção da essência desses habitus incorporados ao longo do tempo nesse grupo social sem
deixar de considerar que foram modificados a ponto de atualmente estabelecer novas formas de
relações sociais, pois um grupo social assim como sua cultura e identidade não se congela no
tempo, mas renasce e se recria constantemente, sem perder o que lhe é mais caro e essencial.
A chamada sociologia reflexiva munida desses conceitos apresentados acima vem
conferir um rico olhar a complexidade de fatores que operam externa e internamente no objeto
dessa pesquisa, como enxergar nos jovens kalungas os agentes sociais que segundo Bourdieu
estão desde a condição de herdeiros dessa luta e cultura que visa principalmente alcançar a
31

verdadeira integração do negro, do campo e remanescente de quilombo na sociedade brasileira


moderna. Os desafios postos aos jovens kalungas são muitos, mas novamente precisarão de
estratégias para romper os muros e as cercas da exclusão. Necessário utilizar-se de estratégias
para jogar o jogo, como por exemplo lutar pelas cotas de ingresso nas universidades.

INDICATIONS OF BOURDIEU CONCEPTS TO IDENTITY PROCESSES


OF YOUNG CAVALCANTE KALUNGAS

ABSTRACT

This article aims to address the cultural and symbolically significant elements as constituents and
determinants of identity construction process of Kalunga youth of the remaining quilombo communities of
the municipality of Cavalcante from some concepts and categories of reflexive sociology of Pierre
Bourdieu. It also aims to understand to what extent the concepts of habitus, social space, social fields and
strategy created by the French sociologist help to raise questions about the culture and identity of this
social group that dates back past tenses periods in the history of the country and the state of Goiás and
how they are reproduced and present the identity of Kalunga young people today.

Keywords: Habitus. Social. Strategy. Kalungas. Bourdieu.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, M. G. Territórios e identidades dos kalungas de Goiás. Goiânia: UFG/IESA,


2015.

BAIOCCHI, Mari de Nasaré. Kalunga: povo da terra. Goiânia: Editora UFG, 2013.

BONNEWITZ, P. Primeiras lições sobre a sociologia de P. Boudieu. Petrópolis: Vozes, 2003.

BOURDIEU, P.. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.

CARNEIRO, M. J. Juventude rural: projetos e valores. In: ABRAMO, H. W.; BRANCO, P. P. M.


(Orgs.) Retratos da juventude brasileira. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2008.

HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.

IANNI, O. Florestan Fernandes/Octávio Ianni (Grandes Cientistas Sociais). São Paulo: Ática,
2008.
32

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

BAIOCCHI, Mari de Nasaré. Kalunga – a sagrada terra. Revista da Faculdade de Direito UFG,
Goiânia, v. 19, n. 1, p.107-120, jan/dez. 1995. Disponível em:
<https://revistas.ufg.br/revfd/article/view/11941>. Acesso em: 13 mar. 2016.

BOURDIEU, P. Os herdeiros. Florianópolis: UFSC, 2014.

______. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.

CANCLINI, N. G. Culturas híbridas. São Paulo: EDUSP, 1997.

COSTA, E. V. Da Senzala à Colônia. São Paulo: UNESP, 2010.

DAYRELL, J. Juventude, grupos de estilos e identidade. Educação em Revista. Belo Horizonte,


dez., 1999, n. 30. Disponível em: <https://xa.yimg.com/kq/groups/19457852/1300431534/
name/grupos+juventude.pdf>. Acesso em: 13 mar. 2016.

DUARTE, A.J. A educação escolar e os processos de enfrentamento da realidade urbana por


jovens da periferia. Educativa, Goiânia; v. 15, n. 2, p. 191-206, jul./dez. 2012. Disponível em:
<http://seer.ucg.br/index.php/educativa/article/view/2519>. Acesso em: 13 mar. 2016.

DUBET, F. O que é uma escola justa? São Paulo: Cortez, 2008.

FERNANDES, F. A integração do negro à sociedade de classes. Rio de Janeiro: Biblioteca


Azul, 2008.

FREYRE, G. Casa-grande e senzala. São Paulo: Global, 2006.

GIDDENS, A. As consequências da modernidade. São Paulo: UNESP, 1991.

GUIMARÃES, Maria T. C.; DUARTE, Aldimar Jacinto. Juventude e educação: Novos processos
de socialização. Revista Retratos da Escola, Brasília; v. 5, n. 8, p.143-155, jan./jun. 2011.
Disponível em: <http://www.esforce.org.br>. Acesso em: 13 mar. 2016.

HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

MOLINA, M. C.; JESUS, S. M. S. A. (Orgs.) Contribuições para a construção de um Projeto


de Educação do Campo. Brasília: Coleção - Por uma Educação do Campo, nº 5, 2004.

NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 2012.


PALACIN, L. História de Goiás (1722-1972). Goiânia: UCG, 2008.

RIBEIRO, D. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 2006.
33

RICOEUR, P. A memória, a história, o esquecimento. São Paulo: UNICAMP, 2007.

THOMPSON, P. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

WILLIAMS, R. Cultura e sociedade. Petrópolis: Vozes, 2011.

Potrebbero piacerti anche