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ENTREVISTA / EVANDRO VIEIRA OURIQUES

A construção dos estados mentais


Por Marcus Tavares em 10/4/2007

Reproduzido de portal Rio Mídia, da prefeitura do Rio de Janeiro, 30/3/ 2007

"Não há nada que eu possa dizer aqui que vocês já não saibam". Foi com esta frase que
o professor Evandro Vieira Ouriques, coordenador do Núcleo de Estudos
Transdisciplinares de Comunicação e Consciência (Netccon) da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), recebeu a equipe do Rio Mídia para uma entrevista, na
semana passada, na sede do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (Pacc), do
Fórum de Ciência e Cultura da instituição.

A intenção da visita era conhecer os objetivos da disciplina ´Construção de Estados


Mentais Não-violentos na Mídia´, criada e oferecida há três anos pelo Netccon.

Jornalista, cientista político e terapeuta clínico, o professor Evandro falou sobre o tema
e ainda expôs o seu ponto de vista sobre a atual sociedade midiática, a partir da Teoria
da Comunicação, da Teoria da Cultura, da Filosofia Política e da Psicanálise, que
consolidaram metodologias de transformação de atitude criadas por ele ao longo da
carreira.

Para Evandro, na sociedade pós-moderna, os estados mentais dos indivíduos (o fluxo de


pensamentos e emoções) estão atravessados pelo discurso da mídia, marcado pelo
reconhecimento pelo capital. Neste cenário, o mais importante de tudo é mudar,
verdadeiramente, de atitude. Segundo ele, repetir inconscientemente os valores
dominantes da mídia em nada contribui para o bem-estar de todos no mundo.

Brincando com o nome do nosso site, o professor afirma que é exatamente um rio de
mídia que a sociedade precisa e para o qual o Netccon procura contribuir: "Precisamos
construir, pela força da vontade, um rio de mídia democrático, aberto, plural e que faça
com que os indivíduos voltem a pensar por si mesmos, voltem a sentir por si mesmos e
possam assim ser a diferença que são".

Sua entrevista.

***

No mundo tecnológico e midiático de hoje, que relação o senhor estabelece entre a


mídia e os indivíduos?

Evandro Vieira Ouriques – No livro História das Teorias da Comunicação, o belga


Armand Mattelart, professor da Universidade de Paris e um dos mais eficientes críticos
do monopólio mundial dos meios de comunicação, diz que, nos dias atuais, a liberdade
política não pode se resumir ao direito de exercer a própria vontade. Ele insiste em que
a liberdade política reside igualmente no direito de dominar o processo de formação
dessa vontade, já que, na maior parte dos casos, ela [a vontade] é capturada por um rio
de mídia que atravessa a pessoa ao longo do seu desenvolvimento emocional,
educacional, social e histórico.

O que eu estou dizendo é que o fluxo dos estados mentais dos sujeitos, o fluxo dos
pensamentos e dos afetos que constituem a subjetividade é desenhado, marcado,
impactado pela mídia. Estamos para a mídia como a esponja está para a água. Estamos
embebidos por ela, sendo que somos nós que a fazemos e a passamos a tratar como se
fosse uma outra coisa. Neste sentido, baseada no capitalismo como verdade absoluta, a
organização social se mantém, atualmente, por uma estratégia de dessubjetivação, ou
seja, de desespeciação: de perda do caráter de espécie, como provam os atos crescentes
e sucessivos de horror com os quais convivemos.

Estamos diante, portanto, de sujeitos não instalados, no qual o que nos fala é um
vazamento do inconsciente, a história pessoal e comunitária, racial, de gênero, de classe,
etc., dos traumas, abusos, discriminações. Só para dar um exemplo, pesquisas revelam
que uma mulher, com 40 anos, já assistiu a cerca de 12 a 15 mil horas de telenovela,
resguardados aqui os avanços que encontramos nesta preciosa linguagem.

Hoje, a pessoa sente e pensa por meio da mídia que, em nenhum momento, a ajuda a
parar e refletir. A aceleração, por exemplo, que os apresentadores dos telejornais
utilizam é incompatível com o ritmo respiratório, metabólico. A respiração fica
suspensa. E suspensa, impede que as informações entrem e sejam metabolizadas.
Impedem, inclusive, que a nossa mente (no sentido do conjunto de percepções,
pensamentos e afetos) tenha tempo de excretar o que não serve. O indivíduo fica dopado
pela sobrecarga informacional e pelo choque dissociante e contínuo que ocorre na
gangorra de emoções que vai, sem interrupção, de notícias econômicas, políticas e
sociais a notícias de que conseguiram salvar dois ou três pingüins ou que determinado
time conseguiu derrotar seu adversário.

Neste ambiente, o sujeito, imerso nos dispositivos midiáticos (produção da mídia,


instituições de mediação tradicional e práticas sócio-culturais) tornou-se o centro da
exibição da potência da cultura tecno-lógica e não de sua própria potência.

Quais são as conseqüências deste cenário?

E.V.O. – Neste ponto podemos recorrer a Charles Melman, por exemplo, autor do livro
O Homem Sem Gravidade e fundador da Association Lacanienne Internationale e um
dos principais dirigentes da École Freudienne de Paris. Em sua obra, Melman identifica,
como decorrência deste cenário, uma nova economia psíquica. Diz ele que a
característica dominante da economia psíquica do mundo pós-moderno é a iminência do
colapso psicótico. Em outras palavras: o sujeito tende intensamente a acreditar que é o
que ele não é; que a vida é o que ela não é; e que ele está fazendo uma determinada
coisa quando, de fato, está fazendo o oposto.

Isto fica muito claro na dissociação entre palavras e atos na/da sociedade
contemporânea. As pessoas dizem quase sempre o contrário do que fazem ou do que
gostariam de dizer. Se Zygmunt Bauman [sociólogo polonês] mostra que estamos na
época do amor líquido, é porque vivemos uma era de relações líquidas. No entanto, o
que garante o vigor da relação, conseqüentemente, o vigor da comunicação, é
exatamente a estabilidade da confiança. Mas o que assistimos é a experiência da traição
e da desconfiança. A grande mídia está, em geral, neste estado.

Os produtos e serviços são tributados com valores que não pertencem a eles:
solidariedade, amor, confiança, perspectiva de vida, garantia de futuro, tranqüilidade. O
que gostaríamos de ter nas relações, em casa e na sociedade, está agregado aos produtos
e serviços aos quais acabo de me referir.

Como ao sujeito só são apresentados os valores que dominam a mídia, com honrosas
exceções, em especial aquelas concretizadas por comunidades que se utilizam das
brechas do discurso, ele apenas, e simplesmente, acredita nas coisas como elas são
mostradas, retratadas, apresentadas. Não questiona. Não reflete.

Como diz o cineasta Jean-Louis Comolli em relação ao jornalismo televisivo e ao leitor


dos jornais, e permito-me ampliar em relação à publicidade dominante, respeitadas
também as exceções, assegura-se ao telespectador de que ele está diante de verdades
"objetivas". A ele cabe apenas acreditar. Por isto, acreditar nas tecnologias da
informação como garantia para a democratização, como insisto dizer desde a década de
80, é um suicídio, já que os sujeitos encontram-se ´tecnologizados´, porém sem terem
efetivado uma mudança de atitude mental.

Prosseguindo com Melman, o sujeito vive na iminência do colapso psicótico, mas dele
se defende por meio da perversão. Não a perversão do senso comum que conhecemos,
mas a do ponto de vista clínico, aquele quadro em que o sujeito está num estado de
adição a um objeto da realidade, dele dependendo para, supostamente, realizar-se como
sujeito de si mesmo. É por isto que temos o consumo de drogas crescendo, a violência
urbana, o consumo desenfreado de recursos naturais, de comunidades, de minorias, de
gênero, de status, de sexo, de objetos, de serviços, de pessoas, de mão-de-obra, de
países, de mercados, de empresas, de crianças, de adolescentes, enfim, uma orgia
devoradora, que caracteriza a desmesura, a falta de medida que retrata, paradoxalmente,
uma sociedade que chegou a este estado em nome da liberdade.

Este estado de perversão leva à fragmentação dos seres humanos, assunto analisado e
debatido pelo pesquisador Néstor Garcia Canclini, no livro Diferentes, desiguais e
desconectados. Num mundo pós-moderno que se recusa a reconhecer a necessidade
imperiosa de seus sujeitos encontrarem um conjunto de valores comuns a todos da
espécie (permitindo assim que os indivíduos se re-vinculem psíquica e socialmente), os
próprios sujeitos estão mergulhados num estado de corrupção, de violência, de
desespero, de horror crescente. E olha que eu não estou sendo pessimista. Estou sendo
realista, matemático.

Hoje quem tem R$ 135 mil de patrimônio está entre os 10% mais ricos do planeta. São
em dados quantitativos que me baseio e que me impulsionam, me entusiasmam para a
necessidade, mais do que urgente, de mudar eu mesmo de atitude, de eu mesmo ser, no
sentido Gandhiano, a mudança que eu gostaria de ver no mundo e, assim, ajudar aqueles
que estão dispostos a remexerem nas entranhas de seus valores e encontrarem onde
escondem, não apenas o seu racismo, mas todas as seqüências mentais que mantêm o
dominador no poder.

Como o senhor vê a questão da diferença?


E.V.O. – A defesa da diferença só é democrática quando entendemos que ela só existe
de fato na presença sincrônica da semelhança, como mostra de maneira muito lúcida o
filósofo Marcio Tavares D´Amaral. A diferença sem a semelhança origina a perda de
sentido de comunidade, de espécie. É cada um com seu cada um, como se fala na
linguagem popular e que as pessoas repetem para si mesmas, muitas vezes no silêncio
do que pensam ser a sua consciência, para legitimar seus atos de corrupção, de
violência, de abuso, que nada mais são do que opção criminal. É como eu disse,
lembrando Mattelart: o simples exercício da vontade passa a ser confundido com o que
viria a ser o vigor da diferença, aquela que só se mostra no vigor do núcleo duro do real
que permanece em todo sujeito, quando ele é igual apenas a ele mesmo. Como resultado
da vontade dele ser ele mesmo. Melman chega a dizer, e olha que ele está instalado em
um super consultório na super Paris, que todos os seus sofisticados pacientes o pagam
para ajudá-los a encontrar o que neles é eles mesmos.

É por isto que enquanto defende-se esta pseudodiversidade, a sociedade mergulha


estatisticamente no aumento das guerras globais, sejam elas armadas, mercadológicas
ou comunicacionais, ou como de fato acontece, tudo isto junto. Os sujeitos estão
empurrados para a opção criminal ou patológica. Por isto é que não tenho nada a ensinar
a ninguém. Preciso é ajudar a mim mesmo, ajudando aos outros, lembrando o que não
posso e não quero esquecer: de que somos mais semelhantes do que diferentes. Senão,
como termos um objetivo comum?

Hoje, o único comum dominante é o de consumir e explodir a tudo e a todos. O filme


Children of Men [Os filhos do homem, de Alfonso Cuarón] mostra bem isto. Vivendo
num mundo, em 2027, em ruína, no qual as mulheres sequer conseguem mais
engravidar, o protagonista questiona seu irmão por ele guardar e preservar obras de
artes. O protagonista pergunta: Por que você está guardando isso, se o que estamos
fazendo vai acabar com todas as pessoas e ninguém as verá? A resposta é a mesma que
a maioria das pessoas poderia dizer hoje: eu vivo sem pensar nisto...

Como reverter este quadro?

E.V.O. – É preciso que os sujeitos decidam remover dos estados mentais, por decisão
deliberada da vontade, o lixo que pensam ser eles mesmos, voltando a pensar e a sentir
o que interessa: o que os mantém vivos, lúcidos, amorosos, alegres, dedicados a
enfrentar os conflitos. Precisamos remover todos os estados mentais que tentam
sustentar a insustentável lógica da dominação, da produção midiática. Por isto, criamos
um programa acadêmico na área de comunicação dedicado justamente ao domínio do
processo de formação da vontade.

Para ajudar a mudar esta tendência é que criei esta disciplina: a Construção de Estados
Mentais Não-violentos na Mídia, que mostra a profundidade do compromisso que o
sujeito tem com o que até então pensava ser o sistema de pensamento vigente na
comunicação e na cultura, e como é possível passar a ser comprometido com valores
sustentáveis, tornando-se, gradativamente, mais e mais, o vigor destes valores em
movimento no mundo.

Quando os jornalistas, os publicitários, os especialistas em marketing, os criadores


multimídia, os guerreiros tecnológicos modernos, os hibridizados multiantenados,
entenderem que a mudança neste quadro dramático depende da mudança da qualidade
da vontade deles, daqueles pensamentos, emoções, fantasias, desejos que aparecem em
sua intimidade, em seu relacionamento em casa, onde moram, nas redações, nas
agências, com os auxiliares e com os chefes, a ordem informacional do mundo mudará,
pelo menos para aqueles que tiverem mudado.

É preciso perceber e compreender que o que vemos e vivemos é exatamente o que


construímos. Ou nós mesmos construímos ou nossos antepassados construíram. Que
possamos então oferecer aos nossos públicos, desde a intimidade que temos com nossa
companheira ou companheiro com que vivemos, uma relação sadia, aberta, uma relação
não de covardia, de indiferença, de desprezo, de hipocrisia, de distância, de auto-
importância, de vitimização, de vingança, de desconto. Mas, sim, mostrarmos na prática
que há variáveis muito diferentes do que apenas pensar que "a vida é cruel", "que ser
bom é ser bobo", de que "primeiro o meu e depois o dos outros".

É sintomática, portanto, a recente pesquisa elaborada pela Andi [Agência de Notícias


dos Direitos da Infância] que comprova quantitativamente que a mídia não reflete a
respeito de si mesma, ou seja, não veicula questões a respeito dela própria. Não é à toa,
portanto, que os indivíduos não refletem sobre si mesmos.

Este é o nosso caminho, o objetivo do Netccon. É um passo. É uma tentativa de


interromper a experiência da dor. De oferecer a nós mesmos o respeito à nossa criança
interna, à nossa alegria de viver, ao vigor da verdade, da compaixão, da disciplina e da
pureza. De nos mantermos em diálogo até o limite. E de quando o encontrarmos, sermos
capazes de agir sem pestanejar, em nome do bem comum.

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