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As novidades do censo demográfico brasileiro realizado pelo IBGE em 2010 foram muitas,
desde a utilização de um pequeno computador manual pelos recenseadores até novas
perguntas no questionário, como aquelas relativas às populações autodeclaradas indígenas,
incluindo etnia e línguas faladas.
Desde o início dos anos 2000, a invisibilidade estatística dos povos indígenas no Brasil (e
também na América Latina e Caribe), bem como as possibilidades de melhoria nos sistemas
de informações censitários, tem sido discutida em vários congressos de estudos populacionais
e seminários específicos de Demografia Indígena promovidos pelo Grupo de Trabalho da Abep
e pela Alap. Tais temas também foram debatidos nas reuniões e discussões promovidas pelo
próprio IBGE que, em 2008, criou um grupo de trabalho para discutir a metodologia do censo
2010 relativa aos povos indígenas. Três recomendações importantes foram então acordadas:
a) a pergunta sobre raça/cor da pele deveria passar do questionário da amostra para o
questionário do universo;¹ b) além da autoidentificação como indígena na pergunta raça/cor da
pele, dever-se-ia perguntar povo/etnia de pertencimento; c) as terras indígenas deveriam
coincidir com o perímetro dos setores censitários.
Por fim, a respeito das perguntas que constam no questionário da amostra, foi realizada uma
reunião com um grupo de especialistas para pensar em alternativas mais adaptadas às aldeias
e domicílios indígenas, o que aparentemente deu um bom resultado. Incluíram-se, por
exemplo, voadeiras e canoas como utensílios e meios de transporte, e outras características
específicas das TIs. Para os recenseadores que foram aos setores especiais das Terras
Indígenas foi feito um manual especial com recomendações sobre etiqueta para conversar com
as lideranças indígenas e as famílias nos domicílios.
Os resultados desse primeiro censo com questões específicas para os povos indígenas ainda
são preliminares. Não temos ainda os resultados do questionário da amostra, nem o perfil
etário dos indígenas, embora já tenhamos inúmeras informações que por si só nos dão um
retrato da população indígena e mostram as mudanças que se anunciam.
Saiba mais
Veja o detalhamento dos dados, publicado em Agosto/2012 pelo IBGE, bem como correções
de subenumeração dos primeiros resultados:
Tabela 1: Proporção da população não branca em relação à população total por região do
Brasil em 2010
Nº absoluto população não Nº absoluto população
Região Total Proporção
branca branca
Norte 12.143.777 3.720.168 15.863.945
76,55
nordeste 37.452.977 15.627.710 53.080.687 70,56
Fonte: Censo 2010 | IBGE. Com relação à distribuição da população residente no Brasil por raça/cor da pele, temos um aumento da proporção dos
‘pardos’ e um pequeno aumento dos ‘pretos’, que perfazem os afrodescendentes, assim como um aumento da proporção da população indígena, de
0,43 para 0,44% da população total. Tabela 2: População residente no Brasil, por raça/cor da pele em 2010
<meta content="text/html; charset=utf-8" http-equiv="content-type"/>Fonte: Censo 2010 | IBGE. A proporção da população autodeclarada indígena no
Brasil, desde que se incluiu essa categoria como resposta possível à questão da raça/cor da pele, tem aumentado bastante, mas podemos verificar que
a ‘grande virada’ foi de 1991 para 2000, quando de 0,2% da população passou a 0,43%. Já de 2000 para 2010, tivemos um pequeno aumento na
proporção, resultado de uma mudança na autodeclaração principalmente nas regiões sul e sudeste. No último censo, menos pessoas se
autodeclararam indígenas naquelas duas regiões em relação ao anterior, realizado em 2000. É provável que tenha havido uma migração da declaração
para a categoria ‘pardo’, principalmente. Tabela 3: Proporção da população auto-declarada indígena em relação à população total do Brasil, nos
censos 1991, 2000 e 2010
Fonte: Censo 2010 | IBGE. Na região norte, vários fatores contribuíram para o aumento da população autodeclarada indígena: o crescimento vegetativo
é um dos fatores principais desse aumento, seguido da melhoria da captação das informações com a ida efetiva dos recenseadores para as TIs,
apoiados pela Funai, e de uma melhor declaração e reconhecimento das pessoas como indígenas. Os estados do Acre e Roraima, onde parecia haver
uma subestimação da população indígena nos dois censos anteriores, no atual levantamento têm população muito próxima daquela contabilizada pela
Funasa. Nas regiões nordeste e centro-oeste, o aumento foi menos significativo. Provavelmente isso se deve de forma majoritária ao crescimento
vegetativo dessa população nas TIs e menos ao reconhecimento de pessoas como indígenas, que anteriormente se declaravam 'pardas'. É como se o
fenômeno do autorreconhecimento e da valorização da categoria 'indígena' tivesse chegado a um ponto de esgotamento. Quanto ao outro fator
sociológico apontado anteriormente por José Mauricio Arruti no artigo Etnogêneses Indígenas, publicado no livro Povos Indígenas no Brasil 2001/2005,
que foi o ‘aparecimento’ ou ‘ressurgimento’ de povos que já se consideravam extintos, esse fenômeno também parece ter decrescido ou influenciado
menos o aumento da população indígena. Essas hipóteses poderão ser mais bem exploradas e analisadas quando os resultados por sexo, idade, povo
e microrregiões forem divulgados. No sul e sudeste, a população autodeclarada indígena foi menor em números absolutos do que aquela em 2000. Em
todos os estados do sudeste, mas especialmente no Rio de Janeiro, em São Paulo e Minas Gerais, a população autodeclarada indígena no censo de
2000 parece ter migrado para outra categoria, possivelmente a ‘parda’. Poderíamos supor que a população nesses estados oscilou nos últimos dez
anos entre se autodeclarar afrodescendente ou indiodescendente. Tabela 4: Evolução da população autodeclarada indígena nos censos 1991,
2000 e 2010, por UFs e grandes regiões
proporção de
população população
população
total indígena
indígena %
São Gabriel da
37.896 29.017 76,57
Cachoeira - AM
Baía da Traição -
8.012 5.687 70,98
PB
Santa Isabel do
18.146 10.749 59,24
Rio Negro - AM
Santa Rosa do
4.691 2.526 53,85
Purus - AC
A presença indígena nas áreas urbanas tem crescido desde a inclusão da categoria indígena
no censo de 1991, quando foi possível analisar e detectar esse fato. Os resultados de 2010
apresentam uma mudança, uma certa diminuição na proporção da população indígena
residindo em áreas rurais. No Brasil, como um todo, 61% da população reside em áreas rurais,
e nas regiões nordeste e sudeste essa proporção cai para 49 e 19%, respectivamente. Nas
regiões norte e centro-oeste, a proporção de indígenas vivendo em áreas rurais é de 79 e 73%
e no sul 54% das pessoas que se declaram como indígenas estão vivendo nas áreas rurais.
As primeiras análises do censo de 2010 nos instigam a investigar fenômenos que antropólogos
e demógrafos apenas começaram a analisar, seja a multilocalidade dos povos indígenas e os
próprios conceitos de rural e urbano do ponto de vista dessa população. Cidades indígenas
têm surgido em TIs e já têm sido objeto de estudos antropológicos; bairros indígenas são
comuns seja em grandes cidades como Manaus, ou em cidades próximas a TIs, como
Caarapó, no Mato Grosso do Sul. Há algumas décadas, geógrafos e economistas têm
questionado o uso, desses conceitos e propuseram outras categorias como 'áreas rururbanas',
ou 'aglomerados urbanos em áreas rurais'. A análise dos resultados desse censo deverá
priorizar os trabalhos relacionados à migração, aos deslocamentos espaciais da população
indígena em direção aos centros urbanos e, ao mesmo tempo, a sua presença - ou
consideração de moradia principal - nas aldeias de origem.
[Agosto/2011]
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