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Resumo: A pesquisa em andamento tem como objetivo o estudo da interação entre manifes-
tações culturais ligadas ao carnaval, no Rio de Janeiro do final do séc. XIX e início do
séc.XX. Com base nos conceitos intertextualidade e circularidade cultural, a partir de Mikhail
Bakhtin e Carlo Ginzburg, busca-se relacionar os ranchos carnavalescos, o teatro de revista,
seus músicos e músicas.
Os ranchos carnavalescos e o teatro de revista constituem o foco principal deste trabalho por
possuírem em sua essência a “linguagem do riso” proposta por Bakhtin. Segundo este teórico,
com esta “linguagem”, através de sátiras e paródias, uma classe representa outra, proporcio-
nando uma reapropriação contínua de signos. Desta forma, o carnaval é tido como um mo-
mento propício à aproximação e troca entre as classes sociais.
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Este trabalho foi produzido a partir da pesquisa “Entre Ruas, Palcos, Salões e Picadeiros; Um Estudo
Histórico-etnográfico dos Ranchos carnavalescos do Rio de Janeiro”, apoiado pelo CNPq com Bolsa de Auxílio
Integrado (2001-2006) e pela Faperj através de Bolsa de Iniciação Científica (2002).
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Segundo Tinhorão, a formação básica dos ranchos do ciclo natalino se mantém nos
novos ranchos carnavalescos que desfilam ao som de chulas com flauta, violão, pandeiro e
ganzá, e personagens como cabrochas, velhos, reis, rainhas, caramurus, e capoeiras vestidos
de diabo (TINHORÃO, 1972). O sentido de relativa organização dos ranchos carnavalescos
aparece contraposto, em periódicos de época, à percepção de balbúrdia nos cordões e blocos,
o que levaria à maior tolerância das autoridades competentes em relação aos ranchos. Isto
abriria caminho à multiplicação de grupos assim denominados no carnaval carioca, alguns
deles passando a abranger também a classe média baixa além da região portuária, e, com isso,
inaugurando um processo de transformação progressiva de seus moldes iniciais.
A participação de funcionários públicos, operários das fábricas de tecido e do
Arsenal da Marinha, é notada no rancho Ameno Resedá (EFEGÊ, 1965), fundado no final da
primeira década do século XX, e cuja estrutura levará alguns cronistas da época a considerá-lo
modelar, um rancho-escola. A adesão do novo componente social resulta em transformações
nos ranchos, dentre as quais destacamos a adoção de um conjunto de instrumentos de sopros e
de um coro de pastoras, além de um repertório de maxixes, marchas e dobrados.
Curiosamente, a música—assim como suas inter-relações com outros repertórios ou-
vidos no carnaval e em outros contextos do período em questão—foi pouco explorada nas
pesquisas sobre ranchos realizadas até hoje, e por isso vem recebendo uma atenção especial
na pesquisa ora em andamento, que trabalha, a partir dos conceitos de intertextualidade e cir-
cularidade cultural74—referenciados, respectivamente, em Bakhtin (1984) e Ginzburg
(1987)—fundamentalmente sobre três tipos de fontes: 1- a coleção do Jornal do Brasil publi-
cada entre 1892 e 1930, encontrada em microfilmes na Seção de Periódicos da Biblioteca Na-
cional, no Rio de Janeiro; 2- o Arquivo Paschoal Segreto, encontrado na Divisão de Música
da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro; e 3- os acervos fonográficos do Laboratório de Et-
nomusicologia da UFRJ e do Instituto Moreira Salles, também no Rio de Janeiro.
Ao examinar-se o noticiário carnavalesco do Jornal do Brasil, parece claro que aque-
les que o redigem75, embora representem uma minoria privilegiada com acesso à leitura têm
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A intertextualidade em Bakhtin (1984) se remete ao diálogo, interpenetração e ressignificação entre formas de
expressão populares e de elite.1 Idéia semelhante foi reelaborada por Ginzburg (1987) como circularidade
cultural, categoria analítica aplicável a determinados contextos sócio-históricos de interligação e reapropriação
contínua entre formações culturais de elites e camadas sociais subalternas, pertinente portanto aos processos aqui
estudado.
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O jornal em questão terá em diferentes períodos redatores e colaboradores cronistas reconhecidos que
mantinham relações notórias com o carnaval, como Vagalume (pseudônimo de Francisco Guimarães), Orestes
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contato direto com as festas populares que noticiam, o que, a princípio, sugere sua atuação
como mediadores em processo de circularidade cultural (GINZBURG, 1987). Somado a isso,
há o fato de os ranchos contarem, segundo os registros jornalísticos aqui aludidos, com consi-
deráveis naipes de sopros e cordas, sendo que estes músicos, além de atuarem em atividades
promovidas pelos ranchos durante todo o ano em suas sedes, também tocarem em outros am-
bientes na busca pela sobrevivência através da música.
Todavia, torna-se ainda mais clara a relevância do trabalho conceitual iniciado por
Bakhtin para a compreensão do fenômeno dos ranchos ao ler-se o conteúdo de algumas das
notícias selecionadas, que descrevem tanto a circulação de músicos mais voltados a um meio
musical que pode ser classificado como “erudito” no universo dos ranchos. Um exemplo que
comprova a circulação de músicos entre meios musicais distintos aparece na seguinte nota so-
bre o rancho Filhas da Jardineira:
...A orquestra estava assim constituída: Irineu de Almeida, 1o diretor de
harmonia, opheclyd [sic]; Manuel Theodoro, 2o diretor, flauta; Henrique Vi-
anna, Arnaldo Peçanha, Martiniano Cruz e Aventino Silva, violão; Alfredo
Vianna Júnior, flauta; Adalberto de Azevedo, bandolim; Napoleão Teixeira e
Francisco Torres, piston [sic]; Manuel Xavier Couto, clarineta; Pedro dias,
contrabaixo; Júlio Campos, bombardino; Victor de Ramos e Antônio, pan-
deiros. (Jornal do Brasil, 03 de fevereiro de 1911, pg. 10)
Nesta breve notícia é possível destacar dois nomes de grande importância fora do u-
niverso dos ranchos. O então flautista Alfredo Vianna Júnior, mais conhecido pelo apelido de
Pixinguinha, considerado atualmente uma das figuras de maior importância na história do
choro e da música brasileira em geral, havia sido aluno de Irineu de Almeida, o oficleidista e
diretor de harmonia daquele rancho específico, além de líder do grupo Choro Carioca, que in-
cluía o jovem Pixinguinha e realizou diferentes registros em discos à época.
O teatro de revista, gênero criado na França no século XVIII, surge no Rio de Janeiro
na segunda metade do século XIX (ver VENEZIANO, 1996). Associado à classe média
emergente, possui um texto de abordagem satírica (a “linguagem do riso”; cf. BAKHTIN,
1984) sobre fatos da atualidade, retratando personagens do cotidiano. A temática do carnaval,
freqüente no caso brasileiro, deve-se à importância dessa festa na vida social carioca, e
também à relativa suspensão de hierarquias sociais observada em seu processo ritual (ver DA
MATTA, 1977), assemelhando-se, desta forma, à própria linguagem do teatro de revista.
Referências citadas
Araujo, Samuel et alli. “Entre palcos, ruas e salões: processos de circularidade cultural na mú-
sica dos ranchos carnavalescos do Rio de Janeiro (1890-1930)”. Em Pauta. Porto Alegre: U-
niversidade Federal do Rio Grande do Sul. 2006a [no prelo].
______. “Marchas-Rancho: uma análise etnomusicológica fonográfica”. In: Anais do XVI
Congresso da ANPPOM. Brasília : UnB, 2006b.
______. O tempo da pancada: notas sobre uma contribuição teórica de Guerra-Peixe ao estudo
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Segundo o que pudemos apurar até o momento em nossa pesquisa este seria o registro mais antigo desta
denominação aparecendo em documento de época.
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Referência discográfica