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Carnaval e Circularidade Cultural no Rio de Janeiro73

Samuel Mello Araújo Júnior


Anna Carolina Labre Vianna
Hudson Cláudio Neres Silva
Marcelo Rubião de Andrade
Olavo Vianna Peres
etnomusicologia@acd.ufrj.br (Laboratório de Etnomusicologia da UFRJ)

Resumo: A pesquisa em andamento tem como objetivo o estudo da interação entre manifes-
tações culturais ligadas ao carnaval, no Rio de Janeiro do final do séc. XIX e início do
séc.XX. Com base nos conceitos intertextualidade e circularidade cultural, a partir de Mikhail
Bakhtin e Carlo Ginzburg, busca-se relacionar os ranchos carnavalescos, o teatro de revista,
seus músicos e músicas.
Os ranchos carnavalescos e o teatro de revista constituem o foco principal deste trabalho por
possuírem em sua essência a “linguagem do riso” proposta por Bakhtin. Segundo este teórico,
com esta “linguagem”, através de sátiras e paródias, uma classe representa outra, proporcio-
nando uma reapropriação contínua de signos. Desta forma, o carnaval é tido como um mo-
mento propício à aproximação e troca entre as classes sociais.

Palavras-chave: Carnaval. Rio de Janeiro.


Segundo os primeiros estudiosos dos ranchos carnavalescos urbanos (MORAES,
1958; EFEGÊ, 1965; TINHORÃO, 1972), estes teriam como matriz mais direta os ranchos-
de-reis, tradição nordestina relacionada aos pastoris portugueses, de configuração dramático-
musical variada, e cujos desfiles aconteciam tradicionalmente entre o Natal e o dia de Reis. A
fixação inicial desta manifestação na área portuária do Rio de Janeiro, núcleo da assim
chamada Pequena África (ver MOURA, 1983) — região da cidade assim conhecida pelo
grande número de afro-descendentes que ali viviam — e a transformação dos ranchos-de-reis
em ranchos carnavalescos são descritas pelos mesmos estudiosos mencionados acima,
apoiando-se em entrevista do baiano Hilário Jovino Ferreira, fundador do primeiro rancho a
sair no carnaval:

Em 1872, quando cheguei da Bahia, a 17 de junho, já encontrei um rancho


formado. Era o Dois de Ouros .(...) fiz-me sócio e depressa aborreci-me com
alguns rapazes e resolvi então fundar um rancho [o Rosa de Ouro]. (...) [A
saída às ruas] deixou de ser no dia apropriado, isto é, a 6 de janeiro, porque o
povo não estava acostumado com isso. Resolvi então transferir para o Car-

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Este trabalho foi produzido a partir da pesquisa “Entre Ruas, Palcos, Salões e Picadeiros; Um Estudo
Histórico-etnográfico dos Ranchos carnavalescos do Rio de Janeiro”, apoiado pelo CNPq com Bolsa de Auxílio
Integrado (2001-2006) e pela Faperj através de Bolsa de Iniciação Científica (2002).
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naval. Foi um sucesso! Deixamos longe o Dois de Ouros. (Jornal do Brasil,


18 de janeiro de 1913, pg. 11)

Segundo Tinhorão, a formação básica dos ranchos do ciclo natalino se mantém nos
novos ranchos carnavalescos que desfilam ao som de chulas com flauta, violão, pandeiro e
ganzá, e personagens como cabrochas, velhos, reis, rainhas, caramurus, e capoeiras vestidos
de diabo (TINHORÃO, 1972). O sentido de relativa organização dos ranchos carnavalescos
aparece contraposto, em periódicos de época, à percepção de balbúrdia nos cordões e blocos,
o que levaria à maior tolerância das autoridades competentes em relação aos ranchos. Isto
abriria caminho à multiplicação de grupos assim denominados no carnaval carioca, alguns
deles passando a abranger também a classe média baixa além da região portuária, e, com isso,
inaugurando um processo de transformação progressiva de seus moldes iniciais.
A participação de funcionários públicos, operários das fábricas de tecido e do
Arsenal da Marinha, é notada no rancho Ameno Resedá (EFEGÊ, 1965), fundado no final da
primeira década do século XX, e cuja estrutura levará alguns cronistas da época a considerá-lo
modelar, um rancho-escola. A adesão do novo componente social resulta em transformações
nos ranchos, dentre as quais destacamos a adoção de um conjunto de instrumentos de sopros e
de um coro de pastoras, além de um repertório de maxixes, marchas e dobrados.
Curiosamente, a música—assim como suas inter-relações com outros repertórios ou-
vidos no carnaval e em outros contextos do período em questão—foi pouco explorada nas
pesquisas sobre ranchos realizadas até hoje, e por isso vem recebendo uma atenção especial
na pesquisa ora em andamento, que trabalha, a partir dos conceitos de intertextualidade e cir-
cularidade cultural74—referenciados, respectivamente, em Bakhtin (1984) e Ginzburg
(1987)—fundamentalmente sobre três tipos de fontes: 1- a coleção do Jornal do Brasil publi-
cada entre 1892 e 1930, encontrada em microfilmes na Seção de Periódicos da Biblioteca Na-
cional, no Rio de Janeiro; 2- o Arquivo Paschoal Segreto, encontrado na Divisão de Música
da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro; e 3- os acervos fonográficos do Laboratório de Et-
nomusicologia da UFRJ e do Instituto Moreira Salles, também no Rio de Janeiro.
Ao examinar-se o noticiário carnavalesco do Jornal do Brasil, parece claro que aque-
les que o redigem75, embora representem uma minoria privilegiada com acesso à leitura têm

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A intertextualidade em Bakhtin (1984) se remete ao diálogo, interpenetração e ressignificação entre formas de
expressão populares e de elite.1 Idéia semelhante foi reelaborada por Ginzburg (1987) como circularidade
cultural, categoria analítica aplicável a determinados contextos sócio-históricos de interligação e reapropriação
contínua entre formações culturais de elites e camadas sociais subalternas, pertinente portanto aos processos aqui
estudado.
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O jornal em questão terá em diferentes períodos redatores e colaboradores cronistas reconhecidos que
mantinham relações notórias com o carnaval, como Vagalume (pseudônimo de Francisco Guimarães), Orestes
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contato direto com as festas populares que noticiam, o que, a princípio, sugere sua atuação
como mediadores em processo de circularidade cultural (GINZBURG, 1987). Somado a isso,
há o fato de os ranchos contarem, segundo os registros jornalísticos aqui aludidos, com consi-
deráveis naipes de sopros e cordas, sendo que estes músicos, além de atuarem em atividades
promovidas pelos ranchos durante todo o ano em suas sedes, também tocarem em outros am-
bientes na busca pela sobrevivência através da música.
Todavia, torna-se ainda mais clara a relevância do trabalho conceitual iniciado por
Bakhtin para a compreensão do fenômeno dos ranchos ao ler-se o conteúdo de algumas das
notícias selecionadas, que descrevem tanto a circulação de músicos mais voltados a um meio
musical que pode ser classificado como “erudito” no universo dos ranchos. Um exemplo que
comprova a circulação de músicos entre meios musicais distintos aparece na seguinte nota so-
bre o rancho Filhas da Jardineira:
...A orquestra estava assim constituída: Irineu de Almeida, 1o diretor de
harmonia, opheclyd [sic]; Manuel Theodoro, 2o diretor, flauta; Henrique Vi-
anna, Arnaldo Peçanha, Martiniano Cruz e Aventino Silva, violão; Alfredo
Vianna Júnior, flauta; Adalberto de Azevedo, bandolim; Napoleão Teixeira e
Francisco Torres, piston [sic]; Manuel Xavier Couto, clarineta; Pedro dias,
contrabaixo; Júlio Campos, bombardino; Victor de Ramos e Antônio, pan-
deiros. (Jornal do Brasil, 03 de fevereiro de 1911, pg. 10)

Nesta breve notícia é possível destacar dois nomes de grande importância fora do u-
niverso dos ranchos. O então flautista Alfredo Vianna Júnior, mais conhecido pelo apelido de
Pixinguinha, considerado atualmente uma das figuras de maior importância na história do
choro e da música brasileira em geral, havia sido aluno de Irineu de Almeida, o oficleidista e
diretor de harmonia daquele rancho específico, além de líder do grupo Choro Carioca, que in-
cluía o jovem Pixinguinha e realizou diferentes registros em discos à época.

Ranchos carnavalescos e teatro de revista

O teatro de revista, gênero criado na França no século XVIII, surge no Rio de Janeiro
na segunda metade do século XIX (ver VENEZIANO, 1996). Associado à classe média
emergente, possui um texto de abordagem satírica (a “linguagem do riso”; cf. BAKHTIN,
1984) sobre fatos da atualidade, retratando personagens do cotidiano. A temática do carnaval,
freqüente no caso brasileiro, deve-se à importância dessa festa na vida social carioca, e
também à relativa suspensão de hierarquias sociais observada em seu processo ritual (ver DA
MATTA, 1977), assemelhando-se, desta forma, à própria linguagem do teatro de revista.

Barbosa e Jota Efegê.


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Os comentários sobre o cotidiano (por exemplo, as mudanças urbanas substanciais


ocorridas no Rio ao início do séc. XX), a inclusão de tipos “populares” (o português, a
mulata, o matuto, o funcionário público, entre outros) e o uso de músicas e danças brasileiras
(como o samba, o maxixe e o lundu) conferem um caráter nacional ao teatro de revista,
intenção dos principais autores da época. Segundo Chiaradia (2001), o jornalista, literato e
teatrólogo Arthur Azevedo, um dos mais expressivos nomes do gênero no Brasil, teria
registrado os processos de mudança urbana nas revistas de ano em função de seu interesse em
fazer do teatro um espaço para a opinião do cidadão. O preço do ingresso, mais acessível às
camadas intermediárias em expansão, também contribui para o sucesso das revistas,
garantindo o acesso de amplas camadas da população, incluindo provavelmente os próprios
“tipos populares” retratados no palco.
Gradativamente, a revista coloca em relevo os aspectos musical e visual, explorando
a sensualidade da figura feminina (com a presença das chamadas vedetes) e se tornando um
importante meio de divulgação de músicas e compositores, aproveitando também números
musicais de sucesso—os do carnaval, por exemplo—para atrair o público. A instrumentação
empregada no teatro de revista, a julgar pelos exemplares de partituras já consultados no
Arquivo Paschoal Segreto, encontrado na Divisão de Música da Biblioteca Nacional, no Rio
de Janeiro, compreende basicamente instrumentos de origem européia, aproximando-se a uma
orquestra convencional envolvendo cordas e metais, adicionando-se eventualmente um
saxofone ou uma bateria, sob influência das jazz-bands do início do século XX. Entre os
gêneros executados destacam-se a marcha, a valsa, o maxixe e o samba, evidenciando mais
um dos aspectos das relações entre índices culturais brasileiros, europeus e, em certa medida,
norte-americanos.
O maestro João José da Costa Junior é tido como um dos primeiros compositores a
tirar proveito do teatro para tornar suas músicas sucessos nas ruas durante o carnaval. Este é o
caso da revista de Dengo-Dengo, em beneficio do rancho Ameno Resedá, encenada no Teatro
São José, em 1913 (TINHORÃO, 1972), e mencionada em uma das várias notas jornalísticas
por nós consultadas, apontando para uma relação direta entre ranchos e teatro de revista:
A matinée de amanhã no São José vai ser um deslumbramento. É em
beneficio da querida sociedade carnavalesca Ameno Resedá que soube
organizar um programa verdadeiramente empolgante. Além da comédia “A
Viúva da Camélia” e da revista “Dengo-Dengo” pelos artistas da casa,
haverá brilhantíssimo intermédio pelas mais distintas figuras de nosso teatro
e uma sessão de caricaturas pelo caricaturista Raul, Calixto, Amaro e Luiz.
(Jornal do Brasil, 24 de janeiro de 1914, pg. 10)
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Encontram-se na Seção de Música da Biblioteca Nacional edições comerciais de al-


gumas partituras das canções associadas à revista em questão. Dentre estas, destacamos a a
partitura para canto e piano, de “Chuva de Ouro”, com autoria atribuída a João José da Costa
Junior, documento mais antigo encontrado em nossa pesquisa com a designação “marcha de
rancho”, gênero este, ligado diretamente aos desfiles de ranchos carnavalescos76. Note-se que
a comercialização de partituras editadas para serem executadas em residências representava,
rivalizando com o teatro, uma das principais formas de divulgação/circulação de música no
período que antecede à ascensão do rádio como meio de difusão massiva. Sendo assim, a par-
titura em questão não deve ser necessariamente a versão montada no teatro, mas sim uma guia
provavelmente adaptada para formações instrumentais diversas de acordo com as circunstân-
cias.
Alguns aspectos identificados em “Chuva de Ouro”—estrutura formal binária com
introdução e coda, textura homofônica de melodia e acompanhamento, plano harmônico es-
sencialmente tonal e não-modulante, ocorrência de síncopes internas a compassos e entre al-
guns deles, bem como a sugestão de certo “acento expressivo” em tempos pares (ver Araujo
2002) no acompanhamento—eram recorrentes no repertório do Ameno Resedá, grande home-
nageado na revista Dengo-Dengo, e podem ser relacionadas a outras músicas analisadas por
esta pesquisa (ver, por exemplo, Araujo et alli 2006a, 2006b), demonstrando assim a circula-
ção e os processos de mediação musicais entre palcos, ruas e salões do Rio de Janeiro da tran-
sição entre os séculos XIX e XX.
É, pois, a partir da compreensão do papel dos músicos e de seus respectivos repertó-
rios como mediadores entre as classes sociais, e da circulação de músicos, e processos musi-
cais em ambientes sócio-economicamente diferenciados, ligados direta ou indiretamente aos
ranchos carnavalescos, que buscamos elucidar de maneira crítica as inúmeras questões ligadas
a este aspecto tão pouco estudado da história da música brasileira.

Referências citadas

Araujo, Samuel et alli. “Entre palcos, ruas e salões: processos de circularidade cultural na mú-
sica dos ranchos carnavalescos do Rio de Janeiro (1890-1930)”. Em Pauta. Porto Alegre: U-
niversidade Federal do Rio Grande do Sul. 2006a [no prelo].
______. “Marchas-Rancho: uma análise etnomusicológica fonográfica”. In: Anais do XVI
Congresso da ANPPOM. Brasília : UnB, 2006b.
______. O tempo da pancada: notas sobre uma contribuição teórica de Guerra-Peixe ao estudo

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Segundo o que pudemos apurar até o momento em nossa pesquisa este seria o registro mais antigo desta
denominação aparecendo em documento de época.
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analítico da música popular. In: 3º COLÓQUIO DE PESQUISA DA PÓS-GRADUAÇÃO,


Anais... Rio de Janeiro: Escola de Música da UFRJ, 2002. p. 82-88.
Bakhtin, Mikhail. Rabelais and his world. Trad. Hélène Iswolsky. Bloomington, IN: Indiana
University Press, 1984.
Chiaradia, Maria Filomena Vilela. A companhia de revistas e burletas do Teatro São José
(RJ). Tese (Doutorado) – Centro de Letras e Artes, UNIRIO, Rio de Janeiro, 2001.
Da Matta, Roberto. Ensaios de Antropologia Estrutural. Petrópolis: Vozes, 1977.
Efegê, Jota (pseud. de João Ferreira Gomes). Ameno Resedá – O rancho que foi escola. Rio
de Janeiro: Letras e Artes, 1965.
Ginzburg, Carlo. O queijo e os vermes. Trad. Maria Betânia Amoroso. São Paulo: Companhia
das Letras, 1987.
______. “Sociedade D.C. Filhas da Jardineira”. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 03 de feve-
reiro de 1911, PG. 11.
______. “Os “ranchos” – A sua organisação – completo desenvolvimento”. Jornal do Brasil.
Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1913, PG. 10.
______. “Theatros”. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 24 de janeiro de 1914, PG. 10.
Moraes, Eneida. História do carnaval carioca. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1958.
Moura, Roberto. Tia Ciata e a pequena África no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
MEC/Funarte, 1983.
Nettl, Bruno. Música folklórica de los continentes occidentales. Madri: Alianza, 1985.
Tinhorão, José Ramos. Pequena história da música popular. Petrópolis, RJ: Vozes, 1972.
Veneziano, Neyde. Não adianta chorar – Teatro de Revista Brasileiro... Oba!, Campinas:
Edunicamp, 1996.

Referência discográfica

. . Intérprete: Ameno Resedá. Odeon .

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