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Amanda Muniz Oliveira

“LAW AND LITERATURE” E “DIREITO E LITERATURA”:


ESTUDO COMPARATIVO ENTRE A PRODUÇÃO
ACADÊMICA DO MOVIMENTO NOS ESTADOS UNIDOS E NO
BRASIL

Tese submetida ao Programa de Pós-


Graduação em Direito da Universidade
Federal de Santa Catarina para a
obtenção do Grau de Doutor em Direito
Orientador: Prof. Dr. Paulo Roney
Ávila Fagúndez
Coorientador: Prof. Dr. Horácio
Wanderlei Rodrigues

Florianópolis
2019
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor
através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária
da UFSC.

Oliveira, Amanda Muniz


“Law and Literature” e “Direito e Literatura”:
Estudo comparativo entre a produção acadêmica do movimento nos
Estados Unidos e no Brasil / Amanda Muniz Oliveira; orientador, Paulo
Roney Ávila Fagúndez, coorientador, Horácio Wanderlei Rodrigues,
2019.
260 p.

Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro


de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito,
Florianópolis, 2019.

Inclui referências.

1. Direito. 2. direito e literatura. 3. Tradução cultural. 4.


conhecimento jurídico. I. Fagúndez, Paulo Roney Ávila. II. Rodrigues,
Horácio Wanderlei. III. Universidade Federal de Santa Catarina.
Programa de Pós-Graduação em Direito. IV. Título.
Este trabalho é dedicado a todas as
pessoas que, por algum motivo, tiveram
suas vozes silenciadas e suas histórias
esquecidas.
AGRADECIMENTOS

Como disse Foucault, embasando-se na Morte do Autor


profetizada por Barthes, no ato de escrita o escritor individual morre para
que o “nome do autor” seja imortalizado. São, portanto, coisas diferentes
o indivíduo e o autor. O autor não descreve uma existência; ele é, antes,
o resultado de uma pluralidade de discursos unificados sob sua assinatura.
Neste sentido, é possível afirmar que um indivíduo, ao
desempenhar a função-autor, jamais escreve sozinho. Existe uma série de
vivências, trocas e experiências que transcendem sua constituição
individual e o permitem iniciar o ato de escrita, se oferecendo em
sacrifício para que surja o autor.
Comigo não poderia ter sido diferente. A escrita desta tese contou
com uma polissemia discursiva, que pode aqui ser representada na figura
de indivíduos: cada um a seu tempo e modo contribuiu para a construção
final deste texto, ainda que de forma inconsciente; uma palavra amiga,
uma caneca de cerveja esvaziada, uma figurinha de WhatsApp... não
tenho dúvidas de que as mais diversas trocas tiveram algum tipo de
influência sobre o resultado final desta pesquisa. Por isso, gostaria de
agradecer nominalmente a cada um de vocês.
Em primeiro lugar, agradeço ao meu coorientador de doutorado,
Professor Horácio Wanderlei Rodrigues, pelas portas abertas e pela
confiança; seu apoio tem sido fundamental desde o início da minha
trajetória na Pós-Graduação (mestrado). Agradeço também ao meu
orientador Professor Paulo Roney Ávila Fagúndez, sempre gentil e
prestativo.
Agradeço ao meu companheiro de vida, de pesquisa, de alma: meu
noivo, Rodolpho Bastos. Obrigada por criar condições materiais para a
finalização desta tese, assumindo compromissos que nem eram de sua
alçada; obrigada por ouvir minhas digressões e desesperos; obrigada por
contribuir para a fundamentação teórica desta pesquisa; obrigada pela
paciência e compreensão e obrigada por todas as pausas forçadas em
bares e similares, para que eu pudesse recuperar meu ki.
A vida acadêmica pode trazer desafios e desgostos, mas também
cria laços e comunidades. E foi assim que eu conheci a Profa. Grazielly
Alessandra Baggentoss, que aos poucos se tornou uma grande amiga e
um grande exemplo. Se continuei na área do direito (que ainda hoje
ameaço abandonar, diariamente, rs), foi porque descobri em você formas
de resistir aos chavões em latim e aos ternos castradores. Obrigada por
todo o carinho, amizade e apoio; que a força de Lilith jamais nos
abandone.
Longe do Centro de Ciências Jurídicas, também encontrei apoio e
inspiração. Agradeço à Profa. Aline Dias da Silveira, do Programa de Pós-
Graduação em História, que me acolheu em seu círculo pessoal-
profissional e, especialmente em relação à pesquisa, me indicou caminhos
preciosos; nunca sua tatuagem de vegvisir fará tanto sentido como fez
para mim.
Nunca escondi minha paixão pela literatura; quando descobri,
então, que existiam estudos sobre literatura gótica no Programa de Pós-
Graduação em Letras Inglês da UFSC, não hesitei em procurar o professor
responsável. Foi assim que me aproximei do Prof. Daniel Serravalle de
Sá, cujas aulas e escritos sobre a presença de elementos políticos nos
meus romances góticos favoritos me indicaram que eu estava no caminho
certo: obrigada por jogar novas luzes sobre gostos antigos.
Agradeço ainda à Profa. e amiga Gabriela Kyrillos, por todo
carinho, acolhimento e apoio nesse ponto crucial chamado fim de
doutorado e ao Prof. Paulo Ferrareze Filho pelas contribuições sobre
direito e literatura, quando esta tese não passava de uma ideia; na
oportunidade, agradeço à toda a banca por ter aceitado ler e participar da
defesa desta tese em plenas férias de verão. A contribuição de vocês foi
fundamental.
Importante mencionar que, se tem uma coisa que Florianópolis me
deu, foi a oportunidade de firmar amizades excepcionais. Nunca vou me
esquecer da sorte que tive por ter conhecido cada um desses
serumaninhos: Janaína Zdebskyi (sacerdotisa de Innana), Rodrigo Prates
(sim é o ursinho), Rafaella Schmitz (musa do reggaeton), Lucas Pianta
(bah guri), Léo de Lara (o luxemburguês), Jack, Bruno, Paulinha, Laíse
(o quarteto da nóia), Reverson e Adaiza (os melhores vizinhos). Obrigada
Ana Paula Juttel por toda a caipirinha compartilhada e por toda leveza de
ser amiga; agradeço por ser nossa guia manezinha nessa ilha mágica. Não
sei se é o verão, mas meu coração capricorniano amanheceu menos gelado
hoje. Aproveitem.
Por último, mas não menos importante, agradeço à toda minha
família, em especial a minha irmã cantora e cineasta Andressa, que
sempre acreditou em mim. Agradeço à secretaria e à coordenação do
PPGD/UFSC pela disponibilidade e prestatividade e à CAPES pelo
auxílio recebido.
The shared work is to explore texts other than those
already read [and] to learn of narratives other than
those already told.
(Judith Resnik e Carolyn Heilbrun - Convergences:
Law, Literature, and Feminism, 1990)

O trabalho que aqui compartilhamos visa explorar


outros textos além dos que já foram lidos [e]
aprender outras narrativas além daquelas que já
foram contadas.
(Judith Resnik e Carolyn Heilbrun -
Convergências: Direito, Literatura e Feminismo,
1990)
RESUMO

A presente tese busca compreender as razões pelas quais as críticas


realizadas ao law and literature movement, nos Estados Unidos, não são
debatidas em pesquisas brasileiras do assunto. A partir da seleção de 126
pesquisas nacionais (feita a partir de um recorte inspirado na revisão
sistemática de literatura) e a partir da construção de uma fotografia sobre
as pesquisas norte-americanas, foi possível estabelecer um estudo
comparativo entre as produções brasileiras e estadunidenses. Tal estudo
pautou-se nos conceitos de tradução cultural e espaços jurídicos,
cunhados pelo historiador do direito Thomas Duve, possibilitando
compreender a troca de ideias entre Brasil e Estados Unidos como um
fenômeno de tradução cultural, que viria a consolidar um espaço jurídico
não geográfico específico. Entender as razões pelas quais neste espaço
jurídico brasileiro relativo ao direito e literatura estão ausentes as críticas
feitas à área em seu local de emergência (EUA) é o objetivo principal
desta pesquisa. Como hipótese investigada, é apontada a confusão sobre
o conceito de método, diagnosticada por Haba na área do direito; nas
pesquisas nacionais sobre direito e literatura, o método ora é indesejado,
ora inexistente e ora é a classificação geral das formas de se estudar o
assunto (direito na literatura, direito como literatura). Uma outra hipótese
pesquisada foi a incidência do que Weisberg denominou de visão
sentimental da literatura, como se esta sempre fosse dotada de conotações
positivas e o direito, de conotações negativas; tal visão está presente em
algumas pesquisas do acervo. Assim, os dois fatos podem ter contribuído
para disseminar a ideia de que qualquer forma de se escrever sobre o tema
estaria correta, pois não há um método específico; ademais, se a literatura
sempre pode contribuir para melhorar o direto (visão sentimental da
literatura) as críticas não teriam relevância. O resultado da pesquisa
corrobora as hipóteses elencadas ao demonstrar a presença de confusões
conceituais sobre o método e de uma visão romantizada da literatura nas
pesquisas nacionais analisadas, o que pode explicar a ausência de debates
no que se refere às críticas ao movimento.

Palavras-chave: Direito e Literatura. Tradução Cultural. Conhecimento


Jurídico.
ABSTRACT

The present thesis tries to understand the reasons why the criticisms to the
law and literature movement, in the United States, are not debated in
Brazilian researches of the subject. From the selection of 126 national
academic works (based on a systematic review of the literature) and from
the construction of a photograph about the North American researches, it
was possible to establish a comparative study between Brazilian and
American productions. This study was based on the concepts of cultural
translation and legal spaces, coined by the historian of law Thomas Duve,
making it possible to understand the exchange of ideas between Brazil
and the United States as a phenomenon of cultural translation that would
consolidate a specific non-geographic legal space. Understanding the
reasons why in this Brazilian legal space about law and literature there
are not the criticism of the area in its emergency location (USA) is the
main objective of this research. As hypothesis investigated, it is pointed
out the confusion about the concept of method, diagnosed by Haba (2007)
in the area of law; in the national research on law and literature, the
method is sometimes undesirable, sometimes non-existent, and
sometimes it is the general classification of how studying the subject (law
in literature, law as literature). Another hypothesis studied was the
incidence of what Weisberg (1989) called the sentimental view of
literature, as if literature were always endowed with positive connotations
and law, with negative ones; such a view is present in some research
analyzed. Thus, the two facts may have contributed to spreading the idea
that any form of writing about the subject would be correct, since there is
no specific method; in addition, if literature can always contribute to
improve law (sentimental view of literature) criticism would have no
relevance. The results corroborate the hypothesis by demonstrating the
presence of conceptual confusions about the method and a romanticized
view of the literature in the national researches analyzed, which may
explain the lack of debate about the criticism to the movement.

Keywords: Law and Literature. Cultural Translation. Legal Knowledge.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Irving Browne ...................................................................... 93


Figura 2 – John Wigmore................................. ..................................... 95
Figura 3 – Benjamin Cardozo.................................................................96
Figura 4 – Helen Silving..........................................................................98
Figura 5 – Filmer Northrop.....................................................................99
Figura 6 – Aloysio de Carvalho Filho....................................................110
Figura 7 – Luís Alberto Warat...............................................................114
Figura 8 – Eitel Santiago de Brito Pereira..............................................115
Figura 9 – As edições de The Legal Imagination..................................130
Figura 10 – James Boyd White..............................................................137
Figura 11 – Robin West.........................................................................143
Figura 12 – Richard Posner ..................................................................157
Figura 13 – As edições de Law and Literature......................................160
Figura 14 – Robert Weisberg................................................................173
Figura 15 – Ronald Dworkin.................................................................203
Figura 16 – Stanley Fish........................................................................208
Figura 17 – Sanford Levinson...............................................................218
Figura 18 – Owen Fiss...........................................................................221
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Total de pesquisas brasileiras sobre direito e literatura ....... 55

Tabela 2 – Referências a Wigmore nas pesquisas brasileiras do


acervo...................................................................................................119

Tabela 3 – Referências a Cardozo nas pesquisas brasileiras do


acervo...................................................................................................119

Tabela 4 – Referências a Warat nas pesquisas brasileiras do acervo......121

Tabela 5 – Referências a White nas pesquisas brasileiras do acervo......125

Tabela 6 – Referências a Posner nas pesquisas brasileiras do acervo....179

Tabela 7 – Referências a Robert Weisberg nas pesquisas brasileiras do


acervo...................................................................................................180

Tabela 8 – Referências a Dworkin nas pesquisas brasileiras do


acervo...................................................................................................233

Tabela 9 - Referências a Fish, Levinson e Fiss nas pesquisas brasileiras


do acervo...............................................................................................235
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................ 19
1.1 A CONSTRUÇÃO DE UM ACERVO ........................................... 28
1.1.1 Busca por livros .......................................................................... 32
1.1.2 Busca por artigos em periódicos ............................................... 40
1.1.3 Busca por artigos em anais de eventos ..................................... 44
1.1.4 Busca por teses ............................................................................ 54
1.1.5 Resultado final ............................................................................ 55
1.2 A CONSTRUÇÃO DE UMA FOTOGRAFIA ............................... 57
1.3 THOMAS DUVE: A TRADUÇÃO CULTURAL E OS ESPAÇOS
JURÍDICOS .......................................................................................... 59
1.4 DIVISÃO EM VERTENTES: OS PROJETOS ESPARSOS,
HUMANISTA, HERMENÊUTICO E NARRATIVISTA .................... 65
1.5 PROBLEMA, HIPÓTESES E OBJETIVOS .................................. 76

2 OS PROJETOS ESPARSOS DE DIREITO E LITERATURA NO


PERÍODO PRÉ-INSTITUCIONAL - ESTADOS UNIDOS E
BRASIL ................................................................................................ 83
2.1 DIREITO, LITERATURA E OS PROJETOS ESPARSOS NOS
ESTADOS UNIDOS ............................................................................. 84
2.2 DIREITO, LITERATURA E OS PROJETOS ESPARSOS NO
BRASIL ..............................................................................................103
2.3 PROJETOS ESPARSOS E A NECESSÁRIA OCUPAÇÃO DE UM
VAZIO............................ .................................................................... 115

3 O PROJETO HUMANISTA – OU, O DIREITO NA


LITERATURA .................................................................................. 125
3.1 JAMES BOYD WHITE E SEU IMAGINÁRIO JURÍDICO: O
PROJETO HUMANISTA, OU O DIREITO NA LITERATURA...... 128
3.2 DIREITO E LITERATURA: UM GRANDE MAL-
ENTENDIDO? .................................................................................... 153
3.3 O PROJETO HUMANISTA NO BRASIL ................................... 178
4 O PROJETO HERMENÊUTICO – OU, O DIREITO COMO
LITERATURA .................................................................................. 195
4.1 RONALD DWORKIN E STANLEY FISH: A TEORIA DO
ROMANCE EM CADEIA E SUAS CRÍTICAS ................................ 199
4.2 OUTRAS RESSALVAS SOBRE O PROJETO
HERMENÊUTICO............... .............................................................. 217
4.3 O PROJETO HERMENÊUTICO NO BRASIL ........................... 233

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................ 243

REFERÊNCIAS ................................................................................ 247


19

1 INTRODUÇÃO

Em 1998, Eliane Botelho Junqueira publicava no Brasil a obra


Literatura & Direito: uma outra leitura do mundo das leis. “Talvez
inspirada nos ciclos sobre Direito e Teatro e Direito e Cinema
organizados por Nilo Batista na Seccional Rio de Janeiro da Ordem dos
Advogados [...], em 1986” a autora teria sentido “vontade de estudar a
imagem do direito e de seus profissionais na literatura brasileira”.
(JUNQUEIRA, 1998, p. 17).
O desejo teria permanecido engavetado por muitos anos, até o
início de seu pós-doutorado em Madison, nos Estados Unidos:

Os dias já frios (mas radiantes) de um outono que


anunciava o rigor do próximo inverno e as
saudades da língua portuguesa empurraram-me em
direção à Memorial Library da University of
Wisconsin – Madison, onde, no quarto andar, pude
encontrar, como que esperando por mim, toda a
literatura brasileira. Nada mais convidativo do que,
nos intervalos das pesquisas que então desenvolvia,
recolher-me ao meu apartamento, com um bom
romance, deixando lá fora o frio de vários graus
negativos (JUNQUEIRA, 1998, p. 17).

As leituras então realizadas serviram de fontes para a produção de


artigos acadêmicos1, que posteriormente foram reunidos e lançados no
Brasil, no livro coletânea já mencionado. Em contato direto com a
academia estadunidense, Junqueira teve a oportunidade de conhecer as
discussões sobre o law and literature movement, iniciado no país em
1973, e anunciar sua existência a um público brasileiro, em português,
sendo sua obra a mais antiga a referenciar diretamente o movimento
norte-americano2:

Diferentes análises sobre o direito vêm disputando


espaço na academia norte-americana a partir da

1
Conforme Junqueira (1998), seu primeiro artigo sobre direito e literatura foi
publicado na Luso-Brazilian Review, em 1997 e intitulava-se Ciências
Sociais e literatura: oficinas de percepção do bacharel em direito.
2
De acordo com as pesquisas brasileiras selecionadas para a tese. De todas,
a obra de Junqueira é a mais antiga a mencionar o law and literature
estadunidense.
20

década de sessenta, quando se inicia o movimento


direito e sociedade e, logo em seguida, o
movimento direito e desenvolvimento. As
correntes law and economics, law and Society,
critical legal studies, critical race theory e feminist
jurisprudence, dentre outras, sem dúvidas são
conhecidos exemplos dessa efervescente produção
acadêmica. Mais recentemente, o “movimento”
law and literature conquistou importante espaço
institucional, quer através da publicação de revistas
especializadas, quer através da criação de
disciplinas específicas dentro dos currículos das
faculdades de direito (JUNQUEIRA, 1998, p. 21).

Conforme Junqueira (1998), em 1987, das 175 faculdades de


direito dos Estados Unidos, 38 ofertavam alguma atividade relativa ao
law and literature, incluindo o curso Law and Dickens oferecido pela
Harvard Law School. O movimento direito e literatura pode ser definido
da seguinte forma:

Sem um arcabouço metodológico bem definido [...]


este “movimento” reúne scholars voltados para
duas diferentes perspectivas de análise.
De um lado, localiza-se a tendência conhecida
como literature in law que, tendo como origem
remota os trabalhos de Benjamin Cardozo, defende
a possibilidade dos textos jurídicos – aqui
incluindo-se leis, decretos, contratos, testamentos,
contestações, sentenças, etc – serem lidos e
interpretados como textos literários. [...].
De outro lado, localiza-se a segunda corrente [...]
conhecida como law in literature, voltada para
trabalhos de ficção que abordem questões jurídicas.
(JUNQUEIRA, 1998, p. 21-22; 23).

Assim, apontando a existência de um movimento dedicado a


explorar as confluências entre o direito e a literatura, Junqueira (1998)
busca amparo na sociologia da literatura para escrever sobre o direito e a
literatura brasileira.
21

Não demorou para que outros brasileiros publicassem de forma


mais difundida3 sobre o tema. Em 2000, Arnaldo Sampaio de Moraes
Godoy iria defender na PUC-SP a dissertação de mestrado intitulada
Anatomia de um Desenconto: desilusão jurídica em Monteiro Lobato,
publicada como livro em 2002. Embora não faça nenhuma remissão direta
ao law and literature norte-americano, a obra de Godoy (2002) é um
indício de que juristas brasileiros se voltavam para a literatura, no intuito
de investigar possibilidades de estudos entre as duas áreas4.
Conforme Trindade e Bernsts (2017, p. 235), neste mesmo ano

enquanto cursava o doutorado em Direito na


UFSC, Luiz Carlos Cancellier de Olivo também
frequentava disciplinas do Programa de Pós-
Graduação em Linguística e Literatura 5, com o
intuito de aprofundar os estudos em Direito e
Literatura. Naquele ano, ele publicou o ensaio
intitulado Direito e Literatura: o ensino jurídico
partir de Shakespeare, posteriormente incorporado
ao livro O estudo do direito através da literatura.

Em 2004, Maritza Maffei da Silva defende, na Universidade do


Vale dos Sinos a tese de doutorado O Mercador de Veneza de William

3
Digo mais difundida porque, conforme será abordado no Capítulo 2 da
presente tese, antes da publicação de Junqueira em 1998, outros brasileiros já
haviam escrito sobre direito e literatura. Todavia, é no fim dos anos 1990 e
início dos anos 2000 que publicações sobre o assunto passam a ser mais
recorrentes e mais disseminadas.
4
Conforme Trindade e Berntst (2017, p. 245): “Na verdade, Godoy já havia
publicado ensaios anteriores à dissertação: O desencanto com o Direito na
Literatura do humanismo (Godoy, 2000a) e Aristófanes e as vespas: o
desencanto com o Direito na Literatura Ática (Godoy, 2000b). Após o
mestrado, continuou suas pesquisas em Direito e Literatura, tornando-se um
dos expoentes brasileiros. Entre suas obras, destacam-se: Direito &
Literatura: ensaio de síntese teórica (Godoy, 2008) e Direito, Literatura e
Cinema: inventário de possibilidades (Godoy, 2011).”
5
Pertinente destacar que na UFSC inexiste tal Programa de Pós-Graduação
(PPG). No Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras da
Universidade, existem os seguintes PPG’s: Linguística; Literatura; Inglês e
Estudos da Tradução. Fonte: < http://www.lle.cce.ufsc.br/pos-graduacao/>.
Acesso em 17 jan. 2019.
22

Shakespeare: Um Encontro na Encruzilhada da Literatura, publicada em


2013 como livro homônimo, e

No mesmo ano, Vera Karam de Chueiri e Katya


Kozicki, ambas professoras do da UFPR, formaram
o grupo de pesquisa Teoria do Direito, Democracia
e Literatura, cuja produção teórica integrou o livro
Estudos em direito, política e literatura (2006), no
qual foram reunidos trabalhos sobre teoria do
direito, hermenêutica, justiça, política e
democracia, tendo como referencial alguns teóricos
do campo da literatura (TRINDADE, BERNTST;
2017, p. 235)

Trindade e Berntst mencionam ainda em 2004 a realização da


Jornada de Direito e Psicanálise organizada pelo Núcleo de Direito e
Psicanálise da Universidade Federal do Paraná, “reconhecido por buscar
novas alternativas para a compreensão do Direito, a partir de discussões
provocadas por obras literárias que possibilitem a intersecção com os
campos da psicanálise e da filosofia” (2017, p. 236).
Em 2005, foi realizada a tradução para o português da obra Contar
a lei: as fontes do imaginário jurídico, de François Ost, um dos principais
estudiosos europeus6 do tema;

Houve também, no Curso de Preparação à Carreira


da Magistratura da Escola Superior da Magistratura
da AJURIS, o oferecimento do módulo Direito e
Literatura, ministrado por Germano Schwartz, que
já havia publicado um artigo sobre o tema na
revista da instituição (Schwartz, 2004).

6
Na presente tese, irei me ater exclusivamente à circulação de ideias entre
movimento estadunidense e o movimento brasileiro. É certo que existem
pesquisas sobre direito e literatura na Europa, sendo que as ideias europeias
também foram difundidas no espaço jurídico nacional, especialmente em
razão da tradução da obra de Ost para o português, mas analisa-las está fora
dos objetivos propostos. Deixo a sugestão para outros pesquisadores. Sobre
o direito e literatura na Europa, checar: MITTICA, M. Paola. O que acontece
além do oceano? Direito e literatura na Europa. Trad. André Karam Trindade.
ANAMORPHOSIS - Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 1, n. 1,
p. 3-36, 2015. Disponível em:
<http://rdl.org.br/seer/index.php/anamps/article/viewFile/29/pdf>. Acesso
em 04 jan. 2019.
23

Ainda em 2005, surgem dois novos grupos de


estudos e pesquisa específicos sobre Direito e
Literatura: o Núcleo de Pesquisa Direito e
Literatura, coordenado por Marcelo Campos
Galuppo, na UFMG; e o Novum Organum:
Temáticas entre Direito e Literatura, coordenado
por Clarice Beatriz da Costa Söhngen e Alexandre
Costi Pandolfo, na PUCRS. (TRINDADE;
BERNTST, 2017, p. 236)

No ano de 2006, foi incorporado um verbete sobre direito e


literatura7 no Dicionário de filosofia do direito de Vicente de Paulo
Barreto; no mesmo ano, o Instituto de Hermenêutica no Rio Grande do
Sul “criou uma linha de pesquisa intitulada Direito e Literatura e, ainda,
implementou o projeto interinstitucional Direito & Literatura: do fato à
ficção” (TRINDADE, BERNTST, 2017, p. 237). Em 2007, o Conselho
Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI) lança pela
primeira vez um Grupo de Trabalho intitulado Direito e Literatura.
Em 2008, Arnaldo Godoy publica o livro Direito & Literatura:
ensaios de síntese teórica (2008) e o artigo, espécie de resumo da obra,
Direito e Literatura: os pais fundadores – John Henry Wigmore,
Benjamin Nathan Cardozo e Lon Fuller (2008B). Nas duas ocasiões
Godoy (2008) (2008B) resgata o movimento estadunidense apresentado
dez anos antes por Junqueira (1998), dissertando sobre seus autores e
propostas para o público brasileiro.
Desde então, diversos outros marcos aconteceram: vários grupos
de pesquisa foram criados8 e o tema se tornou, inclusive, assunto de

7
Segundo o verbete, “Direito e Literatura é um novo campo de possibilidades
para questões formais e materiais que afligem tanto o Direito quanto a
Literatura. Porém, no campo da crítica do Direito, incorpora às demandas
políticas e éticas de reconstrução de um mundo mais igualitário e justo a
sensibilidade estética do gosto literário” (CHUEIRI, 2006, p. 235).”
8
Trindade e Berntst (2017, p. 239) mencionam os seguintes Grupos de
Pesquisa com produção acadêmica sobre o assunto: Dasein – Núcleo de
Estudos Hermenêuticos (UNISINOS); Phronesis: Jurisdição, Hermenêutica
e Humanidades (UFSM); Literato - Grupo de Pesquisa em Direito e
Literatura (UFSC); Constitucionalismo e Democracia (UFPR); Núcleo de
Metodologia de Ensino (FGV-SP); Fundamentos da Justiça e dos Direitos
Humanos (UCP); Direito e Literatura (PUC-MG); Núcleo de Pesquisa
Direito e Literatura (UFMG); Hermenêutica Jurídica e Jurisdição
Constitucional (FDV); Direito e História (UNB); Grupo de Estudo e Pesquisa
24

programa televisivo9. Ademais, em 2013, tem-se a primeira edição do


Colóquio Internacional de Direito e Literatura (CIDIL); em 2014, é
criada a Rede Brasileira de Direito e Literatura (RDL); e em 2015, é
lançado o primeiro periódico nacional dedicado ao tema: Anamorphosis
– Revista Internacional de Direito e Literatura.
Como aspirante a juspesquisadora e amante da literatura mundial,
já era de meu conhecimento o fato de que outras áreas do saber10 se
utilizavam de literatura, cinema, música, programas televisivos,
quadrinhos e demais produções midiáticas como fonte de pesquisa. Ao
descobrir que tal empreitada poderia também ser realizada no direito, não
pensei duas vezes ao escolher direito e literatura como tema de
monografia, defendida em 2013, desenvolvendo na ocasião uma análise
sobre as representações do poder político e jurídico em O Senhor dos

sobre Direito Constitucional (UNICEUB); Laboratório Internacional de


Investigação em Transjuridicidade (UFPB); SerTão – Núcleo Baiano de
Direito e Literatura (FG); e Direito, Arte e Literatura Alves (UFS). Há ainda
menção ao “KATHÁRSIS – Centro de Estudos em Direito e Literatura,
vinculado ao PPGD/IMED”, que “funcionou entre os anos de 2011 e 2016,
período em que realizou inúmeras e importantes atividades – com destaque
para as três primeiras edições do Colóquio Internacional de Direito e
Literatura (CIDIL) –, porém foi desativado em razão do desligamento de seu
coordenador”.
9
Pode-se mencionar “a criação do programa de televisão Direito &
Literatura, produzido pela Fundação Cultural Piratini (TVE/RS), cujo piloto
foi ao ar em 14 de março de 2008. [...] De 2008 a 2012, foi produzido pela
TVE-RS e, depois disso, pela TV Unisinos, sendo exibido – semanalmente –
pela TV Justiça. Atualmente, o projeto contabiliza mais de 320 programas,
que podem ser assistidos por meio de canal no YouTube. O reconhecimento
formal de sua relevância veio em 2013, quando recebeu o Prêmio Açorianos
de Literatura, na categoria Destaques Literários”. (TRINDADE; BERNTST,
2017, p. 238).
10
Sempre transitei por diversas áreas das Ciências Humanas, curiosa por
questões não proferidas pelo Direito. Assim, em 2012, ainda na graduação,
tomei conhecimento da existência de um Grupo de Estudos sobre História,
Gênero e Cinema, cujas reuniões quinzenais ocorriam na Universidade
Estadual de Montes Claros – UNIMONTES, sob coordenação da Professora
Cláudia Maia. Interessada pelo assunto, comecei a acompanhar as leituras e
discussões, fascinada com a possibilidade de vislumbrar as mídias e as mais
diversas linguagens artísticas como fontes de pesquisa acadêmica. Foi o
primeiro passo para me dedicar aos estudos de direito e arte/mídias, em geral.
25

Anéis de J.R.R. Tolkien, ainda que de forma incipiente11. Na dissertação


de mestrado, defendida em 2016, dei seguimento aos estudos de direito e
arte, tratando das representações do direito no rock de Raul Seixas,
utilizando como arcabouço teórico a tradição dos estudos culturais. E
durante todo esse percalço, eram mais numerosas as questões levantadas
do que as respostas oferecidas.
Já como aluna de doutorado, permaneci vinculada ao Núcleo de
Estudos Conhecer Direito – NECODI, ao qual me juntara no mestrado.
Influenciados pelas leituras de epistemologia, o Núcleo tinha como
objetivo problematizar a produção acadêmica no direito. Foi a partir das
discussões travadas neste âmbito que tomei consciência de um problema
que pairava sobre a pesquisa jurídica brasileira: o parecerismo.
Como já tive oportunidade de escrever em outra ocasião12, a Escola
de Direito da Fundação Getúlio Vargas – SP realizou em 2002 um evento
sobre a pesquisa em direito no Brasil. As discussões deste evento foram
publicadas no livro O que é pesquisa em direito?, sendo que a fala do
professor Marcos Nobre (2005) foi inteiramente dedicada a destacar os
principais problemas da pesquisa em Direito no país.
Nobre (2005) começa indagando as razões pelas quais a pesquisa
em Direito não acompanhou o crescimento qualitativo da pesquisa em
Ciências Humanas no Brasil. Suas hipóteses são: 1) o Direito continua
atrasado em razão de um isolamento, no sentido de que não dialoga com
as demais áreas e 2) no Direito, funções profissionais se confundem com
atuação acadêmica.
Sobre o isolamento, Nobre (2005) aponta dois elementos
principais que contribuíram para sua ocorrência: o princípio de
antiguidade e a conexão entre Direito e poder político. Nas palavras de
Nobre (2005, p. 25) “o Direito é mais antigo que as outras disciplinas, não
só no Brasil, e este princípio de antiguidade fez com que estivesse
diretamente ligado ao poder político, no século XIX, podendo se arrogar
a condição de ‘disciplina-rainha’ das Ciências Humanas”.

11
Como toda pesquisa inicial, estou ciente dos vários defeitos presentes na
análise. Mas ainda assim é pertinente mencionar essa tentativa inicial para
me situar como pesquisadora do tema.
12
OLIVEIRA, Amanda Muniz; BASTOS, Rodolpho A.S.M. A Teoria das
Representações Sociais e suas possíveis contribuições para a pesquisa em
direito no Brasil. In: XI Congresso de Direito UFSC, 2017, Florianópolis.
Anais do XI Congresso de Direito UFSC. Florianópolis: CAXIF - UFSC,
2017. v. 1. p. 225-239. Disponível em: <https://bit.ly/2F9Agxk>. Acesso em
04 jan. 2019.
26

Por essas razões, o Direito teria se isolado das Ciências Humanas,


de forma que diálogos e trocas de saberes entre os dois tornaram-se raros
e pontuais. Se para compreender um objeto em sua complexidade é
preciso observá-lo a partir de variados ângulos, o Direito muito perde com
esse distanciamento, pois permanece em sua perspectiva jurídica, não
extrapolando os limites das normas. Conforme Nobre (2005, p. 26):

Vimos, durante décadas, os projetos


interdisciplinares das Ciências Humanas não
contando com teóricos do Direito em seus quadros.
Do outro lado, o Direito só considerava as Ciências
Humanas na medida em que traziam algum
elemento para a reflexão propriamente jurídica.
Não havia um diálogo efetivo. Os dois lados
perderam com esse isolamento, mas, realizando um
balanço, parece que o Direito perdeu mais em
termos de avanço e pesquisa.

Nobre (2005) acredita que a situação se modifica em meados dos


anos 1990, época em que as Ciências Humanas já estavam consolidadas.
Por ocasião da promulgação da Constituição de 1988, pesquisadores de
diferentes áreas passam, então, a demonstrar interesse em questões
jurídicas. Tal situação, porém, não foi capaz de extinguir a distância entre
Direito e Ciências Humanas, pois

Quando os teóricos do Direito são chamados para


um consórcio interdisciplinar, eles vêm mais como
consultores, para dizer qual o ponto de vista do
Direito, que propriamente visando construir um
diálogo, como ocorreu com outras disciplinas das
Ciências Humanas. Existem especialidades, a
perspectiva antropológica é diferente da
sociológica, e ainda criou-se um clima de debate
interdisciplinar que não conseguimos reproduzir no
Direito. Penso que no caso dos teóricos do Direito,
mantém-se a perspectiva da Sociologia, da
Antropologia, da História e da Economia como
merecedoras de importância apenas quando
tangem a reflexão propriamente jurídica (NOBRE,
2005, p. 25-26).

Todavia, para Nobre (2005), o ponto mais problemático a ser


enfrentado pela academia jurídica brasileira é a confusão entre prática
27

profissional e atuação acadêmica. Na prática profissional, o jurista


precisa, necessariamente, defender um ponto de vista com os melhores
argumentos possíveis; os advogados precisam demonstrar que seu cliente
possui razão, o juiz precisa fundamentar sua decisão e os promotores
necessitam demonstrar que o réu se enquadra em um tipo penal, por
exemplo. Portanto, é comum agarrar-se a determinados núcleos
argumentativos e procurar todas as estratégias possíveis para blindá-lo e
defendê-lo contra os argumentos contrários. Nunca um profissional do
Direito, em sua atuação prática, fornecerá as críticas ao ponto de vista
defendido, pois seu sucesso depende da argumentação e do
convencimento. Apenas aspectos positivos de determinada teoria ou
apenas a interpretação mais próxima do que se defende serão
apresentadas; qualquer teoria ou interpretação que negue ou diminua a
certeza de suas falas e que não possa ser combatida argumentativamente,
será ocultada e ignorada.
Para Nobre, o mesmo acontece quando o jurista se lança ao mundo
acadêmico:

O padrão de que o que é pesquisa em Direito no


Brasil passou a ser o parecer, que se tornou o
modelo de pesquisa. Dizer que o parecer
desempenha o papel de modelo e que decisivo na
produção desse amálgama de prática, teoria e
ensino jurídicos, significa dizer que o parecer não
é tomado aqui como uma peça jurídica entre outras,
mas como um formato padronizado de
argumentação, que hoje passa por um quase
sinônimo de produção acadêmica na área de
Direito – que penso estar na base da maioria dos
trabalhos universitários, atualmente (NOBRE,
2005, p. 30-31).

Além disso, negar as fontes, teorias e aportes contrários à hipótese


inicial levantada em uma pesquisa, corroboram para que os juristas
sempre tenham uma hipótese correta, pois a resposta desejada já é
estabelecida. Tendo como cerne da pesquisa acadêmica a produção,
confirmação ou refutação de uma determinada hipótese, buscar apenas
arcabouços que a validem dificilmente conduzirão a uma pesquisa
acadêmica em si. De acordo com Nobre (2005, p. 31-32):

No caso paradigmático modelar do parecer, a


resposta já está dada de antemão. É um tipo de
28

investigação científica que já possui uma resposta


antes de se perguntar ao material. Este é o
problema. Eu não conseguirei avançar na pesquisa
em Direito enquanto já souber a resposta antes de
fazer a pergunta ao material, já que, quando tenho
a resposta, eu só seleciono do material o que
importa para defender o que eu já sei. Sem romper
essa lógica, não teremos pesquisa em Direito no
Brasil.

Diante desse diagnóstico, comecei a problematizar não só a minha


própria trajetória acadêmica como também os trabalhos de direito e arte
em geral. Apesar de me dedicar ao assunto desde a graduação, não me
lembrava de críticas dirigidas à área; sobre o direito e literatura,
especificamente, me lembrava de uma menção que Godoy (2008B) fazia
ao norte-americano Richard Posner, para quem direito e literatura era um
tema infrutífero, mas sem debater maiores detalhes.
Foi assim, portanto, que decidi, na tese, comparar a produção
brasileira sobre direito e literatura com a produção estadunidense. Para
começar a explorar o tema, seria preciso verificar as diferenças entre os
dois campos, identificando as possíveis críticas já produzidas nos Estados
Unidos. Levando em consideração que o law and literature movement
surgiu neste país em 1973, seria plausível encontrar ali críticos do
movimento que desabrochava no Brasil.
Para tanto, porém, foi preciso me dedicar a construção de dois
corpora documentais passíveis de análise: um composto de pesquisas
brasileiras e outro composto de pesquisas norte-americanas. Cada um
desempenharia um duplo papel, servindo tanto de 1) parâmetro sobre o
estado da arte das pesquisas em cada país, quanto de 2) fonte documental
a ser analisado na tese. Passo, agora, a detalhar a metodologia empregada
para seleção dos trabalhos que serviram de base para a presente tese.

1.1 A CONSTRUÇÃO DE UM ACERVO

No segundo trimestre de 2016, a (então) Pós-Doutoranda, Dra.


Lídia Patrícia Castillo Amaya, em parceria do Prof. Ph.D. Arno Dal Ri
Júnior, ofertou no Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal de Santa Catarina – PPGD/UFSC, a disciplina
29

Métodos e Metodologias Transdisciplinares Aplicados à Pesquisa no


Direito (Código DIR 510114)13.
À época, não me matriculei formalmente, mas assisti a grande
parte das aulas ministradas, nas quais métodos e teorias de diversas áreas
das ciências foram abordados. Uma dessas aulas, em especial, foi crucial
para pensar o desenvolvimento desta tese: a aula sobre métodos e técnicas
de revisão bibliográfica.
A partir da bibliografia indicada, pude compreender que a revisão
bibliográfica não necessariamente precisa ser realizada ao acaso, partindo
de livros e indicações aleatórias e baseando-se na preferência do
pesquisador. Existiam métodos específicos para confecções de diferentes
tipos de revisão bibliográfica, utilizados de forma mais frequente nas
áreas das ciências da saúde e educação.
Essa proposta seria de grande auxílio para iniciar a tese, uma vez
que era necessário compreender o estado da arte da pesquisa sobre direito
e literatura no Brasil para então compará-lo com as pesquisas
estadunidenses. Desta forma, no intuito de permitir aos futuros leitores
que visualizassem o recorte brasileiro a ser analisado, optei por me
inspirar em um tipo de revisão bibliográfica abrangente e passível de
reprodução.
Conforme Manual de Revisão Bibliográfica do grupo Ănima
(2014, p. 1), existem dois tipos principais de revisão bibliográfica: 1)
Revisão Narrativa; e 2) Revisão Sistemática, que se divide, ainda, em
diversos tipos, a depender dos objetivos do pesquisador. Neste sentido, a
Revisão Bibliográfica Narrativa, para Edna Rother (2007, p. ix) é:

Apropriada para descrever e discutir o


desenvolvimento ou o “estado da arte” de um
determinado assunto, sob ponto de vista teórico ou
contextual. [...]. Constituem, basicamente, de
análise da literatura publicada em livros, artigos de
revista impressas e/ou eletrônicas na interpretação
e análise crítica pessoal do autor. Essa categoria
[...] tem um papel fundamental para a educação
continuada pois, permite ao leitor adquirir e
atualizar o conhecimento sobre uma temática
específica em curto espaço de tempo. [...].

13
O plano de ensino está disponível em
<http://ppgd.ufsc.br/files/2016/05/DIR510114.pdf>. Acesso em 03 ago.
2017.
30

Trata-se da revisão de literatura tradicionalmente utilizada na


pesquisa em Direito; o pesquisador procura ler uma vasta bibliografia
sobre um determinado tema, seguindo indicações do orientador, de
colegas, professores, ou mesmo por busca individual em bibliotecas e
livrarias.
Para o desenvolvimento desta tese, porém, este tipo de revisão não
seria adequada. Caso optasse por realizar uma revisão bibliográfica
narrativa, correria o risco de ler apenas autores e livros ou já conhecidos,
ou mais acessíveis (disponíveis nas bibliotecas e livrarias que frequento),
compreendendo-os como amostra confiável de toda a produção sobre o
tema no país, o que não é o caso.
Esta, aliás, é a grande crítica realizada à revisão de literatura
narrativa por Bernardo, Nobre e Jatene (2004, p. 104):

As revisões tradicionais incluem artigos de revisão


e livros de texto, que geralmente são narrativas de
natureza opinativa, considerados com força de
evidência científica precária, já que não podem ser
reproduzidos por outros autores. Estes textos são
gerados segundo a opinião do autor, que decide
quais as informações são mais relevantes, sem
explicitar a forma como elas são obtidas. O autor
costuma buscar trabalhos que reforcem o seu ponto
de vista, não considerando aqueles que divergem
ou têm propostas alternativas, mesmo que
produzidos com boa metodologia de pesquisa.
Como o autor escolhe de forma arbitrária os artigos
de onde provem a informação, as orientações que
se depreendem do texto estão sujeitas ao viés de
seleção, com grande interferência da percepção
subjetiva. Quando diversos textos de natureza
opinativa são articulados por um conjunto de
autores, habitualmente pertencentes a uma mesma
especialidade, ou sociedades afins, compõem-se
um documento conhecido como consenso, que
costuma atender às composições de natureza
corporativa.

Portanto, para ter acesso a textos da área e não textos de alguns


autores, optei por desenvolver um modelo próximo à Revisão
Bibliográfica Sistemática, que conforme o grupo Ănima (2004, p. 3) parte
de uma pergunta específica, necessariamente “conduzida de acordo com
31

uma metodologia clara e possível de ser reproduzida por outros


pesquisadores” (ĂNIMA, 2004, p.3).
Como já salientado, existem diversos tipos de revisão bibliográfica
sistemática, variáveis a partir do objetivo do pesquisador. O grupo Ănima
(2004, p. 3-6) elenca quatro tipos (Meta-análise, Sistemática, Qualitativa
e Integrativa), enquanto o Educational Research Review elenca oito
espécies (Integrativa, Teórica, Metodológica, Temática, Estado da arte,
Histórica, Comparativa e Complementar). É provável que ao consultar
outros autores, diferentes classificações surjam, uma vez que tais
taxonomias são criadas a partir de diferentes objetivos de pesquisa. Por
essa razão, acredito ser desnecessário me alongar sobre cada uma delas.
Assim, tendo como preocupação principal fornecer elementos para
que outros pesquisadores consigam reproduzir a busca efetuada, iniciei a
seleção de pesquisas definindo quais tipos de texto seriam analisados.
Desta forma, busquei especificamente artigos científicos
publicados em periódicos e em anais de eventos, livros e teses de
doutorado. O tema deveria ser necessariamente direito e literatura e os
trabalhos deveriam ter como autor ou coautor ao menos um jurista
brasileiro com titulação de Doutor em Direito14.
Foram excluídos textos não acadêmicos e cujos autores tivessem
titulação menor que doutorado, bem como doutorado em outras áreas que
não o direito, inclusive interdisciplinares. Este recorte foi escolhido
porque o interesse principal era identificar questões pertinentes à pesquisa
em direito e literatura no Brasil, feita por juristas brasileiros com alta
titulação.
A delimitação temporal foi regressiva; busquei trabalhos de 2016
para trás, até encontrar o trabalho mais antigo (datado de 2002) que se
encaixasse nos critérios estabelecidos.
Apresento agora a metodologia empregada para construção do
acervo examinado na presente tese.

14
Para tanto, analisou-se o Currículo Lattes dos autores, levando sempre em
consideração o momento da publicação. Assim, por exemplo, se um texto
publicado em 2013 contou com a autoria de um jurista que só se tornou doutor
em 2014, o texto seria excluído do acervo. Nada impediria, entretanto, que
este mesmo autor escrevesse uma outra pesquisa sobre direito e literatura em
2015, já doutor; caso essa pesquisa surgisse na coleta, ela seria incluída ao
acervo e analisada.
32

1.1.1 Busca por livros

No dia 5 de abril de 2017, acessei o acervo de obras gerais da


Biblioteca Nacional15 e no item busca rápida, selecionado o marcador
todos os campos, digitei o termo “direito e literatura” (entre aspas). O
resultado apontou os 22 registros a seguir (em ordem alfabética):

1) ARAÚJO, José Osterno Campos de. Direito penal na literatura


de Shakespeare, Machado e outros virtuoses. Porto Alegre:
Nuria Fabris, 2012. 95 p.
2) BOTERO, André; MEDINA, Lízia (Org.). Direito e
Literatura: estudos jurídicos baseados em obras literárias da
segunda metade do século XIX. Curitiba: Juruá Ed., 2013. 343
p.
3) CALVO GONZÁLEZ, José. Direito curvo. Porto Alegre: Liv.
do Advogado, 2013. 78 p.
4) DARNTON, Robert. O diabo na água benta, ou, A arte da
calúnia e da difamação de Luís XIV a Napoleão. São Paulo:
Companhia das Letras, 2012. 626p.
5) FACHIN, Melina Girardi. Direitos humanos e fundamentais:
do discurso teórico à prática efetiva: um olhar por meio da
literatura. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2007. 142p.
6) FARIA, Gentil de (Org.). Direito e Literatura: confluências e
afinidades. 1. ed. São Paulo: Ed. HN: Cultura Acadêmica,
2015. 252 p.
7) FALCÃO et al. Cadernos FGV Direito Rio: Educação e
Direito. Rio de Janeiro: Escola de Direito do Rio de Janeiro da
Fundação Getúlio Vargas, 2011.
8) GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito & literatura:
ensaio de síntese teórica. Porto Alegre: Liv. do Advogado,
2008. 136 p.
9) GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito e literatura:
anatomia de desencanto: desilusão jurídica em Monteiro
Lobato. Curitiba: Juruá Ed., 2002. 179 p.
10) GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito, literatura e
cinema: inventário de possibilidades. São Paulo: Quartier
Latin, 2011. 427p.

15
Disponível em: <http://acervo.bn.br/sophia_web/index.html>. Acesso em
05 abril de 2017.
33

11) MOREIRA, Nelson Camatta; OLIVEIRA, Juliana Ferrari de


(Org.). Direito & Literatura e os múltiplos horizontes de
compreensão pela arte. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2015. 245 p.
12) OLIVO, Luis Cancellier de (Org.). Dostoiévski e a filosofia
do direito: o discurso jurídico dos irmãos Karamázov.
Florianópolis: Ed. UFSC: Fundação Boiteux, 2012. 246 p.
13) OST, François. Contar a lei: as fontes do imaginário jurídico.
São Leopoldo, RS: Ed. UNISINOS, [2005]. 461p.
14) PERGOLESI, Ferruccio, 1899. Diritto e giustizia nella
letteratura moderna narrativa e teatrale. Bologna, Dott. C.
Zuffi, 1949: [s.n.]. 288 p.
15) ROCHA, Fernando Antônio Dusi. O problema da verdade:
literatura e direito. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2010. 146p.
16) SILVA, Silvano Gomes da. Direito e literatura: aporte
metodológico literário como recurso para a compreensão e
ampliação do direito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2010.
103p.
17) SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Coista; PANDOLFO,
Alexandre Costi (Org.). Encontros entre direito e literatura II:
ética, estética e política. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2010.
228p.
18) SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Coista; PANDOLFO,
Alexandre Costi (Org.). Encontros entre direito e literatura:
pensar a arte. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2008. 172p.
19) SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Coista; POZZEBON, Fabrício
Dreyer (Org.). Encontros entre direito e literatura III: poesia,
linguagem e música. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2016. 178 p.
20) STRECK, Lênio Luis; TRINDADE, André Karam (Org.). Os
modelos de juiz: ensaios de direito e literatura. São Paulo:
Atlas, 2015. viii, 254p.
21) TRINDADE, André Karam; GUBERT, Roberta Magalhães;
COPETTI NETO, Alfredo (Org.). Direito & Literatura:
discurso, imaginário e normatividade. Porto Alegre: Nuria
Fabris, 2010. 416 p.
22) TRINDADE, André Karam; SCHWARTZ, Germano (Org.).
Direito e Literatura: o encontro entre Themis e Apolo.
Curitiba: Juruá Ed., 2008. 343p.
23) VILLALOBOS, Jorge Ulisses Guerra (Org.). Educação,
direito e literatura. Maringá, PR: UEM, Programa de Pós-
Graduação em Geografia, 2000. 95p.
34

O livro do item 23 não foi localizado em nenhuma livraria ou


editora, motivo pelo qual não foi incluído no acervo.
Excluímos os autores que não eram mestres ou doutores na época
de publicação destes textos e também os que não possuíam ou mestrado
ou doutorado por uma Universidade brasileira e mantive os textos escritos
em coautoria com ao menos um doutor, chegando ao seguinte resultado,
incluído no acervo (em ordem alfabética):

1) FARIA, Gentil de (Org.). Direito e Literatura: confluências e


afinidades. 1. ed. São Paulo: Ed. HN: Cultura Acadêmica,
2015. 252 p.
2) FALCÃO et al. Cadernos FGV Direito Rio: Educação e
Direito. Rio de Janeiro: Escola de Direito do Rio de Janeiro da
Fundação Getúlio Vargas, 2011.
3) GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito & literatura:
ensaio de síntese teórica. Porto Alegre: Liv. do Advogado,
2008. 136 p.
4) GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito e literatura:
anatomia de desencanto: desilusão jurídica em Monteiro
Lobato. Curitiba: Juruá Ed., 2002. 179 p.
5) MOREIRA, Nelson Camatta; OLIVEIRA, Juliana Ferrari de
(Org.). Direito & Literatura e os múltiplos horizontes de
compreensão pela arte. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2015. 245 p.
6) SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Costa; PANDOLFO,
Alexandre Costi (Org.). Encontros entre direito e literatura: II:
ética, estética e política. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2010.
228p.
7) SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Costa; PANDOLFO,
Alexandre Costi (Org.). Encontros entre direito e literatura:
pensar a arte. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2008. 172p.
8) SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Costa; POZZEBON, Fabrício
Dreyer (Org.). Encontros entre direito e literatura III: poesia,
linguagem e música. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2016. 178 p.
9) STRECK, Lênio Luis; TRINDADE, André Karam (Org.). Os
modelos de juiz: ensaios de direito e literatura. São Paulo:
Atlas, 2015. 254p.
10) TRINDADE, André Karam; GUBERT, Roberta Magalhães;
COPETTI NETO, Alfredo (Org.). Direito & Literatura:
discurso, imaginário e normatividade. Porto Alegre: Nuria
Fabris, 2010. 416 p.
35

11) TRINDADE, André; SCHWARTZ, Germano (Org.). Direito


e Literatura: o encontro entre Themis e Apolo. Curitiba: Juruá
Ed., 2008. 343p.

Com exceção dos livros indicados nos itens 3 e 4, as demais obras


são capítulos de livros ou artigos em coletâneas, sendo que após a
verificação dos textos nelas contidos, cheguei a seguinte lista de pesquisas
(em ordem alfabética):

1) ARONNE, Ricardo. Entre os véus de Themis e os Paradoxos


de Janus: a Razão e o Caos no discurso jurídico pela lente de
Albert Camus. In: SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Costa;
PANDOLFO, Alexandre Costi (Org.). Encontros entre direito
e literatura: pensar a arte. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2008. p.
87-106.
2) ARONNE, Ricardo. Entre os véus de Themis e os Paradoxos
de Janus: a Razão e o Caos no discurso jurídico pela lente de
Albert Camus. In: TRINDADE, André; SCHWARTZ,
Germano. Direito e Literatura: o encontro entre Themis e
Apolo. Curitiba: Juruá, 2008. p. 303-320.
3) ARONNE, Ricardo. Ontologia e simulacro na pós-
modernidade de Janus: alteridade e impossibilidade face à
síndrome de Perseu. In: SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Costa;
PANDOLFO, Alexandre Costi (Org.). Encontros entre direito
e literatura: II: ética, estética e política. Porto Alegre:
EdiPUCRS, 2010. p. 207-229.
4) BRANCO, Sérgio. Práticas de ensino em direito e literatura.
In: FALCÃO et al. Cadernos FGV Direito Rio: Educação e
Direito. Rio de Janeiro: Escola de Direito do Rio de Janeiro da
Fundação Getúlio Vargas, 2011.
5) CARVALHO, Salo de. Criminologia na alcova (Diálogo com
Marquês de Sade). In: SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Costa;
PANDOLFO, Alexandre Costi (Org.). Encontros entre direito
e literatura: II: ética, estética e política. Porto Alegre:
EdiPUCRS, 2010. p. 131-140.
6) CARVALHO, Salo de. Fronteiras entre Ciência (Dramática) e
Arte (Trágica): aportes a partir das Ciências Jurídico-
Criminais. In: SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Costa;
PANDOLFO, Alexandre Costi (Org.). Encontros entre direito
e literatura: pensar a arte. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2008. p.
63-84.
36

7) CARVALHO, Salo de; WEUGERTM, Mariana de Assis


Brasil e. Sensacionalismos A sangue frio: a ruptura da
narrativa do crime em Truman Capote. In: SÖHNGEN,
Clarice Beatriz da Coista; POZZEBON, Fabrício Dreyer
(Org.). Encontros entre direito e literatura III: poesia,
linguagem e música. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2016. p. 47-
72.
8) CASTILHO, Paulo Cesar Baria de. Dom Quixote e suas
relações com o Direito e outras artes. In: FARIA, Gentil de
(Org.). Direito e Literatura: confluências e afinidades. 1. ed.
São Paulo: Ed. HN: Cultura Acadêmica, 2015. p. 87-102.
9) COPETTI NETO, Alfredo; BERNARDI, Ludovico Omar. O
papel da literatura, seus diferentes gêneros e as Cobranças de
uma sociedade solitária. In: MOREIRA, Nelson Camatta;
OLIVEIRA, Juliana Ferrari de (Org.). Direito & Literatura e
os múltiplos horizontes de compreensão pela arte. Ijuí: Ed.
UNIJUÍ, 2015. p. 167-180.
10) COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O lugar do poder do
juiz em Portas Abertas, de Leonardo Sciascia. In: STRECK,
Lênio Luis; TRINDADE, André Karam (Org.). Os modelos de
juiz: ensaios de direito e literatura. São Paulo: Atlas, 2015. p.
211-226.
11) D’AVILA, Fabio Roberto. Direito penal, literatura e
representações. TRINDADE, André Karam; GUBERT,
Roberta Magalhães; COPETTI NETO, Alfredo (Org.). Direito
& Literatura: discurso, imaginário e normatividade. Porto
Alegre: Nuria Fabris, 2010. p. 155-164.
12) ESPÍNDOLA, Ângela Araújo da Silveira. Entre a
insustentabilidade e a futilidade: a jurisdição, o direito e o
imaginário social do juiz. In: STRECK, Lênio Luis;
TRINDADE, André Karam (Org.). Os modelos de juiz:
ensaios de direito e literatura. São Paulo: Atlas, 2015. p. 19-
44.
13) FERREIRA, Suzana Maria da Glória. Crime e castigo: a
redenção pela dor e pelo amor. In: FARIA, Gentil de (Org.).
Direito e Literatura: confluências e afinidades. 1. ed. São
Paulo: Ed. HN: Cultura Acadêmica, 2015. p. 121-136.
14) FORTES, Betty Yelda Brognoli Borges. Literatura e Direito
na Tragédia Grega. In: SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Costa;
PANDOLFO, Alexandre Costi (Org.). Encontros entre direito
37

e literatura: pensar a arte. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2008. P.


19-36.
15) GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Justiça Maquínica.
SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Coista; POZZEBON, Fabrício
Dreyer (Org.). Encontros entre direito e literatura III: poesia,
linguagem e música. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2016. p. 73-
86.
16) GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito e Literatura:
os Pais Fundadores John Henry Wigmore, Benjamin Nathan
Cardozo e Lon Fuller. In: TRINDADE, André; SCHWARTZ,
Germano. Direito e Literatura: o encontro entre Themis e
Apolo. Curitiba: Juruá, 2008. p. 21-50.
17) MACEDO, Elaine Harzheim. A literatura e o direito nos
julgamentos: uma ponte a ser cruzada. In: TRINDADE,
André; SCHWARTZ, Germano. Direito e Literatura: o
encontro entre Themis e Apolo. Curitiba: Juruá, 2008. p. 129-
144.
18) MARTINS, Ângela Vidal da Silva. Os miseráveis: entre a lei
e a liberdade. SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Coista;
POZZEBON, Fabrício Dreyer (Org.). Encontros entre direito
e literatura III: poesia, linguagem e música. Porto Alegre:
EdiPUCRS, 2016. p. 165-177.
19) MIRANDA, Roberta Drehmer. Direito e sociologia da
literatura: Lavoura Arcaica e as fundações da família.
SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Coista; POZZEBON, Fabrício
Dreyer (Org.). Encontros entre direito e literatura III: poesia,
linguagem e música. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2016. p. 139-
164.
20) MORAIS, José Luiz Bolzan de. Entre (des)continuidades e “a
gente vai levando”. In: MOREIRA, Nelson Camatta;
OLIVEIRA, Juliana Ferrari de (Org.). Direito & Literatura e
os múltiplos horizontes de compreensão pela arte. Ijuí: Ed.
UNIJUÍ, 2015. p. 65-78.
21) MOREIRA, Nelson Camatta. Hermenêutica e
(Res)sentimento constitucional no conto “Um pezzo di pane”,
de Ignazio Silone. In: MOREIRA, Nelson Camatta;
OLIVEIRA, Juliana Ferrari de (Org.). Direito & Literatura e
os múltiplos horizontes de compreensão pela arte. Ijuí: Ed.
UNIJUÍ, 2015. p. 135-166.
22) MOREIRA, Nelson Camatta; ESCOSSIA, Matheus Henrique
dos Santos da. O Alerta de Machado de Assis em “Sereníssima
38

República”: decisionismo judicial, estado de exceção e


integridade. In: MOREIRA, Nelson Camatta; OLIVEIRA,
Juliana Ferrari de (Org.). Direito & Literatura e os múltiplos
horizontes de compreensão pela arte. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2015.
p. 203-228.
23) MOREIRA, Nelson Camatta; PAULA, Rodrigo Francisco de.
Lima Barreto: subcidadania, negação do estado de direito e
constitucionalismo dirigente no Brasil. In: MOREIRA, Nelson
Camatta; OLIVEIRA, Juliana Ferrari de (Org.). Direito &
Literatura e os múltiplos horizontes de compreensão pela arte.
Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2015. p. 31-64.
24) OHLWEILER, Leonel. Aproximações hermenêuticas entre
Direito e Literatura: a narratividade dos princípios
constitucionais da administração pública. In: TRINDADE,
André; SCHWARTZ, Germano. Direito e Literatura: o
encontro entre Themis e Apolo. Curitiba: Juruá, 2008. p. 173-
198.
25) OLIVO, Luis Carlos Cancellier de. As encenações da justiça
nas Academias de Sião. In: STRECK, Lênio Luis;
TRINDADE, André Karam (Org.). Os modelos de juiz:
ensaios de direito e literatura. São Paulo: Atlas, 2015. p. 75-
88.
26) ROSA, Alexandre Morais da. A excitação da Nova Ordem
Jurídica e a responsabilidade do sujeito a partir de Jorge Luis
Borges. In: MOREIRA, Nelson Camatta; OLIVEIRA, Juliana
Ferrari de (Org.). Direito & Literatura e os múltiplos
horizontes de compreensão pela arte. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2015.
p. 89-110.
27) ROSA, Alexandre Morais da. Literatura & Psicanálise nas
decisões penais: enunciando impossibilidades. In:
SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Costa; PANDOLFO,
Alexandre Costi (Org.). Encontros entre direito e literatura: II:
ética, estética e política. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2010. p.
123-130.
28) ROSA, Alexandre Morais da; KARAM, Henriete. Os
impasses do Magistrado em À espera dos bárbaros. In:
STRECK, Lênio Luis; TRINDADE, André Karam (Org.). Os
modelos de juiz: ensaios de direito e literatura. São Paulo:
Atlas, 2015. p. 199-210.
29) SCHWARTZ, Germano. O direito como Arte e um de seus
expoentes: o Law and Literature Movement. In: TRINDADE,
39

André; SCHWARTZ, Germano. Direito e Literatura: o


encontro entre Themis e Apolo. Curitiba: Juruá, 2008. P. 21-
50. P. 79-94.
30) SCHWARTZ, Germano. Um Admirável Novo Direito:
autopoiese, risco e altas tecnologias sanitárias. In:
SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Costa; PANDOLFO,
Alexandre Costi (Org.). Encontros entre direito e literatura: II:
ética, estética e política. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2010. p.
37-58.
31) SCLIAR, Wremyr. A relação entre Direito, música e literatura
no iluminismo a partir da Revolução Francesa. SÖHNGEN,
Clarice Beatriz da Coista; POZZEBON, Fabrício Dreyer
(Org.). Encontros entre direito e literatura III: poesia,
linguagem e música. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2016. p. 121-
138.
32) SPENGLER, Fabiana Marion. O símbolo, o mito e o rito: o
juiz e as “dificuldades epidêmicas” do decidir. In: STRECK,
Lênio Luis; TRINDADE, André Karam (Org.). Os modelos de
juiz: ensaios de direito e literatura. São Paulo: Atlas, 2015. p.
117-140.
33) SPENGLER, Fabiana Marion. O tempo e as dificuldades de
contar o Direito: a refiguração da experiência temporal através
da narrativa identitária. In: TRINDADE, André Karam;
GUBERT, Roberta Magalhães; COPETTI NETO, Alfredo
(Org.). Direito & Literatura: discurso, imaginário e
normatividade. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2010. p. 113-132.
34) STRECK, Lênio Luiz. A autonomia do Direito: das eumênides
ao capitão vitorino. In: MOREIRA, Nelson Camatta;
OLIVEIRA, Juliana Ferrari de (Org.). Direito & Literatura e
os múltiplos horizontes de compreensão pela arte. Ijuí: Ed.
UNIJUÍ, 2015. p. 19-30.
35) STRECK, Lênio Luiz. Os modelos de juiz e a literatura. In:
STRECK, Lênio Luis; TRINDADE, André Karam (Org.). Os
modelos de juiz: ensaios de direito e literatura. São Paulo:
Atlas, 2015. p. 227-236.
36) TRINDADE, André Karam. Entre pequenas injustiças e
grandes justiças: O Mercador de Veneza e a representação do
juiz. In: STRECK, Lênio Luis; TRINDADE, André Karam
(Org.). Os modelos de juiz: ensaios de direito e literatura. São
Paulo: Atlas, 2015. p. 163-186.
40

37) TRINDADE, André Karam; ROSENFIELD, Luis. Direito e


(M)Mutação: a cultura jurídica e as invasões bárbaras. In:
MOREIRA, Nelson Camatta; OLIVEIRA, Juliana Ferrari de
(Org.). Direito & Literatura e os múltiplos horizontes de
compreensão pela arte. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2015. p. 111-134.16

O artigo do item 1 também foi publicado em outro livro, conforme


item 2, de forma que apenas um foi considerado; o artigo do item 12 foi
publicado na revista Anamorphosis, sendo desconsiderada sua incidência
no respectivo livro; os trabalhos dos itens 20 e 22 já haviam sido
publicados nos Anais do CONPEDI, motivo pelo qual a versão nos anais
foi incluída no acervo e a dos livros, descartada.
No total, obtive 33 artigos oriundos de coletâneas e 2 livros inteiros
compondo o acervo, com o total de 35 pesquisas veiculadas em livros.

1.1.2 Busca por artigos em periódicos

A busca por artigos publicados em periódicos foi realizada a partir


do Portal de Periódicos CAPES, em razão de sua abrangência; seu acervo
possui
mais de 38 mil publicações periódicas,
internacionais e nacionais, e [...] diversas bases de
dados que reúnem desde referências e resumos de
trabalhos acadêmicos e científicos até normas
técnicas, patentes, teses e dissertações dentre
outros tipos de materiais, cobrindo todas as áreas
do conhecimento. Inclui também uma seleção de
importantes fontes de informação científica e
tecnológica de acesso gratuito na web17.

Seria possível buscar publicações sobre direito e literatura nos sites


individuais de cada revista, mas este método seria demorado e incerto. As
publicações da área encontram-se diluídas em diferentes revistas, de
diferentes estados e com diferentes notas Qualis.

16
Pertinente destacar a observação do Professor Daniel Serravalle de Sá
quando da defesa final desta tese: a grande maioria dos livros encontrados diz
respeito ao sul e sudeste brasileiro. Pelos parâmetros adotados, pouca coisa
foi encontrada em livros publicados em outras regiões do Brasil.
17
Disponível em: <http://www-periodicos-capes-gov-
br.ez46.periodicos.capes.gov.br/index.php?option=com_pcollection&Itemid
=104>. Acesso em 06 abril 2017.
41

Assim, presando por uma maior celeridade e certeza, optei por


utilizar o Portal de Periódicos CAPES, via rede da UFSC.
Em 06/04/2017, na categoria busca por assunto (avançada), utilizei
os termos direito e literatura (em qualquer campo, fosse título, autor ou
assunto), tipo de recurso: artigos, periódicos revisados por pares (que
exibe resultados já avaliados por cientistas da área), tópicos Law, na
ordem de mais relevantes. Encontrei 57 resultados a serem verificados.
Em 07/04/2017 refiz a pesquisa avançada por assunto com o termo
“direito e literatura”, (expressão entre aspas e buscada em qualquer
campo, fosse título, autor ou assunto), tipo de recurso: artigos, sem
refinação de tópicos, na ordem de mais relevantes. A busca identificou 61
resultados, 7 dos quais em revistas revisadas por pares e os demais
categorizados como recursos online.
Verificados os artigos encontrados, cheguei a seguinte lista a ser
incluída no acervo (em ordem alfabética):

1) MATOS, Andityas Soares de Moura Costa. Law, literature


and cinema: an essay on dystopic movies. Revista de Estudos
Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito. V. 4, n. 1,
2012. P. 40-47.
2) OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de; SIQUEIRA,
Gustavo Silveira. Pequeno ensaio sobre a injustiça: memórias
secas de um tribunal de segurança nacional. Sequência, n. 61,
2010, p. 111-125.
3) OLIVO, Luis Carlos Cancellier de; SIQUEIRA, Ada Bogliolo
Piancastelli de. O direito e o absurdo: uma análise de “O
estrangeiro”, de Albert Camus. Sequência, n. 56, 2008, p. 259-
276.
4) SPENGLER, Fabiana Marion. Entre o Direito e a Literatura:
uma análise da jurisdição atual e do papel do juiz no
tratamento dos conflitos. Sequência, n. 62, 2011, p. 299-322.
5) SPENGLER, Fabiana Marion; SPENGLER, Theobaldo. O
direito, a literatura, o mito e o juiz: construções em torno do
verbo “decidir”. Revista de Estudos Constitucionais,
Hermenêutica e Teoria do Direito. V. 3, n. 1, 2011. p. 102-110.
6) TRINDADE, André Karam; KARAM, Henriete. Ex fabula ius
oritur: Antígona e o direito que vem da literatura. Revista de
Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito. V.
5, n. 2, 2013. p. 196-203.
7) TRINDADE, André Karam; ROSENFIELD, Luis;
CALGARO, Júlia Marmentini. Constituição, absolutismo e
42

liberalismo. Um retrato da magistratura imperial em “O juiz


de paz na roça”, de Martins Pena. Revista Brasileira de Direito,
v. 11, n. 2, 2015. p. 126-136.

Destaca-se que, após leitura dos textos, o artigo do item 1 foi


desconsiderado, pois trata-se de um texto já publicado nos Anais do
CONPEDI, em 2011, sendo esta versão prévia já incluída no acervo.
No que tange ao baixo número de artigos encontrados, acredito que
esse fator pode ser explicado por duas hipóteses: 1) A exigência de
publicar em revistas é recente e o lapso temporal ainda não ocorreu de
forma a possibilitar a migração dessas publicações de livros e anais para
revistas científicas; e/ou 2) Nem todas as revistas científicas do Direito
estão indexadas nas bases abrangidas pelo Periódicos CAPES.
Desta forma, visando uma maior complementação dos artigos
publicados em periódicos, optou-se por incluir no acervo os artigos
publicados na Revista Anamorphosis, a mais relevante no que tange aos
estudos de Direito e Literatura no Brasil. Assim, encontrei os seguintes
artigos (em ordem alfabética):

1) ALVES, Míriam Coutinho de Faria. A memória afetiva e a


infância digna na literatura de Clarice Lispector.
Anamorphosis – Revista Internacional de Direito e Literatura,
v. 2, n.1, 2016. p. 169-181.
2) BENTES, Hilda Helena Soares. A Via Crucis do Corpo da
Mulher: trajetos de violência na literatura brasileira sob a ótica
dos direitos humanos das mulheres. Anamorphosis – Revista
Internacional de Direito e Literatura, v. 2, n.1, 2016. p. 147-
167.
3) CAMPOS, Juliana Cristine Diniz. Peri no advento da
república: a construção da ideia política de nação pela
literatura romântica no século XIX. Anamorphosis – Revista
Internacional de Direito e Literatura, v. 1, n.1, 2015. p. 175-
193.
4) ESPÍNDOLA, Ângela Araújo da Silveira. Entre a
insustentabilidade e a futilidade: a jurisdição, o direito e o
imaginário social sobre o juiz. Anamorphosis – Revista
Internacional de Direito e Literatura, v. 2, n.2, 2016. p. 293-
320.
5) FACHIN, Melina Girardi. As biografias não autorizadas e a
ilegitimidade da ficção. Anamorphosis – Revista Internacional
de Direito e Literatura, v. 2, n.1, 2016. P. 97-111.
43

6) GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Monteiro Lobato no


banco dos réus: o tema da judicialização das Caçadas de
Pedrinho. Anamorphosis – Revista Internacional de Direito e
Literatura, v. 2, n.1, 2016. p. 113-121.
7) MAIA, Gretha Leite. Alumbrar-se: realismo mágico e
resistência às ditaduras na América Latina. Anamorphosis –
Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 2, n.2, 2016.
p. 371-388.
8) MARIN, Jeferson Dytz. O saber literário e a estereotipação do
conhecimento jurídico. Anamorphosis – Revista Internacional
de Direito e Literatura, v. 1, n.2, 2015. p. 301-315.
9) NOGUEIRA, Gustavo Santana. A força dos precedentes no
julgamento de Shylock em O Mercador de Veneza de
Shakespeare. Anamorphosis – Revista Internacional de
Direito e Literatura, v. 2, n.2, 2016. p. 411-432.
10) OLIVO, Luis Carlos Cancellier de; LEHMANN, Leonardo
Henrique Marques. Dimensão jurídica da loucura e modelos
de atenção à saúde mental em Dom Quixote. Anamorphosis –
Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 1, n.1, 2015.
p. 99-120.
11) PEPE, Albano Marcos Bastos. Direito e Literatura: uma
intersecção possível? Interlocuções com o pensamento
waratiano. Anamorphosis – Revista Internacional de Direito e
Literatura, v. 2, n.1, 2016. p. 5-15.
12) RIBEIRO, Iara Pereira. A exceção e a regra: fragmentos de
uma reflexão jurídico-literária. Anamorphosis – Revista
Internacional de Direito e Literatura, v. 1, n.1, 2015. p. 121-
138.
13) YAMAMOTO, Lilian. A literatura de cárcere em defesa de
um condenado à pena de morte no Japão – Lágrimas de
ignorância, de Norio Nagayama. Anamorphosis – Revista
Internacional de Direito e Literatura, v. 1, n.2, 2015. p. 267-
283.

O artigo do item 3 foi desconsiderado por já ter sido publicado


previamente nos anais do CONPEDI, sendo contabilizado como pesquisa
presente em anais de eventos. Assim, obtive 18 artigos publicados em
periódicos compondo o acervo.
44

1.1.3 Busca por artigos em anais de eventos

Em relação aos artigos publicados em anais de eventos, optou-se


por buscar produções incluídas em dois principais eventos: os Encontros
e Congressos realizados pelo Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-
Graduação em Direito – CONPEDI; e os Colóquios Internacionais de
Direito e Literatura (CIDIL’s) organizados pela Rede Brasileira de
Direito e Literatura – RDL.
O CONPEDI é

a Sociedade Científica do Direito no Brasil,


organizado através de uma associação civil com
personalidade jurídica de direito privado e sem fins
econômicos que incentiva e promove os estudos
jurídicos e o desenvolvimento da pós-graduação
em Direito no Brasil18.

Os eventos por ele realizados foram escolhidos em razão de sua


grande expressão na área do direito, sendo que

Desde sua criação, em 17 de outubro de 1989, o


CONPEDI realiza Encontros e Congressos
nacionais que oferecem visibilidade à produção
científica em Direito. Através dos eventos, já
oportunizou a publicação de milhares de artigos
jurídicos e apresentações de pôsteres produzidos
por pesquisadores brasileiros acerca das mais
diversas temáticas19.

São, portanto, eventos de tradição e prestígio na área do direito, em


geral, sendo a busca em seus anais um ponto de partida promissor.
Os anais do CONPEDI encontram-se digitalizados, acessíveis a
toda comunidade. São realizados dois eventos nacionais por ano, um
Encontro e um Congresso, ambos com publicação sendo que os primeiros
eventos datam de 1992. Porém, no site do Conselho estão presentes
apenas os trabalhos publicados de 2005 em diante, sendo este o recorte de
minha busca. A partir do XVI Congresso Nacional do CONPEDI, no

18
Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/quemsomos/>. Acesso em 06
abril 2017.
19
Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/quemsomos/>. Acesso em 06
abril 2017.
45

segundo semestre de 2007, é possível visualizar um grupo específico


sobre Direito e Literatura e foi a partir dele que coletei os trabalhos a
serem analisados.
Importante mencionar que a partir de 2014 o CONPEDI passou a
realizar encontros internacionais, cujos anais também foram verificados.
Porém, apenas no V Encontro Internacional do CONPEDI em
Montevidéu, Uruguai, em 2016 foram encontrados trabalhos sobre direito
e literatura, em GT do tema.
No total, encontrei os seguintes artigos que se enquadravam nos
critérios estabelecidos (em ordem alfabética):

1) ALMEIDA, Philippe Oliveira de. Dos delitos e das penas nas


utopias do Século XVI. In: Anais do XXIV Congresso
Nacional do CONPEDI - Florianópolis: Fundação Boiteux,
2015.
2) ALVES, Candice Lisbôa; FERREIRA, Luciana Pereira
Queiroz Pimenta. Sobre o aborto e a lei: uma reflexão a partir
da irresponsabilidade de Lima Barreto na experiência da
Literatura. In: Anais do XXIV Congresso Nacional do
CONPEDI - Florianópolis: Fundação Boiteux, 2015.
3) ALVEZ, Candice Lisbôa; FERREIRA, Luciana Pereira
Queiroz Pimenta. Da Capitu machadiana às Capitus do século
XXI: o lugar da mulher no intercâmbio entre Direito e
Literatura, à luz do romance Dom Casmurro. In: Anais do
XXIV Encontro Nacional do CONPEDI. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2015.
4) ALVES, Miriam Coutinho de Faria; ZAGANELLI, Margareth
Vetis. A dialética do corpo na narrativa de Clarice Lispector:
a feminilidade e os direitos da mulher na Via Crucis do Corpo.
In: Anais do XXIV Encontro Nacional do CONPEDI.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2015.
5) ARAÚJO, Francisco Régis Frota; ARAÚJO, Sarah Carneiro.
Do romantismo literário ao naturalismo imagético, um passeio
sobre “Inocência”: do texto de Taunay ao filme de Walter
Lima Júnior. In: Anais do XIX Encontro Nacional do
CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2010. p. 6411-
6428.
6) BARROS, Carla Eugenia Caldas; MENESES, Luiz Manoel
Andrade. Os Corumbás e o Estado de Exceção por Agamben.
In: Anais do V Encontro Internacional do CONPEDI
46

Montevidéu – Uruguai. Florianópolis: Fundação Boiteux,


2016.
7) BENTES, Hilda Helena Soares. A Conexão dos Teóricos da
Phýsis com o trágico e a justiça. In: Anais do XXIV Congresso
Nacional do CONPEDI - Florianópolis: Fundação Boiteux,
2015.
8) BENTES, Hilda Helena Soares. A ideia de justiça e a essência
do trágico. In: Anais do XXIII Congresso Nacional do
CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2014.
9) CAMPOS, Juliana Cristine Diniz. O Brasil de Peri e o advento
da república: a construção da ideia política de nação pela
literatura brasileira no séc. XIX. In: Anais do XXIV Encontro
Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux,
2015.
10) CARDIN, Valéria Silva Galdino; SANTOS, Andréia Colhado
Grego. O Patriarcalismo contemporâneo e a violência de
gênero em “Venha ver o pôr do sol” de Lygia Fagundes Teles.
In: Anais do XXII Congresso Nacional do CONPEDI.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2013.
11) CASTRO, Cristina Veloso de; NEVES, Fabiana Junqueira
Tamaoki. As implicações da teoria da linguagem e da
exploração do sinal. In: Anais do XXIV Congresso Nacional
do CONPEDI - Florianópolis: Fundação Boiteux, 2015.
12) COSTA, Alexandre Bernardino. A Extraordinária Gente: uma
visita ao sistema carcerário por meio da literatura. In: Anais do
XX Congresso Nacional do CONPEDI. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2011. p. 7019-7044.
13) COSTA, Marcelo Cacinotti; LIMA, Vinicius de Melo. Uma
crítica ao positivismo jurídico e à discricionariedade judicial à
luz da obra medida por medida, de Shakespeare. In: Anais do
XXIV Congresso Nacional do CONPEDI - Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2015.
14) FARIA, Edimur Ferreira.; NEVES, Lailson Braga Baeta.
Direito, Cinema e Literatura: o Solisita, o princípio da
dignidade da pessoa humana, os direitos fundamentais e os
excluidos. In: Anais do XX Encontro Nacional do CONPEDI.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2011. p. 6414-6428.
15) FERRAZ, Fernando Basto. A literatura e a música como
expressão de sentimentos, com repercussão no mundo do
Direito. In: Anais do XXIV Congresso Nacional do CONPEDI
- Florianópolis: Fundação Boiteux, 2015.
47

16) FERRAZ, Fernando Basto. A literatura e o amor como


expressão do poder. In: Anais do XXIII Congresso Nacional
do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2014.
17) FERRAZ, Fernando Basto. Influência do direito, do cinema e
da literatura na construção da cidadania brasileira. In: Anais
do XXII Congresso Nacional do CONPEDI. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2013.
18) FERRAZ, Fernando Basto; FELIPE, Tiago José Soares.
Influência da Literatura no Direito e no cotidiano brasileiro.
In: Anais do Congresso Nacional do CONPEDI.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2012.
19) FRANCO, Ângela Barbosa; CAMPOS, Maria Cristina
Pimentel; RIBEIRO, Fernando José Armando; NUNES,
Luciano Augusto de Freitas. O poder em Macbeth: a
(des)construção da ordem e da (des)medida. In: Anais do XVII
Encontro do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux,
2008. p. 958-974.
20) GALUPPO, Marcelo Campos; LAGO, Davi Pereira do.
Direito e Moral em As Crônicas de Nárnia. In: Anais do XVIII
Congresso Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação
Boiteux, 2009. p. 3251-3273.
21) MAIA, Gretha Leite Maia. Para entender selváticos, silvícolas
e sujeitos: um diálogo com a literatura latino-americana
contemporânea. In: Anais do XXIII Encontro Nacional do
CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteaux, 2014.
22) MAIA, Gretha Leite. Direito e Literatura: a instituição do eu e
do outro. In: Anais do XXIV Congresso Nacional do
CONPEDI - Florianópolis: Fundação Boiteux, 2015.
23) MAILLART, Adriana Silva; ANDREUCCI, Álvaro
Gonçalves Antunes. A arbitragem como desencadeadora da
Guerra de Tróia: a história cultural como fonte primária no
estudo de institutos jurídicos. In: Anais do XX Congresso
Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux,
2011. p. 6978-6991.
24) MATOS, Andytas Soares de Moura Costa. Poder, distopia e
controle das consciências: um ensaio em direito, literatura e
cinema. In: Anais do XX Encontro Nacional do CONPEDI.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2011. p. 6558-6571.
25) MOCHI, Cassio Marcelo; MOTTA, Ivan Dias da. Lei e
legitimidade: conflitos da forma de ser e conflitos da
existência de princípios em Antígona, de Sófocles. In: Anais
48

do XVII Congresso Nacional do CONPEDI. Florianópolis:


Fundação Boiteux, 2008. p. 2035-2052.
26) MOCHI, Cassio Marcelo; MOTTA, Ivan Dias da. Trabalho
como critério de justiça em Hesíodo: uma experiência literária
no ensino jurídico. In: Anais do XVI Congresso Nacional do
CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2008. p. 4888-
4907.
27) MOREIRA, Nelson Camatta; BESSA, Silvana Mara de
Queiroz. Direito e Literatura: relatos da concretização de um
projeto de expansão hermenêutica do conhecimento jurídico
pela arte. In: Anais do XX Encontro Nacional do CONPEDI.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2011. p. 6401-6401.
28) MOREIRA, Nelson Camatta; CAMPANHA, Breno Maifrede.
Hermenêutica e (res)sentimento constitucional no conto “Um
pezzo di pane” de Ignazio Silone. In: Anais do XXII
Congresso Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação
Boiteux, 2013.
29) MOREIRA, Nelson Camatta; LOPES, Robson Louzada. A
ilha do Dr. Moreau e os direitos fundamentais no Brasil:
breves considerações entre a ficção e a realidade social. In:
Anais do XXII Encontro Nacional do CONPEDI.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2013.
30) MOREIRA, Nelson Camatta; PAULA, Rodrigo Francisco de.
Lima Barreto: subcidadania, negação do Estado de Direito e
constitucionalismo dirigente no Brasil. In: Anais do Congresso
Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux,
2012.
31) NASCIMENTO, Valéria Ribas do. As Viagens de Gulliver, do
século XVIII ao XXI: minúsculas ou gigantes orientações
sobre o Direito e a Paz. In: Anais do XX Encontro Nacional
do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2011. p.
6353-6369.
32) NASCIMENTO, Valéria Ribas do; SALDANHA, Jania Maria
Lopes. Estados de Exceção e Tecnologias da (des)informação:
reflexões a partir de George Orwell em 1984. In: Anais do
XXII Encontro Nacional do CONPEDI. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2013.
33) NOHARA, Irene Patrícia; PARREIRA, Liziane. Entropia e
antropofagia no castelo de Kafka: reflexões sobre a
desfuncionalização burocrática à luz da racionalização
49

extrema do direito público. In: Anais do Congresso Nacional


do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2012.
34) OLIVEIRA, Francisco Cardozo; OLIVEIRA, Nancy Mahra
de Medeiros Nicolas. Machado de Assis e Dalton Trevisan:
mulheres, sentimentalidade e dois modelos de aquisição da
propriedade. In: Anais do XXII Encontro Nacional do
CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2013.
35) OLIVEIRA, Júlio Aguiar de. A arte de seguir uma regra
segundo Pedro Malazarte. In: Anais do XVII Congresso
Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux,
2008. p. 2116-2129.
36) OLIVO, Luis Carlos Cancellier de; MARTINEZ, Renato de
Oliveira. Brás Cubas e a escrita jurídica: o que um defunto-
autor ensina ao Direito. In: Anais do XXIII Encontro Nacional
do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2014.
37) PAULO, Alexandre Ribas de; SIROTTI, Raquel Razente.
Direito penal estatal versus Direito comunitário: o julgamento
de Zé Bebelo em “Grande Sertão: Veredas” como exemplo de
justiça fora do Estado. In: Anais do XXII Encontro Nacional
do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2013.
38) POPP, Carlyle; SETTI, Maria Estela Leite Gomes. A infância
de um chefe: direito e literatura em Sartre. In: Anais do XIX
Encontro Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação
Boiteux, 2010. p. 6262-6273.
39) POPP, Carlyle; MESSAGGI, Ricardo Reis. O Direito de
família a partir da Literatura brasileira nos contos de Nelson
Rodrigues. In: Anais do XVIII Congresso Nacional do
CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009. p. 3014-
3037.
40) SÁNCHEZ, Nathália Mariáh Mazzeo; SOARES, Marcos
Antônio Striquer. Direito e Literatura: paralelo ou paradoxo?
In: Anais do XXII Encontro Nacional do CONPEDI.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2013.
41) SANTIAGO, Nestor Eduardo Araruna; FORTE, Francisco
Alexandre de Paiva. Análise da obra “O Estrangeiro” de
Albert Camus sob a ótica da tutela processual dos direitos
fundamentais. In: Anais do XVIII Encontro Nacional do
CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009. p. 628-
641.
42) SANTOS Carolinne Nhoato dos; Santin, Janaína Rigo. O
Coronelismo Retratado na Literatura Brasileira a partir da
50

Análise da Obra São Bernardo, de Graciliano Ramos. In:


Anais do XXIII Congresso Nacional do CONPEDI.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2014.
43) SANTOS, Hugo Rafael Pires dos; BERNARDI, Renato.
Plenária maluca: o julgamento de Pedrinho, o lúdico e o
direito. In: Anais do XXII Encontro Nacional do CONPEDI.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2013.
44) SBIZERA, José Alexandre Ricciardi; OLIVO, Luis Carlos
Cancellier de. Direito e Literatura: (des)apontamentos e
denúncias pelos seres humanos no Diário do Hospício, de
Lima Barreto. In: Anais do XX Encontro Nacional do
CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2011. p. 6370-
6385.
45) SCHWARTZ, Germano; MACEDO, Elaine Harzheim. Pode
o Direito ser Arte? Respostas a Partir do Direito & Literatura.
In: Anais do XVII Encontro Nacional do CONPEDI.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2008. p. 1013-1031.
46) SILVA, Cristian Kiefer; RIBEIRO, Fernando José Armando.
Shakespeare e a lei: conciliação e pacificação em “Romeo and
Juliet”. In: Anais do XXIII Congresso Nacional do CONPEDI.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2014.
47) SILVA, Cristian Kieferda. Direito e literatura: uma
contribuição para o discurso jurídico em William Shakespeare.
In: Anais do XXIV Congresso Nacional do CONPEDI -
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2015.
48) SIMÕES NETO, Eduardo; TEODORO, Maria Cecília
Máximo. Uma análise jurídica do livro “Incidente em
Antares”. In: Anais do Congresso Nacional do CONPEDI.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2012.
49) SIMÕES, Sandro Alex de Souza. A hermenêutica do vazio: as
representações da justiça e do homem da Amazônia do
romance “Safra”, de Abguar Bastos. In: Anais do XX
Congresso Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação
Boiteux, 2011. p. 7045-7065.
50) SOARES, Leonela Otilia Sauter; OLIVEIRA JÚNIOR, José
Alcebíades de. Machado de Assis e os Direitos Humanos:
contribuição da literatura para a interpretação jurídica. In:
Anais do Congresso Nacional do CONPEDI. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2012.
51) SOUZA, Jacyara Farias; ARAGÃO, Jônica Marques Coura. A
política criminal de intervenção do Estado na aplicação das
51

penas e a obra Vidas Secas, de Graciliano Ramos. In: Anais


do XXIV Congresso Nacional do CONPEDI - Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2015.
52) VERBICARO, Loiane da Ponte Souza Prado; TAXI, Ricardo
Araújo Dib. 1984 e o discurso da servidão voluntária. In: XXV
Congresso Nacional do CONPEDI - Florianópolis: Fundação
Boiteux, 2016.
53) VIEIRA, Tereza Rodrigues; CORSATO NETO, Fernando.
Cinquenta tons de cinza, sexualidade e contrato de prestação
sexual. In: Anais do XXV Encontro Nacional do CONPEDI.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2016.

Em relação aos CIDIL’s, eles são organizados anualmente desde


2012 pela RDL, que é

uma associação sem fins lucrativos, fundada em


2014, por André Karam Trindade, Luis Rosenfield,
Henriete Karam, Fausto Santos de Morais, Angela
Araújo da Silveira Espíndola e Lenio Luiz Streck,
em Porto Alegre/RS, cuja finalidade principal é
desenvolver o movimento do Direito e Literatura
no Brasil20.

Apesar de recente, a RDL é a primeira e única associação voltada


ao estudo de direito e literatura no Brasil até o presente momento, razão
pela qual entendi ser relevante consultar os anais dos eventos por ela
organizados. Pesquisadores de diversas partes do país e do mundo
vislumbram no CIDIL a oportunidade de debater e disseminar produções
dessa área, o que torna essas publicações interessantes para a construção
do acervo.
Os anais da primeira à quarta edição encontram-se disponíveis no
site da RDL21, abertos a toda comunidade; os trabalhos da quinta edição,
realizada em 2016, ainda não haviam sido publicados quando do
desenvolvimento deste projeto, razão pela qual foram excluídos.
Após leitura, encontrei as seguintes pesquisas, com base nos
critérios estabelecidos (em ordem alfabética):

20
Disponível em: < http://www.rdl.org.br/pt/institucional>. Acesso em 06
abril 2017.
21
Disponível em: <http://www.rdl.org.br/pt/cidil>. Acesso em 6 abril 2017.
52

1) ANJOS, Marco Antonio dos; SILVA, Valdir Luciano Pfeifer


da. A dificuldade de estabelecer categorias de incapacidade
mental: a loucura generalizada em O Alienista como presságio
para o estatuto da pessoa com deficiência. In: Anais do IV
Colóquio Internacional de Direito e Literatura – Livro II.
Passo Fundo: IMED, 2016. p. 532-549.
2) ANTUNES, Felipe; BOFF, Salete Oro. A despersonalização
do sujeito com o processo penal – uma (re)interpretação de
Kafka sob a ótica do processo penal. In: Anais do III Colóquio
Internacional de Direito e Literatura. Passo Fundo: IMED,
2015. p. 414-425.
3) BÔAS, Regina Vera Villas; NASCIMENTO, Grasiele
Augusta Ferreira. Diálogos entre o direito, a natureza e a
poesia: o direito fundamental ao meio ambiente, a ética da
natureza e a terra, nos versos de Cora Coralina. In: Anais do
IV Colóquio Internacional de Direito e Literatura – Livro I.
Passo Fundo: IMED, 2016. p. 244-268.
4) CALEGARI, Cassiano; BOFF, Salete Oro. A burocracia
humana em Douglas Adams. In: Anais do III Colóquio
Internacional de Direito e Literatura. Passo Fundo: IMED,
2015. p. 319-331.
5) CARSONE, Rachel dos Reis; FERNANDES JÚNIOR, Ênio
Duarte. Policarpo Quaresma e o cidadão contemporâneo: um
triste fim da cidadania brasileira? In: Anais do III Colóquio
Internacional de Direito e Literatura. Passo Fundo: IMED,
2015. p. 53-70.
6) DUARTE, Isabel Cristina Brettas; MADERS, Angelita Maria.
O Direito e a Literatura cruzando os caminhos da justiça
poética: uma estrada sem fim? In: Anais do IV Colóquio
Internacional de Direito e Literatura – Livro I. Passo Fundo:
IMED, 2016. p. 162-181.
7) ESPÍNDOLA, Ângela Araújo da Silveira; PILATI, Fabiane
Carla; MONTEIRO, Marina Teixeira. A defesa da democracia
e a crítica ao decisionismo: A Revolução dos Bichos e A
Revolução do Direito. In: Anais do II Colóquio Internacional
de Direito e Literatura. Passo Fundo: IMED, 2014. p. 222-241.
8) FANTONELLI, Miliane dos Santos; ESPÍNDOLA, Ângela
Araújo da Silveira. O discurso das decisões a partir da análise
das obras O processo e Colônia Penal, de Franz Kafka. In:
Anais do III Colóquio Internacional de Direito e Literatura.
Passo Fundo: IMED, 2015. p. 394-401.
53

9) FERREIRA, Luciana Pereira Queiroz Pimenta. O narrador-


personagem e a dedicatória em A Hora da Estrela:
deslocamentos possíveis para a decisão jurídica. In: Anais do
IV Colóquio Internacional de Direito e Literatura – Livro II.
Passo Fundo: IMED, 2016. p. 676-698.
10) FERREIRA, Natasha Alves; BOFF, Salete Oro. Jogos
Vorazes e o Totalitarismo. In: Anais do III Colóquio
Internacional de Direito e Literatura. Passo Fundo: IMED,
2015. p. 194-206.
11) FLORES, Maurício Pedroso; ESPÍNDOLA, Ângela Araújo da
Silveira. Sem problemas e sem Angústias: A monotonia do
Direito hegemônico em A Morte de Ivan Ilicht, de Tolstói. In:
Anais do II Colóquio Internacional de Direito e Literatura.
Passo Fundo: IMED, 2014. p. 242-261.
12) FLORES, Maurício Pedroso; PEPE, Albano Marcos Bastos.
Literatura como estranhamento do Direito: considerações
sobre o ato de julgar em Tolstói e Guimarães Rosa. In: Anais
do III Colóquio Internacional de Direito e Literatura. Passo
Fundo: IMED, 2015. p. 254-276.
13) LIPPSTEIN, Daniela; BOFF, Salete Oro. “A morte do
leiteiro” de Drummond e a proteção da propriedade acima da
vida humana. In: Anais do I Colóquio Internacional de Direito
e Literatura. Passo Fundo: IMED, 2012. p. 254-263.
14) MENDES, Tiago Meyer; COPETTI NETO, Alfredo. As
violências como forma de reconstrução da identidade e
empoderamento da subjetividade complexa no Clube da Luta.
In: Anais do III Colóquio Internacional de Direito e Literatura.
Passo Fundo: IMED, 2015. p. 207-225.
15) MORAIS, Fausto Santos de; BERNSTS, Luísa Giuliani.
Direito, escravidão e literatura: reflexões do
constitucionalismo liberal à brasileira a partir da obra
Negrinha, de Monteiro Lobato. In: Anais do II Colóquio
Internacional de Direito e Literatura. Passo Fundo: IMED,
2014. p. 197-212.
16) OLIVO, Luis Carlos Cancellier de; MARTINEZ, Renato de
Oliveira. Direito, Literatura e Cinema: o movimento “Direito
e Literatura” como modelo teórico para os estudos de “Direito
e Cinema”. In: Anais do III Colóquio Internacional de Direito
e Literatura. Passo Fundo: IMED, 2014B. p. 144-165.
54

17) ROSSETTO, Daísa Rizzotto; FERRI, Caroline. O animal: da


literatura ao direito. In: Anais do III Colóquio Internacional de
Direito e Literatura. Passo Fundo: IMED, 2015. p. 129-143.
18) SANTOS, Daniela dos; BOFF, Salete Oro. Você é um bicho,
Fabiano? Reflexões a partir da obra Vidas Secas, de Graciliano
Ramos. In: Anais do III Colóquio Internacional de Direito e
Literatura. Passo Fundo: IMED, 2015. p. 277-288.
19) SANTOS, Hugo Rafael Pires dos; BERNARDI, Renato.
Plenária maluca: o julgamento de Pedrinho, o lúdico e o
direito. In: Anais do II Colóquio Internacional de Direito e
Literatura. Passo Fundo: IMED, 2014. p. 110-136.
20) TRINDADE, André Karam; ZANOTTO, Carolina Nicole;
BERNSTS Luísa Giuliani. A representação do juiz em O
Círculo de Giz Caucasiano, de Bertold Brecht. In: Anais do II
Colóquio Internacional de Direito e Literatura. Passo Fundo:
IMED, 2014. p. 162-174.
21) VIOLA, João Felipe Nicolay da Silva; PAZÓ, Cristina
Grobério. De Machado a Jacobina: um histórico da doença
mental no Brasil e a invisibilidade dos doentes perante o
Direito Brasileiro. In: Anais do IV Colóquio Internacional de
Direito e Literatura – Livro II. Passo Fundo: IMED, 2016. p.
518-532.

Importante destacar que o artigo do item 2 foi desconsiderado, uma


vez que já havia sido publicado nos anais do CONPEDI, sendo incluído
no acervo por essa via.
Assim, no total, tive 20 artigos publicados em anais de evento
compondo o acervo.

1.1.4 Busca por teses

Para a busca por teses, iniciada em 8 de abril de 2017, utilizei como


meio principal o Banco de Teses e Dissertações da CAPES e a Biblioteca
Digital Brasileira de Teses e Dissertações. Em relação ao primeiro, para
uma busca pela expressão “direito e literatura”, foram encontrados 35
resultados gerais, sendo 22 na opção Nome do Programa: Direito. Todos
os trabalhos, porém, eram dissertações de mestrado.
Já uma busca pelas palavras direito AND literatura AND
doutorado, com a opção nome do programa: Direito, foram obtidos 86
resultados, dos quais apenas 2 atendiam aos critérios estabelecidos:
55

1) GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Literatura e Direito.


Anatomia de um Desenconto: desilusão jurídica em Monteiro
Lobato. 01/05/2000 224 f. Doutorado em DIREITO
Instituição de Ensino: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE
CATÓLICA DE SÃO PAULO, SÃO PAULO Biblioteca
Depositária: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Trabalho anterior à Plataforma Sucupira.
2) SILVA, Maritza Maffei da. O Mercador de Veneza de William
Shakespeare: Um Encontro na Encruzilhada da Literatura, do
Direito e da Filosofia’ 01/12/2004 367 f. Doutorado em
DIREITO Instituição de Ensino: UNIVERSIDADE DO
VALE DO RIO DOS SINOS, São Leopoldo Biblioteca
Depositária: Biblioteca Central. Trabalho anterior à
Plataforma Sucupira.

Todavia, o primeiro resultado, na verdade, se refere a uma


dissertação de mestrado conforme o Currículo Lattes do respectivo autor
e o segundo não pode ser encontrado pela internet, além de não ser
registrado no Currículo Lattes de sua autora, que não atualiza a plataforma
desde 2002.
Em relação à Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações,
tanto a busca pela expressão “direito e literatura” quanto a busca pelas
palavras direito AND literatura AND doutorado não retornaram nenhum
resultado.

1.1.5 Resultado final

Como resultado final, cheguei ao total de 126 pesquisas sobre


direito e literatura, escritas por ao menos um autor brasileiro com
doutorado em Direito, conforme Tabela 1:

Tabela 1 – Total de pesquisas brasileiras sobre direito e literatura


Veículo de Total
Publicação

Livros 35
Periódicos 18
Anais de Eventos 73
Teses 0
TOTAL DE
PESQUISAS 126
56

Fonte: a autora (2018).

Destaca-se que o acervo foi utilizado como forma de conhecer o


estado da arte das pesquisas sobre direito e literatura no Brasil, mas outros
elementos chaves que apareceram ao decorrer da pesquisa não foram
descartados. Tem-se como exemplo o artigo O estudo do “direito e
literatura” no Brasil: surgimento, evolução e expansão, de André Karam
Trindade e Luísa Giuliani Bernsts, publicado em 2017 – fora, portanto,
do recorte temporal estabelecido inicialmente.
O referido artigo apresenta informações importantes sobre autores
brasileiros que já escreviam sobre direito e literatura muito antes do início
do law and literature movement, em 1973 e por isso não pôde ser
ignorado.
O mesmo acontece com a pesquisa de Junqueira (1998); embora
lançada em livro dentro do recorte proposto, não foi possível rastreá-la a
partir dos parâmetros propostos para a construção do acervo. Todavia,
como este trabalho aparenta ser o primeiro a referenciar diretamente o law
and literature movement no Brasil, seria descuidado excluí-lo da presente
pesquisa. Em outras palavras, tais textos estão incorporados na parte
teórica desta pesquisa, mas não no corpus relativo às produções
brasileiras.
Estabelecidos os textos brasileiros a serem lidos, foi possível
concluir que poucas críticas eram apresentadas sobre os estudos de direito
e literatura, conforme demonstrarei nos capítulos 3 e 4 da presente tese, o
que parece corroborar a hipótese de Nobre (2005) sobre o parecerismo
presente na pesquisa jurídica brasileira.
Mais que isso, porém, foi possível perceber que há pouca
fundamentação teórica a embasar as pesquisas, sendo reduzida a presença
tanto de textos estadunidenses (que teriam originado as discussões de
direito e literatura) quanto de autores brasileiros. Essa ausência também
foi notada por Trindade e Bernsts (2017, p. 244-245):

A inexpressiva quantidade de citações de autores


nacionais e internacionais sabidamente vinculados
aos estudos e pesquisas em Direito e Literatura
conduziu a que se investigasse o número de obras
teóricas referidas nos artigos (Ilustrações 6 e 7).
Os dados levantados e a análise deles decorrentes
confirmam a hipótese inicialmente formulada,
visto que mais da metade dos trabalhos
apresentados e publicados no GT Direito, Arte e
Literatura não possui nenhum embasamento
57

teórico específico sobre Direito e Literatura.


Observa-se, com isso, que a expansão dos estudos
e pesquisas no Brasil - sobretudo no que diz
respeito à produção bibliográfica – ocorreu à
revelia de qualquer discussão ou sedimentação
teórica. Isso para não adentrar na questão
metodológica.
Em suma: se, por um lado, constata-se o quanto o
Direito e Literatura se ampliou, rapidamente,
apresentando uma diversidade que se mostra
compatível com as dimensões continentais do país;
de outro, há uma flagrante deficiência teórica,
inclusive em pesquisas que se inscrevem no nível
da pós-graduação.

Essas questões serão desenvolvidas ao longo da tese, na qual


aprofundarei as discussões necessárias.
Por enquanto, é preciso compreender que, uma vez estabelecido
um panorama geral sobre as pesquisas em direito e literatura realizadas
no Brasil, foi necessário buscar o que já havia sido pesquisado sobre o
tema nos Estados Unidos, local em que a institucionalização22 do assunto
teria se firmado ainda em 1973, no intuito de desenvolver um estudo
comparativo.

1.2 A CONSTRUÇÃO DE UMA FOTOGRAFIA

Para compreender os contornos do movimento norte-americano,


foi necessário, também, estabelecer uma metodologia confiável no intuito
de assimilar os debates ali empreendidos de uma forma geral e
abrangente. A academia jurídica estadunidense é um espaço
desconhecido para mim, no qual não estou inserida, e por isso foi preciso
saber o que ler, já que o risco de considerar uma obra inexpressiva como
uma pesquisa de grande impacto seria grande e apresentaria informações
deturpadas para a tese a ser desenvolvida.
Minha estratégia, assim, foi a de buscar o periódico especializado
mais antigo e, a partir da leitura dos artigos nele publicados, procurar
traçar critérios de busca. Esbarrei, porém, em duas grandes dificuldades:
1) Não existe um periódico mais antigo sobre direito e literatura, mas sim

22
Por institucionalização, entendo a organização do movimento em torno das
Universidades: o aparecimento de disciplinas, eventos sobre o assunto,
publicação de livros específicos, etc.
58

dois, criados exatamente no mesmo ano (1989); 2) Desconhecimento


sobre onde encontrar informações cruciais como lista de livros publicados
sobre direito e literatura no país; eventos importantes sobre o tema; e teses
e dissertações de grande impacto lá escritas.
Por isso, optei não pela construção de um acervo, mas pela
construção de uma fotografia. Acredito que o termo fotografia seja o
mais adequado à proposta que pretendi aqui desenvolver, pois, como
afirma a historiadora Ana Maria Mauad (1996, p. 76), a fotografia é como
um testemunho: atesta a existência de uma realidade, embora não seja a
realidade em si, pois “entre a fotografia e o objeto nela retratado, interpõe-
se uma série de ações convencionalizadas, tanto cultural como
historicamente”. Desta forma, “há que se considerar a fotografia como
uma determinada escolha realizada num conjunto de escolhas possíveis,
guardando esta atitude uma relação estreita entre a visão de mundo
daquele que aperta o botão e faz ‘clic’” (MAUAD, 1996, p. 76).
Desta forma, para comparar as informações presentes nas
pesquisas nacionais que compõe o acervo por mim construído com os
trabalhos desenvolvidos nos EUA sobre direito e literatura, foi necessário
construir um retrato da cena estadunidense. O que aqui apresento como
as discussões do law and literature, é, portanto, uma escolha dentre várias
possíveis; assim como o fotógrafo tem um foco específico (cena, sujeito,
objeto, etc), que acaba ocultando elementos do real não capturados pelo
quadro, tenho total ciência de que a fotografia apresentada é incompleta
e marcada pelos focos e ângulos que eu subjetivamente escolhi.
No intuito de diminuir a incidência desta subjetividade de escolha,
minha estratégia foi a de iniciar a construção desta fotografia a partir dos
dois mais importantes periódicos especializados em direito e literatura
nos Estados Unidos: o Yale Journal of Law & the Humanities e o Cardozo
Studies in Law and Literature, cuja nomenclatura foi alterada em 2002
para Law and Literature23.
A revista de Yale pode ser acessada gratuitamente24, sendo que
todas as suas edições estão disponíveis na íntegra para leitura; a revista
da Faculdade de Direito Cardozo está disponível online mediante
pagamento25. As duas revistas foram criadas em 1989 e em ambas,

23
O periódico após alteração do nome está disponível em:
<https://www.jstor.org/journal/lawliterature>. Acesso em 04 jan. 2019.
24
Disponível em: <https://digitalcommons.law.yale.edu/yjlh/vol1/iss1/1/>.
Acesso em 04 jan. 2019.
25
Disponível em: <https://www.jstor.org/journal/cardstudlawlite>. Acesso
em 04 jan. 2019.
59

autores renomados (dentro e fora do direito) apresentaram contribuições


diversas; debates foram travados, simpósios foram transcritos e críticas
de livros literários e acadêmicos foram publicadas. A leitura de 27 anos
de publicação estadunidense especializada me pareceu, assim, uma boa
forma de iniciar a construção de uma fotografia do law and literature
movement.
Esta leitura, porém, foi apenas o ponto de partida. Quando
referências promissoras emergiram, foram devidamente perseguidas e
capturadas para transcrição nesta tese, na tentativa de apresentar uma
fotografia o mais verossímil possível. Desta forma, livros e artigos
publicados antes da existência dos periódicos ou mesmo em outros
veículos de distribuição que não as revistas também fazem parte desta
fotografia.
Como resultado das leituras, posso afirmar que diferentemente do
que ocorre nas pesquisas brasileiras sobre o tema, as pesquisas
estadunidenses apontam lacunas, críticas e equívocos sobre o law and
literature movement. As discussões são acaloradas e, como demonstrarei
nos capítulos 3 e 4, podem se alongar por anos. Desta forma, foi possível
perceber que existem críticas aos estudos de direito e literatura, mas elas
não foram veiculadas nas pesquisas brasileiras.
Além disso, foi possível perceber várias diferenças entre o que é
produzido no Brasil e o que é produzido nos Estados Unidos; assim, já
que a proposta inicial seria a de realizar um estudo comparativo, restava,
por fim, organizar as informações encontradas em torno de um marco
teórico norteador, a partir do qual a tese se estruturaria. Passo, portanto, a
apresentação deste marco.

1.3 THOMAS DUVE: A TRADUÇÃO CULTURAL E OS ESPAÇOS


JURÍDICOS

Em 2014, o historiador do direito Thomas Duve registrou suas


preocupações sobre a concepção do direito como um fenômeno único,
homogêneo e iniciado na Europa. Influenciado pelas discussões da
História Global, das Teorias Pós-Coloniais e dos Critical Legal Studies,
Duve (2014) procura demonstrar a inexistência de uma Europa e de um
direito, salientando a heterogeneidade desses conceitos diretamente
influenciados pela cultura.
60

Compreendendo a história do direito como um “constant


diachronic and synchronic process of ‘translation26‘” (DUVE, 2014, p.
32), Duve (2014) destaca a importância de se superar uma visão binária
entre a tradição jurídica europeia e não europeia, apresentando novas
ferramentas metodológicas para analisar fenômenos jurídicos tão
diversificados e globalmente entrelaçados.
Neste sentido, a proposta de Duve (2014) de uma história jurídica
a partir de uma perspectiva global se adequa as aspirações comparativas
desta tese. Conforme Duve (2014, p. 56):

‘Global perspectives’ mean to envision a legal


history that is able to establish new perspectives,
either through opening for different analytical
concepts or by fusing them with the own tradition,
by tracing worldwide entanglements or by
designing comparative frameworks which can shed
light on unexpected parallel historical evolutions27.
[Grifou-se]

Assim, ao buscar comparar a produção acadêmica do law and


literature estadunidense com a do direito e literatura brasileiro, procuro
compreender um fenômeno intimamente conectado à circularidade de
ideias jurídicas respeitando os contornos de cada contexto específico.
Conforme Duve (2014, p. 56-57):

In an age of globalization of research, and of a


certain tendency to impose and adopt Anglo-
American scholarly practices, it is ever more
importante to preserve and cultivate different
canons and concepts, to safeguard and promote
epistemic plurality.
To sum up: We need reflexive positionality,
disciplinary frameworks, scholarly expertise on
areas, and open-mindedness for global

26
“Processo de tradução constante, diacrônico e sincrônico.” (Tradução
minha; doravante, as traduções em nota de rodapé serão sempre de minha
autoria, exceto quando indicado o contrário).
27
“"Perspectivas globais" significam vislumbrar uma história jurídica que
seja capaz de estabelecer novas perspectivas, seja por meio de uma abertura
diferentes conceitos analíticos ou fundindo-os à própria tradição, traçando
enredos mundiais ou projetando marcos comparativos que possam lançar luz
sobre paralelismos históricos inesperados”
61

perspectives. What we do not need – and this has


been the case for too long – is intelectual
isolationism28.

Para tanto, terei como base teórica dois conceitos cunhados por
Duve (2014): cultural translation (tradução cultural) e legal spaces
(espaços jurídicos).
Como já mencionado, Duve (2014) compreende a história do
direito como um processo constante de tradução, que não se restringe a
tradução linguística. O autor parte da perspectiva da tradução cultural,
que ultrapassa as questões estritamente idiomáticas para observar o
contexto original no qual um discurso é produzido e o contexto receptor
no qual este mesmo discurso é, posteriormente, reproduzido.
Especificamente em relação ao direito, escreve Duve (2014, p.59):

Looking at lawmaking, judging, or writing law


books as a mode of translation (independently from
the fact whether there is a translation from one
language into the other, or whether it is just a
translation by the person who is acting within the
same language system) compels us to pay special
attention to social practices, to knowledge and the
concrete conditions of these translation processes.
The analysis necessarily leads to the pragmatic and,
above all, institutional contexts as well as to the
mediality in which ‘law’ as a system of meaning is
materialized29.

28
“Em uma época de globalização da pesquisa e de certa tendência de impor
e adotar práticas acadêmicas anglo-americanas, é ainda mais importante
preservar e cultivar diferentes cânones e conceitos, para salvaguardar e
promover a pluralidade epistêmica.
Resumindo: Precisamos de posicionamento reflexivo, estruturas
disciplinares, conhecimento acadêmico e mente aberta para perspectivas
globais. O que não precisamos - e este tem sido o caso por muito tempo - é
de isolacionismo intelectual”
29
“Ao olhar para legislação, adjudicação ou redação de livros jurídicos como
uma forma de tradução (independentemente do fato de ser uma tradução de
uma língua para a outra, ou ser apenas uma tradução feita por uma pessoa que
está agindo dentro do mesmo sistema de linguagem), estaríamos obrigados a
prestar especial atenção às práticas sociais, para o conhecimento e às
condições concretas desses processos de tradução. A análise leva
necessariamente à pragmática e, acima de tudo, a contextos institucionais,
62

Desta forma, o direito e literatura brasileiro foi constituído a partir


da tradução cultural de um movimento iniciado nos Estados Unidos, mas
readaptado às condições locais de escrita acadêmica. Neste ponto, é
preciso diferenciar a tradução cultural e termos como transplantes
jurídicos e irritação jurídica.
Conforme Flores e Machado (2015, p. 124), a metáfora do
transplante jurídico tem sido amplamente utilizada por juristas “quando
se analisa a importação de práticas jurídicas estrangeiras”. Popularizada
por Alan Watson, esta metáfora teria sido bem-sucedida por transmitir
uma ideia de comparação; porém

Seu problema principal seria o de que ela transmite


a noção de que as ideias e as instituições jurídicas
podem simplesmente ser “copiadas e coladas” de
um sistema jurídico para outro. Assim, essa
metáfora não conseguiria representar a
transformação que as ideias e as instituições
jurídicas podem sofrer quando alguém tenta
transferi-las de um sistema jurídico para outro.
(FLORES, MACHADO; 2015, p. 125).

Por este motivo, Günther Teubner teria proposto a metáfora da


irritação jurídica, segundo a qual uma ideia inserida em um sistema
jurídico distinto daquele no qual se originou, levaria a uma série de
mudanças aos sistemas receptores. Todavia,

ela perde a dimensão comparativa que fez a


metáfora do transplante ser tão poderosa. Uma
irritação não vem necessariamente de outro sistema
(jurídico) ou de fora do sistema que irrita. Assim, a
dimensão comparativa da metáfora é perdida tanto
na relação entre o sistema jurídico de origem e o
receptor, como entre a ideia ou prática de origem e
aquela transferida (FLORES, MACHADO; 2015,
p. 127-128).

bem como para a mediação em que o “Direito” como um sistema de


significados é materializado.” (Tradução de Flores e Machado, 2015, p. 123-
124).
63

O conceito de tradução cultural, porém, consegue manter em


evidência tanto o aspecto comparativo quanto a característica
transformadora, já que mesmo na tradução linguística os sentidos do texto
podem vir a sofrer modificações. Por isso, será este o viés utilizado ao
longo da tese.
Quanto aos espaços jurídicos, Duve (2014) os define como o
resultado das pesquisas em história do direito, que apontariam para a
constituição de um espaço, que pode ser geográfico ou não, no qual
diferentes ideias, leis ou práticas jurídicas estariam entrelaçadas. Como
afirma Duve (2014, p. 57):

Legal spaces can thereby only be dimensioned by


reference to the respective historical phenomenon
and must accordingly be designed flexibly. They
may – as in the case of the Spanish monarchy, for
example – be bound to imperial regions. But they
may also – as in the case of Canon Law and the
normative thought of moral theological provenance
in early modern period – extend across political
borders. No less complex are legal spaces which
did not form because of imperial interconnection,
but through a specific, often coincidental or
temporary exchange – for example in the field of
certain trading networks which generate rules for
the traffic of goods, or of discourse communities
which are observable in Europe in the nineteenth
and twentieth century, between southern European
and Latin American countries or in other regions30.
[Grifou-se].

30
“Espaços jurídicos podem, assim, ser apenas dimensionados por referência
a um respectivo fenômeno histórico e devem, portanto, ser projetados de
maneira flexível. Eles podem - como no caso da monarquia espanhola, por
exemplo - estar ligados a regiões imperiais. Mas eles também podem - como
no caso do Direito Canônico e do pensamento normativo da procedência
teológica moral no início do período moderno - atravessar fronteiras políticas.
Não menos complexos são os espaços jurídicos que não se formaram devido
à interconexão imperial, mas através de uma troca específica, muitas vezes
coincidente ou temporária - por exemplo no campo de certas redes comerciais
que geram regras para o tráfico de bens ou de comunidades discursivas
observável na Europa nos séculos XIX e XX, entre países do sul da Europa e
da América Latina ou em outras regiões.”
64

O importante, para Duve (2014, p. 57), seria compreender a


construção destes espaços, como uma consequência de um fenômeno
global de trocas (também) comunicativas, que podem ocorrer, por
exemplo, a partir da tradução cultural. Assim, é necessário

to reflect on this formation of legal spaces


connected with increasingly intensive
communication processes, investigate different
area concepts and make them productive for legal
history. By doing so, we cannot only acquire
greater knowledge about specific historical
formations, but also about the increasingly
important regionalization processes of normativity,
about appropriation and imitation and about the
integration of local and non-local normativity.
These are fundamental concerns also for
contemporary jurisprudence31.

Partindo desta ideia, é possível compreender o direito e literatura


brasileiro como um espaço jurídico local, constituído a partir da tradução
cultural de um movimento estadunidense e, assim, refletir sobre sua
construção, levando em consideração os diferentes processos
comunicativos que o consolidaram. Neste sentido, o estudo comparativo
que pretende ser desenvolvido nesta tese tem como fundamento a troca
de ideias jurídicas (relativas ao law and literature) entre Estados Unidos
e Brasil, vislumbrando tal fenômeno como uma tradução cultural que irá
originar um espaço jurídico próprio, marcado por significativas
diferenças especialmente no que se refere à crítica destas ideias.
Estabelecidos os pilares teóricos da presente tese, farei algumas
considerações sobre a constante classificação presente nos estudos de
direito e literatura. Trata-se da divisão do movimento em vertentes,
segundo a qual seria possível estudar o direito na literatura, o direito como
literatura e o direito da literatura. A presente tese, porém, se pautará na

31
“refletir sobre essa formação de espaços jurídicos ligados a processos de
comunicação cada vez mais intensos, investigar diferentes conceitos de área
e torná-los produtivos para a história jurídica. Ao fazê-lo, não adquirimos
apenas um maior conhecimento sobre formações históricas específicas, mas
também sobre os processos de regionalização cada vez mais importantes da
normatividade, sobre apropriação e imitação, e sobre a integração da
normatividade local e não local. Estas são preocupações fundamentais
também para a filosofia do direito contemporânea.”
65

classificação em projetos, conforme proposto por Julie Peters (2005), e


que compreende: o projeto humanista, o projeto hermenêutico e o projeto
narrativista; para a presente pesquisa, também foi criada a categoria de
projetos esparsos, conforme explicarei a seguir.

1.4 DIVISÃO EM VERTENTES: OS PROJETOS ESPARSOS,


HUMANISTA, HERMENÊUTICO E NARRATIVISTA

Tornou-se lugar comum32 afirmar tanto nos Estados Unidos quanto


no Brasil que o direito e literatura possui, pelo menos, três vertentes: o
direito da literatura, relacionado a questões de direito autoral; o direito na
literatura, cujo objetivo seria identificar as representações de elementos
jurídicos nas obras literárias; e o direito como literatura, que propõe
compreender o texto jurídico como texto literário e, assim, utilizar
técnicas de interpretação próprias da literatura para compreendê-lo.
Particularmente, acredito que essa divisão em vertentes pouco
informa sobre as conexões interdisciplinares propostas. O que significa
identificar as representações do direito na literatura? Objetiva-se buscar
na obra literária uma ferramenta de ensino, uma fonte documental para a
história do direito, um insight para a filosofia jurídica? E o direito
compreendido como literatura – é preciso aplicar aos documentos
jurídicos as técnicas da teoria literária, da hermenêutica, da análise do
discurso? Todas as perguntas permitem respostas positivas, o que
demonstra a infinidade de possibilidades de aproximação entre as duas
áreas.
Por isso, prefiro aqui trabalhar com a divisão proposta por Julie
Peters no texto Law, Literature, and the Vanishing Real: On the Future
of an Interdisciplinary Illusion (2005), que não divide o movimento em
vertentes ou fases, mas em projetos. Inspirada em sua taxonomia, acoplei
os trabalhos do segundo capítulo sob o título de projetos esparsos, pois
são pesquisas realizadas antes da unificação do tema em torno de um
movimento e que, por isso, seguem diferentes objetivos.
As pesquisas apresentadas no terceiro capítulo, porém, são
definidas pela própria Peters (2005) como pertencentes a um projeto
humanista, dedicado a resgatar a humanidade do direito a partir da própria
atividade literária e o capítulo quatro versará sobre o projeto

32
Não foi possível ao longo da pesquisa identificar quem teria proposto a
divisão em vertentes pela primeira vez. A classificação aparece como algo
dado, consensual, por isso acredito que se tornou senso comum.
66

hermenêutico, que busca inspiração na teoria literária para fundar as bases


de uma teoria da interpretação jurídica.
Peters (2005) menciona ainda um projeto cuja existência não foi
mencionada nas pesquisas selecionadas para o acervo33 e por isso não será
explorada nos capítulos desta tese. Trata-se do projeto narrativista,
iniciado no país no fim dos anos 1980, com forte influência da teoria
feminista e da teoria crítica de raça, e do qual trato nos parágrafos
seguintes por compreender sua relevância; como tive contato com várias
destas discussões, acredito ser importante registrá-las em língua
portuguesa, pois entendo que até então são perspectivas inéditas no direito
e literatura brasileiro.
Levando em consideração que os estudos feministas se voltavam a
dar voz às mulheres e suas condições na sociedade, e que na arena jurídica
existem narrativas hegemônicas que ignoram tais condições, o projeto
narrativista buscou apresentar relatos dos próprios sujeitos excluídos
deste cenário de fala para, assim, revolucionar o direito.
Peters (2005, p. 447) afirma que esta perspectiva surgiu da seguinte
constatação: “if law was violence driven by master narratives, the
revelation of the nature, origin, and structure of these narratives might
redirect the force of law34“. Para Peters (2005), tal premissa teria por base

33
Como destacou o Professor Paulo Ferrareze Filho, há no Brasil uma
discussão sobre narrativas, mas a partir de uma perspectiva europeia,
notadamente influenciada pela Teoria Narrativista do Direito, do espanhol
José Calvo González. Tais perspectivas não se confundem. Enquanto Calvo
González (1996) há uma discussão oriunda do próprio projeto hermenêutico,
relativo à linguagem e à interpretação, o projeto narrativista norte-americano
é influenciado pela teoria feminista e pela teoria crítica de raça que passam a
integrar o corpo teórico da teoria literária. Sobre a teoria narrativista de Calvo
González aplicada ao direito brasileiro, checar: FERRAREZE FILHO, Paulo.
Decisão judicial e narratividade: um olhar para os fatos a partir da Teoria
Narrativista do Direito de José Calvo González. Tese (doutorado) –
Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em
Direito. Florianópolis, 2017. Disponível em: <
https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/178724/34786
3.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em 18 jan. 2019.
34
“se o direito é uma violência dirigida por narrativas mestras, a revelação da
natureza, origem e estrutura dessas narrativas poderia redirecionar a força do
direito.”
67

principalmente o artigo de Robert Cover, Nomos e Narrative35, no qual


Cover (1983) se debruça sobre os diferentes universos normativos
(nomos) formados por uma comunidade e legitimados por diferentes
narrativas, que, por vezes, se opõe ao universo normativo oficial (ordem
jurídica estatal).
Conforme Cover (1983), tais universos normativos, inclusive o
nomos oficial, teriam como pilar uma narrativa, que se torna real não
apenas por seu caráter descritivo, mas por seu caráter imaginativo – o que
plausivelmente poderia vir a ser36. Neste sentido, o direito seria um
mediador do real e da alternativa possível imaginada (narrativa). Essas
alternativas, porém, não são imutáveis; pelo contrário, são significadas e
ressignificadas em diversos momentos a partir do processo de
jurisgenesis, que ocorre de forma coletiva a partir de uma esfera cultural,
o que faz com que diversas comunidades (nomos) interpretem (ou
signifiquem) o direito de forma diferente. Assim, quando uma
comunidade se compromete com uma interpretação, a narrativa torna-se
realidade objetiva.
Neste sentido, Cover (1983) resgata as propostas dos
desconstrutivistas, exploradas no projeto hermenêutico, para lançar a
seguinte questão: já que as narrativas não comportam apenas um
significado possível, por que apenas o poder judiciário é capaz de impor
suas interpretações aos demais? A resposta de Cover (1983) é simples:

35
O artigo foi traduzido para o português em 2016 por Luis Rosenfield e está
disponível em: < http://rdl.org.br/seer/index.php/anamps/article/view/299 >.
Acesso em 04 jan. 2019.
36
“If law reflects a tension between what is and what might be, law can be
maintained only as long as the two are close enough to reveal a line of human
endeavor that brings them into temporary or partial reconciliation. All
utopian or eschatological movements that do not withdraw to insularity risk
the failure of the conversion of vision into reality and, thus, the breaking of
the tension. At that point, they may be movements, but they are no longer
movements of the law.” (COVER, 1983, p. 39).
“Se o direito reflete uma tensão entre o que é e o que pode ser, então ele só
pode ser mantido enquanto ambos estiverem próximos o suficiente para
revelar uma linha de esforço humano capaz de reconciliá-los de forma
temporária ou parcial. Todos os movimentos utópicos ou escatológicos que
não se afastam da insularidade arriscam falhar em converter a visão em
realidade e, portanto, rompem a tensão. Nesse ponto, eles podem até ser
movimentos, mas não são mais movimentos do direito”. (COVER, 1983, p.
39).
68

porque ele se utiliza da violência, chamada de coerção, que é um termo


mais ameno e aceitável.
Assim, Cover (1983) afirma que os tribunais não existem para
manter a segurança jurídica, mas para reduzir a quantidade de
interpretações possíveis; neste sentido, a grande questão é compreender
em que medida a coerção é necessária para que permita a criação de novos
sentidos extra estatais para as narrativas (inclusive em razão do caráter
dinâmico do Direito).
As questões colocadas por Cover (1983) interagem diretamente na
efetivação dos direitos das minorias. Lembremo-nos, por exemplo, da
legalização da união estável homoafetiva no Brasil37; a comunidade
LGBT ressignificava a narrativa jurídica a partir da ideia de discriminação
– vedar-lhes o direito de constituir família seria uma clara afronta à
liberdade individual. Por outro lado, grupos conservadores sustentavam a
narrativa segundo a qual a Constituição brasileira em seu artigo 226, §3º
reconhecia a união estável apenas em relação a indivíduos
heterossexuais38. O comprometimento do Supremo Tribunal Federal
recaiu sobre a narrativa de grupos LGBT, mas tal narrativa só foi possível
de ser engendrada porque a coação estatal não a inibiu completamente por
meio da violência.
Em contrapartida, é possível usar como exemplo a prisão do
professor Elisaldo Carlini, que foi intimado a depor em delegacia por
supostamente realizar apologia ao uso de maconha39. O pesquisador é
referência em estudos de uso medicinal de Cannabis Sativa e, ao
organizar um evento a respeito do assunto, convidou Ras Geraldinho,
criador da primeira Igreja rastafári do Brasil, a palestrar. Todavia, o
Geraldinho encontrava-se preso por plantar a erva proibida e o convite foi
visto pela promotoria como indícios de apologia ao uso de drogas.
Observe-se, portanto, que aqui também há duas narrativas em conflito:
uma em prol da liberdade acadêmica e do desenvolvimento científico e

37
Mais infomações em: <
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=6286
33 >. Acesso em 06 jul. 2018.
38
A título de curiosidade, indico a obra Beyond Carnival: Male
Homosexuality in Twentieth-Century Brazil, do historiador James N. Green,
na qual demonstra-se como a legislação brasileira poderia ser compreendida
como progressista se comparada com a inglesa, na qual a homossexualidade
foi tratada como crime até 1967.
39
Mais informações em: < https://www.bbc.com/portuguese/brasil-
43176883 >. Acesso em 04 jan. 2019.
69

outra voltada a preservação de uma ordem legal que proíbe consumo da


substância encontrada na planta; nesse sentido, a questão proposta por
Cover (1983) pode ser compreendida a partir dos limites a serem
estabelecidos à violência do direito para que pesquisas como essa não
sejam proibidas inclusive para que, caso haja uma mudança cultural
apropriada, ela seja acolhida pelo judiciário e passe a se tornar uma
narrativa hegemônica.
Baseados nessas constatações de narrativas antagônicas em disputa
no cenário jurídico estatal, autores como Richard Delgado, Robin West,
Judith Resnik e Carolyn Heilbrun, dentre outros, começaram a escrever a
partir da década de 1990, sobre um direito e literatura narrativista.
Conforme Peters (2005, p. 447), essa abordagem

was influenced by several concurrent institutional


formations that mingled psychotherapeutic claims
for the healing power of telling one’s story with
political claims for the transforma tive power of
narratives of oppression: feminist and critical race
theory, testemony as a critical field (eventually
emerging as traum studies and other
subdisciplines), and the establishment of truth
commissions where victims of atrocity might tell
their Stories40.

Neste sentido, Richard Delgado escreve em 1989 sobre as


diferentes perspectivas narrativas a respeito de um mesmo caso e salienta
a importância de grupos minoritários, especificamente os negros, de
contarem suas histórias a partir de narrativas. Nas palavras do autor
(1989, p. 2437), ao se colocarem como donos de sua própria história, tais
grupos ganhariam “psychic self-preservation41“, uma vez que as
narrativas hegemônicas, naturalizadas e repetidas com frequência,
acabam por ser vistas como verdades. Além disso, esta prática pode
auxiliar outros indivíduos marginalizados a se reconhecerem nas

40
“foi influenciada por várias formações institucionais que mesclavam as
alegações psicoterapêuticas do poder curativo de contar sua história com
alegações políticas sobre o poder transformador das narrativas de opressão:
as teorias feministas e as teorias críticas raciais , vistas como um campo
crítico (eventualmente emergindo como estudos do trauma e outras
subdisciplinas), e o estabelecimento de comissões da verdade nas quais as
vítimas de atrocidades podem contar suas histórias”.
41
“auto-preservação psíquica”.
70

situações descritas, gerando um sentimento de comunhão e solidariedade,


para que haja uma busca por mudanças.
Ademais, Delgado (1989) salienta que as narrativas contadas pelos
oprimidos contribuem para que os opressores tomem consciência de seu
próprio papel na sociedade. Muitas vezes a discriminação está tão
enraizada que nem sequer é problematizada ou reconhecida como tal; por
essa razão, os grupos minoritários devem elevar suas vozes e fazer com
que suas narrativas sejam ouvidas, inclusive por profissionais do Direito.
Robert Hayman e Nancy Levit (1996), ao escreverem uma crítica
ao livro The Rodrigo Chronicles: conversations about america and race,
de autoria do próprio Richard Delgado, desenvolvem uma promissora
hipótese a respeito do storytelling42 como crítica doutrinária. Para eles,
apesar da prática do storytelling já ser utilizada como forma de ensino,
seu potencial crítico ainda tem sido negligenciado. Desta maneira,
Hayman e Levit (1996, p. 421) questionam “whether narrative critiques
of doctrine-telling stories about the stories told in judicial decisions-can
be an effective part of this dialogue; whether they can contribute to the
evaluation and reconstruction of doctrine as a discursive enterprise43.”
Defendendo, de pronto, uma hipótese afirmativa para a utilização
de narrativas como crítica doutrinária às narrativas presentes em decisões
judiciais, Hayman e Levit (1996) apontam diversas justificativas para a
abordagem proposta. Além de integrar teoria e prática,

Narratives urge us to think critically about who is


telling the story, why certain facts are included and
others omitted, and whether the social context, and
characters’ motivations and actions, are
“realistically” portrayed44 (HAYMAN, LEVIT;
1996, p. 431).

De forma parecida Carolyn Heilbrun, professora de literatura, e


Judith Resnik, professora de direito, escrevem, em 1990, artigo no qual

42
Em um termo mais amplo, storytelling diz respeito à capacidade de contar
histórias, inclusive histórias pessoais.
43
“se as críticas narrativas das doutrinas presentes nas decisões judiciais
podem ser uma parte efetiva desse diálogo; se podem contribuir para a
avaliação e reconstrução da doutrina como um empreendimento discursivo”
44
“As narrativas nos incitam a pensar criticamente sobre quem está contando
a história, porque certos fatos são incluídos e outros omitidos, e se o contexto
social e as motivações e ações dos personagens são retratados de forma
‘realista’”.
71

salientam a ausência da teoria feminista na abordagem de direito e


literatura ao menos até 1988, época na qual a jurista Robin West começa
a se debruçar sobre o tema. Segundo as autoras:

This essay dissents from the creation of a law and


literature canon that excludes feminist
perspectives. Both “law” and “literature” share the
activity of generating narratives that illuminate,
create, and reflect normative worlds, that bring
experiences that might otherwise be invisible and
silent into public view. Both law and literature have
often assumed that if not totally absent, women are
the other, the object of the male gaze, the subject of
the discussion, not the speaker. Looking at “law”
and at “literature” together enables us to see how
each discipline incorporates these assumptions (as
men speak, judge, describe, and ascribe) and how
to challenge that shared vision of the social order45.
(HEILBRUN, RESNIK; 1989, p.1914).

Desta forma, se tanto o direito quanto a literatura podem ser


percebidas como áreas marcadas por um olhar branco e masculino, uma
abordagem interdisciplinar poderia fornecer indícios para um
contradiscurso, ou uma contranarrativa.
Neste sentido, Heilbrun e Resnik (1989, p.1936) levantam uma
importante questão sobre a produção acadêmica do law and literature
desenvolvida até então: os estudiosos do assunto não se preocupavam
com a figura do cânone, sem pensar “who is given voice, who cited,
quoted, repeated, and who marginalized, ignored, submerged46”. O

45
“Este ensaio discorda da criação de um cânone sobre direito e literatura que
exclui as perspectivas feministas. Tanto o "direito" quanto a "literatura"
compartilham a atividade de gerar narrativas que iluminam, criam e refletem
mundos normativos, que trazem experiências que de outra forma seriam
invisíveis e silenciosas à visão pública. Tanto o direito quanto a literatura têm
frequentemente assumido que, se não totalmente ausente, as mulheres são o
outro, o objeto do olhar masculino, o assunto da discussão, não o indivíduo
que fala. Olhar para o "direito" e "literatura" juntos nos permite ver como
cada disciplina incorpora essas suposições (como os homens falam, julgam,
descrevem e atribuem) e como desafiar essa visão compartilhada sobre a
ordem social.”
46
“para quem é dado voz, quem é citado e repetido, e quem é marginalizado,
ignorado ou submerso”.
72

projeto humanista, ou do direito na literatura, valoriza a escolha de textos


clássicos, enquanto na vertente hermenêutica, ou do direito como
literatura, são as judicial opinions de juízes da Suprema Corte que
imperam nas abordagens. Não há uma problematização de como ou
porque estes textos são escolhidos como base analítica para o law and
literature, eles simplesmente o são, pois atendem interesses hegemônicos
que excluem vozes marginalizadas, como as vozes femininas, de qualquer
espaço efetivo de fala.
Desta forma, Heilbrun e Resnik (1989) apontam para a necessidade
de se ler uma literatura diferente dos clássicos, com narrativas diferentes
(como A Letra Escarlate e O Conto da Aia), bem como voltar o olhar
jurídico para questões discutidas em instâncias judiciais menores (e não
apenas em Tribunais Superiores), já que o direito ali produzido afeta mais
diretamente a vida das pessoas comuns, especialmente a das mulheres.
Em outras palavras, as autoras pretendem afastar o olhar masculino do
direito, trazendo à tona a necessidade de um olhar feminino, que atenda
as particularidades das mulheres.
Todavia, assim como o projeto humanista e o projeto
hermenêutico, o projeto narrativista despertou críticas a respeito de sua
relevância e eficácia. Peter Brooks (1996, p. 16), ao contextualizar as três
vertentes do law and literature estadunidense, escreve:

The legal storytelling movement has tended to


valorize narrative as more authentic, concrete, and
embodied than traditional legal syllogism. But as
many of the contributors here point out, storytelling
is a moral chameleon, capable of promoting the
worse as well as the better cause every bit as much
as legal sophistry. It can make no superior ethical
claim. It is not, to be sure, morally neutral, for it
always seeks to induce a point of view.
Storytelling, one can conclude, is never innocent.
If you listen with attention to a story well told, you
are implicated by and in it47.

47
“O movimento jurídico de storytelling tende a valorizar a narrativa como
mais autêntica, concreta e encarnada do que o silogismo legal tradicional.
Mas, como muitos apontam aqui, contar histórias é um camaleão moral,
capaz de promover tanto a pior quanto a melhor causa, assim como o sofisma
jurídico. Por isso, o storytelling não pode fazer uma reivindicação ética
superior. Ele não é, com certeza, moralmente neutro, pois sempre procura
induzir um ponto de vista. Contar histórias, pode-se concluir, nunca é uma
73

Neste sentido, a jurista Anne Coughlin, no texto Regulating the


Self: Autobiographical Performances in Outsider Scholarship (1995)
problematiza os limites e perigos da livre utilização de narrativas
pessoais, especialmente autobiografias, produzidas por minorias como
objetivo de propor uma crítica ao direito hegemônico.

These claims on behalf of storytelling deserve


serious scrutiny. Outsider 48scholars - or, for that
matter, insider scholars who also employ
autobiography - must consider whether and in what
sense this form of representation achieves the goals
of outsider scholarship. To what extent does
outsider autobiography rescue formerly ignored
experiences and points of view, or permit the
author to break through the cultural limitations of
legal discourse? If the law is to comprehend its
social obligations through the perspective of the
individual storyteller, the tactic affirmed by the
autobiographical project, then it is imperative to
clarify and evaluate the nature of the perspectives
that storytellers construct49. (COUGHLIN, 1995, p.
1231)

Além de apontar para o fato de que as narrativas tendem a ser mais


uma versão e não a versão definitiva do que ocorreu, inclusive porque
precisam convencer uma audiência de suas dores e sofrimentos, Coughlin
(1995) alerta para uma importante questão econômica: as autobiografias

atividade inocente. Se você ouvir com atenção uma história bem contada,
você está implicado por e dentro dela.”
48
Segundo Coughlin (1995), "Outsider" é o termo que as teorias feministas,
teorias raciais e acadêmicos homossexuais usam para se identificar.”
49
“Essas alegações em nome da narração de histórias merecem um escrutínio
sério. Os acadêmicos outsiders - ou, no caso, acadêmicos insiders que
também utilizam a autobiografia - devem considerar se e em que sentido essa
forma de representação alcança seus objetivos. Até que ponto a autobiografia
de um outsider resgata experiências e pontos de vista anteriormente
ignorados, ou permite ao autor romper as limitações culturais do discurso
jurídico? Se o direito é a compreensão de suas obrigações sociais através da
perspectiva de um narrador individual, a tática afirmada pelo projeto
autobiográfico, então precisa explicar e avaliar a natureza das perspectivas
que os contadores de histórias constroem.”
74

costumam ser um rentável investimento editorial. Para Coughlin (1995,


p. 1232):

The scholars who tell the stories receive material


rewards for publishing them. The authors are also
lawyers or, at least, critics of the law, whose
purpose in offering the stories is instrumental to
some end. By recounting painful, personal
experiences to an audience willing to pay for them,
the authors use themselves and their suffering as a
market commodity50.

De toda forma, trata-se de uma abordagem promissora que, por


algum motivo, não foi traduzida para o espaço jurídico de direito e
literatura nacional representado no acervo. Investigar as razões pelas
quais isso ocorreu não é o objetivo desta tese, mas é importante deixar
aqui registrada a existência de uma outra forma de se pesquisar direito e
literatura, pautada em teorias feministas e em teorias de raça, no intuito
de valorizar o sujeito e dar voz ao subalterno (como queria Spivak51), mas
sem ignorar que tal projeto também precisa enfrentar suas próprias
críticas, algumas das quais demonstradas neste breve trecho.
Em síntese, em relação ao direito e literatura, é preciso ter em
mente que:

While law and literature has sometimes been


considered an incoherent catchall, one might
heuristically identify in it three major projects:
humanism (dominant in the 1970s and early 1980s
and focusing largely on literary texts),
hermeneutics (dominant through out the 1980s and
focusing largely on literary theory), and narrative
(dominant in the late 1980s and 1990s and focusing
largely on legal cases). Each of these projects used
different kinds of texts, had different kinds of
goals, and worked toward these goals with different

50
“Os acadêmicos que contam histórias recebem recompensas materiais para
publicá-las. Eles também são advogados ou, pelo menos, críticos do direito,
cuja oferta de histórias é instrumento para algum fim. Ao contar experiências
dolorosas e pessoais para um público disposto a pagar por elas, os autores
usam a si mesmos e a seu sofrimento como um produto de mercado.”
51
Para mais informações, checar: SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o
subalterno falar? Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
75

kinds of interpretive strategies. Despite these


differences, however, one might trace, if not an
entirely coherent program of action, at least a set of
shared preoccupations and a set of recurrent
aspirations emerging from the struggles of the last
quarter of the twentieth52. (PETERS, 2005, p. 444).

Ou seja, direito e literatura não pode ser encarado como um


movimento único, homogêneo e coeso. Os temas abordados coincidem
apenas no sentido de que se tratam de preocupações em comum, tratadas
por determinados autores; as teorias, os métodos, as obras, as soluções e
as próprias abordagens são diversas entre si justamente porque existem
várias possibilidades de se unir direito e literatura.
Ademais, destaco que Peters (2005) é cética quanto ao law and
literature movement, tendo em 2005 anunciado sua morte. Todavia, sua
classificação, a meu ver, consegue englobar a complexidade e
abrangência do assunto, pois identifica as intenções dos juristas
proponentes (no projeto humanista, humanizar o direito pela literatura; no
projeto hermenêutico, utilizar teorias literárias para interpretação de
textos jurídicos).
Uma crítica que merece ser feita a sua classificação é a de tratar o
law and literature estadunidense a partir de uma narrativa linear, como se
os projetos fossem temporalmente sucessivos e homogêneos entre si.
Neste sentido, concordo com a análise de Thomas (2017, p. 36), para
quem os projetos teriam ocorrido de forma simultânea, em faculdades de
direito e literatura. O mesmo ocorre no Brasil: são várias as propostas de
conectar as duas áreas, não existindo uma sucessão temporal entre as
perspectivas, mas sim, uma simultaneidade.

52
“Embora o movimento de direito e literatura às vezes tenha sido
considerado incoerente, poderíamos heuristicamente identificar três grandes
projetos: humanista (dominante nos anos 1970 e início dos anos 1980 com
foco principal em textos literários), hermenêutico (dominante nos anos 80 e
focado principalmente em teoria literária), e narrativista (dominante no final
dos anos 1980 e 1990 e focado principalmente em casos jurídicos). Cada um
desses projetos usava diferentes tipos de textos, tinha diferentes intuitos e
trabalhava em direção a esses objetivos com variadas estratégias
interpretativas. Apesar dessas diferenças, no entanto, pode-se traçar, se não
um programa de ação inteiramente coerente, pelo menos um conjunto de
preocupações compartilhadas e um conjunto de aspirações recorrentes que
emergem das lutas do último quarto do século XX.”
76

Passo, agora, a apresentar o problema, hipóteses e objetivos da


presente tese.

1.5 PROBLEMA, HIPÓTESES E OBJETIVOS

A partir das leituras das produções acadêmicas brasileiras e


estadunidenses sobre direito e literatura e dos conceitos de tradução
cultural e espaços jurídicos cunhado por Duve (2014), foi possível
perceber significativas diferenças entre o que se escreve sobre o tema no
Brasil e nos Estados Unidos: o contexto de produção e emergência do
movimento, os objetivos propostos, as perspectivas teóricas, dentre
outros. Todavia, a diferença que mais despertou minha atenção foram as
numerosas críticas presente nos textos estadunidenses, fundadores dos
estudos da área, e a pequena quantidade de menção a essas mesmas
críticas nas pesquisas brasileiras.
Assim, levando em consideração o já referido diagnóstico de
Nobre (2005) sobre a incidência do modelo parecerista nas pesquisas em
direito no Brasil, o problema eleito para a presente tese é: porque as
críticas ao direito e literatura não são debatidas nos textos nacionais?
A tradição parecerista identificada por Nobre (2005), sem dúvidas,
aparece como uma hipótese relevante, mas aceitá-la como única
explicação parece simplista. Há, ainda, a questão idiomática: muito do
que foi escrito nos Estados Unidos permanece sem tradução no Brasil,
com exceção do artigo de Dworkin, De que maneira o direito se
assemelha à literatura53. Assim, não se pode exigir que os brasileiros
tenham acesso a discussões travadas em inglês, o que também é uma
explicação plausível para a ausência apontada.
Existem outras indagações plausíveis: existiria uma mera
reprodução da pesquisa de fora? As publicações visariam atender a uma
demanda produtivista que se exige volumoso número de publicações, mas
sem potencial argumentativo? Existiria um desconhecimento da produção
interna ou mesmo a falta de diálogo entre pesquisas nacionais? Uma
cultura de consenso e fraternidade acadêmica, nas quais não se
questionam os pares em busca de uma política de amizade? E o que falar
do contexto socioeconômico do professor-pesquisador no Brasil, que não
raras vezes recebe um baixo salário e precisa desenvolver suas pesquisas
em condições precárias, sem verba, e em curto espaço de tempo?

53
O artigo foi publicado no país pela primeira vez pela editora Martins Fontes
em 2000, como capítulo do livro Uma questão de princípio, de Ronald
Dworkin.
77

Particularmente, porém, acredito que existem duas hipóteses


passíveis de serem investigadas: uma confusão a respeito do método
empregado e a visão sentimental da literatura, identificada por Robert
Weisberg (1989).
Em diversas pesquisas é possível encontrar três perspectivas sobre
o método: 1) Ele é indesejável; 2) Ele é inexistente; e 3) Ele é a própria
divisão em vertentes do direito e literatura (direito como literatura, direito
na literatura). Embora interessantes resultados tenham surgido desta
abordagem, gerando a construção de um espaço jurídico próprio, a
aparente facilidade de se publicar sobre o tema, que ou não tem uma
metodologia própria ou possui uma metodologia que evidencia apenas os
objetivos gerais de cada empreitada, pode ter contribuído para a ideia de
que não existem críticas ao movimento.
Essa confusão sobre o método corrobora a perspectiva de Enrique
Pedro Haba (2007) a respeito da confusão sobre o conceito de método
presente na área do direito. Isto porque ainda que diferentes pesquisadores
sigam as mesmas instruções designadas, é provável que cheguem a
diferentes resultados. Essa ideia de método a ser seguido para reproduzir
o mesmo experimento está intrinsicamente conectada a ideia cartesiana
de método científico, aplicável nas ditas ciências duras, que lidam com
fenômenos naturais ou a reprodução destes fenômenos em laboratório.
Todavia, seguindo a taxonomia das ciências de Charles Peirce
(1997), o direito é uma ciência social aplicada, o que significa dizer que
seu objetivo não é lançar modelos teóricos, proposições lógicas ou
descrever leis naturais. As ciências sociais aplicadas lidam com
problemas sociais práticos e justamente em razão do caráter social
(humano) presente na área, é possível que diferentes pesquisadores
cheguem a diferentes resultados, ainda que seguindo as mesmas
instruções.
Neste sentido, este conceito de método (em sentido estrito), para
Haba não existe na seara do direito:

No existe ningún “método”, en sentido propio, para


efectuar investigaciones (en serio) decisivas sobre
cuestiones de derecho. Nadie puede aprender a
investigar en unos cursos especiales que lleven tal
nombre: “técnicas de investigación” o letreros por
el estilo. Sirve de poco o nada, salvo para
complacerse en disimulos criptoacadémicos,
distraerse en aprender unos repertorios de reglas de
78

procedimiento formalistas54. (HABA, 2007, p.


124).

Isto porque, como já mencionado, é possível que diferentes autores


cheguem a resultados diferentes utilizando o mesmo esquema
metodológico ou, ainda, que diferentes métodos levem ao mesmo
resultado. De acordo com Haba (2007) a concepção de método adequada
ao âmbito do direito seria o método em sentido amplo, que estabelece
orientações gerais do que fazer, mas é influenciado pela própria
subjetividade do pesquisador: suas leituras, suas vivências, etc.
Assim, conforme Haba (2007, p. 132-133):

el término “método” (científico) significa, en


sentido propio (estricto), que se dispone de unos
pasos predeterminados de modo neto para arribar
uniformemente a los resultados apetecidos; en
cambio, si dicho término se toma em sentido
amplio, son unos pasos con contenido bastante
elástico y cuyos resultados son contingentes. La
confusión nace de semejante homonimia, la
circunstancia de que la radical diferencia entre dos
modalidades tan diversas queda escondida por el
uso de la misma palabra indiscriminadamente tanto
para lo uno como para lo otro. Así, con respecto a
este asunto de la investigación, resulta que a
ustedes les están ofreciendo, en sustancia, unos
métodos en sentido muy amplio, mas haciéndoles
creer –al menos en forma implícita– que eso pueda
funcionar cumpliendo con unas esperanzas de
eficacia cierta como las acreditadas por los
métodos em sentido estricto55.

54
“Não há "método", em sentido estrito, para realizar investigações (sérias)
sobre questões de direito. Ninguém pode aprender a investigar em cursos
especiais chamados "técnicas de investigação" ou similares. Isto serve de
pouco ou de nada, a não ser para se entregar à dissimulação cripto-acadêmica,
para se distrair ao aprender um repertório de regras formais de
procedimento.”
55
“o termo "método" (científico) significa, no sentido estrito, que etapas
predeterminadas estão disponíveis para chegar uniformemente aos resultados
desejados; por outro lado, se este termo é compreendido em sentido amplo,
trata-se de passos com um conteúdo bastante elástico e cujos resultados são
contingentes. A confusão surge de tal homonímia, a circunstância de que a
79

Essa confusão conceitual aparece nas pesquisas de direito e


literatura do acervo, conforme será explorado nos capítulos 3 e 4, sendo
o método visto como indesejado, inexistente ou, ainda, confundindo com
uma taxonomia própria da área, que não estabelece como se fazer a
pesquisa, mas sim o que fazer na pesquisa. (identificar o direito na
literatura; compreender o direito como literatura).
Quanto à visão sentimental da literatura, trata-se de uma crítica
desenvolvida por Weisberg (1989) ao movimento estadunidense, segundo
a qual o jurista encontra-se tão desacreditado com o direito que vislumbra
a literatura como uma válvula de escape, capaz de resolver os problemas
da seara jurídica. A literatura passa a ser vista de forma romantizada, sem
defeitos, representando apenas conotações positivas. Tomado por esta
visão sentimental, o jurista tende a não questionar as próprias bases do
direito e literatura, não desenvolvendo autocrítica ou procurando
compreender as críticas já realizadas. Este viés também está presente em
algumas pesquisas brasileiras, conforme será demonstrado nos capítulos
3 e 4.
Neste sentido, defendo tanto a incidência simultânea das hipóteses
apresentadas como respostas ao problema, como a possibilidade de
pesquisas posteriores encontrarem outras respostas além das que aqui
apresento. Todavia, as hipóteses que tentarei demonstrar ao longo da tese
são 1) existe uma confusão sobre método de pesquisa em direito e
literatura no recorte analisado e 2) existe, no mesmo recorte, uma visão
sentimental da literatura; estas premissas teriam, assim, contribuído para
que o debate sobre as críticas feitas ao movimento não fossem
desenvolvidas no país.
Especificamente nos capítulos 2 e 3, procurarei demonstrar
também que apesar de vários dos autores norte-americanos serem
mencionados, nem sempre eles são citados no original; a ocorrência de
citações indiretas ou de nenhuma citação específica é comum, o que pode
significar que os pesquisadores brasileiros não tiveram contato direto com
os escritos americanos, embora saibam algo sobre eles. Tal fato pode ter
afetado o próprio conhecimento nacional no que se refere às críticas

diferença radical entre duas modalidades tão diversas é ocultada pelo uso da
mesma palavra indiscriminadamente tanto para um como para o outro.
Assim, com relação a esta questão de pesquisa, verifica-se que são oferecidos
métodos em um sentido muito amplo, mas fazendo-o acreditar - pelo menos
implicitamente - que isso pode funcionar satisfazendo alguma esperança de
certa eficácia como aqueles credenciados pelos métodos no sentido estrito”
80

proferidas ou respondidas por estes autores. Todavia, este fenômeno é


perceptível apenas em relação aos autores explorados nos capítulos 2 e 3;
uma possível explicação, é que um autor estadunidense apresentado no
capítulo 4, Ronald Dworkin, foi traduzido para o português, tornando seu
acesso mais fácil e as citações diretas de sua obra, mais constantes. As
críticas realizadas à Dworkin, porém, não são discutidas.
Por fim, o objetivo geral da tese, portanto, é compreender porque
as críticas ao direito e literatura, tão frequentes nos textos norte-
americanos, não são debatidas nas pesquisas brasileiras. Os objetivos
específicos relacionam-se diretamente a ordenação do tema,
desenvolvido em capítulos.
Desta forma, o capítulo 2 tem como objetivo específico analisar os
projetos esparsos sobre direito e literatura nos Estados Unidos e no Brasil
antes de sua unificação em torno de um movimento, no intuito de
demonstrar porque o direito e literatura brasileiro pode ser considerado
um espaço jurídico originado a partir de uma tradução cultural.
Nos EUA, compreende-se que o law and literature movement
surgiu de forma institucionalizada em 1973, com a publicação da obra
The legal Imagination, de James Boyd White. Assim, é importante
conhecer o que já havia sido produzido sobre o assunto antes deste marco
histórico para compreender porque 1973 foi eleito como momento chave
e quais as inovações trazidas por White, para merecer o título de fundador
do movimento alguns anos mais tarde. Também será abordado o papel de
autores como Benjamin Cardozo e John Wigmore, frequentemente
mencionados nas pesquisas brasileiras.
Ainda no Capítulo 2, será demonstrado que antes mesmo da
fundação do law and literature movement em 1973, pelo menos quatro
autores brasileiros já escreviam sobre as relações entre direito e literatura
sem mencionar qualquer jurista norte-americano. Todavia, as pesquisas
brasileiras abrangidas pelo recorte da tese ou mencionam autores
estadunidenses, ou se referem a um único autor brasileiro: Luis Alberto
Warat. Nestes termos, o direito e literatura brasileiro pode ser
compreendido como um fenômeno de tradução cultural do movimento
originado nos EUA, (já que várias pesquisas fazem referências aos
estadunidenses que escreveram antes de 1973) e ao mesmo tempo, como
um espaço jurídico de construção diferenciada (a utilização dos escritos
de Warat, por exemplo, demonstra uma mescla de ideias que origina algo
novo).
O objetivo específico desenvolvido no Capítulo 3 é compreender
porque as críticas ao projeto humanista desenvolvido nos Estados Unidos
não foram traduzidas para o direito e literatura brasileiro, levando em
81

consideração a confusão sobre o conceito de método apontada por Haba


(2007) e a visão sentimental da literatura, identificada por Weisberg
(1989).
Neste capítulo, serão apresentados indícios de que a partir do
fenômeno da tradução cultural os pesquisadores brasileiros abrangidos
pelo recorte proposto tomaram conhecimento da proposta base do projeto
humanista (de que a literatura pode humanizar o direito). Estes
pesquisadores também interpretaram a questão do método de pelo menos
três formas diferentes, o que pode ter contribuído para que as críticas
estadunidenses não fossem aqui debatidas. Argumentarei, ainda, que ao
aceitarem a premissa do projeto humanista como um dado auto evidente,
tais autores partilharam de uma visão sentimental sobre a literatura, o que
também explicaria a ausência de críticas na construção deste espaço
jurídico.
O capítulo 4 tem como objetivo específico compreender os
motivos pelos quais as críticas ao projeto hermenêutico não são sequer
mencionadas nas pesquisas brasileiras do acervo. A ideia fundamental
deste projeto (de que o direito pode ser visto como literatura) está presente
nas pesquisas analisadas, que, todavia, não demonstram conhecimento da
existência de críticas a esta ideia.
A desconfiança em relação ao método e uma visão sentimental da
literatura também estão presentes em trabalhos pautados sobre essa
abordagem. Foi possível, ainda, verificar o seguinte ponto: embora a
teoria literária seja evocada nos trabalhos estadunidenses, os brasileiros
preferem utilizar a hermenêutica filosófica ou abordagens próprias da
linguística, como a análise do discurso. Tal fato aponta, mais uma vez,
para a existência de um espaço jurídico diferenciado, construído a partir
da mistura de ideias estadunidenses e ideias próprias.
Por fim, gostaria de falar a respeito das imagens dos autores aqui
resgatados (já que nem todos tem retratos acessíveis), que para alguns
podem parecer desnecessárias ou meramente ilustrativa. Enfatizo que não
são. Essas imagens estão presentes no intuito de dar a estes autores
materialidade e tangibilidade, ressaltando o fato de que tanto eles quanto
suas obras estão aí para serem investigados. Percebo que há um certo
vazio a respeito da importância e da dimensão de seus escritos, de modo
que apresentar ao leitor seus rostos os torna mais críveis, mais acessíveis.
É, assim, uma tentativa de deixá-los registrado para os que escreverão
depois de mim, no intuito de compreender a construção deste rico espaço
jurídico nacional chamado de direito e literatura.
82
83

2 OS PROJETOS ESPARSOS DE DIREITO E LITERATURA NO


PERÍODO PRÉ-INSTITUCIONAL - ESTADOS UNIDOS E
BRASIL

Neste capítulo, pretendo apresentar as discussões sobre direito e


literatura realizadas antes da institucionalização do law and literature
movement, em 1973, nos Estados Unidos. Para compreender as razões que
permitem entender o movimento como um fenômeno de tradução cultural
constituinte de um espaço jurídico, é importante entender o que já havia
sido produzido até então sobre o assunto nos EUA e quais foram as
condições históricas que permitiram projetos tão distintos e esparsos se
conectarem em torno de um movimento.
Em um segundo momento, procurarei demonstrar que no cenário
nacional, muito antes da primeira referência brasileira ao law and
literature ser publicada56, alguns autores já haviam se aventurado a
estudar as conexões entre direito e literatura, sem, entretanto, fazer
qualquer evocação do movimento estadunidense após sua eclosão em
1973. Em outras palavras, é possível rastrear a existência de pesquisas
nacionais independentes em relação aos EUA de estudos sobre direito e
literatura.
Optei por denominar este conglomerado de autores de projetos
esparsos inspirada na classificação de Peters (2005), posto que não há um
vínculo direto verificável em suas produções, como será demonstrado. A
recusa dos termos pré-movimento, fase antecedente ou quaisquer
similares foi intencional, pois acredito que estes projetos esparsos não
irão desaparecer ao longo do tempo; pelo contrário, uma das grandes
marcas do direito e literatura é o seu elevado grau de heterogeneidade, já
que são diversas as possibilidades de estudo entre as duas áreas. Em
relação ao Brasil, os trabalhos de Luís Alberto Warat, por exemplo, estão
até hoje (2018) sendo referenciados.
Assim, passo a apresentar o que se discutia nos Estados Unidos
antes da institucionalização do law and literature movement.

56
Adoto como parâmetro o livro de Eliane Junqueira Botelho, a publicação
mais antiga encontrada em minhas pesquisas a fazer remissão direta ao law
and literature movement.
84

2.1 DIREITO, LITERATURA E OS PROJETOS ESPARSOS NOS


ESTADOS UNIDOS

Em 197757, J. Allen Smith (1979), professor de direito da Rutgers


School of Law e criador do Law and Humanities Institute58, fez uma
significativa profecia: o direito e a literatura estavam se reaproximando e
não tardaria até que voltassem a se relacionar como em tempos passados.
Como é possível inferir da pesquisa de Robert Ferguson (1984),
Law & Letters in American Culture, estes tempos passados seriam os anos
iniciais da República estadunidense, desde sua revolução pela
independência, conquistada em 177659, até a quarta década do século
XIX. O argumento central de Ferguson (1984), é de que os Estados

57
O artigo foi originalmente apresentado em 1977 no Maryland Law Forum,
mas foi publicado em 1979 no Journal of Legal Education.
58
Instituto criado em 1978 voltado à pesquisa interdisciplinar entre direito e
humanidades.
59
Sobre a Guerra de Independência norte americana, Sá (2014) recorda um
debate filosófico sobre fundamentos da luta e que será incorporado aos
romances góticos do final do século XVIII. De um lado, Edmund Burke irá
escrever Reflexões sobre a Revolução em França (1790): “no calor dos
acontecimentos revolucionários Burke se posiciona fortemente contra o
levante popular na França, defendendo a superioridade do sistema político
britânico junto às classes formadoras de opinião para que o movimento não
ganhasse adeptos na Inglaterra, leia-se Grã-Bretanha (SÁ, 2014, p. 65)”. Seus
objetivos literários são impedir que revoluções similares ocorram nas
também nas colônias inglesas. Todavia, os ideais revolucionários serão
defendidos por Thomas Paine em Os Direitos do Homem (1791), obra na qual
“em defesa das Revoluções Norte-Americana e Francesa e como tentativa de
disseminar ideais revolucionários na Grã-Bretanha. (SÁ, 2014, p. 65)”.
Assim, conforme Sá (2014, p. 75): “Tal debate se fez presente nos romances
góticos ingleses do final do século XVIII de modo ambíguo. Os romancistas
góticos se apropriaram dos debates políticos sintetizando seus fundamentos
teóricos e filosóficos através de leituras estéticas, elaborando um conjunto de
procedimentos literários que refletiu os dilemas setecentistas. Enquanto
escritores pró-revolução como Mary Wollstonecraft e William Godwin
interpretavam o gótico de maneira negativa (ligada a uma monarquia
anacrônica) outros romancistas a exemplo de Ann Radcliffe e Matthew
Gregory Lewis usavam o repertório gótico em apoio às instituições feudais
inglesas. As diferentes acepções do termo ‘gótico’ foram objeto de debate
constituindo um emaranhado de significações políticas, religiosas e estéticas
no final do século XVIII”.
85

Unidos do fim do século XVIII, uma nação jovem e ainda sem tradição
ou identidade, precisou vencer barreiras estéticas e intelectuais para criar
seu mito fundador.
Ferguson (1984, p. 5), ele próprio um jurista conhecido por sua
abordagem interdisciplinar como professor60, busca

To recover the lost context out of which Adams and


Jefferson, and then Washington Irving, William
Cullen Bryant, and other early republicans, dared
to read, think, speak, and write. [...] lawyers across
three succeeding generations, were part of a now-
forgotten configuration of law and letters that
dominated American literary aspirations from the
Revolution until the fourth decade of the nineteenth
century, a span of more than fifty years. Half of the
important critics of the day trained for law, and
attorneys controlled many of the important
journals. Belles letters societies furnished the
major basis of cultural concern for post-
Revolutionary America; they depended heavily on
the legal profession for their memberships.
Lawyers also wrote many of the country’s first
important novels, plays, and poems. No other
vocational group, not even the ministry, matched
their contribution61.

60
Mais informações em: <http://www.law.columbia.edu/faculty/robert-
ferguson>. Acesso em 29 mar. 2018.
61
“Recuperar o contexto perdido do qual Adams e Jefferson, e depois
Washington Irving, William Cullen Bryant e outros republicanos precursores,
ousaram ler, pensar, falar e escrever. [...] advogados que sucederam três
gerações foram parte de uma configuração, agora esquecida, de leis e cartas
que dominaram as aspirações literárias americanas desde a Revolução até a
quarta década do século XIX, um período de mais de cinquenta anos. Metade
dos críticos importantes da época tinha formação em direito e os advogados
controlaram muitas das revistas literárias importantes. As sociedades de
belles lettres forneceram a principal base de preocupação cultural para a
América pós-revolucionária; eles dependiam da profissão jurídica de seus
membros. Os advogados também escreveram muitos dos primeiros romances
importantes, peças teatrais e poemas do país. Nenhum outro grupo vocacional
teve contribuição equivalente.”
86

A literatura, assim, possuía um papel ideológico e estruturante, no


sentido de ser responsável por formar as bases nacionais desta nação
emergente, contando principalmente com a formação jurídica de sua elite
intelectual para divulgar valores republicanos adequados a sua nova
realidade62.
Portanto, neste contexto é possível afirmar que o homem da lei era
o homem das letras. Inclusive James Boyd White (2010, p. 2), aclamado
como fundador do law and literature movement, escreve:

In the nineteenth and much of the twentieth


century, it would have been obvious to most
lawyers that they were speakers and writers by
occupation, that law itself was a branch of the
larger culture, and that a broadly humanistic
education was essential to excellence in the law63.

Uma outra pesquisa responsável por apontar certa disseminação


política e ideológica por meio da literatura nos séculos XVIII e XIX,
gerando como consequência a positivação de direitos, é a realizada pela
historiadora Lynn Hunt, em sua obra A Invenção dos Direitos Humanos.
A principal hipótese lançada por Hunt (2007, p. 32) é a

de que ler relatos de tortura ou romances


epistolares teve efeitos físicos que se traduziram
em mudanças cerebrais e tornaram a sair do cérebro
como novos conceitos sobre a organização da vida
social e política. Os novos tipos de leitura (e de
visão e audição) criaram novas experiências
individuais (empatia), que por sua vez tornaram
possíveis novos conceitos sociais e políticos (os
direitos humanos).

Para tanto, a autora (2007) defende que romances do século XVIII,


provocaram a empatia de parte do público leitor – ideia não por acaso

62
Sobre esse assunto ver: WASSERMAN, Renata R. Mautner. Exotic
Nations: Literature and cultural identity in the United States and Brazil, 1830-
1930. New York: Cornell University Press, 1994.
63
“No século XIX e grande parte do século XX, era óbvio para a maioria dos
advogados que eles eram literatos por ocupação, que o direito em si era um
ramo da cultura e que uma educação amplamente humanista era essencial
para a excelência no ensino jurídico”
87

também abraçada pelo republicano estadunidense Thomas Jefferson64,


que acreditava na ficção como forma de se ensinar princípios e virtudes.
A consequência, conforme Hunt (2007) foi uma certa abertura para o que
se conhece hoje como direitos humanos, ainda que de forma não genérica
– no caso das mulheres, por exemplo, apesar de figurarem como heroínas
e despertarem interesse do público, são poucos os indivíduos que
realmente lutaram por seus direitos nesta época.
Em contrapartida, a leitura dessas obras gerou reações contra a
tortura65 e contra a escravidão66 de forma que a literatura trouxe ao debate
público questões cruciais referentes aos direitos individuais.
Para Ferguson (1984), a relação entre o direito e a literatura mudou
drasticamente após a Guerra Civil americana (1861-65). A tensão já
ocorria desde o início do século XIX, mas se intensifica nos prelúdios da
guerra, por dois motivos principais: a necessidade de uma especialização
técnica e pragmática dos juristas e os limites da relação entre o direito e a
literatura.
Ferguson (1984) aponta que a partir do início século XIX, os
juristas envolvidos em carreiras literárias começaram a experimentar a
tensão entre as duas áreas. Embora encorajados a se aventurarem nas

64
Não se pode esquecer que os Estados Unidos do século XVIII buscavam
aproximar direito e literatura na tentativa de criar uma identidade republicana
unificada.
65
“Talvez pareça um tanto exagerado estabelecer uma ligação entre assoar o
nariz com um lenço, escutar música, ler um romance ou encomendar um
retrato e a abolição da tortura e a moderação do castigo cruel. Mas a tortura
legalmente sancionada não terminou apenas porque os juízes desistiram desse
expediente, ou porque os escritores do Iluminismo finalmente se opuseram a
ela. A tortura terminou porque a estrutura tradicional da dor e da pessoa se
desmantelou e foi substituída pouco a pouco por uma nova estrutura, na qual
os indivíduos eram donos de seus corpos, tinham direitos relativos à
individualidade e à inviolabilidade desses corpos, e reconheciam em outras
pessoas as mesmas paixões, sentimentos e simpatias que viam em si
mesmos”. (HUNT, 2007, p. 111)
66
“Capitalizando o sucesso do romance em invocar novas formas de
identificação psicológica, os primeiros abolicionistas encorajavam os
escravos libertos a escrever suas autobiografias romanceadas, às vezes
parcialmente fictícias, a fim de ganhar adeptos para o movimento nascente.
Os males da escravidão adquiriram vida quando foram descritos em primeira
mão por homens como Olaudah Equiano, cujo livro The Interesting Narrative
of the Life of Olaudah Equiano foi publicado pela primeira vez em Londres,
em 1789”. (HUNT, 2007, p. 67)
88

carreiras literárias, não era desejável que trocassem definitivamente os


códigos pelos romances e poemas. A literatura era tolerada até
determinado limite, já que o homem da lei precisava ser um homem de
ação política, e não um artista contemplativo.
A análise de Ferguson (1984) salienta, ainda, as restrições de
gênero e classe que juristas literatos enfrentavam. Por mais que se
tratassem de homens, brancos e da alta sociedade, existia uma forte
expectativa social a respeito de sua posição, o que dificultava o abandono
do direito em prol da literatura. O papel social adequado (e imposto) para
tais cidadãos era a figura do jurista erudito, e não do escritor idealista.
Antes, durante e após a Guerra Civil americana, essa tensão se
intensifica, pois conforme Ferguson (1984), o jurista tornava-se cada vez
mais técnico e com cada vez menos tempo para as atividades literárias,
tornando o jurista literato um indivíduo obsoleto. Ferguson (1984, p. 200)
compara essas duas figuras (o jurista literato e o jurista técnico) da
seguinte forma:

The early lawyer searched for a declaration derived


from common usage and consistent with nature.
His successor, the reader of case reports, thought in
terms of specific commands that society had placed
upon itself... Their respective needs made general
literature useful to the former and increasingly
irrelevant to the latter. And the second lawyer
inevitably swallowed the first67.

Simultaneamente, a literatura também se afasta do direito.


Ferguson (1984) aponta como exemplo os escritores da renascença
americana68, Emerson, Whitman e Thoreau, que excluíram a mentalidade

67
“O primeiro mais antigo buscava declarações derivadas do uso comum e
consistente com a natureza. Seu sucessor, o leitor de casos, pensava em
termos de comandos específicos que a sociedade havia estabelecido sobre si
mesmo... Suas respectivas necessidades tornaram a literatura útil para o
primeiro e cada vez mais irrelevante para a segundo. E o segundo advogado
inevitavelmente engoliu o primeiro.”
68
Conforme a historiadora e tradutora Denise Bottmann (2015), renascença
americana é um termo cunhado por Francis Otto Matthiessen para designar
os trabalhos de Ralph Waldo Emerson, Nathaniel Hawthorne, Herman
Melville, Henry David Thoreau e Walt Whitman. Para a autora (2015, p. 191)
“Além de um veio transcendentalista ou romântico comum a todas elas, havia
89

jurídica do empreendimento literário. A literatura passou a ser utilizada


com a função de criticar a política e o direito, tornando-se voraz julgadora
das normas jurídicas e sociais69.
Sobre o assunto, Hursh escreve (2013, p. 5) “Lawyers embraced
an increasingly systematic legal system with the goal of eliminating
uncertainty, whereas writers embraced the exceptional, thereby
questioning and destabilizing social norms70“.
White (2010, p. 4) também apresenta contribuições sobre o tema,
ao elencar dois outros motivos contextuais para o afastamento entre
direito e literatura:

[...] in philosophy, the kind of logical positivism


that wanted to reduce meaning to the empirically
testable; the more general view that science simply
eclipses the value of other forms of thought (and
with it the desire to claim the status of “science” for
the study of social, political, and economic
phenomena); a widespread desire at a time of
international peril to affirm the masculinity of
science against the perceived femininity of the
humanities; and the self-conscious turn to what is
called social ‘science’ in the law, first in the form
of sociology and psychology, then of economics.
The assumptions here were that these fields could
produce knowledge of a sort that the humanities
could not; that this knowledge was testable; and
that it could be the foundation of law——law based
upon social realities that were accurately

a curiosa concentração cronológica de suas primeiras edições: o quinquênio


compreendido entre 1850 e 1855.”
69
Especialmente no que diz respeito à escravidão: “The anathema heaped
upon Webster over the Compromise of 1850 and the even greater outrage in
1857, following the Supreme Court’s effort to settle the slavery issue in Dred
Scott v. Sanford, bespoke a general loss of faith in the lawyer and his republic
of laws”. (FERGUSON, 1984, p. 203). (O anátema se abateu sobre Webster
no Compromisso de 1850 e na ofensa ainda maior de 1857, após o esforço da
Suprema Corte para resolver a questão da escravidão em Dred Scott v.
Sanford, que provocou uma perda geral de fé no advogado e em sua república
de leis).
70
“Os advogados adotaram um sistema legal cada vez mais sistemático com
o objetivo de eliminar a incerteza, enquanto os escritores adotaram o
excepcional, questionando e desestabilizando as normas sociais.”
90

represented by disciplines that shared the name,


and hoped to share the prestige, of ‘science’. The
idea that law could be seen as one of the social
sciences became prevalent in the 1930s, under the
rubric of legal realism, and since then it has only
grown more intense71.

De fato, o positivismo lógico (também conhecido como empirismo


lógico ou neopositivismo) é um modelo filosófico que irá exercer grande
influência epistemológica no início do século XX. Fruto das discussões
do Círculo de Viena72, “herda do positivismo comtiano a preocupação
epistemológica com a enunciação de fatos empiricamente verificáveis”
(DITTRICH ET AL, 2009, p. 180).
Segundo as premissas do positivismo lógico, toda especulação
metafísica deve ser rejeitada pois apenas o contato direto para com a

71
“Na filosofia, o tipo de positivismo lógico que queria reduzir o significado
ao empiricamente testável; a visão mais geral de que a ciência simplesmente
oculta o valor de outras formas de pensamento (e com ela o desejo de
reivindicar o status de "ciência" para o estudo de fenômenos sociais, políticos
e econômicos); um desejo generalizado, em um momento de perigo
internacional, para afirmar a masculinidade da ciência contra a feminilidade
percebida das humanidades; e a busca autoconsciente do que é chamado de
"ciência" social no direito, primeiro na forma de sociologia e psicologia,
depois de economia. As suposições aqui eram de que esses campos poderiam
produzir conhecimento de um tipo que as humanidades não poderiam; que
esse conhecimento era testável; e que poderia ser o fundamento do direito -
direito baseada em realidades sociais que foram representadas com precisão
por disciplinas que compartilhavam o nome e esperavam compartilhar o
prestígio da "ciência". A ideia de que o direito poderia ser visto como uma
das ciências sociais tornou-se predominante na década de 1930, sob a rubrica
do realismo jurídico e, desde então, tornou-se mais intensa.”
72
“Grupo formado na década de 20 por filósofos e cientistas interessados em
questões de ordem epistemológica particularmente no campo da física. As
discussões do Círculo foram motivadas, primariamente, pelo advento das
‘revoluções gêmeas da teoria da relatividade e da mecânica quântica’. O
Círculo representa uma das mais destacadas tentativas de intercâmbio
intelectual entre filósofos e cientistas. Embora liderado por um filósofo, M.
Schlick, o grupo era integrado também por físicos (R. Carnap, P. Frank),
matemáticos (K. Gödel, H. Hahn, G. Bergmann) e mesmo representantes de
campos como a economia (O. Neurath), a história (V. Kraft) e o direito (H.
Kelsen).” (DITTRICH ET AL, 2009, p. 180)
91

natureza oferece conhecimento real, passível de experimentação empírica


(DITTRICH ET AL, 2009). Neste sentido,

a ciência não é nada mais do que a reflexão


conceitual sobre os conteúdos da experiência
imediata de um cientista, e [...] afirmações
científicas devem, portanto, ser interpretadas como
proposições que reportam o que é dado na
experiência imediata do cientista.
[...] Reivindicações de conhecimento baseadas em
elementos a priori, metafisicamente dados, devem
ser rejeitadas, visto que tais reivindicações não
podem ser experiencialmente verificadas; toda a
ciência pode ser unificada sob a análise de como os
cientistas operam sobre os conteúdos de sua
experiência imediata [...]; (DITTRICH ET AL,
2009, p. 180-181).

É imprescindível ter consciência de que este positivismo lógico,


embora influenciado pelo positivismo comtiano, dele se diferencia por
destacar a importância da lógica e da linguagem. “Sentenças com valor
de verdade podem ser tanto empíricas quanto analíticas” (DITTRICH ET
AL, 2009, p.181). Por isso, para os positivistas lógicos

a linguagem é um sistema sintático para estruturar


o conhecimento, e uma compreensão da expressão
desse conhecimento exige, também, uma
compreensão dos papéis da lógica e da sintaxe no
que diz respeito à construção, substituição,
transformação, redução e prova (DITTRICH ET
AL, 2009, p.181).

Neste sentido, a literatura, como conhecimento não passível de


verificação empírica e testável, será negligenciada pelo jurista, que
buscará embasamento em outras áreas, como a economia. No capítulo 3,
apresentarei subsídios para argumentar, inclusive, que o law and
literature movement emerge como uma oposição ao racionalismo
dominante nas academias jurídicas estadunidenses, representado pela law
and economics, também conhecida como análise econômica do direito.
Por ora, é preciso discutir, ainda, sobre o distanciamento do direito
e da literatura. Para Hursh (2013, p. 10) não houve um rompimento
definitivo entre as duas áreas:
92

While the two disciplines never regained the


comfortable, overlapping relationship that they
exhibited in the early years of the nation, the
influence and interest between the two disciplines
remain strong, demonstrated by the sustained
interest of scholars from academic backgrounds as
well as the success of the modern U.S. law and
literature movement73.

É possível, portanto, encontrar diferentes trabalhos de direito e


literatura ainda durante o século XIX e mesmo no início do século XX,
antes da dita fundação do law and literature movement em 1973. Um
exemplo dessa permanência apresentado pelo próprio Hursh (2013, p.
11), são as publicações de Irving Browne que:

published several books detailing mundane areas of


legal practice such as A Treatise On The
Admissibility Of Parol Evidence In Respect To
Written Instruments (1883) and The Elements of
the Law of Bailments and Common Carriers
(1896). Browne valued literature, and following his
death in 1899, a brief New York Times article
celebrates his love of literature and his exceptional
book collection74.

Browne escreveu, em 1883, um livro intitulado Law and Lawyers


in Literature, cujo objetivo principal seria demonstrar como o direito e os
advogados foram retratados na literatura, a partir de extratos de peças,
novelas, ensaios e escritos em geral, de historiadores e literatos como
Aristófanes, La Fontaine, Cervantes, Ammianus Marcellinus, dentre
outros. Browne (1883) busca mostrar como o direito é representado pela
literatura apresentando trechos ou resumos das obras selecionadas,

73
“Embora as duas disciplinas nunca tenham recuperado a relação confortável
e que exibiram nos primeiros anos da nação, a influência e o interesse entre
as duas áreas permaneceu forte, demonstrada pelo interesse de acadêmicos e
pelo sucesso dos estudos do moderno movimento de direito e literatura.”
74
“Publicou vários livros sobre áreas comuns da prática legal, como A
Treatise On The Admissibility Of Parol Evidence In Respect To Written
Instruments (1883) e The Elements of the Law of Bailments and Common
Carriers (1896). Browne valorizou a literatura e, após sua morte em 1899,
um breve artigo do New York Times celebra seu amor pela literatura e sua
excepcional coleção de livros.”
93

motivo pelo qual concordo com Hursh (2013), seu trabalho é mais
antológico que crítico.
Diferentemente do que se poderia esperar, Irving Browne não era
professor universitário ou pesquisador com filiação institucional, mas sim
um advogado. Ele teria trabalhado em Nova York entre os anos 1857 e
1879, sendo convidado em 1879 para atuar como editor do Albany Law
Journal75, um jornal de notícias dedicado ao mundo jurídico76. Browne
era um amante da literatura, tendo publicado diversos poemas ao longo
de sua vida77.

Figura 1: Irving Browne

Fonte: <https://bit.ly/2xXH5hb>. Acesso em 09 abril 2018.

Mas Browne não estava sozinho nessa empreitada. Posner (1986),


que irá escrever sobre o law and literature movement a partir dos anos
1980, menciona ainda os trabalhos de C. Davis (The Law and
Shakespeare – 1883) e Stephen (The License of Modern Novelists –

75
Disponível em: < http://myweb.wvnet.edu/~jelkins/lp-
2001/browne.html>. Acesso em 09 abril 2018.
76
Um exemplar do jornal está disponível em: <
https://books.google.co.zm/books?id=OG6mAAAAIAAJ&printsec=frontco
ver&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false>. Acesso em 09 abril 2018.
77
Uma lista pode ser encontrada no link: <
http://myweb.wvnet.edu/~jelkins/lp-2001/browne.html>. Acesso em 09 abril
2018.
94

1857), como outros exemplos de obras sobre direito e literatura do século


XIX.
Alguns anos mais tarde, em 1908, John Wigmore também publica
um trabalho sobre direito e literatura, intitulado A List of Legal Novels, na
Illinois Law Review.
A proposta de Wigmore (1922-1923)78 é apresentar uma lista de
obras literárias, de cunho jurídico, que interessam ao jurista. Desta forma,
ele inicia seu artigo definindo um romance jurídico como aquele que
desperta o interesse do operador do direito; mas porque se dar ao trabalho
de fazer uma lista com tamanha extensão?

we can think of several reasons why such a list is


worth the labor. For it is certain that the lawyer
must, like other men, for his pastime and mental
ease, abandon himself now and then to the thrall of
fiction. He will not read all the novels-even all the
good ones; he will probably not read many. He
must select. Let him, then, select those which will
mean something to him as a lawyer, will have a
special interest for one of that elect profession with
all its traditions, its memories, its secrets of the
craft. And thus, since he must select, he will want
to select those which as a lawyer he cannot afford
to ignore79. (WIGMORE, 1922-1923, p. 27)

Ademais, para Wigmore (1922-1923), a literatura contém os


espíritos de determinada época, permitindo ao jurista vislumbrar a prática
de deveres e princípios na vida do homem comum. Um outro (e talvez
principal) motivo, é o de que a literatura aparece como um catálogo de
personagens da vida real, o que permite ao jurista ter contato com

78
O artigo de Wigmore foi republicado em 1922-1923, no mesmo periódico
e foi a essa segunda versão que tive acesso.
79
“Podemos pensar em várias razões pelas quais tal lista vale o trabalho. Pois
é certo que o advogado deve, como outros homens, por seu passatempo e
facilidade mental, abandonar-se de vez em quando ao domínio da ficção. Ele
não lerá todos os romances - mesmo todos os bons; ele provavelmente não
vai ler muitos. Ele deve selecionar. Deixe-o, então, selecionar aqueles que
significarão algo para ele como advogado, que terão um interesse especial
para sua profissão com todas as suas tradições, suas memórias, seus segredos
da arte. E assim, desde que ele escolha, ele vai querer selecionar aqueles que,
como advogado, ele não pode ignorar”.
95

indivíduos de natureza diversa – sujeitos que lhe seriam totalmente


desconhecidos na vida real: “the work of the novelist is to provide a
museum of human characters, traits and motives-just as we might go to a
museum of zoology to observe an animal which we desired to understand
but had never yet seen alive80” (WIGMORE, 1922-1923, p. 32).

Figura 2: John Wigmore

Fonte: < https://bit.ly/2Rnn0cf >. Acesso em 03 out. 2018.

Alguns anos depois, em 1925, Benjamin Cardozo publica artigo na


Yale Review sobre as relações entre direito e literatura. Para Cardozo
(1925, p. 700), a forma literária, o estilo de escrita, era tão importante
quando o conteúdo textual, já que sem forma não há substância de
conteúdo. Partindo dessa premissa, Cardozo (1925, p. 701 - 714) passa a
divagar sobre o estilo de escrita dos juízes, classificando-os e
apresentando dicas de escrita para os juristas, tendo por base sua
experiência como juiz.
Cardozo foi juiz em Nova York, chegando a ocupar vaga na
Suprema Corte norte americana entre 1932 e 193881. No que se refere aos

80
“o trabalho do romancista é fornecer um museu de personagens, traços e
motivos humanos - assim como podemos ir a um museu de zoologia para
observar um animal que desejamos entender, mas que nunca vimos ainda
vivo”.
81
Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2012-jul-29/embargos-
culturais-benjamim-nathan-cardozo-realismo-norte-americano>. Acesso em
09 abril 2018.
96

estudos de direito e literatura, Cardozo é especialmente conhecido pelo


seu tipo de escrita literária.82.

Figura 3: Benjamin Cardozo

Fonte: <https://bit.ly/2yfDsSW>. Acesso em 09 abril 2018.

Mesmo após Cardozo, as publicações sobre direito e literatura não


desaparecem da academia norte americana. Hursh (2013, p. 12)
exemplifica essa presença a partir de artigos escritos por três autores: Paul
Squires, Helen Silving e Filmer Northrop.
Squires, membro da ordem dos advogados de Nova York, publica
em 1937 o artigo Dostoievski’s Doctrine of Criminal Responsibility no
qual defende a literatura como uma importante ferramenta no ensino do
Direito, a partir de trechos de Crime e Castigo. Para o autor (1937, p.
823):

Every lawyer ought to read the trial of Dmitri


Karamazov, and every law student should be
required to do so. It is the most remarkable account
of such a proceeding ever composed, a triumph in

82
Disponível em: < https://www.biography.com/people/benjamin-cardozo-
40728> . Acesso em 09 abril 2018.
97

the analysis of the psychology that “cuts both


ways”, that is a “two-edged weapon.83“

Ainda que no texto não haja nenhuma grande análise crítica a


respeito do assunto, suas premissas estão conectadas com a ideia de
utilizar a literatura como metodologia de ensino jurídico, assim como
preceituado alguns anos antes por John Wigmore. Diferentemente deste
último, porém, seu artigo não é tão citado nas pesquisas estadunidenses.
Já Helen Silving, apresentada por Reut Paz (2014, p. 1123) como
a primeira professora de direito dos Estados Unidos, judia, e orientanda
de Hans Kelsen, escreve em 1950 o artigo A Plea for a Law of
Interpretation, cujo foco central é a interpretação jurídica. Para a autora
(1950) as regras de interpretação aumentam o grau de certeza jurídico,
motivo pelo qual deve ser aplicada de forma restrita e diferente do que
ocorre com a interpretação científica ou artística. Conforme Silving
(1950, p. 519):

A distinguishing feature of legal rules of


interpretation as compared to scientific or artistic
rules consists in the fact that the capacity of the
former rules to perform their various functions is
not ultimately dependent on the intrinsic
reasonableness or convincing power of the rules
themselves. These rules are artificial, and they are
effective even if they are otherwise unreasonable.
If the law contains a direction imposing the
application of such rule, the objection that the rule
is not true, or unwise, or does not conform to habits
of speech, is foreclosed84.

83
“Todo advogado deveria ler o julgamento de Dmitri Karamazov, e todo
estudante de direito deveria ser obrigado a fazê-lo. É o relato processual mais
notável processo já realizado, um triunfo na análise da psicologia que "corta
os dois lados", isto é, uma "faca de dois gumes"”.
84
“Uma característica distintiva das regras jurídicas de interpretação, em
comparação com as regras científicas ou artísticas, consiste no fato de que
elas não dependem, em última análise, da razoabilidade intrínseca ou do
poder convincente das próprias regras. As regras jurídicas são artificiais e são
eficazes mesmo se forem irracionais. Se a lei contém uma direção que
imponha a aplicação de tal regra, a objeção de que a regra não é verdadeira,
ou insensata, ou não se ajusta a hábitos de linguagem, é excluída.”
98

É preciso salientar, portanto, que ao comparar a interpretação


jurídica com outros tipos de interpretação (inclusive artística e literária),
Helen Silving estava preocupada em demonstrar suas diferenças e não
suas proximidades. Como afirma a autora (1950, p. 501):

Comparisons of the interpretation of law with that


of works of art are important contributions to the
theory of culture. However, they cannot serve
practical needs of legal interpretation so long as our
knowledge of the meaning expressed in the various
forms of art is yet rather limited85.

O artigo de Silving lança complexas questões a respeito da


interpretação jurídica, posicionando-se de forma crítica, desde então, a
respeito das alegadas semelhanças entre direito e literatura. Infelizmente,
assim como Browne e Squires, são poucas as menções a seu trabalho nos
textos norte-americanos aos quais tive acesso.

Figura 4: Helen Silving

Fonte: <https://bit.ly/2P9xAlo>. Acesso em 03 out. 2018.

85
“Comparações da interpretação jurídica com a interpretação artística são
contribuições importantes para a teoria da cultura. No entanto, eles não
podem servir às necessidades práticas de interpretação jurídica, já que nosso
conhecimento a respeito do significado expresso nas várias formas de arte
ainda é bastante limitado.”
99

Por fim, Filmer Northrop, filósofo e professor da Universidade de


Yale, publica em 1962 o artigo Law, Language and Moral. Neste
trabalho, Northrop (1962) discute os fundamentos filosóficos do
significado linguístico em relação à interpretação legal a partir da
filosofia, história, lógica e linguística. A literatura é utilizada pelo autor
(1962, p. 1040) para exemplificar como o status se associava ao mundo
jurídico e era disseminado pela cultura, reafirmando direitos a
determinados grupos sociais. O artigo de Northrop também aparenta ser
desconhecido por grande parte dos estadunidenses estudiosos da área.

Figura 5: Filmer Northrop

Fonte: < https://bit.ly/2xYl16d>. Acesso em 09 abril 2018.

Observa-se, portanto, que do início da república estadunidense à


fundação do law and literature movement em 1973, as aproximações
entre o direito e a literatura foram abordadas por diferentes autores, ainda
que de forma pouco numerosa. É preciso ter cuidado, portanto, ao fazer
afirmações sobre o início desta área de pesquisa, pois o assunto já era
estudado há tempos - e isso levando em consideração apenas os Estados
Unidos; o que é recente é sua institucionalização, naquele país, em torno
de um movimento.
Além disso, diante dos autores apresentados, é impossível não
formular a seguinte questão: porque vários deles foram (e ainda são)
esquecidos? Responder tal pergunta por si só comportaria uma nova tese,
100

afinal, quantas autoras e autores mais não foram abandonados nas páginas
da história, por razões diversificadas e nem sempre intencionais86.
White (2010, p. 5) por exemplo, escreve que durante seu curso de
direito nos anos 1960, as referências sobre direito e literatura à disposição
eram poucas, embora presentes:

By the time I was in law school in the early 1960s,


for example, there were only a scattering of
contemporary pieces explicitly about the
connections between law and literature: an essay
by Justice Cardozo, a fine article on judicial style
by Walker Gibson, a popular anthology compiled
by Ephraim London, and important work by Owen
Barfield, an English lawyer (of which at the time I
was unfortunately not aware). But it is fair to say
that there was no widespread drive to connect the
activities of law with what could be learned from
our humanistic past87.

Com as informações aqui apresentadas, entretanto, é possível


esboçar um ponto de partida, uma hipótese, (e não uma certeza ou
afirmação categórica) para se pensar em possíveis explicações sobre a
sobreposição de alguns autores em detrimento de outros.
Sobre os autores efetivamente mencionados nesta tese, Browne e
Squire não possuíam tradição acadêmica, sendo antes, advogados mais
ligados à prática jurídica; Silving já deveria enfrentar seus próprios
desafios como judia e como primeira mulher a lecionar no curso de direito
nos Estados Unidos dos anos 50; Northrop não era propriamente um
jurista, mas um filósofo; e coincidentemente (ou não), Cardozo e
Wigmore, os mais referenciados nos trabalhos estadunidenses e os únicos

86
Como no caso desta tese, por exemplo. Só foi possível rastrear tais autores
em razão do recorte escolhido para construção da fotografia e tenho plena
ciência de que outros podem ter sido excluídos de minha apreciação.
87
“Quando eu estava na faculdade de direito, no começo dos anos 1960, por
exemplo, havia apenas uma dispersão de escritos sobre as conexões entre
direito e literatura: um ensaio de Cardozo, um artigo sobre estilo de escrita
judicial de Walker Gibson, um antologia popular compilada por Ephraim
London, e o importante trabalho de Owen Barfield, um advogado inglês (o
qual, à época, eu não conhecia). Mas é justo dizer que não houve um impulso
generalizado para conectar as atividades do direito para com o que poderia
ser aprendido com nosso passado humanista.”
101

autores dos projetos esparsos citados no acervo de pesquisas brasileiras


desta tese, ocupavam o cargo de juiz, usufruindo de todo o prestígio que
tal posição abarca.
Inclusive, sobre o assunto, Hursh (2013, p. 13) escreve:

Twenty-five years passed between Cardozo’s law


and literature article and Silving’s article
comparing legal interpretation to scientific and
artistic interpretation. Northrop’s article marks an
additional twelve years. The difference between
Cardozo’s article and the article that Northrop
published thirty-seven years later is immense.
Foremost, Northrop’s article is simply much
richer. In addition, his use of varied intellectual
sources and academic disciplines is considerably
more sophisticated than Cardozo’s article.
Moreover, Silving’s and Northrop’s articles
demonstrate a move toward nuanced literary and
philosophical analysis. In addition, these articles
stand in such contrast to Browne’s work as almost
to be unrecognizable within the same field of
inquiry88. (Grifou-se).

Assim, na opinião de Hursh, o artigo de Northrop é


qualitativamente superior ao de Cardozo, que, ainda assim, é mais
conhecido – por uma série de fatores, como sua própria fama na qualidade
de membro da Suprema Corte norte-americana. Porém, como já alertado,
tais elementos demandariam uma análise mais apurada, o que escapa aos
limites desta tese.
Outro ponto interessante a ser inferido a partir da leitura desses
autores diz respeito à ausência de linearidade e homogeneidade quanto as

88
“Vinte e cinco anos se passaram entre o artigo de Cardozo sobre direito e
literatura e o artigo de Silving comparando a interpretação legal à
interpretação científica e artística. O artigo de Northrop marca mais doze
anos. A diferença de trinta e sete anos entre o artigo de Cardozo e o artigo de
Northrop é imensa. Acima de tudo, o artigo de Northrop é simplesmente
muito mais rico. Seu uso de variadas fontes intelectuais e disciplinas
acadêmicas é consideravelmente mais sofisticado do que o de Cardozo. Além
disso, os artigos de Silving e Northrop demonstram um movimento em
direção à análise literária e filosófica diferenciada. Esses artigos contrastam
com o trabalho de Browne, de forma que nem aparentam ser do mesmo
campo de pesquisa.”
102

produções sobre direito e literatura. Autores diferentes se dispuseram a


tecer considerações sobre o assunto a partir de perspectivas diversas –
motivo pelo qual defendo que a heterogeneidade é uma característica
marcante do law and literature estadunidense, e que se repete no Brasil.
Sobre este assunto, James Boyd White (2010, p.1) escreve:

This means, among other things, that we cannot


talk meaningfully about the promise or the limits of
something called ‘law and literature’, as if it were
a program based upon a set of shared assumptions
that necessarily shaped its productions. The kind of
criticism called for here is not in that sense
theoretical, not a global affirmation or rejection,
but, like the work in question itself, particular in
nature89.

O que importa destacar no momento é que apesar do tema jamais


ter desaparecido por completo da academia estadunidense, tornou-se
corriqueiro afirmar que o direito e a literatura, como um casal em crise,
se separaram para depois reatar, ainda mais apaixonados, no fim do século
XX, com o chamado law and literature movement. Tal pensamento não
corresponde aos indícios históricos apresentados, já que é possível
encontrar trabalhos sobre o tema antes da institucionalização em torno de
um movimento.
Se nos Estados Unidos foi possível encontrar projetos esparsos de
estudos de direito e literatura, no Brasil não seria diferente. Demonstro
agora como este projeto pré-institucional se desenvolveu no cenário
nacional, já que antes do marco inicial do law and literature movement,
em 1973, juristas brasileiros já haviam se dedicado a escrever sobre o
tema.

89
“Isso significa, entre outras coisas, que não podemos falar de forma
significativa sobre a promessa ou os limites de algo chamado "direito e
literatura", como se fosse um programa baseado em um conjunto de
suposições compartilhadas que necessariamente moldaram suas produções.
O tipo de crítica aqui exigida não é nesse sentido teórico, nem uma afirmação
ou rejeição global, mas, como este próprio artigo que escrevo, particular.”
103

2.2 DIREITO, LITERATURA E OS PROJETOS ESPARSOS NO


BRASIL

Conforme a pesquisa de Ferguson (1984), a literatura foi utilizada


nos primórdios da independência estadunidense para construir o ideal de
nação. No Brasil, algo similar aconteceu. Não é incomum encontrar
pesquisas que tratem da influência da literatura, notadamente da primeira
geração do romantismo, na formação da identidade nacional90.
O linguista José Luiz Fiorin (2009, p. 118-119), por exemplo,
escreve:

No trabalho de constituição da nacionalidade, a


literatura teve um papel fundamental. Os autores
românticos, com especial destaque para Alencar,
estiveram na linha de frente da construção da
identidade nacional. Entre todos os livros de
Alencar, o mais importante para determinar esse
patrimônio identitário é, sem dúvida, O guarani.
Nele determina-se a paisagem típica do Brasil (o
espaço da eterna primavera, onde não ocorrem
cataclismos naturais, como furacões, tornados,
terremotos etc.), a singularidade de sua língua, mas
principalmente o casal ancestral dos brasileiros.
Além disso, começa-se a elaborar um modelo
explicativo da singularidade da cultura brasileira,

90
Sobre literatura e nacionalidade no Brasil, merece destaque os nomes de
Anchieta e Basílio da Gama, que inicialmente escreveram sobre a figura do
índio a ser explorada posteriormente por José de Alencar. Como salienta
Roncari (1995) no intuito de refundar um imaginário cultural sobre a nação
brasileira, Alencar buscará no índio inspirações para seus propósitos,
presentes em O Guarani e Iracema. A partir da linguagem, Alencar busca
romper com o português europeu por meio da grafia das palavras, colocação
dos pronomes e da valorização do vocabulário de origem africana e Tupi. Sua
intenção está presente em uma de suas célebres frases: “O povo que chupa o
caju, a manga, o cambucá e a jabuticaba, pode falar uma língua com igual
pronúncia e o mesmo espírito do povo que sorve o figo, a pera, o damasco e
a nêspera?” (ALENCAR, 1959, p. 702). Para mais informações sobre os usos
literários do índio na construção de uma identidade nacional brasileira, checar
WASSERMAN, Renata R. Mautner. Exotic Nations: Literature and cultural
identity in the United States and Brazil, 1830-1930. New York: Cornell
University Press, 1994.
104

pois é essa especificidade que constituiria o Brasil


como uma nação. Observe-se que se trata de uma
autodescrição da cultura, que é, evidentemente,
parcial. No entanto, ela é vista como uma
explicação totalizante e real da cultura.

Buscando mapear as teses e dissertações produzidas a respeito


deste mesmo assunto, Cecília Marques e Eliane Domingues (2014)
encontram um total de 119 pesquisas que tratam do assunto, em áreas
diversas. O que chama atenção para a presente tese é que nenhum destes
trabalhos foi produzido em programas de Pós-Graduação em Direito.
Em minhas fontes, encontrei apenas um artigo que busca
“investigar de que modo a arte e, mais especificamente, a literatura foi
utilizada na construção do ideário político do Brasil do século XIX.”
(CAMPOS, 2015, p. 271). A autora Juliana Campos (2015, p. 275) porém,
não investiga a atuação dos escritores com formação em direito neste
período histórico (independência), mas busca demonstrar

a construção do Direito como produto histórico,


que se ressignifica pela aplicação através de uma
hermenêutica permeada pela temporalidade. O
intérprete/aplicador é igualmente um ser marcado
por seu horizonte de compreensão, forjado
simbolicamente na cultura, de modo que o Direito
herdado é um Direito construído e reconstruído a
partir de diversos planos discursivos, entre os quais
se sobressai o discurso literário. O que o intérprete
projeta – como sentido pressuposto – ao interpretar
o Direito é, na verdade, um universo de referências,
significados e bens culturais partilhados por meio
da arte, da oralidade, do ambiente familiar, da
mídia, do mundo vivido. O sentido de Brasil é,
desse modo, um constructo, assim como o sentido
de direito brasileiro, de república e de constituição.

Assim, é correto afirmar que, se nos Estados Unidos é possível


encontrar investigações de operadores do direito sobre o papel de juristas
escritores na formação da identidade nacional, o mesmo não ocorre no
Brasil.
Isto não significa, porém, que o Brasil esteve desprovido de
produções relativas a direito e literatura antes dos anos 1990. Em artigo
publicado no ano de 2017, André Karam Trindade e Luísa Bernsts tentam
realizar um estudo a respeito da história do movimento direito e literatura
105

no Brasil, indicando autores que não apareceram, por exemplo, no recorte


delimitado para esta tese.
Trindade e Bernsts (2017, p. 229) iniciam sua pesquisa com tópico
intitulado Primeira fase: os precursores do direito e literatura no Brasil,
o que já desperta críticas: a expressão primeira fase transmite a ideia de
uma linearidade cronológica evolutiva, o que não é o caso. Conforme
demonstrarei ao longo da tese, as perspectivas adotadas por autores deste
período permanecem presentes nas pesquisas brasileiras mais recentes,
especialmente na figura de Warat, de forma que não há uma sucessão
temporal, mas sim uma coexistência. Por isso, como já explicado, prefiro
denominar tais autores como criadores de projetos esparsos sobre direito
e literatura no Brasil.
Cronologicamente, Trindade e Bernsts (2017) apontam José
Gabriel Lemos Britto como um dos primeiros juristas91 a escrever sobre
direito e literatura.
Infelizmente são poucas as informações biográficas de Lemos
Britto. Campos (2003, s.p.), o apresenta como “ex-professor da Faculdade
de Direito da Bahia”; Cunha (2002, p. 40) como “membro do Conselho
Penitenciário do Distrito Federal, da Sociedade Brasileira de
Criminologia, do Instituto da Ordem dos Advogados e da Comissão
Legislativa”; e Cury e Nogueira (2001, p.110), como um “especialista em
Direito Penal”.
Dentre suas obras, é possível encontrar títulos voltados à história,
economia e psicologia92, sendo que para a presente tese nos interessa
especificamente o livro O crime e os criminosos na literatura brasileira,
publicado em 1946 pela editora José Olympio. Nela, Lemes Britto (1946,
p. 7) procura

Fazer uma investigação despretensiosa e singela


em torno do crime e dos criminosos através do

91
Trindade e Bernsts (2017, p. 229) escrevem que antes dele “o casal Clóvis
Beviláqua (1859-1944) e Amélia de Freitas Beviláqua (1863-1946), publicou
a obra Literatura e Direito (Beviláqua, 1907), reunindo textos de ambos – ele
jurista, ela escritora –, porém publicados em duas partes, uma dedicada ao
Direito e outra à Literatura, de maneira que não pode ser considerado,
propriamente, um trabalho de Direito e Literatura”. Infelizmente não logrei
êxito em encontrar a obra dos Beviláqua, mas deixo aqui a merecida menção.
92
Uma lista pode ser encontrada no link:
<http://www.worldcat.org/identities/lccn-n82031888/>. Acesso em 15 out.
2018.
106

romance, da novela, do conto, da poesia, da própria


história brasileira, sem distinguir autores clássicos
de modernos, consagrados de obscuros, cultos e
célebres de modestos e tímidos estreantes.

O autor enfatiza em diversos momentos que não intencionou


escrever uma obra de arte ou uma crítica literária e nem buscou imitar os
trabalhos antecedentes dos criminologistas Enrico Ferri e Giovanni
Lombardi sobre arte e criminalidade, embora seja possível afirmar que
estes lhes serviram de inspiração. Valendo-se exclusivamente de obras e
escritores brasileiros, Lemos Britto (1946, p.8) buscou

reunir o maior material possível para facilitar a


outros, que virão depois, e ampliarão, e
aperfeiçoarão este modesto ensaio, a obra de
fixação dos tipos e das formas criminais em todo o
país; [...] gizar as atividades anti-sociais de
determinados indivíduos atuando cada qual em seu
meio, e em correspondência com os ideais e os
costumes de seu tempo; [...] tomar indistintamente
os autores brasileiros em sua tarefa pertinaz e
constante de reter hábitos, costumes, tendências
criminais, dos tempos da colônia aos nossos dias,
do Amazonas ao Rio Grande do Sul, da Bahia a
Mato Grosso, do Nordeste a Minas Gerais.

Desta forma, o livro assenta-se na ideia de que a literatura pode


contribuir para os estudos do crime e do criminoso, posto que importa
elementos do real para sua narrativa. Segundo o próprio autor, os
escritores de literatura não buscam o delinquente nos Códigos Penais;

Eles surpreendem os fatos onde quer que se


produzam e os agentes dentro da esfera natural de
suas ações, no meio onde se movem e porfiam,
obedientes às forças misteriosas e ocultas que
trabalham em seu organismo, através das
endócrinas e da herança, ou às energias sociais, de
vez que o homem é por igual uma resultante de
fatores sociais, instrução, educação, miséria, luxo,
paixões mundanas, vícios, abandono material e
moral da infância, e tantos outros que o enquadram
na vida. (LEMOS BRITTO, 1946, p. 7-8).
107

Assim, importantes questões criminológicas poderiam ser


apreendidas a partir de obras literárias, “embora aqui e ali seja visível a
contribuição do imaginário, o concurso da ficção” (LEMOS BRITTO,
1946, p. 12).
O interesse do autor pela literatura como fonte de estudo e
informações para a área da criminologia é corroborada ao expressar o
desejo de publicar uma obra similar para tratar do suicídio, que teria como
título “O suicídio na literatura brasileira” (LEMOS BRITTO, 1946, p.
13), embora não tenha sido possível encontrar informações sobre a real
publicação deste livro.
Alguns anos mais tarde, o jurista baiano Aloysio de Carvalho Filho
também deixará registro de ensaios que tocam o direito e a literatura.
Conforme Prado (2008), Aloysio graduou-se em direito pela Faculdade
de Direito da Bahia, onde atuou como professor de Direito Penal e chegou
a exercer o cargo de diretor. Também teve atuação política como
deputado e senador, participando das assembleias constituintes relativas
às Constituições de 1934 e 1946.
Sua primeira obra relativa ao tema direito e literatura intitula-se O
Processo Penal de Capitu, publicada em 1958. Trata-se, na verdade, da
transcrição de uma conferência realizada na Academia de Letras da
Bahia, no mesmo ano de sua publicação. Contando com o total de 27
páginas, o trabalho analisa a situação de Capitu, acusada pelo crime de
adultério, apresentando as críticas literárias realizadas até então sobre o
tema, bem como buscando elementos no próprio romance que
evidenciariam ou afastariam a ocorrência do delito.
É possível afirmar que o direito não ocupa lugar central no
trabalho. Quando aparece, é como instrumento analítico das situações
narradas por Machado de Assis, como na seguinte citação:

Os que isentassem de culpa a mulher de Bentinho,


por negação do fato, certo arguiriam, com muita
ênfase, que nenhuma presunção, por mais
veemente, dará lugar a imposição de pena, salutar
preceito de justiça punitiva, que mereceu, até
consagração textual num dos códigos pátrios. Os
que, por seu turno, a condenassem, não
conseguiriam coligir, para tal veredicto, mais do
que circunstâncias e indícios, embora poderosos. E
se a simples presunção não vale, os indícios
contam, para o reconhecimento da criminalidade
de um ato. [Grifou-se] (CARVALHO FILHO,
1959, p. 5)
108

Para Prado (2008), Aloysio de Carvalho Filho defendia que


Machado de Assis era um escritor influenciado pelas ideias de Cesare
Lombroso, atribuindo a delinquência de seus personagens a fatores
biológicos. Assim, em determinadas passagens da publicação, Aloysio
referencia críticos que sustentariam esta ideia:

Segundo [Aloysio], muitos respeitados intérpretes


da obra machadiana dão a traição como certa,
embora discordem bastante quanto à motivação da
moça dos olhos de ressaca, uns a atribuindo à sua
dissimulação, que seria uma predisposição
irresistível à infidelidade conjugal, mais uma vez
confirmando a tese de Carvalho Filho, segundo a
qual Machado de Assis seria um lombrosiano
[Grifou-se] (PRADO, 2008, p. 1007).

Estes elementos, porém, nos auxiliam a perceber que este trabalho


se aproxima muito mais de uma proposta de crítica literária empreendida
por um jurista do que uma tentativa efetiva de unir as áreas do direito e
da literatura.
Em 1959, Aloysio irá publicar a coletânea Machado de Assis e o
Problema Penal, composta de cinco ensaios, alguns precedentes,
inclusive, ao Processo Penal de Capitu.
Os dois primeiros ensaios, Machado de Assis e o Problema Penal
e Crimes e Criminosos na obra de Machado de Assis, foram escritos em
1939, ano do centenário de Machado e tratam, principalmente, das
circunstâncias favoráveis para que determinados personagens
cometessem delitos (CARVALHO FILHO, 1959).
Conforme Carvalho Filho (1959, p. 7), seu objetivo principal é
responder a seguinte questão:

Qual teria sido [a posição de Machado de Assis] em


face do problema penal?
Uma interrogação dessa natureza, feita pelo grande
Ruiz Funes à obra de Anatole France, foi ensejo
para um livro original e sugestivo, em que são
surpreendentes as revelações do pensamento do
romancista sobre a questão da pena e do crime.
109

Percebe-se, portanto, que a influência de Carvalho Filho adveio da


obra do penalista espanhol Ruiz Funes, que em 1926 publicara trabalho
parecido sobre a obra do romancista Anatole France.
O terceiro ensaio, intitulado Augusto Meyer e Capitu, é um
comentário de Carvalho Filho (1959) sobre as críticas de Meyer à obra de
Machado de Assis, especialmente Dom Casmurro, com foco na
personagem Capitu. Assim como em O Processo Penal de Capitu, o
direito não está presente aqui.
No quarto ensaio, Ideias penais de Machado de Assis, Carvalho
Filho (1959) defende a tese de que todos os indivíduos são criminosos em
potencial, pois estão sujeitos à virtude e à delinquência, de forma igual.
Neste sentido, o autor acredita que as obras machadianas são bons
exemplos da teoria do crime, já que o mero pensamento delitivo não
desperta a ação do direito penal, que só passa a funcionar com a ação.
O livro é finalizado com um ensaio sobre Dostoievski, Aspectos
penais na obra de Dostoievski. Para Carvalho Filho (1959), o autor russo
teria tratado de forma magnânima sobre a questão penitenciária em
Recordações da Casa dos Mortos, demonstrando que um mesmo crime
pode ter respostas penais diversas.
Assim, no livro Machado de Assis e o Problema Penal, é possível
encontrar tentativas de unir estudos de criminologia, direito penal e
literatura, o que torna Aloysio de Carvalho Filho um dos primeiros
autores brasileiros, ao lado de Lemos Britto (1946, p.3), a pensar uma
abordagem entre as duas áreas:

[...] A uma obra literária não se há de pedir,


evidentemente, uma sistematização jurídica ou
criminológica. Não é menos certo, porém, que,
lidando com a psicologia criminal, ‘a literatura tem
alcançado, em incontáveis ocasiões, tal mestria, e,
mesmo, superioridade sobre as ciências empíricas,
que os próprios homens da ciência – médicos e
juristas – são os primeiros a proclamá-lo’.

Baseado em tal ideia, Carvalho Filho (1959, p. 67) procurou


demonstrar como Machado de Assis foi influenciado pelos estudos de
criminologia e direito penal, tendo “lido ou percebido das frescas opiniões
o essencial para que repercutissem elas, em mais de um passo, na sua obra
literária”.
110

Figura 6: Aloysio de Carvalho Filho.

Fonte: <https://bit.ly/2EJyqot>. Acesso em 24 out. 2018.

Mas de todos os autores destes projetos esparsos mencionados por


Trindade e Bernsts (2017), Luis Alberto Warat é, sem dúvidas, o mais
conhecido. O professor argentino, que por motivos pessoais e políticos
fixou residência no Brasil (ROCHA, 2012), exerceu grande influência
sobre o pensamento crítico jurídico, utilizando-se de ferramentas diversas
como a semiótica, a literatura, a psicanálise e o cinema, dentre outros,
para tecer suas considerações sobre o ensino jurídico.
Pepe (2016) chega a reconhecer Warat como um dos fundadores
do direito e literatura no Brasil, o que entendo ser correto. Após a década
de 1990, a produção nacional pode ser compreendida como um fenômeno
de tradução cultural do movimento estadunidense e embora os escritos
nacionais, a partir de 1998, se referiram majoritariamente aos norte-
americanos e não aos autores que publicaram no Brasil para justificar suas
investigações interdisciplinares, Warat é um autor que não deixará de ser
citado.
Conforme Rocha (2012), Warat terminou seu doutorado entre
1969 e 1972, na Faculdade de Direito de Buenos Aires. Este período
coincide com o chamado Maio de 68, na França, que, dentre outras
propostas, vislumbrava

os estudantes como foco principal da sociedade, e


a importância do prazer, do desejo e da criatividade
na educação. Ou seja, Warat é alguém que, na
América Latina, percebeu imediatamente esse
movimento, que chegaria ao Brasil, como se sabe,
muito tempo depois. (ROCHA, 2012, p. 3).
111

Esta preocupação para com um ensino jurídico interessante,


criativo, e que despertasse o potencial crítico nos alunos, acabará se
tornando uma das grandes marcas na obra de Warat.
Segundo Rocha (2012), é no final dos anos 70 que Warat se tornará
professor de Filosofia do Direito no Programa de Pós-Graduação em
Direito da UFSC, o que irá contribuir para uma maior disseminação de
suas ideias:

Warat começou a publicar vários livros criticando


o Direito, e o que muitos falam hoje como uma
nova Hermenêutica Jurídica, ele já pensava desde
aquela época. Nesse sentido, se poderia citar os
livros “Mitos e Teorias da Interpretação da lei” ou
mesmo “Direito e sua linguagem”. Muitos estão
hoje descobrindo o que Warat, de certa forma, já
havia mencionado naquela época, às vezes
inclusive sem citá-lo. Por isso, deve ficar claro que
desde o final dos anos 70, início dos anos 80, já
havia em Warat uma forte análise crítica à
interpretação formalista da lei. Existe, assim, um
momento extremamente criativo em Florianópolis,
no qual Warat começa a liderar a crítica, tendo
influências teóricas surpreendentes para quem é da
área do Direito. Por exemplo, surge a noção de
carnavalização, o Manifesto do Surrealismo
Jurídico, a Cinesofia, e a ideia de uma Pedagogia
da Sedução. (ROCHA, 2012, p. 8).

A obra de Warat é vasta e abrangente93 e analisá-la foge aos


objetivos da presente tese. Importa, no momento, apresentar suas
propostas relacionadas à arte em geral e à literatura em especial, no intuito
de demonstrar como aqui no Brasil o professor argentino já ensaiava
aproximações entre direito e literatura sem qualquer tipo de menção ao
law and literature que, simultaneamente, era iniciado nos Estados
Unidos. Para tanto, irei me ater a seus seguintes escritos: 1) A Ciência
Jurídica e Seus Dois Maridos; e 2) O Manifesto do Surrealismo Jurídico.
Publicado em 1985, A Ciência Jurídica e seus Dois Maridos é um
ensaio de digressões diversas:
93
Uma listagem da obra completa de Warat pode ser consultada em seu
Currículo Lattes. Disponível em:
<http://lattes.cnpq.br/7753450996263035>. Acesso em 04 jan. 2019.
112

O livro, na realidade, constitui um conjunto de


variações obcecadas sobre uns poucos temas.
Notas obsessivas em torno dos desejos, angústias,
irritações e sonhos que levo comigo desde a
primeira vez que fiquei diante de uma turma,
fazendo de conta que lhe ensinava alguma coisa.
Não sei que valor em estética, em pedagogia ou em
semiologia poderá alcançar este rabisco, mas sei,
isto sim, que tem o valor de um documento
confiável de meu passado, recuperado no presente
para dar-me conta dos destinos de meus desejos
(WARAT, 1985, p.15).

Valendo-se da obra de Jorge Amado, Dona Flor e seus dois


maridos, Warat (1985) inspira-se na personagem de Dona Flor para tecer
considerações sobre a importância das ambiguidades e contradições em
se conviver com um Teodoro, um esposo convencional e correto, e um
Vadinho, o espírito de um ex-marido malandro.
Nas palavras do próprio Warat (1985, p. 20):

Com Vadinho tudo pode ser misturado, ambíguo,


ele e a rua, a irresponsabilidade, o provedor de
desejos e fantasias, a malandragem, o jogo e as
incertezas. Através de Vadinho, Dona Flor (cheia
de trabalho e lealdades – símbolo da casa e
provedora de recursos materiais) podia ler a vida
por meio do movimento, do desejo, da
imprevisibilidade e da ambiguidade. Alegremente
irresponsável, produtor de festas ardentes, Vadinho
mostra o sentido erótico da vida, transformando-a
em algo lúdico. [...] No caso de Teodoro, a vida
perde seu movimento, torna-se univocidade de atos
e de desejos, repetindo-se nos dias e nas palavras.
Flor e Teodoro são parceiros separados pelas
atividades regulares. Respeitam-se tanto que não se
relacionam.

Neste sentido, o próprio Direito poderia encontrar inspiração


nestes três personagens literários e abrir-se para as realidades marginais
instituídas fora da norma:
113

O imaginário jurídico deve resistir à proliferação


das proibições e às obrigações culposas as quais,
como uma invasão cancerosa, contaminam, com
um excesso de dever, o emaranhado social. Um
pouco como Dona Flor, ele poderia descambar em
um Vadinho para compensar-se da sobrecarga de
deveres que lhe impõe um Teodoro. (WARAT,
1985, p. 27).

A arte em geral e a literatura, em particular, aparecem como um


pano de fundo para se pensar as dicotomias entre o dever e o prazer –
pensamentos desenvolvidos a partir da filosofia e da psicanálise.
Em seu Manifesto do Surrealismo Jurídico, Warat (1988) fará
atividade similar, ao propor a incorporação da poesia surrealista ao ensino
do Direito, no intuito de questionar certezas e duvidar da racionalidade
posta. Assim como em A Ciência Jurídica, a arte aparece como um ponto
de partida para que Warat (1988, p. 89) desenvolva sua crítica ao ensino
do Direito:

Não é possível refletir em torno da generalizada


insatisfação que provoca a atual estrutura do ensino
jurídico sem nos ocuparmos dos modos em que o
poder se funde com o desejo. Nesse sentido, é
preciso começar interrogando-nos pelas razões que
nos levam a ignorar o desejo como elemento-chave
do ato de aprender. Ocultando os efeitos do desejo
sobre o saber, obtemos um conhecimento
desmotivado e inócuo, que não serve para
mobilizar o homem na procura de um agir
transformador (emancipatório) da sociedade [..].
Com o auxílio de algumas noções psicanalíticas,
quero sugerir a possibilidade de reformular a
versão cartesiana dos processos educacionais,
reivindicando a necessidade de pôr o desejo em
causa, libertando o sujeito que se confrontaria,
assim, com a ilusão de suas verdades.

É perceptível, portanto, que a grande preocupação de Warat (1988)


é a maneira como o Direito tem sido ensinada, o que faz com que o autor
busque em uma visão psicanalítica da arte, alternativas possíveis.
114

Figura 7: Luís Alberto Warat

Fonte: <https://bit.ly/2EHmdAt>. Acesso em 24 out. 2018.

Ainda sobre os precursores de projetos esparsos sobre direito e


literatura, cabe mencionar o livro O direito em Vidas Secas, publicado em
1992 pelo “paraibano Eitel Santiago de Brito Pereira, atualmente
subprocurador-geral da República” (TRINDADE, BERNSTS; 2017, p.
233).
Embora Pereira (1992) elucide que sua obra publicada em
comemoração ao centenário do nascimento de Graciliano Ramos é
despida de pretensões científicas, sua introdução apresenta promissoras
perspectivas do uso que o direito pode fazer da literatura:

O exame dos comportamentos conflitantes com as


regras estabelecidas pelo Estado ganha importância
porque exibe ao seu estudioso onde está o Direito,
se no sistema de normas ou na realidade social.
Proporciona, outrossim, coincidindo o Direito com
o ordenamento positivo, a análise das causas que
obstaculam a eficácia das leis e a efetivação dos
valores nelas contidos. Serve, finalmente, para
salientar o equívoco das conceituações unilaterais
daquelas correntes do pensamento.
Tal pesquisa, tão rica de conteúdo, pode ser feita
pela observação direta dos fatos e das estruturas
sociais. Nada obsta, contudo, que seja feita em
cima das obras de grandes escritores, inclusive no
campo da ficção. [Grifou-se] (PEREIRA, 1992, p.
9).
115

Partindo então do sociólogo Ely Chinoy, Pereira (1992, p. 9)


salienta que seu objetivo é

registrar a ineficácia, nos sertões do Nordeste, dos


direitos sociais consagrados nas Constituições do
Brasil, desde a de 1934. E demonstrar que a ordem
do Direito, nessa hipótese, é a das leis positivas,
sendo necessária uma atuação corajosa das
autoridades constituídas, para que a finalidade de
suas proposições não continue sendo sacrificada.

Figura 8: Eitel Santiago de Brito Pereira

Fonte: < https://bit.ly/2EI19d4 >. Acesso em 24 out. 2018.

Como nos demais autores brasileiros mencionados, não há


nenhuma referência ao law and literature movement, já iniciado quando
da publicação do livro; entretanto, assim como Warat, Carvalho Filho e
Lemos Britto, Pereira parece ter consciência da valorização da literatura
em outras áreas do saber (sociologia) e, baseado nessa concepção,
desenvolve seu livro homenagem.
Apresentados os precursores brasileiros de projetos esparsos sobre
direito e literatura, o que pode ser inferido sobre suas produções?

2.3 PROJETOS ESPARSOS E A NECESSÁRIA OCUPAÇÃO DE


UM VAZIO

A demonstração de que antes de 1973, tanto nos Estados Unidos


quanto no Brasil, já se escrevia, de alguma forma, sobre Direito e
Literatura, é, também, a tentativa de preencher a narrativa de um espaço
116

vazio, segundo a qual magicamente se começa a escrever sobre o tema


em algum ponto determinado da história.
Por motivos que fogem aos objetivos desta tese, é comum que os
autores aqui evocados sejam raramente lembrados, o que gera como
consequência a crença de que apenas em 1973, nos Estados Unidos, se
começou a escrever sobre direito e literatura.
No que se refere ao cenário nacional, embora o Brasil tenha tido
seus próprios pioneiros, ainda que dispersos de um grupo institucional, o
tema direito e literatura só irá ganhar repercussão a partir de 1998 com a
publicação de Eliane Botelho Junqueira Literatura & Direito: uma outra
leitura do mundo das leis. Nilo Batista, autor do prefácio da obra, já
adverte:

Têm passado quase imperceptível para os juristas


brasileiros alguns trabalhos que, nos últimos anos,
recorreram à literatura como fonte de informação e
debate, como por exemplo, a pesquisa de Márcia
Cavendish Wanderley, na qual a inferioridade
jurídica da mulher do século XIX se extrai, entre
outros, a Machado de Assis e José de Alencar (A
Voz Embargada, S. Paulo, 1996, ed. Edusp), ou a
coletânea de Flávio Moreira da Costa (Crime à
Brasileira, Rio, 1995, ed. F. Alves). É possível que
tal indiferença deva agora romper-se, porque o
excelente estudo de Eliane Botelho Junqueira põe
os próprios juristas brasileiros no proscênio,
através dos múltiplos e extraordinariamente
coerentes retratos dos advogados na obra de alguns
autores de nossa literatura. (BATISTA, 1998, p. 9).

De fato, a previsão mostrou-se correta pois o livro é o primeiro a


mencionar o law and literature estadunidense em terras brasileiras, o que
alguns anos depois irá chamar a atenção de outros autores.
O grande diferencial da obra de Junqueira (1998), portanto, é
apresentar o movimento que se iniciara nos EUA vinte e cinco anos antes
da publicação de seu livro. Na apresentação do escrito, a autora diz:

Talvez inspirada nos ciclos sobre Direito e Teatro


e Direito e Cinema organizados por Nilo Batista na
Seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos
Advogados do Rio de Janeiro em 1986, senti, pela
primeira vez, vontade de estudar a imagem do
direito e de seus profissionais na literatura
117

brasileira. Durante vários anos o projeto ficou


arquivado em algum canto do meu desejo, até que
a oportunidade de realizar esta análise finalmente
surgiu com a tranquilidade de Madison (Estados
Unidos), no intervalo do desenvolvimento de
outros trabalhos “mais sérios” [sic] sobre serviços
legais, Poder Judiciário, ensino jurídico e critical
legal studies, tópicos do projeto de pós-
doutoramento financiado pelo CNPq.
(JUNQUEIRA, 1998, p. 17) [Grifou-se].

Importa destacar aqui a forma como Junqueira (1998) se refere aos


trabalhos de direito e literatura, escritos no intervalo de outros trabalhos
mais sérios. A impressão que se tem, é que embora admire a literatura e
veja algum potencial na junção entre as duas áreas, Junqueira (1998) tem
ciência de que esta abordagem não é levada a sério pela academia
jurídica. Dez anos depois, Clarice Söhngen (2008, p. 13) corrobora esta
percepção:

Assumindo a voz da coordenação do grupo, cabe


aqui inscrever e contra-argumentar sobre o
estranhamento provocado pelas aproximações que
procuramos realizar entre o Direito e a Literatura,
pois os discursos acerca dessa interface aparecem
ainda muito vinculados à exclusiva ideia de
entretenimento ou a uma espécie de fuga dos temas
realmente sérios, seguros e válidos;
principalmente, em um território que se diz o
Direito, findo, acabado e resolvido na completude
de seu ordenamento (SÖHNGEN, 2008, p. 13).
[Grifou-se]

Parece, assim, que houve (ou ainda haveria?) alguma resistência


para se estudar direito e literatura nas faculdades de Direito. Investigar tal
ponto, entretanto, ultrapassa os objetivos estabelecidos para esta tese.
Em outro trecho, Junqueira (1998, p.22-23) escreve:

No artigo “Law and Literature: No manifest”


(1988), James Boyd White, ao indagar sobre a
importância desta área de estudo, reconhece que
não é fácil perceber o que a literatura, enquanto
arte, tem a oferecer ao direito. Ao contrário do que
normalmente se espera, a literatura não pode
118

oferecer métodos e técnicas (motivo pelo qual o


movimento não tem um manifesto que procure
consolidar e legitimar um determinado método de
análise), mas uma nova forma de leitura que não se
resume a questões de estilo, mas que se refere
também – e principalmente – a questões de
conteúdo, de substância. [Grifou-se]

Neste ponto, Junqueira (1998) faz menção a um texto de James


Boyd White segundo o qual a literatura não poderia oferecer um método
de análise, mas uma nova forma de leitura. Voltarei a este trecho no
capítulo 3, mas é possível adiantar que ele apresenta uma confusão a
respeito do termo método em pesquisas nacionais. Tal informação pode
ter contribuído para a disseminação da ideia de que não existem métodos
para se pesquisar direito e literatura; consequentemente, não haveria razão
para buscar críticas ao movimento, que não possuiria, segundo essa visão,
um sistema metodológico constituído.
Sobre o law and literature, Junqueira (1998) faz uma apresentação
abrangente, mencionando autores como James Boyd White, Stanley Fish
e Robin West, que serão abordados nos capítulos 3 e 4 desta tese.
Ademais, a autora introduz a clássica separação de vertentes, que será
repetida em diversas pesquisas publicadas no Brasil: literature in law (a
literatura no direito ou o direito como literatura), cujo expoente remoto
teria sido Benjamin Cardozo e law in literature (o direito na literatura),
iniciado por John Wigmore.
Embora Junqueira (1998) saliente o papel remoto que Cardozo e
Wigmore irão exercer sobre tais abordagens, as publicações brasileiras
buscam nesses autores a fundamentação para seus escritos. Como será
abordado no Capítulo 3, um dos grandes expoentes do law in literature,
será James Boyd White; em relação ao literature in law, os grandes
pesquisadores serão Ronald Dworkin e Stanley Fish. Cardozo e Wigmore
escrevem muito antes do início do movimento estadunidense, mas, por
algum motivo, são frequentemente citados nas pesquisas brasileiras.
Esse fato pode ser explicado a partir da publicação, em 2008, do
artigo de Arnaldo Godoy, Direito e Literatura: os pais fundadores John
Henry Wigmore, Benjamin Nathan Cardozo e Lon Fuller. Neste texto,
Godoy (2008B) defende a ideia de que os dois são pais fundadores das
aludidas vertentes94. Assim, apresentá-los como pais fundadores em um

94
Tal afirmação é perigosa, pois como já salientado, nunca se sabe quais os
nomes foram, intencionalmente ou não, apagados pela história.
119

país no qual pouca coisa do law and literature foi traduzido, pode ter
contribuído para que no fenômeno de tradução do movimento, Wigmore
e Cardozo fossem compreendidos como importantes autores
estadunidenses.
Ao checar a quantidade de vezes em que cada autor aparecia nas
referências do acervo, um número baixo foi encontrado: das 126
pesquisas delimitadas, Wigmore aparece referenciado em apenas duas
(Tabela 2) e Cardozo também (Tabela 3); as duas pesquisas são de autoria
de Godoy, sendo a primeira sua obra sobre o law and literature movement
(2008) e a segunda, o artigo na qual apresenta tanto Wigmore quanto
Cardozo como pais fundadores do movimento (2008B).

Tabela 2 – Referências a Wigmore nas pesquisas brasileiras do acervo


Pesquisa (chamada autor data)
Obras referenciadas
GODOY (2008) 1. WIGMORE, John. A list of one
hundred legal novels. 17 Illinois
Law Review, 1922, p. 26-41.
2. WIGMORE, John. Pontius Pilate
and Popular Judgements. 25
Journal of American Judicature
Society, 1941, p. 60-61.
GODOY (2008B) 1. WIGMORE, John. A list of one
hundred legal novels. 17 Illinois
Law Review, 1922, p. 26-41.
2. WIGMORE, John. Pontius Pilate
and Popular Judgements. 25
Journal of American Judicature
Society, 1941, p. 60-61.
Total de pesquisas que o
referencia 2
Total de pesquisas que
referenciam obras de Wigmore 2
sobre Direito e Literatura
Fonte: a autora (2018)

Tabela 3 – Referências a Cardozo nas pesquisas brasileiras do acervo


Pesquisa (chamada autor data)
Obras referenciadas
GODOY (2008) 1. CARDOZO, Benjamin. Law and
Literature. 48 Yale Law Journal,
p. 489-507, 1938.
2. CARDOZO, Benjamin. The
nature of judicial process. New
Heaven: Yale University Press,
1991.
GODOY (2008B) 1. CARDOZO, Benjamin. Law and
Literature. 48 Yale Law Journal,
p. 489-507, 1938.
2. CARDOZO, Benjamin. The
nature of judicial process. New
120

Heaven: Yale University Press,


1991.
Total de pesquisas que o
referencia 2
Total de pesquisas que
referenciam obras de Cardozo
sobre Direito e Literatura 2
Fonte: a autora (2018).

Entretanto, uma leitura mais atenta dos trabalhos demonstrou,


todavia, que esses dois autores são mencionados de forma constante, ou
por citação indireta ou sem referenciação, como nos seguintes exemplos:

O vínculo entre os dois campos epistêmicos foi


inicialmente formulado por James Boyd White,
para quem o advogado é um escritor. Encontramos
ainda trechos de intersecção entre Direito e
Literatura nas obras de trabalhos de John Henry
Wigmore, Benjamin Nathan Cardozo e Lon Fuller.
Este último, eventualmente ligado ao realismo
jurídico norte-americano, ganhou notoriedade no
Brasil por conta da tradução que Plauto Faraco de
Azevedo fez do Caso de Exploradores de Cavernas.
(CASTRO, NEVES; 2015, P. 121)

Quanto aos “pais fundadores”, Godoy (2007)


aponta os seguintes juristas: John Henry Wigmore
(que publicou a obra A List of Legal Novels em
1908), Benjamin Nathan Cardozo (escreveu obras
acerca do direito como literatura) e Lon Fuller.
Destacam-se ainda as obras de Richard Posner e de
James Boyd White. (SOARES, OLIVEIRA
JÚNIOR; 2012, p. 12)

Assim, dentro do recorte investigado, Godoy (2008) (2008B) foi


o único pesquisador a citar Wigmore e Cardozo diretamente, o que pode
significar que os demais autores brasileiros não utilizaram as obras destes
dois norte-americanos para escrever suas pesquisas. Este é um indício que
também aparecerá quando tratarmos do projeto humanista, o que pode
significar que, quando se trata desta abordagem específica, as críticas
estadunidenses podem não ter chegado ao conhecimento dos brasileiros
porque a obra dos autores norte americanos não foi acessada diretamente
para a confecção das pesquisas analisadas, sendo referenciadas
indiretamente. O mesmo não ocorre em pesquisas nacionais sobre o
projeto hermenêutico, conforme abordarei no capítulo 4, já que Ronald
121

Dworkin, um dos autores vinculados a esta abordagem, foi traduzido para


o português e é frequentemente referenciado.
Interessante pontuar na última citação transcrita de Soares e
Oliveira Júnior (2012) que as obras de White e Posner são relegadas a um
segundo plano, sendo apontado apenas que elas se destacam. Como
abordarei no terceiro capítulo, White é frequentemente apontado como o
fundador do law and literature em 1973 e Posner, apesar de também
contribuir para a área, é um dos primeiros a tecer críticas sobre a
abordagem.
Na percepção de Soares e Oliveira Júnior (2012), entretanto, White
e Posner são colocados à margem da suposta importância de Cardozo e
Wigmore. Uma vez que Posner é um dos grandes críticos do direito e
literatura, a interpretação dos referidos autores (segundo a qual Posner
seria um autor de menor relevância) também ajuda a compreender porque
suas críticas quase não aparecem nas pesquisas brasileiras.
Tal fato também ajuda a corroborar a ideia de que os pesquisadores
brasileiros passaram a conhecer Wigmore e Cardozo a partir de trabalhos
que a eles faz menção, como as obras do próprio Godoy (2008) e (2008B).
Ainda assim, o direito e literatura brasileiro foi marcado pelo fenômeno
de tradução cultural do law and literature estadunidense porque as ideias
norte americanas aparecem nas pesquisas analisadas.
No que se refere aos autores brasileiros destes projetos esparsos,
Junqueira (1998), a obra mais antiga a fazer referência ao law and
literature, não os cita. O cenário não se modifica nas publicações
subsequentes para Lemos Britto, Carvalho Filho ou Etel Pereira, mas
Warat aparece em 11 das 126 pesquisas analisadas, sendo que em alguns
casos mais de uma de suas obras é citada (ver Tabela 4).

Tabela 4 – Referências a Warat nas pesquisas brasileiras do acervo


Pesquisa
(chamada autor Obras referenciadas
data)
SCHWARTZ 3. WARAT, L. A. O direito e sua linguagem. Porto
(2008) Alegre: Safe, 1995.
ROSA (2015) 1. WARAT, L. A. Por quem cantam as sereias.
Porto Alegre: Síntese, 2000.
2. WARAT, L.A. Introdução geral ao direito: o
direito não estudado pela teoria jurídica
moderna. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1997.
SPENGLER 1. WARAT, L. A. Epistemologia e ensino do
(2015) direito: o sonho acabou. Florianópolis: Fundação
Boiteux, 2004.
2. WARAT, L.A. A rua grita Dionísio!: direitos
humanos da alteridade, surrealismo e cartografia.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
122

ALVES, 1. WARAT, Luiz Alberto. Introdução Geral ao


ZAGANELLI Direito.II. A epistemologia Jurídica da
(2015) Modernidade. Porto Alegre: Sergio Antônio
Fabris Editor,1995
SILVA (2015) 1. WARAT, Luis Alberto. A ciência jurídica e seus
dois maridos. Santa Cruz do Sul: Faculdade
Integradas de Santa Cruz do Sul, 1985.
MARIN (2015) 1. WARAT, L. A. A ciência jurídica e seus dois
maridos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000.
2. WARAT, L. A. Epistemologia e ensino do
direito: o sonho não acabou. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2004.
PEPE (2016) 1. WARAT, Luis Alberto. A ciência jurídica e seus
dois maridos. Santa Cruz do Sul: Faculdades
Integradas de Santa Cruz do Sul, 1985.
2. WARAT, Luis Alberto. Manifesto do
surrealismo jurídico. São Paulo: Acadêmica,
1988.
3. WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao
direito. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1994-1997.
4. WARAT, Luis Alberto. Surfando na pororoca: o
ofício do mediador. Florianópolis: Fundação
Boiteux, 2004.
ESPÍNDOLA 1. WARAT, Luiz Alberto. Introdução crítica ao
(2016) direito, v. 1. Brasília: UnB, 1993.
ALVES (2016) 1. WARAT, Luiz Alberto. Introdução geral ao
direito, II. A epistemologia jurídica da
modernidade. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1995.
SPENGLER, 1. WARAT, L.A. 2004. Epistemologia e ensino do
SPENGLER direito: o sonho acabou. Florianópolis, Fundação
(2011) Boiteux, 423 p.
2. WARAT, L.A. 2010. A tua grita Dionísio!
Direitos Humanos da alteridade, surrealismo e
cartografia. Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 441 p.
SPENGLER 1. WARAT, Luiz Alberto. A tua grita Dionísio!
(2011) Alteridade, Surrealismo e cartografia. Trad.
Vivian Alves de Assis, Júlio César Marcelino e
Alexandre Morais da Rosa. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2010.
Total de
pesquisas que o 11
referencia
Fonte: a autora (2018).

É preciso pontuar que nem todas as vezes em Warat é citado sua


pesquisa é vinculada à arte ou à literatura95. Ainda assim, é perceptível a

95
Por exemplo, Espíndola (2015, p. 29) o cita em nota de rodapé para fazer
breve menção a um termo cunhado por Warat, o senso comum teórico dos
juristas: “Mitlaufer, em alemão, significa aquele que segue o comportamento
da maioria irrefletidamente; é aqui empregado no intuito de referir-se ao
senso comum teórico dos juristas, cunhado por Warat”; da mesma forma,
Spengler (2015, p. 130): “sobre os mitos construídos em torno do mundo do
direito e de seu ‘senso comum teórico’ é importante a leitura de Luis Alberto
Warat”. Schwartz (2008, p.80), também em nota de rodapé, remete o leitor à
123

influência que os estudos de Warat sobre o ensino jurídico exerceram em


alguns trabalhos:

A condição pedagógica marcada por Warat propõe


pensar a elaboração do saber e a transmissão do
conhecimento no encontro com os enlaces
culturais. Ao pensar os direitos das mulheres,
pensamos as relações humanas em seus êxitos e
fracassos, que se desenvolvem na via do imaginário
literário. (ALVES, ZAGANELLI; 2015, p. 27)

Por sua vez, em meados da década de 80, Luís


Alberto Warat (1985), ao propor uma nova forma
de descoberta do ensino jurídico, afirmava que o
espaço social onde as palavras são produzidas: [...]
é condição da instauração das relações simbólicas
de poder (SILVA; 2015, p. 90)

Neste sentido, acredito que a perspectiva de Warat, diretamente


vinculada ao ensino jurídico brasileiro, irá se mesclar às ideias norte
americanas para constituir um espaço jurídico de direito e literatura
brasileiro. Há, portanto, a construção deste espaço a partir da tradução de
ideias e sua mistura com pensamentos disseminados em âmbito nacional.
Por fim, é possível afirmar que tanto nas pesquisas estadunidenses
quanto nos trabalhos brasileiros analisados nesta tese, são raras as
referências aos autores que escreviam sobre o tema antes da
institucionalização do movimento em 1973, com exceção de Cardozo,
Wigmore e no Brasil, Warat.
Assim, não posso deixar de levantar a seguinte questão: por que
autores brasileiros como Lemos Britto, Carvalho Filho e Eitel Pereira, que
também já se aventuravam em recortes interdisciplinares, não aparecem
nas pesquisas brasileiras componentes do acervo analisado? Responder
tal questão demandaria outra tese de doutorado, mas pronunciá-la é
permitir que o pesquisador da área reflita de forma crítica sobre o acesso
ao conhecimento nacional já produzido sobre direito e literatura.
Passo, agora, para o terceiro capítulo, no intuito de apresentar o
início do law and literature movement e o fenômeno de sua tradução no
Brasil.

obra de Warat para que obtenha mais informações sobre “a análise da


semiótica na interpretação do Direito”.
124
125

3 O PROJETO HUMANISTA – OU, O DIREITO NA


LITERATURA

No capítulo anterior, foram apresentados alguns dos projetos


esparsos sobre as conexões de direito e literatura, empreendidos muito
antes da institucionalização do law and literature movement em 1973. Foi
demonstrado, assim, que tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil
existiram tentativas de trabalhar as duas áreas em conjunto, a partir de
diferentes perspectivas.
Nas pesquisas brasileiras componentes do acervo, a presença dos
juízes John Wigmore e Benjamin Cardozo é notável, o que pode ser
explicado pelos textos de Godoy (2008) e (2008B), que os apresenta como
pais fundadores do movimento direito e literatura.
Outro autor estadunidense frequentemente citado nas pesquisas é
James Boyd White, que teria fundado um novo marco e iniciado, de fato,
o law and literature movement (ver Tabela 5).

Tabela 5 – Referências a White nas pesquisas brasileiras do acervo


Pesquisa
(chamada autor Obras referenciadas
data)
GODOY (2008) 1. BOYD WHITE, James. When word loose their
meaning. Chicago: The University of Chicago
Press, 1985.
2. BOYD WHITE, James. Heracle’s Bow: essays
on the rethoric and poetics of law. Madison: The
University of Wisconsin Press, 1985.
3. BOYD WHITE, James. The Legal Imagination.
Chicago: The University of Chicago Press, 1985.
4. BOYD WHITE, James. Justice as translation.
Chicago: The University of Chicago Press.
GODOY (2008B) 1. WHITE, James Boyd. Essays on the rethoric and
poetics of law. Madison: The University of
Wisconsin Press, 1985.
SCHWARTZ 1. BOYD WHITE, James. Law as rethoric, rethoric
(2008) as law: the arts of cultural and comunal life.
University of Chicago Law Review. Chicago,
1985, n. 52.
SILVA, RIBEIRO 1. BOYD WHITE, J. Law as rhetoric, rethoric as
(2014) law: the arts of cultural and communal life. Law
Review, Chicago, n. 52, p. 1013-1031, 1985.
SILVA (2015) 1. BOYD WHITE, J. Law as rhetoric, rethoric as
law: the arts of cultural and communal life. Law
Review, Chicago, n. 52, p. 1013-1031, 1985.
BRANCO (2011) 1. WHITE, James Boyd. “Law and Literature:
‘No Manifesto’”.

Total de
pesquisas que o 6
referencia
Fonte: a autora (2018)
126

Importante mencionar que assim como Wigmore e Cardozo, White


nem sempre é citado de forma direta, como nos trechos a seguir: “O
vínculo entre os dois campos epistêmicos [direito e literatura] foi
inicialmente formulado por James Boyd White, para quem o advogado é
um escritor (CASTRO, NEVES; 2015, p. 121)”; e “O momento fundante
do moderno movimento “Direito e Literatura” tem sido considerado a
publicação da obra The legal imagination, the James Boyd White, de
1973. (OLIVO, MARTINEZ; 2014, p. 147)”
Outros exemplos são os seguintes fragmentos:

Para White, o direito é, em sentido pleno, uma


linguagem, pois é “um modo de ler, escrever e
falar, e de, ao fazer isto, manter uma cultura, uma
cultura de argumento, com um caráter próprio”.
(SOARES, OLIVEIRA JÚNIOR; 2012, p.3)

Entretanto, apenas em 1973, através da obra de


James Boyd White, The Legal Imagination, é que
o campo do Direito e Literatura tornou-se
autônomo. Até então, a área de conhecimento
consistia em lembretes de que o Direito era um
tema frequente na Literatura e que as opiniões
jurídicas teriam uma característica literária
(YAMAMOTO, 2015, p. 169-270).

É possível inferir, assim, que na tradução do movimento a


abordagem de White chegou ao conhecimento dos autores brasileiros, que
o citam, ainda que de forma indireta. Uma explicação para tal fato pode
ser a não publicação de trabalhos em português sobre sua obra. O que não
aparece nas pesquisas do recorte estabelecido, porém, são as críticas que
outros autores estadunidenses fizeram à perspectiva de White,
considerada por Peters (2005) como humanista.
Segundo Peters (2005, p. 444), a perspectiva humanista tinha como
característica principal “its commitment to the human as an ethical
corrective to the scientific and technocratic visions of law that had
dominated most of the twentieth century96. (PETERS, 2005, p. 444)”.
Levados pela crença de que a literatura poderia, de alguma forma, trazer
a realidade para dentro do direito, autores como o próprio James Boyd

96
“Seu compromisso com o humano como um corretivo ético às visões
científicas e tecnocráticas do direito que dominaram a maior parte do século
XX”.
127

White, J. Allen Smith e Richard Weisberg vislumbravam que a


interdisciplinaridade poderia afastar o tecnicismo do direito e, ao mesmo
tempo, trazer a literatura para a prática política, denunciando verdades
sobre o poder. Tal projeto teria se iniciado nas faculdades de direito

where other professors joined White and Weisberg


in emphasizing a twentieth-century version of the
Ciceronian tradition. The Legal Imagination’s
founding premises are that legal language is a
particular version of rhetoric and that lawyers will
be better writers and more aware of the
consequences of their words when they understand
them as part of a “language in a universe of
languages.” Weisberg made his first contribution
by calling attention to and revising John H.
Wigmore’s list of legal novels that every lawyer
should read, published in 1908 and updated in
1922. Weisberg justified his effort by lamenting the
surrender of the humanistic lawyer to his
“empirically armed rival,” the social scientist, who
“successfully courts and engages the legal
profession.” The work of pioneers like White and
Weisberg found a following; law review essays
were published; and courses on law and literature
began to be offered as electives at various law
schools97. (THOMAS, 2017, p. 37).

97
“Onde outros professores se juntaram a White e Weisberg em uma versão
do século XX da tradição de Cícero. As premissas básicas de Legal
Imagination são de que a linguagem jurídica é uma versão particular da
retórica e que os advogados serão melhores escritores e mais conscientes das
conseqüências de suas palavras quando as entenderem como parte de uma
“linguagem em um universo de línguas”. Weisberg fez sua primeira
contribuição revisando a lista de romances jurídicos de John H. Wigmore que
todo advogado deveria ler, publicada em 1908 e atualizada em 1922.
Weisberg justificou seu esforço lamentando a rendição do advogado
humanista a seu "rival empiricamente armado", “o cientista social, que “com
sucesso corteja e envolve a profissão jurídica”. O trabalho de pioneiros como
White e Weisberg encontrou seguidores; ensaios foram publicados; e cursos
sobre direito e literatura começaram a ser oferecidos em várias faculdades de
direito. (THOMAS, 2017, p. 37)”.
128

Neste capítulo, procurarei compreender porque as críticas


realizadas ao projeto humanista não são debatidas (ou, não foram
traduzidas) nas pesquisas do acervo. Também apresentarei um retrato
relativo às condições que permitiram a emergência do projeto humanista
e consolidação do law and literature movement a partir de 1973,
enfatizando as discussões e perspectivas então propostas.
Buscarei compreender a não tradução das críticas a partir das
hipóteses delimitadas para a tese, quais sejam: 1) No fenômeno da
tradução cultural do movimento, os pesquisadores brasileiros abrangidos
pelo recorte proposto apresentam uma visão confusa a respeito do método
para se escrever sobre o tema; e 2) Os pesquisadores partilham de uma
visão sentimental sobre a literatura, como advertido por Weisberg (1989).
Passo, portanto, a apresentar uma fotografia do projeto humanista.

3.1 JAMES BOYD WHITE E SEU IMAGINÁRIO JURÍDICO: O


PROJETO HUMANISTA, OU O DIREITO NA LITERATURA.

A obra The Legal Imagination, de James Boyd White, publicada


pela primeira vez em 1973 nos Estados Unidos, é apontada por diversos
autores como o marco inicial do law and literature movement, apesar do
comentário do próprio White (2010, p. 2; p. 5) a respeito do assunto:

At the time The Legal Imagination was written


there was very little that connected the law with the
literary humanities in a self-conscious way. But
any claim that the law and humanities began in
1973 would obviously be ludicrous, for the
connections between law and the arts of language
go all the way back to the beginnings of law in
European history. For the Greek and Roman alike,
the lawyer was in large measure a rhetorician.
Rhetoric was the center of European education
until at least the 17th century, and long after that it
was believed that a good education in the
humanistic past was essential to excellence in law.
The institution of the university began with schools
of law, in Bologna and elsewhere——and law was
seen to be naturally connected to philosophy, to
history, to philology, to theology.
[...]
when I and others began to think of connecting the
law with the world of humanities and literature, we
were in fact not doing something new and
129

shocking, though that is how some saw it, and


perhaps how it felt to us, but something very old
fashioned indeed. We were seeking to make
conscious a tradition that went back to the
beginnings of legal thought in the west. But this
was a tradition that took itself largely for granted,
and there was very little that addressed it directly.
(Grifou-se)98.

Percebe-se, portanto, que James White não aceita o título de


fundador do movimento, sem apresentar sua própria resistência. Em seu
livro, inclusive, o autor (1973, p. xix) escreve que pretende vislumbrar o
assunto direito e literatura de uma maneira nova, e não exatamente lançar
algum pensamento inédito e inovador.
The Legal Imagination foi escrito em formato de manual, com
exercícios e atividades. Seu objetivo seria auxiliar o aluno do curso de
direito a ler e a escrever melhor, oferecendo questões reflexivas para
instigar o pensamento crítico do futuro jurista (WHITE, 2018).
A obra de White já teve, até o momento, três edições lançadas: a
edição original, de 1973, pela editora Little Brown; a versão resumida,
pela editora Chicago Press; e uma edição comemorativa, de 2018,
celebrando os 45 anos de seu lançamento, pela Wolters Kluwer.

98
“Na época em que The Legal Imagination foi escrito, haviam poucas
iniciativas de conectar o direito e as ciências humanas, como a literatura, de
uma maneira autoconsciente. Mas qualquer alegação de que essa iniciativa
começou em 1973 seria obviamente ridícula, pois as conexões entre o direito
e as artes remontam ao início do direito na história europeia. Para os gregos
e romanos, o advogado era em grande parte um retórico. A retórica era o
centro da educação europeia até pelo menos o século XVII, e muito tempo
depois acreditava-se que uma boa educação humanista era essencial para a
excelência no direito. A instituição da universidade começou com escolas de
direito, em Bolonha e em outros lugares - e o direito era visto como
naturalmente conectado à filosofia, à história, à filologia, à teologia.
[...]
quando eu e outros começamos a pensar em conectar o direito com o mundo
das humanidades e da literatura, na verdade não estávamos fazendo algo novo
e chocante, embora seja assim que alguns tenham percebido, mas algo muito
antigo. Procurávamos tornar consciente uma tradição que remontava aos
primórdios do pensamento jurídico no ocidente. Mas essa era uma tradição
que se considerava largamente garantida, e havia muito pouco que a
abordasse diretamente.”
130

Figura 9: As edições de The Legal Imagination.


Da esquerda para a direita: a primeira edição, de 1973; a edição
resumida, de 1985 e a edição comemorativa de 2018.

Fonte: < https://bit.ly/2R07u8I> <https://bit.ly/2PFRTGL> <


https://bit.ly/2EoNVAb>. Acesso em 10 abril 2018.

Na primeira edição do livro, White (1973, p. xix) elenca, entre seus


propósitos, “the definition of a new subject, or at least a new way of
adressing one99“, a partir de um curso de leitura e escrita focado no “legal
imagination100“. Na concepção de White (1973, p. xx), este imaginário
jurídico pode ser acessado a partir dos mais diversos conhecimentos,
como “biology or mathematics or music101“; mas por questões específicas
de formação do próprio autor, com graduação e mestrado em Inglês, a
disciplina abarcada na obra é a literatura.
Sobre sua escolha por esta disciplina, White (1973, p. xx) afirma:

[...] my purpose is not to claim that a literary


education is the only one for a lawyer or for this
course: it is to establish a way of looking at the law
from the outside, a way of comparing it with other
forms of literary and intelectual activity, a way of
defining the legal imagination by comparing it with
others. The non-legal readings are meant to give us

99
“a definição de um novo assunto, ou pelo menos uma nova maneira de
abordá-lo”
100
“Imaginário Jurídico”
101
“Biologia, matemática ou música”
131

a common sense (if an incomplete one) of what


legal literature leaves out, of what others do that the
law does not, and to define a context out of which
judgments can begin to be drawn and against which
they can be tests. [...] The aim is not to make a
systematic comparison between law and literature,
to articulate a general theory of literary analysis or
anything like it, but to bring to life by the contrast
a set of loosely related questions about language
and imagination, to open up diverse and competing
lines of thought among which choices can be made
by the student or other reader102.

Interessante pontuar a ausência de sacralização da literatura por


White (1973, p.xx), ao entender que ela não é o único instrumento de
acesso ao imaginário jurídico, mas apenas uma das diversas
possibilidades existentes.
Outra questão que emerge desta passagem, diz respeito à
delimitação dos objetivos da obra, que não envolveriam uma comparação
sistemática de direito e literatura e nem a articulação de uma teoria de
análise literária para o direito. Suas metas são mais simples; na versão
resumida, White (1985, p. xi) afirma:

[This book] asks, and is intended to help, [the


students] to become literary and cultural critics and
to learn to apply their talents of analysis to the
discourse of the law, both as that discourse is

102
“Meu propósito não é afirmar que uma educação literária é a melhor para
um advogado: é estabelecer uma maneira de olhar o direito de fora, uma
maneira de compará-lo com outras formas de atividade literária e intelectual,
uma maneira de definir o imaginário jurídico comparando-o com outros. As
leituras não jurídicas nos fornecem um senso comum sobre o que a literatura
jurídica deixa de fora, sobre o que os outros fazem que o direito não faz, e
definem um contexto a partir do qual os julgamentos podem ser extraídos e
contra o qual eles podem ser testados. [...] O objetivo não é fazer uma
comparação sistemática entre direito e literatura, articular uma teoria geral da
análise literária ou algo parecido, mas trazer à vida, pelo contraste entre as
áreas, um conjunto de questões relacionadas à linguagem e à imaginação,
para abrir linhas de pensamento diversas e conflitantes entre as quais as
escolhas podem ser feitas pelo estudante ou outro leitor”.
132

employed by others and as they themselves put it


to work in their own writing103.

Trata-se, portanto, de uma obra introdutória, não porque é rasa ou


destituída de complexidade, mas porque procura demonstrar ao leitor
pontos de convergência entre o direito e a literatura, dando forma a um
assunto explorado até então de forma esparsa, incentivando o leitor a se
tornar um crítico cultural e literário e a usar tais capacidades para
questionar discursos internos (da própria área) e externos (dos
juridicamente leigos) a respeito do direito. Até porque, um trabalho que
visa definir novas possibilidades de estudos (WHITE, 1973, p. xix), tende
a ter um cunho introdutório em razão de seu grau de exploração e
inovação.
A edição resumida de 1985 tem, como diferencial, o público alvo.
Na edição original White, (1973, p. xxiv) expressa seu desejo de que a
obra seja lida por alunos de direito, alunos que intencionem cursar a área,
ou, alunos da literatura. Já na versão resumida, White (1985, p. xi)
escreve:

In the process of abridgement, I have removed


much of the more technical legal material, with the
aim of rendering the book more readily available
to the general reader. In its present form, I believe,
it asks nothing significant of its reader for which a
legal training is necessary.
[...]
I do hope that lawyers and law students can read
this abridged edition, as well as the original one,
with interest and profit. But the original edition
gives considerably fuller treatment to the issues
raised here, and it gives attention to others as well
– the structure of the statute, the nature of judicial
criticism, the ethics of legal argument, the way
rules construct of reality, the nature of institutions,

103
“[Este livro] pergunta, e se destina a ajudar, [os alunos] a se tornarem
críticos literários e culturais, aprendendo a aplicar seus talentos de análise ao
discurso do direito, seja quando esse discurso é aplicado por outros ou por
eles próprios”.
133

the history of equity, the law of slavery and race,


and so forth104.

Assim, a diferença entre os dois livros não reside apenas no


discrepante número de páginas (a versão original tem 1024, enquanto a
resumida, apenas 334105), mas especialmente em razão do conteúdo,
adaptado para um público juridicamente leigo.
Ponto que merece atenção é o conceito de direito apresentado por
White (1985, p. xii), que servirá de base para todo o trabalho; segundo o
autor, “the dominant view of the law in the English-speaking world today
is positivistic and rule-focused: law is seen as a system of rules emanating
from a particular soroveign to a population bound by it106“.
Essa visão positivista do direito, seria uma resposta a uma visão
anterior, segundo White (1985, p. xii)

[...] usually called the natural law tradition, in


which the conceptions of justice and law were
fused rather than separated. In this tradition law
was regarded as na object of reverence, a source of

104
“No processo de redução da obra, removi muito do material técnico, com
o objetivo de tornar o livro mais acessível para o leitor em geral. Na sua
presente forma, acredito não exigir de seu leitor, uma formação jurídica.
[...]
Espero que os advogados e os estudantes de Direito possam ler esta edição
resumida, assim como a original, com interesse e lucro. Mas a edição original
dá um tratamento mais completo às questões levantadas aqui, e dá atenção a
outros assuntos - a estrutura do estatuto, a natureza da crítica judicial, a ética
do argumento jurídico, a maneira como as normas constroem a realidade, a
natureza de instituições, a história da equidade, a lei da escravidão e da raça,
e assim por diante” .
105
Baseando-se nos dados da amazon, disponíveis em:
<https://www.amazon.com.br/Legal-Imagination-James-Boyd-
White/dp/0226894932> e <https://www.amazon.com/Legal-Imagination-
45th-Anniversary/dp/1454897120>. Acesso em 10 abril 2018.
106
“A visão dominante do direito no mundo de língua inglesa hoje é
positivista e focada em normas: o direito é visto como um sistema de regras
que emana de um poder particular para uma população limitada por ele
próprio”.
134

authority external to the will (or mere preference)


of those momentarily in political power107.

Para White (1985, p. xiii), tanto a tradição positivista quanto a


tradição naturalista “conceive law as a distinct social and cultural entity
with a structure, life, and importance of its own108“. Além disso, a própria
ideia de direito estaria sofrendo duras críticas tanto de intelectuais da
direita quanto da esquerda. De acordo com White (1985, p. xiii):

One branch of the intelectual right, for example,


wishes to reduce law to policy, and policy to cost-
benefit analysis of a kind that counts as values only
items in which a Market exists. This view regards
the Market, when functioning correctly, as the only
– or only democratic – determinant of value109.

Assim, considerando que os intelectuais de direita entenderiam o


mercado como único determinante de valor democrático, White (1985, p.
xiii) critica tal concepção por entendê-la reducionista. Como o próprio
autor (1985, p. xiii) afirma:

The premises of this view are naturally atomistic


and materialistic; and in assuming against all
experience that a dollar to a rich man is of exactly
the same value to its possessor as a dollar to a poor
man, it is deeply biased towards those who already
have wealth. The Market is a democracy only on
the principle of one dollar, one vote110.

107
“[...] geralmente chamado de tradição do direito natural, na qual as
concepções de justiça e direito foram fundidas e não separadas. Nesta
tradição, o direito era considerado um objeto de reverência, uma fonte de
autoridade externa à vontade (ou mera preferência) daqueles que
momentaneamente exerciam o poder político”.
108
“compreendem o direito como uma entidade social e cultural distinta, com
estrutura, vida e importância próprias”
109
“Um ramo da direita intelectual, por exemplo, deseja reduzir o direito à
política, e a política à análise de custo-benefício de um tipo que valoriza
apenas cenários nos quais um Mercado existe. Este ponto de vista diz respeito
ao mercado, quando funcionando corretamente, como o único - ou único
democrático - determinante de valor”
110
“As premissas dessa visão são naturalmente atomísticas e materialistas; e,
acreditando (contra toda a experiência), que um dólar para um homem rico
135

Quanto à esquerda, diz White (1985, p. xiii):

[...] the attack is much vaguer: law is reduced to the


expression. Of class interests, usually in a rather
gross and unanalyzed form; law is always
illegitimate when the class structure it reflects is
unfair, which of course it always is111.

A objeção de White (1985, p. xiii) a setores da esquerda é a de que


a solução apontada, compreender o direito como fruto da comunidade,
pode levar a extremismos autoritários e intolerantes112. Por esta razão,
White (1985, p.xiii) propõe seu próprio conceito de Direito:

I think that the law is not merely a system of rules


(of rules and principles), or reducible to policy
choices or class interests, but that it is rather what I
call a language, by which I do not mean just a set
of terms and locutions, but habits of mind and
expectations – what might also be called a culture.
It is an enormously rich and complex system of
thought and expression, of social definitions and
practices, which can be learned and mastered,
modified or preserved, by the individual mind. The
law makes a world. And the law in another sense,
as the profession we teach and learn and practice,
is a kind of cultural competence: an art of reading
the special literature of the law and an art of
speaking and writing – of making compositions of
one’s own – in this language. It is a branch of
rhetoric, na one of my aims in this book is to work
out some sense of the kind of rhetoric it is: the

vale exatamente o mesmo para um homem pobre, é benéfica para aqueles que
já têm riqueza. O mercado é uma democracia apenas no princípio de um
dólar, um voto”
111
“o ataque é muito mais vago: o direito é reduzido à expressão de interesse
de classe, de forma grosseira; o direito sempre é ilegítimo quando a estrutura
de classes que ele reflete é injusta, o que, é claro, acontece sempre.”
112
Pensemos, por exemplo, em comunidades nas quais o roubo é punido com
pena de morte e adultério feminino, com apedrejamento em praça pública.
136

structures of legal thought and expression. [Grifou-


se]113.

É possível perceber, portanto, que White (1985) entende o Direito


em si como uma linguagem. A prática desta linguagem seria uma
competência cultural, um tipo de arte especializada. O autor não nega a
influência de poderes políticos sobre o Direito, mas entende que sua força
reside especialmente em sua linguagem e retórica, capaz de estruturar
sensibilidades e visões. Por isso, é importante compreender as regras
própria desta linguagem (direito), para acessá-la e operá-la da melhor
forma possível. Tais razões explicam a produção de um manual crítico-
reflexivo de leitura e escrita, voltado para alunos do Direito e intimamente
conectado com as lições da área de Literatura.

113
“Eu acredito que o direito não é meramente um sistema de normas (de
regras e princípios), ou redutível a escolhas políticas ou interesses de classe,
mas é o que eu chamo de linguagem, pela qual não me refiro apenas a um
conjunto de termos e locuções, mas hábitos mentais e expectativas - o que
também pode ser chamado de cultura. É um sistema extremamente rico e
complexo de pensamento e expressão, de definições e práticas sociais, que
podem ser aprendidas e dominadas, modificadas ou preservadas, pela mente
individual. O direito faz um mundo. E o direito em outro sentido, como a
profissão que ensinamos e aprendemos e praticamos, é uma espécie de
competência cultural: uma arte de ler a literatura especializada do direito e
uma arte de falar e escrever - de fazer composições próprias - nessa língua. É
um ramo da retórica, e um dos meus objetivos neste livro é descobrir um
pouco do tipo de retórica que é: as estruturas do pensamento e da expressão
legais.”
137

Figura 10: James Boyd White

Fonte: <https://bit.ly/2BlKhUF>. Acesso em 11 abril 2018.

Importante destacar que a edição comemorativa de The Legal


Imagination, lançada em 2018, não apresenta mudanças de conteúdo
(WHITE, 2018), a não ser a problematização da linguagem utilizada, a
partir de um viés de gênero. Segundo White (2018, p. xxiii), a única
mudança que gostaria de ter feito no corpo da obra, diz respeito ao uso de
uma linguagem totalmente masculina:

One embarrassment I have not been able to remove


is the remorseless use of the male pronoun to refer
to all human beings, and I wish I could change them
all to include women as well as men. I make no
defense of this practice, except to say that it was
standard in those days. But that could be said about
lots of bad things114.

James White, porém, não é o único a problematizar questões de


gênero a partir da linguagem no law and literature movement. Robin
West, professora expoente do movimento115, chega a traçar duas

114
“Um constrangimento que não consegui eliminar é o uso sem remorso do
pronome masculino para se referir a todos os seres humanos; gostaria de
poder mudá-los para incluir tanto mulheres quanto homens. Eu não defendo
essa prática, exceto para dizer que era normal quando a obra foi escrita. Mas
isso poderia ser dito sobre muitas coisas ruins.”
115
West não aparece referenciada em nenhuma das 126 pesquisas do acervo.
138

categorias antagônicas denominadas economic man e literary woman,


para trabalhar a dicotomia não apenas de gênero, mas de percepção de
mundo no contexto de ascensão do movimento.
Ocorre que os anos 1970 são marcados116, na academia jurídica
estadunidense, pela emergência do Law and Economics Movement,
também conhecido como Análise Econômica do Direito, ou apenas AED.
Conforme Stringari (2015, p.91):

A Análise Econômica do Direito é o campo do


conhecimento humano que tem por objetivo
empregar os variados ferramentais teóricos e
empíricos econômicos e das ciências afins para
expandir a compreensão e o alcance do direito e
aperfeiçoar o desenvolvimento, a aplicação e a
avaliação de normas jurídicas, principalmente com
relação às suas conseqüências.

Em síntese, a AED se preocupa com os impactos econômicos das


leis e decisões judiciais, defendendo “a aplicação da economia para
compreender todas as formas de comportamento humano e
consequentemente, todas regulações jurídicas desse comportamento”.
(HEINEN; 2016, p. 48).
Embora existam diferentes vertentes dentro da área, Saddi (2014,
p.89) identifica três pressupostos principais:

(1) existe maximização racional das necessidades


humanas; (2) os indivíduos obedecem a incentivos

116
Conforme Heinen (2016, p. 47), a análise econômica do direito é divida
em duas fases: a velha e a nova. “A velha fase vai até os anos de 1960,
caracterizou-se por estudos das regulamentações dos mercados econômicos
explícitos e era quase sinônimo de estudos do Direito Antitruste, mas também
congregava outras áreas do Direito como Direito Tributário, Corporativo, das
Patentes e dos Contratos. Já a nova fase trata dos mercados implícitos e aplica
a análise econômica ao sistema legal em seu conjunto, passando a se debruçar
sobre todas as áreas do Direito, desde o Direito de família, passando pela
Teoria da Legislação e Administração Judicial, até o Direito Penal.
Representativo dessa nova fase da AED é o livro Economics Analysis of Law
(1973) de Richard Posner, que representou o primeiro contato de muitos
estudantes de Direito norte-americanos com a proposta da análise econômica
aplicada ao direito”. Coincidência ou não, a nova fase da AED surge em
1973, mesmo ano da publicação de The Legal Imagination, de White.
139

de preços para conseguir balizar seu


comportamento racional; (3) regras legais podem
ser avaliadas com base na eficiência de sua
aplicação, com a conseqüente máxima de que
prescrições normativas devem promover a
eficiência do sistema social.

Neste sentido, a palavra de ordem para a AED é racionalidade; os


agentes tendem a defender seus interesses a partir de escolhas racionais,
maximizando, assim, os lucros a serem obtidos:

O instinto é racional, não emocional, e da


diretividade racional do comportamento humano
decorre sua resposta a incentivos. Quando
apresentado a opções que tendam a maximizar seus
benefícios, o indivíduo tenderia a adotá-lo, caso
seus ganhos se revelassem maiores do que seus
custos. (STRINGARI, 2015, p. 97).

Desta forma, a economia se apresenta como ferramenta de


interpretação normativa: para atingir determinados efeitos, o legislador e
o juiz devem partir do pressuposto de que os indivíduos agem
racionalmente e tendem a fazer escolhas que geram mais lucros que
prejuízos. O law and literature movement emerge, assim, como
contraposição direta às ideias defendidas pela AED.
Neste sentido, uma das principais preocupações presentes na obra
de White (1985, p. xxiv) é justamente afastar o direito da ideia de ciência:
“[...] law is not a Science – at least not the ‘social science’ some would
call it – but an art117“. Ademais, o artigo de West (1988) auxilia a
delimitar essa oposição a partir das figuras do homem economista e da
mulher literata.
Para West (1988), o homem economista possui como principal
característica a busca racional pela maximização de seus lucros. Trata-se
de uma figura cheia de certezas, que sabe exatamente o que deseja e está
sempre motivado a buscar o que quer. Em contrapartida, é completamente
incapaz de compreender a empatia:

Economic man is peculiarly incapable of the


empathic knowledge, quite common to the rest of

117
“O direito não é uma ciência - pelo menos não uma "ciência social" como
alguns chamariam - mas uma arte”
140

us, that his neighbor’s broken leg hurts more than


his own hangnail; or that a child’s discomfort while
eating a healthy diet is less than the pain she will
feel if she eats nothing but sugar; or that the pain
an impoverished buyer might sustain when the law
deprives him of the’ freedom to contract to
purchase a television set on burdensome credit
terms is less than the pain that buyer would sustain
in the future when he loses essentials such as food
and clothing he would otherwise be able to
purchase.’ He cannot empathize with the other
sufficiently to make these comparisons118. (WEST,
1988, p. 869)

Por esta razão, West (1988) sugere que os parâmetros econômicos


não são os melhores a serem utilizados na seara jurídica, especialmente
quando casos delicados estão em questão, pois estes atingem diretamente
a vida de indivíduos. Para explicar tal ponto, ela cria a figura da mulher
literata que, ao contrário do homem economista, é cheia de dúvidas e
incertezas, assumidamente ignorante da própria subjetividade. A
literatura, assim, aparece como uma ferramenta de autodescoberta; é a
partir da leitura de narrativas estranhas que aos poucos ela irá descobrindo
aspectos de sua própria constituição.
Ademais, para West (1988), as ações desta mulher não seriam
motivadas unicamente por sua racionalidade e seus interesses individuais;
suas motivações seriam múltiplas e diversificadas:

Unlike economic man, literary woman is indeed at


times altruistic, as the communitarian critics of
economic man insist, but she is also at times
masochistic, automatic, submissive, selfish,
oppressive, and perhaps sadistic. Indeed, we have

118
“O homem economista é incapaz do conhecimento empático, bastante
comum ao resto de nós, relativo à capacidade de reconhecer que a perna
quebrada do vizinho dói mais do que sua unha encravada; ou que o
desconforto de uma criança ao comer uma dieta saudável é menor do que a
dor que ela sentirá se não comer nada além de açúcar; ou que a dor que um
comprador empobrecido pode suportar quando o direito o priva da “liberdade
de contratar um aparelho de televisão em termos onerosos é menor do que a
dor que o comprador sofreria no futuro quando ele viesse a perder itens
essenciais como comida e roupas para pagar suas contas. Ele não pode
empatizar com o outro suficientemente para fazer essas comparações.”
141

literature in large part because our characters are


multidimensional and worth exploring. Their
complexity is a constant surprise, both to ourselves
and to others119. (WEST, 1988, p. 871)

Quanto à empatia, esta seria acessível por meio da leitura, da


escuta, da fala, enfim, das próprias relações interpessoais, por meios
fáticos ou literários: “When we read with understanding, we not only
understand that happiness or pain, but to some degree we take it on as our
own.120“ (WEST, 1988, p. 872).
Essa habilidade empática, embora difícil, seria pertinente ao
jurista, especialmente no que se refere a atuação em casos delicados como
por exemplo, os que envolvem minorias políticas, violência contra grupos
vulneráveis, dentre outros. Conforme West (1988, p. 873-874):

In those cases in which empathic understanding is


most urgently needed, it is hardest to achieve.
Empathy is hard when the experience with which
we are trying to empathize is one that we never
have experienced ourselves, and even one that we
never could experience ourselves. Empathy is hard
when the personality with which we are trying to
empathize, the subjectivity we are trying to grasp,
is radically different from our own. It is very
difficult, for example, for a member of the racial
majority in this country to empathize with the
subjective pain of living in a racist society. I
suspect that most of us who think we do understand
this pain in fact do not. It is very difficult for a
heterosexual to understand the magnitude of the
pain experienced by a homosexual living in a
homophobic Society. To take a more local issue, it
is very difficult for a white man to empathically

119
“Ao contrário do homem economista, a mulher literata é, de fato, às vezes
altruísta, como insistem os críticos comunitários do homem economista, mas
às vezes também é masoquista, automática, submissa, egoísta, opressiva e
talvez sádica. De fato, temos literatura em grande parte porque nossos
personagens são multidimensionais e merecem ser explorados. A
complexidade desses personagens é uma surpresa constante, tanto para nós
mesmos quanto para os outros”
120
“Quando lemos com compreensão, não apenas entendemos essa felicidade
ou dor, mas, até certo ponto, as tratamos como se fossem nossas.”
142

grasp the magnitude or nature of the pain of being


the only woman or black on a law faculty. It is not
impossible, but it is difficult. It is difficult to
empathize with the pain of those who are most
different from us. Now, the way that the literary
woman achieves the empathic bridge in the hard
case, the means by which she gains access to the
other’s subjective life, is metaphor and narrative.
This is the one vital lesson that the literary person,
and hence the literary analysis of law, can uniquely
teach us: she can teach us how to empathize in the
hard case121.

Assim, se a análise econômica do direito se baseia no racionalismo


e na busca de lucros maiores que prejuízos, a análise literária do direito
procura evidenciar a complexidade dos indivíduos e, ainda, cultivar
empatia e sensibilidade nos juristas que, em última instância, lidarão com
vidas afetadas por leis e processos.
É preciso compreender, portanto, que o movimento estadunidense
teve por foco afastar as concepções racionalistas em vigor na academia
jurídica daquele país, no intuito de evidenciar que nem toda matéria
humana pode ser explicada a partir da lógica econômica. Existiam,
portanto, dois paradigmas rivais em confronto, ambos buscando ofertar

121
“Nos casos em que a compreensão empática é mais necessária, é mais
difícil alcançá-la. A empatia é difícil quando a experiência com a qual
estamos lidando é algo que nunca experimentamos ou vivenciamos. A
empatia é difícil quando a subjetividade que estamos tentando compreender,
é radicalmente diferente da nossa. É muito difícil, por exemplo, que um
membro da maioria racial neste país tenha empatia com a dor subjetiva de
viver em uma sociedade racista. Eu suspeito que a maioria de nós que acha
que entende essa dor na verdade não entende. É muito difícil para um
heterossexual entender a magnitude da dor experimentada por uma vida
homossexual em uma sociedade homofóbica. Para ter uma questão mais
local, é muito difícil para um homem branco compreender empaticamente a
magnitude ou a natureza da dor de ser a única mulher ou negra em uma
faculdade de direito. Não é impossível, mas é difícil. É difícil ter empatia com
a dor daqueles que são diferentes de nós. Agora, a maneira pela qual a mulher
literata alcança a ponte empática, o meio pelo qual ela obtém acesso à vida
subjetiva do outro, é a partir da metáfora e da narrativa. Esta é a única lição
vital que a pessoa literata, e, portanto, a análise literária do direito, pode nos
ensinar exclusivamente: ela pode nos ensinar como ter empatia.”
143

melhores chaves interpretativas para o fenômeno jurídico: a economia, de


um lado, e a literatura, do outro.
Neste sentido, o contexto de criação do movimento norte
americano é marcado por uma grande diferença em relação ao movimento
brasileiro: nos EUA, seu surgimento se dá em um contexto hostil, em
razão do antagonismo já mencionado. O mesmo não ocorre no Brasil,
onde os pesquisadores não buscam atacar uma teoria ou um grupo de
autores específicos122.

Figura 11: Robin West

Fonte: < https://bit.ly/2A3Cj2v> Acesso em 19 dez. 2018.

Além de West, diversos outros autores foram impactados pela


publicação de The Legal Imagination. Como já mencionado, White
(2010, p. 5-6) tinha consciência de que não estava criando nada de novo,
mas ainda assim sua perspectiva foi encarada como uma grande novidade:

to look at the law, as I wished to do, as an art of


thought and language, with its own characteristic
concerns and methods, was simultaneously very

122
Conforme fala do Professor Paulo Ferrareze Filho na defesa final desta
tese, os autores brasileiros parecem se contrapor ao normativismo como um
todo, segundo o qual o direito está necessariamente ancorado em leis e não
deve se afastar delas. Mas não há uma materialidade deste normativismo em
terras brasileiras como a da análise econômica do direito; em outras palavras,
nos Estados Unidos existia um projeto muito bem definido e identificável
contra o qual os teóricos do law and literature escreviam.
144

old-fashioned and new-fangled, surprising to


almost everyone. I was often asked——as you may
want to ask—— ‘What can literature possibly have
to do with law?123‘.

Desta forma, é possível afirmar que a curiosidade despertada nos


pares da academia jurídica foi importante para consolidar a obra como
marco fundador do law and literature. Mas existem outras razões que
merecem ser aqui discutidas.
A primeira delas refere-se à formação acadêmica de James White,
em Inglês e em Direito. Na primeira, White (2010, p. 7) aprendeu tanto
questões relativas à teoria e interpretação literária, quanto a diferença
linguística dos idiomas, que além de forma e gramática, leva em
consideração a cultura na qual determinado povo se insere:

One does not and cannot think the same way in


Greek and in English. In each of these languages
one can do and say things that one cannot in the
other, for each expresses its own culture——its
own values, its own sense of what should count as
reason, its own way of imagining or constituting
the social and natural worlds124.

Essa é uma ideia intrínseca ao próprio conceito de Direito sugerido


pelo autor; o direito seria uma linguagem, pois constrói um espaço
próprio, com seus próprios costumes, regras, significados – enfim, com
sua própria cultura. Além disso, a literatura lhe propiciou a enxergar o
poder da linguagem, pois, para White (2010, p. 10):

literature was not to be regarded merely as an item


of high consumption, like fine wine, or as an

123
“Olhar para o direito, como eu queria, como uma arte de pensamento e
linguagem, com suas próprias preocupações e métodos característicos, era ao
mesmo tempo algo antiquado e novo, surpreendente para quase todo mundo.
Muitas vezes me perguntavam - como você pode perguntar - "O que a
literatura tem a ver com o direito?”
124
“Uma pessoa não pensa e não pode pensar da mesma maneira em grego e
em inglês. Em cada uma dessas línguas pode-se fazer e dizer coisas que não
se pode na outra, pois cada uma expressa sua própria cultura - seus próprios
valores, seu próprio sentido do que deveria contar como razão, sua própria
maneira de imaginar ou constituir o mundo social e o mundo natural.”
145

elegance of life, but lay at the center of our own


imaginative and expressive lives: for we, like the
writers we read, could collapse into empty clichés,
sentimental slogans, or the vices of advertising or
propaganda; or, like them, we could try to find
ways to use our language to say things worthy of
respect125.

White (2010, p. 11) não nega que sua intenção era se tornar
professor universitário de inglês, mas seus planos mudaram quando, ao
ingressar na pós-graduação, percebeu como a atividade literária era
especializada e desconectada da prática política. Por este motivo, decidiu
ingressar na carreira jurídica.
Ao ingressar no curso de direito, com altas expectativas relativas a
argumentação e criatividade, White (2010, p. 13-14) se deparou com uma
academia focada em uma visão simplista, relativa a um sistema de
códigos a serem aplicados. Questões de interpretação e argumentação,
que aguçariam o aprendizado e a criatividade, não eram abordados. Sua
formação em literatura, então, o auxiliou tanto na academia quanto na
prática como advogado:

For I was used to the close reading of texts; used to


seeing in one composition or expression a range of
possible meanings; used to arguing for one reading
as dominant, against the reality of other
possibilities; and, perhaps above all, used to seeing
in both written and oral expressions performances
of mind and imagination that could be done well,
or badly. In other words, there was from the
beginning a natural point of connection between
these two forms of activity and life, the reading of
literary texts and the practices of law126 (WHITE,
2010, p. 14).

125
“A literatura não deve ser considerada apenas como um item de alto
consumo, como um vinho fino ou como algo elegante, e sim como centro de
nossas próprias vidas imaginativas e expressivas: pois nós, assim como os
autores que nós lemos, poderíamos colapsar clichés vazios, slogans
sentimentais ou os vícios da propaganda; ou, como eles, poderíamos tentar
encontrar maneiras de usar nossa linguagem para dizer coisas dignas de
respeito.”
126
“Pois eu estava acostumado com a leitura atenta de textos; costumava ver
em uma composição uma gama de significados possíveis; costumava
146

Portanto, a dupla formação de White permitiu que o autor


articulasse uma interseção entre direito e literatura, e foi a partir desta
experiência individual, que claramente se contrapunha à ideia de direito
dominante (conjunto de normas a serem aplicadas), que The Legal
Imagination foi concebido. Conforme White (2010, p. 18):

My hope in this book was to develop a way of


thinking about the activities of mind and
imagination that lie at the heart of law——at what
happens when a lawyer or judge is faced with a real
problem in the world, a loss or conflict, and seeks
to bring to bear upon it the language of the law. I
will not summarize the book but only say that its
method was to use a series of questions and writing
assignments to ask the student to function both as a
lawyer, speaking the language of the law, and in the
other ways in which he or she had competence,
based on his education and experience127.

Além da formação de seu autor, John Hursh (2013, p. 14-16; 17-


18), acredita que a obra teve grande repercussão porque conectou-se
diretamente aos seguintes acontecimentos: provocou respostas positivas
de juristas acadêmicos; foi publicada em momento próximo à criação do
Law and Humanities Institute (LHI); incentivou a realização de eventos
com a participação de críticos literários, firmando um caráter

argumentar com a leitura dominante, contra a realidade de outras


possibilidades; e, talvez acima de tudo, acostumado a ver em expressões
escritas e orais performances de mente e imaginação que poderiam ser bem
ou malfeitas. Em outras palavras, houve desde o início um ponto de conexão
natural entre essas duas formas de atividade e vida, a leitura de textos
literários e as práticas do direito.”
127
“Minha esperança neste livro era desenvolver um modo de pensar sobre
as atividades da mente e da imaginação que estão no cerne do direito - o que
acontece quando um advogado ou juiz se depara com um problema real no
mundo, uma perda ou conflito e procura resolvê-lo com a linguagem do
direito. Não vou resumir o livro, mas apenas dizer que seu método era usar
uma série de perguntas para pedir ao aluno que atuasse tanto como advogado,
falando a linguagem do direito, quanto nas outras maneiras pelas quais ele ou
ela tinha competência, baseada em sua formação e experiência.”
147

interdisciplinar; e inspirou a criação de revistas especializadas sobre o


assunto.
No que se refere às críticas positivas direcionadas ao livro The
Legal Imagination, tem-se, por exemplo, um texto de J. Allen Smith,
criador do Law and Humanities Institute e professor da Faculdade de
Direito de Rutgers. Além de profetizar um renascimento dos estudos de
direito e literatura, no texto The Coming Renaissance in Law and
Literature, Smith (1979) enfatiza a situação do ensino jurídico
estadunidense. Para ele, os alunos ansiavam por uma mudança em sua
complicada situação, especialmente no que se refere ao afastamento do
direito em relação ao mundo real. A falta de comunicação com o público
e a ausência de diálogo para com uma tradição humanista, são fatores que
fazem com que o jurista seja visto com suspeita e, portanto, mantido
isolado do real.
Para amenizar os problemas do ensino jurídico norte americano,
Smith (1979) sugere a aproximação do direito para com as ciências
humanas, a ser realizada da seguinte forma: 1) procura por docentes que
valorizem as ciências humanas e que possuam qualificação para ensinar
a partir de uma perspectiva que relacione direito e literatura; 2) encorajar
o ensino da literatura entre os alunos; 3) apoiar a realização de eventos
acadêmicos e de disciplinas curriculares sobre direito e literatura.
A opção de Smith (1979, p.14 e 19) pela literatura é explicada
porque o autor entende a disciplina como a principal dentre as ciências
humanas e, ademais, as parábolas e alegorias presentes nas obras literárias
ajudariam o jurista a se conectar de uma maneira mais eficaz com o real,
proporcionando reflexões sobre moralidade e decisões, por exemplo.
Em 1978128, J. Allen Smith concretiza a instituição do Law and
Humanities Institute. Seu primeiro presidente, Richard Weisberg (da
Faculdade de Direito de Cardozo), também se tornou um dos autores
recorrentes do law and literature e, junto de outros membros

built on a series of three special sections on “Law


and Literature” of the Modern Language
Association (1976-8) to identify the relevant
community of some 100 scholars, lawyers, and
judges and to begin planning a series of
conferences, one at AALS and then what would
become more than a dozen with partnering

128
Conforme informado em < http://docs.law.gwu.edu/facweb/dsolove/Law-
Humanities/institute.htm >. Acesso em 12 abril 2018.
148

institutions across the country and the world. LHI’s


first major conference, on “Terror in the Literary
Imagination and the Legal Text” was published in
the Human Rights Quarterly, and its next (held at
Washington & Lee) on “Billy Budd, Sailor”,
became the founding number of Cardozo Studies in
Law and Literature -- now (as Law and Literature
and published by the UCAL Press Journals
division) as then edited in pertinent part by
members of the LHI Board129.

Como informado na citação acima, o instituto também foi


responsável pela realização de diversos eventos dedicados a discutir
temas de direito e literatura. O primeiro deles foi a conferência Terror in
the Literary Imagination and the Legal Text, ocorrido entre 1º e 2 de Maio
de 1982, em Boston e cujos textos apresentados foram disponibilizados
na íntegra pela Human Rights Quaterly130.
No prefácio da edição, Richard Weisberg e Robert Szulkin (1983,
p. 109) descrevem o evento como “one major pursuit of the new ‘Law
and Literature’ movement131“, sendo uma consequência dos estudos de
direito e literatura desenvolvidos no LHI, desenvolvidos em três áreas
principais: “theory of interpretation; curricular innovation and expansion;
and international and domestic human rights132“.
Além disso, também foram realizados eventos externos ao LHI,
como o ocorrido em 1981 na Faculdade de Direito da Universidade do

129
“construiu uma série de três seções especiais sobre "Direito e Literatura"
na Modern Language Association (1976-8) para incentivar cerca de 100
acadêmicos, advogados e juízes a começar a planejar uma série de
conferências, uma na AALS e então o que se tornaria mais de uma dúzia de
instituições parceiras em todo o país e no mundo. A primeira grande
conferência do LHI, sobre "Terrorismo na imaginação literária e o texto
jurídico" foi publicada no Human Rights Quarterly, e a seguinte (realizada
em Washington & Lee) sobre "Billy Budd, Sailor", tornou-se o número
fundador Do periódico Cardozo Studies in Law and Literature”. Disponível
em: < http://docs.law.gwu.edu/facweb/dsolove/Law-
Humanities/institute.htm >. Acesso em 12 abril 2018.
130
Disponível em: < https://www.jstor.org/stable/i230851 >. Acesso em 12
abril 2018.
131
“uma importante busca do novo movimento "Direito e Literatura"”
132
“teoria da interpretação; inovação e expansão curricular; e direitos
humanos internacionais e domésticos”
149

Texas, tendo suas conferências publicadas na revista Texas Law


Review133. O foco central do evento era interpretação, e autores com
publicações sobre direito e literatura, como Richard Weisberg, Ronald
Dworkin, Sanford Levinson e o próprio James Boyd White, estiveram
presentes, além de renomados críticos literários como Stanley Fish,
Gerald Graff e Walter Benn Michaels. A presença de acadêmicos da
literatura neste e em outros eventos da área é indicada por Hursh (2013)
como uma confirmação do caráter interdisciplinar do movimento que
emergia da publicação de The Legal Imagination em 1973.
Por fim, importante mencionar o papel dos periódicos
especializados para a constituição e disseminação do law and literature
movement. Os dois principais134, o Yale Journal of Law & The Humanities
(YJLH) e o Cardozo Studies in Law and Literature (CSLL) foram
fundados no mesmo ano, 1989. O terceiro e mais recente, Law, Culture
and the Humanities (LCH), foi fundado em 2005.
Em relação ao Cardozo Studies in Law and Literature, o periódico
é vinculado à Faculdade de Direito Cardozo, da Universidade de Yeshiva,
em Nova Iorque. Tendo como patrono Benjamin Cardozo, que também
empresta seu nome à faculdade, o objetivo do periódico seria o de
impulsionar as pesquisas sobre Direito e Literatura já em curso no
momento de sua fundação (PREFACE; 1989, p. 3).
Em seu Preface to Project, Monroe Price (1989, p. iii), então reitor
da faculdade, salienta o caráter interdisciplinar da instituição em razão da
criação do periódico que tem como primeiro editor chefe Richard
Weisberg, professor da universidade e primeiro presidente do LHI.

133
Disponível em:
<http://heinonline.org/HOL/LandingPage?handle=hein.journals/tlr60&div=
1&src=home>. Acesso em 12 abril 2018.
134
Minha pesquisa inicial apontou dois principais periódicos que englobam
o tema direito e literatura: o Yale Journal of Law & The Humanities (YJLH)
e o Cardozo Studies in Law and Literature (CSLL), ambos fundados em 1989.
Neste mesmo sentido Hursh (2013, p. 19) escreve que, em uma antiga página
de internet, agora indisponível, os editores do Cardozo Studies in Law and
Literature afirmavam que a revista era “one of only two journals in the entire
country entirely focused on the interdisciplinary movement known as Law
and Literature”. (uma das únicas duas revistas acadêmicas em todo o país
totalmente dedicada no movimento interdisciplinar conhecido como Direito
e Literatura. Tradução minha). O site do Law and Humanities Institute,
acrescenta à lista mais um periódico, o Law, Culture and the Humanities
(LCH), fundado em 2005.
150

A primeira edição da revista, além de conter como prefácio


inpirador um voto do juiz Cardozo, contém uma série de textos
apresentados em um simpósio da LHI, sobre a obra Billy Budd, Sailor, do
escritor americano Herman Melville. Em 2002, o periódico tem seu nome
alterado para Law and Literature135, mantendo seus objetivos iniciais e
publicando diversas pesquisas sobre a área.
Já no que se refere ao Law, Culture and the Humanities, criado em
2005, trata-se de um periódico vinculado a Association for the Study of
Law, Culture, and the Humanities criada em 1998 pelo Professor Austin
Sarat (THOMAS, 2017, s.p.). Além de mais tardio, é o único constituído
por um acadêmico sem formação em direito ou literatura. Como afirma
Thomas (2017, s.p.):

Sarat is not trained in literary studies. Nor is he


based in a law school. On the contrary, he is a
political scientist at na elite liberal arts school. As
with many in both the “the law and society” and
“law and literature” movements, he believes that
the law is too important for its study to be left to
lawyers. Nonetheless, unlike White and Weisberg,
he did not initially turn to the humanities. His first
affiliation was with law and society, and only later
did he become concerned with gaps the statistical
measures of the social sciences left in our
understanding of law’s social and culture role. The
organization he founded is best understood as a
splinter group from the Law and Society
Association. Its first meeting was held at
Georgetown Law School in 1998. Although its
umbrella is large enough to include work in law
and literature, its institutional history indicates
significant differences136. (Grifou-se).

135
Disponível em: <
https://www.tandfonline.com/action/journalInformation?journalCode=rlal20
>. Acesso em 13 abril 2018.
136
“Sarat não tem formação em estudos literários. Também não possui
formação em direito. Pelo contrário, ele é um cientista político em uma escola
de artes liberais de elite. Tal como acontece com muitos dos movimentos de
“direito e sociedade” (ciências sociais) e “direito e literatura”, ele acredita
que o direito é importante demais para que seu estudo seja deixado apenas
para os advogados. Não obstante, ao contrário de White e Weisberg, ele
inicialmente não se voltou para as humanidades. Sua primeira afiliação foi
151

Interessa-nos pontuar com mais cuidado, porém, o periódico de


Yale, criado em 1989. Isto porque o Yale Journal of Law & The
Humanities, traz em sua primeira edição um texto do professor Owen M.
Fiss (1989), destacando a tradição da Universidade em empreitadas
interdisciplinares - no mesmo ano foram criados os periódicos Law &
Liberation e Law & Feminism.
Assim, cabe indagar: o que teria motivado esse interesse em
diálogos interdisciplinares em uma mesma época? Uma resposta curta e
direta, também baseada no escrito de Fiss (1989, p. 3), seria “a desire to
escape from the conservative political thrust of Law and Economics137“.
Vislumbra-se, novamente, indícios de que o law and literature foi
constituído como uma reação a abordagem racionalista do law and
economics.
A Nota dos Editores (1989) salienta a aproximação entre o direito
e as ciências humanas, ainda permeada de inseguranças e desconfianças
por parte das duas áreas; assim, a proposta do periódico seria justamente
a de criar um espaço interdisciplinar para fornecer subsídios a um diálogo
fértil. Tal interdisciplinaridade aparece com autores e corpo editorial
diversificados (acadêmicos dos estudos literários, história, antropologia,
história da arte, teoria política e direito), todos voltados a uma análise
cultural do direito.
Segundo os editores (1989, p. 2):

The Yale journal of Law & the Humanities


assumes the existence of a legal culture implicated
in the creation of symbols and structures which
provide meaning in everyday life. Because legal
culture informs both material and symbolic
products, cultural analysis must do more than
identify the images of the law that appear in a non-

com o direito e as ciências sociais, e só mais tarde ele se preocupou com as


lacunas que as medidas estatísticas das ciências sociais deixaram em nossa
compreensão do papel social e cultural do direito. A organização que ele
fundou é melhor entendida como um grupo dissidente da Law and Society
Association. Sua primeira reunião foi realizada na Escola de Direito de
Georgetown, em 1998. Embora a sua sombra seja grande o suficiente para
incluir trabalhos de direito e literatura, sua história institucional indica
diferenças significativas.”
137
“um desejo de escapar do impulso político conservador do Law and
Economics”
152

legal context. It must focus on the law’s interaction


with other cultural forms in structuring perception
and investigate the formation, boundaries, and
persistent intervention of legal culture in various
spheres of life138. [Grifou-se].

Desde o início, portanto, havia no periódico (e ouso dizer, na área)


uma intenção que não se restringia a uma análise do direito fora do
contexto propriamente jurídico. Guido Calabresi (1989, p.1), famoso por
seus trabalhos na área de Law & Economics, inclusive escreve uma carta
introdutória na qual adverte:

Hence, and also fortunately, it is impossible fully to


understand law without a deep and sympathetic
knowledge of the liberal arts. But that knowledge
cannot be just background, it must be a fundamental
part of legal scholarship. Similarly, many a problem
in the humanities (and in the sciences) would be
better understood if scholars in these fields knew
what legal scholars, and law itself, had said to the
issue139.

É possível perceber, assim, uma vontade de ultrapassar o uso


meramente utilitário das humanidades (inclusive da literatura), dentro
deste projeto, que teria o condão de fornecer um paradigma concorrente
ao viés econômico então vigente.

138
“O Yale Journal of Law & the Humanities pressupõe a existência de uma
cultura jurídica implicada na criação de símbolos e estruturas que
proporcionam sentido na vida cotidiana. Como a cultura jurídica informa
produtos materiais e simbólicos, a análise cultural deve fazer mais do que
identificar as imagens do direito que aparecem em um contexto não jurídico.
Deve centrar-se na interação do direito com outras formas culturais na
percepção estruturante e investigar a formação, limites e intervenção
persistente da cultura jurídica em várias esferas da vida.”
139
“Por isso, e felizmente, é impossível compreender completamente o
direito sem um conhecimento profundo e solidário das artes liberais. Mas esse
conhecimento não pode ser apenas um pano de fundo, deve ser uma parte
fundamental do conhecimento jurídico. Da mesma forma, muitos problemas
nas humanidades (e nas ciências) seriam melhor compreendidos se os
estudiosos dessas áreas soubessem o que os estudiosos do direito e a própria
lei teriam respondido.”
153

Todavia, Fiss (1989) adverte aos editores que, ao invocar a


expressão Law & Humanities, eles assumem para si um grande desafio:
definir o que seriam essas tais humanidades, de uma forma não
generalista/normativista; além disso, deveriam se preocupar com os
resultados práticos dessa empreitada interdisciplinar – se a intenção
primordial era a humanização do direito, o que as humanidades poderiam
fazer a respeito da prática jurídica?
Esta questão, ainda em aberto, será apenas uma das diversas
perguntas direcionadas ao movimento desde seu surgimento, que não
escapou da desconfiança de certos autores. Como afirma Hursh (2013),
as críticas negativas também terão um papel importante tanto na
consolidação de The Legal Imagination como marco inicial quanto na
disseminação do law and literature, por mais céticas que fossem. De fato,
as críticas a qualquer paradigma emergente servem para apontar
fragilidade e instigar pesquisadores a buscar soluções para as aporias
evidenciadas.
Passo, agora, a apresentar as críticas realizadas ao projeto
humanista nos Estados Unidos.

3.2 DIREITO E LITERATURA: UM GRANDE MAL-


ENTENDIDO140?

É um equívoco acreditar que o law and literature movement da


década de 1970 emergiu de forma pacífica, isento de críticas e polêmicas,
até porque, conforme explicado, se tratava de uma reação ao paradigma
econômico. O movimento que se inicia nesta época ainda se reinventará
diversas vezes, provocando controvérsias entre seus próprios autores
mesmo nos dias atuais.
Um dos mais famosos críticos do law and literature movement foi
o juiz e professor Richard Posner, reconhecido autor do law and
economics, que em 1986 escreveu o seu primeiro artigo141 sobre o tema,
intitulado Law and Literature: a relation reargued. Neste artigo, Posner
(1986, p. 1352) explica que não sabia da existência do law and literature
movement, até ter um artigo publicamente criticado pela professora Robin
West, que se baseou em Kafka para tecer suas considerações:

140
Trata-se de uma referência ao subtítulo da primeira edição do livro de
Richard Posner, em 1988, modificado a partir da segunda edição (1998).
141
Segundo o currículo do Professor. Disponível em:
<https://www.law.uchicago.edu/faculty/posner-r>. Acesso em 16 abril 2018.
154

It was only in the course of preparing a response to


an attack on the economic model of human
behavior surprisingly pivoted on the fiction of
Kafka that I became acquainted with the law and
literature movement and began to realize that it had
potential applications, not to economic analysis,
but to the interpretation of statutes and
constitutions and the writing of judicial opinions,
which are now professional concerns of mine142.

A polêmica entre West e Posner iniciou-se em 1985, quando a


professora escreveu o artigo Authority, Autonomy, and Choice: The Role
of Consent in the Moral and Political Visions of Franz Kafka and Richard
Posner. Trata-se de uma resposta a um antigo artigo de Posner, escrito em
1980143, no qual o autor tem como principal argumento ético “that wealth
maximization, especially in the common law setting, derives support from
the principle of consent that can also be regarded as underlying the
otherwise quite different approach of Pareto ethics144. (POSNER, 1980,
p. 488).”
Em resumo, Posner (1980, p.488) entende as relações sociais como
transações de mercado; assim, levando em consideração que tais relações
são consensuais, seu fundamento moral é a própria ideia de
consentimento, porque por meio dele os indivíduos buscam uma
maximização de riqueza, promovendo bem-estar e autonomia individual.
West (1985, p. 427) discorda desta premissa, pois acredita que as
relações sociais nem sempre são baseadas no consentimento, mas também
em outros fatores; assim, consentimos “because we recognize the virtue
of the values the institution reflects, because we think of the institution as
operating for the most part in our self-interest, or because consenting to

142
“Foi apenas enquanto eu preparava resposta a um ataque ao modelo
econômico de comportamento humano surpreendentemente articulado na
ficção de Kafka que me familiarizei com o movimento do direito e literatura
e comecei a perceber que ele tinha aplicações potenciais, não para análises
econômicas, mas para a interpretação de estatutos e constituições e a redação
de decisões judiciais, que são agora minhas preocupações profissionais.”
143
O artigo em questão é The Ethical and Political Basis of the Efficiency
Norm in Common Law Adjudication.
144
“que a maximização da riqueza, especialmente no contexto do common
law, deriva do princípio do consentimento que também pode ser considerado
como subjacente à uma abordagem completamente diferente da ética de
Pareto.”
155

authority confirms our feeling of guilt and meets our need for
punishment145“.
A questão que nos interessa, porém, recai sobre os fundamentos e
exemplos utilizados por Robin West (1985) para sustentar seus
argumentos: ela os retira de diversas obras de Kafka, sendo, por esta
razão, duramente criticada por Posner (1986, p.7) em sua réplica146:

I would be happier still if her paper and this reply


had been submitted to a journal of philosophy or
literature rather than to the Harvard Law Review;
for though I would be the last person in the world
to quarrel with the application to law of insights
from other disciplines, there are no applications to
law in Professor West’s article.
[...]
One might have expected her to ground this
position in the literature of the social sciences. But
instead she draws her evidence entirely from
fiction, her own and Kafka’s.
[...]
Professor West’s approach, however, seems
particularly eccentric. She reads Kafka so literally
that the incidents and metaphors from business and
law in his fiction become its meaning. That is like
reading Animal Farm as a tract on farm
management.
[...]
If you do not read Kafka tendentiously, looking for
support for one ethical or political position or
another - if you abandon yourself to the fiction you
will not, I think, be inclined to draw inferences
about the proper organization of society.
[...]
Because Georg’s friend, a brooding omnipresence
in the story, is an unsuccessful businessman,

145
“porque reconhecemos a virtude dos valores que a instituição reflete,
porque pensamos na instituição como operando em grande parte em nosso
interesse próprio, ou porque o consentimento à autoridade confirma nosso
sentimento de culpa e atende à nossa necessidade de punição”
146
A réplica é intitulada The Ethical Significance of Free Choice: A Reply to
Professor West.
156

Professor West conceives the story to be about


capitalist alienation. How dull!147

A partir desta crítica, percebe-se que a postura de Posner contém


certa dose de ceticismo quanto ao uso da literatura para se discutir
questões jurídicas e/ou políticas. Tal impressão se confirma no artigo de
1986, no qual o autor apresenta suas críticas ao law and literature
movement e destaca qual seria, na sua opinião, uma relação mais segura
entre as disciplinas. É preciso destacar, portanto, que Posner não rejeita
uma abordagem interdisciplinar entre direito e literatura; apenas propõe
caminhos diferentes para sua efetivação, conforme será mostrado.

147
“Eu ficaria ainda mais feliz se o artigo dela tivesse sido submetido a um
periódico de filosofia ou literatura, em vez de ser submetido à Harvard Law
Review; pois embora eu seja a última pessoa no mundo a criticar aplicações
interdisciplinares entre o direito e outras disciplinas, não há nada de direito
no artigo da professora West.
[...]
Alguém poderia esperar que ela fundamentasse essa posição na literatura das
ciências sociais. Mas, em vez disso, ela extrai toda sua evidência da ficção, a
dela e a de Kafka.
[...]
A abordagem da professora West, no entanto, parece particularmente
excêntrica. Ela lê Kafka tão literalmente que os incidentes e metáforas dos
negócios e do direito em sua ficção se tornam seu significado. Isso é como
ler A Revolução dos Bichos como um trato sobre gestão agrícola.
[...]
Se você não lê Kafka tendenciosamente, procurando apoio para uma posição
ética ou política ou outra - se você se abandonar à ficção, você não estará,
penso eu, inclinado a fazer inferências sobre a organização adequada da
sociedade.
[...]
Como o amigo de Georg, uma figura onipresente na história, é um homem de
negócios malsucedido, a professora West entende a história como exemplo
da alienação capitalista. Que maçante!”
157

Figura 12: Richard Posner

Fonte: < https://bit.ly/2Lnh9QF>. Acesso em 19 dez. 2018.

A principal objeção de Posner (1986, p. 1355-1359) é que


habilidades jurídicas não são cruciais para atuar como um crítico literário;
inclusive, as análises já feitas por professores como James White e
Richard Weisberg, diretor do LHI, detêm qualidade de conteúdo, mas
porque ambos possuem formação em Inglês ou Literatura, e não porque
são juristas.
Além disso, para Posner (1986, p. 1356-1357) alega-se que
diversas obras possuem temáticas jurídicas, quando, na verdade, não
possuem. Exceto em culturas nas quais os únicos vestígios de direito
advêm do que hoje é conhecido como literatura (como os textos épicos
nórdicos, conhecidos como Eddas148) o direito prático, que interessa ao
advogado ou ao juiz, está presente nos códigos, nas decisões judicias e
em outros textos jurídicos. Na literatura, ainda que haja um tribunal, um
juiz ou um advogado, o tema nunca é o direito propriamente dito (lei),
mas temas filosóficos como a justiça, a vingança, o amor, dentre outros.
Como exemplo, Posner (1986, p. 1357) cita a obra O Mercador de
Veneza, de Shakespeare:

At one level the play is about the enforcement of a


contract that contains a penalty clause, which the
defendant avoids by a technicality. Even in
Elizabethan England the contract would have been
unenforceable and the trial regarded as farcical.

148
Inclusive, sobre o assunto, vale mencionar a obra Law and Literature in
Medieval Iceland, de Theodore Andersson e William Miller.
158

The legal dispute is not the point of the play but a


convenient metaphorical framework for
contrasting two modes of social interaction: the
arm length dealing of mutually suspicious strangers
and the way of altruism and love. Shylock the Jew
symbolizes the rejection of love, embodied in its
specifically Christian form by Jesus Christ, in favor
of commercial, self-interest. Antonio, the
Merchant of the title, is a symbol of Christ, and
Portia, I believe, a symbol of practicality and good
sense149.

A presença destes temas em obras literárias é explicada por Posner


(1986, p.1356) a partir da ideia de clássico. Uma obra literária não nasce
clássica; ela se torna, desde que, consiga chamar a atenção de diferentes
pessoas, em diferentes épocas e espaços. Para isso, é comum que o autor
busque subsídios em temas que sofrem poucas mudanças estruturais,
como amor, ambição, natureza humana e, também temas adjacentes ao
direito. “Specific doctrines and procedures may change, but the broad
features of the law do not150 (POSNER, 1986, p. 1356)”. Por essa razão,
elementos do direito podem até estar presentes, de certa forma, na
literatura, mas não em função do direito vigente, e sim pela busca do autor
de conferir um caráter clássico à obra.
Isso não significa, porém, que o autor se oponha a qualquer relação
entre o direito e a literatura. Na verdade, Posner (1986, p. 1375) acredita
que a literatura tem muito a ensinar ao jurista, mas, neste primeiro
momento, ele salienta a forma, especialmente no que se refere a escrita
de judicial opinions.

149
“Em um nível, a peça é sobre a execução de um contrato que contém uma
cláusula penal, a qual o réu evita por um detalhe técnico. Mas mesmo na
Inglaterra elisabetana, o contrato teria sido inexequível e o julgamento
considerado uma farsa. A disputa jurídica não é o ponto principal da peça,
mas uma estrutura metafórica conveniente para o contraste de dois modos de
interação social: o tratamento de estranhos mutuamente suspeitos e o
caminho do altruísmo e do amor. Shylock, o judeu, simboliza a rejeição do
amor, encarnado em sua forma especificamente cristã por Jesus Cristo, em
favor do interesse comercial. Antonio, o mercador do título, é um símbolo de
Cristo, e Portia, creio eu, um símbolo de praticidade e bom senso.”
150
“As doutrinas e procedimentos específicos podem mudar, mas as
características gerais do direito, não”.
159

Para Posner (1986, p.1376), as judicial opinions, espécie de votos


emitidos por juízes em tribunais colegiados, são formas de retórica,
especialmente quando relativas aos chamados hard cases, que não podem
ser puramente decididos com base em legislações e tratam de temas
sensíveis (aborto, eutanásia, etc). Os críticos literários são especialistas
em retórica e, por isso, podem auxiliar no desenvolvimento deste tipo de
escrita.
A maioria dos textos jurídicos, como os códigos e os contratos, não
precisa se preocupar com a forma, pois não precisa persuadir ninguém, já
que emanam da própria autoridade estatal, ou da autonomia da vontade
das partes. Entretanto, os votos de juízes nada mais são que retórica, e
precisam persuadir seus receptores a partir de critérios diversos como
plausibilidade, apelo ético, dentre outros. Para comprovar seu argumento,
Posner (1986, p. 1379-1385) analisa uma judicial opinion e explicita as
ferramentas retóricas ali encontradas: o juiz se coloca como um simples
cidadão; constrói camadas de argumentos sem revelar suas intenções de
forma abrupta, etc.
Por essa razão, seria útil que os juízes aprendessem valores de
escrita literário, como a complexidade – não utilizar um viés maniqueísta
simplório – o uso correto de palavras, a construção de camadas
argumentativas, para melhorar as próprias peças processuais e,
consequentemente (mas não apenas) a forma como se fundamentam os
hard cases.
A grande diferença entre as abordagens de White (1985, p. xii-xiii)
e Posner (1986, p.1392), portanto, reside no conceito de Direito
defendido por cada um deles: enquanto para White (1985, p. xii-xiii) o
direito é uma linguagem, dotada de artefato cultural específico, para
Posner (1986, p.1392), o direito é uma técnica de governo, que nem
sequer tem um método próprio. Todavia, trata-se de uma técnica
vinculada à criação de textos, e por este motivo pode se relacionar de
forma profícua para com a literatura.
Em 1987, Posner escreve a resenha da obra The Failure of the
Word: The Protagonist as Lawyer in Modern Fiction, do professor
Richard Weisberg, primeiro presidente do LHI e editor chefe do periódico
Cardozo Studies in Law and Literature. No texto, Posner (1987, p. 1176)
alerta novamente para a confusão feita entre ficção e realidade, ao afirmar
que “Professor Weisberg’s book is about law and lawyers only in the
sense in which a certain conception of law might be thought to signify
ressentiment and hence injustice.”. Ademais, ele demonstra que uma
interpretação de Richard Weisberg sobre a aplicação de uma lei marítima
da Inglaterra do século XIX está historicamente equivocada, conforme o
160

código da época. Vislumbra-se, aqui, a aplicação empírica de seu


ceticismo: às vezes a literatura é apenas literatura.
Um ano depois, Posner lançou a primeira edição de seu livro Law
and Literature: a misunderstood relation, no qual continua a desenvolver
suas críticas ao law and literature movement. O livro ganha uma segunda
edição em 1998, passando a se chamar simplesmente Law and Literature,
e ainda, uma terceira em 2009, mantendo o último título.

Figura 13: As edições de Law and Literature

Da esquerda para a direita: a edição de 1988; a edição de 1998, já com o título


alterado, e a edição de 2009. Fontes: < https://amzn.to/2Gx6WTP>; <
https://bit.ly/2EDfkzm>; < https://amzn.to/2EE1FYO>. Acesso em 19 abril
2018.

A edição de 2009, a mais recente na data de escrita desta tese, conta


com um Posner mais tolerante, embora ainda mantenha algumas posições
sobre o law and literature. Em seu prefácio, o autor (2009, p. xi) afirma
que “a literary sensibility may enable judges to write better opinions and
lawyers to present their cases more effectively151“, estendendo a utilidade
da literatura também para os advogados.
Conforme Posner (2009, p. xv-xvi), o crescimento da produção
acadêmica sobre direito e literatura nos EUA não apenas permitiu que ele
continuasse produzindo e ensinando sobre o tema, como também
possibilitou a publicação de uma edição mais extensa de seu livro. A
introdução foi alterada, no intuito de melhor delinear o campo de estudo

151
“Uma sensibilidade literária pode permitir que os juízes escrevam
melhores decisões e que os advogados apresentem seus casos de forma mais
eficaz”.
161

analisado; considerações sobre o direito na cultura pop, incluindo o


cinema, foram adicionados; e análises de obras como O Evangelho
segundo João e Alice no país das maravilhas foram incluídos. As
discussões sobre o uso de técnicas literárias para melhorar a atuação de
advogados e juízes foram expandidas, sendo acrescentados dois capítulos
inéditos (Literature as a source of background knowledge for law e
Improving Trial and appellate advocacy) e temas como copyright e plágio
foram acrescentados. A conclusão conta ainda com um manifesto sobre o
futuro do law and literature.
Dentre as exclusões, Posner (2009, p. xv) menciona a retirada de
um capítulo sobre o holocausto e de outro sobre biografias judiciais, por
considerar tais temas distantes da proposta de direito e literatura.
Em relação ao projeto humanista, Posner (2009) defende uma
posição ligeiramente distinta da emitida no artigo de 1986. O autor (2009,
p.21) passa a argumentar que ainda que o direito dogmático (lei) não
esteja presente em obras literárias, existem livros sobre o direito. A
grande questão seria explicar o que se entende por sobre o direito em
determinada obra, uma vez que é possível pensá-lo a partir de um conceito
amplo o bastante para englobar tanto o direito natural quanto a vingança,
bem como sistemas normativos paralelos ao direito positivo e que
exercem alguma influência sobre ele (leis e costumes de comunidades
tradicionais, por exemplo). Por esse motivo, é possível aprender não sobre
leis, mas sobre filosofia do direito a partir da literatura:

But this depends on the meaning of “about.”


Literature may contain many details of vanished
social customs without being “about” them, or
without being just about them. The Homeric epics
contain a wealth of information, though much of it
garbled, about Mycenaean culture. But if they were
merely a depiction of vanished customs they would
be read today just as historical or sociological
source documents, as the Icelandic sagas largely
are152. (POSNER, 2009, p. 31)

152
“Mas isso depende do significado de "sobre". A literatura pode conter
muitos detalhes dos costumes sociais sem ser "sobre" eles, ou sem ser apenas
sobre eles. Os épicos homéricos contêm uma grande quantidade de
informação, embora grande parte dela truncada, sobre a cultura micênica.
Mas se fossem apenas uma representação de costumes desaparecidos, seriam
lidos hoje como documentos-fonte históricos ou sociológicos, como são em
grande parte as sagas islandesas.”
162

Merece destaque, também, a autocrítica feita pelo autor em relação


a postura adotada em 1988, na primeira edição do livro. Diz Posner (2009,
p. 6):

I have come to praise Caesar, not to bury him. Law


and literature is a rich and promising field; and if
the first edition of this book had rather a negative
and even defensive character (defending my
academic specialty, ‘law and economics’, against
criticism from law and literature scholars such as
James Boyd White and Robin West), that was more
than 20 years ago and the negative tone was gone
by the second edition153.

Isto não significa, entretanto, que o autor não tenha objeções à


forma como os estudos de direito e literatura foram efetuados até a
publicação da obra. Para ele (2009, p. 6), o crescimento quantitativo de
produções sobre o tema reflete o crescimento de publicações em geral na
academia jurídica estadunidense e não necessariamente representa um
aumento qualitativo de estudos do assunto. Tanto que dentre as
dificuldades a serem enfrentadas pelos pesquisadores, Posner (2009, p. 6-
7) elenca o amadorismo:

the plague of interdisciplinarity: the lawyer writing


about literature without literary sensitivity or
acquaintance with the relevant literary scholarship,
the literary scholar writing about law without legal
understanding. The scholar who crosses academic
bound aries risks losing the benefits of
specialization, but that is not the major danger,
because specialization has costs as well as benefits;
it has for sure not brought unalloyed gains to
literary scholarship. The greater danger is the
attractiveness of interdisciplinarity to weak
scholars as a method of concealing weakness. The

153
“Mas eu venho para elogiar e não para criticar. Direito e literatura é um
campo rico e promissor; e se a primeira edição deste livro tinha um caráter
negativo e até mesmo defensivo (defendendo minha especialidade
acadêmica, "direito e economia", contra críticas de estudiosos do direito e
literatura como James Boyd White e Robin West), isso foi há mais de 20 anos
atrás e o tom negativo desapareceu na segunda edição do meu livro”.
163

literary scholar who writes about law is apt to be


judged indulgently by other literary scholars,
impressed by his apparent mastery of another field,
and the legal scholar who writes about literature is
apt to be judged indulgently by other legal scholars
similarly impressed154.

Além disso, outro ponto criticado pelo autor (2009, p. 7) diz


respeito a ausência de fronteiras definidas sobre como estudar o tema, que
gera como consequência uma “lack of coherence, along with
indiscriminateness, jargon, and a pervasive left-liberal political bias — all
of which turn out to be related to each other and also to the misconceived
humanizing Project155“.
Importante destacar que não necessariamente concordo com as
críticas apresentadas por Posner (2009); todavia, faz-se necessário
detalhá-las para que seja possível identificar sua ausência nas pesquisas
brasileiras, como será visto no ultimo tópico deste capítulo.
Em síntese, Posner (2009, p.16) critica a compreensão sobre como
o estudo da literatura, especialmente dos clássicos, pode auxiliar o estudo
do direito, a partir da suposta humanização do jurista (a premissa de que
a literatura pode ajudar a humanizar o direito). Para Posner (2009, p. 7),
nada mais falso. Segundo o autor (2009), os personagens literários não
devem ser bons ou maus, mas interessantes.

154
“a praga da interdisciplinaridade: o jurista escrevendo sobre literatura sem
sensibilidade literária ou familiaridade com a teoria literária relevante, o
estudioso literário escrevendo sobre direito sem entendimento jurídico. O
estudioso que cruza fronteiras acadêmicas corre o risco de perder os
benefícios da especialização, mas esse não é o maior perigo, porque a
especialização tem tanto custos quanto benefícios; com certeza não trouxe
ganhos absolutos para a erudição literária. O maior perigo é a atratividade da
interdisciplinaridade para os estudiosos fracos como uma forma de ocultar
sua fraqueza. O erudito literário que escreve sobre direito é apto a ser julgado
de forma tolerante por outros eruditos literários, impressionado pelo seu
aparente domínio de outro campo, e o acadêmico do direito que escreve sobre
literatura está apto a ser julgado favoravelmente por outros estudiosos do
direito igualmente impressionados.”
155
“falta de coerência, juntamente com indiscriminado uso de jargão e um
viés político de esquerda difundido - todos os quais acabam por ser
relacionados uns aos outros e também com o projeto de humanização mal
concebido”.
164

Isso não significa que a literatura seja incapaz de gerar


consequências políticas ou morais, já que “Information and persuasion
affect behavior, and literature, as we know, both informs and persuades156
(POSNER, 2009, p. 457)”. A questão é que essas consequências são
geradas no momento de publicação da obra, ou seja, quando ela ainda não
é um clássico, vindo a se estabilizar e perder o caráter polemizador ao
longo do tempo. Para fortalecer seu argumento, Posner (2009, p. 458)
apresenta três premissas:

The first is that immersion in literature does not


make us better or worse people. A few works of
literature may, as just suggested, have such an
effect because of the information they convey or
the emotional wallop they deliver, but they are a
skewed sample of the great literary works. Second,
we should not be discountenanced when we
encounter morally offensive views in literature
even if the author appears to share them; a work of
literature is not maimed by expressing
unacceptable moral views and a mediocre work of
literature is not redeemed by expressing moral
views of which we approve. Third, the author’s
personal moral qualities or opinions should not
affect our evaluation of the work157.

Seguindo em sua explicação, Posner (2009, p. 458) afirma que


vislumbrar na literatura um caráter pedagógico e moralizante contraria
uma tradição na crítica literária, originada por Platão, que desconfia dos
trabalhos artísticos:

156
“A informação e a persuasão afetam o comportamento, e a literatura, como
sabemos, informa e convence”.
157
“A primeira é que a imersão na literatura não nos torna pessoas melhores
ou piores. Alguns trabalhos de literatura podem, como acabamos de sugerir,
ter tal efeito por causa das informações ou emoções que transmitem, mas são
uma amostra distorcida das grandes obras literárias. Segundo, não devemos
ficar insatisfeitos quando encontramos opiniões moralmente ofensivas na
literatura, mesmo que o autor pareça concordar com elas; uma obra literária
não se torna mutilada por expressar morais inaceitáveis e uma obra medíocre
não é redimida por expressar visões que aprovamos. Terceiro, as qualidades
ou opiniões morais pessoais do autor não devem afetar nossa avaliação do
trabalho.”
165

Plato, Tolstoy, Bentham, and the Puritans, among


others, were deeply suspicious of literature and the
arts and unwilling to grant any value to literature
that contained immoral ideas. Devotees of the
“naked truth,” whether religious, philosophical, or
scientific, these eminences despised surface and
figuration and hence found no redeeming value in
immoral literature. Plato thought the physical
world a pale copy of the world of the immortal
Forms, which he thought accessible only to
philosophy—and literature was just a copy of the
copy158.

É possível inferir que Posner (2009) considera as duas posições


demasiadamente extremistas, pois ou a literatura possui algum valor
político ou moral e deve ser vista como a salvação do direito, ou não
possui valor de forma alguma e deve ser descartada. Assim, ele inicia sua
crítica sobre a humanização do direito pela literatura recordando que foi
na Alemanha, berço de importantes tradições culturais, artísticas e
filosóficas, que o nazismo floresceu.
Ademais, não é por conhecer os clássicos que os professores de
literatura têm vidas melhores. “Immersion in literature and art can breed
rancorous feelings of personal superiority, alienation, and resentment159“.
(POSNER, 2009, p. 462). Isto também vale para as próprias obras; os
clássicos possuem conteúdo moral ambíguo, pois dependendo de seu
contexto de produção, determinadas atitudes representadas como naturais
não são mais aceitas nos dias atuais:

Rape, pillage, murder, human and animal sacrifice,


concubinage, and slavery in the Iliad; misogyny in
the Oresteia and countless works since; blood-
curdling vengeance; antisemitism in more works of
literature than one can count, including works by

158
“Platão, Tolstói, Bentham e os puritanos, entre outros, suspeitavam
profundamente da literatura e das artes e relutavam em conceder qualquer
valor à literatura que contivesse ideias imorais. Devotos da ‘verdade nua’,
religiosa, filosófica ou científica, eles desprezavam a superfície e a figuração
e, portanto, não encontravam valor redentor na literatura que não fosse moral.
Platão considerava o mundo físico uma cópia do mundo das ideias, acessível
apenas à filosofia - a literatura era apenas uma cópia da cópia.”
159
“A imersão na literatura e na arte pode gerar sentimentos rancorosos de
superioridade, alienação e ressentimento pessoal”.
166

Shakespeare and Dickens; racism likewise;


homophobia (think only of Shakespeare’s Troilus
and Cressida, Mann’s “Death in Venice,” and
Sartre’s chilling “The Childhood of a Leader”);
monarchism, aristocracy, fascism, Stalinism, caste
systems and other illegitimate (as they seem to us)
forms of hierarchy; colonialism, imperialism,
religious obscurantism, militarism, gratuitous
violence, torture, mutilation, and criminality;
alcoholism and drug addiction; stereotyping;
sadism; pornography; machismo; cruelty to
animals; snobbism; praise of idleness; and
contempt for the poor, the frail, the elderly, the
deformed, and the unsophisticated, for people who
work for a living, for the law-abiding, and for
democratic processes. The world of literature is a
moral anarchy; if immersion in it teaches anything
in the moral line it is moral relativism (POSNER,
2009, p. 462)160.

De acordo com Posner (2009, p. 463), autores do projeto humanista


defendem que o igualitarismo está presente na literatura, de forma a
atingir o leitor. Mas para Posner, uma obra não necessariamente precisa
defender o igualitarismo; por isso, não se pode afirmar que determinados
trabalhos são inerentemente progressistas. Para o autor (2009, p. 463):

160
“Estupro, pilhagem, assassinato, sacrifício de animais e humanos,
concubinato e escravidão na Ilíada; misoginia na Oresteia e incontáveis obras
desde então; vingança; antissemitismo em mais obras de literatura do que se
pode contar, incluindo obras de Shakespeare e Dickens; racismo da mesma
forma; homofobia (pense apenas em Troilus e Cressida, de Shakespeare, em
"Morte em Veneza", de Mann, e em "A Infância de um Líder", de Sartre);
monarquismo, aristocracia, fascismo, stalinismo, sistemas de castas e outras
formas ilegítimas (como nos parecem) de hierarquia; colonialismo,
imperialismo, obscurantismo religioso, militarismo, violência gratuita,
tortura, mutilação e criminalidade; alcoolismo e toxicodependência;
estereotipagem; sadismo; pornografia; machismo; crueldade com animais;
esnobismo; louvor da ociosidade; e desprezo pelos pobres, pelos frágeis,
pelos idosos, pelos deformados e pelos não-sofisticados, pelas pessoas que
trabalham para viver, pelos processos que cumprem a lei e pelos processos
democráticos. O mundo da literatura é uma anarquia moral; se a imersão na
literatura ensina algo, é o relativismo moral.”
167

Most of the best-known English, French, Russian,


German, and American novels can be sorted into
one or more nonegalitarian classes: novels that are
preoccupied with private themes (as they now
strike us) often archaically conceived, such as
adultery and manliness (for example, Lawrence,
Hemingway, Ford Madox Ford, and Joyce);
adventure novels (a class that overlaps the first);
and novels that despite surface appearances are
disengaged from any serious interest in the social
or political arrangements of society (which, as we
have seen, may largely be true even of Kafka and
Camus), that disparage the modern project of
liberty and equality (for example, Dumas, Scott,
Dostoevsky, Waugh, at times Conrad and
Faulkner), that presuppose an organization of
society in which a leisured, titled, or educated
upper crust lives off the sweat of the brow of a mass
of toilers at whose existence the novelist barely
hints (for example, Austen, James, Wharton,
Proust, Waugh, Fitzgerald), that are preoccupied
with issues more metaphysical than societal
(Beckett, Hesse, Melville, Tolstoy, Mann, and,
again, Kafka and Camus), that defend bourgeois
values (Defoe, Galsworthy, Trollope), that deal
with public themes yet whose take on them is
equivocal or inscrutable (Melville, Twain, and
Faulkner), or that deal with both social and private
themes but the latter predominate (Stendhal,
Flaubert, Bulgakov)161.

161
“A maioria dos romances ingleses, franceses, russos, alemães e
americanos pode ser dividida em uma ou mais classes que não defendem o
igualitarismo: romances que se preocupam com temas privados, muitas vezes
concebidos arcaicamente, como adultério e masculinidade (por exemplo,
Lawrence, Hemingway, Ford Madox Ford e Joyce); romances de aventura; e
romances que, apesar das aparências superficiais, são desvinculados de
qualquer interesse sério nos arranjos sociais ou políticos da sociedade, que
depreciam o moderno projeto de liberdade e igualdade (por exemplo, Dumas,
Scott, Dostoiévski, Waugh, às vezes Conrad e Faulkner), que pressupõem
uma organização da sociedade na qual uma casta superior livre, titulada ou
instruída vive do suor do rosto de uma massa de trabalhadores cuja existência
o romancista mal menciona (por exemplo, Austen, James, Wharton, Proust,
Waugh, Fitzgerald), que estão preocupados com questões mais metafísicas
168

Além disso, Posner (2009, p. 464-465) salienta que mesmo quando


os leitores tomam consciência de temas morais duvidosos presentes nas
obras clássicas, sua popularidade permanece pouco ou completamente
inalterada – os leitores aprendem a relevar a presença de uma ética
obsoleta nas obras literárias e por isso o conteúdo moral literário é
irrelevante. Ainda que os valores morais atuais sejam identificáveis em
obras mais antigas, isso não significa que ela terá sobrevivido como
clássico. Como já destacado anteriormente, para Posner (1986), uma obra
clássica é aquela que sobrevive ao teste do tempo, permanecendo popular
por tratar de temas universais, como amor, vingança, justiça, dentre
outros. É por esta razão, que para ele, A Cabana do Pai Tomás, de Harriet
Beecher Stowe, não sobreviveu como literatura (seu valor seria apenas
histórico), mesmo defendendo valores abolicionistas.
Para Posner (2009, p. 466-467):

To devalue a work of literature because of its


politics, morality, or religion is not only to cut off
one’s nose to spite one’s face. It is philistine,
illiberal, and, when it expresses itself in a sense of
moral superiority to our predecessors, the form of
ethnocentrism that has been dubbed “temporal
parochialism.”
[...]
To politicize literature also breaches the wall that
separates culture from the state—what is properly
private from what is properly public. To assign
literature the task of promoting political and moral
values is to associate it with public functions, such
as the inculcation of civic virtue, as Plato proposed
in the Republic. It makes literature an inviting
candidate for public regulation and bolsters the
radicals’ claim that everything is politics162.

do que sociais (Beckett, Hesse, Melville, Tolstói, Mann e, novamente, Kafka


e Camus), que defendem os valores burgueses (Defoe, Galsworthy,
Trollope), que lidam com temas públicos, mas cuja interpretação é
equivocada ou inescrutável (Melville, Twain e Faulkner), ou que tratam de
temas sociais e privados, mas os últimos predominam (Stendhal, Flaubert,
Bulgakov).”
162
“Desvalorizar uma obra literária por causa de sua política, moralidade ou
religião não é apenas jogar pedras no próprio telhado. É filisteu, não liberal,
e, quando se expressa em um senso de superioridade moral aos nossos
169

Neste ponto, uma ressalva faz-se necessária já que é possível


compreender a existência de limites à liberdade de expressão artística. Por
exemplo, se uma obra literária foi concebida para expressar visões
racistas de mundo, que ofendem os direitos individuais de um grupo
social específico, ela pode e deve ser criticada por seu conteúdo
ideológico. O limite, assim, seria a própria dignidade da pessoa humana,
a ser aferida em cada caso concreto. Por isso, ressalto: estou apenas
apresentando as críticas do autor e não endossando-as.
Na sequência, Posner (2009, p. 467) critica o trabalho de James
White, questionando a humanização do direito pela literatura a partir do
seguinte argumento: cada um de nós possui uma visão individual sobre o
que é moralmente bom e ruim; assim, a literatura que defender a visão de
mundo concebida pelo indivíduo será considerada boa e a que contradizê-
la será vista como ruim. Isso sem esquecer de que para o autor, é possível
encontrar diferentes valores morais em uma mesma obra literária, pois as
narrativas tendem a apresentar esta ambiguidade em razão do já
mencionado teste temporal que a tornará ou não, clássica. Portanto, para
Posner (2009. p.472): “Moral readings of works of literature tend to be
reductive, and thus to commit the same sin of which the moralistic critics
accuse the social scientists163“.
Se a literatura não possui um caráter pedagógico moral inerente,
então, por que lê-la? Posner (2009, p. 481-482) oferece a seguinte lista de
razões:

[...] acquiring surrogate experience; obtaining


templates for interpreting one’s actual experiences
(but not practical lessons for living); sharpening
one’s writing and reading skills; expanding one’s
emotional horizons; obtaining self-knowledge;

antecessores, é uma forma de etnocentrismo que foi apelidada de


“paroquialismo temporal”. [...] Politizar a literatura também rompe o muro
que separa a cultura do estado - o que é propriamente privado do que é
propriamente público. Atribuir à literatura a tarefa de promover valores
políticos e morais é associá-la a funções públicas, como a cultivação da
virtude cívica, como Platão propôs na República. Torna a literatura um
candidato convidativo à regulamentação pública e reforça a afirmação dos
radicais de que tudo é política.”
163
“Leituras morais de obras literárias tendem a ser redutoras e, portanto,
tendem a cometer o mesmo pecado atribuído aos cientistas sociais pelos
críticos moralistas.”
170

gaining pleasure; experiencing an echo-chamber


effect; undergoing therapy; and enjoying art for
art’s sake. None of these benefits is likely to
improve the reader’s morals164.

Embora seja o principal crítico do movimento, Posner não está


sozinho em seu ceticismo. Robert Weisberg, pesquisador também
dedicado ao law and literature, escreve em 1989 (um ano após a primeira
edição do livro de Posner) o artigo The Law-Literature Enterprise, no
qual deixa explícita sua desconfiança em relação aos estudos produzidos
até então nos Estados Unidos. Segundo Weisberg: (1989, p.3)

I will argue that much of the law-literature


scholarship has produced skimpy intellectual
results because it combines overly conventional
readings of literature with a complacent
understanding of law, sometimes masking itself in
the self congratulatory tones of broad cultural
understanding165.

Desta forma, o autor passa a elencar uma série de lacunas nos


estudos sobre o tema realizados até então. O primeiro problema levantado
por Weisberg, seria a ausência de uma interdisciplinaridade real, como
pode ser inferido a partir do seguinte fragmento:

Wholes that merely equal the sums of their parts


are not very useful, and some of the wholes here
have even been smaller than the sums. The
revelation of a connection between disparate forms
of discourse is really illuminating only when
discomfiting, or, better yet, subversive, because

164
“Adquirir experiência; obter modelos para interpretar as experiências reais
da pessoa (mas não lições práticas para viver); afiar as habilidades de escrita
e leitura; expandir os horizontes emocionais; obter autoconhecimento; ganhar
prazer; experimentar um efeito de câmara de eco; tratamento de saúde; e
apreciar a arte pela arte. Nenhum desses benefícios pode melhorar a moral do
leitor.”
165
“Argumentarei que grande parte dos estudos de direito e literatura
produziu resultados intelectuais modestos porque combinam leituras
excessivamente convencionais da literatura com uma compreensão
complacente do direito, às vezes se mascarando nos tons de
autocongratulação do amplo entendimento cultural.”
171

subversion of the apparent structure of a culture is


precisely what this sort of “social text” approach
can contribute. My general assumption, then, is that
truly interdisciplinary study, or at least fertile
interdisciplinary study, entails discomfiture. As
Clifford Geertz has sharply discussed in his essay
on the “blurred” generic lines between the social
sciences and humanities, the application of the
methods or premises of one discipline to another
seems necessarily “discomposing.”166
(WEISBERG, 1989a, p. 3).

Uma das grandes preocupações de Weisberg (1989, p. 6-7), é o


significado conceitual desse estudo interdisciplinar. Para ele, o law and
literature possui uma peculiaridade que não pode ser negligenciada; ao
buscar auxílio nas ciências sociais (mais especificamente na economia,
conforme o paradigma então vigente), o jurista procura explicar como o
direito funciona ou deveria funcionar para obter determinados objetivos.
Mas quando se trata da literatura, este objetivo não é possível de ser
alcançado, porque a literatura não é uma disciplina explicativa. Em um
sentido amplo, a literatura em si “is not a discipline’ at all, but one of the
large productions or media of culture167. (WEISBERG, 1989, p. 5).”
Por essa razão, Weisberg (1989, p. 5) afirma que o uso da literatura
para explicar o fenômeno jurídico tem sido feito de maneira informal no
intuito de mostrar a vida humana de forma dramática – o que é bastante
criticável. Para ele, portanto, “this ‘use’ of literature in relation to law
often takes a somewhat sentimental form168“. Esta é uma das hipóteses

166
“Totalidades que simplesmente se igualam às somas de suas partes não
são muito úteis, e alguns dos inteiros aqui foram menores do que as somas.
A revelação de uma conexão entre formas discrepantes de discurso é
iluminadora apenas quando desconcertante, ou, melhor ainda, subversiva,
porque a subversão da estrutura aparente de uma cultura é exatamente o que
esse tipo de abordagem de "texto social" pode oferecer. Minha suposição
geral, então, é que o estudo verdadeiramente interdisciplinar, ou pelo menos
um estudo interdisciplinar fértil, envolve desconforto. Como Clifford Geertz
discutiu em seu ensaio sobre as linhas genéricas "embaçadas" entre as
ciências sociais e humanas, a aplicação dos métodos ou premissas de uma
disciplina a outra parece necessariamente "desconcertante".”
167
“Não é uma disciplina, mas um produto midiático ou cultural.”
168
“Esse "uso" da literatura em relação ao direito muitas vezes assume uma
forma um tanto sentimental.”
172

defendidas na tese, segundo a qual uma visão romantizada da literatura


teria feito a abordagem parecer imune a qualquer crítica.
No que se refere especificamente ao projeto humanista, Weisberg
(1989 p.17) escreve:

The category of law in literature [...] encompasses


the sentimental version of the law-literature
connection which I mentioned earlier. We can read
literature to better understand concrete human
elements of law that conventional legal texts
obscure, and thus can use literature to educate
lawyers-to deabstract and “humanize” them169.

Esta chamada versão sentimental desenvolvida por Weisberg


(1989, p. 5), diz respeito à abordagem romantizada da obra literária,
segundo a qual o jurista se tornaria mais empático e sensível (mais
humano) a partir da leitura, sua tábua de salvação.
Para Weisberg (1989, p. 17), o jurista tornou-se desacreditado com
o direito, entendido como abstrato e mecanicista, motivo pelo qual
precisaria dialogar com as ciências humanas, em especial com a literatura,
para ultrapassar essas limitações. O autor, porém, discorda desta
premissa; para ele, o problema da área recai sobre a própria abstração dos
doutrinadores, não havendo razão para compreender o elemento humano
presente no direito como uma grande descoberta.
Mesmo a simples análise de casos concretos pode ajudar a
explicitar tal ponto: um exemplo, segundo Weisberg (1989, p. 18), seria
o caso do Estado vs. Williams, no qual um casal de índios nativo
americano foi levado à justiça por manter seu filho afastado dos cuidados
médicos tradicionais, o que o teria levado a morte. O casal foi acusado de
assassinato involuntário, mas diversos autores apontaram para a
necessidade de se vislumbrar o caso a partir de uma perspectiva
diferenciada, em respeito às tradições desta família.
Além disso, Weisberg (1989, p. 18) argumenta que, caso o direito
precisasse ser humanizado, seria necessário recorrer a outras ciências
humanas e não apenas à literatura, fazendo alusão à formação preliminar

169
“A categoria do direito na literatura [...] abrange a versão sentimental da
conexão entre direito e literatura que mencionei anteriormente. Podemos ler
literatura para entender melhor os elementos humanos presentes no direito e
obscurecidos pelos textos legais convencionais; portanto, podemos usar a
literatura para educar os advogados - para abstracioná-los e "humanizá-los".”
173

que os estudantes norte americanos precisam obter antes de ingressar nas


academias jurídicas deste país. Por fim, afirma o autor:

[...] to suggest that we must read the classics or


even modern literature to see these points, at least
at the level of generality at which these points are
pitched, is to suggest that lawyers or law students
are rather doltish. It suggests that students will miss
the point when they read the case itself, so that the
instructor must try the textual equivalent of a visual
aid-a novel or play-to make the point. If this task is
necessary, well, then it is necessary, but it tells us
little about law and literature170. (WEISBERG,
1989, p. 17).

Weisberg (1989), portanto, acredita que os trabalhos sobre o direito


na literatura tendem a ser generalistas, não oferecendo contribuições reais
sobre o direito ou sobre a cultura, além de vislumbrar a obra literária a
partir de uma ótica romântica, sentimental, e de estabelecer poucas
conexões úteis entre as duas áreas.

Figura 14: Robert Weisberg

Disponível em: < https://stanford.io/2AgofDh>. Acesso em 19 dez. 2018.

170
“Sugerir que devemos ler os clássicos ou mesmo literatura moderna para
ver esses pontos, pelo menos no nível de generalidade em que esses pontos
são apresentados, é sugerir que os advogados ou estudantes de direito são um
tanto ridículos. Pressupõe que os alunos perderão o ponto quando lerem o
caso em si, de modo que o instrutor deva experimentar um equivalente - um
romance ou uma peça - para explicar o assunto. Se essa tarefa é necessária,
bem, então é necessária, mas nos fala pouco sobre direito e literatura.”
174

Além disso, Weisberg (1989, p. 6), identifica, ainda, outros


significados agregados ao termo law and literature, que vão além deste
uso sentimental, como o realizado por James White:

The general claim is essentially that law and


literature are two parallel cultural phenomena; they
are both attempts to shape reality through language,
and are both concerned with matters of ambiguity,
interpretation, abstraction, and humanistic
judgment. They are also both performative
activities which require us to engage in some
combination of description of reality and ethical
judgment171. (WEISBERG, 1989, p. 6)

O problema para Weisberg (1989, p. 8), é que a abordagem de


White ignora um fato essencial: o direito e a literatura são extremamente
diferentes. Para explicar sua perspectiva, o autor propõe como exemplo
um mundo no qual ética/política e estética estejam unidas, como nos anos
iniciais da república estadunidense.
Conforme Weisberg (1989, p. 9), os juristas eram simultaneamente
elite cultural e política; além disso, havia uma demanda para constituir os
Estados Unidos como nação republicana e isso não seria possível sem o
apoio da cultura. Assim, a literatura exaltava os valores republicanos,
garantidos pelo direito.
Seguindo a explicação de Weisberg (1989, p.11), esses dois
elementos (direito e cultura/literatura), por diversos fatores , começam a
se separar na metade do século XIX; por esse motivo, ainda que o jurista
quisesse atuar como parte da elite cultural, a ele não mais cabia nem a
criação nem o controle da produção de cultura. Seu papel reduziu-se ao
de um árbitro, um “elitist museum-keeper of cultural value, where what
defines the elitist role is its superiority to the democratic mass rather than

171
“A alegação geral é essencialmente que direito e literatura são dois
fenômenos culturais paralelos; ambos são tentativas de moldar a realidade
através da linguagem e ambos estão preocupados com questões de
ambiguidade, interpretação, abstração e julgamento humanista. São também
atividades performativas que nos exigem uma combinação de descrição da
realidade e julgamento ético.”
175

its ability to represent and define and inspire the values of the mass172“.
(WEISBERG, 1989, p. 12).
Por essa razão, para Weisberg (1989, p.12) clamar por uma
unidade entre ética/política e estética é historicamente impossível e, ainda
que concebível, seria democraticamente arriscada – já que o jurista (e o
político) poderiam atuar de forma arbitrária, definindo os valores culturais
a serem preservados.
Além disso, Weisberg (1989, p. 13) apresenta uma outra versão a
respeito da união entre ética, política e literatura, chamada por ele de
versão totêmica. Para exemplificá-la, ele recorre às obras de Thomas
Stearns Eliot, escritor e crítico literário inglês, nascido nos Estados
Unidos. Conforme Weisberg (1989, p. 13):

Oddly enough, the best sources are some of Eliot’s


fascist-organic Works like After Strange Gods,
Notes Toward a Definition of Culture, and The
Idea of a Christian Society, works in which the
Reverend Eliot also becomes the legislator Eliot,
the programmer of a proper moral culture. Eliot’s
cultural essays, relying heavily on anthropological
writing about totemism, sketch out a sort of myth
of the primal or ideal society unified in its social-
moral aesthetic fabric. Eliot longs for a world
where human actions have moral valence which
they now lack in a secular society173.

Para Weisberg (1989, p. 14), Eliot distorce as sociedades antigas,


regidas pelo mito e pelo totem e preceitua o retorno a uma sociedade
orgânica primária, na qual o indivíduo vive inconscientemente ancorado

172
“elitista, conservador de museus, onde o que define seu papel é sua
superioridade à massa democrática e não sua capacidade de representar e
definir e inspirar os valores populares.”
173
“Curiosamente, as melhores fontes são algumas das obras orgânicas
fascistas de Eliot como Depois de Estranhos Deuses, Notas para a Definição
de Cultura e A Ideia de uma Sociedade Cristã, obras nas quais o Reverendo
Eliot também se torna o legislador Eliot, o programador de uma cultura moral
própria. Os ensaios culturais de Eliot, baseando-se fortemente em escritos
antropológicos sobre o totemismo, esboçam uma espécie de mito da
sociedade primária ou ideal unificada em seu tecido social-moralista. Eliot
anseia por um mundo onde as ações humanas tenham uma valência moral que
agora lhes falta numa sociedade secular.”
176

em regras morais, tendo como líder um legislador – um artista político.


Diferentemente do que ocorre no início da república estadunidense (no
qual o viés ideológico do artista político é expresso), na proposta de Eliot
a estética impessoal é invocada para disfarçar as intenções políticas. De
acordo com Weisberg (1989, p. 13-14): “The result is a very subtle ethical
aesthetics, a writing of fascistic laws of order into primal sensuousness.
It makes law preconscious. It is a dream of a brainwashed world, one for
which orderly conduct is unconscious174“.
Embora este modelo pareça o de uma sociedade baseada em
dogmas, a proposta de Eliot (conforme a interpretação de Weisberg), é a
de tornar o direito pré-consciente a partir da cultura (incluindo aqui, a
literatura). Nas palavras de Weisberg (1989, p. 14):

It is, above all, a world of orthodoxy. Eliot’s is a


wonderfully perverse dream of a world in which
law and literature are united, in which judgment of
precedent haunts all present action. So, Eliot’s
primal social structure is a perpetual moral
contract, and in the ideal world literature embodies
the contract. Eliot does not want belief or myth. He
does not want a society where law and letters enjoy
a rich and interesting relationship. Eliot hates the
modern-romantic idea that poetry does not give the
reader a chart of rules, but merely a measuring
guide for significance.” Rather he wants law, and a
world where the letter is the law. Art is a vision of
a legislated world175.

174
“O resultado é uma estética ética muito sutil, uma escrita de leis fascistas
de ordem primordial e sensitiva. Isso torna a lei pré-consciente. É um mundo
de lavagem cerebral, para o qual a conduta ordenada é inconsciente”
175
“É, acima de tudo, um mundo de ortodoxia. A visão de Eliot é um sonho
maravilhosamente perverso de um mundo em que o direito e a literatura estão
unidos, nos quais o julgamento do passado assombra toda a ação presente.
Assim, a estrutura social primordial de Eliot é um contrato moral perpétuo e,
no mundo ideal, a literatura incorpora o contrato. Eliot não quer crença ou
mito. Ele não quer uma sociedade onde as leis e as letras tenham um
relacionamento rico e interessante. Eliot odeia a ideia moderno-romântica de
que a poesia não oferece ao leitor um mapa de regras, mas apenas um guia de
medição de significância. Ao contrário, ele quer a lei e um mundo em que a
letra é a lei. Sua visão da arte é uma visão de um mundo legislado.”
177

Conforme a crítica de Weisberg, entender que ética/política e


estética estão (ou é desejável que estejam) unidas, ou é uma falácia (pois
direito e literatura estão separados desde o século XIX), ou deve ser
encarado como um perigo político, moral e psicológico.
No decorrer de sua crítica, Weisberg (1989, p. 15) admite que a
proposta de White se distancia das versões republicana e totêmica, pois
White acredita que a sociedade é unida por “cultural sinews176“, que
participam tanto do jurídico quanto do estético. Por esse motivo, é
possível a realização de uma crítica cultural, evidenciando o paralelismo
de disciplinas e discursos aparentemente desconexos.

More specifically, he would argue that we can


helpfully appreciate how various forms of
intellectual and political authority operate in a
culture by viewing these forms as, at some level,
imaginative or aesthetic creations177.
(WEISBERG, 1989, p. 15)”.

Em suma, para Weisberg (1989, p.15), White refina a seguinte


ideia nietzscheniana: “when life begins to look intolerable, we can
tolerate it if we treat it as an aesthetic phenomenon178“.
Entretanto, Weisberg (1989, p. 15) não deixa de problematizar esta
abordagem. Para ele, se tudo for tratado como estética, as bases e as
identidades das disciplinas (direito, literatura e as demais) começam a se
perder.
Vislumbra-se, portanto, que diversas são as críticas realizadas ao
projeto humanista do law and literature movement, iniciado com a
publicação de The Legal Imagination. No próximo tópico, tentarei
demonstrar porque as críticas ao referido projeto não são discutidas nas
pesquisas brasileiras.

176
“fibras culturais”.
177
“Mais especificamente, ele argumentaria que podemos apreciar
proveitosamente como as várias formas de autoridade intelectual e política
operam em uma cultura ao ver essas formas como, em algum nível, criações
imaginativas ou estéticas.”
178
“quando a vida começa a parecer intolerável, podemos tolerá-la se a
tratamos como um fenômeno estético”.
178

3.3 O PROJETO HUMANISTA NO BRASIL

Como já salientado, as propostas do projeto humanista iniciado por


James Boyd White estão presentes nas publicações brasileiras do acervo,
ainda que sem referência direta ao autor. A ideia de que a literatura pode
humanizar o direito foi traduzida para o Brasil, sendo uma premissa
recorrente em diversos trabalhos: das 126 pesquisas so acervo, 123 se
pautam nessa ideia, ainda que partam de objetivos diversos.
A crença no potencial humanizador da literatura é recorrente: “a
Literatura pode recuperar a humanidade do Direito, que anda tão
esquecida entre todos nós (SILVA; RIBEIRO, 2014, p.11)”; “[...] a leitura
e discussão de textos literários têm como efeito a ampliação do nosso
horizonte de compreensão, [...] [pois] humaniza os juristas e colabora para
a construção de uma formação mais crítica”. (TRINDADE, KARAM;
2015, p. 2); e ainda:

O direito pode ser estudado através da literatura.


Ela não apenas humaniza o direito, mas também
pode contribuir para a instituição de uma cultura
dos direitos ao tematizar questões como a justiça, a
liberdade, a igualdade, a diferença, entre outras
(STRECK; 2015, p. 227).

Neste sentido, ainda que a obra de White não seja sempre


referenciada ou mencionada, o espaço jurídico de direito e literatura
construído no Brasil compartilha de sua perspectiva humanista, segundo
a qual o direito pode ser humanizado pela literatura.
Para a presente tese, porém, o que chama a atenção é a ausência de
discussão das críticas realizadas por Posner e Weisberg a esse potencial
humanista179: em alguns trabalhos, há menção a Posner e Weisberg (ver

179
A título de informação, tem-se a dissertação de mestrado defendida em
2017 por Marilin Sperandio na Faculdade Meridional – IMED, intitulada
Direito, literatura e cárcere: uma análise crítica do projeto de remição de
pena pela leitura. No trabalho, a autora resgata os debates entre Martha
Nussbaum (para quem a literatura pode humanizar os indivíduos) e Posner
(que recusa tal premissa). A dissertação está fora do recorte estabelecido para
o acervo e por isso não foi analisada. Uma prévia do texto pode ser encontrada
em: <
https://www.imed.edu.br/Uploads/MARILIN%20SOARES%20SPERANDI
O%20(parcial).pdf>. Acesso em 04 jan. 2019.
179

Tabelas 6 e 7), o que pode indicar que os pesquisadores brasileiros têm


alguma noção dos escritos estes autores.

Tabela 6 – Referências a Posner nas pesquisas brasileiras do acervo


Pesquisa (chamada autor
data) Obras referenciadas
GODOY (2008) 1. POSNER, Richard. Cardozo: a study
on reputation. Chicago: The University
of Chicago Press, 1990.
2. POSNER, Richard. Economic analysis
of law. New York: Aspen, 2002.
3. POSNER, Richard. Law and
Literature. Cambridge: Harvard
University Press, 1998.
4. POSNER, Richard. The little book of
plagiarism. New York: Pantheon,
2007.
5. POSNER, Richard. The problems of
jurisprudence. Cambridge: Harvard
University Press, 1993.
GODOY (2008B) 1. POSNER, Richard. Cardozo: a study
on reputation. Chicago: The University
of Chicago Press, 1990.
2. POSNER, Richard. The little book of
plagiarism. New York: Pantheon,
2007.
MARTINS (2016) 1. POSNER, Richard. How judges think.
Oxford: HART Publishing, 2008.
STRECK (2015) 1. POSNER, Richard. Law and
Literature. Cambridge: Harvard
University Press, 2009.
OLIVO, MARTINEZ 1. POSNER, Richard A. Law &
(2014) Literature: 3rd edition. Cambridge,
Massachusetts: Harvard University
Press, 2009. (Kindle Edition)
COSTA, LIMA (2015) 1. POSNER, Richard A. A problemática
da teoria moral e jurídica. Trad.
Marcelo Brandão Cipolla São Paulo:
Martins Fontes, 2012.
2. POSNER, Richard A. Como deciden
los jueces. Trad. Victoria Roca Pérez.
Madrid: Marcial Pons, 2011.
OLIVO, MARTINEZ 1. POSNER, Richard A. Law &
(2014B) Literature: 3rd edition. Cambridge,
Massachusetts: Harvard University
Press, 2009. (Kindle Edition)
BRANCO (2011) 1. RICHARD A. Posner em “Remarks on
Law and Literature”. In: Loyola
University Chicago Law Journal —
Vol. 23.
YAMAMOTO (2015) 1. POSNER, Richard A. Law and
literature: a relation reargued, Virginia
Law Review, v. 72, n, 8, p. 1351-1392,
1986.
TRINDADE, 1. POSNER, Richard. Law & Literature.
ROSENFIELD, CALGARO 3. ed. Cambridge/London: Harvard
(2015) University Press, 2009.
180

Total de pesquisas que o


referencia 10
Total de pesquisas que
referenciam obras de
Posner sobre Direito e 6
Literatura
Fonte: a autora (2018)

Tabela 7 – Referências a Robert Weisberg nas pesquisas brasileiras do acervo


Pesquisa
(chamada autor Obras referenciadas
data)
OLIVO, 1. WEISBERG, Robert. The Law-Literature
MARTINEZ Enterprise. Yale Journal of Law & the
(2014B) Humanities, v. 1, iss. 1, article 4, 1989.
Total de
pesquisas que o 1
referencia
Fonte: a autora (2018)

Sobre Weisberg, embora o artigo citado seja justamente aquele no


qual o norte americano desenvolva boa parte de suas críticas, nada a
respeito de seu ceticismo é mencionado por Olivo e Martinez (2014B).
No que se refere à Posner, Godoy (2008), Streck (2015), Olivo e
Martinez (2014) e (2014B), Yamamoto (2015) e Trindade, Rosenfield e
Calgaro (2015), são autores que referenciam diretamente as obras de
Posner sobre direito e literatura: seu livro Law and Literature e o artigo
Law and Literature: a relation reargued. Ou seja, de 10 pesquisas, 6 tem
como referências escritos de Posner sobre o movimento estadunidense.
Alguns destes autores apontam conhecer a existência de críticas
gerais sobre o projeto humanista, mas tais críticas não são debatidas em
suas pesquisas:

Desde quando a proposta “Direito e Literatura”


passou a ser discutida no formato em que hoje a
conhecemos, ela foi tensionada por uma forte
reação contrária, cuja maior expressão talvez tenha
sido o posicionamento de Richard Posner. Para
vencer nesse front, compete ao movimento
aprimorar cada vez mais a qualidade de seus
trabalhos, de modo a inspirar não apenas aqueles
que já lhe são afetos, mas também os recalcitrantes
que suspeitam da seriedade dessa empreitada.
(OLIVO, MARTINEZ; 2014, p. 147)

Nas últimas décadas, a discussão a respeito da


possibilidade, ou não, de a literatura tornar os
181

leitores pessoas melhores constitui o centro de um


importante debate entre Martha Nussbaum e
Richard Posner. Sem adentrar no mérito – cuja
complexidade demandaria outro artigo – não tenho
dúvidas de que a literatura pode ensinar muito aos
juristas (STRECK, 2015, p. 227).

Godoy (2008, p. 9-10) também menciona a existência de críticas


ao movimento: “Há quem veja com ceticismo a aproximação entre direito
e literatura; é que o conhecimento geral que a literatura propicia não se
prestaria para solucionar questões marcadas pela lógica e pela abstração”.
Entretanto, não há identificação de quem seriam esses céticos. Em outro
texto, Godoy (2008B, p.22) afirma:

Mas há quem despreze a relação. Richard Posner


pretende que direito e literatura não têm nada a
contribuir mutuamente; o pragmatismo que
qualifica o pensamento do professor de Chicago
admite, tão-somente, o vínculo entre direito e
literatura nas reflexões referentes ao problema do
plágio (ou a criptominésia, ou a apropriação
inconsciente) e dos direitos autorais.

Conforme já debatido no tópico 3.2, as críticas de Posner são mais


complexas do que salientadas por Godoy (2008B) e parecem não ter sido
traduzidas para o espaço jurídico nacional. Por outro lado, em um dos
trabalhos Posner não é citado diretamente, mas ainda assim existem
menções a seu ceticismo:

Já Richard Posner, um dos maiores expoentes do


movimento Law and Economics, entende que
Direito e Literatura nada tem a contribuir
mutuamente, apenas nos estudos sobre plágio e
direitos autorais (no chamado direito da literatura)
(GODOY, 2007, p.1). (SOARES, OLIVEIRA
JÚNIOR; 2012, p. 12).

Soares e Oliveira Júnior (2012) tomaram conhecimento do


ceticismo de Posner a partir do artigo de Godoy, Direito e literatura. Os
pais fundadores: John Henry Wigmore, Benjamin Nathan Cardozo e Lon
Fuller, publicado em livro no ano de 2008, mas previamente publicado
182

no site Jus Navigandi em 2007180. Assim como Soares e Oliveira Júnior


(2012), outros autores brasileiros podem ter tomado ciência das críticas
estadunidenses a partir do artigo de Godoy, mas como as críticas não são
debatidas, elas não foram, assim, traduzidas para o espaço jurídico do
movimento no Brasil, ao menos no que se refere aos trabalhados
relacionados ao projeto humanista.
Desta forma, importante destacar que o que se questiona, aqui, não
é a veracidade ou a falsidade da assertiva segundo a qual a literatura pode
humanizar o direito. A pergunta que se impõe é outra: porque as críticas,
em especial de Posner e Weisberg, não são debatidas nas pesquisas
brasileiras componentes do acervo?
Como afirmado na introdução deste trabalho, o parecerismo
diagnosticado por Nobre (2005) é uma possível explicação. Segundo o
referido autor, os juristas tendem a confundir pesquisa acadêmica com
peças profissionais, o que os motiva a enfatizar os argumentos favoráveis
às hipóteses levantadas e ocultar aqueles que as contradiga.
Não se pode esquecer, ainda, que a maior parte do que se escreveu
sobre o law and literature nos Estados Unidos não possui tradução
linguística no Brasil, com exceção do artigo de Ronald Dworkin (1982),
cuja perspectiva se enquadra no projeto hermenêutico e não no humanista.
A língua, assim, pode ser compreendida como um entrave para que tais
críticas sejam debatidas no cenário nacional181.
Todavia, foi possível inferir dos fragmentos acima que os
pesquisadores brasileiros têm alguma noção de que críticas foram feitas
ao movimento. Além disso, obras de Posner sobre o direito e literatura
aparecem como referência em 6 das 126 pesquisas analisadas e Weisberg
está presente em pelo menos uma. Assim, se o parecerismo oferece uma
explicação geral para a área do Direito e a fronteira idiomática parece ter
sido minimamente transposta por autores que reconhecem a existência

180
GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito e literatura. Os pais
fundadores: John Henry Wigmore, Benjamin Nathan Cardozo e Lon Fuller.
Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1438, 9 jun. de 2007.ano 12, n. 1438, 9
jun. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9995>. Acesso
em: 17 jul. 2012.
181
Ademais, não se descartam aqui outras razões: existiria uma mera
reprodução da pesquisa de fora? As publicações visariam atender a uma
demanda produtivista que se exige volumoso número de publicações, mas
sem potencial argumentativo? Existiria um desconhecimento da produção
interna ou mesmo a falta de diálogo entre pesquisas nacionais?
183

das críticas, apresento, aqui, duas outras hipóteses que podem explicar
este fenômeno, especificamente no âmbito do direito e literatura.
A primeira, refere-se a possível crença disseminada no Brasil de
que não existem métodos para se estudar direito e literatura; a segunda, é
a própria crítica de Weisberg (1989), apresentada previamente, segundo
a qual existe uma visão sentimental da literatura em pesquisas locais.
Sobre a questão do arcabouço teórico metodológico, observe-se o
trecho a seguir:

Nenhum lugar, nem tempo, poderia ser melhor para


compreender a complexidade do homem em sua
vivência individual e social do que o não lugar e o
não tempo únicos do gesto criativo e, sob alguma
perspectiva, descomprometido da narrativa
literária. Esse, por certo, é o espaço ideal para
recolocar, incessantemente, as questões perenes do
Direito penal, sem, todavia, a necessidade de um
arranjo técnico-científico de ideias, sem a
exigência de um discurso lógico e não
contraditório, sem a pretensão, já, de partida
sabidamente inalcançável, de justiça, completude e
resolução. À literatura, em seu lúdico espaço
inventivo, é permitido o desencontro, a
contradição, a contingência, e, em sua inerente
imperfeição, se faz mais próxima do modo de ser
humano e, descomprometida com respostas, se faz,
igualmente, arte de descrever a humanidade dos
homens. (D’AVILA, 2010, p. 156). [Grifou-se]

É como se a literatura, por ser uma linguagem artística conectada,


também, com o entretenimento, a imaginação e a subjetividade,
dispensasse a utilização de um arranjo técnico-científico. Todavia, não se
pode esquecer que a Literatura, como área do conhecimento humano,
investiga, também, as produções literárias a partir de teorias e métodos
próprios, o que a constituem como área acadêmica autônoma.
Como a literatura é um objeto multifacetado e polissêmico, são
diversas as maneiras pelas quais os estudos acadêmicos podem se propor
a analisá-lo. Sobre o assunto, Wellek e Warren (1971, p. 119) afirmam:

Temos, primeiramente, a sociologia do escritor e


da profissão e das instituições da literatura, toda a
questão da base econômica da produção literária, a
origem e condição social do escritor, a sua
184

ideologia social, que pode encontrar expressão em


afirmações e atividades extraliterárias. Depois,
temos o problema do conteúdo social, das
implicações e finalidades sociais das obras
literárias em si próprias. Por último, temos o
problema do público e da verdadeira influência
social da literatura. A questão de apurar o ponto até
onde a literatura é efetivamente determinada pelo
ambiente social ou dele dependente constitui, de
uma ou outra forma, aspecto comum aos três
aspectos do nosso problema: sociologia do escritor,
conteúdo social das obras em si próprias e
influência da literatura na sociedade. Teremos de
tomar uma decisão quanto ao que se deverá
entender por dependência ou causa; e, em última
instância, atingiremos o problema da integração
cultural e, especificamente, a maneira por que a
nossa cultura é integrada.

Essas delimitações metodológicas levam em consideração que,


muito além do texto, a literatura está conectada a uma série de fatores
econômicos, sociais, estéticos, políticos, psicológicos e, pode-se dizer,
jurídicos. Estes fatores, entretanto, não aparecem de forma transparente:
são emaranhados complexos, que devem ser cuidadosamente
destrinchados pelo pesquisador que pretende compreendê-los, a partir de
métodos e teorias.
Em outra passagem, é possível perceber ainda um receio no que se
refere à metodologia:

A finalidade precípua deste artigo, denominado “A


ideia de justiça e a essência do trágico”, foi
acompanhar o desenvolvimento da concepção
grega de Justiça com o processo de composição do
trágico. Nessa trajetória foram detectados vários
pontos convergentes que justificaram plenamente o
enfoque interdisciplinar proposto. Sublinhe se que
essa ligação foi extremamente esclarecedora para a
compreensão do conceito de Justiça que os gregos
teorizaram; isto reforça nossa opinião de que uma
articulação do direito e da filosofia com a literatura,
as artes e a cultura amplia o enfoque interpretativo
e possibilita captar todo um manancial de
significações que subjazem ao arcabouço
conceitual formulado, o que nem sempre vem à
185

tona se o estudo seguir um rigor metodológico


estéril e neutralizador. (BENTES, 2014, p. 18).
[Grifou-se]

É certo que não há maiores explicações sobre o que seria um “rigor


metodológico estéril e neutralizador”, mas o fragmento evidencia uma
ideia de negação do método. Isso pode ser explicado, em parte, pela
hermenêutica filosófica, disciplina bastante difundida no direito, talvez
em razão da cadeira obrigatória de hermenêutica nos cursos de graduação;
alguns autores do acervo utilizam da perspectiva hermenêutica para falar
do método:

A hermenêutica filosófica, ao decretar a “morte” do


método, não se mostra, por isso, consentânea com
o irracionalismo ou com o subjetivismo arbitrário.
Ao revés, designadamente em face de tal
constatação – a crise do método – é que o intérprete
precisa ancorar-se na tradição que decorre do
processo histórico e da consciência dos efeitos da
história nos institutos e na tomada de decisão.
Ademais, o caráter alográfico do Direito demanda
um esforço por parte do hermeneuta para a
concretização normativa em atenção aos
balizamentos constitucionais, diante da diferença
entre texto e norma. (COSTA e LIMA; 2015, p.
354)

Gadamer, partindo da matriz heideggeriana,


chegou a uma interessante constatação
hermenêutica. Se o homem é marcado por uma
visão histórica, decorrente do contexto no qual está
inserido, não existe método capaz de livrá-lo de
determinados preconceitos. Os preconceitos, ou
pré-compreensões, incorporados em um dado
momento histórico condicionam o pensar e agir de
um indivíduo. A própria escolha por um método
está subordinada a esses preconceitos. [...] Não é
possível desvendar plenamente as ciências sociais
por meio de um método, mas alcançar uma verdade
reconhecidamente precária. (MOREIRA,
CAMPANHA; 2013, p.13)
186

Assim, é possível que os pesquisadores do recorte, influenciados


pela Hermenêutica Filosófica, considerem a metodologia de pesquisa
algo dispensável ao se tratar de direito e literatura.
Entretanto, como os autores brasileiros foram também
influenciados pelo law and literature estadunidense, é necessário
vislumbrar o que se escreve sobre métodos no Brasil levando em
consideração a interpretação destes autores sobre o movimento norte
americano:

Com efeito, frise-se que o estudo do Direito e da


Literatura nos Estados Unidos da América tomou
corpo mesmo com certa ausência de metodologia.
Com bastante evidência, um dos grandes objetivos
dessa proposta foi encontrar na Literatura, pontos
de apoio que forneçam ao Direito compreensões
necessárias a serem amealhadas e reprocessadas
por sua lógica funcional, ou seja, sobre o bem e o
mal, o justo e o injusto e o legal e o ilegal. Levando-
se em consideração que o ato literário é um ato
criativo, o acoplamento entre os sistemas sociais
(Direito e Arte-Literatura) é possibilitado pela
comunicação, em suas mais variadas formas. Neste
sentido, ambos, Direito e Literatura, são
comunicação em estado puro, e, no caso específico,
comunicação via linguagem. (Grifou-se) (SILVA,
2015, p. 88).

No artigo “Law and Literature: No manifest”


(1988), James Boyd White, ao indagar sobre a
importância desta área de estudo, reconhece que
não é fácil perceber o que a literatura, enquanto
arte, tem a oferecer ao direito. Ao contrário do que
normalmente se espera, a literatura não pode
oferecer métodos e técnicas (motivo pelo qual o
movimento não tem um manifesto que procure
consolidar e legitimar um determinado método de
análise), mas uma nova forma de leitura que não se
resume a questões de estilo, mas que se refere
também – e principalmente – a questões de
conteúdo, de substância. (JUNQUEIRA, 1998, p.
22-23). [Grifou-se]

Nos trechos acima, está presente a ideia de que o movimento


estadunidense se iniciou sem uma metodologia própria. Porém, em outros
187

trechos, há uma afirmação contrária: a divisão do tema em vertentes


(direito na literatura e direito como literatura) já seria uma proposta
metodológica: “O presente artigo se desenvolve no campo de estudo
denominado ‘Direito e Literatura’, mais especificamente na vertente
metodológica ‘Direito como Literatura’” (OLIVO e MARTINEZ, 2014,
p.119). [Grifou-se]; “buscamos estabelecer, no que tange ao método,
como a literatura pode servir de instrumento para a compreensão da
estruturação da sociedade em um determinado espaço e tempo, para além
da crítica estética. (CAMPOS, 2015, p.11)”. Essa perspectiva se repete:

Como já é informação corrente, o movimento Law


and Literature foi iniciado nos Estados Unidos da
América nos anos setenta, aperfeiçoando-se na
seguinte década, tendo como objetivo encontrar na
literatura pontos de contato que forneçam ao
Direito diferentes subsídios para entender o bem e
o mal, o justo e o injusto, o legal e o ilegal, dentre
outros dilemas humanos, facilmente encontrados
nos diferentes Tribunais, nacionais e
internacionais. Via de regra, existe uma divisão
metodológica para se estudar esse movimento: o
Direito na Literatura, o Direito como Literatura e o
Direito da Literatura. (NASCIMENTO e
SALDANHA, 2013, p. 2-3) [Grifou-se]

Em terceiro lugar, analisar-se-á o papel do direito


na pacificação e conciliação dos conflitos entre
pares rivais com base nos próprios relatos literários
contidos na obra “Romeo and Juliet”, segundo a
visão metodológica que permite relacionar e
compreender o Direito através da Literatura.
(SILVA e RIBEIRO, 2014, p. 4) [Grifou-se]

A distinção metodológica mais conhecida em


Direito e Literatura pode ser apresentada por meio
de três categorias distintas: (a) Direito na literatura
(Law in literature), corrente que estuda como se
manifestam e como são representados os
fenômenos jurídicos no interior de obras literárias;
(b) Direito como Literatura (Law as literature),
linha em que são analisadas as qualidades literárias
do direito, examinando-se os textos e discursos
jurídicos como literatura; (c) e, por último, o
Direito da literatura (Law of literature), categoria
188

que estuda as disciplinas de direito privado ligadas


à regulamentação jurídica do meio literário
(TRINDADE, ROSENFIELD, CALGARO; 2015,
p. 127)

Parece, assim, que há uma certa discordância sobre o que seja, de


fato, uma metodologia de análise relativa a área de direito e literatura: em
algumas pesquisas brasileiras do acervo ela é ora indesejável, ora
inexistente e ora é a própria divisão do movimento norte-americano em
vertentes. Essa compreensão múltipla do que seria o método teria
influenciado a tradução do movimento e a consequente construção do
espaço jurídico brasileiro, o que teria culminado nessa discordância sobre
o método.
Foge aos objetivos desta tese investigar se o método é ou não
necessário ou existente; o que se objetiva aqui demonstrar é que no espaço
jurídico em questão há uma discordância sobre o conceito de método e
metodologia, o que pode ter contribuído para que os autores nacionais do
acervo se afastassem das críticas estadunidenses.
Assim como Haba (2007), compreendo que há uma confusão na
seara jurídica sobre os termos método e metodologia. Em sentido estrito,

se llama método (propiamente dicho) a algún


procedimiento estândar que, ordenado según
determinadas reglas explícitas que se conocen y
aplican de modo intersubjetivo en el seno de una
disciplina dada, es utilizado por los profesionales
de esta para obtener, normalmente, cierta clase de
resultados (estándar) que pueden, así, ser
netamente pre-vistos y alcanzarse con seguridad –
o, por lo menos, con alto grado de probabilidad–
mediante el método en cuestión182. (HABA, 2003,
p. 256).

Este conceito está intimamente ligado a ideia de método científico


próprio das ditas ciências duras e parte do princípio de que seguindo uma

182
“é chamado de método (propriamente dito) um procedimento padrão que,
organizado de acordo com certas regras conhecidas e aplicadas
intersubjetivamente dentro de uma disciplina, é usado pelos profissionais
para obter, normalmente, uma determinada classe de resultados (padrão) que
podem ser claramente visualizados e alcançados com segurança - ou, pelo
menos, com um alto grau de probabilidade - pelo método em questão.”
189

série de instruções pré-determinadas, diferentes pesquisadores chegarão


ao mesmo resultado. Todavia, seguindo a taxonomia das ciências de
Charles Peirce (1997), o direito é uma ciência social aplicada, o que
significa dizer que seu objetivo não é lançar modelos teóricos ou
proposições lógicas. As ciências sociais aplicadas lidam com problemas
sociais práticos e justamente em razão do caráter social (humano)
presente na área, é possível que diferentes pesquisadores cheguem a
diferentes resultados, ainda que seguindo as mesmas instruções.
Desta forma, para Haba (2007, p. 132):

en el derecho basta con unos métodos más amplios.


Bueno, también estos últimos «métodos» señalan:
tal es el primer paso, a renglón seguido viene otro,
luego un tercero, etc.; sólo que, a diferencia de lo
requerido en el laboratorio, los pasos del “método”
jurídico pueden efectuarse en formas bastante
diferentes, según la inteligencia de la persona, sus
variados conocimientos, etcétera. Y si hasta a eso
se le quiere llamar «método», ¿quién puede
prohibirlo? Claro, les pueden llamar «métodos»,
solo que ello conduce a resultados completamente
distintos de lo que por lo habitual la gente
sobreentiendecuando les presentan un libro de
Metodología.

Assim é possível que quando os autores do acervo negam a ideia


de método, estejam se referindo ao método em sentido estrito, como
tradicionalmente se faz na área do Direito (HABA, 2007). Por isso, se não
existem instruções a serem seguidas, não há método; se não há método,
não há uma forma de se escrever sobre direito e literatura, o que pode
indicar que todas as análises são válidas e, portanto, não criticáveis.
Entretanto, existem limites para as análises de direito e literatura
na medida em que a obra literária pode ser compreendida como fonte de
pesquisa acadêmica. Não pretendo estabelecer quais seriam os limites
deste binômio validade/invalidade na presente tese, mas acredito ser
necessário demonstrar o quão importante é compreender a literatura em
particular e a cultura em geral como documento a ser analisado.
Observe-se, por exemplo, os seguintes trechos, encontrados em
pesquisas do acervo:

[...] a cultura de verdade, contestatória por


natureza, sempre gerou medo, desconforto e
190

repulsa nas massas ignorantes e inebriadas pelas


pequenas vantagens do Sistema [...]. E o que dizer
do desesperançado Ulrich, personagem do
polifônico “O homem sem qualidades”, romance
de Robert Musil? No capítulo 13 da primeira parte
dessa enorme enciclopédia da ironia, Ulrich, típico
acadêmico austríaco do início do século passado,
meio niilista, meio epicurista, meio a mistura
dessas duas coisas com nada, espanta-se ao ler um
jornal e nele notar que certo cavalo de corrida havia
sido classificado como genial. Ele já vira lutadores
de boxe e jogadores de futebol serem agraciados
com esse adjetivo antes reservado aos da Vincis,
Mozarts e Dostoiévskis, mas o fato de agora poder
definir também um cavalo de corrida – companhia
mais do que adequada aos jogadores de futebol –
lhe parece um sinal dos tempos. Esse capítulo do
livro de Musil foi ambientado em 1913, escrito na
década de 20 e publicado em 1930 na Áustria. O
que diria ele hoje, no Brasil, ao comparar os
parcos e insossos suplementos culturais dos nossos
mais importantes jornais com os portentosos,
volumosos e avidamente lidos cadernos de
esportes? É realmente um sinal dos tempos. Dos
tempos das distopias. (Grifou-se. MATOS, 2011,
p. 6567-6568)

Para melhor compreensão deste fenômeno,


podemos admitir alguma influência da literatura e
das artes plásticas como canais de representação e
projeção da realidade. O mesmo se pode admitir
em relação à projeção cinematográfica na formação
do homem contemporâneo. Como afirma Fernando
J. Armando Ribeiro (2007, p.19), “Ao contrário da
televisão, por sua própria natureza invasiva e
sempre pronta a nos fustigar com suas imagens e
informações, o cinema é mais passivo, quase
silencioso, e espera pacientemente ser
conquistado. [...]. (Grifou-se. FERRAZ, 2013, p.
7).

No primeiro caso, pode-se vislumbrar uma recusa a cultura popular


ali exemplificada pelo futebol, em contraposição a uma “cultura
verdadeira, contestatória por natureza”. No segundo, o autor concorda
191

com uma citação que hierarquiza a televisão e o cinema, sendo este último
apresentado como algo positivo, e a televisão como algo negativo.
Ainda que não seja um discurso corriqueiro, essa visão
hierarquizante em muito distoa do que é debatido em outras áreas das
ciências humanas. Ocorre que a dicotomia entre cultura erudita e cultura
popular suscita diversas discussões desde, no mínimo, a publicação do
texto A Indústria Cultural: o esclarecimento como mistificação das
massas, de Adorno e Horkheimer (1985) no qual é cunhado o termo
indústria cultural. Para os autores, a cultura é absorvida pelo capitalismo
e passa a ser comercializada como um produto, perdendo seu caráter
reflexivo.
Esse tema será muito trabalhado por Adorno que irá criticar a
cultura de massas, em geral e a música, em específico, como produtos
alienantes e incapazes de gerar reflexões críticas. Todavia, ao realizar
uma pesquisa empírica sobre o grau de crença dos telespectadores nas
mensagens midiáticas veiculadas, o próprio Adorno (2002, p. 116) muda
sua posição, vislumbrando certa resistência na audiência:

as pessoas aceitam e consomem o que a indústria


cultural lhes oferece para o tempo livre, mas com
um tipo de reserva, de forma semelhante à maneira
como mesmo os mais ingênuos não consideram
reais os episódios fornecidos pelo teatro e pelo
cinema. Talvez mais ainda: não se acredita
inteiramente neles.

Além disso, o próprio surgimento dos estudos culturais na


Universidade de Birmingham em 1964 (ESCOSTEGUY, 1998, p. 88),
altera a forma pela qual a cultura popular é vista. Segundo Marisa Costa,
Rosa Silveira e Luis Sommer (2003, p.36), o gosto das multidões é
incorporado, passando a ser também objeto de estudo. O cinema, os
quadrinhos, a literatura popular, novelas e seriados televisivos são
exemplos de produções estudadas. Desta forma, conforme Costa, Silveira
e Sommer (2003, p.38):

Um noticiário de televisão, as imagens, gráficos


etc. de um livro didático ou as músicas de um grupo
de rock, por exemplo, não são apenas
manifestações culturais. Eles são artefatos
produtivos, são práticas de representação,
inventam sentidos que circulam e operam nas
192

arenas culturais onde o significado é negociado e


as hierarquias são estabelecidas.

No caso específico da literatura, cumpre ressaltar a observação de


Wellek e Warren (1971, p. 137), segundo a qual a hierarquia de literaturas
(boa obra x má obra) perpassa a questão da literatura como espelho do
real:

Pode defender-se que a “verdade social” – embora,


como tal, não seja um valor artístico – corrobora
valores artísticos, tais como a complexidade e a
coerência. Mas não é necessariamente assim.
Existe grande literatura que pouca ou nenhuma
relevância social tem; a literatura social é apenas
uma espécie de literatura e não é o núcleo da teoria
da literatura – a menos que se seja da opinião de
que a literatura é primordialmente uma “imitação”
da vida, tal qual esta é, e da vida social em
particular. Mas a literatura não é nenhum substituto
da sociologia ou da política. Tem justificação e
objetivo específicos.

Observe-se, assim, que essa hierarquização de linguagens artísticas


não se sustenta sob nenhum fundamento válido. Neste sentido, o jurista
precisa estar atento às discussões relativas ao estudo da literatura,
inclusive para não insistir em críticas que já foram superadas por novos
paradigmas de pesquisa, como a discussão sobre a hierarquia entre
literatura clássica e literatura popular, já combatida pelos estudos
culturais.
De volta à hipótese relativa à confusão quanto ao método, mesmo
que em algumas passagens os autores brasileiros demonstrem ter ciência
das críticas de Posner, por exemplo, elas sequer são discutidas, talvez por
partilharem da percepção de que tudo o que se escreve sobre direito e
literatura é válido, justamente porque não há uma metodologia específica
para realizar tais pesquisas.
Da mesma maneira, nas passagens nas quais se defende que a
divisão do direito e literatura em vertentes como um método em si, existe
uma confusão sobre o conceito. Embora mais próximo do conceito de
metodologia em sentido amplo cunhado por Haba (2007), nele não se
enquadra porque a simples classificação em vertentes não fornece
explicações sobre como fazer, mas sim sobre o que fazer: no caso do
193

projeto humanista, busca-se identificar o direito representado na


literatura.
A isso soma-se uma outra questão, apresentada por Weisberg
(1989) para criticar a produção acadêmica norte americana: a visão
sentimental da literatura, expressão cunhada pelo referido autor. Neste
sentido, o jurista encontra-se tão desacreditado com o direito que
vislumbra a literatura como uma válvula de escape, capaz de resolver os
problemas da seara jurídica. Justamente por não discutirem as críticas de
Posner (2009) e do próprio Weisberg (1989), os autores brasileiros do
recorte analisado não questionam as premissas básicas do projeto
humanista, partindo do pressuposto de que vislumbrar o direito na
literatura ou o direito como literatura são possibilidades auto evidentes.
Dentro dessa perspectiva que fundamenta o referido projeto nos
Estados Unidos, a literatura humaniza o direito, sendo associada a um viés
positivo, enquanto o direito é vinculado à técnica, um viés negativo.
Convenciona-se no espaço jurídico de direito e literatura, portanto, a ideia
de que literatura pode tornar o direito melhor (mais humano), sendo tal
premissa aceita como válida e, por isso, não criticada.
Assim, aceitar a taxonomia estadunidense (direito na literatura)
como uma metodologia tradicionalmente firmada e compreender a
literatura como um instrumento positivo de humanização do direito pode
ter contribuído para a ideia de que basta demonstrar como o direito está
presente na literatura para fazer pesquisa sobre o assunto, sem se atentar
ao fato de que tais fundamentos podem não ser pacíficos.
Desta forma, as críticas podem ter sido compreendidas no
fenômeno de tradução como um assunto de menor importância, posto que
há uma assertiva reiterada de que é possível vislumbrar o direito na
literatura, assentada sobre a máxima de que esta representação torna o
direito mais humano; em outras palavras, é possível pensar essa ideia
como um dogma (no sentido de que não permite críticas) fundamentado
na convenção de que a literatura é capaz de melhorar o direito e que
qualquer crítica feita sobre a questão deve ser compreendida como
insuficiente para contradizê-lo.
Isso ajuda a entender porque há nas pesquisas do acervo alguma
noção sobre as críticas norte americanas, e porque elas não são debatidas:
além da tradição parecerista (NOBRE, 2005) e da questão do idioma, há
tanto uma confusão sobre a questão do método quanto uma visão
sentimental da literatura; essas hipóteses compreendidas em conjunto
poderiam explicar o que torna as críticas um detalhe não passível de
investigação e, por isso, não traduzido pelos pesquisadores inseridos no
espaço jurídico do direito e literatura brasileiro.
194

Passo, agora, a apresentar um retrato do projeto hermenêutico, que


busca aplicar teorias de interpretação ao direito.
195

4 O PROJETO HERMENÊUTICO – OU, O DIREITO COMO


LITERATURA

No capítulo três tive por foco o projeto humanista; tratei de sua


emergência, as condições que possibilitaram seu surgimento institucional,
as principais críticas sobre a abordagem e como a ideia fundamental deste
projeto (a literatura humaniza o direito) aparecem nas pesquisas
brasileiras.
Contudo, a abordagem humanista não é a única proposta de
conexão entre estas duas áreas. Na década de 1980, autores como Ronald
Dworkin (1982) e Sanford Levinson (1982) publicaram ensaios relativos
a um tema que direito e literatura partilham: a interpretação.
Segundo Peters (2005, p. 445), o projeto humanista apresentava-se
como um antídoto para a burocracia jurídica, mas mostrava-se distante
dos debates travados na teoria literária dos anos 1970 e 1980. O desafio
que se impunha ao crítico literário relacionava-se “to the identity of the
human subject presumed by traditional humanism and to the identity of
the humanista text as the central agente of human meaning183“ (PETERS,
2005, p. 445).
Peters (2005) afirma que com a morte do autor184, a busca por uma
realidade ética a partir de textos ou de autores (como a proposta pelo
projeto humanista) se tornou uma ideia ingênua. Desta forma,

If literature had something to offer law, it was not


a return to an outmoded humanism but a set of
radical challenges to the originalist and textualist
theories of interpretation sustaining the rulings of
an increasingly reactionary court. Literary
hermeneutics seemed, then, to promise liberation
of the law from its bond age to an archaic text and

183
“à identidade do assunto humanidade presumido pelo humanismo
tradicional e à identidade do texto humanista como agente central do
significado humano”
184
Peters (2005) parece se referir ao texto de Roland Barthes, A morte do
autor, que diz respeito a desimportância de uma intenção autoral nos textos
diante do repertório pessoal do leitor. Mais informações em: BARTHES,
Roland. A Morte do Autor. In: BARTHES, Roland. O Rumor da Língua. São
Paulo: Martins Fontes, 2004.
196

to the dead white men who continued to haunt it185.


(PETERS, 2005, p. 446).

Ao contrário do projeto humanista, originado apenas dentro das


faculdades de direito, o projeto hermenêutico teria se iniciado tanto nas
faculdades de direito quanto nas de literatura, a partir da frustração do
jurista, preso ao tecnicismo, e do literato, limitado a teorias. Para Thomas
(2017, p. 37):

in both law schools and in literature departments,


there was a heightened interest in theory, for the
most part continental theory. Among those most
interested were members of the critical legal
studies movement, which certainly was politically
motivated. Since literature departments were the
clearinghouses for poststructuralist thought, these
legal scholars, some of whom had turned to law
when the job market in literary studies collapsed,
read literary theorists. At the same time, as Peters
notes, some literary scholars calling for a political
turn in criticism saw the law as a discipline with
much more direct influence on politics than
literature. For them, the work of critical legal
studies was a fruitful place to explore the political
implications of various new theories. These
theories, it was found, could be profitably applied
to interpretations of legal documents as well as to
works of literature186.

185
“Se a literatura tinha algo a oferecer ao direito, não era um retorno a um
humanismo antiquado, mas um conjunto de desafios radicais às teorias da
interpretação, que sustentavam as decisões de um tribunal cada vez mais
reacionário. A hermenêutica literária parecia, então, prometer a liberação do
direito de seu vínculo com texto arcaico e com os homens brancos e mortos
que continuavam a assombrá-lo.”
186
“nas faculdades de direito e nos departamentos de literatura, havia um
interesse maior pela teoria. Entre os mais interessados estavam os membros
do movimento crítico de estudos jurídicos, que certamente tinha motivação
política. Como os departamentos de literatura eram um refúgio para o
pensamento pós-estruturalista, esses estudiosos do direito, alguns dos quais
haviam se voltado para o direito quando o mercado de trabalho nos estudos
literários entrou em colapso, leram teóricos da literatura. Ao mesmo tempo,
como observa Peters, alguns estudiosos da literatura que ansiavam uma
197

Os autores dedicados ao projeto hermenêutico tinham proposta


diferente da iniciada por White em The Legal Imagination. Ao invés de
se debruçarem nas obras literárias propriamente ditas, a atenção é voltada
para teorias literárias, especialmente o desconstrutivismo de Jacques
Derrida. Inclusive, na terceira edição de sua obra, Posner escreve (2009,
p. 274):

When I wrote this chapter for the first edition more


than two decades ago, interpretation was a hot
topic, both in literary criticism, which had been
deeply penetrated by deconstruction (whose
premise has been waggishly described as “all texts
are allegories of their own unreadability”), and in
legal scholarship. A strong conservative attack on
the freewheeling jurisprudence of liberal Supreme
Court Justices was being mounted by Robert
Bork187 and others under the banner of “original
intent” and as vigorously rebutted by liberal legal
scholars such as Ronald Dworkin. The bridge
between legal and literary interpretive concepts
was Stanley Fish, an interpretive skeptic as hostile
to Dworkin as to Bork188.

virada política na crítica literária viam o direito como uma disciplina que
tinha mais influência na política, do que a literatura. Para eles, o trabalho de
estudos jurídicos críticos foi um lugar frutífero para explorar as implicações
políticas de várias novas teorias. Descobriu-se que essas teorias poderiam ser
aplicadas tanto a interpretações de documentos jurídicos, como a obras de
literatura.”
187
Mais informações sobre o juiz Bork em:
<https://www.conjur.com.br/2014-jul-27/embargos-culturais-robert-bork-
conservadorismo-originalismo>. Acesso em 04 jan. 2019.
188
“Quando escrevi este capítulo para a primeira edição, mais de duas
décadas atrás, interpretação era um tema atual, tanto na crítica literária, que
havia sido profundamente penetrada pelo desconstrutivismo (cuja premissa
tem sido descrita como “todos os textos são alegorias de sua própria
incapacidade de leitura”) e na área de estudos jurídicos. Um forte ataque
conservador à filosofia dos juízes liberais da Suprema Corte estava sendo
montado por Robert Bork e outros sob a bandeira da “intenção original”,
sendo vigorosamente refutado por estudiosos jurídicos liberais como Ronald
Dworkin. A ponte entre os conceitos interpretativos jurídicos e literários foi
Stanley Fish, um cético interpretativo hostil tanto à Dworkin quanto à Bork.”
198

Ou seja, para Posner (2009), a questão do desconstrutivismo e da


livre interpretação do juiz está diretamente relacionada a uma espécie de
ativismo judicial, em contraposição a uma atitude mais conservadora,
positivista, que defendia a intenção original do texto legal e que passou a
vigorar na Suprema Corte Americana:

The topic of interpretation has cooled in both


fields. The focus of literary theory has shifted from
deconstruction, now widely believed passé, to
feminist and multiculturalist criticism of the
literary canon and to exploration of the historical
contexts of literary works (the “new historicism”),
while a conservative Supreme Court has restored
respect for text and caused “noninterpretivists” to
retrench, so that interest has shifted from
techniques of interpretation to the interpretive
fidelity of particular case outcomes. Another
coolant has been the near-exhaustion of the subject.
Though it continues to attract the attention of able
legal scholars, the harvest from all that has been
written about legal interpretation is meager189.
(POSNER, 2009, p. 274).

Desta forma, no intuito de fornecer alternativas à uma


interpretação gramatical literal, os juristas da época se inspiraram na
teoria literária no intuito de deslocar o foco do autor (legislador) para o
intérprete (juiz); em outras palavras, uma das preocupações presentes nos
textos deste período é fornecer parâmetros de interpretação para os
magistrados.
Hursh (2013) demarca o ano de 1988 como o momento fundador
do projeto hermenêutico, em virtude da publicação da coletânea

189
“O tema da interpretação esfriou nos dois campos. O foco da teoria
literária mudou do desconstrutivismo para a crítica feminista e
multiculturalista do cânone literário e para a exploração dos contextos
históricos das obras literárias (o "novo historicismo"), enquanto uma
Suprema Corte conservadora restaurou o respeito para o texto e fez com que
os "não-interpretantes" recuassem, de modo que o interesse passou de
técnicas de interpretação para a fidelidade interpretativa. Outro ponto que fez
a discussão esfriar foi a quase exaustão do sujeito. Embora continue a atrair
a atenção de acadêmicos capazes, a colheita de tudo o que foi escrito sobre
interpretação jurídica é escassa”.
199

Interpreting Law and Literature: A Hermeneutic Reader, de Sanford


Levinson e Steven Mailloux. Todavia, discordo do autor pois a partir de
1981 já é possível encontrar pesquisas relativas a direito, interpretação e
teoria literária. Um exemplo, é a obra The Politics of Interpretation,
organizada por W.J.T. Mitchell, professor de inglês da Universidade de
Chicago, que reúne ensaios de autores como Ronald Dworkin, Edward
Said, Terry Eagleton, Hayden White, Gayatri Spivak e Stanley Fish. O
livro, resultado de um Simpósio realizado na Universidade de Chicago
em 1981, contém um dos principais debates sobre o direito e
interpretação, protagonizado por Ronald Dworkin e Stanley Fish.
Neste capítulo, apresentarei a polêmica entre Dworkin, Fish e
outros autores que buscaram fornecer alguma contribuição para a querela.
Em seguida, será demonstrado como o projeto hermenêutico aparece nas
pesquisas brasileiras sobre direito e literatura, buscando compreender as
razões pelas quais as críticas realizadas ao projeto hermenêutico não
aparecem no Brasil.

4.1 RONALD DWORKIN E STANLEY FISH: A TEORIA DO


ROMANCE EM CADEIA E SUAS CRÍTICAS

Conforme Mitchell (1982), em 1981 a Universidade de Chicago


sediou um simpósio intitulado The Politics of Interpretation, dedicado a
debater a influência da interpretação e da crítica literária na política. O
resultado das discussões foi publicado em 1982, no periódico
estadunidense Critical Inquiry e também no livro The Politics of
Interpretation. Na introdução da obra, Mitchell (1982, p. 2) adverte:

Between the lines of the following pages you


should be able to hear the voices of Whigs and
Tories, Goldwater Republicans and New Deal
Democrats, orthodox and maverick Marxists,
utopian socialists and Third World Maoists,
masculists and feminists, wishy-washy liberals and
committed revolutionaries. Sometimes, to be sure,
several of these voices seem to be coming in a
polyphonic heteroglossia from the mouth of a
single writer190.

190
“Entre as linhas das páginas seguintes, você poderá ouvir as vozes de
Whigs e Tories, Goldwater Republicans e New Deal Democrats, marxistas
ortodoxos e dissidentes, socialistas utópicos e maoístas do Terceiro Mundo,
masculistas e feministas, liberais caridosos e revolucionários comprometidos.
200

Neste sentido, embora as publicações oriundas do seminário


tenham um ponto central abordado a partir de perspectivas diversas, o
foco será uma polêmica específica que gerou grandes repercussões no law
and literature movement. Refiro-me ao debate iniciado pelo jusfilósofo
Ronald Dworkin, em seu artigo Law as Interpretation, e a réplica do
teórico literário Stanley Fish, Working on the chain gang: interpretation
in the law and in literary criticism. Os textos foram publicados
simultaneamente no periódico e no livro, sendo que neste último há,
ainda, uma réplica de Dworkin à crítica de Fish. Para compreender a
discussão iniciada pelos dois, é preciso vislumbrar as principais ideias de
cada um.
No mencionado escrito, Dworkin (1982) lança as bases de uma
teoria da decisão judicial no intuito de fornecer parâmetros interpretativos
para aplicação da norma ao caso concreto. Para Dworkin (1982), a
interpretação realizada pelos juízes na resolução de hard cases não deve
ser feita de forma livre, baseada apenas nas convicções pessoais do
magistrado; nem de forma puramente textual, porque nem toda a
complexidade da vida humana está positiva em leis; ou mesmo guiada a
partir de uma intenção do autor, de difícil apreensão. A proposta do autor
recai sobre a metáfora do romance em cadeia, compreendida da seguinte
forma:

Suppose that a group of novelists is engaged for a


particular project and that they draw lots to
determine the order of play. The lowest number
writes the opening chapter of a novel, which he or
she then sends to the next number who adds a
chapter, with the understanding that he is adding a
chapter to that novel rather than beginning a new
one, and then sends the two chapters to the next
number, and so on. Now every novelist but the first
has the dual responsibilities of interpreting and
creating because each must read all that has gone
before in order to establish, in the interpretivist
sense, what the novel so far created is. He or she
must decide what the characters are “really” like;
what motives in fact guide them; what the point or
theme of the developing novel is; how far some

Às vezes, com certeza, várias dessas vozes parecem vir em uma heteroglossia
polifônica da boca de um único escritor”.
201

literary device or figure, consciously or


unconsciously used, contributes to these, and
whether it should be extended or refined or
trimmed or dropped in order to send the novel
further in one direction rather than another. This
must be interpretation in a non-intention-bound
style because, at least for all novelists after the
second, there is no single author whose intentions
any interpreter can, by the rules of the project,
regard as decisive191 (DWORKIN, 1982, p. 182).

Desta forma, assim como no romance em cadeia (escrito por várias


mãos) o próximo capítulo só poderia ser desenvolvido a partir da leitura
dos fragmentos precedentes. Assim, o que estaria em jogo ao decidir
questões controversas e complexas seria a manutenção de uma
integridade do ordenamento jurídico; o juiz precisaria sempre retornar ao
que já foi escrito sobre o assunto, de forma a emitir uma decisão coerente
com a corrente de ideias desenvolvidas até então.
Para melhor compreender esta ideia, é preciso levar em
consideração como Dworkin (1982) entende que as obras literárias devem
ser interpretadas. Na opinião do autor, (1982, p.183) “an interpretation of
a piece of literature attempts to show which way of reading (or speaking

191
“Suponha que um grupo de romancistas esteja comprometido com um
projeto em particular e que eles façam sorteios para determinar a ordem de
jogada. O número mais baixo escreve o capítulo de abertura de um romance,
que é enviado para o próximo número que adiciona um capítulo, com o
entendimento de que ele está adicionando um capítulo a esse romance em vez
de iniciar um novo e, em seguida, envia os dois. capítulos para o próximo
número e assim por diante. Agora, todo romancista, exceto o primeiro, tem a
dupla responsabilidade de interpretar e criar, porque cada um deve ler tudo o
que aconteceu antes, a fim de estabelecer, no sentido interpretativista, o que
o romance até agora criou. Ele ou ela deve decidir o que os personagens são
"realmente"; que motivos os guiam de fato; qual é o ponto ou tema do
romance em desenvolvimento; até que ponto algum dispositivo literário ou
figura, consciente ou inconscientemente utilizado, contribui para isso, e se tal
dispositivo deve ser estendido ou refinado ou aparado ou descartado, a fim
de orientar o romance em uma direção e não em outra. Esta deve ser a
interpretação em um estilo não intencional porque, pelo menos todos os
romancistas após o segundo, não são autores únicos cujas intenções qualquer
intérprete possa, pelas regras do projeto, considerar como decisivo.”
202

or directing or acting) the text reveals it as the best work of art192“. Esta é
a chamada hipótese estética, segundo a qual o intérprete precisa
apresentar uma interpretação que valorize a obra de acordo com seus
critérios subjetivos, mas sem negligenciar limites objetivos.
Por exemplo, se o intérprete entende que a forma literária é
importante, o texto será analisado a partir de seu valor formal vislumbrado
à luz de determinada teoria formalista. O valor forma é escolhido de
maneira subjetiva, mas os critérios formais a serem estudados estão
embasados em uma tradição teórica que lhe impõe limites objetivos.
Além disso, tal interpretação precisa constantemente justificar porque o
valor forma (e não o valor político, moral, ou histórico, por exemplo) é
aquele que mais evidencia as qualidades do trabalho.
Com o direito, ocorreria algo similar. Conforme Dworkin (1982),
os magistrados não podem simplesmente inovar e emitir decisões que
fujam completamente ao que já foi juridicamente estabelecido. Eles
precisam avaliar a jurisprudência produzida e, a partir dela, fundamentar
suas escolhas, ainda que tais escolhas possuam um caráter subjetivo. Um
juiz que acredite que o impacto econômico de sua decisão é mais
importante que o direito à saúde, por exemplo, elegerá a economia como
valor a ser defendido e, portanto, mais adequado ao caso em análise. Por
isso, para Dworkin (1982), a integridade do romance em cadeia não
impede a subjetividade do juiz de vir à tona, mas a torna limitada pois
impõe a necessidade de um embasamento prévio:

It should be apparent, however, that any particular


judge’s theory of fit will often fail to produce a
unique interpretation. [...] Just as two readings of a
poem may each find sufficient support in the text
to show its unity and coherence, two principles
may each find enough support in the various
decisions of the past to satisfy any plausible theory
of fit. In that case substantive political theory (like
substantive considerations of artistic merit) will
play a decisive role193. (DWORKIN, 1982, p. 195)

192
“uma interpretação de uma peça de literatura tenta mostrar que maneira de
ler (ou falar, dirigir ou agir) o texto a revela como a melhor obra de arte”.
193
“Deve ficar aparente, no entanto, que a teoria de qualquer juiz em
particular não produzirá uma interpretação única. [...] Assim como duas
leituras de um poema podem encontrar apoio suficiente no texto para mostrar
sua unidade e coerência, dois princípios podem encontrar apoio suficiente nas
várias decisões do passado para satisfazer qualquer teoria plausível. Nesse
203

Figura 15: Ronald Dworkin

Disponível em: < https://bit.ly/2s8R0gt>. Acesso em 04 jan. 2019.

A crítica de Fish (1982) recai justamente sobre os limites impostos


pela metáfora do romance em cadeia. Para ele, Dworkin negligencia o
fato de que existem restrições a escrita literária e judicial
independentemente de capítulos precedentes. Fish (1982, p. 203)
exemplifica seu argumento a partir dos limites impostos ao primeiro autor
do romance em cadeia, que não são pensados por Dworkin:

[...] in fact the first author has surrendered his


freedom [...] as soon as he commits himself to
writing a novel, for he makes his decision under the
same constraints that rule the decisions of his
collaborators. He must decide, for example, how to
begin the novel, but the decision is not “free”
because the very notion “beginning a novel” exists
only in the context of a set of practices that at once
enables and limits the act of beginning. One cannot
think of beginning a novel without thinking within,
as opposed to thinking “of,” these established
practices, and even if one “decides” to “ignore”
them or “violate” them or “set them aside,” the
actions of ignoring and violating and setting aside
will themselves have a shape that is constrained by
the preexisting shape of those practices. This does
not mean that the decisions of the first author are

caso, a teoria política substantiva (como considerações substantivas de mérito


artístico) desempenhará um papel decisivo”.
204

wholly determined but that the choices available to


him are “novel writing choices,” choices that
depend on a prior understanding of what it means
to write a novel, even when he “chooses” to alter
that understanding. In short, he is neither free nor
constrained (if those words are understood as
referring to absolute states) but free and
constrained. He is free to begin whatever kind of
novel he decides to write, but he is constrained by
the finite (although not unchanging) possibilities
that are subsumed in the notions “kind of novel”
and “beginning a novel”.194“

Em outras palavras, o ato de começar a escrever um determinado


tipo textual encerra em si limites diversos como o que significa começar
a escrever, o que caracteriza o gênero textual ao qual o autor se dedica,
dentre outros. Para tanto, não é preciso que o trabalho seja desenvolvido
por múltiplos autores, porque ele já se insere em um contexto no qual
sentidos e práticas estão tacitamente acordados por uma comunidade que
os reconhece como tal. Neste sentido, todo autor é limitado e livre ao
mesmo tempo.

194
“[...] na verdade o primeiro autor abdicou de sua liberdade [...] assim que
se comprometeu a escrever um romance, pois toma sua decisão sob os
mesmos limites que regem as decisões de seus colaboradores. Ele deve
decidir, por exemplo, como começar o romance, mas a decisão não é "livre"
porque a própria noção de "começar um romance" existe apenas no contexto
de um conjunto de práticas que ao mesmo tempo capacita e limita o ato de
começar. Não se pode pensar em começar um romance sem pensar dentro,
em oposição a pensar "de", dessas práticas estabelecidas, e mesmo se alguém
"decide" ignorá-las ou "violá-las" ou " as pôr de lado", as ações de ignorar e
violar e as pôr de lado terão, elas próprias, uma forma que é limitada pela
forma preexistente dessas práticas. Isso não significa que as decisões do
primeiro autor sejam totalmente determinadas, mas que as escolhas
disponíveis para ele são "escolas de escrita de um romance", escolhas que
dependem de uma compreensão prévia do que significa escrever um romance,
mesmo quando ele "escolhe" alterar esse entendimento. Em suma, ele não é
livre nem limitado (se essas palavras são entendidas como referindo-se a
estados absolutos), mas livre e restrito. Ele é livre para começar qualquer tipo
de romance que ele decida escrever, mas ele é limitado pelas possibilidades
finitas (embora não imutáveis) que são incluídas nas noções "tipo de
romance" e "início de um romance".”
205

O mesmo aconteceria no direito. Mesmo ignorando os precedentes


judiciais e tentando, de alguma forma, inovar em sua decisão, o juiz
precisa recorrer a argumentos jurídicos que, por estarem positivados,
jamais serão totalmente inovadores.

a judge who decided a case on the basis of whether


or not the defendant had red hair would not be
striking out in a new direction; he would simply not
be acting as a judge because he could give no
reasons for his decision that would be seen as
reasons by competent members of the legal
community. (Even in so extreme a case it would not
be accurate to describe the judge as striking out in
a new direction; rather he would be continuing the
direction of an enterprise-perhaps a bizarre one
other than the judicial.) And conversely, if in
deciding a case a judge is able to give such reasons,
then the direction he strikes out in will not be new
because it will have been implicit in the enterprise
as a direction one could conceive of and argue for.
This does not mean that his decision will be above
criticism but that it will be criticized, if it is
criticized, for having gone in one judicial direction
rather than another, neither direction being new in
the sense that would give substance to Dworkin’s
fears195. (FISH, 1982, p. 206).

Além disso, ao advogar que o primeiro autor do romance em cadeia


detém liberdade absoluta e que os últimos são limitados por produções

195
“um juiz que decidisse um caso com base no fato de o defensor ter ou não
cabelos ruivos não estaria se desdobrando em uma nova direção; ele
simplesmente não estaria atuando como juiz porque não poderia motivar sua
decisão como o que membros competentes da comunidade jurídica veriam
como motivações. (Mesmo em casos tão extremos, não seria correto dizer
que o juiz está em uma nova direção; em vez disso, ele continuaria na direção
de um empreendimento - talvez mais bizarro que o judicial.) E, inversamente,
se ao decidir o caso o juiz é capaz de fornecer tais motivações, então a direção
que ele persegue não será nova, porque estará implícita no empreendimento
como uma direção que alguém poderia conceber e defender. Isso não
significa que sua decisão estará acima das críticas, mas que será criticada, se
criticada, por ter seguido uma direção judicial em vez de outra, mas não em
uma direção nova no sentido que daria razão aos medos de Dworkin”.
206

textuais prévias, Fish (1982) acusa Dworkin de unir as duas posições que
tanto critica. Quanto aos limites textuais, Fish (1982) acrescenta, ainda,
que ninguém simplesmente encontra argumentos em textos passados, mas
que exatamente os interpreta (e, portanto, os reconstrói) para justificar
suas posições.
Fish (1982) utiliza um exemplo evocado por Dworkin para
demonstrar como a interpretação se conecta a fatores externos e de
persuasão. Para Dworkin (1982), ler um romance de mistério como um
tratado de filosofia sobre a morte seria uma interpretação errônea, porque
não valoriza a obra da melhor forma possível, conforme a hipótese
estética. Fish (1982, p. 209), entretanto, argumenta que inclusive já
existem interpretações filosóficas sobre romances do tipo justamente
porque há uma série de fatores que permitem tal interpretação:

That is, readers don’t just “decide” to


recharacterize a text; there has to be some reason
why it would occur to someone to treat a work
identified as a member of one genre as a possible
member of another; there must already be in place
ways of thinking that will enable the
recharacterization to become a project, and there
must be conditions in the institution such that the
prosecution of that project seems attractive and
potentially rewarding. With respect to the project
Dworkin deems impossible, those ways and
conditions already exist196.

Portanto, mais que limitados pelos capítulos anteriores de um


romance escrito por diversos autores, juízes e escritores estão limitados
pela plausibilidade de seus argumentos, que devem estar de acordo com
os pactos de sentido estabelecidos por cada uma destas comunidades
(jurídica e literária).

196
“Ou seja, os leitores não apenas "decidem" ressignificar um texto; deve
haver alguma razão pela qual alguém trataria uma obra identificada como de
determinado gênero literário como pertencente a um outro gênero diferente;
já devem existir maneiras de pensar que permitam que a ressignificação se
torne um projeto, e deve haver condições na instituição de tal modo que a
acusação desse projeto pareça atraente e potencialmente recompensadora.
Com relação ao projeto que Dworkin considera impossível, essas formas e
condições já existem”
207

Quanto a intenção do autor, Fish (1982) declara que Dworkin a


entende de maneira equivocada, como um fato particular e psicológico
que pode ser dissociado do texto. Para Fish (1982, p. 213), entretanto, a
intenção do autor é uma forma de interpretação; é aquilo que o leitor
espera que um indivíduo limitado por determinadas circunstâncias
produza e, exatamente por isso, passível de construção:

[Dworkin] thinks that interpretation is one thing


and the assigning of intention is another; and he
thinks that, because he thinks that to discover
intention is to plumb some psychological depth that
is unrelated to the meaning of chain-enterprise
texts; whereas, in fact, to specify the meaning of a
chain-enterprise text is exactly equivalent to
specifying the intention of its author, an intention
which is not private but a form of conventional
behavior made possible by the general structure of
the enterprise. This of course does not mean that
intention anchors interpretation in the sense that it
stands outside and guides the process. Intention
like anything else is an interpretive fact; that is, it
must be construed.197.

Por fim, Fish (1982) lança a seguinte questão: apesar de


desenvolver uma teoria para explicar a resolução de hard cases no direito,
Dworkin (1982), em determinado momento de seu artigo, sugere que não
há significativa diferença entre a forma como se decidem os casos simples
e complexos. Como consequência, Fish (1982, p. 215) assevera que por
causa dessa afirmativa, o texto de Dworkin só pode ser lido de duas
formas:

197
“[Dworkin] acha que a interpretação é uma coisa e intenção do autor é
outra; e ele acha isso, porque pensa que descobrir a intenção do autor é
perceber alguma profundidade psicológica que não está relacionada com o
significado dos textos do romance em cadeia; enquanto que, de fato,
identificar o significado de um romance em cadeia é exatamente igual a
identificar a intenção de seu autor, uma intenção que não é privada, mas uma
forma de comportamento convencional possibilitada pela estrutura geral do
referido projeto. Isso, é claro, não significa que a intenção do autor ancora a
interpretação no sentido de que ela fica de fora e guia o processo. Tal
intenção, como qualquer outra coisa é um fato interpretativo; isto é, deve ser
interpretado.”
208

If we take the subtext of reservation and disclaimer


seriously, it so much weakens what he has to say
that he seems finally not to have a position at all;
and if we disregard the subtext and grant his thesis
its strongest form, he will certainly have a position,
but it will be, in every possible way, wrong 198.

Figura 16: Stanley Fish

Disponível em: < https://bit.ly/2CN8DZB>. Acesso em 04 jan. 2019.

Em sua resposta, Dworkin (1982B) enfatiza que Fish fez uma


interpretação equivocada de sua teoria, que seria descritiva e não
prescritiva. A preocupação de Dworkin (1982B, p. 289-290) é explicar os
desentendimentos que as pessoas têm quando se trata de interpretação; as
questões norteadoras do artigo seriam “How do we distinguish between
interpreting and inventing? How do we decide that one interpretation or
one argument for an interpretation is better than another?199“ e não “can
judgments of interpretation be sound or unsound, true or false200 [...]?”.

198
“Se levarmos o subtexto de reserva e exoneração de responsabilidade a
sério, isso enfraquece tanto o que ele tem a dizer que parece que ele não tem
uma posição; e se desconsiderarmos o subtexto e concedermos à sua tese a
sua forma mais forte, ele certamente terá uma posição, mas será, de todas as
formas possíveis, errado”.
199
“Como distinguimos entre interpretar e inventar? Como decidimos que
uma interpretação ou um argumento para uma interpretação é melhor que
outro?”
200
“os julgamentos de interpretação podem ser corretos ou incorretos,
verdadeiros ou falsos.”
209

Nas palavras do próprio Dworkin (1982B, p. 290-291):

I tried to show how our interpretative beliefs and


convictions are connected to other kinds of beliefs
so as to permit us to make the distinctions and
discriminations the right-wrong picture requires.
My purpose was pragmatic. [...]. I was trying to
answer about how people make the discriminations
and judgments that are licensed by the right-wrong
Picture. [...]. I suggest that if I were a novelist in
the game I described I might think myself
constrained by a text to a certain interpretation of
that text, even though, were I beginning the novel,
I would have written a different kind of novel. I
suggested that if I were a judge I might feel myself
constrained by past judicial decisions in the same
way201.

Isto posto, Dworkin (1982B) busca refutar pontualmente as três


principais críticas que lhe são direcionadas. Sobre a primeira, relativa à
liberdade do primeiro autor que inicia o romance em cadeia, ele escreve:

I added, in a footnote, that ‘even the first novelist


has the responsability of interpreting to the extent
any writer must, which includes not only
interpreting as he writesbut interpreting the genre
in which he sets out to write’ and I had already
pointed out that any writer must interpret as he
writes202. (DWORKIN, 1982B, p. 303)

201
“Eu tentei mostrar como nossas crenças e convicções interpretativas estão
conectadas a outros tipos de crenças, de modo a permitir que façamos as
distinções que o dilema certo-errado exige. Meu objetivo era pragmático. [...].
Eu estava tentando responder sobre como as pessoas fazem os julgamentos
que são licenciados pelo certo-errado. [...]. Sugiro que, se eu fosse um
romancista no jogo que descrevi, talvez me achasse limitado por um texto a
uma certa interpretação desse texto, embora se eu tivesse começando o
romance, eu poderia ter escrito um tipo diferente de romance. Eu sugeri que,
se eu fosse um juiz, poderia sentir-me limitado por decisões judiciais do
passado da mesma forma”.
202
“Eu acrescentei, em uma nota de rodapé, que 'mesmo o primeiro
romancista tem a responsabilidade de interpretar, assim como qualquer
escritor, o que inclui não apenas interpretar como ele escreve mas interpretar
210

A segunda crítica relaciona-se à hipótese estética, segundo a qual


uma interpretação adequada é aquela capaz de valorizar a obra literária
em questão. Dworkin (1982) utiliza como exemplo a leitura de um
romance de mistério como tratado filosófico sobre a morte; Fish (1982)
adverte que já existem trabalhos da crítica literária que propõe essa
mesma perspectiva. Em resposta, escreve o jusfilósofo:

I have not checked Fish’s citations, but I doubt any


of the scholars he cites tried to read [Agatha]
Christie’s novels as essays on the meaning of
death, and Fish offers no reason to think that they
would have succeeded if they had. [...] He must
have persuaded huimself that i meant to make a
very different point. He apparently thinks I said
that nothing interesting at all could be made of
Christie, that mysteries could not be considerer
importante as art, or something of that sort. [...]
Fish means, I suppose, that I believe that everyone
who sets out to interpret any particular work of
literature will reach the same conclusion about its
genre; or, perhaps, that only one such conclusion
can ever succeed on what I called an
interpretation’s dimension of fit. [...] But I said
exactly the opposite [...]. I said that calling a
Christie mystery a novel about the meaning of
death would be a mistake because it would make
the novel a shambles, [...] because her novels
become wrecks if we try to read them in that
particular way. Of course I rely, in saying this, on
my own judgment and my expectation that almost
all readers will agree. That is not to say that no one
will disagree203. (DWORKIN, 1982b, p. 307-308)

o gênero no qual ele se propõe a escrever' e eu já havia apontado que qualquer


escritor deve interpretar enquanto escreve”.
203
“Eu não verifiquei as citações de Fish, mas duvido que qualquer um dos
estudiosos que ele cita tentou ler os romances de Agatha Christie como
ensaios sobre o significado da morte, e Fish não oferece nenhuma razão para
pensar que eles teriam conseguido fazer isso se este fosse o objetivo. [...] Ele
deve ter convencido a si mesmo que eu defendo algo muito diferente.
Aparentemente ele acha que eu disse que nada de interessante poderia ser
feito de Christie, que os romances de mistério não poderiam ser considerados
211

A defensiva de Dworkin (1982B) sobre este ponto pode ser melhor


compreendida a partir de sua ideia sobre a intenção do autor, a terceira
crítica feita por Fish (1982). Em resumo, Dworkin (1982B, p. 308)
acredita que há um equívoco sobre o significado de intenção:

Fish’s final argument fixes on my remarks about


the author’s intention school of interpretation.
Critics who belong to that school use ‘intention’ in
the way people normally do to refer to a certain
conscious or uncounsciouspsychological state.
Fish, for the most part, uses it in a very different
way. He thinks a statement of an author’s intention
is just another way of reporting an interpretation of
that author’s work204.

Para Dworkin (1982B), os que acreditam em intenção do autor não


poderiam compreender tal intenção como ume invenção do leitor, porque
isso deixaria sua ideia básica vazia. Os críticos dessa escola partem da
premissa de que existe uma intenção do autor, autônoma, a ser descoberta;
se essa intenção for compreendida como uma construção do leitor, sem
existência autônoma, o fundamento da teoria deixaria de existir.

importantes como arte, ou algo desse tipo. [...] Fish entende, suponho, que eu
acredito que todo mundo que se propõe a interpretar qualquer obra particular
da literatura chegará à mesma conclusão sobre seu gênero; ou, talvez, que
apenas uma dessas conclusões possa ter sucesso no que chamei de uma
dimensão de ajuste da interpretação. [...] Mas eu falei exatamente o contrário
[...]. Eu disse que entender um mistério de Christie como uma obra sobre o
significado da morte seria um erro, porque tornaria o romance uma bagunça,
[...] porque seus romances se tornam destroços se tentarmos lê-los dessa
maneira particular. É claro que, ao dizer isso, confio em meu próprio
julgamento e em minha expectativa de que quase todos os leitores
concordarão. Isso não quer dizer que ninguém discordará.”
204
“O argumento final de Fish refere-se às minhas observações sobre a
intenção do autor. Os críticos que pertencem a essa escola usam "intenção"
da maneira que as pessoas normalmente fazem para se referir a um certo
estado psicológico consciente ou inconsciente. Fish, na maior parte, usa-o de
uma maneira muito diferente. Ele acha que uma declaração da intenção de
um autor é apenas outra maneira de relatar uma interpretação do trabalho
desse autor.”
212

Assim, partindo do pressuposto que seu prósito é descritivo,


Dworkin (1982B) parece acreditar que os sujeitos, ao interpretarem,
recorrem à uma intenção do autor para estabelecerem o que seria uma
interpretação correta e o que seria uma interpretação errada. Ele não
parece afirmar a existência de uma intenção autoral autônoma, mas sim
apontar que a crença do intérprete leitor nessa intenção faz com que, para
ele, existam interpretações certas ou equivocadas:

We can understand the equal protection clause as


forbidding racial segregation without supposing
that any particular historical statesman or
draftsman intended that it should do this. We can
read Hamlet in a psychodynamic way without
supposing that Shakespeare eiter did or could have
intended that we do so. The fact that we can read
texts in this way allows the author’s intention
theory to be a significant theory because it allows
that theory to claim that this is the wrong way to
read texts205. (DWORKIN, 1982B, p. 310).

Por isso não seria possível ler romances de mistério como se


fossem tratados de filosofia sobre o significado da morte; o leitor estaria
em uma constante busca pela intenção do autor e ler este gênero literário
a partir desta chave interpretativa se mostraria um erro.
Em 1983, Fish escreve sua tréplica a Dworkin, no artigo intitulado
Wrong Again. Para Fish (1983), Dworkin insiste em diferenciar
explicação e alteração/invenção do texto, a partir de sua hipótese estética.
Assim, a melhor interpretação de uma obra seria aquela que a explica e
não a que a altera, respeitando seu estilo de escrita, seu gênero literário,
sua organização, etc. Os limites da interpretação estariam, portanto, nas
características do próprio texto.
Entretanto, o que Fish (1983) enfatiza é que essas características
textuais não são padrões auto-evidentes; pelo contrário: o estilo de escrita,
a organização, o gênero literário, etc., também são produtos de uma

205
“Podemos entender a cláusula de proteção igualitária como proibindo a
segregação racial sem supor que qualquer estadista ou relator histórico em
particular pretendesse fazer isso. Podemos ler Hamlet de uma maneira
psicodinâmica sem supor que Shakespeare tenha ou poderia ter tido intenção
de fazê-lo. O fato de podermos ler textos dessa maneira permite que a teoria
da intenção do autor seja uma teoria significativa, porque a permite afirmar
que essa é a maneira errada de ler textos.”
213

interpretação prévia, aceita de comum acordo por uma comunidade que


lhes confere legitimidade e significado. Por causa disso, eles não podem
ser utilizados como limites para interpretação, pois eles próprios são
passíveis de mudanças. Como exemplo, Fish (1983, p. 302) cita as
mudanças interpretativas da obra Paraíso Perdido, de Milton:

For a long time it was thought that Milton’s


Paradise Lost, in the words of Bernard Bergonzi,
did not “possess the kind of coherence and
psychological plausibility that we have come to
expect from the novel.” This judgment was
supported by the standard characterization of what
was universally known as Milton’s “grand style,” a
style appropriate to the scope and sweep of an epic,
but inappropriate to the subtleties and nuances of
lived psychological experience. Within four years
of Bergonzi’s pronouncement, however, the
situation had entirely changed, in part as the result
of the publication of Christopher Ricks’ Milton’s
Grand Style, in which passage after passage of
Paradise Lost was read in a way that turned the
verse into just the flexible instrument everyone had
always known that it wasn’t. Once this was done,
and done in a way that many in the Milton
community found persuasive, at least one bar to
claiming for the poem “the kind of coherence and
psychological plausibility that we have come to
expect from the novel” was removed; in the years
that followed, Milton was more and more
celebrated as a penetrating psychologist and as a
precursor of Henry James and other novelists who
told their stories by masterfully varying point of
view206.

206
“Durante muito tempo pensou-se que o Paraíso Perdido de Milton, nas
palavras de Bernard Bergonzi, não "possuía o tipo de coerência e
plausibilidade psicológica que esperávamos de um romance". Esse
julgamento foi apoiado pela caracterização padrão do que era universalmente
conhecido como "grandioso estilo" de Milton, um estilo apropriado ao
alcance e à varredura de um épico, mas inadequado às sutilezas e nuances da
experiência psicológica vivida. Quatro anos após o pronunciamento de
Bergonzi, no entanto, a situação havia mudado completamente, em parte
como resultado da publicação de Milton Grand Style, de Christopher Ricks,
na qual passagem após passagem de Paraíso Perdido era lida de uma forma
214

Segundo Fish (1983, p.303), isso não significa que a distinção entre
explicar e alterar um texto não tenha força, mas sim que “its force is felt
from within interpretive conditions that give certain objects and shapes a
real but constructed - and therefore unsettleable - stability207“.
O mesmo argumento é utilizado por Fish (1983) ao criticar o
romance em cadeia a ser seguido pelo juiz, conforme proposto por
Dworkin. No caso, os limites da interpretação estariam estabelecidos pelo
contexto da história jurídica que tem sido contada; entretanto, assim como
as características formais de um texto literário, o contexto de produção de
uma decisão judicial também é fruto da interpretação. É impossível
afirmar que o magistrado inventou argumentos para sua decisão porque
ele sempre poderá legitimá-la reinterpretando o passado e afirmando que
há precedentes para sua proposta. Não há, portanto, diferença entre
invenção e interpretação. Nas palavras de Fish (1983, p.306):

[...] the question of whether the legal history is


being ignored or consulted depends upon a prior
decision as to what the legal history is, and that
decision will be an interpretive one. Therefore,
insofar as the distinction is a mechanism for
distinguishing between two forms of judicial
activity (and if it is not for that then it is hard to see
what it is for) it won’t work because there is no
independent way of determining whether or not a
particular judge is acting in one way as opposed to
the other208.

que transformava o verso no instrumento flexível que todo mundo sempre


soube que ele não era. Uma vez que isso foi feito, e feito de uma forma que
muitos na comunidade de Milton acharam convincente, pelo menos o trecho
destinado a reivindicar para o poema "o tipo de coerência e plausibilidade
psicológica que passamos a esperar do romance" foi removida; nos anos que
se seguiram, Milton foi mais e mais celebrado como um psicólogo penetrante
e como um precursor de Henry James e outros romancistas que contaram suas
histórias por um ponto de vista magistralmente variado.”
207
“sua força é sentida a partir de condições interpretativas que dão a certos
objetos e formas uma estabilidade real, mas construída - e, portanto, instável.”
208
“[...] a questão de saber se a história jurídica está sendo ignorada ou
consultada depende de uma decisão prévia sobre o que é a história jurídica, e
essa decisão será interpretativa. Portanto, na medida em que a distinção é um
mecanismo para diferenciar duas formas de atividade judicial (e se não serve
215

Além disso, Fish (1983) afirma que não há uma distinção real entre
inovar ou dar continuidade a história jurídica, quando se fala em decisões
judiciais. Se o magistrado realmente intenciona inovar, ele também
precisará interpretar o que a história jurídica até então escrita é e o seu
rompimento se dará não com a história em si (impossível de ser auferida,
pois sempre passível de processo interpretativo) mas com sua
interpretação pessoal do que essa história significa.
Fish (1983) percebe ainda que há uma sutil mudança de posição na
resposta de Dworkin (My Reply to Stanley Fish): ele passa a entender a
inovação judicial como uma forma de dar continuidade ao romance em
cadeia, mas ainda assim de uma forma radicalmente diferente do que
continuá-lo com coerência. Para Fish (1983, p. 307), entretanto, essa
diferenciação não se sustenta:

In the essay that occasioned the present exchange,


[Dworkin] was saying something like this: what
judges do is operate as members of a chain
enterprise (an enterprise in which their actions are
constrained by a previous history), which means
that they don’t do something else like striking out
in a new direction. But now Dworkin is saying that
striking out in a new direction is just another “way
of continuing the ‘practice of judging.’” He doesn’t
see that he can’t say that and also say, as he does in
the very same sentence, that continuing and
striking out in a new Direction “are radically
different ways.”’ They can only be “radically”
diferente if the difference they mark is between
judging and something wholly apart from judging.
But a difference that radical could tell us nothing
about judging except that there is something it
isn’t, and it certainly could not tell a judge what it
is that he ought to do209.

para isso, então é difícil ver para que serve), não funcionará porque não há
maneira independente de determinar se um determinado juiz está agindo de
uma forma em oposição à outra ou não.”
209
“No ensaio que ocasionou a presente troca, [Dworkin] estava dizendo algo
assim: o que os juízes fazem é operar como membros de um projeto em cadeia
(um projeto no qual suas ações são limitadas por uma história anterior), o que
significa que eles não fazem outra coisa, como sair em uma nova direção.
Mas agora Dworkin está dizendo que sair em uma nova direção é apenas outra
216

Para Fish (1983), a diferença entre dar continuidade e inovar,


quando se fala em decisões judicias, está unicamente nos argumentos
utilizados pelos magistrados para defender suas ações.
Dentre outras críticas mais específicas, Fish (1983) alega que a
postura de Dworkin é positivista, apesar de negar tal fato, pois estabelece
limites textuais às diversas formas de interpretações, estabelecendo que
existem interpretações erradas e, assim, assumindo que o texto contém
um núcleo imutável. Ademais, o acusa de ser confuso e contraditório ao
sustentar posições contraditórias em diversos momentos (como quando
defende que inovação e continuidade são formas de dar sequência a
história jurídica, mas que ao mesmo tempo são coisas diferentes entre si).
Por fim, Fish (1983) tece considerações sobre o que entende como
intenção do autor. Para ele, esta intenção não é algo que deve ser evitado,
mas algo que não pode ser evitado, pois sempre ao interpretar o leitor está
em busca (conscientemente ou não) do que o autor quis dizer. Não se
trata, portanto, de uma defesa do intencionalismo (é preciso descobrir a
verdadeira intenção do autor), mas apenas o apontamento de uma
necessidade epistemológica; a intenção vislumbrada pelo leitor é também
parte do processo interpretativo. Por isso não pode ser utilizada como
chave ou limite de interpretação, o que não significa dizer que ela deve
estar ausente.
Conforme demonstrado, a polêmica entre Dworkin e Fish teve por
foco os limites da interpretação tanto na crítica literária quanto no Direito.
Ao compreenderem os textos jurídicos como espécie de texto literário, as
preocupações relativas à validade/legitimidade de certas interpretações
em âmbito jurídico passaram a assolar juristas e professores do direito.
Inspirados pelo debate iniciado entre Dworkin e Fish, muito foi escrito
sobre a proposta de ver o direito como forma de literatura; tratarei desse
tema a seguir.

"maneira de continuar a 'prática de julgar'". Ele não vê que não pode dizer
isso e também dizer, como faz na mesma frase, que continuar e partir para
uma nova direção "são coisas radicalmente diferentes". "Eles só podem ser
"radicalmente diferentes " se a diferença que eles marcam é entre julgar e
algo totalmente diferente de julgar. Mas uma diferença tão radical não
poderia nos dizer nada sobre julgamentos, exceto que há algo que o ato de
julgar não é, e certamente não poderia dizer a um juiz o que é que ele deveria
fazer.”
217

4.2 OUTRAS RESSALVAS SOBRE O PROJETO HERMENÊUTICO

No mesmo ano em que Dworkin escreve pela primeira vez sobre o


romance em cadeia, o constitucionalista Sanford Levinson publica seu
artigo Law as Literature. No texto, Levinson (1982) procura comparar o
direito à literatura no intuito de melhor explicitar os debates sobre
interpretação constitucional nas academias jurídicas estadunidenses.
Segundo o autor (1982), a emergência do pós-estruturalismo e do
desconstrutivismo nas academias, gerou como consequência a superação
das teorias originalistas (o texto escrito encerra os significados em si
mesmo) e intencionalistas (o significado de um texto depende da intenção
do autor) no que se refere a interpretação constitucional.
Assim, para Levinson (1982) existiriam duas novas correntes em
conflito: aqueles que acreditam que a interpretação jurídica pode se
assemelhar a uma ciência, dotada de métodos e critérios objetivos (como
Dworkin), e aqueles que acreditam que a interpretação é um ato de poder
e justificativa, pois aquele que melhor convencer uma comunidade de seu
ponto de vista, impera (como Fish). Descrente na possibilidade de criar
métodos de interpretação objetiva, Levinson (1982, p. 385) se apresenta
como um defensor desta última teoria:

To put it mildly, there is something disconcerting


about accepting the Nietzschean interpreter into the
house of constitutional analysts, but I increasingly
find it impossible to imagine any other way of
making sense of our own constitutional universe210.

O autor (1982) denomina esta visão de nitzscheniana, pois em seu


entender ela se aproximaria da crença de Nietzsche de que não existem
verdades (ou interpretações) objetivas. Assim, para Levinson (1982),
caracterizar uma decisão constitucional como certa ou errada pressupõe
dois fatores problemáticos: que o crítico está em um local de fala
privilegiado e que o fato do juiz ser um constituinte do sistema jurídico é
ignorado. Portanto, não existem decisões corretas ou equivocadas, mas
diferentes.

210
“Para dizer o mínimo, há algo desconcertante em aceitar o intérprete
nietzscheano na casa dos analistas constitucionais, mas cada vez mais acho
impossível imaginar qualquer outra maneira de dar sentido ao nosso próprio
universo constitucional.”
218

Levinson (1982) evoca exemplos da história estadunidense para


demonstrar os problemas de buscar critérios objetivos para as decisões
constitucionais no arbítrio popular. Segundo o autor (1982), a estabilidade
jurídica passaria a residir nos anseios populares, sendo que o juiz que
melhor convencesse o povo de que sua interpretação é a correta, ditaria
as normas vigentes. A ausência de um juiz assim, entretanto, só demonstra
como existem várias disputas interpretativas sobre a constituição.
Levinson (1982) finaliza seu artigo respondendo às críticas do
também constitucionalista Owen Fiss, para quem a visão de Fish (e
Levinson) é niilista e perigosa.

Figura 17: Sanford Levinson

Disponível em: < https://bit.ly/2RaDGqQ>. Acesso em 04 jan. 2019.

Na visão de Fiss (1982), o desconstrutivismo deixa o juiz livre para


decidir conforme seu arbítrio, o que não pode acontecer. Por isso, o autor
entende que as decisões judiciais são limitadas por dois elementos: as
disciplining rules, ou seja, as regras básicas que regem o direito, que
atuariam assim como a gramática ao estabelecer a norma culta da língua;
e a comunidade interpretativa jurídica, responsável por conferir
legitimidade a estas regras. Esta comunidade não precisa estar em
consenso, porque o direito tem uma técnica de resolução de conflitos
própria, como as decisões das supremas corte; neste sentido, a
219

comunidade interpretativa confere significado as regras de acordo com as


decisões judiciais já emitidas.
Entretanto, as disciplining rules e a comunidade interpretativa
jurídica seriam responsáveis, apenas, pela objetividade das decisões. Sua
certeza ou equívoco seria avaliada, para Fiss (1982, p. 749), por um fator
externo ao direito, que pode ser político, moral ou mesmo religioso [sic]:

The [disciplining rules and interpretative


community do] not exhaust all evaluation of legal
interpretation. Someone who stands outside of the
interpretive community and thus disputes the
authority of that community and its rules may
provide another viewpoint. A criticism from this
so-called external perspective might protest Plessy
on the basis of some religious or ethical principle
(e.g., denying the relevance of any racial
distinction) or on the grounds of some theory of
politics (e.g., condemning the decision because it
will cause social unrest). In that instance, the
evaluation is not in terms of the law; it matters not
at all whether the decision is objective. It may be
law, even good law, but it is wrong, whether
morally, politically, or from a religious point of
view211.

Nestes casos, a solução apresentada por Fiss (1982) é que estes


grupos externos se mobilizem e pressionem a comunidade jurídica
interpretativa para que assim o direito se altere. Não se trata uma
alternativa fácil, mas é a única possível – a não ser que a própria
comunidade altere seu entendimento, por vontade própria.

211
“As discipline rules e a comunidade interpretativa não esgotam toda a
avaliação da interpretação legal. Alguém que fica fora da comunidade
interpretativa e, portanto, contesta a autoridade dessa comunidade e suas
regras pode fornecer outro ponto de vista. Uma crítica desta chamada
perspectiva externa pode protestar contra Plessy com base em algum
princípio religioso ou ético (por exemplo, negando a relevância de qualquer
distinção racial) ou com base em alguma teoria da política (por exemplo,
condenando a decisão porque ela causa agitação social). Nesse caso, a
avaliação não é em termos jurídicos; não importa se a decisão é objetiva. Pode
ser jurídica, mas é errada, moralmente, politicamente ou do ponto de vista
religioso.”
220

[The external critic] may move to amend the


Constitution or engage in any number of lesser and
more problematic strategies designed to alter the
legal standards, such as packing the court or
enacting statutes that curtail jurisdiction. Failing
that, he remains free to insist that the moral,
religious, or political principle take precedence
over the legal212. (FISS, 1982, p. 749-150).

Para Levinson (1982, p.393), a perspectiva de Fiss assemelha-se a


de Dworkin, ao acreditar em uma comunidade jurídica homogênea e em
uma constituição justa:

Like Ronald Dworkin, Fiss seems to assert the


existence of uniquely valid (“true”) solutions to the
conundrums about the implications of our “public
values,” assuming in the first place that such values
exist and can be ascertained. Moreover, like
Dworkin’s, Fiss’ Constitution turns out to contain
only the good, the true, and the beautiful213.

Por isso, Levinson (1982) afirma que o argumento de Fiss é frágil


porque não é capaz de demonstrar os motivos pelos quais uma
interpretação é a mais coerente aos fatores externos (política, moral,
religião [sic]) do que outra, justamente porque existem diferentes opiniões
na própria comunidade jurídica (interna) sobre o significado de cada um
destes conceitos – seja porque nem todas as questões que são pacificadas
pelas supremas cortes, seja porque a própria suprema corte pode emitir
decisões consideradas equivocadas.

212
“[O crítico externo] pode propor alterações na Constituição ou engajar-se
em qualquer número de estratégias menores e mais problemáticas destinadas
a alterar os padrões legais, tais como ajeitar o tribunal ou aprovar estatutos
que restringem a jurisdição. Na falta disso, ele permanece livre para insistir
que o princípio moral, religioso ou político tenha precedência sobre o
jurídico.”
213
“Como Ronald Dworkin, Fiss parece afirmar a existência de soluções
unicamente válidas ("verdadeiras") para os enigmas sobre as implicações de
nossos "valores públicos", assumindo em primeiro lugar que tais valores
existem e podem ser apurados. Além disso, como a de Dworkin, a
Constituição de Fiss acaba por conter apenas o bom, o verdadeiro e o belo”.
221

Figura 18: Owen Fiss

Disponível em: < https://law.yale.edu/owen-m-fiss>. Acesso em 04 jan. 2019.

No intuito de lançar uma nova perspectiva sobre o debate do direito


como literatura, Robin West (1987) critica tanto a visão de Dworkin
quanto a de Fish. Para West (1987), as decisões judiciais não são um ato
de interpretação, mas atos imperativos ligados ao poder político (visão
imperativista). Neste sentido, o direito é totalmente diferente da literatura
por causa de seu caráter político; assim, as decisões judiciais são
essencialmente imperativos políticos, mas formalmente se apresentam
como ações interpretativas.
Dentre os que acreditam que o direito é um ato interpretativo (e
não político), West (1987) vislumbra duas perspectivas: aqueles que,
assim como Dworkin e Fiss acreditam em critérios objetivos de
interpretação (os objetivistas) e aqueles que, como Fish e Levinson,
acreditam que a interpretação é subjetiva (os subjetivistas).
Conforme já relatado, West (1987) critica os objetivistas por
buscarem na moralidade os critérios de objetividade interpretativa. Em
Dworkin, essa moral aparece como a interpretação das decisões passadas;
em Fiss, ela emerge como as discipline rules. O efeito, porém, é o mesmo
em ambas as propostas: as decisões podem até se tornar racionais, mas
jamais serão morais porque não existe uma moralidade única.
Os subjetivistas, por sua vez, compreendem que as decisões
judiciais têm um caráter político (assim como ela mesma defende), mas
não apenas. Para West (1987), o grande problema da proposta de Fish é
que ele compreende toda e qualquer interpretação, jurídica ou não, como
222

um imperativo político. Os imperativistas acreditam em verdades


objetivas fora do direito; os subjetivistas, não.
Para exemplificar, West (1987, p. 246) propõe a seguinte
afirmativa: “unconscionable contracts frustrate real human needs214“. Um
imperativista diria que esta frase é uma reclamação sobre prática política
e necessidades humanas e que sua veracidade dependeria do que são essas
necessidades humanas no caso concreto.
Já o subjetivista diria que as necessidades humanas elencadas
também são subjetivas, no sentido de que são nada mais que um discurso
construído na disputa política em questão (de demonstrar que os contratos
inconcebíveis as prejudicam). A frase, portanto, não deve ser avaliada
segundo os critérios de verdade ou falsidade, mas de convencimento. Se
o conceito de necessidades humanas for capaz de convencer determinada
comunidade interpretativa, então a crítica terá sucesso; caso contrário,
falhará. Assim, para West (1987, p. 247):

We cannot determine whether it is “true” or not for


the simple reason that there are no “real human
needs” against which it can be judged, any more
than there are contracts pre-labeled
“unconscionable” or “enforceable.” All there is, is
the speaker’s desire to see certain contracts struck,
the speaker’s desire to couch that commitment in
the language of real human needs, and the
speaker’s relative power (of persuasion or force) in
imposing that preference on others215.

Para West (1987), esta perspectiva é perigosa e conservadora


porque inviabiliza a crítica ao direito. A crítica só pode ser realizada no
nível da argumentação, desbancando o argumento dominante e tornando-
se ela própria hegemônica; é preciso ter sucesso em convencer e
demonstrar que se está certo.

214
“contratos inconcebíveis frustram as necessidades humanas reais.”
215
“Não podemos determinar se a assertiva é "verdadeira" ou não pelo
simples motivo de que não existem "necessidades humanas reais" contra as
quais ela possa ser julgada, assim como não existem contratos pré-rotulados
como "inconcebíveis" ou "exequíveis". Tudo o que existe é o desejo do
interlocutor de ver certos contratos atingidos, o desejo do interlocutor de
encerrar esse compromisso na linguagem das necessidades humanas reais, e
o poder relativo do falante (de persuasão ou força) em impor essa preferência
aos outros.”
223

We cannot criticize the world given us by the


powers that be on the basis of what ought to be-for
there is no realm of the “ought” that is not itself an
aspect of that which is. Criticism is interpretive,
and interpretations must be based on texts. Texts
are things that people-and more particularly,
empowered people, such as people in professions-
create. Criticism, then, can only be based upon
interpretations of the positive values created by that
branch of the community which has at some time
made itself heard. We can use those positive values
to criticize political acts that diverge from them.
But we cannot criticize the values themselves on
the basis of human needs drawn from extra-
professional (or extra-political or ahistorical)
sources216. (WEST, 1987, p. 253).

Para West (1987, p. 254), esta proposta é absurda porque existem


necessidades humanas reais, como “[...] love, food, shelter, meaningful
work, nurturance, healing, play, and community217“. Se alguma
instituição hegemônica ferir qualquer destas necessidades, ela deve sofrer
críticas, independentemente se tais críticas se tornarem ou não
dominantes no cenário político, porque valores construídos por detentores
do poder não são os únicos valores que existem.
Observe-se, por exemplo, questões controversas como o
casamento homoafetivo, direcionado a uma minoria política. O discurso
construído pela maioria conservadora, historicamente, tem sido de que a
família é uma instituição heterossexual; o discurso crítico minoritário

216
“Não podemos criticar o mundo que nos foi dado pelos poderes que estão
na base do que deveria ser - pois não há domínio do "dever" que não seja em
si um aspecto daquilo que é. A crítica é interpretativa e as interpretações
devem basear-se em textos. Textos são coisas que as pessoas - e mais
particularmente, pessoas capacitadas, como pessoas em profissões - criam. A
crítica, então, só pode ser baseada em interpretações dos valores positivos
criados por aquele ramo da comunidade que em algum momento se fez ouvir.
Podemos usar esses valores positivos para criticar atos políticos que divergem
deles. Mas não podemos criticar os próprios valores com base nas
necessidades humanas extraídas de fontes extraprofissionais (ou extra
políticas ou a-históricas).”
217
“amor, comida, abrigo, trabalho significativo, nutrição, cura, diversão e
comunidade.”
224

refere-se a ideia de que o amor é uma necessidade humana,


independentemente de orientação sexual. Se este discurso crítico
minoritário é, também, uma construção social, é preciso aceitar que ele só
poderá gerar efeitos a partir do momento em que se tornar dominante, ou
seja, quando convencer toda uma comunidade. Como não existem
verdades objetivas, os dois discursos seriam equivalentes, diferenciando-
se entre si apenas quanto à aderência pública. Este é o receio de West
(1987) em relação a abordagem subjetivista.
Ademais, West (1987) acredita que as decisões judiciais são atos
de interpretação apenas na forma. Neste sentido, elas se diferenciam
radicalmente da literatura, um ato interpretativo puro. Para ela, Dworkin
defende a idea de que as decisões judiciais são atos interpretativos
objetivos, ou seja, possuem limites, estabelecidos pelo próprio texto.
Dentro das possibilidades de interpretação, o juiz deveria escolher aquela
que melhor se adequa ao caso, em um exercício intelectual, mas também,
moral, levando em consideração o que a comunidade considera
moralmente aceitável.
Entretanto, a grande crítica da autora recai sobre o fato de que o
que é socialmente moral não necessariamente é justo. Para West (1987),
defender esta teoria de decisão judicial é defender que o juiz deve atender
aos apelos populares da maioria, excluindo assim, as demandas de uma
minoria política como as mulheres, os homoafetivos, os negros, dentre
outros grupos marginalizados e sem voz política.
Robert Weisberg (1989) também demonstra receio com as
abordagens desenvolvida pelo law as literature relativas a questão da
interpretação. Para o autor (1989, p. 42), essa perspectiva não conecta o
direito à literatura, a não ser de forma superficial, porque a ciência
hermenêutica se inicia, historicamente, com a interpretação de textos
bíblicos e “though very adaptable to literature, it is not necessarily more
adaptable to literature than to other forms of discourse218“. Para Weisberg
(1989, p. 42), mesmo nesta abordagem é possível encontrar uma atitude
romântica e ingênua de auto parabenização:

Even where we do accept an interesting link


between the interpretive arts and literature, it
invites yet again a sentimental or self-
congratulatory version of the law-literature
connection. Lawyers associate their difficulty in

218
“embora muito adaptável à literatura, não é necessariamente mais
adaptável à literatura do que a outras formas de discurso”.
225

construing legal prose with the more prestigious


difficulties of construing literature. We lawyers,
like literary critics, are concerned with the limits of
language, the elusive search for truth, and so on. Or
if we are inclined to do rather fuzzy interpretation
of statutes for political purposes about which we
feel insecure, we can note that literary criticism
teaches us the power of analogical reasoning. The
garnering of prestige may work the opposite way
as well, as literary critics insecure about the
ethereal nature of their work tie themselves to the
world of power by serving as consultants to
lawyers and judges. All this is very ironic. In
modern critical theory, to extend the forms of
literary criticism to allegedly non-literary works is
a manner of subverting cultural elitism, of denying
the “privileged” status of what we call literature. So
it is odd to see the argument that the connection
between law and literature may enhance rather than
undermine the prestige of both sides of the
enterprise219.

Além disso, Weisberg (1989) afirma não compreender quais são


os objetivos visados ao estudar o direito como literatura, porque esta

219
“Mesmo onde aceitamos um elo interessante entre as artes interpretativas
e a literatura, ela convida novamente a uma versão sentimental ou
autocongratulatória da conexão entre a literatura e o direito. Os advogados
associam sua dificuldade em interpretar a prosa jurídica com as dificuldades
mais prestigiosas de construir literatura. Nós, advogados, como críticos
literários, estamos preocupados com os limites da linguagem, a busca
indescritível da verdade e assim por diante. Ou, se estivermos inclinados a
interpretar de maneira bastante confusa os estatutos para fins políticos sobre
os quais nos sentimos inseguros, podemos notar que a crítica literária nos
ensina o poder do raciocínio analógico. A obtenção de prestígio também pode
funcionar do mesmo modo, à medida que os críticos literários inseguros sobre
a natureza etérea de seu trabalho se ligam ao mundo do poder, atuando como
consultores de advogados e juízes. Tudo isso é muito irônico. Na teoria crítica
moderna, estender as formas de crítica literária a obras supostamente não-
literárias é uma maneira de subverter o elitismo cultural, de negar o status
"privilegiado" do que chamamos de literatura. Portanto, é estranho ver o
argumento de que a conexão entre o direito e a literatura pode aumentar em
vez de minar o prestígio de ambos os lados do projeto”.
226

abordagem não aumenta o conhecimento nem da literatura e nem do


próprio direito. A única conclusão extraída é a de que assim como a
literatura é aberta, o direito concebido como tal é, também,
indeterminado. Além disso, é demonstrado que a diferença entre as duas
áreas reside nos aspectos políticos e nos limites impostos aos juristas;
presume-se, portanto, que ao estudar as preocupações e restrições
impostas ao crítico literário seria possível encontrar aplicabilidades para
o operador do direito. Mas tal presunção é equivocada justamente porque
as duas áreas possuem diferenças cruciais em relação aos limites
interpretativos.
Para demonstrar seu argumento, Weisberg (1989) resgata os
debates travados por Dworkin, Fiss, Fish e Levinson, que como
consequência forçaram o jurista a encarar os problemas relativos a
discricionariedade judicial. Entretanto, apesar de levantar interessantes
questões, Weisberg (1989, p. 45):

do not think it has ventured far enough from the


usual terms of legal debate to ponder the
implications of a connection between law and
literature. The interpretation debate has only
vaguely invoked, and rarely addressed, these wider
questions about the underlying premises or goals of
the law-literature enterprise. The obsession that
some of the entrepreneurs have had with
interpretation has been a diversion from the more
important issues220.

Para o autor, as questões debatidas, portanto, são mais filosóficas


do que literárias, o que frustra a proposta de diálogo interdisciplinar tão
alardeada.
Na verdade, para Judith Schelly221 (1985), nem sequer há uma
divergência real entre os autores: após darem seguimento ao debate em
diversos artigos, “Dworkin and Fish have each modified their initial

220
“não acredita que já tenha se aventurado longe o suficiente dos termos
usuais do debate jurídico para ponderar as implicações de uma conexão entre
direito e literatura. O debate sobre interpretação só vagamente invocou, e
raramente abordou, essas questões mais amplas sobre as premissas ou
objetivos subjacentes do projeto de direito e literatura. A obsessão que alguns
dos autores tiveram com a interpretação tem sido um desvio das questões
mais importantes”.
221
Infelizmente não foi possível encontrar imagens de Judith Schelly.
227

positions and have come closer to intellectual agreement, even as the tone
of their essays has become increasingly disagreeable222. (SCHELLY,
1985, p. 161)”.
Para a autora (1985), as propostas de ambos são complementares
entre si, sendo distintas apenas quanto ao momento de aplicação.
Enquanto a descrição de Fish adequa-se ao papel do advogado, que deve
argumentar em prol de defender os interesses de seu cliente, a de Dworkin
é relacionada a atuação do próprio juiz, que precisa decidir qual dos
argumentos melhor se encaixa no texto legal.
Para demonstrar sua perspectiva, Schelly (1985) recorre aos
escritos de Lévi-Strauss, dos quais extrai as figuras do cientista e do
bricoleur, aparentemente tão antagônicas quanto Fish e Dworkin, mas
complementares a partir de um olhar mais atento.
Na visão de Schelly (1985, p.176), o cientista de Lévi-Strauss se
assemelha ao intérprete proposto por Fish; ele resiste em encontrar uma
cadeia pré-determinada de raciocínio e “is engaged in arguing that a
particular message is suggested by the facts before him223.” O bricoleur,
ao contrário, não questiona as bases estruturais e apenas se preocupa em
organizar os novos elementos da cadeia. O cientista questiona o
determinismo intelectual; o bricoleur, o abraça.
Entretanto, a tarefa do bricoleur requer tanto esforço intelectual
quanto a do cientista, pois ele é responsável por ajustar os novos fatos às
teorias pré-concebidas. Para Schelly (1985, p.176), isso também ocorre
no direito: os advogados agem como cientistas, e os juízes, como
bricoleur, construindo, juntos, o sistema jurídico:

Lawyers, like scientists, will disagree about


“facts,” arguing for a version that emerges with the
theory to prove a particular case. Judges, on the
other hand, like bricoleurs, aim to contribute to a
common body of principles that will determine
holdings in all similar cases224.

222
“Dworkin e Fish modificaram suas posições iniciais e se aproximaram do
acordo intelectual, mesmo quando o tom de seus ensaios se tornou cada vez
mais desagradável”.
223
“está empenhado em argumentar que uma mensagem particular é sugerida
pelos fatos antes dele”.
224
“Os advogados, como os cientistas, discordarão sobre "fatos", defendendo
uma versão que surge com a teoria para provar um caso particular. Os juízes,
por outro lado, como bricoleurs, pretendem contribuir para um conjunto
228

Schelly (1985) prossegue, afirmando que em alguns momentos é


comum que a atividade de ambos se misture. Em um tribunal, os juízes
podem discordar entre si e passar a agir como advogados rivais; os
advogados, por sua vez, podem evocar precedentes, e agir assim
similarmente ao juiz. Entretanto, tais atitudes referem-se aos papéis
sociais desempenhados pelo sujeito e não pelos indivíduos em si.

In other words, it is a question of what is “lawyer-


like” and “judicial,” not of what individuals
actually do at various moments. While the judge
portrays his decision as having been determined by
basic principles of law, the lawyer finds that legal
principles emerge in such a way as to support the
case he must argue in defense of his client225
(SCHELLY, 1985, p.176).

Weisberg (1989) não é tão otimista. O autor defende que o debate


retrocedeu, à medida em que Dworkin, Fiss e mesmo Fish buscam
princípios de restrição interpretativa. Dworkin busca a hipótese estética;
Fiss evoca o poder da comunidade jurídica interpretativa; e Fish acredita
em restrições de contexto prático:

For Fish, there is no real danger of caprice in


interpretation, because the interpreter does not
really choose interpretation-she is still constrained
by the professional community of discourse. All
our judgments of right and wrong occur within
assumptions we cannot wholly control or
choose226. (WEISBERG, 1989, p. 45, nota 150).

comum de princípios que determinarão as participações em todos os casos


semelhantes.”
225
“Em outras palavras, é uma questão do que é "relativo ao advogado" e do
que é "relativo ao juiz", não do que os indivíduos realmente fazem em vários
momentos. Enquanto o juiz retrata sua decisão como tendo sido determinada
pelos princípios básicos da lei, o advogado descobre que os princípios legais
emergem de forma a apoiar o caso que ele deve atuar em defesa de seu
cliente.”
226
“Para Fish, não há perigo real de interpretação caprichosa, porque o
intérprete não escolhe a interpretação - ela ainda é limitada pela comunidade
profissional do discurso. Todos os nossos julgamentos de certo e errado
229

Weisberg (1989) alega, portanto, que Stanley Fish, mesmo


acreditando na construção dos valores e dos critérios utilizados para
interpretação, confere ao ato certa limitação. Não é qualquer interpretação
que será aceita, mas aquela que melhor convencer uma comunidade
interpretativa hegemônica.
Fiss (1982) também acredita na força das comunidades
interpretativas, especialmente a jurídica, mas entende que elas são regidas
pela moralidade social; já para Fish (1982), elas seriam regidas pelo poder
retórico-argumentativo. O efeito, porém, é o mesmo: as comunidades
limitam e legitimam determinadas interpretações.
Segundo Weisberg (1989), o debate, porém, limita as
possibilidades de estudo entre direito e literatura, pois existem outras
formas de se estudar as duas áreas. A proposta de Weisberg é
compreendê-las como dados culturais: entender tanto o direito quanto a
literatura como fenômenos linguísticos, passíveis de ambiguidade,
poderia fornecer interessantes visões sócio-antropológicas, especialmente
situando o direito como uma manifestação de poder.
Richard Posner (1986, p.1360-1361), também não demonstrava
simpatia à ideia de interpretar o texto jurídico como um texto literário.
Para ele, a partir desta abordagem seria possível advogar por um
desconstrucionismo literário e, assim retirar o significado de um texto,
reconstruindo-o da forma que melhor agrade ao interprete.
Para Posner (1986, p. 1361-1363), não seria possível utilizar todas
as técnicas de interpretação literárias em textos jurídicos, porque as duas
áreas são extremamente diferentes. Como o desconstrutivismo não é a
única teoria de interpretação literária, o autor utiliza duas outras teorias
para melhor explicar seu argumento: a neocrítica (ou Nova Crítica) e o
intencionalismo (intencionalidade autoral).
Conforme Posner (1986, p. 1361-1362) a abordagem neocrítica
busca interpretar a obra da melhor forma possível, ou seja, de maneira
que realce sua grandiosidade tanto quanto possível. Dworkin procura
traduzir esta ideia para o Direito, mas, segundo Posner (1986, p.1365),
utilizando filósofos e não críticos literários. Na filosofia, e em especial na
filosofia política, as melhores interpretações são variáveis, a depender do
viés do autor utilizado. Por isso, para Posner (1986, p.1365), tal
interpretação é extremamente válida para textos literários e mesmo
filosóficos, mas quando aplicada à textos jurídicos, padece de um grave

ocorrem dentro de suposições que não podemos controlar ou escolher


totalmente.”
230

problema: a melhor interpretação fica a livre critério do juiz, que deverá


escolher qual leitura faz a lei grandiosa.
Posner (1986, p. 1372) também enfatiza o fato de que os
legisladores não são artistas. Eles não têm cuidado de escrita e não se
preocupam com a estética das leis que redigem. Por esse motivo, não é
possível ler os textos jurídicos a partir da neocrítica, já que essa vertente
procura extrair o melhor da obra literária e, no direito, a qualidade de um
texto não é prioridade. As leis geralmente são escritas às pressas e
redigidas por mais de uma pessoa; assim, presumir que cada detalhe
presente em um documento normativo importa, como afirma a neocrítica
em relação ao texto literário, é desconsiderar o próprio processo
legislativo.
Quanto à crítica intencionalista, Posner (1986, p. 1361-1362), a
compreende como aquela que busca ler o texto a partir das intenções de
seu autor, levando em consideração o contexto histórico-social no qual
ele viveu e no qual a obra foi escrita, bem como quaisquer elementos
externos ao texto que possam auxiliar o intérprete nesta busca. Posner
(1986, p. 1364-1369 ) reconhece a inutilidade de tais informações para a
teoria literária, já que acredita que o ato de escrita é um ato inconsciente,
mas argumenta que, apesar de imperfeita227, esta seria a única teoria
passível de aplicação aos textos jurídicos porque seria a única capaz de
estabelecer limites, ainda que mínimos, ao poder judiciário.
Por fim, Posner (1986, p. 1373) elenca três diferenças cruciais
entre o direito e a literatura: 1) A literatura é apreciada por questões
estéticas, já o direito, por questões de orientação em assuntos
governamentais; 2) A literatura deve ser ambígua e aberta a múltiplos
significados, pois deve atingir o máximo de pessoas possível,
independentemente de tempo ou espaço; já o direito, precisa ser claro e o
mais objetivo possível; e 3) A interpretação do crítico literário não é
coercitiva, admite críticas e interpretações alternativas; a interpretação do
juiz é coercitiva e atinge toda a sociedade.
Apesar disso, Posner (1986, p.1373) afirma que as interpretações
jurídica e literária teriam certa similaridade em dois casos específicos:
quando o legislador transmite o poder de criação normativa para o
judiciário e quando é impossível entender a intenção do legislador. Mas
ainda assim, Posner (1986, p.1373-1374) entende que são semelhanças

227
Às vezes é impossível saber a intenção do legislador e levar isso as últimas
consequências pode também legitimar uma ação arbitrária, no sentido de que
a intenção é aquilo que alguém disser que é.
231

aparentes, porque de qualquer forma a opinião do juiz é coercitiva e


vinculante, enquanto a do crítico literário, não.
Posner (1986, p. 1374) enfatiza que nada tem contra a literatura ou
com as demais linguagens artísticas, mas que sua preocupação recai sobre
as consequências que uma interpretação livre do direito, como elegidas
pelo desconstrucionismo ou pela neocrítica, poderiam causar.
Posner (2009) também critica a metáfora do romance em cadeia
elaborada por Dworkin. Para ele, o gênero criado por Dworkin não limita
os autores subsequentes porque sempre é possível que os novos autores
assassinem todos os personagens e comecem, assim, uma nova história.
Tal processo de escrita é mais complexo do que parece, e para Posner
(2009) não está claro o que seria sua analogia no mundo jurídico.
Ademais, a metáfora erra ao igualar juízes e legisladores, pois para
Posner (2009), hierarquicamente, as decisões que interpretam um texto
jurídico são inferiores ao texto original. Ainda em relação a hierarquia,
Posner (2009) salienta que o judiciário possui uma estrutura hierárquica
rígida (Suprema Corte, Tribunais, Juízes Monocráticos, etc), que tende a
homogeneizar as interpretações; o mesmo não ocorre na literatura, até
porque uma variedade de interpretações literárias não causaria as mesmas
consequências que uma jurisprudência destoante, na sociedade.
Por fim, Posner (2009) acredita que nenhuma receita, como a do
romance em cadeia, pode facilitar a tarefa interpretativa. Especificamente
sobre a referida metáfora aplicada ao common law, ele acrescenta que o
capítulo um se apresenta como algo experimental, que sempre pode ser
modificado caso os autores dos outros capítulos entendam que seus
desígnios foram equivocados. Além disso, para Posner (2009, p. 320):

the common law is merely the set of legal concepts


created by judicial decisions, and as with any
concept the precise articulation is mutable, can be
refined, reformulated. The concept is inferred from
the decision (more often from a sequence of
decisions) but exists apart from it. The literary
critic, the biblical exegete, and the judge engaged
in statutory and constitutional interpretation all
have the difficult task of interpreting a fixed text228.

228
“o common law é apenas o conjunto de conceitos jurídicos criados por
decisões judiciais e, como qualquer conceito, a articulação precisa é mutável,
pode ser refinada, reformulada. O conceito é inferido a partir da decisão (mais
frequentemente a partir de uma sequência de decisões), mas existe à parte
dele. O crítico literário, o exegeta bíblico e o juiz empenhado na interpretação
232

Em 2009, Posner (2009, p. 274; 276) resume os debates travados


sobre direito e interpretação literária nos seguintes termos: 1)
“Interpretation is always relative to a purpose that is not given by the
interpretive process itself but that is brought in from the outside229“, ou
seja, apenas depois de estabelecer os objetivos da interpretação é que esta
será feita, sempre conectada à uma busca do intérprete; e 2)
“Interpretation is not much—and maybe not at all—improved by being
made self-conscious, just as one doesn’t become a better reader by
studying linguistics230“. Em outras palavras, a interpretação é algo
intuitivo, que escapa de regras pré-determinadas – não há um manual de
como interpretar.
Ainda assim, embora já ultrapassada na área da literatura, Posner
(2009) afirma que alguns juristas como Jack Balkin231 ainda se debruçam
sobre a questão da interpretação a partir do desconstrutivismo, sem se ater
aos perigos desta abordagem para o direito, como conceder total liberdade
inventiva a um juiz.
Uma interessante informação apresentada por Posner (2009), é que
a partir dos anos 1990, autores estadunidenses232 começam a pensar
questões relativas a tradução e a interpretação, e não apenas à teoria
literária. Um exemplo, seria a proposta de James Boyd White (1990),
desenvolvida no livro Justice as Translation: An Essay in Cultural and
Legal Criticism, no qual o autor faz uma analogia entre a atividade

estatutária e constitucional têm todos a difícil tarefa de interpretar um texto


fixo”.
229
“A interpretação é sempre relativa a um propósito que não é dado pelo
processo interpretativo em si, mas que é trazido do exterior”.
230
“A interpretação não é muito - e talvez nem seja de forma alguma -
aprimorada por se tornar autoconsciente, assim como não se torna um leitor
melhor estudando linguística.”
231
Para mais informações, checar: BALKIN, Jack M. Deconstruction’s Legal
Career, 27 Cardozo Law Review 719, 2005; e GANA, Nouri. Beyond the
Palie: Toward an Exemplary Relationship between the Judge and the Literary
Critic. 15 Law and Literature 313, 328, 2003.
232
Para mais informações, checar: WHITE, James Boyd. Justice as
Translation: An Essay in Cultural and Legal Criticism (1990); LESSIG,
Lawrence, “Fidelity in Translation,” 71 Texas Law Review 1165 (1993). Para
críticas sobre essa questão da tradução, checar LEVINSON, Sanford.
Conversing about justice. 100 Yale Law Journal 1855 (1991); LEVINSON,
Sanford. Translation: Who Needs It? 65 Fordham Law Review 1457 (1997).
233

interpretativa e atividade do tradutor. Para Posner (2009), porém, esta


metáfora é infrutífera já que a tradução pode ser verificada por um
terceiro, fluente na língua original e na língua traduzida, enquanto o
mesmo não ocorreria com a atividade judicial.
Apesar de criticar as abordagens interpretativas do direito a partir
da teoria literária e da própria tradução, Posner (1986) não descarta a
perspectiva de vislumbrar o direito como literatura, voltando-se, porém,
para as judicial opinions, como já abordado no Capítulo 3: compreender
as peças jurídicas como textos literários poderia auxiliar o jurista a
escrever a partir de técnicas argumentativas e retóricas, melhorando a
própria escrita jurídica.
Será demonstrado, agora, como o projeto hermenêutico aparece
nas pesquisas brasileiras do acervo, no intuito de lançar possíveis
hipóteses para a ausência de debates sobre as críticas desta perspectiva.

4.3 O PROJETO HERMENÊUTICO NO BRASIL

Se os autores estadunidenses até então mencionados não foram,


ainda, traduzidos no Brasil, Ronald Dworkin e sua teoria do romance em
cadeia é uma exceção. Seu artigo Law as Interpretation, publicado pela
primeira vez em 1982, teve o título modificado para How Law is like
Literature e faz parte de uma coletânea lançada nos Estados Unidos em
1985 intitulada A Matter of Principle e traduzida para o Brasil em 2000,
como Uma Questão de Princípio.
Tal fato, aliado a explicação de que muitas outras de suas obras
foram traduzidas para o português, ajuda a explicar a quantidade
expressiva de trabalhos que citam o autor (ver Tabela 8), embora nem
todas as referências tenham relação com seu artigo de direito e literatura.
Em contrapartida, Fish, Levinson, Fiss são referenciados poucas vezes
(ver Tabela 9); Weisberg, West e Schelly, não aparecem.

Tabela 8 – Referências a Dworkin nas pesquisas brasileiras do acervo


Pesquisa (chamada autor data)
Obras referenciadas
GODOY (2008) 1. DWORKIN, Ronald. A matter
of principle. Cambridge:
Harvard University Press,
1985.
SCHWARTZ (2008) 1. DWORKIN, Ronald. Uma
questão de princípio. São
Paulo: Martins Fontes, 2000.
OHLWEILER (2008) 1. DWORKIN, Ronald. O
Império do direito; tradução de
Jefferson Luiz Camargo. São
Paulo: Martins Fontes, 2003.
234

2. DWORKIN, Ronald. Uma


questão de princípio. São
Paulo: Martins Fontes, 2000.
ROSA (2015) 1. DWORKIN, Ronald. Uma
questão de princípio. Tradução
de Luís Carlos Borges. São
Paulo: Martins Fontes, 2000.
MOREIRA, ESCOSSIA (2015) 1. DWORKIN, Ronald. Levando
os direitos a sério. Trad. Nelson
Boeira. Martins Fontes, 2002.
2. DWORKIN, Ronald. O
Império do direito. Tradução
de Jefferson Luiz Camargo. 2
ed. São Paulo: Martins Fontes,
2007.
3. DWORKIN, Ronald. Uma
questão de princípio. Tradução
de Luís Carlos Borges. 2 ed.
São Paulo: Martins Fontes,
2006.
COUTINHO (2015) 1. DWORKIN, Ronald. Levando
os direitos a sério. Trad. Nelson
Boeira. Martins Fontes, 2002.
SOARES, OLIVEIRA JÚNIOR 1. DWORKIN, Ronald. Uma
(2012) questão de princípio. Tradução
de Luís Carlos Borges. São
Paulo: Martins Fontes, 2000.
SÁNCHEZ, SOARES (2013) 1. DWORKIN, Ronald. Uma
questão de princípio. São
Paulo: Martins Fontes, 2001.
2. DWORKIN, Ronald. O
império do direito. São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
NASCIMENTO, SALDANHA 1. DWORKIN, Ronald. O
(2013) Império do direito; tradução de
Jefferson Luiz Camargo. São
Paulo: Martins Fontes, 2003.
FERRAZ (2013)233 1. DWORKIN, Ronald. Uma
questão de princípio. São
Paulo: Martins Fontes, 2001, p.
236. In: RAMIRO, Caio
Henrique Lopes. Direito,
literatura e a construção do
saber jurídico: Paulo Leminski
e a crítica do formalismo
jurídico. Revista de Informação
Legislativa. Senado Federal,
Subsecretaria de Edições
Técnicas. Brasília: Ano 49, nº
196, out/dez, 2012, p. 302.
SILVA, RIBEIRO (2014) 1. DWORKIN, Ronald. Uma
Questão de Princípio. Trad. de
Luís Carlos Borges. 2. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2005.
SILVA (2015) 1. DWORKIN, Ronald. Uma
Questão de Princípio. Trad. de

233
Apesar de parecer como referência indireta, decidi computar já que
Dworkin consta na lista de referências do trabalho.
235

Luís Carlos Borges. 2. ed. São


Paulo: Martins Fontes, 2005.
ALVEZ, FERREIRA (2015) 1. DWORKIN, Ronald.
Domínios da Vida: aborto,
eutanásia e liberdades
individuais. São Paulo: Martins
Fontes, 2003.
COSTA, LIMA (2015) 1. DWORKIN, Ronald. Levando
os direitos a sério. Trad. Nelson
Boeira. Martins Fontes, 2002.
2. DWORKIN, Ronald. O
Império do Direito. Trad.
Jefferson Luiz Camargo. 2. ed.
São Paulo: Martins Fontes,
2007.
3. DWORKIN, Ronald. Domínio
da Vida: aborto, eutanásia e
liberdades individuais. Trad.
Jefferson Luiz Camargo. 2. ed.
São Paulo: Martins Fontes,
2009.
TRINDADE, ZANOTTO, 1. DWORKIN, Ronald. O direito
BERNSTS (2014) de liberdade: a leitura moral da
constituição norte-americana.
Trad. de Marcelo Brandão
Cipolla. São Paulo: Martins
Fontes, 2006
2. DWORKIN, Ronald. Uma
questão de princípio. 2 ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2005.
RIBEIRO (2015) 1. DWORKIN, Ronald. Domínio
da vida: aborto, eutanásia e
liberdades individuais. São
Paulo: Martins Fontes, 2009.
FACHIN (2016) 1. DWORKIN, Ronald. Levando
os direitos a sério. 2. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2007.
Total de pesquisas que o
referencia 17
Total de pesquisas que
referenciam obras de Dworkin
sobre Direito e Literatura 12
Fonte: a autora (2018)

Tabela 9 – Referências a Fish, Levinson e Fiss nas pesquisas brasileiras do


acervo
Pesquisa (chamada autor data) Obras referenciadas

STANLEY FISH
GODOY (2008) 1. FISH, Stanley. Don’t know much
about the middle ages: Posner on
Law and Literature. 97 Yale Law
Review, 1987, p. 777-793.
2. FISH, Stanley. Is there a text in
this class? Cambridge: Harvard
University Press, 2003.
GODOY (2008B) 1. FISH, Stanley. Don’t know much
about the middle ages: Posner on
236

Law and Literature. 97 Yale Law


Review, 1987, p. 777-793.
Total de pesquisas que o
referencia 2
Total de pesquisas que
referenciam obras de Fish 2
sobre Direito e Literatura
OWEN FISS
GODOY (2008) 1. FISS, Owen. The
bureaucratization of the judiciary.
92 Yale Law Journal, 1982, p.
1442-1968.
GODOY (2008B) 1. FISS, Owen. The
bureaucratization of the judiciary.
92 Yale Law Journal, 1982, p.
1442-1968.
ESPÍNDOLA (2016) 1. FISS, Owen. Um novo processo
civil. Tradução de Carlos Alberto
de Salles. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004.
Total de pesquisas que o
referencia 2
Total de pesquisas que
referenciam obras de Fiss sobre
Direito e Literatura 0
SANFORD LEVINSON
GODOY (2008) 1. LEVINSON, Sanford. Law as
Literature. 60 Texas Law
Review, 1981, p. 373-403.
Total de pesquisas que o
referencia 1
Total de pesquisas que
referenciam obras de Levinson 1
sobre Direito e Literatura
Fonte: a autora (2018)

Sobre Fish e Levinson apenas Godoy (2008) (2008B) parece estar


familiarizado com seus respectivos escritos de direito e literatura, já que
é o único pesquisador do recorte a citá-los. Quanto a Fiss, nenhuma das
citações encontradas diz respeito à sua crítica ao projeto hermenêutico.
No que se refere à Dworkin, 12 pesquisas fazem menção a seus
escritos de direito e literatura, mas sem menção a qualquer das críticas
que lhe foi realizada, como por exemplo os trechos a seguir:

Ronald Dworkin (2000, p. 235) diz que quer usar a


interpretação literária234 como um modelo para o
método central da análise jurídica; assim, precisa

234
Na verdade, como foi demonstrado no item 4.1 da presente tese, Dworkin
propõe uma teoria descritiva no intuito de explicar como a interpretação é
feita, e não uma teoria prescritiva, de como deve ser feita.
237

demonstrar como mesmo essa distinção entre


artista e crítico pode ser derrubada em certas
circunstâncias. Ele expõe a ideia da teoria do
romance em cadeia, em que cada autor acrescenta
uma nova parte na história, “respeitando”
(interpretando e criando novos trechos) com base
no que já existe. Decidir casos controversos no
Direito é mais ou menos como esse estranho
exercício literário (SOARES, OLIVEIRA
JÚNIOR; 2012, p. 6)

Nesse sentido, através da narrativa literária é


possível chegar a determinadas conclusões a
respeito das relações político-sociais,
representações jurídicas que vão para além do
imediato proposto e observável, trabalhando, em
certo sentido, tanto com a dimensão objetiva
quanto a dimensão subjetiva. Quem sustenta esta
possibilidade é Ronald Dworkin ao recomendar
que os juristas estudem não só a interpretação
literária, mas outras formas de interpretação
artística, nas quais contribuem para a distinção
categórica entre “descrição e valoração na teoria
jurídica. (SILVA, 2015, p. 6)

O tema foi também incidentalmente tocado por


Ronald Dworkin, que aproximou Direito e
Literatura em função de seus conteúdos
interpretativos. Dworkin parece conceber a prática
jurídica como exercício amplo de interpretação,
que não se limita à exegese de documentos que
qualificam tratativas particulares ou mesmo textos
normativos. Aos juízes, segundo Dworkin, cabe a
interpretação de narrativas. Ao magistrado se
vedaria a criação de narrativas alternativas.
(CASTRO, NEVES; 2015, p. 18)

Todavia, apesar do grande número de citações à Dworkin, o que


significa a tradução cultural de sua teoria do romance em cadeia em terras
brasileiras e a consequente incorporação desta teoria ao espaço jurídico
nacional, é preciso destacar um fenômeno ocorrido no Brasil: dos 126
trabalhos do acervo, apenas 3 se dedicam a analisar o direito como
literatura (premissa do projeto hermenêutico), sendo que em dois deles é
possível encontrar outras perspectivas utilizadas para explorar tal
238

abordagem. Leonel Ohlweiler (2008, p. 173-174), por exemplo, mescla a


teoria de Dworkin com as proposições hermenêuticas de Gadamer:

A compreensão será posta em evidência,


especialmente no horizonte dos trabalhos
elaborados por Ronald Dworkin e Hans-George
Gadamer, destacando-se algumas aproximações no
pensamento destes autores, como a ontologização
do ato de compreender, as similitudes entre
interpretação jurídica e interpretação artística e a
historicidade presente em tal processo.

Alexandre Morais da Rosa (2010, p. 127), a seu turno, busca


insights na psicanálise para questionar pressupostos do processo penal,
aliando-a à literatura:

O perigo da interpretação objetiva é reputar que o


não-dito desimporta. Pelo contrário. A leitura
cruzada com a Psicanálise sabe da importância das
reticências... A linguagem é da ordem do não-todo.
Provém do real, de impossível acesso. Nessa
angústia de dizer o todo, de bom grado, a literatura
é um coadjuvante importante. Não para
psicanalisar o autor e muito menos para se detectar
um ilusório inconsciente do leitor no caso, as partes
e seus procuradores. Toda leitura é individual,
articulada no tempo, espaço e, sempre, deslizando
entre os significantes que não seguram.

Ademais, na introdução de um dos livros do acervo, foi encontrado


o seguinte fragmento:

Em um nível inicial de explicitude, as leituras de


Sófocles, Eurípedes, Aristófanes, Ésquilo,
Dostoiévski, Kafka, Saramago e Machado de Assis
têm desvelado, a partir de duas entrelinhas, outras
leituras que emergem do implícito.
Concomitantemente, convocam novos diálogos
com Pêcheux, Althusser, Foucault, Nietzsche e
Lacan. Com Pêcheux, por exemplo, nos é
permitido questionar que espécie de sujeito é esse
que está assujeitado pelas amarras do marxismo
althusseriano em uma concepção de discurso
enquanto “máquina discursiva”. [...]. Em Focault,
239

problematizamos sobre os deslocamentos do


“homem” em relação ao “ser da linguagem”, a sua
constituição, a fragmentação e a possibilidade de
seu desaparecimento diante da necessidade de uma
unidade imperiosa dos discursos. Lacan, no
entanto, nos favorece o enfrentamento dessa
problematização a partir de uma abordagem que
possibilita uma análise do discurso com base na
complexidade da constituição do sujeito. [...].
Nietzsche permite ultrapassar as discussões
epistemológicas sobre a linguagem a partir de
rupturas, desconstruções e reencontros favorecidos
pelo processo de interpretação da vida não
reduzidos à interpretação dos signos. [...].
(SÖHNGEN, 2008, p. 14-15).

Assim, embora o número de pesquisas que se propõe a explorar o


direito como literatura, como proposto pelo projeto hermenêutico, seja
pouco, existem indícios de que na formação do espaço jurídico da área no
Brasil, os pesquisadores ultrapassaram a questão propriamente literária,
realizando diálogos também com a hermenêutica filosófica, com a
psicanálise e com a análise do discurso.
Trata-se de uma característica diferenciada em relação aos Estados
Unidos posto que neste país o projeto se debruçou especificamente sobre
a teoria literária e o desconstrutivismo, vigente à época, o que não
aconteceu no Brasil. Em nenhum dos 3 trabalhos analisados à qualquer
menção ao desconstrutivismo ou outra teoria literária vigente, preferindo
os pesquisadores nacionais optar por autores como o próprio Dworkin,
Gadamer, Freud e Lacan, o que pode ser considerada uma inovação
brasileira235.
Entretanto, assim como nas pesquisas vinculadas ao projeto
humanista, os escritos alinhados ao projeto hermenêutico também não
mencionam as críticas direcionadas à Dworkin e sua teoria do romance
em cadeia. Neste caso específico, a questão idiomática parece ter grande

235
Como pontuado pelo Professor Daniel Serravalle de Sá na defesa final
desta tese, a expressão direito e literatura acaba se tornando imprecisa já que
nas pesquisas brasileiras do recorte analisado nem sempre há um diálogo
entre direito e literatura, sendo frequentes abordagens entre direito e
hermenêutica, direito e psicanálise e direito e análise do discurso (método
da linguística e não da literatura propriamente dita). Neste ponto, é possível
indagar: existe de fato um projeto de direito como literatura no Brasil?
240

relevância já que Dworkin foi o único dos autores estadunidenses a tratar


do tema, traduzido para o Brasil. Tal afirmativa é lançada levando em
consideração que diferentemente do que ocorreu no projeto humanista,
conforme explicado no capítulo 3, as críticas de Fish e dos demais autores
apresentados não parece ter chegado de forma alguma ao país no processo
de tradução cultural; não há nestes trabalhos qualquer menção à polêmica
gerada pelo artigo de Dworkin em 1982, nem qualquer vestígio de que
sua teoria do romance em cadeia não foi bem recebida por outros autores,
como já demonstrado.
No que se refere à questão do método, existe em ao menos um dos
trabalhos uma desconfiança quanto a sua utilização:

A hermenêutica gadameriana faz uma crítica à


concepção tradicional de método, pois o verdadeiro
método seria fazer da coisa mesma, pensar a coisa
em suas consequências; tal desiderato não poderia
ocorrer com a fixação de um caminho
metodológico a ser percorrido, sempre à disposição
do intérprete. (OHLWEILER, 2015, p. 181)

Desta forma, a ideia de que o método é indesejável mostra-se


presente novamente, reforçando a ideia de que as críticas ao projeto
hermenêutico não estão presentes no espaço jurídico brasileiro porque há
uma discordância sobre o significado de método, que tende a indicar a
inexistência de parâmetros para de pesquisar o direito como literatura. E
novamente, saliente-se: se não existem formas de se pesquisar o direito
como literatura, todas as propostas podem ser entendidas como corretas
e, por isso, não passíveis de críticas.
Ademais, a presença da hermenêutica filosófica nos trabalhos
nacionais, como já mencionado, é uma característica marcante de como
este espaço jurídico foi construído com algo do que já se fazia nos Estados
Unidos, mas também com inovações próprias.
No que se refere à visão sentimental da literatura, ela aparece sob
novos contornos, já que a premissa do projeto hermenêutico não é a de
que a literatura humanize o direito, mas que o direito pode ser melhor
interpretado como literatura:

[...] O cidadão que aparece na narratividade


constitucional não pode ser aquele de uma
sociedade liberal-individualista, mas
comprometido com a comunidade e a construção
de uma sociedade mais igualitária. Compreender os
241

textos jurídicos em constante diálogo com esta


narratividade, de certo modo, como diria Ronald
Dworkin é procurar a melhor forma de realizar esta
obra. Vislumbrá-la não como romance fechado,
com início meio e fim bem delineados e
previamente dados, mas uma espécie de romance
aberto [...]. (OHLWEILER, 2008, p. 188)

Desta forma, o autor parece desejar que a interpretação da


Constituição seja a mais aberta possível, confiando que o intérprete deste
texto literário irá se pautar no igualitarismo.
Em outra passagem:

A verdade verdadeira é empulhação imaginária


capaz, reconheça-se, de apaziguar muitos. Não se
pretende ser apaziguado. O campo psicanalítico
não pode, assim, jogar-se nefelibatamente nas
verdades duras do texto literário, porque seria
somente capaz de apaziguar a falta. A falta
intransitiva de onde se elege, com Lacan, o ponto
de saída. A aproximação com a literatura se dá,
muitas vezes, para se buscar aquilo que a
Psicanálise e o Direito não alcançam. (ROSA,
2010, p. 125).

A literatura, assim, aparece como algo diferenciado, que por algum


motivo poderia alcançar espaços nos quais nem o direito nem a
psicanálise adentram, embora Rosa (2010) não forneça maiores
explicações sobre este ponto.
Desta forma, há novamente aqui elementos para se compreender
as razões pelas quais as críticas ao projeto hermenêutico não chegaram ao
Brasil. Diferentemente do que ocorreu na tradução do projeto humanista
para o país, um autor em especial, Ronald Dworkin, é referenciado
diretamente em vários trabalhos, provavelmente em razão da tradução
linguística de seu artigo sobre direito e literatura no Brasil. Todavia, as
críticas que lhe foram feitas por Stanley Fish e outros, não são
mencionadas de nenhuma forma; o ceticismo de Posner aparece de forma
geral em trabalhos brasileiros que partilham da ideia da literatura como
humanizadora do direito, mas a percepção do direito como literatura,
aparece como se jamais tivesse sido criticada.
Aqui também a taxonomia estadunidense (direito como, direito na)
pode fornecer explicações sobre este ponto: compreender o Direito como
242

Literatura, talvez porque ambos estejam conectados à ideia de linguagem,


pode ter contribuído para a ideia de a teoria do romance em cadeia de
Dworkin foi aceita pacificamente quando publicada.
Além da tradição parecerista (NOBRE, 2005) e da questão do
idioma, que neste ponto adquire maior destaque posto que Dworkin foi
traduzido para o português enquanto seus críticos não, há tanto uma
desconfiança do método, oriunda da tradição hermenêutica que irá se
mesclar ao direito e literatura nacional, quanto uma visão sentimental da
literatura, no sentido de que o direito pode ser visto como uma forma de
literatura, premissa não questionada. Essas hipóteses compreendidas em
conjunto poderiam explicar o que torna as críticas distantes da
investigação de pesquisadores inseridos no espaço jurídico do direito e
literatura brasileiro.
Apresentado o projeto hermenêutico estadunidense e sua tradução
no espaço jurídico nacional, passo, agora, para as considerações finais.
243

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O final dos anos 1990 e início dos anos 2000 foi marcado pela
popularização dos estudos de direito e literatura no país. Livros, eventos,
artigos científicos e até um programa televisivo contribuíram para a
disseminação do movimento, que mesmo não levado a sério
(JUNQUEIRA, 1998; SÖHNGEN 2008) ganhou espaço significativo,
podendo ser compreendido como um espaço jurídico (DUVE, 2014)
formado por uma circularidade de ideias distintas.
Neste sentido, embora não fosse meu objetivo principal, a presente
tese acabou demonstrando, de forma geral, a construção deste espaço a
partir da tradução cultural das ideias estadunidenses sobre o law and
literature. Foi possível perceber, por exemplo, que antes da
institucionalização do movimento norte americano em 1973, pelo menos
quatro autores brasileiros já haviam percebido possibilidades de estudos
sobre direito e literatura, sem fazer qualquer menção ao que ocorria nos
Estados Unidos.
Além disso, as ideias de Luis Alberto Warat sobre arte e ensino
jurídico parecem ter influenciado os autores nacionais analisados,
contribuindo também para a construção deste espaço. Também merece
destaque o fato de que os brasileiros ultrapassaram a seara eminentemente
literária, voltando-se à hermenêutica filosófica, à psicanálise e à análise
do discurso para estudar as relações entre as duas áreas.
Assim, se por um lado as ideias fundamentais dos norte-
americanos (de que a literatura pode humanizar o direito e de que o direito
pode ser compreendido como espécie de literatura) foram culturalmente
traduzidas e auxiliaram na construção do espaço jurídico nacional, por
outro os escritos de Warat e a influência de outras áreas relacionadas à
linguagem e/ou literatura também foram importantes para a construção
deste espaço único. Também não se pode ignorar a possibilidade de que
as ideias europeias sobre direito e literatura tenham contribuído para a
constituição deste espaço, especialmente após a tradução da obra de
François Ost, embora investigar tal questão esteve fora dos objetivos
propostos. Deixo a sugestão para outros pesquisadores
O problema de pesquisa investigado aqui foi outro. Partindo da
construção de um acervo de pesquisas nacionais sobre direito e literatura
e de uma fotografia da produção acadêmica estadunidense, foi possível
concluir que, enquanto nos Estados Unidos calorosas discussões são
travadas a respeito dos fundamentos basilares do direito e literatura, o
mesmo não ocorre nas pesquisas nacionais analisadas. Por isso, o objetivo
244

principal da pesquisa foi o de compreender porque tais discussões não


foram traduzidas, junto das ideias centrais sobre o tema.
É verdade que Marcos Nobre (2005) já diagnosticou que a pesquisa
parecerista, realizada sem se preocupar com críticas, é uma constante na
área do direito em geral. Por confundir prática profissional com atuação
acadêmica, o jurista acaba elaborando pareceres sempre favoráveis às
hipóteses que delimita, ignorando tudo aquilo que possa contradizê-lo.
A questão do idioma também não pode ser ignorada. Com exceção
do artigo de Dworkin (1982), toda a produção estadunidense relativa aos
projetos humanista e hermenêutico continuam sem tradução para a língua
portuguesa, impondo-se como dificuldade para acesso e leitura dos
pesquisadores nacionais.
Outras hipóteses poderiam, ainda, ser pensadas: a preguiça de
investigar tais críticas a fundo; a necessidade de se produzir muito em
pouco espaço de tempo para preservar bolsas de pesquisa e
credenciamentos em Programas de Pós-Graduação; ou, simplesmente,
desconhecimento. Não se pode esquecer também que nos Estados Unidos,
o law and literature foi uma reação à hegemônica análise econômica do
direito; ou seja, seu surgimento se dá em um contexto hostil, como os
primeiros textos de Richard Posner (famoso autor do law and economics)
indicam. O mesmo não acontece no Brasil, onde os pesquisadores passam
a escrever sobre o assunto por razões diversas, mas não como forma de
combate a teorias hegemônicas.
No desenvolvimento da presente tese, porém, persegui duas
hipóteses mais tangíveis, seguindo indícios presentes nos próprios textos
analisados. A primeira, relativa à confusão sobre o conceito de método,
identificada por Haba (2007) em relação à área do direito. Se não existe
um método, um como fazer a pesquisa, qualquer escrito sobre o tema pode
ser compreendido como válido. A segunda refere-se à visão sentimental
da literatura, expressão cunhada por Weisberg (1989), segundo a qual o
jurista desiludido com o mundo do direito para a vislumbrar na literatura
uma tábua de salvação, perfeita e não criticável.
Desta forma, foi possível concluir que existe nas pesquisas
relativas ao projeto humanista e ao projeto hermenêutico uma confusão a
respeito do método, que ora é visto como indesejável, inexistente ou como
a simples divisão da área (direito na, direito como literatura). Ademais,
existe uma visão romantizada da literatura, segundo a qual a obra literária
pode humanizar o direito e que a literatura pode oferecer melhores chaves
interpretativas para a área. A presença destes dois elementos no recorte
investigado auxilia a compreender porque as críticas ao direito e literatura
não são debatidas.
245

Além disso, outras diversas questões foram identificadas. No caso


dos projetos esparsos e do projeto humanista, por exemplo, é comum que
os autores estadunidenses ou sejam citados de forma indireta ou sejam
simplesmente mencionados, o que pode significar que os pesquisadores
brasileiros do acervo não tiveram contato direto com as obras norte
americanas. Isso explicaria a ausência de discussões das já mencionadas
críticas; existe a consciência de que críticas foram feitas, mas elas não são
debatidas.
Todavia, o mesmo não ocorre em relação ao projeto hermenêutico.
Talvez pelo texto de Dworkin ter sido traduzido para o Brasil, é comum
que os autores nacionais do acervo lhe façam referência diretamente. Em
contrapartida, não há qualquer pista de que estes autores saibam que a
teoria do romance em cadeia, desenvolvida por Dworkin, esteve no centro
de polêmicas, tendo sofrido diversas críticas ao longo dos anos, por parte
dos mais diversificados autores (Fish, Fiss, Schelly, West, Posner e
Weisberg).
Importante mencionar, ainda, que se nos Estados Unidos são três
os projetos de investigação sobre direito e literatura (humanista,
hermenêutico e narrativista), no Brasil apenas dois foram traduzidos. O
projeto narrativista, pautado na escuta das vozes subalternas e fortemente
influenciado pelas teorias feministas e pelas teorias raciais ainda não foi
disseminado no recorte analisado. Ademais, mesmo tendo identificado
autores nacionais que escrevem autonomamente sobre o assunto antes
mesmo do movimento norte americano ter se iniciado, as pesquisas do
acervo citam mais o movimento norte americano do que o que já havia
sido proposto localmente, com exceção dos escritos de Warat.
Em suma, se por um lado a presente pesquisa busca explicar a
ausência das críticas aos fundamentos do movimento, por outro levanta
uma série de outras questões. Investigá-las comportariam novas e
diversificadas teses de doutorado, o que espero que venha a ser feito em
breve por aqueles que escreverão depois de mim, seja para o
fortalecimento da área, seja para compreender e valorizar este espaço
jurídico local.
246
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