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Florianópolis
2019
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor
através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária
da UFSC.
Inclui referências.
The present thesis tries to understand the reasons why the criticisms to the
law and literature movement, in the United States, are not debated in
Brazilian researches of the subject. From the selection of 126 national
academic works (based on a systematic review of the literature) and from
the construction of a photograph about the North American researches, it
was possible to establish a comparative study between Brazilian and
American productions. This study was based on the concepts of cultural
translation and legal spaces, coined by the historian of law Thomas Duve,
making it possible to understand the exchange of ideas between Brazil
and the United States as a phenomenon of cultural translation that would
consolidate a specific non-geographic legal space. Understanding the
reasons why in this Brazilian legal space about law and literature there
are not the criticism of the area in its emergency location (USA) is the
main objective of this research. As hypothesis investigated, it is pointed
out the confusion about the concept of method, diagnosed by Haba (2007)
in the area of law; in the national research on law and literature, the
method is sometimes undesirable, sometimes non-existent, and
sometimes it is the general classification of how studying the subject (law
in literature, law as literature). Another hypothesis studied was the
incidence of what Weisberg (1989) called the sentimental view of
literature, as if literature were always endowed with positive connotations
and law, with negative ones; such a view is present in some research
analyzed. Thus, the two facts may have contributed to spreading the idea
that any form of writing about the subject would be correct, since there is
no specific method; in addition, if literature can always contribute to
improve law (sentimental view of literature) criticism would have no
relevance. The results corroborate the hypothesis by demonstrating the
presence of conceptual confusions about the method and a romanticized
view of the literature in the national researches analyzed, which may
explain the lack of debate about the criticism to the movement.
1 INTRODUÇÃO ................................................................................ 19
1.1 A CONSTRUÇÃO DE UM ACERVO ........................................... 28
1.1.1 Busca por livros .......................................................................... 32
1.1.2 Busca por artigos em periódicos ............................................... 40
1.1.3 Busca por artigos em anais de eventos ..................................... 44
1.1.4 Busca por teses ............................................................................ 54
1.1.5 Resultado final ............................................................................ 55
1.2 A CONSTRUÇÃO DE UMA FOTOGRAFIA ............................... 57
1.3 THOMAS DUVE: A TRADUÇÃO CULTURAL E OS ESPAÇOS
JURÍDICOS .......................................................................................... 59
1.4 DIVISÃO EM VERTENTES: OS PROJETOS ESPARSOS,
HUMANISTA, HERMENÊUTICO E NARRATIVISTA .................... 65
1.5 PROBLEMA, HIPÓTESES E OBJETIVOS .................................. 76
1 INTRODUÇÃO
1
Conforme Junqueira (1998), seu primeiro artigo sobre direito e literatura foi
publicado na Luso-Brazilian Review, em 1997 e intitulava-se Ciências
Sociais e literatura: oficinas de percepção do bacharel em direito.
2
De acordo com as pesquisas brasileiras selecionadas para a tese. De todas,
a obra de Junqueira é a mais antiga a mencionar o law and literature
estadunidense.
20
3
Digo mais difundida porque, conforme será abordado no Capítulo 2 da
presente tese, antes da publicação de Junqueira em 1998, outros brasileiros já
haviam escrito sobre direito e literatura. Todavia, é no fim dos anos 1990 e
início dos anos 2000 que publicações sobre o assunto passam a ser mais
recorrentes e mais disseminadas.
4
Conforme Trindade e Berntst (2017, p. 245): “Na verdade, Godoy já havia
publicado ensaios anteriores à dissertação: O desencanto com o Direito na
Literatura do humanismo (Godoy, 2000a) e Aristófanes e as vespas: o
desencanto com o Direito na Literatura Ática (Godoy, 2000b). Após o
mestrado, continuou suas pesquisas em Direito e Literatura, tornando-se um
dos expoentes brasileiros. Entre suas obras, destacam-se: Direito &
Literatura: ensaio de síntese teórica (Godoy, 2008) e Direito, Literatura e
Cinema: inventário de possibilidades (Godoy, 2011).”
5
Pertinente destacar que na UFSC inexiste tal Programa de Pós-Graduação
(PPG). No Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras da
Universidade, existem os seguintes PPG’s: Linguística; Literatura; Inglês e
Estudos da Tradução. Fonte: < http://www.lle.cce.ufsc.br/pos-graduacao/>.
Acesso em 17 jan. 2019.
22
6
Na presente tese, irei me ater exclusivamente à circulação de ideias entre
movimento estadunidense e o movimento brasileiro. É certo que existem
pesquisas sobre direito e literatura na Europa, sendo que as ideias europeias
também foram difundidas no espaço jurídico nacional, especialmente em
razão da tradução da obra de Ost para o português, mas analisa-las está fora
dos objetivos propostos. Deixo a sugestão para outros pesquisadores. Sobre
o direito e literatura na Europa, checar: MITTICA, M. Paola. O que acontece
além do oceano? Direito e literatura na Europa. Trad. André Karam Trindade.
ANAMORPHOSIS - Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 1, n. 1,
p. 3-36, 2015. Disponível em:
<http://rdl.org.br/seer/index.php/anamps/article/viewFile/29/pdf>. Acesso
em 04 jan. 2019.
23
7
Segundo o verbete, “Direito e Literatura é um novo campo de possibilidades
para questões formais e materiais que afligem tanto o Direito quanto a
Literatura. Porém, no campo da crítica do Direito, incorpora às demandas
políticas e éticas de reconstrução de um mundo mais igualitário e justo a
sensibilidade estética do gosto literário” (CHUEIRI, 2006, p. 235).”
8
Trindade e Berntst (2017, p. 239) mencionam os seguintes Grupos de
Pesquisa com produção acadêmica sobre o assunto: Dasein – Núcleo de
Estudos Hermenêuticos (UNISINOS); Phronesis: Jurisdição, Hermenêutica
e Humanidades (UFSM); Literato - Grupo de Pesquisa em Direito e
Literatura (UFSC); Constitucionalismo e Democracia (UFPR); Núcleo de
Metodologia de Ensino (FGV-SP); Fundamentos da Justiça e dos Direitos
Humanos (UCP); Direito e Literatura (PUC-MG); Núcleo de Pesquisa
Direito e Literatura (UFMG); Hermenêutica Jurídica e Jurisdição
Constitucional (FDV); Direito e História (UNB); Grupo de Estudo e Pesquisa
24
11
Como toda pesquisa inicial, estou ciente dos vários defeitos presentes na
análise. Mas ainda assim é pertinente mencionar essa tentativa inicial para
me situar como pesquisadora do tema.
12
OLIVEIRA, Amanda Muniz; BASTOS, Rodolpho A.S.M. A Teoria das
Representações Sociais e suas possíveis contribuições para a pesquisa em
direito no Brasil. In: XI Congresso de Direito UFSC, 2017, Florianópolis.
Anais do XI Congresso de Direito UFSC. Florianópolis: CAXIF - UFSC,
2017. v. 1. p. 225-239. Disponível em: <https://bit.ly/2F9Agxk>. Acesso em
04 jan. 2019.
26
13
O plano de ensino está disponível em
<http://ppgd.ufsc.br/files/2016/05/DIR510114.pdf>. Acesso em 03 ago.
2017.
30
14
Para tanto, analisou-se o Currículo Lattes dos autores, levando sempre em
consideração o momento da publicação. Assim, por exemplo, se um texto
publicado em 2013 contou com a autoria de um jurista que só se tornou doutor
em 2014, o texto seria excluído do acervo. Nada impediria, entretanto, que
este mesmo autor escrevesse uma outra pesquisa sobre direito e literatura em
2015, já doutor; caso essa pesquisa surgisse na coleta, ela seria incluída ao
acervo e analisada.
32
15
Disponível em: <http://acervo.bn.br/sophia_web/index.html>. Acesso em
05 abril de 2017.
33
16
Pertinente destacar a observação do Professor Daniel Serravalle de Sá
quando da defesa final desta tese: a grande maioria dos livros encontrados diz
respeito ao sul e sudeste brasileiro. Pelos parâmetros adotados, pouca coisa
foi encontrada em livros publicados em outras regiões do Brasil.
17
Disponível em: <http://www-periodicos-capes-gov-
br.ez46.periodicos.capes.gov.br/index.php?option=com_pcollection&Itemid
=104>. Acesso em 06 abril 2017.
41
18
Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/quemsomos/>. Acesso em 06
abril 2017.
19
Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/quemsomos/>. Acesso em 06
abril 2017.
45
20
Disponível em: < http://www.rdl.org.br/pt/institucional>. Acesso em 06
abril 2017.
21
Disponível em: <http://www.rdl.org.br/pt/cidil>. Acesso em 6 abril 2017.
52
Livros 35
Periódicos 18
Anais de Eventos 73
Teses 0
TOTAL DE
PESQUISAS 126
56
22
Por institucionalização, entendo a organização do movimento em torno das
Universidades: o aparecimento de disciplinas, eventos sobre o assunto,
publicação de livros específicos, etc.
58
23
O periódico após alteração do nome está disponível em:
<https://www.jstor.org/journal/lawliterature>. Acesso em 04 jan. 2019.
24
Disponível em: <https://digitalcommons.law.yale.edu/yjlh/vol1/iss1/1/>.
Acesso em 04 jan. 2019.
25
Disponível em: <https://www.jstor.org/journal/cardstudlawlite>. Acesso
em 04 jan. 2019.
59
26
“Processo de tradução constante, diacrônico e sincrônico.” (Tradução
minha; doravante, as traduções em nota de rodapé serão sempre de minha
autoria, exceto quando indicado o contrário).
27
“"Perspectivas globais" significam vislumbrar uma história jurídica que
seja capaz de estabelecer novas perspectivas, seja por meio de uma abertura
diferentes conceitos analíticos ou fundindo-os à própria tradição, traçando
enredos mundiais ou projetando marcos comparativos que possam lançar luz
sobre paralelismos históricos inesperados”
61
Para tanto, terei como base teórica dois conceitos cunhados por
Duve (2014): cultural translation (tradução cultural) e legal spaces
(espaços jurídicos).
Como já mencionado, Duve (2014) compreende a história do
direito como um processo constante de tradução, que não se restringe a
tradução linguística. O autor parte da perspectiva da tradução cultural,
que ultrapassa as questões estritamente idiomáticas para observar o
contexto original no qual um discurso é produzido e o contexto receptor
no qual este mesmo discurso é, posteriormente, reproduzido.
Especificamente em relação ao direito, escreve Duve (2014, p.59):
28
“Em uma época de globalização da pesquisa e de certa tendência de impor
e adotar práticas acadêmicas anglo-americanas, é ainda mais importante
preservar e cultivar diferentes cânones e conceitos, para salvaguardar e
promover a pluralidade epistêmica.
Resumindo: Precisamos de posicionamento reflexivo, estruturas
disciplinares, conhecimento acadêmico e mente aberta para perspectivas
globais. O que não precisamos - e este tem sido o caso por muito tempo - é
de isolacionismo intelectual”
29
“Ao olhar para legislação, adjudicação ou redação de livros jurídicos como
uma forma de tradução (independentemente do fato de ser uma tradução de
uma língua para a outra, ou ser apenas uma tradução feita por uma pessoa que
está agindo dentro do mesmo sistema de linguagem), estaríamos obrigados a
prestar especial atenção às práticas sociais, para o conhecimento e às
condições concretas desses processos de tradução. A análise leva
necessariamente à pragmática e, acima de tudo, a contextos institucionais,
62
30
“Espaços jurídicos podem, assim, ser apenas dimensionados por referência
a um respectivo fenômeno histórico e devem, portanto, ser projetados de
maneira flexível. Eles podem - como no caso da monarquia espanhola, por
exemplo - estar ligados a regiões imperiais. Mas eles também podem - como
no caso do Direito Canônico e do pensamento normativo da procedência
teológica moral no início do período moderno - atravessar fronteiras políticas.
Não menos complexos são os espaços jurídicos que não se formaram devido
à interconexão imperial, mas através de uma troca específica, muitas vezes
coincidente ou temporária - por exemplo no campo de certas redes comerciais
que geram regras para o tráfico de bens ou de comunidades discursivas
observável na Europa nos séculos XIX e XX, entre países do sul da Europa e
da América Latina ou em outras regiões.”
64
31
“refletir sobre essa formação de espaços jurídicos ligados a processos de
comunicação cada vez mais intensos, investigar diferentes conceitos de área
e torná-los produtivos para a história jurídica. Ao fazê-lo, não adquirimos
apenas um maior conhecimento sobre formações históricas específicas, mas
também sobre os processos de regionalização cada vez mais importantes da
normatividade, sobre apropriação e imitação, e sobre a integração da
normatividade local e não local. Estas são preocupações fundamentais
também para a filosofia do direito contemporânea.”
65
32
Não foi possível ao longo da pesquisa identificar quem teria proposto a
divisão em vertentes pela primeira vez. A classificação aparece como algo
dado, consensual, por isso acredito que se tornou senso comum.
66
33
Como destacou o Professor Paulo Ferrareze Filho, há no Brasil uma
discussão sobre narrativas, mas a partir de uma perspectiva europeia,
notadamente influenciada pela Teoria Narrativista do Direito, do espanhol
José Calvo González. Tais perspectivas não se confundem. Enquanto Calvo
González (1996) há uma discussão oriunda do próprio projeto hermenêutico,
relativo à linguagem e à interpretação, o projeto narrativista norte-americano
é influenciado pela teoria feminista e pela teoria crítica de raça que passam a
integrar o corpo teórico da teoria literária. Sobre a teoria narrativista de Calvo
González aplicada ao direito brasileiro, checar: FERRAREZE FILHO, Paulo.
Decisão judicial e narratividade: um olhar para os fatos a partir da Teoria
Narrativista do Direito de José Calvo González. Tese (doutorado) –
Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em
Direito. Florianópolis, 2017. Disponível em: <
https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/178724/34786
3.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em 18 jan. 2019.
34
“se o direito é uma violência dirigida por narrativas mestras, a revelação da
natureza, origem e estrutura dessas narrativas poderia redirecionar a força do
direito.”
67
35
O artigo foi traduzido para o português em 2016 por Luis Rosenfield e está
disponível em: < http://rdl.org.br/seer/index.php/anamps/article/view/299 >.
Acesso em 04 jan. 2019.
36
“If law reflects a tension between what is and what might be, law can be
maintained only as long as the two are close enough to reveal a line of human
endeavor that brings them into temporary or partial reconciliation. All
utopian or eschatological movements that do not withdraw to insularity risk
the failure of the conversion of vision into reality and, thus, the breaking of
the tension. At that point, they may be movements, but they are no longer
movements of the law.” (COVER, 1983, p. 39).
“Se o direito reflete uma tensão entre o que é e o que pode ser, então ele só
pode ser mantido enquanto ambos estiverem próximos o suficiente para
revelar uma linha de esforço humano capaz de reconciliá-los de forma
temporária ou parcial. Todos os movimentos utópicos ou escatológicos que
não se afastam da insularidade arriscam falhar em converter a visão em
realidade e, portanto, rompem a tensão. Nesse ponto, eles podem até ser
movimentos, mas não são mais movimentos do direito”. (COVER, 1983, p.
39).
68
37
Mais infomações em: <
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=6286
33 >. Acesso em 06 jul. 2018.
38
A título de curiosidade, indico a obra Beyond Carnival: Male
Homosexuality in Twentieth-Century Brazil, do historiador James N. Green,
na qual demonstra-se como a legislação brasileira poderia ser compreendida
como progressista se comparada com a inglesa, na qual a homossexualidade
foi tratada como crime até 1967.
39
Mais informações em: < https://www.bbc.com/portuguese/brasil-
43176883 >. Acesso em 04 jan. 2019.
69
40
“foi influenciada por várias formações institucionais que mesclavam as
alegações psicoterapêuticas do poder curativo de contar sua história com
alegações políticas sobre o poder transformador das narrativas de opressão:
as teorias feministas e as teorias críticas raciais , vistas como um campo
crítico (eventualmente emergindo como estudos do trauma e outras
subdisciplinas), e o estabelecimento de comissões da verdade nas quais as
vítimas de atrocidades podem contar suas histórias”.
41
“auto-preservação psíquica”.
70
42
Em um termo mais amplo, storytelling diz respeito à capacidade de contar
histórias, inclusive histórias pessoais.
43
“se as críticas narrativas das doutrinas presentes nas decisões judiciais
podem ser uma parte efetiva desse diálogo; se podem contribuir para a
avaliação e reconstrução da doutrina como um empreendimento discursivo”
44
“As narrativas nos incitam a pensar criticamente sobre quem está contando
a história, porque certos fatos são incluídos e outros omitidos, e se o contexto
social e as motivações e ações dos personagens são retratados de forma
‘realista’”.
71
45
“Este ensaio discorda da criação de um cânone sobre direito e literatura que
exclui as perspectivas feministas. Tanto o "direito" quanto a "literatura"
compartilham a atividade de gerar narrativas que iluminam, criam e refletem
mundos normativos, que trazem experiências que de outra forma seriam
invisíveis e silenciosas à visão pública. Tanto o direito quanto a literatura têm
frequentemente assumido que, se não totalmente ausente, as mulheres são o
outro, o objeto do olhar masculino, o assunto da discussão, não o indivíduo
que fala. Olhar para o "direito" e "literatura" juntos nos permite ver como
cada disciplina incorpora essas suposições (como os homens falam, julgam,
descrevem e atribuem) e como desafiar essa visão compartilhada sobre a
ordem social.”
46
“para quem é dado voz, quem é citado e repetido, e quem é marginalizado,
ignorado ou submerso”.
72
47
“O movimento jurídico de storytelling tende a valorizar a narrativa como
mais autêntica, concreta e encarnada do que o silogismo legal tradicional.
Mas, como muitos apontam aqui, contar histórias é um camaleão moral,
capaz de promover tanto a pior quanto a melhor causa, assim como o sofisma
jurídico. Por isso, o storytelling não pode fazer uma reivindicação ética
superior. Ele não é, com certeza, moralmente neutro, pois sempre procura
induzir um ponto de vista. Contar histórias, pode-se concluir, nunca é uma
73
atividade inocente. Se você ouvir com atenção uma história bem contada,
você está implicado por e dentro dela.”
48
Segundo Coughlin (1995), "Outsider" é o termo que as teorias feministas,
teorias raciais e acadêmicos homossexuais usam para se identificar.”
49
“Essas alegações em nome da narração de histórias merecem um escrutínio
sério. Os acadêmicos outsiders - ou, no caso, acadêmicos insiders que
também utilizam a autobiografia - devem considerar se e em que sentido essa
forma de representação alcança seus objetivos. Até que ponto a autobiografia
de um outsider resgata experiências e pontos de vista anteriormente
ignorados, ou permite ao autor romper as limitações culturais do discurso
jurídico? Se o direito é a compreensão de suas obrigações sociais através da
perspectiva de um narrador individual, a tática afirmada pelo projeto
autobiográfico, então precisa explicar e avaliar a natureza das perspectivas
que os contadores de histórias constroem.”
74
50
“Os acadêmicos que contam histórias recebem recompensas materiais para
publicá-las. Eles também são advogados ou, pelo menos, críticos do direito,
cuja oferta de histórias é instrumento para algum fim. Ao contar experiências
dolorosas e pessoais para um público disposto a pagar por elas, os autores
usam a si mesmos e a seu sofrimento como um produto de mercado.”
51
Para mais informações, checar: SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o
subalterno falar? Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
75
52
“Embora o movimento de direito e literatura às vezes tenha sido
considerado incoerente, poderíamos heuristicamente identificar três grandes
projetos: humanista (dominante nos anos 1970 e início dos anos 1980 com
foco principal em textos literários), hermenêutico (dominante nos anos 80 e
focado principalmente em teoria literária), e narrativista (dominante no final
dos anos 1980 e 1990 e focado principalmente em casos jurídicos). Cada um
desses projetos usava diferentes tipos de textos, tinha diferentes intuitos e
trabalhava em direção a esses objetivos com variadas estratégias
interpretativas. Apesar dessas diferenças, no entanto, pode-se traçar, se não
um programa de ação inteiramente coerente, pelo menos um conjunto de
preocupações compartilhadas e um conjunto de aspirações recorrentes que
emergem das lutas do último quarto do século XX.”
76
53
O artigo foi publicado no país pela primeira vez pela editora Martins Fontes
em 2000, como capítulo do livro Uma questão de princípio, de Ronald
Dworkin.
77
54
“Não há "método", em sentido estrito, para realizar investigações (sérias)
sobre questões de direito. Ninguém pode aprender a investigar em cursos
especiais chamados "técnicas de investigação" ou similares. Isto serve de
pouco ou de nada, a não ser para se entregar à dissimulação cripto-acadêmica,
para se distrair ao aprender um repertório de regras formais de
procedimento.”
55
“o termo "método" (científico) significa, no sentido estrito, que etapas
predeterminadas estão disponíveis para chegar uniformemente aos resultados
desejados; por outro lado, se este termo é compreendido em sentido amplo,
trata-se de passos com um conteúdo bastante elástico e cujos resultados são
contingentes. A confusão surge de tal homonímia, a circunstância de que a
79
diferença radical entre duas modalidades tão diversas é ocultada pelo uso da
mesma palavra indiscriminadamente tanto para um como para o outro.
Assim, com relação a esta questão de pesquisa, verifica-se que são oferecidos
métodos em um sentido muito amplo, mas fazendo-o acreditar - pelo menos
implicitamente - que isso pode funcionar satisfazendo alguma esperança de
certa eficácia como aqueles credenciados pelos métodos no sentido estrito”
80
56
Adoto como parâmetro o livro de Eliane Junqueira Botelho, a publicação
mais antiga encontrada em minhas pesquisas a fazer remissão direta ao law
and literature movement.
84
57
O artigo foi originalmente apresentado em 1977 no Maryland Law Forum,
mas foi publicado em 1979 no Journal of Legal Education.
58
Instituto criado em 1978 voltado à pesquisa interdisciplinar entre direito e
humanidades.
59
Sobre a Guerra de Independência norte americana, Sá (2014) recorda um
debate filosófico sobre fundamentos da luta e que será incorporado aos
romances góticos do final do século XVIII. De um lado, Edmund Burke irá
escrever Reflexões sobre a Revolução em França (1790): “no calor dos
acontecimentos revolucionários Burke se posiciona fortemente contra o
levante popular na França, defendendo a superioridade do sistema político
britânico junto às classes formadoras de opinião para que o movimento não
ganhasse adeptos na Inglaterra, leia-se Grã-Bretanha (SÁ, 2014, p. 65)”. Seus
objetivos literários são impedir que revoluções similares ocorram nas
também nas colônias inglesas. Todavia, os ideais revolucionários serão
defendidos por Thomas Paine em Os Direitos do Homem (1791), obra na qual
“em defesa das Revoluções Norte-Americana e Francesa e como tentativa de
disseminar ideais revolucionários na Grã-Bretanha. (SÁ, 2014, p. 65)”.
Assim, conforme Sá (2014, p. 75): “Tal debate se fez presente nos romances
góticos ingleses do final do século XVIII de modo ambíguo. Os romancistas
góticos se apropriaram dos debates políticos sintetizando seus fundamentos
teóricos e filosóficos através de leituras estéticas, elaborando um conjunto de
procedimentos literários que refletiu os dilemas setecentistas. Enquanto
escritores pró-revolução como Mary Wollstonecraft e William Godwin
interpretavam o gótico de maneira negativa (ligada a uma monarquia
anacrônica) outros romancistas a exemplo de Ann Radcliffe e Matthew
Gregory Lewis usavam o repertório gótico em apoio às instituições feudais
inglesas. As diferentes acepções do termo ‘gótico’ foram objeto de debate
constituindo um emaranhado de significações políticas, religiosas e estéticas
no final do século XVIII”.
85
Unidos do fim do século XVIII, uma nação jovem e ainda sem tradição
ou identidade, precisou vencer barreiras estéticas e intelectuais para criar
seu mito fundador.
Ferguson (1984, p. 5), ele próprio um jurista conhecido por sua
abordagem interdisciplinar como professor60, busca
60
Mais informações em: <http://www.law.columbia.edu/faculty/robert-
ferguson>. Acesso em 29 mar. 2018.
61
“Recuperar o contexto perdido do qual Adams e Jefferson, e depois
Washington Irving, William Cullen Bryant e outros republicanos precursores,
ousaram ler, pensar, falar e escrever. [...] advogados que sucederam três
gerações foram parte de uma configuração, agora esquecida, de leis e cartas
que dominaram as aspirações literárias americanas desde a Revolução até a
quarta década do século XIX, um período de mais de cinquenta anos. Metade
dos críticos importantes da época tinha formação em direito e os advogados
controlaram muitas das revistas literárias importantes. As sociedades de
belles lettres forneceram a principal base de preocupação cultural para a
América pós-revolucionária; eles dependiam da profissão jurídica de seus
membros. Os advogados também escreveram muitos dos primeiros romances
importantes, peças teatrais e poemas do país. Nenhum outro grupo vocacional
teve contribuição equivalente.”
86
62
Sobre esse assunto ver: WASSERMAN, Renata R. Mautner. Exotic
Nations: Literature and cultural identity in the United States and Brazil, 1830-
1930. New York: Cornell University Press, 1994.
63
“No século XIX e grande parte do século XX, era óbvio para a maioria dos
advogados que eles eram literatos por ocupação, que o direito em si era um
ramo da cultura e que uma educação amplamente humanista era essencial
para a excelência no ensino jurídico”
87
64
Não se pode esquecer que os Estados Unidos do século XVIII buscavam
aproximar direito e literatura na tentativa de criar uma identidade republicana
unificada.
65
“Talvez pareça um tanto exagerado estabelecer uma ligação entre assoar o
nariz com um lenço, escutar música, ler um romance ou encomendar um
retrato e a abolição da tortura e a moderação do castigo cruel. Mas a tortura
legalmente sancionada não terminou apenas porque os juízes desistiram desse
expediente, ou porque os escritores do Iluminismo finalmente se opuseram a
ela. A tortura terminou porque a estrutura tradicional da dor e da pessoa se
desmantelou e foi substituída pouco a pouco por uma nova estrutura, na qual
os indivíduos eram donos de seus corpos, tinham direitos relativos à
individualidade e à inviolabilidade desses corpos, e reconheciam em outras
pessoas as mesmas paixões, sentimentos e simpatias que viam em si
mesmos”. (HUNT, 2007, p. 111)
66
“Capitalizando o sucesso do romance em invocar novas formas de
identificação psicológica, os primeiros abolicionistas encorajavam os
escravos libertos a escrever suas autobiografias romanceadas, às vezes
parcialmente fictícias, a fim de ganhar adeptos para o movimento nascente.
Os males da escravidão adquiriram vida quando foram descritos em primeira
mão por homens como Olaudah Equiano, cujo livro The Interesting Narrative
of the Life of Olaudah Equiano foi publicado pela primeira vez em Londres,
em 1789”. (HUNT, 2007, p. 67)
88
67
“O primeiro mais antigo buscava declarações derivadas do uso comum e
consistente com a natureza. Seu sucessor, o leitor de casos, pensava em
termos de comandos específicos que a sociedade havia estabelecido sobre si
mesmo... Suas respectivas necessidades tornaram a literatura útil para o
primeiro e cada vez mais irrelevante para a segundo. E o segundo advogado
inevitavelmente engoliu o primeiro.”
68
Conforme a historiadora e tradutora Denise Bottmann (2015), renascença
americana é um termo cunhado por Francis Otto Matthiessen para designar
os trabalhos de Ralph Waldo Emerson, Nathaniel Hawthorne, Herman
Melville, Henry David Thoreau e Walt Whitman. Para a autora (2015, p. 191)
“Além de um veio transcendentalista ou romântico comum a todas elas, havia
89
71
“Na filosofia, o tipo de positivismo lógico que queria reduzir o significado
ao empiricamente testável; a visão mais geral de que a ciência simplesmente
oculta o valor de outras formas de pensamento (e com ela o desejo de
reivindicar o status de "ciência" para o estudo de fenômenos sociais, políticos
e econômicos); um desejo generalizado, em um momento de perigo
internacional, para afirmar a masculinidade da ciência contra a feminilidade
percebida das humanidades; e a busca autoconsciente do que é chamado de
"ciência" social no direito, primeiro na forma de sociologia e psicologia,
depois de economia. As suposições aqui eram de que esses campos poderiam
produzir conhecimento de um tipo que as humanidades não poderiam; que
esse conhecimento era testável; e que poderia ser o fundamento do direito -
direito baseada em realidades sociais que foram representadas com precisão
por disciplinas que compartilhavam o nome e esperavam compartilhar o
prestígio da "ciência". A ideia de que o direito poderia ser visto como uma
das ciências sociais tornou-se predominante na década de 1930, sob a rubrica
do realismo jurídico e, desde então, tornou-se mais intensa.”
72
“Grupo formado na década de 20 por filósofos e cientistas interessados em
questões de ordem epistemológica particularmente no campo da física. As
discussões do Círculo foram motivadas, primariamente, pelo advento das
‘revoluções gêmeas da teoria da relatividade e da mecânica quântica’. O
Círculo representa uma das mais destacadas tentativas de intercâmbio
intelectual entre filósofos e cientistas. Embora liderado por um filósofo, M.
Schlick, o grupo era integrado também por físicos (R. Carnap, P. Frank),
matemáticos (K. Gödel, H. Hahn, G. Bergmann) e mesmo representantes de
campos como a economia (O. Neurath), a história (V. Kraft) e o direito (H.
Kelsen).” (DITTRICH ET AL, 2009, p. 180)
91
73
“Embora as duas disciplinas nunca tenham recuperado a relação confortável
e que exibiram nos primeiros anos da nação, a influência e o interesse entre
as duas áreas permaneceu forte, demonstrada pelo interesse de acadêmicos e
pelo sucesso dos estudos do moderno movimento de direito e literatura.”
74
“Publicou vários livros sobre áreas comuns da prática legal, como A
Treatise On The Admissibility Of Parol Evidence In Respect To Written
Instruments (1883) e The Elements of the Law of Bailments and Common
Carriers (1896). Browne valorizou a literatura e, após sua morte em 1899,
um breve artigo do New York Times celebra seu amor pela literatura e sua
excepcional coleção de livros.”
93
motivo pelo qual concordo com Hursh (2013), seu trabalho é mais
antológico que crítico.
Diferentemente do que se poderia esperar, Irving Browne não era
professor universitário ou pesquisador com filiação institucional, mas sim
um advogado. Ele teria trabalhado em Nova York entre os anos 1857 e
1879, sendo convidado em 1879 para atuar como editor do Albany Law
Journal75, um jornal de notícias dedicado ao mundo jurídico76. Browne
era um amante da literatura, tendo publicado diversos poemas ao longo
de sua vida77.
75
Disponível em: < http://myweb.wvnet.edu/~jelkins/lp-
2001/browne.html>. Acesso em 09 abril 2018.
76
Um exemplar do jornal está disponível em: <
https://books.google.co.zm/books?id=OG6mAAAAIAAJ&printsec=frontco
ver&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false>. Acesso em 09 abril 2018.
77
Uma lista pode ser encontrada no link: <
http://myweb.wvnet.edu/~jelkins/lp-2001/browne.html>. Acesso em 09 abril
2018.
94
78
O artigo de Wigmore foi republicado em 1922-1923, no mesmo periódico
e foi a essa segunda versão que tive acesso.
79
“Podemos pensar em várias razões pelas quais tal lista vale o trabalho. Pois
é certo que o advogado deve, como outros homens, por seu passatempo e
facilidade mental, abandonar-se de vez em quando ao domínio da ficção. Ele
não lerá todos os romances - mesmo todos os bons; ele provavelmente não
vai ler muitos. Ele deve selecionar. Deixe-o, então, selecionar aqueles que
significarão algo para ele como advogado, que terão um interesse especial
para sua profissão com todas as suas tradições, suas memórias, seus segredos
da arte. E assim, desde que ele escolha, ele vai querer selecionar aqueles que,
como advogado, ele não pode ignorar”.
95
80
“o trabalho do romancista é fornecer um museu de personagens, traços e
motivos humanos - assim como podemos ir a um museu de zoologia para
observar um animal que desejamos entender, mas que nunca vimos ainda
vivo”.
81
Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2012-jul-29/embargos-
culturais-benjamim-nathan-cardozo-realismo-norte-americano>. Acesso em
09 abril 2018.
96
82
Disponível em: < https://www.biography.com/people/benjamin-cardozo-
40728> . Acesso em 09 abril 2018.
97
83
“Todo advogado deveria ler o julgamento de Dmitri Karamazov, e todo
estudante de direito deveria ser obrigado a fazê-lo. É o relato processual mais
notável processo já realizado, um triunfo na análise da psicologia que "corta
os dois lados", isto é, uma "faca de dois gumes"”.
84
“Uma característica distintiva das regras jurídicas de interpretação, em
comparação com as regras científicas ou artísticas, consiste no fato de que
elas não dependem, em última análise, da razoabilidade intrínseca ou do
poder convincente das próprias regras. As regras jurídicas são artificiais e são
eficazes mesmo se forem irracionais. Se a lei contém uma direção que
imponha a aplicação de tal regra, a objeção de que a regra não é verdadeira,
ou insensata, ou não se ajusta a hábitos de linguagem, é excluída.”
98
85
“Comparações da interpretação jurídica com a interpretação artística são
contribuições importantes para a teoria da cultura. No entanto, eles não
podem servir às necessidades práticas de interpretação jurídica, já que nosso
conhecimento a respeito do significado expresso nas várias formas de arte
ainda é bastante limitado.”
99
afinal, quantas autoras e autores mais não foram abandonados nas páginas
da história, por razões diversificadas e nem sempre intencionais86.
White (2010, p. 5) por exemplo, escreve que durante seu curso de
direito nos anos 1960, as referências sobre direito e literatura à disposição
eram poucas, embora presentes:
86
Como no caso desta tese, por exemplo. Só foi possível rastrear tais autores
em razão do recorte escolhido para construção da fotografia e tenho plena
ciência de que outros podem ter sido excluídos de minha apreciação.
87
“Quando eu estava na faculdade de direito, no começo dos anos 1960, por
exemplo, havia apenas uma dispersão de escritos sobre as conexões entre
direito e literatura: um ensaio de Cardozo, um artigo sobre estilo de escrita
judicial de Walker Gibson, um antologia popular compilada por Ephraim
London, e o importante trabalho de Owen Barfield, um advogado inglês (o
qual, à época, eu não conhecia). Mas é justo dizer que não houve um impulso
generalizado para conectar as atividades do direito para com o que poderia
ser aprendido com nosso passado humanista.”
101
88
“Vinte e cinco anos se passaram entre o artigo de Cardozo sobre direito e
literatura e o artigo de Silving comparando a interpretação legal à
interpretação científica e artística. O artigo de Northrop marca mais doze
anos. A diferença de trinta e sete anos entre o artigo de Cardozo e o artigo de
Northrop é imensa. Acima de tudo, o artigo de Northrop é simplesmente
muito mais rico. Seu uso de variadas fontes intelectuais e disciplinas
acadêmicas é consideravelmente mais sofisticado do que o de Cardozo. Além
disso, os artigos de Silving e Northrop demonstram um movimento em
direção à análise literária e filosófica diferenciada. Esses artigos contrastam
com o trabalho de Browne, de forma que nem aparentam ser do mesmo
campo de pesquisa.”
102
89
“Isso significa, entre outras coisas, que não podemos falar de forma
significativa sobre a promessa ou os limites de algo chamado "direito e
literatura", como se fosse um programa baseado em um conjunto de
suposições compartilhadas que necessariamente moldaram suas produções.
O tipo de crítica aqui exigida não é nesse sentido teórico, nem uma afirmação
ou rejeição global, mas, como este próprio artigo que escrevo, particular.”
103
90
Sobre literatura e nacionalidade no Brasil, merece destaque os nomes de
Anchieta e Basílio da Gama, que inicialmente escreveram sobre a figura do
índio a ser explorada posteriormente por José de Alencar. Como salienta
Roncari (1995) no intuito de refundar um imaginário cultural sobre a nação
brasileira, Alencar buscará no índio inspirações para seus propósitos,
presentes em O Guarani e Iracema. A partir da linguagem, Alencar busca
romper com o português europeu por meio da grafia das palavras, colocação
dos pronomes e da valorização do vocabulário de origem africana e Tupi. Sua
intenção está presente em uma de suas célebres frases: “O povo que chupa o
caju, a manga, o cambucá e a jabuticaba, pode falar uma língua com igual
pronúncia e o mesmo espírito do povo que sorve o figo, a pera, o damasco e
a nêspera?” (ALENCAR, 1959, p. 702). Para mais informações sobre os usos
literários do índio na construção de uma identidade nacional brasileira, checar
WASSERMAN, Renata R. Mautner. Exotic Nations: Literature and cultural
identity in the United States and Brazil, 1830-1930. New York: Cornell
University Press, 1994.
104
91
Trindade e Bernsts (2017, p. 229) escrevem que antes dele “o casal Clóvis
Beviláqua (1859-1944) e Amélia de Freitas Beviláqua (1863-1946), publicou
a obra Literatura e Direito (Beviláqua, 1907), reunindo textos de ambos – ele
jurista, ela escritora –, porém publicados em duas partes, uma dedicada ao
Direito e outra à Literatura, de maneira que não pode ser considerado,
propriamente, um trabalho de Direito e Literatura”. Infelizmente não logrei
êxito em encontrar a obra dos Beviláqua, mas deixo aqui a merecida menção.
92
Uma lista pode ser encontrada no link:
<http://www.worldcat.org/identities/lccn-n82031888/>. Acesso em 15 out.
2018.
106
94
Tal afirmação é perigosa, pois como já salientado, nunca se sabe quais os
nomes foram, intencionalmente ou não, apagados pela história.
119
país no qual pouca coisa do law and literature foi traduzido, pode ter
contribuído para que no fenômeno de tradução do movimento, Wigmore
e Cardozo fossem compreendidos como importantes autores
estadunidenses.
Ao checar a quantidade de vezes em que cada autor aparecia nas
referências do acervo, um número baixo foi encontrado: das 126
pesquisas delimitadas, Wigmore aparece referenciado em apenas duas
(Tabela 2) e Cardozo também (Tabela 3); as duas pesquisas são de autoria
de Godoy, sendo a primeira sua obra sobre o law and literature movement
(2008) e a segunda, o artigo na qual apresenta tanto Wigmore quanto
Cardozo como pais fundadores do movimento (2008B).
95
Por exemplo, Espíndola (2015, p. 29) o cita em nota de rodapé para fazer
breve menção a um termo cunhado por Warat, o senso comum teórico dos
juristas: “Mitlaufer, em alemão, significa aquele que segue o comportamento
da maioria irrefletidamente; é aqui empregado no intuito de referir-se ao
senso comum teórico dos juristas, cunhado por Warat”; da mesma forma,
Spengler (2015, p. 130): “sobre os mitos construídos em torno do mundo do
direito e de seu ‘senso comum teórico’ é importante a leitura de Luis Alberto
Warat”. Schwartz (2008, p.80), também em nota de rodapé, remete o leitor à
123
Total de
pesquisas que o 6
referencia
Fonte: a autora (2018)
126
96
“Seu compromisso com o humano como um corretivo ético às visões
científicas e tecnocráticas do direito que dominaram a maior parte do século
XX”.
127
97
“Onde outros professores se juntaram a White e Weisberg em uma versão
do século XX da tradição de Cícero. As premissas básicas de Legal
Imagination são de que a linguagem jurídica é uma versão particular da
retórica e que os advogados serão melhores escritores e mais conscientes das
conseqüências de suas palavras quando as entenderem como parte de uma
“linguagem em um universo de línguas”. Weisberg fez sua primeira
contribuição revisando a lista de romances jurídicos de John H. Wigmore que
todo advogado deveria ler, publicada em 1908 e atualizada em 1922.
Weisberg justificou seu esforço lamentando a rendição do advogado
humanista a seu "rival empiricamente armado", “o cientista social, que “com
sucesso corteja e envolve a profissão jurídica”. O trabalho de pioneiros como
White e Weisberg encontrou seguidores; ensaios foram publicados; e cursos
sobre direito e literatura começaram a ser oferecidos em várias faculdades de
direito. (THOMAS, 2017, p. 37)”.
128
98
“Na época em que The Legal Imagination foi escrito, haviam poucas
iniciativas de conectar o direito e as ciências humanas, como a literatura, de
uma maneira autoconsciente. Mas qualquer alegação de que essa iniciativa
começou em 1973 seria obviamente ridícula, pois as conexões entre o direito
e as artes remontam ao início do direito na história europeia. Para os gregos
e romanos, o advogado era em grande parte um retórico. A retórica era o
centro da educação europeia até pelo menos o século XVII, e muito tempo
depois acreditava-se que uma boa educação humanista era essencial para a
excelência no direito. A instituição da universidade começou com escolas de
direito, em Bolonha e em outros lugares - e o direito era visto como
naturalmente conectado à filosofia, à história, à filologia, à teologia.
[...]
quando eu e outros começamos a pensar em conectar o direito com o mundo
das humanidades e da literatura, na verdade não estávamos fazendo algo novo
e chocante, embora seja assim que alguns tenham percebido, mas algo muito
antigo. Procurávamos tornar consciente uma tradição que remontava aos
primórdios do pensamento jurídico no ocidente. Mas essa era uma tradição
que se considerava largamente garantida, e havia muito pouco que a
abordasse diretamente.”
130
99
“a definição de um novo assunto, ou pelo menos uma nova maneira de
abordá-lo”
100
“Imaginário Jurídico”
101
“Biologia, matemática ou música”
131
102
“Meu propósito não é afirmar que uma educação literária é a melhor para
um advogado: é estabelecer uma maneira de olhar o direito de fora, uma
maneira de compará-lo com outras formas de atividade literária e intelectual,
uma maneira de definir o imaginário jurídico comparando-o com outros. As
leituras não jurídicas nos fornecem um senso comum sobre o que a literatura
jurídica deixa de fora, sobre o que os outros fazem que o direito não faz, e
definem um contexto a partir do qual os julgamentos podem ser extraídos e
contra o qual eles podem ser testados. [...] O objetivo não é fazer uma
comparação sistemática entre direito e literatura, articular uma teoria geral da
análise literária ou algo parecido, mas trazer à vida, pelo contraste entre as
áreas, um conjunto de questões relacionadas à linguagem e à imaginação,
para abrir linhas de pensamento diversas e conflitantes entre as quais as
escolhas podem ser feitas pelo estudante ou outro leitor”.
132
103
“[Este livro] pergunta, e se destina a ajudar, [os alunos] a se tornarem
críticos literários e culturais, aprendendo a aplicar seus talentos de análise ao
discurso do direito, seja quando esse discurso é aplicado por outros ou por
eles próprios”.
133
104
“No processo de redução da obra, removi muito do material técnico, com
o objetivo de tornar o livro mais acessível para o leitor em geral. Na sua
presente forma, acredito não exigir de seu leitor, uma formação jurídica.
[...]
Espero que os advogados e os estudantes de Direito possam ler esta edição
resumida, assim como a original, com interesse e lucro. Mas a edição original
dá um tratamento mais completo às questões levantadas aqui, e dá atenção a
outros assuntos - a estrutura do estatuto, a natureza da crítica judicial, a ética
do argumento jurídico, a maneira como as normas constroem a realidade, a
natureza de instituições, a história da equidade, a lei da escravidão e da raça,
e assim por diante” .
105
Baseando-se nos dados da amazon, disponíveis em:
<https://www.amazon.com.br/Legal-Imagination-James-Boyd-
White/dp/0226894932> e <https://www.amazon.com/Legal-Imagination-
45th-Anniversary/dp/1454897120>. Acesso em 10 abril 2018.
106
“A visão dominante do direito no mundo de língua inglesa hoje é
positivista e focada em normas: o direito é visto como um sistema de regras
que emana de um poder particular para uma população limitada por ele
próprio”.
134
107
“[...] geralmente chamado de tradição do direito natural, na qual as
concepções de justiça e direito foram fundidas e não separadas. Nesta
tradição, o direito era considerado um objeto de reverência, uma fonte de
autoridade externa à vontade (ou mera preferência) daqueles que
momentaneamente exerciam o poder político”.
108
“compreendem o direito como uma entidade social e cultural distinta, com
estrutura, vida e importância próprias”
109
“Um ramo da direita intelectual, por exemplo, deseja reduzir o direito à
política, e a política à análise de custo-benefício de um tipo que valoriza
apenas cenários nos quais um Mercado existe. Este ponto de vista diz respeito
ao mercado, quando funcionando corretamente, como o único - ou único
democrático - determinante de valor”
110
“As premissas dessa visão são naturalmente atomísticas e materialistas; e,
acreditando (contra toda a experiência), que um dólar para um homem rico
135
vale exatamente o mesmo para um homem pobre, é benéfica para aqueles que
já têm riqueza. O mercado é uma democracia apenas no princípio de um
dólar, um voto”
111
“o ataque é muito mais vago: o direito é reduzido à expressão de interesse
de classe, de forma grosseira; o direito sempre é ilegítimo quando a estrutura
de classes que ele reflete é injusta, o que, é claro, acontece sempre.”
112
Pensemos, por exemplo, em comunidades nas quais o roubo é punido com
pena de morte e adultério feminino, com apedrejamento em praça pública.
136
113
“Eu acredito que o direito não é meramente um sistema de normas (de
regras e princípios), ou redutível a escolhas políticas ou interesses de classe,
mas é o que eu chamo de linguagem, pela qual não me refiro apenas a um
conjunto de termos e locuções, mas hábitos mentais e expectativas - o que
também pode ser chamado de cultura. É um sistema extremamente rico e
complexo de pensamento e expressão, de definições e práticas sociais, que
podem ser aprendidas e dominadas, modificadas ou preservadas, pela mente
individual. O direito faz um mundo. E o direito em outro sentido, como a
profissão que ensinamos e aprendemos e praticamos, é uma espécie de
competência cultural: uma arte de ler a literatura especializada do direito e
uma arte de falar e escrever - de fazer composições próprias - nessa língua. É
um ramo da retórica, e um dos meus objetivos neste livro é descobrir um
pouco do tipo de retórica que é: as estruturas do pensamento e da expressão
legais.”
137
114
“Um constrangimento que não consegui eliminar é o uso sem remorso do
pronome masculino para se referir a todos os seres humanos; gostaria de
poder mudá-los para incluir tanto mulheres quanto homens. Eu não defendo
essa prática, exceto para dizer que era normal quando a obra foi escrita. Mas
isso poderia ser dito sobre muitas coisas ruins.”
115
West não aparece referenciada em nenhuma das 126 pesquisas do acervo.
138
116
Conforme Heinen (2016, p. 47), a análise econômica do direito é divida
em duas fases: a velha e a nova. “A velha fase vai até os anos de 1960,
caracterizou-se por estudos das regulamentações dos mercados econômicos
explícitos e era quase sinônimo de estudos do Direito Antitruste, mas também
congregava outras áreas do Direito como Direito Tributário, Corporativo, das
Patentes e dos Contratos. Já a nova fase trata dos mercados implícitos e aplica
a análise econômica ao sistema legal em seu conjunto, passando a se debruçar
sobre todas as áreas do Direito, desde o Direito de família, passando pela
Teoria da Legislação e Administração Judicial, até o Direito Penal.
Representativo dessa nova fase da AED é o livro Economics Analysis of Law
(1973) de Richard Posner, que representou o primeiro contato de muitos
estudantes de Direito norte-americanos com a proposta da análise econômica
aplicada ao direito”. Coincidência ou não, a nova fase da AED surge em
1973, mesmo ano da publicação de The Legal Imagination, de White.
139
117
“O direito não é uma ciência - pelo menos não uma "ciência social" como
alguns chamariam - mas uma arte”
140
118
“O homem economista é incapaz do conhecimento empático, bastante
comum ao resto de nós, relativo à capacidade de reconhecer que a perna
quebrada do vizinho dói mais do que sua unha encravada; ou que o
desconforto de uma criança ao comer uma dieta saudável é menor do que a
dor que ela sentirá se não comer nada além de açúcar; ou que a dor que um
comprador empobrecido pode suportar quando o direito o priva da “liberdade
de contratar um aparelho de televisão em termos onerosos é menor do que a
dor que o comprador sofreria no futuro quando ele viesse a perder itens
essenciais como comida e roupas para pagar suas contas. Ele não pode
empatizar com o outro suficientemente para fazer essas comparações.”
141
119
“Ao contrário do homem economista, a mulher literata é, de fato, às vezes
altruísta, como insistem os críticos comunitários do homem economista, mas
às vezes também é masoquista, automática, submissa, egoísta, opressiva e
talvez sádica. De fato, temos literatura em grande parte porque nossos
personagens são multidimensionais e merecem ser explorados. A
complexidade desses personagens é uma surpresa constante, tanto para nós
mesmos quanto para os outros”
120
“Quando lemos com compreensão, não apenas entendemos essa felicidade
ou dor, mas, até certo ponto, as tratamos como se fossem nossas.”
142
121
“Nos casos em que a compreensão empática é mais necessária, é mais
difícil alcançá-la. A empatia é difícil quando a experiência com a qual
estamos lidando é algo que nunca experimentamos ou vivenciamos. A
empatia é difícil quando a subjetividade que estamos tentando compreender,
é radicalmente diferente da nossa. É muito difícil, por exemplo, que um
membro da maioria racial neste país tenha empatia com a dor subjetiva de
viver em uma sociedade racista. Eu suspeito que a maioria de nós que acha
que entende essa dor na verdade não entende. É muito difícil para um
heterossexual entender a magnitude da dor experimentada por uma vida
homossexual em uma sociedade homofóbica. Para ter uma questão mais
local, é muito difícil para um homem branco compreender empaticamente a
magnitude ou a natureza da dor de ser a única mulher ou negra em uma
faculdade de direito. Não é impossível, mas é difícil. É difícil ter empatia com
a dor daqueles que são diferentes de nós. Agora, a maneira pela qual a mulher
literata alcança a ponte empática, o meio pelo qual ela obtém acesso à vida
subjetiva do outro, é a partir da metáfora e da narrativa. Esta é a única lição
vital que a pessoa literata, e, portanto, a análise literária do direito, pode nos
ensinar exclusivamente: ela pode nos ensinar como ter empatia.”
143
122
Conforme fala do Professor Paulo Ferrareze Filho na defesa final desta
tese, os autores brasileiros parecem se contrapor ao normativismo como um
todo, segundo o qual o direito está necessariamente ancorado em leis e não
deve se afastar delas. Mas não há uma materialidade deste normativismo em
terras brasileiras como a da análise econômica do direito; em outras palavras,
nos Estados Unidos existia um projeto muito bem definido e identificável
contra o qual os teóricos do law and literature escreviam.
144
123
“Olhar para o direito, como eu queria, como uma arte de pensamento e
linguagem, com suas próprias preocupações e métodos característicos, era ao
mesmo tempo algo antiquado e novo, surpreendente para quase todo mundo.
Muitas vezes me perguntavam - como você pode perguntar - "O que a
literatura tem a ver com o direito?”
124
“Uma pessoa não pensa e não pode pensar da mesma maneira em grego e
em inglês. Em cada uma dessas línguas pode-se fazer e dizer coisas que não
se pode na outra, pois cada uma expressa sua própria cultura - seus próprios
valores, seu próprio sentido do que deveria contar como razão, sua própria
maneira de imaginar ou constituir o mundo social e o mundo natural.”
145
White (2010, p. 11) não nega que sua intenção era se tornar
professor universitário de inglês, mas seus planos mudaram quando, ao
ingressar na pós-graduação, percebeu como a atividade literária era
especializada e desconectada da prática política. Por este motivo, decidiu
ingressar na carreira jurídica.
Ao ingressar no curso de direito, com altas expectativas relativas a
argumentação e criatividade, White (2010, p. 13-14) se deparou com uma
academia focada em uma visão simplista, relativa a um sistema de
códigos a serem aplicados. Questões de interpretação e argumentação,
que aguçariam o aprendizado e a criatividade, não eram abordados. Sua
formação em literatura, então, o auxiliou tanto na academia quanto na
prática como advogado:
125
“A literatura não deve ser considerada apenas como um item de alto
consumo, como um vinho fino ou como algo elegante, e sim como centro de
nossas próprias vidas imaginativas e expressivas: pois nós, assim como os
autores que nós lemos, poderíamos colapsar clichés vazios, slogans
sentimentais ou os vícios da propaganda; ou, como eles, poderíamos tentar
encontrar maneiras de usar nossa linguagem para dizer coisas dignas de
respeito.”
126
“Pois eu estava acostumado com a leitura atenta de textos; costumava ver
em uma composição uma gama de significados possíveis; costumava
146
128
Conforme informado em < http://docs.law.gwu.edu/facweb/dsolove/Law-
Humanities/institute.htm >. Acesso em 12 abril 2018.
148
129
“construiu uma série de três seções especiais sobre "Direito e Literatura"
na Modern Language Association (1976-8) para incentivar cerca de 100
acadêmicos, advogados e juízes a começar a planejar uma série de
conferências, uma na AALS e então o que se tornaria mais de uma dúzia de
instituições parceiras em todo o país e no mundo. A primeira grande
conferência do LHI, sobre "Terrorismo na imaginação literária e o texto
jurídico" foi publicada no Human Rights Quarterly, e a seguinte (realizada
em Washington & Lee) sobre "Billy Budd, Sailor", tornou-se o número
fundador Do periódico Cardozo Studies in Law and Literature”. Disponível
em: < http://docs.law.gwu.edu/facweb/dsolove/Law-
Humanities/institute.htm >. Acesso em 12 abril 2018.
130
Disponível em: < https://www.jstor.org/stable/i230851 >. Acesso em 12
abril 2018.
131
“uma importante busca do novo movimento "Direito e Literatura"”
132
“teoria da interpretação; inovação e expansão curricular; e direitos
humanos internacionais e domésticos”
149
133
Disponível em:
<http://heinonline.org/HOL/LandingPage?handle=hein.journals/tlr60&div=
1&src=home>. Acesso em 12 abril 2018.
134
Minha pesquisa inicial apontou dois principais periódicos que englobam
o tema direito e literatura: o Yale Journal of Law & The Humanities (YJLH)
e o Cardozo Studies in Law and Literature (CSLL), ambos fundados em 1989.
Neste mesmo sentido Hursh (2013, p. 19) escreve que, em uma antiga página
de internet, agora indisponível, os editores do Cardozo Studies in Law and
Literature afirmavam que a revista era “one of only two journals in the entire
country entirely focused on the interdisciplinary movement known as Law
and Literature”. (uma das únicas duas revistas acadêmicas em todo o país
totalmente dedicada no movimento interdisciplinar conhecido como Direito
e Literatura. Tradução minha). O site do Law and Humanities Institute,
acrescenta à lista mais um periódico, o Law, Culture and the Humanities
(LCH), fundado em 2005.
150
135
Disponível em: <
https://www.tandfonline.com/action/journalInformation?journalCode=rlal20
>. Acesso em 13 abril 2018.
136
“Sarat não tem formação em estudos literários. Também não possui
formação em direito. Pelo contrário, ele é um cientista político em uma escola
de artes liberais de elite. Tal como acontece com muitos dos movimentos de
“direito e sociedade” (ciências sociais) e “direito e literatura”, ele acredita
que o direito é importante demais para que seu estudo seja deixado apenas
para os advogados. Não obstante, ao contrário de White e Weisberg, ele
inicialmente não se voltou para as humanidades. Sua primeira afiliação foi
151
138
“O Yale Journal of Law & the Humanities pressupõe a existência de uma
cultura jurídica implicada na criação de símbolos e estruturas que
proporcionam sentido na vida cotidiana. Como a cultura jurídica informa
produtos materiais e simbólicos, a análise cultural deve fazer mais do que
identificar as imagens do direito que aparecem em um contexto não jurídico.
Deve centrar-se na interação do direito com outras formas culturais na
percepção estruturante e investigar a formação, limites e intervenção
persistente da cultura jurídica em várias esferas da vida.”
139
“Por isso, e felizmente, é impossível compreender completamente o
direito sem um conhecimento profundo e solidário das artes liberais. Mas esse
conhecimento não pode ser apenas um pano de fundo, deve ser uma parte
fundamental do conhecimento jurídico. Da mesma forma, muitos problemas
nas humanidades (e nas ciências) seriam melhor compreendidos se os
estudiosos dessas áreas soubessem o que os estudiosos do direito e a própria
lei teriam respondido.”
153
140
Trata-se de uma referência ao subtítulo da primeira edição do livro de
Richard Posner, em 1988, modificado a partir da segunda edição (1998).
141
Segundo o currículo do Professor. Disponível em:
<https://www.law.uchicago.edu/faculty/posner-r>. Acesso em 16 abril 2018.
154
142
“Foi apenas enquanto eu preparava resposta a um ataque ao modelo
econômico de comportamento humano surpreendentemente articulado na
ficção de Kafka que me familiarizei com o movimento do direito e literatura
e comecei a perceber que ele tinha aplicações potenciais, não para análises
econômicas, mas para a interpretação de estatutos e constituições e a redação
de decisões judiciais, que são agora minhas preocupações profissionais.”
143
O artigo em questão é The Ethical and Political Basis of the Efficiency
Norm in Common Law Adjudication.
144
“que a maximização da riqueza, especialmente no contexto do common
law, deriva do princípio do consentimento que também pode ser considerado
como subjacente à uma abordagem completamente diferente da ética de
Pareto.”
155
authority confirms our feeling of guilt and meets our need for
punishment145“.
A questão que nos interessa, porém, recai sobre os fundamentos e
exemplos utilizados por Robin West (1985) para sustentar seus
argumentos: ela os retira de diversas obras de Kafka, sendo, por esta
razão, duramente criticada por Posner (1986, p.7) em sua réplica146:
145
“porque reconhecemos a virtude dos valores que a instituição reflete,
porque pensamos na instituição como operando em grande parte em nosso
interesse próprio, ou porque o consentimento à autoridade confirma nosso
sentimento de culpa e atende à nossa necessidade de punição”
146
A réplica é intitulada The Ethical Significance of Free Choice: A Reply to
Professor West.
156
147
“Eu ficaria ainda mais feliz se o artigo dela tivesse sido submetido a um
periódico de filosofia ou literatura, em vez de ser submetido à Harvard Law
Review; pois embora eu seja a última pessoa no mundo a criticar aplicações
interdisciplinares entre o direito e outras disciplinas, não há nada de direito
no artigo da professora West.
[...]
Alguém poderia esperar que ela fundamentasse essa posição na literatura das
ciências sociais. Mas, em vez disso, ela extrai toda sua evidência da ficção, a
dela e a de Kafka.
[...]
A abordagem da professora West, no entanto, parece particularmente
excêntrica. Ela lê Kafka tão literalmente que os incidentes e metáforas dos
negócios e do direito em sua ficção se tornam seu significado. Isso é como
ler A Revolução dos Bichos como um trato sobre gestão agrícola.
[...]
Se você não lê Kafka tendenciosamente, procurando apoio para uma posição
ética ou política ou outra - se você se abandonar à ficção, você não estará,
penso eu, inclinado a fazer inferências sobre a organização adequada da
sociedade.
[...]
Como o amigo de Georg, uma figura onipresente na história, é um homem de
negócios malsucedido, a professora West entende a história como exemplo
da alienação capitalista. Que maçante!”
157
148
Inclusive, sobre o assunto, vale mencionar a obra Law and Literature in
Medieval Iceland, de Theodore Andersson e William Miller.
158
149
“Em um nível, a peça é sobre a execução de um contrato que contém uma
cláusula penal, a qual o réu evita por um detalhe técnico. Mas mesmo na
Inglaterra elisabetana, o contrato teria sido inexequível e o julgamento
considerado uma farsa. A disputa jurídica não é o ponto principal da peça,
mas uma estrutura metafórica conveniente para o contraste de dois modos de
interação social: o tratamento de estranhos mutuamente suspeitos e o
caminho do altruísmo e do amor. Shylock, o judeu, simboliza a rejeição do
amor, encarnado em sua forma especificamente cristã por Jesus Cristo, em
favor do interesse comercial. Antonio, o mercador do título, é um símbolo de
Cristo, e Portia, creio eu, um símbolo de praticidade e bom senso.”
150
“As doutrinas e procedimentos específicos podem mudar, mas as
características gerais do direito, não”.
159
151
“Uma sensibilidade literária pode permitir que os juízes escrevam
melhores decisões e que os advogados apresentem seus casos de forma mais
eficaz”.
161
152
“Mas isso depende do significado de "sobre". A literatura pode conter
muitos detalhes dos costumes sociais sem ser "sobre" eles, ou sem ser apenas
sobre eles. Os épicos homéricos contêm uma grande quantidade de
informação, embora grande parte dela truncada, sobre a cultura micênica.
Mas se fossem apenas uma representação de costumes desaparecidos, seriam
lidos hoje como documentos-fonte históricos ou sociológicos, como são em
grande parte as sagas islandesas.”
162
153
“Mas eu venho para elogiar e não para criticar. Direito e literatura é um
campo rico e promissor; e se a primeira edição deste livro tinha um caráter
negativo e até mesmo defensivo (defendendo minha especialidade
acadêmica, "direito e economia", contra críticas de estudiosos do direito e
literatura como James Boyd White e Robin West), isso foi há mais de 20 anos
atrás e o tom negativo desapareceu na segunda edição do meu livro”.
163
154
“a praga da interdisciplinaridade: o jurista escrevendo sobre literatura sem
sensibilidade literária ou familiaridade com a teoria literária relevante, o
estudioso literário escrevendo sobre direito sem entendimento jurídico. O
estudioso que cruza fronteiras acadêmicas corre o risco de perder os
benefícios da especialização, mas esse não é o maior perigo, porque a
especialização tem tanto custos quanto benefícios; com certeza não trouxe
ganhos absolutos para a erudição literária. O maior perigo é a atratividade da
interdisciplinaridade para os estudiosos fracos como uma forma de ocultar
sua fraqueza. O erudito literário que escreve sobre direito é apto a ser julgado
de forma tolerante por outros eruditos literários, impressionado pelo seu
aparente domínio de outro campo, e o acadêmico do direito que escreve sobre
literatura está apto a ser julgado favoravelmente por outros estudiosos do
direito igualmente impressionados.”
155
“falta de coerência, juntamente com indiscriminado uso de jargão e um
viés político de esquerda difundido - todos os quais acabam por ser
relacionados uns aos outros e também com o projeto de humanização mal
concebido”.
164
156
“A informação e a persuasão afetam o comportamento, e a literatura, como
sabemos, informa e convence”.
157
“A primeira é que a imersão na literatura não nos torna pessoas melhores
ou piores. Alguns trabalhos de literatura podem, como acabamos de sugerir,
ter tal efeito por causa das informações ou emoções que transmitem, mas são
uma amostra distorcida das grandes obras literárias. Segundo, não devemos
ficar insatisfeitos quando encontramos opiniões moralmente ofensivas na
literatura, mesmo que o autor pareça concordar com elas; uma obra literária
não se torna mutilada por expressar morais inaceitáveis e uma obra medíocre
não é redimida por expressar visões que aprovamos. Terceiro, as qualidades
ou opiniões morais pessoais do autor não devem afetar nossa avaliação do
trabalho.”
165
158
“Platão, Tolstói, Bentham e os puritanos, entre outros, suspeitavam
profundamente da literatura e das artes e relutavam em conceder qualquer
valor à literatura que contivesse ideias imorais. Devotos da ‘verdade nua’,
religiosa, filosófica ou científica, eles desprezavam a superfície e a figuração
e, portanto, não encontravam valor redentor na literatura que não fosse moral.
Platão considerava o mundo físico uma cópia do mundo das ideias, acessível
apenas à filosofia - a literatura era apenas uma cópia da cópia.”
159
“A imersão na literatura e na arte pode gerar sentimentos rancorosos de
superioridade, alienação e ressentimento pessoal”.
166
160
“Estupro, pilhagem, assassinato, sacrifício de animais e humanos,
concubinato e escravidão na Ilíada; misoginia na Oresteia e incontáveis obras
desde então; vingança; antissemitismo em mais obras de literatura do que se
pode contar, incluindo obras de Shakespeare e Dickens; racismo da mesma
forma; homofobia (pense apenas em Troilus e Cressida, de Shakespeare, em
"Morte em Veneza", de Mann, e em "A Infância de um Líder", de Sartre);
monarquismo, aristocracia, fascismo, stalinismo, sistemas de castas e outras
formas ilegítimas (como nos parecem) de hierarquia; colonialismo,
imperialismo, obscurantismo religioso, militarismo, violência gratuita,
tortura, mutilação e criminalidade; alcoolismo e toxicodependência;
estereotipagem; sadismo; pornografia; machismo; crueldade com animais;
esnobismo; louvor da ociosidade; e desprezo pelos pobres, pelos frágeis,
pelos idosos, pelos deformados e pelos não-sofisticados, pelas pessoas que
trabalham para viver, pelos processos que cumprem a lei e pelos processos
democráticos. O mundo da literatura é uma anarquia moral; se a imersão na
literatura ensina algo, é o relativismo moral.”
167
161
“A maioria dos romances ingleses, franceses, russos, alemães e
americanos pode ser dividida em uma ou mais classes que não defendem o
igualitarismo: romances que se preocupam com temas privados, muitas vezes
concebidos arcaicamente, como adultério e masculinidade (por exemplo,
Lawrence, Hemingway, Ford Madox Ford e Joyce); romances de aventura; e
romances que, apesar das aparências superficiais, são desvinculados de
qualquer interesse sério nos arranjos sociais ou políticos da sociedade, que
depreciam o moderno projeto de liberdade e igualdade (por exemplo, Dumas,
Scott, Dostoiévski, Waugh, às vezes Conrad e Faulkner), que pressupõem
uma organização da sociedade na qual uma casta superior livre, titulada ou
instruída vive do suor do rosto de uma massa de trabalhadores cuja existência
o romancista mal menciona (por exemplo, Austen, James, Wharton, Proust,
Waugh, Fitzgerald), que estão preocupados com questões mais metafísicas
168
164
“Adquirir experiência; obter modelos para interpretar as experiências reais
da pessoa (mas não lições práticas para viver); afiar as habilidades de escrita
e leitura; expandir os horizontes emocionais; obter autoconhecimento; ganhar
prazer; experimentar um efeito de câmara de eco; tratamento de saúde; e
apreciar a arte pela arte. Nenhum desses benefícios pode melhorar a moral do
leitor.”
165
“Argumentarei que grande parte dos estudos de direito e literatura
produziu resultados intelectuais modestos porque combinam leituras
excessivamente convencionais da literatura com uma compreensão
complacente do direito, às vezes se mascarando nos tons de
autocongratulação do amplo entendimento cultural.”
171
166
“Totalidades que simplesmente se igualam às somas de suas partes não
são muito úteis, e alguns dos inteiros aqui foram menores do que as somas.
A revelação de uma conexão entre formas discrepantes de discurso é
iluminadora apenas quando desconcertante, ou, melhor ainda, subversiva,
porque a subversão da estrutura aparente de uma cultura é exatamente o que
esse tipo de abordagem de "texto social" pode oferecer. Minha suposição
geral, então, é que o estudo verdadeiramente interdisciplinar, ou pelo menos
um estudo interdisciplinar fértil, envolve desconforto. Como Clifford Geertz
discutiu em seu ensaio sobre as linhas genéricas "embaçadas" entre as
ciências sociais e humanas, a aplicação dos métodos ou premissas de uma
disciplina a outra parece necessariamente "desconcertante".”
167
“Não é uma disciplina, mas um produto midiático ou cultural.”
168
“Esse "uso" da literatura em relação ao direito muitas vezes assume uma
forma um tanto sentimental.”
172
169
“A categoria do direito na literatura [...] abrange a versão sentimental da
conexão entre direito e literatura que mencionei anteriormente. Podemos ler
literatura para entender melhor os elementos humanos presentes no direito e
obscurecidos pelos textos legais convencionais; portanto, podemos usar a
literatura para educar os advogados - para abstracioná-los e "humanizá-los".”
173
170
“Sugerir que devemos ler os clássicos ou mesmo literatura moderna para
ver esses pontos, pelo menos no nível de generalidade em que esses pontos
são apresentados, é sugerir que os advogados ou estudantes de direito são um
tanto ridículos. Pressupõe que os alunos perderão o ponto quando lerem o
caso em si, de modo que o instrutor deva experimentar um equivalente - um
romance ou uma peça - para explicar o assunto. Se essa tarefa é necessária,
bem, então é necessária, mas nos fala pouco sobre direito e literatura.”
174
171
“A alegação geral é essencialmente que direito e literatura são dois
fenômenos culturais paralelos; ambos são tentativas de moldar a realidade
através da linguagem e ambos estão preocupados com questões de
ambiguidade, interpretação, abstração e julgamento humanista. São também
atividades performativas que nos exigem uma combinação de descrição da
realidade e julgamento ético.”
175
its ability to represent and define and inspire the values of the mass172“.
(WEISBERG, 1989, p. 12).
Por essa razão, para Weisberg (1989, p.12) clamar por uma
unidade entre ética/política e estética é historicamente impossível e, ainda
que concebível, seria democraticamente arriscada – já que o jurista (e o
político) poderiam atuar de forma arbitrária, definindo os valores culturais
a serem preservados.
Além disso, Weisberg (1989, p. 13) apresenta uma outra versão a
respeito da união entre ética, política e literatura, chamada por ele de
versão totêmica. Para exemplificá-la, ele recorre às obras de Thomas
Stearns Eliot, escritor e crítico literário inglês, nascido nos Estados
Unidos. Conforme Weisberg (1989, p. 13):
172
“elitista, conservador de museus, onde o que define seu papel é sua
superioridade à massa democrática e não sua capacidade de representar e
definir e inspirar os valores populares.”
173
“Curiosamente, as melhores fontes são algumas das obras orgânicas
fascistas de Eliot como Depois de Estranhos Deuses, Notas para a Definição
de Cultura e A Ideia de uma Sociedade Cristã, obras nas quais o Reverendo
Eliot também se torna o legislador Eliot, o programador de uma cultura moral
própria. Os ensaios culturais de Eliot, baseando-se fortemente em escritos
antropológicos sobre o totemismo, esboçam uma espécie de mito da
sociedade primária ou ideal unificada em seu tecido social-moralista. Eliot
anseia por um mundo onde as ações humanas tenham uma valência moral que
agora lhes falta numa sociedade secular.”
176
174
“O resultado é uma estética ética muito sutil, uma escrita de leis fascistas
de ordem primordial e sensitiva. Isso torna a lei pré-consciente. É um mundo
de lavagem cerebral, para o qual a conduta ordenada é inconsciente”
175
“É, acima de tudo, um mundo de ortodoxia. A visão de Eliot é um sonho
maravilhosamente perverso de um mundo em que o direito e a literatura estão
unidos, nos quais o julgamento do passado assombra toda a ação presente.
Assim, a estrutura social primordial de Eliot é um contrato moral perpétuo e,
no mundo ideal, a literatura incorpora o contrato. Eliot não quer crença ou
mito. Ele não quer uma sociedade onde as leis e as letras tenham um
relacionamento rico e interessante. Eliot odeia a ideia moderno-romântica de
que a poesia não oferece ao leitor um mapa de regras, mas apenas um guia de
medição de significância. Ao contrário, ele quer a lei e um mundo em que a
letra é a lei. Sua visão da arte é uma visão de um mundo legislado.”
177
176
“fibras culturais”.
177
“Mais especificamente, ele argumentaria que podemos apreciar
proveitosamente como as várias formas de autoridade intelectual e política
operam em uma cultura ao ver essas formas como, em algum nível, criações
imaginativas ou estéticas.”
178
“quando a vida começa a parecer intolerável, podemos tolerá-la se a
tratamos como um fenômeno estético”.
178
179
A título de informação, tem-se a dissertação de mestrado defendida em
2017 por Marilin Sperandio na Faculdade Meridional – IMED, intitulada
Direito, literatura e cárcere: uma análise crítica do projeto de remição de
pena pela leitura. No trabalho, a autora resgata os debates entre Martha
Nussbaum (para quem a literatura pode humanizar os indivíduos) e Posner
(que recusa tal premissa). A dissertação está fora do recorte estabelecido para
o acervo e por isso não foi analisada. Uma prévia do texto pode ser encontrada
em: <
https://www.imed.edu.br/Uploads/MARILIN%20SOARES%20SPERANDI
O%20(parcial).pdf>. Acesso em 04 jan. 2019.
179
180
GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito e literatura. Os pais
fundadores: John Henry Wigmore, Benjamin Nathan Cardozo e Lon Fuller.
Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1438, 9 jun. de 2007.ano 12, n. 1438, 9
jun. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9995>. Acesso
em: 17 jul. 2012.
181
Ademais, não se descartam aqui outras razões: existiria uma mera
reprodução da pesquisa de fora? As publicações visariam atender a uma
demanda produtivista que se exige volumoso número de publicações, mas
sem potencial argumentativo? Existiria um desconhecimento da produção
interna ou mesmo a falta de diálogo entre pesquisas nacionais?
183
das críticas, apresento, aqui, duas outras hipóteses que podem explicar
este fenômeno, especificamente no âmbito do direito e literatura.
A primeira, refere-se a possível crença disseminada no Brasil de
que não existem métodos para se estudar direito e literatura; a segunda, é
a própria crítica de Weisberg (1989), apresentada previamente, segundo
a qual existe uma visão sentimental da literatura em pesquisas locais.
Sobre a questão do arcabouço teórico metodológico, observe-se o
trecho a seguir:
182
“é chamado de método (propriamente dito) um procedimento padrão que,
organizado de acordo com certas regras conhecidas e aplicadas
intersubjetivamente dentro de uma disciplina, é usado pelos profissionais
para obter, normalmente, uma determinada classe de resultados (padrão) que
podem ser claramente visualizados e alcançados com segurança - ou, pelo
menos, com um alto grau de probabilidade - pelo método em questão.”
189
com uma citação que hierarquiza a televisão e o cinema, sendo este último
apresentado como algo positivo, e a televisão como algo negativo.
Ainda que não seja um discurso corriqueiro, essa visão
hierarquizante em muito distoa do que é debatido em outras áreas das
ciências humanas. Ocorre que a dicotomia entre cultura erudita e cultura
popular suscita diversas discussões desde, no mínimo, a publicação do
texto A Indústria Cultural: o esclarecimento como mistificação das
massas, de Adorno e Horkheimer (1985) no qual é cunhado o termo
indústria cultural. Para os autores, a cultura é absorvida pelo capitalismo
e passa a ser comercializada como um produto, perdendo seu caráter
reflexivo.
Esse tema será muito trabalhado por Adorno que irá criticar a
cultura de massas, em geral e a música, em específico, como produtos
alienantes e incapazes de gerar reflexões críticas. Todavia, ao realizar
uma pesquisa empírica sobre o grau de crença dos telespectadores nas
mensagens midiáticas veiculadas, o próprio Adorno (2002, p. 116) muda
sua posição, vislumbrando certa resistência na audiência:
183
“à identidade do assunto humanidade presumido pelo humanismo
tradicional e à identidade do texto humanista como agente central do
significado humano”
184
Peters (2005) parece se referir ao texto de Roland Barthes, A morte do
autor, que diz respeito a desimportância de uma intenção autoral nos textos
diante do repertório pessoal do leitor. Mais informações em: BARTHES,
Roland. A Morte do Autor. In: BARTHES, Roland. O Rumor da Língua. São
Paulo: Martins Fontes, 2004.
196
185
“Se a literatura tinha algo a oferecer ao direito, não era um retorno a um
humanismo antiquado, mas um conjunto de desafios radicais às teorias da
interpretação, que sustentavam as decisões de um tribunal cada vez mais
reacionário. A hermenêutica literária parecia, então, prometer a liberação do
direito de seu vínculo com texto arcaico e com os homens brancos e mortos
que continuavam a assombrá-lo.”
186
“nas faculdades de direito e nos departamentos de literatura, havia um
interesse maior pela teoria. Entre os mais interessados estavam os membros
do movimento crítico de estudos jurídicos, que certamente tinha motivação
política. Como os departamentos de literatura eram um refúgio para o
pensamento pós-estruturalista, esses estudiosos do direito, alguns dos quais
haviam se voltado para o direito quando o mercado de trabalho nos estudos
literários entrou em colapso, leram teóricos da literatura. Ao mesmo tempo,
como observa Peters, alguns estudiosos da literatura que ansiavam uma
197
virada política na crítica literária viam o direito como uma disciplina que
tinha mais influência na política, do que a literatura. Para eles, o trabalho de
estudos jurídicos críticos foi um lugar frutífero para explorar as implicações
políticas de várias novas teorias. Descobriu-se que essas teorias poderiam ser
aplicadas tanto a interpretações de documentos jurídicos, como a obras de
literatura.”
187
Mais informações sobre o juiz Bork em:
<https://www.conjur.com.br/2014-jul-27/embargos-culturais-robert-bork-
conservadorismo-originalismo>. Acesso em 04 jan. 2019.
188
“Quando escrevi este capítulo para a primeira edição, mais de duas
décadas atrás, interpretação era um tema atual, tanto na crítica literária, que
havia sido profundamente penetrada pelo desconstrutivismo (cuja premissa
tem sido descrita como “todos os textos são alegorias de sua própria
incapacidade de leitura”) e na área de estudos jurídicos. Um forte ataque
conservador à filosofia dos juízes liberais da Suprema Corte estava sendo
montado por Robert Bork e outros sob a bandeira da “intenção original”,
sendo vigorosamente refutado por estudiosos jurídicos liberais como Ronald
Dworkin. A ponte entre os conceitos interpretativos jurídicos e literários foi
Stanley Fish, um cético interpretativo hostil tanto à Dworkin quanto à Bork.”
198
189
“O tema da interpretação esfriou nos dois campos. O foco da teoria
literária mudou do desconstrutivismo para a crítica feminista e
multiculturalista do cânone literário e para a exploração dos contextos
históricos das obras literárias (o "novo historicismo"), enquanto uma
Suprema Corte conservadora restaurou o respeito para o texto e fez com que
os "não-interpretantes" recuassem, de modo que o interesse passou de
técnicas de interpretação para a fidelidade interpretativa. Outro ponto que fez
a discussão esfriar foi a quase exaustão do sujeito. Embora continue a atrair
a atenção de acadêmicos capazes, a colheita de tudo o que foi escrito sobre
interpretação jurídica é escassa”.
199
190
“Entre as linhas das páginas seguintes, você poderá ouvir as vozes de
Whigs e Tories, Goldwater Republicans e New Deal Democrats, marxistas
ortodoxos e dissidentes, socialistas utópicos e maoístas do Terceiro Mundo,
masculistas e feministas, liberais caridosos e revolucionários comprometidos.
200
Às vezes, com certeza, várias dessas vozes parecem vir em uma heteroglossia
polifônica da boca de um único escritor”.
201
191
“Suponha que um grupo de romancistas esteja comprometido com um
projeto em particular e que eles façam sorteios para determinar a ordem de
jogada. O número mais baixo escreve o capítulo de abertura de um romance,
que é enviado para o próximo número que adiciona um capítulo, com o
entendimento de que ele está adicionando um capítulo a esse romance em vez
de iniciar um novo e, em seguida, envia os dois. capítulos para o próximo
número e assim por diante. Agora, todo romancista, exceto o primeiro, tem a
dupla responsabilidade de interpretar e criar, porque cada um deve ler tudo o
que aconteceu antes, a fim de estabelecer, no sentido interpretativista, o que
o romance até agora criou. Ele ou ela deve decidir o que os personagens são
"realmente"; que motivos os guiam de fato; qual é o ponto ou tema do
romance em desenvolvimento; até que ponto algum dispositivo literário ou
figura, consciente ou inconscientemente utilizado, contribui para isso, e se tal
dispositivo deve ser estendido ou refinado ou aparado ou descartado, a fim
de orientar o romance em uma direção e não em outra. Esta deve ser a
interpretação em um estilo não intencional porque, pelo menos todos os
romancistas após o segundo, não são autores únicos cujas intenções qualquer
intérprete possa, pelas regras do projeto, considerar como decisivo.”
202
or directing or acting) the text reveals it as the best work of art192“. Esta é
a chamada hipótese estética, segundo a qual o intérprete precisa
apresentar uma interpretação que valorize a obra de acordo com seus
critérios subjetivos, mas sem negligenciar limites objetivos.
Por exemplo, se o intérprete entende que a forma literária é
importante, o texto será analisado a partir de seu valor formal vislumbrado
à luz de determinada teoria formalista. O valor forma é escolhido de
maneira subjetiva, mas os critérios formais a serem estudados estão
embasados em uma tradição teórica que lhe impõe limites objetivos.
Além disso, tal interpretação precisa constantemente justificar porque o
valor forma (e não o valor político, moral, ou histórico, por exemplo) é
aquele que mais evidencia as qualidades do trabalho.
Com o direito, ocorreria algo similar. Conforme Dworkin (1982),
os magistrados não podem simplesmente inovar e emitir decisões que
fujam completamente ao que já foi juridicamente estabelecido. Eles
precisam avaliar a jurisprudência produzida e, a partir dela, fundamentar
suas escolhas, ainda que tais escolhas possuam um caráter subjetivo. Um
juiz que acredite que o impacto econômico de sua decisão é mais
importante que o direito à saúde, por exemplo, elegerá a economia como
valor a ser defendido e, portanto, mais adequado ao caso em análise. Por
isso, para Dworkin (1982), a integridade do romance em cadeia não
impede a subjetividade do juiz de vir à tona, mas a torna limitada pois
impõe a necessidade de um embasamento prévio:
192
“uma interpretação de uma peça de literatura tenta mostrar que maneira de
ler (ou falar, dirigir ou agir) o texto a revela como a melhor obra de arte”.
193
“Deve ficar aparente, no entanto, que a teoria de qualquer juiz em
particular não produzirá uma interpretação única. [...] Assim como duas
leituras de um poema podem encontrar apoio suficiente no texto para mostrar
sua unidade e coerência, dois princípios podem encontrar apoio suficiente nas
várias decisões do passado para satisfazer qualquer teoria plausível. Nesse
203
194
“[...] na verdade o primeiro autor abdicou de sua liberdade [...] assim que
se comprometeu a escrever um romance, pois toma sua decisão sob os
mesmos limites que regem as decisões de seus colaboradores. Ele deve
decidir, por exemplo, como começar o romance, mas a decisão não é "livre"
porque a própria noção de "começar um romance" existe apenas no contexto
de um conjunto de práticas que ao mesmo tempo capacita e limita o ato de
começar. Não se pode pensar em começar um romance sem pensar dentro,
em oposição a pensar "de", dessas práticas estabelecidas, e mesmo se alguém
"decide" ignorá-las ou "violá-las" ou " as pôr de lado", as ações de ignorar e
violar e as pôr de lado terão, elas próprias, uma forma que é limitada pela
forma preexistente dessas práticas. Isso não significa que as decisões do
primeiro autor sejam totalmente determinadas, mas que as escolhas
disponíveis para ele são "escolas de escrita de um romance", escolhas que
dependem de uma compreensão prévia do que significa escrever um romance,
mesmo quando ele "escolhe" alterar esse entendimento. Em suma, ele não é
livre nem limitado (se essas palavras são entendidas como referindo-se a
estados absolutos), mas livre e restrito. Ele é livre para começar qualquer tipo
de romance que ele decida escrever, mas ele é limitado pelas possibilidades
finitas (embora não imutáveis) que são incluídas nas noções "tipo de
romance" e "início de um romance".”
205
195
“um juiz que decidisse um caso com base no fato de o defensor ter ou não
cabelos ruivos não estaria se desdobrando em uma nova direção; ele
simplesmente não estaria atuando como juiz porque não poderia motivar sua
decisão como o que membros competentes da comunidade jurídica veriam
como motivações. (Mesmo em casos tão extremos, não seria correto dizer
que o juiz está em uma nova direção; em vez disso, ele continuaria na direção
de um empreendimento - talvez mais bizarro que o judicial.) E, inversamente,
se ao decidir o caso o juiz é capaz de fornecer tais motivações, então a direção
que ele persegue não será nova, porque estará implícita no empreendimento
como uma direção que alguém poderia conceber e defender. Isso não
significa que sua decisão estará acima das críticas, mas que será criticada, se
criticada, por ter seguido uma direção judicial em vez de outra, mas não em
uma direção nova no sentido que daria razão aos medos de Dworkin”.
206
textuais prévias, Fish (1982) acusa Dworkin de unir as duas posições que
tanto critica. Quanto aos limites textuais, Fish (1982) acrescenta, ainda,
que ninguém simplesmente encontra argumentos em textos passados, mas
que exatamente os interpreta (e, portanto, os reconstrói) para justificar
suas posições.
Fish (1982) utiliza um exemplo evocado por Dworkin para
demonstrar como a interpretação se conecta a fatores externos e de
persuasão. Para Dworkin (1982), ler um romance de mistério como um
tratado de filosofia sobre a morte seria uma interpretação errônea, porque
não valoriza a obra da melhor forma possível, conforme a hipótese
estética. Fish (1982, p. 209), entretanto, argumenta que inclusive já
existem interpretações filosóficas sobre romances do tipo justamente
porque há uma série de fatores que permitem tal interpretação:
196
“Ou seja, os leitores não apenas "decidem" ressignificar um texto; deve
haver alguma razão pela qual alguém trataria uma obra identificada como de
determinado gênero literário como pertencente a um outro gênero diferente;
já devem existir maneiras de pensar que permitam que a ressignificação se
torne um projeto, e deve haver condições na instituição de tal modo que a
acusação desse projeto pareça atraente e potencialmente recompensadora.
Com relação ao projeto que Dworkin considera impossível, essas formas e
condições já existem”
207
197
“[Dworkin] acha que a interpretação é uma coisa e intenção do autor é
outra; e ele acha isso, porque pensa que descobrir a intenção do autor é
perceber alguma profundidade psicológica que não está relacionada com o
significado dos textos do romance em cadeia; enquanto que, de fato,
identificar o significado de um romance em cadeia é exatamente igual a
identificar a intenção de seu autor, uma intenção que não é privada, mas uma
forma de comportamento convencional possibilitada pela estrutura geral do
referido projeto. Isso, é claro, não significa que a intenção do autor ancora a
interpretação no sentido de que ela fica de fora e guia o processo. Tal
intenção, como qualquer outra coisa é um fato interpretativo; isto é, deve ser
interpretado.”
208
198
“Se levarmos o subtexto de reserva e exoneração de responsabilidade a
sério, isso enfraquece tanto o que ele tem a dizer que parece que ele não tem
uma posição; e se desconsiderarmos o subtexto e concedermos à sua tese a
sua forma mais forte, ele certamente terá uma posição, mas será, de todas as
formas possíveis, errado”.
199
“Como distinguimos entre interpretar e inventar? Como decidimos que
uma interpretação ou um argumento para uma interpretação é melhor que
outro?”
200
“os julgamentos de interpretação podem ser corretos ou incorretos,
verdadeiros ou falsos.”
209
201
“Eu tentei mostrar como nossas crenças e convicções interpretativas estão
conectadas a outros tipos de crenças, de modo a permitir que façamos as
distinções que o dilema certo-errado exige. Meu objetivo era pragmático. [...].
Eu estava tentando responder sobre como as pessoas fazem os julgamentos
que são licenciados pelo certo-errado. [...]. Sugiro que, se eu fosse um
romancista no jogo que descrevi, talvez me achasse limitado por um texto a
uma certa interpretação desse texto, embora se eu tivesse começando o
romance, eu poderia ter escrito um tipo diferente de romance. Eu sugeri que,
se eu fosse um juiz, poderia sentir-me limitado por decisões judiciais do
passado da mesma forma”.
202
“Eu acrescentei, em uma nota de rodapé, que 'mesmo o primeiro
romancista tem a responsabilidade de interpretar, assim como qualquer
escritor, o que inclui não apenas interpretar como ele escreve mas interpretar
210
importantes como arte, ou algo desse tipo. [...] Fish entende, suponho, que eu
acredito que todo mundo que se propõe a interpretar qualquer obra particular
da literatura chegará à mesma conclusão sobre seu gênero; ou, talvez, que
apenas uma dessas conclusões possa ter sucesso no que chamei de uma
dimensão de ajuste da interpretação. [...] Mas eu falei exatamente o contrário
[...]. Eu disse que entender um mistério de Christie como uma obra sobre o
significado da morte seria um erro, porque tornaria o romance uma bagunça,
[...] porque seus romances se tornam destroços se tentarmos lê-los dessa
maneira particular. É claro que, ao dizer isso, confio em meu próprio
julgamento e em minha expectativa de que quase todos os leitores
concordarão. Isso não quer dizer que ninguém discordará.”
204
“O argumento final de Fish refere-se às minhas observações sobre a
intenção do autor. Os críticos que pertencem a essa escola usam "intenção"
da maneira que as pessoas normalmente fazem para se referir a um certo
estado psicológico consciente ou inconsciente. Fish, na maior parte, usa-o de
uma maneira muito diferente. Ele acha que uma declaração da intenção de
um autor é apenas outra maneira de relatar uma interpretação do trabalho
desse autor.”
212
205
“Podemos entender a cláusula de proteção igualitária como proibindo a
segregação racial sem supor que qualquer estadista ou relator histórico em
particular pretendesse fazer isso. Podemos ler Hamlet de uma maneira
psicodinâmica sem supor que Shakespeare tenha ou poderia ter tido intenção
de fazê-lo. O fato de podermos ler textos dessa maneira permite que a teoria
da intenção do autor seja uma teoria significativa, porque a permite afirmar
que essa é a maneira errada de ler textos.”
213
206
“Durante muito tempo pensou-se que o Paraíso Perdido de Milton, nas
palavras de Bernard Bergonzi, não "possuía o tipo de coerência e
plausibilidade psicológica que esperávamos de um romance". Esse
julgamento foi apoiado pela caracterização padrão do que era universalmente
conhecido como "grandioso estilo" de Milton, um estilo apropriado ao
alcance e à varredura de um épico, mas inadequado às sutilezas e nuances da
experiência psicológica vivida. Quatro anos após o pronunciamento de
Bergonzi, no entanto, a situação havia mudado completamente, em parte
como resultado da publicação de Milton Grand Style, de Christopher Ricks,
na qual passagem após passagem de Paraíso Perdido era lida de uma forma
214
Segundo Fish (1983, p.303), isso não significa que a distinção entre
explicar e alterar um texto não tenha força, mas sim que “its force is felt
from within interpretive conditions that give certain objects and shapes a
real but constructed - and therefore unsettleable - stability207“.
O mesmo argumento é utilizado por Fish (1983) ao criticar o
romance em cadeia a ser seguido pelo juiz, conforme proposto por
Dworkin. No caso, os limites da interpretação estariam estabelecidos pelo
contexto da história jurídica que tem sido contada; entretanto, assim como
as características formais de um texto literário, o contexto de produção de
uma decisão judicial também é fruto da interpretação. É impossível
afirmar que o magistrado inventou argumentos para sua decisão porque
ele sempre poderá legitimá-la reinterpretando o passado e afirmando que
há precedentes para sua proposta. Não há, portanto, diferença entre
invenção e interpretação. Nas palavras de Fish (1983, p.306):
Além disso, Fish (1983) afirma que não há uma distinção real entre
inovar ou dar continuidade a história jurídica, quando se fala em decisões
judiciais. Se o magistrado realmente intenciona inovar, ele também
precisará interpretar o que a história jurídica até então escrita é e o seu
rompimento se dará não com a história em si (impossível de ser auferida,
pois sempre passível de processo interpretativo) mas com sua
interpretação pessoal do que essa história significa.
Fish (1983) percebe ainda que há uma sutil mudança de posição na
resposta de Dworkin (My Reply to Stanley Fish): ele passa a entender a
inovação judicial como uma forma de dar continuidade ao romance em
cadeia, mas ainda assim de uma forma radicalmente diferente do que
continuá-lo com coerência. Para Fish (1983, p. 307), entretanto, essa
diferenciação não se sustenta:
para isso, então é difícil ver para que serve), não funcionará porque não há
maneira independente de determinar se um determinado juiz está agindo de
uma forma em oposição à outra ou não.”
209
“No ensaio que ocasionou a presente troca, [Dworkin] estava dizendo algo
assim: o que os juízes fazem é operar como membros de um projeto em cadeia
(um projeto no qual suas ações são limitadas por uma história anterior), o que
significa que eles não fazem outra coisa, como sair em uma nova direção.
Mas agora Dworkin está dizendo que sair em uma nova direção é apenas outra
216
"maneira de continuar a 'prática de julgar'". Ele não vê que não pode dizer
isso e também dizer, como faz na mesma frase, que continuar e partir para
uma nova direção "são coisas radicalmente diferentes". "Eles só podem ser
"radicalmente diferentes " se a diferença que eles marcam é entre julgar e
algo totalmente diferente de julgar. Mas uma diferença tão radical não
poderia nos dizer nada sobre julgamentos, exceto que há algo que o ato de
julgar não é, e certamente não poderia dizer a um juiz o que é que ele deveria
fazer.”
217
210
“Para dizer o mínimo, há algo desconcertante em aceitar o intérprete
nietzscheano na casa dos analistas constitucionais, mas cada vez mais acho
impossível imaginar qualquer outra maneira de dar sentido ao nosso próprio
universo constitucional.”
218
211
“As discipline rules e a comunidade interpretativa não esgotam toda a
avaliação da interpretação legal. Alguém que fica fora da comunidade
interpretativa e, portanto, contesta a autoridade dessa comunidade e suas
regras pode fornecer outro ponto de vista. Uma crítica desta chamada
perspectiva externa pode protestar contra Plessy com base em algum
princípio religioso ou ético (por exemplo, negando a relevância de qualquer
distinção racial) ou com base em alguma teoria da política (por exemplo,
condenando a decisão porque ela causa agitação social). Nesse caso, a
avaliação não é em termos jurídicos; não importa se a decisão é objetiva. Pode
ser jurídica, mas é errada, moralmente, politicamente ou do ponto de vista
religioso.”
220
212
“[O crítico externo] pode propor alterações na Constituição ou engajar-se
em qualquer número de estratégias menores e mais problemáticas destinadas
a alterar os padrões legais, tais como ajeitar o tribunal ou aprovar estatutos
que restringem a jurisdição. Na falta disso, ele permanece livre para insistir
que o princípio moral, religioso ou político tenha precedência sobre o
jurídico.”
213
“Como Ronald Dworkin, Fiss parece afirmar a existência de soluções
unicamente válidas ("verdadeiras") para os enigmas sobre as implicações de
nossos "valores públicos", assumindo em primeiro lugar que tais valores
existem e podem ser apurados. Além disso, como a de Dworkin, a
Constituição de Fiss acaba por conter apenas o bom, o verdadeiro e o belo”.
221
214
“contratos inconcebíveis frustram as necessidades humanas reais.”
215
“Não podemos determinar se a assertiva é "verdadeira" ou não pelo
simples motivo de que não existem "necessidades humanas reais" contra as
quais ela possa ser julgada, assim como não existem contratos pré-rotulados
como "inconcebíveis" ou "exequíveis". Tudo o que existe é o desejo do
interlocutor de ver certos contratos atingidos, o desejo do interlocutor de
encerrar esse compromisso na linguagem das necessidades humanas reais, e
o poder relativo do falante (de persuasão ou força) em impor essa preferência
aos outros.”
223
216
“Não podemos criticar o mundo que nos foi dado pelos poderes que estão
na base do que deveria ser - pois não há domínio do "dever" que não seja em
si um aspecto daquilo que é. A crítica é interpretativa e as interpretações
devem basear-se em textos. Textos são coisas que as pessoas - e mais
particularmente, pessoas capacitadas, como pessoas em profissões - criam. A
crítica, então, só pode ser baseada em interpretações dos valores positivos
criados por aquele ramo da comunidade que em algum momento se fez ouvir.
Podemos usar esses valores positivos para criticar atos políticos que divergem
deles. Mas não podemos criticar os próprios valores com base nas
necessidades humanas extraídas de fontes extraprofissionais (ou extra
políticas ou a-históricas).”
217
“amor, comida, abrigo, trabalho significativo, nutrição, cura, diversão e
comunidade.”
224
218
“embora muito adaptável à literatura, não é necessariamente mais
adaptável à literatura do que a outras formas de discurso”.
225
219
“Mesmo onde aceitamos um elo interessante entre as artes interpretativas
e a literatura, ela convida novamente a uma versão sentimental ou
autocongratulatória da conexão entre a literatura e o direito. Os advogados
associam sua dificuldade em interpretar a prosa jurídica com as dificuldades
mais prestigiosas de construir literatura. Nós, advogados, como críticos
literários, estamos preocupados com os limites da linguagem, a busca
indescritível da verdade e assim por diante. Ou, se estivermos inclinados a
interpretar de maneira bastante confusa os estatutos para fins políticos sobre
os quais nos sentimos inseguros, podemos notar que a crítica literária nos
ensina o poder do raciocínio analógico. A obtenção de prestígio também pode
funcionar do mesmo modo, à medida que os críticos literários inseguros sobre
a natureza etérea de seu trabalho se ligam ao mundo do poder, atuando como
consultores de advogados e juízes. Tudo isso é muito irônico. Na teoria crítica
moderna, estender as formas de crítica literária a obras supostamente não-
literárias é uma maneira de subverter o elitismo cultural, de negar o status
"privilegiado" do que chamamos de literatura. Portanto, é estranho ver o
argumento de que a conexão entre o direito e a literatura pode aumentar em
vez de minar o prestígio de ambos os lados do projeto”.
226
220
“não acredita que já tenha se aventurado longe o suficiente dos termos
usuais do debate jurídico para ponderar as implicações de uma conexão entre
direito e literatura. O debate sobre interpretação só vagamente invocou, e
raramente abordou, essas questões mais amplas sobre as premissas ou
objetivos subjacentes do projeto de direito e literatura. A obsessão que alguns
dos autores tiveram com a interpretação tem sido um desvio das questões
mais importantes”.
221
Infelizmente não foi possível encontrar imagens de Judith Schelly.
227
positions and have come closer to intellectual agreement, even as the tone
of their essays has become increasingly disagreeable222. (SCHELLY,
1985, p. 161)”.
Para a autora (1985), as propostas de ambos são complementares
entre si, sendo distintas apenas quanto ao momento de aplicação.
Enquanto a descrição de Fish adequa-se ao papel do advogado, que deve
argumentar em prol de defender os interesses de seu cliente, a de Dworkin
é relacionada a atuação do próprio juiz, que precisa decidir qual dos
argumentos melhor se encaixa no texto legal.
Para demonstrar sua perspectiva, Schelly (1985) recorre aos
escritos de Lévi-Strauss, dos quais extrai as figuras do cientista e do
bricoleur, aparentemente tão antagônicas quanto Fish e Dworkin, mas
complementares a partir de um olhar mais atento.
Na visão de Schelly (1985, p.176), o cientista de Lévi-Strauss se
assemelha ao intérprete proposto por Fish; ele resiste em encontrar uma
cadeia pré-determinada de raciocínio e “is engaged in arguing that a
particular message is suggested by the facts before him223.” O bricoleur,
ao contrário, não questiona as bases estruturais e apenas se preocupa em
organizar os novos elementos da cadeia. O cientista questiona o
determinismo intelectual; o bricoleur, o abraça.
Entretanto, a tarefa do bricoleur requer tanto esforço intelectual
quanto a do cientista, pois ele é responsável por ajustar os novos fatos às
teorias pré-concebidas. Para Schelly (1985, p.176), isso também ocorre
no direito: os advogados agem como cientistas, e os juízes, como
bricoleur, construindo, juntos, o sistema jurídico:
222
“Dworkin e Fish modificaram suas posições iniciais e se aproximaram do
acordo intelectual, mesmo quando o tom de seus ensaios se tornou cada vez
mais desagradável”.
223
“está empenhado em argumentar que uma mensagem particular é sugerida
pelos fatos antes dele”.
224
“Os advogados, como os cientistas, discordarão sobre "fatos", defendendo
uma versão que surge com a teoria para provar um caso particular. Os juízes,
por outro lado, como bricoleurs, pretendem contribuir para um conjunto
228
227
Às vezes é impossível saber a intenção do legislador e levar isso as últimas
consequências pode também legitimar uma ação arbitrária, no sentido de que
a intenção é aquilo que alguém disser que é.
231
228
“o common law é apenas o conjunto de conceitos jurídicos criados por
decisões judiciais e, como qualquer conceito, a articulação precisa é mutável,
pode ser refinada, reformulada. O conceito é inferido a partir da decisão (mais
frequentemente a partir de uma sequência de decisões), mas existe à parte
dele. O crítico literário, o exegeta bíblico e o juiz empenhado na interpretação
232
233
Apesar de parecer como referência indireta, decidi computar já que
Dworkin consta na lista de referências do trabalho.
235
STANLEY FISH
GODOY (2008) 1. FISH, Stanley. Don’t know much
about the middle ages: Posner on
Law and Literature. 97 Yale Law
Review, 1987, p. 777-793.
2. FISH, Stanley. Is there a text in
this class? Cambridge: Harvard
University Press, 2003.
GODOY (2008B) 1. FISH, Stanley. Don’t know much
about the middle ages: Posner on
236
234
Na verdade, como foi demonstrado no item 4.1 da presente tese, Dworkin
propõe uma teoria descritiva no intuito de explicar como a interpretação é
feita, e não uma teoria prescritiva, de como deve ser feita.
237
235
Como pontuado pelo Professor Daniel Serravalle de Sá na defesa final
desta tese, a expressão direito e literatura acaba se tornando imprecisa já que
nas pesquisas brasileiras do recorte analisado nem sempre há um diálogo
entre direito e literatura, sendo frequentes abordagens entre direito e
hermenêutica, direito e psicanálise e direito e análise do discurso (método
da linguística e não da literatura propriamente dita). Neste ponto, é possível
indagar: existe de fato um projeto de direito como literatura no Brasil?
240
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O final dos anos 1990 e início dos anos 2000 foi marcado pela
popularização dos estudos de direito e literatura no país. Livros, eventos,
artigos científicos e até um programa televisivo contribuíram para a
disseminação do movimento, que mesmo não levado a sério
(JUNQUEIRA, 1998; SÖHNGEN 2008) ganhou espaço significativo,
podendo ser compreendido como um espaço jurídico (DUVE, 2014)
formado por uma circularidade de ideias distintas.
Neste sentido, embora não fosse meu objetivo principal, a presente
tese acabou demonstrando, de forma geral, a construção deste espaço a
partir da tradução cultural das ideias estadunidenses sobre o law and
literature. Foi possível perceber, por exemplo, que antes da
institucionalização do movimento norte americano em 1973, pelo menos
quatro autores brasileiros já haviam percebido possibilidades de estudos
sobre direito e literatura, sem fazer qualquer menção ao que ocorria nos
Estados Unidos.
Além disso, as ideias de Luis Alberto Warat sobre arte e ensino
jurídico parecem ter influenciado os autores nacionais analisados,
contribuindo também para a construção deste espaço. Também merece
destaque o fato de que os brasileiros ultrapassaram a seara eminentemente
literária, voltando-se à hermenêutica filosófica, à psicanálise e à análise
do discurso para estudar as relações entre as duas áreas.
Assim, se por um lado as ideias fundamentais dos norte-
americanos (de que a literatura pode humanizar o direito e de que o direito
pode ser compreendido como espécie de literatura) foram culturalmente
traduzidas e auxiliaram na construção do espaço jurídico nacional, por
outro os escritos de Warat e a influência de outras áreas relacionadas à
linguagem e/ou literatura também foram importantes para a construção
deste espaço único. Também não se pode ignorar a possibilidade de que
as ideias europeias sobre direito e literatura tenham contribuído para a
constituição deste espaço, especialmente após a tradução da obra de
François Ost, embora investigar tal questão esteve fora dos objetivos
propostos. Deixo a sugestão para outros pesquisadores
O problema de pesquisa investigado aqui foi outro. Partindo da
construção de um acervo de pesquisas nacionais sobre direito e literatura
e de uma fotografia da produção acadêmica estadunidense, foi possível
concluir que, enquanto nos Estados Unidos calorosas discussões são
travadas a respeito dos fundamentos basilares do direito e literatura, o
mesmo não ocorre nas pesquisas nacionais analisadas. Por isso, o objetivo
244
REFERÊNCIAS
FISS, Owen. The Challenge Ahead. Yale Journal of Law & the
Humanities: Vol. 1: Iss. 1, 1989.
HAYMAN JR., Robert L.; LEVIT, Nancy. The Tales of White Folk:
Doctrine, Narrative, and the Reconstruction of Racial Reality, 84 Cal.
L. Rev. 377. 1996.
Nota dos Editores. Yale Journal of Law & the Humanities: Vol. 1:
Iss. 1, 1989.
PETERS, Julie Stone. Law, Literature, and the Vanishing Real: On the
Future of an Interdisciplinary Illusion. PMLA – Modern Language
Association, vol. 120, no. 2, 2005, pp. 442–453.