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O pano de fundo teológico da Filosofia da História1

Karl Löwith

O termo “filosofia da história” foi inventado por Voltaire, que o usou pela
primeira vez no sentido moderno, como distinto da interpretação teológica da história.
Nos Essai sur lês moeurs et l’espirit dês nations, de Voltaire, o fio condutor não era
mais a vontade de Deus e a divina providência, mas a vontade do homem e da razão
humana. Com a gradual dissolução da crença setecentista na razão e no progresso a
filosofia da história tornou-se mais ou menos sem sentido. A palavra ainda é usada,
ainda mais amplamente do que antes, mas seu conteúdo foi diluído de um tal modo que
qualquer pensamento sobre a história pode chamar-se uma filosofia. O rótulo
“filosofia”, como é hoje em dia tão vulgarmente usado (filosofia de vida, de negócio, e
mesmo de acampamento), não indica uma filosofia específica, mas somente opiniões
públicas e privadas. Na discussão seguinte “filosofia da história” é usado para significar
uma interpretação da história universal de acordo com o princípio pelo qual os eventos e
as sucessões históricas são unificadas e dirigidas para um sentido último.

É privilégio da teologia e da filosofia, enquanto contrastadas com as ciências,


levantar questões que não podem ser respondidas na base do conhecimento empírico.
Todas questões últimas com relação às coisas primeiras e últimas são deste caráter,
irrespondíveis mas significantes. Elas significam uma questão fundamental. Não haveria
nenhuma busca pelo sentido da história se seu sentido fosse manifesto nos eventos
históricos. É a própria ausência de sentido nos eventos mesmos que motiva a questão.
Por outro lado, é apenas dentro de um horizonte pré-estabelecido de sentido último, por
mais oculto que ele possa ser, que a história real/efetiva parece ser sem sentido. (p. 51)
Este horizonte foi estabelecido pela história, pois foi o pensamento judeu e cristão que
lançou essa colossal questão à existência. Colocar seriamente a questão do sentido
último da história é de tirar o fôlego; ela nos transporta pra dentro de um vácuo que
apenas a esperança e a fé podem preencher.

1
Traduzido por Ulisses do Valle, para fins didáticos, do texto original The theological background of the
philosophy of history. In.: Social Research, Vol. 13, nº 1, 1946, p. 51 – 80).
Os antigos eram mais moderados em suas especulações. Eles não presumiam dar
um sentido ao mundo ou descobrir seu sentido último. Eles estavam impressionados
pela ordem visível e beleza do cosmos, e pela lei cósmica de crescimento e decadência
que era também o padrão para sua compreensão da história. De acordo com a visão
grega da vida e do mundo, todas as coisas se movem dentro de recorrências, como a
eterna recorrência do nascer e do pôr do sol, do verão e do inverno, de geração e
destruição. Esta visão era satisfatória para eles porque ela era uma compreensão do
universo, combinando reconhecimento das mudanças temporais com regularidades
periódicas, constância e imutabilidade. O imutável, tão visível na ordem fixada dos
corpos celestes, tinha um maior interesse e valor para eles do que qualquer mudança
radical e progressiva.

Neste clima intelectual, dominado pela racionalidade do cosmos, não havia lugar
para o significado universal do evento histórico único e incomparável. Quanto ao
destino do homem na história, os gregos acreditavam que o homem tinha desenvoltura
para enfrentar toda situação com magnanimidade – eles não iam além disso. Eles
estavam primariamente interessados com o logos do cosmos, não com o Deus e o
sentido da história. Mesmo o tutor de Alexandre, O Grande, negligenciou a história, e
Platão poderia ter dito que a esfera da mudança e da contingência é a província da
história mas não da filosofia. Para os pensadores gregos uma “filosofia da história” seria
uma contradição em termos. Para eles história era história política, e como tal estudo
próprio de historiadores e homens de estado.

Para os Judeus e Cristãos, todavia, história era primariamente história da


salvação, e como tal o interesse próprio de profetas, sacerdotes e professores. A própria
existência de uma filosofia da (p. 52) história e sua busca por um sentido é devido à
história da salvação; ela emergiu da fé em uma promessa última. Na era cristã a história
política, também, estava sob a influência e o primado deste fundamento teológico. De
algum modo os destinos das nações tornaram-se relativos à vocação divina ou pseudo-
divina vocação.2

2
O messianismo secular das nações ocidentais está em todo caso associado com a consciência de uma
vocação nacional, social ou racional que tem suas raízes na crença religiosa da existência convocada por
Deus a uma determinada tarefa de significado universal. Isto permanece verdadeiro para Inglaterra, EUA,
tanto quanto para França, Itália, Alemanha e Rússia. Quaisquer que sejam as formas de perversão de uma
vocação religiosa para um propósito secular possa assumir, o significado duradouro dessas secularizações
é a convicção religiosa de que o mundo está no mal e precisa ser salvo e regenerado.
Não é por acaso que eu tenho usado as palavras “sentido” e “propósito/objetivo”
inter-relacionadamente, pois é principalmente o propósito/promessa que constitui o
sentido para nós. O sentido de todas as coisas que são o que elas são não por natureza
mas por terem sido criadas, seja por Deus ou pelo homem – por exemplo, todos os
implementos de nossa civilização – depende dos propósitos do homem. Uma cadeira
tem seu sentido, que é, de ser uma “cadeira”, no fato de que ela indica algo além de sua
natureza material: o propósito de sentar-se sobre ela. Este
propósito/intenção/objetivo/fim existe apenas para nós que manufaturamos e usamos
tais coisas. E uma vez uma cadeira ou uma casa ou uma cidade ou um B-29 são um
meio para um fim ou propósito do homem, o propósito não é inerente mas transcendente
à coisa. Se nós abstrairmos seu propósito transcendente uma cadeira transforma-se
numa combinação sem sentido de peças de madeira.

O mesmo é verdade em relação à estrutura formal da história. A história,


também, é significativa apenas pela indicação de algum propósito transcendente além
dos fatos reais/efetivos. Mas uma vez que a história é um movimento no tempo o
propósito é uma meta/objetivo. Eventos particulares como tais não são significativos,
nem o é uma mera sucessão de eventos. Arriscar uma afirmação sobre o sentido dos
eventos históricos é possível apenas quando seu telos tornou-se aparente/visível.
Quando um movimento histórico manifestou suas consequências nós refletimos sobre
sua aparência, para determinar o sentido, embora particular, do evento-total através de
um ponto definido de partida e de chegada. E se nós refletimos sobre a totalidade do
curso da história, imaginando seu começo e antecipando seu fim, nós pensamos em seu
sentido nos termos de um propósito último. O propósito que a história tenha um sentido
último implica um propósito ou um objetivo final transcendendo os eventos
reais/efetivos.3

O horizonte temporal para uma meta final é, todavia, um futuro escatológico, e o


futuro apenas existe para nós através da expectativa e da esperança4. O sentido último
de um propósito transcendente está concentrado num futuro esperado. Uma tal

3
Essa identificação de sentido e propósito não pretende excluir a possibilidade de outros sistemas de
sentido, mas simplesmente acentuar a estrutura forma e ao mesmo tempo história que é básica para uma
filosofia da história no sentido estrito do termo. Para os gregos, por exemplo, os eventos e destinos
históricos eram certamente não apenas sem sentido; eles eram repletos de valor e sentido, mas não eram
significativos no sentido de serem dirigidos para um fim último num proósito compreensivo, um
propósito que compreende o curso total da história.
4
Ver Agostinho, Confissões, XI.
expectativa era mais intensamente viva/enérgica no tempo dos profetas hebreus; ela não
existia entre os filósofos gregos. Quando nós lembramos que Isaias II e Heródoto foram
contemporâneos nós percebemos o abismo intransponível que separa a sabedoria grega
da fé judaica. Similarmente, o olhar cristão e pós-cristão sobre a história é futurístico,
pervertendo o sentido clássico de historein, que é relacionado a eventos passados e
presentes. Nas mitologias e genealogias gregas e romanas, o passado é re-presentado
como uma fundação cada vez mais duradoura. Na visão hebraica e cristã da história o
passado é uma promessa dirigida para o futuro. Os filósofos e os historiadores gregos
estavam convencidos de que o que quer que aconteça será sob o mesmo padrão e caráter
que os eventos passados e presentes; eles nunca se entranharam nas possibilidades
prospectivas do futuro. (p. 54)

Esta tese geral pode ser substanciada com referência a Heródoto, Tucídides e
Políbio.5 O interesse de Heródoto era oferecer uma memória das coisas que
aconteceram, “para que a memória do passado não seja apagada entre os homens pelo
tempo” e “para que os grandes feitos não careçam de glória”. O “sentido” dos eventos
lembrados não é explícito e não transcende os eventos singulares, mas está implicado
nas próprias estórias/relato/enredo/narrativa. O que eles significam é simplesmente o
que eles assinalam sobre um assunto. Por trás desses significados óbvios existem
também significados meio ocultos, ocasionalmente revelados em palavras, gestos,
signos e oráculos significantes. E quando em certos momentos os feitos humanos
efetivos coincidem com intimações sobre-humanas, então o círculo de sentido está
completo, de modo que o começo e o fim de uma estória se iluminam um ao outro. O
esquema temporal da narrativa de Heródoto não é um curso significativo de história
universal da história universal tencionando em direção a uma meta futura, mas, como
todo conceito grego de tempo, é periódico, movendo-se dentro de um círculo.

Em Tucídides o pano de fundo religioso e os traços épicos da historiografia de


Heródoto, que nunca claramente define a linha tênue entre o humano e o divino, são
definitivamente substituídos por uma investigação estrita de concatenações pragmáticas.
A história era para ele uma história de lutas políticas baseadas na natureza do homem. E
uma vez que a natureza humana não muda, eventos que aconteceram no passado

55
Herodotus I, I; ver Karl Reinhardt, “Herodots Persergeschichten” in Geistige Überlieferung, ed. By
Ernesto Grassi (Berlin 1940) pp.. 138 , e C.N Cochrane, Christianity and Classical Culture (New York,
1940), Cap. 12. Thucydides I, 22; II, 64. Polybius I, 35; VI, 3, 9. 51, 27.
“acontecerão novamente da mesma maneira ou de maneira similar”. Nada realmente
novo pode ocorrer no futuro quando é a natureza de todas as coisas que se desenvolve
tanto quanto decai”. Pode ser que as gerações e indivíduos futuros atuem em certas
circunstâncias mais inteligentemente, mas a história como tal não mudará
essencialmente. Não existe a menor tendência em Tucídides para julgar o curso dos
eventos históricos da perspectiva de um futuro que é distinto do passado por ter um
horizonte aberto. (p. 55)

Apenas Políbio parece aproximar-se de nosso conceito de história, representando


todos os eventos como conduzidos até um fim definido: a dominação mundial de Roma.
Mas mesmo Políbio não tinha um interesse primário no futuro como tal. Ele estava mais
interessado em instruir seus leitores sobre como aprender a partir do estudo da história o
que é melhor em todos os tempos e em toda circunstância. Para ele a história resolve-se
em um ciclo de revoluções políticas, no que mudam constituições, desaparecem e
retornam em um curso assinalado pela natureza. Como um resultado dessa fatalidade
natural, o historiador pode predizer o futuro de um dado estado. Ele pode estar errado
em sua estimativa que o tempo e o processo tomarão, mas se seu julgamento não estiver
emocionalmente comprometido, ele muito raramente estará enganado com relação ao
estágio de crescimento e declínio que foi alcançado e a forma dentro da qual ele
mudará.

O próprio fato de que Políbio não sentia nenhuma dificuldade em


desenvolvimentos futuros prognosticáveis indica a diferença fundamental entre o olhar
clássico e cristão e sua atitude com relação ao futuro. Para Políbio era uma questão mais
fácil prenunciar e antever o futuro, “através da inferência do passado”. Para os
escritores do Velho Testamento apenas o próprio Deus poderia revelar, através de seus
profetas, um futuro que está fora da proporção de tudo o que aconteceu no passado e
que não pode ser inferido do passado como uma consequência natural. Não importa
quão predeterminado o futuro possa ser pela vontade de Deus, ele é determiando por
uma vontade pessoal e não por uma fatalidade natural, e o homem como tal não pode
nunca prenunciar ou antecipá-la a menos que Deus a revele a ele. E uma vez que a
realização final do destino cristão e judaico está em um futuro escatológico – a questão
depende da fé e da vontade humana e não de uma lei natural da história pragmática – o
sentimento básico em relação ao futuro torna-se um sentimento de suspense/angústia em
face sua incalculabilidade teórica.
Até aqui permanece verdadeira a tese de Burckhardt de que o que nos separa
mais profundamente dos antigos é fato de que eles acreditavam na possibilidade de
saber de antemão o futuro, fosse pela inferência racional ou pelos meios populares de
perguntar aos oráculos ou pelas práticas divinatórias, enquanto nós não. As próprias
predições de Burckhardt sobre o futuro da Europa não contradiz esta tese, pois ele
nunca pretendeu conhecer através da teoria as possibilidades do futuro enquanto fatos
definidos do passado. Mas e quanto a Tocqueville, Toynbee, Spengler, que fazem
prognósticos teóricos de desenvolvimentos futuros, com a inferência do passado e a
partir de um caso modelo? É para eles, também, uma questão simples predizer o futuro?
Certamente não. Sua crença em um destino histórico não é uma aceitação
direta/reta/com um só objetivo do destino; é profundamente ambígua, como um
resultado de sua contracrença na própria responsabilidade do homem através da decisão
e da vontade, que é sempre uma vontade para um futuro ainda aberto para
possibilidades. Quando Spengler determina sua suprema categoria do “destino” através
de um “tempo histórico” irreversível, dirigida para o futuro, ele na verdade interpreta o
destino pagão através da escatologia cristã.

O sentido histórico de Políbio estava essencialmente interessado na história de


Roma, isto é, com os eventos passados progredindo até o poder presente de Roma. O
sentido histórico dos historiadores modernos que podem ser comparados com ele está
essencialmente interessado com o futuro da Europa, a partir do regresso para sua
história. O historiador clássico pergunta: “como isto aconteceu?”. O historiador
moderno que está alinhado à tradição cristã pergunta: “como nós podemos seguir
adiante?”. Nas palavras de Hermann Cohen, livremente traduzidas: “O conceito de
história é um produto do profetismo. [...] Este alcançou aquilo que o intelectualismo
grego não poderia produzir. Na consciência grega a história é equivalente a investigação
e conhecimento. Para os Gregos a história permanece algo que nós sabemos porque ela
é uma matéria/questão/tópico de fato, isto é, do passado. O profeta, todavia, é um
vidente, não um estudioso/erudito; sua visão profética criou nosso conceito de história
como a existência do futuro. O tempo torna-se primariamente futuro, e futuro o
conteúdo primário de nosso pensamento histórico. Para esta existência do futuro “o
criador do céu e da terra” não é suficiente. Ele precisa (p. 57) criar “um novo céu e uma
nova terra”. Está implicada nesta transformação a ideia de progresso. Ao invés de uma
Idade de Ouro no passado mitológico, a verdadeira existência histórica sobre a terra é
constituída por um futuro escatológico.” 6

Tal como esta perversão do sentido clássico de historein tem sua origem no
interesse cristão e judeu pelo futuro, então o conceito de história como história universal
deriva da fé judaica num único Deus. Quando Isaías II descreve a glória futura da nova
Jerusalém, seu nacionalismo religioso era na verdade universalismo. “A Humanidade”,
todavia, não existiu no passado histórico, nem pode existir em qualquer presente. É uma
ideia e um ideal futuro, o horizonte necessário para o novo conceito de história e para
sua universalidade.

Nós, atualmente, interessados na unidade da história universal e em seu


progresso para um fim último, ou ao menos para um “mundo melhor”, estamos ainda
alinhados aos judeus e cristãos, embora poucos de nós possam pensar sobre nós mesmos
nesses termos. Mas dentro dessa tradição dominante nós também somos herdeiros da
sabedoria clássica. Nós estamos alinhados ao politeísmo clássico quando estamos
interessados na pluralidade das variadas culturas como tais, explorando com uma
curiosidade sem limite a integralidade do mundo natural e histórico em busca de um
conhecimento desinteressado que está totalmente à parte do interesse pela salvação.

Apesar disso, nós não somos nem “antigos” e nem “cristãos antigos”, mas
modernos, isto é, um compêndio mais ou menos inconsistente de ambas tradições. Os
historiadores gregos escreveram uma história pragmática centrada em torno do evento
político; os pais da igreja desenvolveram a partir da profecia judaica uma teologia da
história concentrada sobre os eventos supra-históricos da criação, da encarnação e da
consumação; os modernos elaboram uma filosofia da história através da secularização
de princípios teológicos e da aplicação deles a um crescente número de fatos empíricos.
(p. 58)

A elaboração dessas reflexões pode produtivamente começar com uma análise


das Reflexões sobre a História de Burckhardt e, então, retornar à compreensão judaico-
cristã da história através da fé.

II

6
Hermann Cohen, Die Religion der Vernunft aus den Quellen dês Judentums (Leipzig 1919) pp. 307 ff.,
293 ff.
Desde o começo Burckhardt declara que sua Weltgeschichtliche Betrachtungen
não pode e não competirá com uma filosofia da história. Sua tarefa é mais modesta. Ele
simplesmente “ligará um número de investigações a uma série de pensamentos meio-
aleatórios”. Ele rejeita qualquer tentativa de formar um “sistema” e qualquer reclame a
“ideias históricas”. A filosofia da história é para ele uma contradição em termos, na
medida em que a história coordena observações enquanto a filosofia as subordina a um
princípio. Ele desta maneira desautoriza qualquer teologia da história. “O
aperfeiçoamento oferecido pela religião está além de nosso escopo”. A solução religiosa
do sentido da história pertence, diz ele, a uma “faculdade especial” do homem, a fé, a
qual Burckhardt não pretende ter.

Ele refere-se a Hegel e Agostinho como os dois que fizeram as tentativas mais
proeminentes de explicar sistematicamente a história a partir de um princípio: Deus ou o
Espírito absoluto realizando seu propósito/objetivo na história. Contra a teodicéia de
Hegel, Burckhardt insiste que a racionalidade da história está além de nosso alcance,
pois nós não estamos a par do propósito da sabedoria eterna. Contra a interpretação
religiosa de Agostinho ele diz “Para nós ela não importa”. Ambas transcendem nossa
possível e puramente humana sabedoria. Filosofia e teologia da história têm de lidar
com origens e fins últimos, e o historiador profano não pode lidar nem com um nem
com outro. O único ponto acessível a ele é o centro permanente da história: “o homem,
como ele é e foi e sempre será”, buscando, agindo, sofrendo. O inevitável resultado da
recusa de Burckhardt para lidar com fins últimos é sua resignação complementar com
relação ao sentido último da história. Ele se pergunta: “Quanto isso resulta em
ceticismo?”, e ele responde que o verdadeiro ceticismo (p. 59) certamente tem lugar
num mundo onde as origens e o fim são desconhecidos, e onde o meio é um movimento
constante.

E ainda existe algum tipo de permanência em todo fluxo e curso da história, e


que é sua continuidade.7 Este é o único princípio discernível nas Reflexões sobre a
História de Burckhardt, o único delgado fio que mantêm unidas suas observações após
ele ter desautorizado as interpretações sistemáticas pela filosofia e pela teologia. O

7
Ver Vladimir G. Simkhovitch, “Approaches to History”, in Political Science Quarterly, vols. 44 e 45
(1929 e 1930), contendo uma discussão crítica do método historico-genético através da qual novas
origens, rupturas e mudanças são vistas como um esquema a priori da simples continuidade – como se o
objetivo e o propósito de um novo esforço histórico pudesse ser entendido pelo retorno a seus
antecedentes. Ver também R. E. Fitch, “Crisis and Continuity in History,” in Review of Religion, vol. 8
(March, 1944)
significado total da história depende para Burkhardt de continuidade, pois mesmo a
crise mais radical é caracterizada como uma crise histórica apenas na medida em que ela
não rompe definitivamente a continuidade, mas a dirija para dentro de novos canais.

A continuidade tal como entendida por ele é mais do que o mero “em curso”, e
menos do que o desenvolvimento progressivo. Ela é menos que o desenvolvimento
progressivo porque ela não implica a posição complacente de que o processo total da
história tem o propósito de conduzir à nossa mediocridade contemporânea como sua
meta e realização. De acordo com Burckhardt, a mente e a alma humana eram completa
há tempos atrás. E a continuidade é mais do que o mero “em curso”, porque ela implica
um esforço consciente de rememoração, renovando e também suplantando/pondo de
lado nossa herança, ao invés de simplesmente o bolo do costume. A consciente
continuidade histórica constitui a tradição, e nos liberta dela. Os únicos povos que
renunciam a este privilégio são os primitivos e os bárbaros civilizados. Continuidade
espiritual, como constituída pela consciência histórica, é o “interesse primordial da
existência humana”, porque ela é a “única prova do significado da duração de nossa
existência.” Aqui nós imediatamente desejamos que a consciência dessa continuidade
deveria permanecer viva em nossas mentes. Se tal continuidade existe fora de nossa
consciência histórica, em uma mente divina envolvida com a história humana, nós não
podemos nem dizer nem imaginar. ( p. 60)

A ênfase de Burkhardt sobre a continuidade como um desiderato é o mais


remarcável, já que ela é o único Wünschbarkeit
(desejabilidade/conveniência/oportunidade), que ele isenta de seu criticismo devastador
de aspirações/desideratos enquanto padrões de julgamento histórico. A continuidade e a
consciência históricas têm um caráter mais sacramental para ele; elas são sua “última
religião.” Apenas em relação àqueles eventos que estabeleceram um continuum com a
tradição ocidental fazem Burckhardt reter um elemento de interpretação, senão
providencial, ao menos teológica.8

Nossa própria continuidade histórica, ele declara, foi criada primariamente pela
Helenização do oriente após Alexandre, a unificação política e cultural sob Roma, e a
preservação do complexo total da antiga cultura ocidental pela igreja cristã. “Aqui, na

8
Ver a introdução de j. H. Nichols à tradução das Reflexões sobre a História de Burckhardt, Ed. Por
Nichols (New York, 1943, p. 75).
grande escala, nós podemos discernir um propósito histórico que é, para nós em todo
caso, aparente, nomeadamente a criação de uma cultura mundial comum, que também
tornou possível a disseminação de uma religião mundial, tanto capaz de ser transmitida
aos bárbaros Teutônicos da Völkerwanderung (migração dos povos) como de vínculo
futuro de uma nova Europa. Ele acrescenta, todavia, que o Império Romano foi
inaugurado pelos métodos mais assustadores e completado em rios de sangue. E a
questão quanto às forças que fossem talvez mais nobres ou melhores não pode ser
silenciada por referência ao fato de que não existe nada mais exitoso do que o êxito.

Embora grandes destruições e sublevações criadoras acabem por acontecer,


Burckhardt sustenta, o mal continua mal, e nós não podemos penetrar na economia da
história do mundo. Se existe algo a ser aprendido do estudo da história, é uma sóbria
reflexão sobre nossa situação real: luta e sofrimento, pouca glória e muita miséria,
guerras e períodos intermitentes de paz. Tudo isso é igualmente significante, e nenhum
deles revela-se um sentido último no propósito final. “Amadurecimento/maturação é
tudo.”9 A existência de muitos é em todos os tempos e lugares de tal modo que “ela
apenas (p. 61) compensa a confusão”, enquanto que as decisões e esforços mais
grandiosos podem também resultar num destino ordinário.

A única conclusão audível a ser tirada deste espetáculo não é um consolo com
um plano mundano superior, mas uma taxação/tributação mais moderada de nossa
existência mundana. Nem a grandiosidade histórica de uma nação compensam a
aniquilação de um único indivíduo nem são as nações como tais portadoras de uma
existência permanente. O balanço entre fortuna e infortúnio na história não é posto por
um desenho providencial mas pela fragilidade tanto dos ganhos como das perdas, e nós
estamos numa perda quando tentamos avaliar/estimar as perdas e os ganhos históricos.

No começo de sua conferência sobre “Fortuna e Infortúnio na História”


Burkchardt ilustra nossos juízos como se segue: “Foi afortunado que os gregos
conquistassem a Pérsia, e Roma Cartago; desafortunado que Atenas tenha sido
derrotada por Esparta, e que Cesar tenha sido assassinado antes de se consolidar o
Império Romano. Foi afortunado que a Europa tenha mantido o Islã à distância,
desafortunado que os imperadores germânicos fossem derrotados em sua luta contra os
papados”, e assim por diante. Mas em última análise, diz Burckhardt, todos os juízos

9
Ibid, p. 369. A citação é de Rei Lear V, 2.
anulam-se uns aos outros, e quanto mais perto chegamos do presente mais as opiniões
divergem. Se Burckhardt estivesse vivo hoje, e fosse perguntado sobre seu juízo a
respeito dos eventos contemporâneos, como um Europeu ele provavelmente diria que a
derrota da Alemanha Nazista foi afortunada e desejável, a ascensão da Rússia
apavorante e indesejável, embora o primeiro dependa do segundo. Como um
historiador, todavia, ele recusaria predizer se a aliança e a vitória dos Aliados são em
última instância uma fortuna ou um infortúnio neste processo histórico mundial
incalculável.

É óbvio que sobre a base de um tal olhar nem uma filosofia nem uma teologia da
história podem ser construídas. O delgado fio da mera continuidade, sem começo,
progresso e fim, não suporta tal construção. E ela ainda é a mais sólida/sadia/profunda
reflexão moderna sobre a história. É moderna na medida em que Burckhardt
compreende a posição clássica tanto quanto a cristã, (p. 62) sem comprometer-se ele
mesmo com nenhuma delas. Em oposição à moderna busca por segurança social, ele
enaltece a grandeza antiga da paixão e do sacrifício pela causa da cidade-estado; em
oposição à busca moderna por um padrão mais alto de vida, ele tem uma profunda
apreciação pela conquista cristã de todas as coisas terrenas através da imitação de
Cristo. Ao mesmo tempo ele sabe perfeitamente que o “Espírito da Antiguidade não é
maior que o nosso”, e que “1800 anos nos separam da Cristandade.” A fé cristã e a
esperança cristã em um sentido e propósito moral é atenuado nas reflexões de
Burckhardt para blindar “desejabilidades” – “os inimigos mortais do verdadeiro
conhecimento/compreensão/perspicácia histórica”.

Quão diferente é esta sabedoria moderna de Burckhardt de todas aquelas


filosofias da história – de Hegel a Agostinho – que definitivamente conheceram, ou
professaram conhecer, a verdadeira desejabilidade das sucessões e eventos históricos!
Por mais sombrio e vago ou dogmático e superficial a fé original na regra providencial e
no propósito redentor de Deus possam vir a ser, o padrão geral de Agostinho a Hegel foi
o mesmo: uma interpretação da história como a história do preenchimento e da
salvação. Não como historiadores e nem mesmo como filósofos, mas como filósofos
com um fundamento teológico, foram homens Hegel e Marx, Saint-Simon, Turgot,
Condorcet e Comte, capazes de construir suas histórias universais do tipo humano. No
presente contexto apenas o último e o primeiro dessas construções podem ser
consideradas: as de Hegel e Agostinho.
III

Em sua introdução aos Vorlesungen über die Philosophie der Geschichte (1830)
Hegel descreve a história mundial como ela aparece à primeira vista:

“[...] nós vemos uma vasta pintura de mudanças e transações; de [....] formas
manifestas de pessoas, estados, indivíduos, em sucessão incessante. [...] Por todos os
lados propósitos são adotados e buscados. [...] em todas essas ocorrências e mudanças
nós observamos a predominância da ação e do sofrimento humano; em todo lugar algo
aparentado a nós mesmos, e portanto (p. 63) em todo lugar algo que excita nosso
interesse a favor ou contra. [...] Algumas vezes nós vemos a massa mais compreensiva
de alguns interesses gerais avançando com comparativa lentidão, e subsequentemente
sacrificada a uma complicação infinita de circunstâncias insignificantes/banais, e assim
dissipada em átomos. Então, novamente, com um vasto gasto de energia um resultado
trivial é produzido; enquanto daquilo que parece desimportante uma tremenda questão
procede [...] e quando uma combinação desvanece outra imediatamente aparece em seu
lugar. O pensamento geral – a categoria que primeiro apresenta-se nesta mutação sem
fim de indivíduos e pessoas existentes por um tempo então desaparecem – é o da
mudança ampla. A visão das ruínas de alguma soberania diretamente nos leva a
contemplar este pensamento da mudança em seu aspecto negativo. [...] mas a próxima
consideração, que alia-se com aquela da mudança, é que a mudança, enquanto traz
dissolução, envolve-se ao mesmo tempo na ascensão de uma nova vida, que enquanto
morte é a tarefa/desenlace da vida, vida que é também
emanação/descendência/resultado da morte.”10

As fontes mais efetivas da ação e do sofrimento histórico parecem ser os


interesses, as paixões e a satisfação dos desejos egoístas humanos, ignorando o direito, a
justiça e a moralidade:

“Quando nós olhamos para essa exibição de paixões, e as consequências de sua


violência; a Irrazão que é associada não apenas com elas, mas também (e
especialmente) com os bons desejos e os propósitos corretos; quando nós vemos o mal,
o vício, a ruína que tem sucedido os mais prósperos reinados que a mente do homem já
criou; nós podemos raramente evitar sermos preenchidos com a tristeza/sofrimento
nesta mácula universal da corrupção; e, uma vez que esta decadência não é o trabalho da
10
Lectures of the Philosophy of History, translated by J. Sibree (London, 1900), pp. 75 ff.
mera natureza, mas da vontade humana, uma [...] revolta do Bom Espírito [...] pode bem
ser o resultado de nossas reflexões. Sem exagero retórico, uma combinação
simplesmente verdadeira de misérias que superou as mais nobres políticas e nações, e os
mais finos exemplares de virtude privada, formam um desenho do mais medonho
aspecto, e excita emoções das mais profundas e sem esperanças, tristezas
contrabalanceadas por nenhum resultado consolador. Nós a suportamos na
contemplação como uma tortura mental, não permitindo nenhuma defesa ou escape mas
apenas a consideração de que o que aconteceu não poderia ser de outra maneira; que ela
é uma fatalidade que nenhuma intervenção poderia alterar. [...] Mas mesmo observando
a História como o tribunal-chacina ao qual a felicidade das pessoas, a sabedoria dos
Estados, e a virtude de indivíduos foram vitimados – a questão necessariamente se
levanta: a qual propósito final esse enorme sacrifício foi oferecido?” 11

Nós todos conhecemos este “panorama de pecado e sofrimento” que a história


manifesta. É o mesmo que Burckhardt tem em mente e que Goethe descreve em uma
conversação com o historiador Luden. História, diz Goethe, é “a mais absurda de todas
as coisas”, uma “rede de não-sentido para o maior dos pensadores”.12 É também o
mesmo que Thomas Hardy apresenta em seu grande drama das guerras Napoleônicas,
apesar dos comentários dos estribilhos dos anos, das lástimas, dos espíritos irônicos e
sinistros, e dos boatos. Os anjos estão apenas recordando o que acontece. É a história
como ela é. Porque não parar aqui ao invés de levantar a questão de Hegel: a qual
propósito final esse enorme sacrifício é oferecido agora e sempre? Hegel diz que esta
questão ergue-se necessariamente em nosso pensamento. A implicação é, todavia, que
ela ergue-se necessariamente em nosso pensamento ocidental, que não se satisfaz com a
aceitação pagã do destino.

Após descrever a história como mudança permanente, em que a morte é


questão/tarefa de vida e a vida resultado da morte, Hegel chega a dizer que esta é uma
concepção “oriental”, representando a vida da natureza que, como a fênix mística,
eternamente prepara sua própria pira funerária e é consumida sobre ela, originando-se
de suas cinzas uma nova vida. Esta imagem, diz ele, não é ocidental. Para nós a história
é uma história do Espírito e, embora ele também se consume, ele não meramente retorna

11
Ibid., PP. 21 ff.
12
Goethes Gespräche, Gesamtausgabe, Ed. By Flodoard Von Biedermann (2nd Ed, Leipzig 1909) vol. 1,
pp. 431 ff., vol. 3. P. 137. Para uma análise mais detalhada das visões da história de Hegel e Goethe ver
Karl Löwith, Von Hegel bis Nietzsche (Zurich, 1941) PP. 278 ff.
à mesma forma mas surge adiante “exaltado, glorificado”, com cada fase sucessiva
tornando-se por sua vez material sobre o qual a história espiritual do homem caminha
para um novo nível de realização. Então a concepção da mera ou simples mudança dá
lugar a uma mudança de aperfeiçoamento espiritual, mesmo que envolvida nas
condições de natureza.

Esta concepção ocidental de história, implicando uma direção irreversível para


uma meta futura, não é, todavia, simplesmente ocidental. É uma assunção
essencialmente hebraica e cristã a de que a história seja dirigida para um propósito
último e governado pela providência de uma vontade e perspicácia suprema – nos
termos de Hegel, pelo espírito ou razão enquanto “a essência absolutamente poderosa”.
Hegel diz que o único pensamento que a filosofia leva à contemplação da história é “o
simples conceito de razão” como a “soberania do mundo”, e este estabelecimento (que
era tão irritante para Burckhardt) é na verdade simples se, como em Hegel, o processo
histórico é compreendido sobre o padrão de realização do Reino de Deus, e a filosofia
como uma adoração intelectual de um Deus espiritualizado.13

Discutindo as falhas no conceito clássico de razão, Hegel lida com a ideia cristã
de providência. Para ele providência é uma verdade que se liga/se consorcia com sua
própria proposição de que a razão governa o mundo. A crença comum na providência,
todavia, tem a fragilidade filosófica de ser a uma só vez muito indefinida e muito
ingênua para ser capaz de aplicação ao curso total da história humana. O plano da
providência é suposto para ser ocultado de nossa compreensão. Apenas em casos
isolados, em circunstâncias particulares, é este plano suposto como manifesto, por
exemplo quando a ajuda chega inesperadamente para um indivíduo em grande
perplexidade. Mas na história do mundo os indivíduos são pessoas e estados, e portanto
não podem ser satisfeitos com uma tal “desprezível perspectiva de providencia.”

O conceito de providência deve ser trazido para recair sobre os detalhes do vasto
processo histórico. “O último desejo do mundo deve ser percebido.” E se a teologia
falha em explicar esses processos, então a filosofia precisa reivindicar a religião cristã a
demonstrar a execução/realização de Deus de Seu propósito na história. “Nossa busca
intelectual propõe à realização a convicção de que o que foi pretendido pela sabedoria

13
Briefe Von und an Hegel, Ed. By Karl Hegel (Leipzig 1887) vol. 1, p. 13; Lectures on the Philosophy
of History, p. 340; introduction to Lectures on the Philosophy of Religion, translated by E. B. Speirs and
J. B. Sanderson (London, 1985).
eterna é na verdade realizado (p. 66) no domínio do Espírito ativo, existente, tanto
quanto na mera Natureza. Nosso modo de tratar o tema é, neste aspecto, a teodicéia,
uma justificação dos caminhos de Deus... de modo que a maldade/enfermidade que é
encontrada no mundo possa ser compreendida, e o Espírito pensante reconciliado com o
fato da existência do mal. Com efeito, em nenhum lugar uma tal perspectiva
harmonizante é mais prementemente demandada do que na História Universal.”14

Portanto, na visão de Hegel os interesses e paixões humanas permanecem o que


eles são, os agentes da história, mas eles são agora integrados com o desejo último que
trabalha através deles e por meio deles com a “astúcia da razão”.15 As pessoas/povos,
como indivíduos, não sabem para o que eles estão realmente dirigidos; eles são
ferramentas nas mãos de Deus, em obediência tanto quanto em resistência a Sua
vontade e propósito. Então os resultados finais das ações históricas são sempre mais e
menos daquilo que foi intencionado pelos agentes; eles superam e também pervertem as
intenções conscientes dos agentes.

E agora, após esses estabelecimentos preliminares, Hegel lança um segundo


olhar ao mundo, que, a partir daí é agora percebido com “os olhos da razão”, apresenta
por sua vez um aspecto razoável. Este aspecto significativo, reduzido a um esqueleto
despido, é algo como o que segue. A história do mundo começa no oriente e termina no
ocidente. Ela começou com os grandes impérios orientais da China, da Índia e da Pérsia.
Com a vitória decisiva dos Gregos sobre a Pérsia a história significativamente
transferiu-se para o mundo Mediterrâneo, e ela acaba com os impérios Germano-
cristãos no ocidente. A Europa era “manifestamente” a meta da história. Neste
movimente oriente-ocidente o espírito foi educado para a realidade e consciência da
liberdade, isto é, do retorno ao lar após sua intrínseca alienação de si mesmo. No oriente
apenas um, o imperador, era livre no sentido de capricho ilimitado; em Grécia e Roma
alguns eram livres – os cidadãos livres enquanto comparados com seus escravos; o
mundo Germânico (p. 67) foi convencido, sob a influência da cristandade, de que o
homem como tal é livre. Os orientais foram a infância do mundo, os Gregos e Romanos
sua juventude e virilidade, os povos Cristãos sua maturidade.

14
Lectures on the Philosophy of History, p. 16; ver também ibid., p. 477.
15
Ibid., p. 34. A descrição mais impressiva do trabalho do List der Vernunft é contido em uma carta de 5
de Julho, 1816, sobre Napoleão; ver Briefe Von um na Hegel (citado acima) PP. 401 ff.
A limitação interna do mundo clássico foi que os antigos eram ainda
dependentes do destino externo, o qual, através de meios tais como os oráculos e as
divinações, condicionavam suas decisões supremas. A cristandade, entretanto, liberou o
homem de qualquer autoridade estranha estabelecendo real interesse
pessoal/individualidade pelo absoluto. “Com o raiar do princípio cristão a terra é
circunavegada e rodeada pelos Europeus.” Com Cristo os tempos são
realizados/preenchidos e o mundo histórico torna-se em princípio perfeito, pois apenas
o Deus cristão é verdadeiramente espírito e ao mesmo tempo homem. Este princípio
constitui o eixo sobre o qual a história do mundo roda. Toda história se movimenta para
este ponto e portanto a partir desse ponto.

Em outras palavras, para Hegel a história do mundo não é nem incidentalmente


nem convencionalmente mas essencialmente uma história A.C. e D.C. Apenas sobre
essa pressuposição da religião cristã como a verdade absoluta poderia Hegel construir
sistematicamente uma história universal, da China até a Revolução Francesa. Ele é o
último filósofo da história porque ele é o último filósofo cujo imenso senso histórico foi
ainda restringido e disciplinado pela tradição cristã. Em nossas histórias universais e
mapas históricos modernos a medida de tempo cristã tornou-se uma estrutura de
referência vazia, aceita convencionalmente como outros meios de medição, e aplicada a
uma variedade material de culturas e religiões sem um centro de sentido a partir do qual
eles pudessem ser organizados, como elas foram de Agostinho até Hegel.

O que distingue Hegel de Agostinho em princípio é que Hegel interpreta a religião


cristã nos termos de razão especulativa, e a providência como “astúcia da razão”. “O
processo exibido na história”, diz ele, “é apenas a manifestação da religião como razão
humana, o produto do princípio religioso sob a forma da liberdade secular.” Então ele
conclui que o capítulo (p. 68) sobre a ascensão da cristandade com essas palavras: “O
desacordo entre a vida interna do coração e o mundo efetivo é removido. Todos os
sacrifícios que já foram ou serão realizados sobre o altar do mundo são justificados por
causa deste propósito último.” Como a realização do espírito da Cristandade a história
do mundo é a verdadeira teodicéia, a justificação de Deus na história.

Com esta secularização da fé cristã, ou, como Hegel diria, com esta concretização
do espírito, Hegel acreditou-se ele mesmo leal ao gênio da cristandade realizando o
reino de Deus sobre a terra. E uma vez que ele transportou a expectativa cristã de uma
consumação final para dentro do processo histórico como tal, ele viu a história do
mundo como Endgeschichte (história final, definitiva, última) em si mesma,
manifestando seu próprio julgamento historicamente. Die Weltgeschichte ist das
Weltgericht (A história do mundo é o tribunal do mundo) é uma sentença que é tão
religiosa em sua motivação original – onde isso significa que a história do mundo está
caminhando para ser julgada no fim de toda história – como ela é irreligiosa em sua
aplicação secular – onde ela significa que o julgamento está contido no processo
histórico como tal.

Hegel ele mesmo não sentiu a profunda ambiguidade em sua grande tentativa de
traduzir a teologia em filosofia e realizar o Reino de Deus em termos da história real do
mundo. Ele não sentiu nenhuma dificuldade em identificar a “ideia de liberdade”, a
realização da qual é o sentido último da história, com a “vontade de Deus”, pois como
um “sacerdote do Absoluto” ele conheceu esta vontade e o plano da história. Ele não a
conheceu como um profeta predizendo a catástrofe futura, mas como um profeta aos
avessos, fornecendo e justificando os caminhos do espírito em seus êxitos sucessivos.

Seria fácil assinalar, cem anos depois de Hegel, as limitações de sua visão histórica
e as extravagâncias de algumas de suas aplicações – por exemplo, à monarquia
prussiana e ao protestantismo liberal. 16 Seu mundo era ainda o ocidente cristão, a velha
Europa. América e Rússia, aos quais ele dedicaria apenas umas poucas páginas, embora
páginas de remarcável antecipação/previdência, estavam apenas na (p. 69) periferia de
seu interesse.17 Além do mais, ele não anteviu os efeitos das ciências técnicas sobre a
unidade do mundo histórico, unificado agora por todos meios da rápida comunicação e
ainda muito menos universal no espírito do que durante o império Romano e a Idade
Média.

Mais decisivo do que as limitações materiais da visão de Hegel é a fragilidade


inerente a seu princípio de que a religião cristã é realizada pela razão na história do
mundo secular – como se a fé cristã pudesse então ser “realizada” absolutamente e ainda
permanecer uma fé em coisas não-vistas! Muito mais verdadeira, e mais cristã, é a visão

16
Ver o excelente ensaio de J. Plenge, Hegel und die Weltgeschichte (Münster 1931).
17
Ver, ao lado das Lectures on the Philosophy of History, a carta de Hegel ao Barão Báltico, que é citado
em K. Rosenkranz, Hegels Lebel (Berlin 1844) PP. 304 ff. O prognóstico mais elaborado da ascensão da
Rússia e a batalha final com a Alemanha é a do pupilo de Hegel, Bruno Bauer, Russland um das
Germanentum (Charlottenburg 1858). Ver também Mémorial de Saint-Hélène de Napoleão, de novembro
de 1816, e a famosa comparação de Tocqueville das potencialidades de Rússia e América, no fim da
primeira parte de seu Democracy in America.
de Burckhardt da relação entre cristandade e cultura secular.18 Quinze centenas de anos
de pensamento ocidental foram necessários antes que Hegel pudesse se aventurar a
traduzir a teologia da história como estabelecida por Agostinho em filosofia da história
que não era nem sagrada nem profana, mas uma curiosa mistura de ambas,
degradando/rebaixando a história sagrada ao nível da história secular e exaltando a
última ao nível da primeira – Cristandade nos termos de um Logos auto-suficiente
absorvendo a Vontade de Deus dentro do espírito do mundo e das nações, o Weltgeist e
o Volksgeister.

IV

A Cidade de Deus de Agostinho é o padrão de toda visão concebível da história que


pode corretamente ser chamada de cristã. Ela não é uma filosofia, entretanto, mas uma
interpretação histórico-dogmática da cristandade. O título completo de seu trabalho é De
civitate Dei contra paganos, indicando, portanto, seu propósito apologético e crítico.
Ele foi ocasionado pelo saque de Roma por Alarico (rei Germânico) em 410 (p. 70), um
evento que causou uma imensa impressão sobre os povos do Império Romano,
comparável àquela da destruição de Jerusalém sobre os judeus e da queda de
Constantinopla no século quinze sobre o ocidente cristão. Hoje a ocupação de Vienna e
Berlin pelos russos pode produzir um efeito similar sobre os povos da Europa Central.

Os Romanos defenderam após o saque de Roma que os deuses pagãos haviam


abandonado Roma por causa da intrusão daqueles “ateus” chamados cristãos que
haviam suprimido e abolido o culto aos deuses Romanos.19 A resposta de Agostinho foi
que muito antes da ascensão da cristandade os romanos já haviam sofrido desastres
semelhantes e que Alarico (que era um Cristão) comportou-se comparativamente bem.
O culto pagão, defendeu Agostinho, não assegurava prosperidade mundana, e a
conquista de Roma era devido, acima de tudo, não apenas a virtude Romana mas

18
Reflections on History, PP. 241 ff., e as cartas de Burckhardt de 14 e 30 de Janeiro de 1844 para o
teólogo Beyschlag.
19
Ver Adolf Von Harnack, “Der Vorwurf dês Atheismus in den drei ersten Jahrhunderten, Texte und
Untersuchungen,” in Zur Geschichte der Altchristlichen Literatur, N.S. vol. 13, no. 4 (1905), e Gaston
Boissier, La fin du paganism (Paris 1894) vol. 2, pp. 293 ff. e 328 ff..
também a uma política inescrupulosa que não hesitou diante do completo extermínio de
populações inofensivas.

O que realmente importa na história, de acordo com Agostinho, não é a grandeza


transitória dos impérios mas a salvação ou a danação num mundo porvir. Ele
estabeleceu que o ponto de vista para a compreensão dos eventos passados e presentes é
sua consumação final no futuro: o juízo final e a ressurreição. Esta meta final é a
contraparte do início primeiro da história humana na criação e no pecado original. Entre
esses dois pontos supra-históricos de partida e chegada a história do mundo é um
intervalo. Na obra de Agostinho apenas quatro livros dos vinte e dois lidam, em parte, o
que nós poderíamos chamar história, e seu sentido depende inteiramente da pré-história
e da pós-história no céu, do começo transcendente e do fim da encarnação, que é o
meio.

A substância da história do homem, que é universal porque ela é unificada pela


substância do Deus universal, é um conflito entre a Civitas Dei e a Civitas Terrena.
Essas cidades não são idênticas (p. 71) com a igreja visível e o estado, mas são duas
sociedades místicas constituídas por duas espécies opostas de homem. Na terra a Civitas
Terrena começa com Caim, o fratricida, a Civitas Dei com seu irmão Abel. A Civitas
Terrena é governada pela conveniência, orgulho/vaidade e ambição, a Civitas Dei pelo
auto-sacrifício, obediência e humildade. A primeira é vanitas, a outra veritas. A Civitas
Terrena vive pela geração natural, a Civitas Dei pela regeneração sobrenatural; uma é
temporal e mortal, a outra eterna e imortal. Uma é determinada pelo amor de Deus, para
o desprezo de si, a outra pelo amor de si, para o desprezo de Deus. Os filhos da luz
consideram sua existência terrena um meio de agradar a Deus; os filhos da escuridão
consideram seus deuses um meio de agradar o mundo. Portanto, a história é uma longa
era de conflitos entre fé e descrença.20 A história redentora da fé não é um fato empírico
pronto à mão mas uma sucessão de fé, enquanto a história dos impérios, isto é, de morte
e pecado, chega a um fim real e definido, que é ao mesmo tempo a consumação da
história e a redenção dela. O processo histórico como tal, o saeculum, mostra apenas a
sucessão sem esperança e a cessação de gerações. Se vista com os olhos da fé, todavia,

20
Ver a remarcável nota de Goethe no West-östlichen Divan (Israel in der Wüste), que “o próprio, único
e mais profundo tema de toda história é conflito entre fé e descrença. Mas esta nota é remarcável também
por sua modificação moderna da fé cristã em uma fé “no que quer que seja.” Em última análise, épocas de
fé são para Goethe todas épocas que são “produtivas”.
o processo histórico total da história secular e sagrada aparece como uma preordenada
ordinatio Dei.

Portanto, o esquema completo da obra de Agostinho serve o propósito de justificar


Deus na história. Mesmo que a história permaneça definitivamente diferente de Deus,
que não é um deus hegeliano na história mas o Senhor da história. O procedimento de
Deus na história está além de nosso alcance, e Sua providência prevalece sobre as
intenções dos homens (como a “astúcia da Razão” de Hegel). É em particular o destino
histórico dos judeus que revela a Agostinho o Weltgeschichte (História do mundo)
como Weltgericht (Julgamento do mundo/Juízo Final), e portanto o caráter significativo
da história intencional (a significância da intencionalidade da história).21 Isto não
significa, todavia, que nós estamos aptos a julgar com base em nossa própria sabedoria
os méritos dos reinos terrenos, que Deus deu tanto a homens pios quanto a ímpios.
Apenas alguns fragmentos de sentido nós podemos discernir – aqueles que Deus agrada
manifestar a nós (V, 21). A História é uma pedagogia divinamente orientada, operando
principalmente através do sofrimento.

Sobre a base desta estrutura teológica Agostinho distingue seis épocas, de acordo
com os seis dias da criação. A primeira se estende de Adão ao grande dilúvio; a segunda
de Noé a Abraão, e a terceira de Abraão a David (com Nimrod e Nimus como suas
contrapartes perversas). A quarta época se estende de Davi até o Exílio babilônico, a
quinta daí até o nascimento de Jesus. E finalmente, a sexta e última época se estende da
primeira para a segunda vinda de Cristo no fim do mundo.

O que é novo nesta tradicional divisão, que já era aceita por Thomas, é a
indefinição da duração da época Cristã. Lactantius já computara que o mundo acabaria
por volta de 500. Agostinho se abstém de qualquer cálculo apocalíptico da duração
desta última época. Que importa de um ponto de vista escatológico não é diferença
insignificante/desprezível de umas poucas centenas ou milhares de anos mas o fato de
que o mundo é criado e transitório, e não eterno. Ao lado da divisão em seis épocas, e
sua analogia com as seis idades individuais (infância, adolescência, juventude, primeira
maturidade, segunda maturidade, velhice), existe também uma divisão em três épocas
de acordo com o progresso espiritual da história: primeiro, religião natural, antes do

21
De civitate Dei IV; V, 12, 18, 21; XVI, 43; XVIII, 16, 45 ff. Compare com a interpretação teológica da
história dos judeus de Bossuet, Discours sur l’histoire universelle II, 20, e de Newman, A Grammar of
Assent, ch. X, par. 2.
direito (infância); segundo, sob o direito (maturidade); e terceiro, graça (velhice,
correspondente ao Greisenalter des Geistes de Hegel).

Em consequência deste ponto de vista estritamente religioso nós não podemos


esperar de Agostinho um interesse detalhado na história secular como tal. Apenas dois
impérios representam a história terrestre em sua obra: o dos Assírios no oriente, e o dos
Romanos no ocidente, antecipando a tese de Hegel de que toda a história significativa se
move progressivamente do oriente para o ocidente. Egito, Grécia e Macedônia são
raramente mencionados. Alexandre o Grande figura apenas como um grande salteador
que profanou o templo de Jerusalém pela impia vanitas. Jerusalém simboliza a Cidade
de Deus, Babilônia e Roma (a segunda Babilônia) a Cidade do Homem.

Como um cidadão romano, nutrido/estimulado por Virgílio e Cícero, Agostinho


não foi insensível à grandeza e virtude de Roma, cuja história também, é claro, era um
meio para o propósito de Deus (V, 21), mas em comparação com Orígenes e Eusébio
sua visão era consideravelmente imparcial.22 Ele se detém a partir da tradicional
harmonização do Império Romano com a ascensão da cristandade. “Assim que uma
vida de mortais é concebida, que é gasta e acabada em poucos dias, o que importa sob
cujo domínio a um homem moribundo se eles que governam não o forçam a impiedade
e a perversidade.” (V, 17) Seu tema e interesse central é a história escatológica da fé,
que é, como ela foi, uma história secreta dentro da história secular, subterrânea e
invisível para aqueles que não têm os olhos da fé. Apenas pela expectativa de um
triunfo final, além do tempo histórico, da Cidade de Deus sobre a cidade dos homens
pecadores, o curso total da história torna-se progressivo, significativo e inteligível.

Para um homem como Agostinho todo nosso discurso sobre progresso, crise e
ordem mundial pareceria insignificant, pois a partir do ponto de vista cristão existe
apenas um progresso, isto é, o avanço para a distinção sempre mais ampla entre fé e
descrença, Cristo e anti-Cristo; e apenas duas crises de real significado, Eden e
Calvário; e apenas uma ordem mundial, a distribuição/entrega divina, ao passo que a

22
Ver Erik Peterson, Der Monotheismus als politisches Problem (Leipzig 1935). Uma geração após
Agostinho a tradicional fidelidade dos apologistas cristãos ao império romano iria mudar. Com o colapso
final de Roma e o firme estabelecimento dos bárbaros, eles acomodaram-se às novas condições. Isto pode
ser observado na história universal de um pupilo de Agostinho, Orosios, cuja obra elabora as perspectivas
histórias da Cidade de Deus. Orosius reconciliou-se com os bárbaros, defendendo que os grandes
desastres de seu tempo poderia tornar-se o alvorecer de uma mundo rejuvenescido, preservando os
benefícios da civilização Romana, “Romania” mas não governo romano.
história dos impérios segue desordem numa variedade sem fim de prazeres
embriagados.”

Filósofos modernos e mesmo teólogos geralmente lamentam que o esquema de


Agostinho da história mundial seja a parte mais frágil de sua obra, e que ele não tenha
feito justiça ao problema “intrínseco” ao processo histórico.23 É verdade que Agostinho
falou em relacionar a causa primeira, isto é, o plano providencial de Deus, às causas
secundárias operativas no processo como tal. Mas é a própria ausência de uma
correlação detalhada entre eventos seculares e sagrados que distingue a apologia cristã
de Agostinho da teologia mais elaborada da história política de Bossuet e da filosofia da
história de Hegel, ambas as quais provam muito mais deduzindo garantias de salvação e
sucesso a partir dos eventos históricos. O que parece-nos em Agostinho uma ausência
de compreensão e a apreciação da história secular é devido a seu incondicional
reconhecimento da soberania de Deus na promoção e na frustração ou perversão dos
propósitos do homem.

Esperar do autor das Confessions um criticismo histórico dos fatos empíricos seria
tão fora de lugar como esperar de um historiador moderno um interesse no problema da
ressurreição corpórea, ao qual Agostinho dedicou todo seu último livro. É na verdade
muito difíciol para nós imaginar a paixão da fé, junto com a crença em milagres e na
realização de profecias, que inspiraram esse trabalho. Para compreender uma mente
como aquela de Agostinho nós temos de esquecer os padrões de história como uma
“ciência”, e sua suprema ambição de administrar/controlar os eventos futuros, e lembrar
a autoridade da Bíblia, em particular a autoridade das predições proféticas e da
providência incontrolável de Deus. Para Agostinho enquanto um cristão o sentido da
história é revelado pela revelação de Deus, em Cristo, como o centro do começo e do
fim supra-empíricos da história. (p. 75)

O problema da história como um todo é na verdade insolucionável dentro de sua


própria perspectiva. O processo histórico como tal não porta a menor evidência de um
sentido último e compreensível. A história como tal não tem fim/resultado. Nunca

23
Ver o excelente estudo sobre Agostinho de H. Scholz, Glaube um Unglaube in der Weltgeschichte
(Leizpig) 1911): John Figgis, The Political Aspects of Agostinho’s City of God (London and New York
1921): F. W. Loetscher, “Augustine’s City of God,” in Theology Today, Vol. 1 (October 1944).
houve e nunca haverá uma solução imanente do problema da história, pois a experiência
história do homem é uma experiência de falha/fracasso/esquecimento constante. A
cristandade, também, enquanto uma religião mundana, é uma completo fracasso24. O
mundo é ainda como era no tempo de Alarico; apenas nossos meios de opressão e
destruição (tanto quanto de reconstrução) são consideravelmente aperfeiçoados, e
adornados com hipocrisia.

Quanto mais nós avançarmos da filosofia da história dos séculos XVII e XIX até
sua inspiração original na fé bíblica, menos nós vamos encontrar um plano elaborado da
história progressiva. Hegel é mais dogmático do que Bossuet, Bossuet mais do que
Agostinho, Agostinho mais do S. Paulo, e nos Gospels eu não pude descobrir a mais
leve insinuação de uma filosofia da história. De acordo como a visão do Novo
Testamento, o advento de Cristo não é meramente um fato particular embora marcante
dentro da continuidade da história secular, mas o evento único que destruiu de uma vez
e para sempre a estrutura total da história secular assaltando/invadindo seu curso
regular, que é um curso de pecado e de morte. Apenas como um princípio racionalizado
e secularizado pode o propósito providencial de Deus trabalhar num sistema
consistente. Como um princípio transcendente, a vontade de Deus nunca pode tornar-se
tema de uma interpretação sistemática, revelando o sentido da história na sucessão dos
estados ou mesmo na história da igreja.

Jesus Cristo não tinha nenhuma filosofia da história, porque Sua crença no Reino
de Deus não era uma crença em sua realização pelos esforços humanos na história. Nos
Gospels existe apenas uma referência à história do mundo que separa estritamente o que
de nós pertence a César daquilo de nós pertence a Deus. São Paulo tinha de certo modo
uma teologia da história, porque ele entendeu a sucessão dos pagãos como uma
realização da história religiosa dos Judeus. Mas ele, também, não estava interessado
absolutamente na história secular. Agostinho desenvolveu a teologia cristã da história
sobre os dois níveis opostos da história profana e da história sagrada; eles se encontram
às vezes, mas são separados por princípio. Bossuet reestabelece a teologia da história de
Agostinho com uma maior ênfase sobre a relativa independência da história profana e
sobre sua correlação com a história sagrada. Hegel traduziu e elaborou a teologia da
história cristã nos termos da filosofia especulativa, preservando e ao mesmo tempo

24
Ver N. Berdyaev, The Meaning of History (New York 1936) pp. 198 ff.; F Overbeck, Christentum und
Kultur (Basel 1919) p. 72.
destruindo portanto a crença na providência como princípio diretor. Comte, Proudhon e
Marx descartaram a providência divina categoricamente, substituindo-a por uma crença
no progresso e pervertendo a crença religiosa na tentativa anti-religiosa de estabelecer
as leis previsoras da história secular. Burckhardt finalmente desautorizou as
interpretações teológicas, filosóficas e socialistas da história, reduzindo seu sentido a
mera continuidade sem começo, progresso e fim. Ele teve que sobrevalorizar a mera
continuidade pela própria razão de que ela é o resíduo de uma noção mais completa de
sentido.

A impossibilidade de elaborar um sistema progressivo da história secular sobre a


base religiosa da fé na providência tem sua contrapartida na impossibilidade de
estabelecer um plano significativo da história pelos meios da razão. Isto é corroborado
pelo senso comum, pois quem se atreveria pronunciar um pronunciamento definido
sobre o propósito e o sentido dos eventos contemporâneos? O que nós vemos em 1946 é
a derrota da Alemanha e a vitória da Rússia, a autopreservação da Inglaterra, a expansão
da América, as dificuldades internas da China, a rendição do Japão. O que nós não
podemos ver e antever são as potencialidades desses fatos. O que veio a ser uma
possibilidade em 1943 e uma probabilidade em 1944 não estava ainda evidente em 1942
e ainda mais improvável em 1941. Hitler poderia ter sido assassinado na I Guerra
Mundial, ou em Novembro de 1939, ou em Julho de 1944, ao invés de finalmente
suicidar-se. Ele também poderia ter tido êxito.

A aparente contingência dos eventos históricos tem infindáveis ilustrações em


grande escala. Cristandade, que pareceu a Tácito e Plínio uma disputa judaica
insignificante, conquistou o Império Romano; outra disputa, aquela de Lutero, dividiu a
igreja cristã. Tais desenvolvimentos imprevisíveis, mesmo quando
manifestos/desdobrados e estabelecidos, não são fatos sólidos, mas potencialidades
realizadas, e como tais são sujeitos a qualquer momento a tornarem-se o que eram,
meras possibilidades sem um corpo histórico. Cristandade poderia ter evanescido da
história do mundo como o fez o paganismo clássico, ou sucumbido ao Gnosticismo, ou
permanecido uma pequena seita. O próprio Cristo poderia ter sucumbido à tentação de
estabelecer o reino de Deus historicamente entre os Judeus e sobre a Terra. Na
perspectiva da sabedoria e da ignorância humana, tudo poderia ter ocorrido
diferentemente nessa vasta interação de circunstâncias, decisões, falhas e esforços
históricos.
É verdade que após alcançarem um certo clímax o curso geral dos destinos
históricos parece ser derradeiro e, portanto, sujeito a um prognóstico. A Europa também
tem seus “profetas” – Baudelaire e Heine, B. Bauer e Burckhardt, Dostoievsky e
Nietzsche. Mas nenhum deles anteviu as reais constelações e o produto da agonia da
Europa. O que eles prognosticaram é apenas o padrão geral que a história
provavelmente seguirá. A história, ao invés de ser governada pela razão e pela
providência, parece ser governada pela possibilidade/acaso (chance) e pelo destino.

E mesmo se nós reduzimos a crença na providência a seu caráter genuíno, dirigindo


indivíduos e nações não visível e consistentemente, mas de uma maneira oculta/secreta
e intermitentemente, ela concorda surpreendentemente bem com o ceticismo humano
que é a sabedoria última das reflexões de Burckhardt sobre a história. O resultado/efeito
humano, embora não a motivação, do ceticismo e da fé com relação ao resultado da
história é o mesmo: uma resignação definitiva, a irmandade mundana de devoção em
face da incalculabilidade e imprevisibilidade das questões históricas. Na realidade
daquele oceano agitado que nós chamamos história, faz pouca diferença se o homem se
sente nas mãos da inescrutável vontade de Deus ou (p. 79) nas mãos da potencialidade
ou e do destino. Ducunt volentem Fata, nolentem trahunt poderia facilmente ser
traduzido nos termos de uma teologia que acredita que Deus trabalha não apenas através
daqueles que obedecem sua Vontade mas também através daqueles que necessariamente
servem a Ele contra suas vontades.

Ninguém estava mais consciente que Agostinho desta coincidência da reverência do


pagão e do cristão pelo destino e pela providência respectivamente. Discutindo a visão
pagã do destino, ele distingue dois tipos de fatalismo: um que acredita nos horóscopos e
é baseado na astrologia, o outro baseado no reconhecimento de um poder supremo.25
Apenas a primeira, diz ele, é incompatível com a crença cristã; a última poderia bem
concordar com ela, embora a palavra fatum seja uma expressão desafortunada para o
que é realmente significado: sententiam teneat, linguam corrigat. Se o destino significa
um poder supremo fora de nosso alcance que regula nossas sinas, então o destino é
comparável à providência divina.26 Existe na verdade um solo comum de reverência

25
De civitate Dei V, I e 8.
26
Para Boécio (De consolatione philosophiae IV, 6), destino e providência são dois aspectos da mesma
verdade. Ver também a interessante discussão sobre “Providence Miscalled Fortune” de Thomas Browne,
in Religio Medici. Browne distingue a operação da providência de Deus na natureza e na história. Na
natureza o modo da providência é aberto e inteligível, e para antever seus efeitos precisa-se não de
temerosa e de submissão livre ao destino, ou à providência, na Antiguidade e na
Cristandade antiga que distingue-se tanto da modernidade profana e sua crença na
gerenciabilidade/administrabilidade progressiva.27

Nem a cristandade genuína nem a antiguidade clássica foi profana e progressiva,


como nós somos. Se existe qualquer ponto onde os gregos e a visão bíblica da história
concordam uma com a outra é sua comum liberdade da ilusão do progresso. A crença
cristã na intervenção incalculável da providência de Deus, combinada com uma crença
de que o mundo poderia a qualquer momento chegar a um súbito fim, tem os mesmos
efeitos que a teoria Grega dos ciclos recorrentes de crescimento e decadência de uma
destino inexorável – o efeito de checagem/controle da ascensão de uma religião do
progresso indefinido e de uma gerenciabilidade sempre crescente. Tanto o paganismo
como a cristandade eram religiosos, portanto também supersticiosos, eles viveram na
presença de poderes incalculáveis e perigos súbitos à espreita dos êxitos e das
realizações humanas. Se a ideia de progresso fosse apresentada a um grego, ela soaria a
ele como irreligiosa, desprezando a ordem cósmica e o destino. E quando ela fosse
apresentada a um cristão radical no século XIX, ela teria o mesmo efeito. Desafiado
pela tese de Proudhon de que cada um de nossos progressos é uma vitória através da

profecia mas de prognóstico. Mas a providência de Deus é mais obscura, “repleta de Meandros e
Labirintos”, dirigindo a operação da história nacional e pessoal, onde acidentes inesperados e ocorrências
impensadas intervêm. Isto nós geralmente chamamos equivocadamente de fortuna ou potencialidade,
embora ela revele, se bem examinada, a mão de Deus. Aqueles que sustentam que todas as coisas são
governadas pela fortuna não errariam se eles não persistissem aí. Os Romanos que erigiram um templo à
fortuna desse modo reconheceram, “embora em modo mais insensível/disfarçado”, algo de divindade.
27
É interessante notar, todavia, que mesmo para um historiador oitocentista o processo histórico ainda
manifestou um propósito providencial na forma de fatalidade. Para Tocqueville na marcha da democracia
havia algo tanto de fatalidade irresistível quanto de providência irresistível, para aqueles que promovem e
aqueles que se opõem a ela são os mesmos instrumentos disfarçados nas mãos de um poder dirigindo a
história. “O desenvolvimento gradual da igualdade de condições é, portanto, um fato providencial, e ele
possui todas as características do decreto divino: ele é universal, é durável, ele constantemente
ilude/esquiva toda interferência humana, e todos os eventos tanto quanto todos os homens
contribuem/importam para seu desenvolvimento. [...] Tentar parar a democracia pareceria então estar
lutando contra Deus, e contra a providência (Democracy in America, introductory chapter). A
contemplação de tão irresistível revolução produziu na mente de Tocqueville “um tipo de sonho
religioso”. E mesmo no parágrafo seguinte, e novamente no último capítulo de seu livro, Tocqueville quer
que este processo providencial esteja dirigido e restringido à própria provisão e vontade do homem, pois o
destino das nações cristãs está ainda em suas mãos, embora ele possa não permanecer aí mais por muito
tempo. Esta solução da dificuldade através de uma liberdade parcial dentro de uma fatalidade parcial
restabelece, embora em termos mais frágeis, o velho problema teológica da compatibilidade da
providência divina com liberdade da vontade/livre-arbítrio (ver Agostinho, De civitate Dei v, 9)
qual nós aniquilamos a providência divina, Donoso Cortés respondeu com outra Civitas
Dei.28

28
Proudhon, Système dês contradictions économiques, ch. VIII; Donoso Cortés, Ensayo sobre el
catolicismo, El liberalismo y El socialismo considerados en sus princípios fundamentales (Madrid 1851)
II, 3. A despeito do claro antagonismo entre essas duas poderosas mentes não se deveria esquecer que
mesmo o estilo de pensamento de Proudhon era eminentemente teológico: ver o capítulo sobre Proudhon
in A. L. Guérard, French Prophets of Yesterday, A Study of Religious Thought under the Second Empire
(London 1913).

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