Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
ISBN 85-87906-44-5
CDD 303.4
SUMÁRIO
PREFÁCIO 5
ENCAMINHAMENTO n
2 CULTURA DE SUB/DESENVOLVIMENTO 3?
3 NO CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL
SURGIDO, A QUE VEIO O DESENVOLVIMENTO
LOCAL7
6
Nessa textura, Fideles (como o autor é mais conhecido
em nosso meio universitário) desvenda o papel do presente na
cadeia da sucessão histórica da cultura, como momento de di-
namização dessa sucessão. O desenvolvimento, segundo ele,
emerge da continuamente presente modificação da aprendiza-
gem da cultura acumulada, na perspectiva de situações que
favoreçam ações criativas, capazes de romper barreiras e per-
mitir avanços. Essas situações de dinamismo criativo constro-
em-se por movimentos interativos entre mundos interior e exte-
rior ao indivíduo, pelas influências mútuas entre este e a coleti-
vidade, como também desta com o seu mundo exterior.
O autor desvela, nesse processo de construção concei-
tuai, o estigma do subdesenvolvimento imposto por aqueles
que formulam e detêm as regras do jogo do progresso mundial.
Desse modo, os desenvolvimento e subdesenvolvimento seriam
categorias inventadas, dividindo o mundo de forma dicotômica.
Não deixa de aludir-se, nesse processo, também aos explorado-
res que atuam no interior dos chamados países subdesenvolvi-
dos, contribuindo para acirrar as desigualdades socioeconômi-
cas e culturais. Também argumenta sobre como esses explora-
dores, externos e internos, cultivam a "cultura da pobreza" co-
mo forma de garantir sua própria manutenção e alimentar seus
interesses e ambições.
7
É no contexto dessa dicotomia cultural, inventada e a-
limentada pelo capitalismo globalizador como linha conceituai
de demarcação entre o bloco dos ricos e o dos pobres em nível
planetário ou o dos que podem mandar e o dos que devem obe-
decer - científica, técnica e economicamente falando que o
autor consegue discernir as diferentes óticas de desenvolvimen-
to local, vez que emergem nos âmbitos relacionais dos chama-
dos mundos desenvolvidos e subdesenvolvidos.
Discute, ainda, sobre a importância das diversas for-
mas de cooperação e participação solidárias como forças mo-
trizes do dinamismo interno, em processo de desenvolvimento
local. No mesmo sentido, como educador que é, demonstra sua
inquietação com o papel da educação comunitária e escolar,
tanto no processo de informação quanto de formação, ambas
em fecunda intercomplementação e funcionando como instru-
mento de melhoria e refinamento nos prismas individual e co-
letivo.
Um dos avanços do autor, em relação às obras anterio-
res, foi o de apontar os primeiros passos metodológicos para o
desenvolvimento local, delineando as principais dimensões
desse processo, assim como a programação e operacionalização
do que denomina "ciclos de trabalho cooperativo". É interes-
sante verificar o papel atribuído ao agente de desenvolvimento
8
local nesse processo, comparado ao de um pedagogo-sócio-
comunitário que auxilia as comunidades localizadas a encon-
trar e trilhar seus próprios caminhos do desenvolvimento, am-
parados - agentes e comunidades - pela metodologia do "a-
prender a aprender" em conjunto e partilhadamente.
O desenvolvimento local, definido na ótica de Vicente
Fideles de Ávila como capaz de romper as amarras do subde-
senvolvimento, é endógeno, democratizante e democratizador,
integrante e integrador, além de auto-sustentável. Em realidade,
o avanço nesse rumo pode ser praticado por qualquer coletivi-
dade, não importa a que divisão ou categoria inventada perten-
ça no universo sub/desenvolvido. Para o autor, o importante é
que ela consiga se sensibilizar diante dessa nova ótica, demons-
trando capacidade para se mobilizar e se organizar de forma
cooperativa, cultivando a autoconfiança e o poder de discerni-
mento, para ir ao encontro das soluções possíveis. Implica-se,
portanto, em desenvolvimento sociocultural, como ponto de
partida, que respeita e aproveita as peculiaridades e potenciali-
dades locais. Para Fideles, às coletividades localizadas o de-
senvolvimento local pode tanto consistir na transformação do
momento presente em oportunidade de mudança, contrapondo-
se à globalização massificante, como também tornar-se cami-
9
nho para se atingir maior equilíbrio entre os mundos desenvol-
vido e subdesenvolvido. Fica no ar o seu desafio.
Aqueles - como eu - que conhecem e acompanham
com admiração o trabalho de Vicente Fideles de Ávila não vão
se surpreender com a abrangência de visão e a profundidade de
suas reflexões nessa sua nova obra. A precisão conceituai, a
riqueza de análise, amparadas por preciosa capacidade de ex-
ternar idéias com auxílio de metáforas, constituem um de seus
méritos, proporcionando prazer na leitura, reforçada por enca-
deamento esclarecedor dos argumentos apresentados.
Fiz parte daqueles que o incentivaram a editar este li-
vro, em função da contribuição que deve trazer a segmentos
mais amplos da sociedade, pelo privilégio das reflexões nele
colocadas. Em outros termos, não só acredito na notável con-
tribuição que essa obra trará à ciência dedicada ao desenvolvi-
mento, como tenho certeza de que ela deverá servir de ponto
obrigatório de referência nas discussões sobre o desenvolvi-
mento local que ora se fazem no Brasil e no mundo.
10
ENCAMINHAMENTO
11
1
13
ção introdutória (p. 384) de que "É difícil estabelecer uma úni-
ca definição deste termo complexo e extremamente importan-
te".
Aliás, convém ressaltar que deliberadamente se optou
pelas abordagens nocionais, abaixo, a partir de dois dicionários
especializados, o Dicionário de sociologia: guia prático de
linguagem sociológica (JOHNSON, Allan G. Trad. Ruy
Jungmann. Rio de Janeiro: Zahar, 1997) - para a área socioló-
gica - e o Dicionário de filosofia (ABBAGNANO, Nicola.
Trad. Alfredo Bosi. 2. ed„ São Paulo: Martins Fontes, 1998) -
no âmbito das noções histórico-filosóficas - e do livro Cultu-
ra'. um conceito antropológico (LARAIA, Roque de Baixos.
15. ed., Rio de Janeiro: Zahar, 2002), para o prisma antropoló-
gico.
14
1.2 Noções sobre cultura do ponto de vista sociológico
e, por outro,
15
dos quais participam. As mais importantes dessas
idéias são as ATITUDES, CRENÇAS, VALO-
RES e NORMAS.
17
importante notar que cultura não se refere ao que pessoas fa-
zem concretamente, mas às idéias que têm em comum sobre o
que fazem e os objetos materiais que usam. [...]". No entanto,
ao descrever em seguida a teoria que o antropólogo Oscar Le-
wis formulou como "Cultura da Pobreza" (a partir de estudos
sobre comunidades de Porto Rico e do México), assim se ex-
pressou (p. 60):
18
e acumulação cultural, mesmo que tal processo se configure
como movimento de acomodação, a exemplo daquele perpetu-
ador da "Cultura da Pobreza" teorizada por Lewis.
19
Na primeira parte, conforme anunciado, o professor
Laraia, depois de analisar o dilema da "[...] conciliação da uni-
dade biológica e a diversidade cultural da espécie humana",
percorre a trajetória conceituai de Edward Tylor, considerado o
primeiro a definir cultura do ponto de vista antropológico - em
1871 - (embora o autor considere como precursores John Loc-
ke - cujo Ensaio acerca do entendimento humano, de 1690, é
interpretado por Marvin Harris em 1969 - e Jacques Targot,
que viveu entre 1727 e 1781), até Alfred Kroeber, antropólogo
americano (1876-1960). Este, em 1949, documentou enrique-
cedoras contribuições à definição tyloriana de cultura, extrapo-
lando-a do naturalismo evolucionista influenciado pelo evolu-
cionismo darwiniano, em pleno apogeu à época em que Tylor a
formulou.
20
vocábulo inglês Culture, que [indicando o come-
ço da definição tyloriana] "tomado em seu sentido
etnográfico é este todo complexo que inclui co-
nhecimentos, crenças, arte, moral, lei, costumes
ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiri-
dos pelo homem como membro de uma socieda-
de". Com esta definição Tylor abrangia em uma
só palavra todas as possibilidades de realização
humana, além de marcar fortemente o caráter de
aprendizado da cultura em oposição à idéia de a-
quisição inata, transmitida por mecanismos bioló-
gicos.
21
zagem (socialização ou endoculturação, não im-
porta o termo) que determina o seu comportamen-
to e a sua capacidade artística ou profissional.
7. A cultura é um processo acumulativo, resultan-
te de toda a experiência histórica das gerações an-
teriores. Este processo limita ou estimula a ação
criativa do indivíduo.
8. Os gênios são indivíduos altamente inteligentes
que têm a oportunidade de utilizar o conhecimen-
to existente ao seu dispor, construído pelos parti-
cipantes vivos e mortos de seu sistema cultural, e
criar um novo objeto ou uma nova técnica [...].
22
em 1953, os autores afirmam que "qualquer sis-
tema cultural está num contínuo processo de mo-
dificação. Assim sendo, a mudança que é inculca-
da pelo contato não representa um salto de um es-
tado estático para um dinâmico mas, antes, a pas-
sagem de uma espécie de mudança para outra. O
contato, muitas vezes, estimula a mudança mais
brusca, geral e rápida do que as forças internas".
23
• Segunda, a de não haver motivo para dúvida de que os
comportamentos são operações reais que se concreti-
zam em horizontes de sucessivos presentes, ou viven-
ciais momentos temporais de operacionalização, im-
pulsionados e impregnados pela cultura até então a-
cumulada e em evidência explícita ou subliminar nos
momentos em que são concebidos e operacionaliza-
dos.
Esses sucessivos presentes, pela aprendizagem cultu-
ral (via processos de "socialização" ou "endoculturação" da
experiência acumulada) que se modifica por contínua reação
interativo-comportamental com os fatores mesológicos na di-
nâmica existencial interna e externa ao indivíduo e à respectiva
coletividade, não só tornam o todo do homem-coletivo "[...]
capaz de romper as barreiras das diferenças ambientais e trans-
formar toda a terra em seu habitat", como também possibilitam
ao homem-indivíduo, mas sempre como unidade básica societá-
ria e cultural de multiformes conjuntos de homens-coletivos,
por uma parte, limitar - como no caso da "Cultura da Pobreza"
teorizada por Oscar Lewis - ou, por outra, estimular sua "[...]
ação criativa [...]" - para progredir ou se desenvolver com
reflexo imediato na coletividade de sua convivência, pelo me-
24
nos aquela vinculada por língua comum e laços de convivência
local.
Isso, em razão de três lógicas evidentes:
- primeira, a de não existir coletividade sem os indi-
víduos que a componham;
- segunda, a de não haver coletividade sem que a
mesma se delimite e configure em função funda-
mentalmente de língua e convivência espaço-
territorialmente comuns, considerando-se princi-
palmente que do final do século XX para cá esta
modalidade de delimitação (lingüística e de convi-
vência espaço-territorial) vem se tornando cada vez
mais ampliada e ampliável em razão dos canais de
interconexão e aproximação humana por avançados
meios de comunicação, como a Internet e outros
sistemas de redes possibilitados pela teleinformáti-
ca;
- e, terceira, a de haver influências mútuas entre os
indivíduos e coletividade, por eles composta, no
sentido tanto de limitar ou inibir quanto de estimu-
lar, expandir, diversificar ou aperfeiçoar o processo
de ação criativa nas dimensões tanto coletiva quan-
to individual.
25
1.4 Noções sobre cultura em prisma mais histórico-
filosófico
1
O autor alemão Werner Jaeger (cf. JAEGER, s/d) escreveu volumoso e
clássico compêndio, de 1343 páginas, intitulado justamente Paidéia: a
formação do homem grego, traduzido e impresso em Portugal, mas tam-
bém distribuído em São Paulo pela Editora Herder.
26
racionais: o da chamada atividade infra-humana, excluindo-se
as parcelas desse campo consideradas utilitárias ou típicas do
trabalho escravo, mesmo que de cunho artístico (artes plásticas,
artesanato, música etc.), em vista de que o escravo era tido
apenas como "instrumento animado" e não ser humano em
plenitude; e o da atividade ultra-humana, mas possível no âm-
bito natural, portanto voltada ao saber propriamente dito - em-
bora ainda relativo - , conforme se ilustra abaixo.
Acrescente-se às notações de Abbagnano, para efeito
de ilustração deste segundo campo de atividade formativa da
cultura, o fato de a própria filosofia expressar bem esse nível
de saber como atividade ultra-humana, enquanto derivada de
fílos+scofós = amigo (ou amante2) + sabedoria, daí resultando
a significação composta: amigo{amante)-da-sabedoria. O fí-
los+scofós (filósofo) antigo entendia e aceitava a possibilidade
de acesso do ser humano à scofía (sabedoria) pela via natural,
mas tão-somente na condição relativa de amigo(amante)-da-
sabedoria, e não na apropriativa universalizante de sábio. Isto,
em razão de se julgar - à época - que a sabedoria (em sentido
2
Boyer (1940, p. 14) entende que o termo grego fílos, que se acopla à pala-
vra scofía para formar o vocábulo filosofia, deriva da raiz do verbo filéin
no sentido de amar. Por outra, e já na condição de derivados, esses dois
termos eram assim constantemente empregados: fílos significando tanto o
substantivo concreto quanto o adjetivo qualificativo amigo e filia desig-
nando o substantivo abstrato amizade.
27
pleno) se alçava a prerrogativa divina ou sobrenatural tanto na
concepção mitológica quanto na dimensão ontológico-
aristotélica do Ato Puro. Daí decorreu o surgimento e a univer-
salização também do termo fílos+scofía (e não apenas scofía)
para designar o saber humana, metódica, rigorosa e sistemati-
camente produzido pela inteligência humana, portanto melho-
rado e refinado conforme acentua o supramencionado primeiro
conceito de cultura.
Quanto às alterações de aspectos no período medieval
e na Renascença, referidas atrás, Abbagnano primeiro delineia
três aspectos, ou espécie de macro-eixos de expressões tenden-
ciais, emergentes da concepção de cultura na época da Paidéia
clássico-grega: o aristocrático em relação às atividades infra-
humanas, o naturalista concernente às atividades ultra-
humanas (aceitação da sabedoria, mesmo que relativa, no
mundo humano natural) e o contemplativo, este referindo-se à
visão conjunta de ambos os campos de atividades.
De acordo com o autor, a alteração que se processou
na Idade Média foi a da supressão do aspecto naturalista, per-
manecendo o aristocrático e o contemplativo, visto nessa épo-
ca cultura ser entendida como sapientia - sabedoria - teologi-
camente dimensionada, em que a importância da Filosofia se
limitava ao plano auxiliar (ancilla = serva que auxilia ou sim-
28
plesmente auxiliar) da Teologia, situação esta de uso corrente
no mundo cristão, através da expressão "Philosophia ancilla
3
Theologiae ".
3
Vez por outra há quem atribua forte peso ideológico à frase latina Philoso-
phia ancilla Theologiae e a traduza por Filosofia escrava da Teologia, não
se dando conta muito bem do sentido historicamente assumido pela Filo-
sofia em relação à Teologia, principalmente em se remontando a essa rela-
ção desde o século IV d. C.
Embora ancilla sempre significasse serva ou mulher serviçal na antigüi-
dade romana, e mesmo tendo em vista que a função serviçal fosse conside-
rada típica de escravos (em vários países do mundo e há pouco menos de
dois séculos atrás), importa observar que a relação entre Filosofia e Teolo-
gia começou a se estabelecer principalmente a partir do século IV d. C.
pela conversão ao cristianismo de intelectuais, dentre eles se destacando
Santo Agostinho (354-430), o mais conhecido teólogo-filósofo cristão an-
tigo. Aliás, nos primeiros decênios do século IV já havia ocorrido a união
estado/cristianismo pela conversão de Constantino, Imperador Romano
Oriental.
Até por volta do século III d. C., os convertidos se constituíam de pessoas
para as quais bastavam as numerosas e variadas expressões do testemunho
cristão: observe-se que normalmente qualquer doutrina religiosa se carac-
teriza como de cunho moral e não filosófico propriamente dito. Mas os
intelectuais neoconvertidos do século IV em diante se esforçaram por en-
contrar alguma forma de explicação ou sustentação racional, mesmo que
apenas aproximativo-comparativa, dos pontos fundamentais da doutrina
cristã. Santo Agostinho, por exemplo, foi buscar explicações para a sobre -
pujança da alma sobre o corpo, do espírito sobre a matéria, e similares, na
famosa teoria de Platão a respeito da relação entre "mundo sensível" e
"mundo das idéias", de certo modo "cristianizando" essas teorias platôni-
cas.
Portanto, vendo as coisas por esse ângulo, a tradução do vocábulo ancilla
pelo termo auxiliar ou serva - que auxilia — parece histórico-
culturalmente mais verdadeira, com a significação de que a Filosofia for-
nece ou cria bases subsidiárias racionais, portanto auxiliares, para se em-
brenhar no horizonte da Teologia (e a em tela aqui é a cristã) que, de fato,
dessas bases se vem valendo sempre, evidentemente que de modo mais
sistemático principalmente a partir do surgimento da instituição universitá-
ria medieval, já difundida na Europa no final do século XII. Entretanto,
29
E na Renascença, outra alteração se processou, em re-
ação ao religiosismo medieval, pela anulação do contemplati-
vo, permanência do aristocrático e ênfase no naturalista.
A segunda acepção de cultura - como dito, irrompida
no Iluminismo do século XVIII - é, para Abbagnano, o reverso
da anterior, isto é, se cultura significava, na primeira, "[...] a
formação do homem, sua melhoria e seu refinamento [...]", na
segunda passou a expressar " [...] o produto dessa formação, ou
seja, o conjunto dos modos de viver e de pensar cultivados,
civilizados, polidos, que também costumam ser indicados pelo
nome de civilização [...]".
Explicando a origem desta acepção no Iluminismo, o
autor é de opinião que tal maneira de conceber cultura já se
fazia presente na seguinte passagem de Kant, do livro Crítica
do Juízo (§ 83), editado em 1790:
30
Esta concepção permeou também a obra de Hegel
(1770-1831, inclusive discípulo de Kant), passando do Ilumi-
nismo para o enciclopedismo materialista de D'Alembert
(1717-1783) e Diderot (1713-1784), que o conceberam com
base no materialismo de Locke, Hume e Condillac, ao enciclo-
pedismo naturalista de Rousseau (1712-1778)4 e à expansão
do liberalismo, cujo principal legado, ainda no final do século
XVIII, foi a própria Revolução Francesa.
Com acréscimos de enriquecimento e atualização, a
primeira acepção - a da Pciicléia clássica grega pela qual se
entendia cultura como "[...] formação do homem, sua melhoria
e seu refinamento [...]"- foi retomada por Abbagnano (1998, p.
228) em correção à dicotomização influenciada pelo Enciclo-
pedismo de que as disciplinas de formação humana se dividem
em dois blocos, as de formação geral (expressando a formação
cultural genericamente falando) e as de formação técnica espe-
cífica, sobretudo de cunho naturalista, não consideradas de
formação cultural.
E os acréscimos enriquecedores do autor, em relação à
primeira acepção, são os de que
" Leonel Franca (s.j.) (1967, p. 171) inclui Jéan Jacques Rousseau, assim
como Voltaire (1694-1778), Helvetius (1715-1771), D'Holbach (1723-
1789) - apenas para apontar os mais expressivos no rol dos "Enciclope-
distas" que influenciaram, evidentemente de modo só negativo na visão
jesuítica de Franca, "[...] no último quartel do século XIII [...]".
31
[...] é possível indicar de maneira aproximada as
características de uma Cultura geral que, como a
clássica Paidéia, esteja preocupada com a forma-
ção total e autêntica do homem. Em primeiro lu-
gar, Cultura "aberta", ou seja, não fecha o homem
num âmbito estrito e circunscrito de idéias e cren-
ças. Em segundo lugar, e por conseqüência, uma
Cultura viva e formativa deve estar aberta para o
futuro mas ancorada no passado. Nesse sentido, o
homem culto é aquele que não se desarvora diante
do novo nem foge dele, mas sabe considerá-lo em
seu justo valor, vinculando-o ao passado e eluci-
dando suas semelhanças e disparidades. Em ter-
ceiro lugar, a Cultura se funda na possibilidade de
abstrações operacionais, isto é, na capacidade de
efetuar escolhas ou abstrações que permitam con-
frontos, avaliações globais e, portanto, orienta-
ções de natureza relativamente estável [...].
32
ajudar a prospectar rumos culturais para o futuro. Evita-se,
assim, o estreitamento da expressão "homem culto" a equivo-
cadas significações como a de homem erudito (apenas intelec-
tualmente bem informado), de homem socialmente traquejado
ou mesmo de ambas simultaneamente consideradas.
Da mesma forma que retomou a primeira acepção,
Abbagnano também o fez em relação à segunda, só que agora
em prisma conciliatório entre sociólogos, antropólogos e filó-
sofos contemporâneos, ao se pronunciar no sentido de que
33
te (ou conjunto de sucessivos, próximos e concatenados mo-
mentos de vivência real, de um povo ou coletividade, nos quais
de fato a construção do futuro se faz articuladamente com o
passado) em relação a Desenvolvimento Local, o grande desta-
que recai sobre a FORMAÇÃO.
A FORMAÇÃO, ainda que não signifique de per si cul-
tura, porque essencialmente caracterizada - tanto na Paidéia
antiga quanto na atualidade - como performance comporta-
mentalmente operacional para determinadas finalidades coleti-
vamente aceitas dos ser e agir humanos:
- por um lado, é impregnadamente determinada pelo caudal
cultural, que liga o passado ao presente, bem como impulsi-
ona o presente a se projetar para o futuro;
- por outro, constitui-se mecanismo de geração evolutivo-
cultural, e o Desenvolvimento Local se insere neste contexto,
interferindo criativamente no processo presente de prospec-
ção e alicerçamento do futuro de qualquer povo ou coletivi-
dade, tendo em vista que sua dinâmica cultural se encontra
em permanente curso de construção, redimensionamento e
acumulação;
- em suma, todo o arcabouço teórico sobre Desenvolvimento
Local, à frente delineado, implica a acima mencionada fe-
cundidade relacionai entre FORMAÇÃO e CULTURA, as-
34
sim como sua lógica de operacionalidade dela necessaria-
mente decorre, em razão de que a multifuncionalidade da
FORMAÇÃO, enquanto processo catalisador, animador, mo-
dificador, gerador e disseminador de cultura, fica muito clara
se com Lothellier (1974, p. 56) for enfaticamente entendido
(daí o acréscimo do negrito como destaque) que
35
1
CULTURA DE SUB/DESENVOLVIMENTO
37
SUB/DESENVOLVIMENTO, principalmente em termos de
idéias, crenças, símbolos etc. Esta, sim, embora se constitua
fato historicamente muito recente, já vem deixando marcas
culturais profundas e arraigadas de conceitos e preconceitos
entre hemisférios, povos e pessoas de todo o planeta.
Tanto nas sociedades tidas como mais civilizadas e
poderosas quanto nas comparativamente mais primitivas e sub-
jugadas, ricos e pobres, núcleos e periferias, carentes e opulen-
tos, nobres e plebeus, senhores e proletários, industriais e ope-
rários, livres e escravos compartilhavam espaços territoriais
comuns em hemisférios, países e coletividades menores. Isso,
até que se resolveu inventar as categorias que dividiram o
mundo terrestre em dois blocos assimétricos, o dos países de-
senvolvidos - seleto, poderoso e hegemonicamente dominador
- e o dos países/áreas subdesenvolvidos/as: imenso, carente,
atrasado e sempre confinado ao círculo vicioso da indefinida
dependência e subserviência ao hegemônico bloco dos desen-
volvidos.
38
glo-América do Norte, da Europa Ocidental e do Extremo Ori-
ente - naturalmente, os internacionalmente aceitos como de-
senvolvidos - são consideradas apenas ocorrências marginais,
e não subdesenvolvimento propriamente dito, em virtude de a
chancela "desenvolvimento" cobrir cada país como um todo;
por outro, todas as conquistas de progresso (em dimensões
científicas, tecnológicas, sociais, econômicas e culturais, bem
como não mais só em âmbitos de países, mas nos das totalida-
des da América Latina, da África e da Ásia Setentrional -
sobretudo da China-índia ao extremo norte do Oriente Médio),
são no máximo consideradas ilhas-de-desenvolvimento.
E assim mesmo sob suspeita, porque o estigma do
subdesenvolvimento, internacionalmente imposto pelos que
formulam e detêm as regras de jogo do "progresso" mundial às
próprias áreas geofísicas em que tais ilhas se situam, lhes mina
o crédito de originalidade e confiança. Aliás, quando essas
ilhas começam a despertar a atenção internacional, ou são
"compradas" pelas concorrentes desenvolvidas ou simples-
mente "esvaziadas", tanto pela sucção de seus criadores quanto
pela interposição de empecilhos à sua industrialização e co-
mercialização.
Em termos de simbologia cultural, a maneira de se sa-
ber, por exemplo, se uma pessoa com aparência normal é ou
39
não "subdesenvolvida" (hoje e de acordo com os parâmetros
conceituais já universalizados) começa, via de regra, pela per-
gunta sobre sua procedência, quando não pela própria cor da
pele ou sotaque lingüístico. No caso da América Latina e da
África, basta que essa pessoa se identifique como latino-
americana ou africana para que se apresente como subdesen-
volvida. Em se tratando de Ásia, e deixando de lado o Extremo
Oriente - mas incluindo a China - , as expressões simbólicas de
procedência-subdesenvolvida se desdobram nas seguintes mais
representativas: chinês, indiano e árabe, esta cobrindo prati-
camente todo o Oriente Médio. Nesse contexto, até os termos
latino e hispânico, cada um em sua abrangência, já indicam
certa posição de inferioridade no contexto das relações entre
povos latinos e anglo-saxônicos, em geral, até mesmo em di-
mensão de hemisfério norte.
40
para o mundo - a era do desenvolvimento.", ao pronunciar a
seguinte passagem de seu discurso:
41
"Terceiro Mundo", este compreendido pelas "áreas subdesen-
volvidas" a que se referiu o Presidente Truman. Mas o curioso
é que entre esses dois "mundos" deveria haver o "Segundo",
nunca bem explicitado por todos que por isto se interessavam e
ainda se interessam, como se pode constatar a seguir.
Em abril de 2004, o Prof. Dr. André Joyal - da
Université du Québec à Trois-Rivières/Canadá - ministrou
curso sobre "O Papel das Pequenas e Médias Empresas no De-
senvolvimento Local" na Universidade Católica Dom Bosco,
de Campo Grande-MS, manifestando interesse de ler a versão
preliminar de todo este material, à época já em fase muito adi-
antada de elaboração. Em diálogo, por correspondência eletrô-
nica, só esta passagem foi objeto de questionamento do ilustre
Professor, assim como de resposta ponderativa do autor, nos
seguintes termos:
42
be, se refere a um "tiers" ["terceiro"] elemento.
Por exemplo, se eu estou discutindo com a Cleo-
nice [coordenadora do mestrado] e não podemos
chegar a um entendimento, vamos precisar de
uma «tierse-personne» ["terceira-pessoa"] que
poderia ser você. Assim, você seria a «tierse-
personne» sem que Cleonice ou eu sejamos a
"primeira" ou "segunda" pessoa. Dá para enten-
der?
43
personne": no caso, os dois "elementos" antece-
dentes são o "eu-Joyal" e o "ela-Cleonice" ou vi-
ce-versa, não importando se a nomeação desses
"elementos" seja explícita, implícita ou se um é
ou não "primeiro" ou "segundo".
E mais, se o "Tiers-Monde" se refere ao "elemen-
to" constitutivo da parte mais subdesenvolvida ou
mais pobre do planeta, como dito acima, pressu-
põe-se que os outros dois "elementos subentendi-
dos", que antecedem o "Tiers-Monde", sejam
qualitativamente "diferentes" dele, isto é, mais
desenvolvidos ou mais ricos" que o "Tiers-
Monde": mas quais são eles, mesmo que não se
chegasse ao nível de discussão sobre qual seria o
"primeiro" ou o "segundo"? — Isso foi o que eu
tentei discutir inclusive no contexto próprio dos
Pós-II Guerra Mundial, aí, sim, enfocando mais o
contexto de época do que o da propriedade lin-
güística francesa.
44
car conceitos inerentes a Tiers, que confere o seguinte signifi-
cado a esta expressão: "Terceiro mundo, conjunto de paises
pouco desenvolvidos economicamente, que não pertencem
nem ao grupo dos Estados industriais da economia liberal e
nem ao grupo dos Estados de tipo socialista" (LIBRAIRIE
LAROUSSE, 1980, p. 1020)
Mas há, ainda, o fato de que no imediato Pós-IF Guer-
ra Mundial o único país em condição de se denominar econo-
micamente "Primeiro Mundo" eram os Estados Unidos, em
vista de que os países europeus - inclusive a Alemanha de um
lado e os Aliados do outro em similares condições (mesmo
que resguardadas as devidas proporções), foram arrasados e
penaram quase duas décadas para se reconstruir. Portanto, não
podiam ser considerados economicamente, naquele momento,
nem de "Primeiro" e nem de "Terceiro Mundo", restando-lhes
provisoriamente disponível também o impreciso espaço-
reserva do "Segundo", pelo seu potencial e capacidade de so-
erguimento, já demonstrados e exercitados ao longo de séculos
e até milênios de história.
1
A frase francesa original é: "Tiers monde, ensemble des pays peu déve-
loppés économiquement, qui n'appartiennent ni au groupe des Etats indus-
trieis d'économie libérale ni au groupe des Etats de type socialiste".
45
Mundial fez com que todos eles de fato se incluíssem na confi-
guração de "Primeiro Mundo", tanto pela performance de re-
cuperação que demonstraram quanto pelo fato do pleno recru-
descimento da "Guerra Fria", cujos países protagonistas-
cabeças eram a Rússia, pelo bloco Soviético no leste europeu, e
os Estados Unidos no lado ocidental.
Embora desde o fim da IP Guerra os Estados Unidos
já contassem com os seus Aliados para a formação do bloco
ocidental, intensificaram a política da rápida incorporação tan-
to dos vencidos (Alemanha, Itália e inclusive Japão) quanto
dos demais em conjunto. Destarte, já no final dos anos 50 não
mais havia países europeus ocidentais em situação de "Segun-
do Mundo", ressalvando-se dúvidas quanto a Portugal e Espa-
nha, que ainda sofriam o peso e as conseqüências socioeconô-
micas das ditaduras Salazar e Franco - mas assim mesmo de
alinhamentos radicalmente anticomunistas assim como aos
países satélites da Rússia na composição da então União Sovié-
tica. Até fora da Europa, nações como Canadá e Austrália nun-
ca se consideraram ou foram de fato consideradas "Segundo
Mundo".
46
desmembrados do bloco socialista soviético, mas também se
estendia a outras denominações (mais nomenclaturas que reais
situações, portanto igualmente ambíguas), como as de pciíses-
em-via-de-clesenvolvimento (sobre a qual se falará um pouco
mais, à frente) e países-emergentes. Esta última ainda hoje é
bastante utilizada em virtude de países como o Brasil, a China,
a índia, o México e similares, por um lado não se verem na
precária e incômoda situação de "Terceiro Mundo" mas, por
outro, estarem certos de que não são "Primeiro", pelas atuais
regras do jogo socioeconômico mundial.
Entretanto, voltando ao discurso de Truman, conforme
Esteva (p. 60), "Ao usar pela primeira vez, em tal contexto, a
palavra 'subdesenvolvido', Truman deu um novo significado
ao desenvolvimento [...]", não tendo - Esteva - a menor dúvida
em afirmar que:
47
E mesmo a tentativa de amenizar o enorme fosso dife-
rencial entre países desenvolvidos e países subdesenvolvidos,
no termos acima, pela criação da expressão países-em-via-de-
desenvolvimento, mais ou menos com a mesma significação de
"Segundo Mundo", conforme se viu anteriormente, não surtiu
os efeitos culturais desejados. Como numa disputa em que não
há lugar para meio-vencido-vencedor, também nesse caso o
peso da evidência não recai no meio-termo em-via-de-
desenvolvimento, mas, sim, no dilema ser ou não ser (be or not
to be, plagiando Shakspeare) desenvolvido.
48
sa em duas mãos convergentemente alinhadas, as das instân-
cias externas e internas às "áreas subdesenvolvidas", para dela
- dessa "Cultura" - tirarem incessantes proveitos. Isto, em vir-
tude de que seria incorreto pensar que só os desenvolvidos ex-
ploram os subdesenvolvidos: uma das maiores chagas do sub-
desenvolvimento, assim como de qualquer outra denominação
que se refira principalmente a aberrantes desigualdades socioe-
conômicas e culturais, sempre foi e continuará sendo também a
dos próprios exploradores intramuros, não importa se na con-
dição de exploradores autônomos, na de mediadores da explo-
ração externa ou, ainda, na de ambas essas maneiras de explo-
ração.
49
ções adocicadas. Portanto, as formigas jamais
"quereriam" que os pulgões se acabassem, como
também jamais "permitiriam" que deixassem de
ser pulgões. O que fazem é alimentá-los sempre
para que excretem também cada vez mais. O que
"interessa" às formigas, em última análise, é a au-
topreservação e o bem-estar delas mesmas e não a
vida e a comodidade dos pulgões.
50
"áreas subdesenvolvidas", bem como SE O INTERESSE POR
TÃO GENEROSA DISPONIBILIDADE SE BASEAVA NÃO
APENAS EM METAS DE "CRESCIMENTO" E "PRO-
GRESSO" MAS NA PRÓPRIA EMANCIPAÇÃO DO SUB-
DESENVOLVIMENTO POR ESSAS "ÁREAS".
Essas questões permanecem abertas ainda hoje, afe-
tando até mesmo os investimentos feitos pelos organismos
multilaterais, principalmente quando implicam o entrecruza-
mento desses dois mundos. Por um lado vêm recursos financei-
ros mas, por outro, impõem-se em que e como gastar, aliás,
grandes fatias dos recursos financeiros captados por esse tipo
de financiamento na maioria das vezes sequer chegam aos des-
tinos subdesenvolvidos, restando nas origens em razão de cláu-
sulas vinculatórias referentes, por exemplo, a aquisição de e-
quipamentos (muitos já obsoletos nos respectivos países), mo-
nitoração técnica e assistência tecnológica. Ademais, grossos
subsídios em esferas nacionais e altas taxações era âmbito in-
ternacional recaem exatamente naqueles poucos produtos em
relação aos quais os países subdesenvolvidos já se capacitaram
para competir em certo pé de igualdade no mercado mundial.
51
ricas (ALCA) vem se desenrolando bem à moda, resguardadas
as proporções, da mencionada história do relacionamento entre
formigas e pulgões.
52
1
53
e Coréia do Norte), agora começando a se instrumentalizar
científica e tecnologicamente para o fortalecimento do circuito
globalizador de amplitude planetária, evidentemente intentando
tirar, e de fato já tirando, o máximo proveito próprio dessa in-
tensificação globalizadora.
Por outra, coincidência ou não, o Desenvolvimento Lo-
cal começou a se configurar intensa e sistematicamente na Eu-
ropa justo nesse período ou, mais precisamente, ao longo da
década de 80, segundo José Carpio Martin (1999), professor da
Universidade Complutense de Madri:
54
bios de actitudes y comportamientos de grupos e
indivíduos.
55
No Brasil, a explicitação desse interesse se iniciou
por volta de 1996 através de um curso na Univer-
sidade de São Paulo—USP, sendo o autor supraci-
tado [Prof. José Carpio Martin] um dos ministran-
tes. A notícia espalhou-se rapidamente, princi-
palmente em alguns estados do Nordeste, chegan-
do imediatamente também à Universidade Católi-
ca Dom Bosco-UCDB, de Campo Grande, Esta-
do de Mato Grosso do Sul, na qual amplo pro-
grama de desenvolvimento local começou a ser
delineado em meados de 1997, mediante convê-
nio com a Universidade Complutense de Madri
(UCM) [também com apoio e ativa participação
pessoal do Prof. José Carpio Martin e de outros
colegas da UCM]. Hoje, a mencionada universi-
dade sul-mato-grossense já conta até com um
Programa de Mestrado em Desenvolvimento Lo-
cal, com área de concentração em Territorialida-
de e Dinâmicas Sócio-Ambientais.
56
mente sem obstáculos1 para controlar o subdesenvolvimento a
favor dos que dele tiram proveito, faz-se mister a seguinte e
fundamental questão: A QUE, DE FATO, VEIO O DESENVOLVIMEN-
TO LOCAL?
57
X
No caso da primeira ótica, o Desenvolvimento Local
se reduz a canal de extensão das prerrogativas básicas do de-
senvolvimento, já reinante nas zonas desenvolvidas, às zonas
ou bolsões periféricos, carentes ou pobres de determinado país
desenvolvido. Isso se resolve - pelo menos em termos de ame-
nização da injustiça social - por emprego, salário e participati-
vo aproveitamento dos potenciais locais como geradores de
renda e bem-estar social nas comunidades visadas, até porque
outras esferas sobretudo de governo (como as federal ou na-
cional, estaduais ou provinciais e municipais ou comunais)
normalmente já cuidam ou estão aptas a cuidar, quando ainda
58
não existentes, das infra-estruturas físicas, bem como da assis-
tência à educação, à saúde, ao lazer e congêneres.
Em suma, a implementação do Desenvolvimento Lo-
cal, nesse caso, SEQUER PRESSUPÕE ALTERAÇÕES NAS MANEIRAS
59
de qualquer comunidade-loealidade (acima caracterizada como
bem definida e com tudo o que abranja de núcleo, periferia,
pobreza e riqueza), que se preste não só a se desenvolver como
também a aprimorar seu processo de desenvolvimento, se já
em andamento: AFINAL DE CONTAS E SOCIOCULTURALMENTE FA-
60
VIDO SOBRE O MUNDO SUBDESENVOLVIDO (como visto no anterior
item 2).
Não se trata, em princípio, de alterar ou mudar os pró-
prios paradigmas, porque o mundo subdensenvolvido sequer
tem acesso às suas sistemáticas de geração e controle. O socia-
lismo histórico soviético (embora encarasse o subdesenvolvi-
mento no viés da exploração do trabalho ou mão-de-obra pelo
capital) tentou dinamitar esses paradigmas com ênfase na estra-
tégia marxista da "luta de classes" mas chegou à auto-
implosão, já o vimos. E, por outro viés - o do fechamento cul-
tural também o socialismo maoísta chinês tentou expurgá-
los de seu território, mas hoje a eles progressivamente já co-
meçou a se curvar.
Há, no entanto, uma coisa que pode ser feita gradati-
vamente enquanto Desenvolvimento Local por qualquer povo,
desde que em regime democrático, através de suas comunida-
des concretamente localizadas: sensibilizar-se, mobilizar-se e
organizar-se para a geração gradativamente cooperativa de seu
próprio bem-estar de base, como o desvelamento de auto-
estima, o cultivo da autoconfiança e o tornar-se capaz, compe-
tente e hábil para discernir e buscar tanto suas próprias alterna-
tivas de rumos sócio-pessoais futuros quanto soluções possí-
veis, no seu âmbito ou fora dele, para seus mais imediatos pro-
61
blemas, necessidades e aspirações. E isso sempre a partir da-
quilo que estiver ao seu alcance (principalmente o conhecimen-
to e o aproveitamento de suas reais peculiaridades e potenciali-
dades), bem como do simples para o complexo e do mais para
o menos comunitariamente necessário.
Tais capacidade, competência e habilidades, uma vez
impregnadas na comunidade específica ou no país como um
todo, acabam influindo a favor de mais justa equilibração entre
os atuais mundos subdesenvolvido e desenvolvido, pelo menos
em perspectiva de longo prazo, porque se orientam no sentido
de cada comunidade envolvida começar a romper paulatina-
mente o círculo-vicioso da parasitária dependência assistencia-
lista, que gera e alimenta a "Cultura da Pobreza". Torna-se, em
contrapartida, apta a se interagir e negociar com as instâncias
externas em relação àquilo que lhe convém ou não, indepen-
dentemente da aparência e do marketing em que for embalado.
Afinal, a velha lei do valor baseado na oferta e procu-
ra (cunhada pelo economista escocês Adam Smith em 1776)
ainda comanda o cerne da vitalidade capitalista globalizante. E
isso, aplicado à questão em pauta, significa que quanto maior é
a demanda inclusive por dependência tanto mais cara e preju-
dicial se torna a sua disponibilização, como de fato tem ocorri-
do até agora.
62
Caminhando para o fechamento deste tópico 3, dirá
alguém, e com razão: o Desenvolvimento Local nesta terceira
ótica é tarefa árdua, pacienciosa e implica muita perseverança,
por parte tanto da comunidade mesma quanto dos agentes ex-
ternos, que se disponham a subsidiar e acompanhar o trabalho
comunitário local em verdadeira condição de pedagogos socio-
comunitários.
De fato, a autoformação comunitária para o desenvol-
vimento, naquele sentido enfocado lá no item 1.5, começa -
segundo Esteva (2000, p. 61) - pela seguinte tomada de cons-
ciência:
63
te entendendo-se utopia (u = não + topós = localizado) não
como sonho ou miragem, mas no sentido etimológico de algo
ousado ainda não topificado, porém topificável se de fato im-
plementado como convém.
Por fim, mais estas cinco observações:
64
Neste caso, tanto o contrapiso quanto também as ver-
dadeiras estacas de fundação do Desenvolvimento Local con-
sistem no desenvolvimento sociocultural, lastreando e dinami-
zando todas as demais performances de desenvolvimento no
âmbito da comunidade-localidade, inclusive e por conseqüên-
cia a econômica.
O DESENVOLVIMENTO SOCIOCULUTURAL SE CARACTERIZA,
POIS, COMO PONTO DE PARTIDA, DE NORTEAMENTO E DE CHEGADA
DO DESENVOLVIMENTO LOCAL, PASSANDO PELAS ROTAS DO DESEN-
VOLVIMENTO ECONÔMICO E MEIO-AMBIENTAL: DAÍ POR QUE IMPLI-
CA PERMANENTE E ATIVA POLÍTICA DE FORMAÇÃO E EDUCAÇÃO CO-
MUNITÁRIO-LOCAL ( c f r . t ó p i c o 6) VISANDO AUTOCONSCIENTIZAÇÃO,
AUTO-SENSIBILIZAÇÃO, AUTO-ESTIMA, AUTOCONFIANÇA, AUTOMO-
BILIZAÇÃO, AUTO-ORGANIZAÇÃO COOPERATIVA E AUTO-
INSTRUMENTALIZAÇÃO TAMBÉM TÉCNICO-CIENTÍFICA PARA A GRA-
DATIVA - PORÉM CONTÍNUA - BUSCA DE RUMOS COMUNITÁRIO-
LOCAIS, DE FORMA QUE A COMUNIDADE-LOCALIDADE SE EVOLUA
PARA A CONDIÇÃO DE SUJEITO DO SEU PRÓPRIO DESENVOLVIMENTO,
A PARTIR DE SUAS CARACTERÍSTICAS, DE SUAS POTENCIALIDADES E
EM RELAÇÃO A SOLUÇÕES PARA PROBLEMAS, NECESSIDADES E API-
RAÇÕES QUE LHE DIGAM RESPEITO MAIS DIRETA E IMEDIATAMENTE.
65
e ate mesmo de um município, contradiz a própria natureza do
Desenvolvimento Local.
TAL CONTRADIÇÃO OCORRE PELO FATO DE QUE O DESEN-
VOLVIMENTO LOCAL SE CONFIGURA JUSTAMENTE COMO PROCESSO
QUE CONSIDERA, RESPEITA E APROVEITA AS PECULIARIDADES (OU
MODOS DE SER E AGIR), A REALIDADE (ENQUANTO COMPLEXIDADE
DOS CONTEXTOS SOCIAL, CULTURAL E MEIO-AMBIENTAL) E AS PO-
TENCIALIDADES (DAS PESSOAS E DO MEIO) DE CADA COMUNIDADE-
LOCALIDADE, ENTENDENDO-SE INCLUSIVE QUE EM RELAÇÃO A ESSES
ASPECTOS NUNCA UMA COMUNIDADE-LOCALIDADE É TGUAL À OU-
TRA.
66
ABAIXO DE TUDO ISSO, ESTARÃO AFLORANDO E EBULINDO
MICRODINÂMICAS - NO NÍVEL DAS PRÓPRIAS COMUNIDADES LOCA-
LIZADAS - DE PROMOÇÃO AUTO-SUSTENTÁVEL DO BEM-ESTAR BÁSI-
CO E DA PAULATINA, PORÉM PROGRESSIVA, AUTO-EMANCIPAÇÃO DO
CIRCÚLO VTCIOSO DA DEPENDÊNCIA ASSISTENCTALISTA EXTERNA.
67
1
69
Antes, porém, de passar a essas linhas, entendo escla-
recedor observar que começar a resposta à questão pelo QUE
NÃO É DESENVOLVIMENTO LOCAL ENDÓGENO para, em seguida, en-
focar QUE É, e não o contrário, tornava muito mais acessível a
compreensão por parte inclusive de pessoas como delegados de
comunidades rurais em geral e de assentamentos, e represen-
tantes de aldeias indígenas. Por tal razão, a ordem de apresen-
tação sobre QUE NÃO É/QUE É DESENVOLVIMENTO LO-
CAL ENDÓGENO, tanto quanto possível didatizada, passou a
ser esta:
70
O modelo brasileiro de implantação tanto de parques
industriais quanto de indústrias isoladas, a partir da década de
1940, vem fazendo com que até populações dos centros mais
avançados do País, como as principais capitais, hoje paguem
muito caro por esse tipo de "desenvolvimento" em termos de
água, ar, solo e saúde de modo geral.
Esse tipo de "desenvolvimento" deve ser evitado ou
banido? - Não, ele é necessário até para que se criem bases
econômicas para o Desenvolvimento Local propriamente dito,
portanto de caráter ENDÓGENO. Mas a comunidade-localidade
precisa estar bem consciente de que:
71
somente como questão secundária, por vezes até
descartável.
72
universalmente tidas como básicas ou mesmo necessárias, o
"Desenvolvimento NO Local", por vezes tão aclamado política
e técnico-burocraticamente, pode se transformar em fator mul-
tiplicador justamente de problemas contrários ao autêntico
"Desenvolvimento Local".
73
O Local (DJJL), bem como os de caráter político-eleitoral, as-
sistencialista, promocionalista e filantrópico, de modo geral,
pensados e postos em prática por entidades/pessoas ora interes-
seiras, ora simplesmente abnegadas e ora até especializadas em
assistência/promoção humano-ambiental. Nem sempre esses
planos, programas, projetos e/ou atividades deixam muitos e
duradouros rastros quando encerrada a atuação das pesso-
as/agências que os idealizam, patrocinam, promovem ou os
operacionalizam.
Importa ressaltar, no entanto, que a idéia de Desenvol-
vimento Local, tal como brevemente historiada no tópico ante-
rior, é muito recente - em esboço da década de 1980 para cá -
e até agora sendo configurada teórico-metodologicamente de
maneira muito simplista e ambígua, relembrando as três óticas
e as cinco observações conclusivas do mencionado tópico, ra-
zão pela qual se procurou delinear os referenciais básicos, tanto
conceituais quanto operacionais, a partir do próximo item 4.3.
Isso quer dizer, em última análise, que a preparação
das agências ou agentes externos às comunidades-localidades
para investimento ou fomento em programas, projetos e inicia-
tivas dessa natureza é apenas iniciante, quando não ainda prati-
camente nula.
74
Mas, por outro lado, é de se frisar também que há, no
momento, clima nacional e internacional bastante favorável ao
Desenvolvimento Local na perspectiva da endogeneização co-
munitário-local de capacidades, competências e habilidades
para que cada comunidade-localidade comece a assumir seu
próprio processo de desenvolvimento. Já é sabido mundialmen-
te que o assistencialismo, ao invés de resolver, agrava cada vez
mais a dependência de pessoas e comunidades das "ajudas"
externas, alimentando inclusive a "Cultura da Pobreza", como
visto anteriormente.
Em maioria, os organismos multilaterais, as institui-
ções governamentais, bem como as entidades filantrópicas e
religiosas, e congêneres, já sabem disso. Mesmo assim, conti-
nuam a fazer DpL até por falta, em muitas situações, de melho-
res propostas das comunidades no sentido de utilização do a-
poio externo exatamente para sua progressiva emancipação,
tanto do assistencialismo, no caso de comunidades carentes,
quanto da capitalista exploração até mesmo em matéria de
know-how, em comunidades de nível socioeconômico mais
elevado.
Aliás, a cultura do assistencialismo socialmente dege-
nerador, grassada mundo afora, se assemelha à do oleiro que,
ao perceber que todos os habitantes de certa região precisavam
75
de potes, reuniu e concentrou seus esforços em sua fabricação.
No entanto, desde a primeira "fornada", verificou que infali-
velmente todos os potes apresentavam trincas aqui e acolá. Ao
perceber que era difícil resolver o problema das trincas no pró-
prio processo de fabricação dos potes, teve e de fato adotou a
seguinte idéia: fabricar também resina especial para vedar trin-
cas de potes. Assim, a população primeiro comprava os potes,
mas dentro em pouco voltava para adquirir também a resina. E
como a resina tinha efeito muito curto, o grande negócio do
fabricante tornou-se a sua produção, embora também precisas-
se continuar fabricando potes trincados. Do contrário, perderia
o que passou a ser o seu grande negócio, o generalizado con-
sumo da resina: afinal, sem potes trincados, ninguém mais iria
precisar de resina. Perpetuou-se, assim, a cultura da produção
de potes trincados e formou-se a da fabricação de resina vedan-
te para potes trincados de fábrica.
Moral da estória: a fabricação de potes trincados ex-
pressa bem a política do Desenvolvimento NO Local (DnL) -
abordada em 4.1 mas sem autêntico e efetivo Desenvolvi-
mento Local, e a da fabricação e consumo da resina vedante
(das trincas desses mesmos potes) traduz bem a cultura do as-
sistencialismo que vem conotando o Desenvolvimento PARA O
76
Local em comunidades-localidades de todos os países do mun-
do, mormente dos que integram as "áreas subdesenvolvidas".
Mas há também algo muito sério e da alçada de cada
comunidade-localidade que opte pelo Desenvolvimento Local,
nos termos dos referenciais delineados a partir do próximo item
4.3. Que não fique à espera de que as agências ou agentes ex-
ternos, até aqui acostumados e acomodados aos DnL e DQL, lhe
venham de uma hora para outra oferecer e "entregar de bande-
ja" programas, projetos ou outras iniciativas "assistencialistas-
não-assistencialistas", visto que tudo aquilo que a própria co-
munidade não projeta e incorpora em seu processo de Desen-
volvimento Local acaba se configurando - mais ou menos cedo
- como assistencialismo, mesmo que originariam ente se tenha
pensado que isso não devesse acontecer, pois o "inferno está
cheio de boas intenções", diz o provérbio popular.
Nessa perspectiva, importa que cada comunidade-
localidade, apoiada e subsidiada por competentes Agentes de
Desenvolvimento Local (cf. 4.5.1-b) se capacite para distinguir
assistência de assistencialismo. De fato, assistências-de múlti-
plos tipos e naturezas são e serão continuamente necessárias ao
longo de todo o processo de implementação do Desenvolvimen-
to Local numa determinada comunidade-localidade. Aliás, um
dos pontos estratégicos da autocapacitação comunitário-local
77
para o Desenvolvimento Local é o da sábia e competente capta-
ção e ampliação das condições de diferentes modalidades de
assistências (em termos de infra-estrutura, saúde, educação,
lazer, esporte etc.) em proveito das prioridades locais.
Mas, no que respeita ao assistencialismo, nova distin-
ção se faz imperativa: a do assistencialismo conversível em
assistência, mediante incorporação das respectivas iniciativas
ao processo de Desenvolvimento Local, e a do assistencialismo
perverso (também caracterizado de duas maneiras, a do assis-
tencialismo demagógico e a do assistencialismo colonizante),
pelo qual a comunidade-localidade se torna objeto de manipu-
lação de agências ou agentes externos.
Quanto à questão do efeito bumerangue referido logo
no primeiro parágrafo deste subitem, ou expectativa de retorno
(em proveito próprio) por parte de entidades e pessoas investi-
doras em programas e projetos comunitário-locais, a lógica
natural é a de que ninguém - entidade ou pessoa - age sem
prever e esperar algum tipo de compensação. Muitas vezes, a
compensação se refere ao abatimento das concernentes despe-
sas nas declarações - de pessoas físicas ou jurídicas - do im-
posto de renda, bem como ao reconhecimento público no seio
da comunidade visada ou, ainda, a de se ver circulando pela
mídia (marketing), e assim por diante.
78
Em decorrência, a idéia geral do retorno por investi-
mento em iniciativas que de fato apoiem ou subsidiem o genuí-
no Desenvolvimento Local não é nenhum mal em si mesma:
pelo contrário, e reiterando, pode e deve ser muito bem apro-
veitada e sempre ampliada pela comunidade-localidade, que,
inclusive, precisa se capacitar para tal, como se disse há pouco.
Mas a idéia de retorno pretendido direta ou camufladamente
através do assistencialismo - demagógico ou colonizante - é
criminosa por sua própria natureza e deve ser evitada a todo
custo.
79
Feito esse trabalho preparatório, documentado no li-
vro, a equipe se sentiu segura para se posicionar no sentido de
que (destacando a citação em negrito):
80
quer pelo que significa em linguagem direta, e passível de
compreensão imediata, quer através de exemplos adequados à
realidade da própria clientela.
Tais explicações não são aqui sistematizadas porque se
encontram distribuídas, explícita ou implicitamente, ao longo
de todo o presente texto, em tópicos e itens que antecedem e
sucedem a este 4.3.
81
• É ao mesmo tempo integrante e integrador
82
que, no caso das duas primeiras, não parece ilógico o acopla-
mento na forma de "dois-em-um", para se reforçarem mutua-
mente. Todavia, em se tratando realmente de Desenvolvimento
Local (da maneira como vem sendo dimensionado neste texto,
com "núcleo conceituai" em 4.3, portanto - reiterando - dife-
renciadamente de DnL e de DnL), a consideração em separado
dessas duas características (trabalho integrado/integrante e
busca de auto-sustentabilidade), mesmo que para acoplá-las
depois, seria extirpá-las do Desenvolvimento Local, mutilando-
o em termos de duas dentre suas fundamentais razões de ser,
porque já essencialmente inerentes à sua própria natureza e
funcionalidade. Seria como se o DL resultasse desta expressão
matemática simples: DL = DLIS - (/ + S).
83
cesso - como dito acima - centrado na comunidade, em cada
comunidade-localidade, inclusive respeitando as peculiarida-
des, potencialidades e condições de cada uma, conforme enfá-
ticas reiterações já feitas neste texto.
a) "Alpinismo" da comunidade
84
seu lugar irá cravar os grampos no paredão, para dar cada um
de todos os próximos passos: os outros continuarão a lhe dar
dicas e conselhos, mas só ele os poderá cravar e dar os passos.
Em se tratando de alpinista experimentado, cuidará pa-
ra cair somente até o patamar anterior, caso fracasse a fixação
dos grampos - não lhe permitindo o passo seguinte - , e apro-
veitará a experiência ao retomar com mais segurança a seqüên-
cia da escalada. Do contrário, se esborrachará lá em baixo, no
mínimo arriscando a sua vida e as dos companheiros da equipe
técnica.
A dinâmica metodológica do Desenvolvimento Local
tem muito a ver com essa metodologia de alpinista: todo mun-
do de fora pode e deve apoiar a comunidade em sua escalada,
mas sem querer levá-la no "colo" e nem pretender construir ou
contratar guindaste para içá-la lá em cima. Isso, pelo motivo de
que, em relação à própria escalada do processo, quem de fato
tem de encontrar as posições para cravar os "grampos" e dar os
sucessivos passos é a própria comunidade. No futebol, por e-
xemplo, quem joga e de fato ganha jogo são os jogadores: se
não jogarem e ganharem, nenhum treinador e respectiva equipe
técnica, por melhores que sejam, jamais jogarão e ganharão no
lugar deles.
85
b) Agentes de Desenvolvimento Local e "alpinismo" da co-
munidade
86
No primeiro contato com este texto, pensei aplicar-se
apenas ao caso brasileiro. Todavia, com o passar dos dias, me
convenço cada vez mais de que o mesmo reflete a atual reali-
dade mundial, em dimensões tanto pessoais quanto societárias:
87
des-localidades, que, por sua vez, se postam à espera de solu-
ções - de fora - prontas para seus males e desejos. Historica-
mente, tanto o tradicional quanto o atual contexto cultural de
"formação" dos agenciadores socioeconômicos têm assim se
caracterizado.
Para romper tal círculo vicioso (dessa cultura de agencia-
mento), a citação de Kujawski sugere:
88
"Caminhante, não há caminho. O caminho se faz ao cami-
nhar" tanto para a comunidade em que estiverem atuando
quanto para a lúcida prospecção das suas próprias maneiras
de pensar e atuar.
89
introdução desta alínea b. Agora, é hora de se passar ao deline-
amento da pista referente à performance metodológica dos A-
gentes de Desenvolvimento Local, na condição cie autênticos
pedagogos deformação e encaminhamento comunitário.
Pelo que se conhece historicamente, a primeira práxis
metodológica desse tipo de pedagogo consistiu na maiêutica
criada por Sócrates (470 - 399 a.C), mas documentada e difun-
dida por seu discípulo Platão (428 - 348 ou 347 a.C), assim
como através de uma obra de Aristóphanes e outra de Xéno-
phon, em razão de o mestre nada ter deixado escrito para a pos-
teridade.
Sabe-se que a profissão do pai de Sócrates (Sôphro-
nískos) era escultura, portanto ninguém da estirpe nobre, e par-
teira a da mãe, fato este que, ao que tudo indica, influenciou
categoricamente no interesse do filho pelos destinos da polis
(cidade-estado) grega, segundo ele - espelhado por Platão - ,
em profundo momento de crise: primeiro, porque certamente
ainda criança acompanhou a mãe a lares de todas as categorias
sociais de seu tempo, visto que as parteiras eram, e há lugares
em que até hoje o são, requisitadas independentemente de sta-
tus ou condição social de quem delas necessite; segundo, por-
que percebeu que, ao invés de enfiar o conhecimento na cabe-
ça dos seus discípulos, era mais eficaz e prático fazer com que
90
eles mesmos parissem a sua própria sabedoria (o termo mai-
êutica se refere a parto ou ato de parir, podendo ser interpreta-
da como algo semelhante ao processo de indução do parto da
sabedoria ou conhecimento).
Sobre Sócrates e sua maiêutica, assim se refere a Li-
brairie Larousse (1980, p. 501) - com tradução direta do texto
francês - : "Ele era hostil a todo ensinamento dogmático; seu
método consistia em fazer com que seus interlocutores desco-
brissem a verdade, pondo-lhes questões (ironia) e os obrigando
a encontrar, por eles mesmos, suas próprias contradições (dia-
lética)".
Mas quem se interessar por conhecer melhor a manei-
ra como flui a maiêutica socrática não pode deixar de ler a A
República de Platão, prestando atenção às maneiras como Pla-
tão formula as questões (atribuindo-as a Sócrates, e não a ele
próprio, em reverência ao mestre) e como, pelo encaminha-
mento dessas questões, se desvelam as contradições e conclu-
sões nos interlocutores com os quais o mestre - no caso, Platão
- dialoga.
A quem queira saber se existe algo mais recente que
reflita a maiêutica socrática na realidade atual, há a metodolo-
gia do aprender a aprender, ora em muita evidência no Brasil.
Aprendendo a aprender com o professor tornou-se até título
91
de livro (cf. DEMO, 1998) e expressa bem o sentido dessa pos-
tura metodológica: o educando não aprende porque o professor
ou educador lhe ensina, mas, sim e quando, aprende a apren-
der com a ajuda do professor ou educador. Portanto, esse não é
0 pedagogo ensinador, mas se constitui indispensável ajudante
de quem se encontre na posição de aprender a aprender.
Além desse tipo de encaminhamento, os Agentes de
Desenvolvimento Local poderão se inspirar em outras propos-
tas metodológicas como:
1
Também o jornal O Estado de São Paulo, de 18/10/98, caderno A-18,
publicou ampla matéria, intitulada "Universidade inova na formação de
médico", sobre a experiência da FAMEMA, de Marília-SP, que adotou
essa metodologia no Cursò de Medicina.
2
Segundo a Prof Dr3 Selma Garrido Pimenta, Diretora da Faculdade de
Educação da USP, em Aula Magna para o início do segundo semestre leti-
vo - agosto de 2003 — do Programa de Mestrado em Educação da UCDB,
há um grupo de pesquisa (do qual ela participa) trabalhando nessa área da
prática reflexiva, inclusive aperfeiçoando as premissas de Schõn.
92
originalmente defendida por Schõn (1995), pela qual a prá-
tica ilumina processualmente a teoria, ou seja, da reflexão
na prática se evolui para a reflexão sobre a prática, como
também para a reflexão sobre a reflexão, e assim por dian-
te, a exemplo do que ocorre com o aprendizado na área da
educação artística. Trata-se de "[...] movimento crescente
no sentido de uma prática reflexiva, cujas origens remon-
tam a John Dewey, a Montessori, a Tolstoi, a Froebel, a
Pestalozzi, e mesmo ao Emílio de Rousseau, [...]".
93
engenheiros, médicos, advogados etc.,) não possam atuar como
autênticos pedagogos de formação e encaminhamento comuni-
tário, continuamente conscientes de que seu trabalho é de cu-
nho maiêutico, ou seja, sempre indutor do" parto" comunitário
de conhecimentos e iniciativas, como visto.
Encerrando, mais estas duas informações: primeira,
também o subitem 4.4.7 do livro Formação educacional em
desenvolvimento local: relato de estudo em grupo e análise
de conceitos (cf. ÁVILA et al., 2000, p. 64-67) é dedicado à
conceituação dos Agentes (evidentemente de Desenvolvimento
Local) e, segunda, o tópico 6 (último do presente texto) projeta
esta questão para todo o campo educacional, de forma que os
Agentes de Desenvolvimento Local se insiram, com o passar do
tempo, em contexto mais abrangente e capilarizado de forma-
ção e educação comunitário-local para essa nova perspectiva
de desenvolvimento, a do DL.
94
sujeito-agente de seu próprio desenvolvimento, bem como do
meio-ambiente que lhe serve de contexto de vida, em conso-
nância com sua real situação de características, riquezas e po-
tencialidades explicitas e implícitas. Isso implica:
3
No Tópico 13 do livro No município sempre a educação básica do Brasil
(cf. ÁVILA, 1999, p. 111-114), referindo-me à gestão integral de educação
no âmbito de município, comentei sobre a forte conveniência da organiza-
ção de comitê municipal, nos seguintes termos: "Sugere-se a organização
de representativo e expressivo comitê municipal que participe ativamente
de todo o processo de gestão integral da educação e, quiçá, até de outros
serviços sociais básicos [...]", de certo modo já atuando no universo do
que hoje chamamos Desenvolvimento Local e até detalhando as funções
desse comitê. Entretanto, e dadas as características de amplitude, plurali-
dade e complexidade de realidades diferenciadas das diversas comunida-
des-localidades que compõem um município, por menor que se configure,
a lógica aconselha, em verdade, a organização e funcionamento de comitês
de fato comunitários-locais, ou seja, por bairro ou outros espaços mais de-
limitados de aglutinação física e cotidiana da população. E que tais comi-
tês não se restrinjam apenas a assessoramentos. pois lhes é vital que se en-
gajem em todo o processo de desenvolvimento de cada comunidade-
95
desenvolvimento, de forma que o desenvolvimento de cada
recanto-localidade da municipalidade considere, respeite,
descubra, aproveite, aperfeiçoe e amplie as respectivas pe-
culiaridades, condições e potencialidades locais, tanto as
explícitas quanto as latentes. Portanto, não se trata de uni-
formizar o processo para todo o município: uma coisa é u-
nificar a política global de desenvolvimento municipal,
bem como o gerenciamento geral de encaminhamento ope-
racional dessa política, e outra é não unificar o DL, visto
que o mesmo tem de se adequar às peculiaridades e ritmos
de cada comunidade-localidade em que for implementado.
96
munitária local, vai-se passando também à programação e ope-
racionalização dos "ciclos de trabalho comunitário-
cooperativo", como sugerido abaixo.
97
de/projeto será necessária ou conveniente a ajuda externa em
termos de assistências técnico-científicas especializadas (como
referido em 4.2) tanto para a sua programação-execução quan-
to, em algumas situações, para captação e provimento dos res-
pectivos recursos de toda ordem.
Essa é a hora de os especialistas em domínios especí-
ficos (administradores, economistas, agrônomos, engenheiros,
arquitetos, biólogos, geógrafos, arqueólogos, médicos, farma-
cêuticos, físicos, químicos, advogados e todos os demais) en-
trarem em cena, desde que dispostos a participar do processo
como autêntico Desenvolvimento Local.
98
Por ela se aprende e se tira proveito de tudo, não im-
portando se de acertos, erros, falhas, facilidades ou dificulda-
des.
d) Enfatizando a questão da celebração/comemoração
99
mensão histórica e à de que o Desenvolvimento Local poder vir
a se configurar como contraponto ao capitalismo globalizante,
a exemplo do que se mencionou em tópicos anteriores deste
texto.
Convém não se esquecer de que todo esse trajeto de
fala tem sido traduzido em linguagem e exemplificação ao al-
cance médio tanto de alunos quanto de representantes comuni-
tários, ensejando interessada e ativa participação através de
questões e até acalorados debates que o permeiam.
100
1
SOLIDARIEDADE: MEDULA
ESPINHAL MOTRIZ DO DL
101
Falando sobre o significado de solidariedade, Ávila et
al. (2000, p. 42-43) assim se referem à distinção conceituai
entre a solidariedade e a coesão, entendendo que a solidarie-
dade se caracteriza sempre como fenômeno volitivo-emotivo,
portanto conscientemente assumido, e que a coesão se manifes-
ta em duas dimensões bem diferenciadas, isto é, a instintiva ou
coesão gregária, que emerge diretamente do impulso instinti-
vo, e a volitivo-emotiva ou coesão solidária, que flui do estado
de solidariedade'.
102
rindo à união do grupo significância e relevância
social que transcendem as imputadas aos esforços
e dispêndios individuais implicados.
103
1
EDUCAÇÃO: SISTEMA
RESPIRATÓRIO-CIRCULATÓRIO DO DL
105
Então, formação e educação comunitária local são
dois fenômenos que se interagem e complementam:
106
cluir o desenvolvimento de uma participação
maior e melhor das pessoas nos assuntos comuni-
tários locais, uma revitalização das formas exis-
tentes de governo local, ou a introdução de algu-
ma forma efetiva de administração local nas co-
munidades que não a possuam. [...] O objetivo fi-
nal do moderno trabalho de educação comunitária
é o desenvolvimento de uma comunidade organi-
zada e democrática que se tenha libertado de mui-
tas restrições e costumes tradicionais e esteja inte-
lectualmente preparada para um crescimento con-
tínuo.
107
realidade, convergentes para o Desenvolvimento Local, que a
educação escolar pode e deve prestar inestimáveis contribui-
ções, porque: primeiro, a preparação de capital humano, nessa
direção, se iniciará pelas crianças e adolescentes, perpassará os
professores e toda a escola, assim como ecoará primeiramente
nas famílias dos alunos para, em seguida e por disseminação,
alcançar as demais famílias que compõem a base da comuni-
dade; segundo, estará preparando gerações que se sucederão no
processo de implementação e aperfeiçoamento do autodesen-
volvimento de suas comunidades-localidades; e, terceiro, des-
cobrirá que esse será também o melhor caminho para a melho-
ria inclusive da qualidade-quantidade do próprio ensino en-
quanto relação ensino-aprendizagem.
Todo o livro Educação escolar e desenvolvimento lo-
cal: realidade e abstrações no currículo (cf. ÁVILA, 2003)
chama a atenção para a enorme, oportuna e necessária fecundi-
dade que pode existir na relação Educação Escolar x Desen-
volvimento Local. Logo na Apresentação (p. 7) se frisa que:
108
fatos e fenômenos dos meios de vivência das pró-
prias comunidades-localidades, em que as escolas
se inserem, mediante firme e intensa política de
apoio à multiplicação de inovadoras experiências
nesse sentido. E o segundo é o de sugerir manei-
ras ou rumos operacionais para que essa mesma
relação temática se dinamize em perspectiva si-
multaneamente tridimensional, portanto impli-
cando um único processo: a melhoria da qualida-
de/quantidade do ensino, em termos de volume e
significância vivencial; a transformação das ações
docentes e discentes em trabalho prazeroso pelo
conhecimento e aproveitamento das realidades e
potencialidades locais como pontos-de-partida (e
não "pontos-de-chegada") ou "campos-de-
decolagem" para abstrações cada vez mais ampli-
adas e universalizadas de conhecimentos gerais,
científicos e tecnológicos; e o concomitante refle-
xo construtivo dessa dinâmica escolar na melhoria
da qualidade de vida dos próprios alunos, assim
como de suas famílias e comunidades.
109
este é apenas um dos dois elos relacionais, pois, em verdade, a
extensão completa da relação assim se expressa: Educação
Escolar x Desenvolvimento Local x Educação Comunitária,
dado que o Desenvolvimento Local constitui a área de intersec-
ção referencial para ambas, Educação Escolar e Educação
Comunitária.
Reportando à analogia focada no título deste tópico, a
dupla relação acima mencionada funcionará, se conveniente-
mente dinamizada, como sistema de capilarização, alimentação
e oxigenação da evolução processual do Desenvolvimento Lo-
cal, porque atingirá, conscientizará e orientará adultos e crian-
ças que se sucederão, em termos de gerações, no sentido de que
as respectivas comunidades se tornem paulatina e emancipa-
damente aptas, capazes e competentes de se tornarem sujeito-
agentes de suas próprias trajetórias de desenvolvimento comu-
nitário-local, da maneira como abordado neste trabalho.
110
CONCLUSÃO: LANCE MÍNIMO
111
e organismos nesta perspectiva de debate visto que, aproprian-
do-me da já citada expressão de Kujawuski, "estamos faltos de
rumos" em relação ao jugo do capitalismo globalizante, à pla-
netária deterioração ambiental, aos desequilíbrios de nossas
relações multilaterais - perpassando do âmbito comunitário ao
horizonte internacional - e, como enfatiza esse autor, "em nos-
sa vida mesma".
Só as tentativas históricas de levar desenvolvimento (de
fora para dentro) aos povos principalmente subdesenvolvidos,
umas bem intencionadas - mas limitadas a assistencialismo
econômico-social - e outras inclusive impregnadas de perver-
sidade colonizante, não têm dado certo até aqui, já o vimos em
análises anteriores. Por que, então, não sensibilizar, mobilizar e
organizar as bases comunitárias desses mesmos povos visando
a que o desenvolvimento, emergindo a partir também delas
mesmas, comece a se fertilizar, no entrecruzamento com ma-
croestratégias confluentes de fora para dentro, e gerar mais ser,
mais ter, assim como, e sobretudo, mais bem-estar por conquis-
tas cooperativo-coparticipativas de todos?
112
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
113
Globo, 1965. (Anuário da Sociedade Nacional para o Estudo da
Educação).
BOYER, Carolo (S. J). Cursus philosophiae - ad usum
seminariorum. Brugis (Belgii): Desclée De Brouwer et Soe.,
1949, p. 61-163.
114
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito
antropológico. 15. ed., Rio de Janeiro: Zahar, 2002.
115