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entrevista Alexander Wilhelm Armin Kellner

Nas asas do
passado
Paleontólogo fala dos primeiros répteis voadores,
os pterossauros, dos estudos com os chineses
e das dificuldades da pesquisa em sua área

Marcos Pivetta  |  retrato  Léo Ramos

A
s primeiras pedras no cami- de grande porte, cujas asas abertas po-
nho do geólogo e paleontólo- diam atingir uma envergadura superior
go Alexander Wilhelm Armin a 10 metros. Foram os senhores dos ares
Kellner, 53 anos, foram as por mais de 160 milhões de anos.
preciosas. Seu pai teve um comércio de Professor do Museu Nacional da Uni-
joias no Rio de Janeiro nos anos 1970. versidade Federal do Rio de Janeiro idade 53 anos
Com 12 anos, esse filho de imigrantes (UFRJ), Kellner publicou mais de 200
especialidade
do pós-guerra, de pai alemão e de mãe artigos em revistas científicas. Descreveu
Paleontologia
austríaca, nascido prematuramente quase 60 novas espécies de vertebrados.
no diminuto principado europeu de “Mas tem um pouco de tudo aí, dinos- formação
Liechtenstein, servia café e varria o sauros e crocodilianos, entre outros. De Graduação e mestrado
chão na loja da família. Desde então, ro- pterossauro, descrevi 29 espécies”, diz em Geologia na
chas de outra natureza, restos de verte- o paleontólogo, que também é pesqui- UFRJ e doutorado na
brados preservados na forma de fósseis, sador associado do Museu Americano Universidade Colúmbia
pavimentam sua vida profissional. de História Natural (AMNH) e do Ins- em parceria com
Brasileiro naturalizado desde 1997, tituto de Paleontologia de Vertebrados o Museu Americano
Alex Kellner, como é mais conhecido, é e Paleoantropologia (IVPP) de Pequim. de História Natural
um dos maiores especialistas do mun- Entre abril de 2014 e janeiro deste ano,
instituição
do em pterossauros – um raro grupo de o museu nova-iorquino abrigou uma ex-
Museu Nacional/UFRJ
répteis voadores que, como os dinossau- posição desses répteis alados, cuja cura-
ros, surgiu no final do período Triássico, doria foi partilhada por Kellner e um produção
por volta de 230 milhões de anos atrás, colega norte-americano, Mark Norell. científica
e extinguiu-se misteriosamente nos es- Com ricos depósitos de fósseis do Cre- Mais de 200 artigos
tertores do Cretáceo, 66 milhões de anos táceo com idade entre 115 milhões e 110 científicos e quase 60
atrás. Embora tenha havido exemplares milhões de anos, a bacia do Araripe, que espécies de vertebrados
do tamanho de um pardal, os pterossau- abrange parte dos estados do Ceará, Piauí descobertas, das quais
ros, primeiros vertebrados a alçar voo, e Pernambuco, é um dos lugares que mais 29 de pterossauros
são popularmente associados a animais forneceram vestígios de pterossauros para

24 | junho DE 2015
Nascido por acaso
no principado de
Liechtenstein, filho de pai
alemão e de mãe austríaca,
Kellner naturalizou-se
brasileiro em 1997.
A bacia do Araripe,
no Nordeste, e mais
recentemente
a China forneceram
muitos exemplares
de pterossauros
para seus estudos

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Kellner. Nos últimos anos, a China tornou- ele dizia. Servi cafezinho, limpei vidro Foi fácil entrar na Geologia da UFRJ?

fotos  arquivo pessoal


-se outra fonte importante de material e varri o chão. Foi ótimo. Essa foi minha Era preciso fazer 5.534 pontos no ves-
para seus estudos. “Os chineses decidi- formação desde o começo. tibular para entrar. E foi o que eu fiz.
ram investir em paleontologia. Agora não Fiquei com a última das 40 vagas. A geo-
deixam sair nenhum fóssil de lá”, afirma. A paixão pela paleontologia surgiu des- logia era concorridíssima. Ainda na gra-
“Deveríamos fazer o mesmo.” Nesta en- de criança? duação comecei a trabalhar com o paleon-
trevista, Kellner conta um pouco de sua Quis ser tudo: astronauta, diplomata e tólogo Diogenes de Almeida Campos,
história familiar e fala dos percursos, por pensei em fazer administração para cui- que estava no Departamento Nacional de
vezes tortuosos, de sua pesquisa. dar das empresas de meu pai. Mas o que Produção Mineral (DNPM) [ver entre-
aconteceu nesse ínterim? Eu jogava fu- vista com Almeida Campos em Pesquisa
Como você veio parar no Brasil? tebol, era goleiro e o time da escola teve FAPESP nº 108]. Essa parceria dura até
Meu pai era alemão e nasceu em 1926. uma oportunidade maravilhosa: jogar hoje. Consegui depois uma bolsa de ini-
Onde ele estava por volta de 1945? Sabe contra um time da base do Flamengo. ciação científica. Saí de casa e fui morar
aqueles garotos do filme A queda, sobre Sou Fluminense, mas, para nós, era uma com um amigo. Ora dependia da bolsa,
o Hitler, que ficavam em Berlim total- honra. Só que queríamos ganhar e cha- ora do trabalho com meu pai. Terminei
mente sem noção? Consigo visualizar mamos alguns alunos mais velhos, que a graduação e foi uma época complicada
meu pai como um deles. Ele se deu mal tinham acabado de passar no vestibular, na UFRJ. Um professor reprovou a tur-
na guerra, perdeu toda a família, che- para reforçar nosso time. Empatamos em ma toda no último ano e entramos com
gou a ser preso pelos russos, mas fugiu 2 a 2. Fui destaque do jogo e até peguei um processo contra ele. Eu e outros ter-
e depois foi capturado pelos minamos o curso, mas alguns
americanos. Foi liberado por não conseguiram passar. Fi-
um oficial judeu, porque era quei chateado com aquilo
um pobre coitado. Meu pai tudo e queria me afastar da
começou então a trabalhar academia. Trabalhava com
com compra e venda de ter- meu pai, ganhava um bom
renos e ficava entre a Áustria dinheiro e pensava em seguir
e a Suíça. Ele veio ao Brasil minha vida. Mas, como gos-

Os pterossauros
na década de 1960 com mi- tava de paleontologia, conti-
nha mãe, que era austríaca e nuei indo ao DNPM. Um dia,
faleceu no ano passado. Ela o Diogenes me perguntou se
me teve com 17 anos, quando
estava passando por acaso em
dominaram as áreas eu ia continuar fazendo pes-
quisa. Disse que sim e ele me

costeiras durante
Liechtenstein. Durante meus respondeu que então eu de-
quatro primeiros anos, fiquei veria fazer mestrado. No ano
com minha avó na Áustria até seguinte, entrei no mestrado
eles se estabelecerem aqui.
Em 1965, minha mãe me bus-
o Cretáceo e grande na UFRJ. Passei em primei-
ro lugar, consegui uma bolsa

parte do Jurássico
cou e, desde então, estou no e tive um desentendimento
Brasil. Naquela época, fala- com meu pai, mais um, aliás,
va-se do milagre de Brasília, porque ele não queria que
a capital do futuro. Quando eu me tornasse um paleon-
meu pai veio para cá, havia muita dis- pênalti. Tinha 15 ou 16 anos. Lembro que tólogo. Queria que eu tocasse as empre-
cussão sobre venda de terrenos. Ele veio, eram dois anos antes do vestibular. Houve sas dele. Aí tive uma oportunidade que
viu que não havia nada interessante nes- uma comemoração depois do jogo. Um mudou a minha vida. Foi em 1989, no
sa área, mas resolveu se estabelecer no dos meninos mais velhos me disse que encontro da Sociedade de Paleontologia
Brasil. Foi primeiro para Brasília, passou tinha acabado de passar em geologia. Eu de Vertebrados, em Austin, no Texas.
por Minas Gerais e depois pelo Rio, onde nem sabia o que era isso. Ele me disse que
achou um veio econômico interessante, era o estudo das rochas e perguntou o que O que ocorreu no encontro?
que é o das pedras preciosas. eu ia fazer. Primeiro disse administração A primeira coisa que percebi era que
e depois falei que queria mesmo estudar o encontro de paleontólogos especia-
Sua primeira língua então é o alemão? aqueles animais que ficam nas pedras, os listas em vertebrados fósseis de todo o
Cheguei aqui e só falava alemão. Estu- fósseis. Depois aprendi que o certo é di- mundo estava sendo realizado em um
dei numa escola alemã, a Corcovado, zer rocha. Falar pedra é heresia para um hotel cinco estrelas. No Brasil, fazía-
na época situada na Urca e hoje em Bo- geólogo. Então ele disse para mim: “Se mos eventos em locais pequenos, que,
tafogo, que é trilíngue. Lá aprende-se você quer paleontologia, tem de fazer em alguns casos, mal tinham banheiro.
português, alemão e inglês. Comecei na geologia”. Aí peguei o ônibus, fui para O primeiro trabalho que vi no encontro
loja de joias do meu pai com 12 anos. casa e disse para minha mãe que ia fazer foi de paleopatologia, estudo de doenças
Era do tipo linha-dura. Nada vem de geologia. Ela perguntou “geo o quê?”. Is- em fósseis. Estava no meio do mestrado
graça, tem que trabalhar pelas coisas, so para mostrar nosso grau de formação. e nunca tinha ouvido falar disso. Naque-

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a época de estudante. Enfim, para pendente. Enquanto os dinossauros do-
encurtar a história, acabei sendo minaram a terra firme, os pterossauros se
aceito pela Colúmbia e me mudei tornaram os senhores do céu. Há, no en-
para Nova York com mulher e dois tanto, paleontólogos que acreditam que
filhos pequenos. Fiquei lá de 1991 os pterossauros sejam mais próximos da
a 1996. Entrei no Museu Nacional linha evolutiva que originou os lagartos.
em 1997, quando voltei ao Brasil.
Os registros fósseis encontrados de di-
Como surgiu seu interesse pelos nossauros não são um pouco mais an-
pterossauros? tigos do que os de pterossauros?
Em boa parte porque adorava os Os dinossauros mais antigos passam dos
Herculoides, um desenho animado 230 milhões de anos enquanto os pteros-
criado nos Estados Unidos no fim sauros ficam na casa dos 215 milhões ou
dos anos 1960 que passou mais tar- 220 milhões de anos. Isso só tem a ver
de no Brasil. Tinha dragões e tudo com a questão da preservação dos fós-
aquilo ali me fascinava. seis. Em termos numéricos, há oito ou
nove vezes mais espécies conhecidas de
O paleontólogo em campo na China em 2005 Como você descreve um pteros- dinossauros do que de pterossauros. Em
sauro para um leigo? torno de 215 espécies de pterossauros
le evento havia uma sessão inteira de- De uma forma simplificada, são rép- foram descritas. Dessas, aproximada-
dicada ao assunto. Depois, apareceram teis com asas enormes e um corpo mui- mente 150 são consideradas hoje válidas
estudos de isótopos, cladismo, que é a to pequeno. As formas mais basais ti- pela ciência. Das 2 mil espécies descritas
relação filogenética entre os organismos. nham cauda longa e pescoço curto. As de dinossauros, pouco mais de mil são
Não sabia nada disso. Me lembro que, formas mais derivadas tinham cauda consideradas válidas, dependendo da
depois da quarta ou quinta apresenta- curta, pescoço comprido e cabeça ain- fonte usada como referência.
ção, saí do encontro determinado a virar da mais superdimensionada se compa-
pesquisador. rada ao corpo. Em termos evolutivos é Por que um pterossauro não pode ser
bom frisar que os pterossauros não são considerado uma ave?
Como você acabou fazendo doutorado aves ou dinossauros. Apesar de ainda Há três grupos que desenvolveram o voo
na Universidade Colúmbia em um pro- existir discussão onde exatamente esses ativo: as aves, os morcegos e os pteros-
grama associado com o AMNH? animais alados estão posicionados na sauros. O resto plana. A história evolu-
Durante meu mestrado fui para a Europa e cadeia evolutiva dos répteis, a maioria tiva de cada grupo é diferente. Sabemos
vi várias coleções, inclusive na Alemanha, dos autores, inclusive eu, defende que que um pterosssauro não é uma ave pela
no Instituto para Paleontologia e Geolo- os pterossauros são parentes próximos anatomia, estudando os ossos. Os pteros-
gia da Baviera. Havia ali um pesquisador dos dinossauros. São um grupo irmão sauros têm o quarto dígito, o dedo anular,
chamado Peter Wellnhofer, que tinha vá- dos dinossauros. Isto significa dizer que alongado, que sustentava uma membrana
rios trabalhos publicados, e fui falar com os dois grupos derivam de um ancestral alar. Essa constituição é bem distinta da
ele. Wellnhofer me levou a um armário recente comum e depois cada um seguiu dos morcegos, que possuem quatro dígi-
na sala dele, abriu uma gaveta e mostrou o seu caminho evolutivo de forma inde- tos envolvidos na asa, e das aves, que têm
uma asa completa de pterossauro. Abriu penas e os ossos do antebraço proporcio-
outra gaveta e havia um crânio comple- Kellner com os filhos em Washington em 1993: nalmente mais desenvolvidos.
to, cheio de outros ossinhos. Tudo fóssil doutorado no Museu Americano de História Natural
do Brasil, que eu vi por alguns segundos. É possível ter uma ideia de como deve
Ele disse que estava terminando um tra- ter sido a convivência entre os pteros-
balho e achava que o AMNH devia ter sauros e os dinossauros?
mais material. Sugeriu que eu falasse com Há registros de pterossauros que fo-
John Maisey, atualmente curador da se- ram predados por dinossauros. Já foi
ção de paleontologia do museu em Nova encontrado, por exemplo, um dente de
York. Voltei para o Brasil frustrado. Es- espinossauro, um dinossauro carnívoro,
tava trabalhando aqui com um monte de dentro de uma sequência de vértebras
caco quebrado de pterossauro e eles com de pterossauro. Grosso modo, podemos
o bicho completo na Alemanha. Resolvi dizer que eles viveram juntos, mas, com
escrever uma carta para o Maisey. Disse exceção dos dinossauros avianos, dos
que fazia mestrado sobre pterossauros e quais derivam as aves, habitavam am-
perguntei se ele tinha material que eu pu- bientes separados. Todos os registros de
desse estudar. Mandei a carta, sem espe- pterossauros indicam que eles voavam.
rança de resposta. Mas o Maisey disse que Por isso, eles podiam fugir dos dinos-
conhecia meu trabalho – nem sei de onde, sauros de terra. Apenas os dinossauros
se bem que eu publicava bastante desde avianos competiam com os pterossauros.

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Resgatamos essa história e, por meio de

arquivo pessoal
uma espécie da China, o Jeholopterus
ningchengensis, mostramos que os pte-
rossauros tinham pelo. Isso foi em um
trabalho de 2009. Denominamos esses
filamentos densos de picno-fibras. Outro
trabalho importante foi um que publiquei
na Nature em 1999. Mostrei que tínhamos
encontrado tecidos moles fossilizados, fi-
bras musculares e vasos sanguíneos, em
um dinossauro de 110 milhões de anos,
que, em seguida, denominei de Santa-
naraptor placidus. Aliás, meu sonho se-
Com sua equipe na bacia do Araripe em 2011: região rica em fósseis do período Cretáceo ria encontrar alguém no Brasil da área
de biologia molecular para desenvolver
Por que a bacia do Araripe preservou Greensand, na Inglaterra; o Araripe, no um trabalho com biomoléculas em teci-
tantos fósseis de vertebrados? Nordeste; e a formação Niobrara, nos dos moles. Tenho material maravilhoso,
O Araripe é uma região maravilhosa em Estados Unidos. Esses depósitos repre- mas não posso mudar o foco das minhas
termos de preservação de fósseis do Cre- sentam áreas que, no passado, estavam pesquisas.
táceo. Gosto de dizer que é assim porque próximas do mar. Comparando o conte-
Deus é brasileiro. Mas brincadeiras à údo fossilífero, existe uma quantidade Nas últimas décadas, a China ganhou
parte, até porque sou agnóstico, a rique- muito maior de pterossauros do que de espaço na paleontologia mundial. Isso
za fossilífera da região tem explicação aves. Uma vez que ambos possuem ossos se deve a uma concentração maior de
científica. O Araripe era um fundo de frágeis, não se trata de algum fenômeno fósseis de dinossauros e também de pte-
lago gigantesco, só que anóxico, sem que possa ser explicado pela preserva- rossauros em seu território?
oxigênio, onde tudo que caía ali dentro ção. Então posso dizer que, durante o Não. Há pterossauro em todos os conti-
não era destruído nem decomposto. Essa Cretáceo e grande parte do Jurássico, nentes, provavelmente até na Antártida.
característica preservou os fósseis, com as áreas costeiras eram dominadas pelos O problema é que cerca de 50% de to-
um adicional: ali houve formação de nó- pterossauros, amplamente predominan- da a sua diversidade e mais de 90% de
dulos de calcário, envolvendo os restos tes em relação às aves. Na parte interna seus exemplares vêm das quatro regiões
orgânicos, que funcionaram como uma dos continentes, não sabemos quem era que citei, mais os depósitos fósseis das
jaqueta, protegendo os ossos da com- dominante. Não temos dados suficien- formações Yixian e Jiufotang, da China,
pressão resultante do peso das camadas tes. Talvez a China seja o único lugar do descobertos recentemente. Nesse quebra-
sedimentares. Os melhores fósseis pre- mundo onde se possa equacionar essa -cabeça, há algumas peças que tentamos
servados hoje em dia, com exceção dos questão da competição das aves e dos juntar, mas não sabemos se elas estão bem
encontrados em âmbar, são os achados pterossauros fora das regiões costeiras. dispostas. A informação é difusa e toda
em nódulos calcários. Alguns pterossau- Eles têm depósitos fósseis em áreas de vez que encontramos um novo depósi-
ros do Araripe são muito particulares. sua antiga parte continental. to as coisas mudam. Foi o que ocorreu
Há os da subfamília dos Thalassodromi- com a China. Sabe quando foi descrito o
nae, que têm cristas enormes, e foram É possível dizer que, apesar de répteis, primeiro pterossauro desses depósitos
achados apenas no Brasil. Tem também alguns pterossauros conseguiam con- chineses? Em 1997.
os Tapejarinae, com cristas menores, trolar a temperatura corporal?
que primeiro foram encontrados aqui e Fiz um estudo de fisiologia, em colabora- Você tem feito muitos trabalhos com os
só depois na China e em outros lugares. ção com o Diogenes, publicado na Scien- chineses. Como é essa parceria?
Sem contar os Anhangueridae, que, com ce em 2002, que aborda essa questão. É algo de que me orgulho. Este é o 12º
os seus dentes bem desenvolvidos, foram Mostrei que um pterossauro com uma ano em seguida que vou para a China e
primeiramente registrados no Brasil e grande crista apresentava impressões, in- já publiquei mais de uma dúzia de traba-
depois em outras partes do mundo. terpretadas como vasos sanguíneos, que lhos com eles. Pelo menos 50% da minha
indicavam alguma forma de regulação pesquisa é hoje em dia financiada pelos
Com quase 30 espécies descritas de pte- térmica. Esse réptil tinha um metabolis- chineses. Eles têm depósitos ricos em
rossauros, quais são as suas principais mo mais próximo da homeotermia. Ou- fósseis e têm investimento. No Brasil
contribuições para o entendimento des- tra contribuição interessante, que tange também temos os depósitos, mas não há
ses répteis alados? essa questão, foi realizada com os colegas recursos. Meus colegas de lá trabalham
Tenho uma teoria proposta em 1994 que chineses. Trata-se de uma reavaliação com US$ 1 milhão para desenvolver suas
fala da competição entre aves e pteros- da presença de pelos nos pterossauros. pesquisas. Você sabe quando vou ganhar
sauros. Fiz uma análise global e vi que Um paleontólogo havia achado um ma- esse dinheiro para estudar fóssil no nos-
há uma concentração absurda de pteros- terial que parecia ser pelo de pterossauro so país? Nunca ganhei nem 10% disso. O
sauros em quatro depósitos fósseis: Sol- em um fóssil do Cazaquistão. Mas todo Estado chinês diz que a paleontologia é
nhofen, no sul da Alemanha; Cambridge mundo disse que não se tratava disso. importante e investe.

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Por que acham importante fomentar a to, vários fósseis importantíssimos vão de profissão. Nunca é demais relembrar
paleontologia? ser encontrados na Bahia. Claro que, se que uma boa coleção de fósseis traz bons
Eles são interessados em desenvolver a ci- eu soubesse exatamente onde, já estava pesquisadores, que fazem bons trabalhos
ência básica em todas as áreas. Isso inclui lá. Existe a necessidade de fazer buscas e conseguem mais verbas. Para fazer o
a paleontologia. Publicam muitos papers sistemáticas nos diversos depósitos do quê? Coletar mais e, com isso, contribuir
na Science e na Nature sobre diferentes Cretáceo daquele estado que reúne to- para o conhecimento da evolução da vi-
tipos de fósseis, e não apenas de dinos- das as condições para encontrarmos coi- da em nosso planeta! Uma boa coleção
sauros, e usam a divulgação científica para sas interessantes. Mas tem que investir. é a base de tudo. Outro ponto negati-
atrair jovens aos seus museus de história Com frequência, ouço pesquisadores es- vo que temos no nosso país é a situação
natural. A ciência brasileira um dia ten- trangeiros dizerem que não exploramos dos nossos museus de história natural.
tou concorrer em pé de igualdade com a nossos depósitos fossilíferos e, por isso, Além de poucos, a maioria se encontra
China. Mas não damos nem para o come- o Brasil não pode reclamar da saída de em situação difícil, com exposições anti-
ço. O Brasil agora vai perder da Índia. Na exemplares para o exterior. quadas, sem atrativos. No início do ano,
paleontologia ainda não perde, mas, em por exemplo, o Museu Nacional, o mais
breve, vai perder se não houver mudanças. Hoje o contrabando de fósseis é um pro- antigo do Brasil, fechou por um tempo
blema de qual tamanho no Brasil? por falta de pagamento dos serviços de
Qual é a situação da paleontologia Entre as décadas de 1960 e 1980, os fós- limpeza e segurança.
brasileira? seis brasileiros estavam perambulando
É horrorosa. A maioria dos meus cole- por aí. Podiam ser adquiridos por qual- Você foi preso pela Polícia Federal em
gas entende a minha posição, 2012 no aeroporto de Juazei-
mas não gosta que eu diga is- ro do Norte (CE) sob acusa-
so. Nossa produção científi- ção de transporte ilegal de
ca é fraquíssima comparada fósseis e passou uma noite
ao nosso potencial. Muitos na cadeia. Poderia falar so-
países estão passando o Bra- bre esse episódio?
sil. Há ilhas de exceção, co- Essa história tem um pou-
mo ocorre em outras áreas co de tudo. Tem coisas que
eu não me importo que pu-
A produção científica
da ciência brasileira. Mas,
no geral, a paleontologia do bliquem. Mas outras prefiro
Brasil está muito aquém do não divulgar. Estou proces-
que um país com tantos de-
pósitos extremamente ricos
da paleontologia no sando o DNPM, justamente
o lugar em que comecei a tra-
balhar, por causa da prisão,
Brasil é fraquíssima
em fósseis pode oferecer à
ciência mundial. E não é por- e pedindo uma indenização
que eu e meus colegas não de R$ 1 milhão. Um colega
queremos trabalhar. Perde-
mos, por exemplo, de 10 a
comparada ao nosso francês, que estava comigo
e também foi preso, está fa-
zendo o mesmo. Posso dizer
potencial fossilífero
1 da Argentina. Com toda a
crise, eles continuam inves- que estimulei um projeto de
tindo na área. Claro que os pesquisa de um grupo local
argentinos têm coisas que os de pesquisadores do Ceará a
favorecem, como as áreas desérticas com quer um em praças e aeroportos. Hoje coletar material no Araripe e que houve
fósseis e uma maior tradição na área. isso mudou, inclusive pelo trabalho que uma disputa com o DNPM local. Fomos
Mas nada serve de desculpa para o Brasil diversos pesquisadores da geração pas- presos no aeroporto com fósseis de pei-
estar em uma posição tão fraca. sada e da minha fizeram de conscienti- xes que estávamos levando para o Rio
zação do valor científico desse material. de Janeiro. Estava tudo dentro da lega-
Qual é o objetivo do movimento SOS di- Alguns países da Europa permitem a lidade, como sempre fiz. Levei fósseis do
nossauros que você lançou em janeiro? venda de fóssil. Aqui não. Mas o con- Araripe para o Rio durante toda a minha
Queremos mais verbas para a paleonto- trabando ainda é um problema grave. vida. Devo muito ao Araripe. Não teria
logia nacional. Queremos que as agências Coibir a venda é positivo, mas é preciso estudado na Universidade Colúmbia se
de fomento criem uma área específica haver incentivo para que os pesquisa- não fosse o meu orientador e a possibili-
para a paleontologia. Hoje não somos dores possam coletar exemplares. Na dade de fazer pesquisa com material do
ouvidos. Estão matando uma geração China, as pessoas coletam e repassam os Nordeste. Achei que era justo, e bom pa-
de novos pesquisadores. Somos vistos fósseis para as instituições. O Brasil não ra o desenvolvimento da pesquisa local,
como uma especialidade dentro da geo- faz o dever de casa. Os chineses tinham que houvesse um grupo local que fizesse
logia, da zoologia ou até da botânica em o mesmo problema que nós. Investiram coletas nesses depósitos. Mais recente-
comissões que julgam projetos geral- em paleontologia e hoje não se pode tirar mente, tentaram fazer um acordo para
mente sem contar com paleontólogos. fóssil de lá sem ter problemas com as au- eu retirar o processo. Mas agora vou até
Pode escrever aí: se houver investimen- toridades ou ser mal visto pelos colegas o fim e isso está nas mãos da Justiça. n

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