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Na escuridão absoluta as passadas de um assassino

podem ressoar como batidas da hora final


LOU CARRIGAN

BRIGITTE MONTFORT

SUSPENSE
PARTE I
CAPÍTULO PRIMEIRO
Três homens maus
Os marcianos atemorizados
Drágeas Anti-A
Missão em Miami

Brigitte Montfort, a universalmente famosa agente


“Baby” da CIA, dobrou a esquina a toda a pressa, correndo
com firme agilidade sobre seus sapatos de salto altíssimo,
de acordo com o precioso modelo Givenchy, de noite, que
vestia seu corpo admirável. A escuridão era quase absoluta.
Só as luzes mortiças de alguns velhos lampiões de parede
permitiam ver o contorno das coisas.
E no grande silêncio, as pisadas do homem ressoavam
atrás dela, a maior velocidade. Era inevitável que a
alcançasse. Um homem alto, forte, de ombros largos,
armado com uma grande faca que ocasionalmente lançava
frios reflexos assassinos.
Sem interromper a carreira, ela voltou o rosto. O homem
vinha a menos de dez passos, e esta distância diminuía
paulatinamente, enquanto aumentava o seco ruído de suas
pisadas sobre as pedras da calçada e já alcançavam Brigitte
os arquejos que marcavam o ritmo acelerado de sua
respiração. Completamente desarmada, ela dispunha apenas
de um recurso para escapar: à sua esquerda, viam-se as
negras águas que se estendiam rente ao cais. Sobre as águas,
uma diminuta mancha branca destacava-se na obscuridade.
A salvação de “Baby” Mo ntfort. Se conseguisse chegar
à lancha, tudo acabaria bem. Mas para isto teria que correr
ainda cinqüenta metros, sem que o homem a alcançasse e
sem que arremessasse a faca contra suas costas. Mais ainda:
se quisesse chegar à lancha, teria de desfazer-se daquele
Inimigo, já que, embora conseguindo correr o suficiente
para manter a distância, devia ter em conta a possibilidade
de que, após lançar-se à água, ele o fizesse também. Ou
então, que esperasse para sair à superfície, após o mergulho
inicial, para então lançar-fie a faca.
Qualquer das duas coisas poderia resultar fatal. Se a faca
se cravasse em suas costas, ela evidentemente submergiria e
morreria sem nenhuma dúvida, quer por efeito direto da
ferida, quer por afogamento. E se o homem saltasse atrás
dela a alcançaria, pois estava claro que era um consumado
desportista, um atleta completo. Ela seria alcançada antes de
chegar à lancha.
Desviou-se velozmente para a esquerda, aproximando-se
da beira do cais. Então, o homem lançou um grito, em
francês. Um chamado, um aviso.
E outros dois homens surgiram em cena, à frente dela,
junto das casas escuras, sinistras. Correram para a beira do
cais com a claríssima e lógica intenção de cortar-lhe o
passo, impedindo-a de jogar-se à água tenebrosa e alcançar
a nado a pequena lancha.
Enquanto isso, o homem armado de faca estava cada vez
mais perto. Seis passos... Cinco... Quatro... Três...
“Baby” deteve-se de chofre, então, após voltar a cabeça.
O homem fez um gesto de surpresa e pareceu querer parar
também ele. Mas sua perseguida não se detivera
simplesmente: arremetia contra ele, como se aquilo fosse
um filme que agora estivesse sendo passado em sentido
contrário.
O encontrão entre ambos parecia inevitável, sempre com
grande desvantagem para Brigitte.
Entretanto, tudo ocorreu contrariamente à lógica mais
estrita e elementar.
Não só deixou de acontecer o esbarro, como o homem
encontrou auxilio para deter-se. Um auxílio que lhe
concedeu a espiã internacional sob a forma de um
violentíssimo pontapé na virilha. O homem lançou um grito
de dor e deu um salto para frente, soltando a faca. Caiu
rolando pelas pedras do calçamento, com ambas as mãos no
ventre. Pôs-se quase imediatamente de joelhos, erguendo a
cabeça para sua intempestiva agressora.
E novamente Brigitte o ajudou, golpeando-a com a ponta
do sapato no queixo. Ele curvou-se para frente, foi de
encontro às lajes úmidas, pôs-se de pé e estendeu os braços
à sua frente, mãos espalmadas, na posição de defesa do
caratê. Só que então a direita de sua linda adversária já o
golpeava no ventre, fazendo-o dobrar-se e mostrar a nuca.
O golpe desferido contra esta foi seco, duro, rapidíssimo.
Foi um estalido no silêncio do solitário cais, O homem caiu
de bruços no chão.
Os outros dois acorreram, cada um armado com uma
navalha enorme, do tipo usado pelos embarcadiços. O que
vinha à frente gritou em francês para seu companheiro que
rodeasse Brigitte para atacá-la pela retaguarda, enquanto ele
a enfrentaria diretamente.
Ao que parecia, ambos ignoravam que “Baby” era mais
exímia no francês que no italiano, o russo, o alemão ou o
espanhol.
Mas Brigitte demonstrou seus conhecimentos
lingüísticos pelo simples processo de voltar-se para o que
pretendia rodeá-la. E enquanto se voltava, inclinada,
apanhava no chão a faca do inimigo que a estivera
perseguindo, lançando-a com torça contra o homem.
O aço despediu um breve relâmpago e seguiu em linha
reta para o peito do homem, contra à qual chocou-se. Ele
emitiu um grito, segurou o cabo da faca com ambas as mãos
e veio abaixo.
O outro se deteve a menos de seis passos, levou o braço
atrás e arremessou a navalha. Esta zumbiu no ar e brilhou
friamente um momento no seu trajeto mortal em direção a
Brigitte, que se deixou cair de joelhos. A navalha passou
por cima de sua cabeça, bateu na parede e pareceu dobrar-
se, caindo de um modo estranho no chio.
Tudo isto enquanto “Baby”, apoiando-se nas pontas dos
pés, saltava sobre o homem, agarrava-o pela cintura,
crispava a mão direita em seu pulso esquerdo e retesava os
braços, encerrando entre eles, em chave fulminante, seu
terceiro inimigo, que lançou um grito e ergueu as mãos,
disposto a golpeá-la com as duas juntas no alto do crânio.
Mas, indiscutivelmente, Brigitte Montfort continuava
sendo uma espiã de ação fora de série. Enquanto o homem
erguia as mãos, ela soltou-lhe a cintura e desferiu um soco
contra sua garganta. Ele pareceu asfixiar-se, levou
rapidamente as mãos ao pescoço e recebeu então um golpe
de caratê do lado direito da cara, sobre a orelha, caindo no
chão como se atingido por um raio.
Atrás de Brigitte, por várias ruelas que davam para o
cais, apareceram lanternas, ouviram-se vozes e passos
precipitados.
Ela correu até a beirada do cais e, sem hesitar, lançou-se
à água negra. Foi um salto longo, pouco profundo, no qual
ela aproveitou ao máximo a força do impulso. Enquanto no
cais aumentavam as vozes e apareciam mais luzes, ela
nadou para a branca lancha em braçadas rápidas e curtas, de
alto rendimento. Alguns segundos mais tarde suas mãos
crispavam-se na borda. Flexionou agilmente os braços e
encontrou-se dentro da lancha.
Em terra, as luzes das lanternas pareciam desorientadas e
vozes cheias de excitação eram ouvidas.
— Voilá! — gritou alguém. — Dans le bateau!
Havia três homens na lancha, mas “Baby” não fez o
menor caso deles. Correu até os comandos e, agachada, pos
a embarcação em marcha, dirigindo-a, para a saída do
ancoradouro, para a qual apontavam já os fachos de luz de
todas as lanternas. Ouviram-se alguns abafados “plops”,
provenientes de armas disparadas com silenciador.
Mas já nada podia impedir a espiã internacional de
escapar na lancha, diretamente para a abertura do
desembarcadouro. E enquanto as luzes das lanternas iam
ficando para trás, Brigitte acionava o rádio da lancha.
— “Johnny”! — ofegou.
— Fale “Baby”, Estou ouvindo.
— Consegui afastar-me do cais. Tudo em ordem. Só
falta a sua parte.
— Lanço os sinais?
— Agora mesmo. Assinale o local exato. Não deve ficar
nem vestígio desse cais e dessa gente.
— Okay, “Baby”... Até logo. E parabéns.
— Obrigada, “Johnny”. Logo nos veremos.
Cortou a comunicação e voltou-se para os três homens
que estavam na lancha, olhando-a fixamente, atentos ao
menor detalhe. O cais já estava bem distante.
— E então, cavalheiros? — sorriu.
— Perfeito — disse um deles. — Tão perfeito como
sempre, “Baby”.
— Muito amáveis. Pode ser um cigarro?
Deram-lhe o cigarro. Um dos três homens passou a
dirigir a lancha, enquanto ela fumava com deleite, os
cabelos empapados de água emoldurando-lhe o rosto mais
lindo que nunca.
— Acho eu — disse um dos três homens — que certas
pessoas nem sequer precisam de treinamento. Sempre estão
em forma. É este o seu caso, “Baby”.
— Eu sei... — concordou ela. — De qualquer modo,
sempre convém um curso de atualização. Voltamos?
— Claro.
A lancha girou sobre si mesma, regressando ao cais.
Quando lá chegou, havia muitas luzes e muita gente
esperando-a. Os três atacantes de Brigitte, inclusive o que
fora atingido pela faca, ali estavam, rindo alegremente. O da
faca apertava a ponta da lâmina contra a palma da mão... e a
lâmina recuava para dentro do cabo.
— “Baby”! — gritou ele. — Saiu-se maravilhosamente
bem!
— Obrigada. Foi uma peleja emocionante, não?
Ouviram-se risos no cais. Várias mãos estenderam-se
para Brigitte, ajudando-a a sair da. lancha. O que estava
brincando com a faca aproximou-se dela e cravou-a em seu
ventre. “Baby” encolheu-se, lançando um gemido que fez
rir a todos. Depois, empunhando a faca, cometeu vários
“suicídios”, ante a hilaridade dos treinadores da CIA.
— Estas facas de faz-de-conta me encantam! —
exclamou. — Pena que não as usem os nossos perversos
inimigos.
Ouviram-se mais risos.
— Por que não tira a roupa molhada? — propôs alguém.
— É uma boa idéia — sorriu Brigitte.
E tirou a roupa, exceto as duas peças mais íntimas. Um
assobio unânime percorreu o cais, antes que um homem se
aproximasse de Brigitte com um roupão, que colocou sobre
seus ombros.
— Um chamado da Agência Central — disse ele. —
Você é esperada lá, “Baby”.
Subitamente, todos os rostos se tornaram sérios. Menos
o de Brigitte Montfort, que continuou fumando
tranqüilamente, sorrindo com aquela doçura que reservava
para seus companheiros de vida e morte: os agentes de ação
da CIA.
— Bem, meus amigos. Parece que o meu treinamento já
durou bastante... Até daqui a seis meses.
***
Do campo especial de treinamento, o helicóptero negro
levou-a diretamente a Langley, à Agência Central da CIA. E
uma vez no enorme edifício, um homem colocou-se a seu
lado, em silêncio, e acompanhou-a pelos corredores cheios
de portas, letreiros, luzes vermelhas.
Por fim, Brigitte entrou no escritório de seu chefe direto,
Mr. Cavanagh. O homem que a acompanhava ficou de fora,
fechando a porta.
— Olá! — saudou, sorrindo. — Como esta o querido,
chefe?
— Bem-vinda — quase grunhiu Mr. Cavanagh.
— Não quer sentar-se?
— Se quero! Ainda estou cansada do último entrevero.
Sentou-se, olhando sempre para Mr. Cavanagh, que se
esforçava por conservar um sorriso amável.
— Mmmm... Consta-me que você cumpriu um excelente
período de treinamento em nosso campo de atualização para
agentes...
— Como sempre — sorriu Brigitte.
— Sim, claro.
— Só que, esta vez, a ordem era caçar-me a todo custo.
Em dado momento, pareceu-me enfrentar, na realidade, três
homens absolutamente resolvidos a matar-me.
— Mas saiu-se bem de tudo, conseguindo chegar à
lancha e comunicar-se com seu companheiro de missão pelo
rádio. Foi um simulacro perfeito, “Baby”. Fico muito
satisfeito em saber que continua na mesma boa forma de
sempre.
Brigitte acendeu um cigarro, sem deixar de olhar
ironicamente para seu chefe direto na CIA.
— Este período de treinamento durou uma semana
menos que o normal, Mr. Cavanagh. Por quê? Os cursos de
atualização devem prolongar-se por quatro semanas e...
Precisamos de seus serviços.
— Ah! Sem simulacros?
— Sem simulacros. Quando sair daqui, estará arriscando
a vida... para valer.
— Grande novidade! Mas o assunto deve ser importante
para justificar a interrupção do curso de treinamento
semestral.
— Queremos que se encarregue dele.
— Porquê?
— Mmmm... Parece-nos que uma mulher é o agente
mais indicado quando se trata de vigiar um homem.
— Entendo. Sobretudo se essa mulher for propensa aos
contatos... pessoais, não é verdade?
— Bem, não seria demais que entrasse em intimidade
com o nosso homem. O assunto é muito sério, “Baby”. Em
principio, deverá simplesmente vigiá-lo. Mas sabemos que
você fará muito mais que isso. Seu modo de... convencer os
homens é infalível.
Brigitte franziu a, testa.
— Até onde passo chegar?
— Isso você mesma decidirá. Bem entendido, queremos
saber o máximo do assunto. E assim sendo, sua... tolerância
feminina não deverá ter limites.
— Entendo.
— Lamento que as ordens sejam essas.
— Não tem importância — declarou ela. — Quem é o
homem?
— Chama-se Masao Yoshimura, japonês, naturalmente.
— Naturalmente. Puxa! Devo ir ao Japão?
— Masao Yoshimura está agora em Miami, esperando
uma resposta do Departamento de Guerra, o qual, por sua
vez, espera uma decisão do Senado.
— Uma decisão do...?
— Do Senado. Bem, na realidade, todos estão à espera
das decisões de todos. O assunto é do tal envergadura que
mobilizou políticos e militares, economistas... A CIA, por
sua conta, decidiu tomar o cheiro do assunto.
— O que vale dizer que o FBI deve ter-se posto em
campo.
— É possível. E desta vez, bem que eu gostaria de uma
intromissão do FBI. Quanto mais gente a pensar e
investigar, melhor.
— Sabe-se quem terá mobilizado o Bureau neste
sentido?
— Não. Mas com toda a probabilidade foi Clarence
Hadaway1.
— Clarence! — exclamou Brigitte. — Então o caso é
muito importante. De que se trata?
— Bem... Suponho que lhe pareça um disparate tão
grande como nos pareceu a todos. Entretanto, partindo-se da
hipótese de que todas as coisas, antes de demonstradas,
podem ser tidas como disparates...
— Não sei se compreendo, Mr. Cavanagh.
— Refiro-me ao fato de que todos os descobrimentos do
homem foram combatidos, no princípio... Você sabe quem
foi Miguel Servet?
— Não foi um espanhol que descobriu a circulação do
sangue?
— Exatamente. Hoje, Isto é sabido por todo o mundo e
aceito com naturalidade. Entretanto, quando Servet o
afirmou, na Itália, foi queimado vivo como feiticeiro.
Brigitte assentiu com a cabeça, seriamente, muito atenta
à conversa.
— Descobriu alguma coisa esse homem chamado Masao
Yoshimura?
— Dele não. É somente um intermediário, que se dirigiu
ao Departamento de Guerra dos Estados Unidos para
oferecer um... uma... Não sei como chamar esse invento ou
descoberta.
— Diga-me para que serve, depois lhe daremos um
nome.

1
(UM EPISÓDIO EM CAPRI)
Mr. Cavanagh contraiu as sobrancelhas, apertou os
lábios, grunhiu alguma coisa, depois coçou o alto da cabeça.
— Tudo isto é absurdo! Não sei como puderam dar
atenção a esse homem...
— Mas se o ouviram, se o Senado está, deliberando a
respeito de sua oferta, nós devemos acompanhar o jogo.
Que foi que o senhor Yoshimura ofereceu?
— Mmmm... Umas... umas drágeas...
— Drágeas?
— Bem, umas pílulas, se você quiser... Mas o nome pelo
qual são referidas é “Drágeas Anti-A”.
— “Anti-A”?
— Suponho que você esteja ao corrente do... do
funcionamento geral das bombas atômicas.
— Eu também suponho.
— De qualquer modo, vou mostrar-lhe umas fotografias.
Todas elas foram obtidas em campos experimentais norte-
americanos, por ocasião de provas com bombas de várias
potências em megatons. Quer fazer o favor de olhar para a
parede?
Brigitte voltou-se para a parede indicada por Cavanagh,
muito intrigada. Ele retirara um pequeno projetor de uma
gaveta e, após apegar a luz do escritório, projetou sobre a
parede o diapositivo de uma explosão atômica.
— Veja isto... O clássico cogumelo. Produz-se a
explosão, parece que tudo se incendeia, surge a nuvem e,
pouco a pouco, vai aparecendo essa forma de cogumelo,
gigantesco, que é como... o foco da morte. Duvido que
alguma pessoa do mundo tenha deixado de ver uma foto
como esta. É universal. Às vezes, chego a, pensar que os
marcianos ainda não nos atacaram porque dispomos desta
espécie de arma.
Brigitte olhou sorridente para seu chefe.
— Boa piada!
— Veja agora estas outras fotografias... Poucas, pois não
precisamos de muitas para uma demonstração deste tipo.
Além do que, você sem dúvida conhece os eleitos da bomba
atômica.
— Não pessoalmente.
— Claro... E talvez nunca os conheça. Mas vejamos esta
outra foto do cogumelo atômico... Quer dizer, do centro
produtor da contaminação radioativa. Exato?,
— Sim, claro.
— Veja bem... Não importa quantos megatons tenha
uma bomba atômica. Suponhamos que seja pequena, bem
pequena. Mais que a potência da explosão propriamente
dita, são de temer as radiações, não é assim?
— Justamente.
— Quero dizer que se retirássemos de uma bomba
atômica o poder destruidor de suas radiações letais, ela
ficaria transformada num simples explosivo. Suponhamos
que uma bomba atômica sem radiações caia a sete ou oito
quilômetros deste escritório. Aqui não aconteceria nada. Os
afetados pela bomba seriam, simplesmente, os que
estivessem estado ao alcance de seu poder erplosivo.
Entretanto, se a mesma bomba lançasse suas radiações de
um modo normal, o raio de ação se estenderia por quase
cem quilômetros. Quer dizer que todas as pessoas situadas a
menos de cem quilômetros seriam afetadas pela explosão,
em termos de radioatividade. Entendido?
— Entendido.
— Mas se seu poder fosse exclusivamente explosivo,
sem radiação, sem contaminação da atmosfera,
envenenamento do sangue, chagas ou úlceras que podem
aparecer cinco ou dez anos mais tarde, ela só afetaria o
organismo humano de um modo direto e imediato, tal como
outra bomba não-atômica. Quem morresse, tanto pior. Mas
quem não morresse nada teria a temer no futuro a respeito
de contaminações, chagas, deformações ósseas... Tampouco
precisaria temer com respeito à saúde de seus descendentes
em gestação, por exemplo.
— Resumindo, amado chefe, o senhor está falando de
retirar o poder atômico de uma bomba atômica.
— Exatamente!
— Mas já existe essa classe de bombas, as chamadas
limpas. Não é certo?
— As bombas limpas, com efeito, têm escasso poder
radioativo. Por isso, é de supor que em caso de guerra não
seriam utilizadas pelos beligerantes, que prefeririam as de
maior potência, as mais devastadoras... Então, pergunto: se
as bombas atômicas que lançassem não tivessem efeitos
atômicos, mas os de um simples explosivo mais ou menos
potente... que aconteceria?
Brigitte permaneceu pensativa um instante. Por fim,
moveu negativamente a cabeça.
— Não sei... — admitiu. — Sei é que seria bom para a
humanidade que as bombas atômicas não tivessem efeitos
atômicos. Mas, está claro, isso é impossível.
— Pois ai está seu caso, “Baby”.
— Como?
— A drágea.
— A quê?
— A drágea que Masao Yoshimura nos ofereceu. Ele
garante, formalmente, que todas as pessoas, após ingerir sua
drágea, ficarão imunes aos efeitos radioativos das bombas
atômicas.
Brigitte esteve alguns segundos com a boca aberta, antes
de poder perguntar:
— É uma brincadeira, Mr. Cavanagh?
— O Senado não pensa assim. Estão... deliberando.
— Deliberando o quê? — indagou ela, espantada.
— Decidindo se deve ou não fazer caso da oferta de
Masao Yoshimura.
— Estarão todos doidos, por acaso? — exclamou
“Baby”, pondo-se de pé. — Não podem tomar em
consideração semelhante tolice! Uma... pílula que anula os
efeitos radioativos das bombas atômicas... Absurdo!
— Talvez seja isso mesmo. Mas suponhamos que sim...
Suponhamos que essas drágeas sejam eficientes e que quem
as tome fique imunizado contra a radioatividade. Acha que
poderão interessar aos Estados Unidos, “Baby”? Em vinte e
quatro horas, nossa produção industrial nos proporcionaria
duzentos e cinqüenta milhões de drágeas, com o que todo o
país poderia imunizar-se contra um possível ataque
atômico. Morreriam apenas os diretamente afetados pelas
explosões. Quer dizer que as bombas dos outros países
ficariam reduzidas a simples explosivos de maior ou menor
potência. Sem radioatividade, sem chagas, sem deformações
ou degenerações... E por outro lado, se adquirirmos a
fórmula dessa drágea, naturalmente não a comunicando a
ninguém, os demais países ficariam à mercê de nossas
bombas atômicas, sem defesa possível. Para eles,
continuariam sendo atômicas, com todos os seus efeitos... E
nessas condições, quem senão os Estados Unidos poderia
reger o mundo, governando-o em benefício da paz mundial?
Seríamos os amos, comandaríamos, disporíamos... Não
mais guerras, nem intrigas, nem discussões. Nossa voz seria
Lei sobre a face da Terra.
Brigitte deixou-se cair novamente na poltrona, aturdida,
olhos muito abertos e fixos em Cavanagh.
— Acho... que resolveu divertir-se à minha custa... —
murmurou.
— Porquê?
— O senhor não pode acreditar em tudo isso! Uma
drágea antiatômica! Pelo amor de Deus...
— Bem. Foi isso o que ofereceu Masao Yoshimura.
— Está doido!
— Não ele, neste caso, mas o descobridor da drágea.
— Mas será possível que nossos governantes tenham
levado a sério semelhante oferta?
— No princípio, a coisa provocou alguns comentários
zombeteiros no Capitólio. Mas alguém muito sisudo disse
que os Estados Unidos não perdiam nada escutando o
senhor Yoshimura. Pois se escutou... e está sendo estudada
sua oferta. E também seu pedido. Quer dizer, o pedido do
inventor da drágea antiatômica.
— Quem é esse... gênio? — indagou ironicamente
Brigitte.
— Masao Yoshimura não disse. Nem pensa revelar seu
nome.
— Ah... Quanta discrição e modéstia da parte de tão
insigne cientista! Descobre nada menos que uma drágea
antiatômica e não quer que o celebrem!
— Coisas de sábios! — sorriu Cavanagh.
— Sem dúvida. Bem... que pede o senhor Yoshimura em
troca da drágea, de sua fórmula? Cem milhões de dólares?
Um bilhão, dois...?
— Não pede nada.
— Nada! Então não há dúvida de que se trata de um
louco!
— Pede apenas uma bomba-A.
— Ah, apenas uma... Como? COMO?
— Pede uma bomba atômica ao Governo dos Estados
Unidos. Para que entregue a fórmula da drágea antiatômica
com garantia, parece que antes precisa experimentá-la. E
para tanto, e necessária uma bomba atômica, que será
lançada em determinado lugar, perto de uma ilha, na qual
haverá diversos animais. Se estes animais não forem
afetados pela radiação, quererá dizer que a drágea Anti-A é
um sucesso. E então nos será cedida, para que os Estados
Unidos dominem o mundo, impondo a paz e os bons
costumes. Seria como se em todo o Planeta houvesse apenas
um canhão... e nós o possuíssemos.
— O Senado está estudando a possibilidade de entregar
uma bomba atômica a Masao Yoshimura? — perguntou
“Baby”, incrédula.
— Está sendo considerada essa possibilidade.
— Não é possível... Não é possível que os homens que
governam este país sejam tão ineptos!
— Não se mostre tão intransigente, Brigitte.
— Intransigente! Ora, vamos: tudo isto é um problema
de fim de curso para aperfeiçoamento de espiões, não é
verdade?
— Não, o certo é que ninguém crê nessa drágea. Mas,
como não há razão para precipitações, estuda-se o assunto
sob o seguinte ponto de vista: que aconteceria se essa
drágea existisse e fosse propriedade da Rússia, ou da
China? Deve-se ter em conta que talvez estes países, ou
outros, não se negariam a escutar Masao Yoshimura, o qual,
conforme declara, preferiu os Estados Unidos. Mas claro
está que, se não aceitarmos, pedi, rã a bomba atômica .à
Rússia, ou a qualquer outro país... que talvez aceite.
— Nenhum país pode ser tão estúpido a ponto de
entregar uma bomba atômica ao primeiro japonês que lhe
ofereça... uma drágea! Estaremos todos loucos, por
desgraça?
— Todos estamos um pouco loucos — sorriu Cavanagh.
— Mas não tanto assim!
Mr. Cavanagh encolheu os ombros.
— Vá a Miami, trave conhecimento com Masao
Yoshimura, torne-se íntima dele se possível... e vejamos o
que consegue averiguar.
— Será um prazer! Sujeitinho sem-vergonha, cara-de-
pau...! Como pede que lhe entregue.. mos a bomba? A
domicilio?
— Ignoramos. Primeiro, o Departamento de Guerra deve
responder-lhe se aceitamos ou não o trato. Se aceitarmos,
ele dirá o modo de entregar-lhe a bomba atômica.
— E quando devemos dar a resposta ao senhor
Yoshimura?
— Dispomos ainda de alguns dias. Enquanto isso, você
está convidada a passar esses dias como uma rainha em
Miami. Suponho que desejará hospedar-se no mesmo hotel
em que ele está.
— Sem dúvida. Espero que tenha bom-gosto... Está
louco! Como é que alguém pode pedir uma bomba atômica
como se fosse... como se fosse um cigarro?
— Pois tal idéia ocorreu ao senhor Yoshimura. Tenho
aqui uma pasta com todos os dados que possuímos a seu
respeito, fotografias, todos os informes de que você possa
precisar. Como sei que tem boa memória, estou certo de que
poderá aprender tudo isto rapidamente e partir em busca
desse... vendedor de drágeas. Seja delicada e astuta com ele.
Brigitte Montfort sorriu angelicamente.
— Estou certa de que o senhor Yoshimura ficará muito
satisfeito por ter conhecido uma linda jovem de olhos azuis,
chamada... como terei que me chamar?
— Pode chamar-se Brigitte Montfort, simplesmente.
— Ótimo. Não me agradam os nomes falsos. Dão-me
uma impressão de falta de categoria... Posso ver uma foto
de Masao Yoshimura?
CAPÍTULO SEGUNDO
Posições estratégicas ao redor de uma piscina
Espionagem ao sol
“Saionara”

Um rosto muito notável, harmonioso, os olhos apenas


ligeiramente oblíquos, a testa ampla e lisa, dando uma
impressão de inteligência, os lábios finos, bem desenhados,
animados por um sorriso bondoso. Sem duvida de espécie
alguma, Yoshimura era um homem atraente, viril e ao
mesmo tempo suave, talvez por efeito de seu belo sorriso,
seu olhar amável, de expressão quase terna.
Os cabelos negríssimos, curtos, eram lisos, brilhantes.
Suas mãos eram delicadas, cheias de sensibilidade. Possuía
um corpo robusto, ombros largos, peito amplo, pescoço
musculoso. Era evidentemente um magnífico espécime de
japonês de pura raça, aquele que viera aos Estados Unidos
para pedir uma bomba atômica.
Estava no terraço do “Sandpiper Motel”, junto à piscina
de água salgada. Trajava short branco, camisa preta de
mangas curtas e sapatilhas de palha. Transpirava saúde e
simpatia. De fato, poucas pessoas poderiam ser tão
simpáticas.
Pelo menos, foi o que pareceu à agente “Baby”, que, por
entre as barras flexíveis da veneziana de seu apartamento no
motel, o estudava, aproximando sua imagem por meio de
um pequeno binóculo.
A famosíssima espiã internacional estava já de volta a
todo o sujo mundo da intriga e da contravenção, mas, ao ver
pessoalmente Masao Yoshimura, apanhando placidamente o
sol no terraço do “Sandpiper”, reconheceu que esta era a
palavra para defini-lo: simpatia. Embora soubesse por sua
longa e variada experiência do mundo da espionagem que
bem poderia tratar-se de um simples ardil. Ela mesma, por
exemplo, era capaz de sorrir docemente... enquanto cravava
uma faca nas costas do inimigo a quem estava abraçando
com amor.
Por que seria Masao Yoshimura melhor do que ela?
Entretanto, a expressão extremamente simpática do
japonês parecia natural. Baixou o binóculo e deixou-o cair
dentro de sua bolsa de praia. Tinha as sobrancelhas
contraídas. Claro, não se deixaria enganar quanto às
possibilidades perversas de Masao Yoshimura, mas a
conclusão a que tinha chegado após observá-lo durante
meia hora era que ele merecia uma atenção mais profunda,
antes de ser considerado um inimigo.
Tendo ainda as sobrancelhas contraídas, tornou a sacar o
binóculo. Mas agora não olhou para Yoshimura e sim ao
redor deste. Havia muita gente no terraço, tomando o sol de
agosto, ardente e úmido. Moças de biquíni, rapazes
atléticos, crianças.
Era notável o fato de que ele tivesse escolhido para
hospedar-se um lugar onde havia tantas crianças. Um lugar
bucólico, amável e pacífico. E em sua pequena piscina
redonda, anexa à grande, a criançada divertia-se
rumorosamente, enchendo todo o ambiente com suas vozes
cristalinas.
Bem... Às vezes, os espiões escolhem os mais insólitos
lugares para suas atividades. Mas não cabia dúvida de que
Masao Yoshimura sentia-se muito a gosto naquele motel
risonho e acolhedor. Olhava para as crianças, sorria o tempo
todo. Por um momento, Brigitte teve a Impressão de que ele
também fosse um menino, completamente destituído de
maldade.
— Tolice — disse para si mesma. — Pura tolice. Esse
homem está preparando alguma jogada suja...
Tinha tornado a enfocá-lo, sem se dar conta. Moveu o
binóculo para continuar observando os que o rodeavam.
Como único exemplar digno de certo interesse, estava
aquele tipo alto e esbelto, muito moreno, de olhos
brilhantes, que passeava pela borda da piscina das crianças,
dizendo-lhes alguma coisa, movendo muito as mãos. Tinha
um sinal no queixo, sinal que era como um distintivo em
seu rosto fortemente bronzeado.
E isso parecia tudo.
Muito bem: teria que ir imediatamente estudar mais de
perto Masao Yoshimura e, se possível, entrar em contato
direto com ele.
Vestiu uma curta saída-de-praia sobre o sumaríssimo
biquíni vermelho, apanhou a bolsa, um par de revistas e saiu
de sua cabana-apartamento. Havia dez cabanas em cada
nível da construção; diante delas, uma grande galeria,
erguida sobre colunas. Escadas de pedra granulada levavam
ao nível do solo, ornamentado de canteiros, arbustos e
palmeiras. Ao fundo, o mar refulgia, azul com
branquíssimas cristas de espumas. Aquele era um ambiente
que lhe agradava: sol, mar, pássaros marinhos, pára-sóis
coloridos, barcos variados, iates...
Naturalmente, quando cruzou o terraço para a praia
privativa do motel, todos os olhares a acompanharam. Era
inevitável, sabia, e já estava acostumada com isso. De modo
que, sem fazer o menor caso das estupefatas expressões de
admiração, fez seu trajeto imperturbável até a areia ardente.
Apenas, ao passar, olhou fixamente para Yoshimura,
sem dissimulação, com a curiosidade natural de quem,
talvez pela primeira vez, encontra uma pessoa de outra raça.
O japonês nem sequer pestanejou. Aceitou o olhar com
aquela sua risonha amabilidade. Claro que não sentia o
menor complexo por encontrar-se entre pessoas de outra
raça, nem fazia o menor caso de olhares discretamente
curiosos como o de Brigitte.
Esta se voltou quando descia a escada que levava até a
areia, mas desviou rapidamente a vista ao perceber que ele
também a olhava.
Chegou à praia, estendeu uma toalha multicor sob um
dos pára-sóis de lona e dirigiu-se para o mar. Da água, viu
Masao Yoshimura, o qual estava olhando novamente para
as crianças que brincavam na piscina circular. Ao que
parecia, tinha-se esquecido dela. Claro: seria tudo fácil em
demasia se o japonês, à primeira vista, tivesse querido
abordá-la, se dispusesse a procurar. ele mesmo o contato.
Precisava ter um pouco de paciência.
Esteve nadando uns minutos. Depois, apanhou sol por
quase meia hora. Protegeu-se em seguida sob o pára-sol,
apanhou uma. revista... e pôs-se a olhar para Masao
Yoshimura, que agora estava no alto do trampolim superior,
de calção, com os braços abertos, pronto para saltar.
Magnífico. Simplesmente magnífico ver aquele corpo
musculoso, tisnado e rijo como se fosse de bronze, cruzar o
ar num perfeito salto de “anjo”, até desaparecer de sua vista,
que então se desviou para outras pessoas.
O homem de sinal no queixo tinha estado olhando para
Yoshimura e agora, evidentemente, olhava para a água da
piscina, com uma expressão um tanto... torva. No
trampolim do qual se havia lançado o japonês estavam
agora dois daqueles rapazes bronzeados, gracejando a
respeito de qual deles se atiraria em primeiro lugar daquela
impressionante altura. A decisão final foi que ambos
desceram à prancha interior, rindo, e atiraram-se juntos, de
pé, dando-se as mãos.
Os olhos azuis de “Baby” iam de um lado a outro,
movendo-se lentamente, como um visor implacável, que
não passava nada por alto. Masao Yoshimura saia da
piscina naquele momento e aproximava-se,
Indiferentemente, ao homem do sinal no queixo. Lá ficou,
sem olhá-lo, contemplando uma vez mais as brincadeiras
das crianças.
Um homem estava num canto do terraço, junto a uma
frondosa palmeira-anã. Não o tinha visto antes, porque,
olhando da sua cabana, a palmeira o ocultava. Vestia calça
branca, uma camisa colorida e tinha na cabeça um boné de
yachtman. Era ruivo e usava uma, densa barba. Seus olhos,
muito grandes e separados, estavam fixos em Yoshimura,
por cima do jornal que tinha nas mãos.
Era como se os olhos de “Baby” tivessem a capacidade
de fotografar tudo, registrando-o para sempre. O que seus
olhos viam jamais seria esquecido.
Desviou o olhar... e um homem colocou-se naquele
momento atrás de outra das palmeiras-anãs. Casualidade? O
certo é que Brigitte só pode ver um ombro, fugazmente.
Durante nada menos que cinco minutos, manteve o olhar
fixo ali, mas o homem não se moveu, continuando atrás da
palmeira. Não se moveu nem sequer uma polegada.
Por fim, ela pôs-se de pé, apanhou suas coisas e
regressou ao terraço. Se o homem continuasse lá, ela, o
veria quando passasse pela palmeira-anã.
Mas, à medida que se aproximava, ele foi girando ao
redor da palmeira, interpondo esta a todo momento entre ele
e a agente da CIA.
Casualidade?
“Baby” deixou de olhar para lá, compreendendo que
aquele homem não estava disposto a se deixar ver. E ela não
desejava colocar-se em evidência, no momento. Seu
objetivo principal consistia em tomar contato com
Yoshimura. E queria fazê-lo sem demora.
O japonês estava novamente sentado à sua mesinha,
fumando. Quando Brigitte se aproximou, ele a viu e
contemplou-a com a nítida expressão de quem não quer
perder um magnífico espetáculo.
Ficou alguns instantes como petrificado quando a linda
jovem de olhos azuis e biquíni vermelho, ao passar junto a
ele, sorriu ligeiramente e saudou:
— Sayonara.
Foi quando Masao Yoshimura reagiu, pondo-se
rapidamente em pé. Ela estava já a cerca de três passos de
distância, continuando seu caminho com aquela inimitável
graça de movimentos.
— Sayonara — murmurou Yoshimura.
Brigitte prosseguiu para sua cabana, sem se voltar.
Entrou, fechou a porta... e moveu-se então a toda a pressa.
Tirou o binóculo da bolsa, correu à janela e olhou por entre
as barras da veneziana em direção à palmeira que o
desconhecido tinha utilizado para esconder-se.
Não havia ninguém lá.
Tudo continuava Igual, exceto aquilo: o homem tinha
desaparecido.
Pensativa, ela guardou o binóculo e ficou junto à janela,
o olhar fixo no chio. Súbito, ergueu a vista, girando os olhos
para todos os lados. A conclusão era fácil: quando alguém
se esconde é porque teme ser reconhecido. E quando teme
ser reconhecido é porque é conhecido. E se Brigitte
conhecia aquele homem, era evidente que ele a conhecia.
Que a conhecia como espiã, como a agente ‘“Baby” da
CIA, naturalmente. Não Brigitte Montfort, a jornalista, mas
“Baby”, a espiã. Se a conhecesse apenas como jornalista,
ter-se-ia aproximado para cumprimentar. Escondendo-se,
demonstrava saber a que se dedicava ela realmente... e a que
se dedicava ele.
Estava aquele homem ali, em Miami, tratando do mesmo
assunto que ela?
Manteve-se pensativa por alguns segundos ainda.
Depois, passou a revistar a cabana, sem pressa,
conscienciosamente.
Levou quase um quarto de hora para encontrar o
microfone magnético, apenas do tamanho de uma amêndoa,
com uma antena de meio centímetro. Parecia um seixo
qualquer e estava sobre a terra de um dos vasos de plantas
enfileirados junto à larga janela. Tinham-no deixado ali,
como uma pedrinha inofensiva, simplesmente. Para reparar
naquela pedrinha era necessário, sem dúvida, uma autêntica
categoria de espiã.
Esteve uns segundos contemplando o diminuto
transmissor. Por fim, sorriu e deixou-o onde o tinha
encontrado. Depois, pensou que seria uma boa idéia tomar
um chuveiro e refrescar-se antes de ir almoçar. No
“Sandpiper Motel” havia um excelente restaurante e ela não
pensava arredar-se do local enquanto neste permanecesse o
japonês Masao Yoshimura.
Tomou um chuveiro, perfumou-se, enfiou um delicioso
vestido minissaia azul, olhou mais uma vez para o diminuto
microfone que haviam colocado na cabana e saiu.
Tinha que tentar algo melhor que cumprimentar
Yoshimura em japonês para entrar em contato com ele.
Sayonara era pouca coisa.

CAPÍTULO TERCEIRO
Masao Yoshimura
Cumprir uma missão
As estrelas sempre estão longe
“Baby” indefesa

Masao Yoshimura já estava sentado a uma mesinha


redonda, individual, quando ela entrou no restaurante.
Ergueu a cabeça, olhando-a vivamente, com expressão
quase ansiosa. Brigitte simulou não notar a presença dele e
sentou-se a outra mesinha, junto à uma grande janela que
abria sobre a praia. Apanhou o menu e pôs-se a consultá-lo.
Pediria... Oh, primeiro um martini, claro. Com uma
azeitona grega, naturalmente. Depois, uma salada de...
Notou perfeitamente os passos, que se detiveram junto à
mesinha. Percebeu a presença. Ouviu a voz... mas não
entendeu absolutamente nada.
Levantou a cabeça e olhou “muito surpreendida” para.
Masao Yoshimura, que estava de pé diante dela,
corretíssimo, em atitude de expectativa. Não só parecia
muito educado, mas também dava a Impressão de bastante
tímido.
— Perdão — murmurou Brigitte. — Não compreendo...
Yoshimura tornou a dizer alguma coisa, em japonês,
com seus olhos negros fixos nos brilhantes olhos azuis de
“Baby”.
— Desculpe... — sorriu ela, perturbada. — Na verdade,
não compreendo.
— Pergunto-lhe se fala o japonês.
— Jap...? Oh, não! Claro que não!
Yoshimura ficou francamente confuso. Mordeu o lábio
inferior, erguendo as sobrancelhas.
— Ah... Pareceu-me que... Peço-lhe que me perdoe.
Parecia disposto a fazer meia volta e tornar à, sua mesa.
O que, evidentemente, Brigitte não iria permitir de nenhum
modo.
— Espere... Por favor, espere... Creio que o senhor é
quem deve perdoar-me...
— Perdoá-la?
— Fui... um pouco estúpida, não é verdade?
— Bem, o fato não foi tão grave...
— O senhor ouviu-me dizer “adeus” em japonês, não é
isso?
Yoshimura assentiu com a cabeça, amavelmente, sem
deixar de fitá-la.
— Assim me pareceu. E surpreendi-me tanto que não
respondi á sua saudação no tempo devido. Depois, pensei
que seria muito agradável para eu poder falar japonês com
alguém e já que...
“Baby” mostrou o seu mais doce e aliciante sorriso.
— É que... Peço-lhe que me perdoe. Sou um pouco
travessa e, ao ver um japonês em carne e osso... Bem, não
pude resistir à tentação de dizer-lhe a única palavra que
conheço em seu idioma: sayonara... Ou seja, adeus. Mas
asseguro-lhe —. acrescentou precipitadamente — que não o
fiz para ofendê-lo.
Yoshimura pestanejou.
— Não me ofendeu absolutamente — declarou.
— Estou perdoada, então?
Ele a contemplou com uma atenção penetrante. Os olhos
de Brigitte transbordavam de ingenuidade e
arrependimento. Súbito, o japonês, sorriu, mostrando uma
dentadura branquíssima, sadia. Seu rosto bronzeado pelo sol
pareceu iluminar-se, quase como o de um menino. Era
surpreendente ver aquele sorriso num homem hermético e
viril, num homem de ombros atléticos, dotado
inegavelmente de grande força física.
— Está perdoada. Sou um homem que gosta de
travessuras.
Brigitte foi quem pestanejou desta vez, surpreendida.
— Não creio que seja uma criança...
— Fisicamente, não. Mas a meninice pode prolongar-se
muito além dos dez ou doze anos... E acredito ver ainda
uma certa expressão infantil em seus olhos. Perdôo-lhe a
travessura.
— O senhor é muito amável... Oh, o meu nome é
Brigitte... Brigitte Montfort.
O japonês inclinou a cabeça.
— Masao Yoshimura. Muito prazer.
— Shimoyura, foi o que disse...?
— Yoshimura — corrigiu amavelmente ele. —
Yoshimura, não Shimoyura, Miss Montfort.
— Yomi... Não... Misoru... Não, não...
— Yoshimura — quase riu o japonês. — Não é tão
difícil, acho eu.
— Yoshi... mura! Yoshimura! Está bem assim?
— Está perfeito.
— Um dia tentarei aprender o japonês — riu Brigitte. —
Mas vê realmente uma expressão infantil em meus olhos?
— Bem... Digamos que ainda têm essa luz, ainda não
empanada pela tristeza da vida. Uma luz capaz de iluminar
tudo quanto é belo no mundo, de refleti-lo... Isso é algo que
só as crianças conseguem.
— Ah... Mas, por favor, não quer sentar-se? Sou um
desastre completo, desculpe...
— Obrigado. — Yoshimura sentou-se diante dela,
ornando-a sempre intensamente. — A respeito dessa
expressão infantil que vejo em seus olhos, talvez seja
melhor falarmos a respeito em outra ocasião. Parece que se
dispõe a almoçar...
— O senhor também?
— Sim, claro. Minha mesa...
— Não está gostando desta aqui?
— Oh, sim! — exclamou ele, encantado.
— Aprecia os martines, senhor Yoshu...? Oh, desculpe!
— Reconheço que os nomes japoneses não são fáceis de
pronunciar. Yoshimura?
— Yoshimura — sorriu Brigitte.
— Isso. De qualquer modo, talvez lhe pareça mais fácil
meu primeiro nome: Masao.
— Masao. Sim, muitíssimo mais fácil. Mas se lhe
chamar Masao, terá que me chamar Brigitte... Okay?
— Okay! Quanto aos martines, estou começando a
apreciá-los.
— Então podemos tomar os nossos martinis, conversar e
almoçar. Acho-o muito simpático.
— Acho-a simplesmente adorável.
— Apesar de tê-lo enganado com uma só palavra em sua
língua?
— Isso está perdoado. E esquecido.
— Sabe de uma coisa? — disse Brigitte. — Alegro-me
por lhe ter dito sayonara. Graças a isso, agora estamos
juntos.
— Sem dúvida. De qualquer modo, talvez tenha sido
muito atrevimento de minha parte vir à sua mesa e falar-me
em japonês.
— Chama isso de atrevimento? — riu Brigitte.
Um garçom esperava suas ordens. “Baby” pediu-lhe dois
martinis e encomendou seu almoço. Estendeu o menu a
Yoshimura, mas este deixou-o sobre a mesa e disse ao
garçom:
— A mesma coisa para mim.
Brigitte apoiou o queixo na palma da mão.
— Continuemos com isso do olhar infantil... Mas saiba
que nada tenho de criança e que já vi muitas coisas feias na
vida.
— Geralmente, à medida que vemos coisas feias, nosso
olhar torna-se turvo e fica assim para sempre. Diante de
algo belo, já não mostra essa expressão infantil, clara,
límpida, cheia de alegre curiosidade. Mas algumas pessoas,
por muita fealdade que tenham visto, conservam um olhar
puro para certas ocasiões, pelo menos. Digamos que essas
pessoas olham com dureza o leio, o mau, e, com doçura, o
belo, o bom...
— Não é o que fazemos todos?
— Não, não... Os olhos da maioria se obscurecem para
sempre. Não brilham nem sequer diante de uma criança
recém-nascida, ou de um pássaro, de uma flor, de um arco-
íris. Seu olhar perdeu irremediavelmente o brilho.
— E o meu não?
— Não. Suponho que em certas ocasiões você possa
olhar com dureza, como qualquer um. Mas ainda é capaz de
fazê-lo com grande doçura. Isso quer dizer que você é...
— Um bicho raro?
— Não, não. Uma pessoa dotada de bondade e
tolerância. E por isso, um pouco excepcional.
— Está dizendo coisas muito bonitas! — exclamou
Brigitte. — Tudo isso significa que não posso fazer coisas
más?
— Ah, isso é diferente. Suponho que possa fazer coisas
más, como todo o mundo. Mas continuará sendo boa.
— Agora sim, é como se me tivesse falado em japonês:
não compreendi nada.
Masao riu. Chegaram os martinis e ambos o provaram.
Yoshimura ofereceu-me um cigarro. Já fumavam os dois,
quando ele esclareceu:
— Quero dizer que você não é dessas pessoas que fazem
o mal porque são más. Se você fizer alguma maldade, o mal
é que o fez, não você. Resumindo: você só fará o mal se não
puder fazer melhor. Entende agora?
— Acho que sim. Se, por exemplo, eu matasse um
homem, seria por não poder fazer nada melhor.
— Ou então por pensar que esse homem estaria muito
melhor morto do que vivo. É um exemplo um pouco...
selvagem, mas ilustra o que eu queria dizer.
— Bem, eu vim a Miami para divertir-me, Masao. Mas
gosto de ouvi-lo.
— Tenho uma conversa pesada, não é verdade?
— Estou certa de que também sabe divertir-se.
— Divertir-me?
— Claro. Dançar, pescar, farrear, beijar uma garota...
Não?
— É verdade é que nunca tive muito tempo para isso.
— Não diga! A que se tem dedicado em a..... trinta anos
de vida?
— Trinta e dois — corrigiu ele, sorridente. — Dediquei-
me a estudar. E a trabalhar.
— Estudou o quê? E em que trabalha?
Masao Yoshimura tomou um gole do martini.
— Estudei muitas coisas. E consegui ser o que queria.
— O quê?
— Pediatra.
— Ah. Um médico de crianças. Gosta de crianças?
— Muito. Em geral, as pessoas deixam de interessar-me
quando passam dos quinze anos.
— Isso quer dizer que não sente interesse por mim?
— Oh, por você sinto! Justamente porque noto em você
algo de infantil.
— Pensa tratar-me, então, como uma menina?
— Isso a deixaria aborrecida?
Brigitte olhou-o sorrindo, O certo é que estava
desconcertada. Um pouco, pelo menos. Mas conhecIa o
truque do espião bondoso, e muitíssimos outros truques. De
qualquer modo, sua primeira impressão de que Masao
Yoshimura era uma pessoa fundamentalmente boa firmou-
se ainda mais.
— Creio que seria uma experiência nova para mim —
murmurou.
— Mas não lhe desagradaria? Não sei.
— Bem... Talvez eu esteja sendo atrevido outra. vez.
Mas sinto-me sozinho neste lugar e...
— Eu também estou sozinha.
— Ótimo! Bem, quero dizer que...
— Sei o que você quer dizer. E acho-o mais... Infantil do
que eu.
— Obrigado — sorriu o japonês. — Você também é
amável. Talvez me conceda outras vezes o prazer de sua
companhia...
— Claro que sim, Masao.
***
A lancha balançava-se suavemente sobre as ondas. Ao
longe, quase a uma milha, via-se a costa, com seus brancos
edifícios que refulgiam ao sol vermelho do ocaso.
— Talvez já seja hora de regressarmos — murmurou
Yoshimura.
Estavam os dois estendidos sobre uma grande toalha, na
coberta da lancha. Masao usava um calção, mas Brigitte
estava completamente despida e virou-se para o japonês,
tocando-o com as pontas rosadas de seus selos, enquanto
seu quadril se erguia numa curva magnífica, escultural e
sugestiva.
— Voltar?
— Sim.
— Masao... Não quer o meu amor? Olhe: estou nua para
você, lhe darei tudo quanto me pedir... Tudo. E você... não
o aceita?
— Não.
— Acha que seria... abusar de uma menina?
— É que eu não tenho o direito de possuí-la, Brigitte.
— Eu lhe dou esse direito... Ou acaso não lhe agrado?
Masao Yoshimura mordeu os lábios. Esteve uns
segundos olhando os olhos azuis de “Baby”. Depois, seu
corpo esplêndido, dourado, firme como nácar, brilhando ao
sol. Passou a mão por sua espádua e atraiu a si o seio
turgente, que acariciou com os lábios, enquanto toda a carne
de Brigitte palpitava, inundada de desejo.
— Sim, você me agrada... e quanto! — balbuciou o
japonês. — Mas terei que ir embora um dia, e deixá-la. Não
mereço que me dê tudo isto.
Brigitte enlaçou-o pelo pescoço, oferecendo-lhe os
lábios... Na realidade, entregando-lhos. O japonês teve
apenas que receber aquele beijo, que tinha a cor do sol no
crepúsculo e o sabor de todo o sal do mar.
Terminado o beijo, ela ficou com os olhos fechados,
ainda abraçada ao pescoço do nipônico.
— Masao...
— Temos que voltar — insistiu ele.
— E isso... é tudo?
— Sim.
Ela abriu os olhos, e seu olhar expressava
desapontamento.
— Parece mesmo que você me trata como uma menina...
— Pergunto-me se poderia tratá-la de outra maneira.
— Há muitas outras maneiras.
— Não para mim.
Brigitte sentou-se sobre a toalha e olhou-o
carinhosamente.
— Sabe, Masao? Não é comum isto... Não para mim, ao
menos. Não estou acostumada a um tratamento tão especial.
— Conhece, então, uma boa parte do lado feio da vida.
— Mais ou menos.
— Sinto — disse ele, com um tom sincero. — Sinto que
o belo sempre chegue tarde à vida das pessoas.
— Pior é nunca que tarde — sorriu Brigitte. — Por que
não é sincero comigo, Masao?
— Acha que não sou sincero? — exclamou ele.
— Não sei... Pelo menos, admita que é bastante... irreal.
Seu comportamento não é freqüente num homem, seja de
que raça ele for.
— Está decepcionada comigo?
— Surpreendida, digamos. E quanto a mim mesma, na
verdade, quase me sinto fracassada.
— Não diga tolices.
— Masao, quem é você, de onde vem, que pretende...?
— Eu já lhe disse — sorriu ele. — Sou Masao
Yoshimura. Não vou a nenhum lugar determinado e venho
de Tóquio. É simples.
— Não vive nos Estados Unidos?
— Não. Tenho meu lugar em Tóquio: uma clínica para
crianças.
— Você é bom médico?
— Não sei... Mas creio que sou excelente pediatra. Pelo
menos assim sou considerado em todo o Japão.
— E por que não está em sua clínica?
— Porque... porque estou aqui.
— Claro — riu Brigitte. — Férias?
— Não exatamente. Esta é uma viagem muito
importante para mim.
— Mais que as crianças enfermas?
— Muito mais.
— Por que é mais importante? Que velo fazer nos
Estados Unidos de mais importante que cuidar de seus
pequenos dentes?
Masao sacou um cigarro, acendeu-o e ornou, ao longe, a
linha do horizonte.
— Fiz mal em deixar sozinhos meus pequenos
pacientes... Não acha, Brigitte?
— Parece. A não ser que o que tenha a fazer, ou está
fazendo, nos Estados Unidos seja realmente mais
importante.
— Aí está a questão... O assunto de que falamos à hora
do almoço, lembra-se? O fato de deixar meus pacientes é
mau. Mas eu não sou mau.
Brigitte simulou não ser muito inteligente, ficando
alguns segundos a meditar, antes de dizer:
— Creio entender que você está fazendo algo não muito
bom, mas capaz de produzir mais benefício que atender
seus pequenos pacientes... É isso, Masao?
— É isso exatamente.
— E que está fazendo você de tão importante assim?
— Oh, talvez você não o compreendesse.
— Você me explica. E eu farei o possível para
compreender.
Yoshimura abriu a boca. A revelação pareceu a ponto de
brotar de seus lábios. Mas, subitamente, cerrou os lábios e
contemplou Brigitte com aquela bondosa e séria fixidez,
murmurando:
—Seria muito longo. Mas se tudo sair bem, prometo-lhe
voltar aos Estados Unidos para contar tudo a você.
— Sei que não voltará.
— Voltarei.
— Não. Mas se me disser onde posso encontrá-lo em
Tóquio. Irei lá... qualquer dia.
— Eu virei ao seu encontro. Embora sem a pretensão de
apoderar-me de você para sempre.
— Por que não?
— As estrelas sempre estão longe, por muito que
queiramos prendê-las à terra.
— Sou uma estrela? — riu Brigitte.
— Para mim, é.
— Pois neste caso, você tem uma estrela ao alcance da
mão, agora mesmo, se quiser. Masao olhou para o céu, que
começava a mostrar o. tom negro da noite.
— Chegaremos à noite ao embarcadouro... Não está com
frio?
— Não.
— De qualquer modo, acho que devemos voltar. E será
melhor que se vista. Embora não o sinta, começa a
refrescar.
***
Brigitte esteve observando-o atentamente, enquanto
Yoshimura abria a porta da cabana. Depois, o japonês
estendeu-lhe a chave.
— Não quer entrar? — ofereceu ela.
— Talvez em outra ocasião. Esta noite? Depois do
jantar?
— Brigitte, um golpe não basta para derrubar um abeto...
Mas você está golpeando demasiadas vezes.
— Virá? Podemos jantar juntos e depois...
— Não. Respeito muito as crianças... e os adultos que
têm nos olhos uma expressão infantil.
— Suponho que se dê conta de que me está depredando,
Masao.
— Ao contrário: estou-lhe atribuindo todo o seu valor.
Uma coisa eu aprendi na vida: não se deve colocar argila
nas mãos de quem não sabe esculpir.
— Está depredando a si mesmo.
Tenho a impressão de que você é capaz de compreender
todas as coisas, Brigitte. Estou cumprindo uma missão.
Algo que é muito importante para mim e para muitas outras
pessoas. Enquanto não terminar meu trabalho, não quero
dedicar-me a nada mais. Você não faria exatamente o
mesmo?
— Não sei. Sou apenas uma jovem caprichosa e fútil.
Não, acho que não faria o mesmo.
Masao Yoshimura olhou-a daquele modo fixo,
penetrante. Depois sorriu e seu rosto pareceu rejuvenescer
maravilhosamente.
— Você está mentindo. Sei disso muito bem. Reconheço
que sou bobo para algumas coisas, mas muito astuto para
outras. Você está mentindo e sei que me compreende, Boa-
noite, Brigitte.
Abraçou-a com força e beijou-a nos lábios. Depois se
dirigiu à escada, descendo para, sua cabana, em outro nível
do motel.
Brigitte entrou, fechou a porta e apoiou as costas contra
esta, pensando. Masao Yoshimura era dessa espécie de
homens capazes de conseguir que uma mulher recomece a
viver como se nada lhe tivesse acontecido anteriormente.
Tal como... Sim: tal como se uma mulher fosse cega e, de
repente, pudesse enxergar toda a beleza do mundo; tal como
se uma pessoa surda recuperasse a audição e a primeira
coisa que ouvisse fosse o canto de um rouxinol; tal como...
Demasiado romantismo.
Ouviu muito tarde o rumor a seu lado. Quando quis
voltar-se, preparando-se para a defesa ou para a luta de
morte, tudo já estava em marcha, vindo sobre ela...
Recebeu o golpe na base do pescoço, junto ao ombro
direito. Caiu de joelhos, quase desmaiada, mais
compreendendo ainda que algum descuido podia custar-lhe
a vida.
Quis levantar-se, travar combate. E então recebeu o
segundo golpe, no mesmo lugar. Foi como se todo seu
corpo se desmontasse, como se as trevas se transformassem
em algo definitivo. Sentiu o zumbido agudo nas têmporas e
a angústia do desfalecimento iminente.
Depois, nada.
CAPÍTULO QUARTO
Intervenção da MVD soviética
Uma caricatura da agente “Baby”
Fogo de artifício

E por fim, a sensação penosa do despertar. Doía-lhe o


pescoço, a espádua. E ao abri-los, seus olhos se fecharam
instintivamente, protegendo-se contra a luz. Por um
instante, vira o chão, ao nível de sua face, de seus olhos.
Compreendeu que aquele friozinho consolador era do
mosaico em seu rosto. Sentia uma opressão no peito, de
modo que se moveu para um lado. Seus selos deixaram de
estar comprimidos contra o solo pelo peso de seu próprio
corpo, e pode respirar melhor.
Entreabriu os olhos. Viu sombras e luzes. Abriu-os uni
pouco mais... A cama, o teto, a luz, a janela do quarto...
— Talvez seja conveniente atirar-lhe um jarro de água.
A voz era fria e irônica. E desapiedada. Ou,
simplesmente, não tinha inflexão alguma?
Sentou-se no chão e voltou a cabeça. O homem que
havia falado estava numa pequena poltrona, com um cigarro
na mão... Não. Era uma piteira e, nela, havia um cigarro de
plástico, com cartucho de mentol. Ele tinha a perna direita
sobre o joelho esquerdo, de modo que o pé mantinha-se
paralelo ao solo. E neste pé equilibrava-se um enorme
revólver, com o cano alongado por um tubo silenciador.
Quanto ao homem, era o ruivo barbudo que estivera
vigiando Masao Yoshimura por cima, do jornal. Vigiando-
o... ou protegendo-o?
— Quem é você? — perguntou Brigitte.
— Se lhe interessa saber: sou Piotr Stalinov, da MVD.
Quer dizer, do serviço de espionagem soviético Miss
Montfort. Posso perguntar-lhe agora quem você é?
— Brigitte Montfort, jornalista do “Morning News”, de
Nova Iorque.
— Mentira — sorriu friamente o ruivo barbudo. — Essa
é uma estúpida e suja mentira, indigna de uma pessoa de
sua categoria.
— Posso sentar-me na cama?
— Como não?
— Obrigada.
Brigitte sentou-se na cama. Sentia-se perfeitamente bem,
a despeito daquela dor causada pelos dois golpes de judô
que recebera na base do pescoço. Com a mão esquerda,
aplicou-se uma ligeira massagem, sem perder de vista
Stalinov, o qual, por sua vez, olhava-a aprovadoramente.
— Isso logo a aliviará... — disse. — Parece que não é a
primeira vez que lhe aplicam golpes de judô, hem?
— Freqüento um ginásio em Nova Iorque onde se
pratica judô, meu caro Stalinov.
— Ah, sim! Um ginásio em Nova Iorque... Assombroso,
não é verdade? Hoje em dia, quase todo o mundo sabe
como aliviar as dores causadas pelos golpes de judô.
Brigitte franziu a testa. Evidentemente, o homem não
estava mentindo: era um agente soviético e sabia muito bem
que a técnica de aliviar as dores produzidas por golpes de
judô estava apenas ao alcance de uns poucos especialistas
neste tipo de luta. Especialistas totais para quem o
treinamento se constituía numa questão de vida ou morte.
— De acordo, Stalinov, sou uma espiã, tal como você. E
agora?
— Para quem trabalha?
— Sou norte-americana.
— Isso não significa nada. Conheci muitos americanos
praticando a espionagem para quem lhes pagasse melhor.
Ignorava isto?
— Não. Posso fumar?
— Naturalmente. Está tratando com um cavalheiro.
Claro que se não nos entendermos bem eu a matarei. Mas,
no momento, quero respeitá-la, como espero que me
respeite. Somos espiões, mas não estamos morrendo de
fome. O menos que merece um espião é poder fazer o que
tiver vontade antes de se transformar em cadáver.
— Está decidido a matar-me?
— De fato. Mas, claro, não sou um estúpido precipitado.
Antes, desejo perguntar-lhe algumas coisas de interesse
para mim. Se me der respostas completas, é possível que lhe
perdoe a vida.
— É uma nova pilhéria soviética?
— Tem razão, é uma pilhéria! — riu Stalinov. — Como
vejo que é inteligente, não há razão para esconder-me que
devo matá-la. Estou certo de que me perdoará
antecipadamente. Ossos do ofício, como sabe... Não disse
que queria fumar?
— Sim. Meus cigarros...
— Oh, se pensa que em sua bonita maleta vermelha
encontrará algum truque, está em erro. Já revistei a maleta...
Aliás, revistei tudo, na verdade. Seu passeio de lancha com
o japonês deu-me tempo para um trabalho completo.
— Suponho que tudo isso seja uma suja jogada
soviética, Stalinov.
— Que quer dizer com tudo isso? — perguntou o russo.
— Yoshimura está trabalhando para vocês?
Stalinov ficou muito sério.
— Pensando bem, acho que nem sequer a deixarei
fumar, querida.
— Posso prescindir do cigarro.
— Mas não de respirar. Que está pretendendo a CIA?
— E a MVD? — perguntou por sua vez Brigitte.
— Sugiro-lhe que não abuse de minha paciência.
— Advirto-o de que não sei do que me fala, Stalinov.
— Não?
— Positivamente, não.
— Pois eu lhe direi. Vocês têm uma bomba atômica de
fabricação russa... Para que a desejam?
Brigitte ficou boquiaberta.
— Como? — perguntou.
— Pergunto-lhe para que querem nossa bomba
atômica... Acaso já não sabem mais fabricá-las?
— Você está em seu juízo perfeito? Acha que temos em
nosso poder uma bomba atômica russa?
— Nem mais nem menos.
— Olhe, Stalinov, sou uma pessoa muito ocupada. Se
quer realmente matar-me, faça-o com rapidez. Senão, deixe-
me tranqüila para que possa continuar meu trabalho.
— Minha querida, a Rússia pode permitir-se o luxo de
perder uma bomba atômica. E muitas mais. Está claro que
os Estados Unidos também se podem permitir esse luxo.
Vocês têm nossa bomba... Muito bem. Não vamos reclamá-
la. Só exijo que me diga para que a querem. Que diferença
há entre uma bomba atômica russa e uma bomba atômica
americana? Por que tiveram que fazer essa jogada suja para
tirar-nos uma de nossas bombas?
— Meu querido: você pode acreditar ou não, mas juro-
lhe que não sei do que está falando.
— Olhe... Um dos homens que conseguimos matar
quando se deu o caso da bomba foi identificado. Era um
ator dessa produtora cinematográfica, chamado
expressamente do Japão. Quando soubemos que outro
homem tomava o rumo da produtora, resolvemos vigiá-lo.
Mas, como você compreenderá, não convinha passar
diretamente à ação. De modo que esperamos. Temos
vigiado Masao Yoshimura, o último elo da cadeia. Você
pôs-se em contato com ele. Como da vez anterior, é um
nipônico quem se apresenta com suas mentiras e contos...
japoneses. Agora, diga-me o que desejam os Estados
Unidos com e assunto das bombas. Diga-me apenas isso, e a
entrevista. terminará pacificamente. Palavra de espião.
Brigitte estava de todo estupefata. Não entendia mesmo
nada de nada. Mas sabia que se o dissesse a Piotr Stalinov
ele não acreditaria. Por conseguinte, era bem possível que
se Irritasse seriamente e a matasse sem hesitação. Não tinha
a menor Idéia de nada, mas não o podia admitir. Se
desejasse conservar a vida pelo maior tempo possível, só
havia uma solução: acompanhar o jogo dialético do russo.
— De modo que tem vigiado Masao Yosbimura? —
indagou.
— Naturalmente. Já lhe disse que pelo cadáver daquele
homem chegamos à produtora cinematográfica, vigiamos
esta, e vimos chegar Yoshimura. Tivemos paciência... e
você surgiu em cena.
— Compreendo... E agora quer que lhe diga o que
pensamos fazer com a bomba atômica russa, não é?
— Exatamente.
— Bem... Você acreditará se eu lhe disser que não sei do
que está falando?
— Não.
— Pois nesse caso...
— Que se passa com as bombas atômicas? Pensarão Os
americanos que as bombas russas sejam mais
aperfeiçoadas? Desejavam uma para estudá-la e convencer-
se?
— Bom... — Brigitte estava cada vez mais perplexa. —
Essa poderia ser uma das razões...
— Não quero uma das razões, mas a verdadeira razão!
Para que os americanos querem nossa bomba?
— É uma simples questão de espionagem rotineira —
mentiu a desconcertada “Baby”. — Sempre nos convém
estar ao corrente dos progressos alcançados por outros
países, Stalinov.
— Isso é tudo? — grunhiu o russo.
— É.
— E tanto aparato e emprego de efetivos para conseguir
uma bomba atômica da URSS?
— Sim... Espionagem é coisa muito cara, Stalinov... Não
está de acordo?
— Completamente, querida. Muito cara... sobretudo em
vidas humanas.
— Ora, vamos, Piotr, não seja tão elementar... Que vai
conseguir matando-me?
— Talvez uma pequena satisfação pessoal.
— Absurdo. Nós, espiões, não temos satisfações
pessoais. Por outro lado se me matar, vários milhares de
agentes da CIA irão procurá-lo pelo mundo inteiro. Até o
momento de sua morte, Piotr, você suará de angústia dia e
noite. A CIA lhe cobrará um preço muito alto por minha
vida.
— A CIA já perdoou muitas mortes — replicou
sarcasticamente o russo.
— Muitas. Não a minha. Quero dizer que esses milhares
de agentes não atuariam sob ordens diretas da CIA, mas por
conta própria, como um pequeno trabalho extra que lhes
proporcionaria, este sim, uma enorme satisfação pessoal. Na
verdade, digo-lhe que se matar a agente “Baby” não
gostaria de estar em sua pele.
Piotr Stalinov ficou petrificado, olhos arregalados.
— Não... — Murmurou. Você é a agente “Baby” da
CIA?
— Exato, Piotr.
— Não acredito!
— Por quê? — perguntou ela, erguendo as sobrancelhas.
— Há... noticias acerca do aspecto físico de “Baby” na
MVD. E devo dizer-lhe que positivamente não se adaptam a
você.
— Como fui descrita na MVD, posso saber?
— Como uma mulher alta, volumosa, de nariz grosso,
mãos enormes, com uns quarenta anos de idade, olhos
pequenos, busto avantajado, pés...
Brigitte pôs-se a, rir, divertida, apesar da sua perigosa
situação.
— Por favor! — exclamou. — Onde arranjaram vocês
essa descrição da agente “Baby”?
— Deduções... Deduções obtidas através de sua atuação
na Europa e na América do Sul. Uma mulher como você
não teria podido fazer tudo o que fez a agente “Baby” da
CIA.
— Bem... Então, acontece que sou muito mais alta,
gorda, nariguda com mãos e pés grandes, olhos pequenos,
busto gigantesco... Está de acordo com essa descrição,
Piotr?
— Não.
— Façamos um trato. Eu lhe perdôo a vida, e formamos
uma aliança amistosa para descobrir...
— Você me perdoa a vida? — grunhiu Stalinov.
— Foi o que eu disse... Ai, estes sapatos de praia,
quando entra areia... — Tirou-os; a sola e o salto eram de
cortiça pintada de amarelo, no mesmo tom da palha, do
resto do sapato. — Acredite-me, Piotr, do jeito como estão
as coisas e pelo que você me disse, penso que seria
interessante e conveniente uma aliança.
— Para você, não para mim.
— Torno a insistir, mesmo correndo o risco de precipitar
suas más intenções, em que não sei do que me fala. Não
obstante, se você o explicar bem...
— Não é necessário. Estou certo de que Masao
Yoshimura sabe do que lhe estão falando meus
companheiros.
Brigitte olhou fixamente para o soviético.
— Também Masao estava sendo esperado em sua
cabana? — perguntou.
— Claro. Esse japonês parece um tipo duro, capaz de
resistir a um bocado de mau trato. Mas vamos levar vocês
dois a um lugar tranqüilo e talvez, para favorecer o outro,
um se decida a falar, a dizer o que está sendo tramado entre
americanos e japoneses.
— Fale claro agora e chegaremos a um acordo, Stalinov.
— Levante-se, vire-se e fique de joelhos — ordenou o
russo.
— Vai golpear-me outra vez, para levar-me depois ao tal
lugar?
— Exato. Você e esse japonês serão levados a um lugar
onde poderemos convencê-los a dizer tudo o que sabem.
Vire-se.
— Stalinov, tem cinco segundos para guardar esse
revólver e escutar-me.
— E você tem três para levantar-se e ajoelhar-se de
costas para mim. Um, dois...
Piotr Stalinov deixou de contar quando Brigitte pôs-se
de pé. Ela caiu de joelhos, mas sem voltar as costas ao
homem da MVD. O que fez foi comprimir o salto de um
dos sapatos de praia e um clarão brotou dali, como fogo-de-
bengala, despedindo pequenas chispas candentes para todos
os lados.
Justamente então foi quando Brigitte deixou-se cair de
joelhos, de modo que a bala disparada pelo russo passou por
cima dela e cravou-se na parede. Enquanto isto, as chispas
provenientes do sapato, agora em jorro crepitante, atingiam
em cheio o rosto de Stalinov, queimando-o com fogos
azuis, vermelhos e brancos, fazendo-o gritar de espanto e
cair para trás, por seu próprio Impulso, para fugir daquele
impacto abrasador.
Caiu de costas, mas sem soltar o revólver. Quando se
deu conta de que aquele luminoso ataque não era mortal,
mas que se tratava de um simples dispositivo de sinais
empregado como arma, à falta de outra, quis incorporar-se,
empunhando o revólver, procurando com seu único olho
útil no momento a mulher que, segundo os informes de que
a MVD dispunha, era alta, gorda, nariguda, peituda...
Conseguiu vê-la.
Não uma mulher gorda e nariguda, mas aquela esbelta e
jovem de olhos azuis, que agora pareciam frios como gelo.
Viu-a... mas só um segundo antes que o róseo calcanhar de
seu pezinho direito desse em seu olho são, afundando-o na
órbita, enchendo-o de diminutos pontos coloridos e
lançando-o novamente de costas no chão.
Compreendeu que devia disparar e o fez, convencido
embora de que nada iria conseguir.
E assim foi.
A bala deu no teto, enquanto o lindo pé de Brigitte
golpeava novamente, agora em pleno centro de seu
estomago, com um rápido movimente vertical. Outro golpe
daquele pé descalço arrancou-lhe o revólver da mão, e ele
ouviu o choque do aço contra a parede, junto da porta.
Tentou erguer-se mais uma vez e, tal como esperava,
recebeu um pontapé na boca.
Mas esperava-o. E Brigitte não teve tempo de retirar o
pé, antes que as mãos do russo o agarrassem justamente no
momento do impacto. Assim, enquanto ele era lançado
novamente para trás por efeito do pontapé, em sua queda
arrastava Brigitte, que caiu por cima dele.
Imediatamente, seus fortes braços rodearam-lhe a
cintura, apertando-a de maneira brutal. O gemido de “Baby”
deu em cheio no rosto do russo, que lançou uma
exclamação de triunfo. De acordo: não enxergava, tinha
metade da cara queimada, um olho cego em conseqüência
do golpe que ela lhe desferira com o calcanhar, os lábios
partidos por outro pontapé, mas a presa que mantinha
segura entre os braços não lhe poderia fugir.
— Vou-lhe... quebrar a espinhal — arquejou ele, em
russo.
Brigitte tinha a impressão de que seus rins estavam
sendo esmagados. Os fortes braços de Stalinov apertavam
com raiva, com desespero, tão rudemente que de fato sua
espinha podia partir-se a qualquer momento.
Oprimida pela dor e o medo, ela conseguiu passar uma
das mãos entre seu peito e o de Piotr Stalinov. Os dedos
índex e o médio dirigiram-se, tremulamente, para a jugular
do russo. E súbito, as agudas unhas esmaltadas em tom de
madrepérola cravaram-se ali, com a força, do desespero.
Imediatamente, o sangue escorreu pelo pescoço de
Stalinov, que se crispou, estremeceu de dor e relaxou a
pressão. Brigitte rodou para um lado e ficou de joelhos
Junto do soviético, lívida, quase sem fôlego... Seu inimigo,
com o rosto e o pescoço cheios de sangue, tentava ainda
incorporar-se.
Então “Baby” golpeou-o na têmpora com a mão direita,
horizontalmente. Piotr Stalinov caiu mais uma vez para
trás... e já não se moveu.
Brigitte levantou-se, cambaleando, ainda sem fôlego,
ainda com a sensação de que suas costas, sua coluna
vertebral, seus rins, estavam sendo comprimidos
brutalmente.
Deu dois passos e esteve a ponto de cair de bruços. Caiu
apenas de Joelhos. Sentia uma opressão na garganta e sua
cabeça começou a dar voltas. Fechou os olhos, deixou-se
cair de costas, abrindo os braços e as pernas, de acordo com
o sistema ioga de recuperação; quer dizer, a relaxação
completa, a anulação de si mesma.
Evidentemente, utilizou o melhor de seus
conhecimentos, pois em menos de um minuto foi capaz de
levantar-se, quase totalmente recuperada.
E portanto, pensou imediatamente em Masao
Yoshimura.
E em muitas outras coisas. Menos de três segundos
depois, sabia exatamente o que devia fazer durante o quarto
de hora seguinte. Foi, inclusive, mais além: aquela podia ser
uma boa oportunidade para unir-se a Yoshimura de tal
modo que este não teria outro remédio senão aceitar o fato
com naturalidade e confiar nela.
A primeira coisa que fez foi dirigir-se a determinado
vaso junto à janela. O microfone continuava lá, de modo
que era fácil compreender não ter sido colocado por Piotr
Stalinov, e que outra ou outras pessoas tinham estado
escutando toda a conversa. Isso a aborreceu e preocupou,
naturalmente.
Apanhou o microfone, depois o revólver de Stalinov e
com este esmigalhou o pequeno aparelho. Depois, revistou
o russo, encontrando com ele efetivamente algumas de suas
coisas: o rádio de bolso, a pistolinha de coronha de
madrepérola, o estojo de pó-microfone, a piteira que
lançava dardos venenosos ou narcotizantes, conforme fosse
necessário. Apanhou tudo e colocou dentro de sua maleta,
que guardou no armário, ficando com o minúsculo rádio,
que acionou:
— “Johnny”?
— Como se foi de passeio?
— De passeio, bem. Mas acabo de matar um agente da
MVD chamado Piotr Stalinov, que estava esperando em
minha cabana. Quero que escute atentamente...
Esteve falando durante um escasso minuto, a toda a
pressa. Fechou o rádio, contraiu as sobrancelhas o optou por
guardá-lo na maleta, junto com o revólver da Stalinov,
apanhando sua pistola, que cabia na palma da mão.
Por fim, rapidamente, saiu da cabana. Se estavam
reclamando bombas atômicas, as coisas deveriam ter-se
tornado francamente más para Masao Yoshimura.

CAPÍTULO QUINTO
Mais duas execuções
Canta um “galo” na cabeça de “Baby”
“Perignon 55”
Um chinês

Masao Yoshimura ocupava a cabana 27. E, com efeito,


estava lá. Pode vê-lo através das barras flexíveis da
veneziana, que separou cuidadosamente com os dedos. A
janela estava aberta, de modo que tudo parecia apresentar-se
de modo muito conveniente para ela.
Claro, o japonês não estava só. Havia dois homens com
ele, que Brigitte não tinha visto antes no motel. Um deles
estava ameaçadoramente plantado diante de Yoshimura,
que, sentado numa poltrona, tinha o rosto lívido. Em seu
parietal direito via-se uma zona escura, da qual um fie de
sangue escorria para a face.
O homem que estava diante dele fazia gestos violentos e
exigentes. O japonês movia negativamente a cabeça.
O outro homem estava sentado, de costas para Brigitte e
defrontando Yoshimura, sem dúvida com o revólver na
mão. Ambos os intrusos não pareciam de modo algum
impressionados com a evidente potência muscular do
nipônico.
Este insistia em mover negativamente a cabeça. O
homem que estava de pé mostrava-se nitidamente irritado.
Ergueu-se a mão direita, de modo que Brigitte pode ver nela
o revólver, e descarregou-a outra vez sobre a cabeça de
Yoshimura, que tentou esquivar o golpe. Conseguiu isso em
parte, recebendo-o no ombro em vez de no nariz, o ponto
visado, não mortal mas doloroso. O homem tinha a clara
intenção de encarniçar-se contra o japonês, pois estava
levantando novamente a mão.
Brigitte susteve as duas barras das venezianas com os
dedos da mão esquerda. Introduziu a ponta da pistolinha
silenciosa entre elas e apertou o gatilho.
O espancador deu um estranho salto, como se tivesse
levado um estranho golpe na nuca. Caiu de bruços, sem um
gemido, sem espaventos ou gestos supérfluos.
Simplesmente, foi atingido por um balanço na nuca e
morreu no mesmo instante.
O outro abriu muito os olhos e ficou um momento
estupidificado. Mas nem sequer um segundo. Levantou-se
de salto, voltando-se para a janela, revólver na mão, olhos
vigilantes.
Plop.
A pequena bala alojou-se no centro geométrico de sua
testa e, ao contrário de seu companheiro, saltou para trás
largando a arma que empunhava.
Mas Brigitte nem sequer esperou para ver o resultado de
seu tiro, que sabia infalível. Apenas apertara o gatilho,
afastara-se da janela, escondendo a pistola sob o roupão, na
axila, e prendendo-a com o braço apesar da primeira
sensação ardente que experimentou.
Afastou-se da cabana, desceu uns quantos degraus e
tomou a subir, olhando para todos os lados. Parecia não
haver ninguém por ali. Em compensação, havia muita gente
no terraço e na piscina.
Chegou à porta de Yoshimura e bateu. O japonês deixou
ouvir sua voz alguns segundos depois, sem abrir.
— Quem é?
— Masao! Sou Brigitte! Par favor, abra! Aconteceu
alguma coisa...
A porta se abriu e Masao apareceu, ainda de roupão,
como ela. Havia uma Luz de compreensão em seus olhos
Inteligentes.
— Masao, um homem...! — ficou olhando o sangue que
escorria pelo rosto de Yoshimura. — Que se passou com
você?
— Entre depressa.
Naturalmente já o estava fazendo. Masao fechou
rapidamente. Ela parecia a ponto de dizer alguma coisa, mas
“subitamente” viu os dois homens estendidos no chão e
voltou-se para Yoshimura, mordendo os lábios.
— Que... que.. .? — balbuciou.
— Por que veio aqui? — perguntou o japonês.
— Mas... esses dois homens no chão...
— Não foi você quem disparou? — alarmou-se
Yoshimura.
— Eu? Eu...! Mas que está dizendo...? Eu nunca...!
— Acalme-se. Peço-lhe, Brigitte... E garanto-lhe que
nem eu mesmo sei como as coisas aconteceram...
— Um homem quis matar-me! — quase gritou histérica
e hipocritamente a habilíssima espiã.
— Estava em minha cabana e quis atacar-me... e de
repente caiu no chão...!
Masao olhou os cadáveres dos dois homens que o
haviam golpeado, perplexo. Levou a mão à, fronte...
retirando-a bruscamente ao tocar o sangue.
— Não sei... Não consigo compreender! — exclamou.
— Você não tem culpa! — gritou Brigitte. — Aquele
homem disse que me vigiavam porque estava com você,
que queriam uma... uma bomba atômica e que eu...!
— Acalme-se... Eu lhe peço, Brigitte...
— Disse que era russo, que... que eu lhe tinha roubado
uma bomba atômica e... e... e que...! — A apavorada jovem
parecia prestes a chorar ou a gritar, sua voz tremia. — Meu
Deus, nem sei como contar...! Quiseram MATAR-ME!.
Plaf!
A bofetada de Masao Yoshimura. alcançou-a em plena
face, quase derrubando-a. Brigitte cambaleou. Seus olhos
arregalados contemplavam o japonês, que se aproximou e
abraçou-a carinhosamente.
— Desculpe... Mas não vamos ganhar nada com
histerismo. Tive que usar esse recurso.
— Aquele homem está... está morto em minha cabana...
— Não se preocupe... Pensarei em alguma coisa. Não
quero complicar você neste assunto.
— Que assunto? Que está acontecendo, Masao? Você é
um espião?
Masao Yoshimura olhou-a atônito.
— Por que diz isso, Brigitte? — perguntou.
— Aquele homem disse que era um espião russo... Você
é um espião japonês e tirou-lhe uma bomba atômica...!
— Não diga tolices!
— Mas...
— Cale-se!... — mordeu os lábios. — Desculpe... Estou
perdendo a serenidade, e isso não pode ser. Asseguro-lhe
que também não sei nada de tudo isso, Brigitte... Você tem
dinheiro?
— Tenho. Não muito, é claro...
— Terá que partir de Miami... Oh, não sei... Não sei o
que deva fazer! Alguém a viu...? Quero dizer, alguém sabe
do ocorrido...?
— Não sei!
— Creio que, no momento, o melhor é que regresse à,
sua cabana. E procurarei uma solução...
— Não quero encontrar lá aquele homem morto!
— Está bem, está bem... Irei com você. Disse que lhe
falaram de uma... bomba atômica?
— Sim... Ele disse que estava comigo, ou com você...
Não entendi nada!
— Vamos ver esse homem... Russo? Disse que era um
espião russo? Tem certeza?
— Sim, sim... Não sei.! Não tenho certeza de nada!
— Nem eu. Mas penso que lhe compliquei a vida,
Brigitte, de modo que tentarei remediar a situação. Não sei
como... Espere um momento.
Foi ao banheiro, meteu a cabeça sob a torneira para
remover o sangue, depois aplicou sobre o corte que tinha na
testa um curativo pré-preparado em tira de esparadrapo,
enrugando-se depois energicamente.
Tomou Brigitte por um braço, saíram da cabana e
caminharam a toda a pressa para a dela.
— Está com chave? — perguntou Mamo.
— Acho que... que deixei aberta.
Ele empurrou a porta. Com efeito, estava aberta.
Afastou-se para um lado, deixando passar Brigitte, a qual
deu um passo e deteve-se, olhando com expressão
assustada.
— Está bom: eu entro primeiro — murmurou
Yoshimura.
Entrou e voltou-se, estendendo-lhe a mio.
— Venha. Os mortos não podem...
Cloc!
Masao Yoshimura recebeu o golpe de culatra na nuca.
Um golpe seco, bem aplicado, definitivo, que o derrubou
instantaneamente, desacordado.
Brigitte entrou, fechou a porta e disse:
— Já pode acender a luz, “Johnny”.
A luz foi acesa e um homem alto, atlético, de cabelos
louros e olhar frio nos olhos claros, se fez visível diante
dela, ainda com o revólver na mão.
— Trabalhei bem? — perguntou.
— Perfeitamente. E “Johnny II”?
— Tal como você mandou, já deve estar removendo os
dois da outra cabana... Matou-os também?
— Não tive outro remédio. Quero conservar Yoshimura
vivo para que me leve até... até o centro de tudo isto.
Conhece esse homem, que disse ser nisso e chamar-se Piotr
Stalinov?
“Johnny” voltou-se para o cadáver do homem da MVD,
movendo negativamente a cabeça.
— Não. Quer dizer, nós o vimos no motel quando
estávamos vigiando Yoshimura, antes de recebermos aviso
da Central de que você chegaria e que nos devíamos colocar
às suas ordens. É um prazer ser chamado de “Johnny” pela
famosa “Baby”.
— Chamo assim todos os que...
— Eu sei: todos os agentes que colaboram em seus
trabalhos. Bem, que fazemos? Mmmm... Uma pergunta,
antes, se me permite: disparou contra Stalinov um dos sinais
luminosos que tinha preparado para avisar-nos, caso
Yoshimura tentasse alguma coisa contra você durante o
passeio de lancha?
Brigitte riu.
— Exatamente. Vocês nos estiveram vendo, hem?
— Não tanto quanto teríamos desejado — declarou
“Johnny”. — A distância por você determinada era um
pouco excessiva.
— E já pensaram como dispor dos três cadáveres?
— Não se preocupe com esses pequenos detalhes.
— Ótimo. Terão que agir com muito cuidado, “Johnny”.
Não esqueça de que alguém colocou um microfone nesta
cabana. Deixei-o ficar para que não desconfiasse, mas
devido a isso tal pessoa soube que Stalinov me reclamava
uma bomba atômica.
— Parece que Masao Yoshimura se está dedicando a
colecionar bombas atômicas, não é assim? — alvitrou
sombriamente “Johnny”.
— De fato. Embora eu não consiga compreender... Ele
foi seguido e vigiado tão logo chegou a uma produtora
cinematográfica, conforme depreendi. Portanto, não o
conheciam antes. Não compreendo isso, “Johnny”.
— Nem eu.
Ele olhava atentamente para Brigitte, que estava abrindo
sua saída-de-praia. Viu-a tirar a pequena pistola da axila,
com o que recuperou o movimento normal do braço
esquerdo. Depois ela foi ao quarto e guardou a arma em sua
maleta vermelha. Quando voltou, “Johnny” contemplava-a
da porta.
— Bem, tal como mandou, golpeei o japonês... E agora?
— Continuaremos com o jogo. Esperemos que nossos
amigos do microfone não nos incomodem demasiado. A
verdade é que estou inclinada a crer que são amigos.
— Amigos? — exclamou “Johnny”.
— Colocaram o microfone antes que eu entrasse em
contato com Yoshimura. Quer dizer que me conheciam e
desejavam vigiar-me para saber até onde eu levaria minhas
investigações.
— Isso não significa que sejam seus amigos.
— Talvez não. Mas creio que sim. Inclusive... — sorriu.
— Sim, inclusive me atreveria a dizer o nome dessa pessoa.
— Quem é?
— Um amigo... Continuemos com nossa comédia,
“Johnny”. Depois, leve daqui esse Stalinov.
— Bem. Está mesmo decidida?
— Não há outro remédio.
“Johnny” encolheu os largos ombros, não muito
convicto, nem, claro está, muito satisfeito com aquela parte
do plano. Saíram ambos do quarto, Brigitte colocou-se junto
da porta, como se estivesse entrando enquanto esta
permanecia aberta, e súbito deteve-se.
Tocou na parte superior da cabeça com um dedo.
— Aqui, “Johnny”: não gosto que meus galos sejam
visíveis.
— Entre o cabelo não se notará — sorriu debilmente o
espião.
Sacou o revólver, fez um gesto como pedindo desculpa
e, súbito, golpeou Brigitte com a coronha, sem empregar
demasiada força, mas a suficiente para produzir um “galo”
autêntico. Brigitte cambaleou um instante, mantendo-se
porém de pé, olhando sorridente para seu companheiro.
— Repito? — perguntou este.
— Não seja bárbaro — sorriu “Baby”. — Agora, faça
sua parte. E boa sorte. Afaste-se um pouco.
“Johnny” afastou-se. Então, Brigitte deixou-se cair no
chão, de qualquer maneira, como se o golpe recebido a
tivesse deixado instantaneamente sem conhecimento. Ficou
caída de lado, a saída-de-praia aberta, mostrando as pernas,
os quadris cruzados pela tira do biquíni azul-turquesa, parte
do ventre levemente convexo.
“Johnny” agachou-se junto dela.
— Está confortável?
— Não. Mas Yoshimura não tardará a recuperar-se.
Ande depressa.
— Okay.
Ele aplicou uma palmada amistosa no sensacional
quadril de Brigitte, sorrindo. Depois se levantou, foi até o
cadáver de Piotr Stalinov e agarrou-o por baixo dos
braços...
***
Masao Yoshimura piscou, lentamente. Quando por fim
abriu os olhos, tinha o teto diante deles. Piscou outra vez.
Moveu a cabeça, gemeu mansamente e ficou olhando para
Brigitte, estendida a seu lado, com os olhos fechados, a
boca, entreaberta.
Quis levantar-se e a cabana inteira pareceu girar. Fechou
os olhos e permaneceu uns segundos de joelhos. Quando
tornou a abri-los, a cabana já não se movia. Aproximou-se
de Brigitte e bateu-lhe suavemente no rosto.
— Brigitte.
Ela se agitou, gemendo lastimosamente.
— Brigitte... Desperte, Brigitte.
As lisas pálpebras se agitaram, como lindas mariposas.
Houve uma breve cintilação azul, antes que Masao pudesse
ver claramente os maravilhosos olhos de ‘Baby”. Perfeita
em seu papel, ela o olhou como se de longe, com expressão
incerta. Depois levou a mão à cabeça e retirou-a vivamente,
gemendo.
Masao ajudou-a a incorporar-se, deixando-a sentada,
mantendo-a abraçada pelos ombros.
— Que... Que aconteceu?
— Você está bem? — interessou-se ele. — Sente-se em
forma?
— Onde...? — Súbito os olhos azuis recuperaram todo o
seu brilho e desviaram-se para um ponto da cabana. —
Você levou o homem russo que...?
— Não levei nada. Fomos golpeados os dois.
Brigitte tornou a gemer ao tocar a cabeça. Por entre os
finos dedos, olhou Yoshimura, os olhos muito abertos.
— Deram-me uma pancada na...!
Levou outra vez a mão à cabeça e apalpou
cuidadosamente o discreto “galo” que de fato se tinha
formado. Olhou para Yoshimura, assustada, alarmada. Com
o auxilio dele, pôs-se de pé e encaminhou-se para o quarto.
Olhou ali. Olhou também no banheiro...
— Não está... O homem russo não está! Isto quer dizer
que velo a Polícia e...
— Não quer dizer nada disso — murmurou Yoshimura.
— Venha comigo.
— Aonde?
— Venha.
Foram à cabana do japonês, na qual este entrou com
mais cuidado que minutos antes na de Brigitte. Mas não
aconteceu nada... Tudo o que se passava era que os dois
cadáveres não estavam lá.
— Também os levaram — disse Yoshimura.
— Mas... quem?
— Não sei. Mas quem o fez parece que, de um modo ou
de outro, pretendeu ajudar-nos.
— Mas se nos golpearam. . .1
— Poderiam matar-nos.
Brigitte olhou para Masao como se aquela possibilidade
não lhe tivesse ocorrido. Súbito, abriu a boca, como
disposta a gritar... mas fechou-a bruscamente. Só um
instante, porque disse logo em seguida:
— Temos que chamar a Polícia.
— Não!
— Mas...
— Por favor, Brigitte: não. Olhe a seu redor... Parece
que aqui não aconteceu nada.
— Mas quiseram matar-nos... e tornarão a tentar!
— Temos amigos perto de nós. Amigos que nos ajudam.
Mataram o homem que atacou você, os dois que atacaram a
mim... Levaram os cadáveres...
— Se eram amigos, por que nos golpearam?
— Porque... porque não querem que os vejamos.
— Por quê? Você tem amigos que matam, Masao? Oh,
meu Deus, quero ir embora daqui.... Não voltarei nunca
mais a Miami!
— Por favor, cale-se. Iremos daqui. Cada um por seu
lado, está claro. Já lhe disse...
— Quero ir com você! Não me deixe sozinha!
— Brigitte, os ataques ocorreram por minha culpa. Se
você não estiver comigo, nada lhe acontecerá.
— Mas você tem amigos e eu não! E... e... e tudo isto é
espantoso, absurdo! Masao, tenho muito medo... Devemos
avisar a Polícia!
— Peço-me que não insista nisso.
Brigitte recuou um passo, olhando-o horrorizada.
— Você... você é um espião... Não é um homem bom,
Masao... Morreram três pessoas: tenho que dizer à Polícia!
Yoshimura olhou-a pensativamente.
— Compreendo o que sente, Brigitte. E sei que tem
razão... Mas devo pedir-lhe que não chame a Polícia.
— Você é um espião!
— Garanto-lhe que está enganada. Sei tanto quanto você
a respeito do que está acontecendo. Mas eu... tenho algo que
fazer, e não posso aceitar que a Polícia intervenha. Levaram
os mortos, tudo está em calma...
— Desejarão matar-nos outra vez! Por culpa de você!
Você me meteu nisto... neste assunto terrível!
— Tem razão — murmurou Yoshimura. — E portanto,
eu a tirarei disto. Não deveria afastar-me daqui, de Miami,
deste motel... Estou esperando algo importante. Mas
teremos que partir os dois. Tratarei de informar meu novo
endereço.
— A quem? Por que tem que dar seu endereço a
alguém? Para que venham matar-nos outra vez? Vamos sem
dizê-lo a pessoa alguma!
— Bem... Eu concertarei tudo dentro de dois dias,
quando a tiver deixado a salvo. Vá buscar sua bagagem:
temos que sair daqui com toda a naturalidade.
— Verão que partimos juntos.
— Importa-lhe o que pensem?
Brigitte pareceu surpreender-se. Olhou um instante para
o japonês. De repente, aproximou-se dele e lançou-lhe os
braços ao pescoço, abraçando-o.
— Tenho medo, Masao... — murmurou, trêmula. —
Tenho muito medo... Mas não me diga que me deixará
sozinha um único momento...
— Procurarei um lugar seguro para você — afirmou ele,
tentando sorrir. — Conheço uma pessoa que poderá
aconselhar-nos devidamente. Vá buscar suas coisas.
— Aonde iremos?
— No momento, a Los Angeles. Uma vez lá, veremos.
— A Los Angeles! Mas... isto é tão longe!
— Chegaremos esta mesma noite, num vôo noturno.
Antes que amanheça, estaremos em Los Angeles. E quanto
mais longe, melhor... Não lhe parece?
— Sim. É verdade. Vou buscar minha bagagem agora
mesmo!
***
Tiveram que esperar quase uma hora antes que os alto-
falantes anunciassem para todos os cantos do aeroporto
internacional de Miami que o avião do vôo 712 esperava os
senhores passageiros na primeira pista.
Já então Brigitte tinha visto o homem do sinal no queixo,
o que estivera aquela manha no terraço, sempre perto de
Yoshimura.
— Vamos — disse Masao. — Temos que passar pelo
portão número...
— Oh, espere... Acho que me dói a cabeça...
Yoshimura tornou a sentar-se junto dela, tomou-lhe a
mão e sorriu carinhosamente.
— É efeito do golpe — afirmou. — A minha também
me dói. Se não nos apressarmos, perderemos o avião,
Brigitte.
— Sim... Um momento... É que me sinto um pouco
tonta...
Masao olhava-a com solicita atenção, enquanto ela,
simulando fechar os olhos para aliviar sua “intensa dor de
cabeça”, via o homem do sinal no queixo, o esbelto e
elegante cavalheiro que como eles estivera hospedado no
“Sandpiper Motel”. Seria possível que Masao não se tivesse
dado conta daquela “coincidência”? Porque, não havia
dúvida, o homem do sinal também se dispunha a partir no
vôo 712. Estava claro que os seguira, que se tinha
informado de seu ponto de destino e que tinha adquirido
uma passagem...
Sente-se melhor?
— Sim, estou melhor, obrigada.
— O ônibus está esperando para levar-nos ao avião.
— Se você não faz questão, prefiro ir a pé. A caminhada
me fará bem.
— De acordo. Mas para isso temos que ir
imediatamente.
Brigitte levantou-se, apanhando sua maleta vermelha. As
outras duas tinham sido transportadas para o avião, assim
como a bagagem de Yoshimura.
Quando saiam do vasto hall com destino às pistas, os
passageiros do vôo 712 estavam subindo para o ônibus que
os levaria ao avião. O homem do sinal no queixo tinha-se
voltado um instante, olhando-os, sem poder reprimir uma.
expressão de perplexidade.
Um empregado do aeroporto aproximou-se deles,
informando-os de que não poderiam circular pelas pistas,
mas posto ao corrente da dor de cabeça de Brigitte,
ofereceu-se para acompanhá-los, assegurando que uma vez
a bordo ela seria devidamente atendida pela aeromoça.
Quando chegaram ao avião, os outros passageiros já o
haviam tomado. E a primeira coisa que Brigitte viu ao
entrar foi o rosto inquieto do homem do sinal no queixo.
Estava mais para o fim do aparelho, e ela percebeu que se
tranqüilizava ao vê-los entrar. Bem dúvida, estivera receoso
que o deixassem partir para Los Angeles enquanto
permaneciam em Miami.
— Chamaremos a aeromoça para que lhe traga qualquer
coisa que...
— Já passou — sorriu Brigitte. — O ar fresco me fez
bem.
Estavam nos assentos da parte dianteira do aparelho. A
grossa porta tinha sido fechada. Ouviu-se o rugir dos
motores. Acendeu-se o sinal luminoso, indicando a
proibição de fumar e recomendando a colocação dos
cinturões de segurança.
***
Depois de um leve jantar que tinham encomendado, já
que antes nem sequer puderam pensar nisso, Brigitte
recostou a cabeça no espaldar acolchoado de sua poltrona e
fechou os olhos.
Estava completamente desorientada. Por um lado, o
homem do sinal do queixo. Por outro, Piotr Stalinov e seus
companheiros da MVD. Por outro, ainda, o personagem
desconhecido que tinha colocado o microfone em sua
cabana. Por outro, finalmente, a desconcertante afirmação
do agente soviético a respeito de que os Estados Unidos, em
aliança com os japoneses, tinham roubado da URSS uma
bomba atômica...
E, sobretudo, Masao Yoshimura revelava-se
simplesmente desconcertante. Talvez o mais desconcertante
de todos. Porque, para cúmulo da complicação, continuava
lhe parecendo um homem bom, amável; sem dúvida muito
mais assustado do que ela. Tão assustado realmente, que
apenas sua firmeza de caráter o impedia de regressar ao
Japão. Tinha algo que fazer e queria fazê-lo, apesar de tudo,
porque o considerava muito mais importante que atender à
sua clientela infantil em Tóquio. E essa coisa importante era
conseguir que os Estados Unidos lhe cedessem uma bomba
atômica para fazer a prova definitiva, que diria se a “Drágea
Anti-A” era ou não eficiente. Absurdo, sem dúvida.
Entretanto, se sua cabeça ainda funcionava bem, devia
entender que a Rússia havia entregado ou perdido uma
bomba atômica, a qual Piotr Stalinov e outros da MVD
queriam encontrar, recuperar ou, pelo menos, saber o
destino que lhe seria dado. Isso podia significar que Masao
Yoshimura...
— Champanha, senhorita?
Abriu bruscamente os olhos e contemplou a sorridente
aeromoça ruiva, de grandes e belos olhos verdes. Esta
percebeu uma hesitação, pois acrescentou amavelmente;
— É “Perignon 55”, bem gelado. Aceita?
Masao olhava para a aeromoça com um sorriso cortês,
enquanto ela colocava a bandeja com duas taças diante
deles. Apanhou a sua, sem prestar demasiada atenção a
Brigitte quando esta alcançou a que lhe correspondia, de
acordo com a disposição da bandeja.
“Baby” ergueu a taça e imediatamente viu o pequenino
papel que estivera oculto sob o pé.
Continha umas poucas palavras, em espanhol, que leu
rapidamente:
Tchim-tchim. Cuidado com o chim.
Quem a conhecia ali tão bem que...?
— Oh, perdão — murmurou a aeromoça. — Sinto
muito, mas não vi...
Tirou o papelzinho da bandeja, com toda a naturalidade
e afastou-se. Brigitte olhou de relance para Masao, mas este
parecia não ter dado a menor importância à presença do
pedaço de papel sob a taça de champanha. Um simples
descuido da aeromoça. Era possível que o japonês fosse tão
ingênuo? Ou, por infelicidade, era um espião de mais
categoria que ela, muito melhor ator, mais cínico e
hipócrita, capaz de dominar a todo momento seus
verdadeiros impulsos, de ocultar suas idéias, de conter suas
reações?
Cuidado com o chim... Era uma brincadeira de alguém
que julgava fosse chinês o seu acompanhante, em lugar de
japonês? Claro que não. “Perignon 55” a marca que
preferia... Quem a mandara tinha que ser um amigo da
agente “Baby”. Bem, isso era muito tranqüilizador,
certamente.
Deixou a taça na bandeja adaptada ao braço do assento e
tornou a recostar-se, fechando os olhos. Cinco minutos mais
tarde, abriu-os, olhou Yoshimura, que voltou a. cabeça para
ela, e disse:
— Volto já, Masao.
— Alguma coisa...?.
— Vou ao toalete.
— Ah... Bem.
Caminhou para a popa, lentamente, olhando atenta para
ambas as filas de assentos, mas com a maior dissimulação
possível. Havia passageiros já adormecidos, alguns com o
chapéu sobre os olhos. Outros a olharam, sendo que um
deles piscou-lhe um olho com simpática admiração. Em
atenção aos que desejavam dormir, não era projetado
nenhum filme sobre a tela existente na proa e as conversas
eram em tom baixo, correto, de modo que o silêncio reinava
quase absoluto. Vez por outra, parecia que o rumor dos
motores entrava no bojo do avião, atravessando a
fuselagem.
E três fileiras mais atrás, ela viu o chinês, de repente... e
com esforço conseguiu manter uma expressão impassível.
Ele a olhava. Era magro, de traços finos, boca sem lábios.
Devia ter pouco mais de trinta e cinco anos e estava
corretamente vestido à européia. O rosto era duro, quase
hostil. Sustentou com firmeza o breve olhar de “Baby”.
E foi o que bastou para que ela sentisse um ar frio.
Prosseguiu até o toalete, entrou, saiu alguns minutos após e
dirigiu-se à sala do pessoal subalterno de bordo.
A aeromoça lá estava, percebeu seu sinal e saiu
imediatamente ao corredor.
— Posso ser-lhe útil em alguma coisa?
— Quem pos o papelzinho embaixo de minha taça?
— O pa...? Oh, peço-lhe que nos perdoe. Talvez o
garçom não tenha notado...
— Compreendo. Não quer dizer?
A bonita aeromoça sorriu. Brigitte acabou por sorrir
também. A negativa era amável, mas firme.
— Está bem. De qualquer modo, obrigada.
— Sinto muito.
Regressou a seu assento e, após olhar o sempre amável e
simpático Masao Yoshimura, decidiu que o melhor a fazer
durante aquele vôo noturno era dormir, naturalmente.
O chinês nada faria durante a viagem. Um chinês! Que
diabo teria a ver um chinês com tudo aquilo?
CAPÍTULO SEXTO
Espiões a postos
Uma pista perdida
As dúvidas de Masao Yoshimura

Pelas seis horas da manhã, o avião pousou no aeroporto


internacional de Los Angeles.
Às sete, Brigitte Montfort e Masao Yoshimura estavam
alojados em duas cabanas do “Motel Naranjos”, em Santa
Mônica. Ela ocupou a cabana número 10. Masao a número
12, contígua, separada por um pequeno jardim onde
madressilvas e manacás alternavam com laranjeiras.
Quando um empregado do motel deixou a bagagem de
“Baby” na cabana desta, disse o japonês, apenas ele saiu:
— Aqui estaremos seguros. Ninguém nos conhece.
Ela considerou-o atentamente. Não sabia ainda se ele era
tolo ou demasiado esperto. Acreditaria mesmo que ali
estariam em segurança, que ninguém os conhecia?
— Vai deixar-me sozinha? — perguntou.
— Acho que será o melhor.
— Por que?
— Não sei... Não quero que pensem nada de especial a
seu respeito.
— Isso pouco me importa.
— Eu... estarei na cabana ao lado, como sabe. Se
precisar de mim, é só chamar.
— E não seria melhor que o pudesse chamar... em voz
baixa? Não seria muito melhor, Masao? Por que duas
cabanas, quando só precisamos de uma?
Yoshimura hesitou. Mas, na verdade, possuía um caráter
firme. Dirigiu-se para a porta, girou a maçaneta e disse com
voz algo rouca:
— Já sabe onde me encontrar.
Saiu antes que Brigitte pudesse acrescentar mais nada.
Imediatamente, esta se dirigiu à. janela. Já era dia, de modo
que pode ver muito bem Masao atravessando o pequeno
jardim.
E também pode ver perfeitamente o chinês do avião.
Estava num carro, no assento traseiro, assomando um pouco
a cabeça pela janela. Não parecia ter grande interesse em
ocultar-se. Ao volante havia outro homem, e outro junto a
és-te. Mas não conseguiu ver se também eram chineses.
Olhou novamente para Masao, que já subia ao pórtico de
sua cabana. Suas maletas lá se achavam e o empregado do
motel esperava, com a chave. Masao deu-lhe uma gorjeta,
tomou a chave e o homem afastou-se, dirigindo um olhar
não muito curioso para o carro ocupado pelo chinês do
avião, estacionado no “parking” do motel.
Deixou de olhar o carro do chinês para investigar os
arredores. Nem sombra do homem moreno, elegante, com
um sinal no queixo.
Contraindo as sobrancelhas, Brigitte foi olhar pela janela
traseira da cabana, para a parte dos jardins internos. Não se
surpreendeu absolutamente ao ver ali o homem do sinal,
mais ou menos oculto atrás de uma grossa palmeira. Parecia
não dispor de veículo, pelo que estava em inferioridade de
condições com respeito ao chinês.
Tornou à janela da frente, olhando de novo para o carro
do oriental. Continuava lá. O chinês tinha desaparecido da
janela. O homem atrás do volante mantinha-se imóvel.
Ninguém parecia ter pressa, mas o cerco se estava fechando
de um modo quase descarado.
Abriu a maleta vermelha, sacou o rádio e acionou-o.
— “Johnny”,?
— Diga, “Baby”.
— Como se foi de vôo?
— Bem. Suponho que tenha percebido o grande
interesse demonstrado por dois dos passageiros com relação
a você e Yoshimura. um deles estava hospedado no
“Sandpiper Motel”... Sabe a quem me refiro?
— Ao que tem um sinal no queixo?
— Exatamente. Está agora no jardim dos fundos do
motel. Não o viu?
— Claro. Também vi o chinês. Dispomos de carro?
— Pedi-os de Miami. “Johnny II” e eu dispomos de dois
esplêndidos carros, que nos estavam esperando no
aeroporto.
— Excelente. Diga-me uma coisa, “Johnny”: não notou
nenhum outro passageiro que tenha demonstrado interesse
especial por mim... por Yoshimura, e por mim?
— Refere-se ao que deu o bilhete à aeromoça?
— Vocês viram?. — perguntou ela, vivamente
interessada.
— Sem dúvida. Esteve falando uns segundos com ela.
Deu-lhe o bilhete, ela sorriu como se o conhecesse muito
bem, assentiu com a cabeça, depois foi ao bar. Encomendou
as duas taças de champanha, pôs o papelzinho embaixo de
uma e serviu-as a você e ao japonês.
— Bom trabalho, “Johnny”! Quem é ele?
— Não sei.
— Como não sabe? Acaso não tínhamos um agente
esperando no aeroporto com os carros?
— De fato.
— E não o encarregaram de seguir asse homem?
— Impossível: tinha desaparecido.
— Tinha...? Que está dizendo? — zangou-se “Baby”.
— Desapareceu. Evaporou-se diante de nossos narizes.
— Como posso acreditar que alguém tenha desaparecido
num avião? Você está brincando?
— Antes estivesse. Vou-lhe dizer o que aconteceu: o
homem do bilhete era um tipo de aproximadamente sessenta
anos, ombros largos, mas um pouco curvado. Usava óculos,
tinha uma barbicha grisalha e fumava cachimbo. Passou a
viagem de modo mais tranqüilo que se possa imaginar.
Tinha uma cara simpática, de velhote bom vivedor. Um tipo
facílimo de identificar. Muito bem. Chegamos ao aeroporto,
“Johnny II” e eu fomos os primeiros a sair do avião e
colocamo-nos discretamente um de cada lado da escada,
para vermos os passageiros que desciam... Saíram todos:
você, Yoshimura, o chinês, o do sinal no queixo... Todos...
menos o velhote da barbicha e do cachimbo.
— Ficou no avião?
— Não. Evaporou-se, já disse. Desapareceu, desfez-se
em fumaça, tornou-se invisível. Nem sinal dele.
— Suponho — comentou acremente Brigitte — que
você tenha percebido a jogada, “Johnny”.
Chegou-lhe o suspiro de seu companheiro.
— Demasiado tarde, querida. Com efeito, a barbicha, os
óculos, o cachimbo... Era tudo disfarce. Deduzo, com
irrefutável lógica que nosso amigo efetuou uma
metamorfose no toalete, pouco antes da aterrissagem; ficou
lá até o momento desta e saiu do avião transformado em
pessoa muito diversa. Lamento.
— Lamenta! Mas nem sequer notou que a barba e todo o
resto eram puro disfarce?
— Olhe, “Baby”, fui advertido de que você é muito
esperta. Por minha parte, não sou nenhum retardado mental.
Isto ficou bem claro desde o momento em que me
escolheram para vigiar o japonês que pedia uma bomba
atômica. Assim sendo, lhe direi que aposto meu pescoço
que você tampouco se teria dado conta de que aquele
homem usava disfarces. É um mestre. Compreenda bem:
um mestre. Não um espião mais ou menos astuto e hábil,
mas um autêntico mestre. É capaz de enganar a qualquer
um.
— Não falou nada, não se lhe ouviu uma só palavra...?
— Nada. Tanto pode ser russo como alemão, tcheco,
americano... Mas, sem dúvida, é um mestre. O que muito
me alegra.
— Por quê?
— Porque se trata de um amigo seu. Isso é fácil de
deduzir, “Baby”.
— Era alto, baixo, gordo, magro, olhos claros,
escuros...?
— Tem que ser alto. Queixo grande e forte. Mãos muito
tisnadas. É tudo.
— Bem... — resignou-se Brigitte. — Suponho que
aparecerá quando lhe parecer oportuno.
— Certamente. Que fazemos?
— Nada, Vigiar e esperar minhas instruções.
— Okay.
“Baby” cortou a comunicação e ficou pensativa.
Subitamente, sorriu e levantou um dedo, movendo-o como
se estivesse repreendendo alguém invisível.
— Ah, “seu” maroto!...
Quase rindo, voltou a uma e outra janela. A vigilância
por parte do chinês e do homem do sinal no queixo
continuava. E a idéia de que se cansassem de esperar passou
por sua mente. Que aconteceria então?
Abriu uma de suas maletas, sacou um diminuto pijama
de calça até os joelhos e casaco até o umbigo, quase
transparente, e meteu-o na maleta vermelha. Guardou a
outra maleta no armário, apanhou a vermelha e saiu da
cabana.
Com seu passo vivo e miúdo, dirigiu-se para o jardim
que separava a cabana 10 da cabana 12. Atravessou-o e
continuou até o pórtico da cabana 12. Voltou ligeiramente a
cabeça, olhando de relance para o carro do chinês. Pousou a
maleta no chão, abriu-a e simulou procurar alguma coisa
nela, enquanto ouvia através da porta a voz de Masao
Yoshimura... só que em japonês. Dado que Masao era um
homem perfeitamente equilibrado e mais do tipo silencioso,
a idéia de que estivesse falando sozinho não a convenceu
em absoluto. Portanto, alguém estava lá, com Masao
Yoshimura. Após brevíssima hesitação, Brigitte bateu na
porta. A voz de Masao deixou de ouvir-se um instante.
Ouviu-se depois, precipitada. E finalmente, deixou de
ouvir-se, até que tornou a soar perto da porta.
— Quem...?
— Masao, sou eu...
O japonês abriu e olhou com expressão quase severa
para “Baby”
— Aconteceu-lhe alguma coisa?.
— Estou com medo.
— Ora, vamos, Brigitte. Não seja criança...
— Pensei que lhe agradavam as crianças.
— Vá descansar um pouco. Seria bom que dormisse
algumas horas.
— Quero dormir aqui, com você. Estou com muito
medo, Masao... Se ficar sozinha naquela cabana, gritarei,
pedirei socorro... Estou com medo!
— Entre, então.
Brigitte entrou e Masao fechou rapidamente a porta. Ela
dirigiu-se diretamente ao quarto, mas lá não havia ninguém.
Deixou a maleta, foi até o banheiro, olhou, por último
espiou na diminuta cozinha. Não só não havia ninguém,
mas as portas e janelas estavam fechadas por dentro.
— Já foi? — perguntou.
Masao, que a tinha seguido silenciosamente, franziu a,
testa, enquanto um novo interesse surgia em suas pupilas
negras.
— Quem?
— Seu amigo. Estou certa de que havia alguém aqui... E
você estava falando com essa pessoa em japonês. Eu ouvi,
Masao.
— Não há ninguém aqui.
— Isso eu sei. Mas havia. Era um de seus amigos?
— Estive sozinho todo o tempo. Que prefere você:
dormir um pouco ou fazer uma refeição?
— Ainda não sei. Depende...
— Depende de quê?
— Do que você queira fazer.
— Também não sei... Quer um cigarro?
Brigitte aceitou. Sentou-se no sofá e ficou olhando para
Yoshimura, com o cigarro nos lábios. O japonês estava
muito pensativo; demorou alguns segundos para perceber
que ela estava esperando que lhe acendesse o cigarro.
— Oh... Desculpe.
Acendeu-o. E quando ia retirar a mão, Brigitte segurou-
a, puxando-a, para que ele se sentasse a seu lado.
— Por que você me engana, Masao? — sussurrou.
— Não a engano.
— Engana sim. E além disso, está assustado. Quase diria
que mais do que eu mesma. Nota-se facilmente isso, Masao.
Por que está assustado?
— Não estou assustado.
— Muito assustado — sorriu docemente “Baby”. — E
perplexo, confuso... quase desesperado. Por quê? Eu não o
poderia ajudar, Masao?
— Você?
— Por que não? Sei que sou uma moça tola, mas lhe
quero bem. As vezes, os tolos conseguem o que não
conseguem os espertos. Diga-me a verdade: você veio fazer
algo de mau em meu país?
— Não.
— Está mentindo — disse ela com naturalidade,
aproximando-se mais, encostando-se suavemente a ele. —
Tem estado mentindo o tempo todo.
— E você não? — retrucou Yoshimura.
— Eu? Em que posso eu mentir?
— Diz que me quer bem... Mentira. Mas não importa.
Não preciso que ninguém me queira. Isso é uma...
Inferioridade.
Brigitte deixou cair o cigarro e apertou-se mais contra o
japonês, beijando-o lenta e docemente, no pescoço, no
queixo, nos lábios...
— Posso provar-lhe a qualquer momento que o amo,
Masao. Mas ainda assim, se soubesse que você está
tramando algo contra os Estados Unidos, chamaria a
Polícia. Diga-me que não é nada disso... e eu farei sempre o
que você quiser, irei com você para Tóquio... Sempre a seu
lado. Você já não estará mais sozinho...
— Não estou sozinho — protestou ele, com demasiada
firmeza.
— Você é como um menino, muito mais tolo do que eu,
querido... — Brigitte passou carinhosamente um dedo por
seus lábios, olhando-os. — Nem sequer sabe mentir. Esteve
sempre só, sem amor, sem amizade, sem carinho de espécie
alguma... Eu sei. E agora está num país estranho, querendo
fazer algo que talvez seja superior às suas forças, algo para
o que não está preparado. Por isso assusta-se, fica confuso.
Já nem sequer sabe se o que tem que fazer é bom ou mau,
está em dúvida, hesita, desconfia... Tem certeza de que eu
não posso ajudar?
— Não... não sei, Brigitte...
“Baby” deu-lhe um beijo rápido nos lábios.
— Meu querido menino... — sussurrou. — Está só, tem
medo... Que é que tanto o assusta? O que deve fazer? Por
que não me conta, para podermos decidir os dois? Quero
ajudá-lo, meu amor...
Atraiu a cabeça do japonês para seu peito. O rosto de
Masao Yoshimura descansou apoiado por um selo que
palpitava suavemente. Parecia que ele se tinha relaxado um
pouco. E quando suspirou, seu hálito atravessou o tecido da
blusa de Brigitte.
— Sente-se melhor?
— Brigitte, garanto-lhe que não estou fazendo nada de
mau...
— Talvez você pense que não é... mas seja.
— Não... Não é. Não é mau o que quero fazer, mas
receio haja alguma mentira escondida. Sinto... pressinto que
tudo é demasiado formoso para que seja verdade, para que
seja eu a pessoa destinada a consegui-lo... E acho que me
estão enganando. Não sei por que, mas tenho esse terrível
pressentimento.
— Quem está enganando?
— Todos. Você também. Mas sobretudo, se penso com
vagar no assunto, parece que justamente aqueles que me
solicitaram esse trabalho, garantindo-lhe maravilhosos
resultados, é que me enganam.
— Que resultados foram prometidos?
— A paz em todo o mundo, para sempre.
— A paz para sempre... Isso não é possível, Masao!
— Sim, pode ser possível... Seria possível se o que
afirmam a respeito das drágeas fosse verdade, se os Estados
Unidos aceitassem...
— De que você está falando?
A voz de “Baby” era apenas um murmúrio e suas mãos
acariciavam a cabeça de Masao Yoshimura, que se ia
relaxando, como se a doçura do seio no qual repousava nele
penetrasse, e aquelas mãos suaves afastassem qualquer
pensamento que passasse por sua mente, exceto os que se
relacionavam com o assunto que o obcecava.
— Você acreditaria se lhe dissesse que há alguma coisa
capaz de anular a radioatividade de uma explosão atômica?
— perguntou.
— Se você o diz...
— É uma drágea, chamada “Anti-A”. O país que a
possuir estará imunizado contra a radioatividade, de modo
que seria... o mais poderoso do mundo. E eu... vim aos
Estados Unidos para oferecer essa drágea.
— Em troca de quê?
— De nada. De nada, realmente. Bem, só pedimos uma
bomba atômica para explodi-la em lugar adequado,
realizando assim uma prova final... Mas quanto mais penso,
mais convencido fico de que isto é absurdo. Ninguém
quererá dar uma bomba atômica. Nem mesmo os Estados
Unidos. Entretanto, algo me deixa perplexo... E você tem
razão: assustado. Porque me parece que alguém já cedeu
uma bomba atômica...
— A Rússia?
— Sim...
— Não a entregaram a você? Aquele espião russo e seus
dois amigos foram a Miami reclamá-la a você. E a mim,
porque pensavam que estávamos trabalhando juntos. É a
primeira vez que você pede uma bomba atômica, Masao?
— Claro... Tem graça! Estamos falando em pedir
bombas atômicas como se fosse uma coisa natural, corrente.
Os Estados Unidos deviam cedê-la, para o bem de todos, a
fim de que se pudesse realizar a prova final. Mas...
— Mas se a Rússia já entregou uma... Por que, então,
pedir outra aos Estados Unidos? É isso que faz você pensar?
— Justamente.
— Diga-me, Masao: quem o mandou pedir uma bomba
atômica aos Estados Unidos?
— Isso não devo dizer... Já me advertiram que não
confiasse em ninguém, que desejariam matar-me, talvez. E
isso já aconteceu... — Masao Yoshimura incorporou-se de
súbito e encarou os olhos azuis de “Baby”. — Quem é você,
afinal de contas? Por que lhe estou contando isto?
— Talvez você esteja apaixonado por mim... como eu
por você.
— Está mentindo.
— Não, Masao. Não estou mentindo, É mesmo verdade
que você seja capaz de descobrir essa... luz infantil nos
olhos das pessoas. Mas você não é o único a possuir tal
poder de conhecimento sobre os outros. Eu também sei
distinguir o bom do mau.
— E vai-me dizer que lhe pareço bom?
— Fundamentalmente bom.
Masao franziu a testa.
— Quanto mais penso, mais me surpreende essa súbita
aparição de você em minha vida... — murmurou. — De
repente, surge diante de mim uma linda jovem americana,
que me diz sayonara, sorri para mim, beija-me, diz que me
e está disposta a dar-me tudo quanto lhe peça. Sem motivo,
sem fundamento, em menos de vinte e quatro horas. Tudo
bom demais.
— Também é bom demais isso da “Drágea Anti-A”, e
você acreditou nela — sorriu Brigitte.
— Começo a convencer-me de que sou um pobre idiota.
Nunca devia ter saído de minha clínica em Tóquio.
— Por que você há de acreditar que todos queremos
enganá-lo?
— E por que hei de crer que neste sujo mundo haja
alguém que esteja disposto a fazer algo realmente belo?
Ninguém... ninguém é capaz de proceder assim.
— Não queira ser cínico, Masao. Você me agrada mais
como é, com sua sinceridade, sua ingenuidade... Acha que o
amor é belo?
— Sim, quando não é falso.
— Tenha fé nessa drágea — disse Brigitte. — Talvez
tudo seja verdade, afinal. Quanto ao amor autêntico, talvez
eu tenha... um pouco para você, Masao.
Passou uma das mãos pelo ombro e introduziu os dedos
na folgada abertura da blusa, fez o mesmo do outro lado e,
erguendo bem alto os cotovelos, tirou agilmente a blusa
pela cabeça, Seus seios pareceram saltar, pois estava sem
sutiã. Ergueu-se e desprendeu a saia, que escorregou ao
longo de suas pernas. Trajando apenas minúsculas
calcinhas, defrontou o japonês.
— Já vi antes seu corpo — murmurou roucamente
Yoshimura — e soube conter-me...
Brigitte tirou as calcinhas e olhou para ele, sorrindo
travessa.
— Querido — sussurrou, erguendo os braços, com o que
os seios pareceram fremir numa vibração ardente —, se eu
quiser, você não poderá conter-se, por muito domínio que
tenha sobre si mesmo. E eu quero. Agora.
Sentou-se sobre os joelhos de Masao e colou sua boca à
dele. Uma de suas mãos acariciou a nuca do japonês,
enquanto a outra, apoderando-se de uma das dele, levou-a
aos seus palpitantes seios. Yoshimura fez um movimento
para desvencilhar-se do sensual abraço, mas “Baby” lançou-
se para trás, enlaçando-o agora pelo pescoço, arrastando-o
consigo, até que ele ficou por cima dela, que continuava
beijando-o profundamente na boca, gemendo, produzindo a
cada gemido um estremecimento no corpo do japonês, que
logo a abraçou com ânsia frenética, delirante de paixão.
***
— Acha que menti? — perguntou docemente Brigitte.
Yoshimura beijou-lhe primeiro um seio, depois o outro
lentamente.
— Não sei...
Ela abraçou-o pelo pescoço, oferecendo-lhe os lábios,
que ele aceitou com a sofreguidão de quem quer queimar-se
definitivamente.
— Na verdade, você é um menino, Masao. Não quer
confiar completamente em mim?
— Por que hei de fazê-lo? Que necessidade tem você de
saber alguma coisa? Para quê? Já lhe disse demasiado.
— Se continua desconfiando de mim, irei embora e você
nunca mais tornará a ver-me. Embora talvez isso não lhe
importe... Talvez seja você quem me esteja enganando.
— Não. Isso não, Brigitte. — O abraço de Yoshimura se
estreitou. — Não lhe menti absolutamente. Mas não quero
dizer mais nada.
— Vai levar-me com você para Tóquio?
— Se na verdade o deseja, se na verdade me ama...
— Querido, você é tão exigente... — disse ela, beijando-
lhe o queixo. — Não há maneira de convencê-lo?
— Talvez.
— Olhe... Diga-me somente por que foi escolhido para
vir aos Estados Unidos, e quem o enviou. Diga-me somente
isso, para que eu saiba a quem deverei culpar se o
enganaram... Diga-me isso apenas, e não lhe farei mais
perguntas. Se lhe acontecer alguma coisa, quero saber a
quem tenho que odiar por tê-lo metido nisto, por ter metido
também a mim... Não quer dizer?
— Noburo Tanaka — murmurou Yoshimura, hesitante.
— E não pergunte mais.
“Baby” assentiu com a cabeça. Apanhou a maleta que
deixara junto ao sofá, foi ao quarto, dela retirou um
pequeno aparelho, comprimiu um botão e começou a ouvir
um levíssimo tic-tic-tic-tic... enquanto a diminuta agulha
apontava para o armário. Foi a este, abriu-o, viu a maleta,
abriu-a; a agulha estava fixa e o tic-tic-tic era agora um
silvo quase inaudível.
Olhou para o pequeno rádio de bolso que Yoshimura
tinha na maleta, deixada ali rapidamente. Sorriu, fechou a
maleta e o armário, e pos o pijama, tranqüilamente,
convencida de que durante todo o tempo o japonês tinha
permanecido no sofá.
Já com o gracioso e transparente pijama, apareceu
sorrindo na porta do quarto.
— Ainda nem são oito horas... Que fazemos, Masao?
CAPÍTULO SÉTIMO
Atrás de uma moeda
Um consorcio nipo-americano
O melhor é entrar na jaula

Apenas escureceu, Masao Yoshimura começou a olhar o


relógio. E às nove em ponto, quer dizer, depois de tê-lo
consultado pelo menos uma dúzia de vezes, pôs-se de pé.
Brigitte, sentada junto dele no sofá, desviou sua atenção da
música que brotava do rádio da cabana.
— Que é isso? Tornou a ficar nervoso?
— Não.
Yoshimura dirigiu-se ao quarto, entrou e fechou a porta,
como por distração. Brigitte esperou uns segundos antes de
se levantar e aproximar da porta. Claro que se pôs a escutar,
com a orelha colada à madeira. Sorriu ao ouvir o murmúrio
da voz de Masao, novamente falando em sua língua. Com o
que, ela não pode entender nem uma só palavra.
Não obstante, e apesar da dificuldade adicional
constituída pela música do rádio, permaneceu escutando até
que deixou de ouvir a voz do Japonês. Então, regressou a
toda a pressa ao sofá, sentou-se e ficou olhando para o
rádio, como embevecida pela música.
A porta se abriu e Yoshimura apareceu no limiar.
— Vou sair — disse.
Brigitte olhou-o sorrindo, como se ainda em pleno
êxtase musical. Parecia não ter compreendido, mas
compreendeu subitamente e levantou-se com precipitação.
— Vai sair? — exclamou.
— Sim. Tenho algo que fazer.
— Masao, leve-me com você. Não me deixe sozinha
nesta...
— Aqui você está em segurança. Espero voltar logo, e
então tudo estará solucionado.
— Tudo...! Como vai solucionar tudo?
— Ainda não sei. Mas quando voltar, poderemos ficar
tranqüilos.
— Poderemos... partir juntos para Tóquio?
Yoshimura assentiu sombriamente.
— Se você quiser mesmo vir comigo, se pensou bem...
— Tive todo um dia para convencer-me de que quero
estar com você para sempre — afirmou ela, sorrindo
carinhosamente.
— Então, espere-me aqui. Suplico-lhe, Brigitte: tudo o
que você tem a fazer é esperar-me aqui. Só isso.
“Baby” sentou-se no sofá, com os olhos brilhantes.
— Não importa quanto você demore, Masao: eu o
esperarei.
O japonês hesitou. Por fim, aproximou-se dela e beijou-a
profundamente nos lábios. Depois, dirigiu-se novamente ao
quarto.
— Pensa levar sua bagagem? — perguntou Brigitte.
— Vou sair pela janela traseira.
— Mas...
— Brigitte, por favor!
Ela mordeu os lábios.
— Está bem. Eu... confio em você, Masao.
O japonês tornou a mover afirmativamente a cabeça,
entrou no quarto e fechou a porta. Brigitte esperou uns
segundos. Apenas quinze. Depois, entrou no quarto,
verificando que, com efeito, Masao Yoshimura tinha
partido. A janela estava fechada, mas não trancada por
dentro.
Brigitte abriu sua maleta, sacou o rádio e chamou:
— “Johnny”?
— Nós o vimos sair. E o homem do sinal no queixo vai
atrás dele, a pé, para a saída do motel.
— Deixem que ele o siga. Por nossa vez, você e eu
seguiremos o do sinal no queixo, num dos carros. Quanto a
“Johnny II”, tenho alguma coisa para ele. Deverá localizar
um homem chamado Noburo Tanaka.
— Noburo Tanaka... Entendido. Puxa, outro japonês, ao
que parece.
— Neste assunto há de tudo: americanos, japoneses,
chineses, russos... Isso, que eu saiba. Você verá como
aparecem outros personagens. De que nacionalidade pensa
você que seja o do sinal do queixo?
— Sei lá...
— Francês — disse Brigitte. — Aposto uma taça de
champanha como é francês. Falta o inglês.
— Como?
— Tive muitas horas para pensar, enquanto estive aqui
encerrada, esperando que alguém se movesse.
— Bem... Que está pensando, que suspeita...?
— Não há tempo para falar. Vou sair como Yoshimura,
pela mesma janela. Os chineses continuam diante da
cabana... Não devem suspeitar de que fica vazia. Tenha o
carro preparado à saída do motel. E “Johnny II” que trate de
descobrir Noburo Tanaka. Não pude chamar antes porque
me pareceu melhor não largar Yoshimura. Vejamos se
conseguimos saber aonde vai.
— Okay. Fico à sua espera.
“Baby” fechou o pequeno rádio, guardou-o na maleta,
apanhou esta e dirigiu-se ao living da cabana. Aproximou-
se do rádio, elevou um pouco mais o tom e foi à janela.
Olhou com todo o cuidado. O carro onde estava o chinês
Continuava lá. Ninguém parecia ter pressa ou sentir-se
preocupado com o tempo perdido. Não muito convencida
de que pudesse enganar o chinês, tornou a entrar no quarto,
sem apagar a luz do living nem desligar o rádio, cuja
música ouvia.se agora com mais força.
Fechou a porta do quarto, ficando às escuras. Foi à
janela, abriu-a, saltou para o jardim traseiro e deslizou a
toda a pressa, como mais uma sombra, para a saída do
motel, mas fazendo uma volta conveniente que a afastava
da possível vigilância do chinês, Claro que se tanto ela
como Yoshimura conseguissem afastar-se dali sem que ele
percebesse, então a espionagem do ilustre filho do ex-
Celeste Império era de muito baixa categoria.
Ainda na incerteza de que o homenzinho tivesse ou não
percebido sua jogada, “Baby” saiu do motel, O carro
enorme, preto, esperava a uns trinta metros da entrada, à
sombra de um grande plátano. E um braço de “Johnny”
apareceu pela janela, fazendo-lhe sinais para que se
apressasse.
Quando ela entrou no carro, “Johnny” deu
imediatamente a partida, resmungando:
— Vão escapar!
— Eles dispõem de carros?
— Masao Yoshimura foi apanhado por um automóvel. O
homem do sinal no queixo manteve um táxi à sua espera
durante todo o dia.
— Isso lhe custará bom dinheiro... — sorriu Brigitte. —
Pergunto-me qual é o jogo de toda essa gente. Um montão
de espiões reunidos em torno de Masao Yoshimura e, ao
contrário das outras vezes, ninguém parece muito
preocupado em esconder dos demais suas intenções.
— Isso lhe sugere alguma coisa?
Brigitte se tinha voltado no assento para olhar pelo vidro
posterior: não viu o carro do chinês.
— Esse chinês, está claro, é um espião de brinquedo. Ou
tem um jogo especial. Sim, isso me sugere algo, “Johnny”:
que todos estamos tão convencidos da importância do
assunto a ponto de parecer-nos indiferente que nos
identifiquem ou não como espiões... Aí vem o chinês!
Menos mal!
— Está satisfeita por sermos seguidos? — estranhou
“Johnny”.
— Acho monótono competir com espiões sem categoria
— corrigiu Brigitte. — Apenas isto. Agora, vamos despistar
o chinês, depois seguiremos tranqüilamente o amigo do
sinal no queixo e, portanto, o bondoso Masao Yoshimura.
Vire para a esquerda.
— Para a es...? Vamos perder de vista o táxi que...!
— Tornaremos a encontrá-lo. Vire.
“Johnny” encolheu os ombros. Moveu o volante, o carro
entrou por um cruzamento... e o táxi do homem do sinal e o
carro de Yoshimura seguiram em frente, O espião soltou um
grunhido, olhando de relance para a famosíssima agente
“Baby”, que se limitava a sorrir, olhando para trás.
— Agora, para a direita. Depois, em linha reta por uns
quinhentos metros...
— Conhece a cidade?
— Querido “Johnny”: eu conheço todos os lugares
interessantes do mundo. Mais depressa. Ele está ficando
atrapalhado... A direita. Depois outra vez à direita.
Durante três minutos, “Johnny” esteve obedecendo às
indicações de Brigitte. Ao cabo desse tempo, ela pôs-se a
rir.
— Volte para a Avenida Capistrano.
— Yoshimura e o do sinal estão-nos esperando? —
ironizou “Johnny”.
— Não é preciso.
Abriu a maleta, sacou o que parecia uma bússola-relógio
de ourivesaria e comprimiu a pequena esfera que devia
servir para dar corda ao relógio. Imediatamente a agulha da
bússola apontou para frente, ou seja, para oeste, o que não
deixava de ser surpreendente numa, bússola...
— Perfeito, “Johnny”. Siga com esta mesma velocidade.
Logo os veremos... se não se afastaram mais de uma milha.
Não é formidável? Permiti-me colocar num bolso de
Yoshimura uma moeda de centavo muito especial, e agora
sabemos onde está a moeda... e Yoshimura.
— Compro essa maleta! — riu “Johnny”, aliviado e, na
realidade, divertido.
— Nem por um milhão de dólares, querido. Devo-lhe a
vida um montão de vezes. Estamos perto... Diminua a
marcha.
— Estou vendo o táxi.
— Ótimo. Um cigarro?
— Se é da maleta, não. No mínimo explodiria embaixo
do meu nariz!
Brigitte pôs-se a rir, acendeu dois cigarros, colocou um
na boca de “Johnny” e olhou-o maliciosamente.
— Por que sempre me dão um companheiro tão
simpático?
— Você merece tudo — riu “Johnny’, lançando um
olhar ao espelho retrovisor. — O chinês não vem?
— Esqueça-o. Está praticando o turismo nesta bela
cidade.
***
O táxi deteve-se por fim nos arredores de Santa Mônica,
para o sul, muito perto do mar, e “Johnny” parou
imediatamente o carro, afastando-o do caminho de terra que
tinha estado seguindo havia alguns minutos. Viram
perfeitamente o homem do sinal no queixo abandonar o
táxi, que deu meia volta, saiu do caminho e foi estacionar
entre uns pinheiros, no meio da sombra.
— Esse chofer deve estar sentindo a emoção da aventura
— comentou “Johnny”.
— Vamos seguir nossos amigos, “Johnny”.
Saltaram do carro e, como o homem do sinal,
caminharam por entre os pinheiros para a elevada sebe que
se via ao fundo, recortando-se na noite estrelada, sob a lua
crescente. Viram-no deter-se e olhar para a grande entrada
do que parecia uma chácara de vastas proporções, junto ao
mar. Completamente cercada de sebes, com uni enorme
parque cheio de árvores de toda espécie, estendia-se até a
praia. Brigitte sacou seu binóculo e assestou-o para a
entrada. Acima de dois grossos pilares, havia um elaborado
arco de ferro forjado ao qual estavam fixadas grandes letras.
— Não vejo bem...
Aproximaram-se um pouco mais e ela tomou a enfocar o
binóculo.
— Parece que está escrito...
— O homem do sinal encaminha-se para um lado da
sebe.
— Vai entrar. Deixe-o. Depois entraremos também. Ah,
está escrito: Jap-american Pictures.
— Um estúdio cinematográfico! — exclamou “Johnny”.
— Exato. Parece um consórcio nipo-americano... Pelo
menos, é o que sugere o nome: Jap-american. Bem. Eu
diria que estamos no bom caminho, “Johnny”. O russo Piotr
Stalinov disse que tinham localizado Masao Yoshimura
quando chegou do Japão a uma produtora cinematográfica.
E não acho descabelado supor que seja essa.
— Entendo que Stalinov estava vigiando a produtora.
— Sim. Alguma coisa aconteceu... Parece que por
intermédio de um homem chegaram até aqui. Que foi
mesmo que me disse Stalinov? Ah... Disse que um dos
homens que conseguiram matar, quando começou o caso da
bomba, foi identificado. Era um ator de um estúdio
cinematográfico... que deve ser este aqui. Um ator chamado
expressamente do Japão. Depois, parece que souberam que
Masao Yoshimura também tinha chegado ao estúdio e
puseram-se a vigiá-lo. Parece que não conseguiram saber de
nada enquanto Yoshimura esteve aqui, de modo que
resolveram segui-lo para ver o que acontecia. E o que
aconteceu foi que, em Miami, Yoshimura entrou em contato
com uma espiã norte-americana... Isso aborreceu o russo
Stalinov, o qual pensou quem sabe que barbaridades e
resolveu intervir, pedindo explicações sobre uma bomba
atômica roubada da Rússia. Gostaria de saber como as
coisas aconteceram...
— Stalinov já não poderá dizê-lo.
— Não, claro — sorriu secamente Brigitte. — Mas
talvez o chim, ou o homem do sinal no queixo.
— Acha que também eles seguiram o mesmo caminho
que Stalinov, vigiando o estúdio e Masao Yoshimura?
— De um modo ou de outro, algo assim está
acontecendo. Piotr Stalinov encontrou o estúdio por meio
do homem que mataram “quando se deu o caso da bomba”.
O do sinal no queixo e o chinês podem ter seguido pistas
diferentes, mas o certo é que estão atrás de Masao
Yoshimura. E o pobre Yoshimura...
— Por que “pobre Yoshimura”? — grunhiu “Johnny”.
— É evidente que ele faz parte desse misterioso complô
interessado em bombas atômicas.
— Eu me entendo, “Johnny”. Bem. Parece que não é só
a Rússia que tem motivos para pedir explicações, mas
também a China. O do sinal no queixo deve ser francês... ou
inglês. Afinal, sua nacionalidade não oferece demasiadas
dúvidas: tem que ser agente secreto de um país que
disponha de bombas atômicas.
— É uma conclusão... que dá muito que pensar. Acha
você que Masao Yoshimura está empenhado em pedir
bombas atômicas aos países que as possuem?
— Parece evidente.
— Em cujo caso, devemos crer que essa... prova da
“Drágea Anti-A” realizou-se em diversas ocasiões, antes.
— De fato... Mas, “Johnny”: tudo isto não lhe cheira a
sangue?
— Como?
— Nada — estremeceu Brigitte. — Vamos ver se
conseguimos escalar a sebe, atrás de nosso amigo do sinal
no queixo.
Chegaram pouco depois junto à sebe da enorme
propriedade. Não havia nem uma só luz, não se ouvia um
ruído... Exceto o rumor vago do mar, que devia estar muito
perto.
— Atire-me a maleta quando... Espere: creio que ela
passa através da sebe... Feito!
Introduziu a maleta através dos barrotes que formavam a
sebe e dispôs-se a escalá-la; mas como visse que “Johnny”
fazia o mesmo, deteve-se.
— Não, “Johnny”, você não. Espere-me aqui. E
enquanto espera, chame “Johnny II” e diga-lhe que à
investigação de Noburo Tanaka acrescente a da Jap-
american Pictures.
— Acho que não é prudente você entrar sozinha!
— Se eu não puder sair, estou certa de que você passará
os dados suficientes à CIA para que tudo seja prosseguido.
E tenha sempre presente uma coisa: para se saber como
reagirá uma fera, o melhor é entrar na jaula.
— Que quer dizer?
— Não se esqueça... — sorriu Brigitte. — De qualquer
modo, espero voltar. Eu sempre volto, “Johnny”. Mas não
esqueça o que lhe disse.
— É desnecessário que insista tanto. Não esquecerei. E
para maior segurança, transmitirei tudo, pelo rádio, a
‘‘Johnny II”.
— Ótimo. Até a vista, “Johnny”.
Escalou a sebe com absoluta facilidade, chegou lá em
cima e deslizou para o outro lado. Quando tocou o solo,
“Johnny” ainda a estava olhando com expressão inquieta,
preocupada.
“Baby” piscou-lhe um olho, apanhou sua maleta e pouco
após desaparecia no imenso parque da Jap-american
Pictures.
CAPÍTULO OITAVO
Foguetes espaciais
Combatem dois “faixas pretas”
A caminho da Lua

Naturalmente, mais que espiar os movimentos do


homem do sinal no queixo, interessava-lhe espiar os de
Masao Yoshimura, de modo que pouco depois se detinha,
sacava o detector e consultava a agulha luminosa que
apontava para frente.
Sempre seguindo a direção Indicada pela agulha, foi
atravessando o parque, até que subitamente se deteve. O
parque terminava de chofre e, diante dela, erguia-se um
edifício de apenas dois pavimentos, mas cuja fachada se
estendia por não menos de trezentos metros. Compreendeu
que eram os estúdios propriamente ditos, contendo os
palcos, a maquinaria, os escritórios... Um edifício enorme,
isolado no centro de um grande parque cheio de pinheiros,
acácias, palmeiras. Da orla do parque aos estúdios havia
muito mais de cem metros. Uma distância excessiva para
ser percorrida em terreno descoberto, quando não se quer
ser visto.
Entretanto, a agulha assinalava o edifício, garantindo a
presença nele de Masao Yoshimura. De modo que decidiu
rodeá-lo, procurando um lugar mais propicio por onde se
aproximar, resistindo ao risco de transpor aqueles cento e
tantos metros de chão livre.
Estava rodeando o edifício, de costas para o mar, quando
ouviu atrás dela o zumbido de um motor, que chegou na
mudança do vento. Logo deixou de ouvi-lo, mas tornou a
fazê-lo três segundos depois.
Olhou para os estúdios, contraiu as sobrancelhas, olhou
para o lado do mar. Viu seu brilho, ao longe, sob a luz da
lua. Ouviu novamente o motor, mais perto. Súbito, o rumor
deteve-se. Não que o vento tivesse tornado a mudar, mas o
motor tinha parado, com o clássico zumbido que vai
cessando lentamente nas lanchas.
Bem... Masao Yoshimura estava no edifício, isso sabia.
Por que não investigar também o que ocorria na praia
privativa da Jap-american Pictures?
Caminhou para a praia, sempre pelo bosque. A uns cento
e cinqüenta metros antes da praia, o bosque terminava. E
Brigitte deteve-se, olhando estupefata os quatro grandes
postes fincados na areia. Uns postes largos, circulares,
brilhantes, com as agudas pontas dirigidas para as estrelas.
Deviam ter uma altura não inferior a sessenta metros, e
pareciam...
Naturalmente! Pareciam foguetes espaciais, dos
utilizados para colocar cápsulas em órbita. Entre um e outro
havia uns oitenta metros de distância, e estavam colocados
nos ângulos de um quadrado perfeito. Mais além, uma
rampa que parecia de cimento adentrava-se no mar, e nela
viam-se dois aviões de tamanho médio, de passageiros; a
luz brilhava nas janelinhas enfileiradas em seu costado
direito. Depois, sobre a areia, viam-se jipes, camionetas,
escavadoras, alguns helicópteros...
Perto dela, à esquerda, haviam instalado um grande
toldo que parecia de lona. Debaixo, adivinhavam-se as
formas de algumas cadeiras e mesas Pequenas, e sobretudo
a silhueta inconfundível das máquinas de filmar em número
de quatro. Mais perto da orla do bosque, dois enormes
caminhões que deviam conter geradores.
Esquecida de tudo, a espiã da CIA aproximou-se do
toldo sob o qual viam-se as máquinas filmadoras, sem
deixar de olhar para os imponentes foguetes espaciais, que
pareciam alongar-se até o céu.
Sob o toldo, havia com efeito cadeiras e mesinhas.
Megafones, óculos de sol, alguns maços de cigarros... Uma
das cadeiras, com espaldar de lona, tinha a inscrição:
Diretor. E sobre a cadeira estava um grande caderno, aberto
quase pelo meio. Brigitte sacou sua diminuta lanterna e
folheou o caderno de modo que a luz deu sobre a primeira
página, na qual estava escrito o título:
“A Caminho da Lua”, screenplay de Shiro Hara, Hideo
Fujita e Akira Obayashi. Uma olhadela a umas quantas
páginas bastou-lhe para compreender que a presença dos
quatro foguetes espaciais estava perfeitamente justificada
naquela praia. Deixou o caderno e mais além, sobre outra
cadeira, viu uma das plaquetas de filmagem. Estavam no
vigésimo quarto dia de produção, tomada sessenta e três,
cena dezenove...
Deixou a plaqueta e olhou mais uma vez para os
colossos do espaço. Pareciam de verdade. Claro que se
aproximando e examinando-se detidamente começaria a
encontrar as falhas que diferenciavam a verdade da mentira.
Acercou-se de um dos foguetes. De um lado via-se
pintada a bandeira japonesa, o sol nascente; em cima, em
branco-brilhante, o nome JAPÃO, na vertical.
Brigitte ergueu a cabeça sorrindo, olhando para o
extremo do colossal artefato, enquanto batia com os nós dos
dedos na superfície que parecia metálica, brilhante. E, como
esperava, ouviu um som cavo do papelão utilizado em
decorações que devem aparentar rigidez. Era lógico: uma
boa armação de madeira, uma boa quantidade de papelão,
uma excelente capa de pintura... et voild! — Estavam
prontos os colossos do espaço.
Voltou ao toldo. Não havia nada de interesse ali. Tudo
era o que se poderia encontrar comumente quando se
interrompe um trabalho para prosseguir no dia seguinte:
óculos, cigarros, fósforos, esferográficas... Tudo esquecido
sem preocupação de espécie alguma.
Olhou o screenplay. Evidentemente, os japoneses
tinham todo o direito de produzir um filme no qual fossem
eles os primeiros a chegar à Lua. Era apenas um filme...
Sem dúvida, era essa a intenção dos autores do argumento:
um filme em que o Japão seria o primeiro país da Terra que
conseguia enviar um... ou quatro foguetes à Lua. Bem que
gostaria de ler o screenplay: devia ser bastante divertido... e
totalmente distante da realidade, já que os primeiros a
chegar à Lua, se alguém realmente o conseguisse, seriam os
russos ou os norte-americanos. Isso não admitia discussão...
O suave ranger da areia às suas costas arrancou-a
bruscamente de seus pensamentos para trazê-la de modo
brutal à realidade.
E sua primeira reação ao encontrar-se de volta à
realidade foi Inclinar-se para frente, encolher-se...
Deste modo, o golpe de judô que a teria atingido na nuca
bateu-lhe nas costas, quase nos rins. Livrou-se de mergulhar
na inconsciência, mas, de qualquer modo, o golpe foi tão
forte que a fez cair de joelhos e quase de bruços, pouco
menos que paralisada e sentindo uma enorme dificuldade
em respirar.
Instantaneamente, um braço fino, mas que parecia de
aço, rodeou sua garganta, vindo por trás. Em cima dela,
sobre suas costas, sentiu o peso de uma pessoa que cheirava
a fumo com uma intensidade quase estonteante... E pior que
tudo, mais fortemente que estas sensações, a espiã de luxo
da CIA, que apenas dois dias antes abandonara seu
treinamento semestral, compreendeu que aquela pressão em
seu pescoço ia fazê-la perder os sentidos pelo sistema de
pseudo-asfixia: um desmaio, uma espécie de curto-circuito
na respiração, um zumbido nas têmporas... E seria tudo. A
partir de tal momento, ficaria à mercê de seu desconhecido
agressor.
Para evitá-lo, só podia fazer uma coisa.
E fez.
Apoiando uma das mãos na areia, ergueu a outra,
agarrou com toda a força os cabelos do homem que pesava
sobre suas costas e puxou para frente.
Notou o sobressalto do homem. Mais que dor,
expressava surpresa, espanto, incredulidade quase absoluta.
Ele passou por cima dela e caiu de cabeça na areia. Mas
caiu tão bem, com tão medido cálculo de proteção da sua
integridade física, que imediatamente ela compreendeu que
se conseguisse sair vencedora daquele encontro seria devido
quase que exclusivamente à fabulosa sorte que sempre a
favorecia nos momentos difíceis.
O homem rodou pelo chão, pôs-se de pé ao mesmo
tempo em que ela se incorporava e contemplou-a, Imóvel
como uma estátua, com as mãos à frente, um pé mais
avançado do que o outro. A certeza de que seu inimigo era,
pelo menos, um faixa preta de judô fez germinar em sua
mente a idéia de tentar escapar dali em franca, vergonhosa...
mas muito conveniente fuga. Passava a vida reclamando
porque a, colocavam diante de inimigos de baixa categoria,
e, inopinadamente, ali estava um excessivamente
categorizado...
Era um japonês, que mostrou os brancos dentes num
sorriso alegre e ao mesmo tempo feroz.
— Vejo que sabe lutar! — disse num inglês claríssimo.
— Lutemos, porque eu também sei.
Mas saber lutar de um modo esportivo é uma coisa. E
saber travar uma luta de vida ou morte é outra muito
diferente. Quando dois inimigos de igual categoria se
defrontam, o resultado da luta depende, quase sempre, do
fator sorte, da facilidade para aproveitar o momento
oportuno. Quando dois inimigos com conhecimentos iguais
se enfrentam e um deles já em numerosas ocasiões salvou a
vida graças ao jogo sujo, sempre perderá o que considerar o
judô um nobre esporte, um jogo limpo.
E se havia alguém ali que soubesse jogar sujo, era a
espiã de luxo da CIA, profissionalmente denominada
“Baby”. Adiantou uma das mãos e, quando o japonês
aproximou-se um pouco mais, impulsionou-a com força
para frente... A areia que aquela delicada munheca continha
foi lançada aos olhos do nipônico, que instintivamente
relaxou a guarda. Querendo proteger, já demasiado tarde, os
olhos cheios de areia. Quando se deu conta de que aquele
gesto o deixava indefeso, já tinha recebido um pontapé no
ventre. Esqueceu os olhos, que ardiam como fogo, avançou
as mãos e agarrou os cabelos de sua adversária, que naquele
momento o golpeava de través na garganta.
Ele emitiu um ronco entrecortado, soltou os cabelos e
levou as mãos à própria garganta tão violentamente
golpeada... e recebeu o golpe seguinte, também de través,
exatamente sobre o coração. Ficou agora com os olhos
muito abertos, como se Quisesse expulsar a areia que havia
neles... E ao golpe seguinte, desferido como uma
machadada, na vertical, atingiu-o em cheio na testa. Caiu de
joelhos... e recebeu mais um golpe, justo, preciso,
matemático, sobre o ponto nevrálgico da base do pescoço.
Quando estava caindo de bruços sobre a areia, ainda
recebeu outro, na nuca, que pareceu esmagá-lo.
Então, ouviu-se o rumor do mar, e só isso.
Brigitte deixou-se cair de joelhos junto do japonês,
arquejante. Virou-o e contemplou detidamente aquele rosto
iluminado pelo luar. Não o conhecia.
Olhou para o mar, ao longo de toda a praia. Viu a
lancha, como uma sombra opaca sobre o branco-brilhante
das espumas. Como pudera esquecer que tinha ouvido um
motor, que logicamente alguém chegava numa lancha?
Revistou o homem à procura de uma arma. Não
encontrou nenhuma.
Sem dúvida, aquele homem tinha que ser o que chegara
na lancha, um pouco antes. Ele a vira e estivera vigiando,
esperando o momento oportuno para atacá-la... Quem viera
ele apanhar com a lancha, ou a quem viera ver nos estúdios
da Jap-american Pictures?
A resposta parecia simples: Masao Yoshimura.
Aonde teriam que levá-lo? Obviamente, aquele japonês
não era mais que um espião naquele jogo mais Intrincado
que uma autêntica partida de xadrez. Sua missão era
apanhar Masao Yoshimura, levá-lo a algum lugar onde o
deviam estar esperando.
Ergueu vivamente a. cabeça ao ouvir pessoa que se
aproximavam da praia, vindo do interior. Estava certa de ter
visto os fachos luminosos de duas lanternas. Súbito, viu
algumas sombras, caminhando para a praia. Deixou o
japonês estendido na areia e pôs-se a rastejar, afastando-se
dali. Agachou-se junto ao tronco de uma palmeira,
justamente no momento em que ouvia uma voz japonesa:
— Minoru.
Depois deste chamado, ouviu apenas, novamente, o
cadenciado rumor do mar.
Um homem adiantou-se daquele confuso grupo.
— Minoru.
Acendeu-se outra lanterna. E o cone de luz passou por
um instante pelo rosto de Masao Yoshimura, antes de
dirigir-se para a praia. Outra lanterna brilhou, e esta vez
iluminou o rosto de um homem que estava junto de
Yoshimura. Um homem miúdo, de barbicha branca e
bigode caído, igualmente branco; um rosto velho, enrugado,
sombrio, uns olhos diminutos e brilhantes... Uma das mãos
daquele velho japonês ergueu-se, para proteger seus olhos
contra a luz: mão delicada, frágil, amarelenta, na qual se
destacavam umas unhas longas, cor de âmbar. O rosto era
notável por suas inúmeras rugas, sua astúcia, sua crueldade,
pela frieza implacável de suas delgadas feições.
Outra vez uma daquelas mãos quase espectrais se
ergueu, mas agora num gesto imperioso, e a voz fina do
ancião deu uma ordem, em japonês. “Baby” pode ver várias
sombras, que se moviam velozmente de um lado para o
outro...
— Minoru! — repetiu-se o chamado.
O minúsculo japonês da barbicha e da expressão cruel
deu outra ordem. Quase em seguida, um poderoso jato de
luz partiu a um dos caminhões que continham os geradores
elétricos, diretamente para o primeiro foguete, passando por
muito perto de Brigitte, que se apertou mais contra a
palmeira que a protegia.
Em seguida, brilhou mais uma lanterna. E outra. E
outra... Não menos que meia dúzia de japoneses moviam-se
pela praia, olhando para todos os lados, enquanto as luzes
iam de um lado para outro, velozes, numa busca frenética.
Súbito um dos japoneses estendeu a mão, indicador em
riste, lançou um grito, uma palavra em seu idioma, e todas
as lanternas voltaram-se para aquele ponto, surpreendendo,
envolvendo em luz deslumbrante quem se tinha, atrevido a
penetrar clandestinamente num dos cenários da produção
que teria por titulo “A Caminho da Lua”.
Continua...

(C) 1967/Agosto – LOU CARRIGAN


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