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Descrevendo processos de formação de sinais em

Libras em uma variedade de Belém do Pará

Describing processes of formation of signs in Libras in a


linguistic variety of Belém of Pará

Sindy Rayane de Souza Ferreira*


Marília de Nazaré de Oliveira Ferreira**

RESUMO: Este trabalho discute questões da Morfologia de Libras, a qual estuda a


estrutura interna dos sinais e as regras que determinam a formação desses sinais.
Alguns estudos sobre a estrutura morfológica e lexical das línguas de sinais
constataram que a Libras apresenta um considerável número de processos que
formam sinais, dentre as quais estão a derivação, a composição, a incorporação de
numeral e a incorporação da negação. A partir do tratamento dado por Ferreira-Brito
(1995), Quadros e Karnopp (2004) e Felipe (2006) aos processos formadores de sinais
em Libras, o presente trabalho descreve a ocorrência de tais processos em sinais da
variedade de Libras de Belém do Pará.

PALAVRAS-CHAVE: Descrição linguística. Morfologia de libras. Formação de sinais.

ABSTRACT: This paper discusses issues of the Morphology of LSB (Brazilian Sign
Language) detailed in the internal structure of signs and the determinant rules for the
constitution of these signs. Some studies on the morphological and lexical structure of
sign languages found out LSB presents a considerable number of processes to form
signs, among which are derivation, composition, numeral incorporation and negation
incorporation. Considering Ferreira-Brito (1995), Quadros e Karnopp (2004) and Felipe
(2006), this work describes the occurrence of such processes in signs of the variety of
LIBRAS of Belém of Pará.

KEYWORDS: Linguistic description. Morphology of libras. Formation of signs.

                                                                                                                       
*
Mestranda em Estudos Linguísticos no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade
Federal do Pará (UFPA) e bolsista Capes. Graduada em Letras – Língua Portuguesa também
pela UFPA. E-mail: sindyrayane@hotmail.com.

**
Doutora em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professora
associada do Instituto de Letras e Comunicação, vinculada à Faculdade de Letras, da
Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: marília@ufpa.br.

Entretextos, Londrina, v. 16, n. 1, p. 67-98, jan./jun. 2016. 67


Descrevendo processos de formação de sinais em Libras em uma variedade de Belém do Pará

Introdução

Apesar de muitas pessoas ainda não conhecerem ou mesmo não


aceitarem a Libras como língua, ela é, de fato, a primeira língua da comunidade
surda do Brasil. A lei nº 10.436, sancionada em 20 de abril de 2002, e o
decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, declaram ser a Libras uma
língua genuína, com todas as características pertencentes aos universais e
níveis linguísticos.
As línguas de sinais, assim como as línguas orais, também apresentam
todas as propriedades inerentes às línguas humanas. Elas são flexíveis, pois
podem fazer referência a qualquer tempo ou coisa; são arbitrárias, porque em
muitos sinais não há nenhuma explicação clara para a relação entre as suas
formas e os seus respectivos significados (é o caso do sinal BRINCAR – não há
como prever o seu significado a partir da forma):

Figura 1 - Sinal BRINCAR

Fonte: Google imagens.

Também são descontínuas, já que sinais como AMAR e SÁBADO se


diferem minimamente na forma (somente no parâmetro locação), mas diferem
significativamente no sentido:

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Figura 2 - Sinal AMAR

Fonte: Google imagens.

Figura 3 - Sinal SÁBADO

Fonte: Google imagens.

As línguas de sinais apresentam produtividade, pois inúmeros enunciados


podem ser criados a partir das regras dessas línguas; possuem dupla
articulação, visto que estão organizadas em dois estratos: as unidades
formacionais (que correspondem às unidades de som nas línguas orais) e as
suas combinações simultâneas1; tais línguas apresentam padrão, pois os itens
lexicais são organizados de acordo com regras internalizadas pelos falantes
dessas línguas; e, por fim, elas possuem dependência estrutural, visto que são
constituídas de estruturas dependentes conhecidas e utilizadas (intuitivamente)
pelos seus usuários. Desta forma, as línguas de sinais são línguas naturais.
Quadros e Karnopp (2004, p. 30) dissertam a respeito disso:

                                                                                                                       
1
É importante destacar que nas línguas orais os fonemas são realizados um de cada vez, ou
seja, linearmente; já nas línguas de sinais, eles são realizados todos ao mesmo tempo, isto é,
simultaneamente.
 

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As línguas de sinais são consideradas línguas naturais e,


consequentemente, compartilham uma série de características que
lhes atribui caráter específico e as distingue dos demais sistemas de
comunicação. [...] São, portanto, consideradas pela linguística [...]
como um sistema linguístico legítimo e não como um problema do
surdo ou como uma patologia da linguagem.

Somente a partir de 1960, com os estudos de Wiliam Stokoe, as línguas


de sinais começaram também a ser entendidas como línguas genuínas e os
sinais vistos como símbolos abstratos com complexa estrutura.
As línguas de sinais possuem estruturas gramaticais que confirmam sua
naturalidade. A Libras, por exemplo, apresenta estruturas frasais complexas,
conforme exposto por Castro e Carvalho (2011, p. 25):

Podemos afirmar que a Língua Brasileira de Sinais é uma língua cuja


estrutura é, fortemente, orientada por objetivos visuais principais
relacionados a elementos visuais complementares. Tal orientação
visual pela imagem do pensamento leva, naturalmente, a uma
estruturação diferenciada das frases construídas em Libras, além da
adaptação de cada sinal segundo o contexto visual. Em alguns casos,
você criará frases numa estrutura onde a ordem do sujeito (S), do
verbo (V) e do objeto (O) poderá ser SVO, VSO ou OVS, que são
estruturas predominantes do português, mas na maioria dos casos,
você criará frases numa estrutura tópico-comentário, estrutura
predominante em Libras.

As línguas de sinais podem ser comparáveis a quaisquer línguas orais


tanto em relação à sua complexidade quanto à sua expressividade. Todas as
características vistas acima mostram e confirmam que a Libras e todas as
línguas de sinais são línguas naturais e possuidoras dos universais linguísticos
pertencentes às línguas humanas.

Morfologia geral e morfologia em libras

A morfologia é a parte da linguística que estuda a estrutura interna das


palavras, observando-as isoladamente, ou seja, sem estarem estas participando
de uma frase ou enunciado. Ela também investiga os processos que criam

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novas palavras nas línguas. De acordo com Dubois et al. (1989, p. 421), em
linguística moderna:

A morfologia é a descrição das regras que regem a estrutura interna


das palavras, isto é, as regras de combinação entre os morfemas-
raízes para construir ‘palavras’ (regras de formação das palavras) e a
descrição das formas diversas que tomam essas palavras conforme a
categoria de número, gênero, tempo, pessoa [...].

Embora a definição de palavra seja um tanto controversa em Linguística,


Figueiredo Silva (2009, p. 11), define palavra como “um conjunto de um ou
mais morfemas com som e sentido, que se comporta como uma forma livre ou
como uma forma dependente na língua”. Já o morfema é definido como “a
menor unidade de som e sentido na língua”.
Há morfemas de diferentes tipos que são classificados de acordo com
seu comportamento. Alguns morfemas se comportam como formas presas na
língua, aparecendo em ordem fixa junto com outros elementos; comportam-se
como formas livres, aparecendo sozinhos como um enunciado completo; ou
como formas dependentes, aparecendo sempre ligados a palavras, mas com
autonomia em relação a elas. Quadros e Karnopp (2004) afirmam que certos
morfemas constituem palavras por si só (morfemas livres), mas outros nunca
formam palavras (morfemas presos).
Os estudos tradicionais de morfologia sempre levaram em conta somente
as línguas orais, tanto que os conceitos de palavra e morfema mencionam o
termo ‘som’. As línguas de sinais, mais uma vez, não estavam sendo levadas
em consideração no âmbito dos estudos linguísticos. No entanto, sabe-se hoje
que a Língua Brasileira de Sinais e todas as línguas de sinais existentes no
mundo são constituídas de morfologia e de outros níveis linguísticos.
A morfologia de Libras, bem como a de todas as línguas de sinais,
semelhante à morfologia das línguas orais, “é o estudo da estrutura interna das

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palavras ou dos sinais, assim como das regras que determinam a formação das
palavras2” (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 86).
Existem, pelo menos, dois tipos de morfologia nas línguas do mundo: a
sequencial e a simultânea. A morfologia sequencial é aquela em que os
morfemas são combinados sequencialmente, ou seja, um de cada vez (esse
tipo de morfologia é mais comumente encontrada nas línguas orais). Já a
morfologia simultânea, como o próprio nome indica, é aquela em que os
morfemas são combinados simultaneamente, isto é, todos ao mesmo tempo
(essa morfologia é mais comum nas línguas de sinais).
A morfologia sequencial nas línguas de sinais não é muito estudada por
pesquisadores, pois a ocorrência dessa morfologia nessas línguas é algo raro. A
escassez da afixação sequencial nas línguas gestuais ocorre por conta de dois
fatores, conforme mostra Quadros, Pizzio e Rezende (2009, p. 27):

Primeiramente, como esses afixos emergem por meio do processo de


gramaticalização de itens lexicais livres, eles levam tempo para se
desenvolverem na língua. Em segundo lugar, eles passam por vários
estágios intermediários nesse processo e alguns deles podem coexistir
na língua durante certo período, fazendo com que seja difícil
identificá-los como tal.

Ainda segundo a supracitada autora, além das estruturas sequenciais se


diferenciarem das simultâneas no modo como os morfemas são afixados,
também se diferem em outras características, como mostra o quadro baixo,
retirado de Aronoff et al. (2005 apud QUADROS; PIZZIO; REZENDE, 2009, p.
31):

                                                                                                                       
2
Segundo Felipe (2006, p. 02), os sinais, nas línguas visual-espaciais, correspondem às
palavras nas línguas oral-auditivas, sendo também formados por morfemas (unidades
mínimas de significado). Assim, os sinais podem ser chamados de palavras ou mesmo de
sinais.
 

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Quadro 1 - Morfologia Simultânea vs. Morfologia Sequencial


MORFOLOGIA SIMULTÂNEA MORFOLOGIA SEQUENCIAL

É universal entre as línguas de sinais É específica para cada língua de sinais

Está relacionada à cognição espacial NÃO está relacionada à cognição espacial

É motivada É arbitrária

É relacionada a palavras livres É gramaticalizada de palavras livres

É coerente semanticamente É MENOS coerente semanticamente

É produtiva Tem produtividade limitada

Tem menos variação individual Tem variação individual considerável


Fonte: Do autor.

A morfologia sequencial ainda não foi identificada na Língua Brasileira de


Sinais, e nem há estudos neste campo morfológico. Por isso, afirma-se que a
morfologia comum nessa língua é a simultânea.

Processos de formação de sinais em Libras

Todas as línguas existentes no mundo, independente de sua modalidade


linguística, apresentam processos responsáveis pela criação de novas palavras
nessas línguas. Em Libras não é diferente. Ela possui um léxico bem vasto e um
sistema de criação de novos sinais em que os morfemas são combinados. Tal
combinação se dá entre os morfemas lexicais e os morfemas gramaticais ou
derivacionais, conforme mostra Felipe (2006, p. 201):

Nos estudos sobre os processos de formação de palavras


[composição, aglutinação, justaposição e derivação], as línguas são
sempre apresentadas em relação aos seus morfemas lexicais
(raízes/radicais) que se prendem a morfemas gramaticais formantes
(desinências e vogais temáticas) e/ou a derivacionais (afixos e
clíticos).

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A autora afirma que os cinco parâmetros das línguas de sinais expressam


morfemas por meio de algumas configurações de mão, alguns movimentos,
algumas alterações na frequência do movimento, alguns pontos de articulação
na estrutura morfológica e alguma expressão facial ou movimento de cabeça
concomitante ao sinal. Através das alterações nas combinações desses
morfemas, os itens lexicais das línguas de sinais são formados. Tais morfemas
podem ser: morfemas lexicais, podendo ser uma raiz ou um radical (M3);
morfemas derivacionais, que podem ser um afixo (alterações em M e CM4); ou
morfemas gramaticais, caracterizando uma desinência, ou seja, uma marca de
concordância número pessoal (DIR5) ou de gênero (CM).
A Língua Brasileira de Sinais apresenta processos derivacionais, os quais
são processos formadores de novas palavras a partir de palavras já existentes
na língua. Entre eles estão derivação, composição e incorporação, que são
processos bem produtivos em Libras.

Derivação

Nas línguas de sinais, o processo de derivação é aquele que deriva


nomes de verbos ou verbos de nomes. Em Libras, os nomes derivam de verbos,
caracterizando um processo chamado de nominalização. Quadros e Karnopp
(2004), seguindo a proposta de Supalla e Newport (1978) para a Língua de
Sinais Americana (ASL), argumentam que a Língua Brasileira de Sinais pode
derivar nomes de verbos por meio da mudança no tipo de movimento. O
movimento dos nomes repete e o movimento dos verbos encurta, como em
SENTAR (verbo) e CADEIRA (substantivo):

                                                                                                                       
3
Movimento.
4
Configuração de Mão.
5
Direcionalidade da Mão.
 

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Figura 4 - Sinais SENTAR e CADEIRA

Fonte: Quadros e Karnopp (2004).

No exemplo acima, é possível ver que o sinal para o verbo SENTAR tem
um movimento encurtado. Para formar o sinal CADEIRA, que é substantivo, foi
necessário a repetição do movimento. A configuração de mão e a locação são
as mesmas nos pares de sinais.
Felipe (2006) propõe a ocorrência do processo de derivação zero como
tipo de derivação presente em Libras. Nesse processo, itens lexicais são
diferenciados somente a partir da sua função no contexto linguístico onde estão
inseridos. Isto quer dizer que dependerá do contexto linguístico identificar se o
sinal corresponde a um verbo ou a um nome. Exemplo: DIRIGIR e CARRO.

Figura 5 - Sinal DIRIGIR ou CARRO

Fonte: Google imagens.

O sinal DIRIGIR é utilizado em frases como: EU DIRIGIR (verbo)

CAMINHÃO MEU PAI. Já o sinal CARRO é utilizado em frases como: EU


COMPRAR CARRO (substantivo) VELHO. Esses itens lexicais são sinalizados da
mesma forma (com a mesma configuração de mão, a mesma locação e o
mesmo movimento). Ao serem realizados, o que vai diferenciá-los (se é o

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substantivo CARRO ou o verbo DIRIGIR) é o contexto de frase em que estarão


sendo usados.

Composição

O processo de composição é bem produtivo na Língua Brasileira de


Sinais, sendo formador de muitos sinais nessa língua. De acordo com Felipe
(2006), a composição pode se realizar de três maneiras em Libras:
1) Pela justaposição de dois itens lexicais – como em ALMOÇAR, formado
pela junção de MEIO-DIA com COMER.

Figura 6 - Sinal ALMOÇAR

Fonte: Quadros e Karnopp (2004).

2) Pela justaposição de um classificador com um item lexical – como em


FORMIGA, formado pela junção de INSETO com COISA PEQUENA
[classificador].

Figura 7 - Sinal FORMIGA

Fonte: Quadros e Karnopp (2004).

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3) Pela justaposição da datilologia da palavra em português com o sinal


que representa a ação realizada pelo substantivo, como, por exemplo,
AGULHA6, formado pela junção de COSTURAR-COM-AGULHA com A-G-U-
L-H-A.
Além dessas maneiras de realização do processo de composição em
Libras, há ainda três regras morfológicas utilizadas na criação de compostos.
Quadros e Karnopp (2004) apontam estas regras:
1) Regra do contato: quando dois sinais ocorrem juntos para formar
um sinal composto, o contato do primeiro ou do segundo sinal é
mantido. Como exemplo tem-se o sinal composto ESCOLA, formado
pelos sinais CASA e ESTUDAR, em que o contato do primeiro e do
segundo sinal é mantido no composto.

Figura 8 - Sinal ESCOLA

Fonte: Quadros e Karnopp (2004).

2) Regra da sequência única: em compostos, o movimento interno ou a


repetição do movimento é eliminada. Por exemplo: os sinais PAI e MÃE7,
isoladamente, apresentam movimento repetido, mas quando se juntam
para formar o sinal composto PAIS, esse movimento é eliminado.

                                                                                                                       
6
A imagem que ilustra esse sinal, da forma apresentada por Felipe (2006), não foi encontrada.
7
Variantes do Rio Grande do Sul.
 

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Figura 9 - Sinal PAIS

Fonte: Quadros e Karnopp (2004)

3) Regra da antecipação da mão não dominante: esta regra diz que a


mão passiva do sinalizador antecipa o segundo sinal no processo de
composição. Exemplificando: no sinal composto ACREDITAR (SABER e
ESTUDAR), a mão não dominante fica no espaço neutro em frente ao
sinalizador com uma configuração de mão que faz parte do composto.

Figura 10 - Sinal ACREDITAR

Fonte: Quadros e Karnopp (2004).

Cada sinal tem um significado próprio quando são realizados


isoladamente. Ao se unirem para formar um novo sinal, esses sinais, juntos,
passam a ter um novo significado. Na maioria das vezes, tais sinais compostos
têm o significado bem distante do significado dos sinais de base. Por isso, é
correto afirmar que, no resultado do processo de composição, não há como
prever o significado do novo sinal somente observando o significado dos sinais
de base (QUADROS; KARNOPP, 2004).

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Incorporação

Outro processo comum na formação de palavras da Língua Brasileira de


Sinais é a incorporação, havendo dois tipos nessa língua: a incorporação de
numeral e a incorporação da negação.
Segundo Quadros & Karnopp (2004), morfemas presos (unidades
mínimas com significado que não ocorrem sozinhos) podem se combinar (ou
combinar com um morfema livre) para criar novos significados em Libras. Isto
ocorre no processo de incorporação de numeral, cuja mudança na configuração
de mão (de 1 para 2, para 3 ou para 4) de um sinal pode mudar o número de
meses, de dias, de horas, de anos e outros advérbios. Os outros componentes
dos sinais permanecem os mesmos. Somente a configuração de mão muda.
Veja o exemplo: UM-MÊS, DOIS-MESES, TRÊS-MESES e QUATRO-MESES

Figura 11 - Sinais UM-MÊS, DOIS-MESES, TRÊS-MESES e


QUATRO-MESES

Fonte: Quadros e Karnopp (2004).

Esses sinais são formados por dois morfemas presos: um morfema


significa MÊS e abrange a orientação da mão, a locação e as expressões não
manuais; e o outro morfema é a configuração de mão, que leva o significado de
um numeral. Tais morfemas são realizados concomitantemente, formando o
sinal UM-MÊS, DOIS-MESES, TRÊS-MESES ou QUATRO-MESES, dependendo do
numeral que é incorporado.
Felipe (2006, p. 204) também confirma a existência do processo de
incorporação de numeral, e a respeito dele afirma: “a incorporação do numeral,
 

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representando os numerais de um até quatro através de configurações de mão,


acrescenta à raiz um quantificador”. A autora menciona algo que é importante
destacar: a configuração de mão para os sinais DIAS, MESES, ANOS OU HORAS
pode ser mudada até o número 4. A partir do número 5, o numeral é articulado
separadamente dos sinais.
O outro processo de incorporação é a incorporação da negação. Nesse
processo, o item lexical negado sofre alteração em um dos parâmetros
(geralmente no movimento), resultando em sua contraparte negativa
(FERREIRA-BRITO, 1995). Para Felipe (2006), essa alteração ocorre da
seguinte forma: o sufixo de negação se incorpora à raiz de alguns verbos (que
possuem uma raiz com um primeiro movimento), finalizando-os com um
movimento contrário, como, por exemplo, o verbo GOSTAR8 e a sua
contraparte NÃO-GOSTAR.

Figura 12 - Sinais GOSTAR e NÃO-GOSTAR

Fonte: Quadros e Karnopp (2004).

Além da incorporação da negação por meio da alteração de um


parâmetro, Felipe (2006) e Ferreira-Brito (1995) apontam outra forma de
negação: a negação por meio da expressão facial, incorporada ao sinal e sem
alteração dos parâmetros. De acordo com Felipe (2006), o infixo de negação se
incorpora à raiz de alguns verbos por meio do movimento negativo da cabeça.
Essa expressão facial é realizada simultaneamente ao sinal, como no verbo
CONHECER e na sua contraparte NÃO-CONHECER.

                                                                                                                       
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Variante do Rio Grande do Sul.
 

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Descrevendo processos de formação de sinais em Libras em uma variedade de Belém do Pará

Figura 13 - Sinais CONHECER e NÃO-CONHECER

Fonte: Quadros e Karnopp (2004).

Análise de dados

Com a análise apresentada nesta seção objetiva-se verificar se os


processos de formação de sinais descritos anteriormente também ocorrem nos
sinais realizados em uma variedade de Libras de Belém do Pará.
Parte da metodologia desta pesquisa envolveu um levantamento de
dados para a análise. Foram selecionadas 28 palavras semelhantes aos
exemplos expostos por Quadros e Karnopp (2004) e Felipe (2006): verbos e
nomes (para verificação da derivação), palavras compostas em Libras (para
verificação da composição), advérbios de tempo (para verificação da
incorporação de numeral) e verbos com suas contrapartes negativas (para
verificação da incorporação da negação). O objetivo dessa seleção foi,
principalmente, ilustrar a variedade de Libras da cidade de Belém a partir da
verificação da ocorrência dos sinais descritos e sua manifestação de forma
similar ou não aos casos descritos pelas autoras mencionadas. É necessário,
porém, esclarecer que há coincidência entre alguns sinais de LIBRAS da
variedade padrão e aqueles arrolados no presente estudo.
As palavras selecionadas foram apresentadas em uma folha de papel ao
informante, que sinalizou cada uma delas. As sinalizações foram registradas em
vídeo, mas estão apresentadas neste trabalho por meio de imagens (registros

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Descrevendo processos de formação de sinais em Libras em uma variedade de Belém do Pará

estáticos do vídeo)9. As imagens reproduzem exatamente a sinalização


realizada pelo participante da pesquisa.
A coleta dos dados foi realizada com um informante surdo10 na
residência do mesmo, em Belém do Pará, no dia 04 de maio de 2014. A
entrevista durou cerca de 1 hora. O informante é usuário de Libras desde os 7
anos de idade, com idade atual de 21 anos, filho de pais ouvintes, nascido e
residente na cidade de Belém (PA).
A seguir, os dados serão apresentados, descritos e analisados de acordo
com cada processo de formação de sinais descrito na seção anterior.

Derivação

A fim de verificar a ocorrência do processo de derivação nos sinais


produzidos em Belém, os sinais realizados pelo informante foram: LER,
LEITURA, CASAR, CASAMENTO, MORAR, CASA, BRINCAR e BRINCADEIRA.

LER e LEITURA

Figura 14 - Sinal LER ou LEITURA

Fonte: Ferreira, 2014.

                                                                                                                       
9
A utilização das imagens feitas com o informante foi autorizada pelo mesmo.
10
O informante tem surdez congênita e profunda. Aprendeu Libras na Escola Felipe Smaldone
(especializada para surdos), onde estudou até o 9º ano. Atualmente cursa o terceiro ano do
ensino médio na Escola Estadual Paulino de Brito. Ele é usuário de Libras como L1 e do
Português como L2. Não tem implante e não usa nenhum tipo de aparelho auditivo.
 

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Descrevendo processos de formação de sinais em Libras em uma variedade de Belém do Pará

A imagem acima representa a realização dos sinais LER e LEITURA, que


são, respectivamente, um verbo e um substantivo. Ambos os sinais são
realizados de forma idêntica: a configuração da mão dominante é aberta (com
os dedos unidos, exceto o polegar, que fica separado) e a configuração da mão
não dominante em forma de “v”; a direcionalidade da palma da mão dominante
voltada para um lado e a da mão não dominante voltada para o lado oposto; o
local de articulação do sinal é o espaço neutro; e a mão em forma de “v” tem
movimento angular.

CASAR e CASAMENTO

Figura 15 - Sinal CASAR ou CASAMENTO

Fonte: Ferreira, 2014.

A imagem acima representa os sinais CASAR e CASAMENTO (também


verbo e substantivo, respectivamente), que são produzidos da mesma forma:
configuração de ambas as mãos em forma de um “C” mais aberto; palma da
mão dominante direcionada para cima e palma da mão não dominante
direcionada para baixo; ponto ou local de articulação é o espaço neutro; e
movimento único das mãos se tocando.

MORAR e CASA

Figura 16 - Sinal MORAR ou CASA

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Descrevendo processos de formação de sinais em Libras em uma variedade de Belém do Pará

Fonte: Ferreira, 2014.


A imagem acima representa o verbo MORAR e o substantivo CASA, os
quais são sinalizados da mesma maneira: as duas mãos têm configuração em
forma de “B”, tocando-se apenas com as pontas dos dedos; a palma da mão
direita é direcionada para o lado esquerdo e a palma da mão esquerda é
direcionada para o lado direito; o local de realização dos sinais é o espaço
neutro; e ambos os sinais não têm movimento.

BRINCAR e BRINCADEIRA

Figura 17 - Sinal BRINCAR OU BRINCADEIRA

Fonte: Ferreira, 2014.

A imagem acima representa os sinais BRINCAR (verbo) e BRINCADEIRA


(substantivo), que também são produzidos de forma idêntica: configuração das
mãos em forma de “Y” (próximas uma da outra), com a palma de ambas
direcionada para trás; sinais realizados também no espaço neutro; e movimento
circular das duas mãos.
Conforme apresentado na seção anterior, Quadros e Karnopp (2004)
afirmam que a derivação em Libras ocorre por meio da nominalização, ou seja,
nomes são derivados a partir de verbos, de forma que o movimento dos verbos
 

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Descrevendo processos de formação de sinais em Libras em uma variedade de Belém do Pará

encurta e o movimento dos nomes repete. No entanto, o que se observa a


partir dos dados coletados é que, à primeira vista, tal proposta não se aplica
aos dados apresentados anteriormente, visto que os substantivos não são
derivados de seus respectivos verbos. O movimento daqueles não é repetido
nem o movimento destes é encurtado.
Os pares de sinais LER e LEITURA, CASAR e CASAMENTO, MORAR e
CASA, BRINCAR e BRINCADEIRA são sinalizados de forma idêntica. O que
parece distinguir a ocorrência de um nome da ocorrência de um verbo é
somente o contexto em que um ou outro aparecem. Tais sinais estão de acordo
com a proposta de Felipe (2006), a qual afirma que, em Libras, ocorre um
processo denominado derivação zero, no qual itens lexicais são diferenciados
somente pela sua função no contexto linguístico onde estão inseridos. Logo, se
tal hipótese se confirmar, em pesquisa mais aprofundada, com uma coleta de
dados mais densa, envolvendo um maior número de informantes bem como um
conjunto mais amplo de dados, essa proposta pode ser aplicada aos pares de
sinais citados acima.

Composição

Para verificar a ocorrência do processo de composição nos sinais


produzidos em Belém, os sinais realizados pelo informante foram: IRMÃ, AVÓ,
IGREJA E ALFINETE.
IRMÃ

Figura 18 - Sinal IRMÃ

Fonte: Ferreira, 2014.


 

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Descrevendo processos de formação de sinais em Libras em uma variedade de Belém do Pará

O sinal IRMÃ é um sinal composto, formado pela justaposição dos sinais


MULHER e IGUAL. Os primeiro e segundo sinais bases são itens lexicais em
Libras. A regra morfológica11 utilizada na formação do sinal IRMÃ é a regra do
contato, pois o contato que há no primeiro sinal (contato entre o polegar e a
face) e no segundo sinal (contato entre os dedos indicador e médio) é mantido
no sinal composto.

AVÓ

Figura 19 - Sinal AVÓ

Fonte: Ferreira, 2014.

O sinal AVÓ também é composto, formado pela junção do sinal MULHER


com o sinal VELHA. Esses dois sinais bases também são itens lexicais em
Libras. A composição do sinal AVÓ apresenta duas regras morfológicas: a regra
do contato, visto que há contato nos dois sinais bases (contato entre o polegar
e a face, no primeiro sinal, e contato entre a mão e o queixo, no segundo) e
esse contato é mantido no composto; e a regra de sequência única, pois a
repetição do movimento no sinal VELHA (movimento retilíneo da mão tocando o
queixo) é eliminada no composto.

                                                                                                                       
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Rever as regras morfológicas utilizadas na formação dos sinais compostos no capítulo 2.
 

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Descrevendo processos de formação de sinais em Libras em uma variedade de Belém do Pará

IGREJA

Figura 20 - Sinal IGREJA

Fonte: Ferreira, 2014.

O sinal IGREJA é um sinal composto, formado pela junção dos itens


lexicais CASA e CRUZ. A regra morfológica utilizada na composição do sinal
IGREJA é a regra de contato, visto que o contato que há no primeiro sinal
(contato entre a ponta dos dedos) e no segundo sinal (contato entre os dedos
indicadores) se repete no sinal composto.

ALFINETE

Figura 21 - Sinal ALFINETE

Fonte: Ferreira, 2014.

O sinal ALFINETE é um sinal composto, formado pela justaposição do


classificador COISA-PEQUENA com o item lexical COSTURAR (sinal icônico que
representa a ação de costurar alguma coisa). Nenhuma das regras morfológicas
é utilizada na criação deste composto.

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Descrevendo processos de formação de sinais em Libras em uma variedade de Belém do Pará

Segundo Felipe (2006), em Libras, há três maneiras de o processo de


composição se realizar: pela junção de dois itens lexicais, pela junção de um
classificador com um item lexical e pela junção da datilologia da palavra em
português com o sinal que representa a ação realizada pelo substantivo.
Partindo da proposta da autora mencionada, pode-se afirmar, em uma primeira
análise, que o primeiro tipo de composição é observado nos sinais IRMÃ, AVÓ e
IGREJA, uma vez que estes são formados pela justaposição de dois itens
lexicais; e que o segundo tipo de composição é observado no sinal ALFINETE,
pelo fato de este ser formado pela justaposição de um classificador com um
item lexical. Já o terceiro tipo de composição não foi observado em nenhum
dos dados.
Quadros e Karnopp (2004) ainda apresentam três regras morfológicas
utilizadas na formação dos sinais compostos, conforme visto na seção 3: a
regra do contato, a regra da sequência única e a regra da antecipação da mão
não dominante. A primeira regra morfológica é verificada nos sinais IRMÃ, AVÓ
e IGREJA, visto que nestes compostos o contato presente nos sinais bases é
mantido. A segunda regra pode ser observada no sinal AVÓ, pois a repetição do
movimento existente em um dos sinais bases desse composto é eliminada. A
terceira regra morfológica é verificada em nenhum dos dados selecionados para
esta coleta.

Incorporação

Para verificação da aplicação do processo de incorporação de numeral e


de negação, os sinais produzidos pelo informante foram: UM ANO, DOIS ANOS,
TRÊS ANOS, QUATRO ANOS, QUERER, NÃO-QUERER, PODER, NÃO PODER,
PRECISAR, NÃO PRECISAR, LEMBRAR e NÃO-LEMBRAR.

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Descrevendo processos de formação de sinais em Libras em uma variedade de Belém do Pará

UM ANO

Figura 22 - Sinal UM ANO

Fonte: Ferreira, 2014.

O advérbio de tempo UM ANO é formado pela combinação de dois


morfemas livres: um morfema é o numeral 1 e o outro morfema é o advérbio
de tempo ANO. Esses morfemas são realizados linearmente. O numeral 1 está
determinando a quantidade de anos.

DOIS ANOS

Figura 23 - Sinal DOIS ANOS

Fonte: Ferreira, 2014.

O advérbio de tempo DOIS ANOS é formado pela combinação de dois


morfemas livres: um morfema é o numeral 2 e o outro é o advérbio ANO. Tais
morfemas são realizados sequencialmente. O numeral 2 está determinando a
quantidade de anos.

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Descrevendo processos de formação de sinais em Libras em uma variedade de Belém do Pará

TRÊS ANOS

Figura 24 - Sinal TRÊS ANOS

Fonte: Ferreira, 2014.

O advérbio de tempo TRÊS ANOS é também formado pela combinação


de dois morfemas livres: o numeral 3 mais o advérbio ANO. Esses morfemas,
igualmente aos anteriores, são realizados sequencialmente. O numeral 3 está
determinando a quantidade de anos.

QUATRO ANOS

Figura 25 - Sinal QUATRO ANOS

Fonte: Ferreira, 2014.

O advérbio de tempo QUATRO ANOS é formado pela combinação de dois


morfemas livres: a combinação do numeral 4 com o advérbio ANO. Ambos os
morfemas são realizados linearmente. Da mesma forma que os numerais
apresentados anteriormente, o numeral 4 está determinando a quantidade de
anos.

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Descrevendo processos de formação de sinais em Libras em uma variedade de Belém do Pará

Para Quadros e Karnopp (2004), o processo de incorporação de numeral


ocorre em Libras quando morfemas presos se combinam ou combinam com
morfemas livres para criar novos significados na língua. As autoras afirmam que
os sinais criados por incorporação de numeral (que podem ser sinais com
mudanças no número de horas, dias, meses, anos ou outro advérbio) são
formados por dois morfemas que se realizam simultaneamente: um morfema
representa o advérbio (meses, dias, horas...), abrangendo a orientação da mão,
a locação e as expressões não manuais; e o outro morfema é a configuração de
mão, que leva o significado de um numeral. O morfema que representa o
numeral é incorporado ao morfema que representa o advérbio.
Nos dados apresentados anteriormente, percebe-se, à primeira vista, que
os advérbios de tempo UM ANO, DOIS ANOS, TRÊS ANOS e QUATRO ANOS são
formados pela combinação de dois morfemas livres: um significa o numeral 1,
2, 3 ou 4; e o outro significa o advérbio ANO. Tais morfemas são realizados
sequencialmente. Nestes advérbios, os numerais têm a função de indicar a
quantidade de anos. Portanto, o processo de incorporação de numeral não é
observado nos dados aqui apresentados, pois não ocorrem de acordo com a
proposta de Quadros e Karnopp (2004).

QUERER e NÃO-QUERER

Figura 26 - Sinal QUERER

Fonte: Ferreira, 2014.

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Descrevendo processos de formação de sinais em Libras em uma variedade de Belém do Pará

Figura 27 - Sinal NÃO-QUERER

Fonte: Ferreira, 2014.

O oposto do verbo QUERER é o verbo NÃO-QUERER. Esse sinal é


formado da seguinte maneira: há a adição de um sufixo de negação à raiz do
verbo QUERER, realizando-se pela mudança no movimento do sinal QUERER
(realiza-se um movimento contrário); e há a adição de um infixo de negação à
raiz do verbo, que ocorre por meio do movimento negativo da cabeça. O
movimento contrário ao movimento do sinal QUERER e o movimento negativo
da cabeça ocorrem ao mesmo tempo, fazendo surgir a contraparte negativa
NÃO-QUERER.

PODER e NÃO PODER

Figura 28 - Sinal NÃO PODER

Fonte: Ferreira, 2014.

O verbo que se contrapõem ao verbo PODER é o NÃO PODER. A


formação desse último ocorre da seguinte forma: além da adição de um infixo
de negação à raiz do verbo PODER (movimento negativo da cabeça), é

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Descrevendo processos de formação de sinais em Libras em uma variedade de Belém do Pará

acrescido a este sinal o advérbio de negação NÃO. O movimento negativo da


cabeça e o sinal NÃO ocorrem simultaneamente; no entanto, eles ocorrem
separados do sinal PODER. É desta maneira que surge a sua contraparte
negativa NÃO PODER.

PRECISAR e NÃO PRECISAR

Figura 29 - Sinal PRECISAR

Fonte: Ferreira, 2014.

Figura 30 - Sinal NÃO PRECISAR

Fonte: Ferreira, 2014.

O verbo NÃO PRECISAR é o oposto do verbo PRECISAR. A formação de


NÃO PRECISAR também ocorre por meio da adição de um infixo de negação à
raiz do verbo PRECISAR (movimento negativo da cabeça) e do acréscimo do
advérbio de negação NÃO a esse verbo. Em tal sinal, o movimento negativo da
cabeça e o sinal NÃO também ocorrem concomitantemente; porém, eles
ocorrem separados do sinal PRECISAR, surgindo a sua contraparte negativa
NÃO PRECISAR.

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Descrevendo processos de formação de sinais em Libras em uma variedade de Belém do Pará

LEMBRAR e NÃO-LEMBRAR

Figura 31 - Sinal LEMBRAR

Fonte: Ferreira, 2014.

Figura 32 - Sinal NÃO-LEMBRAR

Fonte: Ferreira, 2014.

O oposto do verbo LEMBRAR é o verbo NÃO-LEMBRAR. Esse sinal é


formado por intermédio da adição de um infixo de negação à raiz do verbo
LEMBRAR, que ocorre pelo movimento negativo da cabeça. O movimento
negativo da cabeça ocorre junto ao sinal LEMBRAR, surgindo, assim, a sua
contraparte negativa NÃO-LEMBRAR.
No processo de incorporação da negação, o item lexical a ser negado,
geralmente, sofre alteração no parâmetro movimento, originando a sua
contraparte negativa. Felipe (2006) afirma que essa alteração no movimento
acontece por meio da incorporação do sufixo de negação à raiz de
determinados verbos, que terminam com um movimento oposto. Conforme
mostram Ferreira-Brito (1995) e Felipe (2006), outra forma de o item lexical
(verbo) ser negado é por intermédio da expressão facial, havendo adição de um
movimento negativo da cabeça ao próprio item.
 

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Descrevendo processos de formação de sinais em Libras em uma variedade de Belém do Pará

Com base no estudo do processo de incorporação da negação, à primeira


vista, pode-se depreender dos dados expostos anteriormente que:
a) Para a formação do verbo NÃO-QUERER ocorre o processo de
incorporação da negação por meio da alteração do parâmetro
movimento e por meio da expressão facial, uma vez que tal sinal é
formado pela mudança no movimento do verbo QUERER mais o
movimento negativo da cabeça (realizados ao mesmo tempo).
b) Para a formação dos verbos NÃO PODER e NÃO PRECISAR observa-se a
ocorrência da incorporação da negação pela expressão facial, uma vez
que aqueles sinais são formados pelo movimento negativo da cabeça,
sendo realizado antes dos sinais PODER e PRECISAR; mas a negação
também ocorre nestes verbos por meio de outra forma: o acréscimo do
sinal NÃO, realizado junto com o movimento negativo da cabeça.
c) Para a formação do verbo NÃO-LEMBRAR verifica-se a incorporação da
negação por intermédio da expressão facial, haja vista que tal sinal é
formado pelo movimento negativo da cabeça, realizado juntamente ao
sinal LEMBRAR.
A pesquisa apresentada neste artigo é preliminar e não exaure os dados
da variedade de Língua Brasileira de Sinais em estudo. Todavia, já há uma
indicação de que a formação de alguns sinais nessa variedade se dá de forma
distinta daquela descrita por Quadros e Karnopp (2004), Felipe (2006) e
Ferreira-Brito (1995), havendo, portanto, necessidade de se aprofundar a
pesquisa.

Considerações finais

O objetivo do presente trabalho foi verificar a ocorrência dos processos


de formação de sinais em Libras nos sinais realizados na cidade de Belém do
Pará. Partindo dos dados apresentados na seção 4 deste artigo, pode-se
considerar que, à primeira vista, na variedade de Libras usada em Belém:

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Descrevendo processos de formação de sinais em Libras em uma variedade de Belém do Pará

1) Os sinais coletados para verificação do processo de derivação ocorrem


segundo a análise de Felipe (2006), a qual afirma que, em Libras, há um
processo chamado de derivação zero, no qual itens lexicais são
diferenciados somente pela sua função no contexto linguístico onde
estão inseridos. Deste modo, o que distingue a ocorrência de um nome
da ocorrência de um verbo é somente o contexto em que um ou outro
aparecem;
2) Os sinais coletados para verificação do processo de composição
ocorrem conforme as propostas de Felipe (2006) e Quadros e Karnopp
(2004). Felipe (2006) argumenta que, em Libras, há três maneiras do
processo de composição se realizar: pela junção de dois itens lexicais,
pela junção de um classificador com um item lexical e pela junção da
datilologia da palavra em português com o sinal que representa a ação
realizada pelo substantivo. Já Quadros e Karnopp (2004) apresentam
três tipos de regras morfológicas usadas na criação de sinais compostos:
a regra do contato, a regra da sequência única e a regra da antecipação
da mão não dominante. No entanto, nem todos os tipos de composição
nem todas as regras morfológicas foram observados nos dados coletados
para esta verificação, o que implica em um estudo mais detalhado, com
maior número de informantes e de dados também;
3) Os sinais coletados para verificação do processo de incorporação de
numeral não ocorrem de acordo com a proposta de Quadros e Karnopp
(2004), que afirmam que o processo de incorporação de numeral ocorre
quando morfemas presos se combinam ou combinam com morfemas
livres (os quais se realizam simultaneamente) para criar novos
significados na língua;
4) Os sinais coletados para verificação do processo de incorporação da
negação ocorrem, em parte, segundo as propostas de Felipe (2006) e
Ferreira-Brito (1995). A primeira autora diz que, para um item lexical ser
negado, este sofre alteração no parâmetro movimento por meio da
incorporação do sufixo de negação à raiz de determinados verbos,
 

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Descrevendo processos de formação de sinais em Libras em uma variedade de Belém do Pará

terminando com um movimento oposto. As duas autoras mostram que


outra forma de o item lexical ser negado é por intermédio da expressão
facial, havendo adição de um movimento negativo da cabeça ao próprio
item. Porém, além das formas de negação dos itens lexicais
apresentados pelas supracitadas autoras, foi identificada nos dados
apresentados no presente artigo outra forma de negação: o acréscimo
do sinal NÃO, realizado junto com o movimento negativo da cabeça.
É importante ressaltar que este trabalho constrói hipóteses para a
ocorrência dos processos formadores de sinais em uma variedade de Libras de
Belém do Pará. Reconhece-se que ainda há muito a ser investigado sobre tais
processos. No entanto, espera-se que a discussão aqui apresentada possa
contribuir não só para pesquisas futuras, mas também para um maior
reconhecimento da Libras, e das línguas de sinais em geral, como língua
natural.

Referências

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brasileira de sinais: livro básico. 3. ed. Brasília: Senac/DF, 2011.

DUBOIS, Jean et al. Dicionário de lingüística. Traduzido por Frederico Pessoa de


Barros et al. São Paulo: Cultrix, 1989.

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Linguísticos: Grupos de Estudos e Subjetividade, Campinas, v. 7, n. 2, p. 200-
217, jun. 2006.

FERREIRA, Sindy Rayane de Souza. Descrição dos processos de formação de


sinais em Libras. 2014. 56 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em
Letras) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Pará, Belém (PA), 2014.

FERREIRA-BRITO, Lucinda. Por uma gramática de línguas de sinais. Rio de


Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995.

FIGUEIREDO SILVA, Maria Cristina. Morfologia. Florianópolis: UFSC, 2009.


Disponível em: <http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacao

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Descrevendo processos de formação de sinais em Libras em uma variedade de Belém do Pará

Basica/morfologia/assets/430/Texto_Base_Morfologia_21_Fev_2009.pdf>.
Acesso em: 20 jan. 2014.

QUADROS, Ronice Müller; KARNOPP, Lodenir Becker. Língua de sinais


brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004.

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Ferreira. Língua brasileira de sinais I. Florianópolis: UFSC, 2009. Disponível em:
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