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CNBB

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

O Senhor vos conceda o


perdão e a paz
Ano | - Nº |

Roteiros Homiléticos para a Quaresma


Ano B — São Marcos

fevereiro/abril 2015

Dições Cn?
O Senhor vos conceda o perdão e a paz
1a Edição - 2014

Diretor Editorial: Capa:


Mons. Jamil Alves de Souza Edições CNBB
Coordenação: Projeto Gráfico:
Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia Henrique Billygran
Coordenadora de Revisão: Diagramação:
Leticia Figueiredo Lauriana Vinha
Revisão:
Ana Beatriz Brandão

C748r Conferência Nacional dos Bispos do Brasil/ Roteiros Homiléticos para a Quaresma. Ano B — São
Marcos. Brasília, Edições CNBB. 2014.
p.68:14x21 cm
ISSN: 2359-1935
1. Domingo da Quaresma - Cinzas;
2. Domingo de Ramos - Quaresma;
3. Quaresma - Paixão do Senhor.

CDU: 264-041.1

As citações bíblicas dos textos da celebração são do Lecionário Dominical, À, B, €, Paulinas, Paulus 1994.
Somente as citações que são para reforçar o sentido do texto foram retiradas diretamente da tradução bíblica
da CNBB e assim já citadas.

: Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios :
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Sumário

APRESENTAÇÃO..............cereeeeseseremeserereeeseneas 7

INTRODUÇÃO... eee 9

QUARTA-FEIRA DE CINZAS
18 de fevereiro de 2015..............cecccee
sec ecerererererereesarerereenea 15

1º DOMINGO DA QUARESMA
22 de fevereiro de 2015 ...........eeec essere rr rerererenereerasasa 21

2º DOMINGO DA QUARESMA
1º de março de 2015..............eceeses
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3º DOMINGO DA QUARESMA
8 de março de 2015... ces ecerereerer eee area rena nercererna 36

4º DOMINGO DA QUARESMA
15 de março de 2015 ...........ccecec
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5º DOMINGO DA QUARESMA
22 de março de 2015 ..........eceeces
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DOMINGO DE RAMOS E DA
PAIXÃO DO SENHOR
29 de março de 2015 . . . . . .cec eee ererererrrrererenenenenerenererereasesa 60
APRESENTAÇÃO
Eis que chegou o tempo da Quaresma e do Senhor, ouvimos o
convite: “Convertei-vos e crede na Boa-Nova” (Mc 1,15). É tempo
também de acolher em nossa vida o dom da graça da reconciliação:
“Reconciliai-vos com Deus” (2Cor 5,20).
A caminhada quaresmal visa preparar a celebração da Páscoa:
“a liturgia quaresmal, com efeito, dispõe para a celebração do mis-
tério pascal tanto os catecúmenos, pelos diversos graus de iniciação
cristã, como os fiéis, pela comemoração do Batismo e pela penitên-
cia” (Normas Universais do Ano Litúrgico, n. 27). À Igreja, cami-
nhando em direção ao amanhecer do 1º dia, isto é, da Páscoa do
Senhor, suplica: “Fazei, ó Deus, que o nosso coração corresponda a
estas ofertas com as quais iniciamos nossa caminhada para a Páscoa”
(Oração sobre as oferendas do 1º domingo da Quaresma).
Neste tempo forte da vida das comunidades eclesiais, a escuta e
a meditação assídua da Palavra de Deus, a oração, a esmola e o jejum
alentam a caminhada quaresmal rumo ao monte santo da Ressurrei-
ção do Senhor.
A Campanha da Fraternidade nos insere na dimensão comuni-
tária da conversão e da solidariedade quaresmal. Neste ano, a Igreja
do Brasil nos convida a aprofundar, à luz do Evangelho, o diálogo e
a recíproca colaboração entre a Igreja e a sociedade, como um serviço
ao povo brasileiro, para a edificação do Reino de Deus (cf. CNBB.
Campanha da Fraternidade 2015: Texto-Base. Brasília, Edições
CNBB. 2014. p. 10).
Que na escuta da Palavra de Deus e na oração compreendamos o
mistério de Jesus, o Messias Servo-Sofredor que, na sua morte na cruz
foi reconhecido como Filho de Deus: “Na verdade, este homem era
Filho de Deus!” (Mc 15,39).
O presente Roteiro Homilético preparado pela Irmã Ema-
nuela Mélo de Souza (Irmãs Beneditinas Missionárias de Tutzing),
H "O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

fortalecerá nossa caminhada para a Páscoa. Nossos agradecimentos


a Irmã Emanuela. Auguramos que, norteados pelo lema: “Eu vim
para servir”, cheguemos todos à jubilosa celebração da Páscoa de
Cristo e nossa!

Dom Armando Bucciol


Bispo de Livramento de Nossa Senhora - BA
Presidente da Comissão Episcopal Pastoral
para a Liturgia —- CNBB.
INTRODUÇÃO
Vivemos a Quaresma, este retiro de quarenta dias do Povo de Deus,
tendo em vista a Páscoa: a festa central do Cristianismo, o ponto alto
do ano litúrgico cuja expressão máxima é a Vigília Pascal. “Esta é a
boa notícia que queremos lhe dar: a Quaresma nasceu para ser um
ensaio geral da festa, ou melhor, da celebração pascal, que a cada ano
o povo de Deus tem a alegria de retomar”.
Quaresma é tempo de acolher em nossa própria vida o dom divino
da reconciliação: “Reconciliai-vos com Deus! Em nome de Cristo
rogamos: que não recebais em vão sua graça, seu perdão; eis o tempo
favorável, o dia da salvação!”
Quaresma é um tempo no qual procuramos fazer tudo melhor
que em qualquer outra época. Quaresma é tempo de deixar tudo o que
é velho em nós; tempo de nos abrir à vida sempre nova, que brota da
Cruz. Tempo de dirigir-nos com Jesus ao deserto. Tempo de refazer-
mos, com o povo de Deus, os quarenta anos de travessia do deserto.
Tempo de escutarmos a pregação de quarenta dias de Jonas, em Nínive.
Quaresma não é tempo triste. São Bento entendeu a Quaresma
como um caminho para a celebração da grande festa da Páscoa: ao
falar da observância quaresmal, estimula os monges a oferecerem a
Deus orações especiais e abstinência de comida e bebida de espontânea
vontade, com a alegria do Espírito Santo. E repete: “e, na alegria do
desejo espiritual, espere a Santa Páscoa”.
Neste tempo forte da vida da Igreja, tempo de preparação no qual já
começamos a celebrar o mistério pascal, ajudam-nos três práticas signifi-
cativas, conhecidas no Primeiro Testamento: a oração, a esmola e o jejum.
Na virtude da fé, voltamo-nos diretamente para Deus: é a oração
que abre em nós o espaço que Deus irá ocupar e onde vai agir. Pela

1 BARROS, Marcelo; CARPANEDO, Penha. Tempo para amar; Mística para viver o Ano
Litúrgico. Paulus: São Paulo, 1997, p. 51.
2 Cf. Regra Beneditina 49, p. 5-7.
In "OQ Senhor vos conceda o perdão e a paz”

oração, realiza-se em nós uma conversão; situamo-nos em nosso lugar


de criaturas. Intensificamos a escuta da Palavra de Deus na Escritura
e na vida.
Na virtude da esperança, já participamos do Bem Supremo, que
é Deus. Os bens deste mundo não nos escravizam. O jejum é capaci-
dade de autodomínio. É tomar uma atitude de respeito e de liberdade
diante das coisas, vencendo o mal e solidarizando-nos com as pessoas
que sofrem privação. O jejum do corpo só nos ajudará a nos tornarmos
mais atentos e livres se estiver associado a um jejum do espírito. Jejum
é uma espécie de faxina. O que poderíamos eliminar de nossas ativi-
dades diárias? Como poderíamos livrar-nos da agitação de nosso dia a
dia? De que poderíamos nos privar? À que renunciar? Sim, na verdade,
há vários tipos de jejum.
Na virtude da caridade, somos chamados a viver como irmãos.
À fraternidade celebra a nossa capacidade de nos doar, de partilhar
generosamente com os irmãos e irmãs os nossos bens. Flá muitas
maneiras de ser dom, de adotar gestos solidários.

Dimensão batismal da Quaresma


A Páscoa é uma festa essencialmente batismal. É a celebração do
Batismo daqueles e daquelas que se prepararam durante a Quaresma.
À Igreja gera novos filhos na fé. Mas, enquanto ela se torna catecúmena,
os cristãos se preparam para renovar os seus compromissos batismais.
Os cristãos batizados têm consciência de que ainda não alcança-
ram a plenitude do ideal cristão, que é o próprio Cristo Jesus. Sabemos
que o processo de nossa conversão não chegou ao fim. Somos cami-
nhantes. Temos consciência de que, muitas vezes, nos tornamos infiéis
à aliança batismal, não correspondemos à proposta do amor de Deus
em Jesus Cristo. Daí o sentido da penitência quaresmal para todos:
um tempo propício para retomar os compromissos do Batismo ou para
fortalecê-los.
Roteiros homiléticos para a Quaresma
HH

Quaresma, tempo favorável


“O retorno desses dias que os mistérios da salvação humana marcaram
de modo mais especial e que precedem imediatamente a festa da
Páscoa, exige que nos preparemos com maior cuidado por meio de
uma purificação espiritual”
Na Quaresma, tempo dedicado a uma cuidadosa purificação espi-
ritual, preparamo-nos para usufruir os dons pascais. À Igreja propõe
a nós, seus filhos e filhas, esse tempo favorável, exortando-nos a não
receber em vão a graça divina (cf. 2Cor 6,1-2).
Antes de tudo, é necessário entrar no próprio íntimo e buscar a con-
versão do coração, pedindo com o salmista: “Criai em mim, ó Deus, um
coração puro, renovai em mim um espírito decidido (cf. 81 51(50),12).
Na verdade, o Senhor está sempre esperando de nós aquilo que,
com tanta justeza, também exprime o salmista: “Sacrifício para Deus
é um espírito contrito; não desprezais, ó Deus, um coração contrito e
humilhado” (S1 51(50),19).
Deus mesmo mudará o nosso coração de pedra um coração de
carne, nos dará um coração e um espírito novos (cf. Ez 36,26). À con-
trição realiza a passagem do coração de pedra para o coração de carne,
ou seja, do coração ferido pelo mal para o coração renovado e recupe-
rado pela graça.
A Quaresma é um tempo em que nos exercitamos na conversão,
esforçando-nos por dar uma orientação radical a toda a nossa vida. Jesus
fala do caminho largo, que leva à perdição, e do caminho estreito, que
nos conduz à vida (cf. Mt 7,13-14). Encontrar este caminho estreito é
custoso, dá trabalho, exige esforço.
Como passagem transformadora de Deus em nossa vida, a Qua-
resma nos chama à reconciliação e à mudança de vida, festejando a
busca da humanidade inteira por libertação, justiça, dignidade e paz.

3 LEÃO, Magno. Sermão 6 sobre a Quaresma, 1: PL 54, p. 285.


A "O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

Quaresma e Campanha da Fraternidade


À dimensão comunitária da Quaresma nos faz entrar na Campanha
da Fraternidade, que sempre nos pede conversão e solidariedade em
situações concretas de nossa realidade.
Neste ano, preparando-nos para a Páscoa, a Igreja no Brasil nos con-
vida a “aprofundar, à luz do Evangelho, o diálogo e a colaboração entre
a Igreja e a sociedade, propostos pelo Concílio Ecumênico Vaticano II,
como serviço ao povo brasileiro, para a edificação do Reino de Deus”.
O tema proposto pela Igreja para a Campanha da Fraternidade
deste ano é: “Fraternidade: Igreja e sociedade”, e o lema: “Eu vim para
servir” (cf. Mc 10,45).
Nesta Quaresma, à luz da Palavra de Deus e da proposta do Con-
cílio Vaticano II, a Igreja, peregrina com o povo brasileiro, tem consci-
ência de que precisa compreender em profundidade a sua relação atual
com a sociedade e que o diálogo fraterno e sincero é a forma privile-
giada de evangelização numa sociedade plural e complexa.

Sugestões para as celebrações


do Tempo da Quaresma
1. A Quaresma começa na Quarta-feira de Cinzas e vai até a manhã da
Quinta-feira Santa, com a celebração da Missa da Crisma. À cele-
bração do Domingo de Ramos marca o começo da Semana Santa.
2. É importante preparar o ambiente da celebração dentro de certa
sobriedade: cor roxa para as vestes litúrgicas, para a ornamen-
tação da mesa da Palavra e do altar; ausência de flores. Também
silenciamos o canto do Glória e da Aleluia para retomá-los, exul-
tantes, na noite da Páscoa. Os instrumentos musicais são utili-
zados apenas como acompanhamento dos cantos litúrgicos.
3. “A Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo deve ser a nossa glória: Nele
está nossa vida e ressurreição; foi Ele que nos salvou e libertou”: eis a

4 CNBB. Campanha da Fraternidade 2015: Texto-Base. Brasília, Edições CNBB. 2014. p. 10.
Roteiros homiléticos para a Quaresma RB

antífona de entrada da Quinta-feira Santa. O Ano B acentua exata-


mente a glorificação de Cristo pela cruz. Sua morte na cruz e sua
ressurreição são esperança de um mundo novo. Por isso, a cruz deve
ter um lugar de destaque, podendo ser levada na procissão de entrada,
incensada e colocada em lugar bem visível durante a Quaresma.
4. O ato penitencial, como anúncio da misericórdia de Deus e de
apelo à conversão, poderá receber também um destaque maior.
Ajoelhar-se, inclinar-se, utilizar o rito de aspersão são gestos que
podem ser usados na Quaresma por seu significado penitencial.
Momentos de silêncio durante a celebração são igualmente impor-
tantes, pois ajudam a criar um clima orante.
5. Ocartaz da CF seja apresentado à comunidade e afixado em local
que possa ser visualizado, mas não no altar ou no ambão.
6. “Cantar a Quaresma é, antes de tudo, cantar a dor que se sente pelo
pecado do mundo, que, em todos os tempos e de tantas maneiras,
crucifica os filhos de Deus e prolonga, assim, a Paixão de Cristo
(...)”$ Os cantos da Quaresma sejam aqueles próprios para este
tempo litúrgico e para cada parte da celebração. Tais cantos se
encontram no Hinário Litúrgico da CNBB, 2º Fascículo e no
CD da CF. Grande parte desse repertório se encontra nos CDs
Liturgia XIII, Quaresma Ano À e Liturgia XIV e Quaresma
Anos Be C.
7. É bom que, a cada domingo, a comunidade celebrante leve um
compromisso bem concreto, brotado da celebração, para ser
vivido durante a semana. E, no domingo seguinte, seja retomado
no início da celebração, como sinal de vida e conversão ou como
motivo de perdão. Assim, a Quaresma será um caminhar pascal
comunitário, progressivo e amoroso das trevas em direção à luz,
da morte para a vida. Cuidar que este compromisso incentive
as pessoas e as comunidades a exercerem seu protagonismo no
contexto social em que vivem.

5 Hinário Litúrgico da CNBB, 2º Fascículo, Introdução. Paulus: São Paulo, 1987, p. 5.


n “O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

8. É oportuno usar com mais frequência as Orações Eucarísticas da


Reconciliação, bem como os prefácios próprios e, para a bênção
final, aproveitar as várias “Orações sobre o povo”, acompanhadas
pelo gesto de inclinar-se, assim como as orações de bênçãos
próprias para Quaresma, como indica o Missal Romano.
SPP ENA E DE QE SP Ta
q SS af Ta NE RS A GOIS PEC

QUARTA-FEIRA DE CINZAS

18 de fevereiro de 2015

"DEIXAI-VOS RECONCILAR COM DEUS” (2Cor 5,70),

Leituras: Jl 2,12-18; Sl 51(50),3-4.5-6a.12-13.14 e 17;


2Cor 5,20-6,2: Mt 6,1-6.16-18.

Situando-nos
Quarenta dias antes da Páscoa, a Igreja inaugura solenemente o tempo
forte de conversão — a Quaresma — em preparação à celebração da
Páscoa: é a Quarta-feira de Cinzas.
Neste dia, após a Liturgia da Palavra, na qual se proclama, no
Evangelho, a recomendação de Jesus sobre a oração, o jejum e a esmola
como exercícios de conversão (cf. Mt 6,1-6.16-18), realiza-se o rito
da imposição das cinzas, sinal de penitência, no sentido de conver-
são. Reconhecemos a nossa condição de criaturas limitadas, mortais e
pecadoras. “Convertei-vos e crede no Evangelho” (cf. Mc 1,15), aquilo
que ouvimos no gesto da imposição das cinzas sobre nossas cabeças.
À conversão consiste em crer no Evangelho. Crer é aderir a ele, viver
segundo os ensinamentos do Senhor Jesus.
Certamente, não é fácil aceitar ser cinza. Contudo, a fé em Jesus
Cristo ressuscitado faz com que a vida renasça das cinzas. Jesus Cristo
faz brotar a vida, onde o ser humano reconhece sua condição de cria-
tura necessitada da ação de Deus: é entrar na atitude pascal.
A Campanha da Fraternidade se inicia, neste dia, na Igreja no
Brasil, com o tema: “Fraternidade: Igreja e sociedade”, e o lema:
“Eu vim para servir” (cf. Mc 10,45).
nH “O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

Recordando a Palavra
A Quaresma começa, hoje, fazendo ecoar novamente em nossos ouvidos
as inquietantes palavras do profeta Joel: “rasgai o coração, e não as vestes”
(2,133). Após descrever a invasão dos gafanhotos, presságio de que está
próximo o dia do Senhor (2,1), o profeta mostra que, para o juízo de
Deus, não basta preparar-se com um rito penitencial meramente exterior
6 » e . . .
(“rasgar as vestes”), que não seja acompanhado do gesto interior de
' « 9 É .
mudança de vida (“rasgar o coração”). E preciso que o ser humano, em
sua inteireza, se volte para Deus. Assim, criaremos em nós o espaço para
que a graça de Deus nos refaça e nos preencha. Nosso Deus é miseri-
córdia, e toma sempre de novo, a iniciativa de nos perdoar.
Com o Salmo 51(50) respondemos à exortação do profeta Joel.
Este salmo nos transporta do mundo do pecado para o reino da graça.
Confessando-nos pecadores e pedindo o perdão de Deus, começamos
a ressuscitar: “dai-me de novo a alegria de ser salvo” (v. 14).
Paulo nos convoca, em nome de Cristo, a nos deixar reconciliar
com Deus, a não deixar passar em vão a sua graça (cf. 2Cor 5,20; 6,1).
E o Senhor nos diz: “no momento favorável eu te escutei, no dia da sal-
vação eu te ajudei” (Is 49,8). “É agora o momento favorável, é agora o
dia da salvação” (cf. 2Cor 6,2). O movimento da reconciliação começa
com a iniciativa divina. Cabe a nós deixar-nos reconciliar com ele.
O Evangelho repete três vezes: “o Pai vê o que está oculto”. Ele
sabe o que se passa dentro de nós, conhece nossas verdadeiras intenções
e os valores para os quais orientamos nossa vida. À oração, a esmola e
o jejum, as “obras de piedade” do judaísmo antigo, são gestos que mar-
cam a nossa experiência com Deus, mas podem ser pura exterioridade,
não terem ligação alguma com o nosso coração. O Pai é quem sabe
com que intenção eu rezo, faço caridade e jejuo.

Atualizando a Palavra
Tendo escutado com o ouvido do coração a Palavra proclamada na
celebração, resta-nos atualizá-la. Entramos em diálogo com Deus,
Roteiros homiléticos para a Quaresma IR

fazendo perguntas que procuram trazer o texto para dentro do horizonte


da nossa vida. O que há de semelhante e de diferente entre a situação do
texto e a nossa vida de hoje? O que a mensagem destes textos diz para a
nossa situação concreta? Que mudança de comportamento sugere para
nós, que vivemos no Brasil, em tal região, em tal cidade?
À conversão quaresmal para a qual os textos bíblicos apontam é
sempre um caminho de reconhecimento de nossa condição de criaturas
limitadas, pecadoras. Conversão é mudança de vida, que consiste em
crer no Evangelho, isto é, aderir a ele, viver segundo os ensinamentos
de Jesus, entrar no caminho pascal de Jesus que é caminho de salvação.
Reconhecer-nos necessitados da ação de Deus em Cristo e no
Espírito coloca-nos em uma atitude pascal, faz-nos passar, com Cristo,
da morte para a vida.
À conversão quaresmal é também um caminho de amor e solidarie-
dade: quem se converte a Deus, encontra e reencontra os irmãos e irmãs,
fortifica-se no espírito fraterno e cresce no aprendizado da misericórdia.
A Campanha da Fraternidade, que celebramos na Quaresma nos
estimula a abrir o coração ao que o Senhor pede a cada um de nós em
particular e a sintonizar com a realidade social, política, econômica e
cultural na qual vivemos.
Em contraposição à cultura moderna, caracterizada pelo individu-
alismo, relativismo, fundamentalismo e pelo consumismo exacerbado,
que gera a cultura do descartável, “encontram-se também os sinais da
formação de uma nova cultura em muitos homens e mulheres, crentes
ou não, que se empenham em construir uma cultura que permita uma
maior realização humana, que respeite e ajude a desenvolver a pluridi-
mensionalidade da pessoa humana, sua autonomia e abertura ao outro
e a Deus. Esta cultura é marcada pelo respeito à consciência de cada
um, pela tolerância e abertura à diferença e multiculturalidade, pela
solidariedade com todo o criado, pela rejeição das injustiças e por uma
nova sensibilidade para com os pobres”.

6 CNBB. Campanha da Fraternidade 2015: Texto-Base. Brasília, Edições CNBB. 2014,


n. 105-106.
E “O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

Uma verdadeira conversão do coração atinge todas as dimensões


de nosso ser e repercute em nossas relações com as pessoas, na socie-
dade em que vivemos, em sintonia com a ação e o anúncio de Jesus
Cristo cuja centralidade é o projeto do Reino de Deus: serviço, luta por
dignidade, por justiça e igualdade.

Ligando a Palavra com a ação eucarística


Em todas as celebrações litúrgicas, somos desafiados a viver a ligação
entre fé e vida. O mistério pascal de Jesus Cristo celebrado na liturgia,
ou seja, o mistério de sua morte-ressurreição precisa ser vivido no dia
a dia, tanto individualmente como comunitariamente. Na Quaresma,
celebramos a Páscoa de Jesus em cada um(a) que se volta ao Senhor de
todo o coração e pratica o que é agradável aos seus olhos.
Exortados à reconciliação com Deus, neste início da Quaresma,
participamos da mesa da Palavra e da mesa da Eucaristia, que nos con-
vidam a nos desprendermos dos nossos bens e dividi-los com os outros.
Trazemos para a Eucaristia os acontecimentos da vida, a realidade
pessoal e política. À Eucaristia que celebramos é expressão dinâmica
do Cristo Ressuscitado e do Espírito vivificador, que está presente em
tudo, renova todas as coisas, transforma nossos corações, fazendo-nos
buscar mais profundamente a coerência com o projeto de Deus.
Os textos bíblicos proclamados nesta Quarta-feira de Cinzas se tornam
Palavra viva, Palavra que alimenta nossas vidas. Deus continua atuando nos
acontecimentos de nossa vida diária e em nossa caminhada histórica.
À nossa atenção amorosa e a abertura do nosso coração nos ajudam
a perceber, nas leituras proclamadas, a presença ativa e libertadora de
Deus em nossa vida pessoal, comunitária e social. Isto nos ajuda a reco-
nhecer, nos textos sagrados do Primeiro e do Segundo Testamentos,
nossa própria vida, nossa história atual, a história de nossa comunidade,
da sociedade em que vivemos. Neste tempo favorável, a Palavra procla-
mada na liturgia nos motiva à conversão, à mudança de vida, à intensifi-
cação da oração, do jejum, de gestos concretos de solidariedade.
Roteiros homiléticos para a Quaresma 19

Para melhor vivermos a liturgia eucarística, precisamos voltar à


última ceia de Jesus. Ele celebrou a ceia na noite em que ia ser entre-
gue. E todas as vezes que celebramos a Eucaristia, há pessoas sendo
entregues, sofrendo perseguição, passando fome, sendo injustiçadas
em nosso país, em nossa região, em nossa cidade.
A Eucaristia é sinal profético, que antecipa e apressa o Reino de
Deus, que é Reino de fraternidade, de partilha. À Eucaristia é sinal de
um mundo sem fome, sem miséria, sem exclusão.
O projeto de uma nova sociedade, de uma nova Cultura, proposto
pela Campanha da Fraternidade 2015 é anunciado na celebração da
Eucaristia, que é sinal profético, “escola” de cidadania, de convivência
respeitosa, de justiça e de solidariedade; exercício de partilha e de dis-
tribuição de bens.

Sugestões para a celebração


1. Recordamos, mais uma vez, que a Quaresma requer sobriedade,
despojamento, austeridade. O clima geral é de recolhimento,
retiro. De outro lado, devemos valorizar e destacar o que é real-
mente essencial para a celebração do mistério de Cristo, ou seja, o
altar, o ambão, a cadeira presidencial e a pia batismal.
2. A celebração da Quarta-feira de Cinzas se realiza na missa,
na celebração da Palavra ou no Ofício Divino. À cinza deverá
estar preparada antecipadamente, se possível, com a queima dos
ramos usados no Domingo de Ramos do ano anterior. Lembram,
portanto, o Cristo vitorioso sobre a morte: a palma é símbolo de
vitória. As cinzas que recebemos na testa ou na cabeça são sinal de
penitência, de conversão, de arrependimento e luto pelo pecado,
colocando-nos no caminho de conversão em preparação à Páscoa.
Colocar a vasilha na qual estão as cinzas, em um lugar visível para
a assembleia.
3. Neste dia, é feito o lançamento da Campanha da Fraternidade,
de preferência, após a homilia. Sugere-se, pois, que participem
da procissão de entrada uma pessoa levando a cruz, o presidente,
208 “O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

os ministros ou a equipe de celebração e pessoas com o cartaz da


CF 2015, q que será apresentado
Pp na frente e P posto em lugar
8 em q que
possa ser bem visualizado.
4. É importante que a homilia seja bem preparada e ajude a comu-
nidade a dar uma resposta adequada à Palavra, na celebração e
na vida. É o momento do confronto entre a Palavra proclamada,
que nos exorta à penitência, à mudança de vida, à retomada do
caminho do Evangelho: Converte-te e crê no Evangelho! Convém
mostrar, na homilia, a ligação entre a imposição das cinzas e o
tema da CF.
5. Os cantos carregam a “marca” do tempo litúrgico celebrado. E
os cantos de Quaresma são cantos que brotam “profundezas do
abismo”, em que nos colocaram nossos pecados (S1 130).? Dispomos
de um bom repertório de cantos de Quaresma, conforme já
mencionamos anteriormente. À repetição de cantos conhecidos
nos ajuda a vivenciar o mistério celebrado, a fazer uma experiência
penitencial. Repetindo cantos como: “Senhor, eis aqui o teu povo”,
“Reconciliai-vos com Deus”, “Pecador, agora é tempo”, “Agora o
tempo se cumpriu” e outros, recordamos e revivemos o mistério
que encerra estes quarenta dias, nos quais somos convidados a nos
aproximar mais de Deus, na oração pessoal e comunitária, escu-
tando sua palavra e deixando que ele purifique a nossa fé.

7 Hinário Litúrgico da CNBB, 2º Fascículo. Introdução. p. 5.


1º DOMINGO DA QUARESMA
22 de fevereiro de 2015

“O ESPÍRITO LEVOU JESUS PARA O DESERTO” (Mi 1.19)

Leituras: Gn 9,8-15; SI 24(25),4bc-5ab.6-7bc.8-9 (R/. cf. 10);


IPd 3,18-22; Mc 1,12-15.

Situando-nos
À Quaresma foi inaugurada com a celebração da Quarta-feira de
Cinzas. Ressoou, mais uma vez, em nossos ouvidos, o convite de
percorrer um itinerário pedagógico e catequético, que nos faz penetrar
nos grandes eventos da história da salvação.
Durante as cinco semanas da Quaresma, na liturgia da Palavra,
escutamos e atualizamos os textos bíblicos, que eram fonte de estudo e
compromisso dos catecúmenos, nos primeiros séculos do Cristianismo.
Neste primeiro domingo, conduzidos pelo Espírito, vamos com
Jesus ao deserto. Com ele, seremos tentados, testados, postos à prova.
Damo-nos conta de que as leituras apresentam uma forte conota-
ção batismal: a Quaresma tem caráter essencialmente batismal, o qual
fundamenta o seu caráter penitencial.

Na Quaresma do Ano B, comemoramos a restauração do ser


humano em Cristo morto e ressuscitado. Após o Batismo no Jordão,
Jesus é impelido pelo Espírito Santo ao deserto. Antes de significar a
morte, o deserto significa lugar de encontro com Deus. Todavia, este
encontro supõe luta: é o momento da tentação. À partir daí, Jesus ini-
cia a grande luta da libertação da humanidade. Ele sai vitorioso e nos
faz vencedores por sua morte e ressurreição.
A CF 2015 nos pede discernimento para apresentar de um modo claro
e objetivo os valores do Reino de Deus, como elementos autenticamente
ao "O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

humanizantes. Tais valores se opõem aos do grande adversário, Satanás,


aquele que divide e tenta desvirtuar o plano de Deus.
Mudando radicalmente nossa mentalidade de acordo com a pro-
posta do Evangelho, vencendo as forças do mal, estaremos vivendo e
apresentando os valores do Reino, como discípulos e discípulas, que
se consagram à meditação da Palavra de Deus, que instrui e converte.

Recordando a Palavra
A nova Aliança de Deus com a humanidade, realizada na morte e
ressurreição de Cristo, fora prefigurada na Aliança de Deus com Noé,
salvo das águas do dilúvio (primeira leitura: Gn 9,8-15). Para os povos
antigos, a água, especialmente a água dos grandes mares e rios, era
símbolo de caos, de perigo e morte. Ser libertado da água significava
ser salvo.
O dilúvio de que fala a narração de Noé simboliza o caos do
pecado. Noé e sua família foram salvos e Deus fez uma Aliança com
ele, e não só com ele, mas com toda a criação, com todos os seres
vivos. É uma aliança universal e eterna. Deus não romperá seu pacto.
O arco-íris é o símbolo da Aliança de Deus com a humanidade. É o
símbolo do compromisso divino com a vida. E para nós, quais são,
hoje, os sinais de que Deus é nosso parceiro na luta pela defesa da vida?
Neste texto do livro do Gênesis, proclamado no primeiro domingo
da Quaresma, temos uma imagem do Batismo: salvos pela água, Deus
faz aliança conosco.
Com o Salmo 25(24) cantamos a fidelidade do nosso Deus. Que
sua verdade e seu amor nos orientem e nos conduzam para sermos fiéis
à sua Aliança.
Na segunda leitura (1Pd 3,18-22) Pedro também se refere às
águas do dilúvio, ligando-as às águas do nosso Batismo. E de grande
importância esta espécie de profissão batismal, que descobrimos no

8 Cf CNBB, Campanha da Fraternidade 2015: Texto-Base. Brasília, Edições CNBB. 2015. p. 10.
Roteiros homiléticos para a Quaresma RB

texto: “Cristo morreu, uma vez por todas, por causa dos pecados, o
justo pelos injustos” (v. 18a); “ele recebeu nova vida pelo Espírito”
(v. 18b). “No Espírito, ele foi também pregar aos espíritos na prisão”
(= “mansão dos mortos”) (v. 19). “Subiu ao céu e está à direita de Deus”
(v. 224).
No tempo em que esta carta de Pedro foi escrita, os cristãos eram
minoria, mas são justamente eles que provocam na humanidade inteira
o confronto com o Evangelho de Jesus. A identidade e a missão dos
cristãos surgem daí e darão origem a novas criaturas e a nova huma-
nidade. Pedro explica que esta novidade se realiza pela purificação
batismal (simbolismo do dilúvio) que nos torna aptos a viver segundo
uma boa consciência, nos confere uma identidade nova, torna-nos pes-
soas novas.
No Evangelho (Mc 1,12-15), escutamos as primeiras palavras que
Marcos colhe da boca de Jesus: “o tempo já se completou e o Reino de
Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho” (v. 15). Isso,
depois que Jesus, levado pelo Espírito para o deserto, lá permaneceu
quarenta dias, foi tentado por Satanás e enfrentou os animais selvagens
(cf. vv. 12-13).
É o início do Evangelho, da boa notícia proclamada por Jesus:
“convertei-vos”! Conversão é mudança de atitude que se manifesta na
prática. Deus quer estar junto de seu povo — o Reino de Deus chegou
— e por causa desta iniciativa de Deus, que se volta para nós, devemos
voltar para ele.
Marcos liga imediatamente ao Batismo de Jesus, que é o início de
sua missão, o episódio da tentação (cf. vv. 12-13), o que indica que ele
vê, como ponto fundamental da missão do Filho de Deus, a luta contra
Satanás. Vencendo o demônio, Jesus anuncia a salvação, dá início ao
Reino de Deus (cf. vv. 14-15). Este anúncio exige de nós uma mudança
de mentalidade, uma “virada”, um afastamento do caminho habitual
e uma volta para outra direção. Esta mudança, esta conversão procede
da fé: crer no Evangelho (cf. v. 15b).
E sempre ilusório crer-nos convertidos de uma vez por todas.
Não somos nunca simples pecadores, mas pecadores perdoados,
“O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

pecadores-em-perdão, pecadores-em-conversão. Converter-se signi-


fica recomeçar sempre de novo esta mudança interior, por meio da
qual a nossa pobreza humana se volta para a graça de Deus. Antão,
patriarca e pai de todos os monges, dizia de modo lapidar: “cada manhã
me digo: hoje, começo”. E Abba Poemen, o mais famoso dos padres do
deserto depois de Antão, quando, à beira da morte, era elogiado por
sua vida virtuosa, que o colocava na condição de apresentar-se diante
de Deus com extrema tranquilidade, respondeu: “Devo ainda come-
çar, estava apenas começando a converter-me”, e chorou.
Hoje, o tempo nos é concedido para conhecermos melhor a Deus:
é sempre um tempo de conversão e de graça, dom de sua misericórdia.

Atualizando a Palavra
Neste domingo do deserto de Jesus, também nós somos conduzidos
com ele pelo Espírito. Ir para o deserto, permanecer no deserto supõe
disponibilidade para se deixar conduzir pelo Espírito, em solidarie-
dade com Jesus e com o povo dos crentes. O deserto não é casa para ser
habitada, mas espaço que se tem de atravessar para realizar uma forte
experiência espiritual, que torne mais verdadeira a relação com Deus
e com os irmãos.
No deserto, Jesus é tentado. Portanto, o deserto não é a fuga da
tentação. Jesus se retira para o deserto para escapar do messianismo
triunfalista, que as multidões, sob a direção de Satanás, pretendem
impor-lhe. Jesus quer que o deserto seja o símbolo do espaço infinito
que separa Deus do homem pecador. Esta distância só é superada por
meio do lento caminho da fé.
A Quaresma é caminho de fé, que percorremos guiados pelo
Espírito Santo. Deus nos chama ao deserto para renovar a sua Aliança
conosco. Estamos prontos para renunciar, para esquecer o que ficou
para trás a fim de alcançar o Cristo, como fomos alcançados por
ele? (cf. Fl 3,12-13) Estamos dispostos a levar a sério a renovação da
Aliança com Deus?
Roteiros homiléticos para a Quaresma RB

Somos convidados a deixar as tentações das alianças, do mundo,


do pecado e a viver os compromissos do Batismo, que nos inserem
no mistério da morte e ressurreição de Cristo. Quem vive o Batismo
assume o projeto libertador de Jesus, que é o caminho de volta para
Deus. Os frutos concretos da conversão, da vitória sobre as tentações
são a partilha dos bens com os irmãos necessitados, a vivência de uma
religião que se compromete com a vida. Meios excelentes que nos colo-
cam neste caminho de conversão são a escuta da Palavra de Deus, a
oração € o jejum.
À Campanha da Fraternidade deste ano, evidenciando o binômio,
Igreja-Sociedade, nos exorta a aprofundar a compreensão da digni-
dade da pessoa. Já descobrimos quais são as tentações mais frequen-
tes, hoje em nosso mundo? Já refletimos sobre os tipos de aliança que
fazemos em nosso dia a dia, na prática? Com que projeto de sociedade
sonhamos? Que sociedade nós queremos de verdade?

Ligando a Palavra com a ação eucarística


À liturgia deste domingo faz memória de Jesus que, tentado é servido
pelos anjos, ou seja, é sustentado pelo próprio Deus, que o declarou seu
Filho e Servo para instaurar o Reino. Sua obediência ao Pai até o fim
trouxe para nós a justificação.
Iniciando com Jesus, a caminhada quaresmal, nos reunimos para
escutar atentamente a sua Palavra, que nos convoca a renovar os nossos
compromissos batismais e a nossa fidelidade ao Deus vivo e verdadeiro.
Pelo Batismo, somos participantes da reconciliação do sacrifício
realizado, uma vez por todas por Cristo, e atualizado na Eucaristia que
celebramos. Na Eucaristia, renovamos a aliança com Deus, expressa-
mos e vivenciamos o mistério pascal com os mesmos ritos deixados por
Jesus na última ceia ao profetizar sua morte.
Ao celebrarmos seu memorial — “Façam isto em minha memó-
ria” — tornamo-nos misticamente participantes do fato da história da
salvação que recordamos e anunciamos: somos associados à morte e
"O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

ressurreição de Cristo, pelo Espírito que nos impulsiona para a missão


a serviço do Reino que há de vir e que já está entre nós.
É ao projeto de Deus, anunciado e realizado na pregação e na
prática de Jesus, que queremos servir, e não ao poder do mal. À vitória
de Jesus sobre todo mal é o grande motivo de ação de graças e louvor
ao Senhor, nosso Deus. No prefácio, o presidente reza em nome de
toda a assembleia: “Jejuando quarenta dias no deserto, Jesus consagrou
a observância quaresmal. Desarmando as ciladas do antigo inimigo,
ensinou-nos a vencer o fermento da maldade. Celebrando agora, o
mistério pascal, nós nos preparamos para a Páscoa definitiva”.

Sugestões para a celebração


1. Para marcar ainda mais este tempo quaresmal, a comunidade
poderia se reunir na frente da Igreja, ao redor de uma grande
cruz. O presidente da celebração convida a comunidade a fazer a
caminhada quaresmal assumindo os apelos de conversão em sua
vida pessoal, familiar, social e comunitária, a partir do sentido
da liturgia da Palavra deste primeiro domingo. À seguir, se faz
a procissão de entrada entoando um canto que expresse a cami-
nhada rumo à Páscoa, carregando a cruz, que será colocada em
lugar de destaque previamente preparado.
2. Neste tempo forte da Igreja, intensificamos nossa vida de oração
em forma de súplica e pedido de perdão. O ato penitencial, entre-
meado de intervalos de silêncio, que eventualmente poderá ser
deslocado para depois da homilia, ajudará a revermos nossa vida
na perspectiva das leituras da liturgia da Palavra deste domingo.
3. É importante recordar que a Quaresma é um tempo próprio
para a comunidade participar de celebrações penitenciais como a
confissão individual ou comunitária, a via-sacra, círculos bíblicos
e encontros que aprofundem a Campanha da Fraternidade.
2º DOMINGO DA QUARESMA
1º de março de 2015
"ESTE É MEU FILHO AMADO" (Me 9.7).

Leituras: Gn 22,1-2.93.10-13.15-18; SI 115(116),10.15.16-17.18-19


(R. Sl 114,9); Rm 8,31b-34; Mc 9,2-10.

Situando-nos

Em nossa caminhada pascal, celebramos o segundo domingo da


Quaresma, o Domingo da Transfiguração do Senhor. Mudamos do
deserto para o Tabor, da tentação para a glória. Com Jesus e os seus
três discípulos, subimos a montanha, para fazermos a experiência da
intimidade, anteciparmos a visão de sua glória e recebermos o mandato
de escutar a sua palavra. Vivemos, neste domingo, o mistério da vida
que passa pela morte.
Escutando o Evangelho da transfiguração, entrevemos a glória
de Cristo, a face luminosa do mistério pascal. O Pai, que exprime seu
amor pelo Filho-Servo Sofredor é o mesmo que o acolherá à sua direita.
Nós que, com os três discípulos, subimos um alto monte, recordamos
o brilho da Aliança de Deus com seu povo liberto da escravidão e a
caminho da partilha do pão, do poder e da terra. Em Jesus, renova-se
essa Aliança, esse mesmo projeto libertador, projeto de vida.
À transfiguração de Jesus pretende narrar antecipadamente a vitó-
ria sobre a cruz, a vida em toda a sua plenitude, que vence os poderes
de morte deste mundo, as perplexidades e os desafios. Seguindo os
passos de Jesus, queremos aprender com ele a criar uma nova sociedade
e uma nova história.
Contemplando o cenário nacional e o de cada região de nosso
imenso país, damo-nos conta de que há muitas situações que aten-
tam contra o projeto de Deus e que, por conseguinte, não são frutos
do Reino. Como disse há muito tempo, um ex-presidente do Brasil:
"O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

“o Brasil não é um país pobre, mas injusto”. E em que a Igreja pode


contribuir para reverter situações que atentam contra os valores do
Reino? Em que podemos, como cristãos, transfigurar tais situações?
“A Igreja, em suas articulações pastorais, organiza movimentos em
defesa dos direitos das pessoas, combate as injustiças que atentam con-
tra a dignidade humana e promove a assistência a pessoas ou grupos
necessitados. Em suas comunidades, as orações e celebrações são acom-
panhadas de reflexões acerca dos problemas enfrentados na sociedade e
de ações práticas e concretas a favor de uma renovação social baseada no
respeito à dignidade da pessoa humana. A Campanha da Fraternidade é
um momento privilegiado de meditação, oração e transformação”

Recordando a Palavra
Abraão é exemplo de obediência a Deus; a vivência da fé está sempre
ligada à sua pessoa. Pela fé, ele se torna fonte de bênçãos para todas as
famílias da terra.
Mas, como aconteceria isso se Abraão não tinha filho? Final-
mente, ele recebe um filho, Isaac, no qual sua descendência seria
numerosa como as estrelas do céu e as areias do mar. Isaac é o fruto da
promessa, o filho muito amado, a esperança do futuro. Observando,
porém, que os povos vizinhos de Israel sacrificavam crianças aos seus
deuses para manifestar o amor que tinham por eles, Abraão começa
a se perguntar se também o Deus de Israel queria que ele sacrificasse
o seu único filho. Mas, Deus não aceitou o sacrifício de Abraão e isto
fez o povo entender que Deus não quer sacrifícios humanos, não quer
a morte do homem, mas a vida (cf. Jo 10,10). Abraão passa, então, a
considerar Isaac como duplo dom de Deus: nascido de Sara estéril e
liberto da morte.
À narração (Gn 22,1-2.93.10-13.15-18) quer mostrar que a dispo-
nibilidade da fé de Abraão é agradável a Deus, que renovará as pro-
messas a ele feitas. Abraão viveu a fé em situações adversas: acredita

9 (CNBB. Campanha da Fraternidade 2015: Texto-Base. Brasília, Edições CNBB. 2014. n. 62.
Roteiros homiléticos para a Quaresma 29.

que podia ser pai, apesar de sua velhice e de Sara; acredita que a obe-
diência a Deus está acima dos próprios laços de sangue (sacrifício de
Isaac, o primogênito). Na realidade, o pano de fundo deste quadro
bíblico bem antigo reforça ainda mais a fé de Abraão no Deus da Vida.
Abraão se encontrava em um dilema: seguir os costumes da reli-
gião cananeia, que ordenava sacrificar o primogênito para ter a bên-
ção dos deuses? Ou confiar no Deus da Vida que mandava acreditar
na promessa? O núcleo central do texto de Gênesis proclamado neste
domingo é crer, mesmo em meio à escuridão. Abraão cala diante do
mistério. Ele teve de enfrentar tudo sozinho, em silêncio e envolvido
pelo mistério incomparável de Deus, superando pela fé e confiança os
absurdos que a vida lhe apresentava.
O Salmo 116 é uma oração pessoal de ação de graças. O justo, que
guarda a sua fé, dirige a Deus o agradecimento, depois de violentas
provações. Com o salmista, agradecemos a pronta resposta de Deus ao
nosso grito, nos momentos de tribulação.
Na segunda leitura (Rm 8,31b-34), descobrimos que a fidelidade
de Deus, anunciada na primeira leitura, é aqui plenamente procla-
mada: Deus está com todos os que têm fé e que por ela são justificados
(cf. 8,30).
O texto paulino segue a linha de pensamento da primeira leitura:
Deus não poupou seu próprio Filho, para que ele intercedesse por nós
(cf. 8,32). E em sua fidelidade ao Pai, Cristo dá a vida por nós, não
quer condenar-nos. “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (8,31b).
de Deus não é contra nós, não nos nega nada, não nos acusa, não nos
condena. Esse argumento pode resumir-se em uma pergunta: “Quem
nos separará do amor de Cristo e do Pai?” (cf. 8,33). Só nós podemos
separar-nos do amor de Deus em Cristo Jesus. Deus jamais romperá a
sua Aliança conosco, pois ele é um Deus fiel. Nele temos a certeza da
vitória, a libertação plena.
O texto da transfiguração se encontra no meio da narrativa de
Marcos. Os discípulos, finalmente reconheceram em Jesus o Messias,
o Cristo (cf. 8,29). Mas Jesus lhes explica que o “Filho do Homem”,
E “O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

como se chama a si mesmo (cf. Dn 7,13-14), não devia ser imaginado


como um Messias conquistador, à maneira do rei Davi, e sim, como o
Servo Sofredor de Isaías 52,13-53,12. O destino do Messias é a glória,
mas o caminho é a cruz.

À cena da alta montanha (Marcos não diz de que monte se trata!)


repete a do Batismo de Jesus no Jordão e prefigura sua morte e res-
surreição: “Este é meu Filho amado” (cf. Mc 9,7; 1,11). Devemos rela-
cionar também a cena da transfiguração com a que se encontra no
fim do Evangelho de Marcos, quando o véu do Santuário foi rasgado
em dois, de alto a baixo, o centurião romano, ao pé da cruz, exclama:
“Realmente este homem era Filho de Deus” (cf. 15,38-39).
A descrição de Marcos possui especial beleza. Ele diz que Jesus
tem suas vestes mudadas, tornando-se brilhantes, extremamente bran-
cas, de uma brancura tal que nenhuma lavadeira sobre a terra as pode-
ria alvejar. As vestes de Jesus agora se parecem com as dos mártires
(cf. Ap 3,15-18; 7,9-14). O martírio será o seu destino, mas a vitória
será sempre da Vida.
Jesus está acompanhado de Moisés e Elias (Lei e Profetas), que
confirmam com suas histórias o caminho de Jesus na direção do con-
flito final e da cruz. Esses dois personagens do Primeiro Testamento
não estão presentes como enfeites ou convidados de honra ou teste-
munhas da glória de Jesus. Eles aí estão para explicar a Jesus qual é a
sua missão como Filho. Essa missão consiste em sair deste mundo, em
fazer uma Páscoa, em sofrer uma Paixão.
Pedro, porém, toma a cena como se fosse de triunfo, e com sua
proposta — armar três tendas — espera desviar Jesus do trajeto já indi-
cado. Na verdade, Pedro não sabia o que estava dizendo, porque tanto
ele como seus companheiros, Tiago e João estavam com muito medo
(cf. Mc 9,5-6). Não seria bom ficar no monte, porque ficar ali em ves-
tes brancas e brilhantes, seria não ouvir a resposta de Moisés e Elias
ao “este é meu Filho amado” pronunciado pelo Pai: Filho é aquele que
tem o destino de sofrer em favor de seu povo.
Filho é aquele que obedece, aquele que é destinado a sofrer por
seu povo, aquele que perdoa e se doa. Filho é aquele cuja glória é
Roteiros homiléticos para a Quaresma
RB

restaurar-nos à plena amizade com seu Pai, a todos nós, começando


por Jerusalém e estendendo-se até os confins da terra.
Agora, sabemos o que é ser Filho de Deus. É obediência/reve-
rência; é abraçar o destino de viver e morrer pelo povo; é amar os ini-
migos no momento de ser crucificado por eles, e encontrar sua única
esperança no Pai invisível e silencioso; é ser o ministro vitorioso da
reconciliação com Deus e com o próximo para toda a humanidade.

À passagem — Páscoa — de Jesus pela morte o levará à ressurreição:


“por isso, Deus o exaltou e lhe deu um Nome que está acima de todo
nome” (F1 2,9).

Atualizando a Palavra
Abraão é provado, e a prova de Abraão não consiste simplesmente
no sacrifício do filho, mas deste filho. Isaac é um dom especial de
Deus, prova de seu amor onipotente; é a promessa cumprida. O velho
patriarca tem de sacrificar um filho que ama e uma promessa cumprida
que ele reconhece; e tem de continuar crendo e esperando. Tem de
sacrificar uma experiência recebida de Deus, para abrir-se a outra nova
por meio do mistério.
O que significa hoje para nós, ter de percorrer um caminho dolo-
roso, o caminho da cruz e do sofrimento, acreditando que é justamente
este caminho que nos conduzirá à bênção, à salvação? Nos momentos
de provação, angústia e abandono, que ultrapassam nossa natureza e
nossa lógica, como continuar crendo que o nosso Deus quer a vida e
não a morte? (cf. Jo 10,10).
O trecho da carta de Paulo aos Romanos inicia com uma per-
gunta: “se Deus é por nós, quem será contra nós?” (8,31b). E seguem
outras perguntas cujas respostas parecem óbvias.
Como alguém que se defende de um processo de acusação, a
pessoa justificada por Deus possui a certeza da vitória, pois tem
como advogado de defesa o próprio Jesus ressuscitado, que intercede
à direita de Deus.
E “O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

Com uma série de perguntas, Paulo celebra a certeza das comu-


nidades, que é também a nossa certeza, de que o projeto de Deus vai
vencer. “Deus é por nós, ninguém será contra nós” (8,31b). “Deus
não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós. Por
isso, juntamente com ele, nos dará tudo o de que precisamos” (8,32).
Quais são as certezas que queremos celebrar hoje? O que tem isso a
ver com a nossa realidade? À certeza de que ninguém poderá ser con-
tra nós é, de fato, uma experiência que invade a nossa vida em todas
as dimensões: cabeça, coração, vontade, espírito, mente, mãos e pés?
Se realmente a experiência do amor de Deus está na raiz de tudo,
começamos a olhar tudo a partir desta nova experiência: a vida, a
história, a lei, as pessoas, o trabalho, o dia a dia da caminhada, a
missão e o próprio Deus.
Lendo e relendo em profundidade o texto da transfiguração
segundo Marcos, levando em conta o seu contexto, descobrimos que
nele está uma experiência profunda e crucial de Jesus diante de uma
tomada de decisão. Ele tem de escolher entre várias possibilidades
qual será a sua missão e destino: um Messias nacionalista e vitorioso;
uma fuga para um individualismo e comodismo; um Messias sofre-
dor. O amor de Jesus por seu Pai e pelo seu povo, cansado e abatido
como ovelhas sem pastor, foi capaz de fazer com que ele seguisse o
caminho da cruz, um caminho messiânico, com o intuito de criar um
mundo plenamente humano, desafiando o poder dominante. Esta
experiência de Jesus é transmitida, refletida e relida pelos primeiros
cristãos em sua própria prática. O texto do jeito que se encontra é uma
releitura pós-pascal. Trata-se de uma confissão de fé dos primeiros
cristãos em Jesus crucificado e ressuscitado. Ele não é um Messias
glorioso, triunfante e que faz milagres, mas um Messias sofredor que
passa pelo caminho da cruz por causa de sua prática libertadora.
Trazendo o texto para os dias de hoje, para a nossa vida de seguido-
res de Jesus, podemos constatar reações e comportamentos semelhantes
aos dos discípulos, ou seja, instalar-nos em uma posição triunfalista?
Como discípulos de Jesus, fixando o olhar no seu rosto resplandecente,
no mistério da transfiguração, entendemos este momento apenas como
Roteiros homiléticos para a Quaresma ER

revelação da glória de Cristo ou também como preparação para enfren-


tar a cruz?
“Subir ao monte” e estar envolvidos, por alguns momentos, no
esplendor da glória implica um “descer do monte” e continuar a rea-
, . . . « » .

lidade cotidiana onde vemos “somente Jesus” na humildade de sua


natureza humana. Jesus nos convida a regressar ao vale para partilhar-
mos com ele a dureza do desígnio de Deus e enfrentar com coragem o
caminho da cruz.
“Descer do monte” é enxergar a situação concreta em que vivem
tantos irmãs e irmãos nossos desrespeitados em sua dignidade, reco-
nhecer que o projeto de nação que temos nem sempre considera ade-
quadamente os anseios do povo, perceber que com frequência os mais
pobres são tratados como supérfluos e descartáveis. É bastante degra-
dante olhar a quantidade de moradores de ruas, em especial nas grandes
cidades, as crianças abandonadas tentando ganhar a vida nos semáforos,
o crescimento das favelas, as filas intermináveis nos hospitais públicos.
O episódio da transfiguração assinala um momento decisivo no
ministério de Jesus. É um evento de revelação que consolidou a fé no
coração dos discípulos, preparou-os para o drama da cruz, e antecipou
a glória da ressurreição. Com os três discípulos escolhidos, continua-
mos a contemplar o rosto transfigurado de Cristo, para sermos con-
firmados na fé e não correremos o risco de soçobrar ao ver o seu rosto
desfigurado na cruz.

Ligando a Palavra com a ação eucarística


Característica profunda deste tempo forte de Quaresma é a nossa
participação no mistério pascal de Cristo, ou seja, na sua morte e
ressurreição. Este tempo, que volta a cada ano, nos permite avançar
no processo pascal de identificação com Cristo, “até chegarmos, todos
juntos, à unidade na fé e no conhecimento do Filho de Deus, ao estado
de adultos, à estatura do Cristo em sua plenitude” (Ef 4,13).
Na Eucaristia, nos reunimos como comunidade viva, que expe-
rimenta a presença de Cristo ressuscitado como Senhor da história.
“O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

A Páscoa se torna presente na celebração como memorial. O fato his-


tórico da Páscoa se perpetua no rito que o celebra. O fato histórico da
paixão, morte e ressurreição de Cristo tornou-se celebração ritual na
última ceia que ritualizou este acontecimento.
Importa termos consciência de que, como Igreja e como comu-
nidade cristã reunida não repetimos exteriormente o gesto ritual de
Cristo na última ceia, mas realizamos o sinal de sua entrega.
No Primeiro Testamento, Deus poupa Isaac, o filho da promessa.
Mas, chegará o dia em que ele aceitará o sacrifício de seu Filho, como
expressão de seu amor pela humanidade para salvá-la. O Pai não
reserva para si o Filho único, mas o entrega para a salvação do mundo
(cf. Jo 3,16; Rm 8,32). A tradição da Igreja sempre viu em Isaac uma
prefiguração de Cristo.
O sacrifício de Abraão, figura do sacrifício de Cristo, é o modelo
de nossa resposta de fé e amor ao plano de Deus. À obediência amo-
rosa a Deus que supõe a fé, sobretudo quando se opõe à nossa natureza
e à nossa lógica, é portadora de salvação. À glória que nos aguarda
(como as promessas, no caso de Abraão) dá sentido até ao sofrimento
mais absurdo. O Filho de Deus nos precedeu no mesmo caminho da
cruz. Portanto, não há lugar para desânimo e dúvida; de fato, ninguém
nos pode separar do amor de Cristo (cf. Rm 8,38).
À Eucaristia da qual participamos a cada domingo da Quaresma
nos coloca sempre de novo no processo pascal, nos transfigura e nos faz
experimentar antecipadamente o banquete do Reino, da ceia dos redi-
midos, no qual há lugar para todos, também para os desfigurados, os
pobres e sofredores, os que são considerados supérfluos e descartáveis.

Sugestões para a celebração


1. Mais uma vez, destacamos a cruz, que deverá ir à frente na
procissão de entrada: o Cristo caminha conosco e encabeça seu
povo na caminhada rumo ao Pai, no seu êxodo pascal. Outros dois
símbolos que receberão destaque: a caminhada e a luz.
Roteiros homiléticos para a Quaresma BH

2. Onde for possível, reúnam-se as pessoas fora da Igreja, acolhendo-


-as fraternalmente. À equipe de celebração abraça ou aperta a mão
de cada um em sinal de acolhida afetuosa. Podem ser distribuídas
velas que serão acesas, enquanto se entoam refrãos quaresmais.
À luz simboliza a fé e a vida nova, a ressurreição, que a transfigu-
ração do Senhor antecipa. “O Senhor é minha luz minha salvação.
Que poderei temer? Que poderei temer”? (Sl 27).
Após o sinal da cruz e a saudação, pode-se fazer a recordação da
vida, trazendo presentes às situações que hoje, em nosso país, em
nossa região, em nossa cidade precisam ser transformadas, trans-
figuradas, especialmente o nosso povo sofrido, que clama por vida
plena. À seguir, com as velas acesas, iniciar a procissão de entrada
para o interior da igreja.
A Quaresma é tempo de retomar o caminho do Evangelho, tempo
de reavivar o primeiro amor e, assim, nos preparar para a reno-
vação das promessas batismais na Vigília Pascal. O sacramento
do Batismo deverá, pois, ser recordado ao longo da Quaresma,
por exemplo, no momento do Credo, (símbolo da fé), no qual as
pessoas poderão recitá-lo ou cantá-lo voltadas para a cruz e com a
mão direita erguida em sua direção.
30º DOMINGO DA QUARESMA
8 de março de 2015
“DESTRUÍ ESTE TEMPLO, E EM TRÊS DIAS EU O LEVANTAREI" (Jo 2.19).

Leituras: Ex 20,1-17 ou abreviado Ex 20,1-2.7-8.12-17;


S118(19b),8.9.10.11 (R. Jo 6,68c); 1Cor 1,22-25; Jo 2,13-25.

Situando-nos
Chegamos ao terceiro domingo da Quaresma, o domingo da expulsão
dos vendilhões do templo. Somos convidados a viver o mistério da
restauração do ser humano em Cristo a partir do símbolo do templo
(cf. Jo 2,13-25). Também para Jesus, como bom judeu, o templo de
Jerusalém constituía um lugar sagrado, devotado a Deus. Desrespeitá-
lo significava desrespeitar o próprio Deus, pois templo significa a
presença de Deus entre os seres humanos, lugar onde habita Deus.
Comparando com os outros evangelistas (Mt 21,12-17; Mc 11,15-17;
Lc 19,45-46), percebemos que João dá um sentido diferente à purifi-
cação do templo antecipando-a e carregando-a de sentido simbólico
referindo-o à morte e ressurreição de Jesus.
Jesus se escandaliza com a decadência do culto e mostra que a ver-
dadeira habitação de Deus entre os seres humanos é ele mesmo, o seu
corpo ressuscitado, que é o novo templo. Assim, quem desrespeita o
templo está desrespeitando a sua pessoa, o próprio Deus e toda pessoa
humana chamada a ser templo de Deus (cf. 1Cor 6,19). Doravante, o
culto estará ligado a Jesus, o verdadeiro templo (Jo 1,14; 1,51; 4,20-24).
Jesus profetiza sobre uma prática religiosa ligada à justiça e à realização
plena do seu Reino, e anuncia a sua ressurreição.
Conforme a tradição dos profetas (cf. Zc 14,21), a prática da
religião, o culto só são verdadeiros se promoverem a vida e a liber-
dade de cada uma e de todas as pessoas. Com o gesto da expulsão dos
Roteiros homiléticos para a Quaresma

vendilhões do templo, Jesus inaugura o tempo messiânico, no qual o


culto estará plenamente isento da exploração do povo. Ele toca o sis-
tema econômico do templo, com seu enorme afluxo de dinheiro, no
qual havia a exploração dos ricos sobre os empobrecidos.
À Igreja no Brasil almeja com a Campanha da Fraternidade 2015,
em expressão social de sua caminhada espiritual e durante o período qua-
resmal, iluminar as condições do povo brasileiro constituído por diversos
vínculos culturais, políticos e étnicos. À fim de que este, fiel a sua vocação
alcance sua realização como sociedade firmada nos valores universais éti-
cos do bem comum, da justiça e da fraternidade. Tais valores coincidem
com os valores do Reino e se opõem a qualquer tipo de exploração.

Recordando a Palavra
“s

O texto do livro do Êxodo 20,1-17, proclamado neste terceiro domingo


da Quaresma, se enquadra no contexto da Aliança que Deus sela com
seu povo. O grande gesto de salvação de Deus é a libertação do povo
da escravidão. Mas, para ser um povo verdadeiramente livre e feliz,
Deus lhe dá os mandamentos, que não são um peso, não cerceiam a
liberdade, mas dão segurança e garantem a felicidade. A Aliança é
um pacto: por parte de Deus, a libertação da escravidão do Egito; por
parte do povo, a lei de Deus.
No centro do decálogo (dez palavras) está a defesa da vida. O espí-
rito sagrado dos mandamentos está no versículo 2: devem possibilitar
a experiência de Deus como presença libertadora e protetora da vida.
À lei dos dez mandamentos indica o caminho que o povo deve per-
correr desde a “casa da escravidão” até à plena liberdade junto a Deus.
Os dez preceitos são breves e gerais, repartidos em deveres para
com Deus e para com o próximo, em forma negativa e positiva. Embora
breve e seletiva, a série abrange um campo amplíssimo de conduta.
Deus exige do ser humano que este o respeite e ao próximo.
Os mandamentos se contrapõem às opressões sofridas pelo povo no
Egito, onde em nome do deus do faraó se justificava todo tipo de opressão.
a “O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

O Salmo 18(19) canta a perfeição da Palavra criadora. Assim


como existe ordem natural na criação, também deverá existir harmo-
nia na ordem humana, o que acontecerá pela observância dos preceitos
de Deus, que escutamos na primeira leitura.
Na segunda leitura (1Cor 1,22-25), o sinal da Aliança não é mais
o sangue dos cordeiros (cf. Ex 24), mas o sangue de Cristo, que sela a
nova Aliança entre Deus e a humanidade. No anúncio cristão, o evento
pascal não é mais a libertação do Egito, mas o Cristo crucificado.
À salvação é agora obtida mediante a fé no acontecimento da cruz,
poder e sabedoria de Deus, porque são capazes de dar a salvação. De
fato, a cruz, cerne da pregação de Paulo, parece uma verdadeira lou-
cura, sinal de fraqueza e caminho de perdição. Mas Deus a trans-
formou em sabedoria, sinal de força e caminho de salvação, porque
alicerçada no amor.
No Evangelho (Jo 2,13-25), lemos que Jesus expulsou os comer-
ciantes do templo e derrubou a mesa dos cambistas. Observando a
composição do Evangelho de João, não se pode omitir uma referência
ao lugar que nele ocupam as festas judaicas. Em torno destas festas se
cristalizam certos conjuntos. O ponto de vista do evangelista é mos-
trar que todas as festas do templo encontram sua plenitude no Cristo,
cujo corpo é doravante o único templo (cf. 2,21). Não se pode colocar
remendo novo em pano velho (cf. Mc 2,21).
Isso é evidente desde a primeira subida de Jesus a Jerusalém nas pro-
ximidades da Páscoa (cf. 2,13). Jesus expulsa não só (como nos sinóticos)
os cambistas e os vendedores de pombas, mas também bois e ovelhas
(cf. 2,14). Ora, bois e ovelhas eram vítimas pascais (cf. Dt 16,2). A insis-
tência do evangelista, que repete no versículo 15: “com suas ovelhas e
seus bois”, deseja sublinhar que as vítimas destinadas à Páscoa foram
expulsas. É sinal de que virtualmente a Páscoa judaica fica abolida.
Vale notar que a expulsão dos vendilhões do templo, que em João
situa-se no início do ministério público de Jesus (próxima a uma festa
de Páscoa), é colocada pelos sinóticos após a entrada messiânica de
Jesus em Jerusalém. Segundo João, a ruptura com as autoridades do
Roteiros homiléticos para a Quaresma BH

templo tem lugar no começo de sua vida pública. Nos sinóticos, este
gesto, no final do seu ministério, faria transbordar um cálice já cheio:
a hostilidade dos chefes judeus contra Jesus.
Voltemos à questão do templo. Trata-se do conflito entre o tem-
plo antigo, feito de pedra com seus muitos sacrifícios de animais, e o
templo novo que é Jesus, presente nas comunidades. O templo antigo
ficava em Jerusalém. Era um só para todos! Deus ficava longe. Mas o
povo fazia romarias para visitá-lo e sentir a sua presença. Jesus, o novo
templo, está presente em cada comunidade, em toda parte. Ele faz
Deus ficar bem perto de nós.
Jesus vai ao templo para encontrar o Pai, e encontra o comércio.
Encontramos aqui um contraste entre o antigo templo, que se trans-
formou em casa de comércio, e o novo templo que é Jesus.
Observando o que se passava no templo, Jesus faz um chicote de
cordas e de lá expulsa os vendedores com seus animais. Derruba as
mesas dos cambistas, joga o dinheiro no chão e diz aos vendedores de
pombas: “Tirai isso daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa de
comércio” (Jo 2,16). O gesto e as palavras de Jesus lembram várias pro-
fecias; a casa de Deus não pode ser transformada em covil de ladrões
(cf. Jr 7,11); no futuro não haverá mais vendedor na casa de Deus
(cf. Zc 14,21); a casa de Deus deve ser uma casa de oração para todos
os povos (cf. Is 56,7).
Vendo o gesto de Jesus, os discípulos foram lembrando outras fra-
ses e fatos do Primeiro Testamento: “O zelo de tua casa me devora”
(Sl 68,10), e o profeta Elias que dizia: “Eu me consumo de zelo pela
causa de Deus” (1Rs 19,10).
Tocando no templo, Jesus tocava no fundamento da religião do
seu povo. Os judeus, isto é, os líderes, perceberam que ele tinha agido
com grande autoridade. Por isso, pedem que apresente as credenciais:
“Que sinal nos mostras para agir assim”? (Jo 2,18). Jesus responde:
“Destruí este templo, e em três dias eu o levantarei” (2,19). Jesus falava
do templo do seu corpo, que seria destruído pelos judeus e em três
dias seria totalmente renovado por meio da ressurreição. Os judeus
so] “O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

tomaram as palavras de Jesus ao pé da letra e zombaram dele: “Qua-


renta e seis anos foram precisos para a construção deste santuário e tu
o levantarás em três dias?” (2,20).
Os discípulos também não entenderam o significado desta palavra
de Jesus. Só depois da ressurreição foi que eles se deram conta de que
ele estava falando do templo do seu corpo (cf. 2,22). A compreensão
das coisas de Deus só acontece aos poucos, em etapas. À expulsão dos
comerciantes tinha ajudado a entender as profecias do Primeiro Testa-
mento. Agora, é a luz da ressurreição que ajuda a entender as palavras
do próprio Jesus. O Ressuscitado é o novo templo onde Deus se faz
presente no meio da comunidade.
Naqueles dias da festa da Páscoa, estando Jesus em Jerusalém,
muita gente começou a crer nele por causa dos sinais que ele fazia. João
comenta que a fé da maioria destas pessoas era superficial e Jesus não
lhes dava crédito, pois conhecia o ser humano por dentro (cf. 2,23-25).

Atualizando a Palavra
O Código da Aliança (Ex 19-24) trata de leis. Nele estão os dez
mandamentos. O que podemos aprender destas leis? Afinal, qual o
ideal que o decálogo queria realizar? Qual a posição que ele tomava
nos conflitos daquele tempo: defendia o interesse dos pequenos ou dos
grandes? Como animava a fé do povo?
O Decálogo privilegia a vida, propondo-a como valor ímpar. Há
estudiosos que apontam o quinto mandamento como o eixo das dez
palavras; “não matarás” (20,12). Podemos, pois, concluir que o espírito
sagrado dos mandamentos está no versículo 2: a experiência de Deus
como presença libertadora e protetora da vida.
Por meio da Aliança expressa nos mandamentos, o povo prome-
tera amar e servir a Deus. Mas caiu em um legalismo estéril. Jesus
veio comunicar à humanidade o verdadeiro espírito da lei, uma lei que
sustentasse a pessoa humana: é a lei do amor a Deus sobre todas as
coisas e ao próximo como a si mesmo. Na vida prática de cada dia,
Roteiros homiléticos para a Quaresma mB

o que fazer para que Deus ocupe, de fato, o primeiro lugar? Em que
podemos contribuir para promover a vida do irmão, da irmã, especial-
mente dos excluídos?
À lei do amor passa pela loucura da cruz (segunda leitura).
Os judeus exigiam uma religião de sinais prodigiosos para acreditar.
Em outras palavras, uma religião sem riscos. Os gregos procuravam
sabedoria (1Cor 1,22), ou seja, uma religião que não se encarna jamais,
puramente racional. Jesus escolheu o caminho da cruz, que é símbolo
do fracasso, da fraqueza, da vergonha e da maldição, mas ao mesmo
tempo é símbolo da encarnação do Filho de Deus em nossa realidade
mais concreta. Morrendo na cruz, Jesus nos libertou. Ele é a revelação
máxima do projeto do amor de Deus. Paulo nos ajuda, pois, a descobrir
a verdadeira religião. Como encarnar a religião, a nossa vida de dis-
cípulos de Cristo, na realidade concreta do povo pobre e crucificado?
Relendo o Evangelho deste domingo, concluímos, como as comu-
nidades que viveram depois do ano 70 d.C., quando o templo fora des-
truído, que o templo de Jerusalém estava ultrapassado. À glória de Deus
não habitava mais aquele espaço. As comunidades de João foram as que
mais avançaram nesta reflexão. Elas concluíram que em Jesus, Palavra
de Deus feita carne, reside a glória de Deus (cf. Jo 1,14). O corpo de
Jesus, ou seja, a sua realidade humana, é o local em que habita a pleni-
tude da divindade (cf. Jo 2,21-22). O que o Pai quer são os verdadeiros
adoradores, aquelas pessoas que manifestam Deus em suas vidas por
meio do amor ao próximo. Estas são as que adoram “em espírito e ver-
dade” (Jo 4,23). O verdadeiro templo de Deus é a comunidade, onde
as pessoas são “as pedras vivas, que continuamente oferecem a Deus o
autêntico sacrifício espiritual (cf. 1Pd 2,4-5), que não consta de práticas
a cumprir em determinados momentos. Percebemos a diferença entre o
legalismo condenado por Jesus e a lei do amor que liberta?

Ligando a Palavra com a ação eucarística


Cristo Jesus, fiel ao único mandamento de realizar a vontade do Pai,
não se apegou ciosamente à sua vida, mas a deu em serviço de amor
“O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

infinito a seus irmãos. Celebrando a Páscoa de Jesus na Eucaristia


nos dispomos a ligar fé e vida, culto e justiça, a lutar pela dignidade
humana e a colaborar com a realização plena do Reino.
O espaço da verdadeira adoração de Deus não será mais o templo
de Jerusalém, comprometido com os poderes do mundo, mas o templo
do corpo de Jesus martirizado e glorificado. Este corpo nos é sempre
de novo entregue todas as vezes que comemos do pão e bebemos do
cálice, anunciando a morte do Senhor até que ele venha (cf. 1Cor 11,26).
À Eucaristia que celebramos é memória da morte de Jesus como dom de
vida para a humanidade.
Comungando o pão eucarístico, selamos nossa aliança pessoal
com Deus, no corpo e sangue, no sacrifício de Jesus Cristo. Esse nosso
pacto com Deus não pode ser um rito vazio; precisa comprometer toda
a nossa vida, para que o sangue do Filho de Deus não seja derramado
em vão. À nossa fé supõe a coragem de ser vivenciada integralmente
na nossa vida, de se transformar em culto perfeito, agradável a Deus.
Esforcemo-nos, em especial nesta Quaresma, para que a nossa prá-
tica religiosa seja baseada na justiça; que a liturgia que celebramos nos dê
novo ânimo na construção da paz e de um mundo sem exclusões.

Sugestões para a celebração


1. À acolhida seja bem fraterna e pessoal, em especial para os que
vêm pela primeira vez à comunidade, templo vivo de Deus.
2. Noto penitencial, a comunidade fará uma revisão de sua prática reli-
giosa com relação à justiça, como observância dos preceitos (manda-
mentos) de Deus. Pode haver o rito de aspersão durante o qual se
canta “Lavai-me, Senhor, lavai-me” ou outro refrão apropriado.
3. Quaresma é tempo de interiorização. Os momentos de silêncio
precisam ser valorizados, em especial entre as leituras, após a
homilia e a comunhão. “Quem não faz silêncio não sabe dialogar
nem escutar, vive só”.
4. E importante estabelecer uma ligação entre as leituras procla-
Ed

madas e a Campanha da Fraternidade, que neste ano, evidenciar


Roteiros homiléticos para a Quaresma RB

a relação entre a Igreja e a sociedade. Os cristãos estão inseridos


na realidade social. As realidades terrestres — o trabalho, a ciência,
a política, a economia, as relações internacionais etc. — devem ser
valorizadas no diálogo atento da Igreja com o mundo.
5. O jejum quaresmal transcorre no deserto, lugar de prova. É o
lugar do sofrimento purificador e da reflexão; mas também é
graça que não se pode rejeitar. É, pois, de suma importância voltar
a refletir com a comunidade, durante este tempo de grande retiro,
sobre a prática do jejum, sem restringi-lo apenas à Quarta-feira de
Cinzas e à Sexta-feira Santa. Alguns grupos poderão combinar,
por exemplo, a arrecadação de gêneros alimentícios para famílias
necessitadas, resultado de sua renúncia às sextas-feiras.
4º DOMINGO DA QUARESMA
15 de março de 2015
"DEUS ENVIOU O SEU FILHO ÚNICO AO MUNDO, PARA QUE O MUNDO SEJA SALVO
POR ELE” (cr. do 3,17).

Leituras: 2Cr 36,14-16.19-23; Sl 136(137),1-2. 3.4-5.6(R.6a);


Ef 2,4-10; Jo 3,14-21.

Situando-nos
Aceitamos a Quaresma como o preço de entrada para a Páscoa ou,
na melhor das hipóteses, como uma árdua preparação espiritual para
a alegria da Páscoa. Neste caso, este Domingo da Alegria —Latare
— seria um tipo de oásis: “Coragem! Mais três semanas e termina a
Quaresma, e poderemos cantar de novo o Aleluia”.
Mas, a relação entre a Quaresma e a Páscoa é muito mais pro-
funda. De fato, a Quaresma é a Páscoa, vivida nas condições deste
mundo.
O Evangelho do 1º Domingo da Quaresma apresenta a tentação
de Jesus no deserto. Ele foi tentado e nós o somos também. Mas, o
sentido interior desse texto não consiste no mero fato da tentação, e
sim na fidelidade de Jesus em meio à tentação. Assim, o 1º Domingo
da Quaresma já significa uma pascalização, porque proclama a vitó-
ria de Cristo sobre o demônio e o mal, que está no coração mesmo
do anúncio pascal.
O Evangelho do 2º Domingo narra a transfiguração do Senhor.
Podemos considerar a transfiguração, como o faziam vários padres
da Igreja, como um consolo e fortalecimento dos discípulos, antes
da crucifixão. Mais: a transfiguração é a declaração de Jesus como
Filho eterno da parte do Pai. “Este é o meu Filho amado. Escutai
o que ele diz” (Mc 9,7). E o que é a ressurreição, senão exatamente
Roteiros homiléticos para a Quaresma RB

a proclamação do Pai de que este Jesus, que foi crucificado, é e será


para sempre o seu Filho amado?
No 3º Domingo, escutamos o Evangelho da purificação do tem-
plo. Vemos nesse acontecimento a provocação que Jesus faz aos líde-
res que o hostilizam, e que vai culminar em sua morte. E «aquele
Evangelho revela, ao mesmo tempo, que Jesus, o corpo de Jesus é o
novo templo, do qual flui toda graça e santidade. Não é esta a alegria
da Páscoa, que do lado traspassado de Jesus jorram as águas da sal-
vação, o Batismo e a Eucaristia?
Hoje, no 4º Domingo, escutamos o Evangelho da entrega: Deus
amou tanto o mundo que lhe deu seu próprio Filho (cf. Jo 3,16).
Nesta afirmação central do Segundo Testamento, a palavra principal
não é dar, e sim, amar. O mais importante não é a morte sacrifical
de Jesus, mas o amor do qual a morte foi a expressão. A morte de
Jesus, finalmente, conseguiu dar o recado de que Deus nos ame. mas
a mensagem é amor e não sofrimento. À mensagem não é “Deus
sofreu tanto por mim”, mas sim, “Deus me ama tanto e não deixa
que nada impeça a chegada deste amor até mim”. Não será este um
anúncio pascal?
O percurso por estes quatro domingos da Quaresma nos dá a
certeza de que nesta vida presente, já vivemos a Páscoa. Está velada,
está talvez disfarçada, mas toda a vida cristã é Páscoa. O 4º Doraingo
da Quaresma é uma Páscoa antecipada.
Por isso este Domingo Latare não é um consolo. E uma anteci-
pação. E um lembrete. E uma ordem: Páscoa já! “Alegra-te, Jerusa-
lém!” Pp (primeiras P palavras da antífona de entrada).
Pondo-nos em sintonia com a CF 2015, alegramo-nos com a
iniciativa da Igreja no Brasil que se dispõe a identificar os fatores que
constroem a paz e bem comum, para superar as relações desuraanas
e violentas.!?

10 Cf. CNBB. Campanha da Fraternidade 2015: Texto-Base. Brasília, Edições CNBB. 2014, p. 10.
Fã “O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

O Pai, Alegria e Esperança de vosso povo,


conduzis a Igreja, servidora da vida,
nos caminhos da história.

À exemplo de Cristo
e ouvindo sua Palavra
que chama à conversão,
seja vossa Igreja testemunha viva de fraternidade
e de liberdade, de justiça e de paz.

Enviai o Espírito da Verdade


para que toda a sociedade se abra
à aurora de um mundo justo e solidário,
sinal do Reino que há de vir.
Por Cristo Senhor nosso.
Amém!

Oração da Campanha da Fraternidade 2015

Recordando a Palavra
O livro das Crônicas, posteriormente separado em dois, faz uma
releitura teológica da história do Reino de Judá. Pode-se dizer que os
dois são uma grande história do templo de Jerusalém, tão importante
na vida do povo, por ser o lugar escolhido por Deus para a sua morada.
Crônicas foi escrito em Jerusalém por volta dos 340-300 a.C. O livro
é bastante sucinto na descrição da tragédia que culminou com o exílio
do povo. Não interessa aos cronistas narrar a derrota da Casa de
Davi, com a destruição da cidade e do templo. Após rápidos registros
inspirados no segundo livro dos Reis 23-31-25,30, sobre os últimos
reis de Judá, os cronistas narram a chegada de Ciro ao trono da Pérsia.
Concluem a narrativa transcrevendo o conhecido decreto real, que
permitiu a volta dos exilados para Judá.
Os cronistas encerram o livro (2Cr 36,22-23) com o decreto de
Ciro (cf. Esd 1,1-3). O livro de Crônicas se dirige à comunidade dos
judeus que voltaram do exílio, após setenta anos, e estão empenhados na
Roteiros homiléticos para a Quaresma B

reconstrução de Judá. Após todos os erros dos seus reis, o povo conseguiu
retornar por bênção e graça do Senhor. Dessa forma, a história precisa ser
lida de maneira positiva: Deus é o Senhor da história. Nada acontecerá ao
povo, enquanto o culto a Deus, celebrado no templo de Jerusalém, conti-
nuar a existir. Preservar a nação e o culto se tornará a grande tarefa histó-
rica do povo, liderado pelos sacerdotes e levitas. É preciso, pois, uma nova
capacidade de escuta para compreender os caminhos com que o Senhor
executa seu plano. O povo infiel viu no retorno à sua terra e na reconstru-
ção do templo a salvação e a misericórdia de Deus.
O Salmo 136(137), que é um lamento dos exilados na Babilônia,
nos põe em sintonia com todos os escravizados e exilados do mundo
e nos faz recordar o lamento dos cativos, que apesar do sofrimento,
demonstram grande resistência espiritual.
Na segunda leitura (Ef 2,4-10), encontramos os atributos de Deus,
provindos do Primeiro Testamento: rico em misericórdia, amor, favor
e bondade. Por sua iniciativa e por causa de sua misericórdia, Deus fez
todos passarem da morte para a vida, do pecado para a graça, e permi-
tiu que todos participassem antecipadamente, da vida divina, por meio
da ressurreição de Jesus (cf. vv. 4-7). Tudo isso é dom maravilhoso da
graça de Deus, em vista das boas obras a serem praticadas (cf. vv. 8-10).
O Evangelho deste domingo (Jo 3,14-21) é o encontro de Jesus
com Nicodemos. Este fariseu e membro do sinédrio percebe que a exi-
gência de Jesus está na transformação, no novo nascimento — mas não
entende de que maneira possa realizar-se tal mudança. Esta é possível
somente no impulso do Espírito, que leva a uma aceitação da proposta
de Jesus — “quem nele crê não será condenado” (3,18) — e então, a uma
prática segundo a verdade, realizando as obras de Deus (cf. 3,21).
O Batismo é o sinal — sacramento — dessa transformação radical,
que provoca um agir na verdade e na luz.
Essa transformação que permite entrar na novidade do Reino
realiza-se plenamente na cruz de Jesus: “Como Moisés levantou a ser-
pente no deserto, assim também será levantado o Filho do Homem, a
fim de que todo o que nele crer tenha a vida eterna” (3,14-15).
"O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

Não há como entrar nessa perspectiva nova do Reino sem passar


pela noite da cruz — que é morte a todo um mundo de falsidade e
opressão, e assim ressurgir para uma novidade de vida.
À experiência de morte e vida feliz ou salvação, feita pelo povo
de Israel, prefigura a experiência de toda a humanidade. Longe de
Deus ela se encontra na desgraça. Acolhendo a Deus, a manifestação
de sua misericórdia em Cristo Jesus, ela vive. Para toda a humanidade
Deus manifestou sua misericórdia em Cristo Jesus, seu Filho. Como
a serpente no deserto, também ele é elevado da terra num gesto de
amor ao Pai e à humanidade toda, entregando sua vida pela salvação
do mundo. Assim, o templo de Deus no mundo faz com que todo o
mundo possa transformar-se em templo de Deus.
Dessa forma, Jesus Cristo torna-se luz do mundo. Todo ser
humano que nele crê não anda nas trevas. Também ele se torna luz.
E luz é símbolo de alegria, de felicidade e de salvação.

Atualizando a Palavra
Continuando a recordar a Palavra proclamada neste 4º Domingo da
Quaresma, tentemos atualizá-la. A ideia central do final do segundo
livro de Crônicas é, por um lado, destacar a infidelidade do povo e
das lideranças de Israel ao projeto de Deus: ou seja, o desprezo pelos
profetas, a profanação do templo e as consequências deste pecado com
o exílio do povo para a Babilônia. Por outro lado, o texto destaca a
fidelidade do Senhor que não abandona seu povo, mas, por meio de
Ciro, rei da Pérsia, permite a repatriação, a volta do povo cativo à sua
terra: nos desígnios de Deus, Ciro se torna um colaborador de Deus.
O povo pode ter novamente liberdade, esperança e vida, porque Deus
não o abandona, não o condena.
É verdade que o povo permaneceu exilado na Babilônia durante
setenta longos anos, tornando-se escravo do rei Nabucodonosor. Esta
situação é devida, como vimos, ao abandono do projeto de Deus e o
consequente desprezo dos mensageiros (profetas), que denunciavam os
desmandos dos dirigentes do povo.
Roteiros homiléticos para a Quaresma

O texto de Crônicas nos ajuda a ler a história do povo de Deus e


a nossa história. Israel passa pela experiência da escravidão por causa
da avareza dos líderes políticos e religiosos. Como é, hoje, a histó-
ria? Acontece algo semelhante no mundo atual, em nosso país, em
nossa região? De onde surge esperança? Há expectativa para os exclu-
ídos? Quais são as vozes proféticas que surgem em favor da dignidade
humana e contra todas as formas de exclusão?

À carta aos Efésios destaca a vida nova trazida ao novo povo de Deus
das primeiras comunidades cristãs pela morte e ressurreição de Jesus.
“Quando ainda estávamos mortos por causa dos nossos pecados, deu-nos
a vida com Cristo” (2,5). A comunidade cristã é o lugar da realização do
projeto de Deus, lugar do testemunho de um mundo novo.
À marca do texto paulino é a novidade de Deus trazida por Jesus, que
é fruto do Deus rico em misericórdia (cf. v. 4a), amoroso, gratuito e doa-
dor da graça. É a fé é o compromisso que brota espontâneo em quem se
descobre salvo e glorificado: “É pela graça que fostes salvos” (v. 8a). A fé é
nossa resposta ao amor misericordioso de Deus, e esta gera novas relações
entre as pessoas: relações de vida nova e de esperança renovada. Como
concretizar isso em nossa vida diária, em nossa caminhada?
O texto do Evangelho de hoje (Jo 3,14-21) traz uma bonita e ao
mesmo tempo controversa frase: “Deus amou tanto o mundo, que deu
o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha
a vida eterna” (Jo 3,16). Tamanho foi o amor de Deus, que nos deu seu
único filho! Mas, por que o mesmo Deus que proibiu o sacrifício de Isaac
(cf. Gn 22) entregaria seu próprio filho? Queria o Pai que seu Filho fosse
morto por nós? Se não queria, por que permitiu isso? Era necessário que o
Filho do Homem fosse levantado no madeiro (cf. Jo 3,14)?
O termo mundo é utilizado pelo quarto Evangelho para desig-
nar tudo o que se opõe.ao Reino, ao projeto de Jesus. Por isso, diante
de Pilatos, Jesus afirma categoricamente: “O meu Reino não é deste
mundo” (Jo 18,36). O mundo de Pilatos era o mundo do Império
Romano: ocupação militar, exploração dos pobres, violência contra as
mulheres e crianças. Jesus denuncia publicamente essa farsa e por isso
E "O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

é levantado no madeiro (cf. Jo 3,14). O império o condena. É elevado


ao trono, mas sua glória é a cruz.
Entretanto, mesmo denunciando esse mundo e por ele condenado,
não quer a sua condenação. À condenação e o assassinato de Jesus são
atitudes e escolha do “mundo” e não o desejo de Deus. Temos de assu-
mir que é nossa a culpa pela morte de tanta gente inocente. À comu-
nidade joanina, ao refazer a releitura de Gênesis 22 (a preservação da
vida, o não sacrifício de Isaac), quer ressaltar o quanto Deus ama esse
mundo e como deseja a conversão e a mudança de comportamento.
Outra expressão que parece contraditória: “Quem não crê já está
condenado” (Jo 3,18). No conjunto, insiste na salvação do mundo: aqui
explicita a condenação. Uma tradução melhor seria: “julgado”, em
lugar de condenado.
Com certeza, quem nos condena não é Deus. Tamanho é o seu
amor por nós que nos enviou seu próprio Filho! Nós mesmos fazemos
a escolha; a opção é nossa. Estamos “no mundo”, mas podemos deixar
de viver “conforme o mundo”,
Mas, a que podemos nos condenar? Condena-se a si mesmo quem
decide pelo projeto do “mundo”. Neste sentido, “crer” é aderir, aceitar,
entregar-se, integrar-se em outro projeto, o do Reino.
Não é bom que corramos o risco de nos condenar à tristeza e à
frustração de quem não consegue crer que Deus nos ama e que “outro
mundo é possível”. Não podemos nos condenar ao individualismo e ao
isolamento apregoados pela sociedade atual. O caminho é a solidarie-
dade, a partilha e o compromisso com quem sofre injustiças.

Ligando a Palavra com a ação eucarística


À cada domingo, participamos da Eucaristia, mistério da fé, mistério
da salvação. O crescimento na fé se dá quando vamos adentrando,
compreendendo este mistério por meio dos ritos, das preces, dos
cantos, dos gestos, do estarmos reunidos e unidos em comunidade.
À ação ritual é mistagógica, isto é, introduz no mistério, não por
Roteiros homiléticos para a Quaresma

uma explicação dos ritos e símbolos, mas por uma experiência, que se
aprofunda sempre mais.
Nossa Eucaristia é memória do amor do Filho do Homem que foi
levantado na cruz, para que todos os que nele crerem, tenham a vida eterna.
Como ligar a Palavra escutada neste domingo e a Eucaristia que
celebramos? Unimo-nos à oferta de Cristo, que atualiza a sua entrega
no madeiro da cruz, prova maior do amor do Pai, que deu seu Filho
único, nos propondo a continuar a nossa caminhada de conversão —
não viver conforme o “mundo” — que nos aproxima da Luz e nos com-
promete na construção de um mundo fraterno e solidário, verdadeira-
mente feliz.

Sugestões para a celebração


1. Preparar o espaço da celebração com sinais de alegria: flores e a
cor rosa, substituindo o roxo. Os instrumentos musicais podem
dar um toque de festa à celebração, Páscoa antecipada.
2. Fazer entrada solene da cruz acompanhada de velas e algum
símbolo ligado à CF. Colocar a cruz em lugar de destaque.
3. O ato penitencial seja inspirando na Palavra proclamada neste
domingo; criar um clima que ajude a comunidade a tomar uma
sincera atitude interior, que reconhece diante de Deus sua pobreza
e fraqueza, e apela para o amor misericordioso do Cristo, que a
todos dá a vida eterna.
4. Durante a proclamação do Evangelho, erguer a cruz diante da
comunidade. A cruz é exaltada como sinal que manifesta, para
sempre e para todos o amor de Deus pela humanidade.
5. Fazer a profissão de fé e as preces dos fiéis diante da cruz erguida
se for possível, com velas acesas.
6. Usar a Oração Eucarística da Reconciliação I, muito indicada
para este domingo.
Se o amas, segue-o! “Eu o amo, dizes tu, mas por onde o seguirei?”.
Se o Senhor te houvesse dito: “Eu sou a verdade e a vida”, tu que
desejas verdade e aspiras à vida, certamente procurarias o caminho
“O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

para alcançá-la e dirias a ti mesmo: “Grande coisa é a verdade,


grande coisa é a vida! Ah se fosse possível à minha alma encontrar
o caminho para lá chegar!”
RPI, E IS epa

5º DOMINGO DA QUARESMA
22 de março de 2015
"SE O GRÃO DE TRIGO CAIR NA TERRA E MORRER, PRODUZIRÁ MUITO FRUTO” (cr. do 12.24)

Leituras: Jr 31,31-34; SI 50(51),3-4.12-13.14-15 (R/12a);


Hb 5,7-9; Jo 12,20-33.

Situando-nos
O nosso retiro de quarenta dias está chegando ao fim. Neste domingo,
ouvimos a passagem do Evangelho sobre o grão de trigo que cai na
terra e morre. Morre e produz frutos infinitos. Nessa mensagem do
Evangelho de João, proclama-se a vida eterna, proclama-se a produti-
vidade ilimitada do amor. Onde alguém vive por amor, o mundo se
torna uma colheita abundante; uma semente de amor, uma lavoura
cheia de trigo. Ainda mais quando este alguém é o Verbo feito carne!
Quando o Deus feito homem vive e morre por amor, todos nós
brotamos como tantas espigas de trigo, douradas, saudáveis e eternas.
Deste modo, o 5º Domingo da Quaresma nos coloca nos átrios da glo-
rificação de Jesus. Ele mostra qual o seu caminho para a glória dos que
desejam vê-lo (cf. Jo 12,20-33): é o caminho da cruz, o caminho da semente
lançada à terra, que não fica só, mas, morrendo, produz muito fruto. É che-
gada a hora de Jesus. Trata-se de sua paixão e ressurreição, pela qual ele se
lança totalmente no plano do Pai e realiza de modo pleno sua vontade.
Jesus prometeu aos que desejam vê-lo: “Quando eu for levantado
da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32). Acrescenta o evangelista:
“Ele falava assim para indicar de que morte iria morrer” (Jo 12,33).
Na próxima quarta-feira, celebraremos a Anunciação do Senhor.
Podemos descobrir uma relação entre esta celebração e a Quaresma
que estamos vivendo: ao entrar no mundo, Jesus faz a vontade do Pai e
torna-se Senhor na ordem da Redenção, vencendo a morte e o pecado,
constituindo-se, assim, em Senhor da vida.
A “O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

Recordando a Palavra
Na primeira leitura (Jr 31,31-34), texto relevante do Primeiro Testamento,
que se encontra no “Livro da Consolação de Israel”? (Jr 30-31), Deus sela
a reconciliação estabelecendo uma nova Aliança. À Aliança do Sinai, que
o Senhor concluiu com o povo, quando o tirou da escravidão do Egito
(cf. vv. 31-32), não teve êxito. Esta exigia adesão exclusiva ao Senhor,
traduzida no cumprimento integral da lei, a qual era formulada com toda
a clareza e respaldada por bênçãos e maldições. Mas, era externa, gravada
em uma pedra, com a qual as pessoas não sintonizavam. À nova Aliança
inscreverá a lei no fundo do ser e no coração, de modo que se converta no
impulso ou dinamismo da conduta; o coração estará regenerado, conver-
tido pela marca viva da lei. “Colocarei a minha lei no seu coração, vou
gravá-la em seu coração; serei o Deus deles, e eles, o meu povo” (Jr 31,33).
Assim, se restabelecem as relações pessoais, substância autêntica
da aliança. O conhecimento e reconhecimento do Senhor se traduzem
em compromisso.
Um “perdão” total, sem reservas, é o primeiro ato da reconci-
liação, no qual se manifesta o “amor eterno” do Senhor. Vale notar
que Jeremias 31,31-34 é amplamente citado no Segundo Testamento
(cf. Rm 11,27; Hb 8,8-12; 10,16-17).
Em termos de aliança, o Senhor é o soberano que cumpriu seus
compromissos; em termos de matrimônio, o Senhor é o marido ao
qual a esposa — o povo — foi infiel.
Na verdade, já não necessitamos mediações exteriores (sacrifícios,
ritos legais, tábuas de pedra), pois o Senhor fez conosco uma aliança
definitiva, gravada em nosso coração, escrita em nosso peito, pois
somos o novo povo de Deus. Esta nova Aliança nos dá a esperança e a
certeza de pertencermos a uma nova humanidade reconciliada.
O Salmo 50(51) pede que, com sua graça, Deus crie em nós um
coração puro e confirme em nosso interior um espírito novo, contrito e
simples. Ao arrepender-nos de nossa infidelidade, reconhecemos que
somente Deus é fiel. O perdão divino é a oportunidade que temos de
retomar a proposta da Aliança.
Roteiros homiléticos para a Quaresma B

A segunda leitura (Hb 5,7-9) mostra que o caminho da salva-


ção passa pela obediência e fidelidade: “Embora fosse Filho aprendeu,
contudo, a obediência pelo sofrimento; e, levado à perfeição, se tornou
para todos os que lhe obedecem, fonte de salvação eterna” (vv. 8-9).
Em Cristo Jesus, a nova Aliança é concluída; morrendo por nós, ele
se torna princípio de salvação eterna. No exercício do seu sacerdócio, Jesus
se apresenta perfeitamente humano (cf. Hb 5,1), semelhante a nós em
tudo, menos no pecado. Em sua vida terrestre, experimenta o sofrimento
e dirige-se ao Pai, que era capaz de salvá-lo da morte, com forte clamor e
lágrimas. É um Deus que se aproxima do ser humano e de cada um de nós
em tudo, particularmente na experiência da dor, do sofrimento.
Este é o domingo do grão caído na terra (cf. Jo 12,20-33).
Para falar de vida com “V” maiúsculo, João utiliza no seu Evangelho
a imagem do grão de trigo. Interessante! O semeador se faz semente:
“Saiu o semeador a semear” (Mt 13,3). Como os Evangelhos foram
escritos após a Páscoa, esse semeador já é o Cristo Ressuscitado, saído
de Deus para semear a semente do Reino, a semente do Reino do amor.
Mas, esse semeador, o Verbo feito carne, em João, se fez semente, grão
de trigo caído na terra para fecundar.
Eis a lógica do Amor: não pode fazer outra coisa senão dar a vida.
Mas, para expressar-se em sua totalidade, ele deve ir até a morte:
“Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, fica só. Mas, se morre,
produz muito fruto” (Jo 12,24). Um grão de trigo, que é colocado na
terra vai transformar-se para se converter em espiga com incontáveis
grãos. Assim também acontece com aquele ou aquela que nós amamos.
Mas por quê? Simplesmente porque o Amor, para existir ou subsis-
tir, não pode fazer sofrer e morrer aquele ou aquela que deseja amar.
Um dia ou outro, todos devemos nos ultrapassar a nós mesmos. Essa é
a hora do Amor que vai exatamente até o final de nós mesmos, como a
hora da mulher grávida, pois o Amor dá a vida: “À mulher, quando vai
dar à luz, fica angustiada, porque chegou a sua hora. Mas depois que
a criança nasceu, já não se lembra mais das dores, na alegria de um ser
humano ter vindo ao mundo” (Jo 16,21). Eis porque, para manifestar a
totalidade do Amor, Jesus entregou a sua vida para que nós tivéssemos
se “O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

Vida: “Ninguém tem amor maior do que aquele que dá a vida por seus
amigos” (Jo 15,13).
Com o Evangelho de hoje estamos longe dos julgamentos, das
condenações e das exclusões. Isso não nos conduz a lugar nenhum,
mas ao contrário, para bem longe do Deus de Jesus Cristo: “Quando
eu for levantado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32). Morrendo
numa cruz por amor, Cristo salva a todos sem exceção. É a hora de
Jesus, que coincide com a sua exaltação, e que é, antes de tudo, eleva-
ção na cruz (cf. vv. 32-33). João coloca a morte de Jesus como glorifi-
cação, mas não esconde o drama humano da sua existência, o drama
da obediência ao Pai.
Aproximando-nos da Páscoa, neste quinto domingo da Qua-
resma, estamos face a face com o ponto central da nossa fé. Diante do
Crucificado, cada um de nós se encontra sozinho: é o mistério da cruz
que implica solidão.
O Cristo crucificado e ressuscitado, o Cristo da Páscoa realizou
plenamente a Aliança nova anunciada pelo profeta Jeremias (primeira
leitura de hoje). A Aliança nova, inscrita nos corações, torna-nos capa-
zes de amar, e nos convida a libertar outras pessoas de tudo o que as
impede de amar.

Atualizando a Palavra
Quando São Bento diz que toda a vida do monge deve ser uma
Quaresma!! não está falando antes de tudo de penitência. Ele está
falando da Páscoa deste mundo, está insistindo que vivamos toda a
nossa existência cristã iluminada pelos raios da ressurreição. À liturgia
da Palavra de hoje, cujo eixo é a imagem do grão de trigo que cai na terra
e produz fruto, antecipa o sentido da Páscoa de Jesus e também da nossa.
Os gregos quiseram ver Jesus. Encontraram Filipe e André que
os conduziram a ele. Tendo visto Jesus, tendo acreditado nele, Filipe e
André guiam outras pessoas para verem e conhecerem Jesus. E a vocação

11 Cf. Regra Beneditina 49,1.


Roteiros homiléticos para a Quaresma BE

de todos os que queiram seguir a Cristo. Tendo visto Jesus, tendo feito
a experiência de Deus em nossa vida, — “vinde e vede” (Jo 1,39) — tendo
aceitado transformar-nos em semente lançada a terra, somos chamados
a conduzir outras pessoas a Jesus, para o verem, para o seguirem, para
viverem a sua vida.
A Quaresma é tempo oportuno para nos perguntarmos: como
cultivamos a graça e ao mesmo tempo o desafio do nosso discipulado
de Jesus? Queremos ver Jesus de verdade? Temos os olhos fixos nele?
Renovamos aquela aliança de amor com Cristo (lei gravada em nosso
coração), iniciada no Batismo?
Em Hebreus, vemos a semelhança de Jesus com cada um de nós: ele
viveu o dia a dia do sofrimento humano. Ele experimentou a nossa con-
dição humana, conheceu nossas fraquezas. Não é um sacerdote separado
das pessoas pelas quais intercede e oferece sacrifícios. Não é um Deus
distante, mas bem próximo. À sua obediência foi sendo construída, con-
quistada, aprendida pelo sofrimento. E só quando consumado, perfeito,
chegou a ser causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem.
Jesus é o Messias, Servo humilde: ele assume as dores e esperanças de
seu povo na contramão do poder dos reis deste mundo. Que sentido tem
o sacerdócio para nós? Recorremos à oração quando não entendemos a
vontade de Deus em nossa vida, como o fez Jesus?
O caminho de Jesus é o caminho da cruz que se faz luz, pois
é caminho de vida. Ficamos parados ou bloqueados na Sexta-feira
Santa? O que esperamos para fazer com que se levante o Sol da Páscoa
em nossa vida? Ele é um ponto de referência em nossa noite? Seguir a
cruz como coluna luminosa em meio ao deserto não significa conten-
tar-nos com o sofrimento e a morte, mas é seguimento do Cristo vivo.
O mais importante não é despender o tempo impondo-nos sacrifícios,
privações e mortificações, mas seguir o mesmo itinerário de vida de
Jesus. Este Amor que morre por amor a nós, esse amor crucificado já
se transformou em luz que atravessa as trevas das nossas provas?
Como relacionar a liturgia da Palavra de hoje com a CF 2015?
À Igreja deve ser atuante, participativa, consoladora, misericordiosa,
“O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

samaritana e por isso não pode ficar voltada para si mesma. À Igreja
precisa “sair”, como tem dito reiteradas vezes o Papa Francisco, ser
“ « 3) . . .

servidora como Jesus, que aceitando ser grão de trigo caído na terra,
dá-nos a vida. O diálogo
8 e a recíproca
P colaboração
ç entre a Igreja
Bte) e a
sociedade é a concretização do “Eu vim para servir” (cf. Mc 10,45) de
Jesus, que deve ser também o nosso.

Ligando a Palavra com a ação eucarística


Cristo está sempre presente na Igreja, especialmente nas ações
litúrgicas. Está presente em especial nas espécies eucarísticas. Está
presente em sua Palavra, pois é ele quem fala quando se lê a Escritura
na Igreja. Cristo está presente na oração e no canto da comunidade
reunida, pois prometeu “estar no meio de dois ou três que se reunissem
em seu nome” (cf. Mt 18,20).??
Portanto, podemos sempre ver e encontrar Jesus nas celebrações
litúrgicas. Na Palavra, que é ele mesmo, entramos em contato com a sua
sabedoria, que nos comunica vida. Na Eucaristia, nos alimentamos do
Pão da Vida, nos unimos intimamente a Cristo, recebemos a força para
a caminhada e renovamos a Aliança que ele nos oferece no seu sangue.
Que a comunhão no sacrifício de Jesus nos faça aceitar por amor
as dificuldades, os sofrimentos, a cruz da nossa vida, como passagem
(= páscoa) necessária para a salvação e a alegria perfeita.
Assim como Jesus, grão germinado na terra pela força do Espírito,
já não morre, a morte já não tem poder sobre ele, também nós, que
morremos com ele, brotamos como espigas de trigo para uma vida que
não tem fim.
Jesus, cuja memória celebramos na Palavra e na Eucaristia, é o
Deus que venceu a morte e fez brilhar a vida para sempre. Mesmo que
o cenário social, político e econômico em que vivemos seja conflitu-
oso, ainda que haja violência, mortes prematuras, injustiças contra os
pobres, desigualdades sociais, doenças, nós temos a certeza de que da

12 Cf. Sacrosanctum Concilium, n. 7.


Roteiros homiléticos para a Quaresma BH

morte surge a vida, que do grão de trigo caído na terra surge vida nova
e ressurreição.
O pãoeo vinho da Eucaristia remetem à última ceia. Num gesto
profético, anunciando a sua morte, Jesus partiu o pão e deu um pedaço
a cada um de seus discípulos, significando que, comendo este pão, eles
se tornariam companheiros e cúmplices na entrega da vida em favor
do Reino. Eis o nosso compromisso com a causa do Reino, a causa de
Jesus, nesta celebração já tão próxima da festa da Páscoa.

Sugestões para a celebração


1. Na procissão de entrada, levar a cruz, velas, vasilha com terra e
alguns grãos de trigo e também espigas de trigo.
Após a saudação inicial, fazer a “recordação da vida”, para que a
Palavra que será proclamada e escutada seja interpretada a partir
dos acontecimentos da vida e do mistério celebrado. É importante
partir do “hoje” dos acontecimentos pessoais e comunitários,
relacionando-os com o Evangelho deste domingo. Quem preside
a celebração poderia estimular a assembleia a recordar aconteci-
mentos e ações que são sinais de vida e ressurreição. Ter presente
a vida de tantos mártires e pessoas que sofrem que, semelhantes
aos grãos triturados, entregaram, como Jesus, a sua vida para que
outros tivessem vida.
Dar novo destaque ao cartaz da CF 2015 no qual vemos o Papa
Francisco repetindo o gesto de Jesus lavando os pés dos seus e
deixando, como seu testamento em palavra e exemplo, o que nós
devemos fazer como irmãos e irmãs. No cartaz está escrito: “Eu vim
para servir” (cf. Mc 10,45), que coincide com a entrega do Cristo
Servo, do Cristo que sofre por amor e é glorificado pelo Pai.
4. Ao destacar o cartaz, lembrar a coleta da CF, que será realizada
no próximo domingo.
DOMINGO DE RAMOS E DA
PAIXÃO DO SENHOR

29 de março de 2015
“HOSANA! BENDITO O QUE VEM EM NOME DO SENHOR! (Me 11,9).

Leituras: Mc 11,1-10 (antes da bênção dos ramos); Is 50,4-7;


SI 21(22),8-9.17-18a.19-20.23-24 (R.2a); FI 2,6-11;
Mc 14,1-15,47 ou abreviado; Mc 15,1-39

Situando-nos
Hoje, celebramos o Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor.
O duplo nome indica dois diferentes mistérios, duas diferentes
tonalidades espirituais, duas histórias diferentes: “Ramos” e “Paixão”.
Com a celebração deste domingo, iniciamos a Semana Santa, a
Semana Maior do ano litúrgico.
À procissão com os ramos tem sua origem na liturgia de Jeru-
salém; de lá passou para a liturgia da Espanha e da Gália; bem mais
tarde (por volta dos séculos VII e VIII), a Igreja de Roma também a
assumiu. Nesta procissão celebramos a entrada messiânica de Jesus em
Jerusalém para realizar seu mistério pascal. O uso dos ramos faz alusão
à festa das Tendas. Agitando nossos ramos, caminhando e cantando
hinos de vitória ao Cristo, Rei e Redentor, aclamamos Jesus como
Messias. Ele vem realizar todas as promessas dos profetas e instaurar
o Reino de Deus: justiça para os pequenos; participação de todos em
igualdade, em vez de grupos poderosos dominando o povo; convivên-
cia fraterna sem exclusões, sem discriminações, paz entre os povos e
diálogo entre as culturas, plena comunhão com Deus.
À celebração da Palavra deste domingo, com a leitura da Pai-
xão do Senhor tem sua origem na liturgia romana. Ela é toda cen-
trada na figura de Cristo como Servo Sofredor. As leituras falam da
Roteiros homiléticos para a Quaresma

perseguição, do sofrimento e da entrega de Jesus que se fez o Servo do


Senhor; realçam sua fidelidade à missão, que lhe fora confiada pelo
Pai, de salvar os pobres e humildes. Jesus se associa a todos os sofredo-
res e sofredoras do mundo, a todos os pequenos, oprimidos e injustiça-
dos. Ele nos convoca para segui-lo neste caminho, hoje.
Tradicionalmente, o Evangelho que é lido antes da procissão e
que narra a entrada de Jesus em Jerusalém, é lido com certa ironia:
aquela multidão aclama Jesus como um rei, e daqui a cinco dias vai
condená-lo à morte, vai crucificá-lo. Mas, atrás da ironia há uma ver-
dade maior: Jesus é o Messias. Esta entrada messiânica em Jerusalém
inaugura O seu messianismo, o seu reinado, e todos os de bom coração,
as crianças, “os filhos dos hebreus”, saíram ao seu encontro cantando
hosanas. Das próprias pedras ressoam os seus louvores (cf. Lc 19,40).
Cristo é o Rei da glória! Isto já não é Páscoa?
A celebração da Grande Semana será sempre um confronto com o
mal do mundo, com o “mistério da iniquidade” (cf. 2'Ts 2,7), tão pre-
sente na humanidade. Há muito sofrimento. Além das catástrofes natu-
rais, parece haver no mundo muita opção pela morte, desde a violência
da guerra, o terrorismo, a fabricação de armas, a violência urbana, a
morte pela fome e as doenças, até a violência contra o planeta.
Os dois personagens centrais e opostos do drama destes dias são
Cristo e Satanás. Para alguns Padres da Igreja dos primeiros séculos,
a chave de compreensão do mistério pascal é a luta entre os dois e a
vitória de Cristo na ressurreição. Cristo é vitorioso não apenas sobre
o pecado e a morte, mas sobre a origem pessoal de todos os males, o
diabo, o contraditor, o adversário. O intento de Satanás, em sua volta
neste tempo oportuno (cf. Lc 4,13), é desviar Jesus de sua missão,
esvaziar sua missão de Messias.
Em unidade com toda a Igreja no Brasil, fazemos hoje a coleta da
solidariedade, que é parte integrante e bem concreta da Campanha da
Fraternidade. À Igreja no Brasil, neste ano, se propõe a aprofundar o
diálogo com a sociedade, preocupando-se em particular com a situ-
ação em que vivem milhões de irmãos e irmãs nossos, que sofrem as
A “O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

consequências da desigualdade social. À igreja se dispõe a ser solidária


com os pobres, pois é no mundo da pobreza que se há de conferir a
radical novidade do Cristianismo, como força e poder de Deus em
favor da salvação da humanidade.

Recordando a Palavra
O texto de Isaías 50,4-7 relata o terceiro canto do Servo Sofredor, que
é marcado pela escuta da palavra de Deus, pela fidelidade no anúncio,
pela perseguição e resistência. Ter a barba arrancada e receber cuspe
no rosto são gestos dolorosos e humilhantes. À expressão “endurecer o
rosto como pedra” mostra a resistência do servo. De quem o profeta está
falando? Ficamos com a interpretação messiânica: segundo os autores
do Segundo Testamento, esse ideal encontrou perfeita realização em
Jesus: a profecia do servo sofredor descreve antecipadamente a vida de
Jesus. Sua confiança em Deus e seu amor pelos irmãos deixam-no em
uma suprema liberdade diante de qualquer provação. Ele tem certeza
de que sua missão não é vã.
Realmente, Jesus assume a missão deste Servo misterioso: uma
missão de discípulo que escuta, que encoraja os desanimados e apre-
senta resistência não violenta ante os sofrimentos e humilhações que
lhe são impostos pelos inimigos.
O Salmo 21(22), oração pessoal de súplica, expressa a esperança
do justo sofredor e responde ao canto do Servo anteriormente pro-
clamado. O inocente perseguido, vivendo profunda experiência de
abandono, sente-se esquecido pelo próprio Deus (cf. Mt 27,46):
“Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?”. Será que até Deus
se afastou? Mas da oração suplicante brota a certeza de que Deus está
presente e vai socorrer o fiel contra os inimigos violentos.
À carta aos Filipenses 2,6-11 canta, em síntese, toda a trajetória
de Jesus Cristo. Este hino descreve o aniquilamento, o “esvaziamento”
do Filho de Deus. Este aniquilamento expressa o movimento de Jesus
que parte de Deus, desce até a morte na cruz, e volta para Deus como
Senhor. Jesus não teve medo e, como verdadeiro Servo sofredor, viveu
Roteiros homiléticos para a Quaresma RB

consciente e livremente a nossa experiência humana até a morte.


O caminho do Servo Jesus é o caminho da encarnação, da solidarie-
dade com a humanidade sofrida. “Por isso, Deus o exaltou acima de
tudo e lhe deu o Nome que está acima de todo nome” (Fl 2,9).
Jesus recebe do Pai um nome que está acima de todo nome: ele
recebe o título de Senhor. Jesus Cristo é o Senhor do universo e da his-
tória. Ao nome dele toda a criação se prostra em adoração (cf. F1 2,10).
O hino cristológico da carta aos filipenses constitui a chave principal
deste domingo: Jesus humilhou-se, se rebaixou e por isso Deus o exaltou.
O hino descreve a preexistência do Filho; o mistério da encarnação, de sua
paixão, morte e ressurreição. É nesta perspectiva que nós cristãos somos
chamados a seguir os passos de Cristo, Senhor da história, como seus
discípulos, renovar a nossa adesão a ele, na Grande Semana que inicia.
A entrada de Jesus como Messias em Jerusalém é descrita por
Marcos 11,1-10. Jesus chega a Jerusalém para seu confronto com os
poderes religiosos e políticos, presentes nesta cidade, e que se armam
para eliminá-lo. Ele não vem montado em animal de guerra, mas em
um jumentinho, e é reconhecido por sua gente como enviado de Deus.
Neste ano B, é proclamada a Paixão de Jesus segundo Marcos.
Esta narração se distingue por apresentar as testemunhas oculares da
Paixão. Sendo o relato mais breve e mais antigo, talvez seja o que
mais se prende aos fatos. Marcos descreve de modo muito realista,
com muitos detalhes, a paixão de Jesus, que morre quase desesperado.
O sofrimento que padece o homem Jesus atinge não só o seu corpo,
mas também o seu coração.
Marcos apresenta Jesus, o Messias, como o Filho de Deus. Ele é
interrogado diante do sinédrio sobre a sua identidade e a confessa (cf.
Mc 14,61-62). É a única vez, no Evangelho de Marcos, que Jesus afirma
ser o Messias, o escolhido de Deus para realizar seu projeto de liberdade
e vida. O que parece blasfêmia para a sociedade que o mata (cf. Mc
14,63) é a maior profissão de fé de quem n'Ele crê e a Ele adere.
O sinédrio o rejeita e condena à morte. O oficial romano, um
pagão, o reconhece como Filho de Deus: “Na verdade, este homem
64 “O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

era Filho de Deus!” (Mc 15,39). Jesus é Messias-Rei, mas a sua realeza
não coincide com os padrões de poder e autoridade daquele tempo e
de hoje.
À história da Paixão e Morte de Jesus Cristo não é algo distante
ou sem interesse. Toda a humanidade e cada pessoa estão envolvidas
nela, dela participam de alguma maneira e dela são chamadas a dar
testemunho. Na verdade, cada um de nós poderá exercer o papel de
Pedro, que nega o Mestre, mas se deixa atingir pelo olhar misericor-
dioso de Cristo (cf. Mc 14,72). Pode acontecer que façamos o papel de
Pedro, Tiago e João: em vez de vigiarem, adormecem enquanto Jesus
sofre a agonia de sua hora. Seremos talvez, em certas circunstâncias
da vida, as testemunhas falsas, os sumos sacerdotes, os anciãos e os
escribas, que não reconhecem em Jesus o Filho de Deus bendito nem
o Filho do Homem que verão sentado à direita do Pai.
De repente, poderá se manifestar em nós a figura de Pilatos, e, por
covardia, acabamos por condená-lo. Seremos ainda o povo, preferindo
Barrabás a Cristo. Por vezes, talvez contra a vontade, fazemos o papel
de Simão Cireneu, ajudando a carregar a cruz de Jesus, pesando sobre
os ombros da humanidade injustiçada e sofrida hoje.
Cada pessoa já terá sentido em si o conflito entre o personagem
que faz o Cristo sofrer mais e aquele que se solidariza com ele e pro-
cura aliviar seus sofrimentos. Importa que, por entre os altos e baixos
da vida, reconheçamos no Filho do Homem quem ele é, e digamos
como o oficial romano, um pagão: “De fato, este homem era Filho de
Deus” (Mc 15,39).

Atualizando a Palavra
Chegando ao Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor, encontramo-
-nos no portal da Semana Santa. Como o povo da Primeira Aliança,
que durante a festa das Tendas levava ramos nas mãos, simbolizando
a esperança messiânica, hoje, nós aclamamos o Cristo, Rei Redentor
e renovamos nossa adesão a ele. Escutando com atenção e adentrando
Roteiros homiléticos para a Quaresma RB

no mistério da paixão do Senhor, deixamos que o mistério pascal da


paixão, morte e ressurreição de Jesus se realize em nossa vida.
Adentrar no mistério celebrado neste domingo é compreender que
a paixão de Jesus não é um acontecimento do passado, mas se atualiza
aqui e agora: a sua paixão se prolonga em todos os sofredores de nossa
sociedade. Será que descobrimos sinais que apontam para a presença
de Deus ao lado dos marginalizados, dos sem voz e sem vez?
Identificamo-nos com o povo, que foi tantas vezes ajudado por
Jesus, que percebeu nele uma saída para a sua vida e, cheio de profunda
esperança, o aclama? Cremos, como aquele povo, que ele há de cum-
prir as promessas de Deus e está sempre do lado dos pobres?
Ou nos identificamos com as equipes dominantes, parceira do
Império Romano, cheias de privilégios, detentoras de altos rendimen-
tos, donas de todo o poder político, econômico e religioso, que não
aceitam a liderança de Jesus e tramam a morte do Justo?
Os projetos políticos, de ontem e de hoje, construídos sem levar
em conta o projeto de Deus revelado em Jesus, servo, obediente até o
fim têm de ser questionados e não aceitos como certos. É oportuna e
necessária a iniciativa profética da Igreja no Brasil, nesta CF e sempre,
de estabelecer um diálogo com a sociedade visando à realização do
projeto de Jesus, o serviço à vida, o bem do nosso povo, o desenvol-
vimento integral da pessoa e a implementação dos valores do Reino.
A Boa Notícia deste domingo é o anúncio daquele que se fez
/

servo, paciente nas provações, obediente até a morte, e morte de cruz.


Deus Pai foi e continua sendo glorificado quando as pessoas, em
especial os cristãos, reconhecem em Jesus o humano que passou pela
encarnação das realidades mais sofridas e humilhantes, culminando
com a morte na cruz, condenação imposta a criminosos.
Podemos ser tentados a pensar que tudo terminou na Sexta-feira
Santa, na morte. Na verdade, continuamos a constatar que os pobres
se tornam sempre mais pobres, a violência cresce assustadoramente e
inúmeros inocentes morrem. Mas, com a paixão, morte e ressurreição
de Jesus, Deus nos mostra o caminho da salvação que passa pela cruz.
Ho “O Senhor vos conceda o perdão e a paz”

Foi o caminho que o Pai escolheu com a encarnação de Jesus: ele assu-
miu nossa condição humana. Assumiu sobre si nossas dores. Enfren-
tou a perseguição dos poderosos.
Porém, contraditoriamente, dessa cruz, instrumento de morte,
brotou a vida, a ressurreição, a semente do novo. E esta outra proposta
de mundo que, como seguidores de Jesus, queremos adotar.

Ligando a Palavra com a ação eucarística


O relato da Paixão de Jesus que hoje escutamos é a prova de um amor
sem medida. À nossa participação nesta celebração não é uma mera
repetição da cena evangélica, mas sacramento da nossa fé na vitória
do Cristo em nosso mundo aniquilado pela cruz do terror e da morte.
Rendemos graças a Deus, porque em Jesus nos é indicado o caminho
da vitória. Aclamando que ele é bendito e vem em nome de Deus,
aderimos ao seu projeto e abraçamos a sua condição de servidor fiel até
a extrema entrega na cruz.
À nossa participação na liturgia eucarística se faz na base de nossa
pertença à Igreja de Cristo pelo Batismo. Na Oração Eucarística II
pedimos: “E nós vos suplicamos que, participando do Corpo e Sangue
de Cristo, sejamos reunidos pelo Espírito Santo num só corpo”.
Cada vez que celebramos a Eucaristia se atualiza a entrega de
Cristo na cruz. Neste domingo, após escutarmos a narrativa da paixão
e percebermos o mistério celebrado, passamos pela experiência espiri-
tual na comunhão do corpo e sangue de Cristo, encontro com o Servo
Sofredor que doou a própria vida e ressuscitou. Na comunhão do seu
corpo glorioso, já participamos da vida nova, que supera a morte.
Na antífona de comunhão escutamos o pedido insistente do Filho
de Deus: “Meu Pai, se este cálice não pode passar sem que eu o beba,
seja feita a tua vontade!” (Mt 26,42). O cumprimento fiel da vontade
do Pai nos reconcilia com Deus. À sua misericórdia infinita e o sacri-
fício do Filho nos alcançam sempre de novo o perdão.
Bm
Roteiros homiléticos para a Quaresma

Sugestões para a celebração


1. Os ritos iniciais (bênção dos ramos e proclamação do Evangelho)
devem ser realizados a certa distância da Igreja para que se possa
fazer uma verdadeira procissão.
Podem-se providenciar ramos e ervas medicinais para entregar às
pessoas, à medida que vão chegando para a celebração.
É importante lembrar que a leitura da Paixão se faz sem velas, sem
incenso, sem a saudação “O senhor esteja convosco”; sem fazer o
sinal da cruz sobre si mesmo nem sobre o livro; no final, não se
beija o livro nem se diz “Palavra da salvação”.
A leitura da Paixão merece uma boa preparação, com antecedência,
repartindo os diversos personagens, para tornar mais ativa a partici-
pação da assembleia. Quem preside, diz as palavras de Jesus.
Pensar na forma como será feita a coleta da CF: colocar um reci-
piente no qual as pessoas deixarão a sua oferta. Neste local pode
ser colocado o cartaz da CF.

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