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N
E-mail: roberta.sha-
piro@cee-recher- osso título presta homenagem ao famoso artigo de Nelson Goodman,
che.fr
publicado em 1977, “When is Art?”(“Quando há arte?”)³. É indicativo da
2. Diretora de Pes- tendência descritiva na filosofia analítica que ocorria naquele momento
quisas em sociolo-
gia no Centre Natio- no campo da estética. Ao negar que a arte possa ser definida por sua essência,
nal de la Recherche Goodman argumenta que a arte é uma categoria que há de ser definida por
Scientifique (CNRS),
Paris. É associada meio da referência a contextos e estilos.
do Centre de Re-
cherches sur les Arts Como sociólogas, somos muito favoráveis a essa perspectiva porque redefine as
et le Langage (CRAL)
da Ecole des Hautes coisas e os seres em termos de processos e contextos. Ao perguntar “Quando
Etudes en Sciences há artificação?”, gostaríamos de avançar mais um passo com a posição prag-
Sociales (EHESS).
Suas principais áre- mática. Isso tem uma consequência específica para nossa própria convicção
as de pesquisa são profissional; coloca a ação em primeiro lugar, por seu próprio mérito e tam-
a sociologia da arte,
a sociologia dos va- bém como um medidor dos valores e significados que são relevantes para os
lores e a sociologia atores. Ao tomar essa posição, também enfocamos como a arte está engajada
da identidade. Já
publicou um núme- na mudança social, em pé de igualdade com muitas outras atividades sociais.
ro grande de artigos
em revistas cien- Buscar entender que tipo de arte as pessoas apreciam e admiram há mui-
tíficas e quase 30
livros, incluindo The
to tem sido um importante campo de ação da Sociologia das artes. Embo-
Glory of Van Gogh. ra isso, sem dúvida, seja de interesse, não é nossa principal questão. Ado-
An Anthropology of
tamos uma visão materialista e observamos primeiro o que as pessoas
14 Revista Sociedade e Estado - Volume 28 Número 1 - Janeiro/Abril 2013
fazem e como o fazem, as coisas que utilizam, os locais aonde vão, as pes- Admiration (Prin-
ceton University
soas com quem interagem, as coisas que falam e as normas que seguem. Press, 1996). E-
Como, por meio desse nexo de ação e discurso, as pessoas fazem ou criam -mail: heinich@
ehess.fr
coisas que gradativamente passam a ser definidas como obras de arte?
3. Nelson Goo-
Não há uma resposta simples a essa pergunta. A solução encontra-se em mui- dman, “When is
Art?.” In Perkins,
tos níveis interligados e é simbólica, material e contextual ao mesmo tempo. D.; Leondar, B.
A arte surge no decorrer do tempo como a soma total de atividades institu- (eds.) The Arts
and Cognition.
cionais, interações cotidianas, implementações técnicas e atribuições de sig- Baltimore: Johns
nificado. A artificação é um processo dinâmico de mudança social, por meio Hopkins UP, 1977.
do qual surgem novos objetos e novas práticas e por meio do qual relações
4. Martin Warnke,
e instituições são transformadas. A fim de poder entender esse processo, em The Court Artist:
primeiro lugar, precisamos descrevê-lo, e isso somente pode ser feito por On the Ancestry
of the Modern
meio de observação metódica e pesquisa de campo. Assim, nossa posição Artist (Cambrid-
não é nem essencialista e nem normativa, mas, sim, descritiva e pragmática. ge: Cambridge
University Press,
Não buscamos definir o que é a arte e nem como ela deve ser considerada, 1993); Nathalie
mas como e sob quais circunstâncias ela ocorre. Queremos mapear os pro- Heinich, Du pein-
tre à l’artiste.
cessos por meio dos quais objetos, formas e práticas são construídos e defini- Artisans et aca-
dos como obras de arte e também queremos ver quais as consequências deste démiciens à l’âge
classique (Paris:
surgimento. Como se desenvolvem esses processos? Quais atores e institui- Minuit, 1993).
ções específicos estão envolvidos? Como dão à luz produções que têm signi-
5. Harrison e Cyn-
ficado não apenas para grupos minoritários especializados, como artistas, pa- thia White, Can-
trocinadores, curadores e sociólogos, mas têm significado a tal ponto que sua vases and Care-
condição enquanto arte torna-se conhecida por todos e não é questionada? ers. Institutional
Changes in the
French Painting
O exemplo perfeito de uma transformação social dessa natureza é o advento da World (Chicago:
própria noção do que é arte e a elevação de um grupo de pintores profissionais University of Chi-
cago Press, 1965,
ao status de artistas altamente valorizados, primeiro nas cortes reais da Itália 1992); Larry Shi-
do Renascimento, depois na França e em seguida em toda a Europa. Durante ner, The Invention
of Art: A Cultural
a Idade Média, escultores e pintores pertenciam a guildas e faziam parte das History (Chicago:
artes mecânicas. Eram artesãos situados nos escalões inferiores de uma ordem University of Chi-
cago Press, 2001).
social muito hierárquica. À medida que lutavam para ganhar independência das
guildas e, assim, serem definidos como praticantes das artes liberais, passaram
a ser comparados a poetas em vez de serem considerados como trabalhadores
manuais4. Seu valor pessoal foi reconhecido gradativamente; ganharam status e
prestígio no decorrer de vários séculos. O sistema moderno das artes, baseado
em conceitos do artista enquanto gênio e na unicidade da experiência estética,
estabilizou-se com novas instituições dedicadas às artes e ao desenvolvimen-
to de um mercado especializado controlado por intermediários no século XIX5.
Além disso, nosso corpus não inclui casos controversos que fazem parte de um 10. Howard Becker,
mundo artificado (artified), e que são comuns no campo da arte contempo- Art Worlds (Berke-
ley: University of
rânea. Nossa pesquisa também não trata diretamente da sociologia do gosto. California Press,
Com efeito, nossas hipóteses não são moldadas pela axiologia, com base no 1984).
valor que os atores sociais atribuem às coisas, e sim pela descrição pragmática.
Como o elenco inteiro dos atores envolvidos define essas coisas?
Processos de artificação
51. Para uma dis- A resistência à artificação pode ser interna ou externa. Em casos com os quais
cussão detalhada
dessa questão muito
estamos mais familiarizados, como os localizados na França contemporânea, a
complexa, vide Pier- observação sugere que a resistência interna deriva de artistas em potencial e al-
re Centlivres, ‘‘The guns de seus familiares, enquanto a resistência externa vem de patrocinadores
Controversy over
the Buddhas of Ba- ou administradores e está arraigada em uma variedade de valores. Quando os