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PSICOMOTRICIDADE

RELACIONAL E
INCLUSÃO NA ESCOLA
Centro Universitário UNIVATES
Reitor: Prof. Ney José Lazzari
Pró-Reitor de Ensino: Prof. Carlos Candido da Silva Cyrne
Pró-Reitor de Pesquisa, Extensão e Pós-Graduação: Prof. Claus Haetinger
Pró-Reitor de Desenvolvimento Institucional: Prof. João Carlos Britto
Pró-Reitor Administrativo: Prof. Oto Moerschbaecher

Coordenação e Revisão Final: Ivete Maria Hammes


Capa: Natália Kuhn e Bruno Henrique Braun
Editoração: Bruno Henrique Braun, Marlon Alceu Cristófoli e Paulo Alexandre
Fritsch
Revisão Linguística: Veranice Zen
Revisão bibliográfica: Maristela Hilgemann Mendel e Cláudia Baggio

Conselho Editorial da Univates Editora


Titulares Suplentes
Ana Cecília Togni Ari Künzel
Beatris Francisca Chemin Augusto Alves
Giselda Veronice Hahn Cristina Dai Prá Martens
Glauco Schultz Hélio Dorneles Etchepare
Ieda Maria Giongo Luciana Carvalho Fernandes
Jane Mazzarino Magali T. Quevedo Grave
Júlia Elisabete Barden Pablo Rodrigo Alflen da Silva
Simone Morelo Dal Bosco

Avelino Tallini, 171 - Bairro Universitário - Cx. Postal 155 - CEP 95900-000,
Lajeado - RS, Brasil Fone: (51) 3714-7024 / Fone/Fax: (51) 3714-7000
E-mail editora@univates.br / http://www.univates.br/editora
Anselmo Barce Furini
Bento Selau
(organizadores)

PSICOMOTRICIDADE
RELACIONAL E
INCLUSÃO NA ESCOLA

1a edição

Univates Editora

Lajeado, janeiro de 2010.


P974
Psicomotricidade relacional e inclusão na escola /
Anselmo Barce Furini, Bento Selau (organizadores).
Lajeado: Ed. da Univates, 2010.
164 p.
ISBN 978-85-98611-76-1

1. Psicomotricidade relacional 2. Escola - Inclusão


I.Título

CDU: 159.946

Ficha catalográfica elaborada por: Maristela Hilgemann Mendel CRB-10/1459

Todos os textos citados no livro são de exclusiva


responsabilidade de seus autores.
Tiragem: 500 exemplares
OS AUTORES

ANSELMO BARCE FURINI (organizador)


Mestre em Educação
Especialista em Psicomotricidade Relacional
Professor convidado do Pós-Graduação Lato Sensu em Psicomotricidade
na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Psicomotricista Relacional em Escolas Infantis
Vice-Diretor da E. E. E. F. Visconde do Rio Grande

ATOS PRINZ FALKENBACH


Doutor em Ciências do Movimento Humano
Docente do Programa de Pós-Graduação em Reabilitação e
Inclusão / IPA
Docente do Programa de Pós-Graduação em Ambiente e
Desenvolvimento / UNIVATES

BENTO SELAU (organizador)


Doutorando em Educação
Mestre em Educação
Especialista em Psicomotricidade Relacional
Professor na Universidade Federal do Pampa

DANIELA DIESEL
Acadêmica do Curso de Educação Física do Centro Universitário
Univates
Bolsista de iniciação científica
LUCIANO FERREIRA COSTA
Professor no Colégio Marista Ipanema
Professor contratado na Escola Itinerante Estudando e Plantando
- Secretaria da Educação e Cultura de Campos Novos / SC
Especialista em Psicomotricidade Relacional
Psicomotricista Relacional de Escolas Infantis

NELSON SCHNEIDER TODT


Doutor em Educação
Mestre em Ciências do Movimento Humano
Especialista em Psicomotricidade Relacional
Professor na Faculdade de Educação Física e Ciências do Desporto
na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

SANTA MARLI PIRES DOS SANTOS


Mestre em Educação / Universidade Federal de Santa Maria / RS
Presidente da Associação Gaúcha de Brinquedotecas

SILVIA SIQUEIRA PINHEIRO


Mestrado em Saúde e Comportamento
Especialista em Psicopedagogia
Graduação em Psicologia
Professora na Universidade Federal do Pampa

SÔNIA BEATRIZ DA SILVA GOMES


Mestre em Ciências do Movimento Humano
Professora na Faculdade de Educação Física e Ciências do Desporto
na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
SUMÁRIO

PREFÁCIO .................................................................................. 9
Maristela Guasselli

INTRODUÇÃO ........................................................................ 13

ESTUDOS EM PSICOMOTRICIDADE: EM DIREÇÃO À


PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL ................................... 15
Bento Selau

METODOLOGIA DA PSICOMOTRICIDADE
RELACIONAL ......................................................................... 27
Anselmo Barce Furini

ENSINO SUPERIOR: A FORMAÇÃO PESSOAL NO CURSO


DE EDUCAÇÃO FÍSICA ......................................................... 51
Sônia Beatriz Da Silva Gomes
Nelson Schneider Todt

PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL NA PERSPECTIVA


DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA................................................. 69
Anselmo Barce Furini
Bento Selau

UM ALUNO COM SÍNDROME DE DOWN NA EDUCAÇÃO


FÍSICA DA ESCOLA COMUM ............................................... 81
Atos Prinz Falkenbach
Daniela Diesel
CONVERSANDO COM O PROF. DR. AIRTON NEGRINE
SOBRE PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL E
EDUCAÇÃO............................................................................. 95
Anselmo Barce Furini

A RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NA ESCOLA SOB A


PERSPECTIVA DA PSICOMOTRICIDADE
RELACIONAL ........................................................................ 119
Bento Selau
Anselmo Barce Furini
Silvia Siqueira Pinheiro

RECREIO NÃO-DIRIGIDO: UMA PERSPECTIVA


RELACIONAL E INCLUSIVA................................................ 137
Bento Selau
Luciano Ferreira Costa

A BRINQUEDOTECA NA ESCOLA ..................................... 149


Santa Marli Pires dos Santos
PREFÁCIO

MEMÓRIAS DO CORPO E SUA IDENTIDADE

Encontrar no Brasil, especialmente no Rio Grande do Sul, um


livro produzido por grandes nomes da pesquisa em Psicomotricidade
Relacional é raro e difícil. Por isso, sinto-me orgulhosa em prefaciar
esta obra.
Não tenho a pretensão de comentar cada artigo, mas de destacar
a temática que os une: escola de ensino regular, ludicidade,
psicomotricidade, inclusão escolar e formação pessoal.
O livro nos leva a uma reflexão, despertando naqueles que o
leem uma curiosidade a respeito da Psicomotricidade e da educação
inclusiva, tendo, a meu ver, um fio condutor que guia os autores,
à medida que relatam suas experiências, seus objetivos, suas
dificuldades e suas conquistas a partir de referenciais teóricos,
estudos e pesquisas acompanhadas e apoiadas em suas práticas.
Artigos diferentes, com um traço comum que une a maioria destes
autores. Refiro-me ao campo das relações humanas, refiro-me sim
ao grande mestre Airton Negrine como elo neste vasto campo da
psicomotricidade.
Se posso falar assim é porque convivi com a maioria dos autores.
Em momentos distintos, participei de reflexões e vi a inquietude
refletida nos olhares daqueles que escutavam o que hoje se reflete
na origem e no fundamento de seus textos.
É nessa composição que aponto algumas questões, para que
possamos refletir sobre a temática provocando discussões que
problematizam as relações sociais, considerando indispensável levar
em conta todas as nuances de uma comunicação corporal, que se
expressa essencialmente por meio de atos e atitudes carregados de
10 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

significados, dependendo de cada um encurtar e compreender as


distâncias entre as intenções que orientam os discursos e as práticas
que se referem à educação inclusiva e/ou psicomotricidade.
A proposta de inclusão escolar vem produzindo um turbilhão de
movimentos que chegam em forma de lei, exigindo e forçando sua
entrada nas diferentes áreas que atravessam a sociedade. Excluir
ainda faz parte de nossos códigos de existência.
Entendo que a educação inclusiva deve ser vista não apenas
como conceito legal, mas também como uma prática que produz
dilemas. Trata-se de um enfrentamento que gera desafios contínuos,
indicando novas pistas e, por consequência, novos enfrentamentos
que nos fazem pensar e agir de outras formas que não são como
as anteriores e, por sua vez, desestabiliza-nos gerando, por vezes
medo, incerteza, e, por vezes, certeza, satisfação.
Num âmbito geral, a escola privilegia um modo de pensar,
instituído para fazer certas coisas, e outras não. Existe a
intencionalidade do ato educativo: letramento, conteúdos, modos
de pensar científico que não é o campo do conhecimento de senso
comum, dos sentimentos, das emoções, das diferenças. No sistema
educacional existem rotinas e códigos que permeiam as práticas
institucionais da escola e dos órgãos dirigentes dos sistemas de
ensino, em seus aspectos administrativos, técnicos, políticos,
pedagógicos e legais.
Por sua vez, esses elementos presentes no sistema de educação
refletem no tipo de interferência/mediação do professor nos
processos socioeducativos que influenciam significativamente o
desenvolvimento e a aprendizagem da criança, fazendo a diferença
e deixando marcas, afetando de forma positiva ou negativa na
constituição de sua identidade.
Na sociedade atual, essas concepções continuam em escalas
menores e com menos intensidade, mas ainda assim, dirigindo e
norteando atitudes de certo e de errado nas produções infantis,
permitindo determinadas situações e outras não, segundo a definição
moral determinada pelos adultos. Os modelos, tabus, conceitos,
ideologias estão tão impregnados nos educadores que não imaginam
ensinar de outra forma. Nesse sentido, penso que nossa tarefa, como
Prefácio - 11

educadores é gerir a escola para que todos aprendam, sem formar


guetos e sem perder a riqueza do caminho único.
É nesse universo que destaco a Psicomotricidade Relacional,
pela possibilidade de oportunizar diferentes vivências à criança,
promovendo a exteriorização corporal e a comunicação,
proporcionando espaço de jogo simbólico por meio do brincar. Nesse
contexto, dão-se as experiências e exteriorização de sua identidade,
ocorrendo aprendizagens significativas para a criança, apresentando
resultados surpreendentes nas diferentes áreas do conhecimento.
Dessa forma, a Psicomotricidade Relacional cria espaço para
a criança atuar representando diferentes papéis, expressando seu
mundo fantasmático, além de trabalhar com conflitos que fazem
parte de sua vida, transformando suas dificuldades em formas
potencializadas de viver.
O jogo infantil despertou interesse na área educacional, a fim
de contribuir para que a aprendizagem ocorra de forma lúdica e
prazerosa. A Psicomotricidade Relacional com Negrine, sem querer
desmerecer os demais, tem para mim um significado todo especial,
pela inquietação e postura científica que o caracteriza, inovando seu
fazer pedagógico e construindo seu saber a partir de uma prática
com crianças e com adultos.
Enfocar a corporeidade no contexto educacional permite refletir
sobre a constituição de sujeitos (alunos/professores) percebendo as
versões que os corpos expressam e que histórias carregam, sobretudo
pensar o processo educativo para o visível e o invisível aos nossos
olhos, respeitando a diversidade.
Nesse contexto, é preciso centrar a formação inicial na
especificidade profissional do educador, buscando continuidade ao
longo de sua carreira. Não basta fazer modificações institucionais,
se não vierem acompanhadas de formação de pessoas. No meu
entender, a formação pessoal é essencial, e deve envolver questões
corporais, numa atitude introspectiva, percebendo limites, desejos,
expectativas e decepções nas relações com os outros, refletindo sua
própria conduta. Entendo que qualquer instrumento normativo ou
legal pouco pode, se for desconsiderada a questão emocional na
esfera do afeto e do desejo.
12 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

O livro Psicomotricidade relacional e inclusão na escola abre


as portas para pensar a educação de outro modo, que nada mais é
do que pensar de diferente maneira a nossa relação com o outro.
Como diz Orlandi (2003), alguma coisa mais forte, que vem pela
história, que não pede licença, que vem pela memória, pelas filiações
de sentidos constituídos em outros dizeres, em muitas outras vozes,
no jogo da língua que vai se historicizando aqui e ali… Boa leitura.

Maristela Guasselli
Doutoranda em Educação
Mestre em Educação
Especialista em Psicomotricidade Relacional
Secretária de Educação e Desporto de Novo Hamburgo / gestão 2005-2008
Professora convidada Pós-Graduação FEEVALE / UCS / LA SALLE
INTRODUÇÃO

Escrever sobre aquilo que se estuda, se faz, se pesquisa e que,


constantemente, se reflete, é algo natural e gratificante, porque é o
resultado do confronto diário entre prática e teoria.
Há inúmeras formas de se entender a teoria. Essa muitas vezes é
concebida como algo isolado da prática e cujo valor só se determina
pela possibilidade de utilização de seus resultados na prática.
Terezinha Rios (2003, p.139) em Compreender e ensinar: por uma
docência da melhor qualidade entende a teoria como fertilizadora
da prática, reconhecendo a prática como terreno de onde se recolhem
os supostos da teoria, e, assim, cada uma modifica a outra.
Essa consideração sobre teoria e prática é coerente quando
se pensa que as certezas são temporárias e a influência sempre
será mútua entre teoria e prática. A incerteza é uma constante,
principalmente no âmbito complexo das ciências humanas. Na
educação não é diferente: as teorias dão base à prática, mas esta
retorna à teoria dados relevantes que, quando levados em conta,
resultam no avanço de ambas as partes. Entretanto, nenhuma das
partes denota certezas, mas possibilidades, uma à outra, e só com a
vivência diária é que se verifica a eficácia de cada uma.
A organização desta obra tem a intenção de socializar alguns
pressupostos teóricos e práticos realizados há alguns anos por
professores e pesquisadores em Educação, sendo assim construída
por muitas mãos, olhares e vivências guiados pelo fio condutor da
Psicomotricidade Relacional e da Inclusão.
Por meio dos relatos de experiência vividos pelos participantes,
procura oferecer subsídios teóricos e caminhos de uma prática aos
leitores, principalmente aos educadores, para que possam teorizar
14 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

mais suas práticas, e praticar mais suas teorias, mas de maneira


crítica, de acordo com a realidade contextual de cada um.
Por isso, a obra Psicomotricidade relacional e inclusão na escola
se destina aos professores, os porteiros do saber, os facilitadores
do conhecimento, potentes animadores socioculturais em todas
as faixas etárias. A obra pretende contribuir para que esses
profissionais possam repensar o exercício diário da docência,
principalmente frente às atividades corporais lúdicas com crianças,
já que a corporeidade e suas representações repercutem de forma
significativa nas aprendizagens e em vários outros aspectos do
desenvolvimento humano.
Psicomotricidade relacional e inclusão na escola apresenta o
histórico da Psicomotricidade Relacional, metodologia, objetivos,
sua abrangência e inserção na escola e a relação com a educação
inclusiva. Além disso, amplia a discussão com a abordagem de
assuntos como: a psicomotricidade no Ensino Superior com a
formação pessoal no curso de Educação Física; alunos ditos com
necessidades educacionais especiais na escola regular; a resolução
de conflitos sob a perspectiva da Psicomotricidade Relacional;
a brinquedoteca na escola; a questão do recreio escolar; e uma
entrevista com Airton Negrine, um dos expoentes a respeito da
Psicomotricidade relacional no Rio Grande do Sul.
Esperamos que o conteúdo reunido nesta obra possa servir como
oportunidade de produção de novos conhecimentos e práticas,
agregados aos saberes e às competências de cada leitor.
Aproveitamos para fazer um agradecimento especial aos colegas
que elaboraram conosco este livro; à professora Maristela Guasselli
por suas belas palavras de abertura; e ao professor Airton Negrine,
por sua entrevista e incentivo.
ESTUDOS EM PSICOMOTRICIDADE: EM DIREÇÃO À
PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL

Bento Selau

A palavra psicomotricidade vem do termo grego psyché, alma, e


do verbo latino moto, mover frequentemente, agitar fortemente. A
psicomotricidade teve impulso no começo do século XX, na França,
com o surgimento de várias linhas de pensamento biomédico,
psicopedagógico e psicanalítico.
O primeiro autor a criar a noção de psicomotricidade da criança
foi o neuropsiquiatra Dupré (1909), a partir dos seus estudos
sobre a síndrome da debilidade mental. Esses estudos têm sua
predominância centrada numa concepção biomédica e numa
visão cartesiana/newtoniana, vigente na época entre os cientistas
(CAPRA, 1982). Durante os séculos XVII e XVIII, conforme
Santin (1994), a racionalidade dominou grande parte das culturas
e fragmentou a dimensão humana nos seus limites, na qual ter uso
da razão constituiu-se o único pressuposto para assegurar os plenos
direitos de pertencer à humanidade.
A maioria das práticas corporais também foram influenciadas
por essa concepção dualista corpo-espírito de Descartes e Newton,
que se preocupava em trabalhar o corpo mecânico, adotando,
inicialmente, o mesmo paradigma da Educação Física, com as
famílias de exercícios, tanto para fazer diagnósticos quanto para
utilizá-los como tratamento reeducativo e terapêutico. Nesse
sentido, a psicomotricidade adota como eixo norteador o aspecto
funcional segundo o qual, no cumprimento de certas diretrizes
corporais orientadas pelo professor, a criança adquire toda uma gama
de habilidades motrizes capazes de prepará-la para as demandas da
vida adulta em atividades de envolvimento corporal.
16 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

Já existiam outras concepções que abordavam o corpo como


uma totalidade, mas somente com a evolução da psicomotricidade
(dentro do eixo das atividades físicas) é que foi dada mais atenção a
esse tipo de concepção.

Desenvolvimento teórico

A psicomotricidade, desde a sua criação, passou por várias


mudanças estruturais, em decorrência das influências de diversos
autores que se preocuparam com essa prática, alguns dos quais se
apresenta na sequência.
Segundo Negrine (1998), a concepção de Wallon (1925)
descrita na sua tese de doutorado “El niño turbulento”, influenciou
e contribuiu significativamente para os psicomotricistas que
estudavam o desenvolvimento motor e mental da criança, tanto
no aspecto intelectual quanto no motor e no afetivo. Dentre as
inúmeras implicações psicopedagógicas que Wallon (1925) estudou,
destaca-se o estudo da gestualidade. Para ele, o importante não é
a materialidade do gesto, mas o contexto em que se manifesta.
Refere que o gesto se inscreve na personalidade e serve para revelar
sensibilidades desconhecidas, evidenciando, assim, que o movimento
é um grande instrumento de manifestação do psiquismo.
Ajuriaguerra (1983) se preocupou com a evolução da motricidade
infantil, a partir de sua formação como neuropsiquiatra, fazendo
referências aos estudos de Wallon e Piaget. Em seus trabalhos
entende que é um erro estudar a psicomotricidade somente
no plano motor, funcionalista; dá grande ênfase às questões
sinestésicas, visual, vestibular, tátil e sociais infantis; considera a
“totalidade psicomotora da criança” como a união da somatognosia
e da gnosopraxia, ou seja, do aspecto motor e do aspecto psíquico.
O autor português Vítor da Fonseca (1987) fundamenta
seus pressupostos na teoria de Piaget e Wallon, no que se refere
ao desenvolvimento psicossocial. Faz uma crítica à formação
acadêmica dos professores de Educação Física, pelo distanciamento
do contexto socioeducativo, contestando a abordagem fragmentada
do corpo da criança. Descreve em seus livros o pensamento de
Estudos em Psicomotricidade: em direção à Psicomotricidade Relacional - 17

múltiplos autores, utilizando termos médicos voltados para a área


neurológica. Caracteriza-se por ser um autor funcionalista, ou seja,
que utiliza testes, diagnósticos e famílias de exercícios na atuação
com as crianças. Refere-se à experiência humana em três fatores: o
biológico, o sociológico e o psicológico.
O francês Le Camus (1986) é um autor fundamentalmente
teórico. Em suas obras analisa os autores teóricos e práticos e suas
concepções. Sempre coloca em destaque que o centro de tudo está no
pensamento de Wallon. Para Le Camus (1986), a psicomotricidade
é, em sua evolução, dividida por três grandes impulsos:

• O primeiro nos anos 30 do século passado, quando se trabalhava


a reeducação psicomotora (os testes serviam como instrumento
de avaliação do perfil psicomotor, observados em um plano
funcional). Sua aplicação ficava restrita a clínicas, executada
por professores de Educação Física;
• O segundo grande impulso ocorreu por volta de 1960, quando
se trabalhava a reeducação psicomotora e a terapia psicomotora.
Nessa época, as concepções de Wallon entram em evidência;
• O terceiro, em torno de 1970, quando, além da reeducação e
terapia psicomotora, ocorre a inclusão da educação psicomotora,
pela qual há um deslocamento do corpo instrumental (regido
por aspectos funcionais), para o corpo relacional, que busca
uma abordagem mais global, contemplando o aspecto simbólico
do movimento e lúdico do comportamento. Para Le Camus,
essa mudança de enfoque da psicomotricidade se dá à luz dos
trabalhos de Wallon.

Há também enfoques importantes que Le Camus (1986) relata


em sua obra referentes à crise entre os profissionais da área médica
e os educadores físicos, por disputa de mercado, e à oficialização de
mais duas profissões: a de reeducação e a de terapia psicomotora.
A concepção de Le Boulch surge a partir de sua tese de doutorado
em 1960, intitulada “Les facteurs de la valeur motrice”, na qual
critica os métodos utilizados pela Educação Física e pela ginástica,
por embasarem-se no dualismo cartesiano.
18 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

Para tanto, propõe a “educação psicocinética” exposta na obra “A


educação pelo movimento: a psicocinética na idade escolar” (1983),
que tem como proposta pedagógica a utilização do movimento de
forma abrangente, como meio de educação global da criança. Tem
como princípios norteadores o melhor ajuste do homem ao meio,
desenvolvendo suas qualidades fundamentais, por meio dos jogos
recreativos de livre expressão.
Le Boulch (1983), a partir dos estudos sobre a obra de Wallon
(1925), refere que as carências de interação acarretam dificuldades
no esquema corporal. Essas carências podem ser evidenciadas no
jogo, pois este tem profunda repercussão emocional e grande carga
expressiva, em que, através do simbólico, revelam-se as verdades
e as frustrações, favorecendo os desbloqueios afetivo-emocionais.
Le Boulch acredita que a maneira de sanar essas dificuldades
encontradas (seja no jogo, ou não) se dá pelo treinamento das
valências psicomotoras. Apesar de Le Boulch (1983) ter como
proposta pedagógica uma educação global, contradiz-se quando
trata as dificuldades e as lacunas de aprendizagem por meio de
exercícios específicos para o desenvolvimento de valências físicas,
transparecendo, assim, um enfoque indefinido entre funcional e
relacional que pende para o funcionalismo.
A concepção psicopedagógica da psicomotricidade é exposta
pela primeira vez por Picq e Vayer (1969), com a obra “Educación
psicomotriz y retraso mental”, na qual se utilizam da Educação
Física com o objetivo de “melhorar o comportamento da criança”,
atuando no âmbito pedagógico e psicológico, opondo-se à dualidade
psique-soma (mente e corpo) apoiando-se numa base psicobiológica
que leva a uma concepção global e coerente de reeducação.
Inicialmente, seus estudos convergiam para a inadaptação escolar.
Acreditavam que a educação psicomotriz deveria atuar sobre as
condutas motrizes de base (equilíbrio, coordenação etc.) e sobre
as condutas sensório-motrizes (consciência, memória, organização
espaço-temporal, ritmo, e outras).
Já na obra “El diálogo corporal”, Vayer (1972) toma apoio nos
testes de Ozeretzki (1936) para avaliação do perfil psicomotor de
crianças de dois a cinco anos. Posteriormente, com o trabalho “El
niño frente al mundo” (1973), aproxima a educação intelectual da
física e critica sua separação.
Estudos em Psicomotricidade: em direção à Psicomotricidade Relacional - 19

Oferece porém, nova bateria de testes para avaliação do perfil


psicomotor, agora para crianças de seis a onze anos, o que o configura
como um psicomotricista funcional.
Para Negrine (1998), essas obras de Vayer trazem consigo
influências do modelo biomédico e das famílias de exercícios da
Educação Física. Apesar de ser uma proposta de atuação instrumental
e mecânica do corpo da criança, contribui com elementos relevantes
para a psicomotricidade, pois, a partir de sua obra, começa-se a
entendê-la como elemento de relação.

A psicomotricidade por Lapierre e Aucouturier

Lapierre e Aucouturier (1988) marcam o início da inovação


da prática psicomotriz. De acordo com Negrine (1998), tanto
as mudanças de enfoques do racionalismo ao naturalismo que
a psicomotricidade sofreu nos últimos anos como as inovações
teórico-práticas devem ser atribuídas ao trabalho desenvolvido por
esses autores. Negrine (1998) entende que a trajetória percorrida
por Lapierre e Aucouturier apresenta três períodos distintos:

Período continuador
Período inovador
Período da ruptura

O período continuador

A aproximação de ideias que esses autores tiveram no período


continuador é marcada por algumas características que possuíam
em comum: professores de Educação Física e psicorreeducadores.
Negrine (1998) classifica esse período como continuador, pois seus
trabalhos partem do princípio funcionalista da psicomotricidade,
enraizada nas famílias de exercícios da Educação Física e nos
exercícios-testes utilizados por Ozeretski (1936). É o que podemos
20 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

constatar no livro de Lapierre e Aucouturier “Educação vivenciada”


(1988) “quando se situam claramente dentro de uma proposta
racionalista ao tratar tanto da organização e estruturação espaço-
temporal quanto do esquema corporal” (NEGRINE, 1998, p. 53).
Apesar de, nesse tempo, a predominância de seus trabalhos partir
de um ponto de vista racionalista, já podemos observar, em algumas
obras, inquietações que são diferentes para o pensamento da época
(a importância do aspecto afetivo, uma atitude pedagógica que se
direciona para ser inovadora, uma atitude permissiva e não-diretiva)
que foram fundamentais para que Lapierre e Aucouturier partissem
para a realização de um projeto totalmente diferente.

O período inovador

Negrine (1998) considera que a passagem da prática funcional


para a relacional se deu com esses autores, Lapierre e Aucouturier
(sem esquecer que o enfoque funcional ocorre até os dias de hoje). O
período inovador é marcado pelo reconhecimento desses dois autores,
em “A simbologia do movimento” (1988), sobre suas contradições
e limitações; pela união entre teoria e prática que enfatiza aspectos
relacionados à ação pedagógica; pela formação pessoal do adulto;
e pelo abandono do modelo médico que consistia no diagnóstico
mediante testes psicomotores, prescrição e tratamento.
Dentro do marco relacional, o mais importante para Lapierre e
Aucouturier é trabalhar com o que a criança tem de positivo e não
se preocupar com o que ela não sabe fazer. Para Negrine (1998, p.
59):

A proposta inovadora da prática psicomotriz de Lapierre


e Aucouturier é a introdução do jogo como componente
pedagógico básico na sessão de prática psicomotriz, seja
educativa, reeducativa ou terapêutica, com crianças ou
com adultos em formação pessoal.

O jogo, nesse sentido, em momentos dirigidos ou livres, refere-se


ao brincar, fundamentalmente no sentido de valorizá-lo, ajudando
a criança ou o adulto a lidar melhor com seus conflitos. Essa
abordagem foi radical para a época, final da década de 70 do século
Estudos em Psicomotricidade: em direção à Psicomotricidade Relacional - 21

passado, pois o modelo biomédico era o componente dominador


no momento. Deu-se importância ao aspecto psicanalítico das
atividades espontâneas, o que foi outro aspecto inovador.

Período da ruptura

O período da ruptura se caracteriza pelo afastamento entre


Lapierre e Aucouturier, causado por uma busca que cada um vai
fazer sobre novos estudos.
Suas diferenças teóricas fundamentais se caracterizam pela
forma de intervenção com as crianças, em que: Aucouturier
defende a tese de uma sessão que potencie o jogo sensório-motor e
também que o adulto não deve se implicar corporalmente nos jogos
simbólicos da criança; Lapierre, por sua vez, passa a desenvolver
o jogo simbólico, implicando-se corporalmente no jogo da criança,
quando necessário.

Concepções de Negrine para a Psicomotricidade Relacional no


Brasil

O autor brasileiro Airton Negrine, professor de Educação Física,


estudou amplamente a questão funcionalista da psicomotricidade,
até que, em seus estudos para doutoramento, na Universidade
de Barcelona, em 1993, com a tese “Juego y psicomotricidade”,
contribuiu para o desenvolvimento da Psicomotricidade Relacional
no Brasil.
Historicamente, aproxima a psicomotricidade da Educação
Física. Sua atuação é teórico-prática, ou seja, ao mesmo tempo
em que atua com crianças consideradas normais e crianças com
necessidades educacionais especiais em sessões de Psicomotricidade
Relacional, produz material teórico sobre seu trabalho.
Para Negrine, a Psicomotricidade Relacional possui uma
abordagem centrada em aspectos da aprendizagem e desenvolvimento
infantil, a partir da perspectiva lúdica, que não é racionalizado nem
competitivo.
22 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

Aproxima o seu pensamento ao de Vygotski1, considerando


que a criança se desenvolve quando aprende, atribuindo grande
importância ao jogo (simbolismo) e à implicação corporal do
adulto. Negrine prediz que, durante o brincar, a criança joga de
muitas coisas em determinado espaço de tempo, indo também ao
exercício, para voltar ao jogo. Cita que o ser humano não perde
o hábito de imaginar ou de desfrutar do prazer que a atividade
lúdica proporciona, pois o imaginário segue pela sua vida, tendo a
pessoa adulta outras maneiras de manifestar sua necessidade lúdica,
diferentemente daquela das crianças.
Considera essenciais três pilares para a formação de
psicomotricistas relacionais: a formação teórica (que são os estudos
teóricos do psicomotricista sobre a prática), a pedagógica (vivência
dos psicomotricistas em formação com crianças, conjuntamente
com professores formados) e a pessoal (via de formação do
psicomotricista por meio de dinâmicas de autoconhecimento, que
dão suporte para a atuação corporal com as crianças).
Algumas de suas publicações na área2: “Aprendizagem e
desenvolvimento infantil: simbolismo e jogo” (1994); “Aprendizagem
e desenvolvimento infantil: perspectivas psicopedagógicas” (1994);
“Aprendizagem e desenvolvimento infantil: psicomotricidade:
alternativas pedagógicas” (1998); “O corpo na Educação Infantil”
(2002); “Terapias corporais” (1998).
Desde 1994 trabalha na formação de professores e também na
formação de psicomotricistas com ênfase na Psicomotricidade
Relacional, além da prática pedagógica que desenvolve com crianças nos
cursos de pós-graduação. Seus mais recentes estudos dizem respeito à
Psicomotricidade Relacional como alternativa pedagógica no trabalho
com crianças ditas3 com necessidades educacionais especiais, como se
observa no livro “Autismo infantil e terapia psicomotriz” (2004).

1 A escrita do sobrenome deste autor seguirá a apresentada nos livros VYGOTSKI, L. S.


Obras escogidas: fundamentos de defectología. Madrid: Visor, 1997, a não ser quando
se fizerem transcrições literais de livros com outras grafias, respeitando-se as edições
correspondentes.
2 A lista completa das obras desse autor é descrita no capítulo: Conversando com o Prof. Dr.
Airton Negrine sobre psicomotricidade relacional e educação.
3 É importante que se diga pessoa ou aluno dito com necessidade educacional especial
e também aluno ou pessoa considerada normal, no intuito de se evitarem o máximo
possível os rótulos, negativos em qualquer ambiente, sobretudo em educação inclusiva.
Em alguns capítulos deste usar-se-á essa terminologia.
Estudos em Psicomotricidade: em direção à Psicomotricidade Relacional - 23

Um quadro-resumo com os principais autores e seus enfoques

Acompanhando a evolução da psicomotricidade que se direciona


para uma prática relacional, percebe-se que os aspectos relacionais
estão se tornando mais conhecidos e praticados, em detrimento da
vertente funcionalista. A noção de Psicomotricidade Relacional, à
qual se vai dar mais atenção durante este livro, recebeu influência
significativa de diversos autores, conforme se viu neste breve
relato.
Apresenta-se, na sequência, um quadro-resumo contendo
algumas pistas sobre essa evolução teórica e esses autores.

Principais autores que influenciaram o desenvolvimento da Psicomotricidade


Relacional
Noção de psicomotricidade com Ernest Dupré, na França, em 1909.
“El niño turbulento” (1925), de Wallon, que influenciou os psicomotricistas que
estudavam o desenvolvimento motor e mental da criança.
Para o francês Le Camus, a psicomotricidade é dividida por três grandes
impulsos: reeducação nos anos 30 do século passado; reeducação psicomotora e
a terapia psicomotora, por volta de 1960; reeducação e terapia psicomotora com
a inclusão da educação psicomotora, por volta de 1970.
Jean Le Boulch, com a tese “Les facteurs de la valeur motrice” (1960), critica
os métodos utilizados pela Educação Física e pela ginástica; propõe a “educação
psicocinética” exposta na obra “A educação pelo movimento”.
A concepção psicopedagógica da psicomotricidade é exposta pela primeira
vez por Picq e Vayer, com a obra “Educación psicomotriz y retraso mental”,
em 1969, na qual se utilizam da Educação Física com objetivo de melhorar o
comportamento da criança.
Lapierre e Aucouturier marcam o início da inovação da prática psicomotriz.
Tanto as mudanças de enfoques do racionalismo ao naturalismo como as
inovações teórico-práticas devem ser atribuídas ao trabalho desenvolvido por
esses autores.
Negrine estudou a questão funcionalista da psicomotricidade, até que, em seus
estudos para doutoramento, em 1993, com a tese “Juego y psicomotricidade”,
contribuiu para o desenvolvimento da Psicomotricidade Relacional no Brasil.
Fonte: Bento Selau.
24 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

Definir uma abordagem pedagógica que se utiliza da atividade


corporal lúdica (que não é racionalizada nem competitiva) para
as crianças significa reconhecer o lúdico como característica
fundamental do ser humano, focalizando, dessa maneira, o brincar
como a principal atividade infantil (FALKENBACH, 2002). Nesse
caso, os educadores devem estar atentos para tirar proveito desse
inovador tipo de abordagem relacional, sendo necessário, para isso,
buscar conhecimentos teóricos e, inclusive, corporais, pois sua
prática assim exige.

Referências
AJURIAGUERRA, J. Manual de psiquiatria infantil. 2. ed. Barcelona: Toray-
Masson, 1983.
CAPRA, F. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente.
São Paulo: Cultrix, 1982.
DUPRÉ, E.; MERKLEN, P. La débilité motrice dans ses rapports avec la débilité
mental. Nantes: Rapport de 19éme Congrés des Aliénistes et Neurologistes
Français, 1909.
FALKENBACH, A. A educação física na escola: uma experiência como
professor. Lajeado: Editora da Univates, 2002.
FONSECA, V.; MENDES, N. Escola, escola, quem és tu? perspectivas do
desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.
LAPIERRE, A.; AUCOUTURIER, B. A simbologia do movimento:
psicomotricidade e educação. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988.
LE BOULCH, J. (1960). Les facteurs de la valeur motrice: analyse
expérimentale de certains de ces facteurs : interprétation d’un point de vue
physiologique. Thèse (Doctorat) Universidad de Rennes, Rennes, 1960.
______. A educação pelo movimento: a psicocinética na idade escolar. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1983.
LE CAMUS, J. O corpo em discussão: da reeducação psicomotora às terapias de
mediação corporal. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.
NEGRINE, A. Juego y psicomotricidad. 1993. 477 p.. Tesis (Doctorado en
Filosofía y Ciencias de la Educación) - Depto. de Didáctica y Organización
Escolar, Facultad de Pedagogia de la Universidad de Barcelona, Barcelona, 1993.
NEGRINE, A. Aprendizagem e desenvolvimento infantil 1: simbolismo e jogo.
Porto Alegre: Edita, 1994.
______. Aprendizagem e desenvolvimento infantil 2: perspectivas
psicopedagógicas. Porto Alegre: Edita, 1994.
______. Aprendizagem e desenvolvimento infantil 3: psicomotricidade:
alternativas pedagógicas. 2. ed. Porto Alegre: Edita, 1998.
Estudos em Psicomotricidade: em direção à Psicomotricidade Relacional - 25

______. Terapias corporais: a formação pessoal do adulto. Porto Alegre: Edita,


1998.
______. O corpo na educação infantil. Caxias do Sul: Editora da Universidade
de Caxias do Sul, 2002.
NEGRINE, A. S.; MACHADO, M. L. S. Autismo infantil e terapia psicomotriz:
estudos de casos. Caxias do Sul: Ed.da Universidade de Caxias do Sul, 2004.
OZERETZKI, N. Echelle métrique du développement de la motricité chez
I’enfant et I’adolescent. París: Higiene Mentale, 1936, p.53-75.
PICK, L., VAYER, P. Educación psicomotriz y retraso mental. Barcelona:
Científico-Médica, 1969.
SANTIN, S. Educação física: da alegria do lúdico à opressão do rendimento.
Porto Alegre: EST, 1994.
VAYER, P. El diálogo corporal. Barcelona: Científico-Médica. 1972.
______. El niño frente al mundo. Barcelona: Científico-Médica, 1973.
VYGOTSKI, L. S. A formação social da mente. 6. ed. Porto Alegre: Martins
Fontes, 1998.
WALLON, H. L’enfant turbulent. Paris: Press Universitaires de France, 1925.
METODOLOGIA DA PSICOMOTRICIDADE
RELACIONAL

Anselmo Barce Furini

A ludicidade na escola

Quando se observa uma criança, percebe-se uma característica


marcante: a ludicidade. O brincar é a atividade preferida pela criança.
Quase tudo o que faz realiza-o brincando. O brincar é normalmente
marcado por uma intensa atividade psicomotora e simbólica. Ora, se
o brincar é a atividade de grande significado na vida da criança, tirar
partido pedagógico do brincar é relevante maneira de intervenção
pedagógica, principalmente quando se envolve a corporeidade da
criança.
As práticas corporais iniciam na Educação Infantil, seja com o
professor de Educação Física ou com os pedagogos. As vivências
nessa etapa do ensino são de grande importância para a vida escolar,
sendo necessário uma proposta adequada e bom preparo dos
profissionais.
Por isso, é importante uma prática corporal que procure
desenvolver a aprendizagem e o desenvolvimento por meio da
atividade lúdica. Para Falkenbach (1998), o lúdico refere-se ao termo
genérico das atividades de lazer que não visam à competitividade,
mas que privilegiam, sobretudo, a execução da atividade. O
desenvolvimento se constitui num processo de desfrutar. Para
Negrine (1994), o jogo (brincar), o lúdico significam diversão,
brincadeira.
28 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

Acredita-se que uma atividade corporal ou de Educação Física


que mais se ajusta aos aspectos abordados é aquela realizada pela
metodologia da Psicomotricidade Relacional. Essa centra-se em
uma abordagem lúdica pela qual o brincar é o elemento pedagógico
principal. Conforme Negrine (2002), nessa metodologia os
fundamentos teóricos vão além de estudar o movimento, como é feito
na Educação Física, mas abrangem conhecimentos psicopedagógicos
e do comportamento humano. Em relação à prática, diferencia-se
da Educação Física por valorizar a comunicação oral, o movimento
simbólico e a ação não-diretiva do professor.
Para que se possa entender melhor essa proposta de atividade
corporal lúdica por meio da metodologia da Psicomotricidade
Relacional, torna-se necessário que sejam revistos alguns pontos:
os diferentes paradigmas da psicomotricidade; o planejamento das
aulas; os momentos de uma sessão de Psicomotricidade Relacional;
os materiais usados; a avaliação.

Os paradigmas da psicomotricidade

Atualmente, a área da psicomotricidade se compreende sob


dois paradigmas que determinam uma abordagem diferenciada em
relação ao uso do movimento como meio pedagógico para estimular
os processos de desenvolvimento e aprendizagem:
FUNCIONAL
Paradigmas da Psicomotricidade:

RELACIONAL

A origem da psicomotricidade esteve relacionada às investigações


sobre os problemas motores, surgindo consequentemente dentro
de um paradigma biomédico ou concepção racionalista. Nessa
concepção, a motricidade humana é vista de forma linear, isto
é, existe um padrão de comportamento motor para cada idade e
que evolui decorrente do processo de maturação. Nesse enfoque
biomédico, a motricidade é avaliada por meio de exercícios-testes
Metodologia da Psicomotricidade Relacional - 29

e comparada a padrões “ditos” de normalidade para cada idade,


aplicados a todas as crianças e em todos os lugares. Assim, por
muito tempo, o princípio básico da psicomotricidade se sustentou
em diagnósticos do perfil psicomotriz e na prescrição de exercícios
para sanar possíveis descompassos do desenvolvimento motriz.
Esse é o paradigma que se costuma denominar de funcional ou
Psicomotricidade Funcional, em que a premissa básica é o treino,
o desenvolvimento e o aperfeiçoamento de famílias de exercícios
(exercícios de equilíbrio, coordenação, flexibilidade, agilidade,
destreza etc.) como forma de proporcionar a aquisição de certas
competências ou habilidades motrizes, por meio da repetição de
exercícios padronizados (estereótipos psicomotrizes), tendo como
propósito um melhoramento na dimensão motora (física).
Nesse paradigma da psicomotricidade, a prescrição de exercícios
estereotipados, para serem repetidos e automatizados, constitui-
se no fator mais importante para o planejamento de uma rotina
pedagógica. Assim, as atividades partem do professor, isto é, o
método é diretivo.
Diferenciado tanto nos objetivos como no modo de entender
o desenvolvimento psicomotriz está o paradigma relacional ou
Psicomotricidade Relacional, que se utiliza do brincar (jogar) como
eixo norteador. Essa perspectiva engloba uma série de estratégias
de interação e intervenção pedagógica que utiliza a via corporal
como meio de melhorar as relações da criança com o adulto, com
as outras crianças e com os objetos, para auxiliar os processos de
desenvolvimento e de aprendizagem.
As ações de intervenção pedagógica servem para provocar
a exteriorização corporal da criança e para a construção de um
vocabulário psicomotor4 diversificado, sem a tutela de padrões
motores convencionais que costumam classificar a criança em
relação à idade cronológica.
As estratégias de intervenção serão apresentadas mais adiante,
no exemplo dos momentos de uma aula de Psicomotricidade

4 Vocabulário psicomotor – “todas as habilidades, atos e gestos motrizes, com ou sem


a manipulação de objetos, que uma pessoa é capaz de realizar a partir da experiência
adquirida”. É uma construção permanente, dependente das influências do meio e da
experimentação corporal, com menos influência da maturação biológica (NEGRINE,
2002, p. 36)
30 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

Relacional. O quadro 1 compara os paradigmas da psicomotricidade


na ação do professor e na dinâmica das aulas.

Quadro 1: Comparativo dos paradigmas da psicomotricidade


Psicomotricidade funcional Psicomotricidade relacional
As atividades são dirigidas As atividades não são
pelo docente: ele diz o que dirigidas, mas mediadas:
Prática pedagógica a criança precisa realizar, o professor cria o espaço,
pré-programando as oferece materiais e amplia
atividades. as produções da criança.
Dependência A criança tem vários
A criança não escolhe o
modelos e pode brincar
X fazer, é dependente da
livremente, pode decidir o
Independência escolha do professor.
que fazer.
Ocorre contato corporal
Raramente ocorre contato
Contato corporal do psicomotricista com as
corporal entre as crianças.
crianças e entre elas.
O professor adota uma
Postura do O professor adota uma
postura de escuta, mediação
professor postura de comando.
e proposta.
O paradigma é naturalista,
O paradigma é racionalista.
contempla o aspecto motor
A ênfase é nos aspectos
Paradigma e simbólico do movimento
motores, isto é, o
espontâneo, o que consiste
movimento técnico.
no movimento simbólico.
A criança dificilmente A criança expressa suas
expressa seus desejos e suas necessidades e seus
Exteriorização necessidades, pois precisa desejos, pois o professor
corporal dos seguir as diretrizes que o compreende, ajuda,
alunos professor determina para interage, sugere, propõe
a realização de exercícios e estimula a atividade
motores. expressiva da criança.
A verbalização das crianças
Verbalização da A verbalização da criança
é fundamental para o
criança não é um aspecto relevante.
processo pedagógico.
Fonte: Anselmo Furini
Metodologia da Psicomotricidade Relacional - 31

Objetivos da Psicomotricidade Relacional

Os propósitos desta prática corporal, de acordo com Negrine


(2002), estão alicerçados em três aspectos que determinam suas
finalidades:

1- oportunizar experiências corporais múltiplas e variadas;


2- oportunizar vivências simbólicas;
3- oportunizar comunicação;

1- Oportunizar experiências corporais múltiplas e variadas

Este objetivo diz respeito às vivências corporais diversas que a


criança pode ter pela exploração do espaço e dos objetos postos a
sua disposição. Nesse, o professor permite, facilita, ajuda e estimula
a criança a experimentar uma gama variada de movimentos, seja
com o próprio corpo, com objetos diversos, com aparelhos ou
implementos fixos, ou ainda com disfarces.
O diferencial é que o movimento não é padrão ou único, mas
construído com o professor e com os demais colegas, seja pela
imitação, pela comunicação ou pela experimentação corporal
individual. Quando não há estereótipo motor determinado, a criança
elabora um vocabulário psicomotor diferenciado em função do
número de modelos oferecidos. Em outras palavras, a motricidade é
construída pelas habilidades psicomotoras que vão se desenvolvendo
ao longo da vida dos modelos percebidos no contexto cultural no
qual a pessoa participa.
O vocabulário psicomotor é uma construção permanente e
variável a cada pessoa, de acordo com suas vivências corporais.
Assim, a tarefa do educador é tentar diversificar o máximo possível
as práticas de corporeidade na escola, no intuito de que possibilitem
o aumento desse vocabulário.
32 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

2- Oportunizar vivências simbólicas

Este objetivo da Psicomotricidade Relacional destaca a


importância da subjetividade do gesto, da mímica, do faz-de-conta
e da expressão corporal que traduzem o movimento simbólico.
Para Vygotski (1998), as maiores aquisições de uma criança são
conseguidas no brinquedo simbólico, aquisições que, no futuro,
tornar-se-ão seu nível básico de ação. Refere que a imaginação é
um processo psicológico novo para a criança e, assim como todas as
funções da consciência, surge da ação. Dessa forma, o movimento
agregado de simbolismo vem contribuir para o desenvolvimento
desse processo mental.
O movimento simbólico se diferencia do técnico por ser realizado
com uma intenção representativa ou imaginária. Para Vygotski
(1998), há jogo quando está presente o componente imaginário, o faz-
de-conta, relacionado com alguma situação, alguma vivência. Com o
movimento simbólico a criança vai construindo o conhecimento do
mundo. Isso seguramente acontece porque, de acordo com Negrine
(2002), o ato de representar ou simbolizar algo é uma forma de:

(1) expressar-se corporalmente como se fosse, o que contempla a


motricidade;
(2) pensar como se fosse, o que aciona mecanismos de
pensamento;
(3) falar como se fosse, o que aciona mecanismos de
linguagem.

Então, toda essa representação de papéis a partir do movimento


simbólico leva a criança a atuar com processos mentais superiores,
como a fala, o pensamento, a memória e a percepção, porque
trabalha com níveis de abstração que o movimento técnico não faz,
fatos esses que difernciam o movimento simbólico.
Importante salientar que, embora o movimento simbólico possua
características que o destacam para a aquisição de conhecimentos,
ao propor um espaço lúdico, a criança não somente joga (brinca),
Metodologia da Psicomotricidade Relacional - 33

mas também faz exercícios. Negrine esclarece essa constatação


quando refere que:

Se quisermos contemplar a ideia de totalidade do ser,


devemos entender que em qualquer atividade da criança
existe tanto o prazer funcional como o relacional, seja
para jogar (brincar), seja para exercitar-se. A criança
deve ser entendida como uma totalidade indivisível; caso
contrário, estaríamos dentro de um paradigma dualista
com relação ao desenvolvimento e à aprendizagem
(NEGRINE, 1998, p. 143).

Percebe-se que a passagem do exercício ao jogo e desse ao


exercício é uma “avenida” de duas mãos. A diferença está no
componente simbólico de representação que existe no jogo e que
não está presente no exercício. O essencial é entender que a criança
pode ir do jogo ao exercício e novamente voltar ao jogo utilizando
outros elementos representativos que requerem determinadas
habilidades corporais ou o manejo de objetos.

3- Oportunizar comunicação

Este objetivo da Psicomotricidade Relacional destaca a


comunicação como um elemento fundamental de intervenção
pedagógica e de socialização entre os alunos. O ponto fundamental
é facilitar a comunicação das crianças, seja por meio de sua
expressividade motriz, seja por meio da palavra na comunicação
com os colegas e com o professor e do professor para com a criança
e seus companheiros.
A comunicação da qual está se falando tem um duplo sentido: de
um lado, como uma forma de intervenção pedagógica, utilizando-
nos principalmente da linguagem oral, pois a palavra, por seu valor
simbólico, tem papel essencial na comunicação. Entretanto, além da
comunicação verbal, o ambiente precisa ser permissivo para outras
maneiras de comunicação. Uma das formas para isso, é permitir
que durante a aula as crianças possam se expressar de diferentes
formas, isto é, construindo, desenhando, modelando e disfarçando-
34 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

se. Porém, não basta criar um ambiente para a exteriorização: é


preciso a provocação para que isso ocorra. Para tanto, o professor
indaga o que a criança está fazendo, servindo tanto para ajudar a
sua exteriorização como para sondar o nível de desenvolvimento da
criança e fazer as devidas intervenções.
Ainda, a comunicação é uma oportunidade para fazer as crianças
comunicarem suas produções e evoluírem em seus processos de
pensamento e linguagem, seja no decorrer da sessão ou no momento
de saída. Uma estratégia usada é estimular as crianças no momento
de saída (fim da aula), em roda, a verbalizarem para o grande
grupo, suas brincadeiras e produções durante a aula, reforçando sua
expressão verbal em grandes grupos.

Como planejar as aulas?

A realização de algumas tarefas escolares exige que a criança


“atenda” às solicitações do professor, repousando sobre o princípio
de que o aluno deve executar uma série de instruções precisas;
outras delegam importância crucial ao fato de que o aluno escolha o
que quer fazer.
Impossível é contudo, se aprofundar na compreensão do que o
aluno faz se não se leva em consideração simultaneamente o que o
professor faz. Esse, enquanto a criança realiza a tarefa, intervém,
estabelece diretrizes, proporciona ideias, corrige, dá novos materiais,
faz sugestões etc.
Convém ressaltar que o professor é quem decide sobre a tarefa,
inclusive quando o aluno pode escolher o que realizar. É sobre esse
último ponto que reside o planejamento em Psicomotricidade
Relacional.
Há uma série de decisões e de atuações do educador que, junto
com o que faz o aluno, é imprescindível levar em conta para analisar
o desenvolvimento da tarefa escolar. Nesse âmbito de interatividade
educador/educando, o planejamento de Coll (1994) recomenda
que a criança tenha tipos de atividades diferenciadas pela atividade
do aluno e do professor. Os tipos de atividades são:
Metodologia da Psicomotricidade Relacional - 35

a) atividade funcional, na qual o critério é que a atividade


responda ao interesse do educando, ou seja, ele decide o que faz;
b) atividade autoestruturante, na qual o fundamental é que o
educando decide como realiza a tarefa proposta pelo professor;
c) atividade de efetuação, na qual o fundamental é o cumprimento
de diretrizes de imitação.

O quadro 2 esclarece o papel da interatividade professor/aluno


nas diferentes atividades.
36 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

Quadro 2: Comparativo entre a interatividade professor/aluno e os tipos de


atividades pedagógicas
Interatividade a) Atividade b) Atividade c) Atividade de
professor/aluno funcional autoestruturante efetuação
Potencializar Potencializar Potencializar
Finalidade
a apropriação a apropriação a apropriação
educativa que
de um saber de um saber de um saber
pretende o
(conhecimentos, (conhecimentos, (conhecimentos,
professor com a
habilidades, habilidades, habilidades,
tarefa proposta
hábitos, normas). hábitos, normas). hábitos, normas).
Não há um saber
escolhido antes,
mas o educador o
Existência ou não introduz durante Há um saber Há um saber
de um saber ao a realização da escolhido pelo escolhido pelo
redor do qual se tarefa a partir da educador antes do educador antes do
organiza a tarefa observação do início da tarefa. início da tarefa.
que as crianças
fazem ou de suas
propostas.
O planejamento Há proposta
Planejamento Há uma ausência
objetiva trabalhar de uma tarefa
pelo educador de planejamento
com materiais detalhadamente
da tarefa que o pelo educador
diversos, sem planejada, com
aluno tem que da tarefa que o
diretrizes precisas instruções
realizar educando tem
sobre as tarefas a precisas para
que realizar.
realizar. executá-la.
O educador, O educador, Durante a
Intervenções do durante a durante a realização
educador durante realização da realização da da tarefa há
a realização da tarefa, faz tarefa, faz intervenção
tarefa intervenções de intervenções de de direção e
ajuda e proposta. proposta. supervisão.
Iniciativa total à
criança escolher a Iniciativa para
tarefa, o conteúdo escolher a tarefa
Grau de Falta total de
e o material, sem e seu conteúdo
iniciativa do iniciativa na
outras limitações a partir de
aluno na escolha escolha da tarefa,
que as impostas um material
da tarefa e de seu que já está fixada
pela situação ou atividade
conteúdo de antemão.
(espaço, tempo, proposta pelo
normas escolares, educador.
objetos).
Fonte: Anselmo Furini, a partir de Coll (1994).
Metodologia da Psicomotricidade Relacional - 37

Outra atividade que Coll refere é a de escuta, que também


é importante ao processo, mas não colocada por ele de forma
prioritária. Como o professor é um profissional que atua com
diferentes tipos de pessoa, deve utilizar a escuta como estratégia de
ação, tirando proveito em muitos aspectos dessa competência para
sua prática docente. O educador que dispõe momentos pedagógicos
para a escuta e para a verbalização obtém melhores condições para
analisar o andamento do processo de aprendizagem e estabelecer
melhor relacionamento com os alunos.
De acordo com os princípios pedagógicos da Psicomotricidade
Relacional, o foco das aulas está entre as atividades funcionais e as
atividades auto-estruturantes. Em ambas as modalidades de aula o
princípio fundamental de intervenção é a mediação, normalmente
ampliando a ideia da criança ou provocando a tomada de iniciativas,
evitando o comando nas atividades.
Os educadores precisam adotar práticas pedagógicas que
proporcionem à criança a autonomia, a criatividade, a iniciativa,
para potencializar a apropriação de saberes de forma reflexiva e
independente. Por isso, acredita-se que o planejamento do trabalho
com crianças deve compreender principalmente as atividades
exploratórias por meio do jogo ou do exercício em um ambiente
lúdico.

Os momentos de uma sessão de Psicomotricidade Relacional

A estrutura da sessão de Psicomotricidade Relacional compreende


rituais ou momentos que demarcam o início e o fim da sessão. Esses
momentos são de fundamental importância para o bom andamento
das atividades e para o desenvolvimento de hábitos que só serão
assimilados com uma rotina estruturada e sistemática. De acordo
com Negrine (1998), uma sessão de Psicomotricidade Relacional
é composta por três momentos distintos: o momento de entrada,
a sessão propriamente dita (o desenvolvimento do encontro) e o
momento de saída, especificados na sequência.
38 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

(1) momento de entrada – é o primeiro período da sessão


de Psicomotricidade Relacional, no qual o professor reúne os
participantes em círculo, faz combinações sobre o desenvolvimento
da aula, oferece a palavra para que as crianças comuniquem seus
interesses em relação ao brincar, motiva as crianças ao brincar, dá
explicações sobre a ambientação, etc.
Quando o professor instrui sobre o desenvolvimento da aula,
também explica sobre que princípios o brincar pode ocorrer, tais
como:
A) todos devem jogar dentro das regras de convivência;
B) chamar o professor nas situações de desentendimento;
C) auxiliar os colegas, quando for necessário;
D) entender que os objetos são para que todos possam utilizar;
E) interromper o que estiverem fazendo quando o professor
solicitar o fim da sessão;
F) ajudar a recolher e organizar os objetos no final da sessão.
No ritual de entrada é necessário, sobretudo, que fique claro às
crianças o desenvolvimento do encontro e, fundamentalmente, que
o professor comunique as estratégias pedagógicas principais que
entender importantes para aquele dia. É importante salientar que
não é necessário fazer uma lista extensa de combinações com as
crianças, mas, aquelas que o educador entender fundamentais para
aquele encontro.

(2) desenvolvimento – é o segundo momento da sessão de


Psicomotricidade Relacional. Nesse as crianças brincam sob a
mediação do professor, durante o qual o docente:
A) permite a exteriorização corporal das crianças;
B) orienta as atividades dos participantes;
C) implica-se no jogo quando as situações assim determinarem,
para ajudar as crianças a evoluírem de um jogo para outro.
Metodologia da Psicomotricidade Relacional - 39

É fundamental que o professor tenha presente algumas pautas5


de observação para detectar situações que possam ocorrer durante
o brincar infantil. Essas pautas auxiliam o educador na interpretação
das situações que se apresentam, indicando necessidades de sua
intervenção do mesmo no grupo.
Uma situação cotidiana é o conflito entre os participantes. Para
tanto, é importante observar:
A) se uma criança invade o espaço de outra;
B) se ocorre disputa para se comandar no jogo;
C) se as crianças lutam por um objeto, ou se ocorre destruição
do jogo do colega;
D) situações de agressão física ou verbal.
A via pedagógica utilizada para mediar algum desses momentos é
o diálogo estabelecido entre professor e envolvidos, tentando fazer
com que, pela ajuda do professor, as crianças percebam a situação,
resolvam-na e superem-na.
Outro aspecto importante sugerido por Negrine (2002) diz
respeito às linguagens pedagógicas utilizadas pelo professor. Dentre
as tantas possíveis, o autor sugere:
A) linguagem de estímulo – para a criança fazer algo;
B) linguagem de descrição – descrevendo determinada
realidade;
C) linguagem de reforço – indica que a criança é capaz de realizar
uma atividade;
D) linguagem de permissão – para dizer que o professor está
disponível para interação;
E) linguagem de desacordo – para verbalizar que as combinações
foram violadas.
Se estiverem presentes crianças ditas com necessidades
educacionais especiais, algumas pautas de observação são importantes
para auxiliar a percepção sobre o brincar dos participantes, o que
auxilia o educador a intervir. Sugere-se observar:

5 As pautas de observação também são as usadas na avaliação, como se mostra na ficha de


avaliação no final do capítulo.
40 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

A) se a criança com NEE brinca sempre da mesma brincadeira


ou consegue variá-la;
B) se os colegas a respeitam ou a hostilizam;
C) se alguém brinca com ela ou se ela está sempre sozinha;
D) se ela consegue brincar do que brincam os demais ou precisa
de ajuda;
E) se, precisando de ajuda, alguma criança se presta a auxiliar;
F) se ela está sendo cuidada excessivamente pelos colegas, o que
impede o desenvolvimento de sua autonomia.
Na sequência mostra-se, a título de ilustração, momento em
que as crianças estão brincando sob a mediação do professor em
diferentes jogos.

Desenvolvimento de uma sessão de Psicomotricidade Relacional. Aqui, os


alunos estão brincando sob a mediação do docente.

Fonte: Luciano Ferreira Costa, com ciência dos responsáveis.


Metodologia da Psicomotricidade Relacional - 41

(3) momento de saída – o terceiro momento da aula de


Psicomotricidade Relacional é destinado para o fechamento. O
professor verbaliza num tom que todas as crianças possam ouvir:
“A brincadeira acabou”. Após, solicita que as crianças o auxiliem a
guardar o material que estava à disposição. Posteriormente, todos
fazem um círculo e o professor passa a palavra para as crianças, uma
de cada vez, para que possam comunicar o que realizaram. Nesse
momento, é essencial que o professor faça valer a regra básica de
“escutar para ser escutado”. Isso significa que todos devem ficar em
silêncio ouvindo o que cada colega tem a dizer, pois todos devem
“respeitar para ser respeitados”.
O professor também pode utilizar esse momento para a realização
de uma massagem no corpo das crianças, situação que Negrine
(2002) considera importante para que ocorra o contato corporal
entre adulto e criança, o que enfatiza a questão da afetividade.
Ainda, pode-se oportunizar a expressão pelo desenho, pelo qual
as crianças demonstram o que brincaram de forma gráfica. Deve-se
aproveitar para chamar a atenção dos alunos sobre situações que
podem acontecer de maneiras diferentes das que aconteceram na
aula, indicando melhores saídas para os problemas sucedidos. Nesse
momento, também se pode preparar as crianças para a próxima
sessão, motivando-as, sugerindo brincadeiras que não foram
realizadas.

Onde pode ocorrer a aula de Psicomotricidade Relacional?

Os pedagogos devem sempre estar atentos às diferentes


estratégias pedagógicas para intervenção e mediação. Além das
diferentes linguagens que se pode utilizar para sondar, mediar e
intervir no processo de aprendizagem da criança, o espaço usado para
desenvolver uma sessão de Psicomotricidade Relacional também
influencia na intervenção e na intencionalidade do ato pedagógico.
O espaço destinado às atividades lúdicas é bem flexível e
adaptável a cada escola. Pode ser no pátio da escola, na quadra de
areia, na quadra de cimento, no ginásio, no salão social, na pracinha
etc. O local e o horário mais apropriado vão depender do contexto
42 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

da comunidade educativa, das condições climáticas, dos objetivos


pedagógicos do educador e até mesmo da importância dada pela
escola a essa atividade. O fundamental é que esses espaços ofereçam
as mínimas condições de segurança e higiene, além de terem
tamanho razoável de acordo com o número de crianças envolvidas e
para desenvolvimento das brincadeiras.
Quando o espaço for aberto, é fundamental que o professor
informe os alunos até onde é permitido brincar e esteja sempre
atento para que todos respeitem os limites.

Que materiais podem ser usados nos encontros de Psicomotri-


cidade Relacional?

Ao brincar, a criança experimenta uma gama variada de


movimentos e assume vários papéis em atividades representativas.
A utilização de objetos pode ampliar a capacidade criativa e/ou
imitativa da criança, além de estreitar o vínculo entre o professor e
os alunos. A intervenção do educador por meio do material favorece
a formação de vínculo, pois o material ou brinquedo serve como
objeto mediador nessa relação que se estabelece.
Negrine agrupa os materiais em quatro categorias:

a) gráficos: materiais que a criança utiliza para a sua expressividade


escrita, artística: quadro verde, giz colorido, papel, caneta, lápis,
borracha, tinta, entre outros;
b) pulsionais: materiais que a criança utiliza para correr,
saltar: bolas de diversos tamanhos e tipos, pneus, bastões, cordas,
colchonetes, brinquedos das pracinhas, etc.;
c) construção: materiais com os quais a criança pode montar,
desmontar, construir, etc.: cubos de espuma, monta-montas,
pedaços geométricos de madeira, etc.;
d) relacionais: aqueles que a criança utiliza para vivenciar
atividades corporais diversificadas: disfarces variados, vendas, panos
etc.
Metodologia da Psicomotricidade Relacional - 43

Oportuno salientar que esses materiais visam ao desenvolvimento


da criatividade pela criança e servem de objetos simbólicos nas
suas representações de papéis sociais. Por isso, durante essa
prática, normalmente não se utilizam objetos com uma função
previamente determinada, típico dos brinquedos industrializados.
Esses brinquedos são construídos pela visão lúdica do adulto, com
o intuito de serem instrumentos para brincar, isto é, já vêm com
funções prévias, nome, fisionomia, utilidade. Nos materiais e objetos
da atividade lúdica, ao contrário, a construção do brinquedo é feita
pela visão lúdica da criança que lhe dá significado, fantasia suas
criaturas, inventa nomes, define papéis e os altera quando quiser.
E é importante que tenha uma variabilidade no oferecimento e na
combinação dos materiais ao longo das aulas.
Por se tratar de atividade lúdica, na qual o elemento pedagógico
norteador é o brincar espontâneo da criança, não é necessário
determinar o que a criança deve fazer com cada objeto. O
fundamental é que a criança tenha espaço composto de materiais
ou objetos que possa experimentar, criar, imaginar e construir, num
ambiente de ludicidade. À medida que experimenta os materiais,
vai conhecendo as capacidades de sua utilização, fazendo o uso mais
adequado segundo seus desejos e necessidades. Isso só é possível
quando não se define um saber prévio para a criança.
A intervenção pedagógica em relação aos materiais diz respeito à
variabilidade desses componentes nas sessões de psicomotricidade,
servindo como referência e ajuda à estruturação mental da criança.
Por isso é necessária a criatividade do professor para alternar os
materiais no decorrer da mesma sessão ou em outra, promovendo
novos e diferentes ambientes de aprendizagem.

Uma proposta de avaliação

A avaliação é uma discussão que parece estar aberta. Na avaliação,


a reflexão e a tomada de decisões devem andar juntas, pois são as
peças-chave para se melhorar o ensino e a aprendizagem.
Por isso, não se pode definir uma avaliação precisa e única, mas
diferentes possibilidades de alternativas e instrumentos avaliativos.
44 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

No nível da Educação Infantil, Diego (2003) propõe que a avaliação


seja entendida como uma atitude de observação e escuta constante
que permita ao professor analisar e interpretar os fatos para ajustar
sua intervenção na interação com o grupo e com cada aluno. Para
tanto, apresenta três instrumentos que costumam ser úteis para a
observação e a escuta do professor:
1 - registros de tipo aberto, como os diários de aula, cadernetas
de anotações ou agenda de cada aluno etc. Nesses se anotam, sem
roteiro prévio, as incidências, conversas coletivas, comentários,
observações etc, a critério do professor;
2 - registros semiestruturados, com as pautas de observação
abertas, em que figuram aspectos gerais a observar, mas não as
condutas concretas que podem ser produzidas;
3 - registros fechados, com pautas de observação em que figuram
as condutas que os alunos podem apresentar e determinado contexto
educativo.
Cada um desses instrumentos têm suas vantagens e desvantagens,
devendo ser utilizados diferentes tipos de registro de forma
complementar, adaptado a cada realidade escolar.
É valido lembrar que o professor brasileiro dificilmente se dedica
a apenas uma escola, o que significa que possui elevado número de
alunos. Por isso, apresentamos uma forma de avaliação utilizando a
observação diária e o registro diário, porém de forma mais objetiva,
como mostra o quadro a seguir:
Metodologia da Psicomotricidade Relacional - 45

Quadro 3: Pauta de avaliação da criança

Nome do (a) aluno (a): _____________________________ Data: _________


Turma______
A) Trajetória lúdica
( ) Diversificada
( ) Limitada:
( ) predomínio de jogo. Algum de preferência e/ou frequência?
____________________
( ) predomínio de exercício. Algum de preferência e/ou frequência?
________________
B) Níveis simbólicos
- distingue a fantasia da realidade com:
( ) facilidade ( ) dificuldade
- interrompe o jogo simbólico quando solicitado com:
( ) facilidade ( ) dificuldade
- nível do simbolismo:
( ) primário ( ) secundário
C) Expressão tônico-gestual e verbal
Execução do movimento:
( ) facilitada. Para quais habilidades?________________
( ) latente. Para quais habilidades?__________________
Expressões tônicas:
( ) diversificada
( ) limitada, com predomínio de
( ) tensão ( ) distração ( ) dispersão
( ) atenção ( ) outros
Verbaliza nos rituais
( ) de forma clara.
( ) com inibição.
( ) relacionando com o que brincou.
( ) relacionando pouco com o que brincou.
( ) de modo latente.
( ) outros: ______________________
Formas de comunicação de preferência:
( ) desenho ( ) gestual ( ) verbal
Com quem tem preferência para se comunicar? _______________________
D) Planejamento, elaboração e execução das ideias que se destinam às
atividades concretas
Participa das atividades
( ) de forma ativa.
( ) seguindo as atividades dos colegas.
( ) preferindo as individuais ou coletivas? ______________
( ) com iniciativa para as atividades.
46 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

( ) liderando.
( ) de forma variada, liderando e aceitando ideias dos colegas.
( ) mas participar mais.
( ) outros:______________
Executa as ideias iniciais projetadas
( ) de forma reduzida.
( ) de forma prolongada.
E) Relações inter e intrapessoais
Com os colegas
( ) boas relações
- brinca mais com:
( ) meninos
( ) meninas
- Conflito:
- resolve com:
( ) facilidade.
( ) dificuldade.
( ) com ajuda do professor.
- em que ocasião ocorre? ____________
Com os objetos
( ) diversificada
( ) limitada. Qual? __________
- prefere objetos:
( ) moles ( ) duros
( ) fixos ( ) móveis
- zela pelo material e os guarda? ____________
- significados que atribui aos objetos? ____________
Com o Professor
( ) boas relações
- aceita contato físico? ____________
- aceita propostas? ____________
- cumpre normas? ____________

Fonte: Anselmo Furini, a partir das pautas de observação de Falkenbach (2002) e


Negrine (2002).

O quadro 3 auxilia o educador na observação de alguns itens


importantes para o acompanhamento da aprendizagem e do
desenvolvimento dos alunos.
Com relação à trajetória lúdica, essa serve para o professor
perceber se a criança brinca em mais de um brinquedo nas aulas
(diversificada), ou se, em todas as aulas, procura apenas um
Metodologia da Psicomotricidade Relacional - 47

jogo (limitada), especificando se esta limitação acontece por


brincadeiras simbólicas (predominantemente jogo) ou exercícios
(predominantemente exercício). Lembra-se que é importante para
o desenvolvimento da criança que ela transite em mais de uma
atividade, em jogos e exercícios.
Os níveis simbólicos indicam o discernimento que a criança faz da
fantasia e da realidade, se com facilidade ou ainda está latente essa
capacidade. Um indicativo de facilidade é quando a criança, ao ser
solicitada pelo professor a parar de simbolizar, consegue realizar isso
sem confundir com a realidade. Para Negrine (2002), o movimento
simbólico nada mais é do que um ato representativo das imagens
que a criança percebe e reproduz por meio da ação do brincar.
Quando a criança copia da realidade, é considerado um simbolismo
primário e, quando ela transforma essas imagens e brinca de faz-
de-conta modificando a realidade para realizar os seus jogos, é um
simbolismo secundário, indicando que os processos mentais seguem
um bom curso.
A expressão tônico-gestual e verbal diz respeito às expressões pelo
movimento e pela fala. Com relação ao movimento, analisam-se
durante sua execução as facilidades e dificuldades (latentes), assim
como as expressões tônicas resultantes dessa execução (tensão,
distração, dispersão, atenção etc.), e comparam-se essas ações
motrizes com sua fala, quando conta o que fez e como fez durante
a sessão e nos rituais de entrada e saída. Observam-se também as
formas de comunicação e suas preferências para essa comunicação.
No planejamento, elaboração e execução das ideias que se
destinam às atividades concretas percebem-se o envolvimento da
criança nas atividades (se é ativa, se pouco se envolve, se lidera,
se aceita as ideias dos colegas, se brinca sozinha ou em grupo) e se
realmente ela faz e brinca daquilo que disse no ritual de entrada (de
forma reduzida, isto é, realiza a atividade por pouco tempo ou de
forma prolongada, ou seja, se dedica a executar sua ideia inicial por
mais tempo). Para melhorar a análise, pode-se indagar à criança no
ritual de saída, no momento da verbalização em grande grupo, do
que ela brincou, para confirmar a percepção inicial do educador.
Sobre as relações inter e intrapessoal com os colegas, com os
objetos e com o professor, a preocupação é observar como a criança
se relaciona com cada um desses, pois representam relações
48 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

significativas para sua aprendizagem e desenvolvimento. Analisa-se


se existe preferência pelo relacionamento a algum gênero (menina
ou menino), se consegue resolver os conflitos existentes nas sessões
e quais situações os propiciam. Com relação aos objetos, observa-
se é diversificada (varia o uso desses), se é limitada (usa sempre os
mesmos objetos), suas preferências pelos tipos de objetos (moles,
duros, fixos, móveis, outros), se cuida dos materiais e, após o fim
da aula, os guarda e qual representação faz com cada objeto. No
relacionamento com o educador, percebe-se a existência de um
bom vínculo quando ela aceita o contato corporal e as propostas do
educador e cumpre as normas comuns.
Os aspectos citados no quadro 3 expressam algumas dimensões
que se podem observar do desenvolvimento e da aprendizagem das
crianças, o que não exclui que outros possam ser acrescentados ou
descritos com maior detalhamento. A avaliação descritiva é realizada
individualmente para cada criança, procurando analisar seus
desenvolvimentos, suas características, comportamentos e também
anotações minuciosas das necessidades e dificuldades emergentes
de cada criança. A avaliação passa a ser uma atitude reflexiva sobre
as informações coletadas ao longo do desenvolvimento das aulas,
servindo de norte para modificações no planejamento dessas e
em ações de intervenção do professor. Nessa concepção, avaliação
é compreendida como um processo constituído por três fases: a
coleta de informação, a análise e a tomada de decisões.
Para avaliar se uma criança está desenvolvendo uma motricidade
saudável, faz-se necessário analisar o ambiente da instituição e o
trabalho ali desenvolvido: ele é desafiador? Será que as crianças
não ficam muito tempo sentadas, sem oportunidade de exercitar
outras posturas? As atividades oferecidas propiciam situações de
interesses?
A avaliação do movimento deve ser contínua, levando em
consideração os processos vivenciados pelas crianças. É sempre bom
lembrar que seu empenho e suas conquistas devem ser valorizados
em função de seus progressos, evitando colocá-las em situações de
comparação, pois a história prévia com o movimento vai determinar
um vocabulário psicomotor diferenciado a cada criança.
Metodologia da Psicomotricidade Relacional - 49

Os educadores que trabalham com Educação Infantil precisam


ter consciência da relevância de propiciar um espaço lúdico em que
as crianças possam ser elas mesmas, na qual os aspectos funcionais
(exercícios e habilidades sem conteúdo simbólico) e os aspectos
relacionais (jogos simbólicos e relações com os colegas) estejam
inseridos e associados no brincar espontâneo da criança e na rotina
diária de atividades e associados a ambos.

Referências
COLL, C. S. Aprendizagem escolar e construção do conhecimento. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1994.
DIEGO, J. A avaliação na escola infantil (3 a 6 anos). quem necessita de que
informação e para quê? In: BALLESTER, Margarita. Avaliação como apoio à
aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2003.
FALKENBACH, A. P. A formação pessoal na relação professor/criança. Porto
Alegre: Dissertação (Mestrado) Curso de Ciências do Movimento Humano da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1998. 372 p. Porto Alegre, 1998
______. A educação física na escola: uma experiência como professor. Lajeado:
Editora da Univates, 2002.
NEGRINE, A. Aprendizagem e desenvolvimento infantil: simbolismo e jogo.
Porto Alegre: Prodil, 1994.
______. Aprendizagem e desenvolvimento infantil: psicomotricidade:
alternativas pedagógicas. 2. ed. Porto Alegre: Edita, 1998.
______. O corpo na educação infantil. Caxias do Sul: EDUCS, 2002.
NEGRINE, A.; MACHADO, M. L. S. Autismo infantil e terapia psicomotriz:
estudo de casos. Caxias do Sul: Educrs, 2004.
VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins fontes,
1998.
ENSINO SUPERIOR: A FORMAÇÃO PESSOAL NO
CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Sônia Beatriz Da Silva Gomes


Nelson Schneider Todt

Introdução

A mudança permanente não é exatamente uma novidade. Poder-


se-ia dizer apenas que o volume de mudanças e a velocidade em que
ocorrem atualmente é o que trasforma o planejamento educacional
em um grande desafio.
Já na Antiguidade, para Platão (2003), a virtude é um saber e,
portanto, deve ser ensinada (embora seu mestre Sócrates recusasse
o termo ensinar). Por meio do conhecimento da virtude, o homem
melhora seu comportamento. A tese socrática que reduz a virtude
ao conhecimento dos verdadeiros (virtudes em Platão) valores
constitui-se na pedra angular de toda Educação.
Mas como fazer a distinção entre o que será apenas uma atitude
passageira e o que já constitui um comportamento? Como avaliar se
o comportamento atual irá comprometer o exercício profissional de
uma pessoa? Esses são alguns dos questionamentos que surgem em
decorrência do exercício da docência e de atividades acadêmico-
administrativas em cursos de nível superior em Educação Física.
Hoje, mais do que nunca, a Educação precisa ser humanizada,
propiciando vivências significativas que levem as pessoas a se
conhecer e a crescer, desenvolvendo-se em todas as áreas, motivando
para a criatividade, solidariedade e compreensão da vida como um
todo (TODT, 2006).
52 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

O grande dilema tem sido oferecer ensino de qualidade que


não produza desigualdades na sociedade. Essa questão é antiga e
também tem sido o foco de discussões de políticos, educadores,
pesquisadores, pais e alunos há muito tempo em diversas nações,
e, especialmente, nos países industrializados ou nos industrializados
pobres, como o Brasil (HOLMESLAND, 2003).
Hoje, muitas instituições de ensino ainda privilegiam o aspecto
cognitivo e reproduzem uma prática pedagógica ‘domesticadora’
e fragmentada que não oportuniza o real desenvolvimento do
ser humano. A autonomia e a independência para a vida não são
estimuladas de forma decisiva.
Em contraste com qualquer idealização, o que se tem é a
perpetuação de estruturas que não aceitam mudar a reprodução
de relações que se alimentam da desigualdade. É preciso dar-se
conta de que o entendimento sobre igualdade é fruto do processo
de formação que cada um de nós passamos, nossos valores e nossa
visão sobre os outros (PUCHET, 2003).
O início deste milênio aponta para a transformação que a Lei
de Diretrizes e Bases (LDB) e, posteriormente, a dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) vêm implantando no sistema
educacional brasileiro. Entretanto, a ‘velha ordem’ permanece
impregnada em cada pessoa, em cada educador (ALLESSANDRINI,
2002).
Tentam-se aplicar conceitos de uma visão de mundo obsoleta a
uma realidade que já não pode ser entendida em função de velhos
conceitos. A perspectiva de mudança na visão de mundo passou
da concepção mecanicista de Descartes e Newton para uma visão
holística e ecológica, uma nova visão da realidade, uma mudança em
nossos pensamentos, percepções e valores.
Os ‘produtos’ da Educação já não atendem às necessidades da
sociedade. A sociedade tem rejeitado grande número de ‘produtos’
oferecidos pelo modelo de Educação institucionalizada que temos
(MOSQUERA, 1980).
Deve-se pensar em uma Educação que contribua para que os seres
humanos desenvolvam-se nas diferentes áreas de desenvolvimento
– uma Educação holística, que venha a contribuir com a formação
de um cidadão feliz e, consequentemente, de uma sociedade mais
Ensino Superior: a formação pessoal no curso de Educação Física - 53

humana, na qual todos possam viver dignamente, em harmonia e


igualdade.
Para tanto é necessário compreender melhor o inter-
relacionamento dos seres humanos, assim como as suas expectativas
e níveis de interesse. Mosquera (1977) considera que desse modo se
pode vislumbrar nova e promissora perspectiva para o crescimento
e a Educação das futuras gerações.
Valores mais humanos, no entanto, como irmandade,
cooperação, comunidade, união e partilha de bens e informações,
soam estranhos, ultrapassados ou sem um sentido de mercado
utilitarista e pragmático dentro deste universo de entendimento e
comportamento competitivo atual.
A mentalidade dominante leva a um comportamento que lhe
é compatível. Por isso, pode-se dizer que a época atual é a do
individualismo parcial levado ao mais alto grau, pois assim são,
também, as empresas e instituições privadas, detentoras dos meios
de produção e do processo de formação e distribuição de riquezas.
Daí decorre o paradoxo: o século XX produziu avanços nas mais
diversas áreas do conhecimento, mas ao mesmo tempo produziu o
que Edgard Morin chama de ‘cegueira’ para os problemas globais,
fundamentais e complexos.
Valemo-nos ainda do pensamento de Morin (2003, p. 35) para
dizer que, “para articular e organizar os conhecimentos e assim
reconhecer e conhecer os problemas do mundo, é necessária a
reforma do pensamento”.
O papel da Educação amplia-se de forma considerável no cenário
de globalização das relações econômicas e culturais que estamos
vivendo. As teses defendidas no relatório para a UNESCO da
Comissão Internacional sobre a Educação para o século XXI, sob
o título Educação - um Tesouro a Descobrir (DELORS, 2003), da
Educação básica à universidade voltam-se essencialmente para o
desenvolvimento humano entendido como a evolução da capacidade
de raciocinar e imaginar, da capacidade de discernir, do sentido das
responsabilidades.
Precisa-se dar ênfase ao papel dos professores como agentes de
mudanças e formadores de caráter e do espírito das novas gerações.
Ante os múltiplos desafios do futuro, a Educação surge como um
54 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

trunfo indispensável à humanidade na sua construção dos ideais da


paz, da liberdade e da justiça social.
Adotar essa perspectiva é sublinhar como argumento favorável
o papel central da esperança de um mundo melhor, em que se
respeitam os direitos do homem, se pratica a compreensão mútua,
em que os progressos no conhecimento sirvam de instrumentos, não
de distinção, mas de promoção do gênero humano, como se tudo
devesse, constantemente, recomeçar, renovar-se, ser reinventado.

A educação no século XXI e a formação pessoal de professores

Desde o contexto apresentado anteriormente, tudo nos leva a dar


novo valor à dimensão ética e cultural da Educação e, deste modo,
a dar efetivamente a cada um os meios de compreender o outro,
na sua especificidade, e de compreender o mundo na sua marcha
caótica para uma certa unidade. Mas antes é preciso começar por
conhecer a si próprio, numa espécie de viagem interior guiada pelo
conhecimento, pela meditação e pelo exercício da autocrítica.
É desejável que se transmitam ainda mais o gosto e o prazer
de aprender, a capacidade de mais ainda aprender a aprender, e a
curiosidade intelectual, pois visa-se a uma sociedade que somente
ficará satisfeita quando todos aprenderem a aprender. Portanto, é
preciso colocar a Educação ao longo de toda vida no coração da
sociedade, para em primeiro lugar aprender a conhecer. Em seguida,
aprender a fazer e, finalmente e acima de tudo, aprender a ser
(MORIN, 2003).
A partir dessa ideia, já clássica, percebe-se a dicotomia da
Educação e formação. Enquanto a Educação é entendida como
preparação para o trabalho, a formação pessoal é voltada para a vida
do sujeito.
Buscando novas propostas que deem novo sentido à ideia de
formação, pode-se imaginar que o ideal de ser humano é que este
seja reflexivo e crítico, com formação pluridimensional, muito
diferente da considerada na teoria clássica.
Ensino Superior: a formação pessoal no curso de Educação Física - 55

Como tendência atual, levanta-se uma definição de formação


como processo de aperfeiçoamento da forma espiritual do homem,
um compêndio de todas as instâncias formativas e um parâmetro ao
que se subordinam as concepções de Educação, incluindo valores
como a convivência humana.
“Mais que outras profissões, esta (professores6) precisa de
reconstrução completa, dentro da máxima: ser profissional hoje é,
em primeiro lugar, saber renovar, reconstruir, refazer a profissão”
(DEMO, 2004, p. 11). Porém, deve-se levar em conta que esse
aluno foi trabalhado, na Educação Básica, por professores formados
nas instituições de Educação Superior. Nesse sentido, colhe-se o
que se planta (DEMO, 2000).
A universidade brasileira, desde sua gênese, sofreu os reflexos
desse processo e algumas transformações ocorreram devido a fatores
econômicos e circunstâncias políticas. Desse momento até os dias
atuais, planos de reestruturação foram levados a efeito e, no final
do segundo milênio, a regulamentação da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional - LDB, em 1996, estabeleceu profundas
alterações na estrutura curricular das universidades.
Para que a Educação propicie uma vida mais completa ao ser
humano, faz-se urgente e necessário repensar a formação dos
professores, a fim de que se tornem verdadeiros intelectuais
transformadores (GIROUX, 1997), de forma que possuam o
conhecimento e as habilidades necessárias para alicerçar suas
ações que venham a quebrar com a prática pedagógica e a lógica da
Educação limitada e fragmentada que temos.
O papel do professor universitário, portanto não é mais só formar
profissionais para o mercado de trabalho, mas, também, formar
cidadãos imbuídos de valores éticos, que, com competência técnica,
atuem no seu contexto social comprometidos com a construção de
uma sociedade mais inclusiva.
Como afirma Demo (2004), as licenciaturas hoje são, ou
deveriam ser, a alma mater da Universidade, no sentido de serem
os cursos mais importantes e estratégicos, por tratarem do direito
de aprender da sociedade.

6 Observação dos autores.


56 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

Em pleno Século XXI podemos perceber que pouco ou quase


nada mudou em relação às orientações na formação de professores.
Embora os processos tecnológicos apontem para mudanças radicais
no que diz respeito à Educação, essas ainda parecem obra de
ficção.
A formação de professores passa necessariamente por escolhas
ideológicas, de acordo com o tipo de sociedade que queremos. Deve
haver aproximação entre os saberes que são propostos e ocontexto
prático no qual estamos inseridos.
Perrenoud (2002) milita contra a acumulação de conteúdos e
visão estreitamente utilitarista dos saberes teóricos. Falta então,
como já referido, verdadeira articulação entre a teoria e a prática.
Faz-se necessário encontrar justo equilíbrio entre aportes teóricos
estruturados que antecipem problemas que serão confrontados com
as experiências dos estudantes.
Nessa perspectiva pode-se dizer que existem dois tipos de
conhecimentos importantes: o “declarativo”, que corresponde mais
ou menos a saber a teoria, e o “procedimental”, que é o saber fazer na
prática. Ambos se complementam e são necessários. Conhecimento
apenas procedimental (prático) é bom para trabalharmos
rapidamente, mas implica que só temos as coisas mecanizadas
de uma dada maneira, e, se aparece um exercício ligeiramente
diferente dos que mecanizamos, temos muita dificuldade em pensar
de maneira diferente para fazê-lo. Com conhecimento apenas
declarativo (teoria) não temos esse problema, mas implica em
perder demasiado tempo a construir um raciocínio por não haver a
experiência da prática (CALDEIRA, 2008).
Esse autor refere ainda que o ideal é nem apenas um nem apenas
outro, mas ambos: saber teoria suficiente para podermos pensar
uma solução alternativa para um problema diferente e saber prática
suficiente para fazer as coisas com alguma rapidez.
Nessa linha proposta pelo autor, em todas as áreas, desde o
estudo da gestão do tempo passando pelas relações pessoais, que
todos pensamos fazer instintivamente, existem muitas pequenas
coisas nas quais muitas vezes nunca pensamos.
Como destaca Negrine (1998), por um lado o conhecimento
teórico é importante, por outro, o valor deste só se solidifica a
Ensino Superior: a formação pessoal no curso de Educação Física - 57

partir da experiência concreta. Nossa formação, especialmente


dos professores de Educação Física, sempre foi muito marcada
e alicerçada nas práticas que potenciam as chamadas famílias de
exercícios, bem como a necessidade de ser diretivo.
A relação do professor com o aluno ainda se manifesta ora
negligente, ora hostil, repressora e ansiosa, esperando por um
comportamento submisso, passivo e obediente do aluno ante
sua autoridade. Isso acarreta rompimento afetivo, impedindo
qualquer evolução educacional mais profunda (LAPIERRE e
AUCOUTURIER, 1988).
É justamente aí que nos deparamos com os principais
questionamentos deste artigo: A formação tradicional, baseada
apenas em questões teóricas e práticas, é suficiente para ajudar-nos
quando na nossa vida profissional tivermos de responder na prática
a algumas dessas e a tantas outras questões não técnicas? Como
provoca Negrine (1998): Como o professor pode intervir nesse
âmbito sem ter uma formação pessoal em que ele próprio vivencie
experiências dessa ordem?

A formação pessoal na Faculdade de Educação Física da PUCRS

A formação pessoal em educação física é um caminho a


ser construído e que vem tentando elaborar respostas para os
questionamentos anteriormente destacados. Trata-se de algo
indispensável para qualquer ser humano. Porém, na estrutura do
ensino formal, inexiste espaço específico para essa discussão.
A ideia de reservar um espaço específico para discutir estas
questões da formação pessoal dentro dos currículos dos Cursos
de Educação Física da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul surgiu de dois fatos: as experiências e características
do corpo docente que teve contato com mestres e doutores que
enfatizavam a necessidade de compreensão do ser humano na sua
existência como forma de construir a base de referências e valores
a estarem presentes no exercício da profissão; e termos identificado
no âmbito da docência no ensino superior algumas dificuldades dos
alunos em lidar com seu próprio corpo, ou, ainda, dar-se conta da
58 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

complexidade e integralidade que representa o fato de nossa história


de vida, estar registrada em nosso corpo.
Essas dificuldades foram identificadas especialmente em
dicisplinas que abordam o corpo, não só pela via física do movimento
padronizado, mas pela possibilidade de resgatarem efetivamente as
conexões existentes entre nossas emoções, as sensações corporais e
nossos sentimentos.
Muitos autores (BERTHERAT et al., 1980; FALKENBACH,
2002; LAPIERRE e AUCOUTURIER, 1988; NEGRINE, 1998;
TODT, 1999) referem a importância da compreensão da linguagem
e da subjetividade do corpo. Nesse sentido, a formação pessoal deve
privilegiar a via corporal, oportunizando situações lúdicas, pulsionais
e de sensibilização.
A reflexão iniciou no ano de 2003, momento do reconhecimento
do curso de Licenciatura, estruturado sob a Resolução nº 03/1987,
e prolongou-se até 2005, quando encaminhamos os novos projetos
para apreciação da Câmara de Graduação da PUCRS.
Optou-se pela inclusão do tema em forma de disciplina, além
de considerá-lo de âmbito transversal. Assim a formação pessoal é
oferecida no primeiro semestre, com o objetivo de desenvolver o
autoconhecimento e autocuidado, e no quinto semestre, buscando
reavaliar a trajetória ao longo dos dois primeiros anos de curso e
reconhecer o outro a quem vamos educar/cuidar.
A escolha dos conteúdos precocupava tanto quanto a sua forma
de desenvolvimento. Os docentes, uma mulher e um homem, ambos
com experiência anterior nesta prática em cursos de especialização,
alternam-se como forma de mostrar a possibilidade de exercício
docente desses conteúdos não estar restrita ao gênero.
A metodologia baseou-se nas experiências relacionadas aos
sentidos, na perspectiva de levar a uma reflexão sobre um corpo
que sente, armazena e registra cada momento de sua existência.
Nesse sentido, optou-se pela avaliação do processo por meio de
registros diários das aulas com enfoque nas sensações e sentimentos
evocados a partir das experiências oferecidas, construindo-se assim
um memorial descritivo dos alunos.
Ensino Superior: a formação pessoal no curso de Educação Física - 59

Perfil dos alunos

Atualmente os alunos que chegam na universidade ainda não


são adultos jovens seguros da sua escolha profissional. Percebem-
se adolescentes inseguros que estão ainda em dúvida ou mesmo
‘experimentando’ o curso para ver se é realmente o que desejam
(estes, muitas vezes, representam a maioria). Alguns dizem que
não conseguem se ver fazendo outra coisa e outros são levados pela
experiência anterior como atletas.
De acordo com o perfil socioeconômico, são alunos de
classe média e alta, mais frequente no turno da manhã, e alunos
trabalhadores e de classe média e baixa, no turno da noite. Porém,
algo comum entre eles é o fato de que, quando questionados sobre a
principal motivação para a escolha do curso, referem-se à realização
pessoal e qualidade de vida, dissociada necessariamente do aspecto
de ganhos financeiros como prioridade.

Estrutura da disciplina

O relato do trabalho realizado refere-se aos anos de 2006 e 2007.


As características gerais da disciplina são: CH: 30h; Turno manhã:
Bacharelado; Noite: Licenciatura; Alunos: máximo de 33; 4 turmas
por semestre: 2 (N) e 2 (M).

Quadro 1: Temas e metodologia desenvolvidos no primeiro e segundo


semestres de 2006 e 2007

Metodologia 2006 2007


01 02 01 02
Temas Semestre
sem. sem. sem. sem.
Apresentação * Apresentação oral de cada um
da estrutura dos componertes respondendo a
do Curso e da pergunta: Por que escolheu esta
disciplina profissão?
60 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

Metodologia 2006 2007


01 02 01 02
Temas Semestre
sem. sem. sem. sem.
* Leitura e discussão de texto
O que é
e do vocubário em grupos.
universidade?
Jogo: adequar as palavras do
Vocabulário
vocabulário de formação pessoal
de formação
às funções da universidade
pessoal
ensino, pesquisa e extensão.
Atividade institucional em que
os alunos conhecem a Gestão
Stand de
superior da Universidade,
calouros
interagindo com alunos de
outros cursos.
* Experimentar a relação de
confiança nos colegas superando
o medo de participar de uma
Coragem prática em que os alunos são
conduzidos pelos colegas.
Reflexão sobre a coragem de
realizar mudanças. **/ ***
*Escolher um objeto como se
fosse comprá-lo e responder ao
Escolhas
questionário das ações presentes
no processo de escolhas. **/ ***
* Experimentar deslocamentos
e atividades em duplas estando
Visão
um dos componentes com os
olhos vendados. **/***
*Realizar movimentos livres
de acordo com os estímulos
sonoros. Experimentar
diferentes sons na posição
deitado e perceber como se
Audição comporta o tônus muscular de
acordo com os ritmos. Perceber
os segmentos corporais a partir
de um inventário corporal
conduzido pela professora.
**/***
Ensino Superior: a formação pessoal no curso de Educação Física - 61

Metodologia 2006 2007


01 02 01 02
Temas Semestre
sem. sem. sem. sem.
*Experimentar diferentes
alimentos. Projeção do filme
Paladar
Tempero da vida para reflexão e
síntese em grupo. **/***
*Percorrer as instalações da
Faculdade em duplas, perceber
Olfato e registrar os diferentes aromas
relacionando-os com sensações,
sentimentos e pessoas. **/***
* Experimentar o toque e suas
nuances em atividades de duplas
com os colegas conduzidas pela
Tato
professora. Reflexão e síntese
das implicações do saber tocar
para profissional. **/***
*Discussão em grupo de texto
de apoio sob o aspecto de que a
intuição passa pela capacidade
Intuição
de observar. Registro de situação
na qual identifica o uso da
intuição.
Discussão sobre o respeito
entre os colegas como elemento
Respeito
necessário para convivência no
ambiente social. ***
* Relatos pessoais da estrutura
familiar. Reflexão coletiva
sobre as diferentes estruturas
Família
familiares e suas implicações
no processo de educação dos
futuros alunos. ***
*Construção de uma linha de
tempo escolar ressaltando os
aspectos objetivos e subjetivos
Escola
do processo de ensino-
aprendizagem vivenciado ao
longo da vida escolar. ***
*Relato de laços de amizade e
Amigos
seu signficado na vida. **/***
62 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

Metodologia 2006 2007


01 02 01 02
Temas Semestre
sem. sem. sem. sem.
* Relato de relacionamentos
pessoais. Reflexão em grupo
Relacionamento
sobre as relações entre a
pessoal
sua estrutura familiar e suas
escolhas afetivas. **/***
Trabalho individual. Leitura do
Política de
texto e posterior simulação de
Recursos
sua própria empresa. Entrega
Adultos
por escrito.
* Leitura do texto sobre a
importância de viver o presente
Viver o presente de um modo consciente
conectado com o passado e o
futuro. **/***
Apresentação oral individual
Fórum de fazendo uma síntese entre
Formação os temas desenvolvidos no
Pessoal I semestre e sua aplicabilidade na
profissão.
Apresentação livre individual ou
Apresentação
em grupos de um fechamento
da síntese da
da disciplina articulado com a
disciplina
Fábula-mito Cuidado.
*Forma interativa.
** Reflexão e síntese do texto de apoio em grupo.
*** Registro individual sobre o que sentiu.
Fonte: os autores.

O quadro anterior apresenta a redefinição dos temas que é fruto


de uma análise do memorial dos alunos e da avaliação institucional
das disciplinas, que é realizada ao final de cada semestre pelos alunos
e professores.
A metodologia escolhida reflete no memorial escrito pelos
alunos, assim como na escolha dos temas. A forma de registro
dos memoriais também foi alterada. Nas três primeiras edições
dos memoriais, foi reservado ao aluno um período para registro
no final de cada encontro, porém observou-se que alguns alunos
Ensino Superior: a formação pessoal no curso de Educação Física - 63

não utilizavam este tempo para o registro e o faziam em momento


posterior, possivelmente perdendo alguns elementos mencionados
na discussão ou incluindo relações mais elaboradas a partir da
releitura dos textos de apoio. Na quarta edição da disciplina optou-
se pela realização e entrega do registro ao final de cada encontro.

Informações dos registros dos alunos

O processo de análise de conteúdo das informações seguiu


os princípios propostos por Bardin (2006). Foram organizadas
categorias que identificam os principais sensações e sentimentos
evocados nos partipantes e suas principais reflexões sobre os temas
que foram comuns às quatro edições.

Quadro 2: Categorias e exemplos


Categoria Descrição Exemplos de registros de falas
[…] a coragem do colega de “se jogar”
Sensação de medo, em cima dos braços dos outros foi algo
1 de insegurança e que me deu um certo “medo”. – Será que
desconforto. meus colegas conseguiriam me segurar?
Não irei machucá-los?
Gostei porque os colegas passaram
confiança para fazer a prática. E isso
Sentimento de
2 mostrou que podemos confiar uns nos
confiança.
outros para melhorarmos a nossa vida e
aprendizagem.
Sensação de prazer […] senti alegria e dor, dor na bochecha
3
e alegria. e na barriga de tanto rir.
Reflexões sobre a
utilidade das nossas
4 Que me auxilie no dia a dia.
escolhas, aspecto
racional.
Há objetos que, dependendo de como se
Escolhas movidas adquire ou de quem ganhou, e tornam-se
5
pela emoção. com valores inestimáveis. Não há valor
maior que o sentimento, que o amor.
64 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

Categoria Descrição Exemplos de registros de falas


Perspectiva de […] passei pela situação de um deficiente
6 colocar-se no lugar visual, que é muito complicada, pois não
do outro. se tem muita noção de espaço.
[…] todos ficaram quietos e se
Relaxamento entreteram com as músicas e os
7
corporal. pensamentos. Eu gostei da experiênia e
me senti super relaxada, leve […]
[…] sendo que cada uma despertava um
Sentimento de
8 certo sentimento, como raiva, felicidade
raiva.
e outros efeitos sentimentais.
Sentimento de Sentimos um cheiro desagradável e
9
repulsa. lembramos de falta de higiene.
Não consegui relaxar, me concentrar
10 Preconceito. […] não gosto que homem fique me
acariciando.
A necessidade de ser flexível e aceitar as
11 Respeito pelo outro.
diferenças que existem entre as pessoas.
Acho que foi uma experiência bem
Reflexão sobre
12 válida, pois um bom profissional deve
postura profissional.
saber se portar em ocasiões diversas.
Fazer parte de uma família é fingir que
não sabe do câncer que a provedora da
casa possui; é deixar que ela se esvaia
Referências em lágrimas, chorando só, […] entender
13
familiares. o porquê de os outros possuírem tudo,
enquanto você e ela “ralam” para manter
uma vida “mais ou menos”. É sacrificar-se
para que a casa não caia […]
Acredito ser muito importante esse
elo de relacionamento familiar, não
necessariamente biológica, mas ter
14 Vínculos afetivos.
pessoas em quem realmente você possa
confiar, que acreditem em você e que vão
sempre o apoiar.
Fonte: os autores.
Ensino Superior: a formação pessoal no curso de Educação Física - 65

O próximo passo

Ao elaborar este texto, deu-se início à segunda parte do processo.


Em 2008/1 a disciplina de Formação Pessoal II começou com a
expectativa de observar o desenvolvimento daqueles estudantes que
tiveram Formação Pessoal I no início do curso e, acima de tudo, de
dar continuidade ao processo iniciado, criando condições para maior
amadurecimento acadêmico e pessoal desses futuros profissionais.

Considerações

Acredita-se que as categorias apresentadas e seus respectivos


exemplos falam por si sobre o modo como trabalhar o processo de
autoconhecimento e formação profissional. Destaca-se ainda que
algo surpreendente ocorreu com determinado grupo. Eles optaram
por realizar uma única apresentação de fechamento da disciplina
com a participação de todos os vinte alunos. Transcrevemos o final
do texto narrado durante uma dramatização apresentada como
síntese parcial deste processo.
“Os caminhos do saber, a educação formal do homem, divulgar a
cultura universal, produzir ciência, se formar profissional… Por meio
da UNIVERSIDADE, que é o instrumento para a transformação da
sociedade. A palavra CURRÍCULO vem do latim curriculum vitae,
que significa carreira de vida… O homem pode agora ser e fazer na
vida e no mundo… não é o fim, e sim o começo, nesta jornada que
chamamos de VIDA! CONCLUSÃO: qual seria a tarefa primordial
da educação, ou seja, desta disciplina e da universidade como um
todo senão levar-nos a aprender, a amar, a sonhar, a fazer nossos
próprios caminhos, a descobrir novas formas de ver, de ouvir, de
sentir, de perceber, de ousar pensar diferente… de sermos cada vez
mais nós mesmos, aceitando o desafio do novo. Então o caminho
está só começando…”
Como afirma Negrine (1998), a formação pessoal oportuniza
reflexões significativas sobre o autoconhecimento. É uma formação
que se dá a partir da vivência de situações concretas, isto é, a partir
66 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

da via corporal, sendo o corpo na sua totalidade o protagonista da


ação e da interação com os outros e com os objetos.
Pode-se dizer, enfim, que as três vias de formação se completam
(teórica, prática e pessoal). Muito ainda há de ser feito para que
nós educadores possamos nos reapropriar do encanto de educar.
Esperamos que essas sementes germinem com a força presente em
suas falas.
Temos consciência de que este foi um importante passo, um
rompimento paradigmático que com certeza trará resultados
no sentido de termos ‘novos’ profissionais, educadores mais
‘humanizados’ e preparados para o grande desafio de contribuir
para a transformação da sociedade.

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participação pessoal na construção de um novo modelo educacional. In:
PERRENOUD, Philippe; THURLER, Mônica, et al. As competências para
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Ensino Superior: a formação pessoal no curso de Educação Física - 67

LAPIERRE, André; AUCOUTURIER, Bernard. A simbologia do movimento:


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PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL NA PERSPECTIVA
DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Anselmo Barce Furini


Bento Selau

A proposta de educação inclusiva abarca muitos desafios e novos


rumos na educação em uma sociedade marcada por desigualdades,
acirrada competição, preconceitos e dificuldade para lidar com
as diferenças. A inclusão de crianças ditas com necessidades
educacionais especiais (NEE7) na rede regular de ensino é uma prática
crescente que merece a atenção e mobilização dos envolvidos neste
processo8: pais, professores, gestores educacionais, comunidade
local e sociedade.
Quando se pensa no sistema educacional, percebe-se que
ainda é preciso realizar mudanças para efetivamente prestar bom
atendimento e promover a inclusão das crianças consideradas com
NEE nas classes regulares: mudanças no espaço físico, na metodologia
utilizada pelos educadores, nos planos de estudos, na dinâmica de
sala de aula, enfim, mudanças no modo de compreender a pessoa
pelos educadores e familiares.
Entre essas diferentes mudanças que devem ocorrer em função
do processo de inclusão, reflete-se sobre as práticas corporais na
escola. Nessa, o movimento, a expressão pela via corporal são
atividades garantidas a todos? A disciplina de Educação Física, a
maior responsável pelas atividades corporais, abarca a inclusão dos
alunos ditos com NEE?

7 Utilizaremos a sigla para agilizar a leitura.


8 Pensamos a inclusão como um processo, que não é definitivo, mas subordinado a mudanças
constantes e que, muitas vezes, também pode apresentar retrocessos.
70 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

Nossa intenção não é refletir precisamente sobre a Educação Física


escolar, mas apresentar a Psicomotricidade Relacional como uma
prática educativa que promove a inclusão de crianças consideradas
com NEE, principalmente na Educação Infantil e Séries Iniciais do
Ensino Fundamental.
A prática da Psicomotricidade Relacional no âmbito escolar
proporciona facilidades para uma proposta de educação inclusiva.
Essa prática incluiu crianças ditas normais e as crianças com NEE
numa mesma sessão que utiliza de um conjunto de ações pedagógicas
e atividades lúdicas que usam a via corporal como elemento
fundamental para estimular a aprendizagem e o desenvolvimento.

Antecedentes históricos da educação inclusiva

Para que se discuta uma proposta inclusiva por meio da


Psicomotricidade Relacional, far-se-á breve contextualização sobre
os antecedentes históricos do que hoje se conhece por inclusão.
A sociedade teve distintas maneiras de se relacionar com aqueles
que considerava “diferentes da normalidade”, praticando a exclusão
social, passando ao atendimento segregado, depois à integração e,
assim, à inclusão.
A Idade Antiga marca um período de exclusão social, porque as
crianças que apresentavam malformação eram abandonadas pelas
famílias ou eliminadas. O período de segregação se institui com
a difusão do cristianismo, tendo no século XIII, na Bélgica, uma
primeira instituição para abrigar deficientes mentais. A partir do
século XVI, uma abertura ainda pequena se inicia quando a questão
da deficiência começou a ser estudada sob um aspecto médico.
Após essa fase de institucionalização das pessoas, iniciou-se uma
fase denominada de integração. O termo integração significa que a
criança deveria se adaptar às condições escolares para que estivesse
integrada. Para Sassaki (1999), a integração teve como propulsores
os princípios de normalização e mainstreaming. Essa organização
paralela de serviços foi denominada por Deno (1970) de “sistema
em cascata dos serviços de educação especial”, uma estrutura que
deve privilegiar um ambiente o mais normal possível e oferecer a
Psicomotricidade Relacional na perspectiva da Educação Inclusiva - 71

todos os níveis de segregação caminhos que permitam um retorno à


classe comum. Na Cascata de Serviço, o aluno, em todas as etapas
de integração, poderá transitar da classe regular ao ensino especial,
como se vê a seguir:

Cascata de Serviços de Deno

Fonte: Mazzotta (1982)

Para Fonseca (1995), todos esses centros deveriam articular os


serviços educacionais com os não educacionais. O sistema a ser
desenvolvido na política de ensino deveria colocar em estreita ligação
o ensino especial com o ensino regular. Trata-se de uma concepção
de integração parcial, pois a cascata prevê serviços segregados.
Também muitos alunos que se encontram em determinados níveis
têm poucas possibilidades de deslocamento para os níveis menos
segregativos.
Na proposta de inclusão é a escola que deve se adaptar às
necessidades das crianças e jovens, em vez de serem esses a se
72 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

adaptarem às exigências da escola. Para isso é preciso realizar


mudanças organizacionais envolvendo a sua comunidade escolar e,
principalmente, considerar a diversidade como um ponto de partida
para a aceitação da diferença.
O ápice desse processo de inclusão deu-se em 1994 com a
Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais,
realizada na Espanha, que gerou a Declaração de Salamanca.
Em Salamanca foi reafirmado o direito à educação de todos e
se chamou a atenção de que é preciso uma proposta de ação mais
efetiva do sistema educacional para garantir, de modo adequado, a
inserção e permanência do aluno com NEE na escola regular.
Correia (1999, p. 34) prevê como inclusão “a inserção do aluno
na classe regular, onde, sempre que possível, deve receber todos
os serviços educativos adequados, contando-se, […] com um apoio
apropriado às suas necessidades”. O autor sugere que o professor
não trabalhe sozinho, mas, quando necessário, envolvam-se outros
educadores com tarefas que possibilitem ao aluno o desenvolvimento
de aptidões inerentes ao quotidiano de cada um. A isso atribui-se
ver a inclusão preocupada com as necessidades de cada um como
um todo.
A inclusão impõe modificações na escola e na dinâmica
educacional para que a permanência do aluno com NEE na escola
seja realmente boa para esse e para o grupo, e, assim, todos possam
se beneficiar com essa prática. Reforçando este pensamento, Forest
e Pearpoint (1997) pensam que inclusão significa aprender a viver
com o outro e cuidar uns dos outros.
Inclusão não quer dizer que todos são iguais, mas celebra a
diversidade e diferenças com respeito e gratidão. Os autores
acreditam que, quanto maior a diversidade, mais rica é a capacidade
de criar novas formas de ver o mundo, acolhendo as diferenças e as
celebrando como capacidades. Para incluir, não basta apenas colocar
uma criança com necessidade educacional especial em uma sala de
aula, mas é preciso lidar com a diversidade e com a diferença.
Essa retomada histórica do atendimento à pessoa com NEE ajuda
a entender o atual panorama da inclusão. Uma prática de exclusão,
preconceito e pouco conhecimento sobre as deficiências e sobre
as altas habilidades por parte das pessoas influencia um presente
Psicomotricidade Relacional na perspectiva da Educação Inclusiva - 73

de dificuldades que exige empenho dos envolvidos no processo de


inclusão para sua melhor efetivação.

Tendências do movimento na escola: aproximações e distancia-


mentos da inclusão

A psicomotricidade e a Educação Física são práticas pedagógicas


responsáveis por utilizar o movimento humano como instrumento
pedagógico. Elas apresentam tanto aproximações históricas como
distanciamentos que facilitam e dificultam a inclusão. Assim, para
melhor compreensão da Psicomotricidade Relacional, é necessário
o estudo da Educação Física, já que essa é bem mais antiga e serviu,
inicialmente, de modelo para aquela, principalmente com sua
vertente da ginástica que agrupa as diferentes famílias de exercícios
(equilíbrio, força, flexibilidade etc.), usada pela Psicomotricidade
Funcional para fazer diagnósticos da motricidade e como
tratamento reeducativo-terapêutico. Além disso, a Educação Física
e a psicomotricidade nascem e se desenvolvem numa concepção
biológica, no modelo positivista. Isso significa que as práticas
corporais desenvolvidas por essa concepção deram e ainda oferecem
ênfase aos aspectos biomecânicos do movimento humano.
Soares (2001) explica que, historicamente, a Educação Física
escolar é utilizada como uma contribuição à saúde do corpo biológico
por meio da prática dos exercícios físicos. Acredita que a cultura
corporal que se instituiu na história da Educação Física expressa-a
como uma prática que educa para a ginástica, a disciplina, a saúde
e o civismo. Entretanto, ainda parece muito voltada às questões
biológicas do corpo e pouco às questões culturais do movimento
humano e suas representações.
Scherer (2000) menciona que a história da Educação Física no
Brasil passa por três fases distintas:

a primeira é a da ginástica, na qual as influências das ginásticas


sueca, alemã e francesa foram introduzidas nas escolas com
objetivos higienistas e disciplinadores;
74 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

a segunda, chamada esporte na escola, na qual, a partir da década


de cinqüenta, buscava talentos esportivos para uma representação
nacional em competições;
a terceira fase é caracterizada pela ruptura do modelo esportivo
às aulas de Educação Física, surgindo a psicomotricidade como
modelo alternativo.

Por isso, o enfoque passou a ser o desenvolvimento psicomotor


do aluno, distanciando-se da função de promover o esporte de
alto rendimento. No momento a Educação Física escolar no Brasil
parece ser resultado da junção de diferentes teorias psicológicas,
sociológicas e filosóficas, de modo a articular as múltiplas dimensões
do movimento.
Percebeu-se que a Educação Física escolar atravessou diferentes
fases. Historicamente teve uma abordagem biológica e privilegiou
o movimento na sua dimensão de rendimento, com o objetivo de
desenvolver aptidão física, habilidades físicas e melhorar a técnica
para a formação de atletas. Posteriormente, buscou a alternativa da
psicomotricidade, porém não inovou, pois seu enfoque está centrado
na Psicomotricidade Funcional (famílias de exercícios que utiliza
o movimento técnico para promover a reeducação psicomotora).
Dessa forma, a capacidade de incluir a todos fica dificultada, já que
nesse paradigma todos devem seguir um padrão de movimento em
que a técnica é o eixo pedagógico que determina as atividades.
Na década de 90 do século passado, contudo, o trabalho com
o movimento na Educação Infantil e Séries Iniciais é inovado
com a Psicomotricidade Relacional nas aulas de Educação Física,
facilitando a inclusão de alunos com NEE.
A Psicomotricidade Relacional, com estratégias de intervenção e
mediação do psicomotricista, modifica a concepção de movimento
na escola, distanciando-se da técnica e do movimento padronizado
para aproximar-se da dimensão lúdica e simbólica do movimento.
Essa metodologia contempla uma pluralidade de aprendizagens
por meio do corpo e do movimento pela utilização da ação do
brincar como elemento pedagógico, promovendo mais liberdade e
possibilidades de uso do movimento, facilitando a inclusão.
Psicomotricidade Relacional na perspectiva da Educação Inclusiva - 75

Inclusão e Psicomotricidade Relacional

A inclusão escolar vem chamar a atenção de que é preciso nosso


empenho em trabalhar com as diferenças e essas serem usadas em
favor de todos. Na inclusão todas as crianças podem ter crescimento
dos mais diversos. Esse crescimento é constituído por um sistema
de troca entre os educandos. Por um lado, os alunos que possuem
NEE apóiam-se e exemplo nos diferentes modelos de pessoa, nas
diferentes potencialidades dos colegas e os tomam como exemplo.
Por outro, esses alunos que servem de modelo e ajuda aos alunos
com NEE exercitam ainda mais suas potencialidades, uma vez que
passam a ensinar aquilo que sabem e aumentam sua capacidade
de cooperação, que será necessária na vida social. Crianças que
têm seu processo de escolarização junto com crianças com NEE
possivelmente serão adultos com mais capacidade de compreensão
e menos preconceitos.
Preciso é, então, que se criem condições favoráveis para o
relacionamento humano entre todos no espaço escolar para,
efetivamente, termos uma inclusão bem sucedida. A questão é:
Como fazer isso? Receitas prontas não existem, mas estratégias
pedagógicas são viáveis.

Que tipo de estratégia pedagógica poderia ser usada na Educação


Física Infantil para favorecer a inclusão?

Para Vygotski (1998), autor que se preocupou com a


complexidade do desenvolvimento humano sob o ponto de vista
do brincar (dentre outros estudos), é por meio do jogo espontâneo
que são conquistadas muitas aprendizagens, pelas quais as crianças:
exercitam o jogo simbólico, representado pelo “faz-de-conta” (ou
seja, conhecimentos associados ao movimento que dão oportunidade
à criança de representar papéis sociais); elaboram e vivenciam regras,
exercitando-se as relações sociais.
Enfatizando a importância do brincar coletivamente, Vygotski
(1997) afirma que o jogo ocupa na história do desenvolvimento
da vontade infantil um lugar de destaque, uma vez que o modo
individual da conduta em relação ao desenvolvimento do intelecto
76 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

está vinculado com a forma de se desenvolverem as brincadeiras com


outras crianças, considerando as regras, os objetivos e a atividade
coletiva. Posteriormente, essas formas de colaboração, que levam
a subordinar a conduta a certas regras do jogo, vão-se convertendo
em formas interiores da atividade da criança. Vygotski argumenta
que todos os processos mentais se dão inicialmente como processos
coletivos e posteriormente como processos internos do pensamento.
Essa premissa chama a atenção do quanto é importante a atividade
coletiva entre as crianças para melhor estruturação mental e do
comportamento, principalmente para as crianças com NEE pelos
diferentes modelos dos colegas. Ele esclarece que crianças com
alguma deficiência também se desenvolvem, porém de outro modo.
Por isso, precisamos de estratégias pedagógicas que não façam
comparações entre as crianças, mas que trabalhem para a evolução
e na superação das barreiras de cada uma delas, de preferência num
ambiente de atividade lúdica e coletiva.
Para Vygotski, a influência coletiva é fundamental para o
desenvolvimento das funções psíquicas superiores. Essa questão,
torna-se assim crucial para um ambiente inclusivo, uma vez que se
põe em primeiro plano o problema da atividade coletiva da criança
com NEE. E justamente nesse ponto é que a educação escolar e o
jogo são brindados com possibilidades de grande valor, já que essa
criança pode estar brincando e se relacionando com outras pessoas.
Nesse ponto, Selau (2007) verificou que, independentemente
de suas diferenças, as crianças brincam juntas. O brincar entre
as crianças motiva os demais colegas a quererem participar
conjuntamente, o que é fundamental para o jogo coletivo para a
criança dita com NEE.
Ainda, para Selau, a tarefa docente durante o brincar em
educação inclusiva envolve uma postura atenta: o cuidado para
que se desenvolvam situações que contemplem as diferenças de
todos. É importante que o professor tenha o cuidado de elaborar
atividades para o coletivo, para que não corra o risco de excluir
durante o brincar. Por isso, a metodologia da Psicomotricidade
Relacional parece ser mais adequada para a promoção da inclusão
escolar, pois não é o professor que define uma brincadeira precisa,
mas as constrói junto com as crianças.
Psicomotricidade Relacional na perspectiva da Educação Inclusiva - 77

A respeito da prática pedagógica, Negrine e Machado (2004)


acreditam que o fundamental para o educador que atua com crianças
com NEE é a criação de estratégias pedagógicas que permitam
intervir pela via corporal. O vital do trabalho não está em impor
atividades, mas em criar situações desafiadoras à exteriorização
e experimentação corporal. Entretanto, ressaltam que, antes de
tudo, é necessária a formação de vínculos positivos, pois estreitam
as relações interpessoais e favorecem a exteriorização das pessoas.
Todos nós aceitamos melhor as ideias e propostas das pessoas pelas
quais temos empatia e prestigiamos.
Cientes de que o brincar é uma atividade facilitadora para a
aprendizagem e inclusão de todos no espaço escolar, pergunta-se:

Que tipo de metodologia pode favorecer a inclusão pelo brincar


coletivo?

Propõe-se a metodologia da Psicomotricidade Relacional, pela


qual as crianças transitam por diferentes espaços, experimentam
diferentes materiais e formas de exteriorização corporal e vivências
simbólicas. Essa prática pedagógica serve-se do movimento humano
nas formas mais espontâneas de exteriorização corporal, utilizando
a ação do brincar como elemento pedagógico fundamental em
atividades lúdicas coletivas e cooperativas. O objetivo vai além
de centrar-se nas habilidades físicas e nos movimentos técnicos,
contempla os aspectos cognitivos, simbólicos, afetivos e relacionais,
isto é, o desenvolvimento da pessoa como um todo, e não de uma
ação motora isolada.
Como não é imposto um esteriótipo único, a aprendizagem
se diversifica e a possibilidade de que todos possam participar
é aumentada, uma vez que não se privilegiam os “melhores”
movimentos técnicos, mas todas as representações de movimento
e de exteriorização corporal. Essa diversidade de atividades e
de modelos favorece às crianças com NEE a apropriação de
experiências corporais variadas, a comunicação, a ascendência ao
mundo simbólico e a liberação de desejos e conflitos.
A prática da Psicomotricidade Relacional oportuniza um ambiente
lúdico de aprendizagem, de troca entre as crianças, de ajuda mútua
78 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

e de convivência coletiva, aspectos esses fundamentais para uma


efetiva inclusão escolar. Em relação às atividades corporais, acredita-
se que essa prática tem melhores possibilidades de promover a
inclusão pelo seu distanciamento do movimento técnico ou de
performance de característica elitista, ou seja, só para os melhores.
Sabe-se que a atividade principal das crianças é o brincar e utilizá-
lo como elemento de intervenção pedagógica é uma excelente
estratégia para promover a inclusão. Negrine (2002) defende
a ideia de que, no momento em que as crianças estão brincando
juntas, independentemente de suas capacidades ou dificuldades,
está criado um espaço ótimo para que possam adquirir novas
aprendizagens. Quando as crianças estão unidas, todas têm a sua
disposição os elementos e as influências das demais, o que pode
ser compreendido pela imitação. Imitar o gesto do outro deve ser
visto como a capacidade de registrar e reproduzir informações que
ocorrem em determinado ambiente. No momento do brincar, as
crianças com NEE podem se privilegiar dos exemplos oferecidos
por outras crianças, para ampliar os seus conhecimentos e obter
novos parâmetros de atividades nos momentos de brincar.
As crianças com NEE na escola regular têm muitas possibilidades
de avançar no seu desenvolvimento pelas diferentes situações de
estímulo que esse ambiente pode proporcionar, principalmente
se este for lúdico. Para tanto, é importante que se ofereçam
oportunidades para o desenvolvimento de suas potencialidades e
que seja respeitado o seu ritmo de avanço, longe de comparações.

Reflexões reverberantes

O relacionamento com as pessoas com NEE atravessou diferentes


fases e o momento atual parece caminhar para uma ação de inclusão
escolar. A educação inclusiva é um processo que exige mudanças
profundas na escola e no olhar às diferenças. Uma reforma
educacional que se direciona à inclusão não é feita com fórmulas
prontas, ou discutida apenas em livros, muito menos imposta por
legisladores que nem sempre têm experiência com docência, mas
Psicomotricidade Relacional na perspectiva da Educação Inclusiva - 79

é um processo que deve respeitar o ritmo necessário dos envolvidos


para seu entendimento, sua aceitação e sua adequação.
O componente curricular da Educação Física historicamente
utilizou-se de uma prática pedagógica do movimento humano
na escola numa perspectiva mais técnica e de rendimento. Esse
elitismo pouco favoreceu a participação e inclusão de todos, pois
impôs um padrão de movimento, o qual, quem não acompanhava,
muitas vezes era taxado como ruim ou excluído da atividade. Nessa
prática pedagógica voltada à questão biológica, o diferente não era
valorizado, mas um esteriótipo de movimento técnico que deve ser
aperfeiçoado.
Em contrapartida, a prática pedagógica da Psicomotricidade
Relacional utiliza-se do movimento humano numa perspectiva
lúdica, isto é, abordagem global, pois contempla movimento,
comunicação e simbolismo. Nessa, o diferente é destacado, pois
não se determinam padronizações de movimentos e atividades, mas
a multiplicidade de modelos e, dessa forma, a diferença é usada de
forma positiva.
A Psicomotricidade Relacional contempla todos numa mesma
sessão, suas dificuldades, suas potencialidades e, a partir dos
diferentes modelos, propicia maior facilidade à inclusão. A
apresentação dessa proposta inclusiva por meio da Psicomotricidade
Relacional não exclui outras tantas que possam ser pensadas para
favorecer a inclusão de crianças com NEE no ensino regular.
O espaço da atividade lúdica deve ser ressaltado, seja durante as
aulas de Educação Física, nas sessões de Psicomotricidade Relacional
ou nos outros momentos da rotina escolar.

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regulares. Porto: Porto, 1999.
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necessidades educativas especiais, 1994, Salamanca/Espanha. Declaração
de Salamanca. Salamanca/Espanha: Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura/Ministério da Educação e Ciência de Espanha,
1994.
80 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

DENO, E. Special education as developmental capital. Exceptional Children, p.


37, 1970.
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______. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
UM ALUNO COM SÍNDROME DE DOWN NA
EDUCAÇÃO FÍSICA DA ESCOLA COMUM9

Atos Prinz Falkenbach


Daniela Diesel

Apresentação

O estudo nasce da relação dos autores com o tema da


aprendizagem e desenvolvimento infantil no ambiente da
Psicomotricidade Relacional. As práticas desenvolvidas no projeto
de Psicomotricidade Relacional da UNIVATES oportunizam as
investigações acerca da aprendizagem de crianças com diferentes
níveis de desenvolvimento nas sessões. Com a motivação de estudar
também a prática das crianças participantes do projeto na escola
comum, nas aulas de Educação Física, iniciamos a investigação que
apresentamos neste artigo.
O estudo integra o projeto de pesquisa “Crianças com
necessidades especiais na Educação Física”, o qual investiga o
tema da inclusão de crianças com necessidades especiais na prática
pedagógica da Educação Física da escola comum. O estudo foca o
atendimento a um dos objetivos do projeto de pesquisa: interpretar
e compreender a prática educativa da educação física na escola para
a inclusão de um aluno com síndrome de Down. Analisa e interpreta
o processo de intervenção e de interação do professor com o aluno
com síndrome de Down; investiga a participação, as situações de
inclusão e de exclusão que ocorrem na prática pedagógica das aulas
de Educação Física, bem como reflete as relações desse aluno com
o professor e os colegas.
9 Apoio: FAPERGS.
82 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

O estudos da área da inclusão que abordam o tema da formação


de professores são bastante recentes e atuais. Tais estudos constatam
que uma das principais dificuldades sinalizadas pelos professores
na sua prática é a falta de preparo para o exercício docente com
alunos com necessidades especiais, bem como o surgimento
de sentimentos de angústia e despreparo ao se depararem com
a realidade da inclusão em suas aulas (RODRIGUES, 2006;
FREITAS, 2005; STOBÄUS e MOSQUERA, 2005; MANTOAN,
2006, e FERREIRA, 2006). A partir dessa breve justificativa
abordamos considerações relacionando a formação docente e a
inclusão de alunos com necessidades especiais, no ensino regular e
nas aulas de Educação Física. Partindo dessa premissa organizamos
a apresentação das reflexões do referencial teórico conforme segue:
a) aspectos básicos da educação inclusiva; b) a formação inicial do
professor e a inclusão; e c) a formação continuada dos professores
para a inclusão.
Antes de iniciar as descrições do referencial do estudo, é
necessário explicar a premissa do que é compreendido como
inclusão. Maturana (2002) explica que o fundamento para as
relações entre as pessoas está no reconhecimento do outro como
um legítimo outro nas relações que se estabelecem. Significa
entender que o reconhecimento do outro está relacionado com a
aceitação e o envolvimento pessoal nas relações entre as pessoas.
Assim somente pode haver inclusão quando há relações afetivas e
de consideração mútua na relação interpessoal. A simples presença
em conjunto com demais pessoas, em um grupo, não é garantia
de estar ocorrendo a inclusão. Significa entender que é a relação
de troca entre as pessoas, a aceitação e o respeito no processo de
convivência que permitem a existência do fenômeno da inclusão.
A partir do conceito ideal de inclusão é possível compreender a
complexidade do processo e do exercício da inclusão nas práticas
educacionais. Segundo Garcia (2006), há rejeição dos professores a
seus alunos com necessidades especiais. Os estudos descrevem que
a rejeição pode ocorrer pela falta de apoio e capacitação, deixando-
os assim inseguros e despreparados para a tarefa de inclusão.
Rodrigues (2006) explica que os cursos de formação de professores
em sua formação inicial, não apresentam o tema da inclusão escolar,
omitindo-a, na maioria das vezes. E quando ela é apresentada, é
Um aluno com Síndrome de Down na Educação Física da escola comum - 83

com casos assustadores, fazendo com que o futuro professor tenha


dificuldade em aceitar casos parecidos em sua prática. Freitas (2005,
p. 170) também questiona onde o tema da inclusão está inserido
nos programas e nos conteúdos dos cursos de licenciatura e demais
cursos de formação. A autora descreve que: “Na maioria das vezes o
professor idealiza um aluno, sem se dar conta de que trabalhar com
a diversidade é algo intrínseco à natureza da atuação docente e de
que não faz sentido pensá-la como uma condição excepcional”.
É comum perceber que o professor em sua formação inicial, ao se
deparar com casos que lhes causam desconforto, pode criar barreiras
para a sua futura prática docente, podendo,ao invés de incluir, acabar
por excluir alunos com necessidades especiais. Segundo Freitas
(2005), os cursos de formação não trabalham com a diversidade no
contexto da educação, acarretando assim a formação de professores
que na sua prática acabam contribuindo para a exclusão, pelo fato
de quererem escolher seus alunos, ao invés de os incluir.
A produção de Falkenbach (2006) possibilita, contudo, entender
que a formação inicial do professor é deficitária, uma vez que não
vem sendo preparado, para a prática pedagógica com alunos com
necessidades especiais. Stobäus (2005) reforça explicando que
existe preparação específica em cursos de graduação, mas que não
chega a completar as necessidades dela.
Ainda em relação à formação inicial os estudos são unânimes em
afirmar sobre a necessidade de uma formação de aprofundamento
do tema da inclusão. Mantoan (2006) explica que a inclusão
é necessária para que a escola possa formar gerações capazes de
viver suas vidas, sem barreiras e sem preconceitos. A autora se
posiciona explicando que a educação escolar está em uma fase de
reinterpretação, e que a inclusão faz parte desse paradigma.
Stobäus e Mosquera (2005) ensinam que a atitude positiva
do professor frente ao aluno com necessidades especiais é
preponderante, destacando a importância do papel do professor
e a sua repercussão na educação da criança. Os autores assinalam
que a inclusão de alunos com necessidades especiais, mesmo as
mais severas, devem sempre acontecer. Por isso a criança deve ser
vista como aluno, respeitando seu desenvolvimento acadêmico,
socioemocional e pessoal.
84 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

Dessa forma pode-se pensar que o professor em sua formação


inicial pode ser preparado para trabalhar com as diferenças dos seus
futuros alunos. Nessa formação o professor exercita a consciência de
que em sua prática docente irá deparar-se com diversos contextos,
diferentes realidades e alunos sempre diferentes em suas histórias e
aprendizagens prévias.
Por sua vez, a formação continuada é necessária para os
professores que durante a sua certificação não obtiveram qualificação
suficiente para a prática educacional inclusiva (FERREIRA, 2006).
Esses professores necessitam de apoio contínuo para poderem dar
conta nas suas práticas educativas. Para tanto, são precisos cursos
contínuos e especializados, atualização e a prática continuada com o
aluno, o conhecimento do contexto.
Sobre formação continuada Rodrigues (2006) descreve que
dificilmente são apresentados casos correspondentes a situações da
realidade do professor e das suas necessidades durante a formação.
E, para dificultar mais a situação, o professor não possui o hábito de
compartilhar ou refletir em conjunto sobre suas angústias.
De acordo com Rodrigues (2006) e Ferreira (2006), os cursos
de formação continuada para professores, na sua estrutura ou no
seu planejamento, não possuem espaços de trocas de experiências,
conhecimentos, habilidades, perspectivas e interesses dos professores
para os quais são organizados. Na percepção dos autores necessita-
se ter um espaço para ouvir os professores. Assim os professores
podem expor e dividir os seus sentimentos e emoções sobre a
temática, destacando a importância dos fatores emocionais para o
processo de inclusão.
Freitas (2005, p. 170) explica que “[…] para tanto cabe aos
formadores possibilitar que todo o professor aprenda a investigar,
sistematizar e produzir conhecimentos, por meio de leituras
diversificadas, trabalhos escritos, emprego de recursos tecnológicos,
análises de materiais didáticos, especialmente livros, vídeos, jogos e
brinquedos a serem utilizados com os alunos”.
A autora destaca que todos os alunos devem aprender juntos,
independentemente de suas diferenças, dificuldades, deficiências,
origem, dizendo que todas as necessidades são satisfeitas e que este
deve ser o princípio fundamental da escola. Os professores podem
Um aluno com Síndrome de Down na Educação Física da escola comum - 85

reestruturar suas práticas pedagógicas para o processo de inclusão


educacional, abandonando modelos que discriminam os alunos
especiais, como exemplos do autoritarismo e do tecnicismo, que
ainda são utilizados em alguns casos. Segundo Freitas (2005), esses
modelos devem ser totalmente eliminados do contexto escolar.
O futuro professor deve estar preparado teoricamente, para
que em sua prática possa aplicá-la, assim analisar as situações que a
realidade oferece. Ampliar suas perspectivas, inovar suas práticas,
estar aberto à mudança, procurar soluções na sua prática. Mesmo
passados dez anos da declaração de Salamanca, Ferreira (2006)
desabafa referindo que ainda há falta de Universidades que formem
professores com um perfil capaz de analisar constantemente a sua
prática docente, nas particularidades do seu contexto escolar.
É possível compreender acerca da formação de professores na
educação inclusiva que em ambas as formações, tanto a inicial como
a continuada, possuem fragilidades no processo de aprendizagem
do fenômeno da inclusão nas práticas educacionais. Apesar da
perceptível fragilidade, há evidências de que o processo de ser
professor para atuar com a inclusão também é um exercício que se
desenvolve com a prática, no cotidiano e no convívio com os alunos
com necessidades especiais.

Os procedimentos utilizados no estudo

A metodologia utilizada no presente estudo é de corte qualitativo,


investigação que pretendeu analisar, interpretar e compreender
a realidade e o contexto envolvido. No que diz respeito ao tipo
de estudo trata-se de um estudo de caso que pode ser definido
como um processo que tenta descrever e analisar algo em termos
complexos e compreensivos, que se desenvolve durante um período
de tempo.
Para este estudo de caso, analisamos a relação de um professor de
Educação Física com um aluno com necessidades especiais, durante
as aulas de Educação Física de uma segunda série em uma escola
municipal de Lajeado, interior do Rio Grande do Sul.
86 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

A escola municipal localiza-se na periferia do município, possui o


número de 454 alunos que, conforme os relatos da diretora, na sua
grande maioria são de classe econômica baixa. O aluno observado é
Marcos10, tem nove anos e possui síndrome de Down. A turma na
qual estuda é constituída por 19 alunos - o número de alunos foi
reduzido pela direção da escola pelo fato de possuir um aluno com
necessidades especiais. Marcos estuda na escola desde a pré-escola,
sendo que este é o segundo ano que o professor esta ministrando as
aulas de educação física para ele.
Desenvolvemos o trabalho de campo no durante o primeiro
semestre do ano de 2007. Os instrumentos utilizados para a coleta
de informações foram as entrevistas com o professor de educação
física e com a direção da escola e as observações das aulas de
Educação Física com o aluno com síndrome de Down.

Categorias

O procedimento de análise de conteúdo se deu por meio da


elaboração de categorias de análise que permitiram o agrupamento
das questões mais significativas do conteúdo coletado. As categorias
apresentam as relações do aluno observado com o professor e seus
colegas: a) situações de imitação e de modelo do professor para o
aluno com síndrome de Down; b) situações de deslocamento do
aluno com síndrome de Down nas atividades propostas; e c) relação
do aluno com síndrome de Down com o professor e seus colegas.

a) Situações de imitação e de modelo do professor para o aluno


com síndrome de Down:

Para uma melhor compreensão do estudo, observamos as aulas de


Educação Física da turma do aluno com síndrome de Down. Com o
exercício das observações pudemos identificar de forma mais clara
as situações em que o aluno toma o professor como modelo, assim
imita seus movimentos, seus gestos e suas atitudes. Por meio dessas

10 Nome fictício utilizado para preservar a identidade da criança.


Um aluno com Síndrome de Down na Educação Física da escola comum - 87

situações, o aluno consegue realizar as atividades propostas pelo


professor.

10h57min - Alunos dispostos em círculo, - Professor


inicia o alongamento. Marcos olha para ele e imita os
movimentos do professor estendendo as mãos acima da
cabeça e atrás do corpo. Enquanto o professor realiza o
alongamento, Marcos continua olhando em direção ao
professor e, quando o professor altera o movimento, ele
também altera (Observação n° 02, em 12/04/2007).

O ato de imitar, segundo Negrine (2002), é sinal que os processos


mentais elementares do aluno estão em marcha. Quando a criança
imita o gesto do outro, é uma maneira de registrar e reproduzir
informações, sendo por meio de movimentos técnicos ou simbólicos.
O movimento técnico é uma forma de mostrar suas capacidades, já
os simbólicos são as imagens mentais que invadem o pensamento do
aluno.
Para Negrine (2002), a imitação é um ingrediente fundamental no
processo de aprendizagem. A imitação em relação ao seu professor
permite a ampliação de suas experiências e consequentemente no seu
processo de aprendizagem. Ao perceber o que os colegas e professores
fazem, Marcos é estimulado a fazer também. Esse desempenho não
seria possível em uma ação individual. Tal fundamento é explicado
nos estudos de Falkenbach, Drexsler e Werle (2007) que ilustram
situações em que a ação relacional com colegas mais hábeis permite
aprender e construir novas possibilidades de jogo.

10h58min - O professor demonstra ao menino como ele


deverá estender os braços para segurar a bola. Marcos o
faz. O professor lança a bola, Marcos a pega com as duas
mãos e arremessa de volta para o professor, da mesma
forma que o professor fez. O professor joga a bola para os
outros colegas e Marcos permanece no círculo olhando
para os colegas que estão pegando a bola. Na sua vez,
pega a bola com as duas mãos e arremessa novamente
para o professor. Ao repetir esse gesto pela terceira vez,
Marcos deixa a bola escapar, corre atrás dela, a pega com
as duas mãos e a joga para o professor (Observação n°
01, em 29/03/2007).
88 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

Tomando como base a abordagem histórico-cultural a partir da


teoria de Vygotski (2002), entendemos que o desenvolvimento
humano se processa por meio das relações sociais estabelecidas. Tal
concepção permite entender que todos são capazes de aprender e
podem aprender em acordo com as relações que estabelecem com
diferentes sujeitos. O professor é referência fundamental para os
alunos e para as relações com seus colegas. Portanto, o professor
deve ter consciência do tamanho da sua influência na aprendizagem
infantil como aprendizagem relacional.
A imitação do ser humano ultrapassa as próprias capacidades
quando possui significado, Vygotski (2002), ajuda-o a desenvolver-
se incorporando novas aprendizagens. O desenvolvimento humano
se dá a partir das relações que se estabelece com o meio e com os
iguais.
A partir das relações estabelecidas e das oportunidades de
trocas e experiências provocadas pelo professor, Marcos consegue
aprender. Ao processar os movimentos do professor e dos colegas,
acaba por assimilar suas atitudes e comportamentos, conseguindo
participar das aulas e estabelecer ainda mais trocas sociais.

b) Situações de deslocamento do aluno com síndrome de Down


nas atividades propostas

O aluno Marcos se dispersa facilmente das atividades propostas


pelo professor, saindo durante as atividades e ficando isolado em um
local distante da turma. Porém, o professor sempre procura resgatá-
lo para a aula, interrompendo a aula, indo na direção de Marcos,
reconduzindo-o para o grupo. Em diversas situações podemos
perceber essa situação:

11h05min - Os alunos estão em círculo. Marcos sai da


roda e vai para a sala onde estão os materiais de Educação
Física. O professor vai buscá-lo pegando o pela mão.
Depois pede para ele pegar alguns cones. Ambos voltam
com alguns cones; e o professor pede que Marcos os
coloque no chão um ao lado do outro. Marcos coloca-
os no chão com a ajuda do professor e de duas colegas
(Observação n° 01, em 29/03/2007).
Um aluno com Síndrome de Down na Educação Física da escola comum - 89

10h52min - O professor organiza a turma em colunas.


Marcos sai da coluna e vai em direção à sala de materiais
onde está deitada uma bola. O professor diz não e o
chama. Marcos dirige-se a um banco e senta-se. O
professor chama-o várias vezes até que ele se levanta,
vai em direção ao professor e retoma seu lugar na coluna
(Observação n° 03, em 19/04/2007).
11h00min - No decorrer da aula Marcos vai até o
bebedouro e senta-se ao lado dele. O professor vai até
ele, pega em sua mão e o conduz novamente até a turma.
O professor pede aos alunos que se posicionem em
colunas. Marcos se coloca em uma delas (Observação n°
03, em 19/04/2007).

Para esclarecer o fato de o aluno não conseguir manter a atenção


e o interesse em uma atividade, Freitas (2005) em seus estudos
explica que as crianças com deficiência mental possuem esta
dificuldade, pois a capacidade de canalizar e processar a informação
são lentos, dificultando os seus estímulos. Podemos entender
então que Marcos necessita ainda de mais estímulos e de ajuda do
professor.
O professor precisa sobretudo estar ciente da maneira como
ele irá intervir no processo de aprendizagem do aluno. O professor
precisa saber investigar, sistematizar e produzir conhecimentos,
além de ter autonomia para buscar recursos que possibilitem a
aprendizagem de todos os alunos, independente de suas dificuldades.
Essa característica investigativa e autônoma do professor é uma
aprendizagem que deve ser possibilitada ao longo da sua formação
(FREITAS, 2005).
As crianças com deficiência mental possuem dificuldades para
manter a atenção. Por isso, o aluno necessita de estímulos contínuos
do professor para a manutenção da atenção. O professor deve estar
atento para as atitudes do aluno em seus deslocamentos durante
a aula. E, quando necessário, deve persistir nas buscas para que o
aluno retorne à aula. Essa atitude do professor, segundoFalkenbach,
Drexsler, Werle (2007), favorece para que ocorra um ambiente
relacional favorável, permitindo o desenvolvimento das zonas
proximais de desenvolvimento, que se traduzem nas atividades que
as crianças conseguem fazer com a ajuda de outros.
90 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

c) Relação do aluno com síndrome de Down com o professor


e seus colegas

Nas observações da prática pedagógica da Educação Física com


o aluno com síndrome de Down, outra situação identificada foi
da descrença por parte dos colegas de Marcos durante algumas
atividades. Os colegas tratam Marcos como se ele não fosse capaz
de realizar determinadas atividades.

11h10min - O professor diz para Marcos que ele vai ser


a porta na brincadeira e o vira para o lado de fora do
círculo, explicando que esta é a posição na qual ele deve
ficar. Marcos vira para o centro do círculo e os colegas
dizem que ele não sabe brincar. O professor diz que ele
vai aprender e o vira novamente para o lado de fora do
círculo dizendo que ele deve repetir o que o professor
falar. Marcos repete algumas palavras enquanto o
colega bate no seu peito fazendo de conta que Marcos
é a porta de entrada para o círculo (Observação n°2, de
12/04/2007).

As crianças percebem e incorporam as atitudes dos atores sociais


que a envolvem. Goés (1996) destaca que pela interação social o
homem constitui-se enquanto sujeito. Apesar do comportamento dos
alunos, o professor mostra aos colegas que Marcos tem capacidade,
e que seus colegas devem compreender as suas diferenças, para
que ele possa participar de todo o desenvolvimento da aula. Para
tomar essa atitude pedagógica de crença e de valorização da criança
com necessidades especiais, o professor precisa ter clareza e estar
confiante de suas convicções sobre a inclusão, transmitindo esse
sentimento para seus alunos.
Infelizmente nem sempre as atitudes dos professores frente a
essas situações são positivas. Freitas (2005) ensina que a educação
escolar é responsável por criar condições para que todas as pessoas
desenvolvam suas capacidades, no entanto, ainda são perceptíveis
as dificuldades dos docentes em desfazer a visão estereotipada dos
alunos com necessidades especiais, a qual provém da imagem social
que trazem consigo e que são reforçadas pelos cursos de formação
que não trabalham com essas questões (FREITAS, 2005).
Um aluno com Síndrome de Down na Educação Física da escola comum - 91

Apesar da afirmação da autora, já é possível visualizar práticas


em que os professores revelam bom conhecimento sobre a temática,
atribuindo-o também ao seu curso de formação.

11h16min - Marcos fala com um o colega e aponta a


corda. O professor fala com Marcos e diz que é a sua
vez. O professor conduz Marcos até a corda e o ajuda
a passar por debaixo da corda, Marcos se apoia no chão
com as mãos para fazer o exercício (Observação n° 03,
em 19/04/2007).

Na relação com os colegas, percebeu-se que surgem situações


comuns a quase todas as crianças que participam do convívio escolar.
São situações contraditórias, de constrangimento e de orgulho frente
aos colegas.

11h18min - O professor diz a Marcos que é sua vez.


Ele faz o exercício e consegue realizar o movimento
solicitado, mas derruba a corda com sua perna esquerda.
Alguns colegas dão risadas, Cabisbaixo Marcos vai ao
lado da coluna” (Observação n° 03, em 19/04/2007).
11h10min - Na sua vez, Marcos realiza o salto sozinho
sobre a corda. Os colegas elogiam seu salto. Alguns
batem palmas. Marcos se posiciona ao lado do professor
que aumenta a altura da corda. Os colegas continuam a
saltar (Observação nº. 03, em 19/04/2007).

Quando acontecem situações de constrangimento, como


observamos, mesmo reconhecendo que não ocorram somente com
alunos com necessidades especiais, o professor deve estar preparado
e capacitado para converter a situação a favor da valorização das
diferenças, sendo esta uma boa oportunidade de discutir e ensinar
sobre a diversidade humana.
Ao longo da pesquisa pudemos observar que o professor age
de forma a favorecer a participação e a aprendizagem do aluno,
insistentemente chama Marcos para retomar a atividade, demonstra
e faz as atividades junto com o menino, oferecendo-lhe ajuda. Essa
postura inicial de ajuda que o professor assume permite que Marcos
92 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

realize as atividades sem necessitar do professor em um segundo


momento. Facilita assim sua interação com os colegas e com o seu
envolvimento com a prática pedagógica.

Conclusão

Com a finalidade de descrever sobre o estudo de um aluno com


síndrome de Down nas aulas de Educação Física da escola comum,
organizamos as reflexões com base no processo de categorização
estabelecida no estudo: a) situações de imitação e de modelo do
professor para o aluno com síndrome de Down; b) situações de
deslocamento do aluno com síndrome de Down nas atividades
propostas; c) relação do aluno com síndrome de Down com o
professor e seus colegas.
Na primeira categoria destacada no estudo que retrata as situações
de imitação e modelo do professor para o aluno, observamos que nas
trocas nos diferentes níveis de aprendizagem e o ato de imitar fazem
com que o aluno aprenda por meio da relação estabelecida com o
professor assim como na relação que é sustentada com seus colegas.
Ressaltamos aqui a importância do professor perante o aluno,
assim como suas atitudes positivas que influenciam diretamente no
processo escolar do aluno.
Na segunda categoria constatamos que o professor, com suas
intervenções e os estímulos constantes, permitiu a participação do
aluno com síndrome de Down no processo da aula, construindo
uma aprendizagem. A linguagem demonstrada pelo professor de
receptividade, de atenção permanente ao aluno e convicção na
capacidade de aprendizagem e de desenvolvimento repercutiu no
grupo. Assim o grupo de alunos espelhou-se no modelo do professor,
pôde perceber também as capacidades do colega com síndrome
de Down. Nem tudo foi fácil ou simples, mas as convicções do
professor foram decisivas para a aceitação do colega e crédito a este
pelo grupo.
Na última categoria, que destaca a temática das relações do aluno
com o professor e com seus colegas, pudemos compreender que a
relação interpessoal estabelecida com o professor e a compreensão
Um aluno com Síndrome de Down na Educação Física da escola comum - 93

dos colegas facilitaram o processo de inclusão do aluno. A


construção das relações, por intermédio da mediação do professor
com o aluno com síndrome de Down e os seus colegas, repercutiu
de maneira positiva para que o aluno demonstrasse avanços em suas
aprendizagens.
A formação inicial deve dar subsídios para que esses professores,
em suas práticas, estejam preparados para lidar com as situações
diferentes que surgem durante as práticas pedagógicas. Também é
importante realizar o exercício da formação continuada, indo em
busca de novas perspectivas, novos experimentos.
A inclusão no ensino regular é um tema atual. O professor
possui influência relevante na prática educativa com alunos com
necessidades especiais. Necessita estar preparado para essa prática.
Uma das dificuldades encontradas no processo de inclusão é o
posicionamento e as atividades pedagógicas em relação à diversidade
dos alunos no processo de inclusão escolar. Para um processo de
inclusão eficaz, é fundamental a predisposição do professor em
receber, aceitar e educar esses alunos.

Referências
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especiais na produção de conhecimento da Educação Física. Temas sobre
Desenvolvimento, 2006; v.15 n. 87-88, p. 51-55.
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RODRIGUES, D. (Org.) A inclusão e educação: doze olhares sobre a educação
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94 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

MATURANA, H. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo


Horizonte: UFMG, 2002.
NEGRINE, A. O corpo na educação infantil. Caxias do Sul: EDUCS, 2002.
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RODRIGUES, D. (Org.) A inclusão e educação: doze olhares sobre a educação
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Santa Maria: Ed. Da UFSM, 2005.
VYGOTSKI, L. A formação social da mente. Martins Fontes: São Paulo, 2002.
CONVERSANDO COM O PROF. DR. AIRTON NEGRINE
SOBRE PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL E
EDUCAÇÃO11

Anselmo Barce Furini

O presente texto foi escrito a partir da transcrição de entrevista


concedida ao professor Anselmo Furini pelo professor Dr. Airton
Negrine, pesquisador da área da Psicomotricidade Relacional no
Brasil. Agradece-se a gentileza do professor Negrine em concedê-la,
e destaca-se que seu entusiasmo por uma educação renovada, seu
profissionalismo e sua presença educadora contagiam a todos.

Entrevista

Anselmo - Conte-nos aspectos importantes de tua trajetória e


formação em Psicomotricidade Relacional:

Negrine – Em primeiro lugar é importante dizer que a


psicomotricidade como área de conhecimento surgiu no início do
século XX. Inicialmente focada para a deficiência, no momento
em que um médico começou a inferir que poderia haver algumas
correlações entre as deficiências físicas e mentais e os processos do
desenvolvimento psicomotor. A partir daí o doutor Dupré criou o
termo psicomotricidade.

11 O professor Negrine concedeu esta entrevista ao professor Anselmo em 22/04/2008, em


Porto Alegre. Seus livros estão listados no final da entrevista (não são citados artigos em
revistas científicas e demais publicações).
96 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

Inicialmente vou contar como foi meu envolvimento com a


psicomotricidade. Quando conclui minha graduação em Educação
Física, em 1971, em Porto Alegre/RS, na Escola Superior de
Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(ESEF/UFRGS), não se falava sobre essa área do conhecimento,
até porque naquela época o curso de Educação Física da UFGRS
no Rio Grande do Sul era pioneiro e a Educação Física era
predominantemente focada à vertente esportiva.
Aluno ainda da Escola de Educação Física, tive o privilégio de
estudar na biblioteca particular do professor Jacinto Francisco
Targa, que na época era o diretor da escola e tinha uma biblioteca
particular na sua residência. A biblioteca, após sua morte, foi doada
pela família à ESEF/UFRGS. Tinha um acervo diferenciado e muito
atualizado para a época. O professor Targa tinha livros no seu acervo
que não se encontrava inclusive na biblioteca da escola de Educação
Física da UFRGS.
O referido professor era o presidente da Associação de Professores
de Educação Física do Estado do Rio Grande do Sul e costumava
viajar anualmente para congressos internacionais da Federação
Internacional de Educação Física – FIEP.
No ano de 1970, quando seu aluno, recebi o convite para
trabalhar na academia de ginástica que ele tinha em sua casa. Passei
a atender um grupo de pessoas que iam fazer ginástica na academia
e, posteriormente, também faziam sauna. Na sua residência o
professor Targa havia construído uma sauna seca estilo finlandês.
Nos dias que tinha aula na academia do professor Targa,
costumava ir uma hora antes e passei a visitar sua biblioteca, local
onde costumava ler e preparar alguns trabalhos da faculdade.
Logo percebi que havia livros sobre psicomotricidade, publicações
recentes geralmente editadas em francês e espanhol.
Passei a tomar conhecimento da psicomotricidade por meio das
leituras dos livros que havia na biblioteca do professor Targa. As
leituras das obras fizeram com que eu despertasse interesses pelo
tema.
Então, logo que me formei em Educação Física (1971), começei
a atuar como professor de Educação Física em escola pública do
estado em Porto Alegre, concomitantemente era professor da Escola
Conversando com o Prof. Dr. Airton Negrine sobre Psicomotricidade… - 97

Superior de Educação Física de Cachoeira do Sul. Lá fui professor


de Recreação, de Didática da Educação Física, de Ginástica Geral e
Orientador de Estágio, onde permaneci por dois anos. Na disciplina
de Didática da Educação Física já informava aos alunos sobre a
importância da psicomotricidade na Educação Infantil e nas Séries
Iniciais do (antigo) primeiro grau.
Em 1974 fui convidado para lecionar Didática da Educação Física
na Escola Superior de Educação Física do Instituto Porto Alegre
– IPA, onde permaneci por mais de vinte anos.
No IPA tive a oportunidade de exercer influências nas reformas
curriculares que se sucederam no curso de Educação Física. A ESEF/
IPA foi a primeira escola de Educação Física no estado do Rio Grande
do Sul a incluir no currículo a disciplina de Psicomotricidade. Esse
é um dado histórico importante, disciplina da qual passei também a
ser professor titular.
No IPA, ao final da década dos anos de 1970, também passei
a atuar com coordenador pedagógico e coordenador da Educação
Física da escola de 1º e 2º graus. Face ao vínculo que tinha com
a psicomotricidade, em 1977 implantamos um projeto de
psicomotricidade na Educação Infantil da instituição, também sob
minha orientação.
Nesse momento histórico eu trabalhava como a psicomotricidade
dentro de uma perspectiva funcionalista, abordagem dos livros
publicados pelos primeiros formadores de opinião, como Jean
Le Boulch, Pierre Vayer, André Lapierre e Bernard Aucouturier,
fundamentalmente. Esses livros nos dias de hoje (2008) ainda estão
no mercado e são lidos por grande contingente de profissionais de
diferentes áreas da educação.
Falar em Psicomotricidade Funcional significa entender que ela
nasce num marco biológico, o mesmo que deu origem à Educação
Física como área de conhecimento. Costumo caracterizar essa visão
da psicomotricidade como aquela que se desenvolve a partir das
famílias de exercícios. Quer dizer, segue mais ou menos os princípios
da ginástica clássica.
Também no final dos anos de 1970 passei a ministrar os primeiros
cursos de especialização em psicomotricidade no Rio Grande do
Sul. Os primeiros cursos foram organizados pela Faculdade Católica
98 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

de Medicina em conjunto com a Associação Médica do Rio Grande


do Sul e eram coordenados inicialmente pelo professor Dr. Eduardo
Henrique de Rose. Na ocasião, eu era responsável pela disciplina
de Desenvolvimento Psicomotor. Nos anos subsequentes muitos
cursos de psicomotricidade foram realizados em Porto Alegre e no
interior tutelados pela Associação Médica do Rio Grande do Sul e
coordenados pelo professor Dr. Francisco Camargo Neto.
Até 1998 foram muitos os cursos12 de Psicomotricidade
Funcional que ministrei no Rio Grande do Sul e Santa Catarina,
fundamentalmente, mas também em outros estados da Federação,
como Goiás, Alagoas e Minas Gerais.
Quando decidi fazer o curso de Doutorado em Filosofia e
Ciências da Educação, o país escolhido foi a Espanha. Não foi
uma escolha aleatória. Deu-se segundo alguns critérios. Primeiro
porque eu dominava a língua espanhola. Segundo porque sabia que
na Espanha pela situação geográfica próxima à França, país berço
da psicomotricidade, havia muitas alternativas de formação em
psicomotricidade, uma vez que até então eu me considerava um
autodidata nessa área do conhecimento.
Chegando à Espanha, decidi conciliar a realização do curso de
doutorado com um de especialização em psicomotricidade. Procurei
aquele cuja linha era direcionada para a formação de psicomotricistas
relacionais, vertente que até então desconhecia.
Em 1991 ingressei no curso de Psicomotricidade Relacional que
era promovido pela Secretaria Municipal de Educação de Barcelona.
Para conseguir matricular-me no curso de especialização, tive que
fazer um curso de nivelamento, como era chamado. Foi um intensivo
de duas semanas de Formação Pessoal. Fiz o curso e fui me matricular
no curso de especialização em Psicomotricidade Relacional, mas me
deparei com outra exigência para poder efetivar a matrícula. Era
exigido que o candidato estivesse atuando com crianças na Educação
Infantil. Nesse caso, ofereci-me como voluntário para trabalhar
numa escola em Torre Baró, próximo de Barcelona. Lá fiquei um
ano letivo atuando com crianças de dois a seis anos, uma vez que
era a escola de aplicação do curso de especialização. Os professores
formadores ali atuavam coordenados pela professora Kati Omar,
discípula de Bernard Aucouturier.
12 Refere-se aos cursos de especialização, de atualização e de extensão universitária.
Conversando com o Prof. Dr. Airton Negrine sobre Psicomotricidade… - 99

O curso de especialização que realizei nos anos de 1991 e 1992


em Barcelona seguia a linha teórico-prática proposta por Bernard
Aucouturier. Nesse momento histórico, o professor Aucouturier
e seus seguidores faziam questão de destacar que ele havia se
separado dialeticamente do professor André Lapierre, outro ícone
da Psicomotricidade Relacional.
Aproveito a oportunidade para destacar que o professor
Aucouturier até 1993 não havia escrito nenhum livro no qual estivesse
expressa a sistematização da prática psicomotriz relacional que
propunha nas palestras e que realizava no seu laboratório na cidade
de Tour na França. Todavia, havia prefaciado o livro de Pillar Árnaiz
intitulado: “A prática psicomotriz em Bernard Aucouturier”.
Dos professores que atuavam como formadores no curso de
especialização, apenas um tinha formação em Educação Física. Os
demais eram pedagogos, psicólogos, psicopedagogos. Todos eram
seguidores de Aucouturier, ao ponto de promoverem congressos
anuais de psicomotricidade em Barcelona e não convidarem
nenhum professor que fosse seguidor das ideias de André Lapierre,
tal era a rivalidade que se estabeleceu entre os dois ícones da
Psicomotricidade Relacional nos países europeus.
O curso Psicomotricidade Relacional que realizei em Barcelona
estava formatado em três vertentes de formação: a teórica, a
pedagógica e a pessoal. Para mim, as inovações estavam nas
vertentes pedagógica e fundamentalmente na pessoal. Como havia
me proposto atuar como voluntário numa escola infantil, e por
coincidência essa escola era de aplicação da formação pedagógica do
curso, acompanhei durante um ano letivo o trabalho dos professores
formadores, isto é, tive o privilégio de ver aqueles que ministravam
o curso atuarem como psicomotricistas relacionais.
Devo registrar que, quando fui para a Espanha fazer o doutorado
e a especialização em Psicomotricidade Relacional, já tinha uma
longa experiência como professor universitário, logo com um poder
crítico diferenciado em relação aos demais cursistas que eram
jovens recém-formados em Educação Física, Pedagogia, Psicologia,
fundamentalmente.
Ao observar as aulas de Psicomotricidade Relacional que os
formadores dirigiam dentro das concepções teórico-prática do
100 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

professor Aucouturier, percebi que as sessões iniciavam com um


circuito13, pelo qual todas as crianças tinham de passar. Ou seja, no
início a sessão era totalmente diretiva, como um “Treinamento em
Circuito”.
Via aquele procedimento metodológico contraditório com o que
apregoavam na teoria. Somente depois que as crianças passassem
pelo menos três vezes pelo circuito montado o jogo se tornava livre.
Eu não concordava com o método que eles propunham, porque o
trabalho em circuito de nada se diferenciava da Psicomotricidade
Funcional, mas durante a minha formação tive que realizar as
sessões tal qual eram ensinadas. Bem, já escrevi e critiquei tais
procedimentos.
O fato realmente inovador da formação que recebi na Escola de
Expressão e Psicomotricidade da Prefeitura de Barcelona se refere
à Formação Pessoal, que era a formação corporal do Psicomotricista
Relacional. Ali encontrei o que faltava na minha formação como
psicomotricista. Aprendi, inovei e fui formando convicções
significativas de como trabalhar corporalmente professores em
formação. Digo professores, independente da área de atuação. Esse
trabalho venho desenvolvendo ainda no momento atual e tem me
proporcionado aprendizagens significativas sobre conhecimento do
comportamento humano.
Também no momento da minha formação como Psicomotricista
Relacional na Escola de Expressão e Psicomotricidade, percebi que,
embora os formadores não admitissem, seguiam a concepção teórica
de desenvolvimento proposta por Jean Piaget.
Aucouturier e Lapierre nos livros que escreveram em conjunto
também referiam que não tinham comprometimento com
nenhuma concepção teórica do ponto do desenvolvimento psíquico
e cognitivo, todavia enalteciam as concepções propostas por Piaget.
Nos seus livros nunca fizeram nenhuma referência aos estudos de
Vygotski.
Naquele momento, no curso de doutorado que vinha realizando
na universidade de Barcelona, estudava as concepções teóricas de
Vygotski. De pronto percebi que a metodologia da Prática Psicomotriz
13 A palavra circuito significa que previamente era organizada uma série de exercícios que
todas as crianças realizavam um de cada vez. A explicação dada pelos facilitadores era que
o jogo sensório-motor constituía o núcleo básico da teoria de Aucouturier.
Conversando com o Prof. Dr. Airton Negrine sobre Psicomotricidade… - 101

Relacional se ajustava muito ao que propunha Vygotski, seja na


forma de entender o desenvolvimento humano, que é o oposto da
que pensava Piaget, seja na forma de entender o surgimento do jogo
no comportamento infantil.
É sabido que, quando nos falta base teórica é impossível fazer a
leitura do que ocorre com o comportamento humano. Com o passar
das aulas de formação pedagógica percebi que os meus formadores
da Escola de Expressão e Psicomotricidade sabiam como intervir
no jogo simbólico e interpreta-lo, esta era a minha análise crítica
naquele momento. Mas para mim foi um momento muito rico
de novas aprendizagens, inclusive para pensar nos projetos que
posteriormente desenvolvi no Brasil, após o retorno do doutorado.
A partir dessa formação, formei a convicção de que a ferramenta
pedagógica fundamental da Psicomotricidade Relacional seria o jogo
entendido como o ato de brincar, e que o jogo simbólico era o que
deveria ser potenciado considerando os ingredientes evolutivos que
ele engendra.
A tese de doutorado que apresentei no ano de 1993 na
Universidade de Barcelona levou como título “Psicomotricidade e
Jogo”. O projeto inicial, quando decidi ir para a Espanha, havia sido
realizado. Ao estudar a psicomotricidade e o jogo ficou transparente
para mim que o jogo no sentido do brincar foi a inovação da
Psicomotricidade Relacional não assumida e nunca dita, nem por
Lapierre nem por Aucouturier.
Sobre a relevância do brincar como elemento fundamental do
processo evolutivo já havia muitas publicações, seja de psicólogos,
psicanalistas, antropólogos e pedagogos. Talvez por isso Lapierre e
Aucouturier, precursores da Psicomotricidade Relacional, nunca
fizeram referência a esse componente pedagógico de singular
importância nos processos de desenvolvimento e aprendizagem
infantil.
Em 1993 retornei ao Brasil após a conclusão do doutorado, e
em 1994 apresentei pela primeira vez para a FEEVALE/Novo
Hamburgo/RS nova versão do curso de Pós-Graduação em
Psicomotricidade Relacional. Nessa instituição nos anos de 1994
e 1995, formei dois grupos de psicomotricistas relacional com um
formato de curso de especialização com três vertentes de formação:
teórica, pedagógica e pessoal.
102 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

A inovação do projeto pedagógico apresentado e desenvolvido na


FEEVALE foi tão bem aceita que, em 1995, no Centro Universitário
La Salle/Canoas/RS, comecei a formar psicomotricistas relacionais.
Até 2007 foram treze grupos formados. (informação verbal).

Anselmo – Professor Negrine, atualmente qual é o seu


envolvimento com a Psicomotricidade Relacional?

Negrine - Meu envolvimento continua sendo por meio dos cursos


de especialização que coordeno e atuo como professor de três a
quatro disciplinas. Acrescento que em 2001/2002 e 2006/2007
realizei o mesmo projeto na Universidade de Caxias do Sul. Duas
turmas de professores realizaram o curso sob nossa orientação. Para
o segundo semestre letivo de 2008 está previsto iniciar a terceira
edição naquela instituição de ensino, local na qual estamos atuando
atualmente como professor.
Nos últimos anos fiz algumas alterações no projeto do curso
decorrentes da grande demanda de crianças que acedem ao programa
de extensão que ocorre paralelamente ao curso de especialização.
Viemos tendo uma grande demanda de crianças portadoras das
mais variadas deficiência; portanto, além do enfoque educativo,
passamos a trabalhar também com um enfoque terapêutico.
Na realidade, a psicomotricidade, seja ela funcional ou relacional,
apresenta segundo nossa forma de pensar duas abordagens: educação
psicomotora e terapia psicomotora, embora os autores clássicos
falem de três - educação, terapia e reeducação. Vejo a reeducação
psicomotriz como tarefa dos fisioterapeutas. O termo reeducação
significa educar novamente. Ela está direcionada às pessoas que
perdem mobilidade de determinado segmento em função de
traumatismo, por exemplo.
A terapia psicomotriz desde uma perspectiva relacional promove
resultados fantásticos, sejam com portadores da síndrome de
autismo, portadores de paralisia cerebral, diferentes casos de
deficiências mentais, e outras tantas patologias e síndromes.
(informação verbal).
Conversando com o Prof. Dr. Airton Negrine sobre Psicomotricidade… - 103

Anselmo – Considerando a vertente educativa, de que maneira a


Psicomotricidade Relacional pode se inserir na escola?

Negrine – Em primeiro lugar, quero destacar que a partir da


vertente educativa, na minha forma de pensar, a Psicomotricidade
Relacional é uma ferramenta pedagógica voltada à Educação
Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental. Ela deve ser uma
metodologia para se trabalhar a expressão e a comunicação corporal
das crianças tendo como objetivo precípuo a exteriorização corporal.
(informação verbal).

Anselmo - Mas como disciplina?

Negrine - Eu já escrevi sobre isso no livro O corpo na educação


infantil, publicado pela editora da Universidade de Caxias do Sul.
A Psicomotricidade Relacional não veio para ocupar o espaço da
Educação Física. Ela veio para instrumentalizar o professor de
Educação Física e pedagogos em geral para trabalhar corporalmente
com as crianças.
A Psicomotricidade Relacional é uma ação pedagógica que tem
como objetivo promover todas as formas possíveis de exteriorização
corporal da criança pequena. Por isso, na nossa forma de pensar,
ela está estruturada para a Educação Infantil. A partir da Educação
Infantil a Educação Física pode perfeitamente oferecer às crianças
e aos jovens uma série de aprendizagens corporais significativas ao
processo de socialização e ampliação do vocabulário psicomotriz.
Todavia, em todas as faixas etárias o professor de Educação Física
pode se servir de uma série de pressupostos pedagógicos utilizados na
Psicomotricidade Relacional, como a rotina, os rituais, as estratégias
de intervenção pedagógica, etc. (informação verbal).

Anselmo - E por que na Educação Infantil?

Negrine – Por dois motivos. Primeiro para quebrar um


pouco a predominância da unidocência. Ela não se sustenta mais
teoricamente. Hoje temos conhecimento científico suficiente para
104 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

discernir o que é fundamental para o processo de desenvolvimento


humano. Isso significa que, quanto mais modelos uma criança tiver,
maiores as possibilidades de criatividade e de comparação.
Unidocência pode ser comparado com uma mãe má e uma mãe
boa. Se o professor tiver empatia com a criança, o ano será feliz;
caso contrário, a criança terá que se adequar às condições adversas.
Se a escola infantil tivesse mais especialistas atuando, os modelos e
a riqueza de experiências se multiplicariam. As crianças seriam de
fato as beneficiadas, como seriam também os professores. É claro
que isso não se quer discutir porque envolve aumento de custos com
professores. Mas enquanto o modelo da unidocência predominar
na Educação Infantil e nas séries iniciais, estaremos estagnando as
possibilidades de desenvolvimento e de aprendizagens da criança.
O segundo motivo é porque, quanto menor for a criança, menos
contaminada está. Isso significa que maiores são as possibilidades
de esta perspectiva pedagógica proporcionar a exteriorização
corporal por meio do jogo simbólico, das experimentações corporais
múltiplas e variadas. A perspectiva pedagógica da Psicomotricidade
Relacional de provocar a criança a verbalizar, a falar de suas
produções, de respeitar o espaço do outro, de não julgar o mérito
das ações, da permissividade na realização de seus jogos elevam
de forma considerável a autoestima. Esse é um fator balizador das
aprendizagens significativas. (informação verbal).

Anselmo - Que tipo de envolvimento podem ter os pais das


crianças que participam das sessões de Psicomotricidade Relacional
na escola?

Negrine – Quando se trata de Educação Infantil, a participação


dos pais é de fundamental importância. Em primeiro lugar, porque
nem sempre os processos evolutivos da criança ocorrem à “luz dos
nossos olhos”. Há uma série de aprendizagens que a criança pode
estar adquirindo, mas que ainda ela não apresenta na escola. Se não
apresenta na escola, os professores não percebem. Nesse caso, a
família sempre é capaz de dar informações preciosas. Em segundo
lugar, penso que os pais devem saber quais as premissas pedagógicas
fundamentais que a escola trabalha. O que é valorizado e priorizado
Conversando com o Prof. Dr. Airton Negrine sobre Psicomotricidade… - 105

no comportamento entre iguais. Se os pais não sabem disso, como


vão coibir comportamentos dos filhos que não se coadunam com
aqueles que a escola pensa em incutir no aluno? Penso que os
pais devem saber das regras e normas que adotamos nas sessões
de Psicomotricidade Relacional, e por que os adotamos. Isso eu
costumo fazer com eles antes de iniciar qualquer programa no qual
trabalho com crianças voluntárias. Antes de iniciar o projeto, reúno
os pais para expôr os princípios pedagógicos que serão percorridos,
a fim de que não haja mal entendidos.
Penso também que é fundamental que os pais sempre mantenham
um canal de comunicação com a escola, seja para informar novos
comportamentos observados nos seus filhos, seja para saberem como
seus filhos se comportam na escola. Afinal, a função de educar as
crianças não é somente da escola.
Vou aproveitar, todavia, a pergunta que você me faz para
destacar um aspecto que penso ser de singular relevância. Os
professores devem criar o hábito de chamar os pais na escola para
elogiar atitudes positivas observadas nas crianças. Não temos o
hábito de elogiar, mas de mostrar os erros e os defeitos. Isso é que
acaba afastando muito os pais da escola, uma vez que somente são
chamados para dizer que a criança fez isso ou aquilo que não devia.
Para elogiar, precisamos aprender a observar seletivamente para ver
o que as crianças têm de bom, e não somente aquilo que é possível
de ser reprovado em seus comportamentos. (informação verbal).

Anselmo - É possível a Psicomotricidade Relacional em outros


níveis do ensino (Fundamental e Médio)?

Negrine – Já respondi antes. Na minha forma de pensar a


Psicomotricidade Relacional está direcionada à Educação Infantil.
Entretanto, seus princípios pedagógicos podem ser aplicados em
qualquer nível de ensino, como as rotinas, os rituais, a linguagem
como elemento pedagógico, as estratégias de formação de vínculo,
enfim, uma série de procedimentos que facilitam a aula como
ato pedagógico. Todavia, o psicomotricista relacional que teve
boa Formação Pessoal e que dispõe de elementos para utilizar as
dinâmicas de expressão, comunicação e exteriorização corporal
106 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

do adulto poderá fazer usos das estratégias para fazer com que os
adolescentes e adultos reflitam sobre si mesmo. Mas nesse caso não
é a Psicomotricidade Relacional, mas os elementos de uma via de
formação que estarão sendo utilizados para fins específicos, que
são os mesmos fins que utilizamos na formação do psicomotricista
relacional, e que você conhece bem. (informação verbal).

Anselmo - Como você vê a Psicomotricidade Relacional na escola


pública, já que temos uma realidade de escassez de material?

Negrine – A sua pergunta me faz lembrar uma pergunta que


fiz ao professor Bernard Aucouturier em Barcelona no ano de
1992. Naquela ocasião Aucouturier fazia uma palestra para uma
plateia de mais de 1.500 pessoas. Falava do material utilizado na
Psicomotricidade Relacional e do espaço em que a prática era levada
a cabo no contexto europeu. Fiz a seguinte pergunta: Se era possível
realizar as sessões de Psicomotricidade Relacional em espaços
abertos e que outros materiais poderiam ser utilizados que não
aqueles que ele propunha? Ele foi taxativo na sua resposta dizendo
que a Psicomotricidade Relacional deveria ocorrer em espaços
fechados e o valor que as escolas gastavam em coisas sem muita
utilidade pedagógica, podiam adquirir o material recomendado
por ele. Na ocasião não tinha espaço nem recurso discursivo para
debater, já que, embora falasse espanhol, ele respondia em francês
e a professora Kati Omar traduzia para o espanhol. Por que eu havia
feito a pergunta, justamente porque pensava na realidade brasileira.
Ou melhor, da escola pública do Brasil. A resposta de Aucouturier
não me satisfez. Pensei, quando ele vier para a América Latina
difundir seu saber, vai mudar o discurso. Isso já aconteceu. Mas a
questão de fundo é outra.
Uma prática pedagógica não pode se limitar ao espaço e ao
material. Se isso ocorrer, é sinal que o fundamento é pífio. Depois
dessas reflexões vou responder objetivamente sua pergunta. As
bases teóricas e práticas da Psicomotricidade Relacional na minha
forma de pensar podem ser levadas a cabo em qualquer escola
pública. O fato de não se ter um espaço fechado, por exemplo,
não impede que se realize a prática pedagógica num espaço aberto.
Conversando com o Prof. Dr. Airton Negrine sobre Psicomotricidade… - 107

O que temos é que delimitar o espaço, o que é fundamental num


espaço aberto. A criança tem que saber que não deve se afastar das
linhas limítrofes. Isso é o que vale. Quanto ao material, devo dizer
que a criança não deixa de brincar e de se exteriorizar se não tiver
almofadas, colchões etc. O professor pode confeccionar material
de sucata e disponibilizar às crianças. As representações simbólicas
vão aparecer como surgem na sala de psicomotricidade. Isso me
faz lembrar o que fazia na escola pública, porque trabalhei mais
de vinte anos em escolas públicas de periferia em Porto Alegre/
RS. Esse é meu grande legado de professor. Fazia os bastões com
cabos de vassoura, os pompons com fios de lã de tricô, bolas com
jornal e meias, bambolês grandes e pequenos com mangueira de
plástico etc. Quem quer trabalhar, quem quer dar significado ao seu
trabalho, arruma um jeito, como também se arruma um jeito para
justificar o que não se faz.
Vejo a Psicomotricidade Relacional como uma estratégia de
intervenção pedagógica. Penso que não interessa o espaço, se
fechado ou aberto, se o material é industrializado ou feito de sucata:
O importante são as estratégias pedagógicas que serão colocadas em
prática. (informação verbal).

Anselmo - Além do ambiente escolar, que tipo de instituições


podem se beneficiar da Psicomotricidade Relacional?

Negrine - Eu acredito que, hoje em dia, aqui no sul do Brasil, em


especial no Rio Grande do Sul, muitas instituições estão implantando
a Prática da Psicomotricidade Relacional, evidentemente pelas
iniciativas de professores que detêm formação para utilizá-la. Por
exemplo, algumas Associações de Pais e Amigos de Excepcionais -
APAEs estão utilizando essa perspectiva de intervenção pedagógica.
Mas pode ser utilizada em clubes, em outros tipos de associações,
enfim, em instituições que tenham como objetivos e finalidades
promover o desenvolvimento e aprendizagens de crianças em idade
de educação infantil. (informação verbal).

Anselmo – Como já disse, existem cursos de Especialização, pós-


graduação lato sensu, em Psicomotricidade Relacional. Você acredita
108 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

que os alunos que cursam apenas a disciplina de Psicomotricidade


na graduação dos cursos de Educação Física que a possuem, estão
aptos a atuarem como Psicomotricistas na escola?

Negrine - Eu diria que a indagação é: Os cursos de graduação


habilitam os acadêmicos para a função de docente nos diferentes
níveis de ensino? Você sabe tanto quanto eu que a Educação Física
pode ser olhada como um grande mosaico de práticas corporais com
especificidades próprias. Algumas requerem inclusive domínio de
habilidades psicomotoras complexas do próprio professor, já que
a demonstração na Educação Física é uma pedra angular para o
bom desempenho profissional. Portanto, acredito que o professor
necessita de formação consistente na universidade, mas que vai se
tornando apto para a ação docente no exercício da docência. Assim é
com os professores das mais distintas áreas do conhecimento. Todos
nós, quando iniciamos, temos uma série de limitações, mas com o
exercício da docência vamos adquirido confiança. O fundamental
para o jovem professor é planejar o que pretende realizar e estar
sempre buscando informações sobre temas pertinentes às atividades
laborais. Uma questão que nunca se pode perder de vista é que
professor tem que estudar a vida toda. Estudar é o seu alimento,
caso contrário, vai ficando desnutrido ao ponto de nem ele ter
muita certeza do valor da sua ação pedagógica no processo de
aprendizagem do aluno. (informação verbal).

Anselmo - Umas das vertentes de formação do Psicomotricista


Relacional é a formação pessoal. Qual a importância dessa vertente
de formação no currículo de graduação em Educação Física? E ela
deve existir no currículo de outras licenciaturas?

Negrine – Você faz uma observação da maior relevância. Eu diria


que uma das grandes contribuições de Lapierre e Aucouturier ao
formular as bases da Psicomotricidade Relacional foi propor mais
essa via de formação. Ela é um dos diferenciais da formação do
psicomotricista relacional. Quando incluí a Formação Pessoal na
grade curricular dos cursos de especialização que coordenei a partir
de 1994, não imaginava a dimensão que essa via de formação tinha
Conversando com o Prof. Dr. Airton Negrine sobre Psicomotricidade… - 109

no processo de formação continuada de professores. Minha alegria


foi ver que muitos discípulos que tenho são arrojados. Por exemplo,
por influência do professor Atos Falkenbach o curso de Graduação
da Univates/Lajeado/RS incluiu a Formação Pessoal no currículo e,
pelas informações que tenho, vem tendo excelente aceitação pelos
alunos.
Na Universidade de Caxias do Sul, no curso de Graduação em
Educação Física (Bacharelado), a formação pessoal está na grade
curricular sob a denominação de Linguagem e Comunicação
Corporal, disciplina que leciono atualmente. A experiência tem
sido fantástica. Trinta vagas são oferecidas a cada semestre letivo.
A demanda sempre tem sido muito superior ao número de vagas.
Mas o dado mais relevante para mim é que sempre acabo tendo
matriculado nessa disciplina alunos da Fisioterapia, Psicologia,
Pedagogia, Biologia, além, é claro, dos acadêmicos de Educação
Física. Sempre pergunto aos acadêmicos dos outros cursos o porquê
de elegerem a disciplina como eletiva? A resposta é invariável:
“Porque ficamos informados que nessa disciplina é possível refletir
sobre si mesmo”.
A cada semestre que passa mais alunos migram de outros cursos
quando ficam sabendo o que se trabalha na disciplina. Digo aos
alunos na primeira aula: “E esta é a única disciplina curricular que
vai oportunizar que reflitam sobre si mesmo, repensem suas atitudes
frente aos demais, sobre suas qualidades, dificuldades, enfim
sobre as relações intra e interpessoais. Todavia, é uma disciplina
que deve ser ministrada por professores que tenham formação,
para que não se torne mais uma disciplina eminentemente teórica,
sem as dinâmicas corporais que incitam a reflexão sobre si mesmo.
(informação verbal).

Anselmo - Que relações você vê entre a Psicomotricidade


Relacional e a Educação Inclusiva?

Negrine – Antes de responder a pergunta, vou aproveitar a


oportunidade para revelar minha forma de pensar a Educação
Inclusiva. Do ponto de vista sociológico a Educação Inclusiva é
uma oportunidade de ampliar os espaços para a concretização da
110 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

cidadania daquelas pessoas que nascem com defeito ou o adquirem


por quaisquer motivos. Entenda-se “defeito” como ser portador de
uma síndrome, de algum tipo de deficiência física, sensorial, mental
ou múltipla. Todavia, do ponto de vista pedagógico, da forma como
está sendo implantada, a educação inclusiva é pífia. Em primeiro
lugar, porque não basta fazer a lei dizer que toda escola deve
matricular alunos portadores de deficiências. É preciso definir o que
significa incluir do ponto de vista pedagógico. Incluir significa dispor
de ferramentas que permitam a pessoa evoluir. Seja na aquisição de
novas habilidades e aprendizagem, seja promovendo a socialização
dos incluídos.
Em segundo lugar, refletir sobre as diversidades e as
especificidades de certas deficiências. Isso somente seria um tema
para muitas reflexões. Mas minha indagação é a seguinte: Estão as
escolas e os professores preparados para lidar com um portador da
“síndrome do autismo com baixa funcionalidade”, por exemplo?
Ou, ainda, o que sabem os professores sobre essa síndrome? Estão
equipadas as escolas e os professores para trabalhar com portadores
de deficiência visual congênita? O que conhecem da linguagem
dos sinais para incluir deficientes auditivos? Os professores estão
preparados para lidar com as diferentes deficiências mentais?
Vou parar por aqui. Mas o problema não é apenas de formação e
tecnologia frente a algumas deficiências, há outra questão de maior
monta. Acredito que a escola inclusiva deve operar com outra lógica,
se de fato se está pensando em fazer coisa séria. Para toda classe que
tiver alunos incluídos deverá pelo menos haver dois professores. Um
deles deve ser especializado para atuar com os incluídos. A matrícula
não garante nada. Talvez possa até ser pior em alguns casos. Incluir
pressupõe oferecer condições reais de avanços. Agora vou responder
a pergunta que faz em relação à Psicomotricidade Relacional,
considerando que ela é uma ação pedagógica que se expressa pela
exteriorização corporal no mais amplo sentido do termo. A lógica
é a mesma que acabei de apontar. A experiência que venho tendo
desde 1994 com crianças portadoras de diferentes síndromes nas
sessões de Psicomotricidade Relacional, com resultados muito
satisfatórios em todos os sentidos, tem uma resposta objetiva.
Nunca atuo sozinho como psicomotricista; digiro as sessões com
auxiliares. Caso contrário, como iria atender a demanda daqueles que
Conversando com o Prof. Dr. Airton Negrine sobre Psicomotricidade… - 111

necessitam da minha intervenção e mediação corporal? Quero dizer


que nas aulas de Psicomotricidade Relacional na escola cuja turma
tenha crianças incluídas o psicomotricista não deve trabalhar só, terá
que ter pelo menos um auxiliar. Frente a determinadas patologias,
para impulsionar processos de desenvolvimento, aprendizagem e
socialização temos que estar muito presentes e num processo de
interação contínua. (informação verbal).

Anselmo – Por que as crianças ditas com necessidades educacionais


especiais podem se beneficiar com a prática da Psicomotricidade
Relacional? E como podem se beneficiar as ditas normais?

Negrine – Vou iniciar respondendo sua pergunta pelo final.


Primeiro vou tratar dessa abordagem pedagógica com as crianças
normais, depois vou tratar daquelas portadoras de necessidades
educativas especiais. Para falar dos benefícios, é necessário destacar
os objetivos da Psicomotricidade Relacional segundo nossa forma de
pensar:

1. Permitir experiências corporais variadas pela exploração


do espaço e dos objetos que são colocados a sua disposição,
entendendo que a criança em um espaço lúdico, explora, exercita-
se e joga (brinca);
2. Facilitar a comunicação, por meio das diferentes formas de
expressão, através da mímica e gestos, da fala egocêntrica, da
fala socializada com o adulto e os iguais, e da fala socializada no
relato de suas produções;
3. Favorecer a liberação das emoções, dos sentimentos e dos
conflitos, fazendo que pelo jogo livre, flua o mundo simbólico,
representativo e imaginário dentro de princípios pedagógicos de
permissividade e independência.

A ferramenta pedagógica para que isso ocorra é a “ação do


brincar”. É o ato do brincar que provoca a exteriorização corporal.
Essa é a premissa básica da Psicomotricidade Relacional com crianças
“ditas normais”. O exercício diretivo como a Psicomotricidade
112 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

Funcional propõe, é inibidor da exteriorização da criança. Mas


há outro elemento fundamental que credencia a atividade lúdica
como elemento pedagógico - este é de ordem biológica. O ato de
brincar faz com que a crianças eleve a produção e a circulação de
“endorfinas”. É a morfina endógena, aquela que o corpo produz.
Esse é o fundamento principal do porque as crianças gostam das
aulas de Psicomotricidade Relacional. Elas ficam “endorfinados”, as
sensações e sentimentos prazerosos são infinitos. Se os professores
souberem intervir para fazer valer as regras, as normas de conduta
social, irão tirar grande proveito dessa perspectiva pedagógica para
fazer as crianças avançarem.
Agora vamos falar dos portadores de necessidades educativas
especiais. Com relação a esses tem-se que falar de Terapia Psicomotriz
Relacional, uma vez que há peculiaridades diferenciadas das quais
o professor deve servir-se para tirar melhor proveito da ação
terapêutica. Isso significa que há crianças portadoras de patologias
que, se não houver a mediação do psicomotricista ou do professor,
não haverá qualquer avanço, porque elas necessitam da intervenção
corporal da mediação para se exteriorizarem. Na terapia psicomotriz
o “toque corporal” é determinante, é fundamental, por muitos
motivos. De um lado, para estimular a sensibilidade corporal, de
singular relevância em algumas patologias, como a paralisia cerebral,
por exemplo. Por outro, para favorecer os vínculos positivos, sem os
quais os processos não avançam. O toque corporal do professor é que
vai favorecer em muitos casos a exteriorização corporal, contribuir
muito para a socialização de crianças portadoras de patologias
como o “Autismo”, por exemplo. A criança se socializa imitando os
outros, interagindo com o adulto e com os iguais, trocando olhares,
manipulando objetos, disputando um espaço de jogo com outra
criança, cumprindo as normas e regras sociais que se estabelecem
numa sessão de terapia. Na terapia psicomotriz relacional sempre
se prioriza “o brincar”, e não é diferente da perspectiva educativa.
Entretanto, o professor terá que interagir muito mais com o portador
de deficiência.
Então, eu diria que o grande problema para as crianças portadoras
de patologias são antes de tudo suas consequências sociais. Entre
elas o “luto”. Que luto o leitor pode estar pensando? O luto dos
pais. Enquanto os pais não assimilam que aquela criança é portadora
Conversando com o Prof. Dr. Airton Negrine sobre Psicomotricidade… - 113

de uma necessidade especial que necessita mais do que as “normais”


serem socializadas muito cedo, como muito cedo deve ser sua
escolarização. Eles sentem vergonha dos comportamentos de seus
filhos, evitam levá-los a muitos lugares - na verdade impedem que
os processos de desenvolvimento e aprendizagem avancem. Com
essas atitudes impensadas provocam a estagnação e retardam a
socialização, aspecto determinante para avanços daqueles que são
portadores de necessidades educativas especiais. Lembre-se que o
espaço onde ocorre a Psicomotricidade Relacional, seja ela educativa
ou terapêutica, deve ser de socialização.
Em muitas situações ouvi de pais de crianças sem deficiência
me perguntar o que seu filho ganharia ao interagir na sessão de
Psicomotricidade Relacional com crianças deficientes? Eu de
pronto respondia: “As crianças normais são as que mais ganham;
elas se socializam e se humanizam muito cedo. Logo percebem que
necessitam ter paciência e ajudar as crianças com deficiências, e
assim o procedem”. Isso mostra que o ser humano é um ser gregário,
costuma ter a intuição de ajudar o outro. Esse ambiente também é
propício para que haja essas relações desde a mais tenra idade. A
criança que desde pequena aprende a conviver com crianças com
patologias, além de contribuir para sua socialização e das outras,
desmistifica a deficiência e é provável que seja um adulto diferente,
que melhor compreenda o que significa efetivamente a inclusão.
(informação verbal).

Anselmo - Que perspectivas de futuro você vê para a Psicomo-


tricidade Relacional?

Negrine – Como todo conhecimento produzido a Psicomotricidade


Relacional está aí para ser utilizado por aqueles que acreditam que
seja uma alternativa viável de se trabalhar o corpo na Educação
Infantil. Entretanto, não é o único. E que bom que não seja. Sou
um professor que não acredito muito em verdades definitivas, até
porque todas as verdades que se pode teorizar são efêmeras. Logo,
acabamos sempre sustentando nossas verdades nas convicções
que vamos formando, que também podem ser passageiras. Veja
114 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

que estudamos não para saber verdades, mas para ir formando


convicções. Eu por muito tempo fui um psicomotricista funcional.
Quando trabalhava com base nas formulações teóricas e práticas
da psicomotricidade funcional, acreditava que era um meio eficaz
de trabalhar o corpo da criança. Mas como não parei de estudar, fui
descobrindo que havia outras formas mais eficazes de trabalhar o
corpo na Educação Infantil. Quanto ao futuro da Psicomotricidade
Relacional, eu diria que como todo futuro sempre há muitas incertezas.
O que posso dizer concretamente é que a influência que exerci no
Rio Grande do Sul nos professores que comigo fizeram formação, já
formou um grande contingente de pessoas multiplicando a prática
da Psicomotricidade Relacional, muito mais do que eu imaginei
quando comecei a formar os primeiros psicomotricistas relacionais.
Por exemplo, o município de Novo Hamburgo criou um Núcleo
de Aprendizagem (NAP) para atender alunos da rede municipal de
ensino com problemas de aprendizagem. Nesse núcleo funciona um
setor no qual há Psicomotricidade Relacional, tanto com enfoque
educativo como terapêutico.
A professora Maristela Guasselli e sua equipe de professoras
colaboradoras tiveram influência fundamental na criação do NAP/
NOVO HAMBURGO/RS. Mas não para por aí. Como exemplos, vou
citar algumas universidades que no currículo do curso de Educação
Física colocou a disciplina de Psicomotricidade e a Psicomotricidade
Relacional como conteúdo ministrado: A Univates/Lajeado/RS,
Unilasalle/Canoas/RS, ULBRA/Canoas/RS, UCS/Caxias do Sul/
RS, IPA/Porto Alegre/RS, PUC/Porto Alegre/RS, FACOS/Osório/
RS.
Sei que muitos outros cursos de Educação Física e Pedagogia
também dão destaque à Psicomotricidade Relacional que aqui
não mencionei. Observe que avançamos muito. Os professores
estão saindo da faculdade tendo informações pertinentes sobre
a Psicomotricidade Relacional. Outra questão que é importante
informar é que essa prática é muito recente. Foi a partir dos anos de
1980 que começou a ser desenhada - isso no continente europeu.
Outra questão que me leva a acreditar nessa perspectiva pedagógica
são os estudos científicos que vêm sendo desenvolvidos, mostrando
cada vez mais que as atividades lúdicas engendram elementos
Conversando com o Prof. Dr. Airton Negrine sobre Psicomotricidade… - 115

fundamentais para o processo de ensino e aprendizagens humanas.


(informação verbal).

Anselmo - Você acredita que a Psicomotricidade Relacional


possa vir a ser uma disciplina da grade curricular escolar, apenas
uma atividade extraclasse ou mais um modismo?

Negrine – O que eu penso é que todos os níveis de ensino


devem ter na grade curricular a Educação Física como disciplina. A
atividade física tem finalidades e objetivos singulares nos diferentes
níveis de ensino. A prática da atividade física de forma sistemática
é um elemento determinante para a melhoria da qualidade de vida
em qualquer idade. Veja que estou dizendo “em qualquer idade”,
do nascimento a velhice. Todavia o que difere é que as atividades
devem ser compatíveis com as idades, com as motivações e com a
história de vida de cada pessoa.
Agora vamos ao núcleo da pergunta que você me fez. A
Psicomotricidade Relacional é uma estratégia pedagógica para se
trabalhar o corpo da criança na Educação Infantil. Se for a Educação
Física que vai se apropriar desses conhecimentos e colocá-los em
prática, ou se for a Pedagogia, não interessa muito. O importante é
que é um conhecimento teórico-prático que está aí para ser utilizado
pelos profissionais que formarem convicções de que possa se
constituir num meio eficaz para proporcionar avanços consideráveis
nos processos de desenvolvimento de aprendizagens infantis.
A sua eficiência pedagógica é inquestionável, mas requer que os
profissionais conheçam seus pressupostos teórico-práticos. Costumo
dizer nas palestras que faço a professores de Educação Infantil que a
professora e o professor que não entender de “mundo simbólico” é
incapaz de entender o comportamento infantil. A Psicomotricidade
Relacional trata dessa questão em profundidade. É por isso que, na
minha forma de pensar, ela se apropriou do brincar como elemento
pedagógico, uma vez que no brincar estão condensados todos os
elementos chaves do processo evolutivo humano. Vygotski havia
muito tempo já explicou isso com muita propriedade. Finalmente,
entendo que os elementos psicopedagógicos que permeiam a teoria
e a prática da Psicomotricidade Relacional não devem ser utilizados
116 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

como atividades extraclasse ou como modismo. Os diretores e


gestores das Escolas Infantis também devem ter conhecimentos
mais amplos dessa abordagem para formar convicção ou não de sua
importância como disciplina curricular. (informação verbal).

Anselmo - As professoras de classe, pedagogas, podem atuar com


a Psicomotricidade Relacional?

Negrine - Hoje eu estou cada vez mais convicto de que o título


acadêmico é apenas uma pré-condição. Ao longo da minha vida
acadêmica (que se aproxima da quarta década), tive alunos com
todos os perfis e de muitas formações. O que determina a qualidade
da docência, seja no nível de ensino que for, é, por um lado, a
qualidade da formação que constrói no decorrer da sua caminhada
acadêmica e, por outro, se a pessoa faz o que gosta. Digo isso porque
há professores em todos os níveis de ensino que afirmam que dar
aula é um martírio. Todavia, estudam pouco. Não percebem que
não trabalhamos somente para ganhar a vida, mas, para encontrar
também um significado existencial. Quem faz o que gosta acaba
fazendo a diferença; essa parece ser uma regra geral. Para responder
com objetividade a sua pergunta, quero lhe dizer que qualquer
profissional da educação que tenha formação em Psicomotricidade
Relacional pode atuar e realizar um bom trabalho.
O fato de ser graduado em Educação Física não significa que
esteja mais bem capacitado para realizar a tarefa que você pergunta.
Existem muitos cursos de graduação em Educação Física cujas
grades curriculares não contemplam a psicomotricidade como
disciplina. Logo a lógica não pode valer de que deva ser professor
de Educação Física. No Brasil essa formação é obtida em nível de
cursos de especialização. Portanto, o que credencia alguém para
atuar com a Psicomotricidade Relacional na minha forma de pensar
é a sua formação e gostar de trabalhar com os pequenos. (informação
verbal).

Anselmo – Muito obrigado, mais uma vez, pela oportunidade


desta entrevista.
Conversando com o Prof. Dr. Airton Negrine sobre Psicomotricidade… - 117

Livros editados do professor Airton Negrine


NEGRINE, A. S.; BRADACZ, Luciane. Cultura, lazer e turismo: a festa da
Colônia de Gramado - 1985/2006. Porto Alegre: EST, 2006.
NEGRINE, A. S.; MACHADO, Mara Lúcia Salazar. Autismo infantil e terapia
psicomotriz: estudos de casos. Caxias do Sul: Ed.da Universidade de Caxias do
Sul, 2004.
NEGRINE, A. S. O corpo na educação infantil. Caxias do Sul: Ed. da
Universidade de Caxias do Sul, 2002.
NEGRINE, A. S.; BRADACZ, Luciane; CARVALHO, P. E. G. Recreação na
hotelaria: o pensar e o fazer lúdico. Caxias do Sul: Ed.da Universidade de Caxias
do Sul, 2001.
NEGRINE, A. S. Terapias corporais: a formação pessoal do adulto. Porto Alegre:
Edita, 1998.
NEGRINE, A. S. Aprendizagem e desenvolvimento infantil 3: psicomotricidade
- alternativa pedagógica. 2. ed. Porto Alegre: Edita, 1998.
NEGRINE, A. S. (Org.). Perfil do Curso de Mestrado em Ciências do
Movimento Humano desde sua implantação 1989-1995. Porto Alegre: Ed. da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1996.
NEGRINE, A. S. Aprendizagem e desenvolvimento infantil 1: simbolismo e
jogo. Porto Alegre: Edita, 1994.
NEGRINE, A. S. Aprendizagem e desenvolvimento infantil 2: perspectivas
psicopedagógicas. Porto Alegre: Edita, 1994.
NEGRINE, A. S.; GAUER, R. C. Educação física e desporto: uma visão
pedagógica e antropológica. Porto Alegre: Posenato Arte & Cultura, 1990.
NEGRINE, A. S. A cordenação psicomotora e suas implicações. Porto Alegre:
Edita, 1987.
NEGRINE, A. S. Educação psicomotora: a lateralidade e a orientação espacial.
Porto Alegre: Edita, 1986.
NEGRINE, A. S. O ensino da educação física. 2. ed. Petrópolis: Globo, 1983.
A RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NA ESCOLA SOB A
PERSPECTIVA DA PSICOMOTRICIDADE RELACIONAL

Bento Selau
Anselmo Barce Furini
Silvia Siqueira Pinheiro

A ocorrência de conflitos entre os educandos no ambiente


escolar não é algo incomum. O conflito faz parte da vida e,
dependendo de como o percebemos, ele pode ser um propulsor
do desenvolvimento humano ou desencadeador de situações que
incorrem em intervenções indevidas e inoportunas.
A interpretação dos conflitos existentes na escola começa por
o que o educador entende sobre seu conceito, já que as palavras,
dependendo do subsídio teórico utilizado, podem apresentar
diferentes significados. Nesse sentido, nossa preocupação inicial é
rever algumas concepções existentes na literatura que remetem ao
assunto na escola.
Uma palavra relacionada (e muitas vezes utilizada) quando se
refere aos conflitos é agressividade. Uma ideia mais genérica de
agressividade, apresentada no dicionário (FERREIRA, 1999), diz
que esse termo significa “disposição para o desencadeamento de
condutas hostis, destrutivas, fixada e alimentada pelo acúmulo de
experiências frustradoras” e o termo agressivo “diz-se de indivíduo
em cuja personalidade prevalece como componente a disposição
para condutas destrutivas, hostis”. Ainda, para Ferreira, conflito
indica “embate dos que lutam; discussão acompanhada de injúrias e
ameaças; desavença”.
Os resultados preliminares da pesquisa conduzida por Hammes
(2007) sobre as percepções da comunidade escolar a respeito da
resolução de conflitos na escola indicam que boa parte dos seus
120 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

membros (professores, gestores e alunos) interpreta agressividade


e conflito como sendo algo que gira em torno de qualquer coisa
negativa, destrutiva e hostil, conforme as definições de dicionário.
Acrescentamos frases de alguns educadores percebidas no
cotidiano das escolas de Ensino Fundamental e Médio, tais como
“Esse aluno não tem jeito: vai para a cadeia quando crescer”, ou, “O
fulano é um aluno problema; é um agressivo”. Essas falas deveriam
ser revistas por esses docentes, até porque, para se construir uma
cultura de paz, é preciso mudar atitudes, crenças e comportamentos,
tentando resolver os conflitos de modo não-violento, e não de
modo hostil (MALDONADO, 1997). Os educadores devem ter
o cuidado de não rotular as crianças como agressivas ou violentas.
Dizemos isso porque, alguns professores rechaçam as crianças com
atitudes agressivas e acabam contribuindo para a continuidade
desses comportamentos.
O rótulo é nefasto porque classifica e limita as pessoas pelo
julgamento prévio e pelo cruel veredito de possibilidades. Sandrini
(2007) acredita que é preciso erradicar a “Ideologia do Dom”, que
pré-julga quem pode e quem não pode, quem aprenderá e quem
não aprenderá, quem terá sucesso e quem terá fracasso, quem tem
caráter e quem não o tem. Essa ideologia não leva em conta que as
pessoas são diferentes e têm múltiplas inteligências, o que significa
que elas aprendem de formas diferentes. Além disso, lembramos
que as pessoas têm vivências diferentes e que cada uma reage de
forma diferente aos acontecimentos. Montagu (1978) ratifica nosso
pensamento quando aponta que nenhum ser humano nasce com
impulsos agressivos ou hostis ou se torna agressivo ou hostil sem
aprendê-lo.
Para uma melhor interpretação sobre esses termos, apóia-se em
noções de alguns teóricos em educação. Inicialmente, Guimarães
(2004) salienta que conflito não é sinônimo de desentendimento.
Para o autor, “conflitos são normais e não são necessariamente
positivos ou negativos, maus ou ruins. É a resposta que se dá aos
conflitos, que os torna negativos ou positivos, construtivos ou
destrutivos” (p. 18). Segundo ele, a questão é como resolver os
conflitos o que determina seu grau de influência – se por meios
violentos ou não-violentos – indicando que a resolução não-violenta
de conflitos é um campo fundamental para a educação para a paz.
A resolução de conflitos na escola sob a perspectiva da Psicomotricidade… - 121

Assim como o conflito não pode ser visto como negativo,


a agressividade não significa, necessariamente, agressão. Para
Guimarães (2004), a agressividade pode ser entendida como uma
força para o ser humano superar obstáculos e limitações próprias
do cotidiano. Salienta a necessidade de se distinguir agressividade
e agressão: a agressividade deve ser entendida como necessária à
expressão da vontade de potência de operar a paz (sendo seu
oposto a passividade e a resignação); agressão está na origem de
comportamentos destrutivos, manifestando-se como atos violentos
contra os outros.
Falkenbach (2002) salienta que a criança que manifesta atitudes
agressivas apresenta sinais de que “algo não está bem”. Entende que
a agressividade não é genética ou uma característica da personalidade
(como muitas vezes se vê no senso comum), mas, resultado de
um desconforto corporal que se externaliza na forma de atitudes
agressivas.
Negrine (2002), autor da área da Psicomotricidade Relacional,
não utiliza o termo agressividade para tratar de atitudes hostis
por parte dos estudantes: prefere o termo desequilíbrios afetivos
emocionais. O autor acredita que determinados comportamentos
representam uma manifestação que não é gratuita, mas sempre
possuem algum fator antecedente provocado por situações que se
relacionam com a vida da pessoa em diferentes ambientes (família,
sociedade etc.) e provocam, não a agressividade da pessoa, mas um
estado que, de alguma maneira, gera desequilíbrio no estado afetivo
e emocional da pessoa.
Quando se entende que as manifestações de agressividade de
nossos alunos não são “doença” ou atitudes típicas de pessoas
“más”, mas interpretamo-las como circunstâncias normais da vida
das pessoas que têm relação com algum acontecimento prévio,
que necessitam de corretas interpretação e intervenção, tem-se
melhores condições de ajudá-los pedagogicamente.
Compreender que os conflitos podem ser positivos, que a
agressividade deve ser vista como vital e que as pessoas podem,
muitas vezes, manifestar desequilíbrios afetivos emocionais,
implica que os educadores devem desenvolver novos olhares sobre
seus alunos e apresentar novas formas de intervenção com esses,
122 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

sem rótulá-los ou criticá-los. Quando se tratar das situações que


envolvem agressividade ou agressão na sala de aula, utilizar-se-á o
termo desequilíbrios afetivos emocionais.

Alguns aspectos desencadeadores dos desequilíbrios afetivos


emocionais

As causas dos desequilíbrios afetivos emocionais costumam


estar associadas com a história prévia das pessoas. São vários os
fatores, muitas vezes decorrentes das cobranças externas de grande
intensidade, que provocam tensões e alteram o comportamento das
pessoas. Nas crianças, esses desequilíbrios podem ser gerados por
diferentes aspectos, dentre eles:

provisão ambiental não tão positiva na infância;


falta de padrões de referência;
dificuldade de comunicação;
a forma básica de organização social das atividades escolares.

Provisão ambiental não tão positiva na infância

O primeiro aspecto, provisão ambiental não tão positiva, diz


respeito, inicialmente, à relação de comunicação estabelecida entre
a criança e sua mãe. Winnicot (1982) refere que

[…] a única base autêntica para as relações de uma


criança com a mãe e o pai, com as outras crianças e,
finalmente, com a sociedade, consiste na primeira
relação bem sucedida entre a mãe e o bebê, entre duas
pessoas, sem que mesmo uma regra de alimentação
regular se interponha entre elas, nem mesmo uma
sentença que dite que um bebê deve ser amamentado ao
seio materno (p. 36).
A resolução de conflitos na escola sob a perspectiva da Psicomotricidade… - 123

A ação da figura materna constitui parte importante no progresso


emocional da criança, repercutindo na vida infantil e adulta, pois
ajuda no desenvolvimento de tudo o que é subjetivo à criança e no
desenvolvimento das noções reais, auxiliando a criança a lidar com
frustrações provindas principalmente do plano afetivo.

Não há possibilidade alguma de um bebê progredir do


princípio de prazer para o princípio de realidade ou no
sentido, e para além dela, da identificação primária, a
menos que exista uma mãe suficientemente boa. A mãe
suficientemente boa (não necessariamente a própria
mãe do bebê) é aquela que efetua uma adaptação ativa
às necessidades do bebê, uma adaptação que diminui
gradativamente, segundo a crescente capacidade deste
em aquilatar o fracasso da adaptação e em tolerar os
resultados da frustração (WINNICOT, 1975, p.25).

Principalmente a partir de Winnicot, compreende-se que a


relação entre a mãe e a criança deve ocorrer de forma que se atenda
à demanda da criança e que se dê espaço ao bebê para que consiga
lidar com seus próprios fracassos e que isso possa auxiliar a constituir
sua personalidade.

Falta de padrões de referência

A falta de padrões de referência em algumas crianças e jovens


é o segundo aspecto desencadeador dos desequilíbrios afetivos
emocionais. A realidade de muitas famílias parece carecer dessa
referência, em que se nota ausência, não somente da mãe, mas
de ambos os pais na relação com os filhos, já que, diversas vezes,
oferecem poucos padrões de referência, ou demasiada proteção,
a fim de evitar frustrações e sofrimentos, não propondo assim as
necessárias noções de limites.
Um fato para se chamar a atenção é quando não há sintonia
de combinações entre pai e mãe com relação aos filhos, em que a
autoridade de um perpassa a do outro, muitas vezes na frente dos
filhos. Dessa maneira dificilmente a criança terá adequados padrões
124 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

de limites e de condutas interpessoais, uma vez que na relação


dos seus próprios pais não existe bons exemplos de valores como
respeito, ética e coerência.
Notável é como muitas crianças e jovens, a partir dessa relação
conflituosa entre os pais, tiram proveito da situação para conseguirem
o que querem. Um exemplo cotidiano é a criança pedir a um dos
cônjuges algo e na negação deste procurar o outro responsável e
adquirir o que deseja sem a menor resistência, banalizando a
autoridade do outro.
Considerando o pensamento de Scribel (2000), a convivência
familiar, composta por regras, estabelecimento de hábitos,
conhecimento de condutas é um ótimo banco de regras, testes
e experimentos que servirão de referencial para futuras relações
sociais da criança. A família precisa se conscientizar de que faz parte
de um contexto social que exerce influências edutativas sobre o
filho, preparando-o para o mundo escolar e social. Dessa forma,
os pais ficam melhor mobilizados para participar, apoiar, trabalhar
em conjunto e harmonia com a escola, já que esta última também é
espaço de educação, mas não o único.
Da mesma maneira, os adultos (pais e professores) devem pensar
antes de dizer coisas às crianças, ou seja, devem dizer o que pretendem
cumprir, caso contrário não as ajudam a evoluírem, porque não
contribuem com boa referência ou exemplo para o cumprimento
de normas que serão cobradas. E, sem dúvida, a melhor forma de
ensinar condutas e valores é pelo próprio exemplo. Arroyo (2000)
afirma que todo adulto é, de alguma forma, um pedagogo das novas
gerações nas artes de ser gente. Por isso, é necessário que os adultos
tenham consciência de que suas condutas servem de exemplo e
aprendizagem aos mais jovens.
Os alunos, além de frequentarem uma escola, fazem parte
de outras estruturas e âmbitos sociais, levando para aquela suas
referências dos demais outros ambientes sociais nos quais convivem.
A escola como instituição de cruzamento de culturas, de modelos
familiares, de modelos pedagógicos, enfim, lugar em que as crianças
têm o contato com muitos modelos de pessoas, constitui-se em um
espaço para que sejam aflorados os desequilíbrios afetivos emocionais
pela consistente relação com colegas, professores e funcionários.
A resolução de conflitos na escola sob a perspectiva da Psicomotricidade… - 125

Dificuldade de comunicação

O terceiro aspecto, a dificuldade de comunicação, não se refere à


dificuldade no sentido biológico (problemas na fala ou na audição);
diz respeito tanto à relação pais e filhos como à relação professor e
aluno. Dependendo de como se usa a linguagem, ela pode resultar
tanto em benefícios quanto em situações desconfortáveis, já que a
criança compreende a entonação com que se faz uso das palavras.
Um equívoco na relação de comunicação entre pais e professores
com as crianças está em apenas lhe dirigir a palavra para chamar a
atenção ou lhe dizer não. As cobranças externas de grande intensidade
acabam deixando a criança introvertida, com autoconceito e
autoestima baixos.
Em diversas situações os adultos usam a linguagem apenas para
dizer que a criança não tem capacidade para as coisas, que ela não
sabe nada e, às vezes, comparam-na com outras crianças, o que para
algumas crianças pode se constituir em uma situação nefasta.
É fundamental a valorização dos pontos positivos que todos
têm, alorizar as pequenas conquistas que as crianças obtêm e evitar
as comparações. Apontar pontos positivos nas pessoas é um bom
incentivo para a sua valorização da autoestima e reforça os vínculos
entre as pessoas, pois acabamos direcionando maior atenção àqueles
que por nós mantêm um olhar atento e cuidadoso. O importante
é que o adulto mantenha sempre a capacidade de mostrar que
caminhos e alternativas existem, deixando-as decidirem.
126 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

A forma básica de organização social das atividades


escolares: competição X cooperação e a competição saudável
na escola

A forma básica de organização social das atividades escolares – se


é individualista14, competitiva15 ou cooperativa16 –, dependendo da
maneira como é conduzida, é o quarto aspecto que pode influenciar
o estabelecimento de desequilíbrios afetivos emocionais.
Conforme Bronfenbrenner (1996), Sherif17 e seus colegas
realizaram um experimento que chamaram de “a primeira guerra
científica”. Sherif queria demonstrar que, no espaço de poucas
semanas, conseguiria produzir dois padrões de comportamento
claramente contrastantes com meninos americanos convivendo num
acampamento. Primeiro, ele transforma-los-ia em gangues hostis,
destrutivas e antissociais; então, em poucos dias, ele transforma-
los-ia novamente, desta vez em amigos preocupados uns com os
outros.
Para produzir atrito entre os grupos de meninos, foi organizado
um torneio competitivo de jogos: beisebol, futebol, cabo-de-guerra,
caça ao tesouro e outros. O torneio começou com um espírito bom.
Porém, conforme progredia, os bons sentimentos logo se sumiam.
Nas palavras de Sherif18, vejamos como se portavam os grupos
de meninos depois que a competição iniciou:

Os bons sentimentos logo se evaporaram. Os membros de


cada grupo começaram a chamar seus rivais de canalhas,
covardes e trapaceiros. Os meninos voltaram-se contra
antigos companheiros que haviam escolhido como o
melhor amigo quando haviam chegado no acampamento.

14 Numa situação individualista, cada um busca resultados individuais, independentes dos


resultados dos outros (COLL e COLOMINA, 1996).
15 Na competição, uma pessoa alcança a meta a que se propõe, a qual que os demais não
podem alcançar (COLL e COLOMINA, 1996).
16 Na cooperação há divisão do grupo classe em subgrupos ou equipes de até cinco ou
seis alunos, que desenvolvem uma atividade. Os membros da equipe costumam ser
heterogêneos, no que diz respeito à habilidade de executar a tarefa, o que não costuma
dar lugar a uma diferença de status entre os membros (COLL e COLOMINA, 1996).
17 Sherif, M., Harvey, O. J.; Hoyt, B J.; Hood, W. R.; and Sherif, C. W. Intergroup conflict
and cooperation: the robbers cave experiment. Norman: University of Oklahoma Book
Exchange, 1961.
18 Sherif, M. Experiments in group conflicts. Scientifica American 195: 54-58, 1956.
A resolução de conflitos na escola sob a perspectiva da Psicomotricidade… - 127

Os Àguias, depois de uma derrota num jogo de torneio,


queimaram uma bandeira deixada pelos Cascavéis;
na manhã seguinte, os Cascavéis se apoderaram da
bandeira dos Águias quando eles chegaram no campo de
atletismo. A partir daquele momento, palavrões, brigas
e ataques de surpresa foram a ordem do dia. Na fila
para o jantar eles se empurraram para ficar em primeiro
lugar. Eles jogavam papéis, comida e diziam palavrões de
uma mesa para outra.

O conflito foi encerrado por meio de uma série de estratégias. A


base destas estava na cooperação. Oposto às atividades do primeiro
experimento que incitavam a rivalidade e a individualidade dos
grupos por meio de jogos competitivos, as atividades do segundo
experimento buscavam a resolução de problemas de forma coletiva
e cooperativa, o que reduziu significativamente os comportamentos
agressivos.
De acordo com Sherif (1956, p. 58) o elemento crítico para
obtermos harmonia nas relações humanas é uma atividade conjunta
voltada para um objetivo, citando: “A hostilidade desaparece quando
os grupos se unem para atingir objetivos de suprema importância,
que são reais e compelidores para todos os envolvidos”.
Para introduzir a atividade conjunta, Sherif colocou para os
dois grupos um problema para que resolvessem juntos, da seguinte
maneira: a água era transportada ao acampamento de um tanque
a cerca de um quilômetro, por meio de canos. Os pesquisadores
interromperam o abastecimento (sem que os meninos soubessem)
e então chamaram-nos para informá-los da crise. Ambos os grupos
prontamente se apresentaram como voluntários para investigar
a canalização e encontrar o problema. Eles trabalharam juntos
harmoniosamente e, antes do final da tarde, haviam localizado e
corrigido o problema.
Em outra ocasião, todos estavam com fome e o caminhão do
acampamento estragou prestes a partir para a cidade para buscar
comida: os meninos tiveram de empurra-lo juntos para fazer o
veículo ligar.
Depois do segundo experimento, os grupos agiam da seguinte
maneira:
128 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

Os meninos pararam de se empurrar na fila das refeições.


Eles já não diziam palavrões e agora sentavam-se juntos
à mesa. Desenvolveram-se novas amizades entre os
garotos dos dois grupos. No final, os grupos estavam
ativamente buscando oportunidades de se misturar,
divertir e obsequiar5 um ao outro. Eles resolveram fazer
um fogo de acampamento todos juntos. Revezaram-
se apresentando quadros teatrais cômicos e canções.
Membros de ambos os grupos pediram para voltar para
casa no mesmo ônibus, em vez de nos ônibus separados
em que tinham vindo.

Com o segundo experimento, Sherif (1956) obteve outra


conclusão, contrariando muitos estudiosos que acreditavam que
uma simples interação – um contato social agradável entre os
antagonistas – poderia diminuir a hostilidade. Ao contrário, os
eventos sociais como assistir filmes, comer na mesma sala de jantar
e assim por diante só serviram para aumentar o conflito entre os
grupos. Por isso, Sherif salienta que as atividades cooperativas
em que as pessoas têm os mesmos objetivos para a realização das
atividades são fundamentais para a união e a reconciliação entre as
pessoas.

Se as atividades competitivas podem provocar a desunião


entre as pessoas, então deve-se abandonar este tipo de
atividade na escola?

Cremos que esta não é a melhor opção, e acrescentamos que as


atividades competitivas devem ser propostas no ambiente escolar,
em uma estrutura racionalmente organizada.
Em primeiro lugar, não é possível deixar de se promoverem
as atividades competitivas na escola, já que nossa sociedade está
impregnada com atividades competitivas, nos clubes, meios de
comunicação, etc. Ainda, os estudantes gostam de praticar atividades
competitivas; a escola não é uma “ilha”, na qual os estudantes se
separam da realidade para aprender os conteúdos escolares; pelo
contrário, a escola é, também, ambiente de crítica da realidade,
onde se podem desenvolver as atividades de maneira saudável, não
reproduzindo exemplos ruins.
A resolução de conflitos na escola sob a perspectiva da Psicomotricidade… - 129

Em segundo lugar, as atividades competitivas devem ser


realizadas no ambiente escolar e, dependendo de como forem
conduzidas pelos docentes, podem se transformar em momentos
educativos importantes. Como exemplo de organização racional
das atividades competitivas pelos professores, podem-se citar as
seguintes intervenções:

• antes da realização da atividade, criar, em conjunto com os


estudantes, regras de conduta para que todos os participantes
sigam;
• explicar aos alunos que é um jogo para desfrute, não para
brigas;
• explicar que uma partida (se não terminar empatada) vai produzir
um campeão e um perdedor, tendo o campeão o direito de
comemorar e ficar feliz, mas não pode zombar dos derrotados,
e o perdedor, talvez não fique feliz, mas isso não significa que
deve ficar bravo com os ganhadores ou consigo;
• comentar que às vezes se ganha e às vezes se perde, e quem hoje
ganha em uma partida amanhã poderá perder; por conseguinte,
quem perde também pode ganhar, e que a vitória e a derrota
têm como causas uma série de fatores e aprendizagens que
podem ser analisados;
• discutir com os alunos para que persistam sempre, mesmo
se estiverem perdendo uma partida, reforçando o valor do
compromisso e da responsabilidade;
• em possíveis situações de conflitos, chamar a atenção para as
regras previamente elaboradas pelo grupo;
• em situações de conflito que não possam ser resolvidas pelos
próprios estudantes, conversar com os envolvidos, tentando
fazer com que cheguem por si a uma resolução não-violenta da
situação;
• favorecer a participação de todos os alunos nas competições,
independente de suas possibilidades ou dificuldades. Isso
implica criar na escola não apenas os jogos competitivos
tradicionais (futebol, voleibol etc.) que favorecem apenas as
habilidades de alguns alunos, mas oportunizar competições
de cunho amplo, como gincanas com tarefas variadas (físicas,
130 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

cognitivas, artísticas, em cadeiras de rodas, jogos adaptados


que explorem órgãos sensoriais etc.), com a cooperação como
fundo;
• as equipes jogam com ou entre, e não contra, pois só há atividade
esportiva competitiva se tiverem participantes.

Existem também os festivais19, já que acreditamos que esses


estão associados às festividades. O festival poderia ser um meio de
se promover a paz e a solidariedade com ações concretas, dentre as
quais: todos os alunos, no ato da inscrição, devem doar um alimento
não- perecível e/ou agasalhos e brinquedos em bom estado para
causas oportunas. Essas doações poderão ser entregues às entidades
pelos alunos. O grupo de alunos que levará pode ser escolhido por
sorteio, pelo que mais arrecadou, pelo que menos arrecadou (para
exercitarem a solidariedade de perto), pelo campeão, enfim, a
entrega deve ter a presença dos jovens para vivenciarem momentos
de solidariedade. É fundamental que esse momento de entrega das
doações seja registrado com fotos, para que, no próximo festival,
sejam expostas essas fotos para todos que participam.

Os desequilíbrios afetivos emocionais e a resolução não-violenta


de conflitos

Os desequilíbrios afetivos emocionais podem gerar situações de


conflitos entre as pessoas. Já comentamos que os conflitos não são
necessariamente negativos, e que a maneira como respondemos
aos conflitos é que vai determinar sua influência. A resolução
não-violenta de conflitos, e não hostil é um caminho viável para
a consecução de um clima de paz. Para Schinitman (1999), a
resolução de conflitos pode se dar pela comunicação e em práticas
discursivas e simbólicas que promovem diálogos transformativos.
Com o diálogo e a participação coletiva nas decisões e acordos
participativos, a tendência é o aumento da cooperação, do respeito
e da construção de ações em prol das diferenças.
19 A preferência pelo título Festival é devido a essa palavra estar associada à festividade, a
espetáculo, distanciando-se de competição.
A resolução de conflitos na escola sob a perspectiva da Psicomotricidade… - 131

Guimarães (2004) apresenta algumas habilidades importantes


para lidar com os conflitos e agressividade, canalizando-as estas para
o bem:

• aprender a ouvir as pessoas com atenção, consideração e


sensibilidade;
• aprender a reclamar do que não gosta sem ofender, humilhar ou
atacar as pessoas;
• aprender a atacar o problema, e não as pessoas;
• não fazer com que a raiva se transforme em atos violentos;
• aprender a dizer o que gosta em relação ao que os outros dizem
ou fazem.

A partir do momento em que se veem os desequilíbrios afetivos


emocionais como situações normais na vida das pessoas na escola
e criam-se estratégias para lidar com esses momentos, pode-se
desenvolver um clima escolar mais agradável e que realmente auxilia
os alunos no seu desenvolvimento e socialização escolar.

Estratégias para lidar com situações de desequilíbrios afetivos


emocionais

A grande interrogação dos professores é como trabalhar com as


crianças que manifestam desequilíbrios afetivos emocionais. Para
isso, é necessário que o professor estabeleça algumas estratégias para
formar vínculos, já que são esses que vão permitir uma aproximação
afetiva significativa e, com o tempo, é bem provável que se possa
ajudar a criança a controlar seus impulsos frente a determinadas
situações. Negrine (2002) aponta três atitudes que devem ser
adotadas pelo professor na formação de vínculo, sem, contudo,
descartar outras tantas possíveis.
A primeira delas está relacionada ao tratamento que se deve
adotar em relação ao outro, isto é, chamá-lo sempre pelo nome,
pois, assim, se reforça a identidade do outro e se faz com que esse
passe a ter reconhecimento diferenciado do educador em relação ao
estudante.
132 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

A segunda atitude para favorecer a formação de vínculos é


dirigir-se às pessoas olhando nos seus olhos, seja ao falar, seja ao
escutar o que dizem.
A terceira é ter um olhar diferenciado com os alunos com os
quais que se pretende melhorar a relação. Olhar diferenciado
significa enxergar coisas positivas no comportamento desses alunos,
sejam atitudes, gestos, verbalizações, imediatamente elogiando e
chamando a atenção para essas atitudes positivas.
Nesse momento, percebe-se tendência dos professores (ou pais)
em dirigir a palavra para a criança que rompe com as normas somente
para lhe chamar a atenção, para desaprovar uma determinada
atitude, o que não contribui para estreitar as relações e formar
vínculos. Todas as pessoas apresentam comportamentos positivos,
mas é necessário que o adulto queira perceber. Contudo, a adoção
dessa estratégia não deve impedir que o professor deixe de recordar
as normas quando a criança não as cumprir, porque em uma relação
saudável também se deve dizer “não”.
O fato de se estabelecerem estratégias para formar vínculos com
alguém, não significa que se tenha sucesso em todas as investidas,
uma vez que o estabelecimento de vínculos não obedece a uma
lógica constante. A maneira como a criança vê a ação do adulto
que interage com ela pode desencadear atitudes relacionadas com
situações já vivenciadas ou lembrar pessoas do seu convívio.
Também reage-se, porém, em função do momento, das crenças,
dos valores e da capacidade que se tem para enfrentar os desafios
impostos. Por isso, pensa-se que é fundamental o vínculo que o
professor vai construindo na relação com o aluno, pois significa que
suas atitudes, solicitações e palavras passam a ser mais valorizada
pelo aluno, conseguindo assim melhores resultados nas investidas
de caráter pedagógico e afetivo.
Mas como saber se a qualidade de relação estabelecida com a
criança já oferece essa aceitação? Negrine (1994) é de opinião que
o contato corporal é um bom indicador. No momento em que a
criança permite ser tocada, abre-se bom canal de comunicação e
de aceitação. O toque corporal, além de segurança afetiva que dá à
criança, ajuda-a a se sentir segura. Como exemplo, o professor, ao
mediar um conflito entre dois alunos, deve ficar na mesma altura
A resolução de conflitos na escola sob a perspectiva da Psicomotricidade… - 133

das crianças, escutar o relato de ambas as partes de cada vez, estando


próximo a elas, pondo uma das mãos no peito, para ter noção de
batimento cardíaco e, a outra mão nas costas, por ser uma parte do
corpo desprotegida, para, assim, transmitir-lhe segurança.
Acrescenta-se que a comunicação do educador com os educandos é
um elemento fundamental de intervenção pedagógica, de mediação
de conflitos e como estratégia para lidar com desequilíbrios afetivos
emocionais. Para Sandrini (2007), a juventude (ou novas gerações)
não tem apenas uma linguagem - ela é uma linguagem. O educador
precisa entender dessa linguagem para realmente poder ajudar os
jovens.
Nesse sentido, Rodrigues (2002) salienta que o educador deve
demonstrar calma nas situações de hostilidade ou indisciplina
dos alunos, que as medidas sejam definidas, justas e firmes, sem,
contudo, magoar o educando, mas lhe mostrar com coerência
o melhor caminho. Para esse autor, a postura de um educador
equilibrado é aparente em suas expressões do rosto e nas palavras
ajuizadas, transparecendo, dessa maneira, a figura de uma pessoa de
valor e dignidade, tão necessárias aos nossos educandos.
A comunicação professor-aluno se torna fundamental, não
só para o bom relacionamento entre ambos, mas também para o
educador utilizá-la como instrumento de sondagem dos processos
de aprendizagem e de desenvolvimento da criança. Para tanto, é
fundamental uma contínua formação pessoal e pedagógica do
educador.

Palavras finais

O conflito é parte da vida. Para Johnson e Johnson (1999), o


que determina o conflito com destrutivo ou construtivo é a maneira
como será tratado. Eventualmente, nas escolas, despreza-se o
conflito ou trata-se dele como algo negativo. Os conflitos que são
tratados de forma construtiva são positivos e auxiliam no melhor
desempenho e resolução de problemas.
O educador necessita ter uma perspectiva positiva em relação à
educação e, principalmente, ao educando. De nada adianta para a
134 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

educação atitudes pedagógicas que não sejam na direção de fazer com


que os alunos cresçam, de perceber nas pessoas valores e aspectos
positivos e, nos atos não tão positivos que realizam, compreender
que são estes momentos que indicam necessidade de intervenção.
É nessa ótica que se desenha a percepção de desequilíbrios afetivos
emocionais: indicam estados passageiros, explicados por situações
anteriores que levam as pessoas a esses momentos e que apontam a
necessidade de devida intervenção do professor.
Nesse sentido, a ajuda dos professores precisa ser na direção
de propiciar aprendizagens para a criança poder encontrar saídas,
mecanismos de resolução para seus desconfortos pessoais. Para
tanto, o educador deve, preventivamente, entender a linguagem
das novas gerações e reforçar o vínculo com essas crianças, para
reintegrá-las ao grupo.

Referências
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2000.
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HAMMES, L. J. As formas de resolução de conflitos em escolas públicas de
Jaguarão, RS. Jaguarão: UFPel/UNIPAMPA, 2007.
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RODRIGUES, N. B. Educador marista, um jeito de ser. Porto Alegre: CMC,
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SANDRINI, M. Para sempre!: o compromisso ético do educador. 2. ed.


Petrópolis, RJ: Vozes, 2007
SCHNITMAN, D. F. Novos paradigmas em mediação. Porto Alegre: Artes
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SCRIBEL, M. C. Psicologia das relações familiares. Canoas: Centro
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WINNICOT, D. W. A criança e o seu mundo. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 1982.
WINNICOT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
RECREIO NÃO-DIRIGIDO: UMA PERSPECTIVA
RELACIONAL E INCLUSIVA

Bento Selau
Luciano Ferreira Costa

Apresentamos uma proposta de participação dos professores no


recreio escolar dos alunos a partir de uma perspectiva relacional e
inclusiva. O trabalho tem como referência prática a atividade docente
exercida no Centro Social Marista de Porto Alegre (CESMAR),
onde os recreios das crianças tinham o livre acompanhamento,
não somente dos professores de Educação Física, mas de toda a
comunidade educativa20.
Em algumas instituições, o recreio escolar é o momento em que
os educandos consomem seu lanche e têm liberdade de ação, em
espaço aberto (pátio), ou fechado (quadra interna), sem a presença
e intervenção dos professores titulares. Há também instituições
que aproveitam o intervalo como um momento de atividades
dirigidas, determinando às crianças e jovens o que devem realizar.
A proposta do CESMAR caracterizava-se por um recreio no qual os
educandos podiam brincar livremente, mas com uma característica
fundamental: o acompanhamento constante por parte de todos
os professores. O acompanhamento era feito, basicamente, por
interação de adulto e aluno nos jogos, principalmente se fosse para
dar-lhes início e andamento, para fazer valer as regras e normas de
convivência previamente elaboradas, ou simplesmente permanecer
no ambiente atento a alguma intervenção que se fizesse necessária
para o bem-estar dos estudantes ou, inclusive, disposto para a
aproximação dos alunos.
20 A dinâmica do centro social em questão era semelhante à escolar, portanto, suas inferências
cabem para o estudo e análise escolar.
138 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

A proposta dava-se além das relações entre professor e aluno


em sala de aula, assumindo uma abrangência que qualificava e
facilitava o trabalho de educar, porquanto os recreios participados
ampliavam as relações interpessoais, possibilitando ao educador
melhor conhecimento do educando.
Destaca-se que a presença oportuna do professor no recreio,
auxiliando, cuidando, oferecendo-se como referência para os
educandos, compreende uma perspectiva de trabalho relacional,
pois prima pelas interações estabelecidas entre as pessoas no
ambiente de aprendizagem escolar, no intuito de favorecer seu
desenvolvimento e suas aprendizagens.

Implicações educativas nos recreios

O recreio traz grande satisfação aos educandos, certamente


porque lhes possibilita vivenciar aquelas atividades que mais
apreciam. Apesar de os alunos não receberem saber disciplinar
formal, e nem é esse o objetivo, podemos aproveitar esse espaço
como rico momento para propor aprendizagens quando há adultos
por perto, principalmente quando esses sabem utilizar o brincar
como elemento pedagógico.
Dessa maneira, questionamos: Aqueles que trabalham no âmbito
da educação estão cientes dos aspectos relacionais que envolvem
o desenvolvimento infantil? Podem considerar o recreio como um
momento de participação, de ajuda, de verbalização, de escuta
das aspirações das crianças e dos jovens, para assim auxiliá-los na
sua aprendizagem e desenvolvimento? Têm consciência de que o
brincar pode se caracterizar como um momento em que o professor
pode realizar intervenções pedagógicas? Ou consideram o recreio
escolar apenas como um momento no qual as crianças estão livres
no pátio?
Esses questionamentos não têm como intenção a resposta
imediata, mas chamar a atenção para o momento de recreio e suas
possibilidades educativas; dizemos também que, sem relação entre
o professor e o aluno, sem interpretação sobre o significado das
relações que podem ser estabelecidas naquele momento perde-se
Recreio não-dirigido: uma perspectiva relacional e inclusiva - 139

esse espaço pedagógico tão importante para o desenvolvimento das


relações interpessoais e pedagógicas na escola.
Para alguns autores, tais como Negrine (1994), as crianças
aprendem nas relações com outras crianças e com os adultos.
Durante as brincadeiras, na relação com os colegas, as crianças se
ocupam em jogos (atividades com a presença do simbolismo) ou
exercícios (atividades sem a manifestação simbólica). Nas atividades
coletivas, a presença do componente simbólico (jogo) é quase que
instantânea.
Essa manifestação é fundamental para o desenvolvimento mental
da criança, conforme cita Vygotski (1998), quando trata da zona de
desenvolvimento mais próximo. A zona de desenvolvimento mais
próximo é a diferença entre o nível das tarefas realizáveis com a
ajuda e o nível das tarefas que podem ser realizadas como atividade
independente, ressaltando-se aqui a importância da participação do
adulto nas atividades infantis. Nesse caso, o professor envolvido no
intervalo pode ajudar a criança a realizar alguma atividade em que
ela encontra dificuldade para executá-la sozinha, estabelecer contato
corporal de afetividade com o educando, estar atento e liberar essas
crianças para que vivenciem diferentes papéis nas brincadeiras
etc.; e isso deve ser considerado como fator fundamental do
desenvolvimento infantil, já que, para o autor, o que ela faz hoje
com ajuda, fará amanhã por si só.
Falkenback (1998) também concorda com essa ótica, e acrescenta
que o momento de atividade lúdica é o principal componente
da análise das interligações professor e aluno para o processo de
desenvolvimento infantil. Para o autor, devem ser considerados
fatores que não somente o conhecimento teórico do professor, mas,
principalmente, comportamentos e atitudes sociais. São as ações
que o educador vai tomar frente às crianças durante a atividade livre
(neste caso o recreio) que serão fundamentais para que possa auxiliá-
la a se desenvolver, isto, fundamentalmente, porque o docente é o
profissional da escola capacitado para o trabalho pedagógico, e suas
intervenções devem ser oportunas nesse espaço.
Acrescentamos às concepções que envolvem a prática pedagógica
o pensamento de Coll (1994), para que suas ideias possam clarear
ainda mais esta análise das relações entre professor e aluno no
recreio. O autor entende que adulto e criança que se envolvem em
140 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

uma atividade não têm, num primeiro momento, a mesma definição


da situação. Cabe ao adulto envolvido articular estratégias para que
a situação desemboque numa definição intersubjetiva, para que, ao
trazê-la para a sua própria definição com fins educacionais, a criança
consiga internalizar o que quer o educador. O processo que permite
a negociação entre os dois participantes na definição da realização da
atividade é a medição semiótica, ou seja, a utilização das linguagens
possíveis para uma relação educacional. No recreio, a mediação
semiótica alcança um grau de possibilidade mais elevado, pois o
professor pode acompanhar o educando de maneira personalizada,
o que é dificultado na sala de aula devido ao grande número de
alunos reunidos.
O recreio é um momento oportuno para favorecer todos esses
aspectos, uma vez que os educandos estão brincando e jogando. Por
isso traduz-se em uma forma de o educador sondar que tipo de
brincadeiras e atividades os educandos preferem e, posteriormente,
poder usa-las durante as aulas, adaptando-as ao conteúdo a que se
propõe ensinar.
Percebemos o recreio também como um momento em que o
professor pode se aproximar do educando de maneira informal para
conquistá-lo, para formar vínculo, para intervir em suas atividades,
com o objetivo de conseguir prestígio perante o aluno, a fim de que
este possa aprender significativamente os conteúdos.
Nas suas Cartas, Champagnat (SIMAR, 1997) dizia que o recreio
é um momento fundamental na educação de crianças e jovens, pois
ele acreditava que é pela disciplina preventiva, ou seja, educadores
e crianças sempre juntos, da recepção às aulas e recreios, até o
momento da saída, que se consegue um enlace afetivo essencial para
a aprendizagem. Para o autor, no momento em que a criança ou o
jovem tem um relacionamento melhor com o professor, o processo
educativo é facilitado por essa proximidade.
Nesse caso, o recreio serve como momento para que o professor
se aproxime do educando, para poder conquistá-lo, e assim fazer
com que suas aulas sejam melhor aceitas pelo aluno. Assim as trocas
afetivas estabelecidas entre professor e aluno no momento de
recreio são fundamentos que por si só já bastariam para ressaltar esta
proposta, já que este se configura em um espaço para as relações não-
diretivas entre as pessoas, e deve ser aproveitado para tal na escola.
Recreio não-dirigido: uma perspectiva relacional e inclusiva - 141

Podemos perceber que o recreio não-dirigido, numa postura


de escuta, interação e ajuda pode ser momento de intervenção
pedagógica, que possui grande significado na aprendizagem e
também é momento para que ela se estabeleça.

Como os professores podem organizar seu espaço de intervalo?

Essa prática é incomum e parece inovadora em nossos dias.


Entretanto, a participação dos professores no intervalo constituía-se
em uma exigência pedagógica para o Centro Social na qual atuávamos
como docentes. A instituição baseia-se nos princípios do fundador
dos Irmãos Maristas, Marcelino Champagnat, para quem a presença
dos docentes nos recreios dos alunos representava prolongamento
da ação educativa. E podemos acrescentar que também é base para
os relacionamentos de sala de aula.
Um recreio escolar que tem como característica a participação dos
docentes precisa, necessariamente, de uma dinâmica diferenciada.
Como os professores podem participar do recreio dos estudantes
respeitando seu espaço de intervalo?
Descrevemos essa ideia tomando como exemplo o contexto
do CESMAR para essa situação. A organização dos professores
desse local para o recreio, que tinha duração de trinta minutos,
era a seguinte: durante o intervalo, os alunos tinham liberdade
para fazer o que desejassem, dentro das normas preestabelecidas,
evidentemente. Os educadores se dividiam em dois grupos,
enquanto um permanecia quinze minutos acompanhando os alunos
no pátio, o outro, utilizava este tempo para seu intervalo e descanso.
Depois, invertiam-se os papéis.
A partir dos pressupostos apresentados, entende-se que a
construção do conhecimento de cada educando torna-se muito
mais significativa quando toda a comunidade educativa participa
do intervalo. Essa estrutura de recreio é, de certa forma, inovadora,
justamente pelo fato de se preocupar com os relacionamentos
interpessoais que acontecem nos momentos informais, e pensa-se
que possam ajudar nos momentos de sala de aula.
142 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

Refletindo sobre concepções inovadoras, Lapierre e Aucouturier


(1988) afirmam que toda a pedagogia que não se renova esclerosa-
se rapidamente. A pesquisa pedagógica exige continuidade. Dentro
de nossa realidade pedagógica, devemos elaborar intervenções
coerentes; e para o recreio não pode ser diferente. Aproveitar esse
espaço, no qual as crianças estão livres para brincar e se relacionar,
como espaço de intervenção pedagógica, parece muito prudente.

Intervenções dos educadores no recreio

Levando em consideração a análise teórica e nossa experiência


como professores do centro social, propomos algumas formas
de atuação do educador com os educandos nos momentos de
intervalo:

a)proporcionar brincadeiras às crianças;


b) recordar aos alunos, quando se fizer necessário, as normas
estabelecidas a respeito da convivência, da utilização dos materiais
e dos espaços físicos;
c) participar dos jogos dos educandos, principalmente para
motivá-los, controlando-se para não vir a ser mais uma criança no
jogo;
d) ajudar a criança a realizar alguma atividade em que ela
apresente dificuldade;
e) conversar sobre diversos assuntos com os educandos,
utilizando a palavra como meio provocador, estimulante ou, quando
necessário, para chamar a atenção sobre atitudes que ferem as
normas institucionais preestabelecidas;
f) manter um olhar coletivo para com os educandos, seja em
ambiente aberto (pátio), ou fechado (ginásio), no intuito de que
nenhum deles se sinta vigiado (porque não é esta a intenção);
g) escutar as verbalizações dos educandos com atenção (a
fotografia, na sequência, ilustra o momento em que uma aluna
aproxima-se espontaneamente do professor para conversar);
Recreio não-dirigido: uma perspectiva relacional e inclusiva - 143

h) não formar grupos de professores em conversas, mas distribuir-


se pelos espaços, justamente porque, neste momento, o foco
principal é o relacionamento de educadores com seus educandos;
i) caminhar por todos os ambientes frequentados pelos educandos,
sejam quadras, salas, banheiros, entre outros;
j) não permanecer sempre com os mesmos alunos nos momentos
de recreio;
l) Procurar os alunos que geralmente se envolvem em conflitos
para formar ou estreitar vínculo;
m) facilitar o entrosamento dos alunos considerados com
necessidades educacionais especiais com as outras crianças.

Momento de comunicação entre educador e educandos durante o recreio

Fonte: Bento Selau, com ciência dos responsáveis.

Essas são algumas indicações de atuação e não representam


“receituários” de atuação pedagógica nos intervalos. Todos os
elementos propostos evidenciam a preocupação primeira de atender
aos educandos, de ajudá-los a brincar, de escutar suas necessidades,
enfim, de fazer com que o momento de recreio entre educandos e
educadores seja de felicidade e de crescimento humano.
144 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

A intervenção pedagógica do educador por meio do brincar ajuda


a criar e reforçar vínculo com a criança, a conhecer melhor o aluno,
principalmente seus gostos e preferências na hora do lazer e, dessa
maneira, favorece a aprendizagem e o desenvolvimento infantil.
Todo professor, principalmente o da Educação Infantil e Séries
Iniciais, deve compreender o valor pedagógico do brincar.

O cuidado com os alunos ditos com necessidades educacionais


especiais no recreio

A proposta de educação escolar inclusiva implica em nova maneira


de perceber as crianças no espaço de recreio, e a participação dos
professores nesse momento parece ser fundamental para o bom
relacionamento entre todas as crianças e seus colegas.
É fundamental que haja todo um cuidado com os alunos ditos
com necessidades educacionais especiais durante o intervalo, sendo
o professor o agente mais capacitado para lidar com as crianças
nesse momento escolar tão importante.
Assim, salientamos que se tenha atenção para, entre outras
situações: o deslocar-se da sala para o banheiro, tomar o lanche,
utilizar o banheiro, deslocar-se pelo pátio, facilitar o brincar com as
demais crianças e a volta do recreio para a sala de aula.

O deslocamento da sala para o recreio

O que, para algumas pessoas, parece ser uma tarefa simples,


para outras, trata-se de um momento desafiador, de tensão e,
principalmente, de necessidade de auxílio. Assim, para algumas
crianças em educação escolar inclusiva, o fato de se deslocar da sala
de aula para o pátio (ou espaço de recreio) é situação não muito fácil.
Por isso, os professores precisam estar atentos a esses momentos e,
em algumas ocasiões, auxiliar ou solicitar que os colegas de sala de
aula possam auxiliar o aluno.
Recreio não-dirigido: uma perspectiva relacional e inclusiva - 145

Tomar o lanche

Algumas crianças precisam de auxílio inclusive para tomar o


lanche. Selau (2007) percebeu uma saída muito simples quando, em
sua pesquisa de mestrado, acompanhou durante longo tempo salas
de aula consideradas inclusivas: viu que, em uma sala que tinha a
presença de uma aluna com necessidades especiais, reservava-se um
momento antes do intervalo para que todas as crianças tomassem
seu lanche dentro da aula. Parece simples, porém é uma situação que
necessita de compreensão da educação inclusiva pela escola, já que,
o tempo utilizado para o lanche diz-se que “toma espaço de tempo”
no qual os professores poderiam “trabalhar conteúdos escolares”.
Essa saída utilizada pela professora, chancelada pela escola, é muito
positiva, até mesmo porque é preciso que os docentes e os gestores
percebam a sala de aula (e a escola) não somente como um espaço
de aprendizagem de conteúdos, mas também de aprender a conviver
entre as pessoas.

Utilizar o banheiro

É necessário que a escola providencie as devidas adaptações


arquitetônicas para receber todos os alunos. Mesmo assim, os
docentes precisam ter cuidado com o momento de as crianças
utilizarem o banheiro, para que possam fazer isso da melhor maneira
possível. Pensa-se que é interessante uma conversa com os pais da
criança que necessitar de auxílio, para que se elaborem estratégias
convenientes para cada criança com necessidade especial, pois, os
pais são as pessoas que melhor conhecem as crianças e seus hábitos.

Deslocar-se pelo pátio

O deslocamento da criança pelo pátio é algo que também


vai depender das adaptações arquitetônicas que a escola possa
providenciar. Ainda assim é importante que o educador possa manter
um olhar atento, tentando perceber se a criança com necessidade
especial pode se deslocar com facilidade ou precisa de ajuda.
146 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

Facilitar o brincar com as demais crianças

Esse é um dos pontos mais importantes que devem ser observados


durante o recreio das crianças ditas com necessidades educacionais
especiais: o fato de elas poderem brincar com seus colegas durante
o intervalo. Isso implica na percepção de alguns fatores, tais como:

• o conhecimento teórico do educador sobre as principais teorias


do jogo na infância;
• um preparo corporal, por meio da formação pessoal, para a
implicação do educador durante o brincar;
• a compreensão de que, o recreio, não é momento de aula, ou
seja, não há uma determinação para que as crianças brinquem
juntas. Assim, fomentar o brincar entre as crianças deve ser
entendido como um momento livre entre as crianças, na qual
o educador intervém para facilitar a socialização da criança dita
com necessidade educacional especial e seus colegas e destes
últimos com a primeira.

A volta do recreio para a sala de aula

Finalmente, facilitar o acesso da criança dita com necessidade


educacional especial para a sala de aula, transpondo possíveis
obstáculos que não conseguiria por si, situação que pode ser também
vista por meio de uma combinação do professor com os colegas de
sala de aula.

A avaliação da proposta

A avaliação de uma proposta desta natureza poderá ser realizada


em reuniões periódicas entre os membros da comunidade educativa,
recomendando-se analisar situações do contexto, como:

a) verificar os aspectos positivos do procedimento e aqueles que


podem ser desenvolvidos de maneira mais prática;
Recreio não-dirigido: uma perspectiva relacional e inclusiva - 147

b) desenvolver novas combinações para melhor utilização do


espaço físico;
c) detectar crianças com dificuldades de estabelecer bons
relacionamentos nestes momentos, traçando planos de ação conjunta
para maior evolução das crianças;
d) analisar o entrosamento das crianças ditas com necessidades
educacionais especiais com seus colegas, percebendo se há
envolvimento com os demais alunos no recreio ou se ficam sozinhas
o tempo inteiro;
d) diagnosticar pontos pedagógicos convergentes e divergentes
adotados pelos educadores, iluminados pelo projeto político
pedagógico e pelo referencial teórico escolhido como guia;
e) convidar discentes e/ou representantes dos alunos para trocar
ideias sobre essa prática.

Cada instituição deve buscar a melhor adequação dessa prática.


Nesse sentido é sugerido que, nas reuniões destinadas a discutir a
questão do recreio, a comunidade educativa verifique os aspectos
que devem prosseguir na proposta, ou ainda constatar que aspectos
precisam ser reavaliados ou destacados.
Também é importante que se verifiquem os critérios de utilização
dos espaços físicos. Em algumas instituições educacionais, esses
espaços devem ser controlados para que os educandos não fiquem
perto de obras, reformas, ou de estacionamentos.
A utilização de quadras esportivas também deve merecer a
atenção para que crianças e jovens possam utilizá-las de maneira
tranquila, sem privilégios para determinados grupos. As pracinhas
infantis devem ser permanentemente cuidadas por adultos, para
que as crianças tenham cuidados, prevenindo-se acidentes.
Algumas crianças podem estar se sentindo, em vez de livres,
aprisionadas no recreio, justamente pelo fato de não conseguirem
se relacionar com os demais colegas, ou porque têm medo de
alguns deles. É nesse sentido que se sugere a observação aquelas
crianças que possuem dificuldade de interação com os demais. Os
educadores devem estar atentos a esses casos, principalmente às
crianças consideradas com necessidades educacionais especiais,
traçando planos de ação conjunta para auxílio a essas crianças.
148 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

Enfim, todas as ações pedagógicas devem, fundamentalmente,


estar embasadas, primeiro, nas normas preestabelecidas pelos
educadores em reuniões prévias e, segundo, por um referencial
teórico que consolide, ilumine e norteie a ação educativa. Assim, o
processo de educação no recreio toma forma de uma ação envolvida
como planejamento adotado, com o fim de atingir aos objetivos
pedagógicos traçados.
Ainda, parece fundamental trocar ideias com os próprios
educandos e/ou representantes discentes sobre a proposta. Os
alunos devem, inclusive, cooperar na elaboração e desenvolvimento
de normas de convivência entre as pessoas nos intervalos e ajudar
a estabelecer combinações referentes à utilização de espaços ou
outras atividades por eles desenvolvidas, como os estilos de músicas
que são apresentados.
A sugestão de recreio de interação entre professor e aluno tem
como norteador do trabalho o nível de intervenção do professor e
possui, em princípio, uma dupla vertente: por um lado, o professor
precisa aprender a escutar, identificar os anseios e necessidades do
educando para estar apto a intervir, e, com isso, ajudá-lo a evoluir
utilizando também o espaço do recreio como importante meio
educacional. Por outro lado, pode estimular, reforçar e propor
algumas práticas corporais, já que os aspectos relacionais situam-se
no âmbito da intervenção afetivo-emocional.

Referências
COLL, C. Aprendizagem escolar e construção do conhecimento. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1994.
FALKENBACH, A. P. A formação pessoal na relação professor/criança. 1998.
372f. Porto Alegre: Dissertação (Mestrado no curso de Ciências do Movimento
Humano) Porto Alegre: ESEF/UFRGS, 1998.
LAPIERRE, A.; AUCOUTURIER, B. A simbologia do movimento:
psicomotricidade e educação. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 1988.
NEGRINE, A. Aprendizagem e desenvolvimento infantil: simbolismo e jogo.
Porto Alegre: Prodil, 1994.
SELAU, B. Inclusão na sala de aula. Porto Alegre: Evangraf, 2007.
SIMAR. Cartas [de São Marcelino Champagnat]. São Paulo: Simar, 1997.
VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1998.
A BRINQUEDOTECA NA ESCOLA

Santa Marli Pires dos Santos

Falar sobre brinquedoteca é falar de uma trajetória profissional


percorrida desde o tempo em que a brinquedoteca no Brasil ainda
vivia a sua fase pré-escolar. Utilizamos a terminologia “pré-escolar”
por dois motivos: primeiro, porque no início de meu trabalho nesta
temática (1986) a brinquedoteca brasileira só tinha cinco anos;
segundo, porque, também naquela época, falar de brinquedoteca era
falar de um espaço apenas para criança pequena. Foi nesse contexto
que, na Universidade Federal de Santa Maria/RS, foi iniciado um
trabalho sobre jogo, brinquedo, brinquedoteca e sua relação com a
educação.
Já se passaram alguns anos, e hoje, vive-se num novo tempo em
que tudo se questiona e se modifica com muito mais rapidez. Passou-
se do processo espontaneísta, de descoberta, de tentativa, de erro e
de euforia para um processo mais maduro, de reflexão e de pesquisa
que vem se consolidando com o trabalho da Associação Gaúcha de
Brinquedotecas (AGAB) em que um grupo de profissionais vem
dando continuidade ao trabalho sobre essa temática.
Apesar de todos esses anos de estudos e experiências em
brinquedoteca no Brasil, a maioria dos educadores não está ainda
esclarecida o suficiente para utilizar o brincar como estratégia
psicopedagógica. Eles são unânimes em afirmar que a educação é
falha, rejeitam o ensino pela via do treinamento, da repressão e da
massificação. São unânimes também em considerar a ludicidade como
uma estratégia viável que se adapta a novas exigências da educação.
Por outro lado, os mesmos educadores apontam dificuldades
quando utilizam o jogo em sala de aula, os quais se concentram,
150 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

basicamente, nas atitudes das crianças frente às atividades lúdicas.


Apontam a bagunça na hora do jogo, a agressividade e a necessidade
das crianças de ganhar a qualquer custo. Por isso, vão deixando os
jogos fora das atividades programadas. Dessa forma, as crianças
continuam brincando na hora do recreio e estudando em sala de
aula, evidenciando que os estudos sobre ludicidade ainda não foram
suficientes para mudar as práticas vigentes nas escolas.
Um outro fator que concorre para essa realidade é que a maioria
dos educadores não sabe bem o que fazer quando a criança se
envolve numa brincadeira e aproveitam esse tempo para realizar
outras atividades de rotina da escola. Nessa situação, vão revelando
sua concepção sobre o brincar e deixando transparecer a visão
romântica do brincar por brincar. Eles não deixam de utilizar os jogos
na sala de aula, mas acreditam que o brincar por si só pode dar conta
da aprendizagem. Quando a escola apenas disponibiliza brinquedos
e deixa que as crianças simplesmente brinquem, o educador deixa
de pensar na ação que os jogos proporcionam, deixa de se envolver
ativamente, de motivar, questionar e desafiar os alunos, deixando
também de cumprir sua tarefa de mediador. É no planejamento,
na escolha dos jogos, na convicção de que brincando a criança pode
aprender que o educador coloca suas convicções e suas hipóteses
acerca das atividades lúdicas na escola.
Por outro lado, alguns educadores acreditam que o jogo pode
ser um grande aliado da aprendizagem e que os alunos são capazes
de aprender brincando. Baseados nessa crença, partem para uma
situação oposta e radical, transformando o brincar num processo
extremamente dirigido. Na verdade, trabalhar com o lúdico na
escola não é tarefa fácil, pois o brincar na educação pode ser livre,
espontâneo, divertido e lúdico e, ao mesmo tempo, controlado e,
algumas vezes, dirigido. Esse paradoxo só poderá ser resolvido pela
mediação do educador. É no trabalho consciente e mediado que o
educador estabelece a hora de intervir, de motivar, desafiar ou de
deixar que a brincadeira seja conduzida pela criança. Além disso, o
educador deve ser capaz de interpretar os jogos das crianças para
poder ajudar na evolução do processo de aprendizagem, dessa forma
estará usando o lúdico como uma estratégia psicopedagógica.
A falta de intencionalidade na proposição do lúdico como forma
de ensino é que torna o brincar na escola desprestigiado e, muitas
A brinquedoteca na escola - 151

vezes, até negado pelos educadores e gestores. A causa dessa


fragilidade recai, principalmente, na problemática da formação
profissional, pois na formação acadêmica, os futuros educadores
aprofundam temas específicos de seu curso e sobre ludicidade
recebem poucas informações e raramente vivenciam situações
práticas, tendo, por isso, poucos elementos de análise e compreensão
desse tema como fator de desenvolvimento humano. Ao se darem
conta dessa situação, alguns buscam na teorização o embasamento
para o seu trabalho; outros partem diretamente para a prática. Mas
é preciso ter consciência de que teoria e prática são indissociáveis.
Nesse cenário é que se insere a brinquedoteca na escola.
A escola, por sua vez, é a única instituição que foi organizada
para sistematizar o ensino. Entende-se, por essa razão, que tudo que
nela se encontra deve estar a serviço da educação. Portanto, falar de
brinquedoteca nesta instituição é falar de brincar para aprender. É
entender os jogos como estratégia de ensino. É ter consciência de
um fazer pedagógico diferenciado. Por tudo isso, ainda valem as
perguntas: O que significa brincar? O que é mesmo brinquedoteca?
Por que uma brinquedoteca na escola? Qual o perfil do brinquedista?
A busca de resposta a essas indagações é uma preocupação atual que
inquieta os educadores e pesquisadores dessa temática. Ao tentar
respondê-las, não se tem a pretensão de fechar a questão, mas apenas
de colocar um posicionamento construído ao longo de muitos anos
de experiência. Nossa convicção é que ao final deste texto muitas
dúvidas ainda vão persistir, além de outros questionamentos que,
certamente, ocorrerão.

O que significa brincar?

Há divergências entre as tentativas de definição do brincar,


ocasionadas pela abrangência do tema. Muitos teóricos acreditam
que o brincar não se define com palavras, por se tratar de atividades
que têm origem na emoção. Outros o definem como uma atividade
espontânea, natural e descomprometida de resultados. Ainda há
aqueles que diferenciam o brincar do jogar, colocando que o brincar
é uma atividade espontânea e sem regras, enquanto o jogar se
caracteriza pelo cumprimento das regras.
152 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

No Brasil, prevaleceu por muito tempo a ideia de que no jogo


havia sempre competição e na brincadeira não. Hoje essas ideias não
são suficientes para se ter uma visão atualizada do conceito brincar.
Preferimos dizer que “jogo” significa a ação lúdica, e não somente a
ideia de regras ou competição. Assim, o jogar ou brincar são ações
lúdicas que se fundem e confundem. Nesse sentido, quando falamos
de educação, as expressões “brincar e jogar”, principalmente para
crianças, guardam os mesmos significados.
Com base nessas premissas, pode-se referir que o brincar (ou jogar)
é uma manifestação humana carregada de magia, encantamento,
satisfação pessoal, prazer e, em certos casos, desprazer. Portanto,
o brincar é uma característica da infância, persiste na juventude,
continua na idade adulta e alcança a velhice. Em cada etapa da vida
o brincar (ou jogar) apresenta trajetórias e funções diferenciadas
com uma variedade de experiências, situações e propósitos que
dão características especiais para o brincar da criança e o jogar do
adulto.
Em relação ao brinquedo, ele é um objeto que convida ao
brincar, mas, para que o brinquedo exista, é preciso que um grupo
da sociedade lhe dê sentido e significado. É só dessa maneira que
ele pode ser produzido, distribuído e consumido. O brinquedo é um
objeto material que carrega em seu contexto questões de ordem:
Educacional, porque o brinquedo educa; Pessoal, porque a ação de
brincar deixa sua marca na vida das pessoas; Social, porque ele é o
“presente” destinado à criança, e, por isso, tornou-se uma atividade
ritualizada entre pais e familiares; Psicológica, porque no brincar as
pessoas se revelam como são; Filosófica, porque a atividade lúdica
faz pensar, refletir e questionar sobre a origem de todas as coisas;
Mística, porque o brincar tem um caráter mágico; Histórica, porque
por meio dos brinquedos pode-se descobrir o modo de brincar das
crianças em épocas distantes; Econômica, porque é um dos produtos
mais vendidos no mundo. Tudo isso confere ao brinquedo um valor
cultural. Então, podemos dizer que brincar é viver, faz parte da
cultura e, em cada enfoque, o brincar vai ganhando nuances que
completam seu significado.
Se o brincar é uma manifestação humana, então, por que se
diz que brincar é coisa de criança? Culturalmente a humanidade
foi preparada para ser séria e, por isso, o brincar sempre esteve
A brinquedoteca na escola - 153

separado das coisas produtivas. Nesse sentido, há uma dificuldade


no entendimento do brincar como atividade do adulto, mas tanto a
criança quanto o adulto, ao vivenciarem atividades lúdicas, sentem
as mesmas emoções. A partir daí pode-se inferir que a essência
da atividade é a mesma, independente da idade cronológica das
pessoas.
No contexto educacional, as instituições já reconhecem o valor
do brincar. Sabem que brincando a criança pode pensar, criar,
simbolizar e aprender. Então, por que os alunos maiores deveriam
permanecer ouvintes passivos numa sala de aula onde o professor os
enche de informação?
A questão central é saber como fazer do brincar uma estratégia
para aprender, pois o brincar pode ser um grande aliado na
aprendizagem ou ser, apenas, uma forma de diversão. Nesse enfoque,
duas correntes pedagógicas invadem as escolas: a do “brincar livre”
e a do “brincar intencional”.
A corrente do brincar livre surgiu com respaldo nos paradigmas
antigos, nos estudos sobre o brincar realizados no decorrer do século
XIX e início do século XX, voltados mais para o entretenimento,
diversão ou lazer, nas teorias clássicas sobre jogo (1875 a 1902),
no direito da criança brincar como dever da família, do estado e
da sociedade (Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990). Os
seguidores desta corrente se preocupam em fazer com que a
criança adquira hábitos úteis à vida social do adulto, enfocando
a alfabetização como meta mais importante da escola. Para esses
educadores, a brincadeira é perda de tempo. Também focalizam o
princípio da liberdade, acreditando que a liberdade no brincar leva à
criatividade. Por último, os adeptos do brincar livre têm a convicção
de que a escola é um lugar para estudar e o brincar deve ser uma
atividade reservada para a hora do recreio.
Por outro lado, o brincar livre é uma atividade necessária ao
ser humano, pois é espontânea, natural e lúdica. Desperta o riso,
a alegria, o prazer, o bom humor e a satisfação pessoal; traz vários
benefícios, como a socialização, criatividade, coordenação motora;
e todas as crianças gostam. O problema é que no “brincar livre” o
educador apenas coloca os brinquedos à disposição da criança, e
nesse contexto ela brinca. Suas tarefas são: organizar os materiais,
cuidar das crianças e deixar que elas escolham os brinquedos. Para
154 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

realizar essas tarefas, as pessoas não necessitam de conhecimento


científico nem de formação profissional consistente.
Num sentido amplo, entende-se por brincadeira livre na escola
aquela na qual não há interferência do educador. Esse tipo de
atividade não leva a uma sistematização da educação, pois nunca se
sabe como, quando, por que e com quais brinquedos a criança vai
brincar. Sendo assim, qualquer pessoa desempenha essa função.
A corrente do brincar intencional tem respaldo nas teorias
contemporâneas do jogo, nas teorias do desenvolvimento e da
aprendizagem. Assim, para que o jogo possa desempenhar a função
educativa, deve ser pensado e planejado dentro de propostas
pedagógicas com vistas à construção do conhecimento. Seus
fundamentos partem de um outro referencial, pelo qual a liberdade
está no ato de brincar organizado pelo educador, não significando,
portanto, que a criança não brinque livremente. Nesse enfoque,
trabalha-se a brincadeira livre, porém com uma outra conotação,
mais atual e sistematizada, pois o que caracteriza o brincar na escola
é ele estar mediado pelo educador e ser planejado com seriedade
nas atividades didáticas. A criança é livre; o educador não.
Quando o educador utilizar jogos e brincadeiras como recurso
para aprendizagem, as crianças deverão ter a mesma satisfação que
obteriam numa situação livre. A diferença é que o educador agindo
como mediador deve saber quando interagir, quando incentivar,
quando desafiar e quando deixar as crianças tomarem por si só as
decisões. Nesse sentido, o valor da atividade lúdica pode alcançar
níveis educativos mais satisfatórios.
O que diferencia o brincar com intencionalidade educativa do
brincar com caráter apenas lúdico é que o primeiro tem intenção
explícita de provocar uma aprendizagem significativa e o segundo
visa a divertir e recrear. Desta forma, fica claro que, para trabalhar
com jogos na escola, seja na sala de aula ou na brinquedoteca, o
educador deve ter uma formação que contemple, além das teorias
educacionais, as teorias que tratam do lúdico. Além disso, ele deverá
ter formação que transite no contexto de crianças pequenas, de
crianças em processo de alfabetização, da adolescência e até mesmo
dos adultos.
A brinquedoteca na escola - 155

Todo o jogo selecionado pelo educador pode, portanto, apresentar


duas interpretações: a primeira está relacionada à apropriação da
aprendizagem pela criança, à estimulação para a construção de novos
conhecimentos, contemplada pela corrente do brincar intencional.
A segunda interpretação está relacionada ao caráter lúdico apenas,
com características semelhantes à corrente do brincar livre. Nesses
dois casos, é importante fazer uma análise do que se quer no
momento de oferecer atividades lúdicas, priorizando uma ou outra
forma.
O brincar pelo brincar é a prática mais utilizada na escola, pois,
atualmente, o jogo ainda é usado nos espaços menos nobres, em
horários livres, no recreio, para descansar e logo após retomar
as atividades sérias. O jogo na escola desenvolvido dessa forma
representa apenas modismo, pois, nesse caso, a preocupação não
se direciona para a qualidade do aprender brincando, mas para
a quantidade de jogos oferecidos. Cabe ao próprio educador
compreender melhor os efeitos que a atividade lúdica provoca
no comportamento das pessoas. Nesse sentido, o conhecimento
científico parece ser o único caminho para ajudar a entender melhor
essa área e a produzir estudos que a torne mais consistente. Isso
ajudaria no entendimento da utilização do lúdico na escola.
Ter como foco metodológico as atividades lúdicas é entender que
a educação não é apenas uma questão racional. A emoção constitui-se
numa ferramenta básica para adaptação do indivíduo com ele mesmo
e com a sociedade. Também, o compromisso do educador frente à
educação formal é entender o valor do jogo para a aprendizagem.
Nesse sentido, ele deve observar as crianças brincando, intervir no
brincar, quando necessário, para estimular as habilidades mentais,
físicas e sociais de modo que possibilite avanços na aprendizagem
e no desenvolvimento. Nesse sentido, o trabalho de mediação do
educador parece ser essencial.
Essas mudanças levaram a educação a dar ênfase à formação
integral e à aprendizagem significativa, e não apenas à transmissão
oral da informação. Ensinar não é explicar. É perguntar, motivar e
desafiar o aprendiz para que ele inicie o seu processo de aprender.
É por isso que os jogos são imprescindíveis, pois eles motivam,
desafiam e suas práticas trazem qualidades implícitas, entre as quais
se podem citar:
156 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

- a importância das relações sociais: o brincar coletivo permite


uma relação compartilhada. Propicia a integração social. Desperta
para a prática da solidariedade, do respeito ao outro e de colocar-se
no lugar do outro;
- o valor afetivo: as imagens do brinquedo produzem um poder
de sedução e simbolismo que têm significado social produzido
pelo objeto. Essas qualidades permitem à criança desenvolver sua
personalidade através do simbolismo, da imitação, sensações e
emoções;
- o valor moral: o respeito às regras do jogo possibilita à criança
adquirir o conceito de moral. Respeitar as regras de um jogo significa
vivenciar situações de práticas efetivas de valores importantes para
a formação da personalidade, como respeito às leis, honestidade,
lealdade, solidariedade, aspectos relevantes de conduta dos seres
humanos, também aprender a ganhar ou perder sem trapaças. Mas
é necessário o papel do mediador, caso contrário, o jogo pode se
tornar um veículo que privilegia a trapaça, a dominação de uns
sobre outros, a falta de tolerância e de respeito ao que foi acordado.
Nesse enfoque também são importantes a criação e a modificação
de regras.
- o valor prático das habilidades: os jogos de habilidades integram
corpo e mente. São mecanismos que ajudam no desenvolvimento
das habilidades mentais, transformando-se em e ginásticas para o
cérebro;
- o valor prático intelectual: o jogo tem o poder de motivar e
desafiar o aluno, e isso pode ajudar no entendimento dos conteúdos
conceituais, atingindo os processos mentais superiores.
- a importância da criatividade: os jogos que permitem ações
criativas ativam o pensamento divergente, a autonomia, fluência de
ideias, solução de problemas e imaginação;
- a importância cultural: Os jogos tradicionais transmitidos de
geração a geração focalizam a cultura. Resgatar, preservar, difundir,
(re)significar os brinquedos tradicionais são funções da escola.
Assim, com as atividades lúdicas busca-se uma metodologia
diferenciada, dando cientificidade ao uso do brincar para construir
conhecimento, e não explorando apenas o caráter prazeroso
do jogo. É nesse sentido que a brinquedoteca pode se constituir
A brinquedoteca na escola - 157

num diferencial para a aprendizagem. O lúdico, nesse caso, passa


a ser visto com seriedade, deixando de ser uma especificidade da
infância, abandonando a ideia romântica do brincar apenas como
uma atividade descomprometida de resultados e colocando-se em
patamares bem mais elevados e com conotações que envolvem
todas as fases do desenvolvimento humano.

O que é mesmo uma “brinquedoteca”?

A terminologia “brinquedoteca” remete de imediato à palavra


“brinquedo”, mas o seu significado é bem mais abrangente.
O brinquedo é um objeto material feito para brincar, mas,
necessariamente, esse não é o principal componente de uma
brinquedoteca. Ela pode existir sem os brinquedos, pois é um
espaço de ludicidade e, para isso, os estímulos variam de acordo
com a idade dos usuários.
Quanto ao conceito, a brinquedoteca permaneceu por muito
tempo como um espaço organizado para brincar livremente,
possibilitando o acesso aos brinquedos. Essa definição estava
relacionada ao conceito de brincar, que, por sua vez, tem duas
vertentes: uma relacionada a uma ideia romântica e dicionarizada
que tem como princípio o divertir, recrear, folgar, dançar… e a outra
que considera o brincar (ou jogar) uma manifestação humana.
O conceito de brincar evoluiu, assim como o de brinquedoteca.
Na década de 80, a brinquedoteca era considerada como um espaço
exclusivo das crianças, no qual elas eram livres para brincar e se
divertir. Na década de 90, evoluiu para um espaço das crianças, dos
jovens, dos adultos e dos idosos como um espaço de vivências lúdicas
para o ser humano em qualquer idade. Essas mudanças ocorreram
porque a humanidade vem deixando para trás as atividades mais
racionais e abraçando outras caracterizadas pela emotividade, lazer
e criatividade, interligando educação, trabalho e jogo. Portanto,
já passou a época em que se separava a brincadeira das atividades
sérias. Certamente, em breve, novo sentido será atribuído para as
brinquedotecas.
158 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

Em relação aos contextos sociais, a brinquedoteca também deixou


de ser um espaço pensado para escolas e passou a envolver diferentes
setores da sociedade, como: empresa, universidade, hospitais, hotéis
e tantos outros, sendo o objetivo mais marcante a busca da melhoria
da qualidade de vida das pessoas. Portanto, a brinquedoteca não é
apenas para criança, não é só para a educação e não é só para brincar
por brincar. A brinquedoteca, como instituição, tem um conceito
amplo e, a partir da especificidade de cada tipo, o seu significado vai
ganhando nuanças que completam o seu conceito. Portanto, num
sentido amplo, pode-se conceituar brinquedoteca como:

Um espaço qualificado, prazeroso, de encantamento,


de emoção, de criatividade e de alegria para todas
as pessoas em qualquer etapa de sua vida, instaladas
em contextos diversos e contribuindo para atingir fins
específicos, tendo sempre como foco a ludicidade e a
melhoria da qualidade de vida das pessoas (SANTOS,
2003, p. 71).

Quando se diz que a brinquedoteca deverá ser um espaço


“qualificado”, significa que não é qualquer espaço com brinquedo. A
configuração espacial de um ambiente é importante e é considerado
o espelho de qualquer proposta lúdica, na medida em que reflete
a postura do brinquedista e permite antever as concepções que
fundamentam suas práticas. Esses espaços lúdicos devem ser
cientificamente elaborados tendo em vista a correta articulação das
formas, do uso dos materiais, da exploração inteligente da luz, das
cores e do mobiliário. É possível criar um espaço que contribua para
a ludicidade. É o que se chama espaço qualificado: é o que satisfaz
determinados quesitos funcionais e oferece algo mais, por meio
de recursos espaciais. É como pensar em uma porta como local de
encontro, e não apenas de simples passagem (SCHELEE, 1999).
O uso que se faz das condições arquitetônicas e espaciais de
determinado lugar pode encorajar ou desencorajar determinadas
formas de manifestações lúdicas.
A brinquedoteca, na maioria das vezes, é pensada como um
espaço comum. Imaginar que é possível estimular as crianças
colocando algumas mesinhas e alguns brinquedos é uma redução
das possibilidades que o espaço e os materiais podem oferecer para
A brinquedoteca na escola - 159

o desenvolvimento e a aprendizagem, principalmente das crianças.


O espaço é um dos fatores importantes na brinquedoteca, pois é
nele que as experiências ocorrem e são capazes (ou não) de gerar
conhecimentos, motivação, alegria e entretenimento.
Com a evolução do conceito e da abrangência das brinquedotecas,
é evidente a preocupação dos profissionais e das instituições em dar
um caráter mais cientifíco às atividades lúdicas, seja no contexto
escolar, universitário, hospitalar, empresarial ou em qualquer outro
contexto. O importante, em qualquer caso, não é a quantidade de
jogos e brinquedos disponíveis, mas a qualidade do trabalho.
Qualquer pessoa, seja criança ou adulto, ao entrar num espaço
desprovido de estímulos visuais, sente-se automaticamente
desestimulado. Ao contrário, se o espaço for diferente, criativo,
colorido e com brinquedos intencionais, aumenta-se grandemente a
possibilidade de haver desafios e motivação.
A pesar dos avanços em termos teóricos, percebe-se que a
prática não caminhou na mesma velocidade, pois as brinquedotecas
continuam sendo tratadas simplesmente como um espaço com
brinquedos. Assim, ainda se pode dizer que muitas questões
precisam ser mais debatidas e experimentadas, pois os avanços na
área não param de acontecer.

Qual o perfil do brinquedista?

Com o surgimento das Brinquedotecas surgiu também um novo


profissional para trabalhar especificamente com a ludicidade, e
não apenas com a recreação, o brinquedista. O novo profissional
deve ter uma visão clara e crítica sobre criança, ludicidade, escola,
homem e sociedade.
Existem vários tipos de pessoas que se dizem brinquedistas: os
animadores, com grande habilidade e domínio para lidar com o
público, mas não sabem bem por que desenvolvem esta ou aquela
atividade lúdica. Existe também o especialista em jogo e brinquedo,
que tem grande conhecimento teórico sobre o assunto, mas pouca
habilidade de trabalhar a prática lúdica. O desafio é fazer o equilíbrio
160 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

entre esses dois pólos, o que se consegue estudando, pensando,


falando, escrevendo, vivenciando atividades lúdicas e vivendo com
paixão. Portanto:

Brinquedista é aquele profissional sério que estuda, que


pensa, que pesquisa, que experimenta, dando um caráter
de cientificidade a seu trabalho, e, ao mesmo tempo, é
aquela pessoa que vivencia, que chora, que ri, que canta
e que brinca (SANTOS, 2003 p. 73).

Brinquedoteca escolar

Cada brinquedoteca se organiza a partir da função da instituição


que lhe dá origem, do contexto sócio-econômico-cultural da
comunidade, dos serviços que oferece, dos profissionais que
atuam como brinquedista e dos usuários. A escola tem a função
de promover a educação e a brinquedoteca escolar tem como
premissa estar comprometida com as metas da escola e, para
isso, utiliza os jogos, brinquedos e brincadeiras como estratégia
psicopedagógica. É nesse sentido que uma brinquedoteca na escola
torna-se imprescindível. O conjunto de brinquedos e jogos que
fazem parte de uma brinquedoteca escolar possibilita que o aluno
esteja constantemente ativo, que sua capacidade seja continuamente
desafiada, a curiosidade aguçada e a motivação sempre estimulada.
É nesse cenário que se pode ampliar consideravelmente a chance de
acontecer uma atividade positiva.
As brinquedotecas escolares são instaladas em escolas ou
Secretarias de Educação e têm como principais objetivos
promover a aprendizagem e o desenvolvimento do aluno por
meio das atividades lúdicas, criar acervos que propiciem o uso
de jogos no desenvolvimento de capacidades, habilidades e áreas
do conhecimento, assim como capacitar professores para o uso
adequado do jogo na educação.
Em relação ao usuário (crianças, jovens e adultos), a brinquedoteca
deve propiciar estímulo para brincar, experimentação, descoberta,
desenvolvimento do pensamento, da criatividade, da imaginação, da
A brinquedoteca na escola - 161

concentração, da atenção, do autoconceito positivo, do senso crítico,


da sensibilidade, da vida interior, das capacidades, habilidades,
competências e inteligências.
Quanto ao funcionamento, a brinquedoteca deve ter espaço
físico bem organizado. Entretanto, todo o esforço dispensado e os
recursos financeiros aplicados têm pouco valor se os profissionais
não realizarem um trabalho de qualidade. O contrário também é
verdadeiro, bons profissionais poderão não realizar um trabalho de
qualidade se não encontrarem um ambiente propício. Portanto,
é fundamental que se tenha um bom espaço e profissionais
competentes.
Os profissionais (brinquedistas) que atuam na brinquedoteca
devem agir de modo que a brinquedoteca se torne um polo de
reflexão, de valorização do lúdico, de questionamento sobre jogo,
brinquedo, desenvolvimento humano, sistemas educacionais, teoria
e prática lúdica.
Aprender é uma aventura que se faz com alegria, emoção
e motivação, caso contrário acontece apenas a transmissão de
conhecimento. A brinquedoteca pode servir de âncora para
uma aprendizagem significativa e ser usada como uma forma de
humanização dos professores e alunos.

Por que uma brinquedoteca na escola?

A brinquedoteca se justifica na escola pelo simples fato de que,


criando tal espaço, a escola define-se pelo lúdico como estratégia
psicopedagógica e marca presença física como um espaço que:

- para a criança é um mundo novo, diferente e desafiante, no qual


seus sonhos, fantasias e curiosidades podem fluir naturalmente;
- para o adulto proporciona observações diretas da relação
criança / adulto / brinquedo / aprendizagem / desenvolvimento,
fazendo emergir novas concepções sobre o lúdico. Assim, o
espaço da Brinquedoteca transforma-se num polo de discussão,
aprofundamento teórico, reflexão, valorização do brincar, gerando
novas formas de pensar a educação.
162 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

A brinquedoteca escolar como espaço de integração favorece a


educação, pois, à medida que os educadores perceberem o lúdico
como um elemento indispensável para a prática pedagógica,
aos poucos, as salas de aula vão tornando-se uma extensão da
brinquedoteca e, quando menos se espera, toda a escola transformar-
se-á em espaços lúdicos. É colocando a brinquedoteca escolar como
semente que se pode esperar que um dia toda a escola contagie-se
e passe a ser uma grande brinquedoteca.

Conflito

O conflito que se estabelece entre as correntes sobre o brincar


adotadas na escola está na falta de clareza do que significa brincar
livre, pois a maioria dos professores entende que, se a brincadeira
for intencional ou estruturada, a criança perde a liberdade, quando,
na verdade, apenas o docente não fica livre no momento do jogo
proposto para a criança.

Visão dos pais

A utilização do lúdico na escola também não tem o apoio dos pais,


o que dá força para que a pedagogia lúdica não encontre um terreno
fértil na escola. Mas será que os pais não estão certos ao questionar
o tipo de atividade lúdica realizada? É evidente que os pais não veem
diferenças entre o brincar em casa e o brincar na escola, e isso gera
uma visão de que o lúdico atrapalha a aprendizagem.

Brincar diferente na escola

O brincar na escola deve ser diferente do brincar no cotidiano. Se


os educadores mostrassem um novo modo de brincar para aprender,
os pais teriam a chance de ver o valor da atividade lúdica não a
relacionariam apenas com o ato de divertir e certamente teriam
outras opiniões.
A brinquedoteca na escola - 163

É contagiante ver como uma escola diferente pode modificar


a imagem da instituição: brinquedoteca torna as escolas mais
atraentes, com espaços reinventados, dinâmicos, flexíveis e o ensino
mais voltado à construção do conhecimento pela via lúdica.

O que se espera de uma brinquedoteca escolar?

Espera-se de uma brinquedoteca que ela seja um espaço


interativo no qual o brincar e o aprender, o didático e o lúdico, o
educador e a criança sejam considerados, ao mesmo tempo, parte e
todo do processo. Que o aprender brincando encerre as concepções
de criança como um ser social, ativo e capaz de construir seu
conhecimento, e de educador como mediador da aprendizagem que
usa o jogo como estímulo. Nesse sentido, a brinquedoteca também
deve se expandir, tornando-se o espaço do adulto que brinca e aguça
sua sensibilidade.
Assim, pode-se perguntar: O que a brinquedoteca escolar tem a
ver com a vida futura das crianças?
Talvez “tudo”, pois não se pode prever o que as crianças enfrentarão
no futuro e, portanto, a escola não pode “ensinar-lhes” a melhor
maneira de agir. Na brinquedoteca, elas poderão desenvolver sua
criatividade, desenvolver habilidades mentais, aprender a pensar,
aprender a ser, aprender a conviver, aprender a preservar e, assim,
poderão encontrar as melhores opções para resolver os problemas
e solucionar as dificuldades que certamente a vida lhes reservará.
Talvez “nada”, se a brinquedoteca seguir a linha pedagógica do
brincar livre. Nesse caso, os alunos fizeram da escola um lugar alegre
e divertido, mas desvinculado do processo de crescimento pessoal e
intelectual.
A opção entre uma e outra forma de utilizar os jogos na
brinquedoteca escolar sempre caberá à escola, pois, em última
análise, é ela que determina o tipo de cidadão que quer formar.
164 - Psicomotricidade relacional e inclusão na escola

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