Aretha Guedes - Box Completo Elle Serie Rock20190425-42091-156ioj1 PDF

Acheron Livros e afins
Elle
Música, Amor e
Amizade
(Volume 1)
Sombras do
Passado
(Volume 2)
Amor e Redenção
(Volume 3)

Aretha V. Guedes
Copyright © 2016 Aretha Vieira Guedes

Todos os direitos reservados.
Proibida a reprodução do todo ou parte
em quaisquer meios sem autorização
prévia escrita da autora.

Série Jack Rock
Autora: Aretha Vieira Guedes
Capa: Izzy Ximenes
Revisão: Clara Taveira

Sumário
Elle – Música, Amor e Amizade
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1 – Sem estrelas
CAPÍTULO 2 – Sonhos
CAPÍTULO 3 – Sombras
CAPÍTULO 4 – Notícias
CAPÍTULO 5 – Delegado
CAPÍTULO 6 – Reencontro

CAPÍTULO 7 – Problemas
CAPÍTULO 8 – Pior ainda
CAPÍTULO 9 – Proposta
CAPÍTULO 10 – Urnas frias
CAPÍTULO 11 – Lar
CAPÍTULO 12 – Vida nova
CAPÍTULO 13 – Cristalino
CAPÍTULO 14 – A Jack Rock
CAPÍTULO 15 – História de ninar
CAPÍTULO 16 – Não é muito justo
CAPÍTULO 17 – Contrato
CAPÍTULO 18 – Primeiro dia
CAPÍTULO 19 – Jantar entre amigos
CAPÍTULO 20 – Pesadelo
CAPÍTULO 21 – Café da manhã
CAPÍTULO 22 – Peste
CAPÍTULO 23 – Estúdio
CAPÍTULO 24 – Gravação
CAPÍTULO 25 – Nicole
CAPÍTULO 26 – Pilhas
CAPÍTULO 27 – Cura e veneno
CAPÍTULO 28 – Exigências
CAPÍTULO 29 – Radioativo
CAPÍTULO 30 – Game on
CAPÍTULO 31 – Amigo
CAPÍTULO 32 – NiCadela
CAPÍTULO 33 – Casca vazia
CAPÍTULO 34 – Trégua
CAPÍTULO 35 – Súplica
CAPÍTULO BÔNUS
Elle – Sombras do passado
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1 – Perdão
CAPÍTULO 2 – Fã
CAPÍTULO 3 – Reunião
CAPÍTULO 4 – Voto de (des)confiança
CAPÍTULO 5 – Outro John
CAPÍTULO 6 – É hora da festa
CAPÍTULO 7 – Psicodélico
CAPÍTULO 8 – Batizada
CAPÍTULO 9 – Por trás de olhos azuis
CAPÍTULO 10 – Porque eu quis
CAPÍTULO 11 – Não quero ser seu
amigo
CAPÍTULO 12 – Hormônios em fúria
CAPÍTULO 13 – Sonho
CAPÍTULO 14 – Aposta
CAPÍTULO 15 – Passeio
CAPÍTULO 16 – Surpresa
CAPÍTULO 17 – Planetário
CAPÍTULO 18 – Alcançando estrelas
CAPÍTULO 19 – Aumentando a aposta
CAPÍTULO 21 – Compartilhando
CAPÍTULO 22 – Queimei as vadias
CAPÍTULO 23 – Maioridade
CAPÍTULO 24 – Festa
CAPÍTULO 25 – (Im)perfeito
CAPÍTULO 26 – Flagra
CAPÍTULO 27 – Conversa
CAPÍTULO 28 – Quem é você?
CAPÍTULO 29 – Revelações
CAPÍTULO 30 – Disfarce
CAPÍTULO 31 – Preparativos
CAPÍTULO 32 – Show
CAPÍTULO 33 – Mais do que palavras
CAPÍTULO 34 – Imprevistos
CAPÍTULO 35 – Anjo?
CAPÍTULO 36 – Roleta russa
CAPÍTULO 37 – Memória perdida
CAPÍTULO 38 – Efeito colateral
CAPÍTULO 39 – Vulnerável
CAPÍTULO 40 – Decisões
CAPÍTULO BÔNUS
EPÍLOGO
Elle – Amor e Redenção
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1 – Marcas do Passado
CAPÍTULO 3 – Notícias
CAPÍTULO 4 – Visitas
CAPÍTULO 5 – Conversa
CAPÍTULO 6 – Treino
CAPÍTULO 7 – Desafios
CAPÍTULO 8 – Namoradas
CAPÍTULO 9 – Confronto
CAPÍTULO 10 – Amigos?
CAPÍTULO 11 – Segredos
CAPÍTULO 12 – Discurso
CAPÍTULO 13 – Paparazzi
CAPÍTULO 14 – Perto do limite
CAPÍTULO 15 – Melhor ainda
CAPÍTULO 16 – Novo dia
CAPÍTULO 17 – Unidos
CAPÍTULO 18 – Entrevista
CAPÍTULO 20 – Números
CAPÍTULO 21 – Preparativos
CAPÍTULO 22 – Turnê
CAPÍTULO 23 – Mansão
CAPÍTULO 24 – Trophy Husband
CAPÍTULO 25 – O mundo não é o
bastante
CAPÍTULO 26 – Jack Rock
CAPÍTULO 28 – Lena
CAPÍTULO 29 – Ao ataque
CAPÍTULO 30 – Novos amigos
CAPÍTULO 31 – De volta ao lar
CAPÍTULO 32 – Revelações
CAPÍTULO 33 – Segredos e Escolhas
CAPÍTULO 34 – Eu não quero ser sua
amiga
CAPÍTULO 35 – Retorno
CAPÍTULO 36 – Conversas
CAPÍTULO 37 – Chris
CAPÍTULO 38 – O dia seguinte
CAPÍTULO 39 – Almoço com as
estrelas
CAPÍTULO 40 – Minha verdade
CAPÍTULO 41 – Retorno
CAPÍTULO 42 – Uma canção para você
CAPÍTULO 43 – Real?
CAPÍTULO 44 – Especulações
CAPÍTULO 45 – Voltando ao passado
CAPÍTULO 46 – Fantasias
CAPÍTULO 47 – A Festa
CAPÍTULO 48 – Luto
CAPÍTULO 49 – O show deve continuar
CAPÍTULO 50 – Informante
CAPÍTULO 51 – Perfeito
CAPÍTULO 52 – Esconderijo secreto
EPÍLOGO
Bônus – Ponto de vista do John
Sobre a série Jack Rock:



Elle – Música,
Amor e Amizade
Aretha V. Guedes

Sinopse:
Aos quatorze anos, Elle tinha

uma vida perfeita, com pais amorosos,
lar feliz e seu vizinho e melhor amigo,
Chris, por perto. Porém, em uma noite
fria, seu amigo vai embora em busca de
seu grande sonho: se tornar uma estrela
do rock.
Quatro anos depois, quando uma
tragédia os reúne, Chris, agora
guitarrista da famosa banda Jack Rock,
vai ao resgate de sua amiga de infância,
que está crescida e não quer mais ser
protegida.
Conseguirá a amizade de
infância resistir à vida adulta, ou a
busca de Elle pela independência a
levará para outros caminhos?

PRÓLOGO
Olho para o céu e noto que não há

estrelas esta noite. Está escuro e um
vento frio bate em meu rosto. Sinto
minha pele se arrepiar. Que sensação
ruim! Então me encolho entre as flores
do quintal da minha casa, não quero que
minha mãe me veja aqui. Puxo a
manga da minha blusa para cobrir

minhas mãos frias. Deveria ter colocado
um casaco, e não ter saído às pressas de
pijama, mas ouvi gritos na casa ao lado
e sabia que algo não estava bem. Escuto
um leve barulho e a porta que
partilhamos com os vizinhos se abre.
Chris aparece carregando seu violão e
algo a mais em suas costas, ele se senta
ao meu lado e permanece calado,
perdido em pensamentos. Chris ama a
música, e isto não seria um problema se
não fosse o querido papai dele: “O
Delegado Sargento Ditador”. O velho
tolo acredita que isso é para perdedores,
vagabundos, tatuados e drogados. Ter
um filho músico seria a pior das
traições.
– Ouvi os gritos, vim para cá
assim que li sua mensagem. – Digo para
ele.
Mesmo na penumbra, vejo o
quanto está abatido. Seu cabelo loiro e
liso cai cobrindo seus olhos e desce até
a altura dos ombros. Eu o acaricio com
a mão, colocando uma mecha solta para

trás, quando ele me olha e começa a
falar em um tom triste, porém decidido.
– Não posso mais viver assim,
Elle. Sei o que quero da vida, e não é
seguir o legado da família.
Há cinco gerações, sua família
tem se dedicado à carreira policial,
portanto seu destino estava traçado antes
mesmo do nascimento. Para seu pai, isso
era uma questão de honra. Contudo viver
os próximos setenta anos se achando o
dono desta cidade só porque era o chefe

de polícia não estava nos planos de
Chris.
– Ele descobriu sobre as aulas de
música. Acabou, porra! – Chris
esbraveja.
Ah, merda. Esta tinha sido minha
última ideia brilhante. Oficialmente, eu
era a aluna matriculada, mas era ele
quem participava das classes. Franzo
minha testa e olho para Chris, pensando
em como esta situação está ficando sem
solução:

– Ele brigou muito? O que
aconteceu?
Temo o pior. Mesmo que o pai de
Chris seja delegado, tenho certeza que
papai chamaria autoridades de fora da
cidade para contê-lo. Não toleraremos
espancamentos! Mas não vejo sinal de
agressão, não do tipo físico, pelo menos.
Como alguém tão bom pode ser
filho de um imbecil desse?
– Ele pensou em me bater, e eu já
estava pronto para a briga, porém, em

vez disso, me mandou escolher: a
música ou ele, não poderia ter os dois –
Chris dá uma risada sem humor. – A
decisão não foi difícil, não era o que eu
queria em minha vida mesmo... Mas
quase o escolhi por você.
Ele me dá um olhar triste, como se
me pedisse desculpas. Que poder tenho
eu de influenciar qualquer decisão dele?
– Por mim? Por quê? – Pergunto
confusa.
Ele estende a mão e toca de leve

em meu rosto. Com o polegar, seca uma
lágrima que eu havia derramado sem
perceber.
– Eu escolhi a música, mas perdi
você, não entende? Ele disse que nunca
mais queria me ver aqui, ou mandaria
me prender.
Isto não faz sentido! Onde ele
viverá? Como eu vou saber se ele estará
bem? E se a música não for suficiente?
Notas musicais não alimentam ou
protegem do frio e do crime. Abraço-o

com força, como se pudesse impedi-lo
de partir.
– Você não pode ir sozinho, eu vou

com você!
Ele acaricia meus cabelos para me
acalmar, como fazia quando eu era
pequena e estava chateada:
– Elle, você só tem quatorze anos,
não posso te levar.
Choro em seu peito, molhando sua
camisa.

– Você também é menor de idade.
– Sim, mas aposto que O
Delegado adoraria uma desculpa para
me dar uma lição. Além disso, você não
faria isso com seus pais. Eu não posso
deixá-la morar nas ruas, Elle.
Levanto minha cabeça para olhá-
lo. Seu coração está tão partido quanto o
meu?
– E você, Chris? E se acontecer
algo com você?
E se ele adoecer? E se ele

morrer?
– Eu sei me cuidar! Treinado
desde o berço para ser o Robocop,
lembra?
Ah, sim, o serviço de proteção à
infância realmente deveria dar uma
olhada em como O Delegado criava, ou
melhor, treinava seus filhos – e vizinhas
intrometidas – para servir à Lei e Ordem
no futuro. Mas ainda não é o suficiente
para mim. Continuo abraçando-o,
inalando seu cheiro amadeirado, e me

pergunto se voltarei a vê-lo algum dia.
Abraçada a ele, sinto a tensão em seu
corpo. Sua posição é rígida, ele está
decidido. Nós sabíamos que este dia
chegaria, não havia negociação com O
Delegado. Eu, no entanto, ainda tento
convencer Chris a ficar.
– Chris, como você vai escovar os
dentes se morar nas ruas? Não pode ser
famoso se for desdentado. Venha morar
comigo, por favor!
Seu peito retumba contra o meu

por causa de sua risada.
– Ah, Elle, sentirei tanto a sua
falta... Mas você sabe que não posso
ficar.
Eu também sentirei falta dele,
mais que um amigo, é um companheiro
para todas as horas. Ele merece tudo, e
esta cidade não pode oferecer mais nada
para o seu futuro.
– Eu sei, vá ser famoso, mas não

se esqueça de mim, viu? Provavelmente,

em pouco tempo serei apenas uma velha
lembrança de uma infância perdida.
Minha tentativa de piada é
arruinada com um acesso de choro,
Chris me olha sério:
– Helena! Jamais repita isto
novamente! Olhe para mim, eu prometo
que vou voltar para buscar você.
Odeio que usem meu nome todo,
geralmente isso só acontece quando
estou com problemas ou prestes a me
dar muito mal.

– Não me venha com Helena! Você
promete mesmo?
Ele levanta uma mão e coloca a
outra no peito, como se estivesse
fazendo um juramento:
– Sim, eu prometo solenemente
que um dia, quando ambos estivermos
podres de ricos, vamos comprar casas
vizinhas. Moraremos um ao lado do
outro até que a morte nos separe, amém!
Quando termina, dá um sorriso
bobo para mim.

– Nem me olhe com esta cara,
prometeu agora vai ter que cumprir!
Estamos em pleno século XXI,
temos tecnologia a nosso alcance com
internet em locais públicos. Tenho
certeza que ele consegue encontrar uma
forma de me manter informada sobre seu
paradeiro, se quiser.
– Certo, mas você não pode dizer
nada para nossos pais ou para Samantha.
E fique de olho nela por mim.
– Não se preocupe, eu a manterei

segura. – Faria isto mesmo que ele não
me pedisse.
Sam é uma boa menina de doze
anos, nossa pequena mascote. Sempre
presente, mas nunca teve com ele a
mesma ligação que nós dois
compartilhávamos. Chris me olha com
pesar, a dor da partida evidente em seu
rosto. Ele se aproxima e encosta sua
testa na minha, apoiando sua mão em
meu pescoço.
– Te amo, Elle, você sempre

estará em meu coração. Não esqueça
que se precisar de mim, eu voltarei por
você.
Passo a mão em seu rosto,
memorizando seus belos traços uma
última vez.
– Te amo, Chris. Conquiste o
mundo! Quando todos souberem o
quanto você é especial, talvez não
deixem que eu te veja mais, então não se
esqueça de sua promessa e de mim.
Ele beija a minha testa e eu a sua.

Em seguida, Chris se vai na noite fria,
sob um céu sem estrelas, carregando não
apenas sua guitarra e uma mochila velha,
mas também uma parte de mim com ele.


CAPÍTULO 1 – Sem
estrelas
Quatro anos depois

Quando era pequena, descobri que
precisava de um esconderijo secreto.
Não que meus pais fossem ruins e eu
precisasse fugir deles. Na verdade, não
sabia que queria um até que entrei no
meu pela primeira vez. A escada para o
sótão ficava acima do meu quarto,

escondida atrás de um falso espelho. Foi
meu presente de aniversário aos quatro
anos, lembro-me bem daquele momento:
Minha festa acabou e eu ainda

estou vestida de Cinderela e Chris de
príncipe encantado. Mamãe nos coloca
em frente ao espelho e diz:
– Vamos, Elle, empurre a
moldura, quero mostrar meu presente!
É pesado e Chris precisa me
ajudar. Quando terminamos, há uma

enorme escada! Subimos correndo e eu
chego ao topo sem fôlego e sem
palavras com tamanha alegria: estou
em um mundo encantado! As paredes
são pintadas com flores de todas as
cores, árvores e um castelo. O chão
parece grama; mamãe explica que é um
carpete. E tem um janelão de vidro, eu
posso ver toda a rua e meu quintal. O
sol ao longe já está se escondendo,
pintando tudo de laranja. É tão lindo,
parece mágica! Olho para o Chris e ele
aponta para o teto. A luminária é em
formato de sol e, quando a luz se
apaga, várias estrelas se acendem
formando um céu só para mim. São
tantas novidades, que eu não consigo
ver tudo. Me encontro em meu próprio
jardim encantado. Todos os meus
brinquedos estão aqui, arrumados em
prateleiras ou caixas. Há também um
pequeno palco com cortina.
Minha mãe se vira para o Chris e
diz:
– Aqui não seria o cantinho

especial da Elle sem um lugar para
você, não é?
Ela aponta para o outro lado e
vemos vários brinquedos de menino
junto com um pequeno violão. O
sorriso no rosto dele brilha mais que a
luz do sol.
– Chris, querido, lembra como eu
e Elle ficamos felizes com sua
apresentação da escola? Você parecia
um anjo cantando e tocando! Sua
professora é minha amiga e me disse

que você adorou tanto e aprendeu
muito rápido, mas seu pai não gosta
muito, não é?
– Não, tia Liz, só a mamãe achou
bonito.
Ele não está sorrindo mais, seu
papai não é como o meu, ele nunca
brinca com a gente, não parece ser
feliz. Antes eu tinha medo dele, mas
comigo e com Sam ele não é tão mau,
só com Chris.
– Eu sei, amor, sua mãe ficou

muito orgulhosa de você, ela te ama
muito, lembre-se sempre disso. Eles
dois te amam – ele apenas balança a
cabeça concordando. – Mas eu percebi
que você merece ter seu próprio violão.
Pode brincar com ele aqui nesse palco.
Esse é o mundo encantado de vocês, o
esconderijo secreto dos dois.
Chris a abraça forte:
– Obrigado, tia, estou tão feliz!
Eu pulo de alegria. Eu gosto de
ouvir Chris cantar, é tão bonito.

– Mamãe, a senhora é a melhor
mãe do mundo!
Ela nos abraça e cochicha:
– Lembrem-se crianças, esse tem
que ser nosso segredinho, ok?
– Sim!
Nós dois gritamos e pulamos. Em
seguida, mamãe vai embora e
brincamos até adormecer no nosso
lugar especial.
Sentada aqui, tantos anos depois,
tenho um sentimento agridoce com esta

lembrança. A atitude da minha mãe foi
controversa. Ela deu um presente
sabendo que o pai da criança não
aprovaria e isto definiu o futuro dele. O
que teria acontecido se não fosse aquele
primeiro violão? O velho palco ainda
está lá. Chris imitou tantos artistas nele.
Eu, na maioria das vezes, ficava apenas
o observando cantar e tocar. Ali
realmente se tornou o nosso lugar
especial. Ao longo dos anos, a
decoração do quarto foi mudando de
acordo com os nossos gostos. No início,
teve a fase Barbie versus super-heróis,
mas rapidamente a música dominou o
esconderijo. Principalmente pop e rock
dos anos oitenta e noventa... Ok, ok,
algumas boybands também, admito.
Chris sempre esteve ao meu lado, e
crescer com o garoto de ouro da cidade
como melhor amigo tinha sido fácil!
Éramos lendários na escola, descolados
por causa da aparência e voz dele e
encrenqueiros por causa... Bem, por
causa de mim. Não que eu fosse
culpada, eu só tendia a ser um pouco
reativa, ocasionalmente. Namorar, no
entanto, era complicado, sempre tinham
ciúmes de nossa amizade. A única
pessoa que realmente nos entendia era
Samantha, a irmã mais nova do Chris.
Quando ele partiu, ela foi minha grande
companheira.
Chris... Ele conseguiu, estava em uma
banda de rock! Sofreu muito nos
primeiros meses, já que, por ser menor
de idade, não tinha emprego fixo.
Tocava nos metrôs por trocados para
conseguir comprar comida. Até que um
dia encontrou um rapaz mais velho,
Arthur. Juntos, passaram a cantar em
pequenos bares e lanchonetes, até que,
em um golpe de sorte, acharam um
empresário disposto a encontrar os
membros que faltavam para formar o
grupo. Esse rapaz, entretanto, não faz
parte da banda. Chris nunca me explicou
bem como aconteceu, apenas sei que um
dia Arthur não estava mais lá. O
empresário deles tinha grande influência
e fazia fortuna ao encontrar “diamantes
brutos”. Quase um filantropo, tirando
meninos das ruas e levando-os à fama,
isso se você considerar como filantropia
os milhões que ganhava com cada um.
Ele reuniu quatro talentosos jovens:
John nos vocais, Alysson no baixo,
Chris na guitarra e Kim, a única garota
do grupo, na bateria, e os deixou
conhecidos como a banda Jack Rock,
ainda se mantendo nas paradas de
sucesso do país com seu segundo álbum
lançado e terceiro a caminho.
E quanto a mim? Faltava um mês
para o meu aniversário de dezoito anos,
e minha mãe, que sempre fora protetora
comigo, estava muito pior. Depois que
Chris partiu, ela temia que eu fugisse
atrás dele, o que quase fiz algumas
vezes. Seu medo era tão grande, que
nunca consegui assistir a um único show.
Também jamais saí da cidade. O mais
longe que fui foi o sítio de um amigo de
meu pai, que visitamos a cada quinze
dias. Estou cansada desse lugar e desta
vida, agora é minha vez de conquistar o
mundo. Cansei de sempre pensar e nunca
agir. Em breve, serei legalmente maior
de idade e fui aceita em uma
universidade do outro lado do país, as
aulas iniciarão em oito meses. Eu pensei
em começar imediatamente, mas o Chris
me deu a ideia de ter um tempo para
mim, ele disse que preciso conhecer um
pouco do “mundo fora dos limites desta
cidade” antes de começar os estudos.
Ele quer que eu conte logo aos meus
pais, mas quero esperar meu
aniversário. Estou louca para ser maior
de idade e dar meu grito de liberdade.
Ou quase, já que eles têm que pagar os
estudos e o aluguel... Mal posso esperar
para ser “independente”.
Três dias depois
Estamos voltando de um dia

tedioso no sítio. Geralmente, me distraio
com livros e música, mas hoje não
consegui. Estou com uma sensação ruim,
um aperto no peito que não quer passar.
Acho que não sou a única, papai e
mamãe também parecem estranhos,

tensos... O que está acontecendo? Será
que descobriram a inscrição na
universidade e esperam que eu me
explique? Algo está errado... Meus pais
são amorosos e alegres, mas minha mãe
está com os ombros retos, o rosto virado
para a janela, perdida em pensamentos,
enquanto meu pai dirige concentrado na
estrada, segurando o volante com força.
Pelo retrovisor, percebo a testa franzida.
O que estaria perturbando ele? Tento
distrair minha mente, deve ser apenas
ansiedade. É melhor eu contar logo
sobre a universidade! Sempre gostei de
admirar as estrelas, mamãe sabia disso
quando encheu o teto do esconderijo
com elas e papai também quando
comprou o carro com o maior teto solar
que encontrou. Fico embaixo dele e olho
para o céu novamente. Droga! Outra
noite sem estrelas. Esfrego minhas mãos
nos meus braços arrepiados. Hoje está
um pouco frio, porque choveu à tarde. A
estrada está escorregadia. Ainda falta
muito para alcançarmos a rodovia
estadual que nos leva de volta para a
cidade. O silêncio no carro é
angustiante.
– Mãe, liga o som, por favor? –
peço entediada.
– Claro, filha. – Mamãe responde
sem ânimo.
Ela se estica para ligar e
imediatamente o carro se enche dos
acordes conhecidos da guitarra de Chris.
Só isto já me acalma um pouco. Em
seguida, começa a voz rouca de John.
Nunca o conheci pessoalmente, mas sei

que ele é lindo e um notório mulherengo,
os tabloides o adoram. A música está
chegando à parte que eu amo: o refrão.
Peço para mamãe aumentar, porém ela
não me escuta, então solto meu cinto e
tento alcançar o som.
– O que é isso, menina? – meu pai

grita comigo. – Volte e coloque seu
cinto!
Papai ainda estava virado para
mim, me encarando com um olhar

recriminador, quando minha mãe berra:
– Cuidado!
E então vem o caos: faróis, luz
alta e a estrada molhada. O carro capota
e, como estou sem cinto, sou lançada
para fora pelo teto solar. Barulho,
chamas e calor. Minha cabeça dói, estou
longe, não posso me mexer. Por favor,
papai e mamãe, voltem. O céu não está
mais escuro, a noite não está mais fria e
o barulho do fogo é ensurdecedor. Até
que a escuridão me leva para o

esquecimento.


CAPÍTULO 2 –
Sonhos
Você já teve um pesadelo no qual

você sabia que estava sonhando, mas
não conseguia acordar? Como se seu
corpo estivesse desconectado do seu
cérebro? Eu já tive: estar em coma era
mais ou menos assim. Não sei há quanto
tempo estou aqui, mas posso ouvir os
barulhos das máquinas e dos

funcionários do hospital ao meu redor.
Dizem que nos sonhos a pessoa acorda
quando acontece algo muito absurdo,
fora da realidade. Claro que isso não é
muito válido para mim, que já sonhei
com dinossauros. Mas como eu tinha
assistido Jurassic Park na época, isso
deve ter influenciado. Preciso saber dos
meus pais! Eu me lembro de algumas
coisas do acidente. Eles devem estar em
alguma outra ala do hospital e minha
mãe com certeza estará surtando...

♪♫ ♥ ♪♫
– Onde está Helena? – uma voz

masculina me chama de volta da
escuridão.
– Senhor, aqui é uma UTI, não
estamos em horário de visita, como
chegou aqui? Só podem entrar parentes
próximos. – Uma mulher contrariada
responde.
– Minha entrada foi autorizada. Eu
subi logo porque estou com um crachá...

Eu conheço esta voz. Estou
sonhando? Preciso acordar.
A voz feminina é controlada,
porém incisiva:
– Isto é um hospital, o senhor não
pode ir...
– Bom dia, enfermeira Lara – uma
voz desconhecida interrompe. – Eu
liberei a visita deste jovem, mas já
expliquei as regras e ele não irá
demorar.
– David? Isto é incomum!

O que está acontecendo? Preciso
abrir os olhos, vamos lá, mexa-se.
– Estou ciente disso e a diretoria
também, é um caso especial. – Seu tom
não deixa margem para discussão.
– Certo, mas estarei aqui na
enfermaria vigiando-a pelos monitores.
– Obrigado, enfermeira.
Passos. A porta é fechada.
Sussurros.
– Obrigado, DJ. – Definitivamente
é Chris, reconheceria sua voz em

qualquer lugar.
– Sabe que liberei sua visita agora
porque seria uma confusão mais tarde
caso as pessoas descobrissem que você
voltou. Sorte que, com a máscara e o
gorro de proteção, a enfermeira não te
reconheceu. Helena precisa de
descanso, não de repórteres. – Suas
vozes estão distantes e próximas ao
mesmo tempo.
– Sei disso. Posso vê-la agora? –
Chris está impaciente.

– Sim, ela está atrás daquele
biombo.
Passos. Respiração suspensa.
Choque? Silêncio.
– Meu Deus, Elle, o que aconteceu
com você?
– Chris, você deve agradecer, ela
está bem. – A voz de David é tranquila,
tentando acalmar.
– Bem? Ela está toda machucada e
em coma! – seu tom é de desespero.
– Sim. Segundo o prontuário que

li, estes machucados são superficiais.
As costelas estão luxadas, não
quebradas e provavelmente apenas uma
das pernas precisará de fisioterapia. A
concussão na cabeça é o mais
preocupante, só teremos certeza quando
despertar, mas aparentemente nenhuma
função cerebral importante foi afetada.
Minha nossa! Isso é bem?
– E para você isto é estar bem?
Chris está chocado. Ele não é o
único.

– Sim, dadas as circunstâncias, ela
teve sorte – o homem pausa por um
momento. – Vou te dar um minuto a sós
com ela, não mexa em nada ou tire sua
máscara de proteção, certo?
– Sim, obrigado.
Escuto apenas os sons de passos e
bips da sala, até que uma porta se fecha.
Como será que me pareço em uma maca
de hospital, toda machucada, ligada a
diversos aparelhos e sem me mover? O
que estará passando na cabeça dele?

– Oh, Elle, como deixei isso
acontecer com você? Deveria ter te
levado embora logo. Não se vá, por
favor, volte para mim. – Chris fala em
tom de súplica.
Ele suspira e prende a respiração.
Está tentando não chorar? Quero tocá-lo
e dizer que estou bem, mas não consigo
me mover.
Meu corpo ainda não é meu.
– Te deixar foi uma das coisas
mais difíceis que fiz. Tive medo que O

Delegado jogasse sua ira em você, mas
sabia que seus pais te protegeriam... Eu
me enganei, não é? Os pais não são
infalíveis...
Acho que ele caminha para mais
perto de mim. Será que me tocou? No
meu cabelo, talvez? Não tenho certeza,
estou flutuando em uma nuvem, com
todos os meus sentidos abafados.
Mesmo as vozes estão distantes.
– Eu sempre cuidei de você e
agora, te vendo assim... Acorde, Elle, eu

voltei por você. Agora é sua vez de
voltar por mim.
Eu quero fazer isso, ele está
chorando. Concentre-se, desperte.
– Chris, desculpe-me, mas já
permiti tempo demais. – David voltou.
– DJ, quando ela melhorar, o que
vai acontecer? – posso perceber a
derrota em sua voz.
– Não posso discutir isso com
você.
– Me diz, DJ! – Chris quase grita

de raiva controlada.
Ambos ficam em silêncio por um
minuto, escuto apenas os ruídos dos
aparelhos e suas respirações pesadas.
Minha mente estava começando a
divagar novamente quando DJ
finalmente quebra o silêncio com voz
resignada.
– Helena é menor de idade por
mais três semanas, alguém precisa vir
exigir a sua guarda ou ela irá entrar no
sistema.

Não estou entendendo o assunto
desta conversa. Não preciso de
guardiões, tenho meus pais.
– Eu serei o responsável por ela.
– Chris diz decidido
– Creio que isto não seja possível.
– DJ responde.
Chris argumenta com voz
superior:
– Tenho bons advogados.
DJ continua a falar em voz
apaziguadora:

– Mas você não é parente de
sangue, Chris.
– Elle não tem outros parentes de
sangue! Estão todos mortos, ela está
sozinha no mundo, não há ninguém, só
tem a mim. – Chris esbraveja nervoso.
O quê? Mortos?
– Chris! Eu não deveria discutir
isso com você e muito menos aqui.
Vamos embora. – DJ não parece estar
tão calmo agora.
– Certo, desculpa, cara.

Alguém se aproxima de mim, mas
agora estou anestesiada, nada importa:
– Tchau, Elle, eu voltarei logo.
Não pode ser, eu ouvi errado. O
acidente... Luz e escuridão, frio e calor,
gritos e silêncio. Estou confusa, nada faz
sentido, Chris está mentindo, ele é mau,
meus pais não morreram. Estou
alucinando? Será que enlouqueci?
Todos mortos, sozinha no mundo,
não há ninguém, só a mim.
Eu apago e minha mente voa...

Por que não posso acordar?
E se for verdade? Prefiro não
acordar mais.
Bip, bip, bip...
Correria ao meu redor.
Todos estão mortos.
Oxigenação está caindo.
Estou sozinha no mundo.
– Rápido, máscara de ventilação
não invasiva. Preparem tudo, podemos
precisar entubar.
Não há ninguém, todos que amo
já me abandonaram um dia.
– Massagem! Respirador agora...
Vamos lá! Não desista, Helena.
Só posso confiar em mim.


CAPÍTULO 3 –
Sombras
– Helena? Você pode nos ouvir,

querida? Vou preparar um acesso
periférico e você vai sentir uma leve
pressão, está bem? É só uma furadinha.
Sinto uma mão tocar
delicadamente meu braço. Sim, posso
ouvir a voz feminina e sentir a picada da
agulha, mas minha cabeça está muito

confusa para reagir ou entender o que
ela está falando. Pelos sons e odores,
devo estar em um hospital, mas por quê?
Eu me lembro de estar no carro com
meus pais e do sorriso da minha mãe...
Não, sem risos, silêncio e algo mais, o
quê? Luzes que cegam e fogo... Sombras
nas chamas. Não, não, não...
– Helena, se puder me ouvir,
aperte minha mão. – Outra pessoa me
chama.
A voz grossa masculina é familiar

e se torna uma âncora para a realidade.
Aperto sua mão com toda a força que
possuo no momento, o que não é muito.
Finalmente me permito abrir os olhos e
me assusto com a visão de duas pessoas
totalmente cobertas por roupas
hospitalares na minha frente, apenas
seus olhos visíveis. Meu Deus! Se eles
estão vestidos assim, cheios de
proteção, eu estou morrendo! Meu corpo
está pesado e me sinto fraca. Apenas na
segunda tentativa consigo falar:
– O que aconteceu? Onde estou?
Por que vocês estão vestidos assim?
A mulher coloca uma bolinha de
algodão com sangue de volta em uma
bandeja de metal e fala gentilmente
comigo:
– Calma, querida, eu sou a
enfermeira Lara, e você está em uma
unidade de terapia intensiva. Usamos
esta roupa para sua proteção. Este é o
nosso psicólogo, David Junior, ele irá
responder suas perguntas. Qualquer
coisa, é só me chamar.

Ela me mostra um botão, que
supostamente deveria trazê-la de volta
em um piscar de olhos, e sai, deixando-
me com o psicólogo. Ótimo, adoro ser
avaliada por desconhecidos escondidos
em roupas engraçadas.
– Helena, como a enfermeira Lara
falou, meu nome é David Junior, talvez
você se lembre de mim como DJ. Chris
namorou minha prima. Estarei aqui, a
sua disposição para apoio emocional e
suporte psicológico.

Apenas aceno com a cabeça.
Agora sei por que sua voz soava
familiar, DJ... Obrigado, DJ. Eu sonhei
isso?
– Me chame de Elle. Eu me
lembro de você, DJ. A sua prima não é
uma fã minha.
Eufemismo do ano, a garota me
odiava e exigiu que Chris parasse de
falar comigo, ou terminaria o namoro.
Ela não foi a primeira ou a última que
tentou este truque e se decepcionou com

o resultado. DJ não comenta, mas acho
que sorri por trás da máscara.
– Em breve o médico virá visitá-
la, você provavelmente será transferida
para um apartamento individual. Tem
alguma coisa que eu poderia fazer por
você enquanto isto?
– Sim, eu gostaria de falar com
meus pais.
Sua hesitação é mínima, mas
perceptível. Estranho.
– Elle, eu gostaria que, no

momento, você se concentrasse na sua
recuperação. Você despertou agora e...
Não o escuto mais, vozes perdidas
na minha mente chamam minha atenção.
Falo em um sussurro:
– Todos mortos, sozinha no
mundo, não há ninguém, só a mim.
DJ se aproxima de mim e
pergunta:
– Me desculpe, Elle, mas não
ouvi, poderia repetir?
Encaro-o nos olhos, meu corpo

inteiro treme de emoção e repito mais
alto, apesar da voz embargada pelas
lágrimas:
– Todos mortos, sozinha no
mundo, não há ninguém, só a mim!
Sua testa franze, mas ele
permanece calmo. Sua voz é forte,
porém tranquila, como tentasse emitir
uma serenidade para mim.
– Helena, você é a nossa maior
preocupação no momento. Você passou
por um grande trauma e precisamos ter

certeza de que está estável.
Eu entendo o que ele quer dizer,
mas como posso pensar em estar
“estável” sem saber a verdade? Será
que já sei qual é a verdade? Lembro-me
do cheiro da fumaça e do calor do fogo,
mas não vejo queimaduras em meus
braços, talvez embaixo dos lençóis?
Tento mexer minhas pernas para
verificar. A direita está bem, mas
quando tento mover a esquerda, sinto
uma dor intensa no tornozelo. Ela está
pesada, porém não da letargia.
– Não tente mover sua perna, está
imobilizada. Helena, descanse por
agora, o médico está vindo para avaliá-
la.
A situação deve estar pior do que
eu esperava, se ele não quer me dizer a
verdade.
– Eu acho que mereço saber onde
estão meus pais.
Apesar da máscara, percebo sua
expressão resignada:
– Sua família se envolveu em um

acidente de carro, você se lembra de
algo?
Tento recordar, mas uma sensação
de sufocamento sobe em meu peito.
Fecho meus olhos, não posso respirar,
meus sentidos são assaltados pela
sensação de pavor e impotência.
– Algumas coisas, não tenho
certeza do que é real ou não. – Minha
voz falha.
Ele acena a cabeça concordando.
– No momento, você pode se

sentir confusa. Grandes mudanças e
muitos sentimentos intensos em um
intervalo pequeno de tempo. Me
preocupo em como você pode estar
processando tudo isso.
“Todos mortos, sozinha no
mundo, não há ninguém, só a mim”.
– Não estou realmente
processando nada. Eu não sei... – falo
incerta.
Começo a ficar nervosa, seguro os
lençóis, preciso de algum tipo de apoio.

Flashes em minha memória. Eles não
podem estar mortos.
– Você gostaria de conversar
agora? Sobre o que está sentindo ou o
que lembra do acidente? – DJ fala.
Ele quer que eu me abra, mas falar
sobre sentimentos nunca foi meu forte,
mesmo com o Chris. O que preciso fazer
para o psicólogo seja direto comigo?
Decido cooperar, fecho os olhos e volto
para o pior momento da minha vida.
– Estava escuro e chovera havia

pouco tempo. Eu lembro de olhar pelo
teto solar, sempre faço isso, mas não
havia estrelas, apenas nuvens pesadas.
Silêncio, o carro estava em silêncio,
algo incomodava...
Começo a me agitar. Há algo na
minha memória que está faltando, e eu
não consigo lembrar o que é. Meus
olhos estão abertos agora.
– Alguma coisa aconteceu e logo
em seguida faróis, vindos de lugar
nenhum, me cegaram e depois...

Lembro melhor agora! O carro
virou, eu me encolhi e agarrei a borda
do teto solar. Tive segundos para tomar
esta decisão e foi puro instinto, não sei
realmente como consegui passar. Fiquei
caída na lama, desorientada, o carro
continuou capotando para longe de mim,
o barulho, as chamas, as vozes...
– Espere! Meus pais não podem
estar mortos! Eu vi sombras assim que
começaram as chamas. Eles saíram antes
do fogo!

Meu coração se agita, esperança
surge. As máquinas ao meu redor
emitem alertas sonoros e DJ observa
preocupado os monitores.
– Acalme-se, Elle, fique tranquila,
em outro momento retomaremos o
assunto. Não se preocupe, agora deve
descansar.
A enfermeira Lara retorna ao meu
leito com outra bandeja prata na mão e
faz um olhar de pena para mim enquanto
injeta alguma droga, provavelmente um

tranquilizante, em minha veia. Eu sei o
que vi, eu estava lá, ele não. Já grogue,
me viro para DJ:
– Vi duas sombras saindo do
fogo...
Lembro-me disso, não estou
inventando, estou?
– Não posso negar ou afirmar sua
experiência, Elle, mas você havia batido
sua cabeça e sofrido uma concussão,
passou dezesseis horas em coma. Sua
percepção pode estar alterada...

Ele não acredita em mim, não
importa o que eu diga e aposto que não
será o único.
– Eu preciso saber a verdade...
Antes que eu pudesse ouvir sua
resposta, a droga que a enfermeira
injetou faz efeito e a escuridão me
invade.


CAPÍTULO 4 –
Notícias
– Boa tarde, senhorita Helena.

Nos deu um susto grande. Sente-se
melhor?
O médico, um senhor de idade,
tem um sorriso condescendente para
mim, com a cabeça caída meio de lado.
Espero que seja torcicolo, porque se for
pena, já tive o suficiente de todos os

funcionários deste maldito hospital.
– Sinto-me ótima, doutor, como se
tivesse acabado de acordar de um
acidente de carro. – Digo com meu
sorriso mais doce.
Nas últimas duas horas, já me
furaram diversas vezes e fiz mais
exames do que achei cientificamente
possível. Tudo isso enquanto recebia
sorrisos falsos. Não gosto de ser o
centro das atenções e não quero ser o
alvo da pena alheia. Ninguém me deu

uma resposta direta e tudo isto está me
deixando nervosa.
– Entendo, pelo menos agora
sabemos que seu senso de humor se
mantém. – O médico diz.
– Devemos agradecer as pequenas
bênçãos em meio ao caos. – Falo com
sarcasmo.
Qual meu problema? Se eu for
boazinha, talvez ele me diga onde meus
pais estão. Finjo arrependimento:
– Desculpe, acho que perdi meus

modos em meio ao choque.
– Compreendo. Vamos aguardar o
resultado dos exames. Você é uma garota
de muita sorte. Acreditamos em um
prognóstico favorável, apenas um tempo
de fisioterapia para a perna e você
estará como nova.
Sorte? Estou toda dolorida, em
cima de uma maca de hospital,
recebendo olhares de pena e nenhuma
resposta. Falo com o médico
com o sorriso mais falso que consigo:

– Muita sorte! E quanto aos meus
pais? Eles também tiveram sorte?
Ele franze a testa, não gosto do
seu ar de derrota. Volto a sentir o aperto
no meu peito. Os segundos que ele
demora a responder são como uma
eternidade para mim.
– Helena, infelizmente não houve
nada que nós pudéssemos fazer por seus
pais. Me desculpe.
Não, não, isto está errado.
– Mas eles saíram assim que o

fogo começou, doutor! Como não
puderam fazer nada? – minha voz
afligida se iguala com o desespero que
sinto por dentro.
Ele me olha como se eu tivesse
perdido minha cabeça:
– Não, querida, isto seria
impossível.
Bato no colchão com frustração.
– Eu sei o que vi! Por que nesta
porcaria de hospital ninguém acredita
em mim?

Vejo o doutor olhar para a técnica
de enfermagem. Será que vão me dopar
novamente? Preciso me acalmar rápido
ou vão achar que enlouqueci. Ainda se
usa camisa de força hoje em dia?
Coloco minha mão no peito, inclino um
pouco a cabeça e tento imitar a voz
apaziguadora de DJ:
– Me desculpe, ainda estou tão
confusa. Tudo que preciso é ir para o
meu lar. Quando poderei ser liberada?
Ambos olham para mim com pena

e compreensão. Ufa! Missão cumprida.
– A gente entende, Helena, mas
infelizmente não agora. Precisa ficar em
observação por mais um tempo.
Todos dizem que é impossível que
meus pais tenham saído antes do fogo
começar. Será que as sombras são fruto
da minha mente? Eu vi o que queria
enxergar? No fundo, eu ainda acredito
que existe a possibilidade de eles
estarem vivos. Ter esperanças é mais
fácil do que aceitar a dura realidade:

meus pais estão mortos, eu sou uma órfã
e não tenho mais ninguém.
♪♫ ♥ ♪♫
Está quente, o calor mantém o

frio longe e a fumaça negra invade a
noite, infiltrando meus pulmões. Tento
tossir, mas não tenho forças e minha
cabeça dói. Fogo! O carro está
pegando fogo! Não posso me levantar,
meu corpo pesa... Mamãe... Papai...

Duas sombras nas chamas? Mamãe!
Papai!
Desperto alarmada. Minha
pulsação está acelerada, ainda sinto
vestígios de medo. Este pesadelo foi
muito realista! Olho para a janela do
quarto pensando em me acalmar com a
visão do céu azul, quando me assusto
novamente: há um policial cochilando na
poltrona ao meu lado. Seu quepe está
abaixado e não posso ver seu rosto.
Estranho. Ele é péssimo no trabalho,
como pretendia me salvar de algum
perigo enquanto dorme? Aliás, por que
preciso de proteção? Grito com
o dorminhoco:
– Ei! Quem é você?
Chamo duas vezes e nada. Que
sono profundo! Considero bater nele
com o suporte de metal do soro, mas
desisto. É pesado para mim, eu ainda
estou fraca. Ele só acorda em uma
confusão de braços e pernas quando
jogo em sua cabeça o guia do hospital.
– Ai! Isso doeu, Elle! – diz uma

voz irritada.
– Sam? O que diabos você está
vestindo? – pergunto surpresa.
Samantha se levanta e vejo que
sua roupa é muito maior que seu
delicado porte físico. Ela retira o quepe
e solta os longos cabelos loiros que
estavam escondidos no chapéu de
policial. Seus olhos azuis iguais aos do
irmão brilham com astúcia para mim. O
que ela aprontou desta vez? Ela se senta
na ponta da minha maca e dá de ombros:

– O hospital proibiu visitas até
segunda ordem. Então eu coloquei um
uniforme de policial e disse para a
enfermeira que você precisava de
escolta dentro do quarto.
Eu começo a rir. Isto é tão a cara
de Sam.
– E a enfermeira acreditou? Você
tem quinze anos e parece a Tinkerbell!
Ela me olha indignada:
– Quase dezesseis! Na verdade,
acho que ela me reconheceu e não quis

ligar para o papai. Quem iria querer
confusão com O Delegado? – quando
fala sobre o pai, o deboche é evidente
em sua voz.
Isso faz mais sentido. Fico feliz
em ver um rosto amigo: Sam era minha
bonequinha viva. Ela me abraça com
cuidado e eu agradeço:
– Obrigada por roubar um
uniforme da polícia só para vir me ver.
Tenho quase certeza que é um crime
federal.

– De nada, mas eu peguei faz
tempo. Sempre achei que iria precisar
um dia. – Ela diz com um brilho
malicioso no olhar.
Se a justiça fosse feita, O
Delegado pagaria no futuro todos os
seus pecados com a pequena Sam. Ela é
um amor de menina, porém não tem
nenhum respeito pelo pai. Bem, eu
também não tenho. Um homem que
expulsa o filho de casa por um motivo
fútil não merece ser respeitado.

– Mesmo assim, obrigada. É bom
ver você. – Falo com sinceridade.
Ela me olha triste. Suas feições
brancas estão avermelhadas, tenho
certeza que Sam chorou antes de
adormecer:
– Elle, eu sinto tanto! Você sabe o
quanto eu os amava também, não é?
Mamãe queria vir, mas enquanto você
não acordava, ela começou a organizar
o... Você sabe... Sam está sem jeito, algo
raro de acontecer, até eu entender o

motivo.
– O funeral? – digo baixinho.
Ela se senta mais perto e coloca a
cabeça em meu ombro.
– Sim, estávamos esperando por
você, é claro. Quer falar sobre isso?
– Não, mas acho que devo. Ela
escolheu os caixões? – eles não podem
estar mortos. Não quero pensar em meus
pais em caixões.
Sam parece incerta sobre o que
dizer:

– Não, Elle... Não há caixões...
Eles foram cremados. Me desculpe.
As lágrimas escorrem livremente
pelo meu rosto. Eu estava me
enganando. Não havia sombras nas
chamas, não sobrou muito para caixões,
não me resta esperança. Eles se foram.
– Sam, você me faz um favor? Eu
não sei quanto tempo ficarei aqui, você
poderia pedir a sua mãe para fazer uma

cerimônia na igreja para os amigos e
velório? Eu não posso...
Eu não consigo lidar com isto.
Suportar a pena dos funcionários do
hospital já é ruim o suficiente. E se
fosse da cidade inteira? Saber a verdade
e aceitá-la são duas coisas bem
diferentes. Sam segura minha mão.
– Eu vou ajudar a mamãe a cuidar
de tudo, Elle. Você não está sozinha, e
para provar isto, eu trouxe alguns
presentes escondidos.

Ela se levanta e resgata sua bolsa
vermelha que estava jogada no sofá.
– Papai Noel chegou mais cedo,
feliz natal! – Sam começa a retirar os
itens. – Um iPod, porque eu sei que você
ama música. Um livro para distrair sua
mente, outro livro, porque você vai ler
este primeiro rapidinho, e este álbum de
fotos para você lembrar que mesmo não
estando mais aqui, seus pais sempre
estarão vivos no seu coração.
Talvez eu não esteja tão sozinha

assim. Digo entre lágrimas:
– Meu Deus, Sam, Obrigada!
Quando você cresceu?
Ela me dá um sorriso que lembra
o do Chris, mas ao mesmo tempo é
muito diferente. O de Sam tem um
sarcasmo inato com sua sobrancelha
levantada.
– O quê? Você pensou que eu era
só um rostinho bonito? – ela se
aproxima e me abraça novamente. – Eu
quero que você se lembre que isto aqui

está cheio de outras pessoas que se
importam com você também.
Sam se senta comigo e começamos
a ver o álbum de fotografias,
relembrando nossa infância. Sorrio de
uma foto engraçada minha com Samantha
e Chris brincando no esconderijo
secreto. Os meus pais me deram tanto...
Pareciam saber que nosso tempo juntos
seria curto. Sou grata pelo amor e
carinho que recebi. Eu posso ser órfã
agora, mas realmente tive sorte pelos
anos em que vivi com eles. Chris perdeu
seus pais muito antes de mim, mesmo
que ambos ainda estejam respirando.
– Você sabia que ele está aqui? –
Sam sussurra.
– Quem está aqui? – pergunto
ansiosa.


CAPÍTULO 5 –
Delegado
Ela passa o dedo com carinho no

rosto do pequeno Chris da foto.
– O Chris. Eu o vi saindo
escondido enquanto tentava entrar mais
cedo para te ver. Ele usava um moletom
grande com capuz, mas eu o
reconheceria de qualquer jeito...
Oh, Deus! Chris está aqui.
“Acorde, Elle, eu voltei por você.
Agora é sua vez de voltar por mim”. Eu
pensei que estivesse sonhando, mas ele
realmente veio me visitar! Ou será que
esta parte foi um sonho mesmo?
– Por que ele sairia disfarçado? –
digo, escondendo meu entusiasmo.
Sam dá de ombros, incerta:
– Chris disse que não queria ser
reconhecido. Acho que ficou feliz
quando me viu... Ele me abraçou e disse
que estava com saudades...

Sua voz mostrava a insegurança
que ela mantinha escondida embaixo de
muitas camadas de sarcasmo e
brincadeiras. Sam se sentiu traída
quando ele foi embora sem se despedir.
Ela estava com uma amiga naquela
noite, só descobriu quando voltou para
casa no dia seguinte. Tento animá-la:
– Ele só não quer aquelas loucas
da escola babando! Imagina só, já é
difícil para você com ele longe, se elas
descobrissem que Chris está de volta.
Você nunca mais teria paz.
Muitas meninas queriam ser
amigas dela porque ela era irmã do
Chris. É por isso que só confiávamos de
verdade uma na outra. Sam ri, mas é um
sorriso triste.
– Você acha que se este acidente
tivesse sido comigo, ele teria voltado
tão rápido?
Sento-me na maca e passo a mão
em seus cabelos lisos, colocando-os
atrás da orelha, como costumava fazer
com seu irmão quando ele estava

abatido.
– Ei, não fique assim! O Chris te
ama muito e faria tudo por você – Sam
acena com cabeça, concordando. – Mas
ele evita seu pai como uma praga, e
você morar lá resultou nisto. Tenho
certeza que ele vai procurar você e sua
mãe.
– Sim, Chris vai ficar naquele
haras enorme fora dos limites da cidade.
Ele disse que iria mandar um segurança
buscar nós duas. – Ela está mais

animada agora.
– Não sabia que aquilo era um
hotel.
Sam sorri com tom conspiratório:
– E não é, mas quando se tem
dinheiro e fama, pode-se conseguir o
que quiser para ficar longe do papai...
Começamos a rir, quando a porta
do quarto de repente é aberta e, como se
tivesse sido invocado, eis que surge O
Delegado, com seus quase dois metros
de puro autoritarismo ariano. Chris e

Sam são parecidos com o pai. Ainda
bem que as semelhanças, no entanto, se
restringem apenas ao físico. O caráter
detestável d’O Delegado não passou
para os filhos. Sam pula da
cama e bate continência:
– Senhor, boa tarde, senhor.
Permissão para vazar daqui, senhor!
É quase impossível conter o riso.
Sam é a única que, quando tenta mostrar
algum respeito, consegue ser ainda mais
desrespeitosa. O Delegado a examina da

cabeça aos pés. Está irado por causa do
uniforme, enquanto Sam apenas sorri
com falsa doçura para o pai. Ela pega
sua bolsa e sai correndo o mais rápido
que pode. Agora estou a sós com O
Delegado, respiro fundo e me preparo
para o golpe. Nada de bom pode vir de
uma visita dele. Será que já descobriu a
volta de Chris? Ele poderia me culpar
por isto... Mas quando seu olhar se vira
para mim, não é raiva, frieza, pena ou
mesmo o distanciamento habitual que
percebo em seu semblante: é pesar.
– Ah, minha filha, que tristeza tem
sido essas últimas horas!
Ele se aproxima da maca e me
abraça meio sem jeito. Estou em choque,
acho que só recebi abraços dele em
meus aniversários e até uns seis anos de
idade. Olha só, a pele dele é quente!
Pensei que era feito de gelo.
Choramingo, não só por emoção, mas
também por minhas costelas doloridas, e
ele me solta um pouco.
– Perder seus pais foi uma

tragédia, mas achar que ia perder você
tem sido uma tortura. Você é como uma
filha para mim também. – Ele me fala
com emoção.
Ok... Eu não sabia que este homem
era capaz de sentir, muito menos
expressar qualquer emoção. Devo ter
morrido e ido parar em alguma
realidade alternativa. Eu sofro uma
concussão e ele que fica com sequelas?
Não sei como reagir. Uma filha para
ele? Não muito reconfortante,
considerando como ele agiu com Chris,
que é o filho dele.
– Obrigada, senhor, estou bem
agora. – Digo com desconforto.
Ele aperta meu ombro, volta a
ficar em uma posição ereta e retira uma
caderneta de um dos bolsos. Ah, agora
O Delegado está de volta. Acho que o
momento união acabou.
– Me desculpe, Helena, mas esta
visita não é apenas social. Preciso do
seu depoimento. Você lembra de algo
que possa ajudar a identificar o outro

carro envolvido no acidente?
Ele fala em modo policial, e sinto
que tenho dez anos e estou sendo
novamente interrogada pela destruição
do sino histórico da Igreja. Não que eu
tenha alguma relação com este pequeno
incidente de destruição do patrimônio
público, claro. Não preciso pensar
muito para saber a resposta:
– Não vi nada do outro carro,
estava escuro, o senhor sabe que não há
postes naquele trecho e a única luz vinha

dos faróis. Além disso, não lembro de
muita coisa, tudo ainda está confuso na
minha cabeça.
Decido não falar das sombras nas
chamas. De que adiantaria? Ninguém
nunca vai acreditar em mim mesmo.
– É, eu sei, menina, mas tinha que
perguntar. – Ele fala sem olhar para
mim.
O que ele tanto anota neste papel?
Deve estar fazendo rabiscos aleatórios,
pois eu não falei nada de relevante. Não

sirvo para ajudar a trazer justiça para os
meus pais, sou uma inútil. Preciso fazer
algo da minha vida.
– Se eu lembrar de algo, direi. –
Falo com sinceridade.
– Ok, me procure se precisar de
qualquer coisa. – Seu tom de voz é
plano, acho que esgotou seu ínfimo
estoque de emoções.
Ele começa a sair, mas para
segurando a maçaneta.
– Imagino o que você pensa de

mim, porém eu não sou um vilão. Chris
tinha uma escolha e a decisão dele foi
humilhante para mim. Eu sei que ele está
na cidade e o que está tentando fazer por
você – ele se vira para mim com o rosto
solene. – Você também tem uma escolha,
pode vir morar em nossa casa, Sam iria
adorar. Não precisa segui-lo nesta vida
degradante e promíscua que ele leva.
Minutos atrás, achei que O
Delegado poderia ter um coração, mas
ele só pensa no seu estúpido orgulho.
Tolo teimoso! Minha paciência com esse
homem se esgota.
– Não sei do que o senhor está
falando, não vi seu filho – olho para ele
com a raiva acumulada durante anos. –
Mas se alguém deveria sentir vergonha,
é o Chris, por ter um pai egoísta,
autoritário, teimoso que se acha o dono
da verdade só porque é o delegado! O
senhor tem sua vida tão limitada no
mesmo ciclo repetitivo que não percebe
como o próprio filho é talentoso e
quanto ele conquistou sozinho nos
últimos anos! E se ele tivesse morrido?
Me diga! Você viveria bem com isso?
Ai, meu Deus! Disse tudo sem
pausa, meu peito sobe e desce do
esforço e da raiva. Eu bati minha cabeça
muito forte para finalmente enfrentar O
Delegado e falar deste jeito. Estou me
tremendo, porém isso deve ser bom! Se
eu desmaiar, ele não vai me prender, não
é? Ele está tenso, punhos fechados ao
lado do corpo.
– Como disse, não sou vilão, por
isto darei uma pequena indulgência. Ele
tem três dias antes que eu reabra o caso
do sino da igreja. Encontrei algumas
digitais interessantes que não
apareceram nos autos da época, estamos
compreendidos?
– Claro. – Respondo com falso
desinteresse.
E, sem mais palavras, ele vai
embora. Eu sabia que não deveria tê-lo
irritado! Digitais? Oh, droga! De onde
ele tirou digitais? Quais as chances de
convencer Sam a entrar na delegacia e
destruir algumas provas?


CAPÍTULO 6 –
Reencontro
O sono induzido por remédios é
uma bênção e uma maldição: te leva a
um mundo de esquecimento sem sonhos.
Porém você acorda quase tão cansado
quanto antes. Eu estava terminando meu
delicioso jantar, cortesia do chef – sopa
sem sal com torrada sem manteiga –
quando batem à porta.
– Entre. – Falo enquanto descarto
a bandeja com o que o hospital chama
de comida.
O que vejo tira meu fôlego: Chris!
Maior, mais forte e mais bonito do que
minhas memórias, contudo ainda o
mesmo garoto que me deixou chorando
no quintal de minha casa. Um loiro raio
de sol neste triste dia dos infernos, com
o mesmo sorriso tímido que eu tanto
amava. Atrás dele, entra alguém que é
ainda mais alto. Nunca o vi
pessoalmente, mas de imediato sei de
quem se trata, qualquer garota no país o
reconheceria. Chris eu entendo, mas o
que ele está fazendo aqui?
– Elle, eu sinto tanto! – seu timbre
de voz também está mais forte.
Ele corre, senta na maca ao meu
lado e me abraça com cuidado para não
me machucar. Tive tantas saudades! Seu
calor e seu cheiro, diferentes, porém os
mesmos. Sim, ele está aqui, Chris voltou
por mim! Começo a chorar.
– Ah, querida, venha aqui. – Ele

me puxa em sua direção.
Apoio minha cabeça em seu
ombro, sinto-me em casa e meu coração
se alivia um pouco. Chris apenas me dá
seu apoio silencioso. Sabendo que
preciso liberar minha angústia, ele alisa
meus cabelos enquanto cantarola
baixinho alguma canção de ninar. Por um
momento me permito crer que o mundo
não desabou ao meu redor: tenho
novamente seis anos, meu bichinho
morreu e estou de coração partido,
porém segura nos braços do meu melhor
amigo.
Levanto minha cabeça e tento o
melhor sorriso que consigo dar no
momento.
– Olá, estranho. Vejo que não
esqueceu de suas origens e promessas,
afinal de contas.
– Sempre a mesma espertinha –
ele belisca a ponta do meu nariz. –
Saiba que tentei vir mais cedo, porém

você estava fazendo exames e só
liberaram visitas externas agora. Sinto
tanto, Elle.
Estava tão deslumbrada pelo seu
retorno, que não percebi sua aparência
abatida. Há olheiras escuras embaixo de
seus olhos: ele esteve chorando. Chris
continua a falar:
– Na verdade, eu vim mais cedo,
mas você estava desacordada, então não
conta. Vocês sempre foram minha
família, a tia Liz e o tio George eram

como meus segundos pais e eles
partirem assim...
Chris está nervoso e quer
expressar seu luto, o problema é que
simplesmente não posso lidar com
minhas próprias emoções no momento,
muito menos com as dos outros. O
psicólogo tinha razão quando disse que
se preocupava em como eu poderia estar
processando tudo isso. Eu não estou
processando de verdade. É demais para
mim, não suporto falar sobre isso.

– Eu sei, Chris, eles não mereciam
partir tão cedo e de uma forma tão cruel.
– Digo, tentando controlar minhas
lágrimas.
Chris continua falando sobre o
quanto ele sente muito e o quanto queria
estar aqui por mim. Não presto mais
atenção e procuro no quarto por uma
rota de fuga. Meus olhos pousam no
amigo do Chris, que está usando suas
habituais roupas escuras, sentado em
uma das mesas próximo da janela. Isto é
mais longe possível de nós, seria essa
uma tentativa de nos dar privacidade, ou
ele apenas gostaria de estar em outro
lugar? Pessoalmente ele era mais
impressionante do que na TV. Seus
longos cabelos castanhos estão presos
em um coque alto estilo samurai e os
olhos turquesa brilham em contraste com
a barba cheia bem-feita. Ele parece o
clássico roqueiro com jeans preto e
jaqueta e, nossa! Como ele preenche
bem a jaqueta de couro! A boca bem
desenhada está levantada em um meio
sorriso irônico, mostrando uma covinha
na bochecha... Sorriso irônico? Merda!
Fui pega no flagra enquanto o encarava.
Desvio minha atenção de volta para o
Chris, só agora realmente ouvindo o que
ele fala:
– E por isso meus advogados já
estão cuidando de tudo, viu? Você não
vai precisar se preocupar com nada.
Droga! Eu deveria ter escutado a
conversa dele.
– O que você quer dizer com seus
advogados estão cuidando de tudo?

Não quero e não preciso de sua
ajuda, posso me virar sozinha. Chris fala
com cautela:
– Você será menor de idade por
mais três semanas, serei seu guardião,
ou irá para um abrigo público.
– Ok, sem problemas. Você
autoriza minha saída e eu posso voltar
para minha casa. – Falo, já ficando
irritada.

Chris percebe que estou pronta
para a briga, mas o tolo resolve pela
tática de me acalmar ao invés de recuar.
– Docinho, entenda que você vai
ficar sob minha responsabilidade, então
você vai ter que deixar eu tomar conta
de tudo por você.
Docinho? Sério, Chris? Acho que
ele ficou muito tempo ao redor de
groupies sem cérebro... Eu o conheço,
quando ele diz “tomar conta de tudo”,
ele realmente quer dizer tudo. Não vou

permitir que me sustente. As únicas
pessoas que tinham a obrigação de me
criar não estão mais aqui. Agora
dependo apenas de mim. Começo a
numerar meu ponto de vista com os
dedos e escuto os risos de deboche do
moreno atrás de mim.
– Em primeiro lugar, não venha
com docinho para cima de mim. Em
segundo lugar, nem quando a gente era
criança eu deixava você assumir a
responsabilidade por tudo! Se for para
ser assim, pode voltar para onde você
foi nos últimos quatro anos. Serei dona
da minha vida. E em terceiro lugar –
aponto para o Senhor Risadinha. – Quem
é esse babaca que você trouxe?

CAPÍTULO 7 –
Problemas
Chamá-lo de babaca acabou com a
risadinha. Aparentemente, os sites de
fofoca não mentem: ele é tão idiota
quanto dizem. Senti-me vingada por ter
sido pega olhando, ainda que não tenha
sido culpa dele. Chris não estranha o
xingamento, deve ser normal no mundo
do rock.
– Esqueci de apresentar vocês
dois. Elle, este é John, meu companheiro
de banda, o vocalista da Jack Rock.
John, esta é Elle, minha melhor e maior
amiga desde a infância.
John é o melhor amigo que o Chris
tem na banda, mas enquanto este possui
um brilho natural que ilumina todos ao
redor, John exala mistério. Eles são uma
dicotomia, luz e escuridão. John desce
da mesa e caminha até mim com andar
sensual, parecendo um felino caçando
sua presa. Agora entendo o sucesso que
ele tem com as mulheres: com todo este
charme e sua voz, deve ser difícil
resistir. Por sorte, desenvolvi imunidade
ao crescer com um garoto lindo
encantador e não fico deslumbrada
facilmente. Ou não ficava... Não fico!
Definitivamente não fico! Ele pega a
minha mão que está sem o soro e leva
aos lábios cheios, dando um beijo
prolongado.
– Prazer em finalmente conhecê-
la. Após tantos anos ouvindo falar sobre
a doce Elle, tive que vir vê-la e apoiar
meu amigo.
– Obrigada pela consideração.
Como podem ver, estou bem. – Digo
tentando disfarçar a reação que seu
toque me causa.
Que merda é essa? Parece um
magnetismo percorrendo meus poros e
partindo do ponto onde ele me beijou.
Se Sam estivesse aqui, ela diria que se
isto se chama “tesão”, e eu a mandaria
calar a boca.
– Não por isto, alguém teve que

ocupar o cargo vago de melhor amigo
que você deixou todos estes anos. – Ele
diz com um meio sorriso, daqueles
falsos que levantam apenas um lado dos
lábios e demonstram o seu deboche.
Irritante.
– Eu não deixei vago, o cargo
ainda é meu. Farras e bebedeiras com
groupies não se qualificam como
amizade verdadeira.
Enquanto falo com rispidez, ele
apenas sorri, mas depois solta uma

gargalhada divertida.
– Olha só, C, sua namorada
puritana acordou irritadinha! Calma
garota, só vim acompanhar o meu amigo
porque de manhã ele saiu muito nervoso
ao ver como você estava, então que tal
dar um desconto e tentar ser mais
agradável com o seu amigo?
Ele fala me fuzilando com o olhar.
Tanto o insulto, quanto o recado foram
registrados. Droga! Resolvo hastear a
bandeira branca.

– Desculpa, Chris, desde que
acordei, estive nervosa. Me explique
direito o que você tem feito sem
combinar comigo antes. – Digo
contrariada.
John faz um barulho rouco,
limpando a garganta, e eu complemento
minha frase com um sorriso:
– Por favor.
Chris está com a testa franzida,
olhando de mim para John. Acho que
não sou a única a não entender o cara e

sua atitude autoritária comigo. Quem ele
pensa que é? Chris segura minha mão e
diz:
– Desculpe, Elle, não sabia que
você acordaria tão avessa à ideia de
aceitar minha ajuda. Se eu soubesse,
teria esperado um pouco mais antes de
acionar todos os meios legais possíveis.
E... Você sabe como te amo, né? Então,
eu...
Ele está me enrolando e não
consegue olhar em meus olhos. Algo

está errado e deve ser grande. Minha
ansiedade está no limite, o que mais
falta acontecer para coroar as últimas
vinte e quatro horas? Sou parte de
alguma profecia do apocalipse e não
sabia? O meu mundo com certeza parece
estar em seu juízo final.
– Chris, fazem algumas horas que
diminuíram meu suprimento de morfina e
eu já não estava feliz naquele momento.
Estou tentando ser boazinha, que tal
cortar a merda e dizer que porra você
fez? – falo com raiva e me viro
apontando o dedo para o John, que está
novamente com o meio sorriso de
deboche. – E você cale a maldita boca!
Ele apenas levanta as mãos em
sinal de rendição.
– Helena! Se acalme, desse jeito
vão vir nos expulsar daqui! Você nunca
falou assim comigo e com tanto
palavrão! – Chris parece genuinamente
chocado.
– Não venha com Helena para
cima de mim! Eu tinha quatorze anos

quando você saiu, achou que eu seria a
mesma? – respondo impaciente.
Agora ele está cabisbaixo, como
se eu o tivesse chutado. Tanto tempo
separados, nosso reencontro deveria ser
cheio de alegrias, não luto e brigas. Me
sinto culpada e é minha vez de segurar
suas mãos.
– Chris, eu cresci! Mas ainda sou
eu, apenas não espere que eu seja aquela
garotinha ingênua e assustada que você
deixou chorando no escuro, ok? – ele

olha para mim e sorri concordando.
Somos os mesmos, porém diferentes,
teremos que nos redescobrir. – Não
apenas posso, como quero me virar
sozinha. O que você está escondendo?
Ele solta um suspiro antes de
continuar a falar:
– Primeiro entenda que é difícil
ver você sofrer. Não importa a idade
que tenha, sempre será minha pequena
para cuidar e proteger. Eu tenho feito
isso desde que você nasceu, lembra?

Olha, meus advogados conseguiram
mexer alguns pauzinhos e já sou seu
guardião legal até seu aniversário...
Isto eu já esperava. Não vou
discutir, não gostaria de ir para um
abrigo.
– Então quer dizer que se eu
cometer algum crime nos próximos dias,
você responde por mim? – o provoco
com um sorriso travesso. Não que ele
precise de mais problemas com a
polícia local.

Ele me olha desconfiado.
– Sorte minha que você está
hospitalizada, não é?
– Isto não nos impediu com o sino
da igreja. Falando nisso, O Delegado
disse que ainda tem as digitais retiradas
da cena... – digo levantando uma
sobrancelha.
Sua estadia precisa ser o mais
curta possível. Chris fica tenso. Se eu
tenho anos de raiva acumulada, imagino
como deve ser para ele. Como será

conquistar seus sonhos, ser adorado por
milhares e desprezado pelo próprio pai?
– Chris, venha aqui. – Falo
estendendo meus braços em sua direção.
Eu o abraço com todo o amor que
sinto por esta doce alma guerreira. São
tantos acontecimentos para eu processar,
que ainda não compreendi a grandeza de
ter meu melhor amigo de volta. Minhas
lágrimas agora são com outro tipo de
sentimento, alegria:
– Eu te amo e estou tão orgulhosa

de você. Obrigada por ter voltado por
mim.
Ele me abraça mais forte, beija
meus cabelos e diz com a voz cheia de
emoção:
– Também te amo, Elle,
enfrentaria o céu e o inferno por você.
Você sabe disso, não é?
Eu aceno com a cabeça e ele
continua a falar.
– Como seu pai era promotor
público, mandei meus advogados

descobrirem se havia pendências. Todos
os casos dele estão sendo passados para
um promotor substituto. Procurei
também saber de sua herança, e aí é que
encontramos problemas.
Nunca me importei com bens
materiais. Tinha minha mesada e
vivíamos confortavelmente, mas não
éramos de esbanjar em estilo de vida
luxuoso.
– Que tipo de problemas?
– Você sabia que seu pai investia

todas as economias em ações? – Chris
pergunta cautelosamente. Sua expressão
é preocupada. Reflito sobre a pergunta.
Não sabia, achei que vivíamos do
salário de promotor do papai. Mamãe
era dona de casa e estávamos em uma
cidade de interior, o custo de vida
deveria ser menor.
– Elle? Me escute, por décadas
seu pai ganhou muito dinheiro em ações.
Você era rica e não sabia, mas o
mercado é flutuante e, com um escândalo
inesperado de corrupção na principal
empresa que seu pai investia, ele perdeu
tudo, quebrou. – Chris me explica
calmamente, mas eu fico alarmada.
Meu Deus, por isto papai estava
tão tenso e nervoso nos últimos dias.
Como eles esconderam isso de mim?
Por quê? Não confiavam em mim? Chris
sempre soube quando estou agitada e
nervosa, assim como eu sei que ele
ainda não me disse tudo, está tentando
amenizar o golpe. Ele está me
escondendo algo.

Quão ruim pode ser?


CAPÍTULO 8 – Pior
ainda
– Isso não é tudo, é? – pergunto

desconfiada.
Chris responde resignado em me
dar a notícia.
– Não, nos últimos meses seu pai
teve que hipotecar a casa... E boa parte
do salário dele era comprometido com
empréstimos. Com sua morte, os bens
ficam como garantia para o banco.
Primeiro meus pais, agora
perderei meu lar. Sem porto seguro. Sem
abrigo. “Todos mortos, sozinha no
Por que isso não sai da minha cabeça?
Chris acaricia meus braços. Eu entendo
que ele queira me dar apoio, serei
eternamente grata por isto. Entretanto eu
gostaria de me erguer sozinha. Ele
venceu sem ajuda, por que não posso
fazer o mesmo?

– Estou por conta própria? Não
tenho nada? – finalmente falo.
Chris suspira alto e tenta aliviar:
– Pelo que entendi, vocês estavam
quebrados há pelo menos dois anos.
Podem não ostentar, mas manter uma
casa do tamanho da sua é caro e muito
dinheiro foi perdido quando as ações
caíram...
Eu balanço a cabeça em
compreensão. Não estávamos no luxo
das grandes estrelas de televisão, mas

tínhamos muito conforto. Meu Deus, a
faculdade! Eles não teriam como me
bancar em outra cidade, por isto
estavam tão tensos? Eu era a culpada?
Eu não precisava ser protegida sempre...
Eles poderiam ter me dito. Droga! Eu
não sou frágil, nunca mais quero ser
superprotegida assim.
– Elle, você entende o que isto
significa? Em termos financeiros? –
Chris pergunta preocupado.
– Não totalmente, mas tenho uma

ideia. – Respondo cabisbaixa.
Chris me olha com pena. Até dele
vou receber isto?
– A casa e o carro quitam as
hipotecas, porém ainda restarão as
outras dívidas. Você pode tentar uma
pensão enquanto estiver na
universidade... Só que ainda tem os
empréstimos.
Chris engole seco e me lança o
melhor sorriso garoto de ouro que ele
tem. Ele parece nervoso com o que está

prestes a falar. Ou seja, se não gostei da
última, tenho certeza que vou detestar a
próxima parte:
– O meu contador está negociando
com o banco o valor total dos débitos
para que eu possa quitá-los.
Sabia! Ele deixou o detalhe mais
interessante para o final, não é? Tento
me levantar da cama, mas não consigo.
Droga de perna imobilizada! Não que eu
seja ingrata, mas não quero que ele gaste
o dinheiro que lutou tanto para

conquistar com os erros do meu pai.
Seguro suas mãos e tento expor minha
alma para ele.
– Chris, menos de vinte e quatro
horas atrás, minhas maiores
preocupações eram a sua partida e como
dizer aos meus pais que iria morar
longe. Minha maior dor tinha sido
quando quebrei o braço fugindo dos
gansos... – tento secar minhas lágrimas,
mas continuo falando. – Menos de vinte
e quatro horas atrás, o lar mais amoroso
tinha sido o meu, e minha maior
esperança era rever você...
As lágrimas agora fluem
livremente pelo meu rosto. Chris não
chora, mas seus olhos estão vermelhos.
– Agora não tenho mais família,
nem lar, meu coração está partido em
pedaços e minha única esperança é que
eu consiga juntar os cacos do que sobrou
de minha vida e me reerguer com minhas
próprias pernas.
Agora só tenho a mim mesma. Ele
sorri para mim, acho que finalmente

entendeu.
– Você não está sozinha no mundo,
tem a mim, eu cuido de você! – ele
praticamente grita com desespero.
Ou não. Chris estava acostumado
a sempre me tirar das encrencas quando
era pequena, mas não desta vez. Eu não
sou mais uma criança!
– Elle, me diga quando quebrei
uma promessa? Mesmo quando parti,
não te abandonei, liguei e mantive
contato como combinamos, não foi?

– Eu sei disso, você sempre foi
meu herói, mas desta vez eu preciso ser
heroína também! Isso não é negociável.
Parte do salário do meu pai ainda
é um bom dinheiro, posso vender
algumas joias e conseguir um trabalho
de meio período perto da faculdade.
Poderei sim viver muito bem. Explico
tudo para ele, que escuta atentamente.
– Ok, eu concordo em não pagar a
dívida por você, mas a oferta para quitá-
la estará eternamente aberta. – Ele diz

com teimosia.
Descarto a opção assim que ele
fala, a dívida de meu pai é minha
obrigação. Chris então fala:
– Tenho outra proposta, você vem
morar comigo e trabalhar para mim
como minha assistente pessoal.
Seu sorriso é brilhante, como se
tivesse sido a ideia mais genial do
mundo. Cara, ele nunca entende! Falo
cansada:
– Chris, você compreende que eu

quero um cantinho para mim?
Ser sua assistente pessoal? Não
mesmo! Lembro bem o quanto ele era
metódico no colégio, consequência de
sua criação no estilo militar.
– Você sequer precisa de uma
assistente, ou só quer me manter
embaixo de sua asa e me dar dinheiro de
graça? – pergunto desconfiada.
Estamos impacientes com a
conversa, nenhum dos dois quer ceder o
controle. Ele pensou que chegaria aqui

quatro anos depois e eu apenas diria sim
para tudo? Deve estar mal-acostumado
com as pessoas fazendo todas as suas
vontades.
– Isso importa? Se quiser, posso
arrumar uma casa grande para nós dois
ou comprar um apartamento perto da
universidade só para você ter seu
cantinho! – ele diz as últimas palavras
com desdém.
Ah, ele não falou isso! Isso
importa? Isso importa? Grito com ele:

– Isso importa?! É sério, Chris?
Tanta música te deixou surdo, merda!
Pegue o seu dinheiro e enfie no...
Antes que eu consiga terminar a
frase ele está bem na minha frente, com
o indicador na minha cara e começa a
vociferar. Eu vou torcer esse dedo,
espero que ele use a outra mão para
tocar.
– Helena! Não se atreva a
terminar a frase, você é uma mal...
– Vocês dois podem calar essa

maldita boca?! – John praticamente
grita.
Eu já tinha esquecido que ele
estava no quarto, agora está em pé entre
nós dois com cara de puto. Quem esse
cara pensa que é para gritar assim com a
gente?


CAPÍTULO 9 –
Proposta
John ainda está olhando para mim

e Chris com a testa franzida e fala
irritado:
– Mais um pouco e os seguranças
vão vir! Você, Chris, vai perder a guarda
dela, que vai parar na porra de um
abrigo público! – ele aponta para nós
dois. – É isso que vocês querem?

Eu e Chris nos calamos, cruzando
os braços como dois meninos birrentos
levando bronca do pai, e John continua.
– É preciso ter uma santa
paciência para aguentar tanta besteira
vinda de vocês! Como não se mataram
quando crianças?
Aponta o dedo para Chris:
– Entenda de uma vez que ela não
quer ser sustentada e pare de tratá-la
como a uma garotinha de quatorze anos
mimada!

Quando ele se vira para mim, seu
olhar se demora em meu rosto. Com
todas as contusões que tenho, não deve
ser uma bela visão. Então apenas
empino o queixo, não vou deixar que ele
me intimide.
– Helena, entenda que ele quer
ajudar da forma que acha correto, deixe
de ser ingrata e pare de agir como uma
garotinha de quatorze anos mimada!
Como ele ousa?
– Olha aqui, seu imbecil...

Ele balança o dedo para mim:
– Não, não, não, nada de insultos!
Adultos falando. Ainda não terminei.
Ah, ele não fez isso! Se eu quebrar
o dedo e a cara dele poderia alegar
insanidade temporária? Depois do dia
que tive, creio que sim. Chris está
emburrado, olha para mim como se eu
tivesse chutado seu cachorrinho. John
não cala a maldita boca:
– Tecnicamente ainda faltam três
semanas para ser adulta, garotinha, então

escute a minha proposta: ao contrário do
nosso amiguinho ali, eu não cresci em
uma casa fascista cheio de métodos de
organização militar, então realmente
preciso de ajuda. Nosso empresário tem
enchido meu saco sobre algumas vezes
em que perdi compromissos ou esqueci
de responder cartas. Os fã-clubes não
ficam felizes quando são ignorados.
John dá de ombros, como se isto
não tivesse importância:
– Você parece nerd suficiente com

toda esta conversa de faculdade... Acho
que consegue dar conta do recado.
Eu o estava xingando mentalmente
de todos os nomes, até que registrei sua
proposta.
– Você está me oferecendo um
emprego? Um de verdade? Ou é
inventado como o de Chris? – pergunto
desconfiada.
Chris olha chocado para o amigo.
Sua boca está aberta e os olhos
levemente arregalados. Acho até que

esqueceu de respirar por uns dois
segundos.
– Acredite, Elle, é de verdade.
Mas John, não vou deixar você enterrá-
la viva naquela montanha de cartas que
você tem!
Chris se levanta e o arrasta pelo
braço até a janela, eles discutem em
sussurros e eu não entendo o que é dito,
mas imagino que deve ser algo do tipo:
“não encoste um dedo nela!”, “não se
preocupe, Chris, prefiro mulheres lindas

e que não irão me castrar se eu fizer
merda”. Homens. Será uma boa ideia
trabalhar para John? Posso tentar, não
tenho muita opção, apesar do meu futuro
chefe ser um idiota completo.
– Quieto, Chris! A decisão é dela.
Além disso, tem seus benefícios. – John
fala ríspido.
Benefícios?
– Que benefícios? – isso muito me
interessa. E realmente, responder cartas
de fãs deve ser o trabalho mais fácil do

mundo.
Eles voltam para perto da cama,
Chris ainda emburrado. Tenho certeza
que ele preferia ser meu chefe, mas com
ele eu não faria nada. Seria uma forma
disfarçada de ele me sustentar. John me
explica os tais benefícios.
– Eu tenho uma casa de hóspedes
que não está sendo usada. Não é muito,
mas é suficiente para uma pessoa.
Facilitaria para mim ter minha assistente
por perto sempre, e você não pagaria

aluguel. Você ainda teria acesso ao
mundo do rock, ficaria próxima do Chris
e teria o maior benefício de todos... –
diz com um ar de superioridade.
Tudo parece bom demais para ser
verdade e talvez ele não seja um imbecil
egocêntrico afinal de contas, aposto que
é tudo fofoca dos tabloides. Só não
imagino o que poderá ser melhor do que
tudo isso...
– E qual seria esse maior
benefício de todos os tempos? –

pergunto curiosa.
Ele responde com um sorriso
conquistador:
– Trabalhar para mim, é claro!
Você vai poder me ver todos os dias.
Minha nossa! Os rumores são
todos verdadeiros, ele é um idiota
presunçoso.
– Então, temos um acordo? – John
estende sua grande mão para mim.
Eu apenas levanto uma
sobrancelha para ele:

– Gostaria de falar com Chris a
sós primeiro, se não se importa.
Ele acena com o irritante meio
sorriso e sai. Chris se levanta e senta ao
meu lado. Sei que ainda está chateado,
mas terá que superar. Ele fala
cabisbaixo:
– Eu tinha planejado cuidar de
você... Não teria que trabalhar um único
dia de sua vida. Eu estava tão focado no
que eu queria, que ignorei o que você
precisava.

Sorrio para ele. Finalmente
estamos entrando em um consenso. Nós
podemos fazer isto.
– Você acha que é seguro trabalhar
para o John?
Chris olha em meus olhos, ele
parece resignado.
– Pode não parecer, mas John é
boa pessoa, confiaria minha vida a ele.
Seu problema é com as mulheres, não se
apega a nenhuma. A solução dele é
perfeita, porém você não pode cair em

sua conversa. Ele ama apenas o sexo,
nunca as garotas, nem as respeita...
Chris está desconfortável e agora
olha para todos os lados, menos para
mim. Imagino o que esteja querendo me
falar, mas não facilito. É engraçado vê-
lo se contorcer.
– Elle, eu sei que você é uma
garota centrada e não seria facilmente
enganada, mas vi muitas meninas boas
se perderem nas mãos dele – ele me
olha quase com desespero. – Por favor,

seja cuidadosa, mesmo que ele tenha
prometido que estaria em seu melhor
comportamento.
Com ou sem promessa, é claro que
eu jamais cairia na conversa deste John.
Além do mais, duvido que a gente
compartilhe o mesmo conceito de
“melhor comportamento”.
– Me dê algum crédito, Chris,
você acha que eu me apaixonaria por um
misógino desse só porque ele é lindo?
Não se preocupe comigo, ele que

deveria proteger suas bolas se eu perder
minha paciência!
Digo brincando, mais ou menos.
Chris coloca a mão entre as pernas,
protegendo seus preciosos bens. Eu
chutara suas bolas quando ele colocou
um garoto que eu paquerava para correr.
Segundo ele, o rapaz não era bom o
suficiente.
– Ai, não me lembre da sua festa
de doze anos!
Estou com meu sorriso mais

diabólico. John me aguarde, este será o
tipo de distração que preciso. Talvez
assim eu não enlouqueça.
– Está vendo? Sempre soube me
defender, você que nunca percebeu isso.
Chris também está sorrindo, ele
me conhece, está mais aliviado agora
que estarei segura e próxima a ele. Ele
me abraça, beija minha testa e diz:
– Tem razão e está na hora de
crescer. Deixe-me ser o primeiro a te
dar as boas-vindas ao louco mundo da

Jack Rock.


CAPÍTULO 10 –
Urnas frias
Os advogados me visitaram e
oficializaram tudo: Chris é meu
guardião. Em breve, eu finalmente irei
me mudar desta cidade. Nunca pensei
que pagaria um preço tão alto pela
sonhada independência. Fiquei
mais dois dias hospitalizada, pois os
médicos queriam ter certeza que não

havia sequelas de minha concussão. No
final, estavam tão prontos para se
livrarem de mim, quanto eu estava deles.
Eu demorarei um século para tirar o
cheiro de hospital da minha pele. Tia
Beth, mãe do Chris, se ofereceu para
guardar as coisas dos meus pais no
porão de sua casa. Aceitei a oferta, pois
seria complicado fazer sozinha com o
imobilizador na perna. Além disto,
colocar os pertences dos meus pais, tudo
aquilo que os definia, em caixas tornava
tudo tão... Real. Ainda não me sinto
pronta.
Como Sam havia me prometido,
ela e sua mãe organizaram um ato
ecumênico para a comunidade enquanto
eu ainda estava no hospital. Hoje seria
uma cerimônia íntima apenas comigo,
John, Chris e sua família. O Delegado,
quando viu o filho chegar, pediu
desculpas e se retirou. Chris fingiu não
perceber, mas ele também saiu o mais
rápido possível. Logo os outros o
seguiram, me dando um momento para
me despedir. As urnas agora estão
dispostas lado a lado no mausoléu da
família no velho cemitério. Sento-me no
banco observando o triste lugar, a placa
com tantos nomes esquecidos.
Do pó ao pó.
Caixas de papelão e urnas de
metal eram tudo que restavam das duas
pessoas que tanto fizeram por mim. Será
que eu falei o quanto eu os amava
naquele dia? Ou pelo menos naquela
semana? Eu deveria ter dito enquanto
ainda podia... Quando eles ainda

estavam aqui para me ouvir.
Quase me arrependo de não ter aceitado
a oferta de Chris. Se a casa fosse minha,
eu espalharia as cinzas no nosso quintal.
Mamãe amava as flores e papai amava
minha mãe. Então ele sentava com ela no
banco de madeira entre as roseiras para
assistir ao entardecer sempre que podia.
Às vezes, eu os observava pela janela
do sótão: ele sentado no balanço e ela
deitada em seu colo. Tento secar minhas
lágrimas, coloco meus óculos escuros e
passo a mão nas urnas:
– Vocês se amavam tanto, agora
estarão separados para sempre por duas
urnas frias, cercados por pedras cinzas e
parentes esquecidos... Não haverá mais
flores e pôr do sol, não sobrou nada.
Escuto barulho de passos atrás de
mim e quando me viro, vejo John
ocupando toda a entrada, casualmente
encostado na grade. Sinto-me exposta,
este era para ser um momento privado.
– O que você está fazendo aqui? –
pergunto ríspida.

Tento andar com minha bota de
imobilização no terreno irregular, mas
mal consigo equilibrar. Ele responde
minha pergunta com outra:
– Precisa de ajuda?
As mãos dele em cima de mim
enquanto ando em um terreno incerto?
Lembro da minha reação ao seu toque,
porém acabei de abandonar as pessoas
que mais amo em urnas. O elenco inteiro
de Magic Mike poderia vir me carregar
no colo que nem o Channing Tatum e sua

trupe despertaria minha libido.
Provavelmente.
– Apenas um apoio com o braço
caso eu caia. Obrigada.
O trajeto é curto e estamos em
silêncio. Chris deve estar tão chateado,
mas não há muito a ser feito sobre isto.
Ao longo dos anos, ele me dizia por
telefone que era um alívio sair de casa.
Sempre acreditei parcialmente nele. Sei
que, no fundo, importava sim. Não era
fácil viver o que ele viveu. Chegamos

ao estacionamento, Chris está
cabisbaixo e apoiado em um carro preto.
Antes de me soltar, John diz em voz
baixa:
– Sobrou você.
– O quê? – agora fiquei confusa.
Pela primeira vez, ele fala comigo
sério, seu olhar azul diretamente em
meus olhos cor de mel:
– Lá atrás você disse que não
restava nada, mas você é a principal
conquista deles. Sobrou você, Elle, viva

por eles.
Com isso, ele continua andando e
entra no carro, me deixando sem
palavras e sem apoio. Literalmente. Tive
que ir mancando até um desolado Chris.
– E aí? – falo sem jeito.
Grande frase de consolação, mas
realmente o que eu poderia dizer?
“Como você está se sentindo após ser
abandonado pelo cara que te gerou
porque quis ter sucesso na carreira dos
seus sonhos?”

– E aí? – Chris responde com voz
embargada.
Aparentemente, eu não sou a única
com falta de inspiração hoje. Encosto-
me no carro ao lado dele e aponto para
as árvores além do cemitério.
– Lembra quando nos perdemos
naquela floresta?
Ele dá um pequeno sorriso. Eu
tinha sete e ele nove anos. Na escola,
havia uma história sobre uma casa
habitada pelos espíritos do cemitério, e

a gente queria assustar a Sam. Para vê-
los, era preciso encontrar o chalé
vermelho no meio da mata. Achá-lo foi
fácil, não era tão longe assim.
Brincamos a tarde inteira de caça-
fantasmas. Eu era Sigourney Weaver, ele
era Bill Murray e Sam, o Geléia. Foi
divertido até anoitecer, quando tentamos
voltar, mas pegamos o caminho errado.
Passamos horas de fome, frio e medo,
até que O Delegado nos encontrou. Na
época eu não percebi, porém aquela foi
a primeira vez que a máscara de policial
escorregou e vi a preocupação paterna
surgir. Chris pensou que ia ser muito
castigado, no entanto o pai dele estava
tão aliviado por achar os filhos, que
tinha sido carinhoso. Os cuidados que
ele recebeu depois do incidente quase
fizeram os momentos assustadores
valeram à pena e hoje trouxeram um
sorriso ao seu rosto:
– Sim, aquilo foi divertido. Você
passou a semana me chamando de Dr.
Chris “Venkman”. Quer ir ver se ainda
está lá?
Aponto para a bota na perna e falo
brincando:
– Pode não ser muito fácil agora
com esta belezinha aqui, mas se você
acha que isto vai ajudar a recuperar o
relacionamento com seu pai, eu topo!
Ops... Falei merda, seu rosto se
fecha imediatamente.
– Não se recupera o que nunca
existiu, Helena. E mesmo que houvesse
o que recuperar, não é algo que eu me
importe. Agora entre no carro, meu voo

parte em uma hora.
Por que abri minha boca grande?
O luto não é um processo exclusivo da
morte, perder alguém que a gente ama é
sempre doloroso, não importa o motivo.
Acho que não sou a única a não ter
superado a perda da família...


A casa é só um bem material feito

com tijolos e cimento. Ser inanimado.
Então por que depois que os donos
morrem parece não ter mais luz? Está
cinza, escura e silenciosa. Triste. Vazia.
Chris e John foram embora. Eu não
acreditava que O Delegado fosse
cumprir a ameaça, mas não quis arriscar.
Além disso, eles tinham compromissos
com a gravadora. Estavam em uma
pausa entre turnês enquanto faziam o
novo álbum, tinham uma agenda a
cumprir e já atrasaram três dias por
mim. Estava afundada em pensamentos,
quando ouvi um grito:
– Vadia, venha aqui!
Sigo a voz e berro de volta:
– O que eu fiz para ser chamada
de vadia, Tinkerbell?
Começo a rir pela primeira vez no
dia. A resposta irritada que recebo já é
esperada:

– Você ainda pergunta? Vai me
abandonar, morar do outro lado do país
com os dois caras mais gostosos do
mundo e acabou de me chamar da
maldita Sininho de novo!
– Você acabou de chamar seu
irmão de gostoso, minion? – pergunto
curiosa.
Chego na sala de televisão, ou no
que sobrou dela. Está cheia de caixas e
roupas espalhadas por todos os lados, a
TV ligada em um canal de fofocas e, no

meio de tudo, uma enorme cama com
lençóis púrpura. Algum furacão passou
por aqui.
– Eca! Meu irmão pode até ser
bonito, afinal compartilhamos os genes,
mas estava falando do sonho molhado,
John, e do deus grego do rock, Alysson.
Claro, o baixista. Por detrás de um
biombo chinês que costumava ficar em
meu quarto, sai um pequeno furacão
loiro chamado Samantha. Ela me olha
irada:

– Espera, você acabou de me
chamar de minion?
– Você é pequena e amarela! E o
que diabos aconteceu com minha sala?
O que minha cama está fazendo aqui em
baixo? – digo assustada com a bagunça.
– Por que você se importa? Pelo
que eu ouvi falar, esta não é mais sua
casa mesmo. – Sam diz emburrada.
Ela tem um grande coração, mas
ainda não desenvolveu muito tato e não
tem um filtro entre cérebro e boca.

Mesmo assim, não esperava que fosse
tão insensível. Fico boquiaberta em
choque.
– Desculpa! Não quis falar isso,
você vai embora depois de amanhã e
não pode subir escadas, então resolvi
acampar aqui também. – Ela fala com
desespero. É tão branca, que está com o
rosto vermelho de vergonha pela gafe.
Tento aliviar, sei que não falou
por mal:
– Eu sei, relaxe, como você

conseguiu fazer tudo isso sozinha?
– O bundão do meu irmão e aquele
presente dos deuses às mulheres que
fizeram a parte pesada...
E assim, Sam me distrai contando
sobre como eles três empacotaram todas
as minhas coisas e colocaram aqui para
eu decidir o que faria com elas.
Samantha molhou de propósito a camisa
de John, assim ele teve que ficar metade
da tarde com o peito nu enquanto
ajudava a carregar as caixas e a cama

para baixo. Imagino a cena e começo a
rir. Sam e seus esquemas malucos! Olho
para as caixas ao nosso redor. O que
farei com isso? Não dá para tudo ficar
na garagem dos pais de Chris. Alguns
móveis deixarei aqui mesmo, foram
feitos sob encomenda para esta casa.
Outra parte pode ser doada para pessoas
carentes e...
– Elle, que peitoral! – Sam me tira
dos meus pensamentos, e sorrio ao vê-la
se abanando com uma das mãos. – Eu
queria lamber as tatuagens dele. Quando
estava acabando eu ainda tentei levar
caixas escondidas de volta para cima, só
para ele ter mais coisas para descer
novamente.
– E por que não levou? – pergunto
curiosa.
– Eu ainda levei duas, mas Chris
viu e me fez devolver... Aquele sem
graça! – ela diz chateada, mas há um
brilho em seu olhar.
– É bom ter o Chris de volta, né?
Sam me dá um sorriso sincero, ela

sempre foi louca pelo irmão:
– Sim! Estava com saudades do
bundão... Pena que é por pouco tempo, e
ele agora vai levar você e eu vou ficar
sozinha...
Samantha não sorri mais, e nem
eu. Gostaria de levá-la comigo.
– Se eu pudesse, te levaria. Você
sabe disso, não é? – digo com
sinceridade.
Ela sorri para mim e dá de
ombros.

– Quem sabe um dia – pega o
controle da TV e aumenta o volume. –
Agora vamos fazer um pouco de
pesquisa sobre a vida do seu futuro
chefe gostoso.
E assim passei dois dias falando
sobre tudo e ao mesmo tempo nada,
vendo canais de fofoca e cercada por
caixas do que restou da minha infância,
escondida na casa que um dia chamei de
lar. Senti como se fosse o fim de uma
Era para mim.



CAPÍTULO 12 – Vida
nova
Meu aniversário será em duas

semanas, mas eu já estou dando o
primeiro passo para minha
independência. Ainda poderia ficar em
casa este tempo, mas qual seria o
sentido disso? Aqui não é mais o meu
lar e eu me sinto como uma intrusa. Eu
preciso de algo que ocupe minha mente

e me faça parar de ter pesadelos, como
aquele que tive no hospital. Eu não parei
de sonhar com variações do acidente.
Todos os sonhos são assustadores e
nenhum faz muito sentido. Eu espero que
tudo melhore. Assim que eu embarcar no
avião, minha vida entrará em uma nova
etapa. Se eu ficar mais empolgada,
sairei cantando “Dó-Ré-Mi” pelo
aeroporto como uma versão drogada da
Julie Andrews em A noviça rebelde.
Quanto aos meus pais, seguirei o
conselho do John: guardarei as boas
lembranças e viverei por eles. Se eu
pudesse levar uma pessoa a mais, seria
um dia perfeito... Sam me abraça com os
olhos marejados de lágrimas:
– Você promete que vem me
buscar, Elle?
– Sim, Sammy – respiro fundo.
Sinto que voltei à noite em que me
despedi do Chris. – Você sabe que não
pode ficar longe de mim por muito
tempo, quem te tiraria dos problemas?
Ela sorri e dá de ombros:

– Você é a causa de metade deles
mesmo!
– Isto não é exatamente a verdade,
sabe? – falo com um meio sorriso.
– E também não é mentira – Sam
me abraça novamente. – Pelo menos de
você eu consegui me despedir...
Beijo o topo de sua cabeça. Sei
que Samantha ama o Chris, mas ela
ainda sente que foi abandonada por ele.
Iria um dia superar isto?
– Te amo, Sam. E voltarei por

você mesmo que tenha que enfrentar O
Delegado! – não a deixarei para sempre
sob o comando daquele ditador.
– Também te amo, Elle. Pegue uns
gostosões lá por mim... – ela me olha
maliciosa. – Pensando bem, pegue só
alguns e deixe os melhores para mim!
Esta é minha Sam... Dou um
abraço bem apertado nela e depois sigo
para o portão de embarque. Em meia
hora, o avião partirá e o mundo será
minha ostra...

♪♫ ♥ ♪♫
Quatro horas... QUATRO HORAS

de atraso! Eu estou estressada, cansada,
faminta e não há mais ninguém
esperando por mim no destino. “Nova
vida” o caramba! E eu ainda esqueci do
pequeno detalhe que estou sem celular e
não tinha o telefone da Sam por perto.
Quando finalmente desembarco, não sei
ao certo o que fazer, até ver um homem

de terno segurando uma placa com meu
nome escrito. Me aproximo dele com
cautela:
– Olá, eu sou a Helena.
Apesar do porte militar rígido, ele
me dá um sorriso sincero de boas-
vindas.
– Boa noite, senhorita Helena, me
chamo Gabriel – ele estende a mão e
pega as minhas bagagens. – John pediu
que eu viesse buscá-la. Soubemos do
atraso e estão todos a esperando na casa

dele. Serei seu motorista esta noite.
Nossa, que formal! Pelo seu jeito
de falar e postura, acredito que ele seja
mais do que um simples motorista. Chris
podia ter esperado por mim...
– Chris também está na casa de
John? – pergunto, tentando sondar.
– Sim, não é recomendável que
eles fiquem muitas horas em locais
públicos, chama muita atenção. – Sua
expressão é estoica e ele não me diz
mais nada.

Sento-me no banco de trás do
carro e seguimos para um ponto mais
alto e privilegiado da cidade. Paramos
em frente a uma casa com um grande
muro de pedra com cerca viva, portões
de ferro e esquema de segurança
acirrado. De fora, só se via um extenso
jardim, garantindo privacidade ao local.
É tão bem cuidada e bonita! Pensei que
seria algo mais despojado e cheio de
mulheres... Mais rock ‘n roll. Não é o
que eu esperava!
– Foi sugestão do arquiteto e da
segurança, o exterior genérico despista
possíveis curiosos que procuram qual
mansão pertence à estrela do rock,
senhorita Helena.
Assusto-me com o motorista, devo
ter pensado em voz alta.
– Faz sentido... Mas você não
precisa ser tão formal comigo, me
chame de Elle.
Ele me olha pelo retrovisor ainda
sério:
– Desculpe, mas não acho que seja

apropriado.
Observo o segurança. Seu rosto é
bonito, não tanto quanto o do seu chefe,
mas poucos são. Gabriel deve ter um
pouco mais de trinta anos, com um corpo
atlético de quem levanta peso
regularmente, perceptível mesmo usando
um terno. Ele será meu colega de
trabalho, não quero ser tratada com
tamanha formalidade.
– Não gosto que me chamem
Helena, insisto em Elle, por favor? –

peço em voz de apelo.
Ele me dá um sorriso contido, mas
seus olhos escuros brilham para mim.
– Tudo bem, Elle. Só se você me
chamar de Gab.
Finalmente o carro passa pela
segurança e atravessa todo o jardim,
parando apenas na porta de entrada.
Tudo parece tão imponente, que até me
dá um frio na barriga. Respiro fundo e
abro a porta do carro. Assim que faço
isso, sinto o suave aroma das flores.

Isso me lembra minha casa e minha mãe,
consigo relaxar um pouco. Me despeço
de Gabriel:
– Prazer em conhecê-lo, Gab! A
gente se vê...
– O prazer foi meu, Elle. Até
mais.
Gab dirige para longe, me
deixando sozinha na mansão de John.
Chamar aquilo de casa é um sacrilégio.
Ela é grande, moderna, iluminada e
todos lá dentro estão esperando por

mim.
Showtime.


CAPÍTULO 13 –
Cristalino
A porta se abre e Chris me recebe

com um sorriso complacente.
– Minha garotinha pequena se
perdeu no meio do caminho, foi?
Olha só! Ele quer ser
engraçadinho na frente dos amigos. Eu
respondo imitando uma voz de criança:
– Sim, papai Chris, eu pedi que o
avião me levasse para a banda de maior
sucesso mundial. Fui parar na Inglaterra,
mas o One Direction não estava lá, então
voltei para encontrar vocês.
Termino com um sorriso doce. Os
protestos indignados dos homens na sala
são impagáveis. Apenas Kim começa a
rir e se levanta para me abraçar. Ela é a
bela baterista da Jack Rock. Tem rosto
delicado com sobrancelhas grossas e
bem marcadas, olhos verdes e longos
cabelos ruivos. Seu sorriso é caloroso e
parece ser sincero quando me
cumprimenta:
– Já gostei de você, a propaganda
não foi enganosa.
Como é?
– Propaganda? Que propaganda?
Ela olha para mim e pisca. O que
diabos isso significa?
– Chris sempre falou de você, só
coisas boas, claro... – ela finge
cochichar.
Uma voz grossa fala atrás de mim:
– Sim, maravilhosas até onde
posso ver.
Me viro para encarar o dono da
voz: Alysson. Ele é lindo, com um rosto
em formato de coração, olhos escuros e
sorriso encantador que exalam ares de
bom moço. Porém ele não me engana: é
um lobo na pele de cordeiro.
Levanto minha sobrancelha para ele:
– E eu pensava que todo baixista
era obrigatoriamente magricela e
cabeludo.
Ele ri e diz:

– Nem todos precisam se parecer
com Steve Harris.
– Claro, porque gastar um tubo de
gel para deixar o cabelo espetado assim
é tão rock ‘n roll! Espera aí, foi você
que o jornalista confundiu com uma
mulher, não foi?
Todos na sala começam a rir. A
história é bem conhecida: eles foram a
uma premiação quando a banda não era
famosa ainda, e um jornalista
estrangeiro confundiu os dois, já que os

nomes Kim e Alysson podem ser usados
por homens ou mulheres em alguns
países. A gafe foi tão grande, que virou
meme nacional em questão de horas. Na
realidade, isso ajudou a deixar a Jack
Rock mais conhecida. Alysson me
fulmina com o olhar.
– E o John disse que você era
gostosa e mal-humorada. Acho que ele
não mentiu também.
Procuro indignada pelo John, mas
ele não está na sala. Chris bate no

ombro do amigo:
– Muito bem, Aly, deixe minha
garota em paz. Ela não pode respirar
direito com você em cima desse jeito.
Sua garota? Esta é nova para mim.
Me viro para Chris, que encara o
baixista com uma expressão feroz:
– Ei, macho alfa, você é meu
guardião pelas próximas duas semanas,
e não meu dono.
– Sob minha responsabilidade ou
não, já avisei que você está fora dos

limites para todos aqui, Elle! – Chris
fala irritado.
Que audácia! Não estamos mais
no jardim da infância, quando ele
precisou me proteger do valentão da
escola. Sei me defender sozinha. Estou
prestes a continuar a briga, quando Kim
segura meu braço e me leva até um
terraço anexo. A penumbra e o vento frio
são bem-vindos para acalmar meu
ânimo. Kim fala rápido e em tom de
apelo:

– Ele bebeu, Elle. Não adianta
discutir agora, vai acabar ouvindo o que
não quer. Por favor, fique aqui um pouco
enquanto eu acalmo os ânimos lá dentro.
– Dito isso, ela sai.
Que merda foi esta? Chris
bancando protetor é normal, eu que
estou desacostumada. Mas o que Kim
quis dizer com ouvir o que não quero? E
a bebida? Estar embriagado é normal,
assim como discutir com os próprios
amigos? Pelas portas de vidro, vejo os
três conversando, não consigo ouvir,
mas parecem se entender. Talvez se eu
abrir um pouco a porta...
– Você sempre tenta ouvir a
conversa alheia?
Quase grito de susto com a voz
rouca. John está tão próximo, que senti
sua respiração quente soprar em meu
ouvido.
– Você sempre assusta as pessoas?
– pergunto com raiva enquanto me viro.
Como ele não se afasta, tenho que
esticar meu pescoço para ver seu rosto.

De perto – e de longe – John é
perfeito. Jamais fui fã de homens com
barba, mas a dele parece deixar seu
olhar mais intenso, sexy... Nunca fico
corada, e isso já está provando ser uma
ótima habilidade no meu futuro emprego.
Com o calor que estou sentido por
dentro, se eu fosse branca como a Sam,
estaria mais vermelha que a roupa do
Papai Noel. Por um momento, tudo que
consigo fazer é encarar sua boca. Como
seria beijá-lo? Ter estes lábios
desenhados nos meus? Seriam macios e
quentes? Doces ou rudes? Urgentes ou
saboreando o momento? Seu olhar desce
para a minha boca. Estaria pensando a
mesma coisa? Em me beijar? Minha
respiração acelera e seu olhar desce um
pouco mais. John lambe os próprios
lábios.
Ele me quer e eu o quero.
E ele é meu futuro chefe. Droga.
– Que eu saiba, só a você. – Sua
voz é grossa e me arrepia.
Do que ele está falando mesmo?

– O quê? – pergunto confusa.
Ele se aproxima e coloca uma mão
no vidro atrás de mim, diminuindo o já
pequeno espaço entre nós.
– Eu geralmente encanto as
pessoas, você é a única que parece
assustada quando me vê.
Ele está ainda mais perto. Coloco
minhas duas mãos em seu peito. O cara
deve malhar. Ele me dá um sorriso
vencedor e eu pisco de volta. John se
aproxima mais e eu o empurro com toda

minha força. Não é muita coisa,
considerando que o homem é um tanque
de músculos comparado a mim, porém é
o suficiente para ele se afastar.
– Olha aqui, seu babaca
presunçoso, não é porque você é famoso
que pode ir encurralando garotas. Isto
não te dá um passe livre para as
calcinhas de todas as mulheres do
mundo! A partir de amanhã, serei sua
funcionária, vai me respeitar ou isto não
irá funcionar. Está claro?

Seu rosto demonstra surpresa, e
não indignação. Isto deve significar que
mantenho meu emprego. Por enquanto.
– Cristalino. – John responde com
um sorriso no canto da boca enquanto
passa por mim e entra na casa.


CAPÍTULO 14 – A
Jack Rock
Depois que nós cinco nos

reunimos na sala, ficamos conversando e
nos conhecendo melhor. A banda é
unida, fico feliz em saber que o Chris
encontrou neles uma nova família. Eles
parecem bem à vontade uns com os
outros. Olho para Kim, a única outra
garota. Poderíamos ser amigas? Espero

que sim. Eu sei que seu nome verdadeiro
é Cassandra, mas ouvi dizer que ela
havia escolhido Kim por causa da
baterista do famoso quadrinho Scott
Pilgrim, então pergunto se é verdade e
ela me responde empolgada:
– Sim! Cassandra ou Cassie não
soava roqueira suficiente para mim – ela
retira a bota para mostrar a tatuagem na
perna. – Tenho até minha ruiva favorita
marcada na pele, para servir de
inspiração! E deu certo com o nome da
banda.
Kim me mostra o pulso que tem
outra tatuagem linda com cifras e
baquetas. No centro, escrito em letra
cursiva, é possível ler:
John
Alysson
Chris
Kim
Rock
– Adorei! Eu quero uma também!
– será que dói muito fazer?
Kim me mostra algumas outras
lindas tatuagens que ela tem e pergunta:
– E o seu apelido? De onde surgiu
Elle?
Contei para eles sobre como meus
pais e os de Chris eram vizinhos mesmo
antes de a gente nascer. A minha mãe,
que adorava a tragédia grega, escolheu
meu nome por causa de Helena de Troia,
a mais bela entra as mulheres, capaz até
de fazer reinos sucumbirem. Acho que
mamãe tinha algumas altas
expectativas em cima de mim... Quando

nasci, Chris tinha dois anos e não
conseguia falar meu nome direito, então
chamava só de Elle. Todos acharam
lindo e o apelido permaneceu até hoje.
Continuamos a conversar sobre
nossa infância e o único que apenas
observa é John. Ocasionalmente faz um
comentário sarcástico ou rude sobre
algo, mas se mantém a parte quando o
assunto é relembrar o passado. Ele
apenas ouve e leva o gargalo da cerveja
aos lábios. Fui novamente pega
admirando sua boca, porque ele me
oferece sua bebida e eu nego com a
cabeça. Chris grita do outro lado do
sofá:
– Ela só tem dezessete anos!
John se aproxima, me desafiando.
– Cala a boca, Chris! Você bebeu
mais novo que isso – ele estende a
cerveja para mim. – E aí, princesa, vai
negar?
Aceito o que ele oferece e a
vitória brilha em seus olhos, entretanto
minha lealdade é com outra pessoa:

– Sabe, Johnny, eu poderia até
beber de sua garrafa, mas considerando
sua fama de mulherengo... Não quero
correr o risco de pegar herpes. – Digo
com um sorriso falso.
Agora sim consigo a cara de
indignação, serei demitida antes de ser
contratada? Enquanto os outros riem,
Chris se estica para perto de mim.
– John...
Com uma mão levantada, ele
interrompe o amigo:

– Chris, avise à sua namoradinha
que eu não gosto de ser chamado de
Johnny. Meu nome é John, igual a John
Wayne, John Rambo ou John McClane.
Nada de apelidos!
Começo a rir, eu realmente escutei
isso? Faço ou não a pergunta? Dane-se,
farei.
– Seu nome e carreira são
baseados em cowboys, Rambo e no
Duro de Matar? – falo de queixo caído,
é inacreditável.

Ele responde com ar autoritário:
– Sim, Hollywood compreende
que todo John é poderoso, macho e
intocável.
Olho para o céu. Senhor, dai-me
paciência. A prece não foi atendida
rápido o suficiente, então falo desviando
maliciosamente o olhar entre suas
pernas.
– Sabe, John, somando seu ego
exagerado, casa enorme e mania de
grandeza, eu diria que... Talvez você

esteja tentando compensar a falta de
tamanho em outros aspectos de sua vida,
não?
Ele apenas se encosta mais na
cadeira, deixando sua virilha livre para
minha inspeção. Droga, minha tentativa
de intimidação falhou. Agora eu que
estou envergonhada.
– Se estiver curiosa, Helena, pode
comprovar por si mesma. – Ele fala
pausadamente, me desafiando a
continuar.

Chris, de repente, está em pé ao
meu lado.
– Vamos embora, Elle – ele me
ajuda a levantar e olha torto para o
amigo. – A gente conversa amanhã,
John.
Acho que é hora de partirmos, não
que eu tenha realmente ficado tentada a
comprovar nada de John.
Nem um pouquinho.


CAPÍTULO 15 –
História de ninar
Eu ficarei no apartamento do
Chris enquanto ele for meu guardião.
Penso em protestar, mas é melhor assim.
Preciso definir alguns limites com John.
Admito que estou um pouco atraída por
ele... Quem pode me culpar? Metade do
país se sente assim! Não é só pela
aparência e voz, mas também seu ar

misterioso. Te faz querer desvendar seus
segredos mais sombrios. Também não
posso me esquecer de seu comentário no
hospital e no cemitério, além da ajuda
que deu a Sam, carregando minha
mudança em casa. Ele quer parecer
desinteressado, mas sua atitude blasé
pode ser fachada... Eu acho que John, na
verdade, observa tudo que acontece ao
seu redor. Quanta bobagem! Aposto que
ele tem a profundidade de um pires...
Chris mora em um apartamento no
centro da cidade e utiliza um esquema
muito moderno para não ser reconhecido
pelos vizinhos: boné, jaqueta
extremamente folgada e não falar com
nenhum deles. Além disto, usa uma
chave mestra no elevador que trava
todas outras chamadas, levando-o direto
ao seu andar. Ele deve ter sofrido estes
anos sem mim e Sam para elaborar os
planos por ele. Contudo tem funcionado
surpreendentemente bem... Pelo menos
por enquanto. O apartamento de Chris
pode parecer pequeno comparado com o
“palácio do John”, mas a localização é
perfeita, no coração da cidade. Foi o
primeiro lugar que ele pode comprar
quando começou a ganhar dinheiro. É
despojado, masculino e cheio de
tecnologias, guitarras e violões. Em uma
das paredes, há um mural com diversas
fotos dos lugares que eles visitaram
quando estavam em turnês e os famosos
que conheceram. Também vi várias
outras fotos minhas, de Sam e de sua
mãe. Passo minha mão em uma especial.
Nós dois estávamos abraçados com o
rosto sujo de bolo de chocolate no meu
aniversário de quatorze anos. Tinha sido
a última foto nossa antes dele partir.
Como senti falta dele depois disso.
Chris se aproxima de mim e me envolve
com seus braços, beijando o topo da
minha cabeça.
– Por muito tempo, esta foi minha
única lembrança sua...
Eu o abraço de volta. É bom estar
com meu amigo novamente. Contudo eu
precisava esclarecer uma coisa.
– Chris, por que você falou aquilo

para o Alysson?
Ele me solta e me encara com a
testa franzida:
– Porque sim, Elle! Eles estão
acostumados a ter todas as mulheres que
desejam. Eu só quis proteger você.
Chris e seu complexo de herói!
Honestamente, quando ele vai superar
isso?
– Você não pode se intrometer
assim – tento amenizar minha voz. Sei
que sua intenção é boa. – Se você quer

que eles me respeitem, eu tenho que me
impor sozinha. Entendeu?
Ele me puxa novamente para os
seus braços.
– Eu sei, Elle. Mas é difícil para
mim...
Chris sempre teve as melhores
intenções comigo, me sinto uma ingrata.
Porém eu não preciso de um porta-voz
para falar por mim.
– Ei, lembra quando a gente era
criança e você me contava histórias para

dormir quando eu tinha medo?
A gente sempre assistia filmes de
terror escondidos. O problema é que eu
tinha pesadelos e não podia dormir
depois, então Chris ficava comigo até
que eu adormecesse. Ele sorri com a
memória.
– Sim, você quase quebrou minha
janela uma vez jogando pedra! Vá
colocar seu pijama, que eu conto uma
história...
Corro direto para o banheiro e

tomo um banho rápido, visto meu
moletom e vou ao quarto que Chris
apontou como meu pelos próximos
quinze dias. Acendo a luz. Tudo é
branco e vermelho, minha cor favorita.
Há estrelas no teto e flores na janela.
Lágrimas nublam minha visão ao
perceber que ele pensou em todos os
detalhes. Sempre tão atencioso. Alguém
bate à minha porta:
– Elle, está tudo bem aí?
Como não consigo responder,

apenas abro para que ele entre.
– O que houve? – ele pergunta
preocupado e olhando para todos os
lados com a testa franzida, procurando
por uma possível ameaça.
– Você. – Digo com os lábios
trementes.
Sua surpresa é evidente, seus
olhos, que tanto transmitem seus
sentimentos, estão confusos.
– Sim, Chris, você! Sua atenção e
dedicação. Obrigada por ir me socorrer

e tudo mais... Eu acho que não agradeci
antes, mas fique sabendo que sou sim
grata por tudo que você tem feito. Não
apenas agora, mas sempre. Você é o
melhor amigo que uma pessoa pode ter!
Digo tudo em um fôlego só.
Espero que ele saiba o quanto eu o amo
e senti sua falta. Ele sorri feliz e
acaricia meu rosto, secando o rastro de
minhas lágrimas.
– Sem você e sua família, minha
infância seria uma merda. Eu teria

ficado preso em casa e Deus sabe o que
poderia acontecer sob influência
exclusiva do meu pai – ele se senta na
cama e me puxa, encostando minha
cabeça em seu peito. – Vocês me
mostraram que existia amor, beleza e
poesia no mundo. Que a vida podia ser
divertida. Sem o esconderijo secreto e
os seus esquemas malucos para que eu
pudesse ter aulas de violão, jamais
saberia diferenciar as notas musicais.
Você me fez o homem que sou hoje,
Elle.
Suas palavras são lindas e me
emocionam, mas o que foi feito no
passado foi por ele. Chris no palco é
uma luz que não pode ser apagada. Ele é
mais que meu amigo... Chris é uma
extensão de mim, um companheiro. Um
irmão. Abraçada a ele como fizemos
tantas vezes na infância, olho para as
estrelas presas ao teto e digo:
– Sabe, Chris, um dia, quando
você encontrar uma mulher que roube
seu coração, ela vai ser a pessoa mais
sortuda do mundo! – beijo sua bochecha.
– Adorei o que você fez com o quarto,
obrigada.
Ele fica calado por longos
segundos, penso que adormeceu, mas
sua respiração não está uniforme. Chris
então relaxa um pouco e começa a alisar
meus cabelos.
– De nada, Elle. Quer ouvir minha
história agora?
Faço que sim com a cabeça e ele
começa a me contar o que aconteceu
quando saiu de casa. Deixo sua voz me

hipnotizar noite adentro.
“Eu não levei muito dinheiro
naquela noite. Mas foi suficiente para
chegar até a cidade grande mais
próxima e me manter por um tempo. Se
saí de casa por causa da música, era
questão de honra eu me sustentar com
ela. No início, ganhava esmolas
tocando em esquinas e metrôs. Os
bares não me contratavam porque eu
era menor de idade. Morava em
abrigos públicos quando tinha sorte ou
me escondia nos parques. Às vezes,
passava a noite rodando no vagão do
metrô, cochilava enquanto a cidade
passava adormecida pela janela.
Quatro meses depois, conheci outro
rapaz, alto e muito magro. Apesar da
aparência frágil, havia força e
inteligência nele. Ele tinha um violão
velho e sabia tocar um pouco. No
entanto, era sua voz que
impressionava.”
“Arthur tinha dezenove anos, se
apresentava em alguns bares pequenos
e ajudava como garçom. Nos tornamos
amigos, eu tocava e fazia segunda voz
enquanto ele cantava. Ele nos
conseguiu documentos falsos e juntos
formamos uma boa dupla de pop rock.
Antes que percebêssemos, estávamos
nos apresentando em locais um pouco
melhores. Um dia, um senhor nos
ofereceu uma proposta para uma
banda. Kim era uma estudante rica de
uma grande escola de música, odiava
os pais e a alta sociedade. Aly também
era musicista, porém em uma
universidade pública. Era um dos mais
extrovertidos da banda, sempre levava
as coisas na brincadeira durante as
entrevistas. Menos quando o assunto
era sua família: ele sempre fazia
questão de proteger a privacidade
deles. Já Arthur teve que partir e John
veio em seu lugar, o resto você já sabe.
Publicidade, redes sociais e uma
música hit nos levou para o sucesso.
No início, quando sonhávamos com a
fama e fortuna, Arthur disse que um dia
compraríamos imensas mansões
vizinhas e assim sempre estaríamos um
de olho no outro. Eu disse que primeiro
ele teria que conhecer você. Eu só
seria vizinho dele se você quisesse ser
seu vizinho também...”
Estou muito sonolenta, mas ainda
ouvi o final.
– Quer dizer que você já pretendia
comprar uma casa cara para mim mesmo
naquela época?
Na penumbra, não posso ver sua
expressão e sua voz está cansada,
provavelmente de sono:

– Sim, querida. Eu queria que
você fosse minha vizinha para sempre...
Prometi isso, não foi?
– Sim, prometeu, mas eu tinha
quatorze anos e estava desesperada por
uma garantia, não conta. Eu quero
trabalhar e fazer o meu próprio dinheiro.
O que aconteceu com Arthur? Ele parece
ser bem mais legal do que John.
Sempre quis conhecer esse cara,
mas Chris nunca o apresentou ou
mandou foto para mim. Chris beija

minha testa e fala com voz sonolenta:
– Arthur teve que enfrentar seus
demônios do passado. Durma, Elle,
amanhã você terá um grande dia pela
frente.


CAPÍTULO 16 – Não
é muito justo
Está quente, o céu outrora escuro

agora está alaranjado. Escuto estalos
de folhas queimando. Onde estou? Vejo
chamas, duas sombras no fogo. São as
folhas que estão queimando? Tento me
levantar, mas estou presa ao chão. Por
favor, não! O cheiro é forte, preciso
tirá-los de lá...

Do pó ao pó, sufocando em
urnas.
Queimando, queimando,
queimando, queimando...
Acordo sobressaltada com os
lençóis revirados e coberta de suor.
Corro para o banheiro, mas, apesar da
ânsia, o vômito não vem. Eu deveria ter
aceitado os remédios para dormir que o
médico ofereceu... O pesadelo foi tão
real! Senti o cheiro de queimado. Na
verdade, ainda sinto. Estranho. Decido

procurar o Chris. Encontro-o distraído
cantarolando na cozinha vestido de
shorts e camiseta branca, cabelo loiro
despenteado e usando um avental com a
frase: “beije o chef”. Ele olha para mim
e pisca o olho. Seu sorriso ilumina a
sala.
– Bom dia, Bela Adormecida, fiz
café da manhã para a gente! Tentei uma
omelete primeiro, mas queimei todas.
Então teremos salada de frutas, ok?
Ah! Era daqui que o cheiro vinha.

Beijo sua bochecha e puxo um banco na
sua frente. Ele me oferece um copo, eu
aceito e tomo um gole de suco de
laranja.
– Parece perfeito, obrigada.
Chris coloca um morango na boca,
o suco escorrega pelo canto do lábio e,
antes que perceba, estou limpando com
meu polegar. Ele segura meu pulso e,
com os lábios, limpa o líquido do meu
dedo. A intensidade de seu olhar
enquanto faz isso me deixa paralisada,

estou com a boca aberta em choque. O
que acabou de acontecer? Ele desvia o
olhar para a comida, soltando minha
mão.
– Dormiu bem?
Ok, isso foi estranho. Ora, Elle!
Deixe de bobagem, é o Chris... Ele
nunca agiu com segundas intenções
comigo, deve ter feito sem pensar
também.
– Sim, e você? – acordar é que foi
uma merda.

– Bem! Como não dormia há muito
tempo... – ele responde feliz. Fico mais
aliviada, o momento estranho passou.
Decido não contar sobre o meu
pesadelo, não quero preocupá-lo. Tenho
certeza que eles acabarão logo, o
acidente ainda é muito recente. Depois
de comermos e nos arrumarmos, Chris
me deixa na casa do John, pois mais
tarde iríamos para a fisioterapia. Espero
em breve me livrar da bota
imobilizadora. Na casa de John, uma
senhora de meia idade me recebe. Ela é
baixinha, tem olhos escuros e está acima
do peso, os cabelos negros são
marcados com tons cinza. Seu enorme
sorriso me lembra as boas vovós de
contos infantis.
– Olá, mi menina! Vai ser ótimo
ter uma garota aqui para me fazer
companhia! Sou Maria.
Ela me dá um abraço caloroso.
Seu forte sotaque não deixa dúvida de
sua origem latina. Fico feliz em saber
que não serei a única mulher por aqui.

– Prazer, Maria, sou a Elle. John
explicou o que vou fazer aqui?
Ela coloca a mão na base das
minhas costas, guiando-me para os
fundos da casa.
– Sí, querida – ela fala em tom
conspiratório. – Hoje levantou cedo por
sua causa, mas não diga que eu te contei!
Está terminando sua corrida, venha
sentar enquanto espera por ele. Quer
limonada?
– Não, obrigada. – Maria me faz

sorrir e relaxar um pouco. John não
pode ser tão ruim se tem essa senhora
tão carinhosa trabalhando para ele.
Chegamos em uma porta de vidro
dupla que dá para um enorme espaço
aberto com jardim e bancos de madeira.
Há também uma piscina com
churrasqueira e quadra de esportes
cercada por uma pista de corrida e
outras áreas que não posso ver daqui. É
moderno e pensado para acomodar todas
as necessidades de uma pessoa sem que
ela tenha que sair de casa e ainda
receber dezenas de convidados. Nossa,
quanta ostentação! Entretanto penso no
que o segurança falou ontem, tudo aqui
parece planejado para mantê-lo dentro
de casa e escondido da mídia. É uma
prisão de luxo. Chris não usa isso tudo,
mas seu esquema não durará muito. Em
breve alguém poderá descobrir seu
apartamento e ele terá que dar adeus ao
lugar que considerou como lar por tanto
tempo. A fama tem um custo alto: a
liberdade. A mídia é como uma criança
com uma lupa grande e os artistas suas
formigas. Eles esperam apenas aquele
flash... A foto comprometedora para
queimá-los até não sobrar nada. Estou
distraída em pensamentos, quando
escuto passos. John surge de uma sala
toda de vidro, que parece ser uma
academia, e grita avisando que vai dar
só uma corrida para finalizar o treino.
Espero ter respondido alguma coisa,
mas acho que minhas funções cognitivas
entraram em curto circuito.
Puta merda!

Não acredito que Maria me deixou
sentada na porcaria de uma cadeira de
jardim quando eu poderia ter ficado na
frente da academia com um balde de
pipoca apenas admirando a vista.
Samantha me avisou, as revistas me
prepararam, mas nada me deixaria
pronta para a visão dele de boné, óculos
escuros e sem camisa correndo na minha
frente... O sol beija sua pele suada,
aumentando o contraste com as tatuagens
escuras, deixando-o ainda mais atraente.
Não é muito justo. Ele não é
excessivamente musculoso, mas seu
corpo enxuto está bem cuidado. Seu
abdômen é definido e termina em um “v”
que está bem à mostra pelo short
perigosamente baixo... Isso sim é uma
verdadeira ostentação! Maria me
ofereceu limonada? Ou água? Ou
qualquer coisa para me refrescar?
Preciso sair daqui urgente. Me levanto e
decido procurar pela cozinha. O
problema é que não conheço a casa e
saio vagando pelos corredores. O que
não é tão fácil de fazer com a bota
imobilizadora. Droga! São tantas portas,
que corro o risco de encontrar o
caminho secreto para Nárnia ou algo do
tipo. Estou prestes a abrir outra porta,
quando sinto um corpo sólido contra as
minhas costas.
– Procurando por algo, garotinha?
Sim, uma camisa para ele e juízo
para mim. Não necessariamente nesta
ordem. Viro-me para John, tentando
parecer chateada:
– Quer parar de aparecer do nada

e ficar me encurralando?
Seus olhos brilham como safira
com diversão. O canto de sua boca se
levanta com um sorriso.
– Por que você saiu com tanta
pressa? Viu algo que não agradou? – ele
se aproxima mais, sua respiração
fazendo cócegas em meu pescoço. – Ou
será que foi algo que gostou demais?
Inclino um pouco minha cabeça,
quase encostando meus lábios em sua
orelha. Mesmo suado o desgraçado

ainda cheira bem.
– O que você quer de mim, John?
Que eu admita que o acho atraente? Sim,
você é, todos sabem disso, mas para
mim o que importa é quem a pessoa é
por dentro – olho-o com desdém. – E até
agora você não passa de um egocêntrico
metido.
Ele se afasta um pouco, a raiva
brilhando em seus olhos.
– Não fui egocêntrico quando
ofereci ajuda, fui?

Dou de ombros.
– Não, mas foi metido.
Eu não tinha pedido ajuda, ele que
se intrometeu na conversa dos outros...
Os olhos dele se estreitam, vejo uma
veia em seu rosto saltar. Acho que ele
deve ter um nível de tolerância mais
baixo que o Chris para aguentar minhas
merdas. John se aproxima ainda mais,
prensando meu corpo contra a porta.
Uma de suas mãos envolvem minha
cintura e a outra segura meu cabelo,

levantando meu rosto um pouco. Seu
nariz toca o meu e sua respiração se
mistura com a minha.
– Não me tente, Helena, não sou
muito paciente – ele passa a ponta do
nariz na curva do meu pescoço, sentindo
meu aroma. – Se quiser, você pode
engolir seu orgulho e ser sustentada pelo
Chris. Ou ir morar em algum beco e
trabalhar doze horas por um salário
mínimo. É isto que você quer?
Respira, Elle! Mantenha-se firme!

– Depende, tem alguma cláusula
sobre assédio sexual no contrato de
trabalho?
John sorri com escárnio, mas seu
aperto não diminui. Ele também não
avança para me beijar. Eu me mantenho
firme. É uma batalha de vontades, um
teste, nenhum dos dois quer ser o
primeiro a avançar ou recuar.
– Podemos adicionar uma cláusula
que funcione para ambos os lados,
Helena...

Ele invade ainda mais meu espaço
pessoal e tudo que consigo pensar é em
seus lábios nos meus. Me inclino em sua
direção. Ele é como um ímã para mim.
John tira a mão da minha cintura e passa
o polegar no meu lábio inferior. Minha
boca está entreaberta, falar está além da
minha capacidade no momento. Depois
eu penso nas consequências, porque
agora só há uma coisa em minha mente:
ele.
– Relaxe, você está a salvo
comigo – ele diz com sarcasmo. –
Afinal, não queremos que a garota do
Chris pegue herpes.
Dito isto ele me solta e vai
embora.
Filho da puta.


CAPÍTULO 17 –
Contrato
Volto mancando pelo corredor em

que entrei e olho a grandeza do lugar. Eu
realmente pertenço a este ambiente? O
que estou fazendo? Vou trabalhar para
alguém instável como o John? Ou será
que o problema é comigo? Eu que fico
desestabilizada perto dele? Isto vai ser
um teste para o meu controle... Chris

disse que confiaria sua vida a John,
logo, ele é confiável. Se eu sair agora,
será por pura covardia. Depois de todo
meu discurso e briga no hospital, não
posso voltar atrás. Ou será que posso?
Não sei... Após um tempo, John
reaparece vestido casualmente com
bermuda jeans e camiseta. Seus cabelos
estão molhados e há um sorriso
satisfeito no rosto.
Idiota.
– Já que não saiu correndo, vamos

ao meu escritório. Meu advogado
preparou um contrato para você. – Ele
não espera minha resposta, apenas se
vira e anda.
– Você tem um escritório? Você ao
menos o usa? – pensei que ele só
vadiava o dia todo.
Não que seja surpreendente ele ter
um, aqui deve ter de tudo. Acho que o
tamanho da casa corresponde à
dimensão do ego do dono. John me olha
por cima do ombro.

– Estou usando agora, não é? E
acho o escritório um local apropriado
para você ficar o dia inteiro, sem ter que
estar solta pela casa.
Solta pela casa?
– Como assim? – pergunto
indignada.
Sempre fui uma pessoa paciente,
ou ao menos pensei que fosse. Nossa!
Como eu queria dar um tapa na cabeça
perfeita dele! Ele se vira para mim e
fala sério pela segunda vez:

– Você pretende organizar as
cartas dos fãs, minha agenda, segurança
e toda essa baboseira de onde? Do sofá?
Da varanda? – ele aponta para o lado de
fora da casa. – Ou quem sabe da piscina,
enquanto toma umas margueritas? Você
não estará de férias aqui, Helena!
– Eu sei disso – imbecil. –
Perguntei só por curiosidade.
Ainda não comecei oficialmente
meu trabalho e meu chefe já me irritou
um milhão de vezes. Eu deveria rasgar o

contrato de merda e fazê-lo engolir
pedaço por pedaço. Ele me olha
diabolicamente.
– Cuidado com sua curiosidade,
Helena. A gatinha pode terminar se
dando mal...
Respondo com raiva:
– Olha John, não sei se isto vai
dar certo. Você quer parar com essas
insinuações? E eu não sou sua gatinha!
Ele apenas dá um de ombros e
recomeça a andar a passos largos. O

idiota nem espera enquanto eu manco
atrás dele. Droga de bota imobilizadora!
– Tanto faz! Você também não terá
privilégios por ser a garota do Chris –
John olha novamente para mim, me
avaliando da cabeça aos pés. – A
propósito, eu disse que você era uma
gatinha. Não que era a minha gatinha.
Antes que eu perceba, estou
segurando seu braço com força. Ele se
vira, olhando da minha mão até meu
rosto, então levanta uma sobrancelha em

questionamento.
– Para sua informação, não espero
ou quero privilégios. Não sou, nem
quero ser a gatinha de ninguém por aqui,
eu pertenço só a mim. Chris é meu
amigo e guardião temporário, não meu
dono. Estamos entendidos?
Estou fervendo de raiva contida e
minhas unhas cravam em seu braço. Ele
apenas dá um sorriso enigmático, como
se estivesse lembrando de alguma piada
interna.

– Se você diz...
Com isso, ele se solta e continua a
andar. Esse cara é meio louco. Eu quero
colocar as mãos ao redor do pescoço
dele e apertar. Só um pouquinho. Talvez
eu seja meio louca. Finalmente
chegamos ao escritório. Eu havia
imaginado que ficaria presa o dia inteira
entre quatro paredes, sem respirar ar
puro ou ver a luz do dia. Ainda bem que
a visão dos rockstars de escritório é
bem diferente da minha. Uma das
paredes é feita completamente de vidro
com uma vista panorâmica para o
imenso jardim frontal. Na parede
oposta, há uma imensa estante de metal
com diversos livros. Uma olhada rápida
mostra que a maioria é sobre a história
da música, biografias, alguns clássicos e
outros de autores que o Chris também
gostava, como J. J. Benitéz e Dan
Brown. Uma mesa imensa de vidro feita
com um desenho intrincado parece
brilhar e iluminar a sala com a luz do
sol que entra. Tem uma poltrona branca
e grande suficiente para caber um Yeti
confortavelmente, com duas versões
menores do outro lado dela para
visitantes. Outra parede está ocupada
por um enorme e luxuoso sofá branco.
Quando vi a última parede, levei um
susto: pilhas e pilhas de cartas e caixas.
Não tinha ideia que eram tantas. John
percebe meu choque, mas não diz nada.
– Que tal irmos aos negócios?
Sente-se enquanto pego seu contrato.
Ele procura nas gavetas de um
móvel oculto pela mesa. A poltrona

gigante não parece tão grande para John.
Eu me sento, apenas esperando para
mandá-lo à merda com a porcaria do
contrato. Posso engolir meu orgulho e
ficar no apartamento do Chris até as
aulas começarem, depois fico amiga de
alguma garota e divido um apartamento
com ela. Mas e se eu não fizer amizade
logo? E se todas já tiverem onde morar?
E se eu não conseguir outro emprego
rápido? Ele olha para mim e fala
solenemente suas exigências.
– O que espero de minha
assistente pessoal é que você cuide de
tudo e eu não tenha que me preocupar
com absolutamente nada. Por tudo, eu
quero dizer: meu esquema de segurança,
minha agenda de shows. Além de meus
compromissos com patrocinadores,
propagandas, entrevistas e divulgações,
horários de gravações, ensaios e
também qualquer outro compromisso
que venha a surgir.
Ele me encara sério e aponta para
a pilha atrás de mim:

– E não esqueça das cartas de fãs,
precisam ser respondidas logo. Estas
são apenas as que estavam espalhadas
pela casa, tem algumas guardadas no
porão, fora os e-mails. Você acha que dá
conta, garotinha?
O tom de desafio é óbvio em sua
voz e postura, outro teste. O que ele
falaria se eu dissesse que estava fora?
Digo com sarcasmo:
– Preciso agendar suas idas ao
banheiro também?

Ele levanta uma sobrancelha para
mim.
– Só se você quiser me secar
depois do banho...
Ele saindo do chuveiro pelado e
todo molhando, esperando por mim para
secá-lo? Realmente tentador...
– Passo. – Falo ríspida.
– Tem certeza? Muitas mulheres
adorariam.
O brilho sacana em seu olhar não
deixa dúvidas na veracidade de sua

afirmação.
– Não sou “muitas mulheres”. –
Porém sou boa mentirosa.
Ainda bem que consigo manter
minha cara de pôquer. Anos mentindo
pelo Chris para O Delegado serviram
para alguma coisa. Ele dá de ombros
novamente. Que mania de fazer isso!
– Ok! As vantagens são aquelas
que já te falei. Pode ver que estão todas
listadas, incluindo o valor inicial do
salário – ele aponta para uma seção do

contrato. – Quer que eu adicione uma
cláusula de assédio sexual? Posso
mandar para revisão...
– Não, confio no seu bom
julgamento. – E no meu autocontrole. Só
não tenho confiança no meu bom senso.
O valor do salário é exorbitante,
poucos no primeiro emprego conseguem
um valor tão alto... Em muitos empregos,
para ser honesta. Ganhando isto e sem
pagar aluguel, eu poderei usar toda a
pensão do meu pai para quitar a dívida

em menos tempo.
– Certo, mas você só vai poder
assinar após seu aniversário. Tem
alguma dúvida ou cláusula que queira
modificar?
Ele fica bem no modo negócios.
Como seria uma versão engravatada do
roqueiro mal-humorado? Não... Prefiro
ele assim. Pensando bem, não tenho que
preferir nada dele!
– Só uma, quando assinar ganho
um Audi A3 especial sub? – tento fazer

uma piada.
Ele realmente faz cara de
surpresa. Ainda bem que não faz ideia
do que estou falando, ou eu
provavelmente iria ficar uma semana
ouvindo piadinhas infames sobre
gravatas cinza e chicotes.
– Nada não, esquece. Por onde
começo? – digo rapidamente.
Ele guarda o contrato e começa a
sair do escritório.
– Pelas cartas. E, Elle – ele se

vira e pisca o olho para mim. – Boa
sorte...
E assim eu me encontro com
minha nova melhor amiga: a pilha de
cartas de fãs.
Que a diversão comece!
Ou não...


CAPÍTULO 18 –
Primeiro dia
Horas depois, começo a achar que

o salário não é tão grande assim. O ego
de John já é impossível de aguentar, se
ele tivesse lido estas cartas, jamais
pisaria no chão. Caramba, essas
mulheres não têm nenhuma noção!
Preciso de algum de sistema de
classificação ou nunca terminarei isso, e

meu querido chefe espera que eu
desempenhe outras funções. Estou
pensando no que fazer quando o próprio
invade o escritório:
– E aí, está pronta?
John aparece todo arrumado em
seus jeans e cabelos presos em um
coque. Deus abençoe a pessoa que
inventou esta moda para os homens,
merecia um prêmio. Ele olha para mim
impaciente, como se eu fosse uma
criança teimosa.

– Já está quase na hora da sua
fisioterapia e você ainda não almoçou.
Agora eu realmente estou perdida.
– Como você... O quê?
Ele se abaixa e me segura pelo
braço, me ajudando a levantar. Recolhe
minha bolsa e vai me empurrando em
direção à porta.
– Vamos, garotinha, prometi ao
papai Chris que você não ia atrasar. Da
próxima vez, olhe suas mensagens no
celular para não perder seus

compromissos.
– Quer parar de me chamar de
garotinha? É irritante – o empurro com a
mão e vou andando sozinha. – E não
tenho celular, o meu se foi junto com
todo o resto no acidente... Não recuperei
nada do que perdi naquele dia ainda!
Saio da casa aborrecida. Gab está
parado ao lado do carro com a porta do
banco passageiro aberta para mim.
Aceno com a cabeça para ele e entro,
John me segue. Ele parece inseguro pela

primeira vez:
– Desculpa, Elle, eu não sabia.
Chris deve ter esquecido, ele está preso
no estúdio de gravação e não pode ir...
Não preciso de babá, mas uma
carona seria bem-vinda.
– Ok, tudo bem... Obrigada pelo
aviso – aponto para Gabriel. – Ele pode
me levar? De lá, eu pego um táxi para a
casa do Chris.
John me olha com a testa franzida,
como se tivesse crescido uma segunda

cabeça em mim.
– Eu vou te levar. – Ele então
fecha a porta do carro e manda Gabriel
seguir.
– Por que você veio? Poderia ter
me mandado só com o Gab. – Pergunto
curiosa.
Ele olha desconfiado para o banco
da frente. Gabriel continua dirigindo
como se não pudesse ouvir o que é dito
no carro.
– Gab? E já é Gab para você? Eu

disse, você não comeu nada e quero um
sanduíche. Vamos? – seu tom não deixa
muita margem para discussão.
Sim, chefinho. O carro estaciona
em frente a uma conhecida rede de
sanduíches naturais. Antes de abrir a
porta, ele coloca um boné e grandes
óculos escuros estilo aviador,
escondendo metade do seu rosto. Sai do
carro mantendo a cabeça baixa e me
puxa para sentar em uma discreta mesa
no fundo. Gab anota nossa escolha e
pede por nós. Ser famoso é um saco
quando não se pode nem comprar seu
próprio lanche. Sentamos um ao lado do
outro, ele está relaxado e, pela primeira
vez, me sinto mais descontraída com
John.
– Sabe, em termos de disfarce, o
seu não é muito eficiente.
Ele sorri e escorrega um pouco os
óculos pelo nariz afilado, encarando-me
por cima das lentes.
– Não precisa ser. As pessoas não
prestam realmente atenção. A maioria só

enxerga o que é evidente aos seus olhos.
Sim, talvez eu devesse me incluir
nesta categoria. Sempre vejo sua beleza
e comparo com o que sai na mídia.
Talvez eu não precise ficar o tempo
inteiro com a guarda levantada perto
dele. Porém Chris me avisou para não
me apegar e confio em seu julgamento.
Que motivos ele teria para me dar falsos
avisos?
– Como você conheceu o Chris? –
pergunto curiosa, como sempre.

John mastiga lentamente, pensando
em sua resposta. Sua boca está toda suja
de cream cheese. Ele deixa escapar sua
língua e a desliza pelos lábios, limpando
a bagunça. John está tentando
me distrair ou é sexy até comendo? O
problema também pode ser comigo, faz
tempo que não saio com ninguém...
Entretanto fiz uma pergunta simples, por
que a demora na resposta?
– O nosso empresário nos
apresentou. – Ele finalmente responde.

Esta é a resposta brilhante que
precisou de tanto pensamento? Agora
seu sanduíche italiano parece ser o
objeto mais interessante do mundo. Todo
a concentração de John está em seu
lanche. Ele deve estar morrendo de fome
ou nesse mato tem coelho e eu sou como
a Alice, perseguindo qualquer pista que
achar para saciar minha curiosidade...
Deixo o sanduíche de lado. Meu foco é
John.
– Você conheceu o Arthur?

Ele segura o copo plástico de
bebida com tanta força que o amassa.
Tenta disfarçar, mas a tensão em seu
corpo é evidente. Bingo! Chris sempre
desconversa quando procuro saber o que
houve com seu amigo que tanto o ajudou
no momento de necessidade. John sabe a
verdade, será que ele me contaria? Sua
voz é firme e parece irritada quando ele
finalmente fala.
– O que você sabe sobre ele?
Não era a reação que eu esperava.

Qual o problema dele com o Arthur?
Não sabia que eles se conheciam.
– Eu sei que ele foi a única pessoa
a ajudar o Chris quando ele mais
precisou e que depois sumiu. Só queria
ter certeza que Arthur está bem.
Ele olha para mim com o rosto
confuso e olhos tempestuosos.
– Por que você se importa?
Não tenho uma resposta concreta
para isto. Nunca vi Arthur pessoalmente
ou por foto, acho que o idealizei em

minha mente como algum tipo de
salvador que virou mártir... Sinto uma
inexplicável empatia por este
desconhecido. Ele era um órfão que
desde o início da adolescência
sobreviveu nas ruas, sem se tornar
bandido ou se entregar às drogas. Viveu
à margem da sociedade, mas não se
tornou um “marginal”. Havia algo ruim
em sua infância, mas Chris não quis me
contar o que era. Será que o passado
finalmente o alcançou? Olho para o
lindo homem na minha frente. Arthur não
era bonito suficiente para ser o vocalista
de uma banda famosa e por isto foi
descartado? Não acho que Chris faria
algo tão cruel com um amigo. Poderia a
promessa de fama e fortuna em um
momento de necessidade corromper até
a mais pura das almas? Uma lágrima
escorre do meu olho antes que eu
perceba. Preciso saber se o Chris de
hoje ainda tem a essência do garoto que
cresceu comigo. John está quieto agora,
retomou o controle de suas emoções e
me observa em seu jeito estoico. Não há
mais lanche relaxado, estou trancada do
lado de fora. Falo com raiva pela
injustiça feita a este desconhecido.
– Eu me importo porque ninguém
mais o faz!
John se levanta e joga nossos
sanduíches meio comidos no lixo. Ele se
inclina na mesa, me encarando:
– Esqueça ele, Helena! Arthur é
um ninguém. Vamos, estamos atrasados.
Com isso, ele se vira e anda até o
carro, desta vez sem verificar se estou

ou não o seguindo. O que ele não sabe é
que sua tentativa de me intimidar só faz
aumentar a minha curiosidade.
Onde está Arthur?


CAPÍTULO 19 –
Jantar entre amigos
Assim que entro no carro, Gab dá

a partida e o som liga automaticamente.
Shakira e Beyoncé lamentam juntas:
“Just a beautiful liar...” [1]. A ironia do
momento não é perdida por mim e tento
abafar a risada. John exige em voz de
comando.
– Desligue o som, Gabriel.
De zero a dez em uma escala de
raiva, eu acho que John está puto no
nível onze. Sua reação é exagerada, não
acho que eu tenha perguntado nada
demais...
– Eu posso pegar um táxi para a
fisioterapia...
Não conheço John. Não sei como
fica quando está nervoso e também não
quero descobrir. Ele não olha para mim,
fica observando a cidade passar pela
janela.

– Não, eu prometi levá-la, e é o
que vou fazer.
Posso parecer ingrata, mas não
gosto de ser estorvo. Esse tipo de favor
eu dispenso.
– É sério, não precisa...
Ele se vira rapidamente, seu rosto
a centímetros do meu.
– Quieta, Helena, por favor?
Me ajeito em meu banco e cruzo
os braços. Fico quieta só porque ele
pediu “por favor”. Pelo retrovisor,

percebo que Gabriel está nos olhando
com a sobrancelha levantada. Não quero
nem saber o que ele deve estar
pensando. Apesar do meu protesto, John
me segue para o consultório. Disse que,
na condição de meu chefe, precisa saber
a extensão de meus danos. Que besteira!
Ele é quem precisa de cuidados, criatura
bipolar que quer me enlouquecer. A
fisioterapeuta se chama Laura e foi
indicada por DJ, o psicólogo amigo do
Chris. Seis anos mais velha que eu, ela é
linda, com estatura média, cabelos
longos cor de chocolate e olhos verdes.
Quando ela me pergunta sobre o
acidente, John, percebendo meu
desconforto, segura minha mão enquanto
resumo os fatos ocorridos.
Laura retira o velcro de bota
imobilizadora e analisa minha perna:
está verde, dourada, roxa e dolorida.
Isto eu já sabia, é claro, mas a expressão
de espanto na cara de John seria cômica
se não fosse às custas de meus
machucados. Gostei da fisioterapeuta: é
tranquila e não me enche de perguntas
sobre meu acompanhante, apesar de
saber exatamente quem ele é. Seu
prognóstico é muito bom, minha perna
parece pior do que realmente está. Ela
me promete que, em poucos dias, eu
poderei usar apenas um tensor. Mal
posso esperar. Depois da fisioterapia,
vamos para o apartamento de Chris. Eu
me sinto ridícula andando atrás de um
John todo escondido por capuz. Na
minha opinião, ele chama mais atenção
assim. Ao entrarmos no apartamento,
percebo que Chris ainda não está em
casa, teremos que esperar ele voltar das
gravações. Deixo John na sala e vou
guardar minhas coisas. Quando volto,
ele está observando o mural de fotos.
– Chris possui tantas lembranças,
viu e fez muita coisa em nossa turnê...
Ele então se vira para me encarar,
sua postura demonstrando um conflito
interno. John estende sua mão e acaricia
meu rosto com o polegar, tão leve, que
quase não sinto seu toque.
– Entretanto ele nunca parou de

falar sobre você! A garota com olhos de
mel, mas com a língua igual a uma
picada de abelha – sua voz sai tão baixa,
que mal passa por um sussurro. – Você
tem noção do seu efeito sobre os
homens?
Estou ouvindo demais ou ele não
tinha intenção de dar voz aos seus
pensamentos? Sou salva de ter que
responder quando a porta se abre. Chris
entra, John se afasta e eu me sinto
culpada. Não que eu tenha feito nada
para me sentir assim, é apenas o meu
amigo Chris que chegou em casa. Qual o
meu problema? Nunca tive nada com
nenhum desses dois... Decido tomar um
banho e penso que ultimamente todos os
dias têm sido estressantes. O que John
quis insinuar na sala? Chris falar de mim
é normal, nós crescemos juntos e éramos
inseparáveis. Eu era uma menina quando
ele foi embora... Chris me viu de
fraldas, pelo amor de Deus! É como um
irmão para mim. Isto só pode ser um
engano. Não é?
Nunca me permiti pensar em Chris
como mais do que um amigo, e ele nunca
mostrou qualquer outro interesse por
mim. Ele estava presente no meu
primeiro beijo durante uma festa da
escola. John que não entende! Duvido
que já tenha sido amigo de alguma
mulher, não sabe reconhecer uma
amizade verdadeira. Ele as usa e as
descarta. É isto, John só pode estar
louco! Chris me ama como eu o amo...
Como a uma irmã. Ele trouxe pizza e
vinho para o jantar e montou tudo na
varanda. Vejo-os conversando
animadamente, porém não escuto o
assunto por causa da porta de vidro que
está fechada. Os dois são
impressionantes. Entendo porque a
banda fez tanto sucesso em tão pouco
tempo. Separadamente, cada um possuía
talento, beleza e carisma, mas juntos
eram irresistíveis. E ainda havia Aly,
que adicionava o ar de garoto maroto, e
Kim, a menina rebelde que as outras
mulheres queriam ser e todos os rapazes
gostariam de ter.
As outras bandas deveriam
processá-los por concorrência desleal.
Resolvo colocar uma roupa confortável
e escolho short jeans e camiseta. A bota
já é incômoda o suficiente. Em poucos
dias, farei uma semana de uso e poderia
tirá-la. Uma semana... Sete dias desde o
acidente. O tempo é algo tão relativo: às
vezes, parece que foi ontem e, em outros
momentos, não... Mãos quentes seguram
meus ombros. Encaro olhos azuis gentis
e um sorriso caloroso. Chris diz
empolgado:
– Ei, venha jantar! Trouxe sua
pizza favorita.
Sento-me junto com os rapazes e
conversamos. Chris está muito animado
com o estúdio. Música sempre teve este
efeito nele. As horas passam e percebo
que podemos sim apenas relaxar e
sermos todos amigos. Estamos em dois
grandes pufes na varanda. A pizza
acabou faz tempo e bebíamos a terceira
garrafa de vinho. Chris e eu sentamos
lado a lado no pufe maior, enquanto John
fica no outro, de frente para mim. Ele
está encostado contra a parede, apoiado
no parapeito da varanda e tem o céu
estrelado como moldura. Um vento agita
seus cabelos e me arrepia.
– Está frio. – Reclamo.
Eu deveria ter vestido uma calça
comprida! Estou tão distraída em meu
estado de semi-embriaguez, que me
assusto quando John coloca um cobertor
em cima de mim.
– Não quero que minha
funcionária adoeça no primeiro dia de
trabalho.

Chris põe o braço ao redor do
meu ombro e me puxa para mais perto
dele, me mantendo mais aquecida.
– Obrigada, rapazes!
John pisca um olho para mim,
enquanto Chris alisa meu ombro. Tomo
outro gole do vinho para espantar o
repentino desconforto que sinto. Isso não
seria nada demais ontem. Tudo culpa do
comentário sem propósito de John mais
cedo. Droga! Eu já tenho problemas
suficientes em minha vida... Não quero

complicações.


CAPÍTULO 20 –
Pesadelo
Depois do momento
constrangedor, tento desviar a conversa
para o novo álbum:
– Por favor, cantem o novo single!
– imploro. Há mais de quatro anos Chris
não tocava ao vivo para mim. Ele se
levanta para buscar o violão.
– Me desculpe por ter sido grosso
com você mais cedo. – John diz sério.
Olha só! O vinho deve deixá-lo
mais agradável...
– Você quer dizer quando foi
grosso pela manhã na sua casa ou à
tarde, na lanchonete? Ou talvez agora,
quando fez insinuações, um pouco antes
de Chris chegar? – pergunto com
sarcasmo.
O canto de sua boca se levanta e
ele fala com ironia:
– Você é sempre irritadinha assim,

ou é só comigo?
Dou de ombros. Pouco me importa
o que John pensa de mim.
– Acho que você tem o dom de
despertar o pior em mim...
Chris reaparece com o violão e
senta ao meu lado. Logo seus acordes e
a voz rouca de John me transportam para
outra realidade. Eles cantam uma balada
romântica sobre um amor impossível de
um homem perdido por uma garota. A
garota na música não é perfeita, mas é

ideal para ele. É seu amor e sua luxúria,
seu melhor e seu pior. Porém ela
pertence a outro, é inalcançável. Sem a
garota de seus sonhos, ele sempre estará
preso na névoa entre as trevas. Porque
ela é sua luz e seu guia. Quando a
música termina, eu não consigo
expressar o quanto eu estou emocionada.
É linda. Eles farão tanto sucesso! É o
tipo de hit que o tempo não apaga.
– Eu amei, é perfeita! Posso ouvir
de novo?

Eles sorriem, sabem o produto que
tem nas mãos. Minha animação acaba
quando John pega a minha perna
imobilizada, coloca no seu colo e
começa a soltar os velcros.
– Ei! O que você está fazendo? –
pergunto desconfiada.
Ele não para de libertar meu
tornozelo e responde de cabeça baixa:
– Cumprindo a ordem de sua
fisioterapeuta. Você deveria ter feito
compressa de gelo, Helena.

Verdade, esqueci disso! Iria
ajudar a curar mais rápido. Espera...
Isso quer dizer que ele pretende fazer a
compressa agora? Tento tirar minha
perna de seu colo, mas John a mantém
firme.
– Quer me soltar? Você não
pode...
– Quieta, Helena! – ele olha com a
testa franzida para o amigo. – Chris, ela
tem um botão de desligar?
Chris, que estava vendo nossa

troca de cara fechada, começa a rir:
– Se encontrar um, me avisa.
Traidor! De que lado ele está? Os
dois podem ir se ferrar.
– Então durante o dia sou sua
assistente e à noite você quer ser meu
serviçal? – digo com desdém. – Vão em
frente, vassalos. Chris, continue a tocar
para mim!
O meio sorriso no rosto do John
me diz que posso ter sido interpretada
de mais de uma forma. Eu deveria

pensar duas vezes antes de falar o que
surge na minha cabeça. Contudo os dois
realmente me obedecem.
Chris recomeça a tocar as
primeiras notas da música enquanto John
termina de tirar minha bota. Ele pega
algumas pedras de gelo do balde com a
garrafa de vinho e as envolve em um
pano para fazer a compressa. Me enrolo
mais no cobertor e me apoio em Chris,
que continua a tocar, enquanto John
massageia com cuidado minha perna
machucada e canta sobre amor e luxúria,
emoldurado pelo céu estrelado...
♪♫ ♥ ♪♫
A estrada está escura e a pista

molhada. Não tem problema, papai
sempre dirige com cuidado. Os faróis
do carro são as únicas luzes que
podemos ver. Mamãe hoje está
contando uma história engraçada de
quando ela era criança que sempre faz
a gente rir.
A risada deles é o melhor som do
mundo, eu queria ouvir para sempre.
Não parem de rir, por favor, não parem,
não parem... Começa a tocar uma
música que eu conheço... É o Chris que
está tocando! Solto meu cinto e do
banco de trás me inclino para alcançar
o painel. Aumenta o som, pai! Quero
ouvir, tenho saudades dele. Meu pai
olha para mim.
– Eu sei, Elle, agora coloque o
cinto, que sua mãe já aumentou o
volume. Também temos saudades dele.
Eu não estava ouvindo mais,
estava cega pelos faróis do outro carro.
Acordes de guitarra e uma voz rouca de
anjo se misturavam aos meus gritos e
ao som de metal partindo... Apenas as
risadas não eram mais ouvidas.
Música e grito, música e grito,
música e grito, onde eles estão?
Os faróis estão apagados, não
enxergo nada, Socorro! Porque tão
escuro?
Socorro!

Alguém me sacode.
Socorro!
– Elle! Elle! Desperte, você está
tendo um pesadelo. Acorde!
Alguém passa a mão suavemente
em meus cabelos, que estão úmidos de
suor. Onde estou? Olho ao redor
tentando me situar. Droga! Talvez eu
realmente precise de ajuda. Ainda não
amanheceu e estamos na varanda. John
quem me acordou, enquanto Chris está
adormecido ao meu lado.

– O que aconteceu? – pergunto
desorientada.
– Você adormeceu e parecia tão
pacífica, que não tivemos coragem de te
tirar daqui. Então continuamos
ensaiando, até que dormimos também.
Acordei quando você me chutou durante
o sono.
Estou nervosa do sonho, minhas
mãos tremem e minha garganta está seca:
– Me desculpa, não tive intenção.
Ele tenta sorrir para aliviar o

clima, mas o seu sorriso é desprovido
de humor.
– Sim, eu sei. Vindo de você, se
fosse de propósito, aposto que tentaria
acertar minha virilha. O local onde dói
mais, sabe?
Tento esconder meu sorriso:
– Provavelmente.
Com certeza, seria um sacrilégio...
“A risada deles é o melhor som do
mundo”. Ai, meu Deus, outro pesadelo!
E desta vez na frente do John! Minha

garganta queima, fujo para a cozinha em
busca de água. John me segue.
– Elle, você já conversou com
alguém sobre isto? O Chris sabe? – ele
pergunta com preocupação estampada
em sua voz.
Me viro tão rápido em sua
direção, que quase derrubo a água em
meu copo. Falo em tom de ameaça:
– Não, e você vai me prometer
que não vai contar, entendeu?
Ele está impassível e não se afeta

por minha tentativa de intimidação.
– Você precisa de ajuda, Helena.
Procure um profissional, o Chris ou
venha a mim, mas não sofra sozinha.
Não estou sofrendo! São apenas
sonhos, se o Chris souber, irá se
preocupar à toa. Seguro as mãos de John
e imploro:
– John, não conta nada para o
Chris, por favor. Quero resolver isto por
mim mesma.
Ele balança a cabeça em negação,

mas termina concordando:
– Ok, Elle, faça do seu jeito!
Apenas lembre-se que eu estou sempre
aberto para quando você estiver pronta
para falar sobre os pesadelos.
“Músicas e gritos, uma voz rouca
de anjo cantando e metal partindo”.
Não quero falar disso! Solto suas
mãos e digo com raiva:
– Sim, e o que você acha que sabe
sobre pesadelos?
Ele se aproxima mais de mim,

encarando-me como se enxergasse os
meus receios mais profundos.
– Eu sei que pesadelos não
desaparecem, por mais que a gente
deseje isso. Sei que aqueles que nos dão
mais medo são os que realmente nunca
vão embora. Na verdade, são os que
ficam piores – em seu semblante um
pesar que nunca vi em ninguém antes. –
Também sei que um dia você os
terá há tanto tempo, que estarão
emaranhados em sua alma. Como um
buraco negro que suga um pouco de suas
energias todos os dias, até que você
fique vazio por dentro e nada mais
importe.
Meu Deus, o que esse homem
esconde embaixo da fachada de estrela
do rock?
– John, eu não sabia...
– Tudo bem, Helena, não precisa
falar nada. Amanhã Gabriel irá passar
cedo aqui para te buscar, ele será seu
segurança e motorista. Não quero que
você corra riscos desnecessários.

Ele vai embora irritado e sem
dizer adeus. Suas mudanças de humor
terminarão me deixando com transtorno
de personalidade. O dia hoje me deixou
com mais dúvidas do que respostas. O
que John esconde? Ele é uma incógnita.


CAPÍTULO 21 – Café
da manhã
Na manhã seguinte, faço o café

forte para o Chris, que ainda está
sonolento e com cara de ressaca quando
entrego uma xícara fumegante em suas
mãos. Ele me agradece e fala:
– Sam me mandou uma foto ontem,
ela tentou falar com você, mas não
conseguiu.

– Ah, sim! Preciso resolver o
problema do meu celular – como um
pedaço da minha torrada com geleia. –
O que ela te mandou?
Ele me mostra a tela do seu
telefone, é uma foto antiga nossa do meu
aniversário de quatro anos. Eu de
Cinderela, Chris de Príncipe Encantado
e Sam, aos dois anos, de fada madrinha.
Estávamos ao redor do bolo, eu no meio
e cada um deles ao meu lado, cercados
por várias outras crianças do colégio e
com meus pais atrás de mim. Todos
sorriam felizes. Passo o dedo na tela,
acariciando de leve seus rostos. Que
saudades sinto deles!
– Ela estava organizando suas
coisas e achou esse álbum antigo. Eu
lembro deste dia, foi a primeira vez que
entramos no esconderijo secreto, não
foi?
Balanço a cabeça concordando.
Lembrei dessa festa dias antes do
acidente, quando achava que meu futuro
seria fácil e do jeito que eu planejara.

Na época, jamais pensei na fragilidade
da vida, em como tudo podia mudar em
questão de segundos. A mortalidade do
ser humano nunca fora um problema real
para mim, não até eu descobrir o quanto
ela pode ser cruel. Penso no pesadelo de
ontem, esperava que John não estivesse
certo, eu pretendia superar tudo sozinha.
Não quero ser um estorvo ainda maior
para o Chris.
– Elle? Você está bem? – Chris
chama minha atenção. A preocupação é
evidente nos vincos que se formam em
sua testa.
Eu tento desviar sua atenção:
– Sim, estou ótima! Apenas
tentava lembrar, faz tanto tempo… Você
está certo, foi nesse dia que mamãe nos
mostrou o esconderijo.
– Sua mãe era a melhor pessoa do
mundo – ele se levanta e me abraça,
olhando para a imagem por cima do meu
ombro. – Por muitas noites eu pedi a
Deus que seus pais fossem os meus pais
também.

Largo o celular na bancada da
cozinha e me viro para abraçá-lo de
volta:
– Você era como um filho para
eles! Sabe disso, não é? Você e Sam
eram como meus irmãos, uma parte da
nossa família. Mamãe acreditava tanto
em seu talento, e com razão – pego uma
mecha do seu cabelo e coloco atrás da
orelha dele. – Ela tinha muito orgulho de
você e da Jack Rock, era uma grande fã
sua. Só não era mais fã do que eu.

Pisco um olho para o Chris e ele
me recompensa com aquele sorriso
lindo que amo tanto.
– Obrigado, Elle. Eu senti muito
sua falta e fico feliz que você esteja aqui
comigo, mesmo que seja por motivos
tristes.
Eu nunca parei para pensar nisso,
porém Chris tem razão. Eu estou feliz
por estar novamente com meu melhor
amigo. É a única coisa boa em meio ao
caos que minha vida se tornou. Chris é

minha rocha, meu ponto de equilíbrio.
– Eu também, Chris – o solto e
beijo seu rosto. – Preciso terminar de
me arrumar, ou vou me atrasar, e meu
chefe é meio ranzinza.
Faço piada, mas Chris me olha
com a testa franzida. De novo.
– Você quer que eu converse com
ele? John te tratou mal?
– Relaxa! Não precisa, John não é
tão ruim assim e, se ele fosse, eu sei me
defender.

– Ok, Elle, mas lembre-se que
você sempre pode contar comigo para
qualquer coisa.
– Isso eu sempre soube – sorrio
para ele. – E o mesmo vale para você.
O abraço mais uma vez e corro
para o banheiro, escovo meus dentes e
retoco minha maquiagem. Estava quase
pronta para o segundo dia de trabalho,
quando me lembrei como acabou o meu
primeiro dia na lanchonete com John.
Humm... Volto para a cozinha e Chris

ainda está sentado, comendo torrada
com geleia e café.
– Ei, Chris! Ontem fui almoçar
com John e a gente começou a
conversar...
– Uh-hum...E? – ele pergunta com
a boca cheia de torrada.
– E a gente falou sobre Arthur... –
não consegui terminar de explicar, Chris
engasgou com a comida e eu bati em
suas costas. Ele tosse algumas vezes e
bebe água para aliviar a garganta.

– O que John falou sobre Arthur?
– sua voz sai rouca.
– Nada, ele só disse que eu
esquecesse Arthur, que ele era um
ninguém – Chris suspira e bebe o resto
da água. Eu cruzo os meus braços e o
observo de perto. Ele está escondendo
algo, e é grande! – Desembucha, Chris.
– John está errado, Arthur era uma
ótima pessoa, um dos melhores! Ele
apenas não servia para o nosso mundo.
– Era? – aquele único verbo no

passado faz um peso em meu coração.
Chris se levanta e segura meu
rosto entre as mãos.
– Eu te prometo que ele está bem,
mas eu preciso que você deixe isso
quieto, ok?
O interfone toca, nos assustando.
Droga! Gab chegou e eu não consegui
tirar nenhuma informação de Chris. Na
verdade, fiquei ainda mais curiosa.
– Eu tenho que ir. – Me afasto dele
e pego minha bolsa.

Antes de sair, Chris me chama:
– Ei, confie em mim, por favor.
Balanço a cabeça concordando e
saio. Eu confiava em Chris. Confiava
não, ainda confio! Eu, eu... Caramba, eu
ficarei com isto na cabeça para sempre.


CAPÍTULO 22 – Peste
No carro, fico remoendo isso no

caminho para o trabalho. Não me sinto à
vontade indo sozinha no banco de trás,
mas Gabriel insistiu. Ordens do chefe.
Eu observo Gabriel dirigir em um terno
sob medida. Seu cabelo preto é curto e
cortado em estilo militar, olhos escuros
e rosto quadrado, anguloso. Ele é um
homem de presença, acentuado por seu
porte rígido.
– Ei, Gab, por que você trabalha
de motorista? – pergunto curiosa, como
sempre.
Ele permanece dirigindo
concentrado na estrada:
– Meu trabalho é ser seu
segurança. Motorista é apenas um bônus,
senhorita Helena.
Ele está sendo formal de novo.
Quando chegamos à casa de John, no
primeiro dia, ele estava bem mais
simpático:

– Senhorita Helena? Pode me
chamar de Elle, Gab. Pensei que já
tínhamos definido isso.
Vejo pelo espelho retrovisor que
seu rosto está sério.
– Me desculpe, mas não é
apropriado. A senhorita poderia me
chamar de Gabriel? – ele tenta amenizar
o tom de voz. – Pelo menos na frente de
outras pessoas?
Que pedido estranho! A menos
que...

– Deixe-me adivinhar, mais
ordens do chefe?
Ele apenas acena com a cabeça,
concordando. John é frustrante! Por que
ele se importa como eu chamo ou deixo
de chamar qualquer pessoa? Ele é
apenas meu chefe! Vai ouvir o que acho
de suas ordens... Gabriel olha para mim
pelo retrovisor:
– Por favor, Helena, não faça
confusão. Estou neste trabalho há anos.
Sou bem pago e tenho um cargo

confortável. Não me importo em como
chamam por meu nome.
Não posso prejudicar o trabalho
dos outros. Como eu gostaria de ter uma
conversa com John sobre isso!
– Ok, mas por que você trabalha
para o John? Poderia ser modelo ou
ator! Posso falar com Chris para
conversar com o empresário deles. É um
desperdício para alguém com sua
aparência...
Minha intenção não era elogiar,

apenas estava afirmando um fato. Ele
trabalhava para artistas, quando poderia
ser um. Vejo-o sorrir pela primeira vez
no dia:
– Eu poderia dizer o mesmo de
você, senhorita Helena. Trabalhamos
naquilo que somos bons e eu não sou
bom em estar frente às câmeras.
– No que você é bom? – minha
curiosidade está a mil.
O sorriso de Gabriel desaparece.
Seu semblante, que estava relaxado

segundos atrás, se torna duro. É óbvio
que, sem querer, eu toquei em algum
ponto sensível dele:
– Já fiz coisas das quais não me
orgulho e que me fazem bom para este
tipo de trabalho, senhorita Helena. Não
queira saber o quê.
Ele se cala pelo resto do caminho,
e eu não puxo mais conversa. O que ele
tem feito ou seria capaz de fazer em
nome do seu trabalho? Eu, com certeza,
não pretendia descobrir. Finalmente

chegamos na casa de John e tudo está
tranquilo. Ele ainda está dormindo.
Maria me faz comer deliciosos bolinhos
antes de eu me trancar no escritório com
minhas cartas. Uma hora depois, o
telefone do escritório toca.
– Alô?
– Elle! Onde está o John?
Pensamos que com você ele não se
atrasaria!
Kim parece impaciente do outro
lado da linha e eu não faço ideia do que

ela está falando.
– Ele não me disse nada, Kim. Era
para John estar onde, exatamente? –
pergunto confusa.
– Não acredito! – ela grita ao
telefone. – Ok, acorde-o e traga sua
bunda preguiçosa para o estúdio
imediatamente.
– Compreendido, comandante! –
digo batendo continência mesmo que ela
não possa ver.
Ela começa a rir e antes de

desligar diz:
– Coloque ordem aí, soldado!
Procuro Maria para que ela possa
acordá-lo, mas ela está ocupada e
apenas me indica como encontrá-lo.
Maravilha. Agora estou batendo feito
louca na porta do seu quarto e ele ainda
não a abriu. Este homem não dorme, ele
entra em coma! Encosto minha testa na
porta, o que devo fazer? Invadir?
Chamar os bombeiros? Pegar um
machado e gritar: “Aqui está o Johnny!”,

como o Jack Nicholson em O
Iluminado? A porta de repente se abre e
perco o equilíbrio, indo de encontro a
um peito tatuado e nu. John me segura
pelos ombros, mantendo-me firme:
– Posso saber que porra de
confusão é esta?
Na penumbra do seu quarto, quem
fica confusa sou eu. Ele está apenas de
cueca boxer e expondo o “v” de seus
quadris. Seus olhos estão avermelhados,
preguiçosos, e os cabelos, revoltos. O

que eu vim fazer aqui mesmo? Ele me
sacode sem muita delicadeza:
– Helena? Qual o problema?
Me desvencilho dele e grito:
– Me solta, peste! E se veste logo
que todos estão te esperando no estúdio.
Ele me olha torto. Eu tento, com
todas as forças, me concentrar na região
acima do pescoço dele.
– Peste?
– Sim, peste! Por que não me
disse que tinha gravação hoje? Se veste,

que vou separar algo para você comer.
Saio do quarto e vou descendo as
escadas enquanto grito:
– Você tem três minutos para estar
no carro, ou fica sem café da manhã!
Quatro minutos depois, estou
esperando impaciente, com bolinhos e
café nas mãos, junto ao carro, quando
John aparece, perfeito como sempre em
jeans preto e camiseta branca. Isto é
realmente injusto! Eu demorei pelo
menos uma hora para ficar apresentável

esta manhã, e ele em poucos minutos
parece pronto para uma sessão de fotos?
Pelo menos não estaremos atrasados
demais... Empurro a comida em suas
mãos e entro no carro. Cruzo meus
braços e digo as próximas palavras
lentamente, enfatizando cada uma delas
enquanto observo a reação de John:
– Senhor Gabriel, nos leve ao
estúdio, por favor.
John para de mastigar por um
segundo, mas logo retoma sem dizer

nada. Sua cara de vitorioso é evidente.
Idiota.
– Por que você não me disse do
estúdio? Poderia ter te chamado mais
cedo. – Falo chateada.
Ele dá de ombros:
– Esqueci! E foi para isso que
contratei você.
Senhor, dai-me paciência
novamente:
– E por acaso sou adivinha? Onde
está sua agenda?

John dá de ombros novamente.
Mania irritante! Eu queria dar um
peteleco em seu ombro cada vez que ele
fizesse isso.
– Depois a gente passa na Nicole
e pega uma. – Ele fala displicente.
E agora, quem será esta?


CAPÍTULO 23 –
Estúdio
O estúdio de gravação fica no

último andar de um enorme prédio no
centro da cidade. O resto da banda já
está lá com mais alguns produtores e
outras pessoas da equipe que eu não
conheço. Todos estão animados, hoje
vão gravar o novo single que Chris e
John cantaram para mim ontem.

Antigamente, as músicas eram gravadas
com a banda inteira tocando de uma vez
só dentro do estúdio. Agora, cada um faz
sua parte separado e depois juntam os
instrumentos e as vozes gravadas
individualmente no computador,
equalizando tudo no final. O processo
todo é lento, precisa ser repetido até a
perfeição, e eles estavam nisto há
semanas. Para esta música, o produtor
queria a Jack Rock toda presente. Eles
filmariam alguns takes da banda no
estúdio para usar no videoclipe, que
seria gravado em breve.
Quando chegamos, ninguém se
surpreendeu com o atraso de John,
aquilo deveria ser normal. Uma mulher
baixinha com o cabelo colorido todo
repicado começa a arrumá-lo,
acrescentando jaqueta e ajeitando o
cabelo para a câmera. Eu estou rindo da
sua cara de impaciência, quando Aly me
agarra por trás e beija meu pescoço.
Quase grito de susto.
– Estava com saudades, Elle!

Meus garotos estão tratando você bem?
Kim chega sorrindo e dá um soco
no ombro de Aly.
– Solta ela, babaca, antes que a
outra metade da banda tenha um
aneurisma cerebral.
Ele me libera ainda sorrindo, e eu
sou a próxima a dar um soco em seu
ombro.
– Você é impossível.
Me viro para Kim:
– Posso falar com você rapidinho?

– Claro! Venha aqui.
Kim me leva para um canto da
sala.
– Kim, pode me explicar isso tudo
que você quer dizer? No dia que eu
cheguei e hoje? – questiono inquieta.
Kim franze a testa para mim:
– Pensei que fosse bem óbvio,
Elle.
– Não para mim. – Digo incisiva.
Ela segura meus ombros:
– Então vou deixar claro: Chris é
apaixonado por você, mas você está
trabalhando para John, e eles são
melhores amigos...Você se meteu em
uma combinação perigosa, garota.
Homens podem ser bichinhos
complicados.
Mais uma com essa história de
Chris! Eu tenho que esclarecer isso, e
logo...
– Olha, Kim, eu aprecio o aviso,
mas você entendeu errado. Chris é meu
amigo de infância, nós nos amamos sim,

mas não como você pensa.
Ela me olha desconfiada, o
ceticismo é perceptível tanto na sua
expressão, quanto na voz:
– Você realmente acredita nisto?
Cruzo meus braços irritada.
– Quer dizer que você não
acredita em amizade entre homens e
mulheres? Então por qual dos seus três
companheiros de banda você está
apaixonada? Ou você não é amiga
deles?

Ela suspira e balança a cabeça
para os lados.
– É completamente diferente, Elle.
Se você quer ser teimosa, seja. Mas se
eu fosse você, conversaria com o Chris
logo – ela me parece sincera quando
fala. – Eu quero ser sua amiga, mas não
perturbe minha banda.
Entendo sua preocupação, no
entanto esta situação jamais sairia do
controle. Simplesmente porque não
existe a situação que ela pensa.

– Compreendo, Kim. Eu também
gosto de você, tenho tudo sob controle. –
Falo com segurança.
– Vamos voltar para lá, Elle –
Kim sorri e pisca o olho para mim. –
Vamos ver por quanto tempo essa
negação vai funcionar para você.
Apenas depois não diga que eu não te
avisei.
Que garota teimosa! Não tem jeito,
depois eu que sou a cabeça dura. Me
aproximo do Chris. Ele está lindo com

seu cabelo loiro e liso penteado para
trás ao invés da bagunça habitual. Hoje
não tem barba e seus olhos azuis brilham
de antecipação. Está casual com jeans e
uma blusa de manga comprida com
camiseta por cima. Estou tão feliz por
ele, este sempre foi seu sonho. Dou-lhe
um abraço apertado.
– E aí, garotão? Está tão bonito
hoje. Isso era tudo que você queria?
Ele beija o topo da minha cabeça
e diz:

– Tudo que eu queria ainda não,
mas chega perto.
Continuo o abraçando.
– Calma, querido, você já tem o
país aos seus pés. Depois desse álbum,
o mundo sucumbirá!
Ele sorri e Kim se une à conversa
com Aly. Pergunto qual outro evento
meu ilustre chefe esqueceu de me
informar e é óbvio que haverá uma
festinha amanhã na casa dele em
comemoração à gravação do novo

single. Pergunto irritada:
– Chris, por que você não me
avisou nada?
Ele me dá um beijo na bochecha.
– Desculpa, Elle, pensei que John
tivesse te avisado.
Não posso brigar com Chris por
causa disto. O culpado era o John. Como
ele pode ser tão despreocupado com
seus compromissos? Como passou tanto
tempo sem uma assistente? Vejo-o do
outro lado da sala. A estilista ainda está

arrumando seus cabelos para que tenham
a aparência de bagunçado, ou seja, ele
tinha seus fios puxados por mais de meia
hora para ficarem basicamente iguais a
como estavam quando ele acordou.
Nunca teria paciência para toda essa
bobagem de câmeras e televisão. Ele
está me fuzilando com o olhar, e eu não
quero nem gastar meus neurônios
tentando entender os motivos para
merecer uma expressão de raiva. Estou
apenas conversando com meus amigos.
– Você concorda, Elle?
Opa! Concordar com o quê?
Droga, Elle, foco! Eu preciso ter foco,
me concentrar no que importa: o meu
trabalho e não em... Bom, não em John.


CAPÍTULO 24 –
Gravação
Todos estão olhando para mim.

Kim me perguntou algo, mas eu não
tenho ideia do que foi. Aly me puxa pela
cintura.
– Terra para Elle, alguém na
escuta? Kim quer saber se você vai com
ela escolher uma roupa de menina
rebelde para amanhã. Eu só iria se ela

concordasse em trocar de roupa na
minha frente. Como disse não, tem que
ser você. E aí?
– Claro... – concordo
automaticamente. – Me digam uma
coisa, por que John é tão desligado de
seus compromissos com a banda?
Os três se entreolham, mas é Kim
quem me explica que John sempre era o
mais preguiçoso, principalmente com as
cartas dos fãs. Com os compromissos,
porém, foi depois que Nicole, a filha do

empresário, começou a trabalhar para o
pai. Pelo que me contaram, ela é a
responsável pelas redes sociais da
banda e pela agenda de compromissos.
Aparentemente, Nicole e John tiveram
um caso, ela quis mais, ele não. Agora
ele foge dela como diabo foge da cruz.
Típico.
A atitude altruísta de John no
hospital começa a fazer mais sentido:
ele não estava sendo um bom amigo ou
um samaritano. Eu sou apenas a
desculpa perfeita para arrumar uma
assistente pessoal que possa lidar com
Nicole por ele. E ainda venho com o
bônus de ser uma pequena garota órfã
sem teto. Ninguém pode questioná-lo!
Eu sou sua boa ação do ano. Sempre
desconfiei que ele tinha outras
intenções. Eram benefícios demais por
pura bondade de coração. Contudo quem
sou eu para reclamar? Apesar de me
sentir um pouco usada, ainda saí em
vantagem. Eu acho.
Minutos depois, meu humor não
melhorou muito quando eles são
chamados para uma grande cabine de
gravação. Os instrumentos estão
posicionados em um semicírculo com
todos de frente para o vidro divisório.
John ao centro, Chris e Aly à sua direita
e Kim à esquerda. Chris começa a
canção como voz guia para a bateria de
Kim, depois é a vez de Aly gravar seu
baixo e ambos arrasam na música. Em
seguida, ele pega sua guitarra. Desde
pequena, vi Chris tocar. Mesmo antes de
ele aprender todas as notas musicais, eu
já acompanhava seus primeiros acordes.
Nos últimos anos, entretanto, ele evoluiu
muito e sua postura e confiança exalam
um profissionalismo que não existia na
infância.
Antes eu acompanhava um garoto.
Hoje, mesmo que ele mantenha o mesmo
brilho no olhar e sorriso tímido, eu
tenho diante de mim um homem maduro.
Estou emocionada e orgulhosa por ele.
Todos os anos fugindo do seu pai, as
aulas escondidas, os violões quebrados,
os meses de angústia na rua, tudo valeu
a pena. Ele conseguiu! Estou sorrindo
com lágrimas nos olhos. Chris termina
seu solo e olha para mim, falo
pausadamente para que ele possa ler
meus lábios através do vidro:
– Eu te amo. – Ele também sorri e
faz o mesmo. Sempre o amei e sempre o
amarei, Chris jamais sairia do meu
coração.
Agora é a vez de John. Ele está
com os cabelos soltos meio revoltos,
óculos escuros, fones de ouvido e uma
camiseta regata branca coberta por uma

jaqueta de couro. Pela primeira vez, não
consigo saber seu humor por seus
expressivos olhos. Em compensação,
seus lábios estão cerrados em linha reta
até ele começar a cantar. Ontem na
varanda, John havia cantado essa mesma
música em um ritmo suave, uma balada
mais romântica. Hoje ele parece ter
raiva da garota inalcançável, como se
ela tivesse dado o gostinho da
liberdade, apenas para jogá-lo nas
trevas novamente. Acho a nova versão
muito melhor e os produtores
concordam. A banda, então, gravou os
instrumentos novamente, para
acompanhar o novo ritmo da voz de
John. Depois de horas de repetição e
equalização, uma cópia demo do single
está pronta e é perfeita.
– Vamos, Helena. Já ficamos aqui
demais. – John fala grosso quando
termina.
Me despedi dos amigos e do
pessoal que conheci e o acompanhei até
o carro.

– Parabéns, John! Foi fantástico o
modo que você cantou hoje, a música
ficou perfeita. – Elogio empolgada.
Ele me olha de lado:
– Aparentemente não fui tão bom
quanto o Chris.
Ué, ninguém o comparou ao Chris!
Que louco! O que ele quis dizer?
– Não seja infantil! Vocês são uma
banda e todos devem ser ótimos para
funcionar. Isto não é uma competição.
Ele apenas dá de ombros e não

fala mais nada, o bebezão. Poucos
minutos depois, chegamos em um prédio
ainda mais sofisticado, todo de vidro e
metal. Gabriel estaciona na entrada e
John se vira para mim:
– Já informei de sua visita na
portaria. Nicole estará esperando.
Não acredito que ele vai fugir!
– Você não vai entrar comigo?
Ele me olha ainda emburrado.
– Não, preciso resolver algumas
coisas. Se eu não voltar logo, há um

restaurante no térreo. Aguarde por mim
lá.
Desço do carro e ele vai embora.
Covarde.


CAPÍTULO 25 –
Nicole
Hora de conhecer a filhinha do

chefe do meu chefe. Que maravilha. Eu
não sou uma pessoa preconceituosa,
então estou tentando arduamente retirar
todo o prejulgamento da minha cabeça
enquanto pego o crachá de visitante da
portaria e subo o elevador para a
cobertura. É claro que o escritório da

filhinha do papai tem que ser na
cobertura... Quer dizer, da Senhorita
Nicole. Viu? Preconceito nenhum! Ela
deve ser linda, inteligente, sofisticada,
culta, educada, simpática e
provavelmente conseguiu o emprego por
méritos próprios. A quem estou
querendo enganar? Nem a conheço e já
desgosto da garota sem motivos. Vamos
lá, Elle, quem é você para falar sobre
primeiro emprego por “méritos
próprios”? Muitos poderiam falar coisa
pior de mim. Ok, mente aberta! Ela pode
ser legal. Respiro fundo antes de entrar
no escritório. Ele é moderno, porém
muito feminino para o meu gosto, com
variações dos tons de branco, dourado e
rosa. Não me surpreenderia se houvesse
o molde gigante da cabeça da Barbie em
glitter pendurada em algum lugar por
aqui.
– Querida! Você deve ser a Ella!
Que #fofa você é!
Me viro para encarar a dona da
estridente voz. Oh. Meu. Deus. Ela é

linda, uma versão loira da Megan Fox,
ou melhor, ela é igual à atriz que
substituiu a Megan em Transformers 3.
Lembra dela? Perfeitamente escultural,
com belos olhos azul-turquesa. Se bem
que no filme ninguém se importou
suficiente para decorar o nome da atriz...
Estendo minha mão para apertar a sua.
Ela se aproxima e dá um beijo no ar ao
lado da minha bochecha, sem encostar
em mim. Metida.
– Sim, sou Elle. Você é a Nicole?
– falo com meu melhor sorriso.
Ela dá uma volta completa ao
redor de si mesma:
– Claro, né? Quem mais seria tão
#linda?
Ok... Isso é normal? Kim disse
que ela é a responsável pelas redes
sociais e comunicação da banda. Acho
que estou presenciando um novo nível
de viciada em internet. Tento meu
melhor sorriso falso:
– Pois é, eu queria pegar a agenda
do John.

Seu sorriso é assustador de tão
grande:
– Claro, amiga! Vou pegar a
agenda do meu John, ele é o #sonho de
toda garota, né?
Odeio gente falsa que chama a
outra pessoa de amiga sem ser, mas se é
assim que ela quer jogar...
– Claro, amiga. – Enfatizo a
última palavra. Será que ela fala a
palavra hashtag em todas as frases?
#SeMata.

O John teve um caso com essa
garota? Meu Deus, deve ter sido uma
disputa de egos entre esses dois. Será
que durante o sexo eles gritavam o nome
deles mesmos ao invés de um do outro?
Helena, esqueça isso! Delete a imagem
mental dessa garota perfeita e John na
cama! Ai... Por que eu fui pensar isso?
Ela pega uma agenda rosa e me entrega.
– Marquei todos os próximos
eventos, se houver mais algum, avisarei
por e-mail ou telefone. O de amanhã já
está organizado, afinal, você só
apareceu hoje. – Ela enfatiza a última
frase.
Agora me sinto ainda mais
incomodada com ela, seu sorriso falso
não me engana. Esta mulher não é amiga
de ninguém além dela mesma.
– Obrigada, mas só fiquei sabendo
de sua existência hoje. – Digo dando de
ombros.
Ela tenta esconder sua surpresa e
eu finjo não ter percebido. Afinal, o pai
dela é o empresário da Jack Rock, o

homem que tirou Chris das ruas. Para
mim, o empresário era um anjo enviados
dos céus. Não que eu pudesse dizer o
mesmo da sua filha...
– Qualquer dúvida é só ligar, Ella.
– Obrigada. – Agradeço enquanto
começo a fugir dali.
Me sinto uma tola, estou julgando
demais! Talvez não sejamos grandes
amigas no futuro. Eu preciso, no entanto,
dar uma chance a ela. Pode haver um
lado legal por baixo das camadas de

bronzeamento artificial. Me viro para
sair, quando ela fala novamente.
– Ella... Apenas tenha cuidado
com o que sonha, viu? Às vezes,
podemos nos dar #mal. Até amanhã,
amiga.
#Cadela.
♪♫ ♥ ♪♫
Desço para o restaurante no lobby

e fico olhando a agenda que a
#NiCadela me deu. Algumas gravações,
eventos de publicidade, casas noturnas e
festas particulares. Há também a
campanha de uma Organização Não
Governamental para jovens talentos que
moram nas ruas. A ONG se chama
“Clave de Sol”. Isto é novidade para
mim. Eles vão fazer um show
beneficente para arrecadar fundos e
construir um abrigo que irá acolher estas
crianças e dar aulas de música para
elas. Nossa! Amei a proposta, aposto
que foi ideia do Chris depois de morar
por meses nas ruas. Preciso falar com
ele sobre isto. Estou concentrada lendo,
quando uma respiração quente se
aproxima do meu ouvido:
– Já tem meu futuro em suas mãos?
Ai, caramba! Que susto este peste
me deu! Acotovelo seu abdômen com
força.
–Sim, só não tenho espaço. Afasta.
Ele alisa a barriga e reclama
fazendo cara de coitadinho. Tenho

vontade de rir ao ver um homem como
ele fazendo bico.
– Ai, Elle! Assim você me fere.
– Eu deveria machucar muito mais
depois de você me mandar lá para cima
sem nenhum aviso prévio. Como você
pôde ter alguma coisa com aquela
mulher?
Ele dá de ombros, como se isso
fosse irrelevante.
– Ela se ofereceu.
Só isso? É sério?

– Este é seu argumento de defesa?
Ele continua indiferente e olha
para mim como se não entendesse qual
era o problema.
– Sim, não sabia que era um
julgamento.
Como ele não pensou nas
consequências de seus atos?
– John, eu sei que ela é linda, mas
é metida e filha do seu chefe! O cara que
te deu uma chance e te fez quem você é
hoje – termino de falar irritada. – Ela
ainda controla sua fama nas redes
sociais, é detestável, falsa e fala as
frases com hashtag!
Ele então começa a gargalhar e
levanta várias sacolas com a famosa
logo da maçã que tem nas mãos:
– Tem razão, Elle! Deixe-me
compensá-la com almoço e presentes.
Ele pensa que pode me comprar?
Continuarei achando errado ele se
envolver com alguém que controla tanto
da banda, se não tinha intenção de ter um
relacionamento sério.

– Você é uma #Peste. – Reclamo
emburrada.
– Venha comer, espertinha. – Ele
me guia pelo restaurante.
Eu o sigo pelo restaurante,
planejando jogar a agenda na cabeça
dele caso tenha que lidar muitas vezes
com a detestável #NiCadela.


CAPÍTULO 26 –
Pilhas
Um maître nos guia até uma mesa

reservada nos fundos do restaurante.
Percebo que aqui, apesar de sentar mais
afastado dos outros, John não se
preocupa em esconder quem ele é. Faz
sentido, já que o público em geral não
tem acesso ao interior do prédio sem
autorização da portaria. Enquanto

aguardamos nosso pedido gourmet, ele
me mostra com animação meus
“presentes”: um iPad, porque agenda de
papel é ultrapassada e eu devo estar
conectada, um iPhone novo com o seu
número “público”, mas que serviria
para meu uso pessoal também, e um
sofisticado comunicador bluetooth igual
ao utilizado pelos seguranças e outros
ajudantes, já que eu também seria a
intermediária deles.
Homens e seus brinquedos
tecnológicos... Estendo a parte interna
do meu antebraço por cima da mesa em
sua direção. Ele olha para mim com ar
questionador.
– O que foi?
– Estou esperando você inserir o
microchip de localização embaixo da
minha pele.
Ele alisa meu pulso com lentos
movimentos circulares e dá um meio
sorriso.
– Hoje não, Helena.
Engulo em seco e escondo meu

braço embaixo da mesa. É claro que
isso não me afetou, meu braço se
arrepiou porque senti cócegas. Foi só
isso...
– Que tal um daqueles aparelhos
que o Will Smith usa em MIB para
apagar a memória? Tenho certeza que
pode ser útil. – Tento disfarçar.
– Este eu gostaria de ter! – ele dá
um sorriso completo, seu rosto se
ilumina e os olhos brilham de humor. –
Tenho mais uma coisa para você. Este

cartão de crédito deve ser usado para
pagar qualquer coisa que precise para
os eventos ou para você.
– Não vou usar seu cartão para
uso pessoal. – Respondo séria. Já vou
morar em breve de favor em sua casa.
Usar o cartão é demais.
Seus olhos se estreitam, a boca se
fecha em linha reta. Eu permaneço
impassível. Se ele acha que cara feia me
assusta, está muito enganado. Depois de
alguns segundos, John dá de ombros:

– Tudo bem, porém terá que usar
para comprar fardamento e acessório
para eventos. Se você será meu braço
direito, terá que estar em sua melhor
aparência.
Se eu usar meu gancho direito
nesse narizinho dele, também terei que
estar em meu melhor... Ele balança o
dedo na minha frente:
– Não, não, Helena! Nada de
pensamentos homicidas.
Ora! Eu não estava tendo

pensamentos homicidas... Apenas
violentos.
– Ok, chefinho, algo mais?
– Sim, em eventos ou festas que
não sejam open bar você também deve
usar este cartão para pagar. Não acha
que eu vou ficar esperando o garçom
trazer a conta, não é?
Sabe aquela paciência que eu pedi
para Deus me dar? Pois é, ainda não
chegou... Será que agora eu posso ter
pensamentos homicidas?

– Ninguém iria esperar tamanho
despropósito do senhor, chefe! –
respondo com meu melhor sorriso e
quase consigo retirar o sarcasmo da
minha voz.
O resto do dia foi tranquilo.
Classifiquei mais algumas cartas e fui à
fisioterapia. Daqui a dois dias, tiro a
bota, e em vinte e quatro horas será
minha verdadeira estreia como
assistente de um rockstar.
#Ferrou.

♪♫ ♥ ♪♫
Hoje é um novo dia, e eu já estou

cansada. Eu mal dormi, já que os
pesadelos não estão cedendo. Como eu
quero lembrar de todo o acidente!
Talvez, se eu souber todos os detalhes,
pare de sonhar com ele. É como se
minha mente tentasse preencher as partes
que faltam com as coisas mais bizarras.
Noite passada, eu acordei assustada
achando que estava queimando junto
com o carro. Eu ainda pensei em falar
com o Chris e contar tudo, mas a última
vez que o vi foi na gravação. Ontem ele
chegou tarde do estúdio e, quando saí de
casa, ainda estava dormindo.
Ao chegar na mansão de John,
cumprimentei Maria e fui para o
escritório. Após três dias olhando as
cartas, cheguei à conclusão que existem
três tipos básicos de fãs: as normais,
que apenas elogiam ou querem
autógrafos; as psicóticas, que fazem
ameaças suicidas caso a banda acabe ou
se não puderem nunca os conhecer; e as
putas, que enviam fotos e propostas
pornográficas. Separar os tipos de
cartas em categorias facilitará meu
trabalho. Para as normais, enviarei uma
foto autografada. Terei que convencer o
John a tirar algumas exclusivamente
para isto. Não sei como responder às
psicóticas, preciso de opinião
profissional. Talvez consulte DJ, porque
não acho saudável alguém dizer que vai
se ferir caso sua banda favorita acabe,
mesmo que seja uma ameaça vaga. Estou
tão distraída olhando a pilha das putas e
decidindo se a queimo, faço um mural
de colagem para aumentar o ego já
inflado do meu chefe ou a enterro no
quintal, que não percebi o movimento na
porta.
– Se eu soubesse que era isso que
tinha nos envelopes, teria aberto eu
mesmo as cartas e há muito tempo.
Solto as fotos com o susto,
espalhando loiras peitudas por todo o

chão. Filho da mãe. Levanto-me
encarando o olhar divertido de John:
– Acho que vou colocar um sino
ao redor do seu pescoço, assim não me
assusta mais. Ganha pontos quando faz
isto, idiota?
Ele se aproxima de mim, sorrindo
com pura malícia.
– Você estava tão concentrada
nestas fotos... Se for isto que curte,
posso apresentar algumas amigas.
Estou sem dormir direito há dias e

esta criatura vem falar besteira para
mim? Espeto meu dedo indicador em seu
peito, minha unha cravando sua pele.
Talvez eu esteja irracional pela privação
do sono, porém não me importo. Grito
as palavras em seu rosto com uma raiva
que só ele consegue tirar de mim.
– Se estava concentrada era em
meu trabalho! Ao contrário de você, não
vivo em função da próxima transa. E
não, não quero conhecer nenhuma de
suas amiguinhas de orgias – aponto para
a porta do meu escritório. Ou melhor, do
dele. – Agora saia daqui e me deixe
trabalhar em paz.
Ele segura firme meu dedo. Seu
rosto está sério, não há nenhum traço de
humor. Seus profundos olhos azuis
carregam uma intensidade que eu não
havia visto antes. Ele fala alto, quase
gritando:
– Você pensa que me conhece, mas
você não sabe de nada!
Tento soltar meu dedo, porém ele
agarra meu pulso, puxando-me para mais

perto. Falo as próximas palavras face a
face com ele:
– Conhecer você? Quantos níveis
de egocêntrico megalomaníaco podem
existir?
– Porra, Helena! Quer parar com
isto? – ele diz, ficando irritado. Contudo
eu estou mais zangada do que ele e grito
a centímetros de seu rosto:
– Me solta, peste!
Ele fala calmamente as próximas
palavras, como se constatasse um fato:

– Sabe, Helena, todos têm um
limite, e você atingiu o meu.
Limite? Este homem não sabe o
significado desta palavra. Nunca
respeitou o meu.
– Não me venha com essa de...
– Quieta, Helena! – John vocifera
e me puxa para junto de si.


CAPÍTULO 27 – Cura
e veneno
Sua mão direita percorre minha

cintura e, mesmo por cima da blusa,
posso sentir o calor que emana dela.
Seus dedos calejados pelas cordas do
violão arrepiam a pequena faixa de pele
exposta da minha barriga. Sua mão
esquerda vai de encontro aos meus
cabelos, levantando minha cabeça. Ele

me segura firme, mas não o suficiente
para me machucar. Apenas para impor
seu domínio. Encaro o desejo contido
nas profundezas de seus olhos, sei o que
ele pretende, mas não me importo. Eu o
quero. E sou beijada com ansiedade:
lábios macios, língua de veludo e boca
quente. Não há delicadezas, é quase uma
punição por todas as brigas e
discussões. Ele me beija como se
quisesse me devorar. E eu correspondo
com a mesma intensidade. John me afeta
como nenhum outro antes, ele é minha
cura e meu veneno. Ele me coloca
sentada na ponta da mesa. Nossa! Como
chegamos aqui? Seus braços me
envolvem e todos os meus sentidos são
invadidos pela sua presença. Por um
momento, não sou Elle, sou pele, poros,
lábios e mãos. Sou tudo o que ele toca,
nada mais importa.
Ele acaricia meu rosto e aprofunda o
beijo, exploro seu peito e braços com
minhas mãos. Arranho seus ombros com
minhas unhas e me ouço gemer com a
leve picada de dor e prazer que sua
mordida provoca no meu lábio inferior.
Suas mãos continuam a passear pela
minha pele exposta: rosto, braços,
barriga. Quando ele coloca a palma da
mão na base da minha garganta, sua boca
se une à exploração. Sua barba cheia me
arranha e arrepia, tornando-me ainda
mais sensível ao toque macio de seu
beijo. Ele está muito próximo e o sinto
em todo lugar e lugar nenhum, como uma
chama de luxúria que me consome por
dentro. Já fui beijada antes, mas ninguém
nunca me fez sentir assim. Era como uma
droga que pulsava em minhas veias e me
acendia. Enquanto corre a barba pelo
meu pescoço, John sussurra em meu
ouvido:
– Elle, você tem me enlouquecido
antes mesmo de te conhecer. Não é bom
para sua saúde tentar um homem assim,
principalmente se o homem for eu...
O telefone do escritório começa a
tocar, me assustando e limpando a névoa
de luxúria que havia se instalado. Que
merda eu fiz? Terceiro dia de trabalho e

eu me agarrei com o chefe em cima da
mesa? Sou o clichê da secretária vadia...
Assistente pessoal. Que seja. Levanto-
me em um pulo, quase derrubando-o no
processo. Droga, droga, droga!
Atendo o telefone. Do outro lado
da linha, Kim fala comigo sobre a prova
de roupas. Dentro de meia hora, ela e a
estilista viriam para escolhermos o
visual de hoje. Eu estava descabelada,
sem fôlego e tentada a pular em cima
dele novamente. Não, esse último não!
Pensa, Helena. Se acalma. Arrumo
minha blusa e meu cabelo, ajeito os
poucos itens mexidos na mesa e começo
a recolher as fotos espalhadas no chão.
Sei que tenho tempo antes de Kim
chegar, mas preciso me manter ocupada.
John apenas me observa e, como não
tenho coragem de encará-lo, não faço
ideia do que está pensando. Alguém
precisa quebrar a lei do silêncio. Pelo
jeito, será no estilo “damas primeiro”.
Maravilha.
– Olha, John, isto foi um erro e
não vai se repetir. Como você disse, foi
uma tentação! Muitas fotos de mulheres
peladas ao redor. Eu estava perto
demais, gritei com você e você me
beijou. Não foi grande coisa, ninguém
precisa ficar sabendo, ok?
Ainda estou de cabeça baixa,
recolhendo as fotos, quando escuto um
estrondo. Fico surpresa ao ver que ele
chutou a cadeira contra a parede, não sei
como não a quebrou. Por que John está
com tanta raiva? É o mais prático para
nós dois.

– Qual o problema, Helena? Não
quer que o seu precioso Chris saiba que
você se rebaixou ao meu nível? É isto?
Droga, ele entendeu errado. Eu o
tinha recriminado ontem por causa da
Nicole e hoje fiz algo pior. Não é certo
misturar prazer e trabalho, sempre
alguém termina se dando mal. Já que ele
é o chefe, esse alguém seria
provavelmente eu. Ainda mais com o
John que não tem uma fama boa!
– Não! Já disse que sou apenas

amiga do Chris. Quero saber o porquê
de estarmos discutindo isto! Eu sei de
sua reputação e não quero ser incluída
nela. Isto foi só um deslize.
John me encara por alguns
segundos. Ele balança a cabeça para os
lados, como se não acreditasse no que
acabei de falar. Em seguida, se
aproxima da cadeira e a ajeita. Começa
a sair, mas se vira e diz:
– Então você está me chutando por
causa do que viu nos tabloides?

– Sim... Não... Mais ou menos,
não estou te chutando, foi só um beijo.
Estou tão confusa! Ele está com os
ombros curvados, uma expressão
desconhecida invade seu rosto.
– Tudo bem, Helena. Seu desejo é
uma ordem. Bom saber sua opinião
sobre mim.
Acho que sei o que ele estava
sentindo. John parece... magoado. Eu
deveria dizer algo, não foi justo o que
fiz. Nos últimos dias, ele foi arrogante

sim, mas não o mulherengo que os
tabloides o acusam de ser.
– Espere...
Ele para e me olha, esperando que
eu fale alguma coisa. É agora ou nunca.
Eu deveria dizer algo, consertar a mágoa
em seu olhar.
– O que faço com estas fotos? –
pergunto. Eu não sabia o que dizer ou se
queria falar qualquer coisa para
consertar esta situação.
A decepção brilha em seus olhos e

sinto um aperto no peito. Eu estou sendo
injusta.
– Não me importo. Apenas cumpra
seu trabalho, Helena.
Agora, a covarde sou eu.


CAPÍTULO 28 –
Exigências
Meia hora depois, eu ainda não

estou recuperada do beijo ou da
conversa que se seguiu. Vou ao banheiro
para lavar o rosto e aplicar um pouco de
maquiagem. Ok! Estou mais
apresentável. Acho que consegui
disfarçar bem, mas por dentro eu estou
um caos. Assim que entro na sala, Kim

chega acompanhada de uma linda garota
hippie chic de descendência asiática,
Wanessa, trazendo diversas araras de
roupas. Quantas pessoas essas garotas
pretendiam vestir? John não apareceu
para falar com as meninas. Fico
agradecida, não estou pronta para
encará-lo ainda. Principalmente na
frente de outras pessoas. Maria nos leva
para um quarto espaçoso cheio de sofás,
paredes cobertas por espelhos e um
enorme biombo. Acho que não é a
primeira vez que eles escolhem roupa
aqui.
A primeira a escolher o figurino é
Kim, que provou tantas peças, que eu
teria cochilado se não fossem seus
comentários hilários. Ela é uma garota
divertida, uma roqueira rebelde sem
causa. Quando sorri, Kim ilumina a sala.
Eu não posso guardar ressentimento por
seu comentário sobre Chris, ela estava
defendendo o amigo e a banda. Eu teria
feito o mesmo. Nas entrevistas, sempre
tentam falar dos pais de Kim, pois eles
são pessoas ricas e influentes. Ela os
renegou, nunca quis ser uma filha ou
esposa troféu. Desde pequena, foi
apaixonada por bateria. Ganhou a
primeira do tio, que terminou sendo o
seu futuro empresário... Espere um
pouco!
– Você é prima da #NiCadela! –
grito.
Surpresa, ela se vira para mim, e
eu conto sobre a visita na tarde anterior.
Aparentemente, o sobrenome é a única
coisa que as duas possuem em comum.

Descobri que Kim fora criada para ser
igual à Nicole. Porém no dia do baile de
debutantes, quando deveria ser
apresentada à sociedade, tingiu seu
vestido branco formal de preto e pintou
os cabelos de rosa. Sua grande
apresentação à sociedade não foi pelos
braços do pai, mas sim nas baquetas da
bateria da banda contratada para o
evento. Ela invadiu o palco sem que
ninguém percebesse e fez um cover do
solo do Keith Moon, o famoso baterista
da banda The Who. Um talento daquele
não podia ser ignorado pelo Tio Bob,
por mais que tenha causado uma intriga
na prestigiada família.
– Eu fiquei com os genes
descolados da família. Ela é apenas
#fútil. – Kim diz com desgosto.
– Se eu fosse você, não falaria
tanto, está no seu DNA! Quem sabe no
fundo você é igual a ela? – falo
brincando.
Kim me fuzila com o olhar. Pelo
jeito, eu não sou a única a detestar a

#NiCadela.
– Só no dia em que o inferno
congelar!
Ela se vira para o espelho
provando um vestido sexy. Nunca teria
coragem de usar aquilo. Era lindo,
porém revelador. Tento brincar:
– Tudo bem, mas não fale muito.
Um dia, você pode ter uma filhinha
#fútil também!
Kim não sorri mais, sua testa está
franzida.

– Isso acho improvável... – ela
olha para o espelho novamente. – Eu
vou ficar com este. Melhor você decidir
o seu, Elle.
Kim escolhe um vestido tomara-
que-caia vermelho e preto estiloso, com
botas de salto agulha completando o
visual. É lindo e ousado como ela. Seus
olhos, entretanto, estão fora de foco, sua
mente deve estar em algum lugar muito
longe do mundo da moda... Eu gostaria
de alcançá-la. A quem estou enganando?
Como posso fazer algo para ajudá-la, se
não consigo lidar com os meus próprios
demônios? Resolvo olhar as araras de
roupas, mas não tenho noção do que
escolher. São tantas opções, vestidos,
calças e saias, que variavam do sexy ao
elegante, todas das melhores marcas.
Fico distraída pela beleza das peças, até
que escuto Wanessa falar comigo:
– Recebi exigências por
mensagem para as suas roupas: blazer e
“pernas cobertas”.
Eu não acredito que John fez isto.

Ele quer mandar em mim? Kim fica mais
revoltada que eu:
– Posso saber por que ele se acha
no direito de escolher as roupas dela?
Wanessa parece envergonhada,
mas termina de ler o que diz a
mensagem:
– Ele diz que ela vai estar
trabalhando, e não disponível para estar
linda e paquerar.
Imbecil! Ele quer me fazer pagar
pelo que disse no escritório, mas não

quero dizer isso na frente delas.
Reclamo irritada:
– Ele quer mandar até na minha
roupa? Aquele peste me paga! Volto já.
Isso não vai ficar assim. Procuro
pela casa onde ele está e o encontro
jogando casualmente videogame. Cutuco
seu ombro com minha unha:
– Posso saber por que você acha
que tem o direito de mandar nas minhas
roupas?
– Agora não, Helena. Estou

ocupado. – Ele não olha para mim,
continua atirando em soldados inimigos
com sua escopeta.
E eu estava me sentindo culpada
mais cedo? Foda-se. Me abaixo até ser
capaz de sussurrar em seu ouvido:
– Nada do que aconteceu hoje te
dá qualquer poder sobre mim, entendeu?
Ele joga o controle no sofá e se
vira tão rápido, que apenas poucos
centímetros nos separam.
– E você acha que manda em

alguma coisa, Helena? Me diga! – ele
me segura pela parte de trás do meu
pescoço, porém não aproxima seu rosto
de mim.
Me afasto de seu aperto,
endireitando minha postura. Desta
forma, ele está sentado e eu em pé,
superior a ele. Ótimo.
– Não mando aqui, John. Mas
tenho certeza que você não manda em
mim ou em minhas roupas! – exclamo
com sorriso vitorioso.

Ele fica em pé, sobrepondo-se a
mim.
– Aí é que você se engana,
querida. Você é minha funcionária e vai
usar blazer e calça comprida como eu
disse, é o uniforme. – Ele fala
irredutível.
Droga! Lembrei do nosso almoço
no restaurante, ele falara em fardamento
naquele dia. Eu terei que usar o que ele
exigiu... Contudo farei isso do meu
modo. Começo a pensar em um plano.

– Ok, chefe. Já que insiste. – Digo
com ódio contido.
John me dá um sorriso satisfeito e
recomeça a jogar. Eu adoraria fazê-lo
engolir isto. Volto para o quarto de
provas e Kim está revirando todas as
roupas.
– O que você está fazendo? –
pergunto impressionada com a bagunça.
Ela me mostra algumas peças de
roupa:
– Procurando algo bem específico

para você.
Meu rosto se parte em dois com
um enorme sorriso.
– Garota, você lê pensamentos!
Kim me encara com olhar
conspiratório:
– Elle, querida, você vai ter que
usar esta bota ortopédica horrorosa
mesmo?
Olho para o incômodo no meu pé.
Eu estou doida para me livrar dele.
– Eu iria tirá-la somente após a

fisioterapia de amanhã...
Ela sorri como se eu tivesse dito a
melhor notícia do mundo.
– Acho que vamos fazer uma
visitinha à sua fisioterapeuta agora e
depois temos que realizar algumas
mudanças.
Não sei se fico aterrorizada ou
excitada com a expressão de Kim. Tenho
a impressão que serei seu pequeno
experimento esta noite. Eu mal posso
esperar por isso! Esta festa promete.



CAPÍTULO 29 –
Radioativo
As doze horas que faltavam para a

festa passaram voando. Quando Nicole
disse que cuidou de tudo para a festa de
hoje, isto não incluía os detalhes finais,
problemas de última hora e as
peripécias de Kim e Wanessa. O lado
bom disso é que não vi John outra vez,
ou tive tempo para pensar nele. Quase.

Sinto meu corpo aquecer só em
relembrar seu beijo. Se eu fechar meus
olhos, posso recordar cada toque de
suas mãos em minha pele: John me
marcou com um simples beijo.
Simples... Chamar aquilo de “simples” é
um insulto. John faz tudo com
intensidade, seja dentro ou fora do
palco. É parece ter todas as emoções
sempre à flor da pele. Quando eu estou
com ele, me sinto da mesma forma,
como se eu estivesse crua e exposta. Ele
é o único que consegue uma resposta tão
intensa minha, seja de raiva ou luxúria.
Preciso aprender a me controlar, ou John
realmente terá poder sobre mim.
Na fisioterapia, tudo foi como
Kim havia planejado. Conseguimos
convencer Laura a me liberar da bota
imobilizadora um dia antes do previsto.
Na verdade, foi mais fácil do que pensei
que seria. Contudo ainda tenho que usar
um sapato sem salto, com um tensor no
tornozelo, e tomar uma injeção de anti-
inflamatório. Que divertido. Hoje eu
provavelmente andarei muito, mas não
poderei abusar. Terei que descansar em
intervalos regulares durante a festa. É
claro que haverá tempo para eu fazer
isto. Com certeza. Em compensação,
fazer com que Laura aceitasse ir à festa
não foi tão fácil assim, porém ela
terminou concordando. Eu a queria lá
porque gostei dela e não conhecia mais
ninguém nesta cidade, além da Jack
Rock. Que mal haveria em ir a uma festa
cheia de pessoas famosas e lindas?
Depois da fisioterapia, passei
pelo momento do inferno na Terra:
enfrentar a equipe da Wanessa. Parece
legal ter uma transformação estilo
Hollywood, com várias manicures,
maquiadores e cabeleireiros ao seu
redor ao mesmo tempo? Bem, só parece,
eles te puxam e te mexem como se você
não sentisse dor. Ok, admito! É um
pouco divertido me sentir como a
Sandra Bullock em Miss Simpatia.
Principalmente com Kim cantando a
música tema do filme o tempo todo e
fazendo brincadeiras. Menos a parte da
cera, essa realmente foi tortura.
Entretanto o resultado ficou
maravilhoso! Mal sabia eu que a parte
mais divertida seria no salão de beleza
com a Kim. A festa está a todo vapor, já
são meia-noite, eu estou estressada e
pronta para quebrar o iPad na cabeça do
próximo garçom que se distrair por
causa do decote de alguma groupie
gostosa. Meu tornozelo está me matando,
pois, desde que terminei de me arrumar,
ainda não parei, mesmo com a ajuda de
Gabriel e Maria.
A droga do iPhone que John me
deu não para de tocar. Muito atencioso
da parte dele conseguir um telefone para
mim. Ele só esqueceu de mencionar que
metade da cidade estaria ligando para
tentar entrar na festa. Para completar, o
tempo inteiro o bluetooth no meu ouvido
dispara com Gab confirmando as
pessoas que se diziam convidados. Eu
precisava checar duas vezes a lista para
evitar a entrada de penetras. A música
está alta, a festa animada e eu passei três
horas sendo embelezada pela equipe de
estética para ficar presa nos bastidores.
Que divertido. Estou revisando a lista
de convidados em busca de mais um
nome para o Gabriel, quando escuto uma
voz irritada ao meu lado.
– Não pense que eu vou
desperdiçar todo o meu trabalho de hoje
deixando você escondida aqui!
Me viro e encontro uma furiosa
Kim, que está com as mãos na cintura e
batendo os saltos de quinze centímetros
no chão.
– Não tenho muita escolha!

Preciso verificar isso e...
Ela retira o iPad de minhas mãos e
grita perto da minha orelha:
– Gabriel, se vira aí, porra! Elle
vai tirar uma pausa.
Ai, meu ouvido.
– Obrigada pela ajuda... E pela
surdez temporária.
Kim vai me empurrando para o
quarto em que nos arrumamos:
– Desculpa! Vamos lá retocar sua
maquiagem.

Vinte minutos depois, uma mulher
fatal me olha de volta no espelho. Eu
realmente estou de blazer, como exigido
pelo chefinho, mas é em um tom de ouro
envelhecido e acompanha as curvas do
meu corpo. Por baixo dele, uso uma
blusa preta justa com o nome Jack Rock
em letras brancas estilosas. A calça
comprida é preta e tão apertada, que não
sei como eu irei retirá-la sem ajuda. O
tensor no tornozelo está escondido por
lindas botas pretas de cano alto sem
salto. Ainda bem que eu sou alta e posso
dispensar o salto sem parecer uma
minion como a Sam. Meu cabelo ainda
está arrumado. Com a quantidade de
produtos que usaram nele, aposto que
ficará uma semana assim. Wanessa o
prendeu com uma cola alta e comprida
no topo da cabeça, em um estilo
moicano que deixa meu rosto mais
longo. Não que eu saiba o que é isso.
Para mim, parece um rabo de cavalo
chique. Ela também aplicou algumas
luzes finas, deixando-o um tom mais
claro e muito mais luminoso. Nas
pálpebras, usaram sombras em tons
marrom e preto esfumaçadas,
finalizando com delineador e
incontáveis camadas de rímel. Meus
olhos estão expressivos e ousados, eu
amei. Kim retoca apenas um pouco do
meu blush e o batom nude. Me sinto
profissional e sexy. Talvez um pouco
mais sexy do que profissional. Meu
chefe terá que engolir essa! Recoloco o
bluetooth na minha orelha e pego só o
iPhone por enquanto. Não ligo para os
protestos de Kim, ainda estou
trabalhando. Showtime.
O exterior da casa está iluminado
com pequenos holofotes e luzes negras
coordenadas com o sistema de som.
Foram espalhados diversos estilos de
sofás, cadeiras, mesas e pufes. As
batidas das músicas são uma
experiência em 3D: o ritmo junto do
jogo de luzes e a vibração que partiam
das caixas de som para nosso corpo. A
iluminação é o suficiente para nos
permitir enxergar bem, mas ainda temos
o clima de mistério e sedução de um
show ao vivo. A Nicole pode ser uma
cadela, mas ela sabe coordenar uma
festa. Está perfeita, eu devo aprender a
fazer isto também. Kim me chama para
apresentar algumas pessoas, contudo, do
topo da escada, meus olhos varrem a
multidão. Alysson conversa com uns
caras e acena para a gente. Chris não
está em nenhum lugar que possa ver e
nem John. Continuo a descer as escadas.
Um palco foi montado e um DJ famoso
está tocando músicas conhecidas. Eu
ainda procuro entre os convidados por
rostos conhecidos, quando começam as
primeiras notas de Radioactive, do
Imagine Dragons. A batida forte invade
meu ser e me dá a coragem que eu não
sabia que precisava. Levanto meu
queixo e entro na festa.
“This is it, the apocalypse”[2]
Não estou procurando

especificamente por John. Meus olhos,
entretanto, não param de buscá-lo na
multidão mesmo assim.

“I'm waking up”[3]
Eu fui injusta com John, talvez por

isso ele teve uma reação tão exagerada.
Em nenhum momento foi o canalha que
os tabloides o acusam de ser. Apenas
prepotente.
“I feel it in my bones.”[4]
Eu o encontro e, como esperado,

ele está cercado por garotas lindas e
com roupas muito curtas. Vadias.
“Enough to make my system

blow.”[5]
Ele me olha e desejo puro surge

em seu rosto enquanto me examina da
cabeça aos pés. Me sinto novamente
exposta sob seu olhar minucioso.
“Welcome to the new age. To the

new age.”[6]
Raiva substitui desejo e ele agarra

a cintura da garota ao seu lado,
puxando-a junto de si. John a beija na
boca, com os olhos azuis ainda me
perfurando. Me desafiando a dizer
alguma coisa. A fazer qualquer coisa.
“I'm radioactive.”[7]


CAPÍTULO 30 –
Game on
Não respiro por um segundo.

Como fui tola em me torturar o dia
inteiro achando que havia sido dura com
o idiota no escritório após o infeliz
beijo. “Seu desejo é uma ordem”, ele
disse. Bem, agora desejo que ele se
exploda! Kim puxa meu braço e grita
acima do som para que eu possa ouvi-la:

– Ei, Elle, você conhece o Ed?
Desvio o olhar da ridícula cena
para encarar uma montanha de músculos
em camiseta preta e jeans com topete
loiro. Parecia a versão viva do desenho
Johnny Bravo. Ele não é feio, mas não
gosto deste estilo muito forte. Prefiro
definido e não muito musculoso, como
o... o... Droga. Afasto os pensamentos
inoportunos e estendo minha mão para
ele.
– Ainda não. Prazer, sou Elle.

Ed tem um sorriso bonito e
aproxima sua boca do meu ouvido para
que eu possa escutá-lo:
– Olá, linda, sou roadie da Jack
Rock. Pelo que ouvi falar, você estará
mandando em mim em breve, é verdade?
Sua tentativa de flerte é pobre,
mas uma discreta olhada para a lateral
me prova que tenho plateia. Se é assim
que John quer fazer, dois podem jogar.
Coloco a mão no ombro de Ed em busca
de apoio e me estico para que meus

lábios quase toquem suas orelhas.
– E você tão grande e forte
obedeceria minhas ordens?
Ele coloca sua mão em minha
cintura, aproximando-se mais de mim e
fala enquanto começa a cheirar meu
pescoço:
– Claro, querida! Mas fique
sabendo que sou ainda melhor em dar
ordens...
Merda, isso que dá agir por
impulso quando se está com raiva.

Tenho uma montanha de músculos se
enroscando em mim como uma jiboia se
enrolando na próxima refeição. Se
depender de mim, a cobra dele vai
morrer à míngua. Estava prestes a
dispensá-lo, quando uma outra mão me
puxa pela cintura. Caramba! No mundo
do rock ninguém pede licença? Todos
colocam a mão e puxam? Minhas costas
vão de encontro a um peito duro e magro
e as mãos de homem, ainda ao redor da
minha cintura, declaram a Ed a quem
pertenço. Que droga é essa agora? Ed
olha envergonhado por ter tentado algo
com a garota de um dos chefes:
– Desculpa, cara, estava só
conversando com ela.
E então ele sai praticamente
correndo. Tanto músculo para nada, que
covarde... Meu salvador beija
carinhosamente minha têmpora:
– Parecia que precisava de um
resgate rápido.
Acotovelo a barriga do Chris.
– Ei, eu sei me cuidar! Estava

prestes a me livrar daquele polvo cheio
de mãos.
– Eu sei disso! Por isso que vim
resgatar o Ed antes que você fizesse um
estrago em suas bolas.
Ele diz isso na hora que a música
acaba e todos ao nosso redor escutam.
Aly e Kim, que estavam ao nosso lado,
começam a rir e ela grita:
– Esta é minha garota!
Fazer o quê? O Chris me conhece.
Aly nos arrasta para um conjunto de

pufes e conversamos por um tempo.
Conheci diversas pessoas, muitos legais
e outros metidos, mas sempre ávidos em
agradar aos integrantes da Jack Rock.
Fico impressionada como algumas
meninas – e meninos – praticamente se
oferecem para os rapazes e até para mim
e Kim também. Aly se esbaldava e, de
vez em quando, desaparecia. Kim sumiu
com um loiro lindo e Chris estava na
dele. Não quero pensar em como deve
estar ao redor de John. Eu me aproximo
e sussurro no ouvido de Chris:
– Vá se divertir, escolha uma
garota para dançar, ou duas, como o Aly
está fazendo.
Ele olha para mim, se levanta e
estende a mão:
– Você me concede esta dança?
– Chris, eu não deveria dançar por
causa do pé. – Digo com a voz cansada.
Meu pé latejava tanto, que eu estava
com dor de cabeça.
Porém a expressão de derrota em
seus olhos é tão triste, que pego sua mão

estendida.
– Ok, fazem uns cinco anos que
não vamos a uma festa juntos! Temos
que ter pelo menos uma dança.
Ele me leva até a pista, mas antes
passa pelo DJ e fala em seu ouvido. Em
seguida Iris, de Goo Goo Dolls, começa
a tocar.
“And I'd give up forever to touch

you
'Cause I know that you feel me

somehow
You're the closest to heaven that
I'll ever be”[8]
Ele me segura pela cintura e eu

coloco meus braços ao redor do seu
pescoço.
– Amo esta música! – apoio minha
cabeça em seu peito. Com Chris me
sinto segura. Ele sorri.
– Eu sei, Elle. Você me fez assistir
aquele filme de anjos tantas vezes, que
quase decorei as falas.
Isso é verdade. Ficamos
abraçados, dançando e relembrando
nossa infância. Quando olho para a
borda da pista, John está parado nos
observando. Sua expressão permanece
fechada, sua mandíbula travada e seus
braços cruzados. Uma garota loira chega
e passa a mão em seu antebraço,
tentando chamar sua atenção. É Nicole.
Ele não desvia o olhar, ainda está me
encarando. Eu não me importo mais, sou
apenas uma funcionária. Ela pode tê-lo.
#Vadia. Fecho meus olhos para não vê-
lo mais. A #NiCadela tinha razão, devo
ter cuidado com meus sonhos.


CAPÍTULO 31 –
Amigo
Ainda de olhos fechados e

dançando com o Chris, sinto ele alisar
meus cabelos e ouço sua pergunta:
– Elle, alguma vez você já se
apaixonou?
Sua voz está tão baixa, que quase
não ouvi a pergunta e, por um momento,
considerei fingir que não havia
escutado. Depois de tantas insinuações
do John e Kim sobre os sentimentos do
Chris por mim, tenho medo de onde esta
conversa pode nos levar.
– Em uma ou duas vezes nestes
últimos quatro anos, eu pensei que
estava apaixonada... Mas não passavam
de hormônios adolescentes.
Ele coloca sua mão embaixo do
meu queixo e levanta meu rosto para que
eu possa vê-lo. Meu coração se aperta
no peito. Meus Deus! Será que eles

tinham razão? Me sinto sufocar, não
posso magoar o Chris. Ele é a única
família que me resta. Será que não
percebe que se algo desse errado entre
nós dois eu não teria mais ninguém?
Doces olhos azuis me encaram com
esperança:
– E agora? Você acha que...
Não o deixo terminar a frase, pego
a sua mão que estava em meu queixo:
– Agora estou confusa, são muitas
mudanças. Meu coração ainda não se

recuperou da última perda que teve. No
momento, eu preciso mais do que nunca
do apoio do meu melhor amigo, ok?
– Ok, Elle. Estarei ao seu lado,
como sempre.
Levo suas mãos aos meus lábios,
as beijo, e ele me abraça. Respiro
fundo, inalando seu aroma familiar. O
calor e o conforto do seu abraço me
tranquilizam. Chris é meu porto seguro,
ele é a única família que me resta.
Porém não quero ser um peso para ele,

Chris não deve deixar de se divertir por
minha causa.
– Mais uma coisa, preciso que
você se divirta e curta a vida por nós
dois. Não tem necessidade de ficar me
pajeando, não tenho mais dez anos de
idade.
Ele apenas dá de ombros, não
concordando muito. Estamos prestes a
retomar a dança, quando o celular toca.
É Gabriel avisando que minha única
convidada havia chegado, Laura. Eu

pensei que ela não viria mais. Saio
arrastando o Chris.
– Vamos lá, quero te apresentar a
fisioterapeuta amiga do DJ.
Quando chegamos próximo à
entrada da festa, vi Laura com cara de
quem queria fugir entre tantos
desconhecidos. Se antes eu a achei
bonita de jaleco, agora, de vestido bege
curto, maquiada e de salto alto, ela é
estonteante. A cor clara da roupa
destaca no ambiente escuro, parece uma

donzela perdida entre os lobos.
– Olá, Laura, pensei que não vinha
mais. – lhe dou um abraço empolgada e
ela me abraça de volta.
– Eu também pensei que não viria,
mas aqui estou eu!
Faço as introduções necessárias
dos dois:
– Chris, esta é Laura, amiga de
DJ. Laura, este é Chris, meu melhor
amigo e guitarrista da Jack Rock.
Ela estende sua mão para

cumprimentá-lo, porém, em vez de fazer
isso, ele leva sua mão aos lábios e beija
o dorso enquanto a encara nos olhos.
Seu gesto foi tão galanteador, que até eu
devo ter corado. Laura quase teve uma
síncope. Uau! Ele não perdeu tempo
quando pedi para aproveitar a vida. Isso
deve ser bom. Uma chamada no
comunicador me salva do momento
constrangedor. Deixo Laura aos
cuidados de Chris e vou resolver alguns
problemas na cozinha. O estoque infinito
de cerveja não é tão infinito quanto
pensei que fosse. Entretanto em meia
hora tudo está consertado, pois John
havia me dado algo mágico capaz de
resolver todos os problemas em um
piscar de olhos: um cartão de crédito
ilimitado.
Um garçom me avisa que estão me
procurando: o empresário quer me
conhecer. O pai da #NiCadela. Ops,
Nicole, não posso trocar o nome dela!
Bem, acho que o cartão não pode
resolver este pequeno problema, a
menos que eu o use para comprar uma
passagem para bem longe e não volte
nunca mais. Hum... Será que posso
contratar alguém para belisca-la toda
vez que ela usar a palavra hashtag em
uma frase? Isso sim seria dinheiro bem
gasto! Escondida na penumbra, observo
a mesa no outro lado da pista de dança:
Aly com duas groupies desconhecidas,
Kim com um moreno com cara de
modelo e Chris conversando com Laura.
Ainda bem que ele não a deixou sozinha!
Há também um homem mais velho com
jeans surrados, camiseta e jaqueta preta
de couro e uma loira peituda cuja idade
é impossível determinar pela óbvia
quantidade de cirurgias plásticas.
Aqueles são os pais de Nicole? Sempre
imaginei o empresário como alguém
sério de terno e gravata.
E no meio da mesa, parecendo um
deus, está John, com a #NiCadela
pendurada em seu braço. Literalmente.
Ela está segurando seu bíceps, sempre
falando em seu ouvido, mas ele
permanece em seu modo estoico,
bebendo cerveja diretamente do gargalo
e sem fazer movimento em direção a ela.
Não tente tanto, querida, ele não vale a
pena. John pensa que pode fazer o que
quiser, depois fica ali sem mostrar
nenhuma expressão e tudo está bem?
Não devo ir lá e fazer um escândalo. Na
verdade, não posso nem exigir nada
dele, tivemos apenas um beijo e eu o
dispensei. Preciso encarar os fatos,
beijei meu chefe mulherengo e agora
devo sofrer quieta as consequências. Ou
não.
Olho para o palco, talvez haja
algo que eu possa fazer... Me aproximo
discretamente da mesa do DJ e falo meu
pedido no seu ouvido. Ele fica surpreso,
não é algo muito comum. Explico que é
uma ordem direta de John, uma
brincadeira entre os componentes da
banda, mas, se perguntarem, ele vai
negar, afinal tem uma reputação a
manter. Peço que ele comece a tocar a
primeira música em cinco minutos.
Agora que meu recado será dado, estou
mais confiante. Me aproximo da mesa
lembrando-me de três coisas: eu o
dispensei, não devo vacilar no sorriso e,
por mais que meu pé esteja me matando,
não vou mancar. Estragaria minha
saída triunfal.


CAPÍTULO 32 –
NiCadela
O primeiro a perceber a minha

presença é Chris:
– Opa, Elle, venha conhecer
Bobby!
Converso um pouco com o Bob,
ele é um cara legal. Apesar da idade
avançada, parece um dos garotos da
banda. A sua esposa é uma versão mais
velha e mais artificial da filha. Aguentar
estas duas em casa deve ser tão
divertido... Coitado! Todos me
cumprimentam e os últimos a falarem
comigo são o rei e a rainha do baile.
Nicole se levanta em toda sua graça
loira de salto altíssimo e microvestido
pink. A maldita é linda, podia ter pelo
menos um defeito para deixar o jogo
mais justo para as outras mulheres.
– Ella, amiga! Soube que você
esteve ocupada lá na cozinha com os
serviçais! Que pena, querida, tem tantos
homens lindos aqui para você
aproveitar! Eu já peguei o meu. #Sorry.
Ah! Já lembrei todos os defeitos
dela. #NiCadela. Forço o sorriso menos
falso que consigo e falo olhando para
John, que mantinha no rosto uma
expressão arrogante:
– Ai, amiga, que ótimo! Não o
largue, viu? Afinal, vocês #SeMerecem
e ele é muito requisitado. Mas não se
preocupe comigo, as pessoas desta festa
não fazem meu tipo mesmo.

Ela se senta e volta a agarrar o
braço do diabo de olhos azuis. Ele
permanece calado e me observa
atentamente. Isso me dá nos nervos,
porém disfarço.
– Ah, mas aposto que a gente
consegue arrumar algum cara #hot para
você.
Me inclino, apoiando minhas mãos
na mesa para que possa ficar com o
rosto ao mesmo nível que o deles.
Apenas Kim e Chris fingem não prestar

atenção, os outros estão distraídos com
seus pares.
– Querida, eu estou aqui a
trabalho, e não para ficar procurando
homem como se minha vida dependesse
disso. E se eu quisesse um, não
precisaria de sua ajuda para conseguir,
ok?
Tanto John quanto Nicole parecem
surpresos, mas ela se recupera primeiro:
– Mas, querida, é um desperdício
ter um dia de Cinderela, estar toda

arrumadinha para ficar trancada!
Amanhã, quando voltar a ser Gata
Borralheira, não vai ter nem a dança
com o príncipe para se lembrar. Vai ser
tão #down.
Filha da mãe! Cinderela?
Arrumadinha? Gata Borralheira? Eu não
quero fazer escândalo, prefiro uma
abordagem mais sutil, mas esta vadia
vai ter o que merece. Estou prestes a
partir para a violência, quando o DJ
finalmente coloca o meu primeiro
pedido, um antigo hit do quarteto Aqua
que fez sucesso mundial nos anos
noventa: Barbie girl. A música é tão
destoante do ambiente, que metade da
festa para e olha para o DJ. Nicole é a
única animada e até dá um gritinho. John
fica constrangido e Kim engasga com a
bebida. Meu Deus, ela é mais fútil que
eu pensei. Minha intenção era ofender,
mas ela adorou. #Chocada. Sua reação
quase infantil a uma música, que é
claramente uma crítica ao seu estilo de
vida, é tão cômica, que minha raiva
evapora. Preciso sair daqui antes que
comece a gargalhar. Tenho certeza que
chorar de rir estragaria minha saída
triunfal, tanto quanto mancar.
– Eu vou conversar com o DJ
sobre sua seleção musical. – Digo
apontando para o cara.
Nicole faz biquinho.
– Mas eu #amo esta música!
Meu sorriso agora é honesto:
– Ah, amiga, é sua cara! #Fui!
Com isto, saio o mais rápido
possível sem me despedir de mais

ninguém: não poderia encarar os outros
sem cair na risada. Que garota irritante!
Ela e John formam um lindo casal
morango: bonito e brilhoso por fora,
mas meio azedo por dentro. Pena que
não pude ficar para ver a reação ao meu
segundo pedido musical. Decido ir à
parte final do quintal, que não foi usada
para a festa, pois preciso retirar o
sapato e descansar um pouco. Estou
quase alcançando meu destino quando a
música muda novamente. A voz rouca de
Lily Allen começa a cantar uma versão
mais sensual de Womanizer, uma canção
sobre um homem mulherengo e uma
mulher que não cairá em sua armadilha.
Me encosto em uma parede sem muita
iluminação e finalmente começo a rir.
Adoraria saber se ele entendeu meus
recados. Acho que sim, Kim com certeza
sabe, Nicole provavelmente não tem
noção.
– Então eu sou um mulherengo,
hein?
John surge no meio da penumbra.

Ele fica a poucos centímetros de mim e
coloca os braços apoiados na parede,
um de cada lado dos meus ombros,
prendendo-me. Seu rosto está cheio de
emoções em conflito e eu não sei qual
está vencendo: raiva, ciúmes, frustração,
desejo e luxúria. Levanto meu queixo em
desafio, não irei me rebaixar.
– Você espera que eu duvide
disso?
Ele aproxima seu rosto de mim,
encostando sua testa na minha.

– Elle, me desculpe... Eu tenho
problemas, mais do que você imagina.
Você não merecia o que fiz, mas quando
te vi tão linda... Eu só queria saber se
você se importava e...
Não vou ficar aqui ouvindo esta
merda, começo a esmurrar seu peito
enquanto falo:
– Cala a boca, John! Problemas?
Acorda, idiota, todos temos problemas!
Isso não é desculpa para ferir os outros.
Você não pode maltratar as pessoas

porque se acha no direito de fazer isto!
E que história é esta de se importar?
Ele agarra meus pulsos,
prendendo-os atrás de minhas costas.
Não há quase espaço entre nós, seu nariz
toca o meu e sua respiração se mistura
com a minha. Ele está ofegante, assim
como eu.
– Eu beijei aquela garota
esperando uma reação sua e sabe o que
você fez? Você me ignorou. Eu tive que
te observar nos braços de outros homens

a noite toda! Eu pedi para você cobrir as
pernas e usar a porra de um blazer e
você vem assim, parecendo uma deusa
sexy. Você é minha! Chega de abraços
com o Chris ou qualquer outro homem.
Minha, entendeu, Helena?
Uau. Por esta eu não esperava,
mas espera aí...
– Você é louco? Eu te acusei à
tarde de ser mulherengo, então, para
provar que eu estou errada, você vai e
beija outras mulheres? Está drogado? E

quem você pensa que é? Ser chefe não
quer dizer ser dono, seu idiota! Eu não
sou sua, eu não sou de ninguém. Agora
me solta!
Ele não me solta e grita:
– Se você se importasse, teria
ciúmes! Me beije agora.
Eu grito de volta:
– Se você se importasse, não teria
beijado outra. Me solte, ou vai se
arrepender, John!
– Quieta, Helena!

E sua boca se choca com a minha.
O beijo do escritório foi doce perto
deste. Seus lábios me atacam com ardor,
sua língua invade minha boca, duelando
com a minha. Ele quer me submeter,
provar que sou sua. Seu gosto é amargo
da cerveja, mas há também um sabor
picante ao fundo, provocativo. Um gosto
dele. Ele solta minhas mãos para agarrar
minha cintura e meu cabelo, esticando
meu pescoço, arranhando-o com a barba
enquanto beija e morde um ponto abaixo
da minha orelha. Ele me tem envolvida
em seus braços. Quase submissa por seu
domínio.
Passo as palmas das minhas mãos
em seus ombros, o arranhando, e o
seguro buscando apoio. Ele aceita meu
gesto como incentivo e se aproxima
mais. Coloco minha perna entre as suas.
Apoio a perna saudável no chão como
suporte enquanto dobro meu joelho e,
em um movimento certeiro, atinjo meu
alvo. Bingo! John cai dobrado no chão,
gemendo de dor. Seguro um punhado de
seus belos cabelos de roqueiro e levanto
sua cabeça. Ele ainda está ajoelhado
protegendo seus preciosos bens que
acabaram de ser esmagados. Uma
lágrima escorre de seu olho.
– Da próxima vez que uma garota
mandar você soltar, você solta. Estamos
entendidos, chefinho? E mais uma
coisa... Vou tirar o fim de semana de
folga.
John não responde, apenas geme.
Acho que usei força demais. Eu avisei
que iria se arrepender. Da próxima vez,

talvez ele me escute.


CAPÍTULO 33 –
Casca vazia
Não consigo ficar mais tempo na

festa. Meu tornozelo dói e eu estou
esgotada. Passo o cargo para o chefe
dos garçons e vou de táxi para casa. Eu
preciso de um tempo longe de todos. De
Chris. De John. Até de mim, se eu
pudesse. Agora estou aqui, deitada em
minha cama emprestada, olhando para as

estrelas de plástico no teto. O beijo de
John retirou minha mente dos eixos.
Nunca me senti tão desejada em minha
vida. Beijá-lo é como ter eletricidade
impulsionada em meu corpo. Cada parte
de mim se torna consciente de seu toque.
E anseia por mais. O que ele fez depois,
no entanto, é como um balde de água fria
em minha libido. Como algum dia eu
confiarei nele? Chris me avisou como
John costumava agir com as mulheres e
eu deveria ter ouvido.
Chris...
Com John, sinto meu corpo entrar
em chamas, fico nervosa e explosiva.
Ele não suaviza para mim, não me trata
como se eu fosse de cristal. John não é
meu protetor e muito menos meu amigo.
Ele é meu chefe e consegue despertar
minhas emoções como ninguém antes o
fez. Com Chris, é diferente: estou
acostumada com sua presença. Ele
sempre foi uma constante em minha
vida. Eu também sempre estive presente
na vida dele, inclusive quando começou
a namorar. Aonde ele pretendia chegar
com aquelas perguntas mais cedo? Eu o
amo muito... Ele e Sam sempre foram
meus melhores amigos. Chris já tinha
minha alma e meu coração. Se eu
entregasse mais de mim a ele e não
desse certo, eu nada seria além de uma
casca vazia... Adormeço com a cabeça
atormentada por dúvidas e nenhuma
solução.
A estrada está escura e papai e
mamãe estão calados no banco da
frente. Para onde foram as risadas?
Por que tanto silêncio? Pingos caem
em meu rosto enquanto olho para cima
e vejo as nuvens pelo teto solar. Chove
em mim, mas não me importo. Fecho os
olhos e deixo a água me lavar. Começa
a tocar uma música. Eu conheço o som
da guitarra e a voz que acompanha,
Jack Rock. Chris e John. “Aumenta o
som, pai! Quero ouvir”. Ainda de olhos
fechados, solto meu cinto de
segurança.
– Quieta, Helena!
Abro os olhos e vejo que é John

quem está dirigindo o carro:
– Você nunca vai entender?
Estou atordoada. O que está
acontecendo? Olho para o lado e Chris
está sentado no banco do passageiro
em vez da minha mãe. Seus olhos estão
preocupados.
– Desculpa, Elle.
Então ele aponta para minhas
mãos, sigo a direção do seu dedo com o
olhar e solto um grito. Estou coberta
de sangue, meus braços, pernas e até

minha roupa. Fico aterrorizada, nunca
vi tanto sangue em minha vida! Há
também em meu cabelo e o cheiro é
forte, doce e enjoativo. Olho para o
céu. Continua a chover, mas as gotas
são vermelhas. Não está chovendo
água. Me viro para eles, procurando
ajuda. As luzes dos faróis do outro
carro me cegam e uma voz sussurra em
meu ouvido:
– Você não passa de uma
distração, Helena.

E os carros colidem. Metal
partindo, fogo e eu jogada na beira da
estrada com sangue em minhas mãos.
Acordo assustada. O pesadelo foi
tão real, que ainda posso sentir o cheiro
do sangue. Corro para o banheiro e
vomito no vaso sanitário. Droga! Me
encosto na parede e deslizo para baixo
até sentar no chão, repousando minha
cabeça nos azulejos. Esses pesadelos
não podem ser normais. Eu preciso me
lembrar daquela noite, isso está me
atormentando. Quem causou o acidente?
Quem estava dirigindo o outro carro?
Como pode até agora, em uma cidade
pequena, não ter surgido o outro carro
batido? Tento não pensar nas sombras
que vi nas chamas. É tolice minha,
devem ser parte de uma alucinação que
tive ainda no hospital. Olho para as
minhas mãos limpas.
“Você não passa de uma
distração, Helena”. O que meu
inconsciente está querendo me dizer?
Tenho sangue em minhas mãos? Fico ali,
sentada abraçada a meus joelhos,
chorando pelas vidas que se foram e
pela memória perdida que me atormenta.
Não sei quanto tempo fico assim.
Entretanto em um dado momento, decido
que é hora de tomar um banho e fazer
uma caminhada pela cidade, já que
ainda não tinha saído de casa. Preciso
espairecer e ver pessoas diferentes.
Quando saio, o apartamento está
silencioso e Chris ainda dorme em seu
quarto.
É o meio da manhã, as ruas estão

lotadas de pessoas. O sol brilha e me
aquece. Com a música que sai do iPod
tocando em meus ouvidos, ando pelas
esquinas e penso em minha vida.
Trabalhar para o John não parece uma
ideia tão genial, mas eu acho que posso
lidar com ele. Morar na sua casa de
hóspedes faz parte dos “benefícios” do
meu contrato, e falta uma semana para
meu aniversário, apenas. Eu já via John
com frequência mesmo, morar na casa
de hóspedes não mudaria isso. Será bom
não depender tanto do Gabriel como
motorista. Eu posso tentar. Viver com
Chris é legal, porém sinto que atrapalho
sua vida de solteiro. Antes de eu chegar,
ele sempre era fotografado com alguma
garota, mas depois não esteve com mais
ninguém... A menos que tenha tido algo
com Laura ontem. Será? Chris poderia
ter algo com a fisioterapeuta? Não sei...
O que mais me incomoda são os
pesadelos. Se eles não sumirem, eu terei
que procurar ajuda, conversar com
alguém. Parece que John estava certo,
eles estão piorando. Eu sei que a fonte
dos meus pesadelos é o acidente. Passei
por um evento traumático, deve ser
normal ficar com pesadelos como
sequela, não é? Contudo o que me deixa
curiosa é não saber o que está por trás
dos pesadelos de John. O que será que
ele esconde? John diz que reagiu
daquele jeito e beijou outra garota
porque tem problemas, mas também
tenho os meus. Não é justificativa
suficiente. Cinco ruas à frente, encontro
meu paraíso pessoal: uma livraria
megastore que ocupa quase um
quarteirão completo. Daquelas com mais
de um andar, cafeteria e sofás
confortáveis. Santuário. Fico horas
perdida entre chocolate quente e livros.
Me sinto bem ao imergir em um bom
livro e me perder no universo deles.
Está quase escuro quando retorno para o
apartamento. Ao abrir a porta, dois
pares de olhos azuis nervosos me
encaram.
O que foi que houve agora?

CAPÍTULO 34 –
Trégua
Assim que entro no apartamento,
Chris avança e me segura forte pelos
ombros. Nunca o vi tão preocupado:
– Helena, onde diabos você se
meteu? Estávamos como loucos
procurando você!
Tento levantar minhas mãos em

sinal de rendição e ele me solta. Coloco
as sacolas de livros em cima da mesa.
Os dois estão em pé com os braços
cruzados no peito e a mesma expressão
de irritados. Eles pretendem fazer o que,
me colocar de castigo? Começo a rir da
situação. John fala sério:
– Você ri, Helena? Passa dez
horas desaparecida em uma cidade que
não conhece, não leva nenhum celular e
ainda tem a cara de pau de rir da gente?
Nós íamos chamar a polícia!

Quanto exagero! Eu apenas perdi a
noção da hora, e John não tem que se
preocupar comigo fora do horário de
trabalho.
– Ah, cortem o drama, madames!
Me desculpem por não ter avisado e ter
esquecido o maldito celular! Que eu me
lembre – aponto para John. – Este era
para ser o meu dia de folga de você e eu
sei me cuidar muito bem sozinha.
John dá um passo à frente:
– Chris me chamou procurando

você, e eu sei que pode se cuidar
sozinha – ele diz com sarcasmo. – Na
verdade, tenho até pena do coitado que
cruzar seu caminho...
Chris olha de mim para John.
Entendendo bem a situação, ele agarra o
amigo pela camisa e grita:
– O que você fez com ela, cara?
Eu te avisei para ficar longe, porra!
John empurra o Chris que revida
com um soco no rosto do amigo. Merda!
A cabeça de John pende para trás e ele

levanta o punho para acertar Chris. Ah,
não! Corro para separar os dois, sei o
quanto são amigos e não quero que
briguem. Muito menos se eu for a causa.
Droga! Bem que a Kim avisou, eu não
posso causar uma briga entre os dois. A
Jack Rock é uma família, não serei eu
aquela a dividi-la. Falo apressadamente,
amenizando a situação:
– Chris, não! Não aconteceu nada,
você entendeu errado. Apenas contei a
John de quando a gente tinha doze anos e
eu chutei as suas bolas porque você fez
meu par do baile fugir antes do meu
primeiro beijo!
Chris olha para mim desconfiado.
Ele não parece acreditar muito, mas
abaixa o punho.
– Eu duvido que tenha sido só
isso, Elle – ele me olha magoado. –
Entretanto confio que você viria a mim
se precisasse de ajuda.
John, irritado, empurra Chris de
novo.
– Sim, idiota. Tenha mais cuidado.

A próxima vez que for dar uma de
machão, eu não vou ser tão paciente.
Entro novamente no meio dos
dois. O nível de testosterona está
atingindo a estratosfera. Eles precisam
se acalmar, ou as coisas podem ficar
feias.
– Vocês querem parar com isto?
Ninguém aqui está na quinta série mais.
Estou em casa e inteira, é o que importa,
ok?
Eles se encaram em silêncio e

Chris é o primeiro a falar:
– Desculpa, cara, vou pegar uma
cerveja para a gente.
– Beleza, foi mal também. Helena,
posso falar um minuto com você? – John
se dirige para a varanda.
Agora é minha vez de dar de
ombros.
– Claro.
Ele está de costas para mim,
apoiado no parapeito e olhando para o
céu.

– Eu gostaria de me desculpar por
ontem.
Me aproximo e observo as luzes
da cidade. Ele deve se desculpar
mesmo. Contudo eu também deveria,
ambos somos reativos. Estendo minha
mão para ele com um sorriso em oferta
de paz.
– Que tal uma trégua, John?
Sua mão é grande, cobre toda a
palma da minha, e seu sorriso é sincero
e caloroso.

– Aceito, Helena. Principalmente
porque vamos passar os próximos dois
dias viajando a trabalho.
Solto sua mão em choque. Trégua
o caramba!
– Olha aqui, seu mentiroso...
Chris entra na varanda.
– Vocês querem jantar aqui ou
comer fora?
Olho de um para o outro. Não
quero mais confusões entre os dois.
– Vocês decidem. Vou para o meu

quarto, não estou com fome.
O que John pretende com esta
viagem inesperada? Só pode ter
segundas intenções. Assim que entro no
quarto, batem à minha porta:
– Elle, posso entrar?
Pelo menos agora ele está
pedindo, ao invés de impor suas
vontades. Abro a porta, indico uma
cadeira para ele se sentar e me apoio na
parede do outro lado do quarto com os
braços cruzados. Quero ouvir o que tem

a dizer.
– Antes que você faça mil
acusações na sua cabeça, deixa eu me
explicar. Você ouviu falar sobre o nosso
projeto com crianças carentes?
Esperava mentiras e desculpas
esfarrapadas de sua boca, não algo
sobre a ONG. Sento-me na beira da
cama. Eu lembro de ter lido sobre a
campanha beneficente da Clave de Sol
nas anotações de Nicole.
– Mais ou menos. – Falo com

fingido desinteresse.
– A Jack Rock quer construir um
abrigo para as crianças que moram nas
ruas e não tem pais. Lá elas poderão ter
um lar, estudar música, ter esperança de
um futuro melhor e aprender uma
profissão.
Ele fala como se não fosse grande
coisa, mas vejo emoção em seus olhos.
É importante para ele.
– É uma causa nobre, John. – Digo
honestamente.

Ele apenas concorda com a
cabeça e continua:
– Esta viagem não estava
planejada. Na festa de ontem,
conseguimos fechar um grande
patrocínio para o nosso projeto. Eu
concordei em fazer uma campanha
publicitária de graça se eles
contribuíssem, então estou indo gravar
amanhã na sede deles.
Eu devo estar com uma expressão
cética, porque ele dá de ombros e

aponta para o celular esquecido na
cabeceira da minha cama.
– Se não acredita em mim, liga
para Nicole e pergunta. Ela
provavelmente já mandou um e-mail
explicando mesmo.
É claro que verificarei mais tarde.
Só não entendo uma coisa:
– Por que você tem que ir e não a
banda inteira?
– Ainda estamos ocupados com as
gravações. Se todos saírem, iremos

atrasar muito. O projeto, apesar de ter
apoio de toda a banda, é o meu sonho e
minha obrigação, então eu vou.
O quê? Não acredito que o projeto
é dele! John começa a rir e se estica até
alcançar meu queixo com o dedo
indicador. Devagar, ele fecha minha
boca.
– Ora, Helena, tente não parecer
tão surpresa, assim você me ofende! Um
egocêntrico e arrogante como eu não
deveria se importar com nada mais além

de pegar mulheres, não é?
Sorrio. Não passou por minha
mente que o projeto poderia ser dele.
– Palavras suas, não minhas.
Ele fica sério novamente.
– Pensei que isto iria contra o que
você aprendeu nos tabloides sobre mim.
Droga, ele está certo. Há
momentos, como este, em que John me
surpreende. Às vezes, eu tenho a
impressão que ele é mais do que um
simples rockstar inconsequente.

– Sim, me desculpe. Ainda
estamos em trégua?
Ele se levanta e novamente aperta
minha mão. Desta vez, no entanto, sinto
firmeza. Estamos fazendo um acordo de
paz.
– Sim, trégua.
– Isso vai ficar roxo. – Aponto
para o local em que Chris o acertou, está
vermelho e provavelmente sensível.
Ele sorri com o canto da boca e se
levanta, estendendo a mão para mim: –

Já sobrevivi a coisas muito piores,
Helena. Isso não é nada. Vamos jantar?
Decido me juntar a ele e Chris na
sala. O resto da noite é divertida: eles
pedem sushi e comemos enquanto os
dois me contam histórias engraçadas da
banda. Respiro aliviada. Quando
baixamos a guarda, todos podemos ser
grandes amigos.


CAPÍTULO 35 –
Súplica
Na manhã seguinte, acordo cedo.

Nos últimos dias, não consegui dormir
mais do que cinco horas. Os pesadelos
são frequentes, porém apenas os
intensos me assustam. Começo a
preparar a mala para minha viagem de
negócios quando Chris bate à porta:
– Posso entrar?

– Sim! – falo enquanto separo as
roupas que levarei na viagem.
Ele entra no quarto com os
cabelos bagunçados. Está de pijama,
com cara de sono e duas canecas na
mão.
– Trouxe café.
– Bom dia e obrigada! Que
milagre é esse, acordado tão cedo?
Pego uma xícara e ele se senta na
beira da cama, observando com cara de
desgosto a mala estendida.

– Perdi o sono...Você vai mesmo
viajar sozinha com John?
Me sento ao seu lado e falo
calmamente enquanto tomo o café:
– Sim, qual o problema? Sou a
assistente pessoal dele e este é o meu
trabalho.
Ele parece chateado enquanto
passa a mão nos cabelos, deixando-os
ainda mais bagunçados.
– Você sabe que isso é um monte
de besteiras. Ele não precisa de você lá

para fazer uma porra de uma campanha
publicitária!
Me levanto e coloco o café na
mesa de cabeceira. Acho que a xícara é
uma oferta de paz. Me encosto na parede
e digo:
– Eu não sei, Chris. Comecei
agora e mal trabalhei de verdade. Ainda
não descobri como tudo funciona.
Ele também fica em pé e descarta
a caneca na mesa. Chris está agitado, ele
raramente fica assim.

– Você não tem que ir! O que tem
feito estes dias além de olhar cartas
velhas? John deveria jogar logo esta
merda toda fora e liberar você!
Mas que droga deu no Chris? Ele
me apoiou no início, mas agora chama
fala que é uma merda? Digo irritada com
ele:
– Então você acha que eu deveria
ser despedida na primeira semana de
trabalho e depois o quê? Passar o dia
inteiro aqui fazendo nada?

Ele se vira para mim, os olhos
brilhando com emoção.
– Esperando por mim... Quer
dizer, trabalhando para mim! Você pode
vir trabalhar para mim.
Oh, Deus! Essa discussão de novo
não! Recomeço a colocar as roupas na
mala:
– Isso de novo, Chris? Nós dois
sabemos que eu não faria nada o dia
todo. Você iria me pagar e pronto!
Ele me segura pelo braço,

fazendo-me encará-lo:
– Não importa, Elle! Só quero
você segura comigo e não com ele!
Puxo meu braço de seu aperto e o
empurro de leve. Não gosto quando me
seguram contra a minha vontade.
– Agora John é perigoso? Você me
disse que confiaria sua vida a ele. Qual
o problema de vocês roqueiros com essa
mania de sair agarrando as pessoas?
No final, já estou gritando. Chris
me olha chocado, não sei se por

estarmos brigando ou se foi por eu tê-lo
empurrado. Finalmente ele processa o
que falei e sua expressão se torna fria,
quase violenta.
– Quem te agarrou, Elle? John
forçou alguma coisa com você?
Penso nos beijos que John me deu.
Nas duas vezes, ele quem começou, mas
não foram contra minha vontade. Oh, eu
estava com raiva dele, mas o mesmo
fervor que eu tinha para matá-lo, eu teria
para beijá-lo. Apenas meu orgulho e a

arrogância dele estavam no caminho.
Não irei acusar o John por algo que
também é culpa minha. O antigo Chris
não machucaria um amigo sem saber
todos os fatos, o de hoje não sei, quatro
anos podem mudar uma pessoa. Esse é
meu maior medo.
– Caramba, Chris, ele não me
forçou a nada! E todos me agarraram,
Aly, Ed e até você, então não me enche!
O interfone toca, minha carona
chegou. Estou chateada com Chris,

nunca brigamos assim. A última vez em
que o empurrei, eu tinha seis anos,
quando ele tentou cortar o cabelo da
minha Barbie. As noites mal dormidas
estão cobrando seu preço. Tento segurar
as lágrimas enquanto fecho minha mala
do jeito que estava e me viro para Chris.
– Ser uma assistente parece
insignificante perto de tudo que você
fez, mas nem todos podem ser estrelas
do rock. Não é o quero para toda a vida,
mas é o suficiente para ocupar minha
cabeça por agora.
Pego a mala e vou em direção à
porta, quando escuto Chris me
chamando:
– Elle, me desculpe, não era isso
que eu queria dizer. Eu nunca tive a
intenção de magoar você.
Falo de costas para ele, encarando
a porta:
– Ok, Chris, a gente conversa
quando eu voltar.
Angustiada, fecho meus olhos. Os
meus pesadelos e as sombras neles não

serão mais minhas maiores
preocupações. Agora a amizade com
Chris e o meu emprego com John
parecem se equilibrar em uma corda
bamba. Corda esta que puxa meu
coração para lados opostos.
– Você vai voltar? – Chris
pergunta em voz baixa.
Apesar do tom de súplica em sua
voz, vou embora sem responder.
Não sei qual seria a minha
resposta.

♪♫ ♥ ♪♫


CAPÍTULO BÔNUS
Kim
Eu amo ser uma garota do rock,

ser livre para escolher o que quero e ir
aonde tenho vontade. Posso ser ousada,
recatada, louca ou sensível, dependendo
do meu humor. Sou dona da minha vida e
ninguém manda em mim, ainda que não
tenha sido assim sempre. Isso, porém, é

história para outra hora. Agora eu só
quero arrasar na festa e vou levar Elle
junto.
Elle... Aquela garota não tem ideia
do seu poder! Meu tio Bobby sempre diz
que é capaz de perceber o potencial das
pessoas, e eu acredito que tenha herdado
este “dom”. Meu instinto me diz que
Helena será peça-chave para a Jack
Rock. Eu apenas não sei se é para o bem
ou para o mal. Chris e John não são
apenas os garotos de ouro da banda, eles
têm uma ligação grande de amizade. Eu
espero que esta ligação seja forte o
suficiente para resistir ao furacão Elle.
Não sei se isto será possível ou se
haverá um vencedor na disputa por
Helena, mas sei de uma coisa: corações
partidos fazem as melhores canções, não
é? Ela é uma boa garota, não vou julgá-
la como fizeram comigo. Todos são
inocentes, até que se prove o contrário.
Encontro Wanessa, nossa maquiadora,
personal stylist e amiga de longa data,
nos jardins da casa de John.
– Ei, trouxe algo sexy para mim?
– Sempre, Kim. Minha ruiva
favorita tem que estar sempre poderosa!
– seu rosto se contrai em um sorriso
sincero, o que deixa seus olhos ainda
menores. Será que ela enxerga quando
sorri?
– Ótimo – passo o braço ao redor
do seu ombro e entramos juntas na casa.
– Agora você terá uma morena para
deixar poderosa também!
Com a ajuda de Maria e Elle,
levamos tudo para o quarto dos

espelhos. Poxa, não consigo achar nada
que fique bom! Encontro um defeito em
cada roupa, enquanto Elle só faz rir. Vou
começar a protestar sobre a cor do
vestido, quando Elle grita:
– Você é prima da #NiCadela!
Sou prima de quem? Ela conta
sobre a visita ao escritório da minha
querida prima. Nicole é um ser
detestável e ainda fala a palavra
hashtag em todas as frases. Quem
normal faz isso? Ela só pode ser uma

psicopata! Se existe um lugar onde as
almas aguardam antes de virem para a
Terra, fizeram uma grande confusão
conosco na hora da seleção familiar. Eu
deveria ser a filha do tio Bobby. Nic
poderia ficar com meus pais, pois ela é
tão fútil quanto eles. Enquanto a gente
conversa, escolho meu vestido. Ele era
ousado, estava em uma linha tênue entre
provocador e vulgar. Eu acredito que a
pessoa faz a roupa, logo, com os
acessórios e a atitude correta, ele será
perfeito!
– Tudo bem, mas não fale muito.
Você um dia pode ter uma filhinha #fútil
também! – Elle tenta fazer uma piada e
uma dor antiga invade meu peito. Este é
um lugar que eu não quero revisitar.
– Isso acho improvável... – olho
para o espelho novamente, mas não me
vejo sexy e poderosa. Enxergo uma
garota perdida em um passado remoto. –
Eu vou ficar com este. Melhor você
decidir o seu, Elle.
Wanessa me tira do torpor quando

diz:
– Recebi recomendações por
mensagem para as suas roupas: blazer e
“pernas cobertas”.
Eu sei que John gosta de ser
implicante, mas aí já é demais! Não
acredito que ainda existem chefes que
tentam mandar na roupa de suas
funcionárias. Duvido que ele tenha dito
o que a equipe de segurança deve vestir.
– Posso saber por que ele se acha
no direito de escolher as roupas dela? –

pergunto irritada.
Wanessa lê o resto da mensagem
envergonhada:
– Ele diz que ela vai estar
trabalhando, e não disponível para estar
linda e paquerar.
Elle sai do quarto irritada:
– Ele quer mandar até na minha
roupa? Aquele peste me paga! Volto já.
Wanessa e eu olhamos para a
porta por onde Elle passou. Com a raiva
que ela está, aposto que o John iria

ouvir alguns gritos. Hum... Acho que não
tenho que me preocupar com esses dois,
perdem tempo demais brigando para
fazerem qualquer outra coisa.
– Wanessa, que tal a gente fazer
John se arrepender do próprio pedido?
– Eu acho que tenho algumas
coisas que podem funcionar! – ela sorri
animada.
Atacamos as araras de roupa até
achar a perfeita. Eu não me importo com
a reação de John. Sei me cuidar e todos

me respeitam. Além disso, a melhor
coisa de ser a única garota da banda é
que eu poderia implicar com um deles o
quanto quisesse e sempre haveria dois
para me defender. Eu adoro me sentir a
Sandra Bullock em “Miss Simpatia”,
com uma equipe inteira ao meu redor.
No início, tinha sido estranho e
cansativo, mas, depois de anos na Jack
Rock, eu já conheço a equipe inteira.
Elle, no entanto, não está acostumada.
Ela lembra a mim mesma no início da
carreira. Eu também ficava incomodada
com tantas pessoas em cima dela, mas
isto é o showbizz, baby! Ela terá que se
acostumar. A festa começa como
esperado. Cheio de homens e mulheres
que querem algo de nós, seja uma
chance de alavancar a própria carreira,
uma oportunidade de negócio, falar com
seus ídolos ou o bom e velho sexo. A
maioria procura este último. É um
verdadeiro buffet “coma tudo o que
puder”, e nós nos aproveitamos disso.
Sento nos pufes com Chris e John.
Alysson já está por aí, se servindo de
alguma garota qualquer.
– E então, garotos, qual vai ser o
cardápio de hoje?
Ambos dão de ombro e bebem um
gole de cerveja. Seguro meu riso,
pareciam duas faces de uma mesma
moeda. Aponto para as gêmeas que
sempre divertiam Chris nestas festas:
– Sua dupla dinâmica está logo
ali.
Ele arregala os olhos e quase salta
do pufe:

– Elas não deveriam ter sido
convidadas!
– Você avisou para a Nicole? –
pergunto mesmo já sabendo a resposta.
– Esqueci! – Chris suspira fundo e
se levanta. – Vou dispensá-las.
John faz um som de muxoxo com a
boca.
– Posso saber o que foi agora? –
falo enquanto tomo meu drink e analiso
qual será minha caça de hoje. As
pessoas ficam ao nosso redor, mas não

se aproximam a menos que nós
chamássemos. Parece que há uma
barreira invisível entre nós e eles.
– Eu acho que Chris não sabe o
que quer. – John diz enquanto joga a
garrafa vazia na mesa em frente a nós.
– Por que você acha isso? – agora
ele conseguiu despertar minha
curiosidade.
John responde enfático:
– Chris não sabe a diferença entre
ser irmão e homem para Helena. Ele não

pode ser os dois.
– Então você concorda que ele
está apaixonado por Elle? – quem sabe
nós dois juntos poderíamos convencê-la.
– Não, e eu já falei demais. – John
diz antes de se levantar.
Seguro seu pulso.
– Aonde você vai?
– Me esconder de sua prima. – Ele
aponta a cabeça para a entrada. Nicole
está chegando com toda sua potência
loira. John se camufla com um grupo de

fãs. Nic não iria se aproximar, jamais se
misturaria com a “plebe”.
NiCadela... Começo a rir sozinha.
Adoraria ter inventado este apelido
quando era criança! Teria sido legal ter
Elle por perto naquela época... Falando
nisso, onde ela se meteu? Vou à sua
procura e a encontro: ela está encurvada
sobre o iPad. Bato meu salto no chão.
– Não pense que eu vou
desperdiçar todo o meu trabalho de hoje
deixando você escondida aqui!

– Não tenho muita escolha!
Preciso verificar isto e...
Retiro o iPad de suas mãos e grito
perto da sua orelha:
– Gabriel, se vira aí, porra! Elle
vai tirar uma pausa.
Com cara de dor, Elle fecha os
olhos.
– Obrigada pela ajuda... E pela
surdez temporária.
Ops... Empurro-a para o quarto.
– Desculpa! Vamos lá retocar sua

maquiagem.
Vinte minutos depois, estamos na
festa. Encontro Alysson conversando
com a equipe da banda e decido
apresentar Elle a alguns. Ed é legal, o
melhor roadie que temos, e eu adoro vê-
lo tocar no bar de sua tia. Radioactive
começa a tocar. Imagine Dragons é uma
das minhas bandas favoritas! Elle
parece congelada no lugar, se
impressionou tanto assim com a festa?
Puxo seu braço e grito acima do som:

– Ei, Elle, você conhece o Ed?
Ela olha atordoada para ele:
– Ainda não. Prazer, sou Elle.
Com as apresentações feitas, volto
para um modelo gato em que estava de
olho. Ele é novo no ramo, e eu adoro
fazer test-drive nos novatos. Eles ficam
tão ansiosos para agradar... Estou
dançando com ele e Aly, quando a
música para e escutamos Chris
praticamente gritar:
– ... Antes que você fizesse um

estrago em suas bolas.
Eu sabia que Elle é das minhas!
– Esta é minha garota! – grito.
Depois de conversar um pouco
com eles nos pufes, vou com o loiro
para a sala dos espelhos. Não há nada
melhor do que ver esse adônis me levar
à loucura de todos os ângulos. Ele fica
meio chocado quando depois o dispenso
por um moreno. Não me preocupo em
perguntar o nome deste ou do anterior,
meu coração foi arrancado e destruído

há muito tempo. Agora todos são
descartáveis para mim. Eu jamais irei
me apegar a alguém novamente. Ao
chegar à mesa do tio Bobby, me
surpreendo ao ver John com Nicole e
Chris com Laura. Eu entrei em algum
universo paralelo? A expressão de
vitória na cara da Nic é de dar nojo, já
que John nunca havia permitido que ela
ficasse se agarrando a ele em público.
Muito menos na frente do tio. Aconteceu
alguma coisa que eu perdi?
Elle marcha a passos decididos
para a mesa. Parece uma mulher em
missão. A troca de farpas entre ela e
Nicole é perceptível até para o distraído
Aly. Mesmo o moreno que eu estou
apalpando percebeu, e ele nem as
conhece! Tento disfarçar, mas a
curiosidade me corrói por dentro.
Alguma coisa está acontecendo aqui e eu
preciso saber o que é! Tomo um gole do
meu gin com tônica, quando Barbie Girl,
do Aqua, começa a tocar. Eu me engasgo
e a bebida desce rasgando meus
pulmões. O moreno bate em minhas
costas enquanto tento respirar e sufocar
o riso ao mesmo tempo. Esta música só
pode ter o dedo da Helena no meio, o
DJ nunca colocaria isto para tocar! Elle
sai, John se levanta e Nicole agarra seu
pulso.
– Johnny, amor, poderia pegar um
Martini para mim?
– Entenda de uma vez, Nicole, eu
não sou e nunca serei seu amor – John
puxa o braço, saindo de seu alcance, e
fala ainda mais ríspido. – E eu odeio

que me chamem de Johnny.
Ele se afasta e vai embora, ela
fica com cara de ódio. Bem feito para a
idiota!
– Sabe – digo com o máximo de
deboche que consigo. – Eu não sei por
que insiste... Não percebeu que ninguém
gosta de você aqui?
– Kim! – tio Bobby fala, ao
mesmo tempo que Nicole diz:
– Vai se foder!
Fico em pé e puxo o moreno

gostoso comigo.
– Desculpa, queridinha, mas ao
contrário de você, eu tenho quem faça
isso por mim.
Passo no open bar, pego uma
garrafa de bebida e uma bandeja de
aperitivos com o garçom. Eu precisaria
de reforço para o resto da noite. Quando
estou dando a volta na casa em direção
aos quartos, vejo John passar mancando.
O que será que aconteceu com ele? O
moreno começa a beijar meu pescoço e

roçar seu quadril contra minha bunda.
Acho que eu tinha assuntos mais
importantes para tratar agora...
♪♫ ♥ ♪♫





Elle – Sombras do
passado
Aretha V. Guedes

SINOPSE
Elle se sente sozinha no mundo e
acha que só pode contar com a ajuda de
Chris. Ele era seu porto seguro, mas
parecia ter sentimentos que iam muito
além da amizade. Ela já o amava como a
um irmão, poderia haver outra relação
entre eles?
Ela quer ser independente e
trabalhar para John tinha sido a escolha

mais fácil, mas resistir ao seu jeito
sedutor estava sendo mais desafiador do
que esperava. Helena não poderia
confiar nele, um notório conquistador
que escondia um segredo obscuro.
Quando as sombras do passado
voltam para cobrar seu preço, Elle não
terá como escapar. Enfrentar a verdade
pode ser sua única salvação.


PRÓLOGO
Todo ano, na minha cidade, eu ia
ao circo na noite de estreia com meus
pais. Lembro-me de entrar naquele
mundo mágico de mãos dadas com eles.
O picadeiro, as arquibancadas, era tudo
tão colorido e vivo!
Eu sempre sentava entre os dois.
Eles eram tão altos e eu tão pequena,
que eu, em meu vestido lilás e com os
pés balançando sem tocar o chão, me

sentia protegida. Sabia que mamãe e
papai não deixariam o palhaço me ver e
me levar para o palco. Eu amava as
luzes e os sons, mas não gostaria de ser
o centro da atração. Além disso, tinha
medo do palhaço, achava estranho
aquele rosto branco e nariz vermelho.
Não confiaria em alguém que parecia
legal, mas se escondia atrás de uma
máscara. Como iria saber quem ele era
quando o visse novamente?
Eu nunca contei isso para
ninguém. O Chris acharia que eu era
fraca, e eu queria ser forte como ele!
Chris não vinha para o circo com a
gente, ele dizia que “os mágicos eram
enganadores e eu não gosto de ser
enrolado”.
Eu não me importava que tudo
fosse parte de um grande truque, o que
eu gostava era de tentar descobrir
quando a “mágica” acontecia, em que
ponto a ilusão se dava.
Outra coisa que eu realmente
amava no circo eram os malabaristas. A

habilidade que eles tinham de manipular
as coisas e manter um equilíbrio era
impressionante. Uma vez, eu vi uma
malabarista vestida com um collant
preto com lantejoulas brilhante. As luzes
estavam apagadas e apenas um enorme
holofote a iluminava em um círculo
branco. Parada, no centro do picadeiro,
ela segurava dez bolinhas, ao bater uma
na outra, elas começaram a piscar em
vermelho e azul.
A luz se apagou, segurei no
braço de meu pai e ele fez carinho em
minha cabeça para me tranquilizar. A
mulher, então, começou a jogar as bolas
no ar, pontos de luz cintilando para cima
e para baixo. Lindo! Até que ela deixou
uma cair no chão, o impacto a fez
apagar. A malabarista continuou como se
nada tivesse acontecido, mas eu senti
pena da bolinha que ficou perdida. E se
ela nunca mais voltasse a brilhar?
Hoje, tantos anos depois, eu não
tinha mais a segurança de meus pais.
Eles se foram em um trágico acidente.
Fiquei sozinha no mundo, ainda que não
por muito tempo: Chris, meu melhor
amigo e protetor desde a infância, veio
ao meu resgate.
O problema é que eu queria
provar para mim que poderia ser
independente, e isso não combinou
muito com os planos iniciais do Chris.
Ele queria cuidar de cada aspecto da
minha vida, quando eu precisava
resolver meus próprios problemas.
Por isto, aceitei trabalhar para
John, o sexy vocalista da banda Jack

Rock e amigo do Chris que era o
guitarrista. Desde então, minha vida se
transformou em um caos. Morar com
Chris e ter John como chefe me fazia
sentir como aquela malabarista.
Por mais que eu parecesse bem
por fora, estava envolta em escuridão e
tentava equilibrar três bolinhas ao
mesmo tempo: a amizade do Chris, a
atração por John e meus anseios. Sabe
qual o problema com o malabarismo?
Por mais que você tenha mãos firmes,
sempre haverá uma no ar prestes a
despencar no chão. Se ela vai cair ou
não, vai depender da habilidade do
malabarista.
Se eu soubesse o que o futuro me
traria, talvez eu tivesse agido de outra
forma, mas eu não sabia... Não até ter
sido tarde demais.


CAPÍTULO 1 –
Perdão
No elevador do prédio de Chris,
ainda não acredito que briguei com ele.
Não éramos de discutir. Encosto minha
testa na parede, o frio do metal não
alivia minha dor de cabeça. Como pude
empurrar o Chris? Agora entendo o que
a Fiona Apple quis dizer na música
Criminal, eu me sinto uma criminosa
pela forma que o tratei.
O apito do elevador me assusta,
saio do prédio desnorteada e entrego
minha mala para Gabriel. Não posso ir
embora assim! Bato no vidro do carro
e John abre a porta.
– Estamos muito atrasados para o
voo?
Pergunto com a voz embargada.
– Não, vamos em um avião
particular. Por quê?
John fala curioso.
– Volto já, esqueci algo importante

lá em cima!
Subo o mais rápido que consigo
para o apartamento. Encontro Chris na
cozinha tomando café, ele me olha
confuso.
– Aconteceu algo, Elle?
– Sim! Aconteceu que eu sou uma
idiota e não mereço um amigo como
você – minhas lágrimas ameaçam
escapar – Me perdoa, Chris?
– Elle, eu acho que a gente precisa
se acostumar a conviver novamente –

ele se levanta e me abraça – Não é
mais tão simples como quando éramos
crianças.
– Eu sei, estou tão confusa! Fui uma
estúpida, nada justifica o que eu fiz...
Não consigo mais conter e as
lágrimas escorrem por meu rosto.
– Você não precisa lutar tanto, Elle
– ele me encara sério – Não é você
contra o mundo.
– Eu sei, mas saber e agir são
coisas diferentes... – seco meu rosto

com o dorso da mão – Estamos bem?
Chris beija o topo da minha cabeça
e pisca um olho.
– Sim, desta vez não vou fazer
birra.
Sorrio com a lembrança. Quando
éramos crianças e eu o empurrei, Chris
ficou dois dias sem falar comigo. Mas
eu não desisti até ele voltar a falar
comigo. Joguei tantas pedras na janela
do quarto dele para chamar sua atenção
que terminei quebrando-a.

– Ótimo, porque tenho certeza que
eu não conseguiria jogar uma pedra
nesta altura.
Eu tentaria, porém, se fosse
preciso. O interfone toca e Gabriel
pergunta se preciso de alguma ajuda.
– Vá lá, Elle.
– Eu vou, se estiver tudo tranquilo
entre nós.
– Pode ir, está tudo como sempre
foi.
Eu o abraço apertado e sugiro:

– Sushi quando eu voltar?
Chris me dá seu lindo sorriso:
– Você leu meus pensamentos!
Agora posso ir, não suportaria
partir estando brigada com o Chris,
mesmo que seja por poucos dias. Sinto
meu coração mais leve. No carro, John
estava sentado no banco de trás e
franze a testa quando percebe minhas
mãos vazias.
– O que você foi buscar lá em
cima?

Minha consciência, paz mental, um
pedaço do meu coração... E o mais
importante, saber que o Chris não está
mais triste.
– O que eu fui buscar é algo muito
valioso, John! Porém, não é nada que
eu pudesse trazer na mão.
John fica calado por um segundo.
Seu ray-ban é tão grande que não posso
decifrar sua expressão:
– Vamos, Gabriel, já perdemos
tempo demais aqui.

Coloco os meus próprios óculos
escuros e fico olhando pela janela. Com
ou sem trégua não estou com humor para
conversa. Quarenta minutos depois
estávamos embarcando no jatinho
particular do Bob. Fazer parte mundo do
Rock tinha suas vantagens.
O interior do jato era moderno
com tons de prata, bege e negro. Um
enorme e estiloso sofá ocupava o lado
direito quase inteiro. Havia uma TV tela
plana em frente a ele, e, ao lado dela,
duas grandes poltronas. No final havia
mais um par de poltronas antes da parte
traseira da aeronave. Nos sentamos
nestas durante a decolagem.
John guarda os óculos e me olha.
– Ainda estamos em trégua?
Oh meu Deus! John está com uma
marca arroxeada no local que Chris o
bateu.
– Sim, mas... – gaguejo – Como
você vai gravar qualquer coisa assim?
John dá de ombros.
– Isso é problema dos
maquiadores, não está inchado. Então,
vai me dizer o que houve?
Não vou discutir com ele os meus
problemas com o Chris. Retiro meus
óculos também e o encaro:
– Eu disse que estamos em
trégua, não que somos amigos.
Quando o avião estabiliza, solto
meu cinto e vou para o sofá. Alguns
segundos depois sinto-o afundar com o
peso de John que puxa uma mecha do
meu cabelo para o lado.

– Você é uma coisinha mal-
humorada, hein?
Hoje ele não deve me testar:
– John...
John não é culpado por eu ter
discutido com Chris, apesar dele ter
sido o motivo. Fiz as pazes com Chris,
mas não contei a verdade. Menti para
acabar a briga entre os dois e agora
estava em uma encruzilhada.
– Ok, vamos falar de negócios,
então – ele solta meu cabelo e pega uma

pasta com documentos – Quero te
explicar sobre o Clave de Sol.
Uma risadinha escapa antes que
eu possa segurá-la. Ele me olha de lado.
– O que foi agora, Elle? – John
pergunta impaciente.
– Nada... – digo sem jeito – É
que esse nome é meio engraçado para
uma ONG.
Para não dizer esquisito.
– Você fez as mesmas aulas de
música do Chris. Sabe o que é uma

Clave de Sol, não é? – ele pergunta
desconfiado.
– Claro, mas...
– Então pronto! – ele fala sem
deixar margem para discussão.
O problema é que eu não acho
que seja um nome muito popular...
– Mas John, olhe só...
– Helena! – ele me corta – Sol
era o apelido da minha mãe, por isto
escolhi este nome. Está satisfeita agora?
Oh...
– Era no sentido de “era” porque
ela mudou de apelido, ou ...?
Ele me fuzila com o olhar. Acho
que é melhor eu me calar agora.
– A gente pode trabalhar agora,
ou você vai continuar me enchendo de
perguntas? – ele diz irritado.
Mostro o meu melhor sorriso
amarelo.
– O que o senhor achar melhor,
chefinho.
John me encara por uns cinco

segundos e balança a cabeça para os
lados. Ele podia ter mandado eu ficar
quieta logo... Pensando bem, melhor
não, considerando o que aconteceu nas
últimas vezes que ele fez isto.
Ele então começa a explicar os
aspectos legais e financeiros do projeto,
o que falta fazer e como conseguir mais
arrecadações. É impressionante sua
paixão por tudo. Enquanto John estiver
gravando a campanha, eu devo cuidar da
parte burocrática. Vou fazer isto!
Mostrarei para Chris que ele estava
errado, que posso fazer diferença
mesmo como uma simples assistente.
John me olha desconfiado.
– Por que está sorrindo tanto? O
que você está tramando?
Dou de ombros.
– Apenas algumas ideias, uma
meta para os próximos meses.
Ele aproxima sua boca da minha
orelha e sussurra:
– Algo que envolva a mim?
Afasto minha cabeça de seu
alcance:
– Você pelo menos entende os
conceitos de trégua e limite?
John se afasta e pega o controle
remoto da TV.
– Não exatamente, mas tenho
certeza que você vai me mostrar.
Ele liga o televisor e vejo que
está passando a gravação em DVD de
seu show.
– É sério que você fica se
assistindo o tempo inteiro? – pergunto

com desgosto. Egocêntrico. Ele começa
a rir.
– Combina com o que você
pensa do meu jeito narcisista, não é?
Mas não, este jatinho é do Bob. Prefere
ver um filme?
Nego com a cabeça. Amo a
música deles e tenho escutado pouco nos
últimos tempos. Estou louca para vê-los
ao vivo, sentir a emoção do público e
dos bastidores. Já é contagiante pela
televisão, imagino no palco.

Este DVD era do segundo álbum
deles. Na época do lançamento, Chris
me enviou uma cópia com o autógrafo de
todos na capa e eu havia decorado cada
detalhe. Não tinha outro remédio para
melhorar meu humor do que me perder
no som da Jack Rock. Agora que os
conheço pessoalmente posso perceber
que suas personalidades no palco se
refletem na vida real. Eles não são
fabricados para agradar ao público.
Kim arrasa na bateria, brincando
e balançando seus cabelos vermelhos,
sempre uma pimenta. Começo a rir em
uma cena de bastidores quando ela bate
as baquetas na bunda de Alysson que
adormeceu de bruços no sofá do ônibus,
provavelmente exausto de farrear a noite
toda.
Aly tem ares de bom moço, mas
apenas seu rosto é de anjo: ele grita,
xinga, faz gestos obscenos e paquera as
mulheres, é sempre o primeiro a ter a
caneta na mão para assinar os peitos das
fãs e beijar algumas enquanto faz isto.
Nojento.
Chris no palco se concentra em
sua guitarra e no microfone. Ele faz a
segunda voz e complementa
perfeitamente a de John. O vento
balança seus cabelos loiros, os
holofotes o iluminam de verde, roxo e
azul, e definem ainda mais seu queixo.
Ele está lindo e perdido em seu próprio
mundo, no solo de guitarra e na sua
performance até a música acabar. O
público pode não perceber, mas eu sim.
E tem o John: a câmera o ama e
as meninas também, é claro. Ele está de
jeans e camiseta regata branca. A
primeira música que cantam tem o início
mais calmo, porém, à medida que a
batida vai aumentando, John percorre o
palco de um lado ao outro, jogando seu
charme para as meninas. Um pouco antes
do refrão as luzes se apagam e apenas
Kim determina o ritmo, depois entra
Chris e Aly.
Por fim, as luzes se acendem e
iluminam John, que canta sobre uma
mulher que vai se arrepender de tê-lo
traído. Durante o refrão ele realmente
enlouquece, é contagiante e estou
batendo meu pé ao ritmo da bateria.
Acompanhando a letra, fecho meus olhos
me imaginando lá gritando junto com os
outros milhares de garotas sobre a raiva
de um amor perdido.
A música termina e eu me
lembro que não estou sozinha em meu
quarto como a fã tiete que finjo não ser.


CAPÍTULO 2 – Fã
Olho para o lado e John está
sentado confortavelmente no sofá, com a
cabeça apoiada na mão me olhando
como se eu fosse o programa mais
divertido que ele já viu na vida. Acho
que me empolguei.
– Está olhando o quê? Curtindo o
show?
– Não tanto quanto você,
aparentemente. – ele sorri.
Cruzo meus braços de forma
defensiva.
– Gosto da Jack Rock, me
processe.
Seu sorriso aumenta.
– Fico feliz em saber que você
gosta de algo que eu faça.
Ah, querido! Se você soubesse
de outras coisas que você faz que eu
gosto...
– Ora, John, este é o seu
problema comigo? Procurando por

elogios? – digo com desdém.
Fico de joelhos no sofá, me
aproximo dele e grito imitando uma
groupie:
– Joooooohnnnnnn!! Aaaaaaaaah,
eu vou chorar!! É você mesmo!! Ai, meu
Deus, ai, meu Deus, ai, meu Deus! Tira
uma selfie comigo, por favor?? Minhas
amigas não vão acreditar!
Gargalhando, ele tira o celular
do bolso e me puxa para perto, tirando
uma selfie nossa.

– Pronto, pedido realizado!
Agora pode voltar a falar normal, quase
fico surdo, mulher!
Sento-me novamente no sofá.
– Ei, a fã deveria ficar com a
foto! E eu não falo tão alto assim...
Ele dá de ombros.
– Realmente não, mas tem uma
voz poderosa e não errou uma nota.
Nunca pensou em cantar?
Ah, não, ele também não. Chris
já tentou me convencer, mas cantar na

frente de uma multidão não é para mim.
– O chuveiro é o máximo de
audiência que vou ter, e pode tirar esta
cara safada que a resposta é não!
Ele morde o lábio inferior, seus
olhos brilham com promessas ocultas.
– Tem certeza? Posso esfregar
suas costas enquanto faço você atingir
notas mais altas.
Tentador. Decido ignorar sua
provocação, talvez ele desista se não for
encorajado.

Chris e John aproximam suas
guitarras no show, tocando juntos. A
plateia vai à loucura e eu tento desviar
sua atenção:
– Onde você aprendeu a tocar
assim?
John me responde com um olhar
triste, saudoso:
– Eu aprendi a tocar o básico
quando pequeno com minha mãe, ela
amava música. Depois Chris me ensinou
muito e me deu dicas, mas tocar assim

só depois da Jack Rock, quando Bob
contratou um professor de guitarra para
mim.
Fazia sentido o que ele disse: no
segundo álbum ele tocava muito mais do
que no primeiro. Antes era mais um
acompanhamento. Hum, interessante...
– John, o Chris te deu dicas? Ele
também me dava, a gente fazia as aulas
juntos. Sei tocar, mas nunca tive o
talento natural dele.
Ele sorri. John se sente à

vontade falando sobre Chris. Acredito
que são bons amigos de verdade, apesar
de um implicar com o outro de vez em
quando... Mas isso deve ser coisa
normal de homens.
– Poucas pessoas têm um talento
como o do Chris. Ele era muito paciente
e ainda é até hoje, quando erro alguma
nota.
Balanço minha cabeça
concordando.
– Sei... E quando foi isso?

Pensei que vocês não se conheciam
antes do Bob montar a banda.
John congela. Depois tenta
sorrir, mas o sorriso não atinge seus
olhos.
– Foi isso mesmo, ele me
ensinou antes da Jack Rock ser uma
banda de sucesso, mas é claro que foi
depois do Bob nos apresentar. Vou pegar
algo para beber, você quer?
Ele se levanta e sai sem esperar
minha resposta. É um péssimo mentiroso

para um cara que tem fama de bad boy.
Tanto ele quanto Chris estão escondendo
algo de mim... Porquê?
O resto da viagem passa sem
muita conversa. John está perdido em
pensamentos e eu me familiarizo com a
papelada enquanto escuto o resto do
show. Porém, a curiosidade me corrói:
esse mistério deve estar, de alguma
forma, ligado ao desaparecimento de
Arthur. Eu só preciso descobrir como.
O hotel em que ficamos era de

uma rede de hotelaria conhecida e era
todo de vidro e mármore. No meu quarto
caberia toda uma comitiva, e ao lado da
cama de casal king-size havia um lindo
buquê de rosas vermelhas que se
destacava contra os tons claro do
ambiente. Era lindo e tinha um perfume
delicioso.
Estava sentindo o toque de seda
de suas pétalas quando escuto uma voz
rouca atrás de mim:
– Gostou do seu quarto?

Me viro alarmada para um
sorridente John.
– De onde você surgiu? –
pergunto desconfiada.
Ele aponta para uma porta atrás
dele.
– Nos deram um quarto
conjugado. Não foi ideia minha, mas
geralmente fazem isto para facilitar na
preparação de comitivas de imprensa.
Não se preocupe, tenho a chave aqui, em
oferta de paz para você.

Ele me mostra a chave e a
coloca em uma mesinha ao lado da
porta.
– Oferta de paz? Por que você
sempre pensa que eu vou te acusar de
alguma coisa? – digo com os meus
braços cruzados.
Ele levanta uma sobrancelha.
– Você não iria?
Claro que não. Provavelmente.
– Eu não te acusei de nada! –
respondo indignada.

Ele me dá um meio sorriso de
escárnio.
– Porque eu não dei a chance.
Agora se arrume que a gente tem que ir.
Ainda estamos em trégua?
Sorrio para ele e aperto sua mão.
– Trégua!
♪♫ ♥ ♪♫
Após um banho maravilhoso,

decido vestir um tubinho preto com um
cinto e sapatos de salto baixo. Laura vai
ter que me perdoar, mas não usarei
sapatilha hoje. Aplico uma maquiagem
leve, prendo o cabelo preso em um
coque baixo e pronto: estou profissional.
Estou tão empolgada com o dia
de hoje que abro a porta conjugada de
repente, em busca do meu chefe, e o
encontro apenas de jeans, com os pés
descalços e sem camisa.
Eu deveria aprender a bater à

porta... Ou não.
Minha boca resseca e meu
coração acelera. Suas calças estão
penduradas em seu quadril, tão
perigosamente baixas que o máximo de
pensamento coerente que consigo ter é:
“ele está usando uma cueca? ”. Eu
apostaria alto que a resposta é não.
Ainda bem que ele está rindo distraído
com o celular e não me vendo babar.
Controle-se Helena!
John finalmente percebe que

estou no quarto:
– Ei, Elle. Olha o vídeo que o
Alysson mandou!
Me aproximo e vejo Kim e Chris
bêbados cantando I will survive da
Gloria Gaynor, usando perucas ridículas
enquanto tentam fazer uma dança louca
um ao lado do outro. Começo a rir, o
vídeo é hilário, mas não estou
entendendo nada.
– Por que eles estão dançando
assim?

– Escute a música de fundo. Eles
estão jogando Just Dance no Kinect
enquanto cantam, mas estão tão bêbados
que mal podem ficar em pé! – John diz
entre risos.
– Adorei, quero dançar um dia
também! Faz tempo que isso aconteceu?
Começo a rir quando Chris cai
de bunda no chão ao tentar um rodopio.
– Nada, isso foi gravado agora!
John está rindo das tentativas de
Kim e Aly levantarem Chris, porém meu

sorriso morreu. Eu o deixei chateado em
casa algumas horas atrás e agora ele
estava assim? Nunca o vi neste estado...
Mas o que realmente conheço do Chris?
Ele era um adolescente quando saiu de
casa.
John percebe a minha mudança
de humor e desliga o vídeo. Ele me
segura pelos ombros e diz:
– Rock 'n roll, baby. Isto é
normal no nosso mundo, não precisa
ficar assim.

É, devo estar exagerando, eles
são roqueiros. Eu esperava o quê, chás e
biscoito? Então percebo que John ainda
está me segurando contra a lateral de seu
tórax nu. Sua pele é macia e quente, a
tentação é grande e eu não sou nenhuma
santa.
– Quer me largar? – digo
empurrando-o – Se veste logo, peste,
que estamos atrasados!
Volto para o meu quarto em
busca da minha bolsa e um pouco de

sanidade mental.
Controle-se, Elle, ou esta
história de trégua não dará certo e a
culpa será sua!


CAPÍTULO 3 –
Reunião
Enfrentarei a diretoria, a equipe
de marketing e a de relações públicas de
três empresas parceiras. Se não fosse
suficiente, ainda tentarei convencê-los a
dar mais dinheiro do que planejam.
E se eu realmente não for boa
nisto? E se eu estragar tudo e eles
retirarem até a doação que já pretendiam
fazer? Estamos no carro agora e fico
retorcendo em minhas mãos um panfleto
que peguei no hotel. É melhor eu ficar
de enfeite e deixar John resolver tudo,
posso apenas dar apoio moral.
– Helena, o que este pobre papel
fez contra você? – John diz com a testa
franzida.
– John, melhor você adiar o
comercial e ir falar com os diretores
primeiro. – digo em tom incisivo.
Ele apenas levanta uma
sobrancelha para mim.

– Eu sei que você me acha um
deus, mas não seria bom deixar toda
uma equipe esperando. Qual o
problema?
– Não acho que posso falar com
toda esta gente sozinha. – baixo minha
cabeça enquanto faço uma bola com o
papel – E eu não te acho um deus.
John apenas dá de ombros e diz
com desdém:
– Eu acho que você faz isso
brincando...

Eu arremesso a bola em sua
cabeça.
– Estou falando sério, John!
– Eu também! Basta ser você –
ele esfrega um ponto em sua testa –
Talvez em uma versão mais controlada
de você. Está doendo!
Ele faz bico e cara de choro.
– Deixa de ser um bebê, porque
não doeu. Era uma bola de papel, não de
sinuca. – falo com os braços cruzados.
Ele se inclina em minha direção.

Mais um pouco estaria deitado em meu
colo. Aproveitador.
– Acho que está ficando
vermelho, você vai ter que beijar para
sarar. Eu não posso gravar nada com a
testa assim e a culpa é sua!
Pego um punhado de seu cabelo
quase pela raiz e aproximo sua cabeça
dos meus olhos.
– Oh, meu Deus! Temos que
levá-lo ao hospital urgentemente! Está
sangrando, vai precisar de pontos, posso

ver seu cérebro – grito em pânico
fingido – Eu vou desmaiar, acho que
rachei seu crânio!
Ele se solta, ajeitando-se no
banco.
– Sabe, você não é tão
engraçadinha quanto pensa. Ou boa atriz.
– ele diz emburrado.
– Eu digo o mesmo sobre você!
Mas obrigada por me fazer relaxar.
Ele me olha com um sorriso
malicioso.

– Ah, Helena, sinta-se à vontade
para me usar quando quiser relaxar... Ou
não.
Desvio minha atenção para a
janela. A paisagem é muito menos
tentadora do que o homem ao meu lado.
Quando chegamos ao nosso
destino, John decide me acompanhar à
sala de reuniões na cobertura. Ele me
apresenta como sua assistente pessoal,
cumprimenta a todos e vai embora
apenas quando percebe que estou mais à

vontade.
Das dez pessoas presentes na
reunião, apenas três eram mulheres e
todos eram pelo menos trinta anos mais
velhos que eu. Maravilha.
Eu podia não ter participado da
criação do projeto, mas adolescentes
que fugiram de casa e moravam na rua
era algo que eu estava familiarizada
desde meus 14 anos. Eu vivi preocupada
com o Chris por meses e tinha pesadelos
frequentes. Mesmo depois da fama, isso

era algo que ainda me assombrava.
Então eu apenas visualizei todas
as crianças perdidas como Chris e falei
do fundo de minha alma, sensibilizando-
os. Em um impulso ofereço dez convites
de meeting com a banda para cada um
dos executivos, além de acesso a uma
festa pós show de inauguração do
projeto. Tenho certeza que as filhas ou
sobrinhas deles estavam loucas por isto.
E pelas suas expressões de interesse eu
estava certa: o acordo foi feito e era
melhor do que o esperado.
Uma hora e meia depois vou ao
encontro de John. Ele ainda estava
ocupado com as gravações no térreo,
então resolvo dar uma espiadinha. O
andar inteiro estava fechado, mas entro
com o crachá que John havia conseguido
para mim. O local era uma megastore
que vendia livros, DVDs, games e CDs.
No momento, o local estava um caos:
algumas prateleiras foram afastadas para
dar espaço a equipe, câmeras e
holofotes. Havia também algumas
crianças espalhadas ao redor dos
holofotes, porém, fora do ângulo de
filmagem.
No centro de tudo estava um
John vestido como o rockstar que ele é,
com guitarra na mão e cantando seu
último hit de sucesso. Ele termina o
refrão e olha para a câmera fazendo a
propaganda da loja, depois se levanta e
coloca o instrumento no chão. Para
minha surpresa, começa a fazer um
pequeno strip tirando a jaqueta de couro
preta, só para mostrar a camiseta com a
logo do projeto, que são instrumentos
musicais formando uma casa, cercado
pelo nome do projeto.
– Comprando aqui você estará
contribuindo com nosso projeto “Clave
de Sol”, que ajudará a retirar crianças
de rua, dando a elas a oportunidade de
um futuro melhor através da música –
John se ajoelha e os garotos correm em
sua direção, abraçando-o. Então todos
olham para a câmera e falam em
uníssono:
– Junte-se a nós, colabore você

também!
Quando a gravação termina
todos pulam em cima dele, John perde o
equilíbrio e cai de bunda no chão. Ele
não se irrita com os pequenos, puxa-os e
brinca com eles também. A cena é tão
bonita que eu me pego sorrindo para as
brincadeiras dele.
Uma mulher chama as crianças e
John fica sozinho jogado no chão.
Apoiado pelos cotovelos, seu olhar se
tranca no meu e eu sorrio para ele.

– Se divertindo aí?
O sorriso dele aumenta.
– Você podia me dar uma
mãozinha para levantar.
– Claro que posso, deixa eu ir
ali chamar um guindaste primeiro...
Ele se levanta e para na minha
frente.
– Está me chamando de gordo?
Você fere meu ego assim...
Eu pisco meus olhos docemente
para ele.
– Não se preocupe, você tem ego
de sobra. Agora me alimente, que estou
faminta e tenho novidades!
John me leva para almoçar em
um restaurante na cobertura do hotel,
mas, mesmo sendo privado, ainda
apareciam fãs pedindo autógrafos. Era
realmente irritante como essas meninas
achavam que só por que ele era famoso
podiam ir agarrando e tirando foto. Que
direito elas tinham? Bando de piranhas,
algumas até passam a mão pelos braços
e peito dele enquanto fingem se apoiar
para a foto. Isso é um absurdo...
– Vai terminar criando rugas
cedo – John sussurra em meu ouvido.
– O quê? – pergunto sem
entender nada.
– Essa testa franzida que você
está fazendo... vai terminar dando rugas.
Vem, que nossa mesa está aguardando. –
ele diz com um sorriso conhecedor no
rosto.
Por que ele falou isso? Como se
eu me importasse que essas piranhas

vadias estivessem pulando em cima
dele... Por mim podiam ir todas para o
inferno, junto com ele! Mulherengo
safado.
O garçom puxa uma cadeira para
eu sentar e John se senta em frente a
mim. Nossa mesa está perto das janelas
de vidro e daqui podemos ver todo o
centro da cidade. É tão alto que chego a
sentir vertigem.
– Aqui é perto da minha casa,
não é? – digo admirando a vista.

– Sim, acho que é a maior cidade
que você tinha por perto... – ele fala em
voz baixa.
Olho para John. A minha cidade
era muito pequena, ainda mais
comparada à esta.
– Chris deve ter vindo para cá
depois que fugiu de casa.
John desvia o olhar, e de repente
o menu é uma leitura interessante.
– Provavelmente, aqui ele teria
mais oportunidades. – as bebidas

chegam e John começa a falar de outro
assunto, mudando o rumo da conversa.
Chris sempre me ligava para
dizer como estava, mas nunca era
específico com a sua localização. Será
que aqui foi onde tudo começou?


CAPÍTULO 4 – Voto
de (des)confiança
À tarde, John fez as fotografias
da campanha. Era engraçado ver o
fotógrafo mandando ele mudar de pose o
tempo inteiro. A câmera podia amá-lo,
mas a recíproca não era verdadeira.
Durante o intervalo, ele já estava
impaciente.
– Mais tarde iremos beber
alguma coisa, já esgotei meu limite de
paciência! – John diz, enxugando a testa
com uma toalha.
Tinha que concordar com ele:
podia parecer divertida, mas a sessão de
fotos era extremamente cansativa. E eu
estava só observando, imagino como era
para ele! Os holofotes esquentavam, a
maquiagem tinha que ser retocada o
tempo inteiro e sempre tinha alguém
gritando ordens... A vida de estrela não
era tão glamorosa assim.
– Ah, claro, porque bebida é um

ótimo combustível para pessoas que já
estão no limite! – provoco-o – E você
sabe que eu não posso entrar em nenhum
bar, continuo com dezessete anos.
Ele joga a toalha em uma mesa
próxima e me lança um olhar superior.
– Você acha que isso seria um
problema estando comigo?
Lá vem ele e seu grande ego de
novo.
– Sim, se isso significar que
corro o risco de ser expulsa de um bar

na frente de todo mundo porque você se
enganou! – sussurro tentando não chamar
atenção.
sobrancelha para mim.
– Acho que você vai ter que me
dar pelo menos um voto de confiança,
Helena.
Antes que eu possa responder, o
fotógrafo chama-o de volta. Ele pisca
para mim e volta a posar com um
microfone na mão. Devo ver pelo lado

bom. Se eu passar vergonha, poderei
jogar isto na cara dele por dias.
Depois do que parece uma
eternidade a sessão finalmente termina e
voltamos para o hotel. Ainda faltam
algumas horas para sairmos, então
decido por um longo banho de banheira.
Ah, a maravilha de estar submersa em
água quente com espuma! Eu tenho
mesmo que sair com John? Poderia ficar
aqui o resto da noite.
Lembro-me do vídeo de Chris

bêbado. Ele estava alterado no dia em
que eu cheguei também. John disse que é
normal para os músicos, mas me
preocupo mesmo assim. Preciso ter uma
conversa séria com ele.
Saio da banheira e começo a me
arrumar. No meio da confusão com o
Chris não prestei muita atenção ao que
estava sendo colocado na bolsa. Ainda
bem que encontro um jeans azul saruel,
que cai em mim como uma luva, um
lindo cropped branco e um maxi colar
chumbo.
Não sei fazer penteado
elaborado, então decido deixar meus
cabelos soltos, ondulados e meio
bagunçados. Tento imitar a maquiagem
que fizeram em mim na festa. Não fica
igual, mas é próximo o suficiente. Para
completar o conjunto, sandálias também
na cor chumbo. Elas são lindas, foi Sam
que me deu no meu último aniversário.
Sam... Estou com tantas
saudades! Pego o iPhone e ligo para ela.
No terceiro toque Sam atende:

– Alô?
Imito uma voz mais grossa:
– Boa noite, gostaria de falar
com a senhorita Samantha. Ela se
encontra?
Sua voz sai desconfiada:
– Quem quer falar com ela?
– Aqui é da Segurança Nacional,
gostaríamos de interrogá-la sobre a
apropriação indevida de fardamento
policial.
– Vai se lascar, Elle! – ela grita
no telefone.
– Ei, como você sabia que era
eu? – Pergunto indignada.
– Porque você não é tão boa na
imitação quanto pensa! – ela fala rindo –
Então resolveu lembrar de mim, não é?
Como vão as coisas no mundo do rock?
– Bem, estou terminando de me
arrumar para ir a um clube – digo
enquanto passo perfume – com John.
Tenho que afastar o telefone do
ouvido ou ficaria surda com o grito que

Sam deu.
– Vocês estão tendo um caso? –
ela pergunta ainda estridente.
– Não! Ele é meu chefe,
esqueceu? – eu com certeza tenho que
ficar me lembrando disso.
– Então por que você vai sair
com ele para um clube? – esta é uma boa
pergunta.
Abro a porta da varanda e
observo as luzes da cidade.
– Porque ele pediu – impôs, na

verdade – Que eu fosse, mas isso não
importa. O que eu quero saber é: em
uma escala de zero a dez, quais as
chances de você conseguir vir no meu
aniversário?
Sam suspira ao telefone.
– Eu diria que menos dez. O
Delegado tem estado mais rabugento do
que nunca. Ou isso, ou sou eu que estou
mais tempo em casa com você longe
daqui.
– Me desculpe por isso! Mas

seria ótimo se você pudesse vir, você
poderia dormir comigo na minha nova
casa e a gente iria farrear a noite toda!
Ela fala animada:
– Me levaria para os clubes
também? Eu aposto que você daria um
jeito de me fazer entrar em um!
– Claro, amor! – digo rindo –
Curtiríamos a noite toda, soa bom o
suficiente para você?
– Soa maravilhoso,
principalmente se eu também puder

agarrar o seu chefe!
Sam estava com os hormônios a
mil e John era um mulherengo. Péssima
combinação, com certeza.
– Deixe o bundão do meu chefe
de fora disso! – faço piada enquanto me
viro para entrar no quarto.
John está parado na porta da
varanda com os braços cruzados e uma
cara de poucos amigos.
– Mas Elle, eu aceito ele bundão
ou não!

– Certo... depois eu ligo, ok?
Beijos, te amo.
– Ele está aí, né? Aperta o
bundão dele por mim! Te amo, beijos.
Desligo o telefone. John está
bloqueando a passagem, então estou
presa na varanda.
– Vamos? – pergunto
simplesmente.
– Com quem você estava
falando? – Sua voz é seca, como se
estivesse tentando conter suas emoções.

Quanto ele ouviu? Não falei
nada demais, além de tê-lo xingado no
final.
Empino meu nariz:
– Estava falando com Não-te-
interessa. Conhece?
– Não me interessa? Acho que é
do meu interesse sim quando você
chama uma pessoa para dormir na minha
casa! – agora ele está nervoso e se
aproxima – E ainda me xinga! Você
deixou um namorado para trás, Helena?

Namorado? De onde ele tirou
isto? Ah... entendi. Homens.
– Sua casa? Que eu me lembre,
no contrato diz que a casa de hóspedes
seria minha enquanto eu fosse sua
funcionária. Então posso convidar quem
eu quiser! – enfatizo as palavras –
Agora saia do caminho, que eu não
mandei você escutar minha ligação.
Isto é que dá ouvir apenas um
lado de um telefonema.
– Esta conversa não acabou,

Helena! – ele segura meu braço – Você
tem ou não outra pessoa?
Olho com raiva do seu rosto
para a sua mão. Antes eu poderia até
facilitar e responder para ele, mas agora
que ele me agarrou, não.
Falo séria para John:
– Eu acho melhor que esta
conversa tenha acabado, chefinho.
Ele me solta e passa as mãos nos
cabelos em sinal de frustração.
– Desculpe, eu me descontrolei

por um momento.
– E isso é frequente? – pergunto
preocupada.
Ele me dá um sorriso sem humor
e balança a cabeça em negação.
– Não, só nos últimos dias.
Ok, talvez eu também seja
responsável por trazer o pior dele para
fora.
– Desculpa pelo xingamento –
tento aliviar o clima – Mas bundão pode
ser um elogio, dependendo do contexto...

Ele olha para mim como se não
acreditasse no que acabei de falar.
– Ok, Helena. Você ainda quer
sair? – ele pergunta meio derrotado.
Dou de ombros.
– Sim, acho que quem precisa de
uma bebida agora sou eu.
Ele me analisa da cabeça aos
pés, absorvendo completamente pela
primeira vez meu visual.
– Eu duvido disso...


CAPÍTULO 5 – Outro
John
Eu pensei que John me levaria
em alguma casa noturna grande e
famosa, daquelas bem exclusivas, mas o
carro parou em frente a um local
discreto, com uma pequena fila na
entrada.
John abre a porta e sai.
– Vamos, Elle! Vai dormir aí?

– Não vai usar algum esquema
de segurança? Ou entrar pelos fundos? –
pergunto confusa.
Ele sempre era paranoico com
isso quando ia a lugares públicos!
John sorri.
– Aqui não.
Isto é novidade...
– Não vai tentar usar um
disfarce? – questiono.
Ele me olha impaciente.
– Só se isto fizer você sair deste
carro logo!
Saio do carro e ele me conduz
diretamente para a entrada. O segurança
é um homem alto e forte, sua careca é
coberta por uma enorme tatuagem de
caveira. Ele é assustador, mas abre um
enorme sorriso para John.
– Quem é vivo sempre aparece,
hein? – ele me analisa da cabeça aos pés
– Quem é esta beleza que você trouxe,
J?
John tenta falar bravo, mas

termina batendo as mãos em um
cumprimento de homem com o outro
cara:
– Cai fora, John!
– Você também é John? –
pergunto curiosa.
O John hipertrofiado fala com
superioridade:
– O original, este aí não passa de
imitação!
Acho sua brincadeira engraçada,
mas percebo o meu John ficar tenso.

Ops... o meu John não! O John meu
chefe.
– Deixa de falar besteira, cara!
Ele já está aqui? – meu chefe pergunta
discretamente.
– Não, mas avisarei que você
está. – o bombado assume novamente um
semblante sério.
Quem será “ele”?
– Ok, até mais. – John me leva
para longe do amigo.
O interior do clube era dividido

em três áreas: do lado direito tinha o bar
com diversas bebidas coloridas, à
esquerda havia várias mesas em um
estilo pub e no centro estava a pista de
dança com um pequeno palco e luz
negra, como em qualquer outra casa
noturna.
Nos sentamos em uma das mesas
mais no fundo e John pede diversos
aperitivos.
– Você vai querer beber alguma
coisa? Não tem papai Chris aqui para te

impedir. – ele levanta uma sobrancelha
em desafio para mim.
Deixe-me pensar... Eu sozinha
em uma cidade estranha com John,
álcool e rock 'n roll. Ele ainda acha que
eu sou dessas.
– Não, obrigada! Acho que perto
de você é melhor estar em alerta total. –
digo brincando. Mais ou menos.
O canto de sua boca levanta e
ele morde o lábio inferior como se
quisesse aprisionar seu sorriso. E é por

isto que eu não pretendia beber, John já
era droga suficiente.
– Sabe, Elle, seu problema é que
você precisa aprender a relaxar. Esse
negócio de “sempre alerta” está te
deixando muito tensa.
Começo a rir. Toda a fonte da
minha tensão é ele, nunca fico assim
perto das outras pessoas.
Nossa comida chega e ele pede
uma cerveja e uma Coca-Cola para o
garçom. Pego uma batata frita e mordo

um pedaço, apontando o restante para
ele.
– Eu posso baixar a guarda... Se
você prometer manter a trégua. – digo
cautelosa.
– Ok – John pega um punhado de
batatas e joga na boca – Me diga como
foi a reunião, então.
O garçom reaparece com o
restante do nosso pedido e eu assumo
um ar superior. É hora de esfregar minha
vitória na cara presunçosa do meu chefe.

– Foi bom... – digo mexendo
com o canudo do refrigerante – Ótimo,
na verdade. Considerando que eu
consegui o dobro do esperado!
John que estava no meio do
processo de levar o gargalo de cerveja à
boca, para em choque. Sua expressão é
cômica, os lábios formando um “O”
perfeito.
– Tente não parecer tão surpreso,
John! Eu posso ser persuasiva... – digo
tomando minha coca.

O sorriso dele é malicioso.
– Ah, eu não tenho dúvidas
disso... Mas como você conseguiu?
– Simples, eu ofereci dez
convites de um meeting com a banda
para cada um da reunião! – minha ideia
foi genial, como ninguém pensou nisso
antes?
John engasga e bate no próprio
peito com o punho.
– Você simplesmente deu cem
entradas de meeting? – ele pergunta

incrédulo.
Eu nunca fui boa em matemática,
mas deveria ter parado um segundo para
multiplicar dez vezes dez antes de fazer
a oferta! Na empolgação do momento,
esqueci que seriam cem garotas
histéricas em cima deles.
– Bem, sim... Na hora pareceu
ser um bom plano, já que vocês não
gastam nada para fazer um meeting! É só
chegar lá e deixar as meninas te
abraçarem, beijarem no rosto e tirarem

uma foto! Nada demais. – agora estou
incerta.
Merda.
John começa a rir.
– Então tudo bem as mulheres se
esfregando em mim, se for pelo bem
maior. Não é, Helena?
Ai, meu Deus...
– Não é isso! Era só algo barato
para oferecer em troca... – tento
amenizar.
Eles não gastam nada para ficar
em pé e sorrir!
– Que vergonha! Agora você me
chama de barato? – John coloca a mão
no peito e faz cara de chateado – Assim
fere meus sentimentos, Elle.
– Ah, cala a boca! Que eu saiba,
você não tem sentimentos... – falo
emburrada, sem pensar direito no que
estou dizendo.
John me olha com intensidade.
– Todos os músicos têm
sentimentos, Helena. Nós expomos

nossa alma em cada canção.
Ele toma outro gole da cerveja
antes de continuar a falar:
– E para sua informação, cada
meeting desses custa de dois a três mil.
Você ofereceu quase trezentos mil em
convites.
Puta merda! Eu não tinha noção
do valor. Não é à toa que eles aceitaram
a proposta tão facilmente. Como fui
estúpida!
– Me desculpa, John – falo

arrependida – Da próxima vez juro que
combino com você...
Estou triste, minha grande
conquista profissional foi uma enorme
mancada. Eu não deveria ter agido por
impulso. Consequências, Elle... Tenho
que aprender que tudo na vida tem
consequências.
– Esqueça isso, realmente é
apenas um incômodo. Mas já que você
me tornou um homem prostituto pela
caridade, poderia pelo menos dançar

comigo? – John se levanta e estende a
mão para mim.
Coloco minha mão na sua.
– Olhe pelo lado bom... Pelo
menos este seu rostinho bonito vai servir
para alguma coisa!
– Venha logo, espertinha. – John
sorri com o canto da boca.
Antes de se afastar da mesa,
John pega um prendedor do bolso e faz
um coque estilo samurai, definindo mais
seu rosto. Resgato outro prendedor da

minha bolsa e faço o mesmo com meu
próprio cabelo, estamos prontos para
nos divertir.
É hora da festa.


CAPÍTULO 6 – É
hora da festa
Na pista de dança não havia
banda ou DJ se apresentando, o sistema
de som tocava pop e rock dos anos
oitenta e noventa. O ambiente era escuro
e os jogos de luzes permitiam que nós
víssemos apenas o suficiente dos corpos
balançando. Mesmo assim, eu não era
capaz de perder um movimento de John.
Ele era hilário dançando, repetia
alguns movimentos loucos que eu já o vi
fazer nas gravações dos shows, eu só
tentava acompanhar. Não sei se as
pessoas ao redor não se importavam ou
não o reconheciam na escuridão, acho
que cada um estava perdido em seu
mundo.
John realmente respeitou a trégua
e pude relaxar, me deixar ir pela batida
da música. Eu não precisava de álcool
ou qualquer entorpecente para sentir
como se meu corpo estivesse em outra
dimensão. Para mim, bastava a vibração
do som pulsando em minhas veias e a
letra de um bom rock para me mandar às
nuvens.
Isto e o magnetismo de John. Eu
podia negar o quanto quisesse, mas ele
despertava algo profundo em mim.
Primitivo. Contudo, alguma coisa me
impedia de seguir este instinto, eu só
não sabia o quê.
Acho que John tinha razão! Eu
me sentia como uma corda tensa
ultimamente, sendo puxada para dois

lados opostos. Espero não alcançar um
ponto de ruptura.
– Terra para Elle! Você
realmente viaja na música, hein? – John
estala os dedos na frente do meu rosto.
Dou de ombros e levanto minhas
mãos acima da minha cabeça. Movo meu
corpo ao ritmo da batida.
– Acontece às vezes...
Ele se aproxima de mim e coloca
a mão em minha cintura.
– Você estava tão perdida... No

que estava pensando?
De repente a voz de Mick Jagger
começa a soar nos alto falantes cantando
“I can't get no satisfaction...”. John me
olha com a sobrancelha levantada e
começa a rir.
– Olha só! Este parece ser meu
novo lema. Por que será, Helena? – ele
fala sugestivamente.
– Sério? Você me pareceu bem
satisfeito na festa, tinha um harém ao seu
redor. – digo com desdém.

John me encara com uma
expressão satisfeita.
– Está com ciúmes, Elle?
Paro de dançar, coloco meus
braços ao redor do pescoço dele e falo
em seu ouvido:
– Daquelas vadias? Não tenho
ciúmes delas, John –ele abraça minha
cintura, nos aproximando mais – Quer
saber por quê?
– Por quê? – sua voz está rouca.
Mil promessas em uma pergunta.

– Porque elas nunca vão te
conhecer de verdade. Jamais saberão
que você se importa com seus amigos e
sua banda. Você faz um esforço grande
para parecer desinteressado com tudo.
Como se nada importasse, mas você
quer mesmo ajudar aquelas crianças –
olho em seu profundo azul. Seus olhos
brilham com uma emoção desconhecida
nas luzes intermitentes – E você é a
pessoa mais metida que eu conheço!
Porém, ainda guarda alguma insegurança
sombria em sua alma.
John me olha sério, o momento
leve passou com minha última
observação. Acho que esqueci de falar
sobre as suas alterações de humor.
– Eu não sou mártir ou herói,
Helena. Não há camadas obscuras em
mim para você desvendar – ele olha
para um ponto por cima do meu ombro –
Venha, tenho coisas a resolver.
John me guia para fora da pista
de dança, em direção ao bar. A
bartender é uma garota loira toda

vestida em negro. Era linda e sensual,
mas não vulgar. Deveria ganhar muita
gorjeta.
– Elle, esta é Lya. – John me
apresenta à mulher, enquanto aponta um
banco para eu me sentar.
– Oi, Lya! Prazer em conhecê-la.
– lembro de ser educada.
Seus olhos marrons parecem os
de um gavião em cima mim. Será que
percebeu que sou menor de idade? É
agora que serei expulsa? Mas o John

fortão da entrada se intromete logo.
– Ele chegou, J.
John balança a cabeça em
concordância e se vira para Lya:
– Você pode ficar de olho nela
por mim?
O quê? Eu não preciso de babá!
John se vira rapidamente e aponta um
dedo para mim.
– Você fica aqui, Helena. Eu
volto já – ele me olha preocupado –
Faça o que eu peço, por favor.

Já que ele pediu
“educadamente”...
Vejo-o desaparecer em outro
corredor com acesso restrito para os
funcionários. Em que John estará
metido? E ele ainda tem a cara de pau
de falar que não esconde nada. Sei.
Estou com uma sensação
estranha, como se estivessem olhando
para mim. O que é um absurdo! Dentre
todas as pessoas presentes no clube,
John seria o único com motivos para ser

observado. Estou ficando paranoica
igual a ele! Não vi cliques de câmeras
ou flash de paparazzi, está tudo na
minha imaginação.
Um copo longo cheio de um
líquido verde com gelo é colocado à
minha frente.
– O que é isto? – pergunto
desconfiada.
– Kriptonita, parece que você
está precisando de uma dose. Por conta
da casa. – Lya diz.

Já bebi antes com Sam, sem O
Delegado saber. Minha tolerância ao
álcool é razoável, mas nunca tomei nada
verde e muito menos oferecida por um
estranho. Porém, já que John a deixou
como “babá”, deve ser de confiança, e
um copo não fará mal. Será bom para
relaxar um pouco.
Provo um gole. É forte e queima
minha garganta, no fundo há um gosto de
menta que deixa um leve frescor. O
contraste arrepia minha pele.

– O que tem nisso? – pergunto
tomando uma segunda vez. Agora
queimou um pouco menos.
– Esse na verdade é uma
kriptonita leve. Aí tem licor de menta, e
como você tem cara de bebê, troquei a
vodca por soda.
Ainda bem! Por que se fosse a
receita original, eu provavelmente cairia
mais rápido que o superman.
Lya conversa comigo enquanto
atende os outros clientes. Ela parece

legal. Tento tirar informações sobre o
John ou quem seria o “ele” com quem
ele foi falar, mas é inútil. Ela não libera
nada.
– Este lugar está desocupado? –
um homem alto de voz grossa me
pergunta, apontando para o banco ao
meu lado.
– Claro. – respondo sem dirigir
um segundo olhar, esperando pelo
retorno de Lya.
– Você vem muito por aqui? –

ele insiste.
Que original. Me viro para
encará-lo. Seus olhos e cabelos são
escuros, ele é forte e me dá um sorriso
agradável. Porém, algo nele me envia
um alerta na espinha, como uma
memória latente de um pesadelo.
– Não. – digo monossilábica.
– Qual seu nome? – ele não
desiste.
– Kim. – minto.
Ele franze a testa. O movimento

é mínimo, mas eu percebo. Me sinto
incomodada. Será que estou
exagerando? É o licor fazendo efeito?
Mas eu ainda não tomei o meu primeiro
copo inteiro. Poderia ser ansiedade em
saber o que John está aprontando lá
dentro. É... deve ser isso!
– Bonito nome...
De repente, um cara chega ao
meu lado gritando com a Lya e exigindo
uma bebida. Observo a confusão sem
propósito do homem e acho um absurdo.

A garota era uma bartender maravilhosa,
estava atendendo todos com agilidade.
Volto minha atenção para meu
copo, mexo um pouco com o canudo
para derreter o resto do gelo e tomo o
restante da bebida. O final está um
pouco mais forte, o licor deve ter
decantado.
– Então, Kim. Quer dançar?
Com quem ele está falando
mesmo? Ah, sim. Comigo.
– Não, obrigada. – cara

insistente!
Ele me mostra um sorriso que
deveria ser vencedor, mas só me dá uma
angústia.
– Eu insisto! Uma garota linda
como você não pode estar sozinha.
Ele tenta segurar meu braço, mas
outra mão o impede. John.
– E quem te disse que ela está
sozinha? – seu tom é duro e a cara de
poucos amigos.
Oh, merda.


CAPÍTULO 7 –
Psicodélico
O cara se levanta. Ele não
supera John em altura, mas é muito
maior em músculos. Droga! Não
devemos chamar atenção ou isto irá
parar nas redes sociais, e aqui não mais
será o refúgio de John. Olho para Lya
em busca de ajuda, porém ela já está
acenando para alguém na porta.
Espero que seja para aquela
montanha de músculos que também se
chama John.
O segurança não chegará a tempo
e só tenho um segundo para agir antes
que eles partam para a briga. Preciso
fazer alguma coisa! Olho para o meu
copo, só sobraram algumas pedras de
gelo... terão que servir.
Pego-o e jogo o conteúdo na
cara do homem, que desvia seu olhar de
ódio para mim. John se põe na minha
frente, protegendo-me.

– Saia daqui e vá para trás do
bar com a Lya! – ele me ordena.
O cara me dá um olhar maligno.
– Não vá tão longe! Você será
minha depois que eu acabar com esta
bonequinha.
John parte para cima dele com o
punho levantado e dá um soco. Antes
que o homem revide, é interceptado por
três seguranças do clube. Dois arrastam
o brigão pela porta dos fundos e o amigo
dele nos leva para uma sala reservada.

Ele se debate furioso. Minhas pernas
estão bambas, parecem feitas de
gelatina. Me forço a acompanhá-los.
– Porra! Por que você não me
deixou bater mais nele? – John empurra
o amigo com raiva – Você sabe que eu
daria conta!
– Calma, J! Isso só traria
encrenca. Primeiro viria a imprensa,
depois o cara iria te processar para
arrancar grana... E ninguém aqui quer
polícia envolvida, não é? – John Fortão

fala em tom apaziguador – Olha, se
preocupe com sua garota, que vou
limpar esta bagunça.
Ele sai e nos deixa sozinhos.
John está encostado na parede e respira
pesado. A minha adrenalina ainda está
tão alta que me sinto tonta.
– Você está bem?
Não me aproximo dele. Não sei
se ele já recuperou o controle ou se
ainda está na vibe da briga.
Ele inspira e expira

profundamente, tentando se acalmar:
– Sim, e você? Ele te machucou?
– Não, ele não tocou em mim. –
mas me sinto estranha, meu corpo ainda
treme de emoção.
John desencosta da parede e vem
em minha direção.
– Vamos dançar um pouco mais
antes de ir. – não sei se consigo, mas o
sigo mesmo assim.
Do lado de fora tudo parece
normal, como se nenhuma confusão

tivesse acontecido. Ainda bem que
apesar dos ânimos exaltados, nada havia
sido destruído.
O único resquício estava na
música. Ao invés de algo agitado, os
alto falantes executavam uma antiga
melodia sensual: Glory Box, da banda
Portishead.
– Vamos para o hotel? – pergunto
para John.
John me leva até a pista de dança
e segura minha cintura, unindo-nos. Seu

corpo ondula contra o meu, seguindo o
ritmo. Minha cabeça está muito leve, o
cheiro dele e sua proximidade, junto
desta música, fazem minha mente
divagar.
“I'm so tired of playing
Playing with this bow and
arrow
Gonna give my heart away...”[9]
Jogo minha cabeça para trás,

deixando-o me conduzir na dança. Ele se
inclina e sua barba arranha meu
pescoço. Abro meus olhos e ele está me
observando atentamente. As luzes se
intercalam iluminando seu rosto: claro e
sombrio, assim como ele.
John passa a mão em meu rosto,
deslizando até a base da minha garganta.
– Ah, Elle...
“Give me a reason to love you
Give me a reason to be... a
woman
I just wanna be a woman.”[10]
– Você vai me beijar agora? –

meus pensamentos ganham voz em um
suspiro que não consegui conter.
Eu espero que John não me ouça,
mas ele o faz. Sinto-o encostar
levemente os lábios em meu pescoço.
– Por mais tentador que seja, eu
não vou te beijar, Helena. Você começou
com a trégua, agora vai ter que pedir
para acabar com ela.
Enquanto fala isto, John continua

a me torturar dançando ao som dessa
música hipnótica. Minha mente nunca
esteve tão nublada, as luzes parecem
dançar ao meu redor e a voz da cantora
penetra em minha alma. O meu corpo se
encontra adormecido ao resto do mundo,
mas hipersensível à presença de John.
Sinto-me estranha, entorpecida.
Quando levanto meu rosto e
finalmente encaro John, ele franze a testa
para mim.
– Helena, você está bem?

Sua voz está distante e
preocupada. Meu cérebro parece ter
sido preenchido por algodão. Não
consigo articular uma resposta coerente.
John segura minha cabeça com as duas
mãos, me forçando a encará-lo.
– Porra! Suas pupilas estão
dilatadas!
Eu não consigo processar direito
o que isto significa antes que o mundo
inteiro vire um grande nada.


CAPÍTULO 8 –
Batizada
– O que porra você fez com ela,
John? – escuto o que deveria ser um
sussurro, mas parecia um martelar
irritado em minha cabeça.
– Você acha que eu faria isso
com alguém, Chris? – há um tom de
mágoa na voz de John – Você ainda
espera algo assim de mim?
Do que eles estão falando? O
que Chris está fazendo aqui? Onde é
aqui? Mantenho os olhos fechados,
assim talvez consiga algumas respostas.
– Eu pensei que você já tivesse
superado isso, cara! – Chris dá um
suspiro audível – Eu não teria deixado
Elle trabalhar, se eu não tivesse total
confiança em você, porra!
Como se eu fizesse o que ele
manda!
– Como se ela te obedecesse! –
John diz com escárnio – Por você, Elle

estaria dentro de uma redoma de vidro e
bem longe de mim!
John fala a última parte quase
gritando. Ai, minha cabeça! Eu devo ter
feito algum movimento, pois de repente,
os dois estão em cima de mim querendo
saber como estou. Bem, acho que não
adianta mais fingir, então abro os olhos.
Duas cabeças com idênticas expressões
preocupadas estão inclinadas em cima
de mim, uma loira e outra morena.
– Com vocês assim, não posso

respirar direito. – minha voz sai sem
forças, sinto um latejar por trás dos
meus olhos – O que aconteceu? Onde
estou?
Chris senta na beira da cama ao
meu lado e fala com raiva contida:
– John deixou que drogassem
você, Elle.
Drogas? Mas como e quando?
Isso só pode ser um engano...
– Eu não deixei que a
drogassem! A Lya estava de olho nela. –

John se defende.
Eu não tenho forças para
reclamar que não preciso de babá. Até
porque, aparentemente, eu precisava
sim.
– Lya? Ela tem que atender
dezenas de pedidos e você sabe muito
bem disso! Você deveria ter levado ela
junto.
Então Chris também conhece a
Lya? Mas, espera aí...
– Querem parar de falar de mim

como se eu não estivesse aqui? – minha
dor de cabeça já era estresse suficiente.
Chris se levanta e me entrega
dois comprimidos de analgésico e água.
Bebo com prazer.
– Qual era o nome daquele
homem que te agarrou? – John me
pergunta.
Lembro do cara desagradável,
desde o início algo nele me deixou
tensa.
– Ele não me disse um nome –

levanto minha mão para interrompê-los
– E não me olhem de cara feia! Não
fiquei de conversa e ele também não me
ofereceu nenhuma bebida!
Será que Lya teria me drogado?
Tento lembrar... Eu estava tomando a
kriptonita quando ele chegou, mas já
estava quase no fim...
– Já sei! Houve uma confusão no
bar, um outro homem ao meu lado quis
arrumar briga com Lya para ser atendido
logo. Eu fiquei prestando atenção à

briga e quando tomei o último gole,
achei a minha bebida mais forte –
merda! – Eu pensava que o licor tinha
decantado...
Chris me abraça e John cruza os
braços frustrado.
– O que ele queria comigo? –
pergunto assustada com as
possibilidades.
Chris me aperta mais contra seu
peito, John esmurra a parede e eu deixo
as lágrimas que estava prendendo

rolarem. Ninguém precisa me responder,
eu posso imaginar as intenções nada
agradáveis daquele homem horroroso.
O telefone de John toca e ele
retorna ao bar em busca de mais
informações. Decido tomar um banho e
colocar roupas confortáveis para me
livrar desta noite terrível. Quando
retorno para o quarto Chris está sentado
na cama com uma bandeja na mão.
– O que é isso?
Ele me dá seu lindo sorriso

tímido.
– Cookies caseiros e leite.
Jogo-me na cama, ficando de
bruços ao lado dele e pego feliz um dos
cheirosos biscoitos:
– Não sabia que o hotel
entregava desses.
A comida alivia meu estômago e
o sabor doce retira os resquícios do
amargo que mesmo o creme dental não
conseguiu remover. O Chris acertou no
que pedir para mim.

– Eles não entregam, eu mandei
buscar fora enquanto você dormia. Sua
mãe sempre fazia cookies quando a
gente estava doente, eu sabia que eles te
fariam se sentir melhor.
Agora o sabor não era tão doce
assim... Nunca mais terei os biscoitos
caseiros da minha mãe. Gostaria que ela
estivesse aqui agora comigo.
– Obrigada, Chris. Você sempre
pensa em tudo...
Tento engolir a massa, que agora

está pastosa.
– Como chegou aqui tão rápido?
Tomo um gole do leite e apoio a
minha cabeça no travesseiro. Ainda me
sinto um pouco tonta.
– Eu não cheguei rápido, você
que esteve desacordada por mais de
quatro horas. – Chris descarta a bandeja
e se deita ao meu lado. Já deve estar
quase amanhecendo, não sabia que era
tão tarde.
– E por que eu estou no hotel e

não em um hospital? – me sinto apenas
um pouco tonta, mas acho que eles
deveriam ter se preocupado com minha
saúde.
Chris faz carinho em minha
cabeça enquanto fala:
– Lya é treinada em primeiros
socorros, ela cuidou de você enquanto
John chamava um médico particular.
– Uma ambulância não teria sido
mais eficiente? – franzo a testa – E o
boletim de ocorrência? Nenhum policial

vai me questionar ou fazer algum
exame? Vocês sabem que droga me
deram?
Chris se levanta agitado, passa
uma das mãos nos cabelos e anda de um
lado ao outro do quarto.
– Elle, deixa a gente resolver
isso do nosso jeito, certo? O que aquele
cara te deu foi um sedativo, o médico já
te examinou. Você ficará bem, eu nunca
colocaria sua saúde em risco – ele me
olha quase com desespero – Mas não

vamos envolver a polícia.
Um filho de um delegado que
não quer envolver a polícia? Sei...
– Você me contaria se estivesse
envolvido em algo ilegal?
Chris me olha surpreso.
– Você realmente precisa
pergunta isso?
– Não sei – falo nervosa – Me
diga você!
– É claro que não, Elle! Pensei
que você me conhecesse melhor do que
isto. – Chris parece chateado.
– Eu conheço! Mas não sei no
que você pode ter se metido enquanto
morava nas ruas – falo baixo para tentar
acalmá-lo – Você acha que me enganava
quando dizia que estava tudo bem?
Ele apenas dá de ombros e eu
seguro seus braços, forçando-o a olhar
para mim.
– Eu sei o quanto foi difícil para
você viver sozinho e com medo –
respiro fundo, tentando segurar a

emoção – Eu também me sentia sozinha
e tinha medo por você. Onde estava e
com quem andava.
Beijo sua testa.
– Eu não te julgaria se tivesse
feito algo errado.
Ele me dá um olhar triste,
cansado.
– Eu sei, mas eu já disse que não
tem com que se preocupar.
Sinto que ele fala a verdade.
Chris nunca foi bom em esconder nada

de mim antes.
– Acredito em você, mas e o
John? No que ele está metido? – preciso
saber no que eu me meti.
Chris suspira alto antes de falar:
– John não deve nada à polícia.
– Mas já deveu? – tenho certeza
que Chris está escondendo algo.
Ele balança a cabeça para os
lados em negação, mas desvia o olhar
antes de responder.
– Não. As pessoas que você
conheceu no clube também estão
limpas... Bem, exceto o cara que te
drogou – ele me olha preocupado – Não
posso nem começar a imaginar o
poderia ter acontecido com você.
O abraço em busca de conforto.
– Eu também. Mas não vamos
pensar nisso, John estava lá para me
proteger.
Ele me aperta mais e beija minha
cabeça.
– Sim, acho que devo uma a ele.

Tento impedir, mas solto um
grande bocejo. Minha mente está
inquieta, mas meu corpo ainda se sente
cansado. Resolvo escovar os dentes e
me ajeitar para dormir.
– Você vai dormir aonde?
Ele olha para a cama e para
mim, e depois dá de ombros
– Posso dormir na poltrona da
varanda, só preciso de um cobertor e um
lençol...
Como se eu fosse deixar isso

acontecer! Não seria a primeira vez que
nós dividiríamos uma cama.
– Pelo amor de Deus, Chris!
Deixa de fazer drama e vai se ajeitar
para dormir comigo.
Ele sorri e se tranca no banheiro.
Deito-me na cama e enrolo o
edredom como se fosse um casulo. Com
quantas mulheres aquele homem usou
esse truque tão baixo? Quantas não
tiveram a mesma sorte que eu?
Eu acredito que Chris tenha me

falado a verdade. Ele e John não devem
ter problema com a polícia. Se tivessem,
já teria saído em algum tabloide, não é?
Mas ainda tem alguma coisa errada...
– Já dormiu? – Me assusto com
Chris.
Estava tão distraída em meus
pensamentos que não o vi sair do
banheiro. Ele sobe na cama ao meu lado.
– Você vai ficar parecendo uma
lagarta enrolada ou vai me dar um pouco
do cobertor?

Viro o rosto para vê-lo. Está
apenas de bermuda e com os cabelos
úmidos do banho. Chris estica o corpo,
ficando confortável para dormir, e dobra
os braços por trás da cabeça.
Comparo-o com o garoto de
minha infância. Hoje Chris conseguia
ser mais bonito do que antes e a fama só
aumentou seu carisma natural.
Ele me dá seu sorriso torto:
– Venha cá, Elle – ele me puxa e
coloco minha cabeça em seu peito – Eu

vou cantar para você dormir, que tal?
Me aninho em seu colo e quando
vou dar um beijo de boa noite, percebo
uma mancha em seu pescoço.
– O que é isso, Chris?
Ele pega uma mecha do cabelo e
tenta cobrir a marca.
– Nada, Elle, vá dormir!
Afasto o cabelo novamente e
observo de perto. É exatamente o que eu
pensei que fosse.
– Chris, não acredito que você
está com um chupão! – aponto rindo –
Quantos anos você tem? Quatorze?
– Não enche, Elle!
– Qual era o nome dela? –
pergunto curiosa.
– Não sei... – Chris responde
evasivo.
– Você usou proteção? – a minha
preocupação era genuína.
O grito de Chris ecoa no quarto:
– Helena!
– Não venha com Helena para
cima de mim! Eu pergunto isso desde
aquele susto com a Ana!
– Eu tinha quinze anos – Chris
me olha irritado – Aquilo não conta.
– Está bem, hormônios em fúria,
vamos dormir!
Me encosto em seu peito e puxo
o edredom para nos cobrir. Chris faz
carinho em minha cabeça:
– Eu era uma criança...
– Que quase fez outra criança –
beijo sua bochecha – Então apenas tenha

cuidado, ok?
– Ok! Vai querer ou não que eu
cante para você?
– Sim, por favor. – nunca
rejeitaria uma boa música.
Chris canta baixinho canções
antigas, como fazia quando eu era
pequena e estava doente.
– Obrigada, Chris.
– É para isso que os amigos
servem, não é? – ele beija o topo da
minha cabeça – Tenha bons sonhos, Elle.

Eu nunca deixaria nada de mau te
acontecer.
Adormeci rapidamente. Eu
estava segura com Chris. Ele era minha
rocha e meu guia.
Meu protetor.


CAPÍTULO 9 – Por
trás de olhos azuis
A estrada está escura e eu não
posso ver nada. O motor do carro é o
único barulho que escuto. Mamãe?
Papai?
O que está acontecendo?
De repente, mãos vindas de
lugar nenhum me seguram. Sinto
cordas sendo amarradas em meus
pulsos e pés. Não posso me mover.
Tento gritar, mas não há som em minha
garganta.
A fumaça invade minhas
narinas, não vejo o fogo. Apenas a
sinto penetrar em minha alma.
Sufocando.
Não há ar para respirar. Eu vou
morrer.
“No one knows what it's like
To be the bad man.”[11]
Uma música invade a
escuridão. Não estou sozinha?
“To be the sad man
Behind blue eyes.”[12]
John? Preciso encontrá-lo. Sigo
sua voz. Alguém para me tirar desta
noite sem fim...
Abro os olhos e ainda estou

deitada com Chris. Ele está dormindo
profundamente e todo encolhido,
provavelmente de frio. Meu lado da
cama está todo desarrumado e o
edredom no chão.

Enrolo seu corpo com cuidado,
quando percebo a música vinda do
quarto ao lado. Não foi meu
inconsciente que me acordou, a voz de
John realmente invadiu meu pesadelo e
me resgatou das trevas.
Sigo a canção e reconheço a
densa letra de Behind blue eyes, do The
Who. John está na varanda, sentado em
uma espreguiçadeira com o violão na
mão. Ele olha para o nada e parece
triste. Perdido.

Ele me salvou ontem no bar e,
mesmo que não saiba, espantou meu
pesadelo agora. O céu está começando a
mudar de cor, ficando alaranjado. A que
horas John voltou? Ele dormiu?
–Vai ficar quanto tempo aí
parada? – John fala após cantar a última
estrofe.
Me aproximo e sento na cadeira
ao seu lado.
– Você não deixa escapar nada?
John coloca o violão no chão e

se vira para mim.
– Ao contrário, parece que tudo
sempre termina fugindo.
– Incluindo eu?
Ele estende a mão em minha
direção. Acho que sua intenção é tocar
em meu rosto, mas desiste e baixa o
braço.
– No momento, especialmente
você.
Ele me dá um meio sorriso triste.
Não sei o que dizer. John está
tão abatido, nunca o vi assim.
Derrotado.
– Você dormiu, John?
– Não – ele me olha cansado –
Eu voltei para o clube. Analisamos a
filmagem, mas não encontramos nada
que os identificassem. Eles entraram e
saíram a pé.
– Podemos entregar a filmagem
para a polícia e eles iriam identificar o
sujeito! – digo agitada.
– Não adianta, Elle. Eles evitaram

as câmeras, só passaram por uma na
entrada e outra no bar. E mesmo estas
não pegaram seu rosto, não temos uma
foto precisa deles.
– Como isso é possível? –
pergunto assustada. Não parecem
amadores para mim.
– Eles deviam conhecer o
interior do clube... Não sei.
Terá sido uma coincidência?
Tem algo estranho nisso.
– Por que você está falando no

plural? Quem mais estava envolvido?
John exala forte antes de falar:
– O cara que fez a confusão com
a Lya, eles chegaram juntos.
Meu Deus! O homem armou um
barraco só para me distrair e colocarem
a droga no meu copo. Pior que
funcionou.
Um arrepio me percorre, gelando
meus ossos.
É muito cedo para este tipo de
notícia, ainda não amanheceu direito.

Escondo meu rosto em minhas mãos.
John senta na mesma espreguiçadeira
que eu e me abraça. Ficamos assim
calados por um tempo, ele apoiado no
encosto e eu aninhada a ele. Quebro o
silêncio:
– Obrigada por me salvar.
John passeia sua mão por minhas
costas, acompanhando a linha da minha
coluna. Cada toque seu me aquece e
afasta um pouco o medo.
– Eles nunca teriam te tirado de

lá. – John fala com segurança.
– Como você pode ter certeza?
– Por que eu não teria permitido. –
ele diz sério.
– E por que você se importa? –
pergunto confusa. Ele me conhece a
poucos dias e só me beijou duas vezes.
E eu ainda chutei o seu saco.
John me vira um pouco, fazendo
com que eu o encare.
– Não sei, Helena. Escuto Chris
falar sobre você há tanto tempo... É

como se eu já te conhecesse – ele passa
uma mão em meu rosto – Mas eu não
acreditava que era real. Achava que
Chris estava exagerando...
Não sei se é a noite mal dormida
ou tudo que aconteceu ontem, mas deixo
que ele continue a tocar em mim. E John
está sendo sincero, estamos finalmente
tendo uma conversa sem brigas.
– E no que você acredita agora?
– Acredito que você é diferente
das outras garotas, não aceita tudo que

eu falo e tem opinião própria. Você me
desafia, não é algo que eu tenha
encontrado ultimamente.
Ele quer um desafio? No
momento, eu precisava de uma
distração.
Bem, a falta de sono parecia
soltar a língua dele. Eu poderia tirar
vantagem disso.
– Eu não passo de um desafio? –
me viro e monto em seu colo, mas sem
encostar nossos quadris.

Pego um punhado de seus
cabelos. Levanto sua cabeça como ele
fez tantas vezes comigo:
– Quer dizer que se eu te agarrar
aqui e agora, então acabou o encanto e
você para de me encher?
Seus olhos brilham com o fogo.
– Helena... Você já está
implorando para o fim da trégua?
Eu dou o meu sorriso mais
sacana.
– Ah, John! Não sou eu que vou

estar implorando...
Inclino sua cabeça para trás e
beijo seu pescoço, perto da orelha. Seu
cheiro me invade e eu exploro seu torso
com minha outra mão. John agarra minha
cintura, deixando marcas em minha pele.
Eu mordo a borda de sua mandíbula.
– Nada de mãos, você fica
parado ou eu vou parar. Entendeu?
O canto de sua boca se levanta
com escárnio:
– Você que manda, chefinha.

Ótimo, hora de fazê-lo abrir o
bico. E tirar proveito enquanto faço
isso...
Continuo a beijá-lo pelo rosto e
pescoço, evitando de propósito sua
boca... Abaixo meu quadril em seu colo
e movo devagar, para provocar. No
momento, ele era só meu para brincar.
Meu pijama fino contra o zíper
de seu jeans potencializa a fricção que
cresce cada vez mais. Preciso de toda
minha força de vontade para não me

perder na sensação.
– Me diga, John... – aumento a
pressão entre nós e sua respiração
acelera – Tem alguma coisa que você
ainda está escondendo de mim sobre
ontem à noite?
John não responde. Ele beija,
morde e arranha com sua barba toda
pele exposta que sua boca alcança. E
está ficando muito animado, arranho sua
orelha com meus dentes.
– Diz logo, John... – sussurro entre

beijos e carícias. É melhor ele falar
rápido, antes que eu esqueça meu
propósito inicial.
– O quê? – Ele me olha confuso
– Que loucura é essa agora, Helena? Eu
falei tudo sobre ontem!
Eu teria acreditado nele, se John
não tivesse desviado o olhar. Seguro
seus cabelos com força e prendo ainda
mais minhas pernas em cada lado de seu
quadril. Me elevo sobre ele. John tem
que entender que agora ele está à minha

mercê.
Obrigo-o a me encarar.
– Tem alguma coisa te
incomodando sobre ontem ou você não
estaria aqui durante o amanhecer
cantando aquela música – exijo – Fala,
John, o que é?
Sua boca se fecha em linha reta.
Raiva e algo mais profundo substitui a
luxúria. Ele deve ter descoberto algo
sério no clube para ter essa expressão
de fúria.

– Eu não gostei de te ver na
cama com o Chris! – ele esbraveja.
O quê? Não era esta a resposta
que eu estava esperando.
– O que você acha que eu senti
quando te vi dormindo feliz abraçada
com ele? – John se levanta e anda pela
varanda de um lado para o outro – Diz,
Helena! O que você acha?
John, que se agarrou com outras
garotas na minha frente, está com ciúmes
de mim? Ele devia estar de brincadeira

comigo!
– Não aconteceu nada! – digo em
minha defesa.
– Nada? Nada?! Eu já dividi
mulheres com Chris, sim, mas nenhuma
delas me importava! Eram descartáveis
– Ok, eu podia ficar sem essa
informação – mas você é diferente.
Quer saber o que eu estava fazendo
aqui? O que tirou meu sono?
Me levanto para enfrentá-lo de
igual para igual:

– Quero!
– Eu pensava em você, se eu
estava destruindo as chances de Chris
ter um amor verdadeiro – ele fala
decidido – E sabe a conclusão que
cheguei?
Balanço minha cabeça para os
lados. Esta conversa não está indo do
jeito que eu planejei.
John continua:
– Eu descobri que vocês se
amam demais e esse amor vai durar para

sempre. É puro.
– O que você quer dizer com
isto?
– Eu quero dizer que o amor de
vocês é puro demais. Você não está
atraída por ele, passaram tanto tempo
juntos que são como irmãos – ele me
encara como se pudesse enxergar dentro
de mim – Estou enganado, Helena?
Chris era um pedaço de mim, da
minha alma. Nossa amizade sempre
existiu e era sólida. Mas a meu ver, já

era o máximo que podia ser: uma
amizade. Eu não poderia me permitir ter
outros sentimentos por ele, não é?
– Estou enganado, Helena? –
John segura meus braços e me apoia
contra a parede – Você ama o Chris?
– Sim – respondo sem hesitação.


CAPÍTULO 10 –
Porque eu quis
– Você se sente atraída por ele?
– balanço minha cabeça em negação e
John me pressiona mais contra a parede
– Chris conhece o sabor da sua boca?
Levanto meu queixo em desafio.
John pode estar certo, mas eu nunca
ficaria de cabeça baixa:
– Não, só você conhece.

Seu sorriso é satisfeito. Era a
resposta que ele queria.
– Por que, Helena?
Agora era a minha vez de
mostrar um sorriso vitorioso:
– Porque eu quis assim.
Ele me agarra pela cintura e
pelos meus cabelos.
– Um dia, Helena... um dia vou
te fazer minha de corpo e alma.
Enrolo minhas pernas ao redor
do seu quadril e o aproximo mais.
– Você é ótimo em fazer as
mulheres te desejarem, John. Mas
precisa aprender a conquistar o coração
delas.
– Não preciso conquistar o
coração de mais ninguém – ele diz
enquanto inala perto do meu pescoço –
Só o seu.
– Tem certeza? – falo com a
respiração já acelerada – Tinham tantas
garotas ao seu redor naquela festa...
– Pelo amor de Deus, Helena!

Cala a boca e me beija logo, porra!
Sorrio maliciosa para ele.
– Pensei que você não iria
implorar nunca, John.
Eu não sei quem avança
primeiro, mas nossas bocas colidem
com fervor. Me penduro mais em seu
pescoço e John segura minhas coxas,
prendendo-me entre ele e a parede.
Puxo sua camisa sobre a cabeça
e finalmente posso explorar seu peito
como desejei desde o dia que assinei o

contrato. Passo a mão em suas poucas
tatuagens e mordo uma de nota musical
abaixo da clavícula. Ele aumenta a
pressão em meu quadril, duro contra
macio, em um atrito enlouquecedor.
Beijar John era como ter uma
corrente elétrica percorrendo meu
corpo. Uma chama que me consumia,
despertando todas as minhas
terminações nervosas. A cada toque,
cada gemido eu ficava mais consciente
dele. Presa em seu feitiço.

John retira minha blusa e a joga
no chão. Fico só com o short do pijama
e um sutiã branco. Ele se afasta um
pouco para me observar. Me sinto ao
mesmo tempo exposta e presa ao seu
olhar.
Ele coloca a mão na minha
garganta e a acaricia. Depois a desce
pelo meu colo, arrepiando minha pele
até a borda sutiã. Seu primeiro toque é
por cima da peça íntima, devagar.
Testando meus limites.

Minha respiração acelera e John
se torna mais exigente. Ele me aperta e
fecho os olhos diante da sensação. De
repente, sinto o vento frio tocando mais
da minha pele exposta. Ele abaixa o
bojo do sutiã e eu estava vulnerável à
sua exploração.
John me admira antes de falar
com voz sedutora:
– Você é linda, Helena.
E então ele ataca. Suas mãos me
apertam, enquanto boca, língua e dentes

trabalham sem descanso. E ainda havia a
barba que arranhava nos pontos mais
sensíveis. A boca de John em uma parte
tão íntima era a visão mais erótica da
minha vida.
Me sinto dominada pelo desejo
que me consome. Estico meu pescoço
para trás e apoio a cabeça na parede, me
expondo mais para ele. Sinto o prazer se
acumulando no meu corpo, um calor em
ebulição.
– John... – suplico pela

libertação dessa doce tortura – Por
favor...
Sua boca continua a me
enlouquecer. Seus dedos, porém, agora
se enterram abaixo da minha cintura, me
puxando para mais perto. John aumenta
o ritmo do seu o ataque duplo. Sem
trégua. É excitante e demais para mim.
Ele me morde de leve e eu gemo
de prazer.
– Pensei que você nunca iria
implorar, Helena.

Eu não me importo com o que
John está falando, desde que ele não
pare o que está fazendo. Ele não para,
aumenta mais o ritmo. Não há mais
raciocínio, dúvidas ou respostas.
Apenas John e Elle, aqui e agora. E o
descontrole que me invade.
Prendo minhas pernas ainda mais
ao redor de John e agarro seus cabelos.
Adiciono o meu ritmo ao dele. Ele beija
minha boca e nos agarramos um ao outro
como se nossa vida dependesse disso.

Ambos somos combustível para
essa paixão que nos consome. O ritmo
punitivo é intenso e eu não posso mais
segurar, até explodir em um caos
delirante de prazer.
John me beija mais forte,
cobrindo meu grito com sua boca e eu
não o deixo diminuir o ritmo. Não até ter
o que quero...
Continuamos neste duelo de
línguas, dentes e mãos, até que John
também sucumbe. Ele abre sua boca em

um grito silencioso. Seus cabelos estão
molhados de suor e o sol nascente
ilumina seu rosto. Lindo. E entregue a
mim, assim como me entreguei à ele.
Ele me solta e fico em pé.
Minhas pernas tremem e John me dá um
sorriso convencido.
– Você fica linda quando goza –
que romântico! – Quer saber o porquê?
Eu estou toda assanhada, sem
blusa e parada na varanda. E ele quer
me contar mais teorias?

– Por quê? – cruzo meus braços
para esconder a nudez.
Ele segura meus antebraços e os
puxa para baixo, mostrando-me de novo.
John coloca uma mão em cada lado do
meu rosto e me beija. Porém, pela
primeira vez seu beijo é doce, sem
pressa.
Este beijo não era para devorar.
Ele estava me venerando com sua boca.
– Porque, Helena, é quando você
se entrega para mim. É quando eu sinto

que você pode ser minha.
Solto um suspiro. Agora ele foi
romântico... Ou seria machista? Estou na
dúvida!
– Ora, John! Quem diria que
embaixo de toda essa atitude teria a
alma de um poeta – aponto para a minha
blusa – Pega para mim?
John franze a testa para mim.
– Por quê?
Eu pensei que fosse bem óbvio...
Falo impaciente:
– Para espanar os móveis. Por
que você acha?
Ele me olha meio chocado e
aponta para sua calça ainda úmida.
– Você não vai me deixar assim,
vai?
Caminho devagar em sua direção
e envolvo meus braços ao redor do seu
pescoço. Seu peito nu brilha de suor,
colo meu corpo ao seu. Beijo-o
novamente, aproveitando o momento.
John segura minha cintura e apenas o seu

indicador invade a bainha do meu short,
alisando a pele.
Ele desce sua boca pelo meu
pescoço e eu sussurro em sua orelha:
– Eu não vou te deixar assim,
John...
Ele para e me dá um sorriso
malicioso.
– Não?
– Claro que não! Você sempre
pode ir tomar um banho e trocar de
calça.

Pego a blusa, ajeito meu sutiã e
me visto. John está parado com a boca
levemente aberta. Uso meu indicador
para levantar seu queixo e dou um
selinho em sua boca agora fechada.
– Melhor você tirar um cochilo,
John. Parece... esgotado.
Quando estou quase na porta me
viro para olhá-lo. John ainda está com
uma expressão descrente no rosto e
balança a cabeça para os lados.
– Helena... – ele fala em tom de

aviso.
– Não fique tão surpreso, John!
Eu não sou como as garotas que você
está acostumado... Meu corpo e meu
coração andam juntos – olho maliciosa
para ele – Por mais gostoso que você
seja, não conquistou nenhum dos dois
por completo.
Pisco um olho e solto um beijo
de longe, deixando um atônito John
sozinho na varanda.


CAPÍTULO 11 – Não
quero ser seu amigo
Volto para o quarto e observo
Chris dormir profundamente. Não tenho
como evitar em me sentir culpada pelo
que acabou de acontecer. Que loucura
eu fiz, ele poderia ter acordado!
John, Kim e provavelmente até
Alysson pensam que Chris está
apaixonado por mim. Mas se isso é
verdade, por que ele nunca me falou? Eu
deveria ser a primeira a saber, não?
Pego uma garrafa de vinho e vou
para a banheira. Afundo na água,
pensando no que fazer a seguir... O
mínimo que devo ao Chris é contar a
verdade o mais rápido possível. Ele
merece ouvir de mim! Até por que nunca
fomos de mentir um para o outro.
E se John falar? Vou precisar da
colaboração dele, terá que ficar calado!
Suspiro ao pensar em John... Ele
explodiu minha mente, aquele homem

era uma tentação ambulante! Não sei por
quanto tempo eu poderia resistir ao seu
charme...
Eu quero resistir? A questão não
é esta! Eu não quero, mas DEVO! Não
serei como Nicole ou qualquer uma
daquelas garotas que ele está
acostumado. Usadas e esquecidas.
Descartáveis.
Prometi dar uma chance a ele.
John teria o benefício da dúvida. Só
espero não me arrepender depois. Não

sei se ele seria capaz de manter um
relacionamento sério. Também não tenho
certeza que eu quero um, mas
aproveitaria enquanto durasse.
Tomo um gole do vinho e fecho
meus olhos, relembrando quando o tive
agarrado a mim.
– Elle? – uma voz distante me
chama – Elle, você está bem?
Abro os olhos desorientada.
Poxa! Adormeci durante o banho, meus
dedos pareciam uvas passas. Maravilha.

– Elle, responda! – sua voz está
ficando desesperada.
– Estou bem, Chris – digo já me
levantando – Cochilei na banheira.
– Certo, se arrume que eu vou
ver se o John já acordou. – ele fala já se
afastando da porta.
Estou me secando quando penso
no que John pode falar para Chris. Oh,
merda! Visto o roupão e corro para a
porta que separa os quartos. Tento ouvir
o que está sendo dito, mas não consigo.

Droga! Vou ter que abrir a porta
só um pouquinho...
– E isso é tudo que você
conseguiu? – Chris fala claramente
irritado.
– O que você esperava? – John
responde ríspido – que eu aparecesse
aqui com a cabeça do cara em uma
bandeja para te entregar?
Opa... Isso me interessa.
– Você já foi mais eficiente que
isso, John! – Chris diz com sarcasmo.

Abro mais a porta para ter uma
visão melhor dos dois. Ambos estão em
pé e de braços cruzados, se encarando
com raiva.
– Eu digo o mesmo! Depois que
a Elle chegou você é a doçura em
pessoa! – os punhos de John estão
fechados, postura rígida.
Isso vai dar em merda, ele vai
contar tudo para Chris! Abro um pouco
mais a porta para invadir o quarto se for
preciso.

– E o que isso tem a ver contigo?
– Chris se aproxima mais de John – ao
contrário de você, eu sei como tratar
uma mulher.
– Sei mais do que você! – John
dá um passo à frente, com o indicador
apontando para o peito de Chris – Você
a protege como se fosse de vidro.
Helena é mais forte do que parece,
aposto que ela não quebraria sob o meu
toque!
Uau! Não acredito que ele disse

isso!
Antes que Chris possa reagir eu
abro a porta com força, batendo-a na
parede. Eles têm um susto e se viram
para mim.
– Rapazes... – e agora, o que eu
falo? – É... A gente vai para casa agora
ou vai comer alguma coisa primeiro?
John analisa minha roupa ou a
falta dela. Ele parece irado, sua boca
em linha reta e levanta uma sobrancelha
em questionamento. Eu deveria ter

pensado em um plano melhor. E daí?
Dane-se ele.
– Vamos comer primeiro sim,
Elle... – Chris é o primeiro a falar.
John complementa irritado:
– Assim que você se vestir.
– Ah, beleza! Só queria saber o
que usar – falo meio chateada – Não
consigo ligar para a lavanderia e eles
iam devolver minha roupa de ontem... –
termino a frase fazendo bico.
– Eu vou à recepção ver isso, ok?

– Chris passa por mim e beija minha
bochecha.
Observo-o sair e quando me viro
novamente, John está à centímetros de
mim.
– Porra, John! – dou um murro
em seu peito – pensei que você tinha
parado com essa mania de me assustar!
Ele permanece sério.
– E eu pensei que depois desta
manhã, você ia me dar chance.
Franzo minha testa para ele.

– E eu vou, é óbvio.
– Óbvio, Helena? – John se
aproxima de mim com determinação –
Não parece óbvio para mim quando
você invade o quarto praticamente nua e
ainda deixa que o Chris te beije!
Dou de ombros
– Momentos de desespero pedem
medidas desesperadas. Eu queria
conversar sozinha com o Chris sobre
nós! E você não vai dizer nada para ele
até eu fazer isso. Entendeu?

John me beija sem aviso,
agarrando minha cabeça e cintura ao
mesmo tempo. Suas mãos começam a
passear pelo meu corpo por cima do
roupão.
– Você é minha, Helena – ele
fala enquanto ataca minha boca – Não
suporto esses abraços e beijos com o
Chris.
Passo meus braços ao redor de
seu pescoço e o puxo para mais perto.
John começa a se empolgar, alisando

minha coxa. Quando sua mão sobe por
dentro do roupão eu mordo seu lábio
com força.
– Ai! – John massageia o próprio
lábio – Por que você fez isso?
– Você pode até ter algum
domínio sob o meu corpo, John – falo
irritada – Mas não pense que vai mandar
em mim! Você não vai interferir na
minha amizade com o Chris e ficará na
sua até eu resolver isso, ouviu?
– Eu não quero ver o Chris te

tocando! – John vocifera – Ainda mais
quando não posso fazer o mesmo.
– Não é com malícia, idiota! –
grito de volta – Nós sempre fomos
carinhosos um com o outro. Ele é assim
com a Sam também.
– Você ainda se engana, Helena?
– John me agarra pelos ombros – Você
quer fingir que nada aconteceu entre nós,
é isso?
Eu sei que John está chateado,
mas Chris tem que ouvir a verdade de

mim. É o mínimo que devo fazer.
Aliso seus cabelos e dou um
beijo suave em sua boca.
– Só por pouco tempo, John. Nós
podemos fingir que somos amigos por
uns dias, por favor?
Ele me olha cansado.
– Ok, Helena. Apenas lembre-se
que enquanto você não nos assumir, as
outras mulheres acharão que eu estou
disponível.
Sério que ele vai jogar essa

conversinha para cima de mim?
– Isto é uma ameaça, John?
– Não, Helena – ele me puxa pelas
lapelas do roupão, percorrendo seu
nariz por meu pescoço e clavícula – É
um fato. Você não pode me culpar pelo
que os outros tentam fazer comigo.
A fama de mulherengo dele era
um grande atrativo para groupies que
queriam ganhar o roqueiro e o seu
dinheiro...
– Certo! Mas isso não é um

passe livre, ok?
– Eu não preciso de outra garota
–ele morde a borda da minha mandíbula
e me beija profundamente – Só mais uma
coisa, Helena.
– O quê? – digo ainda sob o
efeito de seu beijo.
– Eu não sou seu amigo – ele me
segura com firmeza pela cintura – não
pense que vai fazer comigo o que fez
com Chris, entendeu?
Balanço minha cabeça para cima

e para baixo, concordando. Ele adiciona
uma mão ao meu cabelo, aumentando seu
domínio sobre mim:
– Diga, Helena!
– Entendi! Você não é meu
amigo. – grito em sua cara.
O canto de sua boca se eleva em
um meio sorriso.
– Ótimo! Porque eu quero muito
mais de você e estar na zona da amizade
não é uma delas –John me beija
novamente. Profundo, porém rápido –

Agora vá vestir uma roupa antes que
Chris volte ou eu não me importarei com
a presença dele aqui.
John me solta e eu volto
correndo para o meu quarto. Visto minha
roupa pensando que convencê-lo a
colaborar já era uma evolução do meu
plano. Agora só faltava conversar com
Chris.
Eu apenas tinha que decidir
como abordar o assunto, mas tudo que
consegui pensar foi: “Ei Chris, todo

mundo diz que você tem sentimentos
por mim. Eu acho que isso é um monte
de merda e você? Qual sua opinião? ”.
Melhor eu trabalhar nisso mais
um pouco...
Chris retorna minutos depois.
– Elle, na recepção disseram que
a sua roupa já está aqui.
– Sim, me desculpe por fazê-lo
perder tempo – pego um cabide com a
logo do hotel. Era a roupa que eu havia
usado na reunião – Eles deixaram por

trás da porta e eu não vi.
E isso era mais uma coisa para
me fazer sentir culpada... Droga! A cada
momento eu cavava um buraco mais
profundo.
Ele dá de ombros e senta na
cabeceira da cama. Continuo guardando
as roupas na mala.
– E aí, dormiu bem ontem? –
Chris puxa conversa.
Oportunidade perfeita para falar.
Eu poderia dizer: “Dormi mais ou

menos, tive um pesadelo. Não se
preocupe! John me resgatou, só para
me fazer cair em um espiral de luxúria.
Obrigada por perguntar. ”
É... Acho melhor não!
– Elle, você dormiu bem? –
Chris pergunta com voz preocupada.
– Ah... Sim! E você? – falo com
peso na consciência.
Chris me dá seu lindo sorriso.
– Dormi como um anjo com você
ao meu lado.

Ah, merda!
Isso vai ser mais difícil do
que eu pensei.


CAPÍTULO 12 –
Hormônios em fúria
Horas depois, estava de volta à
casa de Chris e ainda mais confusa do
que quando saí. Tudo que precisava era
de um banho e cama, mas meu celular
toca. É Laura.
– Boa tarde, Laura.
Uma voz simpática me responde:
– Boa tarde, Helena.

– Já disse para me chamar de
Elle, por favor. O que houve?
– Claro, Elle. Você virá à
fisioterapia hoje? Só estou esperando
por você – ela questiona.
– Com certeza! Estava saindo de
casa agora – minto.
– Ótimo, até mais então!
Droga, lá se vai meu descanso.
Melhor deixar o banho para depois e
pegar um táxi.
– Estou indo para a fisioterapia

– grito para o Chris.
– Eu levo você! – ele pega as
chaves do carro e descemos no
elevador.
– Por que você não tem
segurança como o John?
Chris dá a partida no carro e vai
em direção à fisioterapia.
– Eu tenho um, Bruno, mas não o
uso todos os dias. Geralmente ele
trabalha para John até eu chamá-lo.
– Por quê?

– Porque não quero uma pessoa
me vigiando o tempo inteiro no
apartamento –Chris dá de ombros – E
ninguém tem a mesma preocupação com
a segurança que o John.
E o que teria levado John à
paranoia com a segurança?
Me viro para Chris, curiosa:
isso?
Chris me olha de relance.
– Nada, Elle. John tem espaço de

sobra, pode ficar o dia inteiro sem
cruzar com outra pessoa naquela casa.
Ele estaciona e entramos no
consultório de Laura. Ela estava
radiante como sempre, Chris nos
observa durante o tratamento do meu
tornozelo.
– Eu sou sua última paciente do
dia? – questiono.
Ela me dá um sorriso doce.
– Sim.
– Ótimo, alguém topa um sushi?

Laura olha de mim para Chris e
diz.
– Ah... Acho que hoje não.
Chris se levanta e anda até nós
– Vamos, faço questão.
– E não aceitamos um não como
resposta – complemento.
– Ok, vocês venceram! – Laura
finaliza a sessão – Deixe-me guardar as
coisas primeiro.
Meia hora depois, ela retorna
vestindo calças compridas e uma bela
blusa branca. Mesmo em roupas de
trabalho, Laura tinha uma beleza tão
delicada que era impressionante.
– Prontas? – Chris pergunta.
– Sim! – eu e Laura respondemos
em uníssono.
Chris nos leva a um sushi bar
sofisticado. Entramos pela porta dos
fundos e nos sentamos à mesa mais
afastada.
A noite estava divertida! E já
que ninguém questionou minha idade

quando viram Chris ao meu lado, pela
primeira vez tomei saquê. Mais uma
vantagem de andar com famosos!
O sabor desta bebida era seco,
porém mais suave que a Kriptonita.
Parecia que tomávamos mais água de
arroz do que álcool. Sua temperatura
morna aquecia minha garganta.
– Então, Laura, o que você achou
da festa? – pergunto enquanto engulo um
delicioso sashimi de salmão.
O rosto dela se ilumina.

– Foi maravilhosa! Conheci
muita gente interessante, não sei como
vocês ficam tanto tempo ao redor de
pessoas famosas e não surtam como
tietes.
– Você está do lado de uma
dessas pessoas famosas – aponto meu
hashi para o Chris – E eu não estou
vendo você surtar.
O rosto de Laura se tinge de
vermelho. Ela olha de lado para o Chris,
que pisca um olho provocando.

– Ah, estou surtando por dentro,
acredite! – ela baixa a cabeça com
vergonha –acho que essa bebida soltou
minha língua...
Laura começa a rir envergonhada
e eu a acompanho. Realmente, o saquê
parecia ser suave, mas estava causando
um zumbido em minha cabeça.
– Quer dizer que você está
deslumbrada comigo? – Chris indaga.
Sua posição inclinada em
direção à Laura, com olhos brilhando e

sorriso maroto são a perdição da
fisioterapeuta. Ele fica mais vermelha e
suspira, a coitada não tinha a mínima
chance de resistir.
Laura abre e fecha a boca antes
de finalmente conseguir falar:
– Eu... É... Não é bem assim. É
que...
– Chris, isso é realmente injusto –
coloco minha mão no braço Laura para
acalmá-la – Não precisa falar nada, ele
fez de propósito por que é idiota.

Chris faz cara de indignado:
– Ei! Eu não...
– Aaaaaaai, Meu Deus! – três
adolescentes gritam – É você!
Oh, merda. Fomos descobertos.
Com o grito, os outros clientes
ficaram atentos. Em segundos, diversos
celulares foram apontados para nós, as
pessoas tiraram fotos e vários
levantaram para pedir autógrafo. Aposto
que já estávamos nas redes sociais!
Chris se levanta para atendê-los.

O álcool estava me deixando tonta ou
cada vez tinha mais gente ao redor dele?
Me sinto sufocar, os garçons tentam
dispersar a multidão que se forma.
Isso era impossível! De onde
surgiram tantas garotas? Todas que
estavam nos arredores vieram para vê-
lo de perto? Maldito twitter!
A gritaria aumenta e Chris tem
seus cabelos, camisa, braços e todo o
resto que elas podiam alcançar puxados
em várias direções. Isso era uma

loucura.
Ligo para John e ele atende no
segundo toque:
– Sentiu saudades de mim?
– John, precisamos de sua ajuda
– grito no telefone para que ele me
escute por cima do barulho – Estamos
cercados por hormônios em fúria!
– Onde você está?
Explico para John onde estamos
e o que aconteceu. Chris ainda tenta
atender a todas as meninas, porém são

muitas. Preciso fazer alguma coisa!
– Chris! Trenzinho como na
segunda série! – me viro para Laura –
Segure a mão dele e não solte.
Agarro um dos pulsos de Chris e
Laura segura o outro. Vejo a direção da
cozinha e saio empurrando todo mundo
no caminho para chegar lá. Os garçons
percebem o que estamos tentando fazer e
nos ajudam.
Com alguns puxões de cabelo e
várias pisadas no pé, conseguimos

chegar ao nosso destino. Assim que
passamos, eles nos trancam e a gritaria
pelo nome “Chris” cresce, mas a porta
fechada abafa.
– Meu Deus! O que foi isso? –
Laura pergunta assustada.
Eu dou de ombros.
– Seja bem-vinda ao Jack Rock.
– Mas isso é insano! – ela aponta
para Chris – Quase arrancaram um
pedaço dele!
Chris esfrega a própria cabeça.

– Quase? Tenho certeza que
perdi metade dos meus cabelos!
– Quem mandou ser famoso e
gostoso? Agora aguenta. – digo rindo.
Esperamos cerca de vinte
minutos antes de Gabriel aparecer com
mais um segurança. Parte da multidão já
havia dispersado e conseguimos sair
pelos fundos, indo direto para dentro de
uma SUV preta.
Sou a primeira a entrar e vejo
um emburrado John no banco de trás.

– E aí, John – começo a rir de
sua expressão chateada – Tudo beleza?
Ele observa com olhos
semicerrados e me puxa para sentar ao
seu lado.
– Você está bêbada? – John
sussurra em meu ouvido.
– Talvez... – começo a rir
novamente – O que foi? Você queria que
eu bebesse, não é?
– Helena... – John sussurra em
tom de aviso.

– Ei, você já conhece minha
amiga Laura? – aponto para ela, que
senta ao nosso lado.
– E aí, John? Vai tentar me
encantar e causar a terceira guerra
mundial também? – ela pergunta séria.
– O quê? – John pergunta
confuso.
– Nada não – Chris fala ao entrar
no carro. Ele bate na mão de John –
Valeu pela ajuda, cara. Vamos Elle, vou
mandar o Bruno levar a gente para o

apartamento no meu carro. Onde estão
as chaves do seu, Laura?
Ela olha confusa para ele.
– Eu vou levar meu carro! Não
estou tão bêbada.
– Está sim – Chris fala
irredutível – Nós três bebemos.
– Eu não vou entregar meu carro
para um estranho!
– Chris, vá com Laura no carro
dela – John intervém – O Gabriel dirige
e o Bruno segue atrás para te trazer de

volta.
– E Elle? – Chris aponta para
mim.
– Eu a levo para seu apartamento.
– John fala estoico.
– Ótimo – Laura diz e puxa Chris
para sair do carro – Até a próxima, Elle.
Eu e John vamos para a frente do
SUV e ele dá a partida no motor. John
está calado dirigindo e sua mandíbula se
aperta com tensão. Minutos depois ele
para no estacionamento do prédio de

Chris.
– Sabia que essa cara de mau
combina com você? Fica mais sexy. –
falo enquanto ele ainda olha para frente.
John se vira para mim:
– Então é por isso que você vive
testando minha paciência? – ele pergunta
– Para me ver com raiva?
– Ah, me poupe, John! Eu só fui
comer sushi com dois amigos.
– Ficou bêbada e eu tive que ir
te resgatar! – ele praticamente grita.

– Não por que eu bebi, idiota! –
espeto seu peito com meu indicador –
Não tenho culpa se todas as mulheres
daquele lugar queriam um pedaço de
Chris!
John levanta uma sobrancelha.
– Todas, Helena? Você está se
incluindo?
Ai, minha paciência! E ele não
parava de falar!
– Porque se você pensa que...
– Quieto, John! – o agarro pela

jaqueta e colido sua boca com a minha.
Fúria, luxúria e saquê potencializam o
efeito dele em mim. Não havia
combinação melhor.
Ele aprofunda o beijo e eu
coloco minhas mãos por dentro de sua
jaqueta. John aperta minha coxa e
quando ele sobe sua mão, somos
iluminados pelos faróis de um carro.
Pegos no flagra.
Merda.


CAPÍTULO 13 –
Sonho
Os faróis iluminam o ambiente
escuro e me ajeito no banco do
passageiro. Puta merda! Este era o pior
jeito do Chris descobrir.
Um carro branco faz a curva e
estaciona algumas vagas à direita. Meu
coração se alivia, não era ele.
– Eu já vou – digo me virando
para sair.
– Não ganho um beijo de boa
noite? – John fala com malícia.
– Não! Já ganhou beijo demais,
agora vaza daqui. – falo apressada. Em
pouco tempo Chris deve chegar.
John liga o motor do carro, mas
permanece olhando para mim;
– Você ao menos gosta de mim?
Ah, tenha santa paciência!
Coloco uma mão em cada lado
do seu rosto.
– É claro! Acha que eu estaria
perdendo tempo com você se não
gostasse?
– Então eu sou uma perda de
tempo? – John diz com a testa franzida.
Ele escolhe agora para dar uma
de inseguro?
– Sério, John? Que tal você
deixar de frescura e ir embora? – dou
um beijo rápido em sua boca fechada –
É claro que gosto de você! Porém, eu
amo o Chris, ele é meu melhor amigo e
não quero magoá-lo! O que sinto por

você não tem nada a ver com ele e vice-
versa. Ok?
Eu precisava resolver esta
situação!
– Que seja, Helena. – John ainda
não está com cara feliz e eu estou
bêbada demais para me importar.
– Tchau, John. – dou outro beijo
em sua boca e saio.
Ele vai embora, cantando pneus
na saída. Homens.
Quando entro no elevador, uma

mulher coloca sua mão impedindo a
porta de fechar. Merda! Esqueci de usar
os protocolos de segurança do Chris e a
motorista do outro carro me alcançou.
– Olá, você é nova no prédio? –
a garota loira de olhos castanhos me
pergunta.
– Sim? – ela me olha com
expressão interrogativa – Sim, claro!
Sou Elle.
Estendo minha mão para ela que
a aperta com firmeza.

– Prazer, sou Julia. Qual seu
andar?
– Vigésimo. – digo sem jeito.
Droga! Não deveria estar
compartilhando informações.
Chris evitou por anos o contato
com vizinhos e agora estrago tudo com
esta garota. Bem, mas isso não deve
causar problema algum, eu não sou
famosa mesmo! Ela nunca vai me
reconhecer...
– Eu fico um andar abaixo do seu

– seus olhos de repente se arregalam –
Você está no apartamento do fantasma!
Me faça um favor e diga a ele que o
acho um grande idiota!
Meio revoltada, hein?
– Por quê? – pergunto pronta
para defender meu amigo.
– Você ainda pergunta? – ela põe
as mãos na cintura e bate o pé – Ele não
fala com ninguém, faz barulho
madrugada adentro e não para de
colocar música na varanda!

A garota tinha “shows”
exclusivos na varanda de casa e ainda
reclamava? Pelo que vi hoje, havia
milhares de meninas que sonhariam em
estar no lugar dela.
– Você não gosta de música? –
pergunto chocada.
– Sim, mais ou menos. Olha, eu
até gostava do Jack Rock, mas seu
namorado tem uma fixação doentia por
eles. Abusei!
Começo a rir, ela não tinha a

mínima noção.
– Eu tenho que concordar com
você, ele tem uma coisa pelo Jack Rock.
O elevador apita no andar dela.
– Até mais, Elle!
– Até, Julia.
No apartamento de Chris está
tudo silencioso. Me ajeito para dormir,
e, com a cabeça ainda zunindo pelo
efeito do álcool, penso nas últimas 48
horas. Desde que Chris voltou para
minha vida e trouxe John consigo, tudo

se transformou em uma loucura só.
Adormeço com Chris e John em minha
mente...
Me encontro em pé, parada em

um lugar escuro. Não posso ver nada e
tenho medo de me mover. Onde estou?
Sinto mãos passearem pelo meu corpo e
uma respiração quente em meu
pescoço.
A falta da visão torna seu toque
mais sensual. Quase surreal. Minha

pele fica mais sensível e seu aroma me
invade. Escuto cada movimento, o
roçar de sua barba e sinto o sabor
exótico de seu beijo.
John cola seu corpo ao meu e
sussurra em meu ouvido:
– Não tenha medo...
Por que eu teria medo?
De repente sinto mais um par de
mãos em mim. Primeiro nos meus
ombros, depois subindo pelo meu
pescoço até alcançar um punhado dos

meus cabelos. Ele os coloca de lado,
expondo meu ouvido e garganta.
Outro corpo se une às minhas
costas e beija minha garganta exposta.
Quatro mãos me acariciam, enquanto
duas bocas me beijam. E eu sou apenas
uma marionete entre os dois.
O que está atrás de mim morde
minha orelha e diz:
– Sempre quis te provar, doce
Elle.
Chris?!

Abro os olhos de repente. Me

sinto molhada e não apenas de suor. Que
sonho foi este? Última vez que bebo na
minha vida!
Apesar de que o sonho não foi
tão ruim assim...
Foco, Elle!
É muito cedo e eu estou com uma
ressaca infernal, precisava urgente de
um banho frio. Isso deveria me acalmar,
mas não ajudou muito e a minha cabeça

ainda martelava.
Quando chego na casa de John,
vou direto para o escritório cuidar das
cartas. Eram muitas e eu ainda não havia
terminado de separá-las, estava em um
trabalho sem fim.
À tarde haveria a escolha da
modelo para a gravação do clipe
musical. A banda inteira estaria presente
na seleção. Chris e John juntos... Um
arrepio percorre minha espinha.
Respiro fundo. Foi só um sonho,

Elle. Nada mais.
Estou classificando as cartas
quando meu telefone toca.
– Ei louca! – Kim fala – Você
vai vir com John hoje à tarde, não é?
– Sim, Nicole passou a lista das
modelos para mim.
– Ótimo, assim a gente combina
sua festa de aniversário!
A porta do escritório abre e John
entra. Levanto o indicador, pedindo que
ele espere um minuto. E, é claro que ele

não espera. John dá a volta na mesa e se
posiciona atrás de mim, beijando minha
garganta enquanto falo com Kim.
– Festa? Que festa? – tento
pensar quando John gira a cadeira me
deixando de frente para ele.
Ele se ajoelha e suas mãos
percorrem minhas pernas por cima da
calça jeans. O que John pretendia fazer?
– Seu aniversário é sábado,
esqueceu? – ela faz um som tsc-tsc com
a boca – Já está ficando senil? É a idade

chegando...
John coloca as mãos dentro da
minha blusa, dedos calejados apertando
e amassando. Ele morde meu ombro e eu
suspiro.
– Você está bem, Elle? – percebo
a preocupação em sua voz.
John baixa a alça, expondo meu
ombro. Sua barba arranhando enquanto
deixava uma trilha de beijos.
– Sim... Ótima – esse homem
quer me enlouquecer! Começo a bater

em suas mãos para afastá-lo, mas minha
força de vontade não é tão grande assim.
– Certo... – Kim fala soando
desconfiada – Quero fazer uma festa
grande com todos os roadies e a equipe
completa do Jack Rock, que tal?
– Prefiro festa pequena... Mas
depois a gente conversa que estou meio
ocupada aqui, ok?
– Ok, até mais!


CAPÍTULO 14 –
Aposta
Desligo o telefone e me agarro a
John. Sento-me em cima da mesa e ele
me dá o melhor beijo de bom dia que já
tive. Ajudou até a aliviar minha dor de
cabeça.
– O que a Kim queria? – John
fala ainda me acariciando.
– Organizar minha festa de
aniversário, mas eu não quero. – digo
mordendo a linha da sua mandíbula.
Ele segura meu queixo e o
levanta para que eu possa encará-lo:
– E por que não?
– Porque eu não quero! – eu o
afasto e me levanto da mesa – Olhe só o
que a gente fez, espalhamos todas as
cartas que eu havia separado...
– E daí? – ele fala com desdém.
Ele me curou da dor de cabeça
apenas para me dar uma nova?
– “E daí” que você me contratou
por causa destas cartas, John. Esqueceu?
– Não esqueci, mas isto não
importa mais – John se aproxima e
abraça minha cintura – No seu
aniversário, a gente pode fazer uma festa
ao redor da fogueira lá fora...
Coloco meus braços ao redor de
seu pescoço:
– Deixe-me adivinhar, parte da
lenha seriam as cartas?
John sorri com deboche:
– Você já está lendo meus

pensamentos, Elle.
O empurro até o sofá, dando um
beijinho em sua boca.
– Agora seja um bom menino –
coloco um bloco de cartas em sua mão –
E me ajude a separar estas belezinhas.
– E por que eu faria isto? – ele
me indaga.
– Porque você quer me agradar!
– pisco um olho para ele e volto para o
restante das cartas.
Meia hora depois John está se

dobrando de tanto rir:
– Você deveria aprender com
essas declarações a me tratar melhor,
mulher!
Talvez não tenha sido boa ideia
deixar o John ler o conteúdo das cartas.
Ele pega uma e recita:
– “Você é a luz da manhã, o sol
que me ilumina. Por você eu iria ao céu
e ao inferno quantas vezes necessitaria.
Faça um bebê comigo, não me deixe
nesta agonia!”

Definitivamente má ideia. Retiro
as cartas da sua mão.
– Você não tem outro lugar para
ir? Outras pessoas para perturbar?
Ele se levanta, sua altura é uma
vantagem sob a minha.
– Não, você é minha única
distração no momento. – ele fala
sedutor, mas meu coração gela.
Lembro-me de meu sonho: “Você
não passa de uma distração, Helena. ”
– John, estou falando sério!

Deixe-me trabalhar.
– Eu sou seu chefe – ele diz com
ar superior – E eu estou dizendo para
você jogar toda esta merda no lixo!
Bato meu pé:
– Já disse que não!
Ele alisa sua barba, pensando.
– Certo, teimosa! Você tem até
seu aniversário para terminar estas
cartas. As que sobrarem vão para
fogueira.
– O quê?
John me lança um sorriso
vencedor.
– Exatamente isso que você
entendeu – ele dá de ombros – Eu aposto
que você não consegue terminar nem um
terço disso mesmo.
Como eu gostaria de tirar esse
sorrisinho da cara dele...
– Impossível enviar uma
resposta para cada carta até sábado! –
digo revoltada.
– Eu concordo. Então por que

perder tempo?
Empino meu nariz.
– Porque não me dou por
vencida.
– Então você topa uma aposta? –
ele me desafia.
– Que tipo de aposta? – pergunto
desconfiada.
– Aposto que você não consegue
escrever uma resposta para metade das
cartas de fãs até seu aniversário.
– Qual o prêmio?
Ele sorri como um predador para
mim. Tenho a impressão que eu sou sua
presa favorita.
– Se eu ganhar, você joga todas
as cartas restantes fora. E eu tenho
direito a um dia com você sem nada
para nos atrapalhar. Você minha e me
obedecendo por vinte e quatro horas,
ok?
O coitado ainda pensa que sou
tola de cair nessa armadilha...
– E se eu ganhar?

– Você faz o que quiser com o
restante das cartas. E eu aceito ficar
quieto até você decidir contar tudo para
o Chris, sem pressão.
Aí já fica mais interessante...
– Eu topo com uma condição,
serei sua uma hora apenas. – estendo
minha mão para selar o acordo.
– Duas horas – ele agarra minha
mão e me puxa para perto, beijando-me
prolongado – E eu juro que você não vai
se arrepender.

Meu coração acelera com as
promessas ocultas em seu olhar.
– Ok.
John beija o dorso de minha mão
e vai em direção à porta.
– Ah, não esqueça que existem
várias caixas com cartas guardadas na
garagem. – ele pisca um olho e sai.
Filho da mãe.
Acho que acabei de assinar o
pacto com um diabo de olhos azuis.

♪♫ ♥ ♪♫
Depois do almoço, minha

perspectiva de ganhar esta aposta não
havia melhorado. Eu precisava bolar um
plano e rápido! Mas agora teria que ir à
seleção de modelos para o clipe
musical. A escolha seria feita em um
teatro local, e havia cem meninas de
todos as etnias. A gente só precisava
descobrir qual delas seria a “garota
inalcançável” do clipe.
Os quatro componentes do Jack
Rock e o Bobby estavam sentados na
primeira fila, esperando o desfile.
Fiquei nos bastidores com iPad e
bluetooth em mãos. Separei as meninas
por cor de cabelo, etnia e altura. Elas
formam uma fila indiana antes de
pisarem no palco.
– Vamos lá, garotas. Showtime.
Demoram cerca de quarenta
minutos para todas as cem se
apresentarem. Peço a elas que se sentem

enquanto espero o veredicto.
– Então gente, qual vai ser?
Kim é a primeira a falar:
– Eu não gostei das ruivas. O
Jack Rock só tem uma garota de cabelos
vermelhos: eu!
Ok, risco todas as ruivas da
minha lista.
John é o próximo a falar:
– Não quero que seja loira.
– Mas tinha cada loira gostosa,
cara! – Alysson fala revoltado.
Cris responde:
– Eu concordo com John. Ela
será como um anjo que ele busca e
sempre usam loiras nesse tipo de coisa.
– Sabe seria muito mais fácil se
vocês tivessem dito isto mais cedo! –
digo revoltada – Eu teria dispensado as
garotas logo!
– Mas aí elas teriam ido embora
– Alysson fala com malícia.
– E daí? – não entendo qual o
ponto dele.

Aly pisca um olho para mim.
– Daí que garotas rejeitadas são
as mais fáceis e ainda fazem de tudo
para agradar.
– Você é nojento, sabia?
Aly apenas sorri satisfeito para
mim. Homens.
Chamo as morenas de volta,
eram trinta garotas com tons diferentes
de cabelo: do castanho mais claro ao
preto. Tons de pele e altura também
variavam. Isto iria demorar um século...

Após mais de uma hora de
discussão, eles escolhem uma menina de
dezenove anos com longos cabelos
castanhos, da mesma cor de seus olhos.
Finalmente.
Tive pena ao dispensar as outras
concorrentes, mas Alysson estava lá
para confortá-las. Não quero imaginar
como ele daria conta de todas. Depois
da seleção, Kim me chama.
– E aí? Como vai ser sua festa?
– ela pergunta animada.

– Kim, odeio ser desmancha-
prazeres – na verdade, não me importo
muito com isso – Mas não quero festa.
– Elle, todos iriam participar! –
Kim faz cara de cachorro pidão para
mim – Eles estão doidos para te
conhecer...
Não quero festa! Isso só iria
distrair minha atenção das cartas e...
Uma ideia surge em minha
mente.
– Kim, de quantas pessoas

estamos falando?
– Não sei, a equipe com a
família deve dar umas oitenta pessoas.
Por quê?
– Porque você vai me ajudar...
A festa seria minha, mas quem
iria ganhar a surpresa era John.


CAPÍTULO 15 –
Passeio
A semana passou rápida com as
correspondências dos fãs, a fisioterapia
e as loucuras de Kim. Quando ela
decidia fazer algo, não media esforços.
Expliquei o que eu queria e dei carta
branca, e Kim se divertia com isso.
Chris ainda estava ocupado com
as gravações, assim como John, então
tive um pouco de folga de toda a
agitação em que minha vida tem estado
nas últimas semanas. Bem, quase toda.
John sempre aparecia para
perturbar e atrapalhar meu trabalho. Ele
realmente estava empenhado em ganhar
a aposta. Eu também! Mas não posso
dizer que reclamei muito das suas
interrupções. Elas eram extremamente
divertidas...
– Elle? – Chris me tira dos meus
pensamentos.
Eu estava sentada no chão do

escritório, cercada pelas caixas de
cartas.
– Oi, Chris! – levanto-me e o
abraço – O que o traz por aqui?
Ele sorri e beija minha testa.
– Você! É claro. Eu vim te
sequestrar.
– E como seria isso? – falo
desconfiada, mas já rindo. O que Chris
estava tramando?
Ele dá de ombros.
– Simples. Você entra no meu
carro e eu te levo para longe.
– Ok! – pego minha bolsa e saio
de mãos dadas com Chris.
Ao entrar no carro, Chris coloca
uma venda nos meus olhos.
– Amanhã é seu aniversário e
pelo que eu soube, vai estar cheio de
gente. Então resolvi fazer uma surpresa
exclusiva para você hoje, tudo bem?
– Sim. – respondo tranquila.
Tenho total confiança em Chris, afinal
ele sempre cuidou de mim. Só não sei o

porquê da venda nos olhos. Eu não
conheço nada da cidade mesmo! A
expectativa me deixava ansiosa.
Minutos depois o carro para.
– Espere um pouco que eu já
volto. Não tire a venda!
– Ok, eu não vou olhar.
Bato meus dedos em minha
perna. Eu não vou olhar... Estou sozinha
no carro e a porta do meu lado está
aberta. Escutei passos ao meu redor no
início, mas agora nada.

Eu não vou olhar!
Onde Chris se meteu? Ah, dane-
se! Vou dar só uma espiadinha... Quando
começo a levantar a ponta da venda,
escuto risadas.
– Cinco minutos, Elle. Deve ser
um novo recorde para você!
– Não enche o saco, Chris! Você
fez de propósito. – retiro totalmente a
venda e saio do carro.
Ele estende a mão para mim.
– Venha!

Finalmente olho ao redor. O
lugar é todo arborizado, com bancos de
madeira e uma praça com balanços e
escorregadores para as crianças.
– Onde estamos? – pergunto
maravilhada com o ambiente.
– Aqui é um jardim botânico –
Chris passa o braço ao redor dos meus
ombros – Preparei um piquenique para
nós dois.
Ele me guia até a área das
orquídeas. Há vários tipos desta flor,

estão agrupadas por cores e separadas
formando o desenho de uma mandala
gigante. O piso entre as flores é de
madeira e vejo um coreto com mesas e
cadeiras no centro.
Em cima de uma delas há uma
cesta de piquenique e um buquê de rosas
brancas com borda rosa. O coreto é
mais elevado que o nível do chão, nos
dando uma visão panorâmica das flores
ao redor e de um lago ao fundo. Era
perfeito.

Meus olhos se enchem de
lágrimas. Minha mãe teria amado este
lugar.
– Obrigada, Chris. É lindo.
Chris segura meu rosto e passa o
polegar na lágrima que escapa. Beijo a
palma de sua mão.
– Não chore, Elle – Chris me
abraça – Hoje é para ser um dia feliz.
Eu o aperto mais.
– É meu primeiro aniversário
sem meus pais. Sinto tanta a falta deles

que isto ainda me assombra.
– Te assombra como? – ele
pergunta preocupado.
Me solto de seus braços e sento
à mesa.
– Hoje é dia de comemoração,
vamos comer?
Chris franze a testa para mim.
– Helena...
– Você preparou tudo isso para
mim. Vamos aproveitar, por favor?
Ele solta um suspiro alto e senta
ao meu lado.
– Certo, mas só por enquanto.
Depois você vai ter que se abrir comigo.
Ah, Chris... Ele não fazia ideia
do quanto eu precisava confessar.
Chris trouxe todas as minhas
comidas favoritas e suco de uva.
Conversamos sobre músicas e as coisas
inusitadas que ele viu durante a turnê. Eu
poderia passar mil tardes assim, apenas
na companhia de Chris. Com ele, tudo
era tranquilo. Com ele, a vida seria...

Mais fácil.
Eu deveria ser honesta e contar a
Chris sobre John. Mas ele preparou tudo
com tanto carinho, não seria justo. Não
é?
Depois do lanche e gente vai até
a beira do lago. Nos sentamos em um
pequeno píer de madeira e molhamos
nossos pés na água.
– Aqui é tão lindo, Chris! Por
que as pessoas não vêm visitar? – não
tinha visto ninguém ainda por aqui.

Chris me dá um sorriso tímido.
– Aqui é aberto ao público
apenas no período da tarde. Mas
consegui que abrissem apenas para a
gente pela manhã.
Apoio minha cabeça em seu
ombro.
– Obrigada, é o melhor presente
de aniversário de todos!
– Elle, por que você não se abre
comigo? – Chris passa o braço ao redor
dos meus ombros – Eu sei que tem algo

errado.
Eu poderia ser sincera com
Chris em alguma coisa. Antes, não
escondíamos nada um do outro. Fazer
isto agora estava me matando. Respiro
fundo antes de falar:
– Eu tenho tido pesadelos com o
acidente desde o hospital.
Chris aperta meu ombro antes de
perguntar:
– E por que você não me disse
nada?

– Eu não queria te preocupar... –
digo triste – Achei que eles iriam
embora e eu poderia lidar com isso
sozinha.
– Quando você vai entender que
não está sozinha? – Chris segura meu
rosto, obrigando-me a encará-lo – Eu
sempre estarei ao seu lado. Não importa
o que aconteça.
“Todos mortos. Sozinha no
mundo. Não há ninguém. Só a mim. ”
Meu subconsciente me alerta.

– Eu sei disso. Apenas entenda...
Chris termina a frase por mim:
– Que você está confusa, eu sei.
Mas não gosto de você tendo pesadelos.
Vamos procurar ajuda, ok?
– É, foi a mesma coisa que John
disse... – digo distraída.
A mágoa na expressão de Chris é
visível.
Oh, merda.
Chris se levanta e passa a mão
nos cabelos, nervoso:
– Porra, Helena! Você confiou
primeiro no John do que em mim?
Levanto-me e tento acalmá-lo:
– Não foi isso que aconteceu!
Chris segura meus ombros. Seu
aperto é firme, dói. Porém, o que
machucava mais era ver como ele estava
chateado comigo.
– Então me explique, Elle. O que
aconteceu?
– John me acordou de um dos
pesadelos no dia que jantamos na

varanda!
Sua mandíbula está cerrada e ele
encara meu olhar. Tento me manter firme
sob a vigia de olhos que costumavam
enxergar minha alma.
– E foi só isso que aconteceu,
Helena?
Minha língua enrola dentro da
boca. Agora seria a melhor hora de
confessar tudo? Ele já está tão nervoso...
– Não... Eu também obriguei o
John a jurar que não te contaria nada.

Não até eu estar pronta.
– John nunca foi bom em seguir
ordens – ele me olha desconfiado –
Como você o convenceu a ficar calado?
Dou de ombros.
– Eu apenas pedi para ele...
É verdade, na época ele aceitou
porque eu pedi. Chris me encara por
mais alguns segundos antes de passar
novamente a mão pelos cabelos.
– Vamos embora, já está ficando
tarde. – ele se vira e vai recolher a cesta

de piquenique.
Puta merda! Se ele ficou assim
por causa dos pesadelos, contar tudo
iria ser... Complicado.
Como deixei chegar até este
ponto?
Chris me deixa na casa de John e
sai ainda chateado. Ele vai ter que
superar isto, não tive culpa se John
presenciou um pesadelo e ele não.
Posso até ser culpada em muitas
outras coisas, mas não nisto.


CAPÍTULO 16 –
Surpresa
Volto para o escritório, porém
não consigo me concentrar em nada.
Estou alisando as delicadas pétalas do
buquê que Chris me deu quando John
invade o escritório.
– Boa tarde, senhorita Helena.
Posso saber onde se meteu a manhã
inteira?
– Boa tarde, chefinho. Eu estava
sendo paparicada por um cavalheiro.
John cruza os braços irritado.
– Como é que é?
– Chris me levou a um piquenique
no jardim botânico – aponto para o
buquê – E me deu essas flores. Por quê?
Não tenho permissão para sair com meu
amigo?
Levanto uma sobrancelha em
questionamento e John respira fundo.
Parece um touro bravo tentando se
acalmar.

– Grande coisa – ele diz com
desdém – Eu te dei rosas primeiro.
Nossa, será que a megalomania
dele o levou à esquizofrenia também?
– E quando teria sido isso, ó,
magnânimo senhor? – pergunto com
deboche.
Ele apoia as duas mãos na mesa,
inclinando seu corpo para igualar o
olhar ao meu.
– No hotel eu te dei rosas
vermelhas, você não as trouxe?

No hotel? Lembro-me de lindas
rosas ao lado da minha cama. Ele foi
muito sutil ao me dar o presente. Na
verdade, sutil até demais.
– Claro que não! Pensei que era
parte da decoração do quarto.
– Você jogou fora meu presente? –
ele pergunta meio chateado.
– Se eu soubesse que era um
presente, ficaria com elas. Poderia até
ter agradecido...
– Não seja por isto.

John me puxa pela parte de trás
do meu pescoço. Nos beijamos mesmo
com a mesa entre nós. Nunca me
cansava disso. Ele encosta sua testa na
minha e fala:
– Eu tinha uma surpresa para
você hoje. Mas acho que cheguei tarde
demais...
– Por quê?
– Porque eu queria tentar esse
negócio de te conquistar, Elle.
Volto a sentar na cadeira.

– Eu perguntei por que você
chegou “tarde demais”.
Ele dá de ombros.
– Por que o Chris já deve ter
feito um puta passeio romântico de
manhã...
John faz bico e eu beijo seus
lábios. Era engraçado vê-lo emburrado
como uma criança mimada. Parecia tanto
uma atitude não John.
– Sim, Chris fez um passeio lindo
pela manhã. Mas não foi romântico –

John abre a boca para protestar e eu
levanto minha mão parando-o – Estou
cansada de dizer que Chris é meu amigo.
Não rolou nada, ele não sente nada além
da amizade por mim.
John balança a cabeça de um
lado para o outro, em negação.
– Se é nisso que você quer
acreditar, melhor para mim – John diz
impaciente – Volto mais tarde para te
buscar, ok?
– Eu tenho que vestir alguma

roupa especial?
Ele me analisa da cabeça aos
pés. Apesar de estar de jeans, me sinto
nua sob seu olhar malicioso.
– Para mim você está sempre
gostosa, Elle. Mas se quiser, a Wanessa
deixou aquelas roupas que ela trouxe no
outro quarto. Procure algo confortável.
Ele me beija novamente e sai.
Continuo arrumando as cartas quando
Kim me liga.
– E aí, Elle! Tudo certo para

amanhã?
– Eu que pergunto, você que está
organizando tudo! Todos já sabem o que
devem fazer amanhã?
– Sim! – escuto a risada do outro
lado da linha – Todos menos John, é
claro. Você já comprou as piscinas?
– Gabriel me levou às compras
ontem. Também fui à gráfica.
– Ótimo, mal posso esperar para
ver a reação do John! – Kim diz
animada.

Eu estava louca para que o dia
seguinte chegasse.
– Ei, Kim... O que são roupas
confortáveis para você? – preciso
decidir o que usar hoje.
– Só uma calcinha e olhe lá, por
quê?
– Confortáveis para sair, Kim!
– Ah, sim! Short ou vestido. É
para a roupa de amanhã? – Kim pergunta
sondando.
– Sim, é – minto.

– Beleza – Kim faz uma pausa –
Elle, você vai me dizer o que você e
John apostaram?
Não em um milhão de anos.
– Nada demais, Kim. Só bobagem
do trabalho.
– Sei... – sua voz é cética – Até
amanhã então.
– Até e obrigada por tudo.
Ela ri ao telefone:
– Eu que agradeço! Não é todo
dia que posso ver John quebrar a cara.
Desligo o celular e vou ao
quarto dos espelhos. Encontro as araras
de roupas que não foram usadas na festa
da semana passada. E agora? Fico
perdida entre tantas opções. Então,
resolvo seguir o conselho de Kim. Um
short curto de tecido mostarda com uma
blusinha de seda. Era casual, porém
arrumado.
Tomo um banho relaxante e troco
de roupa, faço uma trança no meu
cabelo. Coloco-a por cima do meu
ombro direito. Para completar o look,
uma maquiagem leve e sapatilhas. Não
estava vestida para seduzir e sim, para
ser conquistada. Se eu iria dar uma
chance para John, precisava saber se
havia mais do que luxúria entre nós. Eu
não queria ser tratada apenas como um
objeto para acalmar os desejos dele.
Estou sentada sozinha no jardim
quando um agitado John finalmente
aparece.
– Pensei que você tinha ido
embora!

– Não, estou apenas pensando na
vida... – na verdade, estava pensando na
morte. Em meus pais.
– O que houve? – pergunta
preocupado.
– Nada, quando a gente vai para
seu lugar especial? – desvio o assunto.
John me observa antes de
finalmente falar:
– Eu posso te levar para um
“lugar especial” agora mesmo – ele
pisca um olho para mim – É só você

subir comigo até o meu quarto...
Levanto uma sobrancelha para
ele.
– Ou entrar no carro comigo –
ele dá de ombros – Em qualquer um dos
casos, vou te fazer ver estrelas!
Não tenho dúvidas sobre ver
estrelas com a primeira proposta... Saio
da casa esperando ver Gabriel no
mesmo carro de sempre. Hoje, porém
ele está vestido de chofer com quepe e
tudo, dirigindo uma linda e branca

limusine.
Por um segundo penso em voltar
e trocar de roupa. Eu me vesti
confortável e não chique. John coloca a
mão na base da minha coluna e me
direciona para o carro.
– Pode entrar, Helena. A
limusine não morde.
– Eu sei disso, peste! Mas você
está aprontando alguma coisa e eu com
certeza não estou arrumada suficiente.
– Elle, você sempre está linda –

John segura meus ombros, virando-me
para ele – Você tem um brilho que
ilumina tudo ao seu redor, não importa o
que esteja vestindo.
Sorrio para ele. Tinha momentos
que John sabia a coisa certa a se falar.
– Você está perfeita. Mesmo em
trapos continuaria perfeita ou mesmo
nua... – ele me avalia com pura malícia
no olhar – Essa parte a gente podia
comprovar agora mesmo...
Pena que esses momentos eram

raros.
– John...
– Você não pode culpar um cara
por tentar! Vamos, estamos atrasados.
Sinto um frio na barriga. A
antecipação faz meu coração acelerar.
Olho para o misterioso homem ao meu
lado.
Para onde John me levará?
A limusine era imensa, mas isso
não parecia fazer muita diferença para
John. Ele se senta ao meu lado, tão

próximo que fico presa entre ele e o
vidro da janela. Não que eu esteja
reclamando.
Apoio minhas costas em seu
peito e John me mostra os principais
pontos turísticos e curiosidades sobre a
cidade. Ele diz os seus locais favoritos
e os que ele detesta. Quando quer, John
tem senso de humor. Cada esquina tinha
uma anedota diferente.
Em vinte minutos paramos ao
lado de um enorme prédio com cúpula

arredondada. Nunca tinha vindo aqui,
mas sabia o que era.
– Isso é um planetário? – pergunto
surpresa.
– Sim! E será só nosso pelas
próximas horas, gostou?
O abraço forte. Eu adorei.
– Como você sabia que eu amo
estrelas?
John segura minha mão e
entramos no planetário juntos:
– Eu estava lá com Chris
colocando aquelas estrelas de plástico
no teto do seu quarto. Eu achei brega,
mas Chris disse que você adoraria.
– E Chris estava certo, foi
atencioso e não brega! – dou um tapa em
seu braço – Mas você ajudou a colar as
estrelas?
John podia ser mais prestativo
do que eu tinha dado crédito.
– Claro que sim! – ele diz com ar
superior – Eu pedi para o Gabriel colar
cada uma com muito cuidado.

Agora fazia mais sentido.
John me leva até a sala principal
do planetário. Dentro parece um cinema
com fileiras de grandes poltronas
acolchoadas. Porém, a tela aqui era o
teto abaulado.
Em uma das poltronas estava um
moderno ultrabook. Daqueles que
parecem um notebook, mas você gira a
tela e se transformam em um tablet. Ele
digita alguns comandos no teclado e as
luzes se apagam, enquanto o teto

estrelado se acende.
Estou em um mundo mágico.
Envolta em penumbra e iluminada pela
via láctea. As sombras deixam o rosto
de John mais anguloso, destacando sua
beleza.
Beijo seus lábios.
– Obrigada. Sempre quis vir a
um planetário!
Ele me dá um sorriso satisfeito.
– Você não estará apenas
visitando, Elle. Hoje você terá o

universo em suas mãos – John me
entrega o ultrabook já em forma de
tablet – A tela é touchscreen e controla
todas as apresentações daqui. Você está
no comando.
Pego o caro aparelho e sento-me
na poltrona. Ela é reclinável e sinto
como se estivesse flutuando deitada
entre as constelações. Com um toque,
escolho o que quero ver e amplio a
imagem do sol. Ele parece tão próximo
que estico minha mão para tocá-lo. É
claro que não consigo, mas me divirto
mesmo assim.
– Nunca te vi assim tão relaxada e
feliz. – John fala ao meu lado.
– Desde pequena, meu sonho era
alcançar as estrelas... – Mudo para a
constelação da Ursa Maior.
John se aproxima e beija meu
pescoço:
– Você sempre pode alcançar a
mim!
Egocêntrico como sempre...
– Eu disse estrelas do espaço
sideral, não rockstars – eu o puxo pela
gola da sua camisa e o beijo,
aproveitando de sua boca – Apesar de
que agarrar as estrelas do rock tem suas
vantagens...
– Ah, é? Quais? – ele pergunta
presunçoso.
Dou de ombros.
– Passeios de limusine e visitas
exclusivas ao planetário...
– Então você só quer me usar, não
é? – ele finge estar indignado.

Bato o dedo no meu queixo,
pensando no assunto.
– Basicamente, sim! – digo
rindo.
– É, espertinha? – John estica os
braços, se oferecendo para mim – Pode
abusar à vontade. Eu insisto.
Subo em seu colo e coloco meus
braços ao redor de seu pescoço. Beijo
um caminho da sua orelha até a base da
garganta. Estava prestes a tirar a camisa
dele quando minha barriga ronca alto.

John começa a rir da minha
vergonha. Até fazer uma cara de
irritado.
– Porra, esqueci a comida!
– Não tem problema, John. Não
estou com tanta fome assim...
Não queria sair do planetário
para jantar, mas eu não havia comido
nada desde o piquenique com Chris.
Minha barriga não se importava com as
estrelas...
John saca o telefone e manda

uma mensagem de texto.
– Alguma solução brilhante? –
pergunto curiosa.
– Sim, Gabriel vai trazer pizza de
pepperoni e vinho. É a única comida que
eu tenho certeza que você gosta... – ele
me dá um olhar predatório – Acho que
vou ter que distrair sua fome por
comida, com outro tipo de fome...


CAPÍTULO 17 –
Planetário
– Outro tipo de fome, é? – subo
no colo de John com uma perna em cada
lado do seu quadril. Me apoio em seu
tronco, arranhando com minhas unhas o
seu peito duro.
John disse que eu podia usar e
abusar dele. Esta era uma oferta que
nenhuma garota iria recusar... Ele coloca
ambas as mãos em minha cintura e alisa
minha pele por baixo da blusa, subindo-
as até a borda do meu sutiã. O toque
áspero de seus dedos calejados me
deixa sensível e ansiando por mais.
Eu me inclino e mordo sua
orelha. Quem se importaria com comida
quando minha boca podia se deliciar
com o gosto dele?
– John... – sussurro em seu ouvido
– No momento, você é a única fome que
tenho.
Este era o incentivo que ele

precisava. John me beija. Não... Beijar
não descreve o que ele faz. John me
devora. Sua mão esquerda se prende em
meu cabelo, enquanto a direita vai para
a base da minha coluna.
Eu adorava quando ele me
segurava assim. Como se precisasse me
manter por perto, me dominando sem me
prender. Acho que não sou tão feminista
quanto pensei que fosse...
Ele me empurra para baixo e
para frente, pressionando sua excitação

exatamente onde preciso. Nossas blusas
somem e estou apenas de sutiã e short.
Meu corpo treme de antecipação. Minha
pele se arrepia... O mundo exterior não
existe. Sou só eu, John e as estrelas.
Jogo minha cabeça para trás
enquanto John arranha minha garganta
com sua barba e deixa um rastro de
beijos até o meu ombro. Sinto como se
eu estivesse conectada a ele, como se
cada poro da minha pele ansiasse pelo
próximo toque dele.

Ele abaixa a alça do meu sutiã
rendado e morde o ombro exposto. Um
gemido involuntário escapa da minha
boca. Preciso de mais! Retiro o sutiã,
ele só estava atrapalhando... Quero
sentir minha pele contra a dele.
– Helena, você é tão linda – John
me admira, descendo a mão pela minha
garganta até meus seios – Eu quero ir
devagar e te saborear como você
merece. Mas você me deixa ligado para
porra...

John se levanta ainda me
segurando. Ele me deita e reclina a
poltrona ao máximo. Eu coloco meus
braços ao redor do seu pescoço. Se ele
for devagar, eu posso perder a coragem
e fugir daqui.
– E quem disse que eu quero
devagar? – enrolo minhas pernas ao
redor do seu quadril, puxando-o para
cima de mim – Me faça sentir, John. Eu
preciso de você.
John me beija forte, como se eu

fornecesse o ar para que ele pudesse
respirar. Seus quadris imitam um
movimento de vai e vem, enquanto suas
mãos agarram meus seios. Todos os
meus sentidos disparam, ampliando cada
sensação que John me proporcionava.
– Helena, olhe para mim. – a voz
de comando de John é alta e abro os
olhos. Não havia percebido que os tinha
fechado – Só eu faço você se sentir
assim, entendeu?
Balanço minha cabeça

concordando. Sim, apenas John era
capaz de eliminar a palavra “prudência”
do meu vocabulário.
– Eu e mais ninguém, entendeu? –
ele me aperta, tirando um gemido de
mim.
– Entendi! Agora quer calar a
droga dessa boca?
Caramba! Isso não era hora de
conversar. Havia tantas outras utilidades
para a boca dele...
John levanta uma sobrancelha

para mim, mas obedece. Ele me lambe e
em seguida assopra. Uma de suas mãos
escorregam pela minha barriga,
alcançando dentro do meu short. Dou um
pulo com o primeiro contato de seus
dedos por cima de minha calcinha.
Se ele era capaz de me fazer
perder o juízo com os dedos, imagina
com o resto? Até agora eu tinha resistido
bem às suas investidas. No hotel e
durante toda a semana no escritório
dele, eu o parava antes de avançar
muito. Quanto tempo mais eu aguentaria?
Seus dedos encontram um ritmo
e John engole os meus gemidos com sua
boca. Minha cabeça pende novamente
para trás. Um calor se forma entre
minhas pernas. Quanto mais de prazer
John poderia me dar? Qual seria o meu
limite? Eu já sinto como se eu fosse
estilhaçar em mil pedaços.
– Não se segure, Helena! – até
sua voz era excitante – Venha para mim.
Tento me segurar... Não vou
fazer isto só porque ele mandou! John

coloca sua boca em meu seio. Língua,
lábios e sucção. Ele adiciona dentes à
minha pele sensível.
Dane-se meu controle.
Não sou Elle e nem Helena, meu
corpo era apenas um fantoche em suas
hábeis mãos e minha mente estava
afogada demais em sensações para se
rebelar.
– John! – meu grito ecoa na sala
vazia.
– Você fica ainda mais gostosa

assim, Helena – seu sorriso é pura
satisfação masculina – Entregue a mim.
Eu provavelmente teria uma
resposta esperta. Se eu pudesse
raciocinar. Mas não posso, afinal, John
tem razão. Neste momento, eu sou dele.
Em meio ao prazer, uma
ansiedade se constrói em meu peito. Eu
posso ser dele? E o mais importante, ele
pode ser meu? John se ajoelha no chão,
me apoio nos cotovelos para observá-lo.
Ele desabotoa meu short devagar,

olhando em meus olhos. Eu poderia
pará-lo por aqui. Eu deveria pará-lo por
aqui. Se eu quisesse.
Ok, Elle... Você não é tímida!
Levanto meu quadril para que ele
pudesse tirar minha roupa. Estou apenas
de calcinha e sinto minha pele queimar
pelo seu olhar carregado de luxúria.
Não tenho motivos para sentir vergonha,
John parece apreciar o que vê...
Respira, Elle... Sem paranoia!
Será que ele viu a cicatriz no meu

quadril por causa de uma queda de
bicicleta?
– Ah, Elle! Estou louco para te
provar. – John abre minhas pernas.
Ai, meu Deus! Ele já deve ter
visto tantas mulheres lindas. John já saiu
com modelos! Sei que sou bonita, mas
ainda sou apenas... Eu. Poderia me
levantar e sair como fiz no hotel...
Tudo evapora da minha mente
quando John segura minhas coxas e
morde vários pontos delas.

Aproximando-se cada vez mais de seu
alvo. Meu coração acelera, isso era algo
que nunca tinha feito antes.
John retira a minha calcinha.
Não há nenhuma peça de roupa para me
proteger. A ansiedade me mata enquanto
ele observa. Mas logo sua boca avança,
fecho os olhos ante seu ataque. Que se
danem minhas inibições! Ele estava
comigo e não com elas! Eu ignoraria
tudo, enquanto ele me fizesse sentir. E
como John fazia isso bem. Ele estava em
cada centímetro do meu corpo, tudo
ligado à sua boca e o que ela era capaz
de fazer comigo.
Caramba! Eu nunca iria deixá-
lo tirar a barba.
Seus dedos se juntam à
provocação e John varia o ritmo.
Rápido e Devagar. Bruto e suave. Meus
quadris parecem ganhar vida própria e
se movem em busca de mais fricção.
Seguro os cabelos de John, não sei se
para interromper esta tortura ou garantir
que ele nunca pare.

Era algo que eu nunca tinha
sentido com tal intensidade antes. O que
aconteceu na varanda do hotel não se
comparava a isto. Estou quase na borda.
Minha respiração acelera, mas John se
levanta.
– Ainda não, Elle.


CAPÍTULO 18 –
Alcançando estrelas
Ele retira devagar sua calça
jeans, o tempo inteiro fazendo uma cara
de safado para mim. Mordo meu lábio
inferior para não deixar escapar o
suspiro que surge quando mais de seu
corpo é revelado. Puta merda! John era
perfeito.
Eu podia ser um pouco
autoconsciente em relação ao meu
corpo, mas John não era com o seu. E
nem deveria! Seu físico magro, porém
atlético, era lindo. Ele está apenas de
boxer! Eu não tinha muita noção de
tamanhos, mas o volume que tentava
escapar da cueca era considerável. Meu
coração quer pular pela minha boca. Ai,
Ai.
– Apreciando a vista?
Volto a olhar para o seu rosto.
– O quê? – pega no flagra
encarando John... De novo! Mas que

outra coisa eu poderia fazer? Ele tinha
sido feito para ser apreciado.
John não desvia o olhar enquanto
retira a boxer. Suspiro. Acho que estou
hipnotizada e não só por sua beleza, mas
por sua intensidade. Ele era como um
ímã, tinha um magnetismo inerente que
me atraía cada vez mais.
Ele resgata uma camisinha do
bolso da calça. Está pronto e firme para
mim. Um arrepio percorre meu corpo,
este era um ponto sem volta. Eu vou

mesmo fazer isto?
– John, eu... – tento falar, mas
gaguejo – É que...
John me silencia com um beijo
rápido.
– Relaxe, Elle. Se você não
gostar, eu paro, ok?
Estou enjaulada entre seus braços, presa
abaixo de seu corpo e refém de tudo
aquilo que ele me fazia sentir. Eu
deveria explicar a situação para John,

mas receio e vergonha me fazem travar.
Não acho as palavras. Ele segura meu
cabelo com uma mão e me beija.
Me perco em seu beijo, enquanto
John começa a me penetrar. É apertado e
dói. John me preenche aos poucos. Eu
deveria ter dito alguma coisa! O prazer
sumiu, sinto-me apenas invadida...
– Helena, você está bem? – John
me pergunta preocupado – Eu te
machuquei?
Doeu sim, mas ele não fazia

ideia do porquê! Respiro fundo e solto o
ar. Agora é tarde para arrependimentos.
Só espero que isso passe, quero voltar a
sentir o John e não a dor.
Minto para não estragar o clima:
– Não me machucou, não pare...
Enrolo minhas pernas ao redor
de seu quadril, trazendo-o para mais
perto. A incerteza ainda paira em minha
mente, mas eu o beijo. Ataco sua boca
com paixão. John mantém uma mão
presa em meu cabelo e a outra se

apoiando na poltrona. Seus olhos se
cravam em mim, sua expressão é um
misto de desejo e determinação.
– Elle... Não quero te machucar
– seus olhos estão fechados. Como se
não conseguisse se controlar, caso
olhasse para mim – Eu quero te saborear
com calma.
Minha paciência acaba. Quero
voltar ao êxtase que estava sentindo
meia hora atrás.
– Eu não sou a porra de um

vinho, John! Cala a boca e me beija
logo!
E é exatamente isso que ele faz.
Na verdade, John faz isso e muito mais.
Ele usa seu corpo inteiro para me
excitar. Dos seus pés que se entrelaçam
com os meus, até seus cabelos que me
arrepiam quando ele baixa sua cabeça
para me enlouquecer com sua boca.
Não demora muito e eu sou
novamente uma poça de desejo em suas
mãos. Ele me penetra com movimentos

curtos e rápidos. Suporto a pontada
remanescente de dor. Para frente e para
trás. Cada vez que John faz isso, a
sensação prazerosa começa a voltar e a
dor diminui.
– Helena, olhe para mim! – abro
os meus olhos. Ver John com um céu
estrelado de fundo e me preenchendo
totalmente era... Erótico.
Ele estava suado de esforço, seu
ritmo agora era punitivo. Eu não tinha
controle sob os gemidos que escapavam

da minha boca. A essa altura eu estava
tão molhada que ele deslizava
facilmente. Finalmente!
Ele me beija, mordendo meu
lábio inferior.
– Helena, eu juro que estou
tentando ir o mais devagar que posso.
Minha nossa. Se isso era o mais
devagar que ele podia, qual seria o
rápido?
– Eu não quero que você se segure
tanto – antes que ele proteste, eu

sussurro em seu ouvido – Se for demais,
eu aviso. Mostre-me o quanto você me
quer, John!
John me vira, me colocando de
bruços. Meu quadril fica empinado,
enquanto minhas pernas passam da
poltrona. Ele me invade novamente,
deste jeito é mais profundo. Mais forte.
– É assim que você quer,
Helena? – sinto um tapa na minha bunda.
John agarra minha trança e a puxa para
trás, meus cabelos ficam esticados ao

máximo e ele me monta com vigor.
Quem se importa com dor quando ele faz
isso? Fico ainda mais excitada.
John me atiça. Aperta, morde e
esfrega tudo que seus dedos e mãos
podem alcançar. Estou à beira de um
precipício. Como se houvesse um big
bang pronto para explodir dentro de
mim.
– John, por favor! – digo
ofegante.
Ele puxa mais meus cabelos.

– Me diga o que você quer,
Helena.
– Você! Mais de você... Não sei!
John aumenta o ritmo. Meu corpo
vai para frente e para trás.
– Isso mesmo, Helena – ele bate
na minha bunda – Sou o único que
conhece você assim!
John me vira novamente, ele
dobra meus joelhos e os empurra em
direção aos meus seios.
– Segure seus joelhos, Helena. –

John comanda. A posição é estranha,
mas faço o que ele manda.
John aumenta a velocidade e eu
grito a cada batida de seu corpo contra o
meu. Ele aperta meus seios, estou
perdida em sensações quando meu corpo
atinge a libertação desta doce tortura
que John me impôs. Ele me segue,
gritando meu nome com voz rouca.
Minha nossa! Será que o sexo
era assim para todo mundo ou só com o
John?

Largo meus joelhos e John
coloca seu corpo sobre o meu. Ainda
ofegante, ele encosta sua testa na minha.
– Você está bem? Eu te
machuquei?
Dou um beijo rápido em sua
boca
– Estou bem. – Bem dolorida...
Mas a dor não é nada comparada
ao prazer que John me proporcionou.
Não era à toa que as pessoas se
viciavam em sexo! Nada do que eu tinha

feito até hoje chegava perto disso.
John se levanta e retira a
camisinha. Seus olhos se arregalam
quando nota o sangue. Na empolgação
do momento ele não havia percebido.
– Helena! O que... – ele balança
a cabeça em descrença. O choque é
evidente em suas feições – O que
significa isso?
Bem... Eu pensei que fosse meio
óbvio. Me sinto consciente de estar nua
agora que o calor do momento passou.

Pego minha blusa e sutiã e cubro meus
seios.
– Helena! Fale comigo – ele
segura meus ombros, obrigando-me a
encará-lo – Por que você não me contou
que era virgem?
– Bem, eu tentei avisar! – Mais
ou menos.
John se levanta e veste a cueca.
Ele passa as mãos pelo cabelo em gesto
nervoso.
– Porra!


CAPÍTULO 19 –
Aumentando a aposta
Mordo meus lábios para que eles
não tremam. Eu não vou chorar na frente
dele.
– Por que você está com raiva de
mim?
– Eu não estou com raiva de
você, Elle – John solta um longo suspiro
e se ajoelha à minha frente. Sua voz sai
tão baixa que mal passa de um sussurro
– Estou com raiva de mim.
– Com raiva de você? Por quê?
John alisa meu rosto. A palma de
sua mão cobre quase toda a lateral da
minha face.
– Elle, sua primeira vez não
deveria ter sido assim! Você merece
mais! Não uma poltrona de planetário,
não sem um jantar romântico e não a
mim... – vejo um pesar em seu rosto que
nunca se fez presente antes.
Seguro sua mão.

– Eu não me importo com estas
coisas. Além disso – aponto para o teto
– Você colocou o universo na palma da
minha mão.
John levanta uma sobrancelha
para mim.
– Então tive que te fazer ver
estrelas?
Coloco os braços ao redor do
seu pescoço e dou de ombros.
– Algo como isso. Eu queria
você – beijo rápido sua boca – Se eu

não quisesse, não teria deixado ir tão
longe.
John diz preocupado:
– É algo que não pode ser
desfeito, Elle... Eu não fui delicado, não
te tratei com o carinho que você
merecia!
ele.
– Então eu só merecia carinho se
fosse virgem?
– Não é isso, espertinha! – John

beija o canto da minha boca – Eu
deveria ter ido devagar, ter te preparado
mais... Não sei! Ter feito algo para ser
especial e você gostar!
– Foi especial por que foi com
você. Eu senti dor sim, é claro – beijo
sua boca para silenciar seu protesto
iminente – Mas não foi nada perto de
tudo mais que você me fez sentir!
John fala ainda incrédulo:
– Você fez tantas coisas comigo!
Na varanda e toda a semana no

escritório. Como podia ainda ser
virgem?
– Eu era uma virgem – mordo sua
orelha – Não uma santa!
– Ah, Elle! Um dia você vai me
levar à loucura! – John me abraça.
Enchendo a lateral do meu rosto de
beijos. Ele se afasta e olha entre minhas
pernas, a mancha de sangue suja a mim e
a poltrona de vermelho.
Tento me levantar, mas ele me
para.

– Fique aí que eu vou te limpar.
– John pega sua camisa para passar em
mim.
Isso é vergonhoso.
– John, me dá essa camisa!
– Helena, deixa eu cuidar de
você! – ele termina de limpar e me beija
doce – Era para ser a comemoração do
seu aniversário, mas quem ganhou um
presente foi eu. Obrigado pela
confiança, Elle.
Prendo a respiração. Meu

coração sempre perdia uma batida
sempre que ele era carinhoso. O beijo
de forma doce, saboreando sua boca.
Mas o interrompo antes que ele
empolgue demais:
– Ok, garanhão. Agora me
alimente que estou morta de fome!
Enquanto John sai em busca da
nossa comida, eu termino de me vestir.
Logo depois ele retorna com várias
almofadas.
– De onde você tirou isso?

– São dos sofás na sala de espera
– John as coloca lado a lado no chão, no
centro do planetário. Parece um grande
tapete entre as fileiras de poltronas.
– E vamos comer aqui? – aponto
para a placa na parede – Aquele aviso
proíbe comida e bebida dentro do
planetário.
– Ah, isso só vale para o público
durante o dia. Eu aluguei o lugar inteiro,
posso fazer o que eu quiser.
Não acho que a diretoria

concordaria com ele. Balanço a cabeça
em descrença:
– Ok, rei do mundo. Venha
comer!
– Você me fez sentir o rei do
mundo hoje – John segura minha cintura
e beija minha garganta.
Passo meus braços ao redor do
seu pescoço.
– Não sei exatamente o porquê,
John... Mas eu sinto que posso confiar
em você – espero não estar enganada –

Eu só queria saber mais sobre seu
passado...
Ele se afasta e senta nas
almofadas.
– A pizza está esfriando, Elle.
Eu ainda vou saber o seu
segredo. Só preciso fazê-lo se abrir
comigo. Sento-me ao seu lado.
– Você sabia que isso é,
tecnicamente, destruir patrimônio
público?
Seus olhos brilham de astúcia.

– Seria mais um para adicionar
ao seu currículo, não é?
– Verdade, mas não tenho mais
nove anos! – e também não era afilhada
do delegado daqui.
O brilho lascivo no seu olhar faz
minha pele se arrepiar.
– Não, Elle. Definitivamente você
não é uma criança – John me puxa para o
seu colo. Minhas costas contra seu peito.
Ele pega um pedaço de pizza.
– Abra a boca, Elle.

Mordo o pedaço que ele oferece.
Não sei se era a fome, mas mesmo fria,
estava deliciosa.
– A pizza está gelada e o vinho
quente – John pisca com malícia para
mim – Acho que demoramos muito mais
do que os quarenta minutos, hein?
Começo a rir. Ah, o ego dos
homens! Mas se a comida estava na sala
ao lado...
– Ai. Meu. Deus! Será que
Gabriel nos ouviu quando trouxe a

pizza?
Tudo bem que ele deixou na antessala,
mas mesmo assim... Escondo meu rosto
na curva do pescoço de John. Ele segura
minha cabeça e me faz encará-lo.
– Você tem vergonha do que
acabou de acontecer, Helena? – suas
feições estão sérias. Ele está chateado.
– Claro que não, John! Eu tenho
vergonha dele ter ouvido... A mim.
– Tem razão – ele beija o canto da
minha boca – Seus gemidos são meus.

– Não tem jeito de você perder
essa mania de me possuir, hein? –
levanto uma sobrancelha para ele – Não
sou um objeto, sabia?
John passa os braços ao redor de
mim e me segura contra seu peito.
– Você não é um objeto, Elle,
mas é minha mesmo assim – ele enterra
seu rosto em meus cabelos. Sua voz sai
abafada – Eu não sei dizer o que sinto,
mas sei que a culpa é sua. Você foi a
única que alcançou algo dentro de mim.

Me viro em seu colo, passando
as pernas por trás do seu quadril.
Ficamos um de frente para o outro,
abraços no chão.
– John, por que você diz isso? –
penteio seus cabelos para trás, assim
posso ver seu rosto melhor – Qual o
motivo dessa tristeza que você se
esforça tanto em esconder?
Sua mandíbula trava
– Esqueça isso, Helena. O
passado não importa, não tem nenhum

mistério escondido para matar essa sua
curiosidade.
Ele pode achar que dizia a
verdade, mas não era pelo que observei
desde que o conheci. Não sei o que
aconteceu, mas o passado ainda
assombrava John. Eu poderia apostar
minha vida nisso... Boa ideia!
John põe as mãos em minha
cintura. Mas antes que ele me distraia,
eu sussurro em seu ouvido.
– Tem um outro desejo dentro de

mim que só tem crescido desde o
primeiro dia que te vi – os olhos de John
brilham com promessas obscuras – E
isso está me consumindo. Só você pode
aplacá-lo...
John responde com voz rouca,
raspando os dentes em minha garganta:
– Tenha certeza disso, Helena.
Só eu e mais ninguém.
– Sim, por que o desejo que
estou falando, John – digo segurando um
punhado de seus cabelos e puxando-os

para trás – É o de conhecimento! Eu
quero saber mais sobre você.
– Elle – ele suspira cansado – Já
disse que não há nada de surpreendente
em meu passado. Esqueça.
Sua mandíbula está travada em
teimosia. John não quer compartilhar
facilmente, mas talvez ele negocie...
– Eu quero mudar os termos da
aposta. Se eu ganhar você terá que
começar a se abrir comigo, um pouco a
cada dia.

John me olha desconfiado.
– E se eu ganhar?
– Se você ganhar, eu serei
totalmente sua. Sem restrições ou tempo
determinado.
John sorri satisfeito.
– Aceito.
Na volta para casa, evito contato
visual com o Gabriel. Preciso esquecer
esta paranoia, ele provavelmente não
ouviu nada. Eu e John ficamos nos
beijando na parte de trás da limusine,

até que percebo para onde Gab está nos
levando.
– Já está tarde, John. Melhor eu
ir para casa.
– Mas eu não te mostrei a minha
surpresa...
– Não? – pensei que o planetário
era a minha surpresa!
– Você já me surpreendeu hoje,
agora é a minha vez. – ele beija meu
rosto e me ajuda a sair do carro.
John me leva a um local de sua

casa que eu nunca fui. O que vejo me
deixa sem palavras. É lindo, perfeito e
enche meus olhos de lágrimas.
Ele passa a mão no meu rosto,
secando-as. Depois beija cada um dos
meus olhos e minha boca.
– Já passa da meia noite. Feliz
aniversário, Elle.


Eu ainda não conhecia a casa de
hóspedes de John. Era linda, feita de
alvenaria com uma varanda de madeira.
Um pequeno jardim de rosas impregnava
a frente com um aroma delicioso. Mas
era o belo flamboyant em flor que
chamava atenção. Sua copa quase
totalmente tomada pelo vermelho das
flores era impressionante. Mesmo na
pouca luz da madrugada.

A casa parecia pequena,
comparada aos padrões megalomaníacos
de John. No entanto, era perfeita para
mim. Esperava conseguir fazer daqui
meu lar provisório. Tudo que eu queria
era sentir que pertencia a algum lugar.
– Adorei a casa! É tão linda –
beijo a bochecha de John – Obrigada!
– Venha, você precisa ver o
interior – ele para e se vira, encarando-
me meio inseguro – Eu quis fazer uma
surpresa, mas não sei se você vai

gostar...
Beijo a ponta do seu nariz.
– Eu tenho certeza que vou
gostar.
Só o fato de John ter se
esforçado em me surpreender, mostra
que ele está tentando. Ele me deixa
entrar e o que vejo me deixa sem
palavras. É lindo, perfeito e enche meus
olhos de lágrimas.
A sala estava mobiliada com os
meus móveis favoritos. O mesmo sofá

que eu deitava no colo da minha mãe
enquanto assistia TV. O tapete que eu e
Chris sujamos de tinta quando pintamos
nosso rosto para brincar de índio. O
vaso que substituiu o antigo que Sam
quebrou quando corríamos pela casa. O
relógio antigo que meu pai amava por
que era de sua mãe.
Era uma amostra da minha antiga
vida, um pedaço do mundo que pertencia
a mim. Não esperava recuperar nada tão
cedo! Passo os dedos na estante de
livros que eu e a mamãe construímos.
Eu sentia como se um pedaço do
meu coração, que eu não sabia que
estava quebrado, tivesse acabado de se
colar. John me deu o maior de todos os
presentes. Ele me devolveu o sentido de
lar.
Pulo em seu pescoço e beijo
todo seu rosto.
– Obrigada, John! Eu não tenho
palavras para agradecer – minhas
lágrimas me impedem de continuar a
falar.

– Calma, Elle. Você ainda não viu
o quarto... – John beija meu pescoço –
Tenho uma surpresa lá para você
também.
Safadinho...
– Sabe, no momento eu não estou
com cabeça para isso que você está
pensando...
John me pergunta irônico:
– Tem certeza?
– Tenho! Mas não impediria
você de tentar...

John me dá um beijo rápido na
boca.
– Vamos para o quarto,
espertinha.
Ele fica mais para trás e me
deixa abrir a porta. Grito alto e corro
para a cama, agarrando e caindo por
cima da pessoa que estava sentada
sorrindo para mim.
– Sam! – eu a abraço aperto e a
encho de beijos, ela ri e faz o mesmo –
Não acredito que você está aqui!

Como eu estava com saudade da
minha minion favorita!
– Elle... Ar... Respirar... Por
favor... – ops, acho que ainda sou um
pouco Felícia com a Sam.
Meu sorriso deve ser maior do
que o do Coringa. Me sinto radiante! O
dia ontem começara lindo, mas a noite
estava sendo perfeita. Eu me encontrava
em êxtase.
– Desculpa! Como você conseguiu
vir? – pergunto abismada – O Delegado

deixou?
Aquela criatura fascista devia
estar virando gente!
Samantha sorri.
– Não exatamente... Digamos que
eu deveria estar em uma “excursão” da
escola.
Ai, meu Deus! Se O Delegado
descobrir, estaremos em sérios apuros.
– Elle! Volte a respirar – Sam
fala rindo – Mamãe sabe, ela vai me dar
cobertura!

– Assim espero... – Samantha
não tinha noção do perigo. Até onde ela
iria para desafiar o pai?
– Meninas, eu vou indo. – John
fala ainda parado na porta.
– Oh, não... Por favor, fique à
vontade e deite-se – Sam alisa um
espaço vazio ao lado dela na cama –
Pode até tirar a camisa se quiser. Eu não
vou reclamar!
– Sam! Se Chris te ouvir falando
assim com os homens, vai ter um infarto.

– a repreendo.
– E por que ele se importaria? –
Sam fala com desdém – Ele não se
preocupou quando me deixou para trás.
Antes que eu possa falar, John se
senta ao lado dela.
– Samantha, Chris não te
abandonou de propósito. Ele foi expulso
de casa, é diferente! – John passa um
braço ao redor do seu ombro – Você
sabia que Chris sempre falava sobre a
irmãzinha dele? Ele sentiu muito a sua

falta, não o culpe.
Poxa! Quem é esse e o que ele
fez com John? Ele disse que ia tentar
conquistar meu coração, mas caramba...
Acho que está tentando invadir e
dominar.
Sam enxuga uma lágrima.
– Obrigada, John... Mas a oferta
ainda está de pé! – ela tenta esconder
seu constrangimento com humor.
Ele se levanta e sorri com o
canto da boca.

– Oferta tentadora! Mas não
quero dar mais motivos para o Chris ter
raiva de mim...
Ele sai pela porta e Sam olha
como um gavião de suas costas para
mim. Oh, John! Acho que você acabou
de falar demais...
– Sam, volto já! – corro atrás de
John, o alcanço já na varanda. Seguro
seu braço, interrompendo sua
caminhada. Ele me encara, olhos azuis
sondando cada reação minha, falo do

fundo do meu coração.
– Hoje eu te dei uma parte de
mim, mas não esperava nada em troca.
Bem, nada além do que ver estrelas – no
sentido literal e figurado. – No entanto,
você me devolveu uma parte minha que
estava perdida. Aquela parte órfã que
não tinha mais nada seu, nada que
mostrasse suas raízes.
John segura o meu rosto com as
duas mãos e beija minha boca com
carinho.

– Eu gostaria de poder fazer
mais, Elle. O presente que você me deu
hoje... Mesmo que você nunca me ame,
eu sempre serei grato por isso. Por sua
confiança em mim.
Congelo quando escuto a palavra
com três letrinhas. John sorri com o
canto da boca e beija meus lábios. Desta
vez eu não o impeço quando ele se vira
e vai embora. Volto para o quarto com a
cabeça em um turbilhão de pensamentos.
Não há ordem em meio ao caos em que
se encontra minha mente e meu coração.
– Ei, Hello Kitty do mal! Me
conte tudo e não esconda nada! – os
olhos de Sam brilham com a antecipação
pela fofoca.
– Hello Kitty do mal? – essa é
novidade...
– Sim! Você fica aí muda, sem
boca e ainda quer ser toda durona, mas
eu te conheço Elle... Não passa de uma
gatinha! – Samantha começa a rir de sua
própria piada infame.
– Se superou, hein? Eu vou

tomar um banho – definitivamente
preciso de um.
– Ah, não! Você não vai fugir de
mim! – Sam corre para o banheiro e
senta no vaso sanitário – Desembucha
logo.
Pelo jeito, terei plateia durante o
banho.


CAPÍTULO 21 –
Compartilhando
Enquanto a água lava meu corpo,
eu conto um pouco do que aconteceu nos
últimos dias. Falo até do passeio de
limusine, omitindo apenas os detalhes
mais íntimos...
– E para onde ele te levou? – Sam
pergunta curiosa.
– Para o planetário...

– Garoto esperto! – Ela bate
palmas – Foi muito romântico o que ele
fez aqui! Ele gosta de você, Elle! Você o
ama também, não é?
– Como ele conseguiu trazer
esses móveis para cá? – digo evasiva.
Escuto a risadinha de Sam. Ela
sabe que estou fugindo de responder sua
pergunta.
– Eu retornei a sua ligação
naquele dia que você me disse que ia
para um clube com ele. Fiquei

desconfiada do porquê de ele atender
seu celular... Mas agora faz sentido.
Você devia estar desacordada por causa
da droga!
John atendeu meu celular
enquanto eu estava desmaiada? Lembro-
me da nossa discussão um pouco antes
de ir ao clube.
– Ele perguntou se eu tinha um
namorado?
– Sim, foi uma das primeiras
perguntas dele. Como você sabia?

– Intuição feminina... – ciumento.
– Na segunda, ele me ligou
pedindo minha ajuda para trazer algumas
coisas suas para cá.
– E você disse o que? – pergunto
enquanto tiro o shampoo do meu cabelo.
– O que você acha que eu disse?
Era seu aniversário e ele queria fazer
uma surpresa dessa! Elle... Você é minha
melhor amiga! É claro que eu tive que
chantageá-lo para me trazer aqui em
troca da minha ajuda. Ele conseguiu essa

excursão misteriosa no colégio e cá
estou eu.
Começo a rir! Sam era um perigo
ambulante. Mas como o John teria
conseguido isso?
– Agora fala logo. O cara manda
trazer um caminhão de mudanças só para
te agradar e ainda me traz junto!
A maior mala de todas...
– O que você quer que eu diga?
– Que está rolando algo eu já sei...
Quero os detalhes sórdidos, é óbvio!

– Sam, posso terminar meu
banho primeiro?
– Não! Deixe de me enrolar e saia
desse chuveiro logo! – Sam dá a
descarga no vaso, a água diminui e
queima minhas costas.
Filha da mãe!
– Ok, ok... Não sei Sam... John
me fascina. No início, eu o detestava –
paro um por um momento para lembrar
dos primeiros dias – Isso não é
verdade... Eu não gostava do jeito que

meu corpo respondia à sua presença.
– Por quê?
Esta era uma boa pergunta...
– Acho que me assustava...
Saber que outra pessoa tinha tanto poder
sobre mim. Mesmo antes dele ter me
beijado pela primeira vez.
Sam abre a porta do box e me
encara séria.
– Elle, você tem que desencanar
disso. Se relacionar com alguém é doar
uma parte de si mesma e receber algo

valioso em troca: o coração de outra
pessoa.
Enrolo a toalha em volta de mim
e a abraço.
– Nossa Sam, isso foi lindo! – às
vezes, Sam parecia ter muito mais do
que seus 15 anos.
– É, eu sei... Tirei de um daqueles
livros de banca de jornal. Não que a
mamãe saiba que eu descobri sua
coleção escondida. Tem cada cara
quente na capa...

Caio na gargalhada. Sam já era
uma pimenta, imagina como seria agora
que estava mais... Instruída?
– Falando em sua mãe, ela sabe
que você está aqui?
– Sim! Parece que seu John é
capaz de encantar as mulheres até por
telefone. Ele até a convenceu a mentir
para O Delegado, senão eu não teria
vindo...
Sinto toda a animação da noite
sumir... Este era o grande problema.

John e as mulheres...
– Ei! O que foi? Eu disse alguma
coisa errada? – Sam pergunta
preocupada.
– Não, Sam. Você disse
exatamente a coisa certa! – procuro nas
gavetas e não há roupas de dormir. No
closet só tem algumas das de festa que
estavam no quarto de espelhos – Que
droga! O que vou vestir agora?
Sam vasculha sua mala e joga
para mim um par extra de pijamas. Olho

duvidosa, aquilo iria ficar minúsculo em
mim. Visto mesmo assim, era melhor do
que deitar toda chique.
– Você tem medo que ele te
traia? – Sam pergunta com a testa
franzida.
Me jogo ao seu lado na enorme
cama. Como senti saudades dos meus
lençóis!
– Tecnicamente, ele já me traiu.
– explico sobre o beijo e a festa para
ela.

– Olha, Elle, eu entendo porque
ele fez isso – Sam levanta uma mão para
me silenciar – Não que tenha sido certa
a atitude dele. Mas você o fez pagar, não
foi?
– Sim... É que o Chris me alertou
que sobre o John, mesmo antes de eu
começar a trabalhar para ele.
Samantha se deita, dobrando os
braços atrás da cabeça.
– E qual é a opinião dele agora?
– Ele não sabe... – suspiro alto.

Sam se senta em um pulo.
– E por que não? Pensei que ele
iria ficar feliz! Chris sempre preferiu
que você namorasse os amigos dele...
Isso por que os seus amigos
sabiam que por trás da fachada pacata,
havia um lutador faixa preta. Além disto,
eles também tinham medo do pai dele.
Então Chris garantia que nenhum cara
partisse meu coração. Não acho que
essa tática funcionaria com o John.
– O problema é que o resto do

Jack Rock acha que Chris me ama,
incluindo o John! – digo exasperada.
– O quê? – Sam parece chocada
– Você não sabia? É claro que ele te
ama! Eu também, caso você esteja se
perguntando.
– Eles não falaram no sentido de
amar um amigo, Sam...
– Eu entendi, Elle! Sabe que eu
já perguntei a ele sobre vocês dois?
Balanço minha cabeça negando.
Não sabia disso. Ela continua falando.

– Quando Chris começou a sair
com garotas, eu era criança. Lembro de
perguntar por que ele não namorava
você, eu queria que você fosse da nossa
família de verdade. Ele disse que não
precisava disso, você já era nossa irmã
do coração e é ele que bombeia o
sangue pelo nosso corpo. Então se você
pertencia ao nosso coração, já estava
dentro de nossas veias e era sangue de
nosso sangue. Parte da nossa família.
lágrimas, como o Chris é especial!
Abraço a Samantha, esses dois sempre
estiveram presentes em minha vida. Eu
os amava tanto! Preciso contar tudo ao
Chris, eu não suportava mais omitir o
John dele. Estava me corroendo por
dentro.
– Obrigada, Sam! Só você para
trazer luz à minha vida.
– Claro, eu sou quase um sol
com pernas! Só que menos redondo –
ela pisca um olho para mim – E muito
mais quente!

Essa garota não tem jeito!
– Vamos dormir logo que amanhã
o dia promete!
Sam e eu dormimos lado a lado,
conversando até apagarmos de sono.
♪♫ ♥ ♪♫
No dia seguinte, um barulho

distante de sino me acorda. O que é
isso? Demoro um segundo para lembrar

onde estou e todos os acontecimentos do
dia anterior. Um dos melhores dias da
minha vida! E hoje eu pretendia ganhar
uma aposta!
A campainha continua a tocar.
Me levanto antes que acorde a Sam.
Quando abro a porta da frente, me
deparo com um muito apetitoso John.
Ele está novamente com o cabelo em
coque samurai e camiseta preta. Testado
e aprovado.
John me analisa da cabeça aos

pés, seus olhos brilham de luxúria. Eu
estava com o pijama de Sam, muito
pequeno para o meu corpo.
– Elle, você está querendo
causar um infarto em mim? – John entra
me puxando para os seus braços. Ele me
beija com força enquanto aperta minha
bunda – Eu quero tirar essa roupa de
você com os dentes!
Se não fosse a Sam dormindo no
quarto ao lado... Eu poderia até
concordar! Quem estou enganando? Eu

não só iria deixar, como adoraria cada
segundo...
– Nada de infartos hoje! Preciso
de você saudável para perder nossa
aposta.
Ele me apoia na parede, usando
seu corpo para prender o meu. John
coloca seu joelho entre minhas pernas.
Oh, sim! Isso parecia divertido.
– Ah, Elle! Eu vi a quantidade de
cartas que você ainda tem – ele beija
minha garganta e sussurra em meu

ouvido – Eu vou adorar ganhar esta
aposta, sabia?
Eu me entrego ao seu beijo. Não
iria estragar a surpresa de mais tarde.
John me agarra. Ele parece ter mil mãos,
assim como eu. Se entregar a ele e tê-lo
a minha mercê era o paraíso.
– A gente podia ir para o meu
quarto – John me diz entre beijos – Eu
faria você ver estrelas novamente!
Kim iria chegar em breve e eu
tinha muita coisa para fazer. Que

droga...
– Por mais tentador que seja,
John – dou um selinho em sua boca –
Tenho uma aposta para vencer.
Me viro em direção ao corredor
quando sinto um tapa em minha bunda.
– Nem você conseguiria um
plano para responder estas cartas em
poucas horas, Elle – John me agarra
pelas costas. Sua respiração quente em
meu pescoço – Eu vou adorar quando
você for totalmente minha. E você

também vai gostar, eu prometo.
Ah, eu vou gostar sim... De vê-lo
engolir essas palavras.
John que me aguarde.

CAPÍTULO 22 –
Queimei as vadias
Fico na porta, observando John
ir embora. Mesmo de costas, ele era
gostoso.
– É, ele tem um bundão mesmo!
– me assusto com a voz em meu ouvido.
Por um segundo penso que meus
pensamentos criaram mente própria.

– Bom dia, Sam! – viro para
encontrar a pestinha sorrindo de orelha a
orelha.
– Estava muito bom até você
mandá-lo embora! – ela começa a se
abanar – Nossa, bateu um calor só de
olhar! Como é beijá-lo?
Fecho a porta e arrasto a
“hormônios em fúria” para o banheiro;
– Toma um banho que passa o
calor.
– Calma! Não precisa ficar com

ciúmes...
– Ciumenta, eu? Você está louca!
Eu não estou nem aí... – tranco a porta
do banheiro – Se arrume logo, que daqui
a pouco a Kim chega!
Escuto Sam resmungar através
da porta:
– Claaaro... O que você disser,
Elle.
Deixo-a falando sozinha e vou
procurar minha roupa. Precisava de algo
leve para o dia, a “festa” começaria às

nove horas da manhã. Optei por um
vestido soltinho e sapatilhas, cabelos
presos em um rabo de cavalo e apenas
rímel e gloss como maquiagem.
Sam sai do banho e se arruma
também. Estava linda com um short
curto, blusinha e sandálias de tira. Teria
que ficar de olho nela, os homens
ficariam encantados por sua beleza
natural.
Estou tão feliz por tê-la aqui!
Para o dia ser perfeito, só faltavam as

duas pessoas que eu nunca poderia ter
de volta.
– Ei, por que essa cara triste? –
Sam me abraça quando as lágrimas
começam a se formar – Nada de tristeza,
Elle! Hoje vamos celebrar sua vida!
– Mas...
– Nada de “mas”! Seus pais
estariam orgulhosos de você, sabia? –
Sam alisa meu cabelo e o coloca atrás
do meu ouvido.
– Por quê? O que eu fiz para eles

terem orgulho?
Sam me olha com mais
sabedoria do que deveria ser permitido
para sua idade.
– Porque eles sempre te amaram
e se orgulharam de você! Vamos Elle, se
anime! Você está viva!
Lembro-me do que John me
disse no cemitério: “Viva por eles”.
– Além disto – Sam
complementa – Eu vou embora hoje à
noite! Não quero ficar presa aqui com

você choramingando.
Sorrio. Apenas Samantha
poderia ir de sentimental à insensível
em segundos. Quando estou secando
minhas lágrimas, Kim surge no vão da
porta. Ela corre e pula em cima de mim,
quase derrubando a nós duas.
– Parabéns, Elle! – Kim pula
animada – Pronta para fazer o John
sofrer?
– E por que ela faria isso? – Sam
pergunta sem entender nada. Oh, merda!

Sam sabe demais e Kim de menos.
Ninguém mais deveria saber antes de eu
conversar com Chris.
Tenho que falar com ele hoje!
– Kim, você conhece Samantha?
– me intrometo entre as duas – Ela é a
irmã de Chris.
Kim arregala os olhos.
– Sim! Claro! Nossa, você é
ainda mais linda pessoalmente e é a cara
do seu irmão.
– Obrigada! – Sam pisca o olho

para Kim – Mas eu sou mais descolada.
Kim começa a rir.
– Vejo que vamos nos dar muito
bem, garota!
Ai, meu Deus... Tenho o
pressentimento que estas duas juntas não
era uma boa ideia. Principalmente para
mim!
Kim sai correndo e volta com um
embrulho de presente grande e colorido.
– Este é para você, mas não
pode abrir agora! Só mais tarde...

Não sei o que tem na caixa, mas
se o brilho malicioso na expressão dela
é alguma indicação... Com certeza deve
ser divertido.
Uma batida na porta chama
minha atenção:
– Senhorita Helena, está tudo
pronto. – Gabriel avisa.
Me viro para minha nova Dupla
Dinâmica:
– Meninas, chegou a hora de
arrasar!

A minha festa aconteceria ao
redor da piscina e seria regada a
churrasco, cerveja e margueritas. Uma
tenda foi montada entre os jardins, com
DJ e luzes negras para a noite, quando
teríamos uma balada para finalizar.
Mas era na quadra de esportes
que eu estava interessada. Gabriel fez
exatamente o que pedi, dispôs três
piscinas infláveis uma ao lado da outra.
Junto delas havia todas as caixas de
cartas, formando uma pirâmide de
papelão.
Em pouco tempo começaram a
chegar os convidados. Kim escolheu
cada um dos que estariam presentes
nesta primeira parte da “festa”. A
maioria eram os roadies e suas famílias,
dispostos a me ajudar.
Ainda era cedo e já tinham umas
vinte pessoas. Kim me prometeu cem.
Para que meu plano desse certo,
precisaria do máximo de pessoas
possíveis. Começo a explicar o que será
feito antes que John apareça.

– Bom dia! Obrigada por virem
ao meu aniversário. O presente que me
darão hoje é maior do que qualquer
objeto que poderiam comprar – aponto
para as pilhas de caixas – Vocês
concordaram em me ajudar a responder
todas estas cartas de fãs. A primeira
parte será dividi-las em três categorias:
fãs normais, psicóticas e putas.
Todos começam a rir das
categorias escolhidas. Mas fazer o quê?
Não havia como adoçar a verdade!
Começo a explicar sobre as três
piscinas. Em uma, eles deveriam
colocar das fãs “normais”, estas seriam
guardadas. Na outra, seriam colocados
os envelopes para enviar a resposta. Na
terceira piscina estariam as cartas com
envelopes das psicóticas. Qualquer
ameaça, seja para elas ou para a banda,
seria analisada por Gabriel e sua equipe
antes de decidir como responder.
– E as putas? – Um cara pergunta,
ganhando risadinhas dos outros.
– Estas vocês podem jogar ali –

aponto para a pilha de madeira próximo
à piscina – Servirão de lenha para a
fogueira.
#QueimeAsVadias.
Gabriel aparece arrastando uma
enorme mesa de madeira com mais dois
seguranças.
– Onde coloco isso, senhorita
Helena?
Odeio ser chamada assim...
Preciso conversar com John sobre isso.
– Aqui, perto da piscina com

envelopes, por favor!
Corro para a garagem com Gab e
pegamos os itens escondidos. Uma caixa
com as fotos de John, consegui uma
inédita dele do último ensaio fotográfico
com a camisa do “Clave de Sol”. O
autógrafo foi fácil, bastou pedir com
carinho.
Enviei para uma gráfica e eles já
mandaram as centenas de fotos dentro do
envelope. Agora era só recortar os
endereços e colar no verso. Rápido e

prático.
Quando retorno todos estão
posicionados. As crianças se divertindo
na piscina de verdade, enquanto os
homens separavam cartas nas infláveis.
As mulheres ficaram com a parte de
preparar o envelope com as respostas.
Parecíamos Charlie Chaplin em
“Tempos modernos”. Isso até Kim ligar
o som alto e a música invadir o
ambiente: todos começaram a cantar
enquanto trabalhávamos. Agora

estávamos mais para um desenho da
Disney. Ficou até divertido! Mais ou
menos...
Era hora de ganhar uma aposta.
Estou distraída colando o
endereço de uma fã no envelope quando
uma voz irritada fala em meu ouvido:
– Você sabe que isso é trapaça!
Aperto a cola com força e sujo
toda a minha mão e a mesa.
– Droga, John! Quem você pensa
que é para aparecer do nada? O Mestre

dos Magos? Que susto!
Ele não graça da minha piada.
Em uma escala de zero a dez, ele está
puto nível quinze. Levanto-me e vou em
direção à minha casa para lavar as
mãos.
– Você não vai fugir de mim! –
John me segue – Você sabe que isso não
vale.
– E por que não? A gente não
definiu nenhuma regra – indico a
maçaneta da porta – Se importa?

Ele abre a porta para mim e me
acompanha dentro de casa. Vou direto ao
banheiro para tirar a cola das minhas
mãos.
– Tecnicamente, eu não posso
estar trapaceando quando não há regras
para serem quebradas... – digo com um
ar de vitória.
Ele fecha os olhos e respira
fundo por um segundo, se acalmando.
– Tem razão, Helena – John cola
seu corpo junto às minhas costas. Ele

coloca meus cabelos de lado, expondo
meu pescoço. Observá-lo pelo espelho
me beijando e acariciando era erótico –
Da próxima vez eu terei mais cuidado...
E eu achando que você aumentou a
aposta por que estava ansiosa para ser
totalmente minha.
– Sabe, até hoje não entendi bem
como isso de ser “totalmente sua”
funcionaria. – Enfatizo fazendo aspas no
ar com os dedos.
John me vira, colocando-me em

cima da pia.
– Simples, Elle. Você teria que
me ouvir e fazer o que peço. Sem brigas
ou discussões. Só um pouco de
obediência...
Ah, que iludido. Eu não consigo
obedecer nem a mim mesma! Mas isso
quer dizer que...
– Você é um dom? – Pergunto de
braços cruzados. Isso não iria dar certo.
– Não, Elle. E você também não
ter perfil para ser uma sub – óbvio – Eu

só queria ter certeza que você não vai...
– Não vai o quê, John? – coloco
meus braços ao redor de seu pescoço.
– Fugir de mim, porra! – John
segura meu rosto com ambas as mãos –
Eu só queria uma garantia que você é
minha.
Quase me arrependo de ter feito
um plano para ganhar a aposta. Quase.
– No amor e na guerra vale tudo
e não há garantias, John!
John me encara com uma

intensidade que tira o meu fôlego.
– E o que estamos fazendo aqui,
Elle? Amor ou guerra?
Sou salva de responder quando
Sam grita da sala:
– Elle, Chris chegou!
Desço da pia e vou para a área
da festa receber meu melhor amigo.
Aquela era uma boa pergunta...
O que eu estava fazendo aqui?


CAPÍTULO 23 –
Maioridade
– Feliz aniversário, Elle! – Chris
me abraça apertado – Você agora é
oficialmente uma garota emancipada.
É verdade! Eu havia esquecido
deste detalhe, agora eu era a única
responsável por mim mesma.
– Droga! Perdi a chance de
cometer um crime e colocar a culpa no
meu tutor... – digo sorrindo.
– Você ainda pode dizer que foi
por má influência dele! – Sam fala
agarrando o irmão. Mesmo que tentasse
parecer indiferente, era claro o amor
dela por Chris.
– Não dê ideias! – Chris beija o
topo da cabeça de Sam e me entrega uma
pequena caixa de veludo. É preta e
retangular – Parabéns.
Abro a caixa. Era um colar com
um pingente oval todo em ouro branco.
Sua frente estava gravada com um lindo

padrão de flores em alto relevo,
circundando o símbolo do infinito.
– Solte a trava, Elle. – Chris me
instrui.
Na lateral, encontro uma
pequena trava que desbloqueava o
delicado pingente, revelando uma
fotografia em preto e branco dos meus
pais. Era uma foto antiga de um dos
meus aniversários. Eles estavam lindos
e felizes. Meus olhos se enchem de
lágrimas.

Chris retira o colar da minha
mão e coloca no meu pescoço.
– Assim você sempre os terá
perto do coração.
– Obrigada, Cris! – me penduro
em seu pescoço e tento falar, apesar dos
meus lábios estarem trementes – Eu não
sei o que fiz para merecer um amigo
como você, além de nascer na casa ao
lado!
Ele limpa minhas lágrimas.
– Ei, hoje deveria ser um dia

feliz! E você merece muito mais, não só
de mim, mas de todos nós.
– Por que de todos vocês?
– Sem Elle, não haveria Jack
Rock! – Chris alisa com o polegar minha
testa franzida – O Delegado
eventualmente teria matado a música
dentro de mim e...
– Ai, meu Deus! Vocês são tão
doces que vou terminar com diabetes! –
Kim reclama ao nosso lado.
Sam complementa:

– Imagina crescer com esses
dois? Eu deveria ser canonizada!
– Você? Santa? Está mais para
pestinha! – digo rindo de sua cara
indignada.
– Mas você me ama!
– É claro que amo! – aperto sua
bochecha – Você é minha minion
favorita!
Sam bate na minha mão e Kim
fala:
– E você, Chris, ama a Elle?

– Sim, dezoito anos atrás ela foi
o primeiro bebê que eu vi – Chris
levanta o canto da boca em um meio
sorriso, como se estivesse lembrando de
algo bom – E ainda hoje ela é minha
menina.
Sam cruza os braços emburrada.
– E eu sou o quê?
Chris a puxa e a envolve em seus
braços.
– Você também é minha menina!
As duas são.

Sam estira a língua para mim e
todos riem. Menos eu. A pergunta de
Kim só me lembrava da conversa que
não poderia adiar mais. Eu nunca
escondi nada dele antes e fazer isto
agora estava nos afastando. Eu não
deveria permitir que nada se
intrometesse na nossa amizade, mesmo
John.
– É aqui que estão todos se
escondendo, hein? – Alysson me agarra
em um abraço de urso – Muito bonito,
Elle! Você coloca todo mundo para
trabalhar e foge? Parabéns... Por seu
aniversário, não por transformar todo
mundo em seu escravo!
– Obrigada, Aly – eu acho...
– Oláááá, Alyson! – Sam estende
a mão para ele. Opa! Alerta hormônios
em fúria.
– Olá para você também! – Aly a
encara por um segundo, ele parece...
Fascinado – Você é a irmãzinha mais
nova do Chris, não é?
Chris responde grosso por Sam:

– Sim, ela é!
Alysson olha novamente para ela
e bagunça seus cabelos com as mãos.
– Que lindinha! Bem-vinda ao
Jack Rock, garota!
Ele faz isso e se afasta. Mesmo
quando criança Samantha odiava ser
infantilizada. Pelo jeito que ela está
fuzilando as costas de Alysson, isto não
deve ter mudado muito.
– Vamos! Aly tem razão, tenho
que voltar para as cartas, não é justo

ficar aqui conversando. – eu poderia
conversar com o Chris depois da festa.
♪♫ ♥ ♪♫
Ao pôr do sol, tínhamos uma

pilha de cartas fofas de fãs embaladas
em um enorme saco lacrado a vácuo.
Estas seriam guardadas para a
posteridade. Gabriel e os outros
seguranças levaram as cartas das
psicóticas, que seriam analisadas com
calma.
E as que tinham fotos explícitas?
Queime, vadia, queime!
Estávamos todos agora ao redor
da fogueira, tocando violão e cantando.
Peço a Chris uma das minhas músicas
favoritas. Havia sido a primeira música
que ele cantou na escola, aquela que
minha mãe ouviu e construiu um
esconderijo secreto só para que ele
tivesse um lugar para praticar.
Quando os primeiros acordes de

Ben, do Jackson’s Five começam a
tocar, sou transportada para um outro
tempo. Uma época mais simples, de
amigos, mamães e brincadeiras...
“Ben, the two of us need look no

more
We both found what we were
looking for
With a friend to call my own
I'll never be alone
And you, my friend will see
You've got a friend in me”¹[13]
Sam envolve seus braços em

meus ombros. Ela sabe o significado da
música para mim, coloco a cabeça em
seu colo e deixo a nostalgia me levar.
Observo o Chris tocar, eu nunca estive
sozinha por causa dele.
Existem tantas formas de amor!
O que sinto por Chris é uma das mais
puras: eu já o amava mesmo antes de
entender o que este sentimento

significava. Ele era meu amigo e
protetor, meu irmão. Como Chris disse
para Sam tantos anos antes, nós
estávamos um no coração do outro. E
não havia ligação maior do que esta.
John está sentado ao lado de
Chris, tocando o violão junto com ele.
Porém não canta, sua concentração está
em mim. Eu mal havia falado com ele
após o nosso encontro no banheiro e
tenho certeza que não estava muito feliz
por ter perdido a aposta.

Quando o Chris termina de
cantar, todos aplaudem. Como eu sentia
orgulho dele! Os anos só aperfeiçoaram
o seu talento. Estávamos prestes a
começar outra música quando Kim se
levanta.
– Ok, pessoal! Que tal nos
organizarmos para a segunda parte da
festa?
– Hein?
Ela me olha sem paciência.
– Acorda, Elle! A parte que a

gente bebe e dança até cair!
– Finalmente! – Sam pula e fica
em pé – Eu vou embora daqui a pouco e
tudo que fiz foi colar meus dedos!
Estava tão cansada depois de
responder todas as cartas que havia
esquecido! Kim já tinha avisado aos
convidados que a festa seria em duas
etapas.
John fala para todos:
– Quem quiser tomar banho e se
arrumar, pode ficar à vontade. Maria irá

mostrar os quartos.
Ainda bem que aqui tinha tantos
banheiros quanto um palácio.
Ok, talvez eu tenha exagerado um
pouco...
– Ótimo! Em duas horas nos
encontramos aqui novamente. – isso
deve dar tempo da maioria se arrumar.
Sam enlaça seu braço com o
meu, Kim faz o mesmo do outro lado.
Esta fala em voz baixa:
– Elle, hora de te dar o meu

presente!
Sam solta uma risadinha. O que
estas duas estão aprontando?


CAPÍTULO 24 –
Festa
Ao entrarmos na minha casa,
Kim conecta seu iPhone ao meu sistema
de som. Logo “Man I feel like a
woman”, da Shania Twain começa a
tocar. Pego três taças na cozinha e sirvo
a kriptonita que roubei do bar.
Hm... Tenho certeza que esta não
é a versão leve!
– Meninas – Kim levanta sua
bebida em um brinde – Hora de celebrar
e esquecer que algumas de nós não têm
idade para beber... Pelo menos por uma
noite!
Batemos nossas taças e viramos
a dose. Eu e Sam começamos a tossir,
enquanto Kim ri de nossa inabilidade de
tomar álcool como ela.
– Vocês ainda têm muito a
aprender, pequenos Gafanhotos!
Quando minha garganta para de
queimar, eu consigo falar:

– Cala a boca e vamos escolher
nossa roupa!
Entre refis de bebida que um
garçom continuou trazendo para nós,
danças em cima da cama, maquiagem e
cabelo, demoramos três horas para nos
arrumar. Essas duas loucas pareciam ter
sido separadas no nascimento!
– Nós poderíamos ser As
Panteras! – Sam fala animada.
– Com certeza a gente pode
chutar alguns traseiros – olho para os

meus pés descalços – Agora só faltam
os meus sapatos...
Começo a procurar no closet as
opções quando Kim me mostra sua caixa
de presente.
– Para eu te dar isso, primeiro
tenho que explicar o que representa.
Lembra dos sapatos de rubi da Dorothy
em O Mágico de Oz?
Creio que todo mundo lembrava disso...
– Os sapatos de uma garota

podem ser poderosos. Eles são capazes
de levantar o astral ou apenas fazer
relaxar. Os da Dorothy podiam levá-la
para onde seu coração desejasse! Ela só
precisava ter certeza de qual caminho
iria trilhar...
Kim sinaliza para eu abrir a
caixa. Dentro havia uma linda bota cano
médio de couro vermelha escura. Seu
salto era de pelo menos sete
centímetros, quadrado e marrom. Do
mesmo tom do cadarço que a amarrava
na frente. Linda!
Calço a bota, ela chegava até a
metade da minha canela, dava cor e vida
ao meu figurino. Eu usava uma blusa
listrada com mangas três quartos e uma
saia godê em couro preto que ia até o
meio das minhas coxas. Meu cabelo
estava em um coque baixo desfiado, com
alguns fios soltos. Kim se empolgou na
maquiagem, meu olho estava bem
marcado com delineador e sombra preta.
Nos lábios, um batom vermelho.
Estou olhando encantada para o
meu novo sapato no espelho quando Kim
continua:
– No dia que eu rompi com meus
pais na minha festa de debutante, eu
usava botas iguais à esta. Você agora é a
única responsável por sua vida, Elle.
Que seus pés a levem para o caminho da
felicidade!
lágrimas.
– Nossa, Kim. É perfeito, muito
obrigada!
Kim tinha razão, era hora de ser

responsável. Estava emancipada e só eu
poderia responder por minhas ações.
Era a hora de crescer.
Sam pula em cima de nós duas.
– Ok, hora das Panteras
detonarem!
Nos olhamos uma última vez no
espelho. Kim usava um short jeans preto
de cintura alta todo tachado, meia fina
fumê e uma bota preta super alta que
passava acima do seu joelho,
combinando com uma t-shirt preta com

desenho de caveira, bem em seu estilo.
Sua maquiagem era um delineador muito
marcado e um batom vinho escuro.
A Sam usava um vestido preto
que assentava em seu quadril
perfeitamente dando um detalhe em cut
out na cintura. Este se ligava às várias
tiras trançadas das costas ao ombro,
ficando solto da cintura para baixo, até
alcançar o alto de suas coxas. Parecia
ainda mais felina com o seu salto quinze
no modelo “meia pata”, totalmente rosa
chiclete e seus longos cabelos
bagunçados em lindas ondas.
Após uma última dose do que
estava se tornando minha bebida
favorita, fomos para a festa. Todos já
estavam se divertindo na enorme tenda,
dançando sob as luzes negras. Eu entro
primeiro, com Kim à minha direita e
Sam à esquerda. Usando as botas
vermelhas, com vodca na veia e minhas
amigas ao meu lado, eu realmente me
sentia poderosa!
Alysson foi o primeiro que

encontramos. Ele estava dançando com
uma roda de meninas. Havia pelo menos
quatro delas e Aly no meio. Esse homem
não se cansava nunca? Quando nos vê,
ele interrompe seus movimentos. Parece
momentaneamente congelado.
Aly pisca os olhos e disfarça,
voltando a dançar com as garotas. Só
gostaria de saber qual de nós três
provocou esta reação nele...
Chris está concentrado em uma
conversa com Bobby e mais duas

mulheres. Ai, meu Deus... Será que a
#NiCadela foi convidada? Se eu tivesse
comprado um bolo de aniversário, seria
o meu pedido quando soprasse a vela.
Estar livre de Nicole... Este sim seria
um grande presente!
Onde está John?
Sam se pendura em meu braço.
– Elle, aquele ali é quem estou
pensando?
Sigo a direção que ela indica e
vejo seu alvo. É um famoso cantor de

dezoito anos, alto e com cabelos
castanhos. Seus olhos escuros se
concentram em Sam. Acotovelo Kim e
aponto com a cabeça os dois se
encarando através da tenda.
– Vamos Sam, eu tenho alguém
para te apresentar! – Kim a leva até o
rapaz. Espere que ela enfatize a parte
que Sam é irmã de Chris, assim o garoto
não a confundirá com as vadias
oferecidas que circulavam por aqui.
Quem as convidou? Elas pareciam
baratas! Causavam nojo nas outras
mulheres, eram indesejadas e onde havia
uma, sempre tinha mais.
Como se eu precisasse me
preocupar com Samantha! Ela tinha mais
personalidade em um dedo do que todas
estas garotas juntas.
Não vejo John aqui, então vou
até o bar montado próximo à piscina e
peço mais um copo de kriptonita. O
barman joga uma bolinha dentro e
começa a sair fumaça. Gelo seco! Amei,
parecia que estava tomando algum

experimento científico.
Algumas pessoas estão
espalhadas pelos jardins e outras ainda
na piscina. Quanta disposição! Estou
voltando para a tenda quando um garçom
me entrega um bilhete escrito: “me
encontre no escritório, J.”
Então foi lá que ele se meteu!
Disfarço minha fuga e corro ao seu
encontro. Quando entro no escritório,
ele está de costas para mim, olhando
para fora através da porta de vidro. As

luzes estão apagadas, a única iluminação
vem dos holofotes distantes na entrada
da casa.
John está vestido todo de negro e
com os cabelos soltos. Fecho a porta e
ele se vira para mim, seu olhar viaja por
todo meu corpo, da cabeça aos pés. Ele
não precisa falar nada, caminha até mim
com um propósito. Como um predador
cercando sua presa.
Coloco minha bebida em cima
da mesa segundos antes de suas mãos me

envolverem. Beijar John sempre me
levava às alturas, mas fazer isto
enquanto estava levemente bêbada era...
surreal. Ele podia parecer um felino,
mas eu que me sentia selvagem.
Somos uma confusão de bocas,
língua, pele e mãos. Não há
preliminares, eu o quero aqui e agora.
Não me importo que seja contra a
estante de livros. Deixe que os grandes
autores testemunhem minha história.
– Elle, só você consegue tirar

todo o controle de mim! – John está
ofegante, apoia sua testa na minha – Eu
não te chamei aqui para isso.
Levanto uma sobrancelha.
– Está reclamando?
John me pega no colo e senta no
sofá comigo por cima dele.
– Não, espertinha. Eu tinha todo
um discurso preparado e quando te vi
com essa roupa – ele me olha ainda com
desejo – Eu esqueci tudo.
– Eu pensava que o vencedor

que deveria fazer um discurso, não? –
beijo rápido sua boca e me levanto.
Onde minha calcinha foi parar? Ah!
Achei pendurada na cópia de O Código
da Vinci. O sorriso da Mona Lisa seria
bem maior se ela tivesse um John por
perto...
Observo John jogar a camisinha
fora e vestir sua calça jeans. Ele volta a
se sentar e eu coloco a cabeça em seu
colo. John alisa meus cabelos,
terminando de soltar o coque que Sam
demorou meia hora fazendo. Ajudava a
passar o efeito do álcool.
Minha kriptonita! Pulo para
resgatar o copo da mesa.
– Você está mesmo bebendo
isso? – John olha atravessado para o
líquido verde.
– Claro, não foi culpa dela ter
sido batizada naquele clube! – digo
tomando um gole e me apoiando em seu
peito. Ele passa a mão na minha cintura,
me aproximando mais. Era bom estar
aninhada assim.

– Vai me dizer seu discurso ou
não? E por que você está escondido?
– Bem, era exatamente sobre
isso que eu ia falar. O porquê de estar
aqui... – John segura meu queixo,
virando minha cabeça para encará-lo –
Primeiro eu preciso saber por que você
me escolheu. Eu não sou perfeito e você
sabe disso, Elle. Desde ontem isto está
me atormentando. Por que eu?


CAPÍTULO 25 –
(Im)perfeito
Penso por um segundo... Por que
escolhi o John?
– Uma vez, uma garota muito
esperta me disse que seu conceito de
perfeição vinha com vários defeitos –
beijo sua boca com carinho – E eu
concordo com ela. Ninguém é perfeito,
John! E essa é a beleza da natureza
humana, tentamos ser o nosso melhor,
apesar dos defeitos que possuímos. Eu
te escolhi por que há uma parte de mim
que clama por você.
Meu sorriso é tão grande quanto
o seu.
– Mesmo que você me
enlouqueça na maior parte do tempo.
Só espero não estar enganada...
– Eu estava aqui, Elle, por que as
garotas estavam me cercando lá fora. Eu
não queria nenhuma delas me tocando.
Me lembro da outra festa,

quando o vi beijar uma garota qualquer.
Aquilo me machucou mais do que eu
jamais admitiria.
– Eu acho que terei que aprender
a lidar com elas, não é? – tomo um gole
para disfarçar meu incômodo – Você é
amado em todo o país e sempre vai ter
mulheres tentando te agarrar.
E é como John vai líder com elas
que definirá nosso relacionamento. Se é
que temos um.
– Existe uma coisa que

facilitaria isso... – John fala enquanto
desenha com o dedo padrões circulares
em minha coxa.
– E o que seria? Eu te atar à
cabeceira da minha cama e fazer de
você meu escravo pessoal? – digo
brincando. Até que não seria má ideia...
– A gente pode brincar disso
sempre que quiser, Helena... – John
afasta meu cabelo e beija minha garganta
– Minha solução é menos radical. A
gente podia assumir o nosso namoro

publicamente.
Ele me pediu em namoro ou
afirmou que estamos namorando?
– Isso foi um pedido? – sento-me
ereta de frente a ele.
John me olha meio preocupado.
– Você não me quer?
– Eu quero que você me pergunte
antes de assumir qualquer coisa, John.
Um relacionamento que se baseia na
briga pelo poder, está fadado ao
fracasso – pego em sua mão, unindo-o a

mim – Nós temos que combinar e não
impor, ok?
John me observa com os olhos
meio cerrados.
– Isso quer dizer que você vai
começar a me ouvir?
– Desde que você entenda que
ouvir é diferente de obedecer, sim. –
John precisava compreender que eu não
era uma florzinha delicada que faria
tudo que ele comandasse.
Companheirismo era a chave do

sucesso.
John me perguntou pela manhã se
o que fazíamos era amor ou guerra.
Ainda não sabia se isto seria o início de
um amor, mas eu esperava que fosse o
final de uma guerra.
– Ok, Helena. Venha selar nosso
acordo – ele me puxa de volta para seu
colo e me beija com paixão. Suas mãos
começam a subir minha saia, mas eu fico
em pé e ajeito minha roupa.
– Agora não, John, tenho

convidados esperando! Já fiquei tempo
demais aqui... – apesar de eu não
conhecer a maioria deles. Ainda assim
era rude.
John se levanta e me segue para
fora do escritório.
– Você quer falar com o Chris
primeiro?
– Sim! Nós somos os melhores
amigos dele, ele tem que saber antes. Vá
lá para fora que eu vou me arrumar.
Corro para me recompor no

banheiro, limpo o batom borrado e
refaço o coque no cabelo. Passo no bar
primeiro, preciso de coragem líquida
para me sentir poderosa novamente.
Na tenda, Kim e Sam estão
dançando com o cantor e dois modelos.
Chris bebe uma cerveja no canto,
algumas mulheres tentam chamar sua
atenção, mas ele observa a irmã como
um gavião.
– Você não confia na Sam? –
pergunto quando vejo sua expressão

fechada.
– Não! E nem nesses caras ou em
Kim. Eu conheço o pouco juízo da
Samantha – ele me olha e sorri com o
canto da boca – Vamos dançar?
Cruzo meus braços.
– Deixe-me adivinhar, a gente
vai dançando até ficar ao lado deles e
você poder ouvir sobre o que estão
conversando?
– Elle, você sempre tem as
melhores ideias! Vamos lá – Chris me

puxa até o meio da pista. Eu procuro
John com o olha. Agora eu era aquela
que estava sendo observada por um
gavião. Aceno com a cabeça,
convidando-o para se juntar à nós.
Chris está preocupado com Sam,
então eu posso contar sobre o John
depois da festa. Por enquanto, podíamos
nos divertir todos juntos.
Estava tocando músicas de
baladas e eu dançava com Chris e John.
Depois de um tempo ele esqueceu um

pouco a Sam e nós três curtimos juntos
por diversas canções seguidas. Isto até
uma unha cor de rosa querer serpentear
pelo peito de John.
– Olá, Ella! Feliz aniversário
amiga! #Parabéns.
#NiCadela.
– Obrigada, Nicole. – Agora vaza
daqui!
– Que festinha bonitinha, amiga!
– ela olha ao redor com cara de nojo – É
verdade que você convidou os roadies e

ainda os colocou para trabalhar? Pelo
menos você sabe como tratar os
subalternos, querida!
Tento segurar o ódio por esta
criatura! Se seu pai não fosse o
responsável por tirar Chris das ruas, eu
já teria arrancado seus fios de cabelo.
Um por um.
– Nicole, está na hora de você ir
embora – John fala ríspido.
Ela coloca a mão no ombro dele.
– Mas John, eu não fiz nada! –

ela se vira para mim – Foi um elogio,
Ella, querida!
John se afasta de seu toque e
Chris fala:
– O nome dela é Elle, Nicole.
Por favor, saia daqui.
Uma roda se forma ao nosso
redor. A #NiCadela parece perdida por
um segundo, mas logo o jeito altivo
retorna.
– Quem você pensa que é? Só
por que eles estão ao seu lado agora,

não quer dizer que vão estar para
sempre. Você não passa de um
brinquedinho novo que logo será
abandonado quando aparecer outro mais
bonito! – Nicole grita com ódio.
Dou um passo à frente, me
separando dos rapazes. A cadela tinha
irritado meus nervos. Seguro Nicole
com as duas mãos pela blusa,
aproximando seu rosto do meu.
– Você se engana se acha que
preciso da proteção deles. É comigo que

você vai ter que lidar.
– E comigo! – Sam aparece ao
meu lado – É melhor fugir, #NiCadela
ou eu vou enfiar meu salto rosa em sua
cara até ele mudar de cor para
vermelho. Entendeu?
Se eu não estivesse tão zangada
riria de Sam. Ela falava sério em tirar
sangue da Nicole, já vi acontecer antes.
– Eu com certeza não te
convidei! – Kim diz.
Nicole tenta se soltar do meu

aperto, mas anos de judô garantiram que
eu tivesse uma pegada forte. Ela não era
páreo para mim.
– Me solte! Eu não preciso de
convite! Sou #VIP, queridinha. Posso ir
aonde quiser! – ela olha meio assustada
para Sam – E quem é essa miniatura de
psicopata?
– Esta é minha irmã e é melhor
você ficar longe dela. – Chris diz em
tom de ameaça.
John fala baixo, apenas o

suficiente para ela ouvir:
– VIP ou não, você não é mais
bem-vinda em minha casa. Entendeu,
Nicole?
Ela não tocaria mais em John, a
vitória era minha. Eu a solto e a
#NiCadela se desequilibra em seu salto
agulha, caindo no chão.
– Vocês vão pagar por isto! – ela
se levanta com ódio e tenta avançar para
cima de mim. Eu dou um tapa em seu
rosto, não usei toda minha força, mas

mesmo assim sua cara virou para o lado.
Bobby surge ao lado da filha.
– É o suficiente, Nicole. – ele se
vira para John e Chris – Amanhã
conversaremos sobre isso. Kim, venha
comigo.
– Ah, tio! – Kim cruza os braços
sobre o peito.
– Agora, Cassandra! Preciso ter
uma conversa com você. – nunca tinha
ouvido alguém a chamar por seu nome
verdadeiro. Ela segue o tio ainda

contrariada.
Chris e John começam a discutir
entre si sobre o que o Bob faria no dia
seguinte.
Me viro para Sam:
– Vamos! Está quase na hora do
seu voo.
A festa continua rolando
enquanto eu e Sam arrumamos a mala
dela. Eu me despeço prometendo revê-la
em breve. Gabriel e Chris vão levá-la
ao aeroporto.

Não tenho mais clima para festa,
apesar da adrenalina ainda estar
pulsando em minhas veias. A #NiCadela
estragou meus planos de falar com o
Chris! Mas dar um tapa em sua cara foi
uma ótima recompensa.
Depois que Sam e Chris entram
no carro, eu volto para a minha casa.
Levo um enorme susto quando vejo John
sentado na penumbra da minha sala.
– Você foi vampiro em outra
vida? – mania de aparecer do nada e

andar sem fazer barulho!
– Por quê? É algum fetiche? Eu
posso passar glitter no corpo, se isto te
excita... –John pergunta sugestivo. Jogo
uma almofada em seu rosto.
Ele se aproxima e me puxa para
o seu colo.
– Você me desculpa por Nicole?
Em que John tinha que se
desculpar? Pelo mau gosto em
mulheres?
– Você não tem culpa – pulo feliz

em seu colo – Mas obrigada por colocá-
la no lugar dela.
John me vira, colocando seu
peso em cima de mim.
– De nada!
Ele se aproxima e me beija. A
minha saia sobe até a cintura, facilitando
seu acesso. John tinha um talento com as
mãos e não era apenas no sentido
musical. Álcool, adrenalina, rock e
John... Que mistura inebriante.
Retiro sua camisa, minhas mãos

precisam de liberdade para explorar.
Quando John estava prestes a tirar minha
blusa, uma voz irada grita ao nosso
lado:
– O que porra está acontecendo
aqui?
Merda!
– Chris!


CAPÍTULO 26 –
Flagra
– Chris! – eu e John nos
levantamos do sofá. Chris nos encara
calado, a decepção estava evidente em
sua expressão. Sua fúria silenciosa era
pior do que se ele estivesse gritando
comigo. Parecia uma calmaria antes da
tempestade.
– É isso, Helena? Esse era seu
grande “trabalho”, a marca que você
deixaria no mundo? – ele olha com asco
de mim para John – Nunca esperei uma
atitude tão... puta de você!
Desfiro um tapa em sua cara.
– Nunca mais fale assim comigo!
O que aconteceu entre mim e John não
tem nada a ver com o trabalho!
John se intromete entre nós dois.
– É melhor você dar um passo
para trás e se acalmar, porra!
– Eu não sei qual de vocês dois
é o pior! – Chris cospe as palavras com

raiva – Há quanto tempo isto vem
rolando pelas minhas costas, hein?
– Eu não quis te magoar, Chris.
Simplesmente aconteceu! Mas eu ia te...
Chris me interrompe aos gritos:
– O quê?? Vai dizer que você ia
me contar tudo? – Chris empurra John e
segura meus ombros. Sacudindo-os –
Fala, Helena! Se eu não tivesse
desistido de ir com Sam ao aeroporto,
nunca ficaria sabendo!
– Eu iria sim! – as lágrimas

escorrem do meu rosto – Mas a Nicole
apareceu e não consegui falar!
– Solta ela, caralho! – John berra
e tira as mãos do Chris de cima de mim.
Os dois se encaram – Helena não é a
única que escondeu a verdade. Diga
para ela Chris! Por que você está com
tanta raiva? Vamos resolver isso logo de
uma vez!
Chris mal olha para mim antes
de dizer:
– Isso não importa mais. Eu

pensei que você confiava em mim, Elle.
Agora... – Chris balança a cabeça para
os lados, em negação – Eu não sei quem
você é!
Mais do que suas palavras, era a
mágoa em seu olhar que me machucava.
Chris se vira para sair quando John fala:
– Covarde!
Em um piscar de olho, Chris tem
seu antebraço apertando o pescoço de
John, prensando-o contra a parede. Seu
punho direito está levantado, mirando o

rosto daquele que meia hora atrás ele
considerava seu melhor amigo.
– Chris, não! – meu grito ecoa
pela casa.
Seu braço treme de fúria e ele
soca a parede à milímetros da cabeça de
John.
– Quer saber, vocês dois se
merecem! Você não conhece o John e
nunca vai conhecer, Helena! Só não
venha chorando para mim quando ele
partir seu coração.

Chris para na porta, sua
expressão é fria e sem compaixão. A
boca dele abre como se quisesse falar
algo, mas volta a se fechar em uma linha
reta.
Que tola eu fui! Pensei que tinha
colado um pouco do meu coração mais
cedo com John, porém ele se estilhaça
novamente. Chris vira as costas para
mim e vai embora, sem olhar para trás
uma única vez. Sento-me no chão e
choro por mais uma grande perda em
minha vida. Sinto como se estivesse
entrando em luto novamente.
– Chris me odeia, John – falo
soluçando – Eu o perdi também.
John se agacha junto a mim e eu
abraço seu tronco, apoiando minha
cabeça em seu peito. Ele acaricia minha
cabeça, em uma tentativa de me acalmar.
– Não, Elle. Ele está magoado
agora, mas um dia você poderá
conversar e fazê-lo entender. Enquanto
Chris estiver vivo, ainda haverá
esperança – John levanta meu rosto e

limpa minhas lágrimas – Você está
comigo agora, vamos juntos recuperar a
amizade dele, ok?
Aceno concordando, mas sem
muita convicção. Nunca tinha visto
Chris tão transtornado! Eu tinha John ao
meu lado, mas ele não tinha ninguém...
Precisava ter certeza que estava bem,
levanto-me e pego meu celular.
– Oi – Kim atende com voz
entediada – A festa já ficou chata sem
mim?

Tento falar, mas falho. Apenas na
segunda vez a minha voz sai:
– Kim, preciso de sua ajuda!
Explico resumidamente o que
aconteceu, ela escuta calada até o fim.
– Eu te avisei, Elle. Falei que
isso não daria certo! Obrigada por foder
minha banda.
– Kim, eu...
Ela não me deixa terminar:
– Eu sei que você não fez por
mal, Elle. Mas de boa intenção o inferno
está cheio! Deixe suas desculpas para
outra pessoa que queira ouvir, eu vou
ver como meu amigo está.
Kim desliga na minha cara e eu
jogo o telefone no chão, quebrando-o em
pedaços. Eu estraguei tudo! John me
abraça por trás, prendendo meus braços
junto ao meu corpo.
– Calma, Elle! Respire. – eu não
quero respirar! Quero gritar e chorar
com a raiva que sinto de mim mesma.
John me leva até o quarto e se deita na

cama comigo, choro em seu peito até
adormecer.
Mesmo quando Chris foi embora
quatro anos atrás, ele nunca me
abandonou completamente. Agora era
diferente, havia um espaço vazio
sangrando em meu coração. Era o
pedaço que Chris levou consigo, eu só
esperava um dia poder recuperá-lo.
♪♫ ♥ ♪♫
No dia seguinte, acordo sozinha
e me sentindo um lixo. Eu tive outro
pesadelo, mas desta vez Chris queimava
no fogo, enquanto gritava por mim. Eu
não conseguia alcançá-lo, estava presa
ao chão, imobilizada.
Saio da cama ainda com a
sensação de mau agouro. Olho-me no
espelho, a maquiagem borrada, a roupa
amassada, sem as botas da Dorothy e
com uma ressaca marcando minhas
feições. Minha aparência exterior
refletia a interior. Eu estava um caos.
Ligo o sistema de som e a
melodia de uma orquestra seguida pela
poderosa voz de Freddie Mercury
invade o ambiente. How can I go on era
um clássico e uma das favoritas de
minha mãe. Um dueto perfeito dele com
a soprano Montserrat Caballé que
refletia todas as minhas preocupações.
Como eu iria continuar sem
aquele que sempre esteve comigo?
Vou em direção ao banheiro
quando noto uma enorme caixa

encostada contra a janela. O que era
aquilo? Rasgo o papel de presente, era
um telescópio semiprofissional. Junto
havia um bilhete: “Para que você
sempre possa observar as estrelas de
perto. Eu gostaria de dar o Universo
em tuas mãos, Helena. Como não
posso, terei que me contentar apenas
com as constelações. Feliz aniversário,
John. ”
Oh, Deus! Estes homens seriam
minha perdição. Tomo um banho e tento
assimilar o turbilhão de sentimentos
dentro de mim. Eu havia machucado
Chris para ter John, eu não era
maquiavélica a ponto de afirmar que os
“os fins justificavam os meios”.
Os meus “meios” foram errados.
Por que eu adiei tanto? Se eu tivesse
sido honesta desde o início, nada disso
teria acontecido.
– Elle, você está bem? – John
questiona.
– Sim... mais ou menos. – digo
incerta.

– Venha – John me envolve em
seus braços – vamos dar um tempo para
ele se acalmar.
– E depois?
– Depois a gente fala com o Chris.
– ele fala enquanto me beija.
Eu só gostaria de ter a mesma
confiança de John.


CAPÍTULO 27 –
Conversa
Os dias se passam e Chris ainda
não atende minhas ligações ou me
recebe em sua casa. Kim passou duas
semanas sem falar comigo, mas após
muita insistência minha, ela quebrou sua
lei do silêncio. Ainda bem! Era ela que
me dava notícias de como o Chris
estava. Alysson foi o único que em
nenhum momento escolheu lados. Ele
sempre tentava me animar quando me
via.
John se mostrava cada vez mais
dedicado. Ele tentava cumprir sua parte
da aposta. Todo dia contava um pedaço
de seu passado, pequenos detalhes que
para mim eram como tesouros. Não que
eu me contentasse com “migalhas”, mas
era perceptível seu esforço em se abrir.
Me dediquei mais ao trabalho.
Eu precisava ocupar minha mente ou
enlouqueceria! O show beneficente seria

amanhã e cuidei dos preparativos até a
exaustão. Desta vez, não pedi a ajuda de
Nicole. Eu evitaria a #NiCadela ao
máximo.
– Elle? – John me tira dos meus
devaneios – Está na hora do ensaio,
você vem?
Fico em pé em um pulo, não
perderia essa oportunidade por nada!
Chris não poderia mais fugir de mim.
John está parado, mudando seu peso de
um pé para o outro.

– Desembucha logo, John! – digo
impaciente.
Ele expira alto.
– E se o Chris não quiser ensaiar
por que você está lá?
Eu não havia pensado nisso...
Será que o amor de Chris pela música
era maior do que sua raiva por mim?
Era isso que eu iria descobrir...
O show aconteceria no local das
futuras instalações da “Clave de Sol”. O
espaço não era tão grande, então apenas

convidados participariam. Em sua
maioria, patrocinadores e pessoas
influentes que poderiam se engajar na
campanha.
As crianças já cadastradas no
programa também viriam. Elas estavam
em lares provisórios durante a
construção da sede. Eu os queria na
primeira fila, elas precisavam sentir a
vibração do show e sonhar que no futuro
poderiam ser os próximos a subir no
palco.

Quando entro, Chris está
concentrado afinando sua guitarra. Meu
coração se aperta de ansiedade! Quando
ele me vê, sua boca se comprime de
raiva e sai do palco, indo para o
backstage.
Foda-se isso! Ele vai me ouvir,
mesmo que eu tenha que amarrá-lo com
as cordas de sua guitarra! Corro atrás
dele. Você não vai mais fugir de mim!
Chris está no camarim, peço aos
roadies que não nos incomodem,

ninguém deve entrar ou sair sem minha
autorização. Eles não me questionam, há
dias era eu quem estava mandando no
lugar. Tento abrir a porta, mas está
trancada.
– Cris, destranque a porcaria da
porta!
– Vá embora, Elle! – ele grita em
resposta.
Uso minha chave mestra e entro
sem ser convidada. Eu montei esse
show, é claro que conhecia todos os

truques. Uma vez dentro, tranco
novamente e retiro ambas as chaves da
fechadura. Ele não teria escapatória.
– Agora você vai me ouvir –
digo contundente. Antes dele abrir a
boca para protestar, eu seguro seu braço
e o faço sentar no sofá – Chris, você
nunca mais vai falar comigo? Vamos
acabar com nossa amizade de uma vida
inteira?
Seus lábios ainda estão cerrados
e os olhos carregados de mágoa, mas ele

responde:
– E para que serve uma amizade
como a nossa, se não há confiança?
– Este é o problema? – pergunto
tentando entender toda a fonte de sua
raiva – Você acha que eu não confio em
você?
– Não, Helena, eu não confio
mais em você! – o golpe é duro e me
acerta em cheio, como ele sabia que
faria.
– Então é isso? Estou condenada

sem direito à defesa? – seguro minhas
lágrimas, eu não iria chorar. Chris
permanece indiferente – O que mais te
magoa? Eu estar com o John ou não ter
te contado que tinha interesse nele?
Chris franze a testa.
– Tem diferença?
Ah, tem sim e muita! Espero sua
resposta.
– Um pouco dos dois, Elle. Eu te
avisei sobre ele, disse para ficar longe e
o que você fez? Foi para os braços do

John na primeira oportunidade! Você
nunca vai ser feliz com ele... No
momento que começar a conhecê-lo, ele
vai te largar! John não deixa ninguém se
aproximar.
Chris fala tudo com raiva e em
um fôlego só. Esta barreira com John eu
estava quebrando aos poucos, mas ele
não sabia.
– Então o quê? Você me expulsa
da sua vida por que estava preocupado
em me proteger? – olho para ele

tentando entender sua lógica – Isso não
faz sentido algum! Olha, eu errei sim. Eu
deveria ter dito do início, mas foi tudo
muito rápido, eu não o suportava no
início... – luto para encontrar as
palavras.
Chris apenas estreita seus olhos
para mim. Pelo menos, ele está me
ouvindo.
– Não foi premeditado, Chris!
Aconteceu! Eu ia te falar naquele dia,
mas você foi embora com a Sam –

suspiro cansada – Por mais que me
assustasse, eu ia te contar, acredite em
mim! Me perdoe, por favor.
– Por que te assustaria me falar a
verdade? – suas palavras são carregadas
com intensidade.
Eu preciso ser honesta pelo
menos uma vez.
– Porque desde que eu cheguei,
as pessoas insinuam que você é
apaixonado por mim. Me diga, Chris...
O que você tem escondido?

Ele me observa, como se
decidisse o que falar.
– Eu te amei no momento que
coloquei os olhos em você, Elle – Chris
segura minha mão, mas logo solta.
Parecia que minha pele era feita de
ácido para ele – Você era minha pequena
travessa. Aquela que me enlouquecia e
me fazia rir, a que me permitiu seguir
meu sonho...
Apesar da tristeza que sentia,
sorrio com a lembrança. Chris sempre

cuidou de mim e eu dele. John tinha
razão, nosso amor era puro! Nascido
antes mesmo de termos idade para
entender o que este sentimento
significava. Contudo, existem diversas
formas de amor. Ele era mais que um
irmão, fazia parte de mim, mas o que eu
era para ele?
– E agora? – meu coração parece
que vai pular do peito.
Sua resposta determinaria nosso
futuro.

Chris se levanta e dá as costas
para mim, observando um ponto
qualquer da parede.
– Quando eu te vi machucada
naquele hospital, entre a vida e a morte,
algo dentro de mim se quebrou. Entenda,
Elle, desde criança eu assumi o papel de
seu protetor. Quando fui embora, sabia
que estaria segura com seus pais...
Ele volta sua atenção para mim.
– Mas você não estava, parecia
abandonada naquela maca hospitalar...

Perdida. Eu quis cuidar de você
novamente, mas não pude. Não era mais
a minha menina, estava adulta.
– Me desculpe, Chris. Eu sabia
que seu primeiro instinto seria este,
sempre foi – fico retorcendo barra da
minha saia, em um gesto nervoso – Nos
primeiros anos, eu seguia seus passos. O
problema é que você nunca percebia que
eu estava crescendo! Na sua cabeça
você era meu protetor, quando na
realidade, éramos parceiros.

Me levanto e coloco a mão em
seu ombro.
– Eu necessito de você, não de
sua proteção, ok? Não ache que sou mal-
agradecida, eu sei o seu valor e
reconheço a minha sorte em te ter ao
meu lado. Mas eu devo me virar
sozinha, preciso cometer meus próprios
erros e aprender com eles!


CAPÍTULO 28 –
Quem é você?
– Então é isso que John é para
você? – Chris pergunta com sarcasmo –
Um erro? Você me disse uma vez que se
sentia confusa e não queria se envolver
com ninguém. Era mais uma mentira? Eu
pensei que vocês fossem os meus
melhores amigos, mas nenhum teve a
decência de me contar a verdade!
Agora eu que procurava um
ponto qualquer no chão para olhar. Me
abrir com ele, enquanto suportava suas
acusações, era desgastante.
– John pode até ser um erro, mas
não foi planejado. A gente devia ter te
dito logo! Não tenho desculpas para
justificar isto! Ele conseguiu me
alcançar em meio à confusão que minha
mente estava. Eu passei de odiá-lo a...
a... – luto para encontrar as palavras.
– A o quê, Helena? – a pergunta
de Chris ecoa no camarim.

– A... Estar com ele! – digo.
Chris levanta minha cabeça,
forçando-me a encará-lo.
– Você o ama, Elle?
Amar o John? Eu não poderia
amá-lo em tão pouco tempo, não é? Me
lembro de seu sorriso de deboche no
hospital, do apoio silencioso no velório
e do seu sarcasmo provocativo. Do seu
jeito sedutor e a preocupação com meus
pesadelos, mesmo que fosse do jeito
explosivo dele.

Do carinho nos pequenos
detalhes, mobiliar a casa com os móveis
dos meus pais para eu sentir que tinha
um lar. O planetário, o telescópio e o
nosso dia a dia. Seus raros momentos de
insegurança e o mistério que é seu
passado. Do seu corpo e do jeito que ele
me faz sentir. Tudo aquilo que me atraía
nele...
– Seu silêncio já é resposta
suficiente, Helena – Chris me olha com
expressão neutra. Não consigo decifrar
o que está pensando. Ele se dirige à
porta – Destrave, a banda está me
esperando.
Abro a porta. Minha mente ainda
estava em piloto automático, eu amar o
meu chefe egocêntrico, megalomaníaco,
narcisista e mulherengo? Isto seria uma
loucura! Porém, John era muito mais do
que esses rótulos impostos pelo meu
preconceito.
– Espero que dê tudo certo para
vocês – Chris fala ainda com rancor,
mas suaviza a voz antes de continuar –

Eu não quero ver você machucada. Mas
não tenho fé, Elle. Como você disse,
John pode até ter te alcançado na
confusão em que sua mente estava. Mas
eu não acredito que você possa chegar
ao que ele guarda dentro de si.
Dito isso Chris vai embora. Só
depois que ele sai é que percebo um
detalhe. Em nenhum momento, ele
respondeu a minha pergunta. Chris não
negou ou afirmou se os boatos eram
verdadeiros. Merda!

Eu não tinha cabeça para assistir
aos ensaios, então pedi a Gabriel para
me deixar em casa. Era final da tarde e
eu precisava pensar em tudo que foi dito
hoje. Estendo um cobertor na grama, aos
pés do flamboyant. Deixo minha mente
vagar, enquanto observo o vermelho de
suas flores e sinto a brisa fria me
refrescar.
– Elle? – alguém me sacode
gentilmente – Elle? Acorde.
Abro meus olhos, está escuro e

frio. John enrola um cobertor em volta
dos meus ombros, eu me apoio em seu
peito.
– Você está gelada! – ele esfrega
meus braços por baixo do edredom.
– Eu adormeci... – falo ainda
letárgica do sono.
– Percebi – John aponta para
alguns sacos pardos de restaurante – Eu
trouxe sushi! Já que estamos aqui, quer
fazer um piquenique?
– De sushi? – não era muito

comum.
John dá de ombros.
– Sim, por que não?
Pego os pratos e ligo uma
música no meu novo celular. Teremos
um jantar à luz da lua. John toma um
gole do saquê antes de falar:
– Chris veio conversar comigo
hoje... Se bem que era mais uma ameaça
do que conversa.
– O que ele disse? – faço furos
no salmão cru com meu hashi.

– Ele disse que tinha falado com
você – John levanta uma sobrancelha
para o coitado do salmão que eu tinha
destruído – E, dentre outras coisas, que
eu deveria cuidar de você ou teria que
me entender com ele.
Sorrio sem humor. Típico do
Chris, ele disse o mesmo para todos os
meus outros namorados.
– Não se preocupe com isso. Se
fizer merda, vai ter que se entender é
comigo!

Eu o beijo. Mal tive tempo para
ele hoje. John joga os pratos sujos na
grama e me deita no cobertor. Hoje
nossas carícias teriam novamente o céu
de testemunha, porém desta vez não
seriam apenas hologramas no teto.
Deito no peito de John, exausta e
ofegante, assim como ele. Mas algo do
que Chris me disse, martela no fundo da
minha mente:
– John, o que você tanto esconde
do seu passado?

Ele fica tenso, sinto seus bíceps
enrijeceram à minha volta. John fica
calado por um momento antes de
finalmente começar a falar.
– Eu fui testemunha de uma coisa
que nenhuma criança deveria ser – ele
se senta, seus olhos estão tempestuosos
– Por favor, Helena. Não desenterre meu
passado, não há nada nele que te afete,
eu juro!
Posso perceber que o assunto o
deixa perturbado. O que ele teria visto?

Será que eu deveria deixar o passado
para trás? Talvez possa fazê-lo se abrir
aos poucos! Assim, ele iria falando mais
e mais sem perceber...
Tento mudar de assunto para
aliviar o clima:
– Eu amei essa árvore! É tão
linda, sem folhas, apenas flores.
– Não era primavera quando
comprei a casa, então não sabia que
ficaria assim. Foi uma boa surpresa.
– Imagino! Por que você mora

tão isolado dos outros? – tento sondar.
– Era um sonho de infância! –
John dá de ombros – Eu sempre quis ter
uma casa grande, um lar para chamar de
meu. E eu não deveria estar isolado!
Chris deveria ter comprado a mansão ao
lado, mas ele disse que queria esperar
por sua decisão. Algo sobre uma
promessa que ele tinha feito antes de
sair de casa...
– Sim, Chris é um homem de
palavra! – Lembro de anos atrás, eu fiz o

Chris prometer que não me esqueceria.
Ele disse que compraria nossas casas
quando ficasse famoso, assim
poderíamos ser vizinhos até envelhecer.
– Pode-se dizer que sim. Porém,
Chris queria ter certeza que você se
daria bem comigo, antes de fazer a
compra – John pisca o olho para mim –
Acho que a gente se dá bem, hein?
Sorrio de seu jeito brincalhão
até tudo que ele falou se infiltrar em
minha mente.

Oh, Deus! Como não percebi
isso antes? Como pude ser tão burra?
Olho chocada para John, o
homem a quem entreguei meu corpo e
talvez o meu coração. A pessoa que eu
pensei conhecer.
– Quem é você?


CAPÍTULO 29 –
Revelações
– Me diga! Quem é você? – me
levanto e ando de um lado para o outro,
nervosa – John! Ou deveria te chamar
de Arthur?
Pela primeira vez percebo uma
grande vulnerabilidade no olhar de John.
Ele parece assombrado.
– Como você soube?

– Isso importa? Você disse que
não escondia nada que me afetaria! –
grito nervosa – Mas sabia quanto eu me
preocupava com o paradeiro do Arthur!
E escondeu de mim mesmo assim... Eu
cheguei a duvidar da índole do Chris
por causa disso, caramba!
John segura meus ombros e fala
sério:
– Elle, me diga como descobriu!
Isso é importante!
– Por quê? – pergunto estoica.

Eu queria a verdade dele! Sabia que
John e Chris escondiam algo de mim,
mas nunca imaginei isto.
– Por que eu preciso cobrir meus
rastros e achar que falha no meu disfarce
você encontrou! – John, Arthur, ou seja
lá quem ele fosse, estava nervoso.
– Eu quis dizer o porquê de você
fingir ser outra pessoa – falo decidida
para ele – Ou você me diz ou vai ter que
descobrir sozinho como eu soube, e
correr o risco de outras pessoas

descobrirem! Qui pro quo, Arthur.
Ele suspira alto, a indecisão é
perceptível em seu jeito de se portar.
Não irei ceder, eu quero a verdade.
– Ok, Elle. Vamos para o meu
quarto, lá tem isolamento acústico. – ele
diz derrotado.
John pega o resto do saquê e
bebe em um gole só. Ele que tome toda a
coragem líquida que precisa, desde que
abra o bico e comece a falar. Eu me
sento na borda de sua cama e ele puxa

uma poltrona até ficar de frente para
mim.
– Eu já te falei sobre minha mãe.
Seu apelido era realmente Sol, ela era
uma imigrante mexicana chamada
Soledad. O meu pai era descendente de
italiano e ele era o melhor pai do
mundo, até que... – John respira fundo
algumas vezes. Seus olhos estão
tempestuosos e ele fala perdido em um
passado remoto:
– Eu tinha três anos quando meu

pai morreu. Ele nasceu com um
problema cardíaco que nunca tinha sido
descoberto. Em um dia éramos uma
família feliz, no outro o médico estava
dizendo à minha mãe que tinha sido um
milagre ele ter sobrevivido até os vinte
e seis anos.
“Mamãe sofreu muito e eu
também, mas ela quase entrou em
depressão. A música a salvou. Ela
aprendeu violão e piano, e sua voz era
igual a de um anjo. Minha mãe me
ensinou desde pequeno a cantar e tocar.
”
“Quando eu tinha sete anos, ela
conheceu um homem mais velho. Ele
parecia ser um cara legal, se chamava
Carlos e também fazia parte da
comunidade mexicana. Brincava comigo
e nos levava para passear. Minha mãe
ficava mais feliz com ele ao seu lado. ”
“Eles se casaram meses depois.
Ela achou que era importante eu ter um
exemplo de homem em casa. Porém, o
que ela não esperava era que ele se

transformasse em outra pessoa após o
casamento. ”
“Era como se Carlos tivesse
fingido até conseguir o que queria:
minha mãe. Ele era abusivo, no início só
com palavras, minando sua autoestima
aos poucos e ela aguentava calada. Eu
não sabia! Ela fingia que estava tudo
bem, mas cada vez mais suas músicas se
tornavam tristes, melancólicas...”
“Eu já estava com oito anos
quando ele perdeu o emprego. Brigou

com outro funcionário na empresa que
trabalhava, foi demitido e passou a ficar
mais tempo em casa. Carlos começou a
beber muito, de repente suas agressões
verbais não eram suficientes. ”
“Começaram com os empurrões,
depois eram tapas até evoluir para
murros. Minha mãe não saía de casa
mais. Eu tentava protegê-la, mas era
muito pequeno, franzino. A música era
seu único escape, mas ela nunca mais
pode voltar a fazer as aulas e cantar com
os amigos. ”
“Sua voz havia perdido a alegria
de viver. Eu não entendia por que ela
não o abandonava, mas o que eu não
sabia era que Carlos havia me
ameaçado. Ele disse que se ela o
largasse, ele iria nos caçar e me matar.
Mamãe não podia arriscar. ”
“Aos meus nove anos, mamãe já
não me ensinava mais a tocar. Ela tinha
perdido seu ânimo, Carlos tinha
conseguido o que desejava. Ele havia
quebrado sua alma. ”

“Um dia, eu a encontrei
chorando no canto, com o olho roxo. Eu
não aguentava mais, podia ser franzino,
mas era alto para minha idade. E mesmo
que não fosse, eu não me importava,
estava vendo tudo vermelho. ”
“Foi muito estúpido da minha
parte achar que poderia ir contra um
adulto. Mas eu só queria proteger a
minha mãe. Ele estava na cozinha,
colocando mais uísque em seu copo
quando eu avancei em suas costas. Pela
primeira vez, Carlos me bateu, e seu
soco foi tão forte que me jogou no chão.
”
“Minha mãe veio correndo e
gritou com ele. Me ver machucado
despertou algo profundo nela, parecia
uma leoa protegendo seu filhote. Ela
disse que iria embora, não aguentaria
mais, mas ele a empurrou e a jogou
contra o piso. Carlos disse que jamais
permitiria isso, então ele... Ele pegou
uma faca de cortar carnes que estava em
cima da pia...”

“Eu também ainda estava no
chão, indefeso, assustado... Era um alvo
fácil. Carlos se ajoelhou, mirando em
meu coração, porém quando ele levantou
a faca para desferir o golpe, minha mãe
pulou em cima de mim. Me
abraçando...”
“Ouvi a faca entrar em suas
costas e seu grito de dor! Eu estava cara
a cara com ela, vi minha mãe dar sua
vida pela minha. Seu último suspiro foi
‘fuja’, e então ela tinha ido embora para
sempre. ”
“Carlos urrou de raiva, chutou o
corpo sem vida da minha mãe para o
lado, tentando me alcançar. Eu
aproveitei um momento de distração
quando ele parou para olhá-la e fiz o
que ela mandou: fugi. Ele tentou me
pegar, mas estava bêbado e eu era mais
rápido. ”
“Enquanto eu corria sem destino
pela noite escura, ele gritou que se eu o
denunciasse, ele iria me encontrar e me
mataria também."

John termina o relato com a voz

embargada, suas lágrimas escorrem
livremente por sua face, e as minhas
também. Eu não fazia ideia que ele tinha
passado por tudo isto. Que horrível! Ter
sua mãe tirada de você assim. Vê-la
sofrer durante anos para nunca achar a
felicidade.
Eu o puxo para o meu colo,
abraçando-o.
– Me desculpe por fazer você

reviver isso, John. – eu sabia que ele
escondia algo obscuro em sua alma,
nunca imaginei que tivesse sido tão
traumático.
Ele tenta se recompor e volta
para a cadeira, mas seus olhos ainda
brilham de lágrimas não derramadas.
– Eu até precisava disso,
Helena. Guardo há tanto tempo.
– Ninguém mais sabe? Você foge
ainda hoje? – ele deveria viver com
medo – É por isto que você se tranca

aqui e tem tantos seguranças?
– Sim e não – John apoia sua
cabeça no encosto da poltrona e fecha os
olhos. Parece que contar tudo havia
sugado todas as suas forças – Eu não
fujo mais, porém ainda gosto de me
sentir seguro. É uma boa mudança em
comparação com os anos que passei
sozinho na rua.
– Eu não entendo, por que você
mudou de nome?
– Eu fugi e me escondi nas ruas,

vivia de esmola. Cantava nos parques
para agradecer o dinheiro que me
davam. Dias depois eu voltei para minha
casa – a dor na expressão de John corta
meu coração – Passei dias observando
escondido, mas ninguém entrava ou saía.
Então em uma madrugada, eu quebrei
uma janela e entrei.
– Ele estava lá? – pergunto.
– Não, ele fugiu. Não havia
rastros dele ou da minha mãe, tudo
estava limpo. Eu corri para o meu quarto

para pegar algumas roupas e um
dinheiro que eu tinha escondido. Em
cima da minha cama estava o velho
violão da minha mãe – John vai até o
closet e volta com um violão
desgastado. Ele me mostra uma linha
entalhada na parte inferior – Está vendo
essa marca? Era onde a faca estava
cravada com um bilhete.
– E você o guardou até hoje? –
eu teria medo até de tocar nele...
– Sim, é a única lembrança que

tenho da minha mãe – ele sorri para o
instrumento como se fosse um ente
querido – Ele me protegeu também! Com
o violão pude cantar e tocar nas
esquinas por dinheiro. Cada nota
musical dele era como se eu ouvisse a
voz dela de volta.
Ele passa a mão no objeto com
reverência.
– É o bem mais precioso que
tenho.
– O que dizia o bilhete? – minha

voz sai em um sussurro.
– Dizia que eu fui culpado pela
morte dela, que ele tinha saído para se
“livrar” do problema que eu criei. E que
se eu ou a polícia estivessem aqui
quando voltasse, ninguém iria se jogar
na minha frente para salvar minha vida.
Eu era lixo morto e ele estava louco
para me enterrar.
– Meu Deus, que homem
horrível! – meu coração se aperta por
ele – Você sabe que não tem culpa, não

é?
John dá de ombros, não
concordando muito.
– Cresci nas sombras da
sociedade, perdido e esquecido,
abandonado à minha própria sorte.
Quando eu tinha treze anos, pisei na área
de uma gangue, eu não sabia que estava
invadindo... Eles quase me espancaram
até a morte.
Minha boca está aberta em
choque, quanto sofrimento uma criança

podia aguentar?
– O que te salvou?


CAPÍTULO 30 –
Disfarce
– Quem me salvou foi um homem
forte, com cara de mau e um coração de
ouro. Você o conheceu, o segurança
John.
Lembro do John hipertrofiado,
eles realmente pareciam se gostar.
– É por isso que você adotou o
nome de John? Ele foi seu salvador? –
pergunto curiosa.
– Sim! Eu tive vários
salvadores, mas ele foi o primeiro a me
dar a mão. John deixava eu dormir
escondido em um quartinho do clube
noturno. Naquela época era bem menor e
sujo. Eu o reformei assim que comecei a
ganhar dinheiro.
– Quem foram seus outros
salvadores? – cada vez mais estava
envolvida em seu relato.
– Maria era a cozinheira de lá,
ela se encantou comigo por que eu sabia

espanhol e eu a ajudava com a louça em
troca de comida. – John fala com certo
saudosismo.
Franzo a testa:
– E você a faz trabalhar em sua
casa até hoje?
Ele sorri da minha indignação.
– Maria tem uma ala aqui só
para ela! Ela não é minha funcionária,
nunca foi.
– Vocês mentiram para mim
dizendo que ela era sua governanta?

– Ela disse que era a governanta,
ou você a viu pela casa e assumiu isso?
– ele pergunta com a sobrancelha
levantada – Cozinhar é seu hobby
favorito e ela não consegue ficar parada.
Tento lembrar de quando conheci
Maria... Ela falou que era a governanta!
Não foi?
– Ok, Arthur, continue sua história.
Onde o Jack Rock entra nisso tudo?
John parece chateado.
– Não me chame de Arthur, eu

não gosto. Arthur era um perdedor
franzino e assustado que causou a morte
da mãe. Eu sou John.
Lembro do que ele falou no
primeiro dia que entrei nesta casa. Ele
queria ser John como o John Wayne,
Rambo e o duro de matar. Agora fazia
sentido, eram personagens fortes, bons
de briga e que sabiam se defender e
proteger os outros.
– Como os astros de
Hollywood?

– Exatamente!
– Mas e o Rei Arthur? – faço
uma piada para melhorar seu humor –
Ele sabia como manipular uma espada.
John me olha de um jeito
sugestivo e puxa minha cabeça para dar
um beijo.
– Eu sei manipular muito bem
minha espada, Helena.
E como!
– Não me enrola, John! Termina
de falar!

– Você que me distraiu! – ele volta
a se sentar – Um dia, eu e John
estávamos voltando para o clube quando
ouvimos barulhos de uma briga. Eram
três moleques contra um rapaz, o garoto
lutava bem, mas um o atingiu com
canivete nas costas. Eu gritei e fomos
ajudar, mas os pivetes fugiram. Foi
assim que conheci o Chris.
Solto um grito e tapo a minha
boca com minha mão. Chris foi ferido
em uma luta? Ele nunca me disse! Eu
sabia que ele ficava me protegendo da
verdade, eu poderia tê-lo perdido para
sempre...
John se senta ao meu lado e me
abraça.
– Chris era mais novo que eu, e
ele lembrava a mim mesmo quando
comecei a morar nas ruas e não tinha
ninguém ao meu lado.
– O que você fez por ele? – eu
sabia que Arthur o tinha ajudado, só não
sabia como.
John dá de ombros, tentando

diminuir sua importância em ter salvo a
vida de Chris.
– Nada demais. Ele dividiu o
quartinho comigo e me ajudava a cuidar
do clube. Depois passamos a tocar
juntos. Chris me ensinou diversos
truques no violão que eu não conhecia.
O resto você já sabe.
– Não sei, não! Por que trocou
de nome?
– Eu nunca havia contado a
ninguém sobre minha mãe. Chris sabia

um pouco, mas não tudo. Quando Bob
surgiu, ele foi pesquisar meus
antecedentes. O corpo da minha mãe
havia sido encontrado anos antes e eu
não fazia ideia!
John se levanta agitado.
– Carlos cimentou seus pés em
uma pedra e a jogou no rio! Dois anos
depois, uma equipe de biólogos foi
pesquisar uma espécie de peixe
endêmica e durante um dos mergulhos a
encontraram. Eles a identificaram pelas

digitais, mas não havia eu ou Carlos
para explicar o que tinha acontecido.
– Nossa, John! – falo abismada –
E o que você fez?
– Bob discutiu comigo, querendo
saber a verdade. Terminei contando tudo
para ele e Chris, e eles me convenceram
a ir para a delegacia. Fiz a denúncia,
mas com a ameaça de morte e o Carlos
desaparecido, eu era um candidato a
entrar para o programa de proteção às
testemunhas.

– Cara... Ser um astro do rock
não é exatamente discreto!
Seu disfarce era o pior possível!
John sorri.
– Eu não queria mais fugir, Elle.
Havia encontrado amigos e pela
primeira vez tinha a chance de um futuro
com a banda. O delegado com quem
fomos conversar era amigo de Bob,
logo, a nossa primeira conversa tinha
sido extraoficial. Ele queria me mandar
para longe e o Bob me queria para a

banda.
– Já sei que Bob ganhou, mas
como? – minha curiosidade estava me
matando! Quanto mais ele falava, mais
eu queria saber.
– Chris surgiu com um plano. Eu
adotaria um novo nome e mudaria minha
aparência, só até que eles achassem o
Carlos. Veja, eu tinha informações sobre
os hábitos dele que ajudariam nas
buscas. Com isto e meu testemunho, eles
poderiam emitir um mandato de prisão.

Eita! Chris tinha convivido
tempo demais com Sam e seus planos
mirabolantes.
– Bob me mandou para um
nutricionista, tomei suplementos
alimentares e fiz academia. Deixei o
cabelo e a barba crescerem, assumi o
nome de John. Tudo isso enquanto a
polícia procurava por Carlos e nós
ensaiávamos para ser o Jack Rock. Kim
e Aly nunca souberam a verdade.
– E a polícia achou esse Carlos?

– será que ele ainda estava solto?
– Sim, demorou um ano e meio,
mas ele foi preso pelo assassinato da
minha mãe. Carlos não me reconheceria
de qualquer jeito, eu tinha nove anos
quando fugi de casa. Agora estava tão
diferente que nem eu mesmo sabia quem
eu era.
– E por que você continua como
John? – lembro-me da nossa ida ao
clube – Quem você foi ver? E por que
não chamou a polícia? – levanto-me

nervosa – Meu Deus, você conhecia o
cara que me drogou?
– Calma, Elle! Respira! Tenha
paciência, porra! – John levanta as duas
mãos com palma para cima, em sinal de
rendição – Eu continuo como John por
que Arthur era um perdedor. É claro que
eu não conhecia aquele cara! Se eu
conhecesse, o filho da puta estaria
preso!
Cruzo meus braços.
– Estaria?

– Claro, Elle! Eu evito a polícia
por que não me traz boas lembranças,
foi muito difícil testemunhar e detalhar
cada aspecto do que aconteceu com
minha mãe! Além disso, não posso
correr o risco de algum repórter vir
xeretar.
Olho para o John. Como eu o
havia julgado mal! A opulência da casa,
a arrogância, o distanciamento... Tudo
fachada para esconder o menino perdido
que havia dentro dele. E não posso
esquecer que foi ele quem tirou Chris
das ruas, forneceu teto, trabalho e
amizade... Devolveu a dignidade a ele.
Pulo em seu pescoço e o beijo
com carinho.
– Obrigada por ter cuidado do
Chris!
John, ainda triste, alisa meu
cabelo, colocando-o por trás da minha
orelha.
– Quando íamos dormir, Chris
contava as histórias de quando ele era
criança. Você estava em quase todas

elas! E muitas vezes, ao invés de ter os
mesmos pesadelos que me assombravam
por anos, eu sonhava com você.
John anda até a cama e me deita
com cuidado nela, ele se inclina ao meu
lado. Acariciando meu rosto com a mão
e me dando pequenos beijos salpicados
enquanto falava:
– Você era meu sonho, a menina
com olhos de mel. Eu queria tanto te
conhecer, mas eu tinha medo que a Elle
real fosse diferente da imaginária.

– E eu era?
Ele me dá um meio sorriso.
– Sim, você era melhor,
espertinha! Me tirou dos eixos – seu
sorriso murcha – Eu sei que eu fui
egoísta com meu melhor amigo, mas eu
precisava de você também. E acho que
no fundo, o Chris sempre soube disso.
Me sento com sua última
declaração.
– O quê?
– A conversa que eu tive com

Chris hoje... Ele me disse que
desconfiava da minha intenção desde o
hospital, porque eu nunca havia
permitido funcionários dentro de casa.
Apenas a equipe de limpeza que vem,
faz seu trabalho e vai embora. Mas ele
nunca pensou que você fosse cair na
minha.
– Por quê?
John me dá um sorriso de
deboche.
– Porque eu sou arrogante,

megalomaníaco e mulherengo. Não era
disso que você me chamava?
– Não esqueça do egocêntrico! –
sorrio para ele – John podia até
conquistar meu corpo, mas foram nos
momentos que você mostrava seu eu
verdadeiro, o Arthur, que me apaixonei
por você...
Arregalo meus olhos, minha
respiração para. O que eu tinha acabado
de falar?
John parece estar em êxtase, ele

beija minha boca aberta de choque por
minha própria declaração involuntária.
– Eu também estou apaixonado
por você, Elle. Há anos me sinto assim.
Tento formular qualquer
pensamento coerente em minha mente,
mas a emoção de suas palavras me deixa
sem resposta. Até que eu lembro de um
detalhe:
– Então você não me contratou
para se livrar da #NiCadela?
– Não, espertinha! Eu nunca me

importei com a Nicole, ela que foi a
desculpa perfeita para contratar você.
Agora eu já falei demais! É sua vez de
me dizer tudo, como descobriu que eu
era Arthur?
– Lembra daquela história que
você me contou sobre querer morar em
uma mansão e Chris comprar a casa ao
lado? Você disse que Chris não aceitou
porque havia prometido que eu e ele
seríamos vizinhos até envelhecer?
– Sim, Chris disse que primeiro

você precisava me conhecer e querer ser
minha vizinha. Sem você, ele não
compraria casa nenhuma! – John diz
impaciente – O que isso tem a ver com
você descobrindo a verdade, Elle?
– Simples! Na primeira noite que
eu dormi na casa do Chris, ele me
contou a mesma história. Só que na
versão dele, esta conversa tinha
acontecido com Arthur e não com John –
beijo sua boca aberta em descrença –
Desculpa, você contou tudo por uma
brecha mínima que só eu descobriria.
Mas veja pelo lado bom, seu nome
verdadeiro ainda está bem protegido!
– Ah, Helena! – John se deita
por cima de mim – Você vai pagar por
me enganar!
Ele me beija com fervor
renovado.
Oh! Deste jeito eu pagaria até
com juros, se ele quisesse.

CAPÍTULO 31 –
Preparativos
Estou deitada na estrada de
barro, jogada à própria sorte. Não
posso mover, minhas pernas não me
obedecem. Olho para o lado, chamas!
Duas sombras na fumaça, mamãe?
Papai? Saiam daí! Não estão vendo o
fogo?

As labaredas avançam,
engolindo as sombras. Não! Voltem,
por favor! Elas se aproximam cada vez
mais, vão me alcançar. Não consigo
fugir, eu não quero fugir! As chamas me
abraçam, estão queimando e me
consumindo. Não grito, não tenho voz.
Apenas aceito a dor da morte.
Abro os olhos, estou em pé em
uma rua escura. Escuto um grito.
Mamãe? Papai? Corro para socorrê-
los, mas encontro uma criança perdida.
Um menino magro de olhos azuis, ele
está jogado no chão, assustado.
Estendo minha mão, quero
levantá-lo. Mas ele aponta para trás de
mim, seus olhos estão arregalados e a
boca aberta em choque. Não tenho
tempo de me virar, sinto uma faca
cravar em minhas costas. Ela rasga
pele, tecidos e músculos, até chegar ao
meu coração.
Em meu último suspiro, escuto
uma voz tenebrosa falar enquanto
desfere o golpe fatal: “Você pensa que

escapou de mim? ”. Meu sangue gela,
era o homem do clube!
Acordo assustada, meu corpo

treme. Que pesadelo! Acho que vou
começar a assistir desenho animado
antes de me deitar, quem sabe sonho
com o Bob Esponja ao invés disso?
Já amanheceu e John está
dormindo profundamente. Ele parece tão
relaxado em seu sono...
Eu sempre admirei Arthur,

mesmo antes de saber o quanto havia
sofrido. Que sacrifício sua mãe fez por
ele! Mas as boas mães eram assim
mesmo, dariam suas vidas pela de seus
filhos.
Arthur poderia ter se
transformado em um bandido, mas ao
invés disso lutou para se reinventar e
conquistar um futuro para si. John tentou
tanto esconder seu “eu” verdadeiro que
se tornou o homem arrogante que eu
conheci.

Hoje era o dia do show! Agora
seu empenho com o “Clave de Sol” fazia
todo o sentido: John tentava ajudar
outras crianças que não tiveram a mesma
sorte que ele.
Olho para seu corpo
adormecido... Eu podia acordá-lo de
forma especial, não é? Mas primeiro
corro para o banheiro, ninguém merece
despertar ao sabor do bafo matinal!
Enquanto escovo os dentes, olho para o
chuveiro. Já que estava aqui, poderia
fazer serviço completo...
Nada melhor do que água morna
para lavar os resquícios do pesadelo.
Jogo minha cabeça para trás e fecho os
olhos. Que maravilha!
Um corpo quente se une às
minhas costas, mãos calejadas esfregam
minha cintura. Hummm... Isso sim que
era uma maravilha! Um arrepio me
percorre quando John segura minha
garganta e morde minha orelha. Ui.
– Lembra a proposta que você
recusou no avião? – suas mãos

escorregam do meu pescoço até meus
seios, apertando-os.
Proposta? Avião? Com ele
fazendo isso, eu não lembrava nem o que
eu tinha comido ontem!
John segura meus cabelos com
uma mão, enquanto continua a me
provocar com a outra
– Eu prometi que se você me
deixasse ensaboar suas costas – sua mão
desce até o meio das minhas pernas – Eu
faria você alcançar notas altas!

Ahhh... O gemido que me escapa
é a prova que John era um homem de
palavra...
Depois do banho, fui preparar os
últimos detalhes para o show. Nossa!
Como era trabalhoso organizar um
evento, mesmo que fosse de pequeno
porte.
No entanto, eu me divertia
fazendo isso! Estava sendo paga para
mandar nos outros e ainda fazer um
show de rock acontecer. Sem mencionar

o acesso aos bastidores e o convívio
com minha banda favorita! Havia
emprego melhor? Para mim, não!
– Elle, onde as crianças irão
ficar? – o roadie Ed pergunta.
– Na frente, primeira fila – Ed
me olha atravessado – Eu não quero
saber o que Bob diz! Este show é em
prol das crianças, elas são menores e
vem primeiro. Os patrocinadores ficam
a partir da segunda fila e depois o resto
pode seguir a ordem que já definimos.

– Ok, chefa! – Ed bate
continência na testa e sai. Começo a rir.
Ele e os outros roadies que conheci no
meu aniversário eram muito divertidos.
Eu já falei que amava esse
emprego?
Droga! Era bom eu testar
novamente os jogos de luzes do galpão,
o pós-show precisava bombar! Era lá
que pretendíamos fechar os acordos com
potenciais patrocinadores.
– Dona Helena! Onde raios você

está? – um grito reverbera no meu
ouvido. Maldito bluetooth!
– Kim! Juro por Deus, um dia
você vai me deixar surda! – falo de
volta pelo intercomunicador.
– Sem dramas! – Kim ainda fala
alto – Estou aqui com o Gabriel, venha
logo!
– Venha logo para onde? –
pergunto desconfiada – Eu tenho muita
coisa para fazer aqui! E John vem para
me levar para casa, preciso me arrumar

para o show!
Escuto a risada de deboche de
Kim.
– Eu sei disso! Por isso vim
mais cedo... Você não pode quebrar o
ritual e se arrumar longe de mim, girls
power! E eu sei que você já verificou
tudo um milhão de vezes. Venha ou vou
te buscar!
Suspiro derrotada. Kim podia
estar um pouco certa.
– Ok, capitã! Estou a caminho.

Olho assustada para o relógio.
Não sabia que era tão tarde! Corro para
onde Gabriel estava. Desde o incidente
no clube, ele era minha sombra! Me
livrar de Gab era mais difícil do que
acabar com uma infestação de piolhos
em escola primária.
– Oi gata! – Kim me abraça –
Vamos no meu carro.
– Não, senhorita Kim – Gabriel
intervém – Ela deve vir comigo.
Eu entendo a paranoia de John

com segurança, mas tem limites, né?
– Gabriel, isto é coisa de meninas!
Você fica e a gente vai, ok? – ele
começa a protestar, mas eu levanto
minha mão, parando-o – Deixe que eu
me viro com o chefe.
– Não é isso, senhorita Helena.
É que...
Eu o interrompo:
– Você segue a gente, então!
– Mas... – não escuto o que ele
diz. Enlaço meu braço no de Kim e

vamos para seu carro.
Os carros de John eram bonitos,
mas visavam muito a proteção e
discrição. Este era o oposto! Um
conversível lindo branco com bancos de
couro vermelho. Se ela já chamava a
atenção por ser famosa, imagina atrás do
volante desta máquina.
Kim coloca a mão abaixo do
meu queixo e fecha minha boca.
– Elle, conheça o Destroyer, meu
destruidor de corações.

– Você deu nome a um carro? –
levanto uma sobrancelha para ela.
Ela me olha irritada.
– Não é "um carro", é um Aston
Martin Vintage Roadster. Então tenha
mais respeito!
Entro no carro. Com a
quantidade de botões que tinha, o painel
parecia algo saído da NASA.
– E o que isso quer dizer? – falo
com desdém.
– Isso quer dizer, querida Elle –

Kim liga o motor e dá a partida – Que
ele vai de 0 a 100 km em 4,1 segundos.
Puta merda! Agora entendi o
nome. Com certeza a Kim iria me
destruir dirigindo feito uma louca. Meu
coração saltava da boca a cada
ultrapassagem que ela fazia. Vejo pelo
retrovisor que Gabriel corria
desenfreado para nos alcançar.
– Devagar, porra! Por isso que
Gabriel queria me levar, não é? – grito
por cima do barulho do vento. Meus

cabelos voavam feito loucos e eu
tentava segurá-los.
Kim sorri e dá de ombros.
– Provavelmente!
Chegamos vivas ao ateliê da
Wanessa, por pouco. Meus Deus! Estou
até tonta e enjoada. Kim é louca!
– Vamos lá! Na volta eu prometo
ir mais devagar – Kim fala batendo em
minhas costas. Como se eu fosse entrar
nesta armadilha mortal novamente!
A equipe de Wanessa nos recebe

com a mesma dedicação de sempre. De
novo me sinto como a Sandra Bullock
em Miss Simpatia.
– Kim, como o Chris está? –
aproveito a pausa do jantar para
perguntar isso pela milésima vez desde
o meu aniversário.
– Ele ficou muito revoltado no
início, se sentia traído por vocês dois –
ela me olha com desaprovação – Vocês
deveriam ter dito logo. Na minha
opinião, o que mais o chateou foi ter

sido enganado.
– Eu sei, é um erro que sempre
carregarei comigo. – não falo mais nada,
fico quieta enquanto deixo outras
pessoas me arrumarem.
Dentre as opções que Wanessa
me deu, termino escolhendo uma calça
jeans destroyed azul claro, em
homenagem ao carro de Kim, e um
blusão preto de ombro caído e mangas
três quartos e sapatos modelo boneca em
veludo preto com salto anabella. Meus

cabelos foram amarrados no alto com
um franjão repartido ao meio e solto.
Estava linda por fora, mas por dentro
continuava me sentindo uma merda.
Kim coloca o braço ao redor dos
meus ombros.
– Hoje é dia de festa! Se a
amizade de vocês é tão forte, vai
sobreviver ao primeiro conflito que
aparece. Vamos?
– Obrigada, Kim! Acho que
precisava ouvir isso – a abraço apertado

– Mas eu vou com Gabriel.
Kim apenas ri do meu medo e
seguimos nosso caminho. It's showtime,
baby!


CAPÍTULO 32 –
Show
Quando entro nos bastidores, o
primeiro a me ver é Chris. Ele me
cumprimenta, a raiva desapareceu de
seu olhar, mas o carinho também. Ele
aceitou, mas ainda permanece chateado.
– Pronto para arrasar hoje? –
tento puxar conversa.
– Como sempre, Helena! Aqui eu
posso liberar tudo, esquecer minha vida
e deixar que a música lave minha alma.
No palco, eu sou um condutor de energia
– Chris olha indiferente para mim – E
nada mais importa.
Chris se afasta e vai afinar o
baixo com Aly. Acho que esse negócio
de recuperar a amizade irá levar tempo.
Entro no camarim de John e tranco a
porta. Ele ainda está trocando de roupa
quando se vira em um pulo para mim.
– Como você entrou?
Mostro a chave mestra para ele.

– Com essa belezinha concedida
pelos deuses!
John não sorri, ele está muito
ocupado analisando meu visual.
– Ainda bem que você vai estar
escondida e ocupada nos bastidores! –
John fala enquanto morde o próprio
lábio inferior e me puxa para ele.
Eu o deixo beijar meu pescoço
enquanto digo:
– Já disse que esse negócio de
homem das cavernas não funciona

comigo... – bem, talvez um pouco, mas
nunca admitiria.
– Não disse isso por ciúmes! –
levanto uma sobrancelha para ele – Ok,
talvez um pouco. Mas minha intenção
era dizer que se você estivesse na
plateia, eu não conseguiria tirar os olhos
dos seus... – John morde minha orelha –
E terminaria esquecendo a letra de todas
as músicas!
– Ai, que lindo! – pisco os olhos
para ele – Você tirou isso de um

comercial de margarina?
John cerra os olhos para mim e
bate na minha bunda.
– Você sabe mesmo cortar um
clima, hein?
Vou bater em sua bunda também,
mas aperto ao invés disso. Hum... firme.
John está com os cabelos soltos e
rebeldes, adoro quando fica assim...
Selvagem. A camisa com a logo da
instituição teve suas mangas e laterais
cortadas, revelando as costelas dele e a

tatuagem na clavícula.
Quem deveria ficar preocupada
era eu!
O ponto no meu ouvido me avisa
que chegou a hora. Antes deles entrarem
no palco dou um abraço de boa sorte em
cada um. Seguro em minhas mãos o set
list e o resto da programação da noite.
Era a primeira vez que eu tinha
organizado sozinha um evento, então
esta era minha estreia também e eu
estava nervosa! Esperava que tudo desse

certo.
O palco estava escuro e Kim é a
primeira a entrar. Ela começa a tocar
sua bateria e um holofote a ilumina.
Apesar das cadeiras, todo o público está
em pé, batendo palmas com os braços
esticados para cima e gritando “Jack
Rock”.
Alysson e Chris são os
próximos, eles começam a tocar guitarra
e baixo ao mesmo tempo. As luzes os
iluminam e começam a piscar. Claro e

escuro, vermelho, azul e roxo. Quando o
ritmo da batida acelera, John me dá um
beijo rápido e entra cantando seu último
hit que foi sucesso nacional.
A plateia, que já estava animada,
vai à loucura! John encaixa o microfone
no pedestal e canta com fervor. Eu
acompanho a animação, pulando e
cantando. John não fica parado, ele
corre e agita, pega uma guitarra e toca
junto com Chris.
Estou conferindo o set list

quando vejo que as crianças também
estão empolgadas, pulando em suas
cadeiras. As cinco menores não podem
ver o palco direito! Chamo Gabriel e
alguns roadies e vamos para a primeira
fila.
Cada um de nós coloca um deles
sobre os ombros. Eu fico com a mais
nova, uma linda garotinha de seis anos.
Agora sim! Muito melhor estar no meio
da multidão e sentir a vibração da
galera, curtindo o som do Jack Rock.

Entre uma música e outra, John
solta um beijo no ar em nossa direção, a
menininha ri e manda outro de volta para
ele. Que linda! Alysson chega perto das
adolescentes e pisca um olho. É o
suficiente para começar uma gritaria
entre elas. Chris arrepia a todos com um
solo de guitarra de arrasar.
No meio do show, durante uma
pausa, sento e coloco a pequena Ananda
no colo. Caramba! Não vim com o
sapato certo para este tipo de coisa!
John se aproxima da bateria e chama o
resto da banda para perto e eles
parecem discutir um pouco. Eu já ia
procurar a fonte do problema quando
todos voltam aos seus lugares. O que
teria acontecido?
– Estão curtindo o show? – John
pega o microfone e fala. A plateia ruge
em gritos e aplausos, ele continua –
Vocês amam o Jack Rock?
Um coro de “sim” reverbera na
multidão.
– Em nome do Jack Rock e da

Clave de Sol, eu gostaria de agradecer a
presença de todos! – John levanta as
mãos, tentando acalmar a plateia –
Agora eu vou cantar uma música
especial que não está no nosso
repertório. Quem aqui gosta do Imagine
Dragons levante a mão!
Vários braços se levantam. Eu
recupero o set list do meu bolso. O que
John está fazendo? Isto não estava na
programação!
– Esta música se chama Demons e

nunca a tocamos juntos, então vocês vão
ter que me ajudar e cantar comigo, ok?
A multidão grita, mas eu estou
paralisada. Conheço a canção e o
significado dela. John canta olhando
diretamente para mim, seus olhos
pareciam perfurar minha alma. Não sei
se é um pedido de desculpas ou uma
explicação para suas atitudes.
De qualquer forma, seu recado
em forma de música me atinge em cheio,
fala mais por ele do que palavras. No

refrão, Ananda pega minhas mãos e me
ajuda a bater palma. Eu ainda estava
congelada quando começo a cantar,
acompanhando a letra:
“When you feel my heat

Look into my eyes
It's where my demons hide
Don't get too close
It's dark inside
It's where my demons hide”[14]
Tento curtir o restante do show,

mas Demons não saía de minha cabeça.
Ele apenas queria me proteger de seus
próprios demônios internos?
Ananda me anima e volta para
meus ombros. No final, eu estava
exausta, mas valeu a pena, tinha sido
inesquecível!
Ajudo Gabriel a levar as
crianças para as vans de transporte. Já

estava tarde e elas tinham que partir.
Dou um grande abraço na pequenina e
prometo visitá-la em breve. Ela era um
amor de criança! Quando volto para o
camarim, todos estão secando o suor
com toalhas e trocando de camisas.
Alysson joga a dele em mim.
– Presente para você!
– E para que eu quero isso? –
pego a toalha com a ponta dos dedos,
fingindo nojo. Se eles autografassem e
eu fizesse um leilão, será que

arrecadaríamos dinheiro?
– Para você esquecer este idiota
ali! – Aly circula minha cintura com
seus braços – É só você sentir meus
feromônios que ficará louca por mim.
John o puxa para longe de mim
pela camisa.
– Cai fora, Alysson! Vá atrás de
suas groupies.
Aly pisca um olho antes de sair.
Todos riam da sua brincadeira. Bem,
quase todos, Chris permanece calado

com sua cerveja na mão.
– Hora do meeting, galera! –
falo tentando animá-los, mas todos
curvam os ombros. Parecem que estão
indo para a forca.
Antes de sair, John me puxa e
beija meu pescoço.
– Obrigada pela música, eu amei.
– Eu só quero que você tenha
paciência, compartilhar o passado não é
fácil – John me beija com força – Acho
que chegou a hora de virar seu homem

prostituto, não é?
Ai! Ele deveria esquecer minha
gafe em fornecer 100 convites de
meeting...
– Deixa de drama, vai ser
moleza! – digo antes de levá-lo para o
encontro com as fãs.


CAPÍTULO 33 – Mais
do que palavras
O meeting era terrível! As
pessoas vinham, gritavam, tiravam foto
com o Jack Rock, abraçavam cada um e
iam embora. Não era muito? Bem, tente
repetir isso mais de cem vezes! Não
parece tão divertido, não é?
Eu não senti ciúmes... O meu
sentimento era de pena! Dos fãs, que só
tinham esse momento com seus ídolos, e
da banda, que ficou horas em pé, após
um show cansativo. Todos estavam
aliviados quando acabou, não por
ingratidão com os fãs, mas por que era
chato mesmo!
Não é à toa que cobravam tão
caro pelos convites! Está explicado o
choque de John quando soube que eu
havia oferecido cem entradas aos
patrocinadores. Ops...
Na festa pós-show ficaram cerca
de 500 convidados. Nosso objetivo era

conseguir novas doações e agradecer
aos que já haviam doado. John começou
com um belo discurso sobre o projeto e
as crianças.
Agora que eu sabia do seu
passado, sua fala ganhou outra
conotação. Ele tinha sido um daqueles
jovens assustados e sem rumo. John
tentava também salvar o pequeno Arthur.
Depois do seu discurso, foi
lançada a propaganda gravada durante
nossa viagem. Os produtores

adicionaram no final a parte que as
crianças pularam em cima dele. Não
sabia que tinha sido gravado! Ficou
perfeito, sua risada estava natural e
sincera, algo raro de se ver.
Eu estava ocupada comandando
os garçons e os seguranças, enquanto o
Jack Rock se empenhava em encantar os
patrocinadores. Kim e Chris
conversavam com um grupo de uma
empresa grande. Eles eram um dos
nossos alvos principais. Alysson estava
rodeado pelas filhas deles. Sua intenção
era que elas convencessem os pais a
ajudar. Ele falava com todas, mas não
largava uma garota. Eu a conhecia de
algum lugar, porém não lembrava de
onde!
E John? Ele estava com o
pessoal do marketing e evitava as
groupies. Essas piranhas pareciam
baratas! Onde tinha uma, havia um
bando inteiro. Como essas vadias
conseguiram passe? Pelo menos eu
sabia que uma não viria: a credencial da
#NiCadela “se perdeu” nos malotes de
entrega. E ninguém poderia entrar na
festa sem uma.
– Obrigada pelo convite – Laura
sorri do susto que levo – Eu adorei o
show e gostaria de contribuir com meu
trabalho. Caso alguma criança precise
de fisioterapia, ofereço os serviços da
minha clínica!
Eu a abraço.
– Obrigada, Laura! Muito
generoso da sua parte.
– É para uma boa causa... Você

estava distraída, hein? – ela sinaliza
com a cabeça a direção que John está –
O motivo é ele?
Suspiro, acho que fui pega no
flagra encarando o John. De novo.
– Por que não vamos dançar? Eu
posso tirar um tempo de folga.
Laura me dá um olhar
conhecedor, mas não diz nada, apenas
me segue para a pista de dança. Uma
banda em ascensão tocava hits atuais e
clássicos, variando entre músicas

agitadas e lentas de rock e pop.
Entre uma música e outra, o
cantor pede que todos se divirtam e
venham dançar. Todos vêm, entre drinks
e danças a festa se desenrola noite
adentro. John segura minha cintura e
cola seu peito em minhas costas.
– Sabia que você fica linda
dançando? Sexy...
– Humm... E isto te dá ideias?
John me vira de frente para ele e
eu passo meus braços ao redor do seu

pescoço. Seu olhar é malicioso quando
fala:
– Eu sempre tenho ideias com
você!
Após um tempo, a música “More
than Words”, antigo hit da banda
Extreme, começa a tocar. John cola
ainda mais seu corpo ao meu e
dançamos ao som desta balada
romântica.
“Now that I've tried to

Talk to you and make you understand
All you have to do is
Close your eyes and just reach out your
hands
And touch me, hold me close
Don't ever let me go"¹[15]
Fecho meus olhos, apenas

absorvendo a letra. Quando volto a
abrir, John está me observando
atentamente. Seus olhos brilham e ele
encosta sua testa à minha. Como eu
precisava beijá-lo! Mas não queríamos
nossa foto na mídia. Então apenas
dançamos.
– Posso roubá-la por um
segundo?
John olha meio desconfiado, mas
estende minha mão para o homem.
– Se for por um segundo, sim. E
só por que é você.
Balanço a cabeça para a
possessividade de John. Quando ele vai
aprender? Começo a dançar com o

outro homem.
– Helena, você está de parabéns
– ele me cumprimenta – Tudo correu
bem e sem imprevistos.
– Obrigada, Bob – agradeço ao
empresário – A equipe que é muito boa
de se trabalhar junto.
Bob acena com a cabeça,
concordando.
– Você tem futuro neste ramo,
garota. Recebi muitos elogios, isto
nunca tinha acontecido antes.

Claro! Antes quem fazia isso era
a #NiCadela... Eu podia estar me
divertindo mandando em tudo, mas não
era uma vaca como ela. Dou de ombros.
– Apenas fiz o meu trabalho.
– Eu gostaria de pedir desculpas
por minha filha. Eu sei que ela pode ser
difícil às vezes, mas ela não é má.
– Tenho certeza que sim, afinal
ela deve ter puxado algo do senhor! –
Ops, eu insultei sua esposa? Bob levanta
uma sobrancelha para mim. Oh, merda!

Péssima hora para o filtro entre meu
cérebro e minha boca falhar – Eu quis
dizer que Nicole é uma pessoa muito
especial, e tendo o senhor e sua mulher
como pais, com certeza teve a melhor
criação...
Cala a boca, Elle! Selo meus
lábios, tentando me impedir de falar
mais besteira.
– Falando nela, você a viu por
aqui?
– Nossa, ainda não! – coloco

minha mão no peito e faço cara de
preocupada – O que será que aconteceu?
Vou me informar imediatamente com
Gabriel. Com licença!
Fujo o mais rápido que posso e
me escondo dele o resto da festa. Gab
explica para Bob que foi uma falha no
sistema de entrega. Ufa! Me livrei de
uma encrenca. O resto da festa se tornou
um sucesso, conseguimos novos
patrocinadores e a Clave de Sol
ganharia em breve um espaço lindo.

O projeto de John iria se tornar
realidade.


CAPÍTULO 34 –
Imprevistos
Três semanas depois...
Dizem que quando a gente se

diverte, o tempo passa mais rápido. Os
últimos dias me provaram que esta
teoria era verdadeira.
John nunca deixava de me
surpreender. Ele continuava o mesmo
homem possessivo enlouquecedor de
sempre, aquele que me levava da raiva à
luxúria em um piscar de olhos.
Em alguns momentos, no entanto,
ele mostrava a personalidade do rapaz
que um dia ele foi. Isto estava se
tornando cada vez menos raro.
Chris recentemente me perdoou
por eu ter escondido o relacionamento
com John, mas amizade ainda estava
diferente. Era estranho não tê-lo
cuidando de mim. Ele não era mais
carinhoso comigo e eu sentia falta do

seu abraço caloroso. O seu lindo sorriso
tímido estava cada vez mais raro. Eu
queria poder voltar ao que era antes,
mas pelo menos tínhamos algo agora.
Ter um pouco do Chris em minha vida
era melhor do que nada.
Hoje vamos gravar o clipe da
nova música. O estúdio já estava todo
pronto! Cada um ficará em um cenário
diferente e será gravado em um estilo
noir, ou seja, tudo em preto e branco,
porém destacando o tom vermelho.

Alysson estará em um bar
parecido com um pub com várias
pessoas sentadas às mesas, mas as
câmeras não focarão nelas. Elas serão
como fantasmas esquecidos e Aly estará
sozinho em um banco alto no bar, com
uma bebida vermelha na mão. O cenário
de Kim é uma praça, ela estará sozinha
também sentada em um banco, enquanto
crianças anônimas brincam em um gira-
gira vermelho. O do Chris é o telhado
vermelho de uma casa, observando uma
lua cheia.
O de John é uma rua. Ele deverá
andar enquanto canta. Ele é o único que
estará todo em preto e branco, pois
como diz a letra da música, permanecerá
sempre na escuridão sem a mulher
amada. A modelo usará os cabelos
soltos, pés descalços e um vestido
branco. Sua maquiagem é natural,
destacando apenas o batom vermelho.
No clipe, cada um estará
perdido, sozinho. John encontrará sua
salvadora, seu anjo, mas ela será
inalcançável. E ele vai cantar sobre
nunca achar a felicidade a menos que ela
esteja a seu lado. E a raiva que ele sente
por ela jamais pertencer a ele.
As cenas daqui serão
intercaladas com as gravadas no
estúdio. Eu estava louca para ver o
resultado.
– Elle! – o assistente do diretor
me chama – Onde diabos está a modelo
que vocês contrataram?
Olho ao meu redor.
– Ela estava aqui um segundo

atrás! Eu vou procurá-la.
O estúdio é grande, mas não
tanto. Onde esta mulher se escondeu?
Estou quase desistindo quando me
lembro dos banheiros no segundo andar,
corro para lá e escuto soluços de alguém
chorando. Ah, merda!
Abro a porta e me deparo com o
“anjo de beleza natural” do clipe toda
vermelha de chorar. Sua maquiagem está
borrada e o nariz escorre com restos de
secreção. Eca!

– O que aconteceu? – tento sondar.
– Ele me largou! – ela começa a
chorar descontroladamente – Me usou!
Passei três semanas com ele para depois
ser jogada fora como um brinquedo que
perdeu a graça! Aceitei sair escondido
para quê? Para ele não me quer mais!
– Calma – coloco a mão em seu
ombro para tentar tranquilizá-la – Quem
é ele?
– Você sabe muito bem quem é
ele! – ela me olha com raiva – É o seu

amiguinho traidor!
Fico em choque! O que ela quis
dizer com isto? Observo bem suas
feições quando lembro onde a tinha
visto recentemente.
– Quer saber? – ela se levanta de
repente – Eu vou embora daqui! O
dinheiro não vale a pena.
– Espere, você tem uma gravação
a fazer! – tento pará-la.
– Não mais, eu me demito! – ela
diz e vai embora.

Puta merda, eu vou matar este
cara! Volto ao andar de baixo à procura
do meu alvo e, como esperado, ele está
conversando com duas figurantes.
Mulherengo!
– Com licença, garotas. Eu
preciso dele por um segundo – puxo seu
braço e o arrasto para longe. Minha
vontade era puxar sua orelha ao invés do
braço – Que merda, Alysson! Por que
você aprontou isso logo hoje?
– Isso o quê? – ele me pergunta

displicente.
– Não seja cínico! – aponto o
dedo em sua cara – Você é a culpa de
não termos mais uma atriz para o clipe,
ela saiu aos prantos! O que você fez?
– Ela pensou que fosse especial
por que eu a levei para a festa pós-show
e sai algumas vezes – ele dá de ombros
– Eu apenas estava com vontade de
testar esse negócio de “monogamia”.
Não foi muito divertido.
Só Aly mesmo para achar que

monogamia era apenas sair umas três
vezes com a mesma mulher e pronto.
– Alysson, um relacionamento é
muito mais do que estar com a mesma
pessoa. É preciso ter uma conexão com
o parceiro, você não pode pegar uma
garota aleatória e achar que vai se ligar
a ela imediatamente.
– De qualquer forma, foi só uma
fase! E foi culpa sua! – ele me acusa.
– Minha? Por quê? – não entendo
o que eu possa ter a ver com isto.

– Sua! John tem estado mais feliz
desde que você chegou, eu só quis...
Tentar também.
Uau! Por esta eu não esperava.
– E o que não deu certo?
– Ela me seguia para todo lado
igual a um cachorrinho! Terminou me
flagrando aos amassos – Aly aponta
para uma porta fechada – Ali, naquele
closet.
Fico sem palavras, não era à toa
que a menina tinha saído aos prantos.

Mas, se fosse comigo, eu não teria
ficado escondida no banheiro...
– Esta é sua ideia de
monogamia? – levanto uma sobrancelha
para ele.
– Não! Eu já tinha desistido
desse projeto. – ele sorri com sua
melhor expressão de santo.
Quem não te conhece, que te
compre! De bom moço, Alysson não
tinha nada.
– Vamos lá resolver este problema

que você nos arrumou!
No andar de baixo o diretor
andava nervoso de um lado para o outro,
as gravações já estavam quarenta
minutos atrasadas. A equipe inteira e o
resto do Jack Rock já estão impacientes.
Quando me vê ele pergunta
agitado:
– Finalmente você voltou! Onde
está nosso anjo?
Todos olham para mim.
– É... bem, ela está indisponível!

Então teremos que achar outro anjo.
Os olhos dele se arregalam.
– Mas isso é uma tragédia!
Cara dramático! Havia muitas
tragédias no mundo, esta não seria uma
delas.
– É só a gente escolher uma das
figurantes! – as meninas se empinam,
querendo mostrar seus dotes. Nossa!
– De jeito nenhum! – John fala –
Todas são loiras e concordamos que ela
seria morena!

– Isso mesmo! – Chris concorda.
– E o que vocês querem que eu
faça? – olho dos dois para o diretor –
Pinte o cabelo de uma delas?
Kim sugere:
– Ou você poderia ser o anjo!
– O quê? – eu preferia ir
comprar a tinta!
O diretor bate palmas.
– Perfeito! Você tem até o mesmo
tamanho dela, pode ir colocar seu
figurino.
Hein? De jeito nenhum! Não
nasci para estar à frente das câmeras.
– Não, não, não! Nem pensar! –
bato o pé firme.
John se aproxima.
– Por favor, Elle. Senão teremos
que remarcar e fazer outra seleção – ele
sussurra em meu ouvido – Você pode ser
meu anjo nas telas como é na vida real.
Seu pedido me balança... Eu?
Em um clipe para todo o país ver? A
indecisão ainda paira em mim, olho para

Chris, ele está me dando um sorriso
encorajador. O mesmo de quando ele me
ensinou a andar de bicicleta sem as
rodinhas de apoio.
– Ok, aceito! Vamos começar
logo antes que eu mude de ideia.
Wanessa me leva para o camarim
e me arruma. Meus cabelos ficaram
soltos com pequenas ondas nas pontas e
a maquiagem leve com o batom
vermelho. O vestido branco era todo
trabalhado em um tecido fino e chegava

até o meio das minhas coxas. Fiquei
descalça e Wanessa resolveu deixar
minha tornozeleira de estrelas no pé
direito. Eu estava com uma aparência
etérea.
O nervosismo me bate! Acho que
vou vomitar. Ainda dá tempo de fugir? A
produtora me segura pelos ombros e
praticamente me empurra para o local
marcado no chão. Eu deveria estar
presente em cada um dos cenários,
apenas parada. Não era tão difícil! Eu
posso fazer isto!
O diretor mandava repetir cada
cena, minha nossa! Como isso era chato!
Se gravar um clipe era assim, imagine
um filme? Já vi que Hollywood não é
para mim.
Agora estou no cenário de John,
parada embaixo de um poste de luz
estilo Dançando na chuva. Ele vem
andando em minha direção e cantando
sobre viver nas trevas. Está garoando
com uma chuva falsa e no princípio ele
não olha para mim. Depois John levanta
a cabeça e me vê, se encanta pela garota
com cara de anjo do outro lado da rua.
Porém ele não atravessa ao meu
encontro, por que o anjo é inalcançável
e...
O diretor grita:
– Corta! Não está bom!
Haja paciência para aguentar
este homem! Estou congelando com uma
roupa molhada, fiquei três horas em pé e
ele ainda diz que não está bom?
– Vocês precisam se conectar! –
ele falava frustrado – Tem algo faltando!

John diz:
– Eu tenho uma ideia, pode
começar a rodar!
– Mas... – o diretor diz.
John olha irritado para ele.
– Eu disse para filmar.
O diretor olha meio desconfiado,
mas diz:
– Ação!
John volta a sua caminhada, mas
quando me vê parada do outro lado da
rua, ele não fica apenas cantando. John
atravessa a rua em passos decididos,
suas mãos vão para cada lado do meu
rosto e ele me beija.
Seu corpo molhado se gruda ao
meu, não sinto mais o frio, meu sangue
se aquece e desperta à vida sob seu
toque. Ele não me beija para seduzir ou
dominar, é como se John me venerasse
com sua boca. Suas mãos descem para a
lateral do meu pescoço e aprofunda o
beijo.
John encosta sua testa à minha e

sussurra só para eu ouvir:
– Era isto que estava faltando, eu
precisava sentir o gosto do paraíso em
sua boca.
Eu fico ofegante, enfeitiçada
pelos seus olhos azuis que perfuram
minha alma.
– Corta! – o diretor grita – Muito
bom, o beijo me convenceu! Agora você
deve se afastar por que ela pertence à
luz e você à escuridão.
– Eu permaneço parada? –

pergunto. Minhas pernas já estavam
doendo de ficar na mesma posição.
O diretor olha meio em dúvida.
Cara, ele deveria ter revisado o roteiro
antes e não agora!
– Sim – ele fala sem muita
convicção. John volta para a posição de
antes e o diretor grita – Ação!
– Corta! De novo! Não está
perfeito ainda! – o diretor esbraveja.
Como eu queria dar um murro
nesse homem!

Na terceira vez que John se
afasta, eu já estou impaciente. Chris
fala:
– Não está bom por que ela não
pertence apenas à luz...
Mal tenho tempo de entender o
que ele quis dizer, antes que venha até
mim. Chris segura minha cintura e me
puxe para perto.
– O anjo pertence a outro.
E então, sua boca se colide com
a minha.


CAPÍTULO 35 –
Anjo?
Uma mão de Chris envolve
minha cintura, me segurando próximo ao
seu corpo. Sua outra se prende à minha
nuca, apoiando minha cabeça. A boca
macia dele, aquela com um sorriso
lindo, colide contra a minha.
O Chris está me beijando?!
Sinto o gosto mentolado quando sua
língua invade minha boca. Meu coração
que estava acelerado um segundo atrás,
agora parece que vai saltar do meu
peito. Não respiro por um momento.
O mesmo que me pegou no colo,
que brincou de esconde-esconde. Por
ele, subi no campanário da Igreja e
cortei o as cordas que prendiam o sino.
Só por que ele estava no hospital com
pneumonia e tinha dores de cabeça a
cada hora que o sino badalava. O Chris
que tocava guitarra no meu esconderijo
secreto...

Meu Deus! Estou sendo beijada
pelo meu melhor amigo!
– Corta! – o diretor grita e bate
palmas – Ótima ideia Chris, a atuação
dos três ficou perfeita. Agora sim, temos
o suficiente para o clipe.
A atuação dos três? Chris ainda
está me segurando quando dou um passo
para trás e olho para John. Ele está
parado a aproximadamente três metros
de nós, mãos fechadas em punhos e sua
expressão é um misto de fúria e mágoa.

– O que você pensa que está
fazendo, Chris? – John pergunta com
raiva pingando em cada palavra.
– O que eu deveria ter feito há
muito tempo – Chris se vira para ele – E
ao contrário de você, eu não faço pelas
costas.
Eu estava congelada no lugar,
meu cérebro parecia ter entrado em
curto. Era como se eu estivesse
assistindo a uma colisão de trem e não
soubesse o que fazer para evitar.

– Helena nunca foi sua, Chris! –
John aponta para mim – Você não
passava do melhor amigo dela! Mas ela
está comigo agora, porra!
– E quem você pensa que é, John?
– Chris dá um passo para frente, parece
estar liberando a raiva acumulada nos
últimos dias – Não se garante? Está com
medo de ter concorrência?
Acorde, Elle! Faça alguma
coisa!
– Vamos acalmar os ânimos,

rapazes! – Kim fica entre os dois, com
os braços esticados na direção de cada
um – Sem brigas aqui!
– É melhor você sair da frente,
Kim! – Chris avisa.
– Kim, isto é entre nós dois! Não
se intrometa! – John grita.
– O caralho que é! Isto envolve a
banda toda – Kim aponta o dedo de um
para o outro – Vocês pretendem fazer o
quê? Sair aos tapas? Acabar uma
amizade de anos? Separar o Jack Rock?

Os dois ficam calados, apenas se
encaram com fúria contida. Eu
finalmente saio do meu transe.
– Vamos agir como adultos pelo
menos uma vez? – meus olhos se enchem
de lágrimas, continuo a falar apesar da
minha voz embargada – Eu não aguento
mais me sentir dividida assim! Eu
preciso de vocês dois na minha vida e
vocês precisam um do outro, por favor?
– Olha, o John escondeu que
estava pegando a Elle e o Chris a beijou

na frente do John – Alysson intervém –
Vocês estão quites! Minha proposta é
irmos beber para afogarmos nossos
problemas!
Ah, como se isso fosse uma boa
ideia! Se sóbrio eles queriam brigar
imagina com coragem líquida na veia?
– Certo, vamos ao bar do Ed
então. – Chris fala já se encaminhando
para a saída.
Tento dizer:
– Eu não acho que...

– Venha trocar de roupa, Elle. –
Kim me puxa pelo braço e me
acompanha ao camarim. Olho para os
lados, procurando pelo John – Ele foi
tirar a dele também.
No camarim, sento-me na
cadeira, com minha cabeça entre as
mãos. Como posso consertar esta
bagunça?
– Isso é tudo culpa sua! – Kim está
em pé com o dedo apontado para mim –
Eu te disse, Elle! Porra! Eu falei para

você não bagunçar minha banda!
Me levanto em um pulo,
encarando-a de frente.
– E você vai fazer o que, Kim?
Onde está a paz que tanto defendeu lá
fora?
– Não é isso, Elle! Eu só espero
que a culpa que você está sentindo seja
castigo suficiente.
Meus ombros se curvam em
derrota.
– Desculpe-me! Se eu pudesse

voltar no tempo, teria seguido seu
conselho. O problema é que eu não
posso.
– Ninguém sabe mais do que eu
que não podemos corrigir os erros do
passado – Kim parece triste quando
termina sua frase – Mas podemos
aprender com nossos erros e tentar fazer
um futuro melhor.
– Kim, o que...
– Não, Elle! Um problema de cada
vez – ela levanta a mão, me

interrompendo – Vamos logo, temos que
equilibrar a quantidade de testosterona
naquele bar! Antes que eles se matem!
Coloco novamente meu vestido
azul marinho com um cinto e sandálias
de tira vermelhas. O colar que Chris me
deu pesa em meu pescoço. Ele sempre
foi tão atencioso comigo, mas por que
fez isto hoje? Queria só provar um ponto
ou algo a mais? Meu coração estava
partido em dois, dividido entre amor e
amizade.

Quando saio do estúdio, Gabriel
está me esperando com a porta já aberta.
Kim vai embora na armadilha mortal
que ela chama de carro. Quando entro,
John está sentado no banco de trás.
Ficamos calados, novamente terei que
ser a primeira a falar:
– Você vai me ignorar por quanto
tempo?
– Você gostou, Helena? – John me
olha de lado e pergunta estoico, suas
emoções bem guardadas

– O que você espera que eu
responda? – digo cansada.
– Eu espero a verdade! É uma
resposta de sim ou não.
Coloco a mão em seu rosto,
forçando-o a me olhar.
– Não é, John. Se eu disser sim,
você vai ficar revoltado. Se eu disser
não, você não acreditará em mim,
continuará duvidando dos meus
sentimentos por você.
– E o que você sente por mim,

Helena? – ele não pergunta isso com
superioridade. Percebo por sua
expressão uma ponta de insegurança, do
garoto perdido carente de atenção.
Beijo seus lábios com
delicadeza.
– O mesmo que você por mim –
aliso seus cabelos para trás – Vamos
superar tudo e pôr uma pedra sobre isso.
Eu vou conversar com o Chris e vamos
nos entender, ok?
– Quando o vi te beijando...

Fazia tempo que eu não sentia uma dor
tão intensa – John olha novamente pela
janela – Você não o afastou, Elle.
Fecho os olhos diante de sua
declaração. Era verdade, eu fiquei sem
reação.
– Me desculpe, eu... Eu não
tive... – tento articular meus
pensamentos confusos – Eu não tive
tempo de ter uma reação. Acredite, eu
fiquei tão surpresa quanto você.
John se vira para mim e coloca o

polegar nos meus lábios, esfregando-o
de um lado a outro.
– Não foi fácil te ver com outro.
– Também não foi fácil para mim
quando você beijou outra de propósito
naquela festa. – sei que o contexto era
diferente, mas aquilo também me
magoou. Na época, quebrou a pouca
confiança que eu tinha nele, porém John
conseguiu me mostrar que ele era mais
que um mulherengo.
John tira a mão do meu rosto, sua

expressão se fecha.
– Não tem comparação, aquela
garota nunca foi uma ameaça para você!
Até quando vai usar isso contra mim?
Minha vontade era dizer: “até
quando eu quiser”, mas acho que ele já
estava chateado suficiente. Eu estava
tentando ficar de bem com ele, não
arrumar outra briga.
– O que aconteceu hoje nunca vai
se repetir. – digo decidida.
John me beija com força,

dominando minha boca. Depois encosta
sua testa na minha.
– Você é única para mim. Aquilo
também nunca vai se repetir.
Sinto como se nosso
relacionamento estivesse amadurecendo.
Era uma boa mudança resolver tudo
conversando e não discutindo ou agindo
por impulso... Eu tinha certeza de seus
sentimentos por mim, John não me
trairia novamente. E nem eu a ele.


CAPÍTULO 36 –
Roleta russa
Fomos a um bar no centro da
cidade. Não era muito grande, mas
estava movimentado. Gabriel deu a
volta e entramos pelos fundos, indo
direto para uma mesa mais reservada.
Tinham várias outras ao redor de um
palco com uma cortina vermelha ao
fundo e um pedestal com microfone no
centro.
O roadie Ed estava sentado em
um banco no canto deste palco com um
violão na mão.
– Não sabia que o Ed cantava! –
eu o vi afinando os instrumentos antes
do show, mas nunca o tinha visto se
apresentar.
– Ed não canta, este é o bar da tia
dele. Sempre que não está conosco em
turnê, ele toca violão na noite do
karaokê – John me provoca – Que tal
atingir notas altas fora do chuveiro?

Socorro! Cantar ao vivo na
frente de todas essas pessoas? De jeito
nenhum! Meus pés travam no chão e
John vai praticamente me arrastando até
a mesa onde estão todos do Jack Rock.
Ele se senta no lado oposto ao de Chris
e eu fico no meio, com Kim e Alysson
na minha frente.
A garçonete traz uma rodada de
cerveja para todos. É amarga e tem
gosto de xixi. Não que eu já tenha
bebido isso, mas é o gosto que imagino
para ele. Continuo tomando mesmo
assim.
– Pensei que estávamos em uma
celebração e não em um enterro! –
Alysson diz levantando seu copo.
– E o que exatamente estamos
celebrando? – Chris pergunta com
sarcasmo.
Aly dá de ombro.
– A gravação do clipe? Tenho
certeza que vai ser um sucesso, graças à
nossa Elle aqui!
Ele termina dando uma piscada

de olho e eu chuto sua canela por baixo
da mesa. O idiota tinha que tocar no
assunto! Fora que foi tudo culpa dele, se
não tivesse feito a modelo fugir, nada
teria acontecido. O Chris... ele não teria
me beijado...
John segura o copo com força e
Chris dá uma risada de deboche. Kim
chama a garçonete novamente:
– Eu quero uma rodada de
tequila e de chope.
O que ela estava aprontando?

Quando o pedido é entregue, um copo
grande e um pequeno com fatias de
limão e sal são colocados na frente de
cada um. O que eu deveria fazer com
isto? Chris vendo minha confusão me
explica.
– Isto se chama “submarino”, ou
pelo menos uma versão improvisada
dele – ele bebe um terço do chope antes
de continuar, depois coloca sua língua
para fora e lambe o dorso da mão,
colocando sal no local – Você deve
jogar o copo de tequila dentro da
cerveja e beber em um gole só.
E assim Chris vira o copo com a
mistura, lambe o sal da mão e chupa o
limão. Bem, isso parece... Intenso.
Todos repetem o processo, incluindo
John que me beija logo em seguida. Seu
gosto é de limão e álcool, exótico.
Ele sussurra em meu ouvido:
– Se ficar bêbada, eu prometo
cuidar de você, doce Elle.
Ok, não serei a única careta!
Faço como Chris me ensinou, o

submarino desce queimando, mas o
limão corta parte do efeito. Todo meu
corpo se arrepia. Uau! Cara, a kriptonita
era coisa de criança perto disso.
Depois de mais uma dose do
submarino, todos estavam mais
relaxados e começaram a falar sobre a
turnê que começaria nos próximos
meses. Nada como bebida e música para
aliviar o clima.
Isto e as performances no palco!
A maioria dos que tinham coragem para

pegar no microfone e cantar estava
bêbada demais para ser afinada. E os
outros simplesmente eram ruins demais.
Estávamos rindo de uma apresentação
horrorosa quando Ed se levanta e
assume o microfone.
– Agora chegou a hora da roleta
russa! – as pessoas gritam e batem
palmas – Nós vamos sortear o número
correspondente à uma das mesas! E
alguém deve vir cantar uma música
surpresa!

Eu uivo com a multidão, minha
cabeça está zunindo pelo efeito do
álcool. Ed coloca a mão dentro de um
saco colorido e retira um papel.
– Número dezesseis!
Estou rindo e gritando “Canta,
canta!”. John olha para mim com o
sorriso de deboche e aponta para a meio
da mesa. Olho para a direção que ele
indica e meu sorriso morre, nós éramos
o número dezesseis. Merda.
– Você vai ter que ir, Elle! – Kim

diz rindo.
– Estamos aqui “incógnitos”! –
Aly faz aspas no ar.
Chris pisca um olho para mim.
– Eu sempre confiei em você,
Elle!
– Showtime, baby! – John diz
enquanto beija minha bochecha.
Droga! As pessoas vão terminar
apontando para cá. Se apenas com o
Chris foi aquele inferno no restaurante...
Como seria aqui que todos estão

bêbados e a banda inteira está presente?
Levanto-me contrariada e ando para o
palco como se estivesse indo para a
forca.
Ed me reconhece e fala baixo no
meu ouvido:
– Boa sorte, chefa!
– Juro que no próximo show
você vai carregar as caixas mais
pesadas! – sussurro de volta para ele.
Duvidava que tivesse a porcaria do
número 16 naquele papel.

Ed apenas sorri e senta em seu
lugar. Na borda do palco há uma
pequena tela com a letra da música, mas
quando os acordes do violão começam,
sei que não precisarei disso. É “One”,
do U2, uma música profunda que fala
sobre amor, perda e as consequências de
não cuidar do amado.
A bebida diminui minhas
inibições e canto com minha alma
exposta. Observo Chris e John sentados
lado a lado na penumbra do bar. Eu não
estava no meio para atrapalhar. Tão
diferentes, mas ao mesmo tempo
parecidos e ambos faziam parte de mim.
Me envolvo com a letra e a
emoção parece querer vir à tona. A
música acaba e a multidão me aplaude,
mas não enxergo direito. Sinalizo para
John que irei sair um pouco. Preciso de
ar! Saio pela mesma porta que entrei. O
ar frio da noite me refresca, olho para o
céu e não há estrelas, nuvens começam a
se formar. Esfrego meus braços para
espantar o arrepio que me percorre.

– Eu lembro de outra noite assim
– me assusto com a voz de Chris ao meu
lado.
– A noite que você partiu foi a
mais difícil da minha adolescência. –
digo.
– Gostaria de poder dizer o
mesmo, mas tive piores – ele chuta uma
pedra solta na rua – Noites que fiquei
sozinho na rua com fome, frio e medo.
Longe de todos que eu conhecia e
amava.

Eu sempre carregaria comigo a
angústia de temer pela vida de Chris. Eu
me preocupei tanto com ele! E ainda me
preocupava...
– Tudo era tão simples antes –
falo triste – O que aconteceu com a
gente?
– Não sei, acho que crescemos. –
Chris dá de ombros.
– Você me ama? – pergunto direta.
Eu precisava saber de uma vez por
todas.

Chris olha para mim, seus olhos
brilham com emoção contida.
– Eu sempre te amei.
Suspiro cansada.
– Não estou falando como amigo
ou irmão. Quando Sam te pediu para me
ter como cunhada, você disse que eu já
estava dentro dos seus corações e era
parte da família. Você me considerava
uma irmã, isso mudou?
Chris dá de ombros, mas
permanece calado.

– Porra, Chris! O que isso quer
dizer? Eu não era suficientemente bonita
antes e agora você me quer? – aponto
meu indicador para ele, acusando-o –
Ou é por que você está acostumado a ser
o único homem na minha vida e não quer
perder seu posto para o John?
– Você sempre foi linda, mas era
uma criança para mim, porra! – ele
berra de volta.
– Então o quê? Você também era
uma criança, dois anos de diferença não

é muito! Eu não era gostosa o suficiente?
– aponto para meu próprio corpo – E
agora passei pelos seus critérios?
– Não é isto! Eu só queria cuidar
de você e te fazer feliz! – Chris me
segura pelos ombros – E você nunca
será com o John! Ele não deixa ninguém
se aproximar suficiente para conhecê-lo
de verdade!
– Eu sei a verdade sobre Arthur!
– grito.
Chris me solta em choque.

– Ele te contou?
– Sim!
Na verdade, foi mais ou menos,
eu o chantageei para conseguir a
informação dele.
Chris suspira cabisbaixo.
– Ele nunca se abriu com
ninguém...
– Mas comigo sim! E você me
beijou na frente dele só por vingança,
para marcar um ponto! – acuso-o.
Chris se aproxima, ficando a
centímetros de mim.
– Eu não apenas te beijei, Elle –
sua mão acaricia meu rosto – Você me
beijou também.
– Isso não é verdade! – Eu não
tinha retribuído, tinha?
Chris novamente me beija, seu
corpo envolve o meu, me pressionando
de encontro a ele. Uma parte de mim
sentia que estava beijando meu irmão!
No entanto, uma porção secreta,
enterrada no fundo do meu ser desejava

aquilo.
Não importava qual parte iria
prevalecer, aquilo era errado e injusto
com John. Eu não iria cometer o mesmo
erro duas vezes. Estou prestes a afastar
o Chris quando uma porta batendo nos
assusta.
– Chris, estou com John agora!
Você não pode sair me beijando quando
bem entender!
Ele me olha com raiva.
– Você era para ser minha! Eu

tinha tudo planejado!
Isto agora era novidade.
– Planejado o quê, Chris?
– A gente deveria curtir bastante
a vida! E depois, quando estivéssemos
mais velhos, iríamos nos casar e eu
poderia cuidar de você para sempre!
Isto era para ser uma declaração
romântica? Respiro fundo, tentando
controlar a ira e a frustração que me
consomem.
– E que tipo de amor é este,

porra? Por “curtir” – faço aspas no ar
com minhas mãos – Você quer dizer
ficar se agarrando com todas as garotas
da escola na minha frente e depois com
suas groupies? Eu via os tabloides,
Chris, você podia não ser tão promíscuo
como o Aly ou até mesmo o John, mas
sempre tinha uma garota ao seu lado!
Chris abre a boca para falar, mas
eu o interrompo. Agora era minha vez.
– Eu nunca me permiti te amar de
outra forma que não fosse como irmão

por que você nunca demonstrou pensar
em mim como algo a mais! E se for
assim, para “curtir” a vida – falo com
sarcasmo – Por que você ficou tão
chateado em me ver “curtindo” com
John?
– Porque ele sabia dos meus
planos! – Chris grita para mim – E se
mesmo assim John foi atrás de você, é
por que ele não queria apenas curtir!
Ai meu Deus! Não passávamos
de um bando de egoístas! Todos os

humanos eram assim ou só nós?
– Foda-se, Chris!
– Foda-se você, Elle! – Chris
grita e vai embora, desaparecendo na
noite escura. Só que desta vez, não
levava uma parte de mim com ele. Hoje,
Chris tinha destruído parte da minha
alma.
Volto para o bar. Lá dentro o
barulho era ensurdecedor, as pessoas
estavam em pé ao redor do palco. Que
confusão era esta? Entendo tudo quando

vejo John cantando feito um louco, as
pessoas o filmam, Gabriel e Bruno
tentam controlar a multidão.
Não entendo o que aconteceu até
compreender a música que ele está
cantando. John me encara e faz o
inimaginável.
Se antes meu coração havia sido
partido em dois, agora ele estava
estilhaçado.


CAPÍTULO 37 –
Memória perdida
John estava com o violão em
mãos apresentando-se em cima do palco
e as pessoas se empurravam para
alcançá-lo. Ed e os seguranças tentavam
controlar a multidão. Uma olhada rápida
me mostrou que Kim e Aly ainda bebiam
escondidos na nossa mesa.
John me encara, olhos azuis
perfurando os meus. Estava tão absorta
tentando entender o que ele fazia que
demorei a perceber qual música John
estava cantando. E quando o faço, o que
sobrou do meu coração se quebra.
Cada estrofe de Sexed'up do
Robbie Williams é uma punhalada em
mim! Para os desavisados, parecia a
melodia de uma canção romântica, mas
não era. John se comunicava melhor
através da música e não havia melhor
para destruir qualquer esperança de um
relacionamento do que esta.

Ele não demonstrava emoção
alguma, sua expressão estava vazia.
John também não desviava o olhar, ele
estava me transmitindo uma mensagem
alta e clara:
“And we're not sexed up

That's what makes the difference today
I hope you blow away”¹[16]
Ele esperava que eu me

explodisse para longe? Bem, o
sentimento estava se tornando recíproco.
John fica de joelhos no palco, e, como
esse era baixo, as fãs podiam alcançar
seu torso. Na próxima estrofe, ele olha
para as mulheres, estica o braço e puxa
uma ruiva para perto. John olha para
mim até dizer a penúltima frase:
“Anyway, I chose you and that's all

gone to waste
It's Saturday, I'll go out
And find another you”[17]

Então, quando ele canta sobre

achar uma substituta, John beija a outra
mulher. Desta vez, ele não olha para
mim enquanto faz isto. Sua atenção
inteira é para a garota. As pessoas
gritavam obscenidades e filmavam
aquela cena degradante.
Estávamos tão bem mais cedo!
Conversando ao invés de agir por
impulso! Eu não podia mais dar um
passo para frente e dois para trás.

Aquilo era o fim para mim, não queria o
Chris e nem o John. Eu apenas desejava
ter minha antiga vida de volta.
A ruiva sobe ao palco e ele
continua a música, eu não escuto mais
nada. Kim vem em minha direção, mas
antes que ela me alcance, eu saio pela
porta da frente. Estava chovendo agora,
deixei a água me lavasse. Para onde iria
agora? Eu não tinha casa para voltar.
Grande independência que eu
conquistei! Eu não me reconhecia mais,

havia me tornado um nada. Entro em um
táxi e decido ir para as únicas pessoas
que eu tinha certeza que me amaram...
Droga! Não havia avião partindo
para minha cidade, então compro para a
mais próxima. O resto do caminho eu
faria de ônibus. Eu não tinha mais uma
casa lá, mas também não tinha uma aqui.
Tudo não passava de ilusão.
Paguei com o dinheiro da minha
poupança. Não iria usar o cartão que
John me deu. Minhas roupas estavam

úmidas da chuva e eu devo parecer uma
louca tremendo de frio e toda molhada
no saguão do aeroporto. Meu celular
toca, é Kim ligando. Não atendo, apenas
desligo o maldito e jogo de volta na
minha bolsa.
A viagem de avião é longa, mas
não consegui dormir. Minha cabeça era
um turbilhão de pensamentos. Agora
viajava no ônibus a caminho de onde eu
nunca deveria ter saído. A poltrona ao
meu lado estava vazia, então pude deitar
as pernas nela. O dia ainda não havia
amanhecido, mas faltava pouco. Tentei
dormir, pensando no que iria fazer com
minha vida...
Papai dirige concentrado na

estrada. Por que segura o volante com
tanta força? Mamãe está distraída,
olhando pela janela. O que a perturba,
mãe?
Olho pelo teto solar, não gosto
das nuvens, está tão frio aqui! Meu
corpo treme, eu quero o calor e o

brilho das estrelas! A rodovia está
longe e o silêncio no carro é
angustiante.
Eu preciso de música na minha
vida! “Liga o som, mamãe! ”
– Claro, filha. – mamãe responde.
O carro se enche dos acordes
conhecidos da guitarra de Chris e da
voz rouca de John.
Chris e John.
Eu os amo!
Chris e John.
Amor? Ou amizade?!
Chris e John.
Eu os odeio! E a mim também...
A canção atinge seu ápice, o
refrão. “Aumenta o volume, mãe! ”. Ela
não escuta, e me estico entre os bancos
para alcançar o som.
– O que é isso, menina? – meu
pai grita comigo – Volte e coloque seu
cinto!
Papai ainda está virado para
mim, me encarando com olhar

recriminador. Ele olha para baixo,
minhas mãos estão cobertas de sangue,
não é chuva que cai pelo teto solar.
“Você não passa de uma distração,
Helena”... É o sangue dos meus pais.
E então vem o caos: os faróis
que me cegam e o grito da minha mãe
perdido na noite escura. Estou jogada
na beira da estrada, não posso me
mexer. Grito para as chamas: “voltem,
voltem! ”, mas tudo que posso ver é o
fogo com duas sombras dançando e
queimando nele.
Acordo sobressaltada, meu
corpo está muito quente e estou com
calafrios. Em meu delírio de febre, eu
me lembrei do acidente. Havia sangue
em minhas mãos sim! Matei meus pais
por causa da música.
Merda! Eu distraí meu pai! Se eu
não tivesse aumentado o som, ele teria
visto o carro chegando! Passo o resto da
viagem entrando e saindo de
pesadelos... Minha febre aumenta. Eu
era uma assassina. Por que não morri no
lugar deles?
Eu queria morrer... Poderia
reencontrar meu pais e me livrar de toda
esta angústia!
Não, Helena! Era a febre
falando por mim, precisava ser forte.
Depois de horas de tortura, chego ao
meu destino. Me sinto fraca e cansada, o
que iria fazer agora?
Eu não queria ir para casa da
Sam, seria o primeiro lugar que o Chris
iria me procurar. Eu poderia ir para o
hospital, a febre não cedia... Mas eu

odiava aquele hospital, a única pessoa
meio legal de lá era o DJ!
DJ! Isso! Chris e John insistiram
que eu precisava falar com um
profissional e era isto que eu iria fazer.
Pego na minha carteira o cartão de
visitas que ele me deu: “David M.
Junior – psicólogo clínico e hospitalar”.
No segundo toque ele atende:
– Bom dia.
– DJ? – até para falar, meus lábios
tremiam.

– É ele, quem está falando?
– Elle... Helena, amiga do Chris.
– ou eu achava que era, não sabia se ele
ainda queria ser meu amigo.
– Elle? Onde você está? – DJ soa
preocupado.
– Eu acabei de chegar, precisava
falar com alguém... Por favor. – minha
voz sai tão desesperada quanto eu me
sentia.
Como ainda era muito cedo e a
clínica estava fechada, DJ me passou o

endereço de sua casa. Quando desci do
táxi, ele já estava esperando por mim.
Eu sabia que estava parecendo uma
merda e a cara de choque dele apenas
confirma.
Ele não fez perguntas estúpidas
como “Você está bem? ”, “o que houve?
” ou “o que está sentindo? ”. Apenas me
convidou para entrar. Pedi licença para
ir ao banheiro e lavei meu rosto, eu
estava uma bagunça!
– Você quer mais alguma coisa? –

DJ pergunta assim que chego na sala.
– Você teria um termômetro? Eu
tive um pouco de febre durante a noite...
DJ volta com um termômetro, um
copo de água e um antitérmico. Agora
minha temperatura não estava tão alta,
mas tomei o remédio mesmo assim. Ele
me convenceu a beber também um suco
de laranja para não desidratar e me deu
um casaco.
Mesmo estando aquecida por
fora, ainda me sentia fria por dentro.

– Eu matei meus pais.


CAPÍTULO 38 –
Efeito colateral
DJ se senta na poltrona em frente
a mim. Sua voz sai limpa, sem choque
ou outra emoção:
– Por que você afirma isso?
– Porque é a verdade – me
encolho no casaco em busca de calor –
Lembrei do acidente, eu distraí meu pai
enquanto ele dirigia – meus olhos se
enchem de lágrimas, falo com a voz
entrecortada – Ele não viu o outro carro
por minha culpa!
– Acidentes acontecem, Helena.
Você não pode viver com este peso para
sempre.
Me levanto e ando de um lado
para o outro.
– Você não entende! Por causa de
mim e da porra da música do Jack Rock,
eu matei meus pais!
– Você não tem controle das
consequências de seus atos, Helena! –

sua voz é controlada no intuito de me
acalmar – E seu pai também não deveria
ter tirado os olhos da estrada,
independente do que você tivesse feito.
É sério que ele estava culpando
meu pai?
– Desculpe DJ, vir aqui foi um
erro – parecia que minha vida era uma
sucessão deles – Você não pode me
ajudar, ninguém pode.
– Helena, espere! – ele se
levanta, mas já estou na porta. Tiro o

casaco para devolver a ele.
– Obrigada por me receber.
– Por favor, fique com ele. Me
devolva quando você se sentir pronta
para conversar.
Estou muito fraca para discutir e
apenas aceno em concordância. Ando
pelas ruas enquanto meu corpo luta
contra a febre, mas não estou sem
destino. Sei exatamente aonde preciso ir.
No velho cemitério, o mausoléu
da minha família parecia abandonado.

As urnas dos meus pais ainda estavam
uma ao lado da outra, cercada pelas
lápides de parentes que nunca cheguei a
conhecer. Peguei um lenço da minha
bolsa e comecei a limpar a poeira
acumulada.
Depois me sentei no banco e
contei tudo que tinha acontecido desde o
acidente e o quanto eu sentia muito por
ter destruído nossa família. Ao lado
daqueles que sempre me amaram
incondicionalmente, consigo adormecer.

– Elle? – alguém me sacode –
Elle! Acorde.
Abro os olhos e me deparo com
olhos azuis e cabelos loiros à minha
frente.
– O que você está fazendo aqui?
– pergunto enquanto me levanto – Por
favor, quero ficar sozinha.
– Como se eu fosse te deixar
sozinha! Eu sempre estive ao seu lado,
não foi?
– Como você me encontrou?

– Cidade pequena, sabe como é!
Você desceu do ônibus e todos já sabiam
que estava aqui – Sam dá de ombros – E
se você não foi para minha casa, era
óbvio que teria vindo visitar seus pais.
Sam me abraça, apoio minha
cabeça em seu ombro e começo a chorar
tudo novamente. Deste jeito, eu ia
terminar desidratando mesmo!
Tiro o casaco. A febre havia
passado e eu estava suada, pegajosa.
– Você vai me dizer o que

aconteceu? – Sam pergunta.
– Eu matei meus pais. – confesso
para ela.
– Você vai me dizer o que
aconteceu que não seja um completo
absurdo?
Conto à Sam tudo que lembrei da
pior noite de minha vida. Ela escuta
atentamente e fala:
– Isto tudo foi um acidente, Elle!
Você não quis que acontecesse!
– Não querer que tivesse

acontecido, não isenta minha culpa. –
digo simplesmente.
– Caramba, como você é
teimosa! Não sei como o John te
aguenta. – Sam fala em tom de piada,
tentando aliviar o clima, mas as
lágrimas ameaçam sair novamente.
– Ele não aguenta – seco meus
olhos com a ponta dos dedos – John
terminou tudo ontem e eu não sei porquê.
– O John te dispensou? – Sam
parece surpresa – Ele estava tão

apaixonado!
Ele não havia apenas me
dispensado, John havia despedaçado
meu coração.
– Estava tudo bem entre nós, até
eu sair para tomar uma ar. Chris me
seguiu e a gente discutiu...
– Por que vocês discutiram?
– Porque ele me beijou na frente
de John e...
Samantha grita:
– Chris te beijou?? – o choque é
óbvio em sua expressão.
Resolvo contar do início antes
que Sam morra de um ataque cardíaco.
Um arrepio percorre minha espinha. Não
deveria fazer piada sobre isso, não
queria causar a morte de mais ninguém.
– Então é isso, em um momento
estávamos bem, mas quando voltei John
estava beijando uma mulher qualquer.
– Sim, mas você também havia
beijado o Chris do lado de fora. – Sam
aponta.

– É diferente, Sam. Chris me
beijou durante uma discussão e eu o
afastei, eu briguei com ele por causa
disso! – suspiro frustrada – John agarrou
aquela vadia de propósito! Ele sabia
que iria me machucar. Nunca pensei que
John fosse sabotar a gente. Que tola eu
fui!
Sam me abraça novamente.
– Vamos para minha casa, você
precisa tomar um banho e descansar.
Concordo com ela, dou mais um

adeus aos meus pais e saímos juntas do
cemitério. Estamos passando entre as
lápides quando ouço um zunido
atravessar as árvores da floresta. Sam
grita e cai no chão.
– Sam! – eu me agacho e viro seu
corpo. Oh, não! Seu lindo cabelo loiro
está vermelho, sangue mina de um corte
na testa. Seguro o casaco de DJ contra
sua ferida, tentando estancar o sangue –
Acorda, Sam! Por favor!
Estou desesperada, eu não posso

perdê-la também! Por favor, Sam!
Passos rápidos se aproximam, me viro
para pedir ajuda, mas dou de encontro a
um punho fechado. Minha cabeça gira e
também caio de cara no chão. Meu rosto
lateja de dor e um pé pressiona minhas
costas.
Oh, Deus! Em que eu me meti?
– Finalmente nos reencontramos,
Helena – ele me vira de frente – Você é
uma vadiazinha difícil de pegar!
Com meu olho inchando, demoro

um pouco para conseguir focar seu
rosto. Quando o faço, desejaria não ter
feito. Era um rosto que assombrava à
noite.
– Por quê? – é tudo que consigo
dizer.
Seu sorriso é maligno, ele aponta
uma arma para minha cabeça.
– Não vai implorar pela sua
vida?
– Não, mas gostaria de implorar
pela de Sam. – não desvio o olhar da

arma. Não me importava com o que
acontecesse comigo, mas eu queria a
Samantha fora disto. Mesmo que eu não
soubesse o que isto era.
– Não se preocupe com ela, é
efeito colateral – ele baixa a arma até a
altura do meu peito – Se eu fosse você,
eu me preocuparia com minha própria
vida!
A arma dispara. O barulho me
assusta e a dor é menor do que eu pensei
que seria. Luto contra a dormência que

me domina. Sam, Sam... É tudo que
consigo pensar, me estico para alcançá-
la, mas só consigo tocar em seus
cabelos.
Novamente tenho sangue em
minhas mãos e desta vez era da
Samantha. Eles me arrastam para longe
dela enquanto a escuridão me domina.
Tudo que posso ver é seu corpo
desfocado, caído no chão, sangrando...
Sam! Não! E então, não vejo mais nada.


CAPÍTULO 39 –
Vulnerável
Minha cabeça parecia feita de
chumbo e doía. Sinto como se meu rosto
tivesse uma pulsação própria de tanto
que latejava. Onde eu estava?
– Sam! – tento enxergar, mas meu
olho esquerdo estava tão inchado que
mal podia abri-lo. Mesmo com um olho
só procurei por ela ao meu redor. Um
velho piso de madeira e janelas
empoeiradas, mas nada de Samantha.
Este lugar me era familiar, mas
minha cabeça doía muito para eu
lembrar.
– Até que enfim a bela
adormecida acordou! – aquele homem
asqueroso para em frente a mim.
– Você atirou em mim! – olho
para meu vestido, além das cordas que
me mantinham presa, não havia sinal de
agressão – Como ainda estou viva?
O homem usava um coldre em

cada lado do corpo. Ele saca a arma do
lado esquerdo.
– Atirei com esta maravilha
aqui! 12,7 milímetros, mira ajustável,
propulsão de CO2, uma das pistolas
tranquilizantes mais leves do mercado.
Ele guarda a arma e pega a do
lado direito, encostando-a em minha
têmpora.
– Agora se eu tivesse usado esta
aqui, você estaria decorando o chão do
cemitério com seus miolos – ele segura

meus cabelos com força e puxa para
trás, sinto a dor, mas não grito. Eu já
estava à mercê dele, presa em uma
cadeira, não iria dar a ele a satisfação
de me ver implorar.
– Fiz um estrago grande aqui,
hein? – ele enfia a ponta da arma no
inchaço do meu olho, mordo meu lábio
com força para evitar o grito – Me
responda!
Ele me dá um tapa forte. Meu
olho, que já estava sensível, agora era

uma sinfonia de dor. Sinto um líquido
quente escorrer por minha bochecha.
Sangue e lágrimas pingam em minha
blusa.
– O que você fez com a Sam? –
eu precisava saber que ela ainda estava
viva.
– Espero que respirando no
mesmo lugar que a deixamos, afinal não
queremos problemas com o delegado. –
ele pisca um olho para mim.
– Então você não deveria ter me

sequestrado!
– Não era para você estar viva,
Helena – ele me olha com raiva – Ou
deveria dizer Kim? Sabe que é muito
feio dar o nome errado aos homens no
bar?
Ele segura meu queixo e me
beija à força, depois morde meu lábio
até o ponto de sangrar. Quando me solta,
cuspo uma mistura de sangue e saliva em
seu sapato. Ele desfere outro golpe em
mim, desta vez do lado direito do meu

rosto.
Ele retira um canivete do bolso
de trás e abre a lâmina, coloca a ponta
no meu esterno, logo abaixo do pescoço.
Tento recuar, mas a cadeira não permite,
e a sinto penetrar um pouco na pele.
Depois ele afasta e corta o meu vestido
entre os seios, apenas o suficiente para
tornar meu decote mais... generoso.
Meu sequestrador lambe os
lábios.
– Eu vou me divertir muito

domando você, Helena.
Meu corpo treme de medo,
aquela promessa era pior do que a
tortura física.
– O que você quer comigo? –
pergunto entre lágrimas – O que eu fiz
para merecer isso?
O homem brinca com o canivete,
gesticulando com ele em frente a mim.
– Você... Nada! Quer saber um
segredinho? – ele aproxima sua boca da
minha orelha e sussurra – Eu matei os

seus pais.
O choque me faz parar de
respirar por um segundo.
– O quê?
– Não se faça de surda, Helena!
Você ouviu muito bem. – ele passa o
canivete por minha pele. O metal frio
não penetra, mas faz meu corpo se
arrepiar de medo – Eu era o outro
motorista e fiz seu pai capotar o carro!
Oh, Deus! Não foi um acidente,
meus pais haviam sido assassinados.

– Por quê?
– O que você acha? Grana, é
claro! – ele corta um lado das alças do
meu vestido azul e sutiã, o tecido pende
quase me deixando nua – Seu papai foi
um promotor muito levado, Helena! Ele
achou que poderia pegar dinheiro
emprestado e depois não pagar...
Ele me olha com raiva e corta
meu ombro exposto. Solto um silvo de
dor. Filho de mãe.
– Ele achou que era uma ameaça

para nós! Acredita nisto? Um
promotorzinho de merda em uma cidade
de interior achou que podia nos
enfrentar! Me arrependi na hora que
ateei fogo naquele carro, quer saber
porque?
Fico calada e ele aperta meu
ombro ferido.
– Por quê?! – Grito.
– Porque ele morreu rápido
demais! Ficamos lá assistindo as chamas
o consumirem, mas não me deu

satisfação. – meu Deus! Eles eram as
sombras nas chamas que eu vi. Choro,
pois é como se meus pais morressem
novamente. Uma parte de mim ainda
tinha esperança que eles estivessem
vivos.
– Você é doente!
Que homem horrível!
Ele me dá outro tapa no rosto.
– Se coloque no seu lugar, vadia!
Você deveria estar dentro daquele carro!
No escuro, não vimos seu corpo caído

no chão ou nem estaríamos tendo esta
conversa! – ele levanta minha saia com
a ponta do canivete, expondo minhas
coxas – Também seria uma pena ver este
corpinho queimar... Antes da gente se
aproveitar dele.
– E por que você não me matou
logo? – pergunto tentando desviar a
atenção dele.
– Primeiro porque você guardou a
porra das coisas do seu pai na casa do
delegado – ele crava o canivete na

madeira da cadeira – Eu preciso
daqueles documentos e você vai
entregar para mim.
– E segundo?
Ele me deu um sorriso de
deboche.
– E segundo, você foi ser a
prostituta daquela bandinha de merda e
sempre tinha a porra de um segurança na
sua cola.
A paranoia de John com
segurança salvou a minha vida. Bem, até

eu largar tudo e fugir.
– Para quem quer sair incógnito,
você fez uma bagunça grande em meu
rosto! – Ele é louco! Não deve ter
intenção de me deixar sair viva daqui.
Não haverá mais Elle no mundo... Eu
simplesmente deixarei de existir.
– Meus planos mudaram, você
vai me devolver o dinheiro que seu pai
levou! – a porta da frente se abre e o
capanga dele entra. Tento identificar o
lado de fora, mas só vejo árvores.

Quando a porta está fechando,
reconheço a cor vermelha.
– Achei a bolsa dela – o novo
homem é o cara que fez a confusão com
Lya no bar! John tinha razão, eles se
conheciam.
Eles jogam tudo em cima da
mesa até encontrar meu telefone.
– Desbloqueie – ele ordena.
– Não! – eu não envolveria mais
ninguém com este sádico.
Ele pega o canivete que estava

na cadeira e enfia na minha coxa. Grito
de dor.
– Me diga o código ou vou cortar
você em pedaços!
– Um, quatro, zero, nove! – era o
dia do casamento dos meus pais.
– Tape a boca dela! – o capanga
pega um pedaço de tecido velho e
coloca na minha boca, prendendo por
trás da minha cabeça.
Agora não posso fazer mais
nada, apenas ouvir.

– Não, eu não sou a Elle – escuto
gritos do outro lado da linha, mas não
entendo o que é dito – Sim, eu estou com
ela e se você a quiser de volta, é melhor
me ouvir direito. Eu quero meio milhão
em notas não marcadas. Você tem seis
horas para arrumar este dinheiro ou eu
terei que arrumar alguma forma de me
distrair aqui com ela. Você não iria
gostar disso, não é?
Eu preciso fornecer uma pista
para o Chris! Ele terminaria matando a
mim e a quem viesse pagar o resgate.
– O quê? É claro que ela está viva
– o homem se aproxima para mim e puxa
a mordaça para baixo – Fale com ele!
– Dr. Chris Venkman, não venha
me procurar! – grito o mais alto que
consigo.
O homem volta a falar com
Chris:
– Ela está viva, por enquanto.
Você tem seis horas e eu ligo com as
instruções para o resgate. – ele desliga o
telefone e o joga em cima da mesa com

raiva.
– Que porra foi essa que você
falou para ele? – ele me segura pelos
ombros, apertando com força – Foi
algum código? Diga!
– Não é nada, é só um jeito
carinhoso para ele saber que estou
realmente bem!
O cara parecia nervoso, ele não
acreditou em mim. Passa de um lado
para o outro e pega uma faca de caça em
cima da mesa.

– Eu devia cortar esta sua
garganta para você nunca mais mentir!
– Eu não estou mentindo! – grito
desesperada.
– Pois, me escute bem – ele fala
apontando a arma para o meu olho bom
– Quando eles derem o dinheiro, você
vai entrar na casa do delegado e achar
os documentos que seu pai tinha e
depois vai nos entregar, entendeu?
– E por que eu faria isto?
Sua expressão é tão maligna que

me arrependo de ter feito a pergunta.
– Porque se não fizer, vou matar
todos os seus amigos! Um por um, e
depois farei você se arrepender de ter
nascido.
Engulo em seco. Como eu
poderia me livrar deste homem? Por que
meu pai tinha se envolvido com este tipo
de gente? Nenhum dinheiro no mundo
compensava isto.
Ele e o comparsa desaparecem
da sala. Espero que não estejam

tramando algo pior em um dos quartos.
Oh, Deus! Como eu queria que isto
fosse um delírio louco da febre, mas a
minha imaginação não era tão
mirabolante assim.
Por que eu deixei John me
afetar? Eu estaria segura se não tivesse
fugido. DJ tinha razão, não podíamos
prever as consequências dos nossos
atos... Não até que fosse tarde demais.
Minutos passam antes que o
homem retorne.

– Sabe, Helena, eu estou ficando
impaciente de esperar.
Ah, não!


CAPÍTULO 40 –
Decisões
– Você prometeu que não me
machucaria! – eu tentei negociar.
Seu sorriso é maligno, ele se
aproxima passando a lateral da lâmina
na minha pele
– Eu nunca prometi nada...
Minha respiração fica presa.
– Não faça isso, por favor!

– Isso, implore! – sua faca desce,
cortando mais do meu vestido – Eu
adoro quando vocês choram!
Ele dá uma tapa em meu rosto
novamente e se abaixa para cortar as
cordas dos meus pés. Quando ele solta
um, percebo uma movimentação no lado
de fora da janela. Esperança surge em
meu peito, será que Chris entendeu meu
recado?
– Você finalmente vai saber
como um homem faz!

Ele solta a outra perna e quando
começa a se levantar, eu grito com asco:
– Você não é um homem de
verdade!
Coloco meus dois pés em seu
corpo e empurro, mas não tenho forças
suficientes para derrubá-lo.
– Vadia! – ele grita e me empurra
de volta, a cadeira cai no chão e eu bato
minha cabeça. Ai! Enquanto ele paira em
cima de mim, a porta da frente se abre e
um único tiro é disparado. O sangue

respinga em todo meu rosto e o seu
corpo cai. Estou salva?!
Outro tiro soa, vindo da direção
oposta. Oh, não! O capanga! Um
tiroteio começa e não sei o que
acontece. Estou no chão, amarrada e
olhando para o teto. Minha cabeça
latejava. A visão escurecia e voltava, eu
não ouvia direito. Era como se eu
estivesse com fones de ouvido e o
mundo ficasse abafado ao meu redor.
Preciso me manter acordada!

São segundos que parecem uma
eternidade... Por favor, que esta agonia
termine! E então, o silêncio reina,
apenas minha respiração pesada faz
companhia.
– Você está salva, senhorita
Helena. – meu salvador surge na minha
frente.
– Acho que agora você pode
voltar a me chamar de Elle... – foi a
única coisa que consegui dizer antes da
inconsciência me levar.

♪♫ ♥ ♪♫
As luzes me incomodavam
mesmo com os olhos fechados. Será que
eu tinha morrido e estava flutuando no
céu de encontro ao sol? Pelo menos isso
significava que eu merecia ir para o
paraíso, não é? A não ser que esta luz
vibrante pertencesse ao fogo do
inferno...
Abro os olhos e me arrependo
imediatamente, droga de fluorescentes!
Acordei no purgatório ou ainda estava
viva. Com a sinfonia de dores que
sentia, apostava no primeiro. Reconheço
o papel de parede sem graça do
hospital, estava de volta ao ponto de
partida. Um gemido me escapa antes que
eu perceba.
– Elle? – Gabriel se aproxima –
Como você está se sentindo?
Eu não faria piada sobre
perguntas idiotas. O cara salvou minha

vida, ele tinha direito a um passe livre.
Tento duas vezes antes que minha voz
funcione:
– Tudo dói, então ainda
decidindo se estou no inferno ou
purgatório.
– A dor é sua amiga, Elle –
Gabriel fala sério para mim – Quer
dizer que você está viva.
– E a Sam? – eu não suportaria
perdê-la também! Olho ao redor e não
vejo mais ninguém – Você está sozinho

aqui?
– Agora ela está fora de perigo –
Gabriel me dá um sorriso reconfortante
– Está vindo uma comitiva de jatinho
para visitar vocês.
Estico meu braço e aperto sua
mão.
– Obrigada – falo com a voz
embargada. Saber que estávamos
seguras tinha sido a melhor notícia de
todas – Você me salvou de um destino
pior que a morte. Agora entendo por que

uma vez me disse que eu não gostaria de
saber em que você era bom.
Lembro do momento em que
aquele monstro levou o tiro, tinha sido
certeiro e no meio de sua testa.
– Eu falhei em meu trabalho,
Helena – Gabriel afasta sua mão de mim
– Desde antes de sua chegada, eu cuidei
de sua segurança, mas mesmo assim
deixei que quase te matassem.
– Como assim? Não entendo.
– Quando você aceitou trabalhar

para John, ele determinou que eu
cuidasse pessoalmente de sua segurança.
Eu fiquei escondido enquanto você
estava em casa com a senhorita
Samantha e até compartilhamos o mesmo
voo.
– Mas você já estava no aeroporto
esperando por mim!
– Eu fui o primeiro a descer do
avião e não tinha bagagens extras – Gab
dá de ombros – Foi fácil chegar ao
lobby antes de você.

Não fazia ideia! A paranoia de
John com segurança não tinha limites.
Não poderia realmente reclamar,
aqueles homens teriam me alcançado
muito mais cedo e eu não teria chances
de salvação.
– E hoje? Você me seguiu
também?
– Ontem à noite, eu não vi quando
você saiu – Gabriel olha arrependido
para mim. Como ele poderia ter visto?
Estava evitando que a horda de vadias

atacasse John – Demorou para
conseguirmos tirar John do palco. Já
estava amanhecendo quando rastreamos
a compra da passagem com seu cartão
de crédito...
– Isto ao menos é legal? – pensei
que esse tipo de informação fosse
privada. Gabriel entorta a boca antes de
continuar seu relato como se eu não
tivesse o interrompido.
– Eu vim o mais rápido que pude.
Fui na casa de Sam, mas você não

estava e nem ela e a sua antiga casa
ainda estava fechada. Minha segunda
tentativa foi no cemitério... Encontrei
Samantha desacordada e ensanguentada.
Lembro-me do seu cabelo loiro
tingido de vermelho... Pobre Sam, quase
morreu por minha causa.
– Ela vai ficar bem mesmo? –
seguro um soluço.
– Sim, ela levou um tiro de
tranquilizantes, bateu o rosto em uma
lápide quando caiu e cortou o

supercílio.
Lembro-me das lutas de UFC
que eu assistia com o Chris. Este tipo de
corte costuma sangrar muito.
– Eu chamei a ambulância. O pai
dela ficou transtornado quando a viu.
Ele a acompanhou para o hospital e eu
fiquei lá, tentando entender os rastros.
Até Chris me ligar falando sobre um
chalé vermelho no meio da floresta.
Suspiro aliviada! Ainda bem que
Chris compreendeu o meu recado. Meus

captores haviam me levado para o
mesmo chalé vermelho que nós
brincamos de caça-fantasmas na
infância. Eu o chamava de Dr. Chris
Venkman por causa do personagem de
Bill Murray. Se não tivesse relembrado
disso durante o velório de meus pais,
provavelmente não teria reconhecido a
porta vermelha e as janelas velhas.
– Você foi sozinho? – pergunto.
– Sim, não podia perder tempo. Eu
escutei seu grito e um barulho de

pancada, sabia que teria de agir logo.
Você estava caída no chão, então tive
uma mira limpa.
Ele fala tudo tão... seco. Como
se estivesse me contando uma história
qualquer. Pergunto antes que possa me
parar:
– Isso não te afeta, Gabriel?
Matar alguém? E a polícia?
– Foi um mal necessário, Helena
– ele me fala sem demonstrar outras
emoções – Era você ou ele, eu não

poderia arriscar. O pai do Chris está
cuidando de tudo, foi em legítima
defesa.
Espero que ele não tenha
problemas com a justiça! Ainda bem que
O Delegado servia para alguma coisa...
– E o capanga?
– Está sendo operado agora, a
bala ficou alojada em seu ombro. – ai,
Deus! Ele devia estar aqui no mesmo
hospital!
– Obrigada, Gabriel! Você

definitivamente é meu anjo da guarda.
– Apenas fazendo meu trabalho,
Elle – ele sorri para mim – Vou chamar
a enfermeira. Ela me pediu para avisar
assim que você acordasse.
Concordo com ele e uma mulher
simpática vem checar meus sinais vitais.
Além dos cortes e contusões, eu estava
desidratada por causa da febre, mas o
importante era que eu e Sam não
teríamos sequelas físicas.
Estou comendo o que deveria ser

sopa, mas parecia lama, quando meu
quarto é invadido. O Jack Rock chegou!
Ou pelo menos, parte dele. Kim é a
primeira a pular em cima de mim e me
abraçar.
Ai, meu ombro!
– Elle! Juro a você que se me der
um susto deste de novo, eu te mato!
Abraço-a de volta.
– Meio contraditório, não acha?
– Eu não quero saber! – Kim
começa a chorar – Você está tão

horrível!
Alysson se aproxima e beija meu
cabelo com cuidado.
– Não se preocupe! Vai voltar a
ser linda logo, logo.
Sorrio para não chorar, eu sabia
que estava desfigurada.
– Com amigos como vocês,
quem precisa de inimigos, hein?
Eu com certeza não queria
encontrar mais nenhum...
Chris está parado, apenas me
olhando. Sua expressão é fechada.
Nossa despedida não tinha sido bonita e
não sei o que ele iria falar agora.
– Vocês podem nos dar licença? –
Chris diz para Kim e Aly. Eles me
abraçam uma vez mais e saem.
Chris se senta na borda da maca.
Ele segura meu queixo com delicadeza,
virando de um lado a outro enquanto
analisa meus ferimentos.
– Me desculpe, Elle – Chris fala
triste – se eu não tivesse discutido com

você, poderia ter vindo a mim ontem à
noite.
Seguro sua mão entre as minhas.
– Você não tem o que se
desculpar, Chris. Eu que estava errada!
Estive este tempo todo me enganando
com uma falsa sensação de
independência. Eu fui egoísta e te
magoei.
Chris tenta me interromper, mas
eu continuo a falar:
– Eu não tenho nada a dizer em

minha defesa. Não sou perfeita, Chris!
Eu... eu tinha tanto medo de perder sua
amizade que terminei te afastando! É
absurdo, eu sei, mas sou apenas
humana... Passível de erros.
– Eu também errei, Elle. Se eu
achava que merecíamos mais do que
amizade, deveria ter feito alguma coisa
– Chris beija minha mão – Te ver tão
machucada assim... Te proteger é como
se fosse uma necessidade viva dentro de
mim.

Eu o abraço. Estava com tantas
saudades de seu carinho.
– Eu também me sinto assim em
relação a você, Chris! Nós sempre
cuidamos um do outro, tem sido assim
desde que nasci. Existem várias formas
de amor, mas a nossa amizade é única.
lágrimas, eu continuava a falar mesmo
entre soluços:
– Eu achei que iria morrer hoje!
Tudo que eu queria era ter certeza que

vocês estariam à salvo daquele monstro.
– Eu sei, Elle! Eu também só
pensava em te ter de volta a salvo... Mas
você vai realmente estar de volta? – ele
pergunta, mesmo que já soubesse qual
seria a minha resposta.
Eu precisava aprender a cuidar
de mim e morar sozinha, sem depender
de Chris ou de John. Não que eu ainda
quisesse morar com este. Quase morrer
tinha colocado minha vida em
perspectiva, eu não guardava mais

rancor contra ele. Contudo, não ficaria à
mercê de seu humor flutuante.
Aquele era o fim do Jack Rock
para mim.


CAPÍTULO BÔNUS
John
“Tentemos ensinar generosidade e altruísmo,

porque nascemos egoístas. ”
Richard Dawkins – O gene egoísta
O ser humano é, em sua essência,

um egoísta. Pelo menos, é isto que
Richard Dawkins explica em sua famosa

teoria do “gene egoísta”. Quando os
homens viviam nas cavernas, os
corajosos e altruístas defendiam sua
tribo dos perigos.
E quem você acha que
sobrevivia tempo suficiente para
reproduzir e transmitir seus genes para
as futuras gerações? Isso mesmo... Nós
somos os filhos do egoísmo humano,
sempre visando nosso próprio interesse.
Agora me pergunto, quão altruísta
realmente alguém é?

A última vez em que fui
generoso, ajudei outro garoto a não
morar sozinho nas ruas. E mesmo assim,
este meu “ato de bondade” me rendeu
um melhor amigo, um companheiro de
palco e uma banda de sucesso. E agora
eu estava tão concentrado em ter Helena
para mim que não levei nada disso em
consideração.
Chris ficou tão abalado quando
soube que ela quase morreu no acidente
que matou seus pais, que eu tive que
acompanhá-lo. No avião, porém, tudo
que eu pensava era nela! Eu não
acreditava que finalmente iria conhecê-
la. A garota com olhos de mel...
O que ela poderia querer
comigo? Já tinha Chris, seu perfeito
cavaleiro de armadura brilhante. No
início, eu só queria provocá-la! Mas
cada vez mais ela se parecia afetada por
mim e eu não poderia me afastar.
Eu precisava prová-la apenas
uma vez, mostrar para mim mesmo que
ela era apenas mais uma. Chris não iria

se importar, já havíamos compartilhado
outras mulheres antes. E se era para
aproveitar a vida antes de casar, ela
poderia curtir comigo, pelo menos uma
vez.
Mas quando a beijei, parecia que
meu mundo finalmente tinha entrado nos
eixos. Porra! Nunca imaginei que estar
com ela seria tão viciante. Eu não podia
mais negar que estava apaixonado, por
isso a odiei quando me esnobou. Mesmo
sabendo que ela nunca seria minha, eu
não conseguia ficar longe.
Eu a traí naquela estúpida festa e
ela chutou minhas bolas! Helena nunca
fazia o que eu esperava. Não havia
parâmetros para ela. Era ao mesmo
tempo o desafio e a recompensa. Não
entendia como Chris poderia querer
estas vadias quando estar com ela era o
paraíso. Talvez seja porque ele nunca
realmente provou de Helena.
Pego meu celular e olho
novamente para a foto dela sorrindo em
meu colo no avião, foi a primeira vez
que ela me abraçou por livre e
espontânea vontade. Ela estava rindo de
mim, gritando como uma louca, achando
que eu precisava de sua idolatria. Elle
estava enganada, eu queria idolatrá-la e
não o contrário.
Nunca me importei com nenhuma
das mulheres que tive, mas com Elle eu
me sentia possessivo, animalesco. Se
Chris não dava valor a ela, eu daria! Ele
poderia ter o plano que quisesse, mas a
decisão final seria dela. E Helena
escolheu a mim!

Quando ela me disse que seu
conceito de perfeição vinha com vários
defeitos, eu me senti no nirvana. Por
semanas descobri o que era felicidade,
pela primeira vez desde que minha mãe
casou com o crápula do Carlos, eu
estava feliz. Elle sabia de tudo e ainda
me amava. Ou melhor, eu achava que ela
poderia estar me amando.
Quando fui procurá-la no bar
depois de sua apresentação no palco, eu
estava atordoado pela ligação que
recebi e não pensava direito depois de
tanta tequila. Meu maior medo se tornou
realidade, por duas vezes Elle não
afastou o beijo do Chris. O ciúme me
cegou, fui estúpido e irresponsável.
Não olhei para Elle enquanto a
traía da forma que ela jamais me
perdoaria, a dor em seus olhos era mais
do que eu podia suportar. Olhava para a
garota ruiva e sentia nojo de mim
mesmo. E por causa do meu egoísmo,
Helena fugiu e quase morreu. Por minha
causa ela foi torturada, eu não a protegi
no clube e a enviei aos seus carrascos.
Por isto, eu faria o meu maior
ato de altruísmo: deixaria Elle me odiar.
Eu era venenoso e não iria manchá-la
com minha sujeira. Ela merecia mais, o
cavaleiro de armadura branca. Não eu...
Eu estava fadado a ser o vilão de sua
história.


EPÍLOGO
Três meses depois...
Estou em meu novo escritório e

desta vez posso afirmar que realmente é
meu, não emprestado na casa de alguém.
Localizado em um grande edifício no
centro da cidade, também não era na
cobertura como o de Nicole, mas não me
importo com isto. É pequeno,
aconchegante e meu.
Meses atrás, eu havia sofrido na
mão dos meus captores. Não sabia o que
faria da minha vida, mas tinha uma única
certeza: não seria mais assistente
pessoal do John. Mandei minha carta de
demissão por Gabriel.
Estava considerando minhas
opções quando um homem de terno
entrou em meu quarto do hospital.
– Boa tarde, Helena. Sinto muito
pelo que aconteceu.
– Boa tarde! – digo meio

surpresa. Nunca o tinha visto tão
arrumado.
Ele sorri e aponta para a própria
roupa.
– Sempre coloco um terno
quando preciso fechar um negócio.
– E que negócio você veio fechar
aqui? – não entendo o que eu poderia
fazer por ele.
– Elle, eu tenho uma proposta
para você.
– Deixe-me adivinhar: uma

proposta que eu não poderei recusar.
Ele sorri para mim.
– Algo como isso.
E realmente não tinha como eu
dizer não para este novo emprego. Era a
melhor opção que eu tinha. A única, na
verdade.
Passei duas semanas na casa da
Sam, eu só queria apertar e cuidar dela.
Ela já estava ficando louca comigo!
Depois, eu voltei para a cidade e
procurei um apartamento pequeno para

mim, Gabriel levou as minhas coisas
que estavam na casa de John. Chris, Kim
e Aly me ajudaram a arrumar tudo.
Eu mantive minha amizade com
eles, mas não os via com tanta
frequência. Mesmo o Chris: a gente
ainda saía juntos, mas não era como
antes.
Já com o John, eu não tinha
falado desde aquela noite no bar. Ele
nunca me procurou e nem eu a ele. Eu
tentava não pensar nele todos os dias,

mas esta era uma tarefa quase
impossível.
Meu interfone toca, me tirando
dos meus devaneios:
– Bom dia, senhorita Helena. O
senhor Gabriel está aqui, posso
autorizar sua entrada no prédio?
Gab está aqui? Folheio minha
agenda, eu não havia marcado nada com
ele!
– Bom dia, Jaime! Ele pode subir
sim.

Gabriel tinha se tornado um bom
amigo nos últimos meses. Não era mais
sua função me proteger, mas ele sempre
passava para ver como eu estava.
Quando entra no meu escritório, seu
semblante estava mais sério que o
normal.
– Qual foi o problema, Gabriel?
– Finalmente conseguimos ler
todas as cartas de fãs consideradas
suspeitas – ele retira um papel do bolso
interno do terno e me entrega.

Pego a carta e me sento à mesa.
– Pensei que você tivesse dito
que não havia nada com que se
preocupar.
– E não havia! Mas sempre
chegam novas. Recebemos esta ontem.
Olho para o que tenho em minhas
mãos. Era um papel comum, escrito com
letras tortas. Minhas mãos tremem
quando leio o conteúdo. Merda! Apenas
uma pessoa poderia ter enviado esta
carta. Meus olhos ficam marejados ao

pensar em um mundo sem John.
– O que John falou quando leu
isto? – dobro novamente aquele papel
vil e devolvo para o Gab.
– Ele não sabe ainda.
– O quê? Por que você trouxe para
mim?
Gabriel fala com determinação:
– Porque John não é mais o
mesmo desde que você partiu! Ele se
culpa por tudo que aconteceu!
Nossa, em todos estes meses,
aquilo era o máximo de emoção que eu
vi o Gab demonstrar. Eu também sofria
por não ter mais John em minha vida,
mas isso não significava que éramos
bons um para o outro.
– Isto ainda não explica por que
você trouxe a carta para mim primeiro.
– John está em um caminho
destrutivo, Elle. Talvez você seja a
única pessoa que ele escute – Gab se
levanta e vai em direção à porta – Pense
nisso e me ligue quando tomar uma

decisão.
Não trabalhei direito o resto do
dia. Gabriel não deveria ter me
mostrado aquilo! O que eu poderia
fazer? Não conhecia nada de segurança
pessoal, eu tinha sido um fracasso até
como uma simples assistente.
Fico inquieta mesmo em casa.
Há dias em que eu via pessoas nas
sombras, mãos que tentavam me agarrar.
Eu precisava de ajuda, e com esta
novidade, John iria necessitar também.

E eu já tinha ideia de onde conseguir
isto...
Droga! Naquela noite não
consegui dormir, não com a ameaça que
pairava sobre a cabeça de John: “você
tem o nariz de sua mãe e os olhos do
seu pai. Achou que brincar de roqueiro
iria te proteger? Eu sei quem você é,
seu filho da puta, e nem todo o dinheiro
do mundo vai te salvar de mim. ”
E agora, o que eu faria?

♪♫ ♥ ♪♫

Elle – Amor e
Redenção
Volume 3
Aretha V. Guedes

Sinopse:
Helena teve sua vida perfeita

manchada pela tragédia. Ao perder seus
pais, contou com a ajuda do seu melhor
amigo Chris para se reerguer, mas foi
nos braços de outro que encontrou
consolo. Após uma sucessão de erros,
Elle quase pagou com sua própria vida
as consequências dos seus atos.
Agora ela está sozinha, sem o

amor de John e com a amizade de Chris
abalada. Helena poderá realmente se
afastar da Jack Rock? Um vídeo que
vaza na internet, uma ameaça em forma
de carta e demônios do passado
mostram para Helena que amadurecer
não será tão simples.

PRÓLOGO
Já teve a sensação de estar sendo

observada? Como se as paredes
tivessem olhos e as sombras pudessem
ganhar vida a qualquer momento? É algo
assustador, você não se sente segura
nunca. Os momentos de terror que passei
naquele chalé estarão para sempre
gravados em minha memória. Gabriel

salvou meu corpo, mas eu ainda era
refém da minha mente.
Pego meu cobertor e me arrasto
para um grande pufe vermelho na
varanda. Em quase todas as noites, eu
terminava aqui. Nos últimos meses, as
estrelas têm sido minhas únicas
companheiras. Elas e a insônia. Não
posso dormir! Tenho medo de reviver
tudo através dos sonhos.
Meu coração se aperta quando
vejo no chão a única caixa que não tive

coragem de abrir desde que eu mudei.
Era o telescópio que John me deu de
aniversário, uma lembrança de
momentos felizes. De quando eu pensei
que ele poderia amar alguém que não
fosse ele mesmo.
Uma vez, Chris me perguntou se
John era o meu erro. A vida é feita de
escolhas e não existe uma que esteja
totalmente certa ou errada. Eu não me
arrependia de ter me entregado a John,
foram dias maravilhosos. O meu grande
erro foi esconder do Chris. Eu tinha
medo que os boatos sobre ele me amar
fossem verdadeiros. Ele era meu porto
seguro, meu irmão. E na tentativa de
proteger nossa amizade, eu terminei
quase a destruindo.
Em relação ao Chris, ainda havia
esperança, eu poderia retomar nossa
amizade. Enquanto que o John, nem isto
eu queria dele. Afinal, ele deixou bem
claro que não pretendia ser meu amigo,
tanto em palavras, quanto em atitude.
Foda-se o John! Eu não poderia me
afastar da Jack Rock, mas evitaria seu
vocalista como a praga que ele era.
Esta banda mudou o curso da
minha vida! Desde antes do primeiro
CD ser lançado, ela era parte de mim,
por ser a realização do sonho do Chris.
Mas agora eu teria o meu papel na Jack
Rock também.
Quer saber como? Eu vou
contar...


CAPÍTULO 1 – Marcas
do Passado
Três meses antes

Eu seguro a caneta com tanta
força, que as pontas dos meus dedos
estão brancas. Não vou chorar, não
tenho forças para tal atitude. Aqui, em
meu quarto de hospital, parece tolice
derramar lágrimas por causa de um
coração partido. Eu e Sam estamos

vivas, e é nisso que eu devo me focar.
Mesmo contra minha vontade,
uma lágrima cai no papel, manchando
um ponto na minha assinatura. Eu não me
importo, irei enviá-la com mácula e
tudo, não consigo escrever outra carta
de demissão. Dobro e coloco no
envelope. A partir de agora, eu não sou
mais assistente pessoal de John. Se é
que um dia eu realmente fui.
Eu posso ficar aqui e arrumar um
emprego, O Delegado uma vez me

ofereceu abrigo. Será que a oferta ainda
está valendo, mesmo que sua filha tenha
quase morrido por minha causa? Eu
posso trabalhar até as minhas aulas
começarem e...
– Boa tarde, Helena. Sinto muito
pelo que aconteceu.
– Boa tarde! – digo meio
surpresa, não esperava vê-lo e nunca o
tinha visto tão arrumado.
Como se lesse meus
pensamentos, ele sorri e aponta para a

própria roupa:
– Sempre coloco um terno
quando preciso fechar um negócio.
– E que negócio você veio
fechar aqui? – não entendo o que eu
poderia fazer por ele!
– Elle, eu tenho uma proposta
para você.
– Deixe-me adivinhar: uma
proposta que eu não poderei recusar.
Ele sorri para mim:
– Algo como isso.
– Agora você me deixou curiosa,
Bobby – aponto para uma cadeira ao
meu lado – Por favor, sente-se.
– Helena, nas últimas semanas
eu tenho te observado. Você organizou o
show beneficente sozinha, conseguiu
colocar toda a equipe para separar as
cartas de John e eu vi as gravações do
videoclipe.
Fecho os olhos por um segundo,
não quero falar sobre isto! Tinha sido o
início das piores vinte e quatro horas da

minha vida.
– E seu ponto é? – pergunto
ainda sem entender aonde ele quer
chegar.
– O meu ponto, Elle, é que você
conseguiu, em um curto espaço de
tempo, que, tanto a banda, quanto a
equipe inteira concordasse em fazer o
que você queria – ele me dá um olhar
que quase é diabólico – Cada um tem
seu talento e eu tenho o meu.
– Qual o seu talento? – Bobby

está me deixando curiosa com esta
conversa.
O lado direito de sua boca se
levanta em um meio sorriso:
– Esta não é a pergunta correta,
mas vou responder. Eu sou bom em
encontrar o talento nos outros e saber
como fazer bom uso disto. É assim que
consigo ter bandas de sucesso, cada um
tem um papel a desempenhar.
– E qual o meu papel nesta
história?

Bobby desta vez me dá um
sorriso completo. Acho que esta era a
pergunta certa...
– Você conseguiu que os roadies
fizessem seu trabalho com as cartas e
eles adoraram! Isto é genial, Elle! Falta
pouco para se tornar uma líder, este é o
seu talento. Eu tenho planos para a Jack
Rock e preciso de você ao meu lado...
Venha ser o elo da banda comigo e com
o mundo.
Líder? Genial? Elo? Acho que o

Bobby fumou alguma coisa antes de vir
aqui. Só tem um problema nesta história
dele...
– Esse é o trabalho da #NiCa...
Ole – finjo uma tosse – da Nicole, não?
Eu vou ser funcionária dela?
Será que ela pediu isso ao pai
para conseguir atormentar minha vida?
Não trabalharia para a #NiCadela por
dinheiro nenhum.
Bobby responde de cara
fechada:

– A situação da minha filha com
a Jack Rock chegou a um ponto
insustentável. Eu pensei que o problema
dela era apenas com Kim, mas nunca me
importei, porque elas brigam desde o
berço. Ela ficará responsável pelas
outras bandas que eu gerencio.
Duvido que isso vá deixar
Nicole feliz, Jack Rock era a banda mais
promissora e ela tinha uma fixação por
John. Se eu aceitar este emprego, terei
de ficar de olhos bem abertos para o
ataque da vadia.
– Me diga exatamente o que
devo fazer...
As minhas obrigações quando
trabalhava para John eram moleza, agora
eu não poderei brincar de responder
cartas. O sucesso da Jack Rock na mídia
e redes sociais dependerá de mim.
Assim como detalhes de shows e
eventos publicitários.
Bobby me prometeu que eu não
precisarei trabalhar diretamente com os
componentes da banda. Farei a maior

parte do meu escritório que será no
mesmo prédio dele e da #NiCadela...
Opa, Nicole, ela agora é minha colega.
Que maravilha.
♪♫ ♥ ♪♫
Finalmente o hospital me deu

alta! Sam e tia Beth me levam para a sua
casa. Chris foi embora, tinha as
gravações para concluir e ficar na
mesma cidade que o pai por muito
tempo era insuportável para ele.
Passarei duas semanas na casa da Sam
em, ainda que esteja mais machucada
que ela, tudo que eu faço é apertar e
cuidar dela. Acho que ela já está ficando
louca comigo!
Mas toda vez que eu fecho os
olhos, lembro-me da quantidade de
sangue que tinha em seus cabelos. E do
medo que senti ao achar que iria perdê-
la. Isto está em minha mente mais do que
as torturas que eu passei.

– Sammy, você está bem mesmo?
– seguro sua cabeça, inspeciono a
pequena cicatriz ainda se curando acima
do supercílio – Sente alguma tontura? –
mostro quatro dedos para ela – Têm
quantos dedos aqui?
– Ai, Elle... Estou vendo um só!
– ela faz careta de dor.
– Um? Mas estou mostrando
quatro! Sua visão foi comprometida,
temos que te levar para o hospital agora!
– digo desesperada.

– Sim, um... Este aqui –
Samantha levanta a mão e mostra o dedo
do meio para mim – Quer parar com a
paranoia? E eu não tenho dois anos para
você me chamar de Sammy.
Largo minha bolsa de volta na
mesa e deito na cama dela.
– Eu só estou preocupada! Você
perdeu muito sangue.
– Eu cortei minha testa – Sam se
deita ao meu lado – Você apanhou, foi
torturada e esfaqueada. Entre nós duas,

eu que deveria estar te deixando louca!
A puxo para perto em um abraço.
– Eu tive muito medo de te
perder, Sam.
– Eu sei, Elle. Se eu estivesse
consciente quando você foi levada, teria
sentido a mesma coisa – Sam seca com
o polegar uma lágrima errante. Não
havia percebido que estava chorando –
Estamos seguras agora.
Eu não tenho tanta certeza disso,
podem haver outros comparsas.

Enquanto os documentos do meu pai
estiverem perdidos, eu posso ainda ser
um alvo. Será que papai blefou e essas
evidências não existiam?
Nós passamos a semana inteira
olhando papel por papel. Se os
documentos que os sequestradores
queriam eram reais, não estavam junto
aos pertences da minha família.
Estremeço ao lembrar da
promessa daquele homem horrível. Ele
mataria cada uma das pessoas que amo

enquanto eu não entregasse os papeis a
ele. Ainda bem que o filho da mãe está
morto, ou todos nós seríamos alvo.
Penso no tiro certeiro de
Gabriel, a lembrança ainda me
assombra. Levanto-me e olho pela
janela. A minha linda e amada casa
parece tão solitária! A porta que une os
vizinhos está fechada pela primeira vez
em dezoito anos. Ela foi vendida em
sigilo e o novo dono não tinha se
mudado. O único barulho vinha do
zumbido baixo da cerca elétrica.
– Você acha que meu pai
escondeu as evidências na casa? –
pergunto para Sam.
– Não deixamos nada para trás
quando a esvaziamos, lembra? –
Samantha dá de ombros – Talvez ele
tenha escondido em um lugar mais
seguro.
A questão é: Onde?


CAPÍTULO 2 –
Problemas
Dias atuais
Estou em meu novo escritório e
desta vez posso afirmar que realmente é
meu, não emprestado na casa de alguém.
Como prometido por Bobby, eu ficaria
no mesmo grande edifício que ele.
Obviamente, não é na cobertura como o
de Nicole, mas eu até prefiro assim!

Quanto mais longe da #NiCadela,
melhor. Estou em uma sala pequena,
aconchegante e minha. Aqui não há
interrupção do meu arrogante ex-chefe.
Eu gostaria de dizer que não
pensava em John todos os dias, mas,
quando olho ao meu redor, percebo que
esta é uma tarefa quase impossível.
Pôsteres, CDs e outras imagens da Jack
Rock são parte da decoração oficial.
Para onde eu olhar, verei John, Aly,
Chris e Kim na minha frente.

Meu interfone toca:
– Bom dia, senhorita Helena. O
senhor Gabriel está aqui, posso
autorizar sua entrada no prédio?
Gab está aqui? Folheio minha
agenda, eu não havia marcado nada com
ele!
– Bom dia, Jaime! Ele pode
subir sim.
Gabriel se tornou um bom amigo
nos últimos meses. Não é mais sua
função me proteger, mas ele sempre

passa para ver como eu estou. No
primeiro mês, ele era o único homem
que se aproximava de mim e não me
deixava apreensiva. Mesmo Chris e Aly
me faziam tremer por dentro, era algo
irracional que eu não podia controlar.
Passei por alguns psicólogos,
mas não gostei de nenhum! Sentia-me
embaixo de um microscópio com eles.
Eu não tenho agorafobia, mas evito
espaços abertos e multidões.
Ultimamente, minha vida social se
resume ao mundo virtual.
Gabriel entra no meu escritório,
seu semblante mais sério que o normal.
– Qual foi o problema, Gab?
– Finalmente conseguimos ler
todas as cartas de fãs consideradas
suspeitas.
Ele retira um papel do bolso
interno do terno e me entrega. Pego a
carta e me sento à mesa.
– Pensei que você tivesse dito
que não havia nada com que se
preocupar.

Gab balança a cabeça
concordando.
– E não havia! Mas sempre
chegam novas e recebemos esta ontem.
Olho para o que tenho em minhas
mãos. É um papel comum, escrito com
letras tortas. Minhas mãos tremem
quando leio o conteúdo. Merda! Apenas
uma pessoa poderia ter enviado esta
carta.
Mesmo que eu esteja com raiva
de John, não desejo mal algum a ele.

Bem... Nada além de herpes ou alguma
outra doença sexualmente transmissível
“inofensiva”, se é que existe alguma.
Com certeza não quero algo fatal, meus
olhos ficam marejados ao pensar em um
mundo sem John.
– O que John falou quando leu
isto?
Dobro novamente aquele papel
vil e devolvo para o Gab.
– Ele não sabe ainda.
– O quê? Por que você trouxe

para mim?
Gabriel fala com determinação.
– Por que John não é mais o
mesmo desde que você partiu, ele se
culpa por tudo que aconteceu!
Nossa! Em todos estes meses,
aquilo é o máximo de emoção que eu vi
o Gab demonstrar. Eu também sofro por
não ter mais John em minha vida, mas
isso não significa que nós somos bons
um para o outro.
Gostaria de saber que “tudo” é

este que John se culpa. Se for por ter
agido como um idiota, ele tem razão. O
resto que aconteceu depois disso, não.
Se houvesse um culpado, seria meu pai,
que fez um pacto com o diabo por
dinheiro. Contudo, papai não está aqui
para se defender e já pagou com a
própria vida por seu erro. Quem sou eu
para julgar?
– Isto ainda não explica por que
você trouxe a carta para mim primeiro.
– John está em um caminho

destrutivo, Elle. Talvez você seja a
única pessoa que ele escute – Gab se
levanta e vai em direção à porta – Pense
nisso e me ligue quando tomar uma
decisão.
Não trabalho direito o resto do
dia, Gabriel não deveria ter me
mostrado aquilo! O que posso fazer?
Não conheço nada de segurança pessoal,
eu fui um fracasso até como uma simples
assistente.
As inseguranças de Arthur iriam

ressurgir quando John visse a
mensagem: “Você tem o nariz de sua mãe
e os olhos do seu pai. Achou que brincar
de roqueiro iria te proteger? Eu sei
quem você é, seu filho da puta, e nem
todo o dinheiro do mundo vai te salvar
de mim.”
A ameaça é clara, apenas Carlos,
o padrasto dele, poderia ter feito isso.
Mesmo em casa, eu estava inquieta.
Sinto como se as sombras do meu
apartamento tivessem duplicado. O que
eu posso fazer por John? Pego meu
notebook e faço uma pesquisa, junto
mais nomes aos que já conhecia e ligo
para o Gab.
– Oi, Elle! Não esperava uma
ligação sua tão... cedo – Gabriel diz.
Olho para o meu relógio, são quatro
horas da manhã. Ops.
– Desculpa a hora, Gab! Eu
realmente tenho problemas com o sono.
– Eu já te disse que você deveria
procurar um profissional. – Gab
responde com a voz cansada.

– Sim, eu sei! E é por isto que
estou te ligando. Você pediu para te ligar
quando eu tomasse uma decisão.
– E o que você vai fazer? – Sua
voz soa mais interessada agora.
– Estou te enviando em anexo
uma lista de psicólogos para o John. São
os melhores e mais discretos da cidade,
eu pesquisei.
– Terapia? – Gabriel parece
descrente do outro lado da linha – Esta é
sua grande solução?

– Claro! Com a quantidade de
personalidades que ele tem,
provavelmente vai precisar de muita –
suspiro alto – Olha, eu cuido do
marketing da banda, ok? Sei que John
precisa melhorar seu tato com as
pessoas. Muitas fãs amam o jeito
misterioso e rude, mas ele precisa ser
mais aberto. Talvez terapia ajude sim.
– Esta é sua opinião pessoal?
– É minha opinião profissional –
falo categórica – Não quero nada

pessoal meu com o John.
– Ok, Elle. Passarei seu recado.
– Ele já sabe? – minha
curiosidade pergunta por mim.
– Sim, eu mostrei a ele logo após
ter te visitado.
– Ok, desculpa ter te ligado tão
cedo.
– Não quer saber como ele
reagiu?
Penso um pouco. Sim, eu
gostaria de saber...
– Não, isto deve ficar entre ele e
o psicólogo. Tchau.
Mal espero Gab se despedir e
desligo o telefone. Meu interesse por
John está restrito ao bem da Jack Rock.
E nada mais.
Calço meu tênis e vou para a rua.
Nos meus ouvidos, David Gueta e SIA
tocam “Titanium”. Nada melhor do que
colocar uma música com batida forte no
modo repetir e correr até que você entre
em esquecimento. Ajuda a me sentir

forte, capaz de superar os obstáculos.
Ando aparentemente sem
destino, mas meus pés me levam para a
pessoa que sempre esteve ao meu lado.
Observo ofegante a fachada do seu
prédio, que fica a três quilômetros do
meu.
Volto para casa caminhando
devagar, ainda é muito cedo para
acordar o Chris. E mesmo que não fosse,
nós não estávamos mais à vontade um
com o outro. Desligo a música, eu não

me sinto mais invencível.


CAPÍTULO 3 –
Notícias
Como meu café da manhã, salada

de frutas, croissant e suco de uva, em
uma lanchonete perto de casa. Leio as
mensagens de Sam distraída. Ela diz que
as garotas da escola estão animadas
para o lançamento do clipe amanhã.
Trechos dele “vazaram” na
internet, mas, na verdade, a própria

produtora havia liberado, sob um
pseudônimo, partes pequenas que
deixaram todos querendo mais. Eu não
aparecia em nenhuma, meu anonimato
estava garantido por mais algumas
horas.
Antes que perceba, estou roendo
minhas unhas em um antigo gesto
ansioso. Não assisti o clipe pronto
ainda, só o Bobby viu... Aquele tinha
sido o início do fim com John e o
primeiro beijo com Chris. Foi um
momento tão íntimo para nós três e em
breve estará disponível para o público.
Droga! Bato na mesa com meu punho.
– O que esta pobre mesa fez
contra você, Elle?
Me assusto com a garota que
chega e senta à minha mesa sem pedir
permissão. Ela é minha vizinha, sua
porta está poucos passos em frente à
minha. Na primeira vez que a vi me
seguindo para fora do elevador, quase
tive um ataque cardíaco. Eu tinha
acabado de me mudar e estava mais

paranoica com estranhos do que agora.
A lembrança de nosso primeiro
encontro me faz rir. Eu quase a ataquei
quando ela se virou para entrar no
próprio apartamento! Ela também é nova
no prédio e, a julgar pela quantidade de
material esportivo que trouxe, é uma
maníaca por fitness, muito mais alta que
eu e bem definida. Me sinto uma
relaxada ao lado dela.
– Apenas ansiosa para a estreia
de amanhã. Michele, você ainda vai

comigo?
Ela coloca uma mecha do cabelo
preto curto atrás da orelha.
– Você tem certeza que quer me
levar?
Claro, Michele é minha maior
companhia nos últimos meses. A Laura
está estranha comigo desde que eu voltei
para cá.
Como um pedaço do meu
croissant recheado com creme, delícia!
Michele revira os olhos negros em

desaprovação, mas não fala nada.
– Eu já disse que sim! – procuro
o dinheiro na minha bolsa – Vou ligar
para Wanessa e pedir roupa para nós
duas.
– Você não vai caminhar hoje? –
ela pergunta com a testa franzida e eu
dou de ombros.
– Já caminhei, hoje não pude
dormir.
– Olha, Elle, você não precisa
me dizer a causa da sua insônia, mas

deveria fazer algo em relação a ela –
Michele suspira alto – E eu já te disse,
me chame a qualquer hora! Não vá
caminhar sozinha, principalmente tão
cedo.
– Ok, mamãe! – falo brincando,
ela sempre fica por perto quando eu
estou em casa. Trabalha com
computadores ou algo assim, então não é
muito de sair.
– Estou falando sério! – Michele
levanta os braços, mostrando os

músculos. Ela não é delicada, mas não
chega a ser uma halterofilista – Eu sou
quase o Rambo!
Desta vez paro de sorrir, o
Rambo me lembra de alguém que eu
quero esquecer. Olho para Michele, ela
parecia tão forte e segura. Feliz. Eu
poderia ser como ela?
– Sabe, eu estou cansada de me
sentir fraca! Você pode me ajudar a
treinar?
Gostaria de tirar uma foto da

cara de surpresa que Michele fez, era
digna de um meme! Ela sabe que correr
ouvindo música é o máximo de
disposição que eu tenho. Porém, eu
estou cansada de permanecer no mesmo
ciclo diário há três meses. De casa para
o trabalho e de volta para casa.
– Não fique tão chocada! A
partir de hoje, serei outra Helena, nada
de medos – levanto meu braço direito e
coloco a mão esquerda no meu coração
– Prometo que a partir de agora irei
tentar algo novo todos os dias, amém!
Seus olhos brilham com orgulho,
ela tenta me tirar da fossa desde que me
conheceu.
– Então vamos começar a
malhar?
Dou outra mordida em meu
croissant.
– Amanhã, já fiz a coisa nova de
hoje.
– E o que foi?
– A promessa, é claro!
Mostro o meu melhor sorriso
vencedor. Quando pago a conta, ela
volta para casa comigo.
– Desistiu de caminhar? –
pergunto enquanto entramos no elevador.
– Sim, vou preparar o seu plano
de musculação! Ah, finalmente terei
alguém para treinar comigo!
Nossa, ela está empolgada!
Michele tem uma academia completa no
lugar do quarto, ela dorme no menor
para ter mais espaço para os
equipamentos. Será que eu devo lembrá-

la que depois do lançamento do clipe
irei viajar com a turnê? Na próxima
semana, como representante do Bobby,
eu terei que acompanhá-los durante os
shows pelo país. Este seria meu
sinônimo de diversão, se John não
estivesse no meio.
Vou de metrô para o trabalho.
Folheio o jornal procurando pela sessão
de entretenimento. Ontem a Jack Rock
foi convidada para a inauguração de um
novo clube no centro da cidade. O lugar
foi um sucesso! A reportagem comenta
dos vários artistas, modelos e atores
presentes. Nas fotos, Kim aparece
sentada no colo de um homem lindo
enquanto bebe um drink colorido. Chris
e Ally posam com três garotas, elas são
de algum reality show idiota.
O destaque é uma foto de John
que está muito próximo de uma bela
loira e fala algo em seu ouvido. A
legenda dizia: John, vocalista da Jack
Rock, e a atriz Natasha G. conversaram
a noite inteira. Haveria um affair entre
os dois? Fontes próximas ao casal
dizem que eles são “apenas amigos”.
Idiota. Espero que se engasgue
com a língua dela. Eu geralmente ligo
meu celular do trabalho apenas quando
chego lá, mas resolvo tirar o maldito
aparelho da bolsa. Respiro fundo
enquanto a logo da maçã carrega e,
quando finalmente ele se conecta à
internet, descubro que terei um dia
cheio. A quantidade de mensagens no
feed das redes sociais são tantas, que
travaram meu aparelho. Estou tentando
desbloquear a porcaria, quando atendo
uma ligação sem querer.
– Telefone da Jack Rock, bom
dia, Helena falando.
– Bom dia, Helena. Eu sou
repórter e gostaria de confirmar o
romance entre John e Natasha. – uma
mulher diz do outro lado da linha e dou
minha resposta padrão.
– Nada a declarar.
– Mas as fãs merecem saber se
Jona é real!
Ela praticamente grita em meu

ouvido. Jona? Sério que já estão
shippando essa merda?
– Como disse, nada a declarar!
Tenha um bom dia.
Desligo o telefone, só para
receber outra ligação imediatamente.
– Telefone da Jack Ro...
– Jona é um casal?
O homem não tentou fingir
educação. Respiro fundo, que o circo da
mídia comece...


CAPÍTULO 4 – Visitas
No curto tempo em que demoro a

chegar ao meu escritório, já estou com
vontade de pisotear o celular. As
ligações não param! A imprensa quando
acha que tem alguma fofoca quente não
dá sossego!
Qualquer notícia sobre um
membro da Jack Rock bomba na
internet. A fama deles aumenta a cada
dia, parece até que a fronteira do país
está ficando pequena demais. Uma
notícia do John com a atriz queridinha
do público é como uma explosão
atômica. E quem vai lidar com os
estilhaços disso? Eu, é claro.
Entro no elevador ainda olhando
meu telefone. Como vou ler e responder
a tudo isso? Terei que passar uma nota
para a imprensa e, para isso, precisarei
saber qual é a versão oficial diretamente
da fonte. Merda! Vou ter que falar com o
John.

– Estou sabendo que a fila
andou... – o desdém na voz irritante me
diz quem é mesmo que eu não olhe para
o seu rosto – Já não era sem tempo,
Ella! Como você se sente ao ser
trocada?
Guardo o aparelho no bolso e a
encaro de frente.
– Não sei, Nicole! – dou de
ombros – Eu não estou com John faz
tanto tempo que não considero
substituição – me aproximo dela,

ficando a um palmo de distância –
Agora já você, foi substituída antes
mesmo de ser titular, não é?
– Sua, sua...
O rosto dela fica vermelho de
raiva, parece que está se inchando para
a briga. Coitada! Como se eu fosse
arrumar confusão aqui e perder o meu
emprego. Aperto no botão do próximo
andar e o elevador para. Ao sair, seguro
a porta e me viro, mandando um beijinho
para ela.

– Bye, bye, #NiCadela!
Afasto-me e a porta se fecha,
mas não antes de eu ouvir um indignado:
– Do que você me chamou?
Entro sorrindo no meu escritório.
Meu dia já está melhorando! Largo a
bolsa em cima da mesa e vou ligando o
computador. Seleciono toda a minha
playlist e deixo a música no modo
aleatório. Estou respondendo os e-mails
e analisando a repercussão nas redes
sociais quando “Linger”, dos

Cranberries começa a tocar:
“I swore I would be true and

honey, so did you
So why were you holding her
hand? Is that the way we stand?
Were you lying all the time?
Was it just a game to you?”[18]
Não acredito que está tocando

logo esta música. Deve ser alguma piada
cósmica comigo! Não quero nem
começar a pensar o que ela representa
para mim
“But I'm in so deep, you know

I'm such a fool for you
You got me wrapped around
your finger...”[19]
Alguém bate à minha porta. O

Jaime não me avisou de visitas, então só
podia ser o Bobby! Levanto-me para
abrir com um sorriso, não há pessoa
melhor para levantar o meu astral do que
ele.
– Já disse que você pode entrar
sem pedir, afinal você é quem manda...
Meu rosto desmorona, não
esperava uma visita dele. Sua
sobrancelha se levanta, junto com sua
marca registrada: o meio sorriso de
deboche.
– Eu que mando, Helena?
John entra sem pedir licença e
começa a analisar cada centímetro do

meu escritório. Lembra quando eu disse
que o meu cantinho é pequeno, mas eu
não me importo? Bem, com ele aqui se
torna minúsculo e sufocante.
– pergunto ríspida. Ele não me olha,
permanece observando os pôsteres da
Jack Rock.
– Interessante escolha de
música...
Desligo a porcaria do alto
falante e sento em minha poltrona. Terei

que me acostumar a lidar com ele mais
cedo ou mais tarde. Pego meu bloco de
notas e aponto a cadeira à minha frente.
– Sente-se e me diga qual é a
declaração oficial sobre ontem à noite.
Ele senta como pedi, porém, fica
me encarando por longos segundos.
– O que você acha que
aconteceu?
– Eu não estou aqui para supor
nada, John – dou de ombros – Não me
interessa o que realmente houve.

Ele passa a mão no próprio
queixo, roçando sua barba. Ai... Meus
braços se arrepiam involuntariamente.
Foco, Helena!
– Eu quero saber mesmo assim,
Elle.
– Sério? – digo com o máximo
de desdém que consigo reunir – Da
última vez que te vi, você não se
importou com a minha opinião.
John comprime o lábio e me olha
sério.

– Queria te pedir desculpas,
Helena. Se eu não tivesse feito aquilo,
você não teria voltado para a sua cidade
e...
– CALA A BOCA, JOHN! –
grito com raiva – Não quero saber de
seus motivos, desculpas ou qualquer
merda que invente! Eu só preciso que
você me diga se está ou não fodendo
aquela mulher!
Ele levanta tão rápido que a
cadeira cai no chão. Em seguida, se

inclina em minha direção. Há fogo em
seu olhar, poucos centímetros nos
separam.
– Se você não se importa, por
que quer saber tanto?
Afasto-me e pego meu celular.
Como esperado, o visor mostra trinta
ligações perdidas nos poucos minutos
que ele está aqui.
– Eu não quero – viro a tela para
ele – Mas eles não irão parar até ter uma
declaração oficial sua.

Ele se afasta e vai em direção à
porta, sua pose arrogante está de volta.
– Eu irei ver qual a opinião da
Natasha.
– Ótimo, quando souber, peça a
Gabriel para me avisar.
Eu quero o mínimo de interação
com John. Ele fica parado segurando a
porta entreaberta e diz ainda de costas
para mim.
– Quase me matou saber o que
aconteceu com você, Elle.

Que irônico ele falar isto. John
não havia se dado ao trabalho de me
mandar nenhuma mensagem para saber
se eu estava bem ou palavra de consolo.
Idiota.
– Quase matou a mim, e eu fui a
única a sangrar de verdade, John.
– Fico feliz que esteja bem.
John sai antes que eu possa
responder. Eu não estava bem, mas irei
ficar! Pego o interfone e ligo para a
portaria.

– Oi, Jaime, tudo bem?
– Tudo ótimo, senhorita Helena!
O que posso fazer por você hoje?
– Eu gostaria de avisar que se
algum repórter nos procurar, você não
deve autorizar a entrada. E se o Sr. John
aparecer, por favor, não o deixe subir
sem avisar antes, ok?
– Entendido!
– Obrigada, Jaime. Tenha um
bom dia.
– A senhorita também.

Meu celular vibra com mais
ligações perdidas. Jornalistas são piores
que spam, quando a gente se livra de um,
aparecem dez! Duvido que alguma coisa
possa deixar este dia bom. Estou
tentando acalmar as fãs eufóricas do
Twitter quando o telefone toca.
– Telefone da Jack Rock.
Minha paciência para dar a
saudação completa acabou ainda no
metrô.
– Senhorita Helena, o senhor

Chris está aqui.
– Pode deixá-lo subir, Jaime.
Chris aparece com duas grandes
sacolas pardas: hambúrguer e milk-
shake! Mil calorias por mordida, ainda
bem que eu vou começar a malhar
amanhã. O abraço assim que ele larga a
comida na mesa. Eu tenho saudades da
época que o via todos os dias.
– Lembrou dos pobres mortais
assalariados, Chris? – digo enquanto
espalho a comida em cima da mesa.

– Eu nunca esqueço de você,
Elle – ele rouba uma batata frita do meu
pacote – Ainda mais quando vai me
visitar e não entra para dizer oi.
Tomo um gole do milk-shake
enquanto penso em uma resposta. O que
eu posso dizer ao Chris? Opto por falar
a verdade, eu já havia mentido demais
para ele.
– Eu estava de cabeça cheia e
precisava caminhar... Mas estava muito
cedo e resolvi voltar para casa. Como

você soube?
– O porteiro te viu parada em
frente ao prédio e me disse – Chris
pisca um olho para mim e se senta para
comer o sanduíche – Sabe que ele é o
meu único aliado ali. Por que precisava
caminhar tão cedo, Elle? Foi por causa
da festa de ontem?
Chris pensa que eu estou
chateada por causa da festa? Nada que
John fizesse poderia me magoar mais!
Depois de tudo que aconteceu, eu me

sentia anestesiada por dentro.
– Honestamente? Eu não sabia
sobre a festa pela manhã. A única
perturbação que isto me trouxe foi uma
dor de cabeça com os jornalistas.
Chris apenas balança a cabeça,
pensativo. Será que ele
sabe
sobre a carta ou a amizade dele com
John ainda não se recuperou? Não quero
espalhar os segredos de John. Contudo,
eu não tenho muita consideração pelo

que ele deseja mesmo! Então...
– John te falou algo sobre uma
carta? – tento sondar. Chris levanta uma
sobrancelha e pergunta impressionado:
– John te falou algo sobre a
carta?
Quais são as chances de a gente
estar falando de cartas diferentes?
– Gab me falou.
Eu me irritei tanto com a
presença de John aqui que não lembrei
da maldita carta. Chris me avalia com

olhos semicerrados.
– Por que Gabriel iria te dizer,
Elle? Qual diferença você pode fazer?
Esta é uma boa pergunta...


CAPÍTULO 5 –
Conversa
– Gabriel disse que John está em

um “caminho destrutivo”. Se isto é
verdade, eu fui a primeira vítima de sua
destruição! – diminuo meu tom de voz –
A única coisa que fiz foi indicar
psicólogos.
Chris suspira e se recosta na
cadeira. Falar com ele sobre o John

ainda é estranho, mesmo depois de tanto
tempo. A noite da gravação do clipe se
tornou um grande elefante branco na
nossa amizade.
– Eu acho que “destrutivo” é
uma palavra muito forte, ele está
menos... Sociável que o normal.
“Menos sociável” é um grande
eufemismo! Algumas fãs reclamaram no
Twitter, ele está sendo rude com todos.
Bem, quase todos...
– Creio que isso não é um

problema com a Natasha, não é?
– Então... Sobre isso, como você
está?
Balanço o copo de milk-shake
quase vazio no ar.
– Você trouxe isso porque é meu
favorito ou é apenas uma desculpa para
vir aqui?
Chris comprime os lábios em
uma linha fina. Ele pensa que eu estou na
sarjeta por causa do John e está aqui
para me dar apoio. Um lindo gesto, mas

desnecessário. Alcanço sua mão através
da mesa e a aperto.
– Obrigada por sempre pensar
em mim, mas estou bem – respiro fundo
e crio coragem para falar – Você... você
quer falar sobre aquela noite? Eu sei que
a gente conversou no hospital, mas eu
não quero nada entre nós dois.
Chris abre a boca para falar,
porém levanto minha mão para
interrompê-lo. Agora que comecei, eu
preciso dizer tudo de uma vez. Puxo

outra cadeira para sentar ao seu lado.
– Desde que cheguei aqui, as
pessoas me questionam sobre você. Eu
negava que houvesse algo além da
amizade. A verdade é que você sempre
foi lindo, Chris, por dentro e por fora –
seguro seu rosto com ambas minhas
mãos – Mas você sempre me tratou
como uma criança! Como sua para
proteger e cuidar.
Chris retira minhas mãos de seu
rosto e as beija.

– Eu te amo, Elle.
Fecho os olhos por um segundo,
tentando absorver a ternura de suas
palavras. Meus pensamentos estão
frenéticos, o que faço agora? Não posso
evitar as lágrimas que derramo. Este é
um ponto sem volta para nós dois.
– Eu sei, Chris, e eu já te amava
antes mesmo de entender o que é o
amor... Amor é um sentimento tão
grande, não tem preconceitos e acontece
quando a gente menos espera. Existem

tantas formas de amar! Você já namorava
quando eu comecei a me interessar por
garotos. Foi aí que eu percebi duas
coisas: eu era como Sam, sua irmãzinha
e não poderia me permitir te amar mais
do que já amava.
– Elle, me desculpe, eu...
Rio sem humor e seco minhas
lágrimas, interrompendo-o novamente.
– Quer saber quando eu percebi
isso? – Chris acena concordando – É
meio bobo, mas lembra quando a gente

assistiu Don Juan escondido da mamãe?
– Sim, você quase surta por
causa do Johnny Depp.
Ele sorri com a lembrança, eu
tive um crush louco pelo Depp na
época. Hum... Não sei se estou
totalmente curada agora!
– Lembra que eu adorava o clipe
do Bryan Adams, Have you ever really
loved a woman? Esta música fala sobre
como um homem deve tratar a amada. Eu
percebi que você não me via como

mulher.
Chris baixa a cabeça, encarando
seus pés.
– Elle, acho que você está certa.
Ele volta a me olhar com uma
expressão resignada.
– Eu estava sozinho, nas ruas,
quando comecei a fazer planos – ele
balança a cabeça em negação – Para
mim fazia sentido, sabe? A gente podia
curtir a juventude e depois compartilhar
a vida adulta.

Eu não sei se rio ou se choro do
plano louco dele. Chris nunca foi um
gênio quando se trata de ideias
mirabolantes, mas esta vez, ele se
superou.
– Chris, você já parou e se
ouviu? Sair festejando com vadias e
depois brincar de casinha, é sério?
– Isto era apenas um pensamento,
porra! Uma ideia estúpida de um
adolescente idiota! Eu nunca realmente
planejei como seria no futuro! Tudo

estava bem, até achar que você tinha
partido para sempre. Uma parte de mim
morreu quando te vi entubada no
hospital, esta é uma imagem que nunca
vou esquecer.
E de Bela Adormecida, eu havia
me tornado uma megera mentirosa.
– Chris, eu teria surtado se você
estivesse em coma, mas... Você não acha
que se me amasse como mulher, eu seria
suficiente e não haveria mais ninguém?
– Sim, mas...

– E não me venha com a
desculpa de que você “é homem e tem
necessidades”.
Ele está abatido.
– Eu sei.
– E você acha que isso é justo?
– Não sei.
– Você veio hoje para ver se eu
precisava de um ombro amigo, ou
porque você achou que eu estaria mais
vulnerável?
Eu sei que Chris não se
aproveitaria de mim ou de nenhuma
mulher, mas quero entender seus
motivos. Ele não responde, apenas
entorta a boca contrariado. Esta
conversa monossilábica não está nos
levando a lugar nenhum! Levanto-me e
volto para minha cadeira, deixando a
mesa entre nós dois.
– Quando você souber, me avise.
– E você, Elle? – Chris fala com
raiva marcando as palavras – Não sente
nada?

Não, eu estou anestesiada por
dentro. Uma letargia me consome,
apenas vivo um dia por vez.
– Eu te amo, Chris! Porém, não
sei se sou capaz de te amar como você
merece. Apesar do plano estúpido, você
é um homem maravilhoso! Qualquer
garota seria sortuda em tê-lo, incluindo
a mim. Eu o tive a vida inteira ao meu
lado e espero nunca te perder
novamente, ok?
Chris suspira alto e cruza os

braços.
– Você ama o John?
– Uma vez, eu pensei que
poderia amá-lo.
– E agora?
– John garantiu que isto não
acontecesse. Eu deveria ter te ouvido!
Não sei se foi o que aconteceu no
passado ou se é o jeito dele, mas ele nos
sabotou de propósito.
– Eu conversei com ele.
– Vai defendê-lo? – pergunto
com sarcasmo.
– Não, mas entendo o que
aconteceu – abro a boca para protestar,
mas Chris continua a falar – Eu não
concordo, mas compreendo.
Olho para o relógio. A minha
hora de almoço tinha acabado há muito
tempo.
– Chris, me desculpe, mas eu
preciso trabalhar.
Ao invés de sair, ele dá a volta
na mesa e se aproxima, levantando meu

rosto para encará-lo.
– Você promete nunca mais fugir
novamente?
– Prometo.
Ele beija minha testa e eu o
abraço apertado, seu coração batendo
em meu ouvido.
– Você promete que estaremos
juntos para sempre, Chris? Até ficarmos
velhinhos?
– Prometo, Elle – seus braços
me envolvem apertado – De uma forma

ou de outra, sempre estaremos juntos.
Ele se vai e eu fico repensando
sua visita enquanto imprimo as notícias
nos tabloides. Ai, Deus! Se esta
conversa tivesse acontecido antes, teria
sido muito melhor para todos. Tanta
mágoa aconteceu por que omiti meus
sentimentos...
Separo o material e levo para
Bobby ver. As notícias sobre “Jona”
vão de amigos, affair de uma noite, até
noivado. Bob achou tudo maravilhoso!

Aquilo é praticamente propaganda
gratuita, principalmente com um clipe
romântico prestes a ser lançado. É uma
mina de ouro publicitária em formato de
pombinhos apaixonados. Eca.
– Você já me enviou seus
documentos para oficializar sua ida na
turnê?
Ops.
– Então, sobre isso... Eu
realmente tenho que ir?
Bob retira os óculos e me encara

sério.
– Helena, já falamos sobre isso!
Eu preciso que alguém me represente na
turnê, você espera que eles organizem a
agenda de shows, meetings, entrevistas
e tudo mais?
– Não...
– Você prefere que eu envie a
Nicole no seu lugar?
– NÃO! – grito sem pensar –
Quer dizer, eu sei que ela está com
outras bandas agora. Eu vou.

Não darei este gostinho para a
#NiCadela.
– Eu gostaria de falar com você
sobre outra coisa.
Bobby diz e pergunto
apreensiva:
– Qual o problema?
– Falta um pouco menos de três
meses para as suas aulas começarem,
não?
Faço as contas em minha cabeça.
– Sim.
– Você já considerou educação à
distância? Tenho um amigo dono de uma
faculdade que oferece relações públicas
com aulas semipresenciais. Eu tomei a
liberdade de falar com ele e consegui
uma bolsa de estudos! Você poderia
assistir às aulas pela internet durante a
turnê e fazer as provas presenciais
durantes os intervalos.
Fico perplexa com sua proposta.
Eu não teria que me preocupar com os
custos da universidade e ainda
continuaria trabalhando! Meus olhos se
enchem de lágrimas, mas seguro a
emoção e falo com voz firme.
– Estou sem palavras, Bob.
Muito obrigada!
– Não agradeça a mim, isto foi
ideia do Chris.
Chris! Claro que foi ele, sempre
pensando no meu bem.
– Obrigada mesmo assim.
– Vá para casa e me envie seus
documentos e dados escolares. Irei
oficializar sua presença na turnê e meu

amigo fará a transferência de sua vaga
da sua universidade para a dele, ok?
– Ok!
Abraço Bob apertado e dou um
beijo na sua bochecha. Ainda não
acredito que meu futuro está garantido!
Preciso enviar os documentos e depois
farei uma visita surpresa para Chris. Eu
preciso agradecê-lo pessoalmente.


CAPÍTULO 6 – Treino
Corro feliz para o escritório,

agarro minha bolsa e volto para o
apartamento. Se tudo der certo, eu
poderei começar a estudar em breve!
Assim que entro em casa, pego
meus documentos, preciso escanear e
enviar para o Bob urgentemente! O
problema é que só tenho o notebook...
Michele! Ela é o gênio da informática,
não é? Bato com urgência em sua porta,
mas ninguém atende.
– Qual o problema, Elle?
Assusto-me com a voz dela.
Michele vem agitada pelo corredor,
parece suada e com o cabelo soltando
do rabo de cavalo.
– Você estava correndo de
alguém ou viu um fantasma? – pergunto
com sarcasmo.
– Algo como isso, você precisa
de alguma coisa?
– Sim, escanear estes

documentos – mostro os papeis em
minha mão – Você se importa?
– No computador?
– Não, na sua testa. O que você
acha?
Ela estreita os olhos para mim e
eu faço minha maior cara de inocente.
– Por favor?
Michele fala com voz macabra e
esfrega as mãos uma na outra, imitando
uma bruxa:
– É que o meu computador tem
algumas coisas que não devem ser vistas
por olhos mortais.
– Certo, Malévola! Se sua
multifuncional for wi-fi, eu posso enviar
diretamente para o meu notebook.
– Ótima ideia, vou ligá-la para
você!
Como se eu quisesse ver o que
tem no computador dela! Superei o meu
lado curioso, jamais ficarei imaginando
o que ela está escondendo. De jeito
nenhum.

– Elle, não esqueça – Michele
grita do apartamento dela – Amanhã
começa sua rotina fitness!
Ah, ela tem que me lembrar
disso logo quando o dia começou a
melhorar?
Envio todos os documentos para
o e-mail de Bob e libero a
multifuncional de Michele. Agora posso
fazer uma visita para o Chris! Quando
finalmente chego lá, o porteiro me para.
– Ele não está, senhorita Helena.

– Ah, que pena! Eu deveria ter
ligado antes.
Droga! Na minha empolgação,
esqueci de verificar se o Chris estava ou
não em casa. Pego um táxi na volta para
o meu apartamento. Já está começando a
escurecer e eu não me sinto segura
sozinha nas ruas. Ultimamente, eu não
me sentia segura em lugar nenhum.
Procuro a Michele para
jantarmos juntas, porém ela não está em
casa de novo. Que pena! Então como um

sanduíche enquanto ligo para o Chris.
– Oi, Elle!
– Oi para você também, Chris.
Eu fui te visitar agora, mas você não
estava.
– Foi?
Sua voz soa surpresa.
– Sim, eu queria agradecer pela
faculdade, o Bob me contou hoje.
– Conheci o amigo dele quando
fez uma doação para a Clave do Sol e eu
lembrei de você. Achei que seria a
melhor opção.
– E é, obrigada! Você vai fazer o
que hoje? Quer vir assistir um filme ou
algo do tipo?
– Elle... Hoje eu não posso.
Sua voz parece tão estranha,
seca.
– Tem alguma coisa errada,
Chris?
– Eu fui hoje falar contigo sobre
uma coisa, mas terminamos mudando de
assunto e eu não disse nada.

– Sobre o que?
– Olha, amanhã cedo eu passo na
sua casa e a gente conversa, ok?
– Ok...
Nos despedimos e ele desliga.
Chris não está normal e isso me deixa
apreensiva. Adormeço ainda pensando
nisso.
Estou em uma rua escura. A

chuva começa a me molhar e estou com
frio, meu vestido branco se adere ao

meu corpo. Sinto-me nua.
“Oi, anjo!”
Chris surge em meio à
escuridão e me beija. Suas mãos
envolvem minha cintura com
delicadeza, puxando-me para perto,
colando meu corpo ao seu. Ele me
encosta contra uma parede, seus dedos
provocando minhas costelas.
Chris. Chris. Chris.
“Eu não posso ser seu amigo.”
Seu beijo se intensifica. Os

dedos, que antes provocavam, agora
seguram minha cabeça, mantendo-me
imóvel para o ataque de sua boca.
Tento buscar fôlego, mal consigo
perguntar:
“O que você disse?”
Seu timbre de voz muda para um
tom mais rouco.
“Eu disse que não quero ser seu
amigo!”
Ele morde de leve meu lábio
inferior e afasta o rosto o suficiente

para que eu o veja.
“John?”
Uma mulher surge ao seu lado.
A garota me olha com desprezo, parece
ter nojo de mim. Fico envergonhada.
“Ela pensou que era alguém
importante? Esta menininha?”
John não fala nada, apenas
mostra seu meio sorriso de deboche.
Então, ele me empurra e a parede
parece ganhar vida. Mãos saem dela e
agarram meus pulsos e tornozelos, se

transformando em amarras.
Sufoco... Minha visão fica
turva, até que vejo Chris ao lado de
John.
“Me ajude!”
Mas ele não diz nada, apenas
me observa. Grito quando minha coxa é
esfaqueada por um canivete.
“Está vendo? Ela não é anjo, é
um grande nada!”
John levanta a arma, mas não é
ele, é o bandido do chalé.

“Você vai pagar caro, vadia!”
Sua arma dispara.
Acordo sobressaltada. Passo a

mão em meu peito, mas não há feridas
de balas. Outro pesadelo! Droga, pensei
que havia me livrado deles. Pelo menos
consegui dormir até as seis da manhã, já
é um progresso. Esses homens vão me
enlouquecer qualquer dia desses!
Visto minha roupa para ir comer
meu café da manhã na esquina quando a

campainha toca. Tão cedo e sem avisar,
só pode ser Michele!
– Bom dia, flor do dia!
Eu apenas levanto uma
sobrancelha para sua animação matutina
e ela dá de ombros para minha óbvia
falta de empolgação. Michele coloca um
copo enorme na minha cara, cheio de
coisas verdes flutuantes.
– O que é isto?
Olho desconfiada para o
conteúdo do líquido.

– Seu café da manhã!
E meu croissant? E minha salada
de frutas com cobertura doce extra?
– Suco de capim?
Ela balança o dedo negando.
– Suco detox! A partir de hoje,
vamos retirar toda a imundície que você
consumiu nos últimos dezoito anos.
Sei... Preciso de uns três copos
disso só para me livrar do almoço de
ontem. Provo um pouco, tem gosto de
abacaxi, hortelã e terra. Tomo logo tudo

de uma vez, assim me livro daquilo.
– Ok, treinadora! E agora?
– Agora você vai vestir sua
roupa de ginástica e vamos fazer alguns
alongamentos.
Ao chegar no apartamento de
Michele, fico impressionada com as
mudanças. Eu sei que o quarto principal
foi transformado em academia assim que
ela se mudou. Contudo, a sala também
está sem o sofá e com um grande tatame
vermelho no chão. Usamos ele para

fazer alongamentos. De zero a dez, meu
nível de flexibilidade é menos um. Meu
Deus, eu sou mais travada que porta
enferrujada!
– Vamos para a aeróbica, quer
começar pela esteira ou bicicleta?
– Esteira!
Michele liga a TV e coloca uma
playlist intitulada “Vídeos para malhar”.
O primeiro é Die Another Day, da
Madonna, tema de um dos filmes do
James Bond.

– Eu queria chegar à idade dela
e ter um terço da disposição que essa
mulher tem. – Michele diz.
– E eu queria ter um quarto da
voz dela – Madonna coloca a perna
atrás da própria cabeça em uma pose
louca de yoga – E da flexibilidade.
Corro cada vez mais rápido ao
ritmo da música. No clipe, ela é
torturada e canta sobre achar uma outra
saída, pois não é sua hora para morrer.
A escolha musical de Michele para

começar o dia é irônica. Ou seria, se ela
soubesse o que aconteceu comigo três
meses atrás.
Seguro o apoio da esteira com
força. Meu ritmo cardíaco aumenta e não
apenas pelo esforço físico. Ver uma
pessoa sendo cortada por faca e
amarrada em uma cadeira, mesmo que
não seja real, me lembra o chalé e tudo
que sofri lá. Puxo o dispositivo de
segurança e a esteira para
imediatamente.

– Elle, o que houve? – Michele
levanta e vem em minha direção – você
está pálida!
– Estou bem... Só preciso
recuperar o fôlego.
Não espero uma resposta dela,
tranco-me em seu banheiro. No espelho,
uma garota assustada me olha de volta.
Eu não posso viver assim! Poxa, um
vídeo causar uma reação dessas? Jogo
água gelada em meu rosto. De olhos
fechados, as lembranças do chalé se

misturam com o clipe.
Ela não é apenas torturada. A
Madonna luta contra uma versão obscura
dela mesma, seu maior inimigo é ela.
Aquele monstro do chalé morreu e seu
comparsa permanece preso. Se o medo
está dentro da minha cabeça, eu sou
minha maior inimiga também? Resolvo
seguir o conselho da diva do pop: irei
lutar contra os meus demônios, não é
minha hora de partir.
Abro a porta. Encontro Michele

e Chris parados no corredor, esperando
por mim. Eles falam em sincronia:
– Você está bem?
Ao mesmo tempo, eu pergunto:
Chris responde:
– Eu disse que vinha te ver, você
passou mal?
– Não, apenas corri rápido
demais – ando até a sala e aponto para o
tatame – Ei, Chris, que tal relembrar os
velhos tempos?
– Elle, o que você tem em
mente? – Michele pergunta curiosa, eu
olho para o Chris com um grande
sorriso.
– Ah, a gente podia se divertir
dando uma surra no loirinho aí.
– No loirinho aqui? – Chris sorri
arrogante – Desafio aceito, Elle.


CAPÍTULO 7 –
Desafios
– Você vai mesmo lutar contra

mim, Elle?
Sorrio para ele, a gente adorava
treinar juntos quando crianças.
– Claro, eu treinei tanto quanto
você!
Chris me dá um sorriso
conhecedor, isto é uma grande mentira e
ele sabe. Eu tenho poucas chances.
– Tem certeza que isto é uma boa
ideia? – Michele pergunta preocupada.
– Sim, você tem um kimono?
– Tenho dois, mas nenhum vai
caber nele.
– Ok. Vamos vestidos assim
mesmo ou quer desistir, Elle?
– De jeito nenhum!
Nós começamos uma luta
simulada que geralmente dura três
minutos, o primeiro a imobilizar o outro
ganha. Chris pode ser maior e mais forte
do que eu, mas a grande sacada do judô
é usar a força do oponente contra ele
mesmo.
O celular de Michele toca e ela
sai para atender. Chris tenta me derrubar
com um ouchi gari, passando sua perna
entre as minhas, mas eu uso um
contragolpe e ele cai no chão. Monto em
cima dele para imobilizá-lo segurando a
gola de sua camisa com o braço em cruz,
a intenção é aplicar um mata-leão.
Droga, sem o kimono é mais difícil!
Meu sangue ferve com o calor da
luta... Sabe qual o problema de ser
menor do que ele? Suas pernas
compridas conseguem enlaçar meu
tronco. Em um segundo, invertemos os
papeis. Ele está por cima de mim! Como
deixei isso acontecer? Porém, não me
dou por vencida! Tento escapar e uso
meu domínio sobre sua camisa para
evitar que ele avance.
Meus dedos doem com o esforço
e minha pegada enfraquece. Chris
aproveita e me imobiliza, finalizando o
treino. Nós estamos ofegantes, três
minutos em uma luta parece uma
eternidade. Meu cabelo todo solto do
coque e o dele caindo em seu olho. Seu
rosto a centímetros do meu. Chris
encosta sua testa à minha.
– Elle, eu estou namorando.
Hein? Chris? Namorando?
– O quê?
Ele me solta e se senta.
– Você ouviu bem o que eu falei.
– Com quem?
Michele volta com meu celular
em mãos.
– Elle, escutei o toque lá do seu
apartamento!
Pego o aparelho. Kim grita no
meu ouvido.
– Oi, louca! Sentiu minha falta?
Vamos nos arrumar a partir de que horas
para hoje à noite?
Ainda estou em choque. Tento
processar o que Chris falou quando ele
se levanta, beija minha testa e vai em

direção à porta.
– Mais tarde a gente se fala.
– Kim, espera um pouco –
coloco o telefone no mudo – Chris! Você
disse que queria conversar!
Ele sorri novamente para mim:
– Depois, Elle. Outro dia a gente
treina mais, ok?
Eu aceno a cabeça concordando
e ele sai. O que acabou de acontecer?
Retiro o telefone do mudo.
– Oi, Kim, voltei.
– Quem está aí?
– O Chris... Você sabe que ele
está namorando?
– Não exatamente. Ele tem
andado sumido nos últimos dias, pensei
que estava com você.
– Não...
Ficamos caladas por um
segundo. Michele começa a desmontar o
tatame e eu a ajudo.
– Falando nisso, quem vai ser
seu acompanhante?

– Eu tenho que levar alguém
mesmo?
– É claro!
Olho para Michele com cara de
cachorro pidão. Ela está relutante em ir
comigo.
– Ei, gata, você vai ser meu
encontro hoje, não é?
Ela baixa a cabeça meio
envergonhada. Ah, droga... Michele é
tímida demais!
– Eu já decidi... Não vou! – fala

categórica – Não lido bem com
multidões.
Kim grita no telefone:
– Deixa de bobagem, mulher! É
só uma festa!
– Sabe, Kim, a gente tem que
levá-la para se divertir uma noite
dessas!
Escuto a risada da ruiva do outro
lado do telefone.
– Sim, quem sabe ela destrava
um pouco!

Começo a rir também e Michele
bate o pé chateada.
– Vocês querem parar de falar de
mim como se eu não estivesse aqui?
– Ok, ok, desculpa – penso um
pouco em minhas opções – Eu vou levar
o Gab.
– O Gabriel?
Ambas falam surpresas ao
mesmo tempo, franzo a testa para
Michele e ela apenas continua a
desmontar o tatame.

– E por que não?
Kim responde:
– Por que ele vai estar
trabalhando hoje! A menos que você fale
com John, é claro.
Merda!
– Kim, você é uma amiga tão
maravilho...
– Não venha me bajular, Helena!
– Ok, vou ligar para ele.
– Boa sorte! Vai trabalhar hoje?
– Não, já está tudo pronto com a
empresa responsável pelo evento.
– Então, você só precisa estar lá
brilhando na sua estreia como estrela do
clipe, hein?
Faço uma careta tão feia que
Michele começa a rir.
– Não me lembre disso.
– Vamos jantar juntas e depois
nos arrumar, que tal?
– Combinado!
Quando desligo o telefone,
Michele está sistematicamente
colocando cada objeto em seu devido
lugar. Acho que ela tem um leve caso de
Transtorno Obsessivo Compulsivo.
– Quer ajuda?
– Não, eu preciso saber onde
coloquei cada coisa.
– Certo. Tem certeza que não
quer ir comigo hoje?
– Tenho, mas obrigada pelo
convite.
– Obrigada pelo treino.
– Que nada, é bom ter
companhia!
– Mas não de muita gente, hein?
– Sim, nada de multidões para
mim.
Vou para minha casa pensando na
minha manhã agitada. Lutar com o Chris
foi divertido e libertador. Saber que ele
está namorando é que foi um choque, ele
sempre me contava assim que começava
a se interessar por uma garota. Desta
vez, só me disse quando já está em um
relacionamento sério. Quem é ela? Acho

que terei que esperar para descobrir.
Pego meu celular e ligo para o segundo
homem que tem minha total confiança.
– Olá, meu querido herói!
– Oi, Elle, o que você quer?
– Nossa, Gab, eu não ligo só
para pedir as coisas, sabe?
Escuto sua risada do outro lado
da linha.
– Eu sei, mas quando você me
chama de “querido herói” é por que tem
algo errado e precisa de ajuda.

– Sério? Não percebi isso, mas o
que você vai fazer hoje à noite?
– Garantir a segurança de John e
Natasha no evento.
Magnífico! Terei que lidar com o
novo casal mais amado do país. Ao vivo
e a cores.
– Bruno pode fazer isto, não? –
falo esperançosa.
– Por quê? – Gabriel pergunta
desconfiado.
– Eu gostaria que você fosse meu

acompanhante hoje, por favor!
– Se você falar com John e ele
me liberar, eu aceitaria com maior
prazer.
– Ok, vou ligar.
Droga, para que eu preciso de
um acompanhante? Posso muito bem ir
sozinha! Que bobagem... Ok, Helena,
que tal ligar para o John ser a “coisa
nova do dia”? Faço a ligação antes de
perder a coragem.
– Olá, John, tudo bem?

Olha só! Até consegui
cumprimentá-lo como gente.
– Helena, por que você está me
ligando? Aconteceu alguma coisa? – ele
fala com urgência, mas sua língua enrola
no final.
– Você já está bebendo a esta
hora?
Sua voz sai irritada:
– Isto não é problema seu.
– Será problema meu se você
chegar bêbado e dando vexame na

estreia hoje à noite.
John suspira alto.
– Prometo não beber mais até a
noite. Satisfeita?
Dificilmente.
– Eu quero te pedir um favor,
você poderia liberar o Gabriel mais
tarde?
– Por quê?
– Eu preciso de um par e quero
que seja o Gab.
– E por que logo o Gab? – ele
enfatiza o apelido de Gabriel.
– O motivo é preocupação
minha, não sua – respiro fundo tentando
me acalmar – Olha, se algo der errado,
ele ainda vai estar lá! A diferença é que
entrará ao meu lado e não atrás de você.
O que me lembra a ameaça que
ainda paira sob a cabeça dele.
– Você soube de algo sobre seu
padrasto?
– Isto não é assunto para falar
pelo telefone, Helena – ele pausa por um

momento – Quem te disse foi o Chris ou
o Gabriel?
John soa irritado ao telefone. Se
ele não sabe, então Gabriel não deu a
minha sugestão de terapia.
– Isto não importa. Se você
precisar de algo durante a turnê, pode
falar comigo e tentarei resolver.
– Qualquer coisa, Helena?
Sua voz é sedutora, mas nem
tanto. Não soa tão tentador como antes.
– Não, John, não mais. Apenas

aquilo que cabe a mim como
representante de seu empresário e
produtor. Nada a mais.
– Helena, eu...
– Até mais tarde.
Desligo o telefone em sua cara.
Passo o dia arrumando o apartamento e
separando o que eu levarei durante a
turnê. Eu preciso ocupar minha mente.
Antes que perceba, já está na hora de me
encontrar com Kim.
A noite promete ser longa. Sinto

que a partir de agora, minha vida não
será mais a mesma.


CAPÍTULO 8 –
Namoradas
Encontrar a Kim sempre é

divertido, ela fez questão de me contar
as peculiaridades de cada pessoa
importante que estaria na festa. Eu já
tinha pesquisado sobre todos eles
enquanto fazia a lista de convidados,
mas mesmo a internet não conhecia os
detalhes sórdidos que a Kim sabia. No

mundo dos famosos, tudo é uma questão
de marketing e conexões.
Estamos chegando perto do local
da festa. Posso ver o brilho intermitente
dos flashes de longe. Eu tentei
convencer o Bob a retirar o tapete
vermelho. Não vejo necessidade de
tanto exagero, mas este é o evento do
ano para a Jack Rock. O pontapé inicial
para a nova turnê, ele quer todos os
holofotes na banda.
– Não se preocupe, Elle, eles

não mordem!
Kim fala brincando e o modelo
moreno ao lado dela começa a rir. Olho
para ele séria, é apenas mais um cara
querendo virar famoso. Descartável. A
ruiva gosta de pegar os novatos para
fazer um test drive. Segundo ela, eles
sempre estão ávidos em agradar.
Gab aperta minha mão para me
dar coragem.
– Qualquer coisa, a gente foge
pelos fundos, eu conheço todas as

saídas.
Sorrio para ele.
– Obrigada.
A limusine para em frente ao
tapete e Kim é a primeira a sair. Por um
momento, estou encandeada pelos
flashes. Quando minha visão volta ao
normal, fico sem fala. Oh. Meu. Deus.
Como o Bobby escondeu isso de mim?
– Aquilo é o que eu penso que é?
Gabriel fala tentando disfarçar a
risada:

– Creio que sim.
– Eu não vou descer do carro.
– É melhor que você vá antes
que a Kim volte e te arraste para fora.
Eu pensei que iria passar pelo
tapete vermelho sem ser notada, apenas
mais uma convidada qualquer. Acho que
me enganei. Um pôster gigantesco preto
e branco ocupa a parede inteira, a Jack
Rock com seus instrumentos em mãos
em uma rua chuvosa.
A montagem é linda, estilo noir

como no clipe. O problema é que no
centro de tudo estou eu: o anjo em
vestido branco com lábios vermelhos.
Minha boca e meus olhos castanhos são
os únicos pontos de cor de todo o
painel, além do nome da banda também
em vermelho. Jamais conseguiria entrar
despercebida, eu sou o destaque. Merda!
Assim que coloco o pé para fora
do carro, as câmeras se voltam para
mim. Escuto um burburinho alto que
varia de “é ela!” para “quem é ela?” e
“em qual agência de modelos você
trabalha?”. A presença de Gabriel ao
meu lado é a única coisa que me impede
de sair correndo.
– Sorria, Elle – Gab sussurra –
Você está parecendo assustada.
Sussurro de volta e tento sorrir:
– Eu estou assustada.
– Ok, menos, agora você está
parecendo o coringa.
Imaginar meu rosto igual ao do
coringa me faz rir de verdade e relaxar
um pouco. Kim se junta a nós e mais

fotos são tiradas até eu finalmente
alcançar a porta de entrada.
– Não sei como você se
acostuma com isso!
Kim dá de ombros.
– Faz parte! Por isto te disse
para trazer um acompanhante, assim
você não estaria sozinha lá com os
lobos.
– Obrigada, Kim! – finalmente
presto atenção à decoração do lugar –
Onde está o seu tio? Preciso ter uma

conversa séria com o Bobby!
Variações de fotos da banda e
minhas feitas durante a gravação do
clipe passavam em slides nos painéis de
vidro espalhados por todo o ambiente.
Eu assinei o contrato de liberação do
uso da minha imagem, mas não imaginei
que usariam tanto...
Finalmente acho meu alvo e o
puxo para um canto.
– Bob! O que...? Por que...? –
fico tão nervosa que não consigo

terminar uma frase coerente – Como
você não me disse nada?
Ele levanta as mãos em sinal de
rendição.
– Helena, deixa de drama! Você
fez o clipe, é claro que sua imagem ia
ser usada na propaganda!
Aponto para os diversos painéis
atrás de mim.
– Isso é demais! Você sabia que
eu ficaria constrangida!
– Claro! Por que acha que te

liberei hoje? – ele me vira de frente –
Veja como você está linda em cada uma
dessas imagens. Muitas sonhariam em
estar em seu lugar. Aproveite, querida, a
noite é sua também.
Balanço a cabeça chateada. Bob
não é o primeiro chefe a me dizer que
muitas mulheres sonhariam em estar no
meu lugar. Não deu muito certo da
última vez.
– Você me deve uma!
Bob dá uma gargalhada alta e

diz:
– Eu te arrumei uma faculdade à
distância com bolsa.
– Verdade! – digo contrariada –
Estamos quites então.
Ok, sem dramas. Respiro fundo.
Showtime.
♪♫ ♥ ♪♫
Volto para perto da Kim e do

Gab. Alysson apareceu enquanto eu
falava com Bob, sua acompanhante é
uma morena linda.
Uma comoção na entrada chama
nossa atenção, alguém chegou e estava
levando os paparazzi à loucura. Minutos
depois dois casais estonteantes entram.
John com Natasha e Chris com... Laura?
Ela é a namorada dele?
– Eu não acho que eles
combinam! – Alysson diz.
– Qual deles? – eu pergunto e

Kim responde:
– Todos.
Eu não tenho ciúmes de nenhum
dos dois, obviamente! Por que eu teria?
Mas devo concordar: eles não
combinam mesmo. Laura se aproxima
com uma expressão desconfiada. Saímos
para jantar semana passada e ela não me
disse nada. Laura não é minha melhor
amiga, mas me sinto enganada do mesmo
jeito. Tomar um pouco do próprio
veneno é uma porcaria.

– Oi, Elle.
– Oi, Laura! Alguma novidade
que queira compartilhar?
Antes que ela possa responder,
Chris fala em tom de aviso:
– Helena!
– Não venha com “Helena” para
cima de mim, eu não falei nada.
Laura intervém:
– Elle tem razão, Chris. Vamos,
eu quero dançar – ela se vira para mim –
Depois a gente conversa, Elle.
Quando eles saem, todos estão
olhando para mim.
– O que foi agora?
Eles respondem em uníssono:
– Nada!
– Vamos nos divertir, galera!
Afinal, isto é uma festa.
No open bar, pego um drink
gelado de morango. Eu o vi colocar um
destilado dentro, mas o sabor é tão doce
que não sinto o gosto do álcool.
A banda que toca no palco
suntuoso é maravilhosa, canta covers
perfeitos de músicas famosas em inglês
e espanhol.
Na pista de dança, eu me
surpreendo com o Gabriel. Ele pode não
ter o melhor rebolado, mas merece nota
dez por esforço. Após um tempo, Chris e
Laura se juntam a nós. Depois eu vou
conversar com ele, agora eu quero me
divertir com os amigos. E beber este
“suco” de morango, está delicioso. A
Jack Rock e seus pares dançam ao meu
redor. Quase todos.
John está do outro lado
conversando com um grupo de atores.
Sua mão envolve a cintura de Natasha,
puxando-a para perto. Ela sorri, não
como o coringa, mas um levantar de
lábios delicado. Quase perco o ritmo
quando percebo que não sou a única
observando os dois atentamente. A
#NiCadela está fervendo de ódio
contido. Espero que Natasha tenha
tomado a vacina antirrábica.
– Ei, Gab! Vou pegar algo para
beber.
– Eu vou com você.
Coloco a mão em seu ombro.
– Não, fique aqui! Eu volto já.
Pego o refil do meu drink e vou
me divertir um pouco.
– Sabe, Nicole, está meio branco
o canto da sua boca.
– O quê? – ela fala estridente e
passa a mão no rosto, manchando um
pouco seu batom perfeito.
– Me desculpe, é que de longe
parecia que você estava espumando pela
boca.
O olhar de laser dela se dirige
para mim. Ui, que medo!
– Sai daqui, Ella! #Some
– Ah, a #NiCadela não tem
ninguém para dançar com ela?
– Eu tenho o homem que eu
quiser, Ella! Vir com o segurança é
baixo até para você.
– Em primeiro lugar, o Gabriel é
mais homem do que a maioria dos
moleques que estão aqui. – dou um

passo para mais perto, encarando-a de
frente – E em segundo lugar, nós duas
sabemos que você não consegue e nunca
vai conseguir o homem que quer, não é
verdade?
– Meninas, o que está
acontecendo aqui?
Bob se intromete entre nós duas.
– Elle, lá em cima há uma
varanda com vista para o jardim de
fundo, por que você não vai respirar um
pouco? – ele olha de mim para a filha –

Nic, vá ajeitar seu batom, está borrado.
Ela arregala os olhos e foge para
o banheiro. Nossa, parece que está com
a roupa em chamas.
– Desculpe-me, Bobby.
– Apenas vá.
Faço o que ele disse. Encontro a
varanda facilmente, ela é enorme e os
jardins abaixo estão iluminados, mas
não tem ninguém lá. É tudo colorido e
delicado, de uma harmonia
impressionante. Inspiro o aroma das

rosas quando uma voz rouca me faz
expirar pesadamente.
– O que foi aquilo lá embaixo?


CAPÍTULO 9 –
Confronto
Ele se aproxima de mim, mas me

mantenho olhando para os jardins
externos.
– Me responda, Helena, o que
foi aquilo lá embaixo?
– Uma conversa entre amigas. –
digo com desdém.
– E desde quando você e Nicole
são amigas?
Viro-me para encarar profundos
olhos azuis. Falo com o máximo de
sarcasmo que consigo reunir:
– Desde que virei sócia do clube
de mulheres enganadas pelo John, que
tal?
Ele desvia o olhar de mim,
fixando em um ponto distante, parece
pensativo.
– Eu nunca quis te magoar, me
desculpe, Elle.

Cruzo meus braços
impacientemente, sério que ele quer ir
por este caminho agora?
– Honestamente? Eu não me
importo com suas desculpas, mas há uma
coisa que desde aquela noite eu quis
saber: por quê? – preciso disso para
fechar o meu passado com John – Foi
tudo uma mentira?
Ele volta a me encarar, com as
mãos segurando a grade varanda em
busca de apoio.

– Por muito tempo eu acreditei
que nunca poderia te ter. Depois eu
menti para mim mesmo achando que
você e Chris não seriam felizes juntos,
como um casal – ele para de falar, olhos
azuis me encarando com intensidade – A
verdade é que nós não seríamos felizes
juntos, Helena.
Tento assimilar suas palavras,
mas não consigo compreender sua
lógica.

isso?
– Eu sempre achei que o Chris
estava confundindo os sentimentos, você
era a garotinha dele, não a mulher. Se eu
tivesse você, não ficaria procurando
outras mulheres para me divertir até ter
idade para “sossegar”.
Começo a rir do absurdo que
John está falando. Ele me tinha e foi se
divertir com outras mulheres.
– Posso continuar?
– Claro...

Agora quero saber até onde ele
pretende ir.
– Na gravação do clipe, ele te
beijou como um homem sedento. Eu
ainda quis acreditar que ele estava
querendo provar um ponto. Pagar na
mesma moeda, sabe?
Me irrito com suas palavras.
– Você acha que o Chris é assim?
– Não – John dá de ombros –
Mas a raiva pode transformar as
pessoas. Meses antes de te conhecer, eu

tinha sido convocado para depor na
audiência de habeas corpus do meu
padrasto.
A mudança de assunto é tão
brusca que descruzo os braços e me viro
de frente para ele.
– Você nunca me falou sobre
isso.
– Não, porque eu pensei que meu
depoimento não faria tanta diferença,
mas fez...
– Por que você não foi?

John fala com voz embargada,
seus olhos brilham com lágrimas não
derramadas. Ele parece um homem
perturbado! Ver sua vulnerabilidade me
quebra um pouco por dentro, mas por
fora me mantenho impassível.
– Eu não queria que Carlos
descobrisse minha identidade atual ou
que isto terminasse vazando para a
imprensa – ele ri sem humor – Me dei
mal nessa, não é? Ele foi solto e minha
“super identidade secreta” não serviu de
nada.
E agora tínhamos um psicopata
livre.
– Mas se isto foi antes de você
me conhecer, por que a carta só chegou
agora?
– Os trâmites legais demoraram
um tempo, ele foi solto no dia da
gravação do clipe. Estava bebendo com
Kim e Aly quando recebi a ligação,
fiquei louco e na época, nem imaginava
que Carlos sabia a verdade sobre mim!
A única coisa que eu conseguia pensar

era que Carlos, o homem que matou a
mulher mais importante da minha vida,
estava à solta.
John para e respira fundo, como
se precisasse de fôlego para continuar.
Ele estica o braço para acariciar meu
rosto, porém me afasto de seu toque.
– Eu fui te procurar... Você
estava lá fora há um tempo, e comecei a
ficar paranoico, achando que Carlos
tinha te encontrado. Quando abri a porta,
te vi beijando o Chris! Porra, não sei se

foi a tequila, o medo e o ciúme, ou se eu
realmente tive um momento de clareza
naquela noite: você estaria mais segura
com o Chris.
– O quê? – pergunto abismada,
eu realmente ouvi isso?
– O Chris é melhor do que eu,
Elle... Eu tinha tirado a chance do meu
amigo de ser feliz e com ele você estaria
segura. Não queria que você tivesse um
alvo em sua cabeça, era hora de parar o
meu egoísmo. É claro que eu não

imaginava que você estivesse marcada
por aqueles criminosos, porque se...
– CALA A PORRA DA SUA
BOCA! – grito a plenos pulmões, John
para de falar com os olhos arregalados.
– Sabe o que você é, John? Um
idiota egocêntrico!! Como pôde decidir
o que é melhor para mim? Por que não
conversou comigo como uma pessoa
normal? Você não precisou de Carlos
para me tirar da sua vida, soube fazer
isso muito bem por conta própria.

– Eu estava preocupado com sua
segurança, porra!
Bato palmas e falo com escárnio.
– Parabéns, seu plano funcionou
perfeitamente! Eu quase morri e você
estava tão preocupado enterrado na
ruiva peituda, que nunca foi saber se eu
estava viva ou não!
Ele me segura pelos ombros tão
rápido que não percebi sua
aproximação. John estava a centímetros
do meu rosto, eu podia sentir seu hálito

de uísque. Agora sei por que ele está tão
falante, a bebida deve ter soltado sua
língua.
– Eu não transei com ninguém
desde você!
Jogo a cabeça para trás e
começo a rir descontroladamente, como
se eu fosse cair nessa conversa clássica!
Ele me sacode pelos ombros e eu o
encaro séria.
– Me solte agora, você perdeu
qualquer direito de me tocar!

Ele me larga como se minha pele
fosse feita de brasa. Mesmo antes, ele
não poderia me segurar contra a minha
vontade.
– Desculpe.
ele.
– Pelo quê?
John dá de ombros.
– Por tudo.
– Você queria que eu te odiasse e
me afastasse de você, missão cumprida!
Meus parabéns, um dos seus planos
finalmente deu certo.
Dou um passo para sair, mas ele
me impede. Estou presa entre ele e o
parapeito da varanda, John encosta sua
testa contra a minha.
– Já se passaram quase quatro
meses.
– E daí? – pergunto cansada.
– Por que você não está com o
Chris?
–Você acha que sou carente

assim, John? Que não posso ficar sem
um homem?
Eu o empurro e vou em direção à
porta. Antes de sair, John me pergunta:
– Um dia você vai me perdoar o
suficiente para ser minha amiga?
Sua voz parece quase
desesperada. Olho para ele, aquele rosto
que eu não tive tempo de saber se
realmente o amava.
– Que eu saiba, você nunca quis
ser meu amigo.

Saio e bato a porta com um
pouco mais de força do que planejei.
Creio que tomar ar fresco na varanda
não me relaxou nem um pouco. Dane-se
o coquetel geladinho de menina, eu
preciso de algo mais forte. Ah, a boa e
velha Kriptonita, que saudades do meu
drink verde favorito! Pego o copo e vou
beber em um canto mais escuro.
– Elle, você está bem?
Chris encontra meu esconderijo.
Olho para seu rosto lindo como sempre

e preocupado comigo e penso na
pergunta de John: por que não estou com
ele? Eu o amo, isto é um fato, ele é uma
parte tão importante da minha vida!
Laura está em uma conversa
animada com Kim e Gabriel do outro
lado do salão.
– Quando você começou a
namorar a Laura?
– Recentemente... – ele esfrega a
parte de trás da nuca em um gesto
nervoso – Eu não escondi de você de

propósito. Apenas queria ter certeza
antes de dizer a todo mundo.
Onde já ouvi essa conversa
antes? Ah, sim! De mim. Foi quase isso
que disse para ele quando conversamos
sobre John.
– Você a ama?
Chris demora um momento antes
de responder, como se precisar pensar
na resposta.
– Não, mas ela é uma garota
legal e eu estou cansado de me sentir

sozinho.
Sinto uma dor em meu peito. Não
sou idiota, sei minha parcela de culpa.
Olho para o homem mais gentil e
perfeito que conheço.
– Por que a gente nunca deu
certo, Chris?


CAPÍTULO 10 –
Amigos?
– Por que a gente não deu certo,

Chris? – repito a pergunta, já que ele
parece surpreso demais com ela para
responder.
– Acho que nunca tentamos, não
é mesmo?
– Por quê?
– Você me ama, Elle?
Chris pergunta em tom baixo.
Passo a mão em seu cabelo como fiz
tantas vezes quando éramos mais novos.
– Meu amor por você é uma das
poucas certezas que tenho em minha
vida – digo com sinceridade – Chris...
Você sempre foi meu porto seguro, meu
amigo, meu irmão. Eu não...
Ele segura minhas mãos, toda
sua atenção está voltada para mim.
– Você me ama, mas não se sente

atraída por mim, não é?
Desvio meu olhar, observo as
pessoas dançando. Ao fundo, os painéis
eletrônicos mostram as cenas do clipe.
Chris lindo, perfeito e idolatrado por
milhares de fãs. Ele é tudo que uma
mulher poderia sonhar em ter em sua
vida. Por que não na minha?
–Você me ama, Chris?
Ele coloca a mão em meu
queixo, forçando-me a voltar a encará-
lo.

– Sempre e eternamente, Elle – o
sorriso doce que eu adoro desponta em
sua boca – Não importa o que aconteça,
você sempre será minha menina. Eu
prometi para sua mãe que cuidaria de
você, devo tudo à tia Liz e vou cumprir
minha promessa – ele seca uma lágrima
que escapa com a menção do nome da
minha mãe – Eu sou o que sou por causa
de vocês duas.
– Não, Chris. Não diminua seu
mérito! Você é especial e qualquer
mulher que tiver seu coração, será a
pessoa mais sortuda do mundo! – me
estico para abraçá-lo – Um dia, uma
garota vai merecer todo seu coração...
Ou melhor, quase todo, já que uma parte
sempre será meu. Assim como você
sempre terá uma parte do meu coração,
Chris. Por que isso que é amizade, um
sentimento que vai além de qualquer
condição ou circunstância.
– Sempre juntos? – ele me
pergunta.
– Eternamente! – respondo

enquanto o abraço ainda mais apertado e
ele beija minha testa.
– Você está feliz, Chris? –
aponto com a cabeça para Laura que nos
olha desconfiada – Ela está cuidando
bem de você?
Ele demora um segundo antes de
dizer:
– Sim, agora vamos, que isto
aqui é uma festa!
Não foi muito convincente,
porém eu não vou discutir. Pelo menos,

não por enquanto. Chris é o melhor e eu
não aceitaria nada abaixo disso para o
meu amigo. Abraço Laura assim que me
aproximo dela e falo em seu ouvido:
– Cuide bem do meu amigo, ok?
Ela me olha séria.
– Não se preocupe, Elle! Eu sei
o que tenho em minhas mãos.
Certo...
– Ótimo!
Puxo Gabriel que estava
conversando com Alysson para dançar,
mas ele ainda tem uma postura rígida.
– Ei, Gab! Uma vez na vida, se
solte!
Ele semicerra os olhos para
mim, sinto que sou seu próximo alvo.
Gabriel segura minha mão e me faz girar
360º em torno de mim mesma. Fico meio
tonta, nunca fui muito boa no balé ou
qualquer outra dança e ele me apoia.
Caramba, acho que Gab nunca nega um
desafio!
– Olha só! Você está escondendo

seu John Travolta interior?
Ele começa a rir. Algo raro de
ser ver em alguém que vive de cara
fechada, mas esconde um coração de
ouro. Gabriel parou de cortar o cabelo
na máquina dois, ainda é bem curtinho,
mas forma uma moldura legal para seu
rosto e sobrancelhas naturalmente
arqueadas.
– Não se empolgue! Isto é a
única coisa mais elaborada que sei fazer
e não tinha certeza que você iria cair de

cara no chão.
– Bem animador!
Ainda estamos rindo quando
John e Natasha se juntam a nós na pista
de dança. A loira é tão alta que eu me
sinto uma minion! Nossa, Sam ao lado
dela seria o quê? Uma amostra grátis de
gente? De perto ela é ainda mais linda
do que nas revistas. E ainda é simpática,
não uma cadela como a Nicole!
Com o tempo e algumas
kriptonitas, eu termino relaxando.

Descobri como sobreviver à turnê!
Basta ignorar John, mesmo que ele
esteja a meio metro de mim com outra
garota.
A banda começa a tocar “La
tortura”, da Shakira, e meu olhar vai
diretamente para John. Não posso
evitar! A música parecia ter sido feita
para nós dois. Penso em sair da pista de
dança, quando um homem mais velho se
aproxima e fala alto o suficiente para
que todos ao redor possam ouvir.

– Quer dizer que o grupinho está
tentando se lançar como uma banda de
verdade?
Me assusto com as palavras
rudes. A postura relaxada de Gabriel
desaparece e ele se posta ao lado de
John. Sussurro para Kim:
– Quem é o idiota?
Kim me responde também em
tom baixo:
– É um concorrente do tio, tem
raiva por que John rejeitou um contrato

de exclusividade com ele! Agora quer
desmoralizar John e a Jack Rock a
qualquer custo.
– E o que ele está fazendo o
aqui?
Ela dá de ombros.
– Mantenha seus amigos por
perto e seus inimigos mais perto ainda
ou qualquer merda dessas. Negócios,
provavelmente.
Uma rodinha se forma, John
levanta o queixo com arrogância. Chris,

Alysson e Kim vão para o seu lado. Vejo
Bob andar apressado para perto, mas ele
ainda está do outro lado do salão.
– Nós somos uma banda de
verdade porque temos um empresário de
verdade. Não alguém como você.
O homem ri com desdém.
– É isto que você acha, John?
Vocês nunca vão atingir o outro nível
estando preso ao... Bobby! – ele fala o
nome com desprezo – Este não é nem um
nome de respeito.

Kim fala irritada:
– Não fale do meu tio deste
jeito! Ele é muito melhor do que você,
seu idiota prepotente!
– Aí é que você se engana,
garotinha – ele se vira para John – Mas
vocês se merecem! Não sei onde estava
com a cabeça quando achei que você
podia ser um artista de verdade. Não
passa de um cantor das musiquinhas que
escrevem! – ele aponta para a banda no
palco – Duvido que consigam algo como

a minha nova banda! Eles sabem cantar
perfeitamente em diversas línguas, serão
o próximo sucesso e não vocês!
Agora entendi o que Bob quis
dizer sobre “acordo de paz” quando eu
estava revendo o contrato da banda que
iria tocar hoje. Ele falou algo sobre dar
uma chance para um grupo em ascensão
de um amigo. O cara está visivelmente
alterado pela bebida, acho que o acordo
de paz não deu certo. John estreita os
olhos para ele e fala alto e calmo.
Tranquilo até demais.
– Este é o seu conceito de bom
ou ruim? Não seja por isto...
John sobe ao palco e pede o
violão emprestado. Ele diz algo para os
músicos, mas não consigo ouvir e
assume a posição em frente ao pedestal
do microfone. Todo mundo se aglomera
ao redor do palco na expectativa do que
ele vai fazer. Até Chris parece não ter
ideia.
Demoro um pouco para
reconhecer os acordes iniciais da

música Corazón Partió de Alejandro
Sanz. Caramba! Por um segundo até
esqueço que eu devo odiá-lo! Pelo
suspiro coletivo, suspeito não ser a
única empolgada com sua exibição. John
começa a cantar olhando diretamente
para mim:
¿Quién me va a pedir que nunca
le abandone?
¿Quién me tapará esta noche si
hace frío?
¿Quién me va a curar El

corazón partío?[20]”
Todos ficam calados, apenas
absorvendo aquela linda música. Não
apenas a música, John, com aquela voz
rouca e sexy cantando em espanhol e
tocando violão... Minha nossa! Eu não
entendia toda a letra, mas compreendia o
suficiente para sentir um aperto no meu
próprio coração.
“Después de la tormenta
siempre llegala calma
Pero, sé que después de ti

después de ti no hay nada...[21]”
Travo meu olhar ao seu e fico um

pouco triste ao pensar em como ele
aprendeu a tocar esta música.
Provavelmente foi sua mãe que ensinou
antes de morrer, ela era mexicana e
amava cantar. Isso até o padrasto dele
começar a destruir tudo de belo que
havia nela. Kim assobia ao meu lado
quebrando um pouco do encanto em que
eu me encontro.

– Uau! Não sabia que o John
cantava em espanhol! – ela fala enquanto
se abana com as mãos – Nossa, estou
sentindo até um calor!
Natasha concorda baixinho com
Kim:
– Eu também e olha que nem
gosto do tipo!
Não gosta do tipo? Como assim?
isso?
As duas me olham surpresas e

Kim sussurra em meu ouvido.
– O John não te falou? Ele disse
que ia te dizer no dia que saiu a notícia!
Balanço a cabeça negando.
– John não me falou nada...
Ela faz uma troca de olhares com
Natasha, como se pedisse permissão
para me dizer algo. A loira acena de
leve com a cabeça e Kim se aproxima
mais, sua voz sai tão baixa que eu penso
ter entendido errado.
– Natasha é gay.


CAPÍTULO 11 –
Segredos
Gay? Como assim gay? Por que

ela está com John então?
– Eu não entendo!
Antes que Kim possa me
responder, Natasha a interrompe.
– Elle, posso conversar com
você em particular?
– Com certeza!
Volto para a varanda com ela me
seguindo. Ainda bem que aqui ainda está
vazio. Não que eu precise de
explicações dela ou de John, a vida
pessoal dos dois não me interessa. Nem
um pouco.
– Helena, por favor, eu peço que
você não conte a ninguém o que vou te
dizer agora.
– Eu não pretendia contar a
ninguém, mas prometo ficar calada
mesmo assim. Meu trabalho é contornar

o circo da mídia e não criar um.
Por um momento, ela olha para o
teto, como se pensasse por onde
começar.
– Eu conheci John tempos atrás,
durante uma festa. Por trás de toda
aquela pose, existe uma boa pessoa...
Ficamos amigos e ele foi uma das
primeiras pessoas que confidenciei a
verdade: eu gosto de garotas.
Dou de ombros sem
compreender direito.

– E por que você mente para o
público? Para os seus fãs?
– Eu sou uma atriz, Elle – ela se
vira para me encarar – Todos os papeis
que faço são de mocinhas apaixonadas!
Estou presa às comédias românticas e
não posso quebrar essa “magia”!
A meu ver, a preconceituosa é
ela mesma.
– Eu acho isso uma bobagem.
– Não é, Helena. As pessoas
podem até colorir as fotos na internet em

prol da liberdade sexual, mas a maioria
faz isto por modismo e não por
convicção – fico calada por que
concordo com ela – Minha carreira está
em ascensão e eu não posso arriscar
agora.
– E qual o papel de John nisso?
Ela dá um sorriso contido.
– A gente estava conversando
sobre isso quando tiraram aquela foto.
Ele dizia em meu ouvido que me
apoiaria, não importa a decisão que eu

tomasse. Depois surgiu toda a história
do “Jona” e as pessoas estavam indo à
loucura com a ideia de nós dois juntos.
– E nossos empresários
concordaram que publicidade gratuita é
sempre o melhor tipo de propaganda.
Nós duas nos assustamos com a
voz grossa que fala de repente.
Caramba! John e capacidade de surgir
do nada e me assustar.
– Bem, Elle. Agora que me
expliquei, eu vou indo – Natasha me

abraça – Desculpe por qualquer
transtorno que te causei, não era minha
intenção. Eu pensei que John havia
explicado tudo.
Ela vai embora e nos deixa a
sós. Evito olhar para ele e fico
observando a porta por onde ela
passou... Não tive tempo de perguntar
que tipo de transtorno ela acha que me
causou. Cruzo os braços para enfrentar
um sorridente John.
– Colhendo informações, Elle?

Achei que você não se importava – ele
dá um passo mais perto de mim – Não
foi isso que você me disse no seu
escritório?
– Eu não pedi informações, ela
as ofereceu voluntariamente! Fique
sabendo que o único problema que isto
me causou foi com a mídia e nada mais!
Passo por ele rápido como uma
bala, minha intenção é chegar o quanto
antes à porta e fugir daqui também. Entre
a verdade e a música que ele cantou, é

muita coisa para eu processar. Na
verdade, o Bob tem que lançar logo este
maldito clipe de uma vez! Eu preciso ir
para casa e pensar!
Não consigo alcançar o meu
destino, John segura o meu braço. Em
questão de segundos, estou entre ele e a
porta.
– Quando eu aceitei manter a
farsa com a Natasha, eu só queria ajudar
uma amiga... Eu nunca esperei receber
algo em troca.

– Não seja hipócrita, o próprio
Bobby disse que era bom estar na mídia
antes do lançamento do álbum novo e...
– Não, Helena. Isto era o que os
empresários queriam, eu não me
importo. Acredito na nossa música, eu
sei que a Jack Rock é bom e não precisa
desses esqueminhas para ter ainda mais
sucesso.
– E o que você ganhou em troca
então, John?
Não sei dizer se sua expressão é

vitoriosa ou predatória.
– Eu descobri que você se
importa sim, Elle. – John sussurra em
meu ouvido, sua barba roçando em meu
pescoço – Você tentou bravamente
esconder seus ciúmes, mas eu pude
perceber em seu olhar.
Afasto meu rosto de seu alcance.
– Sua megalomania não tem
limites, John? – levanto meu queixo e
digo encarando-o de frente – Eu não me
importo com você!

– E agora quem está sendo
hipócrita?
Ok, minha paciência acabou!
– Olha aqui, seu...
– Cala a boca, Helena!
Não tenho tempo para processar
o que o “aviso prévio” significa. Seus
lábios macios estão nos meus, a boca
quente e provocativa, sua barba que me
deixa sensível. Não apenas isso, mas ele
por completo, seu cheiro e toque, sua
presença que invade todos os meus

sentidos.
Sinto como se minha pele tivesse
seu toque gravado nela, cada um dos
meus milhares de poros parece
reconhecê-lo. Que saudades de seu
corpo prensado contra o meu, suas mãos
em minha garganta e sua língua duelando
contra a minha. Ele me enlouquece e me
fascina. Há quatro meses eu não era
beijada, agarro seus cabelos e
aprofundo o beijo. Aproveito cada
segundo disso enquanto apoio
novamente uma perna no chão. Antes
que eu possa aplicar meu golpe, ele me
solta e dá três passos para trás.
– Não, não, não, Helena – John
fala ainda ofegante – Nada de me chutar!
Droga! Péssima hora para ele
aprender com os erros do passado. Eu
tento fazer minha melhor expressão
irritada, mas na verdade ainda estou
tentando acalmar meu ritmo cardíaco.
Ele aproveita para me dar um beijo
rápido nos lábios e antes de sair diz:
– Fique à vontade para negar,

Helena! Nós dois sabemos que você
ainda me quer.
– Meu corpo pode até te querer,
John, mas você nunca terá meu coração.
Por um breve momento penso
ver mágoa em suas belas feições. Ele
abre a boca como se quisesse dizer algo,
mas fecha novamente e sai sem falar
nada. Encosto minha testa contra a
parede fria, tentando me acalmar.
Merda! Eu e minha boca grande! Volto
para a festa e encontro Gabriel perto do

bar com dois drinks na mão.
– Estava te procurando! – ele me
entrega o copo com líquido verde –
Você desaparece mais que o Mestre dos
Magos.
Isso me faz rir. Fico imaginando
Gab mais novo assistindo desenho, é tão
destoante de sua postura atual!
Tomo um gole da bebida gelada
e verifico o relógio no pulso de Gabriel.
Quase meia noite, o momento da estreia.
Ótimo, eu estou pronta para dar esta

noite como encerrada.
– Me desculpe, eu sou a pior
companhia de todos os tempos – enlaço
meu braço ao dele – Vamos, está quase
na hora.
Bob sobe ao palco e faz um
discurso sobre o início da Jack Rock e
sua trajetória. Fala um pouco da Clave
de Sol, que está quase pronta para ser
inaugurada, do início da turnê, do novo
álbum e dos projetos futuros.
Ainda finaliza perguntando se

gostaram do show surpresa de John
cantando em espanhol. Tudo
“planejado” como parte do grande
espetáculo! O poder de persuasão do
Bobby é tão grande que até eu quase
acredito... Se eu não soubesse da
verdade.
As luzes se apagam e apenas o
telão gigante por trás do palco se
acende. O estilo noir do clipe combina
perfeitamente com o tom da música.
Imagens em preto e branco deles no
estúdio de gravação se misturavam com
as deles em cenários individuais,
sempre com um único objeto em tom de
vermelho.
A música começa como uma
balada calma, mas o ritmo vai
aumentando. A cena muda de Chris no
telhado para John caminhando na rua. E
de repente, lá estou eu, vestido branco
esvoaçante e lábios de rubi em destaque.
Prendo minha respiração, eu sei que sou
bonita, é claro, mas ali estou etérea...
Transcendental. Quase não me
reconheço.
– Elle, parabéns! Você está
linda!
– Obrigada, Gab... – respondo
automaticamente, ainda com os olhos
grudados na tela.
Então, John atravessa a rua, suas
mãos envolvendo meu pescoço,
beijando-me. Uau! A batida forte da
música marca o beijo: paixão, desejo e
luxúria derramam pela tela. No final da
letra, ele percebe que o anjo não o
pertence e que está condenado à

escuridão.
John fica mais para atrás, poucos
metros afastado e com uma expressão
atônita. Chris se aproxima rápido e me
toma em seus braços, ele envolve minha
cintura e a parte de trás da nuca. Seu
beijo é mais calmo, assim como o ritmo
da música. Tem calor sim, mas tem
muito carinho.
O clipe acaba com a banda
inteira tocando na chuva enquanto estou
parada ao fundo, entre a luz e a

escuridão. O público rompe em
aplausos e gritos, mas ainda estou
processando o que vi. É tudo tão óbvio e
no fundo eu sempre soube a verdade: um
é a tempestade e o outro a calmaria, o
amante e o amigo, John e Chris.


CAPÍTULO 12 –
Discurso
Os aplausos são tantos, que mal

escuto Gabriel tentando chamar minha
atenção.
– Elle, Bob está acenando para
cá! Só falta você subir no palco.
Ai, merda, esta é a parte que eu

mais temia. Eu tenho meu discurso
memorizado, hoje vai ser minha estreia
também como porta voz da Jack Rock.
Meu coração acelera de ansiedade. Eu
definitivamente não deveria ter bebido
tanta kriptonita! Apesar de que ela
ajudou a diminuir minhas inibições...
Respiro fundo.
Showtime.
Bobby e todo a Jack Rock já está
em cima do palco, eu realmente sou a
última a subir. Coloco-me em frente ao

microfone, aquele mar de rostos me
causa tanta apreensão que esqueço o que
devo falar! Até que encontro Gab no
meio da multidão, um sorriso
encorajador entre tantos olhares
curiosos. Concentro-me nele.
– Eu nome da Jack Rock, eu
gostaria de dar boa noite a todos. Para
os que não me conhecem, eu sou Helena,
a representante do Bob no que concerne
à Jack Rock. Nós esperamos que vocês
tenham gostado da música, o álbum já
está à venda e disponível também na
versão digital...
Uma mão se levanta no meio da
multidão. O homem está com um
caderninho na mão, provavelmente um
jornalista.
– Pois não?
– Você é o anjo do clipe, não é?
– Sim, eu fiz uma participação
no clipe – continuo com meu discurso
decorado antes que o esqueça – A turnê
nacional começará no próximo sábado
com um show especial na arena...

O mesmo homem me interrompe
de novo.
– A atuação de vocês no clipe
foi bastante realista, existe uma história
de fundo? A letra é muito profunda, de
onde surgiu a ideia da música?
Que cara insistente! Isto aqui não
é coletiva de imprensa, babaca! O
problema é que assim que faz esta
pergunta, todos ao redor começam a
cochichar. Alguns até levantam os
celulares e apontam para mim. Merda!

Reconhecendo o início do meu
desespero, Chris se adianta e pega o
microfone.
– O autor da música é Alex
Bianco, ele não pôde comparecer hoje,
infelizmente. Helena é uma amiga da
banda que nos fez um favor de atuar em
nosso clipe quando houve um problema
técnico com a modelo previamente
escolhida. Obrigado.
Volto a assumir a posição ao
microfone e falo o mais educadamente

possível. Aqui havia apenas pessoas
influentes e convidados seletos. Aqueles
do meio artístico que tinham o potencial
de ajudar a transformar esta turnê em um
sucesso total. O fracasso não é uma
opção, tudo tem que dar certo.
– Eu estarei à frente da turnê
durante as viagens e qualquer parceria
ou contato com a banda deve ser feita
através de mim – pego uma taça de
champanhe que vários garçons estão
oferecendo e a levanto – Vamos brindar
ao início de um novo ciclo para a Jack
Rock! Obrigada.
Mais aplausos e flashes se
seguem enquanto a gente sai do palco.
Apesar de ter falado tudo com clareza,
minhas mãos tremem de leve. Bob me
ajuda a descer os degraus.
– Está vendo que foi tranquilo?
Eu te disse! Eles podem até latir, mas
não mordem.
– Bob, eu ainda estou me
tremendo!
Mostro minha mão para ele.

– Relaxe, isso passa!
Tomara que sim. Ainda atrás do
palco, eu abraço o Chris.
– Obrigada por me salvar lá.
– De nada, Elle. Mas tenha
cuidado, repórteres quando sentem que
tem algo escondido, não param até
descobrir o que é.
– Eu sei, estarei mais preparada
da próxima vez...
– Você está linda no clipe, Elle –
ele coloca uma mecha errante atrás da

minha orelha – parabéns.
Mordo meu lábio inferior
pensando em como responder. Ele está
com Laura agora e eu sou o que sempre
fui desde o dia que nasci: sua amiga.
Mesmo assim, ainda foi estranho ver
aquelas cenas em alta definição em um
telão gigante.
– Eu só fiquei parada lá, mas
obrigada mesmo assim.
Levo um susto quando Aly me
abraça por trás.

– É isso aí! Vamos arrasar! Você
estava tão poderosa lá em cima. – Kim
fala e Aly complementa:
– E tão gostosa também – ele
beija rápido meu pescoço – Sempre que
quiser relaxar sem drama algum, pode
me procurar!
– Não venha com essa! Você é o
culpado de eu ter feito o clipe!
Ele se curva e faz uma
reverência:
– De nada!

Começo a rir, Aly não tem jeito
mesmo! Chris vai ao encontro de Laura
e todos voltam para a festa. Todos não...
Uma mão me segura pelo cotovelo.
– Está vendo, Helena? – John
aponta para a tela distante que ainda está
repetindo o clipe – Você lembra como
éramos juntos? Porque eu me lembro...
Do seu toque, do seu perfume – ele
esfrega a ponta do seu nariz na curva do
meu pescoço – Do seu sabor.
Todo o lado direito do meu

corpo se arrepia. Ser insensível a ele é
uma tarefa quase impossível.
– Eu me lembro de como você
fazia eu me sentir, John – ele alisa o meu
braço arrepiado, percebendo o quanto
me afeta – De como o meu corpo
reconhecia o seu – viro-me para ele –
Mas eu me lembro mais de como me
senti quando você cantou aquela música.
Por favor... Apenas me deixe em paz.
John se afasta como se minhas
palavras o tivessem queimado. Eu sei

que em mim deixaram marcas, como um
gosto amargo na boca.
– Eu vou tentar, Helena.
Saio de lá e volto para o salão
principal. Eu não preciso derramar
lágrimas para saber o significado do
peso que sinto em meu coração. Eu
quero perdoar John, eu sei que também
errei. Talvez fingir que nada aconteceu
seja o caminho mais fácil.
Contudo, e se ele fizer de novo?
Nenhuma mulher deve viver com um

homem em quem não confia. Sem
companheirismo, há apenas ilusão. O
verdadeiro perdão é um caminho muito
mais árduo do que fingir que esqueceu,
não existe um botão de desligar para a
mágoa. Também não consigo deletar
tudo que sinto por ele.
Meu coração e minha mente
estão em uma relação de amor e ódio
por John. Eu não sei qual dos dois está
vencendo.
– Elle, o que você tanto

resmunga? – Gab pergunta.
– Nada não, esquece! Já
podemos ir para casa?
– Claro! Assim que você falar
com todo mundo...
– Que todo mundo?
Ele aponta discretamente com a
cabeça e percebo que diversas pessoas
estão olhando para mim com um sorriso
exagerado. Estão parecendo com Sam
quando era criança e queria que eu
brincasse de boneca com ela.

Cumprimento todos um a um,
agradecendo os elogios pelo clipe e
explicando o procedimento para marcar
entrevistas ou confirmando as que já
estavam agendadas.
Nunca falei com tanta gente em
tão pouco tempo! Droga, amanhã não
vou me lembrar o nome de nenhum... O
último é um homem alto e loiro, acho
que é apresentador de algum programa.
O problema é que não consigo lembrar o
nome dele de jeito nenhum, não sou de
assistir TV.
– Eu gostaria de marcar uma
entrevista.
– Claro! A banda só estará aqui
até a semana que vem e já temos
compromissos marcados. Posso tentar
encaixar um...
– E se a entrevista for com você?
– ele me interrompe.
– O quê?
– E se eu quiser entrevistar você
e não a banda? Tem algum horário livre
esta semana?

– Eu? – pergunto desconcertada
– Desculpa, mas meu trabalho é marcar
entrevista, não concedê-las.
Finalizo com meu sorriso do
Coringa. Cara, eu tenho que treinar isto
em frente a um espelho, isso já está
ficando esquisito.
– Tem certeza? Eu acho que você
deveria ampliar suas funções, então –
ele morde o lábio e me analisa da
cabeça aos pés – Ou talvez, pensar em
mudar de profissão.

Ok... Bonitinho, mas com cara de
perseguidor. Que tipo de homem morde
os lábios na vida real?
– Tentador! Mas não, obrigada.
O senhor gostaria de marcar algo com a
banda?
– Por favor, eu não sou tão mais
velho que você. Me chame de Andy.
Andy! É isso... Ainda bem que
ele disse o nome ou eu teria que
pesquisar na internet. Assisti uma vez
seu programa, um fofoqueiro metido a

galã.
– Eu entrarei em contato com sua
produtora para marcarmos a entrevista,
senhor Andy.
Enfatizo as duas últimas
palavras.
– Não precisa – ele retira um
cartão de visitas do bolso – Este é meu
número, eu vou esperar sua ligação.
Coitado! Vai esperar sentado...
– Com licença – Gab nos
interrompe – Elle, estão te chamando.

Aceno adeus para o apresentador
metido e sigo Gabriel para o outro lado
do salão.
– Quem está me chamando?
– Ninguém, você estava com
cara de quem queria fugir dali.
– Você é meu herói, Gab! Será
que a gente pode ir para casa agora?
– Boa noite, Helena – uma
mulher baixinha e ruiva me cumprimenta
– O clipe ficou maravilhoso e você
estava perfeita! A impressa tem direito a

entradas de cortesia para o show de
inauguração da turnê?
– Obrigada... – sua puxa saco –
Qual imprensa você representa?
– Eu sou do...
E por aí vai o restante da minha
noite. Não fico um segundo sozinha sem
que alguém venha pedir algo. Isto até
Gabriel praticamente me arrastar para
um canto afastado.
– Atenda o telefone – Gab me
entrega o aparelho nervoso – Sua amiga

mal-humorada está ligando sem parar!
Pego meu celular que eu havia
deixado em seu bolso. Quem será? E
como conseguiu tirar Gabriel do sério?
– Alô?
– Elle, é você? – Michele berra
do outro lado da linha – Finalmente!
Esse grosso não queria passar a ligação!
– Oi, Mi, sou eu sim. O que
houve?
Ela fica calada por um momento,
depois fala balbuciando.

– Você verificou a internet agora
à noite?
– Não! Ainda estou na festa, por
quê?
– Ah, bem... Se eu fosse você,
não voltaria para casa hoje.
– Por que não?
O celular apita com a solicitação
de chamada de vídeo da Michele. Ela
tem uma expressão de espanto em seu
rosto, depois vira a câmera e diz:
– Por isto.

Ah, merda.


CAPÍTULO 13 –
Paparazzi
Michele aponta a câmera do

celular para a frente do nosso prédio,
que está tomada por pessoas. Que
porcaria é esta? Como eles me
descobriram tão rápido e por que estão
lá?
– Michele, o que você falou
sobre internet?
Gabriel olha o celular por cima
do meu ombro, seus olhos se arregalam
e ele xinga baixinho enquanto pega o
próprio telefone. Aposto que foi ligar
para o resto da equipe de segurança!
Fico impressionada com a velocidade
que as notícias se espalham, chego a
pensar que foi rápido demais...
– Eu vou te mandar o link, é
melhor você mesma ver.
– Ok, obrigada!
Aguardo ansiosamente os

segundos que ela demora em me enviar
o link. É de um site conhecido de
fofocas, isto não pode ser bom.
Ai. Meu. Deus! A manchete diz:
“Bomba! John e a modelo do
novo clipe da Jack Rock já tiveram um
affair! E ele ainda beijou uma fã na
frente dela!
Helena, também conhecida
como Elle, é o anjo do novo clipe da
Jack Rock. Mas parece que de ‘anjo’ a
garota não tem nada! Segundo nossas

fontes, ela era assistente pessoal de
John e teve um caso com ele. Isso
mesmo! Ela se agarrou com o chefe, o
nosso sempre gostoso John.
Mas esta gata borralheira não
teve um final feliz! O affair não durou
muito e ele beijou uma fã na frente da
Elle em pleno bar aqui mesmo na
cidade! Agora ela trabalha para Bob, o
empresário da banda.
Só digo uma coisa, essa Helena
deve ter amigos importantes para

continuar rondando a Jack Rock! E
segundo consta, ela estará em turnê
com eles! John a mantém como reserva
ou ela estaria de olho em alguém mais
da banda? Seria Elle uma ameaça para
nosso amado casal Jona? Clique no
nosso vídeo exclusivo e confira!”
Vídeo exclusivo? Quão pior isto
pode ficar? Chamo Gab para um canto
escondido do salão e assistimos ao
vídeo juntos. Foi gravado de um celular
no bar da tia do Ed. Quem filmou, estava
em um ângulo mais alto e distante. A
câmera foca em John cantando Sexed Up
e a loucura das pessoas ao redor dele.
No canto do vídeo, eu apareço.
Ouvir novamente esta música e rever
aquele dia ainda é capaz de quebrar meu
coração. Caramba! É como se estivesse
acontecendo de novo. Nossos olhares
travam um no outro e minha expressão
de desgosto é evidente, até ele pegar a
ruiva e beijá-la. A dor que ainda sinto
pode ser percebida mesmo com a baixa
resolução do vídeo, que chega ao fim
quando saio do campo de visão, indo em
direção à porta de saída.
– Temos que descobrir quem é a
fonte.
Me assusto com Gab. Estava tão
concentrada na tela do celular que
esqueci dele!
– A pessoa que gravou este
vídeo estava apenas filmando um
famoso em um bar. Ele não pretendia
filmar nada além disto.
Franzo a testa.
– Como você pode ter certeza?

– Observe o ângulo que ele
estava... – ele volta o vídeo e aponta na
tela – Você aparecer na filmagem foi
puro acaso.
Eu realmente não entendo qual a
lógica que Gabriel está tentando me
mostrar. E daí se a gravação foi
intencional ou não?
– Que diferença isto faz?
– Elle, entenda! A pessoa que
gravou teve um golpe de sorte, mas o
informante não. Eles não poderiam

concluir tudo que tinha na reportagem
baseado só neste vídeo.
– Então o informante tem que ter
algum contato com a banda!
Ai, que raiva! Não preciso
pensar muito para saber que só uma
pessoa poderia fazer isto! Procuro a
#NiCadela no meio da multidão.
– Nicole me paga!
– Opa! – Gabriel segura meu
braço – Você não pode acusá-la sem
provas!

– O caramba que eu não posso!
– Calma, Elle. Não precisa ser a
Nicole! – Gab baixa o tom de voz, como
se quisesse me acalmar – Se fosse ela,
sua imagem estaria destruída.
– O quê? – ah, ele não
conseguiria me acalmar tão fácil – Você
acha que ela não seria capaz disso?
– Pense bem, Nicole teria
envolvido Chris e seus pais. Dito que
você é interesseira ou algo assim. Ela é
venenosa e te odeia, esta notícia não é

sensacionalista o suficiente para ser
dela.
Droga! Contra a lógica não há
argumentos. E mesmo que seja ela,
Gabriel tem razão, não posso acusar sem
provas.
– Se não é ela, quem é?
Gabriel dá de ombros.
– Qualquer pessoa que esteve no
seu aniversário ou no show beneficente
da Jack Rock. Alguém que viu vocês
juntos pela cidade ou no hotel quando

viajaram. Algum convidado esta noite...
– Resumindo – digo derrotada –
Qualquer um?
– Basicamente, sim.
Maravilha! O que vou fazer
agora? O celular de Gab toca. Ele
parece nervoso com quem quer esteja do
outro lado da linha. Mau sinal. John e
Chris estão vindo a passos rápidos e
decididos. Péssimo sinal.
– Acabamos de ver o vídeo.
Os dois falam ao mesmo tempo e

Gabriel complementa:
– O apartamento dela está
cercado.
– Sim, já fui informado da
situação – John diz.
– Como você sabe? – pergunto,
mas ele me ignora e continua a falar:
– Chris vai sair com Laura pela
porta da frente. Ele vai desviar a
atenção dos paparazzi que estão
esperando para nos bombardear de
perguntas, facilitando nossa fuga pelos

fundos.
– “Nossa fuga”? – desta vez, sou
eu e Chris que falamos ao mesmo tempo.
– Isto não tem lógica, John. Eu
sair escondida com você é muito pior do
que enfrentar os paparazzi!
Chris concorda comigo:
– Ela deve ir para minha casa!
sobrancelha para nós dois e aponta para
o Chris.
– Você é o porta voz da banda...
Quer mesmo que eu vá lá e converse
com as pessoas?
Olho para o Chris e ele balança
a cabeça em negação. O plano do John
parecia o melhor, até porquê, não
tínhamos outra alternativa. Os paparazzi
queriam a mim, a ele ou a Natasha.
– Ok, eu vou com você – me viro
para o Gab que estava ouvindo tudo com
o celular ainda nos ouvidos – Você já
chamou o carro?
– Sim, em cinco minutos o Bruno

vai estar nos fundos.
– Vou buscar a Natasha.
John e Gab saem. Fico só com o
Chris.
– Você vai dizer o quê?
– Eu vou tentar acalmá-los...
Pelo menos não falaram de mim ou da
nossa infância – ele me olha sério –
Elle, se eles acharem que você está
envolvida com nós dois, não teremos
paz nunca mais. Entendeu?
– Sim, entendi. Que bom que

você está com Laura, não é? – tento
amenizar, Chris balança a cabeça
concordando.
– É, ótimo... Eu vou chamá-la
agora.
– Tchau, Chris.
– Boa noite, Elle... Se cuida.
Procuro o Bob e explico a
situação. Ele já sabia dos jornalistas do
lado de fora da festa, mas não dos da
minha casa. Gabriel me acompanha aos
fundos do salão e avisa que devemos

esperar meia hora no carro até John
aparecer com Natasha. Assim, não iria
parecer que saímos juntos. O banco da
limusine é tão confortável que só acordo
com John me balançando com
delicadeza.
– Elle, chegamos.
Olho ao redor desorientada. Um
pouco de baba escorre da minha boca.
Eca! Que elegante da minha parte...
Reconheço o local, é o jardim da casa
de John.

– Já chegamos? Onde está
Natasha?
– Nós a deixamos em casa.
– E por que você não me
acordou?
Ele se inclina em minha direção,
só agora percebo que estamos em um
local pequeno e fechado. Muito
próximos.
– Eu não queria que você me
pedisse para te deixar em um hotel ou
algo do tipo.

– Isto não passou por minha
cabeça... – falo sem pensar e o sorriso
dele é vitorioso.
– Só o Chris poderia falar com
os repórteres? – pergunto curiosa e seu
sorriso amplia mais.
– Não, a Kim poderia ter feito
isso – meros centímetros nos separam
agora – Mas isto não passou por sua
cabeça também, não é?
Balanço a cabeça negando.
Posso sentir sua respiração fazendo

cócegas em minha pele. Foco, Helena!
Ok... Estou focando... na boca dele tão
próxima à minha. Abro a porta e saio do
carro rapidamente. Vamos lá, Elle!
Respire fundo, ar puro e sem o perfume
de John.
– Por que tanta pressa, Helena?
– Estou com sono, a noite foi
longa. Onde vou dormir? – seus olhos
brilham quando pergunto isto – E não me
olhe com esta cara!
– Que cara?

– Cara de quem tem ideias muito
más!
– Ah, Helena! Eu sempre tenho
ideias com você – ele se aproxima como
um predador de mim – Mas eu prometo
que elas são muito... Boas!
Ai! Suas palavras saem com
milhares de promessas ocultas. Eu bebi
demais ou é o efeito que John causa em
mim? Preciso fugir daqui ou não serei
responsável por minhas atitudes. Ao
invés de respondê-lo, entro na casa

quase correndo. Os quartos são no andar
superior e é para lá que sigo. John está
no meu encalço.
– Venha, Helena – ele abre uma
das portas – Pode dormir aqui.
Não posso deixar de notar que é
ao lado do quarto dele.
– Obrigada, John.
– De nada, Elle. Precisa de mais
alguma coisa?
– Você pode me emprestar
alguma roupa para dormir?

– Claro.
Ele entra em seu próprio quarto
e eu no meu. O cômodo é grande e
aconchegante. A cama parece tão
convidativa... Olho-me no espelho.
Como vou sair deste vestido? John bate
à porta.
– Aqui, Elle.
Ele me entrega as roupas e
começa a sair do quarto.
– Espera – solto o cinto que
marca minha cintura – Você pode abrir

os botões para mim?
O vestido delicado tinha pelo
menos vinte botões nas minhas costas.
Wanessa me vestiu e eu pretendia
chamar Michele para me ajudar a sair
dele. Agora, porém, apenas John está
presente.
– Com prazer, Helena.


CAPÍTULO 14 – Perto
do limite
– Comporte-se, John! – falo

séria, porém, ao mesmo tempo, penso:
“segure-se, Helena”.
Estou de costas para ele, seus
dedos calejados pelo violão começam a
desabotoar meu vestido. Um por um.
Não pense na magia que esses
dedos podem fazer!
dedos podem fazer!
dedos podem fazer!
Ah, droga! A cada botão, minha
pele se arrepia com seu toque! Eu não
posso evitar, é uma reação involuntária.
Sinto minha coluna queimar... Um rastro
de fogo que para no último botão, logo
acima do meu quadril. Parte da minha
pele está exposta pelo vestido aberto.
John não se move, tudo que posso ouvir

é a minha respiração e a dele.
Eu deveria me mexer. Pedir para
ele sair. Lembrar que eu tinha prometido
a mim mesma que ficaria longe de John.
Fazer alguma coisa... Qualquer coisa.
Mas não consigo! Fico parada, presa ao
magnetismo que nos atrai. Mãos quentes
envolvem minha cintura por dentro do
vestido, puxando-me de encontro ao seu
peito.
– Você pediu para eu me
comportar – ele beija meu ombro

exposto – É realmente isto que você
quer, Helena?
Fico calada. Eu o quero? Não
sei dizer se em algum momento eu
realmente deixei de querê-lo, mas... E se
ele me trair de novo? E se eu continuar
envolvida em sua teia para ser enganada
novamente? Um relacionamento pode
sobreviver se não houver total
confiança?
– Eu prometi me manter
afastado, Helena – John toma meu

silêncio como uma negação e me solta –
Farei isto e serei bom até que você se
canse – ele se aproxima, mas não me
toca, apenas sussurra em meu ouvido –
E quando este dia chegar, eu prometo
que serei melhor ainda...
Minutos depois que John sai,
ainda estou tentando controlar meus
pensamentos e hormônios, não
necessariamente nesta ordem. Seco uma
lágrima errante que sai contra minha
vontade. Entre a dor e excitação que
sinto, acho que preciso de um banho
frio... Ou dez!
Tiro toda minha roupa e abro o
chuveiro ao máximo, entro de cabeça
embaixo dos jatos de água. Ai, que
droga! Quem foi o louco que inventou
essa ideia de água gelada para acalmar
os ânimos? Caramba!
Ok... Água morna. Bem melhor!
Relaxe, Elle... Apenas se lave! Passo o
sabonete pensando em John. Em sua voz
rouca, o local que suas mãos estavam
pouco tempo atrás, para onde teriam

ido... O que ele faria comigo e... Meus
dedos parecem ganhar vida própria e
ficam cada vez mais frenéticos... E... E...
Ah, merda! É sério que estou fazendo
isso pensando em John? Enxaguo-me e
saio do chuveiro.
Analiso as roupas que John
trouxe. Uma camiseta da Jack Rock,
visto-a rapidamente. Não sei por que
nos livros as mocinhas sempre ficam
farejando as roupas dos homens.
Encosto meu nariz na manga da camisa...
É, só cheira a roupa limpa mesmo. Não
que eu quisesse dormir com uma camisa
usada dele para ficar sentindo o
perfume, é claro!
Além da camisa, ele me deu uma
boxer! O John quer que eu durma com a
cueca dele? Dou de ombros, acho que é
o único “short” dele que caberia bem em
mim e até que é confortável! Adere-se
tanto à minha pele que tenho a sensação
de não estar usando nada.
Gostei... Vou roubar essa ou
comprar umas para mim.

Definitivamente comprar é a melhor
opção, nada de levar cuecas de
souvenir!
Olho para a parede que separa
nossos quartos, nenhum ruído de lá. Será
que John já adormeceu? Helena! Me
repreendo mentalmente, e daí se ele está
ou não acordado? O melhor que faço é
dormir e dar este dia como encerrado.
Minha cabeça com certeza
precisa de um momento de descanso.

♪♫ ♥ ♪♫
A rua está escura. Uma chuva
fina cai do céu e molha meu vestido
branco. Ouço um choro de criança.
“Socorro! Socorro!”
Um garoto grita. Meus pés
correm velozes. Preciso salvar a
criança! Uma casa simples de muro
baixo surge à minha frente. Entro, mas
não tem ninguém, está tudo escuro, até
que ouço uma voz distante cantando
Corazón Partío.
“Garoto? Onde você está?”
A música para.
“Aqui, Helena.”
Viro-me para encontrar um
rapaz que aparenta ter a idade de Sam.
Ele não tem barba e seus cabelos são
curtos, mas são seus olhos que chamam
minha atenção. Um azul intenso.
Cristalino. Lindo. Eu sei quem é, já vi
olhos assim antes.
“Arthur?”
Seu sorriso é doce. Parece feliz

por tê-lo reconhecido.
“Sim – seu semblante fica de
repente sério – Salve-me, Helena.”
“Como eu posso fazer isto,
Arthur?” – imploro por orientação.
Ele acaricia meu rosto com
delicadeza e aponta para um ponto
atrás de mim. Um homem está parado
com uma arma apontada para Arthur.
Não! Fico entre ele e o desconhecido
misterioso.
Eu vou te proteger, Arthur! O

homem dá um passo à frente e só então
posso ver seu rosto. Reconheço
imediatamente a barba e o cabelo
preso em coque. Olhos azuis
exatamente iguais ao jovem parado
atrás de mim. John.
– Só você pode me salvar, Elle...
– Arthur me vira pelos ombros,
fazendo-me encará-lo de frente –
Salve-me!
A arma dispara. Não! Não! Não!
Ele cai no chão e eu o embalo no colo.

O vermelho manchando nossas roupas.
Seu sorriso ainda é doce. Limpo com o
polegar o filete de sangue que escapa
de sua boca.
– Desculpe, Arthur! Eu falhei...
Ele passa a mão em meu rosto
com suavidade.
– Não, Helena! Você é a única
que pode me salvar... De mim mesmo.
– O quê?
O John adulto aponta a arma
para a própria cabeça. Levanto-me em

sua direção, mas o tiro ecoa pela casa
abandonada. Nãããão!
Acordo sobressaltada. O
pesadelo foi tão real que eu ainda tenho
a sensação do sangue dele em minhas
mãos. Minhas mãos tremem, estou
sufocando aqui! Abro a varanda para
que o ar circule e só então escuto o som
do violão.
“I don't remember the moment I
tried to forget
I lost myself is it better not said

Now I'm Closer to the Edge
It was a thousand to one and a
million to two”[22]
Ah... Não, não, não, não! Sei que

música está cantando, Closer to the
Edge, da minha segunda banda
preferida: Thirty Seconds to Mars. Só
perde para a Jack Rock, é claro.
“No, I'm not saying I'm sorry
One day, maybe we'll meet
again”[23]
O sonho fica repassando em
minha mente. “Você é a única que pode
me salvar de mim mesmo”. E eu não
posso ficar me enganando. Eu já o
perdoei em algum nível inconsciente,
caso contrário, não teria sonhado aquilo.
Afinal, os sonhos são uma forma de
trabalhar os problemas do dia a dia, não
é? E no momento, John é meu principal
problema! Porém, também é a solução.
Ele está cantando sobre estar mais perto
do limite. Dane-se! Eu já atingi o meu.
A porta do seu quarto não está
trancada. Entro sorrateiramente, tantas
lembranças aqui! De quando ele me
segurava com carinho e paixão, ou
quando me confidenciou os segredos de
seu passado como Arthur.
John está na varanda, olhando
para o nada.
– Não conseguiu dormir?
Ele para de tocar e coloca o
violão no chão, sento-me ao seu lado.
– Eu dormi sim...
Será que teve pesadelos

também?
– E o que te acordou?
– Você.
John vira seu rosto para mim,
seu semblante está tão triste que parte
meu coração. A última vez que o vi
assim, ele estava me contando sobre a
morte de sua mãe.
– Desculpa, John. Eu acho que
não sou a única a sofrer nesta história
e...
– Eu estava dormindo – John me

interrompe – E ouvi você gritando os
meus nomes. Você chamou por Arthur e
depois por John. E foi aí que eu entendi.
– Entendeu o quê? – pergunto
confusa.
– Eu não sou bom para você,
Elle – ele se levanta para sair – Eu te
perturbo até nos sonhos. Agora sei por
que você quer que eu te deixe em paz.
Seguro seu braço, impedindo-o
de partir.
– Acho que tem razão, John!

Você realmente me perturba e tira minha
paz. Quer saber por quê?
– Por quê?
Ele pergunta com voz derrotada.
– Porque ao seu lado a vida
nunca é fácil ou monótona – fico em pé,
de frente para ele – Você faz meus
hormônios e nervos ferverem com igual
intensidade. Minha pele anseia seu toque
e minha boca o seu beijo.
Ele envolve suas mãos em minha
cintura, trazendo-me para perto.

– Então, por que você foge de
mim?
– Porque meu coração quer
confiar em você, mas minha mente tem
medo – encosto minha testa em seu peito
– Eu já perdi meus pais, quase perdi o
Chris... Não quero te ter, só para te
perder de novo.
– Isso nunca vai acontecer, eu
prometo.
– Você já quebrou uma promessa
antes.

– Eu sou um idiota – ele beija o
topo da minha cabeça – Mas um idiota
que aprende com seus erros. Já posso
deixar de ser bonzinho?
Bato em seu peito.
– Que bela forma de estragar o
clima, John!
Ele começa a gargalhar alto.
– Calma, Helena! – ele começa a
morder de leve a base da minha
mandíbula, sua barba arrepiando meu
pescoço – Afinal, eu disse que quando

parasse de ser bom, seria melhor
ainda...


CAPÍTULO 15 –
Melhor ainda
Eu talvez não tenha o perdoado

totalmente, mas já passamos tempo
demais separados! Foram meses de
castigo não só para ele, como para mim
também. Já sei que posso viver sozinha,
agora quero saber se posso conviver
com ele.
– Melhor ainda, hein? – mordo a

borda de sua mandíbula – Vou aceitar
isso como um desafio.
– Ah, Helena! Você ainda não
viu nada… – John diz ainda provocando
meu pescoço com sua boca. Pego em
seus cabelos, puxando sua cabeça para
trás.
– Não, John... Você ainda não
viu nada!
Seguro a barra de sua camisa e o
arrasto até o colchão. Seu olhar é pura
malícia.

– O que você pretende fazer,
Helena?
Não respondo, apenas sorrio
maliciosa enquanto arranco sua camisa
com tanta pressa que seus cabelos se
soltam do coque, caindo em cascata ao
redor do pescoço.
Ah, sim! Seu corpo enxuto,
porém definido, e a tatuagem na
clavícula... O cabelo e barba. Lindo!
Exatamente como eu me lembrava...
Como senti sua falta!

– Eu pretendo – empurro-o e ele
cai em cima da cama, monto em seus
quadris – Me aproveitar de você.
Lembra quando eu disse que a
boxer é confortável? Pois é... Ela é
muito fina também, adiciona um atrito
legal à fricção contra ele. Beijo-o com
toda a luxúria que eu tenho acumulada.
John se senta, seu olhar quente é uma
carícia à parte, além de sua mão que
desce do meu pescoço até meus seios.
Acariciando, apertando...
Enlouquecendo.
– Elle... Todos esses meses eu
fiquei imaginando como seria te ter de
volta – ele belisca meus mamilos e
fecho os olhos, gemendo – Agora que te
tenho, não quero pressa. Ok?
Volto a encará-lo e aceno com a
cabeça concordando, beijando-o com
calma. Todo este tempo, eu tentei evitar,
mas também imaginei algumas vezes
como seria tê-lo de volta. Eu achava que
estava me torturando ao pensar nele,
mas como eu poderia me envolver com
o Chris ou qualquer outro homem?
Mesmo distante, John imperava os meus
sentidos.
Ele me deita, colocando minha
cabeça com cuidado no travesseiro.
Desta vez, nosso beijo é mais suave,
com algo a mais além da luxúria. O que
começou acelerado, quase raivoso,
passa a uma lentidão que quase me faz
perder os sentidos. A mão deslizando
pelo meu pescoço e indo em direção aos
meus seios viaja de forma preguiçosa,
explorando as minhas curvas e me
enlouquecendo no caminho. Seu toque,
seu perfume... Lento ou rápido, tudo nele
me excita.
John fica de joelho no meio da
cama, uma perna de cada lado do meu
quadril. Segura a barra da minha blusa,
levantando-a aos poucos. Então, ele
começa a beijar cada parte de pele
exposta. Ah! Me arrepio toda com o
roçar de sua barba em contraste com o
macio de seus lábios. Esse negócio de ir
devagar não é para mim, acaba com meu
autocontrole.

– John... Vai logo!
O safado tem a cara de pau de
rir!
– Dessa vez não peça que tenha
pressa. Eu não posso – ele coloca uma
mão dentro da minha boxer, circulando
devagar – Quero sentir toda a sua pele
na minha mão. Preciso ter a certeza que
você continua sendo minha.
Fecho minhas pernas, apertando
minhas coxas ao redor de sua mão. Ele
aumenta a pressão que faz contra mim e

um gemido alto escapa de meus lábios.
– Eu já te disse! Esse negócio de
“minha” não...
John interrompe minha fala com
um beijo faminto, mordo seu lábio
inferior e retiro eu mesma a porcaria da
camisa, jogando-a do outro lado do
quarto. Apoiada em meus cotovelos,
levanto uma sobrancelha, desafiando-o a
continuar com seu ritmo lento. Não há
mais sorriso, ele me encara como se eu
fosse sua próxima refeição. Bem, acho

que eu realmente sou.
– Eu estava com saudades até
desse seu jeito impaciente!
Suas mãos entram novamente na
minha boxer, fazendo movimentos
circulares rápidos. Jogo a cabeça para
trás e fecho meus olhos, John aproveita
para beijar minhas pálpebras fechadas.
Sua boca faz um caminho até os meus
seios: primeiro a língua, depois sucção,
mãos e dentes. Ah! Ele envolve minha
cintura com um braço e eu enrolo seu

quadril com minhas pernas. É isto que
eu quero! Pele encontrando pele e seus
quadris friccionando contra os meus.
– John!
– Isso, Helena! – ele aumenta a
velocidade de seus dedos – Este é o
único jeito que eu quero ouvir você
gritar meu nome.
Caramba! No momento, eu odeio
a tal da cueca boxer, ela pode ser um
grande empecilho! Não consigo nem a
colocar de lado para facilitar o acesso

dele... John resolve o problema rápido,
fica em pé e retira o que resta de nossas
roupas. Somos só nós dois, sem
nenhuma barreira. Ops... Falando nisto!
– Camisinha?
– No mesmo lugar de sempre.
Estico-me para alcançar a gaveta
e pego não apenas a camisinha. Hum...
Aproveito que ele ainda está em pé e
fico de bruços na borda da cama. Minha
cabeça na altura ideal de seu quadril.
– Helena...

Sua voz sai como um sussurro de
antecipação, John sabe qual é a minha
intenção. Adoro tê-lo em minha boca!
Assim, ele é todo meu, eu controlo o
ritmo. Derramo algumas gotas de óleo
comestível nele. Não que o sabor dele
seja necessariamente ruim, mas com
gosto de uva é ainda melhor. Até hoje
tento entender o que o “almiscarado”
dos livros significa.
John prende meus cabelos em
uma mão e se inclina para alcançar entre
minhas pernas. Também me inclino para
facilitar seu acesso. Vario o ritmo entre
rápido e devagar, forte e suave. A
pressão que suas mãos exercem em mim
e seus gemidos são meus indicativos.
Levo-o até o limite e volto. E ele faz o
mesmo comigo, somos mestre e fantoche
um do outro.
– Isso, Helena!
Meu nome em sua boca é um
aviso que ele está perto. Coloco a
camisinha e mudo de posição. Seu corpo
cobre o meu, cada porção da minha pele

conectada à sua.
– Me beije, John.
E ele o faz enquanto me
preenche. O ritmo do seu beijo
marcando o mesmo ritmo dos seus
quadris. Primeiro suave, depois rápido e
cada vez mais rápido, sem desacelerar.
Começo a ofegar, minhas unhas
arranhando suas costas. Tão perto, tão
perto...
– Sinta, Helena – ele morde meu
ombro, sua voz ainda mais rouca pelo

esforço – Eu sou todo seu! Só seu!
– John!
É a única coisa que consigo
verbalizar entre meus gemidos e as
sensações que ele provoca em mim.
John fica de joelhos novamente, mais
forte e mais profundo. Ah!!! Isso, isso...
Eu posso sentir, tudo e um pouco mais!
Não demora muito para o prazer
dominar todo o meu corpo, grito
novamente seu nome e ele me segue logo
em seguida.

John se joga na cama e me puxa
para seu peito.
– Você está bem? – pergunto
preocupada após alguns segundos.
Ele parece realmente precisar
recuperar o fôlego, mas começa a rir.
– O quê? Está me achando fora
de forma?
– Ué, você ainda está ofegante!
– Ah, é? Da próxima vez, você
fica por cima e vamos ver quanto tempo
demora para se recuperar.

Se ele que malha todos os dias e
tem um corpo desse está cansado,
imagina como seria comigo?
– Ok... Não falo mais nada!
Levanto-me para tomar banho e
ele me segue.
– O que você pensa que vai
fazer? – aponto para a cama – Você
estava sem fôlego há um minuto!
– Eu só quero economizar água
pelo bem do planeta!
– Certo, bom samaritano! – digo

rindo e ele entra no chuveiro comigo.
Entre beijos e carícias, acho que
teríamos economizado mais água se
tivéssemos tomado banho separado.
Depois, visto novamente sua camiseta,
não me importo se ela tem ou não seu
perfume, pois possuo algo muito melhor.
Tenho o John em pessoa ao meu lado
durante a noite toda.
Dormimos abraçados e nenhum
dos dois teve pesadelos.


CAPÍTULO 16 – Novo
dia
O barulho irritante de um
telefone vibrando me desperta. Droga!
Eu deveria ter desligado o celular.
Ainda sonolenta, alcanço o aparelho e
atendo.
– Celular da Jack Rock, Helena
falando.
A pessoa do outro lado da linha
fica muda. Foco na tela, o contato está
salvo como “Mr. M”. Ops... Não estou
em minha casa e não é o meu celular.
Sacudo John, que dorme profundamente.
– Que foi? – ele resmunga.
– Atenda!
Seus olhos arregalam quando ele
vê quem está na linha. Eu não vou fingir
que não estou prestando atenção à
conversa. Mr. M, quem quer que seja,
ouviu a minha saudação habitual e sabe
que estou com o John às... Verifico a

hora, caramba! Dormimos demais, são
quase meio dia! Bem, pelo menos eu
atender a ligação não significa,
necessariamente, que dormi aqui.
– Alô? – ele escuta calado o
interlocutor – Certo. Uh-hum. Entendido.
Em seguida, John desliga o
telefone. Ligação rápida, hein?
– Quem era?
– Um cara que conheci lá da
gravadora. – ele fala despreocupado
enquanto larga o celular na cama.

– Eu atendi, desculpa. Você acha
que ele vai vazar isso na mídia?
– Não, tenho certeza que não –
John se deita ao meu lado – Vamos fazer
o que hoje?
– Nós – digo enquanto vou
escovar os dentes, porque ninguém
merece bafo matinal – Vamos ao estúdio
de tv. Vocês têm uma entrevista marcada,
esqueceu?
– Antes a gente pode chamar o
Chris para almoçar. – ele fala

casualmente.
Fico feliz quando ouço o John
dizer isso. Estamos realmente
aprendendo com nossos erros. Não iria
cometer o mesmo pecado novamente,
Chris será o primeiro a saber que eu e
John voltamos. Espera aí, eu voltei com
o John?
– John, o que estamos fazendo?
– Você, eu não sei – ele começa
a escovar os próprios dentes – Mas eu
pretendo tomar um banho bem demorado

com uma morena linda que conheço.
Tiro a roupa devagar, fazendo
um showzinho para ele e entro embaixo
da água quente. Hum... Delícia.
– Eu quis dizer: o que você é
para mim?
John me encara sério, ele
também tira a roupa e se junta a mim
embaixo do jato de água. Suas mãos
embalam meu rosto, nossos corpos
molhados colados, a língua invadindo
minha boca minha boca devagar.

Saboreando. Passo os braços ao redor
do seu pescoço e enrosco minhas pernas
em seu quadril. John me apoia contra a
parede.
– Elle, para mim você é a garota
dos meus sonhos, aquela que desejo ter
ao meu lado – ele passa o polegar em
meus lábios – Mas o que eu significo
para você, não posso responder – John
me olha com a intensidade de quem quer
enxergar minha alma – Você vai ter que
perguntar isso a si mesma.

– Quando você se tornou este
cara sensível? – minha intenção era
fazer uma piada, mas as palavras saem
sérias.
Ele se esfrega contra mim,
fazendo-me gemer.
– Eu sempre fui assim, só você
que não percebeu.
John começa a se empurrar
dentro de mim. Me penduro mais em seu
pescoço. Nos unindo ainda mais.
– Eu não lembro disso... Você

não era muito simpático.
– E nem você! – Ele aumenta o
ritmo e eu esqueço sobre o que a gente
estava discutindo. Tomar banho com
John sempre é mais divertido!
♪♫ ♥ ♪♫
Depois do banho, não sei o que

usar! Reviro o guarda roupa de John até
encontrar uma camiseta comprida da
Jack Rock. Ela bate no meio das minhas
coxas, isto não é suficiente! Coloco o
cinto preto que eu usei noite passada e
dobro as mangas até expor meus
ombros. Com meus cabelos presos em
um coque, pareço descolada com um
vestido da banda. Isto vai servir!
Procuro Maria pela casa, mas
não a encontro nem em seus aposentos.
Sim... “Aposentos”, chamar aquilo de
quarto não faz jus ao lugar, parece mais
uma casa dentro de outra casa!
Ainda me sinto um pouco

envergonhada por ter achado que Maria
era a governanta de John. Como eu
poderia pensar em outra coisa? Não
fazia ideia do passado que eles
compartilhavam e ela sempre estava
fazendo seu hobby favorito: cozinhar.
Maria o ajudou quando ele mais
precisou, por isso John a trouxe para
morar em sua casa. Ele a ama como uma
segunda mãe.
Quando chego na cozinha, John
está atacando um pão de queijo caseiro
divino enquanto fala ao celular. Roubo
alguns e vou para o escritório ligar para
o Chris. O telefone toca diversas vezes,
antes dele atender com voz grogue.
– Alô?
– Chris, você está bem?
Ele suspira e geme com dor.
– Mais ou menos...
– O que houve? – pergunto
preocupada – Onde você está?
– Calma, Elle. Apenas uma
ressaca dos infernos, adormeci na
porcaria do sofá!
Escuto o barulho de água, ele
deve estar molhando o rosto.
– Eu vou aí cuidar de você!
– Não precisa! Ficarei bem
assim que tomar um banho. Onde você
está?
– É sobre isso que eu quero
conversar com você... Podemos almoçar
juntos?
– Deixe-me adivinhar: na casa
de John?
– Claro, você sabe que eu vim

para cá.
– Eu sei, Elle – ele fala cansado
– Eu sempre soube. Chego aí em uma
hora.
– Até mais, Chris.
– Até.
Meu coração se aperta ao pensar
em como o Chris está. Desligo o
telefone e me jogo no sofá do escritório.
Aqui tudo está exatamente igual,
inclusive o velho grafite que eu usava
para prender meus cabelos e os post-its

no canto da mesa.
– Ei! – John entra sem bater –
Conseguiu falar com ele?
– Sim, ele vem daqui a pouco.
– O que houve?
John, percebendo minha
expressão de desânimo, senta-se ao meu
lado para me abraçar.
– Chris me pareceu doente ao
telefone, mas ele disse que é uma
ressaca.
– Isso é o normal, Elle. Ele
estava em uma festa ontem, esqueceu?
– Sim, mas... – digo incerta.
– Ei – John levanta meu queixo e
dá um beijo rápido em minha boca –
Você mesma disse que daqui a pouco ele
chega. É só esperar para ver como ele
está, ok?
Ficamos calados, abraçados um ao outro
e perdidos em pensamentos. Repasso em
minha cabeça as últimas conversas que
tive com Chris, se eu pudesse voltar no

tempo, jamais teria escondido nada dele.
– John, o Chris disse que
conversou contigo... Vocês estão bem
agora?
Não só a minha amizade com
Chris tinha sido manchada, a dele com
John também.
– Conversamos sim, se bem que
“conversar” não foi exatamente o que
aconteceu... Pelo menos não no início. A
menos que você conte o gancho de
direita dele como conversa.

– O quê?
Ele ri da minha cara de surpresa.
– Ele voltou revoltado da sua
cidade – John me abraça apertado, como
se quisesse espantar uma lembrança
ruim – Acho que te ver novamente no
hospital foi a gota d’água e ele
finalmente liberou toda a raiva e
frustração acumulada desde o seu
aniversário. Talvez até de antes disso.
– Ele te machucou muito?
– Sim, passei dias sem sair de

casa por causa do meu rosto inchado e
costelas doloridas.
– Você revidou?
– Não – John dá de ombros – Ele
precisava extravasar e eu merecia
apanhar.
Olho para ele, estava belo como
sempre. Aliso sua barba com carinho,
ainda bem que ele não aparentava
nenhuma sequela. Bem... Para mim, ele
continuaria perfeito de qualquer jeito.
– Bom!

– Bom? – John joga seu corpo
em cima do meu, fazendo-me deitar no
sofá – Você gosta de me ver sofrer, hein?
Coloco minhas mãos em cada
lado de seu rosto.
– Não quero e nem desejo dor a
você ou qualquer outra pessoa! Todos
nós já sofremos por uma vida inteira, o
que eu espero é paz ao lado das pessoas
que eu a... doro – ops, quase saiu
bobagem da minha boca – Mas você fez
besteira mesmo! Eu deveria ter te dado

uns murros ao invés de fugido como uma
idiota.
– Eu sei, mas vamos deixar o
passado para trás, Helena. Eu prometo...
– coloco a mão em sua boca, tapando-a.
– Não me prometa nada, John!
Mesmo que pretenda cumprir, eu não
quero mais ouvir promessas suas.
– Você tem razão – ele beija
minha mão e eu a retiro de sua boca –
Eu vou te provar com ações e não
palavras. Obrigado por me dar uma

segunda chance.
– Não a desperdice, John – meu
tom de aviso é sério – Não haverá uma
terceira.
Sinto um aperto no peito. Parece
fatalista, mas é a verdade. É tudo ou
nada, não haveria uma terceira chance.
– Eu sei... Vamos, a comida deve
estar chegando.
Arrumo tudo na bancada da
cozinha americana. Com Chris não
precisa de formalidades. Massa especial

e cannoli de sobremesa, encomendados
do melhor restaurante italiano da cidade.
Minha boca saliva só em pensar no
queijo derretendo em minha boca.
Ai, droga! Meu segundo dia de
exercício, não tomei suco de capim – ou
fiz exercício – e estou comendo
porcaria! Será que sexo conta como
exercício?
– O que você tanto resmunga aí?
– John pergunta enquanto abre o vinho.
– Nada! Só que eu tinha

prometido ter uma vida mais saudável e
vou almoçar massa.
– É só isso? – balanço a cabeça
concordando e ele continua – Eu tenho
uma academia aqui, esqueceu?
Humm... Lembro de John
malhando sem camisa! Delícia! Tudo
com ele parece ser mais interessante, é
como se minha vida tivesse mais cor.
Tento não pensar muito nisto, pois é o
que mais me assusta...
– Não teremos tempo. – tento

desviar meus pensamentos.
– Sem problemas – ele morde
minha orelha – Eu posso fazer você
malhar a noite toda...
Oh, sim... Acho que posso
considerar sexo com John como
exercício e enterrar minhas paranoias no
fundo da minha mente... Pulo em seu
pescoço para beijá-lo e a campainha
toca.
Oba! O Chris chegou!


CAPÍTULO 17 –
Unidos
Corro para a porta com uma

certa ansiedade que eu não deveria estar
sentindo. É só o Chris e ele já tem
namorada! Ok, respiro o fundo e forço
um sorriso. Vejo meu reflexo no vidro
da janela e tento relaxar. Nossa! Estou
parecendo de novo o Coringa.
É só o Chris, só o Chris, só o

Chris... O mesmo garoto que esteve ao
seu lado a vida inteira. Desta vez, o
sorriso é sincero. Até eu abrir a porta.
– O que aconteceu com você? –
puxo sua cabeça para perto, analisando
as olheiras e pele pálida – Teve febre?
Vomitou? Veio dirigindo neste estado?
– Não, sim e sim, mamãe Elle –
solto seu rosto e ele me abraça – É
apenas ressaca da noite passada, não se
preocupe!
Chris entra e cumprimenta John

com aquelas batidas nas costas de
homem.
– Então, John, você vai assumir um
namoro com Elle ou vou ter que quebrar
a sua cara... De novo?
Uou! Espera... O quê? Para onde
foi o Chris doente? John parece tão
surpreso quanto eu.
– Epa, epa, epa – me intrometo
entre os dois – A gente não está
namorando, Chris!
– Não? – os dois gritam para

mim.
– Não... Sim... Mais ou menos! –
chamo os dois para o sofá e sento entre
eles – Eu perdoei o John, mas vocês
acham que vai ser fácil? Já existem
grupos e páginas na internet dedicados
ao casal Jona.
– E o que isto tem a ver com a
gente, Elle?
Chris encosta a cabeça no sofá.
Apesar da explosão de minutos atrás,
ele está exausto. Encosto-me mais em

John para que ele tenha espaço para se
deitar.
– Venha cá, você parece que vai
desmaiar a qualquer segundo.
Coloco sua cabeça em meu colo
e aliso seus cabelos. Ele sempre gostava
disso quando era mais novo e estava
doente. John levanta uma sobrancelha,
mas não fala nada, apenas coloca seu
braço ao redor dos meus ombros.
– Eu pareço pior do que
realmente estou, não comi nada e

misturei bebidas.
– Esqueceu nossa regra número
um, cara? – John pergunta – Pelo menos
bebeu água hoje?
Mal escuto o que eles conversam
sobre a cura da ressaca. Estou tão feliz
por estar com os dois em paz, sem
mentiras nos separando, que é como se
eu tivesse alcançado o nirvana. Sinto um
grande peso ser removido do meu
coração.
Com Chris e John ao meu lado, é

como se eu pudesse conquistar o mundo.
Não estou mais dividida, eles me
completam. Meu amigo e meu am... Meu
namor... Meu companhei... Meu... Ah,
bem... E o John.
Deveria ter sido assim desde o
início!
– O que você disse? – Chris
pergunta.
Opa... Eu falei em voz alta?
– Eu estava pensando que a gente
nunca deveria ter brigado, nenhum dos

três. Chris, nós estamos juntos desde o
nascimento, lutamos contra a opressão
do seu pai e você me ajudou quando
mais precisei. Já vocês dois se uniram
no momento de dor e alcançaram a
grandeza. Não entendem? Somos mais
fortes unidos do que separados.
John beija minha cabeça e Chris
pega minha mão que estava em seu
cabelo e a beija. Eu dou um selinho em
John e outro na testa de Chris. É quase
como se selássemos um acordo. Nós três
contra o mundo.
– Mas não podemos
simplesmente sacanear com a Natasha,
ela parece ser boa pessoa. – digo já
pensando em uma alternativa.
Não quero prejudicar ninguém,
mas também não quero ter que mentir e
esconder o meu relacionamento com
John.
– Nós podemos esperar um
tempo e dizer que “Jona” não deu
certo... – John diz o nome que as
pessoas shippam com raiva. Chris

concorda:
– Coração partido chama mais
atenção do que novos namoros e ela não
precisa assumir nada para o público.
Franzo a testa para o Chris.
– Você sabe a verdade?
– Sim, eu soube ontem. Kim me
falou quando eu vi vocês duas indo para
a varanda.
– O quê? Você achou que ela ia
brigar comigo?
– Não, achei que você pudesse
jogá-la da sacada...
Os dois começam a gargalhar. Eu
puxo sem querer o cabelo de Chris que
reclama com um “ai” e se levanta.
– Você pare de rir também –
belisco a costela de John – Vamos logo
comer que a comida já deve estar fria!
Chris faz careta para a massa,
então preparo uma vitamina reforçada
com uma farinha que John me entrega.
Segundo ele, é receita especial da Maria
para curar ressaca, o que me faz lembrar

que ainda não a vi hoje.
– Onde está Maria?
– Ela não gosta de ficar aqui
sozinha quando estou em turnê, então vai
passar uns tempos com John.
Lembro-me do John fortão da
boate, eu preciso voltar lá e dar um
grande abraço nele! Salvou primeiro a
vida do John, depois a do Chris e ainda
cuidou deles. Ele e Maria.
Hum... A Maria é mais velha que
ele, mas isso não significa nada, idade

não passa de números. Será que...
– Eles têm um caso?
Tanto John quanto Chris se
engasgam quando pergunto isso. Nossa!
Levanto-me e bato nas costas dos dois.
– Gente, o que eu falei demais? –
Pergunto sem entender.
– Helena – John diz – Maria é
como uma mãe para a gente!
Sim, eu sei disso.
– E daí?
– Daí que não se mistura mãe e
sexo... Pelo menos, não quando é a
nossa! – Chris mal consegue terminar
sua vitamina – Ela foi só rever os
amigos e mais nada, Elle.
Homens! Se for a mãe de outra
pessoa, então tudo bem?
– Ah, pelo amor de Deus!
Tenham santa paciência!
Terminamos de comer entre
brincadeiras e piadas. Depois, enquanto
Chris toma um banho para melhorar seu
aspecto de ressaca, eu vou ao quarto dos

espelhos procurar roupa.
– John! – berro até que ele me
escute – Por que você não me avisou
que ainda tinha roupas para mim aqui?
– Pensei que você soubesse! –
ele aponta para as araras – Eu não mexo
nisso, está tudo do jeito que Wanessa
deixou aí.
– E eu usando sua blusa como
vestido!
Ele me agarra, subindo a camisa
ainda mais.

– Eu gosto de você em minhas
roupas... Fica sexy.
– Sério? Isso é tão clichê, John!
Ele me solta e começa a
gargalhar. Eu vou para as araras,
procurando um conjunto para mim e para
o Chris.
– Ah, Helena! Quando você vai
aprender a não cortar o clima? Eu não
me lembrei mesmo que estas roupas
estavam aqui – John me abraça por trás,
minha bunda contra seu quadril – Na

verdade, eu prefiro você – ele morde
meu ombro exposto – Sem nada.
No momento, eu também
preferia! Escolho o primeiro par que
encontro.
– Vamos logo, tentação
ambulante, antes que eu rasgue suas
roupas – aponto para o sofá vermelho e
redondo no centro do quarto – E te
possua ali mesmo.
Quando chego à porta, percebo
que ele ainda está parado no mesmo

lugar.
– O que foi?
– Ué – ele dá de ombros – Estou
esperando você cumprir sua ameaça!
Começo a rir de sua expressão
nada inocente.
– A gente vai chegar tarde!
– Você que sugeriu...
– Era uma brincadeira – olho
para o relógio temos apenas uma hora e
meia – Se a gente não chegar atrasado,
pode virar realidade mais tarde.
Não tenho tempo de piscar ou
fazer cara de safada para ele, o homem
passa correndo por mim feito uma bala.
Chegamos ao estúdio com dez minutos
de antecedência, eles se arrumaram
rápido, mas eu demorei mais...
– Ainda bem que chegamos a
tempo! – John sussurra em meu ouvido –
eu estava achando que você não queria
cumprir sua promessa.
– Não é todo mundo que sai
perfeito do chuveiro, sabe? Eu tive que

me maquiar e esconder as olheiras do
Chris também.
– O que tem eu? – Chris
pergunta.
– Você tomou o remédio para
enxaqueca?
– Sim.
– Se sente melhor? – sua
aparência está normal, eu havia usado
maquiagem suficiente para garantir isso.
– Agora sim. – Chris me dá um
sorriso doce, aquele que ilumina seu

rosto todo. A vida parece simplesmente
perfeita.
– Gente, vocês deveriam dar
uma olhada nisso. – Gabriel fala do
banco da frente e aponta para um lugar
distante.
Sigo a direção que ele indica e
meu queixo cai, dezenas de pessoas
estão na porta do estúdio.
– Eu acho que vou ficar no carro.
– digo com um fio de voz.
– Não, Helena – John diz – Você

não pode fugir para sempre! Esqueceu
que vai nos acompanhar na turnê?
– Talvez ela devesse entrar
separado da gente, deve ter uma entrada
alternativa. – Chris sugere e John
complementa:
– Boa ideia! Basta a gente pedir
e eles vão liberar sua passagem...
– Só tem um problema – Gabriel
fala sério – Eu tenho que ir com vocês.
Não posso te deixar sozinho, John! E
isto deixaria a Elle só, já que o Bruno

vai ficar aqui fora observando qualquer
atividade suspeita...
Todos nós sabemos quais
“atividades suspeitas” Bruno, que hoje
está servindo de motorista, vai estar
procurando aqui fora. A entrevista é de
conhecimento nacional e. assim como
aquelas pessoas estão aqui para
conseguir autógrafos da Jack Rock,
Carlos também poderia aparecer com
intenções muito mais sinistras.
E aí os três começam a discutir

estratégias para a minha “proteção”.
– Ei, bando de macho alfa! –
assobio alto para chamar atenção – Eu
ainda estou no carro, não discutam algo
sobre mim como se eu não estivesse
aqui – eles permanecem calados e eu
continuo a falar – Vamos todos juntos,
não é como se eu estivesse chegando
sozinha com John!
– Então será nós contra o mundo,
Elle?
Sorrio para Chris, eu sei o que

ele quer dizer. Sempre foi assim, nós
dois unidos contra a opressão do seu pai
e a monotonia de nossa cidade.
– Não, Chris – encaro cada um
deles: o amigo, o herói e o... o... o John
– Não vamos lutar contra o mundo,
vamos trazê-lo para o nosso lado.
A satisfação que percebo na
expressão de todos é a certeza que
preciso.
Eu tenho um novo plano e irei
colocá-lo em prática.

O mundo do rock nunca mais
será o mesmo.


CAPÍTULO 18 –
Entrevista
Bruno para o carro na entrada do

estúdio e Gabriel é o primeiro a descer.
Assim que a porta se abre, a gritaria
começa. A multidão está separada por
cordas e seguranças da própria
emissora, Chris e John saem do carro
para distribuir autógrafos.
Calma, Elle! Digo a mim mesma.

São só pessoas normais, não um bando
de harpias prontas para arrancar seus
olhos com suas garras e te arrastar para
longe. Sinto um tremor involuntário pelo
corpo. Ok, esse papo “encorajador” não
está ajudando!
– E aí, Elle? – Gabriel pergunta
– Vai ou fica?
Fico?
– Vou!
Respiro fundo. Showtime.
“Elle”, “Helena”, “é ela!”,

“vadia” e “sortuda’, não
necessariamente nesta ordem, são alguns
dos nomes que escuto. Apesar disto,
grande parte das pessoas são simpáticas,
apenas pedindo autógrafos.
Chris me passa uma caneta,
encorajando-me a entrar na brincadeira.
Bem, foda-se, a aceito e assino diversos
pôsteres. Eles são iguais ao pôster
gigante que tinha no tapete vermelho da
estreia de ontem. É preto e branco, com
a Jack Rock segurando seus instrumentos
em uma rua chuvosa e comigo no centro.
A galera é rápida em conseguir essas
coisas, nem eu tenho um ainda!
Enquanto assino, eles me enchem
de perguntas. Apesar de serem
inconvenientes, não é tão difícil assim.
Será que estamos fazendo uma
tempestade por nada? Provavelmente,
não vou precisar de plano nenhum, isto
vai ser uma moleza!
Dentro do estúdio, somos
levados diretamente aos camarins, onde
Kim e Aly já estão nos aguardando.

– Demoraram, hein? – Alysson
reclama e Kim bate na parte de trás de
sua cabeça.
– O que ele quis dizer foi: vocês
demoraram, está tudo bem?
Humm... Nada sutis. Eles sabem
que dormi na casa de John e querem ter
certeza que ninguém tentou se matar.
Ainda. Afasto a ruiva um pouco e sento-
me entre ela e Aly, passando um braço
ao redor de cada um.
– Sim, estamos bem e a Jack

Rock está ainda melhor – sussurro no
ouvido de Kim – Eu prometi que jamais
destruiria sua banda e sou uma pessoa
de palavra.
– Há quatros anos, nós fizemos
da Jack Rock uma família – Chris fala
solenemente – A agora a Elle, que
sempre fez parte da minha vida, também
está conosco, ok?
– É isso aí, gata, agora você é
nossa! Quer selar o acordo com um
beijo? – Aly fala já me puxando para

mais perto.
Sorrio de sua brincadeira e da
testa franzida de John. Será que Alysson
nunca leva nada à sério? Acho que ele
nunca teve que se preocupar com nada
na vida...
– Um abraço serve!
Aly e Kim ainda estão me
esmagando em um abraço triplo quando
um funcionário do estúdio entra no
camarim para fixar microfones
minúsculos na roupa de cada um deles.

Depois, nos avisa que já está tudo
pronto para começar a gravação. Eu e
Gabriel os acompanhamos, mas
permanecemos escondidos nos
bastidores.
O estúdio é todo iluminado, com
um sofá amplo, uma cadeira para a
apresentadora e uma decoração
modernas em tons terrosos. No fundo,
uma tela gigante mostra fotos da banda
nos shows e clipes antigos. A Jack Rock
é recebido de pé e sob os aplausos da
plateia.
Este é um programa ao vivo em
uma grande emissora, é uma
oportunidade maravilhosa para manter a
Jack Rock na mídia e redes sociais!
Uma olhadinha rápida no celular me
mostra que a entrevista ainda não
começou, mas já tem pessoas na
expectativa. Depois de conviver tanto
tempo com eles, às vezes esqueço o
quanto são famosos.
A entrevista começa normal,
perguntando sobre trabalhos anteriores e
os locais dos próximos shows. No
segundo bloco, eles contam como as
músicas foram feitas e quais as
ambições futuras, além de respondem
aos tweets dos fãs.
Eles parecem tão naturais em
frente às câmeras! Chris com seu sorriso
encantador e lábia cativante, John com
seu jeito misterioso e sedutor. Kim sexy
e provocante e Alysson um brincalhão
charmoso.
Eles são um pacote completo e
tudo está indo bem! Até que a

apresentadora pergunta sobre mim e
John nega qualquer envolvimento
pessoal.
Oh, merda! Reconheço o leve
brilho no olhar da mulher, esta é a
resposta que ela queria. Queria não...
ansiava seria uma palavra mais correta.
John não deveria ter mentido! Esta
mulher tem alguma carta na manga.
– Você está negando que teve um
relacionamento com Helena, sua ex-
secretária e atual representante da Jack

Rock?
– Sim – John diz com convicção.
O sorriso da loira é tão grande
que parece sinistro. Ela é a harpia e
John sua presa.
– Então você poderia explicar
esta foto?
A apresentadora aponta para um
telão atrás deles, nele surge uma
fotografia de nós dois muito próximos na
pista de dança. Lembro deste momento,
dançávamos More Than Words, do

Extreme, no pós-show da Clave de Sol.
Ah, essa música que ainda toca minha
alma.
– Claro – John mente com uma
tranquilidade assustadora – É uma dança
com minha secretária durante uma festa.
Não vejo nada demais nesta foto.
Mas eu vejo! Estou de costas e
suas mãos envolvem minha cintura. É
perceptível, mesmo através de uma
simples foto, que um olhar amoroso e
um sorriso sincero iluminam o rosto de

John. O que me deixariam suspirando, se
esta mulher não estivesse usando isto
contra ele agora.
– Então ela nunca se envolveu
com mais ninguém da banda? – sua
atenção se volta para Aly – Alysson? –
quando olha para o último homem da
Jack Rock, ela enfatiza seu nome –
Chris?
Isto aqui não é uma entrevista, é
a droga da santa inquisição! E nós
somos as bruxas a serem caçadas e

queimadas na fogueira!
Chris tenta amenizar:
– Não, Helena é apenas uma
grande amiga.
Ela sorri satisfeita.
– Sim, nós recebemos um vídeo
interessante esta manhã...
Tenho até medo de olhar
novamente para a tela. Puta merda! Puxo
Gabriel pela gravata até ele conseguir
enxergar o palco. É um “making off”
não-oficial do clipe. Foi gravado por um

celular, com direito à discussão entre
Chris e John após o beijo. Ainda bem
que não é possível entender o que eles
estão falando. A pessoa que gravou
estava bem escondida.
– Pensei que você tivesse
resolvido isto!
Quando me deixou no hospital,
Gabriel tinha prometido que se livraria
de todos os rastros de discussões dentro
da Jack Rock. Na época, eu não achei
que aquilo poderia resultar em grande

coisa. Gab, contudo, sempre pensa em
tudo que pode representar um problema
eminente.
Eu estava tão abalada com o
sequestro e tudo que aconteceu que
achei que ele estava exagerando. Agora,
vejo que seu exagero não apenas tinha
fundamento, como também foi
negligenciado. As medidas que ele
tomou não foram suficientes.
– E resolvi, Elle! – Gabriel diz
contrariado, já com o celular em mãos –

Eu e Bruno falamos com cada pessoa
que estava presente no estúdio, não
deixamos rastros!
– Como você pode ter tanta
certeza?
– Nós compramos todos os
aparelhos celulares do diretor e sua
equipe – Gab parece indignado – O
resto é confiável.
Caramba! Não podia ser um de
nós, então tinha que ser um deles, não é?
– E se a pessoa fez uma cópia

antes de entregar o aparelho? Dois
vídeos comprometedores em tão pouco
tempo não é normal...
Os olhos de Gabriel se
arregalam quando ele percebe o mesmo
que eu.
– O informante! – dizemos ao
mesmo tempo.
Puta merda! Os vídeos do clipe e
do bar foram gravados no mesmo dia e
provavelmente pela mesma pessoa!
– Eu vou pegar novamente a lista

do pessoal que estava na gravação. –
Gab fala irritado.
A expressão em seu rosto mostra
que ele não perdoa falhas. Gabriel já
deve estar marcando um alvo em sua
cabeça. Chego a ter pena da pessoa que
está por trás disso. Quase.
– Ei, a culpa não é sua! – tento
amenizar, mas ele apenas me encara
sério – Não adianta eu falar nada porque
você vai continuar se culpando, não é?
Bem, vamos começar com quem

trabalhou diretamente com o diretor, os
outros modelos já tinham sido liberados
no final.
– Não – Gabriel discorda –
Alguém pode ter ficado escondido para
ver o resto da gravação.
Balanço a cabeça concordando,
pelo menos agora tínhamos um número
menor de pessoas para investigar. Uma
comoção no palco chama minha atenção
de volta para o problema em questão: a
entrevista. Droga! Chris está

visivelmente contrariado e John parece
uma bomba prestes a explodir. Kim e
Aly tentam aliviar a situação.
– Então vocês negam qualquer
envolvimento atual com esta Helena? – a
mulher insiste e ambos balançam a
cabeça concordando – Ela não é uma
ameaça para a banda ou para seu
relacionamento com Natasha, John?
John bebe um gole de água,
ganhando segundos para pensar em
como responder. Ele olha diretamente

para a câmera, como se quisesse
declarar um fato para o mundo.
– Helena era minha funcionária
sim, mas não definiria o que tivemos
como relacionamento, mal passou de um
caso passageiro – ele dá de ombros –
Como podem ver, ela é bonita o
suficiente e estava disponível, ninguém é
de ferro, não é? – ele cutuca o Chris
com o cotovelo e debocha, como se tudo
fosse uma grande piada – Mas este aqui
não achou legal...

Chris então complementa:
– É... Ela é minha amiga! Eu quis
defendê-la, mas como podem ver no
vídeo, foi apenas uma discussão. Eu não
classificaria como briga.
– Sua amiga? – a harpia fala
diretamente com Chris – Então é
verdade que ela estava sob sua guarda
enquanto trabalhava para o John?
– Ela estava sob minha guarda
sim, por duas semanas – o bom humor
de Chris já tinha se esgotado – Ela

apenas ajudou John a responder cartas
de fãs, eu não chamaria isto de trabalho.
Olha só, ele repetiu tanto isso
para mim, que até ficou convincente na
hora de mentir. Meu sangue começa a
ferver, aonde ela quer chegar com isto?
– John acabou de afirmar que ela
não apenas trabalhou, como teve um
caso com ele. Mas você, Chris, diz que
ela só ajudou a responder cartas. Qual é
a verdade? – Ela faz uma pausa
dramática, olhando para um papel que

tem em mãos:
– Descobrimos que ela precisa
de dinheiro para pagar a dívida do seu
falecido pai, mas se esta Elle – a diaba
enfatiza o meu apelido – Estava sob sua
guarda, isto quer dizer que ela era menor
de idade, não é?
Filha da mãe! Mãos fortes me
seguram e me levam sem muita
delicadeza para o camarim.
– Se acalme, Elle! – Gabriel
comanda.

Ah, como eu queria ser capaz de
ter algum poder jedi de explodir mentes!
Aquela vaca oxigenada vai me pagar!
– Bebe isso! – Gab coloca um
copo de água na minha frente – Parece
que você vai ter um ataque a qualquer
segundo!
Bebo tudo em um gole só.
– É mais fácil eu atacar alguém!
Ai, meu Deus! Você viu o que ela fez? –
ando de um lado para outro nervosa –
Ela provou que ambos estão mentindo,

denegriu a imagem do meu pai, insinuou
que eu sou uma interesseira e que John
estava comigo quando eu era menor de
idade!
Ela deturpou tudo!
– Mas...
Agora é a minha vez de fuzilá-lo
com olhar. Ninguém se aproveitou de
mim! Primeiro por que eu tinha
dezessete e não doze anos, toda garota
nesta idade já sabe o que é certo e
errado. E segundo... Oh, droga!

Tecnicamente, nós fizemos sexo horas
antes de eu completar dezoito anos.
– Gabriel... – sento-me derrotada
no sofá – Você acha que vai prejudicar
muito a banda?
Ele se aproxima e senta ao meu
lado no sofá. Escondo meu rosto em seu
peito e Gab passa o braço em meu
ombro. Lágrimas errantes caem contra a
minha vontade.
E se John for acusado de
corrupção de menores por minha culpa?

E se sobrar para o Chris, afinal ele era
meu tutor... E se eu for a ruína da Jack
Rock e de mim mesma?
– Elle, eu preciso voltar e
garantir a saída do palco deles, ok?
Você vai ficar bem?
Seco as lágrimas e fico ereta.
Não importa o que a vida jogue em mim,
sempre tentarei enfrentar de cabeça
erguida.
– Vá, tire-os de perto daquela
bruxa.

Antes a preocupação era com a
minha reputação, já que dormi com o
chefe e ainda seria considerada uma
destruidora de relacionamentos
perfeitos. Maldito “Jona”. Agora o caso
é muito mais sério.
Afundo mais no sofá já com o
celular em mãos. O bom do programa ao
vivo é que os comentários são
instantâneos. Não fico surpresa quando
vejo a Jack Rock como um dos trending
topics do país no Twitter. Com o
lançamento de ontem, seria estranho se
não estivesse.
O problema é que variações não
muito lisonjeiras de #Elle, #John,
#TeamJona e #Chris estão começando a
subir também.
Eu sou a vadia interesseira/anjo
desonrado da internet.
Que maravilha.


CAPÍTULO 19 –
Problemas
Estou distraída tentando somar o

placar dos tweets: 30% acham que sou
uma vadia aproveitadora, 20% estão
dizendo que são #TeamJona e que eu
deveria me afastar deles. 25% acham o
Chris um lindo por defender “minha
honra” e agora estão afirmando que são
#TeamChris e outros 25% queriam estar

no meu lugar.
As que aprovam eu ter “pegado”
o chefe também queriam dar para a
banda inteira. Oh, espera... O número a
meu favor e se prontificando a tomar o
meu lugar, aumentou. Bando de taradas!
Cara, a internet nunca deixa de me
surpreender.
Quase derrubo o celular quando ele
toca de repente.
– Boa tarde, Bobby!
– Dia agitado, Elle? – ele

pergunta com sarcasmo.
– Que nada, está tudo
tranquilíssimo! – respondo com calma
fingida.
Ele fala sério:
– Eu quero todos em meu
escritório após a entrevista. Natasha e o
empresário dela também estarão
presentes.
Opa! Bob empresário “mode
on”.
– Sim, senhor! Estaremos lá. Boa
tarde.
– Boa tarde.
Desligo o telefone e respiro
fundo. Acho que nem toda publicidade é
boa propaganda. Poucos minutos depois,
uma contrariada Jack Rock entra pela
porta. John vem diretamente me abraçar
e eu dou um passo para trás. Não sei se
os camarins são livres de câmeras
escondidas.
– Podemos ir embora? –
pergunto.

Quero fugir daqui o mais rápido
possível e nunca mais voltar. Gabriel
nos escolta até a saída do estúdio, os fãs
que estavam do lado de fora duplicaram.
Agora os gritos envolviam “me pega”,
“trabalho para vocês de graça”, “vadia”,
“fique longe dos nossos homens” e daí
para pior. Bruno estaciona bem próximo
e a gente entra correndo.
Desta vez, Kim e Aly vão junto
conosco. Bruno e Gabriel voltarão para
pegar o carro deles depois.

– Eu acho que vocês todos
deveriam andar com seguranças… –
Digo olhando as fãs enlouquecidas que
ainda gritavam.
– Para quê? – Aly dá de ombros
– Impedir as fãs de me agarrarem?
– Não, Don Juan! Para impedir
que elas arranquem um pedaço de você!
Ele leva na brincadeira, mas o
assunto é sério. Cada vez mais as
pessoas pensam que tem direito sobre as
outras. Este é o problema da internet!

Tudo que cai nela, com autorização dos
envolvidos ou não, se torna de domínio
público. E todos se acham no direito de
dar sua opinião, mesmo que não
conheçam todos os fatos.
A voz de Alysson me tira do meu
devaneio.
– Eu vou correr o risco… E de
que adianta? Daqui a poucos dias a
gente vai estar sob a proteção do
Godfather mesmo.
Todos começam a rir, menos eu e

Gabriel. A piada é às custas dele ou Gab
também não a entendeu. Aposto que é a
primeira opção, já que durante a turnê,
ele ganhará um bônus substancial como
chefe de segurança.
– Gabriel é o “The Godfather”
porque ele é O Poderoso Chefão dos
seguranças. – Kim me explica e eu
começo a rir também.
Combina tanto com ele! Pelo
menos isso aliviou um pouco o meu
estresse. Até eu perceber que John está

olhando pela janela, perdido em
pensamentos.
– O que mais aquela mulher
falou? – pergunto.
As risadas morrem e o silêncio
impera até Chris me responder:
– Ela tentou nos jogar um contra
o outro de novo e nos fazer cair em mais
contradição. Qualquer coisa que fizesse
o ibope do programa aumentar.
E aposto que ela conseguiu! O
programa dela também está nos trending

topics. Que raiva daquela naja!
Ninguém conversa mais nada até
chegarmos ao prédio do escritório.
Vamos direto para a sala de reuniões e
John continua introspectivo. Bob nos
recebe com Natasha e seu empresário.
Revisamos todo o material
veiculado na mídia que seja de nosso
interesse e o veredito final é que “Jona”
continuará firme e forte. Merda! A tática
que iremos utilizar é bem simples:
desviar a atenção do público para o

casal queridinho até que as acusações
feitas hoje esfriem.
Eu e John teremos que fingir que
não sentimos nada um pelo outro. Ele
deve ser apenas mais um contratado do
Bob e eu preciso ser apenas mais uma
que esquentou sua cama por pouco
tempo.
A tranquilidade de Bobby com a
entrevista me acalma. Talvez eu
realmente esteja me preocupando
demais por nada. Afinal, toda grande

bomba que cai na mídia some após
poucos dias, não é?
Depois da reunião, todos saem e
Bob pede para eu e John ficarmos,
somos só nós três na sala.
– Vocês agora vão me contar
cada detalhe do que aconteceu! – Bob
reverbera com raiva.
Ops... Bob super empresário
puto “mode on”. Acho que a
tranquilidade era aparente e exclusiva
para os visitantes. Antes que eu possa

dizer que ele já sabe de boa parte da
história, John finalmente abre a boca:
– É tudo verdade, Elle realmente
veio trabalhar para mim e nos
envolvemos antes dela completar
dezoito anos. Eu assumo toda a
responsabilidade e qualquer acusação
feita deve ser dirigida diretamente a
mim. Helena ou a Jack Rock não devem
ser prejudicados de maneira alguma.
Minha boca se abre em choque.
Ele está louco se acha que vou deixá-lo

assumir algo que também foi culpa
minha! Pulo em pé e falo diretamente
para o Bob:
– Você sabe que eu fiquei órfã
duas semanas antes do meu aniversário,
ele não pode ser crucificado quando
eu…!
– Helena! – Bobby reclama –
Baixe sua voz!
Eu me exaltei tanto que não
percebi que estava gritando.
– Mas ele… – tento continuar,

porém Bob me interrompe mais uma vez.
– John, você nunca mais repita
algo tão estúpido quanto isto! Eu vou
pensar em alguma coisa e até lá os dois
irão dizer “nada a declarar”,
entenderam?
Eu balanço a cabeça
concordando, John permanece estoico.
Homem teimoso!
– E, Elle, por favor – Bobby me
entrega um papel – Lance isto
imediatamente nos nossos sites e nas

redes sociais.
Meus olhos se arregalam quando
leio a nota:
“NOTÍCIA URGENTE! O
PRÓXIMO A DIVIDIR O PALCO COM
A JACK ROCK PODE SER VOCÊ!
Bobby, renomado empresário da
indústria fonográfica, tem o prazer de
informar que está à procura de novos
talentos! Seus olheiros estão
espalhados pelas Américas buscando
em diversos festivais musicais novos

diamantes brutos.
E as novidades não param por
aí! As bandas ou cantores solos
escolhidos serão testados nos shows de
abertura da nova turnê da Jack Rock.
Você acha que está apto para o
desafio? Preencha o formulário abaixo,
envie o link do seu vídeo e boa sorte.”
Acho a nota estranha. Bob
sempre tem olheiros em festivais, bares
e secretamente buscando vídeos de
bandas não descobertas na internet. Foi

assim que ele montou não apenas a Jack
Rock, mas todos os seus outros grupos.
– O que é isso? – John lê a nota
por cima do meu ombro.
Bobby fala com um brilho no
olhar. Ele adora esta parte, achar a
beleza e perfeição onde os outros nunca
pensariam em procurar.
– Este é o primeiro passo para
tirar o foco da entrevista de hoje. As
pessoas vão sonhar em estar em cima do
palco com vocês ou ter algum amigo,

parente e até mesmo um conhecido
tornando-se famoso. Ao invés de se
preocuparem com a vida de vocês, vão
sonhar em ter uma vida igual à sua!
Cara, é por isto que Bob é um
excelente empresário! Ele não apenas dá
um grande suporte e está atento às
necessidades de seus contratados, como
ele também é um gênio em manipular o
jogo a seu favor.
Só tem uma coisa que eu não
entendo. As atrações de abertura dos

três primeiros shows já estão
contratadas. Eu mesma reservei o
jatinho para buscá-los e garanti
acomodação junto à Jack Rock.
Estes três grupos estarão em
teste, vou ficar de olho neles tanto
dentro quanto fora do palco. Qualquer
atitude suspeita, como uso de drogas ou
violência, não será tolerada.
– O show começa daqui a alguns
dias, você vai quebrar o contrato das
primeiras bandas?

– Não, Elle. A nota diz que os
olheiros já estão espalhados, então eles
encontraram os primeiros.
Bob dá de ombros como se isso
não fosse nada demais, mas seu
sorrisinho de canto de boca mostra outra
história. Ele sabe muito bem que não
existe de verdade um “concurso”.
Sempre houve esta busca por novos
talentos, a diferença é que agora será de
conhecimento do público.
– Entendi… Vou colocar isto

online imediatamente.
Após nos despedirmos de
Bobby, John me acompanha no elevador.
Não aguento mais este silêncio dele!
– Você não vai falar nada?
Ele me olha sério e depois
encara a câmera de segurança do
elevador.
– Não aqui – John aperta o botão
do próximo andar e sai assim que a
porta se abre – Até daqui a pouco,
Helena.

Aceno concordando.
– Até daqui a pouco, John.
Desço apreensiva o restante dos
andares. Será que John está chateado
por eu ter me afastado dele no camarim?
Será que ele vai desistir de mim para
não arriscar sua própria reputação? Ele
é a droga de um rockstar, é quase
obrigatório ter sua reputação manchada
em algum momento da sua vida!
Quase furo o piso do escritório
de tanto andar de um lado para o outro,

até que finalmente batem à minha porta.
Abro já verificando o corredor, ninguém
além de John em toda sua glória e
beleza.
– John, por favor, entre.
Uso minha voz mais sensual.
Bem, pelo menos espero que seja. Ele
estreita os olhos para mim.
– Claro, Helena.

CAPÍTULO 20 –
Números
Assim que fecho a porta, John

coloca uma mão em cada lado do meu
rosto, seus polegares fazendo carinho
em minha pele. Ele me dá um raro
sorriso doce e se inclina para beijar,
seus lábios macios pressionados com
delicadeza contra os meus.
Sinto meu coração se aquecer
com seu cuidado, John nunca tinha
beijado com tanta reverência. Sem tirar
as mãos do meu rosto, ele interrompe o
beijo e encosta sua testa à minha.
– Quando aquela vaca me encheu
de acusações, tudo que eu conseguia
pensar é que ela estava certa. Você é
tão… tão…
John parece procurar uma
palavra para me definir, mas não
consegue. Ele me solta e senta na

poltrona, escondendo sua cabeça entre
as mãos. John parece derrotado quando
volta a me encarar. Isto não pode ser
uma despedida! Eu não vou permitir.
– Eu não pensei na sua idade
quando te vi naquele hospital. Você
estava toda corajosa brigando por sua
independência com Chris, apesar de
tudo que tinha acabado de te acontecer.
Você parecia mais forte e decidida do
que muita mulher que conheci…
Ele para de falar, respirando

fundo antes de continuar:
– E depois, cada vez que eu te
provocava, mais você brigava de volta.
Sua idade ou o que aconteceria com sua
reputação, caso isto vazasse para a
mídia, não passaram por minha cabeça.
Me desculpe, Elle.
Ajoelho-me em frente a ele e
pego suas mãos entre as minhas.
– Eu também não pensei, John.
Relacionamento é uma via de mão
dupla, não deixe aquela mulher deturpar

tudo o que aconteceu ou o que sentimos
um pelo outro. Nós temos que ser mais
fortes do que qualquer merda que a
mídia nos jogar ou isto – aponto de mim
para ele – Nunca dará certo.
– Você não me acha um monstro?
Solto suas mãos para alisar as
rugas que se formam em sua testa
franzida. Não sei o que mais aquela
oxigenada falou depois que eu fui para
os camarins, porém, com certeza o
afetou muito.

Subo em seu colo, sentando com
uma perna em cada lado do quadril dele.
Ele já tem problemas demais, eu não
seria mais uma preocupação em sua
cabeça. Pontuo cada frase minha com um
beijo em seu rosto:
– Eu acho você um monstro sim!
Monstruosamente lindo, talentoso,
carinhoso e sexy. Eu adoro cada
pedacinho de você. Até mesmo essa
máscara de arrogância que você insiste
em usar para manter as pessoas distantes

do seu eu verdadeiro.
– Mas…
Beijo sua boca, calando o
protesto que ele ia fazer. Mordo seu
maxilar e em seguida o ombro, enquanto
abro os botões de sua camisa. Coloco
minha mão em cima do seu coração.
– Apenas nos sinta, John. Veja
como somos juntos – retiro minha blusa
e sutiã.
Ele aperta minha cintura, como
se tentasse se segurar.

– O resto não passa de números,
menos de quinze dias não me torna mais
ou menos adulta. Eu podia não ter
certeza do que eu queria na época, mas
no fundo eu já sabia. É o mesmo que eu
quero agora: Você.
– Eu não sou perfeito, Elle.
Tiro as mãos de seu peito e as
prendo em seus cabelos, puxando-os
para trás.
– Eu já te disse, o meu conceito
de perfeição vem com diversos defeitos.

Eu também não sou perfeita, ninguém
realmente é! E é isto que nos torna
humanos.
Ele sorri para mim, um meio
sorriso que levanta só um lado de sua
boca.
– Você é minha? – desta vez esta
pergunta não é fruto de sua arrogância
ou possessividade.
John só quer saber se não irei me
afastar novamente.
– Só se você for meu também.

– Eu sou, Helena! Antes mesmo
de te conhecer, eu já era seu.
– Então não vamos deixar nada
nos separar, ok? – encosto minha testa
na sua.
Ele aperta minha cintura,
trazendo-me para mais perto dele.
– Tem certeza que você é a mais
nova de nós dois?
– Fica quieto e me beija, vovô!
John estreita os olhos, finalmente
larga minha cintura e suas mãos ganham
vida. Hummm... Nada como um bom
desafio!
– É melhor você ficar calada,
Helena... Ninguém fora desta porta pode
ouvir nenhum barulho, entendeu? –
balanço a cabeça concordando – Eu vou
te mostrar o que o “vovô” pode fazer.
Oh, minha nossa! Por um
momento quase me arrependo de tê-lo
provocado.
Que mentira!
Eu vou aproveitar cada

segundo...
♪♫ ♥ ♪♫
Depois que John vai embora,

revejo as bandas que abrirão o show
para a Jack Rock. A primeira é a que
Bob está mais interessado. Ela deve ser
muito boa, já que ele vai mandar o
jatinho buscá-los longe.
O nome é bem diferente: Trophy

Husband[24], composto por duas
mulheres: Tony e Emmy e dois homens:
Oscar e Charles. Três dos quatro
integrantes tem nomes de troféus, será
este o motivo do nome da banda? Se for
assim, o Charles seria o “husband”?
Talvez ele seja casado com uma das
garotas.
Analiso a distribuição de quartos
para a mansão que alugamos durante o
primeiro fim de semana. É perfeita, à
beira mar e será o local da primeira

festa pós-show. Casados ou não, eles
terão que se contentar com apenas um
quarto. Se bem que eu preferia dormir
no quarto do John...
Hum... Eu posso colocar a Kim
no quarto ao lado do John e dizer que
vou dormir com ela, mas fugir para o
quarto dele! Ótimo, assim sobra mais um
quarto para a banda nova. E quem vai
ficar de olho neles? Preciso ter certeza
que não vão bisbilhotar por aí e ver algo
que não deveriam. Como eu beijando o

John, por exemplo.
Gabriel! Marco o quarto em
frente ao deles para o Gab, tenho certeza
que ele será capaz de mantê-los na linha.
Mordo a ponta do lápis, a banda só
ficará por um pouco mais de vinte e
quatro horas, mas e os roadies? Eles
estarão o tempo inteiro presentes, vou
sempre ter que me esconder com o John?
Que droga! Quero poder abraçá-
lo sem me preocupar que algum
funcionário veja! Até mesmo do Chris

não poderei chegar perto sem temer
repercussões na mídia. Deste jeito, esta
turnê será uma tortura! A menos que...
Pego o telefone com tanta pressa que
quase o derrubo no chão.
– Bob, a gente pode revisar os
contratos de todos os roadies e
assistentes?
Ele suspira pesadamente.
– Vai dar um trabalho
desgraçado para o nosso advogado, mas
ele é pago para isto. O que você tem em

mente?
Sorrio para mim mesma. Se tudo
der certo, poderei ter um pouco de
tranquilidade nas próximas semanas.
– Eu gostaria de acrescentar uma
cláusula de confidencialidade. Tudo que
for visto ou ouvido nesta turnê não pode
ser divulgado para qualquer outra
pessoa e/ou em qualquer meio de
comunicação. Seja ele falado ou escrito,
digital ou não.
– Ou? – Bob pergunta

interessado.
– Ou deverá pagar uma multa
exorbitante, além de enfrentar processo
por quebra de contrato e danos morais.
Será que pode ser feito? – digo roendo
as minhas unhas de ansiedade. Bobby
fica calado, talvez esteja pesando os
prós e contras de rever todos os
contratos.
– Eu vou falar com o advogado.
Contenho o grito de alegria,
enquanto me despeço do Bob. Ele é o

melhor chefe do mundo! Penso em John
e como era trabalhar em sua casa...
Hum... Segundo melhor chefe! Suspiro
aliviada, obrigada literatura erótica e
sua mania de CEOs viciados em
contratos...
Não que eu tenha lido algo assim
antes, imagina... Afinal acabei de
completar dezoito anos e era uma pobre
alma inocente antes disso!
Apresentadora chata! Até parece que
tem um botão de maturidade que se liga

à meia noite do dia do seu aniversário.
O bip do e-mail chama minha
atenção. Uau! Fazem apenas cinquenta
minutos que eu postei na internet o
recado do Bobby e já apareceram
dezenas de candidatos. Ainda bem que
esta etapa de seleção não será comigo.
Os olheiros vão separar os bons
dos medíocres, Bob escolherá os
melhores e eu irei observar a reação do
público e a atitude deles nos bastidores.
De problema com a mídia, já basta a

Jack Rock. Meu celular pessoal toca
novamente, eu tinha desligado o do
trabalho, não aguentava mais os
jornalistas abutres ligando!
– Elle, o que vamos fazer para o
aniversário do John? Eu tive a melhor
ideia de todos os tempos e já temos que
organizar tudo! Estou pensando onde
fazer a festa, mas aí tem que ver se está
liberado. E se não estiver livre? Talvez
para o John eles abram uma brecha e...
– Kim! Pelo amor de Deus,

respira fundo e fala mais devagar.
Escuto Kim inspirar e expirar
novamente.
– Ok, o aniversário de John está
chegando e a gente podia fazer uma festa
à fantasia temática para comemorar!
O aniversário de John? Minha
nossa... Eu tinha esquecido
completamente!
– Por que uma festa à fantasia?
Posso sentir a empolgação de
Kim mesmo através do telefone:
– Porque eu comprei uma roupa
de Hera Venenosa e eu quero uma
desculpa para usá-la em público!
Hum... A vilã ruiva do Batman?
Conhecendo a Kim, deve ser algo, no
mínimo, ousado!
– Quer dizer que você já a usou
em privado? – pergunto provocando.
– Claro, estou fazendo isso agora
mesmo! Pena que não tem ninguém aqui
para ver... Mas até que é bom, não quero
correr o risco de rasgar a fantasia antes

do tempo! Então, topa uma festa de
super-heróis? Vilãs contra mocinhos?
Gostei da ideia! Todas as
mulheres de bandidas e os homens de
heróis.
– Eu vou falar com o John, mas
por mim está combinado.
– Ótimo, mal posso esperar para
ver qual vai ser a sua fantasia!
Hum... Separo o material para
enviar para os olheiros e revejo os
tweets do dia. Eu precisava virar o jogo

ao meu favor. Mas, enquanto isso, que
vilã eu deveria ser? Terei que encontrar
a fantasia perfeita!


CAPÍTULO 21 –
Preparativos
Depois do escândalo que foi a

primeira aparição deles na TV, o
advogado do Bobby ficou mais esperto.
Qualquer pergunta um pouco fora da
linha resultará em processo. Este é o
acordo feito com todas as emissoras.
Bob resolveu não processar aquela
mulher nojenta, porque apenas iria ser

um imenso circo na mídia.
Gabriel vinha me buscar e levar
ao escritório todos os dias. No primeiro
dia, descobri que o transporte público
não servia mais para mim. Os
seguranças do metrô tiveram que
escoltar até o Gab aparecer para me
socorrer. Agora eu só saia de casa na
incógnita. Carma é uma praga, eu achava
tão engraçado quando o Chris ou o John
saíam escondidos e agora é minha vez
de fazer isto.

A semana passou rápido, mal
fiquei sozinha com o John. Entre
entrevistas, campanhas publicitárias,
redes sociais e os preparativos para a
turnê, eu não sei como tive tempo para
respirar!
Ainda bem que meu dia começa
cedo, afinal, Michele não me deixa outra
escolha. Todo dia ela me acorda às
cinco “da madrugada” com o seu suco
detox e uma disposição que só pode vir
de algum pacto com o diabo. Uma
pessoa que mal sai de casa e acorda
cedo tão animada não pode ser normal!
Não dormi mais na mansão do
John, tenho medo que algum paparazzi
abelhudo me siga e descubra que
estamos juntos. Então nós parecemos
dois adolescentes, nos esgueirando
pelos cantos para nos agarramos
escondido. É tão divertido! Estou
descobrindo um lado meu que eu não
conhecia, a adrenalina que acompanha o
risco de ser pega no flagra pode ser...
excitante.

A nota de Bob sobre os olheiros
rendeu bons frutos e eu dei a ideia de
realmente transformar em um concurso.
A equipe dele pré-selecionou as
melhores bandas, aquelas que tinham
maiores chances de se tornarem um
sucesso e um site foi criado só para isto.
Nele, foram divulgados vídeos
de cada uma das dessas bandas junto
com uma pequena biografia. Os fãs,
então, podem ver e votar na favorita. As
mais votadas terão a chance de cantar
com a Jack Rock.
As três primeiras bandas, que já
estão com o contrato para um show
assinado, tinham uma página exclusiva,
com fotos e mais vídeos, o que deixou
os concorrentes mais animados, pois
todos sonhavam em ter sua própria
página no site do Bob. E isto ajudou a
desviar a atenção dos fãs, agora eles
estão empolgados, torcendo por suas
bandas favoritas.
A Jack Rock não saiu da mídia
em nenhum momento! Todos os
ingressos estão esgotados até o final da
turnê e as pessoas ainda ligam ou
mandam mensagens pela internet
pedindo por mais. Os convites para
entrevistas triplicaram, provavelmente
teremos que mandá-los em dupla, pois
seria humanamente impossível eles
estarem todos juntos.
É claro que o meu nome também
ainda está na mídia, porém com menos
força, já que John está usando outra
tática: passear pela cidade com Natasha.
Ele alimenta os paparazzi de fotos e eu
sou deixada em paz. No máximo, mais
uma na sua enorme lista de conquistas.
A única coisa que me irrita
profundamente sobre isso é o sorrisinho
de vitória da #NiCadela. Sempre que a
vejo pelo corredor do prédio, ela me
olha arrogante, como se eu fosse um
grande inseto. Nicole acha que nunca sai
do clube das abandonadas por John, seu
pai não deve confiar muito nela ou teria
contado que John e Natasha não são um
casal de verdade.
Amanhã é o primeiro dia da

turnê. John está agora no lançamento do
filme de sua namorada oficial. Por mais
que eu goste dela, vai ser ótimo tê-lo só
para mim durante a turnê, já que Natasha
estará fazendo audições para uma série
de comédia romântica inglesa.
O problema com a equipe de
funcionários também foi resolvido. O
advogado do Bobby colocou tantas
cláusulas nos contratos deles que duvido
que tenham coragem de colocar o meu
nome e o de John na mesma sentença.

É minha última noite na cidade
por um bom tempo e estou esperando o
aval de Michele para sair de casa.
Sentirei tanta falta dela! Será estranho
não a ter comigo todos os dias, ela tem
sido minha companheira desde que se
mudou para o apartamento ao lado. Há
uma semana ela me ajuda a fugir dos
paparazzi.
Depois da loucura que foi a
estreia do clipe, nosso prédio ficou
cercado por dois dias. Quando a notícia
esfriou, eles sumiram também. Mas,
mesmo assim, não posso vacilar, de vez
em quando aparece algum novo
fotógrafo esperando um simples deslize
meu. Por isso, antes de eu sair para
qualquer lugar, Michele faz o
“escaneamento do perímetro”. Palavras
dela, não minhas, acho que ela está
assistindo muito seriado policial.
É isso que ela está fazendo
agora, verificando se o caminho está
livre para irmos à nossa lanchonete
favorita. Ela me manda uma mensagem
com uma figura de um polegar para
cima. Estou liberada para descer! Puxo
o capuz do meu blusão para esconder o
meu rosto que já está protegido pela aba
de um boné.
Não é uma roupa bonita ou
elegante, seu intuito é fazer eu me
misturar com os outros e passar
despercebida. Olho-me no espelho e
ajeito meus óculos de grau falsos. Eu
não preciso deles para melhorar minha
visão, mas o aro grosso de acetato e as
lentes de vidro sem nenhum tratamento
ajudam a esconder meu rosto.
Caminhamos juntas pelas ruas
escuras, minha cabeça sempre baixa, até
chegarmos ao nosso destino. Esta
lanchonete fica entre o meu prédio e o
de Chris. Eu e ele costumávamos tomar
café da manhã juntos quase todos os
domingos.
Eu também vinha quase todas as
manhãs comer croissants, mas Michele
me convenceu a ter uma dieta mais
saudável e já me sinto mais leve. Ser
fitness pode ser chato no início, mas o
resultado vale a pena! Exceto hoje,
porque hoje é a despedida dos meus
amados croissants… Também sentirei
falta deles.
– Eu estava pensando – Michele
diz assim que sentamos à mesa – Esta
sua roupa chama mais atenção que o
normal, parece que você está pronta
para bater carteiras!
Entorto meu nariz para seu
comentário, mas é verdade. Estou
parecendo o estereótipo do ladrão de
rua.

– Exagerei? – ela balança a
cabeça concordando – Volto já!
Corro para o banheiro e retiro o
boné, deixo parte do meu cabelo cair em
onda de chocolate para fora do capuz.
Ondas de chocolate? Nossa, isso soou
brega até na minha cabeça. Ajeito meus
cabelos e permaneço de óculos. Ok,
agora estou mais para nerd tímida do
que trombadinha.
Assim que saio do banheiro,
vejo um cara alto encostado no canto da

parede, olhando fixamente para frente.
Ele também está de capuz, mas o dele é
uma edição rara do Rolling Stones. Eu
sei disso porque fui eu que comprei para
ele.
Me aproximo devagar, ele está
tão concentrado em um ponto distante
que não percebe.
– O que você está fazendo
escondido aqui nas sombras?
Ele dá um pulo tão grande que
começo a rir. Chris desvia o olhar de

uma mesa que estava no canto oposto a
nós e vira o rosto para mim:
– Oi, Elle! O que você está
fazendo aqui?
Sigo a direção que ele olhava
antes. Uma morena está sentada sozinha
com um livro na mão, retorcendo suas
páginas. Ela levanta o rosto e seu olhar
encontra o meu, sua boca abre levemente
em choque, mas logo disfarça, olhando
novamente para baixo.
– Quem é ela? – pergunto

curiosa e ele se faz de desentendido:
– Ela quem?
Ele sabe muito bem quem! Tanto
sabe que até olhou para a garota
novamente, mas desta vez Chris entorta
a boca quando um homem alto se
aproxima e aponta para o livro. A
mulher olha brevemente para nós dois,
antes de dar total atenção ao recém-
chegado. Ele beija a mão dela e se senta
à sua frente.
– Chris, vou pedir para o John te

ensinar a mentir melhor ou isto pode ser
um problema durante as entrevistas.
Ele suspira alto e desencosta da
parede:
– É apenas uma conhecida,
ninguém importante.
Pela sua expressão perdida
quando a morena sorri para o homem,
acredito que ela tenha mais importância
do que ele gostaria de admitir.
– Eu e Michele estamos tomando
um café com croissant, quer sentar com

a gente?
– Não, vou para casa – ele beija
meu rosto – Até amanhã.
Ele já está indo embora quando
eu digo:
– Até, Chris. A propósito, ela me
reconheceu mesmo à distância, de capuz
e óculos.
Ele não para, apenas diz boa
noite e vai embora. Aí tem coisa.
Quando volto à mesa, Michele já está
comendo.

– Você demorou tanto que minha
fome foi maior que minha boa educação.
– Tudo bem, eu só vi algo
estranho…
Michele solta o garfo e olha ao
redor totalmente em alerta.
– O que você viu? Alguém te
seguiu? Falou alguma coisa?
Começo a rir. A louca “mode
on”. Não conto sobre o Chris, não quero
fazer fofoca. Desvio o assunto e
conversamos noite adentro. Só sai do

restaurante quando vi a morena ir
embora.
Seus olhos escuros encontram os
meus por um breve momento, antes dela
continuar seu caminho para a rua. Não
consigo decifrar sua expressão, mas
tenho certeza de uma coisa: eu posso
não saber quem essa garota é, mas ela
sabe exatamente quem eu sou.


CAPÍTULO 22 – Turnê
No dia seguinte, o barulho

estridente da guitarra de Chris me
acorda. Ai, minha cabeça! Eu deveria
ter escolhido uma música mais calma
como toque de celular. Atendo sem ver
quem está ligando.
– Elle, onde você está? Estou
tocando sua campainha há séculos!
Oh, merda! Se meu relógio de

cabeceira está certo, eu estou muito
atrasada. Merda dupla! Depois que
cheguei em casa, fiquei bebendo vinho
até tarde e conversando bobagem com
Michele. Ainda bem que minhas malas
estão prontas. Visto às pressas a roupa
que tinha separado e libero a entrada do
Gabriel.
Engulo qualquer coisa que resta
em minha geladeira, coloco as malas no
corredor e vou bater à porta de Michele.
Ninguém atende, é a primeira vez que
não a vejo cedo. Coitada! Aposto que
ela deve estar com uma ressaca pior que
a minha. Com sua mania de alimentação
saudável, ontem foi a primeira vez que a
vi beber.
– Está pronta, Elle? – Gabriel
pergunta assim que sai do elevador.
– Sim, eu queria me despedir da
Michele, mas ela não está!
Ele pega minhas malas e confere
se está tudo fechado em meu
apartamento.
– É a irritadinha do telefone? –

ele pergunta já indo para o elevador. Eu
o sigo.
– Ela não é irritadinha! Estava
preocupada com os fotógrafos
acampando aqui no prédio – defendo
minha amiga – Ela é uma das pessoas
mais doces que eu conheço, você sabe
muito bem disso!
Ele dá de ombros enquanto
aperta o botão do térreo.
– Eu não sei de nada. Nunca
conheci a famosa Michele.

– Claro que conheceu! Você a
viu no dia… Quando… Teve aquele...
Tento lembrar quando o Gabriel
tinha conhecido a Michele e não
consigo. Como ele nunca a viu em todos
estes meses? Ela sempre está em casa!
– Vamos, todos estão esperando
na casa do John, o ônibus sairá de lá.
Aceno concordando e entro no
carro com ele. Olho para o céu azul, o
sol queima minha pele mesmo através
do vidro fumê. Não sei como Gabriel

aguenta andar o dia inteiro de terno, ele
deve estar cozinhando nesta roupa!
Talvez eu possa falar com Wanessa
sobre isso…
Na casa de John, fico atordoada
com o tamanho do ônibus. Eu já tinha
visto as fotos, mas ao vivo ele consegue
ser mais impressionante! É mais largo
que um ônibus comum e tem dois
andares, além de ser todo em preto com
uma foto gigante da banda na lateral e o
nome “Jack Rock” destacado em
vermelho.
Kim me abraça assim que chego
e se oferece para fazer um tour na
monstruosidade sob rodas. Até a entrada
dele é grande! Tem a área do motorista,
atrás desta a escada para o andar
superior e ao lado, a porta para o térreo.
Esta tem um janelão de vidro que
permite ver o interior, mesmo que a
porta esteja fechada.
Primeiro, Kim me mostra o
andar de baixo, onde vão dormir os
staffs fixos. A maior parte dos roadies e
seguranças serão de responsabilidade
dos locais em que ocorrerão os shows.
Assim que entramos, vejo as
poltronas de couro preta extralargas
viradas para o fundo do ônibus. Por trás
delas, dois sofás do mesmo material, um
de frente para o outro, contrastando com
o piso de cerâmica branco.
À direita, um pequeno bar com
taças presas à bancada e dois
banquinhos de couro vermelho
chumbados no piso. A cozinha de
alumínio e granito preto ao lado é

pequena, mas parece ter o necessário:
geladeira, fogão, micro-ondas e várias
prateleiras que não me interessei em
abrir.
Do lado esquerdo, uma meia
parede separa o início do final do
ônibus, uma televisão de tela plana está
presa a ela, ficando de frente para os
sofás e poltronas. Depois deste ponto, o
corredor é mais estreito, de um lado
quatro beliches estão embutidas na
parede e do outro lado apenas duas.

Quando a pessoa deita, pode
puxar uma cortininha e ter a sensação de
privacidade. Cara, isso é
claustrofóbico! No fundo, um banheiro
não muito espaçoso, mas ainda assim
equipado com todos os luxos
necessários.
Aqui dormiriam Gabriel e
Bruno, que seriam os únicos seguranças
fixos, Wanessa, a figurinista e
maquiadora, Leonardo e Ed, os roadies
que irão se revezar no papel de
motorista e Isabel, minha nova
assistente, uma boa garota que é
apaixonada por romances com
vampiros. Tanto que a apelidamos de Z,
o personagem gostosão do seu livro
favorito. Pena que ela é tão atrapalhada!
Espera aí… Seis camas e cinco
pessoas. Eu faço parte da equipe, então
terei que dormir aqui. Olho ao redor, as
cortinas brancas e lustres estilizados
presos próximos às janelas dão um ar
aconchegante e moderno. Ok… Pode
funcionar.

Coloco minha mala em cima de
uma das camas de baixo. Aposto que a
queda será menor se eu rolar durante o
sono.
– O que você está fazendo? –
Kim pergunta.
– Escolhendo minha cama, ué.
Ela revira os olhos para mim e
pega a alça da minha bolsa.
– Vamos lá para cima, Elle. Tem
um Belo Adormecido esperando por
você.

O quê? Subo as escadas e fico
boquiaberta. O espaço aqui é muito
maior, já que não precisa ser dividido
com o motor, cadeira do motorista ou
bagageiro. Na parte da frente, um
janelão de vidro nos dá a visão total da
estrada. Uau, isso causa uma vertigem
em mim, tenho a sensação que vou cair
no chão.
Contra o vidro e as paredes
laterais, há um sofá de couro preto em
“U” com uma mesa prateada ao centro.
O teto é espelhado e o resto segue a
disposição e padrão de cor do andar
inferior. Ao invés de beliches presas às
paredes, temos quatro portas, duas de
cada lado. No fundo, um banheiro mais
espaçoso, com uma pequena banheira.
Kim me aponta o último quarto à
direita. Ela pisca um olho para mim e
sai. Ao entrar vejo que a cama de casal
com colcha branca ocupa quase todo o
espaço, o janelão está escondido por
uma cortina grossa vermelha. Do lado
esquerdo, um guarda roupa embutido é o
único outro móvel, além de uma mesinha
com um abajur e uma guitarra presa a um
gancho na parede.
Nada disso me interessa, apenas
o homem adormecido no meio do
colchão importa. Ele está tão pacífico
que me deito ao seu lado sem acordá-lo.
Não demora muito para que o ônibus
entre em movimento. Beijo o rosto de
John e ele coloca o braço ao redor da
minha cintura, puxando-me para perto
mesmo em seu sono.
Isso é tudo que planejei para esta

turnê: paz e união.
♪♫ ♥ ♪♫
Sinto cócegas, algo está

arranhando minhas costas. Tento me
mover, mas um peso me mantém contra o
colchão. Hein? Abro os olhos
desnorteada até compreender que ainda
estou no ônibus e John está beijando
minha coluna. Permaneço de barriga
para baixo e ele levanta meu vestido até
a cintura.
– John…
– Boa tarde, Helena.
Sua voz rouca é suficiente para
fazer eu me arrepiar, isto e ele puxando
minha calcinha para baixo, até eu estar
totalmente exposta. Fecho os olhos,
aproveitando a sensação de sua boca
contra a minha pele sensível. Ele separa
minhas pernas e coloca um travesseiro
embaixo do meu quadril, elevando-o.
O primeiro contato de sua língua

me faz pular e John coloca uma mão na
base da minha coluna, para me manter
parada. Droga! Ele não deveria estar
fazendo isso aqui, não com todo mundo
na sala ao lado! Pego outro travesseiro e
mordo para evitar o gemido que escapa
quando John enfia um dedo e depois
mais outro dentro de mim.
Minha respiração acelera, assim
como minha frequência cardíaca quando
ele aumenta a pressão no ponto ideal.
Mordo o travesseiro com tanta força que
minha mandíbula dói. As juntas dos
meus dedos estão pálidas. Oh, John!
Acho que ele quer me enlouquecer!
Ele morde, lambe e chupa. Sua
barba arranha e seus dedos não dão
trégua, estou perto, tão perto! Apenas
mais um pouco e... John para tudo, me
deixando ofegante e sem libertação. Mas
que droga!
Seu corpo cobre o meu e ele
agarra meus cabelos, puxando-os para
trás. Meu pescoço se estica e John cobre
minha garganta com sua mão. Minha

cabeça indo contra seu peito.
– Você quer gritar, não é? – sinto
sua ereção esfregar contra a minha
bunda – Quer gemer e me mostrar como
eu faço você se sentir bem? – Ele aperta
de leve minha garganta – Diga!
– Quero, droga!
Ele se inclina e me beija,
deixando-me sentir o meu próprio gosto
em sua boca. Sua mão desliza da minha
garganta pelo o meu corpo, apertando
meus seios no caminho. Ele separa ainda

mais as minhas pernas e me penetra sem
aviso, enquanto morde meu ombro.
Ahhhhh! Não tenho palavras para
definir a sensação de ser preenchida por
John. É o meu paraíso pessoal. Ele se
move sem piedade, entrando e saindo.
Rápido e forte, ainda segurando meus
cabelos. Droga! A cada segundo fica
mais difícil me manter quieta.
– Grita, Helena! – sinto um tapa
em minha bunda – Grita, que o quarto é
à prova de som! – outro tapa – Vamos!

– Filho da mãe!
Ele podia ter dito logo! Agora
seguro ainda mais porque ele quer que
eu grite.John segura minha cintura e me
vira, colocando minhas costas contra o
colchão. O suor pinga em seu peito e eu
puxo sua cabeça para mais perto,
beijando-o com carinho. Ele me beija de
volta, suas mãos apertando tudo que está
a seu alcance.
John definitivamente quer me
enlouquecer.

– Não vai falar nada? – ele me
provoca.
Balanço a cabeça negando e ele
aceita isso como um desafio. John me
solta e fica em pé, olho sem entender
nada enquanto ele procura algo dentro
do armário. Não sei o que é, ele se
esconde atrás da porta do guarda-roupa
enquanto apronta alguma coisa. O que
será?
Eu vou permanecer quieta até ter
certeza que o quarto realmente tem

isolamento acústico. Ainda de pé e de
costas, John olha por cima do ombro,
analisando cada pedaço meu exposto.
Seu olhar malicioso é suficiente
para quebrar a convicção de qualquer
uma. Incluindo a minha. Fico encarando
o teto ou irei sucumbir. John segura
minhas coxas e me puxa para a beira da
cama, planto meus pés no colchão e ele
penetra devagar, mas não
completamente.
Ele quer me provocar mais do

que qualquer outra coisa. Adoro este
nosso jogo de gato e rato.
– Tem certeza que não vai falar
nada? – mordo meus lábios em resposta
– Ok, você que pediu!
Um zumbido baixo enche o
quarto e ele me penetra totalmente. Não
tenho tempo de processar de onde pode
ter vindo o ruído antes que todas as
minhas terminações nervosas se
concentrem em um único ponto.
Caramba! John apoia as duas mãos no

colchão, indo cada vez mais fundo e
rápido. Com vibração, sem vibração.
Entra e sai.
Tento me apoiar nos cotovelos
para ver exatamente o que ele está
fazendo, mas desisto. Dane-se isto! Ele
ganha, a sobrecarga sensorial é grande
demais para mim. O orgasmo me atinge
em cheio e grito seu nome sem pensar.
Ele me segue momentos depois.
John retira a camisinha e joga em
uma lixeira que eu não tinha reparado

antes. Como ele consegue se mover? Eu
praticamente não fiz nada e estou ainda
sem fôlego! Ele se deita ao meu lado e
retira uma mecha de cabelo do meu
rosto. Seu sorriso é vitorioso e eu bato
em seu peito sem muita convicção.
– Você podia ter dito logo! – não
que eu esteja realmente reclamando – O
que foi aquilo que você usou?
Ele me mostra o objeto. É um
círculo de borracha vermelho com um
vibrador oval na ponta. Nunca tinha

visto um desses!
– Isto é um anel peniano, Helena
– ele me dá um sorriso que é pura
malícia – Gostou?
Se eu gostei? John colocou
isolamento acústico no quarto e veio
equipado com brinquedinhos.
O jeito dele planejar a turnê é
muito mais divertida…


CAPÍTULO 23 –
Mansão
Em poucas horas, descobri que

estar em turnê com a Jack Rock é a
oitava maravilha do mundo. Seja no
quarto com o John, fazendo campeonato
no videogame ou apenas estando ao
redor do sofá vendo-os ensaiar as
músicas. Aqui, seguros dentro do nosso
ônibus, é como se tivéssemos uma bolha

protetora contra o mundo.
Só tem um único problema: o
sorriso do Chris não é o mesmo. Ele
está distraído, como se sua cabeça
estivesse distante daqui.
À noite, John joga um game de
guerra contra Alysson e Kim cochila no
sofá. Chris está olhando pelo janelão da
frente, enquanto toca violão.
– Você vai me dizer que bicho te
mordeu?
Sento ao seu lado. Nossa, não

sei como ele consegue observar a
estrada passar tão rápido dessa altura
sem enjoar. Eu tenho a sensação que vou
cair de cara no asfalto. Viro-me de
costas para a janela e afundo no sofá.
– Nenhum bicho me mordeu,
Elle. – ele fala sem parar de tocar.
Nunca ouvi a melodia que ele está
tocando, será uma música nova?
– Certo… E a Laura? Nunca
mais a vi, ela não vem para o show?
Tento fazê-lo se abrir, mas ele

não fala nada. Coloco minha mão nas
cordas do violão, impedindo-o de
continuar a me ignorar.
– Chris? Você e Laura estão
tendo problemas?
Ele suspira alto e coloca o
violão em cima da mesa, desistindo de
tocar.
– Não, nenhum problema. Ela
virá só depois.
Ele bate os dedos ritmicamente
na mesa. Chris esqueceu que eu o

conheço bem, este gesto ele sempre fez
quando tentava me esconder alguma
coisa. Se não é a Laura…
– Já que você não quer
conversar, eu vou ficar falando até que
você resolva se abrir. Quer ouvir uma
história?
– Não, Elle! Fica para depois,
vou para o meu quarto – ele finge olhar
a hora – Marquei um encontro online
com a Laura.
Dou de ombros.

– Ok, eu só ia contar sobre um
beijo estonteante que eu vi uma morena
dar em um homem ontem à noite, lá na
lanchonete.
Sua atenção se volta totalmente
para mim. Ah, Chris… Você sempre cai
nessa.
– Que beijo? Que morena?
– Ah, uma morena baixinha e peituda

que deu um beijo escandaloso em um
careca – minto descaradamente – Não a

morena que você estava encarando como
um gavião.
Ele se levanta e pega o violão.
Antes de ir para o quarto, se vira e fala
sério.
– Eu não estava encarando
ninguém, Elle. Esqueça isso!
Homens… Sempre achando que
são sutis. Que tolinhos!
Chris está metido em alguma
coisa, Laura parece mais um peso morto
do que uma namorada e esta mulher

nova é um mistério. Preciso saber se
uma delas ou as duas serão um
problema para ele. Depois de tudo que
passou, Chris merece ser feliz. E eu
pretendo garantir isto.
♪♫ ♥ ♪♫
O barulho irritante do meu

celular tocando me desperta do sono
profundo. Estou tão bem enroladinha
com o John! Não quero levantar… Pego
o maldito aparelho e vejo duas ligações
perdidas e uma mensagem de texto do
Gabriel: “Abra a cortina”.
Ajoelho-me na cama e faço o
que ele pediu. O sol é tão forte que fico
cega por um momento, até que meus
olhos se acostumam com a claridade.
Uau! Estamos chegando na mansão de
luxo alugada para o fim de semana.
Ela é branca e imponente, cheia
de portas e janelas de vidro. Uma
piscina enorme com cascata e bar

molhado se estende em direção à praia
privativa de areias brancas e águas
cristalinas.
O imenso jardim e a sala
principal serão o local da festa pós-
show. Vejo que a equipe de segurança
contratada já está espalhada por todo o
lugar, não podemos vacilar nunca. Não
são apenas as fãs loucas que me
preocupam e sim a ameaça sob a cabeça
de John.
Fecho a cortina e o observo. O

padrasto dele é um homem horrível!
Destruiu uma família, matou uma pessoa
e ainda quer continuar seu legado de
terror. Passo a mão em seus cabelos e
beijo seus olhos fechados. Ele não
acordou. Encho seu rosto de beijos, ele
resmunga, vira de frente, mas não
acorda.
Caramba! Este homem não
dorme, ele hiberna. Pego a garrafinha de
água na mesinha. Faço ou não faço? Sim
ou não? Hummm… Abro a tampa.

– John? É melhor você
acordar…
E ele nada. Ok, eu tentei! Jogo
um pouco de água em seu rosto e ele
acorda em um pulo. Fecho a tampa rindo
de seu susto.
– Você me molhou? – Ele olha
para os lados confuso e seca o rosto
com a mão.
Dou de ombros.
– Sim, você não acordava de
jeito nenhum! E olhe só – subo em seu

colo, deixando uma perna em cada
quadril – Você pode tentar ficar quite
comigo…
Sento-me em seu quadril. Não
tem jeito melhor de começar a manhã.
♪♫ ♥ ♪♫
A mansão é perfeita, exatamente

como as fotos que vi pela internet. A
Jack Rock ficará na ala leste e a Trophy
Husband, a banda que abrirá o primeiro
show, na ala oeste. Coloco minhas malas
no quarto da Kim. Ele é todo branco,
com duas camas de casal separadas por
uma mesinha redonda com um vaso de
tulipas vermelhas naturais em cima.
Da janela, podemos ver o mar
azul e a piscina, a vista é
impressionante. Kim guarda suas coisas
no closet, eu coloco apenas uma parte
das minhas roupas. Verifico uma porta, é
um banheiro espaçoso todo em mármore
e a outra dá no quarto ao lado.

– Que estranho! – A ruiva se
aproxima já com a testa franzida – Uma
casa desse tipo com quartos conectados.
Pisco um olho para o nosso
vizinho, que sorri ao nos ver paradas em
na entrada oculta do seu quarto. John
larga as malas de qualquer jeito no chão
e me agarra pela cintura, já beijando
meu pescoço.
– Vocês podem esperar eu fechar
a porta primeiro? – ela nos confere dos
pés à cabeça – Ou não, já que vou servir

de álibi para os dois, posso muito bem
assistir!
John empurra a porta, fechando-a
na cara dela.
– Você tem a chave?
Mostro o objeto brilhante. É
claro que tenho a chave, este foi um dos
motivos de ter escolhido esta casa. Eu
poderia transitar entre os quartos sem
chamar atenção de qualquer
bisbilhoteiro. Apenas dois quartos em
cada ala tinham portas conectadas, eu

fiquei com um e o outro foi para a
Trophy Husband. Assim, eles teriam
mais privacidade.
John aproveita minha distração

para trancar a porta e me empurrar
contra ela, sua barba arranhando meu
pescoço. Oh! Seu beijo é tão intoxicante
que esqueço o mundo ao meu redor e…
– Se eu não posso ver – a porta
balança do outro lado com as batidas de
Kim – Então também não quero ouvir!

– Estraga prazeres! – John grita
para ela.
– Insaciável! – ela grita de volta.
John olha para mim com malícia
e segura minhas coxas, puxando-as ao
redor do seu quadril.
– Isto eu sou mesmo, mas só por
você!
– Ah, John – passo os braços ao
redor do seu pescoço – Você é tão doce
que quase me dá diabetes!
Ai! Ele morde meu ombro e eu

bato em seu peito.
– Me solta, garotão! Tenho uma
lista de tarefas a cumprir e ficar
trancada sendo sua escrava sexual não é
uma delas.
– Tem certeza? – Sua voz rouca
em meu ouvido é uma tentação.
– Não muita, mas sim – mando
um beijinho de longe – Arrume-se, que
vocês têm entrevista após o almoço,
depois vamos direto à arena do show.
– Sim, senhora! – seu sorriso

equivale à um milhão de promessas
ocultas.
Eu preciso sair daqui logo ou
esquecerei dos meus estúpidos afazeres.
Munida com minha prancheta, iPad e
bluetooth vou organizar o primeiro show
da Jack Rock.
Na mansão, tudo está de acordo
com o planejado, deixo Isabel
comandando os contratados e os
preparativos para a festa. Ela também
vai aguardar a Trophy Husband que

deve chegar a qualquer momento. Talvez
a Z seja realmente de grande ajuda.
Procuro Wanessa, ela está no
quarto com os figurinos. Peço uma roupa
para Gabriel e ela me mostra uma
camiseta branca de roqueiro, daquelas
com as mangas exageradamente
cortadas, que dá para ver as costelas.
– Eu duvido que ele vá querer
usar isto… – afinal, o cara só anda de
terno!
– Eu sei que você dá um jeito de

convencê-lo, até porque ele vai ter isto
por cima.
Ela me mostra uma linda jaqueta
de couro, calça jeans e botas, tudo na
cor preta. Hum… Acho que pode dar
certo! Estiloso! E com os óculos escuros
ele vai arrasar. Gabriel ainda vai
chamar atenção, um homem como ele
sempre chama, mas pelo menos não
ficará tão óbvio que ele é o segurança.
Wanessa embala a roupa e me
entrega. Agora preciso encontrar o Gab.

Ando pelo corredor quando meu celular
toca, é um número desconhecido com o
código de área da minha cidade. Atendo
apreensiva, mas é do banco. Eles
entraram em contato com o novo dono
da antiga casa de meus pais.
Não acredito! Fui autorizada a
entrar na casa. Começo a saltar de
alegria, eu tenho a chance de descobrir
se os documentos perdidos do meu pai
estão lá! Samantha me ligou semana
passada avisando que finalmente
conseguiu olhar item por item das coisas
dos meus pais que estavam no porão da
casa dela.
Nada foi encontrado e eu estava
desesperada, sem saber o que fazer. Até
que John me deu a ideia de entrar em
contato com o banco para descobrir
quem é o comprador, já que este ainda
não se mudou para a casa. Depois de
dias sem notícias, finalmente eles
retornaram minha ligação.
Eu preciso encontrar os
documentos e finalizar esta parte do meu

passado. Só isto pode esclarecer quem
está envolvido na morte dos meus pais.
Eu só quero que haja justiça e todos os
envolvidos sejam presos. Meu pai
trocou a nossa segurança por dinheiro e
eles destruíram uma família pelo mesmo
motivo.
– Helena, o que houve? – Uma
voz rouca me tira do devaneio.
Levanto a cabeça para encontrar
dois pares de olhos azuis preocupados.
– Por que você está chorando,

Elle?
Chris pergunta e de repente me
vejo cercada pelos meus roqueiros
favoritos. Eu não tinha percebido que
estava chorando! Um segurança passa
pelo corredor e eu me afasto dos dois.
– Nada demais – seco minhas
lágrimas com o dorso da minha mão –
quer dizer, é algo grande sim. O banco
ligou e disse que a casa dos meus pais
está liberada para uma visita minha.
– Vamos juntos, ok? – Chris se

oferece.
– Não, vocês ficam. A casa está
alugada para o fim de semana, eu vou
amanhã cedo e volto no último voo,
chego aqui antes do ônibus partir.
Assim espero, ainda não tinha
checado com as companhias aéreas.
– Gabriel vai com você. – John
fala intransigente.
Eu já tinha pensado nisso, mas
eu e John já tínhamos combinado de dar
folga a ele após o show. O coitado não

tinha parado de trabalhar desde a estreia
do clipe e agora seria o momento
perfeito. Com a casa alugada para o fim
de semana e a segurança extra, John
estava seguro e Gab poderia relaxar um
pouco.
– Não é justo com ele e você
sabe disso, John! Olha, eu vou e volto
rapidinho – tento apaziguar não só a
eles, como a mim também – Prometo não
ir lugar nenhum sozinha! E mesmo que
haja algum outro cúmplice, ninguém
seria louco de me atacar na casa ao lado
da d’O Delegado, não é?
Os dois concordam sem
convicção. Eu também não tenho muita,
mas é a alternativa mais prática. Eu
preciso achar esses documentos, o mais
rápido possível.

CAPÍTULO 24 –
Trophy Husband
Agendei minha passagem para o

primeiro voo de amanhã. Não é tão cedo
quanto eu queria, mas é minha única
escolha. O jatinho do Bob é de uso
exclusivo para fins comerciais e já está
agendado para levar a Trophy Husband
de volta para sua cidade.
Estou fixando o nome deles na
porta dos seus quartos, quando vejo
Gabriel perdido no corredor.
– Ei, seu quarto é aquele –
aponto para a porta atrás de mim.
– Eu vou dormir no ônibus, Elle.
Não é justo colocar uma banda inteira
em apenas dois quartos só para eu ter
um exclusivo.
Gab é tão certinho que me tira a
paciência. A banda dormirá aqui por
uma noite e ele dois dias, e qualquer

coisa é melhor do que a beliche do
ônibus. Ignoro o que ele falou e o
empurro até ficar em frente ao seu
quarto. Aproveito para mostrar o pacote
em cima da cama.
– O que é isso? – Gabriel me
pergunta desconfiado.
– O que você acha? Roupas, é
claro! Estou cansada de andar por aí
com você todo engravatado. Daqui a
pouco vão me sequestrar achando que eu
tenho algum dinheiro.

Finalmente o cabelo dele, antes
cortado no estilo Hitman, está
começando a crescer. Ainda é bem
curto, mas não é mais tão militar. Agora
só falta me livrar das roupas sociais
para ele se misturar melhor conosco.
Gab não é apenas um funcionário, ele é
um grande amigo e uma ótima pessoa.
– Eu não sou o seu segurança
mais, Elle. Esqueceu disso?
– Eu sei, mas você é o segurança
de um roqueiro, não da Casa Branca. –

empurro-o em direção ao banheiro –
Agora seja um bom menino e se troque.
Confiro mais uma vez a setlist do
show de hoje e a agenda de amanhã.
Isabel terá que acompanhá-los durante a
entrevista e cuidar de tudo na minha
ausência. Estou concentrada na minha
tarefa quando Gabriel sai do banheiro e
pergunta o que estou fazendo. Explico
para ele sobre a minha viagem.
– Eu vou com você. – ele diz.
– Não vai não – nego ainda

anotando dicas para a Z ao lado dos
compromissos – Sua folga começa hoje
depois do show, esqueceu?
Gabriel retira o material das
minhas mãos e fala sério:
– Não esqueci e exatamente por
isso que vou. Resolvi viajar com uma
amiga na minha folga, eu estou a fim de
visitar uma cidade do interior e ela
precisa pegar uns documentos lá.
Entendeu?
Eu ia argumentar, mas desisto. A

verdade é que Gabriel podia ser mais
teimoso do que eu e John juntos. No
fundo, eu queria que ele fosse comigo.
Gab sempre será o meu herói e eu me
sentia mais segura com ele ao meu lado.
Levanto minha cabeça para
agradecer quando fico sem fala. Uau!
Sempre achei o Gabriel um homem de
presença com suas sobrancelhas
naturalmente arqueadas e barba rala. Ele
tem uma aparência ameaçadora mesmo
em seu terno. Contudo, em jeans preto,
jaqueta de couro e botas... Nossa!
Gab está com cara de bad boy
durão. Lembro-me dele empunhando a
arma com a tranquilidade de quem já fez
isto antes. Será que há uma tempestade
por trás de tanto autocontrole?
– O que tanto olha, Elle? –
Gabriel pergunta impaciente.
– Vou queimar todos os seus
ternos. Cara, teremos que arrumar um
segurança para você. As mulheres vão
ficar loucas! – digo com sinceridade.
Se eu não estivesse com o John,

provavelmente iria pular em cima dele
agora mesmo.
– Vamos, Helena, eu vou estar
trabalhando!
– Só durante o show, a festa
depois é sua folga – digo piscando um
olho para ele – Como você mesmo
disse.
Gab não diz nada, apenas
permanece com seu modo estoico. Esse
homem não tem emoções?
Depois de verificar mais uma

vez os suprimentos para a festa, sigo
direto para a arena do show enquanto
Gabriel e a Jack Rock vão para a
entrevista na rádio. Eu tenho muito a
conferir nos bastidores e ainda preciso
comprar a passagem dele no mesmo voo
que o meu.
O local do show tem a
capacidade de quase oitenta mil pessoas
e estamos com os ingressos esgotados.
O palco é em forma de "T", se
estendendo para um pouco mais de um
quarto da arena. Ele também conta com
três telões imensos, um ocupado todo a
parte central, por trás dos instrumentos e
dois nas laterais, mesmo as pessoas no
fundo poderão ver o show.
Ed anda por todos os lados
comandando os roadies e testando cada
equipamento. Só percebo que as horas
passaram quando vejo que o céu já está
escuro. Corro para os camarins, faço um
lanche rápido, tomo banho e troco de
roupa. Está quase na hora do show e o
pessoal provavelmente já voltou da
rodada de entrevistas.
Quando saio dos camarins, vejo
Chris, Aly e John conversando sobre
guitarras e baixos com Emmy, Oscar e
Charles, integrantes da Trophy Husband.
Eu os conheci mais cedo, quando
chegaram para a passagem de som.
Por enquanto, eles se mostraram
muito profissionais e simpáticos. Ainda
não conheci a cantora, ela estava
resolvendo alguma pendência no
telefone enquanto os outros testavam os
instrumentos.

Onde está Kim? Ah, sim... As
ruivas estão conversando. Paro e
verifico se meus olhos me traíram. Ué, a
ruiva agora está se multiplicando?
– Ei, Elle! Venha conhecer a
Tony!
Onde ouvi este nome antes? Ah,
sim! Ela é a vocalista da banda Trophy
Husband.
– Prazer em te conhecer!
Estendo minha mão para saudá-
la e Tony finalmente se vira para mim e

posso ver seu rosto. Caramba! Ela é a
cópia da Shirley Manson, vocalista da
antiga banda de rock Garbage!
Seu corpo e formato do rosto, os
lindos olhos verdes e os estonteantes
cabelos vermelhos. Ela aperta minha
mão sorrindo e Kim empurra meu queixo
para cima, fechando minha boca aberta.
A garota parece exalar confiança, eu no
lugar dela estaria nervosa. Hoje é seu
grande teste.
– O prazer é meu! Eu sou a Tony.

– Eu sou a Helena, mas as
pessoas me chamam de Elle – respondo
automaticamente – Você vai cantar The
world is not Enough?
– Bom... Sempre fazemos cover
do Garbage, por razões óbvias. Porém,
hoje pretendemos cantar apenas músicas
nossas.
– Desculpa, pareceu uma
pergunta? – digo brincando. Mais ou
menos – Eu quis dizer: você vai cantar
The world is not Enough! O que tenho

que fazer para te convencer a tocar essa
música para mim?
Tony encara minha boca
intensamente e morde o próprio lábio
inferior. Lembra quando eu disse que
ninguém fica super sexy quando faz isso
na vida real? Bem... Acho que me
enganei! O batom preto dá um toque
sensual inesperado.
Esta mulher é um pacote
completo de sex appel! Ela vai levar a
plateia à loucura. Balanço a cabeça para

clarear meus pensamentos. O que foi que
ela falou?
– O quê?
Ela sorri com o canto de sua
boca. Isso me lembra alguém que eu
conheço...
– Eu perguntei se você
autorizaria a entrada de duas amigas
minhas. Eu estava explicando para Kim,
elas foram barradas na entrada.
– Por quê? Quais os nomes
delas?

Pego a lista de autorizados a
entrar nos bastidores e procuro os da
Trophy Husband. Todos os integrantes
estão listados.
– Luciana e Helena.
– Não estão aqui! Elas são parte
da banda?
– Hm... Maquiadora e
figurinista?
Hum... Tony de repente parece
meio incerta.
– Você está perguntando ou

afirmando?
Sua pose confiante, que escorreu
por um momento, retorna.
– Afirmando, é claro.
Ok... Dou de ombros, não
importa realmente se trabalham para a
banda ou não. É o primeiro grande show
deles e merecem ter pessoas conhecidas
na plateia. Que problemas duas garotas
podem trazer? Aciono o comunicador e
ligo para o Gab.
– Ei, herói! – Gab ri, ele sabe

que vou pedir alguma coisa – Preciso
que você autorize a entrada de duas
mulheres: Luciana e Helena, elas fazem
parte da Trophy Husband. Em cinco
minutos estarão na entrada dos
bastidores, você pode trazê-las até mim?
– Claro, estou indo agora.
– Obrigada, Gab! – desligo e
falo para a Tony – Agora é só você
pedir para elas encontrarem Gabriel na
entrada, ele irá resolver tudo.
– Valeu, gatinha! – agradece

Tony, pegando o celular em seguida.
– Já que está tudo resolvido
aqui, vou verificar o resto. Até mais,
galera!
Deixo as duas entretidas em uma
conversa. Tudo está dentro do que foi
solicitado, a equipe de roadies trabalha
em perfeita sincronia. Até porque
qualquer perturbação é demissão na
certa.
O mais simples erro pode
resultar no fracasso do show. Depois

que confiro mais uma vez os detalhes da
minha lista, checo os fãs. Casa lotada!
Observo toda a estrutura preparada para
o show e ambas as bandas.
Espero que todos estejam aptos
ao desafio.

CAPÍTULO 25 – O
mundo não é o
bastante
Volto para os camarins e John me

segue, fingindo analisar a setlist.
– E aí? Preparado para o
primeiro show da turnê?
Ele se senta e me puxa para o
seu colo, beijando minha garganta
exposta. Aproveito para jogar meus
braços ao redor do seu pescoço e me
agarrar a ele. Suas mãos descem pelas
minhas costelas, provocando.
– É melhor você parar antes que
a gente fique animado demais!
– Ah, Helena… – tantas
promessas em duas palavras – Eu quero
te deixar animada, quero você
enlouquecida e excitada.
Suas mãos não param de se

mover enquanto ele fala, explorando
cada centímetro de pele exposta minha.
– E por que você quer isto? –
digo já colocando minhas mãos por
dentro de sua camisa.
– Eu quero você louca, Helena…
– sua barba arranha meu ombro,
enquanto ele deixa rastro de beijos que
vão até meus braços – Sentindo a
vibração da minha voz em cada parte do
seu corpo, tocando sua…
Fico em pé em um pulo. Foco,

Helena! Você ainda tem que fazer o que
o Bob pediu.
– John! Como você espera que
eu me concentre em alguma outra coisa,
além de você?
Ele estica os braços no sofá, me
olhando com uma cara safada.
– Venha cá.
John me puxa de volta e sento-
me com uma perna de cada lado do seu
quadril. Hum… Assim é mais divertido!
Ele empurra meu quadril contra o seu.

Que delícia! Minhas mãos por dentro de
sua camisa arranham seu peito até o cós
de sua calça. Solto um botão, meus
dedos explorando, atiçando…
– Droga! – Alysson entra
batendo a porta com força – Mulher
teimosa!
Saio de cima de John, já me
ajeitando. Droga digo eu, deveria ter
trancado a porta!
– Que foi, Aly?
– Nada! Só essa garota… Lula,

me deu um fora grande!
Começo a rir de sua birra, Aly
não está acostumado a levar fora das
mulheres! Quem será esta Lula? Não
acredito que ele trouxe uma groupie para
os bastidores antes do show! Melhor eu
verificar isto…
– Vocês vão assistir ao show de
abertura?
Os dois dão de ombros.
– Ah, vamos lá! O Bob quer
nossa opinião sobre a banda nova e eles

parecem legais. Cadê o Chris?
– Está falando no celular lá fora.
– Aly, ainda contrariado, diz.
– Vocês já perceberam que ele
não sai mais do telefone? – pergunto
curiosa e John responde:
– Deve estar falando com a
Laura, com quem mais seria?
– Claro... – afinal, com quem
mais seria mesmo?
Voltamos para a antessala do
palco. Gabriel está em sua pose séria na
porta.
– Ei, Gab! Você pegou as garotas
da Trophy Husband?
– Pegar? Ah, eu as trouxe sim...
Ele aponta para duas mulheres
conversando com a Trophy Husband.
Uma é baixinha, negra, com um cabelo
black maravilhoso, olhos brilhantes cor
de mel e uma cintura que devia medir
uns dez centímetros! Ela deve ser uma
flor e viver de fotossíntese para ter um
corpo desse!

Droga, preciso voltar para o
suco de capim da Michele. A outra é
bem alta, com cabelos pretos e
anelados, olhos muito escuros e uma
boca desenhada que parecia estar
sempre sorrindo. Ambas são lindas!
– Oi, vocês são Luciana e
Helena?
– Lula. Sou maquiadora da
Trophy Husband. – a mais baixa se
apresenta.
– Uma honra conhecer a pessoa

que colocou Alysson em seu lugar. –
falo bem alto para que Alysson possa
ouvir.
– Ei!
Ignoro o grito indignado dele do
outro lado da sala e dirijo minha atenção
para a outra garota.
– Então você é Helena, a
figurinista?
– Eu mesma! Mas todos me
chamam de Lena, se você não se
incomodar.

Ao invés de apertar minha mão
como Lula fez, ela se adianta e me
abraça. Fico surpresa com seu gesto,
mas seu sorriso é tão sincero! Outra
Helena, mas ela parece ser bem mais
espontânea do que eu.
– Helena também – apresento-me
– Mas as pessoas me conhecem por
Elle. Este é o John.
Lula arregala os olhos ao ver
John de perto. Lembro-me da primeira
vez que o vi pessoalmente. Ainda estava

no hospital e mesmo naquela situação,
fiquei impressionada.
Já Lena não parece se chocar
com sua beleza nem por um instante e
apenas sorri, cumprimentando-o com a
cabeça. Raro ver uma mulher imune aos
encantos dele. Gostei dela!
– Dois minutos para o show! –
avisa Ed e a galera da Trophy Husband
se posiciona para entrar no palco.
– Venham assistir ao show da
lateral do palco, eu quero ver do que a

banda de vocês é capaz.
Entrego tampões de ouvido, pois
ficaríamos perto das caixas de som.
Showtime, baby.
– Boa noite, fãs da Jack Rock –
Ed grita no microfone, enquanto controla
a mesa de som – Façam barulho para a
banda Trophy Husband!
Na lateral do palco, escondidos
nos bastidores, vemos a multidão gritar
quando eles entram no palco, Tony é a
última. Assobios e gritos enchem o ar,

não sei se por terem a reconhecido como
sósia da Shirley Mason ou apenas pela
beleza dela. Provavelmente esta última,
Garbage não é mais tão famosa hoje em
dia.
Ela está estonteante, trocou seus
jeans por um lindo vestido xadrez tipo
escocês acinturado, com saia de
camadas e decote em forma de coração.
Na cintura, uma faixa preta
complementa o visual, e posso ver de
relance o que me pareceram asas em

baixo relevo nas costas, feitas de
milhares de pedacinhos brilhantes de
algo que não consegui identificar.
Paetês, talvez?
– Nossa, que vestido lindo ela
está usando! Deve ter sido caríssimo!
– Ah, obrigada… – Lena
agradece, corando levemente.
– Por quê, você quem fez esse
vestido?? – pergunto, impressionada, o
corte parecia de grife!
– Sim, a Tony desenhou e eu

costurei! – disse, sorrindo.
– Uau! Parabéns, você tem
talento! Eu mal posso pregar um botão.
Lena me dá um sorriso tímido de
agradecimento. A voz poderosa que
emana do palco chama minha atenção.
Nossa! Bob me disse que ela cantava
bem... “Bem” não descreve o que estou
ouvindo. A multidão se cala por um
momento e parece encantada pela Tony.
– John, o que você acha?
Ele me abraça por trás e encosto

minha cabeça em seu peito, apreciando
o show. Droga! Não podemos fazer isto,
me separo dele e fico ao seu lado.
– Acho que Kim tem que tomar
cuidado ou irá perder o posto de ruiva
deusa do rock!
– Ei! – ela bate em sua cabeça –
Eu ouvi isso! Mas essa garota arrasa
mesmo!
A opinião de Alysson eu não
preciso pedir, a baba está quase
pingando no chão. Chris finalmente

aparece, ainda guardando o celular no
bolso.
– Ei, Chris! Quero sua opinião!
– São muito bons! – ele se
aproxima e fica ao nosso lado – Mas eu
acho que o guitarrista poderia
privilegiar um registro mais agudo.
John balança a cabeça, não
concordando completamente:
– É o baterista, está correndo um
pouco com o andamento e acelerando
com os vocais.

Kim também entra na conversa:
– John tem razão, mas é quase
imperceptível!
– Sim, mas o interessante é que
melodias afirmam tonalidades
parcialmente distantes das propostas nos
acompanhamentos. – Alysson rebate.
Eita, que não entendi nada, mas
eles são os profissionais, devem saber o
que estão falando! Os quatro começam
uma discussão sobre a análise técnica de
cada parte da apresentação. Para mim,

tudo está perfeito!
Me desligo da conversa e viajo
na música, qualquer problema que eles
encontrem, pode ser consertado com
treinamento técnico avançado. É isto que
o Bob faz de melhor: lapidar diamantes
brutos. Suas músicas originais são
vibrantes e eles sabem conduzir o
público.
Já perto do final, Tony olha para
mim antes de se virar para a multidão:
– Pessoal, mais cedo, uma linda

moça me fez um pedido de música que
eu não pude recusar. Elle, essa vai para
você: “The World Is Not Enough”, do
Garbage!
A música que pedi começa, e,
nossa! Como ela faz isso? Por um
momento, acredito que é ainda melhor
que a original. Adorei!
“I feel safe
I feel scared
I feel ready
And yet unprepared
The world is not enough
But it is such a perfect place to
start, my love”[25]
– E aí, bando de críticos, vão
falar o que agora?
John só me abraça mais forte e
beija minha cabeça. Chris se vira para a
Lena.
– Ei, não fomos apresentados
ainda, mas parabéns! Vocês arrasam!
Lena sorri e agradece,
estendendo a mão para ele. Noto que ela
foi espontânea comigo, me abraçando.
Porém, com Chris foi só um
cumprimento e com John apenas acenou
com a cabeça.
Que estranho! Geralmente as
garotas aproveitam para agarrá-los.
Também me pareceu ligeiramente tímida
nas duas vezes que foi elogiada. O que
será que aconteceu em seu passado para
deixá-la tão contraditória?
Olho para o relógio, droga! Me
distraí com a Trophy Husband. Verifico

os roadies, já estão a postos para
substituir os instrumentos deles pelos da
Jack Rock. O show termina e eles saem
muito aplaudidos.
Agora é a vez da Jack Rock.

CAPÍTULO 26 – Jack
Rock
Enquanto o palco é arrumado,

desejo sorte para cada um dos meus
amigos. Minha adrenalina está à mil,
sinto meu pulso acelerado e meu
coração parece que quer correr uma
maratona. Eu estava tranquila minutos
atrás, mas agora acho que fiquei mais
nervosa que eles.
Até parece que sou eu que vou
pisar naquele palco!
– Boa sorte, Chris! – o abraço apertado
– Seja você mesmo e o público vai
amar. Como diria a mamãe, não há
ninguém no mundo que te conheça e não
se encante por você!
Ele me aperta de volta. Dane-se
os curiosos, eu preciso tocá-lo para me
acalmar.
– Obrigado, Elle! – ele afaga

meus cabelos.
– Eu mereço um abraço também?
– Aly pergunta de braços abertos e me
jogo em cima dele.
– Só se você prometer não trazer
nenhuma groupie barraqueira depois do
show! – digo brincando. Mais ou menos.
Ele coloca a mão no peito, em
gesto afetado como se estivesse
indignado:
– Você acha que eu faria algo
assim?

O encaro séria e ele me dá um
sorriso nada inocente. Se vira e estica
os braços para as acompanhantes da
outra banda.
– E vocês, mereço um abraço
também?
Lena dá de ombros e também o
abraça, aproveitando para agarrar sua
bunda. Alysson dá um pulo, eu e Lula
começamos a rir de seu susto.
– E aí, Aly, é bom estar do outro
lado? – pergunto rindo.

– Eu não fico pegando na bunda
das mulheres! – agora ele realmente está
indignado – Quer dizer... Deixa para lá.
Ou não.
– Menina, já tinha gostado de
você, mas agora virei sua fã! Conseguiu
deixar Aly constrangido! – falo ainda
rindo da cara emburrada de Alysson.
– Bom, é o que eu faço de
melhor. Constranger homens como ele. –
brinca, me dando um sorriso amplo e
sincero.

– Nossa, acho que preciso de
umas aulinhas com você!
Me assusto quando Chris e John
falam juntos um sonoro:
– Não!
– Você não precisa de aula
nenhuma. – Chris fala sério, porém o
brilho em seu olhar me diz que ele está
brincando. Mais ou menos.
John é mais categórico:
– E já sabe se virar muito bem
sozinha!

Kim balança as baquetas no ar,
como se testasse seu peso. Já a vi fazer
isso durante os ensaios, será que é
mania ou isto faz alguma diferença?
– Eles estão com medo das
Helenas em dobro!
– Uma já dá trabalho, imagina
duas! – Alysson diz, já colocando a
faixa do baixo ao redor dos ombros.
– Que engraçado! Estou
morrendo de rir – falo com sarcasmo –
Vocês não têm um show para fazer?

– É o nervosismo pré-show –
Kim fala.
– Sei! Arrase com eles, Kim!
Ela pisca um olho para mim.
– E quando eu não arraso?
– Não esqueça de, no final, jogar
as baquetas para o público! – grito para
ela e Kim berra de volta:
– Entendido, chefa!
John me agarra por trás,
beijando meu pescoço. Eu dou uma
cotovelada em sua barriga, apontando
com a cabeça para onde Lula e Lena
estão conversando entre si. Elas
parecem distraídas com algo no celular,
espero que não tenham visto nada!
– Ai! Eu não mereço boa sorte
também? – ele reclama ainda alisando a
barriga.
Pego sua mão e o arrasto até um
vão escondido do palco. Olho ao redor,
temos segundos de privacidade.
– Vou te contar um segredo – fico
na ponta dos pés e mordo sua orelha –

Nenhum de vocês precisa de sorte.
Contudo, eu sempre posso me aproveitar
de um beijo de boa sorte!
John envolve seus braços em
minha cintura, me dando apoio para
continuar nas pontas dos pés. Beijá-lo é
esquecer do resto, é estar envolvida
nessa bolha que nos isola do mundo.
Bem, até que escuto Ed gritar “dois
minutos para o show” novamente.
Todas as luzes do palco são
apagadas e apenas os holofotes brancos

piscam intermitentes. O público
enlouquece antes mesmo de qualquer um
deles entrar no palco. Eles amam a Jack
Rock! Desta vez, Ed não precisa pedir
para que façam barulho. Se continuar
assim, ele vai ter que pedir ao público
para se calar, mas isto não é preciso.
Quando John assume sua posição
ao microfone e começa a cantar à
capela, os gritos param e as vozes se
elevam. Todos começam a cantar em
coro com ele, incluindo a mim. O resto
da banda inicia o acompanhamento e o
ritmo agita, passando para o rock.
Assistir dos bastidores é sempre
legal, estamos mais perto deles, porém
gosto da vibração do público.
– Meninas, vamos para a
primeira fila?
– Por favor! – grita Lena em
resposta.
Tony agradece, mas recusa o
convite, dizendo que ia encontrar os
outros integrantes de sua banda.
Concordo com a cabeça e me volto para

Lula e Lena:
– Espera que volto já!
Deixo a setlist com Ed, avisando
que estarei no show, mas ainda com o
bluetooth no ouvido. Qualquer
problema, ele só precisa me chamar.
Gabriel está apoiado na parede,
concentrado no público.
Eu sei o que ele está fazendo e
não é o único aqui com a mesma missão.
Vários seguranças foram espalhados por
todo o local, procurando pelo padrasto

de John. Eles estão em estado de alerta,
porém com quase oitenta mil pessoas, é
como procurar uma agulha no palheiro.
– Gab, vou com Lena e Lula para
a primeira fila! – falo alto, acima do
barulho do show.
Ele desvia sua atenção para as
meninas e depois para mim. Noto que se
demora mais em Lena do que em Lula.
– Eu vou com vocês.
– Não precisa – aponto para o
local em que pretendo ficar – Estarei

logo ali.
– Eu sei que não precisa, mas
irei mesmo assim. – ele fala
intransigente com sua postura séria de
sempre.
– Ok, herói.
Não irei perder tempo
discutindo, prefiro curtir.
– Vamos, garotas!
Percebo que Lena olha fixamente
para Gabriel. Hum... Finalmente alguém
daqui mexeu com ela! Pensei que era

feita de gelo. Pena que foi com o Gab,
que é o próprio Mr. Freeze, Coração
Gelado. Ei, talvez os dois combinem!
Lena me puxa pelo braço,
parecendo um pouco desconcertada.
– Elle... Aquele cara ali... Quem
é?
– O Gabriel? Ele que foi buscar
vocês na portaria!
Como ela pode não ter notado
ele antes? Pensei que Gab tinha se
apresentado! O coitado está estressado e

em estado de alerta por causa do Carlos.
– Ah, era ele?? Eu não tinha
visto seu rosto, rolou uns
desentendimentos com o segurança e...
Bom, não importa. Ele... ele é solteiro,
disponível, interessado, qualquer coisa?
Sorrio, já entendendo sua
intenção. Mal sabe ela que nunca o vi
demonstrar interesse por ninguém.
– Bem, Gab é segurança
particular de John e, durante as turnês,
também comanda toda a equipe de

segurança. Ele é solteiro, mas boa sorte
com isso!
– Por quê? Ele é tipo...
malvadão?
Reconheço a sua expressão
assustada! É a mesma que via com
frequência em meu próprio espelho.
Será que ela já encontrou um tipo
“malvadão”? Gab é durão sim, mas
malvado nunca.
– Não! Ele tem essa cara de mau
e sério, mas é muito gente boa e um

grande amigo. Eu, literalmente, confiaria
minha vida a ele. Mas o único interesse
dele é com o trabalho. Quando se
trabalha para uma banda de rock,
sempre tem muitas mulheres
disponíveis, mas nunca o vi com
nenhuma. – digo sincera. Ela precisa
saber as suas chances.
– Sei... Posso tentar?
– Nada me faria mais feliz do
que ver o Gab relaxar um pouco e se
divertir! – é o que eu venho tentando faz

tempo – Mas, como eu já te disse... boa
sorte com isso! Vamos lá que eu quero
curtir o show!
Na primeira fila, posiciono-me
entre o John e o Chris, perto de onde o
"T" começa e assim posso acompanhar
os dois de perto. Uma verificada rápida
me mostra que as garotas estão se
divertindo e eu me perco no show.
O público canta e vibra, eles
pulam e sobem uns nos ombros dos
outros. Kim e seus cabelos vermelhos

parecem enlouquecidos atrás da bateria.
Os rapazes não ficam parados, andam de
um lado para o outro, agitando as
pessoas.
John tira a jaqueta, ficando
apenas de jeans claro e camiseta branca
sem mangas. Os músculos de seus
braços brilham de suor, ele retira um
elástico que estava preso ao pulso e
prende os cabelos em um coque.
Mais da metade das pessoas
estão gritando variações de “gostoso”,

“tesudo” e “tira tudo”. Opa, este fui eu
que gritei! Fecho a boca antes que
alguém me filme babando por ele.
Ed entra no palco com três
banquinhos e ele se sentam. John no
meio, Chris à direita e Alysson à
esquerda. O público se cala quando
Chris dedilha os primeiros acordes da
música do clipe.
A iluminação diminui, ficando
apenas os holofotes neles. O telão do
centro mostra as cenas do clipe,

enquanto os laterais focam em seus
rostos. Chris é o guitarrista, mas faz a
segunda voz, já o John é o vocalista e
toca acompanhando a guitarra, com o
baixo e a bateria para dar o toque final.
Fecho os olhos e me
concentrando nos dois. Eles se
complementam e cada um tem um
pedaço do meu coração. Eu não sou o
anjo, eles que são. Estes homens me
tiraram da escuridão e trouxerem luz
para minha vida.

Chris é mais que um amigo ou
namorado. Nossa relação transcende
qualquer rótulo imposto pela sociedade.
Ambos são uma parte de minha alma, eu
amo os dois, mas não da mesma forma.
Eu amo os dois? Eu amo o John? Abro
os olhos para vê-lo cantando tão
imponente e sedutor. Ele é muito mais
do que deixa transparecer, mas amor?
Ai, Deus!
– Desculpa – grito acima do som
para Gab e as meninas ouvirem – Eu...
Eu preciso ir ao banheiro, volto já! –
Gab se adianta para me acompanhar –
Não! Fique aí e cuide delas, eu volto
logo.
Calma, Helena! Não precisa
surtar, seja adulta! Socorro... Acho que
estou hiperventilando.
– Ei, Elle! – Ed grita da mesa de
som – Quero te mostrar uma coisa, isso
aqui vai precisar ser substituído antes
do próximo show.
Ótimo, problema alheio para eu
resolver! Preciso ocupar minha mente.

– Ed – puxo uma cadeira e sento
ao seu lado – Me explique tudo bem
devagar.
E ele o faz, mas não presto muita
atenção, minha mente está no dono da
voz rouca que consegue dominar muito
mais do a atenção de oitenta mil
pessoas. Ai! O que vou fazer agora?
– Entendeu, Elle?
– Hum... Sim, claro! Faça um
orçamento que eu mando para o Bob.
Fico na lateral do palco, e a

proximidade com as caixas de som faz
com cada célula do meu corpo estejam
em sintonia com a música. Agora
entendo o que John quis dizer no
camarim. A Jack Rock incendeia minhas
veias, meu corpo vibrando de rock,
medo, luxúria e algo a mais.
John agita a galera, as mulheres
gritam por ele quando ele tira a camisa e
joga para o público. Eu não poderei
surtar com cada pessoa que se joga nele.
A garota que pega a camisa quase
desmaia e as outras ao seu lado tentam
roubá-la dela. Fico feliz pela garota,
mas ao mesmo tempo sinto pena, isso é
o mais perto dele que ela vai chegar.
Se eu o amo? Talvez. Isso vai
interferir em minha vida? Não... Porque
o amor é um sentimento agregador, ele é
uma adição, não uma subtração às
nossas vidas.


O show foi um sucesso! Mesmo

depois do fim, os fãs se dispersam ainda
empolgados. O meeting é rápido, já que
nenhuma louca ofereceu cem entradas
grátis desta vez. Ops. O pós-show já
deve ter começado na mansão.
– Vocês vão participar da festa,
não é? – pergunto para a Tony.
– Claro, não perderíamos por

nada, gatinha!
John finalmente sai do camarim
usando um conjunto limpo muito
parecido com o que ele usou no palco. É
quase uma farda para ele. Não estou
reclamando, adoro quando ele veste
camisa branca, jaqueta e prende os
cabelos em um coque! E pelas olhadas
que ganha de parte das mulheres e de
alguns homens presentes, acho que não
sou a única.
– Vamos? – Ele pergunta.

– Calma, falta o Chris. Aly e
Kim já foram no primeiro carro.
Ele finalmente percebe as outras
pessoas presentes na sala.
– Parabéns pelo show, Tony –
John diz – Vocês são ótimos!
– Gostou mesmo? – Tony
pergunta contente.
– Sim! Mas vocês precisam
desacelerar a batera nos refrões e…
O resto da Trophy Husband se
junta à conversa e começa um segundo
round de discussões técnicas. Verifico
meu relógio novamente. Onde diabos o
Chris se meteu? Deixo-os discutindo
sobre música e vou em busca do meu
amigo. Levanto a mão para bater na
porta do seu camarim, mas o escuto
falando.
– Eu não vou fazer isto hoje!
Tenho a festa para ir – Chris pausa,
ouvindo o interlocutor do outro lado da
linha – Você não vai me dar sossego,
hein? Ok, amanhã! Eu prometo! Vamos

ficar aqui por mais um dia – pausa
novamente – É? Por que não?
Conversa estranha! Afasto-me
sem chamar sua atenção. Quando volto,
John está sozinho no camarim.
– Para onde todos foram?
Deito-me no sofá, apoiando
minha cabeça em seu colo. Com a porta
fechada, posso ter um minuto de paz com
ele.
– Já foram, Bruno os levou –
John faz carinho na minha cabeça,

passando a mão em meus cabelos – Gab
está esperando a gente.
– Gab?! – enfatizo já rindo.
– Sim, espertinha, Gab! Já me
acostumei com esse nome ridículo– ele
se abaixa e me dá um beijo rápido – Por
que você tem que apelidar todo mundo?
Poxa, eu não apelido todo
mundo! Kim e Aly já tinham o apelido
quando os conheci, a mesma coisa com
o Chris! Estou tão acostumada a chamá-
lo de Chris que até esqueço que não é

seu nome completo. E o Gabriel, se bem
me lembro, foi quem disse para eu o
chamar assim logo quando o conheci, só
porque eu insisti que ele se dirigisse a
mim como Elle e não senhorita Helena.
– Eu não coloco apelido em todo
mundo! Não coloquei em você!
– Só porque meu nome é curto.
Sento-me e o abraço.
– Não, porque John já é seu
codinome, Arthur.
Ele se levanta, fugindo do meu
abraço.
– Por favor, não me chame
assim, Elle. Nunca mais.
– Ok, John! Desculpa.
Seu passado como Arthur ainda
o afeta, mesmo que ele não queria
admitir. Eu não posso mais ignorar isto,
preciso ajudar John a superar o Arthur.
Chris aparece olhando para o celular,
distraído.
– Ei, Chris, manda um beijo para
Laura! – grito para ele.

– O quê? – ele parece surpreso –
Ela ligou?
– Ué, você não estava falando
com ela?
– Hoje ainda não, Laura está em
um congresso. Cadê o resto da galera?
Estou tão distraída pensando no
telefonema que ouvi escondido que mal
escuto John avisar que todos já foram.
Chris guarda o celular no bolso e vamos
ao encontro de Gabriel, que está
aguardando no estacionamento.

Definitivamente, ele não falava
com Laura! A curiosidade me consome.
O que ele está aprontando? No caminho,
vamos conversando sobre o show, Chris
e John estão novamente à vontade um
com o outro. Ainda bem! Espero que
nossa amizade nunca mais se abale.
Mesmo de longe já dá para ver
que a mansão está toda iluminada e o
som alto pode ser ouvido. Ainda bem
que aqui é mais afastado da cidade ou os
policiais já estariam batendo à nossa

porta!
Desta vez, não haviam tantos
convidados. Apenas pessoas bem
conectadas das redondezas, afinal, não é
fácil conseguir acesso livre para um
evento desse. Menos para mim, já que a
única pessoa acima de mim é o Bob.
– Ei! Acabei de perceber uma
coisa. Se Bobby é dono da marca Jack
Rock e eu sou a representante dele,
então… Eu sou a chefe de vocês dois!
Eles fazem um barulho de

deboche. Estico minha perna em direção
ao Chris e inclino meu tronco para o
John.
– Estou falando sério! Quero
massagem nos pés e nos ombros,
vassalos! – digo brincando.
Os dois trocam um olhar
cúmplice. Antes que eu possa reagir,
Chris segura minha perna e morde meu
tornozelo, ao mesmo tempo que John faz
cócegas nas minhas costelas e morde
meu ombro. Ui! Quer dizer... Ai! Sento-

me direito e me recomponho.
– Vocês não sabem nem
brincar…
– Ah, Elle – John sussurra
baixinho em meu ouvido – A gente sabe
brincar sim – ele beija de leve meu
pescoço – É melhor você não descobrir
o quanto… Vamos deixar isso quieto,
ok?
Ok? Minha garganta fica de
repente seca. Ok…
– Chegamos! – Gabriel anuncia.

Graças a Deus!
Pulo fora do carro, esses dois
juntos em um curto espaço de metro
quadrado é capaz de derrubar o bom
senso de qualquer um!
– Vamos logo começar esta festa.
– Sim, senhora, chefa!
Eu tenho que aprender a pensar
bem antes de tentar fazer piadas. É
apenas munição para esses dois.
Lá dentro, as pessoas estão
espalhadas, sejam dançando ou bebendo
e conversando pelos cantos. Muitos se
aproximam para cumprimentar Chris e
John.
Já que não posso ficar me
agarrando ao John aqui, eu aproveito
para escapar e verificar se tudo está em
ordem. Temos bebidas e comidas
suficientes para alimentar um exército.
Ótimo! Só falta um detalhe, chamo Gab
para um canto.
– Algum sinal de Carlos?
– Não e provavelmente não

teremos. John tem um grande esquema
de segurança montado, não é tão fácil se
aproximar sem chamar atenção.
– Obrigada por cuidar dele,
Gab… Agora vá se divertir!
– Eu preciso checar novamente
tudo com Bruno e depois verificar se o
perímetro...
Balanço o dedo na frente dele.
– De jeito nenhum! Daqui a
pouco John vai ser preso por trabalho
escravo! Já basta você viajar amanhã

comigo!
Só em pensar na viagem, meu
estômago se embrulha. É a primeira vez,
desde que saí de lá, que irei entrar na
minha antiga casa. Se os documentos
perdidos não estiverem lá, não sei onde
mais procurar.
– Eu vou te levar porque sou seu
amigo, não porque sou funcionário do
seu namorado.
– Eu sei, e é por isto que você
vai dormir na casa e não no ônibus.

Agora seja um bom menino – retiro o
ponto que está em seu ouvido – E vá
guardar isso no seu quarto. Juro por
Deus, se amanhã eu chegar naquele
ônibus e descobrir que suas coisas ainda
estão lá…
Deixo a ameaça vaga pairar no
ar, afinal, o que eu realmente poderia
fazer contra ele? Saio de perto antes que
ele tente argumentar. Gabriel pode
parecer um bad boy naquela roupa preta
e jaqueta de couro, mas sempre será um

cara certinho. Não tem jeito dele se
soltar!
Procuro por todos os
conhecidos. Alysson está sentado em um
sofá e cercado por garotas. Típico! Não
sei como ele consegue escolher só uma
no meio de tantas opções. O vejo beijar
a garota da direita e logo depois a da
esquerda. É… ele realmente não precisa
escolher nenhuma quando pode ter
todas.
Kim está dançando com Tony e

parte da Trophy Husband. Elas parecem
entretidas em um papo animado
enquanto dançam muito próximas.
Esta banda dormir aqui e
participar da festa não é apenas por
comodidade ou bondade no coração do
Bob. Todos os funcionários foram
instruídos a ficar de olho neles. O teste
da banda não é apenas em cima do
palco, mas fora dele também. Qualquer
atitude suspeita, uso de drogas ou abuso
de álcool deve ser reportado. Isto não

passa de uma versão rock de entrevista
de emprego, e, como em qualquer
entrevista, não é apenas o currículo que
importa, mas a apresentação geral.
Observo Chris chamar uma
morena para dançar. Ela parece a garota
da lanchonete, mas não é a mesma
mulher. Quando eu voltar da viagem, irei
conversar com ele sobre Laura, tem
alguma coisa estranha acontecendo com
esse namoro.
Uma garota um pouco mais velha

do que eu se aproxima já falando:
– Você é a Elle, não é? Ai, meu
Deus! Como foi beijar o Chris e o John?
Eles beijam bem? Quem beija melhor?
Você errava a cena de propósito só para
o diretor mandar repetir de novo?
Porque eu totalmente faria isso! É
verdade que você namorou o John e
agora a Natasha está chateada? Por que
eu shippo tanto o Jona! Mas você é
bonita também e eu te conheci de perto,
então pode ser que eu shippe o Joelle

também e…
Levanto as palmas para cima
para pará-la:
– Uau! Você conseguiu respirar
no último minuto? – digo brincando.
Mais ou menos.
– Ai, como você é engraçada! –
ela bate em meu braço. Ai! – Você vai
mesmo separar o casal Jona? Porque eu
totalmente acharia o máximo se eu fosse
você... Espera, você se acha um
máximo?

Isso, totalmente, não é da conta
dela. O que posso dizer sem ser hostil?
As pessoas não sabem que eu e John
estamos juntos, só a galera que está no
ônibus conosco, mas eles são
confiáveis. Todos sabem que não devem
divulgar nada do que é visto durante a
turnê. Todos, menos… Ah, merda! A
Trophy Husband, mas eles não viram
nada demais, exceto talvez a Lena. Não!
Ela não viu nada… Espero. Droga! Será
que ela viu quando o John me abraçou?

– Jona é um casal maravilhoso,
não estou separando nenhum coração
apaixonado! E quanto ao clipe, foi beijo
técnico, nada demais. Com licença,
preciso resolver algumas coisas.
– Que legal! Você tem o melhor
emprego do mundo!
– Também acho!
Saio antes que ela continue me
enchendo de perguntas que não posso
responder. Tony e seus companheiros de
banda ainda estão com a Kim. Não há

sinal de Lula ou Lena, não quero sair
perguntando pelas duas sem levantar
suspeitas. Provavelmente elas não viram
nada e tudo é paranoia minha.
Mas e se elas viram? Droga! E
logo hoje que o Gab está de folga! Só
ele conhece todo o esquema da casa
para me ajudar a encontrá-las.
– Elle, qual o problema? – John
pergunta preocupado.
– Estou procurando Lena e Lula,
preciso pedir para elas não falarem nada

sobre nós dois! Também não encontro
Gab em lugar nenhum!
– Falar o quê? No máximo, elas
me viram te abraçar e você fez o mesmo
com os outros.
– É diferente! Você pode ter me
abraçado por mais tempo e...
– E você está ficando paranoica?
– John diz chateado – Estou cansado
disso, sabia? Eu não quero mais ter que
esconder você.
– Eu também, mas não vai ser

fácil sair desta situação sem que os seus
fãs e os de Natasha se sintam enganados.
– Ou que você não seja odiada
por metade do país.
– Ah sim. Isso seria ótimo! –
falo com sarcasmo – Você ainda acha
que sou paranoica?
– Elas parecem ser gente boa.
Vai dar tudo certo, não se preocupe,
Elle. – John faz menção de se aproximar,
mas lembra que não pode fazer isso em
público – Eu não as vi, mas Gabriel

estava indo lá para os fundos.
– Aquele teimoso! Aposto que
vai dormir no ônibus! Ok, volte para a
festa que vou resolver isso.
Ao invés de beijá-lo, como eu
queria, digo:
– Tchau, beijo.
– Boa sorte, beijo.
Vou para os fundos, onde os
carros estão guardados. Gab vai ver só!
O cara, ao invés de aproveitar a festa,
vai se esconder em um ônibus! Ele não
consegue aproveitar a vida.
Eu sabia! A porta do ônibus está
aberta! Entro devagar, com meu discurso
já preparado, pronta para pegá-lo no
flagra!
Paro assim que escuto as vozes e
escondo-me na parede de vidro que
separa o motorista do resto do ônibus.
Oh, meu Deus! Não acredito no que
meus olhos estão vendo.
Eu realmente o peguei no flagra,
mas definitivamente ele não está

dormindo!

CAPÍTULO 28 – Lena
Oh. Meu. Deus! Eu sei que não é

certo olhar, mas também não posso
desviar. Estou congelada no lugar como
um animal encandeado pelos faróis de
um carro. Sem a jaqueta, mal reconheço
o Gabriel. A camiseta sem mangas com
corte acentuado nas laterais mostra suas
costelas, revelando mais do que simples

músculos definidos.
Caramba! Ele tem uma tatuagem
linda de duas capas entrelaçadas que
começa no ombro direito e vai até
próximo ao seu cotovelo, uma descendo
e outra subindo. Sei que isso significa
alguma coisa, mas não consigo me
lembrar o quê! Nunca imaginei que
escondesse isso por baixo do seu terno.
Acho que ele não é tão certinho quanto
pensei...
E nem a Lena. Agora sei onde

ela se escondeu e de tímida a garota não
tem nada! Sentada no banquinho do bar,
fita o Gabriel de queixo levantado. Eles
estão muito próximos, mas não se tocam.
– Entendo... Mas quer saber o
que não existe aqui, Gabriel? – ela fala
com uma voz sexy.
Ele concorda, balançando a
cabeça quase imperceptivelmente. Lena
avança e o puxa pela gola da camisa.
Uau! Go, Lena! Não consigo ouvir o que
ela disse em seu ouvido e não me

importo! De repente, os dois estão se
agarrando. O beijo é tão quente que eu
fico sem fôlego.
Lena começou o beijo, mas
Gabriel não demora para agir, ele a
levanta pela cintura, colocando-a contra
a parede da televisão. Ele aprofunda o
beijo enquanto Lena passa a mão em sua
nuca, arranhando-o. Nossa! Nunca
pensei que fosse tão quente apenas
observar. Gabriel segura sua coxa,
trazendo-a para cima, revelando meias

sete-oitavos e cinta liga. Sexy! Tenho
que comprar umas para mim também.
Ela o empurra com um sorriso no
rosto. Gabriel está ofegante, Lena tira
seus próprios tênis e ele a leva aos
beijos até o sofá. Quente! Ela novamente
o afasta, fazendo-o sentar e logo em
seguida senta em seu colo. Oh, droga!
Alguma coisa está acontecendo, mas não
consigo enxergar direito com Lena
tapando minha visão! Poxa, cadê a
consideração pelas outras pessoas?

Gabriel a pega pelo quadril e a
vira, deitando-a no sofá ficando por
cima dela. Oba, acho que assim dá para
ver melhor! Me apoio na porta,
esticando-me para tentar enxergar
melhor. Ele beija seu pescoço. Os
músculos dos braços de Gab estão
contraídos enquanto ele explora o corpo
dela ainda vestido com as mãos...
Meu pé escorrega no batente da
porta, merda! Ai, meu dedinho! Bati no
degrau. Que dor, que dor, que dor! Uso

minha própria mão para tampar minha
boca. Meu coração está acelerado com a
probabilidade de ser descoberta fazendo
algo proibido. Lembro-me de ficar
parada, escondida na penumbra.
Ai, Deus, será que eles me
ouviram? Tudo está silencioso na parte
de trás, tento não fazer mais nenhum
ruído. Após segundos que pareceram
uma eternidade, volto a escutar os dois.
Espio rapidamente, ela está novamente
em um dos bancos redondos do bar com

as pernas enlaçadas na cintura dele.
Gabriel entrelaça os dedos em
seus cabelos, puxando-os para expor seu
pescoço. Ela geme quando ele passa a
língua em sua pele. Eu tento conter o
meu próprio gemido quando lembro de
John fazendo algo parecido comigo. A
camiseta dele é jogada no chão,
revelando mais tatuagens no lado direito
de seu peito. Mordo os lábios quando
Lena o puxa pela nuca para mais um
beijo faminto.

Minha nossa! Ver isto não está
fazendo bem para minha sanidade
mental! Se esses dois não entrarem em
combustão espontânea, quem vai entrar
sou eu. A próxima peça de roupa a sumir
é o vestido da Lena, revelando um
conjunto preto de lingerie. Humm... Isto
a deixou ainda mais sexy com a cinta
liga!
Ela retira o cinto de Gab,
conduzindo-o de volta para o sofá e
monta em cima dele. Mas o que é isto

escrito na sua calcinha? “You shall not
pass!”, contenho o riso. Lena achou
alguma loja que faz calcinhas do Senhor
dos Anéis ou foi ela mesma que a
bordou? Se for isto, será que ela faria
lingeries customizadas da Jack Rock?
Dane-se a calcinha da Lena!
Volto a me concentrar na cena se
desenrolando na minha frente. Eu nunca
pensei em mim como uma vouyer, mas
caramba! Isso é quente, ardente...
Excitante.

Mal consigo conter o meu
próprio gemido quando Lena dá um
gritinho. Gabriel sabe mesmo marcar
território, ele segura a bunda dela e
escuto o barulho do tapa. Até que Lena
para por um momento, mas só um
momento antes de...
Oh, Go, Gab! Não posso ver,
mas imagino exatamente onde os seus
dedos estão. O corpo dela inclinado
para frente, seus gemidos e o barulho
dos movimentos que ele faz. Com Gab

não há trégua, o ritmo de seus dedos é
quase punitivo.
Ó, isso é quente! E eu sou uma
vouyer intrometida, meu corpo responde
automaticamente ao que estou vendo.
Não tenho como evitar, não com um
show desses ao vivo! Depois dessa,
“certinho” não se encaixa mais à
descrição de Gabriel.
Eu realmente não tenho
desculpas para justificar minha presença
aqui, mas quem pode me julgar? Poucos

conseguiriam desviar o olhar
imediatamente. Os dois estão tão
concentrados um no outro que não
devem ter percebido a minha presença.
Me obrigo a parar de observá-los e saio
como entrei, sem ser notada.
Assim espero...
Meu corpo ferve, pareço prestes
a entrar em ebulição! Preciso de um
banho para me acalmar... Desvio da
festa e vou direto para o quarto da Kim.
Embaixo do chuveiro, repasso as cenas

que vi no ônibus, mas em minha cabeça,
não são Lena e Gab, mas sim eu e John.
Acho que não me enganei afinal de
contas, eu realmente preciso de algumas
aulinhas com ela!
Desisto do banho, não está me
ajudando a relaxar! Meu corpo está
sensível demais e esfregar a toalha
macia contra minha pele só aumenta a
sensação. Dane-se isso! Coloco o
primeiro vestido apresentável que
encontro, um soltinho preto com uma

faixa larga vermelha na cintura. Desço
as escadas, preciso encontrar Isabel!
Assim que saio no corredor, me
deparo com um certo tatuado de
camiseta cavada.
– E aí, Gabriel!
Ainda bem que continuo com
minha habilidade de não corar!
Obrigada, genética, pela pele não tão
clara. Se fosse a Sam, ele saberia
imediatamente que tinha algo errado.
Gab definitivamente não precisa ter

vergonha de nada, mas eu sim, por ter
assistido sem permissão.
– Boa noite, Elle! – ele parece
sério como sempre – Precisa de alguma
coisa?
Se não fosse pelo leve suor que
percebo em sua pele e por ter certeza de
tudo que vi, eu acharia que não tinha
acontecido nada! Por um segundo, penso
que imaginei a coisa toda. De zero à
dez, o nível de controle emocional dele
é onze.

– Não, pode continuar a curtir
sua folga! Boa noite!
– Boa noite, Elle.
Ele me cumprimenta com a
cabeça e passa direto para seu quarto
com a mochila no ombro. Eu preciso de
algo sim, mas nada que Gab possa me
dar. Finalmente encontro minha
assistente atrapalhada:
– Z, hoje realmente é seu grande
teste para amanhã! Eu vou viajar e
preciso ter certeza que você consegue

cuidar de tudo sozinha. Então, fique de
olho em tudo e em caso de algum
problema... Resolva! Ok?
– Sim, Elle – a incerteza domina
sua voz – Eu... eu posso dar conta!
Não sei se realmente pode. Z é
uma boa garota, mas falta confiança para
lidar com o meio artístico. Tudo está
encaminhado, a festa não é tão grande e
tem bebida e comida para o dobro de
pessoas. Se ela não puder lidar com um
ambiente tão controlado, não servirá

para o trabalho.
– Boa noite!
Em seguida, me aproximo
sorrateiramente do John, ficando em seu
campo de visão, mas ainda mantendo
certa distância. Ele está em uma
conversa animada com o guitarrista da
Trophy Husband e mais duas pessoas
que não conheço. John olha para mim
com a testa franzida e eu mostro o
celular para ele.
Subo de volta, desta vez entro no

quarto de Kim e passo direto para o de
John pela porta conjugada. Estou
girando a chave na fechadura quando ele
me liga.
– Elle? Algum problema? – John
soa agitado – Você encontrou o Gabriel?
– Ah, encontrei sim... E a Lena
também! – digo empolgada. Até demais.
– Falou com eles? – John
pergunta sem entender.
– Não... Mas quero falar com
você! – praticamente berro.

Eu preciso dele agora!
– Helena, me explique agora o
que está acontecendo... Meia hora atrás
você estava toda preocupada e agora
quer conversar em segredo? Eu não
estou entendendo nada!
Ai, caramba! Terei que soletrar
para ele?
– John, entenda uma coisa: eu
não tenho intenção nenhuma de
conversar com você – falo impaciente –
Estou em nosso quarto e se você não

chegar em cinco minutos, eu vou
começar sozinha. Ficou claro agora?
– Estarei aí em dois minutos,
chefinha!
Um minuto depois a porta se
abre. Que rápido! Um ofegante John
entra e tranca a porta, ele veio correndo!
– Me chamou?
Não perco tempo com conversas,
agarro sua camisa e o levo até a beirada
da cama, empurrando-o.
– Agressiva! – John me olha com
uma cara safada – Gosto disso.
Monto em seus quadris, seu jeans
atritando contra minha calcinha de seda.
Minhas mãos vão direto para o seu
cabelo, puxando-os para trás.
– Você ainda não viu nada, John!
E então, eu o ataco.

CAPÍTULO 29 – Ao
ataque
Subo nos quadris de John e

o agarro pelo coque, puxando seus
cabelos para trás. O sorriso safado dele
é substituído por puro desejo. Seus
dedos se enterram em minha cintura,
puxando-me para mais perto. Seus
dentes em minha orelha, a voz rouca uma
provocação a mais:
– Sentindo-se descontrolada,
Helena?
Adoro quando ele morde minha
orelha! Puxo novamente sua cabeça para
trás e repito o que vi Gabriel fazer:
lambo sua garganta. Delicioso! Minha
língua provando o sabor intoxicante de
sua pele.
– Não, John. O contrário disto,
quem vai estar no controle esta noite sou
eu!

– É isso o que você quer? – John
me solta e junta os braços, oferecendo
os pulsos para mim – Eu sou seu,
Helena.
Oh, Deus! Mordo meu lábio
inferior, pensando no que fazer a seguir.
Solto o nó que prende a faixa vermelha
do meu vestido. Penso em amarrar os
pulsos dele, mas gosto demais de suas
mãos em mim. Não sou tola de privar a
mim mesma do seu toque.
Ao invés de prender seus braços,

eu coloco a faixa ao redor de seus olhos,
amarrando atrás de sua cabeça. Fico em
pé, observando este homem – aquele que
eu amo – totalmente entregue a mim.
Ligo uma versão rock da música
Bad Romance, de Lady Gaga, e coloco
para repetir. A batida forte me estimula
e a letra me lembra do dia que ele disse
que não queria ser meu amigo. A música
invade o ambiente, eu também não quero
ser apenas amiga dele. Eu quero muito
mais.

– Você vai fazer o que eu disser,
entendeu? – minha voz sai austera.
Seu sorriso aumenta.
– Sim, chefinha.
– Tire sua roupa, deixe a boxer.
Mãos paradas até eu mandar.
Ele obedece imediatamente e eu
aproveito para abrir o frigobar do
quarto. Humm... Não sei exatamente o
que estou procurando! A-há, vamos ver
se isto vai servir. Retiro meu vestido e
sutiã, ficando apenas de calcinha e salto

alto. Será que minha ideia vai dar certo?
– Estou esperando, Helena. –
John diz com impaciência fingida. Pela
sua expressão e o volume crescente em
sua cueca, sei que ele está adorando esta
expectativa.
Monto em seu tronco, colocando
uma perna de cada lado de sua barriga.
Prendo uma pedra de gelo entre meus
dentes, ficando metade fora dos meus
lábios. Inclino-me sobre seu corpo,
arrastando o gelo a partir do seu

pescoço, descendo pelo tronco. Ele
inspira fundo, vejo sua pele arrepiar
com o frio.
– Helena...
– Eu não disse que você pode
falar, John.
Ele está ansioso para se mexer,
será que a privação da visão realmente
aguça os outros sentidos? O calor de sua
pele derrete o gelo, deixando um rastro
molhado. Há partes minhas molhadas
também que gelo nenhum consegue

acalmar. Mordo o resto, engolindo o
líquido que sobra.
Subo mais pelo seu corpo e
beijo sua boca. O contraste da língua
quente dele com a minha fria é
delicioso. Eu nunca vou ter o suficiente
de John! Arranho sua pele com minhas
unhas e ele geme, seu pescoço inclinado
para trás e a boca ligeiramente aberta. O
ar escapa dos seus lábios como um
suspiro. Entregue. Meu.
O que eu faço agora?

Humm... Acho que eu deveria ter
assistido mais do que estava rolando no
ônibus, fiquei sem ideias! Ah, Helena,
que bobagem! Estou com um homem
maravilhoso à minha mercê, do que mais
eu preciso?
Nada além de me aproveitar
dele.
Aprofundo o beijo, em seguida
desço por seu corpo, mordendo e
lambendo todo o caminho até seus
quadris, minhas unhas marcando sua

pele com um rastro vermelho. Puxo sua
boxer até ele ficar sem roupa nenhuma.
Seu peito sobe e desce, ofegante.
Esperando meu próximo movimento.
Uau! Tenho certeza que dá para
hastear uma bandeira – ou minha
calcinha – nele. Minha boca não está
mais tão gelada, porém sinto-o tremer
quando o aperto e assopro um vento frio.
Uso minha boca para levá-lo até a borda
e paro, só para testar o quão obediente
John pode ser. Sua boca está entreaberta

em um gemido mudo. John agarra o
lençol, as veias de suas mãos saltam
com o esforço que ele faz para se manter
parado. Termino hasteando só a
camisinha mesmo.
Paro de torturá-lo e monto em
seus quadris. Ah! Como ele me faz sentir
bem, John é o meu complemento
perfeito. Retiro sua venda, eu quero ver
seus olhos. Me perder em seu azul. Para
cima e para baixo. No ritmo da música e
ao meu comando.

I want your drama
The touch of your hand
I want your leather-studded kiss
in the sand
I want your love...[26]
Embalada pela letra, eu

sussurro:
– Me toque, Arthur.
John congela, como se eu tivesse
batido em seu rosto. Eu nunca o chamo

pelo seu nome verdadeiro,
principalmente em um momento desse.
Não paro de me mover, mas diminuo o
ritmo. Inclino-me mais, quase deitando
em cima dele.
– Por que, Helena? – seu olhar é
confuso, apesar da excitação.
– Porque eu quero você por
completo – beijo seu peito, bem acima
do coração – John e Arthur. Você só vai
estar inteiro quando aceitar sua parte
quebrada.

Sua boca está fechada em uma
linha fina. Passo a minha língua contra
seus lábios, ele os entreabre e aproveito
para beijá-lo com paixão. Ele ainda está
quieto, mas eu aumento meu ritmo e John
se lembra que tem mãos. Ele agarra
meus quadris, ajudando-me a impor
mais velocidade. Fico ereta, melhorando
meu apoio. Mais rápido, mais forte.
Uma de suas mãos passeiam pelos meus
seios, apertando, provocando.
Jogo minha cabeça para trás, a

sensação é mais do que posso suportar.
Uma onda de prazer me invade,
deixando-me com a cabeça leve e quase
letárgica. John aumenta o ritmo de seus
quadris, empurrando-me de cima para
baixo. Aumentando o meu prazer quando
está em busca do seu próprio.
Mordo meus lábios para não
gritar seu nome, lembro-me tarde demais
que aqui não tem isolamento acústico.
Espero não ter feito muito barulho. Me
jogo em seu peito, exausta. Caramba,

minhas pernas estão me matando!
John me abraça, puxando-me
mais para cima. Apoio minha cabeça na
curvatura do seu pescoço. Ele acaricia
meus cabelos, olhando para um ponto
qualquer do teto, pensativo. Fico
esperando que ele vá falar alguma coisa
sobre o que acabou de acontecer ou
sobre Arthur, mas ele desiste ao
perceber como estou ofegante.
– Você está bem? – John ri da
minha falta de fôlego – Quer que eu

chame uma ambulância?
Se não estivesse sentindo metade
das artérias da minha cabeça pulsarem
junto com o meu coração, eu
provavelmente teria forças para bater
nele.
– Ah, cala a boca e vai pegar
água para mim! – gostaria de dizer que
falei de modo severo, mas também não
tenho forças para isto. Foi mais como
um sussurro.
Ele beija a ponta do meu nariz e

se levanta. Ai, ai, até de costas o homem
é gostoso. Eu amo a bunda dele... Nossa,
eu acabei dizer amo de novo? Eu
deveria parar de usar esta palavra! Será
que preciso conversar com John sobre
isso? Meu coração acelera e não é por
causa do esforço físico.
Não vou falar nada! Não posso...
E se ele se assustar e quiser fugir para
montanhas? Ai, Deus! E se ele realmente
gostar da ideia e quiser algo mais
sério... Definitivo? Uma apreensão me

domina, quem quer fugir para as
montanhas agora sou eu!
Ora, Helena, seja adulta!, penso
comigo mesma. Você pode ter uma
conversa sensata com ele sobre
sentimentos. Lembra da ideia de ser
melhor ainda? Pois é, você também
pode ser “melhor ainda”.
John merece saber que é amado,
não é? Mas eu o amo de verdade? No
momento que eu falar isto, será
definitivo. Se eu verbalizar, vai se

tornar real. Será um ponto sem volta...
– Só vai querer água, Elle?
Ele analisa a geladeira,
procurando Deus sabe o quê.
I don't wanna be friends
Oh-oh-oh-oh-oooh![27]
– Sim, John! – complemento
baixinho – Por enquanto, quero só água
de você.
Fecho os olhos com força. Eu
sou uma covarde.

CAPÍTULO 30 –
Novos amigos
O sol me desperta no dia

seguinte. Droga! Esqueci as cortinas
blackout abertas. Nossa, uma casa à
beira mar pode ter suas desvantagens.
Estico-me na cama, meu corpo
está deliciosamente dolorido. Ao meu
lado, John parece morto para o mundo, o
coitado está exausto! Eu tive que contar
porque liguei tão alterada, não os
detalhes, é claro. Já foi errado ver, pior
seria espalhar. Mesmo não sabendo
exatamente o que eu tinha visto, John
quis provar que superava o Gabriel.
Ah, bem... Para mim, John é
capaz de superar qualquer um, Gab
nunca teve chance. Apesar de ele ser tão
uau!
Deixo John recuperando suas
energias e, após um banho rápido, desço

para comer alguma coisa. A cozinha está
cheia com pessoas de ambas as bandas,
além de Wanessa e Isabel. Todos
parecem agitados, olhando pela janela.
– O que vocês estão fazendo?
– Elle, você precisa ver o quanto
a praia e a Lena fizeram bem ao Gabriel
– Kim me puxa para olhar pela janela –
O que são aquelas tatuagens? Gabriel
sempre foi gato, mas seu nível de
gostosura está atingindo a estratosfera!
Vejo pela janela que os dois

estão parados em pé, com apenas os pés
dentro do mar e aparentemente
conversando. Gabriel está de regata,
ombros e tatuagens à mostra. Se Kim
está babando por ele assim, imagina
como seria se ela o tivesse visto sem
camisa?
Imagens dele e de Lena no
ônibus invadem minha mente e um
suspiro involuntário escapa dos meus
lábios. Me afasto da janela:
– Ah, gente, não vamos ser

abelhudos! Deixem os dois e venham
comer.
Sim, sim... Eu sou hipócrita, me
processe! Depois que o calor de ontem
passou, fiquei com um certo peso na
consciência por ter invadido a
privacidade dos dois.
Todos sentam à mesa e começam
a discutir se os dois ficaram ou não
ontem à noite. Trophy Husband defende
que sim, já as garotas que trabalham
para a Jack Rock acham que não. É... Eu

também pensava em Gab como um sexy
amigo assexuado até ontem. Como eu
estava errada!
– Gente, a Lena não dormiu no
quarto – Tony diz em tom conspiratório
– Ela deixou um bilhete avisando que
não ia sair da mansão, mas que não ia
voltar.
– Isto não prova que a Lena
estava com o Gabriel! Ela podia estar
com qualquer um! – Kim permanece
cética, apesar de tê-lo visto falando com

Lena na praia.
– Isso mesmo! Gabriel não é de
ficar se agarrando com qualquer uma no
trabalho!
Pela forma que Isabel fala,
acredito que ela tentou algo e não
conseguiu...
– Ei, a Lena não é qualquer uma,
querida! A Lena é uma mulher
maravilhosa, extremamente profissional,
com um puta coração bom e uma
excelente companhia! É natural que

alguém super sério como o Gabriel
queira ficar com ela, para
contrabalancear essa vibe sombria que
ele tem, ora essa! – Lula rebate irritada,
sendo apoiada por todos seus
conhecidos.
Uma discussão calorosa se segue
e eu perco a paciência. Bato com o
punho fechado na mesa.
– Chega! Lena e Gabriel
passaram a noite juntos, fim da
discussão!

Lula faz cara de satisfeita e Kim
resmunga:
– Duvido!
– Quer apostar? – a desafio.
– Cinquentinha?
Kim me olha vitoriosa e eu me
sinto mal por tirar dinheiro dela. Quase.
– Claro, mas como vamos ter
certeza?
– Há! Deixa comigo, a Lena não
consegue esconder nada de mim! –
exclamou Tony, parecendo orgulhosa.
Com isso resolvido, começamos
a conversar sobre o dia anterior. Eu
gosto desta banda nova, eles são
descontraídos e possuem um magnetismo
inerente. E se Gabriel confiou o
suficiente na Lena para baixar a guarda e
relaxar na frente de todos, então devem
ser confiáveis. De outro modo, mesmo
de folga, ele permaneceria em alerta.
Minha recomendação para o Bob será
positiva.
A menos que ele tenha sido

dominado pelos hormônios! Hum... Eu
não o culparia se este fosse o caso, eu
também me descontrolei ontem e ele
estava de folga mesmo.
Um tempo depois, quando os
ânimos já estão mais calmos, Lena
finalmente entra na cozinha, sorridente e
vestindo somente a camiseta rasgada de
Gab por cima do biquíni. O sorrisinho
no rosto de todos, incluindo no meu, é
impossível de evitar. Lena pergunta
confusa:

– Hm... O que vocês estão
olhando? Tem alguma coisa no meu
rosto?
Várias risadinhas se seguem e a
Tony cruza os braços, perguntando
irônica:
– Gatinha, dormiu bem?
Lena hesita por alguns instantes,
mas responde com o rosto sério, porém
tranquilo:
– Dormi, a cama daqui é muito
confortável, não achou?

– Ô, com certeza. Principalmente
porque só dividi ela com a Emmy e a
Lula... Aliás, essa blusa que você está
usando... Foi você quem fez?
Wanessa ri, ela sabe muito bem
qual blusa Lena está usando.
– Você acha que eu costuraria
uma coisa assim? – Lena finge estar
ofendida e pega um croissant na mesa.
Gente... Essa menina tem um
controle grande! Eu já estaria
impaciente com tantas perguntas.

– Não, não acho. Onde você
comprou?
Contenho minha risada, a Tony
não vai deixar o assunto morrer até que
ela admita!
– Num shopping, creio eu.
Ela pode parecer desinteressada,
mas duvido que realmente esteja. É
melhor eu me intrometer ou a Tony vai
fazê-la se enrolar ainda mais.
– Engraçado, Lena, a Wanessa
aqui é a figurinista da Jack Rock, sabe?

Ela cortou as mangas de uma blusa
exatamente igual a essa um dia desses e
me passou para eu dar para o Gabriel...
Eu podia jurar que ele estava usando ela
ontem.
Sorrio inocentemente e todos a
encaram, esperando sua reação. Ops...
Acho que não ajudei tanto assim!
Lena olha para mim e para cada
um dos rostos que a miravam
aguardando uma resposta. Depois,
desistindo de esconder o óbvio, levanta

quase imperceptivelmente os ombros e
responde:
– Ele estava sim, mas nunca mais
vai estar. Devia ter pensado nisso antes
de rasgar minha calcinha preferida.
– Há! – droga, perdi essa cena! –
Eu te disse, não te disse? Não devia ter
nem apostado comigo!
Kim me passa a grana, Lena nos
olha atônita e começa a rir. Ainda bem
que ela levou na boa!
– Nossa, sua cachorrona, você

só me dá orgulho! – Tony brinca em
meio às risadas de todos os presentes e
oferece uma xícara de café em oferta de
paz. Lena a aceita rindo e dá de ombros:
– É bom ser eu quem te dou
orgulho, para variar.
Quando a novidade de
“Gablena” passa, todos começam a
conversar entre si, incluindo eu e Lena.
Meu palpite inicial estava certo, ela é
uma boa pessoa. Se não morasse tão
longe, aposto que poderíamos ser

melhores amigas.
Eu conto um pouco sobre a Jack
Rock e a Clave de Sol, já a Lena me fala
sobre seu trabalho como costureira e se
oferece para doar roupas para as
crianças. Que maravilha! Eu concordo
prontamente e trocamos nossos números
de telefone.
Gabriel aparece meia hora
depois em seu costumeiro terno cinza de
três peças e óculos escuro. Lena engasga
com o café e quase posso ver sua baba

pingando. Sim, ele fica gostoso de terno,
mas chama muito mais atenção do que se
ele estivesse com roupas normais.
– Gabriel, por mais que você
esteja aprovadíssimo com este terno –
levanto o queixo caído de Lena – Eu já
disse que não vou andar por aí com você
parecendo o segurança do presidente!
Gabriel não discute comigo,
sabe que é tempo perdido. Apenas volta
a subir as escadas para trocar de roupa.
Mesmo sério, percebo ele piscar um

olho para ela. Caramba! A Lena
realmente conseguiu ultrapassar a
carapaça dele!
– Nossa, que homem... Fica
realmente gato com qualquer coisa que
coloca no corpo!
Ela morde uma maçã com cara
de encantada. É o efeito Gabriel!
– Se você quiser, pode subir e
ajudá-lo a escolher outra roupa – digo
sugestiva – Ele aprendeu que terno é
farda de segurança e não tira para nada.

Charles, o baterista da Trophy
Husband faz um comentário machista e a
Lena o ignora, estirando o dedo do meio
para ele.
– Ele usa terno mesmo em dias
de calor? – ela me pergunta curiosa.
– Sim, Gab sempre anda
preparado para qualquer eventualidade
– me perco um pouco, relembrando do
chalé e da ameaça do padrasto de John –
O terno esconde o coldre de sua arma.
De repente, percebo que falei

demais e tento sorrir para amenizar o
clima. Lena parece perspicaz o
suficiente para saber que estou
escondendo algo, mas não comenta nada.
Gabriel volta vestido com calça
jeans preta, blusa branca, coturnos e
óculos. Pela cara de Lena, ela o aprova
de qualquer jeito.
– Olha só, ele sabe escolher
roupas normais sozinho! – Wanessa faz
piada.
– Que horas é o voo de vocês? –

Lena sussurra para mim.
– Daqui a algumas horas. Vocês
que vão usar o jato para voltar para casa
e nós iremos pegar um voo normal –
meu sorriso é conspiratório – A menos
que ele queira ficar por aqui com você e
eu vá sozinha, é claro!
Finjo não perceber sua cara de
surpresa.
– Pelo amor, Elle... Por mais
tentador que seja, se ele ficar, eu não
vou conseguir sentar por uma semana.

Eu sou costureira, não dá para costurar
em pé!
Seu desespero fingido é tão
engraçado que bato as mãos na mesa de
tanto gargalhar. Ela me puxa pela manga
da camiseta em seguida e pergunta:
– Ele ainda tá de folga?
– Sim! Tecnicamente, a viagem é
durante a folga dele, ele ir comigo é um
favor e não uma obrigação. Mas John
vai compensar este dia de folga perdido
depois...

Não quero que ela pense que a
gente explora o Gabriel. Bem... Não
mais do que o normal, já que ele é
multiuso.
Olho distraída para o relógio, já
está ficando tarde e eu quero me
despedir do John antes de viajar. Onde o
Chris se meteu? Ele nunca dorme até tão
tarde! A voz da Tony cantando Bad
Boyfriend, do Garbage, para provocar
Lena me tira dos meus pensamentos:
“I've got a fever, come check it

and see
There's something burning and
rolling in me
We may not last, but we'll have
fun till it ends
C'mon baby, be my bad
boyfriend”[28]
Todos entram na brincadeira
cantando ou tamborilando os dedos,
enquanto Lena apenas revira os olhos e
se levanta para jogar o resto da maçã no
lixo.
– Nossa, parece que eu estou no
ensino médio de novo! – ela reclama
divertida. – Cês parecem uns
adolescentes de quinze anos, cara!
Depois de várias risadas, ela
avisa que está quase na hora de ir para o
aeroporto e sobe para o seu quarto.
Logo depois, a porta da frente se abre e
Chris entra todo arrumado. Ué, pensei
que ele estava dormindo!
– Bom dia, Chris!
– Oi, Elle! – ele se aproxima

para beijar minha cabeça, mas se lembra
das outras pessoas na sala – Bom dia.
Este negócio de não poder
demonstrar afeto pelos dois em público
é uma droga!
– Madrugou hoje?
Chris pega uma maçã e morde
antes de dar de ombros:
– Eu tinha algumas coisas para
fazer...
Ele cada vez fica mais
misterioso. O que estará aprontando?
– E resolveu?
– Bom dia, meu povo!
A chegada de Alysson nos distrai
e Chris escapa da minha pergunta. Mas
não por muito tempo, ele vai ter que se
abrir comigo! Deixo os rapazes
comendo e subo ao quarto. O barulho do
chuveiro indica que John está no banho.
Fico encostada na porta, observando-o
de costas.
A água escorre por seu corpo
torneado, os cabelos molhados,

grudando em sua pele e... Ai, que
tentação! Será que tenho tempo para
outro banho?
Olho para o relógio, merda!
Temos que ir ou perderemos o voo e só
chegaremos lá tarde. Não quero andar
por aquelas estradas à noite. Um frio
percorre minha coluna quando lembro
do acidente de meus pais.
Jogo os restos dos itens na
mochila e entro novamente no banheiro
para avisá-lo.

– John, estou indo!
Ele já está se secando e me
beija, prensando-me contra a parede.
– Você não pode ficar só um
pouquinho? – eu estou completamente
vestida, mas ele não se deu ao trabalho
de se enrolar uma toalha – Eu posso te
fazer desejar nunca mais sair deste
quarto...
Envolvo minhas mãos ao redor
de sua ereção, para cima e para baixo,
ele geme enquanto morde meu ombro.

Só ele para me enlouquecer em tão
pouco tempo, mas também, eu não sou
de ferro, não é? Quem resistiria a um
John pelado e úmido? Quando suas
mãos vão para o botão da minha calça,
eu lembro da hora. Droga!
– Agora não, John, tenho que ir!
O afasto e vou em direção à
porta, ele me olha chocado e aponta
para a própria virilha.
– Você vai me deixar assim?
Solto um beijo no ar antes de

dizer:
– Tchau, tchau, John! Resolva
isso você mesmo!
Quando pego minha bolsa e
fecho a porta, a única coisa que escuto é
um indignado: “Helena!”.
Quase todos já estão na sala, se
preparando para ir embora, largo a
mochila perto do Gabriel e vejo Lena
vindo. A abraço e nos despedimos,
prometendo combinar depois sobre as
doações ao Clave de Sol.

Lembro novamente do que vi
ontem.
– Ei, você pode fazer calcinhas
customizadas da Jack Rock para mim? –
falo sem pensar e ela me pergunta sem
entender.
– Ahn... Como você sabe que eu
faço calcinhas também?
Ah, merda!
– Dei uma olhada em seu site
ontem e gostei muito! – minto
descaradamente.

Deus, espero que ela tenha um
site!
– Ah, ok! Me manda mensagem e
a gente combina direitinho os detalhes,
pode ser?
Ela me abraça novamente e eu
fico com vergonha de mim mesma.
– Certo!
Me afasto de Lena, que sorri e
olha para Gabriel. Ele se envolvendo
com alguém é como ver um bicho em
extinção achar um par para acasalar.

Todos ficam observando de perto. Isso
até a Lena dizer impressionada:
– Gente, aquele segurança ali tá
pelado??
Todos, incluindo a mim, olham
surpresos para a janela que ela apontou.
As risadinhas seguidas por Lena
limpando a marca de batom dos lábios
de Gab me dizem que caímos na
pegadinha mais velha do universo.
Ah, tudo bem... Acho que fui
vouyer desses dois por tempo suficiente!

Ela acena para todos se despedindo e
Gabriel abre um sorriso imenso. Antes
de sair, Lena se vira e grita:
– Mostre mais os dentes,
Gabriel! Eles são lindos!
Gosto dessa garota! Lena irá
fazer grande falta à Jack Rock, ela
conseguiu quebrar um pouco a muralha
de gelo ao redor do Gab.
– Vamos, Gabriel?
Ele sorri brevemente para mim,
mostrando os dentes como a Lena pediu.

– Vamos, Elle.

CAPÍTULO 31 – De
volta ao lar
Oh, Deus! A fila do check-in está

imensa. Quem, nos dias de hoje, esquece
de fazer isto online? Aparentemente, eu
e o voo quase todo. Gabriel está calado,
em seu modo estoico de sempre.
– E aí, Gab, curtiu sua folga?

– Claro.
Fico esperando o resto da
resposta dele, mas é só isso. Amigo
homens podem ser tão sem graça! Tenho
certeza que se fosse mulher, Gab já
estaria me contando alguma coisa. Não
que eu precise saber os detalhes
picantes. Mais do que eu já vi.
– A Lena, ela parece ser uma
garota legal, espontânea – tento
provocar uma reação nele – Bonita,
sexy...

Um sorrisinho desponta no canto
de sua boca. Finalmente!
– A-há! – aponto para seu rosto
– Você sorriu! Vai, fala a verdade, você
gosta dela? Vão se ver de novo? Ela
pode ficar vindo aos shows, entrar nos
bastidores não será problema,
obviamente. E se eu a contratar como
estilista? Ela podia ajudar Wanessa e...
– Ei, ei, ei – Gabriel corta meus
devaneios – Calma! Ela é uma pessoa
maravilhosa, mas não precisa nos

comprar uma casa com cerca branca.
Lena não está pronta para um
relacionamento sério e nem eu.
Hum... Será que os dois
conversaram e não foi apenas sexo?
Provavelmente, Gabriel não tem perfil
de quem apenas se aproveita das
mulheres. Ele é uma pessoa que tem
empatia e sempre está disposto a ajudar
os outros. Tanto é que está aqui comigo
ao invés de curtir o resto de sua folga na
mansão.

– Por que você não está pronto
para um relacionamento sério? –
pergunto curiosa.
Ele suspira pesadamente.
– Elle, eu...
– Oh. Meu. Deus! – duas garotas
atrás de nós na fila gritam – Eu te disse,
eu te disse! – uma agarra a mão da outra
e começam a pular juntas – Você é a Elle
da Jack Rock!
Esqueci de colocar qualquer tipo
de disfarce, merda!

– Eu mesma. Prazer em conhecê-
las! – sorrio para as duas.
Mas o que eu gostaria de dizer é:
“Por favor, falem baixo e não
transformem isso em grande coisa.”
– Nossa! Nós somos suas fãs –
as duas falam enquanto procuram algo
em suas bolsas.
Fãs? Por que alguém no mundo
seria fã minha? O que se responde para
uma pessoa que você nunca viu na vida,
mas diz ser sua fã? A mais baixa me

mostra o CD da Jack Rock, a capa é a
mesma foto em preto e branco do pôster.
Bob pretende utilizar minha foto
com a Jack Rock em tudo que puder.
Não sei o que John disse a ele sobre o
nosso relacionamento, mas sei que a
intenção do Bobby é me marcar como
parte da banda no inconsciente coletivo.
– Você pode me dar um
autógrafo? – ela me entrega uma caneta
vermelha também.
Assino meu nome. Será que fica

chato eu perguntar o porquê de ela ser
minha fã? A outra garota de repente grita
“achei” e me entrega uma camiseta com
a mesma foto. Nossa! Bob não mede
esforços.
Pergunto o nome delas e se
viram o show. Elas me respondem
empolgadas que amaram tudo. Retiro da
minha bolsa duas fotos autografadas
pela banda inteira e elas ficam
extasiadas de alegria. Andar com esses
autógrafos sempre é um trunfo em
momentos como este. Elas ainda estão
falando animadas sobre o show quando
mais pessoas se aglomeraram ao meu
redor.
Tento assinar o que eles me
pedem e poso para fotos, mas, de
repente, estou cercada. As fotos
autografadas que eu tinha acabaram e
mais pessoas se juntavam a meu redor.
Gabriel tenta mantê-los afastados, mas
ele é apenas um contra vários. Eles
fazem tantas perguntas ao mesmo tempo
que não consigo responder nenhuma.
Socorro! Como saio dessa agora?
Os seguranças do aeroporto
finalmente aparecem e nos escoltam
para uma área VIP reservada.
– Elle! Por que você não nos
colocou na primeira classe com
atendimento preferencial? – Gabriel
pergunta consternado.
– Eu vacilei, Gab, desculpa.
Estava tão preocupada em voltar para
casa que apenas comprei a primeira
passagem que eu vi.
Ele coloca a mão em meu ombro,

tentando me reconfortar.
– Tudo bem, Elle. Eu vou
resolver isso.
As duas primeiras garotas foram legais,
eu posso lidar com poucas pessoas. É a
multidão que me assusta. Parece que
eles querem um pedaço de mim, são
tantas vozes e flashes que me sinto
sufocada.
Gab consegue trocar nossas
poltronas e somos os primeiros a entrar

no avião.
Todo homem que eu conheço é
teimoso ou eu que sou curiosa demais?
O resto da viagem é tranquila, tento em
vão conhecer um pouco do seu passado,
mas ele não se abre. O máximo que
consigo arrancar dele é que Lena o
conquistou com o olhar. Ainda no show,
ela o desafiou mesmo sem palavras e ele
ficou intrigado com a morena atrevida.
Acho que Lena tem muito mais
camadas do que a impressão inicial de

garota tímida que eu tive ou da atrevida
sexy que Gab viu. Mas isso é o que
torna as pessoas fascinantes, temos
várias facetas e não precisamos nos
prender a rótulos.
Desisto de desvendar quem é o
homem por trás do segurança e ficamos
conversando bobagens até chegarmos ao
aeroporto mais próximo da minha
cidade. Eu alugo um carro e Gabriel
dirige até a casa d’O Delegado. Droga!
Estamos quase na metade da tarde e eu
ainda não entrei na casa.
A mãe de Chris me cumprimenta
com o mesmo carinho de sempre, ela é
como uma segunda mãe para mim. Largo
minha mochila e a chave do carro em
cima da bancada da cozinha para
abraçá-la. Assim que Chris fugiu de
casa, eu guardei mágoa dela, achei que
não tinha defendido o filho. Depois,
percebi que a coitada também era uma
vítima d’O Delegado, oprimida pelo
marido.
Samantha já está na casa dos
meus pais. Não consigo nem pensar em
como ela conseguiu as chaves do banco
usando meu nome e o d’O Delegado.
Morar em cidade do interior pode ser
uma benção de vez em quando.
Minhas pernas tremem ao
reentrar no quintal depois de tanto
tempo. Meus olhos se enchem de
lágrimas ao perceber que as rosas da
mamãe estão morrendo. Ela as amava
tanto! Sinto como se uma parte da minha
mãe estivesse morrendo novamente.
Espero que os novos donos consigam
mantê-las vivas. Algumas ainda resistem
apesar das adversidades. Passo a mão
nestas com reverência. Estas são fortes
como a mulher que as plantou.
Sento-me por um momento no
balanço em que meus pais ficavam
namorando. Sempre que podiam, eles
assistiam ao pôr do sol juntos. Daqui,
posso ver o primeiro andar das duas
casas, à direita as janelas do quarto de
Chris e de Sam e à esquerda, o janelão
do esconderijo secreto. São tantas
memórias boas, tantas coisas que
ficaram apenas na lembrança.
Puxo minhas pernas para cima e
as abraço, encostando o meu queixo no
joelho. Uma vida inteira nesta casa e em
breve pertenceria a algum estranho,
assim que a documentação da venda
fosse concluída. Gabriel não fala nada,
mas sua sombra parada atrás de mim é
reconfortante, sei que com ele estou
segura.
Um grito de dentro da casa
chama minha atenção, entro correndo
assustada para encontrar Sam pulando
na cozinha.
– Merda! Merda! Merda! Ai,
meu dedinho! – ela choraminga.
Gabriel se adianta e a pega no
colo, sentando-a em cima da bancada.
Seu dedo não sangra, mas está muito
vermelho. Gab move o dedo dela,
testando se está quebrado. Ela faz
careta, mas não reclama tanto.
– Não está torcido. – Gabriel dá
o veredito.
– A chave inglesa caiu e bateu no
meu pé! – ela faz bico com os lábios –

Você podia dar um beijo para melhorar.
Gabriel levanta a sobrancelha
para ela e se afasta sem dizer nada. Eu
tento segurar o riso. Sam não tem jeito,
mesmo com dor ela não perde uma
oportunidade! Ainda estou rindo quando
percebo o que ela tem ao redor da
cintura.
– O que é isto? – aponto para
uma faixa marrom horrorosa cheia de
ferramentas penduradas.
– É um cinto de faz-tudo –

percebendo minha cara de interrogação,
ela continua a falar – Sabe aqueles caras
dos filmes que consertam tudo? Eles
sempre usam um desses, tenho todas as
ferramentas que a gente possa precisar!
Será que ela pensa que é Batman
e trouxe um cinto de utilidades? Mas...
– Como uma chave inglesa nos
ajudaria a achar os documentos? –
Gabriel dá voz aos meus pensamentos.
– E eu é que sei? Não sei nem
para que ela serve! – Sam estica os

braços para Gab – Vamos lá para cima,
já olhei tudo aqui embaixo e não
encontrei nada.
Gabriel passa um braço por
baixo dos seus joelhos e outro nas
costas dela, levantando-a sem muito
esforço e subindo as escadas. Eu os sigo
e Sam olha para mim por cima do ombro
dele. Pergunto preocupada, sem
vocalizar: “está doendo tanto assim?”.
Samantha não responde, só pisca um
olho. Safada!

No quarto dos meus pais, Gab a
coloca em cima da cama. Olho ao redor,
parece um lugar mal-assombrado de
algum filme B de terror! Cada móvel
remanescente está coberto por um
plástico com uma leve camada de
poeira.
Sam fica sentada com o pé
apoiado na cama enquanto eu e Gab
procuramos pelo andar superior. O
problema é: onde meu pai teria
escondido os documentos? Cada móvel
e canto da casa foi vasculhado, não
achamos nada. Jogo-me na cama ao lado
de Samantha e começo a tossir com a
nuvem de poeira que sobe.
– Ei! – ela reclama – Espalhe
suas bactérias em outro lugar! Já basta
ficar aqui entediada, minha única
distração é encarar essa tomada velha.
Ela aponta para a tomada do ar-
condicionado do outro lado do quarto. É
grande e feia, nunca prestei atenção
nela, pois ficava escondida atrás da tv.
Porém, sem o televisor, ela se destaca.

Gabriel a observa com o cenho franzido
e analisa a parede que separa o quarto
do banheiro.
– Essa parede é um pouco mais
grossa do que as outras. – ele constata.
Sam pergunta:
– E daí?
Eu pego a chave de fenda que ela
tem em seu cinto do Batman e começo a
desenroscar os parafusos. O ar
condicionado dos meus pais ficava na
parede da janela, não da do banheiro.

Retiro a capa da frente para descobrir
que não há fiação elétrica, apenas um
quadradinho de chumbo com uma
fechadura.
Achamos o cofre oculto do meu
pai! Começo a dar pulinhos e até a Sam
levanta ainda mancando.
– Droga, não tenho a chave!
Gabriel abre a carteira, tira dois
fios de metal e começa a arrombar a
fechadura.
– Isso não é ilegal? – pergunto

curiosa – Onde você aprendeu?
Escuto um clique e a portinha se
abre, revelando um espaço oco por
dentro. Gabriel sorri para mim enquanto
enfia a mão à direita e o braço dele
entra quase todo. O cofre foi chumbado
por dentro da parede, totalmente
incógnito.
– Você tem seus truques, eu tenho
os meus. – Gabriel pisca um olho e me
mostra o que conseguiu tirar lá de
dentro.

Uma grande bolsa marrom de
veludo, levo até a cama e a abro: as
joias mais preciosas da minha mãe! Eu
vendi as que encontrei entre suas coisas
para pagar parte da dívida. Meus dedos
tocam os colares. Por que eles tinham
isto escondido e não usaram para quitar
tudo?
– Elle! – Sam grita feliz – Os
documentos!
Finalmente! Estico a mão para
pegar a pasta preta quando um avoz

desconhecida me assusta.
– Me entregue os documentos e
as joias – um homem parado na porta do
quarto, empunhando um revólver grita –
Agora! Não são tranquilizantes desta vez
– ele aponta para o Gabriel – Rápido!
Vocês mataram meu amigo, essas balas
são de verdade, porra!
Oh, não! Estamos os três na mira
dele e Gabriel não está armado. Merda!
O homem começa a engatilhar o
revólver, vejo o tambor girar com uma

lentidão impressionante. Vamos todos
morrer e não haverá ninguém para nos
salvar desta vez.
De repente, escuto um disparo e
grito alto enquanto um corpo cai no
chão. Chocada, percebo que nós três
estamos em pé. Mas como? Quem
atirou? Gabriel se adianta, mas dá um
passo para trás com as mãos levantadas
em rendição.
Só então vejo o atirador na
penumbra do corredor. Ele anda até

estar parado no vão da porta, com o
corpo do outro homem caído a seus pés.
Finalmente posso ver seu rosto. Oh.
Meu. Deus. Não é possível!
– E agora, Godfather? – ela
também aponta para o peito de Gabriel –
Eu sou boa o suficiente?
– Michele, não!
Tento correr em sua direção, mas
não chego a tempo... Não antes de ouvir
novamente o estampido ensurdecedor do
disparo.

Gab, não!!!

CAPÍTULO 32 –
Revelações
– Michele, não!
Gritar ou correr não adianta, o
sorriso de satisfação de Michele quando
ela dispara contra Gabriel é sinistro.
Quem é esta pessoa que fingiu ser minha
amiga por tanto tempo? Como pude ser
tão idiota?
Não, não, não... Gab não pode
morrer! Um homem maravilhoso e de
grande coração se perder assim é tão
injusto! Por que ele? Oh, Deus! E a
Sam? Ela é tão jovem! Ajoelho-me no
chão, posso pedir para que ela me mate
logo e poupe a Samantha. Michele pode
fugir com as joias e os documentos e
deixar pelo menos um de nós viver.
– Que porra é essa? – a voz de
Gabriel me tira do choque.
Me assusto ao ver que ele está a

poucos passos de nós. Ela errou o tiro?
Graças a Deus! Mas como? Michele se
mostra tão confiante que parece outra
pessoa. Sua pose vitoriosa é o oposto da
imagem de garota caseira tímida que
criei em minha mente.
– Não sabe quem eu sou,
Gabriel? Tinha medo que você me
reconhecesse, mas não corri este risco,
não é? – Michele levanta o queixo com
superioridade – Você nunca notou meu
potencial.

Ela não guarda a arma, continua
apontando para ele enquanto retira o
dardo tranquilizante das costas do
homem. Michele, quem quer que ela
seja, pode ter a tranquilidade de uma
assassina, mas não é uma. Pelo menos,
não hoje. Ai, Deus! Espero que não
hoje.
Gabriel parece não saber o que
fazer com ele mesmo. Ela ainda é uma
ameaça em potencial, já que permanece
armada. Porém, se quisesse nos matar, já

teria feito isso. Será que ele tem
problemas em bater em uma mulher? Ou
é porque ela o conhece de alguma
forma?
– Alguém pode me explicar que
merda acabou de acontecer aqui? – Sam
exclama fora de si – Quem é essa louca?
– Eu sou Michele, a segurança
particular da Elle – Michele se curva,
fazendo uma saudação e balança a arma
antes de guardá-la no coldre – Eu amei
esta ideia de armas com dardos

tranquilizantes, são tão práticos!
Ela fala como se fosse a coisa
mais normal. Eu ouvi direito? O que foi
a primeira coisa que ela disse?
– A minha o quê? – pergunto já
me levantando.
Olho para Gabriel, mas ele está
com aparência de mais perdido do que
eu. Eu entrei em algum universo
paralelo? A antes adorável Michele é
agora um enigma para nós.
– Olha – ela continua a falar – É

melhor chamar o pai do Chris e resolver
isso primeiro antes de mais nada, ok? –
ela olha o relógio – O cara que está
desmaiado no carro de fuga vai acordar
já já. Vocês demoraram em achar esses
documentos, eu estava ficando mais
impaciente que eles!
Carro de fuga? Ai, meu Deus...
Gabriel finalmente sai do seu torpor e a
agarra com as duas mãos pela gola da
blusa, levantando-a poucos centímetros
do chão.

– Eu vou te dizer o que é melhor!
– ele ruge fora de si – É melhor você
explicar direitinho quem você é
primeiro!
Ela não se abala, levanta o
joelho e o acerta com um chute certeiro
entre as pernas. Gabriel a solta
imediatamente, dobrado de dor. Ai!
– Não encoste em mim nunca
mais, Comandante! – ela respira fundo,
como se quisesse se acalmar e fala para
mim – Eu fui contratada para garantir

sua segurança, Elle. Durante meses
cuidei de você – ela tenta se aproximar
de mim, mas dou um passo para trás –
Ainda sou eu, sua amiga.
– Eu não faço ideia de quem
você é, droga! Mas com certeza minha
amiga não é. E eu não te contratei! –
quem está irada sou eu.
Meu coração acelera, minha
respiração fica pesada. Sinto minha
privacidade invadida, roubada.
– Você não, John é o meu chefe.

– ela fala sem muita emoção, cutucando
com o pé o cara desmaiado.
Caramba! No fundo eu sabia que
só ele estaria por trás disso. Que droga!
John pagou alguém para me vigiar este
tempo todo? É tão absurdo que não sei
como processar esta informação em
minha cabeça.
Sam passa o braço ao redor dos
meus ombros.
– Ei, vamos para casa! Já
mandei mensagem para O Delegado, ele

está vindo.
Gabriel está sentado no chão.
Ainda com cara de quem, se pudesse,
esganaria a morena. Pergunto se ele está
bem e Gab acena concordando. Melhor
sair daqui antes que eu a esgane.
– Depois a gente vai ter uma
conversa séria, Michele! O que tinha
naquele suco de capim?
Será que ela estava tentando me
envenenar?
– Suco detox e vitaminas,

Helena! Você não estava se alimentando
direito.
Ela tem a audácia de revirar os
olhos para mim! Sério? Penso em
avançar em cima dela, mas Sam me puxa
para fora da casa. Não sei como
conseguimos descer as escadas! Eu
estou ainda me tremendo pela descarga
de adrenalina e ela mancando.
Assim que atravessamos o muro
que separa as casas, escuto os berros da
mãe de Samantha. Andamos mais

rápido, preocupadas.
– Você – ela me acusa quando
que entro na cozinha – É a culpada de
tudo! Maldito o dia que você nasceu!
Sempre aprontando e levando o Chris
para o mau caminho. Se não fosse sua
mãe perfeita, ele teria esquecido esta
bobagem de música e ficado em casa,
onde é o seu lugar!
Ela parece desvairada, andando
de um lado para o outro. Estou tão
chocada que fico sem reação até para

defender a memória da minha mãe. Sam
me solta e grita indignada:
– Para de falar besteira, mãe!
– Não se intrometa e vá para o
seu quarto, Samantha!
Apesar da ordem, Sam não sai
do lugar.
– Está vendo? Minha filha é
desobediente porque acha que pode ser
selvagem como você! Ela te idolatra e o
que você faz? Quase a mata duas vezes!
– Mas, tia...
Tento me defender, porém ela
não permite.
– Tia nada! Eu não tenho o seu
sangue encrenqueiro, você não passa de
uma sucessão de erros! – Ela grita com
ódio – Saia da minha casa e não volte
nunca mais, você não é mais bem-vinda
aqui!
– Mãe!
Sam começa a discutir, mas não
presto atenção. Pego a chave do carro
alugado e minha bolsa que estavam na

bancada de granito e saio correndo.
Estou tão nervosa que o carro só
pega na segunda tentativa. Será que
consigo dirigir novamente? Aprendi com
o papai aos quinze anos, mas não chego
perto de um volante desde o acidente.
Sentar na frente, mesmo que no banco do
passageiro, me deixa apreensiva.
Dane-se isso! Conecto os fones
no meu celular e coloco no meus
ouvidos para ignorar os sinos de alerta
em minha cabeça. Não tenho para onde

correr nesta droga de cidade. Dirijo sem
rumo, sendo embalada pela dor e pelas
músicas.
As lágrimas que eu estava
segurando começam a cair assim que eu
percebo para onde estou indo. O
subconsciente pode ser uma merda às
vezes, voltei ao local que mudou minha
vida para sempre.
Paro no acostamento e desligo o
motor do carro, não enxergo direito com
as lágrimas que nublam minha visão.

Respiro fundo, tentando me acalmar em
vão. Meu lar não é mais meu e a família
que sempre considerei como minha, não
me quer mais. O homem que eu amo
estava me vigiando durante meses.
“Maldito o dia que você
nasceu!” As palavras da tia Beth se
repetem em minha cabeça. Será que é
isto mesmo? Eu sou amaldiçoada? Abro
a porta e saio correndo do carro. Meus
sapatos batem contra o barro e levantam
poeira. Não ligo se o sol está se pondo

ou não, eu só quero achar o ponto exato.
O ponto que mudou minha vida.
O ponto que tirou a vida deles.
Uns cinquenta metros à frente,
finalmente encontro o que procuro.
Sento-me no meio de nada, uma área
sem vegetação com cascalho
enegrecido. Coloco para repetir no
celular uma música que representa o
meu humor atual: Creep, do Radiohead.
A música me embala. O que
devo fazer? Eu sou louca em estar aqui

sozinha, mas não tenho ânimo para me
mover. Sentada em frente à uma estrada
vazia e com nada além de marcas
remanescentes de fogo ao meu redor.
Passo a mão no chão, foi aqui
que tudo mudou. Duas vidas perdidas,
fecho os olhos relembrando o incêndio.
Por que eu não morri também? Teria
facilitado a vida de todos!
“You're so fucking special
I wish I was special”[29]
Chris e John continuariam sendo
os astros que nasceram para ser. Não
haveria escândalos ameaçando-os. Sam
seria uma menina sem traumas e eu
jamais teria me tornado um peso para
todos que me conhecem.
“But I'm a creep, I'm a weirdo
What the hell am I doing here?
[30]
Estou cansada de lutar.

I don't belong here”[31]
Eu quero desistir de tudo.
Talvez o mundo seja um lugar melhor
sem Elle. Que bobagem estou falando?
O mundo não se importa comigo. Não
faria diferença alguma se eu sumisse ou
não. Talvez eu tenha desafiado alguma
lei do universo ao sobreviver ao
acidente.
Abro os olhos para ver que o
crepúsculo já está no fim e as primeiras
estrelas começam a aparecer.
Testemunhas silenciosas de tantas
desgraças no mundo. Deito-me no chão
sujo e só então percebo que algumas

gramas estão crescendo. A natureza é
tenaz, mesmo no ambiente hostil, as
plantas estão se curando e renascendo.
Ressurgindo das cinzas.
Ainda deitada, um vento forte me
dá calafrios. Fecho novamente meus
olhos. Tenho inveja da perseverança da
natureza. Eu não consigo ser forte agora,
quero ser fraca e chorar. Eu sou como as
estrelas que insistem em brilhar, mesmo
que já tenha morrido milhões de anos
atrás.

A tia Beth me odeia. “Tia” não...
E creio que também não queira ser mais
minha madrinha. A mãe do Chris me
odeia. Ela tem razão em não me querer
mais por perto. Sou aquilo que ela disse
que eu era: Uma sucessão de erros.
Uma luz cansada de existir, pois
se sente morta por dentro.

CAPÍTULO 33 –
Segredos e Escolhas
Sinto meu corpo ser suspenso

por mãos fortes, abro os olhos
atordoada para me deparar com o
Gabriel. Apoio minha cabeça em seu
ombro enquanto ele me carrega para o
carro. Sinto-me tonta, letárgica. Ele me
coloca no banco da frente do carro e me
enrola com sua jaqueta.
– Você está gelada, Elle.
Ele liga o motor, dirigindo para
longe desta maldita estrada. Observo a
noite escura, estamos no limite do
horário para voltar ao aeroporto e pegar
o avião. Eu não quero ir, não posso
encarar o Chris agora, será que em
algum nível ele concorda com a mãe? E
o John? Eu não o quero perto de mim.
– Me deixe na pousada da
cidade. Você precisa ir, Gab.

– Você vai desistir da Jack Rock,
Helena? Do seu emprego? – ele retira os
olhos da estrada para me encarar por um
segundo – De John?
– Nunca, não e sim – Respondo
com sinceridade as três perguntas dele –
O que aconteceu depois que eu saí?
Ele volta a olhar para frente e eu
me encolho em sua jaqueta. Sinto como
se meus ossos também estivessem
congelados.
– O delegado recolheu as provas

e os suspeitos. Seu pai manteve todos os
documentos bem organizados e
detalhados. A prisão preventiva dos
envolvidos já foi solicitada, eu e
Michele já depomos, só falta você.
Nossa, que prático!
– Como isso foi feito tão rápido?
Você verificou a história da Michele?
– Conhecer o delegado tem suas
vantagens, eles ameaçarem a vida da
filha dele duas vezes o deixou ágil – ele
me olha apreensivo antes de continuar –

O que Michele falou é verdade. John a
contratou assim que descobriu que você
moraria sozinha.
– Ele estava me vigiando… –
digo sem forças até para ter raiva.
Quando foi que eu comi hoje?
Acho que foi com a Lena, no café da
manhã. Nossa! Parece que faz um século
que a conheci! Lembro-me como deixei
John no chuveiro e da nossa noite
anterior.
O mundo gira ao meu redor e

sinto uma ânsia de vômito. Oh, Deus! Eu
quase disse que o amava!
– Para o carro!
Gabriel encosta na beira da
estrada, eu abro a porta e coloco a
cabeça para fora. Coloco para fora
apenas água e ácido gástrico, meu
estômago está vazio. Gab se estica no
banco e segura meu cabelo. Pego o
guardanapo que ele oferece.
– Pode continuar, estou melhor.
Reclino mais o banco e fico
olhando para céu estrelado. Tenho pena
das estrelas, estão mortas, mas não
sabem disso ainda.
– Não pretendo justificar o que
John fez, mas creio que ele não tinha
intenção de te vigiar, Elle. – Ele fala
com voz compassiva, como se quisesse
me tranquilizar.
Eu o ignoro, mas ele continua:
– John tem motivos suficientes
para ser preocupado com a segurança
e… Por mais que seja difícil para eu

admitir, ele tinha razão. Sem Michele, o
desfecho de hoje seria muito diferente.
Ele fala a última parte relutante.
Não deve ser fácil para Gabriel admitir
que não foi o herói do dia.
– Por que ela te chama de
Comandante?
Ele fecha a boca em uma linha
reta e aperta o volante com força. Ele
sabe o motivo!
– Antes de trabalhar para o John,
eu treinava novos seguranças. Apenas os
melhores, a elite, entrava no meu
programa. Meu apelido lá era
Comandante.
– O quê? – o sarcasmo pinga nas
minhas palavras – Existe uma
“Academia Hitman para Seguranças
Fodões”?
Gabriel não é apenas o melhor
segurança, ele era o mestre dos
melhores? O que o teria levado a sair da
“escola” e arriscar a própria vida
protegendo John? Gab sorri, mostrando

um pouco os dentes, como Lena pediu.
– Algo como isso, mas com um
nome melhor.
– Você lembra dela?
Michele parecia ter uma raiva
grande de Gabriel! A curiosidade me
consome enquanto ele fica pensativo.
– Não, o que é muito estranho.
Eu não esqueço fisionomias facilmente.
Ela com certeza lembra dele!
– Gabriel, você tem que ir.

– Eu não vou te deixar sozinha,
Helena. Está tarde, mas a gente pode
falar com o delegado agora e resolver
isto.
– Não! – me sento rapidamente e
a tontura volta a dominar – Eu não quero
perturbá-los mais do que já fiz. Sua
folga acaba hoje e eu preciso que você
cuide da segurança, não podemos nós
dois nos afastar. A Z é atrapalhada e
muito nova nisso, eu só confio em você,
Gab.

– Eu não vou te deixar aqui
sozinha! – ele fala decidido.
– Você não tem outra escolha.
Gab suspira alto, sabendo que
tenho razão. Todos os envolvidos estão
presos e voltarei para casa assim que
depor. Rapidamente chegamos à
pousada, é pequena como a cidade, sem
nenhum atrativo além de um café da
manhã moderadamente decente.
Ele desce do carro sozinho para
fazer o check-in. Fico esperando, não

demora muito para Gabriel voltar e me
carregar no colo até o quarto duplo. Ele
olha preocupado para o relógio. A porta
se abre e Michele entre com vários
sacos marrons de lanchonete na mão.
– O que ela está fazendo aqui? –
pergunto com raiva.
– Eu disse que não ia te deixar
só, Elle.
– Eu não vou ficar com esta
traidora.
Aponto para ela irritada.
Michele está encostada ao lado da
parede e só faz estourar uma bola de
chiclete em resposta.
– Você não tem outra escolha. –
Gabriel joga minhas próprias palavras
contra mim.
Merda! Ele pega a mala e lança
um olhar mortal para a Michele.
– Cuide bem dela ou eu vou
voltar e cuidar de você, entendeu? –
Gabriel diz antes de bater a porta.
– Ui, que medo! – ela debocha e
me entrega um dos sacos de comida.
Abro o pacote, sanduíche natural
com cream cheese, suco de uva e
croissants. É claro que ela sabe o que eu
gosto, tem me vigiado por meses.
Apesar da fome, hesito em comer, minha
vontade é de jogar na cara dela!
– Pode comer, Elle. Juro que não
tem veneno.
Ela se senta na outra cama e
começa a comer seu próprio jantar.
Como pode estar tão tranquila?

– Já que você não para de me
fuzilar com o olhar, eu vou logo explicar
– ela solta o sanduíche e eu começo a
comer o meu – Eu trabalho para a
mesma agência de segurança que o
Gabriel trabalhou, antes de virar
freelancer e ser exclusivo do Bob.
– Do Bob? O Gabriel trabalha
para o John!
– Hoje! Quatro anos atrás eu era
uma novata, mas me lembro bem. Foi
uma grande confusão quando o

empresário famoso conseguiu retirar o
melhor professor da Academia da
“aposentadoria”.
– Aposentadoria? O Gabriel
tinha o quê? Trinta anos, no máximo!
Ela dá de ombros e volta a
mastigar.
– Só sei que o Comandante era
lendário, foi segurança de pessoas
importantes. Poderosas. E de repente,
desistiu de tudo para virar professor.
Mas não qualquer um, aquele que

ensinava os melhores a serem melhores
ainda, entende o que quero dizer?
– Entendi, ele ainda é o cara –
Estou tão fascinada em ouvir algo sobre
o passado de Gabriel que até esqueço a
raiva que sinto dela. Quase – Você foi
aluna dele?
Sua expressão se fecha e uma
carranca toma forma em seu rosto.
– Não era boa o suficiente para
chegar perto do Comandante – Michele
bebe um gole do seu suco de laranja, por

um momento perdida em pensamentos –
E, quando eu fiquei boa, ele já tinha ido
embora.
Senti um certo ressentimento em
suas palavras. Talvez seja por isto que
ela tinha uma posição tão vitoriosa no
quarto dos meus pais, finalmente provou
o quão boa ela era.
– E onde eu entro nisto?
Termino o sanduíche e ataco os
croissants. Já me sinto bem melhor, a
tontura passou e meu estômago não está

mais rebelde.
– Assim que você alugou o
apartamento, John fez uma proposta de
aluguel irrecusável para o casal que
deveria ser seu vizinho. Além de
guarda-costas, eu sou hacker e ele me
contratou para cuidar de sua segurança.
– O que tem a ver o fato de você
ser hacker? – entendo assim que termino
de falar – Oh, meu Deus! Você estava me
vigiando através de câmeras? Quantas
tem dentro do meu apartamento? – grito.

Eu vou matar o John!
– Calma, Elle! Não tem dentro
do seu apartamento! Eu apenas hackeei
as câmeras do nosso prédio e o do seu
escritório, além da rua, supermercado e
todo lugar que você costuma frequentar
– ela fala como se não fosse grande
coisa – Depois, era só estar perto, sem
que você me percebesse.
– Apenas? Só? – pergunto
chocada.
Meu Deus! Não é à toa que ela

nunca me deixou chegar perto do seu
computador. Ando de um lado para o
outro do quarto, inquieta. É por isto que
ela sempre me assustava no corredor,
quando chegava depois de mim. Eu
estava sendo seguida o tempo todo!
– O John ficava me olhando pelo
computador também?
Me sinto enjoada novamente,
isso é tão doentio!
– É claro que não, Helena! – ela
se levanta indignada – Eu tenho ética

também!
Começo a rir de sua ousadia.
– Jura? E fingir ser minha amiga
é parte da sua “ética” no trabalho? –
faço aspas no ar com os dedos,
enfatizando minha raiva.
Ela me vira pelos ombros,
obrigando-me a encará-la.
– Não! Eu nunca pretendi virar
sua amiga, minha missão era te observar
de longe. Pensei que você era uma
bonequinha de luxo de um rockstar! Mas
eu vi seu sofrimento, Elle. A dor e o
trauma que você sentia estavam
estampados em seus olhos, ouvi seus
gritos durante a noite. Eu quis ser sua
amiga e o John não teve que me pagar
por isto.
Não sei o que é pior, ela virar
minha amiga por pena ou ser paga para
isto.
– Quer saber, Michele? Eu tive
um dia longo e estou cansada.
Pego a minha mochila, que

Gabriel deixou em cima da mesa, e me
tranco no banheiro. Checo o celular,
totalmente descarregado. Ótimo! Não
estou a fim de falar com ninguém. Me
enfio embaixo do chuveiro, não me
importo se a água está fria ou quente, eu
só queria que ela lavasse este dia
embora.

CAPÍTULO 34 – Eu
não quero ser sua
amiga
No dia seguinte, acordo com uma

dor de cabeça infernal. Ontem à noite,
durante o banho, percebi que não posso
me permitir ficar neste estado
melancólico em que me encontro. Virar

órfã, ter meu coração partido, ser
sequestrada e torturada não me
derrubaram. O que aconteceu ontem não
iria me destruir.
Dane-se John e Michele! Eu sou
Helena, responsável pela turnê da
famosa banda Jack Rock, modelo de
capa de CD, atriz de videoclipes. Ok...
Um videoclipe só, mas mesmo assim! Eu
posso ter momentos de fraquezas, mas
não sou fraca. Eu vou me reerguer.
Novamente.

Tomo um banho e visto meus
jeans. Com um elástico, prendo meu
cabelo em coque. Opa, isso não! Fica
parecido com o de um certo alguém.
Faço uma trança embutida que cai pelo
meu ombro direito. Óculos escuros para
esconder as olheiras e gloss para tirar a
aparência de fantasma.
Michelle me aguarda do lado de
fora do quarto. Ela está de calça social,
bota, camisa branca e blazer que marca
sua cintura. Com o cabelo preso e os
óculos escuros, parece a versão
feminina do Gabriel. A ignoro e vou
direto para o café da manhã.
Olho por cima do meu ombro,
ela está alguns passos atrás de mim.
– Você vai ficar me seguindo?
– É o meu trabalho.
– Eu vou pedir uma ordem de
restrição contra você.
Ela dá de ombros.
– Boa sorte com isto, estou aqui
para te proteger e não machucar. Por
favor, Elle, entenda! Você é minha
amiga!
Para de andar e a encaro de
frente:
– Eu não quero ser sua amiga!
Desisto do café da manhã.
Droga! Gabriel foi embora no carro,
como vou à delegacia agora? Michele,
sabendo o que procuro, balança a chave
do carro para mim.
– Quer carona?
– Não!
Prefiro chamar um táxi! Pego
meu celular da bolsa só para descobrir
que ele permanece descarregado.
Merda!
– Helena, quer parar de ser
criança? – ela fala com raiva – Que
teimosia! Eu não sei o porquê de John
ter escondido a minha contratação, isso
você vai ter que perguntar a ele. Mas, se
não fosse por isto, você, Gabriel e
Samantha estariam mortos agora. Isto
não conta para nada? Nós estamos do
mesmo lado! Do seu lado – ela enfatiza
a última frase.
Odeio quando as pessoas que
estou com raiva tem razão. Detona
minha moral! Ela destrava o carro e eu
entro.
– Obrigada por salvar nossas
vidas. – digo ainda contrariada.
– De nada.
Michele dá a partida no carro e
lembro-me de algo que tem me deixado
curiosa desde ontem.
– Como Gabriel me encontrou
ontem à noite?

Ninguém sabia onde eu estava!
Michele me olha por cima de seus
óculos escuros e sorri com o canto de
sua boca.
– Eu coloquei um rastreador em
seu celular.
– Filha da mãe!
Eu vou matar o John.
– Falando nisto, eu sugiro que
você volte a ligar seu celular.
– Vazou algo na mídia? –
pergunto preocupada.

– Não, mas John não para de
ligar e Chris surtou quando Gabriel
contou o que a mãe dele te disse.
Irei lidar com os dois
pessoalmente, não fugirei desta vez.
Na delegacia, o depoimento é
exaustivo. Eu não sabia muito do
esquema do meu pai, mas tive que
recontar tudo, desde o acidente, ao
encontro na boate – ocultei a parte que
eles me drogaram, não havia provas – a
tortura e o dia de ontem.

Isto tudo na frente d’O Delegado
que está mais soturno do que o normal.
Não sabia que isto era possível! Desta
vez, ele não me oferece um lugar para
morar como nos últimos dois encontros.
Não que eu fosse aceitar, a única coisa
boa n’O Delegado são os filhos dele.
Tento falar com Sam, mas não
consigo. A mãe a isolou do mundo. Do
mundo não, de mim. Não que eu a culpe,
eu sempre termino machucando todos
que se aproximam demais. De uma
forma ou de outra.
– O jatinho do Bob está vindo
nos buscar daqui a duas horas.
Me surpreendo com o anúncio de
Michele. Ele também não!
– O Bobby também sabia sobre
você?
– Não, Elle, John falou com ele
quando justificou sua ausência.
O ar de reprovação dela é mais
do que posso suportar. Não vou aguentar
passar duas horas com Michele sem
tentar esganá-la. Eu sei que no fundo ela

não é má pessoa, mas ainda não superei
ter sido enganada por meses. Pego o
meu celular da bolsa, só para lembrar
que ele está descarregado.
Droga!
– Vamos ao hospital.
– Você está passando mal? – ela
acelera em direção à praça principal.
De um lado é a igreja, ainda sem
o sino, e do outro o hospital. Assim que
chego lá, pergunto por David Junior, o
psicólogo. Espero vinte minutos na

recepção até que ele possa vir me
atender.
– Elle, o que houve?
– Eu preciso de um conselho,
DJ. – imploro – Por favor.
Ele balança a cabeça
concordando e diz para a atendente que
vai tirar uma pausa para o lanche. Eu o
acompanho à lanchonete do hospital e
aproveito para comer, não quero passar
mal de novo.
– Elle – ele fala desconfiado –

Não olha agora, mas tem uma mulher te
seguindo.
– Eu sei, também é sobre ela que
preciso conversar.
Conto tudo, derramo meu
coração e medos para ele. Não sei o
motivo, mas DJ me passa uma calma e
confiança. Sinto como se ele fosse uma
zona segura, livre de julgamentos e
consequências. DJ apenas me escuta, é
uma catarse para mim poder me abrir
com alguém que não esteja diretamente

envolvido.
Ele me ajuda a ver as coisas
sobre outra perspectiva, ele não é como
as cartas de tarô – palavras dele, não
minhas – que supostamente tem as
respostas para tudo. Ele também não é
meu psicólogo, é uma conversa entre
amigos em uma lanchonete. Porém, DJ
me ajuda a organizar meus pensamentos.
– Você já pensou em sair daqui,
DJ?
– Eu fiquei noivo – ele me

mostra a aliança, estava tão perdida que
não vi – Gosto da vida pacata daqui,
Elle.
Levanto-me com o coração e a
cabeça mais leves. Abro minha carteira
para pagar o nosso lanche e aproveito
para retirar o meu cartão de visitas.
– Obrigada, DJ, e parabéns pelo
noivado – entrego meu cartão a ele –
Guarde isto para quando a vida daqui
estiver pacata demais. Você poderia
fazer algum bem ao mundo do rock.

Com as loucuras do cotidiano,
pressões da mídia e problemas pessoais,
tenho certeza que a presença de DJ seria
útil.
Passo em uma floricultura e vou
à minha última parada: visitar mamãe e
papai. O cemitério está o mesmo, a vida
aqui literalmente para. Duas urnas lado
a lado por toda a eternidade.
– Acabou, papai – seco a
lágrima que escorre pelo meu rosto –
Eles estão presos. Todos foram presos.

Agora vocês podem descansar em paz, a
justiça será feita. Mamãe, algumas das
suas flores ainda estão lá, eu acho que
elas irão resistir até que alguém cuide
delas novamente, ok?
Fico sentada, rezando baixinho
por eles. Não sei quanto tempo passo
ali, em paz com eles, até que Michele
põe a mão em meu ombro.
– Está na hora de ir, Elle – ela
me observa compassiva – O jatinho
chegou.

Aceno concordando e vamos
juntas à pista de pouso. Ela paga um
motorista para devolver o carro alugado
e embarcamos no jato.
– Então, como isso funciona? –
digo apertando o cinto de segurança –
Você vai me acompanhar até o ônibus e
depois finalmente sai do meu pé?
– Ansiosa para se livrar de mim,
Elle? – ela faz bico com os lábios e
coloca a mão no coração – Assim você
me magoa!

Reviro os meus olhos para ela,
mas na verdade seguro a vontade de rir.
É difícil ter raiva quando Michele faz
uma expressão tão afetada.
Ligo os fones de ouvido e
aproveito para repassar a conversa que
tive com DJ. Não foi uma sessão
terapêutica, mas sinto como se tivesse
sido.
Estou voltando para a Jack Rock.
O que vou fazer a seguir?

CAPÍTULO 35 –
Retorno
Enquanto o jatinho está taxiando,

vejo pela janela que Bruno está parado
ao lado do carro, esperando por nós.
Com a mochila nas costas, me despeço
dos tripulantes e vou ao encontro de
dele.
– Boa noite, senhorita Helena.
Não repreendo o cumprimento
formal do Bruno, já me acostumei. Dos
seguranças, só o Gabriel me chama de
Elle.
– Boa noite, Bruno – viro-me
para Michele antes de entrar no carro –
Até nunca mais, Michele.
Michele faz um barulho de
deboche e entra também.
– Você não tem um outro avião
para pegar? – aponto para o saguão de
entrada – Outras pessoas para roubar a

privacidade?
Ela me empurra para o lado e
fecha a porta do carro.
– Ah, cala a boca, Elle. Deixa de
ser mal-agradecida e dramática!
Cruzo os braços, emburrada. É
tão chato quando as pessoas mostram
que estou sendo infantil. Principalmente
se elas tiverem razão.
O local do segundo show não é
tão grande quanto a arena do anterior,
mas ainda é impressionante. A

capacidade é para um público de
cinquenta mil, o que eu acho um ótimo
número. Quando nos aproximamos, vejo
diversas pessoas do lado de fora. Eles
vieram ouvir ao show, mesmo que não
possam estar lá dentro.
Bruno entra pelo portão de trás,
no acesso restrito aos funcionários e
estaciona ao lado do ônibus. “Façam
barulho para a Jack Rock!” Ed grita ao
microfone, não vejo o palco, mas sei
que eles estão entrando com as luzes
apagadas. Os berros e aplausos enchem
a noite de barulho, isto até que John
começa a cantar à capela.
A voz rouca me faz parar. Estou
com um pé no degrau do ônibus, outro
no chão. Jogo minha cabeça para trás e
aspiro o ar frio da noite. Sua voz penetra
em minha alma, incorporando em cada
poro do meu ser. Um pé no coração,
outro na razão.
Por que tudo tem que ser tão
difícil?
– Por que você não simplifica?

A voz de Michele me assusta e
acordo do transe que me encontrava. Eu
pensei em voz alta? Entro no ônibus ao
som das batidas de Kim e todo o resto
da Jack Rock.
– Você vai ficar aqui até quando?
– pergunto para Michele.
– Você não sabe? Isso que dá não
ligar o celular o dia inteiro! Eu sou a
nova adição aa Jack Rock, braço direito
de Gabriel.
Isso me faz olhar para ela

chocada.
– Você atirou nele! Como
Gabriel pode ter concordado com isto?
– Primeiro, eu estava mirando
em um ponto acima da cabeça dele. Se
eu tivesse atirado nele, eu acertaria.
Nunca duvide disso – ela levanta outro
dedo para pontuar seu argumento –
Segundo, ele está menos satisfeito do
que você. Acredite.
– Ah, eu acredito! – abro a porta
do andar inferior do ônibus – Venha, vou

te mostrar onde você vai dormir.
Michele fica no último beliche
vaga, é a de cima e mais perto do
banheiro. Quem sabe ela se incomoda o
suficiente para ir embora sozinha?
Percebo que o motorista da vez está
dormindo, iremos pegar a estrada assim
que o show acabar.
– Tem comida na cozinha, se
você tiver fome.
Eu podia estar chateada por ela
ter escondido a verdade de mim, mas

não a deixaria passar fome. Ok, talvez
eu não estivesse tão chateada com ela e
só quisesse segurar minha raiva mais um
pouco. Eu preciso que John entenda que
não pode tomar decisões importantes
como esta sem me falar.
– Ei, Elle – ela me mostra uma
bolsa marrom – Você esqueceu isto.
As joias da minha mãe! Eu
realmente tinha esquecido delas! Agarro
a bolsa com cuidado.
– Obrigada por tê-las guardado

por mim. – falo com sinceridade.
– Eu as guardei por gostar de
você, Elle. Não era minha obrigação.
Baixo a cabeça envergonhada
por ter sido grossa com ela o dia todo.
– Eu sei, boa noite.
Subo os degraus para me deparar
com um dilema. Cinco portas: quatro
quartos e um banheiro. Será que dá certo
eu dormir na banheira? Do jeito que
estou cansada, provavelmente farei isto
mesmo.

Enquanto a banheira enche de
água, eu assalto a geladeira à procura de
algo para comer. Faço um sanduíche
rápido de pão integral, queijo, salame e
verduras. Encontro uma garrafa de vinho
quase cheia e uma barra de chocolate.
Jantar dos deuses! Como o
sanduíche em pé, na pia. Agarro a
garrafa, o doce e me tranco no banheiro.
Jogo a mochila com as joias no chão,
amanhã decidirei o que fazer com elas.
Entro na água morna.

Hum... Banheira, vinho,
chocolate e Jack Rock cantando ao
fundo. Isto deveria ser adicionado ao
dicionário ao lado do significado de
paraíso. Eu podia estar com raiva de
John, mas ainda amava a música deles.
Deixo a sensação de calmaria tomar
conta de mim e me permito relaxar pela
primeira vez desde a viagem.
♪♫ ♥ ♪♫

O barulho dentro do ônibus me
acorda, são tantas vozes conversando
que tenho certeza que o show acabou.
Na minha bolsa, encontro minha última
peça de roupa limpa: um vestido
soltinho bordô acinturado e com gola
canoa. Terei que pegar o resto das
minhas coisas no quarto de John.
Abro a porta para me deparar
com toda a banda ao redor do bar,
comendo e bebendo. Eles estão suados e
animados, ainda na vibe do show.

– Elle!
Todos exclamam ao mesmo
tempo. De repente, me vejo cercada por
meus amigos, perguntando se eu preciso
de alguma coisa, como estou, como foi e
se Gabriel realmente se borrou nas
calças. Esta última pergunta foi do
Alysson. John não se aproxima, me
encara do outro lado da bancada.
Respondo todas as perguntas,
acalmando-os e garantindo que apesar
de ficar surpreso, o Godfather continua

com sua moral intacta. Quase, já que
Aly chorou de tanto rir quando
descobriu que ele precisou ser salvo. Eu
tive que bater duas vezes na cabeça dele
para que ele parasse.
Chris sussurra em meu ouvido:
– Eu preciso falar com você,
Elle.
– Eu sei, posso guardar minha
mochila no seu quarto? As joias da
minha mãe estão lá e não quero deixa-
las largadas no ônibus.

– Claro, não precisa perguntar.
O abraço e vou pegar a mochila
no banheiro, a coloco no armário de
Chris. Em cima da cama, o notebook
dele está ligado e escuto um ping de
nova mensagem. Tenho vontade de olhar,
descobrir o que ele esconde. Porém,
respeito sua privacidade, não gostei
quando soube que Michele invadiu a
minha, não faria o mesmo com o Chris.
Quando quiser que eu saiba, ele vai me
contar.

Checo as joias da mamãe. São
tão lindas! Ouro branco e amarelo,
cravejados de rubi, esmeraldas e
diamantes. Vermelho, verde e branco, as
cores favoritas dela. Pego um colar em
especial, uma corrente trançada de ouro
branco com um rubi em formato de gota.
Era o seu favorito, lindo e delicado
como a dona.
A primeira vez que mamãe o
usou foi no dia que ela nos mostrou o
esconderijo secreto. Lembro disso
porque ele brilhava cada vez que
refletia a luz solar. Parecia uma estrela
vermelha ao redor do seu pescoço.
Fecho a bolsa com as joias e as guardo
novamente. Amanhã serão avaliadas,
espero diminuir grande parte das
dívidas com a venda delas.
Saio do quarto para descobrir
que John foi o primeiro a entrar no
banho. Aproveito que os outros estão
distraídos comentando sobre o show e
me esgueiro para o quarto dele. Se eu
não tivesse adormecido na banheira,
teria resolvido isto enquanto ele estava
no show.
Droga! Deixei a mochila em
outro quarto e a mala é grande demais.
Opto por pegar apenas uns pares de
roupas e lingeries, amanhã decido onde
minhas coisas ficarão durante a turnê.
Escondo as calcinhas e sutiãs
entre as roupas, para ninguém ver, e
pego alguns outros itens. Coloco-os
todos em uma única pilha e me viro para
sair. Ao invés de encontrar a saída, me
deparo com um peito úmido de quem

acabou de sair do chuveiro:
– Nós precisamos conversar,
Helena.

CAPÍTULO 36 –
Conversas
A pilha de roupas que estava em

minhas mãos cai no chão. Droga! Ele se
abaixa e me ajuda a pegar os itens
caídos. John está apenas com a bermuda
do pijama, o cabelo úmido e o peito
brilhando do banho. Um filete de água
escorre do seu cabelo e cai no peito,
deixando uma trilha molhada em seu
tórax definido.
Ignore isto, ignore isto.
– Fugindo? – John pergunta
ainda agachado perto de mim.
– Não, isso se chama
autopreservação. Eu tive que lidar com
muita coisa nas últimas vinte e quatro
horas, John. Não sei quanto mais posso
aguentar.
Não quero falar com ele agora!
Posso dizer algo que eu vá me

arrepender depois.
– Você tem que me dar uma
chance de me explicar, Helena!
Sento-me no canto mais afastado
da cama, longe dele e aperto as roupas
contra o meu peito, parecem um escudo.
Uma armadura para o meu coração.
– Fale rápido. – controlo minha
voz, não quero que ele saiba que estou à
beira do precipício. Novamente.
Droga! Preciso conversar com o
DJ de novo. Ele foi o único que

conseguiu me trazer paz e discernimento.
Porém, ver o John e estar perto dele faz
com que todos os sentimentos voltem a
aflorar.
– Eu pensei que você iria morar
com o Chris, estar segura com ele.
Mas… – ele balança a cabeça indignado
– Você foi morar sozinha e ele permitiu!
Fico em pé em um pulo:
– Primeiro, eu não podia
continuar atrapalhando a vida do Chris!
Não era justo com ele e eu não estava

pronta para me envolver com ninguém. E
segundo, eu sou dona do meu próprio
nariz, emancipada, não preciso pedir a
permissão de ninguém!
John se aproxima, ficando
centímetros de distância de mim. Seus
olhos brilham de raiva ou frustração
contido.
– Você tem noção do perigo que
correu, Helena? E se eles tivessem
aparecido quando estava sozinha? – ele
gesticula nervoso – Mesmo Gabriel não

foi suficiente, porra! Eu queria te
proteger!
Empurro-o, fazendo John se
afastar de mim.
– Você não entende, John? Não
estou chateada pelo motivo de você ter
contratado a Michele e sim, por como!
Você a colocou para me vigiar sem meu
consentimento, eu confiei nela, achando
que era uma pessoa e era outra! É claro
que Michele me entendia tão bem, ela
sabia tudo sobre mim e eu fui a única

deixada às cegas! Os dois estavam
agindo como perseguidores!
– Não era assim!
Não era assim? Meu Deus, ele
ainda não entendeu!
– Não era assim??? – grito para
ele – Como você sabia que eu não tive
nada com o Chris? Ou qualquer outro
homem? Você me deixou sofrendo por
meses sozinha e não fez nada! – não
choro, mas minha voz me trai, mostrando
minhas emoções fora de controle – Me

diga, como você soube que meu prédio
estava cercado de fotógrafos?
No dia da estreia do clipe, antes
da que eu falasse para ele, John já
estava informado sobre a situação do
meu apartamento.
– Michele me disse, ela me ligou
quando não conseguiu falar com você
logo – ele mostra uma expressão de
culpa – E no dia seguinte ela também me
falou para te manter longe de lá.
No dia seguinte? Eu estava com

ele o tempo todo e…
– Mister M!
A rápida ligação do “Mr. M”
agora faz sentido, não é à toa que John
tinha certeza que a pessoa não falaria
nada para a imprensa! Por que ele não
me falou a verdade logo?
Um cansaço me consome, sinto
que toda a minha energia foi drenada.
Arrancada do meu ser e pisoteada por
ele.
Recolho minhas roupas e me

dirijo para a porta.
– Obrigada por ter contratado a
Michele. Ela salvou não apenas a minha
vida, como a de Sam e Gabriel.
Seus olhos estão vermelhos,
marejados. Eu desvio, não aguento vê-lo
sofrer. Eu não aguento mais sofrer.
– Você vai me deixar? – sua voz
tem um quê de derrota, sem traços de
sua sensualidade natural.
– Naquela noite, na sua varanda,
você disse que seria “melhor ainda”.

Por que você escondeu a Michele, John?
Teria sido “melhor ainda” se tivesse
sido honesto comigo. Eu preferia ter
ouvido a verdade de você e não dela.
Você esteve comigo todos esses dias e
nunca pensou em dizer nada, eu me
pergunto o que mais você seria capaz de
esconder de mim.
Eu me viro para abrir a porta e
ele segura meu braço.
– Você vai? – John se aproxima
mais de mim – Me deixar?

Passo a mão livre em seus
cabelos, sentindo a textura macia deles.
Depois, toco seu rosto, a palma da
minha mão em sua mandíbula, ele
inclina a cabeça em direção ao me
toque. Meu polegar desliza por seus
lábios e ele beija a ponta do meu dedo.
– Não sei, John – ele fecha os
olhos, saboreando os últimos momentos
do meu toque em seu rosto – Meu
coração quer te perdoar, mas a razão me
diz que eu preciso ter cuidado. Uma
relação é feita com duas pessoas, você
não pode continuar decidindo o que
quiser sozinho e achar que está tudo
bem.
Ele me solta e me encara com
seus olhos azuis acentuados pelo
vermelho que os rodeia.
– Leve o tempo que precisar,
Helena – John se inclina, seus lábios
tocam de leve minha bochecha em um
beijo delicado – Eu estarei esperando
você.
Na sala, Alysson me diz que

Chris está no quarto e Kim no banho.
Ele assiste alguma porcaria na televisão,
enquanto bebe vodca com gelo. Pego
outro copo na cozinha, encho de bebida
e afundo na poltrona ao lado dele.
– Péssimo dia, hein?
Tomo um gole da bebida, é forte
e me faz engasgar.
– Devagar, Elle – Alysson bate
nas minhas costas e ri – Desse jeito a
vodca vai parar no seu pulmão e não no
estômago.

– Engraçadinho! – digo com
sarcasmo, encaro mais um gole.
Talvez eu deva beber o
suficiente para que não sinta o gosto de
nada. Esse deve ser um bom plano,
beber até não ser capaz de pensar ou
sentir nada. Me anestesiar. Viro o copo
todo e minha garganta arde tanto que
enche meus olhos de lágrimas. Uau!
– Isso não resolve, sabe?
– O que não resolve? – pergunto
já enchendo o copo de novo.

– Você não vai achar a solução
dos seus problemas no fundo do copo.
– É isso o que você faz,
Alysson? Esconde seus problemas na
bebida e nas mulheres?
Me arrependo assim que faço a
pergunta. Minha intenção não era ser
hostil, mas as palavras saíram duras. A
intenção pode ser uma merda.
– Eu já amei e pensei que era
amado de volta, mas tudo não passou de
uma mentira. Eu não era suficiente bom

na época e ela não aceitou minha
família.
– Por que ela não aceitaria sua
família?
– Porque ela era uma pessoa
cruel e mesquinha. Eu vou deitar, estou
cansado.
Alysson vira o resto do copo e
se levanta, deixando-me sozinha com a
bebida e meus pensamentos. Troco o
copo pela garrafa de vodca e decido
beber o resto do gargalo mesmo. Viro a

cadeira para a estrada ao invés da
televisão e fico observando hipnotizada
o asfalto passar, enquanto ouço música.
Dessa vez, é Up in the air, do Thirty
Seconds to Mars:
“I've been up in the air
Out of my head
Stuck in a moment of emotion I
destroyed
Is this the end I feel?
Fucked up on life”[32]
Por que com John é sempre
assim? Eu não sei se sinto mais vontade
de bater nele ou beijá-lo!
“I'll wrap my hands around
your neck
So tight with love. Love”[33]
Bebo o resto da garrafa de
vodca. Não arde mais, acho que já estou
anestesiada. o que vou fazer agora? Eu
poderia simplificar as coisas como a
Michele sugeriu, talvez faça isto…
Tento me levantar para falar com
John, mas tudo gira ao meu redor e nada

no mundo faz muito sentido. Meia
garrafa de vodca é muito? Encosto
minha cabeça contra a janela fria e fecho
os olhos. Deixo que a voz de Jared Leto
me leve para outra dimensão, enquanto
decido o que fazer com John.
♪♫ ♥ ♪♫
– Elle? – Uma mão tira o cabelo

do meu rosto com delicadeza.
Abro os olhos para descobrir
que o mundo ainda está girando e o
balanço do ônibus não ajuda.
– Quanto tempo eu dormi?
Minha voz sai tão grogue que
nem eu a reconheço, a garrafa está vazia
em minhas mãos. Chris me observa com
a testa franzida em preocupação.
– Não muito, eu terminei de me
arrumar e vim te procurar. Você pretende
dormir aqui?
Na verdade, eu já estava dormindo até

ele me acordar...
– De jeito nenhum – Chris
estende a mão para mim – Venha, você
sempre terá um lugar ao meu lado, Elle.
Sabe disso!
Olho para a mão dele, mas ela
parece estar fazendo um semicírculo.
Demoro duas tentativas para conseguir
colocar a palma da minha mão na dele.
Fico em pé, mas o chão some e minha
visão nubla, quão bêbada eu estou?
– Estou tonta! – minha cabeça

pende para trás – Vou cair!
Mãos ágeis me seguram e Chris
me carrega em seu colo.
– Calma, eu te peguei, Elle! –
encosto minha cabeça ainda tonta em seu
peito – Eu vou cuidar de você.

CAPÍTULO 37 –
Chris
Chris me coloca com cuidado na

cama e ajeita o travesseiro para mim,
deixando-me confortável. Com ele
inclinado tão perto, seus cabelos caem
para frente, cobrindo parte do seu rosto.
Mesmo com a visão borrada pela
bebedeira, admiro sua beleza. Todas
elas, já que estou vendo uns dois a mais
dele.
A cabeça certa deve ser a do
meio, não é? Estico a mão e coloco uma
mecha errante atrás da orelha dele. Por
que não me apaixonei pelo Chris? Tudo
seria mais simples. Minha mão que
ainda estava atrás de sua orelha,
escorrega até o seu pescoço. Eu não
penso no que estou fazendo, apenas
faço: puxo sua cabeça em direção a
mim.

– Elle!
Silencio seu protesto com a
minha boca. Ele resiste por um segundo,
mas logo cede, beijando-me de volta.
Chris coloca uma mão na minha nuca e
envolve o outro braço ao redor da minha
cintura. Ele eleva meu tronco da cama,
enquanto se inclina mais sobre mim.
Sinto sua língua em meus lábios e abro a
boca, permitindo que ele aprofunde o
beijo.
Não pense em nada, Elle,

apenas sinta. Eu digo para mim mesma
quando mãos calejadas pela guitarra
apertam minha cintura. Não são as
mesmas mãos. Chris morde meu lábio
inferior. Não como o John. Minha pele
se arrepia, mas não por excitação, por
saber que isto é errado.
Chris me solta e se afasta um
pouco. Abro os olhos para encontrar um
par de olhos azuis me encarando de
volta.
– Eu não posso fazer isto, Elle.

Oh, Deus! O que eu fiz? Não
apenas me tornei uma traidora, como
também induzi o Chris a trair sua
namorada e amigo. Estúpida, estúpida!
– Chris, me desculpa, eu não
deveria ter te beijado.
Jogo os braços ao redor dos
meus olhos, envergonhada. Ele os puxa
com gentileza, fazendo-me encará-lo.
– E eu não deveria ter me
aproveitado de uma garota bêbada. Você
está bem?

Começo balançando para cima e
para baixo, dizendo que sim, mas
termino balançando-a para os lados, em
negação. Eu estou longe do que pode ser
considerado “bem”.
– Ei, ei – Chris se deita ao meu
lado e eu o abraço, descansando minha
cabeça em seu peito – Amanhã a gente
conversa com o John, ele vai entender.
Vocês vão se entender.
– Você me odeia, Chris?
– Por que eu te odiaria? – ele

alisa minhas costas, para cima e para
baixo.
– Porque eu só atrapalho sua
vida e estrago tudo.
– Gabriel me contou o que a
mamãe te disse, você sabe que ela não
pensa realmente aquilo.
– Eu vi O Delegado no dia
seguinte, ele foi mais formal que o
normal comigo. Parecia irritado e pronto
para se livrar de mim.
– E você esperava o que d’O

Delegado? Compaixão? – sua voz sai
irritada, como sempre acontece quando
o pai dele está envolvido. – Vamos
dormir, Elle – ele beija minha testa com
carinho – Amanhã será um novo dia.
Beijo seu peito, acima do
coração, e ficamos calados por um
tempo. Minha cabeça ainda gira, abro e
fechos os olhos, no limiar da
inconsciência. Em meio ao sono, minha
mente vaga para o beijo de segundos
atrás, Chris o parou antes de mim. Por

quê?
– Você ama a Laura?
Sua respiração para por um
segundo, assim como sua mão em
minhas costas. Espero por sua resposta,
afinal, se ele ama Laura, então quem é a
garota misteriosa? Continuo esperando,
mas se ele respondeu eu não sei, perco a
batalha contra o sono e tudo vira uma
escuridão.
♪♫ ♥ ♪♫
Um barulho me acorda. Ai, que

dor! Minha boca está seca e minha
cabeça parece ter pulsação própria de
tanto latejar. O corpo quente embaixo de
mim se mexe e reclama. Fecho os olhos
novamente e deito mais em seu peito,
aconchegando minha cabeça.
– Que porra é essa, Chris? Eu
sabia, eu sabia! Nunca devia ter
confiado nessa vagabunda!
Opa! O que está acontecendo?

Levanto a cabeça para me deparar com
uma Laura extremamente irritada na
porta do quarto. Oh, droga! Minha
cabeça ainda está uma parte anestesiada
pela bebida e a outra chorando de
ressaca.
Metade do meu corpo está
jogado em cima do Chris, minhas pernas
entrelaçadas às dele e meu vestido
subiu, deixando parte da minha bunda de
fora. Nada bom! Sento-me rapidamente
e o mundo gira ao meu redor, uma forte

vontade de vomitar sobe pela garganta.
Ah, não!
Fico em pé em um pulo, o que
não ajuda em nada minha ânsia. Laura
ainda está na porta, é melhor ela sair daí
ou vai ser nos pés dela mesmo! Não
consigo falar com a boca fechada, então
a empurro sem delicadeza para o lado e
corro para o banheiro. Ajoelho-me no
chão, colocando tudo para fora. Ainda
bem que deu tempo de chegar ao vaso
sanitário!

O barulho de gritos começa e de
repente o silêncio domina. Eu preciso
levantar e explicar para Laura que tudo
é um mal-entendido. Quase tudo. Tento
me levantar, mas não posso, a tontura
ainda me domina. Me assusto quando
sinto uma mão segurando meus cabelos.
– Deixa eu te ajudar, Elle. – Kim
prende meu cabelo em coque e limpa
meu rosto com um papel – Você está
com parecendo um lixo.
– Ótimo – digo cansada – Eu

estou me sentindo como um.
– Eu vou preparar um banho para
você.
Kim liga a torneira da banheira,
mas fico em pé com muito esforço.
Nunca mais bebo metade de uma garrafa
de vodca.
– Eu preciso falar com Laura,
explicar que nada aconteceu!
Kim fecha a porta do banheiro,
trancando-nos aqui.
– Não vai, não! Eles estão no
quarto por causa do isolamento acústico,
provavelmente discutindo, se quisessem
plateia ficariam na sala. O Chris explica
para ela e você para o John.
Ah, merda! Kim me ajuda a tirar
a roupa e entro na banheira. A água não
está morna, mas é melhor para me
despertar. Ela senta na borda da
banheira e usa o chuveirinho para lavar
meus cabelos. Conto para Kim tudo que
aconteceu desde a viagem, mas não falo
sobre o dia anterior, quando eu percebi

que podia amar o John.
– Você deveria contar a verdade
para ele. – ela fala.
– Que verdade?
Pergunto surpresa, já que eu não
tinha dito nada.
– Helena, é óbvio que vocês se
amam, qualquer um pode ver. Não sei se
é o orgulho, medo ou simples teimosia
que impede vocês dois de se declararem
de vez. Seja o que for, resolva rápido!
Kim pega minhas roupas que
ainda estavam dobradas no sofá, desde a
noite anterior. Quando eu finalmente
saio do banheiro, vejo Chris olhando
perdido pela janela. Agarro uma maçã
da bancada da cozinha e sento-me
calada ao lado dele. Após meia hora,
estou ponderando se levanto para jogar
o resto da fruta fora ou se espero ele
resolver falar.
– Laura foi embora – ele se vira
para mim com olhos perdidos – Ela
preferiu descer em qualquer lugar do

que ficar mais um minuto no ônibus.
Olho também pela janela, lojas e
prédios comerciais passam por nós.
Ainda bem que a rua parecia
movimentada, apesar da cidade ser
desconhecida.
– Como você está se sentindo?
– Aliviado. – ele soa perdido.
– Isto é ruim?
– Não, é confuso – Chris se
levanta e beija minha testa antes de sair
– Eu preciso resolver uma coisa. Te
vejo mais tarde.
– Ok, não esqueça que vocês têm
uma entrevista na hora do almoço.
– Certo.
Chris entra no quarto dele e eu
crio coragem para falar com John.
Respiro fundo e abro a porta só para
descobrir que está vazio, a cama feita.
Procuro nos outros quartos e ele não
está em lugar nenhum. Desço a escada
correndo e quase escorrego no final.
Michele, que está sentada à mesa

comendo café da manhã, me olha
surpresa:
– O que foi, Elle?
– Onde está o Gabriel? Preciso
falar com ele! – digo apressada.
– Ele saiu com o John de
madrugada.
– Como assim saíram? A gente
está na droga de um ônibus!
Bruno tenta me acalmar:
– Eles desceram na última
cidade, Gabriel garantiu que iriam
cumprir a agenda.
Merda! E agora onde será que o
John se meteu?


CAPÍTULO 38 – O dia
seguinte
O resto da manhã foi uma

porcaria, não consegui falar com
Gabriel ou John, não faço ideia de como
explicarei o sumiço dele na entrevista e
estou atolada de serviço acumulado.
Isabel resolveu só o básico dos shows,
mas a parte burocrática e as redes
sociais foram totalmente ignoradas.

Garota incompetente!
Estou com um humor dos
infernos e ainda tenho que mandar
alguém buscar os convites do
aniversário de John, que já estão prontos
na gráfica. Lá na nossa cidade! Resolvo
isso enquanto vejo o Twitter, o show de
ontem foi um sucesso, mas nada
comparado com o do primeiro dia.
A diferença entre os dois dias é
impressionante! O primeiro dia teve
trinta mil pessoas a mais, isso

influencia, é claro. Porém, o site do
concurso está cheio de mensagens sobre
o Trophy Husband e até o vestido que
Tony usou virou motivo de comentário.
Lembro-me que foi a Lena quem o
costurou.
Se Gabriel tivesse morrido, será
que ela ficaria triste, ou ele foi apenas
um caso de uma noite sem grande
importância? Afasto o pensamento, não
quero nem imaginar como eu teria
ficado. Assim que ele chegar, eu vou

abraçá-lo com força! Claro que logo em
seguida eu vou esganá-lo por
desaparecer com John sem deixar
rastros.
Aproveito a internet para
procurar a fantasia que usarei na festa de
aniversário, acontecerá no local que
marcou a juventude de John e Chris: a
boate do Sr. Barrilari. Eu não o conheço
ainda, mas John me contou um pouco
sobre ele. Enquanto John era menor de
idade, o Sr. Barrilari fingia que não

sabia que ele morava lá escondido.
Depois, ele o contratou como garçom e
cantor.
Arthur chegou lá como uma
criança perdida, Maria e o John fortão o
acolheram com a permissão do Sr.
Barrilari. Eles também o estimularam a
estudar e continuar cantando. Salvaram
não apenas a vida, como também o
futuro de John. E do Chris também, mas
este passou apenas alguns meses
morando lá antes de Bob descobrir os

dois.
Distraída em pensamentos, vejo
algo maravilhoso: a roupa perfeita! Esta
é minha fantasia e combina com a
loucura que tenho vivido nos últimos
dias. Olha só! Vem com acessório e
tudo! Clico em comprar, não tenho
dúvidas de qual vilã eu serei.
– Elle – uma resfolegante Isabel
sobe as escadas – Veja isto!
Ela liga a televisão via satélite e
coloca em um canal de fofoca. O

apresentador loiro que conheci na festa
de lançamento aparece na tela com uma
foto de Natasha sendo projetada em um
telão atrás dele:
“A grande notícia do dia é que
o país acaba de perder mais uma de
nossas belas estrelas! Ruim para nós,
melhor para a televisão mundial.
Acabamos de confirmar com nossa
correspondente na Inglaterra que a
querida Natasha foi contratada para
ser estrela de uma série de TV inglesa!

Será este o fim do amado casal Jona?
Veja agora uma retrospectiva da
carreira da atriz.”
Minhas mãos tremem quando
aperto no botão mudo. Filho da mãe! Por
um segundo, achei que ela tivesse
morrido. Z me entrega um copo de água
e eu tento respirar para me acalmar.
Isso é grande! Uma oportunidade
de terminar o falso namoro deles sem
causar tumulto na imprensa. Natasha é
uma boa pessoa, mas estou feliz que ela

vá embora, é o primeiro passo para ter
John só para mim.
Se ele ainda me quiser.
A perspectiva de ter John sem
restrição nenhuma renova minhas
esperanças. Eu sei que ele errou, mas eu
errei também. Quando eu conversei com
o DJ na lanchonete do hospital, ele me
fez perceber que eu compreendia a
preocupação de John, apesar de não
concordar com seu método. Nós dois
precisamos aprender muito, eu a ser

menos reativa e John a combinar antes
de agir por impulso.
Wanessa e Bruno sobem com
roupas e acessórios para todos. Me
troco no quarto de John. Aqui parece tão
triste sem ele... Aconteceu tanta coisa
desde a noite em que ele me acordou
com beijos, que parece ter sido séculos
atrás e não poucos dias.
Na sala, Wanessa passa pó para
reduzir a luminosidade da pele de Chris
e Alysson. Se não fizer isto, a pele deles

vai brilhar em frente às câmeras como
se tivessem um litro de óleo. Tento
conversar com o Chris enquanto ela
arruma Kim, mas ele não diz nada além
de: “estou feliz” e “eu ia terminar de
qualquer jeito”.
Ela separou para mim uma blusa
branca de manga longa e tecido fino com
um blazer marrom aberto. O scarpin
preto de salto alto me deixa quase da
altura do Chris. Reclamo que estou
formal demais e Wanessa revira os

olhos:
– Tenha paciência! – ela me
entrega pulseiras metálicas e brincos de
argola – Isso com a calça jeans skinny
vai quebrar a sua “formalidade” – ela
enfatiza a palavra fazendo aspas com as
mãos – Vai deixar eu trabalhar a minha
magia?
Hum… Tinha esquecido que
estou de jeans. Espero ela terminar de
me arrumar e me surpreendo com o
resultado. O cabelo solto, caindo em

grandes ondas e a maquiagem leve nos
olhos me dão um ar jovial, porém os
lábios vermelhos como rubis me deixam
sexy. Não acredito que minhas olheiras
de três noites sem dormir sumiram
totalmente!
– Você é minha fada madrinha! –
digo enquanto a abraço – Até cabelo
rosa tem.
– Ai, deixa de bobagem, vai
amassar tua roupa! – ela me afasta
envergonhada.

Ed nos avisa que estamos
entrando no estúdio. Após três shows
seguidos quase sem descanso, teríamos
uma semana de folga. O ônibus seguirá
sem a gente para a próxima parada e nós
voltaremos para casa no jatinho de
Bobby.
Faltam apenas cinco dias para o
aniversário de John e preciso checar se
a cerimonialista contratada tem tudo
pronto. Irei organizar isso, mesmo que
nosso relacionamento não continue. “Ele

é minha cura e meu veneno” foi o que
pensei quando o beijei pela primeira
vez, mas não é verdade! John é a cura
para os venenos que tentam destruir
minha vida e eu quero ser o mesmo para
ele.
Um é o “melhor ainda” do
outro.
Bem, meu plano parece perfeito,
mas tem um pequeno problema: John
permanece desaparecido e
incomunicável. A única coisa que me

tranquiliza é que Gabriel está com ele.
No estúdio, os produtores ficam
chateados ao saber que John não
comparecerá.
– Nós pagamos por uma
entrevista com a banda completa!
Estou no escritório com um
produtor ranzinza e uma apresentadora
chateada. Que maravilha! Eles têm
razão, pagaram uma pequena fortuna
pela oportunidade de entrevistá-los
durante um almoço. O que eu acho muito

esquisito, afinal, ninguém gostaria de ser
filmado com carne entre os dentes.
– Eu sei, mas podemos ressarcir
o valor referente à presença de John e…
– Por que ele não veio? – a
mulher coloca a mão no peito, como se
tivesse acabado de lembrar de alguma
coisa – Oh! É por causa da Natasha, não
é? Coitado, deve estar arrasado!
Abro a boca para negar quando
percebo que é a desculpa perfeita:
– Sim – imito o gesto dela e

coloco a mão no coração – Ele precisa
de um tempo para se recuperar, ou não
terá condições de cantar hoje.
A mulher suspira encantada com
a perspectiva de um John com coração
partido. Pela sua expressão sonhadora,
ela está se imaginando no lugar de
Natasha, capaz de quebrar o coração
dele. Ela também pode estar imaginando
se tem a chance de ser a próxima. Vadia!
Calma, Elle! Ela pode estar só
com fome e sonhando com o almoço que

vai comer daqui a pouco.
– Ah, aposto que o show de hoje
será emocionante!
– Tenho certeza que sim.
Principalmente se o John não
aparecer. O homem ainda me olha
irritado:
– Eu tenho uma programação
para quatro convidados, como vamos
resolver isto?
Olho para ele perdida, será que
o cara pensa que sou a “Jeannie é um
Gênio”, capaz de trazer o John aqui em
um passo de mágica?
– Eu já ofereci o ressarcimento
do valor pago, exceto isto, não há nada
que posso fazer.
A apresentadora me observa
astuta:
– Você pode ocupar o lugar dele
à mesa.
– Eu… O quê? – pergunto
totalmente assustada.
– Eu acho justo – o homem me
dá um sorriso nada reconfortante – O
vocalista pela primeira entrevista da
garota problema.
– Eu não sou problema! – elevo
minha voz. Quem esse cara pensa que é?
A apresentadora senta ao meu
lado e segura minha mão. Quando fala,
sua voz é suave, como se não se
quisesse assustar uma criança:
– Não se preocupe, Helena, a
gente combina as perguntas antes.
Oh, Deus! Se eu sobreviver, vou

matar o John! Ok, ok, sem pensamentos
homicidas, você não pode matar o
homem que ama. Eu amo o John? Ah,
pelo amor de Deus! Foco, Helena. Não é
hora de discutir com sua própria cabeça.
– Eu topo, se você só perguntar o
combinado.
– Temos um acordo.
Ela estende a mão para mim e eu
a aperto, concordando. Engulo em seco
e meu coração acelera, sinto como se
tivesse vendido minha alma ao diabo.


CAPÍTULO 39 –
Almoço com as estrelas
Wanessa retoca minha

maquiagem e discretamente me entrega
um calmante natural em comprimido. Eu
não tinha percebido que estava
tremendo. Nós combinamos que eu
entraria um pouco depois da Jack Rock,
como uma atração surpresa. Atração…
Estou me sentindo como alguma atração
bizarra de circo.
– Não se preocupe tanto.
Me assusto com Michele que se
senta ao meu lado.
– Eu não nasci para o estrelato,
Michele.
– Talvez sim, talvez não – ela dá
de ombros – Mas eu tenho te observado
de perto nos últimos meses – levanto
uma sobrancelha para ela, que me dá um
meio sorriso apologético – Ok, talvez eu

tenha te observado mais do que você
gostaria, mas era meu trabalho.
– E? – pergunto sem entender em
que ponto ela quer chegar.
– E eu vi você superar sozinha o
que aconteceu no chalé pouco tempo
depois da morte dos seus pais. Eu sei
que Chris, Gabriel e Kim te ajudaram,
mas você estava a maior parte do tempo
sozinha. Enquanto ajudava a manter uma
banda famosa no topo, curava um
coração partido e organizava uma turnê.

– Ainda não sei qual o seu ponto.
Michele me encara de frente,
olhando-me nos olhos:
– O meu ponto é que você é
forte, Elle! Nenhuma garota fraca teria
aguentado tudo sem realmente quebrar.
Você comanda a banda, roadies e
seguranças! Eu nunca vi o Comandante
seguir as ordens de ninguém como ele
faz com você, é inspirador!
Inspirador?
– Eu não mando no Gabriel. –

enfatizo a palavra.
– Exato! E isto que é inspirador,
você pode ser um ímã para problemas,
mas também é um ímã para as pessoas.
E este, Elle, é o segredo do verdadeiro
líder! Foi isto que Bob viu em você, o
seu carisma. Agora vá lá e conquiste
aquelas pessoas, vire o jogo ao seu
favor! Retire o poder das mãos do
informante!
Por um momento, penso que tudo
que ela falou não passou de baboseira

motivacional, porém, percebo que ela
pode ter razão.
– Obrigada, Michele – jogo
meus braços ao seu redor e a aperto –
Se eu superei, foi porque eu também te
tinha ao meu lado. Ok, talvez um pouco
mais do que eu queria, mas mesmo
assim…
Eu não vou guardar mágoa dela,
tinha problemas maiores para lidar. Um
ajudante me avisa que está na hora de
entrar no palco. Respiro fundo e aceno

para Michele, mas me lembro de um
detalhe:
– Como você sabia que o Bobby
viu algum potencial em mim?
– Elle, não se atenha aos
detalhes. – ela fala sério.
Eu preciso ter uma conversa
séria com ela sobre limites e vigilância
eletrônica. O homem aponta a passagem
para o palco. Showtime.
O programa é ao vivo, porém
sem plateia. O cenário tem cores claras

e delicadas, exceto o sofá, que é
vermelho vibrante. Parece uma sala de
estar, com um grande centro no meio
repleto de aperitivos gourmet.
Ainda bem que era em um
ambiente mais informal ao invés de uma
refeição sofisticada com trezentas
variações de talheres. Hum... Acho que
eu preciso fazer um curso de etiqueta no
futuro. Mas aqui não, Kim está sentada
em uma grande poltrona e descalça, com
as pernas dobradas embaixo dela. Ela ri

de algo que a apresentadora falou.
Aly e Chris estão sentados no
sofá, sorrindo e comendo pequenos
sanduíches. Mel olha para a câmera
antes de me anunciar:
– O almoço com as estrelas hoje
tem uma grande surpresa! Pela primeira
vez a misteriosa Helena, representante
da Jack Rock e musa do clipe Anjo, irá
dar uma entrevista para a imprensa!
Entro com a postura ereta,
sorrindo e exalando uma confiança que

eu não possuo. Ela se levanta para me
receber e beija meu rosto. Eu retribuo o
cumprimento e sento-me no sofá, ao lado
do Chris.
– Helena ou Elle? Qual nome
você prefere?
– Elle, Mel. Eu posso te chamar
de Mel? – pergunto sorrindo.
– Claro! Diga-me, de onde
surgiu este apelido?
Inicialmente, eu pretendia mentir,
mas a voz de Michele na minha cabeça
me impede. Uso o seu carisma e vire o
jogo. Tire o poder do informante.
– Quem me deu este apelido foi
Chris, quando eu nasci.
Mel abre a boca em choque,
atordoada, não foi a resposta que
combinamos. Sorry, meus planos
mudaram.
– Chris? – ela pergunta surpresa.
Chris se adianta e explica por
mim:
– Quando Helena nasceu, eu
tinha dois anos e não sabia falar direito,
então a chamava de Elle. Os pais dela
gostaram e de repente, todos a estavam
chamando assim.
– Até a gente a chama de Elle! –
Kim diz.
A apresentadora coloca suas
anotações em uma mesinha, percebendo
que o roteiro não seria seguido.
– Então você sempre trabalhou
para a Jack Rock?
– Nossa, não! Eu morava com
meus pais – pauso por um segundo,
pensando se entro ou não por este
caminho – Mas eles faleceram em um
acidente de carro...
Deixo a informação solta, não
preciso detalhar os fatos. Respiro fundo,
segurando minhas emoções e Mel me
olha compadecida.
– Sinto muito em ouvir isto, tão
nova e perder os pais assim, deve ter
sido difícil!
– Foi sim. Eu não sei o que seria

de mim, hoje, sem a Jack Rock.
– Você pode nos contar esta
história? – ela parece genuinamente
interessada.
Bebo um gole do suco de
laranja, ainda não toquei em nada da
comida que tinha à disposição. Eu não
quero ser filmada mastigando.
– Eu não tenho outros parentes e
na época, faltavam duas semanas para o
meu aniversário e emancipação. Eu iria
para algum abrigo do governo por ter

dezessete anos, porém Chris, me ajudou,
conseguiu minha guarda temporária –
meus olhos se enchem de lágrimas não
fingidas – Eu acho que eu nunca o
agradeci de verdade por isto.
Chris coloca a mão em meu
ombro e me entrega um lenço de papel
que estava na mesa. Seco as lágrimas
delicadamente, antes que elas realmente
tenham chance de cair.
– E não precisa, Elle! É para isto
que os amigos servem – ele se vira para

a apresentadora – Eu, Elle e minha irmã,
Sam, temos cuidado um do outro desde
pequenos.
Mel volta a colocar a mão no
peito, emocionada:
– Que lindo! Então a amizade é
verdadeira?
– Sempre – eu respondo – E não
foi apenas o Chris que me acolheu, foi a
Jack Rock inteira. Eles são como uma
família e eu me sinto parte dela.
– Eu acho que não apenas eu,
mas todos os espectadores estão tocados
com esta revelação! Mas e quanto ao
John e as especulações em torno de
vocês dois? Você pode nos falar sobre
isso?
Oh, Deus! Eu deveria ter feito
uma lista de perguntas proibidas. Bebo
outro gole de suco, decidindo o que
fazer. Dane-se! Eles terão a verdade.
Bem, a minha versão da
verdade...

CAPÍTULO 40 –
Minha verdade
– O John tem esse jeito sério,

mal-humorado, mas na verdade é uma
pessoa de grande coração – ela me olha
meio em dúvida e eu sorrio – A Clave
do Sol foi ideia dele e ela já está quase
pronta, prestes a acolher diversas
crianças que não tem um lar.
Mel balança a cabeça
concordando:
– Verdade, eu conheci e
contribui com este projeto. É uma
iniciativa muito bonita.
Alysson complementa:
– Sim, é. Nós todos apoiamos,
mas a ideia original foi de John.
– Logo depois que meus pais
morreram, eu precisava de algo para
ocupar minha mente e evitar a
depressão. Então, quando eu soube da
Clave de Sol, resolvi ajudar. A maioria
daquelas crianças são órfãs como eu,
porém não tiveram tanta sorte quanto eu.
Mel sorri satisfeita, ainda bem
que ela não percebeu que menti
descaradamente. Eu apoio a Clave de
Sol, mas só fiquei sabendo desta ONG
depois.
– Eu também descobri que John
tinha uma pilha de cartas não
respondidas de fãs...
Kim me interrompe:

– E quando ela diz “pilha”, ela
quer dizer uma garagem completa de
milhares de cartas acumuladas! John
consegue ser mais desorganizado do que
o Alysson. – ela diz rindo.
Aly solta o que estava comendo
e fala indignado:
– Eu não sou desorganizado –
ele encara a câmera – Eu sempre cuidei
bem das minhas fãs!
Todos começam a rir, incluindo a
apresentadora que diz:

– Ah, tenho certeza que elas
nunca reclamaram!
Lembro-me do “anjo” original
do clipe, aquela que saiu revoltada com
ele. Algumas podem não reclamar antes,
mas depois...
– Então o que você fez com as
cartas?
Cedo à fome e escolho a comida
com aparência mais normal: um tipo de
pãozinho com um patê marrom. Provo
um pedaço. É gostoso, apesar da

aparência sem graça.
– A banda inteira estava sendo
tão boa comigo, que eu quis retribuir o
favor. E a melhor forma que encontrei
foi através dos fãs, respondendo as
cartas deles. Afinal, o que seria da arte,
em qualquer forma que se apresente,
sem os fãs para a apreciarem? – olho
diretamente para a câmera – Tudo que a
Jack Rock faz é para o público! Para
cada um de vocês.
– Isto é excepcional, a banda

inteira está de parabéns. Mas você era
menor de idade?
– Sim, eu era! Por um pouco
mais de duzentas horas, já que faltavam
poucos dias para o meu aniversário.
– Só isto? – ela pergunta
impressionada.
– Sim! Depois que eu ajudei com
a Clave de Sol e as cartas, John
percebeu que uma ajuda seria bem-
vinda. Então, ele me contratou logo
depois do meu aniversário, quando eu já

estava emancipada.
– Mas as notícias que surgiram
após aquela entrevista e os vídeos...
– Especulações de uma imprensa
sensacionalista que não se preocupa em
confirmar os fatos antes de apresenta-los
ao público. – Chris fala chateado.
Balanço a cabeça concordando:
– Por isto decidimos conceder
esta entrevista, pois você é uma pessoa
que se preocupa com seu público e não
apenas com a audiência.
Ela sorri satisfeita. Seu ego está
inflado, será que esqueceu que eu quase
fui coagida a vir para suprir a falta de
John?
– Eu agradeço a confiança em
meu programa e espero que vocês
voltem sempre aqui – ela olha para a
câmera – Agora teremos um breve
intervalo e voltamos já com mais de
Elle e a Jack Rock.
A luz vermelha da câmera se
apaga e ela vira novamente para a gente.

– Vocês são perfeitos! – a
apresentadora fala extasiada – Essa
entrevista vai bombar! Desse jeito eu
vou conseguir meu programa no
domingo à noite!
– Que bom para você!
Michele aparece no canto do
estúdio, acenando para mim. Peço
licença e corro para ela, que me mostra
o Twitter no celular: #Elle, #JackRock e
#ElleeJackRock4Ever são trending
topics do país.

– Eu te disse que ia dar certo,
Elle! Agora só falta explicar os vídeos.
– Mais fácil falar do que fazer,
não é?
Ela me empurra em direção ao
palco:
– Deixa de frescura e arrasa com
eles!
– Ei – eu a puxo para um abraço
– Eu estava com saudades desse seu
jeito maluco e mandão. Você me
desculpa por ser uma chata?
Ela me abraça de volta:
– Só se você me desculpar por te
seguir, fingir que não sabia tudo sobre
sua vida, grampear seus telefones e
colocar rastreador neles, hackear seu
computador e as câmeras de vigilância
de todos os lugares que você ia. Ah! E
por quebrar o vaso da sua mesa.
– Você disse que foi sem querer!
– exclamo em choque.
Ela dá de ombros com desdém:
– Se você trocasse as flores,
descobriria a escuta. Só você para
trocar as flores de um vaso artificial!
– Você disse que não tinha
escutas na minha casa!
– Eu disse que não tinha
câmeras, nunca falei em escutas.
“Um minuto para entrar no
ar!” o contrarregra avisa.
– Essa conversa não acabou! –
volto contrariada para o sofá. Será que
existe algum detector de escuta?
– Elle, eu posso perguntar sobre
os vídeos? – Mel questiona.
– Sim, comece me perguntando
sobre o clipe, ok?
Ela balança a cabeça
concordando e nós voltamos para a
posição que estávamos antes.
– Voltamos com nosso “almoço
com as estrelas” especial! Hoje estamos
recebendo a famosa Jack Rock e sua
fascinante representante: Elle. Me
digam, de onde surgiu o single Real?,
que inspirou o clipe maravilhoso da

garota anjo?
Esta parte não sei, então espero
um deles responderem. Kim se adianta e
fala:
– Alex Bianco tem sido um
parceiro da banda desde o começo. Ele
é amigo do meu tio, Bob, e sempre
compôs para nós.
– E como ele é? Acho que nunca
ouvi falar dele antes.
– Ele é um poeta recluso,
daqueles artistas solitários – Chris
explica – Ele não gosta de muita
atenção.
– Entendo! E o anjo, a ideia do
clipe?
Desta vez é Alysson que
responde:
– Esta foi a visão do diretor
devido à letra da música, que sempre
fala de um “anjo”.
– E como você se tornou o rosto
do anjo, Elle? – ela me pergunta – Foi
uma decisão em conjunto ou você se
candidatou ao papel?
– Foi por acaso! No dia da
gravação, eu já trabalhava para o John e
nós tivemos um problema com a modelo
contratada. Estava toda a equipe, o
apoio e o cenário montados, mas não
tínhamos a modelo principal. Eu
encaixava no perfil e estava disponível,
foi simples assim!
– Que sorte! Tenho certeza que
nossas telespectadoras adorariam estar
no seu lugar – aceno concordando e ela

continua – E aquele vídeo controverso
de uma possível disputa entre Chris e
John?
– Como eu acabei de falar, o
Chris é meu amigo desde a infância! E
como ele já explicou na entrevista da
sua concorrente, ele pensou que
precisava me defender do John.
– E por que você achou isto,
Chris?
Ele dá de ombros e fala
casualmente:

– Helena é como uma irmã para
mim, tem sido assim desde que ela
nasceu. Eu acho que não estava
acostumado a vê-la como uma adulta
capaz de tomar suas próprias decisões.
Seguro a mão de Chris e a
aperto.
– Nós sempre cuidamos um do
outro e ele pensou que precisava me
defender do John, mas ele estava
enganado. Sim, eu me envolvi com John
na época do clipe, quando era sua

funcionária – falo em tom conspiratório
– Quem pode me culpar?
Ela começa a rir:
– Eu com certeza não! Eu
suponho que não tenha dado certo, já
que ele esteve com a Natasha nos
últimos meses.
– Eu tive que voltar para a minha
cidade, resolver alguns problemas. Nós
somos bons amigos hoje e eu adoro a
Natasha, todos sentimos muito pela sua
partida.

– É uma perda nossa, mas um
ganho para a televisão mundial! – Kim
fala.
– E como John está lidando com
a ida de Natasha para a Inglaterra?
– Nenhum homem consegue
realmente lidar com a perda da pessoa
amada, seja por morte, desilusão ou
partida. John apenas terá que aprender a
conviver com isto, Mel. É uma
experiência que pode tanto nos
fortalecer, quanto nos destruir de vez. –

Alysson surpreende a todos com sua
declaração – Não que eu saiba algo
sobre isso.
Kim ri, batendo na perna dele e
fazendo uma piada sobre a fama de
sedutor de Aly. Eu posso não saber o
que aconteceu com Alysson no passado,
mas Kim sabe. Olho para os dois
homens ao meu lado, já não bastava o
Chris me deixando curiosa, agora tem o
Alysson?
A conversa muda para a turnê e o

álbum novo. Maravilha! O assunto dos
vídeos e do meu caso com John foram
tratados com naturalidade. Retirando o
fator “proibido”, a notícia deixa de ser
sensacionalista. Só espero que o
informante não tenha ficado muito
tristinho de perder o pouco poder que
tinha.

CAPÍTULO 41 –
Retorno
Após a entrevista, o ônibus

segue direto para a casa de shows. Kim,
Aly e Chris vão passear enquanto checo
com Ed se as condições do palco estão
de acordo com o solicitado. Isabel me
atualiza com as novidades do Twitter e
do Bob: a repercussão foi positiva.
Sorrio satisfeita, eu realmente virei o
jogo ao meu favor.
Está tudo bem no palco e nos
bastidores, mas verifico a hora ainda
preocupada. Nada do John ou Gabriel
ainda! Isso está me deixando louca, não
consigo nem prestar atenção direito ao
que estou fazendo ou à banda que irá se
apresentar antes da Jack Rock. São
todos homens, com uma aparência punk
rock e estão fazendo a passagem de som.
O que farei se John não

aparecer? Cancelar o show de última
hora ou deixar o Chris assumir a
posição do John? Não, não! Ele vai
aparecer, não acredito que faria algo
para prejudicar a Jack Rock.
Eu espero estar certa! Não paro
de trabalhar, preciso ocupar minha
mente.
– Ei – Michele me puxa de volta
para o ônibus e me entrega uma
embalagem de comida chinesa – Você
tem que comer, já está anoitecendo.

– Obrigada – nós nos sentamos à
mesa, perto do janelão – Qual sua
fixação com comida, hein?
Ela dá de ombros:
– Nenhuma! Só não quero que
desmaie de fome, eu simplesmente
odiaria passar a noite com você em
algum hospital infestado de bactérias.
Kim e Aly, que já voltaram do
passeio, se juntam à nós com suas
próprias comidas. Eles enchem Michele
de perguntas. Ambos já a conheciam, é

claro, mas nenhum desconfiava de quem
ela realmente era. Ela conta histórias da
época em que o Gabriel era instrutor,
algumas nos impressionam, outras são
hilárias. Eu adoraria ter conhecido o
Gab na época que ele era o
Comandante!
Pelo menos, ela conseguiu
ocupar mais uma hora do dia e afastar
por um tempo da minha cabeça os
pensamentos de onde John poderia estar.
Wanessa me entrega o novo conjunto de

roupas para a noite: um short curto de
couro preto, com uma blusa de malha da
Jack Rock... Ah, não!
– Wanessa! Eu não vou vestir
uma camiseta que tem meu rosto nela!
– Mas é a do novo CD, não tenho
culpa se você está na capa – ela me olha
torto quando devolvo a roupa – Era para
ser piada, você usando seu próprio
rosto.
– Vou usar a minha velha mesmo!
Entro no quarto de John para
procurar minha camiseta, mas termino
olhando as roupas dele. Pode ser o
clichê que for, mas eu quero usar algo
dele hoje. Pego uma camiseta sem
mangas do Red Hot Chili Peppers. A
visto, colocando parte dela dentro do
short.
Procuro por minha jaqueta para
deixar o visual mais arrumado quando
encontro algo no meio do armário,
escondido entre as calças: uma pequena
bolsa de couro preta. Nunca a tinha visto

antes, é um pouco maior que uma
carteira masculina. Invado ou não a
privacidade dele?
Dou de ombros, não é como se
eu estivesse colocando escuta na casa
dele. A bolsa parece velha e meio
surrada. A seguro em minhas mãos e
uma foto cai dela. Um belo casal sorri, o
homem é alto e loiro com belos olhos
azuis, traços fortes, vestindo um terno
preto. Ela é delicada, com longos
cabelos castanhos escondidos

parcialmente por um véu de noiva. Suas
mãos estão entrelaçadas, exibindo a
aliança de casamento.
Há uma anotação no verso da
fotografia, escrito de caneta preta com
uma letra feminina: “Casamento de
Solange e Alessandro”. John – ou
melhor, Arthur – é a mistura perfeita do
pai italiano com a mãe latina. Não é à
toa que ele é tão bonito.
Lembro-me da ameaça de
Carlos: “você tem os olhos do seu pai e

o sorriso da sua mãe”. Sento-me na
cama, abraçando a foto com cuidado.
Onde está John? Por que ele não deu
notícias? Será que eu deveria chamar a
polícia? O show de abertura vai
começar daqui a pouco e não há sinal
dele ou de Gabriel.
Ah, John! O que quer que você
esteja fazendo agora, espero que esteja
bem e que não seja nada que não possa
ser consertado. Relutante, levanto-me e
calço minhas botas sem salto antes de

descer para o térreo do ônibus. Preciso
que Wanessa coloque uma quantidade
considerável de maquiagem para
esconder minhas olheiras. Após três
dias sem dormir direito, eu estou
parecendo um urso panda.
Assim que a maquiagem está
pronta e meu cabelo preso, Michele me
passa os fones bluetooth e a setlist. Ela
usa uma calça preta que define suas
pernas e uma blusa branca justa. Sua
jaqueta está jogada no sofá. Sem ela,

tanto os músculos de seus braços, quanto
o coldre de sua arma estão à mostra.
Este visual Lucy Liu em As
Panteras combina muito com a Michele
e eu não sou a única a achar isto.
Alysson para atrás dela e checa sua
bunda descaradamente. Tento não rir
enquanto coloco o fone no ouvido, mas a
expressão dele, com a boca aberta, é
cômica.
– Alysson, se você não sair daí,
eu juro que vai apanhar. – Michele

ameaça sem se virar para ele.
Gabriel surge no corredor do
ônibus em seu costumeiro terno:
– Algum problema aqui?
Ai, finalmente! Metralho o Gab
de perguntas:
– Onde está John? Como vocês
puderam sumir o dia inteiro? Por que
não ligaram? O que aconteceu? O que
fizeram hoje? Ele está bem? O que John
disse?
– Calma, Elle! Respira! Ele foi
tomar banho lá em cima, se arrumar e...
Não espero Gabriel terminar de
falar, vou correndo em direção à escada,
mas Gab segura meu braço:
– Elle, eu preciso falar com você
primeiro.
Balanço a cabeça concordando,
mas por dentro estou morrendo de medo
do que ele tem a dizer. Sigo Gabriel
para fora do ônibus. Andamos calados
até alcançar um dos camarins. Eu sento
no sofá e ele na poltrona, em frente a

mim.
– Elle, o que eu vou falar agora
vai exceder a minha função. Se depois
desta conversa você não se sentir mais à
vontade comigo, fale, que eu mesmo me
demito, entendeu? Mas eu preciso
conversar com você como conversei
com John mais cedo.
– Você está me assustando,
Gabriel.
– Antes de trabalhar para a Jack
Rock, eu havia aposentado minha

carreira de segurança particular e me
dedicava apenas ao treinamento de
novatos.
Balanço a cabeça concordando:
– Michele me contou sobre esta
“aposentadoria”, mas ela nunca disse o
porquê.
Gabriel comprime os lábios, em
um gesto irritado:
– O motivo não vem ao caso. Eu
vi John crescer de um garoto assustado a
um homem confiante que consegue
comandar um show com oitenta mil
pessoas. Ele é uma pessoa muito forte
que enfrentou desde pequeno o pior que
a vida podia jogar contra ele.
– Eu sei disso, Gabriel. Ele
superou tanto em seus vinte e quatro
anos de vida.
– Não, Elle, acho que você não
entende. Ele é forte e confiante com o
público e a banda, mas quando se trata
de sentimentos, ele ainda é aquele
garoto de dezenove anos perdido que eu

conheci. John jamais permitiu que
qualquer mulher se aproximasse dele,
que o conhecesse de verdade. Nem
mesmo você...
– Nem mesmo eu? Como assim?
– pergunto sem entender.
– Você ainda não o viu por
inteiro, Elle. John não é o melhor em se
comunicar por palavras, talvez você
devesse prestar atenção à música.
– Seja direto, Gabriel! Por favor,
não seja enigmático, o que você quer

dizer com isto?
Ele sorri com o canto da boca e
muda de assunto:
– John tentou te proteger do jeito
que achou melhor. Ele também se
considera uma ameaça, principalmente
depois que o padrasto foi solto. Eu não
estou justificando nada do que John fez e
também não sou fã da Michelle, mas
teria ficado mais tranquilo se eu
soubesse que ela estava lá para te
proteger.

– No início eu achei que ele fez
isso para me vigiar, eu não estava
pensando direito. Não depois de achar
que você tinha morrido, de ter sido
colocada para fora pela tia Beth, aquilo
foi como perder a mamãe de novo,
voltar para o lugar do acidente e…
Acho que foi demais para mim.
Os primeiros acordes da banda
de abertura começam a tocar, enchendo
o camarim de som. Gabriel se levanta e
volta a sentar ao meu lado, colocando

uma mão no meu ombro:
– Elle, vocês têm muito a
aprender, basta decidirem se vão fazer
isto juntos ou não.
– Obrigada, Gab. Eu já tinha
perdoado o John, apenas não tive a
oportunidade de dizer isto a ele –
suspiro triste – John falou algo sobre o
Chris?
– Ele viu vocês dois dormindo
juntos.
Escondo o meu rosto em minhas
mãos:
– Eu bebi e beijei o Chris, mas
não passou disso. Eu senti que aquilo
era errado, eu amo o Chris como a um
amigo, não deveria ter feito aquilo e…
– No fundo, Elle, o John sabe
disso.
– O que vocês fizeram? Por que
demoraram tanto?
– John sentou em um bar
qualquer e bebeu até quase desmaiar.
Quando o bar fechou, ele foi para um
hotel e bebeu um pouco mais. Eu tive
que chamar um médico e pedir que
aplicasse um soro glicosado para
recuperá-lo. Paguei um valor alto pela
discrição e o atendimento no quarto de
hotel.
– Foi isto que vocês fizeram o
dia todo?
– John estava debilitado demais
para viajar até aqui, já que descemos
duas cidades atrás. E quando eu
finalmente consegui resolver o problema

com o médico, a sua entrevista começou
na televisão e ficamos assistindo.
Depois, foi o tempo de o médico liberá-
lo e contratarmos um táxi para cá.
– Por que não me ligaram? Eu
fiquei preocupada!
– Ele não quis e eu respeitei a
sua vontade.
me levanto.
– Obrigada, Gabriel, por sempre
cuidar de nós. Você é como um anjo da
guarda, nosso herói pessoal. Eu preciso
falar com o John agora ou não
conseguirei até que o show acabe.
Alguém bate à porta e eu a abro
para encontrar uma Michele com uma
aparência preocupada.
– Elle, temos um problema.
O que foi agora? Será que eu não
mereço um momento de sossego?


CAPÍTULO 42 – Uma
canção para você
– Qual o problema, Michele?

Ela entra no camarim e fecha a
porta.
– O baterista da banda de hoje!
Eu estava aqui garantindo sua segurança
quando o pessoal da banda passou e…
– Por que você achou que

precisava garantir a segurança dela, se
Elle estava aqui comigo?
Michele ignora Gabriel e
continua a falar:
– Eu percebi marcas estranhas
no seu antebraço e fui verificar – ela
vira o tablet que tinha em mãos para a
gente – Ele é usuário de drogas.
Observo a tela, uma foto borrada
dele bebendo com os amigos. Seus
braços estão esticados, apontando para
o ar com uma garrafa de uísque na mão.

Na parte interna do seu cotovelo, várias
marcas roxas de perfurações são
visíveis. Droga!
– Como você conseguiu esta
foto? Não acredito que os olheiros não
viram isso! Bob me falou que eles
sempre procuram algo errado no
passado dos membros de cada banda,
para diminuir as chances de ter algum
problema futuro.
– Eu tenho meus meios! – ela diz
com o nariz em pé e Gabriel ri.

– Até uma criança de dez anos
consegue hackear o Facebook de alguém
e ver as fotos privadas. Não seja
pretensiosa, Michele.
Michele abre a boca incrédula e
os dois começam a discutir. Me
intrometo entre os dois.
– Vocês querem parar com esta
briga? Vocês são os melhores guarda-
costas, a partir de agora, irão trabalhar
juntos! Qualquer desavença que tenham,
resolvam!! Essa disputa pode

comprometer nossa segurança, ok?
Os dois dizem “ok” ao mesmo
tempo. Aponto para o Gabriel:
– Atualize Michele sobre o
esquema de segurança e a situação do
Carlos. Fiquem de olho no baterista, ele
já está no palco, duvido que cause algum
problema. Irei ligar para o Bob e
explicar o que você descobriu.
Minha intenção era correr para o
ônibus e ligar para o Bobby depois, mas
a obrigação fala mais alto. Paro um

pouco na lateral do palco para observar
o show. Eles são bons, o que é uma
pena, já que esta é uma banda que foi
bem cotada pelo público no site. Ainda
bem que não terá outra festa pós-show,
daqui será direto para o aeroporto.
Kim se encosta ao meu lado:
– Gostei do cantor, ele é gatinho.
– Gatinho como a Tony era? –
pergunto provocando-a. Eu percebi
como elas estavam dançando juntas.
Bem próximas.

– Ah, “gatinho” não é capaz de
definir a Tony – Kim se abana com a
mão – Ela é uma gata poderosa! Falando
nela, eu preciso comprar um batom preto
para mim também, combina tanto com as
ruivas!
– É? E deixa o beijo mais
gostoso?
Kim joga o braço ao redor do
meu pescoço e me puxa mais perto, para
falar em meu ouvido:
– Deixa eu te contar um segredo:

eu adoro um batom sabor uva! – ela
suspira alto, como se lembrasse de
alguma coisa.
Começo a rir do seu olhar
sonhador. Não sei o que ela e Tony
fizeram, mas tenho certeza que foi muito
bom.
– Você fica de olho aqui
enquanto eu vou ligar para o Bob do
ônibus? Preciso do isolamento acústico
de lá.
– Ok, pode deixar que eu não

vou tirar o olho dele.
– Dele só não, Kim! Eu quis
dizer da banda inteira!
– A banda inteira? Hum… Vou
levar isso como um desafio. – ela diz
rindo.
Subo as escadas apreensiva, com
meu coração acelerado. O ônibus está
vazio, apenas o motorista dorme. Será
que todos foram aos camarins enquanto
eu observava o show?
Com o barulho que a banda faz
no palco, eu preciso me trancar no
quarto do John para fazer a ligação. O
isolamento acústico me permite ouvir,
mas converso distraída com o Bobby,
meus pensamentos estão em John.
Ele está animado com a
entrevista que concedi hoje e a partida
de Natasha. Quanto à banda, se
realmente for boa, ele pode ver um
programa de desintoxicação. Porém, as
chances de um contrato são baixas.
Nunca é uma boa aposta oferecer mais

dinheiro a um artista com propensão ao
uso de drogas.
Bob fala sobre a repercussão na
mídia da entrevista e da turnê, as vendas
de itens da banda, CDs e downloads. A
Jack Rock está fazendo milhões em
produtos, a cada show ficam mais ricos.
Claro que boa parte deste dinheiro vai
para o Bobby e manutenção da própria
turnê, mas mesmo assim, o lucro é
impressionante.
Afasto a cortina e vejo a

movimentação do lado de fora. Como o
ônibus está estacionado nos fundos,
depois dos bastidores, não consigo
enxergar muita coisa.
Caramba, como o Bob fala!
Verifico o relógio e percebo que já se
passaram cinquenta minutos de
telefonema.
– Bobby, estou voltando amanhã,
prometo que passo no escritório para
atualizarmos tudo, ok?
– Ok, Elle! A gente se vê depois

da sua folga. Bom show e boa viagem.
– Obrigada e boa noite!
Coloco o telefone de volta no
bolso e assim que abro a porta, meus
sentidos são assaltados pelo barulho. A
Jack Rock já está cantando e eu perdi a
entrada deles! Volto para a lateral do
palco, Michele me informa que Gabriel
designou Bruno para ficar de olho na
outra banda, mas eles estão apenas
curtindo nos camarins.
John está com uma aparência

boa, ele canta e se movimenta no palco
com a energia de sempre. Gabriel foi o
herói de hoje, se ele não tivesse cuidado
de John, este show seria um fracasso.
Fico ali, escondida na penumbra,
observando o homem que me encantou
encantar milhares de pessoas.
Já na metade, Ed coloca os
banquinhos para Chris e John, depois
troca suas guitarras por violões. Kim e
Aly saem para beber água e apenas os
dois ficam no palco, iluminados por um

imenso holofote branco. Verifico a
setlist, é a vez da música “Real?”, o
single do anjo.
– Ei, Alysson – grito para ele –
O que está acontecendo?
– Eles vão cantar uma versão
acústica e uma música a mais, Elle.
Os dois começam a música e eu
fico hipnotizada por ela, como sempre.
Esta me lembra a versão original, que
parecia mais uma balada romântica. A
primeira vez que a ouvi, eles a cantaram

para mim na varanda da casa de Chris.
John fazia massagem em meus
pés e eu estava com a cabeça apoiada no
braço do Chris. Naquela noite, adormeci
ao som deles. Eu ainda não sabia, ou
não queria admitir, mas já estava atraída
por John. Para ser honesta, a verdade é
que eu já era fascinada por ele antes
mesmo de conhecê-lo. Bem, talvez pelo
John como artista e não como pessoa,
pois eu o achava um mulherengo
egocêntrico.

A canção termina e John fala ao
microfone:
– Eu gostaria de pedir licença a
vocês para cantar uma música que não
está na programação do show e não é do
nosso repertório – a plateia grita agitada
– Irei cantá-la para uma garota muito
especial não só para mim, mas para todo
a Jack Rock.
Ele olha para o canto do palco,
onde estou escondida e pisca um olho. O
público grita ainda mais, consigo

distinguir as perguntas: “quem é ela?”,
“Helena?”, “Elle?” e “Natasha?”. Ele
não responde, apenas começa a cantar:
“Look at the stars
Look how they shine for you[34]

Eu conheço essa música, é
Yellow, do Coldplay. Por que John a
escolheu?
I wrote a song for you
And all the things you do”[35]

O que foi que Gabriel disse

mesmo? “John não é o melhor em se
comunicar por palavras, talvez você
devesse prestar atenção à música.”
Ele sabia que John pretendia cantar
Yellow hoje?
“Do you know
You know I love you so?”[36]

Ele termina de cantar, a plateia
vai à loucura, assim como minha cabeça.
Minhas mãos estão trêmulas quando
pego o celular e faço uma rápida busca
na internet. Sinto como se meu coração
parasse de bater por um segundo.
Lembro-me da foto do casal feliz no
guarda-roupas de John. Isso não é
possível, é?
Procuro Gabriel e o seguro pelo
terno:
– O que você quis dizer no
camarim sobre “prestar atenção à
música”? Do que estava falando? – ele
fica calado – Fala!
– Eu já falei demais, Elle.
– Então me diga só uma coisa,
qual o nome completo dos pais de John?
E não tente negar, eu sei que você sabe!
– Solange e Alessandro Bianco,
Elle, satisfeita?
Eu o solto e volto a observar o
show, mas não presto atenção. Minha
mente corre, indo e vindo com músicas e
melodias. Como não percebi isso antes?


CAPÍTULO 43 – Real?
– Elle, você está bem? –

Michele me pergunta preocupada.
– Sim, eu só... Eu só preciso
deitar um minuto, ok? Estou sentindo
minha cabeça meio leve.
Michele me acompanha de volta
ao ônibus. Minha cabeça não está leve,
ao contrário disto, ela está pesada e
atordoada com tanta informação. Deito-

me na cama e coloco a música sobre o
anjo no modo repetir. De olhos
fechados, apenas escuto a canção:
“Real?
Vejo você na minha cabeça
Escuto sobre você dia e noite
E eu... eu sinto inveja dele
E eu... eu sinto ciúmes de você
Eu estou na escuridão, anjo

Eu estou esperando por você

Eu estou preso num fodido
pesadelo, anjo
Eu preciso de você
Nunca te vi... você é real?

Você pode ser real para mim?
É bom que seja, anjo

Por que eu sinto medo
É bom que seja, anjo
Por que eu sinto paixão
Eu estou na escuridão, anjo

Eu estou esperando por você
Eu estou preso num fodido
pesadelo, anjo
Eu preciso de você
Eu estava na escuridão
E como uma luz você veio me
salvar

Gritei por você dentro do
pesadelo
E você caminhou até mim
Você me encontrou, anjo

Me dê seu beijo doce
Doce como o mel de seus olhos
Me tire desta noite sem fim,
anjo

Você pode ser real para mim?
Eu estava na escuridão, anjo

Eu encontrei você
Eu estava preso num fodido
pesadelo, anjo
Até ter você

Você jamais pode ser real para
mim!
Mas você nunca me viu, anjo

Você não pertence a mim
Porque eu não sou real, anjo
Eu nunca serei ninguém sem ti
Eu estou condenado à
escuridão, anjo
Eu estarei sempre esperando

por você
Eu estou preso num eterno
pesadelo, anjo
Eu preciso de você

Você nunca me viu... eu sou
real?
Não importa, anjo
Nós jamais seremos reais!

Você é dele, anjo
Porque você nunca pertenceu a
mim.
Você é real, anjo!
Real...
Real...
Mas não para mim.”
Não sei quantas vezes ouvi a
música de novo e de novo. Lembro-me
do dia que John me contou sobre o
passado dele. Ele também me falou que

o Chris costumava contar histórias de
quando a gente era criança. E que,
muitas vezes, ao invés de ter os mesmos
pesadelos que o assombrava por anos,
ele sonhava comigo.
“Você era meu sonho, a menina
com olhos de mel. Eu queria tanto te
conhecer, mas eu tinha medo que a Elle
real fosse diferente da imaginária.”
Nossa! Eu não levei a sério, pensei que
fosse exagero. Mas não... Não com a
evidência tão clara para mim, não se ele

escreveu isto antes mesmo de me
conhecer.
Fico aqui ouvindo e relembrando
por uma hora, até que um suado John
entra pelo quarto. Seus olhos indo
diretamente para os meus.
– Você é Alex Bianco? –
pergunto.
John fecha a porta e pega uma
toalha pequena que estava em seu
ombro. Ele a passa no rosto, secando o
suor.

– Sim. – ele balança a cabeça
concordando.
– Você é o compositor da música
Real?
Ele se senta na cama, em frente a
mim.
– Entre outras músicas, sim.
Alessandro Bianco era o meu pai, eu
adotei o apelido dele como meu
heterônimo. O que não foi muito esperto
da minha parte, já que eu acho que isso
facilitou para o Carlos descobrir minha

identidade.
– Por que você nunca me disse,
John?
– Eu escrevi isso antes de te
conhecer, você não acha isso louco,
Helena? Eu acho e não quis te assustar.
Eu tinha um ideal de como seria te ter
comigo e um dia você finalmente veio e
bagunçou toda a minha vida. Na minha
cabeça, você era um anjo.
– E na vida real eu sou o quê?
Um demônio encarnado? – pergunto

emburrada. Sou tão ruim assim?
Ele começa a gargalhar e me
puxa para perto, beijando minha boca.
Jogo meus braços ao seu redor,
beijando-o de volta. John nos
interrompe e encosta sua testa à minha:
– Você é melhor do que o anjo
que eu idealizei, Helena. É uma mulher
linda, sexy, teimosa e corajosa. Você é
real, minha e eu te amo.
Meu coração se enche de alegria
ao ouvir estas palavras da boca dele.

Ele se declarar através de canções não é
o mesmo de realmente ter a coragem de
dizer as palavras.
– Você é a minha cura e meu
veneno, John. Aquele que me consome e
me completa ao mesmo tempo, o meu
“melhor ainda”, e eu também te amo.
Ele fecha os olhos, como se
saboreasse minhas palavras.
– Você poderia repetir isto?
– Que eu te amo?
– Tudo. – Seus olhos brilham
para mim e eu sorrio.
– Quer que eu transcreva e
assine? – falo brincando.
– Se for autenticada em cartório,
sim.
– Vou ver o que posso fazer. –
digo, antes de subir em seu colo e beijá-
lo.
Retiro sua camisa e a jogo no
chão, minhas mãos passeiam pelo seu
peito, indo direto para o cabelo e
puxando-o para trás. Mordo e chupo seu
pescoço, minha língua sentindo o
salgado de sua pele. John tira minha
camisa, ele usa a boca para provocar
meus mamilos por cima do meu sutiã de
renda.
Desabotoo a calça dele e o meu
short, mas é impossível tirar a roupa
comigo nesta posição. Eu me levanto,
ficando em pé contra o guarda roupa e
ele se ajoelha, suas mãos sobem pelas
minhas coxas. Ele segura o cós do meu
short e o desliza devagar para baixo,

beijando cada pedaço de pele exposta.
Sua barba arranha e me arrepia, eu
seguro em seus cabelos, usando-o como
apoio.
John me deixa quase nua, fico só
de botas e sutiã. Ele, ajoelhado no chão
e ainda vestindo a calça, olha para mim,
seu sorriso é sexy, cheio de promessas.
Meu sangue ferve, este homem
enigmático e sedutor é o meu
conquistador. Arrebatou meu coração
sem volta.

John abre ligeiramente as minhas
pernas e eu coloco uma por cima de seu
ombro. Ele sorri, seu rosto tão perto de
onde eu mais necessito dele que posso
sentir sua respiração.
E então, ele me ataca: primeiro a
língua, depois lábios e dentes.
Mordendo, chupando, excitando. Jogo
minha cabeça para trás, apoiando-a na
porta do armário. John mantém minha
perna estável em seu ombro com uma
mão, mas com a outra ele retira todo o

meu equilíbrio. Ele me penetra com seus
dedos, para dentro e para fora, de novo
e de novo, enquanto sua boca não para
de trabalhar sua magia.
Meus gemidos enchem o quarto.
John aumenta a velocidade. Seguro meus
seios, provocando a mim mesma. Esse
homem sabe fazer muito mais com a
boca do que cantar.
O ônibus dá uma guinada para
frente e eu desequilibro, passando por
cima de John que é jogado de costas

contra a lateral da cama. Por sorte, o
espaço é pequeno e a cama está próxima
o suficiente para eu cair de cara no
colchão. Escondo meu rosto no lençol e
começo a rir da queda bizarra, até
lembrar que o ônibus está a caminho do
aeroporto. Droga!
– John, temos que nos arrumar! –
falo já ficando de joelhos para levantar
da cama – Vamos pegar o avião daqui a
pouco.
De repente, seu peso me derruba

de volta na cama, ele cobre o meu corpo
com o seu. Humm... John segura meus
cabelos, puxando minha cabeça para
trás. Ele me beija, sua mão livre ao
redor do meu pescoço, ao mesmo tempo
que usa o joelho para afastar mais
minhas coxas.
– Calma, Helena, o avião não
vai partir sem a gente.
Sua mão desce da minha
garganta, passando pelos meus seios, até
alcançar entre minhas pernas. John eleva

um pouco o meu quadril e me penetra
rápido, sem muito aviso. Minha
respiração escapa em um suspiro e ele
aprofunda o beijo. John solta minha
cabeça para colocar as duas mãos na
minha cintura. Mais rápido, mais forte e
mais profundo.
– John! – eu o aviso.
– Isso, Helena, chame o meu
nome.
Ele acelera e eu repito seu nome:
“John”, ‘John’. O prazer me domina,

uma onda em espiral tomando conta do
meu corpo. Ele acelera o ritmo em busca
da própria libertação, enquanto prolonga
a minha. Jogo minha cabeça para trás e
grito por ele uma última vez.
Nós dois caímos exaustos na
cama, ele retira a camisinha e joga no
lixo.
– De onde você tirou a
camisinha tão rápido? – ele aponta para
calça jeans descartada no chão e eu
levanto minha sobrancelha – Sempre

preparado, não é?
John se deita na cama e me puxa
para cima de seu peito:
– Sim, ouvi falar que tem uma
morena que é louca por mim andando
pelos camarins.
– Ah, é? – monto em seus
quadris – Que eu saiba, ela te ama.
– Eu a amo também.
John puxa minha cabeça em sua
direção e me beija. Desta vez, devagar,
como se eu fosse um bem precioso. Com
um carinho que vai além da luxúria, com
um cuidado que vem do amor.
Interrompo o beijo, lembrando que não
terminamos de conversar.
– John, eu preciso te falar sobre
o Chris e ontem à noite.
– Ele veio falar comigo antes do
show. Todos nós erramos, Elle. Eu não
vou te condenar por um erro que já
cometi também. Duas vezes.
– Você está tão calmo sobre
isso... Não que eu esteja reclamando.

Me aninho mais em seus braços
e ele beija minha cabeça.
– Graças a Gabriel! Ele
conversou muito comigo ontem e hoje.
– Acho que ele merece um
aumento.
John sorri e concorda.
Mais uma função para adicionar
ao currículo do Gab: cupido.


CAPÍTULO 44 –
Especulações
Graças ao trânsito ao redor da

casa de shows, conseguimos chegar ao
aeroporto vestidos. A viagem durou a
noite toda e terminamos dormindo nas
poltronas do avião. Eles estavam
exaustos depois do show!
Eu fico no meu apartamento
quando voltamos para a cidade, apesar
dos protestos de John. Preciso ver como
estão as coisas aqui e resolver a venda
das joias. Não disse para Chris ou John
sobre isso, eles provavelmente seriam
contra e se ofereceriam para pagar a
dívida do meu pai. Novamente.
Após o almoço, Michele
descobre na internet o avaliador mais
confiável e vamos juntas negociar com
ele. A transação é tranquila e o valor
arrecadado, somado ao da venda da
casa, deve ser o suficiente para quitar

toda a dívida.
Apesar de ter vendido as joias
da mamãe, sinto meu coração mais leve.
Pagar a dívida do meu pai e limpar seu
nome é como retirar um grande peso e
fazer jus à sua memória.
Teve uma joia que me neguei a
vender: o colar trançado de prata com a
gota de rubi que mamãe usou no dia que
me mostrou o esconderijo secreto. Eu
preciso ter pelo menos esta lembrança
dela e do meu cantinho favorito.

De volta ao apartamento, o
porteiro me entrega um enorme pacote: a
fantasia da festa! Fico encantada com
ela, ao vivo é ainda mais bonita que a
foto da internet. Principalmente o
acessório! Balanço-o de um lado ao
outro, sentindo seu peso. Isso vai ser
divertido.
– Elle? – Michele chama minha
atenção.
– Sim? – pergunto ainda
distraída com meu brinquedo novo.

– Você olhou a internet hoje? –
nego com a cabeça, hoje é meu dia de
folga – E pela janela? Não olhou
também?
Largo a fantasia e corro para a
varanda. Assim que abro a cortina,
diversas câmeras são apontadas para
mim. Fecho novamente e me sento no
sofá atordoada.
– Mas... O quê? Por quê? Vazou
algum vídeo novo?
Droga! O que mais o informante

poderia ter contra mim? Pensei que tinha
me livrado disto.
– Ah, vazou sim, vários na
verdade – ela me mostra a tela do seu
celular – Mas todos são diferentes
ângulos da mesma coisa.
É o show de ontem à noite,
filmado pelo celular de um fã qualquer.
John pede licença para cantar uma
música que não é da banda para uma
garota especial, tanto para ele, quanto
para a Jack Rock. Depois, ele canta

Yellow, do Coldplay.
– Ele se declarou na frente na
frente de setenta mil pessoas, achou que
ninguém iria notar?
Na hora eu não pensei em nada,
minha cabeça estava focada apenas em
entender John e a letra da música.
– Por que eles demoraram tanto
para me encontrar aqui? Não tinha
ninguém quando saímos mais cedo.
Michele dá de ombros.
– Não sei, talvez só perceberam
que vocês não estavam no ônibus
quando ele chegou sem ninguém na
próxima cidade. A questão é que vocês
são notícia, alguns acham que foi uma
despedida dele para Natasha, mas a
maioria acredita que a música foi para
você. Não só a de Coldplay, mas
também a do anjo. E agora que eles te
viram na varanda...
Não vão sair tão cedo. Droga!
Ligo o televisor, os programas de fofoca
da tarde estão destrinchando a letra da

música "Real?" e comparando com o
que falei na entrevista.
– Sabe... Isto não é exatamente
ruim – Michele fala – Eles colocam
vocês como um amor platônico que pode
se tornar real. Só o fã clube da Natasha
está com raiva, quem liga para eles?
Largo o controle da televisão e
vou para o quarto pegar minhas coisas.
Como Michele disse, as notícias agora
são mais positivas, é melhor deixar a
mídia livre para fazer o que faz de

melhor: especular. Em algum momento
eles cansam e vão embora,
principalmente se eu não estiver aqui.
– Michele, me faz um favor? –
jogo meu celular para ela – Pede para
Gabriel vir nos buscar, nós vamos
passar um tempo na casa de John.
– Eu tenho que ir? – Michele faz
uma careta.
– Você pretende me proteger
daqui? – ela suspira alto e disca o
número de Gabriel – Ei – grito para ela

– Não esqueça de colocar a sua fantasia
na mala!
Ainda bem que não descobriram
a localização da mansão dele, ela será o
nosso santuário.
♪♫ ♥ ♪♫
Já se passaram quatro dias desde

que vim para a casa de John. Os
fotógrafos desistiram de acampar no
meu prédio ontem, mas resolvi ficar por
aqui mesmo. Afinal, o aniversário dele
está chegando e viajaremos amanhã.
Vamos usar novamente o jatinho
de Bob, já que ele vai também. Sem a
filha, claro! A #NiCadela não foi
convidada.
Eu queria buscar a Sam, ela
estava louca para conhecer o clube
noturno que acolheu o Chris na
adolescência. Porém, sem o apoio da
mãe, ele não tinha meios de convencer –
ou enganar – seu pai a deixá-la vir.

– Será que se você ligar para a
tia Beth, ela deixaria a Sam ir para a
festa?
Pergunto para John, já que no
meu aniversário foi ele quem conseguiu
trazê-la. John me abraça, estamos
assistindo a um filme de terror e
comendo pipoca na sala dele.
– Eu liguei para ela hoje de
manhã, mas desta vez não teve acordo, a
dona Elizabeth não quis me ouvir.
Eu já imaginava isto, mas fico

triste ao perceber que eles vão tentar
isolar a Sam de mim. Puxo o cobertor
para me manter aquecida e deito mais no
peito de John. Ficamos abraçados
juntos, assistindo ao filme até que
Gabriel nos interrompe:
– Com licença, mas o Chris me
ligou agora pedindo ajuda.
Eu e John nos levantamos em um
pulo.
– O que houve com ele? –
pergunto já pegando meu celular e

calçando o sapato – Ele está bem?
– Sim, só precisa ser resgatado
daquela lanchonete perto do apartamento
de vocês.
– Resgatado? Como assim? –
desta vez é John que pergunta.
– Várias fãs o cercaram e agora
ele está isolado dentro de um banheiro
esperando por mim.
– Eu vou com você.
– Não – Gabriel me para e
aponta para o sofá – Eu só vim avisar,
vocês ficam aqui com a Michele, eu e
Bruno vamos buscá-lo – tento
argumentar, mas ele me cala – É mais
seguro, Elle.
Apesar de relutante, termino
concordando. O que será que aconteceu?
Tanto Chris quanto eu sempre comemos
naquela lanchonete sem problemas. O
celular vibra em minha mão, dezenas de
mensagens no Twitter.
– Não acredito nisto!
– Em quê? – John olha por cima

do meu ombro.
– Chris postou no Twitter que
estava tomando o melhor café da cidade
e marcou a localização! Ele é louco?
John olha a tela de testa franzida:
– Não faz sentido! Por que ele
faria isto?
Esta é uma ótima pergunta! O
que levaria o Chris a divulgar sua
localização em um lugar público e sem
nenhum segurança por perto?


CAPÍTULO 45 –
Voltando ao passado
No dia seguinte, o jatinho estava

lotado com Bob, alguns executivos da
indústria fonográfica, a Jack Rock e
nosso trio segurança: Gabriel, Michele e
Bruno. Sento ao lado de Chris:
– Como você está?
– Não poderia estar melhor! –
Chris responde sorrindo.
A alegria dele é perceptível, uma
felicidade que só vi estampada em seu
rosto quando está em cima do palco.
– Você vai me contar o que tanto
esconde?
– Sim – ele passa o braço ao
redor do meu pescoço e me puxa para
beijar minha cabeça – Hoje à noite.
– Ah, Chris, deixa de besteira e
me fala logo tudo!
– O quê? E estragar a surpresa?
Cruzo os braços emburrada e

Chris começa a rir. Ele sabe que eu sou
curiosa e está fazendo isso de propósito!
– Você sabia que John era Alex
Bianco? – cochicho em seu ouvido.
– Sim, mas não era o meu
segredo para contar. Antes que você
pergunte, Kim e Alysson não sabem.
ficamos conversando sobre Sam,
nenhum de nós tem ideia do que fazer
para ajudá-la. Samantha sempre foi uma
garota de espírito livre, nunca ficou

presa em casa, não sei quanto tempo ela
vai aguentar.
Quando chegamos ao nosso
destino, fomos direto para o mesmo
hotel que ficamos da última vez.
Novamente, John escolhe quartos
contíguos para nós dois. O mesmo da
outra vez. Por mais que a maior parte da
mídia esteja a nosso favor, queremos dar
um tempo após o “término” do namoro
dele com Natasha antes de assumir
nosso relacionamento.

– Estas são para mim? –
pergunto enquanto sinto a maciez das
pétalas das rosas vermelhas.
John me abraça por trás e beija
meu pescoço.
– Sim, agora você sabe que são
um presente – sorrio, já que da outra vez
que estivemos aqui, ele me deu rosas,
mas eu pensei que faziam parte da
decoração do quarto – Vamos, quero que
você conheça o Sr. Barrilari.
Guardo minhas coisas no hotel e

vamos à boate com Chris. Ao
chegarmos, somos recebidos pelo
segurança fortão chamado John, que dá
um cumprimento de homem nos dois,
daqueles que só se bate no ombro. Já a
mim, ele abraça e pergunta se tenho
estado fora de problemas desde aquela
noite que os visitei. Sorrio meio
envergonhada. Problema é meu nome do
meio.
Eles entram e eu fico com Maria.
– Mi menina! – ela me dá um

abraço forte – Estava com saudades!
– Eu também, Maria! Me conte
todas as novidades.
– E gente velha tem novidade,
menina?
– E quem disse que a senhora é
velha?
– Ah, não venha me mimar, que
tenho espelho! Vamos, quero que
conheça alguém especial.
Ela me leva até um escritório
nos fundos. Lá dentro, John e Chris estão

conversando com um senhor de meia
idade. Ele passa a mão no seu cabelo
curto, mais grisalho do que loiro. Olhos
escuros e gentis focam em mim.
– Você deve ser a Helena. – ele
não pergunta, apenas constata.
– Eu mesma. – estendo a mão
para ele – Mas pode me chamar de Elle.
– Sim, Elle! Ouvi falar muito
sobre você. Só coisas boas, é claro –
ele fala em tom conspirador e aponta
com a cabeça para Maria – Acho que

você tem uma fã – sua expressão de
repente fica séria – Eu peço desculpas
pelo que aconteceu na última vez que
você esteve no meu bar, não aceitamos
violência contra as mulheres.
– Não precisa se desculpar,
aquele não foi um ataque aleatório.
Todos ficam calados por um
momento, lembrar da vez que fui
drogada corta a animação de qualquer
um.
– Ei – Chris bate nas costas dele,

em um gesto amigável – Hoje é dia de
festa, temos um aniversário para
comemorar.
Maria se aproxima de John e
coloca uma mão de cada lado do rosto
dele. Ela o puxa para baixo, para beijar
sua testa e fala chorosa:
– Mi menino está grande, já é um
homem. Você conseguiu, Arthur! Estou
tão orgulhosa de você, meu filho, sei que
sua mãe também teria ficado.
John comprime os lábios e

balança a cabeça concordando. Maria o
abraça, ele está de olhos fechados, com
o rosto parcialmente escondido no
ombro dela. Eu o observo com o
coração partido pelo menino que ele foi.
John a solta e pede licença, ele sai do
escritório como se o lugar estivesse
pegando fogo. Eu quero confortá-lo.
– É a porta no final do corredor,
depois da cozinha. – Chris sussurra em
meu ouvido.
– O quê?

– Onde o John está, Elle. Vá lá,
ele precisa de você.
– E se ele quiser um momento
sozinho? Não quero sufocá-lo.
– Não, ele já teve muito tempo
sozinho no passado, agora ele tem você
– Chris abre a porta e aponta o caminho
da cozinha – Esteja lá por ele.
Eu o abraço antes de sair.
– Chris, eu sempre vou estar
aqui para você também. Pode contar
comigo, nunca esqueça disso.

– Sei disso, Elle... Sempre
soube.
Sigo o caminho que Chris me
indicou, abro a porta devagar. O quarto
é pequeno, sem muito atrativo. Uma
escrivaninha no canto, um guarda roupa
marrom e uma cama no meio, todos de
madeira e desgastados. John está no
meio da cama, deitado em um lençol
florido desbotado, encarando o teto.
– Ei – deito-me ao seu lado, com
minha cabeça em seu ombro – Sabe o

que é legal sobre relacionamentos,
John?
– O quê? – ele pergunta.
– É ter alguém ao seu lado em
todos os momentos, é poder
compartilhar o bom e o mau.
Ele fica de lado, de frente para
mim, suas mãos acariciando meus
cabelos:
– Eu senti medo por tanto tempo
que esqueci o que era viver sem estar
apavorado, ter alguém que me

protegesse e cuidasse de mim. E foi isso
que Maria fez, John e o Sr. Barrilari me
deram a segurança física, mas Maria...
Ela...
John fecha os olhos, decidindo o
que falar.
– Ela foi uma mãe para você?
– Sim, quando eu tinha pesadelo
e ela ainda estava trabalhando na
cozinha, ela largava tudo lá e vinha ficar
comigo. Me ensinava canções em
espanhol até eu adormecer.

Uso meu polegar para secar uma
lágrima furtiva que escapa pelo rosto
dele.
– Como sua mãe fazia?
– Sim – John sorri com a
lembrança – A diferença é que minha
mãe era afinada – ele tenta fazer uma
piada, mas fecha os olhos novamente –
Eu gostava das músicas de Maria, não
fazia diferença se ela sabia cantar ou
não. Ela também me ensinava as tarefas
da escola, me ajudou a recuperar os

anos perdidos de estudo.
– E a família dela? Ela não tem
filhos?
– Não, Maria é sozinha, assim
como eu.
– Aí é que você se engana, John.
Depois que vocês se encontraram,
nenhum dos dois estiveram mais
sozinhos! E o que depender de mim –
beijo de leve sua boca – Nunca mais
estarão sozinhos novamente.
Ficamos ali abraçados,

relembrando o passado, no lugar que foi
o santuário tanto para John, quanto para
Chris. O quarto onde a Jack Rock
nasceu.
♪♫ ♥ ♪♫
De volta ao hotel, eu me arrumo

com Kim no quarto ao som de Shania
Twain: “Man! I Fell Like a Woman”.
Acho que virou nosso hino pré-festa.
Wanessa me ensinou a
maquiagem da noite: rosto com pó em
uma tonalidade mais clara que a minha,
olhos bem marcados com delineador e
batom vermelho. Kim me ajuda a
prender meu cabelo com grampos ao
redor da cabeça. Eu terei que usar uma
peruca loira com pontas coloridas de
vermelho.
– Essa peruca ficou perfeita! –
ela fala enquanto faz dois rabos de
cavalos e penteia a franja – É cabelo de
verdade, não é? Parece mais sedoso que
o meu!
– Pelo preço que custou, espero
que seja!
Kim balança os próprios
cabelos, que já estão arrumados em
longas mechas vermelhas onduladas nas
pontas.
– Por isso que eu prefiro o meu:
lindo, ruivo e maravilhoso – ela analisa
o resultado do meu cabelo – Sabe, você
fica bem loira!
Olho-me no espelho: meia-calça
de cores diferentes, uma azul com

losangos vermelhos e outra com essas
cores trocadas com botas de cano longo
pretas. O corpete underbust de couro
preto com renda branca nas pontas
marca toda minha silhueta e é tão
apertado, que tenho a impressão que
meus peitos vão pular a qualquer
segundo.
As mangas são brancas e
bufantes, presas uma na outra na altura
do colo com duas tiras de tecido e uma
argola no meio. Aliás, o traje todo é
decorado com pequenas argolas e
tachinhas. A saia de três camadas é feita
no mesmo tecido do corpete, tão curta
que eu me sentiria nua se não fosse a
meia-calça. Protetores de braço também
em couro preto com renda nas bordas
cobrem todo meu antebraço.
Quase toda minha pele está
coberta, exceto pelo meu rosto, o topo
dos meus seios, minhas mãos e uma
pequena parte do meu braço, entre o fim
do protetor e as mangas. Mesmo toda
vestida, a roupa justa e provocante
modela todo o meu corpo. Nunca me
senti tão sexy! Seguro o bastão pesado
de madeira com detalhes em vermelho e
preto, acessório indispensável desta
vilã... Sexy e poderosa!
Kim termina de colar um
apliques verdes nas sobrancelhas, eles
vão até sua testa e parecem folhas vivas.
Seu vestido verde curto é tomara-que-
caia e coberto de folhagens. Suas pernas
brilham com uma meia-calça
transparente e sapatos de salto altíssimo.
Ela está uma Hera Venenosa fatal.

– Você vai andar com este bastão
a festa toda? – ela tenta franzir a
sobrancelha para mim, mas o aplique na
sobrancelha não deixa.
Prendo o bastão, que mais
parece um taco de beisebol enfeitado,
em um cinto de couro feito sob medida
para ele.
– Sim! Agora vamos ver que
heróis os rapazes escolheram.
Estou ansiosa para saber qual
fantasia John vai usar esta noite!


CAPÍTULO 46 –
Fantasias
Abro a porta que separa o meu

quarto do de John, mas não o vejo. O
lugar parece sinistro com as luzes
apagadas. Apenas a do banheiro
permanece acessa, mas ele também não
está lá. As portas da varanda estão
abertas, deixando entrar o ar da noite e a
luz do luar. O vento balança as cortinas.

– John? – olho ao redor
cautelosa, me aproximando devagar,
com o meu bastão em mãos – Você está
aqui?
Há uma sombra enorme, toda
vestida de preto, escondida no canto da
varanda. Meu coração acelera, quem é
este? Levanto o taco pronta para atacar,
mas ele se vira rapidamente e eu grito. A
mão forte segura o bastão antes que eu
desfira o golpe e em três segundos,
Michele e Gabriel estão no quarto com
as armas em punho.
– Calma, gente! – John tira o
taco da minha mão – Eu só estava
olhando o movimento da rua! – ele
coloca uma mão no meu ombro –
Respira, Helena.
– Você quase me mata de susto! –
bato em seu peito, mas o que dói é
minha mão. Essa fantasia dele é feita de
quê? Aço com borracha? Finalmente, me
acalmo o suficiente para ver o que todos
estão vestindo.
Gabriel está com calça cargo e

botas de combate. Sua camisa igual é à
do Justiceiro: com uma enorme cabeça
de caveira estampada. Ele guarda a
arma novamente no coldre, escondido
pelo sobretudo de couro preto que chega
aos seus pés.
Cara, os roteiristas de
quadrinhos adoram couro, hein? Michele
também está estonteante com uma roupa
toda em couro preto. Calça
extremamente justa, cintura baixa e um
cinto grosso.

As laterais de seu quadril estão à
mostra pelo collant preto cavado. Uma
blusa curta também de couro e com zíper
frontal aberto na altura dos seios deixa a
roupa um pouco mais decente. Ela usa
dois coldres, um de cada lado do seu
quadril, presos ao cinto. O cabelo está
preso em um rabo de cavalo curto e ela
usa luvas pretas para completar o visual.
– Quem você deveria ser?
Michele guarda a arma no coldre
da direita:

– Eu sou a doppelgänger do mal
da Lara Croft, é claro! – nós três a
olhamos com uma cara de interrogação,
eu não lembro de ter visto uma gêmea do
mal da Lara! Eu nunca adivinharia esta
fantasia!
Ela dá de ombros.
– É do Underworld, não é meu
game favorito e nem muito conhecido.
Porém, foi a única vilã que anda armada
que eu consegui pensar!
– Outra fã de Tomb Raider? –

Gabriel franze a testa – Acho que vou
ter que dar uma olhada neste jogo.
Ué, quem será a outra pessoa que
é fã deste game? Michele cruza os
braços e Gabriel levanta uma
sobrancelha para ela. Será que esses
dois nunca vão se entender? Talvez o
problema é que eles sejam muito
parecidos e com o gênio forte, até
tiveram a mesma ideia de usar
personagens que andam armados!
– Já que está tudo bem aqui,

estamos aguardando do lado de fora. –
Gabriel diz e se retira junto com
Michele.
Agora que o susto passou, posso
admirar o John. A sombra que eu tinha
visto antes era ele de costas com a capa
de couro. Com a quantidade de
convidados vestidos de heróis e vilãs
que temos, espero que todos estejam
usando roupas de couro sintético ou o
PETA irá protestar contra esta festa.
John está vestido de Batman,

com apenas a boca e os olhos à mostra.
Pode ter Batman de barba e olhos azuis?
Ah, ele pode ser quem ele quiser!
– Há algum risco do FBI
aparecer aqui procurando um traje
roubado de Hollywood?
O canto da boca de John se
levanta em um meio sorriso, mas estou
falando sério. A roupa dele é tão
realística que parece saída das telas do
cinema. Bato com o punho fechado no
peitoral definido, o material é bem

resistente. A roupa define todos os
músculos do seu corpo. Até demais.
– Helena, posso saber por que
você está encarando minha virilha?
– Eu não sou ciumenta, mas…
Caramba, John! Você não acha que está
definindo demais o tamanho dos seus…
– aponto para o meio das pernas dele –
Documentos?
– Documentos? – ele começa a
gargalhar e me puxa para perto rindo –
Ah, Helena, só você mesmo para dizer

uma coisa dessas! Pelo menos meus
“documentos” estão escondidos em uma
roupa toda preta, pior é o Chris.
– O que tem o Chris? Vocês
compraram as fantasias juntos?
– Sim, você vai ver a dele.
Primeiro, eu quero ver a sua direito.
Faço um giro ao redor de mim
mesma, mostrando a fantasia toda para
ele. Pego meu bastão que ainda estava
em suas mãos e o apoio em meu ombro.
Estouro uma bola do chiclete que quase

engoli quando gritei.
– Então, você é uma menina má?
–sua voz sai rouca, se aproximando de
mim como uma ameaça. Balanço minha
cabeça concordando.
– Muito má! – com a mão livre
enrolo as pontas do meu falso cabelo.
– Acho que vou ter que te dar
uma lição, não é? Eu prefiro morenas,
mas posso abrir uma exceção para você.
Pressiono a ponta do taco contra
seu peito.

– Nada disso, Batman! A
Arlequina não se entrega fácil.
Me distraio por um momento
com seu sorriso predador. Em dois
segundos, o bastão da Arlequina está no
chão e eu estou pressionada contra a
parede. Isso me lembra meses atrás,
ficamos juntos ao nascer do sol nesta
mesma varanda.
John me beija, sua língua
invadindo minha boca com paixão.
Passo meus braços ao redor dos seus

ombros, é tão estranho não tocar em seus
cabelos! Ele é todo músculos, couro e
borracha, minhas mãos deslizam no
material liso. John levanta minha saia e
me provoca por cima da meia.
– Por que, Helena? – ele fala de
repente – Por que só eu conheço o sabor
da sua boca?
John repete a pergunta que fez
tantos meses atrás.
– Porque eu quis assim – começo
dizendo mesma resposta de antes e

enrolo minhas pernas ao redor do seu
quadril – E porque eu te amo.
Ele me beija novamente e suas
mãos vão direto para os meus seios,
John afasta a parte superior do corpete
para o lado. O couro áspero de sua luva
é uma provocação a mais, minha boca se
abre em um gemido mudo e John
aproveita para aprofundar o beijo.
Tento tocar nele, mas não
consigo. Droga de tecido resistente!
Deve ser por isso que o Batman vive em

um humor sombrio, com esta roupa
nunca consegue dar uns amassos nas
mocinhas que salva! Estou pensando no
que fazer quando batidas na porta chama
nossa atenção.
– Dá para largar a pegação aí?
Eu não me arrumei toda para ficar no
quarto esperando vocês dois!
Kim grita através da porta.
Começo a rir porque ela tem razão.
Abro a porta para encontrar uma sexy
Hera Venenosa já com o pó e o batom

em mãos. Kim me ajuda a retocar a
maquiagem e vamos ao saguão do hotel
esperar pelos outros.
Ao saírmos do elevador, nós três
paramos e observamos Aly de boca
aberta. Ele está usando um tipo de saia
grossa vermelha, presa na cintura por
dois cintos marrons e com várias tiras
largas de couro caindo ao logo do
tecido.
Um dos seus braços está coberto
por uma manga feita totalmente de

argolas de ferro, como se fosse uma
armadura presa no seu tórax por um tipo
de cinto de couro com fivela que
transpassa seu peito nu. De acessório,
ele tem uma espada reluzente de prata,
presa em sua cintura por uma proteção
de couro e ferro.
– Você está usando uma peruca!
– aponto para o cabelo negro assanhado
que cai por seu ombro.
– Ué, você também!
– E quem você deveria ser? O

Tarzan Medieval?
– Não – ele estufa o peito e
segura a espada – Eu sou Conan: o
Bárbaro.
Eu, Kim e John tentamos segurar
o riso, mas é impossível. Aly é bonito,
tem um corpo definido, mas está muito
longe de ser um padrão Conan.
– Você está muito subnutrido
para ser um Bárbaro, não?
Aly levanta o dedo do meio para
o Chris que está saindo do elevador. Eu

e Kim paramos nossa risada quando
vemos o que ele está vestindo. Oh,
Deus! Depois do comentário de John,
meu olho vai direto para a virilha dele.
Realmente, a dele está bem mais em
evidência.
– Eu acho melhor deixar um
segurança só ao lado dele – Kim
cochicha no meu ouvido – As mulheres
vão tentar arrancar um pedaço do Chris.
A fantasia de Chris é tão realística

quanto a de John, porém a dele é um
collant azul muito justo, definindo seus
músculos e uma “cueca” vermelha com
cima. O contraste das duas cores na
roupa apertada deixa o homem de aço
dele muito destacado. Estou pensando
em mudar a posição das capas dos dois!
Cobrir a frente ao invés das costas, eles
vão causar uma comoção vestidos deste
jeito.
Michele chega, observa a roupa
de cada um de nós e suspira alto:
Arlequina, Batman, Super-Homem, Hera
Venenosa e Conan: O bárbaro.
– Vocês não facilitam o nosso
trabalho!
John guarda o celular no cinto de
utilidades. Sim, ele tinha um destes!
Muito prático para guardar o meu batom
e o celular também.
– Você tem que se preocupar só
com a Elle. Os seguranças cuidam do
resto.
– Ei! – Kim protesta – Eu não
sou resto.

Sussurro no ouvido de John:
– E nem você é!
De nós dois, o único que precisa
se preocupar com a segurança é ele.


CAPÍTULO 47 – A
Festa
O trânsito para chegar ao clube

está terrível, a fila de carros é imensa.
São mil e quinhentos convidados, várias
celebridades, além de amigos e
conhecidos. A data certa do aniversário
dele é amanhã, por isso, cantaremos
parabéns à meia noite. Diversos
fotógrafos estão na porta de entrada,

registrando as pessoas que chegam.
Gabriel e Michele são os únicos
seguranças fantasiados, a intenção é que
eles fiquem por perto sem chamar a
atenção. Bruno e os outros contratados
para a noite estarão de terno mesmo,
espalhados pela festa. Com a quantidade
de convidados, garçons e outros
funcionários, todo cuidado é pouco.
A decoração é toda em tons
pretos com cobre, jogos de luzes e gelo
seco dão um ar misterioso ao ambiente.

No palco, uma banda toca rock clássico
e moderno ao vivo. Michele me passa o
comunicador bluetooth e eu coloco no
meu ouvido.
– De jeito nenhum! – John retira
o fone e devolve para Michele – A festa
é minha e não da Jack Rock. Você é uma
convidada, divirta-se.
Droga! Contrariada, devolvo o
comunicador. Eu gosto de estar no
comando de tudo. Bem, é hora de
começar a festa.

Vou direto para a bartender, ela
está ainda mais sexy vestida de Emma
Frost, a vilã loira dos X-Men. Toda de
couro branco, Lya usa capa, calça
comprida e um corpete minúsculo.
– Oi, Lya! Tudo bem?
– E aí, Elle! – ela aponta para o
bastão na minha cintura – Veio
preparada desta vez, hein?
– Com certeza! Hoje eu posso
tomar a versão forte da kriptonita! E se
algum engraçadinho aparecer, já estou

armada.
Digo rindo, já que da outra vez
ela me deu licor de menta com soda ao
invés de refrigerante e eu ainda fui
drogada. Lya me passa o copo verde e
eu a deixo atendendo aos outros
pedidos, enquanto circulo um pouco.
A maioria dos convidados são
pessoas famosas: cantores e atores. Suas
fantasias são tão perfeitas que demoro
para reconhecer alguns e quando o faço,
tento não surtar. Eu sou fã de umas

oitocentas pessoas aqui e muitos me
reconhecem! Fico impressionada ao
perceber que não sei como foi que
minha vida mudou tanto! Eu jamais
pensei que um dia seria alguém digno de
ser notado.
– Viu alguma coisa, Elle? – me
assusto com John que surge ao meu lado
do nada.
– Por que a pergunta?
– Você está parada aí e com a
boca meio aberta já faz uns trinta

segundos.
– Nada, é que… Tudo isso é
surreal! Meses atrás eu não era ninguém,
agora a maioria dessas pessoas sabem
quem eu sou. Não só aqui, mas um monte
de gente no país sabe quem eu sou!
– Quando a gente começou a
ficar famoso, eu também estranhava.
Passei tanto tempo nas ruas, invisível
para as pessoas. De repente, todos
queriam falar e estar comigo. É sempre
mais fácil namorar uma pessoa famosa

quando se é conhecido também, as
pessoas torcem pelo casal. Eu não
planejei que você fizesse o clipe de
“Real?”, mas aproveitei a
oportunidade. Eu queria te trazer para o
meu mundo.
– Para o seu mundo?
John dá de ombros:
– Você faz parte da Jack Rock,
Helena. Aceite.
Ele passa o braço ao redor da
minha cintura e me puxa para perto,

colando meu corpo ao seu. Seu beijo é
calmo, tranquilo. Estamos em público!
Me separo dele, todos ao redor parecem
estar dançando e cuidando de suas
próprias vidas.
– Você é louco? As pessoas vão
descobrir.
– Eu não me importo mais,
Helena – sua outra mão vai para minha
nuca, trazendo-me para outro beijo.
Desta vez mais profundo, mais intenso.
– Ei – Michele nos interrompe –

Vocês estão chamando um pouquinho de
atenção.
John dá de ombros e vamos
juntos para a pista de dança. Ficamos
perto da Kim que dança com um cara
vestido de Capitão América. Alysson
está com uma garota vestida de Mística,
o que é quase nada em termos de roupas.
E Chris…
– Kim, onde está o Chris?
– Ele estava aqui com a gente um
segundo atrás, depois sumiu! Não faço

ideia para onde ele foi.
Ah, não! Chris não me escapa,
estou louca para saber quem é a mulher
misteriosa dele. Deixo John na pista de
dança para falar com Michele e Gabriel.
Eles estão na lateral da pista, um de
costas para o outro, cada um de olho na
sua metade do perímetro.
– Ei, Sr. e Sra. Smith – minha
piada é recompensada por um olhar
zangado dos dois – Vocês poderiam
descobrir onde está o Chris? Por favor?

– Não – os dois respondem ao
mesmo tempo.
– Por favorzinho? – imploro com
as mãos juntas, Gabriel revira os olhos e
decide tentar encontrar o Chris para
mim. Eu quero conhecer esta mulher que
conquistou meu amigo!
– Vem, Michele! – a arrasto para
a pista de dança – Vamos dançar, que
hoje é dia de festa!
Michele aceita o convite e me
surpreende dançando solta e sensual.

Acho que ainda tenho em minha mente a
imagem de nerd tímida dela. John
conversa com alguns convidados que
sempre aparecem para cumprimentá-lo,
mas ele dá um jeito de se manter por
perto. Ele também me apresenta como
namorada, nós dois estamos cansados de
nos esconder.
– Eu vou procurar a Maria, já
está quase na hora dos parabéns. – John
fala em meu ouvido.
– Onde ela está? Não a vi a noite

toda!
– Provavelmente, escondida no
quarto – ele tenta segurar o riso – Ela
comprou a fantasia da Úrsula, a Bruxa
do Mar da Pequena Sereia, e ficou com
vergonha depois.
Droga, eu deveria ter me
preocupado com isto! John disse que
tinha resolvido, então esqueci de
verificar depois.
– John, se ela tiver vergonha de
sair fantasiada, diga para trocar por

roupas normais, ok?
Ele balança a cabeça
concordando e vai sozinho chamá-la.
– Nada do Gabriel? – pergunto
para a Michele.
Ela o chama pelo comunicador,
Gabriel ainda está procurando Chris
entre os mais de mil convidados.
Essa roupa é tão quente! Minha
bebida acabou faz tempo e os garçons
não circulam entre as pessoas dançando.
– Michele, vou pegar um drink,

ok?
– Não, fique aqui que eu vou.
Concordo, mas me arrependo
logo em seguida. Alysson e Kim já
sumiram com seus encontros e ficar
sozinha não parece legal. Aceno de
longe para Michele, avisando que vou
procurar o John. Posso ajudar Maria a
encontrar outra roupa.
A cozinha está lotada de
pessoas, todas indo e vindo o tempo
inteiro. Esquivo-me delas para chegar

ao quartinho nos fundos. A porta está
entreaberta e mesmo assim não consigo
ouvir o que está sendo dito, a música
está muito alta. Bem, se John está lá
dentro, suponho que Maria esteja
vestida. Mesmo assim, abro a porta
devagar e meus olhos não acreditam no
que estão vendo.
Oh, não, não, não! Meu cérebro
demora um segundo para registrar e
compreender a cena que se desenrola na
minha frente. Maria está caída em cima
da cama, seus olhos abertos não
enxergam nada. O braço dela está
esticado, a mão caída para fora da cama.
Inerte.
Um homem alto e vestido de
garçom luta com John pelo controle de
uma faca grande, daquelas de cortar
carne. Levo o dedo ao meu ouvido para
acionar o comunicador e chamar Gabriel
ou Michele, mas lembro que estou sem
nada, até o meu celular está no cinto de
utilidades de John. Merda!
O homem tem alguma vantagem,

já que John está contra o colchão, perto
de Maria. Ele segura a faca com uma
mão e dá um golpe certeiro com a outra,
o punho fechado, no rosto de John. E eu
vejo tudo vermelho de raiva, não espero
mais nenhum segundo! Agarro o taco de
beisebol que carrego preso na cintura,
segurando-o firme com as duas mãos.
Carlos levanta o braço, pronto para
desferir o golpe final contra John e eu
faço o mesmo: levanto o meu bastão e
acerto-o na têmpora com toda minha
força. Ele cai para frente, desmaiado.
Eu empurro seu corpo do
caminho e meu coração não apenas para
de bater, ele está destruído e
estilhaçado. Quebrado de uma forma que
jamais irá se unir novamente. Michele e
Gabriel entram bruscamente no quarto
com armas em punho, mas não há mais
nada que eles possam fazer. Chegaram
tarde demais. Gabriel retira o taco
ensanguentado da minha mão.
As lágrimas escorrem pelo meu
rosto, manchando minha maquiagem de
Arlequina. Quando eu bati em Carlos,
ele caiu por cima do John, empurrando a
faca em seu peito. Michele analisa a
arma cravada no peito dele. Suja de
sangue, sangue inocente.
– Gabriel – ajoelho-me no chão,
escondendo meu rosto em minhas mãos
– Eu matei o John.


CAPÍTULO 48 – Luto
2 meses depois
Da varanda do quarto, observo

as estrelas. A noite está fria, aperto mais
o cobertor que envolve meus ombros.
Hoje fazem dois meses que velamos e
enterramos o corpo de uma pessoa
amada. Fecho os olhos, lembrando das
palavras finais de Chris naquele dia
triste e chuvoso:
“– Eu estava perdido, sem
rumo, longe de tudo e todos que eu
conhecia. Deus mandou anjos para a
minha vida, eles me acolheram e me
protegeram. Por meses, fomos como
uma família. Hoje, anos depois, esta
família chora, até o céu chora! Um
monstro tirou um dos meus anjos e eu
espero um dia te reencontrar no
paraíso.”
Chris parou de falar, tentando
conter suas lágrimas, antes de continuar:

“– Uma luz se apaga no mundo.
Descanse em paz, Maria. Saiba que a
senhora foi como uma mãe para mim e
para o John. E, em nome de nós dois,
eu gostaria de agradecer a presença de
todos neste último adeus.”
John apertava minha mão e a
segurava com força. Ele não conseguiu
fazer um discurso no velório de Maria,
passou dias sem comer ou falar quase
nada. Fecho os olhos e faço novamente
uma pequena prece de agradecimento
por termos enterrado apenas um e não
dois corpos.
O traje de borracha do Batman
salvou a vida de John, evitou que a faca
penetrasse totalmente. Mesmo o corte
tendo sido superficial, ele ficou com
uma cicatriz no peito, acima do coração.
Uma marca que levaria para a
eternidade.
Naquela noite, quando John
entrou no quarto, Maria já estava morta.
Carlos se escondeu no canto, por trás do
armário, ele queria ver o sofrimento que

causou. O sádico fez questão de matar
todas as suas referências de mãe.
Chocado por encontrar o corpo
dela sem vida, John a abraçou e foi
surpreendido em uma posição
vulnerável. Lutou com Carlos pela posse
da faca, até eu chegar e dar um fim à
briga.
Meu golpe foi certeiro na
têmpora dele, onde o osso é mais fino, e
causou uma pequena rachadura em seu
crânio. Foi o suficiente para causar um

edema em sua cabeça e deixá-lo em
estado comatoso por quase um dia, mas
não o matar. Ainda bem! Eu não queria
ser uma assassina, mesmo que ele fosse
um monstro e merecesse isso.
Com a quantidade de pessoas na
festa e fotógrafos na rua, foi impossível
evitar que a mídia descobrisse tudo. Em
poucas horas, todo o passado de John
veio à tona: Arthur, seu nome verdadeiro
e o heterônimo, Alex Bianco. Este foi
associado a John assim que descobriram
sobre a morte precoce do seu pai,
Alessandro Bianco. No entanto, o que
realmente causou tumulto foi a história
de Carlos, do assassinato de Maria, da
mãe dele e seus anos como morador de
rua.
A turnê foi adiada por tempo
indeterminado e John era o novo mártir
da mídia, mesmo que ele detestasse ser
colocado na posição de vítima. E eu?
Permaneci ao seu lado, apoiando-o
sempre. Do Chris também, quando este
me permitia se aproximar. Ele se culpa
por eu ter mandado o Gabriel procurá-
lo. Eu também me culpei pelo mesmo
motivo.
A verdade é que nenhum de nós
teríamos evitado aquela tragédia, Maria
morreu antes mesmo de entrarmos na
boate. Viro-me na poltrona para
observar John dormir na cama. Ele ficou
taciturno nas primeiras semanas, chamei
diversos psicólogos para ajudá-lo, mas
ele rejeitou a todos.
Até que eu convenci DJ a tirar
férias e passar um tempo com a gente.

Com sua abordagem mais despojada e
empática, ele conseguiu se aproximar de
John como um amigo, um igual. Foi
criado um vínculo terapêutico natural e
John aceitou seu apoio psicológico.
Foi a partir daí que as coisas
começaram a melhorar. Aos poucos, o
humor de John ficou mais estável,
mesmo depois da partida de DJ. Este
homem foi uma benção! Até o Chris se
abriu para ele, foi uma pena que as suas
férias acabaram e o psicólogo teve que
ir embora.
Deixo o cobertor na poltrona e
vou deitar ao seu lado. Seu cabelo está
espalhado pelo rosto, coloco os fios
revoltos atrás da orelha e beijo sua
testa.
– Eu te amo.
Ele abre os olhos: azul
encarando mel.
– Eu te amo mais.
– De jeito nenhum! – digo.
– É a verdade, sabe por quê? –
balanço a cabeça negando e ele continua

– Porque eu te amei primeiro – como
não falo nada, ele sorri – Está vendo?
Eu te disse que é verdade.
Beijo sua boca e ele me puxa
para perto. Dormimos juntos, um
protegendo o outro.
♪♫ ♥ ♪♫
Tempos depois, John percebeu

que não aguentava mais ficar
enclausurado na sua casa. Até eu mudei
as coisas do meu escritório no centro
para cá. Era impossível para nós sair na
rua sem sermos perseguidos por
repórteres. Principalmente após a
condenação de Carlos, que passará o
resto da vida na prisão. Os advogados
de John vão sempre garantir que ele não
tenha chance de liberdade condicional.
Convoquei uma reunião na casa
de John com Bob e todo o pessoal da
Jack Rock, até os roadies e ajudantes.
Eles também estavam ansiosos para
recomeçar a turnê, mas para isto, John
teria que se pronunciar sobre o caso.
Para alguém que lutou tão arduamente
para esconder o passado, esta não seria
uma tarefa fácil.
Na semana seguinte, estamos na
coletiva de imprensa que Bobby marcou.
John falará para todas as emissoras de
uma vez só. Ele resolveu fazer tudo
sozinho, sem o apoio de ninguém. O
palco tem uma mesa comprida com
vários microfones em cima dela,
apontados para a cadeira. John se senta
na cadeira e Gabriel fica em pé, na
borda do palco. Sempre em alerta.
Eu prefiro ficar no lado oposto
da sala, encostada na parede, de frente a
ele e com Michele ao meu lado. Ele está
vestido todo de preto, até a jaqueta, e
com os cabelos presos. John retira os
óculos e começa a falar:
– Boa tarde. Como vocês sabem,
meu nome verdadeiro é Arthur Bianco.
Eu nasci em uma família perfeita e
amorosa. Meus pais se chamavam
Solange e Alessandro Bianco. A

perfeição, no entanto, não durou muito,
meu pai morreu de um problema
cardíaco quando eu era muito novo. A
minha mãe sofreu muito, foram dias
tristes. A casa estava vazia, éramos só
nós dois e a música.
John pausa e respira fundo antes
de continuar.
– A música sempre esteve
presente em minha vida, acho que
aprendi a cantar e tocar violão antes de
aprender a escrever. Aos poucos,

estávamos melhorando. A minha mãe era
mexicana e, em uma festa, conheceu um
conterrâneo: Carlos. Ele parecia uma
boa pessoa e voltou a deixar minha mãe
feliz. Não tanto como ela era com meu
pai, mas melhor do que estava antes.
John baixa os olhos e balança a
cabeça:
– Ele mudou depois que se
casou. Dona Sol era uma mulher
maravilhosa, cheia de vida. Ele a matou
aos poucos, diariamente. Tirou sua

alegria de viver, silenciou seu canto e
destruiu sua alma. Ela tinha medo de
fugir por minha causa, ele prometeu que
me mataria se ela tentasse algo.
Discretamente, John seca uma
lágrima que escapa por sua bochecha.
Ele volta a colocar os óculos escuros.
– Eu era pequeno, tinha nove
anos, não entendia a loucura do mundo.
Ele bateu nela e eu tentei defender a
minha mãe, mas ele era maior e mais
forte. A minha mãe... Ela... Ela levou a

facada e morreu em meu lugar. Eu fugi e
me escondi nas ruas, vivi sozinho por
quase cinco anos. À margem da
sociedade, esquecido e rejeitado. Até
que os trabalhadores de uma boate me
salvaram e cuidaram de mim.
Oh, Deus! Eu quero tanto ir lá e
abraçá-lo, uso um lenço para secar as
lágrimas que derramo.
– Eu tinha uma família
novamente. Maria foi como uma segunda
mãe, ela cuidou de mim e minha vida

passou a ter sentido. Anos depois, Bob
me encontrou e a Jack Rock foi formado.
Alguns repórteres se agitam,
perguntando sobre diversas coisas: o
início da Jack Rock, como ele conheceu
os outros componentes da banda e as
músicas. John levanta a mão,
silenciando-os. Ainda bem que ele não
expôs o passado de Chris também, ou
aqui viraria uma confusão!
– Sim, eu sou Alex Bianco, o
compositor. E antes que as especulações

comecem, sim, a música "Real?" foi
feita para a Elle. Entre uma
apresentação e outra, Chris me contava
sobre sua amiga de infância, Helena. Ela
soava para mim como um anjo, mas eu
não sabia se a garota das histórias,
aquela menina perfeita, poderia ser ou
não real.
– Vocês estão apaixonados? – um
dos jornalistas pergunta.
– Minha mãe se apaixonou por
Carlos e isso a destruiu. Por muito

tempo, eu condenei o amor. Eu achava
que se entregar a alguém era perder uma
parte de si mesmo – John olha em minha
direção e pela primeira vez no dia sorri
– Depois que eu conheci a Elle,
descobri que eu estava errado todo esse
tempo. Amar não é apenas perder uma
parte de si mesmo, é encontrar o pedaço
que eu não sabia que faltava em mim na
alma de outra pessoa.
O suspiro é coletivo e logo
seguido por um imenso falatório. Todos
os repórteres perguntam ao mesmo
tempo, querem saber detalhes do nosso
relacionamento e se pretendemos casar.
Michele me leva pelos fundos até o
carro, eu ainda estou meio atordoada
com a declaração dele.
Demora poucos minutos para
Gabriel também escoltar John até a SUV.
Assim que se senta ao meu lado, ele me
beija. E John me faz mais uma
declaração, tento procurar palavras que
definam o que sinto por ele. O problema
é não sou poeta ou compositora como
ele é.
– Eu gostaria de ser uma garota
romântica e te dizer lindas palavras de
amor, mas eu não sou.
– Eu te amo do jeito que você é,
Helena. Lembra quando dançamos a
música More than Words, do Extreme?
Você não precisa dizer palavras lindas,
apenas deixe que suas atitudes falem por
você.
Encosto minha cabeça em seu
peito.
– Quer saber de uma coisa? Não

é muito justo, até quando quer ser
compreensivo é assim, todo meloso.
Como eu posso competir?
John começa a rir de mim:
– Amor e sexo vende, Helena.
Eles agora vão falar mais sobre nós do
que sobre o meu passado. Agora, se
você quiser, eu posso voltar a ser um
arrogante, egocêntrico e
megalomaníaco.
Ele fala com a sobrancelha
levantada em desafio. Esses são os três

adjetivos que eu atribuí a John. Sim, ele
tinha essas categorias e sim, era fácil
lidar com ele antes: bastava gritar e
discutir. Era até divertido implicar com
ele. Porém, eu quero voltar ao início?
Não... O John de hoje tem qualidades
muito mais interessantes.
– Deixa de falar besteira, peste!
Foi ótimo ter dito aquilo para distrair os
jornalistas.
Adoro uma política “pão e
circo”. Ele me puxa para o seu colo e

morde minha orelha:
– Peste, não é? Eu posso ter
falado para distrair, mas não deixa de
ser verdade. Agora quando eu chegar em
casa, vou te mostrar o tamanho da peste
que eu posso ser.
Humm... Mal posso esperar!


CAPÍTULO 49 – O
show deve continuar
A tática de distração de John

funcionou. A declaração doce dele fez
todas as menininhas – e muitas adultas
também – suspirarem apaixonadas.
Virou até citação romântica trocada
entre casais no Facebook. Eles ainda
falam sobre o passado triste de John,
porém agora é mais como: “o amor

supera tudo”.
O que é uma grande bobagem!
Eu convivo com ele, sei que John não
superou muita coisa. Tudo ainda é
recente demais, mas ele está tentando. É
uma luta diária, ninguém supera
totalmente o luto de uma pessoa amada,
apenas aprende a conviver com ele.
Bob decidiu promover um show
aqui mesmo na cidade. Ele quer ter
certeza que tanto John, quanto Chris
estão aptos para cantar antes de

remarcar toda a turnê. Não acontecer em
outra cidade não diminuiu a correria que
é organizar um show. Principalmente
quando não temos meses de
antecedência.
Ed confirma que está tudo
conforme planejado e eu me apresento à
banda contratada para o show de
abertura: todos homens jovens e com
mais aparência de playboy do que de
roqueiro. Não fazem parte do concurso,
entretanto já foram usados em outros
shows. Kim me falou que são bons,
espero que ela esteja certa. O show
precisa continuar e este retorno é
importante. Tudo deve estar impecável,
mesmo que o público seja bem menor:
“apenas” quarenta mil pessoas.
Assisto parte do show de
abertura abraçada com John nos
bastidores, minhas costas contra seu
peito. Seu queixo apoiado no topo da
minha cabeça e os braços envolvendo
minha cintura.
Os rapazes são bons e o

vocalista, Tim, é muito bonito, um loiro
alto de olhos castanhos com a minha
idade. Se estivessem no concurso,
aposto que conseguiriam muitos votos
do público.
– Elle! – Chris acena para mim,
chamando minha atenção. Eu não estava
escutando-o com a música alta.
Sigo-o até os camarins.
– Quero fazer uma surpresa para
Sam! Eu já perdi muitos aniversários e
não quero que ela passe mais um

sozinha.
Nossa! Com tudo que aconteceu
nos últimos dias, eu esqueci que falta
uma semana para Samantha completar
dezesseis anos.
– Como a gente vai estar lá,
Chris? Seus pais...
– Eu não me importo com eles!
Quando eu fui embora, fiquei tranquilo
porque você estava lá com a Samantha e
agora ela não tem mais ninguém. Vou dar
um jeito, Elle, vamos fazer uma festa

para Sam. Posso contar com você?
– Sempre! Agora vá lá e arrase
naquele palco.
Eu não pressionei mais o Chris
para saber quem é a garota misteriosa.
Eu sei que ele vai me contar quando
estiver pronto para falar. A outra banda
se apresenta por uns quarenta minutos e
depois se retiram. O público não parece
impressionado por eles como eu achei
que ficaria. Acho que estão ansiosos
para o retorno da Jack Rock.

Os roadies trocam instrumentos
o mais rápido possível. Quando Ed
anuncia a entrada da Jack Rock, os
gritos enchem a noite. As quarenta mil
pessoas soam como milhões de vozes.
John me beija rápido e pisa no palco
pela primeira vez desde a morte de
Maria.
It's showtime, baby.
Desta vez, não vou para a
primeira fila, permaneço na penumbra
dos bastidores. A energia deles parece a

mesma, todos são profissionais. Em
cima do palco, eles não são indivíduos,
são uma banda, pulsando como um único
elemento e com um único objetivo: a
música.
– Ei, Elle! – um dos roadies
contratados para a noite me estende um
copo verde – Michele pediu para te
entregar isto.
Pego o copo e agradeço.
Michele e sua mania de me manter
alimentada e saudável! Provo um gole, é

o seu suco detox. Geralmente, ela me
obriga a tomar isto pela manhã. Bebo o
máximo que consigo, mas não tudo. Eu
não comi nada agora à noite e fazer este
suco de jantar era demais para mim.
Procuro disfarçadamente pelos
bastidores, ela não está em lugar
nenhum. Ótimo! Vou ao camarim para
dar descarga no resto do copo. No
banheiro, aproveito para jogar um pouco
de água em meu rosto que está vermelho.
Tento resfriar minha nuca, estou suando
frio. Será que é fome? Eu deveria ter
tomado o suco todo.
Olho para o espelho e minha
visão nubla, eu tenho que aprender a me
alimentar melhor. Abro a porta para sair
e me deparo com um homem alto e loiro.
Quem é ele mesmo?
– Então você é a Helena?
– Sim. – essa é a minha voz?
– Você é uma boa menina e
tomou o suquinho que eu te mandei?
Boa menina? Me sinto tonta,
sim... Sou uma boa menina.

– Sim. – como é a minha voz?
Seu sorriso é estranho, eu
deveria ter medo de um sorriso desse.
Eu não consigo sentir medo, não sinto
nada... Eu quero dormir. Fecho meus
olhos e volto a abri-los quando sinto
mãos fortes na minha cintura prendendo
meu corpo junto ao seu.
Ele me pega no colo e me joga
no sofá, minha cabeça bate no encosto.
Uma parte de mim diz que isso deveria
doer, que eu poderia lutar, gritar, fazer

qualquer coisa. Não consigo, eu não
tenho mais o controle do meu corpo e
minha mente não raciocina direito.
– Você vai ficar quietinha aqui e
me obedecer, entendeu?
Obedecer? Eu? Ele... Quem é ele
mesmo? O homem puxa meu cabelo e
bate com força em meu rosto. Dói.
Lateja.
– Responda! Você é minha vadia
agora.
– Sim, sou sua vadia.

Sua língua asquerosa lambe toda
a lateral do meu rosto.
– Vai fazer tudo que eu mandar,
ouviu? – sua mão aperta meu seio –
Vamos fazer um vídeo lindo para o seu
namoradinho famoso e toda a imprensa
ver.
Banda? Vocalista... Eu deveria
me lembrar de algo sobre um vocalista...
Tento lutar, tento pensar, mas não posso.
Ele retira minha roupa, me deixando
apenas de sandálias e lingerie. Logo em

seguida, aponta um celular para mim, me
filmando.
– Diga para a câmera o quanto
você adora transar nos camarins – ele se
levanta e abre as minhas pernas –
Vamos! Todos precisam saber que você
é uma vadia que fica dando para os
caras nos bastidores – ele me puxa pelo
cabelo e me obriga a ajoelhar no chão –
Fale que você quer só o dinheiro e sexo!
Diga!
– Eu quero... Só dinheiro e sexo.

– minha voz falha, eu mal consigo me
manter ereta.
Eu preciso... Eu preciso... Eu
não lembro o que eu tenho que fazer. O
homem retira várias notas do bolso de
sua calça e as joga em mim, manda eu
colocá-las na minha calcinha e tirar meu
sutiã. Faço o que ele diz, nota por nota
fica presa na minha calcinha. Abaixo as
alças do meu sutiã, revelando meus
seios. Não consigo desabotoar, meus
dedos não me obedecem direito. Eles
não são como eu... Eu sou obediente.
– Repita comigo: agora que você
me pagou, pode fazer o que quiser
comigo.
– Agora que você me pagou... –
não termino a frase. Há uma comoção do
lado de fora, seguido pela porta do
camarim sendo arrombada.
Não entendo nada que se passa
na minha frente: dois homens de terno
brigam, enquanto uma mulher entra com
a arma em punho. Quem são eles? Ela dá
um murro no cara, ele cai ao meu lado

com sangue jorrando de seu nariz. Tem
sangue na mão da mulher bonita também.
Ela retira o próprio casaco e me cobre
com ele, como se fosse um lençol.
– Você está salva, Elle. – ela me
abraça.
Seu abraço é bom, encosto minha
cabeça em seu peito. Me sinto protegida
ouvindo as batidas do seu coração.
Seguro o lençol, acho que eu posso
fechar os olhos e dormir agora.


CAPÍTULO 50 –
Informante
Uma semana depois

O balanço do carro na estrada de
asfalto gasto me deixa sonolenta.
Estamos viajando desde cedo para ver
Sam. Hoje é o seu aniversário de
dezesseis anos e pretendemos fazer uma
festa surpresa. Tenho até medo de festas
de aniversário! As duas últimas

terminaram em caos. Como Chris não
entra na casa dos pais, será em um sítio
próximo, o mesmo em que eles ficaram
quando meus pais morreram e eu estava
hospitalizada.
Encosto minha cabeça no ombro
de John e fecho os olhos. Lembro-me
dos eventos da última semana. Bem, não
exatamente lembrar, já que nada daquela
noite ficou registrado em minha
memória. Eu só sei o que me contaram.
Gabriel uma vez me disse que

desconfiava que o informante pudesse
estar entre nós e ele estava parcialmente
certo. Não tínhamos o informante, mas
um cúmplice dele entre nós. Alguém que
era de extrema confiança de Gab: Bruno,
o segurança. Foi ele quem gravou o
vídeo do clipe. Ele também comprou o
celular com a filmagem de John
cantando Sexed Up de um frequentador
do bar.
Michele me disse que
desconfiava de Bruno, mas nunca teve
provas. Ela achava a atitude dele
suspeita, percebeu pelas câmeras que
ele sempre estava por perto. Escondido.
Espreitando. Segundo Michele, na época
da academia ele era o treinador dos
novatos, mas queria ser o Comandante
quando Gabriel não estava por perto.
A ganância e a luxúria cegaram
Bruno. Sim, a luxúria... Ele era amante
da verdadeira informante: Nicole. E eu
feliz porque achava que a #NiCadela
havia desistido e me deixado em paz!
Ela tentou transformar minha vida em um
inferno a fim de me fazer fugir
novamente. Achou que eu não aguentaria
a pressão da mídia e voltaria para minha
vida tranquila no interior. Como ela
estava enganada!
O plano de Bruno e da
#NiCadela era me afastar do John e da
Jack Rock. Ela pretendia retomar o
controle da turnê e da banda e, com isso,
fazer John se apaixonar e se casar com
ela. Iludida. Uma vez casada com ele,
ela demitiria o Gabriel e colocaria
Bruno, seu amante, como chefe de
segurança.
Nada disso funcionou. Ao invés
de nos afastar, eu e John nos
aproximamos ainda mais. A minha
entrevista no “almoçando com as
estrelas” e a declaração de John na
coletiva de imprensa desarmaram todo o
plano de Nicole.
Ela não se deu por vencida e
pensou em uma alternativa: enganar o
vocalista de uma banda pouco
promissora com uma promessa de um
contrato milionário. Bob confiava nela,
então foi fácil colocar a banda do Tim,
aquele loiro desgraçado, no show da
Jack Rock. Eu sabia que ela era uma
cadela, mas nunca imaginei que fosse
tão sem escrúpulos!
A ideia de me drogarem foi de
Bruno. Eles me deram a droga do
estupro: uma mistura de rohypnol, ácido
gama hidroxibutírico e cetamida. Após
poucos minutos, quem ingere fica
sonolento, perde o controle da sua mente
e ações. Totalmente suscetível e no dia
seguinte não lembra de nada.

Eles iriam me filmar como uma
vadia interesseira, espalhar pela internet
e eu não conseguiria dizer quem era o
culpado. Nunca saberia o que
aconteceu... Mesmo que John
acreditasse em mim, muitos sempre
desconfiariam.
O golpe teria funcionado
perfeitamente, se não fosse por Michele.
Bruno conseguiu distrair tanto ela,
quanto Gabriel com um alarme falso na
segurança. A distração, entretanto, não
durou muito. Ela, que já desconfiava do
outro segurança, chamou Gab e juntos
foram me procurar.
Ao não me encontrarem próximo
ao palco, foram direto para os camarins.
Bruno estava na porta, garantindo que
ninguém interrompesse o Tim. Gabriel
lutou com ele e o imobilizou enquanto
Michele arrombou a porta e quebrou o
nariz do vocalista idiota com um murro.
Segundo eles, eu já estava à
beira da inconsciência e desmaiei em
seguida. Os paramédicos e a polícia

foram acionados. Antes deles chegarem,
o Tim já estava entregando os
comparsas. Ele mostrou os vídeos
gravados em seu celular para Michele e
Gabriel.
Além de me filmar, ele também
gravou toda a conversa que teve com
Nicole e Bruno. Era uma garantia para o
caso da #NiCadela não cumprisse o
acordo feito. Ed preferiu falar para John
o que aconteceu durante o show, ele
interrompeu tudo imediatamente e todos
correram para os camarins.
Chegando lá, me encontraram
desacordada no colo de Michele.
Gabriel mantinha Bruno preso pelo
pescoço e um outro segurança prendia
Tim contra o chão. John e Chris não
precisaram ver vídeo nenhum para
começar a socar os dois. Os policiais
tiveram que tirá-los de cima deles à
força.
Os quatro foram levados para a
delegacia por agressão. Porém, quando
Gabriel mostrou ao delegado local os
vídeos no celular de Tim, ele liberou a
dupla da Jack Rock sob fiança.
Os outros dois não tiveram tanta
sorte, foram presos em flagrante e o
caso será julgado em breve. Já a
#NiCadela, que não estava presente no
local, foi posteriormente chamada para
prestar esclarecimentos. Embora seja
uma das suspeitas, aguardará o término
da investigação em liberdade. Às vezes,
seguir a lei é uma porcaria... Eu
adoraria vê-la atrás das grades.
Bob ficou chocado ao descobrir

as manipulações de sua filha. Pela
primeira vez, ele percebeu que ela tinha
problemas de verdade. Ele convocou
uma reunião comigo e a Jack Rock para
se desculpar pelos transtornos causados
pela Nicole.
Bobby estava estranhamente
nervoso, segurando uma pasta cheia de
documentos. Ele abriu mão da Jack
Rock, não podia continuar conosco
depois do escândalo e de tudo que sua
filha fez. Ninguém o culpava pelas ações
da #NiCadela – talvez um pouco a sua
criação permissiva – mas ele estava
irredutível. Permaneceria com as outras
bandas, mas não conosco.
Era o fim de uma era! A Jack
Rock não teria mais o apoio do homem
que o fundou, do gênio do marketing, do
tio e amigo querido. Bob não será mais
o empresário. Contudo, quando uma era
termina, outra começa: Kim e eu
estamos no comando. As palavras de
Bobby para Kim martelam em minha
cabeça:

“Eu sonhava que minha filha
seguisse meus passos. Forcei por tanto
tempo Nicole a trabalhar e participar
de tudo. Hoje percebo que escolhi a
pessoa errada. Você é minha sobrinha e
eu te amo. Desde pequena esteve ao
meu lado, indo comigo para o
escritório e os shows. Não tenha medo,
Cassandra! Nós somos muito parecidos
e você sabe fazer isto. A música está em
nosso sangue, seja o meu legado.”
E assim, nós criamos o nosso
próprio selo fonográfico. A banda
ganhou uma nova logomarca: quatro
linhas retas como uma corda de violão e
o nome Jack Rock no meio. Sendo as
iniciais formadas por símbolos
musicais: o “J” uma meia colcheia e o
“R” uma nota unida. Estávamos
independentes, todo lucro e toda perda
seria por nossa conta. Isso é assustador!
A mídia enlouqueceu com esses
acontecimentos. Todos as emissoras,
rádios e redes sociais falavam da Jack
Rock. Nós éramos o assunto do
momento e chamamos tanta atenção que
estamos analisando propostas para
shows internacionais. A fronteira do
país não é mais suficiente para nós.
– Ei, Elle – John me chama,
tirando-me dos meus pensamentos –
Chegamos.
Levanto a cabeça para perceber
que estamos quase na casa d’O
Delegado.
– O que viemos fazer aqui? –
pergunto sem entender – Buscar a Sam?
Chris, que estava sentado ao meu

lado, diz:
– Não, temos uma pequena
surpresa para você.
As últimas surpresas que tive em
festas de aniversários não foram muito
boas. Saio apreensiva do carro sem
entender nada. Será que a Tia Beth me
perdoou e quer se encontrar comigo?
Sigo na direção da casa dos pais
de Chris, mas John segura minha mão e
me guia para a minha antiga casa. Paro
na porta que dá para o quintal e encaro

os dois:
– O que vocês estão fazendo? A
casa foi vendida! Isso aqui é invadir
propriedade alheia e...
Chris revira os olhos e
segurando pelos meus ombros, me
obriga a olhar o que tem atrás de mim.
Minha boca se abre, mas não tenho
palavras para descrever o que vejo. É
tão perfeito que chega a ser mágico.
Descrente, encaro os dois:
– O que isso tudo significa?

– Que você merece ser feliz ,
Elle.
Chris fala e John complementa:
– E que nós queremos o melhor
para você, Helena.


CAPÍTULO 51 –
Perfeito
– O que vocês fizeram? – eu já

tenho uma ideia, mas preciso da
confirmação.
John é o primeiro a falar:
– Nós compramos juntos esta
casa. Depois de tudo que você passou,
não merecia ter mais uma perda. A gente
só quer a sua felicidade, Helena. Ela
está em seu nome, é sua. Aceite.
– E antes que você reclame –
Chris diz – Aqui não foi só onde você
cresceu. Esta casa faz parte da minha
infância e da de Sam. Ela é tão
importante para mim, quanto para você.
Além disso, a gente precisa ter um lugar
para ficar quando viermos para a
cidade.
A casa dos meus pais é minha?
Droga, eles gastaram uma quantia
absurda de dinheiro comigo! Ah, bem...

Agora eu sou sócia da Jack Rock, posso
depois pagar de volta. Pulo em cima dos
dois, abraçando-os e beijando as
bochechas de cada um.
– Obrigada, rapazes! Vocês não
sabem quanto isto significa para mim.
Eles parecem surpresos por eu
aceitar facilmente. Estou tão feliz em ver
o quintal dos meus pais todo bonito e
colorido que não me importo com mais
nada. Várias lanternas de papel foram
espalhadas, iluminando a noite. Alguém

cuidou do jardim! As flores da minha
mãe estão lindas novamente.
As pessoas comem e bem ao
redor de várias mesas de madeira com
toalhas de linho brancas decoradas com
pequenos vasos de porcelana com uma
tulipa vermelha.
Uma bandinha canta pop rock em
um palco improvisado. Eu conheço eles!
Estudei com o baixista na escola. No
canto, ao lado da banda, há uma enorme
mesa com um bolo de três camadas e

muita comida. O que me lembra o
motivo de estarmos aqui.
– Este era para ser o aniversário
da Sam, não é?
– Sim – John concorda – Você
está fazendo a festa dela na sua “nova”
casa. Muito legal da sua parte, não é?
Ele pisca um olho para mim e eu
sorrio.
– E onde está a aniversariante?
– Ali. – Chris aponta para o
meio do quintal, onde Sam está muito

próxima a Aly – Junto de... Eu preciso
ter uma conversa com Alysson agora
mesmo! Se ele pensa que...
Seguro seu ombro, impedindo-o
de dar mais um passo:
– Uou, calma aí! Larga esse ato
de irmão ciumento, eles só estão
dançando. Você não confia neles?
– Naqueles dois? – Chris olha
para mim como se eu fosse louca –
Claro que não!
Abro a boca para argumentar,

mas fecho novamente. Não há muito que
eu possa dizer em defesa de Alysson ou
Samantha. A festa está cheia de amigos
dela, alguns eu conheço, outros não.
Todos ficam encantados por ter a Jack
Rock completo na festa.
Sam já é conhecida por ser a
irmã do Chris, mas ele nunca esteve
presente depois de ficar famoso.
Entretanto, não hoje! Todos os seus
amigos puderam tirar fotos com John,
Alysson, Chris e Kim. Até comigo!
Acho que eles esqueceram que não faz
um ano que saí da cidade.
Os convidados imploram para
vê-los cantando ao vivo. Tanto que eles
terminam concordando! Não importa o
tamanho do palco, a Jack Rock sempre
arrasa e encanta. Sam é a princesa da
noite, dança e brinca entre os amigos. Eu
fico mais para trás, conversando com
DJ, Gabriel e Michele.
– Elle, posso falar com você?
Me surpreendo ao ver O
Delegado no meu quintal. Espero que

ele não tente nos expulsar, estou em
minha casa e tenho direito de ficar. Me
afasto dos outros para falar com ele às
sós. Porém, vou desconfiada.
– Boa noite, Delegado.
– Por que vocês nunca me
chamam pelo meu nome? – ele aponta
com a cabeça para onde os filhos estão
– Ou de pai?
– Porque o senhor, Delegado,
vive e ama a sua profissão e não a sua
família.

– É isso que vocês pensam de
mim? Que eu não amo os meus filhos?
– O senhor tem um jeito estranho
de demonstrar o amor, Delegado. Talvez
o senhor devesse rever suas prioridades,
antes que termine sozinho – cruzo meus
braços – Essa conversa tem algum
propósito?
– Eu vi o que aconteceu com
você e a história daquele rapaz
cabeludo. Eu queria agradecer por não
mencionar o Chris e o passado dele.

Balanço a cabeça em descrença.
Por um momento, quase acreditei que
havia algo de bom neste homem! Ele
está só preocupado com sua reputação,
sabe que a sociedade não aprovaria um
pai que expulsa o filho de casa. Ditador
idiota.
– O passado do Chris não foi
revelado em consideração a ele, não ao
senhor.
Ele não fala nada, apenas encara
o palco. John troca de lugar com Chris

que assume o microfone.
– Seus pais ficariam orgulhosos
de você. É uma pena que a justiça seja
tão injusta e aquela garota ainda esteja
solta. Será que ela tem alguma doença
na cabeça?
Dou de ombros.
– Eu só a quero longe de mim e
das pessoas que eu amo. O pai dela é
uma pessoa correta que ama a filha,
apesar de tudo que ela fez. Tenho certeza
que se ela precisar de ajuda, ele estará

ao lado dela ao invés de abandoná-la à
própria sorte. – falo com raiva.
É mais fácil eu perdoar a Nicole
por ser uma vaca sem escrúpulos do que
O Delegado por ter expulsado o próprio
filho. A verdade é que eu nunca
perdoaria nenhum dos dois. Me chame
de rancorosa, se quiser. Porém, não é
rancor ou prepotência, apenas acho que
nossa vida é melhor sem algumas
pessoas.
“Did I grow up according to the

plan?
And do you think I'm wasting my
time doing things I wanna do?”[37]
Me arrepio quando reconheço a
música que Chris canta. Perfect, do
Simple Plan, é uma mensagem alta e
clara para o seu pai.
“Nothing's gonna change the
things that you said
Nothing's gonna make this right
again”[38]
Meu coração dói pelo meu
amigo, ele perdeu seu pai muito antes de
eu perder o meu. Papai sempre fez
questão de demonstrar o quanto ele me
amava, mas Chris sempre se sentiu como
uma segunda opção. Rejeitado.
– Você acha que ele falaria
comigo? – ele aponta com a cabeça para
Chris.
– Para quê? Para o senhor
criticá-lo um pouco mais? Delegado,
preste bem atenção à música que seu
filho decidiu cantar hoje. Este é o

máximo de comunicação que você
conseguirá ter com ele. – afasto-me e o
deixo sozinho, assistindo pela primeira
e única vez o filho cantar.
“Now it's just too late and we
can't go back
I'm sorry, I can't be perfect”[39]
♪♫ ♥ ♪♫


CAPÍTULO 52 –
Esconderijo secreto
Já passava das duas horas da

manhã e Sam ainda se divertia com
algumas amigas. Está tarde, daqui a
pouco O Delegado vem reclamar do
barulho! Decido organizar os quartos
que iremos dormir. A maioria dos
móveis dos meus pais e outros objetos
de decoração estão de volta ao seu

devido lugar. Chris mandou dinheiro
para Sam e ela contratou ajudantes para
trazer de volta tudo meu que estava
guardado na casa dela e no depósito.
Não está tão mobiliada como antes,
algumas coisas eu dei para caridade.
Coloco Chris e Alysson para
dividir o meu quarto, Michele e Kim
ficarão com o de hóspedes, Gabriel no
sofá na sala e eu dormirei com John na
suíte dos meus pais. Estou terminando
de trocar os lençóis quando escuto um
barulho vindo do andar de cima. Quem
está lá? Subo as escadas com cautela e
um castiçal de ferro na mão. Só por
garantia.
Ao abrir a porta, vejo John
parado em frente ao janelão, olhando
distraído para o lado de fora. Ele sorri
para mim e estende a mão, chamando-me
para perto. Largo o castiçal e coloco
minha mão na sua. Ele me envolve em
seus braços e ficamos ambos de frente
para a janela, com minhas costas contra
o seu peito. Observo nossos amigos no
quintal, conversando e se divertindo.
– Por que você estava aqui
sozinho?
– Eu só queria conhecer seu
esconderijo secreto, ouvi falar tanto
dele. Eu não vi direito naquele dia que
eu ajudei Chris a encaixotar suas coisas.
Estava mais preocupado em não ser
molestado pela Samantha.
Sorrio de sua piada. Sam
derramou suco de propósito na camisa
dele, só para ficar admirando seu peito
nu.

– Você sabe que ela estava
levando as caixas de volta para cima só
para você carregar tudo de novo, não é?
– Não! Eu achei que você fosse
uma acumuladora, as caixas não
acabavam nunca!
Aquela garota é demais! Tantas
lembranças boas aqui... Fico feliz em
poder manter este lugar, olho ao meu
redor: o palco onde Chris aprendeu a
cantar e tocar, as prateleiras com meus
livros, os pôsteres das minhas bandas

favoritas.
– Obrigada por me devolver o
meu lar da infância.
– Obrigada por não arrancar
minha cabeça e a de Chris – ele beija
meu cabelo – Estávamos preocupados
em ouvir um sermão sobre
independência.
Acotovelo sua barriga e ele
reclama um pouco.
– Eu compreendi que ser
independente é muito mais do que fazer

tudo sozinha. É também aprender quando
se deve aceitar a ajuda dos outros –
entrego o que estava guardado em meu
bolso há dias – Eu queria te dar isto
desde o seu aniversário. Com tudo que
aconteceu, terminei adiando.
John segura em suas mãos o
pequeno pedaço de papel. É uma foto
nossa de tamanho 5x7 e em marca
d'água. Em cima da foto, escrito por
mim em próprio punho e de caneta preta,
está o que falei para ele no ônibus:
“Você é a minha cura e meu veneno,
John. Aquele que me consome e me
completa ao mesmo tempo, o meu
'melhor ainda' e eu também te amo.”
– Lembra que você pediu para eu
repetir que te amava e preferia que fosse
por escrito? – aponto o carimbo no
verso – Eu fiz por escrito, também está
assinado e autenticado no cartório.
Agora é oficial. Está registrado e é para
você nunca esquecer que eu te amo de
verdade.
– Eu amei, Elle! – ele me beija –

Mas como você conseguiu esta foto? Ela
estava no meu celular.
A fotografia é a que tiramos no
jatinho do Bob, quando eu fingi ser uma
fã louca. Poucos meses atrás, mas ainda
parece que passou tanto tempo. Naquela
época, eu não imaginava que um dia o
amaria. O que ele não sabe é que
Michele hackeou o celular dele e
conseguiu a foto para mim.
Dou de ombros.
– Eu tenho meus meios.

– Já que estamos trocando
presentes... – John retira uma caixinha
quadrada do bolso e meu coração
acelera. Oh. Meu. Deus! Isso é o que eu
penso que é?
– John, você lembra que a gente
se conhece faz uns dez meses, apenas
recentemente paramos de brigar e eu só
tenho dezoito anos. Ah, e que já fomos
notícia o suficiente na mídia, não é?
Continuo sem tocar no objeto
que ele tem nas mãos.

– Eu sei, Helena. Vai abrir a
porcaria da caixa ou não?
Que romântico! Prendo a
respiração e abro a caixinha de veludo.
Quando vejo o que tem dentro, suspiro
de alívio. São dois conjuntos de chaves,
cada um com um chaveiro de prata: um
em formato de guitarra e outro de
microfone.
– Estas – John pega as com a
guitarra – São desta casa, o lar da sua
infância. A escritura está com Chris e é

um presente nosso.
ele segura as com chaveiro de
microfone.
– Sempre que você volta para o
seu apartamento, eu fico completamente
só. Eu já passei muito tempo sozinho.
Sem você e sem Maria, eu sinto como se
estivesse em uma casa assombrada,
vazia. Eu te amo, Helena. Sei que você é
nova e não está pronta para casar. Mas
isto não te impede de morar comigo e

transformar a minha casa vazia em nosso
lar. Você aceita? – John segura meu
rosto com as duas mãos e me beija com
carinho – Por favor?
Tenho nem em que pensar!
– Eu aceito! – me jogo em seus
braços e beijo sua boca.
Volto pulando de alegria para o
quintal e conto a novidade: eu e John
vamos morar juntos. A maioria acha que
a gente já faz isso, eu passo mais tempo
na casa dele do que no meu apartamento.

Pode até ser, mas agora é oficial!
Estamos juntos e nada será capaz de nos
separar.
Quando finalmente os amigos de
Sam vão embora, ela entra na casa dela
e volta segurando duas urnas. Uma em
cada mão.
– Elle, eu sei que você detesta
ver seus pais presos em urnas frias. Seus
pais eram espíritos livres e amavam este
lugar. Agora que a casa é sua, você pode
espalhar as cinzas aqui nas flores, como

sempre quis. Eu prometo cuidar delas e
mantê-las vivas.
Abraço a Sam e faço o que ela
disse. Espalho as cinzas dos meus pais
nas rosas da mamãe. Agora eles não
estão mais separados em urnas frias,
estão juntos por toda a eternidade na
terra que plantaram, no lar que
construíram. Eu e Sam ficamos por um
tempo abraçadas em silêncio. Sinto
como se um pedaço perdido do meu
coração tivesse se curado um pouco.

Depois, John se senta no balanço
que era dos meus pais. Eu me deito com
a cabeça em sua perna. Kim, Michele,
Sam e Gabriel sentam em cadeiras ao
nosso redor. Assim como Chris e Aly
que tocam violão enquanto a gente canta
e conversa.
Chris sempre terá um lugar em
meu coração. Ele é mais do que um
amigo, é como um irmão para mim. Já o
John... Não importa se estamos ou não
casados. Nós sabemos o que
significamos um para o outro, e isto é
maior do que qualquer papel assinado
no cartório. Teremos tempo de sobra
para pensar em casamento no futuro.
Agora, devemos focar em manter a
banda sem o apoio do Bob.
Um mantra esquecido volta à
minha memória: “Todos mortos, sozinha
no mundo, não há ninguém, só a mim”.
Nesta noite, o ar é frio, mas o céu está
cheio de estrelas e me sinto aquecida.
Olho para cada uma dessas pessoas:
meus amigos, todos queridos e
importantes. Eu não sou mais sozinha no
mundo, a Jack Rock é minha família e
eles também têm a mim.
Não me sinto mais perdida ou
confusa: Eu sou Helena, sócia do sela
Jack Rock e dona do coração de um
homem maravilhoso que me ama de
volta. Com John e meus amigos ao meu
lado, sei que podemos conquistar o que
nós quisermos. O nosso destino somos
nós que escrevemos.
E o futuro começa agora...
Fim


EPÍLOGO
Morar com John foi uma das

decisões mais certas que tomei nos
últimos meses. A cada dia estamos mais
apaixonados e unidos. Nunca pensei
que, por baixo daquela pessoa arrogante
que conheci, havia um homem tão
carinhoso.
Ele ainda não quer ser chamado
de Arthur ou reviver esta parte de sua
vida e eu respeito isto. Às vezes, o
passado deve ficar para trás mesmo.
Depois da traição de Bruno, não
confiamos em mais nenhum outro
segurança no convívio de nossa casa.
Então, Michele veio morar conosco e
ficamos só com nossa super dupla de
guarda-costas. Ela está na ala que era de
Maria e Gabriel ficou sozinho na ala que
antes dividia com Bruno.
Eu e Kim trabalhamos duro para
remarcar todos os shows que faltaram
da turnê. Enquanto isto, John, Chris e

Alysson já estão planejando o próximo
álbum. Este será o primeiro sem a mão
mágica do Bob do meio. Um calafrio
sobe pela minha espinha. A Jack Rock
tem um grande desafio pela frente.
Eu assisto a um filme de terror
antigo enquanto John compõe músicas
novas. Nós transformamos o porão da
mansão em um estúdio de gravação
completo. Ed foi promovido, ele agora
também é responsável pela mixagem e
equalização do som no estúdio.

Contratamos também outros
freelancers que Bob indicou. Sempre
que temos alguma dúvida, Kim liga para
Bobby e ele nos guia. Ele está cuidando
da #NiCadela. Ela foi inocentada por
causa da fragilidade de provas. Mesmo
assim, o pai a mandou para uma clínica
de recuperação. Por mim, ela estaria
usando camisa de força, mas como não
sou eu quem decide...
– Você vai deitar agora? – John
senta ao meu lado no sofá.

– Depende... – falo já subindo
em seu colo – Você está muito cansado?
– abro os botões da sua camisa e
arranho seu peito.
Repito o que faço sempre: beijo
a cicatriz em cima do seu coração. Ele
fecha os olhos e eu o encho de beijos.
Subindo pelo seu pescoço e mandíbula,
até alcançar a boca. Lábios macios e
quentes e uma barba áspera. Suas mãos
em meu quadril, marcando minha pele.
– Te amo – aliso seu rosto com

carinho, colocando seus cabelos para
trás – Para sempre.
– E eu te amo hoje mais do que
ontem e menos do que amanhã.
O que falar depois disto? Nada!
Apenas suspirar, sorrir feito uma idiota
e beijá-lo ainda mais. Deslizo a camisa
de John para fora de seus ombros e o
mordo. Humm.. adoro fazer isto! John
puxa minha blusa para baixo, fazendo-a
amontar ao redor da minha cintura. Suas
mãos cobrem meus seios por cima do

sutiã. Jogo minha cabeça para trás
enquanto sua boca...
Droga! O toque do interfone nos
interrompe. Corro para a cozinha e
atendo.
– Elle, Chris está aqui. – Gabriel
me avisa.
– Chris? – verifico a hora, está
muito tarde – Certo, vou abrir a porta.
Eu e John nos vestimos
rapidamente. Quando abro a porta, me
surpreendo com o estado lastimável do

Chris. Está com olheiras enormes e
roxas embaixo dos olhos, o cabelo sujo
e as roupas amassadas. Ele
imediatamente me abraça.
– Eu fiz besteira, Elle – posso
perceber o desespero em sua voz – E eu
não sei como consertar.
– Calma, Chris! Me explique
direito o que aconteceu.
Levo-o até a cozinha e ele se
senta em um dos bancos altos.
– Eu estou apaixonado.

John entra no momento que Chris
diz isso e dá um tapinha nas costas dele:
– Que ótima notícia, vamos
comemorar!
Ele vai à geladeira pegar
cerveja. John não percebeu o estado
físico do amigo, homens podem ser tão
distraídos...
– Chris, o que você não está
contando? – pergunto.
John coloca três cervejas na
mesa e pela primeira vez olha para

Chris. Quase dá vontade de rir de sua
cara de espanto com os olhos
arregalados e boca aberta. Finalmente
ele percebeu!
– Eu vou ser pai.
Agora tanto eu, quanto John
estamos surpresos. Eu não sei o que
pensar! Se ele está apaixonado, ser pai
deveria ser uma coisa boa, não é? Acho
que não necessariamente.
– Vou trocar as cervejas por
champanhe!

– John... – falo em tom de aviso.
– E não é isso que bebem em
comemorações?
John pergunta e Chris responde
em um fôlego só:
– Eu não estou apaixonado pela
futura mãe do meu filho.
Ah, merda. Essas informações à
conta gotas estão me matando!
– Chris, explique esta história
direito – falo suavemente – Não
podemos ajudar, se não soubermos o que

houve.
John coloca três copinhos de
tequila na mesa.
– John! – aponto para a bebida e
ele dá de ombros.
– Você ajuda do seu modo e eu
do meu. Bebe aí, Chris. Pela sua cara,
vai precisar.
– Vocês querem mesmo saber?
Eu e John balançamos a cabeça
concordando. Eu quero saber faz tempo!
Chris pega um dos copos e vira a bebida

de uma vez. Em seguida, faz o mesmo
com os outros dois.
– Eu vou contar...


Bônus – Ponto de vista do John
“De tanto eu te falar/ Você subverteu o

que era um sentimento e assim/
Fez dele razão pra se perder no abismo
que é pensar e sentir”
Sentimental – Los Hermanos
Parte I – Perto do limite
Meses se passaram e a estupidez

do que fiz ainda me mantém separado de
Helena. Me arrependo de ter cantado
Sexed Up no bar, pensei que ela
escolheria o Chris e estaria mais segura
e feliz com ele.
Michele me informou no
relatório que ela tinha pesadelos
constantes, acordava de madrugada
gritando ou ficava acordada com crises
de insônia. Eu tinha certeza que ela
procuraria o melhor amigo e tudo ficaria
bem com o tempo. O meu engano foi
acreditar que Elle era o tipo de mulher
que dependeria de um homem para se
reerguer.
As coisas melhoraram sim, mas
não porque alguém a ajudou. Eu ia
intervir, mas Michele me informou que
os pesadelos foram diminuindo. A minha
Helena é uma garota forte… Minha não.
Será que um dia eu tive a chance de ela
ser minha?
Sentado na varanda, olhando
para o céu estrelado que Helena tanto
adora, pego meu violão e começo a
dedilhar músicas aleatórias. Quando a

encontrei no escritório, após a falsa
notícia do meu caso com Natasha, Elle
tentou parecer indiferente, mas falhou.
Ela estava com ciúmes, e minha mãe
costumava dizer que só se tinha ciúmes
de alguém quando você realmente se
importava com aquela pessoa. Eu me
permiti ter esperança, cansei de manter
distância. Se ela permitisse, eu tentaria
conquistá-la de novo.
Hoje foi a festa de estreia do
clipe “Real?”, ela parecia um anjo
dentro e fora do vídeo. Helena
descobriu a verdade sobre Natasha e eu
a beijei por impulso. Eu não consegui
me controlar, tinha saudades de sua
boca, seu cheiro, sua pele macia contra
a minha. Segurei seu pescoço delicado,
sentindo a pulsação acelerada na palma
da minha mão. Ela se agarrou em mim e
aprofundou o beijo. Ah, Helena! Como
senti sua falta! Percebi Elle mudar o
peso na perna de apoio e já sabia o que
ela pretendia e interrompi o beijo. Ela já
me chutou antes, acredite, uma vez foi o
suficiente.
Helena não é como as outras, ela
não aceita ser forçada a nada, mesmo
que seja algo que também queira. Eu
teria que ter paciência e ir devagar, em
seus termos. E agora ela está aqui, no
quarto ao lado, dormindo
tranquilamente.
Desabotoar o vestido dela foi ao
mesmo tempo um prazer e uma tortura.
Eu queria tocá-la e beijar cada
centímetro de pele exposta. Soltei o
último botão e suas costas estavam nuas
para mim. Tudo que eu mais queria era
deslizar as alças do seu vestido por seu
ombro, porém, ao invés disto, a puxei
pela cintura contra o meu peito.
Não sei se Helena percebeu, mas
quando eu perguntei se ela realmente
queria que eu me comportasse, ela se
apoiou em mim. Seu pescoço estava
curvado para trás, seus lábios tão
próximos aos meus que eu podia sentir a
respiração ofegante que Helena exalava
enquanto decidia o que queria.
Sua hesitação foi a resposta que

eu precisava: Helena não estava pronta.
Eu não quero que ela tenha dúvidas.
Largo o violão e volto para minha cama,
já era tarde e a gente tinha uma
entrevista amanhã. Droga! Ela não sai da
minha cabeça. Será que é pedir muito
que ela queira voltar para mim?
Adormeço me perguntando se eu gastei
toda minha sorte quando me tornei o
vocalista da Jack Rock. Eu já era
realizado com minha profissão, talvez
fosse sim pedir demais que eu
encontrasse alguém para amar.
Um grito de pavor me acorda.
Helena! Corro para a porta, mas sua voz
me para. “Arthur” ela diz, seguido por
“John, não!”. Porra! Encosto minha testa
em sua porta, eu sou o motivo do seu
pesadelo. Volto para a minha varando e
pego o violão, toco músicas em uma
tentativa fracassada de me acalmar. A
quem eu estava tentando enganar? Eu
não faço bem à Helena.
“I don't remember the moment I
tried to forget

I lost myself is it better not said
Now I'm Closer to the Edge
It was a thousand to one and a
million to two”[40]
Canto Closer to the Edge, do
Thirty Seconds to Mars. Eu estou no meu
limite. Eu não mereço algo tão puro
quanto a chance de um amor. Talvez eu
deva voltar para as noites sem sentido
com fãs aleatórias. Irrelevantes e
inconsequentes.
“No, I'm not saying I'm sorry

One day, maybe we'll meet
again”[41]
– Não conseguiu dormir?
A voz de Helena me tira do
torpor que eu me encontrava. Paro de
tocar e coloco o violão no chão. Ela se
senta ao meu lado.
– Eu dormi sim… – respondo.
– E o que te acordou? – ela
insiste e eu resolvo ser honesto.
Eu vou abrir mão dela, Helena
nunca estará tranquila e segura comigo.
Não com as ameaças de Carlos ou as
loucuras da fama.
– Você. – começo a falar, mas
Elle me interrompe:
– Desculpa, John. Eu acho que
não sou a única a sofrer nesta história
e...
– Eu estava dormindo – eu não a
deixo terminar a frase – E ouvi você
gritando os meus nomes. Você chamou
por Arthur e depois por John. E foi aí
que eu entendi.

– Entendeu o quê? – ela pergunta
confusa.
– Eu não sou bom para você,
Elle. Eu te perturbo até nos sonhos.
Agora sei porque você quer que eu te
deixe em paz.
Levanto-me para sair, mas Elle
segura o meu braço.
– Acho que tem razão, John!
Você realmente me perturba e tira minha
paz. Quer saber por quê?
– Por quê? – pergunto cansado.

– Porque ao seu lado a vida
nunca é fácil ou monótona – ela fica em
pé, de frente para mim – Você faz meus
hormônios e nervos ferverem com igual
intensidade. Minha pele anseia seu toque
e minha boca o seu beijo.
Será que ainda estou sonhando?
Envolvo minhas mãos em minha cintura,
trazendo-a para perto. Preciso senti-la,
saber que é real.
– Então, por que você foge de
mim?

– Porque meu coração quer
confiar em você, mas minha mente tem
medo. Eu já perdi meus pais, quase
perdi o Chris... Não quero te ter, só para
te perder de novo.
Ela encosta a testa em meu peito.
Porra! Fecho os meus olhos quando o
arrependimento bate em mim. Como eu
fui inconsequente meses atrás!
– Isso nunca vai acontecer, eu
prometo.
– Você já quebrou uma promessa

antes.
– Eu sou um idiota – beijo o topo
da sua cabeça – Mas um idiota que
aprende com seus erros. Já posso deixar
de ser bonzinho?
– Que bela forma de estragar o
clima, John!
Ela me bate e eu começo a
gargalhar alto.
– Calma, Helena! – mordo a
base da minha mandíbula – Afinal, eu
disse que quando parasse de ser bom,

seria melhor ainda...

Parte II – Melhor ainda
– Melhor ainda, hein? – Helena

também morde a minha mandíbula – Vou
aceitar isso como um desafio.
– Ah, Helena! Você ainda não
viu nada...
Arranho seu pescoço com minha
barba, provocando-a com beijos. Eu vou
deixá-la louca e implorando por mais…
– Não, John… – ela puxa meus
cabelos para trás, esticando meu
pescoço – Você ainda não viu nada!
Seu olhar safado é o suficiente
para me deixar excitado. Isso e não ter
sexo com ela ou qualquer outra mulher
durante os quatro últimos meses. Helena
me puxa pela camisa e me arrasta até o
colchão.
– O que você pretende fazer,
Helena?
Ela não responde, está mais
concentrada em olhar para mim depois

que tira minha blusa sem delicadeza.
Olhe o quanto quiser, Helena… Depois
será a minha vez.
– Eu pretendo – ela me empurra
e caio em cima do colchão – Me
aproveitar de você.
Helena monta em meus quadris.
A minha cueca boxer fica colada em seu
corpo, moldando sua bunda com
perfeição. Ela me beija com fome e
luxúria, se esfregando em mim. Sento-
me com ela ainda no meu colo, minha

mão desce do seu pescoço até seus
seios. Seu corpo balançando contra o
meu é o meu paraíso particular. Aperto
os seus mamilos e ela geme.
– Elle... Todos esses meses eu
fiquei imaginando como seria te ter de
volta – observo seus olhos fechado, sua
boca aberta em um gemido baixo –
Agora que te tenho, não quero pressa.
Ok?
Ela volta a me encarar, beijando-
me com calma. Sei que Helena não é

uma garotinha frágil ou delicada, mas
quero tratá-la com cuidado e carinho.
Preciosa.
Deito sua cabeça no travesseiro
e, desta vez, beijo-a com suavidade,
apreciando cada pedaço de sua boca.
Ela ainda está vestida com minha blusa.
Observo seus seios subindo e descendo,
marcando o tecido. Ela preenche a
camisa muito melhor do que eu!
Exploro seu corpo com minhas
mãos, até ficar de joelho entre suas

pernas. Me debruço sobre ela,
levantando a barra de sua camisa e
beijando aos poucos cada pedaço de
pele exposto. Exatamente como eu
queria fazer quando estava
desabotoando seu vestido mais cedo.
– John... Vai logo! -- Helena fala
se contorcendo e eu não consigo segurar
a risada.
Eu sabia que ela não aguentaria
muito, sempre impaciente! Entretanto,
quero prolongar isto o máximo que

puder.
– Dessa vez não peça que tenha
pressa. Eu não posso – coloco uma mão
dentro da boxer que ela veste,
provocando-a devagar – Quero sentir
toda a sua pele na minha mão. Preciso
ter a certeza que você continua sendo
minha.
Ela fecha as pernas, apertando as
coxas ao redor de minha mão. Aumento
a pressão e seu gemido ecoa pelo
quarto.

– Eu já te disse! Esse negócio de
“minha” não...
Calo seu protesto com minha
boca e ela me morde impaciente. Helena
retira a camisa e joga do outro lado do
quarto. Ela olha para mim com a
sobrancelha levantada, me desafiando.
Quer saber? Foda-se a calma, eu a quero
agora.
– Eu estava com saudades até
desse seu jeito impaciente! – falo e
volto a colocar minha mão dentro da

boxer dela. Circulando sem parar,
criando um ritmo que a tem gemendo e
ofegando. De olhos fechados, Helena
joga a cabeça para trás. Beijo de suas
pálpebras fechadas até os seus seios.
Primeiro provo o salgado do seu
suor com minha língua. Deliciosa!
Minha boca envolve seu mamilo,
sugando e mordendo com pressão
suficiente para que ela sinta prazer e não
dor. Helena se remexe inquieta e estou
tão duro que envolvo sua cintura com o
meu braço livre, elevando seus quadris
da cama. Suas pernas se prendem ao
meu redor e eu fricciono forte contra sua
maciez protegida apenas pela boxer.
– John!
– Isso, Helena! Este é o único
jeito que eu quero ouvir você gritar meu
nome.
Se depender de mim, ela nunca
mais vai gritar o meu nome com medo.
Eu quero ser sua fonte de felicidade, não
de angústia.
Uso meus dedos para aumentar a

pressão nela, mas as roupas estão
atrapalhando. Paro tudo e termino de nos
despir. Finalmente, Elle está nua e na
minha cama de novo. Achei que isto não
voltaria a acontecer.
– Camisinha? – a pergunta dela
me tira dos meus pensamentos.
– No mesmo lugar de sempre.
Em pé, na beira da cama,
observo Helena se esticar para pegar os
itens na gaveta da mesinha de cabeceira.
Sua bunda fica linda assim, empinada

para mim! Ainda de bruços, ela se
arrasta na cama até ficar com a sua
cabeça na altura do meu quadril. Vejo
que ela tem na mão o óleo comestível de
uva. Porra! Eu estava até agora me
segurando para não gozar logo e fazer
isto durar...
– Helena…
Aviso não sei nem o quê. Ter sua
boca em mim é algo que eu não nego, ela
pode ter tudo que quiser de mim. Ela
derrama as gotas de óleo e espalha com

o polegar. Helena me encara enquanto
coloca a língua para fora e lambe toda a
extensão. Fecho os olhos por um
segundo quando ela envolve a cabeça
com sua boca. Prenso seus cabelos em
minhas mãos e me debruço sobre ela,
alcançando entre suas pernas. Helena se
inclina para facilitar o meu acesso. Ela
me suga com força, variando o ritmo
entre rápido e devagar. Torturando. Eu
faço o mesmo com ela, rápido e depois
devagar. Sentindo meus dedos ficarem
cada vez mais molhados com o líquido
que escorre dela. Estamos ofegantes e eu
não sei quanto tempo mais posso
aguentar!
– Isso, Helena! – suplico.
Ela veste a camisinha em mim e
muda de posição, deitando de costas.
Deito sobre ela, cobrindo seu corpo com
o meu. Pele contra pele.
– Me beije, John.
Eu a beijo com suavidade e a
penetro devagar. Mesmo lubrificada,
sinto seu aperto delicioso. Aumento o

ritmo, cada vez mais rápido até ela estar
ofegante e arranhando minhas costas. Eu
sei quando ela está perto de gozar,
Helena sempre eleva o quadril,
inclinando-o um pouco para o lado.
Acho que ela não percebe que faz isto.
Ela está linda! Sua pele brilha
com o suor, seus cabelos
estão espalhados pelo travesseiro e a
boca aberta em êxtase. Eu queria
enlouquecê-la esta noite, porém o louco
por ela sou eu.

– Sinta, Helena – mordo seu
ombro – Eu sou todo seu! Só seu!
– John!
Ela mal consegue falar entre os
gemidos e eu me ajoelho, mudando o
ângulo e penetrando-a mais forte e mais
profundo. Rápido, Intenso. Arrebatador.
Sexo com Helena sempre era especial,
nenhum sexo com uma fã qualquer
poderia se comparar, por mais
experiência que a garota tivesse. Porque
sexo com Helena nunca se tratou apenas

de sexo, sempre foi algo a mais.
Ela grita e eu também.
Dominados pelas sensações e pelo
prazer. Me jogo na cama sem fôlego e a
puxo para o meu peito.
– Você está bem? – ela pergunta
e eu começo a rir.
– O quê? Está me achando fora
de forma?
– Ué, você ainda está ofegante!
– Ah, é? Da próxima vez, você
fica por cima e vamos ver quanto tempo

demora para se recuperar.
Helena pensa um pouco antes de
responder:
– Ok... Não falo mais nada! – ela
se levanta e vai para o chuveiro, eu a
sigo.
– O que você pensa que vai
fazer? – ela aponta para a cama – Você
estava sem fôlego há um minuto!
Coloco a mão no peito, fingindo
estar indignado:
– Eu só quero economizar água

pelo bem do planeta!
– Certo, bom samaritano!
Ela fala rindo e vamos juntos
para o chuveiro. Eu a beijo embaixo da
água, aproveitando para lavar – com
muita atenção – cada pequena extensão
da sua pele.
Depois, quando já estamos
deitados na cama e ela dorme
profundamente em meus braços, eu sei
que faria de tudo para manter esta
mulher sempre assim: segura, tranquila e

ao meu lado.

Parte III – Turnê
Os dias seguintes vieram para

testar a minha união com a Helena. O
primeiro obstáculo foi o Chris. Nós já
tínhamos conversado. No fundo, ele
sempre soube o quanto a Elle me
afetava, mas tinha medo que eu a usasse
ou quebrasse seu coração, como fiz com
tantas outras.
Eu não tenho ciúmes dele, agora
entendo que o amor de Chris e Elle não
tem nada a ver comigo. É algo antigo e
puro que vai além da luxúria e do
desejo. A amizade deles é ainda mais
forte do que a nossa – minha e do Chris
–, é algo que vem desde o nascimento,
que nenhuma distância é capaz de
separar.
O problema não era o Chris e
sim, a mídia. Mesmo que Helena não
fosse mais minha funcionária e nossa
diferença de idade não fosse tão grande
assim, ainda tive medo. Quando as
acusações começaram, achei que ela
poderia me deixar.
Quando eu era uma criança, eu
tinha tudo. Depois, Carlos veio e me
deixou sem nada. Quando a Jack Rock
veio e me deu um diferente tipo de
“tudo”, eu fiquei mal-acostumado. Eu
possuía qualquer coisa que eu quisesse e
não tinha nada a perder. Até Helena
aparecer. Eu quase a perdi uma vez,
jamais deixaria um informante qualquer
tirá-la de mim.

Minha suspeita recaía sobre
Nicole. Gabriel estava ocupado com os
preparativos da turnê, então fui com
Bruno para confrontá-la, ela negou tudo
e me deu álibis fortes. Bruno confirmou
que ele e Gabriel já haviam pesquisado
o assunto e não acharam nada.
Eu estava sem suspeitos.
Cheguei a desconfiar da Laura, mas uma
pesquisa rápida de Michele me
confirmou a verdade: ela estava sem
dinheiro e com pouco movimento na
clínica. Ela teria a motivação financeira
para fazer chantagem conosco e não
apenas tentar destruir nossa imagem sem
lucrar nada. O que me levava de volta
para a Nicole, mesmo que Bruno
garantisse que ela estava limpa. Merda!
Quem mais poderia ser?
Se não bastasse isto, Helena
decidiu ir apenas com o Gabriel para a
cidade dela. Eu e Chris autorizamos sua
entrada junto ao banco há dias, antes da
turnê começar. Minha intenção era irmos
todos juntos e com reforço, não entendo
porque o banco demorou tanto tempo
para liberar sua entrada.
Sentado sozinho no sofá do
camarim, antes do show de estreia,
procuro nos contatos do meu celular por
“Mr. M”. Michele foi a melhor ideia que
eu tive: altamente recomendada, ela é
discreta e competente. Como bônus,
ainda virou amiga da Elle e foi sua
companheira nestes meses. Eu vou dizer
a verdade para a Helena quando ela
voltar da viagem.
– Boa noite, M. – digo assim que

ela atende.
– Boa noite, John. Ligou para
saber o relatório? – ela se adianta –
Aqui continua na mesma, não consegui
encontrar uma pessoa fora do círculo
interno da Jack Rock que estivesse
presente em todos os locais filmados
pelo informante. No apartamento de Elle
também não houve tentativa de invasão
nos últimos dias.
– Obrigado, mas não foi por isto
que liguei. Amanhã Helena irá para sua

antiga casa com o Gabriel. Eles vão
procurar os documentos perdidos do pai
dela.
– E você quer que eu vá como
reforço? Não confia na competência do
Gabriel?
Estranho tom de satisfação em
sua voz. Qual será o problema dela com
o Gabriel? Ele era o melhor no mercado
e foi um grande mentor para mim. Não
conheço ninguém que não goste dele.
– Você sabe que eu confio em

Gabriel.
– Mesmo assim, você ainda me
quer de reforço.
– Sim. – falo contrariado. Por
mais que eu confie nele, prefiro ter uma
garantia extra. Afinal, é o bem-estar de
Helena que está em jogo.
– Ótimo, eles não vão perceber
que estarei lá – ela para por um segundo
– A menos que precisem de mim. Vou
pegar o próximo voo. Bom show, John.
– Obrigado, Michele. – respondo

automaticamente. Minha cabeça está no
que Michele falou: “a menos que
precisem de mim”.
Guardo o celular de volta no
bolso e fecho os olhos. Merda! Estou
mais ansioso com sua ida amanhã do que
com o show de estreia que vai começar
daqui a pouco. Me levanto e vou
procurar Helena, espero convencê-la a
voltar para os camarins comigo…
O show foi maravilhoso, a banda
de abertura saiu melhor do que o

esperado e o pós-show, com Helena
vindo para cima de mim cheia de
atitude, foi melhor ainda. A cada dia ela
fica mais à vontade e confiante com sua
sexualidade. É algo fascinante de ver.
Helena e Gabriel viajaram pela
manhã. Eu e os outros nos sentamos à
beira da piscina, curtindo o sol e um
momento de descanso antes de voltar
para o ônibus.
– Como você soube que amava a
Elle? – Chris me surpreende com esta

pergunta.
– Por que você está me
perguntando isto, C?
Ele se espreguiça e olha
distraído para o mar. Chris esteve
distante desde o dia seguinte à festa de
estreia do clipe. Eu não o importunei,
achei que poderia ser estranho para ele
me ver com a Helena, por isto, esperei
que ele se acostumasse. Será que eu
estava errado? Talvez haja outro motivo
que eu não saiba…

– Apenas responda à pergunta,
John.
– Eu… – penso na pergunta que
ele fez: eu a amo? – Olha, Chris, eu não
sei te responder. Eu penso nela o tempo
todo, me preocupo com sua segurança e
quero sua felicidade mais do que a
minha própria. Ela me fascina mesmo
quando me contraria. Pensar em perdê-
la causa uma angústia em meu peito.
Beijá-la é como estar no paraíso e as
outras mulheres parecem insignificantes
em comparação. Se isto é amor, então
sim, eu a amo.
Chris sorri satisfeito para mim.
– Eu nunca achei que nenhum
homem seria digno de Elle. Eu te
conheço John, todas as suas “versões” –
ele faz aspas com as mãos – E eu sei que
você não falaria isto só para me agradar.
Só tem um problema, você não
respondeu a minha pergunta.
– Eu… – antes que possa
responder, meu celular toca. O
identificador me mostra que é Gabriel.

Me levanto para atender o telefone –
Volto já, Chris.
– Como está Helena?
– John – Gabriel fala em tom
sério – Quem é Michele?
Porra!

Parte IV – Helena
Helena descobriu sobre Michele

da forma que eu mais temia: ao precisar
do seu serviço como segurança. Não
quero pensar no que teria acontecido se
não fosse por Michele estar na hora e no
lugar certo. Gabriel não é infalível e até
ele também está bravo comigo por não
ter dito nada. O problema é que Helena
tem um dom de arrancar informações

das pessoas e Michele concordou
comigo que era melhor não o colocar na
posição de ter que mentir para Elle.
Deitado no meu quarto
minúsculo dentro do ônibus, depois da
minha discussão com Helena, encaro o
teto. Eu entendi seu ponto de vista. Ela
está mais chateada por eu ter escondido
a informação sobre Michele do que a
contratação dela em si.
O que Elle não entende é que eu
precisava fazer algo para ter certeza que

ela estava segura. E no final das contas,
minha preocupação tinha fundamento,
Helena corria risco de vida. Os
assassinos de seus pais tinham
comparsas e ela era um alvo.
Levanto-me em um salto. Foda-
se isto! Ela vai ter que me ouvir. Tudo
que eu fiz foi para o bem dela. Se a
intenção era boa e a execução errada,
dane-se! Vou conversar com ela, fazê-la
entender e tentar não errar no futuro.
Abro a porta e procuro Helena

pelo ônibus, ela não está em lugar
nenhum. Vejo uma garrafa de vodca
desprezada em um dos bancos da frente.
Será que foi ela quem bebeu? Corro
para o banheiro, esperando encontrá-la
passando mal. Nada. Olho para a porta
fechada do Chris... Testo a maçaneta,
não está trancada. Abro uma pequena
fresta da porta, apenas o suficiente para
que a luz do corredor entre. Chris e Elle.
Abraçados. Dormindo. Pacíficos.
Aperto a maçaneta com tanta força que
as juntas dos meus dedos ficam brancas.
Minha vontade é ir lá e brigar com os
dois. Dou um passo para dentro do
quarto, mas mãos fortes seguram meus
ombros, puxando-me para trás.
– Eles estão apenas dormindo,
John. – Gabriel fala e fecha a porta,
privando-me da visão de Helena deitada
com outro homem.
Eu não me considero um homem
possessivo. Nunca tive problemas em
dividir mulheres, já compartilhei garotas
com Chris, Alysson e até com a Kim.

Mas a Helena não... Ela despertava um
sentimento mais primitivo em mim. Algo
que ia além da razão.
– E você quer que eu faça o quê,
Gabriel? Eu não consigo nem assistir o
clipe do anjo por causa do beijo entre os
dois! Imagina dormir no quarto ao lado?
– E se Elle tivesse escolhido o
Chris ao invés de você? A Jack Rock
acabaria?
– Não! Eu teria dado um jeito de
lidar com isto.

Gabriel não fala mais nada,
apenas me olha sério. Droga! Volto para
o meu quarto e troco a bermuda por uma
calça jeans, visto um moletom largo com
capuz, calço minhas botas e escondo o
cabelo preso no boné. Eu preciso sair
daqui agora ou farei algo sem volta.
Gabriel ainda está parado fora do
quarto, aonde o deixei. Desço as
escadas sem falar nada e instruo o
motorista a parar na próxima cidade
para eu sair.
Viro-me para enfrentar Gabriel
que está na minha cola:
– Nós vamos sair – ele balança a
cabeça concordando – E eu não quero
ouvir uma palavra sua sobre isso.
Eu sei que ele não merece que eu
descarregue minha raiva nele, mas é a
melhor opção no momento. O motorista
para o ônibus logo depois, em uma parte
de alguma cidade pequena. Não preciso
saber o nome da cidade, apenas o local
do bar mais próximo.
Ando cabisbaixo pelas ruas,

escondendo meu rosto das poucas
pessoas que passam por mim. Gabriel
me segue calado, mantendo uma
distância segura. Entro no primeiro bar
que encontro e sento nos fundos, com
uma garrafa de whisky na mão. Na
metade da primeira garrafa – ou seria da
segunda? – Gabriel se levanta do banco
do bar para se sentar à minha frente.
– Está pronto para me ouvir
agora? – ele me questiona.
– Não. – bebo o conteúdo do

copo de um único gole. Mal sinto o
gosto do álcool.
– Bob me contratou quando você
era quase um adolescente – Gabriel
ignora minha negativa e continua a falar
– Eu te vi se tornar um homem e passar
do jovem Arthur para essa máscara que
você usa, John. O garoto tímido e
sofrido foi enterrado em camadas de
confiança e narcisismo. Eu quase não
reconhecia mais o seu antigo eu.
– E daí? – pergunto enchendo o

copo novamente e aceno para o garçom,
pedindo outra garrafa antes que esta
acabe – Arthur era um perdedor e John é
amado por milhares.
– Aí é que você se engana.
Arthur era um lutador, um sobrevivente.
Uma pessoa que sabia que o mundo não
girava ao seu redor. Alguém cuja força
eu admirava, mas o John… John não
passava de mais um roqueiro com boa
voz e péssima atitude.
O garçom nos interrompe,

avisando que vão fechar e não podem
oferecer mais bebidas. Reclamo irritado
da hora, eu tinha acabado de me sentar
para beber! Como podem fechar tão
cedo? Gabriel aponta para o relógio,
mas não consigo focalizar nas horas. O
garçom passa para Gabriel o valor da
conta, me surpreendo ao ouvir o número
de três dígitos. Quantas garrafas eu
bebi? Dou de ombros sem me importar e
peço mais uma para levar. Pouco tempo
depois estamos em um táxi a caminho de
um hotel.
Gabriel pede um quarto duplo, o
lugar era simples: cama, abajur e
televisão. Todos genéricos e sem graça.
Retiro o moletom e as botas, ficando
apenas de calças e me jogo na cama, já
bebendo do gargalo da garrafa. Gabriel
me observa impassível.
– Vai ficar aí em pé a noite toda,
Gab? – enfatizo o apelido que Helena
usa.
Ele retira o terno e coloca na
cadeira ao lado. Depois, se senta na

cama que estava vazia.
– Antes de trabalhar para a Jack
Rock, eu era instrutor porque estava
cansado de seguir pessoas vazias e
mimadas o tempo todo. Sua história e a
de Chris me convenceram a deixar
minha “aposentadoria” como segurança.
Eu quis ver aqueles garotos crescerem
na vida. Nos últimos dois anos, pensei
várias vezes em me demitir. Vocês
estavam vazios, vivendo de música,
festas e mulheres, John. Nada importava.

– E por que você não se
demitiu? – pergunto com desdém,
fingindo não estar afetado por suas
palavras.
– Você começou o projeto do
Clave do Sol e eu tinha esperanças que
você ainda fosse você – ele retira a
garrafa da minha mão e a guarda na
geladeira – Eu só tive certeza quando
Elle apareceu. Você e Chris me
mostraram que podiam se importar com
algo além de si mesmos. Helena trouxe
sentido para sua vida, Arthur, e se você
a ama, deveria ser honesto com ela. Em
todos os aspectos.
Sem dizer mais nada, Gabriel
fica em pé e se tranca no banheiro. Não
demora muito para eu ouvir o barulho da
água escorrendo. Tento achar sentido em
tudo que ele falou, mas minha mente está
muito nublada para pensar. Fecho os
olhos e em minha mente só penso no
rosto de Helena e nas palavras de
Gabriel: “Helena trouxe sentido para
sua vida, Arthur e se você a ama,
deveria ser honesto com ela”. Ela
precisa saber o que eu sinto, nem que
seja a última palavra que escute de
mim…

Parte V – Real
Desde pequeno, quando tudo ia

muito bem em minha vida, sempre
acontecia algo de ruim para estragar as
coisas. Eu pensei que essa “maldição”
havia acabado quando conheci o Chris.
A tranquilidade acabou quando
Helena entrou em minha vida. Toda as
vezes que estávamos bem, algo
acontecia para atrapalhar nossa
felicidade. Sei que muito do houve foi
culpa nossa, mas outras não.
A morte de Maria foi uma delas.
Na noite da festa, quando eu entrei no
quarto que foi meu refúgio por tantos
anos, demorei um pouco para entender o
que tinha acontecido. Maria, ainda
vestida como a Bruxa daquele desenho
que tem uma sereia, estava deitada na
cama. Olhos abertos em choque e
encarando o nada. Eu pensei que ela
estava envergonhada de sair com aquela
roupa e me aproximei fazendo alguma
piada boba. Foi aí que eu vi o sangue
que vertia do seu peito.
Minhas pernas falharam e eu me
ajoelhei ao seu lado. A abracei e
coloquei a mão na ferida, tentando
estancar o sangue. Eu queria correr,
pensei em gritar, procurar ajuda, fazer
qualquer coisa! No entanto, tudo que eu
consegui foi me ajoelhar e, com a mão
em conchas tampando a ferida, implorar
que ela ainda estivesse viva.
Uma risada sinistra ecoou pelo

quarto. Um som que perseguiu meus
pesadelos durante toda minha
adolescência. Carlos me surpreende.
Disfarçado de garçom, ele estava
escondido em um canto escuro do
quarto. Ele estava armado com a faca
ainda suja do sangue de Maria. Aquilo
só foi mais combustível do meu ódio
acumulado durante todos estes anos.
Nós lutamos, tudo que eu queria
era pegar aquela faca e cravar em seu
coração. Naquele momento eu não
pensei em Helena, na Jack Rock ou no
meu futuro. Eu só queria matá-lo. O
problema é que minha fantasia de
Batman era feita de borracha resistente.
Seu material pesado restringia meus
movimentos. Estávamos brigando pela
arma quando uma batida forte e uma dor
excruciante me fazem perder a
consciência. Carlos conseguira seu
objetivo: ele enfiou uma faca em meu
peito.
Aperto Helena contra mim, ela
resmunga em seu sono e eu beijo o topo
de sua cabeça. Estamos no antigo quarto
dos pais dela e ela adormeceu em meus
braços depois da festa de aniversário de
Sam. Muitos dizem que a roupa do
Batman salvou minha vida ao impedir
que a faca alcançasse meu coração. Até
as vendas do traje quadruplicaram, o
fabricante até me mandou uma nova em
agradecimento.
Quem me salvou de verdade foi
Helena – literal e figurativamente. Ela
não hesitou em dar uma tacada na
cabeça de Carlos. Também não pensou
em futuro ou nas consequências, caso
tivesse o matado. Passo a mão em sua
cintura, acariciando a pele macia, ela
beija meu peito ainda inconsciente. Seu
toque é tão leve que tenho certeza que
ainda está adormecida.
Gabriel disse que eu era lutador,
mas ela também é: lidou com a morte
dos pais, a perda da sua zona de
conforto, minhas babaquices em seu
primeiro emprego, sequestro, tortura,
representar uma banda em turnê
nacional, Carlos, a vadia da Nicole e
seu plano insano para me conquistar.
Porra! Esse foi um dos mais difíceis
para mim.
Quando ela foi sequestrada, eu
não a vi, apenas imaginei como ela
estaria. Já no dia que o filho da puta
daquele cantorzinho de merda tentou
estuprá-la, eu estava lá. Vê-la tão
vulnerável e o quão perto ele chegou de
conseguir machucá-la ainda mais foi o
meu ponto de ruptura. Eu bati nele como
se ele fosse uma mistura de Carlos,
Nicole e dos homens que sequestraram
Elle. Chris me ajudou e quase fomos
presos por agressão. Eu não me
importaria nem se tivesse sido preso por
assassinato.
Agora estamos seguros, todos os
nossos inimigos – pelo menos os
conhecidos – foram “neutralizados”.
Minha maior preocupação era a Nicole,
os advogados do Bob conseguiram
mantê-la livre de um julgamento. Não
haviam provas suficientes para condená-
la a nada.
Antes que eu pudesse ficar

paranoico, Michele me apresentou uma
solução: vigilância eletrônica. Agora
Nicole não respira errado sem que
Michele saiba. É claro que tudo foi feito
às escondidas, apenas ela e Gabriel tem
acesso aos áudios e vídeos gravados.
Depois da traição de Bruno, eu
não confio minha casa e minha vida a
mais ninguém além deles dois. Os
seguranças extras durante os shows e
festas passam por uma seleção ainda
mais rigorosa do que antes. Michele
assumiu a posição de Bruno e vai morar
na ala vazia que era de Maria, deixando
Gabriel sozinho na ala dos funcionários.
Ela é mais competente que Bruno e, por
isto, alivia mais as responsabilidades
que antes eram exclusivas do Gabriel.
Helena se remexe no sono,
virando-se de costas para mim e indo
para o seu próprio travesseiro. Ela se
encolhe com o frio. Sua pele se arrepia,
ficando cheia de bolinhas. Puxo o
cobertor e a cubro até os ombros,
deixando apenas sua cabeça de fora.

Helena sempre reclama que eu
consigo falar as coisas mais belas. Eu
sou compositor, usar as palavras faz
parte do meu trabalho. Quando escrevi
”Real?”, a usei como inspiração sem
nem ao menos conhecê-la pessoalmente.
Ela representava apenas o ideal de
mulher, um anjo, uma salvação.
Quando me declarei na coletiva
de imprensa, meu propósito era desviar
o foco da mídia, não gostava da posição
de mártir que me colocaram por causa
do meu passado e da morte de Maria. Eu
não queria que as pessoas tivessem pena
de mim. Este é um dos sentimentos que
mais abomino, nunca gostei da posição
de “coitadinho”.
Apesar da minha intenção
principal não ter sido me declarar para
Helena, cada palavra dita por mim foi
sincera e todo o país sabe disso.
Encosto-me na cabeceira da
cama e pego na mesa ao lado o presente
que ela me deu: nossa foto com sua
declaração de amor autenticada em

cartório e plastificada. Ela tem
dificuldade de se expressar em palavras,
são suas pequenas atitudes, sua
preocupação com o nosso bem-estar e
com a banda, suas pequenas atitudes que
mostram o quanto ela realmente se
importa. Eu uso a música ao meu favor,
ela usa o carisma. Dizem que as atitudes
valem mais do que as palavras, e não
falta atitude nesta garota.
Guardo a foto e desligo a luz do
abajur, me ajeito embaixo do seu
cobertor, encostando o meu corpo ao
dela. Ela murmura “John” dormindo e eu
me aconchego a ela, adormecendo logo
em seguida, sabendo que se nós éramos
“almas lutadoras”, finalmente tínhamos
encontrado em nosso par o prêmio final.
Enfrentaríamos os desafios que nos
aguarda no futuro, conquistaríamos o
mundo sabendo que nada e nem ninguém
poderia nos separar. Juntos somos mais
fortes e nada pode abalar o nosso amor.
Fim


Fique por dentro dos outros livros da

Série Jack Rock:
Chris – Livro 4 da Série Jack Rock

Prólogo
Amor. Como a junção de quatro

simples letras podem carregar tanto
significado? É um sentimento que
representa tudo e ao mesmo tempo nada.
Seu uso é tão genérico: “amo comer”,
“amo filmes”, “amo livros”, “amo tal
ator”, mas nenhum tem o mesmo peso de
“eu te amo”.
Eu ouvi isso muito nos últimos
anos, desde que a Jack Rock começou a
fazer sucesso, as fãs gritam que nos
amam e fazem loucuras por nós. Já vi até
o meu rosto tatuado no quadril de uma
delas.
Contudo, nem isSo teve o peso
do “eu te amo” que ouvi de uma certa
mulher. Nem mesmo o “eu amo você”

vindo dos lábios de Elle teve o mesmo
efeito.
Elle… Eu sempre soube que a
amava, mas hoje sei que nosso amor é
baseado na amizade e no
companheirismo. Eu achava que por
termos crescido juntos, a única lógica
final seria nos casarmos e ficarmos
juntos até o fim.
Ela agora está com John e eu
fico feliz por eles terem se encontrado.
Os dois se completam, o amor deles

cresce mais a cada dia e é algo bonito
de se ver.
Eu posso não ter concordado no
início, achei que ele não era bom o
suficiente para ela e que não iria tratá-la
com respeito. Creio que estava mais
com ciúmes por não ser mais o único
homem na vida dela e ter que dividir sua
atenção depois de tantos anos sem vê-la
do que por realmente querê-la para mim.
Por isso não lutei tanto quanto deveria e
por consequência, a perdi.

Pensando bem, ela nunca foi
minha para perder. Por anos, eu cantei
sobre o amor e, quando precisava
comparar, sempre pensava na Elle.
Agora percebo que nunca entendi o
sentido real deste sentimento até meses
atrás, quando conheci a mulher que me
abandonou – olho no relógio – há
exatamente duas horas e meia.
Bato no volante do carro. Porra!
Que merda eu fiz? Uso o meu controle
remoto para abrir o portão da casa de
John, que agora ele divide com Elle.
Preciso do conselho dos meus amigos,
já cantei, xinguei e enchi minha cara de
bebida. Nada disso me ajudou a ter uma
ideia para conseguir trazê-la de volta.
Não preciso bater, Elle abre a
porta e arregala os olhos quando vê o
meu estado. Sim, eu sei que estou
desesperado e na merda. Sua testa se
franze, ela não consegue esconder sua
preocupação.
– Eu fiz besteira, Elle e eu não
sei como consertar.

– Calma, Chris! – seu tom de voz
é apaziguador – Me explique direito o
que aconteceu.
A sigo até a cozinha e sento em
um dos bancos altos.
– Eu estou apaixonado. –
finalmente admito em voz alta.
Minha declaração a surpreende e
ela me enche de perguntas. Eu conto
tudo para Elle e John. Abro o meu
coração para os meus amigos.
Entretanto, mesmo enquanto conto tudo

que aconteceu, uma dúvida permanece
em minha mente: existe o amor
incondicional? Daqueles que merecem
ser declamados em poesias? Algo tão
forte que faria você abdicar de sua vida
em prol de outra pessoa? Ou seria isto
apenas uma utopia para a arte? Seria eu
capaz de amar assim?
Eu não sabia ainda, mas em
meses descobriria a resposta para tais
perguntas.

Gabriel – Um dos contos do Box de

Contos da Jack Rock
Prólogo
Eu espero estar errado, eu quero

estar errado, mas sei que não estou.
Meus instintos dizem que a Senhorita
Helena está em perigo real e imediato.
Confiar nos meus instintos foi o que me
manteve vivo até hoje.

Procurei pela rodoviária da sua
pequena cidade, ela não estava lá.
Passei pela casa dos pais do Chris, não
havia sinal dela ou de Samantha. O
cemitério é minha última tentativa.
Sinto a vibração do meu celular.
– Sim? – atendo o telefone.
– Você já a encontrou? – John
pergunta frenético – Onde ela está?
Como ela está?
Tento acalmá-lo, mas ele não me
escuta. John se arrependeu do que fez
assim que ela passou pela porta daquele
bar. Ele quis correr atrás dela, porém
escapar das fãs não foi tão fácil. Quando
conseguimos, a Senhorita Helena já
havia desaparecido na noite chuvosa.
O cemitério está silencioso, o
cheiro da morte e terra molhada invade
minhas narinas. Ando a passos largos
para o mausoléu dos pais dela. Entre as
lápides frias encontro o que mais temia.
Um corpo.
Uma garota loira ensanguentada.
Outra vida perdida por minha
culpa.
Eu falhei de novo.

Capítulo 1 - O princípio
Seguro o homem pelo pescoço.

Meus dedos o prendem com força, ele
está à minha mercê. Pulsos amarrados
nas costas e meu revólver contra sua
têmpora. Um movimento do meu dedo e
ele já era.
A sala está na penumbra, sei
todas as saídas e janelas. Também sei
que virão buscá-lo, mas não por ele. Eu

sou o alvo e este cara a penas a isca.
Crac! Um barulho de vidro soa
no quarto ao lado. Aceno com a cabeça
para o meu comparsa e ele vai verificar.
Os sons de luta chegam aos meus
ouvidos. Porra! Ainda não estão
preparados para isso.
Uma granada de fumaça
atravessa a janela em um estrondo. Em
um movimento reflexo, desvio o rosto na
direção oposta. Relaxo o aperto no
pescoço dele, mas não o solto. Duas
sombras surgem em meio à fumaça.
Estou encurralado, tenho um
milésimo de segundo para decidir qual
alvo devo neutralizar primeiro. Empurro
o refém contra o homem que estava mais
próximo, eles caem no chão com o
impacto. Em seguida, atiro na cabeça do
que estava mais distante. Abaixo o
braço em direção aos homens caídos e
atiro neles também.
Vou à procura do meu ajudante,
ele estava cercado por três outros
homens. Opa, dois, ele acaba de
derrubar um no chão. Sem hesitar,
empunho a arma e atiro na cabeça dos
homens restantes. Uma sirene é acionada
e as luzes acendem. Acabou.
Apesar de ter vencido, me sinto
derrotado. Retiro o canivete do meu
bolso e corto as cordas que prendem o
pulso do meu antigo “refém”.
– Pelotão em formação, agora!
Todos os homens que derrubei se
levantam, limpam a tinta de suas
cabeças e se dirigem para o lado de
fora. Eles sentirão uma dor de cabeça
dos diabos, pois, por mais que fossem
bolas de tinta e não balas de verdade na
minha arma, o impacto à curta distância
machuca muito.
Sou o principal instrutor da
Academia. Aqui transformamos
candidatos a segurança em guarda-
costas de elite.
Já protegi famílias importantes,
famosos mimados e políticos corruptos.
Não que todo político seja corrupto, mas
aqueles que precisam do meu nível de
proteção sempre deviam algo a alguém.
Quando um amigo me ofereceu uma
posição como instrutor, eu aceitei. Não
queria mais viver neste mundo de
aparências.
– O senhor poderia atirar no
peito e não na cabeça, Comandante.
Doeria menos.
– Sim, eu sei – entrego a arma de
paintball para Bruno – Mas não posso
perder a chance de treinar minha
pontaria com alvos em movimento.
Bruno olha para mim incrédulo.
Não entendo sua surpresa, também atirei
na cabeça dele ano passado, antes de se
formar. Ele era o melhor da turma e se
tornou meu pupilo desde o início.
Consegui um emprego para ele aqui
como tutor dos novatos. Bruno é meu
braço direito, sempre me ajuda nos
testes com a turma de formandos.
– Está se sentindo enferrujado,
Comandante?
– Me chame de Gabriel, Bruno.
Você não é mais o meu aluno, somos
iguais – ele balança a cabeça
concordando – Sabe que não sou fã
desse apelido.
Meses depois que comecei a
trabalhar aqui, recebi o apelido de
Comandante. Não sei quem inventou
isto, mas logo todos me chamavam
assim e hoje me acostumei. Porém, não
mereço ter nenhuma patente, mesmo de
brincadeira. Meu passado não foi
honroso. Tenho uma mancha no meu
currículo que nunca poderei redimir.
– Comandante… Gabriel, estão
aguardando.
Foco meus pensamentos no
presente e sigo Bruno para o lado
externo. A atual turma de formandos só
estará pronta quando conseguir resgatar
o refém com vida das minhas mãos.
– Pelotão, sentido! – depois que
me tornei o Comandante, adotei o estilo
militar, ou teria sido antes? O importante
é que todos batem continência – Vocês
sabem qual foi o erro de vocês hoje?
– Não, senhor! – eles respondem
em uma única voz.
– Vocês foram precipitados! Eu
estava esperando o ataque – ando de um
lado a outro, olhando nos olhos de cada
um – Um bom segurança não deve
apenas ser o mais rápido ou o mais
forte. Ele precisa ser o mais inteligente
também! Saber o momento certo de
atacar é a diferença entre a vida e a
morte. Estão dispensados.
– Quer conhecer o grupo de
novatos? – Bruno pergunta depois que
todos saem – temos onze homens e
quatro mulheres.
– Eles estão treinando faz
tempo? – pergunto com pouco interesse.
Os novatos são responsabilidade de
outros instrutores, como Bruno. Meu
trabalho é com aqueles que resistiram
tempo suficiente e tiveram capacidade
para se tornarem veteranos.
– Cinco meses. – Bruno
responde.
Suspiro derrotado. A cada dia
ficar preso nesta escola está se tornando
mais cansativo. Um desfile sem fim de
alunos, entrando e saindo. Nenhum
realmente notório. Olho para o homem
ao meu lado, exceto Bruno. Ele é o que
mais merece minha confiança.
Bruno me leva ao ginásio
principal. Os alunos estão divididos em
grupos para treinamento: tiro ao alvo,
karatê e parkour.
Fico no final da trilha do
parkour, um esporte essencial para
guarda-costas. Ele se baseia em correr
sem parar ou desviar dos obstáculos,
ultrapassando-os sem o uso de
equipamentos, utilizando apenas os
músculos como instrumento. Aqui
acrescentamos uma nove milímetros com
balas de festim nas mãos deles. É
preciso ter prática para perseguir
alguém armado e não atirar no próprio
pé.
É a vez de uma garota na pista
do parkour. Está vestida com uma roupa
de ginástica que marca seu corpo magro
e os longos cabelos negros presos em
um rabo de cavalo. Ela começa a correr.
Parece habilidosa em superar os
obstáculos, escalando muros e pulando
cercas.
– Cinco meses que ela está aqui?
– pergunto para Bruno.
– Sim, senhor – ele olha uma
ficha que tem em mãos – Ela se chama
Michele Pe…
– Não interessa, Bruno – o
interrompo – Ela não está pronta para
avançar de nível.
– Mas, Gabriel, Michele é a
mais apta da turma. – Bruno me olha
atônito.
– Vejo que ela tem potencial,
mas observe como está cansada e suada.
Precisa de mais preparo físico. Seu
corpo é ótimo para uma garçonete de
boate, mas é muito magro para uma
segurança. Esta garota precisa de
músculos, em um combate corpo a corpo
seria facilmente superada.
– Ela é a mais inteligente e
aprende rápido. Já é monitora na parte
de informática e…
– Ótimo – coloco a mão no
ombro de Bruno e ele se cala para me
ouvir – O cérebro é a parte do corpo
mais difícil de ser treinada. Se ela é a
melhor, não preciso ver os outros alunos
agora. Quando eles estiverem
fisicamente aptos, me chame novamente.
Afasto-me de Bruno e vou em
direção à porta. Paro um instante para
vê-la chegar no final da trilha com
sucesso, porém ofegante. Seus cabelos,
soltos do elástico após o exercício,
emolduram o rosto delicado de mulher.
Ela levanta a cabeça e seu olhar
fixo se prende ao meu. A garota não
desvia em nenhum momento e nem se
sente acanhada. Da janela à nossa
direita, uma rajada forte de vento
bagunça seus cabelos, jogando os fios
soltos seus cabelos em seu rosto,
quebrando nosso encanto momentâneo.
– Bruno – o chamo novamente –
Mais uma coisa, mande-a cortar os
cabelos. Ninguém quer levar um tiro
porque essa cabeleira toda ficou na
frente do rosto dela.
Volto para o meu escritório. A
turma formanda não está pronta e os
novatos não conseguem passar nem para
o nível intermediário. Em momentos
como este, aos trinta e um anos, eu me
sinto um velho.
De longe, percebo três homens
parados em minha porta. Fico em estado
de alerta, quem serão eles?
Série Jack Rock:

Trilogia Elle:
Elle – Música, amor e amizade
Elle – Sombras do passado
Elle – Amor e redenção
Extras (Spin-off):
Box de Contos da Jack Rock
Chris


Sobre a série Jack Rock:
Eu não sei dizer de onde

exatamente surgiu a ideia da Jack Rock,
os personagens principais (Chris, John e
Elle) brotaram na minha mente. Teve um
dia em que eu acordei com essas
pessoas conversando na minha cabeça.
Era um diálogo entre o Chris e o John.
Eu escrevi a conversa dos dois, mas
deletei tudo.
Na primeira versão, o prólogo
era sob o ponto de vista do Chris e ele
contava para o John sobre o acidente
com a Elle. Ele dizia que ia buscá-la e
pedia para o John oferecer um emprego
para ela, já que ele sabia que a Elle não
aceitaria ser sustentada por um homem.
Não tinha a parte do hospital e Elle só
conhecia o John quando ele ia buscá-la
no aeroporto com Chris.
Eu escrevi em um app que bugou
e perdi umas 10 páginas. Quando fui
reescrever, percebi que não estava
gostando do rumo da história. Então,
deletei tudo e recomecei do zero. Foi
mais ou menos assim que surgiu o Jack
Rock.
Quando eu digo que não sou eu
que decido o rumo da história, estou
falando sério. Eles têm vida (e vontade)
própria em minha mente, eu apenas
digito.
Outro fato curioso é que eles não
têm uma nacionalidade fixa. Percebam
que eu nunca disse onde a história se
passa, o ano ou o sobrenome deles.
Pode ser aqui no Brasil ou não. A mãe
do John é mexicana e o pai italiano, mas
eu nunca disse onde o John nasceu. A
única com nacionalidade determina era
a Maria.
Eu nunca escrevi nada antes, mas
sempre gostei muito de ler. Fico feliz
que em tão pouco tempo, tantas pessoas
tenham gostado da história! A trilogia da
Elle está completa, mas o Gabriel
cresceu tanto que mereceu um conto para
ele. Será lançado na Amazon em breve,
e mostrará uma visão de fora de vários
eventos ocorridos durante a trilogia.
Além deste conto, haverá
também um livro só para o Chris...
Porque ele merece, não é? Eu tenho
algumas ideias loucas planejadas em
minha cabeça... Planos futuros com uma
certa autora parceira.
Me sigam nas redes sociais e
fiquem por dentro do que pode
acontecer no mundo louco do Jack Rock
e sobre outro livro com uma temática
bem diferente, mas que está louco para
ser escrito!
Eu gostaria de agradecer aos
meus leitores que me acompanharam
durante essa trajetória, minha família,
principalmente meu marido e filho,
minhas amigas piradas, minhas leitoras
betas, resenhistas, blogueiros e a você,
leitor desconhecido, deixo aqui o meu
muito obrigada.
Existem, no entanto, duas
pessoas especiais que estiveram muito
ao meu lado estes últimos meses e
tiveram uma participação especial neste
último livro da trilogia Elle: Manu
Sousa, autora de Acaso Destinado, que
me ajudou a escrever a linda letra da
música “Real?”, e Clara Taveira
(@SissyWalker111), minha revisora e
autora do livro Lena. Foi delicioso ver o
Gabriel ganhar ainda mais vida com sua
parceira! Posso roubar o Trophy
Husband, Lena e Lula para mim? Quem
sabe a gente encontra um meio termo ou
uma guarda compartilhada? Muito
obrigada por compartilhar seus
personagens maravilhosos comigo!
Obrigada e por favor, se você
gostou, avalie e compartilhe esta
história de amor e amizade. Juntos
podemos vamos fazer com que as
pessoas conheçam o mundo louco do
Jack Rock!
Aretha V. Guedes

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[1]
Apenas um lindo mentiroso...
[2]
É isso, o apocalipse.
[3]
Estou acordando.
[4]
Eu sinto isso em meus ossos.
[5]
O suficiente para fazer meu sistema
explodir.
[6]
Bem-vindo à nova era. À nova era.
[7]
Eu sou radioativo.
[8]
E eu desistiria da eternidade para te tocar,
Por que eu sei que você me sente de alguma
maneira.
Você é o mais próximo do paraíso que jamais
estarei.

[9]“
Eu estou tão cansada de brincar
Brincar com este arco e flecha
Vou dar meu coração por aí”
[10]
Me dê uma razão para te amar
Me dê uma razão para ser... uma mulher
Eu apenas quero ser uma mulher
[11]
“Ninguém sabe como é
Ser o cara mau. ”
[12]
“Ser o cara triste
Por trás de olhos azuis. ”
[13]
“Ben, nós dois não precisamos mais
procurar
Nós dois achamos o que estávamos procurando

Com um amigo para chamar de meu
Eu nunca estarei sozinho
E você, meu amigo, verá
Que tem um amigo em mim”
[14]
Quando você sentir o meu calor
Olhe nos meus olhos
É onde meus demônios se escondem
Não se aproxime muito
É escuro aqui dentro
[15]
“Agora que eu tentei
Falar com você e te fazer entender
Tudo que você tem a fazer é
Fechar os olhos e só estender suas mãos

E me tocar, me segurar perto
Nunca me deixe ir”
[16]
“E nós não nos sentimos mais atraídos
E isso é o que faz a diferença hoje,
Eu espero que você se exploda”
[17]
“De qualquer maneira, eu te escolhi e já foi
tudo gasto.
É sábado, eu vou sair,
E achar outra você”
[18]
Eu jurei que seria sincera, e,
querido, você também jurou.
Então por que você estava
segurando a mão dela? É desse jeito que

nós ficaremos?
Você estava mentindo o tempo
todo?
Foi só um jogo para você?
[19]
Mas estou tão envolvida,
você sabe que sou uma grande boba por
você
Você me tem envolta do seu
dedo...
[20]
Quem vai pedir que eu nunca

lhe abandone?
Quem me cobrirá esta noite se
faz frio?
Quem vai me curar o coração
partido?
[21]
Depois da tempestade sempre
vem a calma
Mas eu sei que depois de você
Depois de você não existe nada..
[22]
Eu não me lembro do momento que

eu tentei esquecer
Eu perdi a mim mesmo, é melhor não
dizer
Agora que estou mais perto do limite
Eram mil contra um e um milhão contra
dois.
[23]
Não, eu não estou dizendo que sinto
muito
Um dia, talvez nos encontremos de novo.
[24]
A banda Trophy Husband e todos os
personagens envolvidos com ela são da autoria
de Sissy Walker (ou Clara Taveira) e fazem
parte do livro “Lena”. Os capítulos 20 e 24 ao
30 fazem parte de um crossover entre os
nossos livros.
[25]
Eu me sinto segura
Eu me sinto assustada
Eu me sinto pronta
E mesmo assim despreparada
O mundo não é o bastante
Mas é um lugar tão perfeito para
começar, meu amor.
[26]
Eu quero o seu drama
O toque da sua mão
Eu quero o seu beijo sujo de couro na
areia
Eu quero o seu amor...
[27]
Eu não quero que sejamos amigos
[28]
Estou com febre, venha checar e ver
Tem alguma coisa queimando e rolando
em mim
Podemos não durar, mas vamos nos
divertir até o fim
Venha, baby, seja meu mau namorado.

[29]
Você é especial pra caralho
Eu queria ser especial.
[30]
Mas eu sou um estranho, eu sou um
esquisitão
Que diabos estou fazendo aqui?
[31]
Eu não pertenço a este lugar
[32]
Eu estive alto no ar
Fora da minha cabeça
Preso em um momento de emoção que eu
destruí
Isto que sinto é o fim?
Com a vida ferrada.
[33]
Eu vou envolver minhas mãos ao
redor do seu pescoço
Tão forte com amor. Amor
[34]
Olhe para as estrelas
Olhe como elas brilham para você.
[35]
Eu escrevi uma canção para você
E todas as coisas que você faz.
[36]
Você sabe?

Você sabe que eu te amo tanto?
[37]
Eu cresci de acordo com o plano?
E você acha que estou perdendo o meu
tempo fazendo as coisas que eu quero
fazer?
[38]
Nada vai mudar as coisas que você
disse
Nada vai tornar isto certo novamente.
[39]
Agora é apenas tarde demais e não
podemos voltar atrás
Me desculpe, eu não posso ser perfeito.
[40]
Eu não me lembro do momento que
eu tentei esquecer
Eu perdi a mim mesmo, é melhor não
dizer
Agora que estou mais perto do limite
Eram mil contra um e um milhão contra
dois.
[41]
Não, eu não estou dizendo que sinto
muito
Um dia, talvez nos encontremos de novo.

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Aos quatorze anos, Elle tinha

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Olho para o céu e noto que não há

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– Você não pode ir sozinho, eu vou

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– Eu sei, vá ser famoso, mas não

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Quatro anos depois

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Minha festa acabou e eu ainda

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Três dias depois

Estamos voltando de um dia

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– O que é isso, menina? – meu pai

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Você já teve um pesadelo no qual

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– Onde está Helena? – uma voz

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