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Resumo
Na obra de Henri Lefebvre a construção do conceito de “direito a cidade” localiza-se na
prática como parte do movimento do real, ao mesmo tempo em que ganha sentido como
possibilidade e projeto utópico. Traz como exigência teórica, a compreensão do papel da
produção do espaço como determinante da problemática urbana que se anuncia na
segunda metade do século XX.
Palavras-chaves: Espaço; Urbano; Direito à cidade.
Abstract
In the work of Henri Lefebvre, the construction of the concept of “the right to the city” is
located in practice as part of the movement of the real, at the same time that it gains
meaning as a possibility and utopian project. It brings as a theoretical requirement the
understanding of the role of production of space as a determinant of the urban problem
that is announced in the second half of the 20th century.
Keywords: Space; Urban; Right to the city.
Em seu livro A sociabilidade do homem simples1, Martins escreve que um novo problema
não sai do bolso do colete do pesquisador, mas surge à investigação porque antes se torna
um tema para a consciência social.
Vida privada, vida cotidiana, como objetos de conhecimento científico, são
temas da atualidade, são temas da consciência social contemporânea e o são
porque, de algum modo, são problemas para a sociedade Em relação a
sociedade não há como não tomar consciência de (novos) problemas e, em
consequência, propor socialmente um novo delineamento do que pode vir a
ser objeto de conhecimento sem que eles se proponham também, de certo
modo, à consciência do homem comum.
O debate sobre o “direto à cidade” se coloca nesta perspectiva: ele aparece como
horizonte de luta no seio dos movimentos sociais a partir do questionamento sobre o
modo como se realiza a vida urbana.
A sociedade constrói um mundo objetivo. Na prática socioespacial, esse mundo
se revela em suas contradições, num movimento que aponta um processo em curso
subsumido à reprodução das relações sociais no atual estágio do capitalismo (enquanto
relação espaço-temporal. Isto é a práxis tem por conteúdo um espaço e um tempo
realizando como sócio-espaço-temporal). O ponto de partida de nossa análise se baseia
no fato de que é no espaço que se pode ler a realidade e as possibilidades concretas de
realização da sociedade. Esse é também o plano da vida cotidiana e do lugar. Aqui
explodem os conflitos que sinalizam as contradições vividas. Esses conflitos ganham
visibilidade nos espaços públicos, hoje, lugar de manifestações dos movimentos sociais
como consciência reveladora do processo de alienação atual. Podemos afirmar que a
reprodução da cidade hoje sob um novo momento da acumulação – financeira- atualiza a
alienação do mundo através do afastamento do sujeito produtor de sua obra – a cidade -
vivida como estranhamento.
A hipótese, aqui desenvolvida é que o debate sobre o “direto à cidade” é um
momento necessário de explicitação desse processo. Portanto o que está em questão
aqui é: qual é a realidade que coloca para todos – movimentos sociais e investigadores -
o tema do “direto à cidade” e mais, como entender a contribuição de Henri Lefebvre para
este debate?
A hipótese, aqui formulada, é que o debate sobre o “direto à cidade” desenvolvido por
Lefebvre ilumina a importância do espaço na compreensão do mundo moderno como
movimento constitutivo da prática (e, portanto, da elaboração do projeto utópico).
Se parece não haver dúvidas de que entramos num período urbano sua
compreensão todavia, tem criado o que Lefebvre chama de um “campo cego” promovido
pela extrema especialização das disciplinas trazendo como consequência a ignorância e a
degeneração da utopia limitada pela análise presa ao presente, a ideia de espaço como
quadro físico, ao mesmo tempo que encobre “o urbanismo como estratégia de classe”.
(LEFEBVRE, 1970:208).
Faz parte do campo cego a vulgarização da obra de Lefebvre e ideologização do
debate sobre o direto à cidade por ele apresentado em 1968, derivado em política pública.
A chamada geografia urbana critica tem colocado em xeque a compreensão da
cidade enquanto quadro físico, ambiente construído, bem como sua interpretação
enquanto sujeito de ação que domina a investigação urbana. Iluminar este “campo cego”
tem como primeira condição uma inversão teórica: a cidade não é o sujeito que define a
ação urbana, ao contrário, a cidade é uma obra civilizatório, produto social e humano.
Esta inversão ganha importância impar ao permitir iluminar os sujeitos produtores da
cidade segregada numa sociedade de classes.
Nessa perspectiva crítica, a análise geográfica do mundo é aquela que caminha
no desvendamento dos processos constitutivos do espaço enquanto produção social e
histórica. A questão espacial2 se elabora no plano da construção do humano na medida
em que o ato/atividade de produzir espaço é em si um ato e atividade de produção da
vida. Isto é, a sociedade se constitui como realidade prática através de um conjunto de
produções: uma delas é o espaço.
Nesta condição o espaço é produto, condição e obra da realização da vida humana
(CARLOS,1994). Nesse contexto a cidade aparece como trabalho materializado ao longo
de todo o processo histórico – objetivação do sujeito. É processo de produção continuada
revelando o conteúdo da vida. Deste modo, sua produção enquanto movimento e
(momento) revela a prática espacial. A natureza da cidade é, portanto, social. Nesse
pressuposto as determinações do espaço – sua lei geral – liga-se, submete-se e explica-se
como aquelas da sociedade. Assim a produção do espaço se articula à reprodução das
relações socias de produção. A existência das coisas não existe fora da prática e a
consciência é um produto social. A criação do homem por ele mesmo em condições
práticas ilumina o cotidiano enquanto a produção do espaço é a objetivação de um
processo histórico em um mundo de coisas ao mesmo tempo em que a tomada de
consciência da alienação que sustenta o processo (além de ser seu produto).
Ao longo do processo histórico, a reprodução produz o espaço enquanto
mercadoria e nesta interpretação, a Geografia (critica) permite deslocar o enfoque do
2Ver sobre esse tema ver: CARLOS, Ana Fani, Uma Geografia do espaço, in A necessidade da Geografia, São
Paulo: Editora Contexto, 2019 pp15/28
espaço enquanto localização e palco da atividade dos grupos humanos para compreende-
lo enquanto produção do trabalho social iluminado uma sociedade de classes como
sujeito deste processo de produção. Todavia, no capitalismo a cidade como seu produto
torna-se mercadoria e o espaço se usa e vive em fragmentos. O espaço-mercadoria como
desdobramento necessário da produção, sob a égide do capitalismo, aponta a
fragmentação do espaço pelo mercado imobiliário. Esse movimento vai da venda das
parcelas da cidade até a venda da cidade como um todo, revelada pelo marketing urbano
do planejamento estratégico. Aqui anuncia-se a ideia da separação / passagem (na
história, da cidade-obra para a cidade-produto) redefinindo a práxis e transformando-a
radicalmente pela subordinação do uso (dos espaços-tempos da cidade) ao valor de troca.
Nesta dimensão o espaço traria como fundamento a desigualdade sustentada
pela contradição entre a sua produção social do espaço e sua apropriação privada3. Neste
percurso a propriedade do solo urbano se torna abstrata sob a sua forma privada
delimitando, através da norma e da lei, as possibilidades do uso dos lugares revelando a
justaposição espacial entre morfologia espacial e morfologia social. Aqui a propriedade
confronta-se com o uso (pois este revela a apropriação) enquanto necessidade, mas,
fundamentalmente também, enquanto desejo revelando o conjunto da vida social em sua
contradição entre necessidade – imposta pela reprodução econômica – e desejo imposto
pela reprodução da vida social. Esta contradição revela embates em torno da construção
–reconstrução da cidade.
Como consequência, a prática espacial urbana vai manifestando a extrema
separação/dissociação dos elementos de sustentação da vida que se fragmenta na
separação dos espaços-tempos da vida cotidiana deteriorando as relações sociais, numa
cidade vivida como fonte de privação pelas restrições ao uso e
normatização/programação do cotidiano numa sociedade desigual. Separação
importante é aquela entre os locais de moradia dos locais de trabalho. Esta prática
também concretiza a separação casa-lazer e com esta, a centralização dos lazeres na
cidade. A vida cotidiana revela-se, assim pela fragmentação dos elementos da prática
socioespacial urbana em espaços-tempos separados enquanto elementos autônomos da
vida. Estas são as características da segregação a cidade contemporânea, vivida na
3Esta contradição está no fundamento do processo de produção social do espaço. Ver in CARLOS, Ana Fani,
Espaço e tempo na metrópole, São Paulo:2017, www.gesp.fflch.usp.
4 Henri Lefebvre, A vida cotidiana no mundo moderno, Editora Ática São Paulo: 1991, p. 80
reprodução política e econômica (não sem conflitos entre esses dois planos) produzindo
a cidade enquanto fragmentação de lugares e momentos da vida urbana. Assim, prática
sócio espacial na cidade vai realizar/revelar as fragmentações: da vida (do indivíduo) e da
cidade. O cotidiano é a instância que liga espaço-tempo e que revela o esvaziamento e
enfraquecimento das relações sociais na cidade – perda de referências, isolamento e
estranhamento. Portanto à medida em que o espaço se mundializa e a sociedade urbana
se gesta e as contradições se aprofundam.
2.2 a segregação
5Tema tratado em “A tragédia urbana“ in A cidade como negócio, São Paulo, Editora Contexto, 2018 pp 43-
64
Portanto,
Se é verdade que a palavra e conceito: cidade, urbano, espaço correspondem
a uma realidade global e não designam um aspecto menor da realidade social
, o direto à cidade se refere à totalidade ainda visada. Não e´ um direto
natural nem contratual.(..) ele significa o direto dos cidadãos/citadinos e de
grupos que eles constituem (sobre a base de relações sociais) a figurar sobre
todas as redes e circuitos de comunicação de informação, de trocas. O que
não depende nem de uma ideologia urbanística, nem de uma intervenção
arquitetônica, mas de uma qualidade ou propriedade essencial do espaço
urbano: a centralidade.(LEFEBVRE, 1972:162).
5.Bibliografia
PÁDUA, R. F. O habitar como horizonte utópico. Geousp – Espaço e Tempo (Online), v. 23,
n. 3, p. 478-493, dez. 2019, ISSN 2179-0892. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/geousp/article/view/162950.
doi: https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892.geousp.2019.162950.
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