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Importa notar que esse tipo de caráter internalizou um “objeto poderoso” se imaginarmos a
intensidade de seu superego. Isto porque, a sua natureza se impõe a uma autocobrança e a
uma coerção inconsciente tamanha, que poderíamos dizer que este tipo se configura no
mais rígido mentalmente de todos os nove tipos, pelo menos em tese.
O nome já diz tudo sobre o padrão psicológico do tipo. Ele transmite arquétipos da natureza
da correção, da reforma, da moral e da norma. Pode ser um juiz, um batalhador, um perito,
mas, naturalmente, terá desenvolvido uma clara característica de crítico mordaz, mesmo
que somente este aspecto apareça de forma internalizada, para ele apenas.
É basicamente neste ponto que queríamos nos referir ao comentar sobre a “rigidez” do tipo.
Na verdade, o seu poder de crítica é altamente sugestionável, ora se inclinando para si ora
para os outros.
Por ter o seu “eu” autocentrado em um superego altivo e bastante sólido, tem forte vivência
narcísea, ao sentir-se “moralmente” melhor do que os outros e protelar a sua ação com
medo de errar; isto significa uma vivência para fora (socialista) bastante comprometida com
a perfeição do que julga certo para os outros na proporção do seu autojulgamento. No
entanto, existe a preocupação com a crítica alheia: “estão me julgando”?
Com isso, queremos situar onde achamos que se encontra a raiz da culpa no tipo
Perfeccionista, uma vez que a sua rigidez mental serve de contraponto ao que julga ser
correto, direito e perfeito. Uma posição tão ajustada só poderia receber elogios de um
superego austero e implacável, que, ao menor “deslize” da personalidade, não se faz de
rogado e pune com uma culpa horrenda digna dos mais ferrenhos déspotas da antiguidade,
longe dos quais obviamente o Perfeccionista quer estar a salvo.
É por isso que, paradoxalmente, o tipo ainda pode ser arrastado a um outro campo e
tornar-se uma personalidade ambivalente, lúdica, livre de todo o peso, que desponta “longe
de casa”, tornando-se por algum tempo aquilo que o seu mais íntimo desejo o desejar,
dando vazão às coisas originárias do seu “id”, daquela parte do seu inconsciente que é por
assim dizer “rejeitada”, tendo em vista a coerção que o superego impinge à personalidade
total do Perfeccionista em matéria de conduta e de atos normativos.
Na base psíquica do Perfeccionista há sempre uma comparação pela própria natureza que
ele despertou a partir de sua infância: “sou melhor ou pior que eles?” Afinal de contas, o
“eu” do Perfeccionista só vê um caminho correto numa dada circunstância, e é este caminho
a que se deve seguir, segundo o pensamento do tipo, pois a diversidade é alternativa que
leva ao caos.
Se pensarmos sobre a questão dramática principal do Perfeccionista, veremos que ela está
relacionada a um tipo de visão do qual qualquer outra visão ou estímulo do mundo exterior
– que seja diferente do “caminho correto” que o tipo segue – tenderá a transformar em
caos a “ordem” e a “correção” criadas na base do ego do Perfeccionista (que está
guarnecido por uma blindagem e que serve aos propósitos neuróticos do tipo para que ele
viva no mundo material e das relações humanas).
Então, uma boa célula-dramática deste tipo de personalidade poderia ser a seguinte: “Um
(a) Perfeccionista precisa andar nos trinques porque há um juiz corregedor a seu encalço”.
Cabe lembrar que o superego, segundo Melanie Klein (acima citada), começa a formar-se
logo nos primeiros meses de vida, quando o bebê passa a sofrer ansiedades de frio, fome,
barulho etc. de onde nasce um objeto persecutório internalizado em sua fantasia
inconsciente, sendo sua mãe aquela que pode mitigar os temores inconscientes,
constituindo-se dessa forma em objeto idealizado da criança.
Cria-se um jogo pelo qual a fantasia inconsciente do bebê passa a operar por introjeção e
projeção de objetos (persecutórios e idealizados), donde se inicia a formação do superego,
que na concepção de Freud é decorrência do Complexo de Édipo, vivência pela qual a
criança experimenta entre os 3 e 5 anos de vida, a partir do que, então, internaliza no
âmbito de sua personalidade as proibições, normas, regras e ideais decorrentes da
educação dos pais, professores, e da moral sociocultural.
Essa questão está na base da Psicanálise e pode ser traduzida na figura daquele pai ou
daquela mãe que exerceu forte poder de repreensão na criança, criança esta que criou uma
sólida identificação para com aquela figura, moldando-se assim o arquétipo elementar de
um grande moralista, ou de um forte “juiz corregedor” interiorizado, para cuja moral
elevada e irretocável os desejos inconfessáveis do Id (ou, então, de pessoas ou grupos
sociais de posições fora de seus padrões morais) não podem fazer frente.
Já quando pensamos sobre a questão narrativa mais padronizada que conseguimos antever
para o tipo Perfeccionista, imaginamos uma história em que o estado atual se daria quando
a figura do Perfeccionista está numa situação de equilíbrio e aparente controle.
O estado de ajuste para essa suposta problemática seria o encontro de uma solução que
fosse de acordo com os seus princípios que regem o seu código crítico-moral.
Alguns temas para histórias tendo o protagonista do tipo Perfeccionista seriam variantes
sobre valores morais, o ponto de vista correto ou a visão correta das coisas, atos perfeitos
(de um exímio cirurgião Perfeccionista), crimes meticulosos (porque o Perfeccionista aqui
pode ser um exímio perito em bombas, por exemplo), penas severas, e histórias de juiz
com rígidos códigos de moral e de justiça.
A arte e a ciência servem, no mínimo, como formas de expressão desse estado de coisas.
Dessa forma, o “mundo perfeito” do Perfeccionista transparece e nos deixa próximos a uma
questão: “somos pior ou melhor que eles, Perfeccionistas”?!
O “Dador” é tido como um bom conselheiro. Muito protetor, está sempre disposto a atender
às necessidades dos outros. Amoroso e solidário, gosta de ser útil, de ajudar o próximo. É o
ajudante sensível e leal. Verdadeiramente encorajador, sabe dosar seu oferecimento.
Prefere dar a receber. Envolvente, pode ser manipulador a ponto de se tornar insubstituível.
Da mesma forma que acontece ao grupo dos tipos de personalidade do centro instintivo ou
motor do Eneagrama, podemos compreender alguns dos aspectos mais subjetivos dos
universos psicológico, psicanalítico, dramático e narrativo que o tipo Dador traz à luz, pelo
menos em termos de traços da personalidade adquirida e de seu comportamento no mundo,
nas situações e nos relacionamentos.
É necessário dizer, aliás, que a visão crítica da literatura tradicional, como também aquela
pertencente à arte audiovisual conhecida no cinema, na televisão e no teatro, tem em
comum o olhar para a dramaturgia que esses tipos trazem em potencial, seja na pele de
João, Marcos, Carlos, Daniel, ou seja na pele de Maria, Clarice, Joana, Marcela.
Em outras palavras, isto quer dizer que já assistimos na vida cotidiana ou na vida ficcional
aos tipos de personalidade Eneagramáticos que revelam conjuntos distintivos de
personalidade, a partir da expressão de sua subjetividade e no que eles mostram em
matéria de motivação, moral e ética.
No caso do tipo Dador, podemos tomá-lo a partir de sua característica peculiar que é
praticar o ato de “dar”. Isto constituído na base do tipo tenderá a uma compulsão do ato de
maneira crescente e operacional até tornar-se hábito adquirido e motor vivo deste tipo de
personalidade no plano inconsciente.
Mas que não venham contrariar o “Dador” com a ingratidão ou com o não-reconhecimento
de suas “prendas”, pois, se isso acontecer, a raiva tomará conta dele (a) e uma grande
explosão emocional se verificará, com consequências tão funestas quanto imprevisíveis.
A origem do “jogo manipulatório” perpetrado pelo “Dador” provavelmente se deu junto à
percepção que ele tinha dos pais e à necessidade do tipo em ter atenção e amor, motivo por
que criou o hábito compulsivo de tornar-se o bem desejado nas situações, isto é, dar para
ser amado, para ser atendido em suas necessidades emocionais.
A propósito disso, por fazer parte do centro de inteligência emocional, o “Dador” tem na
“identificação” com o outro a mola mestra de sua permanência no mundo das relações, pois
a forma de operar mentalmente inclina-se à questão típica de seu tipo: “com quem estou
me relacionando? Ele (a) precisa do meu auxílio, então de que forma conquistar o seu amor
com o meu ato de dar?”
Do ponto de vista freudiano, podemos dizer que o “Dador” construiu um ego cujo “eu” se
reproduz em vários “eus”, um para cada pessoa de interesse do tipo, o que o inclina à vida
relacional dos sentimentos e dos interesses que possam estar em jogo. Isto significa dizer
que os impulsos de vida que mobilizam o tipo estão voltados para fora, para o outro, para o
grupo, para cada relacionamento importante criado e mantido pelo “Dador” ao longo de sua
vida.
As principais características encontráveis nos “Dadores” mostram que eles são afetuosos,
manipuladores, zeladores, salvadores, alimentadores, conselheiros, voluntariosos,
dadivosos, orgulhosos, mas, logicamente, não necessariamente possuindo todas elas.
Diríamos que são “marcas registradas” neste tipo de caráter, com alternância e
potencialidade entre uma e outra peculiaridade acima assinalada.
Para um roteirista, ter um personagem Dador à sua disposição é o mesmo que poder
atribuir características mitológicas do Generoso Pai ou mesmo da Mãe Provedora a um de
seus personagens, de maneira que o público possa ver a dinâmica operante no jogo de dar,
de presentear, de educar pela troca amorosa.
Sendo assim, podemos afirmar que um personagem deste tipo de personalidade faria
alguma coisa ou praticaria uma ação porque numa “segunda intenção” teria o desejo ou a
necessidade de receber amor e ser percebido em sua importância. Mas, convém lembrar,
esse jogo quase sempre é inconsciente.
Quer dizer, o “Dador” dá para ser amado. Identifica-se com alguém e oferece um “eu”
especial para aquela pessoa. A empatia é total e multifacetada, porque para cada pessoa,
um “eu” diferente, secundário e amplamente disponível está ao dispor do amado. É como se
o “Dador” abrisse uma portinha de seu coração “altruísta” para cada um a quem ama, para
que este ocupe o lugar de seus sentimentos e necessidades verdadeiras.
Ainda sobre as peculiaridades do tipo, lembramos que muitos com esse traço principal de
caráter nutrem o paradoxo de tentar manipular a troca com o outro, porém sempre exigindo
sua própria liberdade. Há, ainda, aqueles que são dependentes do parceiro e que fazem
tudo para agradá-lo (a).
“COMO FAÇO PARA DAR ESSE AMOR PARA ALGUÉM QUE AINDA NÃO CONHEÇO SE NÃO
SEI SE ELE (A) VAI GOSTAR” – OU ENTÃO VISTO NUMA OUTRA ROUPAGEM, O TIPO
PODERIA AFIRMAR O SEGUINTE: “EU QUERO AMAR VOCÊ, MAS NÃO QUERO QUE FIQUE
Talvez então a partir dessa formulação dramática básica, poderíamos ter o seguinte núcleo
ou célula dramática: “Alguém do tipo Dador precisa agradar o parceiro, no entanto deseja a
sua liberdade para fazer tudo aquilo que desejar”.
É notável que alguém que tenha vontade de fazer tudo aquilo que deseja necessite se
comprometer com alguém de forma a tentar agradá-lo de modo contínuo e compulsivo. Não
é a toa que os “Dadores” são chamados de histriônicos, pois é preciso muita “graça” para rir
da própria armadilha psicológica na qual se coloca, inconscientemente vá lá, mas não
menos contraditória – o que por si só causa estranheza quando descoberto da forma como
estamos mostrando aqui.
Uma outra característica notável no tipo em foco, seguindo uma linha freudiana, está no
fato de que a “repressão psicológica” é o artifício utilizado pelo “Dador” quando seu ego
necessita defender-se. Ou seja, a defesa psicológica da qual se utiliza faz da repressão de
ideias, sentimentos, percepções e eventos em desacordo com o seu verdadeiro “eu”, uma
maneira prática e habitual segundo a qual “escorraça” para o porão do inconsciente tudo
aquilo que pareça inadequado à expressão do sentimento ou da necessidade verdadeira que
brota do fundo de sua alma. Como resultado, deixa apenas transparecer aqueles outros
“eus” criados para servir de adequação aos seus planos de afeto para com seus “amados”.
Numa história ficcional, por exemplo, este modelo dualístico poderia ser descrito na
expressão de um personagem ao longo do seu arco psicológico, do qual conheceríamos o
conjunto característico pessoal do seu tipo de caráter, de maneira a revelar em atos,
palavras e comportamentos suas qualidades inferiores (da personalidade adquirida antes da
história) e, muitas vezes, por se tratar de ideal autoral, deixar entrever as sutis qualidades
superiores da personalidade enfocada, tendo em vista as mudanças e aprendizados
verificados ao fim de sua história.
Uma peripécia significativa seria em um momento em que ele (a) sofreria algum desafio, ou
teria a atenção mobilizada para algum obstáculo correspondente à sua relação amorosa.
Por fim, um estado de ajuste na situação pessoal do “Dador” poderia ser seu
reposicionamento no conflito, afirmando o seu orgulho (outra característica do tipo) em face
de sua importância para o outro.
Para todos os efeitos, o orgulho do “Dador” é o seu pecado capital. Em busca de sua
essência, ele teria de rumar no sentido contrário, ou seja, ir ao encontro da humildade
genuína, percebendo que o seu orgulho lhe mostra o seu desejo por importância, por ser
amado à custa de seu hábito compulsivo de dar.
Sugestões com temas para histórias com esse tipo de protagonista abrangeriam histórias de
amor, de camaleões, de manipulação, de sedução, de sacrifício, ou de supermãe, esposa,
pai ou marido, e também aquelas histórias cujo “ethos” percorreria os altos valores
humanos, como o altruísmo e o amor superior.
Na infância, o “Desempenhador” adquiriu este traço muito provavelmente pelo fato de ser
instigado a executar ações que resultavam em elogios, de modo que o tipo internalizou a
ideia de que desempenhando um bom papel, seguramente seria aceito e amado pelos
familiares e meio social. O sucesso, neste caso, mesmo que gerado por uma fantasia
onipotente, estaria garantido.
A propósito, vale acrescentar a noção psicanalítica de que uma ideia fortemente aceita pelos
pares, geralmente encontra continente no âmago de pessoas ligadas à imagem. E como o
“Desempenhador” pode ser tido como um títere narcísico, digamos assim, seguramente
guardou no disco do seu subconsciente uma ‘gravação musical’ recorrente, da qual pôde
lançar mão à medida que foi crescendo e percebendo o quanto o mundo aprova a
performance e a imagem de pessoas de sucesso.
O “Desempenhador” faz parte do centro emocional do Eneagrama, de maneira que este tipo
age por intermédio do eixo das emoções e dos sentimentos, embora, paradoxalmente, ele
embote seus sentimentos em favor do trabalho, daquilo que realiza e, por consequência, do
que isso reflete na sua imagem de executor e líder natural.
Esse tipo de personalidade é aquele que dificilmente irá admitir que tenha necessidades
emocionais, porque a ação no seu dia-a-dia é medida pela imagem de vencedor que
transmite, portanto, não coaduna com um sentimento de qualidade ‘duvidosa’ que nasça do
fundo de sua alma, porque vencedor precisa mostrar uma força nobre, protótipo de quem
não pode perder tempo com ‘ninharias emocionais’.
Esta questão ganha interesse quando vista do ponto de vista da psicanálise kleiniana. É que
criando uma imagem de vencedor, o tipo “Desempenhador” identifica-se com esta ideia de
tal modo que projeta ideais e fantasias de cunho narcísico neste novo continente.
Como o seu “eu” real fica aquém desta imagem projetada, resulta que não serve de
continente para lidar com os sentimentos verdadeiros, nascidos ou gerados pelo seu “eu”
mais profundo, com isso determinando um duo formado por um ‘agente falso’ que
desempenha performances grandiosas e um ‘agente real’ que se esconde nos porões do
inconsciente sempre querendo desmascarar aquele outro.
Através dessa dinâmica, o que ocorre é que o tipo cria o hábito do autoengano, sempre
negando seus sentimentos verdadeiros em prol daquilo que faz para iludir-se, isto é, dando
vez apenas à sua personalidade que chegou ao mundo para vencer à custa de muito
trabalho.
Já se disse que a mente cria tudo o que quiser, e isto é totalmente válido para o
“Desempenhador”, que acredita na imagem que criou. Prefere ser reconhecido pelo que faz
e ser coberto de glórias por isto. Se fôssemos reduzir a sua função em face ao seu padrão
psicológico, isto é, de acordo com a forma que pensa e manifesta o seu comportamento
comum, poderíamos dizer que ele é aquilo que executa no seu trabalho.
Em termos Eneagramáticos, a matriz dos tipos emocionais está ligada à identificação, isto é,
os tipos desse centro de inteligência, nos quais o “Desempenhador” se enquadra, estão
ligados àquilo que os outros acham deles ou como eles os vêm. Portanto, a imagem de
Narciso para o “Desempenhador” é perfeita, pois, o tipo, tal qual o mito, mergulha na
imagem projetada.
E isto no que se refere à ficção pode representar uma função dramática que tem potencial
para gerar correspondência com o público, na medida em que aquilo que se faz ou se pensa
que se é, tem peso gigantesco para um personagem que tenha o traço psicológico de um
“Desempenhador”.
Em tevê ou no cinema, ação também é personalidade, por isso podemos afirmar no caso do
“Desempenhador” que o que ele faz reflete a sua certeza de que seja o melhor possível. Em
outras palavras, a questão aqui do tipo, como do próprio centro emocional de inteligência da
qual ele faz parte, está na identificação de sua própria imagem, o que também pode
traduzir-se no seguinte: “sou o que faço e não o que sou”.
Como já foi mencionado, neste tipo psicológico, o personagem “identifica-se” com a imagem
de um vencedor e passa a sentir-se como se fosse esse “outro”.
Assim sendo, podemos sintetizar que a formação do drama no “Desempenhador” está
relacionada ao personagem do tipo que quer fazer uma coisa para agradar a alguém que
ainda não notou a sua imagem de vencedor, ou então o personagem do tipo quer distância
de seus próprios sentimentos porque percebe que eles importunam as suas tarefas ou a
execução do seu trabalho.
O “eu”, neste caso, é medido por desempenho no trabalho, e ter sucesso e prestígio
compensa o abafar do “eu” real em favor dessa imagem forjada de vencedor, mesmo
porque, assim, o tipo pode se transformar naquilo que as pessoas querem que ele seja ou
faça.
Neste raciocínio, o “Desempenhador” também pode ser visto como um “Camaleão”, que se
transforma naquilo que os outros querem que ele seja. O argumento é simples nesta visão
das coisas: “o mundo valoriza os campeões, os grandes vencedores. Logo, eu tenho de
evitar o fracasso”.
Tomando uma narrativa peculiar ao tipo, por exemplo, um estado atual comportaria alguém
desempenhando um papel de valor no trabalho. Mas que será posto à prova pela pressão de
concorrentes ou contra a sua imagem de vencedor, entrando então em luta através de uma
ação que será levada à exaustão a fim de conservar o status quo e o possível prestígio, até
resultar num estado de ajuste, quando então há uma nova transmudação para uma imagem
vencedora (mesmo que agora apenas reconhecida para si mesmo) de ser o melhor naquilo
que faz.
Dessa forma, a sobrevivência emocional estará vinculada aos rendimentos, e muita atenção
é destinada ao acúmulo de bens e posses. Como resultado, o seu valor pessoal estará
associado ao valor material. Nesta linha, tenderá a se autoenganar projetando uma imagem
de opulência: casa suntuosa com um bom endereço, viagens caras, roupas de estilista.
Na contramão, a perda de bens pode ser uma grande ameaça à sua vida. Se tiver tempo
útil sem agenda de trabalho, isso muito provavelmente produzirá nele grande ansiedade. Se
sua carreira não obtiver promoção, ele questionará o próprio valor.
Uma síntese dramática dessa ideia poderia conter o seguinte: “Alguém rico e empreendedor
vê-se perdendo bens materiais e se desestabiliza emocionalmente porque acredita que ele é
o que possui”. Não perdendo a oportunidade de humor, alguém espirituoso poderia pensar
que um sujeito assim pensa ser uma espécie de patrimônio ambulante!
Já numa conversão em situação real teríamos, por exemplo: “Um alto construtor de renome
está em franca decadência. Na sua construtora, certo dia, ele recebe a notificação de ação
judicial que pretende confiscar o prédio onde está localizada sua construtora para garantir
pagamentos da dívida.
Arrasado, ele dá seus bens como garantia e vai para outro lugar sem dinheiro algum.
Porém, recomeça a vida em um novo trabalho, dá a volta por cima e reabre um novo
negócio sob condições ainda melhores”. Assim é a mente de um “Desempenhador” voltada
ao empenho e ao sucesso.
Como se vê, o “Desempenhador” pensa que é aquilo que faz e projeta no mundo e na
sociedade. É para isso que ele se desdobra. O seu valor, assim, é assumido em razão de sua
ação e imagem de competência no estudo ou no trabalho.
Com traço carismático, sensual, muitas vezes camaleônico e com grande capacidade de
execução, assim é o tipo visto da forma mais externalizada. Mais próximo à essência, no
entanto, o “Desempenhador” se aproximará do que é de fato, da verdade de seu ser, e não
apenas uma imagem projetada no mundo social.
Vendo sob uma lente espiritualista, a ideia de imagem de sucesso não significa mostrar um
aspecto ilusório criado por uma mente que se engana, pois tudo que a cercaria seria apenas
projeção dessa mente enganosa.
O mundo da essência, todavia, não admite engano, portanto a ideia de imagem de sucesso
deve corresponder à fidelidade do ser verdadeiro cuja mente sabe que o sucesso real é
revelar o atributo mais elevado da personalidade. No caso do “Desempenhador”, a
honestidade para com si próprio.
A propósito de sonhos e devaneios, este tipo tem forte inclinação a ansiar sempre o melhor
fora de seu alcance palpável, isto é, idealiza pessoas, situações e momentos agradáveis,
pois acredita que o que vive ou sente não é o ideal ou está longe de fazê-lo feliz.
Do ponto de vista psicanalítico, o “Devaneador” foi uma criança que se sentiu abandonada
ou que teve um sentimento de perda irreparável. Provavelmente sem a presença dos pais
(mesmo que presentes podem ter sido ausentes) para servir de continente aos anseios e
emoções da criança “devaneadora”, ela cresceu vinculada ao sentimento de perda iminente,
por isso ansiando ideais complementares para um fantasioso desejo expelido do ego.
O tipo ainda pode se subdividir em aqueles que são hiperativos, ansiando por competições
na esfera do relacionamento a dois, ou ainda serem “sofredores crônicos”, chegando às
raias do temerário modo de sobrevivência, à custa de um círculo vicioso do qual a perda e a
retomada podem fazer parte do habitual comportamento.
Importa dizer ainda que a “inveja” está por detrás do comportamento do “Devaneador”. É
esta paixão mais universal que o conduz à arena das relações, mas de modo latente ou
quem sabe ainda agindo de maneira subliminar.
Dessa forma, o que o tipo faz ou como ele age tem como pano de fundo a presença
insidiosa de sua paixão característica, que ao exercer tal preponderância, impulsiona o tipo
à vida íntima e social, bem como à própria sobrevivência física.
Mas, por outro lado, esse tipo de narcisismo é compensado pela necessidade que o tipo tem
de atenção externa à base de identificações idealizadas (ou devaneadas), de maneira que
os impulsos de vida gerados no inconsciente do tipo são voltados para o grupo, para o
mundo exterior, resultando em um dado equilíbrio entre seu narcisismo e seu socialismo,
para usar termos de Wilfred Bion (psicanalista inglês morto em 1979).
Sobre o ego do “Devaneador”, vale ainda acrescentar que ele cria uma imagem de que tudo
custa muito para ser realizado ou alcançado. Um personagem desse tipo, por exemplo, pode
possuir um bem, entretanto ele ainda não é o melhor, porque o melhor está longe ou lá
adiante de seu nariz, inalcançável, distante, apenas e tão somente tocado por seu sonho ou
romantismo trágico.
No que se refere ao drama, o “Devaneador” poderia ter sua questão dramática reduzida a
“não tenho o que me faz feliz”. Neste caso, um personagem deste tipo no cinema, cujo
valor estético abrange o comportamentalismo – ou a forma atuante do personagem em
movimento -, faria ou tentaria fazer coisas para atingir o inalcançável, e, como isso se
tratasse de um hábito gerador de pensamentos ilusórios, seria um personagem
obcecadamente sofredor, repetindo atitudes geradas no seu inconsciente.
Aliás, o tipo “Devaneador” é considerado pelos especialistas na área como o tipo que mais
sofre dentre todos os nove principais traços de caráter que fazem parte do Eneagrama.
É possível ainda extrair uma célula do ponto de vista dramático que se encaixaria
perfeitamente ao “Devaneador”: “alguém do tipo idealiza algo de muito valor para si, mas
vê-se contrariado porque não é aquilo que imaginou, ou não acontece da maneira como
esperava que acontecesse, passando a ter então um comportamento fora dos padrões
comuns”.
Seria o caso aqui, por exemplo, de um personagem vaidoso que no auge de uma conquista,
em vez de se comportar dentro de uma conduta social recomendável perde a compostura
para interpretar um “novo personagem dramático”, tudo com o pretexto de ser real,
verdadeiro, genuíno e apaixonado.
Interessante notar, entretanto, que, mesmo ao se ter sucesso com aquilo que é desejado,
no caso desse tipo de personalidade, não se pense que ele (a) se dá por satisfeito (a).
Longe disso. Como num jogo de repetição, um novo devaneio se cria em torno de um
objeto, e então se dá o reinício do mesmo processo de infelicidade por não se ter aquilo que
não está ali em sua posse imediata e atual.
Como já dissemos, os tipos emocionais têm o hábito existencial do tipo, digamos assim, da
“identificação”, e no caso do “Devaneador”, ele se mira em padrões de beleza ou de
felicidade de pessoas e grupos bem-sucedidos.
A visão de mundo do “Devaneador” pode ser sintetizada como “algo está me faltando e os
outros devem possuí-lo; deixaram-me na mão”. Com esta visão, é natural que sua atenção
se volte para as pessoas em busca de amor e reconhecimento.
O estado de ajuste nesta questão se daria no momento da volta ao círculo vicioso do tipo,
isto é, o retorno à idealização de novos interesses, recomeçando tudo de novo pela busca
que começa a se formar no desejo ou no ato de sonhar acordado para alcançar a matéria
volátil do inalcançável objeto de felicidade.
Alguns temas comportariam a história desse tipo, por exemplo, amores ou sonhos
impossíveis, inveja, renúncia ao sofrimento, competição renhida, quebra de regras, dentre
outros tantos possíveis.
Na via oposta das vicissitudes do tipo, podemos encontrar a equanimidade como fonte
original da essência do tipo “Devaneador”. É a velha questão do autoconhecimento que
prega um retorno à essencialidade do que somos, e isso só é possível quando a
materialidade do visível é posta sob a luz da verdade que diz que o espírito antecede a
matéria, e que, portanto, somente valores espirituais é que possuem a consistência do real
– quer dizer, real no sentido de Real mesmo, eterno, indivisível e substancialmente vivo e
perene.
Como se nota, uma contradição cabal acontece no âmago do “Devaneador”, qual um digno
faquir que estará sempre pronto a buscar o inalcançável até o instante em que conseguir
interromper esse seu círculo vicioso.
Entretanto, para que esse padrão seja interrompido ou modificado, será preciso exercer a
observação de si até poder alterar e adotar uma nova postura mental, isto é, se o
“Devaneador” perceber interiormente, nas engrenagens de seu automatismo, como se dá
essa roda viva girante da interminável busca pelo inacessível, ele conseguirá um feito
milagroso para qualquer autor inspirado: escrever a sua história e mostrar o quanto é
“doentio” ser um romântico, o quanto é “trágico” exagerar as emoções. Será que haverá
público e dramaturgia que resistam a esses ingredientes?
Com este texto, entramos na esfera intelectual do Eneagrama, na qual vamos tratar do
primeiro tipo de caráter batizado aqui de “Longevidor”, ou aquele que “observa de longe”,
buscando não se envolver emocionalmente com pessoas e fatos.
Este tipo intelectual é conhecido pela sua capacidade lógica e cerebral, preso à paixão da
avareza, e a sua condição cognitiva pode estar então relacionada à paixão por uma espécie
de retenção de saber, de conhecimento.
Em termos de persona fica fácil ver o “Longevidor” como um professor vestido com uma
camisa axadrezada e enfeitado no rosto por grandes óculos de aros quadrados. Claro que se
trata de uma visão estereotipada, mas, como estamos pensando em termos visuais, o tipo
que mais se enquadraria visualmente nesse padrão de personalidade seria este.
Quando criança, o “Longevidor” deparou com uma ‘ruptura’ emocional e, à feição do que
ocorre com o tipo “Devaneador”, sentiu-se abandonado em suas demandas emocionais,
criando, assim, um distanciamento através do qual pôde, por sua vez, aparelhar recursos
mentais pelos quais elaborou mecanismos para lidar com sua solitude emocional.
Ou, de outra forma, na infância, a criança defendeu-se da forte intrusão familiar, na qual
estava implícita uma forte carga emocional contra a qual procurou defender-se. Para isso,
criou uma “distância emocional” o que acabou limitando-o por um lado e o favorecendo por
outro, ao aparelhar a sua mente para reter e elaborar sentimentos e emoções e separá-los
em compartimentos.
Esse procedimento, mais tarde, torna-se mecanismo habitual do “Longevidor” e lhe serve
como base comportamental para “fugir” de relacionamentos e envolvimentos que o
pressionem emocionalmente.
Essa hipersensibilidade pode ser sentida por uma sensação de fraqueza ou vulnerabilidade,
avançando até uma forma sensível de lidar com o mundo objetivo.
O tipo “Longevidor” pode acrescer a uma personagem características que modelam a sua
capacidade cerebral de ver e analisar as coisas. Portanto, pode conter numa só
personalidade traços de observador, investigador, racionalista, filósofo, condescendente,
calmo, delicado e aparentemente insensível por estar à parte dos sentimentos, embora
paradoxalmente contenha dentro de si um forte traço hipersensível.
Todos esses traços apontam para um tipo esquivo e que está sempre em contato com seus
pensamentos e distanciado do mundo efervescente das relações humanas e emocionais.
Entendendo que este tipo de personalidade faz as coisas de longe e distanciado dos
sentimentos, podemos avançar na compreensão de que ele está vinculado à consideração
interna.
Quer dizer, está sempre em contato direto com pensamentos – analisando, julgando,
examinando e questionando -, de forma que em vez de priorizar a consideração externa
relacionando-se abertamente com pessoas, volta-se automaticamente à consideração íntima
envolvido em seus pensamentos e análises racionalizadas.
Essa “consideração interna” da qual falava George I. Gurdjieff (sábio russo morto no século
passado), é a que está no centro da preocupação principal dos tipos de personalidade do
centro intelectual, onde se inclui o “Longevidor”.
A preocupação do “Longevidor” poderia ser descrita como uma espécie de koan (espécie de
sentença paradoxal e que busca alertar para uma compreensão maior sem o uso da lógica):
“Antes só do que sozinho com alguém”.
Aqui reside a fixação cognitiva do tipo, da qual falou Cláudio Naranjo (psiquiatra chileno), e
que está ligada à retenção e à auto suficiência geradas pela mesquinhez, ou, como foi
mencionado, pelo minimalismo do “Longevidor”.
Então, uma célula dramática viável para um protagonista “Longevidor” seria: “Alguém do
tipo reluta em dar alguma coisa que lhe é muito caro, mas vê-se pressionado a ceder,
passando então a defender o que é seu e/ou o seu espaço privado”
Vale notar que nesta célula dramática está implícito um conflito próprio do “Longevidor”,
relacionado à sua paixão (avareza) – e como já dissemos em outra oportunidade, todos os
tipos Eneagramáticos giram em torno de uma paixão especificamente, embora os chamados
pecados capitais estejam traduzidos dentro de nós em diferentes maneiras e escalas.
Enredos com o tipo caberiam, por exemplo, em histórias de forasteiro, ou do estranho que
se refugia em algum lugar. A célebre novela “O médico e o monstro”, de Robert Louis
Stevenson alude ao tema da dupla personalidade: enquanto “médico”, o personagem desta
novela apresenta traços do “Longevidor” na medida em que ele se “esconde” de um mundo
social para adotar uma postura que aos olhos dos outros denota retração e estranhamento.
O que se entende, então, é que todos os tipos têm uma configuração estática tomando por
base sua psique. E nisto está implícito uma paixão central fixada por traços cognitivos
específicos, somando-se, por outro lado, um modo dinâmico pelo qual a bipolaridade –
situação segura e insegura – também é determinante porque há uma nova tomada de ponto
de vista conforme a posição do tipo no diagrama; ou seja, para que outro ponto ou tipo ele
se inclinará quando estiver seguro ou inseguro psicologicamente.
Convém atentar para a ideia de que alguém que se sente seguro à distância de outros pode
limitar o desenvolvimento pleno de sua exteriorização, como é o caso do “Longevidor” preso
aos seus mecanismos psicológicos recorrentes; ao passo que alguém mais assertivo, com
boa dose de reflexão e comunicação pode ser o mesmo “Longevidor”, mas agora dotado de
características importadas de seu ponto de conexão (como o é o tipo “Patrão”), valendo-se
então de um ganho substancial em sua vida.
Pode-se ter ainda um personagem “Longevidor” com suas próprias características evoluídas,
por exemplo, com um cérebro capaz de sistematizar fórmulas, estudos, planos ou projetos,
ou então como um brilhante pensador ou notável psicanalista, pois os recursos peculiares
do tipo estariam desenvolvidos plenamente.
No fim, caberá ao autor saber como fará uso desse manancial arquetípico, para que leve
adiante a construção de um personagem com um determinado padrão de personalidade.
Variantes e fusões de traços podem ocorrer ao infinito, pois sabemos que uma
personalidade recebe influência de vários fatores para ser o que é. Talvez resida aí a chave
de um bom personagem: mesclar o padrão psicológico de seu caráter com aspectos
multifacetados do que observamos dos seres humanos. E sendo este um ponto crucial da
vida do autor, ele estará agindo feito um “Longevidor”, o qual se afasta das emoções para
observar com a sua mente arguta, analítica e espreitadora sua própria vida e a de outros
seres humanos.
Ainda não escrevemos sobre o tipo “Latitudinário”, que será objeto de nosso próximo
estudo, sendo que agora passamos a refletir sobre o tipo de “Legalista”.
Este tipo de personalidade está centrado no medo, isto é, sua maneira de expressar-se na
vida e em sua contingência gira em torno do medo e de suas variantes como a dúvida, o
questionamento e a desconfiança.
Pode haver, ainda, dois tipos de “Legalista”: o chamado “fóbico”, cujo padrão de
comportamento vincula-se ao medo típico pelo o qual o encolhimento ou a fuga do objeto
temido pode ser reconhecido no tipo; ou, na trilha oposta podemos encontrar o “contra
fóbico”, cujo modo de transparecer o medo é por seu encobrimento através de um
enfrentamento diante do perigo, real ou imaginário, enfrentando o seu medo com o próprio
medo disfarçado de coragem.
Podemos dizer que o tipo é um “Legalista” por sua forma de se conduzir no mundo, sendo
leal e vinculado ao pensamento ordenado ou regido por leis que buscam razões seguras
para a sua atuação diante de pessoas e coisas.
É por isso que podemos entendê-lo como uma espécie de caçador de indícios perigosos ou
suspeitos em ambientes e pessoas, erguendo-se a um patamar no qual prevalecem ideias
ou questionamentos que visam estabelecer uma sequência lógica de eventos à sua própria
segurança.
Falamos da dúvida no “Legalista” como uma característica, e, por ser ela cognitiva,
podemos entender que, quando criança, o tipo reagiu à perda da fé (segurança) permitindo
o início de um círculo vicioso em torno da coragem, justamente para suplantar a dúvida
(covardia) ou a falta de fé.
Falando em pessimismo como marca de sua personalidade, podemos emendar dizendo que
a desconfiança é o seu par predileto. Portanto, devido a esses traços, o “Legalista” constitui-
se em excelente “advogado do diabo”.
É também protetor dos desvalidos, assim como um fazedor de rebeliões, porque na base de
sua personalidade age a projeção como mecanismo de defesa inconsciente, cujo principal
traço característico é atribuir a outros culpa e justificativas por provocarem nele,
“Legalista”, a ansiedade e a insegurança.
A causa está no medo, base motora do tipo, que desencadeia imagens e emoções que não
encontram respaldo na psique do “Legalista”, fazendo com que a consciência do tipo projete
para fora do ego aquilo que lhe infunde temor, insegurança ou dúvida.
É fácil reconhecer isto quando um indivíduo age dessa maneira por não lidar com
frustrações. Não aceitando ser frustrado ou tendo sido negada a sua reivindicação
aparentemente justa, o sujeito, com uma raiva justificada cuja base é o medo contra fóbico,
reage imputando ao objeto frustrante toda a culpa pelo seu estado.
Ou seja, a reação contra fóbica do medo tem como base a vitimização, e é este o traço
principal que diferencia o “Legalista contra fóbico” do “Patrão”, outro tipo que tem como
característica a agressividade diante daquilo que lhe pressiona o ego.
Vale compreender ainda que o “Legalista” é um tipo mental, e, como tal, vive muitas coisas
em sua mente. Assim, trata-se de outro tipo que considera internamente, isto é, dá muita
importância (inconsciente, é claro) às coisas fabricadas por sua mente, razão pela qual pode
se distanciar da verdade ou da realidade objetiva das coisas – da forma como elas são de
fato e sem o investimento de possibilidades imaginárias ou ilusórias.
A expectativa também pode entrar aqui como um fator imaginário e deturpador da mente
cética do “Legalista”, que irá prever o pior em algum evento do qual existe alguma
esperança de resultado satisfatório; ou, de outra forma, fantasiando possibilidades
negativas ou irreais, por elas ainda não terem sido concretizadas na realidade objetiva ou
fora de sua consciência, em relação às suas prementes expectativas diante da consecução
de seus projetos.
Como este tipo inclina-se habitualmente para a consideração interna, uma questão
dramático-filosófica paradoxal do tipo koan poderia ser formulada assim: “questiono e
questiono; por isso, duvido”.
Visto de uma forma existencial, diríamos que é como se o “eu” do “Legalista” sentisse a
segurança como uma meta inalcançável ou intransponível devido à mente cética que cultiva
habitualmente, o que pode alimentar sua própria neurose ou paranoia.
Metaforicamente, seria ter sempre à mão uma escada para fazer a dúvida subir e à medida
que ela fosse subindo só permitisse haver ação efetiva rumo à concretização de algo em
foco quando não houvesse mais nenhum degrau a ser sobreposto.
A luta que ele enfrentaria aconteceria por pressões inesperadas que exigissem decisões
práticas do “Legalista” (um de seus entraves mais comuns é o agir natural, sobretudo num
movimento de estresse como este exemplificado), por exemplo, num provável empecilho de
fugir desse lugar.
Já o ajuste à situação poderia ser qualquer modo de o “Legalista” se ver livre desse
momento de perigo (real ou imaginário), quem sabe fazendo-o enxergar coisas que não
conseguia ver, ou fazendo aceitar determinadas regras que recusava aceitar, ou mesmo
fazendo-o adotar uma postura que estivesse na contramão de seu traço antiautoritário
frente a tais circunstâncias. Isso tudo respeitando o padrão psicológico uniforme do tipo
“Legalista”.
Temas de histórias para o tipo podem falar de dramas que envolvam riscos e perigos, luta
contra autoridades, defesas dos oprimidos, personagens do tipo “oh dúvida cruel!” e
dramatizações de estados fóbicos, entre outros.
Para o roteirista, um personagem do tipo “Legalista” pode ter muito interesse dramático na
medida em que apresenta um conjunto dinâmico de inquietação intelectual (não é à toa que
ele faz parte do centro de inteligência intelectual do Eneagrama).
Este aspecto coloca em evidência uma questão sutil porém interessante: através de sua
predisposição ao medo e por conseguinte à desconfiança e à duvida, um personagem
“Legalista” pode desencadear subtemas potenciais da história resultante de seu traço
cognitivo característico em torno do questionamento das coisas, o que pode ser de grande
valia ao conteúdo dramático da história.
Um personagem cético, medroso, desconfiado, rebelde, protetor dos fracos, sem dúvida,
carrega em si mesmo uma bomba-relógio programada de período em período para explodir
em atitudes apocalípticas e vitimizantes.
É interessante para o roteirista ter em suas mãos personagens que sejam emocionalmente
predispostos a esperar masoquisticamente pelo pior, ou em “ver” coisas perigosas
ganharem tons e formas monstruosas (imagens cinematográficas), ou ainda reagir
intempestivamente contra autoridades, em defender os mais fracos – e tudo isso é parte da
psique do “Legalista”.
Sugiro ao leitor então um exercício com esse tipo: tome essas características citadas e tente
você mesmo (a) encontrar uma personagem “Legalista” visto de seu ângulo pessoal.
Certamente, você criará um representante que poderá iluminar pelo menos algumas dessas
características citadas em relação a esse tipo de personalidade, causando, assim,
identificação direta com o espectador, uma vez que todos nós temos dentro da gente esses
traços, ainda que em proporções diferentes, e isto se deve ao fato de que necessitamos nos
sentir seguros nesse mundo “perigosamente ameaçador”. E aí vai arriscar? Não deixe que
“medo” do Legalista o (a) paralise!
Cabe ratificar que os nomes utilizados para os tipos de personalidade nessa série de textos
foram escolhidos digamos dentro de um esquema deliberado que batizamos de “PDL”, ou
seja:
É o caso do tipo aqui em foco, o “Latitudinário”. Este título revela, pelo menos
implicitamente, uma largueza de possibilidades de compreensão. E esta largueza está
diretamente ligada ao tipo “Latitudinário”, na medida em que ele abrange em suas
inclinações peculiares necessidades de abranger múltiplas opções de ação em sua vida
corrente. Este padrão mental de viver busca “obstruir” o canal por onde inexoravelmente
situações dolorosas ou frustrantes possam atrapalhar seus planos e escolhas prazerosas e
otimistas.
Vale ter sempre em mente a razão metapsicanalítica que possibilita a compreensão lógica
do sentido do “eu” se “apropriar” de um tipo de personalidade com finalidades de sobreviver
neste mundo: a partir do abandono (ou distanciamento) da essência do ser em sua infância,
em decorrência de seu ingresso na dinâmica civilizatória do mundo material, o que irá exigir
adaptação e redirecionamento para as estruturas sócio educacionais vigentes, o ser humano
perde contato com aquilo que é verdadeiramente essencial em sua personalidade.
Este processo é conhecido mitologicamente como “Queda” (a mais famosa “Queda” é aquela
cometida pelos nossos pais ancestrais, Adão e Eva, e que resultou na queda de estado a
partir, digamos, de uma ‘desobediência edênica’).
A resposta talvez nem seja afirmativa em todos os casos, pois depende de que maneira
esse autoconhecimento penetra nas camadas mais interiores do ser, a ponto de transformar
padrões habituais de sua mente pessoal; e estes padrões, na maior parte das vezes
defensivos, acabam por se tornar mecânicos a fim de servir às neuroses típicas do complexo
da personalidade atuante e dominante do ser.
Uma mudança efetiva, neste caso, passaria por um trabalho pessoal de identificação do tipo
de personalidade, somado a uma forma de atenção redobrada para os atos mecânicos
gerados pelas defesas do ego e também um trabalho de sensibilização e auto-
observação através do qual a atenção possa se voltar à realidade presente na detecção das
formas ilusórias encontradas pela persona para prevalecer-se sobre o mundo e as pessoas
em seu entorno.
No caso do “Latitudinário”, diríamos que uma posição saudável de sua “máscara” é revelar-
se repleto da seiva da positividade – isto se entendermos como positividade uma forma de
vida construtiva através da qual procedendo com otimismo e vendo sempre o lado prático
das coisas podemos elevar a autoestima em busca da realização de planos e projetos
nascidos de ideias e percepções cujo combustível são as motivações emocionais que
indicam uma certeza intuitiva e que movimenta a fé pela concretização do que se pretende
fazer.
Dessa forma, ele pode ser visto como um irremediável otimista que pode adorar aventuras
amorosas e, quando intelectualizado, também aventuras ideológicas, bastante atraído por
um modo gourmet de vida, haja vista a sua “gula”, paixão central que orienta a expressão
do “Latitudinário” para a vida.
Este tipo personalidade é próprio de muitos comediantes, se se pesar que nele exista a
tendência de levar a vida “brincando”. Como faz parte do centro intelectual do Eneagrama,
inclina-se à “racionalização” como meio de defesa psicológica. Desta forma, ele irá
racionalizar suas falhas e faltas buscando justificativas para suas escolhas e ações na vida.
Um tipo de personagem com esse padrão de personalidade poderia agir não só como um
bufão, mas como um engraçado personagem sempre disposto a divertir-se diante das
inúmeras possibilidades que sua mente projeta no mundo.
Visto do ângulo da formação do drama no “Latitudinário”, este “eu” poderia querer realizar
aquele “lance bacana” que somente começou mas que não consegue terminar, ou, de outro
modo, poderia desejar correr de um lugar ou trabalho rotineiro que não lhe traz qualquer
prazer.
Um estado de luta nessa questão seria o tipo se voltar a uma ação mobilizadora de sua
atenção para uma multiplicidade de afazeres, em favor do prazer e contra a dor ou medo,
até que, num estado de ajuste, pudesse então retornar à segurança de uma situação de
aparente tranquilidade, graça ou otimismo.
Na verdade, todos os tipos Eneagramáticos tratados nessa série de textos têm em comum
características observáveis em todos os seres humanos constituintes de personalidade ou
caráter. Uma vez que se conheçam os padrões de cada tipo de personalidade, mais fácil fica
escrever sobre ele quando investido em um personagem de ficção.
O tipo “Latitudinário”, por exemplo, sugere atores que tenham características juvenis,
alegres, expansivas ou comunicativas. É muito comum no cinema americano, onde
encontramos uma gama diversa de personagens universais, termos atores representando
seu próprio tipo de personalidade no filme. Não há outra explicação mais lógica do que esta:
atração por semelhança. Existe um bom estudo sobre isto escrito por Thomas Condon.
Escrever personagens e histórias exige do roteirista um olhar especial para dentro de cada
tipo de personalidade, e os tipos padrões comentados nessa série podem ajudar a conhecê-
los de pontos de vista diferentes como o psicológico, o intuitivo, o comportamental, o
dramático e o narrativo. Foi essa a nossa tentativa com esses textos.
Vamos tomar cada tipo de padrão de caráter como uma forma de compreender sua forma
de responder a seu próprio narcisismo assim como em relação ao mundo externo, ao grupo
(socialismo), para usar os termos desenvolvidos por W. Bion (um dos mais importantes
psicanalistas do século passado).
Dessa forma, interessa-nos falar de como os impulsos de vida (Eros) se mobilizam em cada
tipo de personalidade aqui por nós estudado, sem nos esquecer de como o lado contrário se
caracteriza nos tipos, isto é, como o imobilismo se verifica em cada um dos padrões de
caráter, geralmente se constituindo numa visão biológica-constitucional pelo aparecimento
de uma repetição de comportamentos (neuroses, vícios, tendências mentais, etc.).
O poder de observação aliado à intuição é que determina uma vivência profunda sobre os
tipos, isto, claro, depois de conhecer aspectos e características de cada um deles, o que
passamos agora a fazê-lo.
Aqui, neste texto, escolhemos falar sobre o tipo 8 do Eneagrama, conhecido como “Patrão”.
Patrão, porque é briguento, justiceiro, exagerado, protetor, animal sem dono, chefe, líder
natural e mestre em soluções. Faz parte de sua natureza ser instintivo, agir
agressivamente, usar sua voz de comando e senso forte de controle.
Se fôssemos avaliar a questão dramática do Patrão, poderíamos dizer que ele se mostra
dessa forma ostensiva e que age de acordo com a sua verdade, porque, no fundo, luta para
ser amado. O seu “eu” tem como dilema interno o hábito fundamental de defesa, isto é, a
sua defesa é ir contra os outros, mas, mesmo brigando, ele permanece ligado ao amor e a
aprovação alheia.
Importante ressaltar que pelo fato de ir contra os outros, ele mostra uma contradição
aparente, como o fato de “brigar para ser amado”. Obviamente que o senso comum não vê
dessa forma.
Em princípio, ninguém que receba a agressividade de um Patrão irá pensar que ele deseja
ser amado, sobretudo da forma que escolhe para isto. Contudo, psicanaliticamente, isto
pode ser explicado a partir dos impulsos de vida e de morte (de acordo com Freud): na
medida em que um tipo de personalidade como o Patrão mobiliza intensamente seus
instintos para o mundo externo, buscando confronto e rivalidade, ele desestabiliza o seu
mundo interno (narcisismo), dessa forma desequilibrando os dois campos dos quais o Ego é
regulador: o mundo interior e o mundo exterior.
Desse modo, essa “luta por ser amado”, íntima e aparentemente sem relação com a sua
agressividade patente, é que vem à tona. Age compulsivamente e de forma maníaca (este
termo sempre que utilizado deve ser compreendido do ponto de vista psicanalítico) de
acordo com seus impulsos de vida, que tendem á repetição sistemática para conservar a
sua existência diante dos impulsos contrários, que tendem à inação, à indiferenciação da
individualidade, ao imobilismo (morte).
Já se disse que morremos desde que nascemos, e isto se comprova através do estudo
celular e do estudo do funcionamento mental. O conflito entre impulsos de vida e de morte
mostram exatamente esse processo no Patrão.
A história de cada um de nós é formada por uma ação interior (o nosso drama íntimo) que,
projetado às pessoas, torna as situações vividas muito mais interessantes e dolorosas. As
histórias de ficção também se fazem assim, com drama, e drama se estabelece com um
problema que traga ao personagem o famoso conflito, que fornece às histórias o motor do
interesse do espectador.
No caso do tipo do Patrão, uma célula dramática interessante para compreender o conflito
que se poderia se instalar nesse padrão de comportamento seria pensar que “alguém do
tipo Patrão briga com outra personagem porque quer que a verdade (sua, é claro) e a
justiça (idem) se estabeleçam”. Temas como poder, luta, justiça, tudo ou nada, podem cair
como a uma luva para servir ao tipo mencionado.
Façamos uma correlação de uma estrutura narrativa viável para compreender a trajetória
de um tipo de personalidade como este: imagine um estado atual, o início de uma história
cujo protagonista é o Patrão.
Esse personagem, por tendência adquirida de seu tipo de caráter, já é propenso ou disposto
à luta, de forma que uma situação desestabilizadora seria o encontro de algum motivo ou
posição a defender, estabelecendo-se, assim, uma luta ou estado de conflito ou tensão
detonado a partir de uma reação tempestuosa que fosse na direção do senso de controle
que rege o comportamento desse tipo de personalidade. E um ajuste ou desfecho final para
uma narrativa dentro desse padrão seria o estabelecimento final da justiça por meio de uma
verdade unilateral. Sim, porque ou o tipo Patrão faz valer a sua verdade, ou ele a aceita de
outra forma – e sendo assim, seguramente, alguma coisa profunda o fez mudar.
Não se trata, entretanto, de uma fórmula de histórias para o tipo, todavia permite ver o
padrão de personalidade sob um foco mais próximo da realidade específica do próprio tipo e
de seu comportamento. E como comportamento é ação, e ação é personalidade, estamos
sim é formulando conceitos mais ou menos homogêneos.
Voltando à análise do tipo, podemos dizer que sua ética, isto é a sua percepção interna da
verdade é quase que irrefreável, ao passo que a Moral ou aquilo que externamente pode lhe
ser imposto é muito menos significativo, em função de seu ímpeto ou volúpia para
referendar a sua posição.
Um bom trabalho ou um ganho extra será uma idealização neste caso, e irá mitigar a
angústia sentida. Na sua fantasia inconsciente, há uma tendência a identificação projetiva
com justiceiros ou com heróis espertos que obtêm vantagens pela força ou pela esperteza.
Em muitos Patrões, há uma tendência inconsciente a autodestruição devido aos exageros e
à luxúria, características do tipo.
Atente para esse tipo em ação: alguém propenso à luta, qualquer coisa que o obrigue a agir
no sentido de fazer prevalecer a sua verdade ou defendê-la, levará a disputa pela
manutenção do seu status quo, ajustando-se, por fim, a aplicação de uma justiça que lhe
seja suprema, benéfica, favorável, ou, em última instância, igualitária.
Existe um perigo na compreensão desse tipo e dos outros em geral, e ele reside na
estereotipia. Ninguém é tão exato assim como estamos pintando, o que deve ser visto como
padrão de personalidade. Um Patrão age convencido e maniacamente disposto a controlar e
mostrar a sua verdade, única e inegociável quando além dela outra se disponha a
prevalecer.
No entanto, no Eneagrama, os tipos não são estáticos, mas sim, dinâmicos. Eles são
condutores de emoções e desejos e estão sempre em intercâmbio com outros tipos. Dessa
forma, o tipo Patrão aqui explicado pode ter outras variantes.
O importante nesse estudo e eventual aproveitamento por parte do leitor é saber que um
tipo de personalidade ou caráter é sempre coerente com o seu próprio padrão interno, como
atenção e estilo intuitivo. E isso, por si só, colide com as formas de estereótipos para as
quais podemos nos sentir atraídos.
O que vale mesmo é ver o padrão como um padrão. Um sistema mental que organiza e
conserva uma coerência interna de pensamentos, emoções e atitudes. De acordo com os
obstáculos que tal tipo terá de enfrentar no mundo, é que determinará sua forma única de
agir e reagir frente às circunstâncias da vida.
Em relação ao tipo Patrão nas histórias, ele pode simbolizar ainda uma força a ser vencida,
por exemplo. Há outras tantas combinações e funções para o tipo, mas tudo depende da
história a ser contada.
Podemos resumir dizendo que um tipo que gosta de brigar e controlar os outros e a coisas,
defendendo sua posição e verdade, seguramente poderá se constituir num belo exemplar de
personagem de ficção, na medida em que ele se defronta com oposições à sua posição e
verdade, o que, para todos os efeitos, garantem a dose necessária de conflito.
Quer dizer, por estar situado no alto, a sua posição é a ponta superior do chamado centro
instintivo, o que favorece ao tipo Pacificador perceber o mundo e as coisas muito mais pelo
corpo e pela facilidade que tem de “passear” por outros corpos e se deixar absorver pelas
necessidades alheias.
Este tipo coleciona atitudes e comportamentos, cujas principais qualidades são o sossego e
a inércia. Portanto, o tipo tem características de preservação de status quo, acomodação,
mediação e passividade, chegando com isso às raias do bom mártir devido à mentalidade
rígida, para cuja tendência inconscientemente se inclina.
Podemos observar, sob o vértice psicanalítico, que essa questão é bastante significativa: por
ser o Pacificador voltado à acomodação e ao esquecimento de si próprio, os impulsos de
morte (thanatos) exercem relativo predomínio nesse tipo de personalidade.
Interessa observar, que esses tipos Eneagramáticos, não são na verdade personalidades
convertidas em espécies, mais ou menos fechadas em si mesmas feito estereótipos
padronizados, mas sim aspectos nos quais o “eu” se mune para defender-se num mundo
material desde a tenra infância, fase na qual criou ansiedades e temores e passou a operar
por fantasias inconscientes.
Quer dizer, o “eu” fica em cima do muro: por um lado comprometido e por outro lado
inseguro, de tal forma que se permite concordar com qualquer ponto de vista, como
também não se comprometer com qualquer um deles.
Note que este “inconscientemente” está ligado ao objeto persecutório (superego) que na
contracorrente induz a impulsos destrutivos, punindo este tipo de personalidade a
comportamentos passivos (nirvânicos) como se exceder em comida, álcool e televisão, ou
seja, à inação e à acomodação.
Isso reforça àquela ideia já mencionada de alguém pouco centrado em si mesmo porque
esquecido de si, ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, é centrado em si mesmo para
não sair de si e tentar alguma coisa nova que o ponha em risco ou lhe cause estresse. Uma
espécie de narcisismo imobilizante.
Essa ideia também pode ser explicada a partir da condição dinâmica do Eneagrama. Isso
quer dizer que, no caso do Pacifista, quando ele sai para a ação, ele caminha para o ponto
6, o tipo Legalista, cujo modo de expressão é pelo medo, razão pela qual se explica a
dificuldade que tem o Pacifista de agir com segurança rumo a alguma ação que seja lhe
original e que transforme o estado atual de letargia.
Outro estágio seria o estado de luta, em que o tipo tenderia a fugir da realidade por
diversas formas, não raro se narcotizando de alguma maneira, por não ter posição a
defender ou por não saber o que quer dentro das circunstâncias da eventual história.
Já o estado de ajuste na narrativa para o tipo seria então a sua concordância com uma
solução final, não significando com isso, certeza, envolvimento ou decisão segura com essa
tomada de atitude.
Para esse tipo de personalidade, temas não faltariam para serem abordados. Comuns a
muita gente, em razão da identificação com, por exemplo, assuntos ou dramas que falam
sobre as escolhas na vida, incertezas, indecisão, amizade, outro mundo, etc. E mesmo se
pensarmos no Pacifista diante do quadro até aqui mostrado ele poderia também se ajustar a
roteiros que priorizassem personagens-testemunhas, uma vez que a sua adequação
psicológica seria aparentemente perfeita, devido à sua característica de colocar-se sob
pontos de vista diferentes do seu.
Sem contar ainda as histórias que possam querer sublinhar posições dúbias ou passivas de
personagens não tão convictos assim de sua força ou expressão. Mas que por isso mesmo
podem vir a se constituir em achados caracterológicos, tornando-se personagens complexos
e interessantes de se investigar, criativamente falando.
Interessante notar que os tipos de personalidade Eneagramáticos não são unívocos, mas
sim multívocos, isto é, nenhum de nós é apenas um tipo e nada mais, mas sim a somatória
de todos os tipos cujo resultado apenas ressaltará ainda mais comportamentalmente um
determinado padrão de nossa personalidade.
E isso também vale para os personagens ficcionais. O Pacifista, então, para todos os efeitos,
é aquele tipo de personalidade que age sem convicção do poder de sua opinião ou
pensamento, inclinando-o magneticamente a outros pontos de vista e sentimentos acima
dos seus próprios.
Mas isso nada tem a ver com humildade, e sim mais com impotência. Numa história, por
exemplo, se tivermos o Pacifista como herói ou heroína, ele (a) deverá se converter num (a)
Pacifista Acima de Qualquer Outro Personagem. Ou será apenas um personagem secundário
ou testemunhal.