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Um problema de tradução.

Passei por um supermercado chinês, em Lisboa. Como nunca tinha estado em tal tipo de
estabelecimento, entrei. Pensei que as minhas refeições frequentes em restaurantes
chineses, ao longo de vários anos, seriam um posto fronteiriço seguro entre mim e
aquele distante universo gastronómico. Bastou olhar para a primeira escada de
prateleiras para compreender que não seria assim. Ainda passei bastantes minutos na
loja, olhando com atenção, observando os desenhos indicativos das embalagens com
cuidado bem como as manchas de tinta de milhares de caracteres. Nem com todo o meu
cuidado e boa vontade consegui traduzir a maior parte das coisas vistas para os meus
conceitos de matérias comestíveis.

Não há melhor experiência do que entrar noutra cultura para sentirmos que a maior
parte das coisas nos são estranhas. O outro serve-nos sempre como ponto de referência
para aquilo que nós não somos. Como não o compreendemos, surge-nos como um
pequeno conjunto de estilhaços de caos, uma espécie de não-descrição, que em certa
medida nos vai sugerindo aquilo que somos através do que não somos.

Poucos são aqueles que conseguem estabelecer este distanciamento na sua própria
cultura. Terá sempre de ser um distanciamento forçado. Olhar para um galão é conhecê-
lo. Não conseguimos parar toda a informação que, mesmo sendo silenciosa, nos
percorre. Conseguir construir uma barreira entre o nosso conceito de galão e o galão ele
mesmo é o princípio dos sábios. No fundo, importa conhecer as coisas como elas são, e
não discursos sobre as coisas que decoramos desde crianças, discursos que acabam por
moldar a nossa percepção. É muito difícil tornar estranho o que nos é familiar, por uma
questão de princípio. Viver um paradoxo não entra na nossa lista habitual de coisas que
somos. Assim, passamos a vida a fazer cumprimentos silenciosos, com discursos que
são interpretações de outros, a coisas que se nos tornaram familiares tão só por termos
decorado e compreendido esses discursos. Ou seja, aquilo que nós somos, aquilo em
que nos transformam sempre, é um conjunto de teias de discursos sobre os objectos,
sobre os fenómenos, interpretações marchetadas em palavras mesmo sendo
reconhecivelmente curtas ou compridas demais. Tornamo-nos os discursos e pensamos
que com eles nos tornamos nas coisas, conhecendo-as como nossas, conhecendo-as
como se as fossemos.

Por isso, só os sábios podem quebrar discursos, ficando sem nada. (Falo de sábios,
enquanto termo genérico, propositadamente). Os sábios, para serem sábios, sabem que
nada têm, por isso nada perdem.

No meio deste texto, vou cometer uma heresia. Heresia, mesmo, não falo
metaforicamente. Quem for mais sensível a estes assuntos, deverá parar de ler por
agora.
Pensei eu se os anjos também não terão olhares que são eles mesmos interpretações
sobre as coisas. Coisas superiores às nossas, presumo, desconhecidas dos humanos,
talvez, mas não terão os anjos discursos decorados, teias de interpretações sobre os seus
fenómenos e os nossos? Será que aquilo que nos vêm transmitindo são as coisas em si
mesmas?
Parece-me que, das religiões do Livro, só o Islão terá resolvido este problema em
termos filosóficos. O Corão existe desde o princípio dos tempos, não sendo inspirado
mas sim revelado. É uma coisa per si, identificável com o Cristo da cultura cristã. Islão
significa então submissão a essa revelação, revelação que é a coisa em si transformada
em texto recitável.

Voltemos novamente ao oriente. A palavra sânscrita Tathatâ, tem um sentido próximo


da nossa palavra “realidade”. Designa o Absoluto, a Verdadeira Natureza de todas as
coisas. O termo Tat é a raíz da palavra. Ninguém sabe a sua origem nem o seu primeiro
significado A hipótese mais forte é representar o som que os bebés fazem quando
apontam uma coisa. O bebé é aquele que está mais próximo do início, não tendo ainda
apreendido, ou decorado, discursos sobre os objectos ou fenómenos para os quais
aponta. Dessa forma, esse som inicial, será aquele que com maior rigor descreve a coisa
em si. Se pensarmos bem nisto, tudo, então, é Tat. Nós próprios somos Tat, bem como
todas as nossas referências. Tudo o que é o Outro se diluí nesta pequena palavra
levando-nos também a nós para um caldo primordial não-conceptual. Um dos nomes de
Buda é Tathâgata, aquele que chegou à Iluminação pela via da Verdade. E a verdade, se
olharem bem para a raíz, é Tat, nada mais do que isso.

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