Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
Maria Garcia
Livre docente em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Professora de Direito Constitucional e Direito Educacional da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Procuradora do Estado de São Paulo aposentada. Ex-Assessora
Jurídica da Universidade de São Paulo. Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo
e do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional.
1.O mandato e o mandato popular - 2.O mandato popular e o Poder Legislativo - 3.A
natureza jurídica da representação política - 4.Os poderes do mandato - 5.O recall
(cassação do mandato)
O termo mandato ocupa várias páginas dos dicionários jurídicos, envolvendo as mais
diversas acepções e particularidades para fixar-se, caso a caso, na amplitude dos seus
significados e abrangência.
Contudo, existe uma raiz comum dessa palavra, derivada do latim mandatum, de
mandare, "composto de manus dare (dar a mão), que tecnicamente significa dar poder
ou autorizar.
Mandato, é formado, assim, de manus data (mãos dadas), bem exprime o contrato que
designa duas vontades, uma dando a outra uma incumbência. Outra, recebendo-a e
aceitando-a, para que realize ou execute o desejo do mandante".
Portanto, se bem não possa, o mandato político referir poderes determinados, de outro
lado decorre, necessariamente, que todos os atos do mandatário se enquadrem nas
"atribuições conferidas ou assinadas nas leis".
O mandato político abrange, nessa conformidade, o fazer (que admite a ação política) e
o não-fazer (que envolve a ação legal, até o limite da licitude da ação).
2. O mandato popular e o Poder Legislativo
Desde logo, não se poderá abstrair do mandato popular aquilo que significa a essência
Página 1
OS PODERES DO MANDATO E O RECALL
do vocábulo mandato, é dizer, a sua razão de ser: manus dare. Se isto não ocorrer, não
se chegará a parte alguma ou, em outras palavras, descaracteriza-se o objeto do
mandato que passará a ter qualquer significado, aquele posto no discurso, isto é,
qualquer um.
Kelsen, assinala, "dirige cerrada crítica aos Parlamentos e à teoria da representação: 'O
Parlamento não representaria o povo o qual efetivamente, não faz as leis dada a
proibição do mandato imperativo, do referendum, etc.'."
O que faz registrar o seu comentário: "o elemento representativo, que era o
'democrático' ao tempo do absolutismo, é hoje o elemento 'não democrático', na
democracia moderna. Frente ao monarca absoluto, o Parlamento aparece como se fosse
o povo; frente ao povo, entretanto, na democracia moderna, o Parlamento aparece
como a negação da democracia. É por isso que Rousseau já aceitava a representação
como 'mal menor', procurando corrigi-la com o mandato imperativo, o referendum, etc."
8
9
Meirelles Teixeira adentra bem a questão da representatividade, opondo-se a Kelsen e
Carré de Malberg que não somente negam a existência de representação, apontando-lhe
caráter anti-democrático, como negam também a possibilidade de uma teoria jurídica da
representação cuja essência seria apenas "política" - o que Meirelles Teixeira atribui a
originarem-se, tais opiniões, na teoria civilista do mandato - enquanto aqui se trata de
área do Direito Público.
Já a Constituição francesa de 1791 era expressa nesse sentido, ao declarar que "as
pessoas a quem se confia a administração do Estado não são representantes, são
agentes (art. 20 do Título III, Cap. IV) e a Constituição alemã de Weimar reproduzia
esse dispositivo (art. 130, I)";
11
.
4. Os poderes do mandato
"Se em nosso país é possível uma dissociação freqüente entre a vontade da nação e a
vontade de seus representantes, nas assembléias ou no próprio Executivo, é porque não
adotamos ainda as técnicas constitucionais adequadas (iniciativa popular, referendum,
plebiscito, recall), nem possuímos cultura suficientemente generalizada, que nos permita
a organização de verdadeiros partidos políticos, isto é, não dispomos de opinião pública
12
eficiente, vale dizer, apta a impor-se aos governantes (texto não grifado) .
E acresce: "O parlamentarismo, por exemplo, é uma técnica constitucional que permite
uma influência muito maior da nação nos negócios públicos, do que o presidencialismo.
Cremos, portanto, que com técnicas políticas e jurídicas adequadas e com um grau de
cultura intelectual e cívica mais elevado, o mandato representativo, tal como o
conhecemos, poderá perfeitamente cumprir o seu papel, na realização do ideal
democrático".
Partindo daí, exatamente, é que entendemos a necessidade de uma revisão total de toda
a questão, a partir de seus primórdios:
Mandato advém, como visto, do latim mandare (manus dare, dar a mão) originando
manus data (mãos dadas): um acordo de vontades firmando o encargo ou a autorização,
enfim, "um ônus da amizade".
Página 4
OS PODERES DO MANDATO E O RECALL
O Poder Legislativo define-se como a função estatal de fazer as leis; é função típica,
precípua: segundo o art. 179, II da Constituição de 1824: "Nenhuma lei será
estabelecida sem utilidade pública". Este mandamento constitucional permanece porque
ínsito à função legislativa, à finalidade da lei.
Por aí mesmo, tangenciam os poderes do mandato; não há, com efeito, como imaginar
que outros poderes possam decorrer, senão aqueles que, em razão da sua natureza
(estatal) e competências (funções), o Poder Legislativo deva cumprir - independendo as
instruções dos eleitores.
Referida ação, observa, não tem natureza penal: o que se cuida é da cassação do
mandato.
14
E José Afonso da Silva anota a tendência "a transformar a natureza do mandato
político, dando-lhe feição imperativa, na medida em que o representante está vinculado,
pelo princípio de fidelidade, a cumprir programas e diretrizes de sua agremiação, com o
que o exercício do mandato deixa de ser demasiadamente abstrato em relação ao povo
para tornar-se mais concreto em função de vínculos partidários que interligam mandante
e mandatário".
Então, existe todo um compromisso perante os eleitores, que se traduz, como visto, no
mandato ( manus data), algo bastante concreto para ser controlado, fiscalizado e exigido
pelos cidadãos.
5. O recall (cassação do mandato)
Com efeito, quando trata dos direitos políticos, a CF/88 prevê, nos referidos §§ 10 e 11
do art. 14, a impugnação do mandato eletivo dentro de 15 (quinze) dias contados da
diplomação, por qualquer pessoa. Trata-se da cassação do mandato, conforme esclarece
Celso Bastos.
Página 5
OS PODERES DO MANDATO E O RECALL
Assim, se qualquer pessoa pode promover a cassação do mandato eletivo "com provas
de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude" (art. 14, § § 10 e 11, da CF/1988) -
não poderá o cidadão intentá-la, pelos mesmos motivos, comprovadamente?
Na sua crítica à doutrina, Paulo Bonavides ressalta que "os poderes implícitos estão para
a hermenêutica constitucional assim como a separação de poderes para a preservação
jurídica da liberdade. Ambos representam técnicas essencialmente lógicas e racionais
extraídas de uma análise ao poder político; de uma Sociedade que, ao exibir
determinada estrutura, já alcançou um certo grau de desenvolvimento institucional".
E conclui: "É, ao mesmo tempo, a técnica que, partidos os laços de origem (conforme
esclarece, "uma das mais sólidas contribuições do liberalismo ao Direito Constitucional),
e consequentemente emancipada de toda a servidão ideológica, pode, com a máxima
eficácia, se constituir nesse instrumento interpretativo de toda Constituição, não importa
17
o conteúdo material nem as premissas teóricas fundamentais sobre as quais repouse" .
18
Já expusemos, em outra oportunidade , parafraseando Hannah Arendt, que a cidadania
é a quintessência da liberdade, o ápice das possibilidades do agir, o aspecto
eminentemente político do direito à liberdade.
E citamos Tercio Sampaio Ferraz Júnior na sua afirmação da cidadania: "Este sentido
legitimante da República exige a cidadania como uma espécie de fundamento primeiro,
porque sem este reconhecimento de que o ser humano deve ter o seu lugar no mundo
político, perverte-se a cidadania numa relação de submissão para a qual o pluralismo
então não conta, absorve-se a esfera pública e a dignidade humana torna-se princípio
vazio, sem condições de afirmação concreta".
(4) Idem.
(6) Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1999; pp. 347 e ss.
(8) MEIRELLES TEIXEIRA, op. cit; p. 489. Refere o autor (p. 494) que "a teoria do
mandato imperativo é muito mais democrática, correspondendo melhor ao princípio da
identidade democrática (identidade povo = governo). Mas isto apenas teoricamente,
porque, já o vimos também, na realidade o mandato imperativo é impraticável nos
Estados modernos. Para corrigir, até certo ponto, esses inconvenientes da
representação, existem dois remédios, ambos aplicados em muitos países: o referendum
legislativo e a iniciativa popular".
(10) A Teoria do mandato, proveniente da teoria civilista, pela qual o mandatário age
não somente em nome do mandante, como ainda não deve exceder os poderes
recebidos sendo, ademais, obrigado a prestar contas de sua gestão. Sua aplicação à
representação política resultaria no mandato imperativo, originária dos Estados Gerais
franceses e já combatida na Assembléia Constituinte pós Revolução Francesa,
especialmente por Sieyès. "Realmente, acrescenta, os deputados não podem, perante
questões e problemas complexos, imprevistos, ficar presos a instruções gerais, vagas,
Página 7
OS PODERES DO MANDATO E O RECALL
(11) "Neste querer pela nação, prossegue Meirelles Teixeira, não há transferência de
poderes precisos mas um mandato geral, para agir livremente, decidir livremente, como
decidiria a própria nação. Essa independência dos representantes é assegurada pelas
imunidades parlamentares e pela inviolabilidade no exercício do mandato, por suas
opiniões, palavras e votos, o que significa não poderem ser responsabilizados pelo modo
segundo o qual desempenham o mandato. Segundo alguns autores, o povo faz suas, de
antemão, as decisões dos seus representantes, o que doutrinariamente se justifica pela
impossibilidade de, na democracia direta, resolver o povo os seus intrincados problemas,
de ter vontade política a respeito de cada um (Montesquieu) e, do ponto de vista
jurídico, pela doutrina da soberania nacional, una e indivisível da nação, governando
como um todo, tendo, portanto, uma vontade superior e transcendente à dos indivíduos
que a compõem". (pp. 495-496).
(15) Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2002; pp. 430 e ss.
(16) "Os poderes implícitos foram aliás objeto de algumas ponderações clássicas de
Marshall emitidas no aresto da Suprema Corte ao ensejo da demanda McCulloch versus
Maryland. Disse o insigne jurista: "Pode-se com assaz de razão sustentar que um
governo, ao qual se cometeram tão amplos poderes (como o dos Estados Unidos), para
cuja execução a felicidade e a prosperidade da nação dependem de modo tão vital, deve
dispor de largos meios para sua execução. Jamais poderá ser de seu interesse, nem
tampouco se presume haja sido sua intenção, paralisar e dificultar-lhe a execução;
negando para tanto os mais adequados meios". ( op. cit.; p. 431).
(18) Desobediência civil, direito fundamental. 2. ed. São Paulo: RT, 2004; pp. 136 e ss.
(19) BACHOF, Otto. Jueces y Constitución. Madrid: Civitas, 1985; p. 51: "... planeada a
Página 8
OS PODERES DO MANDATO E O RECALL
Página 9