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OS PODERES DO MANDATO E O RECALL

OS PODERES DO MANDATO E O RECALL


Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 50/2005 | p. 29 - 38 | Jan - Mar /
2005
Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional | vol. 4 | p. 51 - 62 | Maio / 2011
DTR\2005\787

Maria Garcia
Livre docente em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Professora de Direito Constitucional e Direito Educacional da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Procuradora do Estado de São Paulo aposentada. Ex-Assessora
Jurídica da Universidade de São Paulo. Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo
e do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional.

Área do Direito: Constitucional


Sumário:

1.O mandato e o mandato popular - 2.O mandato popular e o Poder Legislativo - 3.A
natureza jurídica da representação política - 4.Os poderes do mandato - 5.O recall
(cassação do mandato)

1. O mandato e o mandato popular

O termo mandato ocupa várias páginas dos dicionários jurídicos, envolvendo as mais
diversas acepções e particularidades para fixar-se, caso a caso, na amplitude dos seus
significados e abrangência.

Contudo, existe uma raiz comum dessa palavra, derivada do latim mandatum, de
mandare, "composto de manus dare (dar a mão), que tecnicamente significa dar poder
ou autorizar.

Mandato, é formado, assim, de manus data (mãos dadas), bem exprime o contrato que
designa duas vontades, uma dando a outra uma incumbência. Outra, recebendo-a e
aceitando-a, para que realize ou execute o desejo do mandante".

Em realidade a adoção do vocábulo para exprimir o encargo ou a autorização, que se


revela no contrato, advém da circunstância originária de ser o mandato um ônus da
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amizade, fundado na lealdade e na fidelidade do amigo" .

Dessa idéia original de poder outorgado como um ônus da amizade, fundamentado na


lealdade e na fidelidade, "o mandato não se revela somente um contrato em que se
firmam os poderes de representação, pois que se manifesta como delegação, mesmo de
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caráter político, tal qual a que se confere aos representantes ou delegados do povo" .
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Por sua vez, o mandato político, refere De Plácido e Silva , "não é instituído com uma
soma de poderes determinados, cabendo ao mandatário no desempenho de sua missão,
praticar todos os atos que se enquadrem dentro das atribuições conferidas ou assinadas
nas leis, sem outra limitação que a decorrente da licitude de ação do mandatário.

Portanto, se bem não possa, o mandato político referir poderes determinados, de outro
lado decorre, necessariamente, que todos os atos do mandatário se enquadrem nas
"atribuições conferidas ou assinadas nas leis".

O mandato político abrange, nessa conformidade, o fazer (que admite a ação política) e
o não-fazer (que envolve a ação legal, até o limite da licitude da ação).
2. O mandato popular e o Poder Legislativo

Desde logo, não se poderá abstrair do mandato popular aquilo que significa a essência
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do vocábulo mandato, é dizer, a sua razão de ser: manus dare. Se isto não ocorrer, não
se chegará a parte alguma ou, em outras palavras, descaracteriza-se o objeto do
mandato que passará a ter qualquer significado, aquele posto no discurso, isto é,
qualquer um.

O mandato popular, admita-se então, requer os elementos lealdade e fidelidade, sob


pena de não ser admitido como tal.

Lealdade, no dicionário comum, é a qualidade de ação ou procedimento de quem é leal;


sendo leal equivalente a sincero, franco e honesto; fiel aos seus compromissos.

Fidelidade, a qualidade de fiel, constância, firmeza nas afeições, nos sentimentos;


perseverança; observância rigorosa da verdade. Fiel, quem é digno de fé, confiança, que
cumpre aquilo a que se obriga. Nada melhor efetivamente, do que procurar o sentido
comum das palavras dado que é este o que o povo, em geral, considera e pratica. No
entanto, bom é verificar-se o significado, do ponto de vista jurídico, encontrando-se
então leal: "derivado do latim legalis, literalmente quer significar o que é conforme a lei.
Vulgarmente, porém, é aplicado para distinguir o que é feito segundo as regras da honra
e da honestidade, ou o que se faz em respeito à regra da fidelidade. Desse modo, leal e
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fiel empregam-se como equivalentes" .

Fidelidade. Derivado do latim fidelitas (fidelidade, lealdade), no conceito jurídico,


entende-se a observância exata e leal de todos os deveres ou obrigações assumidas, ou
impostas pela própria lei.

É, assim, o cumprimento ou a execução de todos os deveres atribuídos à pessoa, em


5
virtude de encargo, de contrato ou de qualquer outra obrigação" .

Lealdade e fidelidade a que ou a quem? Decerto que ao outorgante do mandato e, sem


adentrarmos na problemática do mandato imperativo, pode-se definir que esses deveres
se identificam com a proposta política do mandatário, do seu partido, das expectativas
advindas da sua origem pessoal, trajetória, realizações, formando um componente
próprio, que o caracteriza e representa perante os eleitores.
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Celso Bastos refere-se ao Poder Legislativo, inicialmente denominado Parlamento,
formando-se e fortalecendo-se na oposição aos poderes absolutistas das monarquias,
destacando-se as idéias de Rousseau sobre a soberania do povo "que a exprime através
da lei. Não podendo votá-la diretamente, a comunidade elege representantes, os
parlamentares, que atuam em seu nome".
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A representação, conforme anota Meirelles Teixeira , existiu mesmo na Grécia e em
Roma. Cita Duguit, quando refere que "a intervenção direta do povo era excluída a
muitos respeitos, pela própria natureza das coisas".

"Os atos dos magistrados consideram-se atos do povo e o estabelecimento do


principado, pela lex regia, é simplesmente a investidura, no Imperador, de um mandato
que o torna 'representante do povo'."

Um regime se diz, portanto, representativo - declara Meirelles Teixeira - "quando os


governantes ou parte deles, exercem sua competência não em virtude de um direito
próprio, mas em razão de sua qualidade de representantes, geralmente obtida mediante
eleição e apenas por um certo prazo".

Por outro lado, democracia representativa é aquela em que o conjunto da Nação; a


totalidade do povo, mediante sufrágio universal, participa da designação dos
governantes, que o representam.

Exatamente, explica, o regime representativo resultou da necessidade de conciliar a


impossibilidade da democracia direta com o princípio democrático - objeto, entretanto,
de constantes críticas.
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Kelsen, assinala, "dirige cerrada crítica aos Parlamentos e à teoria da representação: 'O
Parlamento não representaria o povo o qual efetivamente, não faz as leis dada a
proibição do mandato imperativo, do referendum, etc.'."

Todavia, conforme lembra o mesmo Meirelles Teixeira, em muitos países tais


inconvenientes do regime representativo têm sido minorados pelas instituições do
governo direto - a iniciativa popular, o referendum, o plebiscito e o recall.

Como sabemos, a proposta do ilustre mestre consolidou-se no art. 14, da CF/1988,


excluído o recall, embora tivesse sido medida reclamada nos tempos da Constituinte.
Quanto ao plebiscito e ao referendo, jamais foram viabilizados pelo Congresso Nacional,
sendo da sua exclusiva competência (art. 49, XV, CF/1988).

O que faz registrar o seu comentário: "o elemento representativo, que era o
'democrático' ao tempo do absolutismo, é hoje o elemento 'não democrático', na
democracia moderna. Frente ao monarca absoluto, o Parlamento aparece como se fosse
o povo; frente ao povo, entretanto, na democracia moderna, o Parlamento aparece
como a negação da democracia. É por isso que Rousseau já aceitava a representação
como 'mal menor', procurando corrigi-la com o mandato imperativo, o referendum, etc."
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3. A natureza jurídica da representação política

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Meirelles Teixeira adentra bem a questão da representatividade, opondo-se a Kelsen e
Carré de Malberg que não somente negam a existência de representação, apontando-lhe
caráter anti-democrático, como negam também a possibilidade de uma teoria jurídica da
representação cuja essência seria apenas "política" - o que Meirelles Teixeira atribui a
originarem-se, tais opiniões, na teoria civilista do mandato - enquanto aqui se trata de
área do Direito Público.

A possibilidade de uma teoria jurídica da representação, conforme expõe, decorre da


noção e dos atributos da soberania nacional.

Trata-se de elemento da teoria do mandato representativo - destacada dentre aquelas


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que se propõem a determinar a natureza jurídica da representação política .

A teoria do mandato representativo (doutrina francesa) apresenta traços essenciais e


conseqüências, segundo Meirelles Teixeira:

a) o mandatário recebe um mandato político (não equiparável, portanto, ao mandato


civil) de toda a nação, não apenas de seus eleitores, distrito ou circunscrição eleitoral: o
mandato é coletivo como conseqüência da indivisibilidade da soberania;

b) mandato irrevogável "não estando, além disso, adstrito a condições, instruções ou


prestações de contas; o representante é, portanto, independente, daí distinguirem-se
dos funcionários públicos, agentes e outros encarregados da administração do Estado.

Já a Constituição francesa de 1791 era expressa nesse sentido, ao declarar que "as
pessoas a quem se confia a administração do Estado não são representantes, são
agentes (art. 20 do Título III, Cap. IV) e a Constituição alemã de Weimar reproduzia
esse dispositivo (art. 130, I)";

c) o objeto do mandato é o exercício da soberania, em nome da nação, que continua


sendo dela o titular, de vez que a soberania é inalienável; a nação, portanto, apenas
delega o seu exercício aos representantes;

d) a essência da representação política consiste no querer, pela nação, e em nome dela


(daí a expressão 'mandato representativo', pois, como no mandato civil, a vontade do
mandatário reputa-se, aqui também, vontade do mandante); e neste querer pela nação
é que reside a qualidade de representante, não no fato de ser escolhido pelo eleitorado"
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.
4. Os poderes do mandato

Seguindo o norteio de Meirelles Teixeira, verifica-se que, adotando a teoria do mandato


representativo reconhece o "problema da dissociação entre a vontade da nação e a
vontade dos representantes" propondo, para sua correção, "num sentido mais
aproximado do ideal democrático: princípio da identidade democrática, recursos como a
iniciativa, o plebiscito e o referendum (e o próprio Kelsen concorda, neste ponto, na
eficácia desses remédios", assinala).

Observa, com Burdeau, que a brevidade dos mandatos, o sufrágio universal, a


organização da opinião pública, através dos partidos políticos, pela imprensa, rádio, o
direito de reunião, etc. fazem com que o povo exerça, hoje, " um controle efetivo sobre
a ação dos governos, obrigando-os até certo ponto a auscultar a vontade da nação, os
seus anseios e aspirações, as suas tendências, as suas necessidades. Nenhum governo
pode realizar obra duradoura contra a opinião pública e esta, mais cedo ou mais tarde,
prevalecerá no governo", afirma. Mas ressalva: "Resta apenas que essa opinião pública
possa existir e seja eficiente, o que depende do grau de cultura intelectual e cívica da
nação. E aqui recaímos no tema da necessidade de um mínimo de cultura para a prática
efetiva da democracia".

E dirige-se, então, à experiência brasileira:

"Se em nosso país é possível uma dissociação freqüente entre a vontade da nação e a
vontade de seus representantes, nas assembléias ou no próprio Executivo, é porque não
adotamos ainda as técnicas constitucionais adequadas (iniciativa popular, referendum,
plebiscito, recall), nem possuímos cultura suficientemente generalizada, que nos permita
a organização de verdadeiros partidos políticos, isto é, não dispomos de opinião pública
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eficiente, vale dizer, apta a impor-se aos governantes (texto não grifado) .

E acresce: "O parlamentarismo, por exemplo, é uma técnica constitucional que permite
uma influência muito maior da nação nos negócios públicos, do que o presidencialismo.
Cremos, portanto, que com técnicas políticas e jurídicas adequadas e com um grau de
cultura intelectual e cívica mais elevado, o mandato representativo, tal como o
conhecemos, poderá perfeitamente cumprir o seu papel, na realização do ideal
democrático".

Partindo daí, exatamente, é que entendemos a necessidade de uma revisão total de toda
a questão, a partir de seus primórdios:

O mandato constitui-se, pois, de um pacto, de um acerto, de "mãos dadas" firmando um


acordo entre pessoas.

Sabemos que as palavras têm o seu significado dependente do local, do tempo, da


cultura e mudam de significação.

Todavia, não é um fenômeno geral, estabelecido; ao contrário, parte do idioma - em


especial as palavras de conteúdo técnico, científico permanecem e transmitem-se de
geração a geração.

E todas as palavras componentes de um idioma - ainda quando tenham alterada a sua


significação, mantêm um significado de raiz, o que se constitui um núcleo identificador
da sua origem.

Mandato advém, como visto, do latim mandare (manus dare, dar a mão) originando
manus data (mãos dadas): um acordo de vontades firmando o encargo ou a autorização,
enfim, "um ônus da amizade".

Esse, o sentido original, marcando bem a feição desse instituto.

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Esse sentido se perdeu, diluiu-se? Transformou-se, mas o seu núcleo identificador


permanece - sob pena de não se tratar, então, de mandato. Busque-se outra figura, mas
se for mandato, permanecerá a idéia de encargo, confiança, compromisso.

O Poder Legislativo define-se como a função estatal de fazer as leis; é função típica,
precípua: segundo o art. 179, II da Constituição de 1824: "Nenhuma lei será
estabelecida sem utilidade pública". Este mandamento constitucional permanece porque
ínsito à função legislativa, à finalidade da lei.

Por aí mesmo, tangenciam os poderes do mandato; não há, com efeito, como imaginar
que outros poderes possam decorrer, senão aqueles que, em razão da sua natureza
(estatal) e competências (funções), o Poder Legislativo deva cumprir - independendo as
instruções dos eleitores.

Em outras palavras: os poderes do mandato são os que decorrem da função legislativa,


cujas competências se encontram delineadas no art. 49 da CF/88.
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Ora, Celso Bastos assinala que o mandato é o instrumento nuclear para a configuração
de democracia representativa, afirmando que "o exercício do mandato por seus titulares
é obviamente passível de controle. Sob certos aspectos - refere - o de maior alcance é o
exercido pelo próprio povo, por via de eleições periódicas". E lembra o disposto no art.
14, § § 10 e 11, da CF/1988: "a previsão de uma ação com o objeto específico da
impugnação perante a Justiça Eleitoral, de mandatos obtidos com fraude, corrupção ou
abuso do poder econômico e a legitimação para sua propositura por todos que
demonstrarem interesse juridicamente reconhecido".

Referida ação, observa, não tem natureza penal: o que se cuida é da cassação do
mandato.
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E José Afonso da Silva anota a tendência "a transformar a natureza do mandato
político, dando-lhe feição imperativa, na medida em que o representante está vinculado,
pelo princípio de fidelidade, a cumprir programas e diretrizes de sua agremiação, com o
que o exercício do mandato deixa de ser demasiadamente abstrato em relação ao povo
para tornar-se mais concreto em função de vínculos partidários que interligam mandante
e mandatário".

Portanto, além do controle conseqüente à natureza da democracia representativa há


necessidade de atendimento ao programa partidário que originou a sua candidatura,
pelo representante eleito. De outro modo não se explica que o eleitor tenha opções: toda
a atuação do candidato se traduz num programa partidário, numa sigla, um discurso, em
todo um simbolismo que se apresenta aos eleitores.

Então, existe todo um compromisso perante os eleitores, que se traduz, como visto, no
mandato ( manus data), algo bastante concreto para ser controlado, fiscalizado e exigido
pelos cidadãos.
5. O recall (cassação do mandato)

Temos, assim, um mandato nuclearmente vinculado ao seu sentido originário, agora


envolvendo algo mais, o seu caráter político, no sentido da polis, governo, exercício de
poder, povo. Mandato, portanto.

Se assim se estabelece, a conclusão é de que não há mandato sem a possibilidade de


revogação.

Com efeito, quando trata dos direitos políticos, a CF/88 prevê, nos referidos §§ 10 e 11
do art. 14, a impugnação do mandato eletivo dentro de 15 (quinze) dias contados da
diplomação, por qualquer pessoa. Trata-se da cassação do mandato, conforme esclarece
Celso Bastos.

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No entanto, uma outra circunstância decorre do regime democrático e do princípio da


soberania popular - afirmada, na sua plenitude, na Constituição Federal de 1988, pelo
parágrafo único do art. 1.º: "Todo o poder emana do povo": a cidadania, fundamento do
Estado brasileiro (art. 1.º, II, CF/1988).

Assim, se qualquer pessoa pode promover a cassação do mandato eletivo "com provas
de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude" (art. 14, § § 10 e 11, da CF/1988) -
não poderá o cidadão intentá-la, pelos mesmos motivos, comprovadamente?

Onde estão as "prerrogativas inerentes à cidadania" (art. 5.º, LXXI, da CF/1988)?!


15
A doutrina dos poderes implícitos, tão bem versada por Paulo Bonavides , trouxe para
o âmbito do Direito Constitucional aportes incontornáveis, na interpretação da
Constituição:

"Sobre o assunto, a regra estabelecida por Story é a de que na interpretação de um


determinado poder não se consentirá coisa alguma que possa invalidar ou prejudicar os
seus confessados objetivos.

(...) Em suma, a regra máxima de interpretação constitucional ministrada por Story se


condensa nesse ponto de universalidade e racionalismo: Com efeito, nenhum axioma no
direito ou na razão se acha mais claramente estabelecido que aquele, segundo o qual,
onde se pretende o fim se autorizam os meios. Toda vez que se outorga um poder geral,
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aí se inclui todo o poder particular necessário a efetiva-lo" .

Na sua crítica à doutrina, Paulo Bonavides ressalta que "os poderes implícitos estão para
a hermenêutica constitucional assim como a separação de poderes para a preservação
jurídica da liberdade. Ambos representam técnicas essencialmente lógicas e racionais
extraídas de uma análise ao poder político; de uma Sociedade que, ao exibir
determinada estrutura, já alcançou um certo grau de desenvolvimento institucional".

E conclui: "É, ao mesmo tempo, a técnica que, partidos os laços de origem (conforme
esclarece, "uma das mais sólidas contribuições do liberalismo ao Direito Constitucional),
e consequentemente emancipada de toda a servidão ideológica, pode, com a máxima
eficácia, se constituir nesse instrumento interpretativo de toda Constituição, não importa
17
o conteúdo material nem as premissas teóricas fundamentais sobre as quais repouse" .
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Já expusemos, em outra oportunidade , parafraseando Hannah Arendt, que a cidadania
é a quintessência da liberdade, o ápice das possibilidades do agir, o aspecto
eminentemente político do direito à liberdade.

E citamos Tercio Sampaio Ferraz Júnior na sua afirmação da cidadania: "Este sentido
legitimante da República exige a cidadania como uma espécie de fundamento primeiro,
porque sem este reconhecimento de que o ser humano deve ter o seu lugar no mundo
político, perverte-se a cidadania numa relação de submissão para a qual o pluralismo
então não conta, absorve-se a esfera pública e a dignidade humana torna-se princípio
vazio, sem condições de afirmação concreta".

As técnicas constitucionais a que alude Meirelles Teixeira (iniciativa popular, referendo,


plebiscito, e recall) refluem à condição da cidadania, sendo o cidadão (e somente o
cidadão) quem pode, pelos meios constitucionais (o direito de petição, conforme o art.
5.º, XXXIV, b, da CF/1988 ou mediante ação, na forma predisposta nos mencionados
art. 14, § § 10 e 11, da CF/1988) exigir a cassação de mandato eletivo.

Infere-se, por conseqüência, primeiramente, que os poderes do mandato político


circunscrevem-se aos limites constitucionais da utilidade pública das leis, momento
preliminar incontornável e necessário - inadmitidas leis casuísticas, imediatistas,
negociadas por grupos, opressivas, irrazoáveis; para evitar-se o que Bachof verbera: "un
sentimiento muy generalizado de profundo malestar y, aún de radical desconfianza. (...)
la impresión dominante, imprecisa, pero no por ello falsa, de que la ley, em outro tiempo
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escudo de la libertad y del Derecho, se ha convertido hoy precisamente em uma


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amenaza para estos bienes" .

Segundo, em termos da atuação do representante eleito, pela possibilidade de


revogação do mandato mediante iniciativa do cidadão, pelo comprovado abuso de poder
econômico, corrupção ou fraude.

É o que decorre dos poderes expressos e implícitos das prerrogativas inerentes à


cidadania, do todo do sistema constitucional, sob pena de "perverter-se a cidadania"
(Ferraz Junior) e o compromisso firmado pelo mandato, retirando-lhes a essência que
fundamenta, exatamente, a afirmação de um Estado Democrático de Direito (art. 1.º,
caput, CF/1988).

(1) Prossegue DE PLÁCIDO E SILVA ( Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense,


1991) esclarecendo ainda mais esse significado: "Nesta razão é que Cícero, no Pro
Roscio Amerino, o mostra como o fides amicorum componitur. E Paulo, no Digesto,
registra sua origem, como Ex officio atque amicitia trahit. As mãos, entre os romanos,
simbolizavam a amizade e a fidelidade entre amigos. Mãos dadas exprime a fé, a
confiança que se tem no amigo. Manus data, indicando o gesto ou encenação, em que se
firmava o receio do amigo, que vinha completar sua aceitação ao rogo do outro, para
que lhe transmitisse o poder, que, pela amizade lhe era conferido para agir em
substituição do amigo, passou a compor o vocábulo mandatum, designativo da outorga
do poder. No sentido técnico-jurídico, mandato quer, geralmente, significar o poder dado
ou outorgado a alguém, por quem o possa dar, seja pessoa física ou jurídica, para
representá-la em qualquer ato".

(2) DE PLÁCIDO E SILVA, op. cit.

(3) Idem, idem.

(4) Idem.

(5) DE PLÁCIDO E SILVA, op. cit.

(6) Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1999; pp. 347 e ss.

(7) MEIRELLES TEIXEIRA, J. H. Curso de Direito Constitucional. S. Paulo: Forense


Universitária, 1991; pp. 486 e ss.

(8) MEIRELLES TEIXEIRA, op. cit; p. 489. Refere o autor (p. 494) que "a teoria do
mandato imperativo é muito mais democrática, correspondendo melhor ao princípio da
identidade democrática (identidade povo = governo). Mas isto apenas teoricamente,
porque, já o vimos também, na realidade o mandato imperativo é impraticável nos
Estados modernos. Para corrigir, até certo ponto, esses inconvenientes da
representação, existem dois remédios, ambos aplicados em muitos países: o referendum
legislativo e a iniciativa popular".

(9) Op. cit.; pp. 492 e ss.

(10) A Teoria do mandato, proveniente da teoria civilista, pela qual o mandatário age
não somente em nome do mandante, como ainda não deve exceder os poderes
recebidos sendo, ademais, obrigado a prestar contas de sua gestão. Sua aplicação à
representação política resultaria no mandato imperativo, originária dos Estados Gerais
franceses e já combatida na Assembléia Constituinte pós Revolução Francesa,
especialmente por Sieyès. "Realmente, acrescenta, os deputados não podem, perante
questões e problemas complexos, imprevistos, ficar presos a instruções gerais, vagas,
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incompletas, de seus eleitores. A tarefa legislativa, num Estado moderno, seria


absolutamente impossível, a ser observada essa teoria". Daí a teoria do órgão, de
origem alemã (Laband e Jellinek) prende-se àquela outra teoria da nação como mero
órgão do Estado, sendo este considerado o titular da soberania. Como tal, a nação
considera-se órgão primário do Estado, e o Parlamento, eleito pela nação, órgão
secundário do mesmo Estado. "Entre o povo e o Parlamento - é Jellinek quem o diz - não
há nenhuma relação jurídica, nem mandato, nem comissão. (...) A teoria orgânica é,
entretanto, antidemocrática pois já vimos que a soberania reside na nação, não no
Estado. (...) E, em última análise, reduz o papel do povo ao de simplesmente designar o
"órgão secundário" do Estado, o Parlamento". A teoria da simples escolha repele a teoria
do mandato representativo, adotando a da eleição simples, com a escolha dos mais
capazes, ou daqueles em que a nação deposita mais confiança. Remonta a antigos
publicistas mas ainda é adotada por autores como Barthélemy-Duez, que a considerou
"mais aceitável que as demais" ou Orlando, que vê na eleição não uma delegação de
poderes, mas simples "designação de capacidade".

(11) "Neste querer pela nação, prossegue Meirelles Teixeira, não há transferência de
poderes precisos mas um mandato geral, para agir livremente, decidir livremente, como
decidiria a própria nação. Essa independência dos representantes é assegurada pelas
imunidades parlamentares e pela inviolabilidade no exercício do mandato, por suas
opiniões, palavras e votos, o que significa não poderem ser responsabilizados pelo modo
segundo o qual desempenham o mandato. Segundo alguns autores, o povo faz suas, de
antemão, as decisões dos seus representantes, o que doutrinariamente se justifica pela
impossibilidade de, na democracia direta, resolver o povo os seus intrincados problemas,
de ter vontade política a respeito de cada um (Montesquieu) e, do ponto de vista
jurídico, pela doutrina da soberania nacional, una e indivisível da nação, governando
como um todo, tendo, portanto, uma vontade superior e transcendente à dos indivíduos
que a compõem". (pp. 495-496).

(12) O Dicionário Aurélio registra a opinião pública (Sociologia): aquela que,


constituindo-se na encruzilhada onde se encontram os espíritos ligados aos grupos mais
diversos, se exprime e se modifica sem ser condicionada necessariamente pela
aproximação física dos indivíduos. Pelo Dicionário de Política (BOBBIO e outros) tem
duplo sentido: nasce do debate público e, como opinião, é sempre discutível, muda com
o tempo e permite a discordância porque expressa juízos de valor, "mas na medida em
que se forma e fortalece no debate, expressa uma atitude racional, crítica e bem
informada".

(13) Dicionário de Direito Constitucional. S. Paulo: Saraiva, 1994.

(14) Curso de Direito Constitucional Positivo. S. Paulo: Malheiros, 2003; p. 408.

(15) Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2002; pp. 430 e ss.

(16) "Os poderes implícitos foram aliás objeto de algumas ponderações clássicas de
Marshall emitidas no aresto da Suprema Corte ao ensejo da demanda McCulloch versus
Maryland. Disse o insigne jurista: "Pode-se com assaz de razão sustentar que um
governo, ao qual se cometeram tão amplos poderes (como o dos Estados Unidos), para
cuja execução a felicidade e a prosperidade da nação dependem de modo tão vital, deve
dispor de largos meios para sua execução. Jamais poderá ser de seu interesse, nem
tampouco se presume haja sido sua intenção, paralisar e dificultar-lhe a execução;
negando para tanto os mais adequados meios". ( op. cit.; p. 431).

(17) Op. cit.; p. 433.

(18) Desobediência civil, direito fundamental. 2. ed. São Paulo: RT, 2004; pp. 136 e ss.

(19) BACHOF, Otto. Jueces y Constitución. Madrid: Civitas, 1985; p. 51: "... planeada a
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corto plazo y negociada a menudo en el conflicto de grupos contrapuestos de intereses.


Qué tienen aún de común con el conepto clásico de ley - por dar sólo un par de ejemplos
- las leyes de ayuda a la inversión, los preceptos sobre el fomento de la industria
pesquera del arenque a través de la entrega del combustible Diesel rebajado y, sobre
todo, las numerosas subvenciones legales a determinadas ramas de la economía? Tales
leyes son actos de dirección política, ciertamente no por ello exentas de la sujeción al
valor de la justicia; pero son primariamente expresión de ese valor, sino de una voluntad
de conformación política condicionada a la situación y al momento". (grifamos).

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