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Anselmo B. Raposo Jr.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO

~ a´
Introducao
Analise
´ Real

1
1+ =e
n
Sumário

Sumário i

1 Números Naturais 1
1.1 O conjunto N dos números naturais e os Axiomas de Dedekind-Peano . . . 1
1.2 Adição e multiplicação de números naturais . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.3 Ordem em N . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.4 O Princı́pio da Boa Ordenação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.5 Conjuntos finitos e conjuntos infinitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.6 Conjuntos enumeráveis e conjuntos não-enumeráveis . . . . . . . . . . . . . 22
Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

2 Números Inteiros 32
2.1 O conjunto Z dos números inteiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
2.2 Adição nos inteiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
2.3 Multiplicação nos inteiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
2.4 Ordem em Z . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48

3 Números Racionais 52
3.1 O conjunto Q dos números racionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
3.2 Adição nos racionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
3.3 Multiplicação nos racionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
3.4 Ordem em Q . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

4 O Conjunto R dos Números Reais 70


4.1 Cortes de Dedekind . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
4.2 Ordem em R . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
4.3 Adição em R . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
4.4 Multiplicação em R . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
4.5 O corpo R dos números reais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
4.6 Algumas propriedades do supremo e do ı́nfimo . . . . . . . . . . . . . . . . 101
4.7 A não-enumerabilidade de R . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106

i
ii

5 Sequências de Números Reais 110


5.1 A definição de sequência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110
5.2 Limite de sequências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114
5.3 Propriedades operatórias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118
5.4 Subsequências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126
5.5 Os limites inferior e superior . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128
5.6 Sequências de Cauchy . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131
5.7 Limites infinitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140

6 Séries de Numéros Reais 143


6.1 O conceito de série numérica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143
6.2 Critérios de convergência, convergência absoluta e relativa. . . . . . . . . . 147
6.3 Séries comutativamente convergentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157
6.4 Produto de Cauchy . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161
6.5 Representação decimal de um número real . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165
Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 166

7 Topologia da Reta 171


7.1 Conjuntos abertos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
7.2 Conjuntos fechados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 178
7.3 Fronteira de um conjunto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 182
7.4 Pontos de acumulação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 184
7.5 Conjuntos densos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189
7.6 Conjuntos compactos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193
7.7 Topologia relativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197
7.8 Conjunto de Cantor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200
Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 208

8 Limite 212
8.1 O conceito de limite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 212
8.2 Caracterização do limite por sequências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 213
8.3 Limites laterais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 214

Referências Bibliográficas 215

Referências Bibliográficas 216


Capı́tulo 1

Números Naturais

Neste capı́tulo, iniciamos nossos estudos com a construção do conjunto N dos números
naturais do ponto de vista axiomático. Em seguida, definimos sobre N as operações
de adição e multiplicação, introduzindo sistematicamente as propriedades elementares
relativas a essas operações. Estabelecemos também uma noção de ordem em N que nos
permitirá enxergar os elementos deste conjunto do ponto de vista ordinal. Veremos ainda
o Princı́pio da Boa Ordenação que servirá de base para o estabelecimento do Segundo
Princı́pio de Indução Finita. Ao final, utilizamos o conjunto N dos números naturais
para estabelecer a noção de conjunto finito e conjunto infinito. Neste sentido, os números
naturais, além do caráter ordinal, adquirem o caráter cardinal, isto é, são utilizados para
expressar quantidades.

1.1 O conjunto N dos números naturais e os Axiomas


de Dedekind-Peano
Para todo conjunto X definimos o sucessor de X como sendo o conjunto X+ dado por

X+ = X ∪ {X} .

Por exemplo, se fizermos X = {∅}, teremos que

X+ = X ∪ {X} = {∅, {∅}} ,


+
(X+ ) = X+ ∪ {X+ } = {∅, {∅} , {∅, {∅}}} .

Note que não temos garantia nenhuma, até o presente momento, de que a construção
de sucessores pode ser levada adiante indefinidamente a partir de um único conjunto. O
que precisamos em termos de axiomatização da teoria é estabelecer um novo princı́pio
matemático que nos garanta essa possibilidade.

Axioma 1.1.1 (Axioma da Infinitude) Existe um conjunto (cujos elementos também


são conjuntos) que contém {∅} e tal que se X ∈ A, então X+ ∈ A.

Um conjunto com as propriedades descritas no Axioma da Infinitude será dito um


conjunto sucessor. Observe que o Axioma da Infinitude garante apenas a existência de

1
2 1.1. O conjunto N dos números naturais e os Axiomas de Dedekind-Peano

conjuntos sucessores. Seja N a interseção de todos os conjuntos sucessores. Verificamos


sem dificuldade que N é não-vazio, pois {∅} ∈ N, e que ele próprio é um conjunto sucessor
pois, se X ∈ N, então X pertence a todo conjunto sucessor e, consequentemente, o mesmo
vale para X+ , o que nos garante que X+ ∈ N. Da definição de N temos que este é menor
conjunto sucessor. Os elementos de N serão ditos números naturais e, em virtude
disso, N será chamado de conjunto dos números naturais. Note que fica estabelecida
uma aplicação s : N → N que a cada elemento de N faz corresponder o seu sucessor.
Utilizaremos a notação definitiva
1 = {∅}
2 = s (1) = {∅, {∅}}
3 = s (2) = {∅, {∅} , {∅, {∅}}}
..
.
além das letras minúsculas m, n, p, . . . para designar elementos genéricos de N.
O sistema de axiomas dado a seguir foi, essencialmente, desenvolvido por Richard
Dedekind em 1888. Contudo, ele é comumente atribuı́do ao matemático italiano Giuseppe
Peano pela reformulação mais precisa que deu em 1889 do trabalho de Dedekind. Assim,
para não cometermos injustiças, denominaremos os axiomas em questão de Axiomas de
Dedekind-Peano.
O conjunto N dos números naturais, munido da função s : N → N que a todo n ∈ N
faz corresponder seu sucessor s (n), satisfaz os seguintes axiomas:
N1) A função s : N → N é injetora, isto é, dados m, n ∈ N, m 6= n, tem-se s (m) 6= s (n).
N2) N − s (N) = {1}.
N3) (Princı́pio de Indução Finita) Se X é um subconjunto não-vazio de números
naturais tal que 1 ∈ X e, sempre que n ∈ X tem-se que s (n) ∈ X, então X = N.
Segue daqui que o conjunto N dos números naturais é, precisamente, o conjunto
N = {1, s (1) , s (s (1)) , s (s (s (1))) , . . .} = {1, 2, 3, . . .} .
Exemplo 1.1.1 Mostremos, utilizando o princı́pio de indução finita, que, para todo n ∈
N, s (n) 6= n. Seja X = {n ∈ N; s (n) 6= n}. Temos então do Axioma N2, que 1 ∈ X.
Seja, agora, n ∈ X. Então s (n) 6= n e, consequentemente, segue do Axioma N1 que
s (s (n)) 6= s (n). Logo, s (n) ∈ X e, portanto, do Axioma N3, X = N.
O Princı́pio de Indução Finita é uma ferramenta cuja utilidade não se restringe a
demonstrações de fatos matemáticos. O próximo resultado nos servirá no sentido de
apresentar como o Axioma de Indução pode ser utilizado para se definir objetos ma-
temáticos.
Teorema 1.1.1 (Teorema da Recursividade) Sejam a um elemento de um conjunto
A e f uma função de A em A. Existe exatamente uma aplicação ϕ : N → A tal que
ϕ (1) = a e ϕ (s (n)) = f (ϕ (n)) ,
para todo n ∈ N.
Capı́tulo 1. Números Naturais 3

Demonstração: Seja C a coleção de todos os subconjuntos C de N×A tais que (1, a) ∈ C


e tais que se (n, x) ∈ C, então (s (n) , f (x)) ∈ C. A coleção C é não vazia uma vez que
ela contém N × A. Além disso, como todo C ∈ C contém o par (1, a), tem-se que
T
D= C 6= ∅.
C∈C

É fácil ver que, na verdade, D ∈ C. Contudo, segue da definição de D que nenhuma


parte própria sua pode pertencer a C. Sejam S o conjunto de todos os números naturais
n para os quais existe um único x ∈ A tal que (n, x) ∈ D e ϕ : S → A a aplicação
definida por ϕ (n) = x. Temos que (1, a) ∈ D. Suponha, por absurdo, que exista a0 ∈ A,
a0 6= a, tal que (1, a0 ) ∈ D e seja D0 = D − {(1, a0 )}. Então (1, a) ∈ D0 e, além disso, se
(n, x) ∈ D0 , (s (n) , f (x)) ∈ D0 uma vez que (s (n) , f (x)) ∈ D e (s (n) , f (x)) 6= (1, a0 ).
Logo, D0 ∈ C, o que é um absurdo já que D0 é um subconjunto próprio de D. Concluı́mos,
portanto, que 1 ∈ S. Seja n ∈ S e seja x o único elemento de A tal que (n, x) ∈ D. Então
(s (n) , f (x)) ∈ D pelo fato de D pertencer a C. Suponha mais uma vez por absurdo que
exista y ∈ A, y 6= f (x), tal que (s (n) , y) ∈ D e faça D00 = D − {(s (n) , y)}. Então
(s (n) , f (x)) , (1, a) ∈ D00 .
Para qualquer (m, b) ∈ D00 , temos que (s (m) , f (b)) ∈ D. Se (s (m) , f (b)) = (s (n) , y),
então s (m) = s (n) e f (b) = y 6= f (x), o que nos fornece m = n e b 6= x. Daı́,
(n, b) e (n, x) são elementos distintos de D, contrariando o fato de n ∈ S. Portanto,
(s (m) , f (b)) 6= (s (n) , y) e, consequentemente, (s (m) , f (b)) ∈ D00 . Isso significa, então,
que D00 ∈ C, o que é um absurdo dado que D00 é um subconjunto próprio de D. Assim,
s (n) ∈ S e, de N3, S = N e a existência de uma função satisfazendo as condições
estabelecidas é comprovada. Sejam, agora, ϕ1 e ϕ2 duas funções atendendo os requisitos
exigidos e seja M o conjunto de todos os números naturais n tais que
ϕ1 (n) = ϕ2 (n)
Evidentemente, 1 ∈ M. Se n ∈ M, então
ϕ1 (s (n)) = f (ϕ1 (n)) = f (ϕ2 (n)) = ϕ2 (s (n))
e, portanto, s (n) ∈ M e, de N3, M = N. Logo, ϕ1 = ϕ2 . 
Corolário 1.1.1 Se os axiomas N1-N3 são também satisfeitos por um conjunto N0 , que
possui um elemento 10 , e uma aplicação s0 : N0 → N0 , então existe uma bijeção ϕ : N → N0
tal que
ϕ (1) = 10 e ϕ (s (n)) = s0 (ϕ (n)) ,
para todo n ∈ N.
Demonstração: Fazendo A = N0 , a = 10 e f = s0 no Teorema 1.1.1, vemos que existe
uma única aplicação ϕ : N → N0 tal que
ϕ (1) = 10 e ϕ (s (n)) = s0 (ϕ (n)) ,
para todo n ∈ N. Permutando-se N e N0 , observamos que existe uma única aplicação
ψ : N0 → N tal que
ψ (10 ) = 1 e ψ (s0 (n)) = s (ψ (n)) ,
para todo n0 ∈ N0 . A composta χ = ψ ◦ ϕ : N → N possui as propriedades:
4 1.2. Adição e multiplicação de números naturais

(i) χ (1) = 1;
(ii) χ (s (n)) = ψ (ϕ (s (n))) = ψ (s0 (ϕ (n))) = s (ψ (ϕ (n))) = s (χ (n)).

Utilizando-se mais uma vez o Teorema 1.1.1, temos que χ é a única função com essas
propriedades. Assim, ψ ◦ ϕ é a identidade de N e, de modo análogo, verifica-se que ϕ ◦ ψ
é a identidade de N0 . Consequentemente, ϕ é uma bijeção. 

1.2 Adição e multiplicação de números naturais


Nesta seção faremos uso do Teorema da Recursividade para definir sobre o conjunto N
dos números naturais as operações de adição e multiplicação bem como o uso do Princı́pio
de Indução Finita para estabelecer as principais propriedades relativas a estas operações.
O Teorema da Recursividade garante que, para cada m ∈ N existe uma única aplicação
sm : N → N tal que
sm (1) = s (m) e sm (s (n)) = s (sm (n)) ,
para todo n ∈ N.

OBSERVAÇÃO 1.2.1 Note que, em particular, s1 = s. Com efeito, seja


X = {n ∈ N; s1 (n) = s (n)} .
Temos, por definição, que
s1 (1) = s (1) ,
ou seja, 1 ∈ X. Se n é um elemento arbitrário de X, então s1 (n) = s (n) e, consequente-
mente,
s1 (s (n)) = s (s1 (n)) = s (s (n)) ,
isto é, s (n) ∈ X. O Axioma N3 garante a validade da afirmação feita.

Utilizaremos a notação m + n para representar a imagem do número natural n pela


função sm . Assim,
sm (n) = m + n.

OBSERVAÇÃO 1.2.2 Se n ∈ N temos, da definição de sn e da observação anterior que


n + 1 = sn (1) = s (n) = s1 (n) = 1 + n,
ou seja, para todo n ∈ N,
n + 1 = 1 + n.
Assim, dados m, n ∈ N,
(m + n) + 1 = 1 + (m + n)
= s (m + n)
= s (sm (n))
= sm (s (n))
= m + s (n) = m + (n + 1)
Capı́tulo 1. Números Naturais 5

Definição 1.2.1 Chamaremos de adição sobre N a aplicação S : N × N → N que faz


corresponder ao par (m, n) o número natural m + n.

Teorema 1.2.1 (Associatividade da Adição) A adição de números naturais é asso-


ciativa, isto é, dados m, n, p ∈ N, temos que

(m + n) + p = m + (n + p)

Demonstração: Seja

X = {p ∈ N; (m + n) + p = m + (n + p) , ∀ m, n ∈ N} .

Do que vimos na Observação 1.2.2 temos que 1 ∈ X. Mostremos, agora, que se p ∈ X,


então p + 1 = s (p) ∈ X. Seja p um elemento de X. Neste caso,

(m + n) + (p + 1) = [(m + n) + p] + 1
= [m + (n + p)] + 1
= m + [(n + p) + 1] = m + [n + (p + 1)] ,

isto é, p + 1 ∈ X e X = N. 

Teorema 1.2.2 (Comutatividade da Adição) A adição de números naturais é comu-


tativa, isto é, dados m, n ∈ N, tem-se que

m + n = n + m.

Demonstração: Seja X = {n ∈ N; m + n = n + m, ∀ m ∈ N}. Da Observação 1.2.2


temos que 1 ∈ X. Sejam n um elemento qualquer de X e m um número natural qualquer.
Então, utilizando-se a propriedade associativa da adição bem como o fato de 1 ∈ X, temos
que

m + (n + 1) = (m + n) + 1
= (n + m) + 1
= n + (m + 1)
= n + (1 + m) = (n + 1) + m.

Logo, n + 1 ∈ X e, do Princı́pio de Indução Finita, X = N. 

Teorema 1.2.3 (Lei do Corte da Adição) Sejam m, n, p ∈ N. Se m + p = n + p


então m = n.

Demonstração: Seja X o conjunto dos números naturais p tais que dados m, n ∈ N, se


m + p = n + p então m = n. Note que 1 ∈ X. Com efeito,

m + 1 = n + 1 ⇔ s (m) = s (n)

e, do Axioma N1, m = n. Sejam p ∈ X e m, n ∈ N tais que

m + (p + 1) = n + (p + 1) .
6 1.2. Adição e multiplicação de números naturais

Da propriedade associativa temos que


(m + p) + 1 = (n + p) + 1
ou, equivalentemente,
s (m + p) = s (n + p) .
Novamente, do Axioma N1, deve-se ter m + p = n + p, o que nos dá m = n. Logo,
p + 1 ∈ X e X = N. 
Exemplo 1.2.1 Calculemos 5 + 3. Uma vez que 3 = s (2), temos que
5 + 3 = s5 (3) = s5 (s (2)) = s (s5 (2))
Uma vez que 2 = s (1), temos que
5 + 3 = s (s5 (s (1))) = s (s (s5 (1)))
= s (s (s (5))) = s (s (6))
= s (7) = 8.
Utilizando-se mais uma vez o Teorema da Recursividade temos que, para todo m ∈ N,
existe uma única aplicação pm : N → N tal que
pm (1) = m e pm (n + 1) = pm (n) + m.
Utilizamos a notação
pm (n) = m · n
para representar a imagem de um número natural n pela aplicação pm . Sempre que não
houver perigo de confusão, poderemos omitir o ponto e escrever mn em vez de m · n. No
entanto isso será feito apenas a partir dos exercı́cios deste capı́tulo.
Definição 1.2.2 Chamaremos de multiplicação sobre N a aplicação P : N × N → N que
faz corresponder ao par (m, n) o número natural m · n.
OBSERVAÇÃO 1.2.3 Trazendo a notação estabelecida acima para a definição da aplicação
pm , temos que
m·1=m e m · (n + 1) = m · n + m.
Teorema 1.2.4 (Distributividade da Multiplicação Relativamente a Adição) A
multiplicação é distributiva relativamente a adição, isto é, dados m, n, p ∈ N, tem-se que
m · (n + p) = m · n + m · p.
Demonstração: Seja X o conjunto dos números naturais p tais que, dados m, n ∈ N,
tem-se m · (n + p) = m · n + m · p. Da Observação 1.2.3 temos que 1 ∈ X. Se p ∈ X,
então
m · [n + (p + 1)] = m · [(n + p) + 1]
= m · (n + p) + m
= (m · n + m · p) + m
= m · n + (m · p + m)
= m · n + m · (p + 1) ,
isto é, p + 1 ∈ X e X = N. 
Capı́tulo 1. Números Naturais 7

Teorema 1.2.5 (Associatividade da Multiplicação) A multiplicação sobre N é as-


sociativa, isto é, dados mn, p ∈ N, tem-se que

(m · n) · p = m · (n · p) .

Demonstração: Seja X o conjunto dos números naturais p tais que, para todo m, n ∈ N,
(m · n) · p = m · (n · p). Note que

(m · n) · 1 = m · n = m · (n · 1) ,

isto é, 1 ∈ X. Seja p um elemento arbitrário de X. Neste caso, segue da propriedade


distributiva que

(m · n) · (p + 1) = (m · n) · p + m · n
= m · (n · p) + m · n
= m · (n · p + n)
= m · [n · (p + 1)] ,

ou seja, p + 1 ∈ X e X = N.N. 

Exemplo 1.2.2 Calculemos 5 · 3. Uma vez que 3 = 2 + 1 e 2 = 1 + 1, temos que

5 · 3 = 5 · (2 + 1)
=5·2+5
= 5 · (1 + 1) + 5
= (5 · 1 + 5) + 5
= (5 + 5) + 5
= 10 + 5
= 15.

Exemplo 1.2.3 Dado n ∈ N, temos que n + n = 2 · n. Com efeito, seja X o conjunto


dos números naturais para os quais a acertiva é verdadeira. Note que 1 ∈ X pois 1 + 1 =
2 = 2 · 1. Seja n ∈ X. Neste caso,

(n + 1) + (n + 1) = (n + n) + (1 + 1) = 2 · n + 2 · 1 = 2 · (n + 1) .

Logo, n + 1 ∈ X e X = N.

1.3 Ordem em N
Sabemos da teoria elementar de conjuntos que dois conjuntos A e B são iguais se,
e somente se, possuem os mesmos elementos. Assim, os conjuntos {a, b} e {b, a} são
iguais e a disposição dos elementos não influencia na determinação do conjunto. Contudo,
determinadas disposições tornam mais evidentes a identificação dos elementos de um dado
conjunto bem como de subconjuntos especı́ficos deste. Em outras palavras, deixam a casa
mais arrumada. Verificaremos ao longo desta e das seções subsequentes que a disposição
{1, 2, 3, . . .} para a representação do conjunto N dos números naturais tem suas vantagens.
8 1.3. Ordem em N

Definição 1.3.1 Sejam m, n ∈ N. Diremos que m é menor do que n e escreveremos


m < n se existe k ∈ N tal que
n = m + k.
O número natural k será chamado de subtração de m de n e denotado por k = n − m.

Alternativamente, escrevemos n > m e dizemos que n é maior do que m para dizer


que m < n. Evidentemente, para todo n ∈ N, n < s (n), pois s (n) = n + 1. Observe
ainda, que, se m < n, então ou s (m) = n ou s (m) < n. Com efeito, seja k ∈ N tal que
n = m + k. Se k = 1, então n = s (m). Se k 6= 1, em virtude do Axioma N2, deve existir
p ∈ N tal que k = p + 1 e, neste caso,

n=m+k
= m + (p + 1)
= m + (1 + p)
= (m + 1) + p = s (m) + p,

isto é, s (m) < n.

Exemplo 1.3.1 Uma vez que 8 = 5 + 3, temos que 5 < 8 e que 3 = 8 − 5.

Teorema 1.3.1 Sejam m, n ∈ N, com m < n. Para todo p ∈ N

p · (n − m) = p · n − p · m.

Demonstração: Sejam k = n − m e p ∈ N. Neste caso, n = m + k e, consequentemente,

p · n = p · (m + k)
= p · m + p · k.

Da definição de subtração segue que p · k = p · n − p · m. 

Veremos agora que a relação “<” induz, sobre N, uma ordem total a qual é compatı́vel
com a noção de adição e multiplicação que aqui definimos. Faremos isso com o auxı́lio
dos resultados a seguir.

Lema 1.3.1 A relação “<” é transitiva, isto é, se m, n e p são números naturais tais
que m < n e n < p, então m < p.

Demonstração: Sejam m, n, p ∈ N tais que m < n e n < p. Neste caso, existem


números naturais k e k0 tais que

n=m+k e p = n + k0 .

Assim,
p = (m + k) + k0 = m + (k + k0 )
e m < p. 

Teorema 1.3.2 (Lei da Tricotomia) Dados m, n ∈ N, uma, e apenas uma, das alter-
nativas a seguir é verdadeira:
Capı́tulo 1. Números Naturais 9

(i) m < n; (ii) m = n; (iii) n < m.

Demonstração: Seja X o conjunto dos n ∈ N tais que, dado m ∈ N, uma, e apenas


uma, das alternativas dadas é verdadeira. Se m 6= 1, segue imediatamente do Axioma N2
que existe p ∈ N tal que m = p + 1, isto é, 1 < m. Temos, portanto, que 1 ∈ X. Sejam
n ∈ X e m ∈ N. Se m = n, então m < n + 1. Se m < n, como n < n + 1, segue da
transitividade da relação “<” que m < n + 1. Finalmente, se n < m, então ou n + 1 = m
ou n + 1 < m. Logo, de toda maneira, n + 1 ∈ X e X = N. 

Teorema 1.3.3 A relação “<” ´é compatı́vel e cancelativa relativamente a adição, isto
é, dados m, n, p ∈ N, tem-se que

m < n ⇔ m + p < n + p.

Demonstração: Se m < n, existe k ∈ N tal que n = m + k. Assim, dado p ∈ N,

n + p = (m + k) + p = (m + p) + k,

ou seja, m + p < n + p. Reciprocamente, suponha que m + p < n + p. Neste caso, existe


k0 ∈ N tal que
n + p = (m + p) + k0 = (m + k0 ) + p.
Da Lei do Corte, n = m + k0 e, consequentemente, m < n. 

Corolário 1.3.1 Sejam a, b, c, d ∈ N. Se a < b e c < d, então a + c < b + d.

Demonstração: Temos que

a<b⇒a+c<b+c e c < d ⇒ b + c < b + d.

Da transitividade de “<”, a + c < b + d. 

Definição 1.3.2 Sejam m, n ∈ N. Diremos que m é menor do que ou igual a n e


escreveremos m ≤ n para indicar que exatamente uma das alternativas abaixo é satisfeita:

(i) m < n; (ii) m = n.

Por exemplo, como 2 < 3 e, evidentemente, 2 = 2, podemos escrever 2 ≤ 3 e 2 ≤ 2.


No entanto, como 1 < 2, não é verdade que 2 ≤ 1.
Alternativamente, escrevemos n ≥ m e dizemos que n é maior do que ou igual a
m para dizer que m ≤ n.

Teorema 1.3.4 A relação “≤” induz sobre N uma relação de ordem, isto é, goza das
seguintes propriedades:

(i) Reflexividade: dado n ∈ N, tem-se n ≤ n;

(ii) Anti-simetria: se m e n são números naturais tais que m ≤ n e n ≤ m, então


m = n;
10 1.3. Ordem em N

(iii) Transitividade: se m, n e p são números naturais tais que m ≤ n e n ≤ p, então


m ≤ p.

Demonstração: A propriedade (i) é consequência imediata da definição da relação “≤”


e a propriedade (ii) é consequência imediata da Tricotomia. Quanto a propriedade (iii)
temos que no caso de ser n = p o resultado é imediato e, no caso de ser n < p, tanto faz
ser m = n ou m < n, teremos m < p, o que nos dá m ≤ p também. 

OBSERVAÇÃO 1.3.1 Observe que a Tricotomia acaba por estabelecer que a relação “≤” é
uma ordem total, ou seja, dados m, n ∈ N,

m≤n ou n ≤ m.

Teorema 1.3.5 A relação “≤” é compatı́vel e cancelativa com respeito a adição, isto é,
dados m, n, p ∈ N
m+p≤n+p⇔m≤n

Demonstração: Segue imediatamente do fato de as relações “=” e “<” serem ambas


compatı́veis e cancelativas com respeito a adição. 

Voltando à nossa abordagem inicial, na qual 1 = {∅} e, de modo geral, n+1 representa
a união disjunta n ∪ {n}, veremos que a noção de ordem aqui estabelecida é compatı́vel
com a inclusão. Mais precisamente:

Teorema 1.3.6 Sejam m, n ∈ N. Então m < n se, e somente se, m ( n.

Demonstração: Seja X o conjunto dos n ∈ N tais que se m ∈ N e m < n, então m ( n.


Por vacuidade, 1 ∈ X. Sejam n ∈ X e m ∈ N tais que m < n + 1. Então m ≤ n. Como
n ( n + 1, temos, neste caso, que

m ⊆ n ( n + 1.

isto é, m é subconjunto próprio de n + 1. Da arbitrariedade de m segue que n + 1 ∈ X


e, portanto, X = N. Reciprocamente, seja Y o conjunto dos n ∈ N tais que sempre que
m ∈ N é um subconjunto próprio de n tem-se m < n. Mais uma vez, por vacuidade,
1 ∈ Y. Sejam n ∈ Y e m ∈ N um subconjunto próprio de n + 1. Como n + 1 = n ∪ {n} e
{n} não denota um número natural, devemos ter m ⊂ n e, consequentemente,

m ≤ n < n + 1,

isto é, k < n + 1. Logo, n + 1 ∈ Y e Y = N. 

Este resultado nos será útil mais adiante quando falarmos de números cardinais.
No que segue, se n ∈ N representaremos por Xn o conjunto

Xn = {m ∈ N; n ≤ m} = {n, n + 1, n + 2, . . .} .

Teorema 1.3.7 (Primeira Generalização do Princı́pio de Indução Finita) Se X


é um subconjunto de números naturais tal que k ∈ X e, sempre que n ∈ X, tem-se que
n + 1 ∈ X, então Xk ⊂ X.
Capı́tulo 1. Números Naturais 11

Demonstração: Se k = 1 o resultado é imediato. Se k 6= 1, seja m ∈ N tal que


k = m + 1. Seja S = {p ∈ N; m + p ∈ X}. Note que nossa tarefa estará concluı́da se
conseguirmos mostrar que S = N. Pois bem, é evidente que 1 ∈ S, pois m + 1 = k ∈ X.
Se p ∈ S, então m + p ∈ X. Da hipótese, temos então que

(m + p) + 1 = m + (p + 1) ∈ X.

Daı́, p + 1 ∈ S e S = N. 

1.4 O Princı́pio da Boa Ordenação


Utilizaremos nesta seção as noções de ordem desenvolvidas na seção anterior para
estabelecer o conceito de elemento mı́nimo bem como o Princı́pio da Boa Ordenação o
qual traz como consequência o Segundo Princı́pio de Indução Finita.

Definição 1.4.1 Seja X um subconjunto não-vazio de números naturais. Diremos que


n ∈ N é um elemento mı́nimo de X se n ∈ X e, além disso, n ≤ m, para todo m ∈ X.

Se n e n0 são ambos elementos mı́nimos de um subconjunto não-vazio de números


naturais então n ≤ n0 e n0 ≤ n. Logo, o elemento mı́nimo de um subconjunto não-vazio
de números naturais, quando existe (e veremos adiante que sempre existe), é único.
No que segue, dado n ∈ N, In representa o conjunto de todos os naturais menores do
que ou iguais a n, isto é,

In = {m ∈ N; m ≤ n} = {1, 2, . . . , n} .

Teorema 1.4.1 (Princı́pio da Boa Ordenação) Todo subconjunto não-vazio de nú-


meros naturais possui menor elemento.

Demonstração: Seja X um subconjunto não-vazio de números naturais. Suponha, por


absurdo, que X não possua menor elemento e seja N − X o complementar de X em N. Se

S = {n ∈ N; In ⊂ N − X}

é fácil ver que S ⊂ N − X e, uma vez que 1 ∈ / X, pois, caso contrário, 1 seria o elemento
mı́nimo de X, temos que 1 ∈ N − X. Logo, I1 = {1} ⊂ N − X e 1 ∈ S. Seja n ∈ S. Se
n + 1 pertencesse a X, como In ⊂ N − X, terı́amos que n + 1 seria o elemento mı́nimo
de X, contrariando o fato de X não possuir elemento mı́nimo. Assim, n + 1 ∈ N − X e,
consequentemente,
In+1 = In ∪ {n + 1} ⊂ N − X.
Portanto, n + 1 ∈ S e, do Axioma de Indução Finita, S = N. Deste modo,

N = S ⊂ N − X ⊂ N,

ou seja, N − X = N e X = ∅, contradizendo o fato de X ser não-vazio. 

Corolário 1.4.1 (Segundo Princı́pio de Indução Finita) Seja X ⊂ N tal que 1 ∈ X


e, sempre que 1, 2, . . . , n ∈ X, tem-se que n + 1 ∈ X. Nestas condições X = N.
12 1.4. O Princı́pio da Boa Ordenação

Demonstração: Suponha, por absurdo, que X 6= N. Neste caso, N − X 6= ∅ e, do


Princı́pio da Boa Ordenação, N − X possui um elemento mı́nimo, o qual denotaremos por
m. Como 1 ∈ X, devemos ter 1 < m. Seja n ∈ N tal que m = n + 1. Então In ⊂ X
e, da hipótese feita sobre X, n + 1 = m ∈ X. Logo, m é um número natural que está
simultaneamente em X e N−X, o que é, obviamente, um absurdo visto que X∩N−X = ∅.
Logo, N − X = ∅ e X = N. 

Corolário 1.4.2 (Forma Geral do Teorema da Recursividade) Sejam A um con-


junto não-vazio, a : {1, 2, . . . , m} → A e f : Am → A, onde Am é o produto cartesiano de
m fatores iguais a A. Fazendo-se a (k) = ak para todo k = 1, . . . , m, existe exatamente
uma aplicação ϕ : N → A tal que

ϕ (1) = a1 , . . . , ϕ (m) = am e ϕ (m + n) = f (ϕ ((m + n) − 1) , . . . , ϕ (n)) ,

para todo n ∈ N.

Demonstração: A garantia da existência é feita de forma análoga ao que fizemos an-


teriormente. Para verificar a unicidade, consideremos as funções ϕ1 , ϕ2 : N → A tais
que
ϕ1 (1) = a1 = ϕ2 (1) , ϕ1 (m) = am = ϕ2 (m)
e, para todo n ≥ 1,

xm+n = f (ϕ1 ((m + n) − 1) , . . . , ϕ1 (n)) e ym+n = f (ϕ2 ((m + n) − 1) , . . . , ϕ2 (n)) .

Seja M o conjunto de todos os números naturais n tais que

xn = yn .

Evidentemente, 1, . . . , m ∈ M. Se n ≥ m e 1, 2, . . . , n ∈ M, então

xn+1 = f (ϕ1 (n) , . . . , ϕ1 ((n + 1) − m)) = f (ϕ2 (n) , . . . , ϕ1 ((n + 1) − m)) = yn+1

e, portanto, n + 1 ∈ M. Do Segundo Princı́pio de Indução, M = N e ϕ1 (n) = ϕ2 (n),


para todo n ∈ N. 

Lema 1.4.1 Dado n ∈ N,


n · 1 = 1 · n.

Demonstração: Seja X = {n ∈ N; n · 1 = 1 · n}. É óbvio que 1 ∈ X. Se n ∈ X, temos


que
1 · (n + 1) = 1 · n + 1 = n · 1 + 1 = n + 1 = (n + 1) · 1,
ou seja, n + 1 ∈ X e X = N. 

Teorema 1.4.2 (Comutatividade da Multiplicação) A multiplicação sobre N é co-


mutativa, isto é, dados m, n ∈ N, tem-se que

m · n = n · m.
Capı́tulo 1. Números Naturais 13

Demonstração: Seja X = {n ∈ N; m · n = n · m, ∀ m ∈ N}. Segue imediatamente do


Lema 1.4.1 que 1 ∈ X. Sejam n um elemento arbitrário do conjunto X e
Xn = {m ∈ N; m · (n + 1) 6= (n + 1) · m} .
Suponha, por absurdo, que Xn 6= ∅ e, à luz do Princı́pio da Boa Ordenação, seja b o
elemento mı́nimo de Xn . Como 1 ∈ X, devemos ter b 6= 1. Consequentemente, existe
a ∈ N tal que b = a + 1. Note que a minimalidade de de b nos garante que
a · (n + 1) = (n + 1) · a.
Assim,
b · (n + 1) = b · n + b
= (a + 1) · n + (a + 1)
= n · (a + 1) + (a + 1)
= (n · a + n) + (a + 1)
= (n · a + a) + (n + 1)
= (a · n + a) + (n + 1)
= a · (n + 1) + (n + 1)
= (n + 1) · a + (n + 1)
= (n + 1) · (a + 1) = (n + 1) · b,
o que é uma contradição. Logo, Xn = ∅, n + 1 ∈ X e X = N. 

Teorema 1.4.3 A relação “<” é compatı́vel e cancelativa relativamente a multiplicação,


isto é, dados m, n, p ∈ N, tem-se que
m < n ⇔ m · p < n · p.

Demonstração: Se m < n, então existe k ∈ N tal que n = m + k. Neste caso,


n · p = (m + k) · p = m · p + k · p
e m · p < n · p. Reciprocamente, suponha que m · p < n · p. Se fosse m = n, então seria
m · p = n · p, o que, como bem sabemos, não ocorre. Se fosse n < m segue, do que vimos
acima, que deverı́amos ter n · p < m · p o que, como bem sabemos, não ocorre. Logo, da
Tricotomia, resta que seja m < n. 

Corolário 1.4.3 Se a, b, c, d ∈ N, a < b e c < d, então a · c < b · d.

Temos que
a<b⇔a·c<b·c
e que
c < d ⇔ b · c < b · d,
isto é,
a · c < b · c < b · d.
A transitividade da relação “<” assegura o resultado.
14 1.4. O Princı́pio da Boa Ordenação

Corolário 1.4.4 A relação “≤” é compatı́vel e cancelativa com respeito a multiplicação,


isto é, dados m, n, p ∈ N
m+p≤n+p⇔m≤n
Demonstração: Segue imediatamente do fato de as relações “=” e “<” serem ambas
compatı́veis e cancelativas com respeito a multiplicação. 
Somos capazes, agora, de utilizar a ordem introduzida sobre N para verificar a Lei do
Corte relativamente à multiplicação.
Teorema 1.4.4 (Lei do Corte da Multiplicação) Sejam m, n, p ∈ N. Se m·p = n·p
então m = n.
Demonstração: Sejam m, n, p ∈ N tais que m · p = n · p. Suponha, por absurdo, que
m 6= n e, sem perda de generalidade, suponha também que seja m < n. Neste caso,
existe k ∈ N tal que n = m + k. Assim,
n · p = (m + k) · p = m · p + k · p
e m · p < n · p, o que é uma contradição. Logo, m = n e o resultado segue. 
Exemplo 1.4.1 (Sequência de Fibonacci) Da Forma Geral do Teorema da Recursi-
vidade segue que existe uma única função f : N → N tal que
f (1) = f (2) = 1 e f (n + 2) = f (n) + f (n + 1) .
A função f, assim definida, é denominada sequência de Fibonacci. Escrevendo-se f (n) =
un , temos que
u1 = 1, u2 = 1, u3 = 2, u4 = 3, u5 = 5, u6 = 8, u7 = 13, u8 = 21, u9 = 34, u10 = 55, . . .
Mostremos agora que, para todo n, m ∈ N,
um+n+1 = un · um + un+1 · um+1 .
Seja X o conjunto dos números naturais n para os quais a igualdade acima se verifica não
importa qual seja o número natural m. Se n = 1, então
um+n+1 = um+2
= um + um+1
= 1 · um + 1 · um+1
= u1 · um + u2 · um+1
= un · um + un+1 · um+1 ,
ou seja, 1 ∈ X. Se n = 2, então
um+n+1 = um+3
= um+1 + um+2
= um+1 + (um + um+1 )
= 1 · um + 2 · um+1
= u2 · um + u3 · um+1
= un · um + un+1 · um+1 ,
Capı́tulo 1. Números Naturais 15

ou seja, 2 ∈ X. Seja n ∈ N, n ≥ 2, tal que In ⊂ X. Neste caso,

um+(n+1)+1 = um+n+2
= um+n + um+n+1
= um+(n−1)+1 + um+n+1
= (un−1 · um + un · um+1 ) + (un · um + un+1 · um+1 )
= um · (un−1 + un ) + um+1 · (un + un+1 )
= un+1 · um + un+2 · um+1 ,

isto é, n + 1 ∈ X e, do Segundo Princı́pio de Indução, X = N.

OBSERVAÇÃO 1.4.1 Seguindo um raciocı́nio similar àquele utilizado na demonstração da


forma geral do Princı́pio de Indução Finita, verica-se que, se X ⊂ N é um conjunto tal que
a ∈ X e, sempre que a, . . . , n ∈ X é possı́vel concluir que n+1 ∈ X, então {a, a + 1, . . .} ⊂
X. Este fato ficará conhecido como Primeira Generalização do Segundo Princı́pio
de Indução Finita.

Definição 1.4.2 Um subconjunto X de números naturais é dito limitado superior-


mente se existe p ∈ N tal que n ≤ p, para todo n ∈ X. O número natural p, neste caso,
é chamado de cota superior de X.

Note que, dizer que X ⊂ N é limitado é equivalente a dizer que existe p ∈ N tal que

X ⊂ Ip = {1, 2, . . . , p} .

Note ainda que, se p é uma cota superior de X, então dado m ∈ N, tem-se que p + m
também o é.

Exemplo 1.4.2 O conjunto X = {1, 3, 5, 7, 9, 11} é limitado superiormente e 11 é uma


cota superior de X. Assim, qualquer natural maior que 11 também é cota superior de X.
O conjunto Y = {2 · n; n ∈ N} não é limitado superiormente. De fato, dado n ∈ N, tem-se
que 2 · n ∈ X e n < 2n, ou seja, não importa qual seja o número natural escolhido, existe
um elemento de X que o supera.

Definição 1.4.3 Seja X um subconjunto de N. Diremos que k ∈ N é um elemento


máximo de X se k ∈ X e, além disso, n ≤ k, para todo n ∈ X.

Da definição da relação “≤” segue que o elemento máximo de subconjunto X de


números naturais, quando existe, é único. Com efeito, se k e k0 são ambos elementos
máximos de X, então, em particular, k ≤ k0 e k0 ≤ k e, consequentemente, k = k0 .

Exemplo 1.4.3 Sejam X e Y os conjuntos do Exemplo 1.4.2. Então 11 é o elemento


máximo de X, ao passo que Y não possui elemento máximo.

Teorema 1.4.5 Todo conjunto não-vazio X de números naturais limitado superiormente


possui elemento máximo.
16 1.5. Conjuntos finitos e conjuntos infinitos

Demonstração: Seja Y o conjunto dos p ∈ N tal que p é uma cota superior de X.


Como, por hipótese, X é limitado superiormente, Y é não-vazio e, por conseguinte, segue
do Princı́pio da Boa Ordenação que Y possui um elemento mı́nimo que denotaremos por
k. Mostraremos que k é o elemento máximo de X. Se k = 1, então X = {1} e o resultado
está provado. Suponha, agora, que seja k > 1. Suponha, por absurdo, que k ∈ / X. Assim,

X ⊂ Ik − {k} = Ik−1

e, neste caso, para todo n ∈ X, n ≤ k − 1, isto é, k − 1 é uma cota superior de X, o que
contradiz a minimalidade de k. Logo, k ∈ X e o resultado está provado 

1.5 Conjuntos finitos e conjuntos infinitos


Nesta seção desenvolvemos o caráter cardinal dos números naturais, isto é, utilizaremos
os números naturais para expressar quantidades.

Teorema 1.5.1 Sejam m, n ∈ N. Se a aplicação ϕ : Im → In é injetora e ϕ (Im ) 6= In ,


então m < n.

Demonstração: Seja X o conjunto dos números naturais m para os quais a assertiva


acima vale. Certamente, m = 1 ∈ X uma vez que I1 = {1}. Sejam m ∈ X e ϕ : Im+1 → In
uma função injetora tal que f (Im+1 ) 6= In . Seja também ϕ (m + 1) = p. Considerando-se
a restrição ϕ|Im de ϕ a Im , temos que

ϕ|Im (Im ) ⊂ ϕ (Im+1 ) − {p} ( ϕ (Im+1 ) ( In ,

isto é, ϕ|Im (Im ) 6= In e, consequentemente, m < n. Logo, m + 1 ≤ n. Suponha, por


absurdo, que seja m + 1 = n. Neste caso, a função

ψ : Im → ϕ (Im ) = Im+1 − {p}

dada por ψ (k) = ϕ (k) é uma bijeção e, por conseguinte, a função ϕ também o é,
contradizendo o fato de ϕ (Im+1 ) ser diferente de Im+1 . Logo, m + 1 < n e, portanto,
m + 1 ∈ X e X = N. 

Teorema 1.5.2 (Princı́pio das Casas de Pombo) Se ϕ : Im → In é sobrejetora, mas


não é injetora, então n < m.

Demonstração: Como ϕ é sobrejetora, para cada p ∈ In , o conjunto ϕ−1 (p) é não-


vazio. Escolhendo-se arbitrariamente a1 ∈ ϕ−1 (1) , . . . , an ∈ ϕ−1 (n), temos que a função
ψ : In → Im que a cada p ∈ In faz corresponder o valor ap é injetora. Note, agora que,
como ϕ não é injetora, existe k ∈ In tal que {ak } é um subconjunto próprio de ϕ−1 (k),
isto é, existe a ∈ ϕ−1 (k) tal que a 6= ak . Logo, ψ (In ) ⊂ Im − {a} ( Im . O Teorema 1.5.1
garante o resultado. 

Corolário 1.5.1 Uma função ϕ : In → In é injetora se, e somente se, é sobrejetora.


Capı́tulo 1. Números Naturais 17

Demonstração: Suponha por absurdo que ϕ seja injetora, mas não seja sobrejetora.
Neste caso, ϕ (In ) 6= In e, do Teorema 1.5.1, n < n o que, obviamente, é uma contradição.
Reciprocamente, suponha, por absurdo, que ϕ seja sobrejetora, mas não seja injetora.
Neste caso, o Teorema 1.5.2 nos dá, novamente, n < n, o que é uma contradição. 

Corolário 1.5.2 Se ϕ : Im → In é uma função bijetora, então m = n.

Demonstração: Uma vez que a função ψ : Im → In+1 dada por ψ (k) = ϕ (k) é injetora
e ψ (Im ) = In 6= In+1 , segue do Teorema 1.5.1 que m < n + 1 e, consequentemente,
m + 1 ≤ n + 1. Utilizando-se um raciocı́nio análogo com ϕ−1 no lugar de ϕ, concluı́mos
que n + 1 ≤ m + 1. Logo, m + 1 = n + 1 e, da Lei do Corte (ou da injetividade da função
s), m = n. 

Definição 1.5.1 Dois conjuntos arbitrários E e F serão ditos equipotentes se existe uma
função f : E → F bijetora.

Não é difı́cil notar que a equipotência entre conjuntos define uma relação de equi-
valência. As classes assim obtidas são chamadas de números cardinais. O problema
agora reside no fato de, dentre todos os conjuntos de uma mesma classe, qual é o mais
indicado para representá-la. Veremos como fazer isso em alguns casos a seguir.

Definição 1.5.2 Seja X um conjunto qualquer. Diremos que X é um conjunto finito se


X = ∅ ou se existe n ∈ N tal que X e In sejam equipotentes. Se X não é finito, diremos
então que é um conjunto infinito.

Uma vez que a correspondência In 7→ n, pelo que vimos acima, é biunı́voca, utilizare-
mos n para representar o número cardinal relativo à classe da qual In faz parte. Assim, se
X é equipotente a In , diremos que n é o número de elementos ou que é a cardinalidade
do conjunto X e escreveremos card X = n. Utilizaremos o sı́mbolo 0, o qual chamaremos
de zero, para denotar o número cardinal relativo ao conjunto vazio, isto é, card ∅ = 0.
Neste sentido, o conjunto N ∪ {0} está imerso no conjunto dos números cardinais.
Segue diretamente do que vimos que cada conjunto In é finito e possui n elementos.
Além disso, dois números naturais distintos não podem representar, simultaneamente, a
cardinalidade de um mesmo conjunto X visto que, se X é simultaneamente equipotente a
In e Im , então existem bijeções ψ : X → Im e ϕ : X → In e, daı́, a função ϕ ◦ ψ−1 : Im → In
é também uma bijeção. Do Corolário 1.5.2, m = n.
Note que, até aqui, o uso de expressões como “n vezes”, “após n iterações”, “n
objetos”, “depois de n passos” e outras foi evitado. Isso foi feito porque ainda não
havı́amos conferido aos números naturais o caráter cardinal, isto é, não fazia sentido
até antes deste ponto usar os números naturais para expressar quantidades. Contudo,
o uso de tais expressões, de agora em diante, será não só permitido como amplamente
utilizado ao longo do texto. Os dois próximos exemplos nos dão uma outra percepção das
operações de adição e multiplicação aqui desenvolvida do ponto de vista destes conceitos
e terminologias.
18 1.5. Conjuntos finitos e conjuntos infinitos

Exemplo 1.5.1 Considerando-se a função s : N → N que, a cada número natural n


associa seu sucessor s (n) = n + 1, definamos por recorrência, para cada n ∈ N a função
Sn : N → N pondo-se
S1 = s e Sn+1 = s ◦ Sn .
Mostraremos agora, fazendo-se indução em n, que, para todo m ∈ N, temos que m + n =
Sn (m), ou seja, somar os números naturais m e n é mesmo que, a partir de m, tomarmos o
sucessor n vezes consecutivas. Com efeito, seja X = {n ∈ N; m + n = Sn (m) , ∀ m ∈ N}.
É lógico que 1 ∈ X. Seja n ∈ X. Assim, da propriedade associativa da adição, temos que

m + (n + 1) = (m + n) + 1
= Sn (m) + 1
= s (Sn (m)) = Sn+1 (m) ,

ou seja, n + 1 ∈ X e, consequentemente, X = N.

Exemplo 1.5.2 Dado n ∈ N, seja Sn : N → N como no exemplo anterior. Fixado n ∈ N,


definamos, por recorrência, para cada k ∈ N, as funções Skn : N → N, fazendo-se

S1n = Sn e Sk+1
n = Sn ◦ Skn .

Assim,
Skn (m) = m + n + · · · + n.
onde a quantidade de parcelas iguais a n é k. Seja, agora, P1 : N → N a identidade de N
e Pn+1 : N → N a função definida por

Pn+1 (m) = Snm (m) .

Mostremos, utilizando indução em n que, para todo m ∈ N, n · m = Pn (m), ou


seja, o produto de n por m é igual a soma de n parcelas iguais a m. Seja X =
{n ∈ N; n · m = Pn (m) , ∀ m ∈ N}. É lógico que 1 ∈ X. Seja, agora, n ∈ X. Assim,

(n + 1) · m = n · m + m
= Pn (m) + m
= Snm (m) + m
= Sm (Snm (m))
= Sn+1
m (m) = Pn+1 (m) .

Logo, m + 1 ∈ X e X = N pelo Axioma de Indução.

Se X é um conjunto de n elementos, então existe uma função bijetora f : In → X.


Fazendo-se f (k) = xk , k = 1, . . . , n, podemos escrever o conjunto X da seguinte forma:

X = {x1 , x2 , . . . , xn } .

Essa forma de escrever o conjunto X é denominada uma enumeração do conjunto X.


Capı́tulo 1. Números Naturais 19

OBSERVAÇÃO 1.5.1 Uma vez que ∅ é subconjunto de todo conjunto segue, do Teorema
1.3.6, que a inclusão induz uma ordem total em N∪ {0} compatı́vel com a ordem total
estabelecida em N. Note que, neste caso, temos 0 < n, para todo n ∈ N.

Trabalharemos agora na intensão de caracterizar os conjuntos finitos e os infinitos.

Teorema 1.5.3 Se A é um subconjunto de In , então A é finito e card A ≤ n.

Demonstração: Seja X o conjunto dos números naturais para os quais a assertiva acima
é verdadeira. Note que 1 ∈ X visto que os únicos subconjuntos de I1 são ∅ e I1 . Sejam
n ∈ X e A um subconjunto de In+1 . Se for A ⊂ In , então, como n ∈ X, temos que A é
finito e
card A ≤ n ≤ n + 1
e a afirmação feita se verifica. Se n + 1 ∈ A, então A − {n + 1} ⊂ In e, do fato de n
estar em X, segue que existe m ≤ n tal que k = card A. Neste caso, existe uma função
ψ : A → Im bijetora. A função ϕ : A → Im+1 dada por

ψ (k) , se k 6= n + 1
ϕ (k) =
m + 1, se k = n + 1

é, também uma bijeção. Logo,

card A = k + 1 ≤ n + 1

e a afirmação também se verifica. Deste modo, fica provado que, em todo caso, sempre
que A é um subconjunto de In+1 , então A é finito e sua cardinalidade não excede n + 1,
isto é, n + 1 ∈ X e X = N. 

Corolário 1.5.3 Se X é finito e Y ⊂ X, então Y é finito e card Y ≤ card X.

Demonstração: Se X é finito, existe uma bijeção ϕ : X → In , para algum n ∈ N. Se


Y ⊂ X, então ϕ (Y) ⊂ In e, portanto, existe uma bijeção ψ : ϕ (Y) → Im , para algum
número natural m ≤ n. Deste modo, se ϕ|Y : Y → In é a restrição de ϕ a Y, temos que
ψ ◦ ϕ|Y : Y → Im é uma bijeção entre Y e Im . Logo,

card Y = m ≤ n = card X.

Corolário 1.5.4 Se f : X → Y é injetora e Y é finito, então X é finito e card X ≤ card Y.

Demonstração: Uma vez que f (X) ⊂ Y, sendo Y finito, tem-se, do Corolário 1.5.3, que
card f (X) ≤ card Y. Uma vez que f : X → Y é injetora, a função g : X → f (X) dada por
g (x) = f (x) é bijetora e, consequentemente,

card X = card f (X) ≤ card Y.


20 1.5. Conjuntos finitos e conjuntos infinitos

Corolário 1.5.5 Se f : X → Y é sobrejetora e X é finito, então Y é finito e card Y ≤


card X.
Demonstração: Se f é sobrejetora, então, para cada y ∈ Y, o conjunto f−1 (y) é não-
vazio. Assim, para cada y ∈ Y, podemos fixar xy ∈ f−1 (y). Deste modo, fazendo-se
A = {xy ; y ∈ Y}, temos que A ⊂ X. Como, por hipótese, X é finito, tem-se, do Corolário
1.5.3, que A é finito e card A ≤ X. Uma vez que a correspondência y 7→ xy estabelece
uma bijeção entre Y e A, temos que
card Y = card A ≤ card X.

Teorema 1.5.4 Se m < n, então nenhuma função ϕ : Im → In pode ser sobrejetora.
Demonstração: Com efeito, suponha que ϕ : Im → In seja sobrejetora. Neste caso, para
todo k ∈ In podemos escolher ak ∈ ϕ−1 (k) e, deste modo, a correspondência k 7→ ak
constitui uma função injetora de In em Im . Consequentemente, do Teorema 1.5.1 e do
Corolário 1.5.2, m ≥ n, o que é uma contradição. 
Corolário 1.5.6 Se X é finito, e Y ( X, então nenhuma função f : Y → X pode ser
sobrejetora (em particular, bijetora).
Demonstração: Com efeito, se Y = ∅ o resultado é imediato. Se Y 6= ∅, então, se n
é a cardinalidade de X e m é a cardinalidade de Y, então m < n. Sejam ϕ : X → In e
ψ : Y → Im bijeções e suponha, por absurdo, que exista uma função f : Y → X sobrejetora.
Temos, assim, que a aplicação
ϕ ◦ f ◦ ψ−1 : Im → In
é sobrejetora e, consequentemente, m ≥ n o que, evidentemente, é uma contradição.
Logo, tal função f não existe e o resultado segue. 
Veremos mais adiante que vale a recı́proca deste resultado, ou seja, se um conjunto
não admite uma bijeção sobre qualquer um de seus subconjuntos próprios, este deve ser
finito. Note que qualquer caracterização de conjuntos finito produz uma caracterização
de conjuntos infinitos e vice-versa.
Note que, dos resultados que estabelecemos acima, podemos extrair que, dados m, n ∈
N ∪ {0}, podemos compará-los em termos da existência ou não de funções injetoras, so-
brejetoras ou bijetoras entre conjuntos de m e n elementos, respectivamente. Esta noção
pode e será ampliada para efeito de comparação entre dois números cardinais quaisquer.
Assim, dados os números cardinais a e b, diremos que a ≤ b se, dados os conjuntos X
e Y de cardinalidades a e b, respectivamente, existe uma função injetora f : X → Y (ou,
alternativamente, existe uma função sobrejetora g : Y → X). A desigualdade será estrita,
isto é, escreveremos a < b, quando a ≤ b, mas não é verdade que b ≤ a, isto é, é
possı́vel obtermos uma função injetora f : X → Y, mas nenhuma função g : Y → X pode
ser injetora.
Trabalhamos agora na intensão de estender de maneira natural a adição e a multi-
plicação definida em N ao conjunto N ∪ {0}. Para isso, devemos dar um significado preciso
às expressões 0 + n, n + 0, 0 · n e n · 0 de modo que as propriedades já estabelecidas em
N continuem válidas.
Capı́tulo 1. Números Naturais 21

Teorema 1.5.5 Sejam X e Y conjuntos finitos, disjuntos e não-vazios, de cardinalidade


m e n, respectivamente. Nestas condições,

card (X ∪ Y) = m + n.

Demonstração: Devemos mostrar que existe uma bijeção entre os conjuntos X ∪ Y e


Im+n . Sejam ϕ : Im → X e ψ : In → Y bijeções e seja ξ : Im+n → X ∪ Y a função definida
por ξ (k) = ϕ (k) se 1 ≤ k ≤ m e ξ (m + k) = ψ (k), com 1 ≤ k ≤ n. A função ξ assim
definida é, claramente, uma bijeção e o resultado segue. 

Corolário 1.5.7 Se X1 , . . . , Xk são finitos, não-vazios e disjuntos dois a dois e possuem


cardinalidade n1 , . . . , nk , respectivamente, então

card (X1 ∪ · · · ∪ Xk ) = n1 + · · · + nk

Demonstração: Basta aplicar o resultado acima k − 1 vezes. 

Em conformidade com o resultado acima, uma vez que, não importa qual seja o con-
junto X, tem-se
X∩∅=∅ e X∪∅=∅∪X=X
e, portanto,
card (X ∪ ∅) = card (∅ ∪ X) = card X.
Logo, é natural estabelecermos que, dado n ∈ N∪ {0},

0 + n = n + 0 = n.

Ficará por conta do leitor verificar que, nesse novo contexto, as propriedades já esta-
belecidas para a adição em N continuam válidas para a adição em N∪ {0}.

Teorema 1.5.6 (Princı́pio Multiplicativo) Sejam X e Y conjuntos finitos e não-vazios,


de cardinalidade m e n, respectivamente. Então,

card (X × Y) = m · n.

Demonstração: Sejam X = {x1 , . . . , xn } e Y = {y1 , . . . , ym }. Fazendo-se

Xk = {(xk , y1 ) , . . . , (xk , ym )} , 1 ≤ k ≤ n,

temos que estes conjuntos são dois a dois disjuntos, possuem m elementos e, além disso,

X × Y = X1 ∪ · · · ∪ Xn .

O resultado segue então do Corolário 1.5.7. 

Corolário 1.5.8 Sejam X1 , . . . , Xk conjuntos finitos e não-vazios, cujas respectivas car-


dinalidades são representadas por n1 , . . . , nk . Então,

card (X1 × · · · × Xk ) = n1 · · · · · nk .
22 1.6. Conjuntos enumeráveis e conjuntos não-enumeráveis

Demonstração: Basta aplicar o resultado anterior k − 1 vezes. 

Mais uma vez, em conformidade com o que acabamos de verificar, uma vez que

∅ × X = X × ∅ = ∅,

o que nos dá


card (∅ × X) = card (X × ∅) = 0,
é natural definirmos, para todo n ∈ N ∪ {0},

0 · n = n · 0 = 0.

Ficará, mais uma vez, a cargo do leitor verificar que as propriedades relativas à multi-
plicação em N continuam válidas em N ∪ {0}. Contudo, o leitor deve estar atento ao fato
de que se m, n, p ∈ N ∪ {0} e m < n, então m · p < n · p desde que seja p 6= 0.

Teorema 1.5.7 Seja X um subconjunto não-vazio de números naturais. As seguintes


afirmativas acerca de X são equivalentes:

(i) X é finito.

(ii) X é limitado superiormente.

(iii) X possui elemento máximo.

Demonstração: (i) ⇒ (ii): Seja X = {n1 , . . . , nm }. Fazendo p = n1 + · · · + nm , temos


que nk < p, para todo k = 1, . . . , m. Logo, p é uma cota superior de X e X é limitado
superiormente.
(ii) ⇒ (iii): É o Teorema 1.4.5.
(iii) ⇒ (i): Seja n o elemento máximo de X. Então X ⊂ In e, do Teorema 1.5.3, X é
finito. 

Exemplo 1.5.3 Um número natural n será dito par se existe um número natural k
tal que n = 2k. Diremos que n é um natural ı́mpar se existe um natural k tal que
n = 2k − 1. Verificamos sem dificuldades que o conjunto N dos números naturais bem
como o conjunto dos naturais pares e o conjunto dos naturais ı́mpares são ilimitados
superiormente e, consequentemente, segue do Teorema 1.5.7 que estes três conjuntos são
infinitos.

1.6 Conjuntos enumeráveis e conjuntos não-enume-


ráveis
Vimos na seção anterior que se X e Y são conjuntos finitos tais que card X ≤ card Y e
card Y ≤ card X, então card X = card Y. Iniciamos esta seção estendendo este resultado a
conjuntos de cardinalidades arbitrárias.

Teorema 1.6.1 (Teorema de Cantor-Bernstein-Schröder) Sejam X e Y conjuntos


não-vazios. Se card X ≤ card Y e card Y ≤ card X, então card X = card Y.
Capı́tulo 1. Números Naturais 23

Demonstração: Sejam f : X → Y e g : Y → X funções injetoras. A existência de tais


funções é garantida pela hipótese feita acerca das cardinalidades dos conjuntos X e Y.
Para cada n = 0, 1, 2, . . . definamos hn : X → X pondo h0 = idX e hn+1 = (g ◦ f) ◦ hn .
Assim, se n ≥ 1, podemos escrever hn = (g ◦ f)n , onde (g ◦ f)n representa a composição
de n fatores iguais a g◦f. Note que a injetividade das funções f e g implica na injetividade
de hn . Seja S ⊂ X, dado por

S = x ∈ X; h−1 n (x) ∈/ g (Y) , para algum n ∈ N ∪ {0} .

Note que se x ∈ / g (Y), então, tomando n = 0, segue que h−1 0 (x) = x ∈ / g (Y), ou seja,
x ∈ S. Deste modo, de forma equivalentemente, se x ∈ / S, então x ∈ g (Y). Por outro lado,
observamos que, dado y ∈ Y, se tivermos g (y) ∈ S, então y ∈ f (X) e ocorre f−1 (y) ∈ S.
De fato, se g (y) ∈ S então existe n ∈ N tal que h−1
n (g (y)) ∈/ g (Y). É claro que n 6= 0 e,
nesse caso, podemos escrever
−1
h−1
n (g (y)) = ((g ◦ f) ◦ hn−1 ) (g (y))
 
−1 −1
= hn−1 (g ◦ f) (g (y))
= h−1 −1
g−1 (g (y))

n−1 f
= h−1 −1

n−1 f (y) .

Logo, h−1 / g (Y), donde f−1 (y) ∈ S. Para concluir, definamos H : X → Y


−1

n−1 (f (y) ∈
pondo H (x) = f (x) se x ∈ S e H (x) = g−1 (x) se x ∈ / S. Note que H está bem definida,
pois g é injetiva e se x ∈ / S então x ∈ g (X), como já observamos. Ademais, H é injetiva,
haja vista que, dados x1 , x2 ∈ X, temos as seguintes possibilidades: x1 , x2 ∈ S (os dois estão
em X); x1 , x2 ∈ / S (os dois estão no complementar de S) ou x1 ∈ S e x2 ∈ / S (um está em
S e o outro no seu complementar). Nos dois primeiros casos a igualdade H (x1 ) = H (x2 )
implica x1 = x2 , devido a injetividade das funções f e de g.  No último, tal igualdade
implicaria f (x1 ) = g−1 (x2 ) de onde terı́amos x1 = f−1 g−1 (x2 ) = h−1  2 ). Porém, como
1 (x
x1 ∈ S, existe n ∈ N∪ {0} tal que hn (x1 ) ∈
−1 −1 −1
/ g (Y). Logo, hn h1 (x2 ) ∈ / g (Y), ou seja,
h−1
n+1 (x 2 ) ∈
/ g (Y). Isso implica x 2 ∈ S, o que é uma contradição. Isso conclui a verificação
da injetividade de H. Por fim, dado y ∈ Y, temos duas possibilidades: g (y) ∈ / S ou
−1
g (y) ∈ S. No primeiro caso, temos que H (g (y)) = g (g (y))= y e, no segundo  caso,
como foi observado, teremos que f−1 (y) ∈ S e, daı́, H f−1 (y) = f f−1 (y) = y. Em
todo caso, dado y ∈ Y, existe x ∈ X tal que H (x) = y, ou seja, H é sobrejetora. A
função H trata-se, portanto de uma bijeção e os conjuntos X e Y são equipotentes, como
querı́amos demonstrar. 

Note que o Teorema de Cantor-Bernstein-Schröder acaba por estabelecer a tricotomia


para números cardinais, isto é, se α e β são dois números cardinais quaisquer, então uma,
e apenas uma das seguintes possibilidades é verdadeira:

(i) α < β; (ii) α = β; (iii) β < α.

Utilizaremos o sı́mbolo ℵ0 , o qual chamaremos de aleph zero ou aleph nulo, para


representar a cardinalidade de N, ou seja, escreveremos

card N = ℵ0
24 1.6. Conjuntos enumeráveis e conjuntos não-enumeráveis

Definição 1.6.1 Seja X um conjunto de natureza arbitrária. Diremos que X é enu-


merável se X é finito ou se é equipotente a N. Qualquer conjunto infinito que não seja
equipotente a N será dito não-enumerável.

Se X é infinito-enumerável, então deve existir uma função f : N → X bijetora. Fazendo-


se f (n) = xn , dizemos que a representação X = {x1 , . . . , xn , . . .} é uma enumeração de
X.
Uma vez que o cardinal ℵ0 representa uma classe de conjuntos infinitos, diremos que
ℵ0 é um cardinal infinito. Mostraremos adiante que, de todos os cardinais infinitos, ℵ0 é
o menor deles.

Teorema 1.6.2 Se X é infinito então card X ≥ ℵ0 .

Demonstração: Basta mostrar que existe uma função injetora f : N → X. Definiremos


tal função recursivamente. Para cada subconjunto não-vazio Y ⊂ X, podemos escolher
xY ∈ Y. Seja f (1) = xX e, supondo definidos f (1) , . . . , f (n), denotando por An o conjunto
X − {f (1) , . . . , f (n)}, façamos f (n + 1) = xAn . Mostremos a injetividade de f. Se m < n,
então f (m) ∈ {f (1) , . . . , f (n − 1)}. Como An−1 = X − {f (1) , . . . , f (n − 1)} e f (n) ∈
An−1 , temos f (n) 6= f (m) e f é injetora e o resultado segue. 

Corolário 1.6.1 Todo subconjunto de um conjunto enumerável é também enumerável.

Demonstração: Seja X um conjunto enumerável e Y um subconjunto de X. Se Y for


finito o resultado é imediato. Se Y for infinito, então X é infinito e, do resultado anterior,

card Y ≥ ℵ0 = card X.

Uma vez a imersão de Y em X, isto é, função f : Y → X dada por f (x) = x, é uma função
claramente injetora, temos que card Y ≤ card X. O Teorema de Cantor-Bernstein-Schröder
garante o resultado. 

Corolário 1.6.2 Se f : X → Y é sobrejetora e X é enumerável, então Y é enumerável.

Demonstração: Uma vez que f é sobrejetora, temos que card Y ≤ card X. Se Y é finito,
o resultado é imediato. Se Y é infinito, então, do Teorema 1.6.2,

card X = ℵ0 ≤ card Y.

O Teorema de Cantor-Bernstein-Schröder garante o resultado. 

Corolário 1.6.3 Um conjunto X é infinito se, e somente se, existe um subconjunto


próprio de X equipotente a X.

Demonstração: Segue imediatamente do Corolário 1.5.6 que se X é um conjunto equipo-


tente a algum subconjunto próprio seu, então X deve ser infinito. Reciprocamente, seja X
um conjunto infinito. O Teorema 1.6.2 garante que existe um A ⊂ X tal que A é infinito-
enumerável. Seja {a1 , . . . , an , . . .} uma enumeração de A e seja Y = X − {a1 }. É evidente
que Y é um subconjunto próprio de X. A função f : X → Y dada por f (an ) = an+1 e, se
x ∈ X − A, f (x) = x é, claramente, bijetora. 
Capı́tulo 1. Números Naturais 25

Exemplo 1.6.1 O conjunto P dos números naturais ı́mpares e o conjunto I dos números
naturais pares são ambos infinitos e enumeráveis.

Do que fizemos aqui, fica evidenciado que um conjunto X é enumerável se, e somente
se, card X ≤ ℵ0 ou, dito de outra forma, se, e somente se, existe uma função injetora
f : X → Y, onde Y é um conjunto sabidamente enumerável.
Demonstração: Se {Xλ }λ∈Λ é uma famı́lia
S de conjuntos, é costume representar a reunião
dos elementos da famı́lia em questão por Xλ . No entanto, quando o conjunto de ı́ndices
λ∈Λ

S
é o conjunto N dos números naturais, podemos escrever, alternativamente, Xn em vez
S n=1
de Xn . 
n∈N


Teorema 1.6.3 Se {Xn }n∈N é uma famı́lia de conjuntos enumeráveis, então
S
Xn é enu-
n=1
merável.

Demonstração: O resultado é óbvio se Xn = ∅ para todo n ∈ N. Suponha então



Xn seja não-vazio e seja {An }n∈N , a famı́lia de conjuntos tal que A1 = X1
S
que X =
n=1
n
S ∞
S ∞
S
e An+1 = Xn+1 − Xk . Observamos assim que Xn = An , An é um conjunto
k=1 n=1 n=1
enumerável (por ser subconjunto de Xn ) e que, se m 6= n, então Am ∩ An = ∅. Considere
o arranjo triangular
1
2 3
4 5 6
7 8 9 10
11 12 13 14 15
.. .. .. .. .. . .
. . . . . .
Denotando-se por Nn o conjunto dos números naturais que compõem a n-ésima coluna do
arranjo, observamos que cada Nn é infinito-enumerável, que se m 6= n então Nm ∩ Nn = ∅
S∞
e que N = Nn . Assim, para cada n ∈ N, desde que An seja não-vazio, existe uma
n=1
função injetora fn : An → Nn . A função f : X → N dada por f (x) = fn (x) se x ∈ An é,
claramente, injetora e o resultado segue. 

Teorema 1.6.4 O conjunto N × N é enumerável.

Demonstração: Para todo n ∈ N seja Xn = {(n, 1) , (n, 2) , . . .}. A aplicação fn : Xn → N


dada por f (n, m) = m é claramente injetora e, consequentemente, Xn é enumerável. Uma

S
vez que N × N = Xn , segue do Teorema 1.6.3 que N × N é enumerável. 
n=1

Corolário 1.6.4 Se X1 e X2 são enumeráveis, então X = X1 × X2 também o é.


26 Exercı́cios

Demonstração: Se X1 = ∅ ou X2 = ∅, o resultado é evidente. Se X1 e X2 são ambos


não-vazios, sejam f1 : X1 → N e f2 : X2 → N funções injetoras. Neste caso é também
injetora a função f : X → N × N dada por f (x1 , x2 ) = (f1 (x1 ) , f2 (x2 )) e o resultado segue
do fato de N × N ser enumerável. 

Corolário 1.6.5 Se X1 , . . . , Xn são conjuntos enumeráveis, então X = X1 × · · · × Xn


também o é.

Demonstração: Basta aplicar o Corolário 1.6.4 n − 1 vezes. 

Um conjunto X de números cardinais é dito limitado superiormente se existe um


número cardinal β tal que α ≤ β, para todo α ∈ X. O próximo resultado, estabelecido
por Cantor, garante que dado um número cardinal α, sempre existe um número cardinal
β tal que α < β. Dados os conjuntos não-vazios X e Y, denotamos por F (X, Y) o conjunto
de todas as funções f : X → Y.

Teorema 1.6.5 (Teorema de Cantor) Sejam X e Y conjuntos não-vazios. Se card Y ≥


2, então nenhuma função ϕ : X → F (X, Y) é sobrejetora.

Demonstração: Dada ϕ : X → F (X, Y), denotemos por ϕx a imagem de x ∈ X por ϕ.


Temos, assim, que ϕx é uma função de X em Y. Para cada x ∈ X, escolha y ∈ Y tal
que y 6= ϕx (x). Isto é possı́vel pois Y tem pelo menos 2 elementos. A função f : X → Y
dada por f (x) = y é tal que f (x) 6= ϕx (x), para todo x ∈ X. Logo, f ∈
/ ϕ (X) e ϕ não é
sobrejetiva. 
Q

Corolário 1.6.6 Se X1 , . . . , Xn , . . . são infinitos-enumeráveis, então X = Xn é não-
n=1
enumerável.

Demonstração: É suficiente considerar o caso em que Xn = N, para todo n ∈ N. Neste


Q

caso, Xn = F (N, N) e a afirmação segue do Teorema de Cantor. 
n=1

Exemplo 1.6.2 Seja A um conjunto não-vazio e denotemos por P (A) o conjunto das
partes de A, isto é, o conjunto formado por todos os subconjuntos de A e seja F (A, {0, 1})
o conjunto das funções de A em {0, 1}. Seja ξ : P (A) → F (A, {0, 1}) a função que a cada
X ⊂ A associa a função ξX : A → {0, 1} definida por

1, se x ∈ X
ξX (x) =
0, se x ∈
/X
chamada de a função caracterı́stica de X. Sejam X1 e X2 subconjuntos distintos de
A. Então, sem perda de generalidade, podemos supor X1 − X2 6= ∅ e escolher x neste
conjunto. Assim,
ξX1 (x) = 1 6= 0 = ξX2 (x) ,
ou seja, ξX1 6= ξX2 e ξ é injetora. Seja f ∈ F (A, {0, 1}). Fazendo-se X = f−1 (1), vem que
f = ξX . Logo, ξ é sobrejetora e, consequentemente, uma bijeção. Como {0, 1} possui 2
elementos, segue, do Teorema de Cantor que
card A < card F (A, {0, 1}) = card P (A) .
Capı́tulo 1. Números Naturais 27

Exercı́cios
1. Mostre que, na presença dos Axiomas N1 e N2, a afirmação

“para todo subconjunto não-vazio A ⊂ N, tem-se A − s (A) 6= ∅”

é equivalente a N3.

2. Seja a ∈ N. Definamos, por recorrência, a n-ésima potência de a, a qual denota-


remos por an , fazendo-se

a0 = 1 e an+1 = a · an .

a) Mostre que
am · an = am+n ,
para todo m, n ∈ N∪ {0}.
b) Mostre que
(am )n = am·n ,
para todo m, n ∈ N∪ {0}.
c) Mostre que, dados a, b ∈ N∪ {0},

(a · b)n = an · bn .

d) Mostre que, para todo n ∈ N, an corresponde a um produto de n fatores iguais


a a.
e) Mostre que, se a é um número natural maior do que 1, então, sempre que
m < n, tem-se que am < an .
f) Mostre que, se a é um número natural maior do que 1, o conjunto X =
{an ; n ∈ N} é ilimitado superiormente.

3. Mostre que o conjunto N dos números naturais é Arquimediano, isto é, dados a, b ∈
N, existe n ∈ N tal que na > b.

4. Use indução para mostrar os seguintes fatos:

a) Para todo n ∈ N,
2 (1 + 2 + · · · + n) = n (n + 1) .
b) Para todo n ∈ N,

6 12 + 22 + · · · + n2 = n (n + 1) (2n + 1) .


para todo n ∈ N.
c) Dados a, b, n ∈ N, com a > b,

an+1 − bn+1 = (a − b) an + an−1 b + · · · + abn−1 + bn .



28 Exercı́cios

d) Dados a, b, n ∈ N, com a > b,

a2n+1 − b2n+1 = (a + b) a2n − a2n−1 b + · · · − ab2n−1 + b2n .




e) Dados a, b, n ∈ N, com a > b,

a2n + b2n = (a + b) a2n−1 − a2n−2 b + · · · − ab2n−2 + b2n−1 .




f) Se card X = n, então card P (X) = 2n , para todo n ∈ N∪ {0}.

5. Definamos, por recorrência, o fatorial de um número n ∈ N ∪ {0}, o qual será


indicado por n!, pondo

0! = 1 e (n + 1) ! = (n + 1) · n!

Mostre que, se n ≥ 4, então n! > 2n .

6. Sejam X e Y conjuntos de cardinalidade n ∈ N. Use indução para mostrar que se


B (X, Y) é o conjunto das funções f : X → Y que são bijetoras, então,

card B (X, Y) = n!.

7. Seja X um conjunto de cardinalidade n ∈ N.

a) Se 1 ≤ card Y = m ≤ n, denotando por I (Y, X) o conjunto das funções


f : Y → X que são injetoras, qual a cardinalidade de I (Y, X)?
b) Quanto vale card I (I1 , X) + · · · + card I (In , X)?

8. Sejam X e Y conjuntos finitos. Mostre que

card (X ∪ Y) = card (X) + card (Y) − card (X ∩ Y)

e generalize o resultado.

9. Mostre que se X é enumerável então o conjunto das partes finitas de X também o é.

10. Seja f : X → X uma função. Diremos que Y ⊂ X é estável relativamente a f se


f (Y) ⊂ Y. Mostre que X é finito se, e somente se, existe uma função f : X → X tal
que os únicos subconjuntos de X estáveis relativamente a f são ∅ e X.

11. Seja f : X → X uma função injetora que não é sobrejetora. Mostre que se x ∈
X − f (X), então os elementos x, f (x) , f (f (x)) , . . . são, dois a dois, distintos.

12. Obtenha uma decomposição de N como uma reunião enumerável de conjuntos


infinitos-enumeráveis e dois a dois disjuntos além daquela contida no texto.

13. Seja X um subconjunto não-vazio de números naturais. Diremos que f : X → N é


crescente se f (m) < f (n) sempre que m < n.

a) Mostre que se X ⊂ N é infinito então existe uma única bijeção crescente de X


em N.
Capı́tulo 1. Números Naturais 29

b) Defina função decrescente e mostre que existe uma função decrescente g : X →


N se, e somente se, X é finito.

14. Sejam a, b ∈ N.

a) Mostre que para todo n ∈ N∪ {0} existem números naturais c0 , c1 , . . . , cn uni-


vocamente determinados tais que

(a + b)n = c0 an b0 + c1 an−1 b1 + · · · + cn−1 a1 bn−1 + cn a0 bn .

Para todo k = 0, 1, . . . , n, o número


 natural
 ck é chamado de número bino-
n
mial e é usual utilizar a notação para representá-lo. Se k > n é conve-
  k
n
niente definir = 0. [SUGESTÃO: Utilize o Segundo Princı́pio de Indução.]
k
b) (Relação de Stifel) Mostre que, para todo n ∈ N,
     
n n n+1
+ = ,
k k+1 k+1
sempre que 0 ≤ k ≤ n.
c) Mostre que, para todo n ∈ N,
 
n
k! = n (n − 1) · · · (n − k + 1) ,
k
   
n n
sempre que 0 ≤ k ≤ n e conclua que, nestas condições, = .
k n−k

15. O arranjo triangular  


0
0
   
1 1
0 1
     
2 2 2
0 1 2
       
3 3 3 3
0 1 2 3
.. .. .. .. ..
. . . . .
é conhecido como triângulo de Pascal.

a) Demonstre a identidade das colunas:


       
n n+1 n+k n+k+1
+ + ··· + = .
n n n n+1
30 Exercı́cios

b) Demonstre a identidade das diagonais:


       
n n+1 n+k n+k+1
+ + ··· + = .
0 1 k k

c) (Identidade de Euler) Mostre que, dados m, n, k ∈ N,

Pk
    
m n n+m
=
i=0 i k−i k

e, em particular, conclua a identidade de Lagrange

Pn
 2  
n 2n
= .
i=0 i n

16. Prove que todo conjunto infinito pode ser decomposto em uma reunião enumerável
de conjuntos infinitos e disjuntos dois a dois.

17. Mostre que o conjunto das funções f : N → N que são crescentes é não-enumerável.

18. Sejam a, b ∈ N∪ {0}, a 6= 0. Diremos que a é um divisor de b ou, equivalen-


temente, que b é um múltiplo de a se, e somente se, existe k ∈ N∪ {0} tal que
b = k · a.

a) (Teorema de Euclides) Dados a, b ∈ N∪ {0}, com a 6= 0, existem p, q ∈


N∪ {0} univocamente determinados tais que

b=a·q+r e 0 ≤ r < a.

Os elementos p e r, nestas condições, são denominados, respectivamente, o


quociente e o resto na divisão de b por a.
b) Um número natural p > 1 é dito primo se, e somente se, os únicos divisores
de p são 1 e p. Mostre que existem infinitos números primos.
c) Utilize a forma geral do segundo princı́pio de indução para mostrar que todo
número natural n ≥ 2 ou é primo ou pode ser decomposto num produto de
fatores primos. Mostre também que, a menos de reordenação dos fatores, essa
decomposição é única.
d) Utilize o item anterior para justificar a injetividade da função f : N × N → N
definida por f (m, n) = 2m · 3n e concluir que N × N é enumerável.

19. Mostre que todo conjunto infinito pode ser decomposto numa reunião enumerável
de conjuntos infinitos e dois a dois disjuntos.

20. Dada a famı́lia {An }n∈N de conjuntos, consieremos os conjuntos



∞  ∞
∞ 
T S S T
lim sup An = Ak e lim inf An = Ak .
n=1 k=n n=1 k=n
Capı́tulo 1. Números Naturais 31

a) Prove que lim sup An é o conjunto dos elementos que pertencem a An para uma
infinidade de valores de n e que lim inf An é o conjunto dos elementos que não
pertencem apenas a uma quantidade finita dos An .
b) Conclua que lim inf An ⊂ lim sup An .
c) Mostre que se An ⊂ An+1 para todo n ∈ N, então

S
lim inf An = lim sup An = An .
n=1

d) Mostre que se An ⊃ An+1 para todo n ∈ N, então



T
lim inf An = lim sup An = An .
n=1
Capı́tulo 2

Números Inteiros

No presente capı́tulo faremos a construção rigorosa do conjunto Z dos números inteiros,


definindo sobre ele as operações de adição e multiplicação, evidenciando as principais
propriedades de cada uma delas. Mostraremos também como o conjunto N∪ {0} pode
ser “alocado” dentro de Z e introduziremos em Z uma relação de ordem compatı́vel com
aquela definida em N∪ {0}.

2.1 O conjunto Z dos números inteiros


Consideremos em N × N a relação “∼” definida por

(a, b) ∼ (c, d) ⇔ a + d = b + c.

Vejamos que “∼” é, na verdade, uma relação de equivalência. É evidente que “∼” é
simétrica e reflexiva, isto é, independente de quem sejam (a, b) , (c, d) ∈ N × N, tem-
se (a, b) ∼ (a, b) e (a, b) ∼ (c, d) se, e somente se, (c, d) ∼ (a, b). Sejam, agora,
(a, b) , (c, d) , (e, f) ∈ N × N tais que (a, b) ∼ (c, d) e (c, d) ∼ (e, f). Então

a+d=b+c e c + f = d + e.

Assim, do fato de a adição de números naturais ser compatı́vel e cancelativa, temos que

c + f = d + e ⇔ a + c + f = a + d + e ⇔ a + c + f = b + c + e ⇔ a + f = b + e,

ou seja, (a, b) ∼ (e, f) e a relação “∼” é transitiva. Logo, a relação dada é, simulta-
neamente, reflexiva, simétrica e transitiva, constituindo, portanto, uma relação de equi-
valência.
O conjunto (N × N/ ∼) cujos elementos são as classes de equivalência definidas pela
relação “∼” descrita acima, será denominado de conjunto dos números inteiros e, dora-
vante, denotado por Z. É evidente que Z é enumerável.
Denotaremos por (a, b) a classe de equivalência a qual o par (a, b) pertence. Assim,

(a, b) = {(x, y) ∈ N × N; (x, y) ∼ (a, b)} .

32
Capı́tulo 2. Números Inteiros 33

Exemplo 2.1.1 Sejam a, b ∈ N, com a ≥ b. Neste caso, existe k ∈ N ∪ {0} tal que
a = b + k. Afirmamos que

(a, b) = {(k + n, n) ; n ∈ N} .

Com efeito, se (x, y) ∈ {(k + n, n) ; n ∈ N}, existe n ∈ N tal que (x, y) = (k + n, n) e,


neste caso, x = k + n, y = n e

a + y = (b + k) + n = b + (k + n) = b + x,

ou seja, (x, y) ∼ (a, b). Reciprocamente, se (x, y) ∼ (a, b), então

b + x = a + y = (b + k) + y = b + (k + y)

e, da lei do corte, x = k + y, o que nos dá (x, y) = (k + y, y) e, portanto, (x, y) ∈


{(k + n, n) ; n ∈ N}. De modo análogo, verifica-se que

(b, a) = {(n, k + n) ; n ∈ N} .

.. . . . . . .
. . .. .. .. ..
(5; 1) (5; 2) (5; 3) (5; 4) (5; 5)
.
..
(4; 1) (4; 2) (4; 3) (4; 4) (4; 5)
.
..
(3; 1) (3; 2) (3; 3) (3; 4) (3; 5)
.
..
(2; 1) (2; 2) (2; 3) (2; 4) (2; 5)
.
..
(1; 1) (1; 2) (1; 3) (1; 4) (1; 5)
..
.

Z
O conjunto Z dos números inteiros

2.2 Adição nos inteiros


Nesta seção definiremos a adição de números inteiros e evidenciamos suas principais
propriedades. Utilizaremos, indistintamente o sı́mbolo “+” para representar a adição
em N e em Z e deverá sempre ficar claro no contexto qual destas operações está sendo
utilizada no momento dado.

Definição 2.2.1 Chamaremos de adição sobre Z a aplicação S : Z×Z → Z definida pela


correspondência
 
(a, b), (c, d) 7→ (a, b) + (c, d) = (a + c, b + d).
34 2.2. Adição nos inteiros

Teorema 2.2.1 A adição de números inteiros está bem definida, isto é, a soma de
números inteiros é ainda um número inteiro e se (a1 , b1 ), (a2 , b2 ), (c1 , d1 ), (c2 , d2 ) ∈ Z
são tais que
(a1 , b1 ) = (a2 , b2 ) e (c1 , d1 ) = (c2 , d2 ),
então
(a1 , b1 ) + (c1 , d1 ) = (a2 , b2 ) + (c2 , d2 ).

Demonstração: É imediato que a adição de números inteiros é ainda um número inteiro.


Sejam (a1 , b1 ), (a2 , b2 ), (c1 , d1 ), (c2 , d2 ) ∈ Z tais que

(a1 , b1 ) = (a2 , b2 ) e (c1 , d1 ) = (c2 , d2 ).

Neste caso, (a1 , b1 ) ∼ (a2 , b2 ) e (c1 , d1 ) ∼ (c2 , d2 ) e, consequentemente,

a1 + b2 = a2 + b1 e c1 + d2 = c2 + d1 . (2.1)

Como (a1 , b1 ) + (c1 , d1 ) = (a1 + c1 , b1 + d1 ) e (a2 , b2 ) + (c2 , d2 ) = (a2 + c2 , b2 + d2 ),


devemos mostrar que

(a1 + c1 , b1 + d1 ) = (a2 + c2 , b2 + d2 ).

(ou, equivalentemente, que (a1 + c1 , b1 + d1 ) ∼ (a2 + c2 , b2 + d2 )). Somando-se membro


a membro as identidades em (2.1), obtemos

(a1 + b2 ) + (c1 + d2 ) = (a2 + b1 ) + (c2 + d1 )

e, fazendo-se uso das propriedades associativa e comutativa da adição de números naturais,

(a1 + c1 ) + (b2 + d2 ) = (a2 + c2 ) + (b1 + d1 ) ,

ou seja, (a1 + c1 , b1 + d1 ) ∼ (a2 + c2 , b2 + d2 ) e o resultado segue. 

Teorema 2.2.2 A adição de números inteiros é compatı́vel e cancelativa, isto é, dados
(a, b), (c, d), (e, f) ∈ Z,

(a, b) = (c, d) ⇔ (a, b) + (e, f) = (c, d) + (e, f).

Demonstração: Temos que

(a, b) = (c, d) ⇔ a+d=b+c


⇔ (a + d) + (e + f) = (b + c) + (e + f)
⇔ (a + e) + (d + f) = (b + f) + (c + e)
⇔ (a + e, b + f) = (c + e, d + f)
⇔ (a, b) + (e, f) = (c, d) + (e, f).


Teorema 2.2.3 (Comutatividade da Adição) A adição de números inteiros é comu-


tativa, isto é, dados (a, b), (c, d) ∈ Z, temos que

(a, b) + (c, d) = (c, d) + (a, b).


Capı́tulo 2. Números Inteiros 35

Demonstração: Sejam (a, b), (c, d) ∈ Z. Assim,

(a, b) + (c, d) = (a + c, b + d) = (c + a, d + b) = (c, d) + (a, b).

Observe que, na demonstração acima, tudo que fizemos foi utilizar a comutatividade
da adição em N.

Teorema 2.2.4 (Associatividade da Adição) A adição em Z é associativa, isto é,


dados (a, b), (c, d), (e, f) ∈ Z, temos que
   
(a, b) + (c, d) + (e, f) = (a, b) + (c, d) + (e, f) .

Demonstração: Sejam (a, b), (c, d), (e, f) ∈ Z. Assim,


 
(a, b) + (c, d) + (e, f) = (a + c, b + d) + (e, f)
= ((a + c) + e, (b + d) + f)
= (a + (c + e) , b + (d + f))
= (a, b) + (c + e, d + f)
 
= (a, b) + (c, d) + (e, f) .

Observe que, aqui também, tudo que fizemos foi utilizar a associatividade da adição
em N.

Teorema 2.2.5 (Elemento Neutro da Adição) Existe um único (x, y) ∈ Z tal que,
para todo (a, b) ∈ Z,

(a, b) + (x, y) = (x, y) + (a, b) = (a, b).

Demonstração: Sejam (a, b), (1, 1) ∈ Z. Assim,

(a, b) + (1, 1) = (a + 1, b + 1).

Da associatividade e comutatividade da adição em N, temos que

a + (b + 1) = (a + 1) + b,

ou seja, (a, b) ∼ (a + 1, b + 1) e, consequentemente, (a + 1, b + 1) = (a, b) e

(a, b) + (1, 1) = (a, b),

o que comprova a existência. Vejamos, agora, a unicidade. Se (x, y) ∈ Z é um elemento


neutro da adição, então
(x, y) = (x, y) + (1, 1) = (1, 1)
e o resultado segue. 
36 2.2. Adição nos inteiros

Teorema 2.2.6 (Elemento Simétrico) Para todo (a, b) ∈ Z existe um único (c, d) ∈ Z
tal que
(a, b) + (c, d) = (c, d) + (a, b) = (1, 1).

Demonstração: Seja (c, d) = (b, a). Então

(a, b) + (c, d) = (a, b) + (b, a)


= (a + b, a + b) = (1, 1).

Tomemos agora (c0 , d0 ) ∈ Z tal que

(a, b) + (c0 , d0 ) = (c0 , d0 ) + (a, b) = (1, 1).

Precisamos mostrar que (c0 , d0 ) = (c, d). Temos que

(c0 , d0 ) = (c0 , d0 ) + (1, 1)


 
= (c0 , d0 ) + (a, b) + (c, d)
 
= (c0 , d0 ) + (a, b) + (c, d)
= (1, 1) + (c, d) = (c, d)

e o resultado segue. 

A classe (b, a) é chamada de elemento simétrico de (a, b). Dado x ∈ Z é usual


escrever −x para denotar o simétrico deste elemento. É usual escrever também x − y em
vez de x + (−y) para denotar a soma de x com o simétrico de y.

OBSERVAÇÃO 2.2.1 Segue do Teorema 2.2.6 que − (−x) = x. Com efeito,

x = x + 0 = x + [−x + (− (−x))] = [x + (−x)] + (− (−x)) = 0 + (− (−x)) = − (−x) .






Sejam Z∗+ = (a, b); a > b , (1, 1) e Z∗− = (c, d); d < c . É lógico que Z é a
reunião disjunta destes três conjuntos. Além disso, segue imediatamente do Exemplo
2.1.1 que as funções f : Z∗+ → N e g : Z∗− → N definidas por
   
f (a, b) = b − a e g (c, d) = d − c

são bijetoras. Se a, b, n ∈ N são tais que n = a − b, é usual escrever

(a, b) = n, (b, a) = −n e (a, a) = 0.

Neste contexto, nos é permitido entender o conjunto dos números naturais como subcon-
junto dos números inteiros. Os conjuntos Z+ e Z− definidos acima serão denominados
de conjunto dos números inteiros positivos e conjunto dos números inteiros negativos,
respectivamente e vale Z+ = N.
Capı́tulo 2. Números Inteiros 37

. . . . .
.. .. .. .. .. ..
.
(5; 1) (5; 2) (5; 3) (5; 4) (5; 5)
.
..
4
(4; 1) (4; 2) (4; 3) (4; 4) (4; 5)
.
..
3
(3; 1) (3; 2) (3; 3) (3; 4) (3; 5)
.
..
2
(2; 1) (2; 2) (2; 3) (2; 4) (2; 5)
.
..
1
(1; 1) (1; 2) (1; 3) (1; 4) (1; 5)

0 -1 -2 -3 -4

..
.
Z = Z+ ∪ {0} ∪ Z∗−

Vejamos agora que a adição de números inteiros é uma extensão da adição em N ∪ {0}.
Mais precisamente, se m, n ∈ N ∪ {0}, então o resultado da adição entre m e n em Z e o
resultado da adição entre m e n em N ∪ {0} são iguais. Com efeito, sejam a, b, c, d ∈ N
tais que a − b = m e c − d = n e denotemos por ora +̇ e +̈, as operações de adição em
Z e N ∪ {0}, respectivamente. Temos então que

m+̇n = (a, b)+̇(c, d)



= a+̈c, b+̈d
 
= a+̈c − b+̈d
   
= b+̈m +̈ d+̈n − b+̈d
   
= m+̈n +̈ b+̈d − b+̈d = m+̈n.

Observe, agora que

−m − n = −m + (−n)
= (b, a) + (d, c)
= (b + d, a + c) = − (m + n)

Uma vez que x + 0 = 0 + x = x para todo x ∈ Z, resta-nos entender como somar um


elemento de Z∗+ com um elemento de Z∗− . Para isso, denotemos por “−̇” a subtração em N.
Afirmamos que se m > n, então m−n = m−̇n e que, se m < n, então m−n = − (n − m).
De fato, no primeiro caso, temos que

a−̇b = m > n = c−̇d ⇒ a−̇b + (b + d) > c−̇d + (b + d) ⇒ a + d > b + c,


 
38 2.3. Multiplicação nos inteiros

ou seja, a diferença (a + d) −̇ (c + b) está bem definida. Note que

(a + d) −̇ (b + c) = k ⇔ a + d = k + (b + c)
⇔ (b + m) + d = k + (b + c)
⇔ b + (m + d) = b + (k + c)
⇔ m+d=k+c
⇔ m + d = k + (d + n)
⇔ m + d = (k + n) + d
⇔ m=k+n
⇔ m−̇n = k.

Assim,

m − n = m + (−n)
= (a, b) + (d, c)
= (a + d, b + c)
= (a + d) −̇ (b + c) = m−̇n. (2.2)

No segundo caso, concluı́mos de modo inteiramente análogo que a diferença (b + c) −


(a + d) está bem definida e que ela é equivalente à diferença n − m e, consequentemente,

m − n = (a, b) + (d, c)
= (a + d, b + c)
 
= − (b + c) −̇ (a + d)

= − n−̇m
= − (n − m) ,

confirmando nossa afirmação.


Note que acabamos de estender a noção de subtração estabelecida para números na-
turais ao conjunto Z dos números inteiros, entendendo que subtrair n de m é o mesmo
que somar m com o simétrico de n, não importa quais sejam m, n ∈ Z.

2.3 Multiplicação nos inteiros


Definimos agora a multiplicação em Z. Assim como, na seção anterior, pretendemos
estender a Z a noção de multiplicação já estabelecida em N ∪ {0} e veremos também que
muitas das propriedades da multiplicação em Z são decorrentes de propriedades análogas
da multiplicação em N. Utilizaremos “·” para representar tanto a multiplicação em Z
quanto em N e deverá sempre ficar claro no contexto qual das operações em questão está
sendo utilizada.

Definição 2.3.1 Chamaremos de multiplicação sobre Z a aplicação P : Z × Z → Z


definida pela correspondência
 
(a, b), (c, d) 7→ (a, b) · (c, d) = (a · c + b · d, a · d + b · c).
Capı́tulo 2. Números Inteiros 39

Teorema 2.3.1 A multiplicação de números inteiros está bem definida, isto é, o produto
de números inteiros é ainda um número inteiro e se (a1 , b1 ), (a2 , b2 ), (c1 , d1 ), (c2 , d2 ) ∈ Z
são tais que
(a1 , b1 ) = (a2 , b2 ) e (c1 , d1 ) = (c2 , d2 ),
então
(a1 , b1 ) · (c1 , d1 ) = (a2 , b2 ) · (c2 , d2 ).

Demonstração: É imediato que o produto de números inteiros é ainda um número


inteiro. Se (a1 , b1 ), (a2 , b2 ), (c1 , d1 ), (c2 , d2 ) ∈ Z são tais que

(a1 , b1 ) = (a2 , b2 ) e (c1 , d1 ) = (c2 , d2 ),

então (a1 , b1 ) ∼ (a2 , b2 ) e (c1 , d1 ) ∼ (c2 , d2 ) e, consequentemente,

a1 + b2 = a2 + b1 e c1 + d2 = c2 + d1 . (2.3)

Assim,

a1 c1 + b2 c1 = a2 c1 + b1 c1 (2.4)
a1 d1 + b 2 d1 = a2 d1 + b 1 d1 (2.5)
a2 c1 + a2 d2 = a2 c2 + a2 d1 (2.6)
b2 c1 + b2 d2 = b2 c2 + b2 d1 (2.7)

De (2.4) e (2.5) obtemos

(a1 c1 + b2 c1 ) + (a2 d1 + b1 d1 ) = (a1 d1 + b2 d1 ) + (a2 c1 + b1 c1 )

ou, equivalentemente,

(a1 c1 + b1 d1 ) + (a2 d1 + b2 c1 ) = (a1 d1 + b1 c1 ) + (a2 c1 + b2 d1 )

e, portanto,
(a1 c1 + b1 d1 , a1 d1 + b1 c1 ) = (a2 c1 + b2 d1 , a2 d1 + b2 c1 ),
isto é,
(a1 , b1 ) · (c1 , d1 ) = (a2 , b2 ) · (c1 , d1 ). (2.8)
Analogamente, de (2.6) e (2.7) obtemos

(a2 c1 + a2 d2 ) + (b2 c2 + b2 d1 ) = (a2 c2 + a2 d1 ) + (b2 c1 + b2 d2 )

ou, equivalentemente,

(a2 c1 + b2 d1 ) + (a2 d2 + b2 c2 ) = (a2 d1 + b2 c1 ) + (a2 c2 + b2 d2 )

e, portanto,
(a2 c1 + b2 d1 , a2 d1 + b2 c1 ) = (a2 c2 + b2 d1 , a2 d2 + b2 c2 ),
isto é,
(a2 , b2 ) · (c1 , d1 ) = (a2 , b2 ) · (c2 , d2 ). (2.9)
De (2.8) e (2.9) vem o resultado. 
40 2.3. Multiplicação nos inteiros

Teorema 2.3.2 (Integridade) Sejam m, n ∈ Z. Então m · n = 0 se, e somente se,


m = 0 ou n = 0.

Demonstração: Suponha que m = 0 = (1, 1) e seja n = (a, b). Então

m · n = (1, 1) · (a, b)
= (1 · a + 1 · b, 1 · b + 1 · a)
= (a + b, a + b) = 0.

O caso em que n = 0 é análogo. Reciprocamente, suponha, por absurdo, que m · n = 0 e


que m 6= 0 e n 6= 0. Fazendo m = (a, b) e n = (c, d), temos que

(1, 1) = (a, b) · (c, d) = (a · c + b · d, a · d + b · c)

e, consequentemente,
a · c + b · d = a · d + b · c. (2.10)
Note que, como (c, d) 6= (1, 1), devemos ter c 6= d. Se c > d, então a diferença c − d está
bem definida em N e, neste caso, segue de (2.10) que

a · (c − d) = b · (c − d)

e, da lei do corte da multiplicação em N, a = b. Assim, m = (a, a) = 0, contrariando o


fato de m ser diferente de zero. Se c < d, então a diferença d − c é que está bem definida
e, neste caso, segue de (2.10) que

a · (d − c) = b · (d − c)

e, mais uma vez, segue da lei do corte da multiplicação em N, que a = b o que, como
vimos anteriormente, é uma contradição. 

Teorema 2.3.3 A multiplicação de números inteiros é compatı́vel e cancelativa, isto é,


dados (a, b), (c, d), (e, f) ∈ Z, (e, f) 6= (1, 1),

(a, b) = (c, d) ⇔ (a, b) · (e, f) = (c, d) · (e, f).

Demonstração: Como (e, f) 6= (1, 1), devemos ter e 6= f. Suponha e > f. Neste caso,
e − f está bem definido em N e

(a, b) = (b, c) ⇔ a+d=b+c


⇔ (a + d) · (e − f) = (b + c) · (e − f)
⇔ (a + d) · e − (a + d) · f = (b + c) · e − (b + c) · f
⇔ (a + d) · e + (b + c) · f = (a + d) · f + (b + c) · e
⇔ (a · e + b · f) + (c · f + d · e) = (a · f + b · e) + (c · e + d · f)
⇔ (a · e + b · f, a · f + b · e) = (c · e + d · f, c · f + d · e)
⇔ (a, b) · (e, f) = (c, d) · (e, f).

O caso em que e < f é análogo. 


Capı́tulo 2. Números Inteiros 41

Teorema 2.3.4 (Comutatividade da Multiplicação) A multiplicação de números


inteiros é comutativa, isto é, dados (a, b), (c, d) ∈ Z, temos que

(a, b) · (c, d) = (c, d) · (a, b).

Demonstração: Sejam (a, b), (c, d) ∈ Z. Assim,

(a, b) · (c, d) = (a · c + b · d, a · d + b · c)
= (c · a + d · b, c · b + d · a) = (c, d) · (a, b).

Aqui fizemos uso da comutatividade da adição e da multiplicação em N.

Teorema 2.3.5 (Associatividade da Multiplicação) A multiplicação em Z é associ-


ativa, isto é, dados (a, b), (c, d), (e, f) ∈ Z, temos que
   
(a, b) · (c, d) · (e, f) = (a, b) · (c, d) · (e, f) .

Demonstração:
  Sejam (a, b), (c, d), (e, f) ∈ Z. Assim,
(a, b) · (c, d) · (e, f) = (a · c + b · d, a · d + b · c) · (e, f)

= ((a · c + b · d) · e + (a · d + b · c) · f, (a · c + b · d) · f + (a · d + b · c) · e)
= (a · (c · e + d · f) + b · (c · f + d · e) , a · (c · f + d · e) + b · (c · e + d · f))
= (a, b) · (c · e + d · f, c · f + d · e)
 
= (a, b) · (c, d) · (e, f) .


Teorema 2.3.6 (Elemento Neutro da Multiplicação) Existe um único (x, y) ∈ Z


tal que, para todo (a, b) ∈ Z,

(a, b) · (x, y) = (x, y) · (a, b) = (a, b).

Demonstração: Sejam (a, b), (2, 1) ∈ Z. Assim,

(a, b) · (2, 1) = (2a + b, a + 2b).

Se a ≥ b, então k = a − b ∈ N∪ {0} e, neste caso,

a−b=k ⇔ a=k+b
⇔ a + (a + b) = (k + b) + (a + b)
⇔ 2 · a + b = k + (a + 2 · b)
⇔ (2 · a + b) − (a + 2 · b) = k,

ou seja, (a, b) ∼ (2 · a + b, a + 2 · b) e, consequentemente, (2 · a + b, a + 2 · b) = (a, b)


e
(a, b) · (2, 1) = (a, b).
42 2.3. Multiplicação nos inteiros

O caso em que a < b é tratado de modo análogo. Fica assim comprovada a existência.
Vejamos, agora, a unicidade. Se (x, y) ∈ Z é um elemento neutro da multiplicação, então
(x, y) = (x, y) · (2, 1) = (2, 1)
e o resultado segue. 

Vejamos que a multiplicação em Z acaba por estender a multiplicação em N ∪ {0}.


Sejam a, b, c, d, m, n ∈ N ∪ {0} tais que a − b = m e c − d = n. Denotemos, por ora, a
multiplicação em Z por meio de “·” e a multiplicação em N ∪ {0} por ∗. Assim,
m · n = (a, b) · (c, d)
= (a ∗ c + b ∗ d, a ∗ d + b ∗ c)
= (a ∗ c + b ∗ d) − (a ∗ d + b ∗ c)
= (a − b) ∗ (c − d) = m ∗ n.
Já sabemos, portanto, multiplicar os inteiros m e n de acordo com a representação de
Z como sendo o conjunto {. . . , −2, −1, 0, 1, 2, . . .} quando ambos são inteiros positivos ou
quando um deles é o 0. Tratemos de elucidar os demais casos.
Sejam a, b, n ∈ N tais que a > b. Então 2 · a + b > a + 2 · b e, consequentemente,
(−1) · n = (1, 2) · (a, b)
= (a + 2 · b, 2 · a + b)
= − [(2 · a + b) − (a + 2 · b)]
= − (a − b)
= −n.
Temos agora que
(−1) · (−n) = (1, 2) · (b, a)
= (2 · a + b, a + 2 · b)
= (2 · a + b) − (a + 2 · b)
=a−b
= n.
Logo, de todo modo, dado x ∈ Z, temos que −x = (−1) · x. Em particular, temos que
(−1) · (−1) = 1.
Do que vimos acima, juntamente com as propriedades já estabelecidas para a multi-
plicação em Z, temos que, dados m, n ∈ N
(−m) · (−n) = [(−1) · m] · [(−1) · n]
= [(−1) · [m · (−1)]] · n
= [(−1) · [(−1) · m]] · n
= [[(−1) · (−1)] · m] · n
= [1 · m] · n
= m · n.
Capı́tulo 2. Números Inteiros 43

De modo semelhante concluı́mos que


(−m) · n = m · (−n) = − (m · n) .
Teorema 2.3.7 (Distributividade da Multiplicação Relativamente a Adição) A
multiplicação de números inteiros é distributiva relativamente a adição de inteiros, isto
é, dados m, n, p ∈ Z,
m · (n + p) = m · n + m · p.
Demonstração: Consideremos os inteiros m = (a, b), n = (c, d) e p = (e, f). Então
h i
m · (n + p) = (a, b) · (c, d) + (e, f)
= (a, b) · (c + e, d + f)
= (a · (c + e) + b · (d + f) , a · (d + f) + b · (c + e))
= ((a · c + a · e) + (b · d + b · f) , (a · d + a · f) + (b · c + b · e))
= ((a · c + b · d) + (a · e + b · f) , (a · d + b · c) + (a · f + b · e))
= (a · c + b · d, a · d + b · c) + (a · e + b · f, a · f + b · e)
= (a, b) · (c, d) + (a, b) · (e, f)
=m·n+m·p
e o resultado segue. 

2.4 Ordem em Z
Nesta seção introduziremos uma relação de ordem total em Z compatı́vel com a já
estabelecida em N ∪ {0}.
Definição 2.4.1 Sejam (a, b) e (c, d) números inteiros. Diremos que (a, b) é menor do
que (c, d), e escreveremos (a, b) < (c, d), quando a + d < b + c.
Alternativamente, diremos que (c, d) é maior do que (a, b), e escreveremos (c, d) >
(a, b), quando for (a, b) < (b, c).
Note que utilizamos o mesmo sı́mbolo “<” para representar relações aparentemente
distintas em N e em 6 Z. Contudo, o contexto deixa evidente qual relação está sendo
utilizada quando do emprego do sı́mbolo.
OBSERVAÇÃO 2.4.1 Sejam a, a0 , b, b0 ∈ N tais que (a, b) ∼ (a0 , b0 ). Daı́, como bem
sabemos, a + b0 = a0 + b e (a, b) = (a0 , b0 ). Deste modo, se (a, b) < (c, d), então
a+d<b+d ⇒ (a + d) + (a0 + b0 ) < (b + d) + (a0 + b0 )
⇒ (a + b0 ) + (a0 + d) < (b + a0 ) + (b0 + d)
⇒ (a + b0 ) + (a0 + d) < (b + a0 ) + (b0 + d)
⇒ (a0 , b0 ) < (c, d).

Verifica-se de modo análogo que, se (a, b) < (c, d) e (c, d) = (c0 , d0 ),então (a, b) <
(c0 , d0 ). Fica, portanto, estabelecido que a relação “<” não depende da escolha dos repre-
sentantes das classes.
44 2.4. Ordem em Z

OBSERVAÇÃO 2.4.2 Seja m = (a, b) ∈ Z, Então

0<m ⇔ (1, 1) < (a, b)


⇔ b+1<a+1
⇔ b<a
⇔ m ∈ Z∗+

Verifica-se de modo análogo que m < 0 se, e somente se, m ∈ Z∗− .

Teorema 2.4.1 Sejam m, n ∈ Z. Então m < n se, e somente se, existe k ∈ N tal que
n = m + k.

Demonstração: Sejam m = (a, b), n = (c, d) números inteiros tais que m < n. Então
a + d < b + c e, consequentemente, k = (b + c, a + d) ∈ N. Observe, agora, que

m + k = (a, b) + (b + c, a + d)
= (a + (b + c) , b + (a + d))
= ((a + b) + c, (a + b) + d)
= (a + b, a + b) + (c, d)
=0+n
= n.

Reciprocamente, sejam m = (a, b), n = (c, d) e k = (e, f) números inteiros tais que
n = m + k e k ∈ N. Neste caso, a diferença e − f está bem definida e vale k. Assim,

n=m+k ⇒ (c, d) = (a + e, b + f)
⇒ c + (b + f) = d + (a + e)
⇒ [c + (b + f)] − f = [d + (a + e)] − f
⇒ b + c = (a + d) + (e − f)
⇒ b + c = (a + d) + k
⇒ a+d<b+c
⇒ m = (a, b) < (c, d) = n.

Fica assim evidenciado que a relação de ordem estabelecida sobre Z estende de modo
natural aquela estabelecida em N.

Lema 2.4.1 A relação “<” é transitiva, isto é, se m, n, p ∈ Z são tais que m < n e
n < p, então m < p.

Demonstração: Vide Lema 1.3.1. 

Teorema 2.4.2 (Lei da Tricotomia) Dados m, n ∈ Z, uma, e apenas uma, das alter-
nativas a seguir é verdadeira:
Capı́tulo 2. Números Inteiros 45

(i) m < n; (ii) m = n; (iii) n < m.

Demonstração: Sejam m = (a, b) e n = (c, d) números inteiros. Da Lei da Tricotomia


para números naturais uma, e apenas uma das seguintes alternativas é verdadeira

(i) a + d < b + c; (ii) a + d = b + c; (iii) b + c < a + d,

ou seja, ou é m < n, ou é m = n, ou é n < m, sendo essas possibilidades mutuamente


exclusivas. 

Teorema 2.4.3 A relação “<” ´é compatı́vel e cancelativa relativamente a adição, isto
é, dados m, n, p ∈ Z, tem-se que

m < n ⇔ m + p < n + p.

Demonstração: Vide Teorema 1.3.3 

Corolário 2.4.1 Sejam a, b, c, d ∈ N. Se a < b e c < d, então a + c < b + d.

Demonstração: Vide Corolário1.3.1 

Teorema 2.4.4 Sejam m, n, p ∈ Z, com m < n e p 6= 0. Então m · p < n · p, se p > 0


e n · p < m · p se p < 0.

Demonstração: Se m < n, então existe k ∈ N tal que n = m + k. Neste caso,

n · p = (m + k) · p = m · p + k · p.

Se p > 0, então k · p > 0 e m · p < n · p. Se p < 0, então p ∈ Z∗− e, consequentemente,


−p ∈ Z∗+ . Neste caso, (−p) · k = − (k · p) > 0 e

m · p = m · p + [k · p − (k · p)]
= (m · p + k · p) − (k · p)
= n · p + [− (k · p)] ,

ou seja, n · p < m · p. 

OBSERVAÇÃO 2.4.3 Note que, reciprocamente, se m, n, p ∈ Z, m < n e p 6= 0 então,

m·p<n·p⇒0<p e n · p < m · p ⇒ p < 0.

Com efeito, suponha m · p < n · p. Se fosse p < 0 então como, por hipótese, n − m é
positivo temos, do teorema acima que

p · (n − m) < 0 · (n − m) ,

isto é,
n·p−m·p<0
e, consequentemente,
n · p < m · p,
o que é uma contradição. O outro caso é tratado de modo análogo.
46 2.4. Ordem em Z

Teorema 2.4.5 (Lei do Corte da Multiplicação) Sejam m, n, p ∈ Z, p 6= 0. Se


m · p = n · p então m = n.

Demonstração: Sejam m, n, p ∈ Z, p 6= 0, tais que m · p = n · p. Suponha, por absurdo,


que m 6= n e, sem perda de generalidade, suponha também que seja m < n. Neste caso,
segue do Teorema 2.4.4 que m · p < n · p, se p > 0 ou que n · p < m · p caso seja p < 0,
contrariando a tricotomia. Logo, m = n e o resultado segue. 

Definição 2.4.2 Sejam (a, b) e (c, d) números inteiros. Diremos que (a, b) é menor
do que ou igual a (c, d), e escreveremos (a, b) ≤ (c, d), quando a + d ≤ b + c.

Alternativamente, diremos que (c, d) é maior do que ou igual a (a, b), e escreve-
remos (c, d) ≥ (a, b), quando for (a, b) ≤ (b, c).

OBSERVAÇÃO 2.4.4 Note que, se m, n ∈ Z, Dizer que m é menor do que ou igual a


n é equivalente a afirmar que uma, e apenas uma, das alternativas abaixo é satisfeita:

(i) m < n; (ii) m = n.

Assim, dizer que m ≤ n é o mesmo que afirmar que existe k ∈ N ∪ {0} tal que n = m + k.

OBSERVAÇÃO 2.4.5 Se m, n ∈ Z então m < n se, e somente se m ≤ n − 1. Com


efeito, se m < n, existe k ∈ N tal que n = m + k. Assim, 0 ≤ qk − 1 e, deste modo,
acrescentando-se m a ambos os membros desta última desigualdade, obtemos

m + 0 ≤ m + (k − 1)

e, da associatividade da adição

m ≤ (m + k) − 1 = n − 1.

Reciprocamente, se n − 1 < m, então, do que vimos acima, n − 1 ≤ m − 1 ou, equivalen-


temente, n ≤ m. Logo, se m < n, então m ≤ n − 1.

Teorema 2.4.6 A relação “≤” induz sobre Z uma relação de ordem, isto é, goza das
seguintes propriedades:

(i) Reflexividade: dado n ∈ Z, tem-se n ≤ n;

(ii) Antissimetria: se m e n são números inteiros tais que m ≤ n e n ≤ m, então


m = n;

(iii) Transitividade: se m, n e p são números inteiros tais que m ≤ n e n ≤ p, então


m ≤ p.

Demonstração: Vide Teorema 1.3.4. 

OBSERVAÇÃO 2.4.6 Segue, mais uma vez, da Tricotomia, que a relação “≤” estabelece
uma ordem total.
Capı́tulo 2. Números Inteiros 47

Teorema 2.4.7 A relação “≤” é compatı́vel e cancelativa com respeito a adição, isto é,
dados m, n, p ∈ Z
m + p ≤ n + p ⇔ m ≤ n.
Além disso, se p > 0, então é

m·p≤n·p⇔m≤n

e, se p < 0, então
m·p≤n·p⇔n≤m

Demonstração: Segue imediatamente da definição da relação “≤” e dos Teoremas 2.4.3,


2.4.4 e 2.4.5. 

Definição 2.4.3 Seja X um subconjunto não-vazio de números inteiros. Diremos que X


é limitado inferiormente se existe a ∈ Z tal que a ≤ n, para todo n ∈ X. O inteiro
a será denominado cota inferior de X. Diremos que X é limitado superiormente se
existe b ∈ Z tal que n ≤ b, para todo n ∈ X. O inteiro b será denominado cota superior
de X. Se X é limitado superior e inferiormente ao mesmo tempo, diremos, simplesmente,
que X é limitado.

Definição 2.4.4 Seja X um subconjunto não-vazio de números inteiros. Diremos que


a ∈ Z é um elemento mı́nimo de X se a ∈ X e, além disso, a ≤ n, para todo n ∈ X.
Diremos que b ∈ Z é um elemento máximo de X se b ∈ X e, além disso, n ≤ b, para todo
n ∈ X.

OBSERVAÇÃO 2.4.7 Note que a propriedade antissimétrica da relação “≤” garante a uni-
cidade dos elementos máximo e mı́nimo de um conjunto, caso existam.

OBSERVAÇÃO 2.4.8 Segue da definição acima que se um conjunto de números inteiros


possui elemento mı́nimo então, em particular, este conjunto é limitado inferiormente. Do
mesmo modo, um subconjunto de inteiros que possui elemento máximo, em particular, é
limitado superiormente.

Exemplo 2.4.1 O conjunto N dos inteiros positivos é um subconjunto limitado inferior-


mente já que 0 é uma cota inferior de N. Do mesmo modo, o conjunto Z∗− dos inteiros
negativos é limitado superiormente, pois 0 é uma cota superior do conjunto. O conjunto
{−5, −4, . . . , 4, 5} é limitado pois possui elemento mı́nimo e elemento máximo, a saber,
−5 e 5, respectivamente.

Veremos, agora, que o Princı́pio da Boa Ordenação, resultado estabelecido no capı́tulo


anterior, pode ser generalizado para o contexto dos números inteiros. Para fins de simpli-
cidade, essa extensão também será denominada de Princı́pio da Boa Ordenação.

Teorema 2.4.8 (Princı́pio da Boa Ordenação) Todo subconjunto não-vazio de nú-


meros inteiros que é limitado inferiormente possui menor elemento.
48 Exercı́cios

Demonstração: Sejam X um subconjunto não-vazio de números inteiros que é limitado


inferiormente e a+1 uma cota inferior de X. Então, para todo, n ∈ X, 1 ≤ n−a, isto é, n−
a ∈ N, para todo n ∈ X. Consequentemente, do Princı́pio da Boa Ordenação estabelecido
em N, o conjunto S = {n − a; n ∈ X} possui menor elemento, que denotaremos por k.
Neste caso, existe m ∈ X tal que k = m − a. Assim, k = m − a ≤ n − a, para todo
n ∈ X, ou, equivalentemente, m ≤ n, para todo n ∈ X. Logo, m é o elemento mı́nimo de
X. 

Corolário 2.4.2 Todo subconjunto não-vazio de números inteiros que é limitado superi-
ormente possui elemento máximo.

Demonstração: Sejam X um subconjunto não-vazio de números inteiros que é limi-


tado superiormente e seja S o conjunto dos números inteiros que são cota superior de X.
Neste caso, qualquer elemento de X é uma cota inferior de S que é, portanto, limitado
inferiormente. Do Princı́pio da Boa Ordenação, S possui um elemento mı́nimo, o qual
denotaremos por k. Afirmamos que k ∈ X. Com efeito, se k ∈ / X, então n < k, para todo
n ∈ X e, consequentemente, n ≤ k − 1 < k, para todo n ∈ X. Logo k − 1 é cota superior
de X, contrariando a minimalidade de k. Logo, k ∈ X e o resultado segue. 

Corolário 2.4.3 Não existe m ∈ Z tal que 0 < m < 1.

Demonstração: Seja X = {m ∈ Z; 0 < m < 1}. Suponha, por absurdo, que X seja
não-vazio. Então, uma vez que X é limitado inferiormente, segue do Princı́pio da Boa
Ordenação que X possui elemento mı́nimo que denotaremos por k. Assim, 0 < k < 1 e,
consequentemente,
0 < k2 < k < 1,
ou seja, k2 ∈ X e k2 < k, o que contraria a minimalidade de k. Logo, X = ∅. 

Corolário 2.4.4 Dado n ∈ Z, não existe m ∈ Z tal que n < m < n + 1.

Demonstração: Suponha, por absurdo, que exista m ∈ Z tal que n < m < n + 1. Então
0 < m − n < 1, contrariando o Corolário 2.4.3. 

Exercı́cios
1. Diremos que um número inteiro n é invertı́vel se existe m ∈ Z tal que m · n = 1.
Mostre que os únicos números inteiros invertı́veis são 1 e −1.

2. (Segunda Generalização do Primeiro Princı́pio de Indução) Seja X ⊂ Z um


conjunto que satisfaz, simultaneamente, as seguintes condições:

(i) a ∈ X;
(ii) n + 1 ∈ X sempre que n ∈ X.

Mostre que, nessas condições S = {a, a + 1, a + 2, . . .} ⊂ X.


Capı́tulo 2. Números Inteiros 49

3. (Forma Geral do Princı́pio da Boa Ordenação) Mostre que todo subconjunto


não-vazio de números inteiros limitado inferiormente possui um menor elemento.

4. (Segunda Generalização do Primeiro Princı́pio de Indução) Seja X ⊂ Z um


conjunto que satisfaz, simultaneamente, as seguintes condições:

(i) a ∈ X;
(ii) n + 1 ∈ X sempre que a, a + 1, . . . , n ∈ X.

Mostre que, nessas condições S = {a, a + 1, a + 2, . . .} ⊂ X.

5. Mostre que todo subconjunto não-vazio de números inteiros limitado superiormente


possui um elemento máximo.

6. Sejam a, b ∈ Z, a 6= 0. Diremos que a é um divisor de b ou, equivalentemente,


que b é um múltiplo de a se, e somente se, existe k ∈ Z tal que b = k · a.

a) (Teorema de Eudoxius) Mostre que, dados m, n ∈ Z, n 6= 0, existe k ∈ Z


tal que k · n ≤ m ≤ (k + 1) · n.
b) (Teorema de Euclides) Mostre que, se a > 0, então existem q e r, univoca-
mente determinados, tais que

b=a·q+r e 0 ≤ r < a.

Os números q e r são denominados, respectivamente, o quociente e o resto


na divisão de b por a.

7. Segue do Teorema de Euclides que os possı́veis restos na divisão de um número


inteiro por 2 são 0 e 1. Os números inteiros que deixam resto zero quando divididos
por 2 são chamados de números pares e os que deixam resto 1 de ı́mpares. Conclua
quanto a paridade em cada um dos casos abaixo:

a) Soma e produto entre dois números pares.


b) Soma e produto entre dois números ı́mpares.
c) Soma e produto entre um número par e um número ı́mpar.

8. Sejam n ∈ N e a ∈ Z. Definamos por recorrência a n-ésima potência de a pondo

a1 = a, an+1 = aan .

Mostre que, dados p, q ∈ Z, q > 0, temos que qn divide pn se, e somente se, q
divide p.
[Sugestão: Mostre que todo divisor primo de q também é um divisor primo de p. Em
seguida mostre que a potência de um número primo que aparece na decomposição
primária de q não pode ser superior à potência deste mesmo número primo na
decomposição primária de p.]
50 Exercı́cios

9. Dois números inteiros a e b serão ditos primos entre si ou coprimos se o único


número natural que divide a ambos é o 1. Mostre que se a e b são primos entre se
e ambos dividem o inteiro n, então o produto a · b também o divide.

10. Mostre que se a, b ∈ Z são ı́mpares, então a2 + b2 é divisı́vel por 2 mas não é
divisı́vel por 4.

11. Mostre que o produto de k inteiros consecutivos é sempre divisı́vel por k!.

12. Mostre que:

a) Se n é ı́mpar, então n2 − 1 é divisı́vel por 8.


b) Se n não é divisı́vel nem por 2 e nem por 3, n2 − 1 é divisı́vel por 24.
c) Para todo n ∈ Z, 4 não divide n2 + 2.

13. Mostre que se um número inteiro é, simultaneamente, um quadrado e um cubo,


então deve ser da forma 7k ou 7k + 1.

14. Prove que se três inteiros a, b e c são tais que c2 = a2 + b2 , então entre eles há um
múltiplo de 2 e um múltiplo de 5.

15. Escolha um inteiro positivo abc de três algarismos no sistema decimal de modo que
o algarismo das centenas a e o algarismo das unidades c difiram de, pelo menos,
duas unidades. Considere os números abc e cba e subtraia o menor do maior,
obtendo o número xyz. Então

xyz + zyx = 1089.

Justifique este fato.

16. Mostre que dado n ∈ Z, n2 nunca deixa resto 2 na divisão por 6.

17. Sejam a, b ∈ Z.

a) Mostre que se a − b 6= 0, então a − b divide an − bn , para todo n ∈ N∪ {0}.


b) Mostre que se a + b 6= 0, então a + b divide a2n − b2n , para todo n ∈ N∪ {0}.
c) Mostre que se a+b 6= 0, então a+b divide a2n+1 +b2n+1 , para todo n ∈ N∪ {0}.

18. Sejam a, b ∈ Z não simultamente nulos. O máximo divisor comum (mdc) de a


e b é qualquer número natural d que possui, simultanemente, as seguintes proprie-
dades:

(i) a e b são múltiplos de d.


(ii) se a e b são múltiplos de c, então d também é um múltiplo de c.

Mostre que:

a) Se c, d ∈ N e c divide d, então c ≤ d. Conclua daı́ a unicidade do mdc.


Capı́tulo 2. Números Inteiros 51

b) Denotando por mdc (a, b) o mdc dos inteiros positivos a e b, mostre que, se
a ≤ b, dado n ∈ Z,

mdc (a, b) = mdc (a, b − na) .

Conclua que, em particular, se r é o resto na divisão de b por a, então

mdc (a, b) = mdc (r, a) .

c) Mostre que se a divide o produto bc e mdc (a, b) = 1, então a divide c.


Capı́tulo 3

Números Racionais

Neste capı́tulo estabelecemos o conjunto Q dos números racionais bem como as o-


perações de adição e multiplicação sobre seus elementos, evidenciando suas principais
propriedades. Veremos que o conjunto Z dos números inteiros está imerso em Q de
modo que poderemos enxergar o conjunto dos números inteiros como um subconjunto dos
números racionais e as operações definidas sobre Q como extensões dauelas definidas sobre
Z. Estabeleceremos também uma ordem total em Q e veremos que este conjunto, mu-
nido das operações de adição e multiplicação definidas, constitui uma estrutura algébrica
denominada corpo.

3.1 O conjunto Q dos números racionais


Denotemos por Z∗ o conjunto Z − {0} e consideremos em Z × Z∗ a relação “∼” definida
por
(a, b) ∼ (c, d) ⇔ a · d = b · c.
É evidente que (a, b) ∼ (a, b), para todo (a, b) ∈ Z×Z∗ , ou seja, a relação “∼” é simétrica.
Sejam (a, b) , (c, d) ∈ Z × Z∗ . Então, da comutatividade da multiplicação em Z, temos
que
(a, b) ∼ (c, d) ⇔ a · d = b · c ⇔ c · b = d · a ⇔ (c, d) ∼ (a, b)
e a relação “∼” é reflexiva. Se (a, b), (c, d) e (e, f) são elementos de Z × Z∗ tais que
(a, b) ∼ (c, d) e (c, d) ∼ (e, f), então

a·d=b·c e c · f = d · e.

Multiplicando ambos os membros desta última igualdade por a · b vem que

(a · b) · (c · f) = (a · b) · (d · e)

ou, equivalentemente,
(a · f) · (b · c) = (b · e) · (a · d) .
Se a·d = b·c 6= 0, segue da Lei do Corte multiplicativa que a·f = b·e e (a, b) ∼ (e, f). Se
a·d = b·c = 0, como b e d são não-nulos, segue da integridade de Z que a = c = 0 e, neste
caso, c · f = d · e = 0 o que, pela mesma justificativa anterior, nos fornece e = 0. Assim,

52
Capı́tulo 3. Números Racionais 53

a · f = b · e = 0 e (a, b) ∼ (e, f). Fica então comprovado que “∼” é também transitiva e,
de tudo que averiguamos, podemos concluir que “∼” é uma relação de equivalência.
O conjunto (Z × Z∗ / ∼) cujos elementos são as classes de equivalência definidas pela
relação “∼” descrita acima, será denominado de conjunto dos números racionais e denotado
por Q. É evidente que Q é enumerável. As classes de equivalência que compõem o conjunto
Q são comumente chamadas de frações e, por isso, Q também éconhecido como conjunto
dos números fracionários.
a
Utilizaremos a notação definitiva para representar a classe de equivalência que

b
contém o par (a, b) ∈ Z × Z relativamente à relação “∼”. Assim,
a
= {(x, y) ∈ Z × Z∗ ; (x, y) ∼ (a, b)} .
b
1 5
Exemplo 3.1.1 Temos que (1, 2) ∼ (5, 10) ∼ (−3, −6) e, consequentemente, = =
2 10
−3
.
−6
Exemplo 3.1.2 Segue diretamente da definição que (n, n) ∼ (1, 1), para todo n ∈ Z∗ .
n 1
Assim, para todo inteiro não nulo n temos que = .
n 1
n
A aplicação f : Z → Q dada por f (n) = é, claramente injetora, o que nos permite
1
n
verificar a imersão de Z em Q. Assim, a identificação de Z com o conjunto ;n ∈ Z
1
nos permite, num certo sentido, encarar este conjunto como subconjunto dos números
n
racionais. Deste modo, sempre que for conveniente, escreveremos apenas n em vez de .
1

3.2 Adição nos racionais


Definição 3.2.1 Chamaremos de adição sobre Q a aplicação S : Q × Q → Q definida
pela correspondência
a c  a c a·d+b·c
, 7→ + = .
b d b d b·d
Teorema 3.2.1 A adição sobre Q está bem definida, isto é, a adição de racionais é um
a1 a2 c1 c2
número racional e se , , , ∈ Q são tais que
b1 b2 d1 d2
a1 a2 c1 c2
= e = ,
b1 b2 d1 d2
então
a1 c1 a2 c2
+ = + .
b1 d1 b2 d2
a c
Demonstração: Sejam , ∈ Q. Da integridade de Z, uma vez que b e d são não-nulos,
b d
segue que o produto b · d é não-nulo e, portanto,
a·d+b·c a c
= + ∈ Q.
b·d b d
54 3.2. Adição nos racionais

a1 a2 c1 c2
Sejam, agora, , , , ∈ Q tais que
b1 b2 d1 d2
a1 a2 c1 c2
= e = .
b1 b2 d1 d2
Por definição, temos que
a1 c1 a1 · d1 + b1 · c1 a2 c2 a2 · d2 + b2 · c2
+ = e + = .
b 1 d1 b1 · d1 b 2 d2 b2 · d2
Devemos mostrar, portanto, que (a1 · d1 + b1 · c1 , b1 · d1 ) ∼ (a2 · d2 + b2 · c2 , b2 · d2 ), ou,
equivalentemente, que

(a1 · d1 + b1 · c1 ) · (b2 · d2 ) = (a2 · d2 + b2 · c2 ) · (b1 · d1 ) .


a1 a2 c1 c2
Como = e = , temos que (a1 , b1 ) ∼ (a2 , b2 ) e (c1 , d1 ) ∼ (c2 , d2), o que nos
b1 b 2 d1 d2
dá a1 · b2 = a2 · b1 e c1 · d2 = c2 · d1 . Assim,

(a1 · d1 + b1 · c1 ) · (b2 · d2 ) = (a1 · b2 ) · (d1 · d2 ) + (b1 · b2 ) · (c1 · d2 )


= (a2 · b1 ) · (d1 · d2 ) + (b1 · b2 ) · (c2 · d1 )
= (a2 · d2 ) · (b1 · d1 ) + (c2 · b2 ) · (b1 · d1 )
= (a2 · d2 + c2 · b2 ) · (b1 · d1 ) ,

como querı́amos demonstrar. 


a c a c a+c
Exemplo 3.2.1 Sejam , ∈ Q. Então + = . Com efeito, da definição da
b b b b b
adição em Q, temos que
a c a·b+b·c a·b+b·c
+ = = .
b b b·b b2
Assim, é suficiente mostrar que a · b + b · c, b2 ∼ (a + c, b). Temos que


(a · b + b · c) · b = a · b2 + b2 · c
= b2 (a + c) ,

o que comprova nossa afirmação.

O exemplo acima nos permite constatar que a adição de números racionais estende a
adição de números inteiros. De fato, denotemos momentaneamente a adição em Q por +̇
e por +̈ a adição em Z. Assim,
m+̈n m n
m+̈n = = +̇ = m+̇n.
1 1 1
0
Exemplo 3.2.2 Dado n ∈ Z∗ , temos que = 0. De fato, 0 · 1 = n · 0 = 0 e, portanto,
n
(0, n) ∼ (0, 1), isto é,
0 0
= = 0.
n 1
Capı́tulo 3. Números Racionais 55

Veremos aqui que a adição em Q goza das mesmas propriedades que a adição em Z.
a c e a e c e
Teorema 3.2.2 (Lei do Corte da Adição) Sejam , , ∈ Q. Se + = + ,
b d f b f d f
a c
então = .
b d
a e c e
Demonstração: Se + = + , então
b f d f
a·f+b·e c·f+d·e
=
b·f d·f
e, consequentemente,

(a · f + b · e) · (d · f) = (c · f + d · e) · (b · f) ,

o que nos dá


(a · f + b · e) · d = (c · f + d · e) · b,
ou seja,
a · d · f + b · d · e = b · c · f + b · d · e.
Da Lei do Corte da adição em Z segue que

a·d·f=b·c·f

e, uma vez que f ∈ Z∗ , segue da Lei do Corte da multiplicação em Z que a · d = b · c, ou


a c
seja, (a, b) ∼ (c, d) e = . 
b d
Teorema 3.2.3 (Comutatividade da Adição) A adição de números racionais é co-
a c
mutativa, isto é, dados , ∈ Q, temos que
b d
a c c a
+ = + .
b d d b
a c
Demonstração: Sejam e números racionais. Então, da comutatividade da adição
b d
e multiplicação em Z,
a c a·d+b·c
+ =
b d b·d
c·b+d·a
=
d·b
c a
= +
d b
e o resultado segue. 

Teorema 3.2.4 (Associatividade da Adição) A adição de números racionais é asso-


a c e
ciativa, isto é, dados , , ∈ Q, temos que
b d f
a c  e a  c e
+ + = + + .
b d f b d f
56 3.2. Adição nos racionais

a c e
Demonstração: Sejam , , ∈ Q. Então
b d f
a c  e a·d+b·c e
+ + = +
b d f b·d f
(a · d + b · c) · f + (b · d) · e
=
(b · d) · f
(a · d) · f + (b · c) · f + (b · d) · e
=
(b · d) · f
a · (d · f) + b · (c · f + d · e)
=
b · (d · f)
a c·f+d·e
= +
b d·f
a  c e
= + +
b d f
e o resultado segue. 
x
Teorema 3.2.5 (Elemento Neutro da Adição) Existe um único ∈ Q tal que, para
y
a
todo ∈ Q,
b
a x x a a
+ = + = .
b y y b b
a
Demonstração: Seja ∈ Q. Assim,
b
a a 0 a·1+b·0 a
+0= + = = ,
b b 1 b·1 b
x
o que comprova a existência. Vejamos, agora, a unicidade. Se ∈ Q é um elemento
y
neutro da adição, então
x x
= +0=0
y y
e o resultado segue. 
a c
Teorema 3.2.6 (Elemento Simétrico) Para todo ∈ Q existe um único ∈ Q tal
b d
que
a c c a
+ = + = 0.
b d d b
c −a
Demonstração: Seja = . Então, do Exemplo 3.2.1,
d b
a c a −a
+ = +
b d b b
a−a
=
b
0
= .
b
Capı́tulo 3. Números Racionais 57

0 x
Do Exemplo 3.2.2, = 0, o que estabelece a existência. Tomemos agora ∈ Q tal que
b y
a x x a
+ = + = 0.
b y y b
x a
Precisamos mostrar que = . Temos que
y b
x x
= +0
y y
 
x a −a
= + +
y b b
 
x a −a
= + +
y b b
−a
=0+
b
−a
= ,
b
o que estabelece a unicidade. 
−a a
A fração é chamada de elemento simétrico de . Dado x ∈ Q é usual escrever
b b
−x para denotar o simétrico deste elemento. É usual escrever também x − y em vez de
x + (−y) para denotar a soma de x com o simétrico de y. Assim, nos é permitido escrever
a −a m a m  a
− em vez de e − em vez de + − .
b b n b n b

3.3 Multiplicação nos racionais


Definição 3.3.1 Chamaremos de multiplicação sobre Q a aplicação P : Q × Q → Q
definida pela correspondência
a c  a c a·c
, 7→ · = .
b d b d b·d
Teorema 3.3.1 A multiplicação de números racionais está bem definida, isto é, o produto
a1 a2 c1 c2
de dois números racionais é um número racional e, se , , , ∈Q
b1 b2 d1 d2
a1 a2 c1 c2
= e = ,
b1 b2 d1 d2
então
a1 c1 a2 c2
· = · .
b 1 d1 b2 d2
a c
Demonstração: Sejam , ∈ Q. Da integridade de Z, uma vez que b e d são não-nulos,
b d
segue que o produto b · d é não-nulo e, portanto,
a·c a c
= · ∈ Q.
b·d b d
58 3.3. Multiplicação nos racionais

a1 a2 c1 c2 a1 a2 c1 c2
Sejam, agora, , , , ∈ Q tais que = e = . Neste caso, (a1 , b1 ) ∼
b1 b2 d1 d2 b1 b 2 d1 d2
(a2 , b2 ) e (c1 , d1 ) ∼ (c2 , d2 ) e, consequentemente,

a1 · b2 = a2 · b1 e c1 · d2 = c2 · d1 .

Deste modo,

(a1 · c1 ) · (b2 · d2 ) = (a1 · b2 ) · (c1 · d2 )


= (a2 · b1 ) · (c2 · d1 )
= (a2 · c2 ) · (b1 · d1 )

o que nos permite concluir que (a1 · c1 , b1 · d1 ) ∼ (a2 · c2 , b2 · d2 ), isto é,


a1 · c1 a2 · c2
=
b1 · d1 b2 · d2

e o resultado segue. 

Vejamos que a noção de multiplicação para números racionais estende a noção multi-
plicação para números inteiros. Para isso, denotemos momentaneamente a multiplicação
em Q por “·” e a multiplicação em Z por “¨·”. Temos que

m n m¨·n m¨·n
m·n= · = = = m¨·n.
1 1 1¨·1 1
a c e e
Teorema 3.3.2 (Lei do Corte da Multiplicação) Sejam , , ∈ Q, 6= 0. Se
b d f f
a e c e a c
· = · , então = .
b f d f b d
a c e e a e c e a·e c·e
Demonstração: Sejam , , ∈ Q, 6= 0, tais que · = · . Então =
b d f f b f d f b·f d·f
e, consequentemente,
(a · e) · (d · f) = (c · e) · (b · f) .
Assim,
(a · d) · (e · f) = (b · c) · (e · f) .
e 0
Como 6= 0 = , temos que e = e · 1 6= 0 · f = 0 e, portanto, da integridade de Z,
f 1
e · f 6= 0. Sendo assim, da Lei do Corte em Z, temos que a · d = b · c. Logo, (a, b) ∼ (c, d)
a c
e = . 
b d

Teorema 3.3.3 (Comutatividade da Multiplicação) A multiplicação de números


a c
racionais é comutativa, isto é, dados , ∈ Q, temos que
b d
a c c a
· = · .
b d d b
Capı́tulo 3. Números Racionais 59

a c
Demonstração: Sejam e números racionais. Então, da comutatividade da multi-
b d
plicação em Z,
a c a·c
· =
b d b·d
c·a
=
d·b
c a
= ·
d b
e o resultado segue. 
Teorema 3.3.4 (Associatividade da Multiplicação) A multiplicação de números ra-
a c e
cionais é associativa, isto é, dados , , ∈ Q, temos que
b d f
a c  e a  c e
· · = · · .
b d f b d f
a c e
Demonstração: Sejam , , ∈ Q. Então, da associatividade da multiplicação em Z,
b d f
a c  e a·c e
· · = ·
b d f b·d f
(a · c) · e
=
(b · d) · f
a · (c · e)
=
b · (d · f)
a c·e
= ·
b d·f
a  c e
= · ·
b d f
e o resultado segue. 
x
Teorema 3.3.5 (Elemento Neutro da Multiplicação) Existe um único ∈ Q tal
y
a
que, para todo ∈ Q,
b
a x x a a
· = · = .
b y y b b
a
Demonstração: Seja ∈ Q. Assim,
b
a a 1 a·1 a
·1= · = = ,
b b 1 b·1 b
x
o que comprova a existência. Vejamos, agora, a unicidade. Se ∈ Q é um elemento
y
neutro da multiplicação, então
x x
= ·1=1
y y
e o resultado segue. 

Denotemos por Q∗ o conjunto Q − {0}.


60 3.3. Multiplicação nos racionais

a c
Teorema 3.3.6 (Elemento Inverso) Para todo ∈ Q∗ existe um único ∈ Q tal que
b d
a c c a
· = · = 1.
b d d b
a b c b
Demonstração: Se 6= 0, então a = a · 1 6= b · 0 = 0. Logo, , a · b ∈ Q∗ . Seja = .
b a d a
Então,

a c a b
· = ·
b d b a
a·b
=
b·a
a·b
= .
a·b
a·b x
Do Exemplo 3.1.2, = 1, o que estabelece a existência. Tomemos agora ∈ Q tal
a·b y
que
a x x a
· = · = 1.
b y y b
x b
Precisamos mostrar que = . Temos que
y a
x x
= ·1
y y
 
x a b
= · ·
y b b
 
x a b
= · ·
y b a
b
=1·
a
b
= ,
a
o que estabelece a unicidade. 

Se x ∈ Q∗ é usual denotar o inverso de x por x−1 . Note que se x ∈ Q∗ , então

x=x·1
h −1 i
= x · x−1 · x−1
−1
= x · x−1 · x−1

−1
= 1 · x−1
−1
= x−1 ,

o seja, se x−1 é o inverso de x, então x é o inverso de x−1 .


Capı́tulo 3. Números Racionais 61

a c a c
Teorema 3.3.7 (Integridade) Sejam , ∈ Q. Então · = 0 se, e somente se,
b d b d
a c
= 0 ou = 0.
b d
a
Demonstração: Suponha que = 0. Então
b
a c c 0 c 0·c 0
· =0· = · = = = 0.
b d d 1 d 1·d d
c a c a·c
O caso em que = 0 é análogo. Reciprocamente, suponha que · = = 0. Então
d b d b·d
(a · c) · 1 = (b · d) · 0, isto é, a · c = 0. Da integridade de Z, temos que a = 0 ou c = 0 e,
a c
consequentemente, = 0 ou = 0. 
b d
Teorema 3.3.8 (Distributividade da Multiplicação Relativamente a Adição) A
multiplicação de números racionais é distributiva relativamente a adição de inteiros, isto
a c e
é, dados , , ∈ Q,
b d f
a  c e a c a e
· + = · + · .
b d f b d b f
a c e
Demonstração: Sejam , , ∈ Q. Então
b d f
a  c e a c · f + e · d
· + = ·
b d f b d·f
a · (c · f + e · d)
=
b · (d · f)
a · (c · f) + a · (e · d)
=
b · (d · f)
a · (c · f) a · (e · d)
= +
b · (d · f) b · (d · f)
(a · c) · f (a · e) · d
= +
(b · d) · f (b · f) · d
(a · c) f (a · e) d
= · + ·
(b · d) f (b · f) d
a c  a e
= · ·1+ · ·1
b d b f
a c a e
= · + · ,
b d b f
como querı́amos demonstrar. 
a
OBSERVAÇÃO 3.3.1 Seja ∈ Q. Então
b
a −1 a −1 · a −a a
−1 · = · = = =− ,
b 1 b 1·b b b
ou seja, para se obter o simétrico de um número racional, basta multiplicá-lo por −1.
Daqui, dados x, y ∈ Q:
62 3.4. Ordem em Q

(i) −x · y = x · (−y) = − (x · y)

(ii) −x · (−y) = x · y e, em particular, − (−x) = x.

Com efeito, no primeiro caso temos que

−x · y = (−1 · x) · y = −1 · (x · y) = − (x · y)
= − (y · x) = −1 · (y · x) = (−1 · y) · x
= −y · x = x · (−y)

e no segundo,

−x · (−y) = (−1 · x) · (−1 · y) = [−1 · (−1)] · (x · y) = 1 · (x · y) = x · y

e, consequentemente,
− (−x) = −1 · (−x) = 1 · x = x.

Teorema 3.3.9 Sejam a, b ∈ Z, b 6= 0. Então,


a −a a −a
− = = =− .
b b −b −b
Demonstração: A primeira das igualdades já sabemos ser verdadeira. Note, agora, que

a · b = 1 · (a · b) = [−1 · (−1)] · (a · b) = (−1 · a) · (−1 · b) = −a · (−b) ,

ou seja, (a, −b) ∼ (−a, b) e, consequentemente,


−a a
= .
b −b
n −1
Do Exemplo 3.1.2 sabemos que, para todo n ∈ Z∗ , = 1. Em particular, = 1 e,
n −1
portanto,  
−a −1 · a −1 a  a a
− =− =− · =− 1· =− ,
−b −1 · b −1 b b b
o que conclui nossa demonstração. 

OBSERVAÇÃO 3.3.2 Segue do Teorema 3.3.9 que sempre que considerarmos um número
a
racional genérico podemos, sem perda de generalidade, assumir b > 0.
b

3.4 Ordem em Q
Instituiremos nesta seção uma noção de ordem total em Q compatı́vel com aquela
definida sobre Z.
a c a
Definição 3.4.1 Sejam e números racionais com b, d > 0. Diremos que é menor
b d b
c a c
do que , e escreveremos < , quando a · d < b · c.
d b d
Capı́tulo 3. Números Racionais 63

c a c a
Alternativamente, diremos que é maior do que , e escreveremos > , quando
d b d b
a c
for < .
b d
De modo semelhante definimos as relações menor do que ou igual a denotada,
simbolicamente, por “≤” e maior do que ou igual a denotada, simbolicamente, por
“≥”.

a c e
Lema 3.4.1 A relação “<” é transitiva, isto é, se , , ∈ Q, b, d, f > 0, são tais que
b d f
a c c e a e
< e < , então < .
b d d f b f

Demonstração: Por hipótese, temos que

a·d<b·c e c · f < d · e.

Uma vez que b e f são ambos positivos temos, do Teorema 2.4.4, que

a·d·f<b·c·f e b · c · f < b · d · e.

Da transitividade da relação “<” para números inteiros,

a·d·f<b·d·e
a e
e, da Observação 2.4.3, a · f < b · e, isto é, < . 
b f
a c a c e e
Teorema 3.4.1 Sejam , ∈ Q. Então, < se, e somente se, existe ∈ Q, 0 < ,
b d b d f f
tal que
c a e
= + .
d b f

Demonstração: Sem perda de generalidade, suponhamos b, d inteiros positivos. Su-


a c
ponhamos, inicialmente, < . Neste caso, a · d < b · c e, consequentemente 0 <
b d
b · c − a · d = e. Seja f = b · d > 0. Assim, 0 · f = 0 < e = e · 1, ou seja,

0 e
0= < .
1 f
Deste modo,

a e a·d b·c−a·d
+ = +
b f b·d b·d
a · d + (b · c − a · d)
=
b·d
b·c
=
b·d
c
= .
d
64 3.4. Ordem em Q

c a e e
Reciprocamente, suponha que = + , com 0 < . Suponhamos, sem perda de
d b f f
generalidade, e e f inteiros positivos. Neste caso,
c a·f+b·e
=
d b·f
e, consequentemente,
b · c · f = a · d · f + b · d · e.
Como 0 < b · d · e, temos que a · d · f < b · c · f. Como f é positivo, temos que a · d < b · c,
a c
ou seja < . 
b d
a c
Teorema 3.4.2 (Lei da Tricotomia) Dados , ∈ Q, uma, e apenas uma, das alter-
b d
nativas a seguir é verdadeira:
a c a c c a
(i) < ; (ii) = ; (iii) < .
b d b d d b
Demonstração: Supondo, sem perda de generalidade, b e d positivos, temos, da tricoto-
mia dos inteiros, que ou a · d < b · c ou a · d = b · c ou b · c < a · d, sendo essas alternativas
mutuamente exclusivas. Mas, da definição da relação “<” em Q, isto é equivalente a dizer
a c a c c a
que ou < ou = ou < , sendo essas alternativas mutuamente exclusivas. 
b d b d d b
Teorema 3.4.3 A relação “<” ´é compatı́vel e cancelativa relativamente a adição, isto
a c e
é, dados , , ∈ Q, tem-se que
b d f
a c a e c e
< ⇔ + < + .
b d b f d f
Demonstração: Suponhamos, sem perda de generalidade, b, d e f inteiros positivos.
Assim,
a c
< ⇔ a·d<b·c
b d
⇔ a · d · f < (b · c) · f
⇔ a·d·f+b·d·e<b·c·f+b·d·e
⇔ d · (a · f + b · e) < b · (c · f + d · e)
⇔ (d · f) · (a · f + b · e) < (d · f) · (c · f + d · e)
a·f+b·e c·f+d·e
⇔ <
a be· f c e d · f
⇔ + < + ,
b f d f
como querı́amos demonstrar. 

Corolário 3.4.1 Sejam a, b, c, d ∈ N. Se a < b e c < d, então a + c < b + d.

Demonstração: Vide Corolário1.3.1 


a c e a c e a e c e e
Teorema 3.4.4 Sejam , , ∈ Q, com < e 6= 0. Então · < · , se > 0
b d f b d f b f d f f
c e a e e
e · < · se < 0.
d f b f f
Capı́tulo 3. Números Racionais 65

Demonstração: Suponhamos, sem perda de generalidade, b, d e f inteiros positivos. Se


a c
< , então a · d < b · c e, neste caso, existe k ∈ N tal que b · c = a · d + k. Neste caso,
b d
c e b·c e (b · c) · e (a · d + k) · e
· = · = =
d f b·d f (b · d) · f (b · d) · f
(a · d) · e + k · e d · (a · e) k·e
= = +
(b · d) · f d · (b · f) (d · b) · f
a e k e
= · + · . (3.1)
b f (d · b) f

e k e a e c e e
Se > 0, então · > 0 e · < · . Se < 0, então e < 0 · f = 0 e,
f (d · b) f b f d f f
−e e
consequentemente, −e > 0 = 0 · f. Neste caso, = − > 0 e, consequentemente,
f f
 
k  e k e
· − =− · >0
(d · b) f (d · b) f

Assim, de (3.1),
a e c e k e
· = · − ·
b f d f (d · b) f
c e a e
e, do Teorema , · < · . 
d f b f
a c e a c e
OBSERVAÇÃO 3.4.1 Note que, reciprocamente, se , , ∈ Q, < e 6= 0 então,
b d f b d f
a e c e e c e a e e
· < · ⇒0< e · < · ⇒ < 0.
b f d f f d f b f f
a e c e e c a
Com efeito, suponha · < · . Se fosse < 0 então como, por hipótese, − é
b f d f f d b
positivo temos, do teorema acima que
e  c a  c a
· − <0· − ,
f d b d b
isto é,
c e a e
· − · <0
d f b f
e, consequentemente,
c e a e
· < · ,
d f b f
o que é uma contradição. O outro caso é tratado de modo análogo.

Corolário 3.4.2 Sejam w, x, y, z ∈ Q tais que

0≤w<x e 0 ≤ y < z.

Então w · y < x · z.
66 3.4. Ordem em Q

Demonstração: Se w = 0 ou y = 0, então w · y = 0. Como 0 < x e 0 < z, temos, do


Teorema 3.4.4, que
w · y = 0 = 0 · z < x · z.
Se w, y > 0, temos novamente do Teorema 3.4.4 que

w<x⇒w·y<x·y e y < z ⇒ x · y < x · z.

Da transitividade da relação “<”, w · y < x · z. 


a c e e
Teorema 3.4.5 (Lei do Corte da Multiplicação) Sejam , , ∈ Q, 6= 0. Se
b d f f
a e c e a c
· = · então = .
b f d f b d
a c e e a e c e
Demonstração: Sejam , , ∈ Q, 6= 0, tais que · = · . Suponha, por
b d f f b f d f
a c a c
absurdo, que 6= e, sem perda de generalidade, suponha também que seja < .
b d b d
a e c e e c e a e
Neste caso, segue do Teorema 3.4.4 que · < · , se > 0 ou que · < · caso
b f d f f d f b f
e a c
seja < 0, contrariando a tricotomia. Logo, = e o resultado segue. 
f b d
a c
Definição 3.4.2 Sejam e números racionais com b e d inteiros positivos. Diremos
b d
a c a c
que é menor do que ou igual a , e escreveremos ≤ , quando a · d ≤ b · c.
b d b d
c a
Alternativamente, diremos que é maior do que ou igual a , e escreveremos
d b
c a a c
≥ , quando for ≤ .
d b b d
a c a
OBSERVAÇÃO 3.4.2 Note que, se , ∈ Q, dizer que é menor do que ou igual a
b d b
c
é equivalente a afirmar que uma, e apenas uma, das alternativas abaixo é satisfeita:
d
a c a c
(i) < ; (ii) = .
b d b d
a c e
Assim, dizer que ≤ é o mesmo que afirmar que existe um número racional ≥ 0
b d f
c a e
tal que = + .
d c f
Teorema 3.4.6 A relação “≤” induz sobre Q uma relação de ordem, isto é, goza das
seguintes propriedades:
a a a
(i) Reflexividade: dado ∈ Q, tem-se ≤ ;
b b b
a c a c c a
(ii) Antissimetria: se e são números racionais tais que ≤ e ≤ , então
b d b d d b
a c
= ;
b d
Capı́tulo 3. Números Racionais 67

a c e a c c e
(iii) Transitividade: se , e são números racionais tais que ≤ e ≤ , então
b d f b d d f
a e
≤ .
b f
a c
Demonstração: A reflexividade é óbvia. Suponha, agora, que e são números
b d
a c c a
racionais tais que ≤ e ≤ . Sem perda de generalidade, suponha também b e d
b d d b
inteiros positivos. Então

a·d≤b·c e b·c≤a·d

em Z e, consequentemente, como a relação “≤” é uma ordem total em Z, temos que


a c a c e a c
a · d = b · c e = . Finalmente, se , e são números racionais tais que ≤ e
b d b d f b d
c e m1 m2
≤ , então existem racionais e , ambos maiores ou iguais a zero, tais que
d f n1 n2
c a m1 e c m2
= + e = + .
d b n1 f d n2
Logo,    
e a m1 m2 a
m1 m2
= + + = + +
f b n1 n2 b
n1 n2
m1 m2 a e
e, como + ≥ 0, temos, da Observação 3.4.2, que ≤ . 
n1 n2 b f

OBSERVAÇÃO 3.4.3 Segue, mais uma vez, da Tricotomia, que a relação “≤” estabelece
uma ordem total.

Teorema 3.4.7 A relação “≤” é compatı́vel e cancelativa com respeito a adição, isto é,
a c e
dados , , ∈ Q
b d f
a e c e a c
+ ≤ + ⇔ ≤ .
b f d f b d
e
Além disso, se > 0, então é
f
a e c e a c
· ≤ · ⇔ ≤
b f d f b d
e
e, se < 0, então
f
a e c e c a
· ≤ · ⇔ ≤
b f d f d b

Demonstração: Segue imediatamente da definição da relação “≤” e dos Teoremas 3.4.3,


3.4.4 e 3.4.5. 

Definição 3.4.3 Seja X um subconjunto não-vazio de racionais. Diremos que p ∈ Q é


um elemento mı́nimo de X se p ∈ X e, além disso, p ≤ x, para todo x ∈ X.
68 Exercı́cios

Definição 3.4.4 Seja X um subconjunto não-vazio de racionais. Diremos que X é limi-


tado inferiormente se existe p ∈ Q tal que p ≤ x, para todo x ∈ X. O número racional
p é dito uma cota inferior para X.

Note que, em particular, todo subconjunto não-vazio de racionais que possui elemento
mı́nimo é limitado inferiormente. Note também que o elemento mı́nimo de um conjunto
de racionais, quando ele existe, é único (a verificação é feita examente como nos capı́tulos
precedentes).
Mostraremos, agora, que Q não é bem ordenado, ou seja, que nem todo conjunto
não-vazio limitado inferiormente de números racionais possui elemento mı́nimo.

1 1
Exemplo 3.4.1 Seja X = ; n ∈ N . Uma vez que 0 ≤ , para todo n ∈ N, con-
n n
cluı́mos que X é limitado inferiormente. Suponha, por absurdo, que X possua um elemento
1
mı́nimo p. Neste caso, deve existir n0 ∈ N tal que p = . Mas, uma vez que n0 < n0 +1,
n0
1 1 1
segue da definição da relação “<” que < . Como ∈ X, temos, pois, que
n0 + 1 n0 n0 + 1
este é um elemento de X menor do que seu elemento mı́nimo o que, obviamente, é uma
contradição. Assim, X não possui elemento mı́nimo.

De modo análogo ao que fizemos acima, podemos estabelecer, relativamente a subcon-


juntos de números racionais, os conceitos de elemento máximo, de conjunto limitado
superiormente e cota superior. Ficará a cargo do leitor fazer as devidas modificações
e enunciar cada um destes conceitos.

OBSERVAÇÃO 3.4.4 O Exemplo 3.4.1, devidamente adaptado, nos ajuda a enxergar que
existem subconjuntos de números racionais limitados superiormente que não possuem
ele-
1
mento máximo. Para isso, basta considerarmos o conjunto X = − ; n ∈ N . Este
n
conjunto é limitado superiormente, já que qualquer número racional não-negativo é cota
superior para o conjunto, e, além disso, não pode ter elemento máximo pois, para todo
n ∈ N,
1 1
− <− .
n n+1

Exercı́cios
1. Sejam p e q números inteiros não simultaneamente nulos. Chamamos de máximo
divisor comum de p e q o maior número natural que divide p e q ao mesmo tempo
e o denotaremos por mdc (p, q). Mostre que, dado x ∈ Q, existem p, q ∈ Z, p 6= 0,
p p
tais que, x = e mdc (p, q) = 1. O número racional será chamado de fração
q q
irredutı́vel de x.
a
2. Seja um número racional não-nulo.
b
Capı́tulo 3. Números Racionais 69

 a n
a) Defina recursivamente a função f : N∪ {0} → Q tal que f (n) = pondo
 a 0  a n+1  a n a  a n an b
=1e = · . Mostre que = n , para todo n ∈ N.
b b b b b b
 a −n
b) Se a 6= 0, defina recursivamente a função g : N → Q tal que g (n) =
 a −1 b  a −(n+1)  a −n b  a −n bn b
pondo = e = · . Mostre que = n , para
b a b b a b a
todo n ∈ N.
 a m  a n  a m+n
c) Mostre que, dados m, n ∈ Z, · = .
b b b
3. (Binômio de Newton) Mostre que, dados x, y ∈ Q e n ∈ N,

Pn
 
n n n−i i
(x + y) = x y.
i=0 i

4. Mostre que se a, b ∈ Q e a < b, então existe c ∈ Q tal que a < c < b.


a c
5. Sejam x = e y = números racionais. Se y 6= 0, diremos que z ∈ Q é o
b d
x
quociente da divisão de x por y, e escreveremos z = , se
y
a d
z= · = x · y−1 .
b c
Mostre que se m, n, p, q ∈ Q, n 6= 0 e q 6= 0, então
m p mq + np m p m·p
+ = e · = .
n q nq n q n·q

6. Sejam p, q números racionais positivos. Mostre que se q < p então p−1 < q−1 .

7. Mostre que Q é Arquimediano, isto é, dados a, b ∈ Q, a, b > 0, existe n ∈ N tal


que na > b.
Capı́tulo 4

O Conjunto R dos Números Reais

Desde a antiguidade, o homem reconheceu a existência de “grandezas incomensurá-


veis”. A noção mais geral de número real era meramente intuitiva e a sua existência
apenas assegurada por considerações de natureza geométrica e algébrica. No entanto, foi
a partir do século XIX que se estabeleceriam definições rigorosas do conceito de número
irracional sem apelo a intuições geométricas, motivada por uma preocupação crescente
em colocar a Análise sobre bases aritméticas sólidas. Reconhecia-se que a falta de uma
teoria dos números reais mais apropriada tornavam incorretas (ou, pelo menos, incom-
pletas) as demonstrações de certos resultados. Desta forma, uma etapa importante do
processo de aritmetização da Análise seria a elaboração de uma teoria acerca dos números
reais sobre alicerces puramente aritméticos. Neste perı́odo, podemos destacar os traba-
lhos de Hermann Hankel, Gottlob Frege, que defenderam a ideia tradicional de que a
Análise deveria ser fundada na noção de quantidade contı́nua, Karl Weierstrass, Charles
Méray, Richard Dedekind, George Cantor que, por sua vez, levantaram a bandeira de que
a noção de quantidade deveria ser substituı́da por uma rigorosa construção aritmética
dos números reais, baseada na noção de números naturais ou racionais, Eduard Heine,
Johannes Thomae e David Hilbert que defenderam a ideia de que os conceitos funda-
mentais da Análise poderiam, e deveriam, ser construı́dos simplesmente de uma maneira
formal, desprezando, tanto quanto possı́vel, os assuntos de ordem filosófica privilegiando
uma abordagem axiomática do assunto. No século XX, A. H. Lightstone, Mitio Nagumo
e Norbert A’Campo também elaboraram estratégias de construção e apresentação dos
números reais.
Neste Capı́tulo construiremos o conjunto R dos números reais segundo Dedekind.

4.1 Cortes de Dedekind


Definição 4.1.1 Um subconjunto α de números racionais é chamado de corte de De-
dekind (ou, simplesmente, corte) se possui as seguintes propriedades:

(i) α 6= ∅ e α 6= Q;

(ii) se r ∈ α e s ∈ Q é tal que s < r, então s ∈ α;

(iii) α não possui elemento máximo.

70
Capı́tulo 4. O Conjunto R dos Números Reais 71


2
Exemplo 4.1.1 O conjunto α = x ∈ Q; x < é um corte. Com efeito, α 6= ∅ pois
5
3
0 ∈ α e, como ∈
/ α, α 6= Q. Se r ∈ α e s ∈ Q é tal que s < r, temos que
2
s<r e r < 2.

Da transitividade da relação “<” segue que s < 2 e, consequentemente, s ∈ α. Final-


mente, suponha, por absurdo dado, que α possua elemento máximo, o qual denotaremos
1 2 2
por r0 . Faça d = − r0 . Como r0 < , temos então que d > 0. Consequentemente,
2 5 5
r0 < r0 + d. Por outro lado,
 
2 2
− (r0 + d) = − r0 − d = 2d − d = d > 0,
5 5
2
isto é, r0 + d < e, consequentemente, r + d ∈ α, contrariando a maximalidade de r0 .
5
Exemplo 4.1.2 Os conjuntos

2 2 2
β = x ∈ Q; x ≤ , µ = x ∈ Q; x > e η = x ∈ Q; x ≥
5 5 5
2
não são cortes. No caso do conjunto β, é o elemento máximo do conjunto e, portanto,
5
a condição (iii) da definição de corte não é atendida. No caso dos conjuntos µ e η,
observamos que 1 pertence a ambos e, no entanto, 0 não pertence a qualquer um deles.
Logo, a condição (ii) da definição de corte não é atendida.

Em face do Exemplo 4.1.1, temos o seguinte resultado mais geral:

Lema 4.1.1 Seja a ∈ Q. Então α = {x ∈ Q; x < a} é um corte e a é a menor cota


superior de α.

Demonstração: Note que a − 1 ∈ α e que a + 1 ∈ / α. Logo, α 6= ∅ e α 6= Q. Sejam r e


s números racionais tais que s < r e r ∈ α. Então

s<r e r < a.

Da transitividade da relação “<”, s < a e, consequentemente, s ∈ α. Suponha agora,


por absurdo, que A possua elemento máximo e denotemos tal elemento por r0 . Seja
1
d = (a − r0 ). Note que
2
r0 < r0 + d < a,
ou seja, r0 + d é um elemento de α maior do que o elemento máximo deste conjunto e
isso é, obviamente, uma contradição. Daı́, α não possui maior elemento e é, portanto, um
corte. Finalmente, seja b ∈ Q uma cota superior de α. Suponha que seja b < a. Neste
caso, b ∈ α e é o elemento máximo deste conjunto, contrariando o fato de α ser um corte.
Logo, se b ∈ α é uma cota superior de α, deve ser a ≤ b. 
72 4.1. Cortes de Dedekind

Definição 4.1.2 Se α é um corte como no Lema 4.1.1, diremos que α é um corte raci-
onal. Neste caso, utilizaremos a simbologia a∗ para representar o corte α.

Dada a definição acima, somos levados a questionar a respeito da existência ou não


de cortes não racionais. Os dois próximos resultados servem para responder este questio-
namento.

Teorema 4.1.1 A equação x2 = 2 não possui solução em Q.

Demonstração: Suponha que exista x ∈ Q tal que x2 = 2. Sejam p e q números inteiros


p
primos entre si tais que x = . Neste caso, temos que
q
 2
2 p p2
2=x = = 2
q q
e, portanto, p2 = 2q2 . Logo, p2 é par e, consequentemente, o mesmo vale para p. Sendo
assim, existe k ∈ Z tal que p = 2k. Daı́
2q2 = p2 = 4k2 ,
o que nos dá q2 = 2k2 . Logo, q2 é par e, consequentemente, q também o é, contrariando
o fato de p e q serem primos entre si. 

Corolário 4.1.1 O conjunto



α = Q− ∪ x ∈ Q∗+ ; x2 < 2
é um corte não-racional.

Demonstração: Temos que α é não-vazio pois 0 ∈ α. Além disso, α é subconjunto


próprio de Q pois 2 ∈ Q − α. Sejam r, s ∈ Q tais que r ∈ α e s < r. Se s ≤ 0 então é
óbvio que s ∈ α. Se, porém, s > 0, então devemos ter s2 < r2 < 2 e, consequentemente,
s ∈ α. Vejamos, agora, que α não possui elemento máximo. Faremos isso mostrando que,
dado r ∈ α, é sempre possı́vel exibir um elemento de α maior do que r. Com efeito, se
r ≤ 0, fazendo-se s = 1, temos que s ∈ α e r < s. Se r > 0, seja h um número racional
tal que
2 − r2
0<h<1 e h< .
2r + 1
Neste caso, temos que
h2 < h e que (2r + 1) h < 2 − r2 .
Então, se s = r + h, temos que
s2 = (r + h)2
= r2 + 2rh + h2
< r2 + 2rh + h
= r2 + (2r + 1) h
< r2 + 2 − r2 = 2,
Capı́tulo 4. O Conjunto R dos Números Reais 73

isto é, s ∈ α e r < s. Fica comprovado, portanto, que α é um corte. Resta-nos mostrar
que α não pode ser um corte racional e, para isso, mostraremos α não possui cota superior
mı́nima. Seja p uma cota superior de α. Devemos ter, portanto, p > 0 e p2 ≥ 2. Do
Teorema 4.1.1, segue que não pode ser p2 = 2. Sendo assim, só nos resta que seja p2 > 2.
p2 − 2 p2 + 2
Fazendo h = , seja q = p − h = . Então, 0 < q < p e
2p 2p

p4 + 4p2 + 4
q2 =
4p2

8p2 + p4 − 4p2 + 4
=
4p2
2
8p2 + p2 − 2
=
4p2
 2 2
p −2
=2+ > 2,
2p

isto é, q é uma cota superior de α menor do que p. Assim, fica estabelecido que, dada
uma cota superior p de α existe uma cota superior q de α tal que q < p, ou seja, α não
possui cota superior mı́nima e não pode ser, portanto, um corte racional. 

OBSERVAÇÃO 4.1.1 Segue imediatamente da definição de corte que, se α é um corte e


p, q ∈ Q são tais que p ∈ α e q ∈
/ α, então p < q.

Teorema 4.1.2 Um corte α é um corte racional se, e somente se, possui cota superior
mı́nima.

Demonstração: Segue imediatamente do Lema 4.1.1 que se α é um corte racional então


possui cota superior mı́nima. Reciprocamente, seja α um corte não-racional. Suponha
por absurdo que α possua uma cota superior mı́nima a ∈ Q. Da definição de corte segue
que a ∈/ α e, consequentemente, α ⊂ a∗ . Seja s ∈ a∗ . Como s não pode ser cota superior
de α, existe r ∈ α tal que s < r e, da definição de corte, devemos ter s ∈ α e, daı́, a∗ ⊂ α.
Logo, α = a∗ , contrariando o fato de α não ser racional. Portanto, se α não é racional,
então não pode ter cota superior mı́nima. 

Sejam p ∈ Q e α um corte α. Se p ∈ α, diremos que p é um número inferior de α.


Caso contrário, diremos que p é um número superior de α.
Denotemos por R o conjunto de todos os cortes.

4.2 Ordem em R
Antes de definirmos operações sobre o conjunto R de todos os cortes, estabeleceremos
uma relação de ordem sobre este conjunto.

Definição 4.2.1 Sejam α, β ∈ R. Diremos que α é menor do que β, e escreveremos


α < β, se β\α 6= ∅. Em outras palavras, α < β se existe r ∈ Q tal que r ∈ β e r ∈
/ α.
74 4.2. Ordem em R

Alternativamente, diremos que β é maior do que α, e escreveremos β > α, para


expressar a condição α < β.
OBSERVAÇÃO 4.2.1 Segue da Observação 4.1.1 que afirmar que α < β é o mesmo que
dizer que existe r ∈ β tal que s < r, para todo s ∈ α.
Exemplo 4.2.1 Se a,b ∈ Q são tais que a < b, então a∗ < b∗ . Com efeito, seja
1
r = (a + b). Então a < r < b e, consequentemente, r ∈ b∗ \a∗ .
2

Exemplo 4.2.2 Se α = 1∗ e β = Q− ∪ x ∈ Q∗+ ; x2 < 2 , então α < β. Com efeito, se
4 1 16 18
r = = 1 + , então 1 < r e r2 = < = 2, ou seja, r ∈ β\α.
3 3 9 9
Definição 4.2.2 Sejam α, β ∈ C. Diremos que α é menor do que ou igual a β, e
escreveremos α ≤ β, se α < β ou α = β 6= ∅.
Diremos também que β é maior do que ou igual a α se α ≤ β.
Em analogia ao que fizemos nos dois capı́tulos precedentes, definimos os seguintes
conjuntos:
• Conjunto dos cortes positivos: R∗+ = {α ∈ R ; 0 < α}.
• Conjunto dos cortes não-negativos: R+ = {α ∈ R ; 0 ≤ α}.
• Conjunto dos cortes negativos: R∗− = {α ∈ R ; α < 0}.
• Conjunto dos cortes não-positivos: R∗− = {α ∈ R ; α ≤ 0}.
Diremos que um corte α é positivo, não-negativo, negativo ou não-positivo conforme
pertença a R∗+ , R+ , R∗− ou R− . Verifica-se sem dificuldade que todo corte positivo é
também não-negativo e que todo corte negativo é também não-positivo.
Teorema 4.2.1 Sejam α, β ∈ R. Então α < β se, e somente se, α ( β.
Demonstração: Suponhamos inicialmente α < β. Então, existe r ∈ β tal que s < r,
para todo s ∈ α. Da condição (ii) da definição de corte, deve-se ter s ∈ β, para todo
s ∈ α. Logo, α ⊂ β e como r ∈ β mas r ∈ / α, temos que esta inclusão é própria.
Reciprocamente, suponha α ( β. Então, existe r ∈ β tal que r ∈ / α, ou seja, α < β. 
Corolário 4.2.1 Sejam α, β ∈ R. Então α ≤ β se, e somente se, α ⊂ β.
Demonstração: Suponha α ≤ β. Se for α = β, é óbvio que α ⊂ β. Se for α < β, segue
do Teorema 4.2.1 que α ( β. Em todo caso, α ⊂ β. Reciprocamente, se α ⊂ β, então ou
α = β ou α ( β. Assim, novamente do Teorema 4.2.1, temos que ou α = β ou α < β,
ou seja, α ≤ β. 
Corolário 4.2.2 A relação “<” é transitiva em R.
Demonstração: Sejam α, β, γ ∈ R tais que α < β e β < γ. Assim, α ⊂ β e β ⊂ γ. Da
transitividade da inclusão, temos que α ⊂ γ e, consequentemente, α < γ. 
Teorema 4.2.2 (Lei da Tricotomia) Dados α, β ∈ R, uma, e apenas uma, das alter-
nativas a seguir é verdadeira:
Capı́tulo 4. O Conjunto R dos Números Reais 75

(i) α < β; (ii) α = β; (iii) β < α.

Demonstração: Se α 6= β, então ou existe r ∈ β tal que r ∈


/ α ou existe s ∈ α tal que
s∈/ β, ou seja, ou α < β ou β < α. Assim, do Teorema 4.2.1, ou α é parte própria de β
ou é β que é parte própria de α. Deste modo, dados α, β ∈ R, ou α = β ou α ( β ou
β ( α, sendo essas possibilidades mutuamente exclusivas. Utilizando-se o Teorema 4.2.1
novamente, o resultado segue. 

Teorema 4.2.3 A relação “≤” é uma relação de ordem em R.

Demonstração: Dado α ∈ R, temos que α = α e, consequentemente, da definição da


relação “≤”, α ≤ α e esta relação é simétrica. Se α, β ∈ R são tais que α ≤ β e β ≤ α,
segue da tricotomia que devemos ter α = β, ou seja, “≤” é antissimétrica. Finalmente,
se α, β, γ ∈ R são tais que α ≤ β e β ≤ γ, temos, do Corolário 4.2.1, que α ⊂ β e β ⊂ γ.
Logo, α ⊂ γ e, utilizando-se o Corolário 4.2.1 mais uma vez, α ≤ γ. 

OBSERVAÇÃO 4.2.2 Note que a tricotomia garante que a relação “≤” é uma ordem total.

4.3 Adição em R
O próximo resultado nos será útil na definição da adição em R

Teorema 4.3.1 Sejam α, β ∈ R. Se γ = {r + s; r ∈ α e s ∈ β}, então γ ∈ R.

Demonstração: O fato de γ ser não-vazio segue trivialmente do fato de α e β serem


ambos não-vazios. Sejam p, q ∈ Q tais que p ∈ / α e q ∈ / β. Então, r < p, para todo
r ∈ α e s < q, para todo s ∈ β. Logo, r + s < p + q para todo r ∈ α e todo s ∈ β
e, consequentemente, p + q ∈ / γ e γ 6= Q. Sejam, agora, m, n ∈ Q tais que n ∈ γ e
m < n. Neste caso, existem r ∈ α e s ∈ β tais que n = r + s e, deste modo, podemos
escrever m < n = r + s. Seja s0 = m − r. Então, s0 ∈ Q e m = r + s0 . Temos então que
r + s0 = m < r + s o que nos dá s < s0 . Logo, s0 ∈ β e, por conseguinte, m ∈ γ (já que é
a soma de um elemento de α com um elemento de β). Finalmente, resta-nos mostrar que
γ não possui elemento máximo. Seja m ∈ γ. Neste caso, existem números racionais a e
b pertencentes a α e β, respectivamente, tais que m = a + b. Como α e β não possuem
elemento máximo, existem a0 ∈ α e b0 ∈ β tais que a < a0 e b < b0 . Nestas condições,
n = a0 + b0 ∈ γ e m < n, completando nossa prova. 

Definição 4.3.1 Chamamos de adição sobre R a aplicação S : R × R → R definida por

S (α, β) = α + β = {r + s; r ∈ α e s ∈ β} .

Teorema 4.3.2 (Comutatividade da Adição) A adição em R é comutativa, isto é,


dados α, β ∈ R, temos que
α + β = β + α.

Demonstração: Se p ∈ α + β, existem r ∈ α e s ∈ β tais que p = r + s. Como a adição


em Q é comutativa, temos que p = s + r, ou seja, p ∈ β + α e α + β ⊂ β + α. A inclusão
contrária é análoga. 
76 4.3. Adição em R

Teorema 4.3.3 (Associatividade da Adição) A adição em R é associativa, isto é,


dados α, β, γ ∈ R, temos que

(α + β) + γ = α + (β + γ) .

Demonstração: Se p ∈ (α + β) + γ, existem m ∈ α + β e n ∈ γ tais que p = m + n.


Neste caso, existem r ∈ α e s ∈ β tais que m = r+s e, consequentemente, p = (r + s)+n.
Como a adição em Q é associativa, temos que p = r+(s + n). Fazendo-se a = s+n, temos
que a ∈ β + γ e, como p = r + a, temos que p ∈ α + (β + γ) e (α + β) + γ ⊂ α + (β + γ).
Utilizando-se a comutatividade da adição em R, temos que

α + (β + γ) = (β + γ) + α
= (γ + β) + α.

Assim, um argumento análogo ao utilizado anteriormente, juntamente com a comutativi-


dade da adição em R, nos permite concluir que

α + (β + γ) = (γ + β) + α ⊂ γ + (β + α) = γ + (α + β) = (α + β) + γ.

Teorema 4.3.4 (Elemento neutro da Adição) Existe um único ξ ∈ R tal que

α + ξ = ξ + α = α,

para todo α ∈ R.

Demonstração: Sejam α ∈ R, ξ = 0∗ e p ∈ α + 0∗ . Existem, portanto, r ∈ α e s ∈ 0∗


tais que p = r + s. Do fato de s pertencer a 0∗ temos que s < 0 e, consequentemente,
p < r. Como α é um corte e r ∈ α, temos que p ∈ α e α + 0∗ ⊂ α. Reciprocamente, se
p ∈ α, então, uma vez que α não possui elemento máximo, existe m ∈ α tal que p < m.
Fazendo-se n = p − m temos, por um lado, que n < 0, o que nos dá n ∈ 0∗ e, por outro,
que p = m + n. Temos, assim, que p ∈ α + 0∗ e α ⊂ α + 0∗ . Seja, agora ξ0 ∈ R tal que

α + ξ0 = ξ0 + α = α,

para todo α ∈ R. Então,


ξ 0 = ξ 0 + 0∗ = 0 ∗ .


Lema 4.3.1 Sejam α ∈ R e r ∈ Q∗+ . Existem números racionais p e q tais que p ∈ α,


q∈/ α, q não é cota superior mı́nima de α e q − p = r.

Demonstração: Sejam s um elemento qualquer de α e

As = {n ∈ Z+ ; s + nr ∈ α} .
Capı́tulo 4. O Conjunto R dos Números Reais 77

Note que As 6= ∅ pois 0 ∈ As . Afirmamos que As é finito. Com efeito, sejam a, b, c, d ∈ Z,


a c
a, b, d > 0 tais que r = e s = . Deste modo, se n ∈ As , devemos ter
b d
c a a
s + nr < r ⇒ +n· <
d b b
⇒ bc + adn < ad
ad − bc
⇒ n<
ad
⇒ n ≤ ad − bc.
Como As ⊂ Z+ , As possui elemento máximo. Seja n0 o elemento máximo de As . Então
s + n0 r ∈ α e s + (n0 + 1) r ∈
/ α.
Assim, se s + (n0 + 1) r não é cota superior mı́nima, basta tomar p = s + n0 r e q =
s + (n0 + 1) r para obtermos o resultado. Se, porém, s + (n0 + 1) r é cota superior mı́nima
r r
de α, basta fazer p = s + n0 r + e q = s + (n0 + 1) r + e o resultado segue. 
2 2
Teorema 4.3.5 Seja α ∈ R. Então,
β = {p ∈ Q; −p ∈
/ α e − p não é cota superior mı́nima de α} ∈ R.
Demonstração: Iniciemos mostrando que β 6= ∅. Para tanto, consideremos dois casos:
• α é racional: Neste caso, α possui uma cota superior mı́nima a e, assim sendo,
fazendo-se p = − (a + 1), temos que −p = a + 1 > a e, portanto, −p ∈
/ α e −p não
é cota superior de α, ou seja, p ∈ β e β 6= ∅.
• α não é racional: Neste caso, α não possui cota superior mı́nima e, como Q−α 6= ∅,
escolhendo-se q neste conjunto e fazendo-se p = −q, temos que p ∈ β e β 6= ∅.
Para mostrar que β 6= Q, como α 6= ∅, escolhendo-se arbitrariamente r ∈ α, façamos
−p = r. Então p = −r ∈ Q e p ∈ / β. Sejam, agora, p, q ∈ Q tais que p ∈ β e q < p.
Como, −p ∈ / α, temos que −p é uma cota superior de α e, como −p < −q, o mesmo vale
para −q. Assim, q é um número racional tal que −q ∈ / α (pois, caso contrário, como
−p é cota superior de α, −q seria o elemento máximo de α, contrariando o fato de α ser
corte) e, além disso, −q não é cota superior mı́nima de α, uma vez que −p é uma cota
superior de α menor do que −p, ou seja, q ∈ β. Finalmente, mostremos que β não possui
elemento máximo. Seja, portanto, p ∈ β:
• α é racional: Se a é a cota superior mı́nima de α, então a < −p. Assim, fazendo-se
a−p
−q = , temos a < −q < −p e, sendo assim, −q ∈ / α e −q não é cota superior
2
de α, isto é, q ∈ β. Como −q < −p, devemos ter p < q e β não possui elemento
máximo.
• α não é racional: Como α não possui cota superior mı́nima e −p é, necessariamente,
cota superior de α, existe q ∈ Q tal que −q é cota superior de α e −q < −p. Note
que −q ∈ / α (pois, caso contrário, seria seu elemento máximo, contradizendo o fato
de α ser um corte) e −q não é cota superior mı́nima de α (já que α não possui cota
superior mı́nima). Sendo assim, q ∈ β e p < q, ou seja, β não possui elemento
máximo.
78 4.3. Adição em R

Isto conclui a demonstração. 

Teorema 4.3.6 (Elemento Simétrico) Para todo α ∈ R existe um único β ∈ R tal


que
α + β = β + α = 0∗ .

Demonstração: Dado α ∈ R, seja β como no Teorema 4.3.5. Se x ∈ α + β, existem


r ∈ α e p ∈ β tais que x = r+p. Como −p ∈ / α, devemos ter r < −p. Acrescentando-se p
a ambos os membros dessa desigualdade, obtemos r + p < 0, ou seja, x ∈ 0∗ e α + β ⊂ 0∗ .
Reciprocamente, se x ∈ 0∗ , então −x ∈ Q∗+ e, consequentemente, do Lema 4.3.1, existem
r ∈ α e p ∈ β tais que −r − p = −x, isto é, x = r + p ∈ α + β e 0∗ ⊂ α + β. Seja, agora,
β0 tal que
α + β0 = β0 + α = 0∗ .
Então
β = β + 0∗ = β + (α + β0 ) = (β + α) + β0 = 0 + β0 = β0 .


O corte β acima é denominado de simétrico de α e denotado por β = −α. Se


x, y ∈ R, escreveremos x − y para representar a soma x + (−y).

OBSERVAÇÃO 4.3.1 Note que, dado α ∈ R.

α = α + 0∗ = α + [(−α) − (−α)] = [α − α] − (−α) = 0∗ − (−α) = − (−α) .

OBSERVAÇÃO 4.3.2 Seja r ∈ Q. Então

−r∗ = (−r)∗ = {x ∈ Q; x < −r} .

Com efeito, basta mostrar que (−r)∗ + r∗ = 0∗ : se x ∈ r∗ + (−r)∗ , existem u ∈ r∗ e


v ∈ (−r)∗ tais que x = u + v. Como u < r e v < −r, somando-se as desigualdades
membro a membro, temos que

x = u + v < r − r = 0,
x
ou seja, x ∈ 0∗ e r∗ + (−r)∗ ⊂ 0∗ . Reciprocamente, se x ∈ 0∗ , então ∈ 0∗ , o que nos
2
x
dá < 0. Somando-se ora r e ora −r a ambos os membros desta última desigualdade,
2
obtemos
x x
u=r+ <r e v = −r + < −r.
2 2
∗ ∗
Os racionais u e v assim obtidos pertencem a r e (−r) , respectivamente, e, além disso,
 x  x
u+v= r+ + −r + = x,
2 2
ou seja, x ∈ r∗ + (−r)∗ e 0∗ ⊂ r∗ + (−r)∗ . Em particular,

Corolário 4.3.1 (Lei do Corte da Adição) Sejam α, β, γ ∈ R. Se α + γ = β + γ,


então α = β.
Capı́tulo 4. O Conjunto R dos Números Reais 79

Demonstração: Com efeito, se α + γ = β + γ, então


(α + γ) − γ = (β + γ) − γ
e, da associatividade da adição,
α + (γ − γ) = β + (γ − γ) ,
o que nos dá
α + 0∗ = β + 0 ∗ ,
ou seja, α = β. 
Assim como nos capı́tulos anteriores, utilizaremos a adição para caracterizar a relação
de ordem.
Teorema 4.3.7 Sejam α, β ∈ R. Então, α < β se, e somente se, existe µ ∈ R∗+ tal que
β = α + µ.
Demonstração: Suponhamos, inicialmente, α < β e seja µ = β − α. Assim,
α + µ = α + (β − α) = (α + β) − α = (β + α) − α = β + (α − α) = β + 0∗ = β.
Resta-nos mostrar que µ > 0∗ . Como α < β, existe q ∈ β tal que r < p, para todo r ∈ α.
Da definição de −α segue que, se p ∈ −α, então r < −p, para todo r ∈ α. Assim, dados
r0 ∈ α e p0 ∈ −α, temos que
q + p0 = q − (−p0 ) > q − r0 > 0,
ou seja, q+p0 ∈ β−α = µ, mas q+p0 ∈ / 0∗ e, consequentemente, µ > 0∗ . Reciprocamente,
suponha que exista um corte µ > 0∗ tal que β = α + µ e seja k ∈ µ tal que k > 0. Sejam
r, p ∈ Q tais que r ∈ α e p é uma cota superior de α. Fazendo

p−r
X = {n ∈ Z+ ; p − nk > r} = n ∈ Z+ ; n < ,
k
temos que X é um subconjunto de números inteiros limitado superiormente e, portanto,
possui um elemento máximo n0 . Fazendo r0 = p − (n0 + 1) k, temos, da maximalidade
de n0 , que r0 ∈ α e, consequentemente, r0 + k ∈ β. No entanto,
r0 + k = p − (n0 + 1) k + k = p − n0 k ∈
/ α,
ou seja, α < β. 
Teorema 4.3.8 A relação “<” é compatı́vel e cancelativa com respeito a adição, isto é,
se α, β ∈ R, então α < β se, e somente se, α + γ < β + γ, para todo γ ∈ R.
Demonstração: Sejam α, β ∈ R. Dado γ ∈ R temos que
α<β ⇔ ∃ µ > 0∗ ; β = α + µ
⇔ ∃ µ > 0∗ ; β + γ = (α + µ) + γ
⇔ ∃ µ > 0∗ ; β + γ = α + (µ + γ)
⇔ ∃ µ > 0∗ ; β + γ = α + (γ + µ)
⇔ ∃ µ > 0∗ ; β + γ = (α + γ) + µ
⇔ α+γ<β+γ
e o resultado segue. 
80 4.4. Multiplicação em R

Corolário 4.3.2 Sejam α, β, µ, η ∈ R tais que α < β e µ < η. Então, α + µ < β + η.

Demonstração: Vide Corolário 1.3.1. 

Corolário 4.3.3 A relação “≤” é compatı́vel e cancelativa com respeito à adição.

Demonstração: Segue diretamente do fato de as relações “<” e “=” gozarem, simulta-


neamente, dessa mesma propriedade. 

OBSERVAÇÃO 4.3.3 Note que, seguindo a mesma linha de raciocı́nio da demonstração


do Teorema 4.3.7, podemos caracterizar a relação “≤” do seguinte modo: α ≤ β se, e
somente se, existe µ ∈ R+ tal que β = α + µ.

4.4 Multiplicação em R
Teorema 4.4.1 Sejam α, β ∈ R tais que α ≥ 0∗ e β ≥ 0∗ . Seja
γ = 0∗ ∪ {r · s ∈ Q; r ∈ α, s ∈ β e r, s ≥ 0} .
Então γ ∈ R.

Demonstração: Claramente, γ 6= ∅. Sejam, agora, p, q ∈ Q tais que p ∈ / αeq∈ / β.


Então, dados r ∈ α e s ∈ β, com r, s ≥ 0, temos que r < p e s < q. Consequentemente,
do Corolário 3.4.2, rs < pq. Logo pq ∈ / γ e γ 6= Q. Sejam a, b ∈ Q tais que b ∈ γ e
a < b. Se a < 0, então a é um elemento de 0∗ e, portanto, de γ. Se a ≥ 0 então b > 0 e,
1
neste caso, existem racionais positivos r e s tais que r ∈ α, s ∈ β e b = rs. Como > 0,
r
temos que
a b
0≤a<b⇒0≤ < =s
r r
a
e, deste modo, devemos ter ∈ β. Temos, assim, que
r
a a a
a = · r, r ∈ α, ∈ β e r, ≥ 0,
r r r
ou seja, a ∈ γ. Resta-nos mostrar que γ não possui elemento máximo. Seja a ∈ γ. Se
a
a ∈ 0∗ , fazendo-se b = , temos b ∈ 0∗ ⊂ γ e a < b. Se a ≥ 0, existem racionais
2
não-negativos r ∈ a e s ∈ β tais que a = rs. Como β é corte, existe t ∈ β tal que s < t
e, neste caso, fazendo-se b = rt, temos que b ∈ γ e a < b. 

Definição 4.4.1 O corte γ do Teorema 4.4.1 será denominado o produto de α por β e


denotado por αβ (ou α · β).

OBSERVAÇÃO 4.4.1 Sejam α e β cortes não-negativos. Segue diretamente da definição


de αβ que se α = 0∗ ou β = 0∗ , então
{r · s ∈ Q; r ∈ α, s ∈ β e r, s ≥ 0} = ∅
e, consequentemente, αβ = 0∗ . Note que a recı́proca é facilmente verificada. Assim, se α
e β são cortes não-negativos, αβ = 0∗ se, e somente se, α = 0∗ ou β = 0∗ .
Capı́tulo 4. O Conjunto R dos Números Reais 81

Para definirmos o produto entre cortes envolvendo fatores em R∗− precisaremos, pri-
meiramente, estabelecer o conceito de valor absoluto (ou módulo) de um corte.

Definição 4.4.2 Dado α ∈ R chamamos de valor absoluto ou módulo de α o corte |α|


dado por
α, se α ≥ 0∗
|α| = .
−α, se α < 0∗

Teorema 4.4.2 Seja α um corte. Se α < 0∗ , então −α > 0∗ .

Demonstração: Se α < 0∗ , existe p ∈ 0∗ tal que p ∈ / α. Sem perda de generalidade,


podemos supor que p não é cota superior mı́nima de α. Note que o fato de p ser um
elemento de 0∗ assegura que p < 0. Seja r = −p. Então r > 0 e, consequentemente,
r∈/ 0∗ . Além disso, da definição do corte −α, r ∈ −α, ou seja, 0∗ < −α. 

Corolário 4.4.1 Para todo α ∈ R, |α| ≥ 0∗ .

Demonstração: Se α ≥ 0∗ não há o que fazer pois, neste caso, |α| = α. Se, no entanto,
α < 0∗ então, do Teorema 4.4.2 temos que −α > 0 e, como neste caso |α| = −α, o
resultado segue. 

Corolário 4.4.2 Seja α um corte. Então |α| = 0∗ se, e somente se, α = 0∗ .

Demonstração: Suponha |α| = 0∗ . Se fosse α > 0∗ , então |α| = α > 0∗ , contradizendo


o fato de que |α| = 0∗ . Se fosse α < 0∗ , então |α| = −α > 0∗ , contradizendo novamente o
fato de que |α| = 0∗ . Assim, da tricotomia, α = 0. Reciprocamente, se α = 0, então, da
definição de |α|, temos que |α| = 0. 

Definição 4.4.3 Sejam α, β ∈ R. Então



 − (|α| |β|) , se α < 0∗ e β ≥ 0∗ ,
αβ = − (|α| |β|) , se α ≥ 0∗ e β < 0∗ ,

|α| |β| , se α < 0∗ e β < 0∗ .

OBSERVAÇÃO 4.4.2 Da Observação 4.4.1 e da definição acima segue que dados α, β ∈ R,


tem-se αβ = 0∗ se, e somente se, α = 0∗ ou β = 0∗ . Esta propriedade é conhecida como
integridade.

Teorema 4.4.3 (Comutatividade da Multiplicação) A multiplicação em R é comu-


tativa, isto é, dados α, β ∈ R, αβ = βα.

Demonstração: Suponhamos, inicialmente, α, β ≥ 0∗ . Seja p ∈ αβ. Se p < 0, como


0∗ ⊂ βα, tem-se p ∈ βα. Se, porém, p ≥ 0, existem racionais não-negativos r e s tais
que r ∈ α, s ∈ β e p = rs. Da comutatividade da multiplicação em Q, p = sr ∈ βα.
Logo, αβ ⊂ βα. A outra inclusão é análoga. Para os demais casos, basta utilizar o que
acabamos de estabelecer relativamente aos cortes |α| e |β|. 

Teorema 4.4.4 (Associatividade da Multiplicação) A multiplicação em R é asso-


ciativa, isto é, dados α, β, γ ∈ R, (αβ) γ = α (βγ).
82 4.4. Multiplicação em R

Demonstração: Suponhamos α, β, γ ≥ 0∗ . Seja p ∈ (αβ) γ. Se p < 0, como 0∗ ⊂


α (βγ), tem-se p ∈ α (βγ). Se p ≥ 0, existem q ∈ αβ e t ∈ γ, q, t ≥ 0, tais que p = qt.
Daqui, devem existir racionais não-negativos r e s tais que r ∈ α, s ∈ β e q = rs. Assim,
da associatividade da multiplicação em Q,

p = qt = (rs) t = r (st) ∈ α (βγ) .

Logo, (αβ) γ ⊂ α (βγ). A outra inclusão é análoga. Para os demais casos, basta utilizar
o que acabamos de estabelecer relativamente aos cortes |α|, |β| e |γ|. 

Teorema 4.4.5 (Elemento Neutro da Multiplicação) Existe um único ξ ∈ R tal


que, para todo α ∈ R,
αξ = ξα = α.

Demonstração: Façamos ξ = 1∗ e suponhamos, inicialmente, α ≥ 0∗ . Seja p ∈ α · 1∗ .


Se p < 0, é óbvio que p ∈ α. Se p ≥ 0, existem r ∈ α e s ∈ ξ tais que r, s ≥ 0 e p = rs.
Como s < 1, p = rs < r · 1 = r e, consequentemente, p ∈ α. Logo, α · 1∗ ⊂ α. Seja, agora,
q ∈ α. Se q < 0 é imediato que q ∈ α · 1∗ . Se, no entanto, q ≥ 0, como α não possui
q
elemento máximo, existe k ∈ α tal que q < k. Fazendo-se r = , temos que 0 ≤ r < 1 e
k
q ∗ ∗
q = k · ∈ α · 1 . Assim, α ⊂ α · 1 e a igualdade entre os conjuntos é estabelecida. Se
k
α < 0, então −α = |α| > 0. Do que acabamos de mostrar,

α · 1∗ = − (|α| · 1∗ ) = − |α∗ | = − (−α) = α.

Seja µ um corte tal que, para todo α ∈ R, αµ = µα = α. Então

1∗ = 1∗ · µ = µ

e a unicidade segue. 

OBSERVAÇÃO 4.4.3 Seja α ∈ R. Se α ≥ 0, então

(−1∗ ) α = − (|−1∗ | |α|) = − (1∗ α) = −α.

Se α < 0, então,
(−1∗ ) α = (|−1∗ | |α|) = (1∗ (−α)) = −α.
Assim, para todo α ∈ R, −α = (−1∗ ) α.

Teorema 4.4.6 Dados α, β ∈ R,

(−α) β = α (−β) = − (αβ) e (−α) (−β) = αβ.

Demonstração: Segue imediatamente da Observação 4.4.3 e da comutatividade e asso-


ciatividade da multiplicação. 

Teorema 4.4.7 Seja α ∈ R∗+ . Então



β = {p ∈ Q; p ≤ 0} ∪ p ∈ Q; p−1 ∈ / α e p−1 não é cota superior mı́nima de α ∈ R.
Capı́tulo 4. O Conjunto R dos Números Reais 83

Demonstração: Note que 0∗ ⊂ β e, portanto, β 6= ∅. Como α > 0∗ , existe p ∈ α


tal que p > 0. Vejamos que p−1 ∈ / β. Suponha, por absurdo, que p−1 ∈ β. Neste caso,
−1
p = p−1 ∈
/ α, o que, obviamente, é uma contradição. Logo, β 6= Q. Sejam, agora, p
e q números racionais tais que p ∈ β e q < p. Se q ≤ 0 então, claramente, q ∈ β. Se
q > 0, como p < q, temos que p−1 < q−1 e, como p−1 ∈ / α, q−1 ∈
/ α e, além disso, q−1 não
é cota superior mı́nima de α, ou seja, q ∈ β. Finalmente, mostraremos que, dado p ∈ β,
existe q ∈ β tal que p < q. Sem perda de generalidade, suponhamos p > 0. Neste caso,
p−1 é uma cota superior de α que não é mı́nima e, sendo assim, existe uma cota superior
r + p−1
r de α tal que r < p−1 . Seja r = . Assim, 0 < r < s < p−1 e, consequentemente,
2
p > s−1 > r−1 . Fazendo-se q = s−1 o resultado segue. 
Definição 4.4.4 Seja α ∈ R tal que α 6= 0∗ . Se α > 0∗ , o corte β do teorema acima é
1
denominado de inverso de α e denotado por α−1 ou . Se α < 0∗ , então α−1 = − |α|−1 .
α
α
É costume escrever para representar o produto αβ−1
β
OBSERVAÇÃO 4.4.4 Note que se α é um corte positivo então α−1 também o é. Com
efeito, seja q uma cota superior de α. Então q > 0 e q + 1 é uma cota superior que não
é mı́nima. Fazendo-se p = (q + 1)−1 , temos que p > 0 e p ∈ α−1 , o que nos dá α−1 > 0∗ .
Teorema 4.4.8 (Elemento Inverso) Para todo α ∈ R∗ existe um único β ∈ R tal que
α · β = β · α = 1∗ .
Demonstração: Suponhamos, primeiramente, α > 0∗ e tomemos β = α−1 . Seja t ∈
αα−1 . Se t ≤ 0, então t < 1 e, consequentemente, t ∈ 1∗ . Se t > 0, existem racionais
positivos r e s, pertencentes a α e α−1 , respectivamente, tais que t = rs. Como s ∈ α−1 ,
existe p ∈ R tal que p é uma cota superior de α menor do que s−1 . Assim, s < p−1
e, consequentemente, ps < 1. Por outro lado, como p é cota superior de α, temos que
r < p o que nos dá rs < ps. Da transitividade de “<”, rs < 1 e rs ∈ 1∗ . Daqui,
αα−1 ⊂ 1∗ . Reciprocamente, seja p ∈ 1∗ . Se p < 1, então p ∈ 0∗ ⊂ αα−1 . Se p = 0,
como α > 0∗ , temos que 0 ∈ α. Assim, se r é um racional não-negativo em α−1 , temos
que p = 0 · r ∈ αα−1 . Por fim, seja p ∈ 1∗ tal
 que 0 < p < 1. Fixado r > 0 em α, seja n0
−1 n0 −1
o maior inteiro não-negativo tal que r p ∈ α. Note que tal n0 existe pois, p > 1
−1 n

e se fosse r p ∈ α, para todo n ∈ N, então α seria ilimitado superiormente, o que
n
nos daria α = Q, contradizendo o fato de α ser um corte. Sejam s = r p−1 0 ∈ α e
n +1
t = r p−1 0 ∈ / α. Uma vez que α não possui elemento máximo, podemos exibir q ∈ α
tal que s < q. Seja u = st−1 q−1 . Assim, u−1 = s−1 tq. Observe que
s < q ⇒ s−1 s < s−1 q ⇒ 1 < s−1 q ⇒ t < s−1 tq ⇒ t < u−1 .
Como t ∈/ α, u−1 ∈
/ α e u−1 não é cota superior mı́nima de α. Logo, u ∈ α−1 . Temos
ainda que
u = st−1 q−1 ⇒ uq = st−1
 h i−1
−1 n0 −1 n0 +1
⇒ uq = r p
 
r p
n −n −1
⇒ uq = r p−1
 0
r−1 p−1 0
⇒ uq = p
84 4.4. Multiplicação em R

e p ∈ αα−1 . Logo, 1∗ ⊂ αα−1 e a igualdade entre os conjuntos é estabelecida. Se


α < 0∗ , basta notar que, neste caso, α−1 < 0∗ e αα−1 = |α| |α|−1 e proceder como fizemos
anteriormente. Vejamos a unicidade. Se µ é um corte tal que

αµ = µα = 1∗ ,

então
µ = µ · 1∗ = µ αα−1 = (µα) α−1 = 1∗ · α−1 = α−1 .


Teorema 4.4.9 Sejam β, γ ∈ R tais que β < γ. Então −γ < −β.

Demonstração: Como β < γ, segue-se que β é parte própria de γ e, sendo assim, existe
1
x ∈ γ tal que x ∈ / β. Seja n0 o menor número natural tal que −u = x + ∈ γ. Da
n0
definição de corte simétrico temos que u ∈ −β, mas u ∈
/ −γ. Logo, −γ < −β. 

Teorema 4.4.10 Sejam α, β, γ ∈ R, α > 0. Se β < γ, então αβ < βγ.

Demonstração: Temos três possı́veis casos:

(i) 0∗ < β < γ: Neste caso, segue da definição de produto que αβ e αγ são ambos
positivos. Seja x ∈ αβ. Se x ≤ 0, é óbvio que x ∈ αγ. Se x > 0, existem racionais
positivos u ∈ α e v ∈ β tais que x = uv. Como β ⊂ γ, v ∈ γ e, consequentemente,
x = uv ∈ αγ, ou seja, αβ ⊂ αγ. Como β é subconjunto próprio de γ, existe p ∈ γ
1
tal que p é cota superior β. Seja n0 o menor número natural tal que p + ∈ γ.
  n0
1
Suponha que, para todo u > 0 em α, u 1 + ∈ α. Fixado u nestas condições,
 npn0
1
temos que, para todo n ∈ N, u 1 + . Da fórmula do Binômio de Newton
pn0
temos que  n  n
1 1 1 1
1+ =1+n + ··· + >n
pn0 pn0 pn0 pn0
 n
1 u
e, consequentemente u 1 + > n , ou seja, α é ilimitado superior-
pn0 pn0
mente
 o que,  obviamente, é uma contradição. Logo, existe u0 ∈ α tal que s =
1
u 1+ ∈/ α. Assim, como s > u para todo u ∈ α e p > v para todo v ∈ β,
pn0
temos que sp ∈ / αβ. No entanto,
   
1 1
sp = u 1 + p=u p+ ∈ αγ,
pn0 n0

o que prova que αβ é subconjunto próprio de αγ, isto é, αβ < αγ.

(ii) β < 0∗ < γ: Da definição de produto de cortes, αβ < 0 e αγ > 0, o que torna
evidente a desigualdade desejada.
Capı́tulo 4. O Conjunto R dos Números Reais 85

(iii) β < γ < 0∗ : Dos Teoremas 4.4.9 e 4.4.6 vem que 0∗ < −γ < −β e, de (i),

0∗ < α (−γ) = − (αγ) < α (−β) = − (αβ) .

Utilizando-se mais uma vez o Teorema 4.4.9, o resultado segue.

Corolário 4.4.3 Sejam α, β, γ ∈ R. Se α < 0 e β < γ, então αγ < αβ.

Demonstração: Com efeito, se α < 0, então −α > 0 e, consequentemente, do Teorema


4.4.10,
− (αβ) = (−α) β < (−α) γ = − (αγ) .
O Teorema 4.4.9, garante o resultado. 

Corolário 4.4.4 Sejam α, β, µ e η números reais positivos. Se α < β e µ < η, então

αµ < βη.

Demonstração: Do Teorema 4.4.10, temos que αµ < βµ e que βµ < βη. Da transiti-
vidade da relação “<” segue o resultado. 

Corolário 4.4.5 Para todo α ∈ R, α2 = αα é não-negativo (ou seja, α2 = α2 ).

Demonstração: Se α ≥ 0 o resultado é imediato (já que o produto de dois cortes não-


negativos é sempre um corte não-negativo). Se α < 0, o resultado segue do Corolário
4.4.3. 

Antes de passarmos ao próximo resultado, observemos o seguinte: se α > 0∗ , β, γ ≥ 0∗


e t ∈ αβ + αγ, então existem r ∈ α, r ≥ 0, p ∈ β e q ∈ γ tais que

t = rp + rq.

De fato, devem existir u ∈ αβ e v ∈ αγ tais que t = u + v. Assim,

• u > 0 e v > 0: Neste caso, existem r1 , r2 ∈ α, p1 ∈ β e q1 ∈ γ, com r1 , r2 , p1 , q1 > 0,


tais que u = r1 p1 e v = r2 q1 . Fazendo-se r = max {r1 , r2 }, temos que
r  r 
1 2
u=r p1 e v=r q1 .
r r
r1 r2
Escrevendo-se p = p1 e q = q1 , temos que p ≤ p1 , q ≤ q2 e, consequentemente,
r r
p ∈ β, q ∈ γ e t = rp + rq.

• u > 0 e v = 0: Sabemos que, aqui, existem r ∈ α e p ∈ β, r, p > 0 tais que u = rp.


Fazendo-se q = 0 ∈ γ, temos v = rq e, consequentemente, t = rp + rq.

• u = 0 e v > 0: Análogo ao anterior.


86 4.4. Multiplicação em R

• u = 0 e v = 0: Existem, neste caso, r1 , r2 ∈ α, p ∈ β e q ∈ γ, com r1 , r2 , p, q ≥ 0,


tais que r1 p1 = 0 e r2 q1 = 0. Fazendo-se r1 = r2 = 0, o resultado segue.

• u > 0 e v < 0: Neste caso, existem r ∈ α e p ∈ β, com r, p > 0, tais que u = rp.
v
Fazendo-se q = < 0, temos que q ∈ γ e v = rq. Daı́ t = rp + rq
r
• u < 0 e v > 0: Análogo ao anterior

• u < 0 e v = 0: Aqui, temos que 0 ∈ α ∩ γ e como α > 0∗ , existe um racional


u
positivo r tal que r ∈ α. Fazendo-se p = < 0 e q = 0, temos que p ∈ β, q ∈ γ e
r
t = rp + rq.

• u = 0 e v < 0: Análogo ao anterior.

• u < 0 e v < 0: Uma vez que α > 0, existe um racional positivo r tal que r ∈ α e,
u v
fazendo-se p = e q = , temos que p ∈ β, q ∈ γ e t = rp + rq.
r r
Note ainda que quando rp (rq) é não-negativo, p (q) é não-negativo também.

Teorema 4.4.11 (Distributividade da Multiplicação Relativamente a Adição)


Se α, β, γ ∈ R, então
α (β + γ) = αβ + αγ.

Demonstração:

• Caso I — α = 0∗ : Neste caso o resultado é imediato.

• Caso II — α > 0∗ , β, γ ≥ 0: Mostremos inicialmente que α (β + γ) ⊂ αβ + αγ.


Com efeito, se x ∈ α (β + γ), então x ∈ 0∗ ou x = rs ∈ Q, tal que, r ∈ α, s ∈ β + γ
x x x
e r, s ≥ 0. Se x ∈ 0∗ , então ∈ 0∗ e, como 0∗ ⊂ αβ ∩ αγ, x = + ∈ αβ + αγ.
2 2 2
Se x ∈/ 0∗ , então existem r ∈ α, p ∈ β e q ∈ γ tais que r, p, q ≥ 0 e

x = r (p + q)
= rp + rq ∈ αβ + αγ.

Reciprocamente, dado t ∈ αβ + αγ, vimos que existem r ∈ α, r ≥ 0, p ∈ β e q ∈ γ


tais que rp ∈ αβ, rq ∈ αγ e
t = rp + rq.
Temos, assim, quatro possibilidades:

(i) rp < 0 e rq < 0: Neste caso, t = rp + rq < 0 e, claramente, t ∈ α (β + γ).


(ii) rp < 0 e rq ≥ 0: Como rp < 0 e r ≥ 0, devemos ter r > 0 e p < 0. Note
que t = r (p + q). Se p + q < 0, então t < 0 e, portanto, t ∈ α (β + γ). Se
p + q ≥ 0, como p + q ∈ β + γ e r ≥ 0, da definição de produto de cortes,
t ∈ α (β + γ).
(iii) rp ≥ 0 e rq < 0: Análogo ao anterior.
Capı́tulo 4. O Conjunto R dos Números Reais 87

(iv) rp ≥ 0 e rq ≥ 0: Neste caso, r, p e q podem ser tomados de modo a serem


não-negativos e, sendo t = r (p + q), p + q ≥ 0, p + q ∈ β + γ, segue da
definição de produto de cortes que t ∈ α (β + γ).

Em todo caso, t ∈ α (β + γ) e αβ + αγ ⊂ α (β + γ). Da dupla inclusão segue a


igualdade desejada.
• caso III — α < 0∗ , β, γ ≥ 0: Temos que −α > 0 e, do Teorema 4.4.6,
αβ + (−α) β = 0∗ e αγ + (−α) γ = 0∗ .
Somando-se estas igualdades membro a membro e fazendo-se uso do caso estabele-
cido anteriormente, obtemos
0∗ = [αβ + (−α) β] + [αγ + (−α) γ]
= (αβ + αγ) + [(−α) β + (−α) γ]
= (αβ + αγ) + (−α) (β + γ) ,
ou seja,
αβ + αγ = − [(−α) (β + γ)] = [− (−α)] (β + γ) = α (β + γ) ,
sendo estas últimas igualdades também garantidas pelo Teorema 4.4.6.
• Caso IV: α > 0∗ , β ≥ 0 e γ < 0: Se β + γ > 0, temos que
α (β + γ) = α (β + γ) + α (−γ) − [α (−γ)]
= α [(β + γ) + (−γ)] − [− (αγ)]
= αβ + αγ.
Se β + γ < 0, então − (β + γ) > 0. Note que, de modo geral, dados os cortes µ e η,
0∗ = 0∗ + 0∗
= (µ − µ) + (η − η)
= (µ + η) + (−µ − η) ,
ou seja,
µ + η = − (−µ − η) e − (µ + η) = −µ − η. (4.1)
Daı́,
α (β + γ) = (−α) [− (β + γ)]
= (−α) (−β − γ)
= − [α (−β − γ)]
= − [α (−β) + α (−γ)]
= − [− (αβ) − (αγ)]
= αβ + αγ.

Os demais casos derivam destes por meio do uso do Teorema 4.4.6, comutatividade e
associatividade da multiplicação bem como do uso de (4.1). 
88 4.5. O corpo R dos números reais

4.5 O corpo R dos números reais


Algebricamente falando, um corpo é um conjunto não-vazio K munido de duas ope-
rações binárias +, · : K × K → K satisfazendo as seguintes propriedades:

1. As operações + e · são associativas, isto é, dados a, b, c ∈ K,

(a + b) + c = a + (b + c) e (a · b) · c = a · (b · c) ;

2. As operações + e · são comutativas, isto é, dados a, b ∈ K,

a+b=b+a e a · b = b · a;

3. Existem µ, η ∈ K tais que,

a+µ=a e a · η = a,

para todo a ∈ K;

4. Para todo a ∈ K, existe um único b ∈ K tal que

a + b = µ;

5. Para todo a ∈ K − {µ}, existe um único c ∈ K tal que

a·c=η

6. Dados a, b, c ∈ K,
a · (b + c) = (a · b) + (a · c) ;

7. Dados a, b ∈ K, a · b = µ se, e somente se, a = µ ou b = µ.

É costume denotar o corpo C por (K, +, ·).


De tudo o que vimos nas seções precedentes, observamos que (R, +, ·) e (Q, +, ·) são
corpos. As relações de ordem instituı́das em R e em Q fazem destes corpos ordenados.

Teorema 4.5.1 A aplicação ϕ : Q → R dada por ϕ (r) = r∗ possui as seguintes proprie-


dades:

(i) ϕ (p) + ϕ (q) = ϕ (p + q), isto é, p∗ + q∗ = (p + q)∗ ;

(ii) ϕ (p) ϕ (q) = ϕ (pq), ou seja, p∗ q∗ = (pq)∗ ;

(iii) ϕ (p) < ϕ (q) se, e somente se, p < q;

(iv) ϕ (p) = ϕ (q) se, e somente se, p = q.

Demonstração:
Capı́tulo 4. O Conjunto R dos Números Reais 89

(i) Seja x ∈ p∗ + q∗ . Existem racionais u e v pertencentes a p∗ e q∗ , respectivamente,


tais que x = u + v. Como u < p e v < q, somando-se as desigualdades membro a
membro, obtemos que x = u + v < p + q, ou seja, x ∈ (p + q)∗ e p∗ + q∗ ⊂ (p + q∗ ).
Reciprocamente, seja x ∈ (p + q)∗ . Então, x < p + q e, fazendo-se h = p + q − x,
h h h
temos que h > 0 e, consequentemente, > 0. Sejam r = p − e s = q − . Daqui,
2 2 2
r < p e s < q, ou seja, r ∈ p∗ e s ∈ q∗ . Além disso, x = r + s, isto é, x ∈ p∗ + q∗ , o
que prova a inclusão contrária.
(ii) Suponhamos, inicialmente, p, q > 0. Dado x ∈ (pq)∗ , ou x < 0 ou 0 ≤ x < pq. Se
x < 0, como o produto de cortes positivos é também um corte positivo, temos que
x ∈ p∗ q∗ . Se 0 ≤ x < pq, seja
  
1 1
X = n ∈ N; x < p − q−
n n
 2

= n ∈ N; (pq − x) n − (p + q) n + 1 > 0
 2 
4x + (p − q)2

p+q
= n ∈ N; n − − >0
2 (pq − x) 4 (pq − x)2
p+q
Note que X 6= ∅ pois, se n ≥ , então n ∈ X. Seja n0 um elemento de X tal
pq − x
que
1 1
p − ,q − > 0.
n0 n0
Então,   
1 1
x< p− q−
n0 n0
1 1
e, além disso, p − ∈ p∗ e q − ∈ q∗ o que nos garante que
n0 n0
  
1 1
p− q− ∈ p ∗ q∗ .
n0 n0
Da definição de corte segue que x ∈ p∗ q∗ e (pq)∗ ⊂ p∗ q∗ . Reciprocamente, seja
x ∈ p∗ q∗ . Então, ou x < 0, ou existem racionais não-negativos u e v pertencentes
a p∗ e q∗ , respectivamente, tais que x = uv. No primeiro caso, é evidente que
x ∈ (pq)∗ . No segundo caso, como 0 ≤ u < p e 0 ≤ v < q, multiplicando-se estas
desigualdades membro a membro, segue que x = uv < pq e x ∈ (pq)∗ . Assim,
(pq)∗ ⊂ p∗ q∗ . Os demais casos são análogos a este.
(iii) Se p < q, então p ∈ q∗ . Como p ∈ / p∗ , concluı́mos que p∗ < q∗ . Reciprocamente,
se p < q , existe r em Q tal que r ∈ q∗ e r ∈
∗ ∗
/ p∗ . Então r < q e r ≥ p (pois r é
cota superior de p∗ ). Destas duas desigualdades, obtemos p < q.
(iv) Se p = q, é obvio que p∗ = ϕ (p) = ϕ (q) = q∗ . Suponhamos, agora, p∗ = q∗ .
Como p ∈ / p∗ , temos que p ∈
/ q∗ e, consequentemente, p ≥ q. Analogamente, como
∗ ∗
q∈/ q , temos que q ∈ / p e, consequentemente p ≤ q. A tricotomia assegura então
que p = q.
90 4.5. O corpo R dos números reais

A aplicação ϕ descrita acima nos permite obter a cópia algébrica ϕ (Q) de Q em


R, sendo preservadas por meio desta injeção as leis aritméticas que regem a adição e a
multiplicação de números racionais bem como a ordem, permitindo-nos identificar o corte
racional r∗ com o número racional r. Lembre-se que comprovamos a existência em R de
cortes não-racionais, ou seja, que R − ϕ (Q) 6= ∅.

Teorema 4.5.2 Sejam α ∈ R e r ∈ Q. Então r ∈ α se, e somente se, r∗ < α.

Demonstração: Se r ∈ α, como r ∈ / r∗ , temos que r∗ < α. Se r∗ < α, então existe


/ r∗ . Logo, p é uma cota superior de r∗ e, consequentemente r ≤ p, o
p ∈ α tal que p ∈
que implica em r pertencer a α. 

Teorema 4.5.3 Sejam α, β ∈ R. Se α < β, existe um corte racional r∗ tal que


α < r∗ < β.

Demonstração: Como α < β, existe um racional s ∈ β tal que s ∈ / α. Neste caso, s é


uma cota superior de α e, portanto, x < s, para todo x ∈ α, ou seja, α ≤ s∗ . Como β não
possui elemento máximo, existe um racional r ∈ β tal que s < r. Assim, dos Teoremas
4.5.1 e 4.5.3,
α ≤ s∗ < r∗ < β
e o resultado está provado. 

De agora em diante, referir-nos-emos ao conjunto R por conjunto dos números


reais. Os cortes racionais serão identificados por meio da injeção ϕ com o conjunto
dos números racionais e, todo corte que não for racional será denominado de número
irracional. A identificação de ϕ (Q) com Q nos permitirá escrever Q ⊂ R. O conjunto
dos números irracionais será identificado por R − Q.
O próximo resultado evidencia uma propriedade concernente a R que o diferencia de
Q.

Teorema 4.5.4 (Teorema de Dedekind) Sejam A e B subconjuntos de R tais que:

(i) R = A ∪ B;
(ii) A ∩ B = ∅;
(iii) A 6= ∅ e B 6= ∅;
(iv) Se α ∈ A e β ∈ B, então α < β.

Nestas condições, existe um único número real γ tal que α ≤ γ ≤ β, para todo α ∈ A e
todo β ∈ B.

Demonstração: Mostremos, inicialmente, a existência de γ. Seja


γ = {r ∈ Q; r ∈ α, para algum α ∈ A} .
Vejamos que γ é um corte:
Capı́tulo 4. O Conjunto R dos Números Reais 91

• Como A é não-vazio, temos que o mesmo vale para γ. Por outro lado, se β ∈ B e
s ∈ Q é uma cota superior de β, então, para todo α ∈ A, α < β < s∗ e, consequente,
s∈/ α, qualquer que seja α ∈ A, ou seja, γ 6= Q.

• Sejam r, s ∈ Q tais que r ∈ γ e s < r. Assim, existe α ∈ A tal que r ∈ α e, como


s < r, temos que s ∈ α, de onde segue que s ∈ γ.

• Seja r ∈ γ. Então, existe α ∈ A tal que r ∈ α. Como α é um corte, existe s ∈ α tal


que r < s. Da definição de γ segue que s ∈ γ o que mostra que γ não possui cota
superior máxima.

Fica assim estabelecido que γ ∈ R e, além disso, que α ≤ γ, para todo α ∈ A. Resta-nos
mostrar que γ ≤ β, para todo β ∈ B. Suponha, por absurdo, que exista β ∈ B tal que
β < γ. Neste caso, por um lado, existe x ∈ γ tal que x ∈ / β e, por outro, existe α0 ∈ A
tal que x ∈ α0 . Daqui, β < α0 , contradizendo o item (iv) das hipóteses assumidas acerca
dos conjuntos A e B. Logo, γ ≤ β, para todo β ∈ B. Tratemos, agora, da unicidade.
Suponhamos que existam números reais distintos, γ1 < γ2 , tais que, dados α ∈ A e β ∈ B,

α ≤ γ1 < γ2 ≤ β.

Do Teorema 4.5.3 segue que existe um número real γ3 tal que γ1 < γ3 < γ2 . Se γ3
pertencesse a A, terı́amos γ3 ≤ γ1 , o que não é possı́vel pela tricotomia. Se γ3 pertencesse
B, terı́amos γ2 ≤ γ3 o que também não é possı́vel pela tricotomia. Logo, γ3 não pertence
nem a A e nem a B, o que é uma contradição visto que A ∪ B = R. 
As definições de cota superior, cota inferior, elemento máximo, elemento mı́nimo,
conjunto limitado superiormente, conjunto limitado inferiormente e conjunto limitado no
âmbito dos números reais são análogas àquelas dadas no contexto dos números racionais.

Corolário 4.5.1 Sejam A e B como no Teorema de Dedekind. Então, ou A possui ele-


mento máximo ou B possui elemento mı́nimo.

Demonstração: Seja γ como no teorema anterior. Então, pela hipótese (i), γ está
em A ou γ está em B, sendo que, pela hipótese (ii), essas alternativas são mutuamente
exclusivas. Se γ ∈ A, então ele é elemento máximo de A. Se γ ∈ B, então, ele é o
elemento mı́nimo de B. 

Exemplo 4.5.1 Sejam


 
A = 0∗ ∪ x ∈ Q; x ≥ 0 e x2 < 2 e B = x ∈ Q; x ≥ 0 e x2 > 2 .

Observamos, com o auxı́lio do Teorema 4.1.1 que A e B satisfazem as hipóteses do Teorema


x2 − 2
de Dedekind com Q no lugar de R. Seja x ∈ B. Fazendo-se h = , temos que h > 0
2x
2 2
e que x − 2xh = 2. Como, neste caso, h > 0, temos que

(x − h)2 = x2 − 2xh + h2 = 2 + h2 > 2,

ou seja, x − r ∈ B. Fica assim demonstrado que B não possui elemento mı́nimo. Sabemos,
do Corolário 4.1.1, que A é um corte e que, portanto, não possui cota superior máxima.
92 4.5. O corpo R dos números reais

Suponha, por absurdo, que exista um racional p tal que, dados u ∈ A e v ∈ B, tenhamos
u ≤ p ≤ v. Daqui, devemos ter p > 0. Sabemos, em virtude do Teorema 4.1.1, que
p2 6= 2. Logo, ou p2 < 2 ou p2 > 2. Se p2 < 2, então p ∈ A e, neste caso, existe r ∈ A
tal que p < r, o que é uma contradição. Se p2 > 2, então p ∈ B e, como este conjunto
não possui elemento mı́nimo, existe s ∈ B tal que s < p, outra contradição. Concluı́mos
assim que, em Q, o Teorema de Dedekind não vale.
Definição 4.5.1 Seja X ⊂ R não-vazio e limitado superiormente (inferiormente). Se
existe r ∈ R tal que
(i) r é cota superior (inferior) de X
e, além disso,
(ii) r ≤ s (s ≤ r) qualquer que seja a cota superior (inferior) s de X,
tal r será dito o supremo (ı́nfimo) do conjunto X e escreveremos r = sup X (r = inf X).
Teorema 4.5.5 (Teorema da Completude) Seja X ⊂ R não-vazio. Se X é limitado
superiormente então existe a ∈ R tal que a = sup X.
Demonstração: Sejam A = {α ∈ R; α < x para algum x ∈ X} e B = R\A, ou seja, A
é o conjunto de todos os números reais que não são cotas superiores de X e B o seu
complementar, ou seja, B é o conjunto de todas as cotas superiores de X. Vejamos que A
e B satisfazem as condições (i)-(iv) do Teorema de Dedekind. As condições (i) e (ii) são
trivialmente satisfeitas. Como X 6= 0, podemos escolher x ∈ X. Tomando-se α = x−1 < x,
temos que α ∈ A e A 6= ∅. Como, por hipótese, X é limitado superiormente, existe β ∈ R
tal que β é cota superior de X. Daqui, β ∈ B, B 6= ∅ e a condição (iii) é satisfeita. Para
verificar a condição (iv), sejam α ∈ A e β ∈ B. Existe, portanto, x ∈ X tal que α < x.
Como qualquer elemento de B é uma cota superior de X, temos que x ≤ β. Destas duas
desigualdades obtemos α < β. Segue, assim, do Teorema de Dedekind que existe um
número real γ tal que α < γ < β, quaisquer que sejam α ∈ A e β ∈ B. Do Corolário
4.5.1, ou A possui elemento máximo ou B possui elemento mı́nimo, não podendo ocorrer
as duas situações simultaneamente. Devemos mostrar que A não possui elemento máximo.
Com efeito, seja α um elemento arbitrário de A. Então existe x ∈ X tal que α < x. Do
Teorema 4.5.3, existe α0 ∈ R tal que α < α0 < x e, da definição de A, α0 ∈ A. Logo, A
não possui elemento máximo e, consequentemente, B possui elemento mı́nimo, isto é, X
possui supremo. 

O resultado acima mostra que, diferentemente de Q, R não possui lacunas. É este


resultado que nos permite comparar o conjunto R dos números reais a uma reta na qual
foram estabelecidos um ponto inicial (que associamos ao 0) uma unidade de comprimento
e um sentido de percurso que respeite a relação de ordem estabelecida em R de modo que,
feito isso, todo e qualquer ponto dessa reta associa um número real. É esta analogia que
nos permite chamar o conjunto R de reta real (ou simplesmente reta).
Note que, fazendo-se as devidas adaptações, um resultado análogo pode ser obtido em
termos de ı́nfimo no que diz respeito a conjuntos limitados inferiormente. Mais precisa-
mente, podemos afirmar que todo conjunto não-vazio de números reais limitado inferior-
mente possui ı́nfimo.
Capı́tulo 4. O Conjunto R dos Números Reais 93

Teorema 4.5.6 O conjunto N dos números naturais é ilimitado em R.


Demonstração: Suponha, por absurdo, que N seja limitado superiormente. Neste caso,
existe α ∈ R tal que α = sup N e, sendo assim, para todo n ∈ N, temos que n + 1 < α.
Daqui, para todo n ∈ N, n < α − 1, isto é, α − 1 é uma cota superior de N, contrariando
a minimalidade de α, visto que α − 1 < α. 
Corolário 4.5.2 O conjunto R dos números reais é Arquimediano, isto é, dados α, β ∈
R, a, β > 0, existe n ∈ N tal que nα > β.
Demonstração: Suponha, por absurdo, que R não seja Arquimediano. Existem, por-
tanto, números reais positivos α e β tais que, para todo n ∈ N, nα ≤ β. Daqui, para todo
β
n ∈ N, tem-se n ≤ , ou seja, N é limitado em R, o que, tendo-se em vista o teorema
α
anterior, sabemos ser uma contradição. 
OBSERVAÇÃO 4.5.1 Vimos acima que
N ilimitado em R ⇒ R Arquimediano.
Vejamos que a recı́proca é verdadeira: sabendo-se que R é Arquimediano seja β um número
real positivo. Fazendo-se α = 1, existe n ∈ N tal que n = nα > β, ou seja, nenhum
número real pode ser cota superior de N o que faz deste um conjunto ilimitado.
Definimos, agora, a potência inteira de base real.
Definição 4.5.2 Sejam a ∈ R e n ∈ N. Definimos a n-ésima potência de a, denotada
por an , por meio da recorrência
a1 = a, an+1 = aan .
Se a 6= 0, definimos n
a0 = 1 e a−n = a−1 .
Teorema 4.5.7 Sejam a, b ∈ R. Se m e n são inteiros positivos, então:
(i) (ab)n = an bn ;
(ii) am an = am+n ;
(iii) (am )n = amn .
Demonstração:
(i) Façamos indução em n. Observamos que o resultado é óbvio para n = 1. Seja n,
agora, um natural qualquer para o qual o resultado seja verdadeiro, isto é, seja n
um natural tal que (ab)n = an bn . Assim,
(ab)n+1 = (ab) (ab)n
= (ab) (an bn )
= (aan ) (bbn )
= an+1 bn+1 .
Do Axioma de Indução, o resultado é verdadeiro para todo n ∈ N.
94 4.5. O corpo R dos números reais

(ii) Seja X = {n ∈ N; am an = am+n , ∀ m ∈ N}. Dado m ∈ N, temos que

am a1 = aam = am+1 ,

ou seja, 1 ∈ X. Tomemos, agora, n em X. Temos, então, que

am an+1 = am (aan )
= a (am an )
= aam+n
= a(m+n)+1
= am+(n+1) ,

isto é, n + 1 ∈ X e, do Princı́pio de Indução, X = N.


(iii) Seja X = {n ∈ N; (am )n = amn , ∀ m ∈ N}. Dado m ∈ N, temos que

(am )1 = am = am·1 ,

ou seja, 1 ∈ X. Tomemos, agora, n em X. Temos, então, com auxı́lio do que


estabelecemos em (ii) acima que

(am )n+1 = (am ) (am )n


= am amn
= amn+m
= am(n+1) ,

ou seja, n + 1 ∈ X e, do Princı́pio de Indução, X = N.

Não é difı́cil observar que se α e β são ambos não-nulos então o resultado acima é
verdadeiro para todo m, n ∈ Z.

Lema 4.5.1 Sejam a e b dois números reais positivos.

(i) Se a < b, então, para todo n ∈ N, an < bn ;


(ii) Se 0 < a < 1, então, para todo n ∈ N, an ≤ a, valendo a desigualdade estrita se
n ≥ 2.

Demonstração: Ambos os fatos são consequências imediatas do Corolário 4.4.4. 

OBSERVAÇÃO 4.5.2 Note que vale a recı́proca de (i) no lema acima. Com efeito, sejam
a e b dois números reais positivos tais que an < bn . Se fosse a < b, o lema anterior nos
garantiria que an < bn , o que é uma contradição.

OBSERVAÇÃO 4.5.3 Se n ∈ N, n ≥ 2 e 0 < an < a, então 0 < a < 1. Com efeito, se


fosse a = 1, terı́amos an = a e, se fosse a > 1, pelo item (i) do lema anterior terı́amos
1 = 1n−1 < an−1 e, então, multiplicando-se ambos os membros desta última desigualdade
por a, obterı́amos a < an , em todo o caso, uma contradição.
Capı́tulo 4. O Conjunto R dos Números Reais 95

Teorema 4.5.8 (Binômio de Newton) Sejam α, β ∈ R, então, para todo n ∈ N,


n n P
        n
 
n n n n n−1 n n−1 n n−k k
(a + b) = a + a b + ··· + ab + b = a b .
0 1 n−1 n k=0 k

Demonstração: O resultado é trivialmente verificado para n = 1. Supondo sua validade


para um certo n ∈ N, mostremos que continua válida para n + 1. Temos que

(a + b)n+1 = (a + b) (a + b)n
        
n n n n−1 n n−1 n n
= (a + b) a + a b + ··· + ab + b
0 1 n−1 n
       
n n+1 n n n n
= a + a b + ··· + a2 bn−1 + abn
0 1 n−1 n
       
n n n n−1 2 n n n+1
+ a b+ a b + ··· + abn + b
0 1 n−1 n
     
n n+1 n n
= a + + an b
0 1 0
     
n n 2 n−1 n
+ ··· + + ab + abn .
n−1 n−1 n
Sabemos que        
n n+1 n n+1
= =1= =
0 0 n n+1
e, se 1 ≤ k ≤ n − 1,
   
n n n! n!
+ = +
k k−1 k! (n − k) ! (k − 1) ! [n − (k − 1)] !
n! n!
= +
k! (n − k) ! (k − 1) ! (n − k + 1) !
(n − k + 1) n! kn!
= +
k! (n − k + 1) (n − k) ! k (k − 1) ! (n − k + 1) !
(n − k + 1) n! kn!
= +
k! (n − k + 1) ! k! (n − k + 1) !
(n − k + 1 + k) n!
=
k! (n − k + 1) !
(n + 1) n!
=
k! [(n + 1) − k] !
 
(n + 1) ! n+1
= = .
k! [(n + 1) − k] ! k
Assim,
       
n+1 n+1 n n + 1 n−1 n+1 n−1 n+1 n
(a + b) = a + a b + ··· + ab + b
0 1 n n+1
e o resultado é verdadeiro para todo n ∈ N. 
96 4.5. O corpo R dos números reais

Lema 4.5.2 (Desigualdade de Bernoulli) Seja x ∈ R tal que x > −1. Então, para
todo n ∈ N,
(1 + x)n ≤ 1 + nx.

Demonstração: Façamos indução em n. A validade do resultado é óbvia para n = 1.


Mostremos agora que, admitindo-se sua validade para um certo n, o resultado continua
válido para n + 1. Assim,

(1 + x)n+1 = (1 + x) (1 + x)n
≥ (1 + x) (1 + nx)
= 1 + (n + 1) x + nx2
≥ 1 + (n + 1) x.

Logo, o resultado é verdadeiro para todo n ∈ N. 

Teorema 4.5.9 Sejam a um número real positivo e n ∈ N. Existe um único número real
positivo x tal que xn = a.

Demonstração: Seja X = {x ∈ R; x ≥ 0 e xn < a}. Note que X 6= ∅ pois 0 ∈ X. Como


N é ilimitado superiormente, existe p ∈ N, p > 1, tal que a < p. Assim, para todo x ∈ X,

xn < a < p < pn

e, consequentemente, x < p, para todo x ∈ X. Assim, X é limitado superiormente e,


portanto, possui supremo. Seja γ = sup X. Suponha que seja γ < α e seja r ∈ R tal que
a − γn
0<r<1 e r<
Pn
 
n n−k
γ
k=1 k

Então
Pn
 
n n−k
r γ < a − γn
k=1 k

o que nos dá


γn + nγn−1 r + · · · + nγr + r < a
Como 0 < r < 1, temos que, para todo k ∈ N, rk ≤ r e, consequentemente,

(γ + r)n = γn + nγn−1 r + · · · + nγrn−1 + rn


< γn + nγn−1 r + · · · + nγr + r < a,

ou seja, γ + r ∈ X, o que é um absurdo visto que, sendo γ = sup X, nenhum valor maior
do que γ pode pertencer a X. Suponha, agora, que seja γn > a e seja h um número real
tal que
γn − a
0<h<γ e h< .
nγn−1
Daqui,
γn − nhγn−1 > a
Capı́tulo 4. O Conjunto R dos Números Reais 97

o que nos dá  


n h
γ 1−n >a
γ
Da Desigualdade de Bernoulli, temos que
 n
h h
1− >1−n
γ γ

e, deste modo,  n  
n n h n h
(γ − h) = γ 1 − >γ 1−n > a,
γ γ
o que é uma contradição visto que, neste caso, γ − h seria uma cota superior de X menor
do que γ. Logo, γn = a. A unicidade de γ é evidente. 

Definição 4.5.3 Sejam a um número real positivo e n um número natural. O número


real x > 0 tal que xn = a é chamado de raiz n-ésima de a e é denotado por

n
1
a = an .
x=
√ √
Quando n = 2, escrevemos a em vez de 2 a.

Teorema 4.5.10 Seja a ∈ N. Se não existe x ∈ Z tal que xn = a, então n
a é irracional.

Demonstração: Por hipótese, x ∈ / Z. Logo, x ∈ Q ou x ∈ R − Q. Suponha x ∈ Q.


p
Neste caso, existem p, q ∈ Z+ , q 6= 0, tais que p e q são primos entre si e x = . Note
q
que q 6= 1 pois, caso contrário, x seria inteiro. Temos assim que
 n
n p pn
a=x = = n
q q

de onde obtemos que


pn = aqn .
Logo, qn divide pn e, consequentemente, (vide Exercı́cio 2.5) q divide p, o que é uma
contradição. 
m
Se n ∈ N, m ∈ Ze aé um número real não-negativo, escreveremos a n para repre-
1 m
sentar o número real a n

Teorema 4.5.11 Sejam a e b números reais positivos.


1 1 1
(i) Para todo n ∈ N, (ab) n = a n b n .

(ii) Para todo r, s ∈ Q, ar as = ar+s .

(iii) Para todo r, s ∈ Q, (ar )s = ars .

(iv) Para todo r ∈ Q, (ab)r = ar br .


98 4.5. O corpo R dos números reais

Demonstração: Demonstraremos os itens (i) e (ii) para que o leitor se familiarize com
a estratégia adotada e então utilize-a na demonstração dos itens (iii) e (iv).
1 1
(i) Sejam α = a n e β = b n . Assim,
ab = αn βn = (αβ)n
1 1 1
e, consequentemente, (ab) n = αβ = a n b n .
m1 m2
(ii) Sejam m1 , m2 , n1 , n2 números inteiros tais que n1 , n2 > 0, r = e s = .
n1 n2
1
Fazendo-se α = a n1 n2 , temos que
m1 m2 m1 n 2 m2 n1  1 m1 n2  1 m2 n1
ar as = a n1 a n2 = a n1 n2 a n1 n2 = a n1 n2 a n1 n2
 1 m1 n2 +m2 n1
= αm1 n2 αm2 n1 = αm1 n2 +m2 n1 = a n1 n2
m1 n2 +m2 n1 m1 m
+ n2
=a n1 n2
= a n1 2 = ar+s .


Definição 4.5.4 Sejam a, b ∈ R, com a < b. Chamamos de intervalo a qualquer um
dos subconjuntos de números reais listados abaixo:

(i) [a, b] = {x ∈ R; a ≤ x ≤ b}; (vi) (−∞, b) = {x ∈ R; x < b};

(ii) [a, b) = {x ∈ R; a ≤ x < b}; (vii) [a, +∞) = {x ∈ R; a ≤ x};

(iii) (a, b] = {x ∈ R; a < x ≤ b}; (viii) (a, +∞) = {x ∈ R; a < x};

(iv) (a, b) = {x ∈ R; a < x < b}; (ix) (−∞, +∞) = R.

(v) (−∞, b] = {x ∈ R; x ≤ b};


Observamos que os intervalos (i)-(iv) são subconjuntos limitados de R ao passo que os
intervalos (v)-(ix) não. Os intervalos (i), (v) e (vii) são ditos intervalos fechados. Os
intervalos (iv), (vi) e (viii) são chamados de intervalos abertos. O intervalo (ii) é dito
fechado à direita e aberto à esquerda ao passo que o intervalo (iii) é aberto à esquerda
e fechado à direita. O intervalo (ix) é chamado de intervalo total e pode ser considerado
tanto aberto quanto fechado (veremos o porquê disso no Capı́tulo 7).
Se a ∈ R é costume denotar o conjunto {a} por [a, a] e chamá-lo de intervalo dege-
nerado.
Retomando a definição de módulo ou valor absoluto de um número real, tendo-se em
vista a relação de ordem estabelecida em R, observamos que, dado x ∈ R, tem-se
|x| = max {−x, x}
e, portanto, |x| ≥ x e |x| ≥ −x. Esta última desigualdade pode ser reescrita sob a forma
− |x| ≤ x e, portanto, para todo x ∈ R,
− |x| ≤ x ≤ |x| .
Note ainda que, uma vez que x2 = xx = (−x) (−x) = (−x)2 e |x| = x ou |x| = −x, temos
que x2 = |x|2
Capı́tulo 4. O Conjunto R dos Números Reais 99

Teorema 4.5.12 Sejam x, a ∈ R. As seguintes afirmações são equivalentes:

(i) −a ≤ x ≤ a;

(ii) −x ≤ a e x ≤ a;

(iii) |x| ≤ a.

Demonstração: (i) ⇔ (ii): Temos que

−a ≤ x ≤ a ⇔ −a ≤ x e x ≤ a
⇔ −x ≤ a e x ≤ a.

(ii) ⇔ (iii): Note que

−x ≤ a e x ≤ a ⇔ a ≥ max {−x, x}
⇔ a ≥ |x| .

Corolário 4.5.3 Dados a, x, ε ∈ R, tem-se |x − a| < ε se, e somente se,

a − ε < x < a + ε.

Demonstração: Fazendo uso do teorema anterior e o fato de a relação “≤” ser compatı́vel
e cancelativa, temos que

|x − a| < ε ⇔ −ε ≤ x − a ≤ ε
⇔ a − ε ≤ x ≤ a + ε.

OBSERVAÇÃO 4.5.4 Temos, assim, que

x ∈ (a − ε, a + ε) ⇔ a − ε < x < a + ε ⇔ −ε < x − a < ε ⇔ |x − a| < ε.

Teorema 4.5.13 Sejam x, y e z números reais arbitrários. Então:

(i) |x + y| ≤ |x| + |y|;

(ii) |xy| = |x| |y|;

(iii) |x| − |y| ≤ ||x| − |y|| ≤ |x − y|;

(iv) |x − z| ≤ |x − y| + |y − z|.

Demonstração: Dados x, y, z ∈ R, temos que:


100 4.5. O corpo R dos números reais

(i) Sabemos que


− |x| ≤ x ≤ |x| e − |y| ≤ y ≤ |y| .
Somando-se estas desigualdades membro a membro vem que

− |x| − |y| ≤ x + y ≤ |x| + |y| ,

ou seja,
− (|x| + |y|) ≤ x + y ≤ |x| + |y| .
O Teorema 4.5.12 garante então que |x + y| ≤ |x| + |y|.

(ii) Uma vez que


|xy|2 = (xy)2 = x2 y2 = x2 |y|2 = (|x| |y|)2 ,

temos que |xy| = |x| |y|.

(iii) Temos que


|x| = |(x + y) − y|
De (i) segue que
|x| ≤ |x + y| + |−y| = |x + y| + |y| ,
donde
|x| − |y| ≤ |x + y| .
De modo análogo concluı́mos que

− (|x| − |y|) = |y| − |x| ≤ |x − y| ,

o que nos dá ||x| − |y|| ≤ |x − y|. A outra desigualdade é evidente.

(iv) Note que


|x − z| = |(x − y) + (y − z)|
e, portanto, de (i), vem que |x − z| ≤ |x − y| + |y − z|.

Utilizaremos, agora, a noção de intervalo limitado juntamente com a noção de valor


absoluto para caracterizarmos os subconjuntos limitados de R.

Teorema 4.5.14 Seja X um subconjunto não-vazio de números reais. São equivalentes


as seguintes afirmações:

(i) X é limitado.

(ii) Existem a, b ∈ R, a < b, tais que X ⊂ [a, b].

(iii) Existe K > 0 tal que |x| ≤ K, para todo x ∈ X.


Capı́tulo 4. O Conjunto R dos Números Reais 101

Demonstração: (i) ⇒ (ii): Se X é limitado, existem números reais a e b que são,


respectivamente, cotas inferior e superior de X. Assim, para todo x ∈ X, a ≤ x ≤ b, ou
seja, para todo x ∈ X, x ∈ [a, b], isto é, X ⊂ [a, b].
(ii) ⇒ (iii): Suponha que existam números reais a e b, com a < b, tais que X ⊂ [a, b],
Seja K = max {|a| , |b|}. Então, para todo x ∈ X,
−K ≤ a < x < b ≤ K,
ou seja, |x| ≤ K, para todo x ∈ X.
(iii) ⇒ (i): Suponha que exista K > 0 tal que |x| ≤ K, para todo x ∈ X. Neste caso,
−K ≤ x ≤ K, para todo x ∈ X. Logo, K e −K são, respectivamente, cotas superior e
inferior de X que é, portanto, limitado. 

4.6 Algumas propriedades do supremo e do ı́nfimo


Nesta seção estabelecemos alguns fatos importantes no tratamento de questões envol-
vendo os conceitos de supremo e ı́nfimo de conjuntos. Começamos observando que segue
diretamente dessas definições que, se A ⊂ B então inf A ≥ inf B e sup A ≤ sup B.
Exemplo 4.6.1 Sejam a, b ∈ R, com a < b. Se X = (a, b), então inf X = a e sup X = b.
Com efeito, da definição de (a, b), temos claramente que a e b são, respectivamente, cota
a + a0
inferior e cota superior de X. Se a < a0 < b, fazendo-se x = , temos que
2
a < x < a0 < b,
ou seja, x ∈ X e x < a0 e, sendo assim, a0 não pode ser cota inferior de X. Se a0 ≥ b,
então é mais óbvio ainda que a0 não é cota inferior de X. Logo, nenhum número real
maior do que a é cota inferior de X e, portanto, a = inf X. De modo análogo verifica-se
que b = sup X. De modo geral, se X é um intervalo limitado inferiormente, então seu
extremo inferior coincide com o seu ı́nfimo e, se X é um intervalo limitado superiormente,
seu extremo superior coincide com o seu ı́nfimo.
 √ 
Exemplo 4.6.2 Considere os conjuntos A = N, B = [0, 1], C = −1, 2 , D = (−∞, π].
O conjunto A é limitado inferiormente, pois −5 é uma cota inferior de A, mas não é
limitado superiormente.
√ Os conjuntos B e C são ambos limitados. Note que sup B = 1,
inf B = 0 e sup C = 2 e inf C = −1. O conjunto D é limitado superiormente, pois 4 é
uma cota superior de D, mas é ilimitado inferiormente. Além disso, sup D = π.
O exemplo acima ilustra o fato de que o ı́nfimo ou o supremo de um conjunto não
devem ser, necessariamente, elementos do mesmo.
Definição 4.6.1 Seja X ⊂ R um conjunto não-vazio limitado superiormente. Se b =
sup X ∈ X diremos que b é o elemento máximo de X e escreveremos
b = max X.
Se X é limitado inferiormente e a = inf X ∈ X, então diremos que a é o elemento mı́nimo
de X e escreveremos
a = min X.
102 4.6. Algumas propriedades do supremo e do ı́nfimo

Definição 4.6.2 Dizemos que uma função f : X → R é limitada se o conjunto

f (X) = {f (x) ; x ∈ X}

é um conjunto limitado. Neste caso, utilizaremos as notações sup f e inf f para denotar,
respectivamente, o supremo e o ı́nfimo de f (X).

Lema 4.6.1 Sejam A, B ⊂ R conjuntos limitados e não-vazios. Se, para todo x ∈ A


existe y ∈ B tal que x ≤ y, então sup A ≤ sup B. Do mesmo modo, se, para todo x ∈ A
existe y ∈ B tal que y ≤ x, então inf A ≥ inf B.

Demonstração: Suponha que, para todo x ∈ A exista y ∈ B tal que x ≤ y. Então


x ≤ y ≤ sup B, para todo x ∈ A e, consequentemente, sup B é uma cota superior de A.
Logo, sup A ≤ sup B. De modo análogo, verificamos que se para todo x ∈ A existe y ∈ B
tal que y ≤ x, então inf A ≥ inf B. 

Lema 4.6.2 Sejam A, B ⊂ R conjuntos não-vazios e limitados tais que, para todo x ∈ A
e todo y ∈ B tem-se x ≤ y. Então sup A ≤ inf B. Além disso, sup A = inf B se, e somente
se, dado ε > 0, existem x ∈ A e y ∈ B tais que y − x < ε.

Demonstração: Todo y ∈ B é uma cota superior de A. Logo, sup A ≤ y, para todo


y ∈ B. Assim, concluı́mos que sup A é uma cota inferior de B e, portanto, sup A ≤ inf B.
ε
Suponha que, sup A = inf B, então, dado ε > 0 temos que sup A − não é cota superior
2
ε
de A e inf B + não é cota inferior de B. Logo, existem x ∈ A e y ∈ B tais que
2
ε ε
sup A − < x ≤ sup A = inf B ≤ y < inf B + de onde segue que x − y < ε.
2 2
Reciprocamente, se sup A < inf B, então tomando ε = inf B − sup A > 0 temos que
y − x > ε quaisquer que sejam x ∈ A e y ∈ B. 

Definição 4.6.3 Sejam A, B ⊂ R não-vazios e c ∈ R. Então

A + B = {x + y; x ∈ A e y ∈ B} e cA = {cx; x ∈ A} .

Lema 4.6.3 Sejam A, B ⊂ R conjuntos não-vazios e limitados e seja c ∈ R. Então

(i) sup (A + B) = sup A + sup B e inf (A + B) = inf A + inf B;

(ii) sup cA = c sup A e inf cA = c inf A, se c ≥ 0;

(iii) sup cA = c inf A e inf A = c sup A, se c < 0.

Demonstração: Se a = sup A e b = sup B, então x ≤ a, para todo x ∈ A e y ≤ b, para


todo y ∈ B. Logo x + y ≤ a + b. Portanto, a + b é uma cota superior de A + B. Por
ε ε
outro lado, dado ε > 0, existem x ∈ A e y ∈ B tais que a − < e b − < y. Somando
2 2
estas desigualdades membro a membro, temos que, dado ε > 0 existem x ∈ A e y ∈ B
tais que a + b − ε < x − y, o que nos permite concluir que a + b é a menor das cotas
superiores e, portanto, que

sup (A + B) = sup A + sup B.


Capı́tulo 4. O Conjunto R dos Números Reais 103

A verificação de que
inf (A + B) = inf A + inf B
é feita de modo análogo. Consideremos agora o conjunto cA, c ∈ R. Se for c = 0,
teremos, obviamente,

inf cA = c inf A = 0 = sup cA = c sup A.

Suponha que seja c > 0. Uma vez que x ≤ a, para todo x ∈ A, temos, multiplicando
ambos os membros desta desigualdade por c que cx ≤ ca, para todo x ∈ A e, portanto,
ca é uma cota superior de cA. Se ca 6= sup cA, então existe d ∈ R tal que

cx ≤ d < ca,

para todo x ∈ A. Dividindo todos os membros da desigualdade acima por c, temos que
d
x≤ <a
c
d
para todo x ∈ A e, consequentemente, é uma cota superior de A menor do que a,
c
contrariando a minimalidade de a. Logo, é ca = sup cA. Os demais casos são tratados
de modo análogo e são deixados à cargo do leitor. 

Corolário 4.6.1 Sejam f, g : X → R funções limitadas. Para todo c ∈ R são limitadas as


funções f+g, cf : X → R. Além disso, sup (f + g) ≤ sup f+sup g, inf (f + g) ≥ inf f+inf g,
sup cf = c sup f e inf cf = c inf f, quando c ≥ 0 e, quando c < 0, tem-se sup cf = c inf f e
inf cf = c sup f.

Demonstração: Com efeito, considere os conjuntos A = f (X), B = g (X) e C =


(f + g) (X) = {f (x) + g (x) ; x ∈ X}. Evidentemente, C ⊂ A + B e, por conseguinte,

sup (f + g) = sup C ≤ sup (A + B) = sup A + sup B = sup f + sup g.

Além disso, (cf) (X) = {(cf) (x) ; x ∈ X} = {cf (x) ; x ∈ X} = cf (X) = cA e o resultado
segue diretamente do Lema 4.6.3. 

OBSERVAÇÃO 4.6.1 Pode-se ter sup (f + g) < sup f + sup g e inf (f + g) > inf f + inf g.
Basta tomar f, g : [−1, 1] → R tais que

−1, se x < 0 2, se x < 0
f (x) = e g (x) = .
1, se x ≥ 0 0, se x ≥ 0
Note que
sup f = max f = 1, sup g = max g = 2
e
inf f = min f = −1, inf g = min g = 0
e, portanto, sup f + sup g = 3 e inf f + inf g = −1 . Além disso, para todo x ∈ [−1, 1],
temos que f (x) + g (x) = 1. Logo, valem as desigualdades estritas

1 = sup (f + g) < sup f + sup g = 3 e 1 = inf (f + g) > inf f + inf g = −1.


104 4.7. A não-enumerabilidade de R

Lema 4.6.4 Dada f : X → R limitada, sejam m = inf f, M = sup f e ω = M−m. Então


ω = sup {|f (x) − f (y)| ; x, y ∈ X}.
Demonstração: Dados x, y ∈ X arbitrários, sem perda de generalidade, podemos supor
que f (x) ≥ f (y). Logo, m ≤ f (y) ≤ f (x) ≤ M e, consequentemente,
|f (x) − f (y)| ≤ M − n = ω.
Isto nos permite concluir que ω é uma cota superior de {|f (x) − f (y)| ; x, y ∈ X}. Por
ε ε
outro lado, dado ε > 0 existem x, y ∈ X tais que f (y) < m + e f (x) > M − , isto é,
2 2
dado ε > 0 existem x, y ∈ X tais que
|f (x) − f (y)| ≥ f (x) − f (y) > M − n − ε = ω − ε
e, portanto, ω é a menor das cotas superiores do conjunto {|f (x) − f (y)| ; x, y ∈ X}, o que
conclui a demonstração. 
Lema 4.6.5 Sejam A0 ⊂ A e B0 ⊂ B conjuntos limitados de números reais. Se para todo
a ∈ A, existe a0 ∈ A0 tal que a ≤ a0 e, para todo b ∈ B existe b0 ∈ B0 tal que b ≥ b0 ,
então sup A0 = sup A e inf B0 = inf B.
Demonstração: Evidentemente, sup A é uma cota superior de A0 . Por outro lado, se
c < sup A, então existe a ∈ A tal que c < a e, deste modo, existe a0 ∈ A0 tal que
c < a ≤ a0 , o que nos permite concluir que sup A é a menor das cotas superiores de A0 e,
portanto, sup A = sup A0 . A verificação de que inf B = inf B0 é análoga. 

4.7 A não-enumerabilidade de R
Nesta seção, estabeleceremos a não-enumerabilidade do conjunto dos números reais.
Para isso, estabeleceremos, primeiramente as ferramentas necessárias para este feito.
Teorema 4.7.1 (Teorema dos Intervalos Encaixados) Seja {In }n∈N uma famı́lia de

T
intervalos fechados e limitados tal que, para todo n ∈ N, In+1 ⊂ In . Então In 6= ∅.
n=1

Demonstração: Seja In = [an , bn ]. Como, por hipótese, In+1 ⊂ In para todo n ∈ N,


temos que an ≤ an+1 ≤ bn+1 ≤ bn , qualquer que seja n = 1, 2, . . . e, de modo geral, dados
m, n ∈ N, an ≤ bm . Sejam A = {an ; n ∈ N} e B = {bn ; n ∈ N}. Neste caso, A e B são
ambos conjuntos limitados e, sendo assim, escrevendo a = sup A e b = inf B temos que o
Lema 4.6.2 garante que a ≤ b. Assim, para todo n ∈ N, temos que an ≤ a ≤ b ≤ bn e,

T ∞
T
consequentemente, [a, b] ⊂ In . Por outro lado, se x ∈ In 6= ∅, então an ≤ x ≤ bn ,
n=1 n=1
para todo n ∈ N, ou seja, x é, simultaneamente, cota superior de A e cota inferior de B, o

T ∞
T
que nos dá a ≤ x ≤ b, isto é, x ∈ [a, b] e In ⊂ [a, b]. Logo, In = [a, b] e o resultado
n=1 n=1
segue. 
Lema 4.7.1 Sejam x ∈ R e [a, b] um intervalo fechado não-degenerado. Então existe
um intevalo fechado não-degenerado [c, d] ⊂ [a, b] tal que x ∈
/ [c, d].
Demonstração: Se x ∈ / [a, b], basta fazer [c, d] = [a, b]. Se x ∈ [a, b], dividindo este
intervalo em duas partes iguais, temos dois possı́veis casos:
Capı́tulo 4. O Conjunto R dos Números Reais 105

a+b a+b
(i) a ≤ x ≤ , (ii) < x ≤ b.
2 2
 
b−a
No caso (i), basta fazer [c, d] = b− , b e, no caso (ii), basta fazer [c, d] =
  3
b−a
a, a + . 
3

Teorema 4.7.2 Sejam a, b ∈ R, com a < b. O intervalo [a, b] é não-enumerável.

Demonstração: Suponha por absurdo que [a, b] seja enumerável e seja {x1 , x2 , . . .} uma
enumeração sua. Do Lema 4.7.1, existe um intervalo não-degenerado I1 = [a1 , b1 ] ⊂ [a, b]
tal que x1 ∈/ I1 . Mais uma vez do Lema 4.7.1, podemos inferir que existe um intervalo
não-degenerado I2 = [a2 , b2 ] ⊂ I1 tal que x2 ∈
/ I2 . Supondo obtidos os intervalos não-
degenerados I1 , . . . , In tais que

[a, b] ⊃ I1 ⊃ I2 ⊃ · · · ⊃ In e xk ∈
/ Ik , para todo k = 1, . . . , n,

temos que o Lema 4.7.1 garante a existência de um intervalo não-degenerdo In+1 =


/ In+1 . Fica definida indutivamente a famı́lia {In }n∈N
[an+1 , bn+1 ] ⊂ In tal que xn+1 ∈
de intervalos fechados não-degenerados tais que In+1 ⊂ In ⊂ [a, b], para todo n ∈ N. Do

T
Teorema dos Intervalo Encaixados segue que existe um número real x tal que x ∈ In ⊂
n=1
[a, b]. Note que deve ser x 6= xn , para todo n ∈ N. Com efeito, se existisse n0 ∈ N tal que
x = xn0 , então, pela construção dos intervalos In , deverı́amos ter x ∈
/ In0 , contrariando o
T∞
fato de x pertencer a In . Assim, x é um elemento de [a, b] que não consta na lista de
n=1
todos os seus elementos o que, obviamente, é uma contradição. 

Corolário 4.7.1 O conjunto R dos números reais é não-enumerável.

Demonstração: Se R fosse enumerável, qualquer subconjunto seu seria enumerável, fato


que não ocorre tendo-se em vista o resultado anterior. 

Corolário 4.7.2 Qualquer intervalo não-degenerado da reta é não-enumerável.

Demonstração: Basta observar que todo intervalo não-degenerado contém um intervalo


fechado não-degenerado. 

Corolário 4.7.3 O conjunto dos números irracionais R − Q é não-enumerável.

Demonstração: De fato, se R − Q fosse enumerável, como Q é enumerável, R seria


enumerável por se tratar da reunião de dois conjuntos enumeráveis, o que não ocorre. 
106 Exercı́cios

Exercı́cios
1. Sejam x, x1 , . . . , xn , y, y1 , . . . , yn ∈ R, y, y1 , . . . , yn 6= 0. Mostre que se
x x1 xn
= = ··· = ,
y y1 yn
então, para qualquer escolha arbitrária de a1 , . . . , an ∈ R tal que a1 y1 +· · ·+an yn 6=
0, tem-se
a1 x 1 + · · · + an x n x
= .
a1 y1 + · · · + an yn y
2. Mostre que, dados a1 , . . . , an ∈ R, tem-se a21 + · · · + a2n = 0 se, e somente se,
a1 = · · · = an = 0.
3. Prove que, dados a, b ∈ R, tem-se
a + b + |a − b| a + b − |a − b|
max {a, b} = e min {a, b} =
2 2
4. Mostre que, num corpo ordenado K:

a) Se x ≥ 0, então, para todo n ∈ N,


1
(1 + x)n ≥ 1 + nx + n (n − 1) x2 .
2
b) Se 0 ≤ x ≤ 1, então, para todo n ∈ N,
1
(1 − x)n ≤ 1 − nx + n (n − 1) x2 .
2
5. (Desigualdade de Bernoulli Generalizada) Mostre que, num corpo ordenado
K:

a) Dado n ∈ N, se ai ≥ 0, para todo i = 1, 2, . . . , n, então


(1 + a1 ) · (1 + a2 ) · · · · · (1 + an ) ≥ 1 + (a1 + a2 + · · · + an ) .

b) Dado n ∈ N, se 0 ≤ ai ≤ 1, para todo i = 1, 2, . . . , n, então


(1 − a1 ) · (1 − a2 ) · · · · · (1 − an ) ≥ 1 − (a1 + a2 + · · · + an ) .

6. Mostre que dados x ≥ 0 e n ∈ N, n ≥ 2, tem-se


1 1
(1 + x)n ≥ 1 + nx + n2 x2 > n2 x2 .
4 4
7. Mostre que, para todo n ∈ N, n ≥ 2,
 n
1 1
1− 2 >1− .
n n
Conclua daı́ que
 n−1  n
1 1
1+ < 1+ .
n−1 n
Capı́tulo 4. O Conjunto R dos Números Reais 107

8. Sejam a, b ∈ R, com a < b. Mostre que existem x ∈ Q e y ∈ R − Q tais que


a < x, y < b.

9. Mostre que, dados a, b ∈ R,

a2 − ab + b2 ≥ 0.

10. Julgue as afirmações abaixo verdadeiras ou falsas, justificando sua resposta:

a) Se x é racional e y é irracional então x + y é irracional.


b) Se x e y são ambos irracionais então x + y também o é.
c) Se x é irracional e y é um racional não-nulo então xy é irracional.

11. Mostre que [a, b] = {a (1 − t) + tb; t ∈ [0, 1]}. Enuncie e demonstre resultados
análogos para os intervalos [a, b), (a, b] e (a, b).

12. Sejam K e L corpos. Dizemos que uma função f : K → L é um homomorfismo


quando, para todo x, y ∈ K,

f (x + y) = f (x) + f (y) e f (x · y) = f (x) · f (y) .

a) Mostre que se f : K → L é um homeomorfismo, então f (0K ) = 0L , onde 0K e 0L


são, respectivamente, os elementos neutros de K e L com relação à operação
+.
b) Mostre também que, ou f (x) = 0L , para todo x ∈ K ou f (1K ) = 1L , onde 1K e
1L são, respectivamente, os elementos neutros de K e L com relação à operação
·.
c) Conclua que, se K = L = Q ou K = L = R, então ou f (x) = 0, para todo x,
ou f (x) = x, para todo x.
a1 an
13. Sejam a1 , . . . , an , b1 , . . . , bn ∈ R, com b1 , . . . , bn > 0 e ≤ ··· ≤ . Mostre que
b1 bn
a1 a1 + · · · + an an
≤ ≤ .
b1 b1 + · · · + bn bn

14. Prove por indução que, dados x1 , x2 , . . . , xn ∈ R, tem-se

|x1 + x2 + · · · + xn | ≤ |x1 |+|x2 |+· · ·+|xn | e |x1 · x2 · · · · · xn | = |x1 |·|x2 |·· · ··|xn | .

15. Prove que as seguintes afirmações são equivalentes:

(i) R é Arquimediano.
(ii) Z é ilimitado superior e inferiormente.
(iii) Q é ilimitado superior e inferiormente.

16. Sejam a, b ∈ R. Mostre que se |a − b| < ε, para todo ε > 0, então a = b.


108 Exercı́cios

17. Sejam a > 1 e f : Z → R definida por f (n) = an .

a) Mostre que f (Z) é ilimitado superiormente.


b) Mostre que inf f = 0.
√ √
18. Sejam a, b, c, d ∈ Q. Prove que a + b 2 = c + d 2 se, e somente se, a = c e b = d.


19. Mostre que K = a + b 2; a, b ∈ Q é um corpo relativamente às operações de
adição e multiplicação herdadas de R.
20. Seja f (x) = a0 + a1 x + · · · + an xn um polinômio com coeficientes inteiros.
 
p p
a) Se um número racional , p e q primos entre si, é tal que f = 0, prove
q q
que p divide a0 e q divide an .
b) Conclua que, quando an = 1, as raı́zes reais de f são inteiras ou irracionais.
√ √
c) Conclua que se a ∈ N e n a ∈ / Z, então n a ∈ R − Q.
√ √
d) Use o resultado geral para provar que 2 + 3 2 é irracional.

21. Um número real a é denominado algébrico quando existe um polinômio f (x) =


a0 + a1 x + · · · + an xn , não identicamente nulo, com coeficientes inteiros, tal que
f (r) = 0.

a) Prove que o conjunto dos polinômios com coeficientes inteiros é enumerável.


b) Utilize o fato de que cada polinômio de grau n tem, no máximo, n raı́zes para
concluir que o conjunto dos números algébricos é enumerável.
c) Mostre que todo intervalo aberto (a, b) da reta contém algum número algébri-
co.
d) Um número que não é algébrico é dito transcendente. Prove que o conjunto
dos números trancendentes é não-enumerável.

22. Seja E um conjunto enumerável de números reais. Se X = R − E, mostre que


(a, b) ∩ X 6= ∅, qualquer que seja o intervalo aberto (a, b).
23. (Desigualdade Entre as Médias) Mostre que se x1 , x2 , . . . , xn são números reais
positivos, então
n √ x1 + x2 + · · · + xn
≤ n x1 x2 · · · xn ≤ .
1 1 1 n
+ + ··· +
x1 x2 xn
x
24. Verifique que f : R → (−1, 1) definida por f (x) = √ é bijetora.
1 + x2
25. Se a, b, c ≥ 0 e a < b + c, então
a b c
< + .
1+a 1+b 1+c
Capı́tulo 4. O Conjunto R dos Números Reais 109

∞ 
T xi
26. Mostre que, 0, = ∅, para todo x > 0.
n=1 n
27. Dê exemplos de:

a) Um conjunto de números racionais cujo supremo seja um irracional.


b) Um conjunto de números irracionais cujo supremo seja um racional.

28. Sejam A e B conjuntos de números reais positivos. Façamos

A · B = {xy; x ∈ A e y ∈ B} .

Prove que se A e B forem limitados então A · B também o é, sendo

sup (A · B) = sup A · sup B e inf (A · B) = inf A · inf B.

29. Sejam f, g : X → R funções limitadas e defina fg : X → R fazendo (f · g) (x) =


f (x) · g (x).

a) Mostre que f · g é limitada.


b) Mostre que (f · g) (X) ⊂ f (X) · g (X).
c) Conclua que se f (x) , g (x) > 0 para todo x ∈ X, então

sup (f · g) ≤ sup f · sup g e inf (f · g) ≤ inf f · inf g.

30. Sejam a, b ∈ Q tais que 0 < a < b. Então ab = ba se, e somente se, existe um
natural n tal que
 n  n+1
1 1
a= 1+ e b= 1+ .
n n
Capı́tulo 5

Sequências de Números Reais

5.1 A definição de sequência


Definição 5.1.1 Uma sequência ou sucessão de números reais é uma função f : N →
R, definida sobre o conjunto N = {1, 2, 3, . . .} dos números naturais que toma valores no
conjunto R dos números reais.

Para todo n ∈ N, escreveremos xn em vez de f (n) para representar a imagem de n pela


função f. O termo xn será chamado de termo de ordem n ou n-ésimo termo da sequência.
Escreveremos (x1 , x2 , . . . , xn , . . .), (xn )n∈N , (xn )∞
n=1 ou, simplesmente, (xn ) para indicar a
sequência f.

OBSERVAÇÃO 5.1.1 Não devemos confundir a sequência (xn )∞


n=1 com o conjunto

{xn ; n ∈ N} = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .}

de seus termos. A sequência (xn )∞ n=1 não precisa ser necessariamente injetiva, isto é,
podem existir m, n ∈ N, com m 6= n, tais que xm = xn . Em particular, apesar da
notação, o conjunto {x1 , x2 , . . . , xn , . . .} pode ser finito. Seja a ∈ R. Fazendo xn = a, para
todo n ∈ N, obtemos uma sequência constante cujo conjunto dos termos é {a}.

Definição 5.1.2 Diremos que uma sequência (xn )∞n=1 é limitada superiormente se
existe b ∈ R tal que xn ≤ b, para todo n ∈ N. Do contrário, diremos que (xn )∞ n=1
é ilimitada superiormente. Do mesmo modo, diremos que uma sequência (xn )∞ n=1 é
limitada inferiormente se existir a ∈ R tal que a ≤ xn , para todo n ∈ N e, caso
contrário, diremos que é ilimitada inferiormente. Diremos ainda que uma sequência
é limitada se for limitada superior e inferiormente ao mesmo tempo e diremos que é
ilimitada se não for limitada.

Note que, em outras palavras, dizer que uma sequência (xn )∞ n=1 é limitada superior-
mente equivale a dizer que o conjunto {x1 , . . . , xn , . . .} de seus termos está contido em
uma semirreta da forma (−∞, b], dizer que é limitada inferiormente equivale a dizer que
{x1 , . . . , xn , . . .} está contido em uma semirreta da forma [a, +∞) e dizer que é limitada
equivale a dizer que existe um intervalo fechado [a, b] tal que {x1 , . . . , xn , . . .} ⊂ [a, b].

110
Capı́tulo 5. Sequências de Números Reais 111

Lema 5.1.1 Uma sequência (xn )∞n=1 de números reais é limitada se, e somente se, existe
um número real M ≥ 0 tal que |xn | ≤ M, para todo n ∈ N.

Demonstração: Suponha que exista M ≥ 0 tal que |xn | ≤ M, para todo n ∈ N.


Então, −M < xn < M, para todo n ∈ N, ou seja, xn ∈ [−M, M], para todo n ∈ N.
Reciprocamente, suponha que (xn )∞n=1 seja limitada, isto é, que exista um intervalo fechado
[a, b] tal que xn ∈ [a, b], para todo n ∈ N. Fazendo M = max {|a| , |b|} temos que
[a, b] ⊂ [−M, M] e, consequentemente, |xn | ≤ M, para todo n ∈ N. 

Exemplo 5.1.1 Considere as sequências (xn )∞ ∞ ∞


n=1 , (yn )n=1 e (zn )n=1 definidas, respectiva-
mente, por

1 n, se n é ı́mpar,
xn = , yn = 2n e zn =
n −n, se n é par.
Então:

1
• a sequência (xn )∞
n=1 é limitada, pois 0 ≤ ≤ 1, para todo n ∈ N;
n

• a sequência (yn )∞
n=1 é limitada inferiormente, já que 2 ≤ 2n, para todo n ∈ N, mas
é ilimitada superiormente;

• a sequência (zn )∞
n=1 é ilimitada superior e inferiormente.

Exemplo 5.1.2 Considere a sequência (xn )∞


n=1 definida por

1 1 1
xn = 1 + + + ··· + .
1! 2! n!
Note que, para n ≥ 2, temos

1 1 1 1
= ≤ = n−1 .
n! 1 · 2 · ··· · n 1 · 2 · ··· · 2 2
Deste modo, para todo n ∈ N,

1 1 1
xn = 1 + + + ··· +
1! 2! n!
1 1 1
= 2 + + + ··· +
2! 3! n!
1 1 1
≤ 2 + + 2 + · · · + n−1
2 2 2
1
= 3 − n ≤ 3,
2

ou seja, (xn )∞
n=1 é uma sequência limitada.
112 5.1. A definição de sequência

 n
1
Exemplo 5.1.3 Considere a sequência cujo termo geral é dado por yn = 1 + .
n
Temos, do binômio de Newton e do exemplo anterior, que
 n      
1 n 1 n 1 n 1
yn = 1 + =1+ + 2
+ ··· +
n 1 n 2 n n nn
n 1 n (n − 1) 1 n (n − 1) · · · 2 · 1 1
=1+ + 2
+ ··· +
1! n  2!  n    n!  nn
1 1 1 1 2
=1+1+ 1− + 1− 1−
2! n 3! n n
   
1 1 n−1
+ ··· + 1− ··· 1 −
n! n n
1 1 1
≤ 2 + + + ··· + ≤ 3,
2! 3! n!
para todo n ∈ N. Logo, (yn )∞
n=1 é uma sequência limitada.

Definição 5.1.3 Seja (xn )∞ ∞


n=1 uma sequência de números reais. Diremos que (xn )n=1 é:

(i) monótona crescente se


xn < xn+1 ,
para todo n ∈ N;

(ii) monótona não-decrescente se

xn ≤ xn++1 ,

para todo n ∈ N;

(iii) monótona decrescente se


xn > xn+1 ,
para todo n ∈ N;

(iv) monótona não-crescente se


xn ≥ xn+1 ,
para todo n ∈ N.

As sequências dos tipos (i)-(iv) descritas acima são chamadas de sequências mo-
nótonas. Observe que toda sequência monótona crescente é também monótona não-
decrescente e toda sequência monótona decrescente é também não-crescente, mas a recı́-
proca não é verdadeira. Segue também da definição acima que se uma sequência é, ao
mesmo tempo, monótona não decrescente e não-crescente, então ela é constante.

Exemplo 5.1.4 A sequência (xn )∞


n=1 definida no Exemplo 5.1.2 é claramente monótona
crescente, pois
1 1 1 1 1
xn+1 = 1 + + + ··· + + = xn + > xn .
1! 2! n! (n + 1) ! (n + 1) !
Capı́tulo 5. Sequências de Números Reais 113

Exemplo 5.1.5 A sequência (yn )∞ n=1 definida no Exemplo 5.1.3 é monótona crescente.
Com efeito, note que, para todo n ∈ N, tem-se que

i i
0<n<n+1⇒0< < , ∀i ∈ N
n+1 n
i i
⇒− <− , ∀i ∈ N
n n+1
i i
⇒1− <1− , ∀i ∈ N
    n n+1  
1 i 1 i
⇒ 1− ··· 1 − < 1− ··· 1 − , ∀ i ∈ N, i ≤ n
n n n+1 n+1

e, portanto,
    
1 1 1 1 2
yn = 2 + 1− + 1− 1−
2! n 3! n n
   
1 1 n−1
+ ··· + 1− ··· 1 −
n! n n
    
1 1 1 1 2
<2+ 1− + 1− 1−
2! n+1 3! n+1 n
   
1 1 n−1
+ ··· + 1− ··· 1 −
n! n+1 n+1
    
1 1 1 1 2
<2+ 1− + 1− 1−
2! n+1 3! n+1 n
   
1 1 n
+ ··· + 1− ··· 1 −
(n + 1) ! n+1 n+1
= yn+1 .

Definição 5.1.4 Uma subsequência de uma sequência (xn )∞ n=1 é qualquer restrição
desta sequência a um subconjunto infinito de N. Se N0 = {n1 < n2 < · · · < nk < · · · }
é um subconjunto infinito de N, então a subsequência obtida pela restrição de (xn )∞ n=1
a N0 será denotada por (xn1 , xn2 , . . . , xnk , . . .) ou (xn )n∈N0 ou (xnk )k∈N ou (xnk )∞
k=1 ou,
simplesmente, por (xnk ).

OBSERVAÇÃO 5.1.2 A rigor, uma subsequência e uma sequência são entes distintos. No
entanto, as notações (xn )∞ ∞
n=1 e (xnk )k=1 (ou (xn )n∈N e (xnk )k∈N ) evidenciam que as pro-
priedades obtidas para sequências são naturalmente estendidas às subsequências.

Teorema 5.1.1 Toda sequência monótona que possui uma subsequência limitada é tam-
bém limitada.

Demonstração: Seja (xnk )∞ ∞


k=1 uma subsequência limitada da sequência (xn )n=1 que, sem
perda de generalidade, suporemos monótona não-decrescente. Neste caso, existe A > 0
tal que
−A ≤ xnk ≤ A, para todo k ∈ N.
114 5.2. Limite de sequências

Seja n ≥ n1 . Como o conjunto {n1 < · · · < nk < · · · } é ilimitado superiormente, existe
k ∈ N tal que nk ≥ n. Deste modo,

−A ≤ xn1 ≤ xn ≤ xnk ≤ A

e, consequentemente, |xn | ≤ A, para todo n ≥ n1 . Assim, fazendo

M = max {|x1 | , . . . , |xn1 −1 | , A} ,

temos que |xn | ≤ M para todo n ∈ N e (xn )∞


n=1 é limitada. 

5.2 Limite de sequências


Definição 5.2.1 Diremos que a sequência numérica (xn )∞ n=1 converge para o número

real x ou que x é o limite da sequência (xn )n=1 quando, dado ε > 0, existir n0 ∈ N (que
depende apenas de ε) tal que

|xn − x| < ε (ou, equivalentemente, xn ∈ (x − ε, x + ε) )

sempre que n ≥ n0 . Neste caso, escrevemos

lim xn = x, lim xn = x, lim xn = x ou xn → x.


n→∞ n∈N

Diremos que (xn )∞


n=1 é convergente quando possui limite e que é divergente, caso
contrário.

OBSERVAÇÃO 5.2.1 De modo equivalente, dizer que lim xn = x é dizer que se (a, b) é
um intervalo aberto que contém x então existe n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 ,
xn ∈ (a, b). Com efeito, suponha que lim xn = x e seja (a, b) um intervalo que contém
x. Fazendo ε = min {x − a, b − x}, segue que existe n0 ∈ N tal que xn ∈ (x − ε, x + ε)
sempre que n ≥ n0 . Como (x − ε, x + ε) ⊂ (a, b), tem-se xn ∈ (a, b) sempre que n ≥ n0 .
A recı́proca é óbvia.

OBSERVAÇÃO 5.2.2 A Definição 5.2.1 acima, em outras palavras, afirma que se lim xn =
x e x ∈ (a, b), então (a, b) contém uma infinidade de termos da sequência ao passo que
o seu complementar, o conjunto R − (a, b), deve conter apenas uma quantidade finita de
seus termos.

OBSERVAÇÃO 5.2.3 Segue da Definição 5.2.1 que o limite de uma sequência convergente
não se altera se a ela acrescentamos ou se dela retiramos uma quantidade finita de termos.

Muito do que faremos no decorrer do texto é consequência imediata do lema a seguir.

Lema 5.2.1 Sejam x, y dois números reais satisfazendo a seguinte propriedade:

|x − y| < ε, qualquer que seja ε > 0.

Nestas condições, x = y.
Capı́tulo 5. Sequências de Números Reais 115

Demonstração: Suponha, por absurdo, que x 6= y. Então |x − y| > 0 e, fazendo


ε = |x − y|, teremos |x − y| < ε o que é uma contradição. 

Teorema 5.2.1 (Unicidade do Limite) O limite de uma sequência, quando existe, é


único.

Demonstração: Sejam x e y limites da sequência (xn )∞n=1 . Então, dado ε > 0, existem
n1 , n2 ∈ N tais que
ε
|xn − x| < ,
2
sempre que n ≥ n1 e
ε
|xn − y| < ,
2
sempre que n ≥ n2 . Fazendo n0 = max {n1 , n2 }, temos, para n ≥ n0 , que
ε ε
|x − y| = |x − xn + xn − y| ≤ |xn − x| + |xn − y| < + = ε.
2 2
Da arbitrariedade de ε, segue que x = y e o resultado segue. 

Definição 5.2.2 Seja (xnk )∞ ∞ ∞


k=1 uma subsequência de (xn )n=1 . Diremos que (xnk )k=1 con-

verge para o número real x ou que x é o limite da subsequência (xnk )k=1 quando, dado
ε > 0, existir k0 ∈ N (que depende apenas de ε) tal que

|xnk − x| < ε (ou, equivalentemente, xnk ∈ (x − ε, x + ε) )

sempre que k ≥ k0 . Neste caso, escrevemos

lim xnk = x, lim xnk = x, lim xn = x ou xnk → x.


k→∞ n∈N0

Aqui N0 = {n1 < n2 < · · · < nk < · · · }.

Definição 5.2.3 Diremos que x ∈ R é um valor de aderência da sequência (xn )∞


n=1 se

x é limite de alguma subsequência de (xn )n=1 .

Teorema 5.2.2 Se (xn )∞ ∞


n=1 é uma sequência convergente e (xnk )k=1 é uma subsequência
de (xn )∞ ∞
n=1 , então (xnk )k=1 é convergente e

lim xnk = lim xn .

Demonstração: Sejam x = lim xn e (xnk )∞ ∞


k=1 uma subsequência de (xn )n=1 . Dado ε > 0,
existe n0 ∈ N tal que
|xn − x| < ε,
sempre que n ≥ n0 . Escrevendo N0 = {n1 < n2 < · · · < nk < · · · }, sendo N0 ilimitado
superiormente, segue que existe k0 ∈ N tal que nk0 ≥ n0 e, neste caso,

k ≥ k0 ⇒ nk ≥ nk0 ≥ n0

e, consequentemente,
|xnk − x| < ε,
116 5.2. Limite de sequências

sempre que k ≥ k0 , ou seja, xnk → x. 

O teorema acima nos afirma que toda sequência convergente possui um único valor de
aderência que é, na realidade, o seu limite. Veremos adiante que a recı́proca é verdadeira
desde que a sequência em questão seja limitada. O Teorema nos diz ainda que se uma
sequência tem mais de um valor de aderência ela não pode ser convergente.

Exemplo 5.2.1 A sequência (xn )∞ n


n=1 definida por xn = (−1) é divergente. Com efeito,
as subsequências (x2n−1 )∞ ∞
n=1 e (x2n )n=1 convergem para −1 e 1, respectivamente, e, sendo

assim, (xn )n=1 possui mais de um valor de aderência não podendo, portanto, ser conver-
gente.

Teorema 5.2.3 Toda sequência convergente é limitada.

Demonstração: Seja (xn )∞ n=1 uma sequência convergente e seja x o seu limite. Para
ε = 1, existe n0 ∈ N tal que
|xn − x| < 1,
sempre que n ≥ n0 . Da desigualdade triangular temos que

|xn | − |x| ≤ |xn − x|

e, portanto, sempre que n ≥ n0 , temos que

|xn | − |x| < 1,

ou seja,
|xn | < 1 + |x| ,
sempre que n ≥ n0 . Fazendo M = max {|x1 | , . . . , |xn0 −1 | , 1 + |x|}, o segue o resultado. 

OBSERVAÇÃO 5.2.4 Obviamente, a recı́proca do teorema acima não é verdadeira. De


fato, a sequência (0, 1, 0, 1, 0, 1, . . .) é, claramente, limitada e divergente.

Teorema 5.2.4 Toda sequência monótona limitada é convergente.

Demonstração: Sem perda de generalidade, suponhamos que (xn )∞


n=1 seja monótona
não-decrescente, limitada e seja

x = sup {x1 , x2 , . . . , xn , . . .} .

Afirmamos que (xn )∞ n=1 converge para x. Com efeito, dado ε > 0, o número x − ε não
é cota superior do conjunto dos termos da sequência e, portanto, existe n0 ∈ N tal que
x − ε < xn0 . Logo, para todo n ≥ n0 , temos que

x − ε < xn0 ≤ xn ≤ x < x + ε,

ou seja,
|xn − x| < ε
sempre que n ≥ n0 . Logo, xn → x. 
Capı́tulo 5. Sequências de Números Reais 117

Corolário 5.2.1 Se (xn )∞ n=1 é uma sequência monótona que possui uma subsequência

convergente, então (xn )n=1 é convergente.

Demonstração: Se (xnk )∞ ∞
k=1 é uma subsequência convergente de (xn )n=1 , em particular,
(xnk )∞ ∞
k=1 é também uma subsequência limitada de (xn )n=1 . Assim, do Teorema 5.1.1
segue que (xn )∞ ∞
n=1 é limitada e, consequentemente, do Teorema 5.2.4, segue que (xn )n=1 é
convergente. 
 n
1 1 1
Exemplo 5.2.2 Vimos que as sequências xn = 1 + + · · · + e yn = 1 + são
1! n! n
monótonas limitadas e, portanto, do Teorema 5.2.3 segue que ambas as sequências são
convergentes. Veremos mais adiante que estas duas sequências convergem para o mesmo
valor e que é a base do logaritmo natural.

Exemplo 5.2.3 Seja (xn )∞
n=1 a sequência definida por xn =
n
n. Observe que a desi-
gualdade √ √
n n+1
n> n+1 (5.1)
é equivalente à desigualdade
nn+1 > (n + 1)n (5.2)
(basta elevar ambos os membros de (5.1) a n (n + 1)), sendo esta última equivalente a
 n
1
n> 1+ .
n

O Exemplo 5.1.3√garante√que a desigualdade (5.1) é verdadeira para todo n ≥ 3. Note


ainda que, 1 ≤ n n ≤ 3 3, para todo n ∈ N. Sendo assim, (xn )∞ n=1 é uma sequência
limitada que é monótona decrescente à partir do terceiro termo. Portanto, do Teorema
5.2.4 e da Observação 5.2.3 concluı́mos que (xn )∞
n=1 é uma sequência convergente.

Teorema 5.2.5 Se lim xn = x > 0 e c ∈ R é tal que 0 < c < x, então existe n0 ∈ N tal
que, sempre que n ≥ n0 , tem-se xn > c.
x−c
Demonstração: Tomando ε = , uma vez que (xn )∞
n=1 converge para x, temos que
2
existe n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 ,

|xn − x| < ε,

ou seja,
x+c 3x − c
x−ε= < xn < = x + ε.
2 2
x+c
Como c < temos que xn > c, sempre que n ≥ n0 . 
2
Obviamente, vale um resultado análogo se lim xn = x < 0 e c ∈ R é tal que a < c < 0.

Corolário 5.2.2 (Conservação ou Permanência do Sinal) Se lim xn = a e a 6= 0,


então existe n0 ∈ N tal que xn e a possuem o mesmo sinal sempre que n ≥ n0 .
118 5.3. Propriedades operatórias

5.3 Propriedades operatórias


Teorema 5.3.1 Se (xn )∞ ∞
n=1 converge para 0 e (yn )n=1 é limitada então lim xn yn = 0.

Demonstração: Sendo (yn )∞


n=1 uma sequência limitada, existe M > 0 tal que |yn | ≤ M,
para todo n ∈ N. Uma vez que (xn )∞
n=1 converge para 0, temos que, dado ε > 0, existe
n0 ∈ N tal que,
ε
|xn | <
M
sempre que n ≥ n0 . Deste modo,
ε
|xn yn | = |xn | |yn | ≤ M |xn | < M = ε,
M
sempre que n ≥ n0 , ou seja, xn yn → 0. 

Teorema 5.3.2 Se lim xn = x e lim yn = y, então:

(i) lim |xn | = |x|;

(ii) lim (xn + yn ) = x + y;

(iii) lim xn yn = xy;


xn x
(iv) lim = , desde que y 6= 0.
yn y

Demonstração: (i): Uma vez que xn → x temos que, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que,
sempre que n ≥ n0 ,
|xn − x| < ε. (5.3)
Da desigualdade triangular, temos que

||xn | − |x|| ≤ |xn − x| , (5.4)

para todo n ∈ N. De (5.3) e (5.4) segue que

||xn | − |a|| < ε,

sempre que n ≥ n0 , ou seja, lim |xn | = |x|.


(ii): Uma vez que xn → x e yn → y temos que, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que,
sempre que n ≥ n0 ,
ε ε
|xn − x| < e |yn − y| < .
2 2
Deste modo, para n ≥ n0 ,

|(xn + yn ) − (x + y)| = |(xn − x) + (yn − y)|


≤ |xn − x| + |yn − y|
ε ε
< + = ε.
2 2
Capı́tulo 5. Sequências de Números Reais 119

Logo, lim (xn + yn ) = x + y.


(iii): Note que o caso em que x = 0 ou y = 0 já foi tratado no teorema anterior
(lembre que uma sequência convergente é sempre limitada). Podemos então nos deter ao
caso em que x e y são ambos não nulos. Observe agora que

|xn yn − xy| = |xn yn − xn y + xn y − xy|


≤ |xn | |yn − y| + (5.5)
|y| |xn − x| , (5.6)

para todo n ∈ N. Uma vez que a sequência (xn )∞ n=1 é convergente, segue do Teorema 5.2.3

que (xn )n=1 é limitada, isto é, existe M > 0 tal que |xn | ≤ M, para todo n ∈ N. Do fato
de xn → x e yn → y, temos que, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 ,
ε ε
|xn − x| < e |yn − y| < .
2 |y| 2M

Deste modo, segue de (5.5) que, sempre que n ≥ n0 ,

|xn yn − xy| ≤ M |yn − y| + |y| |xn − x|


ε ε
<M + |y| = (M + |y|) ε
2M 2 |y|

e o resultado segue.
(iv): Note que
|xn y − yn x| |xn y − xy + xy − yn x|

xn x
yn − y = |yn | |y| =

|yn | |y|
|y| |xn − x| + |x| |yn − y|
≤ . (5.7)
|yn | |y|

Do item (i) acima e do Teorema 5.2.5 segue que, tomando c ∈ R de modo que 0 < c < |y|,
existe um ı́ndice n1 tal que, sempre que n ≥ n1 , tem-se |yn | > c. Da convergência das
sequências (xn )∞ ∞
n=1 e (yn )n=1 para x e y, respectivamente, vem que, dado ε > 0, existe
n2 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n2 ,

|xn − x| < ε e |yn − y| < ε.

Deste modo, tomando n0 = max {n1 , n2 }, segue de (5.7) que

x |y| |xn − x| + |x| |yn − y|



xn
yn − y ≤

c |y|
|y| ε + |x| ε |y| + |x|
< = ε
c |y| c |y|

e o resultado segue. 

OBSERVAÇÃO 5.3.1 Pode acontecer de (|xn |)∞ ∞


n=1 ser convergente sem que (xn )n=1 o seja.

De fato, a sequência (xn )n=1 definida por xn = (−1) é divergente, mas lim |xn | = 1.
n
120 5.3. Propriedades operatórias

OBSERVAÇÃO 5.3.2 Segue diretamente da definição de limite de uma sequência que

lim xn = x ⇔ lim |xn − x| = 0.

OBSERVAÇÃO 5.3.3 Das propriedades operatórias segue que o Teorema 5.2.5 e o Co-
rolário 5.2.2 são resultados equivalentes. Basta mostrar que o Corolário 5.2.2 implica no
Teorema 5.2.5. Se xn → x > 0 e a < c < x, fazendo yn = c temos que xn −yn → x−c > 0
e, portanto, existe n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 , xn − yn = xn − c > 0 e isto prova
nossa afirmação. Em decorrência dessa equivalência, nos referiremos a ambos os resul-
tados aqui destacados, sem distinção, de agora em diante, por Teorema da Conservação
(ou Permanência) do Sinal.

OBSERVAÇÃO 5.3.4 Dos itens (iii) e (iv) do teorema acima segue que, se xn → x e
k ∈ Z, então (xn )k → xk .
√ √
k
Teorema 5.3.3 Se lim xn = x > 0, então lim k
xn = x.

Demonstração: Sabemos que, dados a, b ∈ R e k ∈ N, k ≥ 2, temos que

bk − ak = (b − a) bk−1 + bk−2 a + · · · + bak−2 + ak−1




P
k−1
= (b − a) bi ak−i−1
i=0

Fazendo b = (xn )1/k e a = x1/k na identidade acima obtemos que


h 1 1 Ph
i k−1 1 i
i  1 k−i−1 h 1 1 P
i k−1 i k−i−1
xn − x = (xn ) k − x k (xn ) k xk = (xn ) k − x k (xn ) k · x k .
i=0 i=0

Seja 0 < c < x. Do Teorema da Conservação do Sinal segue que existe n0 ∈ N tal que,
para todo n ≥ n0 , tem-se xn > c. Deste modo, para n ≥ n0 , temos que
h 1 1 P
i k−1 i k−i−1
h 1 1
iP
k i k−i−1
xn − x = (xn ) − x
k k (xn ) · x
k k ≥ (xn ) − x
k k c k · x k ≥ 0.
i=0 i=0

P
k−1 i k−i−1
Fazendo K = ck · x k , temos que
i=0

1 1 xn − x
0 ≤ (xn ) k − x k ≤ , ∀ n > n0 .
K
Uma vez que
xn − x 1
lim
= lim (xn − x) = 0,
K K
h 1 1
i √ √
segue do Teorema do Confronto que lim (xn ) k − x k = 0, isto é, lim k xn = k x. 

Corolário 5.3.1 Se (xn )∞


n=1 é uma sequência de números reais positivos que converge
para um número positivo x, então lim (xn )r = xr para todo racional r.
Capı́tulo 5. Sequências de Números Reais 121

j
Demonstração: Se r ∈ Q, existem inteiros j e k, com k 6= 0, tais que r = . Se j = 0,
k
então, obviamente, lim (xn )r = xr . Se j 6= 0, então
1 j
j
h i
lim (xn )r = lim (xn ) k = lim (xn ) k
 1 j j
= x k = x k = xr .

Teorema 5.3.4 Se lim xn = x, lim yn = y e xn ≤ yn para todo n suficientemente grande,


então x ≤ y.

Demonstração: Com efeito, se fosse x > y então, uma vez que xn − yn → x − y > 0,
segue do Teorema da Conservação do Sinal que existe n0 ∈ N tal que xn − yn > 0, sempre
que n ≥ n0 , contrariando o fato de ser xn ≤ yn , para n suficientemente grande. 

Teorema 5.3.5 (Teorema do Confronto) Sejam (xn )∞ ∞ ∞


n=1 , (yn )n=1 e (zn )n=1 sequências
de números reais tais que, para todo n suficientemente grande vale xn ≤ yn ≤ zn . Se
lim xn = a = lim zn , então lim yn = a.

Demonstração: Dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que


xn ≤ yn ≤ zn e xn , zn ∈ (a − ε, a + ε) ,
sempre que n ≥ n0 . Deste modo, sempre que n ≥ n0 ,
a − ε < xn ≤ yn ≤ zn ≤ a + ε,
ou seja, yn ∈ (a − ε, a + ε) sempre que n ≥ n0 e, portanto, lim yn = a. 

Exemplo 5.3.1 Vimos, em exemplos anteriores, que as sequências (xn )∞ ∞


n=1 e (yn )n=1
definidas, respectivamente, por
Pn 1
 n
1
xn = e yn = 1 +
k=0 k! n
são ambas convergentes. Vimos também que, para todo n ∈ N, yn ≤ xn . Mostraremos
agora que ambas convergem para o mesmo limite. Sabemos que, para n ≥ 2,
Pn 1
    
1 2 k−1
yn = 2 + 1− 1− ··· 1 − .
k=2 k! n n n
Da Desigualdade de Bernoulli Generalizada (ver Exercı́cio 4.4) segue, para n ≥ 2 e 0 ≤
k ≤ n, que
      
1 2 k−1 1 k−1
1− 1− ··· 1 − ≥1− + ··· +
n n n n n
1
= 1 − [1 + · · · + (k − 1)]
n
k (k − 1)
=1− .
2n
122 5.3. Propriedades operatórias

Dividindo ambos os membros da desigualdade acima por k! e somando de k = 0 até


k = n, obtemos
Pn 1 1 Pn k (k − 1) Pn 1 1 Pn k (k − 1)
− = −
k=0 k! 2n k=0 k! k=0 k! 2n k=2 k (k − 1) (k − 2) !
P1
n 1 Pn 1
= −
k=0 k! 2n k=0 (k − 2) !
P1
n
    
1 2 k−1
≤ 1− 1− ··· 1 − ,
k=0 k! n n n
isto é,
1 Pn 1
xn − ≤ yn .
2n k=2 (k − 2) !
Uma vez que
P
n 1
≤ 3,
k=2 (k − 2) !
obtemos
3 1 Pn 1
xn − ≤ xn − ≤ yn
2n 2n k=2 (k − 2) !
Deste modo,
3
xn − ≤ yn ≤ xn .
2n
O Teorema do Confronto garante, que lim xn = lim yn . O limite destas sequências será
denotado por e.

Exemplo 5.3.2 Se a > 0, então lim n a = 1.
Se x1 , . . . , xn são números reais positivos, então as médias harmônica, geométrica e
aritmética destes números são definidas, respectivamente, por
n √ x1 + x2 + · · · + xn
, n x1 · x2 · · · · · xn , .
1 1 1 n
+ + ··· +
x1 x2 xn
Da desigualdade entre as médias, sabemos que a média harmônica é sempre menor ou
igual do que a média geométrica que é, por sua vez, sempre menor ou igual do que a
média aritmética. Deste modo, fazendo
x1 = a, x2 = 1, . . . , xn = 1,
temos que
n n
=
1 1 1 1
+ + ··· + + 1 + ··· + 1
x1 x2 xn a
n
=
1
+n−1
a
1
= ,
1 1
1+ −
na n
Capı́tulo 5. Sequências de Números Reais 123

√ √
n √
n
x1 · x2 · · · · · xn = a · 1 · · · · · 1 = n a
e
x1 + x2 + · · · xn a + 1 + ··· + 1 a+n−1 a−1
= = =1+ .
n n n n
Além disso,
1 √ a−1
≤ na≤1+
1 1 n
1+ −
na n
e, uma vez que  
1 a−1
lim = 1 = lim 1 + ,
1 1 n
1+ −
na n

segue, do Teorema do Confronto, que lim n a = 1.

Exemplo 5.3.3 Se xn = n n, então lim xn = 1.
Para cada k ∈ N fixado, consideremos a subsequência (xnk )∞
n=1 dada por

nk

nk √
xnk = nk = k · nk n.

Sabemos, do Exemplo 5.2.3, que (xn )∞ ∞


n=1 é convergente e, consequentemente, (xnk )n=1
também o é e, além disso, lim xn = lim xnk . Fazendo

a1 = a2 = · · · = ank−1 = 1 e ank = n.

temos que √ √
a1 · a2 · · · · · ank = nk n,
nk


ou seja, nk n é a média geométrica dos números a1 , a2 , . . . , ank . A média aritmética destes
números é dada por
a1 + a2 + · · · + ank nk − 1 + n 1 1
= =1+ − .
nk nk k nk
Logo, da desigualdade entre as médias aritmética e geométrica obtemos

nk
1 1
n≤1+ − .
k nk
Daı́,
√ √
 
nk nk 1 1
xnk = nk ≤ k 1+ −
k nk

e, portanto, do Teorema 5.3.4 e do fato de ser lim nk k = 1 (pelo exemplo anterior),

 
nk 1 1 1
lim xn = lim xnk ≤ lim k 1 + − =1+ .
k nk k

Assim, denotando por x o limite da sequência (xn )∞


n=1 , temos que

1
x ≤ 1 + , para todo k ∈ N.
k
124 5.3. Propriedades operatórias

Fazendo k → ∞, o Teorema da Conservação do Sinal garante que


 
1
x ≤ 1 = lim 1 + . (5.8)
k→∞ k

Uma vez que n n ≥ 1 para todo n ∈ N, novamente, o Teorema da Conservação do Sinal
garante que
1 ≤ x = lim xn . (5.9)
De (5.8) e (5.9) segue que x = 1.

Teorema 5.3.6 Seja

t11
t21 t22
t31 t32 t33
··················
tn1 tn2 tn3 · · · tnn
··················

um arranjo triangular de números não-negativos com as seguintes propriedades:

(i) Para todo n ∈ N, tn1 + tn2 + · · · + tnn = 1;

(ii) Para todo i ∈ N, lim tni = 0.


n→∞

Se (xn )∞ ∞
n=1 é uma sequência convergente com lim xn = x e (yn )n=1 é a sequência definida
por
yn = tn1 x1 + tn2 x2 + · · · + tnn xn ,
então lim yn = x.

Demonstração: Consideremos incialmente o caso x = 0. Assim, dado ε > 0, existe


ε
p ∈ N > 0 tal que |xn | < , sempre que n > p. Como (xn )∞ n=1 é convergente, temos que é
2
também limitada. Neste caso, existe M > 0 tal que |xn | < M, para todo n ∈ N. Uma vez
ε
que as sequências (tn1 )∞ ∞ ∞
n=1 , (tn2 )n=1 , . . ., (tnp )n=1 convergem para 0, tomando δ = ,
2pM
segue que existe q ∈ N tal que |tn1 | < δ, |tn2 | < δ, . . ., |tnp | < δ, sempre que n > q. Tome
n0 = max {p, q}. Assim,

|yn | = |tn1 x1 + tn2 x2 + · · · + tnn xn |


≤ tn1 |x1 | + tn2 |x2 | + · · · + tnp |xnp | + tn,p+1 |xn,p+1 | + · · · + tnn |xn |
ε ε
≤ tn1 M + tn2 M + · · · + tnp M + tn,p+1 + · · · + tnn
2 2
ε
= M (tn1 + · · · + tnp ) + (tn,p+1 + · · · + tnn )
2
ε ε ε
≤ Mpδ + = Mp + = ε,
2 2Mp 2
Capı́tulo 5. Sequências de Números Reais 125

sempre que n > n0 . Logo, lim yn = 0. O caso geral reduz-se imediatamente a este,
quando atentamos ao fato de que se xn → x 6= 0, então xn − x → 0 e, portanto, do que
acabamos de provar segue que

0 = lim [tn1 (x1 − a) + · · · + tnn (xn − a)]


= lim (tn1 x1 − tn1 a + · · · + tnn xn − tnn a)
= lim [tn1 x1 + · · · tnn xn − a (tn1 + · · · + tnn )]
= lim (tn1 x1 + · · · + tnn xn − a) ,

ou seja,
lim (tn1 x1 + · · · + tnn xn ) = a.

x1 + · · · + xn
Corolário 5.3.2 (Teorema de Cesaro) Se lim xn = x, pondo-se yn = ,
n
tem-se ainda lim yn = x.

Demonstração: Considere o seguinte arranjo triangular

1
1 1
2 2
1 1 1
3 3 3
···············
1 1 1 1
···
n n n n
···············

Temos que cada linha deste arranjo tem soma igual a 1 e cada coluna tem limite igual a
0. Deste modo, segue do Teorema 5.3.6 que a sequência (yn )∞
n=1 dada por

x1 + · · · + xn 1 1
yn = = x1 + · · · + xn
n n n
tem limite x. 

Corolário 5.3.3 Se lim xn = x e os xn são todos positivos, então lim n
x1 x2 · · · xn = x.

Demonstração: Suponhamos inicialmente que seja x = 0. Da desigualdade entre as


médias geométrica e aritmética e do fato de os xn serem todos positivos que
√ x1 + x2 + · · · + xn
0≤ n
x1 x2 · · · xn ≤ .
n
Do Corolário 5.3.2 segue que
x1 + x2 + · · · + xn
lim =0
n
126 5.4. Subsequências

e, portanto, o Teorema do Confronto, garante que



lim n x1 x2 · · · xn = 0.
Se x > 0 seja yn a média harmônica dos termos x1 , . . . , xn , isto é,
n
yn = .
1 1 1
+ + ··· +
x1 x2 xn
1
Se (xn )∞ ∞
n=1 converge para x então (1/xn )n=1 converge para . Deste modo, segue do
x
Corolário 5.3.2 que
1 1 1
+ + ··· +
1 x x2 xn 1
lim = lim 1 = ,
yn n x
ou seja, lim yn = x. Da desigualdade entre as médias harmônica, geométrica e aritmética
temos que
n √ x1 + x2 + · · · + xn
≤ n x1 x2 · · · xn ≤
1 1 1 n
+ + ··· +
x1 x2 xn
e, do Teorema do Confronto, segue o resultado. 

5.4 Subsequências
Nesta seção veremos alguns resultados acerca de subsequências que serão úteis no que
diz respeito ao cálculo do limite de sequências e, posteriormente, na caracterização de
alguns objetos topológicos.
Teorema 5.4.1 Afim de que x ∈ R seja valor de aderência da sequência (xn )∞ n=1 , é
necessário e suficiente que dado ε > 0 o intervalo (x − ε, x + ε) contenha uma infinidade
de termos da sequência (xn )∞n=1 .

Demonstração: Se x é valor de aderência de (xn )∞ n=1 então existe uma subsequência


∞ ∞
(xnk )k=1 de (xn )n=1 tal que x = lim xnk e, neste caso, todo intervalo centrado em x contém
uma infinidade de termos da subsequência (xnk )∞ k=1 e, por conseguinte, da sequência
(xn )∞
n=1 . Reciprocamente, suponha que todo intervalo centrado em x contenha uma infi-

nidade de termos da sequência (xn )n=1 . Seja então
 
1 1
An := n ∈ N; xn ∈ x − , x + .
n n
Escolhendo-se arbitrariamente n1 ∈ A1 , uma vez que A2 é um conjunto infinito, o conjunto
A2 − {n1 } também o é. Escolhendo-se arbitrariamente n2 ∈ A2 − {n1 }, sendo o conjunto
A3 infinito, tem-se que o conjunto A3 − {n1 , n2 }. Escolhendo-se arbitrariamente n3 em
A3 − {n1 , n2 } e procedendo com este argumento, obtemos uma subsequência (xnk )∞ k=1
satisfazendo
1
|xnk − x| < , para todo k ∈ N,
k
ou seja, lim xnk = x. 
Capı́tulo 5. Sequências de Números Reais 127

Teorema 5.4.2 Sejam N1 , N2 , . . . , Nk subconjuntos infinitos de N tais que N = N1 ∪ N2 ∪


· · · ∪ Nk . Se lim xn = lim xn = · · · = lim xn = a, então, lim xn = a.
n∈N1 n∈N2 n∈Nk

Demonstração: Para cada i = 1, . . . , k temos que lim xn = a, isto é, dado ε > 0, existe
n∈Ni
ni ∈ Ni tal que
|xn − a| < ε
sempre que n ∈ Ni e n > ni . Faça n0 = max {n1 , . . . , nk }. Para todo n ∈ N, existe
i ∈ {1, . . . k} tal que n ∈ Ni e, consequentemente,

n ≥ n0 ⇒ n ≥ ni ⇒ |xn − a| < ε,

isto é, lim xn = a. 

(−1)n
Exemplo 5.4.1 A sequência (xn )∞ n=1 definida por x n = converge para 0. Com
n
efeito, denotando por N1 o conjunto dos números ı́mpares e por N2 o conjunto dos números
pares, temos que N = N1 ∪ N2 e, além disso,

−1
lim xn = lim x2n−1 = lim =0
n∈N1 n→∞ n→∞ 2n − 1

e
1
lim xn = lim x2n = lim =0
n∈N n→∞ n→∞ 2n

e o Teorema 5.4.1 garante o resultado.



Exemplo 5.4.2 Para cada k ∈ N, seja Nk = n ∈ N; n = 2k−1 · m, m ı́mpar . Se n ∈ N
é ı́mpar, então n ∈ N1 . Se n é par, então seja k − 1 o maior número natural tal que 2k−1
divide n. Neste caso, existe m ∈ N tal que n = 2k−1 · m. Note que m deve ser ı́mpar, pois,
caso contrário, n seria divisı́vel por 2k , contrariando a maximalidade de k − 1. Note ainda
que, da unicidade da fatoração prima dos números naturais, segue que os subconjuntos

S
Nk são dois a dois disjuntos. Logo, N = Nk . Dado n ∈ Nk , ponha xn = 1 se n for o
k=1
1
menor elemento de Nk e xn = nos demais casos. Então lim xn = 0. Mas (xn )n∈N não
n n∈Nk
converge, pois se tomamos

N0 = {n ∈ N; n é o menor elemento de Nk , para algum k ∈ N} ,

então lim0 xn = 1, isto é, existem subsequências de (xn )n∈N que convergem para valores
n∈N
distintos. Fica claro então que o Teorema 5.4.1, em geral, não é válido se decompomos
o conjunto N dos números naturais numa reunião infinita de subconjuntos infinitos N =
S∞
Nk mesmo que lim xn exista para todo k ∈ N e lim xn = · · · = lim xn = · · · .
k=1 n∈Nk n∈N1 n∈Nk

Definição 5.4.1 Seja (xn )∞


n=1 uma sequência de números reais. Um termo xp da sequên-
cia é dito termo destacado se xp ≥ xn , para todo n ≥ p.
128 5.5. Os limites inferior e superior

O próximo resultado utiliza o conceito de termo destacado e será útil para caracterizar
o que mais tarde definiremos como conjunto compacto.

Teorema 5.4.3 (Teorema de Bolzano-Weierstrass) Toda sequência limitada de nú-


meros reais possui uma subsequência convergente.

Demonstração: Seja (xn )∞ n=1 uma sequência limitada de números reais e seja D =
{n ∈ N; xn é destacado}. Se o conjunto D é infinito, então a subsequência (xn )n∈D é
monótona limitada e, por conseguinte, convergente. Se o conjunto D é finito, seja p
o maior elemento de D. Se n1 ∈ N é um natural maior do que p, então n1 ∈ / D e,
consequentemente, xn1 não é destacado. Logo, existe n2 ∈ N, n2 ≥ n1 , tal que xn1 < xn2 .
Uma vez que n2 > n1 > p, temos que n2 ∈ / D e, consequentemente, xn2 não pode ser
também um termo destacado e, neste caso, existe n3 ∈ N, n3 > n2 , tal que xn2 < xn3 .
Procedendo com este argumento obtemos uma subsequência (xnk )∞ ∞
k=1 de (xn )n=1 que é
monótona limitada e, portanto, convergente. 

5.5 Os limites inferior e superior


Introduzimos nesta seção as noções de limite inferior e limite superior de uma sequência
limitada e utilizaremos estes conceitos para caracterizar sequências convergentes.
Seja (xn )∞
n=1 uma sequência limitada de números reais. Denotemos por Xn o conjunto

Xn = {xn , xn+1 , xn+2 . . .} .

Note que X1 ⊃ X2 ⊃ · · · ⊃ Xn ⊃ · · · e que, do fato de (xn )∞


n=1 ser uma sequência limitada
segue que X1 é um conjunto limitado e, consequentemente, Xn é um conjunto limitado,
para todo n ∈ N. Neste caso, sejam an e bn os números reais dados por

an = inf Xn e bn = sup Xn . (5.10)

Das propriedades relativas a supremo e ı́nfimo de conjuntos limitados temos que:

• an ≤ an+1 , para todo n ∈ N, isto é, (an )∞


n=1 é monótona não-decrescente;

• bn ≥ bn+1 , para todo n ∈ N, isto é, (bn )n=1 é monótona não-crescente;

• a1 ≤ an , bn ≤ b1 , para todo n ∈ N, isto é, as sequências (an )∞ ∞


n=1 e (bn )n=1 são
limitadas.

Do Teorema 5.2.4 segue que (an )∞ ∞


n=1 e (bn )n=1 são convergentes. Os números reais a =
lim an e b = lim bn são denominados, respectivamente, de limite inferior e limite
superior da sequência (xn )∞n=1 . Utilizaremos as notações lim inf xn e lim sup xn para
denotar, respectivamente, os limites inferior e superior de uma sequência limitada (xn )∞
n=1 .

Teorema 5.5.1 Sejam (xn )∞ ∞


n=1 e (yn )n=1 sequências limitadas de números reais. Ponha-
mos a = lim inf xn , A = lim sup xn , b = lim inf yn e B = lim sup yn . Então,

(i) lim sup (xn + yn ) ≤ A + B e lim inf (xn + yn ) ≥ a + b;


Capı́tulo 5. Sequências de Números Reais 129

(ii) lim sup (−xn ) = −a e lim inf (−xn ) = −A;

(iii) lim sup (xn · yn ) ≤ AB e lim inf (xn · yn ) ≥ ab.

valendo as duas últimas desigualdades sob a hipótese de xn ≥ 0 e yn ≥ 0.

Demonstração: Para todo n ∈ N, sejam Xn = {xn , xn+1 , . . .}, Yn = {yn , yn+1 , . . .} e


Zn = {xn + yn , xn+1 + yn+1 , . . .}. Sejam ainda an = inf Xn , An = sup Xn , bn = inf Yn ,
Bn = sup Yn , cn = inf Zn e Cn = sup Zn .
(i): Fixe n ∈ N. Se m ≥ n, xm ∈ Xn , ym ∈ Yn e, consequentemente,

xm ≤ An , an ≤ xm , ym ≤ Bn , bn ≤ ym ,

para todo m ≥ n. Deste modo,

xm + ym ≤ An + Bn e an + bn ≤ xm + ym ,

para todo m ≥ n e, assim, An + Bn é uma cota superior de Zn e an + bn é uma cota


inferior de Zn . Daı́
Cn ≤ An + Bn e an + bn ≤ cn .
Observe que as desigualdades acima são válidas para todo n ∈ N. Desta forma

lim sup (xn + yn ) = lim Cn ≤ lim (An + Bn ) = A + B

e
lim inf (xn + yn ) = lim cn ≥ lim (an + bn ) = a + b.
(ii): Seja −Xn = {−xn , −xn+1 , . . .}. Para todo m ≥ n vale xm ≥ an e, consequente-
mente, −xm ≤ −an , para todo m ≥ n. Logo −an é uma cota superior de −Xn . Afirmamos
que deve ser −an = sup (−Xn ). Com efeito, se −an não fosse o supremo de −Xn deveria
existir ε > 0 tal que −xm ≤ −an − ε, para todo m ≥ n. Assim, xm ≥ an + ε, para todo
m ≥ n, ou seja, an + ε é uma cota inferior de Xn maior do que an , contrariando o fato
de an ser o ı́nfimo de Xn . Portanto,

lim sup (−xn ) = lim (−an ) = −a.

De modo análogo segue que lim inf (−xn ) = −A.


(iii): Uma vez que xn ≥ 0 e yn ≥ 0 para todo n ∈ N, temos que an ≥ 0 e bn ≥ 0
para todo n ∈ N. Fixe n ∈ N. Para todo m ≥ n, temos que 0 ≤ an ≤ xm e 0 ≤ bn ≤ xm .
Logo, xm ym ≥ an bn para todo m ≥ n e, portanto, an yn é uma cota inferior de Xn Yn =
{xn yn , xn+1 yn+1 , . . .}. Fazendo dn = inf Xn Yn segue que dn ≥ an bn . Assim,

lim inf xn yn = lim dn ≥ lim an bn = ab.

A outra desigualdade é obtida de modo análogo. 

Teorema 5.5.2 Seja (xn )∞ n=1 uma sequência limitada de números reais. Então lim inf xn
e lim sup xn são valores de aderência de (xn )∞
n=1 .
130 5.5. Os limites inferior e superior

Demonstração: Seja a = lim inf xn . Sabemos que a = lim an , onde

an = inf Xn = inf {xn , xn+1 , xn+2 , . . .} .

Neste caso, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 ,

a − ε < an < a + ε.

Em particular,
a − ε < an0 < a + ε.
Como an0 = inf Xn0 , temos que a + ε não é cota superior de Xn0 . Neste caso, existe
n1 ≥ n0 tal que
a − ε < an0 ≤ xn1 < a + ε.
Do mesmo modo, como n1 + 1 > n0 , temos que a + ε não é cota superior de Xn1 +1 e,
neste caso, existe n2 ≥ n1 + 1 tal que

a − ε < an1 +1 ≤ xn2 < a + ε.

Como n2 + 1 > n0 , temos que a + ε não é cota superior de Xn2 +1 e, neste caso, existe
n3 ≥ n2 + 1 tal que
a − ε < an2 +1 ≤ xn3 < a + ε.
Procedendo com este argumento, obtemos uma infinidade de termos da sequência (xn )∞ n=1
que pertence ao intervalo (a − ε, a + ε). Da arbitrariedade de ε segue que todo intervalo
aberto centrado em a, contém também uma infinidade de termos da sequência (xn )∞ n=1 .

Portanto, do Teorema 5.4.1 segue que a é valor de aderência de (xn )n=1 . Verifica-se de
modo inteiramente análogo que lim sup xn é também um valor de aderência da sequência
(xn )∞
n=1 . 

Corolário 5.5.1 Se (xn )∞


n=1 é uma sequência convergente, então lim inf xn = lim sup xn .

Demonstração: Com efeito, se fosse lim inf xn 6= lim sup xn então a sequência (xn )∞
n=1
teria dois valores de aderência distintos e, portanto, não poderia ser convergente. 

Corolário 5.5.2 (Novamente o Teorema de Bolzano-Weierstrass) Toda sequência


limitada de números reais possui uma subsequência convergente.

Demonstração: Seja (xn )∞ n=1 uma sequência limitada de números reais. Neste caso,
existe uma subsequência (xnk )∞ ∞
k=1 de (xn )n=1 tal que lim xnk = lim inf xn . 

Sejam (xn )∞ ∞ ∞
n=1 uma sequência limitada e (an )n=1 e (bn )n=1 como em (5.10). Neste
caso, para todo n ∈ N vale
an ≤ x n ≤ bn . (5.11)
Uma vez lim an = lim inf xn e lim bn = lim sup xn segue, do Teorema do Confronto, que se
lim inf xn = lim sup xn então xn é convergente, isto é, vale a recı́proca do Corolário 5.5.1
acima. Resumindo:
Capı́tulo 5. Sequências de Números Reais 131

Teorema 5.5.3 Seja (xn )∞ ∞


n=1 uma sequência de números reais. Afim de que (xn )n=1 seja
uma sequência convergente é necessário e suficiente que lim inf xn = lim sup xn .
A desigualdade (5.11) garante ainda que se (xn )∞ n=1 é uma sequência limitada então
lim inf xn e lim sup xn são, respectivamente, o menor e o maior valor de aderência desta
sequência. Com efeito, seja c um valor de aderência da sequência limitada (xn )∞n=1 . Então
existe uma subsequência (xnk )∞ k=1 de (x ) ∞
n n=1 tal que lim x nk = c. Mas
ank ≤ xnk ≤ bnk , para todo k ∈ N
e, portanto, do Teorema 5.3.4, segue que
lim ank = lim inf xn ≤ c ≤ lim sup xn = lim bnk .
A desigualdade (5.11) juntamente com o Teorema 5.5.2 garantem que se uma sequência
limitada possui um único valor de aderência, então esta sequência é convergente. Utiliza-
remos este fato para caracterizar sequências convergentes na seção seguinte.

5.6 Sequências de Cauchy


Nesta seção estabelecemos o conceito de sequência de Cauchy e sua relação com as
sequências convergentes.
Definição 5.6.1 Seja (xn )∞ ∞
n=1 uma sequência de números reais. Diremos que (xn )n=1 é
uma sequência de Cauchy se dado ε > 0, existe n0 ∈ N (que só depende de ε) tal que,
sempre que m, n ≥ n0 , tem-se
|xm − xn | < ε.
Trabalharemos agora no intuito de provar que uma sequência (xn )∞
n=1 de números reais
é convergente se, e somente se, é uma sequência de Cauchy.
Teorema 5.6.1 Se (xn )∞ ∞
n=1 é uma sequência de Cauchy de números reais, então (xn )n=1
é uma sequência limitada.
Demonstração: Para ε = 1, existe n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 , |xm − xn | < 1.
Em particular, para m = n0 , obtemos
|xn − xn0 | < 1.
Uma vez que
|xn | − |xn0 | ≤ |xn − xn0 | , para todo n ∈ N
temos, sempre que n ≥ n0 , que
|xn | − |xn0 | < 1,
ou seja,
|xn | < 1 + |xn0 |
sempre que n ≥ n0 . Fazendo M = max {|x1 | , . . . , |xn0 −1 | , 1 + |xn0 |}, temos que |xn | ≤ M,
para todo n ∈ N e o resultado segue. 
O resultado acima com o auxı́lio do Teorema de Bolzano-Weierstrass nos garante que
toda sequência de Cauchy possui algum valor de aderência. O próximo resultado garante
a unicidade.
132 5.6. Sequências de Cauchy

Teorema 5.6.2 Toda sequência de Cauchy possui um único valor de aderência.

Demonstração: Seja (xn )∞ n=1 uma sequência de Cauchy e sejam x e y valores de aderência
desta sequência. Neste caso, existem subsequências (xmk )∞ ∞ ∞
k=1 e (xnk )k=1 de (xn )n=1 tais que
lim xmk = x e lim xnk = y. Deste modo, dado ε > 0 existem n0 , k0 ∈ N, com nk0 ≥ n0 ,
tais que
ε
|xm − xn | < , sempre que m, n ≥ n0
3
e
ε
|xmk − x| , |xnk − y| < , sempre que k ≥ k0 .
3
Deste modo, tomando k ≥ k0 , obtemos

|x − y| = |(x − xmk ) + (xmk − xnk ) + (xnk − y)|


≤ |x − xmk | + |xmk − xnk | + |xnk − y|
ε ε ε
< + + = ε.
3 3 3
Da arbitrariedade de ε segue o resultado. 

Corolário 5.6.1 Toda sequência de Cauchy é convergente.

Demonstração: Segue imediatamente do fato de que toda sequência limitada que possui
um único valor de aderência é convergente. 

Mostremos agora a recı́proca do resultado estabelecido no corolário acima.

Teorema 5.6.3 Toda sequência convergente de números reais é uma sequência de Cau-
chy.

Demonstração: Seja (xn )∞n=1 uma sequência convergente de números reais e seja x o seu
limite. Dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 ,
ε
|xn − x| < .
2
Deste modo, se m, n ≥ n0 ,

|xm − xn | = |(xm − x) + (x − xn )|
≤ |xm − x| + |xn − x|
ε ε
≤ + = ε,
2 2
ou seja, (xn )∞
n=1 é uma sequência de Cauchy. 

Exemplo 5.6.1 Seja (xn )∞ n=1 uma sequência com a seguinte propriedade: dado ε > 0,
existe n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 ,

|xn+1 − xn | < ε.
Capı́tulo 5. Sequências de Números Reais 133

Nestas condições, podemos afirmar que (xn )∞ n=1 é uma sequência de Cauchy?√A resposta a

essa pergunta é, em geral, não. Seja (xn )n=1 a sequência definida por xn = n. Sabemos
que, neste caso, (xn )∞ n=1 é uma sequência ilimitada e, portanto, divergente. Sendo assim,
(xn )∞
n=1 não é uma sequência de Cauchy. Por outro lado, observe que
√ √
√ √ √ √  n+1+ n
|xn+1 − xn | = n + 1 − n = n+1− n √ √
n+1+ n
n+1−n 1
=√ √ =√ √
n+1+ n n+1+ n
1 1
< √ ≤ ,
2 n 2n
1
para todo n ∈ N. Uma vez que → 0, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que, sempre que
2n
n ≥ n0 ,
1
< ε,
2n
ou seja, sempre que n ≥ n0 ,
|xn+1 − xn | < ε.
Definição 5.6.2 Diz-se que uma sequência (xn )∞
n=1 de números reais tem variação li-
P
n
mitada quando a sequência (vn ) dada por vn = |xi+1 − xi | é limitada.
i=1

Teorema 5.6.4 Seja (xn )∞


uma sequência de números reais. Se (xn )∞
=1 n=1 tem variação
P
n
limitada, então (vn )∞
n=1 , dada por vn = |xi+1 − xi |, converge.
i=1

Demonstração: Observe que


P
n+1 P
n P
n
vn+1 = |xi+1 − xi | = |xn+2 − xn+1 | + |xi+1 − xi | ≥ |xi+1 − xi | = vn .
i=1 i=1 i=1

Logo, a sequência (vn )∞


n=1 é monótona não-decrescente e, portanto, se for limitada, será
também convergente. 
Teorema 5.6.5 Seja (xn )∞ ∞
=1 uma sequência de números reais. Se (xn )n=1 tem variação
limitada, então existe lim xn .
Demonstração: Suponha que (xn )∞ n=1 tenha variação limitada. Então, como provado
acima, a sequência (vn )∞
n=1 é convergente e, consequentemente, (vn )∞ n=1 é uma sequência
de Cauchy. Deste modo, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que, sempre que m > n > n0 + 1,
P P P

m−1 n−1 m−1
|vm−1 − vn−1 | =
|xi+1 − xi | − |xi+1 − xi | = |xi+1 − xi | < ε.
i=1 i=1 i=n

Assim,
P P
m−1 m−1
|xm − xn | = |xi+1 − xi | ≤ ε

(xi+1 − xi ) ≤
i=n i=n

sempre que m, n ≥ n0 . Logo, a sequência (xn )n=1 é uma sequência de Cauchy e é,
portanto, convergente. 
134 5.6. Sequências de Cauchy

Exemplo 5.6.2 Se |xn+2 − xn+1 | ≤ c |xn+1 − xn | para todo n ∈ N com 0 ≤ c < 1, então
(xn )∞
n=1 tem variação limitada.
De fato, se
|xn+2 − xn+1 | ≤ c |xn+1 − xn | ,
para todo n ∈ N, com 0 ≤ c < 1, então

vn = |x2 − x1 | + |x3 − x2 | + |x4 − x3 | + · · · + |xn+1 − xn |


≤ |x2 − x1 | + c |x2 − x1 | + c |x3 − x2 | + · · · + c |xn − xn−1 |
≤ |x2 − x1 | + c |x2 − x1 | + c2 |x2 − x1 | + · · · + c2 |xn−1 − xn−2 |
≤ · · · ≤ |x2 − x1 | + c |x2 − x1 | + c2 |x2 − x1 | + · · · + cn−1 |x2 − x1 |
X
n−1
1 − cn |x2 − x1 |
= |x2 − x1 | ci = |x2 − x1 | ≤ ,
i=0
1−c 1−c

para todo n ∈ N e (xn )∞


n=1 tem, portanto, variação limitada.

Teorema 5.6.6 Seja (xn )∞ ∞


n=1 uma sequência de números reais. Então (xn )n=1 tem va-
riação limitada se, e somente se, xn = yn − zn onde (yn )∞ ∞
n=1 e (zn )n=1 são sequências
não-decrescentes limitadas.

Demonstração: Defina
x1 x1
y1 = z1 = −
2 2
|x2 − x1 | + x2 |x2 − x1 | − x2
y2 = z2 =
2 2
|x3 − x2 | + |x2 − x1 | + x3 |x3 − x2 | + |x2 − x1 | − x3
y3 = z3 =
2 2
.. ..
. .
P P
n−1  n−1 
1 1
yn = |xi+1 − xi | + xn zn = |xi+1 − xi | − xn
2 i=1 2 i=1

vn−1 + xn vn−1 − xn
= = .
2 2
Note que, para todo n ∈ N, vale xn = yn −zn . Mostremos agora que as sequências (yn )∞
n=1
e (zn )∞
n=1 acima definidas são não-decrescentes. Temos que

1 P P
n n−1

yn+1 − yn = |xi+1 − xi | + xn+1 − |xi+1 − xi | + xn
2 i=1 i=1
P P
 n−1 n−1

1
= |xn+1 − xn | + |xi+1 + xi | + xn+1 − |xi+1 − xi | − xn
2 i=1 i=1
1
= [|xn+1 − xi | + (xn+1 − xn )] ≥ 0.
2
Capı́tulo 5. Sequências de Números Reais 135

De modo análogo, verifica-se que (zn )∞ ∞


n=1 é não-decrescente. Logo, se (xn )n=1 tem variação
limitada temos que tanto (xn )∞ ∞
n=1 quanto (vn )n=1 são convergentes e, portanto, são também
convergentes e, por conseguinte limitadas, as sequências (yn )∞ ∞
n=1 e (zn )n=1 . Por outro lado,
se as sequências (yn )∞ ∞
n=1 e (zn )n=1 são limitadas então, devido ao fato de serem monótonas
segue que são convergentes. Como vn = yn+1 +zn+1 , concluı́mos que (vn )∞ n=1 é convergente
e, consequentemente, limitada. Logo, (xn )∞ n=1 tem variação limitada. 

(−1)n
Exemplo 5.6.3 Considere a sequência (xn )∞
n=1 dada por xn = . Temos que xn →
n
0, mas

(−1)n+1 (−1)n (−1)n+1 (−1)n+1
|xn+1 − xn | = − = +

n+1 n n+1 n


1 1 1
= + ≥ .
n+1 n n
Logo,
Pn 1
vn ≥ .
k=1 k
Pn 1
Veremos adiante que a sequência sn = é ilimitada superiormente. Consequente-
k=1 k
mente, (vn )∞
n=1 é ilimitada e, portanto, (xn )∞
n=1 não possui variação limitada.

5.7 Limites infinitos


Definimos nesta seção o conceito de limites infinitos que servirá para destacar de-
terminadas sequências ilimitadas no que diz respeito ao crescimento ou decrescimento
indefinido de seus termos gerais.

Definição 5.7.1 Seja (xn )∞


n=1 uma sequência de números reais. Diremos que lim xn =
+∞ se, dado A > 0, existe n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 ,

xn > A.

Definição 5.7.2 Seja (xn )∞


n=1 uma sequência de números reais. Diremos que lim xn =
−∞ se, dado A > 0, existe n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 ,

xn < −A.

OBSERVAÇÃO 5.7.1 Se (xn )∞


n=1 é uma sequência de números reais tal que lim xn = +∞
(ou lim xn = −∞), em particular, (xn )∞
n=1 é uma sequência divergente.

Exemplo 5.7.1 Se (xn )∞ n=1 é a sequência cujo termo geral é dado por xn = n, então
lim xn = +∞. Este fato é uma consequência imediata da propriedade Arquimediana.

Teorema 5.7.1 Se lim xn = +∞ e existe N ∈ N tal que yn ≥ xn para todo n ≥ N, então


lim yn = +∞.
136 5.7. Limites infinitos

Demonstração: Seja A > 0. Neste caso, existe n1 ∈ N tal que, sempre que n ≥ 1,
xn > A. Fazendo n0 = max {n1 , N}, temos que
yn ≥ xn > A,
sempre que n ≥ n0 . Daı́, lim yn = +∞, como querı́amos demonstrar. 
Teorema 5.7.2 Se lim xn = +∞ e c ∈ R, então
lim (xn + c) = +∞.
Demonstração: Seja c ∈ R. Dado A > 0 tal que A − c > 0, existe n0 ∈ N tal que
xn ≥ A − c
ou seja,
xn + c ≥ A,
sempre que n ≥ n0 , isto é,
lim (xn + c) = +∞.

Corolário 5.7.1 Se lim xn = +∞ e (yn )∞
n=1 é uma sequência limitada inferiormente de
números reais, então
lim (xn + yn ) = +∞.
Demonstração: Uma vez que (yn )∞
n=1 é limitada inferiormente, existe c ∈ R tal que
yn ≥ c e, neste caso
xn + yn ≥ xn + c.
Os Teoremas 5.7.1 e 5.7.2 garantem o resultado. 
Teorema 5.7.3 Se lim xn = +∞ então

 −∞, se c < 0;
lim c · xn = 0, se c = 0;

+∞, se c > 0.
Demonstração: O caso c = 0 é óbvio uma vez que a sequência (c · xn )∞
n=1 é identicamente
nula. Se c > 0, então, dado A > 0, existe n0 ∈ N tal que
A
xn ≥
,
c
sempre que n ≥ n0 . Deste modo, sempre que n ≥ n0 ,
c · xn ≥ A
e lim c · xn = +∞. Analogamente, se c < 0, então, dado A > 0, existe n0 ∈ N tal que
A
xn ≥ − ,
c
sempre que n ≥ n0 . Deste modo, sempre que n ≥ n0 ,
c · xn ≤ −A
e lim c · xn = −∞. 
Capı́tulo 5. Sequências de Números Reais 137

Corolário 5.7.2 Seja (xn )∞


n=1 uma sequência de números reais tal que lim xn = +∞.

(i) Se existem c > 0 e n0 ∈ N tais que yn ≥ c, sempre que n ≥ n0 , então

lim xn yn = +∞.

(ii) Se existem c < 0 e n0 ∈ N tais que yn ≤ c, sempre que n ≥ n0 , então

lim xn yn = −∞.

Demonstração: (i): Para todo n ≥ n0 ,

xn yn ≥ c · xn

e o Teorema 5.7.1 garante o resultado.


(ii): Análogo ao item (i). 

Exemplo 5.7.2 Seja a > 1 e seja (xn )∞ n


n=1 a sequência definida por xn = a . Então
lim xn = +∞. De fato, como a > 1, existe x > 0 tal que a = 1 + x. Da desigualdade de
Bernoulli segue, para todo n ∈ N, que

xn = an = (1 + x)n ≥ 1 + nx.

Como lim (1 + nx) = +∞, o Teorema 5.7.1 garante o resultado.

Teorema 5.7.4 Seja (xn )∞ n=1 uma sequência de números reais tal que xn > 0, para todo
1
n ∈ N. Então lim xn = 0 se, e somente se, lim = +∞.
xn

Demonstração: Suponhamos que lim xn = 0. Dado A > 0, existe n0 ∈ N tal que,


sempre que n ≥ n0 ,
1
0 < xn < .
A
1 1 1
Logo, > A sempre que n ≥ n0 e lim = +∞. Reciprocamente, se lim = +∞,
xn xn xn
então dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que
1 1
> ,
xn ε
sempre que n ≥ n0 e, portanto,
0 < xn < ε,
sempre que n ≥ n0 , ou seja, lim xn = 0. 

Corolário 5.7.3 Sejam (xn )∞ ∞


n=1 e (yn )n=1 sequências de números positivos.

xn
(i) Se existe c > 0 tal que xn > c para todo n e se lim yn = 0, então lim = +∞.
yn
138 5.7. Limites infinitos

xn
(ii) Se (xn )∞
n=1 é limitada e lim yn = +∞, então lim = 0.
yn
Demonstração: (i): Para todo n ∈ N,
xn c
> .
yn yn
c
Dos Teoremas 5.7.3 e 5.7.4 segue que lim = +∞ e, consequentemente, do Teorema
yn
xn
5.7.1, lim = +∞.
yn
(ii): Se (xn )∞
n=1 é uma sequência limitada de números positivos, existe M > 0 tal que
0 < xn < M, para todo n ∈ N. Neste caso,
xn M
0< < ,
yn yn
para todo n ∈ N. Do Teorema 5.7.4 temos que
M 1
= M · lim
lim =M·0=0
yn yn
xn
e do Teorema do Confronto, lim = 0. 
yn
Teorema 5.7.5 Sejam N1 , N2 , . . . , Nk subconjuntos infinitos de N tais que N = N1 ∪ N2 ∪
· · · ∪ Nk . Se lim xn = lim xn = · · · = lim xn = +∞, então, lim xn = +∞.
n∈N1 n∈N2 n∈Nk

Demonstração: Para cada i = 1, . . . , k temos que lim xn = +∞, isto é, dado A > 0,
n∈Ni
existe ni ∈ Ni tal que
xn > A
sempre que n ∈ Ni e n > ni . Faça n0 = max {n1 , . . . , nk }. Para todo n ∈ N, existe
i ∈ {1, . . . k} tal que n ∈ Ni e, consequentemente,
n ≥ n0 ⇒ n ≥ ni ⇒ xn > A,
isto é, lim xn = +∞. 
OBSERVAÇÃO 5.7.2 Evidentemente, todos os resultados enunciados acima, bem como
suas consequências, possuem análogos para o caso em que lim xn = −∞. É tarefa do
leitor enunciá-los e fazer as devidas adaptações nas demonstrações de cada um deles.
OBSERVAÇÃO 5.7.3 Se (xn )∞ n=1 é uma sequência monótona não-descrescente que possui
uma subsequência ilimitada superiormente, então lim xn = +∞. Com efeito, se (xnk )∞ k=1
é uma subsequência ilimitada superiormente da sequência monótona não-descrescente
(xn )∞
n=1 , então, dado A > 0, existe k ∈ N tal que xnk > A. Da propriedade Arquimediana,
existe n0 ∈ N tal que n0 > nk e, portanto, da monotonicidade de (xn )∞ n=1 ,

xn ≥ xnk > A
sempre que n ≥ n0 e lim xn = +∞. Um resultado análogo vale se (xn )∞n=1 é uma sequência
monótona não-crescente que possui uma subsequência ilimitada inferiormente.
Capı́tulo 5. Sequências de Números Reais 139

an
Exemplo 5.7.3 Se a > 1 e (xn )∞ n=1 é a sequência definida por x n = , então lim xn =
n
+∞. De a > 1, existe x > 0 tal que a = 1 + x. Deste modo, da desigualdade de Bernoulli,
2
(1 + x)2n = [(1 + x)n ] ≥ (1 + nx)2 = 1 + 2nx + n2 x2 ≥ n2 x2
(1 + x)2n+1 ≥ (1 + x)2n ≥ n2 x2 .

Das desigualdades acima, concluı́mos que

a2n (1 + x)2n n2 x2 nx2


x2n = = ≥ =
2n 2n 2n 2
e
a2n+1 (1 + x)2n+1 n2 x2 nx2
x2n+1 = = ≥ = .
2n + 1 2n + 1 2n + 1 1
2+
n
Como
nx2 nx2
lim= lim = +∞,
2 1
2+
n
dos Teoremas 5.7.1 e 5.7.5, lim xn = +∞.
n!
Exemplo 5.7.4 Se a > 0 e (xn )∞
n=1 é a sequência definida por xn = , então lim xn =
an
+∞. Da propriedade Arquimediana, existe n0 ∈ N tal que n0 > 2a. Deste modo,
n0 !
xn 0 = .
an 0
e, se n ≥ n0 ,
n! n (n − 1) · · · (n0 + 1) n0 ! n (n − 1) · · · (n0 + 1)
xn = n
= n−n
= xn0
a a 0 ·a n 0 an−n0
n−n0 n−n0
2 a xn
≥ xn0 n−n
= 2n−n0 xn0 = n0 2n .
a 0 2 0
xn0 n
Como lim 2 = +∞, o Teorema 5.7.1 fornece lim xn = +∞. Note ainda que, à luz do
2n 0
an
Teorema 5.7.4, lim = 0.
n!
OBSERVAÇÃO 5.7.4 Se lim xn = +∞ e lim yn = −∞, nada podemos afirmar a respeito
da convergência
√ ou não de lim (xn + yn ). Se, por exemplo, (xn )∞ n=1 é a√sequência cujo

termo geral é n + 1 e (yn )n=1 é a sequência cujo termo geral é yn = − n, então

lim xn = +∞ e lim yn = −∞,

mas, como visto no Exemplo 5.6.1, lim (xn + yn ) = 0. Seja agora a > 1. Como visto no
n!
Exemplo 5.7.4, lim n = +∞. Deste modo, existe n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 ,
a
n!
> 2,
an
140 Exercı́cios

ou seja,
n! > 2an ,
sempre que n ≥ n0 . Subtraindo-se an de ambos os membros desta última desigualdade
vem que
n! − an > an ,
sempre que n ≥ n0 . Do fato de ser a > 1, temos que an → +∞ e, portanto, do Teorema
5.7.1, n! − an → +∞. Deste modo, se (xn )∞ n=1 é a sequência cujo termo geral é dado

por xn = n! e (yn )n=1 é a sequência cujo termo geral é yn = −an , com a > 1, então
lim xn = +∞, lim yn = −∞, mas lim (xn + yn ) = +∞.

Exercı́cios
1. Seja lim xn = 0. Para cada n ponha yn = min {|x1 | , |x2 | , . . . , |xn |}. Prove que
yn → 0.

2. Se lim xn = x e lim (xn − yn ) = 0 então lim yn é igual a x.


xn
3. Seja x 6= 0. Se lim = 1 então lim xn é igual a x.
x
xn a
4. Seja b 6= 0. Se lim xn = a e lim = b então lim yn = .
yn b
b
5. Se lim xn = a 6= 0 e lim xn yn = b então lim yn = .
a

6. Sejam k ∈ N e a > 0. Se a ≤ xn ≤ nk para todo n, então lim n
xn = 1.
 n  n+1
1 1
7. Sejam (xn )∞
n=1 e (yn )∞
n=1 definidas por xn = 1 + e yn = 1 − .
n n+1

a) Use a desigualdade entre as médias aritmética


 e geométrica
n dos n + 1 números
1 1 1
1 − , . . . , 1 − , 1 e prove que a sequência 1 − é crescente. Conclua que
 n n n n
1 1
1− ≥ para todo n > 1.
n 4
 n
1
b) Mostre que lim xn yn = 1 e deduza daı́ que lim 1 − = e−1 .
n
 r
8. Prove que, para todo r ∈ Q, tem-se lim 1+ = er .
n→∞ n

9. Seja a ≥ 0, b ≥ 0. Prove que lim n
an + bn = max {a, b}.
n→∞

10. Seja (xn )∞


n=1 uma sequência limitada. Se lim an = a e cada an é um valor de
aderência de (xn )∞ ∞
n=1 , então a é um valor de aderência de (xn )n=1 .
Capı́tulo 5. Sequências de Números Reais 141

11. Para cada n ∈ N, seja 0 ≤ tn ≤ 1. Se lim xn = lim yn = a, prove que

lim [tn xn + (1 − tn ) yn ] = a.

1 1
12. Seja x1 = 1 e ponha xn+1 = 1 + . Verifique |xn+2 − xn+1 | ≤ |xn+1 − xn |. Conclua
xn 2
que existe x = lim xn e determine x.

13. Ponha x1 = 1 e defina xn = 1 + xn . Mostre que a sequência (xn ), assim obtida, é
limitada. Determine x = lim xn .
14. A fim de que a sequência (xn )∞
n=1 não possua subsequência convergente é necessário
e suficiente que lim |xn | = +∞.
15. Seja ϕ : N → N uma sequência de números naturais. Prove que as seguintes
afirmações são equivalentes:

(i) lim ϕ (n) = +∞;


n→∞

(ii) Para todo k ∈ N, ϕ−1 (k) é um subconjunto finito de N;


(iii) Para todo conjunto finito F ⊂ N, ϕ−1 (F) é finito.

Em particular, se ϕ : N → N for injetiva, então lim ϕ (n) = +∞.


n→∞

16. Seja (xn )∞


n=1 uma sequência de números reais e suponha que ϕ : N → N cumpre
uma (e portanto todas as) condições do exercı́cio anterior. Prove que se lim xn = a
e yn = xϕ(n) , então lim yn = a. Dê exemplo de ϕ : N → N sobrejetiva, tal que
lim xn = a, mas não vale lim yn = a, onde yn = xϕ(n) .

xn+1
17. Seja xn 6= 0 para todo n ∈ N. Se existirem n0 ∈ N e c ∈ R tais que 0 < ≤
x n

xn+1
c < 1 para todo n > n0 , então lim xn = 0. Se porém ≥ c > 1 para todo
xn
n > n0 , então lim |xn | = +∞.
xn+1 − xn xn
18. Se (yn )∞
n=1 é crescente e lim yn = +∞, então lim = a ⇒ lim = a.
yn+1 − yn yn
1p + 2p + · · · + np 1
19. Mostre que lim p+1
= .
n→∞ n p+1
1p 4
20. Mostre que lim n
(n + 1) (n + 2) · · · 2n = .
n→∞ n e

21. Prove que se definirmos an pela igualdade n! = nn e−n an , teremos lim n
an = 1.
22. Se −1 < x < 1 e  
m m (m − 1) · · · (m − n + 1)
=
n n!
 
m n
então lim x = 0 para quaisquer m ∈ R e n ∈ N.
n→∞ n
142 Exercı́cios

23. Prove que o conjunto dos valores de aderência da sequência xn = cos (n) é o intervalo
fechado [−1, 1].

24. Sejam a, b números reais positivos. Defina indutivamente as sequências (xn )∞ n=1 ,
√ a + b √ x + y
(yn )∞
n n
n=1 pondo x1 = ab, y1 = e xn+1 = xn yn , yn+1 = . Prove
∞ ∞
2 2
que (xn )n=1 e (yn )n=1 convergem para o mesmo limite, chamado a média aritmético-
geométrica entre a e b.

25. Sejam a1 ≥ a2 ≥ · · · ≥ 0 e sn = a1 − a2 + · · · + (−1)n−1 an . Prove que a sequência


(sn ) é limitada e que lim sup sn − lim inf sn = lim an .

26. Sejam (xn )∞ ∞


n=1 e (yn )n=1 sequências convergentes de números reais. Denotemos seus
limites por x e y, respectivamente, e definamos as sequências (an )∞ ∞
n=1 e (bn )n=1
∞ ∞
pondo an = max {xn , yn } e bn = min {xn , yn }. Mostre que (an )n=1 e (bn )n=1 conver-
gem e que lim an = max {x, y} e lim bn = min {x, y}.

27. Seja s r

q
xn = 1+ 2 + 3 + · · · + n.

a) Mostre que xn < xn+1 .



b) Mostre que (xn+1 )2 ≤ 1 + 2xn
c) Mostre que (xn )∞ ∞
n=1 é limitada superiormente por 2. Conclua que (xn )n=1 é
convergente.

28. Seja (xn )∞


n=1 uma sequência limitada de números reais positivos. Mostre que

1 1
lim sup = .
xn lim inf xn

[nα]
29. Seja α um número real arbitrário. Defina xn = , onde [x] representa o inteiro
n
mais próximo de x. Mostre que

lim xn = α.

30. Seja a um número real diferente de 0. Definamos indutivamente a sequência (xn )∞


n=1
pondo
1
x1 = a e xn+1 = .
1
1+
xn
Determine se a sequência (xn )∞
n=1 converge ou não e, caso convirja, determine seu
limite.
Capı́tulo 6

Séries de Numéros Reais

6.1 O conceito de série numérica


Seja (an )∞n=1 uma sequência de números reais. Definamos indutivamente, a partir de
(an )n=1 , a sequência (sn )∞

n=1 pondo

s1 = a1 ,
sn+1 = sn + an+1 .
P

O limite da sequência (sn )∞
n=1 é denotado por an e é chamado de série de números
n=1
P

reais. A série an é dita convergente se a sequência (sn )∞
n=1 é convergente e, neste caso,
n=1
P

s = lim sn é chamado de a soma da série. Dizemos que an é divergente se não for
n=1
convergente. A sequência (sn )∞
n=1 é frequentemente chamada de sequência de reduzidas
P

ou de somas parciais da série an .
n=1
P

Das propriedades operatórias relativas ao limite de sequências, temos que, se an e
n=1
P

bn são séries convergentes e c ∈ R, então
n=1

P
∞ P
∞ P
∞ P
∞ P

(an + bn ) = an + bn e c · an = c · an .
n=1 n=1 n=1 n=1 n=1

P

Teorema 6.1.1 Se an é convergente então lim an = 0.
n=1

P

Demonstração: Seja (sn )∞
n=1 a sequência de reduzidas de an . Neste caso, existe s ∈ R
n=1
tal que s = lim sn . Evidentemente, tem-se também s = lim sn−1 . Assim,

lim an = lim (sn − sn−1 ) = lim sn − lim sn−1 = s − s = 0,

como querı́amos demonstrar. 

143
144 6.1. O conceito de série numérica

OBSERVAÇÃO 6.1.1 Às vezes é conveniente considerar sequências cujo primeiro termo é
P

a0 no lugar de a1 para que possamos escrever an .
n=0

O próximo exemplo nos mostra que a recı́proca do Teorema 6.1.1 não é verdadeira.

P
∞ 1 1
Exemplo 6.1.1 Chamamos de série harmônica a série . Seu Termo geral an =
n=1 n n

converge para zero, mas a série diverge. Uma vez que a sequência (sn )n=1 de suas reduzidas
é monótona crescente basta, de acordo com a Observação 5.7.3, mostramos que ela possui
uma subsequência ilimitada superiormente. Assim,
     
1 1 1 1 1 1 1 1 1
s2n = 1 + + + + + + + + ··· + + ··· + n
2 3 4 5 6 7 8 2n−1 + 1 2
     
1 1 1 1 1 1 1 1 1
>1+ + + + + + + + ··· + n
+ ··· + n
2 4 4 8 8 8 8 2 2
n−1
1 2 4 2
= 1 + + + + ··· + n
2 4 8 2
1
=1+n·
2
P

e, portanto, lim s2n = +∞. Consequentemente, lim sn = +∞ e an diverge.
n=1

P

Exemplo 6.1.2 Seja a ∈ R. Se |a| ≥ 1, então a série an é divergente, pois seu termo
n=0
P
∞ 1
geral não tende a zero. No entanto, se 0 < |a| < 1, então an converge para .
n=0 1−a
Uma vez que
sn = 1 + a + · · · + an
e
a · sn = a + · · · + an + an+1
temos que
(1 − a) sn = sn − a · sn = 1 − an+1
e, consequentemente,
1 − an+1
sn = .
1−a
Sendo, neste caso, lim an+1 = 0, o resultado segue.

P

Exemplo 6.1.3 A série (−1)n+1 é divergente pois seu termo geral não converge para
n=1
zero. Além disso se (sn )∞ n=1 é a sequência de somas parciais associadas a esta série,
observamos que s2n−1 = 1 e s2n = 0 para todo n ∈ N, ou seja, a sequência (sn )∞n=1 possui
dois valores de aderência distintos o que também a impossibilita de ser convergente.
Capı́tulo 6. Séries de Numéros Reais 145

Exemplo 6.1.4 Seja (an )∞ n=1 uma sequência convergente de números reais. Denotemos
P

por a o limite desta sequência e consideremos a série (an − an+1 ). A sequência (sn )
n=1
de suas reduzidas tem o termo geral sn dado por

sn = (a1 − a2 ) + (a2 − a3 ) + · · · + (an − an+1 ) = a1 − an+1 .

Logo,
P

(an − an+1 ) = lim sn = lim (a1 − an+1 ) = a1 − a.
n=1

Uma série deste tipo é chamada de série telescópica.


P

Teorema 6.1.2 Se a série an de números reais é convergente, então, dado ε > 0,
n=1
existe n0 ∈ N tal que, sempre que m > n0 ,
P∞



an < ε.
n=m

P

Demonstração: Seja an uma série convergente de números reais. Se (sn )∞
n=1 é a sua
n=1
sequência de reduzidas, então, para todo ε > 0, existe n0 ∈ N tal que, sempre que m > n0 ,
P



sm−1 −
a n
< ε.
(6.1)
n=1

Se k ≥ m, então
P
k
sk − sm−1 = an .
n=m

Fazendo k → ∞, na igualdade acima, concluı́mos que


P
∞ P

an − sm−1 = an ,
n=1 n=m

P∞


e, de (6.1), an < ε, sempre que m > n0 . 
n=m

O resultado acima assegura que, em se tratando de séries convergentes, parcelas de


ordem muito alta pouco interferem no resultado da soma.
P

OBSERVAÇÃO 6.1.2 Vimos na demonstração do Teorema 6.1.2 que se an é convergente
n=1
então
P
∞ P

an = an − sm−1
n=m n=1
P
∞ P

e, portanto, an converge para todo m ∈ N. É lógico que se an converge para todo
n=m n=m
P

m ∈ N, então an é convergente.
n=1
146 6.1. O conceito de série numérica

P∞ 1
Exemplo 6.1.5 Sabemos que é uma série convergente e que sua soma vale e.
n=1 n!
Mostraremos agora que e é um número irracional. Para todo n ∈ N temos que

P1 P
   ∞ n 1

1 1 1
n! e − 1 + + + · · · + = n! −
1! 2! n! k=0 k! k=0 k!
P∞ 1 P∞ n!
= n! = .
k=n+1 k! k=n+1 k!

Se k > n, então

n! n!
=
k! n! (n + 1) (n + 2) · · · (n + (k − n))
1
=
(n + 1) (n + 2) · · · (n + (k − n))
1
≤ .
(n + 1)k−n

Note que se k > n + 1 então vale a desigualdade estrita. Deste modo,

P∞ n!
  
1 1 1
n! e − 1 + + + · · · + =
1! 2! n! k=n+1 k!
P∞ 1
< k−n
k=n+1 (n + 1)
1 P ∞ 1
=
n + 1 k=0 (n + 1)k
1 1 1
= = .
n+1 1 n
1−
n+1
 
1 1 1 1
Logo, e− 1 + + + · · · + < . Supondo e racional segue que existem inteiros
1! 2! n! n!n
p
positivos e coprimos p e q tais que e = . Note que devemos ter q > 1 pois, caso contrário,
q
e seria um número inteiro tal que 2 < e < 3. Assim, do que provamos acima,
 
p 1 1 1 1
0 < − 1 + + + ··· + < .
q 1! 2! q! q!q

Multiplicando todos os membros da desigualdade acima por q! segue que

Pq q! 1
0 < p (q − 1!) − < <1
k=0 k! q

Pq q!
o que é um absurdo, pois o termo p (q − 1!) − ∈ Z. Logo e é irracional.
k=0 k!
Capı́tulo 6. Séries de Numéros Reais 147

6.2 Critérios de convergência, convergência absoluta


e relativa.
P

Teorema 6.2.1 Se an ≥ 0 para todo n ∈ N, então an converge se, e somente se, a
n=1
sequência (sn )∞
n=1 de suas somas parciais é limitada.

P

Demonstração: Se an converge, então a sequência (sn )∞
n=1 é convergente e, portanto,
n=1
o Teorema 5.2.3 garante que (sn )∞ ∞
n=1 é limitada. Reciprocamente, suponha que (sn )n=1
seja limitada. Assim, uma vez que

sn+1 = sn + an+1 ,

obtemos que
sn+1 − sn = an+1 ≥ 0,
ou seja, sn+1 ≥ sn . Logo, (sn )∞
n=1 é também monótona e, sendo assim, o Teorema 5.2.4
∞ P

garante que (sn )n=1 é convergente e, por conseguinte, que an é convergente. 
n=1

Corolário 6.2.1 (Critério de Comparação) Sejam (an )∞ ∞


n=1 e (bn )n=1 sequências de
números reais não-negativos. Suponha que exista n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 ,
an ≤ bn . Nestas condições:

P
∞ P

(i) Se bn é convergente, então an também o é;
n=1 n=1

P
∞ P

(ii) Se an é divergente, então bn também o é.
n=1 n=1

P
∞ P

Demonstração: (i): Se bn converge, então bn também converge e, além disso,
n=1 n=n0

P

0 ≤ an0 + an0 +1 + · · · + an0 +n ≤ bn0 + bn0 +1 + · · · + bn0 +n ≤ bn ,
n=n0

P

ou seja, a sequência de reduzidas da série an é limitada e, portanto, do Teorema 6.2.1,
n=n0
P

an é convergente e, por conseguinte,
n=n0

P
∞ nP
0 −1 P

an = an + an
n=1 n=1 n=n0

também o é.
(ii): É a contrapositiva de (i). 
148 6.2. Critérios de convergência, convergência absoluta e relativa.

P∞ 1
Exemplo 6.2.1 A série µ
é conhecida como série de Dirichlet. Quando µ = 1 a série
n=1 n
1 1
em questão é a série harmônica que já sabemos ser divergente. Quando µ < 1, ≤ µ
n n
P∞ 1
e, portanto, do Critério de Comparação, µ
diverge. Se, porém, µ > 1, denotando por
n=1 n
P∞ 1
(sn )∞
n=1 a sequência de reduzidas de µ
, temos que
n=1 n
   
1 1 1 1 1 1
s2n −1 = 1 + + + + + +
2 µ 3µ 4µ 5µ 6 µ 7µ
 
1 1 1
+ ··· + + + ··· + n
(2n−1 )µ (2n−1 + 1)µ (2 − 1)µ
   
1 1 1 1 1 1
≤1+ + + + + +
2µ 2 µ 4µ 4 µ 4µ 4µ
 
1 1 1
+ ··· + + + · · · + n−1 µ
(2n−1 )µ (2n−1 )µ (2 )
n−1
2 4 2
= 1 + µ + µ + · · · + n−1 µ
2 4 (2 )
P
∞ n

 
2 1
≤ = = .
n=0 2µ 2 2µ − 2
1− µ
2
Deste modo, (sn )∞ n=1 é uma sequência monótona que possui uma subsequência limitada.
Logo, (sn )∞
n=1 é limitada (ver Teorema 5.1.1) e, consequentemente, convergente.
P

Sabemos que dizer que a série an converge é o mesmo que dizer que a sequência
n=1
(sn )∞
n=1 de suas somas parciais é convergente. Por outro lado, uma sequência de números
reais é convergente se, e somente se, é uma sequência de Cauchy. Deste modo, (sn )∞ n=1
é convergente se, e somente se, para todo ε > 0 existe n0 ∈ N tal que, sempre que
m > n ≥ n0 ,
P

m
|sm − sn | =

ak < ε.
k=n+1

Fica assim estabelecido o seguinte critério de convergência para séries:


P

Teorema 6.2.2 (Critério de Cauchy) Uma série an de números reais é convergente
n=1
se, e somente se, dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que, sempre que m > n ≥ n0 ,
P

m

ak < ε.
k=n+1

P

Definição 6.2.1 Diremos que a série an é absolutamente convergente, ou que
n=1
P

converge absolutamente, se a série |an | é convergente.
n=1
Capı́tulo 6. Séries de Numéros Reais 149

P

Definição 6.2.2 Diremos que a série an é condicionalmente convergente se é
n=1
convergente, mas não é absolutamente convergente.
P
∞ P

Teorema 6.2.3 Se an converge absolutamente então an é uma série convergente.
n=1 n=1

P

Demonstração: Se an é absolutamente convergente segue do Critério de Cauchy que,
n=1
dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que, sempre que m > n ≥ n0 ,
P
m
|ak | < ε.
k=n+1

Da desigualdade triangular generalizada,


P P
m m
|ak |

a k


k=n+1 k=n+1

e, portanto, sempre que m > n ≥ n0 ,


P

m

ak < ε.
k=n+1

P

O Critério de Cauchy garante então a convergência de an . 
n=1

P
∞ (−1)n+1
Exemplo 6.2.2 Consideremos a série , conhecida como série de Madhava-
n=1 2n − 1
Leibniz. Seja (sn )∞
n=1 a sequência de suas reduzidas. Note que
     
1 1 1 1 1 1
• s2n−1 = 1 − + − + ··· + − + > 0;
3 5 7 4n − 5 4n − 3 4n − 1
     
1 1 1 1 1
• s2n = 1 − + − + ··· + − > 0;
3 5 7 4n − 3 4n + 1
1 1
• s2n+1 − s2n−1 = − < 0 ⇒ s2n+1 > s2n−1 ;
4n + 3 4n + 1
1 1
• s2n+2 − s2n = − > 0 ⇒ s2n+2 > s2n ;
4n + 3 4n + 5
1
• s2n+1 − s2n = > 0 ⇒ s2n < s2n+1 < s1 = 1.
4n + 3
Concluı́mos, portanto, que as subsequências (s2n−1 )∞ ∞
n=1 e (s2n )n=1 são monótonas limitadas
e, consequentemente, convergentes. Sejam a e b, respectivamente, os limites de (s2n )∞ n=1
e (s2n−1 )∞
n=1 . Daı́,
 
1 1
a = lim s2n = lim s2n−1 − = lim s2n−1 − lim = b.
4n + 1 4n + 1
150 6.2. Critérios de convergência, convergência absoluta e relativa.

Logo, (s2n−1 )∞ ∞
n=1 e (s2n )n=1 convergem para o mesmo limite e, portanto, o Teorema 5.4.2
P∞ (−1)n+1
garante que (sn )∞n=1 converge e, consequentemente, converge. Uma vez que
n=1 2n − 1
1 1 1
> > , para todo n ∈ N, temos que
2n − 1 2n 2n + 1
Pn 1 Pn 1 Pn 1 Pn 1
> > = −1
k=1 2k − 1 k=1 2k k=1 2k + 1 k=1 2k − 1

1 P∞ 1 P

e, portanto, o Critério de Comparação garante que as séries e ou são
n=1 2n − 1 n=1 2n
ambas convergentes ou são ambas divergentes. Das propriedades operatórias para limites
infinitos obtemos que
P∞ 1
   
1 1 1 1 1 1
= lim + + ··· + = lim 1 + + ··· + = +∞.
n=1 2n 2 4 2n 2 2 n
P∞ (−1)n+1
Logo, a série é convergente, mas não é absolutamente convergente e, portanto,
n=1 2n − 1
não vale a recı́proca do Teorema 6.2.3. Com o auxı́lio da teoria de integração, é possı́vel
P∞ (−1)n+1 π
mostrar que = .
n=1 2n − 1 4
Teorema 6.2.4 (Teste da Raiz) Se existem c ∈ [0, 1) e n0 ∈ N tais que n |an | ≤ c,
p
P

para todo n ≥ n0 , então an converge absolutamente.
n=1

Demonstração: Com efeito, para todo n ≥ n0 ,


|an | ≤ c ⇒ |an | ≤ cn .
p
n

Uma vez que


P
∞ P
∞ P
∞ cn0
cn = cn0 cn−n0 = cn0 cn =
n=n0 n=n0 n=0 1−c
P
∞ P

segue do Critério de Comparação que |an | é convergente e, portanto, |an | =
n=n0 n=1
nP
0 −1 P

|an | + |an | converge, como querı́amos demonstrar. 
n=1 n=n0

P

|an | = c < 1 então
p
n
Corolário 6.2.2 Se lim sup an converge absolutamente.
n=1

p
|an |, |an+1 |, . . . . Então
n
p n+1
Demonstração: Seja xn = sup

lim xn = lim sup n |an | = c.


p

Se c < d < 1, o Teorema da Conservação do Sinal garante que existe n0 ∈ N tal que,
sempre que n ≥ n0 , xn < d. Uma vez que xn ≥ |an | para todo n ∈ N, temos que, sempre
que n ≥ n0 ,
|an | ≤ xn < d.
O Teste da Raı́z garante o resultado. 
Capı́tulo 6. Séries de Numéros Reais 151

P

|an | = c < 1, então
p
n
Corolário 6.2.3 Se lim an converge absolutamente.
n=1
p ∞
|an | converge, então lim n |an | = lim sup n |an |. O Corolário
n
p p
Demonstração: Se
n=1
6.2.2 garante o resultado. 

OBSERVAÇÃO 6.2.1 Não é difı́cil de enxergar que o Teste da Raiz e o Corolário 6.2.2 são
resultados equivalentes. Vimos o Corolário 6.2.2 como consequência do Teste da Raiz.
Vejamos agora o Teste da Raiz como consequência do Corolário 6.2.2. Suponha
 p que exis-
∞
|an | ≤ c < 1 para todo n ≥ n0 . Seja nk |ank |
p
tam c ∈ [0, 1) e n0 ∈ N tais que n

p ∞ k=1
|an | que converge para lim sup |an |. O Teorema da Con-
n
p
n
uma subsequência de
n=1
servação do Sinal garante então que
q
lim nk |ank | = lim sup n |an | ≤ c
p

P

e, portanto, an converge absolutamente de acordo com o Corolário 6.2.2.
n=1

|an | ≥ 1 para um infinidade de ı́ndices, então |an | ≥ 1 para


p
n
OBSERVAÇÃO 6.2.2 Se
P∞
uma infinidade de ı́ndices e portanto, (an )∞n=1 não converge para zero e a série an
n=1
diverge. Em particular, isto ocorre quando lim n |an | > 1. Quando lim n |an | = 1 nada
p p
P

se pode dizer a respeito da convergência ou não da série an . Uma vez que
n=1
r
n 1 1
lim = lim √ = 1,
n n
n
temos que r r !µ
n 1 n 1
lim = lim =1
nµ n
P∞ 1 P∞ 1
Mas diverge ao passo que, se µ > 1, µ
converge absolutamente.
n=1 n n=1 n

Teorema 6.2.5 (Teste da Razão) Se existem c ∈ [0, 1) e n0 ∈ N tais que, para todo
|an+1 | P∞
n ≥ n0 , |an | > 0 e ≤ c, então an converge absolutamente.
|an | n=1

Demonstração: Para todo n > n0 , temos que


|an | |an | |an−1 | |an0 +1 |
= · · ··· · ≤ cn−n0
|an0 | |an−1 | |an−2 | |an0 |
ou seja, |an | ≤ |an0 | cn−n0 e, portanto,
P
∞ P
∞ P

|an | ≤ |an0 | cn−n0 = c |an0 | cn
n=n0 +1 n=n0 +1 n=0
152 6.2. Critérios de convergência, convergência absoluta e relativa.

P

e, deste modo, o Critério de Comparação assegura a convergência da série |an | e,
n=n0 +1
P

por conseguinte, de |an |. 
n=1

OBSERVAÇÃO 6.2.3 Assim como o Teste da Raiz, o Teste  da Razão pode ser também

|an+1 |
enunciado em termos do limite superior da sequência e a demonstração
|an | n=n0
deste fato se procede de modo semelhante ao anterior e por isso ficará à cargo do leitor.
|an+1 | P∞
Corolário 6.2.4 Se lim = c < 1 então a série an converge absolutamente.
|an | n=1

|an+1 |
Demonstração: Basta notar que se lim existe, então
|an |
|an+1 | |an+1 |
lim = lim sup .
|an | |an |


Exemplo 6.2.3 Sejam a, b ∈ R tais que 0 < a < b < 1 e seja (an )∞ n=1 a sequência
definida por
a2n−1 = an , a2n = bn .
P

Desejamos concluir à respeito da convergência ou não da série an . Para isso, faremos
n=1
√ an+1
uso dos Testes da Raiz e da Razão. Escrevendo xn = n
an e yn = , observamos que
an
√ 2n−1 1 a2
x2n−1 = an = a n = a2− n = √
2n−1
n
→ a2 ,
a

2n 2n
x2n = bn = b n = b2 ,
an  a n−1
y2n−1 = n−1 = a · → 0,
b  n b
bn b
y2n = n = → +∞.
a a
Uma vez que as subsequências (x2n−1 )∞ ∞
n=1 e (x2n )n=1 são ambas monótonas crescentes e,
além disso, x2n−1 ≤ x2n , para todo n ∈ N, temos que

lim sup n an = b2 < 1
P

e o Teste da Raiz assegura que a an converge absolutamente. Note que o Teste da
n=1
Razão não nos permite chegar à mesma conclusão uma vez que a sequência (yn ) possui
uma subsequência ilimitada.

O exemplo acima nos dá indı́cios de que o Teste da Raiz é mais eficaz que o Teste da
Razão e isso será comprovado no resultado a seguir.
Capı́tulo 6. Séries de Numéros Reais 153

Teorema 6.2.6 Seja (an )∞


n=1 uma sequência limitada de termos positivos. Então

an+1 √ √ an+1
lim inf ≤ lim inf n an ≤ lim sup n an ≤ lim sup . (6.2)
an an
an+1 √ an+1 √
Em particular, se lim existe, então lim n an existe e lim = lim n an .
an an
an+1 √
Demonstração: Suponha, por absurdo, que seja lim sup < lim sup n an . Seja
an
c ∈ R tal que
an+1 √
0 ≤ lim sup < c < lim sup n an .
an
an+1
Temos então que existe n0 ∈ N tal que < c, para todo n ≥ n0 . Deste modo, se
an
n > n0
an an−1 an +1
an = · · · · · · 0 · an0
an−1 an−2 an 0
an0 +(n−n0 ) an0 +(n−n0 −1) an +1
= · · · · · · 0 · an 0
an0 +(n−n0 −1) an0 +(n−n0 −2) an0
a n
< cn−n0 · an0 = cn · n 0 .
c 0
e, portanto, sempre que n ≥ n0 ,
r r
√ an0 an
n
an < c · n = c · n n 0 .
n n (6.3)
c 0 c 0
Fazendo
r r
√ √ an an0
xn = sup { an , n+1 an+1 , . . .}
n
e yn = sup c · n n 0 , c · n+1
,... ,
c 0 cn0

segue de (6.3) que xn ≤ yn , sempre que n > n0 e, portanto,


r r
√ a n0
an
lim sup n an = lim xn ≤ lim yn = lim sup c · n
n
= lim c · n n 0 = c
c 0 c 0
√ √ an+1
o que contradiz o fato de ser c < lim sup n
an . Logo, lim sup n
an ≤ lim sup . A
an
desigualdade
an+1 √
≤ lim inf n an
lim inf
an
an+1
se prova de maneira análoga. Se lim existe, então a desigualdade (6.2) e o Teorema
√ an
5.5.3 garantem que lim n an existe e que
an+1 √
lim = lim n an .
an

154 6.2. Critérios de convergência, convergência absoluta e relativa.

P
∞ 1 P∞ 1
OBSERVAÇÃO 6.2.4 As séries e µ
, µ > 1, são exemplos, assim como no caso
n=1 n n=1 n
an+1
do Teste da Raiz, de que o Teste da Razão é inconclusivo quando se tem lim sup = 1.
an
No primeiro caso temos que
1  
n + 1 n (n + 1) − 1 1
lim = lim = lim = lim 1 − =1
1 n+1 n+1 n+1
n
e, no segundo,
1  1 µ
(n + 1)µ
lim = lim  n + 1  = 1,
 
1 1
nµ n
mas, como sabemos, a série harmônica diverge e a série de Dirichlet converge se µ > 1.
an+1
Outra forma de concluir que se an > 0, para todo n ∈ N e lim existe então
an
√ an+1 √ an+1
lim n an existe e lim = lim n an é a seguinte: seja a = lim . Definindo a
an an
an+1
sequência (xn )∞
n=1 pondo x1 = a1 e xn+1 = , temos que lim xn = a. Sendo assim, o
an
Corolário 5.3.3 garante que

r
an an−1 a2
lim an = lim n
n
· · ··· · · a1
an−1 an−2 a1

= lim n xn · xn−1 · · · · · x2 · x1 = a.

Teorema 6.2.7 (Teste de Condensação de Cauchy) Seja (an )∞ n=1 uma sequência
P∞ P∞
não-crescente, com lim an = 0. Então a série an converge se, e somente se, 2 n a2 n
n=1 n=1
converge.

Demonstração: Uma vez que (an )∞


n=1 é não-crescente e lim an = 0, temos que

an ≥ an+1 ≥ 0,

para todo n ∈ N. Denotemos por (sn )∞ ∞


n=1 e (tn )n=1 as sequências de somas parciais de
P∞ P

an e 2n a2n , respectivamente. As sequências (sn )∞ ∞
n=1 e (tn )n=1 são ambas monótonas
n=1 n=1
P

não-decrescentes. Supondo que an converge temos que
n=1

s2n = a1 + a2 + (a3 + a4 ) + (a5 + a6 + a7 + a8 ) + · · · + (a2n−1 +1 + · · · + a2n )


tn
≥ a2 + 2a4 + 4a8 + · · · + 2n−1 a2n = ,
2
ou seja,
P

0 ≤ tn ≤ 2s2n ≤ 2 an
n=1
Capı́tulo 6. Séries de Numéros Reais 155

Sendo assim, a sequência (tn )∞


n=1 além de monótona é limitada e, portanto convergente e,
P∞ P

consequentemente, 2n a2n converge. Reciprocamente, supondo que 2n a2n converge,
n=1 n=1
temos que

s2n −1 = a1 + (a2 + a3 ) + (a4 + a5 + a6 + a7 ) + · · · + (a2n−1 + · · · + a2n −1 )


≤ a1 + 2a2 + 4a4 + · · · 2n−1 a2n−1 = a1 + tn−1 ,

ou seja,
P

0 ≤ s2n−1 ≤ a1 + 2 n a 2n .
n=1

Logo, (sn )∞
n=1 é uma sequência monótona que possui uma subsequência limitada e, sendo
assim, o Teorema 5.1.1 garante que (sn )∞n=1 é limitada e, portanto, convergente. Logo, a
P

série an converge. 
n=1

P∞ 1
Exemplo 6.2.4 Uma vez que a série geométrica n
converge, o Teste de Condensação
n=1 2
P∞ 1
de Cauchy garante que a série 2
converge. Com efeito, basta notar que, escrevendo
n=1 n
1
an = , temos
n2
P∞ 1 P∞
n 1 P∞

n
= 2 · 2
= 2 n a2 n .
n=1 2 n=1 n
(2 ) n=1

Procedendo da mesma forma podemos concluir que, uma vez que a série geométrica

P∞ 1 P∞ 1
µn
= µ n
n=1 2 n=1 (2 )

P∞ 1
converge se µ > 1, deve-se ter, nestas condições, que a série µ
também converge.
n=1 n

P

Teorema 6.2.8 (Teorema de Dirichlet) Seja an uma série cuja sequência de re-
n=1
duzidas (sn )∞
n=1 é uma sequência limitada. Se (bn )∞
é uma sequência não-crescente de
n=1
P

números reais tal que lim bn = 0, então an bn é convergente.
n=1

Demonstração: Sendo (bn )∞


n=1 uma sequência não-crescente que converge pra zero, te-
mos que
bn ≥ bn+1 ≥ 0 e bn − bn+1 ≥ 0
156 6.2. Critérios de convergência, convergência absoluta e relativa.

para todo n ∈ N. Note que


a1 b1 + a2 b2 + · · · + an bn = a1 b1 + a1 b2 + · · · + a1 bn + a2 b2 + a2 b3 + · · · + a2 bn
+ · · · + an−1 bn−1 + an−1 bn + an bn − a1 b2 − · · · − a1 bn
− a2 b3 − · · · − a2 bn − · · · − an−1 bn
= a1 (b1 − b2 ) + (a1 + a2 ) (b2 − b3 ) + (a1 + a2 + a3 ) (b3 − b4 )
+ · · · + (a1 + · · · + an−1 ) (bn−1 − bn ) + (a1 + · · · + an ) bn
= s1 (b1 − b2 ) + s2 (b2 − b3 ) + · · · + sn−1 (bn−1 − bn ) + sn bn
P
n−1
= sk (bk − bk+1 ) + sn bn .
k=1

Uma vez que (sn )∞é uma sequência limitada, existe M > 0 tal que |sn | ≤ M, para todo
n=1
n ∈ N e, sendo assim,
|sk | (bk − bk+1 ) ≤ M (bk − bk+1 )
e
lim sn bn = 0.
Observe que
P
n P

lim M (bk − bk+1 ) = M (bn − bn+1 ) = Mb1
k=1 n=1
P

e, portanto, o Critério de Comparação garante que sn (bn − bn+1 ) é uma série absolu-
n=1
tamente convergente e, por conseguinte, convergente. Daı́
P∞ P P
n
n−1 
an bn = lim an bn = lim sk (bk − bk+1 ) + sn bn
n=1 k=1 k=1
P
n−1
= lim sk (bk − bk+1 ) + lim sn bn
k=1
P

= sn (bn − bn+1 )
n=1

e o resultado segue. 
P

Corolário 6.2.5 (Teorema de Abel) Se an converge e (bn )∞
n=1 é uma sequência
n=1
P

limitada não-crescente de números positivos, então an bn converge.
n=1

Demonstração: A sequência (bn )∞ n=1 é monótona limitada e, portanto, convergente. Seja


P

b = lim bn . Então lim (bn − b) = 0. Como an é convergente, sua sequência (sn )∞
n=1 de
n=1
reduzidas é, em particular, limitada. Deste modo, o Teorema de Dirichlet garante que a
P

série an (bn − b) converge. Uma vez que
n=1
P
∞ P
∞ P
∞ P

an (bn − b) + b an = an (bn − b) + ban
n=1 n=1 n=1 n=1
P∞
= an bn ,
n=1
Capı́tulo 6. Séries de Numéros Reais 157

a existência do limite no primeiro membro da igualdade acima garante a existência do


P

limite no último membro desta mesma igualdade, isto é, an bn converge. 
n=1

Corolário 6.2.6 (Teorema de Leibiniz) Se (bn )∞ n=1 é uma sequência não-crescente de


P

números reais que converge para zero, então a série (−1)n bn converge.
n=1

P

Demonstração: Basta notar que a sequência (sn )∞
n=1 de reduzidas da série (−1)n é
n=1
limitada, visto que s2n−1 = −1 e s2n = 0, e aplicar o Teorema de Dirichlet. 

Os resultados acima nos fornecem mais exemplos de séries condicionalmente conver-


P∞ 1
gentes. Sabemos, por exemplo, que a série harmônica diverge. No entanto, uma
n=1 n
1 P
∞ (−1)n
vez que lim = 0, temos que converge condicionalmente. O mesmo vale para
n n=1 n
P∞ (−1)n
a série µ
para 0 < µ < 1.
n=1 n

6.3 Séries comutativamente convergentes


Sabemos da validade das propriedades associativa, comutativa e distributiva para so-
mas finitas. Veremos que, em geral, essas propriedades não são válidas para somas infinitas
e daremos destaque para a propriedade comutativa que se comporta de forma diferente
para séries absolutamente convergentes e condicionalmente convergentes.
P

Exemplo 6.3.1 Consideremos a série (−1)n+1 . Sabemos que esta série diverge, mas
n=1
vejamos o que acontece quando consideramos, indiscriminadamente, a validade das pro-
priedades associativa e distributiva para somas infinitas. Temos que
P

(−1)n+1 = 1 − 1 + 1 − 1 + 1 − 1 + · · ·
n=1
= (1 − 1) + (1 − 1) + (1 − 1) + · · · = 0,

que
P

(−1)n+1 = 1 − 1 + 1 − 1 + 1 − 1 + · · ·
n=1
= 1 − (1 − 1) − (1 − 1) − (1 − 1) − · · · = 1,

e que
P

(−1)n+1 = 1 − 1 + 1 − 1 + 1 − 1 + · · ·
n=1
P

= 1 − (1 + 1 − 1 + 1 − 1 + · · · ) = 1 − (−1)n+1 ,
n=1
158 6.3. Séries comutativamente convergentes

ou seja,
P
∞ 1 P

2 (−1)n+1 = 1 ⇒
(−1)n+1 = ,
n=1 n=1 2
isto é, encontramos três valores diferentes para o mesmo limite, o que sabemos não ser
possı́vel pelo Teorema da Unicidade do Limite.
P

Definição 6.3.1 Diremos que uma série an é comutativamente convergente se
n=1

P
∞ P

an = aϕ(n) ,
n=1 n=1

qualquer que seja a bijeção ϕ : N → N.


Temos como objetivo, agora, caracterizar séries comutativamente convergentes e vere-
mos que estas são, precisamente, as séries absolutamente convergentes.
Teorema 6.3.1 Seja (an )∞ n=1 uma sequência de números reais. Definamos as sequências
(pn )∞
n=1 e (q ) ∞
n n=1 pondo
pn = max {an , 0} e qn = max {−an , 0}
P
∞ P
∞ P

Nestas condições an é absolutamente convergente se, e somente se, pn e qn
n=1 n=1 n=1
convergem.
Demonstração: Notemos inicialmente que, para todo n ∈ N,
an = pn − qn e |an | = pn + qn .
P
∞ P

Sendo assim, supondo que as séries pn e qn convirjam, temos que
n=1 n=1

P
∞ P
∞ P
∞ P

|an | = (pn + qn ) = pn + qn ,
n=1 n=1 n=1 n=1

P
∞ P

isto é, |an | converge absolutamente. Reciprocamente, supondo que an converge
n=1 n=1
absolutamente, temos que
0 ≤ pn , qn ≤ |an | ,
P
∞ P

para todo n ∈ N. Assim, o Critério de Comparação garante que as séries pn e qn
n=1 n=1
convergem. 
P
∞ P

As séries pn e qn definidas acima são comumente chamadas de parte positiva
n=1 n=1
P

e parte negativa de an , respectivamente, bem como as sequências (pn )∞ ∞
n=1 e (qn )n=1
n=1
são chamadas, respectivamente, de parte positiva e parte negativa de (an )∞ n=1 . Note
P

que a convergência absoluta de an garante a convergência absoluta de suas partes
n=1
positiva e negativa.
Capı́tulo 6. Séries de Numéros Reais 159

P

Teorema 6.3.2 Se an é uma série absolutamente convergente então é também comu-
n=1
tativamente convergente.
P

Demonstração: Consideremos, inicialmente, o caso em que an é uma série de termos
n=1
positivos. Seja ϕ : N → N uma bijeção e denotemos por e (tn )∞ (sn )∞
n=1 as sequências
n=1
P
∞ P

de reduzidas de an e aϕ(n) , respectivamente. Uma vez que (sn )∞ ∞
n=1 e (tn )n=1 são
n=1 n=1
sequências monótonas-crescentes, escrevendo S = {s1 , . . . , sn , . . .} e T = {t1 , . . . , tn , . . .},
sabemos que
lim sn = sup S e lim tn = sup T .
Devemos mostrar então que sup S = sup T e, para isso, basta verificar que dado um
elemento qualquer de S, existe um elemento de T que não é inferior a ele e que, dado um
elemento qualquer de T existe um elemento de S que não é inferior a este. Note que estas
afirmações implicam em sup S ≤ sup T e sup T ≤ sup S, respectivamente. Assim, dado
n ∈ N, seja m = max {ϕ (1) , . . . , ϕ (n)}. Então

{ϕ (1) , . . . , ϕ (n)} ⊂ {1, 2, . . . , m}

e, neste caso,
tn = aϕ(1) + · · · + aϕ(n) ≤ a1 + · · · + am = sm .

Do mesmo modo, dado m ∈ N, seja k = max ϕ−1 (1) , . . . , ϕ−1 (m) . Então

{1, 2, . . . , m} ⊂ {ϕ (1) , ϕ (2) , . . . , ϕ (k)}

e, consequentemente,

sm = a1 + · · · + am ≤ aϕ(1) + · · · + aϕ(k) = tk .

Logo,
lim sn sup S = sup T = lim tn
P

e an é comutativamente convergente.
n=1
O caso geral é obtido aplicando-se o argumento acima às partes positiva e negativa de
P

an . 
n=1

Mostraremos agora que vale a recı́proca do Teorema 6.3.2 acima verificando que ne-
nhuma série condicionalmente convergente pode ser comutativamente convergente, ou
P

seja, se uma série an de números reais é comutativamente convergente então esta série
n=1
deve ser absolutamente convergente.
P

Teorema 6.3.3 Sejam an uma série condicionalmente convergente e c ∈ R. Então
n=1
existe uma bijeção ϕ : N → N tal que
P

aϕ(n) = c.
n=1
160 6.3. Séries comutativamente convergentes

Demonstração: Suponhamos, inicialmente, que seja c ≥ 0 e, sem perda de generalidade,


suponhamos an 6= 0, para todo n ∈ N. Sejam (pn )∞ ∞
n=1 e (qn )n=1 , respectivamente, as
P

partes positiva e negativa de (an )∞
n=1 . Da convergência condicional de an segue que
n=1
lim an = 0 e, consequentemente,

lim pn = 0 = lim qn .

Note ainda que devemos ter


P
∞ P

pn = qn = +∞,
n=1 n=1

pois, caso contrário, a identidade

an = pn − qn
P
∞ P

garante que se pn converge, então qn converge e vice-versa, o que acarretaria na
n=1 n=1
P

convergência absoluta de an . Sendo assim, as sequências (pn )∞ ∞
n=1 e (qn )n=1 são com-
n=1
postas por uma infinidade de termos não-nulos, cada uma. Sejam então (xn )∞ ∞
n=1 e (yn )n=1
as sequências formadas, respectivamente, por todos os termos positivos e todos os termos
negativos de (an )∞n=1 , obedecendo a ordem natural que cada termo aparece na sequência
em questão. Não é difı́cil ver que
P
∞ P
∞ P
∞ P

pn = xn e qn = − yn
n=1 n=1 n=1 n=1

P

e, consequentemente, lim xn = 0 = lim yn . Reordenaremos os termos da série an
n=1
tomando como primeiros termos os valores

x1 + x2 + · · · + xn 1 ,

onde n1 é o menor número natural tal que

x1 + x2 + · · · + xn1 > c.

Em seguida, acrescentamos a soma de termos negativos

−y1 − y2 − · · · − yn2

onde n2 é o menor número natural tal que

x1 + · · · + xn1 − y1 − · · · − yn2 < c.

Acrescentemos agora a soma


xn1 +1 + · · · + xn3 ,
onde n3 é o menor número natural tal que

x1 + · · · + xn1 − y1 − · · · − yn2 + xn1 +1 + · · · + xn3 > c,


Capı́tulo 6. Séries de Numéros Reais 161

e, em seguida, acrescentemos a soma

−yn2 +1 − · · · − yn4 ,

onde n4 é o menor número natural tal que

x1 + · · · + xn1 − y1 − · · · − yn2 + xn1 +1 + · · · + xn3 − yn2 +1 − · · · − yn4 > c


P

Procedendo desta forma, obtemos uma reordenação de an que converge para c, visto
n=1
que, denotando por (tn )∞
n=1 a sequência de reduzidas dessa reordenação, temos que

|tn1 − c| ≤ xn1 , |tn2 − c| ≤ yn2 , |tn3 − c| ≤ xn3 , |tn4 − c| ≤ yn4 , . . . ,

isto é, a subsequência (tnk )∞ ∞ ∞


k=1 converge para c, uma vez que (xnk )k=1 e (ynk )k=1 convergem
para zero e, além disso, se n2k−1 < n < n2k , então

tn2k < tn < tn2k−1

e, se n2k < n < n2k+1 , então


tn2k < tn < tn2k+1 .
P

O caso em que c < 0 se reduz ao anterior pela observação de que, se an converge
n=1
P

condicionalmente, o mesmo acontece com − an e, sendo −c > 0, existe uma reordenação
n=1
P
∞ P

− aϕ(n) desta série que converge para −c e, portanto, aϕ(n) converge para c. 
n=1 n=1

6.4 Produto de Cauchy


P
∞ P

Sejam an e bn séries de números reais. Definamos a sequência (cn )∞
n=1 pondo
n=1 n=1

c1 = a1 b1 , c2 = a2 b1 + a1 b2 , cn = a1 bn + a2 bn−1 + · · · + an b1 , . . .
P

e consideremos a série cn . Esta série é denominada produto de Cauchy das séries
n=1
P
∞ P

an e bn .
n=1 n=1

P
∞ P

Teorema 6.4.1 (Teorema de Cauchy) Sejam an e bn séries absolutamente con-
n=1 n=1
P
∞ P

vergentes de números reais e cn o produto de Cauchy destas séries. Então cn con-
n=1 n=1
P
∞ P

verge absolutamente e, escrevendo-se an = a e bn = b, tem-se
n=1 n=1

P

cn = ab.
n=1
162 6.4. Produto de Cauchy

Demonstração: Denotemos por (sn )∞ ∞ ∞


n=1 , (tn )n=1 e (vn )n=1 , respectivamente, as sequên-
P
∞ P
∞ P∞
cias de somas parciais de an , bn e cn . Fazendo
n=1 n=1 n=1

ān = |an | , b̄n = |bn |

e
c̄n = |a1 bn | + |a2 bn−1 | + · · · + |an b1 | = ā1 b̄n + ā2 b̄n−1 + · · · + ān b̄1 ,

denotemos por (s̄n )∞ ∞
n=1 , (t̄n )n=1 e (v̄n )n=1 , respectivamente, as sequências de somas parciais
P
∞ P
∞ P∞

de ān , b̄n e c̄n . Mostremos, inicialmente, que as sequências (v̄n )∞ n=1 e (s̄n t̄n )n=1
n=1 n=1 n=1
P
∞ P

convergem para o mesmo limite. Da convergência absoluta das séries an e bn
n=1 n=1

sabemos que as sequências (s̄n )∞
n=1 e (t̄n )n=1 são convergentes e, por conseguinte, é também
convergente a sequência (s̄n · t̄n )∞ ∞ ∞
n=1 . Observamos que as sequências (v̄n )n=1 e (s̄n t̄n )n=1
são monótonas não-decrescentes e, portanto,

lim v̄n = sup {v̄1 , . . . , v̄n , . . .} e lim s̄n · t̄ = sup {s̄1 t̄1 , . . . , s̄n t̄n , . . .} .

Precisamos mostrar que os conjuntos X = {v̄1 , . . . , v̄n , . . .} e Y = {s̄1 t̄1 , . . . , s̄n t̄n , . . .} pos-
suem o mesmo supremo. Para isso, é necessário e suficiente que, dado v̄m ∈ X, exista
n ∈ N tal que s̄n t̄n ≥ v̄m e, dado s̄n t̄n ∈ Y, exista k ∈ N tal que v̄k ≥ s̄n t̄n . Deste modo,
dado v̄m ∈ X, temos que

v̄m = c̄1 + c̄2 + · · · + c̄m


 
= ā1 b̄1 + ā1 b̄2 + ā2 b̄1 + · · · + ā1 b̄m + ā2 b̄m−1 · · · + ām b̄1
 
= ā1 b̄1 + · · · + b̄m + ā2 b̄1 + · · · + b̄m−1 + · · · + ām b̄m
  
≤ ā1 b̄1 + · · · + b̄m + ā2 b̄1 + · · · + b̄m + · · · + ām b̄1 + · · · + b̄m

= (ā1 + · · · + ām ) b̄1 + · · · + b̄m = s̄m t̄m ,

isto é, basta fazer m = n. Por outro lado, dado s̄n t̄n ∈ Y, fazendo k = 2n, temos que

v̄2n = c̄1 + · · · + c̄n + · · · + c̄2n



= ā1 b̄1 + · · · + ā1 b̄n + ā2 b̄n−1 · · · + ān b̄1

+ · · · + ā1 b̄2n + ā2 b̄2n−1 · · · + ā2n b̄1
 
= ā1 b̄1 + · · · + b̄2n + · · · + ān b̄1 + · · · + b̄n + · · · + ā2n b̄2n
 
≥ ā1 b̄1 + · · · + b̄n + · · · + ān b̄1 + · · · + b̄n

= (ā1 + · · · + ān ) b̄1 + · · · + b̄n = s̄n t̄n .

P

Logo, (v̄n )∞
n=1 converge e, consequentemente, a série c̄n é convergente. Note agora que
n=1

|cn | = |a1 bn + a2 bn−1 + · · · + an b1 |


≤ |a1 bn | + |a2 bn−1 | + · · · + |an b1 | = c̄n
Capı́tulo 6. Séries de Numéros Reais 163

P
∞ P

e, portanto, do Critério de Comparação, |cn | converge, isto é, a série cn converge
n=1 n=1
absolutamente. Veja ainda que

|sn tn − vn | = |(a1 + · · · + an ) (b1 + · · · + bn ) − (c1 + · · · + cn )|


= |a2 bn + a3 (bn−1 + bn ) + · · · + an (b2 + · · · + bn )|
≤ |a2 | |bn | + |a3 | |bn−1 + bn | + · · · + |an | |b2 + · · · + bn |
≤ |a2 | |bn | + |a3 | (|bn−1 | + |bn |) + · · · + |an | (|b2 | + · · · + |bn |)
 
= ā2 b̄n + ā3 b̄n−1 + b̄n + · · · + ān b̄2 + · · · + b̄n

= (ā1 + · · · + ān ) b̄1 + · · · + b̄n − (c̄1 + · · · + c̄n ) = s̄n t̄n − c̄n

e, uma vez que lim (s̄n t̄n − v̄n ) = 0 temos que lim (sn tn − vn ) = 0, ou seja,

lim vn = lim [(vn − sn tn ) − sn tn ]


= lim (vn − sn tn ) − lim sn tn
= ab.


P

Teorema 6.4.2 (Teorema de Mertens) Sejam an uma série convergente de núme-
n=1
P

ros reais e bn uma série absolutamente convergente de números reais. Escrevendo-se
n=1

P
∞ P

an = a e bn = b,
n=1 n=1

P
∞ P

se cn é o produto de Cauchy das séries dadas, então cn converge e, além disso,
n=1 n=1

P

cn = ab.
n=1

P

Demonstração: Sejam (sn )∞ ∞ ∞
n=1 , (tn )n=1 e (vn )n=1 as sequências de reduzidas de an ,
n=1
P
∞ P

bn e cn , respectivamente. Note que
n=1 n=1

vn − atn = c1 + c2 + · · · + cn − a (b1 + b2 + · · · + bn )
= a1 b1 + (a1 b2 + b2 b1 ) + · · · + (a1 bn + a2 bn−1 + · · · + an b1 )
− ab1 − ab2 − · · · − abn
= (a1 + a2 + a · · · + an − a) b1
+ (a1 + a2 + · · · + an−1 − a) bn−1 + · · · + (a1 − a) bn ,
= (sn − a) b1 + (sn−1 − a) b2 + · · · + (s1 − a) bn ,

donde
vn = (sn − a) b1 + (sn−1 − a) b2 + · · · + (s1 − a) bn + atn .
164 6.4. Produto de Cauchy

P
∞ P

Da convergência absoluta de bn e da convergência de an segue que, dado ε > 0,
n=1 n=1
existem n1 , n2 , n3 ∈ N tais que, sempre que n ≥ n1 ,
ε
|sn − a| < ,
P
∞
4 |bn | + 1
n=1

sempre que n > m ≥ n2 ,


P
n ε
|bk | < ,
k=m+1 4 (sup |sn − a| + 1)
pois, lim bn = 0 e, sempre que n ≥ n3
ε
|tn − b| < .
2 (|a| + 1)
Daı́, fazendo n0 = max {n1 , n2 , n3 }, temos que
|vn − ab| = |(sn − a) b1 + (sn−1 − a) b2 + · · · + (s1 − a) bn + a (tn − b)|
≤ (|sn − a| |b1 | + · · · + |sn−n0 +1 − a| |bn0 |)
+ (|sn−n0 − a| |bn0 +1 | + · · · + |s1 − a| |bn |) + |a| |tn − b|
P
n
≤ (|sn − a| |b1 | + · · · + |sn−n0 +1 − a| |bn0 |) + sup |sn − a| |bk |
k=n0 +1
P
n0
|bn |
ε n=1 ε ε sup |sn − a| ε |a|
< P∞ + + < ε,
4 4 sup |sn − a| + 1 2 |a| + 1
|bn | + 1
n=1

sempre que n ≥ n0 , ou seja, vn → ab. 

Exemplo 6.4.1 Sejam a, b ∈ R dois números reais arbitrários. O Teste da razão ga-
P∞ an P∞ bn
rante que e são séries absolutamente convergentes e, portanto, é também
n=0 n! n=0 n!
P

absolutamente convergente o produto de Cauchy cn destas séries e
n=0

P∞ Pa Pb
 ∞ n  ∞ n
cn = · .
n=0 n=0 n! n=0 n!

Note que
Pn ak bn−k 1 Pn n!
cn = · = ak bn−k
k=0 k! (n − k) ! n! k=0 k! (n − k) !
1 P n k n−k (a + b)n
n
 
= a b = .
n! k=0 k n!
Logo,
P∞ (a + b)n Pa Pb
 ∞ n  ∞ n
= · .
n=0 n! n=0 n! n=0 n!
Capı́tulo 6. Séries de Numéros Reais 165

6.5 Representação decimal de um número real


Seja x um número real não negativo. Uma representação decimal de x é qualquer
série da forma
P
∞ x
n
n
n=0 10

que convirja para x tal que x0 ∈ {0, 1, 2, . . .} e, para todo n ≥ 1, xn ∈ {m ∈ Z; 0 ≤ m ≤ 9}.


P∞ x
n
Se x é um número negativo, então −x é um número positivo. Deste modo, se n

n=0 10
P∞ x
n
uma representação decimal de −x, então − n
será a representação decimal de x.
n=0 10
Vejamos agora que todo número real x possui uma representação decimal. Note que,
para tanto, é suficiente tratarmos o caso em que x ≥ 0.
Seja x um número real não-negativo e seja x0 o maior inteiro não negativo tal que
x0 ≤ x. Seja, agora, x1 o maior inteiro não negativo tal que
x1
x0 + ≤ x.
10
x1
Note que x1 ∈ {m ∈ Z; 0 ≤ m ≤ 9} pois, se fosse x1 ≥ 10, então seria ≥ 1 e, conse-
10
quentemente,
x1
x0 + 1 ≤ x0 + ≤ x,
10
contrariando a maximalidade de x0 . Seja x2 o maior inteiro não-negativo tal que
x1 x2
x0 + + 2 ≤ x.
10 10
Assim como antes, devemos ter x2 ∈ x1 ∈ {m ∈ Z; 0 ≤ m ≤ 9} pois, se fosse x2 ≥ 10,
x2 1
então seria 2 ≥ e, consequentemente,
10 10
x1 + 1 x1 1 x1 x2
x0 + = x0 + + ≤ x0 + + 2 ≤ x.
10 10 10 10 10
Supondo obtidos x0 , x1 , x2, . . . , xn tais que, para todo k = 0, 1, . . . , n, xk é o maior inteiro
não-negativo tal que
x1 x2 xk
x0 + + 2 + ··· + k ≤ x
10 10 10
Seja xn+1 o maior inteiro não-negativo tal que
x1 x2 xn xn+1
x0 + + 2 + · · · + n + n+1 ≤ x.
10 10 10 10
xn+1
Daı́, devemos ter xn+1 ∈ {m ∈ Z; 0 ≤ m ≤ 9} pois, se fosse xn+1 ≥ 10, então seria n+1 ≥
10
1
e, consequentemente,
10n
x1 x2 xn + 1 x1 x2 xn 1
x0 + + 2 + ··· + = x 0 + + + ··· + +
10 10 10n 10 102 10n 10n
x1 x2 xn xn+1
≤ x0 + + 2 + ··· + n
+ n+1 ≤ x,
10 10 10 10
166 Exercı́cios

P∞ x
n
contrariando a maximalidade de xn+1 . A série n
, assim definida, converge para x
n=0 10
pois, denotando por (sn )∞
n=0 sua sequência de reduzidas, temos, pela construção da série,
que
1
0 ≤ x − sn < .
10n
É costume escrever
P∞ x
n
x= n
= x0 , x1 x2 . . . xn . . .
n=0 10
para representar x em termos de uma representação decimal sua.
Em geral, a representação decimal de um número real não é única. Por exemplo, se
x = 1, então as séries
0 0 0 9 9 9
1+ + 2 + ··· + n + ··· e 0+ + 2 + ··· + n + ···
10 10 10 10 10 10
são, ambas, representações decimais de x.

Exercı́cios
P
∞ P
∞ P

1. Sejam an e bn séries de termos positivos. Se bn = +∞ e existe n0 ∈ N tal
n=1 n=1 n=1
an+1 bn+1 P∞
que ≥ para todo n > n0 então an = +∞.
an bn n=1

P
∞ P
∞ an P∞
2. Sejam an e bn séries de termos positivos. Se lim = 0 e bn converge
n=1 n=1 bn n=1
P
∞ an P∞
então an converge. Se lim = c 6= 0, então an coverge se, e somente se,
n=1 bn n=1
P

bn converge.
n=1

P 1
3. Para todo polinômio p (x) de grau superior a 1, a série converge. Conclua
p (n)
P 1
daı́ que, para todo p ∈ N fixado, a série converge.
n (n + 1) · · · (n + p)
4. Se a sequência (an )∞n=1 é não-crescente e lim an = 0, o mesmo ocorre com bn =
a1 + · · · + an
. Conclua que, neste caso, a série
n
P
∞ 1 1
(−1)n+1 bn = a1 − (a1 + a2 ) + (a1 + a2 + a3 ) − · · ·
n=1 2 3
é convergente
P
∞ P
∞ P
∞ an P∞ √
5. Se an converge e an > 0 então (an )2 , e an+1 an convergem.
n=1 n=1 n=1 1 + an n=1
Em algum dos casos vale a recı́proca?
Capı́tulo 6. Séries de Numéros Reais 167

P
∞ P∞ a
n
6. Se (an )2 converge então converge.
n=1 n=1 n
P
∞ P

7. Se (an )2 e (bn )2 são séries convergentes então é também convergente a série
n=1 n=1
P∞
Se an bn .
n=1

P

8. Se (an )∞
n=1 é decrescente e an converge então lim n · an = 0.
n=1

P

9. Se (an )∞
n=1 é decrescente e an = +∞, então
n=1
a1 + a3 + · · · + a2n−1
lim = 1.
n→∞ a2 + a4 + · · · + a2n

10. Seja (an )∞


n=1 uma sequência de números reais que converge para zero. Mostre que
P

existe uma subsequência (ank )∞
k=1 tal que a série ak seja convergente.
k=1

1
11. Mostre que, se da sequência de termo geral an = omitimos os termos tais que n
n
possui algum algarismo 0 em sua representação decimal, então a série formada com
os termos restantes converge.
P

12. (Critério de Kummer) Sejam an uma série de números reais e (bn )∞
n=1 uma
n=1
sequência qualquer de números positivos. Seja ainda
 
an
L = lim inf bn − bn+1 .
an+1
P

Se L > 0, então an converge. Por outro lado, se
n=1
 
an
bn − bn+1 ≤ 0
an+1
para todo n suficientemente grande e a série
P
∞ 1

n=1 bn

P

diverge, então a série an diverge.
n=1

P

13. Seja an uma série de termos positivos. Suponha que existam n0 ∈ N e p ∈ R,
n=1
p > 1, tais que  
an+1
n 1− ≥p
an
P

sempre que n ≥ n0 . Mostre que an converge.
n=1
168 Exercı́cios

P

14. Seja an uma série de termos positivos. Suponha que exista n0 ∈ N tal que
n=1

 
an+1
n 1− ≤ 1,
an

P

sempre que n ≥ n0 . Mostre que an diverge.
n=1

P

15. (Critério de Raabe) Seja an uma série de termos positivos. Mostre que:
n=1

P∞
 
an+1
a) Se lim n 1 − > 1 então an é convergente.
an n=1

P∞
 
an+1
b) Se lim n 1 − < 1 então an é divergente.
an n=1
 
an+1
c) Se lim n 1 − = 1 então nada se pode afirmar à respeito da convergência
an
P∞
ou divergência de an .
n=1

P

16. (Critério de Gauss) Seja an uma série de termos positivos. Se existe n0 ∈ N
n=1
tal que, sempre que n ≥ n0 ,

an+1 p An
= 1 − + 1+r
an n n

onde (An )∞
n=1 é uma sequência limitada de números reais, p é constante e r > 0,
P

então an converge se p > 1 e diverge se p ≤ 1.
n=1

P

17. Discuta quanto a convergência ou divergência da série an , onde
n=1

1 · 3 · · · · · (2n − 1)
an = .
2 · 4 · · · · · 2n

18. Admitindo-se o conhecimento da igualdade

1 1 1
1− + − + · · · = log 2,
2 3 4
mostre que

1 1 1 1 1 1 1 1 1
1− − + − − + − − + · · · = log 2.
2 4 3 6 8 5 10 12 2
Capı́tulo 6. Séries de Numéros Reais 169

P

19. Seja an uma série condicionalmente convergente. Mostre que, dado c ∈ R existe
n=1
uma sequência de números reais (εn )∞
n=1 , |εn | = 1 para todo n ∈ N, tal que

P

εn |an | = c.
n=1

Em outras palavras, alterando-se convenientemente o sinal dos termos de uma série


condicionalmente convergente (sem que a ordem dos termos seja alterada), pode-se
fazer com que esta série convirja para qualquer número real dado.
P

20. Mostre que se an é condicionalmente convergente então existem reordenações
n=1
P
∞ P

aϕ(n) e aψ(n) desta série tais que
n=1 n=1

P
∞ P

aϕ(n) = +∞ e aψ(n) = −∞.
n=1 n=1

21. (Desigualdade de Cauchy-Schwarz) Sejam a1 , . . . , an , b1 , . . . , bn ∈ R. Então


 12  n  12
P
ak bk ≤ P (ak )2 P

n n
2

(bk ) .
k=1 k=1 k=1

22. Usando a Desigualdade de Cauchy-Schwarz mostre que, se (an )∞ n=1 é uma sequência
P

de números reais não-negativos para a qual a série an converge, então a série
n=1

P
∞ an
n=1 np
1
também converge qualquer que seja p > .
2
P

23. Se (an )2 converge, então
n=1
√ √ √ √
a1 + 2a2 + 3a3 + 4a4 + · · · + nan
lim sup < ∞.
n
24. Dê exemplo de duas séries divergentes de números reais tais que o produto de Cauchy
entre elas seja convergente.
25. Mostre que, para valores apropriados de x, vale a igualdade
1 P ∞ P∞
an xn = (a0 + a1 + · · · + an ) xn .
1 − x n=0 n=1

26. Mostre que, para valores apropriados de x,


P

(1 − x)2 = (n + 1) xn .
n=0
170 Exercı́cios

P∞ (−1)n P∞ (−1)n
27. Para quais valores de p e q o produto de Cauchy das séries p e q
n=0 (n + 1) n=0 (n + 1)
converge?
P
n P
n
28. Seja a ∈ R tal que |a| < 1. Façamos sn = ak e tn = (k + 1) ak .
k=0 k=0

P
n P
n
a) Mostre que (sn )2 = (k + 1) ak + (n + 1 − k) an+k .
k=0 k=1
n (n + 1)
2
b) Mostre então que tn − (sn ) ≤ |a|n+1 .

2
2
c) Mostre que lim tn = (lim sn ) . Daı́, obtenha uma fórmula para o cálculo de
P

(n + 1) an .
n=0
P∞ k+1
d) Calcule n
.
n=0 3

29. Encontre a soma das séries:


P
∞ 1 P
∞ 1
a) . b)
n=1 n (n + 2) n=1 n (n + 1) (n + 3) (n + 4)

P
∞ 1 P
∞ 1 P∞ 1 π2
c) √ √ d) dado que = .
2 2
n=1 (n + 1) n+n n+1 n=1 n (2n − 1) n=1 n 6

30. Determine quais das séries abaixo são convergentes e quais são divergentes:
P∞ 3n P∞ n P
∞ √ √ 
a) 3
. b) n
. c) n+1− n .
n=2 n + 1 n=1 2 n=1

P

2 P
∞ 1 P
∞ √ n
d) e−n . e) √ . f) n
n−1 .
n=1 n=1 n3 + 4 n=1
√ √
P∞ n+1− n P∞ (−1)n P
∞ (−1)n
g) . h) √
n
. i) √ n.
n=2 n n=2 n n=2 n + (−1)

P∞
n
 1  P
∞ 1 P∞ n10
k) (−1) e − 1 .
n l) 2
. m) .
n=1 1 + n
n
n=1 n=1 10
Capı́tulo 7

Topologia da Reta

Neste capı́tulo desenvolveremos as noções básicas no que diz respeito à caracterização


do conjunto R dos números reais enquanto espaço topológico. Tais noções constituirão o
alicerce para definições e caracterizações importantes tais como limite e continuidade de
funções reais.

7.1 Conjuntos abertos


Estabeleceremos agora os conceitos de topologia e espaço topológico. Veremos ainda
como a noção de distância entre pontos da reta faz, de modo natural, do conjunto R dos
números reais um espaço topológico.

Definição 7.1.1 Seja X um conjunto qualquer e denotemos por P (X) o conjunto das
partes de X. Uma topologia em X é uma coleção τ ⊂ P (X) satisfazendo às seguintes
condições:

(i) ∅, X ∈ τ;

(ii) se {Aλ }λ∈L é uma famı́lia de elementos de τ, então


S
Aλ ∈ τ;
λ∈L

(iii) se A1 , . . . , An ∈ τ, então
A1 ∩ · · · ∩ An ∈ τ.

O par (X, τ) será denominado espaço topológico.

Definição 7.1.2 Sejam A ⊂ R e x ∈ A. Diremos que x0 é um ponto interior de A se


existe ε > 0 tal que

{x ∈ R; |x − a| < ε} = (x0 − ε, x0 + ε) ⊂ A.

Chamaremos de interior de A o conjunto

int (A) = {x ∈ A; x é interior a A} .

171
172 7.1. Conjuntos abertos

OBSERVAÇÃO 7.1.1 De modo equivalente, dizer que x0 ∈ A é um ponto interior de A é


o mesmo que afirmar que existe um intervalo aberto (a, b) tal que

x0 ∈ (a, b) ⊂ A.

Com efeito, se x0 ∈ A é um ponto interior de A, então existe ε > 0 tal que

(x0 − ε, x0 + ε) ⊂ A

e, neste caso, basta fazer a = x − ε e b = x + ε. Por outro lado, se existe um intervalo


aberto (a, b) tal que x ∈ (a, b) ⊂ A, fazendo

ε = min {x0 − a, b − x0 } ,

temos que
(x0 − ε, x0 + ε) ⊂ (a, b) ⊂ A,
isto é, x0 é um ponto interior de A.

Lema 7.1.1 Seja A ⊂ R. Então x ∈ A é um ponto interior de A se, e somente se,


sempre que (xn )∞
n=1 é uma sequência de números reais que converge para x, então existe
n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 , xn ∈ A.

Demonstração: Se x ∈ int (A) existe ε > 0 tal que (x − ε, x + ε) ⊂ A. Deste modo,


se (xn )∞
n=1 é uma sequência de números reais que converge para x então existe n0 ∈ N
tal que, sempre que n ≥ n0 , xn ∈ (x − ε, x + ε), ou seja, xn ∈ A para todo n ≥ n0 .
Reciprocamente, suponha que x ∈ A é tal que, sempre que (xn )∞ n=1 é uma sequência
de números reais que contém x existe n0 ∈ N tal que xn ∈ A, sempre que n ≥ n0 .
Suponha,
 por absurdo,  que x não seja interior. Então, para todo n ∈ N podemos obter
1 1
xn ∈ x − , x + tal que xn ∈/ A. Daı́, a sequência (xn )∞
n=1 assim obtida converge
n n
para x, mas xn ∈ / A, qualquer que seja n ∈ N, o que é uma contradição. Logo, x é um
ponto interior de A e o resultado segue. 

Exemplo 7.1.1 Sejam a, b ∈ R, com a < b. Façamos A = [a, b]. Então

int (A) = (a, b) .

Com efeito, se x ∈ (a, b), segue da Observação 7.1.1 que, como (a, b) ⊂ [a, b], tem-se
x ∈ int (A), isto é, (a, b) ⊂ int (A). Por outro lado, se x ∈ int (A), existe ε > 0 tal que
(x − ε, x + ε) ⊂ [a, b]. Deste modo,

a ≤ x − ε < x < x + ε ≤ b ⇒ a < x < b ⇒ x ∈ (a, b) ,

ou seja, int (A) ⊂ (a, b). De modo inteiramente análogo verifica-se que fazendo A1 =
(a, b), A2 = [a, b) e A3 = (a, b] tem-se

int (A1 ) = int (A2 ) = int (A3 ) = (a, b) .


Capı́tulo 7. Topologia da Reta 173

Exemplo 7.1.2 Seja a ∈ R. Então, escrevendo A = [a, +∞), temos que


int (A) = (a, +∞) .
De fato, se x ∈ (a, +∞), fazendo ε = x − a, temos que
(x − ε, x + ε) ⊂ A
e (a, +∞) ⊂ int (A). Por outro lado, se x ∈ int (A), existe ε > 0 tal que (x − ε, x + ε) ⊂ A
e, neste caso,
a ≤ x − ε < x ⇒ x ∈ (a, +∞)
e int (A) ⊂ (a, +∞). De modo inteiramente análogo verifica-se que, fazendo-se
A1 = (a, +∞) , A2 = (−∞, b) e A3 = (−∞, b] ,
tem-se
int (A1 ) = (a, +∞) e int (A2 ) = int (A3 ) = (−∞, b) .
Exemplo 7.1.3 Seja A = Z. Então int (A) = ∅. Com efeito, o conjunto Z dos números
inteiros não contém números irracionais e, portanto, não pode conter qualquer intervalo
da reta.
Exemplo 7.1.4 Segue diretamente do Lema 7.1.1 que se a, b ∈ R são, respectivamente,
os extremos inferior e superior dos intervalos I e J, então a e b não podem ser pontos
1 1
interiores destes intervalos. De fato, as sequências xn = a − e yn = b + convergem,
n n
respectivamente, para a e b, mas, para todo n ∈ N, xn ∈ / I e yn ∈
/ J.
Definição 7.1.3 Diremos que o conjunto A ⊂ R é aberto se todo ponto a ∈ R é um
ponto interior de A. Em outras palavras, A ⊂ R é dito aberto se
A = int (A) .
OBSERVAÇÃO 7.1.2 Se A ⊂ R, segue imediatamente da Definição 7.1.2 que int (A) ⊂ A.
Portanto, para mostrarmos que um dado conjunto A de números reais é aberto é suficiente
mostrar a inclusão contrária, isto é, mostrar que A ⊂ int (A).
OBSERVAÇÃO 7.1.3 O ∅ é um conjunto aberto. De fato, se ∅ não fosse aberto, deveria
existir x ∈ ∅ tal que x não é ponto interior de ∅, o que sabemos não ser possı́vel.
É costume dizer que o conjunto vazio é aberto por vacuidade, ou seja, a ausência de
elementos no conjunto vazio não permite que ele contrarie a definição de conjunto aberto.
Teorema 7.1.1 Seja A ⊂ R. Então int (A) é um conjunto aberto, isto é,
int (int (A)) = int (A) .
Demonstração: Seja x ∈ int (A). Deste modo, existe ε > 0 tal que (x − ε, x + ε) ⊂ A.
Seja y ∈ (x − ε, x + ε). Fazendo η = min {y − x + ε, x + ε − y}, tem-se que
(y − η, y + η) ⊂ (x − ε, x + ε) ⊂ A.
Logo, y ∈ int (A) e portanto, da arbitrariedade de y, (x − ε, x + ε) ⊂ int (A). Daı́,
concluı́mos que x ∈ int (int (A)) e, da arbitrariedade de x, int (A) ⊂ int (int (A)). 
174 7.1. Conjuntos abertos

Exemplo 7.1.5 Segue diretamente dos Exemplos 7.1.1 e 7.1.2 que todo intervalo aberto,
limitado ou não, é um conjunto aberto.

Teorema 7.1.2 Seja τ a coleção de subconjuntos da reta dada por

τ := {A ⊂ R; A é aberto} .

Então, a coleção τ é uma topologia em R.

Demonstração: (ı̀): Vimos na Observação 7.1.3 que o ∅ é aberto por vacuidade. Dado
x ∈ R, temos que
x ∈ (x − 1, x + 1) ⊂ R,
ou seja, todo ponto de R é interior e R é, portanto, um conjunto aberto.
(ii): Seja {Aλ }λ∈L uma famı́lia de conjuntos abertos e seja
S
A= Aλ .
λ∈L

Se x ∈ A, existe λ0 ∈ L tal que x ∈ Aλ0 . Como Aλ0 é um conjunto aberto, existe um


intervalo aberto I tal que
x ∈ I ⊂ Aλ0 ⊂ A.
Logo x ∈ int (A) e, da arbitrariedade de x, A é aberto.
(iii): Sejam A1 e A2 dois subconjuntos abertos de R e seja

A = A1 ∩ A2 .

se x ∈ A, existem ε1 , ε2 > 0 tais que

(x − ε1 , x + ε2 ) ⊂ A1 e (x − ε2 , x + ε2 ) ⊂ A2 .

fazendo ε = min {ε1 , ε2 }, temos que

(x − ε, x + ε) ⊂ A1 ∩ A2 .

Logo, x ∈ int (A) e, da arbitrariedade de x, A é aberto. Supondo a validade do resultado


para uma quantidade n ≥ 2 de conjuntos abertos, mostremos sua validade para n + 1
conjuntos abertos. Escrevendo
A = A1 ∩ · · · ∩ An
temos que

A1 ∩ · · · ∩ An ∩ An+1 = (A1 ∩ · · · ∩ An ) ∩ An+1


= A ∩ An+1

Como da hipótese de indução A é aberto e a interseção de dois conjuntos abertos é ainda


um conjunto aberto, A ∩ An+1 é aberto e o resultado segue para todo n ≥ 2. 
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 175

Exemplo 7.1.6 Outra forma de verificar que as semirretas (a, +∞) e (−∞, b) são con-
juntos abertos é observando que

S ∞
S
(a, +∞) = (a, a + n) e (−∞, b) = (b − n, b) ,
n=1 n=1

isto é, que estes conjuntos podem ser vistos como sendo, cada um deles, a reunião de
conjuntos abertos. Se x0 ∈ (a, +∞), então x0 − a > 0. Do fato de N ser ilimitado
superiormente, existe n0 ∈ N, tal que n0 > x0 − a. Logo,

0 < x0 − a < n0 ⇒ a < x0 < a + n0 ⇒ x0 ∈ (a, a + n0 ) ⊂
S
(a, a + n)
n=1


S
e, portanto, (a, +∞) ⊂ (a, a + n). Uma vez que (a, a + n) ⊂ (a, +∞), para todo n ∈
n=1

S ∞
S
N, tem-se (a, a + n) ⊂ (a, +∞). Daı́ (a, +∞) = (a, a + n). A outra igualdade é
n=1 n=1
verificada de modo inteiramente análogo.

Exemplo 7.1.7 Em geral, a interseção arbitrária de conjuntos abertos nem sempre é um


conjunto aberto. Fixado a ∈ R façamos

 
1 1 T
An = a − , a + e A= An .
n n n=1

Afirmamos que deve ser A = {a}. De fato, observamos sem dificuldade que a ∈ An , para
todo n ∈ N e, consequentemente, a ∈ A. Suponha agora que exista x ∈ A tal que seja
x 6= a. Neste caso, |x − a|> 0 e, da propriedade
 Arquimediana, existe n0 ∈ N tal que
1 1 1
< |x − a| e, daqui, x ∈
/ a − ,a + o que é uma contradição. Assim, A = {a},
n0 n0 n0
como querı́amos demonstrar. O conjunto A, claramente, não pode ser aberto.

Os próximos resultados nos ajudarão a perceber como os conjuntos abertos da reta se


comportam, estruturalmente falando.

Lema 7.1.2 Um conjunto I ⊂ R é um intervalo se, e somente se, dados a, b ∈ I, o


número real
xt = a (1 − t) + bt ∈ I,
para todo t ∈ [0, 1].

Demonstração: O resultado é óbvio se I é um intervalo degenerado. Seja, portanto,


I ⊂ R um intervalo não-degenerado e sejam a, b ∈ I, com a < b. Deste modo, se
0 ≤ t1 ≤ t2 ≤ 1,

xt2 − xt1 = a (1 − t2 − 1 + t1 ) + b (t2 − t1 )


= −a (t2 − t1 ) + b (t2 − t1 )
= (b − a) (t2 − t1 ) ≥ 0,
176 7.1. Conjuntos abertos

ou seja,
0 ≤ t1 ≤ t2 ≤ 1 ⇒ xt1 ≤ xt2
e, daqui, para todo t ∈ [0, 1],
a = x0 ≤ xt ≤ x1 = b
e xt ∈ [a, b] ⊂ I. Reciprocamente, suponha que, dados a, b ∈ I, xt = a (1 − t) + bt ∈ I,
para todo t ∈ [0, 1]. Deste modo, dado x ∈ [a, b], fazendo
x−a
t= ,
b−a
temos que t ∈ [0, 1] e x = a (1 − t) + bt, ou seja, [a, b] ⊂ I. Para mostrar que I é um
intervalo, mostraremos que se a = inf I e b = sup I, então

(a, b) ⊂ I ⊂ [a, b] .

Logicamente, pode ocorrer de ser a = −∞ e/ou b = +∞. É lógico que I ⊂ [a, b].
Sejam (an )∞ ∞
n=1 e (bn )n=1 sequências de elementos de I tais que an → a, bn → b e, dados
m, n ∈ N, bm ≥ an . Assim, para todo n ∈ N,

(an , bn ) ⊂ [an , bn ] ⊂ I

e, consequentemente,

S
(a, b) = (an , bn ) ⊂ I.
n=1

OBSERVAÇÃO 7.1.4 Note que um enunciado equivalente ao dado no Lema 7.1.2 seria o
seguinte: um conjunto não-vazio I ⊂ R é um intervalo se, e somente se, dados a, b ∈ I,
[a, b] ⊂ I.

OBSERVAÇÃO 7.1.5 Sejam I1 e I2 dois intervalos abertos disjuntos. Sem perda de gene-
ralidade, suponha que seja x < y, sempre que x ∈ I1 e y ∈ I2 (ou seja, o intervalo I1 está
à esquerda do intervalo I2 ). Se b1 é o extremo superior de I1 e a2 é o extremo inferior
de I2 , então, dados x ∈ I1 e y ∈ I2 , temos que b1 , a2 ∈ [x, y], mas b1 , a2 ∈
/ I1 ∪ I2 . Logo,
x, y ∈ I1 ∪ I2 mas esta reunião não contém [x, y] e, do Lema 7.1.2, I1 ∪ I2 não pode ser
um intervalo.

Lema 7.1.3 Sejam I1 = (a1 , b1 ) e I2 = (a2 , b2 ) intervalos abertos que possuam um ponto
p em comum. Então I1 ∪ I2 é um intervalo aberto. Aqui, pode acontecer de ser a = −∞
e/ou b = +∞.

Demonstração: Sejam a, b ∈ I1 ∪ I2 com a ≤ b. Se a, b ∈ I1 ou a, b ∈ I2 , então é


claro que [a, b] ⊂ I1 ∪ I2 . Se a ∈ I1 − I2 e b ∈ I2 − I1 , então deve-se ter a < p pois, caso
contrário, se fosse p ≤ a, uma vez que a ≤ b, terı́amos, pelo uso do Lema 7.1.2,

a ∈ [p, b] ⊂ I2 ,
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 177

contradizendo o fato de a não pertencer a I2 . Invocando o Lema 7.1.2 mais uma vez temos
que
[a, p] ⊂ I1 , [p, b] ⊂ I2 ⇒ [a, b] = [a, p] ∪ [p, b] ⊂ I1 ∪ I2 .
O caso em que a ∈ I2 − I1 e b ∈ I1 − I2 é feito de modo análogo. Em todo caso, mostramos
que, dados a, b ∈ I1 ∪ I2 , temos [a, b] ⊂ I1 ∪ I2 , ou seja, I1 ∪ I2 é um intervalo que deve
ser aberto por se tratar da reunião de abertos. 

Teorema 7.1.3 Seja {Iλ }λ∈L uma famı́lia de intervalos abertos tal que
T
Iλ 6= ∅.
λ∈L
S
Então Iλ é um intervalo aberto.
λ∈L
S
Demonstração: Sejam a, b ∈ Iλ . Neste caso, existem λ1 , λ2 ∈ L tais que a ∈ Iλ1 e
λ∈L
b ∈ Iλ2 . Da hipótese, Iλ1 ∩ Iλ2 6= ∅ e, consequentemente, segue do Lema 7.1.3, que
S
[a, b] ⊂ Iλ1 ∪ Iλ2 ⊂ Iλ .
λ∈L

O Lema 7.1.2, garante o resultado. 

Teorema 7.1.4 (Estrutura dos Abertos da Reta) Todo aberto da reta se escreve de
modo único como uma reunião enumerável de intervalos abertos disjuntos dois a dois.
(Aqui a unicidade se dá no seguinte sentido: se

S ∞
S
In = A = Jm
n=1 m=1

sendo os intervalos In disjuntos dois a dois, bem como os intervalos Jm , então, para cada
n ∈ N, existe m ∈ N tal que In = Jm e vice-versa.)

Demonstração: Seja A um conjunto aberto da reta. Para cada x ∈ A seja Ix a reunião


dos intervalos abertos que contém x e estão contidos em A. O Teorema 7.1.2 garante que
Ix é o maior intervalo aberto que contém x e está contido em A. Afirmamos que, dados
x, y ∈ A, temos que ou Ix = Iy ou Ix ∩ Iy = ∅. Com efeito, se Ix ∩ Iy 6= ∅, então o
Teorema 7.1.2 (ou o Lema 7.1.2) garante que Ix ∪ Iy é um intervalo aberto que contém x
e y. Logo,
Ix ∪ Iy ⊂ Ix e Ix ∪ Iy ⊂ Iy .
Consequentemente,
Iy ⊂ Ix e Ix ⊂ Iy .
Vimos então que o conjunto A pode ser escrito como uma reunião de intervalos abertos
disjuntos dois a dois. Denotemos a famı́lia composta por tais intervalos de {Jλ }λ∈L e
mostremos que o conjunto L de ı́ndices é enumerável. Para cada λ ∈ L, seja rλ um
número racional fixado no intervalo Jλ . A aplicação

λ 7→ rλ
178 7.2. Conjuntos fechados

é claramente injetiva e, sendo assim, o conjunto L deve ser enumerável. Sejam agora
(In )∞ ∞
n=1 e (Jm )m=1 duas sequências de intervalos abertos disjuntos dois a dois tais que


S ∞
S
In = A = Jm .
n=1 m=1


S
Fixado n0 ∈ N, seja x ∈ In0 . Então, uma vez que x ∈ A = Jm , deve existir m0 ∈ N tal
m=1
que x ∈ Jm0 . Uma vez que deve ser

In0 = Ix = Jm0 ,

o resultado segue. 

7.2 Conjuntos fechados


Definição 7.2.1 Diremos que F ⊂ R é um conjunto fechado se R − F é aberto.

Exemplo 7.2.1 Os intervalos fechados são conjuntos fechados. Sejam a, b ∈ R, com


a ≤ b, e consideremos os intervalos fechados (−∞, a], [a, b] e [b, +∞). Então

R − (−∞, a] = (a, +∞) ,


R − [a, b] = (−∞, a) ∪ (b, +∞) ,
R − [b, +∞) = (−∞, b) ,

o que comprova nossa afirmação.

OBSERVAÇÃO 7.2.1 Um leitor mais desatento poderia, ingenuamente, sintetizar a de-


finição de conjunto fechado da seguinte forma: “um conjunto é fechado quando não é
aberto”. Isso é, obviamente, uma inverdade. Se a, b ∈ R, com a < b, temos que os
intervalos da forma (a, b] e [a, b) são subconjuntos de R que não são nem abertos e nem
fechados (por que? ).

OBSERVAÇÃO 7.2.2 Note que

R=R−∅ e ∅ = R − R.

Sendo ∅ e R ambos abertos, segue então da definição de conjunto fechado que ∅ e R são,
também, ambos fechados. Veremos mais adiante que estes são os únicos subconjuntos de
R com esta propriedade.

Teorema 7.2.1 Seja {Fλ }λ∈L uma famı́lia de subconjuntos fechados de R. Então:
T
(i) Fλ é um conjunto fechado.
λ∈L
S
(ii) Se L é finito, então Fλ é um conjunto fechado.
λ∈L
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 179

Demonstração: (i) : Escrevendo Fcλ = R − Fλ , temos, do fato de cada conjunto Fλ ser


fechado, que Fcλ é aberto. Das Leis de De Morgan temos que
 c
Fλ = Fcλ ,
T S
λ∈L λ∈L
 c
T
ou seja, o conjunto Fλ é aberto por ser uma reunião de conjuntos abertos e, conse-
T λ∈L
quentemente, Fλ é fechado.
λ∈L
(ii) : Sem perda de generalidade, podemos escrever L = {1, 2, . . . , n}, de modo que
S n
S
Fλ = Fi .
λ∈L i=1

Novamente, das Leis de De Morgan,


 n
c n
Fci .
S T
Fi =
i=1 i=1
 n
c
S
Logo, Fi é uma interseção finita de conjuntos abertos e, portanto, um conjunto
i=1
n
S
aberto. Consequentemente, Fi é um subconjunto fechado de R. 
i=1

Trabalharemos agora no sentido de estabelecer uma visão equivalente da definição de


conjuntos fechados por meio de sequências.
Definição 7.2.2 Seja F um conjunto de números reais. Um ponto x ∈ R é um ponto
aderente a F se existe uma sequência (xn )∞
n=1 de pontos de F tal que xn → x.

OBSERVAÇÃO 7.2.3 Podemos ter x aderente a F sem que x pertença a F. De fato, 0 é


1
um ponto aderente do conjunto (0, 1] visto que, fazendo-se xn = , temos que xn ∈ (0, 1]
n
para todo n, xn → 0, mas 0 ∈
/ (0, 1].
OBSERVAÇÃO 7.2.4 A definição de ponto aderente garante que se x ∈ F então x é ade-
rente a F. Com efeito, basta considerarmos a sequência constante xn = x. Consequente-
mente, é sempre verdade que
F ⊂ F.
Lema 7.2.1 Se F ⊂ R, então x ∈ R é aderente a F se, e somente se
(x − ε, x + ε) ∩ F 6= ∅,
para todo ε > 0.
Demonstração: Suponha que x seja aderente a F. Então, existe uma sequência xn
de pontos de F que converge para x. Deste modo, dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que
xn ∈ (x − ε, x + ε), sempre que n ≥ n0 e, daı́, (x − ε, x + ε) ∩ F 6= ∅, para todo ε > 0.
1
Reciprocamente, suponha que, para todo ε > 0, (x − ε, x + ε) ∩ F 6= ∅. Para cada ε = ,
n
encontramos xn ∈ F tal que xn ∈ (x − ε, x + ε). Logo, a sequência (xn )∞
n=1 é uma sequência
de pontos de F que converge para x e, consequentemente, x é aderente a F. 
180 7.2. Conjuntos fechados

Definição 7.2.3 Seja F um subconjunto de números reais. O fecho de F, denotado por


F, é o conjunto dos pontos aderentes a F.

Teorema 7.2.2 Seja F ⊂ R. Se {Fλ }λ∈L é a coleção de todos os subconjuntos fechados de


R que contém F, então T
F = Fλ .
λ∈L

Demonstração: Se x ∈ F, então existe uma sequência (xn )∞


n=1 de pontos de F tal que
lim xn = x. Logo, do fato de ser
F ⊂ F ⊂ Fλ ,
para todo λ ∈ L, segue que (xn )∞ n=1 é uma sequência de pontos de Fλ que converge para
x qualquer que seja o λ ∈ L. A convergência de (xn )∞ n=1 para x garante que qualquer
intervalo que contenha x contém pontos de Fλ , o que nos garante que nenhum intervalo
que contenha x pode estar inteiramente contido em Fcλ . Como Fcλ é aberto, segue daqui
que x ∈/ Fcλ , o que nos dá x ∈ Fλ . Da arbitrariedade de λ segue que
T
x ∈ Fλ
λ∈L

e, da arbitrariedade de x ∈ F, segue que


T
F⊂ Fλ .
λ∈L
T
Reciprocamente, seja x ∈ Fλ . Suponha por absurdo que exista um ε > 0 tal que
λ∈L
(x − ε, x + ε) ∩ F = ∅. O conjunto R− (x − ε, x + ε) é um conjunto fechado que contém
F, mas que não contém x o que, obviamente, é um absurdo. Logo, todo intervalo que
contém x deve conter algum ponto de F e x é, portanto, aderente a F. Assim,

x∈F
T
sempre que x ∈ Fλ , o que nos dá
λ∈L

T
Fλ ⊂ F.
λ∈L

Corolário 7.2.1 O fecho de um subconjunto F de números reais é sempre um conjunto


fechado.

Demonstração: Segue imediatamente do fato do fecho de F poder ser escrito como uma
interseção de subconjuntos fechados de R e do Teorema 7.2.1. 

Corolário 7.2.2 Um subconjunto F ⊂ R é fechado se, e somente se,

F = F.
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 181

Demonstração: Se F = F segue imediatamente do corolário anterior que F é fechado.


Por outro lado, se F é fechado e {Fλ }λ é a coleção de todos os fechados que contém F, então
T
F= Fλ = F.
λ∈L

Exemplo 7.2.2 Sejam (xn )∞ n=1 uma sequência de números reais e F o conjunto dos seus
valores de aderência. Mostraremos que F é fechado. Seja a ∈ F. Então existe uma
sequência (an )∞
n=1 de pontos de F que converge para a. Para cada k ∈ N existe um
subconjunto infinito de números naturais Nk tal que lim xn = ak . Deste modo, para
n∈Nk
k = 1 existe n1 ∈ N1 tal que |xn1 − a1 | < 1. Para k = 2, existe n2 ∈ N2 , com n2 > n1
1 1
tal que |xk2 − a2 | < . Para n = 3, obtemos n3 ∈ N3 tal que k3 > k2 e |xn3 − a3 | < .
2 3
Procedendo com este argumento, encontramos números naturais nk tais que nk+1 > nk e
1
|xnk − ak | < , para todo k ∈ N. Afirmamos que a subsequência (xnk )∞k=1 converge para
k
a. Com efeito,

|xnk − a| = |(xnk − ak ) + (ak − a)|


≤ |xnk − ak | + |ak − a|
1
< |ak − a| + .
k
O Teorema do Confronto garante o resultado.

OBSERVAÇÃO 7.2.5 O exemplo acima evidencia a diferença entre os conceitos de ponto


aderente e valor de aderência. Todo valor de aderência de uma sequência é um ponto
aderente do conjunto de seus termos. No entanto, um ponto aderente ao conjunto dos
termos de uma sequência pode não ser um valor de aderência desta. Se (xn )∞ n=1 é uma
sequência convergente e não-constante, seu único valor de aderência é o seu próprio limite.
No entanto, todo e qualquer termo desta sequência é um ponto aderente ao conjunto de
seus termos.

Definição 7.2.4 Diremos que X ⊂ R é limitado se existe K > 0 tal que |x| ≤ K, para
todo x ∈ X.

Note que, de forma equivalente, dizer que X ⊂ R é limitado é equivalente a dizer que
existem números reais a e b, com a < b, tais que X ⊂ [a, b].

Teorema 7.2.3 Se F ⊂ R é limitado, então F também o é.

Demonstração: Se F é limitado então existe K > 0 tal que |x| ≤ K para todo x ∈ F.
Seja a ∈ F. Então existe uma sequência (xn )∞ n=1 de pontos de F que converge para a.
Então (|xn |)∞
n=1 converge para |a| e, como |x n | ≤ K para todo n ∈ N, segue do Teorema
da Conservação do Sinal que |a| ≤ K e, consequentemente, F é limitado. 
182 7.3. Fronteira de um conjunto

7.3 Fronteira de um conjunto


Nesta seção definimos ponto de fronteira e fronteira de um subconjunto de números
reais. Na sequência, utilizamos esse conceito para caracterizar conjuntos fechados e mos-
trar que intervalos abertos não podem ser escritos como reunião de dois abertos disjuntos
sem que um deles seja o conjunto vazio. Apresentaremos ainda o Teorema da Alfândega e
sua implicação no fato de que os únicos subconjuntos simultaneamente abertos e fechados
de R são ∅ e R.

Definição 7.3.1 Seja F ⊂ R. Diremos que x ∈ R é um ponto de fronteira de F se,


para todo ε > 0,

(x − ε, x + ε) ∩ F 6= ∅ e (x − ε, x + ε) ∩ Fc 6= ∅.

O conjunto dos pontos de fronteira de F é chamado de fronteira de F e é denotado por


∂F.

OBSERVAÇÃO 7.3.1 É imediato da definição acima que:

(i) ∂F = ∂Fc .
(ii) Se F ⊂ R então todo ponto de fronteira, em particular, é um ponto aderente a F,
isto é, ∂F ⊂ F.

Exemplo 7.3.1 Sejam F1 = [a, b], F2 = [a, b), F3 = (a, b] e F4 = (a, b). Então

∂F1 = ∂F2 = ∂F3 = ∂F4 = {a, b} .

Exemplo 7.3.2 Uma vez que todo intervalo aberto deve conter racionais e irracionais,
temos que
∂Q = ∂ (R − Q) = R.

Teorema 7.3.1 Seja F ⊂ R. Então

F = ∂F ∪ int (F)

e essa reunião é disjunta.

Demonstração: Uma vez que ∂F ⊂ F e int (F) ⊂ F ⊂ F, temos que

∂F ∪ int (F) ⊂ F.

Seja, agora, x ∈ F tal que x ∈ / int (F). Como x não é um ponto interior de F, então,
nenhum intervalo centrado em x pode estar contido inteiramente em F, ou seja, todo
intervalo centrado em x deve conter pontos de Fc . Por outro lado, como x é aderente a
F, todo intervalo centrado em x contém algum ponto de F. Logo, todo intervalo centrado
em x contém pontos de F e Fc e x é, portanto, um ponto de fronteira de F e, sendo assim,

F ⊂ ∂F ∪ int (F) .


Capı́tulo 7. Topologia da Reta 183

Exemplo 7.3.3 Sejam a, b ∈ R, com a < b. Os intervalos da forma [a, b) e (a, b] não
podem ser nem fechados e nem abertos. De fato, ambos os conjuntos são diferentes de seus
interiores, o que os impede de serem abertos. Por outro lado, nenhum destes intervalos
contém sua fronteira, o que os impossibilita serem fechados.

Teorema 7.3.2 Sejam a, b ∈ R, com a < b. Se A e B são subconjuntos abertos de R


tais que
A ∪ B = (a, b) e A ∩ B = ∅,
então A = (a, b) e B = ∅ ou o contrário.

Demonstração: Suponha, por absurdo, que A e B sejam ambos não-vazios. O Teorema


da Estrutura dos Abertos da Reta garante que existe uma sequência (In )∞ n=1 de intervalos

S
abertos disjuntos dois a dois tal que A = In . Seja n0 ∈ N tal que In0 6= ∅. Como A é um
n=1
subconjunto próprio de (a, b), o mesmo acontece com In0 . Escrevendo In0 = (an0 , bn0 ),
temos então que pelo menos um dos extremos de In0 pertence a (a, b). Sem perda de
generalidade, suponha que seja an0 . Note que nenhum dos intervalos In pode conter an0 ,
pois, caso contrário, como an0 ∈ ∂In0 , todo intervalo que contém an0 , contém também,
pontos de In0 , contrariando o fato dos intervalos In serem disjuntos dois a dois. Neste caso,
an0 ∈ B. Como B é aberto, deve existir um intervalo aberto I que contém an0 totalmente
contido em B e, portanto, do fato de A e B serem disjuntos, temos que I ∩ A = ∅, o que
nos dá I ∩ In0 = ∅, o que é uma contradição e o resultado segue. 

Corolário 7.3.1 Seja c ∈ R. Se A e B são subconjuntos abertos de R tais que

A ∪ B = (c, +∞) e A ∩ B = ∅,

então A = (c, +∞) e B = ∅ ou o contrário.

Demonstração: Suponha que A e B sejam ambos não-vazios e escolhamos arbitraria-


mente a ∈ A e b ∈ B. Sem perda de generalidade, suponha que seja a < b. Fazendo

à = A ∩ (a, b) e B̃ = B ∩ (a, b) ,

temos que à e B̃ são abertos disjuntos tais que Ã∪ B̃ = (a, b). O teorema anterior garante
que um destes conjuntos deve ser o conjunto vazio e o outro corresponde ao intervalo (a, b).
Suponha que seja à = (a, b). Neste caso, (a, b) ⊂ A e, uma vez que b ∈ ∂ (a, b), todo
intervalo que contém b contém também pontos de (a, b) e, consequentemente de A. Por
outro lado, uma vez que b ∈ B e B é aberto, deve haver um intervalo aberto I que contém
b e está contido em B. Como A e B são disjuntos, I ∩ A = ∅, contradizendo o fato
de que todo intervalo que contém b contém também pontos de A. Utilizando o mesmo
argumento, observamos que também não pode ser B̃ = (a, b), o que, obviamente, é uma
contradição. 

Logicamente, vale um resultado análogo para intervalos do tipo (−∞, c).

Teorema 7.3.3 (Teorema da Alfândega) Seja X 6= ∅ um subconjunto próprio de R.


Se a ∈ X e b ∈ Xc , com a < b, então [a, b] ∩ ∂X 6= ∅.
184 7.4. Pontos de acumulação

Demonstração: Suponha, por absurdo, que [a, b] ∩ ∂X = ∅. Sejam A = (a, b) ∩ X e


B = (a, b) ∩ Xc . Uma vez que int (X) ⊂ X, temos que
(a, b) ∩ int (X) ⊂ (a, b) ∩ X. (7.1)
Se x ∈ (a, b) ∩ X, como x ∈
/ ∂X, deve ser, de acordo com o Teorema 7.3.1, x ∈ int (X),
isto é,
(a, b) ∩ X ⊂ (a, b) ∩ int (X) . (7.2)
De (7.1) e (7.2),
A = (a, b) ∩ int (X) ,
ou seja, A é uma interseção de dois abertos e, por conseguinte, é também um aberto. De
modo análogo verificamos que B é aberto. Uma vez que a ∈ X, mas a ∈ / ∂X, vimos que
deve ser a ∈ int (X). Como int (X) é um conjunto aberto, existe um intervalo aberto I
que contém a tal que I ⊂ int (X). Como a ∈ ∂ (a, b), temos que (a, b) ∩ I 6= ∅, o que nos
fornece
A = (a, b) ∩ int (X) 6= ∅.
De modo análogo, concluı́mos que B é não-vazio. Assim, é possı́vel escrever (a, b) como
uma reunião de dois abertos não-vazios e disjuntos, contrariando o Teorema 7.3.2. Logo,
[a, b] ∩ ∂X 6= ∅, como querı́amos demonstrar. 
Corolário 7.3.2 Se X ⊂ R é, simultaneamente, aberto e fechado, então X = ∅ ou X = R.
Demonstração: Seja X 6= ∅ um subconjunto de R que é, ao mesmo tempo, aberto e
fechado. Suponha por absurdo que X seja um subconjunto próprio de R. Neste caso,
Xc é um subconjunto não-vazio de R que é, também, aberto e fechado simultaneamente.
Escolhendo arbitrariamente a ∈ X e b ∈ Xc , suponhamos, sem perda de generalidade, que
seja a < b. O Teorema da Alfândega garante então que [a, b] ∩ ∂X 6= ∅. Uma vez que X
e Xc são ambos fechados,
∂X ⊂ X e ∂Xc = Xc .
Mas ∂X = ∂Xc e X ∩ Xc = ∅, o que nos dá ∂X = ∅ o que é um absurdo, pois, neste caso,
[a, b] ∩ ∂X = ∅. Logo X = R e o resultado está provado. 

7.4 Pontos de acumulação


Apresentaremos, agora, a noção de ponto de acumulação. Tal noção será impres-
cindı́vel na estruturação do conceito de limite, um dos conceitos centrais da Análise
Matemática. Utilizaremos a noção de ponto de acumulação para caracterizar conjun-
tos fechados e tratar de problemas envolvendo enumerabilidade ou não-enumerabilidade
de certos conjuntos.
Definição 7.4.1 Sejam X ⊂ R e x ∈ R. Diremos que x é um ponto de acumulação de
X se, dado ε > 0, o intervalo (x − ε, x + ε) contém algum ponto de X diferente de x, ou
seja,
((x − ε, x) ∪ (x, x + ε)) ∩ X = ((x − ε, x) ∩ X) ∪ ((x, x + ε) ∩ X) 6= ∅.
O conjunto dos pontos de acumulação de X é chamado de derivado de X e será denotado
por X0 .
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 185

Assim, dizer que x ∈ R é um ponto de acumulação de X é o mesmo que dizer que todo
intervalo aberto que contém x, contém algum ponto de X diferente de x.

OBSERVAÇÃO 7.4.1 A Definição 7.4.1 garante que se X0 6= ∅, então X é um conjunto


infinito. Sendo assim, se X ⊂ R é finito, então X0 = ∅.

OBSERVAÇÃO 7.4.2 Fica evidente que se x é um ponto de acumulação de X então, em


particular, x é aderente a X.

Vejamos agora algumas equivalências da definição de ponto de acumulação.

Teorema 7.4.1 São equivalentes as seguintes afirmações:

(i) x ∈ R é um ponto de acumulação de X.

(ii) Existe uma sequência (xn )∞


n=1 de pontos de X tal que xn 6= x, para todo n ∈ N e
lim xn = x.

(iii) Existe uma sequência (xn )∞


n=1 de pontos de X dois a dois distintos tal que lim xn = x.

(iv) Existe uma sequência (xn )n=1 de pontos de X que converge para x tal que o conjunto
{x1 , x2 , . . . , xn , . . .} de seus termos é infinito.

Demonstração: (i) ⇒ (ii): Seja x ∈ R um ponto de acumulação de X. Assim, para


todo n ∈ N, existe xn ∈ X tal que
   
1 1
xn ∈ x − , x ∪ x, x + ∩ X.
n n

A sequência (xn )∞
n=1 assim obtida, é uma sequência de pontos de X, todos diferentes de x,
1
tal que |xn − x| < , ou seja, lim xn = x.
n
(ii) ⇒ (iii): Seja (xn )∞
n=1 uma sequência de pontos de X tal que xn 6= x para todo
n ∈ N e lim xn = x. Fixado n1 ∈ N, uma vez que xn1 6= x, temos que

ε1 = |xn1 − x| > 0.

Da convergência de (xn )∞
n=1 , existe n2 ∈ N, n2 > n1 , tal que

1
|xn2 − x| < ε2 = min ε1 , .
n1

Novamente, da convergência de (xn )∞


n=1 , existe n3 ∈ N, n3 > n2 , tal que

1
|xn3 − x| < ε3 = min ε2 , .
n2

Procedendo com este argumento, obtemos uma subsequência (xnk )∞


k=1 tal que lim xnk = x
composta de termos dois a dois distintos, uma vez que

|xnk − x| > xnk+1 − x ,



186 7.4. Pontos de acumulação

para todo k. Fazendo yk = xnk , o resultado segue.


(iii) ⇒ (iv): Óbvio.
(iv): Seja (xn )∞ n=1 uma sequência de pontos de X que converge para x tal que o conjunto
{x1 , x2 , . . . , xn , . . .} de seus termos seja infinito. Seja N0 = {n ∈ N; xn 6= x}. Então N0 é
um subconjunto infinito de números naturais pois, caso contrário, (xn )∞ n=1 seria constante
à partir de certa ordem, contrariando o fato de o conjunto de seus termos ser infinito.
A subsequência (xn )n∈N0 assim obtida converge para x sendo xn 6= x, para todo n ∈ N0 .
Logo, para todo ε > 0 existe um termo desta subsequência que pertence ao intervalo
(x − ε, x + ε), ou seja, para todo ε > 0 existe um elemento de X diferente de x que
pertence ao intervalo (x − ε, x + ε), o que significa que x é ponto de acumulação de X. 

Exemplo 7.4.1 Se x é um ponto interior de X, então x é um ponto de acumulação de X.


Com efeito, se x ∈ int (X), existe η > 0 tal que

(x − η, x + η) ⊂ X

e, portanto, os intervalos abertos (x − η, x) e (x, x + η) são ambos subconjuntos de X.


Neste caso,
(x − ε, x) ⊃ (x − η, x) e (x, x + ε) ⊃ (x, x + η)
se η ≤ ε e
(x − ε, x) ⊂ (x − η, x) e (x, x + ε) ⊂ (x, x + η)
se ε ≤ η. Em todo caso,

((x − ε, x) ∪ (x, x + ε)) ∩ X 6= ∅.

Se x ∈ X não é um ponto de acumulação de X, então x será dito um ponto isolado


de X. Logo, dizer que x ∈ X é um ponto isolado de X é o mesmo que dizer que existe
ε > 0 tal que
(x − ε, x + ε) ∩ X = {x} .

1
Exemplo 7.4.2 Seja Z o conjunto dos números inteiros. Dado n ∈ Z, fazendo ε = ,
2
observamos que  
1 1
n − ,n + ∩ Z = {n} .
2 2
Sendo assim, Z é composto apenas por pontos isolados, ou seja, Z não possui pontos de
acumulação.

Um conjunto que é composto apenas por pontos isolados será chamado de conjunto
discreto. Vejamos agora como a ausência de pontos de acumulação em um conjunto
determina sua cardinalidade.

Teorema 7.4.2 Se X ⊂ R é discreto, então X é enumerável.


Capı́tulo 7. Topologia da Reta 187

Demonstração: Se X é finito, não há o que fazer. Suponhamos, então, X infinito. Para
cada x ∈ X sejam Ax = {|x − y| ; y ∈ X − {x}} e εx = inf Ax . O fato de X ser infinito
garante que Ax é um conjunto não-vazio de números reais não-negativos e que, portanto,
εx está bem definido. Afirmamos que deve ser εx > 0. Com efeito, se fosse εx = 0, então
1 1
dado n ∈ N, uma vez que > 0, terı́amos que não seria cota inferior de Ax e, neste
n n
caso, deveria existir yn ∈ X tal que
1
|xn − yn | ≤ .
n
A sequência (yn )∞
n=1 assim obtida seria uma sequência de pontos de X que converge para
x de modo que yn 6= x, para todo n ∈ N. Daı́, todo intervalo aberto que contém x deveria
conter algum yn , contrariando o fato de x ser isolado. Note agora que, dados x, y ∈ X,
com x < y, temos que
 εx εx   εy εy 
x − ,x + ∩ y − ,y + = ∅.
2 2 2 2
 εx εx   εy εy 
De fato, se a ∈ x − , x + e b ∈ y − ,y + , então, uma vez que, εx , εy ≤
2 2 2 2
y − x, temos que
εx 1 1 εy
a<x+ ≤ x + (y − x) = y − (y − x) ≤ y − < b.
2 2 2 2
Desta forma, a famı́lia
 εx εx 
x − ,x +
2 2 x∈X
assim obtida é uma famı́lia de intervalos abertos disjuntos dois a dois. O Teorema da
Estrutura dos Abertos da Reta garante o resultado. 

O próximo resultado visa utilizar o conceito de ponto de acumulação para caracterizar


conjuntos fechados.
Teorema 7.4.3 Um subconjunto X de R é fechado se, e somente se, X0 ⊂ X.
Demonstração: Se X é fechado então X contém todos os seus pontos aderentes. Como
um ponto de acumulação de X, em particular, é um ponto aderente a X, temos que X0 ⊂ X.
Reciprocamente, suponha que X0 ⊂ X e seja x ∈ X um ponto da fronteira de X. Suponha,
por absurdo, que x ∈/ X. Então x ∈ Xc e, como x ∈ ∂X, todo intervalo aberto que contém
x contém também pontos de X, diferentes dele, claro. Logo x ∈ X0 e, como X0 ⊂ X, seria
x ∈ X, o que é um absurdo. Consequentemente, deve ser x ∈ X, ou seja, X é um conjunto
que contém a sua fronteira e é, portanto, fechado. 
Definição 7.4.2 Diremos que x ∈ R é um ponto de acumulação à direita de X ⊂
R se todo intervalo aberto que contém x contém algum ponto de X maior do que x,
ou, equivalentemente, dado ε > 0, (x, x + ε) ∩ X 6= ∅. O conjunto dos pontos de
acumulação à direita de X é denotado por X0+ . De modo análogo, diremos que x ∈ R é
um ponto de acumulação à esquerda de X ⊂ R se todo intervalo aberto que contém
x contém também algum ponto de X menor do que ele, ou, equivalentemente, dado ε > 0,
(x − ε, x) ∩ X 6= ∅. O conjunto dos pontos de acumulação à esquerda de X é
denotado por X0− .
188 7.4. Pontos de acumulação

É lógico que X0 = X0+ ∪X0− . Se x ∈ X0+ ∩X0− , diremos que x é um ponto de acumulação
bilateral. Se x ∈ X0+ − X0− ou x ∈ X0− − X0+ , diremos que x é um ponto de acumulação
unilateral.

Teorema 7.4.4 Se X é um subconjunto de números reais que só admite pontos de acu-
mulação unilaterais, então X é enumerável.

Demonstração: Seja x ∈ X0+ . Como x não é um ponto de acumulação à esquerda, existe


εx > 0 tal que (x − εx , x) ∩ X = ∅. Seja y ∈ X0+ , com y > x. Como (y − εy , y) ∩ X = ∅,
não pode ser x ∈ (y − εy , y) pois, caso contrário, como x é ponto de acumulação de X,
este intervalo deveria conter uma infinidade de pontos de x o que, obviamente, seria uma
contradição. Logo, x ≤ y − εy e, consequentemente, (x − εx , x) ∩ (y − εy , y) = ∅. Daı́, a
famı́lia
{(x − εx , x) ; x ∈ X0+ }
é uma coleção de intervalos abertos disjuntos dois a dois. O Teorema da Estrutura dos
Abertos da Reta garante que X0+ é enumerável. De modo análogo verificamos que X0− é
também enumerável. Assim, X0 = X0− ∪ X0+ é enumerável. O conjunto X − X0 é discreto e,
portanto, enumerável. Assim,

X = X ∪ X0 = (X − X0 ) ∪ X0

e X é enumerável. Como X ⊂ X, X é enumerável. 

Mostraremos agora que se X é um subconjunto não-vazio de R tal que X = X0 , isto


é, X ⊂ R é um fechado não-vazio sem pontos isolados, então X é não-enumerável. Para
tanto, mostremos antes o seguinte resultado:

Lema 7.4.1 Seja X um subconjunto não-vazio de números reais tais que X = X0 . Então,
/ Fx e Fx = F0x .
dado x ∈ R, existe um subconjunto limitado e não-vazio Fx ⊂ X tal que x ∈

Demonstração: Dado x ∈ R, uma vez que X é infinito, existe y ∈ X tal que x 6= y.


|x − y|
Fazendo ε = , seja
2
Gx = (y − ε, y + ε) ∩ X
e façamos Fx = Gx . Temos que Fx é fechado e, como Gx é limitado, pois

Gx ⊂ (y − ε, y + ε) ,

temos, do Teorema 7.2.3, que Fx é limitado. Note que

Fx ⊂ [y − ε, y + ε] .

Seja, agora, a ∈ Fx tal que a ∈ (y − ε, y + ε). Suponha que toda sequência (an )∞ n=1
de pontos de Gx que convirja para a seja constante à partir de certa ordem. Deste
modo, se (xn )∞
n=1 é uma sequência de pontos de X que converge para a, então, para n
suficientemente grande, xn pertence a (y − ε, y + ε) e, consequentemente, a Gx . Daı́,
(xn )∞
n=1 deve ser constante a partir de uma certa ordem, isto é, não pode haver uma
sequência de elementos de X que convirja para a tal que conjunto de seus termos seja
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 189

infinito, contrariando o fato de a ser ponto de acumulação de X. Logo, deve existir uma
sequência de pontos de Gx (e, portanto, de Fx ) que converge para a tal que conjunto de
seus termos seja infinito, o que significa dizer que a é ponto de acumulação de Fx . Se
a = y − ε ∈ Fx e (an )∞ n=1 é uma sequência de pontos de Gx que converge para a então,
como a ∈ / Gx , deve ser an 6= a, para todo n ∈ N. Assim, todo intervalo aberto que
contém a contém algum elemento de Gx e, portanto, de Fx , diferente deste ponto o que
significa que a é ponto de acumulação de Fx . O caso em que a = y + ε ∈ Fx é análogo. 

Teorema 7.4.5 Se X é um subconjunto não-vazio de números reais tal que X = X0 então


X é não-enumerável.

Demonstração: Seja {x1 , x2 , . . . , xn , . . .} um subconjunto enumerável de X. Do Lema


7.4.1 existe um subconjunto F1 de X que é fechado, limitado e sem pontos isolados tal que
x1 ∈
/ F1 . Aplicando este resultado mais uma vez, obtemos F2 ⊂ F1 fechado, limitado e sem
pontos isolados tal que x2 ∈
/ F2 . Procedendo com este argumento, obtemos uma sequência

(Fn )n=1 de subconjuntos fechados, limitados e sem pontos isolados de X tal que

F1 ⊃ F2 ⊃ · · · ⊃ Fn ⊃ · · ·

e xn ∈/ Fn . Para cada n natural, escolhamos arbitrariamente yn ∈ Fn . Uma vez que a


sequência (yn )∞
n=1 assim obtida é limitada, temos que esta deve possuir uma subsequência
(ynk )∞
k=1 convergente. Escrevendo y = lim ynk , uma vez que, para todo m ∈ N, Fnm é

fechado e (ynk )k=m é uma subsequência de pontos de Fnm que converge para y, deve-
mos ter y ∈ Fnm , para todo m ∈ N. Dado n ∈ N, existe k ∈ N tal que n < nk e,
consequentemente,
y ∈ Fnk ⊂ Fn ,
ou seja, y ∈ Fn , para todo n ∈ N. Suponha, por absurdo, que exista n0 ∈ N tal que
y = xn0 . Neste caso, se n é um natural qualquer maior que n0 , temos que xn0 ∈ / Fn
contrariando o fato de xn0 ∈ Fn qualquer que seja o ı́ndice n. Mostramos então que
qualquer subconjunto enumerável de X é um subconjunto próprio de X. Logo, X é não-
enumerável. 

Um conjunto como o do Teorema 7.4.5, isto é, fechado e sem pontos isolados, é deno-
minado de conjunto perfeito.

7.5 Conjuntos densos


Da representação decimal de um número real sabemos que, para todo x ∈ R, x ≥ 0,
existe um inteiro não-negativo x0 e uma sequência (xn )∞
n=1 tal que xn ∈ {0, 1, . . . , 9} e

P∞ x
n
x= n
.
n=0 10
xn x1 xn
Uma vez que, para todo n = 0, 1, . . ., n ∈ Q, temos que sn = x0 + + · · · + n ∈ Q.
10 10 10
Neste caso, da convergência da série, temos que

x = lim sn
190 7.5. Conjuntos densos

e, portanto, todo número real não-negativo (racional ou irracional) pode ser expresso
como limite de uma sequência de números racionais ou, dito de outra forma, todo número
real não-negativo pode ser aproximado por números racionais. Se x é negativo, então
−x é positivo e, neste caso, se (an )∞
n=1 é uma sequência de racionais que converge para

−x, (−an )n=1 será uma sequência de racionais convergindo para x. Sendo assim, todo
número real pode ser aproximado por uma sequência de racionais. Para evidenciar este
fato, diremos que Q é denso em R.
Mais geralmente, temos a seguinte definição:

Definição 7.5.1 Sejam X e Y subconjuntos da reta real R tais que X ⊂ Y. Diremos que
X é denso em Y se
Y ⊂ X.

Teorema 7.5.1 Sejam X e Y subconjuntos de números reais tais que X ⊂ Y. São equi-
valentes as seguintes afirmações:

(i) X é denso em Y.

(ii) Para cada y ∈ Y existe uma sequência (xn )∞


n=1 de pontos de X que converge para y.

(iii) Todo intervalo aberto que contém um ponto de Y também contém um ponto de X.

Demonstração: (i) ⇒ (ii): Se X é denso em Y então Y ⊂ X. Neste caso, todo ponto de


Y é aderente a X. Logo, para cada y ∈ Y deve existir uma sequência (xn )∞ n=1 de pontos
de x que convirja para y.
(ii) ⇒ (iii): Suponha que para cada y ∈ Y exista uma sequência (xn )∞ n=1 de pontos de
X que convirja para y. Se (a, b) é um intervalo aberto que contém y segue, da definição
de convergência, que existe n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 , xn ∈ (a, b). Daı́,
X ∩ (a, b) 6= ∅ e, da arbitrariedade de (a, b), segue a afirmação.
(iii) ⇒ (i): Seja y ∈ Y. Uma vez que todo intervalo aberto que contém Y deve conter
1 1
também um ponto de X, para cada n ∈ N existe xn ∈ X tal que xn ∈ y − , y + .
n n
A sequência (xn )∞
n=1 assim obtida é uma sequência de pontos de X que converge para y.
Logo, y é aderente a X, isto é, y ∈ X. Da arbitrariedade de y segue, portanto, que Y ⊂ X,
ou seja, X é denso em Y. 

Os próximos exemplos visam explorar as equivalências da definição de densidade for-


necidas pelo Teorema 7.5.1.

m
Exemplo 7.5.1 Dado k ∈ N, k ≥ 2, seja Xk = ; m ∈ Z e n ∈ N . Se x ∈ R, segue
kn
do Princı́pio da Boa Ordenação que, dado n ∈ N, existe mn ∈ Z tal que

mn ≤ kn x < mn + 1.

Neste caso,
mn mn 1
≤ x ≤ +
kn kn kn
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 191

ou, equivalentemente,
mn 1
0≤x− ≤ .
kn kn
mn
A sequência cujo termo geral é xn = n assim obtida é uma sequência de pontos de Xk
k
que converge para x. Da arbitrariedade de x em R segue do Teorema 7.5.1 que Xk é denso
em R.

Exemplo 7.5.2 O conjunto dos números irracionais é denso em R. Com efeito, se R − Q


não fosse denso em R terı́amos, do Teorema 7.5.1, que deveriam existir x ∈ R e um
intervalo aberto (a, b) tal que

x ∈ (a, b) e (R − Q) ∩ (a, b) = ∅.

Logo, (a, b) deve ser um intervalo da reta composto exclusivamente por números racionais
o que é um absurdo visto que todo intervalo aberto da reta é um subconjunto não-
enumerável de R e qualquer subconjunto de números racionais deve ser, necessariamente,
enumerável.

Note que se X, Y e Z são subconjuntos de números reais tais que X ⊂ Y ⊂ Z e X


é denso em Z, então Y é denso em Z. Com efeito, da densidade de X em Z segue que
todo intervalo aberto que contém algum ponto de Z contém também algum ponto de
X e, consequentemente, de Y. Vale observar ainda que “ser denso” é uma propriedade
transitiva, isto é, se X, Y e Z são subconjuntos de números reais tais que X ⊂ Y ⊂ Z, X
é denso em Y e Y é denso em Z, então X é denso em Z. De fato, se (a, b) é um intervalo
aberto que contém algum ponto de Z, então, da densidade de Y em Z, (a, b) deve conter
algum ponto de Y. Deste modo, (a, b) é um intervalo aberto da reta que contém algum
ponto de Y e, consequentemente, da densidade de X em Y deve existir algum elemento de
X que pertença a (a, b). Logo, todo intervalo aberto que contém um ponto de Z contém
também um ponto de X, isto é, X é denso em Z.

Exemplo 7.5.3 O conjunto dos números algébricos é denso em R. Com efeito, dados
m ∈ Z e n ∈ N, a equação
2n x − m = 0
m
tem por raı́z x = n . Do Exemplo 7.5.1, todo número real é limite de uma sequência de
2
números algébricos.

Teorema 7.5.2 Todo subconjunto não-vazio X de números reais possui um subconjunto


denso enumerável.

Demonstração: Para cada n ∈ N, considere a famı́lia


 
m m+1
An = k + ,k + ; k ∈ Z, m = 0, 1, . . . , n − 1 .
n n
Seja En o subconjunto de X que se obtém selecionando-se, sempre que possı́vel, um único
elemento de X em cada um dos intervalos da famı́lia An . Deste modo,
S
R= A,
A∈An
192 7.5. Conjuntos densos

1
cada En é enumerável e, para cada a ∈ E, existe xn ∈ En tal que |xn − a| ≤ . Deste

n
S
modo, E = En é um subconjunto enumerável de X (por ser uma reunião enumerável
n=1
de subconjuntos enumeráveis) que é denso em X. 

Definição 7.5.2 Diremos que G ⊂ R é um grupo aditivo de números reais se cumpre


todas as seguintes condições:

(i) 0 ∈ G;
(ii) se x, y ∈ G, então x + y ∈ G;
(iii) se x ∈ G, então −x ∈ G.

Segue diretamente da definição acima que se m ∈ Z e x ∈ G, então mx ∈ G. Daı́,


dados x, y ∈ G, tem-se x − y ∈ G.
Se G ⊂ R é um grupo aditivo, denotamos por G+ o conjunto dos x ∈ G que são
positivos.

Teorema 7.5.3 Seja G ⊂ R um grupo aditivo. Se inf G+ = 0, então G é denso em R.

Demonstração: Como 0 = inf G+ , existe uma sequência (xn )∞ n=1 de elementos de G


+

que, sem perda de generalidade, podemos supor decrescente, convergindo para 0. Para
cada n ∈ N, seja An = {[mxn , (m + S1) xn ) ; m ∈ Z}. Note que o comprimento de cada
intervalo de An é xn e, além disso, A = R. Assim, dado x ∈ R, existe uma sequência
A∈An
(mn )∞
n=1 de números inteiros tais que

mn xn ≤ x < (mn + 1) xn .

Logo, 0 ≤ x − mn xn < xn , para todo n ∈ N. Do Teorema do Confronto segue que a


sequência (mn xn )∞
n=1 assim obtida é uma sequência de pontos de G que converge para x
e, da arbitrariedade de x, G é denso em R. 

Teorema 7.5.4 Se inf G+ = a > 0, então a ∈ G e G = {0, ±a, ±2a, . . .}.

Demonstração: Com efeito, seja a > 0 o ı́nfimo de G+ . Se fosse a ∈


/ G+ então, como
a
a + não é cota inferior de G+ , deve existir b ∈ G+ tal que
2
a
a<b≤a+ .
2
b
Do mesmo modo, como a + não é cota inferior de G+ , deve existir c ∈ G+ tal que
2
b
a<c≤ .
2
Assim, exibimos b, c ∈ G+ tais que
a
a<c<b≤a+
2
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 193

e, consequentemente,
a
0≤b−c≤ < a,
2
ou seja, b − c ∈ G+ e b − c < a, contrariando o fato de a ser o ı́nfimo de G+ . Seja, agora,
x ∈ G+ . Como R é arquimediano e N é bem ordenado, existe n ∈ N tal que

na ≤ x < (n + 1) a.

Faça r = x − na. Note que 0 ≤ r < a. Se fosse r > 0, então r seria um elemento de G+
menor do que a, contrariando a minimalidade de a. Logo, r = 0 e x = na. Se x ∈ G
é um número real negativo, então −x ∈ G+ . Neste caso, do que vimos, existe n ∈ N tal
que −x = na e, consequentemente, x = −na. 

Utilizaremos os resultados acima para construir subconjuntos densos da reta.


π
Exemplo 7.5.4 Sejam (xn )∞
n=1 a sequência cujo termo geral é xn = e
n
G = {mxn ; m ∈ Z e n ∈ N} .

Não é difı́cil perceber que o conjunto G é um grupo aditivo de números reais e que
inf G+ = 0. Sendo assim, segue do Teorema 7.5.3 que G é denso em R. Note ainda que
G é enumerável.

Exemplo 7.5.5 Sejam α um número irracional e G = {m + nα; m, n ∈ Z}. Verifica-se


facilmente que G é um grupo aditivo de números reais. Se inf G+ = a 6= 0, segue do
Teorema 7.5.4 que G = {0, ±a, ±2a, . . .}. Uma vez que 1 = 1 + 0 · α, temos que 1 ∈ G+
1
e, portanto, existe n ∈ Z tal que 1 = na, donde a = . Do mesmo modo, existe m ∈ Z
n
m
tal que α = ma, ou seja, α = ∈ Q, contrariando o fato de α ser irracional. Logo,
+
n
inf G = 0 e, do Teorema 7.5.3, G é denso em R.

7.6 Conjuntos compactos


Nesta seção estabelecemos o conceito de conjunto compacto.

R. Uma famı́lia A = {Aλ }λ∈L de subconjuntos de R é uma


Definição 7.6.1 Seja K ⊂ S
cobertura para K se K ⊂ Aλ . Uma subcobertura de A é qualquer subconjunto B
λ∈L
de A que ainda seja uma cobertura de K. Se existe um subconjunto finito M ⊂ L para o
qual B = {Aλ }λ∈M seja uma subcobertura de K, diremos que A admite uma subcobertura
finita.

Uma cobertura {Aλ }λ∈L de K ⊂ R será dita cobertura aberta se, qualquer que seja
λ ∈ L, Aλ é um conjunto aberto.

Exemplo 7.6.1 A coleção {(n, n + 1} ; n ∈ Z} constitui uma cobertura de R.


194 7.6. Conjuntos compactos


1 1
Exemplo 7.6.2 Sejam K1 = 1, , . . . , , . . . e K2 = K1 ∪ {0}. Como cada ponto de K1
2 n  
1 1
é isolado, para cada n ∈ N existe εn > 0 tal que, escrevendo-se In = − εn , + εn ,
n n
1
tem-se In ∩ K1 = . A famı́lia {In }n∈N assim obtida é uma cobertura aberta de K1 que
n
não admite subcobertura finita. Com efeito, se {n1 , n2 , . . . , nk } é um subconjunto finito
qualquer de números naturais, então

k
!
k

S S  1 1 1
K1 ∩ In j = Inj ∩ K1 = , ,..., .
j=1 j=1 n1 n2 nk

Seja, agora, {Aλ }λ∈L uma cobertura aberta de K2 . Como K2 ⊂


S
Aλ , existe λ0 ∈ L tal que
λ∈L
1
0 ∈ Aλ0 . Como Aλ0 é aberto e → 0, existe n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 , tem-se
n
1 1
∈ Aλ0 . Para cada m = 1, . . . , n0 − 1 escolha λm ∈ L tal que ∈ Aλm . Assim,
n m
nS
0 −1
K2 ⊂ Aλm
m=0

e toda cobertura aberta de K2 admite uma subcobertura finita.

Definição 7.6.2 Diremos que um subconjunto K de R é um conjunto compacto se


toda cobertura aberta de K admite subcobertura finita.

Exemplo 7.6.3 Sejam K1 e K2 os conjuntos do Exemplo 7.6.2. Então K1 não é compacto,


mas K2 sim.

Teorema 7.6.1 (Teorema do Intervalos Encaixados) Seja {[an , bn ]}n∈N uma famı́lia
de intervalos fechados e limitados tais que, para todo n ∈ N, [an+1 , bn+1 ] ⊂ [an , bn ]. Então

(i)

T
[an , bn ] 6= ∅.
n=1


T
(ii) Se lim (bn − an ) = 0, então [an , bn ] é um conjunto unitário.
n=1

Demonstração: Sendo [an+1 , bn+1 ] ⊂ [an , bn ], temos, dados m, n ∈ N, que

a1 ≤ a2 ≤ · · · ≤ an ≤ bm ≤ · · · ≤ b2 ≤ b1 .

Deste modo, as sequências (an )∞ ∞


n=1 e (bn )n=1 são monótonas limitadas e, portanto, con-
vergentes. Sejam a = lim an e b = lim bn . Lembre que deve ser

a = sup {a1 , a2 , . . . , an , . . .} e b = inf {b1 , b2 , . . . , bn , . . .} .


Capı́tulo 7. Topologia da Reta 195


T
Mostraremos que [an , bn ] = [a, b]. Uma vez que, para todo n natural, a ≥ an
n=1
e b ≤ bn , segue facilmente que [a, b] ⊂ [an , bn ], para todo n. Por outro lado, seja

T
x∈ [an , bn ]. Então x ∈ [an , bn ], para todo n ∈ N e, consequentemente, an ≤ x ≤ bn ,
n=1
qualquer que seja o natural n. Assim, x é, simultaneamente, uma cota superior para
o conjunto {a1 , a2 , . . . , an , . . .} e uma cota inferior para o conjunto {b1 , b2 , . . . , bn , . . .} e,
daı́,
a = sup {a1 , a2 , . . . , an , . . .} ≤ x ≤ inf {b1 , b2 , . . . , bn , . . .} = b,
T∞
ou seja, x ∈ [a, b] e [an , bn ] ⊂ [a, b]. Se lim (bn − an ) = 0, uma vez que
n=1

0 ≤ b − a ≤ bn − an ,

segue do Teorema do Confronto que a = b e, neste caso, [a, b] = {a}. 

Teorema 7.6.2 Todo intervalo fechado e limitado de números reais é compacto.

Demonstração: Seja A = {Aλ }λ∈L uma cobertura aberta do intervalo fechado e limitado
[a, b]. Suponha,por absurdo,   que {Aλ }λ∈L não admita subcobertura finita e considere
a+b a+b
os subintervalos a, e , b . Neste caso, pelo menos um dos subintervalos
2 2
não pode ser coberto por uma quantidade finita de elementos  de A.  Denotemos
 este

a1 + b1 a1 + b1
subintervalo por [a1 , b1 ]. Considere, agora, os subintervalos a1 , e , b1 .
2 2
Como [a1 , b1 ] não pode ser coberto por um número finito de elementos de A, tem-se
que pelo menos um dos novos subintervalos não pode ser coberto por uma quantidade.
Denotemos este subintervalo por [a2 , b2 ]. Procedendo com este argumento, obtemos uma
b−a
sequência de intervalos fechados e limitados [an , bn ] de comprimento tais que
2n
[an+1 , bn+1 ] ⊂ [an , bn ]

que não podem ser cobertos por uma quantidade finita de elementos da cobertura aberta
A. O Teorema dos Intervalos Encaixados garante então que, fazendo-se a0 = a e b0 = b,
existe um único x ∈ R tal que

{x} =
T
[an , bn ] ,
n=0

sendo lim an = x = lim bn . Seja λ0 ∈ L tal que x ∈ Aλ0 . Sendo Aλ0 aberto, existe ε > 0
tal que (x − ε, x + ε) ⊂ Aλ0 . Da convergência das sequências (an )∞ ∞
n=1 e (bn )n=1 para x
segue que existe n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 , an , bn ∈ (x − ε, x + ε) ⊂ Aλ0 e,
consequentemente, [an , bn ] ⊂ (x − ε, x + ε) ⊂ Aλ0 sempre que n ≥ n0 , contrariando o
fato de que nenhum dos intervalos [an , bn ] poderiam ser cobertos por uma quantidade
finita de elementos de A. Logo, toda cobertura aberta de [a, b] admite subcobertura
finita e [a, b] é compacto. 

Teorema 7.6.3 (Teorema de Borel-Lebesgue) Seja K um subconjunto fechado e li-


mitado de números reais. Então K é compacto.
196 7.6. Conjuntos compactos

Demonstração: Sejam K um subconjunto fechado e limitado de números reais e {Aλ }λ∈L


uma cobertura aberta de K. Se [a, b] é um intervalo e limitado fechado tal que K ⊂ [a, b],
então {Aλ }λ∈L ∪ {R − K} é uma cobertura aberta de [a, b]. Do Teorema 7.6.2 segue que
existem ı́ndices λ1 , . . . , λn ∈ L tais que

[a, b] ⊂ Aλ1 ∪ Aλ2 ∪ · · · ∪ Aλn ∪ (R − K) .

Daı́, obviamente, {Aλ1 , Aλ2 , . . . , Aλn } deve ser uma subcobertura finita de K que é, por-
tanto, compacto. 

Veremos adiante que vale a recı́proca do Teorema de Borel-Lebesgue. Antes disso,


consideremos o exemplo que segue.

Exemplo 7.6.4 Se K ⊂ R é ilimitado, dado n ∈ N, existe x ∈ K tal que x ∈ / (−n, n).


Logo, K não pode ser coberto por uma quantidade finita de elementos de A = {(−n, n)}n∈N

S
que é uma cobertura aberta para K pois (−n, n) = R. Sendo assim, nenhum conjunto
n=1
ilimitado pode ser compacto.

Teorema 7.6.4 Sejam K ⊂ R um compacto e a ∈ R − K. Existem abertos disjuntos A e


B tais que a ∈ A e K ⊂ B.
|x − a|
Demonstração: Para cada x ∈ K seja εx = . Fazendo-se Ix = (x − εx , x + εx )
2
temos que {Ix }x∈K é uma cobertura aberta de K e, além disso, a ∈ / Ix , para todo x ∈ K.
n
S n
S
Como K é compacto, existem x1 , . . . , xn ∈ K tais que K ⊂ Ixk . Faça B = Ixk . Seja
k=1 k=1
ε = min {εx1 , . . . , εxn }. Dado x ∈ B, existe i ∈ N tal que x ∈ Ixi e, neste caso,

|a − x| = |a − xi + xi − x|
≥ |xi − a| − |x − xi |
= 2εxi − |x − xi |
> 2εxi − εxi
= εxi ≥ ε.

e, daı́, x ∈
/ (a − ε, a + ε), ou seja, B ∩ (a − ε, a + ε) = ∅. Consequentemente, fazendo-se
A = (a − ε, a + ε), segue o resultado. 

Corolário 7.6.1 Se K ⊂ R é compacto, então K é fechado.

Demonstração: Se a ∈ R−K, segue do Teorema 7.6.4 que existe um aberto A que contém
a e que não intercepta K. Logo, a é um ponto interior de R − K e, da arbitrariedade de
a, tem-se R − K aberto e o resultado segue. 

O Exemplo 7.6.4 juntamente com o Corolário 7.6.1 constituem a recı́proca do Teorema


de Borel-Lebesgue de modo que fica estabelecido o seguinte:

Teorema 7.6.5 Um subconjunto K de R é compacto se, e somente se, é fechado e limi-


tado.
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 197

Definição 7.6.3 Diremos que K ⊂ R é sequencialmente compacto se toda sequência


(xn )∞ ∞
n=1 de elementos de K possui um valor de aderência em K, isto é, sempre que (xn )n=1

é uma sequência de elementos de K existem x ∈ K e uma subsequência (xnk )k=1 de (xn )∞
n=1
tais que lim xnk = x.

Teorema 7.6.6 Um subconjunto K de números reais é compacto se, e somente se, é


sequencialmente compacto.

Demonstração: Suponha que K seja compacto e seja (xn )∞ n=1 uma sequência de elementos

de K. Como K é limitado, (xn )n=1 é uma sequência limitada e, portanto, do Teorema de
Bolzano-Weierstrass, segue que existem x ∈ R e uma subsequência (xnk )∞ ∞
k=1 de (xn )n=1 tal
que lim xnk = x. Como K é fechado, deve ser x ∈ K. Logo, toda sequência de elementos de
K possui um valor de aderência em K que, consequentemente, é sequencialmente compacto.
Reciprocamente, seja K ⊂ R sequencialmente compacto. Suponha, por absurdo, que K
seja ilimitado superiormente. Então, para cada n ∈ N, existe xn ∈ K tal que n < xn .
A sequência (xn )∞
n=1 assim obtida não possui subsequência convergente, contrariando o
fato de K ser sequencialmente compacto. De modo análogo se verifica que K não pode
ser ilimitado inferiormente. Seja, agora, x ∈ K. Neste caso, existe uma sequência (xn )∞n=1
de pontos de K que converge para x. Se fosse x ∈ / K, como toda sequência convergente
tem um único valor de aderência, (xn )∞
n=1 seria uma sequência de elementos de K que não
possui nenhum valor de aderência em K, contrariando o fato de K ser sequencialmente
compacto. Logo, x ∈ K e K é fechado. 

7.7 Topologia relativa


Nesta seção exploraremos um pouco mais a noção de espaço topológico com o intuito
de mostrar como a topologia existente em R converte, de modo natural, subconjuntos
de números reais em espaços topológicos. As noções estabelecidas aqui serão de grande
importância no trato e na caracterização das funções contı́nuas.
Seja X um subconjunto de R e considere a famı́lia τX formada por todos os conjuntos
da forma A ∩ X, onde A é um subconjunto aberto da reta. Vejamos que a famı́lia τX
define uma topologia sobre X.

(i) Sabemos que ∅ e R são abertos de R. Assim, como ∅ = ∅ ∩ X e X = R ∩ X, temos


que ∅, X ∈ τX .

(ii) Seja {Hλ }λ∈L ⊂ τX . Então, para cada λ ∈ L existe Aλ aberto da reta tal que
Hλ = Aλ ∩ X. Assim,
 
S S S
Hλ = (Aλ ∩ X) = Aλ ∩ X.
λ∈L λ∈L λ∈L
S
Fazendo-se A = Aλ temos que A é um aberto de R e, portanto,
λ∈L
S
Hλ = A ∩ X ∈ τX .
λ∈L
198 7.7. Topologia relativa

(iii) Sejam H1 , . . . , Hn ∈ τX . Neste caso, existem A1 , . . . , An , subconjuntos abertos da


reta, tais que Hi = Ai ∩ X para todo i = 1, . . . , n. Daı́,
n n
n 
T T T
Hi = (Ai ∩ X) = Ai ∩ X
i=1 i=1 i=1

n
T
e, fazendo-se A = Ai , temos que A é um aberto da reta e, consequentemente,
i=1

n
T
Hi = A ∩ X ∈ τX .
i=1

O par (X, τX ) será chamado de subespaço topológico e a topologia τX será chamada


de topologia relativa. Os elementos de τX serão chamados de abertos relativos (ou
abertos de X ou abertos em X). Diremos que F ⊂ X é um fechado relativo (ou
fechado de X ou fechado em X) se X − F é um aberto relativo.
Seguindo a mesma linha do Teorema 7.2.1 temos o seguinte resultado:

Teorema 7.7.1 Seja X ⊂ R munido da topologia relativa. Então

(i) ∅ e X são fechados relativos.

(ii) Se {Fλ }λ∈L é uma famı́lia de fechados relativos, então F =


T
Fλ é, também, um
λ∈L
fechado relativo.
n
S
(iii) Se F1 , . . . , Fn são fechados relativos então F = Fi também o é.
i=1

Demonstração: (i): Segue imediatamente do fato de ∅ e X serem abertos relativos e do


fato de ser
∅=X−X e X = X − ∅.
(ii): Uma vez que, para todo λ ∈ L, Fλ é um fechado de X, temos que X − Fλ é aberto
de X para todo λ. Assim, T S
F = Fλ = X − (X − Fλ )
λ∈L λ∈L
S
e, como (X − Fλ ) é um aberto de X, tem-se que F é um fechado relativo.
λ∈L
(iii): Para cada i = 1, . . . , n o conjunto X − Fi é um aberto relativo. Assim,
n
S n
T
F= Fi = X − (X − Fi )
i=1 i=1

n
T
e, como (X − Fi ) é um aberto de X, tem-se que F é um fechado relativo. 
i=1

Teorema 7.7.2 Seja X ⊂ R. Então F ⊂ X é fechado se, e somente se, existe um fechado
E de R tal que
F = E ∩ X.
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 199

Demonstração: Seja F ⊂ X um fechado relativo. Então X − F é um aberto relativo e,


consequentemente, existe um aberto A de R tal que X − F = A ∩ X. Assim,
x∈F⇔x∈Xex∈ / X−F⇔x∈X e x∈ / A∩X
⇔x∈Xex∈
/ A ⇔ x ∈ X e x ∈ R − A ⇔ x ∈ X ∩ (R − A) ,
ou seja, F = X ∩ (R − A). Sendo R − A fechado em R, segue que F é a interseção de X com
um fechado da reta. Reciprocamente, seja E um fechado de R e seja F = E ∩ X. Então
x∈X−F⇔x∈X e x∈ /F⇔x∈Xex∈ / X∩E
⇔ x ∈ X e x ∈ R− (X ∩ E) ⇔ x ∈ X e x ∈ (R − X) ∪ (R − E)
⇔ x ∈ X ∩ (R − E) .
Sendo R − E aberto da reta, segue que X − F é um aberto relativo e, portanto, F é um
fechado de X. 

Definição 7.7.1 Sejam F ⊂ X ⊂ R e {Fλ }λ∈L a coleção dos fechados de X que contém F.
O fecho de F em X, denotado por FX , é o conjunto
T
FX = Fλ .
λ∈L

Teorema 7.7.3 Seja X ⊂ R. Então F ⊂ X é um fechado relativo se, e somente se,


F = FX .

Demonstração: É consequência imediata do Teorema 7.7.1 que se F = FX então F é


fechado. Por outro lado, se F é um fechado relativo então F é um
T dos elementos da famı́lia
{Fλ }λ dos fechados relativos que contém F e, neste caso, FX = Fλ = F. 
λ∈L

Teorema 7.7.4 Seja X ⊂ R. Se E ⊂ X, então EX = E ∩ X.

Demonstração: Sejam {Eλ }λ∈L a coleção de todos os fechados de X que contém E e


{Fµ }µ∈M a coleção de todos os fechados da reta que contém E. Assim, do Teorema 7.7.2,
para cada λ ∈ L existe µ ∈ M tal que Eλ = Fµ ∩ X e, reciprocamente, para cada µ ∈ M
existe λ ∈ L tal que Fµ ∩ X = Eλ . Daı́,
!
T T T
EX = Eλ = (Fµ ∩ X) = Fµ ∩ X = E ∩ X.
λ∈L µ∈M µ∈M

Exemplo 7.7.1 Se X é um aberto de R então A ⊂ X é um aberto relativo se, e somente


se, A é um aberto de R e, do memos modo se Y é um fechado de R então F ⊂ Y é um
fechado relativo se, e somente se, F é um fechado de R.

Exemplo 7.7.2 Se X = Z, então todo subconjunto E de X é, simultaneamente, aberto e


fechado em X. Com efeito, como Z0 = ∅, temos que tanto Z quanto qualquer subconjunto
seu são fechados de R. Consequentemente, do Teorema 7.7.2, se E ⊂ Z, então E = E ∩ Z
é um fechado relativo e, como Z − E também é fechado relativo, temos que E é aberto de
Z.
200 7.8. Conjunto de Cantor

7.8 Conjunto de Cantor


Seja C0 = [0, 1]. Retirando-se de C0 o terço médio aberto, obtemos
   
1 2
C1 = 0, ∪ ,1 .
3 3
Retirando-se o terço médio aberto de cada um dos intervalos remanescentes que compõem
C1 , obtemos        
1 2 1 2 7 8
C2 = 0, ∪ , ∪ , ∪ ,1 .
9 9 3 3 9 9
Retirando-se o terço médio aberto de cada um dos intervalos remanescentes que compõem
C2 , obtemos
               
1 2 1 2 7 8 1 2 19 20 7 8 25 26
C3 = 0, ∪ , ∪ , ∪ , ∪ , ∪ , ∪ , ∪ ,1 .
27 27 9 9 27 27 3 3 27 27 9 9 27 27
Procedendo-se com este argumento, obtemos uma famı́lia {Cn }n∈N , tal que Cn+1 ⊂ Cn .

0 1
C0

1 2
0 3 3 1
C1

1 2 1 2 7 8
0 9 9 3 3 9 9 1
C2

1 2 1 2 7 8 1 2 19 20 7 8 25 26
0 27 27 9 9 27 27 3 3 27 27 9 9 27 27 1
C3
..
.

A construção do Conjunto de Cantor



T
O conjunto C = Cn é chamado de Conjunto de Cantor e será nosso objeto de estudo
n=1
nessa seção. Veremos que este conjunto é dotado de propriedades, no mı́nimo, curiosas.
Teorema 7.8.1 O Conjunto de Cantor é um conjunto compacto.
Demonstração: Com efeito, cada conjunto Cn é um conjunto fechado por ser a reunião
finita de intervalos fechados. Como a interseção arbitrária de conjuntos fechados é ainda

T
um conjunto fechado, temos que C = Cn é fechado. Como C ⊂ [0, 1], temos que C é
n=1
também limitado, e isso conclui a demonstração. 
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 201

Teorema 7.8.2 O Conjunto de Cantor tem interior vazio.

Demonstração: Seja (a, b) ⊂ [0, 1]. Uma vez que cada Cn é uma reunião de 2n intervalos
1 2n
disjuntos de diâmetro n , sabendo-se n → 0, temos que existe n0 ∈ N tal que, sempre
3 3
2n
que n ≥ n0 , tem-se n < b−a, ou seja, para n ≥ n0 , a soma dos diâmetros dos intervalos
3
que formam Cn é menor do que b−a que é o diâmetro de (a, b). Deste modo, (a, b) 6⊂ Cn ,

T
para todo n ≥ n0 e, consequentemente, (a, b) 6⊂ Cn = C. 
n=1

Teorema 7.8.3 Sejam En o conjunto dos extremos dos intervalos que formam Cn e E =

S
En . Então E é denso em C.
n=1

Demonstração: Mostraremos que, dado x ∈ C, existe uma sequência (xn )∞ n=1 de ele-
mentos de E que converge pra x. De fato, fixado x ∈ C, para cada n ∈ N, seja In o
intervalo componente de Cn ao qual x pertence. Se (xn )∞ n=1 é a sequência formada pelos
extremos superiores dos intervalos In , temos que xn ∈ E para todo n ∈ N e, além disso,
1
0 ≤ xn − x ≤ n , isto é, lim xn = x, o que assegura o resultado. 
3
Lema 7.8.1 Se x e y são, respectivamente, um extremo inferior e um extremo superior
1 1
de intervalos componentes de Cn , então x+ n+1 e y− n+1 são, respectivamente, extremos
3 3
superior e inferior de intervalos componentes de Cn+1 .
1
Demonstração: Se [a, b] é um dos intervalos componentes de Cn então b − a = n
    3
1 1
e retirando-se o terço médio deste intervalo, obtemos a, a + n+1 e b − n+1 , b , os
3 3
quais são intervalos componentes de Cn+1 . Fica estabelecido então que se a, b ∈ E são,
respectivamente, extremos inferior e superior de algum intervalo componente de Cn , então
1 1
a + n+1 , b − n+1 ∈ E são, respectivamente, extremos superior e inferior de intervalos
3 3
componentes de Cn+1 . Utilizando o argumento acima para os intervalos componentes de
Cn dados por [x, x0 ] e [y0 , y], o resultado segue. 
3
Exemplo 7.8.1 Mostremos que ∈ C. Consideremos a sequência definida por
4
Pn
 i
1
xn = − .
i=0 3
Assim, do Lema 7.8.1 xn ∈ E ⊂ C para todo n = 0, 1, . . . e, além disso,
P∞
 n
1 1 3
lim xn = − = = .
n=0 3 1 4
1+
3
3
Logo, ∈ C = C.
4
202 7.8. Conjunto de Cantor

Teorema 7.8.4 O Conjunto de Cantor é um conjunto perfeito.


Demonstração: Já sabemos que C é fechado. Resta-nos mostrar que não possui pontos
isolados. Pois bem, sejam x ∈ C e ε > 0. Neste caso, existe n0 ∈ N tal que, sempre
1
que n ≥ n0 , n < ε. Seja, então, In0 o intervalo componente de Cn0 ao qual x pertence.
3
Assim, ambos os extremos deste intervalo pertencem a C ∩ (x − ε, x + ε) e pelo menos
um deles é diferente de x, ou seja, x é ponto de acumulação de C. 

Note que, dos resultados que estabelecemos até aqui, podemos concluir que
C = C = C0 = ∂C.
Teorema 7.8.5 O conjunto [0, 1] − C é denso em [0, 1].
Demonstração: Mostraremos que [0, 1] − C = [0, 1]. Sabemos que
[0, 1] − C = int ([0, 1] − C) ∪ ∂ ([0, 1] − C) . (7.3)
Como [0, 1]−C é a reunião dos terços médios abertos excluı́dos na construção de C, temos
que [0, 1] − C é aberto e, consequentemente,
int ([0, 1] − C) = [0, 1] − C. (7.4)
Por outro lado,
∂ ([0, 1] − C) = ∂C = C. (7.5)
Substituindo (7.4) e (7.5) em (7.3), obtemos
[0, 1] − C = ([0, 1] − C) ∪ C = [0, 1] ,
como querı́amos demonstrar. 
Teorema 7.8.6 O Conjunto de Cantor é não-enumerável.
Demonstração: Segue imediatamente do Teorema 7.4.5. 

A não-enumerabilidade do Conjunto de Cantor culmina com fato de que ele deve,


necessariamente, abrigar muitos números irracionais e que estes devem constituir, na rea-
lidade, a “maior parte” de seus elementos. Veremos agora uma caracterização do Conjunto
de Cantor envolvendo a representação na base 3 de seus elementos que nos ajudará a iden-
tificar quais são estes números irracionais que o integram. Mais precisamente, veremos
P∞ a
n
que x ∈ C se, e somente se, x = n
, com an ∈ {0, 2}, para todo n ∈ N.
n=1 3

1 3
Exemplo 7.8.2 Vimos que , ∈ C. Note, agora, que
3 4
1 1 0 0 0 0
= + 2+ 3+ 4+ 5
3 3 3 3 3 3
0 2 2 2 2
= + 2 + 3 + 4 + 5 + ···
3 3 3 3 3
e que
3 2 0 2 0 2
= + 2 + 3 + 4 + 5 + ···.
4 3 3 3 3 3
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 203

O exemplo acima ilustra o fato de que alguns números racionais possuem mais de uma
representação ternária. Os próximos resultados nos ajudarão a identificar tais números.
Antes, diremos x ∈ [0, 1] tem representação ternária finita se existir n ∈ N tal que
a0 a 1 a2 an
x= 0
+ + 2 + ··· + n,
3 3 3 3
com ai ∈ {0, 1, 2}, para todo i = 0, 1, . . . , n.
p
Teorema 7.8.7 Uma fração irredutı́vel ∈ (0, 1) possui representação ternária finita
q
se, e somente se, o denominador da fração em questão é uma potência de 3.
p
Demonstração: Sejam p, q ∈ N primos entre si, com p < q. Suponha que tenha
q
representação ternária finita. Neste caso, existe n ∈ N tal que
p a0 a1 an−1 an
= 0 + 1 + · · · + n−1 + n ,
q 3 3 3 3

com ai ∈ {0, 1, 2}, para todo i = 0, 1, . . . , n. Temos, então, que

p 1
= n an + an−1 3 + · · · + a1 3n−1 + a0 3n ,

q 3
ou seja,
p3n = q an + an−1 3 + · · · + a1 3n−1 + a0 3n .


Como p e q são coprimos e q divide o produto p3n , temos que q deve dividir 3n (ver
Exercı́cio 2.15), ou seja, q é uma potência de 3. Por outro lado, se q = 3n , n ∈ {0, 1, . . .},
a representação ternária de p é da forma

p = am 3m + am−1 3m−1 + · · · + a1 3 + a0

com m < n, pois p < q. Então

p am 3m + am−1 3m−1 + · · · + a1 3 + a0
=
q 3n
am am−1 a1 a0
= n−m + n−m+1 + · · · + n−1 + n
3 3 3 3
p
e possui representação ternária finita. 
q

P∞ a
n
Definição 7.8.1 Seja x = n
∈ [0, 1], an ∈ {0, 1, 2}. Diremos que x tem repre-
n=0 3
sentação ternária infinita se para todo m a subsequência (an )∞ n=m é não-nula. Uma
representação ternária infinita é denominada periódica se existirem n0 , k ∈ N tais que
an = an+k sempre que n ≥ n0 (ou seja, se n ≥ n0 , (an+mk )∞ m=0 é constante), caso
contrário, a representação é não-periódica.
204 7.8. Conjunto de Cantor

1 3
Exemplo 7.8.3 Temos do Exemplo 7.8.2 que e possuem representação ternária
3 4
infinita e periódica.

Lema 7.8.2 Se x é um inteiro não-negativo e x < q ∈ N, então o quociente na divisão


de 3x por q é, no máximo, 2.

Demonstração: O resultado é óbvio se x = 0. Suponhamos, então, x > 0. Seja k ∈ N


tal que q = x + k. Assim,
3x = 3q − 3k > 0. (7.6)
Seja a o menor múltiplo de q tal que aq − 3k ≥ 0. Como k > 0, devemos ter 1 ≤ a o
que, juntamente com (7.6), nos dá 1 ≤ a ≤ 3. Assim,

0≤3−a≤2 (7.7)

e, além disso,
3x = (3 − a) q + (aq − 3k) .
Afirmamos que deve ser aq − 3k < q. Com efeito, se fosse aq − 3k ≥ q, terı́amos
(a − 1) q − 3k ≥ 0, contrariando a minimalidade de a. Logo, 3 − a e aq − 3k são,
respectivamente, o quociente e o resto na divisão de 3x por q e, de (7.7), o resultado
segue. 

Teorema 7.8.8 Um número racional x ∈ (0, 1), cujo denominador de sua forma ir-
redutı́vel não é uma potência de 3, possui apenas a representação ternária infinita e
periódica.
p
Demonstração: Seja ∈ (0, 1), com p, q ∈ N primos entre si, e suponha que q não
q
seja uma potência de 3. Sejam a1 e r1 , respectivamente, o quociente e o resto na divisão
de 3p por q. Assim,
 
p 1 3p 1 a 1 q + r1 a1 1 r1
= = = + .
q 3 q 3 q 3 3q
Sejam a2 e r2 , respectivamente, o quociente e o resto na divisão de 3r1 por q. Assim,
p a1 1 3r1 a1 1 a 2 q + r2 a1 a2 1 r2
= + 2 = + 2 = + 2 + 2 .
q 3 3 q 3 3 q 3 3 3 q
Sejam a3 e r3 , respectivamente, o quociente e o resto na divisão de 3r2 por q. Assim,
p a1 a2 1 3r2 a1 a 2 1 a 3 q + r3 a1 a2 a3 1 r3
= + 2 + 3 = + 2 + 3 = + 2 + 3 + 3 .
q 3 3 3 q 3 3 3 q 3 3 3 3 q
Procedendo com este argumento, ao final de q + 1 etapas, como existem q possibilidades
para o resto na divisão por q, existirá i ∈ {1, . . . , q} tal que ri = rq e, consequentemente,
fazendo-se k = q − i, teremos que, an = an+k sempre que n ≥ i. Note que o Lema 7.8.2
garante que 0 ≤ an ≤ 2, para todo n ∈ N e, além disso, o Teorema 7.8.7 garante que,
p
para todo m ∈ N, a subsequência (an )∞ n=m é constante e não-nula, ou seja, possui uma
q
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 205

P∞ b
n
representação ternária infinita e periódica. Seja, agora, n
uma representação ternária
n=1 3
p
de . Suponha, por absurdo, a1 6= b1 . Sem perda de generalidade, suponha a1 > b1 . De
q
modo geral, como 0 ≤ an , bn ≤ 2, temos |an − bn | ≤ 2. Se a1 − b1 = 2, então

p p P∞ a n P ∞ b
n P∞ a −b
n n
0= − = n=1 n − n
= n
q q 3 n=1 3 n=1 3
2 P∞ a −b
n n 2 P∞ |a − b |
n n
= + n
≥ − n
3 n=2 3 3 n=2 3
2 P∞ 2 2 1 1
≥ − = − = > 0,
3 n=2 3n 3 3 3

o que, obviamente, é uma contradição. Se a1 − b1 = 1, então


P∞ a −b
n n 1 P∞ a −b
n n P∞ a −b
n n 1
0= n
= + n
⇒ n
=−
n=1 3 3 n=2 3 n=2 3 3

Mas
P∞ 2 1
n
=
n=2 3 3
e, consequentemente,
P∞ 2 P
∞ (a − b )
n n
n
= − n
,
n=2 3 n=2 3
2 − (an − bn ) = 0 ⇒ an − bn = 2
⇒ an = 2 + bn > bn

o que nos dá


P∞ 2 − (a − b )
n n
n
= 0. (7.8)
n=2 3
De |an − bn | ≤ 2, obtemos 2 − (an − bn ) ≥ 0, ou seja, a série em (7.8) é uma série
de termos não-negativos que converge para 0 e, sendo assim, seu termo geral deve ser
identicamente nulo, isto é, para todo n ∈ N, n ≥ 2, tem-se 2 − (an − bn ) = 0, o que nos
P∞ a −b
n n
fornece an − bn = 2 sempre que n ≥ 2. Deste modo, n
é uma série de termos
n=1 3
positivos, contrariando o fato de o limite desta série ser zero. Logo, a1 = b1 . O mesmo
argumento mostra que, de modo geral, se a1 = b1 , . . ., an = bn , então an+1 = bn+1 , ou
seja an = bn para todo n ∈ N. Isso conclui a prova da unicidade. 

Corolário 7.8.1 Um número real x ∈ [0, 1] é irracional se, e somente se, sua repre-
sentação ternária é infinita e não-periódica.

Demonstração: Os Teoremas 7.8.7 e 7.8.8 garantem que se y ∈ [0, 1] é racional, então


sua representação ternária ou é finita ou é infinita e periódica. Logo, se x ∈ [0, 1] possui
representação infinita e não-periódica, x deve ser irracional. Reciprocamente, se x é
irracional, o Teorema 7.8.7 assegura que x não possui representação ternária finita. Se
206 7.8. Conjunto de Cantor

P∞ a
n
n
é uma representação ternária infinita e periódica, existem n0 , k ∈ N tais que an =
n=1 3
an+k sempre que n ≥ n0 e consequentemente,
P∞ a
n
nP0 −1 a
n P∞ a
n0 +mk P∞ a
n0 +1+mk P∞ a
n0 +(k−1)+mk
n
= n
+ n +mk
+ n +1+mk
+ · · · + n0 +(k−1)+mk
n=1 3 n=1 3 m=0 3 m=0 3 m=0 3
0 0

nP0 −1 a P∞ an 0 P
∞ an0 +1 P∞ an0 +k−1
n
= n
+ n +mk
+ n +1+mk
+ · · · + n 0 +(k−1)+mk
n=1 3 m=0 3 m=0 3 m=0 3
0 0

nP0 −1 a an0 P ∞ 1 an0 +1 P ∞ 1 an0 +k−1 P ∞ 1


n
= n
+ n +mk mk
+ + · · · +
n=1 3 3 0 m=0 3 3n0 +1 m=0 3mk 3n0 +k−1 m=0 3mk
nP0 −1 a  a an +1 an +k−1  P ∞ 1
n n0
= n
+ n +mk + n 0+1 + · · · + n 0+k−1 mk
n=1 3 3 0 3 0 3 0 m=0 3
nP0 −1 a  a an0 +1 an0 +k−1  1
n n0
= + n +mk + n +1 + · · · + n +k−1
n=1 3
n 3 0 3 0 3 0 1
1− k
3
nP0 −1 a  a an +1 an +k−1  3 k
n n0
= n
+ n +mk + n 0+1 + · · · + n 0+k−1 k
,
n=1 3 3 3 3 3 −1
0 0 0

P
∞ a
n
ou seja, n
∈ Q. Logo, x também não pode ter representação ternária infinita e
n=1 3
periódica, restando-lhe assim apenas a opção de possuir uma expansão ternária infinita e
não-periódica. 
4
Exemplo 7.8.4 Consideremos a fração . Temos que
7
3 · 4 = 12 = 1 · 7 + 5
3 · 5 = 15 = 2 · 7 + 1
3·1=3=0·7+3
3·3=9=1·7+2
3·2=6=0·7+6
3 · 6 = 18 = 2 · 7 + 4
..
.
Assim,
1 1 2 0 1 0 2 1 2 0 1 0 2
= + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 + 7 + 8 + 9 + 10 + 11 + 12 + · · ·
7 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3
Teorema 7.8.9 Seja En , n = 1, 2, . . . o conjunto dos extremos dos intervalos que formam
Pn a
k Pn a
k 1
Cn . Se x ∈ (0, 1), então x ∈ En se, e somente se, x = k
ou x = k
+ n , com
k=0 3 k=0 3 3
a0 = 0 e ak ∈ {0, 2}, para todo k = 1, . . . , n. No primeiro caso x é um extremo inferior
e, no segundo, um extremo superior.

Demonstração: Façamos indução em n. O resultado é óbvio para n = 0. Supondo a


P ak
n+1
validade do resultado para 0, . . . , n, mostremos sua validade para n + 1. Se x = k
,
k=0 3
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 207

ak ∈ {0, 2}, como x 6= 0, devemos ter ak 6= 0, para algum k. Seja, então, m + 1 o maior
elemento de {1, . . . , n + 1} tal que am+1 = 2. Assim,

Pa
n+1
k Pa
m+1
k Pm a
k 2 P
m a
k 1 1
x= = = + = + −
k=0 3k k=0 3k k=0 3
k 3m+1 k=0 3k 3m 3m+1
Pm a
k 1
e, como k
+ m é um extremo superior de um intervalo componente de Cm , o Lema
k=0 3 3
Pm a
k 1 1
7.8.1 garante que x = k
+ m − m+1 é um extremo inferior de algum intervalo
k=0 3 3 3
componente de Cm+1 e, portanto, é extremos inferior de algum intervalo componente
P ak
n+1 1 P ak
n+1
de Cn+1 . Se x = k
+ , a k ∈ {0, 2}, como, pelo que acabamos de ver,
k=0 3 3n+1 k=0 3
k

é um extremo inferior em En+1 e, como todo intervalo componente de Cn+1 deve ter
1
comprimento n+1 , x deve ser o extremo superior do intervalo componente de Cn que tem
3
P ak
n+1

k
como seu extremo inferior. Reciprocamente, seja x ∈ En+1 . Como En é composto
k=0 3
por 2n subintervalos, temos 2n extremos inferiores e 2n extremos superiores. Do Lema
1
7.8.1 cada extremo inferior acrescido de n gera um extremos superior novo em En+1
3
1
enquanto que, subtraindo-se n de cada extremo superior, obtemos um extremo inferior
3
novo. Temos, portanto, 2n extremos inferiores e 2n extremos superiores novos em En+1 ,
totalizando 2n+1 extremos inferiores e 2n+1 extremos superiores em En+1 . Como Cn+1 é
formado por 2n+1 intervalos fechados disjuntos, temos que En+1 possui exatamente 2n+1
elementos. Logo, se x ∈ En+1 é um extremo inferior de algum intervalo componente de
Cn+1 , temos duas opções:
Pn a
k
• x ∈ En — Neste caso, a hipótese de indução garante que x é da forma x = k
,
k=0 3
com a0 = 0 e ak ∈ {0, 2}, para todo k = 1, . . . , n. Assim, fazendo-se an+1 = 0,
P ak
n+1
temos x = k
, com a0 = 0 e ak ∈ {0, 2}, para todo k = 1, . . . , n, n + 1.
k=0 3

• x ∈ / En — Aqui, pelo que vimos, deve existir um extremo superior y de algum


1
intervalo componente de Cn tal que seja x = y − n+1 . Da hipótese de indução,
3
Pn a
k 1
sabemos que y é da forma k
+ n , com a0 = 0 e ak ∈ {0, 2}, para todo k =
k=0 3 3
1, . . . , n, o que nos dá
1 Pn a
k 1 1
x=y− n+1
= k
+ n − n+1
3 k=0 3 3 3
P ak
n 3 1 P ak
n 2
= k
+ n+1 − n+1 = k
+ n+1 ,
k=0 3 3 3 k=0 3 3

Pa
n+1
k
isto é, x = k
, com a0 = 0 e ak ∈ {0, 2}, para todo k = 1, . . . , n, n + 1.
k=0 3
208 Exercı́cios

O caso em que x é um extremo superior é feito de modo análogo. Logo, o resultado é


verdadeiro para todo inteiro n ≥ 0. 

Teorema 7.8.10 Um número real x ∈ [0, 1] é um elemento do Conjunto de Cantor se, e


P∞ a
n
somente se, possui alguma expansão ternária n
, com an ∈ {0, 2} para todo n ∈ N.
n=1 3
P∞ a
n
Demonstração: Seja x ∈ [0, 1] tal que x = n
, com an ∈ {0, 2} para todo n ∈ N. Do
n=1 3
P
n a
k
Teorema 7.8.9, a sequência sn = k
das reduzidas da série é composta por elementos
k=1 3
de E ⊂ C. Como C é fechado e sn → x, temos que x ∈ C. Reciprocamente, seja
P∞ a
n
x= n
∈ (0, 1) tal que an = 1 para algum n. Seja m o menor inteiro não-negativo
n=1 3
tal que am = 1. Assim,
P an
m−1 1 P∞ a
n
x= n
+ m
+ n
.
n=1 3 3 n=m+1 3

Temos então que


Pa
m−1
n 1 P an
m−1 1 P
∞ a
n
n
+ m
≤ x = n
+ m
+ n
n=1 3 3 n=1 3 3 n=m+1 3
P an
m−1 1 P
∞ 2 P an
m−1 2
≤ n
+ m
+ n
= n
+ m,
n=1 3 3 n=m+1 3 n=1 3 3
isto é, x pertence a um terço médio excluı́do na construção de C. Assim, a menos que
P an
m−1 1 P an
m−1 2 P an
m−1 1
seja x = n
+ m
ou x = n
+ m
, teremos x ∈
/ C. Se x = n
+ m , podemos
n=0 3 3 n=0 3 3 n=1 3 3
escrever
P an
m−1 0 P∞ 2
x= n
+ m
+ n
.
n=1 3 3 n=m+1 3

Pa
m−1
n 2
Se x = n
+ , não há o que fazer. 
n=1 3 3m

Exercı́cios
1. Mostre que se A ⊂ R é aberto, então, dado a ∈ R, a + A = {a + x; x ∈ A} é aberto.
Se a 6= 0, então a · A = {ax; x ∈ A} também é aberto.
2. Mostre que se A e B são subconjuntos abertos de R, então
A + B = {a + b; a ∈ A e b ∈ B} e A · B = {a · b; a ∈ A e b ∈ B}
são abertos.
3. Seja A ⊂ R aberto. Seja {Aλ }λ∈L a coleção de todos os subconjuntos abertos de R
que estão contidos em A. Mostre que
S
int (A) = Aλ .
λ∈L
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 209

4. Seja A ⊂ R aberto. Se a ∈ A, mostre que A − {a} é aberto.

5. Demonstre o Teorema 7.2.1 utilizando as noções de ponto aderente e fecho.

6. Mostre que todo conjunto fechado da reta pode ser visto como uma interseção
enumerável de intervalos fechados.

7. Dê exemplo de uma famı́lia {In }n∈N de intervalos limitados


S e abertos, disjuntos dois
a dois, tal que, escrevendo-se In = (an , bn ) e A = In , tem-se
n∈N

{a1 , b1 , a2 , b2 , . . . , an , bn , . . .} ( ∂A,

8. Mostre que, se x ∈ ∂X, então x ∈ X0 ou x ∈ (Xc )0 .

9. Utilize a representação ternária do Conjunto de Cantor para mostrar sua não-


enumerabilidade fazendo uso do argumento da diagonal de Cantor.

10. Mostre que, para quaisquer X, Y ⊂ R, tem-se int (X ∩ Y) = int (X) ∩ int (Y) e
int (X ∪ Y) ⊃ int (X) ∪ int (Y) e, neste último caso, dê um exemplo onde a inclusão
seja própria.

1 1
11. Sejam F = Z, G = αZ, α irracional, e H = 0, 1, , . . . , , . . . . Mostre que, apesar
2 n
de F, G e H serem fechados, os conjuntos F + G e F · H não o são.

12. Seja C o Conjunto de Cantor. Mostre que {|x − y| ; x, y ∈ C} = [0, 1].

13. Mostre que, dado um número real positivo, existem x1 , x2 , . . . , xn no Conjunto de


Cantor tais que
a = x1 + · · · + xn .

14. Mostre que, dados X, Y ⊂ R, tem-se X ∪ Y = X ∪ Y e que X ∩ Y ⊂ X ∩ Y e, neste


último caso, dê um exemplo onde a inclusão seja própria.

15. Prove que um subconjunto A de R é aberto se, e somente se, A ∩ X ⊂ A ∩ X, para


todo X ⊂ R.

16. Seja {In }n∈N uma famı́lia de intervalos tal que In+1 ⊂ In . Mostre que
T
In ou é um
n=1
intervalo ou é o conjunto vazio.

17. Mostre que X ⊂ R é denso em R se, e somente se, int (R − X) = ∅.

18. Prove que se F é fechado e A é aberto então F − A é fechado e A − F é aberto.

19. Defina a distância de um ponto a ∈ R a um conjunto não-vazio X ⊂ R como sendo


d (a, X) = inf {|x − a| ; x ∈ X}. Mostre que:

a) d (a, X) = 0 se, e somente se, a ∈ X.


b) Se F ⊂ R é fechado, então existe b ∈ F tal que d (a, F) = |b − a|.
210 Exercı́cios

20. Prove que se X é limitado superiormente, então X também o é e sup X = sup X.


Enuncie e prove um resultado análogo para o caso de X ser limitado inferiormente.
21. Seja F ⊂ R fechado, infinito e enumerável. Mostre que F possui uma infinidade de
pontos isolados.
22. Se F é fechado e x ∈ F, então F−{x} é fechado se, e somente se, x é um ponto isolado.
23. Mostre que o conjunto dos números transcendentes é denso em R.
24. Prove que (X ∪ Y)0 = X0 ∪ Y 0 .
25. Sejam A ⊂ R e a ∈ R. Se A e A ∪ {a} são ambos conjuntos abertos, então a é um
ponto de acumulação bilateral de A.
26. Sejam A, B ⊂ R:

a) Se A é compacto e B é fechado, então A + B é fechado, mas A · B pode não ser


fechado.
b) Se A e B são compactos, então A + B e A · B são compactos.

27. As seguintes afirmações acerca de um subconjunto X de números reais são equiva-


lentes:

(i) X é limitado.
(ii) Todo subconjunto infinito de X possui algum ponto de acumulação.
(iii) Toda sequência de pontos de X possui uma subsequência convergente.

28. Mostre que:

a) A interseção arbitrária de conjuntos compactos é um conjunto compacto.


b) A união finita de conjuntos compactos é um conjunto compacto.
c) A interseção entre um compacto e um fechado é um compacto.

29. (Teorema de Baire) Sejam {Fn }n∈N uma famı́lia de subconjuntos fechados de R e

S
S= Fn . Se int (Fn ) = ∅ para todo n ∈ N, então int (S) = ∅.
n=1

30. Mostre que o conjunto R − Q dos irracionais não pode ser escrito como uma reunião
enumerável de conjuntos fechados e, consequentemente, o conjunto Q dos racionais
não pode ser escrito como uma interseção enumerável de abertos.
31. Se C ⊂ A ⊂ R, A é aberto e C é compacto, então existe ε > 0 tal que sempre que
x ∈ R e d (x, C) < ε, tem-se x ∈ A.
32. Seja K um subconjunto de números reais. Uma famı́lia A de subconjuntos de K tem
a propriedade da interseção finita se a interseção de qualquer subcoleção finita
de A é não-vazia. Mostre que K é compacto se, e somente se, cada famı́lia A de
subconjuntos fechados de K com a propriedade da interseção finita tem interseção
não-vazia.
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 211

33. Mostre que se X ⊂ R é não-enumerável, então X0 também é.


34. Prove que, para todo X ⊂ R, X − X0 é enumerável.
35. Um número real a é dito ponto de condensação de um conjunto X ⊂ R quando
todo intervalo aberto de centro a contém uma infinidade não enumerável de pontos
de X.

a) Mostre que se F é fechado e F0 é o conjunto dos pontos de condensação de F,


então F0 é perfeito, isto é, fechado e sem pontos isolados.
b) (Teorema de Bendixon) Todo fechado da reta é a reunião entre um conjunto
perfeito e um conjunto enumerável.

36. Se X ⊂ R é limitado superiormente, então sup X ∈ X0 . Enuncie e demonstre o


resultado análogo para o caso de X ser limitado inferiormente.
37. Sejam X ⊂ R e x ∈ R. Então, x ∈ / int (X) se, e somente se, existe uma sequência
(xn )∞
n=1 de pontos de R − X que converge para X.
38. Sejam A ⊂ R e B = R − A. Mostre que nenhum ponto de acumulação de A pode
ser um ponto interior de B.

0 1 1
39. Dê exemplo de um conjunto E tal que E = 0, 1, , . . . , , . . . .
2 n
40. Mostre que se um subconjunto X de números reais possui um ponto de acumulação,
então, dado ε > 0, existem x, y ∈ X tais que 0 < |x − y| < ε.
41. Dê exemplo de um subconjunto X de números reais que não tenha pontos de acu-
mulação, mas, ainda assim, possua a propriedade de que dado ε > 0 existam x, y ∈ X
tais que 0 < |x − y| < ε.
42. (Lema de Cousin) Seja C uma coleção de subintervalos fechados de [a, b] com
a seguinte propriedade: para cada x ∈ [a, b] existe δ = δ (x) > 0 tal que sempre
que [c, d] ⊂ [a, b], x ∈ [c, d] e d − c < δ, tem-se [c, d] ∈ C. Nestas condições,
existe um conjunto P = {a = x0 < x1 < · · · < xn = b} tal que [xi−1 , xi ] ∈ C, para
todo i = 1, . . . , n.
43. Sejam A e B conjuntos não-vazios de números reais. Seja
d (A, B) = inf {|x − y| ; x ∈ A e y ∈ B}
a distância entre os conjuntos A e B.

a) Prove que d (A, B) = 0 se, e somente se, A ∩ B 6= ∅.


  
b) Prove que d (A, B) = d A, B = d A, B = d A, B .
c) Mostre que se A é compacto e B é fechado, então existem x0 ∈ A e y0 ∈ B tais
que d (A, B) = |x0 − y0 |.

44. Mostre que todo subconjunto de N é simultaneamente aberto e fechado na topologia


relativa.
Capı́tulo 8

Limite

O presente capı́tulo trata de um dos conceitos centrais da Análise Matemática: o


conceito de limite. Sua estruturação foi responsável por elevar a Matemática como um
todo a um novo patamar em termos de rigor e precisão, além de distinguir a Análise
Matemática da Álgebra, Geometria e demais ramos, estabelecendo diversos conceitos do
Cálculo em bases sólidas bem como preenchendo as diversas lacunas que a abordagem
puramente algébrica não é capaz de preencher.
O uso de limites para o cálculo de áreas de regiões curvas, por exemplo, foi utili-
zado de forma intuitiva desde a Grécia antiga nos trabalhos de Arquimedes e Eudoxos.
Contudo, foi o advento do Cálculo Diferencial e Integral de Newton e Leibniz o principal
responsável pela percepção da necessidade de uma fundamentação rigorosa para a Análise
nesse sentido.

8.1 O conceito de limite


No que segue, o conjunto X representará sempre um subconjunto não-vazio de números
reais.

Definição 8.1.1 Sejam f : X → R e a um ponto de acumulação de X. Diremos que o


limite quando x tende a a de f (x) é igual ao número real L, e escreveremos lim f (x) = L,
x→a
se para cada ε > 0 existir δ > 0 tal que, sempre que x ∈ X e 0 < |x − a| < δ, tem-se
|f (x) − L| < ε.

Assim, dizer que lim f (x) = L significa, em outras palavras, afirmar que os valores
x→a
f (x) e L ficam tão próximos quanto desejarmos bastando, para isso, tomarmos x 6= a em
X suficientemente próximo de a.

OBSERVAÇÃO 8.1.1 Na qualidade de ponto de acumulação de X, a não precisa ser efeti-


vamente um elemento deste conjunto.

OBSERVAÇÃO 8.1.2 Sejam f : X → R e a ∈ X0 . Segue imediatamente da definição de


limite, a equivalência entre as seguintes afirmações:

(i) lim f (x) = L.


x→a

212
Capı́tulo 8. Limite 213

(ii) lim [f (x) − L] = 0.


x→a

(iii) lim |f (x) − L| = 0.


x→a

Teorema 8.1.1 (Unicidade do Limite) Sejam f : X → R e a ∈ X0 . Se lim f (x) = L e


x→a
lim f (x) = M, então L = M.
x→a

Dado ε > 0, existem números reais positivos δ1 e δ2 tais que


ε
|f (x) − L| < , sempre que x ∈ X e 0 < |x − a| < δ1
2
e
ε
|f (x) − M| < , sempre que x ∈ X e 0 < |x − a| < δ2
2
Fazendo-se δ = min {δ1 , δ2 }, e escolhendo x ∈ X tal que 0 < |x − a| < δ, temos que

|L − M| = |(L − f (x)) + (f (x) − M)|


ε ε
≤ |f (x) − L| + |f (x) − M| = + =ε
2 2
e, da arbitrariedade de ε, L = M.

8.2 Caracterização do limite por sequências


Teorema 8.2.1 Sejam f : X → R e a ∈ X0 . Então lim f (x) = L se, e somente se, sempre
x→a
que (xn )∞
n=1 é uma sequência de pontos de X tal que xn 6= a para todo n e lim xn = a, a
sequência correspondente de imagens (f (xn ))∞
n=1 converge para L.

Demonstração: Suponha que lim f (x) = L e seja (xn )∞


n=1 uma sequência de pontos de
x→a
X que converge para a com xn 6= a para todo n ∈ N. Temos então que, dado ε > 0,
existe δ > 0 tal que, sempre que x ∈ X e 0 < |x − a| < δ tem-se |f (x) − L| < ε. Uma
vez que xn → a, para o δ > 0 encontrado existe n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 ,
tem-se |xn − a| < δ. Deste modo, sempre que n ≥ n0 , tem-se |f (xn ) − L| < ε, ou seja,
f (xn ) → L. 

A utilidade da caracterização do limite de funções por meio de sequências, como vere-


mos adiante, está em aproveitarmos grande parte dos resultados obtidos para sequências
na obtenção de resultados semelhantes para limites mais gerais

Corolário 8.2.1 (Propriedades Operatórias) Sejam f, g : X → R e a ∈ X0 . Se


lim f (x) = L e lim g (x) = M, então:
x→a x→a

(i) lim |f (x)| = |L|


x→a

(ii) lim (f ± g) (x) = L ± M;


x→a
214 Exercı́cios

(iii) lim (f · g) (x) = LM;


x→a
 
f L
(iv) lim (x) = desde que M 6= 0.
x→a g M

Demonstração: Seja (xn )∞ n=1 uma sequência de elementos de X que converge para a
tal que xn 6= a para todo n ∈ N. Assim, do Teorema 8.2.1, as sequências (f (xn ))∞
n=1 e
(g (xn ))∞
n=1 convergem para L e M, respectivamente e, consequentemente,

lim |f (xn )| = |L| , lim [f (xn ) ± g (xn )] = L ± M, lim f (xn ) g (xn ) = LM

e, desde que M 6= 0,
f (xn ) L
lim = .
g (xn ) M
O Teorema 8.2.1 assegura o resultado. 

Corolário 8.2.2 (Teorema do Confronto) Sejam f, g, h : X → R e a ∈ X0 . Se existe


η > 0 tal que sempre que x ∈ X ∩ (a − η, a + η), f (x) ≤ g (x) ≤ h (x) e, além disso,
lim f (x) = L = lim h (x), então lim g (x) = L.
x→a x→a x→a

Demonstração: Seja (xn )∞


n=1 uma sequência de elementos de X que converge pra a tal
que xn 6= a para todo n ∈ N. Existe, então, n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 ,
xn ∈ (a − η, a + η). Daqui, f (xn ) ≤ g (xn ) ≤ h (xn ) para todo n ≥ n0 . Do Teorema
8.2.1 segue que
lim f (xn ) = L = lim h (xn )
e Teorema do Confronto para sequências, lim g (xn ) = L. Utilzando-se novamente o
Teorema 8.2.1, o resultado desejado é obtido. 

Corolário 8.2.3 Sejam f, g : X → R e a ∈ X0 . Se f é limitada e lim g (x) = 0, então


x→a
lim (f · g) (x) = 0.
x→a

Demonstração: Seja (xn )∞ n=1 uma sequência de elementos de X que converge pra a tal
que xn 6= a para todo n ∈ N. Então, (f (xn ))∞
n=1 é uma sequência limitada e, do Teorema
8.2.1, lim g (xn ) = 0. Do Teorema 5.3.1 segue então que lim f (xn ) g (xn ) = 0 e, portanto,
mais uma vez à luz do Teorema 8.2.1, o resultado segue. 

8.3 Limites laterais


Referências Bibliográficas

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edição, ClassicalRealAnalysis.com, 2008.

[6] C. N. Moreira: Curso de Análise Real, 1a edição, Rio de Janeiro, 2006.

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[8] D. M. Pellegrino: Notas de Aula de Topologia Geral. João Pessoa 2009.

[9] E. L. Lima: Curso de Análise, Volume 1, 14a edição, IMPA, Rio de Janeiro, 2006.

[10] H. L. Royden: Real Analysis, 2a edição, Collier-Macmillan, Londres, 1988.

[11] K. A. Ross: Elementary Analysis - The Theory of Calculus, 2a edição, Springer,


Nova York, 2000.

[12] K. R. Davidson e A. P. Donsig: Real Analysis and Applications: Theory in Prac-


tice, 1a edição, Springer, Nova York, 2010.

[13] Leon W. Cohen e Gertrude Ehrlich: The Structure of the Real Number System,
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[14] Mark Bridger: Real Analysis - A Constructive Approach, 1a edição, John Wiley
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[15] Miklós Laczkovich e Vera T, Sós: Real Analysis - Foundations and Functions of
one Variable, 5a edição, Springer, Nova York, 2015.

215
216 Referências Bibliográficas

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[18] Richard Dedekind: Essays on the Theory of Numbers, Dover, Nova York, 1963.

[19] Robert G. Bartle: The Elements of Real Analysis, J. Wiley, Nova York, 1964.

[20] Stephen Hawking: God Created the Integers - The Mathematical Breaktrhoughs
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[21] S. K. Berberian: A First Course in Real Analysis, 1a edição, Springer, Nova York,
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[22] S. K. Berberian: Fundamentals of Real Analysis, 1a edição, Springer, Nova York,


1998.

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