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~ a´
Introducao
Analise
´ Real
1
1+ =e
n
Sumário
Sumário i
1 Números Naturais 1
1.1 O conjunto N dos números naturais e os Axiomas de Dedekind-Peano . . . 1
1.2 Adição e multiplicação de números naturais . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.3 Ordem em N . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.4 O Princı́pio da Boa Ordenação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.5 Conjuntos finitos e conjuntos infinitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.6 Conjuntos enumeráveis e conjuntos não-enumeráveis . . . . . . . . . . . . . 22
Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
2 Números Inteiros 32
2.1 O conjunto Z dos números inteiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
2.2 Adição nos inteiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
2.3 Multiplicação nos inteiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
2.4 Ordem em Z . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
3 Números Racionais 52
3.1 O conjunto Q dos números racionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
3.2 Adição nos racionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
3.3 Multiplicação nos racionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
3.4 Ordem em Q . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
i
ii
8 Limite 212
8.1 O conceito de limite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 212
8.2 Caracterização do limite por sequências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 213
8.3 Limites laterais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 214
Números Naturais
Neste capı́tulo, iniciamos nossos estudos com a construção do conjunto N dos números
naturais do ponto de vista axiomático. Em seguida, definimos sobre N as operações
de adição e multiplicação, introduzindo sistematicamente as propriedades elementares
relativas a essas operações. Estabelecemos também uma noção de ordem em N que nos
permitirá enxergar os elementos deste conjunto do ponto de vista ordinal. Veremos ainda
o Princı́pio da Boa Ordenação que servirá de base para o estabelecimento do Segundo
Princı́pio de Indução Finita. Ao final, utilizamos o conjunto N dos números naturais
para estabelecer a noção de conjunto finito e conjunto infinito. Neste sentido, os números
naturais, além do caráter ordinal, adquirem o caráter cardinal, isto é, são utilizados para
expressar quantidades.
X+ = X ∪ {X} .
Note que não temos garantia nenhuma, até o presente momento, de que a construção
de sucessores pode ser levada adiante indefinidamente a partir de um único conjunto. O
que precisamos em termos de axiomatização da teoria é estabelecer um novo princı́pio
matemático que nos garanta essa possibilidade.
1
2 1.1. O conjunto N dos números naturais e os Axiomas de Dedekind-Peano
(i) χ (1) = 1;
(ii) χ (s (n)) = ψ (ϕ (s (n))) = ψ (s0 (ϕ (n))) = s (ψ (ϕ (n))) = s (χ (n)).
Utilizando-se mais uma vez o Teorema 1.1.1, temos que χ é a única função com essas
propriedades. Assim, ψ ◦ ϕ é a identidade de N e, de modo análogo, verifica-se que ϕ ◦ ψ
é a identidade de N0 . Consequentemente, ϕ é uma bijeção.
(m + n) + p = m + (n + p)
Demonstração: Seja
X = {p ∈ N; (m + n) + p = m + (n + p) , ∀ m, n ∈ N} .
(m + n) + (p + 1) = [(m + n) + p] + 1
= [m + (n + p)] + 1
= m + [(n + p) + 1] = m + [n + (p + 1)] ,
isto é, p + 1 ∈ X e X = N.
m + n = n + m.
m + (n + 1) = (m + n) + 1
= (n + m) + 1
= n + (m + 1)
= n + (1 + m) = (n + 1) + m.
m + 1 = n + 1 ⇔ s (m) = s (n)
m + (p + 1) = n + (p + 1) .
6 1.2. Adição e multiplicação de números naturais
(m · n) · p = m · (n · p) .
Demonstração: Seja X o conjunto dos números naturais p tais que, para todo m, n ∈ N,
(m · n) · p = m · (n · p). Note que
(m · n) · 1 = m · n = m · (n · 1) ,
(m · n) · (p + 1) = (m · n) · p + m · n
= m · (n · p) + m · n
= m · (n · p + n)
= m · [n · (p + 1)] ,
ou seja, p + 1 ∈ X e X = N.N.
5 · 3 = 5 · (2 + 1)
=5·2+5
= 5 · (1 + 1) + 5
= (5 · 1 + 5) + 5
= (5 + 5) + 5
= 10 + 5
= 15.
(n + 1) + (n + 1) = (n + n) + (1 + 1) = 2 · n + 2 · 1 = 2 · (n + 1) .
Logo, n + 1 ∈ X e X = N.
1.3 Ordem em N
Sabemos da teoria elementar de conjuntos que dois conjuntos A e B são iguais se,
e somente se, possuem os mesmos elementos. Assim, os conjuntos {a, b} e {b, a} são
iguais e a disposição dos elementos não influencia na determinação do conjunto. Contudo,
determinadas disposições tornam mais evidentes a identificação dos elementos de um dado
conjunto bem como de subconjuntos especı́ficos deste. Em outras palavras, deixam a casa
mais arrumada. Verificaremos ao longo desta e das seções subsequentes que a disposição
{1, 2, 3, . . .} para a representação do conjunto N dos números naturais tem suas vantagens.
8 1.3. Ordem em N
n=m+k
= m + (p + 1)
= m + (1 + p)
= (m + 1) + p = s (m) + p,
p · (n − m) = p · n − p · m.
p · n = p · (m + k)
= p · m + p · k.
Veremos agora que a relação “<” induz, sobre N, uma ordem total a qual é compatı́vel
com a noção de adição e multiplicação que aqui definimos. Faremos isso com o auxı́lio
dos resultados a seguir.
Lema 1.3.1 A relação “<” é transitiva, isto é, se m, n e p são números naturais tais
que m < n e n < p, então m < p.
n=m+k e p = n + k0 .
Assim,
p = (m + k) + k0 = m + (k + k0 )
e m < p.
Teorema 1.3.2 (Lei da Tricotomia) Dados m, n ∈ N, uma, e apenas uma, das alter-
nativas a seguir é verdadeira:
Capı́tulo 1. Números Naturais 9
Teorema 1.3.3 A relação “<” ´é compatı́vel e cancelativa relativamente a adição, isto
é, dados m, n, p ∈ N, tem-se que
m < n ⇔ m + p < n + p.
n + p = (m + k) + p = (m + p) + k,
Teorema 1.3.4 A relação “≤” induz sobre N uma relação de ordem, isto é, goza das
seguintes propriedades:
OBSERVAÇÃO 1.3.1 Observe que a Tricotomia acaba por estabelecer que a relação “≤” é
uma ordem total, ou seja, dados m, n ∈ N,
m≤n ou n ≤ m.
Teorema 1.3.5 A relação “≤” é compatı́vel e cancelativa com respeito a adição, isto é,
dados m, n, p ∈ N
m+p≤n+p⇔m≤n
Voltando à nossa abordagem inicial, na qual 1 = {∅} e, de modo geral, n+1 representa
a união disjunta n ∪ {n}, veremos que a noção de ordem aqui estabelecida é compatı́vel
com a inclusão. Mais precisamente:
m ⊆ n ( n + 1.
m ≤ n < n + 1,
Este resultado nos será útil mais adiante quando falarmos de números cardinais.
No que segue, se n ∈ N representaremos por Xn o conjunto
Xn = {m ∈ N; n ≤ m} = {n, n + 1, n + 2, . . .} .
(m + p) + 1 = m + (p + 1) ∈ X.
Daı́, p + 1 ∈ S e S = N.
In = {m ∈ N; m ≤ n} = {1, 2, . . . , n} .
S = {n ∈ N; In ⊂ N − X}
é fácil ver que S ⊂ N − X e, uma vez que 1 ∈ / X, pois, caso contrário, 1 seria o elemento
mı́nimo de X, temos que 1 ∈ N − X. Logo, I1 = {1} ⊂ N − X e 1 ∈ S. Seja n ∈ S. Se
n + 1 pertencesse a X, como In ⊂ N − X, terı́amos que n + 1 seria o elemento mı́nimo
de X, contrariando o fato de X não possuir elemento mı́nimo. Assim, n + 1 ∈ N − X e,
consequentemente,
In+1 = In ∪ {n + 1} ⊂ N − X.
Portanto, n + 1 ∈ S e, do Axioma de Indução Finita, S = N. Deste modo,
N = S ⊂ N − X ⊂ N,
para todo n ∈ N.
xn = yn .
Evidentemente, 1, . . . , m ∈ M. Se n ≥ m e 1, 2, . . . , n ∈ M, então
xn+1 = f (ϕ1 (n) , . . . , ϕ1 ((n + 1) − m)) = f (ϕ2 (n) , . . . , ϕ1 ((n + 1) − m)) = yn+1
m · n = n · m.
Capı́tulo 1. Números Naturais 13
Temos que
a<b⇔a·c<b·c
e que
c < d ⇔ b · c < b · d,
isto é,
a · c < b · c < b · d.
A transitividade da relação “<” assegura o resultado.
14 1.4. O Princı́pio da Boa Ordenação
um+(n+1)+1 = um+n+2
= um+n + um+n+1
= um+(n−1)+1 + um+n+1
= (un−1 · um + un · um+1 ) + (un · um + un+1 · um+1 )
= um · (un−1 + un ) + um+1 · (un + un+1 )
= un+1 · um + un+2 · um+1 ,
Note que, dizer que X ⊂ N é limitado é equivalente a dizer que existe p ∈ N tal que
X ⊂ Ip = {1, 2, . . . , p} .
Note ainda que, se p é uma cota superior de X, então dado m ∈ N, tem-se que p + m
também o é.
X ⊂ Ik − {k} = Ik−1
e, neste caso, para todo n ∈ X, n ≤ k − 1, isto é, k − 1 é uma cota superior de X, o que
contradiz a minimalidade de k. Logo, k ∈ X e o resultado está provado
dada por ψ (k) = ϕ (k) é uma bijeção e, por conseguinte, a função ϕ também o é,
contradizendo o fato de ϕ (Im+1 ) ser diferente de Im+1 . Logo, m + 1 < n e, portanto,
m + 1 ∈ X e X = N.
Demonstração: Suponha por absurdo que ϕ seja injetora, mas não seja sobrejetora.
Neste caso, ϕ (In ) 6= In e, do Teorema 1.5.1, n < n o que, obviamente, é uma contradição.
Reciprocamente, suponha, por absurdo, que ϕ seja sobrejetora, mas não seja injetora.
Neste caso, o Teorema 1.5.2 nos dá, novamente, n < n, o que é uma contradição.
Demonstração: Uma vez que a função ψ : Im → In+1 dada por ψ (k) = ϕ (k) é injetora
e ψ (Im ) = In 6= In+1 , segue do Teorema 1.5.1 que m < n + 1 e, consequentemente,
m + 1 ≤ n + 1. Utilizando-se um raciocı́nio análogo com ϕ−1 no lugar de ϕ, concluı́mos
que n + 1 ≤ m + 1. Logo, m + 1 = n + 1 e, da Lei do Corte (ou da injetividade da função
s), m = n.
Definição 1.5.1 Dois conjuntos arbitrários E e F serão ditos equipotentes se existe uma
função f : E → F bijetora.
Não é difı́cil notar que a equipotência entre conjuntos define uma relação de equi-
valência. As classes assim obtidas são chamadas de números cardinais. O problema
agora reside no fato de, dentre todos os conjuntos de uma mesma classe, qual é o mais
indicado para representá-la. Veremos como fazer isso em alguns casos a seguir.
Uma vez que a correspondência In 7→ n, pelo que vimos acima, é biunı́voca, utilizare-
mos n para representar o número cardinal relativo à classe da qual In faz parte. Assim, se
X é equipotente a In , diremos que n é o número de elementos ou que é a cardinalidade
do conjunto X e escreveremos card X = n. Utilizaremos o sı́mbolo 0, o qual chamaremos
de zero, para denotar o número cardinal relativo ao conjunto vazio, isto é, card ∅ = 0.
Neste sentido, o conjunto N ∪ {0} está imerso no conjunto dos números cardinais.
Segue diretamente do que vimos que cada conjunto In é finito e possui n elementos.
Além disso, dois números naturais distintos não podem representar, simultaneamente, a
cardinalidade de um mesmo conjunto X visto que, se X é simultaneamente equipotente a
In e Im , então existem bijeções ψ : X → Im e ϕ : X → In e, daı́, a função ϕ ◦ ψ−1 : Im → In
é também uma bijeção. Do Corolário 1.5.2, m = n.
Note que, até aqui, o uso de expressões como “n vezes”, “após n iterações”, “n
objetos”, “depois de n passos” e outras foi evitado. Isso foi feito porque ainda não
havı́amos conferido aos números naturais o caráter cardinal, isto é, não fazia sentido
até antes deste ponto usar os números naturais para expressar quantidades. Contudo,
o uso de tais expressões, de agora em diante, será não só permitido como amplamente
utilizado ao longo do texto. Os dois próximos exemplos nos dão uma outra percepção das
operações de adição e multiplicação aqui desenvolvida do ponto de vista destes conceitos
e terminologias.
18 1.5. Conjuntos finitos e conjuntos infinitos
m + (n + 1) = (m + n) + 1
= Sn (m) + 1
= s (Sn (m)) = Sn+1 (m) ,
ou seja, n + 1 ∈ X e, consequentemente, X = N.
S1n = Sn e Sk+1
n = Sn ◦ Skn .
Assim,
Skn (m) = m + n + · · · + n.
onde a quantidade de parcelas iguais a n é k. Seja, agora, P1 : N → N a identidade de N
e Pn+1 : N → N a função definida por
(n + 1) · m = n · m + m
= Pn (m) + m
= Snm (m) + m
= Sm (Snm (m))
= Sn+1
m (m) = Pn+1 (m) .
X = {x1 , x2 , . . . , xn } .
OBSERVAÇÃO 1.5.1 Uma vez que ∅ é subconjunto de todo conjunto segue, do Teorema
1.3.6, que a inclusão induz uma ordem total em N∪ {0} compatı́vel com a ordem total
estabelecida em N. Note que, neste caso, temos 0 < n, para todo n ∈ N.
Demonstração: Seja X o conjunto dos números naturais para os quais a assertiva acima
é verdadeira. Note que 1 ∈ X visto que os únicos subconjuntos de I1 são ∅ e I1 . Sejam
n ∈ X e A um subconjunto de In+1 . Se for A ⊂ In , então, como n ∈ X, temos que A é
finito e
card A ≤ n ≤ n + 1
e a afirmação feita se verifica. Se n + 1 ∈ A, então A − {n + 1} ⊂ In e, do fato de n
estar em X, segue que existe m ≤ n tal que k = card A. Neste caso, existe uma função
ψ : A → Im bijetora. A função ϕ : A → Im+1 dada por
ψ (k) , se k 6= n + 1
ϕ (k) =
m + 1, se k = n + 1
card A = k + 1 ≤ n + 1
e a afirmação também se verifica. Deste modo, fica provado que, em todo caso, sempre
que A é um subconjunto de In+1 , então A é finito e sua cardinalidade não excede n + 1,
isto é, n + 1 ∈ X e X = N.
card Y = m ≤ n = card X.
Demonstração: Uma vez que f (X) ⊂ Y, sendo Y finito, tem-se, do Corolário 1.5.3, que
card f (X) ≤ card Y. Uma vez que f : X → Y é injetora, a função g : X → f (X) dada por
g (x) = f (x) é bijetora e, consequentemente,
20 1.5. Conjuntos finitos e conjuntos infinitos
card (X ∪ Y) = m + n.
card (X1 ∪ · · · ∪ Xk ) = n1 + · · · + nk
Em conformidade com o resultado acima, uma vez que, não importa qual seja o con-
junto X, tem-se
X∩∅=∅ e X∪∅=∅∪X=X
e, portanto,
card (X ∪ ∅) = card (∅ ∪ X) = card X.
Logo, é natural estabelecermos que, dado n ∈ N∪ {0},
0 + n = n + 0 = n.
Ficará por conta do leitor verificar que, nesse novo contexto, as propriedades já esta-
belecidas para a adição em N continuam válidas para a adição em N∪ {0}.
card (X × Y) = m · n.
Xk = {(xk , y1 ) , . . . , (xk , ym )} , 1 ≤ k ≤ n,
temos que estes conjuntos são dois a dois disjuntos, possuem m elementos e, além disso,
X × Y = X1 ∪ · · · ∪ Xn .
card (X1 × · · · × Xk ) = n1 · · · · · nk .
22 1.6. Conjuntos enumeráveis e conjuntos não-enumeráveis
Mais uma vez, em conformidade com o que acabamos de verificar, uma vez que
∅ × X = X × ∅ = ∅,
0 · n = n · 0 = 0.
Ficará, mais uma vez, a cargo do leitor verificar que as propriedades relativas à multi-
plicação em N continuam válidas em N ∪ {0}. Contudo, o leitor deve estar atento ao fato
de que se m, n, p ∈ N ∪ {0} e m < n, então m · p < n · p desde que seja p 6= 0.
(i) X é finito.
Exemplo 1.5.3 Um número natural n será dito par se existe um número natural k
tal que n = 2k. Diremos que n é um natural ı́mpar se existe um natural k tal que
n = 2k − 1. Verificamos sem dificuldades que o conjunto N dos números naturais bem
como o conjunto dos naturais pares e o conjunto dos naturais ı́mpares são ilimitados
superiormente e, consequentemente, segue do Teorema 1.5.7 que estes três conjuntos são
infinitos.
Note que se x ∈ / g (Y), então, tomando n = 0, segue que h−1 0 (x) = x ∈ / g (Y), ou seja,
x ∈ S. Deste modo, de forma equivalentemente, se x ∈ / S, então x ∈ g (Y). Por outro lado,
observamos que, dado y ∈ Y, se tivermos g (y) ∈ S, então y ∈ f (X) e ocorre f−1 (y) ∈ S.
De fato, se g (y) ∈ S então existe n ∈ N tal que h−1
n (g (y)) ∈/ g (Y). É claro que n 6= 0 e,
nesse caso, podemos escrever
−1
h−1
n (g (y)) = ((g ◦ f) ◦ hn−1 ) (g (y))
−1 −1
= hn−1 (g ◦ f) (g (y))
= h−1 −1
g−1 (g (y))
n−1 f
= h−1 −1
n−1 f (y) .
card N = ℵ0
24 1.6. Conjuntos enumeráveis e conjuntos não-enumeráveis
card Y ≥ ℵ0 = card X.
Uma vez a imersão de Y em X, isto é, função f : Y → X dada por f (x) = x, é uma função
claramente injetora, temos que card Y ≤ card X. O Teorema de Cantor-Bernstein-Schröder
garante o resultado.
Demonstração: Uma vez que f é sobrejetora, temos que card Y ≤ card X. Se Y é finito,
o resultado é imediato. Se Y é infinito, então, do Teorema 1.6.2,
card X = ℵ0 ≤ card Y.
Exemplo 1.6.1 O conjunto P dos números naturais ı́mpares e o conjunto I dos números
naturais pares são ambos infinitos e enumeráveis.
Do que fizemos aqui, fica evidenciado que um conjunto X é enumerável se, e somente
se, card X ≤ ℵ0 ou, dito de outra forma, se, e somente se, existe uma função injetora
f : X → Y, onde Y é um conjunto sabidamente enumerável.
Demonstração: Se {Xλ }λ∈Λ é uma famı́lia
S de conjuntos, é costume representar a reunião
dos elementos da famı́lia em questão por Xλ . No entanto, quando o conjunto de ı́ndices
λ∈Λ
∞
S
é o conjunto N dos números naturais, podemos escrever, alternativamente, Xn em vez
S n=1
de Xn .
n∈N
∞
Teorema 1.6.3 Se {Xn }n∈N é uma famı́lia de conjuntos enumeráveis, então
S
Xn é enu-
n=1
merável.
Exemplo 1.6.2 Seja A um conjunto não-vazio e denotemos por P (A) o conjunto das
partes de A, isto é, o conjunto formado por todos os subconjuntos de A e seja F (A, {0, 1})
o conjunto das funções de A em {0, 1}. Seja ξ : P (A) → F (A, {0, 1}) a função que a cada
X ⊂ A associa a função ξX : A → {0, 1} definida por
1, se x ∈ X
ξX (x) =
0, se x ∈
/X
chamada de a função caracterı́stica de X. Sejam X1 e X2 subconjuntos distintos de
A. Então, sem perda de generalidade, podemos supor X1 − X2 6= ∅ e escolher x neste
conjunto. Assim,
ξX1 (x) = 1 6= 0 = ξX2 (x) ,
ou seja, ξX1 6= ξX2 e ξ é injetora. Seja f ∈ F (A, {0, 1}). Fazendo-se X = f−1 (1), vem que
f = ξX . Logo, ξ é sobrejetora e, consequentemente, uma bijeção. Como {0, 1} possui 2
elementos, segue, do Teorema de Cantor que
card A < card F (A, {0, 1}) = card P (A) .
Capı́tulo 1. Números Naturais 27
Exercı́cios
1. Mostre que, na presença dos Axiomas N1 e N2, a afirmação
é equivalente a N3.
a0 = 1 e an+1 = a · an .
a) Mostre que
am · an = am+n ,
para todo m, n ∈ N∪ {0}.
b) Mostre que
(am )n = am·n ,
para todo m, n ∈ N∪ {0}.
c) Mostre que, dados a, b ∈ N∪ {0},
(a · b)n = an · bn .
3. Mostre que o conjunto N dos números naturais é Arquimediano, isto é, dados a, b ∈
N, existe n ∈ N tal que na > b.
a) Para todo n ∈ N,
2 (1 + 2 + · · · + n) = n (n + 1) .
b) Para todo n ∈ N,
6 12 + 22 + · · · + n2 = n (n + 1) (2n + 1) .
para todo n ∈ N.
c) Dados a, b, n ∈ N, com a > b,
0! = 1 e (n + 1) ! = (n + 1) · n!
e generalize o resultado.
9. Mostre que se X é enumerável então o conjunto das partes finitas de X também o é.
11. Seja f : X → X uma função injetora que não é sobrejetora. Mostre que se x ∈
X − f (X), então os elementos x, f (x) , f (f (x)) , . . . são, dois a dois, distintos.
14. Sejam a, b ∈ N.
Pk
m n n+m
=
i=0 i k−i k
Pn
2
n 2n
= .
i=0 i n
16. Prove que todo conjunto infinito pode ser decomposto em uma reunião enumerável
de conjuntos infinitos e disjuntos dois a dois.
17. Mostre que o conjunto das funções f : N → N que são crescentes é não-enumerável.
b=a·q+r e 0 ≤ r < a.
19. Mostre que todo conjunto infinito pode ser decomposto numa reunião enumerável
de conjuntos infinitos e dois a dois disjuntos.
a) Prove que lim sup An é o conjunto dos elementos que pertencem a An para uma
infinidade de valores de n e que lim inf An é o conjunto dos elementos que não
pertencem apenas a uma quantidade finita dos An .
b) Conclua que lim inf An ⊂ lim sup An .
c) Mostre que se An ⊂ An+1 para todo n ∈ N, então
∞
S
lim inf An = lim sup An = An .
n=1
Números Inteiros
(a, b) ∼ (c, d) ⇔ a + d = b + c.
Vejamos que “∼” é, na verdade, uma relação de equivalência. É evidente que “∼” é
simétrica e reflexiva, isto é, independente de quem sejam (a, b) , (c, d) ∈ N × N, tem-
se (a, b) ∼ (a, b) e (a, b) ∼ (c, d) se, e somente se, (c, d) ∼ (a, b). Sejam, agora,
(a, b) , (c, d) , (e, f) ∈ N × N tais que (a, b) ∼ (c, d) e (c, d) ∼ (e, f). Então
a+d=b+c e c + f = d + e.
Assim, do fato de a adição de números naturais ser compatı́vel e cancelativa, temos que
c + f = d + e ⇔ a + c + f = a + d + e ⇔ a + c + f = b + c + e ⇔ a + f = b + e,
ou seja, (a, b) ∼ (e, f) e a relação “∼” é transitiva. Logo, a relação dada é, simulta-
neamente, reflexiva, simétrica e transitiva, constituindo, portanto, uma relação de equi-
valência.
O conjunto (N × N/ ∼) cujos elementos são as classes de equivalência definidas pela
relação “∼” descrita acima, será denominado de conjunto dos números inteiros e, dora-
vante, denotado por Z. É evidente que Z é enumerável.
Denotaremos por (a, b) a classe de equivalência a qual o par (a, b) pertence. Assim,
32
Capı́tulo 2. Números Inteiros 33
Exemplo 2.1.1 Sejam a, b ∈ N, com a ≥ b. Neste caso, existe k ∈ N ∪ {0} tal que
a = b + k. Afirmamos que
(a, b) = {(k + n, n) ; n ∈ N} .
a + y = (b + k) + n = b + (k + n) = b + x,
b + x = a + y = (b + k) + y = b + (k + y)
(b, a) = {(n, k + n) ; n ∈ N} .
.. . . . . . .
. . .. .. .. ..
(5; 1) (5; 2) (5; 3) (5; 4) (5; 5)
.
..
(4; 1) (4; 2) (4; 3) (4; 4) (4; 5)
.
..
(3; 1) (3; 2) (3; 3) (3; 4) (3; 5)
.
..
(2; 1) (2; 2) (2; 3) (2; 4) (2; 5)
.
..
(1; 1) (1; 2) (1; 3) (1; 4) (1; 5)
..
.
Z
O conjunto Z dos números inteiros
Teorema 2.2.1 A adição de números inteiros está bem definida, isto é, a soma de
números inteiros é ainda um número inteiro e se (a1 , b1 ), (a2 , b2 ), (c1 , d1 ), (c2 , d2 ) ∈ Z
são tais que
(a1 , b1 ) = (a2 , b2 ) e (c1 , d1 ) = (c2 , d2 ),
então
(a1 , b1 ) + (c1 , d1 ) = (a2 , b2 ) + (c2 , d2 ).
a1 + b2 = a2 + b1 e c1 + d2 = c2 + d1 . (2.1)
(a1 + c1 , b1 + d1 ) = (a2 + c2 , b2 + d2 ).
Teorema 2.2.2 A adição de números inteiros é compatı́vel e cancelativa, isto é, dados
(a, b), (c, d), (e, f) ∈ Z,
Observe que, na demonstração acima, tudo que fizemos foi utilizar a comutatividade
da adição em N.
Observe que, aqui também, tudo que fizemos foi utilizar a associatividade da adição
em N.
Teorema 2.2.5 (Elemento Neutro da Adição) Existe um único (x, y) ∈ Z tal que,
para todo (a, b) ∈ Z,
a + (b + 1) = (a + 1) + b,
Teorema 2.2.6 (Elemento Simétrico) Para todo (a, b) ∈ Z existe um único (c, d) ∈ Z
tal que
(a, b) + (c, d) = (c, d) + (a, b) = (1, 1).
e o resultado segue.
Neste contexto, nos é permitido entender o conjunto dos números naturais como subcon-
junto dos números inteiros. Os conjuntos Z+ e Z− definidos acima serão denominados
de conjunto dos números inteiros positivos e conjunto dos números inteiros negativos,
respectivamente e vale Z+ = N.
Capı́tulo 2. Números Inteiros 37
. . . . .
.. .. .. .. .. ..
.
(5; 1) (5; 2) (5; 3) (5; 4) (5; 5)
.
..
4
(4; 1) (4; 2) (4; 3) (4; 4) (4; 5)
.
..
3
(3; 1) (3; 2) (3; 3) (3; 4) (3; 5)
.
..
2
(2; 1) (2; 2) (2; 3) (2; 4) (2; 5)
.
..
1
(1; 1) (1; 2) (1; 3) (1; 4) (1; 5)
0 -1 -2 -3 -4
..
.
Z = Z+ ∪ {0} ∪ Z∗−
∗
Vejamos agora que a adição de números inteiros é uma extensão da adição em N ∪ {0}.
Mais precisamente, se m, n ∈ N ∪ {0}, então o resultado da adição entre m e n em Z e o
resultado da adição entre m e n em N ∪ {0} são iguais. Com efeito, sejam a, b, c, d ∈ N
tais que a − b = m e c − d = n e denotemos por ora +̇ e +̈, as operações de adição em
Z e N ∪ {0}, respectivamente. Temos então que
−m − n = −m + (−n)
= (b, a) + (d, c)
= (b + d, a + c) = − (m + n)
(a + d) −̇ (b + c) = k ⇔ a + d = k + (b + c)
⇔ (b + m) + d = k + (b + c)
⇔ b + (m + d) = b + (k + c)
⇔ m+d=k+c
⇔ m + d = k + (d + n)
⇔ m + d = (k + n) + d
⇔ m=k+n
⇔ m−̇n = k.
Assim,
m − n = m + (−n)
= (a, b) + (d, c)
= (a + d, b + c)
= (a + d) −̇ (b + c) = m−̇n. (2.2)
m − n = (a, b) + (d, c)
= (a + d, b + c)
= − (b + c) −̇ (a + d)
= − n−̇m
= − (n − m) ,
Teorema 2.3.1 A multiplicação de números inteiros está bem definida, isto é, o produto
de números inteiros é ainda um número inteiro e se (a1 , b1 ), (a2 , b2 ), (c1 , d1 ), (c2 , d2 ) ∈ Z
são tais que
(a1 , b1 ) = (a2 , b2 ) e (c1 , d1 ) = (c2 , d2 ),
então
(a1 , b1 ) · (c1 , d1 ) = (a2 , b2 ) · (c2 , d2 ).
a1 + b2 = a2 + b1 e c1 + d2 = c2 + d1 . (2.3)
Assim,
a1 c1 + b2 c1 = a2 c1 + b1 c1 (2.4)
a1 d1 + b 2 d1 = a2 d1 + b 1 d1 (2.5)
a2 c1 + a2 d2 = a2 c2 + a2 d1 (2.6)
b2 c1 + b2 d2 = b2 c2 + b2 d1 (2.7)
ou, equivalentemente,
e, portanto,
(a1 c1 + b1 d1 , a1 d1 + b1 c1 ) = (a2 c1 + b2 d1 , a2 d1 + b2 c1 ),
isto é,
(a1 , b1 ) · (c1 , d1 ) = (a2 , b2 ) · (c1 , d1 ). (2.8)
Analogamente, de (2.6) e (2.7) obtemos
ou, equivalentemente,
e, portanto,
(a2 c1 + b2 d1 , a2 d1 + b2 c1 ) = (a2 c2 + b2 d1 , a2 d2 + b2 c2 ),
isto é,
(a2 , b2 ) · (c1 , d1 ) = (a2 , b2 ) · (c2 , d2 ). (2.9)
De (2.8) e (2.9) vem o resultado.
40 2.3. Multiplicação nos inteiros
m · n = (1, 1) · (a, b)
= (1 · a + 1 · b, 1 · b + 1 · a)
= (a + b, a + b) = 0.
e, consequentemente,
a · c + b · d = a · d + b · c. (2.10)
Note que, como (c, d) 6= (1, 1), devemos ter c 6= d. Se c > d, então a diferença c − d está
bem definida em N e, neste caso, segue de (2.10) que
a · (c − d) = b · (c − d)
a · (d − c) = b · (d − c)
e, mais uma vez, segue da lei do corte da multiplicação em N, que a = b o que, como
vimos anteriormente, é uma contradição.
Demonstração: Como (e, f) 6= (1, 1), devemos ter e 6= f. Suponha e > f. Neste caso,
e − f está bem definido em N e
(a, b) · (c, d) = (a · c + b · d, a · d + b · c)
= (c · a + d · b, c · b + d · a) = (c, d) · (a, b).
Demonstração:
Sejam (a, b), (c, d), (e, f) ∈ Z. Assim,
(a, b) · (c, d) · (e, f) = (a · c + b · d, a · d + b · c) · (e, f)
= ((a · c + b · d) · e + (a · d + b · c) · f, (a · c + b · d) · f + (a · d + b · c) · e)
= (a · (c · e + d · f) + b · (c · f + d · e) , a · (c · f + d · e) + b · (c · e + d · f))
= (a, b) · (c · e + d · f, c · f + d · e)
= (a, b) · (c, d) · (e, f) .
a−b=k ⇔ a=k+b
⇔ a + (a + b) = (k + b) + (a + b)
⇔ 2 · a + b = k + (a + 2 · b)
⇔ (2 · a + b) − (a + 2 · b) = k,
O caso em que a < b é tratado de modo análogo. Fica assim comprovada a existência.
Vejamos, agora, a unicidade. Se (x, y) ∈ Z é um elemento neutro da multiplicação, então
(x, y) = (x, y) · (2, 1) = (2, 1)
e o resultado segue.
2.4 Ordem em Z
Nesta seção introduziremos uma relação de ordem total em Z compatı́vel com a já
estabelecida em N ∪ {0}.
Definição 2.4.1 Sejam (a, b) e (c, d) números inteiros. Diremos que (a, b) é menor do
que (c, d), e escreveremos (a, b) < (c, d), quando a + d < b + c.
Alternativamente, diremos que (c, d) é maior do que (a, b), e escreveremos (c, d) >
(a, b), quando for (a, b) < (b, c).
Note que utilizamos o mesmo sı́mbolo “<” para representar relações aparentemente
distintas em N e em 6 Z. Contudo, o contexto deixa evidente qual relação está sendo
utilizada quando do emprego do sı́mbolo.
OBSERVAÇÃO 2.4.1 Sejam a, a0 , b, b0 ∈ N tais que (a, b) ∼ (a0 , b0 ). Daı́, como bem
sabemos, a + b0 = a0 + b e (a, b) = (a0 , b0 ). Deste modo, se (a, b) < (c, d), então
a+d<b+d ⇒ (a + d) + (a0 + b0 ) < (b + d) + (a0 + b0 )
⇒ (a + b0 ) + (a0 + d) < (b + a0 ) + (b0 + d)
⇒ (a + b0 ) + (a0 + d) < (b + a0 ) + (b0 + d)
⇒ (a0 , b0 ) < (c, d).
Verifica-se de modo análogo que, se (a, b) < (c, d) e (c, d) = (c0 , d0 ),então (a, b) <
(c0 , d0 ). Fica, portanto, estabelecido que a relação “<” não depende da escolha dos repre-
sentantes das classes.
44 2.4. Ordem em Z
Teorema 2.4.1 Sejam m, n ∈ Z. Então m < n se, e somente se, existe k ∈ N tal que
n = m + k.
Demonstração: Sejam m = (a, b), n = (c, d) números inteiros tais que m < n. Então
a + d < b + c e, consequentemente, k = (b + c, a + d) ∈ N. Observe, agora, que
m + k = (a, b) + (b + c, a + d)
= (a + (b + c) , b + (a + d))
= ((a + b) + c, (a + b) + d)
= (a + b, a + b) + (c, d)
=0+n
= n.
Reciprocamente, sejam m = (a, b), n = (c, d) e k = (e, f) números inteiros tais que
n = m + k e k ∈ N. Neste caso, a diferença e − f está bem definida e vale k. Assim,
n=m+k ⇒ (c, d) = (a + e, b + f)
⇒ c + (b + f) = d + (a + e)
⇒ [c + (b + f)] − f = [d + (a + e)] − f
⇒ b + c = (a + d) + (e − f)
⇒ b + c = (a + d) + k
⇒ a+d<b+c
⇒ m = (a, b) < (c, d) = n.
Fica assim evidenciado que a relação de ordem estabelecida sobre Z estende de modo
natural aquela estabelecida em N.
Lema 2.4.1 A relação “<” é transitiva, isto é, se m, n, p ∈ Z são tais que m < n e
n < p, então m < p.
Teorema 2.4.2 (Lei da Tricotomia) Dados m, n ∈ Z, uma, e apenas uma, das alter-
nativas a seguir é verdadeira:
Capı́tulo 2. Números Inteiros 45
Teorema 2.4.3 A relação “<” ´é compatı́vel e cancelativa relativamente a adição, isto
é, dados m, n, p ∈ Z, tem-se que
m < n ⇔ m + p < n + p.
n · p = (m + k) · p = m · p + k · p.
m · p = m · p + [k · p − (k · p)]
= (m · p + k · p) − (k · p)
= n · p + [− (k · p)] ,
ou seja, n · p < m · p.
Com efeito, suponha m · p < n · p. Se fosse p < 0 então como, por hipótese, n − m é
positivo temos, do teorema acima que
p · (n − m) < 0 · (n − m) ,
isto é,
n·p−m·p<0
e, consequentemente,
n · p < m · p,
o que é uma contradição. O outro caso é tratado de modo análogo.
46 2.4. Ordem em Z
Definição 2.4.2 Sejam (a, b) e (c, d) números inteiros. Diremos que (a, b) é menor
do que ou igual a (c, d), e escreveremos (a, b) ≤ (c, d), quando a + d ≤ b + c.
Alternativamente, diremos que (c, d) é maior do que ou igual a (a, b), e escreve-
remos (c, d) ≥ (a, b), quando for (a, b) ≤ (b, c).
Assim, dizer que m ≤ n é o mesmo que afirmar que existe k ∈ N ∪ {0} tal que n = m + k.
m + 0 ≤ m + (k − 1)
e, da associatividade da adição
m ≤ (m + k) − 1 = n − 1.
Teorema 2.4.6 A relação “≤” induz sobre Z uma relação de ordem, isto é, goza das
seguintes propriedades:
OBSERVAÇÃO 2.4.6 Segue, mais uma vez, da Tricotomia, que a relação “≤” estabelece
uma ordem total.
Capı́tulo 2. Números Inteiros 47
Teorema 2.4.7 A relação “≤” é compatı́vel e cancelativa com respeito a adição, isto é,
dados m, n, p ∈ Z
m + p ≤ n + p ⇔ m ≤ n.
Além disso, se p > 0, então é
m·p≤n·p⇔m≤n
e, se p < 0, então
m·p≤n·p⇔n≤m
OBSERVAÇÃO 2.4.7 Note que a propriedade antissimétrica da relação “≤” garante a uni-
cidade dos elementos máximo e mı́nimo de um conjunto, caso existam.
Corolário 2.4.2 Todo subconjunto não-vazio de números inteiros que é limitado superi-
ormente possui elemento máximo.
Demonstração: Seja X = {m ∈ Z; 0 < m < 1}. Suponha, por absurdo, que X seja
não-vazio. Então, uma vez que X é limitado inferiormente, segue do Princı́pio da Boa
Ordenação que X possui elemento mı́nimo que denotaremos por k. Assim, 0 < k < 1 e,
consequentemente,
0 < k2 < k < 1,
ou seja, k2 ∈ X e k2 < k, o que contraria a minimalidade de k. Logo, X = ∅.
Demonstração: Suponha, por absurdo, que exista m ∈ Z tal que n < m < n + 1. Então
0 < m − n < 1, contrariando o Corolário 2.4.3.
Exercı́cios
1. Diremos que um número inteiro n é invertı́vel se existe m ∈ Z tal que m · n = 1.
Mostre que os únicos números inteiros invertı́veis são 1 e −1.
(i) a ∈ X;
(ii) n + 1 ∈ X sempre que n ∈ X.
(i) a ∈ X;
(ii) n + 1 ∈ X sempre que a, a + 1, . . . , n ∈ X.
b=a·q+r e 0 ≤ r < a.
a1 = a, an+1 = aan .
Mostre que, dados p, q ∈ Z, q > 0, temos que qn divide pn se, e somente se, q
divide p.
[Sugestão: Mostre que todo divisor primo de q também é um divisor primo de p. Em
seguida mostre que a potência de um número primo que aparece na decomposição
primária de q não pode ser superior à potência deste mesmo número primo na
decomposição primária de p.]
50 Exercı́cios
10. Mostre que se a, b ∈ Z são ı́mpares, então a2 + b2 é divisı́vel por 2 mas não é
divisı́vel por 4.
11. Mostre que o produto de k inteiros consecutivos é sempre divisı́vel por k!.
14. Prove que se três inteiros a, b e c são tais que c2 = a2 + b2 , então entre eles há um
múltiplo de 2 e um múltiplo de 5.
15. Escolha um inteiro positivo abc de três algarismos no sistema decimal de modo que
o algarismo das centenas a e o algarismo das unidades c difiram de, pelo menos,
duas unidades. Considere os números abc e cba e subtraia o menor do maior,
obtendo o número xyz. Então
17. Sejam a, b ∈ Z.
Mostre que:
b) Denotando por mdc (a, b) o mdc dos inteiros positivos a e b, mostre que, se
a ≤ b, dado n ∈ Z,
Números Racionais
a·d=b·c e c · f = d · e.
(a · b) · (c · f) = (a · b) · (d · e)
ou, equivalentemente,
(a · f) · (b · c) = (b · e) · (a · d) .
Se a·d = b·c 6= 0, segue da Lei do Corte multiplicativa que a·f = b·e e (a, b) ∼ (e, f). Se
a·d = b·c = 0, como b e d são não-nulos, segue da integridade de Z que a = c = 0 e, neste
caso, c · f = d · e = 0 o que, pela mesma justificativa anterior, nos fornece e = 0. Assim,
52
Capı́tulo 3. Números Racionais 53
a · f = b · e = 0 e (a, b) ∼ (e, f). Fica então comprovado que “∼” é também transitiva e,
de tudo que averiguamos, podemos concluir que “∼” é uma relação de equivalência.
O conjunto (Z × Z∗ / ∼) cujos elementos são as classes de equivalência definidas pela
relação “∼” descrita acima, será denominado de conjunto dos números racionais e denotado
por Q. É evidente que Q é enumerável. As classes de equivalência que compõem o conjunto
Q são comumente chamadas de frações e, por isso, Q também éconhecido como conjunto
dos números fracionários.
a
Utilizaremos a notação definitiva para representar a classe de equivalência que
∗
b
contém o par (a, b) ∈ Z × Z relativamente à relação “∼”. Assim,
a
= {(x, y) ∈ Z × Z∗ ; (x, y) ∼ (a, b)} .
b
1 5
Exemplo 3.1.1 Temos que (1, 2) ∼ (5, 10) ∼ (−3, −6) e, consequentemente, = =
2 10
−3
.
−6
Exemplo 3.1.2 Segue diretamente da definição que (n, n) ∼ (1, 1), para todo n ∈ Z∗ .
n 1
Assim, para todo inteiro não nulo n temos que = .
n 1
n
A aplicação f : Z → Q dada por f (n) = é, claramente injetora, o que nos permite
1
n
verificar a imersão de Z em Q. Assim, a identificação de Z com o conjunto ;n ∈ Z
1
nos permite, num certo sentido, encarar este conjunto como subconjunto dos números
n
racionais. Deste modo, sempre que for conveniente, escreveremos apenas n em vez de .
1
a1 a2 c1 c2
Sejam, agora, , , , ∈ Q tais que
b1 b2 d1 d2
a1 a2 c1 c2
= e = .
b1 b2 d1 d2
Por definição, temos que
a1 c1 a1 · d1 + b1 · c1 a2 c2 a2 · d2 + b2 · c2
+ = e + = .
b 1 d1 b1 · d1 b 2 d2 b2 · d2
Devemos mostrar, portanto, que (a1 · d1 + b1 · c1 , b1 · d1 ) ∼ (a2 · d2 + b2 · c2 , b2 · d2 ), ou,
equivalentemente, que
(a · b + b · c) · b = a · b2 + b2 · c
= b2 (a + c) ,
O exemplo acima nos permite constatar que a adição de números racionais estende a
adição de números inteiros. De fato, denotemos momentaneamente a adição em Q por +̇
e por +̈ a adição em Z. Assim,
m+̈n m n
m+̈n = = +̇ = m+̇n.
1 1 1
0
Exemplo 3.2.2 Dado n ∈ Z∗ , temos que = 0. De fato, 0 · 1 = n · 0 = 0 e, portanto,
n
(0, n) ∼ (0, 1), isto é,
0 0
= = 0.
n 1
Capı́tulo 3. Números Racionais 55
Veremos aqui que a adição em Q goza das mesmas propriedades que a adição em Z.
a c e a e c e
Teorema 3.2.2 (Lei do Corte da Adição) Sejam , , ∈ Q. Se + = + ,
b d f b f d f
a c
então = .
b d
a e c e
Demonstração: Se + = + , então
b f d f
a·f+b·e c·f+d·e
=
b·f d·f
e, consequentemente,
(a · f + b · e) · (d · f) = (c · f + d · e) · (b · f) ,
a·d·f=b·c·f
a c e
Demonstração: Sejam , , ∈ Q. Então
b d f
a c e a·d+b·c e
+ + = +
b d f b·d f
(a · d + b · c) · f + (b · d) · e
=
(b · d) · f
(a · d) · f + (b · c) · f + (b · d) · e
=
(b · d) · f
a · (d · f) + b · (c · f + d · e)
=
b · (d · f)
a c·f+d·e
= +
b d·f
a c e
= + +
b d f
e o resultado segue.
x
Teorema 3.2.5 (Elemento Neutro da Adição) Existe um único ∈ Q tal que, para
y
a
todo ∈ Q,
b
a x x a a
+ = + = .
b y y b b
a
Demonstração: Seja ∈ Q. Assim,
b
a a 0 a·1+b·0 a
+0= + = = ,
b b 1 b·1 b
x
o que comprova a existência. Vejamos, agora, a unicidade. Se ∈ Q é um elemento
y
neutro da adição, então
x x
= +0=0
y y
e o resultado segue.
a c
Teorema 3.2.6 (Elemento Simétrico) Para todo ∈ Q existe um único ∈ Q tal
b d
que
a c c a
+ = + = 0.
b d d b
c −a
Demonstração: Seja = . Então, do Exemplo 3.2.1,
d b
a c a −a
+ = +
b d b b
a−a
=
b
0
= .
b
Capı́tulo 3. Números Racionais 57
0 x
Do Exemplo 3.2.2, = 0, o que estabelece a existência. Tomemos agora ∈ Q tal que
b y
a x x a
+ = + = 0.
b y y b
x a
Precisamos mostrar que = . Temos que
y b
x x
= +0
y y
x a −a
= + +
y b b
x a −a
= + +
y b b
−a
=0+
b
−a
= ,
b
o que estabelece a unicidade.
−a a
A fração é chamada de elemento simétrico de . Dado x ∈ Q é usual escrever
b b
−x para denotar o simétrico deste elemento. É usual escrever também x − y em vez de
x + (−y) para denotar a soma de x com o simétrico de y. Assim, nos é permitido escrever
a −a m a m a
− em vez de e − em vez de + − .
b b n b n b
a1 a2 c1 c2 a1 a2 c1 c2
Sejam, agora, , , , ∈ Q tais que = e = . Neste caso, (a1 , b1 ) ∼
b1 b2 d1 d2 b1 b 2 d1 d2
(a2 , b2 ) e (c1 , d1 ) ∼ (c2 , d2 ) e, consequentemente,
a1 · b2 = a2 · b1 e c1 · d2 = c2 · d1 .
Deste modo,
e o resultado segue.
Vejamos que a noção de multiplicação para números racionais estende a noção multi-
plicação para números inteiros. Para isso, denotemos momentaneamente a multiplicação
em Q por “·” e a multiplicação em Z por “¨·”. Temos que
m n m¨·n m¨·n
m·n= · = = = m¨·n.
1 1 1¨·1 1
a c e e
Teorema 3.3.2 (Lei do Corte da Multiplicação) Sejam , , ∈ Q, 6= 0. Se
b d f f
a e c e a c
· = · , então = .
b f d f b d
a c e e a e c e a·e c·e
Demonstração: Sejam , , ∈ Q, 6= 0, tais que · = · . Então =
b d f f b f d f b·f d·f
e, consequentemente,
(a · e) · (d · f) = (c · e) · (b · f) .
Assim,
(a · d) · (e · f) = (b · c) · (e · f) .
e 0
Como 6= 0 = , temos que e = e · 1 6= 0 · f = 0 e, portanto, da integridade de Z,
f 1
e · f 6= 0. Sendo assim, da Lei do Corte em Z, temos que a · d = b · c. Logo, (a, b) ∼ (c, d)
a c
e = .
b d
a c
Demonstração: Sejam e números racionais. Então, da comutatividade da multi-
b d
plicação em Z,
a c a·c
· =
b d b·d
c·a
=
d·b
c a
= ·
d b
e o resultado segue.
Teorema 3.3.4 (Associatividade da Multiplicação) A multiplicação de números ra-
a c e
cionais é associativa, isto é, dados , , ∈ Q, temos que
b d f
a c e a c e
· · = · · .
b d f b d f
a c e
Demonstração: Sejam , , ∈ Q. Então, da associatividade da multiplicação em Z,
b d f
a c e a·c e
· · = ·
b d f b·d f
(a · c) · e
=
(b · d) · f
a · (c · e)
=
b · (d · f)
a c·e
= ·
b d·f
a c e
= · ·
b d f
e o resultado segue.
x
Teorema 3.3.5 (Elemento Neutro da Multiplicação) Existe um único ∈ Q tal
y
a
que, para todo ∈ Q,
b
a x x a a
· = · = .
b y y b b
a
Demonstração: Seja ∈ Q. Assim,
b
a a 1 a·1 a
·1= · = = ,
b b 1 b·1 b
x
o que comprova a existência. Vejamos, agora, a unicidade. Se ∈ Q é um elemento
y
neutro da multiplicação, então
x x
= ·1=1
y y
e o resultado segue.
a c
Teorema 3.3.6 (Elemento Inverso) Para todo ∈ Q∗ existe um único ∈ Q tal que
b d
a c c a
· = · = 1.
b d d b
a b c b
Demonstração: Se 6= 0, então a = a · 1 6= b · 0 = 0. Logo, , a · b ∈ Q∗ . Seja = .
b a d a
Então,
a c a b
· = ·
b d b a
a·b
=
b·a
a·b
= .
a·b
a·b x
Do Exemplo 3.1.2, = 1, o que estabelece a existência. Tomemos agora ∈ Q tal
a·b y
que
a x x a
· = · = 1.
b y y b
x b
Precisamos mostrar que = . Temos que
y a
x x
= ·1
y y
x a b
= · ·
y b b
x a b
= · ·
y b a
b
=1·
a
b
= ,
a
o que estabelece a unicidade.
x=x·1
h −1 i
= x · x−1 · x−1
−1
= x · x−1 · x−1
−1
= 1 · x−1
−1
= x−1 ,
a c a c
Teorema 3.3.7 (Integridade) Sejam , ∈ Q. Então · = 0 se, e somente se,
b d b d
a c
= 0 ou = 0.
b d
a
Demonstração: Suponha que = 0. Então
b
a c c 0 c 0·c 0
· =0· = · = = = 0.
b d d 1 d 1·d d
c a c a·c
O caso em que = 0 é análogo. Reciprocamente, suponha que · = = 0. Então
d b d b·d
(a · c) · 1 = (b · d) · 0, isto é, a · c = 0. Da integridade de Z, temos que a = 0 ou c = 0 e,
a c
consequentemente, = 0 ou = 0.
b d
Teorema 3.3.8 (Distributividade da Multiplicação Relativamente a Adição) A
multiplicação de números racionais é distributiva relativamente a adição de inteiros, isto
a c e
é, dados , , ∈ Q,
b d f
a c e a c a e
· + = · + · .
b d f b d b f
a c e
Demonstração: Sejam , , ∈ Q. Então
b d f
a c e a c · f + e · d
· + = ·
b d f b d·f
a · (c · f + e · d)
=
b · (d · f)
a · (c · f) + a · (e · d)
=
b · (d · f)
a · (c · f) a · (e · d)
= +
b · (d · f) b · (d · f)
(a · c) · f (a · e) · d
= +
(b · d) · f (b · f) · d
(a · c) f (a · e) d
= · + ·
(b · d) f (b · f) d
a c a e
= · ·1+ · ·1
b d b f
a c a e
= · + · ,
b d b f
como querı́amos demonstrar.
a
OBSERVAÇÃO 3.3.1 Seja ∈ Q. Então
b
a −1 a −1 · a −a a
−1 · = · = = =− ,
b 1 b 1·b b b
ou seja, para se obter o simétrico de um número racional, basta multiplicá-lo por −1.
Daqui, dados x, y ∈ Q:
62 3.4. Ordem em Q
(i) −x · y = x · (−y) = − (x · y)
−x · y = (−1 · x) · y = −1 · (x · y) = − (x · y)
= − (y · x) = −1 · (y · x) = (−1 · y) · x
= −y · x = x · (−y)
e no segundo,
e, consequentemente,
− (−x) = −1 · (−x) = 1 · x = x.
OBSERVAÇÃO 3.3.2 Segue do Teorema 3.3.9 que sempre que considerarmos um número
a
racional genérico podemos, sem perda de generalidade, assumir b > 0.
b
3.4 Ordem em Q
Instituiremos nesta seção uma noção de ordem total em Q compatı́vel com aquela
definida sobre Z.
a c a
Definição 3.4.1 Sejam e números racionais com b, d > 0. Diremos que é menor
b d b
c a c
do que , e escreveremos < , quando a · d < b · c.
d b d
Capı́tulo 3. Números Racionais 63
c a c a
Alternativamente, diremos que é maior do que , e escreveremos > , quando
d b d b
a c
for < .
b d
De modo semelhante definimos as relações menor do que ou igual a denotada,
simbolicamente, por “≤” e maior do que ou igual a denotada, simbolicamente, por
“≥”.
a c e
Lema 3.4.1 A relação “<” é transitiva, isto é, se , , ∈ Q, b, d, f > 0, são tais que
b d f
a c c e a e
< e < , então < .
b d d f b f
a·d<b·c e c · f < d · e.
Uma vez que b e f são ambos positivos temos, do Teorema 2.4.4, que
a·d·f<b·c·f e b · c · f < b · d · e.
a·d·f<b·d·e
a e
e, da Observação 2.4.3, a · f < b · e, isto é, < .
b f
a c a c e e
Teorema 3.4.1 Sejam , ∈ Q. Então, < se, e somente se, existe ∈ Q, 0 < ,
b d b d f f
tal que
c a e
= + .
d b f
0 e
0= < .
1 f
Deste modo,
a e a·d b·c−a·d
+ = +
b f b·d b·d
a · d + (b · c − a · d)
=
b·d
b·c
=
b·d
c
= .
d
64 3.4. Ordem em Q
c a e e
Reciprocamente, suponha que = + , com 0 < . Suponhamos, sem perda de
d b f f
generalidade, e e f inteiros positivos. Neste caso,
c a·f+b·e
=
d b·f
e, consequentemente,
b · c · f = a · d · f + b · d · e.
Como 0 < b · d · e, temos que a · d · f < b · c · f. Como f é positivo, temos que a · d < b · c,
a c
ou seja < .
b d
a c
Teorema 3.4.2 (Lei da Tricotomia) Dados , ∈ Q, uma, e apenas uma, das alter-
b d
nativas a seguir é verdadeira:
a c a c c a
(i) < ; (ii) = ; (iii) < .
b d b d d b
Demonstração: Supondo, sem perda de generalidade, b e d positivos, temos, da tricoto-
mia dos inteiros, que ou a · d < b · c ou a · d = b · c ou b · c < a · d, sendo essas alternativas
mutuamente exclusivas. Mas, da definição da relação “<” em Q, isto é equivalente a dizer
a c a c c a
que ou < ou = ou < , sendo essas alternativas mutuamente exclusivas.
b d b d d b
Teorema 3.4.3 A relação “<” ´é compatı́vel e cancelativa relativamente a adição, isto
a c e
é, dados , , ∈ Q, tem-se que
b d f
a c a e c e
< ⇔ + < + .
b d b f d f
Demonstração: Suponhamos, sem perda de generalidade, b, d e f inteiros positivos.
Assim,
a c
< ⇔ a·d<b·c
b d
⇔ a · d · f < (b · c) · f
⇔ a·d·f+b·d·e<b·c·f+b·d·e
⇔ d · (a · f + b · e) < b · (c · f + d · e)
⇔ (d · f) · (a · f + b · e) < (d · f) · (c · f + d · e)
a·f+b·e c·f+d·e
⇔ <
a be· f c e d · f
⇔ + < + ,
b f d f
como querı́amos demonstrar.
e k e a e c e e
Se > 0, então · > 0 e · < · . Se < 0, então e < 0 · f = 0 e,
f (d · b) f b f d f f
−e e
consequentemente, −e > 0 = 0 · f. Neste caso, = − > 0 e, consequentemente,
f f
k e k e
· − =− · >0
(d · b) f (d · b) f
Assim, de (3.1),
a e c e k e
· = · − ·
b f d f (d · b) f
c e a e
e, do Teorema , · < · .
d f b f
a c e a c e
OBSERVAÇÃO 3.4.1 Note que, reciprocamente, se , , ∈ Q, < e 6= 0 então,
b d f b d f
a e c e e c e a e e
· < · ⇒0< e · < · ⇒ < 0.
b f d f f d f b f f
a e c e e c a
Com efeito, suponha · < · . Se fosse < 0 então como, por hipótese, − é
b f d f f d b
positivo temos, do teorema acima que
e c a c a
· − <0· − ,
f d b d b
isto é,
c e a e
· − · <0
d f b f
e, consequentemente,
c e a e
· < · ,
d f b f
o que é uma contradição. O outro caso é tratado de modo análogo.
0≤w<x e 0 ≤ y < z.
Então w · y < x · z.
66 3.4. Ordem em Q
a c e a c c e
(iii) Transitividade: se , e são números racionais tais que ≤ e ≤ , então
b d f b d d f
a e
≤ .
b f
a c
Demonstração: A reflexividade é óbvia. Suponha, agora, que e são números
b d
a c c a
racionais tais que ≤ e ≤ . Sem perda de generalidade, suponha também b e d
b d d b
inteiros positivos. Então
a·d≤b·c e b·c≤a·d
OBSERVAÇÃO 3.4.3 Segue, mais uma vez, da Tricotomia, que a relação “≤” estabelece
uma ordem total.
Teorema 3.4.7 A relação “≤” é compatı́vel e cancelativa com respeito a adição, isto é,
a c e
dados , , ∈ Q
b d f
a e c e a c
+ ≤ + ⇔ ≤ .
b f d f b d
e
Além disso, se > 0, então é
f
a e c e a c
· ≤ · ⇔ ≤
b f d f b d
e
e, se < 0, então
f
a e c e c a
· ≤ · ⇔ ≤
b f d f d b
Note que, em particular, todo subconjunto não-vazio de racionais que possui elemento
mı́nimo é limitado inferiormente. Note também que o elemento mı́nimo de um conjunto
de racionais, quando ele existe, é único (a verificação é feita examente como nos capı́tulos
precedentes).
Mostraremos, agora, que Q não é bem ordenado, ou seja, que nem todo conjunto
não-vazio limitado inferiormente de números racionais possui elemento mı́nimo.
1 1
Exemplo 3.4.1 Seja X = ; n ∈ N . Uma vez que 0 ≤ , para todo n ∈ N, con-
n n
cluı́mos que X é limitado inferiormente. Suponha, por absurdo, que X possua um elemento
1
mı́nimo p. Neste caso, deve existir n0 ∈ N tal que p = . Mas, uma vez que n0 < n0 +1,
n0
1 1 1
segue da definição da relação “<” que < . Como ∈ X, temos, pois, que
n0 + 1 n0 n0 + 1
este é um elemento de X menor do que seu elemento mı́nimo o que, obviamente, é uma
contradição. Assim, X não possui elemento mı́nimo.
OBSERVAÇÃO 3.4.4 O Exemplo 3.4.1, devidamente adaptado, nos ajuda a enxergar que
existem subconjuntos de números racionais limitados superiormente que não possuem
ele-
1
mento máximo. Para isso, basta considerarmos o conjunto X = − ; n ∈ N . Este
n
conjunto é limitado superiormente, já que qualquer número racional não-negativo é cota
superior para o conjunto, e, além disso, não pode ter elemento máximo pois, para todo
n ∈ N,
1 1
− <− .
n n+1
Exercı́cios
1. Sejam p e q números inteiros não simultaneamente nulos. Chamamos de máximo
divisor comum de p e q o maior número natural que divide p e q ao mesmo tempo
e o denotaremos por mdc (p, q). Mostre que, dado x ∈ Q, existem p, q ∈ Z, p 6= 0,
p p
tais que, x = e mdc (p, q) = 1. O número racional será chamado de fração
q q
irredutı́vel de x.
a
2. Seja um número racional não-nulo.
b
Capı́tulo 3. Números Racionais 69
a n
a) Defina recursivamente a função f : N∪ {0} → Q tal que f (n) = pondo
a 0 a n+1 a n a a n an b
=1e = · . Mostre que = n , para todo n ∈ N.
b b b b b b
a −n
b) Se a 6= 0, defina recursivamente a função g : N → Q tal que g (n) =
a −1 b a −(n+1) a −n b a −n bn b
pondo = e = · . Mostre que = n , para
b a b b a b a
todo n ∈ N.
a m a n a m+n
c) Mostre que, dados m, n ∈ Z, · = .
b b b
3. (Binômio de Newton) Mostre que, dados x, y ∈ Q e n ∈ N,
Pn
n n n−i i
(x + y) = x y.
i=0 i
6. Sejam p, q números racionais positivos. Mostre que se q < p então p−1 < q−1 .
(i) α 6= ∅ e α 6= Q;
70
Capı́tulo 4. O Conjunto R dos Números Reais 71
2
Exemplo 4.1.1 O conjunto α = x ∈ Q; x < é um corte. Com efeito, α 6= ∅ pois
5
3
0 ∈ α e, como ∈
/ α, α 6= Q. Se r ∈ α e s ∈ Q é tal que s < r, temos que
2
s<r e r < 2.
s<r e r < a.
Definição 4.1.2 Se α é um corte como no Lema 4.1.1, diremos que α é um corte raci-
onal. Neste caso, utilizaremos a simbologia a∗ para representar o corte α.
isto é, s ∈ α e r < s. Fica comprovado, portanto, que α é um corte. Resta-nos mostrar
que α não pode ser um corte racional e, para isso, mostraremos α não possui cota superior
mı́nima. Seja p uma cota superior de α. Devemos ter, portanto, p > 0 e p2 ≥ 2. Do
Teorema 4.1.1, segue que não pode ser p2 = 2. Sendo assim, só nos resta que seja p2 > 2.
p2 − 2 p2 + 2
Fazendo h = , seja q = p − h = . Então, 0 < q < p e
2p 2p
p4 + 4p2 + 4
q2 =
4p2
8p2 + p4 − 4p2 + 4
=
4p2
2
8p2 + p2 − 2
=
4p2
2 2
p −2
=2+ > 2,
2p
isto é, q é uma cota superior de α menor do que p. Assim, fica estabelecido que, dada
uma cota superior p de α existe uma cota superior q de α tal que q < p, ou seja, α não
possui cota superior mı́nima e não pode ser, portanto, um corte racional.
Teorema 4.1.2 Um corte α é um corte racional se, e somente se, possui cota superior
mı́nima.
4.2 Ordem em R
Antes de definirmos operações sobre o conjunto R de todos os cortes, estabeleceremos
uma relação de ordem sobre este conjunto.
OBSERVAÇÃO 4.2.2 Note que a tricotomia garante que a relação “≤” é uma ordem total.
4.3 Adição em R
O próximo resultado nos será útil na definição da adição em R
S (α, β) = α + β = {r + s; r ∈ α e s ∈ β} .
(α + β) + γ = α + (β + γ) .
α + (β + γ) = (β + γ) + α
= (γ + β) + α.
α + (β + γ) = (γ + β) + α ⊂ γ + (β + α) = γ + (α + β) = (α + β) + γ.
α + ξ = ξ + α = α,
para todo α ∈ R.
α + ξ0 = ξ0 + α = α,
As = {n ∈ Z+ ; s + nr ∈ α} .
Capı́tulo 4. O Conjunto R dos Números Reais 77
x = u + v < r − r = 0,
x
ou seja, x ∈ 0∗ e r∗ + (−r)∗ ⊂ 0∗ . Reciprocamente, se x ∈ 0∗ , então ∈ 0∗ , o que nos
2
x
dá < 0. Somando-se ora r e ora −r a ambos os membros desta última desigualdade,
2
obtemos
x x
u=r+ <r e v = −r + < −r.
2 2
∗ ∗
Os racionais u e v assim obtidos pertencem a r e (−r) , respectivamente, e, além disso,
x x
u+v= r+ + −r + = x,
2 2
ou seja, x ∈ r∗ + (−r)∗ e 0∗ ⊂ r∗ + (−r)∗ . Em particular,
4.4 Multiplicação em R
Teorema 4.4.1 Sejam α, β ∈ R tais que α ≥ 0∗ e β ≥ 0∗ . Seja
γ = 0∗ ∪ {r · s ∈ Q; r ∈ α, s ∈ β e r, s ≥ 0} .
Então γ ∈ R.
Para definirmos o produto entre cortes envolvendo fatores em R∗− precisaremos, pri-
meiramente, estabelecer o conceito de valor absoluto (ou módulo) de um corte.
Demonstração: Se α ≥ 0∗ não há o que fazer pois, neste caso, |α| = α. Se, no entanto,
α < 0∗ então, do Teorema 4.4.2 temos que −α > 0 e, como neste caso |α| = −α, o
resultado segue.
Logo, (αβ) γ ⊂ α (βγ). A outra inclusão é análoga. Para os demais casos, basta utilizar
o que acabamos de estabelecer relativamente aos cortes |α|, |β| e |γ|.
1∗ = 1∗ · µ = µ
e a unicidade segue.
Se α < 0, então,
(−1∗ ) α = (|−1∗ | |α|) = (1∗ (−α)) = −α.
Assim, para todo α ∈ R, −α = (−1∗ ) α.
αµ = µα = 1∗ ,
então
µ = µ · 1∗ = µ αα−1 = (µα) α−1 = 1∗ · α−1 = α−1 .
Demonstração: Como β < γ, segue-se que β é parte própria de γ e, sendo assim, existe
1
x ∈ γ tal que x ∈ / β. Seja n0 o menor número natural tal que −u = x + ∈ γ. Da
n0
definição de corte simétrico temos que u ∈ −β, mas u ∈
/ −γ. Logo, −γ < −β.
(i) 0∗ < β < γ: Neste caso, segue da definição de produto que αβ e αγ são ambos
positivos. Seja x ∈ αβ. Se x ≤ 0, é óbvio que x ∈ αγ. Se x > 0, existem racionais
positivos u ∈ α e v ∈ β tais que x = uv. Como β ⊂ γ, v ∈ γ e, consequentemente,
x = uv ∈ αγ, ou seja, αβ ⊂ αγ. Como β é subconjunto próprio de γ, existe p ∈ γ
1
tal que p é cota superior β. Seja n0 o menor número natural tal que p + ∈ γ.
n0
1
Suponha que, para todo u > 0 em α, u 1 + ∈ α. Fixado u nestas condições,
npn0
1
temos que, para todo n ∈ N, u 1 + . Da fórmula do Binômio de Newton
pn0
temos que n n
1 1 1 1
1+ =1+n + ··· + >n
pn0 pn0 pn0 pn0
n
1 u
e, consequentemente u 1 + > n , ou seja, α é ilimitado superior-
pn0 pn0
mente
o que, obviamente, é uma contradição. Logo, existe u0 ∈ α tal que s =
1
u 1+ ∈/ α. Assim, como s > u para todo u ∈ α e p > v para todo v ∈ β,
pn0
temos que sp ∈ / αβ. No entanto,
1 1
sp = u 1 + p=u p+ ∈ αγ,
pn0 n0
o que prova que αβ é subconjunto próprio de αγ, isto é, αβ < αγ.
(ii) β < 0∗ < γ: Da definição de produto de cortes, αβ < 0 e αγ > 0, o que torna
evidente a desigualdade desejada.
Capı́tulo 4. O Conjunto R dos Números Reais 85
(iii) β < γ < 0∗ : Dos Teoremas 4.4.9 e 4.4.6 vem que 0∗ < −γ < −β e, de (i),
αµ < βη.
Demonstração: Do Teorema 4.4.10, temos que αµ < βµ e que βµ < βη. Da transiti-
vidade da relação “<” segue o resultado.
Corolário 4.4.5 Para todo α ∈ R, α2 = αα é não-negativo (ou seja, α2 = α2 ).
t = rp + rq.
• u > 0 e v < 0: Neste caso, existem r ∈ α e p ∈ β, com r, p > 0, tais que u = rp.
v
Fazendo-se q = < 0, temos que q ∈ γ e v = rq. Daı́ t = rp + rq
r
• u < 0 e v > 0: Análogo ao anterior
• u < 0 e v < 0: Uma vez que α > 0, existe um racional positivo r tal que r ∈ α e,
u v
fazendo-se p = e q = , temos que p ∈ β, q ∈ γ e t = rp + rq.
r r
Note ainda que quando rp (rq) é não-negativo, p (q) é não-negativo também.
Demonstração:
x = r (p + q)
= rp + rq ∈ αβ + αγ.
Os demais casos derivam destes por meio do uso do Teorema 4.4.6, comutatividade e
associatividade da multiplicação bem como do uso de (4.1).
88 4.5. O corpo R dos números reais
(a + b) + c = a + (b + c) e (a · b) · c = a · (b · c) ;
a+b=b+a e a · b = b · a;
a+µ=a e a · η = a,
para todo a ∈ K;
a + b = µ;
a·c=η
6. Dados a, b, c ∈ K,
a · (b + c) = (a · b) + (a · c) ;
Demonstração:
Capı́tulo 4. O Conjunto R dos Números Reais 89
(i) R = A ∪ B;
(ii) A ∩ B = ∅;
(iii) A 6= ∅ e B 6= ∅;
(iv) Se α ∈ A e β ∈ B, então α < β.
Nestas condições, existe um único número real γ tal que α ≤ γ ≤ β, para todo α ∈ A e
todo β ∈ B.
• Como A é não-vazio, temos que o mesmo vale para γ. Por outro lado, se β ∈ B e
s ∈ Q é uma cota superior de β, então, para todo α ∈ A, α < β < s∗ e, consequente,
s∈/ α, qualquer que seja α ∈ A, ou seja, γ 6= Q.
Fica assim estabelecido que γ ∈ R e, além disso, que α ≤ γ, para todo α ∈ A. Resta-nos
mostrar que γ ≤ β, para todo β ∈ B. Suponha, por absurdo, que exista β ∈ B tal que
β < γ. Neste caso, por um lado, existe x ∈ γ tal que x ∈ / β e, por outro, existe α0 ∈ A
tal que x ∈ α0 . Daqui, β < α0 , contradizendo o item (iv) das hipóteses assumidas acerca
dos conjuntos A e B. Logo, γ ≤ β, para todo β ∈ B. Tratemos, agora, da unicidade.
Suponhamos que existam números reais distintos, γ1 < γ2 , tais que, dados α ∈ A e β ∈ B,
α ≤ γ1 < γ2 ≤ β.
Do Teorema 4.5.3 segue que existe um número real γ3 tal que γ1 < γ3 < γ2 . Se γ3
pertencesse a A, terı́amos γ3 ≤ γ1 , o que não é possı́vel pela tricotomia. Se γ3 pertencesse
B, terı́amos γ2 ≤ γ3 o que também não é possı́vel pela tricotomia. Logo, γ3 não pertence
nem a A e nem a B, o que é uma contradição visto que A ∪ B = R.
As definições de cota superior, cota inferior, elemento máximo, elemento mı́nimo,
conjunto limitado superiormente, conjunto limitado inferiormente e conjunto limitado no
âmbito dos números reais são análogas àquelas dadas no contexto dos números racionais.
Demonstração: Seja γ como no teorema anterior. Então, pela hipótese (i), γ está
em A ou γ está em B, sendo que, pela hipótese (ii), essas alternativas são mutuamente
exclusivas. Se γ ∈ A, então ele é elemento máximo de A. Se γ ∈ B, então, ele é o
elemento mı́nimo de B.
ou seja, x − r ∈ B. Fica assim demonstrado que B não possui elemento mı́nimo. Sabemos,
do Corolário 4.1.1, que A é um corte e que, portanto, não possui cota superior máxima.
92 4.5. O corpo R dos números reais
Suponha, por absurdo, que exista um racional p tal que, dados u ∈ A e v ∈ B, tenhamos
u ≤ p ≤ v. Daqui, devemos ter p > 0. Sabemos, em virtude do Teorema 4.1.1, que
p2 6= 2. Logo, ou p2 < 2 ou p2 > 2. Se p2 < 2, então p ∈ A e, neste caso, existe r ∈ A
tal que p < r, o que é uma contradição. Se p2 > 2, então p ∈ B e, como este conjunto
não possui elemento mı́nimo, existe s ∈ B tal que s < p, outra contradição. Concluı́mos
assim que, em Q, o Teorema de Dedekind não vale.
Definição 4.5.1 Seja X ⊂ R não-vazio e limitado superiormente (inferiormente). Se
existe r ∈ R tal que
(i) r é cota superior (inferior) de X
e, além disso,
(ii) r ≤ s (s ≤ r) qualquer que seja a cota superior (inferior) s de X,
tal r será dito o supremo (ı́nfimo) do conjunto X e escreveremos r = sup X (r = inf X).
Teorema 4.5.5 (Teorema da Completude) Seja X ⊂ R não-vazio. Se X é limitado
superiormente então existe a ∈ R tal que a = sup X.
Demonstração: Sejam A = {α ∈ R; α < x para algum x ∈ X} e B = R\A, ou seja, A
é o conjunto de todos os números reais que não são cotas superiores de X e B o seu
complementar, ou seja, B é o conjunto de todas as cotas superiores de X. Vejamos que A
e B satisfazem as condições (i)-(iv) do Teorema de Dedekind. As condições (i) e (ii) são
trivialmente satisfeitas. Como X 6= 0, podemos escolher x ∈ X. Tomando-se α = x−1 < x,
temos que α ∈ A e A 6= ∅. Como, por hipótese, X é limitado superiormente, existe β ∈ R
tal que β é cota superior de X. Daqui, β ∈ B, B 6= ∅ e a condição (iii) é satisfeita. Para
verificar a condição (iv), sejam α ∈ A e β ∈ B. Existe, portanto, x ∈ X tal que α < x.
Como qualquer elemento de B é uma cota superior de X, temos que x ≤ β. Destas duas
desigualdades obtemos α < β. Segue, assim, do Teorema de Dedekind que existe um
número real γ tal que α < γ < β, quaisquer que sejam α ∈ A e β ∈ B. Do Corolário
4.5.1, ou A possui elemento máximo ou B possui elemento mı́nimo, não podendo ocorrer
as duas situações simultaneamente. Devemos mostrar que A não possui elemento máximo.
Com efeito, seja α um elemento arbitrário de A. Então existe x ∈ X tal que α < x. Do
Teorema 4.5.3, existe α0 ∈ R tal que α < α0 < x e, da definição de A, α0 ∈ A. Logo, A
não possui elemento máximo e, consequentemente, B possui elemento mı́nimo, isto é, X
possui supremo.
am a1 = aam = am+1 ,
am an+1 = am (aan )
= a (am an )
= aam+n
= a(m+n)+1
= am+(n+1) ,
(am )1 = am = am·1 ,
Não é difı́cil observar que se α e β são ambos não-nulos então o resultado acima é
verdadeiro para todo m, n ∈ Z.
OBSERVAÇÃO 4.5.2 Note que vale a recı́proca de (i) no lema acima. Com efeito, sejam
a e b dois números reais positivos tais que an < bn . Se fosse a < b, o lema anterior nos
garantiria que an < bn , o que é uma contradição.
(a + b)n+1 = (a + b) (a + b)n
n n n n−1 n n−1 n n
= (a + b) a + a b + ··· + ab + b
0 1 n−1 n
n n+1 n n n n
= a + a b + ··· + a2 bn−1 + abn
0 1 n−1 n
n n n n−1 2 n n n+1
+ a b+ a b + ··· + abn + b
0 1 n−1 n
n n+1 n n
= a + + an b
0 1 0
n n 2 n−1 n
+ ··· + + ab + abn .
n−1 n−1 n
Sabemos que
n n+1 n n+1
= =1= =
0 0 n n+1
e, se 1 ≤ k ≤ n − 1,
n n n! n!
+ = +
k k−1 k! (n − k) ! (k − 1) ! [n − (k − 1)] !
n! n!
= +
k! (n − k) ! (k − 1) ! (n − k + 1) !
(n − k + 1) n! kn!
= +
k! (n − k + 1) (n − k) ! k (k − 1) ! (n − k + 1) !
(n − k + 1) n! kn!
= +
k! (n − k + 1) ! k! (n − k + 1) !
(n − k + 1 + k) n!
=
k! (n − k + 1) !
(n + 1) n!
=
k! [(n + 1) − k] !
(n + 1) ! n+1
= = .
k! [(n + 1) − k] ! k
Assim,
n+1 n+1 n n + 1 n−1 n+1 n−1 n+1 n
(a + b) = a + a b + ··· + ab + b
0 1 n n+1
e o resultado é verdadeiro para todo n ∈ N.
96 4.5. O corpo R dos números reais
Lema 4.5.2 (Desigualdade de Bernoulli) Seja x ∈ R tal que x > −1. Então, para
todo n ∈ N,
(1 + x)n ≤ 1 + nx.
(1 + x)n+1 = (1 + x) (1 + x)n
≥ (1 + x) (1 + nx)
= 1 + (n + 1) x + nx2
≥ 1 + (n + 1) x.
Teorema 4.5.9 Sejam a um número real positivo e n ∈ N. Existe um único número real
positivo x tal que xn = a.
Então
Pn
n n−k
r γ < a − γn
k=1 k
ou seja, γ + r ∈ X, o que é um absurdo visto que, sendo γ = sup X, nenhum valor maior
do que γ pode pertencer a X. Suponha, agora, que seja γn > a e seja h um número real
tal que
γn − a
0<h<γ e h< .
nγn−1
Daqui,
γn − nhγn−1 > a
Capı́tulo 4. O Conjunto R dos Números Reais 97
e, deste modo, n
n n h n h
(γ − h) = γ 1 − >γ 1−n > a,
γ γ
o que é uma contradição visto que, neste caso, γ − h seria uma cota superior de X menor
do que γ. Logo, γn = a. A unicidade de γ é evidente.
Demonstração: Demonstraremos os itens (i) e (ii) para que o leitor se familiarize com
a estratégia adotada e então utilize-a na demonstração dos itens (iii) e (iv).
1 1
(i) Sejam α = a n e β = b n . Assim,
ab = αn βn = (αβ)n
1 1 1
e, consequentemente, (ab) n = αβ = a n b n .
m1 m2
(ii) Sejam m1 , m2 , n1 , n2 números inteiros tais que n1 , n2 > 0, r = e s = .
n1 n2
1
Fazendo-se α = a n1 n2 , temos que
m1 m2 m1 n 2 m2 n1 1 m1 n2 1 m2 n1
ar as = a n1 a n2 = a n1 n2 a n1 n2 = a n1 n2 a n1 n2
1 m1 n2 +m2 n1
= αm1 n2 αm2 n1 = αm1 n2 +m2 n1 = a n1 n2
m1 n2 +m2 n1 m1 m
+ n2
=a n1 n2
= a n1 2 = ar+s .
Definição 4.5.4 Sejam a, b ∈ R, com a < b. Chamamos de intervalo a qualquer um
dos subconjuntos de números reais listados abaixo:
(i) −a ≤ x ≤ a;
(ii) −x ≤ a e x ≤ a;
(iii) |x| ≤ a.
−a ≤ x ≤ a ⇔ −a ≤ x e x ≤ a
⇔ −x ≤ a e x ≤ a.
−x ≤ a e x ≤ a ⇔ a ≥ max {−x, x}
⇔ a ≥ |x| .
a − ε < x < a + ε.
Demonstração: Fazendo uso do teorema anterior e o fato de a relação “≤” ser compatı́vel
e cancelativa, temos que
|x − a| < ε ⇔ −ε ≤ x − a ≤ ε
⇔ a − ε ≤ x ≤ a + ε.
(iv) |x − z| ≤ |x − y| + |y − z|.
ou seja,
− (|x| + |y|) ≤ x + y ≤ |x| + |y| .
O Teorema 4.5.12 garante então que |x + y| ≤ |x| + |y|.
(i) X é limitado.
f (X) = {f (x) ; x ∈ X}
é um conjunto limitado. Neste caso, utilizaremos as notações sup f e inf f para denotar,
respectivamente, o supremo e o ı́nfimo de f (X).
Lema 4.6.2 Sejam A, B ⊂ R conjuntos não-vazios e limitados tais que, para todo x ∈ A
e todo y ∈ B tem-se x ≤ y. Então sup A ≤ inf B. Além disso, sup A = inf B se, e somente
se, dado ε > 0, existem x ∈ A e y ∈ B tais que y − x < ε.
A + B = {x + y; x ∈ A e y ∈ B} e cA = {cx; x ∈ A} .
A verificação de que
inf (A + B) = inf A + inf B
é feita de modo análogo. Consideremos agora o conjunto cA, c ∈ R. Se for c = 0,
teremos, obviamente,
Suponha que seja c > 0. Uma vez que x ≤ a, para todo x ∈ A, temos, multiplicando
ambos os membros desta desigualdade por c que cx ≤ ca, para todo x ∈ A e, portanto,
ca é uma cota superior de cA. Se ca 6= sup cA, então existe d ∈ R tal que
cx ≤ d < ca,
para todo x ∈ A. Dividindo todos os membros da desigualdade acima por c, temos que
d
x≤ <a
c
d
para todo x ∈ A e, consequentemente, é uma cota superior de A menor do que a,
c
contrariando a minimalidade de a. Logo, é ca = sup cA. Os demais casos são tratados
de modo análogo e são deixados à cargo do leitor.
Além disso, (cf) (X) = {(cf) (x) ; x ∈ X} = {cf (x) ; x ∈ X} = cf (X) = cA e o resultado
segue diretamente do Lema 4.6.3.
OBSERVAÇÃO 4.6.1 Pode-se ter sup (f + g) < sup f + sup g e inf (f + g) > inf f + inf g.
Basta tomar f, g : [−1, 1] → R tais que
−1, se x < 0 2, se x < 0
f (x) = e g (x) = .
1, se x ≥ 0 0, se x ≥ 0
Note que
sup f = max f = 1, sup g = max g = 2
e
inf f = min f = −1, inf g = min g = 0
e, portanto, sup f + sup g = 3 e inf f + inf g = −1 . Além disso, para todo x ∈ [−1, 1],
temos que f (x) + g (x) = 1. Logo, valem as desigualdades estritas
4.7 A não-enumerabilidade de R
Nesta seção, estabeleceremos a não-enumerabilidade do conjunto dos números reais.
Para isso, estabeleceremos, primeiramente as ferramentas necessárias para este feito.
Teorema 4.7.1 (Teorema dos Intervalos Encaixados) Seja {In }n∈N uma famı́lia de
∞
T
intervalos fechados e limitados tal que, para todo n ∈ N, In+1 ⊂ In . Então In 6= ∅.
n=1
a+b a+b
(i) a ≤ x ≤ , (ii) < x ≤ b.
2 2
b−a
No caso (i), basta fazer [c, d] = b− , b e, no caso (ii), basta fazer [c, d] =
3
b−a
a, a + .
3
Demonstração: Suponha por absurdo que [a, b] seja enumerável e seja {x1 , x2 , . . .} uma
enumeração sua. Do Lema 4.7.1, existe um intervalo não-degenerado I1 = [a1 , b1 ] ⊂ [a, b]
tal que x1 ∈/ I1 . Mais uma vez do Lema 4.7.1, podemos inferir que existe um intervalo
não-degenerado I2 = [a2 , b2 ] ⊂ I1 tal que x2 ∈
/ I2 . Supondo obtidos os intervalos não-
degenerados I1 , . . . , In tais que
[a, b] ⊃ I1 ⊃ I2 ⊃ · · · ⊃ In e xk ∈
/ Ik , para todo k = 1, . . . , n,
Exercı́cios
1. Sejam x, x1 , . . . , xn , y, y1 , . . . , yn ∈ R, y, y1 , . . . , yn 6= 0. Mostre que se
x x1 xn
= = ··· = ,
y y1 yn
então, para qualquer escolha arbitrária de a1 , . . . , an ∈ R tal que a1 y1 +· · ·+an yn 6=
0, tem-se
a1 x 1 + · · · + an x n x
= .
a1 y1 + · · · + an yn y
2. Mostre que, dados a1 , . . . , an ∈ R, tem-se a21 + · · · + a2n = 0 se, e somente se,
a1 = · · · = an = 0.
3. Prove que, dados a, b ∈ R, tem-se
a + b + |a − b| a + b − |a − b|
max {a, b} = e min {a, b} =
2 2
4. Mostre que, num corpo ordenado K:
a2 − ab + b2 ≥ 0.
11. Mostre que [a, b] = {a (1 − t) + tb; t ∈ [0, 1]}. Enuncie e demonstre resultados
análogos para os intervalos [a, b), (a, b] e (a, b).
|x1 + x2 + · · · + xn | ≤ |x1 |+|x2 |+· · ·+|xn | e |x1 · x2 · · · · · xn | = |x1 |·|x2 |·· · ··|xn | .
(i) R é Arquimediano.
(ii) Z é ilimitado superior e inferiormente.
(iii) Q é ilimitado superior e inferiormente.
∞
T xi
26. Mostre que, 0, = ∅, para todo x > 0.
n=1 n
27. Dê exemplos de:
A · B = {xy; x ∈ A e y ∈ B} .
30. Sejam a, b ∈ Q tais que 0 < a < b. Então ab = ba se, e somente se, existe um
natural n tal que
n n+1
1 1
a= 1+ e b= 1+ .
n n
Capı́tulo 5
{xn ; n ∈ N} = {x1 , x2 , . . . , xn , . . .}
de seus termos. A sequência (xn )∞ n=1 não precisa ser necessariamente injetiva, isto é,
podem existir m, n ∈ N, com m 6= n, tais que xm = xn . Em particular, apesar da
notação, o conjunto {x1 , x2 , . . . , xn , . . .} pode ser finito. Seja a ∈ R. Fazendo xn = a, para
todo n ∈ N, obtemos uma sequência constante cujo conjunto dos termos é {a}.
Definição 5.1.2 Diremos que uma sequência (xn )∞n=1 é limitada superiormente se
existe b ∈ R tal que xn ≤ b, para todo n ∈ N. Do contrário, diremos que (xn )∞ n=1
é ilimitada superiormente. Do mesmo modo, diremos que uma sequência (xn )∞ n=1 é
limitada inferiormente se existir a ∈ R tal que a ≤ xn , para todo n ∈ N e, caso
contrário, diremos que é ilimitada inferiormente. Diremos ainda que uma sequência
é limitada se for limitada superior e inferiormente ao mesmo tempo e diremos que é
ilimitada se não for limitada.
Note que, em outras palavras, dizer que uma sequência (xn )∞ n=1 é limitada superior-
mente equivale a dizer que o conjunto {x1 , . . . , xn , . . .} de seus termos está contido em
uma semirreta da forma (−∞, b], dizer que é limitada inferiormente equivale a dizer que
{x1 , . . . , xn , . . .} está contido em uma semirreta da forma [a, +∞) e dizer que é limitada
equivale a dizer que existe um intervalo fechado [a, b] tal que {x1 , . . . , xn , . . .} ⊂ [a, b].
110
Capı́tulo 5. Sequências de Números Reais 111
Lema 5.1.1 Uma sequência (xn )∞n=1 de números reais é limitada se, e somente se, existe
um número real M ≥ 0 tal que |xn | ≤ M, para todo n ∈ N.
1
• a sequência (xn )∞
n=1 é limitada, pois 0 ≤ ≤ 1, para todo n ∈ N;
n
• a sequência (yn )∞
n=1 é limitada inferiormente, já que 2 ≤ 2n, para todo n ∈ N, mas
é ilimitada superiormente;
• a sequência (zn )∞
n=1 é ilimitada superior e inferiormente.
1 1 1
xn = 1 + + + ··· + .
1! 2! n!
Note que, para n ≥ 2, temos
1 1 1 1
= ≤ = n−1 .
n! 1 · 2 · ··· · n 1 · 2 · ··· · 2 2
Deste modo, para todo n ∈ N,
1 1 1
xn = 1 + + + ··· +
1! 2! n!
1 1 1
= 2 + + + ··· +
2! 3! n!
1 1 1
≤ 2 + + 2 + · · · + n−1
2 2 2
1
= 3 − n ≤ 3,
2
ou seja, (xn )∞
n=1 é uma sequência limitada.
112 5.1. A definição de sequência
n
1
Exemplo 5.1.3 Considere a sequência cujo termo geral é dado por yn = 1 + .
n
Temos, do binômio de Newton e do exemplo anterior, que
n
1 n 1 n 1 n 1
yn = 1 + =1+ + 2
+ ··· +
n 1 n 2 n n nn
n 1 n (n − 1) 1 n (n − 1) · · · 2 · 1 1
=1+ + 2
+ ··· +
1! n 2! n n! nn
1 1 1 1 2
=1+1+ 1− + 1− 1−
2! n 3! n n
1 1 n−1
+ ··· + 1− ··· 1 −
n! n n
1 1 1
≤ 2 + + + ··· + ≤ 3,
2! 3! n!
para todo n ∈ N. Logo, (yn )∞
n=1 é uma sequência limitada.
xn ≤ xn++1 ,
para todo n ∈ N;
As sequências dos tipos (i)-(iv) descritas acima são chamadas de sequências mo-
nótonas. Observe que toda sequência monótona crescente é também monótona não-
decrescente e toda sequência monótona decrescente é também não-crescente, mas a recı́-
proca não é verdadeira. Segue também da definição acima que se uma sequência é, ao
mesmo tempo, monótona não decrescente e não-crescente, então ela é constante.
Exemplo 5.1.5 A sequência (yn )∞ n=1 definida no Exemplo 5.1.3 é monótona crescente.
Com efeito, note que, para todo n ∈ N, tem-se que
i i
0<n<n+1⇒0< < , ∀i ∈ N
n+1 n
i i
⇒− <− , ∀i ∈ N
n n+1
i i
⇒1− <1− , ∀i ∈ N
n n+1
1 i 1 i
⇒ 1− ··· 1 − < 1− ··· 1 − , ∀ i ∈ N, i ≤ n
n n n+1 n+1
e, portanto,
1 1 1 1 2
yn = 2 + 1− + 1− 1−
2! n 3! n n
1 1 n−1
+ ··· + 1− ··· 1 −
n! n n
1 1 1 1 2
<2+ 1− + 1− 1−
2! n+1 3! n+1 n
1 1 n−1
+ ··· + 1− ··· 1 −
n! n+1 n+1
1 1 1 1 2
<2+ 1− + 1− 1−
2! n+1 3! n+1 n
1 1 n
+ ··· + 1− ··· 1 −
(n + 1) ! n+1 n+1
= yn+1 .
Definição 5.1.4 Uma subsequência de uma sequência (xn )∞ n=1 é qualquer restrição
desta sequência a um subconjunto infinito de N. Se N0 = {n1 < n2 < · · · < nk < · · · }
é um subconjunto infinito de N, então a subsequência obtida pela restrição de (xn )∞ n=1
a N0 será denotada por (xn1 , xn2 , . . . , xnk , . . .) ou (xn )n∈N0 ou (xnk )k∈N ou (xnk )∞
k=1 ou,
simplesmente, por (xnk ).
OBSERVAÇÃO 5.1.2 A rigor, uma subsequência e uma sequência são entes distintos. No
entanto, as notações (xn )∞ ∞
n=1 e (xnk )k=1 (ou (xn )n∈N e (xnk )k∈N ) evidenciam que as pro-
priedades obtidas para sequências são naturalmente estendidas às subsequências.
Teorema 5.1.1 Toda sequência monótona que possui uma subsequência limitada é tam-
bém limitada.
Seja n ≥ n1 . Como o conjunto {n1 < · · · < nk < · · · } é ilimitado superiormente, existe
k ∈ N tal que nk ≥ n. Deste modo,
−A ≤ xn1 ≤ xn ≤ xnk ≤ A
OBSERVAÇÃO 5.2.1 De modo equivalente, dizer que lim xn = x é dizer que se (a, b) é
um intervalo aberto que contém x então existe n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 ,
xn ∈ (a, b). Com efeito, suponha que lim xn = x e seja (a, b) um intervalo que contém
x. Fazendo ε = min {x − a, b − x}, segue que existe n0 ∈ N tal que xn ∈ (x − ε, x + ε)
sempre que n ≥ n0 . Como (x − ε, x + ε) ⊂ (a, b), tem-se xn ∈ (a, b) sempre que n ≥ n0 .
A recı́proca é óbvia.
OBSERVAÇÃO 5.2.2 A Definição 5.2.1 acima, em outras palavras, afirma que se lim xn =
x e x ∈ (a, b), então (a, b) contém uma infinidade de termos da sequência ao passo que
o seu complementar, o conjunto R − (a, b), deve conter apenas uma quantidade finita de
seus termos.
OBSERVAÇÃO 5.2.3 Segue da Definição 5.2.1 que o limite de uma sequência convergente
não se altera se a ela acrescentamos ou se dela retiramos uma quantidade finita de termos.
Nestas condições, x = y.
Capı́tulo 5. Sequências de Números Reais 115
Demonstração: Sejam x e y limites da sequência (xn )∞n=1 . Então, dado ε > 0, existem
n1 , n2 ∈ N tais que
ε
|xn − x| < ,
2
sempre que n ≥ n1 e
ε
|xn − y| < ,
2
sempre que n ≥ n2 . Fazendo n0 = max {n1 , n2 }, temos, para n ≥ n0 , que
ε ε
|x − y| = |x − xn + xn − y| ≤ |xn − x| + |xn − y| < + = ε.
2 2
Da arbitrariedade de ε, segue que x = y e o resultado segue.
k ≥ k0 ⇒ nk ≥ nk0 ≥ n0
e, consequentemente,
|xnk − x| < ε,
116 5.2. Limite de sequências
O teorema acima nos afirma que toda sequência convergente possui um único valor de
aderência que é, na realidade, o seu limite. Veremos adiante que a recı́proca é verdadeira
desde que a sequência em questão seja limitada. O Teorema nos diz ainda que se uma
sequência tem mais de um valor de aderência ela não pode ser convergente.
Demonstração: Seja (xn )∞ n=1 uma sequência convergente e seja x o seu limite. Para
ε = 1, existe n0 ∈ N tal que
|xn − x| < 1,
sempre que n ≥ n0 . Da desigualdade triangular temos que
ou seja,
|xn | < 1 + |x| ,
sempre que n ≥ n0 . Fazendo M = max {|x1 | , . . . , |xn0 −1 | , 1 + |x|}, o segue o resultado.
x = sup {x1 , x2 , . . . , xn , . . .} .
Afirmamos que (xn )∞ n=1 converge para x. Com efeito, dado ε > 0, o número x − ε não
é cota superior do conjunto dos termos da sequência e, portanto, existe n0 ∈ N tal que
x − ε < xn0 . Logo, para todo n ≥ n0 , temos que
ou seja,
|xn − x| < ε
sempre que n ≥ n0 . Logo, xn → x.
Capı́tulo 5. Sequências de Números Reais 117
Corolário 5.2.1 Se (xn )∞ n=1 é uma sequência monótona que possui uma subsequência
∞
convergente, então (xn )n=1 é convergente.
Demonstração: Se (xnk )∞ ∞
k=1 é uma subsequência convergente de (xn )n=1 , em particular,
(xnk )∞ ∞
k=1 é também uma subsequência limitada de (xn )n=1 . Assim, do Teorema 5.1.1
segue que (xn )∞ ∞
n=1 é limitada e, consequentemente, do Teorema 5.2.4, segue que (xn )n=1 é
convergente.
n
1 1 1
Exemplo 5.2.2 Vimos que as sequências xn = 1 + + · · · + e yn = 1 + são
1! n! n
monótonas limitadas e, portanto, do Teorema 5.2.3 segue que ambas as sequências são
convergentes. Veremos mais adiante que estas duas sequências convergem para o mesmo
valor e que é a base do logaritmo natural.
√
Exemplo 5.2.3 Seja (xn )∞
n=1 a sequência definida por xn =
n
n. Observe que a desi-
gualdade √ √
n n+1
n> n+1 (5.1)
é equivalente à desigualdade
nn+1 > (n + 1)n (5.2)
(basta elevar ambos os membros de (5.1) a n (n + 1)), sendo esta última equivalente a
n
1
n> 1+ .
n
Teorema 5.2.5 Se lim xn = x > 0 e c ∈ R é tal que 0 < c < x, então existe n0 ∈ N tal
que, sempre que n ≥ n0 , tem-se xn > c.
x−c
Demonstração: Tomando ε = , uma vez que (xn )∞
n=1 converge para x, temos que
2
existe n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 ,
|xn − x| < ε,
ou seja,
x+c 3x − c
x−ε= < xn < = x + ε.
2 2
x+c
Como c < temos que xn > c, sempre que n ≥ n0 .
2
Obviamente, vale um resultado análogo se lim xn = x < 0 e c ∈ R é tal que a < c < 0.
Demonstração: (i): Uma vez que xn → x temos que, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que,
sempre que n ≥ n0 ,
|xn − x| < ε. (5.3)
Da desigualdade triangular, temos que
para todo n ∈ N. Uma vez que a sequência (xn )∞ n=1 é convergente, segue do Teorema 5.2.3
∞
que (xn )n=1 é limitada, isto é, existe M > 0 tal que |xn | ≤ M, para todo n ∈ N. Do fato
de xn → x e yn → y, temos que, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 ,
ε ε
|xn − x| < e |yn − y| < .
2 |y| 2M
e o resultado segue.
(iv): Note que
|xn y − yn x| |xn y − xy + xy − yn x|
xn x
yn − y = |yn | |y| =
|yn | |y|
|y| |xn − x| + |x| |yn − y|
≤ . (5.7)
|yn | |y|
Do item (i) acima e do Teorema 5.2.5 segue que, tomando c ∈ R de modo que 0 < c < |y|,
existe um ı́ndice n1 tal que, sempre que n ≥ n1 , tem-se |yn | > c. Da convergência das
sequências (xn )∞ ∞
n=1 e (yn )n=1 para x e y, respectivamente, vem que, dado ε > 0, existe
n2 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n2 ,
e o resultado segue.
OBSERVAÇÃO 5.3.3 Das propriedades operatórias segue que o Teorema 5.2.5 e o Co-
rolário 5.2.2 são resultados equivalentes. Basta mostrar que o Corolário 5.2.2 implica no
Teorema 5.2.5. Se xn → x > 0 e a < c < x, fazendo yn = c temos que xn −yn → x−c > 0
e, portanto, existe n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 , xn − yn = xn − c > 0 e isto prova
nossa afirmação. Em decorrência dessa equivalência, nos referiremos a ambos os resul-
tados aqui destacados, sem distinção, de agora em diante, por Teorema da Conservação
(ou Permanência) do Sinal.
OBSERVAÇÃO 5.3.4 Dos itens (iii) e (iv) do teorema acima segue que, se xn → x e
k ∈ Z, então (xn )k → xk .
√ √
k
Teorema 5.3.3 Se lim xn = x > 0, então lim k
xn = x.
P
k−1
= (b − a) bi ak−i−1
i=0
Seja 0 < c < x. Do Teorema da Conservação do Sinal segue que existe n0 ∈ N tal que,
para todo n ≥ n0 , tem-se xn > c. Deste modo, para n ≥ n0 , temos que
h 1 1 P
i k−1 i k−i−1
h 1 1
iP
k i k−i−1
xn − x = (xn ) − x
k k (xn ) · x
k k ≥ (xn ) − x
k k c k · x k ≥ 0.
i=0 i=0
P
k−1 i k−i−1
Fazendo K = ck · x k , temos que
i=0
1 1 xn − x
0 ≤ (xn ) k − x k ≤ , ∀ n > n0 .
K
Uma vez que
xn − x 1
lim
= lim (xn − x) = 0,
K K
h 1 1
i √ √
segue do Teorema do Confronto que lim (xn ) k − x k = 0, isto é, lim k xn = k x.
j
Demonstração: Se r ∈ Q, existem inteiros j e k, com k 6= 0, tais que r = . Se j = 0,
k
então, obviamente, lim (xn )r = xr . Se j 6= 0, então
1 j
j
h i
lim (xn )r = lim (xn ) k = lim (xn ) k
1 j j
= x k = x k = xr .
Demonstração: Com efeito, se fosse x > y então, uma vez que xn − yn → x − y > 0,
segue do Teorema da Conservação do Sinal que existe n0 ∈ N tal que xn − yn > 0, sempre
que n ≥ n0 , contrariando o fato de ser xn ≤ yn , para n suficientemente grande.
√ √
n √
n
x1 · x2 · · · · · xn = a · 1 · · · · · 1 = n a
e
x1 + x2 + · · · xn a + 1 + ··· + 1 a+n−1 a−1
= = =1+ .
n n n n
Além disso,
1 √ a−1
≤ na≤1+
1 1 n
1+ −
na n
e, uma vez que
1 a−1
lim = 1 = lim 1 + ,
1 1 n
1+ −
na n
√
segue, do Teorema do Confronto, que lim n a = 1.
√
Exemplo 5.3.3 Se xn = n n, então lim xn = 1.
Para cada k ∈ N fixado, consideremos a subsequência (xnk )∞
n=1 dada por
√
nk
√
nk √
xnk = nk = k · nk n.
a1 = a2 = · · · = ank−1 = 1 e ank = n.
temos que √ √
a1 · a2 · · · · · ank = nk n,
nk
√
ou seja, nk n é a média geométrica dos números a1 , a2 , . . . , ank . A média aritmética destes
números é dada por
a1 + a2 + · · · + ank nk − 1 + n 1 1
= =1+ − .
nk nk k nk
Logo, da desigualdade entre as médias aritmética e geométrica obtemos
√
nk
1 1
n≤1+ − .
k nk
Daı́,
√ √
nk nk 1 1
xnk = nk ≤ k 1+ −
k nk
√
e, portanto, do Teorema 5.3.4 e do fato de ser lim nk k = 1 (pelo exemplo anterior),
√
nk 1 1 1
lim xn = lim xnk ≤ lim k 1 + − =1+ .
k nk k
1
x ≤ 1 + , para todo k ∈ N.
k
124 5.3. Propriedades operatórias
t11
t21 t22
t31 t32 t33
··················
tn1 tn2 tn3 · · · tnn
··················
Se (xn )∞ ∞
n=1 é uma sequência convergente com lim xn = x e (yn )n=1 é a sequência definida
por
yn = tn1 x1 + tn2 x2 + · · · + tnn xn ,
então lim yn = x.
sempre que n > n0 . Logo, lim yn = 0. O caso geral reduz-se imediatamente a este,
quando atentamos ao fato de que se xn → x 6= 0, então xn − x → 0 e, portanto, do que
acabamos de provar segue que
ou seja,
lim (tn1 x1 + · · · + tnn xn ) = a.
x1 + · · · + xn
Corolário 5.3.2 (Teorema de Cesaro) Se lim xn = x, pondo-se yn = ,
n
tem-se ainda lim yn = x.
1
1 1
2 2
1 1 1
3 3 3
···············
1 1 1 1
···
n n n n
···············
Temos que cada linha deste arranjo tem soma igual a 1 e cada coluna tem limite igual a
0. Deste modo, segue do Teorema 5.3.6 que a sequência (yn )∞
n=1 dada por
x1 + · · · + xn 1 1
yn = = x1 + · · · + xn
n n n
tem limite x.
√
Corolário 5.3.3 Se lim xn = x e os xn são todos positivos, então lim n
x1 x2 · · · xn = x.
5.4 Subsequências
Nesta seção veremos alguns resultados acerca de subsequências que serão úteis no que
diz respeito ao cálculo do limite de sequências e, posteriormente, na caracterização de
alguns objetos topológicos.
Teorema 5.4.1 Afim de que x ∈ R seja valor de aderência da sequência (xn )∞ n=1 , é
necessário e suficiente que dado ε > 0 o intervalo (x − ε, x + ε) contenha uma infinidade
de termos da sequência (xn )∞n=1 .
Demonstração: Para cada i = 1, . . . , k temos que lim xn = a, isto é, dado ε > 0, existe
n∈Ni
ni ∈ Ni tal que
|xn − a| < ε
sempre que n ∈ Ni e n > ni . Faça n0 = max {n1 , . . . , nk }. Para todo n ∈ N, existe
i ∈ {1, . . . k} tal que n ∈ Ni e, consequentemente,
n ≥ n0 ⇒ n ≥ ni ⇒ |xn − a| < ε,
(−1)n
Exemplo 5.4.1 A sequência (xn )∞ n=1 definida por x n = converge para 0. Com
n
efeito, denotando por N1 o conjunto dos números ı́mpares e por N2 o conjunto dos números
pares, temos que N = N1 ∪ N2 e, além disso,
−1
lim xn = lim x2n−1 = lim =0
n∈N1 n→∞ n→∞ 2n − 1
e
1
lim xn = lim x2n = lim =0
n∈N n→∞ n→∞ 2n
então lim0 xn = 1, isto é, existem subsequências de (xn )n∈N que convergem para valores
n∈N
distintos. Fica claro então que o Teorema 5.4.1, em geral, não é válido se decompomos
o conjunto N dos números naturais numa reunião infinita de subconjuntos infinitos N =
S∞
Nk mesmo que lim xn exista para todo k ∈ N e lim xn = · · · = lim xn = · · · .
k=1 n∈Nk n∈N1 n∈Nk
O próximo resultado utiliza o conceito de termo destacado e será útil para caracterizar
o que mais tarde definiremos como conjunto compacto.
Demonstração: Seja (xn )∞ n=1 uma sequência limitada de números reais e seja D =
{n ∈ N; xn é destacado}. Se o conjunto D é infinito, então a subsequência (xn )n∈D é
monótona limitada e, por conseguinte, convergente. Se o conjunto D é finito, seja p
o maior elemento de D. Se n1 ∈ N é um natural maior do que p, então n1 ∈ / D e,
consequentemente, xn1 não é destacado. Logo, existe n2 ∈ N, n2 ≥ n1 , tal que xn1 < xn2 .
Uma vez que n2 > n1 > p, temos que n2 ∈ / D e, consequentemente, xn2 não pode ser
também um termo destacado e, neste caso, existe n3 ∈ N, n3 > n2 , tal que xn2 < xn3 .
Procedendo com este argumento obtemos uma subsequência (xnk )∞ ∞
k=1 de (xn )n=1 que é
monótona limitada e, portanto, convergente.
xm ≤ An , an ≤ xm , ym ≤ Bn , bn ≤ ym ,
xm + ym ≤ An + Bn e an + bn ≤ xm + ym ,
e
lim inf (xn + yn ) = lim cn ≥ lim (an + bn ) = a + b.
(ii): Seja −Xn = {−xn , −xn+1 , . . .}. Para todo m ≥ n vale xm ≥ an e, consequente-
mente, −xm ≤ −an , para todo m ≥ n. Logo −an é uma cota superior de −Xn . Afirmamos
que deve ser −an = sup (−Xn ). Com efeito, se −an não fosse o supremo de −Xn deveria
existir ε > 0 tal que −xm ≤ −an − ε, para todo m ≥ n. Assim, xm ≥ an + ε, para todo
m ≥ n, ou seja, an + ε é uma cota inferior de Xn maior do que an , contrariando o fato
de an ser o ı́nfimo de Xn . Portanto,
Teorema 5.5.2 Seja (xn )∞ n=1 uma sequência limitada de números reais. Então lim inf xn
e lim sup xn são valores de aderência de (xn )∞
n=1 .
130 5.5. Os limites inferior e superior
a − ε < an < a + ε.
Em particular,
a − ε < an0 < a + ε.
Como an0 = inf Xn0 , temos que a + ε não é cota superior de Xn0 . Neste caso, existe
n1 ≥ n0 tal que
a − ε < an0 ≤ xn1 < a + ε.
Do mesmo modo, como n1 + 1 > n0 , temos que a + ε não é cota superior de Xn1 +1 e,
neste caso, existe n2 ≥ n1 + 1 tal que
Como n2 + 1 > n0 , temos que a + ε não é cota superior de Xn2 +1 e, neste caso, existe
n3 ≥ n2 + 1 tal que
a − ε < an2 +1 ≤ xn3 < a + ε.
Procedendo com este argumento, obtemos uma infinidade de termos da sequência (xn )∞ n=1
que pertence ao intervalo (a − ε, a + ε). Da arbitrariedade de ε segue que todo intervalo
aberto centrado em a, contém também uma infinidade de termos da sequência (xn )∞ n=1 .
∞
Portanto, do Teorema 5.4.1 segue que a é valor de aderência de (xn )n=1 . Verifica-se de
modo inteiramente análogo que lim sup xn é também um valor de aderência da sequência
(xn )∞
n=1 .
Demonstração: Com efeito, se fosse lim inf xn 6= lim sup xn então a sequência (xn )∞
n=1
teria dois valores de aderência distintos e, portanto, não poderia ser convergente.
Demonstração: Seja (xn )∞ n=1 uma sequência limitada de números reais. Neste caso,
existe uma subsequência (xnk )∞ ∞
k=1 de (xn )n=1 tal que lim xnk = lim inf xn .
Sejam (xn )∞ ∞ ∞
n=1 uma sequência limitada e (an )n=1 e (bn )n=1 como em (5.10). Neste
caso, para todo n ∈ N vale
an ≤ x n ≤ bn . (5.11)
Uma vez lim an = lim inf xn e lim bn = lim sup xn segue, do Teorema do Confronto, que se
lim inf xn = lim sup xn então xn é convergente, isto é, vale a recı́proca do Corolário 5.5.1
acima. Resumindo:
Capı́tulo 5. Sequências de Números Reais 131
Demonstração: Seja (xn )∞ n=1 uma sequência de Cauchy e sejam x e y valores de aderência
desta sequência. Neste caso, existem subsequências (xmk )∞ ∞ ∞
k=1 e (xnk )k=1 de (xn )n=1 tais que
lim xmk = x e lim xnk = y. Deste modo, dado ε > 0 existem n0 , k0 ∈ N, com nk0 ≥ n0 ,
tais que
ε
|xm − xn | < , sempre que m, n ≥ n0
3
e
ε
|xmk − x| , |xnk − y| < , sempre que k ≥ k0 .
3
Deste modo, tomando k ≥ k0 , obtemos
Demonstração: Segue imediatamente do fato de que toda sequência limitada que possui
um único valor de aderência é convergente.
Teorema 5.6.3 Toda sequência convergente de números reais é uma sequência de Cau-
chy.
Demonstração: Seja (xn )∞n=1 uma sequência convergente de números reais e seja x o seu
limite. Dado ε > 0 existe n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 ,
ε
|xn − x| < .
2
Deste modo, se m, n ≥ n0 ,
|xm − xn | = |(xm − x) + (x − xn )|
≤ |xm − x| + |xn − x|
ε ε
≤ + = ε,
2 2
ou seja, (xn )∞
n=1 é uma sequência de Cauchy.
Exemplo 5.6.1 Seja (xn )∞ n=1 uma sequência com a seguinte propriedade: dado ε > 0,
existe n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 ,
|xn+1 − xn | < ε.
Capı́tulo 5. Sequências de Números Reais 133
Nestas condições, podemos afirmar que (xn )∞ n=1 é uma sequência de Cauchy?√A resposta a
∞
essa pergunta é, em geral, não. Seja (xn )n=1 a sequência definida por xn = n. Sabemos
que, neste caso, (xn )∞ n=1 é uma sequência ilimitada e, portanto, divergente. Sendo assim,
(xn )∞
n=1 não é uma sequência de Cauchy. Por outro lado, observe que
√ √
√ √ √ √ n+1+ n
|xn+1 − xn | = n + 1 − n = n+1− n √ √
n+1+ n
n+1−n 1
=√ √ =√ √
n+1+ n n+1+ n
1 1
< √ ≤ ,
2 n 2n
1
para todo n ∈ N. Uma vez que → 0, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que, sempre que
2n
n ≥ n0 ,
1
< ε,
2n
ou seja, sempre que n ≥ n0 ,
|xn+1 − xn | < ε.
Definição 5.6.2 Diz-se que uma sequência (xn )∞
n=1 de números reais tem variação li-
P
n
mitada quando a sequência (vn ) dada por vn = |xi+1 − xi | é limitada.
i=1
Assim,
P P
m−1 m−1
|xm − xn | = |xi+1 − xi | ≤ ε
(xi+1 − xi ) ≤
i=n i=n
∞
sempre que m, n ≥ n0 . Logo, a sequência (xn )n=1 é uma sequência de Cauchy e é,
portanto, convergente.
134 5.6. Sequências de Cauchy
Exemplo 5.6.2 Se |xn+2 − xn+1 | ≤ c |xn+1 − xn | para todo n ∈ N com 0 ≤ c < 1, então
(xn )∞
n=1 tem variação limitada.
De fato, se
|xn+2 − xn+1 | ≤ c |xn+1 − xn | ,
para todo n ∈ N, com 0 ≤ c < 1, então
Demonstração: Defina
x1 x1
y1 = z1 = −
2 2
|x2 − x1 | + x2 |x2 − x1 | − x2
y2 = z2 =
2 2
|x3 − x2 | + |x2 − x1 | + x3 |x3 − x2 | + |x2 − x1 | − x3
y3 = z3 =
2 2
.. ..
. .
P P
n−1 n−1
1 1
yn = |xi+1 − xi | + xn zn = |xi+1 − xi | − xn
2 i=1 2 i=1
vn−1 + xn vn−1 − xn
= = .
2 2
Note que, para todo n ∈ N, vale xn = yn −zn . Mostremos agora que as sequências (yn )∞
n=1
e (zn )∞
n=1 acima definidas são não-decrescentes. Temos que
1 P P
n n−1
yn+1 − yn = |xi+1 − xi | + xn+1 − |xi+1 − xi | + xn
2 i=1 i=1
P P
n−1 n−1
1
= |xn+1 − xn | + |xi+1 + xi | + xn+1 − |xi+1 − xi | − xn
2 i=1 i=1
1
= [|xn+1 − xi | + (xn+1 − xn )] ≥ 0.
2
Capı́tulo 5. Sequências de Números Reais 135
(−1)n
Exemplo 5.6.3 Considere a sequência (xn )∞
n=1 dada por xn = . Temos que xn →
n
0, mas
(−1)n+1 (−1)n (−1)n+1 (−1)n+1
|xn+1 − xn | = − = +
n+1 n n+1 n
1 1 1
= + ≥ .
n+1 n n
Logo,
Pn 1
vn ≥ .
k=1 k
Pn 1
Veremos adiante que a sequência sn = é ilimitada superiormente. Consequente-
k=1 k
mente, (vn )∞
n=1 é ilimitada e, portanto, (xn )∞
n=1 não possui variação limitada.
xn > A.
xn < −A.
Exemplo 5.7.1 Se (xn )∞ n=1 é a sequência cujo termo geral é dado por xn = n, então
lim xn = +∞. Este fato é uma consequência imediata da propriedade Arquimediana.
Demonstração: Seja A > 0. Neste caso, existe n1 ∈ N tal que, sempre que n ≥ 1,
xn > A. Fazendo n0 = max {n1 , N}, temos que
yn ≥ xn > A,
sempre que n ≥ n0 . Daı́, lim yn = +∞, como querı́amos demonstrar.
Teorema 5.7.2 Se lim xn = +∞ e c ∈ R, então
lim (xn + c) = +∞.
Demonstração: Seja c ∈ R. Dado A > 0 tal que A − c > 0, existe n0 ∈ N tal que
xn ≥ A − c
ou seja,
xn + c ≥ A,
sempre que n ≥ n0 , isto é,
lim (xn + c) = +∞.
Corolário 5.7.1 Se lim xn = +∞ e (yn )∞
n=1 é uma sequência limitada inferiormente de
números reais, então
lim (xn + yn ) = +∞.
Demonstração: Uma vez que (yn )∞
n=1 é limitada inferiormente, existe c ∈ R tal que
yn ≥ c e, neste caso
xn + yn ≥ xn + c.
Os Teoremas 5.7.1 e 5.7.2 garantem o resultado.
Teorema 5.7.3 Se lim xn = +∞ então
−∞, se c < 0;
lim c · xn = 0, se c = 0;
+∞, se c > 0.
Demonstração: O caso c = 0 é óbvio uma vez que a sequência (c · xn )∞
n=1 é identicamente
nula. Se c > 0, então, dado A > 0, existe n0 ∈ N tal que
A
xn ≥
,
c
sempre que n ≥ n0 . Deste modo, sempre que n ≥ n0 ,
c · xn ≥ A
e lim c · xn = +∞. Analogamente, se c < 0, então, dado A > 0, existe n0 ∈ N tal que
A
xn ≥ − ,
c
sempre que n ≥ n0 . Deste modo, sempre que n ≥ n0 ,
c · xn ≤ −A
e lim c · xn = −∞.
Capı́tulo 5. Sequências de Números Reais 137
lim xn yn = +∞.
lim xn yn = −∞.
xn yn ≥ c · xn
xn = an = (1 + x)n ≥ 1 + nx.
Teorema 5.7.4 Seja (xn )∞ n=1 uma sequência de números reais tal que xn > 0, para todo
1
n ∈ N. Então lim xn = 0 se, e somente se, lim = +∞.
xn
xn
(i) Se existe c > 0 tal que xn > c para todo n e se lim yn = 0, então lim = +∞.
yn
138 5.7. Limites infinitos
xn
(ii) Se (xn )∞
n=1 é limitada e lim yn = +∞, então lim = 0.
yn
Demonstração: (i): Para todo n ∈ N,
xn c
> .
yn yn
c
Dos Teoremas 5.7.3 e 5.7.4 segue que lim = +∞ e, consequentemente, do Teorema
yn
xn
5.7.1, lim = +∞.
yn
(ii): Se (xn )∞
n=1 é uma sequência limitada de números positivos, existe M > 0 tal que
0 < xn < M, para todo n ∈ N. Neste caso,
xn M
0< < ,
yn yn
para todo n ∈ N. Do Teorema 5.7.4 temos que
M 1
= M · lim
lim =M·0=0
yn yn
xn
e do Teorema do Confronto, lim = 0.
yn
Teorema 5.7.5 Sejam N1 , N2 , . . . , Nk subconjuntos infinitos de N tais que N = N1 ∪ N2 ∪
· · · ∪ Nk . Se lim xn = lim xn = · · · = lim xn = +∞, então, lim xn = +∞.
n∈N1 n∈N2 n∈Nk
Demonstração: Para cada i = 1, . . . , k temos que lim xn = +∞, isto é, dado A > 0,
n∈Ni
existe ni ∈ Ni tal que
xn > A
sempre que n ∈ Ni e n > ni . Faça n0 = max {n1 , . . . , nk }. Para todo n ∈ N, existe
i ∈ {1, . . . k} tal que n ∈ Ni e, consequentemente,
n ≥ n0 ⇒ n ≥ ni ⇒ xn > A,
isto é, lim xn = +∞.
OBSERVAÇÃO 5.7.2 Evidentemente, todos os resultados enunciados acima, bem como
suas consequências, possuem análogos para o caso em que lim xn = −∞. É tarefa do
leitor enunciá-los e fazer as devidas adaptações nas demonstrações de cada um deles.
OBSERVAÇÃO 5.7.3 Se (xn )∞ n=1 é uma sequência monótona não-descrescente que possui
uma subsequência ilimitada superiormente, então lim xn = +∞. Com efeito, se (xnk )∞ k=1
é uma subsequência ilimitada superiormente da sequência monótona não-descrescente
(xn )∞
n=1 , então, dado A > 0, existe k ∈ N tal que xnk > A. Da propriedade Arquimediana,
existe n0 ∈ N tal que n0 > nk e, portanto, da monotonicidade de (xn )∞ n=1 ,
xn ≥ xnk > A
sempre que n ≥ n0 e lim xn = +∞. Um resultado análogo vale se (xn )∞n=1 é uma sequência
monótona não-crescente que possui uma subsequência ilimitada inferiormente.
Capı́tulo 5. Sequências de Números Reais 139
an
Exemplo 5.7.3 Se a > 1 e (xn )∞ n=1 é a sequência definida por x n = , então lim xn =
n
+∞. De a > 1, existe x > 0 tal que a = 1 + x. Deste modo, da desigualdade de Bernoulli,
2
(1 + x)2n = [(1 + x)n ] ≥ (1 + nx)2 = 1 + 2nx + n2 x2 ≥ n2 x2
(1 + x)2n+1 ≥ (1 + x)2n ≥ n2 x2 .
mas, como visto no Exemplo 5.6.1, lim (xn + yn ) = 0. Seja agora a > 1. Como visto no
n!
Exemplo 5.7.4, lim n = +∞. Deste modo, existe n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 ,
a
n!
> 2,
an
140 Exercı́cios
ou seja,
n! > 2an ,
sempre que n ≥ n0 . Subtraindo-se an de ambos os membros desta última desigualdade
vem que
n! − an > an ,
sempre que n ≥ n0 . Do fato de ser a > 1, temos que an → +∞ e, portanto, do Teorema
5.7.1, n! − an → +∞. Deste modo, se (xn )∞ n=1 é a sequência cujo termo geral é dado
∞
por xn = n! e (yn )n=1 é a sequência cujo termo geral é yn = −an , com a > 1, então
lim xn = +∞, lim yn = −∞, mas lim (xn + yn ) = +∞.
Exercı́cios
1. Seja lim xn = 0. Para cada n ponha yn = min {|x1 | , |x2 | , . . . , |xn |}. Prove que
yn → 0.
lim [tn xn + (1 − tn ) yn ] = a.
1 1
12. Seja x1 = 1 e ponha xn+1 = 1 + . Verifique |xn+2 − xn+1 | ≤ |xn+1 − xn |. Conclua
xn 2
que existe x = lim xn e determine x.
√
13. Ponha x1 = 1 e defina xn = 1 + xn . Mostre que a sequência (xn ), assim obtida, é
limitada. Determine x = lim xn .
14. A fim de que a sequência (xn )∞
n=1 não possua subsequência convergente é necessário
e suficiente que lim |xn | = +∞.
15. Seja ϕ : N → N uma sequência de números naturais. Prove que as seguintes
afirmações são equivalentes:
23. Prove que o conjunto dos valores de aderência da sequência xn = cos (n) é o intervalo
fechado [−1, 1].
24. Sejam a, b números reais positivos. Defina indutivamente as sequências (xn )∞ n=1 ,
√ a + b √ x + y
(yn )∞
n n
n=1 pondo x1 = ab, y1 = e xn+1 = xn yn , yn+1 = . Prove
∞ ∞
2 2
que (xn )n=1 e (yn )n=1 convergem para o mesmo limite, chamado a média aritmético-
geométrica entre a e b.
27. Seja s r
√
q
xn = 1+ 2 + 3 + · · · + n.
1 1
lim sup = .
xn lim inf xn
[nα]
29. Seja α um número real arbitrário. Defina xn = , onde [x] representa o inteiro
n
mais próximo de x. Mostre que
lim xn = α.
s1 = a1 ,
sn+1 = sn + an+1 .
P
∞
O limite da sequência (sn )∞
n=1 é denotado por an e é chamado de série de números
n=1
P
∞
reais. A série an é dita convergente se a sequência (sn )∞
n=1 é convergente e, neste caso,
n=1
P
∞
s = lim sn é chamado de a soma da série. Dizemos que an é divergente se não for
n=1
convergente. A sequência (sn )∞
n=1 é frequentemente chamada de sequência de reduzidas
P
∞
ou de somas parciais da série an .
n=1
P
∞
Das propriedades operatórias relativas ao limite de sequências, temos que, se an e
n=1
P
∞
bn são séries convergentes e c ∈ R, então
n=1
P
∞ P
∞ P
∞ P
∞ P
∞
(an + bn ) = an + bn e c · an = c · an .
n=1 n=1 n=1 n=1 n=1
P
∞
Teorema 6.1.1 Se an é convergente então lim an = 0.
n=1
P
∞
Demonstração: Seja (sn )∞
n=1 a sequência de reduzidas de an . Neste caso, existe s ∈ R
n=1
tal que s = lim sn . Evidentemente, tem-se também s = lim sn−1 . Assim,
143
144 6.1. O conceito de série numérica
OBSERVAÇÃO 6.1.1 Às vezes é conveniente considerar sequências cujo primeiro termo é
P
∞
a0 no lugar de a1 para que possamos escrever an .
n=0
O próximo exemplo nos mostra que a recı́proca do Teorema 6.1.1 não é verdadeira.
P
∞ 1 1
Exemplo 6.1.1 Chamamos de série harmônica a série . Seu Termo geral an =
n=1 n n
∞
converge para zero, mas a série diverge. Uma vez que a sequência (sn )n=1 de suas reduzidas
é monótona crescente basta, de acordo com a Observação 5.7.3, mostramos que ela possui
uma subsequência ilimitada superiormente. Assim,
1 1 1 1 1 1 1 1 1
s2n = 1 + + + + + + + + ··· + + ··· + n
2 3 4 5 6 7 8 2n−1 + 1 2
1 1 1 1 1 1 1 1 1
>1+ + + + + + + + ··· + n
+ ··· + n
2 4 4 8 8 8 8 2 2
n−1
1 2 4 2
= 1 + + + + ··· + n
2 4 8 2
1
=1+n·
2
P
∞
e, portanto, lim s2n = +∞. Consequentemente, lim sn = +∞ e an diverge.
n=1
P
∞
Exemplo 6.1.2 Seja a ∈ R. Se |a| ≥ 1, então a série an é divergente, pois seu termo
n=0
P
∞ 1
geral não tende a zero. No entanto, se 0 < |a| < 1, então an converge para .
n=0 1−a
Uma vez que
sn = 1 + a + · · · + an
e
a · sn = a + · · · + an + an+1
temos que
(1 − a) sn = sn − a · sn = 1 − an+1
e, consequentemente,
1 − an+1
sn = .
1−a
Sendo, neste caso, lim an+1 = 0, o resultado segue.
P
∞
Exemplo 6.1.3 A série (−1)n+1 é divergente pois seu termo geral não converge para
n=1
zero. Além disso se (sn )∞ n=1 é a sequência de somas parciais associadas a esta série,
observamos que s2n−1 = 1 e s2n = 0 para todo n ∈ N, ou seja, a sequência (sn )∞n=1 possui
dois valores de aderência distintos o que também a impossibilita de ser convergente.
Capı́tulo 6. Séries de Numéros Reais 145
Exemplo 6.1.4 Seja (an )∞ n=1 uma sequência convergente de números reais. Denotemos
P
∞
por a o limite desta sequência e consideremos a série (an − an+1 ). A sequência (sn )
n=1
de suas reduzidas tem o termo geral sn dado por
Logo,
P
∞
(an − an+1 ) = lim sn = lim (a1 − an+1 ) = a1 − a.
n=1
P
∞
Demonstração: Seja an uma série convergente de números reais. Se (sn )∞
n=1 é a sua
n=1
sequência de reduzidas, então, para todo ε > 0, existe n0 ∈ N tal que, sempre que m > n0 ,
P
∞
sm−1 −
a n
< ε.
(6.1)
n=1
Se k ≥ m, então
P
k
sk − sm−1 = an .
n=m
P∞
e, de (6.1), an < ε, sempre que m > n0 .
n=m
P∞ 1
Exemplo 6.1.5 Sabemos que é uma série convergente e que sua soma vale e.
n=1 n!
Mostraremos agora que e é um número irracional. Para todo n ∈ N temos que
P1 P
∞ n 1
1 1 1
n! e − 1 + + + · · · + = n! −
1! 2! n! k=0 k! k=0 k!
P∞ 1 P∞ n!
= n! = .
k=n+1 k! k=n+1 k!
Se k > n, então
n! n!
=
k! n! (n + 1) (n + 2) · · · (n + (k − n))
1
=
(n + 1) (n + 2) · · · (n + (k − n))
1
≤ .
(n + 1)k−n
P∞ n!
1 1 1
n! e − 1 + + + · · · + =
1! 2! n! k=n+1 k!
P∞ 1
< k−n
k=n+1 (n + 1)
1 P ∞ 1
=
n + 1 k=0 (n + 1)k
1 1 1
= = .
n+1 1 n
1−
n+1
1 1 1 1
Logo, e− 1 + + + · · · + < . Supondo e racional segue que existem inteiros
1! 2! n! n!n
p
positivos e coprimos p e q tais que e = . Note que devemos ter q > 1 pois, caso contrário,
q
e seria um número inteiro tal que 2 < e < 3. Assim, do que provamos acima,
p 1 1 1 1
0 < − 1 + + + ··· + < .
q 1! 2! q! q!q
Pq q! 1
0 < p (q − 1!) − < <1
k=0 k! q
Pq q!
o que é um absurdo, pois o termo p (q − 1!) − ∈ Z. Logo e é irracional.
k=0 k!
Capı́tulo 6. Séries de Numéros Reais 147
P
∞
Demonstração: Se an converge, então a sequência (sn )∞
n=1 é convergente e, portanto,
n=1
o Teorema 5.2.3 garante que (sn )∞ ∞
n=1 é limitada. Reciprocamente, suponha que (sn )n=1
seja limitada. Assim, uma vez que
sn+1 = sn + an+1 ,
obtemos que
sn+1 − sn = an+1 ≥ 0,
ou seja, sn+1 ≥ sn . Logo, (sn )∞
n=1 é também monótona e, sendo assim, o Teorema 5.2.4
∞ P
∞
garante que (sn )n=1 é convergente e, por conseguinte, que an é convergente.
n=1
P
∞ P
∞
(i) Se bn é convergente, então an também o é;
n=1 n=1
P
∞ P
∞
(ii) Se an é divergente, então bn também o é.
n=1 n=1
P
∞ P
∞
Demonstração: (i): Se bn converge, então bn também converge e, além disso,
n=1 n=n0
P
∞
0 ≤ an0 + an0 +1 + · · · + an0 +n ≤ bn0 + bn0 +1 + · · · + bn0 +n ≤ bn ,
n=n0
P
∞
ou seja, a sequência de reduzidas da série an é limitada e, portanto, do Teorema 6.2.1,
n=n0
P
∞
an é convergente e, por conseguinte,
n=n0
P
∞ nP
0 −1 P
∞
an = an + an
n=1 n=1 n=n0
também o é.
(ii): É a contrapositiva de (i).
148 6.2. Critérios de convergência, convergência absoluta e relativa.
P∞ 1
Exemplo 6.2.1 A série µ
é conhecida como série de Dirichlet. Quando µ = 1 a série
n=1 n
1 1
em questão é a série harmônica que já sabemos ser divergente. Quando µ < 1, ≤ µ
n n
P∞ 1
e, portanto, do Critério de Comparação, µ
diverge. Se, porém, µ > 1, denotando por
n=1 n
P∞ 1
(sn )∞
n=1 a sequência de reduzidas de µ
, temos que
n=1 n
1 1 1 1 1 1
s2n −1 = 1 + + + + + +
2 µ 3µ 4µ 5µ 6 µ 7µ
1 1 1
+ ··· + + + ··· + n
(2n−1 )µ (2n−1 + 1)µ (2 − 1)µ
1 1 1 1 1 1
≤1+ + + + + +
2µ 2 µ 4µ 4 µ 4µ 4µ
1 1 1
+ ··· + + + · · · + n−1 µ
(2n−1 )µ (2n−1 )µ (2 )
n−1
2 4 2
= 1 + µ + µ + · · · + n−1 µ
2 4 (2 )
P
∞ n
2µ
2 1
≤ = = .
n=0 2µ 2 2µ − 2
1− µ
2
Deste modo, (sn )∞ n=1 é uma sequência monótona que possui uma subsequência limitada.
Logo, (sn )∞
n=1 é limitada (ver Teorema 5.1.1) e, consequentemente, convergente.
P
∞
Sabemos que dizer que a série an converge é o mesmo que dizer que a sequência
n=1
(sn )∞
n=1 de suas somas parciais é convergente. Por outro lado, uma sequência de números
reais é convergente se, e somente se, é uma sequência de Cauchy. Deste modo, (sn )∞ n=1
é convergente se, e somente se, para todo ε > 0 existe n0 ∈ N tal que, sempre que
m > n ≥ n0 ,
P
m
|sm − sn | =
ak < ε.
k=n+1
P
∞
Definição 6.2.1 Diremos que a série an é absolutamente convergente, ou que
n=1
P
∞
converge absolutamente, se a série |an | é convergente.
n=1
Capı́tulo 6. Séries de Numéros Reais 149
P
∞
Definição 6.2.2 Diremos que a série an é condicionalmente convergente se é
n=1
convergente, mas não é absolutamente convergente.
P
∞ P
∞
Teorema 6.2.3 Se an converge absolutamente então an é uma série convergente.
n=1 n=1
P
∞
Demonstração: Se an é absolutamente convergente segue do Critério de Cauchy que,
n=1
dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que, sempre que m > n ≥ n0 ,
P
m
|ak | < ε.
k=n+1
P
∞
O Critério de Cauchy garante então a convergência de an .
n=1
P
∞ (−1)n+1
Exemplo 6.2.2 Consideremos a série , conhecida como série de Madhava-
n=1 2n − 1
Leibniz. Seja (sn )∞
n=1 a sequência de suas reduzidas. Note que
1 1 1 1 1 1
• s2n−1 = 1 − + − + ··· + − + > 0;
3 5 7 4n − 5 4n − 3 4n − 1
1 1 1 1 1
• s2n = 1 − + − + ··· + − > 0;
3 5 7 4n − 3 4n + 1
1 1
• s2n+1 − s2n−1 = − < 0 ⇒ s2n+1 > s2n−1 ;
4n + 3 4n + 1
1 1
• s2n+2 − s2n = − > 0 ⇒ s2n+2 > s2n ;
4n + 3 4n + 5
1
• s2n+1 − s2n = > 0 ⇒ s2n < s2n+1 < s1 = 1.
4n + 3
Concluı́mos, portanto, que as subsequências (s2n−1 )∞ ∞
n=1 e (s2n )n=1 são monótonas limitadas
e, consequentemente, convergentes. Sejam a e b, respectivamente, os limites de (s2n )∞ n=1
e (s2n−1 )∞
n=1 . Daı́,
1 1
a = lim s2n = lim s2n−1 − = lim s2n−1 − lim = b.
4n + 1 4n + 1
150 6.2. Critérios de convergência, convergência absoluta e relativa.
Logo, (s2n−1 )∞ ∞
n=1 e (s2n )n=1 convergem para o mesmo limite e, portanto, o Teorema 5.4.2
P∞ (−1)n+1
garante que (sn )∞n=1 converge e, consequentemente, converge. Uma vez que
n=1 2n − 1
1 1 1
> > , para todo n ∈ N, temos que
2n − 1 2n 2n + 1
Pn 1 Pn 1 Pn 1 Pn 1
> > = −1
k=1 2k − 1 k=1 2k k=1 2k + 1 k=1 2k − 1
1 P∞ 1 P
∞
e, portanto, o Critério de Comparação garante que as séries e ou são
n=1 2n − 1 n=1 2n
ambas convergentes ou são ambas divergentes. Das propriedades operatórias para limites
infinitos obtemos que
P∞ 1
1 1 1 1 1 1
= lim + + ··· + = lim 1 + + ··· + = +∞.
n=1 2n 2 4 2n 2 2 n
P∞ (−1)n+1
Logo, a série é convergente, mas não é absolutamente convergente e, portanto,
n=1 2n − 1
não vale a recı́proca do Teorema 6.2.3. Com o auxı́lio da teoria de integração, é possı́vel
P∞ (−1)n+1 π
mostrar que = .
n=1 2n − 1 4
Teorema 6.2.4 (Teste da Raiz) Se existem c ∈ [0, 1) e n0 ∈ N tais que n |an | ≤ c,
p
P
∞
para todo n ≥ n0 , então an converge absolutamente.
n=1
P
∞
|an | = c < 1 então
p
n
Corolário 6.2.2 Se lim sup an converge absolutamente.
n=1
p
|an |, |an+1 |, . . . . Então
n
p n+1
Demonstração: Seja xn = sup
Se c < d < 1, o Teorema da Conservação do Sinal garante que existe n0 ∈ N tal que,
sempre que n ≥ n0 , xn < d. Uma vez que xn ≥ |an | para todo n ∈ N, temos que, sempre
que n ≥ n0 ,
|an | ≤ xn < d.
O Teste da Raı́z garante o resultado.
Capı́tulo 6. Séries de Numéros Reais 151
P
∞
|an | = c < 1, então
p
n
Corolário 6.2.3 Se lim an converge absolutamente.
n=1
p ∞
|an | converge, então lim n |an | = lim sup n |an |. O Corolário
n
p p
Demonstração: Se
n=1
6.2.2 garante o resultado.
OBSERVAÇÃO 6.2.1 Não é difı́cil de enxergar que o Teste da Raiz e o Corolário 6.2.2 são
resultados equivalentes. Vimos o Corolário 6.2.2 como consequência do Teste da Raiz.
Vejamos agora o Teste da Raiz como consequência do Corolário 6.2.2. Suponha
p que exis-
∞
|an | ≤ c < 1 para todo n ≥ n0 . Seja nk |ank |
p
tam c ∈ [0, 1) e n0 ∈ N tais que n
p ∞ k=1
|an | que converge para lim sup |an |. O Teorema da Con-
n
p
n
uma subsequência de
n=1
servação do Sinal garante então que
q
lim nk |ank | = lim sup n |an | ≤ c
p
P
∞
e, portanto, an converge absolutamente de acordo com o Corolário 6.2.2.
n=1
Teorema 6.2.5 (Teste da Razão) Se existem c ∈ [0, 1) e n0 ∈ N tais que, para todo
|an+1 | P∞
n ≥ n0 , |an | > 0 e ≤ c, então an converge absolutamente.
|an | n=1
P
∞
e, deste modo, o Critério de Comparação assegura a convergência da série |an | e,
n=n0 +1
P
∞
por conseguinte, de |an |.
n=1
OBSERVAÇÃO 6.2.3 Assim como o Teste da Raiz, o Teste da Razão pode ser também
∞
|an+1 |
enunciado em termos do limite superior da sequência e a demonstração
|an | n=n0
deste fato se procede de modo semelhante ao anterior e por isso ficará à cargo do leitor.
|an+1 | P∞
Corolário 6.2.4 Se lim = c < 1 então a série an converge absolutamente.
|an | n=1
|an+1 |
Demonstração: Basta notar que se lim existe, então
|an |
|an+1 | |an+1 |
lim = lim sup .
|an | |an |
Exemplo 6.2.3 Sejam a, b ∈ R tais que 0 < a < b < 1 e seja (an )∞ n=1 a sequência
definida por
a2n−1 = an , a2n = bn .
P
∞
Desejamos concluir à respeito da convergência ou não da série an . Para isso, faremos
n=1
√ an+1
uso dos Testes da Raiz e da Razão. Escrevendo xn = n
an e yn = , observamos que
an
√ 2n−1 1 a2
x2n−1 = an = a n = a2− n = √
2n−1
n
→ a2 ,
a
√
2n 2n
x2n = bn = b n = b2 ,
an a n−1
y2n−1 = n−1 = a · → 0,
b n b
bn b
y2n = n = → +∞.
a a
Uma vez que as subsequências (x2n−1 )∞ ∞
n=1 e (x2n )n=1 são ambas monótonas crescentes e,
além disso, x2n−1 ≤ x2n , para todo n ∈ N, temos que
√
lim sup n an = b2 < 1
P
∞
e o Teste da Raiz assegura que a an converge absolutamente. Note que o Teste da
n=1
Razão não nos permite chegar à mesma conclusão uma vez que a sequência (yn ) possui
uma subsequência ilimitada.
O exemplo acima nos dá indı́cios de que o Teste da Raiz é mais eficaz que o Teste da
Razão e isso será comprovado no resultado a seguir.
Capı́tulo 6. Séries de Numéros Reais 153
an+1 √ √ an+1
lim inf ≤ lim inf n an ≤ lim sup n an ≤ lim sup . (6.2)
an an
an+1 √ an+1 √
Em particular, se lim existe, então lim n an existe e lim = lim n an .
an an
an+1 √
Demonstração: Suponha, por absurdo, que seja lim sup < lim sup n an . Seja
an
c ∈ R tal que
an+1 √
0 ≤ lim sup < c < lim sup n an .
an
an+1
Temos então que existe n0 ∈ N tal que < c, para todo n ≥ n0 . Deste modo, se
an
n > n0
an an−1 an +1
an = · · · · · · 0 · an0
an−1 an−2 an 0
an0 +(n−n0 ) an0 +(n−n0 −1) an +1
= · · · · · · 0 · an 0
an0 +(n−n0 −1) an0 +(n−n0 −2) an0
a n
< cn−n0 · an0 = cn · n 0 .
c 0
e, portanto, sempre que n ≥ n0 ,
r r
√ an0 an
n
an < c · n = c · n n 0 .
n n (6.3)
c 0 c 0
Fazendo
r r
√ √ an an0
xn = sup { an , n+1 an+1 , . . .}
n
e yn = sup c · n n 0 , c · n+1
,... ,
c 0 cn0
P
∞ 1 P∞ 1
OBSERVAÇÃO 6.2.4 As séries e µ
, µ > 1, são exemplos, assim como no caso
n=1 n n=1 n
an+1
do Teste da Raiz, de que o Teste da Razão é inconclusivo quando se tem lim sup = 1.
an
No primeiro caso temos que
1
n + 1 n (n + 1) − 1 1
lim = lim = lim = lim 1 − =1
1 n+1 n+1 n+1
n
e, no segundo,
1 1 µ
(n + 1)µ
lim = lim n + 1 = 1,
1 1
nµ n
mas, como sabemos, a série harmônica diverge e a série de Dirichlet converge se µ > 1.
an+1
Outra forma de concluir que se an > 0, para todo n ∈ N e lim existe então
an
√ an+1 √ an+1
lim n an existe e lim = lim n an é a seguinte: seja a = lim . Definindo a
an an
an+1
sequência (xn )∞
n=1 pondo x1 = a1 e xn+1 = , temos que lim xn = a. Sendo assim, o
an
Corolário 5.3.3 garante que
√
r
an an−1 a2
lim an = lim n
n
· · ··· · · a1
an−1 an−2 a1
√
= lim n xn · xn−1 · · · · · x2 · x1 = a.
Teorema 6.2.7 (Teste de Condensação de Cauchy) Seja (an )∞ n=1 uma sequência
P∞ P∞
não-crescente, com lim an = 0. Então a série an converge se, e somente se, 2 n a2 n
n=1 n=1
converge.
an ≥ an+1 ≥ 0,
ou seja,
P
∞
0 ≤ s2n−1 ≤ a1 + 2 n a 2n .
n=1
Logo, (sn )∞
n=1 é uma sequência monótona que possui uma subsequência limitada e, sendo
assim, o Teorema 5.1.1 garante que (sn )∞n=1 é limitada e, portanto, convergente. Logo, a
P
∞
série an converge.
n=1
P∞ 1
Exemplo 6.2.4 Uma vez que a série geométrica n
converge, o Teste de Condensação
n=1 2
P∞ 1
de Cauchy garante que a série 2
converge. Com efeito, basta notar que, escrevendo
n=1 n
1
an = , temos
n2
P∞ 1 P∞
n 1 P∞
n
= 2 · 2
= 2 n a2 n .
n=1 2 n=1 n
(2 ) n=1
Procedendo da mesma forma podemos concluir que, uma vez que a série geométrica
P∞ 1 P∞ 1
µn
= µ n
n=1 2 n=1 (2 )
P∞ 1
converge se µ > 1, deve-se ter, nestas condições, que a série µ
também converge.
n=1 n
P
∞
Teorema 6.2.8 (Teorema de Dirichlet) Seja an uma série cuja sequência de re-
n=1
duzidas (sn )∞
n=1 é uma sequência limitada. Se (bn )∞
é uma sequência não-crescente de
n=1
P
∞
números reais tal que lim bn = 0, então an bn é convergente.
n=1
Uma vez que (sn )∞é uma sequência limitada, existe M > 0 tal que |sn | ≤ M, para todo
n=1
n ∈ N e, sendo assim,
|sk | (bk − bk+1 ) ≤ M (bk − bk+1 )
e
lim sn bn = 0.
Observe que
P
n P
∞
lim M (bk − bk+1 ) = M (bn − bn+1 ) = Mb1
k=1 n=1
P
∞
e, portanto, o Critério de Comparação garante que sn (bn − bn+1 ) é uma série absolu-
n=1
tamente convergente e, por conseguinte, convergente. Daı́
P∞ P P
n
n−1
an bn = lim an bn = lim sk (bk − bk+1 ) + sn bn
n=1 k=1 k=1
P
n−1
= lim sk (bk − bk+1 ) + lim sn bn
k=1
P
∞
= sn (bn − bn+1 )
n=1
e o resultado segue.
P
∞
Corolário 6.2.5 (Teorema de Abel) Se an converge e (bn )∞
n=1 é uma sequência
n=1
P
∞
limitada não-crescente de números positivos, então an bn converge.
n=1
P
∞
Demonstração: Basta notar que a sequência (sn )∞
n=1 de reduzidas da série (−1)n é
n=1
limitada, visto que s2n−1 = −1 e s2n = 0, e aplicar o Teorema de Dirichlet.
que
P
∞
(−1)n+1 = 1 − 1 + 1 − 1 + 1 − 1 + · · ·
n=1
= 1 − (1 − 1) − (1 − 1) − (1 − 1) − · · · = 1,
e que
P
∞
(−1)n+1 = 1 − 1 + 1 − 1 + 1 − 1 + · · ·
n=1
P
∞
= 1 − (1 + 1 − 1 + 1 − 1 + · · · ) = 1 − (−1)n+1 ,
n=1
158 6.3. Séries comutativamente convergentes
ou seja,
P
∞ 1 P
∞
2 (−1)n+1 = 1 ⇒
(−1)n+1 = ,
n=1 n=1 2
isto é, encontramos três valores diferentes para o mesmo limite, o que sabemos não ser
possı́vel pelo Teorema da Unicidade do Limite.
P
∞
Definição 6.3.1 Diremos que uma série an é comutativamente convergente se
n=1
P
∞ P
∞
an = aϕ(n) ,
n=1 n=1
P
∞ P
∞ P
∞ P
∞
|an | = (pn + qn ) = pn + qn ,
n=1 n=1 n=1 n=1
P
∞ P
∞
isto é, |an | converge absolutamente. Reciprocamente, supondo que an converge
n=1 n=1
absolutamente, temos que
0 ≤ pn , qn ≤ |an | ,
P
∞ P
∞
para todo n ∈ N. Assim, o Critério de Comparação garante que as séries pn e qn
n=1 n=1
convergem.
P
∞ P
∞
As séries pn e qn definidas acima são comumente chamadas de parte positiva
n=1 n=1
P
∞
e parte negativa de an , respectivamente, bem como as sequências (pn )∞ ∞
n=1 e (qn )n=1
n=1
são chamadas, respectivamente, de parte positiva e parte negativa de (an )∞ n=1 . Note
P
∞
que a convergência absoluta de an garante a convergência absoluta de suas partes
n=1
positiva e negativa.
Capı́tulo 6. Séries de Numéros Reais 159
P
∞
Teorema 6.3.2 Se an é uma série absolutamente convergente então é também comu-
n=1
tativamente convergente.
P
∞
Demonstração: Consideremos, inicialmente, o caso em que an é uma série de termos
n=1
positivos. Seja ϕ : N → N uma bijeção e denotemos por e (tn )∞ (sn )∞
n=1 as sequências
n=1
P
∞ P
∞
de reduzidas de an e aϕ(n) , respectivamente. Uma vez que (sn )∞ ∞
n=1 e (tn )n=1 são
n=1 n=1
sequências monótonas-crescentes, escrevendo S = {s1 , . . . , sn , . . .} e T = {t1 , . . . , tn , . . .},
sabemos que
lim sn = sup S e lim tn = sup T .
Devemos mostrar então que sup S = sup T e, para isso, basta verificar que dado um
elemento qualquer de S, existe um elemento de T que não é inferior a ele e que, dado um
elemento qualquer de T existe um elemento de S que não é inferior a este. Note que estas
afirmações implicam em sup S ≤ sup T e sup T ≤ sup S, respectivamente. Assim, dado
n ∈ N, seja m = max {ϕ (1) , . . . , ϕ (n)}. Então
e, neste caso,
tn = aϕ(1) + · · · + aϕ(n) ≤ a1 + · · · + am = sm .
Do mesmo modo, dado m ∈ N, seja k = max ϕ−1 (1) , . . . , ϕ−1 (m) . Então
e, consequentemente,
sm = a1 + · · · + am ≤ aϕ(1) + · · · + aϕ(k) = tk .
Logo,
lim sn sup S = sup T = lim tn
P
∞
e an é comutativamente convergente.
n=1
O caso geral é obtido aplicando-se o argumento acima às partes positiva e negativa de
P
∞
an .
n=1
Mostraremos agora que vale a recı́proca do Teorema 6.3.2 acima verificando que ne-
nhuma série condicionalmente convergente pode ser comutativamente convergente, ou
P
∞
seja, se uma série an de números reais é comutativamente convergente então esta série
n=1
deve ser absolutamente convergente.
P
∞
Teorema 6.3.3 Sejam an uma série condicionalmente convergente e c ∈ R. Então
n=1
existe uma bijeção ϕ : N → N tal que
P
∞
aϕ(n) = c.
n=1
160 6.3. Séries comutativamente convergentes
lim pn = 0 = lim qn .
an = pn − qn
P
∞ P
∞
garante que se pn converge, então qn converge e vice-versa, o que acarretaria na
n=1 n=1
P
∞
convergência absoluta de an . Sendo assim, as sequências (pn )∞ ∞
n=1 e (qn )n=1 são com-
n=1
postas por uma infinidade de termos não-nulos, cada uma. Sejam então (xn )∞ ∞
n=1 e (yn )n=1
as sequências formadas, respectivamente, por todos os termos positivos e todos os termos
negativos de (an )∞n=1 , obedecendo a ordem natural que cada termo aparece na sequência
em questão. Não é difı́cil ver que
P
∞ P
∞ P
∞ P
∞
pn = xn e qn = − yn
n=1 n=1 n=1 n=1
P
∞
e, consequentemente, lim xn = 0 = lim yn . Reordenaremos os termos da série an
n=1
tomando como primeiros termos os valores
x1 + x2 + · · · + xn 1 ,
x1 + x2 + · · · + xn1 > c.
−y1 − y2 − · · · − yn2
−yn2 +1 − · · · − yn4 ,
c1 = a1 b1 , c2 = a2 b1 + a1 b2 , cn = a1 bn + a2 bn−1 + · · · + an b1 , . . .
P
∞
e consideremos a série cn . Esta série é denominada produto de Cauchy das séries
n=1
P
∞ P
∞
an e bn .
n=1 n=1
P
∞ P
∞
Teorema 6.4.1 (Teorema de Cauchy) Sejam an e bn séries absolutamente con-
n=1 n=1
P
∞ P
∞
vergentes de números reais e cn o produto de Cauchy destas séries. Então cn con-
n=1 n=1
P
∞ P
∞
verge absolutamente e, escrevendo-se an = a e bn = b, tem-se
n=1 n=1
P
∞
cn = ab.
n=1
162 6.4. Produto de Cauchy
e
c̄n = |a1 bn | + |a2 bn−1 | + · · · + |an b1 | = ā1 b̄n + ā2 b̄n−1 + · · · + ān b̄1 ,
∞
denotemos por (s̄n )∞ ∞
n=1 , (t̄n )n=1 e (v̄n )n=1 , respectivamente, as sequências de somas parciais
P
∞ P
∞ P∞
∞
de ān , b̄n e c̄n . Mostremos, inicialmente, que as sequências (v̄n )∞ n=1 e (s̄n t̄n )n=1
n=1 n=1 n=1
P
∞ P
∞
convergem para o mesmo limite. Da convergência absoluta das séries an e bn
n=1 n=1
∞
sabemos que as sequências (s̄n )∞
n=1 e (t̄n )n=1 são convergentes e, por conseguinte, é também
convergente a sequência (s̄n · t̄n )∞ ∞ ∞
n=1 . Observamos que as sequências (v̄n )n=1 e (s̄n t̄n )n=1
são monótonas não-decrescentes e, portanto,
lim v̄n = sup {v̄1 , . . . , v̄n , . . .} e lim s̄n · t̄ = sup {s̄1 t̄1 , . . . , s̄n t̄n , . . .} .
Precisamos mostrar que os conjuntos X = {v̄1 , . . . , v̄n , . . .} e Y = {s̄1 t̄1 , . . . , s̄n t̄n , . . .} pos-
suem o mesmo supremo. Para isso, é necessário e suficiente que, dado v̄m ∈ X, exista
n ∈ N tal que s̄n t̄n ≥ v̄m e, dado s̄n t̄n ∈ Y, exista k ∈ N tal que v̄k ≥ s̄n t̄n . Deste modo,
dado v̄m ∈ X, temos que
isto é, basta fazer m = n. Por outro lado, dado s̄n t̄n ∈ Y, fazendo k = 2n, temos que
P
∞
Logo, (v̄n )∞
n=1 converge e, consequentemente, a série c̄n é convergente. Note agora que
n=1
P
∞ P
∞
e, portanto, do Critério de Comparação, |cn | converge, isto é, a série cn converge
n=1 n=1
absolutamente. Veja ainda que
e, uma vez que lim (s̄n t̄n − v̄n ) = 0 temos que lim (sn tn − vn ) = 0, ou seja,
P
∞
Teorema 6.4.2 (Teorema de Mertens) Sejam an uma série convergente de núme-
n=1
P
∞
ros reais e bn uma série absolutamente convergente de números reais. Escrevendo-se
n=1
P
∞ P
∞
an = a e bn = b,
n=1 n=1
P
∞ P
∞
se cn é o produto de Cauchy das séries dadas, então cn converge e, além disso,
n=1 n=1
P
∞
cn = ab.
n=1
P
∞
Demonstração: Sejam (sn )∞ ∞ ∞
n=1 , (tn )n=1 e (vn )n=1 as sequências de reduzidas de an ,
n=1
P
∞ P
∞
bn e cn , respectivamente. Note que
n=1 n=1
vn − atn = c1 + c2 + · · · + cn − a (b1 + b2 + · · · + bn )
= a1 b1 + (a1 b2 + b2 b1 ) + · · · + (a1 bn + a2 bn−1 + · · · + an b1 )
− ab1 − ab2 − · · · − abn
= (a1 + a2 + a · · · + an − a) b1
+ (a1 + a2 + · · · + an−1 − a) bn−1 + · · · + (a1 − a) bn ,
= (sn − a) b1 + (sn−1 − a) b2 + · · · + (s1 − a) bn ,
donde
vn = (sn − a) b1 + (sn−1 − a) b2 + · · · + (s1 − a) bn + atn .
164 6.4. Produto de Cauchy
P
∞ P
∞
Da convergência absoluta de bn e da convergência de an segue que, dado ε > 0,
n=1 n=1
existem n1 , n2 , n3 ∈ N tais que, sempre que n ≥ n1 ,
ε
|sn − a| < ,
P
∞
4 |bn | + 1
n=1
Exemplo 6.4.1 Sejam a, b ∈ R dois números reais arbitrários. O Teste da razão ga-
P∞ an P∞ bn
rante que e são séries absolutamente convergentes e, portanto, é também
n=0 n! n=0 n!
P
∞
absolutamente convergente o produto de Cauchy cn destas séries e
n=0
P∞ Pa Pb
∞ n ∞ n
cn = · .
n=0 n=0 n! n=0 n!
Note que
Pn ak bn−k 1 Pn n!
cn = · = ak bn−k
k=0 k! (n − k) ! n! k=0 k! (n − k) !
1 P n k n−k (a + b)n
n
= a b = .
n! k=0 k n!
Logo,
P∞ (a + b)n Pa Pb
∞ n ∞ n
= · .
n=0 n! n=0 n! n=0 n!
Capı́tulo 6. Séries de Numéros Reais 165
P∞ x
n
contrariando a maximalidade de xn+1 . A série n
, assim definida, converge para x
n=0 10
pois, denotando por (sn )∞
n=0 sua sequência de reduzidas, temos, pela construção da série,
que
1
0 ≤ x − sn < .
10n
É costume escrever
P∞ x
n
x= n
= x0 , x1 x2 . . . xn . . .
n=0 10
para representar x em termos de uma representação decimal sua.
Em geral, a representação decimal de um número real não é única. Por exemplo, se
x = 1, então as séries
0 0 0 9 9 9
1+ + 2 + ··· + n + ··· e 0+ + 2 + ··· + n + ···
10 10 10 10 10 10
são, ambas, representações decimais de x.
Exercı́cios
P
∞ P
∞ P
∞
1. Sejam an e bn séries de termos positivos. Se bn = +∞ e existe n0 ∈ N tal
n=1 n=1 n=1
an+1 bn+1 P∞
que ≥ para todo n > n0 então an = +∞.
an bn n=1
P
∞ P
∞ an P∞
2. Sejam an e bn séries de termos positivos. Se lim = 0 e bn converge
n=1 n=1 bn n=1
P
∞ an P∞
então an converge. Se lim = c 6= 0, então an coverge se, e somente se,
n=1 bn n=1
P
∞
bn converge.
n=1
P 1
3. Para todo polinômio p (x) de grau superior a 1, a série converge. Conclua
p (n)
P 1
daı́ que, para todo p ∈ N fixado, a série converge.
n (n + 1) · · · (n + p)
4. Se a sequência (an )∞n=1 é não-crescente e lim an = 0, o mesmo ocorre com bn =
a1 + · · · + an
. Conclua que, neste caso, a série
n
P
∞ 1 1
(−1)n+1 bn = a1 − (a1 + a2 ) + (a1 + a2 + a3 ) − · · ·
n=1 2 3
é convergente
P
∞ P
∞ P
∞ an P∞ √
5. Se an converge e an > 0 então (an )2 , e an+1 an convergem.
n=1 n=1 n=1 1 + an n=1
Em algum dos casos vale a recı́proca?
Capı́tulo 6. Séries de Numéros Reais 167
P
∞ P∞ a
n
6. Se (an )2 converge então converge.
n=1 n=1 n
P
∞ P
∞
7. Se (an )2 e (bn )2 são séries convergentes então é também convergente a série
n=1 n=1
P∞
Se an bn .
n=1
P
∞
8. Se (an )∞
n=1 é decrescente e an converge então lim n · an = 0.
n=1
P
∞
9. Se (an )∞
n=1 é decrescente e an = +∞, então
n=1
a1 + a3 + · · · + a2n−1
lim = 1.
n→∞ a2 + a4 + · · · + a2n
1
11. Mostre que, se da sequência de termo geral an = omitimos os termos tais que n
n
possui algum algarismo 0 em sua representação decimal, então a série formada com
os termos restantes converge.
P
∞
12. (Critério de Kummer) Sejam an uma série de números reais e (bn )∞
n=1 uma
n=1
sequência qualquer de números positivos. Seja ainda
an
L = lim inf bn − bn+1 .
an+1
P
∞
Se L > 0, então an converge. Por outro lado, se
n=1
an
bn − bn+1 ≤ 0
an+1
para todo n suficientemente grande e a série
P
∞ 1
n=1 bn
P
∞
diverge, então a série an diverge.
n=1
P
∞
13. Seja an uma série de termos positivos. Suponha que existam n0 ∈ N e p ∈ R,
n=1
p > 1, tais que
an+1
n 1− ≥p
an
P
∞
sempre que n ≥ n0 . Mostre que an converge.
n=1
168 Exercı́cios
P
∞
14. Seja an uma série de termos positivos. Suponha que exista n0 ∈ N tal que
n=1
an+1
n 1− ≤ 1,
an
P
∞
sempre que n ≥ n0 . Mostre que an diverge.
n=1
P
∞
15. (Critério de Raabe) Seja an uma série de termos positivos. Mostre que:
n=1
P∞
an+1
a) Se lim n 1 − > 1 então an é convergente.
an n=1
P∞
an+1
b) Se lim n 1 − < 1 então an é divergente.
an n=1
an+1
c) Se lim n 1 − = 1 então nada se pode afirmar à respeito da convergência
an
P∞
ou divergência de an .
n=1
P
∞
16. (Critério de Gauss) Seja an uma série de termos positivos. Se existe n0 ∈ N
n=1
tal que, sempre que n ≥ n0 ,
an+1 p An
= 1 − + 1+r
an n n
onde (An )∞
n=1 é uma sequência limitada de números reais, p é constante e r > 0,
P
∞
então an converge se p > 1 e diverge se p ≤ 1.
n=1
P
∞
17. Discuta quanto a convergência ou divergência da série an , onde
n=1
1 · 3 · · · · · (2n − 1)
an = .
2 · 4 · · · · · 2n
1 1 1
1− + − + · · · = log 2,
2 3 4
mostre que
1 1 1 1 1 1 1 1 1
1− − + − − + − − + · · · = log 2.
2 4 3 6 8 5 10 12 2
Capı́tulo 6. Séries de Numéros Reais 169
P
∞
19. Seja an uma série condicionalmente convergente. Mostre que, dado c ∈ R existe
n=1
uma sequência de números reais (εn )∞
n=1 , |εn | = 1 para todo n ∈ N, tal que
P
∞
εn |an | = c.
n=1
P
∞ P
∞
aϕ(n) = +∞ e aψ(n) = −∞.
n=1 n=1
22. Usando a Desigualdade de Cauchy-Schwarz mostre que, se (an )∞ n=1 é uma sequência
P
∞
de números reais não-negativos para a qual a série an converge, então a série
n=1
√
P
∞ an
n=1 np
1
também converge qualquer que seja p > .
2
P
∞
23. Se (an )2 converge, então
n=1
√ √ √ √
a1 + 2a2 + 3a3 + 4a4 + · · · + nan
lim sup < ∞.
n
24. Dê exemplo de duas séries divergentes de números reais tais que o produto de Cauchy
entre elas seja convergente.
25. Mostre que, para valores apropriados de x, vale a igualdade
1 P ∞ P∞
an xn = (a0 + a1 + · · · + an ) xn .
1 − x n=0 n=1
P∞ (−1)n P∞ (−1)n
27. Para quais valores de p e q o produto de Cauchy das séries p e q
n=0 (n + 1) n=0 (n + 1)
converge?
P
n P
n
28. Seja a ∈ R tal que |a| < 1. Façamos sn = ak e tn = (k + 1) ak .
k=0 k=0
P
n P
n
a) Mostre que (sn )2 = (k + 1) ak + (n + 1 − k) an+k .
k=0 k=1
n (n + 1)
2
b) Mostre então que tn − (sn ) ≤ |a|n+1 .
2
2
c) Mostre que lim tn = (lim sn ) . Daı́, obtenha uma fórmula para o cálculo de
P
∞
(n + 1) an .
n=0
P∞ k+1
d) Calcule n
.
n=0 3
P
∞ 1 P
∞ 1 P∞ 1 π2
c) √ √ d) dado que = .
2 2
n=1 (n + 1) n+n n+1 n=1 n (2n − 1) n=1 n 6
30. Determine quais das séries abaixo são convergentes e quais são divergentes:
P∞ 3n P∞ n P
∞ √ √
a) 3
. b) n
. c) n+1− n .
n=2 n + 1 n=1 2 n=1
P
∞
2 P
∞ 1 P
∞ √ n
d) e−n . e) √ . f) n
n−1 .
n=1 n=1 n3 + 4 n=1
√ √
P∞ n+1− n P∞ (−1)n P
∞ (−1)n
g) . h) √
n
. i) √ n.
n=2 n n=2 n n=2 n + (−1)
P∞
n
1 P
∞ 1 P∞ n10
k) (−1) e − 1 .
n l) 2
. m) .
n=1 1 + n
n
n=1 n=1 10
Capı́tulo 7
Topologia da Reta
Definição 7.1.1 Seja X um conjunto qualquer e denotemos por P (X) o conjunto das
partes de X. Uma topologia em X é uma coleção τ ⊂ P (X) satisfazendo às seguintes
condições:
(i) ∅, X ∈ τ;
(iii) se A1 , . . . , An ∈ τ, então
A1 ∩ · · · ∩ An ∈ τ.
{x ∈ R; |x − a| < ε} = (x0 − ε, x0 + ε) ⊂ A.
171
172 7.1. Conjuntos abertos
x0 ∈ (a, b) ⊂ A.
(x0 − ε, x0 + ε) ⊂ A
ε = min {x0 − a, b − x0 } ,
temos que
(x0 − ε, x0 + ε) ⊂ (a, b) ⊂ A,
isto é, x0 é um ponto interior de A.
Com efeito, se x ∈ (a, b), segue da Observação 7.1.1 que, como (a, b) ⊂ [a, b], tem-se
x ∈ int (A), isto é, (a, b) ⊂ int (A). Por outro lado, se x ∈ int (A), existe ε > 0 tal que
(x − ε, x + ε) ⊂ [a, b]. Deste modo,
ou seja, int (A) ⊂ (a, b). De modo inteiramente análogo verifica-se que fazendo A1 =
(a, b), A2 = [a, b) e A3 = (a, b] tem-se
Exemplo 7.1.5 Segue diretamente dos Exemplos 7.1.1 e 7.1.2 que todo intervalo aberto,
limitado ou não, é um conjunto aberto.
τ := {A ⊂ R; A é aberto} .
Demonstração: (ı̀): Vimos na Observação 7.1.3 que o ∅ é aberto por vacuidade. Dado
x ∈ R, temos que
x ∈ (x − 1, x + 1) ⊂ R,
ou seja, todo ponto de R é interior e R é, portanto, um conjunto aberto.
(ii): Seja {Aλ }λ∈L uma famı́lia de conjuntos abertos e seja
S
A= Aλ .
λ∈L
A = A1 ∩ A2 .
(x − ε1 , x + ε2 ) ⊂ A1 e (x − ε2 , x + ε2 ) ⊂ A2 .
(x − ε, x + ε) ⊂ A1 ∩ A2 .
Exemplo 7.1.6 Outra forma de verificar que as semirretas (a, +∞) e (−∞, b) são con-
juntos abertos é observando que
∞
S ∞
S
(a, +∞) = (a, a + n) e (−∞, b) = (b − n, b) ,
n=1 n=1
isto é, que estes conjuntos podem ser vistos como sendo, cada um deles, a reunião de
conjuntos abertos. Se x0 ∈ (a, +∞), então x0 − a > 0. Do fato de N ser ilimitado
superiormente, existe n0 ∈ N, tal que n0 > x0 − a. Logo,
∞
0 < x0 − a < n0 ⇒ a < x0 < a + n0 ⇒ x0 ∈ (a, a + n0 ) ⊂
S
(a, a + n)
n=1
∞
S
e, portanto, (a, +∞) ⊂ (a, a + n). Uma vez que (a, a + n) ⊂ (a, +∞), para todo n ∈
n=1
∞
S ∞
S
N, tem-se (a, a + n) ⊂ (a, +∞). Daı́ (a, +∞) = (a, a + n). A outra igualdade é
n=1 n=1
verificada de modo inteiramente análogo.
Afirmamos que deve ser A = {a}. De fato, observamos sem dificuldade que a ∈ An , para
todo n ∈ N e, consequentemente, a ∈ A. Suponha agora que exista x ∈ A tal que seja
x 6= a. Neste caso, |x − a|> 0 e, da propriedade
Arquimediana, existe n0 ∈ N tal que
1 1 1
< |x − a| e, daqui, x ∈
/ a − ,a + o que é uma contradição. Assim, A = {a},
n0 n0 n0
como querı́amos demonstrar. O conjunto A, claramente, não pode ser aberto.
ou seja,
0 ≤ t1 ≤ t2 ≤ 1 ⇒ xt1 ≤ xt2
e, daqui, para todo t ∈ [0, 1],
a = x0 ≤ xt ≤ x1 = b
e xt ∈ [a, b] ⊂ I. Reciprocamente, suponha que, dados a, b ∈ I, xt = a (1 − t) + bt ∈ I,
para todo t ∈ [0, 1]. Deste modo, dado x ∈ [a, b], fazendo
x−a
t= ,
b−a
temos que t ∈ [0, 1] e x = a (1 − t) + bt, ou seja, [a, b] ⊂ I. Para mostrar que I é um
intervalo, mostraremos que se a = inf I e b = sup I, então
(a, b) ⊂ I ⊂ [a, b] .
Logicamente, pode ocorrer de ser a = −∞ e/ou b = +∞. É lógico que I ⊂ [a, b].
Sejam (an )∞ ∞
n=1 e (bn )n=1 sequências de elementos de I tais que an → a, bn → b e, dados
m, n ∈ N, bm ≥ an . Assim, para todo n ∈ N,
(an , bn ) ⊂ [an , bn ] ⊂ I
e, consequentemente,
∞
S
(a, b) = (an , bn ) ⊂ I.
n=1
OBSERVAÇÃO 7.1.4 Note que um enunciado equivalente ao dado no Lema 7.1.2 seria o
seguinte: um conjunto não-vazio I ⊂ R é um intervalo se, e somente se, dados a, b ∈ I,
[a, b] ⊂ I.
OBSERVAÇÃO 7.1.5 Sejam I1 e I2 dois intervalos abertos disjuntos. Sem perda de gene-
ralidade, suponha que seja x < y, sempre que x ∈ I1 e y ∈ I2 (ou seja, o intervalo I1 está
à esquerda do intervalo I2 ). Se b1 é o extremo superior de I1 e a2 é o extremo inferior
de I2 , então, dados x ∈ I1 e y ∈ I2 , temos que b1 , a2 ∈ [x, y], mas b1 , a2 ∈
/ I1 ∪ I2 . Logo,
x, y ∈ I1 ∪ I2 mas esta reunião não contém [x, y] e, do Lema 7.1.2, I1 ∪ I2 não pode ser
um intervalo.
Lema 7.1.3 Sejam I1 = (a1 , b1 ) e I2 = (a2 , b2 ) intervalos abertos que possuam um ponto
p em comum. Então I1 ∪ I2 é um intervalo aberto. Aqui, pode acontecer de ser a = −∞
e/ou b = +∞.
a ∈ [p, b] ⊂ I2 ,
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 177
contradizendo o fato de a não pertencer a I2 . Invocando o Lema 7.1.2 mais uma vez temos
que
[a, p] ⊂ I1 , [p, b] ⊂ I2 ⇒ [a, b] = [a, p] ∪ [p, b] ⊂ I1 ∪ I2 .
O caso em que a ∈ I2 − I1 e b ∈ I1 − I2 é feito de modo análogo. Em todo caso, mostramos
que, dados a, b ∈ I1 ∪ I2 , temos [a, b] ⊂ I1 ∪ I2 , ou seja, I1 ∪ I2 é um intervalo que deve
ser aberto por se tratar da reunião de abertos.
Teorema 7.1.3 Seja {Iλ }λ∈L uma famı́lia de intervalos abertos tal que
T
Iλ 6= ∅.
λ∈L
S
Então Iλ é um intervalo aberto.
λ∈L
S
Demonstração: Sejam a, b ∈ Iλ . Neste caso, existem λ1 , λ2 ∈ L tais que a ∈ Iλ1 e
λ∈L
b ∈ Iλ2 . Da hipótese, Iλ1 ∩ Iλ2 6= ∅ e, consequentemente, segue do Lema 7.1.3, que
S
[a, b] ⊂ Iλ1 ∪ Iλ2 ⊂ Iλ .
λ∈L
Teorema 7.1.4 (Estrutura dos Abertos da Reta) Todo aberto da reta se escreve de
modo único como uma reunião enumerável de intervalos abertos disjuntos dois a dois.
(Aqui a unicidade se dá no seguinte sentido: se
∞
S ∞
S
In = A = Jm
n=1 m=1
sendo os intervalos In disjuntos dois a dois, bem como os intervalos Jm , então, para cada
n ∈ N, existe m ∈ N tal que In = Jm e vice-versa.)
λ 7→ rλ
178 7.2. Conjuntos fechados
é claramente injetiva e, sendo assim, o conjunto L deve ser enumerável. Sejam agora
(In )∞ ∞
n=1 e (Jm )m=1 duas sequências de intervalos abertos disjuntos dois a dois tais que
∞
S ∞
S
In = A = Jm .
n=1 m=1
∞
S
Fixado n0 ∈ N, seja x ∈ In0 . Então, uma vez que x ∈ A = Jm , deve existir m0 ∈ N tal
m=1
que x ∈ Jm0 . Uma vez que deve ser
In0 = Ix = Jm0 ,
o resultado segue.
R=R−∅ e ∅ = R − R.
Sendo ∅ e R ambos abertos, segue então da definição de conjunto fechado que ∅ e R são,
também, ambos fechados. Veremos mais adiante que estes são os únicos subconjuntos de
R com esta propriedade.
Teorema 7.2.1 Seja {Fλ }λ∈L uma famı́lia de subconjuntos fechados de R. Então:
T
(i) Fλ é um conjunto fechado.
λ∈L
S
(ii) Se L é finito, então Fλ é um conjunto fechado.
λ∈L
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 179
x∈F
T
sempre que x ∈ Fλ , o que nos dá
λ∈L
T
Fλ ⊂ F.
λ∈L
Demonstração: Segue imediatamente do fato do fecho de F poder ser escrito como uma
interseção de subconjuntos fechados de R e do Teorema 7.2.1.
F = F.
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 181
Exemplo 7.2.2 Sejam (xn )∞ n=1 uma sequência de números reais e F o conjunto dos seus
valores de aderência. Mostraremos que F é fechado. Seja a ∈ F. Então existe uma
sequência (an )∞
n=1 de pontos de F que converge para a. Para cada k ∈ N existe um
subconjunto infinito de números naturais Nk tal que lim xn = ak . Deste modo, para
n∈Nk
k = 1 existe n1 ∈ N1 tal que |xn1 − a1 | < 1. Para k = 2, existe n2 ∈ N2 , com n2 > n1
1 1
tal que |xk2 − a2 | < . Para n = 3, obtemos n3 ∈ N3 tal que k3 > k2 e |xn3 − a3 | < .
2 3
Procedendo com este argumento, encontramos números naturais nk tais que nk+1 > nk e
1
|xnk − ak | < , para todo k ∈ N. Afirmamos que a subsequência (xnk )∞k=1 converge para
k
a. Com efeito,
Definição 7.2.4 Diremos que X ⊂ R é limitado se existe K > 0 tal que |x| ≤ K, para
todo x ∈ X.
Note que, de forma equivalente, dizer que X ⊂ R é limitado é equivalente a dizer que
existem números reais a e b, com a < b, tais que X ⊂ [a, b].
Demonstração: Se F é limitado então existe K > 0 tal que |x| ≤ K para todo x ∈ F.
Seja a ∈ F. Então existe uma sequência (xn )∞ n=1 de pontos de F que converge para a.
Então (|xn |)∞
n=1 converge para |a| e, como |x n | ≤ K para todo n ∈ N, segue do Teorema
da Conservação do Sinal que |a| ≤ K e, consequentemente, F é limitado.
182 7.3. Fronteira de um conjunto
(x − ε, x + ε) ∩ F 6= ∅ e (x − ε, x + ε) ∩ Fc 6= ∅.
(i) ∂F = ∂Fc .
(ii) Se F ⊂ R então todo ponto de fronteira, em particular, é um ponto aderente a F,
isto é, ∂F ⊂ F.
Exemplo 7.3.1 Sejam F1 = [a, b], F2 = [a, b), F3 = (a, b] e F4 = (a, b). Então
Exemplo 7.3.2 Uma vez que todo intervalo aberto deve conter racionais e irracionais,
temos que
∂Q = ∂ (R − Q) = R.
F = ∂F ∪ int (F)
∂F ∪ int (F) ⊂ F.
Seja, agora, x ∈ F tal que x ∈ / int (F). Como x não é um ponto interior de F, então,
nenhum intervalo centrado em x pode estar contido inteiramente em F, ou seja, todo
intervalo centrado em x deve conter pontos de Fc . Por outro lado, como x é aderente a
F, todo intervalo centrado em x contém algum ponto de F. Logo, todo intervalo centrado
em x contém pontos de F e Fc e x é, portanto, um ponto de fronteira de F e, sendo assim,
F ⊂ ∂F ∪ int (F) .
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 183
Exemplo 7.3.3 Sejam a, b ∈ R, com a < b. Os intervalos da forma [a, b) e (a, b] não
podem ser nem fechados e nem abertos. De fato, ambos os conjuntos são diferentes de seus
interiores, o que os impede de serem abertos. Por outro lado, nenhum destes intervalos
contém sua fronteira, o que os impossibilita serem fechados.
A ∪ B = (c, +∞) e A ∩ B = ∅,
à = A ∩ (a, b) e B̃ = B ∩ (a, b) ,
temos que à e B̃ são abertos disjuntos tais que Ã∪ B̃ = (a, b). O teorema anterior garante
que um destes conjuntos deve ser o conjunto vazio e o outro corresponde ao intervalo (a, b).
Suponha que seja à = (a, b). Neste caso, (a, b) ⊂ A e, uma vez que b ∈ ∂ (a, b), todo
intervalo que contém b contém também pontos de (a, b) e, consequentemente de A. Por
outro lado, uma vez que b ∈ B e B é aberto, deve haver um intervalo aberto I que contém
b e está contido em B. Como A e B são disjuntos, I ∩ A = ∅, contradizendo o fato
de que todo intervalo que contém b contém também pontos de A. Utilizando o mesmo
argumento, observamos que também não pode ser B̃ = (a, b), o que, obviamente, é uma
contradição.
Assim, dizer que x ∈ R é um ponto de acumulação de X é o mesmo que dizer que todo
intervalo aberto que contém x, contém algum ponto de X diferente de x.
(iv) Existe uma sequência (xn )n=1 de pontos de X que converge para x tal que o conjunto
{x1 , x2 , . . . , xn , . . .} de seus termos é infinito.
A sequência (xn )∞
n=1 assim obtida, é uma sequência de pontos de X, todos diferentes de x,
1
tal que |xn − x| < , ou seja, lim xn = x.
n
(ii) ⇒ (iii): Seja (xn )∞
n=1 uma sequência de pontos de X tal que xn 6= x para todo
n ∈ N e lim xn = x. Fixado n1 ∈ N, uma vez que xn1 6= x, temos que
ε1 = |xn1 − x| > 0.
Da convergência de (xn )∞
n=1 , existe n2 ∈ N, n2 > n1 , tal que
1
|xn2 − x| < ε2 = min ε1 , .
n1
(x − η, x + η) ⊂ X
1
Exemplo 7.4.2 Seja Z o conjunto dos números inteiros. Dado n ∈ Z, fazendo ε = ,
2
observamos que
1 1
n − ,n + ∩ Z = {n} .
2 2
Sendo assim, Z é composto apenas por pontos isolados, ou seja, Z não possui pontos de
acumulação.
Um conjunto que é composto apenas por pontos isolados será chamado de conjunto
discreto. Vejamos agora como a ausência de pontos de acumulação em um conjunto
determina sua cardinalidade.
Demonstração: Se X é finito, não há o que fazer. Suponhamos, então, X infinito. Para
cada x ∈ X sejam Ax = {|x − y| ; y ∈ X − {x}} e εx = inf Ax . O fato de X ser infinito
garante que Ax é um conjunto não-vazio de números reais não-negativos e que, portanto,
εx está bem definido. Afirmamos que deve ser εx > 0. Com efeito, se fosse εx = 0, então
1 1
dado n ∈ N, uma vez que > 0, terı́amos que não seria cota inferior de Ax e, neste
n n
caso, deveria existir yn ∈ X tal que
1
|xn − yn | ≤ .
n
A sequência (yn )∞
n=1 assim obtida seria uma sequência de pontos de X que converge para
x de modo que yn 6= x, para todo n ∈ N. Daı́, todo intervalo aberto que contém x deveria
conter algum yn , contrariando o fato de x ser isolado. Note agora que, dados x, y ∈ X,
com x < y, temos que
εx εx εy εy
x − ,x + ∩ y − ,y + = ∅.
2 2 2 2
εx εx εy εy
De fato, se a ∈ x − , x + e b ∈ y − ,y + , então, uma vez que, εx , εy ≤
2 2 2 2
y − x, temos que
εx 1 1 εy
a<x+ ≤ x + (y − x) = y − (y − x) ≤ y − < b.
2 2 2 2
Desta forma, a famı́lia
εx εx
x − ,x +
2 2 x∈X
assim obtida é uma famı́lia de intervalos abertos disjuntos dois a dois. O Teorema da
Estrutura dos Abertos da Reta garante o resultado.
É lógico que X0 = X0+ ∪X0− . Se x ∈ X0+ ∩X0− , diremos que x é um ponto de acumulação
bilateral. Se x ∈ X0+ − X0− ou x ∈ X0− − X0+ , diremos que x é um ponto de acumulação
unilateral.
Teorema 7.4.4 Se X é um subconjunto de números reais que só admite pontos de acu-
mulação unilaterais, então X é enumerável.
X = X ∪ X0 = (X − X0 ) ∪ X0
Lema 7.4.1 Seja X um subconjunto não-vazio de números reais tais que X = X0 . Então,
/ Fx e Fx = F0x .
dado x ∈ R, existe um subconjunto limitado e não-vazio Fx ⊂ X tal que x ∈
Gx ⊂ (y − ε, y + ε) ,
Fx ⊂ [y − ε, y + ε] .
Seja, agora, a ∈ Fx tal que a ∈ (y − ε, y + ε). Suponha que toda sequência (an )∞ n=1
de pontos de Gx que convirja para a seja constante à partir de certa ordem. Deste
modo, se (xn )∞
n=1 é uma sequência de pontos de X que converge para a, então, para n
suficientemente grande, xn pertence a (y − ε, y + ε) e, consequentemente, a Gx . Daı́,
(xn )∞
n=1 deve ser constante a partir de uma certa ordem, isto é, não pode haver uma
sequência de elementos de X que convirja para a tal que conjunto de seus termos seja
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 189
infinito, contrariando o fato de a ser ponto de acumulação de X. Logo, deve existir uma
sequência de pontos de Gx (e, portanto, de Fx ) que converge para a tal que conjunto de
seus termos seja infinito, o que significa dizer que a é ponto de acumulação de Fx . Se
a = y − ε ∈ Fx e (an )∞ n=1 é uma sequência de pontos de Gx que converge para a então,
como a ∈ / Gx , deve ser an 6= a, para todo n ∈ N. Assim, todo intervalo aberto que
contém a contém algum elemento de Gx e, portanto, de Fx , diferente deste ponto o que
significa que a é ponto de acumulação de Fx . O caso em que a = y + ε ∈ Fx é análogo.
F1 ⊃ F2 ⊃ · · · ⊃ Fn ⊃ · · ·
Um conjunto como o do Teorema 7.4.5, isto é, fechado e sem pontos isolados, é deno-
minado de conjunto perfeito.
P∞ x
n
x= n
.
n=0 10
xn x1 xn
Uma vez que, para todo n = 0, 1, . . ., n ∈ Q, temos que sn = x0 + + · · · + n ∈ Q.
10 10 10
Neste caso, da convergência da série, temos que
x = lim sn
190 7.5. Conjuntos densos
e, portanto, todo número real não-negativo (racional ou irracional) pode ser expresso
como limite de uma sequência de números racionais ou, dito de outra forma, todo número
real não-negativo pode ser aproximado por números racionais. Se x é negativo, então
−x é positivo e, neste caso, se (an )∞
n=1 é uma sequência de racionais que converge para
∞
−x, (−an )n=1 será uma sequência de racionais convergindo para x. Sendo assim, todo
número real pode ser aproximado por uma sequência de racionais. Para evidenciar este
fato, diremos que Q é denso em R.
Mais geralmente, temos a seguinte definição:
Definição 7.5.1 Sejam X e Y subconjuntos da reta real R tais que X ⊂ Y. Diremos que
X é denso em Y se
Y ⊂ X.
Teorema 7.5.1 Sejam X e Y subconjuntos de números reais tais que X ⊂ Y. São equi-
valentes as seguintes afirmações:
(i) X é denso em Y.
(iii) Todo intervalo aberto que contém um ponto de Y também contém um ponto de X.
mn ≤ kn x < mn + 1.
Neste caso,
mn mn 1
≤ x ≤ +
kn kn kn
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 191
ou, equivalentemente,
mn 1
0≤x− ≤ .
kn kn
mn
A sequência cujo termo geral é xn = n assim obtida é uma sequência de pontos de Xk
k
que converge para x. Da arbitrariedade de x em R segue do Teorema 7.5.1 que Xk é denso
em R.
x ∈ (a, b) e (R − Q) ∩ (a, b) = ∅.
Logo, (a, b) deve ser um intervalo da reta composto exclusivamente por números racionais
o que é um absurdo visto que todo intervalo aberto da reta é um subconjunto não-
enumerável de R e qualquer subconjunto de números racionais deve ser, necessariamente,
enumerável.
Exemplo 7.5.3 O conjunto dos números algébricos é denso em R. Com efeito, dados
m ∈ Z e n ∈ N, a equação
2n x − m = 0
m
tem por raı́z x = n . Do Exemplo 7.5.1, todo número real é limite de uma sequência de
2
números algébricos.
1
cada En é enumerável e, para cada a ∈ E, existe xn ∈ En tal que |xn − a| ≤ . Deste
∞
n
S
modo, E = En é um subconjunto enumerável de X (por ser uma reunião enumerável
n=1
de subconjuntos enumeráveis) que é denso em X.
(i) 0 ∈ G;
(ii) se x, y ∈ G, então x + y ∈ G;
(iii) se x ∈ G, então −x ∈ G.
que, sem perda de generalidade, podemos supor decrescente, convergindo para 0. Para
cada n ∈ N, seja An = {[mxn , (m + S1) xn ) ; m ∈ Z}. Note que o comprimento de cada
intervalo de An é xn e, além disso, A = R. Assim, dado x ∈ R, existe uma sequência
A∈An
(mn )∞
n=1 de números inteiros tais que
mn xn ≤ x < (mn + 1) xn .
e, consequentemente,
a
0≤b−c≤ < a,
2
ou seja, b − c ∈ G+ e b − c < a, contrariando o fato de a ser o ı́nfimo de G+ . Seja, agora,
x ∈ G+ . Como R é arquimediano e N é bem ordenado, existe n ∈ N tal que
na ≤ x < (n + 1) a.
Faça r = x − na. Note que 0 ≤ r < a. Se fosse r > 0, então r seria um elemento de G+
menor do que a, contrariando a minimalidade de a. Logo, r = 0 e x = na. Se x ∈ G
é um número real negativo, então −x ∈ G+ . Neste caso, do que vimos, existe n ∈ N tal
que −x = na e, consequentemente, x = −na.
Não é difı́cil perceber que o conjunto G é um grupo aditivo de números reais e que
inf G+ = 0. Sendo assim, segue do Teorema 7.5.3 que G é denso em R. Note ainda que
G é enumerável.
Uma cobertura {Aλ }λ∈L de K ⊂ R será dita cobertura aberta se, qualquer que seja
λ ∈ L, Aλ é um conjunto aberto.
1 1
Exemplo 7.6.2 Sejam K1 = 1, , . . . , , . . . e K2 = K1 ∪ {0}. Como cada ponto de K1
2 n
1 1
é isolado, para cada n ∈ N existe εn > 0 tal que, escrevendo-se In = − εn , + εn ,
n n
1
tem-se In ∩ K1 = . A famı́lia {In }n∈N assim obtida é uma cobertura aberta de K1 que
n
não admite subcobertura finita. Com efeito, se {n1 , n2 , . . . , nk } é um subconjunto finito
qualquer de números naturais, então
k
!
k
S S 1 1 1
K1 ∩ In j = Inj ∩ K1 = , ,..., .
j=1 j=1 n1 n2 nk
Teorema 7.6.1 (Teorema do Intervalos Encaixados) Seja {[an , bn ]}n∈N uma famı́lia
de intervalos fechados e limitados tais que, para todo n ∈ N, [an+1 , bn+1 ] ⊂ [an , bn ]. Então
(i)
∞
T
[an , bn ] 6= ∅.
n=1
∞
T
(ii) Se lim (bn − an ) = 0, então [an , bn ] é um conjunto unitário.
n=1
a1 ≤ a2 ≤ · · · ≤ an ≤ bm ≤ · · · ≤ b2 ≤ b1 .
∞
T
Mostraremos que [an , bn ] = [a, b]. Uma vez que, para todo n natural, a ≥ an
n=1
e b ≤ bn , segue facilmente que [a, b] ⊂ [an , bn ], para todo n. Por outro lado, seja
∞
T
x∈ [an , bn ]. Então x ∈ [an , bn ], para todo n ∈ N e, consequentemente, an ≤ x ≤ bn ,
n=1
qualquer que seja o natural n. Assim, x é, simultaneamente, uma cota superior para
o conjunto {a1 , a2 , . . . , an , . . .} e uma cota inferior para o conjunto {b1 , b2 , . . . , bn , . . .} e,
daı́,
a = sup {a1 , a2 , . . . , an , . . .} ≤ x ≤ inf {b1 , b2 , . . . , bn , . . .} = b,
T∞
ou seja, x ∈ [a, b] e [an , bn ] ⊂ [a, b]. Se lim (bn − an ) = 0, uma vez que
n=1
0 ≤ b − a ≤ bn − an ,
Demonstração: Seja A = {Aλ }λ∈L uma cobertura aberta do intervalo fechado e limitado
[a, b]. Suponha,por absurdo, que {Aλ }λ∈L não admita subcobertura finita e considere
a+b a+b
os subintervalos a, e , b . Neste caso, pelo menos um dos subintervalos
2 2
não pode ser coberto por uma quantidade finita de elementos de A. Denotemos
este
a1 + b1 a1 + b1
subintervalo por [a1 , b1 ]. Considere, agora, os subintervalos a1 , e , b1 .
2 2
Como [a1 , b1 ] não pode ser coberto por um número finito de elementos de A, tem-se
que pelo menos um dos novos subintervalos não pode ser coberto por uma quantidade.
Denotemos este subintervalo por [a2 , b2 ]. Procedendo com este argumento, obtemos uma
b−a
sequência de intervalos fechados e limitados [an , bn ] de comprimento tais que
2n
[an+1 , bn+1 ] ⊂ [an , bn ]
que não podem ser cobertos por uma quantidade finita de elementos da cobertura aberta
A. O Teorema dos Intervalos Encaixados garante então que, fazendo-se a0 = a e b0 = b,
existe um único x ∈ R tal que
∞
{x} =
T
[an , bn ] ,
n=0
sendo lim an = x = lim bn . Seja λ0 ∈ L tal que x ∈ Aλ0 . Sendo Aλ0 aberto, existe ε > 0
tal que (x − ε, x + ε) ⊂ Aλ0 . Da convergência das sequências (an )∞ ∞
n=1 e (bn )n=1 para x
segue que existe n0 ∈ N tal que, sempre que n ≥ n0 , an , bn ∈ (x − ε, x + ε) ⊂ Aλ0 e,
consequentemente, [an , bn ] ⊂ (x − ε, x + ε) ⊂ Aλ0 sempre que n ≥ n0 , contrariando o
fato de que nenhum dos intervalos [an , bn ] poderiam ser cobertos por uma quantidade
finita de elementos de A. Logo, toda cobertura aberta de [a, b] admite subcobertura
finita e [a, b] é compacto.
Daı́, obviamente, {Aλ1 , Aλ2 , . . . , Aλn } deve ser uma subcobertura finita de K que é, por-
tanto, compacto.
|a − x| = |a − xi + xi − x|
≥ |xi − a| − |x − xi |
= 2εxi − |x − xi |
> 2εxi − εxi
= εxi ≥ ε.
e, daı́, x ∈
/ (a − ε, a + ε), ou seja, B ∩ (a − ε, a + ε) = ∅. Consequentemente, fazendo-se
A = (a − ε, a + ε), segue o resultado.
Demonstração: Se a ∈ R−K, segue do Teorema 7.6.4 que existe um aberto A que contém
a e que não intercepta K. Logo, a é um ponto interior de R − K e, da arbitrariedade de
a, tem-se R − K aberto e o resultado segue.
Demonstração: Suponha que K seja compacto e seja (xn )∞ n=1 uma sequência de elementos
∞
de K. Como K é limitado, (xn )n=1 é uma sequência limitada e, portanto, do Teorema de
Bolzano-Weierstrass, segue que existem x ∈ R e uma subsequência (xnk )∞ ∞
k=1 de (xn )n=1 tal
que lim xnk = x. Como K é fechado, deve ser x ∈ K. Logo, toda sequência de elementos de
K possui um valor de aderência em K que, consequentemente, é sequencialmente compacto.
Reciprocamente, seja K ⊂ R sequencialmente compacto. Suponha, por absurdo, que K
seja ilimitado superiormente. Então, para cada n ∈ N, existe xn ∈ K tal que n < xn .
A sequência (xn )∞
n=1 assim obtida não possui subsequência convergente, contrariando o
fato de K ser sequencialmente compacto. De modo análogo se verifica que K não pode
ser ilimitado inferiormente. Seja, agora, x ∈ K. Neste caso, existe uma sequência (xn )∞n=1
de pontos de K que converge para x. Se fosse x ∈ / K, como toda sequência convergente
tem um único valor de aderência, (xn )∞
n=1 seria uma sequência de elementos de K que não
possui nenhum valor de aderência em K, contrariando o fato de K ser sequencialmente
compacto. Logo, x ∈ K e K é fechado.
(ii) Seja {Hλ }λ∈L ⊂ τX . Então, para cada λ ∈ L existe Aλ aberto da reta tal que
Hλ = Aλ ∩ X. Assim,
S S S
Hλ = (Aλ ∩ X) = Aλ ∩ X.
λ∈L λ∈L λ∈L
S
Fazendo-se A = Aλ temos que A é um aberto de R e, portanto,
λ∈L
S
Hλ = A ∩ X ∈ τX .
λ∈L
198 7.7. Topologia relativa
n
T
e, fazendo-se A = Ai , temos que A é um aberto da reta e, consequentemente,
i=1
n
T
Hi = A ∩ X ∈ τX .
i=1
n
T
e, como (X − Fi ) é um aberto de X, tem-se que F é um fechado relativo.
i=1
Teorema 7.7.2 Seja X ⊂ R. Então F ⊂ X é fechado se, e somente se, existe um fechado
E de R tal que
F = E ∩ X.
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 199
Definição 7.7.1 Sejam F ⊂ X ⊂ R e {Fλ }λ∈L a coleção dos fechados de X que contém F.
O fecho de F em X, denotado por FX , é o conjunto
T
FX = Fλ .
λ∈L
0 1
C0
1 2
0 3 3 1
C1
1 2 1 2 7 8
0 9 9 3 3 9 9 1
C2
1 2 1 2 7 8 1 2 19 20 7 8 25 26
0 27 27 9 9 27 27 3 3 27 27 9 9 27 27 1
C3
..
.
Demonstração: Seja (a, b) ⊂ [0, 1]. Uma vez que cada Cn é uma reunião de 2n intervalos
1 2n
disjuntos de diâmetro n , sabendo-se n → 0, temos que existe n0 ∈ N tal que, sempre
3 3
2n
que n ≥ n0 , tem-se n < b−a, ou seja, para n ≥ n0 , a soma dos diâmetros dos intervalos
3
que formam Cn é menor do que b−a que é o diâmetro de (a, b). Deste modo, (a, b) 6⊂ Cn ,
∞
T
para todo n ≥ n0 e, consequentemente, (a, b) 6⊂ Cn = C.
n=1
Teorema 7.8.3 Sejam En o conjunto dos extremos dos intervalos que formam Cn e E =
∞
S
En . Então E é denso em C.
n=1
Demonstração: Mostraremos que, dado x ∈ C, existe uma sequência (xn )∞ n=1 de ele-
mentos de E que converge pra x. De fato, fixado x ∈ C, para cada n ∈ N, seja In o
intervalo componente de Cn ao qual x pertence. Se (xn )∞ n=1 é a sequência formada pelos
extremos superiores dos intervalos In , temos que xn ∈ E para todo n ∈ N e, além disso,
1
0 ≤ xn − x ≤ n , isto é, lim xn = x, o que assegura o resultado.
3
Lema 7.8.1 Se x e y são, respectivamente, um extremo inferior e um extremo superior
1 1
de intervalos componentes de Cn , então x+ n+1 e y− n+1 são, respectivamente, extremos
3 3
superior e inferior de intervalos componentes de Cn+1 .
1
Demonstração: Se [a, b] é um dos intervalos componentes de Cn então b − a = n
3
1 1
e retirando-se o terço médio deste intervalo, obtemos a, a + n+1 e b − n+1 , b , os
3 3
quais são intervalos componentes de Cn+1 . Fica estabelecido então que se a, b ∈ E são,
respectivamente, extremos inferior e superior de algum intervalo componente de Cn , então
1 1
a + n+1 , b − n+1 ∈ E são, respectivamente, extremos superior e inferior de intervalos
3 3
componentes de Cn+1 . Utilizando o argumento acima para os intervalos componentes de
Cn dados por [x, x0 ] e [y0 , y], o resultado segue.
3
Exemplo 7.8.1 Mostremos que ∈ C. Consideremos a sequência definida por
4
Pn
i
1
xn = − .
i=0 3
Assim, do Lema 7.8.1 xn ∈ E ⊂ C para todo n = 0, 1, . . . e, além disso,
P∞
n
1 1 3
lim xn = − = = .
n=0 3 1 4
1+
3
3
Logo, ∈ C = C.
4
202 7.8. Conjunto de Cantor
Note que, dos resultados que estabelecemos até aqui, podemos concluir que
C = C = C0 = ∂C.
Teorema 7.8.5 O conjunto [0, 1] − C é denso em [0, 1].
Demonstração: Mostraremos que [0, 1] − C = [0, 1]. Sabemos que
[0, 1] − C = int ([0, 1] − C) ∪ ∂ ([0, 1] − C) . (7.3)
Como [0, 1]−C é a reunião dos terços médios abertos excluı́dos na construção de C, temos
que [0, 1] − C é aberto e, consequentemente,
int ([0, 1] − C) = [0, 1] − C. (7.4)
Por outro lado,
∂ ([0, 1] − C) = ∂C = C. (7.5)
Substituindo (7.4) e (7.5) em (7.3), obtemos
[0, 1] − C = ([0, 1] − C) ∪ C = [0, 1] ,
como querı́amos demonstrar.
Teorema 7.8.6 O Conjunto de Cantor é não-enumerável.
Demonstração: Segue imediatamente do Teorema 7.4.5.
1 3
Exemplo 7.8.2 Vimos que , ∈ C. Note, agora, que
3 4
1 1 0 0 0 0
= + 2+ 3+ 4+ 5
3 3 3 3 3 3
0 2 2 2 2
= + 2 + 3 + 4 + 5 + ···
3 3 3 3 3
e que
3 2 0 2 0 2
= + 2 + 3 + 4 + 5 + ···.
4 3 3 3 3 3
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 203
O exemplo acima ilustra o fato de que alguns números racionais possuem mais de uma
representação ternária. Os próximos resultados nos ajudarão a identificar tais números.
Antes, diremos x ∈ [0, 1] tem representação ternária finita se existir n ∈ N tal que
a0 a 1 a2 an
x= 0
+ + 2 + ··· + n,
3 3 3 3
com ai ∈ {0, 1, 2}, para todo i = 0, 1, . . . , n.
p
Teorema 7.8.7 Uma fração irredutı́vel ∈ (0, 1) possui representação ternária finita
q
se, e somente se, o denominador da fração em questão é uma potência de 3.
p
Demonstração: Sejam p, q ∈ N primos entre si, com p < q. Suponha que tenha
q
representação ternária finita. Neste caso, existe n ∈ N tal que
p a0 a1 an−1 an
= 0 + 1 + · · · + n−1 + n ,
q 3 3 3 3
p 1
= n an + an−1 3 + · · · + a1 3n−1 + a0 3n ,
q 3
ou seja,
p3n = q an + an−1 3 + · · · + a1 3n−1 + a0 3n .
Como p e q são coprimos e q divide o produto p3n , temos que q deve dividir 3n (ver
Exercı́cio 2.15), ou seja, q é uma potência de 3. Por outro lado, se q = 3n , n ∈ {0, 1, . . .},
a representação ternária de p é da forma
p = am 3m + am−1 3m−1 + · · · + a1 3 + a0
p am 3m + am−1 3m−1 + · · · + a1 3 + a0
=
q 3n
am am−1 a1 a0
= n−m + n−m+1 + · · · + n−1 + n
3 3 3 3
p
e possui representação ternária finita.
q
P∞ a
n
Definição 7.8.1 Seja x = n
∈ [0, 1], an ∈ {0, 1, 2}. Diremos que x tem repre-
n=0 3
sentação ternária infinita se para todo m a subsequência (an )∞ n=m é não-nula. Uma
representação ternária infinita é denominada periódica se existirem n0 , k ∈ N tais que
an = an+k sempre que n ≥ n0 (ou seja, se n ≥ n0 , (an+mk )∞ m=0 é constante), caso
contrário, a representação é não-periódica.
204 7.8. Conjunto de Cantor
1 3
Exemplo 7.8.3 Temos do Exemplo 7.8.2 que e possuem representação ternária
3 4
infinita e periódica.
0≤3−a≤2 (7.7)
e, além disso,
3x = (3 − a) q + (aq − 3k) .
Afirmamos que deve ser aq − 3k < q. Com efeito, se fosse aq − 3k ≥ q, terı́amos
(a − 1) q − 3k ≥ 0, contrariando a minimalidade de a. Logo, 3 − a e aq − 3k são,
respectivamente, o quociente e o resto na divisão de 3x por q e, de (7.7), o resultado
segue.
Teorema 7.8.8 Um número racional x ∈ (0, 1), cujo denominador de sua forma ir-
redutı́vel não é uma potência de 3, possui apenas a representação ternária infinita e
periódica.
p
Demonstração: Seja ∈ (0, 1), com p, q ∈ N primos entre si, e suponha que q não
q
seja uma potência de 3. Sejam a1 e r1 , respectivamente, o quociente e o resto na divisão
de 3p por q. Assim,
p 1 3p 1 a 1 q + r1 a1 1 r1
= = = + .
q 3 q 3 q 3 3q
Sejam a2 e r2 , respectivamente, o quociente e o resto na divisão de 3r1 por q. Assim,
p a1 1 3r1 a1 1 a 2 q + r2 a1 a2 1 r2
= + 2 = + 2 = + 2 + 2 .
q 3 3 q 3 3 q 3 3 3 q
Sejam a3 e r3 , respectivamente, o quociente e o resto na divisão de 3r2 por q. Assim,
p a1 a2 1 3r2 a1 a 2 1 a 3 q + r3 a1 a2 a3 1 r3
= + 2 + 3 = + 2 + 3 = + 2 + 3 + 3 .
q 3 3 3 q 3 3 3 q 3 3 3 3 q
Procedendo com este argumento, ao final de q + 1 etapas, como existem q possibilidades
para o resto na divisão por q, existirá i ∈ {1, . . . , q} tal que ri = rq e, consequentemente,
fazendo-se k = q − i, teremos que, an = an+k sempre que n ≥ i. Note que o Lema 7.8.2
garante que 0 ≤ an ≤ 2, para todo n ∈ N e, além disso, o Teorema 7.8.7 garante que,
p
para todo m ∈ N, a subsequência (an )∞ n=m é constante e não-nula, ou seja, possui uma
q
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 205
P∞ b
n
representação ternária infinita e periódica. Seja, agora, n
uma representação ternária
n=1 3
p
de . Suponha, por absurdo, a1 6= b1 . Sem perda de generalidade, suponha a1 > b1 . De
q
modo geral, como 0 ≤ an , bn ≤ 2, temos |an − bn | ≤ 2. Se a1 − b1 = 2, então
p p P∞ a n P ∞ b
n P∞ a −b
n n
0= − = n=1 n − n
= n
q q 3 n=1 3 n=1 3
2 P∞ a −b
n n 2 P∞ |a − b |
n n
= + n
≥ − n
3 n=2 3 3 n=2 3
2 P∞ 2 2 1 1
≥ − = − = > 0,
3 n=2 3n 3 3 3
Mas
P∞ 2 1
n
=
n=2 3 3
e, consequentemente,
P∞ 2 P
∞ (a − b )
n n
n
= − n
,
n=2 3 n=2 3
2 − (an − bn ) = 0 ⇒ an − bn = 2
⇒ an = 2 + bn > bn
Corolário 7.8.1 Um número real x ∈ [0, 1] é irracional se, e somente se, sua repre-
sentação ternária é infinita e não-periódica.
P∞ a
n
n
é uma representação ternária infinita e periódica, existem n0 , k ∈ N tais que an =
n=1 3
an+k sempre que n ≥ n0 e consequentemente,
P∞ a
n
nP0 −1 a
n P∞ a
n0 +mk P∞ a
n0 +1+mk P∞ a
n0 +(k−1)+mk
n
= n
+ n +mk
+ n +1+mk
+ · · · + n0 +(k−1)+mk
n=1 3 n=1 3 m=0 3 m=0 3 m=0 3
0 0
nP0 −1 a P∞ an 0 P
∞ an0 +1 P∞ an0 +k−1
n
= n
+ n +mk
+ n +1+mk
+ · · · + n 0 +(k−1)+mk
n=1 3 m=0 3 m=0 3 m=0 3
0 0
P
∞ a
n
ou seja, n
∈ Q. Logo, x também não pode ter representação ternária infinita e
n=1 3
periódica, restando-lhe assim apenas a opção de possuir uma expansão ternária infinita e
não-periódica.
4
Exemplo 7.8.4 Consideremos a fração . Temos que
7
3 · 4 = 12 = 1 · 7 + 5
3 · 5 = 15 = 2 · 7 + 1
3·1=3=0·7+3
3·3=9=1·7+2
3·2=6=0·7+6
3 · 6 = 18 = 2 · 7 + 4
..
.
Assim,
1 1 2 0 1 0 2 1 2 0 1 0 2
= + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 + 7 + 8 + 9 + 10 + 11 + 12 + · · ·
7 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3
Teorema 7.8.9 Seja En , n = 1, 2, . . . o conjunto dos extremos dos intervalos que formam
Pn a
k Pn a
k 1
Cn . Se x ∈ (0, 1), então x ∈ En se, e somente se, x = k
ou x = k
+ n , com
k=0 3 k=0 3 3
a0 = 0 e ak ∈ {0, 2}, para todo k = 1, . . . , n. No primeiro caso x é um extremo inferior
e, no segundo, um extremo superior.
ak ∈ {0, 2}, como x 6= 0, devemos ter ak 6= 0, para algum k. Seja, então, m + 1 o maior
elemento de {1, . . . , n + 1} tal que am+1 = 2. Assim,
Pa
n+1
k Pa
m+1
k Pm a
k 2 P
m a
k 1 1
x= = = + = + −
k=0 3k k=0 3k k=0 3
k 3m+1 k=0 3k 3m 3m+1
Pm a
k 1
e, como k
+ m é um extremo superior de um intervalo componente de Cm , o Lema
k=0 3 3
Pm a
k 1 1
7.8.1 garante que x = k
+ m − m+1 é um extremo inferior de algum intervalo
k=0 3 3 3
componente de Cm+1 e, portanto, é extremos inferior de algum intervalo componente
P ak
n+1 1 P ak
n+1
de Cn+1 . Se x = k
+ , a k ∈ {0, 2}, como, pelo que acabamos de ver,
k=0 3 3n+1 k=0 3
k
é um extremo inferior em En+1 e, como todo intervalo componente de Cn+1 deve ter
1
comprimento n+1 , x deve ser o extremo superior do intervalo componente de Cn que tem
3
P ak
n+1
k
como seu extremo inferior. Reciprocamente, seja x ∈ En+1 . Como En é composto
k=0 3
por 2n subintervalos, temos 2n extremos inferiores e 2n extremos superiores. Do Lema
1
7.8.1 cada extremo inferior acrescido de n gera um extremos superior novo em En+1
3
1
enquanto que, subtraindo-se n de cada extremo superior, obtemos um extremo inferior
3
novo. Temos, portanto, 2n extremos inferiores e 2n extremos superiores novos em En+1 ,
totalizando 2n+1 extremos inferiores e 2n+1 extremos superiores em En+1 . Como Cn+1 é
formado por 2n+1 intervalos fechados disjuntos, temos que En+1 possui exatamente 2n+1
elementos. Logo, se x ∈ En+1 é um extremo inferior de algum intervalo componente de
Cn+1 , temos duas opções:
Pn a
k
• x ∈ En — Neste caso, a hipótese de indução garante que x é da forma x = k
,
k=0 3
com a0 = 0 e ak ∈ {0, 2}, para todo k = 1, . . . , n. Assim, fazendo-se an+1 = 0,
P ak
n+1
temos x = k
, com a0 = 0 e ak ∈ {0, 2}, para todo k = 1, . . . , n, n + 1.
k=0 3
Pa
n+1
k
isto é, x = k
, com a0 = 0 e ak ∈ {0, 2}, para todo k = 1, . . . , n, n + 1.
k=0 3
208 Exercı́cios
Pa
m−1
n 2
Se x = n
+ , não há o que fazer.
n=1 3 3m
Exercı́cios
1. Mostre que se A ⊂ R é aberto, então, dado a ∈ R, a + A = {a + x; x ∈ A} é aberto.
Se a 6= 0, então a · A = {ax; x ∈ A} também é aberto.
2. Mostre que se A e B são subconjuntos abertos de R, então
A + B = {a + b; a ∈ A e b ∈ B} e A · B = {a · b; a ∈ A e b ∈ B}
são abertos.
3. Seja A ⊂ R aberto. Seja {Aλ }λ∈L a coleção de todos os subconjuntos abertos de R
que estão contidos em A. Mostre que
S
int (A) = Aλ .
λ∈L
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 209
6. Mostre que todo conjunto fechado da reta pode ser visto como uma interseção
enumerável de intervalos fechados.
{a1 , b1 , a2 , b2 , . . . , an , bn , . . .} ( ∂A,
10. Mostre que, para quaisquer X, Y ⊂ R, tem-se int (X ∩ Y) = int (X) ∩ int (Y) e
int (X ∪ Y) ⊃ int (X) ∪ int (Y) e, neste último caso, dê um exemplo onde a inclusão
seja própria.
1 1
11. Sejam F = Z, G = αZ, α irracional, e H = 0, 1, , . . . , , . . . . Mostre que, apesar
2 n
de F, G e H serem fechados, os conjuntos F + G e F · H não o são.
(i) X é limitado.
(ii) Todo subconjunto infinito de X possui algum ponto de acumulação.
(iii) Toda sequência de pontos de X possui uma subsequência convergente.
29. (Teorema de Baire) Sejam {Fn }n∈N uma famı́lia de subconjuntos fechados de R e
∞
S
S= Fn . Se int (Fn ) = ∅ para todo n ∈ N, então int (S) = ∅.
n=1
30. Mostre que o conjunto R − Q dos irracionais não pode ser escrito como uma reunião
enumerável de conjuntos fechados e, consequentemente, o conjunto Q dos racionais
não pode ser escrito como uma interseção enumerável de abertos.
31. Se C ⊂ A ⊂ R, A é aberto e C é compacto, então existe ε > 0 tal que sempre que
x ∈ R e d (x, C) < ε, tem-se x ∈ A.
32. Seja K um subconjunto de números reais. Uma famı́lia A de subconjuntos de K tem
a propriedade da interseção finita se a interseção de qualquer subcoleção finita
de A é não-vazia. Mostre que K é compacto se, e somente se, cada famı́lia A de
subconjuntos fechados de K com a propriedade da interseção finita tem interseção
não-vazia.
Capı́tulo 7. Topologia da Reta 211
Limite
Assim, dizer que lim f (x) = L significa, em outras palavras, afirmar que os valores
x→a
f (x) e L ficam tão próximos quanto desejarmos bastando, para isso, tomarmos x 6= a em
X suficientemente próximo de a.
212
Capı́tulo 8. Limite 213
Demonstração: Seja (xn )∞ n=1 uma sequência de elementos de X que converge para a
tal que xn 6= a para todo n ∈ N. Assim, do Teorema 8.2.1, as sequências (f (xn ))∞
n=1 e
(g (xn ))∞
n=1 convergem para L e M, respectivamente e, consequentemente,
e, desde que M 6= 0,
f (xn ) L
lim = .
g (xn ) M
O Teorema 8.2.1 assegura o resultado.
Demonstração: Seja (xn )∞ n=1 uma sequência de elementos de X que converge pra a tal
que xn 6= a para todo n ∈ N. Então, (f (xn ))∞
n=1 é uma sequência limitada e, do Teorema
8.2.1, lim g (xn ) = 0. Do Teorema 5.3.1 segue então que lim f (xn ) g (xn ) = 0 e, portanto,
mais uma vez à luz do Teorema 8.2.1, o resultado segue.
[3] Anthony W. Knapp: Basic Real Analysis, 1a edição, Birkhäuser, Boston, 2005.
[9] E. L. Lima: Curso de Análise, Volume 1, 14a edição, IMPA, Rio de Janeiro, 2006.
[13] Leon W. Cohen e Gertrude Ehrlich: The Structure of the Real Number System,
Van Nostrand, Nova York, 1963.
[14] Mark Bridger: Real Analysis - A Constructive Approach, 1a edição, John Wiley
& Sons, Nova Jersey, 2007.
[15] Miklós Laczkovich e Vera T, Sós: Real Analysis - Foundations and Functions of
one Variable, 5a edição, Springer, Nova York, 2015.
215
216 Referências Bibliográficas
[16] Paul R. Halmos: Teoria Ingênua dos Conjuntos, traduzido por Lázaro Coutinho,
Editora Ciência Moderna, Rio de Janeiro, 2001.
[18] Richard Dedekind: Essays on the Theory of Numbers, Dover, Nova York, 1963.
[19] Robert G. Bartle: The Elements of Real Analysis, J. Wiley, Nova York, 1964.
[20] Stephen Hawking: God Created the Integers - The Mathematical Breaktrhoughs
that Change History, Running Press, Londres, 2007
[21] S. K. Berberian: A First Course in Real Analysis, 1a edição, Springer, Nova York,
2004.