Sei sulla pagina 1di 25

0

AURA
sobre a obra de Carlos Fuentes / Roteiro Coelho De Moraes
Personagens: Felipe Monteiro, Consuelo, Aura, pessoal da lanchonete

FELIPE MONTEIRO: escritor historiador acadêmico mas simples.


CONSULE: matriarca, esposa de general, com a pose estampada na cara.
AURA: Moça sem expressão, mas que de repente reina no ambiente
1

CENA 1
INT. DIA. LANCHONETE OU CAFÉ
Enquanto rolam os créditos. FELIPE MONTEIRO lê anúncio em jornal que
o deixa intrigado. Deixa, distraído, cair a cinza do cigarro na xícara de
chá. Toma do seu folder e deixa uma gorjeta e sai. Caminha para a
esquina. Espera o ônibus. Acende um cigarro. Olha para a ponta dos
sapatos. Sobe no ônibus. Paga e senta.

CENA 2
INT. DIA. LANCHONETE
FELIPE MONTEIRO entra na lanchonete. Pede café. Pega do jornal e relê
a mesma mensagem do dia anterior. Curioso. Marca a chamada do
jornal em vermelho, rabisca no bom salário e na palavra historiador
jovem.

CENA 3
EXT. CASA ANTIGA. DIA
FELIPE MONTEIRO anda pela rua / procura o número marcado da casa.
Lances de casas em residência do ‘tempo do café’ paulista. Tomada de
um desenho em metal na aldrava ou estatuária, detalhes de época,
como se a estátua olhasse para FELIPE MONTEIRO. Ninguém atende.
FELIPE MONTEIRO força o portão. Segue em frente. Sobe a sacada e a
porta está entreaberta. Procura. Pega os fósforos.

CENA 4
INT. CASA ÀS ESCURAS.
CONSUELO
Não... não é necessário. Peço-lhe.
Ande treze passos para frente
e encontrará a escada à sua direita.
Suba, por favor, são vinte e dois degraus. Conte-os.

FELIPE MONTEIRO segue sobre pedras e musgos.


Procura a maçaneta. Empurra e entra. Olha curioso na semiescuridão.
Vem uma luz de uma janelona.

FELIPE MONTEIRO
a chama baixo
Senhora... senhora.
2

CONSUELO
Agora à sua esquerda.
A primeira porta. Tenha a bondade.

FELIPE MONTEIRO empurra a porta. Salas com castiçais e velas acesas.


Vê corredores e quartos. Mão sobre a cama. Caminha para lá. Rodeia a
cama. Uma senhora muito velha - CONSUELO - estende a mão.
Um coelho salta de um lado para o outro. O coelho chama a atenção de
FELIPE MEONTEIRO.

FELIPE MONTEIRO
Felipe Monteiro. Meu nome é Felipe Monteiro.
Li seu anúncio nos jornais e...

CONSUELO
Sim, já sei. Perdão, não há cadeiras.

FELIPE MONTEIRO
Estou bem, assim, não se preocupe.

CONSUELO
Está bem. Por favor, ponha de perfil.
Não estou vendo bem.
Que a luz o ilumine. Assim. Claro.

FELIPE MONTEIRO
Li o seu anúncio.

CONSUELO
Claro. Sei que o leu.
Sente-se qualificado?
Avez vous fait des études?

FELIPE MONTEIRO
A Paris, madame.

CONSUELO
Ah, oui, ça me fait plaisir, toujours, toujours,
d’entendre... oui… vous savez…on était tellement
habitué… et après… Vou direto ao assunto.
Não me resta muitos anos pela frente,
senhor Monteiro e, por isso,
preferi violar o costume de toda uma vida
e colocar esse anúncio no jornal.
3

FELIPE MONTEIRO
Sim. Por isso estou aqui.

CONSUELO
Sim. Então... aceita?

FELIPE MONTEIRO
Bem. Desejaria saber mais alguma coisa.

CONSUELO
Naturalmente. O senhor é curioso.

FILIPE MONTEIRO observa tudo em volta, copos, cristais, remédios,


vidros, espelhos.

Ofereço-lhe 4 mil reais.

FELIPE MONTEIRO
Sim. É o que diz o anúncio de hoje.

CONSUELO
Ah! Então já saiu.

FELIPE MONTEIRO
Sim. Já saiu.

CONSUELO
Curioso, também...
ninguém desejou este trabalho.
Há meses que posto nos jornais.

Decidida, para FELIPE MONTEIRO.

Bem... trata-se dos papeis do meu marido...


o general Ramiro.
Devem ser organizados antes que eu morra.
Depois... devem ser publicados.
Eu decidi isso há pouco tempo.

FELIPE MONTEIRO
E o próprio general não se acha capacitado para...?
4

CONSUELO
O general já se foi há sessenta anos, senhor.
São suas memórias inacabadas.
Devem ser terminadas. Antes que eu morra.

FELIPE MONTEIRO
Mas...

CONSUELO
Eu o informarei a respeito de tudo.
O senhor aprenderá a redigir...
no estilo do meu esposo.
Para tal, bastará ler os papéis;
vai sentir-se fascinado por essa transparência,
essa...

FELIPE MONTEIRO
Sim, compreendo.

CONSUELO
Sagá. Sagá. Onde você está? Ici, Sagá...

FELIPE MONTEIRO
Quem?

CONSUELO
Minha companhia.

FELIPE MONTEIRO
O coelho?

CONSUELO
Sim. Ele voltará.

Olham-se.

Então o senhor ficará.


Seu quarto fica lá em cima.
Ali sim entra a luz.

FELIPE MONTEIRO
Talvez, senhora,
5

seria melhor que eu não a importunasse.


Eu poso continuar vivendo onde sempre vivi
E revisar os papéis em minha própria casa...

CONSUELO
Minhas condições são estas:
o senhor tem de morar aqui.
Não resta muito tempo. E, além do mais,
Os papéis não saem da daqui.

FELIPE MONTEIRO
Não sei...

CONSUELO
Chama em outra direção

Aura...

A mão feminina toca a mão de CONSUELO. É Aura. Leve jovem e pálida.


Consuelo sorri para Aura.

Eu lhe disse que regressaria...

FELIPE MONTEIRO
Quem?

CONSUELO
Aura. Minha companheira. Minha sobrinha.

AURA
Boa tarde!

AURA cumprimenta FELIPE MONTEIRO, AURA baixa a cabeça ao mesmo


tempo que CONSUELO

CONSUELO
É o senhor Monteiro. Vai morar conosco...
um tempo.

FELIPE MONTEIRO olha AURA que está de cabeça baixa ainda, que
lentamente ela levanta a cabeça. Ela tem olhos significativos e
intensos. Olhos nos olhos. FELIPE MONTEIRO está embevecido.

FELIPE MONTEIRO
6

Sim. Vou morar com as senhoras.

câmera se aproxima do sorriso de CONSUELO que troca olhares com


AURA que mantém sua expressão inabalável.

CENA 5
INT. CASA.
FELIPE MONTEIRO está seguindo AURA pelos corredores.
AURA de vestido leve como tafetá. Farfalhante e Pés descalços.
FELIPE MONTEIRO olha tudo que pode.
AURA abre uma porta. Afasta-se educadamente.

AURA
Aqui é o seu quarto.
Esperamos o senhor para jantar dentro de uma hora.

Ela se afasta no corredor enquanto FELIPE MONTEIRO observa. Segue-se


uma sucessão de cenas no quarto. Mostrando belezas e detalhes de
relevo. FELIPE MONTEIRO vai à janela. Embaça a janela e escreve o
nome AURA no embaço. Sorri. Intercalam-se cenas de AURA e seu corpo.
Olha para aquilo e se dá conta, apagando rapidamente. Soa uma batida
de relógio chamando atenção de FELIPE MONTEIRO. FELIPE MONTEIRO
olha espantado para seu próprio relógio. Põe o paletó, sai para o
corredor, tudo é escuro e topa com o coelho que foge. Em seguida ouve
gatos e mais gatos. De uma porta surge AURA com um candelabro.
FELIPE MONTEIRO sorri. Os gatos continuam a miar. FELIPE MONTEIRO
faz menção sobre eles.

AURA
Há muitos ratos nesta parte da cidade.

Atravessam salas / luz do candelabro. Relógios batem, bolas de cristal,


quadros, enfim uma casa bem kitch. Aura está vestida de verde.

Está bem acomodado?

FELIPE MONTEIRO
Sim, mas preciso pegar minhas coisas na casa onde...

AURA
Não é necessário. O criado já foi buscá-las.

FELIPE MONTEIRO
Não precisavam se dar ao trabalho de fazer isto.
7

Entram na sala de jantar. TicTac do relógio domina a sala. Os gatos vão


parando com seus miados. Há quatro lugares na sala gótica. Aos sinais
FELIPE MONTEIRO se senta. Olha as garrafas de vinho. AURA começa
servir. FELIPE MONTEIRO nota os outros talheres.

Perdão. Estamos esperando mais alguém?

AURA continua servindo.

AURA
Não. A senhora Consuelo sente-se fraca esta noite.
Não nos fará companhia.

AURA continua servindo, repetidamente igual.

Pede-lhe que vá vê-la depois do jantar.

Comem em silêncio. Bebem vinho. Barulho singular de talheres.


Varredura da câmera pela mesa, em torno deles. FELIPE MONTEIRO
hipnotizado por AURA, a observa em detalhes. Olhos, boca, orelha,
testa. AURA mantém os olhos baixos enquanto come, meio que
percebendo o olhar do outro. FELIPE MONTEIRO procura qualquer coisa
no bolso e puxa algumas chaves).

FELIPE MONTEIRO
Ah! Esqueci...
uma gaveta de minha mesa está fechada à chave.
Lá guardo meus documentos.

AURA para de comer mas, não olha para FELIPE MONTEIRO.

AURA
Então... o senhor quer sair?

FELIPE MONTEIRO a olha como se tivesse tomado uma bronca. Sorri.


Estica o braço para ela com a chave pendurada no dedo.

FELIPE MONTEIRO
Não é bem... querer sair... é preciso... é urgente.

AURA se resguarda, olha para o prato e de repente olha para ele.


FELIPE MONTEIRO se apaixona mais. Se levanta. Fica meio tonto,
olhando para AURA. Se põe atrás da cadeira gótica onde AURA se senta.
Vai tocá-la mas toca o espaldar da cadeira. Ela mantém baixa a cabeça.

Acho que o vinho está me deixando meio tonto.


8

FELIPE MONTEIRO se aproxima de AURA , toma sua mão e deposita as


chaves. Ela fecha o punho e olha FELIPE MONTEIRO.

AURA
Obrigada...

AURA sai rapidamente da sala de jantar. FELIPE MONTEIRO toma o lugar


de AURA e acende um cigarro. Pensa em AURA; repete-se a cena de que
AURA diz que CONSUELO o espera após o jantar. FELIPE MONTEIRO toma
do candelabro e sai para o corredor. Chega na porta de CONSUELO.
Bate. Ninguém responde. FELIPE MONTEIRO empurra a porta e entra
cautelosamente.

FELIPE MONTEIRO
Senhora... senhora...

CONSUELO está ajoelhada rezando em um oratório. De repente ela


levanta os punhos como se lutasse em uma batalha imaginária. Há
imagens de demônios sorridentes enfiando tridentes em coitados no tal
oratório e anjos e arcanjos e sants.

CONSUELO
Venha, cidade de Deus; soe, trombeta de Gabriel.
Ai, como o mundo está custando para morrer!

ela bate no peito, se dobra perante as velas e estátuas. FELIPE


MONTEIRO a toma e a levanta para a cama, tranquilamente. Ela tosse.
FELIPE MONTEIRO a deita e a cobre. A respiração de CONSUELO volta ao
normal.

Perdão... Perdão, senhor Monteiro...


Para as velhas resta apenas o prazer da devoção...
Passe-me o lenço, por favor.

FELIPE MONTEIRO
A senhorita Aura me disse...

CONSUELO
Sim, é isto mesmo.
Não quero que percamos tempo... deve...
deve começar a trabalhar o quanto antes...

FELIPE MONTEIRO
Trate de descansar, senhora.
9

CONSUELO
Obrigada... Tome...
tira de si um colar de fita roxa puída com uma chave de cobre.

Naquele canto...
Abra esse baú e traga os papéis que estão à direita,
acima dos outros...
amarrados com um cordão amarelo...

FELIPE MONTEIRO
Não estou vendo muito bem...

CONSUELO (voz off)


FELIPE MONTEIRO faz o que relata

Ah! Sim... É que estou acostumada às trevas.

tem um frêmito e se vira rapidamente por pouco tempo / só a vemos


pelas costas. Agora voz on.

Caminhe e tropeçará na arca...


É que nos cercaram de paredes...
para nos forçarem a vender a casa.
Nem mortas venderíamos...
Há muita recordação para nós.

FELIPE MONTEIRO retira os papéis e leva para CONSUELO que está de


costas com o rosto enfiado no travesseiro. CONSUELO tosse de vez em
quando.
Só morta me arrancarão daqui... É isso. Obrigada.
O senhor pode começar a ler esta parte.
Logo lhe entregarei as demais...
Boa noite, senhor Monteiro. Obrigada.
Olhe, seu candelabro se apagou.
Acenda-lo lá fora, por favor.
Não, não, fique com a chave.
Nos estregou suas chaves... fique com a nossa.
Aceite-a. Confio no senhor.

FELIPE MONTEIRO
Senhora... há um ninho de ratos naquele canto.

CONSUELO
Ratos? O fato é que nunca vou lá...
10

FELIPE MONTEIRO
A senhora devia trazer os gatos para cá.

CONSUELO
Gatos? Que gatos?

FELIPE MONTEIRO esboça falar, mas, para.

Boa noite, senhor...


Vou dormir. Estou fatigada.

FELIPE MONTEIRO
à porta.
Boa noite.

vemos a porta se fechar. Ponto de vista de CONSUELO. Ela se ergue,


repentina, na cama. A vemos pelas costas.

CENA 6
FELIPE MONTEIRO lê e estuda os manuscritos. Toma notas. Toma café.
Folheia. Olha as janelas cortinadas.

CENA 7
A luz da janela acorda FELIPE MONTEIRO. Tenta dormir mais pondo o
travesseiro no rosto. Desiste. Vai para o banheiro. Tudo está por lá bem
arranjado. Repentinamente um terrível miado, altíssimo. Somam-se
outros. FELIPE MONTEIRO vai para o corredor tentar encontrar a origem
daquilo, volta, abre as janelas e tem a visão de gatos variados pegando
fogo e miando horrorosamente. FELIPE MONTEIRO cai de volta em sua
cama. O miado se extingue. FELIPE MONTEIRO se veste e houve um sino
bater no corredor. Sai rapidamente e vê AURA no fim do corredor com o
sino na mão. Ela se volta.

AURA
O café da manhã está pronto.

AURA sai para o outro corredor. FELIPE MONTEIRO a segue, mas, o


corredor está vazio. Um barulho às costas. O quarto de CONSUELO.
FELIPE MONTEIRO vê a mão que coloca o sino e penetra no quarto.
FELIPE MONTEIRO continua até a sala de refeições. Tudo está servido.
Somente um talher. Toma um suco, rapidamente e pensativo e vai ao
quarto de CONSUELO. Entra bruscamente, sem bater.
11

CONSUELO
Sorridente, ao toucador.
Bom dia, senhor Monteiro. Dormiu bem?

FELIPE MONTEIRO
Sim. Li até tarde.

CONSUELO
agitando a mão como se para ele se afastar

Não, não, não. Não dê opinião!


Trabalhará com esse papeis e quando terminar
lhes darei os outros.

FELIPE MONTEIRO
Está bem, senhora.

como se lembrasse

Eu poderia visitar o jardim?

CONSUELO
Qual jardim, senhor Monteiro?

FELIPE MONTEIRO
Um que existe atrás do meu quarto.

CONSUELO
Nesta casa não há jardim.
Perdemos o jardim...
quando construíram ao redor da casa.
Talvez seja o da propriedade alheia.

FELIPE MONTEIRO
engolindo em seco

Pensei que pudesse trabalhar melhor ao ar livre.

CONSUELO
Nesta casa há somente este pátio de entrada.
Ali minha sobrinha cultiva algumas plantas.
Mas, isso é tudo.

FELIPE MONTEIRO
Está bem, senhora.
12

CONSUELO
Desejo descansar todo o dia.
Passe para me ver esta noite.

FELIPE MONTEIRO
Está bem, senhora.

Sai. bate a porta atrás de si, fica na penumbra do corredor, pensando.

CENA 8
FELIPE MONTEIRO estuda seus papeis. Anota.
Cena similar à anterior. Enquanto fuma em seu quarto

FELIPE MONTEIRO (Voz Off)


Quem sabe se eu não prolongo essa mamata
e dá para ganhar aí uns doze mil.
Garanto o ano e o trabalho que me interessa.

o sino bate. FELIPE MONTEIRO olha o relógio, se compõe no corredor.


Na sala de jantar AURA está sentada, CONSUELO também. Há o quarto
talher à mesa. Cumprimentam-se e começam o jantar. Enquanto
CONSUELO fala com AURA, FELIPE MONTEIRO olha para CONSUELO e
pensa

Se o general tinha 42 anos por ocasião do golpe


e morreu em 2004, teria morrido com 82 anos.
Mas, em nenhum momento ele a cita no seu livro.
Por que?
Teria se casado com a senhora Consuelo no exílio...?
mas ela seria uma menina, então. Uns 20 anos...
A data é do começo do século passado.
Impossível.

A câmara varre de CONSUELO para AURA; esta come mecanicamente.


Deve-se mostrar, sutilmente, que o movimento de uma é o mesmo da
outra, com breve atraso de tempo, de intermédio, cenas de movimento
de cabeça de FELIPE MONTEIRO, que começa a comer. Elas param e o
observam. FELIPE MONTEIRO olha para as duas e se fixa na senhora que
fala olhando fixamente para ele.

CONSUELO
Fiquei muito cansada.
Venha, Aura,
acompanhe-me até o quarto.
13

FELIPE MONTEIRO como num sonho, enquanto se levanta cavalheiresco,


olha para AURA que está imóvel e olha para um ponto fixo, dizendo
palavras que não se ouvem. FELIPE MONTEIRO toma do braço de
CONSUELO e a leva para o corredor e para o quarto. CONSUELO se deita
e parece dormir de olhos abertos. FELIPE MONTEIRO bebe um treco
qualquer que está por ali. Vinho? FELIPE MONTEIRO observa CONSUELO e
se lembra de AURA que fala sozinha na sala. FELIPE MONTEIRO sai. No
corredor olha para a porta que deve ser a de AURA, ao lado da do
quarto de CONSUELO. FELIPE MONTEIRO empurra a porta e entra. Olha
para a porta que deve dar para o quarto de CONSUELO. FELIPE
MONTEIRO caminha devagar e põe a mão sobre a porta. Tenta
empurrar, a porta não cede. FELIPE MONTEIRO desiste.

CENA 9
INT. QUARTO DE FELIPE MONTEIRO. PENUMBRA
Funde-se a imagem de FELIPE MONTEIRO dormindo. Um sino bate várias
vezes e vê-se que mãos descarnadas carregam o sino.

VOZ OFF
Afastem-se! Afastem-se todos!

As mãos migram para o quarto de FELIPE MONTEIRO; as mãos o


acariciam; FELIPE MONTEIRO tenta fugir e acaba pondo a mão sobre
outro corpo, jovem, que segura suas chaves. Frases incompreensíveis. O
corpo de FELIPE MONTEIRO é percorrido por beijos.

Você é meu esposo!


Eu espero você esta noite em meu quarto!

Quando o corpo jovem se afasta e vai para a porta. FELIPE MONTEIRO


relaxa e dorme. Ouvimos batidas nas portas...

CENA 10
SEQUENCIA DIRETA
Batidas nas portas. FELIPE MONTEIRO acorda pesadamente. Batem na
porta. Há uma certa insistência.

AURA
Não precisa abrir! A senhora Consuelo o espera...
o quer ver em seu quarto.

FELIPE MONTEIRO bate na cabeça e ri


14

FELIPE MONTEIRO
Sonhos... sonhos...
A casa tem uns vinhos muito poderosos.

FELIPE MONTEIRO levanta-se e veste-se rapidamente. Vai para o


corredor. Entra no quarto de CONSUELO; deitada e bem agasalhada,
Olhos fechado.

CONSUELO
O senhor está trazendo a chave?

FELIPE MONTEIRO
Sim... Creio que sim.

remexe no bolso

Sim, está aqui.

CONSUELO
Pode ler a segunda pasta.
No mesmo lugar, com a cinta azul.

FELIPE MONTEIRO pega os papéis, procurando na arca. Ao se virar vê


que CONSUELO está com seu coelho)

Não gosta dos animais, não é?

FELIPE MONTEIRO
Não. Não particularmente.
Talvez porque nunca eu tenha tido algum.

CONSUELO
São bons amigos. Bons companheiros.
Sobretudo quando chega a velhice e a solidão.

FELIPE MONTEIRO
Sim. É mesmo.

CONSUELO
São seres naturais, senhor Monteiro.
Seres sem tentações.

FELIPE MONTEIRO
Como disse que se chamava?

CONSUELO
15

A coelha? Sagá. Sábia. Segue seus instintos.


É natural e livre.

FELIPE MONTEIRO
Pensei que fosse um coelho.

CONSUELO
Ah... o senhor ainda não sabe distinguir.

FELIPE MONTEIRO
Bem... o importante é que a senhora não se sinta só.

CONSUELO
Querem que estejamos sós, senhor Monteiro,
porque dizem que a solidão é necessária
para se alcançar a santidade.
Esqueceram-se de que na solidão
a tentação é maior.

FELIPE MONTEIRO
Não a estou entendendo, senhora.

CONSUELO
Ah, é melhor, é melhor assim.
Pode continuar seu trabalho.

FELIPE MONTEIRO sai e no corredor.

FELIPE MONTEIRO voz off


Por que falta coragem para dizer que amo Aura?
Será muito cedo? Eu a conheci outro dia.
Se não é amor, pelo menos, paixão é, com certeza.
Por que falta coragem para dizer para a velha
que ao terminar o trabalho eu levo Aura comigo?

FELIPE MONTEIRO decide e volta, abre hesitante a porta, mas pela


fresta se interrompe e vê CONSUELO em pé, vestida de general, com
condecorações e tudo mais, ela beija a roupa, dança com ela, rodopia
feliz, e FELIPE MONTEIRO fecha a porta. Sobre essa porta se fechando o
texto em off termina sincronicamente.

CENA 11
Int. CENAS DO QUARTO.

FELIPE MONTEIRO
16

lendo os papeis

Sim... tinha quinze anos quando a conheci.

FELIPE MONTEIRO fecha o livro e revê a capa para reabri-lo solene.

Bela Consuelo. Belos olhos castanhos.

CORTE
um general muito mais velho andando, uma garota lá frente fazendo
qualquer coisa. Ao se aproximar o general vê que a garota está
torturando um gato. O general ri e se excita... Funde para o general
fazendo sexo com a garota vigorosamente lá no quarto deles..
CORTE

FELIPE MONTEIRO
lendo e suspirando...fecha a pasta
Quando ele morreu ela tinha 80. Nesse caso...

FELIPE MONTEIRO olha para o lado, pensativo

a senhora Consuelo terá... 109 anos.

FELIPE MONTEIRO derruba os papeis e sai, abrupto, vai para a cozinha,


vê AURA que degola um cabrito, espirra sangue para todo lado e ela
está com o olhar fixo em um ponto qualquer, desarrumada. FELIPE
MONTEIRO corre para o quarto de CONSUELO, abre a porta com
violência e vê a mulher fazendo os movimentos similares aos de AURA
que corta o cabrito. As cenas se alternam. A ideia é que retiram a pele
do cabrito. Os movimentos de AURA estão sempre atrasados em relação
aos de CONSUELO. Quando FELIPE MONTEIRO olha para AURA é como se
ela não percebesse sua existência. FELIPE MONTEIRO corre para seu
quarto, ofegante, se tranca lá como que perseguido, põe uma poltrona
para ninguém entrar; empurra também a cama e deita-se, sem forças.

Ela está louca! Está louca.

CENA 12
DEEVANEIOS DE FELIPE MONTEIRO
Imagens de CONSUELO e de AURA sobre o torpor de FELIPE MONTEIRO,
que adormece e sonha mais. Vê CONSUELO se aproximando de gatinhas.
CONSUELO coloca o rosto contra o rosto dele e sorri. Um sorriso de
gengivas com sangue. FELIPE MONTEIRO grita. CONSUELO grita. AURA
grita. CONSUELO retira da boca um punhado de dentes e oferece a ele.
FELIPE MONTEIRO está desorientado. CONSUELO joga os dentes sobre
17

ele. AURA rasga seu vestido verde pelo meio. FELIPE MONTEIRO observa
horrorizado. AURA se aproxima mostrando o vestido verde rasgado.
Sobre os seus dentes estão os dentes da velha, superpostos. A câmara
desliza sobre o corpo de AURA até as pernas. Corte para FELIPE
MONTEIRO olhando. As pernas se quebram e rolam pelo chão. Fusões de
batidas na porta, sinos, tiquetaque e mostrador de relógio. Corte para a
sala com um talher. Tem uma boneca ao lado do prato. AURA-boneca
solta uma farinha por uma costura mal feita. FELIPE MONTEIRO come
olhando a boneca. A boneca cai. FELIPE MONTEIRO se levanta e vai para
o corredor e jardim. FELIPE MONTEIRO no corredor. Entra no quarto de
AURA; ela o recebe. Beijam-se. Está mais velha. Beijam-se. Abraços.

AURA
Sente-se na cama, Felipe.

FELIPE MONTEIRO
Sim.

AURA
Vamos brincar. Não faça nada. Deixe-me fazer tudo.

AURA se ajoelha diante de FELIPE MONTEIRO

O céu não é alto nem baixo.


Está em cima e debaixo de nós ao mesmo tempo.

AURA o toma e baila enquanto ela canta uma valsa. Ela retira a camisa
de FELIPE MONTEIRO. Ele vai fazendo o mesmo. Ela retira de trás a
boneca e acaricia a boneca. Quebra a boneca sobre suas coxas. A
farinha se espalha. Aura se deita e se abre para receber FELIPE
MONTEIRO que se deita sobre ela
.
Você me quererá para sempre?

FELIPE MONTEIRO
Sempre, Aura, eu amarei sempre você.

AURA
Sempre? Você me jura?

FELIPE MONTEIRO
Eu juro.

AURA
Ainda que perca minha beleza?
Ainda que fique de cabelos brancos?
18

Ainda que eu envelheça como ela, Consuelo?

FELIPE MONTEIRO
Sempre, meu amor, sempre.

AURA
Ainda que eu morra, Felipe?
Você me amará sempre, ainda que eu morra?

FELIPE MONTEIRO
Sempre, sempre, eu juro.
Nada pode me separar de você.

AURA
Venha Felipe, venha...

Volúpia total / Sexo total / depois FELIPE MONTEIRO está acordando


num silêncio e procura por AURA, na cama. Vê que Aura está de pé na
frente da cama, sorrindo, sem olhá-lo. Aura caminha e se senta no chão
ao lado da cadeira de balanço que aos poucos vai se definindo, da
mesma forma que a senhora CONSUELO que balança e sorri para FELIPE
MONTEIRO. Elas falam mas não se ouve. Sorriem para FELIPE MONTEIRO.
Então as duas, ao mesmo tempo se levantam e vão para o quarto da
velha, juntas, um quarto iluminado por velas.

CENA 13
INT. QUARTO. MANHÃ
FELIPE MONTEIRO acorda triste em seu quarto. Dor de cabeça. Perdido.
Cortes rápidos para as abluções matinais. O sino no corredor. Ao abrir a
porta vê uma pessoa caminhando com roupa verde e um véu a cobrir
seu rosto.

AURA
O café está pronto.

FELIPE MONTEIRO
Aura, chega de enganos.
Chega dessas brincadeiras.

AURA
Enganos?

FELIPE MONTEIRO
Diga-me se a senhora Consuelo a impede de sair,
de ter sua própria vida;
19

você é algum tipo de prisioneira?


por que há de estar presente quando eu e você...?
Diga-me que você irá comigo quando tudo isso...

AURA
Irmos nós dois? Para onde?

FELIPE MONTEIRO
Lá para fora, para o mundo.
Para vivermos juntos.
Não pode ficar para sempre acorrentada à sua tia...
Por que essa dedicação?
Você gosta dela tanto assim?

AURA
Gostar dela... ?

FELIPE MONTEIRO
Sim; porque se sacrifica assim?

AURA
Eu gostar dela? Ela é que me quer.
Ela se sacrifica por mim.

FELIPE MONTEIRO
Mas é uma mulher velha, quase um cadáver...
você não pode...

AURA
Ela tem mais vida do que eu.
Sim, é velha, é repulsiva...
Felipe, não quero voltar...
Não quero ser como ela...outra...

FELIPE MONTEIRO
Você se enterra em vida...
você tem que renascer, Aura.

AURA
Tem-se que morrer antes de renascer...
Não. Você não entende. Esqueça, Felipe.
Tenha confiança em mim.
Tenha confiança.
Ela vai sair hoje durante todo dia...

FELIPE MONTEIRO
20

Ela?
Vai sair?

AURA
Sim, a outra.

FELIPE MONTEIRO
Vai sair? Mas, se nunca...

AURA
Sim, às vezes sai. Faz um grande esforço e sai.
Hoje vai sair. Durante todo dia...
Você e eu podemos...

FELIPE MONTEIRO
Vamos embora...

AURA
Se você quiser...

FELIPE MONTEIRO
Não, talvez ainda não.
Estou contratado para um trabalho...
Quando terminar o trabalho, então sim...
Aí terei algum dinheiro para nós...
até arranjar outra coisa.

AURA
Ah, sim. Ela vai sair durante todo o dia.
Podemos fazer alguma coisa...

FELIPE MONTEIRO
O quê?

AURA
Espero-o esta noite no quarto de minha tia.
Espero-o como sempre.

AURA se afasta ao tocar do sino. Quando FELIPE MONTEIRO entra na sala


a velha está sentada vestida de noiva, mas uma roupa muito velha, com
seu cajado na mão e tomando um café. CONSUELO o olha enfadada.

CONSUELO
Hoje, não estarei em casa, senhor.
21

FELIPE MONTEIRO sinaliza com a cabeça mas procura por AURA lá na


cozinha, onde há umas sombras. CONSUELO olha também e esboça um
sorriso de volta.

Confio em seu trabalho, senhor Monteiro.


As memórias de meu esposo devem ser publicadas.

CONSUELO bebe uma última xícara e sai, tossindo e fungando. FELIPE


MONTEIRO espera, com a chave da arca na mão. O tempo passará em
tiquetaque. Sombras na cozinha. Relógio, Folhas que voam. A janela
bate com o vento. Os cristais tremem. FELIPE MONTEIRO vai para o
quarto da mulher. A coelha está sobre a cama roendo uma cenoura.
Abre a arca, tira a pasta que derrama algumas fotos no chão. FELIPE
MONTEIRO pega tudo. No quarto, sob a vela começa a ler e
alterna de carta para carta.

FELIPE MONTEIRO
Sei por que você chora às vezes, Consuelo.
Não lhe pude dar filhos... você...
uma mulher que irradia vida... sem filhos...

toma outra carta


... Consuelo, não tente a Deus.

sino do corredor. AURA anda pelo corredor entre penumbras. Sorrateira.

Devemos nos conformar.


Não lhe basta o meu carinho?
O meu amor não lhe basta?
Eu sei que você me ama;
eu o sinto...
o meu amor compensará qualquer imaginação.

outra carta

Avisei a Consuelo que essas beberagens...


não servem para nada.

AURA no jardim corta algumas ervas

Consuelo insiste em cultivar suas próprias plantas...


no jardim.
As ervas só fertilizarão a alma...

outra carta
22

... Encontrei-a no quarto... delirando ela gritava...

CORTE
A garota do general, sob o sexo do general, enquanto goza, grita

GAROTA
Eu conseguiu! Eu a encarnei! Posso convocá-la!
CORTE

outra carta

... Ela agora anda descalça pela casa,


pelos corredores.

A garota, seminua, no corredor. Imagem em penumbra, indefinível

Ela diz para não ser detida...


está atrás de sua juventude.
Sua juventude estava no jardim...
Tinha acabado de chegar...

FELIPE MONTEIRO deita as cartas pensativo. Começa a olhar as fotos.


Então cai em si ao ver uma foto com data de 1876, no verso; é AURA...

FELIPE MONTEIRO
Com amor, Consuelo!

outra foto

Em homenagem ao décimo ano de casamento.

outra foto

Quando estivemos em Buenos Aires, no hotel Colón.

outra foto e o assombro. A foto toma conta da tela. Vê-se claramente


Aura e, quando FELIPE MONTEIRO retira o dedo da foto, o general surge,
e é ele, Felipe Monteiro. Desesperadamente FELIPE MONTEIRO vai ao
quarto de Consuelo e Aura está deitada com sua roupa verde, de costas.

Aura! Aura!

eles se olham.

AURA
Não... não me toque... Sente-se na cama.
23

Deite-se a meu lado...

FELIPE MONTEIRO se senta na cama.

FELIPE MONTEIRO
Ela pode regressar a qualquer momento.

AURA
Ela já não mais regressará.

FELIPE MONTEIRO
Nunca?

AURA
Estou esgotada. Ela já se esgotou.
Nunca pude mantê-la ao meu lado...
por mais de três dias.

FELIPE MONTEIRO
Aura...

FELIPE MONTEIRO tenta tocar os seios de AURA.

AURA
Não... não me toque...

FELIPE MONTEIRO
Aura... eu amo você.

AURA
Sim... você me ama.
Me amará sempre... você disse ontem.

FELIPE MONTEIRO
Sempre a amarei.
Não posso viver sem seus beijos, sem seu corpo...

AURA
Beije-me o rosto... somente o rosto.

FELIPE MONTEIRO
Não... quero você inteira para mim...

FELIPE MONTEIRO se envolve, beija o rosto. Tudo é lento. Ele começa a


tirar a roupa de AURA; Se beijam, se amam, o envolvimento é total.
24

AURA
durante a cena de amor

Ela voltará, Felipe, nós a traremos juntos.


Você me ajudará...
Deixe que eu recupere as forças e a farei voltar...
Você me amará quando eu envelhecer?
Você me amará mesmo que eu esteja morta?
Mesmo que a sociedade não aceite esta relação?

FELIPE MONTEIRO concorda com tudo e jura tudo.

CENA 14
MANHÃ.
Coelhos pelo jardim. Pássaros. Sol.
FELIPE MONTEIRO deitado / acorda, dá um sorriso e passa a mexer nos
cabelos de AURA. Carinhosamente. A câmara faz uma varredura e vamos
notar que a mão de FELIPE MONTEIRO faz carinho num cadáver bem
decomposto, a farda do general jogada sobre a cama.

Potrebbero piacerti anche