Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
AURA
sobre a obra de Carlos Fuentes / Roteiro Coelho De Moraes
Personagens: Felipe Monteiro, Consuelo, Aura, pessoal da lanchonete
CENA 1
INT. DIA. LANCHONETE OU CAFÉ
Enquanto rolam os créditos. FELIPE MONTEIRO lê anúncio em jornal que
o deixa intrigado. Deixa, distraído, cair a cinza do cigarro na xícara de
chá. Toma do seu folder e deixa uma gorjeta e sai. Caminha para a
esquina. Espera o ônibus. Acende um cigarro. Olha para a ponta dos
sapatos. Sobe no ônibus. Paga e senta.
CENA 2
INT. DIA. LANCHONETE
FELIPE MONTEIRO entra na lanchonete. Pede café. Pega do jornal e relê
a mesma mensagem do dia anterior. Curioso. Marca a chamada do
jornal em vermelho, rabisca no bom salário e na palavra historiador
jovem.
CENA 3
EXT. CASA ANTIGA. DIA
FELIPE MONTEIRO anda pela rua / procura o número marcado da casa.
Lances de casas em residência do ‘tempo do café’ paulista. Tomada de
um desenho em metal na aldrava ou estatuária, detalhes de época,
como se a estátua olhasse para FELIPE MONTEIRO. Ninguém atende.
FELIPE MONTEIRO força o portão. Segue em frente. Sobe a sacada e a
porta está entreaberta. Procura. Pega os fósforos.
CENA 4
INT. CASA ÀS ESCURAS.
CONSUELO
Não... não é necessário. Peço-lhe.
Ande treze passos para frente
e encontrará a escada à sua direita.
Suba, por favor, são vinte e dois degraus. Conte-os.
FELIPE MONTEIRO
a chama baixo
Senhora... senhora.
2
CONSUELO
Agora à sua esquerda.
A primeira porta. Tenha a bondade.
FELIPE MONTEIRO
Felipe Monteiro. Meu nome é Felipe Monteiro.
Li seu anúncio nos jornais e...
CONSUELO
Sim, já sei. Perdão, não há cadeiras.
FELIPE MONTEIRO
Estou bem, assim, não se preocupe.
CONSUELO
Está bem. Por favor, ponha de perfil.
Não estou vendo bem.
Que a luz o ilumine. Assim. Claro.
FELIPE MONTEIRO
Li o seu anúncio.
CONSUELO
Claro. Sei que o leu.
Sente-se qualificado?
Avez vous fait des études?
FELIPE MONTEIRO
A Paris, madame.
CONSUELO
Ah, oui, ça me fait plaisir, toujours, toujours,
d’entendre... oui… vous savez…on était tellement
habitué… et après… Vou direto ao assunto.
Não me resta muitos anos pela frente,
senhor Monteiro e, por isso,
preferi violar o costume de toda uma vida
e colocar esse anúncio no jornal.
3
FELIPE MONTEIRO
Sim. Por isso estou aqui.
CONSUELO
Sim. Então... aceita?
FELIPE MONTEIRO
Bem. Desejaria saber mais alguma coisa.
CONSUELO
Naturalmente. O senhor é curioso.
FELIPE MONTEIRO
Sim. É o que diz o anúncio de hoje.
CONSUELO
Ah! Então já saiu.
FELIPE MONTEIRO
Sim. Já saiu.
CONSUELO
Curioso, também...
ninguém desejou este trabalho.
Há meses que posto nos jornais.
FELIPE MONTEIRO
E o próprio general não se acha capacitado para...?
4
CONSUELO
O general já se foi há sessenta anos, senhor.
São suas memórias inacabadas.
Devem ser terminadas. Antes que eu morra.
FELIPE MONTEIRO
Mas...
CONSUELO
Eu o informarei a respeito de tudo.
O senhor aprenderá a redigir...
no estilo do meu esposo.
Para tal, bastará ler os papéis;
vai sentir-se fascinado por essa transparência,
essa...
FELIPE MONTEIRO
Sim, compreendo.
CONSUELO
Sagá. Sagá. Onde você está? Ici, Sagá...
FELIPE MONTEIRO
Quem?
CONSUELO
Minha companhia.
FELIPE MONTEIRO
O coelho?
CONSUELO
Sim. Ele voltará.
Olham-se.
FELIPE MONTEIRO
Talvez, senhora,
5
CONSUELO
Minhas condições são estas:
o senhor tem de morar aqui.
Não resta muito tempo. E, além do mais,
Os papéis não saem da daqui.
FELIPE MONTEIRO
Não sei...
CONSUELO
Chama em outra direção
Aura...
FELIPE MONTEIRO
Quem?
CONSUELO
Aura. Minha companheira. Minha sobrinha.
AURA
Boa tarde!
CONSUELO
É o senhor Monteiro. Vai morar conosco...
um tempo.
FELIPE MONTEIRO olha AURA que está de cabeça baixa ainda, que
lentamente ela levanta a cabeça. Ela tem olhos significativos e
intensos. Olhos nos olhos. FELIPE MONTEIRO está embevecido.
FELIPE MONTEIRO
6
CENA 5
INT. CASA.
FELIPE MONTEIRO está seguindo AURA pelos corredores.
AURA de vestido leve como tafetá. Farfalhante e Pés descalços.
FELIPE MONTEIRO olha tudo que pode.
AURA abre uma porta. Afasta-se educadamente.
AURA
Aqui é o seu quarto.
Esperamos o senhor para jantar dentro de uma hora.
AURA
Há muitos ratos nesta parte da cidade.
FELIPE MONTEIRO
Sim, mas preciso pegar minhas coisas na casa onde...
AURA
Não é necessário. O criado já foi buscá-las.
FELIPE MONTEIRO
Não precisavam se dar ao trabalho de fazer isto.
7
AURA
Não. A senhora Consuelo sente-se fraca esta noite.
Não nos fará companhia.
FELIPE MONTEIRO
Ah! Esqueci...
uma gaveta de minha mesa está fechada à chave.
Lá guardo meus documentos.
AURA
Então... o senhor quer sair?
FELIPE MONTEIRO
Não é bem... querer sair... é preciso... é urgente.
AURA
Obrigada...
FELIPE MONTEIRO
Senhora... senhora...
CONSUELO
Venha, cidade de Deus; soe, trombeta de Gabriel.
Ai, como o mundo está custando para morrer!
FELIPE MONTEIRO
A senhorita Aura me disse...
CONSUELO
Sim, é isto mesmo.
Não quero que percamos tempo... deve...
deve começar a trabalhar o quanto antes...
FELIPE MONTEIRO
Trate de descansar, senhora.
9
CONSUELO
Obrigada... Tome...
tira de si um colar de fita roxa puída com uma chave de cobre.
Naquele canto...
Abra esse baú e traga os papéis que estão à direita,
acima dos outros...
amarrados com um cordão amarelo...
FELIPE MONTEIRO
Não estou vendo muito bem...
FELIPE MONTEIRO
Senhora... há um ninho de ratos naquele canto.
CONSUELO
Ratos? O fato é que nunca vou lá...
10
FELIPE MONTEIRO
A senhora devia trazer os gatos para cá.
CONSUELO
Gatos? Que gatos?
FELIPE MONTEIRO
à porta.
Boa noite.
CENA 6
FELIPE MONTEIRO lê e estuda os manuscritos. Toma notas. Toma café.
Folheia. Olha as janelas cortinadas.
CENA 7
A luz da janela acorda FELIPE MONTEIRO. Tenta dormir mais pondo o
travesseiro no rosto. Desiste. Vai para o banheiro. Tudo está por lá bem
arranjado. Repentinamente um terrível miado, altíssimo. Somam-se
outros. FELIPE MONTEIRO vai para o corredor tentar encontrar a origem
daquilo, volta, abre as janelas e tem a visão de gatos variados pegando
fogo e miando horrorosamente. FELIPE MONTEIRO cai de volta em sua
cama. O miado se extingue. FELIPE MONTEIRO se veste e houve um sino
bater no corredor. Sai rapidamente e vê AURA no fim do corredor com o
sino na mão. Ela se volta.
AURA
O café da manhã está pronto.
CONSUELO
Sorridente, ao toucador.
Bom dia, senhor Monteiro. Dormiu bem?
FELIPE MONTEIRO
Sim. Li até tarde.
CONSUELO
agitando a mão como se para ele se afastar
FELIPE MONTEIRO
Está bem, senhora.
como se lembrasse
CONSUELO
Qual jardim, senhor Monteiro?
FELIPE MONTEIRO
Um que existe atrás do meu quarto.
CONSUELO
Nesta casa não há jardim.
Perdemos o jardim...
quando construíram ao redor da casa.
Talvez seja o da propriedade alheia.
FELIPE MONTEIRO
engolindo em seco
CONSUELO
Nesta casa há somente este pátio de entrada.
Ali minha sobrinha cultiva algumas plantas.
Mas, isso é tudo.
FELIPE MONTEIRO
Está bem, senhora.
12
CONSUELO
Desejo descansar todo o dia.
Passe para me ver esta noite.
FELIPE MONTEIRO
Está bem, senhora.
CENA 8
FELIPE MONTEIRO estuda seus papeis. Anota.
Cena similar à anterior. Enquanto fuma em seu quarto
CONSUELO
Fiquei muito cansada.
Venha, Aura,
acompanhe-me até o quarto.
13
CENA 9
INT. QUARTO DE FELIPE MONTEIRO. PENUMBRA
Funde-se a imagem de FELIPE MONTEIRO dormindo. Um sino bate várias
vezes e vê-se que mãos descarnadas carregam o sino.
VOZ OFF
Afastem-se! Afastem-se todos!
CENA 10
SEQUENCIA DIRETA
Batidas nas portas. FELIPE MONTEIRO acorda pesadamente. Batem na
porta. Há uma certa insistência.
AURA
Não precisa abrir! A senhora Consuelo o espera...
o quer ver em seu quarto.
FELIPE MONTEIRO
Sonhos... sonhos...
A casa tem uns vinhos muito poderosos.
CONSUELO
O senhor está trazendo a chave?
FELIPE MONTEIRO
Sim... Creio que sim.
remexe no bolso
CONSUELO
Pode ler a segunda pasta.
No mesmo lugar, com a cinta azul.
FELIPE MONTEIRO
Não. Não particularmente.
Talvez porque nunca eu tenha tido algum.
CONSUELO
São bons amigos. Bons companheiros.
Sobretudo quando chega a velhice e a solidão.
FELIPE MONTEIRO
Sim. É mesmo.
CONSUELO
São seres naturais, senhor Monteiro.
Seres sem tentações.
FELIPE MONTEIRO
Como disse que se chamava?
CONSUELO
15
FELIPE MONTEIRO
Pensei que fosse um coelho.
CONSUELO
Ah... o senhor ainda não sabe distinguir.
FELIPE MONTEIRO
Bem... o importante é que a senhora não se sinta só.
CONSUELO
Querem que estejamos sós, senhor Monteiro,
porque dizem que a solidão é necessária
para se alcançar a santidade.
Esqueceram-se de que na solidão
a tentação é maior.
FELIPE MONTEIRO
Não a estou entendendo, senhora.
CONSUELO
Ah, é melhor, é melhor assim.
Pode continuar seu trabalho.
CENA 11
Int. CENAS DO QUARTO.
FELIPE MONTEIRO
16
lendo os papeis
CORTE
um general muito mais velho andando, uma garota lá frente fazendo
qualquer coisa. Ao se aproximar o general vê que a garota está
torturando um gato. O general ri e se excita... Funde para o general
fazendo sexo com a garota vigorosamente lá no quarto deles..
CORTE
FELIPE MONTEIRO
lendo e suspirando...fecha a pasta
Quando ele morreu ela tinha 80. Nesse caso...
CENA 12
DEEVANEIOS DE FELIPE MONTEIRO
Imagens de CONSUELO e de AURA sobre o torpor de FELIPE MONTEIRO,
que adormece e sonha mais. Vê CONSUELO se aproximando de gatinhas.
CONSUELO coloca o rosto contra o rosto dele e sorri. Um sorriso de
gengivas com sangue. FELIPE MONTEIRO grita. CONSUELO grita. AURA
grita. CONSUELO retira da boca um punhado de dentes e oferece a ele.
FELIPE MONTEIRO está desorientado. CONSUELO joga os dentes sobre
17
ele. AURA rasga seu vestido verde pelo meio. FELIPE MONTEIRO observa
horrorizado. AURA se aproxima mostrando o vestido verde rasgado.
Sobre os seus dentes estão os dentes da velha, superpostos. A câmara
desliza sobre o corpo de AURA até as pernas. Corte para FELIPE
MONTEIRO olhando. As pernas se quebram e rolam pelo chão. Fusões de
batidas na porta, sinos, tiquetaque e mostrador de relógio. Corte para a
sala com um talher. Tem uma boneca ao lado do prato. AURA-boneca
solta uma farinha por uma costura mal feita. FELIPE MONTEIRO come
olhando a boneca. A boneca cai. FELIPE MONTEIRO se levanta e vai para
o corredor e jardim. FELIPE MONTEIRO no corredor. Entra no quarto de
AURA; ela o recebe. Beijam-se. Está mais velha. Beijam-se. Abraços.
AURA
Sente-se na cama, Felipe.
FELIPE MONTEIRO
Sim.
AURA
Vamos brincar. Não faça nada. Deixe-me fazer tudo.
AURA o toma e baila enquanto ela canta uma valsa. Ela retira a camisa
de FELIPE MONTEIRO. Ele vai fazendo o mesmo. Ela retira de trás a
boneca e acaricia a boneca. Quebra a boneca sobre suas coxas. A
farinha se espalha. Aura se deita e se abre para receber FELIPE
MONTEIRO que se deita sobre ela
.
Você me quererá para sempre?
FELIPE MONTEIRO
Sempre, Aura, eu amarei sempre você.
AURA
Sempre? Você me jura?
FELIPE MONTEIRO
Eu juro.
AURA
Ainda que perca minha beleza?
Ainda que fique de cabelos brancos?
18
FELIPE MONTEIRO
Sempre, meu amor, sempre.
AURA
Ainda que eu morra, Felipe?
Você me amará sempre, ainda que eu morra?
FELIPE MONTEIRO
Sempre, sempre, eu juro.
Nada pode me separar de você.
AURA
Venha Felipe, venha...
CENA 13
INT. QUARTO. MANHÃ
FELIPE MONTEIRO acorda triste em seu quarto. Dor de cabeça. Perdido.
Cortes rápidos para as abluções matinais. O sino no corredor. Ao abrir a
porta vê uma pessoa caminhando com roupa verde e um véu a cobrir
seu rosto.
AURA
O café está pronto.
FELIPE MONTEIRO
Aura, chega de enganos.
Chega dessas brincadeiras.
AURA
Enganos?
FELIPE MONTEIRO
Diga-me se a senhora Consuelo a impede de sair,
de ter sua própria vida;
19
AURA
Irmos nós dois? Para onde?
FELIPE MONTEIRO
Lá para fora, para o mundo.
Para vivermos juntos.
Não pode ficar para sempre acorrentada à sua tia...
Por que essa dedicação?
Você gosta dela tanto assim?
AURA
Gostar dela... ?
FELIPE MONTEIRO
Sim; porque se sacrifica assim?
AURA
Eu gostar dela? Ela é que me quer.
Ela se sacrifica por mim.
FELIPE MONTEIRO
Mas é uma mulher velha, quase um cadáver...
você não pode...
AURA
Ela tem mais vida do que eu.
Sim, é velha, é repulsiva...
Felipe, não quero voltar...
Não quero ser como ela...outra...
FELIPE MONTEIRO
Você se enterra em vida...
você tem que renascer, Aura.
AURA
Tem-se que morrer antes de renascer...
Não. Você não entende. Esqueça, Felipe.
Tenha confiança em mim.
Tenha confiança.
Ela vai sair hoje durante todo dia...
FELIPE MONTEIRO
20
Ela?
Vai sair?
AURA
Sim, a outra.
FELIPE MONTEIRO
Vai sair? Mas, se nunca...
AURA
Sim, às vezes sai. Faz um grande esforço e sai.
Hoje vai sair. Durante todo dia...
Você e eu podemos...
FELIPE MONTEIRO
Vamos embora...
AURA
Se você quiser...
FELIPE MONTEIRO
Não, talvez ainda não.
Estou contratado para um trabalho...
Quando terminar o trabalho, então sim...
Aí terei algum dinheiro para nós...
até arranjar outra coisa.
AURA
Ah, sim. Ela vai sair durante todo o dia.
Podemos fazer alguma coisa...
FELIPE MONTEIRO
O quê?
AURA
Espero-o esta noite no quarto de minha tia.
Espero-o como sempre.
CONSUELO
Hoje, não estarei em casa, senhor.
21
FELIPE MONTEIRO
Sei por que você chora às vezes, Consuelo.
Não lhe pude dar filhos... você...
uma mulher que irradia vida... sem filhos...
outra carta
outra carta
22
CORTE
A garota do general, sob o sexo do general, enquanto goza, grita
GAROTA
Eu conseguiu! Eu a encarnei! Posso convocá-la!
CORTE
outra carta
FELIPE MONTEIRO
Com amor, Consuelo!
outra foto
outra foto
Aura! Aura!
eles se olham.
AURA
Não... não me toque... Sente-se na cama.
23
FELIPE MONTEIRO
Ela pode regressar a qualquer momento.
AURA
Ela já não mais regressará.
FELIPE MONTEIRO
Nunca?
AURA
Estou esgotada. Ela já se esgotou.
Nunca pude mantê-la ao meu lado...
por mais de três dias.
FELIPE MONTEIRO
Aura...
AURA
Não... não me toque...
FELIPE MONTEIRO
Aura... eu amo você.
AURA
Sim... você me ama.
Me amará sempre... você disse ontem.
FELIPE MONTEIRO
Sempre a amarei.
Não posso viver sem seus beijos, sem seu corpo...
AURA
Beije-me o rosto... somente o rosto.
FELIPE MONTEIRO
Não... quero você inteira para mim...
AURA
durante a cena de amor
CENA 14
MANHÃ.
Coelhos pelo jardim. Pássaros. Sol.
FELIPE MONTEIRO deitado / acorda, dá um sorriso e passa a mexer nos
cabelos de AURA. Carinhosamente. A câmara faz uma varredura e vamos
notar que a mão de FELIPE MONTEIRO faz carinho num cadáver bem
decomposto, a farda do general jogada sobre a cama.