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ldeias Entrevista

Em nome da subversão
MICHEL PLON I A psicanálise nãp quer adaptar o indivíduo
à sociedade, mas libertá-lo. E uma escola de liberdade
incompatível com os totalitarismos
A LENEIDE DUARTE-PLON, DE PARIS

OR JULGAR que a psica­ "Se uma pessoa quer relação sexual." "Para Lacan, a sexua­
nálise está ameaçada lidade masculina e a feminina são uni­
superar obstáculos,
por uma legislação res­ versos distintos que não se relacionam.
tritiva tanto na Fran­
vai se questionar São como duas linhas paralelas."
ça quanto na Itália, seis por meio da análise.
psicanalistas lacania­ Pouco a pouco CartaCapital: Você escreveu com outros
nos (Sophie Aouillé, descobrirá coisas que cinco psicanalistas lacanianos o Mani­
Pierre Bruno, Franck Chaumon, Erik a impediam de viver festo pela Psicanálise. Qual o objetivo?
Porge, Guy Léres e Michel Plon) lança­ Michel Plon: Responder aos ataques
de forma melhor"
ram o livro Manifeste pour la Psycha­ contra a psicanálise vindos do gover­
nalyse (La Fabrique). A obra é uma de­ no que impunha por lei uma regula­
fesa dessa prática subversiva de inves­ mentação das psicoterapias. A psica­
tigação do inconsciente, incompatível Linhas paralelas. Jacques nálise não tem nada a ver com as psi­
Lacan, para quem a sexualidade
com toda tentativa de controle pelo Es­ coterapias, mas a intenção do governo
masculina e a feminina habitam
tado ou regulamentação profissional universos distintos era integrar a psicanálise ao conjunto
que a confunda com as psicoterapias. das psicoterapias.
Coautor do Dicionário da Psicaná­
lise, com Élisabeth Roudinesco, e um CC: Por que a psicanálise não é uma psi­
dos autores do Manifesto pela Psica­ coterapia?
nálise, Plon vê a nova legislação fran­ � MP: Primeiramente, ela não considera
cesa como um perigo para o exercí­ que deva curar, já que os problemas que
cio da psicanálise. Nesta entrevista a os indivíduos podem encontrar em suas
CartaCapital ele afirma que a psicaná­ vidas não são doenças. Logo, não há o
lise é subversiva para qualquer regime. que curar. O que há é uma pessoa que
"Há regimes democráticos que a tole­ tem o desejo de compreender melhor
ram, ela é incompatível com os totalita­ como ela funciona, de não se ver sem
rismos." Em sua avaliação, a psicanáli­ cessar diante da repetição dos mesmos
se vive um momento mais difícil na Itá­ impasses. Se ela tem o desejo de supe­
lia que na França, onde está um pouco rar esses obstáculos, vai se questionar
mais protegida dos ataques de detrato­ por meio de análise. Vai procurar um
res graças à influência de Jacques La­ analista que lhe propõe falar livremen­
can, que promoveu o retorno a Freud e te, espontaneamente, e pouco a pouco
revigorou a psicanálise francesa. a pessoa vai descobrir certo número de
No que diz respeito à sexualidade fe­ coisas que a impediam de viver melhor.
minina, Lacan avançou um pouco mais As psicoterapias são calcadas no mo­
que Freud, que um dia, perplexo, es­ delo da medicina. A psicanálise é um
crevera: "O que quer a mulher?" "Para outro "modo de pensar", para utilizar
Freud, a sexualidade feminina era um uma expressão de Freud.
'continente negro', obscuro, que ele não
conseguia decifrar", diz Plon. "O psica­ CC: O que representa fazer análise?
nalista argumenta que Lacan trouxe MP: É uma decisão que pode acrescen­
luz a essa discussão com sua tese da não tar muito ao ser humano se ele quiser
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Outro modo
de pensar.
Michel Plon,
resposta aos
governos que
querem
regulamentar
a psicanálise
como se fosse
psicoterapia

fazer esse percurso que passa pelo análise, elas descobrem que têm a res­ conta o inconsciente. Significa admitir
questionamento de muitas coisas nas posta dentro delas e que essas respostas que o "eu" não é dono da casa. O "eu"
quais ele crê e que são ilusões impostas fazem parte de um saber inconscien­ é uma das instâncias do funcionamen­
pela moral ou pela religião. As psicote­ te. O que faz que existam pessoas que to psíquico, mas é dominado pelo in­
rapias em geral ignoram os efeitos da preferem ver os filmes comerciais de consciente. E Freud reconheceu isso
linguagem, os lapsos, as homofonias, Hollywood e outras que preferem o ci­ ao dizer que ele tinha imposto a ter­
enfim, o que faz a linguagem humana e nema italiano dos anos 1960 ou os gran­ ceira ferida narcísica à humanidade. A
por onde se pode penetrar no mais pro­ des cineastas como Martin Scorsese? primeira foi revelada por Nicolau Co­
fundo do psiquismo. O que faz que algumas pessoas amem pérnico, quando ele disse que a Terra
Proust e outras prefiram os best sellers? gira em torno do Sol e não o contrário.
CC: O que faz com que a psicanálise, A segunda se deu quando Darwin dis­
busca interior definida como experiên­ CC: No Manifesto, vocês escrevem: ':A. se que o homem descende do macaco e
cia de liberdade, por meio de um percur­ psicanálise denuncia o turbilhão infer­ a terceira quando Freud afirmou que
so longo e duro, ainda possa interessar nal do laço social dominante, que Lacan o homem não manda em sua casa, isto
pessoas num mundo à procura de resul­ chamou de discurso capitalista, e por is­ é, não é o consciente que nos governa.
cados imediatos? so ela representa uma ameaça que deve O caráter subversivo da psicanálise é
MP: Isso significa que há pessoas que ser circunscrita." A psicanálise é sub­ que ela se choca com o pensamento es­
êm necessidade de refletir, que talvez versiva demais? pontâneo do homem que pensa que é
-enham percorrido outros caminhos MP: Claro. O essencial, o núcleo da seu "eu" que conta. O ser humano tem
.?Or psicoterapias diversas e viram que questão é o que Freud chamou de dificuldade de admitir os dados da psi­
não levam a lugar nenhum, que não re­ "modo de pensar". O modo de pensar canálise, isto é, que tem um inconscien­
solviam seus questionamentos. Com a psicanalítico significa que se leve em te que se manifesta por meio do sonho,
CARTACAPITAL J 25 DE JULHO DE 2012 61
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dos chistes, dos lapsos, dos atos falhos, Lacan começou seus seminários. Du­
dos esquecimentos. Isso determina o rante 30 anos houve uma renovação da
sujeito muito mais que o consciente, a psicanálise graças ao ensino de Lacan.
racionalidade. E o caráter subversivo
da psicanálise repousa ainda no fato CC: Lacan era subversivo para a psica­
de que ela não quer adaptar o indiví­ nálise norte-americana?
duo à sociedade, mas libertá-lo. É uma MP: A luta de Lacan era por um retorno
escola de liberdade e nesse sentido ela a Freud, o que significava limpar o tex­
é subversiva, qualquer que seja o re­ to freudiano das camadas que o tinham
gime. Há regimes democráticos que a coberto, isto é, uma certa psicologiza­
toleram, mas ela é incompatível com ção. E, ao fazer isso, ela recobrou seu
os totalitarismos. A psicanálise é into­ caráter subversivo, insuportável para
lerável também por causa da sexuali­ "A moda das certo modo de pensamento norte-ame­
dade. Essa dimensão fundamental da ricano, um tanto marcado pela filosofia
psicoterapias
sexualidade infantil que Freud explí­ norte-americana, pelo pragmatismo,
cita a partir de 1905 é o aspecto mais
expressa o campo empirismo e positivismo. Todo o ensino
escandaloso que o levará a ser acusado psíquico neoliberal" de Lacan, toda sua teoria se revestia de
de pansexualismo. uma continuidade em relação a Freud.

CC: O livro foi traduzido e você foi à Itá­ Ferida narcísica. Jung CC: A revista Le Nouvel O bservateur
lia debatê-lo. As ameaças que pesam so­ (acima) e Freud, o 'eu' fez recentemente uma grande reporta­
bre a psicanálise na Itália são maiores colocado em xeque gem de capa contra a psicanálise, inti­
que na França. Por quê? ,.
tulada "Deve-se incendiar a psicanáli­
"U
MP: Porque em 1989 foi votada uma lei se?" A psicanálise está ameaçada pelas
na Itália que define os estudos para se psicoterapias cognitivas?
tornar psicoterapeuta, logo as escolas MP: A psicanálise não está diretamen­
de formação de psicoterapia, e essa lei te ameaçada pelas psicoterapias. O
não reconhece a psicanálise. Aos olhos problema é que, numa época domina­
do legislador, a psicanálise não exis­ da pela ideologia neoliberal, o que guia
tindo, os psicanalistas são considera­ as pessoas que têm um mal-estar é a
dos psicoterapeutas. Assim, por não busca de eficácia, de rapidez e de de­
estarem inscritos nas escolas de psico­ saparecimento dos sintomas. Ora, tu­
terapia, praticariam a psicoterapia de do isso é contrário à psicanálise. Se
maneira ilegal. Houve denúncias e jul­ houver menos pessoas querendo fa­
gamentos em tribunais. Há uma hipo­ zer análise, como a pesquisa psicana­
crisia fundamental que alguns psica­ lítica está baseada na clínica, a psica­
nalistas italianos tentam combater ao 1920 e 1950. Em 1926, quando hou­ nálise tenderá a ser menos importante
defender a psicanálise leiga, não cal­ ve na Áustria um processo contra um e pode desaparecer. Não são as psico­
cada num modelo médico. dos alunos de Freud, Theodor Reik, terapias que ameaçam a psicanálise. A
que não era médico e foi acusado de moda das psicoterapias é a expressão
CC: Entre a Itália e a França é Lacan exercício ilegal de medicina por pra­ no campo psíquico do neoliberalismo.
quem faz a diferença? ticar a psicanálise. Naquele momen­
MP: Sim, fundamentalmente. Há La­ to, Freud escreveu A Questão da Aná­ CC: Freud perguntou um dia: "O que
can, mas houve as intervenções do Va­ lise Leiga, uma defesa da psicanálise quer a mulher?" Os psicanalistas dizem
ticano, maciças em diferentes épocas, exercida por não médicos. Freud ex­ que nem Freud nem Lacan compreende­
contra a psicanálise. A começar por plica que não só os psicanalistas pres­ ram realmente o gozo feminino. Por quê?
Agostino Gemelli, que era padre e psi­ cindem da necessidade de ser médicos MP: Antes de falar do gozo feminino é
cólogo e combateu energicamente a como a formação médica pode até ser preciso falar de sexualidade feminina.
psicanálise, apoiado pelo papa Pio XII. contraditória com a formação psica­ E essa questão foi polêmica desde a ori­
O contexto ideológico e político na Itá­ nalítica. Esta consiste em escutar um gem da psicanálise. Para Freud, desde
lia era fundamentalmente diferente do sujeito e não procurar modificá-lo ou 1905, quando publicou Três Ensaios so­
contexto francês. O peso do catolicis­ curá-lo. O segundo momento de crise bre a Teoria da Sexualidade, o que apa­
mo e da Igreja na Itália é mais impor­ veio nos anos 1950 e foi Lacan quem rece é que existe uma libido, a masculi­
tante do que se imagina. "salvou" a psicanálise. A psicanálise, na. A tese central de Freud é o monis­
que se estabeleceu na França tardia­ mo sexual. A sexualidade feminina se
CC: Desde Freud, a psicanálise foi com­ mente, nos anos 1920, foi progressiva­ deduz a partir da sexualidade masculi­
batida e atacada. Qual o m o mento mente se alinhando ao modelo norte­ na, ela não é uma especificidade.
mais difícil? -americano, o da psicologia do eu (ego
MP: Houve dois momentos de cri­ psychology). Freud era pouco e muito CC: Lacan vai mais longe?
se grave para a psicanálise, nos anos mal traduzido. Foi então, em 1950, que MP: A tese de Freud foi defendida por
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Continente a e como tal constitui
ser codificado. uma espécie de su­
A sexualidade plemento especifi­
feminina e o camente feminino.
eterno enigma
Lacan dirá que es­
acerca do êxtase
se gozo é impossí-
vel de ser conheci­
do pelo homem e não pode ser expres­
sado pelas mulheres.

CC: Significa que elas são incapazes de


expressar em palavras?
MP: Elas não podem expressar, não po­
dem descrever. E foi essa tese da se­
xuação que conduziu Lacan a criar o
aforismo "não há relação sexual". Isso
:; quer dizer que são dois universos pa-
c:

ili ralelos que não têm contato, univer-


� sos completamente separados. Existe
o ato sexual, mas não há relação, não
o é o mesmo mundo, não gozam da mes­
:; ma maneira. Pode-se dizer que se ama,
o
� que se tem prazer, mas o êxtase não é
o o mesmo. Não se sabe dizer nada so­
todas as mulheres psicanalistas, sobre­ órgão sexual, diferente do masculino. bre ele, é um enigma. Finalmente, isso
tudo, Helena Deutsch e Marie Borra­ Isso ocorreu entre 1920 e 1927 no cé­ se aproxima da tese de Freud que dizia
parte. A partir de 1920, essa tese do mo­ lebre congresso de Innsbruck, no qual que a sexualidade feminina é um "con­
nismo sexual foi contestada pelas psi­ Jorres publicou um texto muito impor­ tinente negro", obscuro, que ele não
canalistas, principalmente por Mela­ tante. Lacan tenta superar o impasse conseguiu decodificar, decifrar. Não se
nie Klein, e também por Ernest Jorres. de Freud com as chamadas fórmulas avançou muito com Lacan, mas ele pô­
Eles defendiam a teoria do dualismo da da sexuação. São fórmulas lógicas que de limpar um pouco o terreno com sua
libido, uma masculina e outra femini­ distinguem a castração masculina e a tese da não relação sexual. Isso quer di­
na. Esta a se organizar em torno do cli­ castração feminina para mostrar que zer que há dois universos distintos que
tóris, que não era um pênis castrado, existe nas mulheres um gozo sem limi­ não entram em relação um com o ou­
como na concepção freudiana, mas um tes, porque não há ameaça de castração tro, são como duas linhas paralelas. •

Mergulho em águas profundas o Dzczonário da Psicanálise traz


DICTIONNAIRE
PSYCHANALYSE surpresas. como a origem portuguesa da palavra fetichismo PoR ANA FERRAz

ma busca aleatória ao Psychanalyse et Pratiques corpo do parceiro, quer uma

U
Dic!onário da Psicanálise, Sociales de la Santé (Universidade perversão sexual (ou fetichismo
de Elisabeth Roudinesco da Picardia), e Élisabeth, patológico), caracterizada pelo fato
e Michel Plon, pode historiadora, diretora de pesquisas de uma das partes do corpo (pés,
revelar surpresas, na Universidade de Paris-VIl boca, seios, cabelos) ou objetos
como o verbete fetichismo, que e vice-presidente da Sociedade relacionados com o corpo (sapatos,
descobrimos derivar do português Internacional de História da chapéus, tecidos etc.) serem tomados
feitiço. Publicada originalmente em Psiquiatria e da Psicanálise, como objetos exclusivos de uma
1997 e traduzida para seis idiomas, oferecem ao leitor um mergulho excitação ou de um ato sexual.
a obra foi escrita com o claro profundo e proveitoso. Abaixo, Já em 1905, Sigmund Freud
Recenseamento. propósito de não ser nem um léxico trecho do verbete fetichismo: atualizou o termo para designar
O dicionário busca
nem um glossário. "Tampouco uma perversão sexual, caracterizada
classificar todos os
elementos do sistema é centrado exclusivamente na FETICHISMO pelo fato de uma parte do corpo
de pensamento descoberta freudiana", alertam os Termo criado por volta de 1750 ou um objeto ser escolhido como
da psicanálise autores. O que aqui se propõe é "um a partir da palavra fetiche (derivada substituto de uma pessoa, depois
recenseamento e uma classificação do português feitiço, sortilégio, para definir .uma escolha perversa,
de todos os elementos do sistema artifício) e retomado em 1887 pelo em virtude da qual o objeto amoroso
de pensamento da psicanálise". psicólogo francês Alfred Binet (1857- (partes do corpo ou objetos
Os saberes de Plon, diretor de 1911) e mais tarde pelos fundadores relacionados a ele) funciona para
pesquisas no Centre National de la da sexologia para designar quer uma o sujeito como substituto de um falo
Recherche Scientifique, membro do atitude da vida sexual normal, que atribuído à mulher e cuja ausência
Centre de Recherche Universitaire consiste em privilegiar uma parte do é recusada por uma renegação.

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