Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
Carta à resistência
Frente à este cenário de um ataque orquestrado aos DHESCA, é importante reagirmos articulando
esforços locais de muitos tipos que lutam contra a violação dos Direitos Humanos. Recorrer a
Natureza e identidade política do MNDH nos traz pitas e lições importantes. Diferente da busca de
uma interação profícua com o Estado e da institucionalização das construções populares é
importante retomar a construção aproximada com as bases populares dando corpo à construção em
rede, que dá capilaridade as ações de promoção e defesa dos Direitos Humanos ...
- Os primeiros lampejos de uma saída possível. Os direitos humanos como projeto de sociedade,
uma proposição que já enuncia uma visada crítica sobre ela mesma.
- O que fazer/ cinco apontamentos sobre a defesa da democracia como valor universal
- A essencialidade política dos direitos humanos, este pode ser um projeto de poder?
- Quais crises políticas enfrentamos? A crise de representatividade, sua forma histórica e uma
pequena saída a partir da identidade e natureza política do MNDH.
2º. A emenda constitucional que suspende gastos públicos em educação e saúde por 20 anos, ferindo
frontalmente a regra estabelecida no capítulo II, art. 6, na medida em que impede os governos de
proverem tais direitos aos cidadãos que não podem comprar no mercado tais serviços. 3º. Por fim,
mas não menos importante, cabe indicar como violação de cláusulas constitucionais a venda de
ativos da Petrobrás a partir de 2016, com a instalação do governo Temer, e o projeto de lei (PL) que
tramita atualmente no Congresso visando privatizar a Eletrobrás. Na medida em que a privatização
também significa a desnacionalização de tais empresas, rompendo o controle pelo Estado brasileiro
sobre os bens públicos e estratégicos por elas produzidos, como petróleo, gás, água, energia elétrica,
isso fere os princípios fundamentais de soberania nacional garantidos no art. 1 de nossa constituição
(Bercovici, 2018).
Porém, o comportamento da economia durante a década de 1990 foi bastante distinto do imaginado
pelos defensores de uma integração passiva à globalização neoliberal. Ainda que a inflação tenha
sido conduzida a patamares muito baixos para os padrões históricos brasileiros, o crescimento
econômico mostrou-se bastante insatisfatório – apenas um pouco superior ao observado nos anos
1980. O setor industrial enfrentou um processo de especialização regressiva, concentrando sua
atuação em ramos intensivos em mão de obra e recursos naturais, a dívida pública apresentou uma
trajetória de alta acelerada, e as contas externas se deterioraram expressivamente
O terceiro destaque fica por conta da inibição ao “litígio de má fé”. Por essa norma, o trabalhador
que acionar a Justiça do Trabalho contra seu ex-empregador e tiver sua reclamação declarada
improcedente, terá que ressarcir todos os custos do processo, inclusive os gastos da parte litigante
com advogados. Apesar da justificativa mirar o fluxo considerado exagerado de processos
trabalhistas, na prática, ela tende a inibir os trabalhadores de acessarem a Justiça do Trabalho para
fazerem valer seus direitos, pois perderiam o direito à gratuidade processual. Apenas por essas três
alterações destacadas é possível ter uma ideia da direção que as mudanças provocadas por essa
recente reforma trabalhista apontam e quais serão seus impactos sobre a dinâmica e a estrutura do
mercado de trabalho brasileiro: a flexibilização nas relações contratuais de trabalho aumenta
significativamente, enquanto que as garantias e os direitos sociais dos trabalhadores são bastante
afetados
seguridade social como “ponto fora da curva” do capitalismo brasileiro Capítulo 15 Eduardo
Fagnani106 106 Professor do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador do Centro de Estudos
Sindicais e do Trabalho (Cesit-IE-Unicamp) e coordenador da rede Plataforma Política Social
(www.plataformapoliticasocial.com). A seguridade social é o principal mecanismo de proteção
social e poderoso instrumento do desenvolvimento, compreendendo as áreas da saúde, assistência
social, seguro-desemprego e previdência social. O Sistema Único de Saúde (SUS) é, segundo a
Pesquisa Nacional de Saúde (IBGE, 2015), a única alternativa de proteção para 72% dos brasileiros.
Na assistência social, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) protege mais de 4,5 milhões de
pessoas idosas e portadoras de deficiência com renda familiar per capita inferior a um quarto de
salário mínimo. O Programa Seguro-Desemprego concede atualmente cerca de 7 milhões de
benefícios, a maior parte equivalente ao salário mínimo. O Regime Geral da Previdência Social
(RGPS) mantém mais de 28 milhões de benefícios diretos nos segmentos urbano e rural
A assistência social e a previdência social representam fonte de renda para mais de 80% dos idosos
brasileiros, fomentam a agricultura familiar, combatem o êxodo rural e regional, promovem a
economia local e cumprem papel redistributivo nos municípios mais pobres (Galiza e Valadares,
2016). Em mais de 70% dos municípios, o montante de transferências monetárias da assistência e
do RGPS (rural e urbano) é superior ao montante de recursos transferidos pelo Fundo de
Participação dos Municípios (França, 2011).
A assistência social e a previdência social reduzem a pobreza, que é praticamente residual entre os
idosos. Em 2014, apenas 8,76% das pessoas com 65 anos ou mais vivia com renda menor ou igual a
meio salário mínimo. Sem esses benefícios, o percentual de idosos pobres aos 70 anos superaria
65% do total (Anfip e Dieese, 2017)107. A seguridade social é o mais poderoso mecanismo fiscal
de redução da desigualdade da renda. Estudos sobre a incidência da política fiscal na distribuição da
renda na América Latina (Cepal, 2015) revelam que, no Brasil, o maior impacto na redução da
desigualdade da renda é proporcionado pelas transferências monetárias e os gastos com a
seguridade social (saúde, previdência e assistência social), seguidos pela educação (queda de 16,4
pontos percentuais no coeficiente de Gini).
3. Democracia estilhaçada: oportunidade de ouro para acabar com o pacto social da
redemocratização (2015-2018) Como no passado, o atual imperativo da “austeridade” e do ajuste
fiscal encobre o propósito de alterar o modelo de sociedade pactuado pela Constituição de 1988.
Esse objetivo foi explicitado com todas as letras, por diversos interlocutores do poder econômico,
desde o início dos anos de 1990, quando formularam e tentaram implantar inúmeras versões do
documento Uma ponte para o futuro (PMDB, 2016)111, com diferentes embalagens. O período de
2015-2018 apresenta ameaças de dissolução desse inédito ciclo de construção da cidadania social.
Políticas de “austeridade” geram recessão, o que é funcional para rebaixar custos trabalhistas,
combater a inflação mediante o desemprego, discriminar programas redistributivos, criminalizar
partidos populares ditos “populistas” e justificar a implantação do Estado Mínimo Liberal, dado que
“não há alternativa” – o que equivale a declarar que “as demandas sociais da democracia não cabem
no orçamento”. Essa construção ideológica ignora que o comportamento do gasto social no Brasil
não é “um ponto fora da curva” na história das nações industrializadas e democráticas. Nas nações
industrializadas, em média, o gasto social como proporção do PIB dobrou entre 1945 e 1975 e
continuou a crescer entre 1990 e 2015, mesmo no contexto da hegemonia neoliberal e das restrições
impostas pela crise financeira global de 2008 O crescimento do gasto social brasileiro após 1988
reflete a distensão do represamento secular dos direitos sociais. Mesmo assim, ao contrário da visão
financista, o comportamento do gasto social brasileiro não é elevado na comparação internacional
(Fagnani e outros, 2018)112. A dilapidação do Estado Social de 1988 está sendo realizada em cinco
atos principais: i) o “Novo Regime Fiscal” (PEC 55/2016); ii) a ampliação da DRU (de 20% para
30%); iii) a Reforma Tributária; iv) a Reforma Trabalhista, e v) a Reforma da Previdência Social.
Além da asfixia financeira, há diversos processos que caminham no sentido da privatização,
desmonte e imposição de graves retrocessos institucionais nos diversos componentes da seguridade
social, educação, reforma agrária, agricultura familiar e política urbana (habitação, saneamento e
mobilidade).
De toda forma, a lenta asfixia que se prenuncia significará, no médio prazo, o desmantelamento de
um sistema que tem exercido um papel determinante na proteção social, notadamente dos
segmentos mais vulneráveis. Trata-se, preocupantemente, da interrupção radical de uma trajetória
de desenvolvimento institucional e organizacional que se acelerou nos últimos dez anos. Uma
ruptura que coloca em risco aprendizagens, acúmulos e aprimoramentos, com custos sociais
elevadíssimos.
O quadro brasileiro pós-2016 aponta para dificuldades ainda maiores no que se refere ao
desenvolvimento regional. A destituição da presidenta Dilma Rousseff, eleita por 54 milhões de
votos, ensejou a aprovação de um conjunto de medidas danosas ao povo brasileiro, como a PEC 95,
a reforma trabalhista e a lei da terceirização da força de trabalho; ensejou também a entrega das
riquezas da nação, com destaque para o pré-sal, fonte de recursos para a educação, saúde,
fragilizando os entes federados e o desenvolvimento regional. Os efeitos dessas mudanças, num
quadro de retomada das políticas neoliberais e de um programa de austeridade fiscal, deixam as
perspectivas nebulosas. O avanço da desindustrialização, iniciada nos anos 1980, e a fragmentação
dos territórios mais empobrecidos, sem possibilidades de oferecer condições de sobrevivência aos
seus moradores, recoloca a questão do desenvolvimento regional num cenário ainda não definido e
sob ameaça constante de privatização das empresas estatais remanescentes e dos bancos públicos.
Para tanto, é fundamental compreender que a disputa pelo poder estatal e seus fundamentos
constitucionais é incontornável. O programa do golpe, com a destruição do setor público da
economia e a violação dos direitos fundamentais previstos na Constituição de 1988, pretende
relançar as bases para um Estado neoliberal no Brasil, inteiramente consagrado à quebra da
soberania nacional e à concentração das rendas e riquezas em um país já escandalosamente desigual
do ponto de vista social, além de anacronicamente patriarcal e racialista. Portanto, a necessária
refundação do Estado brasileiro, com base na soberania popular, visa exatamente retomar e
aprofundar – em um sentido estrutural e histórico – as conquistas inseparáveis da liberdade e da
igualdade. A democracia brasileira só pode se afirmar historicamente com a superação das
desigualdades estruturais ainda presentes nos planos econômico, social, territorial, de gênero e inter-
racial
A questão de fundo é que a Constituição Federal não foi capaz de institucionalizar, em uma
dinâmica democrática, as disputas entre dois projetos políticos antagônicos. De um lado, coloca-se
novamente em pauta – por setores conservadores da sociedade, dos agentes políticos, da própria
burocracia, do empresariado e da mídia oligopolizada – o caminho neoliberal, de orientação
antinacional, privatista e concentradora, e que desde 2016 vem promovendo retrocessos
institucionais em áreas críticas da regulação econômica, social e política do país.
Sendo assim, tais conquistas sofreram um abrangente, profundo e acelerado revés com o golpe de
2016, explicitando a necessidade de um olhar mais acurado, exatamente, para os processos e atores
que conformam centros decisórios incrustados na estrutura e aparelhos do Estado, muitas vezes
atendendo apenas a interesses corporativos e barganhas clientelistas. Vale destacar: na dinâmica
neoliberal, atores econômicos buscam a captura das instituições de representação política do Estado,
de modo a viabilizar a transformação de seus interesses em decisões públicas, com vistas a
favorecer os interesses empresariais. Um jogo desequilibrado, que induz a um cenário em que, por
suas influências, grandes grupos empresariais controlam mecanismos da dinâmica democrática,
exercendo uma dominação onde o interesse geral da população perde expressão, tanto em termos
econômicos quanto de cidadania. O capitalismo neoliberal torna disfuncional a democracia
representativa.
1.1. A questão social pela ótica da desigualdade patrimonial A concentração da riqueza nas mãos de
uma minoria de grandes proprietários impediu que ampla parcela da população se tornasse
empreendedora e tivesse seu próprio negócio ou adquirisse uma pequena propriedade rural, e
mesmo que obtivesse casa própria. Isto se expressa claramente, ainda hoje, na concentrada
distribuição do patrimônio pessoal (imóveis urbanos, imóveis rurais, ativos financeiros e outros
bens de valor). As informações disponíveis sobre a distribuição patrimonial confirmam a
persistência da elevada concentração da riqueza no País no século XXI. Por exemplo, os Censos
Agropecuários do IBGE demonstram a elevadíssima concentração fundiária, com o índice de Gini
da terra sempre acima de 0,850 (em 1985, 1995 e 2006). Segundo o Sistema Nacional de Cadastro
Rural do Incra, a área total correspondente às grandes propriedades privadas aumentou de 238
milhões de hectares para 244,7 milhões de hectares entre 2010 e 2014 (36,1% da área total de
imóveis rurais registrados), sendo que 175,9 milhões de hectares são improdutivos. Considerando as
5,8 milhões de propriedades rurais existentes no Brasil (60% do território do País), apenas 1,4%
(78,7 mil imóveis) concentram 40% da área total correspondente; os 130 mil grandes latifúndios são
donos de 47,2% das terras, enquanto 3,8 milhões de minifúndios ocupam não mais do que 10,2% da
área total de imóveis rurais. Conforme cálculo da Oxfam Brasil (A distância que nos une, 2017)
baseado em informe do banco Credit Suisse (Global Wealth Databook 2016), em 2016, 74,2% de
todo o patrimônio privado (do qual 32% eram ativos financeiros) estavam concentrados no décimo
decil da população brasileira (47,9% nas mãos de apenas 1%), ao passo que os 50% mais pobres da
população detinham apenas 3,1% do patrimônio computado (os 20% mais pobres detinham
insignificante 0,1% desse total). Portanto, a concentração do estoque de riqueza tem como
contrapartida uma grande proporção de famílias patrimonialmente muito pobres. E é importante
frisar que tal fenômeno foi produzido e reforçado pela desigualdade na apropriação dos fluxos de
renda monetária.
A estreita relação entre concentração da riqueza e da renda no Brasil pode ser constatada em dados
da Receita Federal referentes às declarações do Imposto de Renda de Pessoa Física. Considerando o
ano de referência 2014, para o qual cerca de 26,5 milhões de brasileiros declararam o IRPF, nota-se
que as pessoas mais ricas do País (estrato com renda mensal maior que 20 s.m.), que correspondiam
a 8,4% dos declarantes (mais de 2,2 milhões), possuíam 46,4% da renda total declarada e 59,4% do
patrimônio pessoal. Os super-ricos (71.440 declarantes, 0,27% do total) – isto é, os que tinham
renda mensal superior a 160 s.m. – possuíam 14% do rendimento total bruto e detinham 22,7% dos
bens e direitos declarados. Por outro lado, as pessoas mais pobres nesta base de dados (estrato com
renda mensal até 2 s.m.), que correspondiam a 10,8% dos declarantes (quase 2,9 milhões), possuíam
apenas 0,8% da renda total e 3,1% do patrimônio declarado. Mas, é preciso esclarecer que os dados
da Receita Federal não contemplam o conjunto da população economicamente ativa, somente as
pessoas que são obrigadas a declarar seus rendimentos e seu patrimônio (apenas 26% da PEA em
2015). Certamente, as desigualdades se amplificam quando computados os trabalhadores que não
declaram o IRPF. A questão social está enraizada, portanto, no grave problema da privação de
patrimônio pessoal, que por sua vez está associado com os baixos rendimentos recebidos por uma
parcela expressiva dos trabalhadores.
É importante frisar que a pobreza voltou a aumentar a partir de 2015 em meio à recessão econômica
e ao aumento do desemprego. Segundo a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, a porcentagem da
população com renda domiciliar per capita até um quarto de salário mínimo (linha do Benefício de
Prestação Continuada – BPC) aumentou de 8% em 2014 para 12,1% em 2016. A edição da Síntese
de 2017 inclui distintas “linhas de pobreza”. Assim, pelo critério do Programa Bolsa Família,
aumentou para 4,2% a porcentagem dos brasileiros que estavam na pobreza extrema (renda
domiciliar per capita até R$ 85 mensais), ao passo que a pobreza (até R$ 170) se elevou para 8,5%
da população, em 2016. Por sua vez, adotando o critério de pobreza extrema utilizado pelo Banco
Mundial (US$ 1,90 por dia – cerca de R$ 133,70 por mês em 2016), a estimativa subiu para 13,3
milhões de pessoas (cerca de 6,5% da população). Mas, há indicadores de pobreza que abarcam
uma parcela maior da população. Por exemplo, se o recorte é uma renda mensal domiciliar per
capita de até meio salário mínimo (R$ 440 em 2016), a porcentagem se eleva para 29,9%. Se o
critério é uma renda domiciliar per capita até 50% do valor da mediana nacional (R$ 443,50), a
pobreza atinge 30,1% da população em 2016 (IBGE, 2017).
“Diante de uma realidade social muito problemática, incômoda e, às vezes, explosiva, uma parte do
pensamento social prefere “naturalizá-la”, considerá-la como “fatalidade” ou apenas herança
arcaica pretérita. Dentre as explicações que “naturalizam” a questão social vale a pena destacar duas
que, apesar de não esgotarem o assunto, dão uma ideia das metamorfoses que transfiguram as
desigualdades sociais. Uma tende a transformar as manifestações da questão social em problemas
de assistência social. […] Outra explicação tende a transformar as manifestações da questão social
em problemas de violência, caos. Daí a resposta óbvia: segurança e repressão” (IANNI, 1991, p. 6-
7).
“As conquistas sociais acumuladas têm sido transformadas em causa de “gastos sociais
excedentes”, que se encontrariam na raiz da crise fiscal dos estados, segundo a interpretação
neoliberal. A contrapartida tem sido a difusão da ideia liberal de que o “bem-estar social” pertence
ao foro privado dos indivíduos, famílias e comunidades. A intervenção do Estado no atendimento às
necessidades sociais é pouco recomendada, transferida ao mercado e à filantropia, como alternativas
aos direitos sociais que só têm existência na comunidade política. Como lembra Yazbek (2001), o
pensamento neoliberal estimula um vasto empreendimento de “refilantropização do social”, e opera
uma profunda despolitização da “questão social” ao desqualificá-la como questão pública, questão
política e questão nacional” (IAMAMOTO, 2013, p. 335).
IAMAMOTO, Marilda V. O Brasil das desigualdades: “questão social”, trabalho e relações sociais.
Ser Social, Brasília, v. 15, n. 33, p. 261-384, dez. 2013.
Ao contrário do que possa parecer aos olhos desatentos, a ascensão de Jair Bolsonaro não tem nada
de casual ou acidental, pelo contrário, tem laços internacionais, doutrina testada e muitas
semelhanças a outras ameaças no restante do mundo. O nome do movimento que colocou essa
figura pouco palatável no poder e ameaça a ordem democrática é o populismo de direita.
Criado pelo conservador estadunidense Steve Bannon, o populismo de direita é o fenômeno que,
associado à internet, tem dado ao capitalismo sua forma mais radical depois da crise de 2008. Esse
populismo de direita se combina ao nacionalismo para reforçar valores das maiorias. Ao criticar as
elites econômicas e políticas, ao chamá-las de corruptas e de manipuladoras, defendem que essas
elites atuam para defender seus privilégios e condenar a população ao estado de pobreza e opressão
em que vivem.
A leitura do programa econômico do Bolsonaro aponta para dois eixos centrais e contraditórios. De um
lado uma proposta de redução substancial do Estado, de outro, o militarismo. Essa combinação não deve
atender às expectativas de ajuste fiscal, tampouco gerar emprego e crescimento econômico. Trata-se de
um projeto de Estado máximo para a segurança e mínimo para os direitos sociais.
Os primeiros sinais de ressurgimento de uma alternativa fascista no cenário político brasileiro teve
seu ovo da serpente chocado nas eleições de 2010. Naquela ocasião, já era possível perceber na
campanha presidencial de José Serra, que adotava naquela eleição um discurso cada vez mais
reacionário, a reboque de uma elite conservadora espelhada numa mídia perdida. Se nunca pareceu
razoável que o PSDB incorporasse uma agenda fascista, a postura na campanha permitiu que estes
setores, que antes tinham cautela em expressar abertamente suas opiniões, agora manifestem
livremente suas agendas.
Se antes o debate sobre a ascensão do fascismo era restrito a círculos mais acadêmicos, a dimensão
política que o fenômeno tomou no Brasil torna necessário um debate público e urgente sobre a
questão. E como é um termo que normalmente causa confusão, convém demarcar o início da
discussão com a definição do que seja o fascismo.
Robert Paxton, um dos maiores estudiosos sobre o tema, entende, no seu livro Anatomia do
Fascismo, que o “fascismo é um sistema de autoridade política e ordem social que tem o objetivo
de reforçar a unidade, a energia e a pureza de comunidades nas quais a democracia liberal é
acusada de produzir divisão e declínio”. A seguir ele complementa ao classificar como “uma forma
de comportamento político marcado pela preocupação obsessiva com o declínio da comunidade,
com a humilhação e a vitimização e pelo culto compensatório da unidade, energia e pureza, na
qual um partido de massas de militantes nacionalistas, trabalhando em colaboração desconfortável
mas efetiva com as elites tradicionais, abandona as liberdades democráticas e busca através de
violência redentora e sem controles éticos ou legais objetivos de limpeza interna e expansão
externa”.
Um ponto importante também da abordagem de Paxton é que “os líderes fascistas não faziam
segredo de não terem um programa. Mussolini exaltava essa ausência”. Ele acrescenta ainda que
“os programas eram informais e fluídos” e que os fascistas faziam as concessões necessárias para
“conquistar aliados e subir ao poder”. O que ocorria era que os intelectuais que ajudavam na sua
elaboração programática acabavam renegados. O que os movimentos fascistas sempre fizeram foi
uma “radical instrumentalização da verdade” e alteravam seu programa com frequência e sem
sequer se dar ao trabalho de escrever uma justificação casuística que fosse.
Nas palavras do ministro da propaganda nazista, Goebbels, “não tinha sentido procurar converter
os intelectuais. Isto porque os intelectuais nunca se converteriam e, de qualquer modo, sempre se
renderiam aos mais fortes, este sempre será o ‘homem comum’. Os argumentos devem, portanto,
ser grosseiros, claros e fortes, e apelar para emoções e instintos, não para o intelecto. A verdade
não era importante e estava inteiramente subordinada à tática e à psicologia.”
Neste sentido, aparecem os dois temas que foram massificados nos últimos anos pela mídia
hegemônica como os grandes males do Brasil, a corrupção e a suposta farra fiscal da era PT no
governo. Os roubos e desvios apurados na Lava Jato são apregoados como o maior escândalo de
corrupção da história do Brasil. Por outro lado, os problemas na economia se sustentam, pela
narrativa hegemônica, na ideia de que o orçamento público funcionaria como uma família ou firma,
não podendo o governo gastar mais do que aquilo que arrecada.
A construção do discurso midiático procura entrelaçar as temáticas e construir a ideia subjacente de
que um governo cuja estratégia econômica esteja centrada no dispêndio público é intrinsecamente
corrupto. Impõe-se no imaginário popular que o governo gasta demais não porque seria necessário,
mas porque existiria um custo implícito relativo à corrupção em cada gasto público.
Os que acreditam no que dizem os grandes órgãos de imprensa têm a certeza de que, sem os
corruptos, estaríamos na Suécia. Ou seja, mesmo que os economistas ortodoxos mais sérios não
coadunem com a formulação, vende-se subliminarmente a ideia de que, uma vez resolvida
corrupção, as eventuais necessidades de ajuste fiscal seriam minoradas.
Desde as eleições de 2014, quando a coalização liderada pelo PT sinalizou claramente que
aprofundaria o projeto neodesenvolvimentista na direção das grandes demandas apresentadas nas
ruas em 2013 e fez a opção política de incorporar a agenda econômica da oposição de direita
derrotada no segundo turno, o terreno ficou mais fértil para soluções de ordem fascista. O golpe foi
viável porque a escolha não trouxe os apoiadores do adversário e corroeu a base social de apoio ao
governo.
Instalou-se, então, uma clássica crise de hegemonia no sentido Gramsciano, com uma separação das
grandes massas de suas ideologias tradicionais e o abandono de suas crenças anteriores. Os
representados da nossa democracia não mais se enxergavam em seus representantes.
A grande mídia assumiu a liderança da classe dominante e desde então tenta impor sua pauta. Os
partidos tradicionais de direita hoje desapareceram como força eleitoral e estão a reboque da
extrema-direita, da solução fascista. Nos termos de Polanyi: “A solução fascista do impasse
atingido pelo capitalismo liberal pode ser descrita como uma reforma da economia de mercado,
alcançada ao preço da extinção de todas as instituições democráticas, tanto no campo industrial
como no político”.
A lembrança da bonança da gestão do ex-presidente Lula ainda oferece alguma resistência pelo
Lulismo. Esta resistência não foi suficiente, contudo, para impedir que seu líder fosse preso e
impedido de disputar as eleições.
As possibilidades reais de vitória fascista no processo eleitoral nos remete de volta a Paxton e seus
cinco estágios para ascensão do fascismo. Seu texto, que ajuda muito a compreender o que se passa
no Brasil de hoje e os perigos do porvir, apresenta com três questionamentos que devemos fazer
sobre os movimentos neo ou protofascistas que os permitiria superar um estágio nos quais seria
impossível detê-los:
“1. Eles estão se tornando enraizados em partidos que representam grandes interesses e
sentimentos e conseguem ampla influência na cena política?
2.O sistema econômico e constitucional está num estado de bloqueio aparentemente insolúvel pelas
autoridades existentes?
3.Uma rápida mobilização política está ameaçando sair do controle das elites tradicionais ao
ponto que elas busquem ajuda para manter a ordem?”
Intuitivamente se percebe que as respostas para o cenário brasileiro não são muito animadoras. E
fica a pergunta: O que fazer?
Retomando Gramsci, o cenário continua incerto. A crise de hegemonia ainda não se resolveu com a
retomada do controle pela classe dominante. A maioria da população ainda aposta no processo
eleitoral como caminho para a volta da normalidade. Os setores conservadores que deram o golpe
ainda não sabem exatamente qual o objetivo a não ser a definição de um inimigo, como nos
fascismos, no caso o PT e a esquerda (inclusive aqueles que se opuseram ao PT pela esquerda).
E mais uma vez voltando a Paxton, há no fascismo “uma visão conspiratória e maniqueísta da
história como uma batalha entre os campos do bem e do mal, entre os puros e os corruptos, da qual
a própria comunidade ou nação é sempre vítima”. O anúncio por Jair Bolsonaro de que sua derrota
só poderia ocorrer em caso de fraude, dá uma sinalização de que caminho eles pretendem trilhar. O
combate ao fascismo agora precisa ser franco, aberto e ousado. É tempo de uma frente ampla
antifascista não apenas nas urnas, mas também nas ruas.
Esse fenômeno mundial merece ser explicado. A legitimidade da democracia liberal repousa
paradoxalmente sobre a sua capacidade de integrar uma lógica de proteção social e redistribuição
o que permite às classes populares sustentar, mesmo que de forma conflituosa, o sistema
político. Mas o neoliberalismo bloqueou essas possibilidades e grande parte das forças políticas
de esquerda, em especial a tradição socialdemocrata, ao se alinhar com essa lógica neoliberal
perde as suas bases sociais. É o que explica o sucesso dos partidos hiperautoritários, como o Lega
na Itália, que operam em duas frentes: com a promessa segurança policial e militar da sociedade e
com políticas muito favoráveis às empresas e aos mais ricos.
Penso que essa perigosa fase que nós atravessamos está marcada por um novo neoliberalismo
que canaliza e explora os ressentimentos, as frustrações, o ódio, o medo de diferentes frações da
população, dos pobres e dos ricos, para direcioná-los contra bodes expiatórios. Esses últimos
podem ser imigrantes, pessoas consideradas preguiçosas, vagabundas, parasitárias, as minorias
sexuais ou étnicas, partidos ou líderes políticos de esquerda, pouco importa. O neoliberalismo,
para evitar seu questionamento, sobrevive do ódio e mobiliza paixões violentas como fez o
fascismo e o nazismo.
Mas há outra dimensão a ser levada em conta. A democracia precisa possuir uma memória de si mesma, isto é, o
reconhecimento de que a democratização é um processo sempre inacabado, que precisa constantemente se
conectar com seus ideais para renovar suas forças no embate contra a acomodação e a oligarquização. Caso
contrário, veremos outro tipo de esquecimento, o esquecimento das promessas centrais que a própria democracia
faz: as promessas da igualdade política entre os cidadãos e da construção da autonomia coletiva, isto é, a
instauração de uma sociedade em que as pessoas, em conjunto, são capazes de definir os rumos de suas vidas. A
democracia que lembra de si mesma é a democracia que não se contenta com o ritual eleitoral, nem se acomoda à
opressão e à dominação. Para ser mais sólida, a democracia não pode se limitar ao mínimo – deve buscar uma
aproximação sempre maior a seu próprio ideal normativo original. É aí que a memória leva à imaginação, à busca
por novas e mais igualitárias formas de organização do mundo social.