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No escuro deve ser projectada a seguinte legenda, enquanto se ouvem sons de água a
PRÓLOGO
homem está sentado a uma mesa, num quarto. Vê-se que está cansado e confuso. Uma
Homem – Já não sei como tudo começou. Provavelmente começou muito antes de eu ter
capacidade de me lembrar. Nem sei porque me dou ao trabalho de registar isto. Já está
tudo registado. Isto… o que penso… o que sinto… Será que interessa a alguém? Já
foi… Já passou… Já não vou a tempo de apagar. Bebe um copo de whisky. Torna a
encher o copo. Gotas de suor caem pela testa. Já nem sei se é mau. Se é… Já não sei o
que é. Ou melhor… o que foi! O Homem precisa de ser domado. Não é só o cavalo ou o
leão. O Homem… mais do que qualquer outro animal. Mas… assim? Com o fogo da
verdade irreversível que queima? Se calhar sim… Ou se calhar não… não sei… já não
sei. Mas se não souber eu… que anotei tudo… quem vai saber? Vou continuar a
anotar… Vou anotar o que sinto… Roubem-me a alma, mas não me roubem a raiva. A
1 – ÉDITO DE FÉ
Um grupo de Freis canta Veni Creator Spiritus. Um casal passeia. Estão apaixonados.
Mulher – Há-de haver forma de não me deixares amarga. Há-de haver forma de te
arrependeres. Só vens ter comigo à noite. Quando ela não pode fazer-te “a dança”.
Cabrão.
1ª Mulher – Já viram a vaca? Hoje já levou mais caro. A continuar assim tenho que ir
2ª Mulher – E como ela olhou para nós? Como se tivéssemos obrigação de comprar ao
3ª Mulher – Parecia doida. Com olhos de bruxa. E o sorriso dela a gozar connosco?
Sempre de lado e com olhos de porca? Estava capaz de lhe dar com uma garrafa na
4º Mulher – Uma garrafa vazia? Tenho no lixo lá em casa. Mas ela é que devia dar um
3º Homem – Heh! Calma. A que fica a sul do oeste é minha, e sempre foi desde os meus
tetravós.
4º Homem – Bem, se querem continuar meus amigos têm que confirmar, se alguém
perguntar, que a que fica a norte do leste é, sempre foi, e sempre será, minha.
Os 4 – Ele que venha cá dizer que é dele. É dele o caralho. Que Deus me perdoe.
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1ª Mulher – Eu? Eu só faço magia branca. Uso os meus poderes para as minhas filhas se
casarem com um homem, cada uma, bem entendido, que as ame. Não estou cá para me
2ª Mulher – Tal e qual eu… Não vou andar aí a fazer mal às pessoas!! Só quero que as
minhas filhas casem com homens bem parecidos, que tenham muito dinheiro, e que não
olhem para mais nenhuma. Os meus feitiços são de amarração. A única coisa que fazem
é impedir que eles se apaixonem por outras e força-os a serem fiéis às minhas filhas.
3ª Mulher – Mas nós somos boas pessoas. Filhas de Deus. Só queremos é impedir que o
mal desabe sobre as nossas filhas. Por isso fazemos feitiços bons. Brancos. Que fazem
com que os estouvados dos homens olhem… para as nossas filhas. Eles têm que saber
que elas são o melhor para eles. E eles para nós… se forem ricos. Ri. As outras
4ª Mulher – Claro. Nós somos movidas por bons sentimentos. Agora… aquela? É uma
megera. Só faz mal aos outros. E só tem inveja. Lá porque tem um marido rico que lhe
dá vestidos de seda acha que é melhor do que as outras. É má! Má! Má! Nem sei como
é que ele ainda está com ela e não lhe dá uns açoites.
Mulher – Amor! Vende-se amor. Amor de trazer por fora. Amor para consumir aqui e
agora. Quem nunca amou? Quem não quer repetir o amor? Chorar de novo por amor?
Por uma pequena quantia eu dou-vos isso. Amor, choro e sofrimento. Para consumir
aqui e agora. Ri e chora como louca. Amor, amor, amor, amor vermelho, ao rubro.
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O grupo de Freis continua a circular recitando Deus qui corda fidelium. Olham de
soslaio para quem está na praça que continua a falar mas “sem som”. O olhar dos
Alguns adolescentes brincam de forma violenta dizendo coisas como: És parvo! O meu
Ela – Meu querido! Estou a guardar-me para ti! Á parte. Espero que ele e o Frei Diogo
A mulher ciumenta – Antes, sequer, de dares por isso, vais estar a implorar-me para
entrares na minha cama! E, essa, vai estar com a corda na garganta… ou pior! Ri.
Cristãos! Ouçam! Prestem atenção. O próximo grande espectáculo público está a ser já
preparado. É importante que estejam atentos e dêem informações sobre algum destes
casos. Em causa está, não só, a recuperação da ordem, como, também, o bom caminho
recuperação da moral e bons costumes. E não vos deixeis cair em tentação. O vosso
Deus Todo Poderoso; que não professem nem cumpram a lei cristã; que pratiquem
sodomia; que pratiquem adultério ou bigamia; que não cumpram a moral e bons
costumes; que não vão à missa nem pratiquem a religião católica; que sejam ou
manifestem práticas de judeus … este já disse… mas que fique bem claro; que
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pratiquem actos de bruxaria; que, de uma forma ou de outra, desonrem a ordem, a Igreja
possibilidade de se vingarem uns dos outros. Uma mulher surge de repente. Vem
afogueada.
Mulher – No meio dos esconjuros, perdi a noção do tempo. Aconteceu qualquer coisa.
Eu sei. O que foi que aconteceu? Digam-me! Reparamos que traz nas mãos um coelho
morto. Um dos soldados dos tambores deixou-se ficar para trás. Outro, reparando no
Guarda – Isto está a ficar mal parado Beatriz. O povo quer ver fogueiras e sangue. Está
tudo desalmado. Tens que parar de surgir assim, de repente, e a dizeres essas coisas.
Beatriz – Não me digas, João de Menezes. Ri. Tu, tão forte, tão másculo, com medo de
meia bagatela de gente miúda que não vale a sopa que come? Hoje vais ter comigo? De
repente fica lasciva. Vais ter comigo a que horas? O vinho já fermentou. Está à tua
espera!
João de Menezes (tenso) – Beatriz, deixa-te disso, estou a falar a sério… as pessoas
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Beatriz – As pessoas sempre foram ferozes. Nunca deixaram de o ser. Nem deixarão.
João de Menezes – Valha-te Deus, mulher. Não digas essas coisas. Ainda alguém te
ouve.
comigo, eu sei. Mas não sejas medricas. Ninguém nos ouve. Vens ter comigo logo? Sim
ou não?
João – Já sabes que é o que me faz viver. São os momentos em que estou contigo. Claro
que sim.
legenda:
2 – DENÚNCIA
seguem.
Mulher – Eminências, venho denunciar a filha dos Monteiro. Ela pratica bruxaria.
Ainda ontem a vi, ao luar, a dançar e a dizer conjuras contra a nossa Madre Igreja
Mulher – Eu sei monsenhor. Tenho a certeza absoluta. Vi com estes que a terra há de
comer.
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3º Inquisidor – Atenta bem no que dizes mulher. Nosso Senhor não dorme. Tudo ouve e
tudo vê. Se levantares falsos testemunhos irás pagar no juízo final. Como se chama a
herege?
Mulher – Maria Felipa Monteiro, Monsenhor, a minha palavra é de honra e apenas zelo
pelo interesse da Santa Igreja Católica. Aquela mulher pactua com Satanás. E deita os
4º Inquisidor – Então vai com Deus, mulher. Paz à tua alma. Está bem feito o que
fizeste.
homens.
André Gonçalves. Ele reúne com judeus e celebram cânticos deles. Por várias vezes os
ouvimos, à noite, quando passávamos pelas terras que nos pertencem e que ele roubou.
2º Homem – É sabido que as terras nos pertencem. É sabido, também, que eles se
endinheiram à nossa custa. Além disso riem alto quando juram que têm mais ouro do
3º Homem – Ainda ontem os ouvi dizer que, mais cedo ou mais tarde, iriam ter mais
2º Homem – Não sabemos Monsenhor. É tudo feito com muito segredo e a altas horas
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3º Homem – Sim, quando íamos ver das nossas cabras.
4º Homem – Sim Monsenhor. Partilhamos as terras com a erva mais fresca para ficarem
bem alimentadas.
4º Inquisidor – O Senhor esteja convosco. Boa acção a vossa. Vão em paz e estejam
mulheres.
1ª Mulher – Eminências, vimos denunciar a Catarina Ruiz. Ela é judia. Ainda ontem a
vimos pôr de lado carne de porco e, em vez disso, comer legumes. Ela não vende carne
de porco na feira e, além disso, cada dia que passa vende as coisas mais caras.
2 ª Mulher – Ora, toda a gente sabe que os judeus só pensam em fazer dinheiro e mais
dinheiro à custa da desgraça dos outros. E depois dizem que é com trabalho.
3ª Mulher – E ela faz farinheiras em vez de chouriço, para disfarçar. Para pensarem que
4ª Mulher – Mas celebra o sabbath como se fosse o dia do senhor. Não temos dúvidas
de que é judia e, pior ainda, influencia os outros a juntarem-se a ela. Aqueles que se
4º Inquisidor – Já é tempo de meter ordem nesses inimigos da Fé. Não podemos tolerar
mais isto. Dois séculos de fogueiras ainda não foram suficientes para eles aprenderem?
da Fé. Mas que havemos de fazer? A mão de Satanás ainda é muito forte e astuta. Ele
consegue ludibriar a alma dessa pobre gente. Infelizmente são eles que têm que servir
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1ª Mulher – Não queremos o mal de ninguém, Monsenhores, apenas acreditamos que a
ordem deve ser mantida e que a segurança da população deve ser defendida.
3ª Mulher – Vossas Eminências não sabem o pesar que nos causa ter de a acusar. Mas
2ª Mulher – Tudo o que queremos é o nosso bem e o bem de todos os filhos de Deus
Nosso Senhor.
4ª Mulher – Deus é nossa testemunha. Ele sabe que não queremos mal a ninguém mas
não podemos ver alguém a manchar a Santa Madre Igreja sem fazermos nada.
1º Inquisidor – Não se preocupem, mulheres, sabemos que são gente de bem. Qual é o
vosso nome?
Monsenhores.
guarda.
1º Inquisidor – Sodomia? Isso é uma acusação muito grave. Como sabes disso homem
de Deus?
Guarda – Várias vezes a vi a fazer conjuras com coelhos mortos e ele costuma aliciar os
rapazes para fazerem a “dança” referida. Se não fosse a grave ofensa à ordem e moral,
que estas práticas envolvem, nunca teria a iniciativa de tamanha acusação. Mas sabendo
que em causa está a segurança das nossas famílias e dos homens do Senhor Nosso Rei e
do Senhor Nosso Bom Deus não podia ficar de braços cruzados. Por essa razão, mais do
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que suficiente, decidi responder ao pedido do último édito de fé e cumprir o meu dever,
Monsenhores.
4º Inquisidor – Vai em paz, meu bom homem, iremos zelar pela ordem, pela moral,
nossa Santa Igreja ainda tem inimigos. Amanhã, pela manhã, têm que ser todos presos.
tenham uma posição igual à dos nossos Santos cidadãos. Frei Jerónimo, anotou todos os
Frei (dominicano) Jerónimo – Sim Monsenhor. Está tudo em ordem e pronto para
execução.
de vir acusar Catarina de Andrade. Ela é uma feiticeira que faz magia negra e
2ª Mulher – E o marido, José Sousa de Andrade, é bígamo. Casou com ela e ainda tem a
3ª Mulher – Aquela casa vive segundo as leis do demónio e é urgente fazer qualquer
coisa.
4ª Mulher – Ninguém sabe de onde lhes vem o dinheiro e eles estão sempre a comprar
1º Inquisidor – Bonito. Ainda mais esta. Como sabem que ele é bígamo?
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2ª Mulher – A mulher dele, a primeira, andava há uns tempos muito fraca e sempre com
4ª Mulher – Jurou que ninguém tinha sido enterrado na semana em que ela desapareceu.
A 2ª – Esta Catarina e…
A 3ª – Apresentou-a como …
As quatro entre si – Ora, nós conhecíamos e conhecemos a Francisca. Além disso esta
Catarina dança nua nas noites de lua cheia. Sim, eu também a vi. E eu também. (Tudo
Inquisidores olham uns para os outros. Abanam a cabeça. Olham para “os céus” e
seguinte legenda:
3 – AUTO DE FÉ PRIVADO/TORTURA/INQUÉRITO/CONFISSÃO
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A cena seguinte passa-se às escuras. O público não deve ter acesso visual à
ouvir-se, também, sons de potros e de polés a apertarem, bem como gemidos e gritos.
nua nas noites de lua cheia? Praticas feitiçaria? Bruxaria? Confessas ter práticas da
dança de sodomia? És casado duas vezes e ambas estão vivas? És inimigo da Santa
Os inquiridos (devem alternar as várias respostas com gritos) – Sim, confesso e quero
regressar a Deus. Nunca fui Judeu. Não sou dado a práticas judaizantes. Sim, fornico
com o Diabo. Sim, sou bruxa, feiticeira, tudo o que quiserem. O vosso Deus é um Deus
mau. Nunca pratiquei sodomia. Sim, pratico sodomia e gosto. Arrependo-me de ter
desonrado a Deus e à Santa Madre Igreja desonrando as mulheres com que casei. Sim,
falo com Satanás, durmo com ele. Ele é o meu senhor. É ele o verdadeiro Deus.
Mezeltof. Deus, recebe-me de volta. Meu Bom Deus, eis-me devotado/a a ti. Etc.
4 – ÉDITO DE FÉ
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Homem (subindo a um cadafalso, enquanto alguns soldados tocam tambores) –
Cristãos! Ouçam! Prestem atenção. O próximo grande espectáculo público terá lugar no
não levam hábito, os relapsos e os relaxados em carne bem como dois outros que, um
por ter morrido e outro por ter fugido, serão relaxados em efígie cuja execução será
levada a cabo pelo tribunal secular uma vez que, como é sabido, o Tribunal do Santo
Ofício não decreta a morte de ninguém. Nem tal coisa seria um acto cristão. Estará
presente o Senhor Nosso Rei, D. João V. Não será admitida a presença popular no Auto
local da queima que será anunciado a seu tempo. Nunca se esqueçam, Deus Nosso
Senhor tudo vê e a todos pune se pecarem. Fica assim cumprido este édito de fé, aos 22
Outubro de 1749.
jovem, cuja namorada foi condenada, revela tristeza. A luz deve baixar na cara do
jovem, cujas lágrimas caem pelo rosto enraivecido. Será projectada, no escuro, a
seguinte legenda:
5 – AUTO DE FÉ PÚBLICO
Vemos, num trono, D. João V e Dona Maria Ana da Áustria ladeados pelo
Inquisidor Mor. Ao lado deste, um notário. Do lado da Epístola deve estar o Inquisidor
que lê as sentenças. Do lado dos Evangelhos um coro de religiosos segurando uma vela
verde. Entre as duas áreas devem estar os penitenciados, com mitras de papel e
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relapso. Imediatamente na zona dos crentes devem estar vários elementos da nobreza e,
atrás destes, alguns da burguesia. Ouve-se o hino Veni Creator Spiritus e, logo a
seguir, um Prior diz a oração Deus Qui Corda Fidelium. Terminada esta, o mesmo
Prior faz a seguinte pregação: Começa o presente Auto com a celebração da paz, sob
profissão com uma Missa. Hoje, pelo facto dos levantamentos populares se terem
Domingos, por especial favor do seu Prior, o Senhor Cónego João Seabra, a quem
Portugal. Que celebra a Igreja com esta confirmação da Fé? A Eucaristia é sempre uma
de Nosso Senhor Jesus Cristo no Calvário. É, por isso, uma acção litúrgica, ou seja, de
culto divino, que realiza o fim latrêutico que anima toda a vida eclesial, porque a
principal finalidade da Igreja, dos seus fiéis e até de cada homem é dar glória a Deus.
Mas como a glória de Deus é, como já ensinava São Leão Magno, o homem vivo, a
reino dos Céus, majestoso pórtico que permanece indiferente às mais sublimes
artística ou outra. Para a salvação eterna, pouco importa o poder, a fidalguia, a beleza, a
inteligência ou a riqueza material do cristão. Não é por esses seus atributos que se lhe
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franqueará a porta do paraíso que, no entanto, se abrirá ante a singela grandeza de quem
tiver a dita de se reconhecer a si mesmo o que afinal todos somos nesta vida: pobres
entrega voluntária da vida por causa da fé, também é verdade que a Igreja tem admitido,
dos santos inocentes, as crianças assassinadas por Herodes no seu intuito de matar o
recém-nascido Rei dos Judeus, parece indiciar uma aplicação sui generis do conceito de
martírio, na medida em que aquelas crianças não eram crentes, nem morriam
caso, como a sua vida foi ceifada em nome do ódio anti-cristão, que movia o ímpio
tirano, a Igreja entendeu que lhes era devida a honra do martírio e, como tal, as festeja
uma última prece, pedindo à nossa Padroeira que seja agora de novo – como foi, em
1385, para o Santo Condestável e, em 1640, para El-Rei D. João IV – a nossa bandeira,
sob a qual nos comprometemos a defender a fé, para salvar Portugal. Ámen.
Notário – Maria Monteiro, por dançar ao luar, por culpas de feitiçaria e ter pacto com o
Notário – André Gonçalves, por judaísmo: açoites, hábito perpétuo e 3 anos para o
reino de Angola.
obrigado a ler a seguinte declaração: Eu, André Gonçalves, tendo sido trazido
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reverendíssimos Cardeais Inquisitores-Gerais da Comunidade Cristã Universal contra a
depravação herética, tendo frente a meus olhos os Santos Evangelhos, que toco com
minhas próprias mãos; juro que sempre acreditei e, com o auxílio de Deus, acreditarei
de futuro, em cada artigo que a sagrada Igreja Católica de Roma sustenta, ensina e
coração e verdadeira fé, abjuro, maldigo e detesto os ditos erros e heresias, e em geral
todos os outros erros e seitas contrários à dita Santa Igreja; e eu juro que nunca mais no
futuro direi nada que possa levantar semelhante suspeita contra mim; mas se eu vier a
Ofício ou ao Inquisidor Ordinário do lugar onde eu estiver. Juro, além disso, e prometo
que cumprirei e observarei todas as penitências que me foram ou sejam impostas por
este Santo Ofício. Mas se por acaso eu vier a violar qualquer uma de minhas ditas
seus Santos Evangelhos, que eu toco com minhas mãos, eu, abaixo assinado, André
Gonçalves, abjurei, jurei, prometi e me obriguei moralmente ao que está acima citado;
e, em fé de que, com minha própria mão, assinei este manuscrito de minha abjuração, o
Notário – Catarina Ruiz, por judaísmo: açoites, hábito perpétuo e 3 anos para o reino de
Angola.
Catarina Ruiz é mostrada com o sambenito com as chamas voltadas para baixo
e é obrigada a ler o seguinte: Eu, Catarina Ruiz, tendo sido trazido pessoalmente ao
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julgamento e ajoelhando-me diante de vós, eminentíssimos e reverendíssimos Cardeais
frente a meus olhos os Santos Evangelhos, que toco com minhas próprias mãos; juro
que sempre acreditei e, com o auxílio de Deus, acreditarei de futuro, em cada artigo que
a sagrada Igreja Católica de Roma sustenta, ensina e prega. Eu desejo remover da mente
concebida contra mim; portanto, com sinceridade de coração e verdadeira fé, abjuro,
maldigo e detesto os ditos erros e heresias, e em geral todos os outros erros e seitas
contrários à dita Santa Igreja; e eu juro que nunca mais no futuro direi nada que possa
levantar semelhante suspeita contra mim; mas se eu vier a conhecer qualquer herege ou
Ordinário do lugar onde eu estiver. Juro, além disso, e prometo que cumprirei e
observarei todas as penitências que me foram ou sejam impostas por este Santo Ofício.
Mas se por acaso eu vier a violar qualquer uma de minhas ditas promessas, juramentos e
Evangelhos, que eu toco com minhas mãos, eu, abaixo assinado, Catarina Ruiz, abjurei,
jurei, prometi e me obriguei moralmente ao que está acima citado; e, em fé de que, com
minha própria mão, assinei este manuscrito de minha abjuração, o qual eu recitei
Notário - João de Menezes, por práticas de sodomia. Abjurado. Cárcere sem hábito
Notário – Beatriz Mendes, por práticas de feitiçaria. Abjurada. Cárcere sem hábito.
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Beatriz Mendes é mostrada.
Notário – Catarina de Andrade e José de Andrade, por bigamia, práticas contra a Igreja
Católica de Roma e por pacto com o demónio: açoites, cárcere e hábito perpétuo sem
atadas. É-lhes colocado um livro à frente para lerem. Catarina e José começam por ler
ao mesmo tempo: Eu, Catarina de Andrade (José) e eu, José de Andrade (os dois) tendo
ruborizam, espumam pela boca) e sendo obrigado/a a ajoelhar-me diante de vós, escória
tendo frente a meus olhos os Santos Evangelhos, que cuspo com toda a gana, juro que
sempre acreditei em Satanás e que não acreditarei de futuro, em cada artigo que a Igreja
que Satanás é o Senhor, que a Igreja caia, que os vossos corpos se desfacham e que as
chamas vos engulam. Eu privei com Satanás. Eu forniquei com Satanás. Eu sou servo/a
de Satanás. Á morte. À morte. Que morra a Igreja. Que o mal se abata sobre vós.
Catarina e José. Quando estes asfixiam, são levados para fora de cena.
Notário – Acabo de saber através da linguagem universal do gesto, que suas Eminências
entregam os hereges à cúria secular para serem relaxados em carne. Na lista dos
Basílio, por culpas de solicitação ao sexo feminino. O mesmo morreu no cárcere, por
essa razão será entregue à cúria secular para ser relaxado em cadáver. Por último, o
Padre Miguel Sousa Arruda, Sacerdote do Hábito de S. Pedro, por práticas de sodomia e
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danças da mesma natureza com jovens do colégio de S. Domingos. O mesmo fugiu, ao
que consta, para Inglaterra. Como tal, será entregue à cúria secular para ser relaxado em
esfinge.
out em fade. Quando se atinge o escuro total deve ser projectada a seguinte legenda:
6 – ÚLTIMO ACTO
Grande aparato com rufar de tambores. Vários soldados estão em torno dos
cruz feita de palha e de ramos secos. A multidão come, bebe e rejubila em gritos como:
Mulheres (riem alto) – Agora vais saber o que é estar casada com dois homens!
Miguel Arruda, por atentarem contra a Santa Igreja Católica e contra a Nação pro
gravioribus. Que fique bem claro que, todos quantos saírem da ordem, da moral e dos
bons costumes, terão o tratamento que a seguir será mostrado neste palco e que se
comer e a beber.
O jovem soldado (gritando para Maria Monteiro) – Amo-te. Nunca te esqueças disso.
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Maria Monteiro – Eu tenho coragem. Apenas não acredito nos Homens. Amo-te. Sabes
disso (durante este tempo sentimos que Maria está muito debilitada).
O jovem soldado salta para cima do cadafalso e consegue beijar Maria. Dois
A prostituta chora e grita – Amor! Vende-se amor. Amor de trazer por fora. Amor para
consumir aqui e agora. Quem nunca amou? Quem não quer repetir o amor? Chorar de
novo por amor? Por uma pequena quantia eu dou-vos isso. Amor, choro e sofrimento.
Para consumir aqui e agora. Ri e chora como louca. Amor, amor, amor, amor vermelho,
parvo! O meu pai é melhor do que o teu! Tens os olhos tortos! Burra!!!
O resto da multidão exige aos relaxados que regressem a Deus – Abjurem. Morram
O rufar dos tambores anuncia a queima da fogueira. Ouve-se, ao fundo, o hino Veni
Creator Spiritus. A luz vai baixando até ao black out. Quando está tudo às escuras deve
ver-se uma tocha a acender. Ouvem-se gritos e sons de labareda. Ouvem-se gritos de
EPÍLOGO
Um homem está sentado. É velho e enrugado. Percebemos, pelos adereços, que se trata
do mesmo homem que notificava os éditos. Lê o que acabou de escrever – Por decreto
humanidade. Com o teatro infernal tentou-se, mais uma vez sem sucesso, impor o
modelo humano de humanidade. A perfeição continua a ser uma ilha distante e deserta.
No entanto morreram milhares para sabermos o que sempre soubemos. Mostramos para
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educar. Mas a educação morre como o veneno do doce a que chamamos pecado. O doce
O homem sente falta de ar. Tem convulsões. Tenta agarrar-se à mesa mas
continua em asfixia. Por fim amarrota a folha onde tinha estado a escrever e cai,
desvanecendo.
FIM
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