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AGRADECIMENTOS
10
Ida Elizabeth Cardinalli
12
Os sintomas esquizoírênicos segundo o ponto de vista
4. A DASEINSANÁnSE DE MEDAED BOSS 77
da psicopatologia daseinsanalítica 150
A dasdnsanálise dlnica 78
Distúrbio do pensamento 151
A dasdnsanálise e o método de investigação
Ddírio 151
fenomenológico-existentíal 80
Distúrbio da percepção.,». 1^3
A daseinsanálise e a fenomenologia 81 Alucinação .". 1^3
A dasdnsanálise e«a existênda .". 90 Distorção da percepção visual ; 1^5.
A dasdnsanálise e a etiologia 94 Perturbação do sentimento doeu e despersonalização 155
. A relação de determinação temporal 97 Perturbação da afetividade - 157
A ínfluêntía da época., 100 Autismo ." 158
Comentários sobre a perspectiva dasdnsanalítica Considerações sobre a discussão de Boss
acerca da génese motivadonal da patologia 102
sobre os sintomas esquizoírênicos descritos
/
. pdã'psiquiatria dássica •
5. A PSICOPATOLOGIA DASEINSANALniCA 105
A saúde e a doença , „ .107 CONSIDERA-ÇÕES FINAIS : 1^3
iVIodos de existir saudávd, nemótico e psicótico 112
A neurose 113 EEFERÊNCIAS BIBUOGRÁFICAS 171
A psicose 117
A classificação das patologias psíquicas 118
Ser-doente caraderizado por uma perturbação
prevalente na corporddade do existir 120
Ser-doente caracterizado por uma perturbação
prevalente na espadalidade e na temporalidade
de seu ser-no-mundo 122
Ser-doente caracterizado por mna perturbação
prevalente na realização da afinação existencial... 124
.Ser-doente caracterizado por uma perturbação
prevalente na realização do ser-aberto
e da liberdade 127
6. A ESQUIZOFRENIA 129 •
A limitação e a des-limitação na esquizofrenia
e na neurose obsessivo-compulsiva 139
Descrição de um paciente esquizofrénico
atendido por Boss ; '. 141
Algims apontamentos sobre a psicoterapia
com esquizofrênicos 147
14
INTRODUÇÃO
17
Ida Elhaheth CaTdinalU Introdução
nas abordagens filosóficas fenomenológica e existencial Para destacar a complexidade do estudo desta temáti-
contribuía com um novo esclarecimento acerca das patolo- ca, lembremos apenas a variedade de concdtualizações e
gias e das intervenções, pois focaliza a compreensão da vi- definições da esquizofrenia, dtando os autores mais anti-
vência do paciente e considera o que é específico do existir gos e consagrados em cada área de pesquisa, tais como:
humano. psiquiatria dássica (Kraepelin, E. Bleuler, Ey, Kretschmer,
O pensamento filosófico fenomenoIógíco-exístendaJ, Schneider e outros) fípsiquigfria fenomenológica (Jaspe|s,
especialmente o hddeggeriano, além de contribuir para a M.'Bleuler, MJnkowsMTBinswãnger; Van den Berg); psíca-^-,
compreensão das patologias denominadas mentais ou psí- nHisefreudianae os'diferentes seguidores de Freud (Klein,
quicas, oferece dementos importantes para a discussão dos Bion, Lacan, Winnicott e oufros); epsicología analítica de Jung.
fundamentos que embasam as diversas teorias sobre as pa- É importante esclarecei, tendo em vista este grande
tologias humanas. leque de formulações teóricas sobre a esquizofrenia, que o
Consideramos oportuno, assim o estado da teoria da. nosso trabalho não pretende apresentar um estudo compa-
esquizofrenia bossiana pois, como da está orientada pelo rativo enfre estas teorias e a de Medard Boss.
pensamento heideggeriano permitirá não apenas esdarecer As ideias de Boss, quando de pensa as patologias em
as patologias, mas também destacar questões e elaborar geral e as patologias denominadas genericamentepdapsi-
questionamentos importantes para a compreensão da expe- quiatria como mentais ou psíquicas, são peculiares se forem
riênda sadia e patológica do homem. comparadas" com as desses autores mendonados, com exce-
ção às dos psiquiatras fenomenólogos, pois, de um lada, de
A esquizofrenia é uma das manifestações mais-seve- discute os fundamentos epistemológicos subjacentes às teo-
ras das patologias psíquicas e tem representado um grande rias psiquiátrica dássica e psicanalíticafreudiana,explLci- •
desafio para muitos estudiosos, em rdação tanto à sua das- tando a referenda básica que orienta as definições de ciên^
siflcação, àdescrição dos sintomas e ao esdaredmento-es- da, do-^homem e das patologias, e, de oufro lado, assume
pecífico desta problemática, quanto às propostas de fratar um oufro fundamento, exphdtado no pensamento hddegge-
mento que permitam minorar- o sofrimento dos padentes e riano, para compreender o existir humano nos seiís modos
de seus familiares. saudáveis e patológicos.
O quadro patológico denominado esquizofrenia, des- /BOM não foi o primeiro estudioso que se interessou
de quando foi cunhado por Eugen Bleuler, em 1911, sofreu pdo pensamento filosófico para pensar as patologias, pois
na história psiquiátrica inúmeras redefinições e revisões na antes já existia na Europa um grupo de psiquiafras {JasperS;,
descrição dos seus sintomas. Não pretendemos apresentar o Binswanger, E. Straus, Von Gebsattd, R.Xuhn e oufros) que
histórico desse conceito nem as revisões daboradas pdos buscou nas proposições husserhanas e hddeggerianas de-
diferentes autores que pesquisaram sobre esta patologia, mentos para repensar os quadros patológicos, a psicotera-
porque isto foge do âmbito da nossa pesquisa. pia e a psicanálise.
18 19
Introdução
21
•Hdamzàbeth Cardtnalll Introdtiçãtt
também para orrentar o esdarecimento tanto dos processos Uma vez que o próprio Boss reconhece que sua teoria .
terapêuticos quanto dos modos específicos como alguém é apenas um esboço inídal para a construção de mna teoria da
realizajfll viver. psicopatologia ^daseinsanalítica, já sabemos de antemão que
. uiA;^'^^^dn)jl988] não atribui erros graves aos estudos de não encontraremos um quadro teórico conípleto da patolo-
" ( B ^ w a n ^ T í o S ^ , uma vez que estes jãocompreenderam gia esquizofiênica. Mas, mesmo assim, consideramos opor-
asgSãsggmvõívidas èm Ser e tempo gleidegger, 1927} como tuno o estudo da teoria da esquizoôenia.bossiana, pois acne--
uma teona descritivalo homem ou como uma teoria pres^- ditamos que este permitirá ésdarecer.o tipo de contribuição--,
tiya do processo terapêutico. Mas, ao mesmo tempo, de con- decorrente do encontro entre o estudo dos fenómenos sadips-
sidera que a apficação do pensamento hddeggeriano para e patológicos do existir hmnano-.e a refiexão filosófica da
discutir e ampliar a psicanálise foi prematura, pois os aspec- existênda humana orientada pda ontologia hddeggeriana.
tos centrais da "analítica do Dasein foram usados como
novos dementos para pensar o processo terapêutico: Este hvro apresenta o texto daborado para a disserta-
ção de mestrado do Pós-Graduação. de Psicologia Clinica da.
Sobretudo Binswanger e Boss apelaram multo cedo a Ser e PUC-SP apresentada em 2001, com algumas modiBcações,
Tempo para criticarem, corrigirem e ampliarem a psicanálise
tais como a atualização das referendas indicadas' no livro
pda interposta via heideggeriana. Não a olharam tanto como
xmia nova teoria do homem, descrição^ a ser convertida era
Seminários de Zollikon, considerando a publicação recente
prescrição nos processos terapêuticos e investigatórios da desta obra em português. .•
psicanálise. Ser e Tempo representou paia des o novo modo Na pesquisa, foi examinada a teoria da esquizofrenia
de çereeher a existênda a partir de um paradigma que supe- de Boss, procurando-se, para esta daboraçâq, detectar a re-
rasse o dualismo cartesiano, a teoria da hegemonia de cons- cepção das iddas hddeggerianas e explidtar sua contribui-
ciênda, a relação sujdto-objeto. (Stein, 1988, p. 127) ção para o esdarecimento dos fenómenos humanos sadios e
patológicos.
Loparic diz que Binswanger e Boss procuraram traba- Para tanto, é analisado, primdramente,. coiho Boss
lhar com os existendais específicos do campo da psiquia- entende_ejitilizaj) ao f o r m u ^
tria, mas assinala que Boss não conseguiu avançar muito sua teoria da psicopatologia, destacaiidò-seTs inidagações e
em rdação ao que foi apontado por Hddegger nos Seminários aTrespõstã:s~que encolãtiã'nÍs iddas de Hddegger. Em se-
de Zollikon (1987): "Boss tentou fazer este trabalho em seu guida, são apresentadas as iddas de Boss rdativas às pato-
GmndzUãe derMeãizin und Psychologie^ (2.- ed. 1975). Mas logias psíquicas, em especial a esquizofienia.
de pouco avançou (...)" (Loparic, 1999, p. 121). Tendo em vista os objetivos já descritos, o livro está'
organizado em sds capítulos.
Loparic refere-se à obra de Boss, que será utilizada neste trabalho
na sua versão para o inglês, denominada Existential Foundation of
Medicine & Psychology (1979al
22 23
Ida Elixabeth CarãinaUi Introdução
Inicialmente, apresenta-se um pequeno esboço das saúde. Em seguida, são apresentadas as diferenciações entre
ideias dos autores mais representativos da psiquiatria feno- os modos saudáveis, neuróticos e psicóticos, e a classifica-
menológica, situando-se as críticas e o entendimento das ção dasdnsanalltica das doenças.
patologias psíquicas aí desenvolvidas. • O sexto capítulo descreve a compreensão da esquizo-
P segundo capítulo mostra a trajetóiia de pensamen- frenia segundo Boss, estabelece as diferenciações possíveis
to de-Boss, os questionamentos em relação à Ciência Natu- do concdto de lúnítação e des-linntação na esquízoírema e
ral, à psiquiatria chamada clássica e à psicanálise freudia- em outras patologias. Apresenta o relato de um padente,
na, para destacar as questões 'que o motivaram a procurar esquizofrénico, descrito por Boss, para ilustrarcomo o au-
novos fundamentos para as teorias psiquiátricas e psicoló- tor pensa o modo de existir esquizofrénico, e alguns apon-
gicas no pensamento heideggeriano. tamentos sobre a psicoterapia com esses padentes. Final-
O terceiro capítulo exphcita as principais ideias de mente, será mostrado como Boss pensa os sintomas esqtá-
Hddegger sobre o existir humano como Dasein e como ser- zoírênicos descritos pda psiquiatria dássica.
no-mundo. Fdta a^iferendação entre a analítica do Dasein Nas Considerações Finais, retomamos as ideias do au-
e a daseinsanálisWé possívd esdarecer as dimensões dos tor em tomo do tema, indicando alguns aspectos que nos
fenómenos ontológicos e ôntícos, bem como assinalar as pareceram necessários para aproftuidar esta discussão.
indicações hddeggerianas para o entendimento da psicote-
rapia e da psicopatologia.
Os próximos capítulos expõem as proposições bossianas
no campo da psicopatologia e da psicoterapia. O quaxto
capítulo situa, em linhas gerais, a formulação de Boss sobre
a dasetnsanálise clínica, esdarecendo o método de investi-
gação daseinsanalítico, denominado fenomenológico e.exis-
tendal, e, íinalmente, apresentando a compreensão de gê- •
nese motivadonal no desenvolvimento dos modos saudá-
veis e patológicos.
O quinto capítulo mostra como o concdto gdral de Boss
de saúde e de doença está apoiado nas indicações hddegge-
rianas, ao definir a doença como privação das condições de
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1
ESBOÇO DO PENSAMENTO D A
PSIQUIATRIA FENOMENOLÓGICA
27
• Jãa mizabeth CariinaW Esboço ão pensamento da psiquiatríajenomenolôgka
visando destacar os questionamentos compartilhados por es- • À fenomenologia compete apresentar de manara viva, ana- '
ses pensadores. Também pretende assinalar algrunas das di- lisar em suas rdações de parentesco, delimitar, distinguir
ferenças de posição por eles assumida. de forma mais precisa possívd e designar com'termos fixos
Esses pesquisadores encontraram - num primeiro os estados psíquicos que os pacientes vivendam. (2000)
momento, no pensamento de Husserl e, num segundo, no
de Hddegger - elementos para que seus estados dos fenó- A fenomenologia, segundo Jaspers, pretende tantq
menos patológicos não maisficassemrestritos ao modelo captar a vivenda do indivíduo psiquicamente doente,-isto '
de pesquisa da Giênda Narinul. Encontraram no pensamen- é, aquilo que é "vi-vido diretamente" por de, quanto descre-
to filosófico fenomenológico e existendal-uma possibilidade . ver de "maneira viva os estados psíquicos quê os padentes.
de compreender as doenças na sua espedfiddade íiumana. •vdvendam", conforme afirma: ' ^
Estes estudos apresentam, também, a influêntía de outros
filósofos como Díifhey e Bergson, conforme será apresenta- O importante na fenomenologia é, portanto, exercer a 'vi-
do oportunamente. são pregnante do que é vivido diretamente pdo doente a
fim de poder reconhecer o que' há de idêntico dentro da
Segue-se uma breve apresentação do pensamento de multiplicidade. pOoidem, p. 733
importantes teóricos da psiquiatria fenomenológica.
n Ao mesmo tempo, Jaspers esdaiece qiie seu trabalho
não é um representante estrito da corrente fenomenológi-
ca,^ pois é também uma psicopatologia compreensiva. Aqui
Karl Jaspers è considerado como o primeiro pesquisa- ele utilixa a âistinção de Diltiiey entre o " explicai" e o " com-
dor que aplica a fenomenologia busserliana/aos estudos preender", conforme mostra Pereira:
psicopatológicos. Esdarece que emprega a palavra^ "feno-
menologia" no primeiro sentido explidtado pOT Husserl, isto Jaspers, esse discípulo de Husserl, retoma a dássica distin-
é, como uma "'psicologia descritiva' dos fenómenos da cons- ção, introduzida por Dilthey, entre "explicar" [Erklliren) e o
dênda" (2000, p. 71), e não no sentido pleno do conceito "compreender" [Verstehen]. Preocupado em definir os mé-
husserliano da|i&Qr(m'en5lõgíã"'aditíc^voltada à essência todos próprios a cada Cíênda, Dilthey concebia a explica-
ção como o procedimento essencial da ciênda da natureza.
dos fenómenos. AssimrquãMTrffãnspõe a fenomenologia
Já as dêndas do espírito, incapazes de conferir a mesma
husserliana para o campo da psicopatologia, visando ao precisão a seus objetos, deveriam esforçar-se para estabe-
esclarecimento da "vivência psíquica individual" dos pa-
dentes (ibidem), este autor utiliza-a num sentido mais res-
trito do que o pretendido por Husserl, pois estabelece, ini- 2 Jaspers diz no prefádo da sétima edição do seu livro Psicopatologia
geral (2000, p. vii): "meu livro é, por vezes, designado como repre-
dalmente, os seguintes objetivos para setis. estudos: sentante da corrente fenomenológica ou da corrente compreensiva;
so em parte esta designafão é coireta, uma vez gue oseu sentido é'
mais compreensivo".
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Ida:Elizabeth Cardinalli Esboço do pensamento da psiquiatria fenomenológica
t
lecer as conexões de sentido entre os fenómenos sutis do da dimensão psíouica é restrito à compreensão eque açes-'
espirito, de modo a tomar acessível sua lógica interna. quisa dos aspectos físicos restringe-se às explicações cau-
(2000b, p. 6}
sais, pois os fenómenos psíquicos também podem ser estu-
dados e explicados conforme o moddo daCiênda Natural,
QuanddÍJasp^diz que sua psicopatologia é também quando se busca a causa do fenómeno psíquico nos aspec-
uma Vfisicologia compreensiva^'' pretende ir além da mera tos físicos ou somáticos do homem.vTodavia, para este aú-^.
descrição fenomenológica da vivência dos pacientes, visan- tor, as teorias psíquicas explicativas desrespeitam as unida-
do esclarecer o que ele denomina "conexões do psiquismo" des fenomenològicas e as conexões .compreensivas, e não
(Jaspers, 2000, p^3.6-lVNQ-e§darecimento das conexões do têm um estatuto de uma teoria universal, podendo .rio má-
psiquismo,'estabelece inna distinção entre^giodelo de cau- ximo apt^seatsir wm caiátei de utilidade momentânea, pois
salidade da gência Natural, que é denomimáoJlexali^cãQ para uma teoria ter um caráter univemal seria necessário o
causal de fora", da "causalidade de dentix)".^r^^gir.a:,_a confronto ou o "choque contra o incompreensívd" (2000,
exBncaçã,Q-causal-d&-fQra, é.aguda que estabelece as cone- p. 366J.
xões de_determmaçãQ^^ isto é, que visa idgHÍi&gax,e^>^
ocpiicar oíjjetivamente a regularidade entre os fatos.{A_se-^ Vê-se que a primeira tentativa de aplicação da feno-
^ u n d ^ "aexplicação de dentro", é denominada compreen-. menologia para o estudo das patologias humanas - a psico-
sao genétíc"ã"é préfgide esclarecer como um evento psígm- patologia de Jaspers - .apresenta determinados pontos que
co é seguido por outro; sendo assim, quer compreender, por permaneceram em outros estudos da psiquiatria fenomeno-
éxêmploi:'õsleguiiites fenómenos: as reações vitais, o desen- lógica, apesar de serem desenvolvidos de outros modos, tais
vôivunento das paixões^ o conteúdo do sonho, o ddirio, d c como: (a) a btrsca de fundamentosfilosóficosmais pertinentes
Jaspers assinala que o conhecimento advindo da com- à çonq)reensão do ser humano e das patologias humanas do
preensão genética depara-se com certos limites, se foy com- que os oferecidos pdo moddo da aência Natural; (b) o
parado com o proveniente da exphcação objetiva causal, uma question-amento do moddo explicativo causal da Ciênda
vez que de percebe que certos fenómenos psíquicos suce- Natural para o estudo dos fenómenos humanos, buscando
dem outros fenómenos psíquicos de tuna mandra hicom- outras formas de explicação e/ou compreensão para as pa-
preensívd. Diz Jaspers: "as etapas de evolução na Atida psí- tologias psíquicas, que na teoria de Jaspers é proposta como
quica normal, as fases e os periodos da anormal são sequên- uma compreensão genética dos fenómenos psíquicos; (c) a
cias temporais incompreensíveis" (ibidem, p. 41). consideração de que a posição fenomenológica oferece
elementos para o esclarecimento e a descriçã.o das ex-
O autor não nega que os fenómenos humanos possam periências dos padentes; (d) a proctura da descrição do que '
ser estudados através do moddo explicativo causal; no en- é vivido e experienciado pdo próprio paciente.
tanto, ressalta que as dimensões efetivamente humanas, as
dimensões psíquicas, são melhor apreendidas pda compreen-
são genética. Assim, diz que é erróneo supor que o estudo .
30 31
'"fdaMizabcth CardinaUt Esboço do pensamento da psiquiatnafenomenológica
32
33
Ida Elizabeth CardinàlU Esboço, do pensamento da psiquiatria fenomenológica
as coisas parecem feias, sujas, repulsivas e repugnantes. Deste O fenomenólogo que analisa a vivenda patológica con-
modo, assinala que o paciente não luta tanto contra coisas templa esta, em primtíro termo, não como modo (espéde)
repulsivas quanto contra -um clima geral repelente, isto 'é, concdtualmente ílxado de um género psicopatológico, a
contra um mundo de foimas decadentes e de poderes des- fim de refíetir sobre.da e continuar daborando, senão que
trutivos. O autor condui, em última análise, que esse mun- busca adaptar-se às significações que a expressão linguis-
tica do enfermo suscita nele e penetrar np próprio fenóme-
do é o resultado de um tipo concreto de obstaculízação contra
no anímico anormal indicado pela linguagem. (1973, p. 44)",
a auto-realização.
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ida Elizabeth Carãinálli Esboço do pensamento da psiquiatria fenomenológica
4
disso, pode deixar que a existência fale por si mesma, ou Para ele, a experiência natural é aquela queilui sem
seja, que os fenómenos sejam interpretados como "fenóme- obstáculos e problemas. Assim, a cadeia de eventos na ex-
nos de linguagem" (ibidem, p. 246]. periência é natural quando é iuerentemente consistente, ou
V £Õs estudos binswangerianos são batitulados "fenome-
i
seja, quando está em harmonia com as :coisas,- com os ou-
^ í p nologia categorial" por Ellenberger, nma vez que o mundo tros e consigo mesmo. Deste modo, a existência esqtdzofrê-
O^Q dos pacientes é descrito segundo categorias, tais como: tem- nica pode ser caracterizada pela mtcapacidadedo doente "de.. ^
^ I t) poralidade, espacialidade, causalidade e materialidade. Para 'deixar as coisasserem', num eiicontro imediato com das, ft.
-J?^^ Binswanger, o conhecimento da estrutura da existência, ou, em outros termos, pda incapaddade- dese morar sere- ^
çf '''t explicitada por Heidegger, fornece uma chave sistemática para namente com das" (Gambini, 2000, p. 2). ^
^ ? °i a kkvestigaçãQ imediata da análise existencial, pois ele biisca o Çaia Blnsvía.Tvge.r, também,'^ é .p.elo colapso na conais-
\ esclarecimento da existência dos pacientes baseado nos t ê n d a da experiênda natural que são compreendidas as
^ '\s ontológicos heideggerian^, conforme iios diz: outras manifestações esquizofrênicas, tais como o delírio de
perseguição, a incapacidade de encontrar saídas para sua
Sabemos que temos que verificar o tipo de espacialidade e própria existêntía, a formação de ideais extravagantes, até
temporalidade, de iluminação e disposição," a confígara- chegar à renúnda do reladonamento livre com o próprio
ção, matéria e movimento da concepção do mxmdo através estar-lançado.
da c[ual se orienta uma forma determinada de existência ou
Segundo Ellenberger, as propostas dá fenomenologia
sua configuração individual. (Binswanger, 1947) •
psiquiátrica e da anáhse existendal de Binswanger seguem
as seguintes distinções:
Assim, parajBiDSwanger/ as_patologias sãn descritas
* a análise existendal não se limita à.investigação dos
como flexões da estruturaJiDíológicado ser-af De.ste modo,
""êsíãdos da consdênda, uma vez que procura o esda-
os sintomas não são vistos como fenómenos isolados, mas
redmento da estrutura da existênda do individuo;
sim como pertencentes a um todo "no sentido da unidade
. a psipuiatria fenomenológica procura a unidade do
de um dese22ho do mundo" (ibidem, p. 251).
mundÕínterior do padente, enquanto a análise exis-
A esquizofrenia,^ segimdo esse autor, é descrita como
tendal pressupõe que um indivíduo pode viver em
inconsistência da experiência natural, cisão da consistência
dois ou mais mundos;
da experiênciaem alternativas contraditórias, encobrimen-
• ^ fenomenqlpgía só considera os mundos subjeti-
to e desg.astê~aãê5astèhcia.
vos imediatos da experiênda, enquanto a ap.álise.
existendal binswangeriana busca reconstruir o de-
senvolvimento e a transformação do mundo (ou dos
As considerações sobre a esquizofrenia, segundo Binswanger, foram mundos) do mdivíduo, implicando uma uivestiga-
baseadas no trabalho não publicado de Martha Gambini: "Binswanger ção biográfica (ín May et alii, 1977, p. 156).
tEdâegger. conjimfões e desencontros", apresentado no V Congres-
so de Psicopatologia Fundamental em 2000, mimeo. '
•3.6 37
Ida Elizabeth ÇardinaUi
38 39
• Ida Elizabeth Cardinalli Mcdard Boss e o debate com a psiquiatria clássica e a psicanálise Jfeudiana
até Sigmund Freud, com quem iniciei em 1925, era Vicnn, mas é com a ajuda das iddas de Heidegger que ele demons-'
minha análise didática, e C. G. Jung, ao qual me ligou niiilfi tra mmudosamente coino o pensamento das Ciências Natu-
tarde um trabaDio de dez anos. (Boss, 1997a, p, 6] rais é insufidente para a pesquisa do comportamento, pois
desconsidera "o caráter específico da existênda humana"
Segundo Boss, desde estudante de se preocupava com (ibidem, p. 7) quando assutne a \dsão de mundo cartesiana,
os limites dos estudos tíentíficos orientados pdo pensãmcnln que pressupõe a divisão sujdto-objeto." • - .
da Ciênda Natural para abordar e captar as caraderísticas Assim, foi artavés dos trabalhos-de Binswangergue_
espedficas do ser humano. Esdarece que esta preocupaçfto Boss percebeu que a ontologísLhddeggeriana,._ag pensar a
foi despertada durante seus estudos^^om Eugen Bleuler, o existênda humanaçomo ser-nõ-muhdo,.oferece-deanentg^
qual "me abrira os olhos para o fato de que as pesquisas para mtender o existir do homem-sem manter j^^^dMsão
tíentíBco-naturais não podem ter acesso justamente ao que cartesiana. S s m a í a , ' - ' p 6 T é m r ^ Binswanger
é propriamente humano de nossos doentes [in Hddegger, buscava no pensamento hddeggeriano dementos para re-
2001, p. 308). ver a psicopatologia, foram questões prioritariamente -tera-
As ideias de Binswanger, sobretudo nos textos que pêuticas que o motivaram para o estudo das ideias deste
questionam os fundamentos das teorias psiquiátricas e psíca- filósofo. Boss constata, emjeusjtgndmenfos psíçoterápí;::,
nãliticasdássicas, .e_que_seguem o p e n s a m ^ t o b u a s e r l i a n o ,e cos, a necess!5adé de regras interpretações teóricas da psi-
tódeggmanqjmra^a^da^ desp ertaram quiatria e da psiçariálise clássica^ respeito das dificulda-
e m g o s ^ interesse pdo pensamento hddeggeriano:'Ek diz des, dossintomas^e^dosjo^os^ pois per-
Cqu^ins^pSrgérLf^ estudioso que vislumbrou a cebia que os concdtgs dessas teori^ j i ã o Êepermfflam
importãnda. das ideias-de Hddegger,tantQ.para a.díscussao compremder^a^oíperiênda destes (ibidem, p. 7).
àas_bases^_das teorias^científicas quanjto jp^a q_est^^^ Posteriormente, mantenHo contato mais próximo com
mpitaiejo.^^^ as iddasvde Hddegger, e considerando as criticas do pró-
náhse. Assim, ressalta que: prio filósofo' em rdação ao entendimento de Binswanger
acerca de suas iddas, Boss afasta-se da posição deste e de-
Ludwig Biaswanger não tardou a descobrir - e nisto de foi senvolve a sua daseinsanálise, procurando diferendá-la da
o primeiro - o quanto a concepção hddeggeriana da es- psiquiatria daseinsanalítica binswangeriana.
sênda do existir humano era capital para a psiquiatria, à
A psiquiatria daseinsanaKtica de Binswanger foi du-
qual serviria de nova base, e como as características de ser
do homem expostas em Ser e Tanpo se revestiam da maior ramente questionada por Heidegger. O fHósofo diz que de
importância para a medidna em seu conjunto e para a psi- não compreendeu com dareza suas iddas, pois comete 'um
quiatria em particular. (Boss e Condrau, 1976, p. 6)
1 Essas críticas aparecem nos Seminários de ZolUkon (Heidegger, 1987/
Segundo ;^os§., Binswanger 1á percebia os limites da 2001], principahnente no diálogo de 8 de março de 1965 (p. 205] e
aplicação do método dentífico natural nos estudos psiquiátricos, no seminário de 23 e 25 de novembro de 1965 (pp. 139-157).
41
^ ^ Ida. Bizabeth Cardinalli • Medard Boss e o debate com a psiqmatria clássica e a psicanálise freudiana
V
engano grave ao confundir, em sua teoria, as explicitaçOca Assim, o pensador esclarece que o amor, entendido dé
llP^ ontológicas^ com as experiências relativas à dimensão ,fln- modo antropológico, é baseado de maneira igualmente de-
fi^gtica, quando pretende adicionar um fenómeno ôntíco, o amor, cisiva na compreensão do ser, como o ctndado. Assinala, tam-
> ^ n a estrutura ontológica denomiuada "cuidado"^ bém, que o entendimento binswangeriaho de seu pensamento
Ffll A crítica de Heidegger ao trabalho de Binswanger pode móstia que ele não percebeu que:
ser desdobrada em dois tipos de questionamentos. O primeiro
refere-se ao fato de Binswanger pretender corrigh a ontolo- (...) o cuidado tem um sentido existencial, isto é, ontológico,
gia heideggeriana quando acrescenta o fenómeno ôntlco, e que a analítica do Dasein pergunta pela sua constituição
amor, à estrutura ontológica do Dasein,jA que o "cuidado" Jundamaital ontológica (existendal] e. não quer simples-
no sentido ontológico é a constituição efe-síátíco-temporal mente descrever fenómenos ônticos do Dasein. (Heidegger,
do traço fixndamental do Dasdn. Assim, ele não pode ser 2001, p. 142) -. ..
comparado e completado com o fenómeno ôntico amor, pois
"enquanto totahdade originária de sua estrutura a cura'' se acha, O segundo questionamentç de Heidegger diz que a
do ponto de vista existencial, a priori, 'antes' de toda 'atitude' ontologia fundamental é eliminada da psiquiatria daseinsa-
nalítica binswangeriana, pois, quando de coloca a ontolo-
e 'situação' da pre-sença^" (Heidegger, 1927/1988, p. 258}.
gia fundamental como uma dimensão separada da sua psi-
quiatria daseiusanahtica, compreende o ser-no-mundo e a
transcendênda do Dasein como fenómenos ônticos indepen-
2 Em Ser e tempo (1927), Heidegger desenvolve a analítica do Dasrín - dentes da rdação do Dasdn com o ser (ibidem, p.,206).
Daseinsanalytik -, que explícita as características íundamentais e Tais criticas foram acdtas por Binswanger, que revê a
ontológicas do ser do existir htimano, sendo este entendido como denominação de seu trabalho, modificando-a de "psiquia-
Dasein (ser-aí). Deste modo, a explicitação ontológica não pode ser
conftindida com a descrição de fenómenos ônticos, que^se referem a
tria daseinsanalltíca" para "fenomenologia antropológica",
tudo- o que é percebido e conhecido diretamente. ívlas isto não o levou a reconsiderar suas próprias iddas, uma
3 Para Heidegger, o cuidado denomina a totalidade estrutural do vez que considerou seu engano como um "mal-entendido
Dasrín; caracteriza a existencialidade, a facticidade, a decadência e produtivo".
a unidade desta. Assim, do ponto de vista heideggeriano, é necessá- Holzhey-Kunz^ situa a diferença entre a psicopatolo-
rio diferenciar o cuidado no sentido da explicitação ontológica da
gia daseinsanalítica de Binswanger e a de Boss em rdação
totalidade estrutural do Dasein do sentido ôntico de cuidar ou des-
cuidar de si mesmo e de outros, ao desdobramento da noção de ser-no-mundo realizado pdos
4 O cuidado é traduzido como "cura" na versão para o português
dois estudiosos. Binswanger preocupa-se com o esdared-
da obra Ser e íewipo, sendo indicado neste trabalho como o faz mento da patologia de acordo com o esboço de mundo dos
Heidegger (1988).
B Dasein étraduzido como "pre-sença".na obra citada: no entanto, será 6 Cohn (1977), ao procurar situar as diferenças entre o trabalho de
mantida a palavra alemã Dasein no decorrer deste trabalbo. com ex- Binswanger e o de Boss, utiliza, entre outros textos, o de Holzhey-
ceção das citações extraídas da referida tradução. Kunz (1994), Leidem am Dasdn.
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Ida Elizabeth Cardinalli' Medard Boss e o debate com a psiquiatria clássica e a psicanálise Jfeudiana
• t
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Medard Boss e o debate com a psiquiatria clássica e a psicanálise freudiana
ida Elizabeth Cardinalli
As discussões de Boss, em relação tanto aos proble- Para o autor, quando a noção de doença pressupõe que .
mas clínicos quanto "aos teóricos, mostram que ele desen- ela seja uma entidade circunscrita e isolada da totahdade
volve seu pensamento seguindo um caminho aprendido com do existir humano, então da é explicada com^ base nela
Heidegger nos Seminários de Zollikon (1987). Ou seja, ini- própria. Neste caso, pressupõe-se um modelo de conheci-
cialmente, de analisa ,as teorias psicanalíticas e psiqidá- mento em- que o esdaredmento do- fenómeno do adoecer
tricas clássicas, questiona seus fundamentos filosófícos e poderia restongir-se.apenas a descobrir.a evolução, os me;
constata a necessidade de iutroduzir um novo fundamento, canismos e as determinações causais.específicas déumà..
que considera mais adequado para pensar o existir humano. dada doença. - •
Este novo fundamento são as iddas contidas na ontologia Boss assinala que autores comovpor exemplo, E. Bleuler
ladd^ggeriana. Em seguida, Boss procura explicitar a natu- e H. Ey, que inseremLConcdtos-psíquicos ou psiçogênicos em
reza existencial do fenómeno patológico orientado pela suas teorizações, utilizam concdtos ainda não devidamente
compreensão do existir humano como Dasein, presente na esdareddos, tais como psíquico, consdênda, pensamento e
ontologia fundamental. afetividade, e mantêm uma visão de- determinação orgânica.
Distingue os "fehomenologos dlnicos" (psiquiatras hgados
à escola alemã de Hdddberg, como Berle, Gruhíe, Mayer- .
As críticas em relação à psiquiatria clássica Gross] da psiquiatria daseinsanalítica de Binswanger. Os
psiquiatras dlnicos fenomenológicos utilizam a fenomeno-
Boss denomina genericamente de "psiquiatria dássí- logia para a descrição minuciosa dos sintoinas e dos com-
ca" aquda de autores como Kraeplia, Eugen Bleuler e ou- portamentos apresentados pdos padentes, com o objetivo
tros (Boss, 1977, pp. 7-8), que caracterizam cada patologia de estabdecer uma sintomatologia mais precisa da patolo-
mental segundo a descrição de sua sintomatologia e defi- gia esquizofirênica. No entanto, esses autores descrevem tais
nem o processo da doença e/ou sua etiologia segtmdo uma sintomas sem uma visão devidamente èsdaredda acerca da
base orgânica. natureza do ser humano. ^
Boss diz que as teorias da patologia da psiquiatria Em rdação à esquizofrenia, Boss considera que a p s i - o
dássica são decorrentes do pensamento da Q ê n d a Natural, .quiatria dássica não consegue esdarecer nem a natureza nem
pois seguem um modelo de pesquisa dentifica que tem como a experiênda deste adoecer, seja quando a define com base
critério a objetiA/idade e a mensurabitidade. A l o ser hruna- nos sintomas úidependentes - como perturbações do pensa-
no é concebido de modo análogo aos objetos da natureza e mento (incoerênda, perseveração, compulsão e interceptação
as patologias pensadas segundo os substratos orgânicos, as do pensamento), despersonalização, fraqueza do ego ou defi-
descrições sintomátitas isoladas, sendo a natureza das pa- d ê n d a total da personalidade e perturbação da afetividade -,
tologias-definida de acordo com detemunações causais seja quando busca esdarecer sua natureza por mdo de pes-
eatabdccidas entre o substrato orgânico e os sintomas pa- quisa etiológica, com determinantes orgânicos ou psíquicos,
tológicos. genético-hereditários, ou fatores ambientais.
-46 47
Sda Elizabeth Cardinalli Medard Boss e o debate com a psiquiatria clássica e a pstcanáliscfrcudiana
49
íãa^Elizabeth Cardinalli MedardÉosst o debate cok a psiquiatria clássica e a psicanálise freudiana
i
De modo geral, as criticas de Boss à psicanálise pro- Boss questioia.a a suposição eaitesía]a.a de Freud ac^;;^
curam destacar a iofluência do pensamento cientifico e, mn1s ça da existência de uma realidade objetiva e ^ e m a , exis-
especificamente, da concepção cartesiana determiolsta mi tindo independentemente dn homem. Do ponto de vista
visão de homem pressuposta na teoria psicanalítica, deno- daseiusanalítico, o que é denominado mundo exterior
ntinada "metapsicologia". Posteriormente, propõe que a
explicitação dp existir humano apresentado por Heidegger (...) é apenas o modo específico pelo qual o que surge à luz
poderia oferecer fundamentos mais adequados para q en- da existência humana se. apresenta, a qualquer membro des- •
tendimento dos fenómenos humanos. . perto de um grupo de pessoas histórica e geograficamente
É importante sahentar que Boss desenvolve discussões .circunscrito. (Boss, 1963, p.-212)
mais sistemáticas em relação às teorias da prática psicana-
lítica do que em relação às teorias do desenvolvimento, da o autor assuíálá qudnós diversos modos de existir doo
^ estruturação psíquica e dos quadros patológicas elahorados homem, seja do psicótico', seja das pessoas em geral, o que--^-'^<2i<í='-
por Freud. difere é a maneira como o mtmdo se apresenta para c a d a ^ ^ . ^
'No. que se refere à teoria psicanahtica da esquizofre- um deles. Assim, considera que a compreensão das a l u c i n a - ^ ^
nia, Boss destaca sobretudo dois aspectos que estão subja- ções, segundo a diferenciação entre real e irreal, é ix3suE.cicn.tc, ^
centes ao pensamento freudiano: esta concepção pressupõe • por não esdarecer a quahdade específica enfre estes dois
a existência de uma reahdade objetiva e externa indepen- modos de rdadonamento com o mundo. '
dente do homem, e ela não apresenta uma compreensão Boss diz que "sabemos que o psicótico sente-se usual-
suficiente sobre a linguagem, humana. mente ameaçado pdo modo como percebe seus semdban-
Para Freud, os esquizofrênicos regridem à organiza- tes e as coisas de seu mundo" (ibidem), mas considera que
ção libidinal característica do estágio do narcisismo primá- o mais importante é esdarecer "a diferença enfre as formas
rio: "Afravés da regressão da hbido, os objetos ~do mimdo pdas qu^ais o mundo se descortina pará o psicótico e para a
externo são descatexizados, e o resultado é uma perda dá maioria das pessoas de seu entorno" (ibidem).
realidade" (Boss, 1963, p; 212). Assim, o psicótico" procu- Ele assinala também que, segundo Freud, ^^jjj^
rará reparar a perda da realidade afravés da criação de uma qinzofrênicos o predomínio da representação da palavra em
nova reahdade, ou seja, ele a repudia e tenta substituí-la. detrimento da representação da coisa, isto é, no esquizofirê- -
nico ocorre a perda da capacidade de distinguir enfre a re-
presentação e a percepção.
Questiona ainda a concepção freudiana da linguagem,
que supõe que, na experiênda humana; esta ocorre separã-
" W ' ^ ' ^ " f 5 ° / ^ Boss está baseada principalmente nos seguintes
textos de Freud: JVewrose ej5sícose(1924/1973b) c A perda da reali- n Boss desenvolve esta discussão com base no texto de Freud: O in-
dade na neurose e na psicose (1924/1973c). consciente (1915/1973a).
50 51
Ida Elizabeth Cardinalli Medard Boss e o debate com a psiquiatria clássica e a psicanálise fieuâiana
i
damente da percepção das coisas. Ressalta que caminham ainda para Boss, o pensamento de determinação causal su-
sempre juntas e que só podem ser percebidas como separa- põe que "uma coisa considerada como causa possa ter por
das se a linguagem for entendida apenas como uma exprt:S" efeito outra coisa, a qual não estaria j á contida na coisa
são oral. chamada causal" (ibidem, p. 13).
Boss questiona a adequação do princípio de causali-
dade e, por conseguinte, da noção de determinação caus.al
As críticas ao conceito de etiologia para o entendúnento do existir do homem e dos fenómenos
da psiquiatria e da psicologia moderna saudáveis e patológicos. Considera, .que q. princípio da cau-
salidade e a detenninaçãp causal são referêiicias paira o es-
Para Boss, as teorias psiquiátricas e psicológicas apre- dareciinento dos fenómenos naturais, de acordo com á su-
sentam três modos científicos de entendimento da doença*, posição de um encadeamento, de acontecimentos ou fatos.
a primeira pressupõe que as doenças têm origem no corpo Assim,.todos os fenómenos específicos do existir humano,
(somatogênica); a segunda supõe que a doença tem uma tais como intuição, compreensão e desejo, não podem ser
causa psíquica (psicogênicaj; e a terceira acredita que a concebidos como coisa material, sendo, deste modo, inaces-
origem das doenças apresenta aspectos somatogênicos e síveis pela orientação científico-causal.
psicogênicas (Boss, 1977, p. 6]. A o e s c l a r e c e r q u e os c o n c e i t o s d e e t i o l o g i a e de p a t o -
-Assinala que e-stas três-posições, aparentemente diver- gênese das teorias psiquiátricas e psicológicas tradicionais
gentes, apresentam xmi asjpecto comum, pois todas pressu- procuram explicitar o tipo de conexão" causal, suposta' no
põem uma. relação causal, definindo algo como a causa c pensamento "da aência Natural, Boss afiiina que estas teo-
caracterizando outra coisa como a manifestação da doença. rias operam com uma noção de determinação mecânica, que
Acompanliando as discussões heideggerianas realizadas nos supõein que as dimensões huinanas- fondoham dd mesmo
Seminários de Zollikon (1987), Boss afirma que a noção da modo que as coisas inanimadas, que os organismos físicos
causalidade, que foi disseminada tanto no pensamento co- e as engrenagens das máquinas, deixando de verificar o que
tidiano do homem moderno quanto no conceito científíco- é específico do existir humano.
naturaJ de causa e efeito, está enraizada numa visão fUosá- • Assim, Boss questiona, sobretudo, que a natureza es-
fíca cartesiano-gahléica, a qual supõe que "todas as coisas pedfica do existir humano possa ser determinada pelas
reais encontram-se conectadas num mundo unitário atra- descobertas da biologia, da fisiologia ou da psicologia; ao
vés da operação de uma causalidade fixa e precisamente
contrário, acredita que a medicina e a psicologia necessi-
calculável" (Boss, 1979a, p, 192).
tam do çsdaiecimento anterior da natureza humana para que.
Como no princípio de causalidade está suposto que possam desenvolver um estudo que efetivamente correspon-
qualquer fenómeno apresenta um conjunto de encandeamen- da ao seu ohjeto, que é o homem. Deste modo, percebe na
tos de causa e efeito previsíveis e sem qualquer falha, pensa- ontologia heídeggeriana subsídios para desenvolver uma
se que "é sempre tuna causa, uma causa efficiens, que dá antiopologia existenãal, que poderá oferecer os fundamentos
origem a outra coisa como efeito" (idem, 1975h, p. 10). Assim, para o estudo dos modos de existir sadios e patológicos.
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Medard B'pss e o debate com a psiquiatria clássica e a psicanálise fieuâiana
Ida Elizabeth Cardinalli
tna contemporânea/por manter esta i s e n r a n teórica e se atqr ao mesmo-tempo em que se diz ateórica, tem de fato úicen-
a meras descrições de critérios diagnósticos, desemboca nujn tivado prioritariamente pesquisas que focalizam, no estudo
convenríniirilismn n n s n g r á f í r o g n e i m p e f í ^ u m a discussão das doenças psiquiátricas, os substiatos somáticos e físicos,
- da natureza do sofíimentn p d m p V n , Assim, bá. apenas um como, pór exemplo, o seqiiendamento genético e as altera-
acordo estabelecido em tomo dos critérios consensuais das ções íisico-químicas nos diferentes transtornos afetivos.
patologias intituladas como transtornos mentais^e de com- Quando Boss discute o concdto de etiologia e de pa-
portamento. Deixa-se de lado os esclarecimento dos fatos togênese das teorias psiquiátricas com base no questiona-
clínicos realizados pda fenomenologia, a psicanálise e a mento da noção de causalidade, de reconhece que a orien-
análise existencial no campo da psicopatologia. tação genético-causal tem possibilitado o desenvolvimento
de muitas descobertas em rdação às terapias físico-químicas
13 CID-9 é a sigla referente à Classificação Internacional das Doenças, no campo médico; no entanto, enfatiza que esta perspectiva
publicada em 1978 pela Organizaçio Mundial da Saúde, que foi ra- não é sufidentemente adequada, pois entende o homem e
xista em 1993 e: dç.aoT[im?Ld-a Cffl-lO. S s t i ^ e c s ã o € amp\-a.TntnV.c M V \
seu corpo como objetos. Assim, Boss afirma que da:
lizada atualmente para codificar os diagnósticos das doenças men-
tais e/ou psíquicas, as quais são denominadas transtornos mentais C
..ie cotnportamento. (...) s ó f u n d o n a se a c o i p o r d d a d e h u m a n a for interpretada
como u m objeto-flsico. E m r e l a ç ã o a algo que n ã o é c o n c e -
14 DSM-in refere-se ao Manual de Diagnóstico e Estatística de Distúr-
bios Mentais, publicado pela Associação Psiquiátrica Americana cm bido e m termos físicos a totalidade do â m b i t o dos f e n ô -
1980, cuja revisão foi publicada em 1994 e intitulada DSM-IV.
55
Jda Elizabeth Cardinalli
gico como fenómeno h x u n a n o que de é ( 1 9 7 9 a , p. 2 2 2 ) . Aristóteles que diz que o ente é expresso de múltiplas maneiras.
Na verdade esta frase foi a faísca que provocou a pergunta:
Para esse autor, a iavestígação sobre as origens dns
qual é a unidade'destes significados múltiplos de ser,
doenças não pode ser esdaredda apenas mediante explicita
na verdade, o que significa ser?
ção de sua causa e determinações causais. Mas é isto que, mui--- (Heidegger, Seminários de Zollikon]
tas vezes, as teorias psiquiátricas e psicológicas pretendem,
demonstrando o tipo de rdação de determinação causal cnlrti
diferentes dimensões .humanas, tais como: o passado e o pre-
No presente capítulo, serão apresentadas as Iddas prin-
sente; o corpo físico e a psique; os fatores constítudonais he •
cipais de Martin Hddegger, desenvolvidas no livro Ser e
reditários e algumas doenças; ou a influência dos pais, díi
tempo (1927/1988), que situam a noção do existir humano
família e do contexto sodalno desenvolvimento do homem.
como Dasein, e as distinções do mesmo autor, formuladas
Boss propõe que o estudo dos comportamentos sadio.')
na obra Seminários de Zollikon (1987/2001), a respdto da
e patológicos seja realizado de maneira que preserve as
daseinsanálise como uma expHdtação ontológica, bem como
caracteristicas espedficas do existir humano. Para isto, con=
as indicações para a prática dinica daseinsanalitica e para
sidera necessário esclarecer, inicialmente, o fenómeno hu-
mano, investigando-o de tal niodo que o próprio fenómeno
uma dênda daseinsanalitica do homem.
patológico se tome visívd e que a investigação da origem
das doenças seja pensada segundo a génese motivacional.
Esta discussão será apresentada no qasrto capítulo.
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A analítica do Dasein e a daseinsanálise de Martin Heidegger
Ida Bizabeth Cardinalli
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ida Elizabeth Cardinalli A analítica do Dasein e a daseinsanálise de Martin Heidegger
O Da-sein humano como âmbito de poder-apreender mm • Para Hddegger, as caracteristicas que constituem, o •
ca é um ohjeto sunplesmente presente. Ao contrário, rir Dasein não são categorias nem atdbufos, pois estas sâo *se^
não é de forma alguma e, em nenhuma circunstância, Í I I H U pre.modos possíveis de ser" (1988;p.'78]. A ejqpKdtação da
passível de objetivação. (2001, p. 33) constituição básica .do Dasein e'denominada de "existen-
cláHa" ou "existencial", que são descrita.s como: atempora-
Tendo como ponto inicial a análise do ser e compreen- lidade, a,cspacial!H^ (o ser-em), ojer-çom-o-putoT^fi-"
dendo o. ser humano como Dasdn, Heidegger questiona o nação^a compreensão, o cuidadu^_jjuH
tempo: "em que medida o ser (presença] tem seu estado de Ao_gQ5dn_éinerenteser-no-mundo: ontologícameg.-
abertura no tempo" [ibidem, p. 147)? Mas "o tempo a ser te, mundo^ é_atotaliáad,eilasxdações referentes ejigúifica-.
determinado em relação à questão do ser não pode ser com- tivas, é^o Da (aí] em ç^^o^Da^ein faticamente se encontra
preenôiáo pdo concdto de tempo tradidonal" (ibidem), uma atirado. Q ruundo é o horízonteprôxímo eremoto:áas_pos::/
vez que, para o autor: • sibfiidades do homem. É onde as coisas, o sentido e-o ser-se
expõem, onde_o_gue é pode se manáestar. Isto quer dizer
- (...) o tempo é o ponto de partida do qual a pre-sença sem- que homem e mundo não são dois entes que se opõem entie
pre compreende e interpreta imphdtamente o ser. Por isso, sí, distintos e separados. O homem hão está no mundo como
deve-se mostrar e esclarecer, de modo genuíno, o tempo uma coisa está dentro da outra coisa. O mrtnáo é o horizon-
como horizonte de toda compieensão e interpretação do scr, te (não fisicamente delimitado] onde se desdobram as pos-
(1988, p. 45)
sibílidades do homem. O ser-no-mundolndica que o Dasein
apresenta um modo de rdação diferente das rdações entie
Hddegger diferenda a dimensão ôntica e ontológica. os entes, em geral, colocados nuin espaço, pois o no {.em + o)
A primeira.sexefere à.q\iestão--de.sen.e-de exisjir.àp j)r,Qprio tem um sentido de familiaridade, de "estar junto a". -
ejdstír do Dasein; a segunda, a expliçítafflQ..oníológíçg^ Heidegger esdarece a inter-rdação do conceito de
apresentação das estruturas, eajstencjais do ser_dp Dasein. Dasein, de ser-no-mundó e de dareira do seguinte modo:
Ãqúi, o termo existendal assinala que as estruturas ou ca-
racteristicas do Dasein nãò são pensadas segundo o signifi- O Dasein deve ser visto sempre como ser-no-mundo, como
cado moderno de categoria, isto é, a dasse a que pertencem pcupar-se com coisas e cuidar de outros, como ser-co.m as
determinadas coisas, conforme esdarece o autor: pessoas que vêm ao encontio. nunca como um sujdto exis-
tente para si. Além disso, o Dasein deve sarjvjs^tOLsdnpie
A interpretação das estruturas prindpais que perfazem O como um estar àentro àa díoceira, toiao estada, junto ao que
ser do aí assim colocado, ou seja, seu existir, é a analítica
ejdstendal do "Dasdn. 0^ termo existencial é usado à dife-
rença_.d£_cgtegonal. Categoria no uso moderno significa
mna dasse ou um grupo a que pertencem determinadas
2 Loparic esdarece que "mundo" serefere aos "^^'^^'^^^
caçoes", aflimando que "esses contextos nto s ã o entes mtaamunda-
coisas. (2001, p . 147} nos nem totalidade de entes intramundanos" (1982. p. m-
61
50
raa Elizaieth Cardinalli A analítica do Dasein e a daseinsanálise de Martin Heidegger
vem ao encontro, isto é, como desvelamento para aqullii . e fatiddade," a linguagem - o sentido, a significação - não •
que vem ao eneontco nela. Estada [A-tiftníhalt] izvtK^tf é anahsada num sistema fechado de referenda, mas no
ao mesmo tempo um rdadonarcora... O "se^' em relacionar n í v d da historiddade. (...) O método fenomenológico, en-
jee_q "meu", em "meujpaseia" .nunca devem ser compreen- quanto método hermenêutíco-linguístico, -não se desliga da
didos como um ser referido a um sujdto ou a uma substâii- existência concreta, nem da .carga pré-ontológica que, na
tía. O "se" deve sçr visto de modo pmamente fenomenal, existência, j á vem sempre antecipada. É isto que lhe dá
isto é, assim como eu me reladono agora. O quem esgota-se uma i n d u t á v d circularidade. (Stein, 1983, p. 88}
em cada caso justamente nos modos de reladonamento em
que me encontro justamente agora. (2001, p. 182) Podemos perceber a complexidade do pensamento
heideggeriano em Ser e tempo, em que, ao buscar desenvol- "
E m Ser e tempo, Heidegger busca o esdarecimento do ver a oiitologiafagAamental através da analítica do Dasein,
modo como o Dasein se mostra "em si mesmo e por slsaeS" o autor diz que a questão da existência só p o d e r á si^_esda::
m o V que é o modo como de é-encontrado habitualmente recida jpdo_prQprio_exis.tiii mas que isso difere da explicita-
naj^JLçdanidadfe, bu:séia, o modo como d e se apresenta ção da sua estrutura ontológica. Assim, tanto a d a b o r a ç ã o
encoberto para si mesíno. da analítica do Dasein como a condição do ser humano de
. Heidegger diz que o modo de acesso mais adequado ter acesso ao ser consideram as dimensões ônttcas e as p r é -
para a e x p l i d t a ç ã õ das estruturas ontológicas é o fenomeno- ontológicas, que são antecipadas na e x i s t ê n d a , como rnos-
lógico. O pensador retoma o significado grego da palavra fe- tra Dastur:
nomenologia, assinalando que d a vem de phanesthai, que
significa mostoT;^ clarear, sair do mistério recônditO-paxa K compTe.e.nsão jLfeti.va..au.e 0 Dasein tem de si mesmo é,
o_aberto e ^ e s t e , se" exibir. O m é t o d o f e n o m e n o l ó g i c o gòrtetOj j m a . comgr^iisão existencial. Mas o que Heidegger
hddeggeriano exige o passo de volta para trás do f e n ó m e - denomina, pdo contrário, análise Existencial n ã o se situa
no, no sentido vulgar, para o âmbito em que o f e n ó m e n o é, no n í v d simplesmente "ôntico" do comportamento indivi-
antes, aquilo que se oculta. dual concreto, mas sim no da explidtação temática da es-
tratura ontológica. J^t^i^a^^áz^jaialifJrTt ,T^2ááendgjl£Ojl~
Stein, ao esdarecer a especificidade do método feno-
sMejpjhstiiiguir.e^amihsar as modalidades deser funda-
m e n o l ó g i c o apresentado p o r Heidegger em Ser e tempo, mentais do Dasein, os seus E3ds^tenciãIirTr.)"E^erdade que
assinala que a dimensão ôntica epré-ontológica da e x i s t ê n d a •liãJBTÍirnivérExistencial sem fundamento existendal, isto
m a n t é m , na ontologia hddeggeriana, a-drcularidade do seu é, sem a compreensão que um Dastín de cada vez singidar
pensamento, quando diz que: tem de s-aa piópTÕa existoada É poi a íoa-afâica. Exvs-
m tendal ser a analítica desse ente "pré-antológico", que é a
O método fenomenológico visa ao redimensionamento da
m
m
questão do ser, não nmna abstraía teoria do ser, nem numa A analítica do Dasein {.Dasdnsanalitik) foi tradvizida nesse livro por
pesquisa historiográfica de qTj.es.tões ontológicas—caas analítica Existencial, com a letra 'E' maiúscula, para diferenciar de'
numa pTOXimidade_com a praxis humana; cpmo cástènáa "existencial", que se refere ao ôntico.
63
•IdaMlizabeth Cardinalli A analMca do Dasein e a daseinsanálise de Martin Heidegger
condição de possibilidade de qualqiíer ontologia temAlli-«. (...) no próprio Ser e tempo aparece íreqiientemente o as-
que ela constitui a ontologia fundamental que serve dc l\in sunto daDaseinsanalyse. Mas aqui Da5rínsanaiíj5e não sig-
• damento para todas as ontologias regionais que têm COiiin nifica outra coisa do que não d executar da apresentação
tarefa a elucidação do modo de ser dos entes diferentes ri» das caracteristicas do Dasein tomadas tema na analítica do
Dasein U). [1990, p. 56) Dasein, as quais chamam-se existendais, mna vez que o
Dasein é determinado como algo existente. Este conceito
de Daseinsanalyse pertence à Analítica do Dasein e, coin
A distinção da analítica do Dasein isto, a uma ontologia. (Ibidem, p. 151)
e da d a s e i n s a n á l i s e apresentada p o r Heidegger
O segundo sentido apontado por Heidegger, que de-
E m Ser e tempo, Heidegger deseovolye a a n á l M c a do nominaremos Daseinsanálise dínica, para diferendá-la mais
Dasein - Daseinsanalytik -, conforme f o i apresentado na daramente das outras sigrufiçações, é a análise dos f e n ó -
seção anterior, como uma interpretação ontológica do ser menos fatiais, que se mostram em cada caso na r d a ç ã o entre
do Dasein que visa esclarecer a questão do ser. Esta a n a l í - analista e analisando. Ela é a descrição e a comprovação dos
tica é circunscrita pela questão do sentido do ser e, então, fenómenos que se mostram n u m Dasein existente particu-
n ã o desenvolve uma ontologia completa do Dasein, nem lar, n£LJmbiío_da_aj3m-çãi^^
elabora tuna antropologia. pdos_existendais. Ou é, segundo^.pjrQgriQ_ixensador,
Assim a questão que surge necessariamente, de quem ou o (...) a "Daseinsanalyse" no sentido da comprovação e des-
quê e como é o homem, é tratada em Ser e tempo, exclusi- crição de fenómenos que se mostram factualmente, em cada
va e constantemente, a partir da questão do sentido do ser. caso, em mn determinado Dasein existente. Esta análise,"
Com isto j á está decidido que a questão do homem em Scr por ser dirigida sempre a um existente em cada caso, é
e tempo não é colocada na forma deuma Aniiopologia quc orientada necessariamente pdas determinações fundamen-
. pergunta: o que é o homem propriamente? A questão do ho- tais do ser do ente, isto é, por aqmlo que a Analítica do
mem em Ser e tempo leva à analítica do Dasein. (Heidegger, Dasdn destaca como existendais. (Ibidem, p. 15iy
2001, p. 145}
O filósofo esdarece nos Seminários de Zollikon que,
Nessa mesma obra, é t a m b é m realizada a d a s e i n s a n á - ao mesmo tempo em que cada fenómeno presente na rela-
lise que ainda pertence à analítica do Dasein, pois apresen- ção entre analista e analisando é orientado pelas definições
ta as características do ser do Dasein, que foram denomina- existendais, este n ã o é stouplesmente subsumido nos exis-
das "existendaiá". Este é o primeiro sentido apresentado por tendais. Isto significa que os fenómenos concretos e singu-
Heidegger para a dasehisanálise, ainda no âmbito da onto- lares são experiendados e tratados à luz do ser-homem como
logia, pois é a e x p l i d t a ç ã o que pretende mostrar o que j á Dasein, mas são coinpreendidos de acordo com o padente
f o i tematizado na axLa]iUca do Dasrín. específico em questão.
65
64
\lãa-lElizábeth Cardinalli É interessante assinalar que, para Hddegger, a antro-'
pologia daseinsanalítica é u m estudo do fenómeno humano
situado no existir concreto e particular de cada Dasein, sen-
•É decisivo que cada fenómeno que smge na relação de ana-
do t a m b é m situado n u m contexto específico da existência
lisando e analista seja discutido em sua pertinência ao pa-
histórica do homem contemp'órâneo. Trata-se, sobretudo, de
ciente concreto em questão a partir de si em seu conteúdo
fenomenal, e não seja simples e genericamente subordina- uma d ê n c i a nova que ainda predsa ser daborada. "(•••) 9
do a um existencial. (2001, p, 150) Daseinsanalyse como d ê n d a ôntica seria u m a d ê n d a i n -
•4.
teiramente nova. Ciência significa "a ordenação sisteráátíca
A terceira definição dada à daseinsanálise refere-se ao de interpretações de e x p e r i ê n d a s " (ibidem, p. 222).
estabelecimento de uma possível ciência daseinsanalítica do
homem, que o autor indica como uma "antropologia da- As indicações heideggerianas para a d a b o r a ç ã o
seinsanalítica", isto é, u m estudo dos fenómenos humanos s i - de u m a d ê n d a daseinsanalítica do h o m e m -
tuados ntun contexto bistóiico-social específico e orienta-
dos p d a compreensão do existir humano descritos na ana- J á em 5er e tempo, Hddegger, ao discutir' os funda-
lítica do Dasein, que é expHdtada do seguinte modo: mentos das C i ê n d a s Humanas como a psicologia e a antro-
pologia, afinna que estas n ã o apresentam u m esdarecimen-
(...) a totalidade de uma disciplina possível, que se coloca to dos fundamentos referentes ao modo de ser do homem;
como tarefa demonstrar os fenómenos existencdais com- assinala todavia que, mesmo quando esses flmdamentos n ã o
prováveis do Dasein sodal-histórlco e individual rdado- são âiscutidos, des se "encontram na base de suas pesquisas
nados no sentido de uma Antropologia ôntica, de cunho (1988, p. 87).
daseinsanalitico. (Ibidem, p. 151)
Nos Seminários de Zollikon, quando discute que os
fundamentos do m o d d o das Q ê n d a s Naturais são m a n t i - '
Para Hddegger, aantropologia daseinsanalítica pode
dos na medicina, na psiquiatria e na psicologia, Hddegger
ser subdividida em uma antropologia normal e uma antro-
constata que tais d ê n d a s n ã o t ê m dareza dos seus fun-
pologia patológica, conforme esdarece a seguir:
damentos, apresentando u m a deficiência e p i s t e m o l ó g i c a .
No entanto, isto n ã o significa falta de " d e n t í f i d d a d e de seus
Esta Dasdnsanalyse antropológica pode-se dividir por sua
vez em (a) uma Antiopología normal e (b) uma patologia pesquisadores" (ibidem, p. 81). Ao contrário, seu questiona-
dasdnsanahtica a ela rdadonada. Por tratar-se de uma mento esdarece que h á o domínio do modelo cientifico
análise antropológica do Dastín, uma mera dassificação natural nas diferentes áreas do conhecimento da atualida-
dos fenómenos destacados não pode ser sufidente, mas de, e que os critérios de objetividade e de calculabiUdade
predsa ser orientada para a existência histórica concreta permdam t a m b é m as Ciêndas Humanas.
do homem contemporâneo, isto é, do homem que existe na
sodedade industrial contemporânea. (Ibidem, p. 151)
67
Tda Elizabeth Cardinalli A analítica da Dasein e a daseinsanálise de Martin Heidegger
Diz que o método das Ciências Naturais é caracterlzH- Homem, pois isto n ã o é adequado para entendê-la, por pres-
do pela maneira como a natureza é tematizada, isto é, re- supor que a natureza humana é equivalente à natureza dos
presentada como objeto e pretendendo a objetivaçfio da objetos.
natureza:'^
Se, então, a ciência do homem tiver de satisfazer as exi-
Tratamos do método ou mais exatamente daquilo que co- gências fundamentais da ciência moderna da deve obede-
mcteriza o método das ciências,naturais modemas. Méto- cer ao prindpio de precedência do método no sentido do
do aqui não significa indefinidamente: "procedimenlti". projeto da pré-mensurabUidade. O resdtado inevitávd desta
Método é a maneira como o ente, no caso a naturezH, í d ê n d a do homem seria a constmção técnica da máquina =;
tematizada. Isto acontece ao ser representada como ob-Jclo homem. (Ibidem, pp. 161-162)
[Gegen-stanã\, como objeto [Objefeí]. Nem a Antiguidade
nem a Idade Média representaram o ente como ob-Jclo Nos Serninários de Zollikon, Heidegger apresenta a l -
[Gcgen-stanã\. Mas a representação modema da natureza, gumas indicações para a d a b o r a ç ã o de uma nova tíênda^
sua objetivação é dirigida pela intenção de representar 0,1
do hOEÚem que contemple as características específicas do
processos da natmeza de modo que eles sejam pré-men.su •
ser humaiio. Inidalmente, diz que, como o método de pes-
ráveis em seu decorrer e assim possam ser controláveis.
CHeídegger, 2001, pp. 159-160) quisa d d i m l t a o seu objeto, pode limitar ou mesmo impedir
o âmbito possível do estudo. Isto ocorre quando, por exem-
plo, uma e x p e r i ê n d a humana é entendida como objeto de
O íUósofo assume uma posição contrária à transposi-
uma representação concdtual.
ção do modelo da Q ê n c i a da Natureza para as Ciências do
68 69
Ida EUzaieth Cardinalli
A analiãca do Dasein e a dasrínsanálise dc Martin Heidegger
7.0
71
A analítica do Dasein e a daseinsanálise de Martin Heidegger
Jda Elizabeth Cardinalli
73
,72
Ida Elizabeth Cardinalli A analítica do Dasdn e a daseinsanálise de Martin Heidegger
sobre "a situação factual m o m e n t â n e a do outro" (Heidegger, Primeira e cotidianamente ouço sempre a motoddeta, o
canto do pássaro, o sino da igreja. É necessário um modo
2001, p, 165), e que esta n ã o deve ser confundida com o
de observação multo artifítíal para filtrar algo como um
"encontrar-se", que é interpretado como maneira de en-
dado sensorial de sensação pura a partir do que foi ouvido.
contrar-se [Befindlichkdt], em Ser e tempo, que é "a afina- (2001, p. 167)
ção [Gestimmthdt] quede-termina [be-stimmaiãe}oJ)?L-sáD.
-em sua relação com o rnundo em cada caso, com o com- 3. Considera que o método de pesquisa daseinsanaíí-.
Dasein dos outros e consigo mesmo" (ibidem). tico n ã o é filosófico, pertencendo ao campo de pesquisa
científica:
2. Assinala que a dimensão pré-ontológica da qual gle
parte para desenvolver a análise das estruturas ontológicas, O método de pesquisa daseinsanalitico "inteiramente dife-
ela t a m b é m é experientíada como u m fenómeno do existir • rente" dapesqmsa cientííico-natural não éíilosóíico, ontoló-
concreto de u m Dasein específico. Assim, por exemplo, a gico, de se rdere ao ente humano em seus estados que são
percepção ocorre no trato diário com as coisas, em que u m assim e assim de maneira idêntica à dentífico-natural (...).
Dasein específico está rdadonado com pessoas ou coisas e (Ibidem, p. 235)
com o seu próprio modo de r d a ç ã o com aquilo que se apre-
senta do mundo: 4. Assinala que é necessário diferendaros termos "fe-
n o m e n o l ó g i c o " e "fenómeno" quando estão referidos à o n -
Só podemos desdobrar e responder a esta pergmita s'e pro- tologia e quando são usados no sentido óntíco, como, por
curarmos a percepção lá onde é o seu lugar, no trato diário exemplo, na medicina.
com as coisas. Ela tem a ver com minha rdação com o
ambiente. Com o que estou rdacionado na percepção: com 5- Diz paraBoss que, na afirmação "conforme o Dasdn",
uma sensação que tem um significado ou com as crianças é. importante diferendar quando esta se refere aos t r a ç o s
e abritaddra (exemplos de Pliigge)? Plugge ouve às crian-
fundamentais, que são afirmações ontológicas, e qriando "o
ças barulhentas, das não o hicomodam porque ele as deixa
homem sadio e doente é experienciado, observado e trata-
" serem suas crianças, porque de está com das como suas
em seu mundo doméstico. Entietanto, tncomodam-no os do, em cada caso isolado, à luz do projeto do ser-homem
"moleques" do vizinho, porque ele não admite a brincadei- como Da-sein" (ibidem, p. 235). Ao mesmo tempo, o filóso-
ra barulhenta deles. Se de deixasse os moleques serem tam- fo ressalta que a compreensão do homem, em cada caso par-
bém crianças que brincam^ des não o perturbariam e abor- tieulai, t a m b é m precisa estai orientada p d a e x p l i d t a ç ã o do
receriam. (2001, p. 168) existir como Dasdn, para superar a concepção de homem
presente nas diversas teorias das Q ê n c i a s Humanas. Afirma
Hddegger (yz_gueofennm Hddegger que:
d i á r i o ^ g M as coisas que se apres_entam_dQmtiniQ.p.ara,al-
g u é m j u n t o com u m dado signifícadq:
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rda Elizabeth Cardinalli
76 77
A àasrínsanálise ãt Meôarà Boss
Ida Elizabeth Cardinalli
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7a
Tda Elizabeth Cardinalli A daseiTisanálise de Medard Boss
(...) tentamos juntos- clarear a totalidade dos significados e na situação do atendimento psicoterápiço, seja na descrição"
deixar compreensível como o outro se relaciona com tudo dos fenómenos patológicos - é fenomenológico e existen-
que encontra, como se comunica com o próximo, como d a l . Apesar de, a rigor, esses dois sentidos serem indisso-
está afinado (disposto) em relação a tudo que vivência (...). d á v d s do ponto de vista bossiano, n ó s optamos por apre-
(1978, p. 14) sentá-los separadamente, por isso fizemos uma s d é ç ã o de
algumas d t a ç õ e s do autor, pois consideramos que, assim, po-
Para Boss, a relação é o ponto central do trabalho deremos esclarecer melhor a r d a ç ã o da fenomenologia e d á
terapêutico, pois é j u n t o com o terapeuta que. o paciente existência com a daseinsanálise de Boss.
poderá mostrar, perceber e "des-envolver" os seus modos de
existir. A maneira como este se coloca e se comporta na
A àaseinsanálise e a fenomenologia
terapia, mesmo que mostre uma atitude considerada i m a t u -
ra em relação à sua idade cronológica, refere-se à maneira"'
de viver possível para o padente naqude momento. Isto é, Boss diz que seu método de. investigação é orientado
como d e está podendo existir se revda no modo como se sobretudo p d o método fenomenológico e pdas exphcitações
rdaciona com o terapeuta. Assim, Boss n ã o interpreta os ontológicas do existir humano como Dasein. Ele n ã o equi-
sentimentos do paciente em relação ao terapeuta como uma para o método fenomenológico com procedimentos especí-
ficos de investigação, pois inidalmente este inétodo signi-
t r a n s f e r ê n d a de experiências infantis; compreende que, na
fica o caminho de acesso que esdarece o modo de ser da-
situação psicoterápica, d e detivamente experiênda de acordo
quele ente assumido em seu estudo.
com o modo como de pode ser neste momento da sua vida.
Para Hddegger, é p d a àefinição à o modo de ser do
O autor t a m b é m repensa a análise das r e s i s t ê n d a s ,
ente qiie o método de iavestigação e.determinado, confor-
proposta na psicanálise freudiana (1979a, p. 278). Não f o -
me esdarece: "O modo de acesso a uma região do ente é
caliza o rememorar das lembranças e dos sentimei},tos das
d e t e r m à a d o naturalmente de algmna forma p d o modo de
r d a ç õ e s infantis como objetivo p r i n d p a l do trabalho psico-
ser do respectivo ente" (2001, p. 128). Ou: "Método significa
terápiço. Mas, para de, a ãasebismálise pode ser pensada o caminho no qual o caráter do campo a ser conheddo é
como uma a n á h s e das restrições, cujo foco é o que continua aberto e hmitado" (ibidem, p. 132).
a motivar a.permanência dos modos restritos do se compor- Boss percebe, com o fHósofo, que o acesso ao fenó-
tar e n ã o o que determina as restrições. meno estudado n ã o é apenas definido p d o método de i a -
ve;stigação, pois este, j á antes, está cJicvmscrito pela. d e f i n i -
A d a s t í n s a n á l i s e e o m é t o d o de i n v e s t i g a ç ã o ção de ser do ente, previamente assumida. Assim, em m u i -
tos textos, de justifica a escolba do método fenomenológico
fenomenológico-existendal
hddeggeriano como o mais adequado para compreender o
existir humano, cujo acesso se dá orientado p d o esdareci-
Pretendemos esdarecer o que, segundo Boss, signifi-
mento ontológico do- existir como Dasein.
ca dizer que o método dasdnsanalítico de investigação - seja
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da Elizabeth Cardinalli A daseinsanálise de Medard Boss
Este método pode ser denominado fenomenológicOj uma experiência mais imediata de alguém, indicando assim á
vez que se dirige unicamente à coisa em si revelada,, bem aproximação entre as exphcitações ontológicas e a experiên-
como ao modo dda se dar e revelar Revdar-se é, no grego d a mais imediata do existir.
antigo, "phainesthai". Este termo tem a mesma origem de Segundo Boss, o estudo dos fenómenos humanos sa-
"phainomenom", que significa o que se revela do escondido. dios e patológicos requer, primeiramente, o esdarecimento
E neste intuito que o pensamento fenomenológico está
de sua natureza çxist&miml, o qual permitirá deslocar-o
voltado para o fenómeno manifesto, até que lhe tenha pene-
entendimento mais habitual do homem apoiado nos concei-
trado no cerne próprio e alcançado sua essência origiaária.
tos de razão, forças, impulsos, etc. para os modos de existir
(Boss, 1997b, p. 20)
humanos. Mais especificamente, apenas quando o. pesqui-
sador conseguir ver o existir humano como Dcsein, ser-no-
É importante destacar que, para Boss, aquilo que é
mundo, ser-com-outro, é que d e conseguirá ver e compre-
expHdtado através dos existendais ontológicos hddegge-
ianos n ã o é algo que aparece apenas no pensar filosófico, ender os fenómenos específicos no existir de uma dada pes-
ois pertence ao existir mesmo do homem. Assim, aquilo que soa, isto é, de acordo com a maneira como esta pessoa
pensado e exphdtado na caraderização ontológica da exis- experiência seu próprio existir. Segundo o autor:
ê n d a htunana faz parte também da e x p e r i ê n d a do existir
umano, mesmo que cada âmbito de e x p e r i ê n d a requeira Em primdro lugar, as pesquisas psicológicas ou psicopato-
• lógicas têm que se basear sobre o fenómeno primordial do
m tratamento -diferendado.
Existir do homem; isto sempre é a rdação da concepção
humana com a coisa percebida. Esta relação do Ser Huma-
Em contraste com as suposições contidas nas teorias cien- no com os entes que lhe aparecem na dardra precisa sem-
tíficas, o caráter fundamental dos seres concretos é um fe- pre ser entendida a partir deste fenómeno primordial: das
nómeno ontológico,, o que o faz ser o que de é. Isto se dá coisas que estão aparecendo e do entendimento humano.
porque os fenómenos ontológicos nunca estão presentes de (fô76, p. 22)
modo independente do fenómeno onticamènte presente: o
fenómeno ontológico, sendo a essênda do fenómeno senso-
Vê-se que, segundo Boss, o esdarecimento dos fenó-
rial, deve sempre habitar ndes. (1979a, p. 163)
menos ônticos do existir do homem é orientado, inidahnente,
p d o acesso fenomenológico no sentido ontológico e p d a
Esta posição assumida por Boss é vista com reserva
e x p l i d t a ç ã o da existência humana como Dasein, Para de, o
o r alguns estudiosos de Hddegger (Stein, 1983 e 1988), que
método fenomenológico é entendido como -uio. caanoiio de
questionam se as ideias heideggerianas podem ser ntíliza-
acesso aos fenómenos, tanto em sentido ontológico como
das para contemplar a dimensão à d s t e n c i a l - ô n t i e a da ex-
em sentido ôntico, uma vez que os fenómenos são sempre
eriência, humana. No entanto, pode-se notar que Hddegger,
os Seminários de ZolUkon (19873, âo apresentar suas iddas ôntico-ontológicos. Esta c o - p e r t i n ê n d a da estrutura onto-
o existir humano como Dasein ms suas dimensões de es- lógica com as possibilidades concretas do existir'é esdare-
a d a l i d a d e , t e m p o r a l i d a d è e corporddade,. sempre parte da d d a por Loparic, que diz:
2 83
Tda Elizabeth Cardinalli A daseinsanálise de Medard Boss
Como a estmmra do tempo que eu sou é, simultaneamente, Boss utiliza, no entanto, em seus textos, a denomina-
a estratura ontológica das possibilidades concretas do meu ção métoào fenomenológico em sentidos diferentes, n e m
existir, assim como das de outros entes, Heidegger diz que sempre expUdtando de modo daro o âmbito de anáhse, seja
eu sou ou existo "onto-ontologicamente". Ou, ainda, que a da apreensão da e x p e r i ê n d a especifica dos pacientes, seja
distinção "ôntica" do ser-ai é a de ele ser "ontológico" (1927, da e x p h d t a ç ã o ontológica. Utiliza, fieqíientemente, a expres-
p.l2j. Nenhum elemento da estmtura ontológica do ente são método fenomenológico e, em seguida, explicita a com-
que eu sou é flutuante, todos são ancorados em meus mo- p r e e n s ã o do existir como Dasein segundo a o n t o l o g i a .
dos de ser concretos, ónticos, todos são minhas possibili- heideggeriana, o que indica que d e m a n t é m como ponto de
dades. (Loparic, 1996, p. 138) partida a fenomenologia e o acesso da e x p h d t a ç ã o ontoló-
gica. D á t a m b é m algumas indicações do seu método de i n -
QMmdo Boss faz indicações paia a aplicaçã.o da feno- v e s t i g a ç ã o para a c o m p r e e n s ã o dos f e n ó m e n o s sadios e
menologia heideggeriana no campo da psicoterapia e da patológicos, mas n ã o exphcita sistematicamente as diferen-
psicopatologia, tendo em vista a c o m p r e e n s ã o do existir ças da aproximação nos sentidos ontológico e ôntico.
de uma pessoa especifica segundo as d i m e n s õ e s existen-
Esta posição n ã o significa, todavia, que Boss, para
ciais, ele assinala que, a l é m do estudo teórico das ideias
esdarecer e descrever os fenómenos ônticos sadios e pato-
heideggerianas, é necessário que o "investigador" faça runa
l ó g i c o s do e x i s t i r humano, entenda a fenomenologia
experiência de compreensão do seu próprio existir e do existir
heideggeriana como metodologia de pesquisa segundo o mo-
dos. outros como Dasdn. Deste modo, considera que é ne-
cessário exercitar a compreensão do existir humano como delo da Ciência Natural, ou como procedimentos de inves-
Dasdn, e n ã o apenas o estudo da ontologia heideggeriana, tigação que se atêm à mera descrição dós fenómenos obser-
para que o "pesquisador" desenvolva u m "olhar" ou uma v á v d s . Assume o método fenomenológico no sentido onto-
"compreensão" dos fenómenos humanos. lógico como o acesso mais adeqUâdo aq existir humano, por
O esclarecimento e a descrição dos fenómenos ô n t i - permitir, esdarecer o fenómeno que se apresenta com base
cos do existir - seja das patologias, seja da situação psico- n d e mesmo. A o mesmo tempo, considera que as explicita-
terápica - requer então do psiquiatra e do psicotexapeuta uma ções ontológicas h t í d e g g e r i a n a s do ser do homem oferecem
famiharidade com o modo de compreender o existir humano. os fundamentos que permitirão que esta descrição corres-
É com base nesta famfliaridade que é possível perceber e ponda aos modos de existir humanos.
compreender cada paciente específico e descrever os modos
particulares da realização de seu próprio existir. Por isso, a ciência psiquiátrica adotou dos especialistas do
Neste sentido, segundo Boss, o método de investiga- pensamento fundamental, dos filósofos, a compreensão da
ção daseinsanahtico é denominado fenomenológico, sobre- essência básica do ser do homem, à cuja luz devem surgir
tudo quando a referência que orienta o olhar e o compreen- seus fenómenos psicopatológicos, para serem depois exa-
minados psiquiatricamente. (Boss, 1977, p. 9)
der - do pesquisador, do psiquiatra ou do psicoterapeuta -
está na descrição dos modos de existir humanos como d a é
explidtada por Hddegger."
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84-
A daseinsanálise de Medí^rd Boss.
Ma Elizabeth Cardinalli
Não importa a forma que uma iavestigação sobre as ori- 2 No primeiro capítulo, foi apresentado um breve histórico da psiquia-
gens possa ter, ela não pode leclamax o status de uma p«^s- tria fenomenológica, esclarecendo-se que o termo fenomenológico
quisa rigorosamente científica, a naenos que tenha primei- vem sendo utilizado na psiquiatria desde Jaspers (1913). Este con-
ro tomado visível o próprio fenómeno patológico tal como ceito, apesar de assimiir significações diversas de acordo com cada
autor, apresenta sempre um significado específico quando aplicado no
elèse apresenta. (Boss, 1979a, p. 195)
campo da psicopatologia pelos psiquiatras, não pretendendo conespou'-
derem sua totalidade ao concdtofilosóficodeHusseri e Heidegger.
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6
Ida Elizabeth Cardinalli A daseinsanálise de Medard Boss
Assim, de outra maneira, Boss percebe na aproxima- da adequação do estudo dos fenómenos ônticos orientados
ção fenomenológica heideggeriana indicações para a inves- pela fenomenologia. O que o filósofo assinala é que as
tigação daseinsanalítica orientada pela aproximação feno- manifestações ônticas precisam ser vistas como fenómenos
que se mostram de uma maneira específica e devem ser
menológica e existencial, quando
orientadas segundo o projeto ontológico-fenomenológico,
covforme d e diz a seguir; . ..
{...) ele procura focalizar os fenómenos que estão direta-
mente visíveis, não tendo outro propósito além de articular
a significativldade e os contextos de referência que os pró- Exige-se do pesquisador justamente isto, o mais difícil, a
prios fenómenos revelam. [Boss, 1979a, p. 78) passagem do projeto do homem como ente vivo dotado
de razão para ser-homem como Dasein. (...) O' "deixar"
llasscnl, isto è, aceitar {Zulasseríi o ente, assim como de se
Ao mesmo tempo, considera que o esclarecimento dos
mostra, só se tomará um deúcar-ser apropriado se este ser, o
modos de existir, sadios ou patológicos, somente será bem-
Dasein, ficar antes e constantemente à vista. (2001, p. 235)
sucedido se for uma decorrência de uma compreensão clara
dos fundamentos do método de acesso ao fenómeno estu-
A afirmação de Hddegger esdarece, sobretudo, que o
dado e daqueles do existir humano.
método de pesquisa aplicado ao estudo do existir humano
Os c o m e n t á r i o s de Heidegger nos Seminários de
não é a mera aphcàção do método fenomenológico no sentido
Zollikon sobre o e s b o ç o i n i c i a l do l i v r o Existential
ontológico. Ele assinala a importância da discriminação dos
Foundations of Medicine & Psychology {1979a) ilustram
âmbitos de a n á h s e da fenomenologia nos sentidos o n t o l ó -
como o filósofo pensa o método fenomenológico ontológi-
gico ç. ô n t i c o . Assim, 2L.Í3\Mt,st\ga.^ão do feiôíáçiio existei-
co e o método de pesquisa orientado por seu projeto onto- cial-ôhtico predsa ater-se ap-próprio fenómeno ôntico e ser
lógico, quando ele esclarece .que: orientada p d a fenomenologia no sentido da hermenêutica
do Dasctn. Segundo o pensador;
O título "fenomenológico" é então usado ém sentido ônti-
co, assim como o título "fenómeno", isto é, "o.ente que se
O próprio método de pesquisa "conforme o Dasein" não é
mostia, respectivamente, assim e assim", isto é que na medi-
fenomenológico, mas, sim, depende e é regido pda feno-
cina é examinado e tratado. Mas a pergunta decisiva é:
menologia no sentido da hermenêutica do Da-sein.
à luz de qual ser este ente (o homem) é experienciado?
O aphcar-se ao deixar-ser do ente humano no sentido dó
(Heidegger, 2001, p. 235) " •
Dasein j á pressupõe a aceitação do ser desprotegido no proje-
to ontológico-fenomenológico como Dasein. (Ibidem, p. 236)
Vé-se que Heidegger se preocupa com a distinção da
fenomenologia no sentido ontológico e no sentido ôntico, É interessante sahentar que, se o filósofo, por u m lado,
esclarecendo que o primeiro é que orienta a compreensão n ã o utiliza a palavra "fenomenológica" para designar o
do existir humano em cada caso, isto é, "o ente que se mostra método de pesquisa daseinsanalítíco, por outra lado suas
assnn e assim". Esta diferenciação n ã o sigiufica a negativa
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A daseinsanálise de Medard Bosp
m-Èlizabetk Cardinalli
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Ida Elizabeth. Cardinalli A daseinsanálise de Medard Boss
A pre-sença sempre se compreende a si mesma a partir de Nesta compreensão do existir, Boss focaliza a abertu-
nma possibilidade própria de ser ou não ser ela mesma. ra do Dasdn para situar os modos específicos do existir no
Essas possibilidades são ou escolhidas pda própria pre-sença mundo. A abertura - isto é, a designação para o "estado de
ou um meio em que da caiu ou j á sempre nasceu e cresceu, aberto" de cada existir no mundo - é o que- possibilita a
(1927/1988, p. 39) a p r o x i m a ç ã o e o distanciamento das diferentes coisas
(objetos reais, objeíos fantasiados, ^ etc), das outras pessoas ;,
Esse entendimento do existir do homem é comparti- (presentes e ausentes) e do próprio Dasdn para si mesmo.
ihado por Boss, piincipahnente, quando d e compreende o Assim, segundo o autor:
existir de a l g u é m segundo os modos específicos e situados
no seu próprio viver. Ele se recusa a pensar os modos de ser Existimos de uma ou outira mantíra rdadonados sempre
de cada u m conforme as determinações de validade geral. com alguma coisa,, que nos concerne, em tal ou qual signi-
Ao mesmo tempo, na apresentação da história de vida de • ficado, desde aqude lugar predoso onde estiver em nossa
alguns padentes, assinala situações que impediram ou fa- abertura do mundo. Pode ser que essa coisa nos toque em
voreceram o desdobramento de determinadas possibilidades. nosso íntimo ou nos deixe indiferentes. Pode ser mna per-
No entanto, n ã o chegou a aprofundar uma reflexão a res- cepção sensorial no presente, ou algo só imaginado, do
presente ou do passado. (1997a, p. 8)
p e i t o de d e t e r t o i n a ç õ e s e s p e c í f i c a s n a M s t ó i i a de v i d a de
certos pacientes, conforme apresentaremos, neste mesmo
capítulo, no item sobre a génese motivadonal. Boss ressalta t a m b é m que a disponibilidade do tem-
po, ou ter tempo para, é uma dimensão fundamental para
Esta perspectiva - que compreende o Dasdn como ser-
compieenàer a temporalidade n o existir humano, a qual está
no-mundo - supera, como f o i assinalado por Bins.wanger,
imbricada nas três dimensões temporais (passado, presente
aquda concepção de homem que pressupõe a divisão sujdto-
e futuro). Ele diz que:
objeto.
Conforme j á indicamos no terceiro capítulo, o existir
À espacialidade primordial acrescem as dimensões de nos-
humano, segundo Boss, é t a m b é m compreendido como ocor-
sa temporalidade existencial: presente, passado e. futuro.
rendo sempre j á no mundo, e o entendimento humano, des- (...) Por sua vez, uma das caracteristícas da temporalidade
de o i n l d o , está j u n t o do mundo t primordial humana está na disponibilidade do tempo; só
assim podemos ter tempo para isso ou aqmlo. (...) À medida
(...) podemos então descobrir que o homem apenas é sem- que deste jdto nos utdizamos de nosso tempo, nossa exis-
pre e originariamente enquanto existente de modo singu- tenda o concretiza em crescimento e maturação e também
lar no mundo. Desde o inído de se encontia Ek-statica- o consome. (Ibidem, p. 9) ' .
mente aberto ao espaço do mundo, isto é, relacionado em
qualquer coisa, de tal ou qual significado, que Ibe diz res-
peito dentre o aberto de seu mundo. (Boss, 1997a, p. 8) 3 Boss denomina o primeiro -pTtscnça sensorial e, o segundo, presen-
ça imaginada.
93
Tda Elizabeth Cardinalli
A. ãasrínsanálise de Medard Boss
A daseinsanálise e a etiologia
uma vez que contempla a especifiddade da natureza huma-
na, por pressupor algum tipo de entendimento humano'* acer-
No segundo capítulo, foram apresentadas críticas re- ca das solidtações desses contextos.
lativas ao conceito de etiologia das patologias psiqnicas. Para Boss, o comportamento humano, tanto o sadio
Esses conceitos etiológicos sustentam que h á uma relação quanto o patológico, deve sei:'compreendido na forma de
de deterraiaação entrega causa e a manifestação da doença. relações motívacíonais ou, mais espedfícamente, de contex-:-
Boss questiona se a própria noção de determinação causal é tos motívadonais.
adequada para o entendimento das experiências humanas,
pois isso implicaria pensar os fenómenos humanos segundo Com relação ao homem, só se pode falar em cadeias de
o modelo das Ciências Naturais, e este não consegue abar- motivos. O motivo pressupõe que alguém, em primeiro lu-
car as dimensões especííicas do existir humano. gar, tenha entendido uma coisa como tal e que a qualidade
desta coisa motive-o a fazer alguma coisa dda. (...) Uma
Propõe que se tenha uma visão de génese motivacio-
ação humana .é sempre motivada e cada ação motivada
nal para estudar as patologias. Inicialmente, esclarece os dois pressupõe o entendimento de uma coisa como tal. (1976,
significados da palavra motivo, dizendo que, habitualmen- pp. 15-16)
te, ela é usada no seaitído de causa, ou seja, aquilo que de-
termina alguina coisa, e assim mantém a noção de causali- Quando pensa a etiologia no sentido de motivação,
dade oriunda da Qência Natural. Contudo, o termo motivo Boss a.compreende segundo as colocações hddeggerianas
significa, também, aquilo que apda ou sohdta alguém, sua desenvolvidas nos Seminários de Zollikon. Os motivos e
motivaç.ã.0. aquilo em direção ao qual des são dirigidos são determina-
Boss chama a atenção para os diferentes significados dos pda tarefa iminente, que é reconhedda e acdta pdo
que as palavras etiologia e génese assumiram desde suas homem de alguma maneira. Estar dirigido a uma tarefa
origens. O termo grego aitia - que significava ímpeíb, culpa apresenta uma antedpação do futuro e revda-se pdos signi-
e ocasião - agora se tomou causa (Boss,.1979a, p, 192). Mas ficados. Mas não é o homem que atribui os significados a
de lembra, também, que a conjunção causal porque refere- Indo o que está à sua volta, nem é o mundo que determina
se originalmente ao tempo, significando enquanto, durante os significados de tudo. Os significados lhe são revdados
e na ocasião de (ibidem). conforme sua abertura perceptiva, que permite que as "coi-
O autor propõe que a etiologia seja pensada numa sas" do mundo se tomem mais próximas ou afastadas de
perspectiva genética motívadonál, como a ocasião que reúne, alguém em um contexto significativo determinado por uma
ao mesmo tempo, as sohdtaçõeâ, o entendimento humano e
a manifestação de um comportamento especifico do homem. 4 Para Boss, o entendimento humano não se restringe ao processo de
pensamento racional nem aos atos da consciência,.pois inclui as di-
Considera que esta visão é mais adequada para se entender versas formas de se apreender as solicitações, conforme será apre-
os comportamentos humanos do que a da etiologia, causal, sentado ainda neste tópico do trabalho.
94- 95
Tda. Elizabeth Cardinalli A daseinsanálise de Medard Boss
tarefa iminente. Finalmente, Boss assinala que, quando o 5. Presença periférica - o modo de presença de algo
comportamento Immano é compreendido como motivado, que faz parte do mundo de alguém, que está próximo fisi-
fica preservado um certo espaço de liberdade na ação hu- camente mas não é foco de.percepção, mesmo qué a pessoa
mana, pois motivos solicitam, mas não compelem o homem conte com isto na sua ação;
[1979a, p. 150). 6. Presença temática - refere-se ao modo como algo
fica junto de nós como entendimento temático, que posslbjr
Toda ação hmnana é motivada por conta de algo reconhe- lita um dar-se conta abertamente do que acontece ou pode'
cido pela pessoa em questão, e este reconhecimento acon- acontecer em volta; . '
tece no estar engajado de tuna pesspa, por algum fenóme- 7. Presença não temática - diz respeito ao que não está
no que é endereçado a ela. Cfbidem, p. 151) sendo tematicamente percebido por alguém, como aquilo que
Freud qualificou como inconsciente.
Assim, o entendimento do homem, através de suas
ações motivadas e de suas motivações, não pressupõe que
um linico motivo seja o determinante dos comportamentos, A relação de determinação temporal
sadios ou patológicos.
Por fim, para o autor, a noção de motivação que pres- Para esclarecer a visão de Boss acerca de génese motiva-
supõe algum entendimento do homem - no sentido de que cional e de contextos motívadonais, pretende-se especificar,
aqrdlo que motiva é reconhecido e aceito pela pessoa em neste tópico, alguns tipos de relação de determinação, como a
questão - não exige sempre que esse entendimento seja te- temporal, e a influência do contexto histórico, que são habi-
iAiais n.as teorias psicológicas, em espedal na psicanálise.
maticamente percebido por ela.
Seus questionamentos quanto à orientação genético-
Boss (1976, pp. 17-18) descreve várias maneiras como
causal muitas vezes provocam um mal-entendido, pois se
as coisas se apresentam aos homens:
supõe què eles desconsideram o papd do passado na histó-
1. Presença sensorial - a que ocorre quando percebe-
ria da vida do ser humano, tanto nos modos de existir sau-
mos sensorialmente um óbjeto ou uma pessoa; dávd quanto no patológico. No entanto, Boss afirma que:
2. Presença como entendimento estendido - a de algo
ou alguém que está ao alcance, isto é, presente no mundo, Nenhuma dçscrição da natiirep-g >mmqna é mais ciente
mas aiada não fisicamente; do que a daseinsanalítica de que a totalidade do passado do
3. Presença sonhada - a que se refere às coisas sonhadas Dasein ifiexsiste., co-dg:teitgma. t: TitTmaTig-gg no seu sex -pre-
e ao modo de existir do homem como sonhador, quando ando sente, mas é na forma de motivações que o passado se di-
as coisas estão presentes apenas de modo sensorial; rige ao presente; experiências passadas não produzem cau-
4. Presença imaginada -a de algo que faz parte do salmente o comportamento presente da mesma maneira que,
numa sequência de eventos físicos, causas específicas nem-
. mundo de alguém, mas que não existe como presença per-
sempre resultam em efdtos espedfícos. (1979a, p. 193]
cebida sensorialmente; .
36 97
Ida Elizabeth Cardinalli A daseinsanálise de Medard Boss
Soss afirma cyie os estados das patologias mostram os acontecimentos biográficos que "motivaram um ser hu-
mna forte relação entre a doença presente e os acontecimentos mano a se conduzir de um certo modo e o que ainda o motiva
a perpetuar esses modos" (1979a, p. 192).
antecedentes. No entanto, destaca que a relação, habitualmen-
te deuomiaada "etiologia" ou "patogênese", não entende "de Assim, o conceito de génese motívadonál considera
maneira adequada a específica e singular natureza do i m - que são importantes as experiêndas do passado vividas pdos
homens. No entajito, propõe um entenáimehto específico
portante relacionamento entre a condição presente do pa-
sobre o modo de determinação que ocorre entre o passado
ciente e a história anterior" (1979a, p. 191).
e o presente. Boss diz que as experiêndas do passado pre-
D enomínaVnddentes j7fltog.énícoj^âun.elas ocasiões one
dsam ser entendidas, considerando-se tanto as motivações
motivam nma pessoa a restringir suas Possibilidades de re-
que solidtaram uma pessoa a realizar determdnadas possi-
lação consigo mesmo, com as pessoas g com o Ynmvdcx^
bilidades de rdadonamentos quanto aqudas que a induzi-
ram a se restringir em rdação a essas mesmas possibilida-
Inddentes biográficos patogênicos são motivos que indu-
zem uma pessoa a restringir ou a se fechar parcialmente des. Os acontecimentos passados não são compreendidos
para a abundânda de suas possibilidades inatas de relação, como acontecimentos em si, mas rdativamente à contextos
de modo que da realiza apenas alguns poucos modos neu- significativos que foram entendidos de uma forma específi-
róticos de relação com seu mmido. Deveríamos lembrar que ca e que permanecem no viver atual de uma pessoa.
os momentos patogênicos, eles mesmos não podem produ- Boss propõe que a temporalidade do existir humano
zir, causar ou efetuar esses modos, porque todos os mo- seja compreendida segundo o pensamento heideggeriano,
dos de ser, mesmo os chamados neuróticos, são dados a considerando-se a inter-rdação das três dimejasões tempo-
uma pessoa ao nascer como possibilidade da ejãslencia.
rais, a saber, passado, presente e fiituro:
(Ibidem, p. 192)
Quando o.autor diz que os acontecimentos podem E porque nós, seres humanos, existimos de tal modo que
nosso presente se encontra sempre comprometido com nosso
restringir ou favorecer determinados comportamentos, diz
passado; somos também por natureza dirigidos àquilo que
também que, para cada ser humano, são dados os modos de se aproxima do futaro e, movendo-nos em sua direção,
ser como possibilidades da existênda. Esta segunda afirma- predsamos abrir-Ihe nosso ser. A mantíra como vemos o
ção - que as possibilidades são dadas ao homem - não foi que foi e o que é agora está sempre rdadonado com o
sufidentemente explicitada. modo como estamos dirigidos ao futuro. (Ibidem, p. 193)
Para Boss, a noção de génese motivacional não visa
remontar à história de vida de'um paciente, procurando-se Na perspectiva hddeggeriana, o futuro apresenta uma
suas causas, no seu sentido habitual; procura todavia situar primazia em rdação ao passado e ao presente, pois é atia-
vés dde-que vemos, percebemos e lembramos as experiên-
as restrições no seu existir, buscando esdarcccr as motiva-
das já-vividas e as atuais. No entanto, esta primazia não xctira.
ções- que mantêm determinados modos de viver e descobrir
99
98
Tda Elizabeth Cardinalli A daseinsanálise de Medard Boss
a importância do que é ou foi vivido nas demais dimensões Pesquisas no mterior das fronteiras historicamente dadas
temporais, nem apresenta uma oposição ao entendimento de que limitam as possibilidades do estar-no-mundo foimam
tais experiências. a base de todos os tipos de sodologia e psiquiatria sodal.
Essas disciplinas têm descoberto que algumas situações do
Assim, o pensamento heideggeriano permite, também,
mundo parecem estar muito mais em harmonia com o ser
re-situar o entendimeato da história da vida humana. Ele humano do que outras, que em algumas épocas é permitido
não a compreende como uma "sucessão temporal de expe- às pessoas em geral a realização mais Hvre e mais completa
riências e ações ocorridas durante uma vida, em uma su- de suas possibilidades para existir e pam permanecer saudá-
posta sequência de causa e efeito" (Boss, 1963, p. 65); en- v d do que em outras, Descobriu-se também que a liberdade
tende que partícular concedida ao estar-no-mundo humano numa dada
época não é igualmentefiivorávd.a todos os seres hmaanos.
(...) cada história de vida humana ocorre através do contínuo Por vezes, o destinamento histórico que delimita a resposta
desvdamento de entes pardcdares que são enviados a apare- humana favorece certos tipos de pessoas e não outras, e a
cer, a se revdar à luz das rdações desvdadoras-de-sentido forma de abertura possívd para o próximo período histórico
que constituem a existência humana. (Ibidem, p. 66) pode sersaudávd para esses que foram desfavoreddos antes,
(Por saudávd queremos dizer formas mais condizentes com
as possibilidades para existir que essas pessoas trouxeram
com das, do que com as das outras), (1979a, p. 194)
A influência da época
Para Boss, os momentos históricos específicos favore-
BQSSafirma que os comportamentos das pessoas são cem certos modos de ser e delimitam o âmbito possivd da
também circunscritos e situados numa época específica, pois realização humana. Ele esdarece, também, que esse âmbito
"cada época concede, para a humanidade, um Dasein, uma apda não apenas aos indivíduos, mas à sodedade em geral.
existênda, como um âmbito aberto perceptivo, cujos l i m i -
tes são peculiares a essa época" (1979a, p. 194). Parece enião que, quando uma época emergente move a huma-
Entende que os diferentes momentos históricos da nidade no interior de uma nova forma de abertura, mna
humanidade delimitam os modos de existir do homem, va- estampa é colocada sobre alguns significados que antes
lorizando alguns comportamentos e desqualificando outros. eram visíveis. O destino, que estabelece os Hmites para o
Afirma que cada época sohdta os homens a realizarem al- âmbito aberto da existênda humana possívd numa dada
época da história humana, é visto mais daramente através
gtanas àas possibiiiàaàçs intteiites do existii kumano, e,
da maneira como a natureza fundamental da presença mos-
deste modo, entende que uma época histórica especifica pode
tra a si mesma àqudes que vivem nessa época. Não somen-
ser mais favorávd para o desenvolvimento e a realização te indivíduos,-mas toda a sodedade, são motivados por esse
de detenninadas possibilidades para algumas pessoas; destino pára modos especíBcos de responder ao que lhe é
mostrado. (Ibidem)
101
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Ida Elizabeth Cardinalli A daseinsanálise de Medard Boss
Comentários sobre a perspectiva daseinsanalítica como acontecem estas soHdtações nos modos denominados '
acerca da génese motivacional da patologia saudáveis, neuróticos e psicóticos; e, finalmente, como a
noção de génese motivadonal pode esdarecer a "com-
A perspectiva daseinsanalítica motivacipnal inclui as preensão" ou a "percepção" que alguém tem de si mesmo
experiências do passado, a influência dos pais e do contex- no decorrer da .sua vida.
to social mais amplo; contudo, não considera que os acon-
tecimentos da história de vida de um homem operam inde-
pendentemente da presença e de algum entendimento do
próprio homem. O motivo pressupõe que alguém, em pri-
meiro lugar, tenha entendido uma coisa como tal e que a
qualidade desta coisa motive-o a fazer algo dda (Boss, 1976,
p. 15). O motivo é também integrado às três dimensões tem-
porais: sempre "se dá no presente, é comprometido com o
passado e dirigido, prioritariamente, ao futuro, '
Para compreender os modos patológicos, a aproxima-
ção daseinsanalítica motivadonal procura descobrir o que
é denominado, pdo autor, "incidentes biográficos", isto é, a
ocasião que limitou o desenvolvimento em certos modos de
se comportar; deve-se, conforme de mostia, "descobrir os
incidentes biográficos que então motivaram um ser huma-
no a se conduzir de um certo modo e os que ainda o moti-
vam a perpetuá-los (1979a, p. 192).
Baseado na génese motivacional, Boss repensa como
acontecem os modos de existir humanos sadios e patológi-
cos. Estabelece pontos importantes para compreender o
existir do homem nesses modos, mesmo que se reconheça
que de não tenha se detido no esdarecimento do desvda-
mento ou das xestiições das possibilidades humanas em di-
ferentes momentos da vida ou nos diferentes modos de
existir. Por exemplo, permaneceram sem maiores detalha-
mentos as seguintes questões: se as solicitações das motiva-
ções ocorrem da mesma maneira em diferentes etapas da
vida, como na infanda, ria adolescenda ou na vida adulta;
102 103
A PSICOPATOLOGIA
DASEINSANALÍTICA
los
da. Bizabeth Cardinalli
A psicopatologia daseinsanalítica
deficiências, no modo de cmnprir as possibilidades de rela- dnrerfr n nncst^o do sentido dn ^PI- NQ entanto, considera'
• donamento com as coisas. (Boss, 1975, p. 22) que de, em seu caminho, "descobriu as características fim-
damentais do existir humano decisivas também para a me-
. A noção de^S2§s sobre doença apresenta nma peculia- dicina" (ibidem).
idade, pois de considera que o mais importante para a 4.0 mesmo tempo, é nnportante esdarecer que a psi-
medicina e a psicologia não é o entendimento das doenças copatologia daseinsanalítica de Boss, como de mesmo diz
mesmas, mas o tiomem, isto é, aqude ser liumano que está em diferentes momentos de sua obra, é um esboço inicial de
doente. Propõe uma mudança de foco, ao deslocar o enten.- uma patologia geral daseinsanalítica, uma vez que apenas
dimento da doença para o entendimento do_hgmemgu£.ê§íá . apresenta dementes inidais para esdarecer os diferentes
doente, para o esdarecimento prioritário de sua experiência. fenómenos patológicos:
Quando focaliza os modos de existir do homem nos
estudos da psicopatologia, Boss propõe, também, uma iayer- (.„.) nós só chegamos a rudimentos de uma patologia geral,
são do entendimento tradidonal do conceito_de_doença que seja adequada à natureza humana. Uma explanação
_presente na psiquiatria e na psicanálise. Diz que o modo de «. sistemática necessitaria determinar toda a extensão das pos-
ser-doente só pode ser compreendido considerando-se o sívtís manifestações patológicas a íim de descobrirpara. cada
modo de ser-sadío: doença particular qual dos-traços existenciais foi prejudicado
mais profunda e diretamente, e como o foi, (1979a, p. 198)
^(„,) uma psiquiatria futura não escapará de repensar tnidal-
/mmtt suas concepções sobre a constituição fimdamental
do modo-de-ser do homem. Antes de mais nada, isso diz
A saúde e a doença
O respdto ao modo-de-ser do homem não perturbado, do
homem sadio, pois a existênda perturbada é sempre uma Para Boss, a compreensão, da doença pressupõe o es-
forma defidente' do modo-de-ser sadio e, por isso, segun- clarecimento dos modos de existir humanos, orientados pda
do sua essência, somente pode ser compreendida a partir- explidtação do Dasein. Considera que a analítica do Dasein
do modo-de-ser sadio! (1977, p. 9) oferece elementos mais adequados para o entendimento da
experiênda humana do que os apresentados pdas aborda-
Boss ressalta que Heidegger, em toda sua trajetória do gens teóricas tradicionais psiquiátricas e psicológicas, assi-
pensamento, não pretendeu daborar uma antiopologia ou nalando que:
uma psicopatologia, pois sempxe. estweçreacjjj^adn em es-
Os vários modos de doença humana podem ser dassificados
existencialmente - isto é, de acordo com suas verdadeiras
1 Na próxima seção deste capítulo, com a noção de privação, será me- naturezas - somente em rdação a uma partícular privação
lhor esdaredda a compreensão da doença como modo deficiente do que afeta a manifestação dos existendals. (1979a, p. 251)
existir sadio.
106 107
Tda Elizabeth Cardinalli
A psicopatologia daseinsanalítica
t
O autor também esclarece que a natureza do fenóme- Assim também o não-estar-são, o estar-doente éuma for-
no do adoecimento - e, assim, a doença - pode ser compreen- ma privativa do existir Por isso também não se pode con-
dida como,-privacan riR realização das possibíliriaflps exis- ceber adequadamente a essênda do estar doente sem uma
fpTiHai<^ r m i s t i t n t i v a . s dos m o r i n s rjp QPT r\n P Y i s t i r bumanO. definição sufidente do estar são. (2001, p. 73)
quando este é entendido como Dasein. Sua noção acerca de
doença envolve duplamente as indicações hddeggerianas, Quando diz que na doença o ser sadio não está ausen-..
uma vez que a compreensão do existir humano é orientada te, mas perturbado, Hddegger destaca a co-pertinênciada
segiKido as caraderisricas fundamentais da existênda, apre- condição de saúde para a compreensão da doença, uma vez
sentadas em Ser e tempo, e fjppr^ras: 99n pensadas r n m , que, tanto na saúde quanto na doença, as características
basF nn copr''^''"" ])V^'^';^^ inriifaf^o por Hddegger nos exlstendais estão presentes como possibilidades; no entan-
Seminários de Zollikon. to, no estar doente, das embora não suprimidas estão per-
Hddegger esdarece que a privação é um tipo esped- turbadas.
fico de negação, pois retém o que falta, sem exduí-la: Concordando com tais noções, ..$õs|>aí5rma que as
ftoençaj^sempre mosfram alffnmn rpstríçãn -nps pnssibilida-
Quando negamos algo de forma que não o excluímos SÍXQ- des do brnnPTn dp rpali73T n seu existir: ou diz em outras
plesmente, mas o retemos Justamente no sentido de que palavras que: "Em qualquer doença, certas potencialidades^
algo lhe falta, esta negação chama-se i^rivaçáo^ O notávd de uma pessoa para rdacionar-se com aquilo que encontra
é que toda a profissão médica dos senhores se move no tomam-se menos" disponívds do que outias" {1979a, p. 251).
âmbito de uma negação, no sentido de privação. Pois os Boss percebe que o estar doente é caracterizado pdo
senhores iiàam coiã a íioença. O mMito p^í^Mtós, 'al-
preiuizo na bahilidadp derpaiiyaçan das pnssibibdadps^ e. qnp
guém que o procura: qual é o problema? [Wo fehlt es? -
Onde falta?) O doente não é sadio. O ser sadio, o estar bem, com tal prpjirizn ncorrp a intprferênda dneta na liberdade
o encontrar-se não estão simplesmente ausentes, estão per- fio spr humann para realizar suas concretas possibilidades
turbados. A doença nãoé a simples negação da condkão nas "diferentes sitnarõps da-susLvida. Segundo o autor:
psicossomática. A doença é um fenómeno de privação^Em
toda privação está a co-perdnência essendal, aqtdlo a quem ' O que é realmente prejudicado ivuma dada doença é a habi-
falta algo, de que algo foi suprimido. (...) Na medida em hdade da pessoa doente de se.digajar num levar adiante
que os senhores hdam com a doença, na verdade os senho-
res hdam com a saúde, no sentido de saúde que falta e deve
ser novamente recuperada. Q c^àter de privação tampou- !> O Ivfio Existentíal .Foundtttions of Mtdicint & Psyckology xt&ííL-à •&
co é reconhecido na dência? (...) palavra potentialities (potencialidade) (cf. Boss, 1979, p. 251] para
traduzir a palavra alemã Mõglichkeiten (possibilidades) (cf. Boss, 1971,
p. 524], o que modifica o entendimento do existir humano como
Dasein. que orienta o trabalho de Boss, conforme foi esclarecido no
capítulo anterior.
2 Grifo nosso. 4 Grifo nosso.
108 109
A psicopatologia daseinsanalitica
Ida Elizabeth Cardinalli
(...) a essênda ftmdamcníal dg^ser saãiq^aTacteríza-se pre- Assim, Boss inova a compreensão habitual das doen-
cisamente pelo seu poder dispor livremente do conjimto de ças humanas ao pensá-las como modalizações do existir. Não
possibiUdades de rdação que lhe foi dado manter com o há, simplesmente uma doença compreendida como entidade
que se lhe apresenta na abertura livre de seu mtmdo.. (Boss Isolada em si mesma. Ela é xjv^^ Tnanpira c\f ypalizar o pró-
e Condrau, 1976, p. 14)
pTÍn fxisTir que se pucnntra prpjnóicaf^n.
. O entendimento da natureza básica da doença huma-
Quando cararteriza o existir hinnano saudávd pelo
na como redução da habilidade para realizar o próprio exis-
poder dispor e poder realizar mais livremente seu existir, B oss
) tír, como comportamento livre, pode ser aplicado para o
afirma que a questão norteadora para pensar as patologias
entendimento das pessoas doentes, tanto as que apresentam
assume um aspecto triplo: ^ c o m o está a liberdade da pes-
sintomas psiconeuróticos e psicóticos quanto as que têm uma
soa para realizar suas possibilidades;©quais possibilida-
Infecção bacteriana ou sofreram um atídente de automóvd.
des estão prejudicadas; ^ em rdação a quais aspectos do
Isto porque o fimdamental é focalizar as limitações da l i - ^
mundo da pessoa este prejuízo ocorre (Boss, 1979a, p. 200).
bprdadp qnp rgda rinpriça impôp na rpalizaçãn das possibi-
Pensando a doença como privação da realização de
lidades concretas e específica.^ dn pxi.stir do ser doPTifp. Pnr
possibilidades existendais e se baseando na observação de
exemplo: quando uma pessoa está imobilizada por ter fra-
diferentes pacientes, Boss considera qué alguns ç^dstenciais
L turado sua perna, fica limitada na liberdade de realização
são mais importantes para a medicina e a psicologia, tais
Vle suas possibilidades cotidianas habituais, como caminhar,
trabalhar ou brincar com os filhos. Assim, a doença não
5 Vide Ni)ta 3 deste capítulo.
111
1.
Ida Elizabeth Cardinalli
A psicopatologia daseinsanalitica
compromete apenas urn aspecto da vida, afctanda a tataU- 0 autor nao teve como preocupac;ao 'Qriorit.ari.a. desen-
dade do existir. isto f:, interferindo em todos OS 3mbitos da volver estudos sistematicos que visassem esclarecer as dife--
gperiencia concreta de alguem. renr;as entre as vcirias patologias, nem pretendeu estabele-
E neste sentido que o autor ressalta que nao ha dife cer critenos rigorosos de diferencia~ao entre os modos sau- i~
ren~a entre "a perda de liberdade que advem de urn defeito daveis, neur6ticos e psic6ticos. .!L
ij.
congenito ou de um acidente oconido pre ou p6s 0 nasci- 4o mesmo tempo, percebe-se, em seus tex:tos, que de.-
l
mento" (1979a, p. 251), pais nos diferentes ~odos doentios situa comparativamente os diferentes modos de existir - · :j
de ex.istir ha perda ou restri~ao da liberdade de realizac;ao saudavel, neur6tico, psicotico -, indicando uma mudanc;a
de possibilidades efetivas. gradativa, maior ou menor, da liberdade de realizar suas
E importante lembrar, ·no entanto, que a caracteriza- possibilidades e de urn si-mesmo independente e responsa-
~ao da natureza de cada patologia especifica ex.ige o deta- vcl, o que mostra a capacidade de uma pessoa de reunir suas
lhamento das diferen~as e das nuan~as da restri~ao de cada possibilidades de relacionamento.
uma delas, e especialmente da maneira como diferentes Para o autor, o modo ·saudavel apresenta maior tiber-
doentes vivem essas limita~oes para poder contemplar a es- dade e maior capacidade de realizar suas pr6ppas possibp.i-
pecificidade da experiencia de perda ou de redu~ao da li- dades comparativamente aos .modos neuroticos e psicoticos.
berdade nos contextos especificos do viver dos pacientes. A existencia do neur6tico esta aberta para o descort4J,ar do
Assim, ~ doen~a humana, nesta perspectiva, nao e mundo, fundamentalmente do mesmo modo como isso ocorre
pens ada no sentido de urn funcionamento defeituoso de uma para as pessoas em geral, embora de maneira mais restrita
maquina que preclsa ser reparado, urna vez que e compreen- (Boss, 1963, p. 212). No ex.istir esquizofrenico, a falta .q.e
dida como perda da 'liberdade·e urna 1imita~ao do viver do liberdade apresenta-se em tal radicalidade que o paciente
homem em sua totalida&} nao consegue sustentar a percep~ao do mundo e manter wn
, __
si mesmo-intacto e independente das solicitar;oes extemas.
...
Modos de eristir saudtivel, neurotico e psicotico &
A neurose
Nos tex.tos de Boss, percebe-se que sua maior preocu-
pa~ao e mostrar que as diferentes patologias, s~am ftsicas,
s~jam psiquicas, podem ser caracterizadas como maneiras
de realizar o ex.istir, e que cada uma delas revela a1guma
perturbac;ao nesta realiza~ao. Assim, cada patologia e c~
racterizada conforme o ambito que prioritariamente esta
afetado, mas sempre se considerando que a totalidade do
existir esta prejudicada.
~e relacao interpessoal qm: de consegue estabelecer eo umco
112
113
-·;
J
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J!OSsivel · "A neurose se desenvolve apenas quando alguem da perceber e de se relacionar con.Sigo mesma, com as ou- .\
ignora ou se esquiva da tarefa existential de comprometer- t ras pessoas e com tudo o que se apresenta em seu mundo. :j
responsavel todas as possibilidades de se relacionar com o criteria etiologico, habitual nessas teorias, o qual estabde- ·
mundo, que realm_ente constituem seu proprio e genuino sl ce d.istin~oes e classifica essas doen~as como end6gena- ou
mesmo" (1963, p. 209). - ex6gena, psiquica ou somatica, ~a vez que ele discorda
Segundo o autor, nem os melanc6licos nem os esqui- deste criteno para a caracteriza~ao das patologias, como ja
zofrenicos conseguiram se desenvolver como um si mesmo foi apresentado no segundo capitulo.
capaz de reunir suas ~proprias experiencias e de manter Boss apresenta uma dassifica~ao particular, na qual
· alguma liberdade em rela~ao ao que se apresenta do mun- cada doen~a, 0 conform.e foi exposto anteriormente, en- e
do. Assim. -a maneira _como ambos se relacionam com o tendida-segundo conceito de priva~ao'0 da realiza~ao das
mundo revela que eles carec_em totalmente de independen- possibilidades humanas, orientadas conforme a condi~o ba-
cia e liberdade. sica de abertura e de Iiberdade, de acorclo com existentiais
Para Boss, contudo, ha uma diferen~ no modo como como corporeidade, espadalidade, temporalidade e a:fina~ao.
o melancolico e o esquizofrenico reagem em rela~ao as so- Para esclarecer a natureza das diferentes patologias, o
licita~oes do mundo. 0 existir melancolico nao tem uma autor considera a priva~ao no ambito de realiza~Ao das
posi~ao propria e independente, estando sempre a merce das possibilidades do e:xistir humano que se apresenta mais pre-
solicita~oes, dos desejos e das expectativas de terceiros, mas, judicado. Para isto. ele procura responder as questoes indi-
"enquanto o melanc6lico se submete totalmente, o esquizo- cadas anteriormente: quais possibilidades estao prejudica-
fremco tenta se afastar o mciximo possivel dos outros, de das, como esta a h'berdade para a sua realiza~ao e qual o
quem ele facilmente poderia vir a ser cati.vo"Tibidem, p. 218). ambito de relacionamento com o mundo que esta priotita-
0 modo de ·existir esq~ofreruco sera mais detalha- rlamente. -p~udi~ad~? N~ ~tanto, eim:portante lt:mbrar que
damente descrito no s~o capitulo. os diferentes iimbitos de realiza~ao do existir s6 se dao em
'..- conjunto, em totalidade. Assim, quando urn ambito do existir
A classificac;ao das patologias psiquicas '·- eperturbado em sua realiza~ao, os outros tambem sao afe-
tados de alguma maneira.
Boss utiliza as denomina~oes das diferentes patologias
psiquicas9 presentes na classificacao nosogrcifica das teorias
psiquiatricas e psicanaliticas. No entanto, nao utiliza o
9 \lt:lluamos o tenno patologias psiquicas para diferencia-1as das pa- 16gicas, que sao definidas pela psiquiatria e pela psicaruilise como
tologias fisicas. em geral, apesar desff tenno nao ser apropriado para psiquicas. As patologias que apresentam um prejuizo prioritario na
a caracterizac;ao das patologias humanas quando 0 homem· eenten- corporeidade serao mendonadas apenas para situar o entendimento
dido -como Dasein. Pois quando o existir humano e compreendido do autor.
como Dasein, niio se supoe que este e dividido em dimensoes como: 10 Boss utiliza, tamb6n, os tcrmos perturba¢o. distoTfilo, prcjuizo ou
intemas e extemas, psiquicas e somaticas. Neste trabalho, fizemos ddidente como sindnimo de priv~ao.
urn recorte das patologias d1scutidas por Boss, priorizando as pato-
119
118
A psicopatologia daseinsanalitica
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Ida Elizabeth Cardinalli
120
----------------------- ----·-- .--
Ida Elizabeth Cardinalli A psicopatologia daseinsanalitica
Em rela~ao A-paralisia histenca, Boss diz ·que este tipo presente. Boss nao entende a interpretac;ao habitual de. que.
de patologia tambem pode ser vista como pnjuizo da livre des estao vivendo no passado; diz que nao estao vivendo 1
realiza\;ao do ser-no-mundo, e nao apenas como uma para no "passado como -passado (...), mas que eles vivem no pre-
Iisia psicogemca. Baseando-se no ·reiato da paciet:lte Regula scnte rela\oes com as pessoas e as coisas de sua infancia"
(1979a, pp. _213-214). .-
Ziircker, que fica com as pemas paralisadas quando encon
tra um homem que lhe interessa, ele diz ·que se pode ver que, 0 autor discute tambem a posi~ao da psiquiatria chis- ·.
nesse momenta, a existencia desta mo~a se realiza em dois sica referente a etiologia e a denomina~ao das chamadas
movimentos opostos, atra~ao e repulsa aquele homem, o que psicose organica e demencia senil. Entende que os estudos
•I
resulta ila paralisia. Assim, para 0 autor, aeste sintoma histe- ac:erca da importancia da esfera fisica no surgimento das 't
ri.co (a paralisia das pernasJ eu.m fmommo dittto ·da realiza- psicoses organicas 11odem signifk.at: a-pe.nas q_u'!. h.a uma
~ao dessas rea~oes opostas" (1976, p. 27). simultaneidade entre o comportamento patol6gico e uma .,
Boss esclarece melhor seu ponto de vista ao diZer que, certa condi~ao cerebral. Considera que essas patologias J
II
neste caso, e preciso considerar que, inicialmente, a pacien- podem ser melhor compreendidas, numa perspectiva exis-
tcncial, como modos especificos de ser, isto e, segundo os
te nao tinha liberdade para perceber o homem como dese-
jado, mas apenas como repulsivo. Ela apresenta limita~oes
modos de se conduzir fundamentados na habilidade do
perante a possibilidade de se perceber e de perceber seu paciente e.m perceber o que ele encontra do mundo.
Para Boss, apesar de serem diferentes a origem e a ijI,
proprio existir; sendo assim, "a existencia desta mo~a foi
redtizida ao cozporal" (ibidem, p. 28). natureza das patologias ja mencionadas, tambem ocorrem r:
nas fa bias - ·s.f!a na agm:afobia, se.~a n.a claus.tl:ofab.\a- ~er ~
turba~6es pronunciadas com rela~ao aespacialidade (ibidem, J
I!
Ser-doente caracterizado por uma .perturba~iio p. 216}. ~
1,}\
prevalente na espacialidade e na temporalidade 0 paciente agorafobo pode viver com certa liberdade .,
em rela~ao a coisas e a pessoas pr6ximas e familiares, mas
j;
de seu ser-no-mundo Ji
nao suporta o contato com lugares amplos e abertos, pois !)
~,
. Nas denominadas psicoses orgamcas e demencia senil S('U propriO exisfu efo~ado a se expandir na propor~aO desta
,.i1
da psiquiatria classica, os pacientes estao reduzidos na amplitude. As areas amplas o subjugam e o ·sobrecarregam. ~~
f
,I
amplitude de sua abertura espa~o-temporal, isto e, suas Scm poder suportar tamanha solicita~ao, o agorafobo nao
percep~o.es das coisas e das pessoas estao encolhidas as di.- ~'<ltl<£-&uf{ m.an.tf{r um.c. r~c.~?.<l li'IT~ <;:~-m c.c:, <;:~\c:,a.c:,, -n.~ -p-,::e.-
:)
mensc'>es do ambiente imediatame!\te perceptive!; e como scrvar sua liberdade consigo mesmo.
.,
tambem eles estao muito fechados ao significado ·do que e ·a paciente daustr6fobo, por sua vez, experimenta !I
percebido, sofrem uma desorienta~ao espacial. · qualquerlim.ita~ao ambiental como prisao ou sufoca~ao. Fica
A ·dimensao temporal - passado, presente, futuro - na em panico em Iugares fechados ou que nao apresentam
existencia desses pacientes esta reduzida praticamente ao saidas faceis. Esses pacientes estao reduzidos na habilidade ·I
'i
,I
ll
r.
•I
122 123
Ida Elizabeth Cardinalli
A psicopatologia· dizsci~analftita
ij
~
de se relacionar com o que esta em seu mundo, podendo ape-
nas interagir com poucas pessoas: "0 estreito espa~o em que
eles existem confina seu Dasein ~ uma afina~ao de cons-
0 autor descreve sucintamente cada uma dessa.S -pato-
Jog1as da afina~ao, mostrando, em cada uma delas, como .0
docnte esta restrito e preso a apenas uma tonalidade afeti-
va, e, sobretudo, que ele esta restrito em um modo pouco .
r I
tante medo e sufoca\;ao" (Boss, 1979a, p. 217), urna vez que
tudo a sua volta aparece como limita\;ao ou encarceramen- I ivre de realizar seu proprio existir.
to insuportavel. · Na psicose maniaco-depressiva, Boss descreve o modo ·.
Para Boss, tarilbem, as patologias nao apresentam pre- de existir no estado maniaco e no estado depressivo. No ·
~stado maniaco, o paciente nao tern nenhum encontro aberto ,I
juizos apenas na realiza~ao de urn Unico tra~o do ,existir. Na
claustrofobia, por exemplo,_a perturba~ao da espacialidade
mostra, ao mesmo tempo, perturba\;ao severa na realiza~ao
da afina~ao - isto e, OS lugares fechados sao experimenta-
. e livre com os fen6menos de seu mundo. Sua percepr;ao neste
cstado esta severamente restrita: o que aparece do mundo
as~;ume, em geral, urn Unico sentido, que e para ser apode-
II
dos como urn aprisionamento, o que aparece como medo e
sufoca~ao.
rado. 0 paciente maniaco nao consegue estabelecer uma
rela~ao significativa com o que se relaciona, pois se agarra I
.I.I
a qualquer coisa que apare~a em seu caminho, toma sofre-
gamente o que aparece, mas, ao mesmo tempo, tudo e subs-
il
i:i
'Ser-doente caracterizado por uma perturba~iio Htuido com facilidade. Seu passado e seu futuro tomam-se
prevalente na realiza~tio da afina~tio eristencial distandados, aumentando a importancia do momenta pre- . ~~
sente: "Isto se manifesta em urn sentimento de onipotencia, ~
Melanc61icos nao descobrem nada "que valha a pena" em Boss percebeu uma tendencia crescente das enfermi-
sua existencia, porque seus modos de rela~ao como mun- dades depressivas e, ao mesmo tempo, notou que elas apre-
do nao sao pr6prios deles. (...) A razao pela qual nada mais . sentam uma especificidade, pais os pacientes que sofrem
funciona e que, para eles; 0 tempo parou. (.:.) pois 0 ser de de.pre.ssao e.stao tambem entecliados. () autor nenomina
humano somente pode acontecer vivendq no seu tempo se esta modalidade patol6gica de "neurose do tedio ou neu-
realizar suas possibilidades. (Boss, 1979a) rose de falta de sentido ". Neste modo, os pacientes nao
- - conseguem se empenhar em nada sinceramente, uma vez
Boss assinala que nada se apre~enta ao melanc61ico, que nao sao situacoes especificas que se tomaram enfado-
com exce~ao do que testemunha sua culpabilidade. Segun- nhas ou pesadas, mas e a totalidade de seu existir que
do 0 autor, e preCisO COIDpreender melhor OS Sentimentos de perdeu o sentido. Para eles, nao ha nenhuma solicitacao
culpa. Muitas vezes, estao ligados a certos fatos corriquei- de um futuro genuino e nenhum suporte do passado, s6
ros davida do.melanc6lico;no entanto, esses relatos podem um presente sem sentido.
encobrir ·q ue os sentimentos de culpa 13 se referem, tambern,
a divida que o paciente assume consigo mesmo, quando
Ser-doente caracterizado por uma pertu.rba~li.o
delega ao outro o cuidado do seu proprio existir.
prevalente na realiza~li.o do ser-aberlo e da liberdade
Com base em sua experiencia clinica, o autor qu~ona
a posicao da psiquiatria classica, que concebe a melailcolia
Conformeja se disse, todas as doen~as, segundo Boss,
como ~d6gena, pais percebe~ em seus padentes que, ah~m
apresentam restri~oes na realizacao da abertura e da liber-
de superarem suas restricoes atraves de uma ancilise rigoro-
dade. Quando ha qualquer restri~ao nos diferentes ambitos
sa, eles tambem mostraram a origem de sua enfermidade.
do existir, ocorre ao mesmo tempo u:q1a modificacao na
Boss destaca que:
maneira como o homem realiza seu ser aberto em relac;ao a
13 No livro Anglistia., culpae libertarilo [1975a), Boss diferencia os sen-
si mesmo e a seu mundo. Nos itens anteriores, as patologias
timentos de culpa deco~ntes das proibir;oes morais do sentido fun- foram agrupadas, considerando-se OS ambitos do existir hu-
damental da culpabilidade. A culpabilidade fundamental refere-se a mano em que ocorre a restri~ao mais proemiriente.
condi~ii.o humana que sempre carece e falta (p. 31). Assim, segundo 0 autor escolhe a patologia esquizofrenica para dis-
o autor, os sentimentos de culpa dos melancolicos podem se com-
. cutir o comprometimento da condi~ao de Iiberdade e de
preendidos segundo o estar em jalta ou o estar em divida consigo
mesmo.
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Ida Elizabeth Cardiitalli
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Ida Elizabeth Cardinalli A esquizo.frenia
Ve-se que· a compreensa.o bossi.ana da esq_uizofrenia, assim, compreende-a como uma das man.~<~£ ~n.<:~ntrad~
pelo homem para realizar seu existir, que e caracterizada pela
assim como seu conceito de doen\a, apresentado no capitu-
redu\ao severa da possibilidade de ser responsivo e aberto
lo anterior, foi sugerida par Heidegger nos Semintirfos de
ao que e encontrado.
Zollikon (1987}. 0 fil6sofo introduz a ideia de priva~ao do
0 esquizofrenico, segUndo o autor, revela-se incapaz
ser aberto, quando afirma que, no existir esquizofrenico, a
de se eng~ar no que se mostra na abeitura do seu existi..t:,
abertura nao desaparece, apresentando-se mais restrita, isto
pois nao tonsegue responder aos apelos do que se apresenta ·
e, efetivando-se de modo .mais empobreddo, conforme no mundo conforme os significados habituais presentes para
mostra o trecho abaixo:
as outras. pessoas e, sobretudo, por nao poder deixar que
A folta de c.on.tato que. se. v-e.rific.a n.a e.squ.iz.ofren.ia e. u.ma
coisas e pessoas simllle.smen.t~ s~~am n.~ mun.d.~.
priva~ao do estar aberto. Mas esta priva\ao nao significa Esclarece que o carater patol6gico da esquizofrenia
que a abertura desaparece, apenas ela e modifi.cada para a reside tanibem na incapacidade, por parte desses pacientes,
"pobreza de contato". (Heidegger, 2001, pp. 100-101) de manterem intacto urn ser-si-mesmo livre ante as solici-
ta~oes do mundo, pois nao conseguem
Heidegger assina1a que "o estado de abertura para o
presentee 0 tra~o fundamental -do ser humano" (ibidem, assumir as possibilidades constitutivas de seu ser-ai para
p. 100), ao diferenciar o existir humano, compreendido como tomar-se urn ser-si-mesmo livre e autonomo, cuja abertu-
Dasein, 1 dos outros entes nao humanos. Assim, quando diz ra para o mundo possa se manter firme face a tudo que a
ele[s] se oferece. (Bosse Condrau, 1976, p. 20)
q_ue no existir esctuizofrenico ocorre priva~ao do estar aberto,
tambem situa 0 comprometimento desta patologia no que e
Boss apresenta descri~oes mais detalhadas do "estar
mais peculiar do existir humano, a sua abertura, que possibi-
enfermo~· de modo esquizofrenico, orientado pela com-
lita o poder-perceber as signi:fica~oes daquilo. que aparece.
preensao do existir humano como Dasein, em dois textos:
Boss, acompanhando as indica~oes heideggerianas,
"El 'estar enfermo' del esquizofrenico entendido desde e1 ana-
cara~eriza· a esquizofrenia pclo comprometimento da liber-
lisis existential" (1975c) e "0 modo-de-ser esquizofrenico a
dade e da abertura, reiterando que esta patologia pode ser
luz de uma fenomenologia daseinsanalitica" (1977).
vista como urn modo de realizar o ser-no-mundo.2 Sendo
No primeiro texto, o autor descreve este modo de existir
1 Conformeja foi indicado no terceiro capitulo, "0 que o existir como no mundo, indicando como o esquizofrenico se coniporta3
Da-sein significa e urn manter aberio de urn ambito de poder-apreen- ante o que a ele se apresenta:
der as significa~oes daquilo que aparece e que se lhe fala a partir de
sua clareira" (Heidegger, 2001, p. 33).
3 Segundo Heidegger, o comportamento humano refere-se "a manei-
2 Boss diz que "ser-no-mundo eo aberto carregar, sustentar e agiien- ra pela qual eu estou em minha rela~;ao com o que me interessa" ou,
tar urn daro ambito mundano de percep~ao e responsividade, que em outras palavras, e "a maneira como se corresponde ao ente"
todas as pessoas realizam, cada urn em sea proprio modo individual" (Heidegger, 2001, p. 202).
(1979a, p~ 235).
131
130
-~ .......~---------····
Ida Elizabeth Cardinalli A ~squizo.frenia
1. Esta menos capacitado para manter um enfrenta- se manifesta como "superabert.o". N~-:.ta. manci:ra ue viver,
mento livre e a.berto ao que se manifesta no seu caminhar; as coisas - sejam desconhecidas, s~am familiares - podem
2. Nao_e capaz de conservar e deixar que permane- de repente se revelar com tanta intensidade que ele pode vi-
~am em seus respectivos lugares no mundo tanto os objetos venciar muita felicidade e entusiasmo ou entao grande medo
quanto as outras pesso~s; c perigo.
3. Seu existir encontra-se tao afetado na percep~:Io Na des-limita~ao esquizofrenica, a aproxima~ao das· .
d~quilo que se apresenta que se toma incapaz de correspon- coisas, das pessoas e de si mesmo apresenta-se com o cara-
der adequadamente as coisas que se mostram no mundo; tcr da falta de limite. Neste modo, o padente "fica entregue,
4. Sua incapacidade apresenta uma particularidade, scm saida €: sem sustenta~ao" (Boss, 1977, p. 20). A incapa-
pais 0 exi.stir esq_uizofreruco fica a merce das exigendas cidade de assumir suas -possibiliQ.ade.s n:um s~Y-'51-m~mo
daquilo que encontra, sendo absorvido e anulado por estas; autonomo faz que, freqiientemente, o e.xistir esquizofrenico
5. Procura proteger-se deste aniquilamento como ser ocorra no modo de "estar fora de si mesmo". Assim, o doente
humano, mantendo.:.se rigidamente distante das rela~oes com sente "o que se mostra a ele como estranho e impasto de fora"
as coisas· e com as pessoas; (ibidem}.
6. Quando seu existir se fecha as exigencias daquilo Para Boss, a experiencia da des-limita~ao esquizofre-
que se apresenta 1 reduz-se a realiza~ao de sua receptivida- nica revela, ao mesmo tempo, duas facetas. De urn lado,
de em relas:ao ao que lhe e apresentado do mundo. mostra a incapacidade do doente se manter numa relac;ao
livre consigo mesmo e ao que lhe e apresentado do mundo.
Essa descric;ao do comprometimento da realizac;ao da Mas, de outro, sua falta d~ limik ~~mdd~ n~~-rottln~t~
liberdade e da abertura e reorganizada no texto "0 modo- com uma permeabilidade que possibilita o acesso ao "cara-
de-ser esquizofreruco a 1~ de uma fenomenologia dasein- tcr de 'ser o que sao' proprio de todas as coisas" (1975c, p.
sanalitica" (1977). Aqtii,_Boss diz que a priva~ao da -abertu- 18). Esse carater nao e comumente perceptive! para as pes-
ra nos esquizofrerucos pode ser compreendida segundo dais soas na vida cotidiana, mas e explicitado pelo pensamento
modos, que denomina "des-limita~ao" e "limita\;a~"· Escla- filos6fico.
rece que esses modos sao- aparentemente antagonicos; con- Segundo Boss, a des-limita\;ao do esquizofrenico per-
tudo, se forein examinados mais cuidadosamente, mostram mite que alguns pacientes se aproximem do sentido do ser
que ha tambem o comprometimento na realiza~ao da tiber- das coisas, que se encontra habitualmente encoberto no Viver
dade. e. da abe.rtura. cotidiano. No e.n.ta:n.to, '5Ua im:p~ssibilidadt: nt: suportar a
A des-limita,ii.o se refere aos modos de existir em que pcrcepc;ao do manifestar-se desta dimensao fundamental e
a abertura se realiza sem limites em rela~ao ao que se apre- o que o diferencia de artistas, poetas e fi.losofos. Como o
senta do mundo para o esquizofrenico. Ai aparece sua inca- esquizofrenico nao tern condic;oes para suportar o petcebi-
paddade em se defrontar com o que lhe aparece, ficando do, fica a·merce da exorbitancia do que se manifesta e su-
ele entregue e tragado pelo que se apreserita, pois o mundo cumbe diante desta. Boss utiliza uma analogia para esclare-
133
132
cer esta experiencia esquizofreruca, ao dizer que o homem As descric;oes da des-limita~ao e. da limita~ao -pode.m.
sadio vive em seu cotidiano como se tivesse um "filtro pro- scr comparadas com aquelas apresentadas anteriormente no
tetor", que nao aparece nesses pacientes em rela~ao a esta texto "El 'estar enfermo' del esquizofremco entendido des-
manifesta~ao. Assim, assinala que no existir dos esq¢zo- de el an~is existencial" (1975c}. Os itens 1 a 4 correspon-
fremcos "e como se lhes tivessem tirado o filtro protetor que dem as descri~oes do modo d~-1imitado, e OS itens 4, 5 e 6
livra o homem cotidiano, dito 'sadio', da invasao do pode- as do modo limitado. Assim, a compara.~ao da de~crir;ao dos·· .
roso nada" 4 (1977, p. 15}. comportamentos esquizofrenicos, assinalados nesses itens,
A limita~iio, por sua vez, refere-se ao modo de existir com a do modo da limita~ao mostra que e necess:irio tam-
esquizofrenico, que apresenta um fechamento severo e dis- bern considerar o item 4, alem do 5 e do 6. A necessidade da
tante diante de todas as relac;oes com as coisas e as pessoas. 'indusao do item 4 - isto e, 0 ficar a merce das exigencias
E compreendida como uma maneira de ele se proteger da que encontra, sendo absorvido e anulado por estas - nos
experiencia de aniquilamento, vivenciada no modo des- modos da des-limita~ao e da limita~ao aponta, mais clara-
limitado, quando e intensamente absorvido e sugado pela mente, a inter-rela~ao entre eles.
presen~a das coisas e das pessoas (1975c, p. 10). 0 autor caracteriza a limita\ao e a des-limita~ao como
Assim, na experiencia da limita\aO coexiste o modo dois modos possiveis da realizat;ao do existir. Esses ttJ.odos,
des-limitado. Isto e, o esquizofreruco encontra na limita~ao que apresentam perturba~oes do ser aberto, sao coexisten-
uma maneira de se proteger da invasao 5 daquilo que se tes e interdependerites, hem como circunscrevem _as manei-
manifesta no seu mundo, quando o seu proprio existir esta ras de existir de um paciente especifico. Assim, eles podem
ameac;ado de ser aniq_uilado. apar~c~r, u.m ap6s o ou.tro, no existi:r deuma mesma pessoa;
A limitac;ao e uma maneira de o esquizofrenico se em momentos diferentes, em conformidade com os aconte-
proteger do aniquilamento de si m:esmo, a qual, ao mesmo cimentos e a experiencia do doente.
tempo, mostra urn aumento da_ restri<;ao da liberdade de A seguir, serao apresentados-alguns exemplos do modo
realizar o seu existir, uma vez que, alem de ele ficar subme- da limita~ao relatados por Boss (1977, pp. 16-17) para ilus-
tido as significac;oes especificas das coisas ou das pessoas, trar o fenomeno de fechamento do ambito do mundo na
tambem se fecha a algumas dimensoes do seu existir. experiencia esquizofremca:
Exemplo 1 - 0 autor relata o estreitamento existential
4 Boss esclarece que: "este nada e identic:o ao ser em si. 0 ser como de um doente, que aparece quando ele nao suporta mais
tal, o nada ou o encoberto reinam numa plenitude que dei.xa provir
n~nhuma presenc;a humana, ate mesmo o contato com seus
de si tudo que tera que ser: tanto o ente que chamamos de existen-
cia humana, como qualquer outro ente que pode chegai a sua pro- amigos, pois a proximidade desses transforma-se nu!lla
pria presen~a na abertura da existencia" (1977, p. 15). exigencia insuportivel A partir desse momento, el~ ~tern con-
5 Denominamos "invasao" a experi~ncia esquizofrenica de ser absor- tate proximo com urn cacharro durante dois anos, ate quando 5ua
vido c sugado intcnsamentc pelas coisas e pessoas, o que mostra a presen~ se toma pesada demais para ele. Entao, o paden~~
falta de liberdade do esquizofrenico em rela~iio ao que se apresenta
em seu viver.
· escolhe um gato, que e um animal mais independente e
134 135
A esquizofrenia
Ida Elizabeth Cardinalli
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e apreseritado do mundo e nao consegue manter urn· si- G 0 relato de um dos pacientes sera apresentado com mais ddalhes
mesmo livre e autonomo,_como ele diz: posteriormente, na terceira ser;ao deste capitulo. I
.
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137 i
136
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u - ·- - - - ---
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do tratamento, que apresentaremos sucintamente na quarta 'I Condrau esdarece que na neurose obsessivo-compulsiva tambem
secao deste capitulo. .
ucorre pnjuizo acentuado na realiza~ao da abertura eda liberdade.
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No entanto·, este prejuizo nao apresenta a mesma rad.kalid.ade da pe.r- fi
turba~ao esquizofrenica (1998, p. 89). (!
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A esquizofrenia
Ida Elizabeth Cardinalli
141
140
142
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Ida Elizabeth Cardinalli A esquizofrenia
infantil. Submetia-se sempre a ditadura de seus pais, que Desse modo, o paciente existia de uma maneira tao ·
impunham uma atitude ativa e empreendedora, pais acredi- 1kspcrsonalizada que sentia que seus brar;os e pemas eram
tavam que, deste modo, alguem poderia veneer na vida. 0 lpt~ ndices inanimados, que nao lhe pertendam. 0 distancia-
relacionamento do paciente com sua mae havia desenvolvi- rnC!nto que mantinha de si mesmo era constante. Ele nao
do nele uma tal depen~encia que: ronseguia estabelecer rela~oes pr6ximas consigo mesmo,
com as coisas e com os outros, e percebe-1as pertinentes ao
(...) ate que ele viesse para a terapia, nunca lhe tinha ocor- sr.u proprio viver. Assim, seu proprio modo de ser permane-
rido que sua necessidade de encontrar algo particularmen- da desconhecido e estrangeiro para si: "Sua propria pessoa
te interessante no bosque, ou de lemb.rar o nome botanico !he era estranha, pois havia usado sua vida copiando os
das plantas, tivesse algo a ver com o fato de que isto era e padroes de comportamento de sua mae e de outras pessoas"
o que sua mae espetava dele. tl979a, p. 228) ( 1979a, p. 227).
Durante urn ano, o paciente precisou permanecer em
A submissao as outras pessoas ainda aparece neste sr.u quarto, pais s6 suportava este espar;o limitado e conhe-
paciente quando, ao ver urnjardineiro trabalhando na fren- ddo, onde se sentia urn pouco mais inteiro, pois as solicita-
te de sua casa, sente-se tragado emocionalmente por ele e ~<'les do mundo ficavam mais reduzidas. Nesse periodo, per-
compelido a se tamar tambem um jardineiro. Aqui, e im- maneceu por longo tempo na cama, desocupado e exausto,
portante assinalar que, antes, seus pais ja haviam comenta- visto que, ao escutar o barulho de alguma maquina na vi-
do que o filho parecia talhado ·para ser jardineiro, e como inhan~a. ele se sentia sob seu dominio e, freqiientemente,
ele era dominado pelas concep~oes e os prop6sitos dos pais t~ ompelido a se comprometer com algum trabalho util. "Ele
obedecia-lhes cegamente. scntia que deveria responder a este chamado, levantando-
Como se mantinha distanciado de si mesmo, tambem sc e correndo de urn para outro, de acordo com o exemplo
o tempo nao o alcan~ava, pois ele sabia que, a qualquer rlc sua mae" (ibidem).
momenta, cinco minutos ou cern dias, continuaria do mes- A unica maneira que o esquizofrenico encontra para
mo modo a merce das coisas e das pessoas, cumprindo suas (~Vitar a solidta~ao excessiva das pessoas e das coisas e
exigencias. Ele nao podia contar com o tempo, pois vivia mantendo-se rigidamente distante das rela~oes com elas. Este
constantemente no tempo determinado por outrem, tanto no
modo de distanciar-se ou fechar-se em rela~ao as solicita-
passado de que ele podia recordar quanta no presente, ou
t;oes do mundo e denominado, pelo autor, limita~ao, que e
no futuro, que ele vislumbrava fechado. ·
uma maneira de o esa.uizofremco '(>roteger-se da eJq>erienda
Os esquizofrenicos mostram, assim, uma maneira
rle aniquilamento total, quando ele eintensamente absorvi-
empobrecida de se relaciona:t; consigo mesmos e com o
mundo, uma vez que nao conseguem sustentar o que apa- do por suas presen~as.
Neste relato, percebe-se que o paciente nao se fechou
rece sem ficarem submetidos a esta solicita~ao, e tampouco
totalmente em si; uma vez que foi protegido, de urn modo
conseguem estabelecer rela~oes nas quais eles sejam tam-
. cspecifico, das solicita~oes excessivas que o rodeavam,
bern uma referenda.
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A esquizo.{renia
Ida Elizabdh Cardinalli
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Ida Elizabeth Cardinalli A esquizofrenia
{... ) Em segundo lugar, devem ser cuidadosamente liberta- prcssionados a se comportar como uma pessoa adult.a, seja
dos das freqiientes defesas e fugas as necessidades despre- no eampo amoroso, no afetivo ou no profissional. Portanto.
zaruis. (1977, p. 27) o que ele ressalta e que as possibilidades infantis sao aque-
lns que os esquizofrenicos podem considerar como efetiva-
No atendimento aos esquizofrenicos, segundo Boss, e IIH:nte suas.
necessaria tambem collSiderar quais sao as situas:oes e o tipo Boss diz que a rela~ao psicoterapica com esquizofre-
de rela~ao que os sobrecarregam, uma vez que estas solici- uiros efundamental, pois possibilita que compartilhem uma !
'i
I
ta\oes podem provo car urn maior fechamento ou favorecer r dac;~o de confian~a com outra pessoa. Esta rela~ao podeni
a irrups:ao do surto esquizofrenico, com.o aparecimento de l"nzer que o paciente ouse e experimente viver, em diferen- I;
i :
comportamentos autistas, delirantes ou alucinat6rios. lt:s momentos da psicoterapia, de ac.ordo com suas possibi- ), \
Neste sentido, para o autor, e importante preservar o lidades e limita~oes. E este reconhecimento de poder ser de ! '
paciente ·das solicita~oes pesadas demais para ele suportar, ,tcordo consigo mesmo, especialmente do paciente em rela- 'l il
ate o momenta em que ele possa se desenvolver no sentido f\l'IO a si, que podera dar inicio ao amadurecimento das suas
;i
de amadurecer suas pr6prias possibilidades de relacionamen- tn6prias possibilidades. )I
to consigo mesmo e com o que se apresenta do mundo. Esta 0 autor esclarece, tambem, que o tipo de comuni- :!
posi~~o considera como fundamental que a atitude do tera- c u~llo entre o esquizofrenico e o terapeuta, que corres-
peuta contemple uma aten~ao cuidadosa quanta a maneira ponde as efetivas possibilidades do paciente, em geral nao
mais adequada de se relacionar com o paciente em cada etapa •,;e restringe ao racional e ao intelectual, ou a comunica-
do processo terapeutico. \fiO verbal; pode se dar tambem por meio da linguagem
Assim, segundo Boss, o psicoterapeuta precisa aceitar dos gestos ou do silencio, que corresponde mais precisa- I
as possibilidades efetivas do paciente esquizofrenico, que, mt•nte ao que o paciente pode e precisa viver: "as vezes !
em alguns momentos, pode corresponder, par exemplo, ao t~sta relar;ao s6 pode crescer se contemplar a linguagem i
comportamento de uma crianr;a pequena. 0 autor assinala que: silcnciosa dos gestos, algumas vezes exclusivamente o
!
I
..ilencio" (1963, p. 242]. !
i
;
Com os pacientes psic6ticos, nao podemos nos relacionar Boss assinala que a linguagem humana nao ocorre
em nivel intelectual, sempre e preciso encontrar o doente .tpenas como comunicar;ao oral, lembrando que as outras
no ni.vel em que ele esta, que pode ser o de uma crian~a de .l
f"ormas de comunicar-se, como os gestos, contem sentidos e
urn ou dois anos. (1976, p. 46) i~nifi.c.ados. Aponta, assim, que o comportamento e:spon-
1~ neo, nao pensado, pertence a linguagem humana, uma vez
Quando o autor diz que o comportamento esquizofre- que tambem "pressupoe uma apreensao do significado e das
i
'
nico pode corresponder ao de uma crianr;a, nao entende que referencias dos entes encontnidos" (ibidem, p. 244).
i
os pacientes s~am exatamente como uma delas, uma vez 0 autor, em diferentes textos, descreve as dificulda-
que eles mesmos, entre outros aspectos, independentemente des de realiza~ao da psicoterapia com esquizofrenico. No
das solicitar;oes especificas das outras pessoas, se sentem
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A esquizofrenia
Ida Elizabeth Cardinalli
inicio, o paciente precisa de muito tempo para estabelecer o au tor tambem nao desenvolve a discussao de todos os sin-
lomas esquizofrenicos, alguns sendo apenas mencionados e
uma rela~ao de confian~a com o terapeuta, expressando-se
com comportamentos agressivos, retraidos ou de afastamento 'omentados rapidamente.
A seguir, serao apresentadas as ideias de Boss sabre
ante qualquer aproxima~ao. Em seguida, quando ele come-
os diversos sintomas esquizofrenicos, com o objetivo de
~a a estabelecer uma r~a~ao mais pessoal, pode apresentar
ufcrccer urn panorama que permita visualizar como eles
comportamentos de dependencia ou de solicita~ao intensa
foram pensados pelo autor. Entretanto, esta exposi~ao foi
da present;a ou do cuidado do terapeuta. Depois, quando
organizada seguindo a classifica~ao psiquiatrica mais difun-
surgem as tentativas de ele assumir alguma independencia
. dida na atualidade,9 para facilitar sua compreensao. Os sin-
na sua vida, elas sao acompanhadas, sucessivamente, de ex-
tomas esquizofrenicos foram agrupados de acordo com di-
-periendas de medo, -perigo au ameac;a. Enfim, a movimento .'
fercntes fun\oes, denominadas disfun~oes cognitivas e emo- I
que acompanha as mudanr;as do paciente esquizofrenico nao cionais, tais como: pensamento, percep~ao, afetividade e
eurn desenrolar sereno e tranqilllo. Ao contrario, as mudan- sr.ntimento do eu.
~as sao vividas de forma assustadora e pesadas demais,
sendo acompanhadas de sentimentos de medo, angustia e
Distlirbio do pensamento
culpa, que, frequentemente, favorecem a irrup~ao dos de-
nominados sintomas delirantes e alucinat6rios. ()elirio
Os sintomas esquizofrenicos segundo o ponto de vista A psiquiatria, na atualidade, prioriza, entre os dishlr-
da psicopatologia daseinsanalitica hios de pensamento, o deliria. Os demais distUrbios, como
por exemplo a desorganiza~ao do pensamento, sao avalia-
No segundo capitulo, foram expostos os questionamen- dos com base no discui'so do paciente e nao mais por meio
tos de Boss em rela~ao a compreensao da psiquiatria classi- do processo de pensamento.
ca acerca das patologias psiquicas, que partem da descri~ao
de sintomas isolados. Em rela~ao a esquizofrenia, sao rela-
9 Para esta exposi~ao, optamos pela descril;ao da Classifica~ao Inter-
cionados os seguintes sintomas: dishlrbios do pensamento
nacional de Do~~ (CID-10), por considerar que esta ea versao atual
e da percepr;ao, que apresentam sintomas alucinat6rios e mais proxima da psiquiatria classica. Utilizamos o resumo apresen-
delirantes, perturba~ao da afetividade, do sentimento do eu, taoo por ~Wrra~awa \l~~l, -pp. 'l4-l5) acerca da cuact.eriza~ao da
bern como o chamado autismo. esquizofrenia segundo o CID-10. No CID-10, a esquizofrenia ecodi-
ficada como F-20 e caracterizada, principalmente, atraves dos se-
A discussao de Boss sabre os sintomas esquizofreni-
guintes sintomas:. disto~oes do pensamento, da percepc;ao e da afe-
cos indicados pela psiquiatria dassica nao e realizada de tividade; perda do sentimento da individualidade e da vontade, que
modo sistematico. Ela aparece em diferentes textos (1975c, aparecem como negativismo, estupor e sintomas catatonicos; aluci-
1976, 1977, 1979aJ e, em geral, junto com rclatos de pacientes. nac;oes e delirios.
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Ida Elizabeth Cardinalli- A esquizofrenia
Em geral, na psiquiatria, o delirio e. descrito como 1lc q_ue come~ou a ser invadido por ideias de e.n'l~n.amen.to;
disttirbio do conteudo do pensamento. "Os delirios sao cren- lcmendo mesmo que seu companheiro pusesse veneno na
~as erroneas, habitualmente envolvendo a interpreta~ao falsa sua comida para herdar seus bens.
de percep-;oes ou experiencias" (DSM-IY, p. 264). Na esqui- Para Boss, o veneno que o paciente temia precisa ser
zofrenia, sao freqiientes os delirios persecut6rios, que se compreendido nao como uma "ilusao", mas como uma "ver-
caracterizam pela cren~a do paciente de que os outros estao dade" do seu existir. Nesse momenta, mostra-se o fechamento
conspirando para pr~udicar ou espionar a sua vida. gradativo de sua abertura ao mundo, e para ele a proximi-
Boss diz, conforme discutido anteriormente, que a dade do companheiro transforma-se em "veneno", pois ele
deliria pode ser compreendido atraves dos modos da des- o ameac;a em sua integridade. Isto e, sua relar;ao como com-
limitac;ao e da limitac;ao. No modo da des-limita~ao, ea fa1ta Qanh.eiro toma-se uma wbret;:aiga "?ai"a cle e ~em n~o a
sua vida. Assim, nesta perspectiva, o deliria persecut6rio e
de limite do paciente que o leva a sucumbir e ser absorvido
compreendido considerando-se a totalidade do existir do
pelo que se apresenta. Assim, sua liberdade de poder de-
paciente, que "corre o perigo de ser sobrecarregado pelas
frontar-se com a que se apresenta pode estar pnjudicada,
~xigencias dos adultos e de sucumbir e quebrar-se como ser
tanto no que se apresenta sensorialmente quanto no que se
humano sob seu peso" (ibidem, p. 23).
revela como lembran~as ou pensamentos. 0 autor questiona a definir;ao do deliria como crenc;a
Na des-limitac;ao, mesmo quando a manifesta-;ao de
<'rronea ou interpretac;ao falsa da experiencia,.pois o deliria
algo do mundo se apresenta como uma experiencia rica e corresponde a compreensao que o paciente tern de seu exis-
forte, o doente tambem se submete a ela par nao poder "pa- lir e do "?erigo que as solkita<;.&es d.as -pe.ssoas e. das situa-
rar livremente frente ao que se lhe defronta" e atuar de modo ~oes podem assumir nesse momenta de sua vida.
livre e adequado diante disto. Esta experiencia se transfor-
ma no "pclnico de urn chamado deliria" (Boss, 1977, p. 20)
quando o que se aproxima do paciente - coisas, pessoas ou DistUrbio da percept;iio
situar;oes - assume significar;oes com caniter de ameac;a,
ou seja, e percebido por ele como perigoso-a sua preserva- Alucina,a.o
r;ao. Nesse momenta, o esquizofrenico vivencia urn "estar
fora de si mesmo" e, assim, o poder-ser-ele-mesmo (...) e Em geral, na psiquiatria, a alucinac;ao e definida como
entao amea~ado em seu proprio amago" (ibidem., -p. 201. uma perturbac;ao da percepr;ao, quando ocorre uma experien-
Boss exemplifica o deliria, de perseguir;ao atraves da cia perceptiva ou uma percepc;ao sensorial sem a presenc;a
experiencia de urn paciente. Era urn homem que mantinha de urn estimulo f?cterno adequado.
Boss diz que esta compreensao da alucinac;ao como
relacionamentos de proximidade com as mulheres e que
urn engano da percep~ao sensorial nao contribui para a
comec;ava a se interessar por pessoas do sexo masculino. Du-
esclarecimento deste fenomeno, pais o perceber, quer seja
rante dois anos, manteve urn relacionamento homossexual;
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Qertinente. q_uer seja eq_uivocado em rela~ao asitua¢o per- mstorc;ao da percepc;ao visual
cebida, pertence a caracteristica fundamental do existir
humano de compreender. Afirma que o engano e a alucina- Para Boss, outras experiendas do paciente - como, par
r;ao sao, tambem, urn "entendimento de alga como alga" t:xcmplo, as denominadas distorr;oes da percepr;ao visual -
(1977, p. 22). Assim, a alucina\ao e um modo especifico de lambem podem ser compreendidas conforme a maneira res-
entendimento das coisas e das pessoas, no qual o existir t rita e distanciada como os esquizofrenicos se relacionam
ocorre num "entregar-se acentuado a uma certa rela\ao com o que se apresenta do mundo.
existencial numa determinada situa~ao" (ibidem). A relac;ao Os esquizofrenicos dedaram, muitas vezes, que s6
do esquizofrenico como mundo apresenta tamanha pi'oxi- conseguem verde modo embar;ado ou difuso, como seen-
m\.dade com o que e percebido que isto surge como uma xcrgassem atraves de urn vidro esQesso ou de uma teia de
presen\a sensorial. aranha. Esta experienda, segundo o autor, esta relacionada
Para Boss, o entendimento da alucinar;ao nao esta com o fechamento e a redu\ao em seu existir, de tal modo
baseado na diferenciar;ao da percep\ao de alga real ou irreal, que "aquila que se lhes apresenta a partir da estreiteza de
mas sim na maneira como o paciente se encontra e se rela- sua abertura para o mundo s6 pode revelar-lhes cada
ciona com o que se apresenta a ele do mundo. ·Esta maneira vcz menos de seus pr6prios contextos significativos e refe-
se caracteriza pela intensidade como as coisas ou as pessoas rcnciais" ( 1977, p. 17).
se apresentam, e tambem pela falta de liberdade do paciente Ele exemplifica esta experiencia com o relata de urn
em relar;ao a elas. A.ssim, Boss esdarece que a alucinar;ao paciente que, repentinamente, deixou de ver as luzes do
seml\re contem sentidos e significados que correspondem ao trcifego como sinais de tninsito; assim, o vennelho eo verde
dos semaforos nao mais indicavam respectivamente parada
entendimento passive! do paciente em relar;ao a si mesmo e
ou passagem livre. E acrescenta o relata de doentes esqui-
ao que se aprese~ta do mundo, que nao se da necessaria-
··ofrenicos mais graves, para os .quais a realiza\ao da aher-
mente na presen\a concreta de urn "estimulo extenio".
lura estava tao estreitada que aquilo que se apresentava "se
A alucina\ao auditiva e freqiiente nos esquizofreni-
distanciava cada vez mais". Alguns deles compararam esta
cos. Ela eexperienciada como ouvir vozes que tanto co men-
cxperienda "com o que seve atraves de urn bin6culo segu-
tam criticamente as atividades do doente quanta o amea-
rado em posir;ao inversa" (ibidem, p. 19).
r;am ou dao ordens. Em rela\ao as alucinac;oes auditivas, Boss
retoma o queja foi colocado em rela\ao as alucina\oes em
gercll. e acrescenta que o ouvir vozes esta rclacionado com Perturoa,iio do sentimento do eu e despersonaliza~iio
o distanciamento do esquizofrenico qe si mesmo. Nao con-
seguindo assumir as suas possibilidades como efetivamente Segundo a psiquiatria classica, o esquizofrenico per-
suas, ele percebe o que e vivenciado como algo estranho e de o senso de individualidade, pois seus sentimentos, pen-
impasto de fora. samentos e atos intimas sao conhecidos e divididos com
outras pessoas.
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Boss assinala tambem que, como o esquizofremco nao l'il ra Boss, o autismo indica urn modo espedfi<:o de
tern a possibilidade de se deter livremente ante o que se apre- diznr o ser-no-mundo que mostra a perturba~ao da habi-
senta do mundo, ele pode vivenciar um grande entusiasmo !idudt~ de scr responsivo e aberto ao que eencontrado. Euma
em rela~ao a coisas aparenternente corriqueiras. No modo !I1Und1 a de o esquizofrenico fechar-se diante das solicita-
da des-limita~ao, por exemplo, algo do mundo pode ser ~c''H!s do mundo atraves do movimento de se afastar diante
aproximado com "nitldez e precisao maravilhosa e pode clo qm~ c encontrado, pois ele e incapaz de manter uma
amplia-lo numa ilimitabilidade e feliddade extasiante, vi- pO:ilura livre. Desta forma, o autismo eum modo de limita-
vificante e magica" (1977). Isto pode ocorrer com coisas \'110 que apresenta uma restric;ao severa de ser acessivel ao
simples . e conhecidas,
. como .o verde de uma arvore, e tam- que dele se aproxima.
bern com coisas nao familiares e na rela~ao consigo mesmo. 0 autor distingue tres maneiras de manifestac;ao au-
Ao mesmo tempo, quando as solicitac;oes do mundo tista~ (1) o autista que deliberadamente nao deixa que nada
comec;am a sobrecarregar o esquizofrenico, elas podem ser >t~ aproxime, pois tem medo de ser sugado pelo que se apre-
vividas como assustadoras, rnotivando-o a se distandar deste •. l~nta e de ser aniquilado; (2) o autista que esta tao fechado
perigo. :E esse fec:hamento e distanciamento que e denomi- qul' nao apresenta a possibilidade de ser tocado e atingido
nado "embotamento afetivo ". por coisas e pessoas, pois nada mais lhe interessa ou diz
n:~pcito; (3) os esquizofrenicos que parecem ser autistas, mas
que, de fato, apresentam alucina~oes, estando absorvidos por
Autismo
completo pelas coisas nao presentes sensorialmente para as
pt•ssoas ao seu redor (1977, pp. 18-19).
Nos estudos 10 de Bleuler e de Minkowski, 0 autismo e
apresentado como urn sintoma importante, que mostra uma
atitude particular do esquizofrenico caracterizada por intro- Considera~oes sobre a discussao de Boss
versao, perda de contato com a realidade e oposic;ao ao sobre os sintomas esquizofrenicos descritos
mundo externo. No entanto, na Ciassifica~ao Internacional pela psiquiatria classica
das Doenc;as, CID-10, o tenno autista foi excluido, sendo este
fenomeno classificado como sinto mas 11 negativos e cata- A apresenta\ao da discussao de Boss sobre os sintomas
tonicos. esquizofrerucos descritos pela psiquiatria dassica visa sobre-
tudo esclarecer seu entendimento acerca da esquizofrenia, ao
cliferencia-la do entendimento habitual da psiquiatria.
No segundo capitulo foi apresentada a principal criti-
10 Cf. Henri Ey (1978, p. 516).
ca de Boss a psiquiatria classica: de que ela concebe o ser
11 Sintomas negativos: apatia marcante, escassez de discurso, hipoati- humano de modo an:ilogo aos objetos da natureza, mantendo-
vidade, embotamento afetivo, passividade, falta de iniciativa e co-
munica~ao nao-verbal pobre. Sintomas catatonkos: estupor, mutls- se fiel ao pensamento da Ciencia Natural. Os demais
mo, postura inadequada ou rigidez e obediencia automatica. ·questionamentos assinalados pelo autor sao decorrentes
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A eSqJiizo.{mlia
desta posh;ao assumida pela psiquiatria cl<issica, tais como: Essa man.~ra mais limitada e, ao mesmo tempo, de
que as patologias sao pensadas com base nos substratos or- extrema exposi\ao e que se mostra fundamentalmente nos
ganicos, que elas sao caracteriz_adas valendo-se de descri- romportamentos denominados "sintomas" esquizofrenicos,
\Oes de sintomas isolados, e que a natureza das patologias como foi exposto no decorrer deste trabalho.
edefinida segundo as rela~i;oes de determina\oes causais entre Nesta perspectiva, as experiencias dos pacientes esqui-
o substrata organico e os sintomas patolOgicos. Foi assina- .. ofrenicos nao sao reduzidas a compreensao de processos
lado que, do nosso ponto de vista, a principal critica de Boss isolados e separados, como sao pensados na psiquiatria clas-
a psiquiatria classica pode ser tambem estendida aos mode- sica. Quando o autor discute, por exemplo, o sintoma deno-
los atuais psiquiatricos organizados pelb DSM-N e CID-10. minado distlirbio de pensamento, ele nao compreende que
Para Boss, e necessaria o esdarecimento inicial acer- ~st~ s~ Y~ftle apenas ao processo de pensamento, pais cada
ca da natureza existencial de cada patologia. Assim, sua disrurbio revela antes o comprometimento que abarca a
principal preocupa~i;ao, diferentemente da psiquiatria clas- totalidade do existir do esquizofrenico, ou seja, e 0 paciente
sica e da atual, e o esclarecimento da natureza basica, exis- como urn todo que esta absorvido pelo que se apresenta.
tencial, da esquizofrenia, visando ao entendimento desta Boss considera que o entendjmento do modo de exis-
como uma experiencia especifica do ser humano. 1ir esquizofrenico, orientado pela explicita~ao heideggeria-
Ve-se que o objetivo principal deste autor nao e esta- na da constitui~ao basica do existir humano, ultrapassa o
belecer urn quadro sintomatico da esquizofrenia, nem defi- l'ntendimento psiquiatrico da esquizofrenia.
nir criterios diagn6sticos, mas sim contribuir para a com- Questiona a denomina~ao "esquizofrenia" como a mais
~reensao da experiencia do doente. Boss considera que a ?tt\~q_u.ana para espedficar esta patologia, por compreende-
caracteriza-;ao da natureza basica da esquizofrenia, como la como uma totalidade do existir de alguem que se encon-
a priva-;ao da liberdade e da abertura do existir, permite es- tra prejuqicada de uma maneira especifica, isto e, pela inca-
clarecer a propria experiencia do esquizofrenico e, assim, pacidade da pessoa de se manter aberta e responsiva ao que
entender seus sintomas como atitudes e/ou comportamen- sc mostra e de se manter como um alguem autonomo e in-
tos humanos que estao referidos a totalidade do existir. dependente. Para o autor, este nome e inadequado, uma vez
Para o autor, o comportamento e a maneira pela qual que o sentido etimol6gico desta palavra e mente fendida.
alguem esta em rela\ao com o que o solicita, ou s~a. e a Critica tal denomina\ao, visto que o existir do esquizofre-
maneira como se corresponde ao que e apresentado do nico nao revela, de fato, nem a mente nem mesmo o espirito
mu.ndo. Gs feriomenos -patol6gi<:os q_u.e sao denominados aivirudo, quando a esquizofrenia e compreendida como urn
sintomas, esses tambem sao ~ompreendidos por ele como modo de realizar o ser-no-mundo que se apresenta, por sua
uma maneira de alguem corresponder as solicita\oes do vez, de urn modo muito reduzido e pnjudicado em rela~ao
mundo. Isto e, estao referidos ao entendimento do paciente fls possibilidades do existir humano.
em relac;ao a presenc;a de algo que aparece e da sua possi-
bilidade de corresponder a tais solicita-;oes.
160 161
CONSIDERA~OES FINAlS
!
nada fenomenolOgica, buscavam a compreensao dos feno- I
menos patologicos de uma maneira particular, visando
abarcar as dimensoes efetivamente humanas do doente. Para 'I
isto, OS variOS autores indicados buscaram no pensamento
filos6fico de Husser!, Dilthey, Bergson ou Heidegger elemen-
tos para o esclaredmento das patologias, de tal modo que I
·priorizassem a especificidade dos fenomenos humanos.
I
163
I·
!•
l
Considerafl1t:s finais
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165
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Considera,aes finais
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166
Considera~oes jinais
Ida Elizabeth Cardinalli
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