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Estratégia uma crítica a Michael Porter

Governança e pensamento estratégico:

GOVERNANÇA E PENSAMENTO
ESTRATÉGICO: UMA CRÍTICA

Estratégia
A MICHAEL PORTER

Omar Aktouf
Professor Titular da HEC, Montreal.
E-mail: omar.aktouf@hec.ca

RESUMO
No presente trabalho, o autor procura analisar, ou mais exatamente desconstruir, a essência do
pensamento dito de “estratégia” e de governança das organizações, atualmente dominante na cena
acadêmica da administração. Servindo-se de uma leitura tanto histórica, heurística, como epistemológica
e metodológica da obra e do sistema dominantes no assunto, denominado por ele “porterismo”, o autor
faz um balanço crítico do conjunto de teorias da “estratégia” gerencial em geral e daquela do autor mais
considerado no assunto: Michael Porter.

ABSTRACT
In this essay, the author analyses, or more precisely deconstructs, the essence of thinking about “strategy”
and the overall governance of organizations predominating the current academic management scene. By
drawing on a simultaneously historical, heuristic, epistemological and methodological reading of the
dominant work and system on this subject, which he refers to as “porterism”, the author presents a
resolutely critical review of the full range of theories of managerial “strategy” as well as those of the most
notable author in the field, namely, Michael Porter.

PALAVRAS-CHAVE
Michael Porter, porterismo, estratégia, competitividade, vantagem competitiva.

KEY WORDS
Michael Porter, porterism, strategy, competitiveness, competitive advantage.

RAE
São Paulo,
• v. 42v. 42
• n.• 3n.• 3 Jul./Set.
• p. 43-53
2002 RAE - Revista de Administração de Empresas • Jul./Set. 2002 43
Estratégia

INTRODUÇÃO que foram iniciados nas ciências ditas humanas ape-


nas por esforços autodidatas, ao gosto de leituras
A infinita maximização econômica tornou-se, acom- heteróclitas ou pelas matérias ministradas nas
panhada da crença na corrida pela “vantagem compe- “business schools”.
titiva”, uma espécie de dogma, de padrão de pensa- No essencial, a obra porteriana consiste em exten-
mento, e de ação, em quase todos os domínios – desde sões de um artigo de base publicado na Harvard
negócios economia até governança e política econô- Business Review: “How competitive forces chape
mica de países inteiros. Tudo parece voltado a ser es- strategy” (março/abril 1979). Encontramos nesse tex-
tratégico e competitivo. to o núcleo da teoria porteriana que se desenvolverá
O porterismo tornou-se mais do que uma simples em futuras importantes publicações: Competitive
teoria, ou um decálogo de normas para o uso de geren- strategy: techniques for analyzing industries and
tes que querem crer-se estratégicos. Seu modelo analí- competitors, em 1980; Competitive advantage: creating
tico passou a ser um molde generalizado de concepção and sustaining superior performance, em 1985;
e de análise, uma visão de mundo, uma ideologia ple- Competitive advantage of nations, em 1990, entre ou-
na e inteira. Porter é qualificado sistematicamente como tros. Porter é, desde então, apresentado como o mentor
o mentor dos especialistas em estratégia. Ele é ainda o dos desenvolvimentos recentes em estratégia das orga-
autor mais citado, nos dez últimos anos, nas publica- nizações (da referida escola do posicionamento estra-
ções de administração e de economia. tégico).
O modo porteriano de concepção do mundo e da As idéias de Porter se tornaram, rapidamente, os
economia espalha-se por todo o planeta e se enraíza fundamentos obrigatórios de disciplinas nos cursos de
nas consciências e no ensino. Mas esta maneira de ver graduação e pós-graduação em Harvard. Ele é autor de
os Estados e sociedades humanas como somente negó- 16 livros e de mais de 60 artigos publicados pelas mais
cios agregados, voltados para o serviço da multiplica- prestigiosas revistas acadêmicas. Seu Competitive
ção de dinheiro, não seria ela, também e ipso facto, strategy: techniques for analysing industries and
uma mega (ou meta) teoria da governança? competitors (1980) foi reeditado 53 vezes e traduzido
em 17 línguas; enquanto que Competitive advantage:
creating and sustaining superior performance (1985)
MICHAEL PORTER E O PORTERISMO já foi reeditado 32 vezes.
Em termos gerais, o porterismo foi elaborado em três
Foi no final da década de 1970 e início dos anos movimentos. Primeiro o da teoria do “posicionamento
1980 que o pensamento porteriano começou a influ- estratégico” com a publicação de Competitive strategy,
enciar os escritos, o ensino, as práticas e as consulto- em 1980, inspirado na economia industrial e imediata-
rias em administração. Tudo começou com um artigo mente assimilado pelas escolas até então predominan-
que imediatamente suscitou diversos admiradores. tes, ditas “da concepção” e “da planificação”, com seu
Este artigo continha o essencial de um pensamento famoso modelo das forças competitivas. O segundo
que expandiu-se, declinando-se e conjugando-se ao acontece com a publicação de Competitive advantage,
gosto do sucesso que encontrou: indo do terreno do em 1985, que consagra um dos principais pilares do
marketing ao da administração, da política empresa- porterismo: a noção de “cadeia de valores integra-
rial à análise estratégica, e até à economia política dos”. O terceiro refere-se a publicação de Competitive
das nações. advantage of nations.
Michael Porter é antes de tudo um engenheiro, gra- Não entraremos em detalhes a respeito da origem
duado em Princeton em 1969, em engenharia mecâni- e do desenvolvimento das idéias de Porter, uma vez
ca e aeroespacial. No entanto, ele completou seus es- que este não é nosso presente objetivo. Cabe-nos ape-
tudos com um diploma de pós-graduação em business nas lembrar que essas idéias foram desenvolvidas a
(MBA na Harvard Business School, em 1971) e depois partir das noções de análise do setor concorrente, bar-
em business economics (doutorado concluído em 1973 reiras de entrada, estratégias genéricas, produção de
na Universidade de Harvard). E, desde 1973, visivel- valor e de cadeia de valor, de produtos de substitui-
mente sem experiência alguma de campo, já pode- ção, até aquelas das vantagens competitivas das na-
r í a m o s encontrá-lo como professor na Harvard ções. Contudo, pode-se ressaltar que os cavalos de
Business School. batalha típicos do porterismo são as famosas estraté-
Nem tecnólogo puro, nem aclamado como cien- gias genéricas das quais ele se faz apóstolo: o posi-
tista social, Porter é um bom representante deste pen- cionamento por liderança em custos e o posiciona-
samento aproximativo e minimalista em relação às mento pela diferenciação, que, como veremos, resu-
questões do humano e do social, caracterizando bem mem-se inelutavelmente em políticas de redução
os engenheiros tornados “gurus” da administração e massiva de mão-de-obra.

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de Empresas/FGV-EAESP, Jul./Set. 2002
Paulo, Brasil.
Governança e pensamento estratégico: uma crítica a Michael Porter

Encontramo-nos em presença de um dos maiores o mercado nacional pode estimular a inovação. Mas,
limites desse sistema, uma vez que ele vai da maior ao mesmo tempo, Vernon é advertido por ter negli-
solubilidade dos mercados (do nível da demanda efeti- genciado questões como: por que as empresas de de-
va, como diria Keynes) até um termo fixo. Vemos aqui terminadas nações impõem-se certas inovações? O
um segundo limite histórico e teórico do porterismo: o que se passa quando a demanda emerge simultanea-

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fato dos setores, que eram original e logicamente con- mente em países diferentes? Por que em um bom
siderados como “comparativamente vantajosos” pela número de países a inovação é contínua nas indús-
teoria econômica, principalmente a partir de Ricardo, trias nacionais?
e a tradição dita ricardiana, serem setores onde os sa-
lários são os mais elevados (sinal de vigor e de produ-
tividade do setor em questão). Sobre este ponto cen- FOI NO FINAL DA DÉCADA
tral, acreditamos que Michael Porter não se situa cla-
ramente em relação a nenhuma das duas grandes tradi- DE 1970 E INÍCIO DOS ANOS
ções das vantagens comparativas: a tradição smithiana
e a tradição ricardiana. Ele poderia ser alinhado com a 1980 QUE O PENSAMENTO
hipótese dos rendimentos decrescentes (Ricardo) ou,
ao contrário, com a hipótese dos rendimentos crescen-
PORTERIANO COMEÇOU A
tes (Smith)? Ou ainda, em última instância, com a rea- INFLUENCIAR OS ESCRITOS,
bilitação da tradição ricardiana, conseqüência do ciclo
de vida dos produtos de Vernon? O que levaria inevi- O ENSINO, AS PRÁTICAS E AS
tavelmente à famosa abordagem dita “da doação em
fatores”? CONSULTORIAS EM ADMINISTRAÇÃO.
Essas questões parecem-nos terem sido totalmente
rejeitadas por Porter, que em 20 páginas de seu
Competitive advantage of nations não dá razão a nin- Como é freqüente com as teorias que pretendem
guém. Seguem aqui alguns trechos de como Porter tra- impor-se como articulação entre a política, a econo-
ta desses aspectos (p.10-20). Com relação a Smith e mia e a administração, este gênero de posicionamen-
Ricardo, ele passa pela teoria das “vantagens absolu- to em relação às teorias mais gerais fica no nível dos
tas” do primeiro, reaproxima-se da teoria das “vanta- aspectos secundários que não acrescentam nada à
gens relativas” do segundo, para recorrer a uma lógica questão da admissão ou da refutação do argumento
baseada nas “diferenças inexplicáveis de clima ou de central dessa ou daquela concepção histórica, torna-
meio ambiente”. Para tanto, ignora o fator “economia da clássica, e portanto inevitável. Este nos parece ser
de escala”, as diferenças de tecnologias e de produtos indubitavelmente o presente caso, com o sintético, bre-
entre países, a não estabilidade dos fatores de produ- ve e distanciado posicionamento que Porter toma di-
ção, a circulação de mão-de-obra qualificada e dos ca- ante de complexas teorias. Não há nada que nos con-
pitais entre as nações. vide, de forma sólida, a renunciar aos debates sobre
Não podemos dizer que Porter esteja enganado em as questões das vantagens (conceito pivô, se é que há
todos esses pontos, mas é possível denunciarmos uma um, do porterismo), sejam elas absolutas ou relati-
falta de nuances e considerações em relação a outras vas, ou em doação de fatores, ou sob condições do
teorias que apontam para as “deseconomias de esca- ciclo de vida dos produtos, ou ainda sob hipótese de
la”, as barreiras de toda espécie – tarifárias, tarifárias rendimentos crescentes, ou rendimentos decrescentes.
escondidas ou não tarifárias – entre nações, mesmo De qualquer modo, o assunto mostra-se um tanto ár-
consideradas em estado de “livre comércio”. duo para ser tratado em poucas páginas.
Com relação a Eckscher-Ohlin e Samuelson e a Porter avança dizendo que: “As teorias das trocas
questão da teoria da “doação em fatores” (sob hipótese baseadas nas vantagens relativas são irrealistas em vá-
de que a tecnologia é um fator igualmente acessível), o rios setores (...) Na maioria deles, todos esses postula-
essencial do argumento porteriano pode resumir-se a dos não coincidem muito com os verdadeiros dados
uma vaga crítica da ignorância das “transferências in- da concorrência (sic)... A teoria da vantagem relativa
ternacionais entre filiais de firmas multinacionais” e é igualmente frustrante para as empresas, uma vez que
de possibilidades de existência de “fatores similares é distante das realidades (sic). Negligenciando o papel
entre países que comercializam entre si”. da estratégia da empresa (...) não é de se surpreender
Quanto a Vernon, Porter diz exatamente (p. 18) que a maioria dos chefes de empresas estimam que esta
que com suas proposições sobre o “ciclo de vida dos teoria não aborda o que lhes parece fundamental, e não
produtos” ele representa os balbuciamentos de uma oferece a orientação apropriada em matéria de estraté-
teoria verdadeiramente dinâmica que mostra como gia” (p. 12-13).

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UMA CRÍTICA nitivamente belicoso. Porter fala de afrontamentos,


EPISTEMOLÓGICA DO PORTERISMO mesmo nas zonas ditas de livre comércio.
Além disso, seria indiferente que este florão do
Antes, entretanto, de prosseguir em uma crítica mais mundo econômico-administrativo contemporâneo
pormenorizada do porterismo e da concepção de go- fosse um produto típico de casamentos incestuosos
vernança que o acompanha, é conveniente reconhecer entre universidades e grandes escritórios de conta-
que, em geral, pouco caso é feito de numerosas passa- bilidade da região de Boston (berço fecundo dos mais
gens nas quais algumas de suas tomadas de posição célebres consultorias dos EUA)? Seria tão fortuito
seriam suscetíveis de importunar o triunfo do pensa- que este pensamento tenha decolado, como por aca-
mento econômico e gerencial dominantes. Ou seja, so, em torno dos anos 1970, quando a indústria oci-
pouco se discute sobre: dental em geral, e a americana em particular, pareci-
• as (freqüentes) passagens onde ele enfatiza os mé- am seguir o caminho aberto por outros sistemas eco-
ritos dos sistemas alemão, japonês, sueco; nômicos – a administração sobretudo japonesa, ale-
• as passagens onde ele admite a não-nocividade sis- mã e escandinava?
temática de uma alta taxa de sindicalização ou da No núcleo de sua argumentação, Porter comete
presença de representantes sindicais nas instâncias diversos (e na nossa opinião bastante graves) erros: ideo-
dirigentes das firmas destes mesmos países; lógicos, metodológicos e espistemológicos. Porter pa-
• de seu reconhecimento, via esses exemplos, do fato rece desconsiderar as numerosas posições, aristotéli-
da intervenção do estado não ser sempre tão inde- cas e pós-aristotélicas, quanto à finalidade humana da
sejável quanto se pretende para a economia (mes- atividade econômica. Pelo menos no que se pode no-
mo se ele, claro, não o diz explicitamente); tar em seus escritos, Porter mostra ignorar essa ques-
• de suas repetidas afirmações quanto à grande com- tão, no que se refere às diferenças aristotélicas (mais
plexidade dos fenômenos dos quais ele trata e quanto do que fundamentais, vitais a longo prazo) entre eco-
à prudência à qual é conveniente fazer prova face a nomia e crematística 1 e entre o universo econômico-
todo modelo, incluindo o seu; monetário (ilusoriamente concebido como infinito) e
• de sua convocação à desconfiança em relação às po- o universo físico (concebido como finito).
tências financeiras. Porter ignora também as posições de economistas
ditos substantivistas, mais antropológicos (e.g., o “jo-
Similarmente, não nos parece que se faça grande vem” Marx, Karl Polanyi, Maurice Godelier); tercei-
caso de certas advertências epistemológicas indicadas ro-mundistas (e.g., Celso Furtado, André Gunder-
por Porter, como por exemplo: Frank, Samir Amin, Pierre Jalée, René Dumont, René
• a questão da definição do conceito de competitivi- Gendarme); mais críticos (e.g., Stuart Mill, Max Weber,
dade, sobre o qual ele afirma, em Competitive John Hobson, Thorstein Veblen, Meadows e Forrester
advantage of nations: “mais grave ainda do que a do MIT e do Clube de Roma); além de todos os mar-
falta de consenso sobre o conceito de competitivi- xistas e neomarxistas (de Rosa Luxemburgo a Ernst
dade, é o fato de não haver nenhuma teoria ampla- Mandel, passando por Leszlek Kolakowski até Baran
mente aceita para explicá-la” (p. 16); e Sweezy de Chicago ou Stephen Marglin de Harvard).
• o problema de validade da passagem das hipóteses Pode incluir também nesta lista aqueles que comparti-
às verificações de campo sobre as quais ele diz: lham de uma visão entrópica da economia (que procu-
“muitas explicações se fundem em postulados mui- ram submeter o raciocínio econômico à prova da aná-
to distantes da realidade (sic) da concorrência (...); lise física da transformação de energia, como Nicolas
tive dificuldades em fazer coincidirem a maioria Georgescu-Roegen, Howard Odum, Gonzague Pillet,
dessas hipóteses com a experiência adquirida estu- René Passet); ou mesmo certos críticos insistentes do
dando e trabalhando com empresas internacionais”. pensamento do “planejamento estratégico” (aparentan-
do serem os “politicamente corretos” da administra-
A concepção porteriana situa-se, apesar das precau- ção econômica como Henry Mintberg, ou outros um
ções tomadas, na direção exatamente oposta das teo- pouco periféricos, mas não menos significativos, como
rias originais sobre o livre comércio (e.g., Smith, David Knights).
Ricardo, Vernon, Eckcher-Ohlin). De fato e sem nuan- Porter postula, implicitamente, como todos os eco-
ces, o porterismo preconiza uma competitividade ge- nomistas ortodoxos, que a acumulação e a produção
neralizada e uma corrida às vantagens competitivas, de riquezas podem ser infinitas, e que a organização
que não são complementares, equilibradas, visando um da sociedade que a acompanha – capitalista, definiti-
bem estar social recíproco, inscritas na duração, na pre- vamente dominada pelas finanças, industrializada e
ocupação de uma homogeneidade. Ao contrário, são neoliberal – é um constante progresso que cabe ser
egoístas, imediatistas, com um estado de espírito defi- generalizado a todos, para a felicidade de todos. Nesse

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sentido, o lugar conferido à noção de mercado merece celebridades da reflexão econômica contemporânea:
uma atenção mais cuidadosa. Enquanto conceito ope- Lypsey e Lancaster. Eles legam um teorema ainda mais
ratório pivô do conjunto do edifício econômico-ad- desconcertante, que leva o nome deles, até então não
ministrativo dominante – especialmente da teoria da refutado: o mercado obedece a uma espécie de lei do
governança e da estratégia porteriana – a noção de tudo ou nada, só é possível haver dois estados de mer-

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mercado exige um desenvolvimento analítico mais cado, seja 100% (caso da economia da concorrência
aprofundado. pura e perfeita), seja 0% (caso da economia dita im-
Tudo começou com Adam Smith. Em toda sua perfeita).
obra, esse pai fundador da análise econômica da soci-
edade utilizou exatamente duas vezes a fórmula “mão
invisível”, a ancestral do conceito de mercado auto- EM GERAL POUCO CASO É FEITO
regulador. Mas era preciso à ciência econômica, com
os neoclássicos, um conceito menos “poético” e uma DE ALGUMAS DAS TOMADAS DE
possibilidade de efetuar os cálculos desejados de for-
ma exata, precisa, como na física. O primeiro a empe- POSIÇÃO DE PORTER QUE DE CERTA
nhar-se nisso foi Leon Walras. Em busca de uma solu-
ção de simultaneidade de equilíbrio entre quantidade, FORMA NUTRIRIAM O TRIUNFALISMO
preços, valores, necessário ao bom funcionamento do
DO PENSAMENTO ECONÔMICO
mercado da economia “pura”, Walras postulou o equi-
valente a uma “mecânica celeste” da sociedade (de onde E GERENCIAL DOMINANTES.
as formulações pré-economistas dos problemas do equi-
líbrio do mercado em termos newtonianos) e a inter-
venção de um anunciante de preços (espécie de um No entanto, sabemos que a economia pura e per-
equivalente ao demônio de Maxwell e do “secretário feita é, na melhor das hipóteses, um desejo do espíri-
geral do mercado” de Quesnay) que anunciaria os pre- to e, na pior, um delírio hiper matemático. Resta, as-
ços de equilíbrio dos produtos e serviços, ficando neu- sim, apenas uma solução: nós estamos, em qualquer
tro em relação aos pólos do jogo de gravitação entre que seja o caso, em situação de mercado 0%! Então,
oferta e demanda. colocam-se múltiplas questões: quem regularia esse
Isso desembocaria, mais tarde, em uma questão es- mercado que não seria, em nenhum momento, auto-
pinhosa: como dar conta, matemática e cientificamen- regulado (o que nos levaria a reencontrar Buda)?
te, de um tal estado de simultaneidade de equilíbrios Como podemos falar de situações de mercados pro-
em um mercado, evitando as hipóteses embaraçosas de gressivos ou parciais? Como justificar o que preten-
“mecânica celeste” e “anunciante de preços”? Foram dem alcançar as instituições de Bretton-Woods, afir-
dois prêmios Nobel de economia, Kenneth Arrow e mando poder conduzir, através das medidas que elas
Gérard Debreu, que atacaram esse problema. Sua con- impõem às nações, fases de etapas progressivas rumo
clusão é desconcertante: se existe uma solução mate- ao estado do mercado?
mática ao problema de Walras, ela é tão altamente Como sustentar o edifício porteriano, inteiramen-
probabilística que o estado dos equilíbrios simultâneos te construído sobre o postulado “da realidade da con-
do mercado só podem ser um fabuloso acaso! Tão im- corrência e das forças do mercado”? Ele jamais teria
provável quanto encontrar Buda em pessoa! Pois, levado em conta trabalhos tão interpelantes como
explicam eles, nada permite afirmar que os mecanis- aqueles de Arrow e Debreu e de Lypsey e Lancaster? Ou
mos de oferta e demanda possam conduzir “natural- ele considera-lhes como falsos, não pertinentes?
mente” ao equilíbrio. O fato é que Porter ignora tudo soberbamente, o que
O que resta, então, do conjunto edificado da estra- é grave para qualquer um que aborde a questão do futu-
tégia da administração econômica, se retiramos a hi- ro das nações e suas economia (e por todo intelectual
pótese de estado de equilíbrio do mercado (central, tam- que se respeita). Ignora, por exemplo, as contribuições
bém, ao famoso teorema de Pareto, e a tudo o que vai de um movimento tão importante da historiografia con-
se seguir em termos de análises microeconômicas e temporânea, como os Annales (e.g., Fernand Braudel),
econométricas)? Ou então, Michael Porter e seus inu- que mostra como, as vantagens adquiridas pelas nações
meráveis concorrentes, teriam levado em consideração ocidentais modernas sempre aconteceram (após a deco-
essa importante falha da teoria econômica? lagem das grandes metrópoles ocidentais como Gêno-
Além disso, Arrow e Debreu deixam em suspenso va, Veneza, Amsterdã até a Inglaterra e o império ame-
um outro problema, o da natureza da “lei” que presidi- ricano) em detrimento de regiões do Sul (colonizadas
ria ao funcionamento desse fenômeno denominado ou não). Regiões, muitas vezes, tão pilhadas, que nem
mercado. A esse problema dedicaram-se duas outras conseguiam se recompor.

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Estratégia

Como admitir o fato de que nenhuma menção seja convém aos interesses dominantes e o enfileiramento
feita a Karl Marx e ao materialismo histórico, em uma de indicadores de satisfação desses mesmos interesses
obra que pretende explicar – ou pior, prescrever – o podem servir como descrição objetiva de fenômenos
desenvolvimento histórico das nações? Não deveria ou como método científico? Podemos transformar as-
Porter ao menos situar-se em relação a ele e explicar sim os estados em comitês de gestão de interesses fi-
no que podemos desqualificá-lo antes de, implicitamen- nanceiros transnacionais e as nações em espaços vol-
te, promover o capitalismo neoliberal e suas “leis” ao tados à competição entre gigantes do business?
estágio de realização da história? Para além dessas observações gerais, destacamos
O que queremos dizer com isso é que, ao ler Porter, aqui alguns pontos, ao nosso ver dentre os mais discu-
trata-se de uma conduta à pretensão heurística. Trata- tíveis e mais intelectualmente duvidosos, que caracte-
se, primeiramente, de induzir para depois deduzir, a rizam posições adotadas por Porter:
partir de situações limitadas e estreitamente situadas 1. Como podemos, nesse início do século XXI, ima-
no espaço (espaço em geral americano), no tempo (pós- ginar seriamente que nosso planeta (pelo o que pa-
guerra e ascensão da economia financeira da adminis- rece, ao menos implicitamente, em Porter) poderia
tração), na ideologia (aquela do mercado neoliberal e suportar seis, e em um futuro próximo, oito ou dez
dos detentores de interesses financeiros, à exclusão de milhões de indivíduos, todos vivendo pelo cresci-
qualquer outro); de regras e leis com pretensões uni- mento máximo, todos em competição contra todos,
versais para a tomada de decisão e a conduta das insti- e atingindo níveis de vida comparáveis àqueles dos
tuições e organizações. Tudo isso indo além dos espa- mais ricos?
ços, das fronteiras, das nações, das histórias, das cul- 2. As nações e os estados, e suas políticas econômi-
turas, e atualmente, indo também para além do Estado cas, podem ser organizados institucional, intelec-
e dos serviços públicos. tual, ética, moral, social e politicamente da mesma
Resumidamente, Porter parece utilizar as regras da forma que uma empresa, seja ela qual for? Poderia
influência a partir de observações empíricas bastante li- o State-business ser uma categoria de pensamento
mitadas e à validade de generalização nula e nulamente ou um fundamento de ação coletiva sustentável? Ou
provada: a amostragem de países selecionados para es- mesmo um tipo ideal teoricamente formulável? Os
tabelecer a teoria geral da vantagem competitiva das objetivos dos estados ou das nações são redutíveis
nações incluía dez países, sobre os quais foram impos- às pesquisas de vantagens, de ganhos, de aprovei-
tas as categorias deduzidas a partir de realidades ainda tamento (tudo isso podendo ser reunido como efi-
mais limitadas: as empresas dos setores industriais pre- ciência) concebidos em termos de indicadores de
viamente estudados. De seu próprio consentimento, rentabilidade econômica, de concorrência, de con-
Porter transpôs, sem outra forma de processo, no nível quistas de fatias de mercado?
das nações, aquilo que ele deduziu e escreveu a partir de 3. O simplismo caricatural (como é candidamente ad-
simples casos de empresas dez anos antes. mitido por Porter em prefácio) do modelo do
No prefácio de Competitive advantage of nations, “losango a quatro variáveis” pode dar conta da
ele escreve: “O essencial de minha teoria repousa nos enorme complexidade (isso também candidamen-
princípios de estratégia concorrencial em indústrias te admitido por Porter) de fatos e processos reais
precisas (...) eu comecei por estudar alguns setores, de que falamos? Senão, por que continuar a fazer
alguns atores da concorrência, para em seguida voltar- como se pudéssemos assegurar previsões, formu-
me para a economia como um todo” (p. 17). Em lações, planificações e decisões estratégicas com
Competitive strategy: techniques for analyzing conhecimento de causa, a partir da aplicação des-
industries and competitors, ele cita, para sustentar seu se modelo?
desenvolvimento teórico, os casos de cerca de 30 fir- 4. A mundialização da economia, de que tanto ouvi-
mas diferentes, quase todas americanas; como se so- mos falar, não teria nada a ver com a fase imperia-
mente a multiplicação de casos, submetidos à fôrma lista do capital, a fase neocolonialista da geopolítica
sistemática da mesma grade, constituíssem em si co- do pós-guerra? Coisas que os neomarxistas trata-
nhecimento científico, universalidade, validade inter- ram abundantemente desde Rosa Luxemburgo e
na e externa. Lênin até Samir Amin, e mesmo os não marxistas
Erigir todo um edifício teórico como o de Competitive como John Hobson ou Galbraith? Podemos assim
advantage of nations, sobre uma metodologia de es- ignorar essas teorias que apresentam a generaliza-
tudos de caso de setores industriais, de firmas e gru- ção do sistema econômico do tipo capitalista à es-
pos de firmas quase sistematicamente americanas po- cala do planeta, não como uma inelutável graça para
deria ser considerado heurístico em si? Ou ainda todos, mas como uma calamidade tendo por motor
epistemológica ou metodologicamente legítimo, váli- as guerras e a pressão sem fronteiras das contradi-
do? Desde quando a simples descrição daquilo que ções históricas do capitalismo (realização exterior

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Governança e pensamento estratégico: uma crítica a Michael Porter

de mais valia, pesquisa exterior de mercados, acu- tividade”, supondo unicamente rivalidades e lutas,
mulação sempre concentrada de capital, defasagens em uma mundialização concebida antes de tudo
entre o discurso da superestrutura produtora das como uma expansão, desde as fronteiras nacionais
ideologias e a realidade vivida no centro da infra- até todo o planeta, campos de batalha entre firmas?
estrutura)? Se substituíssemos o termo “mundiali- Tudo a partir do modelo americano?

Estratégia
zação” por “imperialismo” ou “neocolonialismo”, 8. A lógica financeira maximalista do mercado auto-
toda análise porteriana não seria mais do que afir- regulado do capitalismo no estilo americano é equi-
mações ideológicas parciais infundadas? Todas as parada àquela do “mercado social regulado pelo
contas feitas, Porter não faz mais do que uma des- Estado”, do capitalismo industrial no estilo ale-
crição da forma de funcionamento da economia, tal mão ou japonês? Entretanto, Porter cita em abun-
qual desejam as classes dominantes. dância, e toma indistintamente como exemplos,
5. Podemos negligenciar, ignorar, rejeitar todas as empresas americanas, inglesas, suecas, alemãs e
análises dos terceiro-mundistas e não considerar japonesas.
os fenômenos como os dualismos que afetam os
países em desenvolvimento, desde o início da era
colonial (cisão em dois setores antagônicos: um A CONCEPÇÃO PORTERIANA
dito “moderno”, minoritário, ocidentalizado, fre-
qüentemente corrompido e mafioso e um outro
SITUA-SE NA DIREÇÃO EXATAMENTE
dito “tradicional”, majoritário, desestruturado, OPOSTA DO ESPÍRITO DAS TEORIAS
empobrecido, deixado pelos exploradores)? Não
fazer caso algum da desigualdade crescente na ORIGINAIS SOBRE O LIVRE COMÉRCIO.
evolução dos termos de comércio entre norte e
sul? Da polarização do planeta em centros que
concentram, absorvem o capital sem cessar e em 9. O termo “vantagem”, em si, não é um conceito neu-
periferias que pagam o preço por essa absorção? tro. Sobretudo quando sabemos o quanto o jogo é
Dos efeitos da dolarização da economia mundi- desigual entre países ricos e aqueles ditos em de-
al? Do comportamento predador, devastador das senvolvimento, entre países produtores de matéria-
multinacionais? Podemos seriamente fazer a hi- prima e outros detentores de alta tecnologia, entre
pótese de que a dominação de fato, que nos vive- todas as potências multinacionais e estados de ter-
mos cada vez mais todos os dias, da economia ceiro mundo. Ou seja, quando sabemos a diferença
planetária pelas transnacionais possa favorecer a imensa entre (a) as condições iniciais que permiti-
concorrência e a competitividade? E não mais a ram a decolagem econômica do ocidente no século
concentração, as mega fusões, os monopólios, os XVII (revolução técnica e superprodução agrícola,
oligopólios? Ou então é preciso recorrer a uma cooperativas comerciais exteriores e colonizações
dessas fraudes semânticas das quais os economis- como alavancas financeiras) e (b) as condições atu-
tas têm o segredo, do gênero “concorrência mo- ais a partir das quais demanda-se aos países de ter-
nopolizada”?! ceiro mundo fazer sua própria decolagem (agricul-
6. Isso seria também facilmente, ainda, compatível turas anêmicas ou prejudicadas, mercados interio-
com uma posição aberta em favor do tão aclamado res desarticulados, produções voltadas para expor-
livre comércio? Quais livres comércios podemos tação e natureza devastada).
imaginar entre regiões como os Estados Unidos ou 10. Como podemos, apoiando-se em Porter, formular a
a União Européia? Onde estão as homogeneida- hipótese de que esta arena mundial denominada
des (sociais, culturais, tecnológicas, econômicas) “mercado” seja uma espécie de laboratório trans-
que supõe os benefícios respectivos que teríamos parente, limpo e asséptico, onde os jogadores são
o direito de esperar em se tratando de países em todos honestos, iguais diante das instâncias inter-
livre comércio? Este foi o caso, notadamente para nacionais, uma vez que se contabiliza apenas as
o México, quando foi decretada uma zona de li- “vantagens” advindas da bondade da natureza, da
vre circulação de fatores como a NAFTA (North providência (tradição das vantagens ante facto da
America Free Trade Agreement)? Quem pode ain- doação em fatores), das capacidades produtivas que
da sustentar que isso tenha feito algum bem para os os esforços e a engenhosidade de empreendedores
mexicanos? Ou mesmo, salvo os ambientes de ne- nacionais souberam desenvolver (tradição das van-
gócios e os empresários, para o Canadá? tagens ex post sobre hipótese de rendimentos cres-
7. O livre comércio, tal qual pode ser concebido no centes)? Michael Porter sonha com um mundo sem
sistema porteriano, seria somente essa espécie de corrupção, sem corruptos, sem máfias, sem potên-
corrida à dominação do outro, chamada “competi- cias financeiras, políticas e militares que manipu-

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Estratégia

lam todos os mercados de todos os produtos, todos poderia ser integrado sem nuanças ao modelo por-
os comércios. Seria ingenuidade? Porter estaria en- teriano?
ganando a si mesmo? Senão, a quem ele acredita 14. O que dizer da hipótese, implícita mas onipresente,
estar enganando, ainda que chegue a fazer alusão de que os ganhos de uns nunca são as perdas dos
aqui e ali aos “interesses” de “coalizões” que pode- outros. Isso não seria mais aplicável aos países mais
riam disfarçar os jogos do mercado (por ele, trata- frágeis e não industrializados, em relação à perda
se neste caso sobretudo do estado regulamentador nítida e total, cumprida de forma dramática, sobre
inimigo das forças do mercado)? o plano ecológico?
15.A noção de “clusters industriais”, espécie de
epicentro do modelo porteriano, parece estranha a
PODEMOS FAZER POUCO CASO certos conceitos como o de “pólos de desenvolvi-
DO COMPORTAMENTO PREDADOR, mento”, elaborado por François Perroux, ou o de
complexos “de indústrias-industrializantes”, leva-
DEVASTADOR DAS MULTINACIONAIS? do a diante por Estanne De Bernis. Sem falar da
analogia com as redes da indústria japonesa. Tudo
isso, sustentaria infinitamente mais cooperação do
11. Porter ignoraria um fenômeno, considerado há mui- que competição, mais intervencionismo e de pre-
to tempo como central na análise do ambiente em sença do estado do que de laisser-faire, mais diá-
administração e denominado enactment? Fenôme- logo do que concorrência, mais colaboração mú-
no que leva a projetar (desde o ponto de vista e dos tua do que lutas de enfrentamento entre firmas e
interesses daqueles que analisam) tantas caracterís- nações. Tudo, absolutamente tudo, desde o papel
ticas no ambiente analisado que acabamos por real- do estado e o contexto intra e inter-empresas, opõe,
mente enxergá-las. Isso sem falar das transforma- por exemplo, as redes inter-organizacionais do tipo
ções inevitáveis que provocaram todo o “estudo japonês ao que Porter apresenta como os clusters.
setorial”, em qualquer ambiente, a partir do momen- Como uns e outros podem preencher o mesmo ofí-
to em que essa análise dava lugar a estratégias e a cio competitivo para as respectivas nações? Mas é
implantações de decisões. Então, não é mais o am- verdade que também aqui, nem Perroux, nem De
biente que faz a estratégia corporativa, é o inverso! Bernis estão situados em seus contextos ideológi-
Aliás, esta é uma discussão que já foi seriamente cos, nem situados em relação às proposições so-
abordada, ilustrada, confirmada. Exemplos concre- bre os clusters, ainda que Porter os mencione na
tos e edificantes apoiaram-na, há mais de trinta anos bibliografia.
por John Kenneth Galbraith em O novo estado in- 16. Enfim, ao exemplo de David Knight, e em pleno acor-
dustrial. do com ele, podemos constatar na obra porteriana as
12. Um instrumento como o PNB (Produto Nacional inadmissíveis falhas científicas e epistemológicas
Bruto) é, em todas as suas formas, tomado com in- seguintes:
dicador privilegiado (exatamente sete vezes entre • Um positivismo excessivo pela aplicação de cânones
os 16 critérios colocados em Competitive advantage do método dito científico duro, próprio das ciências
of nations). Michael Porter estaria ignorando as nu- da natureza e do inerte (e.g., biologia, física), a um
merosas e severas críticas endereçadas a este indi- objeto não inerte, proveniente de decisões e intera-
cador macroeconômico que, segundo vários espe- ções humanas, advindo natural e “ontologicamente”
cialistas, não queria mais dizer nada? dos atos de administração, de planificação, e mesmo
13. Os PNB, PIB (Produto Interno Bruto) e outros in- estratégicos.
dicadores de competitividade de toda espécie não • Uma objetivação-reificação excessiva das organi-
apresentariam contradições imperdoáveis, uma vez zações e dos dirigentes, tratando-lhes como sujei-
que citamos países como Japão, Alemanha, Suécia, tos ativos e como objetos do mesmo estudo dos me-
Dinamarca como exemplos de conquistas (compe- canismos de definições, planificações, seleções e
titivas) situando-se em uma ideologia e uma óptica estratégias.
das políticas econômicas, industriais e sociais no • Um recurso a inumeráveis atalhos heurísticos que
estilo americano, ou seja, no pólo exatamente oposto consistem em transportar as reivindicações ideoló-
daquilo que fazem esses países? Michael Porter pro- gicas e as representações mentais oriundas de uma
clama-se resolutamente neoliberal, enquanto que elite dominante à caracterização, pretendida obje-
esses países são, a todos os olhares, tudo menos tiva e universal, das realidades econômicas e orga-
neoliberais! São social-democratas, com uma eco- nizacionais.
nomia “social de mercado”, guiada pelo estado. Isso • Uma projeção sistemática do modelo de Harvard
não interferiria em nada para seu sucesso? E isso (modelo construído pela tradicional interação des-

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Governança e pensamento estratégico: uma crítica a Michael Porter

sa Universidade com os grandes escritórios de con- partes inteiras do pensamento econômico-gerencial


sultoria da região de Boston) na sua pretendida dominante atual, marcado particularmente pela moda
teorização dos mecanismos da estratégia das van- da governança e da estratégia corporativa. Elas próprias
tagens competitivas. dominadas pelos trabalhos de Michael Porter e seus
• Uma fusão entre problemática de sua própria cons- incontáveis seguidores.

Estratégia
trução teórica e o objeto mesmo dessa teoria, a sa-
ber, posicionar as empresas a priori como lugar das
vantagens competitivas, para em seguida partir para PORTER SIMPLESMENTE
a pesquisa de suas vantagens competitivas.
• Uma simbiose entre a arquitetura de sua teoria e os
NOS CONDUZ A FAZER A
serviços que podem entregar os escritórios de con- MACROECONOMIA DEPENDER
sultoria com os quais ele e Harvard sempre estive-
ram em parte ligados. A única escolha é recorrer DA MICROECONOMIA E AS
aos porterianos como consultores, uma vez que se
admite sua teoria. O que pode legitimamente levar POLÍTICAS NACIONAIS DAS
a pensar que essa teoria foi montada oportunamen-
te e sustentada para servir a esses fins. DECISÕES DE NEGÓCIOS!
• Uma pretensão declarada à capacidade de controlar
o ambiente, os concorrentes, o Estado, o futuro, as
incertezas, através do uso de meios puramente Como admitir, sem questionamento, que gerações
positivistas, promovidos ao status de infalibilidade inteiras de estudantes em administração sejam forma-
científica universal e transcultural. dos, freqüentemente sem nenhuma capacidade de re-
• Uma omissão, com conseqüências incalculáveis, da flexão crítica, nem distanciamento, a pensar segundo
seguinte evidência: se as empresas aplicassem efe- o modelo elaborado por Porter? Que programas intei-
tivamente os princípios das vantagens competitivas ros de gestão, dita estratégica, sejam quase inteiramente
e estivessem obtendo sucesso, mais ninguém pode- baseados, sem discernimento, nas construções porte-
ria pretender recorrer a tais vantagens; a teoria che- rianas? Isso não revelaria mais uma opinião ideológica
garia a uma auto-destruição em decorrência de sua preconcebida do que objetividade científica?
generalização.
• Uma grave confusão entre as representações men-
tais positivistas que Porter faz da administração e CONCLUSÕES
da realidade gerencial tal que ela se apresenta den-
tro do que ele pretende apresentar como “a verda- Trata-se, em todo o movimento do estrategismo ao
deira via”. modo de Porter – combinado a uma forma, consciente
• Uma omissão não menos grave do peso, por toda ou não, de concepção pós-moderna (no sentido do pós-
parte necessário e inevitável, da intervenção dos modernismo ontológico e não metodológico) do social-
meios detentores do poder, particularmente em to- econômico – de um universo em constante elevação
dos os fenômenos tratados por ele. Omissão que em direção à abstração. Os “metagerentes” (estratégias)
deixa supor que os jogos competitivos poderiam gerando os “gerentes” os quais, eles mesmos, geram
dar-se em um mundo tão neutro quanto igualitário discursos abstratos que absorvem o real: os discursos
e cientificamente objetivo. redutores das finanças, da microeconomia, da gestão
• Uma construção de problemas estratégicos e geren- da produção, dos recursos humanos, etc. Há em tudo
ciais onde a teoria porteriana é “a” solução. Assim, isso uma espécie de hold-up conivente onde as boas e
no conjunto do edifício, desfila uma flagrante velhas noções de dialética, contradições, exploração,
tautologia: os problemas colocados são diretamen- falsa consciência, dominação de termos da troca são
te aqueles pelos quais a teoria porteriana é feita. É substituídos por noções bem mais neutras, como a
propriamente uma atitude anticientífica. reflexividade, o conhecimento ordinário, a hipótese de
simetria dos poderes, a competitividade (conceito co-
Poderíamos continuar ainda por muito tempo a lis- modamente oportuno para evacuar qualquer idéia de
ta de reprovações (graves, devemos admitir, freqüen- dominação ou de exploração já que o mais fraco é ex-
temente intelectual e academicamente inaceitáveis) posto como aquele que não sabe usar suas vantagens
que podem ser endereçadas ao conjunto da teoria por- competitivas).
teriana. Referimo-nos à fuga em direção à abstração no sen-
Pensamos ter conseguido aqui, ao menos, dar ao tido de fuga do terreno concreto das relações sociais
leitor uma pequena idéia das falhas que podem lesar onde o econômico é o determinante por excelência, fuga

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Estratégia

onde se constrói o social, quase que unicamente, “na hold-up e enganos epistemológicos habilmente condu-
cabeça e representações mentais das pessoas”. Seria zidos, é fácil propor desenvolvimentos pseudo-intelec-
como se a história – via o comportamento estratégico tuais, onde a sedução diante do público do mundo de
das firmas e das nações – se produzisse sob uma forma negócios dá as mãos ao simplismo e a trivialidade do
de determinismo “ao modo de Hegel”, encarnando a proposto.
evolução da socio-economia por um tipo de “razão Fazendo do planeta um vasto campo de batalha pela
estratégica” quase imanente. Como se nunca, entre ou- infinita competitividade, sob a única obrigação de ma-
tros, qualquer um como Karl Marx pudesse estar in- ximização de lucros e dividendos de firmas colocadas
tensamente empenhado em recolocar Hegel em seu como a finalidade histórica das nações, Porter simples-
lugar! mente nos conduz a submeter a macroeconomia a uma
Como conseqüência desse hold-up e de suas im- dependência da microeconomia e as políticas nacio-
plicações, Michael Porter pode permitir-se anunciar nais das decisões empresariais! O tratamento da eco-
no prefácio de seus principais livros que simplesmente nomia é concebido somente em curto prazo e em agra-
não há definições satisfatórias de noções tão centrais vamento exponencial de desequilíbrios, já desastrosos,
como aquelas de competitividade e de valor. Tanto é entre norte e sul e entre os próprios fatores de produ-
que ele construiu toda sua teoria apoiando-se nestas ção (capital, trabalho e natureza).
duas noções! Submetamos, finalmente, a lógica porteriana a seus
Como podemos avançar tão alegremente (como se limites: uma vez nosso planeta tornado competitivo pela
numerosos grandes economistas já não tivessem várias graça dos losangos e diamantes porterianos, teremos
vezes se debruçado sobre esta questão) sobre o perigo- direito a uma teoria da competitividade interplanetária
so terreno do problema do “valor”, como o fez Michael ou intergaláctica? A uma teoria das vantagens com-
Porter, sem nenhuma definição conveniente? Com tais petitivas das galáxias? 

NOTA DO TRADUTOR

1. A crematística é de uma parte da economia que trata produção da riqueza no intuito da acumulação indefinida Aristóteles como a acumulação de riquezas para o bem-
da produção das riquezas. Na doutrina de Aristóteles, a é egoísta. Opõe-se então ao econômico, entendido por estar da comunidade.

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