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Scheherazade Paes de Abreu

O psicanalista:
talvez, fazer cair as convicções...
Scheherazade Paes de Abreu

Resumo
Este artigo busca articular e misturar restos que ficaram de leituras, se depara com o sem sentido
e os múltiplos sentidos, pois a palavra é qualquer coisa menos sólida, porém é evanescente e
sexualizada. Talvez fazer cair as certezas, as letras e os sentidos, as mesmices. Talvez fazer outras
coisas com as coisas tortas, com a subversão, mas nada disso; sem um certo amargar, sem pathos,
sem a inscrição de que temos fronteiras e impossibilidades. O escritor, o texto e o leitor surgem e
sofrem influências no momento em que o sujeito vive a sua própria análise, o seu próprio saber.
Desse modo, à medida que a análise prossegue, a leitura se transforma e renasce em situação
paralela e vizinha ao percurso analítico; assim, fertiliza a teoria e a clínica. Logo, a partir do mo-
mento em que se pode criar o nada em si mesmo, o sujeito toma o seu prumo, e assim, se depara
com o seu cunho. Convido o leitor a inventar uma nova forma de caminhar a cada momento de
despertar inconsciente, a cada momento do percurso analítico.

Palavras-chave
Sintoma, Phatos, Sentido, Psicanálise, Psicanalista.

Não basta abrir a janela.


Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego.
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo mundo lá fora.
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse.
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.
F e r n a n d o P e s s o a [A l b e r t o C a e i r o ]

Gostaria de começar este texto com a reduzi-lo a um único pensamento, marcar


angústia de dar a ele um fictício nome, ou uma única identidade. Então, tentarei lhe
seja, um título para esta escrita, designar dar um nome que possibilite outros nomes,
em uma frase ou palavra o assunto, pois outras brechas. Por isso, gostei de come-
o objeto do qual essas letras se ocupam, çar com esse ‘talvez’, que pode remeter
me escapa toda vez que tento em vão sensivelmente a uma baixa das certezas,
capturá-lo. Talvez minha angústia esteja a contradições, a um cair das convicções,
em nomeá-lo logo. Ao fazê-lo, poderia que assim deslizam faltosamente da lingua-
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gem oral para a escrita. Pois bem, ninguém, estão aqui a ler estes enunciados ou a ou-
portanto, dispõe de um único nome, uma vir, ou que simplesmente partilham algum
única suposta identidade, nos diz Roberto espaço em um ambiente de coexistência
Harari (2008, p. 61). Mas cada um porta sem nada mais em comum, seja uma sala,
um cabal nome valise. seja um café, seja solitariamente ao ler
Ir se inscrevendo psicanalista é um estas folhas de papel.
pouco deixar de possuir o sentido pleno É assim favorável, no sentido de fazer
que podem ter as coisas da vida e, desse uma ponderação dos casos, de leituras, da
jeito, pensar um pretexto, tornar sensível técnica, do estilo, do não estilo, da pre-
a contingência do significante, do distinto, sença e da ausência, de estar com o outro,
do vários. mesmo que se esteja só, de deixar ressoar
Nesse momento em que não se é o inconsciente, a fim de fazer cair as con-
mais determinado pelo objeto, mas pelo vicções, a fim de persistir a psicanálise.
significante, isso o coloca em outro mo- A psicanálise dissolve esse modo de
vimento, como sujeitos da palavra, e não tornar consciente o inconsciente. E, mais
sujeitados a um objeto, tal como um luto ainda, permite construir e esculpir, nos diz
de uma parte de si, cuja sequela é o vazio, Harari (2008, p. 41), sob significantes no-
o nada, em que se descobre que a questão vos por parte do analisante, significantes
fundamental é a da existência. Logo, a que fazem com que sua aparição e suas li-
partir do momento em que pode criar o gações inusitadas e incomuns possibilitem
nada em si mesmo, o sujeito toma o seu nomear as experiências na análise, como
prumo e, assim, se depara com o seu cunho se isso nunca tivesse sido feito antes – com
(Didier-Weill, 2012, p. 66,15). um certo cheiro de invento.
O saber do inconsciente é por nature- Com efeito, a palavra é qualquer coi-
za laborioso, e isso faz com que, mesmo que sa, menos uma unidade sólida, indissolúvel
tenha lido e se debruçado sobre Freud e e permanente; porém é líquida e inclusive
Lacan diversas vezes, cada analista perma- vaporosa, evanescente e sexualizada. Ela é
neça verde, como uma viçosa e tenra folha um baú fechado onde se guardam outras
de fícus, mas que, ao ser resvalado, ainda palavras ocultas devido à ação da tampa,
assim, tenha seiva, independentemente do do tempo, dos bons modos, da censura,
seu tempo de vida. E permanecer verde é da denegação. Por isso, a linguagem é
deixar escoar a seiva em si, se lambuzar não somente preguiçosa mas também ta-
dela como Freud, ao deixar escoar o seu canha. No entanto, permite que se jogue
próprio inconsciente, ao se revelar na sua e brinque com ela, e isso a faz avançar na
essência, o abundante sentido das coisas, construção. E como caem, em uma noite
a inquietude com a adaptação. de sonhos, as peças de um traje que se
O analista, escreve Didier-Weill veste, ao se abrir uma palavra, caem as
(2012, p. 52), não é como o vinho que letras que a compõem.
se aprimora com o passar do tempo, pois, O nomear, o caracterizar, o qualificar
com o passar do tempo, o analista tende unificam a palavra. E sua abertura designa
a esquecer aquilo mesmo que fez dele um algo do intolerável para o pensamento.
analista, esquecer o ato fundador e se Próximo disso, a abertura da palavra, seu
instalar na honorabilidade. desnudamento remete à ambivalência
Portanto, é bastante fecundo estar dessas coisas contrárias coexistentes. Seria
frente a frente com alguns outros, com preciso se encontrar com os contrários e
os semelhantes e com os diversos, com os fazê-los co-habitar, nos diz Fédida (1988,
que partilham da leitura, da escrita, e dos p. 45), frutificar juntos e, desse modo,
pensamentos psicanalíticos, com os que transformar a ambivalência em experiên-
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cia não contraditória de contrários, em ideias prontas e acabadas, das amenidades,


que duas verdades coexistem. das certezas, das incertezas, das palavras
O trabalho sobre a própria palavra, vestidas, do não sei, do ‘não-é-exata-
ou o conjunto delas, instiga os sentidos a mente-isso’, para ver o que há por detrás,
brotar. Entretanto, guarnecer e ofertar ao por baixo, no entre e de viés, visto que a
paciente um montante de sentidos, ou a verdade sustenta a mentira. Pois, escreve
síntese, ou um compêndio, abastece, re- Lacan ([1954] 1998, p. 381), o homem
cheia e enraíza, o sintoma, dando, assim, que, no ato da fala, reparte com o seu
mais sentidos, teorias e explicações para o semelhante o pão da verdade, partilha a
neurótico. O sentido é o que ressoa com a mentira, portanto, o sujeito é dividido por
ajuda do significante, e o que ressoa não uma afirmação primordial e a denegação
vai longe, nos diz Harari (2006, p. 201). É dessa afirmação.
débil, é fraco, o sentido tampona. A busca por uma análise pode ser
O texto de Freud ([1937] 1980) Aná- questionada se há o propósito de se des-
lise terminável e interminável desata para prender de um sintoma. Mas isso não
uma escrita que não cessa de começar. A basta. É preciso que uma queixa, um
cada começo abre um desenvolvimento lamento, uma ofensa, uma delação, um
que não poderá se concluir findar, pois descontentamento, uma insatisfação,
quando começa, começa sem fim. uma censura seja endereçada ao analista
O trabalho em análise é um mo- e que o sintoma passe da condição de
vimento cujo resultado não poderia resposta a uma condição de questão para
repousar sobre uma descoberta que o o sujeito, para que ele seja atraído a de-
interrompe, assim escreve Fédida (1988, cifrar. O sintoma é, assim, transformado
p. 114-122). Aquele que fala ao analista em questão e aparece como expressão de
na sessão encontra resposta para sua fala divisão do sujeito, é direcionado ao analis-
na sua própria fala. A recusa do analista ta, suposto deter o saber (Quinet, 1991).
de ceder a resposta, a sua não resposta No entanto, Harari (2003, p. 190)
faz com que seja sem fim. contextualiza que, na frase de Lacan
Portanto, encontrar resposta à fala na ([1964] 2008, p. 267) “O desejo do ana-
própria fala não se reduz a uma devolução lista não é um desejo puro. É um desejo de
da pergunta, não se reduz ao silêncio, obter a diferença absoluta [...]”. Obter a
mas cabe à fala se abrir para o infinito, diferença quer dizer, de uma forma ou de
para o incomum, para o sem fim, de um outra, que o analisante procura e trabalha
desconhecido, um estranho que ela é. Isso para sustentar a sua mesmidade, não a
traz consigo, a própria impossibilidade de sua diferença, para manter justamente o
concluir, pois o que toma a palavra é o sintoma; logo, tenta manter o sintoma,
interminável; desse modo, o infinito que embora diga o contrário.
faz parte do terminável. A chegada do paciente pode ser por
O psicanalista nunca está no lugar meio de uma queixa, de uma vergonha
onde esperamos encontrá-lo. Aponta com relação ao seu gozo. O desejo do
sempre para um outro rumo. Assim sendo, analista não é torná-lo “em conformida-
não está na reta, mas na curva e no desvio. de com a norma”, não é fazer-lhe o bem,
Parece persistir em estar na encruzilhada, não é curá-lo, mas obter o que há de mais
entre o laço e o nó. Está nos atalhos, nas singular.
pontas, nos intervalos e nos suspiros, nos A análise consiste não em devolver
diz Leclaire (1986, p. 21). o desvio à norma, mas em autorizá-lo,
Ele percebe, se surpreende, se espanta, quando ele se fundamenta no autêntico
e suspeita das evidências primeiras, das (M iller , 2008). Trata-se aqui não de
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adaptar ou conciliar, mas de mostrar que forma efetiva, esse estranho, essa ‘porção
é justamente adaptado demais, moldado de palavra’ ‘essa ponta’ externa que vem
demais, invariável, de forma apaixonada a dizer o que já se sabe.
e passiva ao sintoma. Para chegar à causa Logo, o equívoco, um modo de operar
do desejo, transitaremos pelo caminho da a interpretação, é antissugestivo e deixa
angústia. aberta às escolhas, recorre à liberdade de
Na análise, nos diz Anzieu, (2006, p. sentido que o analisando queira lhe dar,
295), se abrem oportunidades para viven- mantém a indeterminação, o inesperado,
ciar uma imersão no mundo das fantasias a pausa, pois deixa a via aberta para um
tantas vezes metaforizado como “descidas outro lugar. E do mesmo modo faz com
aos infernos”. Sendo assim, quem sabe, que o analisando perca o caminho, perca
a partir dessa paixão em padecimento, o sentido, e se implique no próprio dizer
desse tormento em sofrer, desse se sentir (Soler, 1995), tal que assim possa pescar
mal, “do sintoma”, das verdades difíceis, e se espantar que na fala, se fala sem saber
poder produzir uma outra coisa qualquer, o que se diz.
de mesmo cunho, porém dessemelhante Se procedermos de outro modo, nos
do semelhante que era feito antes. diz Freud ([1937] 1996), e o esmagarmos
Freud ([1913] 1980), em seu texto So- com nossas interpretações antes que esteja
bre o inicio do tratamento, aponta que, mes- preparado, não se produzirá efeito algum.
mo em momentos posteriores da análise, é No entanto, poderá ocorrer um despertar
importante considerar de forma cuidadosa da resistência dificultando o avanço do
e que não se deve conceder ao paciente a trabalho.
solução de um sintoma ou a tradução de O analista não deve ser cego, nos diz
um desejo, até que ele esteja tão próximo Miller (1997). É bom considerar as mu-
de se deparar, tão lado a lado, quase a ponto danças no paciente em seu modo de vestir,
de colidir, e a ponto de esperar, e este pode em seus movimentos, o que faz com o seu
ser um instante no qual estará tão perto corpo, observar os detalhes, as pequenas
de um estilhaço de verdade, que só tenha sutilezas, as finezas, o que se esquiva. Eis
que dar mais um moderado passo – para que essas sutilezas podem portar um rastro
conseguir por si próprio a metade de uma de subjetividade e, desse modo, anunciar
verdade. No entanto, não basta, e não é uma troca de posição subjetiva ou um
suficiente para o andamento da análise modo de interpretação.
o sofrimento e o incômodo causado pelo Na associação livre imagens transitam
sintoma, pois, essa força motivadora é di- pela fala, pelo enunciado. Esse liberar da
minuída por diversos fatores, nos diz Freud, fala o introduz na linguagem do desejo,
é bastante conveniente que haja uma cota isto é, na linguagem primeira em que,
de libido que possa se opor às resistências. para além do que ele nos diz de si, ele já
O cuidado terapêutico do qual narra nos fala à sua revelia, pois a redundância
Miller (1997), diz daquela dose de verdade é precisamente aquilo que, na fala, faz às
que o paciente pode assimilar num dado vezes da ressonância, assim nos diz Lacan
momento sem, contudo, gerar um descon- ([1953] 1998). É esse ruído especial e
forto excessivo e sem desmoronar o que se ressoante que se torna distinto quando se
reconhece como mundo. O sintoma pro- fala. Assim sendo, a principal função da
cura restituir uma verdade do sujeito, por linguagem não é informar, mas evocar, na
isso desponta na situação analítica. E não fala, a resposta do outro, pois o que me
devemos ter pressa e sair à procura, mas constitui como sujeito é a minha pergunta.
avistar imperfeitamente nas entrelinhas. A interpretação psicanalítica é assim
É preciso que algo já lhe diga respeito de como uma interpretação musical. A forma,
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o tom, a harmonia das sonoridades para “fale besteiras”, “e sem censuras”, isso
o paciente, principalmente no início da desliza para fora das normas estabelecidas.
análise, tem muitas vezes mais importân- Nessa perspectiva, o convite a falar
cia que o seu conteúdo semântico, que o é o contrário das normas e maneiras
sentido das palavras (Anzieu, 1998, p. 39). discursivas. Porta algo de extraordinário,
A musicalidade (Harari, 2008, p. de exclusivo e de uma singularidade não
52-54) os burburinhos, os suspiros, o encontrada em outros discursos. Uma fala
compasso, a modulação de voz, o ritmo, escutada nos pontos em que se quebra,
a eurritmia, a assonância, a consonância, distinta da comunicação, com raízes nas
a cadência, não são necessariamente for- vacilações, nos chistes, nas dúvidas, nas
madores de palavras com sentido, pois a charadas, nos erros, nos atos falhos. Talvez
lalação – a língua materna, da mãe com fazer cair as certezas, as letras, os senti-
seu rebento, tem os seus enunciados dos, as mesmices, as promessas. Talvez
cantarolados, muitas vezes contrários e à fazer cair os paraísos e os ideais de um dia
margem das regras da linguagem, que ou- encontrá-lo. Desnudar, assim, as palavras.
torgam, assim, os relevos e as reentrâncias E como escreve Buzzati (2005, p.
recorrentes em cada um. 138), ao se ficar à espera de que as coisas
O exercício de analista é um conflito boas estão por acontecer, as páginas da
constante entre o ouvir, o mal ouvido, o vida são lentamente viradas, passadas para
não ouvido, o nunca ouvido, o inaudível o outro lado, acrescentam-se a outras já
– porque não perceptível – e o horror pro- acabadas. Tão rápido passa o tempo, que
vocado pela audição. É uma via interme- a alma não envelhece. Por hora apenas
diária do símbolo como um ‘talvez’, e não uma leve camada; as que falta ler são em
como algo que é ou não é (Green, 2004). comparação uma quantidade abundante.
Desse modo, como uma questão, um Mas é sempre uma outra página gasta,
enigma desponta à dimensão da causa do uma porção de vida que se foi, à espera, a
desejo, por esse meio da resposta como não persistir na ilusão de que algo ainda está
resposta ao apontar para um outro lugar, por começar, de que o bom da vida ainda
para a falta, o vazio. A frase, a palavra surpreenderá, cada vez mais adiante, até
fica insistindo fora da sessão, faz com que um dia. Os melhores anos foram jogados
o analisante associe e deslize na cadeia fora, e não houve o tal fato notável que
significante. Não existe um sentido final justificou a vida. As ilusões não passavam
e absoluto, pois a direção aponta para o de um pretexto para dar sentido, para
vazio, a falta de um significante que diga manter o sintoma. E o que registra a pas-
o que o sujeito é, uma vez que o que se sagem dos anos?
revela ser nunca é o bastante (Quinet, Talvez cruzar com a contingência
1991, p. 68-74). incerta do desejo, do desconhecido, do
Nenhum texto é definitivo, dizia acaso, do real, do vazio desprovido de
Lacan. Todo trabalho comporta falhas e sentidos, das palavras sem coisas e das
erros. A psicanálise resiste, insiste e se coisas sem palavras, do estado das coisas
diferencia ao longo do tempo, pois disponi- desencaixadas. Na análise.
bilizar um período a alguém para escutá-lo Talvez fazer outras coisas com as
atentamente a falar, sem restrições, é algo coisas tortas, com os fragmentos, com os
cada vez mais difícil de encontrar. escombros, com a subversão, mas nada
Pois bem, Harari (2008, p. 165) nos disso; sem um certo amargar, sem ‘amar-
diz haver algo de contraditório aos laços gosa’, sem pathos – um padecer passivo de
sociais no enunciado da regra fundamen- paixão; mas nada disso, sem a inscrição
tal, uma vez que, “fale, que o escuto”, fale, de que temos fronteiras, grifadas no vinco
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dos limites da castração e nos limites que Volto a recuperar aqui o início deste
suscitam a dor de existir. Desse modo, nos texto no qual dizia que ir se inscrevendo
diz Lacan, é estar frente a frente com a dor psicanalista é um pouco deixar de possuir
de existir, na análise. o sentido pleno que podem ter as coisas
Conforme Harari (2008, p. 171-197), da vida. Isso o coloca em outro movimen-
é uma renúncia a um impossível, pois so- to, como sujeito da palavra e, a partir do
mos seres falantes. Não basta abrir a jane- momento em se pode criar o nada em si
la, não é bastante não ser cego, retomando mesmo, que se toma o seu prumo e, assim,
Fernando Pessoa, mas ainda é possível se se depara com o seu cunho. ϕ
espantar diante de que o que se vê, nunca
é o que se espera. Psychoanalyst:
Os escritores são aliados muito precio- perhaps dropping
sos cujo testemunho deve ser levado em convictions
alta conta, pois costumam conhecer uma
vasta gama de coisas entre o céu e a terra, Abstract
com as quais ainda não sonhamos, escreveu This paper intends to articulate and to blend
Freud, em “Gradiva” ([1906] 1980, p. 20). remaining pieces of text, faces the meaningless
A escrita faz incessantemente sentido, and the multiple meanings, because word is
nos diz Barthes (2004), mas é sempre para anything but solid, although it is evanescent
o evaporar, pois se recusa a um sentido and sexualized. Maybe to let certainties, let-
último. Os livros podem nos incitar pela ters, senses and sameness fall. Maybe to do
habilidade incomum e surpreendente de other things with crooked things, with subver-
seus próprios escritores de transformar sion, but none of this; without a certain bitter-
coisas em linguagem. Podem avivar nossa ness, without phatos, without the mark that
percepção, ampliar nossos ouvidos. No we have boundaries and impossibilities. The
entanto, ao se findar a leitura, algo resta, writer, the text and the reader sprout together,
algo fica. Logo, não se pode mais herdar at the same time. All of them suffer influences
respostas. Logo, é preciso se desprender. through the moment when the subject lives to
Nesse instante é que se pode iniciar um his own analysis, to his own knowledge. Thus,
saber. No instante em que o romance as the analysis proceeds and advances, the
termina nos diz Barthes (2004), é que a reading becomes morphs and reappears in a
escrita se torna possível, pois o nascimento parallel position, besides the analytical path
do leitor, se paga com a morte do autor. that nourishes theory and practice. From the
O escritor, o texto e o leitor surgem e moment when he can create anything itself,
sofrem influências do momento em que o the subject will take its plummet, and thus
sujeito vive a sua própria análise, o seu pró- come across his character. I invite the reader
prio saber. À medida que a análise prosse- to invent a new way of moving at each mo-
gue, a leitura se transforma e com ela emer- ment of awakening unconscious, at each
ge a escrita, os sentidos atribuídos flutuam. moment of the analytical path.
A leitura pode, assim, se metamor-
fosear de tal forma que renasça, se crie e Keywords
se construa incessantemente na escrita e Symptom, Phatos, Sense, Psychoanalysis,
na linguagem oral, em situação paralela e Psychoanalyst.
vizinha ao percurso analítico. Desse modo,
fertiliza a teoria e a clínica. Convido o leitor
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a cada momento do percurso analítico.
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Scheherazade Paes de Abreu

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GREEN, A. O silêncio do psicanalista. Psyche. São


Endereço para correspondência
Paulo: v. 8, n. 14, p. 13-38, dez. 2004.
E-mail: <scheherazade_abreu@yahoo.com.br>
HARARI, R. O psicanalista, o que é isso? Rio de
Janeiro: Cia. de Freud, 2008.
Sobre a autora
HARARI, R. Por que não há relação sexual? Rio de
Janeiro: Cia. de Freud, 2006.
Scheherazade Paes de Abreu
Candidata em formação
LACAN, J. Função e campo da fala e da linguagem
no Círculo Psicanalítico de Minas Gerais.
em psicanálise (1953). In: ______. Escritos. Tradu-
ção de Vera Ribeiro. Revisão técnica de Antonio

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