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082 • 1,30€ • Quinta-feira, 27 de Agosto de 2020 • Director: Manuel Carvalho Adjuntos: Amílcar Correia, Ana Sá Lopes, David Pontes, Tiago Luz Pedro Directora de Arte: Sónia Matos
Feira do Livro do Porto Editores anseiam pela retoma depois da catástrofe p2 a 5 Cancro do cólon:
dois terços dos
convocados não
NELSON GARRIDO
fazem rastreio
Relatório do acesso a
cuidados de saúde de 2019
revela que há mais utentes
sem médico de família p12/13
Portugal capta
mil milhões
para projectos
científicos
Ao todo, foram aprovadas
2180 candidaturas ao abrigo
do programa-quadro
europeu Horizonte 2020 p25
DGS mantém
isolamento
de crianças
em perigo
Covid-19 Graça Freitas
diz que só muda norma
dos 14 dias se o tempo de
incubação diminuir p14
PUBLICIDADE
ESTA
SEXTA-FEIRA
ISNN-0872-1556
2 • Público • Quinta-feira, 27 de Agosto de 2020
DESTAQUE
FEIRAS DO LIVRO
Um balão de
oxigénio depois
de um semestre
catastrófico?
Mesmo que as feiras do livro de Lisboa e do Porto, que abrem
respectivamente hoje e amanhã, corram melhor do que seria de
esperar num contexto condicionado pela pandemia, as vendas
nunca compensarão a penúria dos meses de conÄnamento
NELSON GARRIDO
tante, até pela cobertura mediática de-semana, quando a aÇuência é
Isabel Coutinho que asseguram ao livro. Mas as ven- maior. Haverá circuitos delimitados e
e Luís Miguel Queirós das, por muito bem que corram, nun-
ca colmatarão o buraco deixado pelos
lotações máximas (o limite de visitan-
tes em simultâneo será de 3300 em
O
comércio de livros em livra- meses de conÆnamento, quando só Lisboa e 3500 no Porto), o uso de más-
rias, grandes superfícies e o comércio online foi garantindo cara será obrigatório — no Porto irão
outros postos de venda físi- algum oxigénio Ænanceiro. ainda ser distribuídas luvas descartá-
cos, como bombas de gaso- Tanto em Lisboa como no Porto veis para os visitantes manusearem os
lina ou delegações dos CTT, haverá de resto que contar com a pos- livros —, o acesso aos pavilhões vai ser
registou no primeiro semes- sibilidade de que alguns visitantes condicionado para garantir o distan-
tre deste ano, em Portugal, uma que- habituais decidam este ano Æcar em ciamento social, e os responsáveis dos
bra de receitas de 30% por compara- casa com receio da covid-19. Não será stands terão de higienizar regularmen-
ção com o período equivalente de o caso do Presidente da República, te o seu espaço.
2019. Estes dados, adiantados ao Marcelo Rebelo de Sousa, que já pro- Mesmo assim, quer a APEL, res-
PÚBLICO pelo secretário-geral da meteu estar na inauguração de ambas ponsável pela organização em Lisboa,
Associação Portuguesa de Editores e as feiras. Na abertura oÆcial da Feira quer os editores e livreiros que parti-
Livreiros (APEL), Bruno Pires Pache- do Livro de Lisboa, no Parque Eduar- cipam nas feiras se mostram razoa-
co, foram fornecidos pela empresa do VII, estarão ainda presentes esta velmente conÆantes. “Estamos muito
GfK, responsável pela medição de tarde, pelas 17h, o secretário de Esta- optimistas”, diz Bruno Pires Pacheco.
vendas de livros em vários países do do Cinema, Audiovisual e Media, “É a feira com a maior oferta editorial
europeus, e mostram bem o impacto Nuno Artur Silva e o presidente da de sempre, é a que tem mais chance- mas sabemos que 70 por cento dos Feira do Livro do Porto quando a
da covid-19 num sector que só agora câmara, Fernando Medina. las presentes, e quanto aos pavilhões visitantes [da Feira do Livro de Lis- câmara assumiu a sua organização,
começa lentamente a recuperar. Se o receio de contágio poderá des- e participantes houve uma diminui- boa] vêm todos os anos, e se estes mostra-se um pouco menos optimis-
As feiras do livro que agora regres- mobilizar algumas pessoas, também ção em relação a 2019, mas acima da aparecerem e comprarem o que cos- ta. “Vou com a expectativa de facturar
sam, com novas datas adaptadas à não é de excluir que as próprias medi- feira de 2018.” E o secretário-geral da tumam comprar, já será bom”. 50 por cento do que é habitual, e já
pandemia — a de Lisboa abre hoje e a das para evitar a propagação do vírus APEL conÆa que os visitantes Æéis não António Duarte, da livraria Homem não será mau”, diz. “Espero que me
do Porto amanhã —, são vistas pelos acabem por abrandar ligeiramente o faltarão à chamada. “Ninguém está à dos Livros, um dos muitos alfarrabis- engane e que corra melhor, mas há
editores como um estímulo impor- ritmo de vendas, sobretudo aos Æns- espera de que seja uma feira normal, tas que começaram a participar na muita gente que não vai a eventos por
Público • Quinta-feira, 27 de Agosto de 2020 • 3
que atribuíram foi 1500 euros.” Editora, não tem dúvidas: “O sector
Se a pandemia penalizou fortemen- do livro atravessa a pior crise de que
te as editoras, já que o acréscimo do há memória; ultrapassa todas as que
comércio online, embora signiÆcativo viveu nas últimas décadas.”
— Francisco vale diz que as vendas Na venda em livrarias, o grupo Por-
feitas através do site da Relógio D’Água to Editora, diz, “teve uma quebra
triplicaram desde o início da pande- tremenda, à volta dos 60%, tal como
mia —, não bastou, nem de perto nem aconteceu em todo o sector”, e só a
de longe, para compensar o fecho sua estrutura lhe permite “aguentar
forçado das livrarias, estas últimas a tormenta”.
Æcaram geralmente ainda em pior Se olharmos para os tops de ven-
situação. Pelas contas de José Pinho, das, observa ainda Paulo Gonçalves,
proprietário da Ler Devagar e da “é ridículo o número de vendas que
Férin, em Lisboa, e de outras livrarias se registam semanalmente no nosso
em Óbidos, e membro da Rede de país: não tem qualquer comparação
Livrarias Independentes lançada em com algo que se tenha vivido nestes
Abril para lutar contra a crise, as ven- sectores”.
das em livraria sofreram uma quebra Se tem esperança de que “nos pró-
de 60% em relação ao mesmo período ximos meses se comece a recuperar
do ano passado. lentamente”, é mais cauteloso a admi-
E se as pessoas estão agora a voltar tir que estes meses de conÆnamento
às livrarias, o regresso tem sido bas- tenham produzido “uma mudança de
tante lento. “É uma melhoria muito paradigma na maneira como as pes-
lenta porque continua a não haver soas compram livros”. Para isso, argu-
pessoas na rua”, diz José Pinho, que menta, era necessário que livrarias
calcula que o comércio livreiro vá online, como a Wook que pertence ao
“demorar no mínimo dois anos a grupo Porto Editora, “tivessem tido
retomar” a normalidade. um aumento de vendas extraordiná-
Pinho lamenta ainda que, desde o rio, que compensasse as quebras em
início da pandemia, algumas editoras todo o sector do retalho”. Na verdade,
venham fazendo, nos seus próprios adianta, as vendas da Wook cresce-
sites, descontos e promoções “escan- ram entre 30 a 50%, mas “num perío-
dalosos” e garante que já foram mes- do em que não havia livrarias abertas
mo apresentadas duas denúncias. e as grandes superfícies privilegiavam
bens de primeira necessidade”.
Vendas online subiram Entretanto, diz, “as vendas começa-
causa da covid”. Mas também admite, lhões, o custo é talvez cinco vezes Pedro Sobral, director-geral das edi- ram já a diminuir ligeiramente”, o
como o responsável da APEL, que “as mais alto”, diz. ções do grupo Leya e vice-presidente que parcialmente também poderá
pessoas que estão mesmo interessa- Também este editor acredita que da APEL também conÆrma, no balan- explicar-se por estarmos num perío-
das em livros não deixarão de vir” e uma eventual diminuição do número ço que faz dos últimos meses, que, do de férias.
que, por isso, as vendas possam não de visitantes não se reÇectirá propor- “após a abertura do canal livreiro”, Quanto às vendas de ebooks na
ser tão afectadas. cionalmente nas vendas, e espera que se “notou obviamente uma recupe- Wook, Paulo Rebelo Gonçalves con-
“Publicidade enganosa”
o período das feiras do livro, que por
norma representa entre 10 e 15% da
O sector do livro ração”. Mas esta, frisa, “ainda não
compensou a perda catastróÆca do
Ærma que houve “uma taxa de cresci-
mento interessante, na ordem dos
O que António Duarte lamenta, receita anual da Relógio D’Água, lhe atravessa a pior tempo em que o mercado esteve dois dígitos”, mas recorda que “esta-
argumentando que a APEL, em Lis-
boa, fez este ano um desconto de
permita atenuar a quebra de factura-
ção registada no primeiro semestre, crise de que há fechado”.
E se as vendas online ainda inÇuen-
mos a falar de um mercado que repre-
senta menos de 1% do total”.
70% aos seus associados, é que a
Câmara do Porto não tenha cobrado
que situa “um pouco acima dos 30%”.
Mas se o impacto da pandemia no
memória; ultrapassa ciam pouco o quadro geral, Sobral
regista que, mesmo após o desconÆ#
O responsável da Porto Editora
espera que as feiras do livro que ago-
desta vez um pouco menos pelos
pavilhões. A autarquia manteve o
sector foi brutal, Vale também subli-
nha que “foram a literatura e os
todas as que viveu namento, estas continuam mais altas,
o que sugere que “o hábito que se
ra abrem ajudem a reaproximar as
pessoas do livro e impulsionem algu-
preço, tendo apenas permitido que
80% do valor da inscrição (em vez
ensaios que valeram a muitas pessoas
durante o conÆnamento” e que esta
nas últimas décadas criou durante o período de Março e
Abril veio para Æcar”.
ma recuperação. “Apesar de as livra-
rias já estarem abertas, os constran-
dos habituais 50%) fossem liquida- crise acaba por “comprovar a vitali- Paulo Rebelo Gonçalves A par do investimento que várias gimentos à presença das pessoas são
dos no Ænal da feira. Francisco Vale, dade do livro”. Responsável de comunicação da editoras, durante esse período, Æze- esdrúxulos e diferentes face a outros
da Relógio D’Água, que tem quatro No que todos estão de acordo é Porto Editora ram nos ebooks, e mesmo nos audio- espaços comerciais, e isso vem diÆ#
pavilhões no Porto e 12 em Lisboa, que foram claramente insuÆcientes livros, também esta subida consisten- cultar ainda mais o processo de reto-
lembra que a APEL recebe apoios da os 400 mil euros prometidos pelo aspas”, diz o editor da Companhia te das vendas online pode indiciar que ma”, diz, lamentando que possam
Câmara de Lisboa e acha que “fez a Estado para compensar um sector das Ilhas, Carlos Alberto Machado. a crise provocada pela pandemia entrar menos pessoas numa livraria
sua obrigação” ao cobrar menos. E cujas perdas globais poderão andar “O regulamento dizia que o apoio a pode ter contribuído para acelerar do que num restaurante da mesma
considera “aceitáveis” os preços perto dos 30 milhões. A compra de cada entidade era até cinco mil esse movimento rumo ao digital que dimensão.
praticados no Porto (500 euros mais livros era dirigida apenas às peque- euros, mas foi publicidade engano- já se vinha fazendo sentir no sector.
IVA por cada stand). “Em Lisboa, nas livrarias e editoras independen- sa: depois vieram dizer que tinha Paulo Rebelo Gonçalves, responsá- icoutinho@publico.pt
para quem tenha mais de dois pavi- tes, mas “foi uma esmola, e sem concorrido muita gente e o máximo vel de comunicação do grupo Porto lmqueiros@publico.pt
4 • Público • Quinta-feira, 27 de Agosto de 2020
DESTAQUE
FEIRAS DO LIVRO Vamos estar a contar
permanentemente as pessoas,
a controlar as entradas através
de uma equipa de segurança
Bruno Pires Pacheco
Secretário-geral da APEL
N
um ano especial, medidas de três auditórios, todos ao ar livre e vip e exposições, pavilhão de infor- mais do que quatro a cinco pessoas debates sobre temas fracturantes da
especiais. A experiência de com lugares sentados (dois com capa- mações, fraldário, alguns ATM e a consultarem livros nos seus stands. sociedade portuguesa que têm como
ida à Feira do Livro de Lis- cidade para 24 pessoas e outro com vários espaços de restauração (foram “Há um elã muito favorável. Tenho ponto de partida os livros da sua
boa, nesta que é a sua 90.ª capacidade para 48). Toda a progra- privilegiados os formatos que promo- estado na feira nos últimos dois dias colecção de ensaios, que cumpre dez
edição, a decorrer no Par- mação acontecerá nestes três espa- vem o consumo on the go), para que e há muita expectativa, muito ânimo anos. Já a Santa Casa da Misericórdia
que Eduardo VII até 13 de ços. À parte, as sessões de autógrafos a área circulável fosse maximizada. para que corra bem”, acrescenta. está encarregada dos concertos.
Setembro, vai ser diferente. Quando terão lugar no stand do editor respec- A programação deste ano, que tem Por sua vez, o grupo Leya tem já
lá chegar, o visitante vai encontrar tivo ou, no caso dos autores que Dois mil eventos cerca de dois mil eventos previstos agendadas sessões como a que jun-
quatro entradas, duas na parte sul e geram mais Ælas, nas quatro praças Assumindo uma quebra no número (incluindo as sessões de autógrafos), tará Lídia Jorge, Rodrigo Guedes de
duas na parte norte, com sinalética que servirão exclusivamente para de stands dos editores em relação ao conta com os parceiros habituais. Carvalho e Nuno Rogeiro numa con-
e marcação do sítio por onde se deve isso. “Terão sombra, mas não terão ano passado, em que eram 325, Bru- Entre eles estão as BLX, Bibliotecas versa moderada por João Morales
entrar e por onde se deve sair. cadeiras”, diz Bruno Pires Pacheco. no Pires Pacheco sublinha que mes- Municipais de Lisboa, com sessões subordinada ao tema “Este Mundo
Além de ser obrigatório o uso de Quando estiverem desocupadas mo em contexto pandémico esta dedicadas ao público infantil, como Anda Perigoso?” (6 de Setembro,
máscara, quer para os visitantes quer serão um espaço aberto, uma zona edição supera a de 2018 em número a hora do conto. Viram o seu espaço 18h).
para expositores e trabalhadores da de descompressão. de pavilhões (310), igualando-a em ampliado, mas terão menos iniciati- Na Penguin Random House Portu-
feira, espere encontrar baias e Ætas, “Todos os equipamentos conside- participantes (117) e aumentando as vas, para as quais não serão convida- gal, os leitores poderão encontrar
o staff da Associação Portuguesa de RICARDO LOPES
também no sábado João Tordo
Editores e Livreiros (APEL) — que em (15h30) e Miguel Araújo (17h30) a
conjunto com a Câmara Municipal apresentarem Manual de sobrevivên-
de Lisboa organiza o evento —, e cia de um escritor e Seja o que for,
seguranças. “Vamos estar a contar respectivamente.
permanentemente as pessoas, a con- No grupo Porto Editora, durante
trolar as entradas através de uma o Æm-de-semana haverá sessões de
equipa de segurança contratada para autógrafos de Eduardo Madeira, Inês
o efeito”, explica o secretário-geral Meneses, José Luís Peixoto, Ricardo
da APEL, Bruno Pires Pacheco. Mas Dias Felner, Ricardo Fonseca Mota,
só quando estiver a ser atingido um Richard Zimler, Rui Miguel Tovar, Rui
número muito próximo da lotação Zink, Paula Delecave e Rúben Pache-
máxima da feira, 3300 pessoas em co Pereira.
simultâneo num espaço de 22 mil Também no sábado, a Tinta da
metros quadrados, a entrada passa- China lança Balada para Sophie, a
rá a ser barrada. “Será uma entrada nova BD de Filipe Melo e de Juan
contabilizada, mas livre”, resume o Cavia (16h15), e mais tarde, Errático,
responsável, estimando que os livro de poesia de Rosa Oliveira, com
momentos em que será necessário a presença de Joana Matos Frias e
aguardar acontecerão aos sábados, Pedro Mexia (18h15). No domingo,
domingos e eventualmente às sextas- Dulce Maria Cardoso e Daniel Blau-
feiras. fuks estarão a dar autógrafos às 17h.
Nas entradas, e um pouco por todo Os horários da feira mantêm-se,
o recinto, nomeadamente nos pavi- assim como a Hora H, com os seus
lhões dos expositores, haverá dispen- descontos mínimos de 50% em livros
sadores de álcool-gel. “As pessoas vão lançados há mais de 18 meses, fun-
encontrar uma feira mais ‘arejada’, cionando entre segunda e quinta
com alamedas mais amplas, um espa- entre as 21h e as 22h.
ço pensado para obter circuitos de
circulação mais Çuidos”, como avisa- Os autores Juan Cavia e Filipe Melo lançam a sua nova BD, Balada para Sophie, já depois de amanhã isabel.coutinho@publico.pt
Público • Quinta-feira, 27 de Agosto de 2020 • 5
C
om 115 pavilhões ao ar livre A par do feminino, outra linha de gou a ser entusiasticamente referida
e um apertado conjunto de força desta programação, assume por críticos como Gaspar Simões ou
regras para evitar a propa- Nuno Faria, director artístico do Jacinto do Prado Coelho, mas é hoje
gação da covid-19, a Feira do Museu da Cidade, é justamente esse virtualmente desconhecida.
Livro do Porto, organizada resgate de “vozes esquecidas”, Nascida no dia 25 de Abril de
pela autarquia, regressa como é exemplarmente o caso de 1909, embora se tenha auto-atribuí-
amanhã aos jardins do Palácio de Leonor de Almeida. Após a atribui- do várias outros anos de nascimen-
Cristal para uma edição cujo progra- ção da tília, serão lançados no audi- to — a generalidade das antologias e
ma cultural, coordenado por Nuno tório da Biblioteca Municipal Almei- obras de referência fá-la nascer em
Faria, dá o protagonismo às mulhe- da Garrett os livros Na Curva dos 1915 —, esteve casada durante algum
res, a começar pela redescoberta da Cardos do Tempo (Ponto de Fuga) tempo com o poeta e ensaísta Ale-
poetisa Leonor de Almeida (1909- — reunião da sua obra poética — e xandre Pinheiro Torres (1923-1999)
1983), a quem será atribuída no sába- Tatuagens de Luz, da escritora e e, segundo Cláudia Clemente, “foi
do uma tília de homenagem. cineasta Cláudia Clemente, resulta- poeta, enfermeira, Æsioterapeuta,
A marca feminina revela-se logo, do de anos de investigação da vida esteticista, mãe, viajante, aventurei-
aliás, na frase que serve de divisa à e obra desta hoje muito pouco lem- ra, corajosa, pioneira, mas acima de
feira deste ano — “Alegria para o Æm brada poetisa portuense. O livro, tudo, livre”. Já depois de se divor-
do mundo” —, o verso de Andreia C. co-editado pela Documenta e pela ciar do segundo marido, radicou-se
Faria (n. 1984) que esta escolheu Câmara do Porto, “é um texto muito em Copenhaga.
para título da sua poesia reunida, singular”, diz Nuno Faria, já que não “Estamos a propor a descoberta
publicada em 2019 na Coolbooks, só cruza a biograÆa de Leonor de de uma poeta e a trazê-la para a frui-
chancela da Porto Editora. Junta- Almeida com o relato do lento pro- ção dos leitores e para o debate crí-
mente com Inês Lourenço (n. 1942), cesso de descoberta empreendido tico, dando-lhe uma nova possibili-
também nascida no Porto, Andreia pela sua biógrafa, como as vidas de dade”, resume Nuno Faria.
C. Faria compõe a dupla de poetas ambas acabam por ter inesperados Também o programa de “lições”,
residentes da Feira do Livro deste pontos de ligação. “A Leonor de comissariado por Anabela Mota
ano. Se a singularíssima poesia anti- Almeida foi esteticista da avó da Ribeiro e José Eduardo Agualusa,
sentimental de Inês Lourenço Cláudia Clemente”, exempliÆca o Æcou este ano a cargo de cinco
demorou o seu tempo a ver-se devi- curador. mulheres: Ana Luísa Amaral falará
damente reconhecida, Andreia C. da guerra dos sexos em Shakespea-
Faria é, sobretudo a partir da publi- Poeta, esteticista, livre re; Joana Matos Frias cruzar-se-á
cação de Tão Bela Como Qualquer Autora de Caminhos Frios (1947), com “Bovary, Karenina e talvez
Rapaz (Língua Morta, 2017), um dos Luz do Fim (1950), Rapto (1953) — um Capitu”, Ana Paula Arnaut debru-
nomes mais consensuais da nova poema-livro que é também um belo çar-se-á sobre a personagem da
poesia portuguesa. O público da objecto gráÆco desenhado por Fer- mulher do médico em Ensaio Sobre
feira poderá assistir, no dia 11 de nando Lanhas — e Terceira Asa a Cegueira, de José Saramago; Matil-
Setembro, a uma conversa entre (1960), Leonor de Almeida está ain- de Campilho abordará os livros para
estas duas autoras de diferentes da representada na Antologia de crianças de Sophia; e Hélia Correia
gerações, cuja moderação estará a Hershman Leeson, em cuja obra as Leonor de Almeida (1909-1983) Mulheres Poetas Portuguesas (1962), tratará de Antígona.
cargo da também poetisa Catarina interrogações em torno do modo foi, além de poeta, “enfermeira, de António Salvado, na célebre A feira terminará no dia 13 de
Santiago Costa. como nos relacionamos com as tec- fisioterapeuta, esteticista” Antologia de Poesia Portuguesa Eró- Setembro com uma homenagem a
A mesma tónica na criação femi- nologias se cruzam com questões de tica e Satírica (1966) de Natália Cor- mais uma mulher, a imunologista
nina conÆrma-se na programação género e de identidade. A constru- reia, bem como na inÇuente Antolo- Maria de Sousa, que morreu em
de cinema, comissariada por Gui- ção de alter-egos que extravasam os gia da Novíssima Poesia Portuguesa Abril passado, vítima de covid-19.
lherme Blanc e inteiramente dedi- limites do universo criativo em sen- (1971), co-organizada por E. M. de
cada à artista norte-americana Lynn tido estrito e se prolongam na vida Melo e Castro e Maria Alberta Mené- lmqueiros@publico.pt
6 • Público • Quinta-feira, 27 de Agosto de 2020
ESPAÇO PÚBLICO
Até ao momento, Portugal captou mais de A jovem escritora holandesa é a vencedora
1020 milhões de euros de financiamento em da edição deste ano do Prémio Booker
2180 projectos de investigação e inovação Internacional, atribuído a obras traduzidas
vindos do programa-quadro europeu Horizonte para inglês. O romance de estreia de Marieke, The
2020. O ministro da Ciência e Tecnologia, Manuel Discomfort of Evening, demorou seis anos a
Heitor, tinha colocado como meta os mil milhões de escrever e foi inspirado pelos sentimentos de perda
euros, o que significa que essa ambição do Governo e de luto causados pela morte do seu irmão. Para o
se concretizou e até foi ultrapassada. Portugal tem júri, é um livro “com uma força inegável” que
uma taxa de sucesso de aprovação de candidaturas demonstra “talento e habilidade electrizantes”.
Manuel Heitor de 14,3%. (Pág. 25) H.P. Marieke Lucas Rijneveld (Pág. 29) J.J.M.
A
orientação da Direcção-Geral não é uma pessoa abandonada”. uma forma de abandono, não vítimas de violência. Se um teste
da Saúde (DGS) que obriga Uma frase repetida pela ministra da percebe nada. Que a directora-geral negativo à chegada dos centros não
crianças e jovens em situação Saúde. Comparar uma pessoa não tenha sido capaz de ver logo o basta, que imponha outras medidas.
de risco a Æcar em quarentena qualquer, um idoso até, com uma alcance da regra imposta Mas não pode isolar uma criança em
nos centros de acolhimento criança em risco só tem um burocraticamente a todas as quarentena sabendo, como disse,
revela uma insensibilidade e uma signiÆcado: o de menosprezar a instituições é algo que merece que essa decisão pode ter custos para
desumanidade que nos ofendem. condição de vítima das crianças que censura; que insista nessa maneira a sua saúde mental. Neste caso que
Não é admissível que uma autoridade o Estado acolhe. de ver depois de a decisão ter sido só não atingiu dimensões mais graves
de saúde force crianças fragilizadas Não havendo respostas, medidas e alvo de debate público é uma posição por causa da corajosa desobediência
pela violência e pelo abandono a uma rápida mudança na orientação, que merece condenação. de quem trabalha no terreno, Graça
sofrerem a violência e o abandono a DGS perde a sua gravitas, o seu Graça Freitas perdeu credibilidade Freitas errou e persiste no erro, com
em instituições tuteladas pelo poder de exemplo para nos dizer o e, com Marta Temido ao seu lado, a condescendência do Governo.
Estado. Vai ser necessário saber que podemos ou devemos fazer na compromete o Governo no
como foi possível alguém aprovar pandemia. Não merecerá a nossa tratamento brutal que o Estado está a manuel.carvalho@publico.pt
CARTAS AO DIRECTOR
Os mal-entendidos lar sem lá porem os pés e sem determinante de vos transmitir “depósito de velhos”, de que
do primeiro-ministro assumirem as suas responsabilida- “reparos” sobre os conteúdos pareciam ser donos? As bases
des. O maior responsável é o publicados. Vontade sem programáticas do PS tal permitirão,
“Espero que todos os presidente da câmara, que é o concretização. ou serão apenas mais uns lugares
mal-entendidos estejam manda-chuva da localidade. É Desta vez, não podia Æcar para o PS dizer que está lá, só para
esclarecidos”, aÆrmou o preciso acabar de vez com as tricas impassível e alguma angústia por estar, como já nos vão habituando?
primeiro-ministro depois de ter que Costa, em vez de estar calado mim perpassou, após ler o artigo da Como o poder é maléÆco!...
feito as pazes com a Ordem dos e governar, suscita, julgando-se o enfermeira Carmen Garcia “Era João António Gomes Ferro, Estremoz
Médicos, que fez uma auditoria dono disto tudo (DDT) e o único uma vez um lar”, publicado na
não autorizada por ele ao lar de que manda e que sabe o que diz e referida rubrica da edição de Estados Unidos
Reguengos de Monsaraz, não permite ser contrariado. É ontem. Após a sua leitura, para
concluindo pelo completo preciso que ele fale o menos quem já não é novo, que passou É doloroso e pungente nos tempos
abandono dos doentes. Acontece possível e que trabalhe mais para pela brutal guerra colonial e que, que vão correndo a facilidade com
As cartas destinadas a esta secção que não houve nenhum bem do povo. talvez, um lar o espere um dia, Æca que se tira a vida a um ser humano,
devem indicar o nome e a morada mal-entendido e foi preciso uma Artur Gonçalves, Sintra o reparo agora transmitido: um seja ele mulher ou homem, de raça
do autor, bem como um número grande discussão para chamar a profundo agradecimento a essa negra ou branca. O que se vai
telefónico de contacto. O PÚBLICO atenção para a sem-razão de “Era uma vez um lar” jovem enfermeira pela grande passando no EUA, país
reserva-se o direito de seleccionar e António Costa, que, em vez de coragem em denunciar o que, já supostamente supra-sumo do
eventualmente reduzir os textos não procurar os meios mais eÆcazes Sou vosso leitor desde que o então, de vergonhoso e incrível se desenvolvimento civilizacional é
solicitados e não prestará para governar o seu povo, se perde PÚBLICO é PÚBLICO. O vosso passava nesse lar de Reguengos, há inacreditável. A calma com que
informação postal sobre eles. com estas questiúnculas de “lana espaço diário “Cartas ao Director” 11 anos. Como era possível? E já “agentes da ordem” se portam
caprina”. O mais importante Æcou é uma lufada de ar fresco que agora, que sabemos ser verdade, “num país dito civilizado”,
por dizer da boca de Costa: o mais demonstra a independência do como poderia a gestão desse lar, matando o seu semelhante
importante é pedir responsabili- vosso jornal. Após a leitura do ligada ao PS, permitir que tal se publicamente, sem qualquer
Email: cartasdirector@publico.pt dades aos muitos administradores “Espaço Público”, há quase passasse naquele espaço, que era pudor, é digna do maior repúdio.
Telefone: 210 111 000 que se vão locupletando à custa do sempre uma vontade para esses senhores gestores, um Carlos Leal, Lisboa
Público • Quinta-feira, 27 de Agosto de 2020 • 7
ESCRITO NA PEDRA
Se a vida não tem preço, nós comportamo-nos O virar
sempre como se alguma coisa ultrapassasse,
em valor, a vida humana... Mas o quê? das costas
Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), escritor e aviador
É
um escândalo: não me lembro da
última vez em que vi um doce
português feito com amêndoas
em que as amêndoas fossem
portuguesas. Compreendo que as
amêndoas dos EUA sejam mais
baratas e mais fáceis de encontrar.
Até nem são más. Mas não são tão
boas, nem de longe, como as
nossas.
Se fossem tão boas como as nossas — ou
melhores —, não teria objecções. Era o que
faltava eu estar a defender as amêndoas de
Portugal só porque são portuguesas. Nem
tão-pouco me interessa saber como é que as
amêndoas dos EUA — um país que não faz
parte da União Europeia e, como tal, tem de
pagar direitos alfandegários para as
exportar para Portugal — saem mais baratas
do que aquelas que produzimos aqui na
nossa terra.
Sei que a Espanha e a Itália produzem
muitas amêndoas boas, algumas bastante
diferentes das variedades que usamos em
Portugal. Mas não são estas as amêndoas
que aparecem por aí. Não. São sempre as
americanas. Não vou dizer que os doces
tradicionais portugueses perdem graça
quando não usam ingredientes tradicionais
portugueses. Embora percam, obviamente.
Aquilo que me custa é ver as muitas
amendoeiras abandonadas que desfeiam as
nossas paisagens, o encolher de ombros
EM PUBLICO.PT quando pedimos amêndoas cocas no
Algarve — e a ignorância contentinha de
bons pasteleiros quando nos queixamos das
Rui fotografou a praia, “uma Nguyen tem um cabelo de 5m Parque do Tua certificado como amêndoas redondas, gordas e sensaboronas
extensão da casa portuguesa” que não corta ou lava há 80 anos destino turístico mundial para com que estragam as criações. As amêndoas
contemplar as estrelas portuguesas, aÆnal, são só um bocadinho
Beach Lovers é o nome da série que o Chien, 92 anos, segue uma fé já muito mais caras mas têm um sabor muito melhor,
pescador e fotógrafo Rui Miguel Cunha antiga e quase esquecida conhecida por O Dark Sky Vale do Tua passa a fazer parte sejam torradas, moídas ou inteiras com pele
realizou nas praias do Algarve e de “Dua”, também chamada a “religião do dos destinos Starlight, lugares de poluição e tudo.
Sesimbra publico.pt/p3 coco” publico.pt/impar luminosa muito baixa publico.pt/fugas Que estúpidos que somos!
8 • Público • Quinta-feira, 27 de Agosto de 2020
ESPAÇO PÚBLICO
Q
uando litigamos em tribunal é própria de cada proÆssão.
ostensiva a desfocagem Na verdade, por ora, o CEJ não passa de
relacional entre juízes e um “seminário” onde se elege a parte sã de
procuradores, dum lado, e uma maçã que convive com uma outra parte,
advogados, por outro lado. Nem debilitada e com menor preparação técnica,
sempre foi assim. que é a advocacia.
Até à criação do Centro de Assistimos, hoje, nos tribunais, e por
Estudos Judiciários (CEJ) e à perversão genética do CEJ, a uma
cultura que instilou nos novos deÆnitividade da judicatura e a uma
magistrados, e, como mera opacidade incontrolada do Ministério
coincidência, acompanhada pela Público, que tem as adequadas excepções (e
vulgarização imparável da advocacia, tudo são muitas) inerentes à formação cívica dos
se transformou. Ora, tal desfocagem, gerou magistrados, mas não resultam do ADN da
uma “natural “sobranceria das formação que lhes é emprestada nos planos
Magistraturas, impregnada, as mais das curriculares do CEJ.
vezes, de acrimónia e de agressividade, Como posteriormente tentarei
sempre a coberto da autoridade, mas nunca demonstrar, o modelo de juiz que está
justiÆcável pela titularidade dos deveres que surgindo, já se mostra sintónico com os
lhes são inerentes. valores próprios da democracia judiciária, o
Esta realidade tem muitas causas e será advocacia debilitada, dum lado, e o modelo via, desaproveitou-se o excesso de que vem sendo alcançado mais por força das
difícil dissecá-las todas. Mas comecemos autoritário emprestado pelo CEJ, não licenciados em direito que, com vantagem reformas do direito adjetivo. Na realidade, a
pelo princípio, pela formação universitária. poderia ter outro desfecho senão a já para todos, poderiam ter recebido tais moderna tramitação impregnada de busca
Todos sabemos que a universidade tem de referida desfocagem relacional e, porque atribuições. pela verdade material, tem refreado os
ministrar aos futuros proÆssionais — aqui do não dizê-lo, nada própria de um regime Regressando ao ensino universitário, bem ímpetos da deiÆcação da função judicial,
Direito — uma formação teórica, cientíÆca, democrático. como aos seus curricula, torna-se patente aproximando o Juiz das partes, o que é
que sirva de adequado magma para Nos anos 80 e 90 que não têm quase conexão com a vida real, salutar.
ingressar no mundo forense e judiciário. Mas do século passado, com o quotidiano mínimo das soluções Esta praxis adversarial, entre magistrados
também sabemos que a limitação dominante produziram-se legais que a vida em sociedade provoca em e advogados não se acha, curiosamente, tão
e quase monopolizada pela especulação milhares e milhares abundância. E aqui surgem diversas viva entre as partes em conÇito. Tudo isto
teórica, não preenche os requisitos
adequados para entregar um jovem
Assistimos, de licenciados em
Direito, que, face à
consequências.
Desde logo, face ao número de alunos, a
porque a formatação das magistraturas se
acha vocacionada para o exercício de um
licenciado em direito no complexo mundo hoje, nos carência de saídas formação inicial é tendencialmente mais poder e, não tanto, para a missão última que
da advocacia ou dos tribunais.
Na verdade, os curricula das faculdades,
tribunais, proÆssionais,
acabaram por entrar
teorizante, o que, só por si, não acarreta
qualquer mal (mas garante os adequados
é a administração da Justiça, ou seja, para
dirimir os conÇitos, para alcançar paz social.
na sua vertente teórico-prática, acham-se de e por perversão no mare magnum da créditos ao ensino privado). Contudo, onde Estamos todos, cidadãos, proÆssionais e
costas voltadas para o concreto mundo do genética do advocacia. Como se nasce a séria amputação do ensino poder político, chamados a repensar a
foro, parecendo evidente que o modelo de não bastasse a universitário (completo) é no Justiça, também sob este ângulo, que se
Bolonha distorceu, quiçá deÆnitivamente, a CEJ, a uma inÇação de desaproveitamento dos dois anos de mostra crucial: o ângulo da democracia
completa formação inicial de juristas, o que definitividade licenciados em mestrado, para imprimir um ensino de judiciária, preenchida por uma formação
provocou o seu abandono por alguns países.
Aliás, é útil agora relembrar que, mesmo no
da judicatura direito, foi decidido
criar a licenciatura
pendor iminentemente prático, em conexão
com os Conselhos Superiores dos Juízes e do
adequada, alterando, no sentido
correspondente, a cultura jurídica
ensino secundário, se abandonou as e a uma em solicitadoria Ministério Público e a Ordem dos Advogados. dominante. Em vez de um poder ilimitado,
disciplinas do latim e do alemão, ablação
imperdoável (pelo menos para o latim).
opacidade (sabe-se lá o que isso
signiÆca…), ao
Na verdade, a formação inicial dos
proÆssionais do foro dever-se-ia centrar nos
uma função constitucionalmente justiÆcada.
A Justiça deve ser administrada em nome
Tudo isto para signiÆcar que a ministração incontrolada mesmo tempo que 4.º e 5.º anos das faculdades, onde, em do povo. Dito de outra forma; a Justiça não é
do ensino do Direito, nos seus diversos do MP se atribuíram conjugação com docentes universitários, a manifestação da vontade dos titulares do
patamares, está longe de facultar aos jovens complexas magistrados e advogados se procuraria a direito de decidir. É, antes, o resultado da
licenciados a adequada preparação para competências aos adaptação à vida real e alcançar-se-ia o mais atividade de uma “comunidade de trabalho”
ingressar em qualquer proÆssão forense e “solicitadores de que desejado “tronco comum” na formação reunida em tribunal para obter uma decisão
judiciária. execução” (aqui de proÆssionais do foro. Aí sim. Nessa via “justa e em prazo razoável”.
Já se disse que a colocação, face a face, as promovidos a seria desejável um elevado grau de exigência
magistraturas, com percurso exclusivamente agentes de e de rigor na selecção dos futuros Advogado e ex-secretário
escolástico e académico, perante uma execução). Por esta magistrados e advogados. de Estado da Justiça
Público • Quinta-feira, 27 de Agosto de 2020 • 9
ESPAÇO PÚBLICO
C
omo lhe compete, o ministro
Manuel Heitor congratula-se com
o aumento do número de
estudantes a chegarem ao ensino
superior neste ano de covid-19.
Depois, envereda por uma
narrativa muito criativa de
justiÆcações que vão desde o
reconhecimento pelos jovens dos
méritos de estudar até ao efeito
do desemprego. Esta nuvem de fumo tenta
encobrir a razão principal, o facilitismo dos
exames do secundário. A pressão já visível
nos últimos anos para que os padrões
tradicionais fossem abandonados aproveitou
as condições especiais deste ano para
ultrapassar tudo e dar prémio a todos.
Infelizmente, um prémio para todos é o
mesmo que deixar de premiar quem merece,
e é esse o estado a que chegamos. Promete-se
uma entrada no ensino superior equivalente acompanhar o nível de exigência dos cursos resultados: 90.000 jovens chegarão ao sociais que forçam as migrações traumáticas.
a 90% da geração de 18 anos. Seria motivo de em que pretendem inscrever-se. Nas boas ensino superior. Não, não teremos ainda 90% Depois de cinco anos de políticas de
congratulação se o ensino secundário tivesse universidades, o número de entradas não da geração a entrar imediatamente no facilitismo enganador, o próprio autor
conseguido entusiasmar 90% dos alunos e se subirá muito, pelo que apenas os melhores lá superior: andávamos pelos 40% e damos um aparece agora a dissimular as razões do seu
a nossa economia estivesse em condições de chegarão. Só que o processo de seleção é passo seguro para forçar a promessa dos sucesso. Não, a subida do número de
absorver 90% dos jovens em atividades mais difícil pela 60%. E isto seria muito bom se fosse o candidatos ao Concurso Nacional de Acesso
associadas com um diploma de ensino ausência de uma boa resultado de um processo sério de reforço da para o máximo de sempre (em percentagem
superior. Infelizmente, nenhuma destas demonstração das qualidade do secundário e se o superior fosse da coorte) não resulta principalmente do
hipóteses é verdadeira e estamos a criar falsas suas competências já capaz de absorver estes jovens em linhas reconhecimento do valor do estudo nem do
expectativas numa geração que vai atingidas e do seu de educação e formação suÆcientemente desemprego que espera estes jovens. É a
culpar-nos daqui a poucos anos pela enorme potencial previsível. diversas e ajustadas às realidades da nossa simples consequência das ordens dadas ao
frustração que inelutavelmente vai sofrer. Num país Em Portugal, não sociedade. Mas nada foi feito neste sentido. Iave (o instituto “independente” que elabora
Estamos a incubar um aumento dramático da desigual, só foi dado maior Não se conhece um único impulso da política os exames e estabelece as normas de
já elevada emigração qualiÆcada jovem e a
criar fortes desequilíbrios na sociedade.
estamos peso às notas
internas (apesar da
educativa para preparar os jovens para um
ambiente de trabalho mais diverso e mais
correção) para que “todos Æquemos bem”.
Mas todos já sabemos que o slogan é
Vamos mostrar a esta geração que aÆnal não a reforçar as recorrente queixa exigente. Não se conhece um único impulso enganoso: estes jovens estão a ser enganados
valeu a pena estudar e que melhor fariam
ter-se inscrito e trabalhado no partido certo
condições para das enormes
desigualdades entre
para que as linhas de educação e formação
no secundário e no superior sejam mais
e muitos Æcarão mal.
O efeito desta política de facilitismo é, a
para subir na vida! a transmissão escolas, mesmo diversas sem deixar de ser exigentes. prazo, a desvalorização dos diplomas e a
“Teachers gave implausibly high predicted desta desigual- entre escolas A função do sistema educativo deveria ser a valorização das redes familiares e sociais (e
grades” era o título de um jornal inglês na estatais) como foram de apoiar todos os jovens a progredirem no políticas) de apoio. Baixa o peso do diploma e
semana passada. Em Inglaterra, o problema dade para criadas regras sentido de atingirem o seu potencial e os sobe o valor da “cunha”. A promoção social
chega às primeiras páginas. Na ausência dos as gerações especiais para preparar para a realização dos seus sonhos de pelo estudo é prejudicada, reforçando-se a
tradicionais exames Ænais, o acesso às boas
universidades depende este ano das notas
futuras garantir que todos
tinham boas notas
vida num ambiente de crescente incerteza. É
um caminho difícil, mas é crucial no mundo
garantia de sucesso aos mais bem ligados pela
rede de “apoio informal”. Num país desigual,
internas e os professores não se Æzeram nos exames, apesar de hoje e ainda mais num pequeno país há estamos a reforçar as condições para a
rogados, ofereceram notas muito acima do das falhas na sua demasiado tempo estagnado nesta margem transmissão desta desigualdade para as
normal. O Governo ainda tentou corrigir a preparação. E, atlântica de uma Europa em perda de gerações futuras.
anomalia através de um processo de Ænalmente, o inÇuência. Não é com facilitismo que vamos
renormalização, mas cedo desistiu ministro Manuel lá. A aparente recompensa imediata virá a ter Professor catedrático da Universidade
transferindo para as universidades o difícil Heitor pode um sabor demasiado amargo para a geração do Porto; ex-secretário de Estado
trabalho de seleção daqueles que poderão regozijar-se com os enganada e aumentar os desequilíbrios do Ensino Superior no XIX e XX Governo
10 • Público • Quinta-feira, 27 de Agosto de 2020
POLÍTICA
Partido Pró-Vida vai fundir-se
com o Chega em Setembro
O partido liderado por André Ventura foi o primeiro a fazer a rentrée política num jantar-comício ontem,
no Algarve. No próximo mês, vai ser oÄcializada a fusão do Chega com o Partido Pró-Vida
FILIPE FARINHA/LUSA
Partidos
Sofia Rodrigues
O Chega vai absorver o Partido Cida-
dania e Democracia-Cristã (PPV/
CDC) na próxima convenção, que
decorre em Setembro, conÆrmou o
PÚBLICO junto dos líderes dos dois
partidos.
A fusão acontece depois de o PPV/
CDC ter integrado as listas do Chega
nas eleições legislativas de 2019 e
também nas europeias em Maio do
ano passado, numa aliança pré-elei-
toral que incluía ainda o PPM. “Há
um projecto político comum desde
a coligação com o Chega [sob a desi-
gnação de Basta!] nas europeias. A
defesa da família, o Æm da ideologia
de género nas escolas e a derrota do
marxismo cultural são as nossas
grandes bandeiras, que o Chega
defende”, aÆrma ao PÚBLICO
Manuel Matias, líder do PPV/CDC.
Manuel Matias foi cabeça de lista
em Braga pelo Chega nas legislativas
de 2019, mas não foi eleito e faz par-
te do gabinete de André Ventura no
Parlamento. Fundado em 2009 com
a designação de Partido Pró-Vida, o
PPV/CDC inspira-se na doutrina
social da Igreja e já se coligou com o
PSD e com o CDS em eleições autár-
quicas. Concorrendo apenas em
quatro círculos eleitorais nas legisla-
tivas de 2015, o PPV obteve 2659
votos, o que corresponde a 0,05% do
total. Nas europeias de 2014, o parti- O Partido Pró-Vida já tinha integrado as listas do Chega nas legislativas e nas europeias de 2019 (coligação Basta!)
do conquistou 11.989 votos, o que
signiÆca 0,37% do total. eleições internas do partido, marca- sar votos”, sustenta, garantindo que neo com as directas. Quanto à pro-
Em 2017, o PPV fez parte da coli- das para 5 de Setembro. “É evidente a integração no Chega é uma decisão posta de aplicar castração química a
gação do CDS para Lisboa que inte- que o PPV quer o mesmo projecto interna “tranquila”. pedóÆlos, que o partido queria dis-
grava também o PPM e era liderada político”, aÆrma o também candida- Questionado sobre se algumas cutir no Parlamento, Matias conside-
por Assunção Cristas, e que Æcou to presidencial, referindo que o Che- propostas do Chega, como a reintro- ra que não é incompatível com os
em segundo lugar na votação, a Já há pena de ga tem entre dez e 15 mil militantes dução da pena de morte ou a castra- princípios do PPV: “Não é nada con-
seguir ao PS. Agora, o partido fun- com quotas pagas. Com uma posi- ção química para pedóÆlos conde- tra a doutrina social da Igreja. É uma
de-se com o Chega num processo morte quando ção antiaborto muito forte, o PPV nados, são compatíveis com os prin- ajuda à pessoa numa circunstância
que tem de passar pelo Tribunal uma criança tem apenas 200. cípios da doutrina social da Igreja, de diÆculdade porque o pedóÆlo tem
Constitucional. A equipa do Chega Manuel Matias rejeita a ideia. “Em uma vontade que não controla.”
está a trabalhar nos detalhes jurídi- morre na barriga Decisão tranquila nenhum momento André Ventura A convenção do Chega, onde será
cos para a fusão. da mãe sem ser Manuel Matias recusa qualquer defendeu a pena de morte, isso foi formalizada a fusão, está agendada
O líder do Chega salienta também “oportunismo” na fusão. “Estamos um mito que se criou. Mas já há pena para 19 e 20 de Setembro em Évora.
que o “percurso em conjunto não é ouvida cá desde o princípio. Desde a primei- de morte quando uma criança mor- Ontem, o partido realizou um jantar-
de agora”. “Há causas comuns e Manuel Matias ra conversa que tive com André Ven- re na barriga da mãe sem ser ouvi- comício de rentrée, no Algarve, que
pontos comuns. Não faz sentido des- Líder do Partido Pró-Vida tura que Æcou muito claro o nosso da”, aÆrma. ainda decorria à hora de fecho desta
dobrar esforços partidários”, aÆr- projecto político. O nosso objectivo O Chega prepara-se para fazer um edição.
mou ao PÚBLICO André Ventura, era a defesa da vida e isso o Chega referendo interno sobre a pena de
que é candidato (para já único) nas garante-nos. Não vale a pena disper- morte a 5 de Setembro em simultâ- srodrigues@publico.pt
Público • Quinta-feira, 27 de Agosto de 2020 • 11
POLÍTICA
MIGUEL MANSO
Cravinho discorda
de chumbo a contratos
do Exército mas respeita
Tribunal de Contas Breves
nulos, porque ilegais, os contratos
Defesa assinados entre os militares e estes Isolamento
fornecedores.
Acusam este ramo das Forças
PSD questiona
Juízes recusaram visto a
contratos de 2,1 milhões Armadas de ter restringido de forma Governo sobre
para aquisição de vestuário
artiÆcial a concorrência, uma vez
que “a nível nacional e europeu
crianças em risco
de combate, por violarem o existirão certamente outras empre- A bancada do PSD quer saber
princípio da concorrência sas aptas a fornecer equipamentos “em que sentido” está a ser O foco da organização é a circulação das pessoas entre sectores
com idênticas especiÆcações técni- trabalhada a revisão das
O ministro da Defesa Nacional assu-
miu ontem discordar do chumbo do
Tribunal de Contas (TdC) a dois con-
cas”. E deixam mesmo dúvidas
sobre a legitimidade da participação
das empresas do consórcio em futu-
regras pelo Instituto de
Segurança Social e
Direcção-Geral da Saúde
DGS admite que
tratos para aquisição de vestuário de
combate para o Exército por ajuste
directo, no valor de 2,1 milhões de
ros concursos públicos do género,
“dada a forte possibilidade de se
encontrarem numa situação que
sobre o isolamento de
crianças retiradas às famílias e
quando entram em vigor as
Festa do Avante!
euros, embora respeite a decisão.
“Respeitamos o tribunal. Indepen-
dentemente de concordar ou discor-
lhes conÆra vantagem falseadora
das condições normais de concor-
rência”. Sob pena de o projecto no
novas normas. As perguntas
sobre protecção de crianças e
jovens institucionalizados
“é evento complexo”
dar, o TdC tem a sua função no nosso âmbito do qual se desenvolveu esta durante a pandemia foram
sistema”, disse Gomes Cravinho, à parceria, baptizado como Auxde- enviadas à ministra Ana
margem de uma reunião informal de fense, constituir “um instrumento Mendes Godinho. No Ainda sobre a providência cautelar
congéneres europeus em Berlim. de privilégio ou favorecimento” das requerimento, os deputados Covid-19 entregue na segunda-feira, no Tribu-
Os juízes recusaram o visto a dois Ærmas em causa. “O que é, de forma consideram “particularmente José Volta e Pinto nal do Seixal, para impedir a realiza-
contratos no valor de 2,133 milhões clara, ilegal”, avisa o TdC. preocupante” a informação, ção do evento, a ministra da Saúde,
de euros por estes violarem o prin- Em relação à reunião de Berlim, o avançada pelo PÚBLICO, de Graça Freitas explicou que Marta Temido, aÆrmara anteriormen-
cípio da concorrência e as regras ministro admitiu haver “uma grande que as crianças e jovens em te que apenas teve conhecimento
“a organização já tem um
procedimentais em contratos públi- maioria” de países europeus a favor risco devem cumprir 14 dias “através da comunicação social”,
cos, num acórdão de 1 de Abril do de que a União Europeia (UE), além de isolamento mesmo com documento que dá muitas optando por não se pronunciar sobre
qual o Exército tentou sem sucesso do apoio já prestado em equipamen- testes negativos à covid-19 orientações e permite uma o assunto. “Tanto quanto é noticiado,
recorrer. Consideram que o Minis- tos e formação, forneça igualmente boa base de trabalho” o tipo de providência em causa não
tério da Defesa produziu uma cons- armas a países terceiros. tem efeitos suspensivos”, aÆrmou,
trução “artiÆcial” de exclusividade “Esse tema esteve presente e há Açores Não é só um festival de música, nem ainda assim, a ministra, realçando
para as empresas contratadas.
“Isso agora está nas mãos do Exér-
uma grande maioria de países favo-
ráveis à ideia de que devemos, quan-
Voto antecipado tem uma galeria de exposições, nem um
comício, nem sequer um espaço de
que o Ministério da Saúde “acata as
decisões dos tribunais” sobre maté-
cito, que está a estudar aquilo que do estamos a apoiar e a formar Forças de ser pedido entre restauração. A Festa do Avante! “é um rias em que tem intervenção.
foi o procedimento e aquilo que são,
de forma minuciosa, as preocupa-
Armadas em países pouco estrutura-
dos, ter a possibilidade de apoiar
11 e 15 de Outubro evento complexo”, reconheceu
ontem a directora-geral da Saúde,
Durante a manhã, o Observador
noticiou que a referida providência
ções do TdC e a ver qual a forma de também com equipamento letal. Não Os eleitores em mobilidade Graça Freitas, na habitual conferência cautelar interposta pelo empresário
corresponder às necessidades de faz sentido que sejam forças desar- que votam antecipadamente de imprensa sobre a evolução dos Carlos Valente para impedir a realiza-
aquisição de equipamento, de madas”, disse Gomes Cravinho à nas eleições regionais dos casos de covid-19 no país. ção da Festa do Avante! foi enviada
maneira a que as preocupações do Lusa. PÚBLICO/Lusa Açores devem manifestar essa “É um evento complexo” por ter para Lisboa. O jornal teve acesso à
tribunal sejam tidas em conta”, intenção entre 11 e 15 de “vários sectores diferentes” num só informação que consta de um ofício
declarou o governante. Outubro e votar em 18 de acontecimento. “Ao sector onde estão no qual o Tribunal do Seixal se decla-
Em causa está o fornecimento de Outubro, informou ontem a os restaurantes, aplicam-se as regras ra incompetente para decidir sobre a
mil capacetes balísticos pela empresa Comissão Nacional de da restauração. No sector onde estão matéria, uma vez que o terreno onde
Fibrauto — Fabrico de Objectos em Eleições (CNE) ao revelar o os palcos, aplicam-se as regras que se se realiza o evento (Quinta da Atalaia)
Polyester, pelo preço contratual de calendário eleitoral. Com a aplicam a outros espectáculos”, é propriedade de uma entidade (o
925 mil euros e de outros tantos cole- alteração à Lei Eleitoral da exempliÆcou Graça Freitas. PCP) sediada em Lisboa.
tes, cotoveleiras e joelheiras pela Assembleia Legislativa dos A directora-geral explicou que “a Ao Ænal do dia de ontem, o PCP
Latino Confecções, por 1,2 milhões. Açores, promulgada pelo organização já tem um documento voltou a emitir um comunicado para
Ambas as empresas integram um Presidente da República em 21 que dá muitas orientações e permite responder à DGS. Sem reclamar “tra-
consórcio criado ainda no tempo do de Agosto, os eleitores uma boa base de trabalho”, estando tamentos de excepção”, o partido
ministro do PSD Aguiar Branco que passam a poder exercer o seu sempre sujeito a ser “reÆnado e anunciou que prosseguirá a prepara-
se dedica à investigação e desenvol- direito de voto de forma melhorado”. O foco da organização, ção do evento. “A realização da Festa
vimento de vestuário de combate antecipada, por mobilidade, reforçou, é que “na circulação” entre do Avante! é um contributo importan-
tecnologicamente evoluído, e do qual também nas eleições os sectores se evitem “aglomerados te para a fruição da vida em condições
fazem também parte o próprio Minis- regionais, que se realizam em de pessoas”. de bem-estar físico e mental, e garan-
tério da Defesa e a Força Aérea. 25 de Outubro, algo que até “A organização do evento vai ter de tindo que os direitos invioláveis con-
O Exército alegou perante os juízes agora era permitido apenas ser muito proactiva no sentido de sagrados na Constituição da Repúbli-
que só estas duas Ærmas estariam em nas eleições presidenciais, orientar as pessoas para que não se ca Portuguesa sejam respeitados”,
condições de fornecer os materiais legislativas nacionais e aglomerem entre os diferentes secto- lê-se na nota. com L.B.
em causa, mas o tribunal concluiu Gomes Cravinho comentou europeias. res da festa”, adiantou ainda Graça
que isso não era verdade, declarando decisão do tribunal em Berlim Freitas. jose.volta.pinto@publico.pt
12 • Público • Quinta-feira, 27 de Agosto de 2020
SOCIEDADE
Cancro do cólon: dois terços dos
convocados faltam ao rastreio
Taxas de cobertura geográfica e de adesão no âmbito do rastreio do...
Há quem não aproveite a vacina contra ... CANCRO DO CÓLON E DO RECTO
infecções por HPV e tosse convulsa. E um 100
O número de camas de
internamento na Rede
Nacional de Cuidados
Continuados Integrados
aumentou 5,4%
FERNANDO VELUDO/NFACTOS
SOCIEDADE
SOCIEDADE
A
Homicídio em Violência Doméstica factores que funciona como ‘dispa- s vítimas de violência que o diploma introduz uma devem estar atentas quando se que-
(EARHVD), e coordenado pelo psicó- rador’ para a prática de homicídio”, doméstica podem pedir a “alteração legislativa cirúrgica” rem separar? “Muitas vezes, quando
logo António Castanho, conclui-se refere. “Normalmente associado a partir de hoje que a sua da maior importância para a se fala em violência doméstica, pen-
que, entre os 19 casos analisados, a isso vem a escalada da violência, dos morada não conste das violência doméstica, por evitar sa-se em violência física. Mas há agres-
separação ou intenção de separação, comportamentos que muitas vezes notificações que as autoridades retaliações, agressões ou sores que nunca bateram nas vítimas,
o distanciamento emocional, surge culminam em violência física. Exis- enviam para o suspeito ou o acções intimidatórias já no mas de um momento para o outro
como uma das razões invocadas ou tem muitas agressões graves e tenta- arguido. A nova regra consta da decurso dos processos judiciais podem cometer um homicídio”, res-
inferidas para a prática dos homicí- tivas de homicídio que são desenca- Lei n.º 54/2020 publicada por violência doméstica. O PCP ponde. “Se perguntar à vítima se ela
dios. A separação, ou intenção de o deadas por situações de perda de ontem em Diário da República. referia na exposição de motivos tem medo do agressor, e ela respon-
fazer, está igualmente entre os facto- controlo por parte do agressor.” “A vítima pode requerer que a que fez no projecto de lei que der que sim, isso é uma bandeira ver-
res de risco mais frequentemente Segundo António Castanho, os sua morada seja ocultada nas “no âmbito dos processos melha. Não é normal, numa relação
assinalados. Na esmagadora maioria comportamentos controladores exis- notificações das autoridades judiciais, seja no processo de intimidade, que uma pessoa tenha
(73,7%) as vítimas foram mortas tem desde o início da relação, mas competentes que tenham o criminal seja no processo cível, medo da outra. Ninguém melhor que
menos de dois meses depois da sepa- muitas vezes não são percebidos suspeito ou o arguido como designadamente de divórcio, a vítima sabe quem é o agressor. As
ração ou da intenção de separação. pelas vítimas ou então são mal inter- destinatário”, lê-se na lei que não está prevista a possibilidade vítimas raramente sobrevalorizam o
António Castanho, psicólogo e psi- pretados. Exemplos: os parceiros reforça o direito à protecção da da vítima omitir a sua morada medo, às vezes o que acontece é que
coterapeuta que faz parte da aparecem 50 vezes por mês à porta vítima de violência doméstica. nas notificações feitas ao desvalorizam. Muitas vezes o medo
EARHVD e que trabalha na área há do trabalho, enviam 50 mensagens Esta alteração foi aprovada em agressor. A falta de previsão não é traduzível em actos concretos
anos, refere que vários estudos apon- a perguntar “onde estás, estou preo- Julho no Parlamento e resultou legal dessa possibilidade é — porque há mudança de comporta-
tam a separação como o principal cupado?”, e as vítimas “sentem-se de um projecto de lei do PCP susceptível de frustrar a mento. As vítimas estão tão sintoni-
factor de risco para o exercício da especiais” — “ainda não sabem que que teve luz verde de todos os protecção da vítima, na medida zadas por causa do medo, e alertas,
violência ou homicídio, podendo são vítimas”. Ao longo do processo, deputados. Aquando da em que o agressor fica a que sentem as variações no compor-
mesmo constituir-se como o “ponto o agressor vai envolvendo a vítima aprovação, o deputado conhecer a morada actual”. tamento do agressor”, conclui.
de viragem”: “Está estabelecido que neste mecanismo de controlo que, comunista António Filipe disse Marta Moitinho Oliveira
70% dos homicídios em violência muitas vezes, passa por estratégias jgh@publico.pt
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Público • Quinta-feira, 27 de Agosto de 2020 • 17
LOCAL
Dragagens em Vila do Conde
e Póvoa de Varzim “já vêm tarde”
Trabalhos estão marcados para Outubro. Armadores consideram que a altura não é a melhor. O gabinete
do secretário de Estado das Pescas diz que avançou assim que detectou o problema na barra da Póvoa
NELSON GARRIDO
Pescas
André Borges Vieira
O Ministério do Mar agendou para
Outubro dragagens de urgência nos
Portos de Vila do Conde e Póvoa de
Varzim, mas alguns representantes
de armadores e pescadores locais
entendem que a operação já “vem
tarde”. A secretaria de Estado das
Pescas adianta ter accionado todas
as medidas para evitar o assorea-
mento da barra e da bacia das duas
zonas portuárias assim que o pro-
blema foi detectado, na sequência
de vários episódios de elevada pre-
cipitação durante o Verão. Porém,
as associações de trabalhadores da
zona garantem que este é um pro-
blema mais antigo, com origem nou-
tras estações.
“Nunca os portos estiveram tão
secos como neste ano”, atira Manuel
Marques, mestre e dirigente da
Associação de Armadores de Pesca
do Norte (AAPN), chamando a aten-
ção para a concentração de sedi-
mentos na barra e na bacia de rota-
ção dos barcos, que vai perdendo
profundidade e pondo em risco a
segurança de navegação das embar-
cações. O Ministério do Mar conÆr-
mou a necessidade de uma inter-
venção e anunciou esta quarta-feira
“um procedimento por consulta
prévia por motivos de urgência O porto da Póvoa de Varzim tem um problema estrutural de assoreamento, que obriga a dragagens recorrentes
imperiosa” para a contratação de
dragagens nos portos de Vila do à espera de uma intervenção. horas”, insiste Carlos Cruz, presi- segurança. Desde essa altura, con- estão os Estaleiros Samuel e Filhos,
Conde e Póvoa de Varzim. O concur- A data que aponta como melhor dente da Apropesca — Organização sidera ainda não ter existido nenhu- em Vila do Conde, uma das várias
so, aberto na terça-feira, pressupõe alternativa para uma empreitada de Produtores de Pesca Artesanal, ma acção eÆcaz. empresas de construção naval a ope-
um investimento de 1,46 milhões de desta natureza tem por base as con- sediada em frente ao porto poveiro. rar na margem esquerda da foz do
euros na retirada de sedimentos, de trariedades imprevisíveis ditadas “Seria de aceitar se a draga chegas- Estaleiros vão ter de esperar Ave. “Já estamos a ter problemas há
modo a repor a segurança dos bar- pelas condições climatéricas: “No se em Julho ou em Agosto”, aÆrma. Ao PÚBLICO, o gabinete do secretário mais de um ano e meio”, diz José
cos. Verão os trabalhos terminariam Depois de Setembro, “com o mar a de Estado das Pescas recorda ter sido Manuel Samuel. Uma das consequên-
Mas o armador e mestre do Silva mais cedo e com melhores resulta- picar”, considera já vir tarde. As realizada outra intervenção de urgên- cias da falta de limpeza de sedimentos
Marques não parece convencido dos. No Inverno a draga não conse- consequências do “assoreamento” cia no ano passado. Essa intervenção é visível, assinala, na plataforma de
com a data apontada para o início gue estabilizar”. Outro problema, reÇectem-se, nota, em episódios foi levada a cabo em Setembro de encalhe, que já “não vai tão abaixo”
dos trabalhos de dragagem. “No considera, é a forma como “as dra- inaceitáveis: “Na sexta-feira tivemos 2019, apesar de inicialmente ter esta- — uma contrariedade em altura de
Inverno, com o mau tempo, são gas habituais” trabalham. O arma- a barra fechada com sete barcos do do marcada para Julho. Já em 2020, encostar os barcos. Não faltaram pro-
mais as vezes em que a draga Æca dor acredita que seria melhor retirar cerco à porta entre as 12h e as 15h.” diz o gabinete, abriu-se caminho para messas, nota, mas o certo é que a
parada do que as que está a traba- os sedimentos, devolvendo a areia As traineiras só entraram no Porto esta dragagem de urgência, “logo que intervenção não avançou: “Estava
lhar”, explica. Resultado disso, à praia e não ao mar. “A areia vai da Póvoa de Varzim quando a maré foi detectada” a necessidade da mes- consignado na última dragagem fazer
sublinha, “é Æcar tudo na mesma”. para o mar alto. Por dia, não dá para “deixou”. ma. Desta forma, adianta, nunca teria limpeza na bacia do estaleiro”, recor-
A melhor altura para as dragagens fazer mais do que cinco viagens.” O dirigente da Apropesca aÆrma sido possível avançar para a emprei- da. O gabinete do secretário de Esta-
teria sido em Abril, quando “já exis- Além dessa contrariedade, chama a estar à espera há mais de um ano de tada num período que não fosse o que do das Pescas conÆrma, mas deixa
tia o problema”. Pelo menos é o que atenção para a “falta de areia” nas uma intervenção que permita está na agenda. uma má notícia: “A dragagem nos
considera Manuel Marques, que, praias da zona. embarcações “que podem chegar Há mais tempo à espera que uma estaleiros só poderá avançar quando
como outros, está “há muito tempo” Esta operação vem “fora de aos 20 metros” trabalharem com draga passe pelas suas instalações houver cabimento orçamental.”
18 • Público • Quinta-feira, 27 de Agosto de 2020
ECONOMIA
Leilão de solar traz “excelentes
notícias” e “perplexidade”
Licitação bateu mais um recorde de preço e a rentabilidade de
alguns projectos levanta dúvidas. Há quem esteja disposto a
investir e pagar 15 anos pelo ponto de ligação à rede eléctrica
Apesar de haver entidades portu- A expectativa então é que estes
Energia guesas nos 35 candidatos que se activos sejam transaccionados no
Ana Brito pré-qualiÆcaram para o leilão, os futuro? “Não direi tal, pode ser tran-
vencedores foram todos estrangei- saccionado, ou quem tem esse ponto
O ministro do Ambiente, João Pedro ros, e nenhuma das principais de ligação pode começar a vender
Matos Fernandes, anunciou ontem empresas portuguesas ganhou um electricidade em condições normais
que o segundo leilão de potência lote. “Provavelmente, o perÆl de de mercado, ou seja, paga, de facto,
solar, realizado esta semana, permitiu risco desses mesmos investidores um fee [taxa] para poder ter um bem,
adjudicar uma potência de 670 mega- [portugueses] é mais cuidadoso do que é um bem perpétuo”, referiu
watts (MW) e bater um novo recorde que daqueles que vêm agora para o Matos Fernandes.
mundial. Os promotores “foram ain- mercado”, considerou o ministro João Galamba notou ainda que no
da mais longe nas suas licitações” do do Ambiente. armazenamento “há dois mecanis-
que no leilão de 2019 e, no único lote Matos Fernandes reconheceu que mos” que beneÆciam os consumido-
adjudicado com preço Æxo, registou- os investimentos em baterias foram res. Por um lado, o contrato estabele-
se um preço de 11,14 euros por MWh, “a grande surpresa” do leilão. O jor- ce uma contribuição que todos os
abaixo dos 14,76 euros por MWh que nal Expresso noticiou, ao longo da produtores terão de pagar ao sistema
foram alcançados no leilão anterior e tarde de segunda-feira, enquanto para produzir e armazenar; por
que, à data, constituíram também um decorria o primeiro dia de leilão, que outro, Æxa que estes terão de entregar
recorde mundial. O valor-base de lici- para alguns dos lotes chegou a haver uma compensação adicional sempre
tação deste leilão havia sido Æxado preços abaixo de dois euros, e mesmo que o preço de mercado superar
nos 41,5 euros por MWh. preços negativos na modalidade com determinado patamar, o que constitui
Os números causaram perplexida- armazenamento. uma espécie de “seguro” contra subi-
de entre quem conhece o sector e não Por haver necessidade de armaze- das de preço.
consegue perceber de onde virá a namento de energia no sistema eléc- Os valores “estão indexados ao cus-
rentabilidade dos projectos, mas as trico português, o Governo “estava to marginal das centrais de ciclo com-
receitas para o sistema quando as disponível” a pagar 33,5 mil euros por binado” a gás natural. No primeiro
centrais estiverem a produzir são MWh armazenado aos promotores, ano começam nos 48 euros por MWh
boas notícias para os consumidores. disse o ministro. Mas o que se obteve (o preço médio para Portugal anda
Nas contas do Governo, os ganhos na ronda de licitações foi um “descon- nos 45 euros).
resultantes destes contratos de 15 to de 200%”. Os valores das licitações
anos serão de 559 milhões de euros, foram baixando “de tal forma” que, Números “não quadram”
quase tanto quanto no leilão anterior, aÆnal, cada um dos promotores que Uma irradiação solar de excelência,
em que foi adjudicado o dobro da vai obter esta licença de produção uma política energética favorável e O secretário de Estado da Energia e o ministro do Ambiente, na conferênci
potência. com armazenagem pagará ao sistema equipamentos cada vez mais baratos
“Conseguimos conÆrmar algumas 37,1 mil euros por MWh — uma situa- e eÆcientes puseram deÆnitivamen- Admitindo que não conhece “apro-
certezas e construir outras”, disse o ção inédita a nível mundial, segundo te Portugal no mapa do investimen- fundadamente” as regras do leilão, Sá
ministro. Entre elas, a de que “é tolice o secretário de Estado da Energia, to em solar, mas, mesmo assim, há da Costa admitiu que, para terem sur-
pagar electricidade produzida a par- João Galamba. quem olhe com “perplexidade” para gido preços negativos, quem nele
tir de fontes renováveis a preço de Sobre a disponibilidade dos produ- os valores que se atingiram no leilão participou “pode ter encontrado nos
mercado e sem contrapartidas” para tores com baterias para pagarem ao desta semana. É tolice pagar termos de referência do concurso um
o sistema. Do leilão resultaram 13 sistema para produzirem e armaze- “Até pode ser que tenham as contas buraco que permita fazer receitas por
adjudicações de reserva de capacida- narem, o ministro reconheceu que muito bem-feitas, mas se eu já não electricidade outra via”.
de de injecção de energia solar na este “não foi um leilão de tarifas”, conseguia entender os preços do lei- produzida a partir O interesse para muitos será “con-
rede, das quais oito a projectos com mas sim um leilão para assegurar “um lão anterior, muito menos consigo seguirem o ponto de ligação à rede e
baterias (num total de 483 MW, bem escasso”, que são os pontos de entender estes”, aÆrmou ao PÚBLICO de fontes não ganhar dinheiro nos 15 anos do
incluindo 100 MW de armazenagem), ligação à rede eléctrica. Em vez de o anterior presidente da Associação renováveis a contrato com a injecção de electrici-
quatro que vão pagar compensações receberem por prestar um serviço de Portuguesa de Energias Renováveis dade”, aÆrmou.
ao sistema (177 MW, que não têm Çexibilidade ao sistema eléctrico (o (Apren), António Sá da Costa. preços de mercado Por outro lado, diz que se os inves-
armazenamento) e uma na modali- armazenamento), os promotores “Por mais que os custos dos painéis e sem tidores estão convencidos que vão
dade de preço Æxo (de dez MW). estão dispostos ao oposto durante 15 solares baixem, o aluguer dos terre- ganhar mais depois dos 15 anos com
Seis destes lotes com bateria aca- anos, e “fazem-no porque de facto o nos anda na casa dos 1,5 euros, dois contrapartidas preços mais elevados, “os cálculos da
baram nas mãos da produtora sul-co- acesso à rede é um bem escasso e é euros por MWh; o custo de operação para o sistema folha de Excel vão vir todos por água-
reana Hanwha Q Cells (315 MW) e uma perpetuidade”. e manutenção nunca é inferior a cin- abaixo”.
entre os outros vencedores do leilão “Um player que já está em Portugal co ou seis euros, e ainda não amorti- João Pedro Matos Fernandes O expectável é que no futuro vá
estão a Iberdrola, a Endesa, a Tag dá menos valor a poder aceder à rede zei investimento, nem Ænanciamento. Ministro do Ambiente haver “mercados diferentes”, em que
Energy (dois lotes), a Enerland, e a do que um player que não está em Há qualquer coisa que não quadra”, a produção de renováveis deixará de
Audax (dois lotes). Portugal”, disse o ministro. insistiu. ser remunerada da mesma forma que
Público • Quinta-feira, 27 de Agosto de 2020 • 19
Se eu já não conseguia
entender os preços do leilão
anterior, muito menos
consigo entender estes
António Sá da Costa
Ex-presidente da Apren
ECONOMIA
ECONOMIA
PAULO PIMENTA
MB Way gratuito
a partir 1 de Janeiro
de 2021 para pequenas
transferências Breves
banco, ou 0,3 % sobre o valor da
Banca operação, para as operações com Finanças públicas
Rosa Soares cartões de crédito.
A lei, que resultou de uma propos-
Pandemia agrava
A partir de certo número ta do BE que pretendia a isenção total défice para 8332
ou valor das operações, as de operações de levantamento, paga-
mento de serviços ou transferências
milhões até Julho
comissões ficam limitados realizadas através da aplicação MB O défice das contas públicas
a 0,2 % quando associadas Way, mas que sofreu alterações por Empresas podem certificar as quebras de facturação até Dezembro portuguesas agravou-se em
a um cartão de débito propostas de outros partidos, estabe- 7853 milhões de euros até
MUNDO
Nobel da Literatura interrogada
por ordem de Lukashenko
A escritora Svetlana Alexievich recusou-se a responder às perguntas sobre o seu papel no Conselho de
Coordenação e apelou à união dos bielorrussos e ao diálogo. Ministros da UE voltam a discutir sanções
TATYANA ZENKOVICH/EPA
Bielorrússia
Pedro Bastos Reis
Svetlana Alexievich, Prémio Nobel da
Literatura em 2015 e a escritora mais
famosa da Bielorrússia, foi interroga-
da ontem em Minsk devido à sua par-
ticipação no Conselho de Coordena-
ção, um órgão criado pela oposição
que o regime acusa de tentar tomar o
poder ilegalmente e de ser uma amea-
ça à segurança nacional.
Rodeada de dezenas de apoiantes
e repórteres, a escritora de 72 anos,
com um ramo de Çores na mão, disse
aos jornalistas que não há qualquer
base para uma investigação e apelou
ao apoio internacional, inclusive da
Rússia, ao povo bielorrusso, que há
três semanas exige nas ruas eleições
livres e justas.
“Agora [Aleksander] Lukashenko
só fala com [Vladimir] Putin. Precisa-
mos que ele fale com o povo”, disse
Alexievich. “Talvez o mundo nos pos-
sa ajudar, para que Lukashenko nego-
ceie com alguém. Precisamos que o
mundo nos ajude, talvez até a Rús-
sia”, acrescentou.
A autora de Fim do Homem Sovié-
tico (ed. Porto Editora) e Vozes de
Chernobyl — História de Um Desastre
Nuclear (ed. Elsinore), que nos seus
livros dá voz às vítimas da guerra,
aos sobreviventes do desastre “Quanto mais unidos estivermos, mais fortes seremos”, disse Svetlana Alexievich, premiada com o Nobel da Literatura em 2015
nuclear e aos desiludidos com as
transformações após a queda da de poder, alvo de um processo crimi- Babariko, um dos opositores de independência da União Soviética, vam um braço-de-ferro nas ruas de
União Soviética, invocou o seu direi- nal por parte das autoridades bielor- Lukashenko que foi impedido de após um golpe de Estado falhado. Minsk, os ministros dos Negócios
to de não testemunhar contra si pró- russas. Entre os seus integrantes está concorrer às presidenciais. Milhares de pessoas juntaram-se na Estrangeiros da UE reúnem-se hoje e
pria e, ao Æm de 15 minutos, saiu das Svetlana Tikhanouskaia, adversária Praça da Independência, acendendo amanhã para uma reunião informal,
instalações do comité de investiga- de Lukashenko nas presidenciais, UE volta a reunir-se velas e hasteando a bandeira verme- em Berlim, onde a Bielorrússia estará
ção, onde foi interrogada. exilada na Lituânia. Apesar das ameaças e perseguições lha e branca do país, exigindo elei- novamente em discussão, duas sema-
“Quanto mais unidos estivermos, Na terça-feira, os membros Sergei aos opositores políticos, os bielorrus- ções livres. Segundo o Governo, nas depois de os 27 Estados-membros
mais fortes seremos e maior será a Dyleuski, líder de um comité de tra- sos não parecem dar sinais de desmo- foram detidas 51 pessoas. Ontem, os terem acordado a elaboração de uma
chance de as autoridades falarem balhadores em greve numa fábrica de bilizar. Depois de um Æm-de-semana protestos pacíÆcos continuaram. lista de Æguras do regime a quem
connosco”, disse ainda a escritora tractores, e Olga Kovalkova, porta-voz em que cerca de 200 mil pessoas se “O clima é de optimismo, as pes- serão impostas sanções. É expectável
e jornalista que, dias depois das elei- de Tikhanouskaia, foram condenados juntaram em Minsk para exigir a soas continuam a participar nos pro- que após a reunião sejam revelados
ções de 9 de Agosto e da violência a dez dias de prisão por organizarem demissão do Presidente, no poder há testos, mas também estamos preocu- pelo menos alguns dos alvos.
exercida sobre manifestantes pací- protestos ilegais, dias depois de terem 26 anos, milhares de pessoas volta- pados com a possibilidade de o Na terça-feira, Tikhanouskaia falou
Æcos, exigiu a saída do poder do sido interrogados pela sua participa- ram a sair às ruas para celebrar o Dia Governo se tornar mais agressivo. com eurodeputados por videoconfe-
Presidente Lukashenko, acusando- ção no Conselho de Coordenação. da Independência na terça-feira. Mas, com tudo o que já aconteceu, rência e disse que está em curso uma
o de estar a levar o país para uma No mesmo dia, outro membro, Oficialmente, e por decisão de não há como voltar atrás agora”, dis- “revolução democrática” que não é
guerra civil. Pavel Latushko, ex-ministro da Cul- Lukashenko, o feriado é celebrado a se ao PÚBLICO, através das redes “nem contra nem a favor da Rússia ou
Svetlana Alexievich faz parte de um tura e antigo director de um teatro 3 de Julho, dia em que Minsk saiu do sociais, sob anonimato, uma bielor- da UE”. Garantiu ainda que, apesar
órgão criado pela oposição, que reú- de Minsk, demitido por se ter junta- domínio da Alemanha nazi em 1944. russa a viver em Minsk, que partici- dos interrogatórios e detenções, “a
ne dezenas de Æguras da sociedade do aos protestos, foi interrogado. No entanto, os bielorrussos também pou nas manifestações do último intimidação não vai funcionar”.
civil bielorrussa, com o objectivo de Hoje, será a vez de Maria Kolesniko- celebram o dia 25 de Agosto de 1991, Æm-de-semana.
levar a cabo uma transição pacíÆca va, gestora da campanha de Viktor quando a Bielorrússia conseguiu a Enquanto o povo e o Governo tra- pedro.reis@publico.pt
Público • Quinta-feira, 27 de Agosto de 2020 • 23
MUNDO
Tensões a subir no Mediterrâneo Oriental tro, Leo Varadkar, que é do seu par-
Recursos energéticos Os conflitos de fronteiras marítimas... ...reavivadas pela presença de gás
União Europeia tido. Apelaram ao comissário para
Sofia Lorena que “considerasse a sua posição”.
Zona Económica Exclusiva (ZEE) Presença de hidrocarbonetos Phil Hogan tinha a pasta Phil Hogan pediu várias vezes des-
Vários países da UE iniciam baseada no princípio culpas, reconhecendo ter errado. Só
da equidistância Envio do navio de investigação do Comércio, mas foi que numa entrevista à televisão nacio-
exercício militar no dia em turco Oruç Reis, a 11 de Agosto a um jantar com 90 pessoas
Fronteira maritima definida nal, na terça-feira, onde esperava
que se agrava disputa sobre por acordo bilateral e provou não conhecer fazer as pazes com os irlandeses,
Envio de navios de perfuração sob
limites de zonas marítimas escolta militar turcos em 2019 as regras de quarentena demonstrou desconhecer que devia
ZEE reivindicada pela Turquia
ricas em gás natural ter feito quarentena, quando regres-
ZEE contestada ao Chipre pela Turquia e RTCN* O comissário europeu do Comércio, sou de Bruxelas para Dublin, a 31 de
Retórica não equivale a conÇito arma- Phill Hogan, envolvido num escânda- Julho. “Não pus ninguém em risco, já
do, nem quando é acompanhada de lo por violação de regras da covid-19 tinha feito um teste de despistagem
navios de guerra. Mas dias depois de no seu país, a República da Irlanda, da covid-19”, assegurou. Agravou a
Turquia e Grécia terem dado sinais demitiu-se ontem, pressionado pelo animosidade dos seus compatriotas.
de disponibilidade para uma solução Istambul
Governo de Dublin. A decisão Ænal “Parece claro que foram violadas
negociada no conÇito sobre direitos caberia à presidente da Comissão regras de saúde pública”, declararam
de prospecção de gás natural em Alepo Europeia, Ursula von der Leyen. Martin, Varadkar e Eamon Ryan, líder
zonas marítimas disputadas, líderes GRÉCIA Ancara A demissão de Hogan constitui um do terceiro partido da coligação gover-
de ambos os países prometeram não Lesbos grande golpe para a Comissão Euro- namental irlandesa, Os Verdes.
recuar nas suas reivindicações. Isto peia, uma vez que o irlandês era vis- Enquanto comissário do Comércio,
depois da passagem do ministro dos TURQUIA to como um político experiente e Hogan Æcou ligado ao tratado de livre
Negócios Estrangeiros alemão por Atenas Al Hawl inÇuente, escreve o Politico. comércio entre a UE e o Mercosul.
Atenas e Ancara: “Qualquer faísca, Von der Leyen vê-se agora obrigada Mas longe de o beneÆciar, isso man-
por mais pequena, pode levar ao a remodelar o seu colégio de comis- chou a sua reputação entre os agri-
desastre”, avisou Heiko Maas. ZEE sários e não há garantia de que Dublin cultores — no mandato anterior foi
Rhodes turca
Não é que Maas tenha desistido do continue a ter o Comércio, o que comissário da Agricultura —, que
RTCN* SÍRIA
diálogo que a Alemanha se ofereceu Kastellorizo enfraquece a posição do país nas viram o acordo como prejudicial. O
ZEE CHIPRE
para mediar — aliás, nem turcos nem ZEE negociações do “Brexit”. anterior Parlamento irlandês chegou
gregos querem resolver o conÇito por grega cipriota Hogan participou há uma semana mesmo a sinalizar a sua oposição à
LÍBANO
meios militares, disse no Æm dos Mar Medit num jantar de comemoração dos 50 ratiÆcação do tratado.
encontros o responsável alemão. err anos do clube de golfe do Parlamen- Phil Hogan tentou uma candidatu-
ân
eo
O problema é o que pode aconte- ISRAEL to irlandês com 90 convidados, entre ra à liderança da Organização Mun-
cer até ser possível iniciar negocia- os quais o então ministro da Agricul- dial do Comércio este ano, mas desis-
LÍBIA
ções directas e construtivas, numa tura, Dara Calleary, que se demitiu. tiu, em Junho, invocando os seus
fase em que os dois rivais históricos O jantar violava as restrições a ajun- compromissos com a UE. A candida-
EGIPTO
parecem enredados numa troca de * República Turca do Chipre do Norte, tamentos de pessoas, que tinham tura não terá angariado grande apoio
acusações violenta, ao mesmo tempo reconhecida pela Turquia após sua ocupação militar em 1974 sido agravadas na véspera. em Bruxelas. Face à possibilidade da
que colocam militares sob alerta e Fonte: Le Monde PÚBLICO
Vários deputados foram castiga- sua saída, especulou-se que a pasta
respondem ao envio de navios de dos por terem participado na confra- do Comércio poderia ir para um país
guerra com envio de navios de guer- ternização, e Hogan foi criticado mais proteccionista, como França ou
ra. Em causa não está pouca coisa: se Durante as comemorações de uma pelo primeiro-ministro, Micheál Itália — o que volta a estar em cima
“A situação actual no Mediterrâneo as reservas prováveis descobertas em vitória militar dos turcos sobre o Martin, e pelo vice-primeiro-minis- da mesa.
Oriental é brincar com o fogo”, disse 2014 — numa área que a Grécia diz Império Bizantino, no século XI, o OLIVIER HOSLET/EPA
Maas. “Certamente ninguém quer integrar a sua Zona Económica Exclu- Presidente turco, Recep Tayyip Erdo-
um confronto militar entre os dois siva — se comprovarem, Atenas gan, disse que não fará “concessões”
vizinhos parceiros da NATO.” “poderia cobrir as suas necessidades e pediu a Atenas para “evitar erros
Os dois países acabam de anunciar energéticas e fazer do gás natural que serão o caminho para a ruína”.
exercícios militares numa zona entre uma exportação lucrativa para a E no mesmo dia em o primeiro-mi-
Creta e Chipre, onde o navio de pes- União Europeia”, sublinha numa aná- nistro grego, Kyriakos Mitsotakis,
quisa turco Oruç Reis conduz investi- lise publicada no seu blogue John T. anunciou ao Parlamento que Atenas
gações sísmicas, escoltado pela Mari- Psaropoulos, jornalista que trabalha tenciona exercer o direito a aumentar
nha. Atenas diz que se encontra na a partir de Atenas. as suas águas territoriais — uma exten-
sua plataforma continental, pelo que A presença militar cresceu signiÆ# são que não afecta as zonas em dis-
enviou para perto navios de guerra. cativamente ontem na zona, com o puta, mas que se enquadra no aban-
O Governo turco assinou em 2019 arranque de exercícios aéreos e marí- dono de décadas de política externa
um acordo com o Governo líbio reco- timos conjuntos de França, Itália, “passiva —, o ministro dos Negócios
nhecido internacionalmente que Grécia e Chipre. Paris avisou Ancara Estrangeiros, Nikos Dendias, assegu-
deÆne os seus direitos de perfuração de que o Mediterrâneo Oriental não rava que a “Grécia não tem outra
ao longo de um corredor do Mediter- pode ser “terreno de jogo” para ambi- opção que não seja defender as suas
râneo Oriental. A Grécia reclama ções “nacionais”; “é um bem fronteiras nacionais e as fronteiras
jurisdição marítima em quase toda a comum” em que “o respeito pelo europeias”.
esta área incluída e, tal como Chipre, direito internacional deve ser regra e
denunciou um acordo “ilegal”. não excepção”. slorena@publico.pt Com a saída de Phil Hogan, a Irlanda pode perder o Comércio
24 • Público • Quinta-feira, 27 de Agosto de 2020
MUNDO
CIÊNCIA
Portugal já captou mais de mil
milhões do Horizonte 2020
O país tinha estabelecido a meta dos mil milhões de euros de Änanciamento para este programa europeu
de investigação e acabou de a ultrapassar. Ao todo, foram aprovados 2180 projectos
MIGUEL MANSO
Investigação (que atribui bolsas de
Financiamento europeu investigação milionárias) que as
Teresa Sofia Serafim entidades portuguesas têm obtido
mais Ænanciamento, neste caso cer-
Portugal já conseguiu captar 1020 ca de 135 milhões de euros. Segue-se
milhões de euros de Ænanciamento o programa Widening (destinado a
em projectos de investigação e ino- melhorar a capacidade dos sistemas
vação vindos do programa-quadro cientíÆcos nacionais com desempe-
europeu Horizonte 2020, anuncia nho inferior a 70% da média euro-
hoje em comunicado a Agência peia) com quase cem milhões, e o
Nacional de Inovação. Assinala-se Energia com cerca de 97 milhões de
ainda que Portugal ultrapassa assim euros. Em quarto Æcaram as bolsas
a meta dos mil milhões de euros de de investigação Marie Curie com
Ænanciamento que tinha sido Æxada mais de 87 milhões de euros. Estas
para este programa. Entre 2014 e bolsas apoiam a mobilidade dos
2020, o país apresentou 15.201 pro- investigadores dentro e fora da
postas a este programa e viu aprova- Europa e foram a iniciativa a que
das 2180, sendo 611 coordenadas por mais entidades portuguesas concor-
entidades nacionais. reram com cerca de 3000 propostas
O Horizonte 2020 é um programa em seis anos.
de financiamento que promove e
apoia a participação de empresas e Horizonte Europa quase aí
instituições em projecto de investi- Ao todo, este ano, o Horizonte 2020
gação e inovação. O orçamento glo- tem a concurso 11.000 milhões de
bal deste programa é superior a euros e alguns concursos estão ainda
77.000 milhões de euros para o abertos nos próximos meses. Como
período de 2014 a 2020. Até ao há ainda 7000 milhões de euros por
momento, Portugal captou mais de Portugal teve uma taxa de sucesso de 14,3% na aprovação de projectos pelo Horizonte 2020 Ænanciar, espera-se que Portugal
1020 milhões. No sétimo programa- consiga captar outros cem milhões,
quadro (também de sete anos, entre Financiamento para entidades portuguesas além dos 105 milhões que obteve este
2007 e 2013) tinha conseguido mais 176,64 ano, adianta-se no comunicado. Se
Em milhões de euros 170,04
de 564 milhões de euros e no sexto 155,24 144,36 assim for, este poderá ser o melhor
(de apenas quatro anos, entre 2003 135,71 132,52 ano de Portugal a nível do Ænancia-
e 2006) mais de 166 milhões. 126,62 mento dos programas-quadro na
Até agora, das 15.201 propostas 109,5 105,71 investigação cientíÆca, podendo-se
submetidas foram aprovadas 2180. ultrapassar os 200 milhões. O pacote
Desta forma, Portugal tem uma taxa 77,7 78,33 orçamental deste ano foi reforçado
de sucesso de 14,3%. No comunicado, 60,8 66,38 pelo Pacto Ecológico Europeu. Aqui,
58,87
refere-se que esta taxa é superior à 47,46 as entidades portuguesas podem vir
41,38
média da União Europeia, que é de 30,8 33,68 a captar mais de duas dezenas de
12,9%. Esta taxa tem sido superior à milhões de euros.
média europeia desde 2015. 0 Designado Horizonte Europa, o
O Horizonte 2020 é o primeiro 2003 04 05 06 2007 08 09 10 11 12 13 2014 15 16 17 18 19 2020 próximo programa-quadro iniciar-
programa-quadro europeu de inves- se-á em 2021 e durará até 2027. Na
tigação e inovação em que Portugal 6.º Programa- 7.º Programa- Programa Horizonte 2020 sua primeira proposta apresentada
é um beneÆciário líquido em vez de -Quadro de Investimento -Quadro de Investimento em 2018, este programa tinha cem
contribuinte líquido. Portugal contri- e Desenvolvimento e Desenvolvimento mil milhões de euros, passando ago-
Tecnológico Tecnológico
buiu em 1,2% para o programa e tem ra para mais de 80.000 milhões. No
uma taxa de retorno de mais de 1,6%. Fonte: Agência Nacional de Inovação PÚBLICO comunicado, Manuel Heitor refere
“Estes valores correspondem a uma que pretende duplicar no Horizonte
taxa de retorno do Ænanciamento
nacional de 1,66%, valor superior à
do programa, tendo conseguido
37,1% do Ænanciamento atribuído. As
PME e as grandes empresas obtive-
ram assim 27% de todo Ænanciamen-
Os centros Europa a meta estabelecida no Hori-
zonte 2020: “O balanço destes sete
meta do cenário mais optimista de instituições de ensino superior repre- to captado. Ao todo, participaram de investigação anos é muito positivo, alicerçando o
1,50% Æxada no início deste progra-
ma-quadro”, realça no comunicado
sentam 26,7%. Juntos, perfazem um
total de 63,8% do Ænanciamento.
522 empresas em Portugal e 316 delas
eram PME. O restante Ænanciamento
cientíÄca foram objectivo nacional de duplicar a par-
ticipação nacional em programas
Manuel Heitor, ministro da Ciência, Quanto ao sector privado, as foi destinado a instituições públicas, os principais competitivos europeus no próximo
Tecnologia e Ensino Superior.
Os centros de investigação cientí-
pequenas e médias empresas (PME)
retiveram 16,7% do Ænanciamento e
associações, entre outras.
Dentro do programa Horizonte
beneÄciários programa-quadro europeu.”
Æca foram os principais beneÆciários as grandes empresas 10,3% dele. As 2020, é do Conselho Europeu de do programa teresa.serafim@publico.pt
loja.publico.pt
Público • Quinta-feira, 27 de Agosto de 2020 • 27
CIÊNCIA
CULTURA
Um artista Ɗel à melancólica
liberdade da pintura
Nikias Skapinakis 1931-2020 Filho de pai grego e mãe portuguesa, foi um dos mais inventivos e irrequietos
pintores do Portugal contemporâneo. “A arte também serve para encantar, divertir e apaziguar”, escreveu
sagens urbanas e naturais, atraves- cores, os cromatismos, as formas provocação insinuaram-se nas suas
Obituário sou a segunda metade do século coloridas. séries pop dos anos 70, altura em
José Marmeleira XX, reinventando a sua obra, numa Nos anos 50, como escreve João que retratou também as
investigação serena da cor, da Ægu- Pinharanda no catálogo Nikias personagens do microcosmos
Nikias Skapinakis, o pintor Ælho de ração e da abstracção. Sem deixar Skappinakis — Antologia de sociocultural, no âmbito da série
pai grego e mãe portuguesa que foi de escutar, na sua solitária e irónica Guaches, pinta num lirismo Ele sempre foi uma Para o Estudo da Melancolia em
uma das mais inventivas e elegância, os repetidos anúncios da expressionista, sem se associar ao Portugal (1967-1974). São desta fase
irrequietas Æguras da arte extinção da própria pintura. neo-realismo, cenários, rostos, e pessoa com uma as pinturas porventura mais
portuguesa contemporânea, Nascido em Lisboa em 1931, quotidianos urbanos e suburbanos, vivacidade e um conhecidas do público, como
morreu ontem no Hospital dos começou por estudar arquitectura já com uma nota de melancolia que Enlevo de Miss Europa (1973), em
Lusíadas, em Lisboa, aos 89 anos. na Escola de Belas-Artes, mas persistiria e atravessaria sucessivas colorir na sua que a pintura mitológica e o nu
Representado nas mais deixou-se seduzir pela arte de séries e fases. Aos pouco, do seu obra... e quando eu feminino surgem dessacralizados
importantes colecções públicas e pintar que, viria a escrever, “não seu paisagismo foram-se ausentado por meio da exploração da estética
privadas do país, objecto de várias serve só para inquietar, ou Æguras, privilegiando uma vi a [última] do cartaz, com clara inÇuência da
antológicas (Museu do Chiado, provocar, mas também para dimensão metafísica que se juntava exposição tremi. pop art, e Encontro de Natália
1996; Museu de Serralves, 2000; encantar, divertir e apaziguar”. ao seu pendor expressionista e Correia com Fernanda Botelho e
Fundação Arpad-Szenes, 2006), a Estreou-se em 1948 na IIIª lírico. Nos anos 60, porém, abre-se Era uma exposição Maria João Pires (1974). Nas décadas
última das quais em 2012, no Exposição Geral de Artes Plásticas, à Æguração, mostrando-se com tons negros. seguintes, comenta e pinta, com a
Museu Colecção Berardo, foi um ao lado de Júlio Pomar, Fernando igualmente sensível às fontes sensibilidade da sua paraÆguração,
artista Æel ao impulso inútil, Lanhas, entre outros, com uma (literárias, históricas, gráÆcas e Foi um sinal de outros elementos da história de
libertador e iniciador de toda a obra na qual se desvelavam já duas iconográÆcas), ao cartaz, ao despedida arte, como na série Naturezas, e faz
arte, insistindo serenamente na disposições às quais voltaria design, e à publicidade, por vezes ilustrações; nos anos 80, começa
pintura, consciente da amável amiúde: o gosto pela representação num alheamento consciente em Fernando Santos olhar para a paisagem, após
ambiguidade desse vetusto ofício. de formas humanas e paisagens, e relação ao telos da história da arte. Galerista viagens ao Vale dos Reis, no Egipto,
Pintor de retratos, objectos, pai- o deleite pelo trabalho com as A sensualidade, o humor e elemento que continuará a
SHAMILA MUSSA
explorar, em tangentes à
abstracção, nas décadas seguintes.
Nas últimas exposições, no
Teatro da Politécnica, em Lisboa, e
na Galeria Fernando Santos, no
Porto, a melancolia parecia já dar
lugar a um certo dramatismo. “Ele
sempre foi uma pessoa com uma
vivacidade, um colorir na sua
obra… e quando eu vi a exposição
tremi. Era uma exposição com tons
negros. E para mim foi um sinal de
despedida”, contou ao PÚBLICO,
emocionado, o galerista Fernando
Santos, recordando o choque que
sentiu ao ver as obras que o artista
lhe entregou para Descontinuando:
Pintura e Desenho — 2018-2019, a
sua última exposição no Porto, que
em breve deveria ser apresentada
no Museu de Amarante. Nikias
Skapinakis queria expô-la num
espaço mais recatado da galeria,
lembra ainda Fernando Santos,
homenageando um dos artistas
mais organizados que conheceu,
sempre preocupado com a sua
obra, com um proÆssionalismo e
uma dedicação extremos. “Tive o
privilégio de conhecer um grande
artista. Era uma pessoa
extraordinária. Uma força da
natureza que adorava aquilo que
Nikias Skapinakis, um pintor da figuração e da cor, abandonou-se aos tons negros na sua última exposição fazia.” com Isabel Coutinho
Público • Quinta-feira, 27 de Agosto de 2020 • 29
CULTURA
Música Livros
Cristina Fernandes
The Discomfort of Evening, o romance
Até 20 de Setembro, de estreia de Marieke Lucas Rijneveld
(n. 1991), natural da Holanda, é o livro
o festival dá voz às novas
vencedor da edição deste ano do Pré-
gerações de criadores mio Booker Internacional. A cerimó-
e intérpretes, mas também nia, que decorreu ontem à tarde, foi
a obras intemporais transmitida em directo através do
YouTube.
A bienal Aveiro_Síntese, organizada Destinado a recompensar livros
pela associação Arte no Tempo, está traduzidos para inglês, este prémio,
de regresso à cidade, com dez con- cujo valor pecuniário é de 50 mil
certos que darão a ouvir, até 20 de libras (quase 56 mil euros), é partilha-
Setembro, novas criações de compo- do entre o autor e o tradutor, neste
sitores portugueses e estrangeiros caso, a tradutora Michelle Hutchison.
em conjunto com obras de referên- A decisão cabe anualmente a cinco
cia da música electroacústica e incur- jurados, que este ano foram liderados
sões pelo legado de Æguras intempo- pelo editor, escritor, crítico e acadé-
rais como John Dowland (1563-1626) mico britânico Ted Hodgkinson.
e Ludwig van Beethoven (1770-1827), O livro de estreia de Marieke Lucas
cujo 250.º aniversário se comemora Rijneveld, uma pessoa não binária
em 2020. A quarta edição do festival que se identiÆca com pronomes neu-
inicia-se hoje, às 22h, na Igreja das tros, “é um romance com uma força
Carmelitas, precisamente com o pro- inegável” que demonstra “talento e
grama Dowland vs Barrett, por Hugo habilidade electrizantes” e “ganha
Simões (guitarra) e Nádia Carvalho força” a cada nova leitura, sublinhou
(electrónica), que apresentam obras Ted Hodgkinson ao anunciar o título
do compositor inglês em diálogo O grupo de câmara ars ad hoc nasceu em 2018 impulsionado pelo Aveiro_Síntese premiado. The Discomfort of Evening,
com a exploração que dele faz a sua editado originalmente em 2018 na
compatriota Natasha Barrett, bem Marta Navarro; e na próxima quinta- o concerto de dia 20 dará a ouvir, ao apesar de cada um dos instrumen- Holanda, onde foi um best-seller,
como algumas improvisações. feira poderá ali ouvir-se emblemáti- lado da histórica Voyage Absolu des tistas vir de uma escola diferente há demorou seis anos a escrever e foi
Estreias absolutas e primeiras ca obra de Luigi Nono La Lontanan- Unari vers Andromède, de Xenakis, um objectivo partilhado: “Aperfei- inspirado pelos sentimentos de per-
audições em Portugal distribuem-se za Nostalgica Utopica Futura, para a compositores em formação ou çoar a abordagem nos aspectos téc- da e de luto causados pela morte do
por concertos em que a tecnologia qual o violino de André Gaio Pereira recém-formados escolhidos pela nicos para podermos soar como um irmão de Marieke. Centra-se numa
tem um papel primordial, em diálo- se conjugará com a projecção sonora Arte no Tempo no âmbito do pro- organismo uno, visando alcançar rapariga de 12 anos que cresce numa
go com intérpretes e agrupamentos de Ricardo Guerreiro e o desenho de grama Música em Criação, que em algum tipo de perfeição.” Por isso quinta no seio de uma família muito
que, não obstante os seus percursos luz de Pedro Fonseca. 2020 destaca Cláudio de Pina e Mar- considera crucial “ter uma visão a
ainda breves, se têm destacado. ta Domingues. longo prazo e desenvolver uma voz Marieke Lucas
Criação e formação Rijneveld
Salientam-se, entre outros, a Orques- No plano da interpretação, a Arte própria”, o que se cruza “com as
escreveu
tra XXI, que reúne músicos portu- Criado em 2002 para conhecer o no Tempo serviu em 2013 de impul- escolhas dos programas e dos mem- o seu primeiro
gueses residentes no estrangeiro repertório da música electroacústi- so à criação da Orquestra XXI, que bros do grupo, as parcerias com ins- romance em
num programa que inclui a estreia ca, combinando obras históricas e entretanto se autonomizou, e, em tituições e as colaborações com com- torno da morte
nacional de Radio Rewrite, de Steve novas criações, o festival Aveiro_Sín- 2018, do grupo de câmara ars ad hoc, positores”. do irmão
Reich, e obras de Iannis Xenakis e tese foi retomado em 2016 enquanto formado por instrumentistas ainda Em 2019, o ars ad hoc trabalhou
Giacinto Scelsi (dia 5); o mais recen- bienal, dedicando especial atenção jovens que complementaram os seus com Beat Furrer, de quem fez a devota cuja vida é virada ao contrário
te projecto do percussionista Nuno à música de câmara mista e à integra- estudos no estrangeiro. Tendo em estreia nacional do quinteto intorno quando o irmão desaparece.
Aroso, Clamat — colectivo variável ção de músicos em formação. Actual- vista os Dias da Música de 2020, o al bianco (2016). “Estudámos várias Em Portugal, o livro será editado
(dia 19); e os dois concertos do grupo mente, integra o cartaz do Teatro Centro Cultural de Belém encomen- obras suas que são tecnicamente no próximo ano pela editora Dom
de câmara ars ad hoc, com música Aveirense e conta com Ænanciamen- dou ao ars ad hoc dois programas à muito exigentes e têm uma lingua- Quixote. O seu título português não
de Beethoven e novas composições to da DGArtes e das EEA Grants, volta da nova música inspirada em gem tão particular que requerem é ainda conhecido.
por ela inspiradas (dias 30 e 4). estando a programação a cargo de Beethoven: suspensos devido à pan- anos de estudo e performance”, diz Estavam nomeados ao Booker
Já amanhã, às 22h, no Claustro da Diana Ferreira, crítica do PÚBLICO. demia, integram agora o Aveiro_Sín- Pedro Vaz. É possível que o ars ad International de 2020 outros cinco
Igreja da Misericórdia, terão lugar A aposta nos jovens tem eco em tese. O primeiro, no domingo, inclui hoc venha a gravar música de Beat autores: Shokoofeh Azar, Daniel
duas performances de electrónica, concertos como o de dia 6, Nova a estreia de quartetos de cordas de Furrer, mas não antes de 2022. Dos Kehlmann, Gabriela Cabezón Cama-
com o artista sonoro e designer Car- Música para Novos Músicos, sequên- João Carlos Pinto e Ricardo Ribeiro planos do grupo fazem parte possí- ra, Yoko Ogowa e Fernanda Melchor.
los Santos e com o compositor e per- cia de um projecto que prevê a e a Grande Fuga, op. 133, de Beetho- veis colaborações com compositores Quanto ao Booker Prize deste ano,
former João Carlos Pinto. Neste mes- encomenda de obras mistas a com- ven. O segundo, no dia 4, gira à volta consagrados como Enno Poppe e para romances escritos originalmen-
mo espaço, mas no sábado, será positores portugueses, destinadas da Sonata op. 111, de Beethoven, con- Helmut Lachenmann, mas também te em inglês, a shortlist de seis Æna-
assinalado o centenário de O Gabine- à formação de alunos de diferentes tando com a estreia de obras de Car- com compositores mais jovens “que listas (ainda há 13 na corrida) será
te do Dr. Caligari (1920), de Robert níveis. Serão então estreadas peças los Caires e Kristine Tjøgersen. mostram estar num caminho prome- anunciada a 15 de Setembro e o nome
Wiene, cuja exibição conta com de Carlos Caires e Luís Pena, sob a O violoncelista Pedro Vaz, director tedor, tanto em Portugal como nou- do vencedor será dado a conhecer
música ao vivo por Tiago Cutileiro e direcção de Nuno Aroso. Também artístico do ars ad hoc, explica que tros países”. em Novembro. PÚBLICO
COLECÇÃO NOVELA GRÁFICA VI
ECONÓMICA OU EXECUTIVA: O MELHOR DA LITERATURA ILUSTRADA
A ALEGORIA DA LUTA DE CLASSES
NUM CLÁSSICO INTEMPORAL VOL. 2 – O EXPRESSO DO AMANHÃ II,
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COM O PÚBLICO
Nem mesmo a morte do seu criador foi capaz de travar a viagem de O Expresso do Amanhã! Após o falecimento de Jacques Lob, Rochette
juntou-se a Legrand em O Explorador e A Travessia, segundo e terceiro capítulos desta tão aclamada trilogia, para continuar a explorar a questão
ambiental e a desigualdade social: la lutte des glaces et des classes. “Um clássico de culto da ficção científica distópica” (io9) que ainda segue EDIÇÃO
viagem nos dias de hoje, tendo inspirado o filme Snowpiercer, de Bong Joon-Ho (realizador de Parasitas), e a mais recente série homónima da Netflix. EM CAPA DURA
INÉDITA EM
PORTUGUÊS
Colecção de 14 volumes. PVP unitário: 10,90 €. Preço total em Portugal Continental: 152,60 €. Periodicidade semanal aos sábados, entre 22 de Agosto e 21 de Novembro.
Formatos variados, mediante os formatos originais das obras. N.º médio de páginas: 139. Limitado ao stock existente.
Público ClassiÄcados • Quinta-feira, 27 de Agosto de 2020 • 31
Universidade de Aveiro
Processo de Seleção e Recrutamento (M/F)
Publicita-se a abertura do seguinte processo de seleção e recrutamento no sítio da Área de
Recursos Humanos da Universidade de Aveiro (https://www.ua.pt/pt/sgrh/pessoal-tag-no-
vos-concursos-e-ofertas): Contratação de Doutorado/a(s) nas áreas de Infor-
Nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 23.º dos Estatutos da Universidade de Aveiro,
na versão homologada pelo Despacho Normativo n.º 1-C/2017, publicados na 2ª Série do
mática, Engenharia Eletrotécnica e de Computadores,
Diário da República, de 24 de abril de 2017, e do Regulamento Interno de Carreiras, Retri- Engenharia Biomédica ou áreas científicas afins.
DESCUBRA buições e Contratação de Pessoal não Docente e não Investigador em Regime de Contrato
de Trabalho, publicado na 2ª Série do Diário da República n.º 223, de 17 de novembro de Informa-se todos os potenciais candidatos interessados
SELECÇÃO
Ref.ª CND-CTST-65-ARH/2020 – 1 Assistente Técnico, na 2ª posição remuneratória
(€791,91), acrescido do direito a subsídios de refeição, de férias e de Natal, para ocupar o doutorado(a) ao abrigo de projecto aprovado no âmbito do
DE VINHOS
posto de trabalho de Técnico de Eletricidade, nos Serviços de Gestão Técnica da Universi- concurso SAICT-45-2017-02, projeto “DigiScope2”.
dade de Aveiro, com as seguintes atribuições:
• Manutenção preventiva dos quadros elétricos existentes nas instalações da Universidade Mais informações deverão ser consultadas em:
NA LOJA de Aveiro;
• Manutenção corretiva e deteção de avarias nas áreas de baixa tensão;
http://www.eracareers.pt, ou em https://www.it.pt/positions
DESPORTO
Especialistas admitem crime
Ɗscal na Belenenses SAD
Sociedade gerida por Rui Pedro Soares considera que os adiantamentos salariais sem processamento
são “prática corrente no futebol”. Autoridade Tributária, Segurança Social e Liga ainda não reagiram
MÁRIO CRUZ/LUSA
Futebol
Paulo Curado
A Belenenses SAD defendeu ontem
que o adiantamento de salários sem
o devido processamento é uma situa-
ção normal no futebol português e até
noutros sectores de actividade. Em
comunicado, a sociedade gerida por
Rui Pedro Soares considera que não
foi cometida qualquer irregularidade,
como sugeria o PÚBLICO na edição
de ontem. Especialistas em direito
Æscal e auditores discordam.
A posição é unânime: salários
adiantados e não processados impli-
cam que não sejam pagas atempada-
mente verbas ao Æsco e contribuições
para a Segurança Social. Em causa
está uma investigação do PÚBLICO às
contas da Belenenses SAD, em que se
constata que tem sido prática corren-
te o adiantamento de vencimentos
sem o devido processamento ou sem
serem emitidos os respectivos recibos
de vencimento.
Uma situação que é assumida nas
próprias contas da SAD e sublinhada
pelos auditores que as certiÆcaram.
“Em 30 de Junho de 2019 [último
relatório e contas respeitante à tem-
porada 2018-19], a rubrica ‘Remune-
rações a Pessoal’ diz respeito a paga-
mentos efectuados a funcionários
[998.810,12 euros], cujo processa-
mento salarial não foi realizado”, Muitos jogadores e outros funcionários da Belenenses SAD não têm tido os vencimentos processados
como pode ler-se no anexo às
demonstrações Ænanceiras. Já ante- SAD considera não estar em falta com sição das remunerações [a funcioná- processamento salarial, as empresas a administração de Rui Pedro Soares,
riormente, nas contas da temporada os impostos: “A informação veiculada rios ou colaboradores]. Portanto, no acabam por ganhar uma folga na em comunicado.
2017-18, a administração da SAD pelo PÚBLICO sobre o processamen- momento em que a empresa coloca tesouraria”, explicou. Este jurista sublinhou ainda que os
assume que “esta situação implica a to de salários tem como fonte os Rela- à disposição de um trabalhador o Enquadramento diferente teriam tribunais Æscais já decidiram há mui-
falta de pagamento de retenções na tórios e Contas (R&C) da Belenenses salário devido, é nesse momento que os empréstimos a funcionários. “Se to que as certidões da AT e da Segu-
fonte na AT e de contribuições para SAD. Os R&C são publicados no nosso terá de fazer a retenção na fonte do uma empresa não está a fazer um rança Social de inexistência de dívidas
a Segurança Social”. site e enviados à AT. A AT nunca orde- imposto”, explicou ao PÚBLICO o adiantamento de remunerações, — que são, por exemplo, entregues na
Também no Ænal do exercício de nou correcções às contas. A Belenen- Æscalista Luís Leon, da auditora mas sim um Ænanciamento (emprés- Liga Portuguesa de Futebol ProÆssio-
2017-18, a situação mereceu uma ses SAD apresenta todos os anos à Deloitte, sem se referir ao caso con- timo), esse Ænanciamento em si mes- nal, para que seja obtido o licencia-
reserva da Sociedade de Revisores Liga de Clubes a certidão da AT e da creto da Belenenses SAD. mo não tem de pagar IRS. Só terá no mento nas competições — servem
OÆciais de Contas, Oliveira, Reis & Segurança Social de situação contri- Opinião partilhada por Joaquim momento em que, de facto, for feito apenas para cumprir formalidades.
Associados. “Encontra-se em curso butiva regularizada.” Pedro Lampreia, sócio da área Æscal o processamento salarial”, ressalvou Mas, garante, não fazem prova de que
um processo de conferência de sal- A administração da SAD vai mais da sociedade de advogados Vieira de Luís Leon. os impostos estão em dia.
dos devedores relacionados com longe e diz que esta é “uma prática Almeida, que, também em termos Outros especialistas contactados O PÚBLICO procurou obter reac-
remunerações do pessoal (…), o qual corrente no futebol (e em outros sec- abstractos, encontra motivos para as pelo PÚBLICO referiram-se à questão ções junto da AT, do Instituto da
à data do presente relatório [29 de tores) que não gera o pagamento de empresas, por vezes, recorrerem a concreta da Belenenses SAD, mas Segurança Social e da Liga sobre
Março de 2019] ainda não se encon- imposto ou contribuição.” Os espe- este tipo de expedientes. “Normal- preferiram manter o anonimato. Um este assunto mas, até à hora de
tra concluído”, como é mencionado cialistas têm outra opinião. mente, estas situações acontecem deles, auditor e especialista em direi- fecho desta edição, não teve qual-
no documento de CertiÆcação Legal “A Lei Fiscal diz que o momento do quando existem problemas de tesou- to Æscal, considerou que o caso se quer resposta.
das Contas (CLC). pagamento do imposto é o momento raria. Poupando nas verbas para a enquadra no âmbito de um crime
Mas, em comunicado, a Belenenses do pagamento ou colocação à dispo- Segurança Social e no IRS, ao adiar o Æscal, ao contrário do que defendeu pcurado@publico.pt
Público • Quinta-feira, 27 de Agosto de 2020 • 33
DESPORTO
NUNO FERREIRA SANTOS
A geografia
do liberalismo
200 anos da Revolução Liberal O Porto foi um lugar central
na geograÄa da instauração do regime liberal que se consolida
com a Regeneração, em 1851. É aí que se faz o primeiro
pronunciamento e se desenrola o principal episódio da guerra
civil, num mapa de instabilidade e conÅito que abrange Vila
Franca de Xira, Angra ou Évora Monte. Último ensaio da série
que o PÚBLICO dedicou aos 200 anos da Revolução Liberal
Conceição Meireles Pereira
Estava reservada à boa, e leal, propiciara a circulação de ideias e a nal do Governo Supremo do Reino. Regressado do Brasil em julho de com a Espanha a sentar Fernando VII
e heróica Cidade do Porto a nova convivência com numerosos estran- Do Porto, a Revolução disseminou- 1821, por solicitação das Constituintes, no trono e a restaurar o regime abso-
glória de restaurar a legítima geiros, tanto de passagem como resi- se por outros centros urbanos do D. João VI tinha já jurado as bases da luto, com a ajuda do Exército francês
liberdade dos Portugueses: cumpria dentes. Cidade do trabalho, burgue- país; na capital ocorreu um levanta- futura Constituição e, não obstante mandatado pela Santa Aliança. Dois
a esta segunda Capital do Reino sa e reivindicativa, nos inícios de 1818 mento a 15 de setembro, altura em infundir em muitos liberais alguma meses depois, em 27 maio de 1823,
obrar um Feito memorável, foi palco da criação do Sinédrio, ini- que os revolucionários do Norte ini- desconÆança, comportar-se-ia como uma insurreição armada em Vila
que salvasse a Pátria comum…. ciativa de Manuel Fernandes Tomás, ciavam a sua marcha sobre Lisboa e, um monarca constitucional no biénio Franca de Xira, liderada pelo infante
(Diário Nacional, n.º 1, que, usando do maior segredo para em 28 de setembro, Norte e Sul fun- subsequente. A ameaça absolutista D. Miguel, proclamava também a
26.8.1820) escapar ao radar policial, agregou diram-se numa nova Junta Provisio- residia, ainda assim, no seio da família restauração do absolutismo em Por-
até 1820 mais doze elementos, per- nal, sendo um dos seus encargos a real, nas pessoas da rainha Carlota tugal, conÆante no auxílio francês,
A
lguns lugares marcaram mitindo-lhe divulgar jornais e livros organização de eleições para as Cor- Joaquina e de seu Ælho D. Miguel, que eventualmente projetando com sua
particularmente a geogra- proibidos, estabelecer contactos tes Constituintes, que decorreram em aproveitaram a independência brasi- mãe a abdicação de D. João VI. Foi
Æa do liberalismo, desde a com alguns revolucionários da capi- dezembro. leira (7 de setembro de 1822) — temida todavia o rei que, no Ænal do mês, se
eclosão da Revolução até tal e com personalidades civis e mili- A dinâmica deste movimento por todos mas particularmente dura deslocou a Vila Franca e obrigou o
ao Æm da segunda guerra tares de vários pontos do Norte do revolucionário que se iniciara em para os liberais, que se assim viam ruir Ælho a submeter-se. Mas no seu retor-
civil, ao longo de um con- país, bem como realizar reuniões agosto não esteve todavia isenta de um dos objetivos da Revolução, que no vitorioso a Lisboa, algo de subs-
turbado período de 27 anos. O Porto com emissários espanhóis. fações, sentia-se a tensão entre o era reconduzir o Brasil à condição de tancial tinha mudado — D. João VI
foi o rastilho. Por que motivo esta O 24 de Agosto amanheceu com “partido militar”, liderado por Antó- colónia — para capitalizarem o des- optou por uma estratégia de compro-
cidade encabeçou a revolta contra a um pronunciamento militar no Cam- nio Silveira e Sebastião Cabreira, e o contentamento geral dos setores mais misso, dissolvendo as Cortes e pro-
insatisfação que crescia desde as po de Santo Ovídio (atual Praça da grupo dos civis e homens de leis, em tradicionalistas da população, alentar metendo a modiÆcação da Constitui-
invasões napoleónicas e se agravara República) e uma salva de 21 tiros que se destacavam Fernandes a campanha de descredibilização e ção, na prática, o regime tornara-se
com a tutela britânica do país que anunciou o início da Revolução; Tomás, Ferreira Borges e Silva Car- culpabilização das Cortes, recusando- absoluto —, era o primeiro sinal de
assumira o poder desde a saída da seguiram depois para a câmara valho. Se o retorno ao absolutismo se até a rainha a jurar a Constituição alarme para muitos liberais, que
Corte? Entre outros fatores, devido municipal, onde os seus represen- a todos preocupava, por outro lado, aprovada em 23 de setembro. optaram pelo exílio.
ao seu cosmopolitismo, suscitado tantes e a vereação se reuniram, ten- os liberais estavam longe de serem A conjuntura ser-lhes-ia ainda mais A Vilafrancada mostrara a força do
pelo trato mercantil que sempre lhe do deliberado criar a Junta Provisio- um grupo coeso e unido. favorável no ano seguinte, em abril, movimento anticonstitucional, dera
Público • Quinta-feira, 27 de Agosto de 2020 • 35
Inquérito
de Proust COM O APOIO DE:
David Marçal
Pág. 39
DANIEL ROCHA
só se podia preparar fora do país, do venção de Évora Monte, uma vila do
continente pelo menos. Os exilados atual concelho de Estremoz, onde D.
— sobretudo em Inglaterra e em Miguel se havia acantonado após
França, países que nunca reconhe- uma série de derrotas que provoca-
ceram o regime de D. Miguel — mobi- ram pesadas baixas e deserções do
lizaram-se para esse desiderato. Em seu exército. Abandonou deÆnitiva-
1831, D. Pedro abdicou do trono bra- mente o país após aceitar os termos,
sileiro e tomou o comando da causa aliás honrosos, da capitulação —
liberal; dirigiu-se àqueles países para achava D. Pedro que era necessário
recolher apoios e fundos com o Æto unir os portugueses.
de organizar uma expedição militar Mas esse não era um objetivo fácil
que libertaria Portugal da sujeição em tempos de grande conturbação.
absolutista. Afastado o perigo legitimista, era
A reunião das forças liberais deu-se entre os liberais que avultavam os dis-
na ilha Terceira, que logo em 1828 se sídios — o liberalismo português não
revoltara contra o rei absoluto e foi se cumpriria sem passar por outra
recebendo milhares de exilados, for- luta fratricida e nova intervenção de
mando um governo provisório sob a tropas estrangeiras. A revolta da Maria
regência de Palmela. Lisboa bem ten- da Fonte e a Patuleia opuseram em
tara submeter a ilha pelas armas mas, 1846-1847 os cartistas (moderados-
ao invés, todo o arquipélago açoriano conservadores) e os setembristas
foi conquistado pelos liberais, aí (progressistas-radicais). A primeira,
fazendo um “embrião de Estado” iniciada no Minho mas logo se espa-
com base na legislação de Mouzinho lhando ao resto do país, sublevou-se
da Silveira. A cidade de Angra foi contra a atuação do poderoso minis-
então nomeada capital do reino (mar- tro do Reino, Costa Cabral, levando à
ço de 1830) e pelos serviços prestados formação de um governo cheÆado por
ao movimento liberal logo passaria a Palmela, que todavia mal completou
denominar-se Angra do Heroísmo cinco meses no poder. A sua substitui-
(decreto de 15 de janeiro de 1837). ção por Saldanha não evitou que a
insurreição se reacendesse, e a Patu-
A caminho da Regeneração leia lavrou por oito meses, até à Con-
Em junho de 1832, a esquadra coman- venção de Gramido (Valbom, Gondo-
dada pelo britânico Rose George Sar- mar) realizada em 29 de junho de
torius rumou à costa norte de Portu- 1847, e assinada, de um lado, pelos
gal com sessenta navios e mais de oito comandantes das forças militares
mil homens (muitos deles mercená- espanholas e britânicas que intervie-
rios e auxiliares de diversas naciona- ram na guerra ao abrigo da Quádrupla
o mote à contrarrevolução, com uma guia uma política de conciliação, con- lidades), tendo pretendido desembar- Aliança e, do outro, pelos represen-
ala centrista simbolizada pelo rei e tornando alguns traços mais “radi- Angra (na fotografia) car em Vila do Conde, mas tal foi tantes da Junta do Porto — um acordo
seu governo e outra extremista pro-
tagonizada por Carlota Joaquina e D.
cais” do vintismo, como revela a
outorga da Carta Constitucional que torna-se a capital do impedido pelas autoridades locais (o
padrão comemorativo aí erguido evo-
que selou a derrota dos setembristas.
Pelo Artigo 2.º deste tratado Æcou
Miguel. Esta voltaria a conspirar e
provocou outra insubordinação no
substituiu a Constituição de 1822.
Em fevereiro de 1828, D. Miguel
Portugal liberal em ca essa tentativa). O desembarque
acabou por dar-se um pouco mais a
estabelecido que as tropas espanholas
ocupariam a partir do dia seguinte a
ano seguinte — a Abrilada —, colocan-
do novamente em confronto o rei e o
regressou de Viena (onde fizera o
juramento da Carta, que inclusive
1830. É para aí que sul, na tarde de 8 de julho, na Praia
dos Ladrões, em Arnosa de Pampeli-
cidade do Porto e Vila Nova de Gaia
para paciÆcar o território, superinten-
infante, mas mais uma vez o primeiro renovou à chegada, juntamente com rumam os exilados do, onde seria erigido o Obelisco da der sem represálias a rendição e entre-
subjugou o segundo, que teve de se
exilar, enquanto D. João VI consolida-
os votos de fidelidade a D. Pedro e D.
Maria II) mas as suas ideias não políticos. Angra, que Memória.
Os “7500 bravos do Mindelo” ou
ga de armas por parte do exército da
Junta do Porto e assegurar a seguran-
va o seu absolutismo “moderado”.
Muitos liberais prosseguiam o cami-
tinham mudado: aproveitando o cli-
ma de forte tensão no país, onde se em 1837 passa a “Exército Libertador”, que incluía o
Batalhão dos Académicos integrado
ça da população, enquanto o Castelo
da Foz seria ocupado pelos ingleses e
nho do desterro. notava o predomínio dos absolutistas,
e o apoio da Espanha e da Áustria,
chamar-se Angra do por Garrett e Herculano, alcançaria o
Porto logo no dia seguinte, pois ape-
no rio Douro estacionariam vasos de
guerra das potências aliadas. Nova-
O “terror” miguelista
Com a morte do rei (março de 1826)
igualmente favoráveis à restauração
do absolutismo, dissolveu as Cortes
Heroísmo, é com o sar da expressiva superioridade
numérica das hostes absolutistas era
mente o Porto como cenário na histó-
ria e na geograÆa do liberalismo.
colocaram-se ao liberalismo portu- no mês seguinte, para as convocar em Porto ou Vila Franca na capital que a sua estratégia de Todavia, a clemência face aos ven-
guês novos quadros políticos e tam-
bém geográÆcos. D. Pedro, seu pri-
maio — por ordens, à maneira antiga
— sendo aí aclamado rei absoluto em de Xira um lugar defesa incidia. No entanto, os liberais
e a população da cidade não seriam
cidos, inclusive por parte da rainha,
deixou muito a desejar, e a instabili-
mogénito e imperador do Brasil, foi
aclamado D. Pedro IV, mas logo abdi-
julho. Era o início do “terror” migue-
lista que durou seis anos e, além de
de referência na poupados ao prolongado e doloroso
Cerco do Porto, um dos lances mais
dade subsequente clamava pela
“Regeneração” (1851). Este, aliás, foi
cou a favor de sua Ælha de sete anos,
Maria da Glória, na condição de esta
execuções, assassínios e conÆsco de
bens, fez milhares de presos enquan-
geografia do emblemáticos desta guerra civil.
A paz só seria assinada quase dois
um tópos reiteradamente almejado
pelo Oitocentismo português.
se casar com o tio Miguel, a quem to outros milhares fugiram.
O derrube deste regime despótico
liberalismo anos depois (26 de maio de 1834) no
coração do Alentejo, através da Con- FLUP/CEPESE
caberia a regência do reino — perse-
36 • Público • Quinta-feira, 27 de Agosto de 2020
Almeida Garrett
O poeta “oficial” da Revolução DR
Portugal, a denotar uma abordagem
Conceição Meireles pré-etnográÆca.
Pereira Foi soldado (um dos “7500 bravos
do Mindelo”), viveu o trauma da
Se na nossa cidade há muito quem luta fratricida (que plasmou em
troque o b por v, há muito pouco várias obras), foi diplomata
quem troque a honra pela infâmia, e (Bruxelas e Santa Sé), deputado
a liberdade pela servidão. (rivalizando com José Estêvão na
(Lyrica de João Mínimo, Londres: oratória parlamentar) e ministro
Sustenance e Stretch, 1829, p. 186) (por poucos dias). Foi um
setembrista, amigo de Passos
N
ascido no Porto, Almeida Manuel, que o incumbiu da reforma
Garrett tinha 10 anos do teatro num país que quase não o
quando a família, abastada tinha; foi sobretudo um
e culta, compelida pelas anticabralista convicto e protestou
invasões francesas optou com veemência contra muitas das
por residir na Terceira, medidas de Costa Cabral,
dada a origem açoriana de seu pai. designadamente a “lei das rolhas”.
Retornou para ingressar no curso Acalmados os ânimos, a
jurídico da Universidade de Regeneração (1851) trouxe-lhe a
Coimbra (1816-1821), onde viveu consagração na vida pública e
anos intensos, de grande agitação, política. Porque a consagração na
tal como o país. literatura já tinha chegado bem
Começou a escrever muito jovem, antes a este poeta, romancista,
na ânsia de plasmar os seus ideais dramaturgo e ensaísta que é, para
humanitários em prol da liberdade muitos, o mais representativo
e da causa da Pátria — pelos seus escritor do Romantismo português,
poemas logo se destacou na que ousou inovar em diversas
Academia, também ela varrida frentes e, ao mesmo tempo, deixou
pelos ventos liberais que se um legado duradouro. Tal como
impunham de fora e a situação do Herculano, foi dos primeiros entre
país reclamava. nós a desfrutar desse
Em meados de fevereiro de 1820, reconhecimento em vida.
Garrett teria já alguma noção do Dandy e extrovertido, não foi
plano revolucionário que o Sinédrio isento de vaidades nem abandonou
urdia no Porto. A 9 de agosto estaria o ponto de vista da classe
por dentro dele, pois nesse dia, dominante, mas também nunca
nesta cidade, escreveu o poema “As renunciou ao seu progressismo
férias”, que só deu à estampa em ideológico e a preocupações cívicas
1829, na coletânea Lírica de João e humanitárias, criticando abusos
Mínimo, publicada em Londres (no da burguesia e defendendo os
exílio, portanto), e aí datado de 1819 fracos e oprimidos: “E eu pergunto
(Garrett atribuiu datas erradas a sendo muito próximo dos deÆniu como “um discurso político, patamar da maturidade política do aos economistas políticos, aos
vários poemas, como explicou conspiradores se pode em que se pretende provar que a jovem de 22 anos, forjada na leitura moralistas, se já calcularam o
Ofélia Paiva Monteiro). Nele compreender que se tenha tornado, revolução feita no Porto no referido dos grandes pensadores. número de indivíduos que é forçoso
aÆrmava que havia no Porto o tão rápida e facilmente, o poeta dia, foi legítima, e necessária para Parecia-lhe imperioso justiÆcar a condenar à miséria, ao trabalho
“gérmen” de “elementos “oÆcial” da Revolução. E continuou salvar a nação”. Aliás, Garrett vinha legitimidade da Revolução do Porto desproporcionado, à
escondidos” que trariam “vida profusamente a cantar e a reÇetir acompanhando os trabalhos das e da ação dos “Pais da Pátria” dada a desmoralização, à infâmia, à
nova” e de onde “houve nome sobre o movimento revolucionário Constituintes, escrevendo poemas força da contrarrevolução ignorância crapulosa, à desgraça
Portugal” surgiria “a nobre nos jornais, em ações festivas e atos fáticos que exaltavam as suas absolutista. E tinha razão, pois ela invencível, à penúria absoluta, para
independência doutras eras”. oÆciais. Mas também a exigir dele o deliberações, como acontecera em logo se manifestaria nos golpes de produzir um rico?” (Viagens na
O “Alceu da Revolução de Vinte”, que o seu credo demoliberal fevereiro, com a aprovação da lei de 1823 e 1824, e mais intensamente no Minha Terra). Cidadania, educação
como no Æm dos seus dias o próprio reclamava. liberdade de imprensa, ou, em reinado miguelista (1828-1834). e liberdade foram valores pelos
Garrett se intitulou, estava, pois, a Perto do primeiro aniversário da maio, declamando teatralmente na Nestas vagas de emigração liberal quais pugnou em diversas tribunas,
par dos preparativos da Revolução, Revolução, publicou aquele que plateia do São Carlos uma longa ode seguiu Garrett, primeiro para não fosse o seu “um século
encontrava-se no Porto no 24 de será o seu panÇeto mais marcante que exortava os deputados a exigir França, depois para Inglaterra, democrático: tudo o que se Æzer
Agosto, celebrando então o triunfo da fase vintista — O Dia Vinte e o regresso da Corte e o juramento onde viu mundo, bebeu modas há-de ser pelo povo e com o povo...
da liberdade numa ode inÇamada e, Quatro de Agosto, pelo cidadão J. B. régio das bases da Constituição. artístico-literárias, publicou ou não se faz” (Conferência no
logo no dia seguinte, compôs um S. L. A. Garrett — que oferece ao Perpassado pelos ideais de algumas obras e colheu inspiração Conservatório de Lisboa, 1843).
hino que foi de pronto impresso e Congresso Nacional, e Inocêncio liberdade, justiça e fraternidade, para outras — veja-se o seu
cantado a 27 no Teatro São João. Só Francisco da Silva certeiramente este opúsculo evidencia um novo Romanceiro, primeiro no género em FLUP/CEPESE
Público • Quinta-feira, 27 de Agosto de 2020 • 37
18º Beja
BRIDGE SUDOKU Sines
18º 27º
18º 36º
Dador: Sul dentes a paus, para além de duas perden- Problema 1-1,5m
Vul: NS tes a ouros. Um cabide.
O carteador jogou de forma mecânica 9938
Sagres
NORTE
para a primeira vaza, um erro comum. Dificuldade: 18º 26º
Faro
Uma vez que as entradas para a mão de
Ƅ AJ62 Sul são fundamentais para se poder ope-
Fácil 23º 37º
Ɔ 1093 19º
rar três cortes a paus no morto, o cartea-
Ƈ 97632 dor deveria ter feito a vaza inicial com o 0,5-1m
ƅQ Ás de espadas. A continuação seria bem Açores
simples: pau para o Ás e pau cortado, es- Corvo
pada para o Rei e novo pau cortado, espa- Graciosa
Terceira
OESTE ESTE da cortada com o Ás de trunfo (!) e o últi- Solução do Flores
Ƅ 107 Ƅ Q9853 mo pau cortado. A defesa fará duas vazas S. Jorge 22º 27º
problema 9936 20º 27º
Ɔ K42 Ɔ 65 a ouros e o Rei de trunfo apenas.
25º
Ƈ A1085 Ƈ KJ 24º Pico
ƅ J963 ƅ K1084 Considere o seguinte leilão: 0,5-1m
Faial
Oeste Norte Este Sul 1-1,5m
21º 26º
S. Miguel
1Ƈ
SUL 22º 26º
passo 1Ɔ passo 2ƅ
Ƅ K4 Ponta
passo 2Ɔ passo ?
Ɔ AQJ87 24º Delgada
Ƈ Q4 1m
0,5-1m
O que marcaria, com a mão seguinte?
ƅ A752 Madeira Sta Maria
QUESTIONÁRIO DE PROUST
“Snowden é o vivo que mais admiro”
RUI GAUDÊNCIO
Qual a sua ideia de felicidade
perfeita?
Não tenho. A ideia de “felicidade
perfeita” é meio caminho andado
para uma vida perfeitamente
infeliz.
Qual é o seu maior medo?
Não penso muito nisso, foco-me
em problemas que posso resolver.
O medo limita-nos muito.
Na sua personalidade, que
característica mais o irrita?
Talvez a indecisão que me suscita
esta pergunta!
E qual o traço de personalidade
que mais o irrita nos outros?
A ignorância arrogante.
Que pessoa viva mais admira?
Edward Snowden.
Qual a sua maior extravagância?
Na minha vida tenho quase sempre
escolhido fazer coisas que me
realizam, mesmo à custa de algum
risco.
Qual o seu estado de espírito
neste momento?
Tranquilo.
Qual a virtude que pensa estar
sobrevalorizada?
Estão praticamente todas.
Em que ocasiões mente?
Nunca neste tipo de questionários!
O que menos gosta na sua
aparência física?
Os óculos. Mas tenho pouca
paciência para lentes de contacto.
Entre as pessoas vivas, qual a
que mais despreza?
Com o corpo moído depois de um
dia intenso de actividade
desportiva.
Que talento não tem e gostaria
David bons amigos.
O que considera ser o cúmulo da
miséria?
A incompetência para reconhecer
Quem são os seus heróis
na vida real?
Os meus avós. Tiveram vidas
duríssimas, mas, ao valorizarem a
Charlatães sem escrúpulos, que
não recuam diante de uma pilha de
cadáveres. Exemplo: Matthias
Rath, que vendia vitaminas na
de ter?
Musical.
Se pudesse mudar alguma coisa
em si, o que é que seria?
Marçal a própria incompetência (efeito de
Dunning–Kruger).
Qual a sua ocupação favorita?
Pensar.
educação, permitiram que os
vindouros tivessem melhores
oportunidades.
Quais os nomes próprios de que
África do Sul para tratar a infecção
por VIH, em substituição dos
Perderia 3,5kg. Parece fácil, e é.
Mas no sentido inverso ainda é O biólogo e divulgador de A sua característica mais
marcante?
mais gosta?
João, Zé, Maria e Leonor.
anti-retrovirais. Há muitos outros.
Qual a qualidade que mais
mais!
O que considera ter sido a sua
ciência gosta do que faz Não faço ideia. Deixo isso para os
meus eventuais biógrafos...
Qual o seu maior
arrependimento?
admira num homem?
A honestidade intelectual.
maior realização?
Fazer comunicação de ciência de
e não tem medos. “O O que mais valoriza nos amigos?
O que fazemos juntos.
Há várias coisas que
provavelmente faria diferente,
E numa mulher?
A honestidade intelectual.
modo original.
Se houvesse vida depois da
medo limita-nos muito”, Quem são os seus escritores
favoritos?
se fosse agora. Mas não posso
mudar o passado nem prever
Diga uma palavra — ou frase —
que usa com muita frequência.
morte, quem ou o quê gostaria
de ser?
diz. O que menos gosta De Æcção Primo Levi e J.R.R.
Tolkien. De não-Æcção Carl Sagan e
o curso que os acontecimentos
teriam nesse universo
“Obrigado.”
O quê ou quem é o maior amor
Explorador do cosmos!
Onde prefere morar?
em si são os óculos, mas Jared Diamond.
Quem é o seu herói de ficção?
alternativo.
Como gostaria de morrer?
da sua vida?
A minha família.
Junto ao mar.
Qual o seu maior tesouro?
tem “pouca paciência” Han Solo.
Com que figura histórica mais se
Sem dar por isso. E daqui a muito
tempo!
Onde e quando se sente mais A minha família e as pessoas que para lentes de contacto identifica? Qual o seu lema de vida?
feliz? me são próximas, incluindo os Nunca pensei nisso. “Fazer o melhor que sei e posso.”
Quinta-feira, 27 de Agosto de 2020
F
açamos um breve resumo do inexplicavelmente num duplo erro bons valores morais, mas não
que aconteceu em Portugal na ao reÇectir sobre o tema: 1) olhamos compete a um regime político
última meia dúzia de anos. para cada caso de forma individual, corrigir a natureza humana —
Um ex-primeiro-ministro foi e não como um problema compete-lhe, isso sim, garantir que
preso. O grande banco do estrutural, ou seja, como uma a arquitectura do regime não
regime — o BES — faliu. Uma cultura de corrupção instalada no incentiva a corrupção. Ora, aquilo
das maiores empresas portuguesas coração do regime; 2) tendemos a que temos em Portugal são
— a PT — foi destruída. Os dois moralizar cada caso e a encará-lo inúmeros estímulos à criação de
principais líderes da empresa mais como uma falha de carácter dos trapaceiros e à preservação da sua
poderosa do país — a EDP — vão ser envolvidos, como se o problema impunidade: 1) o sistema de justiça
acusados de corrupção activa e já residisse em questões de ética é de uma lentidão exasperante; 2) o
foram afastados dos cargos. No pessoal e não no desenho excesso de garantias de defesa
Tribunal da Relação de Lisboa, dois institucional do regime político e governo para ser administrada por permite o inÆnito arrastamento dos
juízes terão andado a vender jurídico português e dos incentivos homens sobre homens, a grande processos; 3) faltam meios para a
acórdãos e os seus dois últimos (ou da falta deles) no combate à diÆculdade é esta: primeiro, é investigação da criminalidade
presidentes são suspeitos de corrupção. necessário conseguir que o governo complexa; 4) o ordenamento
cumplicidade. No número 51 dos Federalist controle os governados; de seguida, jurídico não contempla formas
Reparem na gravidade da Papers, escrito por James Madison Não compete a um é necessário obrigar o governo a eÆcazes de combate à corrupção,
situação: a corrupção chegou aos
cargos mais altos do poder político,
em 1788, há um excerto famoso
sobre a natureza humana que ajuda
regime político corrigir controlar-se a si próprio.”
O grande mérito dos founding
como a delação premiada ou o
enriquecimento ilícito; e,
do poder económico e do poder a perceber o argumento (a tradução a natureza humana fathers que criaram os Estados sobretudo, 5) o país está pejado de
judicial. Tudo foi contaminado. Em é minha): “Se os homens fossem — compete-lhe, Unidos da América é que, incentivos à economia extractiva e
Itália, o regime caiu. Por cá, anjos, nenhum governo seria juntamente com a aspiração aos à troca de favores políticos. Este
resmunga-se muito, mas continua a necessário. Se os anjos isso sim, garantir grandes ideais (“life, liberty and the ponto 5 será o tema do meu
tratar-se o cancro com aspirinas. governassem os homens, não que a arquitectura pursuit of happiness”), cultivavam próximo artigo.
Àquele conjunto podemos juntar
o futebol, deputados, câmaras,
seriam necessários controlos
externos ou internos de governo.
do regime não incentiva uma profunda desconÆança sobre a
natureza humana, que deu origem Jornalista
associações, institutos de Na construção de uma forma de a corrupção a uma obsessão: o Ærme propósito jmtavares@outlook.com
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