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REVISTA DE GESTÃO DE ÁGUA DA AMÉRICA LATINA

REVISTA DE GESTION DEL AGUA DE AMERICA LATINA

EDITORES EXECUTIVOS
Carlos E. M. Tucci, IPH, UFRGS, Brasil
Andrei Jouravlev, CEPAL, Chile
Maria Elena Zúñiga, GWP, Chile

EDITORES ASSOCIADOS

Adolfo Villanueva Ivanildo Hespanhol


Alejandro León José Nilson B.Campos
Andrei Jouravlev Juan Carlos Alurralde
Ari Rosemberg Juan Carlos Bertoni
Arlindo Phillippi Juan José Neiff
Armando Bertranou Lidia Oblitas
Armando Llop Luis Ayala
Colin Green Luis Garcia
Daniel Joseph Hogan Márcio B. Baptista
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Eduardo Mario Mendiondo Mônica Porto
Eduardo Zegarra Nelson Pereira
Ernesto Brown Nilo de Oliveira Nascimento
Francisco Lobato Pierre Chevallier
Geraldo Lopes da Silveira Roger Monte
Gisela Dam Forattini Rosa Mantos Roldão
Guilermo Chavez Valeria Nagy de O. Campos
Gustavo Chacon Victor Pochat
Humberto Peña

Rega / Global Water Partnership South America. – Vol.


ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA 2, no. 2 (jul./dez. 2005) –
ABRH – Associação Brasileira de Recursos Hídricos Santiago: GWP/South America, 2005 –
Av. Bento Gonçalves, 9500 – IPH/UFRGS v.
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E-mail: abrh@abrh.org.br 1. Recursos hídricos. I. Global Water Partnership
South America.
IMPRESSÃO
Editora Evangraf CDU 556.18
Rua Waldomiro Schapke, 77 – Porto Alegre, RS
Fone (51) 3336-0422

CAPA / PLANEJAMENTO GRÁFICO / EDITORAÇÃO


PUBLICAÇÃO SEMESTRAL
Carla M. Luzzatto e Fernando Piccinini Schmitt Pede-se permuta . We demand exchange. Se pide permuta.
Rega é uma revista proposta pelo GWP Global Rega es una revista propuesta por la GWP-Global


Water Partnership da América do Sul e conta com Water Partnership de América del Sur, y cuenta



a parceria de várias entidades nacionais e regio- con el apoyo de varias entidades nacionales y re-


nais na área de recursos hídricos, entre elas: gionales en el área de recursos hídricos, entre ellas:


CEPAL, BID, Banco Mundial, ABRH - Associação CEPAL, BID, Banco Mundial, ABRH - Associação


Brasileira de Recursos Hídricos, IARH - Instituto Brasileira de Recursos Hídricos, IARH - Instituto



Argentino de Recursos Hídricos, RedeCap-Net Ar- Argentino de Recursos Hidricos, Red Cap-Net Ar-


gentina, APRH - Associação Paraguaia de Recur- gentina, APRH - Asociación Paraguaya de Recur-


sos Hídricos, Sociedade Brasileira de Limnologia, sos Hidricos, Sociedade Brasileira de Limnologia,


Organização das Nações Unidas para a Educação, Organización de las Naciones Unidas para la Edu-


a Ciência e a Cultura, Organização dos Estados cación, da Ciencia y la Cultura, Organización de

Americanos e RIGA - Red de Investigación y Gestión ○

los Estados Americanos y RIGA - Red de Investiga-


Ambiental de la Cuenca del Plata. ción y Gestión Ambiental de la Cuenca del Plata.

Os objetivos da revista são de divulgar o conheci- El objetivo de la revista es divulgar el conocimiento


mento adquirido nas Américas sobre a Gestão Inte- adquirido en las Americas sobre la Gestión Integrada

grada de Recursos Hídricos. Considera-se importante de Recursos Hídricos. Se considera importante el in-

a troca de informações entre os diferentes atores na tercambio de información entre los diferentes acto-

área de recursos hídricos: técnicos, decisores de go- res en el área de Recursos Hídricos: técnicos, tomado-

verno e instituições privadas, membros de comitê e res de decisiones del gobierno y de instituciones pri-

agências de bacias, usuários de águas, etc. vadas, miembros de comités y agencias de cuenca,

Os principais aspectos enfatizados são os seguin- usuarios de recursos hídricos, etc.


tes: - resultados comparativos e experiências sobre Los principales aspectos enfatizados son los siguien-

políticas públicas em recursos hídricos; - estudos so- tes: - resultados comparativos y experiencias sobre po-

bre a cadeia produtiva dos diferentes setores de re- líticas públicas en recursos hídricos; - influencia eco-

cursos hídricos; - gerenciamento integrado dos re- nómica de los recursos hídricos sobre las cadenas pro-

cursos hídricos dentro de uma visão interdisciplinar; ductivas; - gestión y gerenciamiento integrado de re-

- aspectos institucionais e de gestão de recursos cursos hídricos dentro de una visión interdisciplinaria;

hídricos e meio ambiente; - setores usuários da água - aspectos institucionales y de gestión de recursos hí-

e impactos sobre a sociedade. dricos y medio ambiente; - sectores usuarios del agua

e impactos sobre la sociedad.










Sociedade Brasileira Red de Investigación


y Gestión Ambiental
de Limnologia de la Cuenca del Plata
REVISTA DE GESTÃO DE ÁGUA
DA AMÉRICA LATINA
REVISTA DE GESTIÓN DEL AGUA
DE AMERICA LATINA

Sumário
Vol.2 - N.2 - Jul./Dez. 2005

Algumas reflexões sobre os mecanismos Custo, valor e preço da água na agricultura / 39


de gestão de recursos hídricos Jerson Kelman e Marilene Ramos
e a experiência da União Europeia / 5
Francisco Nunes Correia Comitê de bacia hidrográfica:
um canal aberto à participação e à política? / 49
Instrumentos legais pertinentes Valeria Nagy de Oliveira Campos
à gestão do solo e da água urbanos
e sua inserção nas políticas públicas / 17 International economic law:
R. O. Silva Júnior e M. F. Chagas Coelho water for money’s sake? / 61
Howard Mann
Reservatórios de regularização:
alocação de água para usos múltiplos Desenvolvimento institucional
com diferentes garantias / 27 dos recursos hídricos no Brasil / 81
Marcelo Cauás Asfora e José Almir Cirilo Carlos E. M. Tucci

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Algumas reflexões sobre os mecanismos
de gestão de recursos hídricos
e a experiência da União Europeia

Francisco Nunes Correia

RESUMO: Os mecanismos de gestão constitu- ABSTRACT: The management mechanisms are


em um tema central da problemática dos recur- a central topic of the water resources debate and
sos hídricos e da forma como cada sociedade se of the discussion on how society is organized to
organiza para fazer face ás suas necessidades quan- face its quantitative and qualitative water needs,
titativas e qualitativas de água, no curto e no lon- in the short and the long term. The discussion
go prazo. A abordagem deste tema concita a dis- of these topics induces the discussion of very di-
cussão de questões muito diversas e que vão des- verse issues, ranging from strictly technical mat-
de aspectos estritamente técnicos até questões de ters up to social issues, such as the democraticity
alcance social como a democraticidade e a trans- and transparency of each society. This paper aims
parência de cada sociedade. Este artigo tem em at focusing the discussion around the main in-
vista focar esta discussão em torno dos principais struments for water management, clarifying its
instrumentos de gestão da água, pondo em evi- nature and its complementarities. It starts by
dência a sua natureza e a sua complementarida- presenting a few comments on each type of in-
de. Começa-se por produzir alguns comentários strument, notably those based on command and
relativamente aos vários tipos de instrumentos, de- control, those based on participated manage-
signadamente os de comando e controlo, os que ment and consensus building, the economic
se baseiam numa gestão participada e na constru- based instruments and those based on voluntary
ção de consensos, os econômicos e os que assen- agreement, highlighting the need to build on
tam em mecanismos de adesão voluntária, pon- the complementarities and the synergies among
do em evidência a necessidade de desenvolver several types of instruments. Afterwards, a suc-
complementaridades e sinergias entre os vários cinct presentation of the European Union ex-
tipos de instrumentos. Seguidamente faz-se uma perience with respect to these matters, in the
apresentação sucinta da experiência da União framework of the implementation of the new
Europeia relativamente a estas matérias no qua- Water Framework Directive, is presented. This
dro da implementação da nova Directiva-Quadro implementation process can be seen as a labora-
da Água, que pode ser encarada como um gran- tory of water policies, because it attempts at es-
de laboratório das politicas da água, dado que tem tablishing, in an effective way, a common basis
em vista estabelecer, de forma efectiva, bases co- for managing the water resources in a space of
muns para a gestão dos recursos hídricos num distinct geographic, social and economic diver-
espaço marcado pela diversidade geográfica e sity. Finally, some considerations are presented
sócio-econômica. Finalmente, apresentam-se al- as a conclusion on the close coordination re-
gumas reflexões de índole conclusiva onde se quired among the various instruments that are
põem em evidência a estreita articulação entre os used, and on the intimate relationship between
vários instrumentos de gestão e a relação íntima the social organization forms and the mecha-
que existe entre as formas de organização social nisms adopted by each society for managing its
e os mecanismos adotados por cada sociedade water resources.
para gerir os seus recursos hídricos. KEY WORDS: Water resources management,
PALAVRAS CHAVE: Gestão de recursos hídri- management instruments, Water Framework
cos, instrumentos de gestão, Directiva-Quadro Directive, water management and social organi-
da Água, gestão da água e organização social zation

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REGA – Vol. 2, no. 2, p. 5-16, jul./dez. 2005

INTRODUÇÃO
O objectivo deste texto consiste em debater tudo, que posições aparentemente antagónicas
alguns aspectos dos instrumentos utilizados para no curto prazo, podem ser conciliáveis no mé-
a gestão dos recursos hídricos, nomeadamente dio ou longo prazo. É com uma lógica de longo
a sua complementaridade e a sua natureza como prazo que a Directiva-Quadro da Água da UE
reflexo de determinadas formas de organização (EU, 2000) estabelece como grande objectivo a
social. O texto baseia-se nos comentários feitos a boa qualidade ecológica em todas as massas de
6 uma comunicação apresentada por Porto e Lo-
bato, 2004, no I Seminário Latino-Americano de
água do território europeu. A razão que leva à
formulação deste objectivo é, não apenas o valor
Políticas Públicas em Recursos Hídricos, realiza- que é atribuído à ecologia em si mesma, mas so-
do em Brasília, em Setembro de 2004. Julga-se bretudo porque esta é a única forma de garantir
oportuno exprimir alguns ênfases e pôr em evi- a satisfação de todas as necessidades de água
dência aspectos que resultam, seguramente, de numa lógica de longo prazo. Aquilo que parece
uma vivência muito específica associada ao pro- ser uma atitude ecocêntrica radical é, afinal, uma
cesso em curso na União Europeia em matéria atitude essencialmente antropocêntrica perspec-
de política da água. Julga-se que essa experiên- tivada no longo prazo. Como é sabido, o concei-
cia pode ter alguma relevância para outras regi- to de “desenvolvimento sustentável” procurou
ões do mundo, independentemente dos contex- superar a dicotomia entre ambiente e desenvol-
tos geográficos e sócio-econômicos, dado que ela vimento preconizando, relativamente a essa di-
própria é gerada em sociedades que apresentam cotomia, uma abordagem “win-win”.
grande diversidade, como é o caso dos 25 Esta- Cabe aqui distinguir entre os conceitos de
dos-membros da União Europeia (UE). sustentabilidade fraca e forte, sendo evidente
Deve-se começar por destacar a importân- que sociedades menos desenvolvidas prefiram
cia do tema. Gerir os recursos hídricos signifi- adoptar um conceito de sustentabilidade fraca,
ca não apenas tomar decisões sobre a melhor isto é, aquele em que alguma capital natural
forma de proceder à sua conservação e à sua pode sacrificado em nome do desenvolvimen-
alocação a diferentes usos, mas também sobre to. Contudo, uma sociedade que se desenvolve
a melhor forma de assegurar a aplicação des- com base em medidas que conduzem a uma
sas decisões, condicionando e alterando com- grande permissividade ambiental é uma socie-
portamentos. Assim, os “mecanismos” ou, tal- dade que terá de enfrentar dificuldades sérias
vez antes os “instrumentos”, são elementos es- no futuro que podem comprometer a sua sus-
senciais de qualquer politica da água que aspi- tentabilidade. O relaxamento das exigências
re a não ficar apenas no papel. Pode afirmar- ambientais, tal como o relaxamento das exigên-
se que os “mecanismos” (e correspondentes cias sociais, são caminhos indesejáveis de desen-
instrumentos) são relevantes quer para a go- volvimento econômico dado que podem com-
vernabilidade quer para a governança dos recur- prometer seriamente o futuro das gerações vin-
sos hídricos. Para a governabilidade porque douras. A competitividade de uma economia
sem meios não é possível alcançar os fins. Para deve, tanto quanto possível, assentar na sua pro-
a governança porque nem sempre os fins jus- dutividade e não na degradação da sua força
tificam os meios. Os instrumentos não são, de trabalho ou na externalização dos danos am-
portanto, um mero expediente ou acessório. bientais. As vantagens de curto prazo em pro-
Eles são parte indissociável do exercício do ceder dessa forma podem vir a ser pagas com
poder e, portanto, da sua legitimidade e da sua juros elevadíssimos. Assim, as preocupações
permanente legitimação. ambientais de curto prazo podem constituir um
Os instrumentos servem uma politica da água estímulo a um desenvolvimento econômico
e essa política assenta em vários pressupostos. duradouro e socialmente desejável.
Esses pressupostos podem corresponder a uma Nos pontos seguintes fazem-se algumas re-
atitude mais preocupada com o crescimento eco- flexões sobre cada um dos principais tipos de
nômico ou mais preocupada com a preservação instrumentos, designadamente os de coman-
dos valores ambientais, admitindo-se todo o tipo do e controlo, os participativos, os econômi-
de posições intermédias. Importa sublinhar, con- cos, e os que se baseiam em sistemas de certifi-
Correia, F. N. Algumas reflexões sobre os mecanismos de gestão de recursos hídricos e a experiência da União Europeia

cação, complementadas por algumas conside- democráticos não devem desistir de reforçar a
rações sobre a necessidade de usar de forma autoridade do Estado, forçando o seu aperfei-
articulada os diversos tipos de instrumentos. çoamento, e submetendo-a permanentemen-
Fazem-se, depois, algumas considerações sobre te ao escrutínio da sociedade.
a forma como a Directiva-Quadro sobre Políti- Os sistemas baseados no comando e controlo
ca da Água na União Europeia (UE), presen- têm, contudo, algumas limitações importantes,
temente em fase de implementação, aborda a especialmente se não forem complementados
questão dos instrumentos de gestão. A finali- por outros instrumentos de gestão. om efeito os
zar, apresentam-se algumas considerações fi- custos de transação podem ser significativos, es- 7
nais de natureza conclusiva. pecialmente no que se refere à componente do
“controlo”, isto é da execução com efectiva ga-
ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE OS rantia de cumprimento. Estes sistemas são tam-
INSTRUMENTOS DE COMANDO E CONTROLO bém pouco mobilizadores de sinergias, dado que
são aceites de forma passiva pelos agentes sociais
Os mecanismos de comando e controlo cons- e econômicos que os encaram apenas como mais
tituem a forma mais direta de intervenção dos um “obstáculo” legal a que têm de fazer face.
poderes públicos. Assenta na atribuição de ou- Esta atitude agrava-se porque nem sempre os
torgas para o uso da água e licenças para a des- critérios que servem de base à regulamentação
carga de efluentes e no desenvolvimento de existente são devidamente apreendidos pelos uti-
meios adequados para assegurar o respectivo lizadores e, nesse sentido, a sua desejada trans-
cumprimentos. Ao regular de forma normativa parência corre o risco de, ao invés, se tornar obs-
o acesso de utilizações privativas a um bem pú- cura. Neste sentido, os mecanismos de coman-
blico, coloca inevitavelmente os poderes públi- do e controlo tornam-se desresponsabilizadores
cos numa posição de protagonismo. Isso não porque os usuários apenas se preocupam (quan-
significa que esse protagonismo não seja aceite do se preocupam) com o cumprimento “formal”
pela sociedade se for exercido com equidade e da legislação, não sendo encorajados e partici-
com critérios transparentes. par na definição das “regras do jogo” ou sequer
Uma das vantagens dos mecanismos de co- a compreender o seu fundamento.
mando e controlo consiste precisamente em Existem duas abordagens distintas e, numa
por em evidência de forma pública e notória primeira análise contraditórias, relativamente
os critérios utilizados pelos poderes públicos. aos mecanismos de comando e controlo. A pri-
Com efeito, ao estipular de forma imperativa meira impõe valores limites de emissão para
o que pode e o que não pode ser feito, os ins- determinados poluentes, independentemente
trumentos de comando e controlo afastam-se do meio receptor. A segunda, visa objectivos de
daqueles instrumentos em que as condições qualidade do meio receptor pelo que admite
de utilização dos meios hídricos resultam de cargas poluentes consentâneas com a natureza
processos socialmente complexos baseados no do meio e, portanto, variando de caso para caso.
consenso ou na aquiescência dos utilizadores À primeira vista a primeira é irracional e arbi-
ou na sua capacidade económica para adqui- trária e a segunda muito mais fundamentada.
rir direitos, antes reflectindo, directamente, Todavia, a simplicidade administrativa da pri-
objectivos e prioridades pressupostamente de meira abordagem é evidente, além de que per-
interesse público. Naturalmente que estas van- mite uma aplicação inequívoca e livre de qual-
tagens apenas são reais se os poderes públicos quer controvérsia o que é importante em socie-
dispuserem de uma legitimidade democrática dades em que a concorrência é muito intensa e
socialmente reconhecida. Se os poderes públi- os agentes econômicos precisam conhecer as
cos forem encarados como um “corpo estra- regras do jogo sem qualquer ambiguidade. A
nho” relativamente à sociedade e se forem vis- segunda abordagem é muito mais flexível e efi-
tos como usurpadores e corruptos, o coman- caz de um ponto de vista ambiental, mas intro-
do e controlo torna-se numa forma de prepo- duz uma margem de discricionariedade que
tência. Em qualquer caso, as sociedades que perturba os agentes económicos, especialmen-
pretendem construir ou consolidar sistemas te em sociedades muito competitivas. As regras
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 5-16, jul./dez. 2005

do jogo são, neste caso, ditadas por modelos exprimem diversos pontos de vista legítimos,
complexos e sempre criticáveis. É por isso que mas com um elevado grau de subjectividade
na grande maioria dos países acabou por triun- que reflecte, necessariamente, interesses e ati-
far a simplicidade e a previsibilidade em detri- tudes. Os fatos devem ser estabelecidos de uma
mento de uma abordagem mais racional mas forma tão objectiva e consensual quanto pos-
de resultados incertos. sível, devendo estar disponíveis numa base de
Vale a pena referir que os mecanismos de dados acessível aos vários intervenientes e à
comando e controlo, ao colocarem exigências sociedade em geral.
8 rigorosas aos utilizadores da água, contribuem
para a sua modernização tecnológica uma vez ALGUNS COMENTÁRIOS
que tecnologias mais modernas são, em geral, SOBRE OS INSTRUMENTOS ECONÔMICOS
menos poluentes. A poluição não é mais do que
um desperdício pelo que sistemas mais eficien- A cobrança pelo uso da água e pela rejei-
tes tendem a causar menos desperdício ou a ção de efluentes tem pelo menos dois objecti-
basear-se na reutilização de algumas das subs- vos distintos mas complementares. O primei-
tâncias poluentes. Naturalmente, as exigências ro, e porventura mais nobre, consiste em in-
feitas aos utilizadores da água têm de ser realis- duzir comportamentos adequados nos utiliza-
tas e adaptadas à tecnologia disponível. dores. Com efeito, a cobrança pelo uso da água
leva a uma utilização racional do recurso e à
adopção de medidas de redução na fonte, per-
ALGUNS COMENTÁRIOS mitindo, também, atrair os utilizadores para
SOBRE GESTÃO PARTICIPADA locais ou períodos do ano mais convenientes.
E CONSTRUÇÃO DE CONSENSOS O segundo, que não deve ser menosprezado
A sintonia dos agentes econômicos e soci- em regiões carentes de investimento em infra-
ais, e da sociedade em geral, com os desígnios estruturas hídricas, permite alavancar recursos
de uma politica de recursos hídricos constitui significativos para prover às necessidades de
um elemento essencial para o sucesso dessa investimento.
politica. É neste plano que se coloca a impor- Os economistas tendem a sobrevalorizar a
tância de uma gestão participada e da cons- importância destes instrumentos porque en-
trução de consensos como instrumento para a contram neles uma forma de induzir compor-
prossecução de politicas. O assumir voluntá- tamentos racionais nos agentes econômicos.
rio de um caminho comum, é desde logo meio Assim, dedicam “tratados” a estabelecer valo-
caminho andado. res e custos com o objectivo de estabelecer
O planeamento constitui a sede privilegia- sistemas de preços bem fundamentados e ra-
da para a utilização deste tipo de mecanismos. cionais. A experiência mostra que se trata, em
De fato, planear consiste em definir um cami- grande medida, de uma ilusão porque, no
nho a percorrer e objectivos a alcançar pelo mundo real, são constrangimentos bem mais
que a definição de uma vontade colectiva aju- simples que determinam qualquer sistema de
da a clarificar esses objectivos e a forma de os custos da água (ou da rejeição de efluentes).
alcançar. A participação e a construção de con- Não se conhece até hoje nenhum caso em que
sensos é inquestionavelmente o tipo de instru- os valores cobrados se baseiem exclusivamen-
mentos que mais responsabiliza os usuários e te em cálculos económicos apesar destas ques-
a sociedade em geral e que mais energias e tões virem a ser teorizadas desde há algumas
sinergias pode mobilizar. décadas.
Um elemento essencial para que a gestão Os custos de transação dos instrumentos
participada tenha êxito e para que a constru- econômicos são menores do que os que se ve-
ção de consensos seja possível é o desenvolvi- rificam nos sistemas baseados no comando e
mento de uma boa base de informação que controlo. Todavia, é necessário ter presente
seja reconhecida como credível. É importante que estes instrumentos também têm custos de
nas discussões sobre recursos hídricos ser ca- índole administrativa e que obrigam igualmen-
paz de separar fatos de opiniões. As opiniões te a dispor de mecanismos de força que asse-
Correia, F. N. Algumas reflexões sobre os mecanismos de gestão de recursos hídricos e a experiência da União Europeia

gurem um efetivo cumprimento. Contudo, tificação consagrados internacionalmente e que


estes instrumentos assentam menos na “força têm já hoje um impacto positivo pelas razões re-
bruta” e requerem uma administração mais feridas. A sua generalização pode, assim ser en-
sofisticada. carada como um instrumento para melhorar as
A aplicação do princípio do poluidor-paga- condições de utilização da água. Um segundo,
dor não se pode confundir com aplicação de propostos pelos autores, que consiste em trazer
multas. Tal confusão seria o mesmo que numa para o nível da gestão por bacia mecanismos de
auto-estrada confundir o pedágio com a mul- certificação que permitam diferenciar os usuári-
ta. O pedágio é o que se paga para circular os de acordo com o seu desempenho incenti- 9
legalmente tal como a taxa de poluição é o que vando-os ou penalizando-os em conformidade.
se paga para rejeitar efluente dentro dos limi- Com efeito, é possível conceber um sistema em
tes impostos pela licença. Se os limites são que os níveis de participação dos vários utiliza-
muito baixos, o poluidor é compelido a reali- dores da água tenham reflexo na aplicação dos
zar maiores investimentos para os poder cum- mecanismos econômicos, penalizando ou boni-
prir, tornando praticamente inócuos os instru- ficando os comportamentos negativos ou positi-
mentos econômicos. Se os limites são muito vos respectivamente.
altos tenderá a poluir mais e a pagar mais, “so-
ciabilizando” de alguma forma a resolução do COMPLEMENTARIDADES E SINERGIAS
problema e permitindo vários tipos de pere- ENTRE INSTRUMENTOS DE GESTÃO
quação. Contudo, a cobrança não deve ser vis-
ta como um objectivo em si mesmo mas sim- Em todo o mundo, os modelos de gestão
plesmente como um instrumento pelo que o baseados no uso exclusivo, ou quase exclusi-
que parece essencial é que se alcancem, de vo, dos mecanismos de comando e controlo
uma forma ou de outra, os objectivos defini- têm vindo a ser substituídos por mecanismos
dos para a qualidade do meio hídrico e para a mais elaborados e flexíveis que recorrem a uma
satisfação dos vários usos. maior diversidade de instrumentos. Importa
contudo reter a ideia que nenhum instrumen-
to pode ser usado em exclusivo com sucesso,
ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE sendo recomendável uma utilização articula-
MECANISMOS DE ADESÃO VOLUNTÁRIA da de instrumentos que retire vantagem das
Importa chamar a atenção para um tipo de particularidades de cada um. Assim, mais do
mecanismos que são pouco utilizados e pouco que identificar os “melhores” instrumentos de
referidos na literatura, os mecanismos de ade- gestão, é necessário reflectir sobre a forma de
são voluntária. Trata-se de uma chamada de os utilizar de forma conjugada, tanto mais que,
atenção com muita atualidade dado que os em alguns casos, eles estão estreitamente rela-
mecanismos de certificação tendem a genera- cionados entre si e potenciam-se mutuamen-
lizar-se, especialmente junto da indústria, e te. Esta complementaridade é ainda mais ne-
estão em larga medida associados à globaliza- cessária onde o Estado é mais fraco porque
ção dos mercados. nesses casos a capacidade de fazer aplicar a
legislação é pequena e os instrumentos de co-
Com efeito, os mercados mais exigentes
mando e controlo têm dificuldade em assegu-
exigem crescentemente a certificação com a
rar sozinhos as exigências da gestão.
ISO 14 000, dedicada à certificação ambiental
das empresas. Esta exigência tem efeitos mui- Numa análise superficial pode-se pensar,
to positivos nas atitudes das empresas que não por exemplo, que os mecanismos participati-
só ganham uma maior consciência das incidên- vos e baseados nos consensos estão necessaria-
cias ambientais das suas actividades, como tam- mente nas antípodas dos sistemas baseados no
bém são obrigadas a adoptar sistemas de ges- comando e controlo. Eles estão realmente nas
tão que minimizem essas incidências. antípodas quando os sistemas de comando e
controlo são vistos como uma “prepotência”
Os mecanismos de certificação podem ser
de poderes públicos mal aceites ou de idonei-
considerados em dois planos. Um primeiro, mais
dade não reconhecida. Mas numa sociedade
tradicional tem a ver com os mecanismos de cer-
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 5-16, jul./dez. 2005

que viva em harmonia com os seus poderes Resulta assim claro que os vários mecanis-
públicos e reconheça a sua legitimidade de- mos de gestão se potenciam mutuamente e
mocrática, emanação da própria sociedade ci- que, em vez de excludentes, devem ser enca-
vil, a participação e a construção de consensos rados como complementares. Comando e con-
podem ser encarados como mecanismos que trolo, cobrança pela utilização da água e parti-
contribuem para a definição dos critérios de cipação na construção de consensos constitu-
“comando” cuja execução é assegurada por em os vértices de um triângulo que, numa so-
mecanismos de “controlo” socialmente aceites. ciedade amadurecida, coexistem e se legiti-
10 Aliás os mecanismos de comando e contro- mam mutuamente.
lo continuam a constituir a retaguarda dos
modelos de gestão, mesmo nos casos em que A DIRECTIVA-QUADRO DA ÁGUA DA UNIÃO
outros instrumentos são abundantemente usa- EUROPEIA E OS MECANISMOS DE GESTÃO
dos. Os próprios mecanismos econômicos as-
sentam num sistema de concessão de outor- A análise comparativa dos sistemas institu-
gas e licenças que está estreitamente ligado aos cionais de gestão da água contribui sempre
mecanismos de comando e controlo. É tam- de forma muito significativa para uma com-
bém frequente que mesmo onde os sistemas preensão aprofundada das questões da gover-
de cobrança pela poluição rejeitada estão em nança. Um exemplo de análise comparativa
vigor, existam mecanismos complementares dos diferentes modelos e instrumentos de
que impõem coercivamente limites máximos gestão da água na Europa é dado pelo pro-
a essa poluição. Aliás, a generalidade dos paí- jecto EUROWATER (Correia ed., 1998). Al-
ses que adoptaram o princípio do poluidor- guns resultados deste estudo, cotejados com
pagador, fizeram-no em conjunto com a ma- a realidade do Brasil, são apresentados por
nutenção de um sistema de multas para quem Canali et al., 2000.
ultrapassa os limites permitidos legalmente No momento actual, vinte e cinco países da
numa lógica de comando e controlo. União Europeia (UE) estão obrigados a im-
Vale a pena sublinhar que os instrumentos plementar até 2015 a “Directiva do Parlamento e
econômicos, para além dos contributos sig- do Conselho para o Estabelecimento de um Quadro
nificativos, já referidos, nomeadamente no para a Ação Comum no Domínio da Politica da
que se refere à capacidade para alavancar re- Água” (EU, 2000), vulgarmente conhecida por
cursos e para induzir comportamentos ade- Directiva-Quadro da Água. O que é particular-
quados por parte dos utilizadores, têm ainda mente interessante nesta Directiva é que ela
um importante benefício indirecto que con- pretende definir linhas de rumo e objectivos
siste em fomentar a participação e a constru- comuns para a gestão da água que se ajustem
ção de consensos. Com efeito, o fato dos uti- a realidades tão diversas e contrastantes como
lizadores contribuírem financeiramente de as zonas árcticas da Lapónia, no norte da Fin-
forma directa para melhorar a gestão dos re- lândia, ou as ilhas semi-áridas de Chipre ou
cursos hídricos, contribui também para a au- Malta, no mar Mediterrâneo. Em síntese, pode
mentar o seu envolvimento e compreensão afirmar-se que o que está em causa é aplicar
dos problemas. Este envolvimento cria con- soluções diferentes a problemas comuns e im-
dições para que possam participar nas deci- plementar soluções comuns em realidades
sões sobre as melhores formas de utilizar os muito diferentes (Correia, 2003a). Estas cir-
recursos alavancados, recuperando eventual- cunstâncias transformam todo o processo de
mente alguns dos recursos financeiros que implementação da Directiva-Quadro num ver-
foram obrigados a pagar tendo em vista me- dadeiro laboratório, cujos resultados são im-
lhorar o seu desempenho no que concerne à portantes, não apenas, de forma directa, para
utilização da água ou rejeição de efluentes. as sociedades europeias mas, de forma indi-
Gera-se assim uma espiral positiva em que o recta, para todo o mundo dado constituírem
pagamento gera direitos e o exercício dos uma importante fonte de experiência e refle-
direitos gera melhor utilização da água. xão (Correia, 2003b).
Correia, F. N. Algumas reflexões sobre os mecanismos de gestão de recursos hídricos e a experiência da União Europeia

O objectivo central da Directiva-Quadro con- bacias hidrográficas e as massas de água sub-


siste em alcançar uma boa qualidade da água em terrâneas que se encontram no seu território
todo o território da UE. O conceito de boa qua- e procederam à sua integração numa região
lidade da água afasta-se dos conceitos tradicio- hidrográfica. O mesmo procedimento deve ser
nais baseados em parâmetros físicos, químicos adoptado em relação às bacias partilhadas por
ou mesmo biológicos, para colocar no centro das mais de um Estado-membro que devem ser
preocupações a qualidade ecológica das massas integradas numa região hidrográfica interna-
de água. Como já foi referido, este objectivo cen- cional. No mesmo prazo deverão ter sido iden-
tral, para além de dar satisfação às exigências tificadas as autoridades competentes para a 11
ambientais de largos sectores das sociedades eu- aplicação da directiva em cada região hidro-
ropeias, é encarado como uma garantia transge- gráfica e adoptadas as disposições administra-
racional de dispor a longo prazo de água para tivas necessárias para assegurar essa aplicação.
satisfazer todas as necessidades humanas. É interessante referir que em versões iniciais
Para alcançar os objectivos da Directiva, es- da Directiva constava a exigência de órgãos de
tabelecem-se um conjunto de orientações e de gestão específicos para cada bacia. Esta exigên-
valores de referência, deixando a cada Estado- cia acabou por ser retirada essencialmente pela
membro da UE a obrigação de definir no deta- pressão de Estados Federais como a Alemanha
lhe as soluções institucionais e legislativas que em que as estruturas politicas estaduais são
pretende adoptar. Um bom equilíbrio entre a suficientemente fortes para não ver com agra-
definição dos objectivos e a escolha dos meios do estabelecer-se uma malha territorial dife-
para os alcançar constitui um dos aspectos inte- rente da existente e que está consagrada em
ressantes da Directiva-Quadro, resultante, em termos administrativos e políticos. Este dilema
larga medida, da própria diversidade das socie- foi por vezes referido como o dilema entre a
dades a que se dirige. A flexibilidade resulta solidariedade e a subsidiariedade. A solidarieda-
também da UE não poder ser vista como um de refere-se a órgãos de gestão por bacia, com
Estado Federal com níveis hierárquicos de po- uma forte participação dos utilizadores da
der bem definidos. Pelo contrário, a UE consis- água, encarados como parceiros solidários. A
te, essencialmente, num tratado de adesão vo- subsidiariedade refere-se ao respeito pelas es-
luntária entre Estados soberanos que entendem truturas descentralizadas de poder politico
partilhar algumas dimensões da sua soberania. democrático já existentes, como são, por exem-
Não se julgue, contudo, que a flexibilidade con- plo, os länder alemães.
duz ao laxismo. A Comissão Europeia tem um
papel crucial na monitorização de todo o pro- Caracterização das regiões hidrográficas
cesso de implementação da Directiva, poden- e dos impactos das actividades humanas
do impor pesadas sanções aos países que não Até ao final de 2004 (Artigo 5º) foi feita uma
dêem os passos julgados adequados. caracterização completa de todas as regiões hi-
Uma versão integral da Directiva-Quadro da drográficas (Anexo II e III da DQA) tendo em
Água (DQA) em língua portuguesa pode ser conta as características biofísicas das bacias, o
encontrada em http://dqa.inag.pt. Versões nas impacto das actividades humanas sobre o esta-
várias línguas da UE podem ser obtidas no site do das águas superficiais e subterrâneas e a aná-
oficial da Comissão Europeia:http:// lise económica da utilização da água. Esta ca-
europa.eu.int/comm/environment/water/ racterização é especialmente exigente e inova-
water-framework/index_en.html. Sintetizam- dora no que se refere aos aspectos ecológicos,
se, a seguir, alguns dos aspectos mais relevan- considerados essenciais para o estabelecimen-
tes com base nos trabalhos de Chave, 2001 e to de objectivos ambientais. Podem ser consi-
Correia, 2003b. derados dois sistemas, de acordo com o Anexo
II: o sistema A baseia-se nas características ge-
rais de grandes eco-regiões europeias enquan-
Arranjo institucional básico to o sistema B se baseia numa análise mais es-
Até ao final de 2003 (Artigo 3º da DQA) pecífica da massa de água em consideração. A
todos os Estados-membros identificaram as análise económica que é necessário realizar para
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 5-16, jul./dez. 2005

cada região hidrográfica é também inovadora tado químico bom. Um bom estado das águas
e obriga a considerar separadamente as diver- subterrâneas é “… o estado em que se encontra
sas utilizações da água, especialmente para a uma massa de águas subterrâneas quando os seus
agricultura, indústria e para fins domésticos, e estados quantitativo e químico são considerados, pelo
a incluir a amortização dos custos dos serviços menos, bons”. O Anexo V especifica os elemen-
de água, custos ambientais e de recursos. No tos que devem ser tidos em conta para os vári-
mesmo prazo foi feito o registo das zonas sujei- os tipos de massa de água, as definições que
tas a regimes especiais de protecção no que se deverão ser adoptadas para os diferentes ní-
12 refere a águas superficiais, subterrâneas ou à veis de qualidade e os procedimentos necessá-
conservação de habitats (Artigo 6º). rios para proceder à sua monitorização. Os
Programas de Medidas, adiante referidos, cons-
Procedimentos de monitorização tituem o principal instrumento para alcançar
estes objectivos em termos operacionais.
A monitorização do estado das águas de
superfície, do estado das águas subterrâneas Instrumentos econômicos
e das áreas protegidas deverá estar operacio-
nal até 2006 (Artigo 8º). Os procedimentos Segundo o Artigo 9º, as políticas para a de-
de monitorização devem seguir o que está es- finição do preço da água constituem um ele-
tipulado no Anexo V. As dimensões ecológi- mento importante da sustentabilidade da ges-
cas dessa monitorização são especialmente tão dos recursos hídricos. Essas políticas esta-
exigentes e inovadoras. A preocupação com rão em aplicação em 2010. Mais especifica-
a monitorização resulta de se considerar es- mente, os Estados-membros devem assegurar
sencial dispor de informação credível antes que o preço da água crie incentivos adequa-
de avançar com os Planos de Bacia Hidrográ- dos para que os vários utilizadores usem a
fica e com os Programas de Medidas adiante água com eficiência e contribuam para alcan-
referidos. Esta informação é essencial para çar os objectivos da Directiva. Pretende-se a
tornar útil a participação dos utilizadores e análise de todos os sectores, considerando-se
da sociedade em geral, uma vez que é neces- de forma autónoma pelo menos o industrial,
sário partir de uma base sólida e, tanto quan- o doméstico e o agrícola. Os preços da água
to possível, consensual relativamente à situa- devem contribuir para a amortização dos cus-
ção existente e aos problemas a que é preciso tos dos serviços de água com base na análise
fazer face. Estas preocupações têm vindo a económica feita de acordo com o Anexo III e
ganhar relevância no quadro da União Euro- tendo em conta o princípio do poluidor-pa-
peia, sendo de referir o trabalho meritório gador. Como válvula de segurança para evi-
que tem vindo a fazer a Agencia Europeia do tar incumprimentos da Directiva, é estabele-
Ambiente na última década. cido que os Estados-membros, neste proces-
so de estabelecimento dos preços da água,
podem atender às consequências sociais, am-
Objectivos ambientais bientais e económicas da amortização, bem
De acordo com o Artigo 4º, até 2015 todos como às condições geográficas e climatéricas
os Estados-membros devem alcançar um bom da região ou regiões afectadas. É interessan-
estado das águas superficiais e subterrâneas. te referir que, no decurso do processo nego-
De acordo com a definição que consta da pró- cial, evoluiu-se de uma posição rígida de amor-
pria Directiva (Artigo 2º), entende-se por bom tização integral de todos os custos da água,
estado das águas superficiais “…o estado em que sempre e em todas as condições, para uma
se encontra uma massa de água quando os seus es- situação economicamente discutível mas po-
tados ecológico e químico são considerados, pelo me- liticamente viável de admitir uma aproxima-
nos, bons”. No caso de massas de água forte- ção tendencial à amortização dos custos, ten-
mente modificadas, como por exemplo a mon- do sido salvaguardadas algumas situações “so-
tante de barragens, em que é difícil obter um ciais, ambientais e económicas” justificadoras
estado ecológico bom, exige-se apenas um bom de uma excepção ao princípio geral. Um dos
potencial ecológico acompanhado de um es- argumentos utilizados foi o de que os países
Correia, F. N. Algumas reflexões sobre os mecanismos de gestão de recursos hídricos e a experiência da União Europeia

mais desenvolvidos da Europa alcançaram mas de depuração (86/278/CEE); Directiva


níveis de serviço de elevada qualidade à custa relativa ao tratamento de águas residuais ur-
de pesados investimentos públicos a fundo banas (91/271/CEE); Directiva relativa aos
perdido, pelo que se revestiria de natureza produtos fitofarmacêuticos (91/414/CEE);
discriminatória exigir, agora, que nas regiões Directiva relativa aos nitratos (91/676/CEE);
menos desenvolvidas fossem os utilizadores a Directiva relativa aos habitats (92/43/CEE);
suportar integralmente os custos. Proceder à Directiva relativa à prevenção e controlo inte-
redistribuição de renda é uma das atribuições grados da poluição (96/61/CE).
do Estado, reconhecendo-se, assim, que essa 13
redistribuição pode passar por investimentos Plano de Gestão de Bacia Hidrográfica
públicos no domínio dos recursos hídricos.
Todavia, a Directiva impõe o princípio da to- Para cada região hidrográfica deve ser pre-
tal transparência de quaisquer mecanismos de parado até 2009, e revisto até 2015, um Plano
subsidiação direta ou cruzada, a concretizar de Gestão de Bacia Hidrográfica de acordo com
desde já nos es tudos econômicos para a ca- o Artigo 13º e o Anexo VII. Este Plano deve in-
racterização de cada região hidrográfica. cluir a descrição das características da região
hidrográfica no que diz respeito a águas super-
ficiais e subterrâneas, uma síntese das princi-
Programa de Medidas pais pressões e impactos das actividades huma-
Com base na análise das características das nas, a identificação e mapeamento das zonas
regiões hidrográficas e na monitorização pre- protegidas, um mapa das redes de monitoriza-
viamente referidas, os Estados-membros deve- ção, uma lista dos objectivos ambientais para as
rão preparar até 2009 um Programa de Medi- várias massas de água, uma síntese da análise
das para cada região hidrográfica, tendo em económica do uso da água, uma síntese do pro-
vista atingir os ambiciosos objectivos ambien- grama ou programas de medidas dentro de cada
tais estabelecidos na DQA (Artigo 11º e Ane- região hidrográfica, uma referência a progra-
xo III). Estes programas serão objecto de am- mas ou planos de gestão mais detalhados relati-
pla discussão pública e devem estar operacio- vos a sub-bacias, a questões sectoriais ou a tipos
nais antes de 2012, podendo ser revistos e ac- de recursos, com uma síntese dos respectivos
tualizados até 2015. Os Programa de Medidas, conteúdos, uma síntese das medidas adoptadas
em conjunto com os Planos de Bacia Hidro- para a informação e consulta do público, uma
gráfica tratados a seguir, são os principais me- lista das autoridades competentes pela aplica-
canismos de integração que asseguram a arti- ção da directiva em cada região hidrográfica e
culação entre os vários instrumentos e a sua as formas de contacto com essas instituições e
adequação aos objectivos estabelecidos. São os procedimentos para obter documentação de
também a principal base para a participação base ou informação corrente. Estes planos de
dos utilizadores da água e da sociedade em gestão têm uma natureza muito abrangente e
geral. Os Programas de Medidas constituem, incluem toda a informação relevante no que se
também, um elo essencial com as anteriores refere a objectivos e medidas adoptadas para a
directivas relativamente à gestão dos meios aplicação da Directiva em cada região hidrográ-
hídricos. Com efeito, os Programas de Medi- fica. Tal como os Programas de Medidas, deve-
das deverão permitir alcançar em cada bacia rão ser revistos pela primeira vez até 2015 e, a
hidrográfica o cumprimento da seguintes di- partir de então, de seis em seis anos. O objecti-
rectivas: Directiva relativa à qualidade das águas vo central, já referido, consiste em alcançar um
balneares (76/160/CEE); Directiva relativa à bom estado de todas as massas de água em todo
conservação das aves selvagens (79/409/CEE); o território da UE até 2015. Contudo, este ob-
Directiva relativa às águas destinadas ao con- jectivo pode ser impossível de alcançar em al-
sumo humano (80/778/CEE), alterada pela guns casos, devidamente justificados, por razões
Directiva 98/83/CE; Directiva relativa aos ris- de viabilidade técnica, custos desproporciona-
cos de acidentes graves (Seveso) (96/82/CE); dos ou condições naturais particularmente di-
Directiva relativa à avaliação de efeitos no am- fíceis. Os ciclos de revisão a cada seis anos dos
biente (85/337/CEE); Directiva relativa às la- Programas de Medidas e dos Planos de Gestão
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 5-16, jul./dez. 2005

têm em vista alcançar esse objectivo num prazo ressadas na aplicação da Directiva e no desen-
mais dilatado que não deve ultrapassar 2027. volvimento dos programas e planos. Até 2006
os Estados-membros informarão e consultarão
Bacias internacionais o público, incluindo os utilizadores da água,
sobre o calendário e programa de trabalhos
As bacias partilhadas por mais de um Esta- para a preparação dos Planos de Gestão de Ba-
do-membro ou envolvendo países que não per- cia Hidrográfica. Uma visão global de todas as
tencem à UE terão um tratamento semelhante questões relevantes para a gestão dos recursos
14 no que se refere à caracterização, elaboração
de Planos de Gestão e de Programas de Medi-
hídricos será apresentada ao público até 2007 e
uma primeira versão dos Planos de Gestão será
das. Assim, de acordo com o Artigo 3º, “Os Esta- apresentada até 2008. A preparação dos planos
dos-membros garantirão que uma bacia hidrográfica é assim assumida como a instancia privilegiada
que abranja o território de mais de um Estado-mem- para a participação e construção de consensos.
bro seja incluída numa região hidrográfica internaci- Todavia, a participação não se esgota nessa fase.
onal. A pedido dos Estados-membros interessados, a Cada país tem toda a liberdade de desenvolver
Comissão actuará para facilitar essa inclusão numa a aprofundar os seus sistemas de participação,
região hidrográfica internacional. Cada Estado-mem- estando todos obrigados a regras de transparên-
bro tomará as disposições administrativas adequadas, cia dos actos administrativos regulados, aliás, por
incluindo a designação das autoridades competentes outras directivas.
adequadas, para a aplicação das regras da presente
directiva na parte de qualquer região hidrográfica si-
tuada no seu território”. Prevendo-se que em al- CONSIDERAÇÕES FINAIS
guns casos a coordenação entre Estados-mem- Julga-se oportuno fazer algumas reflexões
bros pode ser difícil, determina-se no Artigo 12º finais, baseadas na experiência em curso na
que “se um Estado-membro identificar uma questão UE, que podem ser relevantes para o tema da
que tenha impacto sobre a gestão das suas águas mas gestão dos recursos hídricos noutras regiões
que não possa resolver, pode informar desse fato a do mundo:
Comissão e qualquer outro Estado-membro interessa-
Os mecanismos de comando e controlo
do, podendo apresentar recomendações para a resolu-
continuam a desempenhar um papel es-
ção do problema em causa. A Comissão dará resposta
sencial como suporte básico do sistema
aos relatórios ou recomendações dos Estados-membros
de gestão. Todavia, este sistema é exerci-
dentro de um prazo de seis meses”. Reforça-se, as-
do no quadro dos Planos de Bacia e dos
sim, o papel da Comissão, numa lógica de sub-
correspondentes Programas de Bacia. As
sidiariedade, nos casos em que os Estados-mem-
exigências de todas as directivas anterio-
bros tenham dificuldades de articulação. Con-
res mantêm-se em vigor, mas a sua im-
tudo, privilegia-se uma abordagem bi-lateral ou
plementação deve agora de ser feita de
multi-lateral sempre que possível. Como é sabi-
forma integrada no quadro específico de
do, a gestão de recursos hídricos em bacias par-
cada bacia. Recorda-se que o acervo de
tilhadas por mais de um país é uma matéria que
exigências é grande e diversificado. A
tem merecido atenção crescente por parte da
própria Directiva-Quadro determina que
comunidade internacional e cuja importância
sejam tidas em conta as exigências relati-
não cessará de aumentar. As disposições da DQA
vas à qualidade das águas balneares, à
afiguram-se particularmente interessantes na
qualidade para a produção de água para
medida em que não prejudicam a soberania de
consumo humano, às águas residuais ur-
cada Estado-membro mas condicionam-na no
banas, aos produtos fito-farmacêuticos e
quadro de um planeamento e gestão coorde-
agro-tóxicos, aos nitratos, às lamas de de-
nados entre países.
puração, à preservação dos habitats, à
conservação das aves selvagens, aos ris-
Informação, consulta e participação cos de acidentes graves e ainda que se-
Será encorajado, de acordo com o Artigo 14º, jam cumpridas as disposições sobre pre-
o envolvimento activo de todas as partes inte- venção e controlo integrado de poluição.
Correia, F. N. Algumas reflexões sobre os mecanismos de gestão de recursos hídricos e a experiência da União Europeia

A DQA vem pôr fim a um dilema entre consequências sociais, ambientais e económi-
duas abordagens distintas e algo confli- cas da amortização, bem como às condições
tuantes na cena europeia: os valores li- geográficas e climatéricas da região ou regiões
mites de emissão e as normas de quali- afectadas”. Não se deve considerar, tam-
dade. Os valores limites de emissão têm bém neste caso, que esta mitigação abre
a ver com a definição de cargas poluen- a porta ao não cumprimento do princí-
tes máximas susceptíveis de autorização pio geral que está estabelecido. Cabe à
por meio de licenças. Esses máximos Comissão Europeia, à semelhança do que
aplicam-se independentemente da capa- acontece em outras circunstâncias aná- 15
cidade de carga do meio receptor. As logas, negociar com cada país as condi-
normas de qualidade tem a ver com os ções de aplicação, o que costuma fazer
procedimentos que em alguns países se com um elevado grau de exigência.
designam como enquadramento dos Todos mecanismos de participação são
corpos de água, isto é, a definição de vivamente encorajados, embora a formu-
objectivos de qualidade em função dos lação dos mecanismos concretos seja algo
usos actuais ou potenciais, tal como na vaga e abrangente. Esta situação resulta
Resolução N.º 20 de 1986 do Conselho da grande diversidade das tradições ins-
Nacional do Meio Ambiente do Brasil. titucionais, jurídicas e culturais de cada
A Directiva-Quadro da Água determina Estado-Membro da União Europeia, que
que seja utilizada uma “abordagem com- torna difícil a imposição de um modelo
binada” que consiste em utilizar o mais único. Mais uma vez, cabe à Comissão
exigente dos dois critérios. Esta disposi- Europeia avaliar e aprovar os passos da-
ção significa que se mantêm os limites dos por cada país nesta matéria. Consi-
de emissão em todo o espaço da UE dera-se essencial a identificação dos agen-
(correspondendo a preocupações de tes relevantes em cada bacia hidrográfi-
não distorcer a concorrência entre os ca e o estabelecimento de mecanismos
agentes económicos), mas quando tal de participação, especialmente para a
não for suficiente para alcançar os ob- elaboração dos Planos e Programas de
jectivos de qualidade estabelecidos, es- Medidas. Exige-se, também, a identifica-
ses limites devem ser ainda mais exigen- ção das autoridades responsáveis por
tes de forma assegurar todos os usos cada bacia. As formas concretas de parti-
potenciais para cada massa de água. cipação e os arranjos institucionais são,
Os instrumentos econômicos passam a contudo, deixados à consideração de
desempenhar um papel essencial na ges- cada Estado-Membro.
tão do recurso, generalizando-se a todo Para além dos mecanismos de gestão
o espaço da UE. Tendencialmente o pre- habituais, tais como o comando e con-
ço a cobrar pela água (e pela rejeição de trolo, os instrumentos econômicos ou os
efluentes) deve “amortizar os custos dos ser- sistemas de participação, é atribuída
viços hídricos, mesmo em termos ambientais e grande importância à componente tec-
de recursos” (Artigo 9º). A enorme con- nológica, aproximando-se, aliás, dos
trovérsia suscitada por esta disposição na mecanismos de certificação antes referi-
fase de negociação da DQA, fez compre- dos. Com efeito, a DQA obriga à utiliza-
ender que, neste processo, prevalecerá ção das “melhores tecnologias disponí-
necessariamente uma abordagem basea- veis que não impliquem custos incompor-
da na viabilidade social e politica em de- táveis”, criando uma pressão significati-
trimento de uma pura abordagem eco- va para a modernização tecnológica dos
nómica. Por esse motivo, a DQA só pode agentes econômicos. Esta disposição está
ser aprovada com a inclusão de uma dis- presente noutras directivas recentes da
posição que mitiga explicitamente as UE tal como a designada Directiva PCIP
exigências antes formuladas: “Neste con- (Prevenção e Controlo Integrado da Po-
texto os Estados-Membros podem atender às luição) e parte do pressuposto que essa
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 5-16, jul./dez. 2005

modernização é boa tanto para o ambi- gestão de recursos hídricos moderno e eficaz
ente como para a economia. constitui, em si mesmo, um contributo para
A gestão dos recursos hídricos é um processo a modernização do Estado. Um sistema de
socialmente complexo em que se cruzam desíg- gestão de recursos hídricos equitativo e par-
nios contraditórios. Em última instância, impor- ticipativo constitui um contributo importan-
ta fazer prevalecer o interesse público e geral face te para a democratização do Estado. Esses atri-
aos múltiplos interesses particulares. Contudo, a butos são, não apenas compatíveis, mas mes-
dialéctica entre uns e outros deve assentar em mo potenciados por um Estado bem apetre-
16 pressupostos de legitimidade e de eficácia. A le- chado e forte desde que socialmente reconhe-
gitimidade remete para a questão da governan- cido na sua legitimidade. A água e, de uma
ça, cuja relevância é crescentemente reconheci- forma geral, os bens de domínio comum, são
da. A eficácia remete para a questão da governa- um ponto de encontro privilegiado entre os
bilidade, isto é a capacidade de implementar de poderes públicos e os interesses particulares
forma efectiva as determinações socialmente acei- pelo que a forma como dirimem e superam
tes e legitimadas. O “excesso” de preocupações os conflitos traduz de forma expressiva os tra-
com a governança pode levar à perda de eficá- ços essenciais da forma como está organiza-
cia. O “excesso” de preocupação com a eficácia da a vida social e o grau de amadurecimento
pode levar a uma menor consideração da ques- de cada sociedade.
tão da legitimidade. Os instrumentos e mecanis-
mos de gestão constituem a componente essen- AGRADECIMENTOS
cial deste processo e a sua adequação é funda-
mental para conciliar legitimidade com eficácia. Agradece-se ao Prof. Carlos Eduardo Tucci,
Presidente da Comissão Organizadora do I Se-
A gestão da água, pela sua riqueza e pela minário Latino-Americano de Politicas Públicas
sua complexidade, obriga a reflectir sobre a em Recursos Hídricos a oportunidade de parti-
essência do Estado, sobre a sua ação e sobre a cipar no evento. Agradece-se aos autores do
sua relação com a sociedade civil. A reforma position paper do Workshop 3, Prof.ª Mônica
e a modernização do sistema de gestão dos Porto e Francisco Lobato, o convite para deba-
recursos hídricos é indissociável da reforma tedor e as interessantes trocas de ideias que esse
e da modernização do Estado. Um sistema de convite proporcionou.

Referencias
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PORTO, M., F. LOBATO, 2004. Mecanismos Econômicos, Ambientais e Sociais da Gestão da Água. SEMINÁRIO LATINO-AMERICANO
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UNIÃO Européia.2000. Directive of the european parliament and of the council establishing a framework for community action in
the field of water policy. (Directive 2000/60/EC). Disponível em: < http://europa.eu.int/eur-lex/pri/pt>

Francisco Nunes Correia IST, Lisboa, Portugal, fnc@civil.ist.utl.pt


Instrumentos legais pertinentes
à gestão do solo e da água urbanos
e sua inserção nas políticas públicas

R. O. Silva Júnior
M. F. Chagas Coelho

RESUMO: A acelerada urbanização pela qual ABSTRACT: The accelerate urbanization pro-
passou, e vem passando, a sociedade brasilei- cess whereby the brazilian society has passed
ra se constitui em uma das principais questões through – and still is – became one of the main
sociais experimentadas pelo Brasil no século social point experimented by Brazil in the last
XX. De acordo com dados oficiais, enquanto century. According to official governmental data,
em 1960 a população urbana representava while brazilian urban population represented
44,7% da população total, em 2002 já repre- 44,7% of the total population in 1960, it grew
sentava cerca de 84,1%. O processo de urba- up to 84,1% in 2002. The Brazilian process of
nização brasileiro caracterizou-se, nas últimas urbanization was characterized, in the last de-
décadas, pela expansão desordenada, na peri- cades, for the disordered expansion, in the pe-
feria dos grandes centros urbanos, de lotea- riphery of the large urban centers, of land divi-
mentos destituídos de infra-estrutura básica. sions destitute of basic infrastructure.
Vastas extensões do território destas cidades Vast extensions of the territory of these cities
foram parceladas e ocupadas, sem levar em had been parceled out and busy, without taking
conta padrões de qualidade ambiental, à mar- in account standards of environment quality, with-
gem de qualquer regulação urbanística que ga- out any urbanistic regulation that would guaran-
rantisse segurança quanto à posse da terra e tee security concerning to the ownership of the
um mínimo de qualidade de vida, principal- land and a minimum of quality of life mainly for
mente para a população de baixa renda. Des- the low income population. This way, a limitless
sa forma, configura-se uma expansão horizon- horizontal expansion is configured, advancing
tal extensiva, avançando sobre áreas frágeis ou through fragile areas and also over environment
de preservação ambiental, caracterizando uma preservation areas, characterizing an urbanization
urbanização de alto risco, pois a ocupação de of high risk, therefore the occupation of fragile
áreas frágeis ou estratégicas, sob o ponto de or strategical areas, under environment point of
vista ambiental, contribui para a ocorrência de view, contributes for the flood occurrence and to
enchentes e para a intensificação de proces- the erosive processes intensification.
sos erosivos. Diante dos problemas decorren- Ahead of the decurrent problems of this urban-
tes desse processo de urbanização, pretende- ization process, it is intended, with the present work,
se, com o presente trabalho, realizar uma ava- to carry through an integrated evaluation of some
liação integrada de alguns importantes instru- important brazilian pertinent legal instruments to
mentos legais brasileiros, pertinentes à gestão the management of the ground and water in the
do solo e da água no meio urbano, conside- urban areas, considering the limits of its real appli-
rando os limites de sua efetiva aplicação, fren- cation, front to the established social context.
te ao contexto social estabelecido. Entre esses Among these instruments are the 1988 Federal
instrumentos destacam-se a Constituição Fede- Constitution, the Forest Code and the Legislation
ral de 1988, o Código Florestal e a Legislação of Protection to the Sources (Federal Law nº 4,771/
de Proteção aos Mananciais (Lei 4.771/65 e 65 and Federal Law nº 7,803/89), the Legislation
Lei 7.803/89), a Legislação do Uso e Parcela- of Use and Parcel of the Ground Urban (Federal
mento do Solo Urbano (Lei 6.766/79 e Lei Law nº 6,766/79 and Federal Law nº 9,785/99),
9.785/99), o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/ the Statute of the City (Federal Law nº 10,257/
2001), os Instrumentos de Planejamento e 2001), the Instruments of Planning and Urban
Gestão Urbana (IPEA, 2002), a Política Nacio- Management (IPEA, 2002), the National Politics
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 17-26, jul./dez. 2005

nal de Recursos Hídricos (Lei 9.433/97) e as of Hidrics Resources (Federal Law nº 9,433/97)
Resoluções do Conselho Nacional de Recur- and the Resolutions of the National Advice of Hid-
sos Hídricos, correlatas ao tema. rics Resources, related to the subject.
PALAVRAS CHAVE: Instrumentos legais, uso do KEY WORDS: Instrumentos legais, uso do solo
solo e água urbanos, processo de urbanização, e água urbanos, processo de urbanização, políti-
políticas públicas. cas públicas.

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INTRODUÇÃO
O processo de urbanização brasileiro carac- duzir – de forma paradigmática as injustiças e
terizou-se, nas últimas décadas, pela expansão desigualdades da sociedade.
desordenada, na periferia dos grandes centros Estas se apresentam no meio urbano sob
urbanos, de loteamentos destituídos de infra- várias morfologias, todas bastante conhecidas:
estrutura básica. Vastas extensões do territó- nas imensas diferenças entre as áreas centrais
rio destas cidades foram parcelados e ocupa- e as periferias das regiões metropolitanas, na
dos sem levar em conta padrões mínimos de ocupação precária dos leitos maiores de dre-
qualidade ambiental, e à margem de qualquer nagens principais ou nos entornos dos manan-
regulação urbanística que garantisse seguran- ciais de abastecimento de água, em contrapo-
ça quanto à posse da terra e um mínimo de sição à alta qualidade dos bairros da orla nas
qualidade de vida, principalmente para a po- cidades de estuário, na eterna linha divisória
pulação de baixa renda. entre o morro e o asfalto, e em muitas outras
A intensa e rápida urbanização pela qual variantes dessa cisão, presentes em cidades de
passou, e vem passando, a sociedade brasileira diferentes tamanhos, diferentes perfis econô-
é certamente uma das principais questões so- micos e regiões diversas (Brasil, 2001).
ciais experimentadas pelo Brasil no século XX. Em geral, a população de baixa renda só
Enquanto em 1960, a população urbana repre- tem a possibilidade de ocupar terras periféri-
sentava 44,7% da população total – contra 55,3 cas – muito mais baratas na medida em que
% da população rural, a proporção de pessoas não dispõem de infra-estrutura – e construir
residentes em áreas urbanas, representada pela suas casas, aos poucos; ou ocupar áreas ambi-
taxa de urbanização, passou de 78%, em 1992, entalmente frágeis que, teoricamente, só po-
para 84,1%, em 2002 (Ibge, 2004). Essa trans- deriam ser urbanizadas sob condições muito
formação, já expressiva em números relativos, mais rigorosas, com a adoção de soluções ge-
torna-se ainda mais assombrosa quando avali- ralmente dispendiosas, exatamente o inverso
ada em números absolutos, que revelam tam- do que acaba acontecendo (Brasil, 2001).
bém o crescimento populacional do país como
Dessa forma, vai se configurando uma ex-
um todo: entre 1960 e 1996, a população ur-
pansão horizontal extensiva, avançando voraz-
bana aumenta de 31 milhões para 137 milhões,
mente sobre áreas frágeis ou de preservação
ou seja, as cidades recebem 106 milhões de
ambiental, que caracteriza uma urbanização
novos moradores no período (Brasil, 2001).
desordenada e de alto risco para todos, pois a
De acordo com as projeções populacionais
ocupação de áreas frágeis ou estratégicas, sob
baseadas nas recentes informações do Censo
o ponto de vista ambiental, agrava a ocorrên-
Demográfico 2000, o Brasil contará, em 2030,
cia de enchentes e erosões. Quem mais sofre é
com uma população total de 237 737 676 ha-
o habitante desses locais, porém as enchentes,
bitantes, o que representará um crescimento
a contaminação dos mananciais e os proces-
absoluto da ordem de 38,5% (Ibge, 2004).
sos erosivos mais acentuados atingem a cida-
A urbanização vertiginosa, coincidindo com de como um todo.
o fim de um período de acelerada expansão
Este modelo de crescimento e expansão ur-
da economia brasileira, introduziu no territó-
bana, que atravessa as cidades de Norte a Sul
rio das cidades um novo e dramático significa-
do país, tem sido identificado, no senso comum,
do: mais do que evocar progresso ou desen-
como “falta de planejamento”. Segundo esta
volvimento, elas passam a retratar – e repro-
Silva Júnior, R. O. Chagas Coelho, M. F. Instrumentos legais pertinentes à gestão do solo e da água urbanos...

acepção, as cidades não são planejadas e, por de sua aplicação. Até onde tais instrumen-
esta razão, são “desequilibradas” e “caóticas”. tos podem atuar ou são eficazes, quais são efe-
Entretanto, sob um ponto de vista mais amplo, tivamente seus limites de atuação?.
pode-se dizer que se trata não essencialmente da au-
sência de planejamento, mas sim de uma interação REGULAMENTAÇÃO DE USO
bastante perversa entre os processos sócio-econômicos, E OCUPAÇÃO DO SOLO URBANO
opções de planejamento e de políticas urbanas, e prá-
ticas políticas, que construíram um modelo excluden- Como tem sido enfrentado a problemática
te em que muitos perdem e pouquíssimos ganham. do processo de expansão urbana nas cidades 19
brasileiras?
Em primeiro lugar, estabelecendo uma con-
PRESSUPOSTOS
tradição permanente entre ordenamento ur-
Constituem-se como hipóteses básicas das banístico (expresso no planejamento urbano
discussões deste artigo, as idéias expostas a se- e na legislação) e a gestão das cidades. O pla-
guir, que tiveram como base de consulta o tra- nejamento – principalmente empreendido por
balho “Instrumentos de Planejamento e Gestão meio de Planos Diretores e do zoneamento do
Urbana”, desenvolvido pelo Instituto de Pesqui- uso e ocupação do solo – estabelece uma cida-
sa Econômica Aplicada - IPEA, em conjunto de virtual que não se articula com as condi-
com a Universidade de Brasília (UNB), Univer- ções reais de produção da cidade pelos agen-
sidade de São Paulo (USP) e a Universidade tes que atuam no mercado informal, ignoran-
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) (Ipea, 2002): do que a maior parcela das populações urba-
A ação pública na regulação do parce- nas tem baixíssima renda e nenhuma capaci-
lamento, uso e ocupação do solo urba- dade de investimento frente a uma mercado-
no, restrita ao âmbito de uma parcela ria de alto custo: o espaço construído.
minoritária da população que dispõe de Produzidos de forma autoconstruída nos
recursos para pagar os preços pratica- espaços “que sobram” da cidade regulada – ou
dos no mercado imobiliário formal, seja, áreas vedadas para o estabelecimento dos
pode contribuir para a escassez de terra mercados formais, como margens de córregos,
urbana acessível e, conseqüentemente, encostas, áreas rurais ou de preservação –, os
para agravamento das condições de assentamentos precários serão, então, objeto
acesso à moradia para a população de da gestão cotidiana.
baixa renda. Até que ponto esta ação con- A questão da ocupação do solo nas margens
tribui para a ocupação desordenada em áre- de rios – áreas reservadas e várzeas, muitas de-
as de risco por parte daquela população ex- las protegidas por legislação específica, casos do
cluída do processo?; Código Florestal (Lei 4.771/65 e Lei 7.803/89) e
Nenhum instrumento é “eficaz” ou “ine- da Legislação de Proteção a Mananciais-, que
ficaz” em si mesmo. Esses atributos de- em muitas bacias urbanas é causa de inunda-
pendem de sua aplicação real em um ções com graves acidentes e prejuízos, passa por
contexto social concreto e do juízo de uma vertente que não é apenas legal ou institu-
valor que se faça como resultado de sua cional, mas social e política.
aplicação. Os instrumentos que têm sido apli- As áreas de preservação permanente, segun-
cados têm concretamente contribuído para o do a Lei 4.771/65, são aquelas protegidas nos
ordenamento do uso e parcelamento do solo termos dos Art. 2º e 3º desta Lei, cobertas ou
urbano? e, particularmente, para o gerencia- não por vegetação nativa, com a função ambi-
mento das águas no meio urbano ?; ental de preservar os recursos hídricos, a pai-
Tão importante quanto o conteúdo for- sagem, a estabilidade geológica, a biodiversi-
mal do instrumento é o seu processo de dade, o fluxo gênico de fauna e flora, prote-
aplicação, incluindo a interpretação geral- ger o solo e assegurar o bem estar das popula-
mente dada a seus preceitos substantivos, que ções humanas.
em última instância determinará o con- Portanto, do ponto de vista legal, está asse-
teúdo real do instrumento e os limites gurada a manutenção em áreas de preserva-
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 17-26, jul./dez. 2005

ção permanente de florestas e demais formas de No entanto, e apesar de todo um arcabou-


vegetação natural situadas: ço legal constituído, a população de baixa ren-
da invade terrenos “non edificandi” e ali per-
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso manece. Com justificativas em sua situação ir-
d’água desde o seu nível mais alto em faixa regular, são como que ignorados pelo Poder
marginal cuja largura mínima será: (Redação Público, que tende a tratar apenas de lotea-
dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989) mentos legais, estes sim, onerados por uma
série de exigências e fiscalização. Já os “invaso-
20 1 – de 30 (trinta) metros para os cursos
d’água de menos de 10 (dez) metros de largu-
res”, clandestinos, acabam por efetuar todas
as infrações: ocupação ilegal, poluição, despe-
ra; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989); jo de lixo, etc. E porque a questão não é infringir a
2 – de 50 (cinquenta) metros para os cur- norma, mas sobreviver onde for possível, a situação
sos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cin- acaba se perpetuando, com prejuízos a todos: Poder
quenta) metros de largura; (Redação dada pela Público, população carente, e o restante da popula-
Lei nº 7.803 de 18.7.1989); ção, dita não excluída (Granziera, 2001).
3 – de 100 (cem) metros para os cursos A despeito de sua aparente irracionalidade
d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 urbanística, esta dinâmica tem alta rentabilida-
(duzentos) metros de largura; (Redação dada de política. Separando interlocutores, o poder
pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989); público pode, ao mesmo tempo, ser “sócio” de
4 – de 200 (duzentos) metros para os cur- negócios imobiliários rentáveis e estabelecer uma
sos d’água que tenham de 200 (duzentos) a base política popular nos assentamentos. A base
600 (seiscentos) metros de largura; (Número popular, de natureza quase sempre clientelista,
acrescentado pela Lei nº 7.511, de 7.7.1986 e alte- sustenta-se no princípio mesmo da contraposi-
rado pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989); ção entre a cidade legal e a ilegal. A condição de
ilegalidade e informalidade dos assentamentos
5 – de 500 (quinhentos) metros para os cur-
populares os converte em reféns de “favores” do
sos d’água que tenham largura superior a 600
(seiscentos) metros; (Número acrescentado pela poder público, quando passam a ser reconheci-
dos e incorporados à cidade, recebendo infra-
Lei nº 7.511, de 7.7.1986 e alterado pela Lei nº
estrutura urbana e equipamentos sociais. Esta
7.803 de 18.7.1989);
tem sido a grande moeda de troca nas contabili-
dades eleitorais, fonte de sustentação popular de
b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatóri- governos e, o que é mais perverso, de manuten-
os d’água naturais ou artificiais; ção de privilégios na cidade, definidos no marco
de “planos” que expressam a política urbana.
c) nas nascentes, ainda que intermitentes e O viés tecnocrático dos planos e do proces-
nos chamados “olhos d’água”, qualquer que so de elaboração das estratégias de regulação
seja a sua situação topográfica, num raio míni- urbanística completa o quadro, o que implica
mo de 50 (cinquenta) metros de largura; (Re- na abordagem da cidade, pelos planos, como
dação dada pela Lei nº 7.803 de 18.07.1989) objeto puramente técnico, no qual a função
da lei é estabelecer padrões satisfatórios, igno-
O Parágrafo Único, do Art. 2º, estabelece, rando qualquer dimensão que reconheça con-
ainda, que para o caso de áreas urbanas, en- flitos, como a realidade da desigualdade de
tendidas aqui como sendo aquelas compreen- condições de renda e sua influência sobre o
didas nos perímetros urbanos definidos por lei funcionamento dos mercados urbanos.
municipal, e nas regiões metropolitanas e aglo- O Governo Federal, numa tentativa de rever-
merações urbanas, em todo o território abran- ter o quadro de deterioração urbano-ambiental
gido, observar-se-á, o disposto nos respectivos das cidades, instituiu a Lei nº 6.766/79, também
planos diretores e leis de uso do solo, respei- conhecida como Lei Lehman, estabelecendo
tados os princípios e limites a que se refere exigências mínimas para padrões urbanísticos
este artigo. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº necessários à aprovação de loteamentos urbanos:
7.803 de 18.07.1989) drenagem de águas pluviais, redes de abasteci-
Silva Júnior, R. O. Chagas Coelho, M. F. Instrumentos legais pertinentes à gestão do solo e da água urbanos...

mento de água potável e de esgotamento sanitá- demandas imediatas dos diversos segmentos
rio, energia elétrica pública e domiciliar e vias sociais, sempre de forma a maximizar os inte-
de circulação, pavimentadas ou não. resses financeiros de seus empreendedores.
Além desses padrões mínimos, a Lei esta- Mais recentemente (2001), após mais de dez
beleceu, também, limites para a ocupação do anos de tramitação legislativa, foi aprovado
solo, observando cuidados com a preservação pelo Congresso Nacional o Estatuto da Cida-
do meio ambiente, não permitindo, por exem- de, lei que regulamenta o capítulo de política
plo, o parcelamento em terrenos alagadiços e urbana da Constituição de 1988 (artigos 182 e
sujeitos a inundações, em terrenos com decli- 183). Com ele, os municípios dispõem de um 21
vidade igual ou superior a 30%, em áreas que marco regulatório para a política urbana, que
tenham sido aterradas com materiais nocivos, pode levar a importantes avanços.
ao menos que fossem tomadas medidas para Pela primeira vez no Brasil tem-se uma regu-
sanear esses problemas. Também determinou lação federal para a política urbana, definindo
que os loteamentos deveriam reservar, sem uma concepção de intervenção no território
edificações, uma faixa de 15 metros, de cada que se afasta do tradicional caráter tecnocráti-
lado, ao longo de cursos d’água, rodovias, fer- co, que apenas aponta os usos ideais ou desejá-
rovias e dutos, e exigiu a doação para o poder veis para cada parte do território. O Estatuto
público de, no mínimo, 35% da área da gleba da Cidade dá respaldo constitucional a uma
a ser loteada, para a implantação de sistema nova maneira de realizar o planejamento urba-
de circulação, áreas verdes e de equipamentos no. Sua função é garantir o cumprimento da
sociais, como escolas, creches, postos de saú- função social da cidade e da propriedade urba-
de e similares. na, o que significa o estabelecimento de “nor-
Em 1988, a Constituição Federal estabele- mas de ordem pública e interesse social que
ceu que a política de desenvolvimento urbano regulam o uso da propriedade urbana em prol
(Artigo 182) deverá ser executada pelo poder do bem coletivo, da segurança e do bem-estar
público municipal, conforme diretrizes gerais dos cidadãos” (Artigo 1º). Para isso, o Estatuto
fixadas em lei, determinando que o Plano Di- da Cidade coloca à disposição dos municípios
retor, obrigatório para cidades com mais de uma série de instrumentos que podem intervir
vinte mil habitantes, é o instrumento básico da no mercado de terras e nos mecanismos que
política de desenvolvimento e expansão urba- engendram a exclusão social.
na. Por sua vez, a propriedade urbana deve Os instrumentos que fazem parte do Esta-
cumprir a sua função social, atendendo às exi- tuto situam-se em três campos: um conjunto
gências fundamentais de ordenamento da ci- de novos instrumentos de natureza urbanísti-
dade, expressas no plano diretor. ca voltados para induzir – mais do que norma-
É dada maior autonomia aos municípios no tizar – as formas de uso e ocupação do solo;
trato das questões pertinentes ao parcelamen- uma nova estratégia de gestão que incorpora
to do solo urbano, tanto sob o ponto de vista a idéia de participação direta do cidadão em
da formulação dos requisitos urbanísticos, sob processos decisórios sobre o destino da cida-
a perspectiva da prática dos procedimentos de; e a ampliação das possibilidades de regula-
administrativos de aprovação, de regularização rização das posses urbanas.
e de registro dos parcelamentos, destacando A grande ênfase dada ao planejamento
as ações do poder público nesse campo como municipal, por intermédio do Estatuto da Ci-
de interesse social. dade, diz respeito ao equilíbrio ambiental,
Por outro lado, é importante reconhecer numa preocupação constante com a necessi-
que os governos municipais enfrentam gran- dade de preservar a natureza, corrigindo os
des dificuldades em controlar o uso do solo e erros e inconseqüências já cometidos pela nos-
ordenar o desenvolvimento e a expansão das sa e pelas gerações passadas, para legar às ge-
cidades, particularmente susceptíveis ao com- rações futuras uma cidade que ofereça todas
portamento dos mercados imobiliários, formal as condições de vida saudável e bem estar dos
e informal, que objetivam o atendimento de munícipes.
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Em seu artigo 2º, o Estatuto da Cidade pre- território municipal. É importante destacar
coniza que a política urbana deve ordenar o também o planejamento regional, já que exis-
pleno desenvolvimento das funções sociais da tem temas que extrapolam as fronteiras admi-
cidade e da propriedade urbana, mediante a nistrativas do território de municípios isolados.
garantia do direito a cidades sustentáveis, enten- Não obstante seu caráter inovador, esta nova
dido como o direito à terra urbana, à mora- legislação não terá efeito legal se não for apli-
dia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutu- cada no âmbito local. É cedo para um balanço
ra urbana, ao transporte e aos serviços públi- global dos efeitos de sua aplicação, sobretudo
22 cos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e porque o próprio Estatuto estabelece um pra-
futuras gerações. zo até 2006 para que os municípios elaborem
Durante estes três primeiros anos de vigên- seus planos diretores, que são o instrumento
cia da Lei Federal 10.257/2001, muita discus- básico da política de desenvolvimento e expan-
são, muitos cursos, muitos artigos têm sido pro- são urbana, e também definidores da função
duzidos, no sentido de aprofundar o conheci- social da propriedade. A maioria dos instru-
mento desta lei brasileira tão importante e ino- mentos da Lei nº 10.257/01 devem estar pre-
vadora. Talvez o fato principal que se possa ve- vistos no Plano Diretor. Portanto, mesmo as
rificar seja justamente essa grande movimenta- cidades que já elaboraram ou reformularam
ção em todas as esferas a partir da promulga- seus Planos Diretores à luz da nova lei, têm
ção da lei, e em torno dela. Afinal, trata-se de pouco tempo de aplicação para avaliar resul-
um projeto elaborado coletivamente pelos se- tados. Em última análise, vale lembrar que o ins-
tores populares, e que depende fundamental- trumento legal tem que ser um meio, e não um fim. É
mente do controle social para que seus instru- preciso haver um projeto de cidade justa, democráti-
mentos possam transformar a realidade. ca e sustentável, para que, então, sejam aplicados os
Mesmo antes de serem constatados efeitos melhores instrumentos para a sua construção.
concretos, o poder desta lei se impõe. Logo Assim, a política urbana instruída pela Cons-
após sua promulgação, em 2001, o governo tituição Federal de 1988, combinada com o
federal reconhece esta força e edita uma me- Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) e com
dida provisória, onde inclui e faz valer os arti- o texto da Medida Provisória nº 2.220, dão as
gos referentes à concessão de uso especial que diretrizes para a política urbana do país, nos
haviam sido vetados na lei. A mesma medida níveis federal, estadual e municipal.
provisória cria o Conselho Nacional de Desen- É, portanto, no processo político e no en-
volvimento Urbano que, em 2003, foi consti- gajamento amplo ou não da sociedade civil,
tuído mediante o processo das Conferências que repousará a natureza e a direção de inter-
de Cidades, onde foram eleitos seus membros. venção e aplicação dos instrumentos propos-
O Conselho Nacional das Cidades, como pas- tos no Estatuto, o qual pode ser interpretado,
sou a ser chamado, é mais uma comprovação atualmente, como a mais importante legisla-
da necessidade de articulação e controle soci- ção brasileira em matéria de tutela do meio
al das políticas urbanas. ambiente construído, pois disciplina suas prin-
Até o presente, a avaliação da lei tem sido cipais diretrizes, fundado no equilíbrio ambi-
bastante positiva, pois não resta dúvida de que ental, e ordena juridicamente as cidades de
ela traz muita inovação para as cidades, com acordo com suas realidades: a formal e regu-
ênfase na participação da comunidade nas di- lar e a irregular e informal.
versas etapas do planejamento e da gestão do Nesse contexto, a responsabilidade de apli-
território. Outro mérito da lei é a separação cação do Estatuto da Cidade não está restrita
do direito de propriedade do direito potenci- apenas ao Poder Público municipal, mas prin-
al de construir, dado pela legislação urbana. A cipalmente à própria população brasileira,
questão ambiental também está presente nas desarticulada ou organizada, mediante a utili-
diretrizes do Estatuto e, ainda, há como inova- zação imprescindível dos instrumentos da po-
ção o desafio do planejamento das áreas ru- lítica urbana previstos em seu Artigo 4º. Por
rais, já que o Plano Diretor deve englobar todo outro lado, as ações individuais e coletivas,
Silva Júnior, R. O. Chagas Coelho, M. F. Instrumentos legais pertinentes à gestão do solo e da água urbanos...

autorizam a população a atuar, de forma orga- ção dos recursos naturais, em especial da água
nizada, em proveito do controle democrático (Hardt & Coelho, 2003).
das cidades em todo o Brasil, viabilizando efe- No que se refere ao domínio dos recursos
tivamente, no mundo real, a aplicação do Es- hídricos, a Constituição Federal de 1988 esta-
tatuto da Cidade. belece que as águas pertencem aos estados
Finalmente, como a prática tem demonstrado, (Artigo 26, I), quando a extensão do corpo
aprovar e ter um marco legal, como o Estatuto da hídrico encontra-se limitada ao território de
Cidade, é apenas o começo. Fazer a lei ser implemen- uma unidade federativa, ou à União (Artigo
tada, universalizando a aplicação de seus princípi- 20, III) quando drena mais de um estado ou 23
os na reconstrução do território brasileiro é um gran- delimita fronteira entre eles ou com países vi-
de desafio. zinhos. Não mais existe a figura das águas de
domínio municipal, que foram estabelecidas
POLÍTICA DE GERENCIAMENTO no Código de Águas, mas revogadas pela Cons-
DA ÁGUA URBANA tituição Federal de 1946. Cabe, dessa forma, à
União o gerenciamento das águas federais, e
A ocupação territorial desordenada, prin- aos estados a gestão das águas estaduais, de
cipalmente nos grandes centros urbanos, afe- forma articulada, tal como disposto no artigo
ta de forma negativa o meio no qual se inse- 4º da Lei nº 9.433/97.
re. Estes aspectos já foram amplamente dis- A Lei nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997,
cutidos no item precedente. Os recursos hí- além de instituir a Política Nacional de Recur-
dricos sofrem alguns dos maiores impactos sos Hídricos e criar o Sistema Nacional de
causados pela urbanização, tendo em vista que Gerenciamento de Recursos Hídricos, regula-
as demais interferências ambientais também mentou o inciso XIX do Artigo 21 da Consti-
têm conseqüências diretas e/ou indiretas so- tuição Federal de 1988.
bre eles. Os resultados desse processo são a
degradação da qualidade de vida nas regiões Os fundamentos da Lei nº 9.433/97 reve-
urbanas e a conseqüente diminuição da dis- lam convergência entre as políticas de recur-
ponibilidade qualitativa e quantitativa dos sos hídricos e a do desenvolvimento urbano
recursos hídricos. (objeto do Estatuto da Cidade), cabendo des-
taque aos incisos IV, V e VI do Artigo 1º, os
No tratamento dessas questões, o planeja- quais dispõem que a bacia hidrográfica é a
mento deve ser realizado sob a ótica do desen- unidade territorial de planejamento, a gestão
volvimento sustentável, visando reduzir os im- dos recursos hídricos deve sempre proporcio-
pactos da expansão urbana sobre o ambiente nar o uso múltiplo das águas, ser descentrali-
e, mais especificamente, sobre os recursos hí- zada e contar com a participação do Poder
dricos. O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/ Público, dos usuários e das comunidades.
2001) e a Política Nacional de Recursos Hídri-
cos (Lei nº 9.433/97) são exemplos de diretri- Em adição, a Lei preconiza, em seu Artigo
zes norteadoras que trazem no seu escopo uma 3º: Constituem diretrizes gerais de ação para imple-
série de instrumentos que devem ser efetiva- mentação da Política Nacional de Recursos Hídricos:
mente aplicados, conjuntamente, objetivando I – a adequação da gestão de recursos hídri-
o desenvolvimento urbano num contexto mais cos às diversidades físicas, bióticas, demográfi-
amplo, abrangendo o planejamento integra- cas, econômicas, sociais e culturais das diver-
do dos recursos naturais (Pompêo, 2000; Har- sas regiões do País;
dt & Coelho, 2003). II – a integração da gestão de recursos hí-
A água, como bem natural escasso, deve ser dricos com a gestão ambiental;
preservada; e a urbanização, como principal III – a articulação do planejamento de re-
fator de indução da deterioração hídrica, deve cursos hídricos com os dos setores usuários e
ser ordenada. No contexto do desenvolvimen- com os planejamentos regional, estadual e
to sustentável, o planejamento territorial regi- nacional;
onal deve ocorrer de maneira equilibrada, vi-
IV – a articulação da gestão de recursos hí-
sando o bem-estar da população e a conserva-
dricos com a do uso do solo.
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 17-26, jul./dez. 2005

Dessa forma, a responsabilidade pela pre- ras jurídicas e organizacionais que têm, até
venção dos impactos decorrentes do uso inadequa- então, sido adotadas.
do dos recursos naturais e a mitigação dos seus O caráter descentralizador e participativo
efeitos, em última análise, divide-se entre o da Política Nacional de Recursos Hídricos bus-
Estado e o Município, sem que haja uma deli- ca efetivar uma parceria entre o Poder Públi-
mitação rígida sobre a matéria. É, portanto, co, os usuários e a sociedade civil organizada.
necessária à articulação entre essas duas esfe- O poder de decisão passa a ser compartilhado
ras, pois ações isoladas não têm sido suficien- no âmbito dos Comitês de Bacias Hidrográfi-
24 tes para resolver esse grave problema. No cam- cas e nos Conselhos de Recursos Hídricos (Na-
po institucional, é imprescindível a participação da cional e Estaduais). Entre as decisões compar-
população local, pois a experiência tem demonstra- tilhadas, está a viabilização financeira, destinan-
do que apenas obras – medidas estruturais – não do-se parte dos recursos arrecadados com a
são suficientes para tornar ideais as condições que cobrança pelo uso da água ao custeio dos or-
se pretende implantar. ganismos que integram o sistema e à constitui-
Os problemas decorrentes da obsolescên- ção dos financiamentos das intervenções iden-
cia dos sistemas urbanos de drenagem pluvial, tificadas pelo processo participativo e de pla-
de sua crescente ineficiência em controlar os nejamento.
diferentes impactos sobre o meio, são contem- Apesar da legislação sobre uso e parcelamen-
porâneos ao aumento significativo das preo- to do solo definir a competência municipal so-
cupações com a preservação ambiental (Bra- bre problemas de enchentes urbanas, os esta-
sil, 2001; Tucci, 2002; Baptista, 2002; Granzie- dos e a União podem estabelecer normas para
ra, 2001). No meio urbano, essas preocupações o disciplinamento do uso do solo visando à pro-
têm se manifestado pela crescente demanda teção ambiental, controle da poluição, saúde
de valorização da paisagem urbana e, em de- pública e segurança. Poucos municípios têm
corrência, melhoria da qualidade hídrica e contemplado preocupações com aspectos rela-
preservação global de cursos d’água, lagos e cionados à drenagem urbana e contenção de
áreas úmidas. inundações. Observa-se, em geral, a adoção de
Tucci (2002) constata que nos países desen- legislações restritivas quanto à proteção de ma-
volvidos grande parte dos problemas, relativos nanciais e ocupação de áreas ambientais, que
ao abastecimento de água, tratamento de es- apenas produzem reações negativas e desobe-
goto e controle quantitativo da drenagem ur- diência (na forma de invasão de áreas e lotea-
bana, foram resolvidos. No caso da drenagem mentos irregulares), não atingindo, dessa for-
urbana, foi priorizado o controle de inunda- ma, os objetivos pretendidos.
ções mediante intervenções não-estruturais Conforme constatam Tucci et al.(2003), ape-
obrigando a população a mitigar na fonte os sar de avanços institucionais, observa-se que as
impactos devido à urbanização. Enquanto nos administrações estaduais, de um modo geral,
países em desenvolvimento, a prioridade en- ainda não estão preparadas técnica e financei-
contra-se na viabilização de elevados investi- ramente para planejar e controlar os impac-
mentos para o tratamento de esgotos. tos das diferentes atuações antrópicas nas ba-
Portanto, impõe-se uma nova abordagem cias hidrográficas, uma vez que os recursos
para tratar a questão da água no meio urba- hídricos continuam sendo tratados de forma
no, mais elaborada e integrada, plenamente setorizada (energia elétrica, abastecimento
sintonizada com os instrumentos de planeja- urbano, coleta e tratamento de esgoto, irriga-
mento de uso e ocupação do solo, mas fun- ção, navegação e outros usos), sem que haja
damentalmente integrada com os princípios uma maior articulação e integração adminis-
do desenvolvimento sustentável e da gestão trativa e de instrumentos de gestão.
ambiental. Por outro lado, esse tipo de abor- Trata-se, portanto, de um problema de ca-
dagem representa um desafio importante ráter muito mais político-institucional do que
para as municipalidades, pois demandam técnico, mas que influi diretamente na situa-
questionamentos, tanto dos aspectos pura- ção dos recursos hídricos, não podendo ser
mente técnicos, quanto das próprias estrutu- deixado de lado.
Silva Júnior, R. O. Chagas Coelho, M. F. Instrumentos legais pertinentes à gestão do solo e da água urbanos...

Na situação atual, propõe-se que os arran- legais (Estatuto da Cidade e Lei das Águas),
jos jurídico-instucionais para o controle de devem ser processadas de forma gradual, sem
cheias que afetam mais de um município ve- rupturas, em sintonia com a ordem política,
nham a articular a legislação adequada a cada institucional e jurídica vigente.
cidade, com leis estaduais que estabeleçam Nas agências e órgãos do governo, sobretu-
parâmetros limitando as vazões a serem trans- do nos níveis federal e estadual, em institutos
feridas àqueles de jusante (Tucci et al.,2003): de pesquisa e universidades e na engenharia
Em última análise, para os autores citados, consultiva brasileira, existem recursos huma-
esta articulação entre estados e municípios nos capacitados, bem como, meios técnicos de 25
deverá ocorrer a longo prazo. A curto prazo, alto nível para tratar estas questões adequada-
deve-se contar com a adequação das legislações mente. Cabe, então, o desenvolvimento de um
locais, até que o respectivo comitê de bacia e programa nacional reunindo esforços de go-
os planos estaduais desenvolvam a devida re- verno nas esferas federal, estadual e munici-
gulamentação setorial.. Portanto, quando fo- pal, visando mitigar os problemas discutidos
rem elaborados e desenvolvidos os Planos de anteriormente. Assim, entre outros tópicos,
Bacias, envolvendo mais de um município, este programa deveria enfocar:
dever-se-á acordar ações conjuntas visando o a atualização tecnológica dos corpos téc-
planejamento integral da bacia. nicos municipais e estaduais que lidam
com a questão de uso e ocupação do solo
CONSIDERAÇÕES FINAIS e gestão da água no meio urbano;
Como pode ser visto, os diferentes diplo- a elaboração de estudos de avaliação so-
mas legais federais analisados, que tratam e/ bre a ocupação de áreas de risco de inun-
ou disciplinam o uso e ocupação do solo e a dação e a implantação de medidas não-
gestão da água no meio urbano, oferecem ao estruturais de controle visando a redu-
poder público instrumentos de planejamen- ção da vulnerabilidade das populações ali
to que servem como orientação e/ou diretri- instaladas;
zes gerais para os diferentes níveis de inter- a difusão de alternativas tecnológicas e
venção necessários em cada bacia hidrográfi- de gestão do risco no contexto urbano,
ca, ou mais especificamente em cada espaço incluindo-se diretrizes para proteção e
geográfico urbano. remoção de populações já instaladas em
Contudo, muitas das intervenções e solu- áreas de risco e planos de contingência;
ções a serem propostas, com certeza, apontam a adequação às realidades locais dos ins-
para uma ampla e profunda reestruturação nos trumentos de planejamento e de uso e
diferentes níveis e instâncias governamentais ocupação do solo urbano;
do Brasil. o fomento à cooperação intermunicipal
Por outro lado, percebe-se, também, que as para tratar destes problemas;
transformações que passaram a ser propicia- a concepção e implementação de meios
das a partir do advento dos novos diplomas de financiamento.

Referencias
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Silva Júnior, R. O. Professor da Faculdade de Geografia do Centro


Universitário de Brasília (UniCEUB) e Geólogo Sênior da Empresa
Golder Associates Brasil - rjunior@golder.com.br;
Chagas Coelho, M. F. Consultora em Planejamento e Gestão de Re-
cursos Hídricos - fati.bh@zaz.com.br
Reservatórios de regularização:
alocação de água para usos múltiplos
com diferentes garantias

Marcelo Cauás Asfora


José Almir Cirilo

RESUMO: Nos dias atuais o Brasil passa por um ABSTRACT: In the current days Brazil goes
processo de aperfeiçoamento da gestão partilha- by a process of improvement of the water
da dos recursos hídricos. Em muitos locais, as de- resources shared management. In many places,
cisões sobre a alocação de água para usos múlti- the decisions on the water allocation for
plos vêm sendo feitas por comitês de bacia e con- multiple uses are made by basin committees and
selhos de usuários. A maioria absoluta dos esta- user councils. Most of the Brazilian states has
dos brasileiros tem conselhos de recursos hídri- water resources councils installed, although
cos instalados, embora a maioria deles ainda em most of them still in process of better
processo de melhor organização. Tais avanços têm organization. Such progresses have been
exigido a melhoria dos processos de operação dos demanding the improvement of reservoirs
reservatórios para o uso múltiplo dos recursos hí- operation processes. The methodology
dricos. A metodologia apresentada neste artigo presented in this article has as objective to
tem como objetivo avaliar a variação do potencial evaluate the variation of reservoir operation
de regularização de um reservatório decorrente range due to upstream retreats for different
das retiradas a montante do mesmo para diferen- attendance warranties
tes garantias de atendimento. KEY WORDS: Shared participatory management,
PALAVRAS-CHAVE: Gerenciamento partilhado, reservoirs, operation, evaluation methodology
reservatórios, operação, metodologia de avaliação

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

INTRODUÇÃO
O Brasil encontra-se no presente em pro- to técnico subsidie as decisões colegiadas, com
cesso de aperfeiçoamento crescente da gestão procedimentos adequados às especificidades de
compartilhada dos seus recursos hídricos. Vin- cada região. Para isso, é fundamental que os
te e uma unidades federativas dispõem de con- órgãos gestores dos recursos hídricos, as agên-
selhos estaduais de recursos hídricos e em ape- cias de água, as câmaras técnicas assessoras dos
nas uma delas não existe ainda legislação es- diferentes colegiados tenham seu corpo técni-
pecífica sobre as águas; em doze estados da co continuamente capacitado. Ao mesmo tem-
federação dezenas de comitês de bacia encon- po, urge a criação de base sólida de informa-
tram-se instalados, embora ainda em diferen- ção, lastreada no Sistema Nacional de Informa-
tes estágios de consolidação; conselhos de usu- ções de Recursos Hídricos e seus corresponden-
ários de reservatórios, especialmente no Nor- tes estaduais. Também nesse processo de cons-
deste, participam das decisões sobre o uso trução é necessário que as instituições de ensi-
múltiplo das águas; agências de bacia come- no e pesquisa se agreguem a esse esforço, seja
çam a operar junto aos comitês mais consoli- na capacitação em diferentes instâncias, seja no
dados (BRASIL, 2005). desenvolvimento de técnicas que possam ser
Estes avanços no processo de gestão necessi- incorporadas às rotinas de trabalho dos profis-
tam, para sua consolidação, que o conhecimen- sionais que dão suporte á decisão.
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 27-38, jul./dez. 2005

Pode-se seguramente afirmar que a constru- tes estaduais e federal, incorporam, de um


ção do processo está nitidamente em franca evo- modo geral, o conceito de risco associado à dis-
lução: as bases de informação estão sendo mon- ponibilidade hídrica. Devido as diferentes con-
tadas a partir de muitos estudos sobre as bacias dições hidrológicas existentes nas várias regiões
hidrográficas brasileiras, há melhoria no moni- do País e por não haver qualquer referência
toramento dos corpos d’água, embora lacunas legal que norteie esta questão, as unidades da
espaciais significativas existam e precisam ser federação adotam diferentes parâmetros de dis-
preenchidas, assim como seja premente a ins- ponibilidade hídrica no estabelecimento das
28 talação de monitoramento das águas subterrâ- vazões outorgáveis. A Tabela 1 apresenta os li-
neas e o reforço das estações que monitorem a mites de vazões outorgáveis utilizados em alguns
qualidade das águas superficiais. O Sistema Na- estados do Brasil, onde se observa a adoção de
cional de Informações dos Recursos Hídricos vazões com diferentes garantias como parâme-
está sendo estruturado, em parceria da Agên- tros de disponibilidade hídrica (AGÊNCIA
cia Nacional de Águas com diversas instituições NACIONAL DE AGUAS (Brasil), 2004).
de pesquisa de todo o Brasil e o suporte do Fun- Em geral, estes limites de disponibilidade
do Setorial de Recursos Hídricos do Ministério hídrica são aplicados de maneira uniforme so-
de Ciência e Tecnologia. Centenas de pesquisa- bre todos os usos, não se levando em conta as
dores de todo o país vem sendo apoiados em peculiaridades de cada um deles. Os termos
muitas instâncias desse esforço coletivo (AGÊN- de outorga não estabelecem explicitamente,
CIA NACIONAL DE AGUAS (Brasil).2005).O em função das prioridades estabelecidas para
presente artigo busca contribuir mais especifi- os diferentes usos, os critérios de corte do aten-
camente nos aspectos técnicos da alocação de dimento das demandas. A priorização dos usos
água, baseado na experiência dos autores estu- fica restrita às situações de escassez hídrica pre-
dando a bacia do rio São Francisco em diferen- vistas na Lei Federal 9.433/97, que instituiu a
tes instâncias de tempo, como pesquisadores, Política Nacional de Recursos Hídricos e criou
membros de órgão gestor estadual e por fim do o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Re-
comitê da bacia. cursos Hídricos.

ALOCAÇÃO DE ÁGUA TABELA 1


PARA USOS MÚLTIPLOS Limites de Vazões Outorgáveis
Os processos hidrológicos que determinam em alguns estados brasileiros
as vazões dos rios são estocásticos no tempo e
no espaço. Portanto, a disponibilidade hídri-
ca em um trecho de rio será sempre uma esti-
mativa de vazão associada a um determinado
risco de falha.
Diferentes tipos de empreendimentos desti-
nados ao aproveitamento da água necessitam de
diferentes garantias de suprimento. Empreendi-
mentos menos exigentes quanto à garantia de
abastecimento podem explorar melhor a sazo- Q90% - Vazão mínima com permanência de 90%
nalidade das vazões. Quanto menor a garantia Q95% - Vazão mínima com permanência de 95%
requerida para um dado uso da água, maior será Q7,10 - Vazão mínima com permanência 7 dias e tempo de re-
a disponibilidade hídrica. Usos que necessitam torno de 10 anos.
de uma maior garantia de atendimento, por sua
vez, estão sujeitos a disponibilidades mais restri- Em regiões onde a disponibilidade hídrica é
tas, havendo portanto uma complementaridade limitada, a alocação da água para usos múltiplos
entre disponibilidade e uso. poderia se beneficiar do uso de procedimentos
No Brasil, as outorgas pelo uso dos recursos que contemplassem a complementaridade exis-
hídricas, emitidas pelas autoridades outorgan- tente entre o caráter estocástico da disponibili-
Asfora, M. C.; Cirilo, J. A. Reservatórios de regularização: alocação de água para usos múltiplos com diferentes garantias

dade hídrica e as diferentes garantias requeri- ca de sua bacia (potencialidade). No caso de


das pelos vários tipos de uso, otimizando assim a rios onde as interferências no curso d’água não
aplicação da água para fins de produção. sejam relevantes, a curva de permanência (fre-
A adoção deste paradigma implica, notada- qüência acumulada) das vazões estabelece o
mente, na necessidade de um sistema de ge- padrão de comportamento do rio e fornece
renciamento dos recursos hídricos dinâmico os patamares das vazões (disponibilidades) as-
e bem estruturado. Infelizmente, esta premis- sociadas a diferentes garantias.
sa não corresponde, geralmente, à realidade A implantação de reservatórios de regulari-
das regiões com limitações hídricas. zação modifica a permanência das vazões nos 29
Historicamente, a implantação de reserva- rios e altera a garantia do suprimento de água
tórios de regularização tem sido o principal a jusante do mesmo. As vazões a montante e a
instrumento na busca da sustentabilidade hí- jusante do reservatório passam, portanto, a
drica nas regiões onde os recursos hídricos são apresentar comportamentos diferentes quan-
limitados ou apresentam uma distribuição tem- to à garantia das disponibilidades. A jusante
poral desfavorável. A redução do potencial de ocorre um aumento do valor da vazão mínima
regularização destes reservatórios devido às disponível (vazão de maior garantia) a qual
retiradas de água a montante dos mesmos, fre- tende a se aproximar do valor da vazão média.
qüentemente tem sido objeto de conflitos en- Notadamente, as disponibilidades hídricas,
tre usuários, sendo bastante comum os confli- seja a montante ou a jusante da barragem, não
tos entre o uso da vazão regularizada para fins podem ultrapassar a potencialidade da bacia,
de geração de energia e a irrigação a montan- a menos que haja importação de água.
te dos reservatórios. Estes conflitos poderiam Em geral, quando se deseja avaliar a redu-
ser minimizados caso fossem consideradas as ção da capacidade de regularização de um re-
diferentes garantias requeridas por estes usos servatório em decorrência das retiradas a mon-
e adotados critérios de gerenciamento basea- tante, considera-se que estas retiradas ocorrem
dos em níveis de garantia previamente nego- de forma contínua. Este procedimento pres-
ciados entre os usuários. supõe uma garantia de atendimento plena (em
A metodologia apresentada neste artigo tem 100% do tempo) para as demandas a montan-
como objetivo avaliar a variação do potencial te do reservatório. Tal garantia, no entanto,
de regularização de um reservatório, decorren- nem sempre é requerida pelo tipo de empre-
te das retiradas a montante do mesmo para endimento gerador da demanda de água. Des-
diferentes garantias de atendimento. Como ta forma, ao se aplicar uma garantia maior que
estudo de caso, a metodologia proposta á apli- a desejada, cria-se uma restrição das disponi-
cada ao reservatório de Sobradinho, principal bilidades em termos quantitativos, tanto a
reservatório de regularização das águas do rio montante quanto a jusante do reservatório.
São Francisco e estratégico para setor elétri- A questão proposta, portanto, consiste em
co, pois determina a vazão firme necessária à se estabelecer uma metodologia que permita
produção de energia. A bacia hidrográfica do relacionar as retiradas de água para diferentes
São Francisco é a terceira maior em área e a garantias de atendimento a montante de um
única totalmente inserida no território Brasi- reservatório de regularização e as vazões regu-
leiro. São apresentadas curvas para diferentes larizadas pelo mesmo.
garantias de atendimento das retiradas a mon-
tante de Sobradinho e as correspondentes va- ABORDAGEM HEURÍSTICA
zões regularizadas pelo mesmo, bem como cri-
térios de restrição das retiradas a montante. Seja, inicialmente, a situação em que a reti-
rada a montante de um reservatório de regu-
larização ocorre de forma contínua, ou seja,
DEFINIÇÃO DO PROBLEMA
com garantia de 100% ao longo de todo o his-
Em condições naturais, as vazões médias de tórico das afluências. Neste caso, com algumas
longo período existentes na calha de um rio variações devidas ao efeito da evaporação, sabe-
representam a capacidade de produção hídri- se que a vazão regularizada será reduzida de
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 27-38, jul./dez. 2005

valores próximos aos das retiradas a montan- ro de falhas (mesma garantia) para este novo
te. Os pares de valores assim obtidos produ- valor, o procedimento óbvio é reduzir a vazão
zem uma curva que relaciona as retiradas com regularizada pelo reservatório, aumentando o
garantia de atendimento de 100% para as de- volume dos vertimentos e possibilitando a reti-
mandas a montante do reservatório e as vazões rada QM2 com a mesma freqüência que a retira-
regularizadas pelo mesmo. da QM1. Procedendo desta forma para diversos
Seja, agora, a situação em que as retiradas a valores de retiradas a montante, desde que fisi-
montante do reservatório estejam condiciona- camente possíveis, tem-se a curva que relacio-
30 das à ocorrência de vertimentos no mesmo, na as retiradas a montante do reservatório, para
conforme ilustrado na Figura 1 onde apresen- uma garantia de atendimento de (NV/NP)%, e
ta-se o histórico de acumulação de um reserva- as vazões regularizadas pelo mesmo.
tório hipotético. A garantia para uma retirada As curvas obtidas para estas duas situações,
a montante do reservatório, QM1, com valor igual esquematizadas na Figura 2, sugerem a exis-
ao menor dos vertimentos, será igual à relação tência de uma família de curvas, entre estas,
entre o número de vertimentos, NV, e o núme- capaz de estabelecer uma relação entre as re-
ro de períodos totais observados, NP. Para uma tiradas a montante para diferentes garantias
retirada a montante com valor QM2, maior que de atendimento e a capacidade de regulariza-
QM1, o número de falhas aumentará uma vez ção de um reservatório. Neste texto, estas cur-
que este valor de vazão é superior ao de alguns vas serão denominadas de Curvas de Garantia
dos vertimentos. Para se obter o mesmo núme- de Atendimento(CG).

Figura 1. Histórico
de Operação de um Reservatório
de Regularização
Asfora, M. C.; Cirilo, J. A. Reservatórios de regularização: alocação de água para usos múltiplos com diferentes garantias

Figura 2. Curvas
Hipotéticas de Garantia
de Atendimento

31

FORMULAÇÃO GERAL A= área do espelho d’água do reservatório;


Dada a equação de conservação de massa Qmi = vazão retirada a montante do reservató-
para o balanço hídrico de um reservatório em rio;
um intervalo de tempo i, Qa = Vazão afluente ao reservatório;
Vmax= capacidade máxima do reservatório;
(1) Vmin= volume mínimo de operação do reserva-
tório; e
Vc= volume de corte abaixo do qual é suspen-
Sujeita às seguintes restrições:
sa a retirada a montante do reservatório.
Qmi > 0 para Vi > Vc (2) Deseja-se determinar o conjunto de pontos
dados pelas variáveis, Qr, Qm e Nf %respectiva-
Qmi = 0 para Vi d.Vc (3) mente a vazão regularizada pelo reservatório,
a vazão retirada a montante do reservatório e
Vmin d.Vc d.Vmax (4) o numero de interrupções das retiradas à mon-
tante, para o domínio compreendido pelos
Qmi < Qai (5) valores possíveis de Vc.
A soluções possíveis podem ser representa-
Onde, das graficamente por uma superfície cuja for-
V= volume acumulado no reservatório; ma é apresentada na Figura 3. Nesta, a variá-
∆t= passo da discretização; vel Nf foi substituída pela garantia de atendi-
∆Q= balanço das vazões afluentes e defluentes; mento, G, que é dada por:
∆L= balanço das lâminas precipitada, evapo-
rada e escoada na bacia hidráulica; (6)
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 27-38, jul./dez. 2005

As Curvas de Garantia de Atendimento para


do território do Brasil, sendo a terceira mai-
as retiradas à montante, resultam da interse-
or em área e a única totalmente inserida em
ção da superfície com os planos perpendicu-
território nacional. Abrange áreas dos esta-
lares ao eixo das garantias de atendimento.
dos de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco,
Deve-se observar que as curvas obtidas no item
Sergipe, Alagoas, Goiás e Distrito Federal.
anterior correspondem aos casos particulares
Entre as cabeceiras, na Serra da Canastra, em
onde G= 100% e G= (1-Nf / Nv)x100.
Minas Gerais, e a foz, no oceano Atlântico,
localizada entre os estados de Sergipe e Ala-
32 1. Aplicação ao reservatório de Sobradinho goas, o rio São Francisco percorre cerca de
A bacia hidrográfica do rio São Francisco 2.700 km (AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS
drena uma área de 640.000 km² e ocupa 8% (Brasil), 2004).

Figura 3. Obtenção das curvas


de atendimento para diferentes
garantias
Asfora, M. C.; Cirilo, J. A. Reservatórios de regularização: alocação de água para usos múltiplos com diferentes garantias

A vazão média na foz do rio São Francisco é de acumulação de 19 bilhões de metros cúbi-
de aproximadamente 2.850 m3/s. Para se ob- cos e o segundo acumula até 34 bilhões de
ter uma vazão garantida para fins de geração metros cúbicos.
de energia, foram construídos dois grandes A Figura 4 apresenta uma vista geral da ba-
reservatórios de regularização na calha do rio cia do rio São Francisco, onde estão identifi-
São Francisco, o reservatório de Três Marias e cados os reservatórios de Três Marias e Sobra-
o de Sobradinho. O primeiro tem capacidade dinho. Estes reservatórios são os principais re-
33
Figura 4. Localização da Bacia do Rio São Francisco
Adaptado de: AGÊNCIA NACIONAL DE AGUAS (Brasil), 2004
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 27-38, jul./dez. 2005

guladores do regime das vazões na calha do período utilizado pela CHESF para determi-
rio São Francisco. A permanência das vazões é nação da vazão regularizada máxima de 2.060
fortemente influenciada pelas regras de ope- m3/s a jusante de Sobradinho. A simulação
ração destas barragens, gerenciadas pelo setor realizada resultou em uma regularização má-
elétrico de modo a gerar a vazão firme neces- xima em Três Marias de 517 m3/s e em Sobra-
sária à produção de energia. dinho de 2.063 m3/s. Este resultado foi consi-
O potencial total de geração de energia em derado satisfatório.
operação na bacia do São Francisco é avalia- Para o período de 1934 a 1994, a regulari-
34 do em 10.484 MW e responde por mais de zação máxima obtida para o reservatório de
90% da demanda do Nordeste do Brasil. Do Sobradinho foi de 2.003 m3/s. Este valor di-
potencial total, 95% é gerado no terço inferi- fere do valor obtido recentemente pela Agên-
or da calha do rio São Francisco, compreen- cia Nacional de Águas – ANA para o período
dendo um conjunto de usinas hidroelétricas de 1931 a 2001, possivelmente por não incor-
localizadas entre Sobradinho e a foz. A últi- porar períodos críticos ocorridos entre 1994
ma destas usinas, Xingó, localiza-se a menos e 2001.
de 200 Km da foz e responde por 30% da As Curvas de Garantia de Atendimento apre-
geração de energia. sentadas na Figuras 5 foram construídas con-
Existe um sério conflito de usos entre a irri- siderando-se dois cenários de regularização
gação situada a montante do reservatório de para o reservatório de Três Marias. No primei-
Sobradinho e a necessidade do setor elétrico ro, simulou-se a operação do reservatório para
de produzir uma vazão firme que atenda aos uma regularização de 517 m3/s, valor corres-
requisitos de geração de energia (Paiva et al., pondente à sua capacidade máxima de regu-
2003). Notadamente, a irrigação e a geração larização. No segundo foi utilizada como va-
de energia são atividades que utilizam a água lor de regularização a vazão de 300 m3/s, cor-
com níveis diferenciados de garantia. respondente à vazão mínima de restrição.
Para construção das Curvas de Garantia de Nos dois cenários apresentados na Figura
Atendimento para o reservatório de Sobradinho 5, observa-se que para uma mesma vazão re-
faz-se necessário a simulação de sua operação gularizada a disponibilidade a montante do re-
em conjunto com a do reservatório de Três servatório de Sobradinho é significativamente
Marias, uma vez que as vazões afluentes ao pri- amplificada quando se utilizam diferentes ga-
meiro dependem da operação do segundo. Os rantias de atendimento. Seja, por exemplo, as
dados dos reservatórios de Três Marias e So- curvas de 100% e 90% de garantia para uma
bradinho e as séries de vazões mensais médias vazão regularizada de 1.700 m3/s. Para o pri-
utilizadas nas simulações foram disponibiliza- meiro cenário, as disponibilidades a montan-
dos pela Companhia Hidroelétrica do São te de Sobradinho, com garantias de 100% e
Francisco - CHESF e a Companhia Energéti- 90%, resultam respectivamente em 305 m3/s
ca de Minas Gerais - CEMIG (Asfora, 2000). e 525 m3/s, ou seja, a disponibilidade a mon-
Os dados disponibilizados correspondem ao tante do reservatório é amplificada em 72%.
período de 1934 a 1994, totalizando 61 anos. Para o segundo cenário, têm-se os valores de
Considerou-se como afluência ao reserva- 235 m3/s e 355 m3/s respectivamente para as
tório de Três Marias o histórico de vazões na- garantias de 90% e 100%. Neste caso observa-
turais mensais médias. A afluência ao reserva- se um aumento da disponibilidade de 51%.
tório de Sobradinho foi obtida pela soma das De forma semelhante, observa-se que a re-
defluências do reservatório de Três Marias e tirada de um mesmo valor de vazão com ga-
do incremento das vazões naturais entre os rantias diferentes a montante do reservatório
reservatórios, considerando-se um tempo mé- de Sobradinho, reduz consideravelmente o
dio de viagem de 15 dias entre os mesmos. Para impacto da mesma sobre a capacidade de re-
validação da modelagem, simulou-se a opera- gularização do reservatório. Seja, por exemplo,
ção dos reservatórios de Três Marias e Sobra- uma retirada de 300 m3/s a montante de So-
dinho para o período de 1936 a 1968, mesmo bradinho com garantias de 100% e 90%. Utili-
Asfora, M. C.; Cirilo, J. A. Reservatórios de regularização: alocação de água para usos múltiplos com diferentes garantias

Figura 5. Curvas de
Garantia de Atendimento
para o Reservatório de
Sobradinho

35

zando-se novamente as curvas apresentadas na ficativo quando transferida para um uso me-
Figura 5, para o primeiro cenário observa-se nos exigente, como é notadamente o caso da
que a decréscimo da vazão regularizada por irrigação. Este fato deve ser considerado na
Sobradinho cai de 298 m3/s para 159 m3/s. Ou avaliação dos benefícios que a transferência
seja, o impacto da retirada a montante sobre a dos recursos hídricos entre estes usos pode
vazão regularizada é reduzido em 53%. Para o propiciar.
segundo cenário, tem-se uma redução no im-
pacto de 61%. ESTABELECIMENTO DO CRITÉRIO DE CORTE
O uso de garantias inferiores a 90% resul- As curvas de garantia apresentadas na Figu-
taria em valores ainda mais significativos. No ra 5 estabelecem relações entre as vazões re-
caso de Sobradinho, contudo, os usos prepon- gularizadas pelo reservatório de Sobradinho e
derantes são a geração de energia, que utili- as retiradas a montante do mesmo para dife-
za uma garantia de 100% para cálculo da ener- rentes garantias. Estas curvas pressupõem que,
gia firme, e a irrigação para a qual se admite para uma dada garantia, haverá situações em
uma garantia de suprimento de água na or- que as retiradas a montante do reservatório
dem de 90%. deverão ser suspensas de modo a não compro-
As curvas obtidas para Sobradinho mos- meter a vazão regularizada pelo reservatório.
tram que a disponibilidade hídrica requeri- Em complementação a essas curvas, portanto,
da por um uso que necessita de uma maior faz-se necessário o estabelecimento das condi-
garantia de fornecimento, como a geração de ções sob as quais haverá o corte no atendimen-
energia, pode ser amplificada de modo signi- to das demandas a montante do reservatório.
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 27-38, jul./dez. 2005

No caso de um reservatório de regulariza- Seja, por exemplo, para o cenário I uma


ção, este critério pode ser estabelecido facil- configuração onde se deseje uma vazão regu-
mente definindo-se o percentual da capacida- larizada a jusante de Sobradinho de 1.700 m3/
de de acumulação do reservatório (volume de s. As retiradas a montante com garantias de
corte) abaixo do qual as retiradas a montante 95% e 90% de garantia poderiam chegar, res-
seriam suspensas. pectivamente, a 450 m3/s e 525 m3/s. Nestes
De forma semelhante àquela utilizada na casos as retiradas a montante seriam interrom-
determinação das curvas de garantia, é possí- pidas sempre que o volume acumulado pelo
36 vel relacionar os volumes de corte com as reti- reservatório fosse igual ou inferior a 34% e
radas a montante do reservatório para diferen- 40%, respectivamente.
tes garantias. As curvas resultantes para o ce- Deve-se observar que os volumes de corte
nário I são apresentadas na Figura 6. apresentados não consideram as regras ope-
Uma vez definidas, a partir das curvas de racionais estabelecidas pelo do setor elétrico
garantia, a vazão regularizada pelo reserva- para os reservatórios de Três Marias e Sobra-
tório e as retiradas a montante para uma dinho. A inclusão destas condicionantes pode
dada garantia, o volume de corte correspon- ser feita a partir da elaboração de cenários
dente pode ser obtido a partir das curvas da de disponibilidade hídrica que considerem
Figura 6. estas regras, a exemplo do cenário II apre-
sentado neste artigo.

Figura 6. Curvas
de Restrição para
Retiradas a Montante
de Sobradinho
Asfora, M. C.; Cirilo, J. A. Reservatórios de regularização: alocação de água para usos múltiplos com diferentes garantias

CONCLUSÕES da dos custos e benefícios, advindos da trans-


ferência de recursos hídricos entre usos que
A alocação da água para usos múltiplos po-
requeiram diferentes garantias de atendimen-
deria se beneficiar do uso de procedimentos
to. Quanto menor a garantia requerida para
que contemplassem a complementaridade
um dado uso da água, maior será a disponibi-
existente entre o caráter estocástico da dispo-
lidade hídrica. Portanto, a disponibilidade hí-
nibilidade hídrica, geralmente representada
drica retirada de um uso que necessite uma
por uma estimativa de vazão associada a um
maior garantia, pode ser amplificada quando
determinado risco de falha, e as diferentes
garantias requeridas pelos vários tipos de uso,
aplicada a um uso menos exigente nesse senti- 37
do.
otimizando assim a aplicação da água para fins
de produção. As Curvas de Garantia de Atendimento gera-
das para Sobradinho indicam que a redução
A irrigação a montante dos reservatórios de
de sua vazão firme apresenta-se 50% a 60%
regularização utilizados para fins de geração
menor, quando se adota uma garantia de 90%
de energia tem provocado sérios conflitos. Es-
para atendimento das demandas a montante
tes conflitos poderiam ser minimizados caso
do reservatório. Por outro lado, a alocação de
fossem consideradas as diferentes garantias
água a montante de sobradinho com garantia
requeridas por estes usos e adotados critérios
de 90% amplia de 1,5 a 1,7 vezes as disponibi-
de gerenciamento baseados em níveis de ga-
lidades a montante do mesmo. Este fato deve-
rantia previamente negociados entre os usuá-
ria ser considerado na avaliação dos benefíci-
rios.
os que a transferência dos recursos hídricos
A metodologia apresentada possibilita a entre a geração de energia e a irrigação pode
consideração de níveis de garantia diferencia- propiciar.
dos na alocação de volumes de água para aten-
Ressalta-se, finalmente, que a adoção de
der às demandas a montante e a jusante de
diferentes garantias para usos concorrentes
um reservatório de regularização.
requer um gerenciamento dinâmico, que es-
O uso das Curvas de Garantia de Atendimento tabeleça claramente as prioridades, limites e
possibilita um aproveitamento mais racional critérios de corte de fornecimento de água
dos recursos hídricos disponíveis a montante para os diferentes usuários. Contraditoriamen-
de um reservatório, bem como uma avaliação te, regiões com limitações hídricas e com con-
mais correta do impacto destas retiradas sobre flitos de uso múltiplos das águas apresentam,
a vazão regularizada produzida pelo mesmo. em geral, sistemas de gerenciamento frágeis
A metodologia apresentada também forne- tanto do ponto de vista operacional como ins-
ce subsídios para uma avaliação mais adequa- titucional.

Referencias
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São Francisco e da sua zona costeira : relatório final. Brasília: ANA/GEF/PNUMA/OEA, 333p.
AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS (Brasil). Comitê da bacia do Rio São Francisco. 2004a. Plano de recursos hídricos da bacia do Rio
São Francisco: módulo1- resumo executivo. Brasília: MMA. 150p.
Disponível em: < http://www.ana.gov.br/prbsf/arquivos/sintese_resumo_exe.pdf
AGÊNCIA NACIONAL DE AGUAS (Brasil).2004b. Estudo Técnico de apoio ao PRHBSFn.16: alocação de água.Brasília : ANA/GEF/
PNUMA/OEA. Disponível em:
http://www.ana.gov.br/prhbs.htm
AGÊNCIA NACINAL DE ÁGUAS (Brasil). 2005. [ Documentos]. Brasília : ANA. Disponível em: http://www.ana.gov.br
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 27-38, jul./dez. 2005

ASFORA, M.C.(Coord.). 2000. Avaliação preliminar das disponibilidades e demandas na Bacia do rio São Francisco. Recife : MMA/
SRHP.
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. secretaria de Recursos Hídricos. 2005.
[ Documentos]. Brasília: MMA . Disponível em < http://www.mma.gov.br/port/srh/index_cfim. >
PAIVA, M.F.A. et al. 2003. Os usos múltiplos e a gestão dos recursos hídricos da Bacia do São Francisco. In: VASCONCELOS, Marco
Aurélio (Org.). 2003. O estado das águas no Brasil 2001-2002. Brasília : ANA. p. 419-434.

38
Marcelo Cauás Asfora ITEP - Instituto de Tecnologia de Pernambuco.
E-mail: mcasfora@itep.br
José Almir Cirilo UFPE - Universidade Federal de Pernambuco –
CTG/DEC/Lab. Hidráulica. E-mail: almir.cirilo@terra.com.br
Custo, valor e preço da água na agricultura

Jerson Kelman
Marilene Ramos

RESUMO: O investimento em infra-estrutura ABSTRACT: Water infrastructure invest-


hídrica é condição necessária, mas não suficien- ments are a necessary condition, but not suffi-
te, para a segurança hídrica. Adicionalmente, é cient, to achieve water security. In addition,
necessário que os usuários estejam envolvidos no its necessary that the water users be involved
processo decisório e que paguem, ainda que par- in the decision process and that the pay at least
cialmente, o benefício recebido. O custo da água part of the benefit they receive. The cost of
para a irrigação percebido pelo irrigante e in- water for irrigation perceived by the farmer,
corporado ao seu custo de produção representa which is incorporated to the production cost,
apenas uma parcela dos custos reais incorridos is just part of the actual cost accrued to the
por toda a sociedade. Os preços que começam a society. The price of bulk water for irrigation
ser praticados no Brasil para cobrança do uso da in Brazil is still very low.
água na agricultura são ainda muito baixos. KEY WORDS: water infrastructure, irrigation,
PALAVRAS-CHAVE: infra-estrutura hídrica, ir- charging.
rigação, cobrança.

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

INTRODUÇÃO
Para que haja uso sustentável da água, é A experiência de atuação dos comitês de ba-
necessário avaliar o custo de provisão e o valor cia na definição do preço da água ainda é limita-
dos recursos hídricos, considerando as conse- da. No Brasil, até agora, só o comitê do rio Para-
qüências empresariais, econômicas, sociais e íba do Sul chegou ao final do processo de im-
ambientais decorrentes. A sustentabilidade é plantação da cobrança previsto na Lei nº 9.433/
alcançada quando o valor do recurso hídrico 97. Entretanto, é de se esperar que a fixação do
no processo produtivo for maior ou igual ao preço resulte mais de considerações políticas do
custo de alocação da água, considerando, tan- que econômicas. Isto é, o comitê dificilmente
to para cálculo do valor quanto do custo, os estará interessado em saber qual é o “preço óti-
aspectos econômicos, sociais e ambientais. mo”, definido como aquele que resulte numa
Lamentavelmente, ao se analisar a história dos alocação dos recursos hídricos de máximo be-
investimentos públicos em infra-estrutura hí- nefício para o país. Contudo, mesmo uma deci-
drica, observa-se a ocorrência de muitas obras são política, necessita de balizamento econômi-
não sustentáveis, que resultaram em alocação co. No momento em que se discute a realização
ineficiente da água. de pesados investimentos na integração de baci-
A cobrança pelo uso do recurso hídrico, as hidrográficas e que se começa a cobrança pelo
implantada em alguns países, faz com que par- uso da água, é importante avaliar o real custo de
te das externalidades econômicas e ambien- alocação e o valor da água para os diversos seto-
tais causadas por cada usuário seja incluída em res usuários. Neste artigo analisa-se o custo e o
sua respectiva planilha de custos, resultando valor da água para a irrigação, tomando-se por
no uso mais sustentável da água. Desta forma, base a bacia do São Francisco e a do Paraíba do
induz-se que a água seja usada como insumo Sul. São analisadas também algumas experiênci-
na produção de bens cujo valor possa, de cer- as de cobrança pelo uso da água (preço) no Bra-
ta forma, compensar as deseconomias geradas. sil em comparação com as de outros países.
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 39-48, jul./dez. 2005

CUSTO DA ÁGUA PARA IRRIGAÇÃO custo repassado ao irrigante é, principalmen-


te, o de O & M. Na maioria dos países, as par-
O custo de provisão da água para a irriga-
celas 3, 4 e 5 não são pagas pelo irrigante. A
ção percebido pelo irrigante e incorporado
diferença entre o custo total de alocação e o
ao seu custo de produção representa apenas
preço pago pelo irrigante recai sobre toda a
uma parcela dos custos reais incorridos por
sociedade.
toda a sociedade. Uma avaliação mais com-
pleta do custo total de alocação na irrigação Como exemplo ilustrativo são apresentadas
a seguir estimativas do custo de capital, custo
40 deve considerar as seguintes parcelas (Rogers
et alli, 1998): de O&M e custo de oportunidade para implan-
tação de projetos de irrigação que utilizem
1. Custo de capital: representa o valor dos
água da bacia do rio São Francisco. Trata-se
investimentos em infra-estrutura hídrica, ne-
de uma análise comparativa entre os custos de
cessários para levar a água até a área irrigada
alocação da água para irrigação na própria
(construção de canais, barragens, instalação de
bacia do São Francisco e nas áreas beneficia-
bombas, etc.).
das pela transposição por meio do chamado
2. Custo de O & M: representa os recursos “Eixo Norte”, neste caso considerando-se duas
despendidos para operação e manutenção da hipóteses de bombeamento: contínuo (proje-
infra-estrutura (energia elétrica, pessoal, repa- to original) e “dual” (proposto pela Agência
ração de equipamentos, entre outros). Nacional de Águas - ANA). A quantificação das
3. Custo de oportunidade: reflete o valor externalidades, tanto econômicas quanto am-
da água para alocação em sua melhor alterna- bientais, ainda não se encontra disponível.
tiva de uso. Este é o custo incorrido pela socie- Deverá ser objeto de futuros estudos.
dade, em situações de escassez, pela alocação
do recurso hídrico a um usuário em detrimen- Custo de Capital
to de outro que apresente uma rentabilidade
maior para a água em seu processo produtivo. O investimento necessário para disponi-
O melhor uso pode ser apresentado por outro bilizar água no lote de irrigação depende,
usuário do mesmo setor ou de setores diferen- basicamente, do custo de transporte do ma-
tes, ou até para um uso ambiental. O custo de nancial para o lote, que, por sua vez, depen-
oportunidade é zero quando não existe uso de da distância e dos desníveis a serem ven-
alternativo ou quando não existe escassez. cidos. Vamos examinar o eixo norte do “Pro-
jeto de Transposição do Rio São Francisco”,
4. Externalidade Econômica: é o custo ge- em estudos no Ministério da Integração Na-
rado para outras atividades econômicas em de- cional, mostrado, de forma esquemática, na
corrência do uso do recurso hídrico na irriga- figura a seguir.
ção (por exemplo, aumento de custos de tra-
tamento da água para abastecimento público O eixo norte é um conjunto de obras hi-
pela presença de poluentes oriundos da irri- dráulicas cujo objetivo é levar água do rio São
gação na água bruta). Francisco para as bacias do rio Jaguaribe
(CE), Piranhas-Açu (PB e RN) e Apodi (RN).
5. Externalidade Ambiental: é o custo gera- Quando estiver totalmente implementado,
do para a sociedade em geral em decorrência servirá para abastecimento urbano e para ir-
do uso do recurso hídrico na irrigação (por rigação. O Projeto tem capacidade máxima
exemplo, aumento de custos de tratamento de de transporte de 99m3/s e custo de implanta-
doenças ou redução da biodiversidade decor- ção de cerca de R$ 2 bilhões (Funcate,2000).
rentes da presença de poluentes oriundos da Supondo taxa de desconto de 6% ao ano, o
irrigação na água bruta). investimento inicial seria pago por um fluxo
A análise de viabilidade de um empreendi- financeiro contínuo de R$ 120 milhões por
mento agrícola, quando feito por um investi- ano. Embora possa transportar instantanea-
dor privado, considera pelo menos os custos mente 99 m3/s, o Projeto prevê um transpor-
de capital e de O & M (parcelas 1 e 2). Quan- te médio de 47 m3/s, que equivale a 1.482 mi-
do o investimento é feito pelo setor público, o lhões de m3/ano.
Kelman, J.; Ramos, M. Custo, valor e preço da água na agricultura

41

Todos os envolvidos na intensa polêmica em vertedores passasse pelas turbinas, seria gera-
torno do Projeto concordam com a utilização da uma energia extra, a custos praticamente
de água do São Francisco para abastecimento nulos, que poderia acionar as bombas hidráu-
das populações, inclusive daquelas localizadas licas utilizadas na transposição. Todavia, ne-
fora da bacia. Entretanto, muitos questionam nhum irrigante localizado fora da bacia se su-
se é razoável transportar água por centenas de jeitaria a um regime tão inseguro de suprimen-
quilômetros, vencendo desníveis de centenas to de água.
de metros, para utilizá-la na irrigação. Inda- Realmente, ninguém poderia irrigar receben-
gam da razão para não realizar a irrigação no do água apenas quando Sobradinho estiver
próprio vale do São Francisco, onde remanes- cheio. Há, no entanto, uma circunstância favo-
cem centenas de milhares de hectares férteis, rável: grandes açudes foram construídos nos Es-
ainda não aproveitados. tados receptores, ao longo de muitas décadas,
Por outro lado, ninguém de bom senso dis- com suficiente volume para armazenar as sobras
cordaria do uso da água do São Francisco para de água do São Francisco, para serem posterior-
irrigar lavouras localizadas fora da bacia hidro- mente liberadas de modo gradual. É o caso dos
gráfica, desde que esta água não faça falta aos açudes Castanhão, Poço da Cruz e Armando Ri-
usuários da própria bacia. No caso específico, beiro Gonçalves, localizados respectivamente nos
esta circunstância ocorrerá sempre que o re- rios Jaguaribe, Apodi e Piranhas-Açu. É por esta
servatório de Sobradinho estiver cheio. Nesta razão que a Agência Nacional de Águas – ANA -
situação, todo o excesso de afluência verte em decidiu recomendar que os estudos da transpo-
direção ao mar, não fazendo falta a quem quer sição considerem a hipótese de que o sistema de
que seja. E, se a água em vez de passar pelos bombeamento funcione em dois modos, respec-
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 39-48, jul./dez. 2005

tivamente “normal” e “máximo”. No modo nor- desnível de aproximadamente de 180 m, utili-


mal, e para o cenário de até o ano 2025, o bom- za-se cerca de 2 MWh. Como se trata de um
beamento seria de apenas de 12 m3/s, o sufici- novo uso energético, o custo para a socieda-
ente para atender as populações. No modo má- de, de prover esta quantidade de energia, equi-
ximo, todas as bombas seriam ligadas 21 horas vale ao do custo marginal de expansão (“ener-
por dia (fora do horário de pico do consumo gia nova”) que se situa próximo de R$ 90,00
energético), resultando num bombeamento por MWh1. Assumindo, uma vez mais, que 70%
médio diário de 86 m3/s. O modo máximo só da água retirada do rio São Francisco atinja
42 seria acionado quando o reservatório de Sobra- efetivamente o destino, o custo energético para
dinho estivesse quase cheio. A simulação desta transporte (custo de operação) é de:
operação, ao longo da série histórica de vazões,
resultou num transporte médio de 35 m3/s (em (2 X 90) / (0,7 X 3600) = R$ 0,07/m3
vez dos 47 m3/s que prevê o Projeto), que equi-
vale a 1.104 milhões de m3/ano. Este custo unitário se aplica à água destina-
Hipótese do projeto: Supondo que 70% da água da ao abastecimento das populações e também
retirada do rio São Francisco atinja efetivamen- ao setor agrícola, na hipótese prevista no Pro-
te o destino (hipótese otimista), o custo de jeto, de forma contínua para todos os setores.
capital para transporte até os açudes da região Entretanto, se for adotada a regra operati-
receptora é de: va sugerida pelo estudo da ANA, de só bombe-
ar no máximo quando houver excesso de ofer-
R$ 120.106 (custo anual médio) ÷ ta de água e de energia na bacia do São Fran-
(0,7 X 1482.106 m3, volume) = R$ 0,11/m3 cisco, aí então o custo unitário de energia é
tipicamente R$ 10,00/MWh (comprado no
Hipótese ANA: Neste caso resulta para os mercado “spot”) e, portanto, o custo de ope-
números semelhantes: ração energética para o setor agrícola reduz-
se a menos de R$ 0,01/m3.
120 ÷ (0,7 X 1104) = R$ 0,15/m3 Há que se considerar o custo de manuten-
ção de um sistema de gerenciamento de re-
Há ainda um custo de transporte do açude cursos hídricos que deve estar implantado,
ou do trecho perenizado a jusante para o local tanto na região doadora como na receptora.
da irrigação, chamado de k1 (Lei 6662/79). Este Uma boa estimativa destes custos podem ser
custo de investimento “off farm” é da ordem de obtida analisando-se o caso do Ceará, que dis-
R$ 7.500,00 por hectare. Para a taxa de descon- põe de um bom sistema, centrado na atuação
to de 6% ao ano, este investimento equivale a da Companhia de Gestão de Recursos Hídri-
um fluxo financeiro contínuo de R$ 450,00 por cos – COGERH, cujo custo de operação é de
ano. Admitindo que cada hectare receba 16.000 cerca de R$ 0,03/m3 disponibilizado (FUN-
m3 por ano, cerca de 0,4 l/(s.ha), o custo unitá- CATE, 2000).
rio é de R$ 0,03/m3. Interessante observar que
a Portaria do Ministério de Integração Nacio- Custo de oportunidade
nal no 559, de 08 de maio de 2003, fixa o k1 em
R$ 66,77 por hectare/ano, que equivale, assu- Na bacia do São Francisco, a água que for
mindo-se os mesmos 16.000 m3/ha, a R$ 0,004/ utilizada para irrigação fica disponível para pro-
m3 (sete vezes menos do que o calculado). Esta dução de energia elétrica. Neste caso, o custo
enorme discrepância decorre, provavelmente, de oportunidade a ser considerado na avalia-
da falta de correção monetária dos investimen- ção do custo total da água para irrigação equi-
tos realizados no passado. vale ao valor produção de energia elétrica.

Custo de operação e manutenção 1


Naturalmente, o preço a ser pago pela energia será inferior,
No bombeamento contínuo de 3.600 m3 ao aproximando-se do custo médio de produção energética, e
longo de uma hora (1 m3/s), para vencer um não do custo marginal.
Kelman, J.; Ramos, M. Custo, valor e preço da água na agricultura

Cada m3/s continuamente retirado do re- Portanto, pode-se afirmar que o custo de
servatório de Itaparica implica a diminuição oportunidade da água é:
de 2,54 MW da energia firme da CHESF
(Companhia Hidrelétrica do São Francisco). Custo de Oportunidade = R$ 228,60/h ÷
Ao longo de uma hora, a retirada contínua 3600 m3/h = R$ 0,06/m3
de 1m3/s resulta num volume de 3600 m3 alo-
cado para a irrigação numa redução de ener- Este é o custo de oportunidade a ser consi-
gia firme de 2,54 MWh. Assumindo o custo derado na hipótese de bombeamento contínuo.
unitário de R$ 90,00/MWh para a nova ener- No caso da regra operativa da ANA, o custo de 43
gia firme (térmica ou transmitida da região oportunidade é praticamente nulo porque,
Norte), que substitua a energia firme da quando Sobradinho está vertendo, não existe
CHESF perdida pelo efeito da irrigação, o uso alternativo com retorno econômico.
acréscimo de custo para os consumidores de
energia elétrica seria igual a:
Custo Total (custo econômico)
Custo = 2,54 MWh/h X R$ 90,00/MWh = O custo total econômico corresponde à
R$ 228,00/h soma das parcelas definidas anteriormente,
como resumido na tabela abaixo.

TABELA 1:
Custo Econômico Total da Água para Irrigação –
Bacia do São Francisco e Transposição Eixo Leste

Supondo a regra de operação estudada pela descontado o custo de capital e de O&M relati-
ANA, o custo econômico da água para irriga- va à obra de transposição, resultando em
ção, trazida do São Francisco para as bacias re- R$ 0,12/m3. Portanto, o custo econômico de
ceptoras do Nordeste Setentrional é de irrigação na região receptora (eixo norte) pode
R$ 0,22/m3. Na hipótese de bombeamento con- ser (de) 80% a 150% maior que o correspon-
tínuo este custo se eleva para R$ 0,30/m3. Se a dente custo para irrigação na própria bacia, de-
irrigação ocorresse na própria bacia, deveria ser pendendo da regra operativa adotada.
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 39-48, jul./dez. 2005

O VALOR DA ÁGUA tentabilidade do uso da água necessita, obriga-


toriamente, da correta mensuração das diver-
Assim como o custo da alocação da água não
sas parcelas componentes do valor da água.
se restringe ao custo de capital e de O & M, o
valor da água não se restringe ao benefício que Contudo, a presente análise se limitará à
gera para o usuário. A alocação da água em uma parcela relativa ao “valor da água para o usuá-
determinada atividade gera benefícios sociais, rio” (VU). O valor da água para o usuário re-
econômicos e ambientais que não são apropri- presenta o retorno econômico líquido obtido
por metro cúbico de água aplicada na produ-
44 ados somente pelo usuário, mas também por
outros setores da sociedade. A avaliação da sus- ção, definido como:

No caso específico do valor da água para o


usuário na agricultura irrigada, a expressão
pode ser reescrita como:

Numa situação de escassez, deve-se priori- de oportunidade mencionado no item 2. Ou


zar o abastecimento público e manter uma seja, o custo de oportunidade para um setor é
descarga mínima para preservar metas ambi- o maior valor da água para o usuário encon-
entais. A água excedente, utilizada como in- trado entre todos os demais setores concorren-
sumo de processo produtivo, pode ser aloca- tes. Além disso, o valor da água para o usuário
da sob diversos critérios, inclusive o econô- reflete a sua “disposição de pagar” para não
mico, baseado no valor da água para o usuá- ser racionado.
rio (Kelman , 2001). A tabela 2 apresenta o valor da água para o
O conhecimento do valor da água para o usuário irrigante de algumas culturas na bacia
usuário é fundamental para se estimar o custo do São Francisco. Como no médio São Fran-

TABELA 2
Valor da água para o usuário na agricultura do Semi-árido

Nota: (1) Produtividade do coco em unidades de fruto e o preço em R$/unidade de fruto.Fontes:CODEVASF - Custo de Produção, produtividade
e consumo de água das culturas.CEASA - DF 70% do Preço Médio no atacado de 1995 a 2002 corrigido pelo IGO-DI (batata)CEAGESP - 70%
do Preço Médio no Atacado (melão, manga e uva itália)EMBRAPA - Preço médio dos últimos 10 anos corrigido pelo IGPM (feijão) EMBRAPA
Janaúba - Preço médio anual
Kelman, J.; Ramos, M. Custo, valor e preço da água na agricultura

cisco é praticamente impossível obter-se pro- PREÇO DA ÁGUA


dução agrícola sem irrigação, assumiu-se como
Segundo a Organização para a Cooperação
nula a renda bruta sem captação de água. Se-
e o Desenvolvimento Econômicos - OCDE,
gundo os dados apresentados, o valor da água
1998, na maior parte dos países, o preço da água
para os irrigantes da bacia do São Francisco
na agricultura tende a refletir apenas os custos
varia entre R$ 0,04/m3 e R$ 1,62/m3.
de operação e manutenção dos sistemas de irri-
Comparando-se o valor da água para o usu- gação, acrescendo-se, em alguns casos, a cobran-
ário obtido com o custo econômico da água
para irrigação na própria bacia (R$ 0,12/m3)
ça pelo uso da água, cujo objetivo é internalizar
as “externalidades” econômicas e ambientais.
45
e na transposição, pela regra operativa da ANA Como o setor agrícola permanece subsidiado
(R$ 0,22/m3), verifica-se que, do ponto de vis- na maior parte dos países, este objetivo tende a
ta estritamente econômico, a maioria das cul- ser alcançado apenas parcialmente. O mesmo
turas apresenta viabilidade, seja na própria estudo da OCDE constata que: “apesar de diver-
bacia do São Francisco, seja no Semi-Árido Se- sos países entenderem a necessidade de aumentar a
tentrional. Com exceção do coco verde, o cul- cobrança pelo uso da água na agricultura de forma a
tivo dos demais produtos analisados gera ren- assegurar a estabilidade financeira dos seus sistemas
da superior ao custo de alocação, consideran- de abastecimento, apenas poucos já deram passos de-
do-se inclusive o custo de oportunidade. cisivos nesta direção”. Na maioria dos países exis-
Com os dados aqui disponibilizados, não se tem limitações (políticas, econômicas, etc.) ao
pode afirmar se o uso da água na irrigação é repasse aos agricultores dos custos de capital e
ou não sustentável. Para isso, seria necessário de O&M dos sistemas de abastecimento e prati-
valorar as externalidades econômicas e ambi- camente não se cobra pelas externalidades eco-
entais, pelo lado do custo, e os demais benefí- nômicas e ambientais.
cios sociais ou indiretos gerados pela alocação, A tabela 3 apresenta um resumo dos preços
pelo lado do valor. da água para a agricultura em alguns dos paí-

TABELA 3
Preço da Água na Agricultura

Notas:1. Assumindo-se derivação de 16.000m3/ha.ano.


2. Valor mínimo
3. Usuário do Canal do trabalhadorFontes:OCDE, 1998COGERH, 2002, informações do site www.cogerh.com.br
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 39-48, jul./dez. 2005

ses abrangidos pelo estudo da OCDE, e tam- ma explícita no caso da Bacia do Paraíba do
bém no Brasil, considerando-se o preço pago Sul. A cobrança naquela bacia, aprovada em
pelo irrigante na bacia do São Francisco, no 2002 e iniciada em 2003, abrange todos os se-
Ceará e na bacia do Paraíba do Sul. Em que tores usuários, inclusive o agrícola. O setor
pese a dificuldade de se comparar sistemas de agropecuário, representado no Comitê, exigiu
precificação tão díspares, verifica-se que o pre- que a cobrança não provocasse acréscimos su-
ço da água no Brasil é bastante baixo. No Cea- periores a 0,5% nos seus custos de produção.
rá, o preço da água aduzida pelo Canal do Tra- Os representantes do setor alegaram que não
46 balhador já demonstra a tentativa de recupe- poderiam arcar com aumentos superiores face
ração, pelo menos, do custo de O & M. à baixa rentabilidade da produção agrícola. Em
função desta limitação, o preço unitário para
COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA captação fixado para o setor agropecuário foi
E SEU IMPACTO SOBRE O SETOR 40 vezes menor que o estipulado para os seto-
AGRÍCOLA – ESTUDO DE CASO res de saneamento e industrial, como se pode
DA BACIA DO PARAÍBA DO SUL observar na tabela 4. A fixação de um valor
tão baixo levou a que, no primeiro ano da co-
Em todo o mundo, na fixação do valor da brança, para uma arrecadação total estimada
cobrança pelo uso da água, um dos fatores li- em cerca de R$ 8 milhões, o setor agrícola
mitantes é a capacidade de pagamento dos contribuísse com apenas R$10 mil. Este é o
usuários agrícolas (ability to pay), a qual depen- valor pago por 35 usuários, de um universo de
de da rentabilidade das culturas produzidas. 700 cadastrados, que fazem captação em rios
No Brasil, a limitação da cobrança à capacida- de domínio da União, estando, portanto, su-
de de pagamento dos usuários surgiu de for- jeitos à cobrança nesta etapa inicial.

TABELA 4
Preço unitário da água (captação)
na bacia do Paraíba do Sul

A tabela 5 apresenta os resultados de uma lio Vargas, a partir dos dados do cadastro de
avaliação do impacto da cobrança sobre o usuários da bacia. O valor da cobrança refe-
custo de produção e sobre a renda potenci- re-se apenas à cobrança por captação, que é
al do produtor agrícola, segundo estudo ela- a parcela que, efetivamente, vem sendo co-
borado pelo Centro Internacional de Desen- brada dos produtores pela Agência Nacional
volvimento Sustentável da Fundação Getu- de Águas.
Kelman, J.; Ramos, M. Custo, valor e preço da água na agricultura

TABELA 5
Impacto da cobrança pelo uso da água sobre o setor agrícola na Bacia do Rio Paraíba do Sul

47

Fontes: CIDS/FGV, 2003


- Abacaxi, Cana-de-Açúcar, Coco, Goiaba e Maracujá: Custos de produção foram fornecidos pela FUNDENOR e os preços são da Fapur/Frutificar;
- Arroz (SP), Cebola (SP): Custos e preços (média de 1999 a 2001, janeiro a maio, deflacionados para março/2000) do IEA
- Batata (MG) e Tomate (MG): Custos e preços da Emater-MG

Observa-se que os impactos sobre os cus- tabela 6. Em termos médios, o maior impacto
tos de produção são rigorosamente desprezí- sobre a rentabilidade tende a ocorrer no setor
veis, bem inferiores ao percentual de 0,5%, hidroelétrico.
que seria o limite superior, segundo a Delibe-
ração CEIVAP no 15/2002. Da mesma forma,
TABELA 6
os impactos sobre a rentabilidade também são
Impacto da cobrança pelo uso da água sobre custos
muito baixos. A única exceção a ser aponta- de produção e rentabilidade – Bacia do Paraíba do Sul
da seria o arroz irrigado (São Paulo), que
apresenta impacto de cerca de 1% sobre a ren-
tabilidade.
O mesmo estudo demonstrou que o impac-
to da cobrança na produção industrial da ba-
cia pode atingir até 1% sobre os custos, che-
gando a 1,5% sobre a rentabilidade. O impac-
to sobre o custo do setor hidroelétrico é mais
alto, chegando a 4,4%. Mas, este resultado ten-
de a ser pouco significativo porque, na hidro-
eletricidade, o custo de produção tem pouco
peso sobre o custo total, que é majoritariamen-
te composto pelo custo de capital. Ainda para
o setor hidroelétrico, o impacto sobre a renta- Fonte: CIDS/FGV, 2003
bilidade ficaria em torno de 0,6%, similar ao
resultado encontrado para o setor industrial.
Os resultados dos impactos potenciais sobre Na realidade, observa-se que o valor da co-
os três setores analisados são apresentados na brança estabelecido para os setores industrial
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 39-48, jul./dez. 2005

e agrícola é bastante baixo. A cobrança para o cativos caso se aproximassem do custo de alo-
setor agrícola poderia ser, pelo menos, quatro cação ou do valor para o usuário. Como se
vezes maior e o limite de 0,5% dos custos ain- viu, não é o caso. Na realidade, há ainda es-
da seria respeitado. paço para futuras decisões de comitês de ba-
cia, no sentido de incrementar o valor unitá-
CONCLUSÃO rio da cobrança, em relação ao fixado pelo
CEIVAP. Preliminarmente, no entanto, é pre-
Este trabalho demonstrou que os preços ciso vencer a luta política, através da demons-
48 que começam a ser praticados no Brasil para tração da utilidade do sistema de gerencia-
cobrança do uso da água na agricultura são, mento de recursos hídricos para o conjunto
efetivamente, bem pequenos. Seriam signifi- da sociedade.

Referencias
FUNDAÇÃO DE CIÊNCIAS, APLICAÇÕES E TECNOLOGIAS ESPACIAIS.2000. Estudos de viabilidade do projeto de transposição de
águas do Rio São Francisco para o nordeste setentriona : R31- análise econômica e justificativa do empreendimento. São Paulo :
FUNCATE, 50p.
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS. Centro internacional de desenvolvimento sustentável. 2003. Estudos Econômicos Específicos de
Apoio à Implantação da Cobrança para os Setores Agropecuário, Industrial e Hidrelétrico. Rio de Janeiro : FGV. Disponível em: http:/
/www.comitepcj.sp.gov.br/GT-agencia/oficinaPCJ_relatorio_impacto.pdf
KELMAN, J. ; KELMAN, R., 2002. Water Allocation for Economic Production in a Semi-Arid Region. International Journal of Water Re-
sources Development. London : Carfax Publishing, v.8, n. 3, p. 391-407.
ORGANIZATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT- OCDE.1998. Agricultural Water Pricing in OECD Coun-
tries. Disponível em: http://www.olis.oecd.org/olis/199800.nsf
ROGERS. P, et al. 1998. Water as a Social and Economic Good: How to Put the Principle into Practice. Estocolmo : Global Water
Partnership, 91p.

Jerson Kelman Diretor-Presidente da Agência Nacional de Energia


Elétrica e Professor da COPPE-UFRJ
Marilene Ramos Professora da EBAPE -Fundação Getulio Vargas - e
Coordenadora do Núcleo de Águas do CIDS/FGV
Comitê de bacia hidrográfica:
um canal aberto à participação e à política?

Valeria Nagy de Oliveira Campos

RESUMO: Este trabalho tem como objetivo apre- ABSTRACT: This work has as objective to
sentar uma análise preliminar sobre os comitês de present a preliminary analysis on the river ba-
bacia hidrográfica, criados no âmbito do Sistema sin committees, created as a component of the
Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídri- Integrated Water Resources Management Sys-
cos no estado de São Paulo (Lei 7663/91). tem – SIGRH, in São Paulo State (Law 7663/
Idealmente, estes comitês foram estruturados, 91).
tendo como um de seus princípios básicos, a par- These committees were created according
ticipação; contudo, a experiência tem mostrado three principles, one of them is participation.
que o processo de implementação sempre encon- However, the experience has been showing that
tra obstáculos. Sendo assim, nos perguntamos se it’s very difficult to implement a proposal and
os comitês estão se efetivando enquanto espaços there are many hindrances to meet. Because of
abertos à participação efetiva dos atores e à nego- this, we wondered if the committee is succeed-
ciação, política e social, para a tomada de deci- ing as a space open to participation and to nego-
são, ou se são meros espaços discursivos. Em caso tiation or if it is becoming a discursive space. If it
de que estejam se efetivando nos indagamos so- is an open space, we wondered which factors
bre quais fatores podem estar contribuindo para could be contributing to different actors’ partic-
que os atores participem dos comitês - uma vez ipation and to its success.
que eles foram criados a partir uma lei -, e para Aiming at answering these questions, we
que o comitê seja bem sucedido. made a preliminary analysis of the Piracicaba,
Visando responder a estas questões, fizemos Capivari and Jundiaí River Basin Committee
uma análise preliminar de alguns casos - Comitê and the Cotia-Guarapiranga and Billings-
Piracicaba, Capivari e Jundiaí e Subcomitês Co- Tamanduateí Subcommittees. With this analy-
tia-Guarapiranga e Billings-Tamanduateí -, a par- sis we could verify that: these committees, de-
tir da qual pudemos constatar que: estes comi- spite some limitation, are reaching one of the
tês, apesar de algumas limitações, estão atingin- main objective – participative management -;
do os objetivos propostos - gerenciamento parti- and that these areas had, previously to the com-
cipativo -; e que estas áreas apresentavam, ante- mittee implementation, a tradition in mobili-
riormente à implementação do comitê, um his- zation and collective actions, concerning, above
tórico de mobilização e de ações coletivas, rela- all, to environmental problems, what could be
cionadas, sobretudo, a questões ambientais e responsible for the good performance of these
hídricas, o que pode ser responsável pelo bom committees.
desempenho destes espaços. However, this analysis is just signalizing that
Contudo, estas informações obtidas são apenas there is a field in the water management that
sinais que abrem um caminho para que novas pes- needs more researches, and if it’s possible, us-
quisas sejam realizadas, utilizando ferramentas que ing tools that allow to measure and to com-
permitam mensurar e comparar os dados obtidos. pare data.
PALAVRAS-CHAVE: Gerenciamento de recur- KEY WORDS: Water resources management,
sos hídricos, comitês, participação, política. committees, participation.

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 49-60, jul./dez. 2005

INTRODUÇÃO de novos arranjos2 em diversos níveis, os quais


devem compor o sistema de gerenciamento
Este trabalho tem como objetivo apresen-
dos recursos hídricos proposto. Tais arranjos
tar uma análise preliminar sobre os comitês
têm como objetivo abordar os conflitos, a par-
de bacia hidrográfica, enquanto espaços aber-
tir do estabelecimento de regras comuns, para
tos à participação dos diferentes segmentos e
que cada um dos diferentes participantes pos-
à negociação – política e social –, nas tomadas
sa expor sua posição e para que se possa che-
de decisão, no campo dos recursos hídricos.
gar a um acordo, mesmo que temporário, so-
50 No estado de São Paulo, os comitês de bacia bre tais conflitos.
foram criados no final do século XX. Naquele
Esta nova abordagem ganhou espaço por-
momento, estava-se adotando uma nova abor-
que: i) muitas regiões – especialmente aquelas
dagem sobre os recursos hídricos, influenciada
extremamente urbanizadas e industrializadas –
por uma série de transformações políticas, eco-
estavam convivendo com problemas referentes
nômicas, sociais e ambientais e pela emergên-
à escassez de água, em termos de qualidade ou
cia de um novo paradigma – o desenvolvimen-
quantidade3, e com um crescimento constante
to sustentável –, as quais repercutiram na revi-
do número de conflitos sociais relacionados ao
são da política de águas1 vigente e em uma res-
uso de tais recursos; ii) o modelo de gerencia-
truturação institucional. (Campos, 2001)
mento dos recursos hídricos em vigor – centra-
No processo de revisão efetuada, eviden- lizado, impositivo e setorializado – não estava
ciou-se um questionamento sobre a localiza- atendendo às demandas; e iii) desde a década
ção dos centros decisórios, os métodos utiliza- de 80, havia sido reiniciado o processo de de-
dos para tomada de decisões e os atores consi- mocratização e descentralização em vários paí-
derados nas diversas etapas do processo – ela- ses, o qual implicou no restabelecimento de
boração, implementação, gestão e avaliação de novas relações entre Estado e Sociedade e em
políticas públicas –, adotados até então. uma ampliação dos espaços públicos.
A gestão das águas, tendo em vista os no- No caso de São Paulo, a estrutura de geren-
vos parâmetros estabelecidos, passou a incor- ciamento de recursos hídricos proposta consi-
porar, além da preocupação com a oferta de derou estas recomendações e incluiu a parti-
água e a realização de obras hidráulicas, a pre- cipação de novos atores na arena decisória.
ocupação com a demanda e com os aspectos
Cabe ressaltar que, para muitos, a participa-
sociopolíticos. Além disto, a partir da análise
ção tem sido vista como uma solução para: in-
de experiências significativas, como a france-
cluir o maior número de demandas possível;
sa, houve uma reformulação das práticas de
identificar as relações entre os atores e entre os
gerenciamento de recursos hídricos, as quais
atores e o ambiente – a bacia –; assegurar mai-
passaram a se basear em novos princípios – a
descentralização, a participação e a integra-
ção –, tendo como unidade de referência a
bacia hidrográfica. 2
No caso do gerenciamento dos recursos hídricos, têm sido
O conjunto de princípios adotados e as re- criados novos arranjos, cuja denominação, composição, ca-
comendações efetuadas resultaram na criação racterísticas e modus operandi variam conforme o contexto
onde surgem. Além disto, possuem especificidades relacio-
nadas com os objetivos estabelecidos e com os correspon-
dentes: status jurídico, função, atribuições, incidência sobre
1
Por política de águas podemos entender o “conjunto de prin- o território, horizonte temporal, entre outros fatores. Na Amé-
cípios doutrinários que conformam as aspirações sociais e/ rica Latina, alguns destes arranjos criados foram: as Mesas
ou governamentais no que concerne à regulamentação ou de Concertación, no Peru; os Consejos de Cuenca, no Méxi-
modificação nos usos, controle e proteção das águas”. Sua co; e os Comitês de Bacia Hidrográfica, no Brasil, sobre os
mudança tem influências diretas sobre o gerenciamento de quais iremos tratar.
recursos hídricos, entendido como um “conjunto de ações 3
Entre 1970 e 1995, a quantidade de água potável disponível
governamentais, comunitárias e privadas destinadas a regu- por habitante, no mundo, caiu 37%. In: jornal Folha de São
lar o uso, o controle e a proteção das águas.” (ABRH, 1986 Paulo. 02/07/99. Caderno especial: Ano 2000. Água, comida
apud LANNA, 1999). e energia.
Campos, V. N. O. Comitê de bacia hidrográfica: um canal aberto à participação e à política?

or discussão sobre o uso de um bem comum – a tas expectativas com relação aos mesmos por
água –, e proporcionar transparência e conti- parte de pesquisadores, de formuladores de
nuidade ao processo de democratização. políticas públicas e de seus próprios membros.
Contudo, é preciso considerar que este ter- Embora estes arranjos, em geral, venham
mo abriga diferentes definições, possibilitan- desempenhando um importante papel, permi-
do sua manipulação de acordo com o contex- tindo que os conflitos sejam expostos e debati-
to e os interesses presentes. Neste trabalho, o dos publicamente e contribuindo para uma
termo participação é adotado em sentido es- tomada de decisão mais informada, não existe
trito, referindo-se àquelas situações em que os um consenso com relação aos resultados dos 51
membros de uma comunidade se envolvem nas comitês. Se de um lado existem setores que os
decisões políticas. Neste envolvimento, encon- vêem como um caminho para o empodera-
tramos diferentes tipos de atores – protagonis- mento da sociedade civil e o fortalecimento
tas, coadjuvantes e figurantes (Cardoso, da democracia; por outro, existem setores que
2003) – e um gradiente considerável entre os os vêem como uma forma de coordenar a di-
diferentes níveis de participação – o represen- versidade de organizações em um campo ain-
tante pode ser um ouvinte em uma sessão; um da fragmentado; ou ainda, que sustentam que
realizador de tarefas; um consultor ativo ou um se trata apenas de uma forma do Estado esqui-
tomador de decisão. var-se de suas responsabilidades e que a exis-
Uma vez criados os comitês e estabelecidas tência dos mesmos não impedirá que os con-
as regras de seu funcionamento, deu-se início flitos continuem se agravando e que a disputa
à composição de cada um destes colegiados. pelo recurso escasso se mantenha.
Entretanto, a simples existência destes espa- O fato é que a existência destas expectati-
ços de negociação, não é garantia da partici- vas com relação aos resultados dos comitês não
pação dos indivíduos ou grupos4, nem da re- impede que se constate que existem limites ao
solução de conflitos. A liberdade para – ou o seu funcionamento. Tais limites têm origem
desejo de – participar não garante(m) que to- no momento de definição dos objetivos da cri-
dos tenham as mesmas condições de acesso à ação dos comitês, passam por seu desenho –
participação; os mais organizados e com mais composição, organização e regras –, sua imple-
recursos políticos5 acabam sendo privilegiados. mentação e desenvolvimento e pela interação
Por outro lado, a abertura destes canais parti- entre os atores entre si e entre o colegiado e a
cipativos também não é garantia de que os se- realidade na qual opera.
tores tradicionais não apresentarão resistênci- Sob esta perspectiva é preciso considerar
as a esta inovação. As iniciativas participativas que a estruturação e a implementação deste
rompem com a tradição, onde a atividade po- sistema de gerenciamento, objetivando alcan-
lítica é exercida por profissionais – a elite po- çar a sustentabilidade do sistema hídrico e
lítica –, procuram resgatar a dimensão públi- ambiental, deve observar dois conceitos fun-
ca e cidadã da política e acabam desestabili- damentais: a cultura e o território (Santos,
zando as estruturas e fluxos já existentes nas 1993). Considerando que cultura pode ser
organizações governamentais e no processo de entendida como a forma como o homem se
tomada de decisões. Em decorrência disto, sur- relaciona com o mundo e toma decisões para
giram vários obstáculos a transpor para efeti- melhorar sua vida, inferimos que o sistema de
var a alternativa proposta. gerenciamento depende do contexto onde ele
Esta diversidade de aspectos relacionados aos nasce e é aplicado. Estando vinculado aos ter-
comitês faz com que, atualmente, existam mui- ritórios que o homem ocupa ou usa, tem es-
treita relação com a etapa política e econômi-
ca neles detectada. Assim, são as relações soci-
4
Neste trabalho, não entraremos na discussão sobre as dife-
ais e políticas locais, que vão dar o tom ao
renças de atuação de indivíduos e de grupos.
5
Por recursos políticos entende-se: riqueza, dinheiro, educa- modelo implementado. (Campos, 2004c)
ção, recursos cognitivos, tempo livre para a atividade políti- O nível de participação, por exemplo, está
ca, facilidade maior ou menor de superar problemas de ação relacionado, entre outros fatores, à existência
coletiva. de uma cultura de participação política no
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 49-60, jul./dez. 2005

contexto em que se atua; isto é, à existência Para Avritzer (2002), a existência de práti-
de um “conjunto de atitudes, normas, crenças, cas associativas anteriores e a incorporação de
mais ou menos largamente partilhadas pelos práticas preexistentes no desenho institucio-
membros de uma determinada unidade social nal participativo, contribuem para que os no-
e tendo como objeto fenômenos políticos.” vos arranjos participativos criados tenham
(Bobbio et al, 1993, 306) O grau de compro- maior chance de se desenvolver com sucesso.
metimento dos atores, a capacidade de supe-
Já para Houtzager et al (op.cit., 3), “a ca-
rar os interesses particulares em prol do bem
52 comum e o sucesso do processo participativo
pacidade de participar está condicionada
pela história da construção dos atores, pelas
estão relacionados diretamente à existência
suas relações com outros atores (...) e pelo
desta cultura.
âmbito das instituições políticas, no qual es-
Paralelamente a isto, também é importante sas relações são negociadas.” Devemos enten-
a presença do chamado capital social6. Entre- der que “a participação é um resultado con-
tanto, ressaltamos que não compartilhamos de tingente, produzido numa teia de relações
uma visão determinista (Putnam, 1996), segun- negociadas entre atores coletivos (organiza-
do a qual instituições transparentes e partici- ções civis, Estado e outros) situados em um
pativas somente podem se desenvolver em re- terreno institucional preexistente que repri-
giões onde já exista uma cultura de associati- me e/ou facilita formas de ação particula-
vismo arraigada. Consideramos que é possível res.” (op.cit, 8)
desenvolver capacidades associativas, uma vez
Para estes autores, o sucesso de espaços plu-
que se promovam mudanças no ambiente ins- rais de negociação está relacionado à preexis-
titucional e nas relações de poder, incorporan-
tência de determinadas condições: existência
do novos atores.
de capital social, mobilização e práticas associ-
Contudo, como nos alerta Houtzager et al ativas; bem como à incorporação da análise e
(2004; 2), “conhecemos muito pouco sobre os interpretação destas condições preexistentes
efeitos dos desenhos institucionais dos diferen- ao desenho institucional.
tes espaços de participação ou sobre as forças No caso dos comitês de bacia, criados ten-
sociais que dão forma à dinâmica de tomada
do como uma de suas bandeiras a participa-
de decisões no interior dos mesmos, muito
ção e divulgados como verdadeiros “parlamen-
menos sua efetividade para produzir políticas tos das águas”, é notório que não se tem con-
públicas”.
seguido obter uma participação ampla; exis-
No que diz respeito ao desenho institucio- tem dificuldades para alguns segmentos parti-
nal destes espaços de participação, é impor- ciparem, fisicamente ou efetivamente. Com
tante considerar que ele pode facilitar ou difi- relação àqueles que conseguem ter acesso, sur-
cultar a inclusão dos diferentes atores, bem ge uma dúvida com relação ao alcance desta
como a própria participação no processo de participação? Os comitês têm realmente se
discussão e de tomada de decisão. No que diz constituído em canais abertos ao exercício da
respeito às forças sociais, que dão forma à di- política – enquanto habilidade no trato das re-
nâmica nestes arranjos, é preciso considerar e lações humanas e, conseqüente, conjugação
analisar o histórico da região, em termos de das ações dos indivíduos e grupos, com vistas
práticas associativas, ações coletivas e nível de à obtenção de um fim comum –, contribuin-
participação permitido. do para o empoderamento da sociedade civil,
ou são meros espaços discursivos?
6
Capital social pode ser definido como o conjunto de bens Visando verificar, de modo preliminar, em
sociais, psicológicos, cognitivos e institucionais que possibili- que medida estas idéias são válidas no campo
tam a produção de comportamento cooperativo (Cunha et al, dos recursos hídricos, tomamos como objeto
2004a). No campo dos recursos hídricos, pode-se encontrar de estudo os seguintes casos no estado de São
algumas pesquisas que buscam avaliar o desempenho insti- Paulo: Comitê de Bacia Hidrográfica Piraci-
tucional dos comitês de bacia hidrográfica e mensurar o capi- caba, Capivari e Jundiaí (CBH-PCJ) e os Sub-
tal social nelas existente (Cunha, 2004; Cunha et al, 2004a; comitês de Bacia Hidrográfica Cotia-Guara-
Cunha et al, 2004b). piranga (SCBH-CG) e Billings-Tamanduateí
Campos, V. N. O. Comitê de bacia hidrográfica: um canal aberto à participação e à política?

(SCBH-BT), ambos na Bacia Hidrográfica anteriormente, optamos por centrar nossa


Alto Tietê. atenção nos comitês, os quais, graças a sua es-
A seguir, antes de apresentarmos os objetos trutura e a sua escala de atuação, constituem-
de estudo, vamos pontuar alguns aspectos do se em canais mais abertos à participação.
sistema de gerenciamento adotado no estado Trata-se de um órgão colegiado de caráter
de São Paulo, os quais são necessários ao en- consultivo e deliberativo, que tem como al-
tendimento da problemática. gumas de suas atribuições aprovar: o Plano

GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS


de Bacia Hidrográfica; o enquadramento dos
corpos de água em classes de uso preponde-
53
NO ESTADO DE SÃO PAULO rante; a proposição de critérios e valores a
serem cobrados pela utilização dos recursos
Desde a década de 90, vem sendo imple- hídricos e o uso dos recursos obtidos com esta
mentado, no Brasil, um sistema de gerencia- cobrança. Também deve promover acordos,
mento dos recursos hídricos baseado na des- cooperação e conciliação de interesses entre
centralização e na participação da sociedade os usuários da água na bacia e fazer estudos,
civil nas tomadas de decisão. Tal sistema foi divulgação e debates dos programas prioritá-
gestado no arcabouço das transformações po- rios de serviços e obras a realizar, em acordo
líticas e econômicas do Estado brasileiro, pós- com a coletividade.
governo autoritário, e anunciado na Constitui-
ção Brasileira de 1988 e na Constituição dos Cada CBH possui composição e regras de
estados de 1989, as quais incluíram em seus funcionamento próprias, regidas por seu Es-
preceitos artigos ou capítulos, direta ou indi- tatuto. No entanto, a lei estadual fixou que,
retamente, ligados à questão dos recursos hí- assegurada a participação paritária dos Muni-
dricos. A lei federal sobre o tema – “Lei das cípios em relação ao Estado, o Comitê deve
Águas” (nº 9433) –, foi sancionada em 1997, ser composto por:
mas alguns estados-membros da federação já representantes das Secretarias de Estado
haviam se adiantado na questão, promulgan- ou de órgãos e entidades da administra-
do suas próprias leis. Um destes estados é São ção direta e indireta, com atuação na
Paulo, cuja lei data de 1991. bacia hidrográfica correspondente;
De acordo com a lei paulista nº 7663/91, o representantes dos municípios contidos
Sistema Integrado de Gerenciamento de Re- na bacia hidrográfica; e
cursos Hídricos – SIGRH, deve se pautar em representantes de entidades da socieda-
três conceitos fundamentais: de civil, sediadas na bacia, respeitado o
gestão descentralizada e participativa; limite máximo de um terço do número
adoção da bacia hidrográfica como uni- total de votos.
dade de gestão e planejamento; e Para compor o segmento sociedade civil no
adoção de instrumentos legais para coi- Comitê vem se adotando o seguinte processo: a
bir o desperdício, promover o reuso, Secretaria Executiva do CBH divulga o edital
entre outras ações. sobre o processo eleitoral e as entidades se ca-
dastram ou atualizam seus dados. Depois, a Se-
O SIGRH estrutura-se em três instâncias de cretaria faz uma listagem das entidades, classifi-
articulação: deliberativa, técnica e financeira. cadas em 8 grupos: associações científicas, asso-
A instância deliberativa é composta pelo ciações técnicas ligadas aos recursos hídricos,
Conselho Estadual de Recursos Hídricos – ór- organizações sindicais vinculadas a recursos hí-
gão central –, pelos Comitês de Bacia Hidro- dricos, saneamento e meio ambiente, associa-
gráfica (CBH’s) – órgãos regionais –, e pelas ções de defesa do meio ambiente, usuários da
Agências de Bacia – órgão executor, com per- água para comércio, lazer e serviços, usuários
sonalidade jurídica. agrícolas da água, usuários industriais e usuári-
Embora esta instância seja composta por os para abastecimento público. A seleção de
vários órgãos, a fim de buscar elementos que representantes de cada grupo é feita entre “pa-
possam validar, ou não, as idéias apresentadas res”. Posteriormente, a Secretaria seleciona os
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 49-60, jul./dez. 2005

eleitos para ocupar as vagas, de acordo com o Comitê Alto Tietê (CBH-AT), em 1993 e 1994,
estatuto de cada CBH e de acordo com uma respectivamente (Alvim, 2003). Estes comitês
nova classificação: i) comunidades técnico-cien- foram os primeiros a serem implantados no
tíficas; ii) entidades ambientalistas, de defesa estado de São Paulo.
de direitos humanos, sociais e trabalhistas; iii) No caso do Comitê Alto Tietê, há que se res-
usuários econômicos e iv) usuários domésticos saltar que, em virtude da complexidade da ba-
(rurais e urbanos) (Neder, 2002). O processo cia, decidiu-se pela descentralização administra-
de cadastramento das entidades permanece tiva do Comitê e pela criação de cinco Subco-
54 permanentemente aberto. mitês: Cotia-Guarapiranga, Tietê-Cabeceiras,
Foi de acordo com estas regras e conceitos Billings-Tamanduateí, Juqueri-Cantareira e Pi-
que foram implementados os comitês de ba- nheiros-Pirapora, instalados entre 1997 e 1998.
cia que elegemos para estudo e sobre os quais Entre estes, optamos por estudar o Subcomitê
trataremos na seqüência. Cotia-Guarapiranga e o Billings-Tamanduateí.
Examinando o processo de implementação
ESTUDO DE CASOS do gerenciamento descentralizado, integrado
e participativo na bacia do Piracicaba, Capiva-
A bacia dos rios Piracicaba, Capivari e Jun- ri e Jundiaí e nas sub-bacias Cotia-Guarapitan-
diaí, assim como a bacia do Alto Tietê, possu- ga e Billings-Tamanduateí, nos últimos 10 anos,
em graves problemas relacionados aos recur- verificamos que tem havido a participação de
sos hídricos, alguns dos quais lhes são comuns. novos atores nos comitês, os quais não eram
São áreas extremamente urbanizadas e in- anteriormente considerados – municípios e
dustrializadas, que estão interligadas através de sociedade civil –, e que têm ocorrido avanços
um conjunto de obras hidráulicas realizadas, e retrocessos neste processo. (Campos, 2004c)
desde o final da década de 60, com o objetivo Os avanços ocorreram principalmente no
de contribuir com o abastecimento de água desenvolvimento das capacidades de pressão
potável – Sistema Cantareira – e o abastecimen- e inserção das necessidades de alguns setores,
to de energia elétrica – Represa Billings e Usi- que anteriormente não encontravam espaço;
na Henry Borden –, da Região Metropolitana na proposição e implementação de projetos,
de São Paulo. ainda que em menor grau que o desejado; e
Com o passar dos anos, a construção deste no fortalecimento da sociedade, especialmen-
Sistema hidráulico-sanitário inter-regional e a te através da criação de redes, as quais têm
disputa pela utilização dos recursos hídricos possibilitado a soma de esforços para fiscalizar
têm trazido problemas às áreas envolvidas, os e pressionar o governo quanto às políticas e às
quais se agravam diariamente. (Campos, 2001 leis relacionadas ao tema, além de possibilitar
e Campos, 2004b) o intercâmbio de informação e comunicação
A existência destes problemas – contamina- entre as organizações.
ção das águas, escassez de água de boa quali- Os retrocessos, por sua vez, podem ser ve-
dade, grande número de conflitos sociais –, ali- rificados nas manobras políticas do governo
ada ao histórico de ações participativas nestas que, muitas vezes, utiliza-se do discurso téc-
áreas impulsionaram a criação do Comitê Pi- nico, da experiência e do capital humano acu-
racicaba, Capivari e Jundiaí (CBH-PCJ)7 e do mulados para conduzir as reuniões ou, até
mesmo, atrasar algumas sessões. Existe uma
assimetria de poder entre as agências e enti-
7
Em maio de 2002, tendo em vista que o rio Jaguari, afluente dades dos governos federal e estadual frente
do Piracicaba nasce em Minas Gerais, sendo de domínio da às do governo municipal. Por outro lado, exis-
União, foi criado o Comitê Nacional das Bacias dos Rios Pi-
tem situações em que os municípios se unem
racicaba, Capivari e Jundiaí, designado, PCJ Federal. É com-
ao governo estadual, dando ao setor público
posto por 50 membros divididos entre representantes da
União, dos estados de São Paulo e de Minas Gerais, dos
um peso maior.
municípios dos estados de São Paulo e de Minas Gerais, e No que diz respeito à participação da socie-
dos usuários e da sociedade civil destes dois estados. dade civil nestes comitês, é preciso observar
Campos, V. N. O. Comitê de bacia hidrográfica: um canal aberto à participação e à política?

que, dada a multiplicidade de interesses pre- nião do Conselho Estadual de Recursos Hí-
sentes no interior do segmento, torna-se bas- dricos – CRH, na qual seria votado o referido
tante difícil conseguir uma coesão interna, não projeto, algumas entidades da sociedade civil
se aproveitando de todos benefícios que uma se organizaram e apresentaram algumas crí-
ação em conjunto poderia trazer. ticas à proposta, pressionando para que ela
Contudo, podemos destacar alguns eventos não fosse votada, sem que as Câmaras Técni-
(Campos, 2004c) que demonstram que a parti- cas do Comitê a examinassem e que se fizes-
cipação nas tomadas de decisão, nestes espaços, sem estudos mais intensos. Propuseram uma
tem ocorrido de fato – ou seja, que os comitês ação judicial junto ao Ministério Público do 55
têm possibilitado o exercício da política –, e que Estado de São Paulo e enviaram cartas à po-
a participação pode fazer a diferença. pulação, explicando os conflitos. Esta inicia-
tiva foi bem-sucedida e o projeto não foi vo-
Um primeiro evento que pode ser citado é tado naquela reunião.
a discussão sobre o Plano Emergencial de Pro-
teção aos Mananciais – 1998-99, ocorrida em O terceiro caso que podemos mencionar é
1997. Naquele momento, diversas entidades da a Revisão do Manual de Procedimentos do
sociedade civil apoiaram o processo de elabo- Fundo Estadual de Recursos Hídricos – FEHI-
ração do referido plano, promovendo deba- DRO. Em 1999, o governo do Estado de São
tes e realizando inspeções às áreas objeto da Paulo, através do COFEHIDRO e do CRH, re-
Lei com a finalidade de atualizar informações tomando alguns antecedentes jurídicos dos
e fixar suas posições. No entanto, o processo anos de 1997 e 98, determinou que “as Orga-
de votação do Plano teve alguns percalços e as nizações da Sociedade Civil jamais deveriam
referidas entidades tiveram apenas dois dias ter acesso a tal fundo”. Isso resultou na Deli-
para analisar a proposta. Uma vez superado o beração 05/99, que excluiu tais organizações
problema, as entidades conseguiram incluir como tomadoras de recursos do FEHIDRO. Os
algumas demandas8 e a questão foi levada ao representantes da sociedade civil no CBH-AT,
Conselho Estadual de Meio Ambiente, o qual valendo-se de sua força junto aos outros CBH’s
concedeu direito de voz para os representan- do estado, se articularam rapidamente para
tes da sociedade. Contudo, a implementação reverter este processo. Eles conseguiram con-
do Plano Emergencial dependia de recursos vencer o Secretário de Recursos Hídricos e
financeiros e isto era um outro problema a ser reverteram a Resolução 05/99, através do Pro-
enfrentado. jeto de Lei 675/00.
Outro exemplo que pode ser apresentado Por fim, podemos citar o episódio da nego-
é o caso do Projeto de “Flotação”9 para o rio ciação da renovação de outorga do Sistema
Pinheiros, proposto em 2001. Em uma reu- Cantareira, que estava para finalizar em agos-
to de 2004. Visando discutir a renovação da
outorga e, posteriormente, encaminhar pro-
8
Entre estas demandas destacamos: a compatibilização dos postas aos níveis competentes – Agência Naci-
dados; atualização dos mapas e limites; definição das fontes onal de Águas – ANA, e Departamento Esta-
de recursos; harmonização das ações e programas; inclusão dual de Água e Energia Elétrica – DAEE, foi
do Ministério Público nas intervenções em áreas invadidas criado, em dezembro de 2003, o Grupo de
ou irregulares; designação da equipe de fiscais com capaci- Trabalho Cantareira, composto por represen-
dade e qualificação, exigindo ação imediata; exigência, de
tantes do três níveis de governo e da socieda-
modo inédito, de uma Auditoria Independente da Sociedade
de civil. Entre as ações desenvolvidas, pelo cha-
Civil. Informações obtidas junto a representantes do Instituto
de Arquitetos do Brasil – IAB/SP, em 10/09/2001.
mado GT Cantareira, podemos citar: coleta e
9
Este projeto, que visava produzir mais energia elétrica na sistematização de informações, e organização
Usina Henry Borden, contaria com a participação da iniciati- e divulgação dos resultados dos debates, estu-
va privada e com a adoção de uma técnica conhecida como dos e demais trabalhos efetuados. Apesar de
flotação para remover certas substâncias das águas, antes que a decisão final sobre a outorga estava fora
de enviá-las à represa Billings. Esta técnica utiliza-se da adi- de seu alcance, a mobilização destes atores teve
ção de sais à água, os quais ao reagir fazem com que certos resultados positivos e eles conseguiram incluir
resíduos flutuem na água para depois serem recolhidos. algumas de suas demandas.
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 49-60, jul./dez. 2005

O que estes quatro eventos têm comum? nhou uma “Carta de reivindicações” ao Gover-
Eles têm em comum o fato de que, neles, no- no estadual; que tinha como uma de suas rei-
tou-se uma presença marcante dos represen- vindicações a formação de um organismo in-
tantes da sociedade civil, especialmente, no termunicipal para fazer a gestão das águas na
Comitê Piracicaba, Capivari e Jundiaí (CBH- bacia do Piracicaba (Brochi et al, 2002).
PCJ) e no Subcomitê Billings-Tamanduateí Outro resultado da mobilização destes ato-
(SCBH-BT). Esta particularidade nos levou a res, foi a criação, em 1989, do “Consórcio In-
questionar sobre o que estaria por trás do su- termunicipal das bacias dos rios Piracicaba e
56 cesso destas ações participativas. Consideran- Capivari”10, que contou, inicialmente, com a
do que estes comitês foram criados pela lei, participação de 11 municípios, representados
ponderamos se a causa desta mobilização e pelos seus prefeitos, e que, hoje, abriga 39
participação não seria a preexistência dos fa- municípios, 33 empresas e diversas entidades
tores mencionados anteriormente: capital so- da sociedade civil.
cial, cultura política e práticas associativas.
O Consórcio Intermunicipal PCJ teve uma
A fim de buscar respostas a esta questão, atuação bastante importante no processo de
procuramos conhecer os antecedentes da cri- criação do Comitê de Bacia Hidrográfica PCJ,
ação de cada um destes arranjos, bem como as dando, inclusive, suporte aos usuários, em ter-
práticas associativas que por ventura existissem mos técnicos, legais e institucionais, para que
nestas bacias. eles pudessem participar do comitê. Desde
1997, o Consórcio PCJ tem assento no Comitê
CRIAÇÃO DOS COMITÊS – ANTECEDENTES PCJ, como usuário (sociedade civil).
Comitê de Bacia Hidrográfica-Piracicaba, A partir de então, tanto o Consórcio, quan-
Capivari e Jundiaí (CBH-PCJ) to o Comitê PCJ, têm tido uma atuação impor-
tante no trato das questões hídricas e também
Embora o Comitê PCJ tenha sido criado regionais. Um exemplo é a negociação sobre
pela lei no. 7663, de 1991, podemos observar a renovação da outorga do Sistema Cantarei-
que, na Bacia dos rios Piracicaba, Capivari e ra, citada anteriormente. (Campos, 2004a)
Jundiaí, já havia um histórico de sensibiliza-
ção, mobilização e participação dos diferentes
atores frente às questões que se apresentavam Comitê de Bacia Hidrográfica do Alto Tietê
na região com relação aos recursos hídricos, (Subcomitê Cotia-Guarapiranga e Subcomitê
fato que colaborou com o desenvolvimento do Billings-Tamanduateí)
comitê. A criação do Comitê de Bacia Hidrográfica
Neste sentido, desde a década de 60, têm do Alto Tietê também foi estabelecida pela lei
sido realizados, protestos, campanhas e ações de 1991, mas o Comitê só foi implementado
em prol da descontaminação das águas do rio em 1994.
Piracicaba e contra a mortandade de peixes. Antes de se iniciar efetivamente os trabalhos,
Estas atividades foram impulsionadas pelos houve uma discussão sobre a descentralização
problemas hídricos existentes e coordenadas administrativa do referido Comitê e ele foi divi-
por vários atores sociais: entidades de classe, dido em cinco subcomitês, dois dos quais o sub-
como a dos engenheiros e a dos arquitetos; comitê Cotia-Guarapiranga e o Billings-Taman-
universidades; políticos, tais como deputados duateí, sobre os quais iremos tratar.
em nível federal e estadual (Ojima, 2003); ci-
dadãos, que sofriam os impactos da contami-
nação das águas; entre outros.
10
Nas negociações referentes aos recursos hídricos da re-
gião, sempre foram considerados os rios Piracicaba e Capi-
A Campanha “Ano 2000 – Redenção ecoló- vari, porque sua bacia contém parte significativa da área ur-
gica da Bacia do Piracicaba”, realizada em 1985, banizada do município Campinas e porque cerca de 50% dos
pelo Conselho Coordenador das Entidades Ci- esgotos de Campinas são lançados no Ribeirão Piçarrão, aflu-
vis de Piracicaba e pela Associação de Engenhei- ente do rio Capivari. O rio Jundiaí só foi incorporado apenas
ros e Arquitetos de Piracicaba, é um bom exem- em 2000, por pressão política; o Consórcio tornou-se, então,
plo desta mobilização. Esta campanha encami- Consórcio PCJ. (Ojima, op.cit.)
Campos, V. N. O. Comitê de bacia hidrográfica: um canal aberto à participação e à política?

Estas unidades menores – as sub-bacias –, De acordo com Neder (op.cit., 216), “trata-
apresentam diferenças entre si, as quais têm se do [sub]comitê com maior penetração re-
influenciado o desenvolvimento e a atuação gional e maior capacidade governativa diante
dos subcomitês. Eles não são homogêneos e de uma divisão de trabalho político mais avan-
os resultados têm dependido muito dos repre- çada preexistente.”
sentantes envolvidos. Anteriormente à sua instalação, já eram
Os subcomitês escolhidos para análise são desenvolvidas atividades políticas na região,
os que têm tido uma maior atuação, na Bacia destacando-se a atuação de importantes arti-
do Alto Tietê; são justamente aqueles onde, culadores regionais, tais como o Consórcio 57
anteriormente à instalação do Sistema de Ge- Intermunicipal Alto Tamanduateí – Billings, a
renciamento de Recursos Hídricos – SIGRH, Câmara Regional do ABC e a Agência de De-
já eram desenvolvidas atividades políticas. senvolvimento do Grande ABC.
No processo de constituição do Subcomitê O Consórcio Intermunicipal Alto Taman-
Cotia-Guarapiranga, é preciso ressaltar as ações duateí-Billings, conhecido como Consórcio
desenvolvidas para a implementação do Pro- ABC, foi criado em 1990 e suas primeiras ati-
grama de Saneamento Ambiental da Bacia do vidades tinham como preocupação a questão
Guarapiranga (1991), o qual contou com re- ambiental. Este Consórcio congrega sete
cursos internacionais e com o envolvimento municípios: Santo André, São Caetano do Sul,
de vários níveis de governo e da sociedade. São Bernardo, Diadema, Ribeirão Pires, Rio
De acordo com Cunha (2004, 83), “as Grande da Serra e Mauá, os quais possuem a
principais iniciativas para a criação do sub- maior parte de seu território em área de pro-
comitê de bacia hidrográfica Cotia-Guarapi- teção aos mananciais.
ranga – SCBH-CG, foram a legislação esta- A Câmara Regional do ABC, por sua vez,
dual, que previa na lei os comitês e subco- foi criada em 1997. Trata-se de um espaço
mitês; o Programa Guarapiranga, que pre- onde o poder público e a sociedade civil se
via a instalação de um organismo de gestão reúnem para elaborar um planejamento es-
de recursos hídricos na bacia, e que posteri- tratégico, a fim de equacionar os problemas –
ormente se transformou no subcomitê, e o social, econômico, ambiental, físico-territori-
agravamento das condições ambientais da al, de transporte e de circulação – e buscar
bacia e do reservatório em função da dinâ- soluções aos mesmos.
mica de ocupação do solo.” Neste mesmo ano, também foi criada a
Previamente ao estabelecimento do subco- Agência de Desenvolvimento do Grande ABC,
mitê, já existiam na bacia movimentos sociais com o objetivo de produzir e disseminar in-
ligados aos recursos hídricos e preservação formações sócioeconômicas da região e dar
ambiental, como é o caso das associações SOS suporte institucional ao Consórcio ABC e à
Guarapiranga e Gaia – Horizonte Azul. Câmara Regional.
O Subcomitê – Billings-Tamanduateí Além disto, historicamente, a sub-bacia Bi-
(SCBH-BT), por sua vez, tem suas origens llings-Tamanduateí tem sido palco da atuação
na instância de articulação criada para a exe- de diversos movimentos ambientalistas, tais
cução dos trabalhos do Programa de Recu- como: a Comissão de Defesa da Billings, o
peração Ambiental para a Bacia Billings. Movimento de Valorização da Vida – MDV, a
Também influiu na criação deste subcomitê SOS Billings, a Billings eu te quero viva, o Vi-
“a ocorrência de eventos críticos como as tae Civilis, entre outros, a maioria dos quais,
enchentes, o agravamento das condições criados na década de 80. Estas associações têm
ambientais da bacia, especialmente o com- estado presentes na discussão e resolução de
prometimento da qualidade das águas do diversos problemas, entre os quais está o Pro-
reservatório e o conflito pelo uso das águas, jeto de flotação, já citado.
em decorrência das ocupações irregulares Para Cunha (op.cit, 6), “o subcomitê de
em áreas de manancial e usos concorrenci- bacia hidrográfica Billings-Tamanduateí, por
ais.” (Cunha, op.cit.,73-74 ). possuir uma densa rede de atores sociais e uma
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 49-60, jul./dez. 2005

maior articulação política entre Estado e Soci- Considerando que tais comitês foram cria-
edade Civil apresenta níveis de desempenho dos a partir da promulgação de uma lei, nos
institucional superiores” aos demais subcomi- indagamos quais fatores contribuíram para o
tês do Comitê Alto Tietê. sucesso destes comitês; se existiram alguns ele-
Nestes três casos apresentados, nota-se que, mentos, anteriores à implementação dos co-
a existência de movimentos organizados e mitês, que podem ter colaborado com o êxito
mobilizados, bem como sua articulação com de seu funcionamento.
governos municipais, têm contribuído para a
58 politização das questões relacionadas aos re-
Novamente, os casos estudados nos trou-
xeram elementos que parecem corroborar a
cursos hídricos e possibilitado que os comi- idéia de que a pré-existência de capital social
tês tenham uma atuação considerável desde e de práticas associativas na área, de um his-
seu início. tórico de mobilização e ação coletiva, podem
colaborar no processo de implementação dos
CONSIDERAÇÕES E RECOMENDAÇÕES comitês.
Este trabalho teve como objetivo apresen- Por um lado, a existência de grupos atuan-
tar uma análise preliminar sobre os comitês tes tem contribuído para uma maior partici-
de bacia hidrográfica, criados no estado de pação e um melhor desempenho do comitê e,
São Paulo, tendo como princípios norteado- por outro, a participação nos comitês tem con-
res a descentralização, a participação e a in- tribuído para o exercício da política e para o
tegração. Neste trabalho, enfocamos a parti- empoderamento da sociedade civil.
cipação – entendida como o envolvimento de Ressaltamos, porém que, apesar desta aná-
diferentes atores no processo de tomada de lise colaborar para comprovar esta idéia, ela
decisão em assuntos públicos –, buscando ele- não prova o contrário, isto é, ela não prova
mentos que nos permitissem compreender que se não houver estas pré-condições o comi-
seu alcance, sua contribuição e as perspecti- tê estará fadado ao fracasso.
vas existentes. Podemos considerar que as informações
A alternativa adotada para o gerenciamen- obtidas sinalizam um campo na área do geren-
to dos recursos hídricos apresenta duas inova- ciamento de recursos hídricos que necessita
ções. A primeira inovação refere-se à partici- de mais investigações; existem poucos estudos
pação de novos atores na discussão sobre ques- desenvolvidos sobre o desempenho destes ar-
tões que incidem sobre a coletividade; a segun- ranjos e sobre os fatores a ele relacionados.
da, refere-se ao fato de que, pelo menos em Neste sentido, é preciso que se desenvolvam
teoria, tal participação deve ocorrer na toma- mais pesquisas científicas, utilizando, inclusi-
da de decisão. ve, ferramentas que permitam mensurar e
Contudo, em várias situações, podemos ob- comparar os dados obtidos.
servar que as construções teóricas e seus mo- A implementação do processo de gestão
delos encontram dificuldade para serem im- integrada, descentralizada e participativa não
plementados. Surge, então, uma dúvida com é fácil. Trata-se de um processo longo que de-
relação aos comitês de bacia. Na prática, eles manda aprendizado, tanto do poder público
estão se efetivando enquanto arranjos partici- quanto da sociedade civil organizada. Este
pativos? aprendizado está relacionado entre outros fa-
A partir de uma análise preliminar de al- tores, ao diálogo entre os envolvidos, à consci-
guns eventos em que estiveram envolvidos o entização e maior participação dos diversos
Comitê de Bacia Hidrográfica Piracicaba, Ca- setores envolvidos com a questão e à constru-
pivari e Jundiaí e os Subcomitês Cotia-Guara- ção de uma nova postura, uma cultura de par-
piranga e Billings-Tamanduateí, obtivemos al- ticipação política.
gumas informações que nos permitem dizer No momento, duas ações parecem necessá-
que, embora a participação nestes comitês não rias. De um lado, é preciso manter o interesse
seja ampla, ela está ocorrendo, tem permitido dos envolvidos; aprimorar o processo, redefi-
o exercício da política e com bons resultados. nindo a questão da representatividade dos seg-
Campos, V. N. O. Comitê de bacia hidrográfica: um canal aberto à participação e à política?

mentos e respeitando o colegiado como um sos hídricos terá boas perspectivas, dependen-
espaço para tomada de decisão. De outro, é do do nível de participação possibilitado e dos
preciso enfrentar o desafio de trabalhar um resultados desta participação, isto é, quanto
território sem identidade (Cardoso, 2003), mais os atores puderem conhecer, opinar e
buscar formas de conscientizar aqueles que decidir sobre os problemas que os envolvem,
ainda não participam dos colegiados e resistir direta ou indiretamente, vendo suas decisões
aos interesses contrários à participação. serem implementadas, mais próximos estare-
A participação da sociedade não é apenas mos da consolidação destes espaços, com gan-
um fim em si mesma. Ela é também um meio hos mais amplos que extrapolarão o campo dos 59
que contribui para equacionar as variáveis que recursos hídricos.
compõem o problema hídrico e para pressio- O Sistema de Gerenciamento de Recursos
nar o Estado a realizar suas obrigações. Hídricos – SIGRH, “é ao mesmo tempo um
Acreditamos que o gerenciamento descen- fato e uma promessa”, nos cabe agir. (Mar-
tralizado, integrado e participativo dos recur- tins, 2002)

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Valéria Nagy de Oliveira Campos Programa de Pós-Graduação em


Integração da América Latina/PROLAN-USP. valnagy@usp.br.
60
International economic law:
water for money’s sake?

Howard Mann

ABSTRACT: This article considers the differ- RESUMEN: Este artículo considera las diferentes
ent ways in which international trade law and maneras en las cuales las leyes de comercio interna-
international investment law can impact water cional y las leyes de inversión internacional pueden
resources management at the local or nation- impactar a la gestión de los recursos hídricos a nivel
al level. These areas of international econom- local o nacional. Estas áreas de la legislación econó-
ic law are substantially different from the tra- mica internacional son sustancialmente diferentes
ditional role of international law relating to del rol tradicional de la legislación internacional
water. Whereas traditional sources of interna- relativa al agua. Mientras que las fuentes tradiciona-
tional law have centred on issues concerning les de legislación internacional se han centrado en
shared waterways – rivers or lakes that either temas concernientes a recursos hídricos comparti-
form a boundary between states or cross a dos – ríos o lagos que sean limítrofes entre estados o
boundary – and sought to apportion roles, re- que cruzan una frontera – y han buscado asignar
sponsibilities and rights among the states that roles, responsabilidades y derechos entre los esta-
share such waterways, as well as tried to secure dos que comparten dichos cursos de agua, así como
an equitable distribution of water uses from han tratado de asegurar una distribución equitativa
available resources, with a growing emphasis de los usos del agua de las fuentes disponibles, con
on meeting basic human needs, these areas of un énfasis creciente en satisfacer las necesidades
international economic law are increasingly humanas, estas áreas de derecho económico inter-
creating foreign rights to access water resourc- nacional están crecientemente creando derechos
es in other states, whether to provide services extranjeros para acceder a los recursos hídricos en
or to exploit the available water resources for otros estados, ya sea para proveer servicios o para
other economic purposes. The specific ques- explotar los recursos disponibles con un fin econó-
tions that the author seeks to answer in this mico. Las preguntas específicas que el autor busca
article are: (i) how trade law may lead to im- responder en este artículo son: (i) como las leyes de
pacts on access to freshwater resources comercio pueden guiar a impactos en el acceso a
through trade in those resources; (ii) how in- los recursos de agua dulce a través del comercio de
ternational trade and investment agreements dichos recursos, (ii) como los tratados de comercio
are creating new rights of access by foreign cor- e inversión internacional están creando nuevos de-
porations to provide water services; and (iii) rechos de acceso a través de corporaciones extran-
how international investment law protects for- jeras para proveer servicios de agua; y (iii) como las
eign investors and their access to water resourc- leyes de inversión extranjera protegen a los inver-
es or to provide water services in certain cir- sionistas extranjeros y su acceso al recurso hídrico o
cumstances. The political and policy pressures para proveer servicios de agua bajo ciertas circuns-
that are being created by the ongoing negoti- tancias. Las presiones políticas y de política que es-
ations at the multilateral, regional and bilater- tán siendo generadas a través de las negociaciones
al levels to expand the scope of international en marcha a niveles multilateral, regional y bilatera-
economic law will also be considered, and what les para expandir el ámbito de la legislación econó-
this means for basic issues of water manage- mica internacional también será considerado, ade-
ment and access by all to vital water services. más de lo que esto significa para temas básicos de
Finally, the author formulates some specific gestión del agua y del acceso de todos a los servicios
recommendations to address the key problems de agua vitales. Finalmente, el autor formula algu-
identified. nas recomendaciones específicas para abordar los
KEY WORDS: International laws, trade, com- problemas claves identificados.
merce agreements, impacts, water resources PALABRAS CLAVES: Legislación internacional,
comercio exterior, acuerdos comerciales, impac-
tos, recursos hídricos
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 61-80, jul./dez. 2005

INTRODUCTION tural, or even industrial uses? If so, what is the


scope of that right? Clearly, with water becom-
The issue that frames this discussion is: in
ing a scarcer commodity, the human right to
whose interest and for whose benefit does in-
safe, clean water is going to continue to grow
ternational economic law address water man-
as a factor in water use and allocation decisions.
agement issues? The title is actually derived
As international human rights law is generally
from an old rock song of the 1980’s which con-
aimed at placing obligations on states to pro-
tains the refrain, “Art for art’s sake, money for
tect the human rights of their citizens, ensur-
62 God’s sake”. The question posed in this paper
is: for whose sake is water addressed in today’s
ing the right of all people to clean water will
become as much of a benchmark as a challenge
international economic law?
in this field.
The need for the sound management of
Other branches of international law also deal,
increasingly scarce water resources is well
in varying ways, with water today: the laws of
known. The issue for discussion here is what
war seek to prevent states from using water as a
do specific aspects of international law have to
weapon, for example. And agreements to re-
say about meeting this need? What values and
duce or prevent acid rain developed, in large
demands take priority on water uses under in-
part, in order to protect lakes that were being
ternational economic law?
polluted from distant sources of pollution.
International law has, for well over a centu-
This paper considers the different ways in
ry, addressed issues concerning shared water-
which two critical branches of international
ways – rivers or lakes that either form a bound-
economic law – international trade law and
ary between states or cross a boundary. In more
international investment law – can impact wa-
recent decades, this has expanded to include
ter management decision-making at the local
notions of water basin management among
or national level. First, how trade law may lead
several states that share a common river basin.
to impacts on access to freshwater resources
International law today seeks to apportion
through trade in those resources is considered.
roles, responsibilities and rights among the
It is this issue that initially sparked the trade
states that share such waterways. Over the years,
law and water debate in 1993. Second, the pa-
international law in this area has moved from
per will look at how international trade and
narrow concepts of riparian rights to broader
investment agreements are creating new rights
concepts of equitable rights between states, and
of access by foreign corporations to provide
from protecting navigable uses to ensuring
water services. Known as “services liberaliza-
adequate water quantity and quality for the
tion” and “privatization”, both trade and in-
wide range of non-navigational uses of water:
vestment agreements play a role here. Third,
drinking and other human uses, agriculture,
the role of international investment law and
sewage treatment, small and large industry.1
how it protects foreign investors and their ac-
This is the most traditional domain of interna-
cess to water resources or to provide water ser-
tional law in relation to water: state-to-state
vices in certain circumstances will be reviewed.
rights and obligations in relation to shared
An important part of this and the previous sec-
water resources.
tion is the so-called investor-state dispute set-
International law today also addresses wa- tlement arbitration process, which allows indi-
ter issues from a human rights perspective: vidual investors to seek to enforce their rights
does international law create a right to safe, under international law and outside of domes-
clean water for drinking, subsistence, agricul- tic legal processes. This dispute settlement
right has been exercised in several ways to date,
including several claims to damages arising
1
Several recent works describe the current state of the law
and dispute settlement in this state-state area. See, e.g., Ibra-
from changes in domestic water service situa-
him Kaya, Equitable Utilization: The Law of the Non-Naviga- tions,2 a claim that a pollution control mea-
tional Uses of International Watercourses, 2003; See also the sure aimed at protecting groundwater violat-
Permanent Court of Arbitration/Peace Palace papers, Reso-
lution of International Water Disputes, 2003. 2
This issue is returned to in more detail below.
Mann, H. International economic law: water for money’s sake?

ed investor rights,3 and a very recent claim TRADE IN WATER


under the North American Free Trade Agree-
The first significant debate on trade and
ment (NAFTA) Chapter 11 that Mexico must
water took place under the NAFTA regime, just
allow more water to flow into Texas from the
as soon as the ink was dry. The chief source of
Rio Grande for farmers in Texas to access as
concern was Canada: would NAFTA mean that
they are, it is claimed, the owners of the legal
Canada had to export water from its lakes and
rights to this water flow.4
rivers to the United States if the US demand-
These areas of international economic law
are substantially different from the traditional
ed it? This issue became so serious in 1992-93,
that Canada demanded an interpretive note
63
role of international law relating to water. from its NAFTA partners ensuring that it could
Whereas traditional sources have created rights not be compelled to export freshwater. The key
between states, and sought increasingly to se- text of the NAFTA statement of September
cure an equitable distribution of water uses 1993 states that:
from available resources, with a growing em-
Unless water, in any form, has entered into
phasis on meeting basic human needs, these
commerce and become a good or product, it is
areas of international economic law are in-
not covered by the provisions of any trade agree-
creasingly creating foreign rights to access wa-
ment including the NAFTA. And nothing in the
ter resources in other states, whether to pro-
NAFTA would oblige any NAFTA Party to ei-
vide services or to exploit the available water
ther exploit its water for commercial use, or to
for other economic purposes.
begin exporting water in any form.5
Finally, the political and policy pressures
The Statement went on to say that water in
that are being created by the ongoing negoti-
its natural state was governed by other trans-
ations at the multilateral, regional and bilat-
boundary water agreements between Mexico
eral levels to expand the scope of all the ar-
and the United States and Canada and the
eas of law noted above will be considered, and
United States, of the type noted in the intro-
what this means for basic issues of water man-
duction.
agement and access by all to vital water ser-
vices. Some specific recommendations to ad- The NAFTA water statement left as much
dress the key problems identified are includ- open to question as it possibly could have while
ed in Annex 1. addressing the political crisis the protection of
Canada’s water raised. First and foremost, it is
How well this growing part of internation-
clear that if water has entered into commerce
al law responds to the critical human demands
and become a good or a product it is covered
for water, and concepts of equity and the hu-
by NAFTA. This is so even, for example if it is
man right to safe water supplies is part of the
sold through a water diversion project. (It is
investigation below. The goal of this paper is,
important to note here that this means when
however, rather modest: to ensure that the
water is sold, not shared on a non-commercial
challenges to sound water management posed
basis between states under other internation-
by developments in international economic
al agreements.) Second, while the statement
law are understood so that they can be ad-
says that water in its natural state in lakes and
dressed though legal, administrative and pol-
rivers is not a good or product, this does not
icy measures that allow their benefits to be
mean that rights to use or take the water may
captured but their risks to be eliminated, or
not be subject to NAFTA or other economic
at least mitigated.
agreements. Third, the apparently categorical
governmental view that trade law does not ad-
3
Methanex v. United States of America, under NAFTA’s Chap-
ter 11, written docuements available at www.naftalaw.org, oral 5
1993 Statement by the Governments of Canada, Mexico and
hearings completed in June 2004, decision pending. the United States. This statement does not appear to have a
4
Texas Water Claims, Notice of Intent to Submit a Claim to formal name or number, but is referred to on many occasions
Arbitration under NAFTA Chapter 11, August 27, 2004, at by Canada and the United States. The author has a copy of
www.naftalaw.org the statement.
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 61-80, jul./dez. 2005

dress water in its natural forms has since been that any potential exporter would have a right
pulled back from in other important official to draw water from any source for export:
statements. The bilateral International Joint water draws on any one water source could
Commission, for example, stated that be subject to the environmental limits and
controls appropriate to that source. Howev-
The Commission’s initial analysis indicates that er, the fact that the water is being exported as
it would appear unlikely that water in its natural opposed to domestically consumed could not
state (e.g., in a lake, river, or aquifer) is included be a factor in a decision under trade law.8
64 within the scope of any of these trade agreements
since it is not a product or good, and indeed the
Domestic consumption requirements for with-
drawals of this type cannot be imposed.
NAFTA parties have issued a statement to this
effect. When water is “captured” and enters into An important question arises as to whether
commerce, it may, however, attract obligations a single license or permit to export water from
under GATT, the FTA, and NAFTA.6 freshwater sources, especially water in bulk
containers like ships, large floating bags, tank-
How broad “captured” is as a concept is not ers, or canal-type diversions means that water
established. as a whole, water from that state or province
This was similar to the government of Cana- has now entered into commerce. If it has, then
da view in 2000-2001 on its own proposed legis- this would mean that other potential sellers of
lation on water exports. In 2001, Canada adopt- water could ask for equal, non-discriminatory
ed a regulatory licensing approach for exports access to that freshwater resource, thereby al-
rather than a direct prohibition in order, in its lowing or even requiring water to be sold to
view, not to trigger the application of trade law other purchasers. This poses an obvious and
to an effort designed to prevent the commer- significant risk for freshwater management,
cialization of freshwater resources.7 especially as demands for water continue to
Thus, the key issue of whether trade law rise. To forestall this risk, it is imperative that
can compel states to sell freshwater, through all water withdrawals, including those for do-
diversions, bulk exports, bottling, or other mestic consumption in any packaged form, be
means, remains a live one. Bottling is the eas- permitted in accordance with the environmen-
iest to answer. There is no doubt that when tal conditions that prevail for the use of that
water is sold in a package – a bottle, can, etc. – water source. A failure to account for the envi-
it becomes a good in commerce. The same ronmental sustainability of the water re-
holds true if it is sold in a bulk container like source – and for other equitable use consider-
a ship or large floatable bag. When this hap- ations of local users – would make it harder to
pens, all the rules on trade come into play. impose conditions relating to such concerns
Imports and exports of bottled water, for ex- later on should pressures to export freshwater
ample, cannot be constrained without due from the same source arise.
consideration for trade rules such as non-dis- There is no definitive answer on this “trip-
crimination as regards the place of consump- wire” problem. As a result, some jurisdictions
tion. In many cases, this may mean that no
legal constraints on exporting water in such
forms would be allowed. This does not mean 8
Trade law has made significant strides in recognizing that
environmental and human health issues are important aspects
of regulating business conduct, and integrating this recogni-
6
Source: Protection of the Waters of the Great Lakes: Interim tion into trade disciplines. However, it remains very unclear
Report to the Governments of Canada and the United States”, whether export-oriented pressures can be used as a factor in
online: International Joint Commission, www.icj.org/php/pub- limiting withdrawals on water, as opposed to an export-do-
lications/html/interimreport/interimreporte.html. mestic use neutrality. For a more general review of trade and
7
Bill C-6, An Act to Amend the International Boundary Waters environment issues see John H. Knox, “The Judicial Resolu-
Treaty Act, Legislative Summary, Library of Parliament, Par- tion of Conflicts between Trade and the Environment” 28 Harv.
liamentary Research Branch, 12 February 2001, at p. 10-11, Envtl. L. Rev. 1, 2004; Howard Mann and Stephen Porter,
available at http://www.parl.gc.ca/37/1/parlbus/chambus/ The State of Trade and Environment Law, 2003, at http://
house/bills/summaries/c6-e.pdf www.iisd.org/publications/publication.asp?pno=570
Mann, H. International economic law: water for money’s sake?

have laboured to prevent the initial large scale simply be a different way to deliver the same
export of water in bulk from taking place. The public service. If this were to constitute a com-
Canadian province of Ontario in 1998, for ex- mercialization measure, then it could lead to
ample, made it clear that this was a factor in the same tripwire problem described above,
withdrawing a bulk water export permit after it and become an entry issue for potential com-
was issued.9 Others, however, have established petitors in water supply or related services.
regulatory schemes instead of prohibitions, in- In short, there remains significant uncertain-
cluding the government of Canada in its 2001 ty as to how trade law will or will not constrain
amendments to the International Boundary governmental abilities to prohibit or to restrict 65
Waters Treaty Act to address water exports.10 exports of freshwater resources. This uncertain-
Similarly, the Great Lake States and Provinces ty is compounded by elements of international
in Canada and the United States have all signed investment law which have led to rulings, in at
a draft agreement that they say will enhance the least three cases in recent years, that the right to
basin through the conditions and requirements export products can be seen as part of the set of
it sets out for permitting any exports.11 Critics protected rights of foreign investors.13 This may
suggest, however, that this approach was in both allow private investors to enforce certain aspects
cases due, at least in part, to the kind of govern- of trade law through the private investor rights
mental view of trade law reflected upon above, and remedies discussed below, even if states may
and that it in fact creates the exact risk it no- not be tempted to initiate a case against another
tionally seeks to foreclose.12 state to compel it to export water.
What is also not clear is whether selling wa-
ter to private water service companies for pub- INTERNATIONAL ECONOMIC LAW AND
lic consumption or sanitation purposes (i.e. THE “LIBERALIZATION” OF WATER SERVICES
privatization or concession agreements for wa-
ter or sanitary services) would amount to a One of the underlying principles of inter-
commercialization of water, or simply a new national economic law today is that the pro-
form of delivering a public service. For the ser- gressive movement towards more free trade in
vice provider, the water is an essential commer- goods and services, and free movement of cap-
cial need, paid and utilized on commercial ital between states is in itself a valid objective.
terms. From a consumer’s perspective, this may Free trade and free movement of capital, it is
argued will lead to higher levels of growth, and
as a result to higher levels of development.
9
Notice of Withdrawal of Licence, issued by Paul Odom, Di-
rector, Ministry of the Environment, Ontario to Nova Group, The language for the promotion of free trade
July 7, 1998. in services is the “progressive liberalization” of
10
Bill C-6, An Act to Amend the International Boundary Waters the service sectors. This implies freeing the ser-
Treaty Act, Legislative Summary, Library of Parliament, Par- vice sectors of limitations on the provision of ser-
liamentary Research Branch, 12 February 2001, available at vices from outside or on foreign investment or
http://www.parl.gc.ca/37/1/parlbus/chambus/house/bills/sum- foreign ownership of service companies inside
maries/c6-e.pdf the liberalizing state. The latter is often preced-
11
The Great Lakes Charter Annex, 2001, http://www.cglg.org/ ed by the privatization of sectors that are in pub-
1pdfs/Annex2001.pdf ; (Draft) Great Lakes Basin Sustainable lic hands: water and sewage, electricity, tele-
Water Resources Agreement, at http://www.cglg.org/1projects/ phone, and others. Once included for liberal-
water/docs/7-19-04Agreement-PublicRelease.pdf . ization, other states party to the agreement can
12
In addition, some critics maintain the scheme set up in the use the dispute settlement processes of the agree-
agreement will act as an export licensing scheme and in fact ment to enforce the commitment and ensure
trigger the very trade law impacts described above. See, for
example, Sierra Club of Canada, comments, at http://
www.sierraclub.ca/national/postings/scc-comments-proposed- These three cases are Pope & Talbot Inc. v. Can. (U.S.-
13

annex.pdf and Andrew Nikiforuk, “Political Diversions: Annex Can.) NAFTA (June 1, 2000); S.D. Myers, Inc. v. Can. (U.S.-
2001 and the Future of the Great Lakes”, Munk Centre for Can.), NAFTA/UNCITRAL Tribunal, (Nov. 13, 2000); Marvin
International Studies, University of Toronto, June 2004, at http:/ Feldman v. Mexico, (US-Mexico) NAFTA, Final Award, 16
/www.powi.ca/nikiforuk_June2004.pdf December 2002, all available at www.naftalaw.org.
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 61-80, jul./dez. 2005

that their businesses are able to enter that mar- GATS calls “commercial presence”: when a
ket.14 In other words, including a service sector foreign service provider establishes a business
for liberalization creates a right for foreign in- presence in the new state where it will provide
vestors to enter that service market, subject only the service in question. In more common lan-
to any specific limits imposed when it is includ- guage, this means making an investment.16
ed. The most common limitation is that foreign There are two approaches to liberalization
investors will not receive absolute rights, but na- of services in a trade law agreement as it re-
tional treatment rights, i.e. the same legal rights lates to services and to investment in services.
66 as domestic investors receive, but other limita- One is a bottom up approach, where only sec-
tions can and do frequently arise. tors listed by a state are covered. The second is
At least five different sources of law or poli- a top down approach, where all sectors are
cy are at work promoting such liberalization considered covered by an agreement except
in service sectors: those specifically excluded in a schedule. The
The WTO’s General Agreement on bottom up approach is used in the GATS. The
Trade in Services, GATS; top down approach is used in the NAFTA chap-
ter on Services and on investment, and repli-
WTO Accession Agreements for states
cated in several other bilateral or regional
that were not original members of the
agreements in the hemisphere.
WTO in 1995, mainly developing states;
The GATS in general seeks to promote lib-
International investment agreements,
eralization of all service sectors through a pro-
whether bilateral or regional in nature;
cess of requests and offers during the negotia-
Regional Free Trade Agreements, which tion of the agreement, and now its revision in
are increasingly being driven by larger the Doha Round. The requests and offers are
economic actors to be “WTO plus” agree- essentially bilateral processes that ultimately
ments, i.e. to go beyond the existing ob- translate into GATS schedules for each WTO
ligations from the WTO; and Member state.
The World Bank, which through various One additional note here: generally speak-
means is understood to promote privati- ing, when a state lists a service sector, all levels
zation and hence the liberalization of of government are bound, unless a limitation
many service sectors. on the listing is included. Consequently, sec-
Of these, the first four are the subject of tors with large state or municipal involvement
some discussion below. The work of the World will be covered by a listing.
Bank, however, is beyond the scope of the pa- There is much myth around how the GATS
per per se, though in its work both it and the or its equivalent agreements address water and
states involved must be very cognizant of the water related services. To date, no country has
international law implications they are creat- listed its water sectors as being subject to liber-
ing. This is often not the case today. alization in a GATS schedule.17 Hence, they are
not covered to date.
THE GATS15 Even when a sector is listed, there are a
In the water services context, the primary range of mechanisms that WTO Members can
issue is “trade” in services by way of what the employ to protect certain policy prerogatives.
Some broadly worded exclusions for publicly
14
This is seen, for example, in Mexico’s successful effort to
open the US trucking service market to Mexican truckers. See 16
Indeed, negotiators of the GATS during the Uruguay Round
In The Matter of Cross-Border Trucking Services, Final Re- have confirmed informally that they originally intended to use
port of the Panel, February 6, 2001, available at the word “investment” but that for political reasons this was
www.naftalaw.org not allowed. Commercial presence was the term used to cov-
15
General Agreement on Trade in Services, Annex, Marrakech er investment without using that word.
Agreement establishing World Trade Organization. Available 17
World Bank, Global Economic Prospects, 2004, Realizing
at www.wto.org the Development Promise of the Doha Agenda, page xxi.
Mann, H. International economic law: water for money’s sake?

provided services are available, though these sectors are subject to negotiations and the
lack proper definition and hence are subject pressures that come with them.
to some debate as to their full scope. States Accompanying the liberalization commit-
can also establish specific conditions for a sec- ments of the GATS negotiations is a second
tor, imposing limits on the scope of a sector tranche of GATS-based negotiations. The orig-
being included, establishing universal service inal GATS of 1994 included a built-in negotia-
obligations, and grandfathering inconsistent tion on “disciplines” or rules for making regu-
laws or regulations.18 What is critical is that lations that apply to listed sectors.21 Negotia-
any such limitations or conditions must be tions on such limits continue in the Doha 67
made clearly and expressly. Indeed, a recent Round. One proposal would see states limited
WTO decision, the Mexican telecommunica- to taking measures to ensure “the quality” of a
tions case, has indicated that both what is stat- service. How this would relate to critical issues
ed and what is not stated will be strictly ad- such as universal service obligations and pric-
hered to.19 This means that high degrees of ing levels in the water sector is not clear. As a
expertise and foresight are needed to pre- result, the inclusion of water and water-relat-
serve policy and legal space in any listed sec- ed services (or any other public sector service)
tor. A failure to establish limits and conditions in a schedule by a WTO Member will require
will lead a dispute settlement body to rule that an increased level of care and skill to ensure
none were intended. the results from the combined negotiations on
This places a high burden on capacity build- liberalization and disciplines on regulation
ing. Given the disparity in legal capacity in making are what is intended and appropriate
GATS and similar trade negotiations, the high- policy space is left. There is no track record
er risk level clearly falls on developing coun- for the WTO or any other organization in pro-
tries in this regard, as seen in the Mexican tele- viding levels of technical assistance that will
communications case. ensure this need is met.
While the current state of GATS is such that
there are no water sectors expressly includ- WTO ACCESSION AGREEMENTS
ed, and there is a broad legal capacity to gen-
erate conditions or limitations on listed ser- While perhaps not particularly critical for
vice sectors, both of these elements are sub- Latin American, the WTO does today have a
ject to change under the Doha Round nego- second process by which service sector obliga-
tiations. The expansion of services liberaliza- tions can be included in a member’s commit-
tion was foreseen in the original Doha Decla- ments. This is through the WTO Accession
ration. The most recent negotiating docu- process, where commitments in excess of those
ment, the July 2004 WTO statement that re- made in the GATS 1994 schedules are being
sumed the Doha Round negotiations after sought in many cases, and achieved in some.
Cancun, includes a specific statement that no The WTO Accession process has involved
sectors are to be a priori excluded from nego- such large economies as China (completed)
tiations.20 Hence, all public utility and service and Russia (still in progress), and numerous
developing countries. In Latin America, Ecua-
dor and Panama have completed their acces-
18
Elizabeth Tuerk, Aaron Ostrovsky, Robert Speed, “GATS sion negotiations and are now WTO members.
and Water: Retaining Policy Space to Serve the Poor”, forth- There are no ongoing accession negotiations
coming, Chapter 6 in Edith Brown Weiss, Laurence Boisson with Latin American or Caribbean states.
DeChazournes and Nathalie Bernasconi-Osterwalder, eds.,
Water and International Economic Law, Oxford University For the sake of completeness, however, one
Press, forthcoming. should note that accession negotiations, which
19
Mexico - Measures Affecting Telecommunications Services, take place through a series of bilateral and
Report of the Panel, 2 April 2004, WT/DS204/R. group negotiations under WTO auspices, do
20
World Trade Organization, Doha Work Programme, deci-
sion Adopted by the General Council on August 1, 2004, WT/ 21
GATS, Article VI:4, reiterated in Doha Work Programme,
L/579, 2 August 2004, Annex C, para d. ibid, Annex C, para. E.
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 61-80, jul./dez. 2005

include negotiations on services liberalization the Americas (FTAA) process. Beyond the NAF-
and some agreements have included liberal- TA, at least seven Agreements or frameworks
ization commitments for public service sectors. integrating trade and investment obligations
International Investment Agreements and already exist within the Americas,22 and the de-
Bilateral/Regional Free Trade Agreements mand for more such agreements continues
unabated. Increasingly, these are also being
The GATS is not the only international ne- developed between developing countries on a
gotiation on services liberalization. Services lib-
bilateral as well as regional basis. When negoti-
68 eralization is also being done in investment
negotiations and the agreements that result
ations are between developed and developing
countries, the demands for market access for
from them. These can include bilateral invest-
goods and agricultural products by developing
ment treaties (BITs), regional agreements, and
countries are often now being met by demands
investment sections of Regional and Bilateral for investment market access by developed
Free Trade Agreements. Investment agree-
countries. For some, this is based on an eco-
ments can include what trade policy calls ser-
nomic philosophy that argues that liberalization
vice liberalization commitments and what in- is good for all.23 For others it is being driven by
vestment policy calls “pre-establishment rights”
a need to find less mature investment markets
or “rights of establishment”.
for service sector businesses that have little scope
The most common understanding of inter- for real expansion at home. For some, perhaps
national investment agreements is that they it is a combination of both factors.
apply after an investment has been started, or is
Whatever the driver, when market access for
operational, a subject returned to shortly be- agricultural and non-agricultural goods is
low. But, many investment agreements also in-
placed into a negotiating context with increased
clude pre-establishment rights. These create
access for foreign investors, final agreements can
rights for foreign investors from the countries reflect greater concerns for the benefits of the
that are party to the agreements to establish
former than the risks of the latter. These risks
businesses in the covered sectors, usually under
are, for all practical purposes, the same as for
the same rules that would apply to domestic the risks associated with GATS liberalization
investors (“National treatment”). However,
negotiations: the loss of policy space to ensure
there are also some circumstances where for-
essential services are available for all, a declin-
eign investor rights can both legally and prag- ing ability to offset rich and poor service areas
matically exceed domestic rights, for example
and higher and lower return service delivery
if the right to establish is not made subject to
modes,24 and ensuring disadvantaged groups
national treatment or if, in practice, only for-
eign companies have the financial or technical
resources for a large service sector investment.
22
US-Chile FTA, Canada-Chile FTA; US-CAFTA FTA; Cana-
da-CAFTA FTA, EU-Chile FTA, MERCOSUR, Andean Pact,
Just like trade law, commitments can be at a minimum.
made by express listing (the bottom up ap- 23
This is not the place to debate the rationale of services liberal-
proach) or by a general inclusion of all sectors ization, but one may note some recent studies that suggest this
subject to a listing out (the top-down ap- belief is, at best, overstated, and that the primary benefits ac-
proach). The NAFTA and the current US Mod- crue, as often as not, to the service exporter. In a Latin Ameri-
el Bilateral Investment Treaty take a top-down can context see, Bouzas, Roberto and Chudnovsky, Daniel,
approach, reflective of their aggressive position Foreign Direct Investment and Sustainable Development: The
on promoting all areas of investment liberal- Argentine Experience, March 2004, http://www.iisd.org/pdf/2004/
ization. Most other regional or bilateral agree- investment_country_report_argentina.pdf; Da Motta Viega,
ments appear to be more cautious, employing Pedro, Foreign Direct Investment in Brazil: regulation, flows and
a bottom up listing approach when including contribution to development, May 2004; http://www.iisd.org/pdf/
pre-establishment rights at all. 2004/investment_country_report_brazil.pdf; United Nations
Economic Commission for Latin America and the Caribbean,
Regional and bilateral free trade agreements
Foreign Investment in Latin America and the Caribbean, 2003
continue to gain negotiating steam, notwith- 24
This is what Mexico was ruled to have lost in the Mexico -
standing the stalled Free Trade Agreement of Telecommunications case at the WTO, supra.
Mann, H. International economic law: water for money’s sake?

have equal access to essential services under a Prohibitions on performance require-


human rights concept. A failure to fully address ments (states cannot impose minimum
and mitigate these risks in an agreement can domestic purchase or sale require-
be very difficult to overcome later. ments, etc.);
A critical reason for the difficulty in over- Minimum international standards of
coming any negotiating failures in an invest- treatment;
ment agreement or an investment chapter of Prohibition of expropriation without full
a free trade agreement is that private investors
will almost always have access to special inves-
compensation. 69
tor-state dispute settlement processes, as dis- A concept that is increasingly motivating
decisions in arbitral rulings in relation to
cussed below. These dispute settlement pro-
these disciplines is the “legitimate or reason-
cesses can and do allow for the overriding of
domestic law when it is deemed to conflict with able expectations” of an investor. This appears
to have been applied in varying contexts, con-
the international law rights granted to a for-
cerning at least the national treatment, mini-
eign investor, thus privileging them with addi-
tional rights and remedies outside the domes- mum international standards, and expropri-
ation obligations of a state.25 These expecta-
tic legal context. This includes the ability to
tions can be derived from two things: the laws,
seek damages for any infringement of pre-in-
vestment rights granted in an agreement. regulations and policies in place before an
investment is made, and statements of gov-
To date, it does not appear that significant ernment officials surrounding an investment.
liberalization or pre-establishment rights for This language, coming from arbitral decisions
the water services sector has been seen in in- as opposed to textual provisions of interna-
vestment agreements, but the present author tional investment agreements (IIAs), places
is unaware at any effort to careful review the a high emphasis on the investor’s economic
over 2200 agreements that exist to consider this expectations, not governmental or societal ex-
specific issue. However, as pressures to expand pectations relating to social welfare, human
investment liberalization generally and servic- health or environmental protection. While
es liberalization specifically in bilateral and this may not fully exclude the social and oth-
regional FTA or investment negotiations in- er welfare interests of a government, it cer-
crease, one can expect the ethos of the Doha tainly limits the ability of a government to
GATS negotiations to prevail, that no sector override a finding of any given “legitimate
should be a priori excluded form a negotiation. expectation” for a public welfare purpose.
Over the last few years, the state of the law
INTERNATIONAL INVESTMENT LAW AND relating to each of these disciplines has become
THE PROTECTION OF FOREIGN RIGHTS increasingly broadened by investor-state arbi-
It has been noted that international invest- tration tribunals that have invoked these pro-
ment agreements can and do provide rights visions to protect their rights in relation to an
of establishment for foreign investors into do- investment. Today, in this author’s view, it is
mestic economies, including the services sec- fair to say that it is not possible to define with
tors. Although investment agreements have not certainty the precise scope of any of them (with
been a leading vehicle to date for water servic- the possible exception of the performance re-
es and related liberalization, they are a power- quirement obligations).26 Thus, rather than
ful and increasingly frequently used instrument
for post-investment enforcement of rights.
25
One example of a broad ranging application of this idea is
found in Tecnicas Medioambientales Tecmed v. United Mexi-
The basic rights have been explored in a can States, Case No ARB(AF)/00/2 Award, May 29, 2003.
large variety of writings in the last few years: 26
The views of the author and his colleagues at the Interna-
National treatment and its (lack of clear) tional Institute for Sustainable development on the current
scope to date; uncertainties in this area, and how they relate specifically to
issues of sustainable development, which is at the heart of
Most favored nation treatment;
the current discussion, can be found in Aaron Cosbey, Howard
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 61-80, jul./dez. 2005

look at the details of these disciplines, the sec- these arbitration bodies can rule on any issue
tions below will consider different ways in of law relevant to the dispute. Further, these
which they may apply to water management decisions are not subject to review by domes-
and water rights issues, and how some of the tic courts, but only to limited arbitration re-
uncertainties can impact water management view processes that do not usually permit the
decisions at a domestic level. As an important reversal of general errors in law, even in rela-
key to understanding these impacts lies in the tion to the interpretation of domestic laws.
nature of the dispute settlement system that In a similar vein, it is clear from the arbi-
70 comes with the investor rights, this issue is trations that when domestic law and interna-
turned to first. tional law under an investment agreement
appear to be in contradiction, it is interna-
DISPUTE SETTLEMENT tional law that will prevail. This is consistent
AND ENFORCEABILITY with the Vienna Convention on the Law of Trea-
ties, which says very clearly that the content of
Almost all IIAs today include a dispute settle- domestic law is not a legitimate excuse for
ment mechanism known as the investor-state ar- breaching international commitments.29 How-
bitration process. This allows private foreign in- ever, in the context of the linkages between
vestors to use an international arbitration against an investment and the domestic legal regime:
the host government in order to challenge gov- labour law, health standards, zoning, pollu-
ernment acts as a breach of their IIA rights. The tion controls, taxation, and many more, the
applicable law in such arbitrations is the interna- singular focus of investment agreements on
tional law of the agreement in question, and oth- the rights of foreign investors when compared
er applicable international law relating to the to the complex interaction of many types of
protection of foreign investments. It remains very laws on domestic investors carries a significant
unclear whether such arbitration tribunals would advantage for foreign investors.
apply other sources of international law, such as
human rights and international environmental The investor-state process can be initiated,
law, when considering the scope of a states rights usually, by the foreign investment or by an in-
and obligations.27 vestor, including a minority shareholder in a
company. In some cases, both an investment
In addition, it is clear today that these arbi- and an investor have initiated proceedings, and
tration tribunals will accept onto themselves in one well known case, this has led to two dif-
the authority to interpret and rule on the ap- ferent results. One was a finding of no fault by
plication of domestic law and any contracts the Czech Republic, while the second was a
between the investor and the host state, irre- finding of a breach of an investment agree-
spective of whether a domestic court has or ment and an award of over $300M US to the
could be involved in such a review.28 Thus, investment. Despite the conflicting results, the
finding of culpability held and the award has
Mann, Luke Eric Peterson, Konrad von Moltke, Investment and been enforced.30
Sustainable Development: A Guide to the Use and Potential of
Over the past decade, there has been a sub-
International Investment Agreements, 2004, IISD, at http://
stantial rise in the use of the investor-state dis-
www.iisd.org/publications/publication.asp?pno=627 in English
and Spanish. See also, UNCTAD, Review of Investment Dis-
pute settlement process. This may be due to
putes Arising from BITS and NAFTA, forthcoming, 2004. three factors:
27
For a recent discussion of this see Luke Eric Peterson, In-
ternational Human Rights in Bilateral Investment Treaties and 29
Vienna Convention on the Law of Treaties, (1969) 1155
in Investment Treaty Arbitration, 2003, at http://www.iisd.org/ UNTS 331, Art. 27.
publications/publication.asp?pno=577. 30
Ronald S. Lauder v. Czech Republic, UNCITRAL Arbitra-
28
E.g., Metalclad Corp. v. Mexico, Final Award, 2 September tion, Final Award, September 2001; CME Czech Republic v.
2000, available at www.naftalaw.org; Compania de Aguas del Czech Republic, UNCITRAL Arbitration, Partial Award, Sep-
Aconquija & Vivendi Universal (formerly Compagnie Generale tember 13, 2001; damages upheld in The Czech Republic v.
des Eaux) v. Argentine Republic (Case No. Arb/97/3), Deci- CME Czech Republic, B.V, Court of Appeal, Stockholm Swe-
sion on Annulment, July 3 2002, 41 ILM 1135 (2002). den, Case No. T-8735-01, 2003.
Mann, H. International economic law: water for money’s sake?

The large increase in foreign investment has any type of non-disputing party involve-
flows in the past decade has undoubted- ment been allowed, either as an observer of
ly spawned more conflicts between inves- the hearings or to present additional written
tors and host governments, a perfectly briefs as an amicus curiae.32 This level of secre-
understandable phenomena in often cy means that there may well be instances
complex investment and business envi- where cases are not divulged, including in wa-
ronments; ter and related service sectors.
There are an ever larger number of in- In sum, today one must expect IIAs to be
vestment agreements in place today that used and the dispute settlement process to be 71
allow for increased access to the process – invoked whenever a potential dispute arises or
over 2100 such agreements are in force a dispute actually materializes. What can such
according to UNCTAD; and disputes encompass?
The use of the process has itself generat- Protection of Market Access Through Lib-
ed a lot of publicity about its viability and eralization or Pre-establishment Rights
its use as a desirable, from the investor’s While the most common disputes under
perspective, alternative to the domestic investor-state arbitrations have arisen after an
legal system of the host state. investment has been made active, the right to
As previously noted, with the increased use make an investment has and is currently the
has come increased breadth to the disciplines subject of disputes.33 Existing disputes raise
applicable to states, and hence an increased directly the issue of what type of environmen-
incentive for investors to continue to look to tal and social conditions and limitations can
the agreements to protect their interests. be placed upon an investment that a foreign
In addition to using the process for actual investor wishes to make in a sector where the
disputes – i.e. to challenge measures that have right to establish has been granted. In a water
already taken effect and had an impact on an services context, this means what limitations
investment – threats of the use of the process can be placed upon a service provider seeking
are becoming increasingly common as a way to provide services to a new market? Can, for
to lobby against a new measure being taken. example, universal service obligations be im-
This use of the investor-state process as a sword posed? Can differential rates be required? Can
can have significant impacts on the normal service to subsistence or traditional users be
political processes, especially with the uncer- guaranteed?
tainty attached today to the scope of the vari- These and other issues, as already argued,
ous obligations. What is known is that inves- raise the question of the conditions of liberal-
tors will use this threat when it is consistent ization. When no conditions are added to a
with their interests.31 liberalization commitment, an investor-state
It is important to note that many of the in- dispute settlement body will be loathe to read
vestor-state cases take place in strict privacy, to them in at a later date. This, as already noted,
the point that it is impossible to know with any places a significant responsibility on the nego-
real precision the number of arbitrations that
have taken place or are taking place today. In 32
These are the Methanex v. USA hearings on the merits, June
other cases, the arbitration may be known to 2004, in Washington DC, and the UPS v. Canada, hearing on
be taking place, but the rationale for the dis- jurisdiction, 2002. Both of these cases are under NAFTA’s
pute and the legal issues remain secret. And Chapter 11 on investment.
in only two investor-state arbitrations to date
33
Milhaly International Corp v. Democratic Socialist Republic
of Sri Lanka, (ICSID Case No. ARB/00/2); Glamis Gold Ltd. v.
United States of America, Notice of Intent to Arbitrate, 21 July
31
The best known use has been the invocation of the UK- 2003; Notice Of Arbitration Under The Arbitration Rules Of
South Africa BIT by UK investors to ward off the introduction The United Nations Commission On International Trade Law
of new minimum domestic, black ownership requirements for And The North American Free Trade Agreement, December
all businesses. This has caused delay in the design and im- 10, 2003; Kenex Ltd. v. United States of America, Notice of
plementation of this program of economic empowerment. Arbitration, 2 August 2002.
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 61-80, jul./dez. 2005

tiators addressing these issues. The absence of ditions as a result of the financial crisis in that
conditions also raises the probability of arbi- country. The eighth is the very well known case
trations being initiated when conditions are against Bolivia concerning the Cochibamba
raised or imposed after an agreement is con- water privatization that was eventually an-
cluded but before an investment is actually nulled.35 In each case, specific issues and cir-
authorized or permitted. cumstances arise. What is common to all these
One type of restriction or limitation com- cases is the use of the investor-state process as
mon to liberalization obligations is the grand- the primary dispute settlement option, over
72 fathering of pre-existing laws and regulations. domestic tribunals. In at least one case, this
When laws and regulations exist that create has materialized despite an express provision
specific limitations on how sector participants in the privatization and concession contracts
must act, they can be grandfathered and their that disputes over the implementation of these
application preserved even if they may other- contracts are subject to local state law.36
wise be inconsistent with the obligations of The details of the existing cases are either
an agreement. Pre-existing laws that are not not sufficiently known or are too complex to
grandfathered may be challenged as incon- do justice here.37 What is certain, however, is
sistent with the agreement in question. New that changes in the operating conditions of
laws or regulations in “liberalized” sectors will the water license or contract have triggered
always be subject to the strict terms of an the arbitrations. This is the key point: any
agreement, unless their subject matter has changes that substantially impact an autho-
been reserved through an express condition rized foreign investment and its profit levels,
of some type. can be made subject to an investor-sate arbi-
In short, where a liberalization or pre-estab- tration even when tied to a period of true
lishment obligation is included in an agree- national crisis. Of course, not every change
ment that also has an investor-state process, one will lead to an arbitration, and not every arbi-
can anticipate potential foreign investors uti- tration initiated by an investor will be success-
lizing this to try to enforce its right of market ful, but on both counts those changes with a
access to the strict letter of the agreement and significant impact do raise the risk level. Thus,
any conditions or limitations it includes. This challenges can be brought against changes
will include water sectors where rights of es- designed to ensure users not able to pay for
tablishment are granted. water can have access, delivery requirements

PROTECTION OF POST ACCESS USES and Interagua Servicios Integrales de Agua S.A. v. Argentina,
AND BENEFITS IN THE WATER SECTOR ICSID Arb No. ARB/03/07; (4) Aguas Cordobesas S.A., Suez,
y Sociedad General de Aguas de Barcelona v. Argentina, IC-
In the water services context, the most com- SID Arb No. ARB/03/18; (5) Aguas Argentina S.A., Suez, So-
mon use of the investor state dispute settlement ciedad General de Aguas de Barcelona and Vivendi Univer-
process is to promote and protect the inves- sal v. Argentina, ICSDI Arb No. ARB/03/19; (6) Azurix Corp v.
tor’s view of its rights relating to post-invest- Argentina, ICSID Arb No ARB/03/30; (7) SAUR International
ment government measures that alter its oper- v. Argentina, ICSID Arb No ARB/04/4. See Annex 1 and ac-
ations or impact on its profitability. companying discussion in Bouzas and Chudnovsky, supra.
35
Aguas del Tunari v Republic of Bolivia, ICSID Arbitration
To date, at least eight water service related
ARB/02/03.
arbitrations are known to have been com- 36
Compania de Aguas del Aconquija & Vivendi Universal (for-
menced, though none appear to have finished merly Compagnie Generale des Eaux) v. Argentine Republic
as yet.34 Seven of these known cases are against (Case No. Arb/97/3), Decision on Annulment, July 3 2002, 41
Argentina, following changes to operating con- ILM 1135 (2002).
37
Some of the background is digested in Luke Eric Peter-
34
(1) Aguas de Aconquija S.A. and Vivendi Universal v. Ar- son, Research Note: Emerging Bilateral Investment Treaty
gentina, ICSID Arb. No. ARB/97/03; (2) Azurix corp. v. Argen- Arbitration and Sustainable Development (current as of Au-
tina, ICSID Arb. No. ARB/01/12; (3) Aguas Provinciales de gust 2003), section 2, at http://www.iisd.org/pdf/2003/
Santa Fe S.A., Sociedad General de Aguas de Barcelona S.A. trade_bits_disputes.pdf
Mann, H. International economic law: water for money’s sake?

to poor boroughs or potentially non-paying brows, and one recent decision and a dissent
boroughs, new standards of water quality, and in another case have sought to impose some
higher standards for sewage treatment before limitations.38 Nonetheless, this approach by
release into waterways. investors can be expected to grow in the com-
What are the implications? As internation- ing years. Thus, given the relatively small num-
al finance institutions continue to promote ber of international players in this field, their
privatization of water delivery as the approach legal sophistication and large resources, one
of choice to in developing countries, this will should anticipate that every investment in this
continue to promote the growth of foreign sector will be covered by IIA obligations and 73
investment in this sector. The reason is sim- remedies, and that these will be used when it
ple: the financial and technical resources to is in the interest of the investor to do so.
build or manage water services in a private sec- Finally, there is a growing concern that con-
tor context exist in very few companies, all from tractual clauses that give precedence to domes-
developed countries. In effect, with very few tic courts to resolve any legal disputes are not
potential exceptions, when these institutions being fully respected by arbitration tribunals.
or others promote privatization they are pro- While the full extent of the problem is not clear
moting liberalization of the sector for EU and yet, several instances have seen contractual
US investors. These investors have very sophis- choices of domestic dispute settlement essen-
ticated legal departments and advisors, and will tially overturned to allow foreign investors to
aggressively use the investor-state process when use the international arbitration process in-
it is in their interest. As any change in condi- stead. The legal reasoning is beyond the scope
tions of operations impacting the profit of an of this paper, though it is worth noting here
investment can be made the cause of a dispute that the leading case to have done this is actu-
(this does not mean every case wins of course, ally in the water service sector, involving Viv-
several do not), entering into a privatization endi and Argentina.39 The impact of this ap-
and foreign investment process requires as a proach, however, is again to increase the like-
preliminary and precautionary measure to achieve lihood of such cases going to international ar-
the social and environmental objectives of develop- bitration instead of domestic courts, or even
ing countries that the laws and regulations and in addition to domestic courts. Contractual
policies that will be applied to those processes clauses and agreements can be written to pre-
are completed and in place. Proposed chang- clude this being done, but as the issue is new,
es after the fact can and will trigger threats of few will have done so in an effective way to date.
the use of the investor-state process to either
dissuade a government from making changes PROTECTION OF ACQUIRED “RIGHTS”
or to reduce the social welfare objectives that IN NON-WATER SECTORS
they embody. Changes imposed after the fact
can and will lead to challenges based on one Issues also arise outside the water services
or more of the above noted disciplines con- sector under investment agreements that can
tained in the IIAs. have a significant impact on water manage-
One might also note here that even if it ap- ment decisions. Two separate issues can be
pears that the state whose services are being identified:
opened to foreign investors does not have an
IIA with the home state of the investing com-
pany, this no longer prevents the use of this
38
Hussein Nuaman Soufraki v. United Arab Emirates, ICSID
Case No. ARB/02/07, decision on Jurisdiction, July 7, 2004;
process. The reason is because a variety of tri-
Tokios Tokelés v. Ukraine, ICSID Arb No. ARB/02/18, deci-
bunals have allowed investors with an other-
sion on Jurisdiction, April 29, 2004, but note Dissenting Opin-
wise limited connection to a jurisdiction to es- ion on Jurisdiction, April 29, 2004.
tablish holding companies or joint venture 39
Compania de Aguas del Aconquija & Vivendi Universal (for-
headquarters in other countries that do have merly Compagnie Generale des Eaux) v. Argentine Republic
an agreement in force. This new form of (Case No. Arb/97/3), Decision on Annulment, July 3 2002, 41
“home state shopping” has begun to raise eye- ILM 1135 (2002).
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 61-80, jul./dez. 2005

Water quantity and allocation issues for responsibilities for the investors, this example
foreign investors, and stands as one of the most troubling given the
Impacts on water quality by foreign in- critical importance of water resources.
vestors. The operations of foreign investors may, like
By accepting a foreign investment, host domestic businesses, pollute local waters. In
states accept that they will provide the means keeping with the well recognized “polluter pays
for them to operate, even if no formal autho- principle”, one can expect that new regulato-
ry measures to reduce pollution loads will be
74 rization is required, for example to draw wa-
ter for industrial uses. This becomes, one might developed over time and such new laws will
argue, part of the “legitimate expectation” of not be compensable. However, the obligations
the foreign investor. When significant quanti- under an IIA, in particular the national treat-
ties of water are required for the operation ment, minimum international standards, and
involved, this means that foreign investors will expropriation provisions, may all lead to a dif-
have acquired international law rights to ac- ferent conclusion today. While there is no ex-
cess that water, even if it conflicts with existing isting case where a simple change in environ-
or future local needs for potable water, agri- mental or human health standards has been
culture, small scale industry, subsistence uses, held to constitute a breach of an IIA, none have
etc. Unless water allocation issues are clearly ruled out such a finding either. The arbitra-
spelled out, and the relationship of such allo- tions that are emerging are mixed, at best, in-
cations to other users and uses made clear, the consistent at worst.40 Thus, the potential for
investor should be understood as having an governments to have to pay the polluter to stop
acquired right under international law to the polluting remains real.41 Indeed, internation-
quantity of water the investment requires, at al investment lawyers are already looking at
least in the form in which it was originally au- ways to make claims for mandatory CO2 re-
thorized or begun. ductions under national and international cli-
mate change regimes.
The impact of this is simple: the foreign in-
vestor will be able to protect its allocation by Moreover, many claims in relation to chang-
recourse to the international agreement and es in regulations for human health or environ-
the resulting threat of significant financial mental purposes can be brought under obli-
costs, and do so through mechanisms unavail- gations relating to national treatment or the
able to domestic users. Moreover, in contexts procedural elements of minimum internation-
when many other users may not have clearly al standards obligations. The former can be
established legal rights to their water use – sub- especially relevant when one major actor is
sistence farmers, indigenous peoples, villages responsible for significant levels of pollution
in traditional tribal lands, and so on – the in- and that actor is a foreign investor. If new reg-
ternational law rights will be matched against ulations impact that investor to a higher de-
what many would qualify as non-legal claims. gree – not unusual in such a scenario – then a
claim to de jure or de facto differences in treat-
Whether a foreign investor is in the agricul-
ment may be attempted. The latter can be used
tural sector using water for irrigation, in the whenever an investor feels either that a pro-
textile business drawing water for stone wash-
cess leading to a new regulation has not been
ing denim, in the cement or chemicals sectors,
IIAs can lead to the right to use water prevail-
ing over other uses. It is, therefore, critical that 40
This issue is one of the focal points of the discussion on the
the impacts on water quantity and allocations impacts of IIAs on sustainable development in Cosbey et al,
be fully considered before an investment is supra, n. 27.
initiated, though the responsibility for doing 41
For example, the author is aware through personal discus-
this is often not clear, and has never yet been sions that some international investment lawyers are already
set out in an IIA. As a reflection of one of the looking at ways to make investment treaty claims for manda-
major concerns of civil society groups with IIAs tory CO2 reductions that might be imposed under national
in general, that they establish rights with no and international climate change regimes.
Mann, H. International economic law: water for money’s sake?

subject to enough notice or consultation, sim- to human needs for water, little suggests today
ilar to OECD standards of government opera- that this basic requirement has been reflected
tion. Thus, the lack of capacity of many devel- to date in international economic law as it im-
oping countries to meet these standards poses pacts on water management and uses. It is true
a clear risk for them when imposing new mea- that the WTO dispute settlement system, by
sures on a foreign investor. dint of the efforts of the Appellate Body, has
Finally, the issue of whether a new regula- made significant strides in addressing the link-
tion can constitute an expropriation if it has a ages between trade and environment.42 This
significant economic impact is one of the most does suggest some additional consideration on 75
controversial in international investment arbi- an issue as vital as water may be forthcoming
tration today. Quite simply, there is no clear in the event of a state to state dispute in the
answer to this. Investors continue to press such WTO. The reality is, however, that such a chal-
claims while states continue to defend them, lenge will be rare. Much more prevalent and
and arbitrators continue to issue decisions that immediate are the types of issues being raised
leave room to argue both ways. Host states can- by IIAs today, and the access to international
not know with certainty today whether the trea- arbitration processes that they include. With a
ties they have already signed will lead to such variety of negotiations taking place to expand
claims, or whether they will be successful. For the scope of trade and investment law, the chal-
future treaties, there is a trend to better artic- lenges this poses in relation to water manage-
ulate the linkages between IIA obligations and ment are only likely to grow.
regulations. This is itself a positive develop- One of the most critical challenges is going
ment, but its implementation is disjointed and to be political in nature: with market access
often inconsistent in terms of the concepts and for goods into developed countries being set
strategies being applied. Greater focus is re- up as tradable for market access into develop-
quired here. ing countries on investment, including in ser-
Finally, the same issues raised in this section vices, the pressure to trade one against the oth-
in terms of regulatory changes can be applica- er will increase. Measuring the true benefits
ble to water service investors if the standards of one against the other is complex, and nego-
applicable to them are changed. Water emis- tiating pressures can truncate if not eliminate
sion quality standards for sewage services, po- time for proper analysis and reflection. Secur-
table water standards, reduced draws on water ing a broad agreement on market access for
sources, pollution prevention requirements, goods or agricultural products can, therefore,
etc., can all change in time. Yet, even techni- lead to pressures to give up an equally broad
cal adjustments to standards on these lines can, deal on investment issues. The political pres-
due to today’s uncertainties, lead to claims sure can be expected to be real and significant.
under an IIA. To the extent a contract or rep- For developing countries, one option is to
resentation by a government official has sug- work together, as was done in Cancún at the
gested that standards would not be changed, 2003 WTO Ministerial meeting. This approach
this can add to the case for an investor, irre- would, however, require limiting bilateral or
spective of the motives or circumstances caus- regional negotiations with major powers, or at
ing the change to be made. The greater the least coordinating positions in relation to such
impact on the investor, the higher the chanc- negotiations.
es of the claim succeeding. In the WTO context now, with investment
per se off the agenda, much of this trade-off
INTERNATIONAL ECONOMIC LAW: will fall to the services liberalization negotia-
POLITICAL AND POLICY PRESSURES tions under the GATS Council. Infrastructure
ON DOMESTIC WATER MANAGEMENT services of all kinds will be involved, includ-
ing water and water-related services. With the
Where the more traditional sources of in-
ternational law relating to freshwater have
moved in recent decades to give greater weight 42
See note 9, supra.
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 61-80, jul./dez. 2005

second tranche of negotiations addressing es, getting a sound legal and administrative
other regulatory disciplines on services, this basis in place before liberalizing and privatiz-
remains an area to watch very closely. ing services, especially in crucial areas such as
A second issue that arises is the need for water, is indeed critical. It is here, in this au-
significant capacity building in relation to in- thor’s view, that capacity building is an essen-
ternational negotiations in the economic field. tial requirement, and that democratic princi-
If this paper has attempted to show one thing, ples of transparency and accountability must
it is that international economic law is connect- come to the fore.
76 ed to water management issues in several crit- It is worth noting that the Report of the World
ical ways. Ignoring them as tangential or unre- Panel on Financing Water Infrastructure 43 identi-
lated is no longer an acceptable alternative, fied weak domestic regimes as the principle
especially in the face of the rapid growth in cause of the problem in water management,
water shortages. Yet, training for negotiators including inadequate national government
and other policy makers, academics, civil soci- attention to water services, political interfer-
ety groups, and others on these linkages in ence in water management, inadequate legal
order to ensure acceptable outcomes appears frameworks, lack of transparency in awarding
to be completely unavailable. In addition, it is contracts, non-existent or weak regulators, and
less than clear that training in issues such as other related issues. The view that these aspects
better defining the obligations in an IIA or in of water management need to be addressed
both tranches of the GATS negotiations, bet- before the weaknesses are locked in was also
ter articulating the relationship to regulations, stated recently in relation to the privatization
and so on is taking place in a manner that will process, in a report prepared by the Econom-
have a significant impact. ic Commission for Latin America and the Car-
Similarly, the capacity to address inadequa- ibbean: “An appropriate regulatory framework
cies or incompleteness in the domestic law and must, therefore, be in place before private sec-
administration of water services and other wa- tor participation is introduced in the provision
ter-related aspects of trade and investment of water supply and sewage services.”44 The
agreements is also limited in many cases. When potential impacts of trade and investment re-
the international economic regime, including gimes add one more degree of urgency for
the promotion of privatization and foreign doing this.
investment by international financial institu- In practice, however, over 2000 bilateral and
tions, leads to agreements and obligations be- regional agreements on investment and on
fore this capacity is available and effectively trade are already applicable around the world.
used, the likelihood of conflicts arising are sig- So what can be done to prevent the locking in
nificantly increased. Again, while there are of weak domestic laws and administrative prac-
signs of international institutions recognizing tices? The most effective answer is to avoid cre-
this issue, training and capacity building to ating the combination of investment agree-
ensure the necessary domestic measures are ments and privatization of water and water
taken prior to developments through interna- rights that allows foreign investors to protect
tional negotiations or banks does not appear all the benefits that accrue to them as a result
to be a key target. of decisions made by weak and perhaps even
Both the above lead to the ability to sum- corrupted regimes. It is this combination of
marize many of the challenges in a single word domestic and international processes and tim-
today: sequencing. The clearest signal that
emerges from international investment law 43
Report of the World Panel on Financing Water Infrastruc-
today is that foreign investors will react strongly ture, Executive Summary, p. 2., Third World Water Forum,
to changes in laws and regulations that impact Kyoto, Japan, March 2003.
their economic welfare. The social or health 44
Andrei S. Jouravlev, Water Utility Regulation: Issues and
aspects underlying the changes may be of lit- options for Latin America and the Caribbean, Economic Com-
tle concern to them. With changes in domes- mission for Latin America and the Caribbean, LC/R.2032 11
tic law carrying the elevated risks of challeng- October 2000, p. 6.
Mann, H. International economic law: water for money’s sake?

ing that can be most challenging to effective to them. Over the past five or six years, since
and sustainable local water management. Such international economic law and water manage-
combinations should be avoided until the wa- ment issues have begun to achieve some de-
ter management regimes at the relevant gov- gree of public attention, nothing has occurred
ernmental levels have achieved the legal and to alleviate the concerns that have been raised.
administrative standards necessary to protect Quite the contrary: the decisions and direc-
all water users and the resource itself. tions from international investment arbitra-
Annex 1 provides some more specific rec- tions seem to confirm that civil society concerns
ommendations, derived largely from a paper were not misplaced. The wholesale inclusion 77
on this same subject prepared about a year ago. of public sector services, including water ser-
The developments in international investment vices, in the Doha Round negotiations on ser-
arbitrations and agreements confirm, in this vices liberalization, without any recognition of
author’s view, the issues raised then, and the the need for additional reflections in this area,
direction of the recommendations to respond serves to confirm the concerns.
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 61-80, jul./dez. 2005

Annex 1
Steps to maintain and enhance
national control over water policy
in the face of international economic law
78
INTERNATIONAL LEVEL MEASURES
1. Clearer rules in trade and investment ral resources. Water, in essence, needs
agreements: This is an essential element special and differential treatment. This
today. Too often, trade and investment is critical where negotiations place weak-
agreements have led to unintended con- er economic powers into an eventual
sequences. That greater clarity can be agreement with stronger powers.
achieved is clear from the efforts already
being made in some negotiations to do DOMESTIC MEASURES
so.45
2. Part of the negotiating process must fo- 5. Because the effects of poor water man-
cus on the details, including how they agement laws, policies and administra-
relate to water issues: definitions, scope, tion tend to get locked in by trade and
the right of governments to regulate, and investment agreements, it is essential that
the rights of local and indigenous peo- these areas be improved significantly be-
ples, must all be addressed and the im- fore entering into these agreements, or
pacts of proposed investor rights on these at least before they are made applicable
issues considered. in relation to water.
3. The same careful standards must be ap- 6. It must be recognized early that interna-
plied to the negotiation of Bilateral In- tional agreements apply, in most cases,
vestment Agreements (BITs) as to multi- to all levels of government. Thus, the
lateral or regional agreements. BIT ne- same domestic responses are required by
gotiations still tend to fly under the ra- whatever level of government is respon-
dar today, but are progressing in many sible for each different aspect of water
jurisdictions. They contain many of the management.
same provisions as major trade and in- 7. Clear and committed national, state and
vestment agreements, and establish provincial, and local laws and regulations
rights for foreign investors that are en- must be developed to clarify community
forceable in the investor-state process. water needs, for all the people in the com-
This importance is magnified by home munity, and ensure respect for them.
state forum shopping by foreign inves- Sound administration must be put in place
tors. to back this up. It is here that domestic in-
4. In all these negotiations, it is time to con- terests and the rights of foreign investors
sider water as a special resource, and dif- must first be balanced, prior to the combi-
ferentiate its treatment from other natu- nation of investment agreements and priva-
tization coming into effect and limiting
possible options in this regard.
45
The United States-Singapore Free Trade Agreement, Chap- 8. Where time periods or other limitations
ter 15 on Investment and Chapter 18 on Environment, are on licenses, permits contracts, etc., may
examples of some more recent thinking in this regard, if not be warranted, they must be clear on their
conceptually new thinking. See, www.ustr.gov for the text, re- face. Otherwise, longer-term investor
leased to the public on 7 March 2003. rights may be created than intended.
Mann, H. International economic law: water for money’s sake?

TRANSPARENCY water. As a starting point, the request and


offer process of the GATS and of accession
9. The principle of transparency must be
negotiations, and in bilateral services and
addressed. This applies at all phases of
investment negotiations must, therefore
water management, and for all negotia-
take place in a transparent way. All disputes
tions impacting upon water management
under these agreements must also be con-
and conservation. In the awarding of con-
ducted in a transparent way.
tracts, developing of national and local
laws and regulations and the administra-
tion of water systems and rules, transpar- ACKNOWLEDGEMENTS
79
ency must be a critical factor. The ab-
sence of transparency allows corruption This paper was prepared with the financial
and inadequacy to flourish, and the con- support of the World Bank for presentation at
sequences to be locked in for long peri- the I Seminario Latino-Americano de Politicas Pub-
ods of time. Domestic actors, financial licas em Recursos Hidricos,
institutions, development banks, and for- Brasilia, Brazil, 22 September 2004
eign investors are all players today in al- The support of these organizations in this
lowing the consequences of non-transpar- work is gratefully acknowledged. The assistance
ency to endure. All share the responsi- of Reuben East, University of Ottawa Law
bility for reversing this problem. School, is much appreciated. The views ex-
10. The same transparency must also be ap- pressed here do not necessarily reflect those
plied at the international level, to all aspects of the above agencies. All content is solely the
of the negotiation, implementation and responsibility of the author, and all errors of
dispute resolution processes of internation- omission and commission are, of course, like-
al agreements that impact public goods like wise solely the responsibility of the author.

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579 Annex C, para d. Disponível em: http://www.wto.org/english/docs

Howard Mann International lawyer specializing in international law for


sustainable development in Ottawa, Canada. See www.howardmann.ca.
Senior International Law Advisor to the International Institute for
Sustainable Development. See www.iisd.org
Desenvolvimento institucional
dos recursos hídricos no Brasil

Carlos E. M. Tucci

RESUMO: O desenvolvimento dos recursos ABSTRACT: Water resources development in


hídricos no Brasil foi marcado para algumas fa- Brasil has been implemented in some phases. In
ses distintas. Na primeira, antes da existência de the first, before an integrated legal framework
um marco legal integrado o país era governado the country was legally developed by sectors re-
por interesses setoriais. lated to water resources.
Após a criação da lei Nacional de recursos After the National Law on water resources was
hídricos em 1997, o desafio foi de implementar approved the challenge was implementation and
e regulamentar as instituições previstas e passar regulation of the institutions and developed the
à descentralização setorial e espacial (Estados e decentralization to sector and space (States and
bacias) e à sustentabilidade econômica de lon- basins) and economical sustainability of long term.
go prazo. Esta construção institucional é a con- The institutional construction is a necessary con-
dição necessária, mas não é suficiente para ob- dition but it is not enough to achieve the devel-
ter o desenvolvimento sustentável dos recursos opment sustainable on water resource and envi-
hídricos e do meio ambiente, pois o marco insti- ronment, since it is a process and it does not end
tucional é um processo e não o fim em si pró- in it self. This process should be enough to create
prio. Este processo deve ser suficiente para criar the organizations, informations and allow the
os arranjos, as informações e as decisões para decisions for the sustainable development.
que o desenvolvimento da água seja sustentável. This paper presents an overview of the sce-
Este artigo apresenta o cenário evolutivo des- narios, actual institutional components, the fu-
tas fases, dos componentes institucionais atuais ture scenarios, challenges and opportunities re-
e destaca os futuros cenários, desafios e oportu- lated to the institutional development in the
nidades. country.
PALAVRAS CHAVE: Institucional, gestão, Brasil. KEY WORDS: Institutional, management, Brazil.

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

INTRODUÇÃO onais que resultou numa crise ambiental devi-


do à degradação das condições de vida da po-
O século vinte passou por várias transições
pulação e dos sistemas naturais.
que marcaram o desenvolvimento dos recur-
sos hídricos e o meio ambiente no Brasil e a No início da década de 70 iniciou a pressão
nível internacional (tabela 1). Este processo ambiental para reduzir estes impactos, com
caracteriza a relação entre o crescimento eco- ênfase no controle dos efluentes das indústri-
nômico e populacional e a busca da sustenta- as e das cidades. O Brasil investia fortemente
bilidade ambiental. em hidrelétricas, anos em que as grandes bar-
ragens do rio Paraná foram construídas. O
Logo após a 2o guerra mundial, houve a
movimento ambiental no Brasil era quase ine-
necessidade de grande investimento em infra-
xistente. Nos anos 80 o mundo enfatizou os
estrutura, principalmente para recuperar os
efeitos do clima global, onde os principais fo-
países que sofreram com o conflito, seguido
cos foram: o acidente de Chernobyl, impacto
por uma fase de crescimento econômico e de
do desmatamento de florestas e o uso de bar-
população em muitos países desenvolvidos.
ragens. No Brasil observou-se a aprovação da
Neste período ocorreu uma forte industriali-
lei ambiental em 1981; grande pressão sobre
zação e aumento dos adensamentos populaci-
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 81-93, jul./dez. 2005

os investimentos internacionais em hidrelétri- e discutidas em diferentes Fóruns como a 3º


cas, pelo seu impacto ambiental local e por Conferência Mundial da Água em Kyoto em
vezes, global em regiões como a Amazônia. 2003. Em síntese, estas metas, no âmbito da
Foram reduzidos os empréstimos internacio- água, estabelecem que se deve procurar re-
nais para construção de hidrelétricas, com duzir pela metade o número de pessoas sem
grande impacto na capacidade de expansão água potável e saneamento até 2015. O rela-
deste sistema no Brasil. A maioria da empre- tório contratado pela Global Water Partner-
sas consultoras voltadas para projetos hidrelé- ship, GWP e World Water Council (WWC) de-
82 tricos tiveram redução de pessoal da ordem nominado de Camdessus (coordenado pelo
de 90%. No final dos anos 80 (em 1987) co- ex-presidente do FMI), introduziu propostas
meça a discussão da lei de recursos hídricos para os elementos econômicos financeiros
onde três grupos setoriais disputam espaços: para busca da viabilidade das metas propos-
energia, meio ambiente e agricultura. tas. O Brasil tem uma aceitável cobertura de
Os anos 90 foram marcados pelo seguinte: serviços de abastecimento de água, se com-
concepção do desenvolvimento sustentável parados com a maioria dos países em desen-
que busca o equilíbrio entre o investimento volvimento, mas necessita de fortes investi-
no crescimento dos países e a conservação mentos para atingir a meta do saneamento.
ambiental; o desenvolvimento dos recursos De outro lado para buscar atender esta e
hídricos de forma integrada, com múltiplos outras metas existe um movimento enfatizado
usos; e o início do controle da poluição difu- pelo GWP, WWC, IWRA International Water
sa nos países desenvolvidos. Os investimen- Resource Association, entre outras ONGs in-
tos internacionais no Brasil, que atuavam prin- ternacionais, que buscam impulsionar o deno-
cipalmente no setor energético, se voltaram minado IWRM Gerenciamento Integrado dos
para investimentos na recuperação ambien- Recursos Hídricos, como meio de busca da
tal, de efluentes domésticos e industriais das sustentabilidade hídrica. A legislação brasilei-
cidades (estágio observado nos países desen- ra contempla os princípios básicos do Geren-
volvidos nos anos 70), iniciando com as gran- ciamento Integrado, portanto a primeira eta-
des metrópoles brasileiras e na conservação pa deste processo foi vencida. O desenvolvi-
dos grandes biomas brasileiros. No ambiente mento institucional pós 1997 (depois da apro-
institucional, na metade da década, foi cria- vação da lei de recursos hídricos) tem sido a
da a Secretaria de Recursos Hídricos, que regulamentação e implementação da legisla-
apoiou a discussão e finalmente a aprovação ção de recursos hídricos. Este processo de ins-
da lei de recursos hídricos em janeiro de 1997. titucionalização foi marcado no Brasil pela cri-
Algumas legislações estaduais já tinham sido ação da Secretaria de Recursos Hídricos (cita-
aprovadas e outras foram induzidas pela le- do acima) e posteriormente a criação da ANA
gislação federal. Assim, se completa o primei- Agência Nacional da Água (em 2000) e a re-
ro estágio do desenvolvimento institucional gulamentação da legislação que pressupõe a
do país. Também neste período, entre o final cobrança pelo uso da água e a penalização dos
da década de 80 e os anos 90 houve reformas poluidores através do comitê e agências de
no Estado brasileiro que permitiram apoiar a bacia hidrográfica. Este cenário se mostra pro-
aprovação da legislação e a formação do se- missor à medida que existem regras e procedi-
tor de recursos hídricos dentro do governo. mentos que permitem a participação de todos
O início do novo século (e milênio) está os atores na definição do uso dos recursos hí-
marcado internacionalmente pelo movimen- dricos e da sua preservação dentro do desen-
to pela busca de uma maior eficiência no uso volvimento econômico e social.
dos recursos hídricos dentro de princípios bá- Este artigo trata justamente desta fase re-
sicos de Dublin e consolidados na Rio 92. As cente do desenvolvimento institucional dos
Nações Unidas definiram as chamadas Metas recursos hídricos no Brasil como um exemplo
do milenium para redução pobreza, e tem na a ser avaliado pela comunidade internacional
água e saneamento o foco principal. Estas na busca de utilizar suas vantagens e evitar seus
metas foram consolidadas em Johanesburgo problemas. No item seguinte é apresentado um
Tucci, C. E. M. Desenvolvimento institucional dos recursos hídricos no Brasil

TABELA 1
Comparação dos Períodos de desenvolvimento (adaptado de Tucci, et al, 2000).

83

diagnóstico dos recursos hídricos no Brasil dotado de valor econômico; (c) estabelece a
dentro de uma visão global. prioridade para o consumo humano; (d) prio-
riza o uso múltiplo dos recursos hídricos; (e) a
bacia hidrográfica como a unidade de planeja-
CENÁRIO INSTITUCIONAL BRASILEIRO mento; (f) gestão descentralizada.
Legislação de recursos hídricos: O texto legal Os principais instrumentos da Política são
básico que criou a Política Nacional de Recur- os Planos, enquadramento dos rios em clas-
sos Hídricos é a Lei n. 9433 de 8 de janeiro de ses, outorga dos direitos de uso dos recursos
1997. Esta política se baseia nos princípios de hídricos, sistema de informações e a cobran-
Dublin, ou seja: (a) a água é um bem de domí- ça pelo uso da água. Os Planos devem englo-
nio público; (b) a água é um recurso limitado, bar os Planos Estaduais e os Planos de Recur-
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 81-93, jul./dez. 2005

sos Hídricos de bacias. Estes planos devem A Constituição Federal de 1988 define como
buscar uma visão de longo prazo, compatibi- um rio de domínio da União todo rio que es-
lizando aspectos quantitativos e de qualitati- coa através de mais de um Estado ou por tre-
vos da água. O enquadramento trata de defi- chos internacionais. De outro lado a lei 9.433
nição da compatibilidade da qualidade da define a bacia como a unidade de abrangên-
água e os usos da mesma, buscando a mini- cia de planejamento. Esta combinação de le-
mização dos impactos de qualidade da água. gislações tem gerado diferentes interpretações
O processo de outorga trata de assegurar o para bacias em que o rio na sua cabeceira é
84 controle quantitativo e qualitativo dos usos da estadual e a jusante federal.
água. A cobrança pelo uso da água visa in- Os cenários são: (a) Um rio que escoa todo
centivar o uso racional da água e reconhecer ele por um mesmo Estado (até a seção de in-
a água como um recurso natural dotado de teresse) e tem bacia hidrográfica em mais de
valor econômico. um Estado; (b) um rio que escoa e tem sua
A lei também estabelece que o mecanismo bacia totalmente num mesmo Estado, mas é
de gestão descentralizada ocorrerá através do afluente de rio federal. Este é um vazio legal
comitê de bacia com o apoio de agência exe- que pode gerar contestações judiciais. Com-
cutiva. Apesar de enfatizar a descentralização, binando a constituição e a lei das águas, ape-
a própria legislação se contradiz ao estabele- nas os rios que nascem num Estado e escoam
cer que o Conselho Nacional de Recursos Hí- para o mar seriam de domínio estadual, os
dricos deverá ter até 51% de representantes demais de domínio da União, já que o princí-
de entidades federais, o que o governo tem pio de adoção da bacia como espaço de ges-
exercido neste limite. Os Estados que no Bra- tão se baseia no efeito integrado de montan-
sil são 26, possuem apenas cinco representa- te para jusante. Na prática a ANA tem estabe-
ções regionais. lecido convênios com os Estados. De outro
A lei federal n. 9984 de 17 de julho de 2000 lado, existem contestações sobre a abrangên-
dispõe sobre a criação da Agência Nacional de cia da licença ambiental dentro do mesmo
Águas ANA, entidade de implementação da contexto, principalmente no caso (a) acima.
Política Nacional de Recursos Hídricos. Algu- A licença ambiental está relacionada com a
mas das principais atribuições da ANA são: área de influência do empreendimento e seu
outorgar o direito de uso dos recursos hídri- respectivo impacto, que muitas vezes pode le-
cos em rios de domínio da União; prevenção var a diferentes interpretações. Se a área de
contra secas e estiagens; fiscalizar os usos de influência envolve áreas de mais de um Esta-
recursos hídricos em rios de domínio da do o ambiente de licença passa a ser federal.
União; estimular a criação de comitês de baci- Outorga: A outorga dos direitos de uso de re-
as. No que se refere à energia hidráulica a cursos hídricos foi estabelecida na lei 9.433,
ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétri- art 14, onde especifica que a mesma será efeti-
ca deverá promover junto à ANA, a prévia ob- vada por ato da autoridade competente do
tenção de declaração de reserva de disponibi- Poder executivo Federal, dos Estados ou do
lidade hídrica. Distrito federal. No art 12, a referida lei dis-
A ANA, assim como o IBAMA, é vinculada põe que estão sujeitas às outorgas: (I) a deriva-
ao Ministério de Meio Ambiente. Este minis- ção ou captação de água superficial ou subter-
tério por meio da Secretaria de Recursos Hí- rânea para consumo final, ou para insumo de
dricos- SRH estabelece as políticas de recursos processo produtivo; (II) o lançamento de es-
hídricos e ações como o Plano Nacional de gotos resíduos líquidos e gasosos, tratados ou
Recursos Hídricos. O Conselho Nacional de não, para fins de diluição, transporte ou dis-
Recursos Hídricos é o órgão deliberativo do posição final; (III) o aproveitamento hidrelé-
setor a nível federal. Este Conselho é constitu- trico das águas e qualquer outro uso das mes-
ído por membros federais (em sua maioria), mas que altere o regime, quantidade ou quali-
representantes dos Estados, ONGs, setores usu- dade das águas de um rio.
ários da água e entidades de pesquisa.
Tucci, C. E. M. Desenvolvimento institucional dos recursos hídricos no Brasil

No caso da geração de energia elétrica a tado o resultado da declaração realizada de


mesma estará subordinada ao Plano Nacio- acordo com o tipo de usuário e a origem dos
nal de Recursos Hídricos, obedecida à disci- Estados envolvidos no Rio Paraíba do Sul. A
plina da legislação setorial específica. A ou- outorga foi dada por três anos considerando
torga poderá ser suspensa, parcial ou total- o valor declarado pelo usuário como correto
mente, em definitivo ou prazo determinado, e feita uma ampla fiscalização após da decla-
quando não forem cumpridos, pelo outor- ração dos usuários.
gado, os termos da outorga. Estas condições Meio ambiente: No âmbito de meio ambiente, a
são: ausência de uso por três anos consecu- licença ambiental tem sido definida pelo Estado 85
tivos; necessidade premente de água para quando a área de influência é estadual e de ou-
atendimento de condições adversas; manter tro lado, quando o impacto envolve mais de um
a navegabilidade do rio. Esta outorga não Estado a licença tem sido dada pelo IBAMA.
poderá concedida por prazo que exceda 35
anos, mas é passível renovação. A outorga A complexidade é que o processo de im-
não implica na alienação das águas, mas o plementação dos usos da água passa por vári-
direito de uso. os órgãos federais com diferentes entradas. No
processo de outorga a avaliação dos usuários e
a quantidade de água outorgada passa pela
TABELA 2 definição das condições de escoamento para
Resumo das declarações recebidas. Classificação conservação ambiental. Não existem critérios
por finalidade do empreendimento e dominialidade bem definidos ou unificados sobre o assunto.
dos pontos de captação e/ou lançamento (ANA,2003a)
Na tabela 3 abaixo são apresentados os critéri-
os adotados em alguns estados Brasileiros
Para um trecho de rio onde o impacto funda-
mental é a carga efluente de esgotos domésticos
e industriais a avaliação das suas condições sani-
tárias e a vazão remanescente associada deve pri-
orizar as condições sanitárias e estabelecidas se-
gundo uma vazão mínima. Na tabela 3 observa-
se que o critério de definição de uma vazão re-
manescente está relacionado a um valor máxi-
mo outorgado. Isto indica que, por exemplo, ao
Observação: A soma dos valores correspondentes às di-
ferentes dominialidades para uma dada finalidade pode definir a Q90 como vazão de referência, a vazão
não coincidir com o valor do número total de declara- remanescente será 20% deste valor para garan-
ções indicado para esta finalidade, uma vez que nem to- tir uma quantidade mínima de vazão no rio que
das as declarações podem ser classificadas do ponto de permita a vida aquática e o atendimento da qua-
vista de dominialidade, ou, ainda, uma vez que há decla-
rações que são classificadas em duas ou mais categorias
lidade da água. No entanto, esta metodologia não
de dominialidade. garante que o rio manterá a sua biota, se por
exemplo, toda a vazão for desviada, mantendo-
se este valor mínimo durante todo o tempo.
A cobrança pelos usos outorgados da água Para um trecho de rio onde o impacto fun-
foi prevista na Lei 9.433, art 20. Os recursos damental é um aproveitamento hidrelétrico
resultantes da cobrança devem ser aplicados deve-se procurar garantir através da vazão re-
prioritariamente nas bacias hidrográficas em manescente a variabilidade natural das vazões
que foram gerados. Em 2003 o processo de para que não produzam impactos sobre a bio-
cobrança foi decidida pelo comitê da bacia e ta do sistema aquático ao longo do tempo.
iniciado no rio Paraíba do Sul por meio de Onde vários usos e seus impactos estiverem
convocação à regularização de todos os usuá- presentes num rio, deve-se procurar garantir
rios da bacia. Foi realizada uma ampla cam- os diferentes cenários ambientais e de dispo-
panha de divulgação pública por meio de ra- nibilidade hídrica para definição das vazões
dio, televisão e jornais. Na tabela 2 é apresen- remanescentes no rio.
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 81-93, jul./dez. 2005

TABELA 3
Legislações adotadas nos Estados Brasileiros (Pereira, 2000)

86

O critério de enquadramento dos rios em federal pela ANA (A Agência recebe também
classes tem sido disciplinado pelo CONAMA outros recursos orçamentários). Do restante
Conselho Nacional de Meio Ambiente (Reso- que são 6 % , 45% para Estados e a mesma
lução CONAMA 357 de 17 de março de 2005). parcela para municípios atingidos. Do restan-
O enquadramento dos corpos de água em clas- te, 3% para o Ministério de Meio Ambiente,
ses, segundo seus usos preponderantes, visa 3% para o Ministério de Minas e Energia e
principalmente assegurar às águas, qualidade 4% para Ciência e Tecnologia. A estimativa
compatível com os usos mais exigentes a que dos valores médios de 2001-2003 são apresen-
forem destinadas. tados na tabela 4 dos valores envolvidos. Es-
Financiamento : O setor de recursos hídricos tes são valores do orçamento, mas infelizmen-
está sendo financiado pela legislação de com- te no Brasil o valor orçado não está disponí-
pensação financeira pela inundação de áreas vel para execução. O Ministério da Fazenda
pelos reservatórios energéticos. No futuro o contingencia os recursos do orçamento e ape-
objetivo será de ser financiado pela cobrança nas uma parcela do mesmo pode ser executa-
pelo uso da água. A Lei nº 9.984, de 17 de da, variando de ano para ano. Apesar dos re-
julho de 2000 estabelece que 6,75 % da ener- cursos ficarem em conta para uso futuro, o
gia produzida na Usina deve ser utilizada nes- acesso ao mesmo não é permitido, visando o
ta compensação, onde 0,75 % é para financi- controle do déficit público do país. A parcela
ar as ações referente a implementação da efetivamente executada pode ser da ordem
Política Nacional de Recursos Hídricos da lei de 50% do valor disponível.
Tucci, C. E. M. Desenvolvimento institucional dos recursos hídricos no Brasil

Em resumo, a boa notícia é que o setor de Observa-se de forma geral uma forte pre-
recursos hídricos tem fonte permanente de ocupação com os recursos hídricos do
financiamento, mas a má notícia é que mes- país na agenda pública, que no passado
mo arrecadado e explicitado em lei o recurso praticamente não existia. Atualmente é
não fica disponível devido a artifícios gerado freqüente a busca de informação sobre
pelo governo para controle de gastos públicos o assunto por setores da população;
que englobam todo o orçamento. vários setores têm sido receptivos à co-
brança pela água, como o industrial, ape-
sar da resistência do setor agrícola; 87
TABELA 4 existe uma grande desconfiança da po-
Valores médios aproximados do período 2001-2003 pulação quanto à cobrança e ao uso dos
baseados em dados da ANA e ANEEL recursos obtidos, já que a experiência
recente com impostos que são aprova-
dos para uma finalidade e depois utili-
zados para outra finalidade é muito
grande no Brasil;
caso não ocorra uma concordância en-
tre todos os atores para a execução da
cobrança definida pelos comitês de ba-
cias as ações judiciais podem impedir o
processo e a gestão das bacias;
um dos grandes riscos para o sistema ins-
titucional está na gestão dos recursos,
pois os valores arrecadados, que inde-
(*) estimativa com US $ 1 = R$ 2,9
pendentemente da disponibilidade dos
fundos, poderá condicionar sua libera-
ção como faz com todo o orçamento.
Está prevista na legislação a cobrança pelo Esta situação poderá ser mortal para a
uso da água que deve financiar as ações des- confiança dos atores e para a cobrança
centralizadas de gerenciamento de recursos pelo uso da água e seus impactos. O
hídricos na bacia hidrográfica. Este processo maior risco para que o sistema de ge-
está no seu início com a bacia do Paraíba do renciamento tenha sucesso pode estar
Sul entre São Paulo e Rio de Janeiro pela sua nas próprias práticas de administração
estratégica representatividade econômica. dos governos;
a permanência, ao longo do tempo, da
AVALIAÇÃO estrutura técnica de administração públi-
A década de 90 foi promissora quanto ao ca é fundamental para dar continuidade
desenvolvimento institucional em recursos hí- à gestão hídrica. Deve-se evitar esta des-
dricos. Foram mencionadas as legislações es- continuidade técnica em função dos gru-
tabelecidas e a governabilidade através da SRH pos políticos de pressão;
e da ANA a nível federal e de várias entidades enquanto existe apenas o comitê de ba-
a nível estadual. Alguns comitês de bacias fe- cia e não existe agência associada e re-
derais e muitos estaduais estão funcionando. cursos para desenvolver ações o resul-
Em 2003 iniciou a cobrança pelo uso da água tado é mínimo e muitas vezes desesti-
no rio Paraíba do Sul. mula a participação dos membros que
A evolução deste processo institucional na não observam evolução do processo de
gestão macro das bacias parece seguir um ca- gestão;
minho promissor. Os principais avanços e difi- Algumas dificuldades devem ainda ser
culdades identificados são os seguintes: vencida na governabilidade na gestão
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 81-93, jul./dez. 2005

das bacias, que ainda está de certa for- dos acordos devido à necessidade de se che-
ma indefinida. Por exemplo, em bacias gar a soluções (veja o caso do Ceará, que atin-
de grande porte que passa por muitos giu este estágio). Nas regiões sem um aparen-
Estados, onde existirão vários comitês, te conflito, poderão ocorrer discussões mais
como os mesmos tomarão decisão? e sua prolongadas com processo decisório pouco
abrangência? na medida que as mesmas efetivo. Essa situação, por um lado, é benéfica
podem interferir uma na outra (princi- por seu caráter didático, mas, por outro, não
palmente as de montante sobre as de favorece o processo de planejamento. No en-
88 jusante); tanto, o fator de demonstração poderá alterar
Os contingenciamentos dos recursos têm esta tendência.
limitado o funcionamento da SRH e da
ANA nos últimos anos, criando dificul- SÍNTESE EVOLUTIVA
dades para a manutenção da rede de mo-
nitoramento (condição básica para o fun- Na Tabela 5 é apresentado um resumo das
cionamento do sistema); diferentes fases do desenvolvimento dos recur-
sos hídricos que de alguma forma é reprodu-
A rede de coleta de dados federal é sig- ção de cenários em que se encontram diferen-
nificativa e os dados estão disponibiliza- tes países a nível mundial.
dos sem custo na internet. Este é um
avanço importante considerando que em O Brasil até a década de 80 era um país
muitos países da região a obtenção dos em que a gestão dos recursos hídricos era
dados é uma tarefa quase impossível. No realizada de forma setorial sem nenhuma in-
entanto o sistema necessita ser atualiza- tegração. Os setores atuantes eram de: ener-
do com relação ao seguinte: (a) o banco gia (o setor mais bem organizado com pla-
de dados não recebe dados com interva- nejamento setorial); irrigação, pois neste
lo menor que um dia, o que faz com que período o país chegou a possuir um ministé-
uma parte importante da informação não rio da Irrigação, priorizando o seu uso, prin-
esteja disponível e existe o risco desta cipalmente no Nordeste; meio Ambiente,
informação se perder com o tempo; (b) com a implementação da legislação ambien-
modernização da rede nacional e aumen- tal e a criação das agências ambientais esta-
tar a densificação para bacias médias e duais; o abastecimento de água e saneamen-
pequenas ( > 500 km2 ). A falta de dados to representado pelas companhias de água
limita a gestão em bacias menores. Como e saneamento; e na navegação dentro do
os Estados geralmente não possuem mo- Ministério dos Transportes um setor mais
nitoramento, o país te problemas de ges- marginal. Aspectos como inundação e saú-
tão de usos da águas que são típicos de de por doenças veiculadas pela água estavam
bacias menores como o abastecimento de dispersos dentro da estrutura do Estado sem
água, irrigação de pequenas áreas, con- grande significância.
servação ambiental e inundação; (c). há Dentro do contexto institucional existia
um déficit bastante grande na coleta e apenas o Código de Águas aprovado em 1934
divulgação dos dados de monitoramen- e a aprovação de projetos passava pelos órgãos
to de sedimentos e qualidade da água, setoriais. A base de dados hidrológica estava
área onde o sistema de informações é no Ministério de Minas Energia e os projetos
ainda incipiente. eram desenvolvidos com um único objetivo e
O desenvolvimento institucional é a condi- sem visão de bacia por entidades setoriais e
ção básica para todo processo de gerenciamen- com limitada observância ambiental. O único
to do País. A tendência mostra que haverá um planejamento era realizado pelo setor hidre-
conjunto legal instituído consolidado, mas com létrico que adotava as etapas de: Potencial hi-
grandes variações regionais quanto à sua im- drelétrico e Inventário (bacia toda); Viabilida-
plementação. Nas áreas onde o conflito pelo de, Projeto Básico e Executivo para cada em-
uso da água é mais intenso, serão estabeleci- preendimento.
Tucci, C. E. M. Desenvolvimento institucional dos recursos hídricos no Brasil

TABELA 5
Desenvolvimento Institucional dos Recursos Hídricos

89

1. Grande maioria dos Estados brasileiros implementou as leis estaduais.

No setor de água e saneamento as compa- 1989, (Política Nacional de Recursos Hídricos,


nhias estaduais ampliaram de forma significa- Sistema Nacional de Gerenciamento, Legisla-
tiva o abastecimento de água, mas despreza- ção, Tecnologia e Recursos Humanos e siste-
ram a cobertura de coleta e tratamento do es- mas de Informações, ABRH,1995). Todos os
gotamento sanitário, sendo que drenagem ur- princípios aprovados em Dublin, no qual se
bana e resíduos sólidos não estavam na agen- baseia a Agenda 21 de recursos hídricos, esta-
da, apesar das freqüentes inundações urbanas. vam presentes nestes documentos.
Neste período da segunda metade da déca- Em 1990 o setor conseguiu aprovar a legis-
da de 80, principalmente após as restrições lação de compensação pela inundação das áre-
impostas ao financiamento de hidrelétricas por as de barragens, que passou ser a base de fi-
parte das entidades de fomento internacionais nanciamento setorial, apesar de atender prio-
e o início de financiamento do controle ambi- ritariamente a mais interesses de Estados e
ental das cidades e dos biomas, aumentou a Municípios. A lei de Compensação financeira
discussão sobre a necessidade de uma gestão pelo alagamento de terras produtivas, retira
integrada dos recursos hídricos no país. Este 6% do valor da energia na Usina para com-
processo foi discutido principalmente dentro pensar o Estado e Município, mas uma parce-
no âmbito da ABRH Associação Brasileira de la do recurso é destinada a coleta de dados
Recursos Hídricos de forma técnica e sem com- hidrológicos, ciência e tecnologia e estudos
ponentes políticos partidários que pudessem hidrológicos. No entanto, o destino dos recur-
gerar impedimentos a sua evolução e consoli- sos ia para o setor de energia, que garante a
dação. A ABRH criou vários Fóruns para dis- base de dados hidrológicos de forma perma-
cussão em vários eventos, inclusive aprovando nente. Esta é primeira grande lição de sucesso
os elementos de consenso nas suas cartas de desenvolvida, pois independentemente do or-
Salvador em 1987, (Usos Múltiplos, descentra- çamento, foram garantidos em lei os recursos
lização, Sistema Nacional de Gestão de recur- para a coleta de dados e estudo básico.
sos Hídricos, aperfeiçoamento de legislação, Neste período existiam algumas forças pre-
desenvolvimento tecnológico e recursos huma- ponderantes na negociação da legislação: o
nos, sistemas de informações e política nacio- setor de energia que pela sua organização e
nal de recursos hídricos) e Foz de Iguaçu, em recursos sempre dominou o desenvolvimento
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 81-93, jul./dez. 2005

dos recursos hídricos, o meio ambiente que maioria delas somente com estrutura do co-
contrapunha os potenciais impactos e deseja- mitê, sem a agência, o que limitou as ações.
va participar da gestão do processo, a irriga- No setor de Ciência e Tecnologia houve um
ção por circunstâncias da época e pelo grande aumento considerável no investimento de pes-
consumo de água. O setor de água e sanea- quisa no setor com foco nos problemas e com
mento se manteve distante deste processo prin- permanência de recursos.
cipalmente devido a sua ação mais estadual A fase em desenvolvimento possui várias
enquanto que a discussão era muito mais a frentes, as principais são as seguintes:
90 nível federal.
Legislação setorial: Deve-se considerar que a
Com a reforma do Estado na década de 90, legislação e gestão são do conjunto dos recur-
foi criada a Secretaria de Recursos Hídricos sos hídricos, mas os setores ainda necessitam
em 1995. Com um trabalho político junto ao de elementos que permitam seu desenvolvi-
congresso foi possível preparar uma minuta mento econômico social e ambiental sustentá-
de lei que contivesse os principais elementos vel. Principalmente os setores de água e sane-
técnicos discutidos, restando alguns artigos amento como o de energia estão desenvolven-
para discussão. Em 1997, finalmente é apro- do elementos legais para dar sustentabilidade
vada a lei de recursos hídricos após forte ne- ao seu desenvolvimento. Esta é a fase atual de
gociação dos setores envolvidos. Com a legis- construção legal que permite compatibilizar
lação aprovada era necessário passar a etapa os objetivos da lei de recursos hídricos com os
seguinte de implementação das suas ações. desenvolvimentos setoriais. Neste documento,
Dentro do governo, neste momento estava foram apontados vários problemas e ações em
sendo realizada uma segunda reforma com a curso para a busca destes elementos legais e
criação de Agências que permitissem o con- construção de uma visão de gestão integrada
trole do desenvolvimento setorial, ficando dos recursos hídricos.
para os Ministérios a definição das políticas.
A Agência das Águas – ANA foi criada neste Implementação e desenvolvimento dos instru-
momento político-institucional de governan- mentos de gestão: estabelecimento de comitê
ça (em 2000). Com a criação da Agência tam- de bacia e as agências com recursos da cobrança
bém foi alterada a lei de compensação para pelo uso da água. Para que este desenvolvimen-
dar financiamento ao setor, ficando a ANA to ocorra é necessário que os três elementos
com 11,1% dos recursos que passaram a ser mencionados existam, caso contrário dificil-
de 6,75% do valor da energia gerada. A pes- mente haverá sucesso.
quisa (Ciência e Tecnologia) em recursos hí- Plano Nacional de Recursos Hídricos, Planos
dricos ficou com 3,67 % dos fundos da com- Estaduais e Planos de Bacias: o gerenciamen-
pensação. São valores expressivos para uma to integrado dos recursos hídricos será desen-
realidade que antes desta legislação vinha sen- volvido quando os planos foram implementa-
do sustentado por pequeno orçamento. A dos. Desta forma, é possível conciliar os seto-
Agência recém criada também recebeu recur- res, estabelecer outorga, controlar o meio
sos orçamentários. ambiente.
Pode-se dizer que foi concluída a constru- Sistema Nacional de Informações: o sistema
ção das duas primeiras fases institucional dos de informações hidrológicas foi mantido ao
Recursos Hídricos do Brasil, onde foram esta- longo do tempo, mas necessita de ampliação
belecidos elementos legais a nível federal da e modernização. Atualmente as informações
gestão e criadas as instituições para a gover- são de fácil acesso pela sociedade. A amplia-
nança. A nível estadual praticamente todos os ção e modernização da base de dados envol-
Estados criaram sua legislação com base na vem: (a) ampliar as informações além das hi-
legislação estadual e alguns estabeleceram drológicas básicas; (b) ampliar a rede de cole-
agências para seu desenvolvimento, mas ain- ta cobrindo um universo de escala de bacias
da em número reduzido. Neste período foram mais amplo e representativo; (c) modernizar
também estabelecidos os comitês e as agênci- o banco de dados e acesso à informação. Além
as de bacias com diferentes experiências. A disso, deve-se evitar o que está atualmente ocor-
Tucci, C. E. M. Desenvolvimento institucional dos recursos hídricos no Brasil

rendo que é a falta de recursos (antes garanti- gestão e dos sistemas hídricos é essencial para a
dos) para a coleta básica. solução dos problemas críticos do país.
Recursos Humanos, Ciência e Tecnologia: fo- Na tabela 6 é apresentada uma seleção resu-
ram realizados investimentos no setor e o pros- mida dos principais resultados das fases iniciais
seguimento deste processo é importante na deste processo de desenvolvimento dos recur-
medida que tenderá a aumentar a demanda por sos hídricos. A fase em desenvolvimento possui
pessoal qualificado para atuar nas agências de vários desafios que dependem muito da cons-
bacias. Além disso, o desenvolvimento de co- trução e entendimento político dos agentes
nhecimento voltado para os instrumentos de envolvidos na governança. Esta fase conclui com 91
a sustentabilidade econômica do sistema.

TABELA 6
Resultados do desenvolvimento dos recursos hídricos
REGA – Vol. 2, no. 2, p. 81-93, jul./dez. 2005

Estas etapas constroem o sistema institucio- tais e a busca de projetos mais sustentá-
nal, mas não garantem o desenvolvimento sus- veis de produção de energia.
tentável dos recursos hídricos. O sistema insti- Ampliar o processo descentralizado de
tucional é uma condição necessária, mas não ação da gestão de recursos hídricos atra-
é suficiente para dar esta garantia. Ë necessá- vés da gestão nas bacias;
rio que este sistema funcione e evolua para
decisões sustentáveis de longo prazo. Melhoria do sistema de informações hi-
drológicas e ambientais para a gestão sus-
92 DESAFIOS
tentável das bacias hidrográficas;
Manutenção da política de investimento
Os principais desafios são: em Ciência e Tecnologia com participa-
A efetiva disponibilidade dos recursos ção dos agentes de governo e comunida-
orçamentários em lei para sua execução de científica, mas com aumento da par-
durante o ano. O contingenciamento é ticipação empresarial.
o principal problema de execução orça-
mentária. Um dos problemas freqüente CONCLUSÕES
é a limitada disponibilidade efetiva para
Este documento não tem a pretensão de ser
operação e manutenção da rede de ob-
completo, apenas apresenta a análise de um
servação hidrológica do país, que tem
sofrido dificuldades de receber os recur- processo rico que pode ser visto com otimis-
mo na medida que foram obtidos resultados
sos orçamentários, além de um progra-
estruturais importantes ao longo dos anos ou
ma de modernização necessária aos de-
safios dos recursos hídricos do país; com pessimismo na medida que ainda falta
muito para ser alcançada a gestão integrada
Os recursos arrecadados nas bacias estão dos recursos hídricos nos diferentes setores e
sujeitos ao contingenciamento os setores de forma descentralizada. Seja como for, o ca-
de governo. Isto poderá desacreditar o minho por meio do qual o desenvolvimento
sistema de cobrança pelo uso da água, dos recursos hídricos no Brasil está ocorren-
pois o usuário poderá contestar na justi- do é promissor, mas é necessária uma forte
ça o pagamento; participação da sociedade na sua construção.
O desafio de desenvolver a visão integra- A construção institucional apresentada é um
da dos recursos hídricos no ambiente se- exemplo rico para ser observado e entendido
torial como água e saneamento e ener- como lição para países em desenvolvimento,
gia. No primeiro falta a visão integrada apesar das especificidades de cada sociedade.
no meio urbano e busca de resultados O futuro dirá se o país conseguirá continuar
de melhoria ambiental a jusante das ci- avançado nesta construção para que se torne
dades. No segundo, os conflitos ambien- um exemplo completo de sucesso.

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Carlos E. M. Tucci Instituto de Pesquisas Hidráulicas – Universidade


Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil - tucci@iph.ufrgs.br
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separado en formato TIF, 300dpi.; título. As figuras devem ser enviadas também em arqui-
Todas las referencias citadas en el texto deben estar lis- vo separado, em formato TIF, resolução 300 dpi.
tadas en la bibliografía. En el texto del articulo la referen- Todas as referências citadas no texto devem estar lista-
cia debe ser escrita, en minúsculas y entre paréntesis, das na bibliografia. No texto do artigo a referência deve
como apellido y año e. g. (Araujo, 2001). Referencias con ser escrita em minúsculas e entre parênteses, como so-
dos autores serán citadas como: (Araujo y Campos, 2001). brenome e ano (Araujo, 2001). Referências com dois
Para el caso de mas de dos autores será: (Araujo et al., autores serão citadas como: (Araujo e Campos, 2001).
2001). En la bibliografía las referencias serán lis-tadas Na bibliografia as referências serão listadas em ordem
en orden alfabética del apellido del primer autor, el que alfabética do sobrenome do primeiro autor, que deve
debe ser escrito en mayúsculas, e. g. : ser em maiúsculas:
ARAUJO, J., Campos, E. y Silva, C., 2001. Política de ARAUJO, J., Campos,E. e Silva, C., 2001. Política de Re-
Recursos Hídricos em Pernambuco. Revista Brasileira de cursos Hídricos em Pernambuco. Revista Brasileira de
Recursos Hídricos. vol. 7, nro 1, p. 232-253. Associação Recursos Hídricos. vol.7, n.1, p.232-253. Associação Bra-
Brasileira de Recursos Hídricos. www.abrh.org.br sileira de Recursos Hídricos. www.abrh.org.br.
Cuando sea posible, deberá ser indicada una página de Sempre que possível, deverá ser indicada uma página
Internet relacionada a la publicación citada, como indica- de Internet, relacionada à publicação citada, como no
do en el ejemplo. exemplo acima.
La numeración de las ecuaciones debe estar a la derecha A numeração das equações deve estar à direita e todos
y todos sus términos deben estar definidos en el texto. os seus termos devem ser descritos no texto.
Todas las tablas y figuras deben estar citadas en el texto. Todas as tabelas e figuras devem ser mencionada no texto.

Los interesados en publicar artículos en la revista deben Os interessados em publicar artigos na revista devem pre-
preparar el mismo de acuerdo con el formato indicado y parar o mesmo de acordo com o formato citado e subme-
enviarlo a: tê-lo a:
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