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O Brasil agrícola: o tortuoso e difícil “caminho da roça”

El Brasil agrícola: el tortuoso y difícil “camino de la roza”


Agricultural Brazil: the tortuous and difficult “roça path”
João Klug*

Resumo cia de uma mentalidade portuguesa não


afeita às lides agrícolas.
O Brasil atualmente é um dos maiores
produtores de commodities agrícolas, tais Palavras-chave: Agricultura. Identidade.
como soja, café, carne (bovina, suína e de Trabalho. Vida rural. Portugal.
aves), açúcar e suco de laranja, e o país
se orgulha disso. Essa é uma realidade
que começou com a adoção da Revolu-
ção Verde na década de 1960 (alta tec-
nologia no campo, mecanização, insu- O Brasil foi, desde seus primeiros dias,
mos, seleção genética, etc.), quando foi um empreendimento agrário dos portugue-
implantado um modelo de farmerização. ses, no entanto, um empreendimento agrá-
Para se chegar a esse modelo de agricul- rio conduzido por um povo não agrícola.
tura, concentrador e pouco democrático, Daí, certa contradição na formação de sua
o Brasil precisou de quase cinco séculos. identidade e uma constante negação dessa
Durante a maior parte desse longo pe- identidade agrária. Maria Yedda Linhares e
ríodo, a agricultura não era vista como Francisco C. Teixeira da Silva, ao tratarem do
atividade nobre, ao contrário, procura- tema na obra Terra e alimento: panorama dos
va-se superar a identidade agrária, visto
que a atividade não conferia status. Em
certa medida, o Brasil teve vergonha de
*
Doutor em História pela Universidade de São
Paulo. Professor da graduação em História e do
ser agrícola. Neste trabalho, o objetivo é Programa de Pós-Graduação em História da Uni-
analisar como o Brasil, um país agrário, versidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Co-
ordenador do Laboratório de Imigração, Migração
durante mais de três séculos teve dificul- e História Ambiental da UFSC. E-mail: joaoklug@
dades de assumir uma identidade agrá- yahoo.com.br
ria, especialmente em função da influên- Recebido em 12/11/2015 - Aprovado em 23/01/2016
http://dx.doi.org/10.5335/hdtv.16n.1.6263

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500 anos de agricultura no Brasil, chamam a América do Norte, visto que “[...] os coloniza-
atenção para o fato de que no século XVI, em dores que aqui foram se estabelecendo vieram
Portugal, com cerca de 90 mil km2 e uma po- não para refazer suas vidas [...] mas para fazer
pulação que ultrapassava um pouco a casa fortuna” (SZMRECSÁNYI, 1990, p. 12). Du-
de 1 milhão de habitantes, a grande maioria rante mais de três séculos, a agricultura brasi-
localizada em cidades, como Lisboa, Porto ou leira teve a marca do atraso e da pouca produ-
Setúbal, a agricultura dava sinal de exaustão tividade, e as causas desse atraso residiam na
e dificuldade para manter uma população má qualidade e no baixo nível técnico dos seus
não agrícola crescente. Havia um déficit de fazendeiros (SZMRECSÁNYI, 1990, p. 14).
alimentos (LINHARES; SILVA, 2000, p. 16). O Brasil nasceu no mesmo período em
Ao dedicar-se intensamente à exploração do que na Europa surgia uma burguesia po-
comércio de especiarias na “carreira das Ín- derosa e ávida para consumir. Nasceu no
dias”, Portugal ocupa cada vez mais gente e, contexto da Revolução Comercial, no sécu-
em certa medida, vai despovoando sua terra. lo XVI, quando, na visão de Tavares Bastos,
Nesse sentido, assim se expressa o poeta Sá começava:
de Miranda (1485-1558): “[...] ao cheiro desta
[...] o drama terrível da história moderna:
canela, o reino se despovoa [...]” (1977 apud [...] Para os povos de raça latina, sobretu-
LINHARES; SILVA, 2000, p. 21). do ele é a expressão da guerra e da fome,
Linhares e Silva assinalam que: da tyrannia e do fanatismo, da tortura e da
fogueira, symbolos da maior miseria social
[...] o projeto agrícola de colonização per- (1939, p. 27-28).
maneceu durante o tempo do apogeu do
‘império da pimenta’ como um projeto su- Em relação a Portugal, Tavares Bastos
balterno, ofuscado pelo brilho dos lucros entende tratar-se de um Estado que naquele
[...] com a venda de especiarias (2000, p. 25).
momento vivia em:
Uma vez no Brasil, “conforme avança- [...] decadência moral [...] anulação da no-
vam os engenhos, diminuía a população ori- breza cavalheiresca, substituída pela no-
ginal do país”, e nesse contexto, os portugue- breza rapace e indolente [...] brutalidade
ses voltavam-se para o comércio atlântico do clero, rei beato e corrupto, a classe in-
dustriosa ou raça hebraica, perseguida em
de escravos visando atender à demanda de vez de protegida [...] tudo, enfim, conspi-
braços na agromanufatura açucareira, que rava para a ruina desse desgraçado país [...]
apresentava um crescimento exponencial: sem o espírito forte e a vontade indomável dos
em 1570, eram 60 engenhos, em 1580, já ha- povos de raça germânica, Portugal brilhou um
dia no século XV, e morreu para sempre (1939,
viam 118, em 1600, 200, e em 1610, o número
p. 28, grifo nosso).
era 400 (2000, p. 39).
A agricultura no Brasil, durante muito Tavares Bastos conclui seu julgamen-
tempo, confundiu-se com extrativismo. É no- to sobre Portugal de forma tremendamente
tório que aqui se estabeleceu uma colônia de negativa ao afirmar: “A história interna da
povoamento, com acentuadas diferenças, se metrópole aclara a physionomia da colonia”
comparadas com as que se estabeleceram na (1939, p. 29). Assim, nesse contexto, nascia

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o Brasil, a partir de uma matriz formadora só de trigo, 4.793.00 toneladas, e de milho,
que, na visão do autor, era uma: em torno de sete vezes mais do que todas as
exportações agropastoris e minerais do Bra-
[...] sociedade formada por indivíduos em
grande parte condenados, como de ambi- sil. Ele arremata:
ciosos de dinheiro ganho sem o santificado
Culparemos o camponês? Jamais o faría-
suor do trabalho, uma sociedade tal considera a
mos [...]. O fator dominante, no caso, é a
indolência felicidade, a rapacidade industria,
incúria dos governos, deixando o campo
a moeda riqueza, a ignorância virtude, o
completamente desprovido de todas as
fanatismo religião, o servilismo respeito,
formas de assistência social (1958, p. 65).
a liberdade de espírito um pecado que se
expia na fogueira e a independência pes-
A razão da baixa produtividade devia-
soal um crime de lesa-majestade (BASTOS,
1939, p. 30, grifo nosso). -se, segundo Amaral, à origem portuguesa,
afinal:
Ainda em relação a essa matriz for-
[...] na base de nossa genealogia temos a
madora, e analisando as condições de vida escória portuguesa (os intelectuais lusos
agrícola no Brasil, Luís Amaral aponta para gostam de contestar isso e os paulistas
o grande descompasso entre o discurso do amam confessar origem espúria. Impatri-
governo e a realidade camponesa, concluin- ótico; porque se aquilo não era a escória, se
no Portugal havia pior, é o caso de pergun-
do que a população rural “[...] continua di-
tar-se que sociedade seria aquela) (1958,
zendo linguagem de papagaio o linguajar p. 38-39).
dos governos, porque a compreende me-
nos do que compreende o grego” (1958, Em sua apreciação negativa sobre os
p. 37). Ao analisar a agricultura brasilei- portugueses, Amaral continua:
ra da década de 1930, Amaral conclui que, Não cremos que em Portugal houvesse es-
para cada mil homens ativos em todas as cória pior, de mais grosseiros sentimentos
profissões, 761 eram pessoas ativas na agri- [...]. Os hábitos de sociabilidade e, sobretu-
cultura. Com base nesses números, o autor do de elegância e conforto, são conversa de
poeta (1958, p. 50).
infere que a população brasileira é a mais
rural do mundo. “Sendo a mais rural, pro- Amaral sublinha, ainda, que, na re-
duz uma miséria [...]. Não produz sequer alidade, nos primeiros tempos não havia
para comer” (1958, p. 39). Comparando os nenhum interesse em ser agrícola, e sim na
dados da produção agrícola brasileira com mineração, e nesse sentido, a descoberta das
a de outros países, conclui o autor que “[...] minas foi um obstáculo ao desenvolvimen-
economicamente nossa produção agrícola é to da agricultura, causando despovoamento
uma miséria” (1958, p. 38). Argumentando, a de regiões agrícolas e alta mortalidade, que
partir de dados estatísticos de 1934, Amaral se verificava nas áreas de mineração. “Um
chama a atenção para o fato de que naquele achado feliz no meio do cascalho pode ren-
ano, o Brasil exportara 2.029.947 toneladas der mais do que um ano de labor agrícola”
de produtos diversos, comparando o dado (1958, p. 48).
com o da Argentina, que havia exportado,

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Baseado na obra de Pedro Taques (His- que aponta para um despovoamento de ho-
tória da Capitania de São Vicente), Amaral con- mens em idade produtiva no reino, e conclui
clui que: que “[...] as possessões ultramarinas foram
sempre para Portugal o ergástulo dos seus
[...] senhores de lavras havia, que em me-
nos de um ano perdiam cem e mais escra- delinquentes” (1984, p. 49). Soma-se a isso,
vos, mortos pelos maus tratos, pela péssi- uma população razoável que vivia reclusa
ma alimentação. A ânsia de enriquecer em em conventos, cujo número, no final do sé-
breve tempo fazia com que os senhores dos culo XVI, era de 396 (1984, p. 59). Levando-
desgraçados negros neles apenas vissem
os instrumentos mui transitórios da fortu- -se em conta esses números, o autor conclui
na (1958, p. 135). que os “varões activos de Portugal”, na faixa
entre quinze e sessenta anos, girava em tor-
Analisando a realidade portuguesa no no de 331 mil homens (1984, p. 62).
que diz respeito às dificuldades de abasteci- A análise de cronistas do período co-
mento de produtos oriundos da agricultura lonial, permite-nos verificar a contradição
nos séculos XVI e XVII, Costa Lobo (1984, entre a existência material, que dependia
p. 274-275) evidencia que naquele período, do cultivo da terra com diferentes gêne-
em Portugal, verificava-se o aviltamento dos ros/culturas, e o pouco interesse em in-
preços dos cereais, com a consequente difi- vestir na agricultura. Ambrósio Fernandes
culdade de sobrevivência dos camponeses, Brandão (1555-1618) sublinha uma men-
rendeiros e jornaleiros. Esse autor aponta talidade predatória dos portugueses, cujo
para o fato de que a população de Portugal, intento “[...] é fazerem-se sómente ricos
em 1527, era de 1.122.112 indivíduos. Trata- pela mercancia, não tratam do aumento da
-se de um número aproximado, que se ba- terra, antes pretendem de a esfolarem tudo
seia na contagem de 280.528 fogos em todo o quanto podem” (1943, p. 46, grifo nosso). O
reino, os quais são multiplicados por quatro, mesmo cronista afirma ainda que não ha-
atingindo-se, assim, a cifra mencionada. via qualquer interesse em cultivar a terra
É notório que no seu empreendimen- com vistas a estabelecer-se no longo prazo.
to marítimo, Portugal ocupou considerável O imediatismo e a busca por lucro rápido
contingente de homens em idade produtiva. davam o tom às atividades, de tal forma
Costa Lobo afirma que em trinta anos, entre que os senhores de engenho, lavradores e
1497-1527, pequenos agricultores:
[...] navegaram para a India trezentas e [...] fazem suas lavouras e grangearias
vinte naus, cada uma das quaes levava, em com escravos de Guiné, que pera esse
quantidade media, duzentos e cincoenta effeito compram por subido preço; e como
homens. São, portanto, oitenta mil homens o do que vivem é sómente do que grange-
que embarcaram para a India durante este am com os taes escravos, não lhes soffre
tempo (1984, p. 48). o animo occupar nenhum deles em cousa
que não seja tocante à lavoura, que profes-
Segundo análise desse autor, só 10% sam de maneira que tem por muito tempo
desse contingente regressava à metrópole, o perdido o que gastam em plantar uma ár-

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vore, que lhes haja de dar fructo em dous nea, onde a comunicação com a metrópole
ou três anos, por lhes parecer que é mui- era mais fácil e também porque eram terras
ta a demora [...] não há homem em todo
habitadas por uma população indígena que
este Estado que procure nem se disponha
a plantar arvores fructiferas, nem a fazer falava a mesma língua, o que representava
as bemfeitorias ácerca das plantas, que se grande vantagem para os portugueses (1963,
fazem em Portugal, e pelo conseguinte se p. 101). Segundo Holanda, os portugueses
não dispõem a fazerem criações de gados
implantaram um Brasil rural e escravocrata
e outras; e se algum o faz, é em muito pe-
quena quantidade, e tão pouca que a gasta que, a partir do advento da república, tentou
toda consigo mesmo e com sua família. E “vestir-se com os trajes modernos de uma
daqui nasce haver carestia e falta destas grande democracia burguesa” (1963, p. 64).
cousas, e o não vermos no Brasil quintas, Essa indumentária, no entanto, não lhe fica-
pomares e jardins [...] não porque a terra
deixe de ser disposta pera estas cousas;
va bem. Zelou-se por uma aparência, que,
donde concluo que a falta é de seus mora- na verdade, não correspondia à realidade. A
dores, que não querem usar dellas (BRAN- tentativa de ser urbano, valorizando as for-
DÃO, 1943, p. 47). mas urbanas da metrópole em um contexto
majoritariamente rural, produzia um qua-
Em sua magistral análise sobre a for-
dro estranho.
mação do perfil da nação brasileira, Sérgio
Buarque de Holanda, na obra Raízes do Bra- O amor à frase sonora, ao verbo espontâ-
sil, acentua que a mentalidade portuguesa neo e abundante, à erudição ostentosa, à
expressão rara [...] inteligência há de ser
valorizava sobremaneira o ócio, e que
ornamento e prenda, não instrumento de
[...] a atividade produtora é, em sí, menos conhecimento e ação (1963, p. 70).
valiosa que a contemplação e o amor [...]
O certo é que entre os espanhóis e portu- Ao tratarmos desse assunto, dignas
gueses, a moral do trabalho representou de menção são as cartas de Ina von Binzer,
sempre fruto exótico (1963, p. 13). educadora alemã que veio ao Brasil em 1881
para trabalhar como preceptora de crian-
As atividades econômicas, primeiro
ças na casa de algumas famílias dos barões
extrativistas depois agrícolas, não foram
do café, nos estados do Rio de Janeiro e de
desenvolvidas com o emprego de métodos,
São Paulo. Ao caracterizar o perfil da elite
ao contrário, “[...] faz-se antes com desleixo
brasileira produtora de café, enfatiza o lado
e certo abandono” (1963, p. 18). Essa forma
pouco pragmático, também apontado por
de desleixo podia ser percebida na maneira
Sérgio B. de Holanda, e com forte tendência
e no empenho em conquistar riqueza, “[...]
a valorizar as questões formais e aparências.
mas riqueza que custa ousadia, não riqueza
Nesse sentido, ela afirma:
que custa trabalho” (1963, p. 25).
Concretamente, os colonizadores por-
tugueses não se interessaram pelo interior
e em ali estabelecer agricultura. Optaram
em povoar e conhecer apenas a faixa litorâ-

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Os brasileiros dão ótimos advogados, po- Em Portugal, segundo Fernando de
dendo dessa forma aproveitar seu talento Azevedo, o espírito científico não teve con-
declamatório. Dão a vida por falar, mesmo
dições favoráveis para o seu desenvolvi-
quando é para não dizer nada. [...] Tudo é
exterior, tudo gesticulação e meia cultura. mento. Para corroborar essa ideia, Azevedo
O fraseado pomposo, a eloquência enfática ampara-se em Antero de Quental (1842-
já são por si próprios falsos e teatrais; mas 1891), que afirma:
se você tirar a prova real, se indagar sobre
qualquer assunto, não se revelam capazes A Europa culta engrandeceu-se, nobilitou-
de fornecer a informação desejada. [...] -se, subiu sobretudo pela ciência; foi sobre-
Não se encontra profundidade em parte tudo pela falta de ciência que nós descemos,
alguma [...] (BINZER, 1980, p. 76). que nos degradamos, que nos anulamos
(1871 apud AZEVEDO, 1962, p. 25).
Discorrendo sobre a relação entre cida-
de/campo no contexto industrial, Fernan- Digna de nota é também a figura de
do de Azevedo chega à mesma conclusão, linguagem utilizada por Jaime Cortesão
sublinhando que entre nós se desenvolveu, quando se refere ao português do século XVI
de forma fecunda, “o gosto da retórica e da como sendo “piloto/agricultor” ou “agri-
educação livresca, a superficialidade mas cultor/piloto”, pois partilhavam das fainas
dissimulada na pompa verbal” (1962, p. 42- agrícolas e marítimas (1944 apud AZEVE-
43). Ao analisar a cultura brasileira, o autor DO, 1962, p. 26-27).
conclui que um “defeito” de nossa cultura Ao considerar esses aspectos, Luís
seria a “tendência excessivamente literária, Amaral enfatiza que “[...] as faculdades li-
o gosto da erudição pela erudição, [...] a vres de Direito já atingiram os sertões, onde
indiferença pelas questões técnicas” (1971, nunca chegou um curso agrícola” (1958,
p. 722). O desprezo pelas questões técnicas, p. 137). Evidencia-se, portanto, a mentalida-
especialmente no que diz respeito à agricul- de que via como desonra o trabalho manual,
tura, pode ser constatado ao considerar que sobretudo o trabalho agrícola. E conclui: “A
em 1908 (ano da grande Exposição Nacional escravidão foi-se; mas as suas consequências
no Rio de Janeiro) havia apenas três escolas morais persistem” (1958, p. 138).
de ensino agrícola no país, que, juntas, reu- Nesse contexto, é significativa a afir-
niam 166 alunos. No mesmo ano, havia dez mação de Holanda, enfatizando que “[...] a
faculdades de direito, reunindo 2.451 alu- mentalidade de casa-grande invadiu assim
nos. Em 1932, o estado de São Paulo, maior as cidades e conquistou todas as profissões,
centro agrícola do país, formava 147 advo- sem exclusão das mais humildes” (1963,
gados, ao lado de apenas 22 agrônomos e p. 76-77). O autor destaca, também, que nas
sete médicos veterinários. Em 1940, existiam cidades as funções mais elevadas eram de-
no Brasil, dezenove faculdades de direito, sempenhadas por grandes proprietários de
enquanto havia cinco de agronomia e duas terras e as câmaras municipais eram seu mo-
de medicina veterinária (AZEVEDO, 1971, nopólio (1963, p. 79). Assim, à medida que o
p. 730-731). Brasil se urbanizava,

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[...] as cidades desenvolveram caracterís- productivo” (1988, p. 323). Mais adiante, vol-
ticas de sociedades aristocráticas com o ta à carga: “A verdade é que a educação ac-
agravante de ostentar desprezo pelo traba-
tual é toda política: e por isso somos uma na-
lho manual, típico das sociedades escravo-
cratas (LINHARES; SILVA, 2000, p. 74). ção de políticos” (1988, p. 357). Em sua crítica
veemente, Rebouças levanta a bandeira da
Notório é que a atividade agrícola educação e chama a atenção para a urgente
não ocupava em Portugal uma posição de necessidade de valorização da educação agrí-
destaque, ou, como sugere Holanda, os cola para fazer jus à realidade do país, pois:
portugueses não se constituíam em uma
Diz-se commummente: o Brazil é um paiz
“civilização tipicamente agrícola”, aliás,
agrícola, mas é um triste contraste lançar
ao contrário, em Portugal, a agricultura foi os olhos de norte ao sul do Imperio, e não
desprezada. Soma-se a esse desprezo e ina- encontrar uma só escola de agricultura!
bilidade agrícola, as condições do meio, ou Nos principais centros agrícolas do Brazil
duas escolas de direito; uma ao norte em
como denomina o autor, “as resistências da Pernambuco, outra ao sul em São Paulo.
natureza” (1963, p. 27). Holanda destaca, Dir-se-hiam postadas ahi de proposito
ainda, que o ambiente tropical não se pres- para roubar à Agricultura os seus melho-
res e mais ricos filhos. O filho do lavrador
tava ao emprego de técnicas conhecidas pe-
deixa o engenho dos seus pais e vai para
los portugueses, daí que o trabalho de sara- os cursos de direito aprender o que? Todos
quá ou enxada, empregado por décadas, foi sabem como se fazem os cursos de direito
uma imposição do meio, não representando neste paiz. Os mais estudiosos leêm muita
literatura, e fazem brilhante figura nas dis-
“nenhum progresso essencial” em relação
cussões academicas; os menos estudiosos
à agricultura praticada pelos indígenas. A divertem-se e curam dos meios indirectos
mentalidade predatória aqui adotada trou- de obter aprovações. Quando voltam ao
xe consequências negativas, visto que: engenho dos pais acham materialismo toda
a vida rural. Para disfarçar o tédio da vida
Na economia agrária, pode-se dizer que os do engenho leêm, dia e noite, Lamartine ou
métodos maus, quer dizer, rudimentares, Musset; Schiller ou Goethe para acompa-
danosos e orientados apenas para o imo- nhar o germanismo da época. E bocejam:
derado e imediato proveito de quem os ‘Ainda há desgraçados que se occupam em
aplica, tendem constantemente a expulsar moer cannas de assucar!’ Esse moço é um
os bons métodos (1963, p. 28). ser perdido para a Agricultura (REBOU-
ÇAS, 1998, p. 356-357, grifo do autor).
Membro ativo da diretoria da Socieda-
Em sua análise, o autor não estaciona
de Central de Imigração, exercendo a função
nas considerações teóricas, ao contrário, seu
de secretário dessa instituição, abolicionista e
texto é bastante propositivo, pois aponta e
com destacada liderança no Brasil imperial,
formaliza soluções práticas e objetivas, vi-
André Rebouças, em 1883, já fazia severa crí-
sando sempre concretizar sua proposta de
tica quanto a esse aspecto, denunciando que
fundo: a “Democracia Rural Brasileira”, ter-
a educação no Brasil estava voltada exclusi-
mo por ele criado e que implicava na redis-
vamente para a produção de políticos, “[...]
tribuição da propriedade fundiária e de um
dahi essa repugnancia geral para o trabalho
imposto territorial progressivo. A proposta

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desse imposto fundamentava-se na superfí- granulado, cigarros e chocolate. A adoção
cie possuída e não na renda da terra, procu- dessas medidas possibilitaria à indústria
rando, dessa forma, evitar o landlorismo ou brasileira exportar e consumir produtos de
fazendeirismo, com a criação de um universo qualidade preparados pela indústria nacio-
agrícola baseado em pequenas proprieda- nal, deixando invariavelmente aos agricul-
des rurais. Preconiza, também, aquilo que se tores e aos industriais brasileiros o máximo
denomina “fazendas centrais”, que teriam a lucro possível (REBOUÇAS, 1988, p. XVIII).
função de adotar novas técnicas, visando au- Em suas considerações, também não
mentar a produção e disseminar as técnicas admitia que um dos problemas tão acen-
e os métodos de produção agrícola. tuados, especialmente pelos grandes pro-
Inspirado em Adam Smith e na divi- prietários de terras e por grande parte dos
são do trabalho, Rebouças levanta o seguin- políticos do Império e que contribuía para o
te argumento: se fosse tomada uma amostra atraso da agricultura brasileira, fosse a falta
composta por cem senhores de engenho, se- de braços, argumentando que:
ria fácil localizar nessa amostragem, noventa
A verdadeira interpretação da frase oficial
com habilidades e conhecimentos para plan- – carência de braços – é que o Império ne-
tar a cana-de-açúcar e colhê-la, no entanto, cessita de reformas sociaes, econômicas e
não seria tão fácil localizar dez capazes de financeiras importantíssimas que permitam
aplicar conhecimentos técnicos modernos o aproveitamento de milhares e milhares de
indivíduos que vegetam nos nossos sertões
na produção de açúcar e produtos conexos, (REBOUÇAS, 1988, p. 383, grifo nosso).
visando ao máximo lucro. Diante disso, Re-
bouças propõe que os noventa senhores de Em sua análise sobre a agricultura no
engenho se limitassem a produzir a cana, Brasil, o botânico teuto-mineiro Frederico
deixando aos outros dez a tarefa de explorar Carlos Hoehne (1882-1959) definia a agricul-
a indústria açucareira, que exigia conheci- tura como sendo a “sciencia que ensina apro-
mentos técnicos, equipamentos de elevado veitar e converter em coisas mais úteis os
custo, talento e capital. E conclui que, “[...] recursos múltiplos que o reino vegetal ofere-
dos 100 engenhos, 90 se reduzirão a plan- ce” (1937, p. 7). Sublinha, no entanto, que os
tações de canna e 10 se constituirão em en- portugueses que aqui chegaram, no século
genhos centrais” (REBOUÇAS, 1998, p. 13). XVI, não vieram com o objetivo de praticar
Para Rebouças, o mesmo princípio deveria a agricultura. Tinham em mente outros ob-
ser aplicado aos demais produtos agrícolas, jetivos e preocupações, tais como “encontrar
tais como café, algodão, fumo, cacau, etc. tesouros, descobrir minas, levar ouro, pedras
Assim como as fazendas centrais, Re- preciosas e gosar a carne” (1937, p. 8).
bouças também propõe as “fábricas cen- Segundo o botânico, na América em
trais”, que deveriam agregar valor aos geral, já se tinha atingido considerável grau
produtos agrícolas, transformando a ma- de conhecimento técnico na agricultura, o
téria-prima e exportando produtos de alta que os recém-chegados poderiam ter apro-
qualidade, tais como café em pó, açúcar veitado, mas, como não eram dados à agri-

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cultura, “[...] eles bancaram os bárbaros, Em sua avaliação, Hoehne conclui que
portaram-se como animaes e destruíram” os produtos
(1937, p. 11). De acordo com Hoehne, em
[...] mais úteis do reino vegetal – não dire-
1772, no Maranhão, onde foi introduzido o mos mais rendosos e mais cultivados hoje
arroz branco da Carolina, o único permitido, em dia – foram uma dádiva com que nos brin-
dou o índio que habitava estas plagas” (1937,
[...] cominava as penas de multa, cadeia, p. 29, grifo nosso).
calceta e surra segundo a penalidade das
pessoas aos que continuassem na cultura Enfatiza-se, portanto, que, por ocasião
do arroz vermelho da terra (1937, p. 38).
da invasão portuguesa, as populações indí-
Hoehne lamenta que as espécies vege- genas ameríndias já eram agricultoras.
tais que já haviam sido alvo de seleção ge- Ao expor, de forma brilhante, dados
nética e aperfeiçoamento não tenham sido biográficos e gerais a respeito de Gabriel
multiplicadas nem tampouco melhoradas, Soares de Souza (1540-1592), Fernanda T.
ao contrário, esse trabalho foi simplesmente Luciani deixa claro que esse cronista vivia
ignorado. Argumenta o botânico que em uma época na qual era notório o encan-
tamento pelo brilho, pois que todos os seus
[...] os povos que realizaram prodígios da
projetos visavam, de alguma forma, ao do-
agricultura que nos são evidenciados pelas
innumeras raças de “Milho”, “Quinoa”, mínio de terras em busca de ouro e diaman-
“Mandioca” e demais plantas domestica- tes. Isso fica evidente quando, em 1590, suas
das e selecionadas, não foram os asselvaja- solicitações são atendidas por Felipe II, e ele
dos que aqui existiam quando os europeus organiza, então, uma armada com cerca de
chegaram à America (1937, p. 44).
360 homens, visando conquistar a região do
Enfatiza, ainda, que o homem pré-co- sertão da foz do Rio São Francisco, não com
lombiano dominava técnicas de manejo com fins de produzir ou desenvolver atividades
as quais evitava problemas com ervas e pragas agrícolas, mas sim de buscar as tão sonhadas
daninhas, ainda que reputado como se fosse minas. Ao escrever o seu relato destinado ao
sem instrução e sem ciência. O autor argumen- rei Felipe II, Souza especifica que “[...] a pre-
ta que é notório o interesse em “reaver o que tensão é manifestar a grandeza, fertilidade
existia e para reencontrar o segredo de que dis- e outras grandes partes que tem a Bahia de
puseram os nativos” (1937, p. 20). E arremata: Todos os Santos e demais estados do Brasil”
(SOUZA, 2010, p. 12-13), e que as terras da
[...] naqueles primórdios os mestres fo-
ram estes e os alunos os advindos de além Coroa portuguesa tinham sido abandonadas
mares. O imigrado aprendeu botânica e pelos monarcas anteriores, aponta também
agricultura desta terra com o selvícola e para a fertilidade da terra, no entanto, não se
ainda hoje, apezar das vicissitudes e con-
dedica a explorar essa fertilidade, buscando
tratempos sobrevindos a este, raramente
consegue conhecer aquella melhor e prati- riqueza rápida, caso descobrisse as minas.
car esta mais sabiamente do que elle o fazia No seu Prólogo ao Diccionario geo-
naquela era (HOEHNE, 1937, p. 20-21). gráphico, historico e descriptivo do Imperio do

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Brazil, de 1845, Caetando Lopes de Moura O já citado André Rebouças, ao discu-
acentua esse aspecto ao afirmar que: tir esse assunto e a criação de bancos de cré-
dito rural e o investimento do governo em
O atrazo em que ainda está a agricultura deve
imputar-se essencialmente á sêde d’ouro atividades agrícolas, questiona o emprego de
que lavrava na maior parte dos aventureiros capitais governamentais sem a efetiva me-
Portuguezes que primeiro se estabelêcerão lhoria da lavoura, fazendo a seguinte obser-
no Brazil, os quaes em vez de amanharem as vação: “[...] quanto dinheiro que figura como
terras, se entregarão exclusivamente à mine-
ração; inconveniente que se augmentou com divida da lavoura foi esbanjado no jogo, em
a lavra e busca de diamantes, a qual privava eleições, em bailes, em banquetes e em toda
a agricultura d’uma grande quantidade de sorte de dissipações?” (REBOUÇAS, 1883,
braços (MOURA, 1845, p. IX). p. 313).
Em um volumoso texto comemorativo
O documento elaborado em 1874 per-
ao centenário da Independência, o Minis-
mite deduzir que, literalmente, o “estado
tério da Agricultura deixava claro, mas de
da lavoura” era bastante crítico na Bahia.
forma implícita, o caráter prejudicial da mi-
Naquele ano redigiu-se uma Representação
neração em relação à agricultura, visto que:
dos Lavradores e Commerciantes da provín-
cia da Bahia, na qual, após ampla exposição A partir de 1700, ressente-se enormemente
de motivos, um abaixo-assinado datado de o trabalho agrícola pelo facto de estarem
29 de julho de 1874 reivindica não apenas todas as atenções voltadas a exploração
das jazidas mineraes. Chega-se mesmo a
apoio, mas, concretamente, socorro de parte prohibir o desvio de toda e qualquer acti-
do governo imperial, afirmando que: vidade que não fosse empregada com esse
fim (BRASIL, 1922, p. 7).
Ainda no inquérito a que se procedeu re-
centemente nesta província, todos os da- Verifica-se, portanto, que a produção
dos estatísticos e mais esclarecimentos
coligidos com inexcedível zelo e solicitude de alimentos nas atividades agrícolas da co-
desnudaram o estado desolador da lavoura, lônia não era algo que merecia atenção, visto
estado que requer urgentemente a intervenção que desviava o foco da produção de açúcar
do braço protector do Governo do paiz, como em grande escala para o mercado mundial.
condição única de sua salvação (ADDITA-
O mesmo quadro repete-se posteriormente
MENTO..., 1874, p. 8, grifo nosso).
na exploração das minas. A solução seria a
Essas reivindicações invocam, ainda, importação de alimentos da metrópole, no
as palavras do senador José Thomaz Nabuco entanto, no século XVI, Portugal era incapaz
de Araújo, encerrando a petição: de produzir o suficiente para lhe conferir
autonomia alimentar, razão pela qual incen-
Esta situação deplorável da lavoura não
póde se prolongar; chegou o tempo da li- tivava o consumo de produtos locais. Essa
quidação. E força acudir à lavoura. Se não ideia não se mostrou viável, visto que os
lhe daes os meios, se não lhe procuaraes comerciantes, senhores de engenho ou pre-
capitaes com juros moderados, ella infa-
adores de indígenas entendiam que não po-
livelmente caminhará para a bancarrota
(ADDITAMENTO..., 1874, p. 13). diam se dedicar à atividade tão banal como

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plantar gêneros alimentícios, perder tempo e racionalidade que exigia interação com o
mão de obra ou desperdiçar boas terras com meio, portanto, ação inteligente. No mode-
produtos plebeus (LINHARES; SILVA, 2000, lo de agricultura imposto pelos portugueses
p. 50). Nesse contexto, a população branca nos trópicos, a terra não passava de um sim-
assumiu rapidamente o legado tecnológico ples suporte das plantas.
do índio, e a mandioca (pão da terra, muni- Quando traça suas considerações em
ção de boca, pão dos trópicos) reinou absolu- torno do tema “senso, consciência e caráter
ta, pela facilidade de manejo e alta produtivi- nacional”, Alberto Torres aponta para certo
dade (LINHARES; SILVA, 2000, p. 54). desprezo a que foi relegado o universo da
Em sua análise, Afonso Arinos de agricultura, ao afirmar que:
Melo Franco também escreveu que, no início
[...] quisemos formar cabeça antes de pos-
da colonização do Brasil, a população portu- suir corpo; plantamos sementes impor-
guesa girava em torno de um milhão de ha- tadas e ainda não sabemos produzir se-
bitantes, uma população pouco numerosa, o mentes, importamos e cultivamos fructos
que fez com que nem a quarta parte do país alheios, abandonando os fructos do nosso
clima (1933, p. 110).
fosse cultivada. Ele acentua que, no início do
século XVI, o português tinha pela terra “um Em relação aos portugueses, no entan-
apego medíocre e a profissão de jornaleiro to, Alberto Torres lhes faz uma verdadeira
do campo era a mais baixa na escala social” apologia, afirmando que:
(2005, p. 24-25). Segundo o autor, o portu-
[...] nenhuma raça deu jamais provas de
guês era “pouco amigo da terra” e se ocupa- energia, de inteligência e de coragem nos
va com alguma incipiente atividade agrícola mais arrojados empreendimentos, poucas
como uma ocupação forçada, enquanto não se lhe avantajaram na cultura e na produ-
encontrava o que mais procurava: ouro e pe- ção literária, e muito raras possuem, ainda
hoje, povo mais sóbrio, mais trabalhador,
dras preciosas. Nos dois primeiros séculos,
mais honesto, de mais candida alma e
a vida agrícola foi pouco rural e se estabele- sensibilidade moral mais delicada. A as-
ceu um quadro de agricultura sem ruralis- cendência portugueza é uma honra para o
mo, ou uma “agricultura de aparência quase Brasil (1933, p. 146-147).
urbana” (2005, p. 26). A agricultura era vista
Em relação à agricultura, Torres reco-
como coisa rudimentar, atividade a ser exer-
nhece que:
cida pelos menos aptos, uma atividade não
pensada, apenas braçal. [...] a gente de nossa terra ainda está por
formar o acervo, não de idéias teóricas de
Conforme o botânico Hoehne, verifica-
agricultura, mas dessas tradições elemen-
-se que o indígena já tinha clareza da neces- tares que estão para a aptidão do lavrador
sidade de fazer seleção genética das melho- como movimento dos dedos para a habili-
res sementes e de manejar a floresta. Para dade da costureira [...]. Nós não sabemos
ainda o que a nossa terra pode produzir e
eles, a agricultura não era apenas atividade como deve produzir (1933, p. 205).
de força contra a natureza; era, sim, ativida-
de de força, e uma atividade pensada, uma

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Parece claro, entretanto, que ao contrá- ça econômica, conduz de volta à roça e cons-
rio do que pensam outros autores (especial- trói uma nova representação do rural, e essa
mente Luís Amaral), a explicação para esse nova expressão manifesta-se com intensida-
problema não estava na origem portuguesa, de em feiras, exposições, rodeios, indústria
e sim na qualidade de eugenista que caracte- fonográfica com o gênero sertanejo-caipira-
rizava Alberto Torres, vendo o problema na -country (incluindo o assim chamado serta-
mistura de raças que se degenerava. Concor- nejo universitário). Em boa medida e de for-
dando com Kehl, quando ele afirmava que ma talvez enviesada, a cultura camponesa e
“[...] um povo se estiola e degenera quando, rural está presente de forma intensa também
no seu seio, os tipos inferiores tem mais fi- nas grandes metrópoles. É o Brasil com um
lhos do que os capazes e bem dotados” (KEHL, pé na roça, pois, como afirma José de Souza
1937, p. 35, grifo do autor). Considerando o Martins, “são pessoas culturalmente agríco-
meio rural brasileiro dominado por um tipo las empregadas em atividades não agríco-
de camponês, o caipira, Khel chega a afirmar las” (2004-2005, p. 29-49). Paralelamente ao
que “[...] em certos casos, seria vantajosa crescimento do agronegócio, a roça cresceu
para a comunidade a proibição do casamen- e é exaltada. Mas qual roça? Aquela que gera
to ou a esterilização de indivíduos positiva- commodities.
mente nocivos a espécie” (1937, p. 51).
A obra organizada pelo Ministério da
Agricultura por ocasião do centenário da In-
Abstract
dependência teve a Introdução redigida por Brazil is now one of the greatest produ-
Torres Filho, na qual o autor acentua que a cers of agricultural commodities, such
produção agrícola deixa a desejar e que o as soya, coffee, carne (cattle, pork and
universo camponês brasileiro carece de me- chicken), sugar and orange juice and
lhor organização, pois: the country is proud of that. This reali-
ty began with the adoption of the Green
Na agricultura, a falta de organisação do tra-
balho, constitue sem duvida um dos maiores
Revolution in the 1960s (high agricultu-
obstaculos ao seu progresso; e nós necessi- ral technology, mechanization, inputs,
tamos, pela instrucção primaria e profissio- genetic selection, etc.) when a model
nal, elevar o nível moral e technico do traba- of “farmerization” was installed. Brazil
lhador agricola, fazendo delle um operário took nearly five centuries to reach this
consciente do progresso economico do paiz,
concentrative, and by no means demo-
de despertar-lhe novas ambições e necessi-
dades (TORRES FILHO, 1922, p. 14). cratic, agricultural model. Along most
part of that long period, agriculture was
Para concluir essa breve reflexão em not regarded as a noble activity; rather,
torno das dificuldades do passado agrícola the country tried to overcome its agra-
do Brasil, pode-se dizer que foi percorrido rian identity, as the activity assigned no
um caminho difícil e interessante: de um status. To some extent, Brazil was asha-
passado desprezível a um presente exaltado. med of being an agricultural country.
My aim in this work is to analyse how
O atual mundo do agronegócio, com sua for-

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Brazil, an agricultural country, has fa- Referências
ced difficulties in assuming an agrarian
identity for more than three decades,
ADDITAMENTO às informações sobre o es-
particularly due to the influence of a tado da lavoura. Rio de Janeiro: Typographia
Portuguese mentality that was not fond Nacional, 1874.
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AMARAL, Luís. História geral da agricultura
brasileira. São Paulo: Companhia Editora Na-
Keywords: Agriculture. Identity. Work. cional, 1958.
Rural life. Portugal.
AZEVEDO, Fernando de. A cidade e o campo na
civilização industrial. São Paulo: Melhoramen-
Resumen tos, 1962.
_______. A cultura brasileira. São Paulo: Melho-
El Brasil actualmente es uno de los más ramentos, 1971.
grandes productores de commodities
BASTOS, Aureliano Cândido Tavares. Os ma-
agrícolas, como soya, café, carne (de les do presente e as esperanças do futuro. São Pau-
vaca, de cerdo y de aves), azúcar y jugo lo: Companhia Editora Nacional, 1939.
de naranja y el país tiene orgullo de ello.
BINZER, Ina von. Os meus romanos: alegrias e
Esta es una realidad que empieza con
tristezas de uma educadora alemã no Brasil.
la adopción de la Revolución Verde en São Paulo: Paz e Terra, 1980.
la década de 1960 (alta tecnología en el
BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Diálogos das
campo, mecanización, insumos, selecci-
grandezas do Brasil. Rio de Janeiro: Dois Mun-
ón genética, etcétera) implantando un
dos, 1943.
modelo de “farmerização”. Para que
se llegara a este modelo de agricultura, BRASIL. Ministério da Agricultura, Industria
concentrador, y nada democrático, el e Commercio. Aspectos da economia rural bra-
sileira: contribuição do Serviço de Inspecção
Brasil necesitó alrededor de cinco siglos.
e Fomento Agrícolas para a comemoração do
Durante la mayor parte de este largo pe-
Centenario da Independencia do Brasil. Rio de
riodo, la agricultura no era considerada Janeiro: Officinas Graphicas Villas Boas, 1922.
como noble actividad, al contrario, se in-
FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Desenvol-
tentaba superar la identidad agraria, ya
vimento da civilização material no Brasil. Rio de
que esta actividad no traía status. Hasta
Janeiro: Topbooks, 2005.
cierto punto, el Brasil tuvo vergüenza de
ser agrícola. En este trabajo mi objetivo HOEHNE, Frederico Carlos. Botânica e agricul-
tura no Brasil no século XVI. São Paulo: Compa-
es hacer un análisis de como Brasil, un
nhia Editora Nacional, 1937.
país agrario, durante más de tres siglos,
tuvo dificultad en asumir una identidad HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Bra-
agraria, especialmente en razón de la in- sil. Brasília: UnB, 1963.
fluencia de una mentalidad portuguesa KEHL, Renato. Por que sou eugenista. Rio de Ja-
no adaptada con las labores agrícolas. neiro: Francisco Alves, 1937.

Palabras clave: Agricultura. Identidad.


Trabajo. Vida rural. Portugal.

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LOBO, Antonio de Sousa Silva Costa. História
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MARTINS, José de Souza. Cultura e educação
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cia do Brasil. Rio de Janeiro: Officinas Graphi-
cas Villas Boas, 1922.

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