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A pesquisa, ainda em andamento, está sendo desenvolvida na bacia hidrográfica do rio Iguaçu,
parte oeste da Região Hidrográfica da Baía de Guanabara, com o objetivo de estudar mudanças
institucionais no setor de recursos hídricos e a percepção do valor da água. Esta é uma região
historicamente periférica e altamente urbanizada, a qual enfrenta crônica escassez de água em
razão da degradação ambiental, elevada demanda doméstica e industrial e da precariedade dos
serviços públicos. O fato de grande parte da água para abastecimento ter origem fora da região
hidrográfica torna ainda mais delicada a condição de vulnerabilidade sócio-ambiental e
potencializa o surgimento de conflitos entre localidades e grupos de usuários. O tema básico da
pesquisa é a aparente contradição entre o alto valor socioeconômico e ambiental da água e as
barreiras institucionais que dificultam a concretização de uma gestão participativa e sustentável.
Estão sendo também estudadas as dificuldades de articulação entre os três níveis de governo,
União, estado e municípios. Fazendo uso de técnicas e métodos qualitativos, a pesquisa
relaciona diferenças de percepção e atitude entre grupos diretamente atingidos por intervenções
governamentais (em particular, obras do PAC e do Projeto Iguaçu), lideranças comunitárias,
grandes usuários de água e gestores do sistema estadual de recursos hídricos. Analisa-se ainda
a percepção do valor da água pelas populações locais e como as mesmas desenvolvem
estratégias próprias para superar os problemas de infra-estrutura deficiente, tanto em termos de
abastecimento e esgotamento sanitário, quanto controle de enchentes. Neste artigo são
apresentados os resultados e conclusões preliminares.
Palavras chave: Baixada Fluminense, gestão de recursos hídricos, saneamento, conflitos sócio-
ambientais, justiça ambiental, ecologia política
1. Introdução
Este texto apresenta os resultados preliminares de uma pesquisa (ainda em andamento)
sobre a problemática de uso da água e a nova configuração da gestão de recursos hídricos. A
pesquisa tem como ponto de partida o contexto nacional e internacional de reformas
institucionais no setor de recursos hídricos, com um enfoque geográfico na experiência do Rio
de Janeiro e tomando a Bacia Hidrográfica do Rio Iguaçu, incluindo os afluentes Botas ou
Sarapuí, na Baixada Fluminense, como um estudo de caso. Estão sendo investigadas
1
Professor (lecturer) da Escola de Geociências e pesquisador do Aberdeen Centre for Environmental Sustainability
(ACES), Universidade de Aberdeen (a.ioris@abdn.ac.uk).
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Professora Faculdade São José. Mestre em Geografia (UFMG) (mangelicamc@hotmail.com).
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São João de Meriti, Nilópolis, Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Mesquita, Belfort Roxo e os bairros Bangu e Senador
Câmara do Rio de Janeiro.
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Dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico do IBGE de 2000 revelam que existe necessidade de
racionamento de água em praticamente todos os municípios da Baixada, justificada principalmente pela falta de
reservatórios na região (OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES, 2005)
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Além de investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento em ‘Saneamento e Urbanização de Favelas’
(que inclui execução de obras pelas prefeituras, pela SERLA e pela CEDAE – ver mais detalhes abaixo), podem ser
ainda destacadas iniciativas do PAC como Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, que será construído
numa área de 45 milhões de metros quadrados localizada no município de Itaboraí) e o Arco Metropolitano do Rio de
Janeiro, que irá integrar a Baixada Fluminense ao porto de Itaguaí. Tanto o Comperj, quanto o Arco Metropolitano
terão significativas repercussões em termos de demanda por água, produção de resíduos e alteração de uso do solo.
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Nos últimos anos tem havido um alerta crescente a respeito da natureza e escala dos
impactos sobre o ambiente aquático causados pela ação humana, o que inclui questões
relacionadas com a extração de água, poluição dos cursos de água, modificação de
ecossistemas e alteração geomorfológicas. Aumenta a compreensão das conseqüências sobre a
saúde e o bem estar de grupos sociais relacionadas à degradação dos recursos hídricos, ao
mesmo tempo que fica cada vez mais claro que os grupos com maior vulnerabilidade social
sofrem impactos de forma desproporcional. Como resposta a tais problemas, organismos
internacionais e agências de cooperação vêm promovendo novos procedimentos e metodologias
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Instituições são definidas, no sentido sociológico, como sistemas de regras que estruturam interações sociais
(Hodgson, 2006), as quais são mecanismos comples, de reprodução incompleta, provisória e instável, e que co-
evolvem com diversos outros fenômenos sociais emergentes e complexos (Jessop, 2001).
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cobrança pelo uso da água. Sob inspiração dos princípios da Integrated Water Resources
Management (IWRM), a nova lei determina, entre outras inovações, que a água tem valor
econômico e que a cobrança pela água serve para indicar aos usuários o seu valor real. O
processo de implementação do marco regulatório, fazendo uso extensivo da mídia e do valor
simbólico da água, tem contribuído para estabelecer uma nova linguagem de gestão e da
redefinição dos espaços de representação popular por bacia hidrográfica.
Às transformações institucionais de gestão de recursos hídricos, somam-se reformas
recentes na provisão e regulação de saneamento.7 Além de serviços de abastecimento de água
e esgotamento sanitário, que formam o saneamento básico, a definição de saneamento
ambiental no Brasil também inclui outras atividades como coleta de lixo e drenagem urbana. O
saneamento ambiental tem uma importância fundamental em termos de saúde pública,
desenvolvimento humano e igualdade social. Após uma longa e conturbada tramitação no
Congresso Nacional, em 2007 foi finalmente aprovada uma nova legislação (Lei 11.445/2007), a
qual tem o objetivo de instaurar uma nova fase de investimentos voltados à universalização dos
serviços. A implementação da nova legislação está sob responsabilidade do Ministério das
Cidades, criado em 2003. Outra legislação relevante para a reforma do saneamento é o Estatuto
das Cidades (Lei 10.257/2001), que estabelece o direito a cidades sustentáveis, entendido como
o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao
transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.
Também a legislação sobre as parcerias público-privado (as chamadas PPP) definidas na Lei
11.079/2004, é considerada pelo atual governo federal como uma importante alternativa de
atração de capital privado para a execução de obras públicas. Apesar do avanço legal recente,
continuam existindo sérias barreiras para a universalização dos serviços, particularmente os
conflitos entre entidades públicas de diferentes níveis de governo, a crônica pobreza de largas
parcelas da população urbana e rural, e a degradação e conflitos ambientais (Britto e Silva,
2006).
3. A área em estudo
A pesquisa está sendo realizada na bacia hidrográfica dos rios Iguaçu/Botas/Sarapúi, na
Baixada Fluminense. A região ocupa a parte oeste da Região Hidrográfica da Baía de
Guanabara e é composta por municipalidades do entorno da cidade do Rio de Janeiro. Devido à
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Observação dos autores: embora o presente estudo tenha por objetivo a gestão dos recursos hídricos, no que se
inclui todos os setores de usuários e demandas sociais e ambientais, no caso da Bacia do Rio Iguaçu o setor usuário
de maior relevância é o saneamento ambiental (i.e. abastecimento urbano, saneamento básico, coleta de lixo e
drenagem urbana), daí o destaque recebido nesta pesquisa.
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Em um contexto de perseguição política na década de 1970, a Baixada Fluminense tornou-se um local
adequado para a atuação política por atrair menos a atenção das autoridades do que os grandes centros e por
concentrar as classes socais mais desfavorecidas (MACEDO et al., 2007).
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Algumas dessas ações deveriam ter se realizado dentro do Programa de Despoluição da Baía
de Guanabara. Porém, devido à forma de planejamento desse Programa e a atrasos no
andamento das obras, as ações previstas não foram realizadas. O contexto geral indica a
inexistência de uma visão integrada e a ausência de definição de uma política de saneamento
para a região. Além disso, também não há uma compatibilização entre as ações previstas nos
macroprogramas e os planos diretores municipais. Por conseguinte, os investimentos não se
ajustam necessariamente aos objetivos de desenvolvimento urbano local. Mais recentemente,
existem ações voltadas especificamente à gestão de recursos hídricos. Em especial, o Plano
Diretor da Baía de Guanabara inclui ações em 16 municípios voltadas a medidas estruturais e
não estruturais em termos de saneamento ambiental e conservação de bacias hidrográficas
orçadas em R$ 1,3 bilhão (PDRH-BG, 2005). Diversas obras incompletas estão sendo agora
retomadas e/ou concluídas dentro do Programa de Aceleração do Crescimento.
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Até o momento; foram conduzidas cerca de 40 entrevistas com diferentes grupos envolvidos, as quais estão sendo
transcritas e analisadas.
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A Lei das Águas (Lei 9.433/1997) instituiu no Brasil a Política Nacional de Recursos Hídricos
(PNRH) e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SNGRH),
estabelecendo um novo marco institucional para os processos de gestão de recursos hídricos.
Como mencionado, esta lei introduziu uma perspectiva baseada nos fundamentos e princípios
discutidos nas últimas décadas, dentre eles o gerenciamento por bacia hidrográfica, a água
como um bem econômico, a descentralização, a integração e a participação dos usuários e da
sociedade civil no processo de gestão de recursos hídricos. A partir de então, os demais estados
da federação iniciaram o processo de discussão e implementação de suas próprias legislações,
baseadas em idéias similares à da lei federal. No estado do Rio de Janeiro, o principal texto
legal relativo à gestão de águas é a legislação estadual 3.239/99. Entretanto, em 2003 é
aprovada nova legislação (Lei 4247/2003) que, em meio a novas prioridades políticas, alterou
profundamente a lei estadual, chegando mesmo a se desviar das competências definidas na
legislação federal.
Enquanto a lei nacional estabelece que a cobrança pelo uso dos recursos hídricos é de
competência da Agência de Bacia, a nova lei estadual institui a ‘cobrança pelo uso de recursos
hídricos’ sujeitos à outorga como responsabilidade do Estado, antes mesmo que houvesse
comitês de bacia instalados. Assim, é concedida à Fundação Superintendência Estadual de Rios
e Lagoas (SERLA) amplos poderes em relação à gestão dos recursos hídricos e atraindo para si
atribuições que deveriam ser dos comitês de bacia, tais como: o estabelecimento de critérios de
cobrança, e aplicação e distribuição dos recursos dela derivados. O que se vê, neste processo, é
a implantação de um modelo de gestão centralizado em uma única instituição, a SERLA, em
detrimento de uma gestão descentralizada e participativa como estabelecido pela legislação
nacional. Na prática, tal atitude diminui a relevância e urgência de planos e de comitês de bacias
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São eles: CBH Guandu, CBH da Baía da Guanabara, CBH Lagos de São João, CBH Macaé e CBH Piabanha.
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detalhados sobre o impacto na conta dos consumidores finais (sob a alegação que será uma
contribuição irrisória), os comitês de bacia foram mantidos afastados do debate. Um detalhe que
merece ser citado é que durante as entrevistas com lideranças comunitárias da Baixada e com a
população residente da Bacia do Rio Iguaçu, ao indagarmos sobre a opinião que elas têm sobre
esta nova legislação estadual e sobre os impactos da cobrança pelo uso da água, em particular,
todos afirmaram desconhecê-la. Isso demonstra a distância mantida entre as etapas de reforma
institucional no setor de recursos hídricos e a opinião geral da população. Em nossas
entrevistas, ao serem informados da nova taxa e do repasse aos consumidores finais, a opinião
foi geralmente de descontentamento (embora nem todos sejam terminantemente contra pagar),
uma vez que há uma conjunção de serviço de abastecimento precário e degradação ambiental
generalizada. A população tem dificuldade de aceitar que, tendo sido vítima da falta de políticas
de desenvolvimento urbano, seja ela agora imediatamente chamada a pagar por investimentos
que, no passado, foram feitos nos bairros de maior renda. A complexidade da justificativa e da
implementação do instrumento da cobrança pelo uso da água será, sem dúvida, um dos pontos
centrais na apresentação dos resultados finais da presente pesquisa.
Tendo por base as informações obtidas até o momento no nosso trabalho de pesquisa, foi
possível perceber que o início da mobilização para formar o Comitê da Baía de Guanabara
deveu-se à reunião periódica de um grupo de pessoas que representavam os interesses da
população do lado leste da Baía de Guanabara. Paralelamente, outro grupo iniciava os trabalhos
no lado oeste da Baía no sentido de estabelecer o seu próprio Comitê. A mobilização inicial,
portanto, visava à formação de dois comitês independentes, uma vez que as características
hidrográficas e socioeconômicas são marcadamente diversas. Contudo, as ações no lado oeste
tiveram um avanço muito mais tímido do que na zona leste; até mesmo os documentos de
solicitação de formação de um comitê que haviam sido enviados para o CERH foram perdidos.
Já o lado leste conseguiu que a formação do seu Comitê de Bacia fosse aprovada no CERH em
2003, com a assinatura de um decreto, já que o comitê é um órgão de estado, em 2005. Para a
surpresa de ambos os grupos:
Com esta dificuldade adicional de ter que agregar inúmeros municípios em prol de objetivos
comuns de gestão de águas, o Comitê ficou durante hum ano e meio fazendo reuniões de
mobilização para agregar os atores interessados em participar. Além do mais, outro agravante
nesse processo era a grande extensão territorial abrangida pelo novo Comitê associada à
ausência de recursos financeiros para subsidiar suas atividades. É sabido que o Estado não
oferece o apoio necessário aos comitês estaduais para que estes se estruturem nos seus
primeiros anos de formação. Neste sentido, o CBH Guanabara, assim como outros comitês de
bacia brasileiros, apresenta uma série de deficiências relativas à infra-estrutura física e de
pessoal para operacionalizar o seu amadurecimento. A esse problema material, soma-se ainda a
falta de normas claras para o funcionamento dos órgãos de direção e questões relativas à
própria eleição e composição dos órgãos colegiados.
Cabe mencionar brevemente o impacto do instrumento da cobrança pelo uso da água, em
razão de haver uma clara opinião entre os membros do comitê que os recursos arrecadados
serão a principal alavanca para o processo de gestão participativa. Como dito anteriormente, a
SERLA iniciou a cobrança pelo uso da água em 2004 e a parte que cabe ao CBH Guanabara
(estimada hoje em hum milhão e duzentos e cinqüenta mil reais, embora parece haver
discrepâncias em relação a esses valores) está ainda retida no FUNDRI pela falta de um órgão
executivo na estrutura do Comitê. Para acessar este dinheiro, a solução mais imediata depende
de o Comitê estabelecer um convênio com alguma entidade (e.g. ONG), que se dispusesse a
prover o apoio administrativo através de um convênio entre o CBH Guanabara, SERLA e o
FUNDRI. Foi-nos dito nas entrevistas que um dos principais impactos dessa barreira burocrática
para fazer uso dos recursos da cobrança é o desestimulo à participação dos usuários de água,
principalmente porque muitos entendem que estão pagando apenas mais um imposto, já que o
dinheiro vai para o caixa do governo e não chega ao CBH. Outro fato relevante nesta questão é
que mesmo sendo considerado um instrumento importante “o Comitê se envolve muito pouco na
problemática da cobrança” (Fonte: entrevista, representante diretoria do CBH Guanabara, julho
de 2008).
Há também críticas quanto ao Plano Diretor de Recursos Hídricos da Baía de Guanabara;
este documento apresenta as bases conceituais e os subsídios técnicos para orientar a gestão e
foi concluído em 2005 como parte do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG).
Mesmo sendo considerado um importante instrumento de gestão, membros do Comitê reclamam
que o plano foi feito por uma empresa de consultoria engenharia antes mesmo de o Comitê
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existir. Outra crítica refere-se ao fato de os órgãos ambientais não consultarem as orientações
propostas pelo plano quando há alguma intervenção a ser feita nos corpos hídricos da região;
por fim argumenta-se que o Plano contém inúmeras falhas pois parece ter sido feito com base
em um “copia e cola” de documentos existentes nos órgãos ambientais estaduais. Neste sentido:
“o Plano é o documento oficial de gestão da Baía de Guanabara mas este tem falhas, sim, e é
usado de acordo com a conveniência do Estado” (fonte: relato oral em reunião Câmara Técnica
CBH Guanabara, junho de 2008)
5.3 O PAC-SERLA
envolvidos neste programa afirmaram que o maior problema não é só o fato de existir recursos
financeiros apenas para a primeira fase, mas também a forma de implementação das ações, já
que há uma grande dificuldade em conseguir articulação e cooperação entre as esferas (poder
público municipal, estadual e federal) e instituições de gestão de meio ambiente. O fato de
grande parte da água para abastecimento ter origem na Bacia do Rio Guandu torna ainda mais
delicada a condição de vulnerabilidade socioambiental e potencializa o surgimento de conflitos
entre localidades e grupos de usuários.
A população que será diretamente atingida pelas obras do PAC-SERLA e as lideranças
comunitárias da Baixada criticam o fato das decisões a respeito dos projetos serem tomadas
sem seu conhecimento e sem que possam expressar sua opinião. Os gestores do processo
argumentam que o PAC foi um programa do governo federal que exigia que os projetos fossem
apresentados com certa pressa e, uma vez que o Projeto Iguaçu estava disponível, o mesmo foi
apresentado ao governo federal sem que houvesse tempo hábil para ser discutido com a
população. Em relação às críticas de inflexibilidade administrativa, os gestores alegam que os
recursos são ‘carimbados’, ou seja, não existe a possibilidade de remanejar a verba de
determinada ação para outras demandas que vão surgindo ou caso haja resistências por parte
da população afetada pelas obras do PAC.
Um dos processos mais polêmicos na atual conjuntura de intervenções na Bacia do Rio
Iguaçu está relacionado à remoção de mais de duas mil famílias que vivem na beira dos cursos
d’água a serem dragados como parte das obras do PAC. Durante uma das reuniões que a
SERLA e a CEHAB realizaram com famílias de Belfort Roxo, verificou-se que há grande
resistência das famílias em mudarem para um conjunto habitacional que está sendo construído
no bairro Barro Vermelho - considerado violento na cidade por ser próximo a uma comunidade
(favela Gogó da Ema) onde há presença de tráfico de drogas e tiroteios constantes. Assim,
nessa reunião houve um duro questionamento quanto aos detalhes e desdobramentos das
intervenções do PAC-SERLA12; os gestores públicos responderam que casos mais polêmicos
serão resolvidos posteriormente e de forma individualizada, e que outras questões levantadas
ainda estavam em análise (e.g. quem seria os beneficiários de imóveis alugados, o morador ou o
proprietário). As dúvidas e incertezas, porém, são também criadas dentro da própria estrutura do
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Os principais questionamentos foram: por que não utilizam um terreno baldio existente no bairro onde residem
atualmente para construir o conjunto habitacional; por que a SERLA e a CEHAB não perguntaram para eles antes de
iniciar a construção do conjunto habitacional se eles queriam residir no Barro Vermelho; por que não há a opção de
indenização pois o dinheiro gasto seria melhor aproveitado por eles comprando outro imóvel; por que só vão tirar os
moradores de um lado do rio; por que apartamento e não casa; houve muitas dúvidas sobre a metragem (distância)
das casas até a beira do rio que necessitarão de remoção inúmeras famílias estão sendo cadastradas sem ter ao
certo a informação correta sobre a real necessidade de serem reassentadas e por fim dúvidas sobre como fica a
situação dos comércios, igrejas ou casas alugadas.
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governo estadual: apenas recentemente o Projeto Iguaçu recebeu o licenciamento ambiental por
parte da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente – FEEMA (fonte: site SERLA,
matéria publicada em 05/09/2008 e acessada em 12/09/2008).
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Favor notar que estas são observações ainda bastante preliminares e que deverão ser aprofundadas e melhor
embasadas ao longo da pesquisa, a qual se estende até o segundo semestre de 2009.
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mesma bacia hidrográfica continuam tendo uma imensa dificuldade de perceberem o espaço da
bacia como uma unidade de gestão efetiva.
Esse ponto nos remete ao terceiro problema fundamental do processo de reformas de
gestão de recursos hídricos: a distância que existe entre metas e decisões tomadas pelos
centros gestores e os locais de execução. Especialmente em relação à população de mais baixa
renda e que ocupa áreas nas margens dos rios, existe uma nítida negatividade em relação às
aspirações e demandas individuais. Por exemplo, apesar de esforços de comunicação da
SERLA, nossas entrevistas com moradores identificaram um residual de descrédito em relação à
forma como as pessoas que vivem em áreas ribeirinhas serão transferidas para novas
habitações. Programas como o PAC, apesar de destinar recursos para potencializar a
participação popular e mobilização, continuam mantendo uma barreira estrutural entre
tomadores de decisão e população em geral, o que se agrava pelo fato do CBH Guanabara
nunca ter funcionado e pelo descrédito das outras organizações representativas (como no caso
das associações de moradores). Preservam-se as dificuldades que sempre marcaram outros
projetos, como no caso do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, sobre o qual Britto
(2003) menciona que “não existiram ao longo do desenvolvimento do programa canais
permanentes de interlocução com a sociedade. As informações eram divulgadas ou pela grande
imprensa ou em eventos esporádicos promovidos pela coordenação do programa”.
5. Conclusões preliminares
Os resultados iniciais da pesquisa apontam para uma recorrente dificuldade para se instituir
um planejamento de uso e conservação de recursos hídricos de forma a observar o espaço da
bacia hidrográfica e envolvendo de forma democrática os diversos grupos sociais. Os resultados
de mais de quatro séculos de intensa atividade agrícola, urbana e industrial continuam sendo
rios e solos em sério estado de degradação, ao passo que saneamento básico e salubridade
adequada ainda são fatores inacessíveis a significativas parcelas da população. Os
acontecimentos recentes na Bacia do Rio Iguaçu parecem indicar uma continuidade entres as
atuais iniciativas com uma longa história de transformações socioambientais e desenvolvimento
desigual na Baixada Fluminense. A mudança do marco regulatório de gestão de recursos
hídricos tem significado, em grande medida, uma reforma restrita, burocratizada e centralizada.
Se no passado recente, quando os municípios da região passaram por uma fase de expansão
urbana acelerada, a conservação dos mananciais hídricos esteve praticamente ausente, nos
últimos anos os recursos hídricos indiscutivelmente passaram a receber uma atenção maior.
Porém, há ainda grande dificuldade institucional para definir uma gestão pública que enfrente, de
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Agradecimentos: A presente pesquisa é supervisionada pelo Prof. Dr. Henri Acselrad e conta
com apoio financeiro (parcial) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq). Os autores também agradecem o apoio de diversas instituições
governamentais e não-governamentais que contribuíram com dados e informações, e, de modo
especial, aos moradores da Baixada Fluminense que gentilmente tomaram parte em entrevistas
e discussões.
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