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XIV SEMANA DE PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL

Valoração da Água e Instituições Sociais: Subsídios para a Gestão de


Bacias Hidrográficas na Baixada Fluminense, RJ
Antônio Augusto Rossotto Ioris1, Maria Angélica Maciel Costa2.
Pesquisadores associados ao IPPUR/UFRJ

Sessão temática 1: Conflitos sócio-ambientais, poder e território.

A pesquisa, ainda em andamento, está sendo desenvolvida na bacia hidrográfica do rio Iguaçu,
parte oeste da Região Hidrográfica da Baía de Guanabara, com o objetivo de estudar mudanças
institucionais no setor de recursos hídricos e a percepção do valor da água. Esta é uma região
historicamente periférica e altamente urbanizada, a qual enfrenta crônica escassez de água em
razão da degradação ambiental, elevada demanda doméstica e industrial e da precariedade dos
serviços públicos. O fato de grande parte da água para abastecimento ter origem fora da região
hidrográfica torna ainda mais delicada a condição de vulnerabilidade sócio-ambiental e
potencializa o surgimento de conflitos entre localidades e grupos de usuários. O tema básico da
pesquisa é a aparente contradição entre o alto valor socioeconômico e ambiental da água e as
barreiras institucionais que dificultam a concretização de uma gestão participativa e sustentável.
Estão sendo também estudadas as dificuldades de articulação entre os três níveis de governo,
União, estado e municípios. Fazendo uso de técnicas e métodos qualitativos, a pesquisa
relaciona diferenças de percepção e atitude entre grupos diretamente atingidos por intervenções
governamentais (em particular, obras do PAC e do Projeto Iguaçu), lideranças comunitárias,
grandes usuários de água e gestores do sistema estadual de recursos hídricos. Analisa-se ainda
a percepção do valor da água pelas populações locais e como as mesmas desenvolvem
estratégias próprias para superar os problemas de infra-estrutura deficiente, tanto em termos de
abastecimento e esgotamento sanitário, quanto controle de enchentes. Neste artigo são
apresentados os resultados e conclusões preliminares.

Palavras chave: Baixada Fluminense, gestão de recursos hídricos, saneamento, conflitos sócio-
ambientais, justiça ambiental, ecologia política

1. Introdução
Este texto apresenta os resultados preliminares de uma pesquisa (ainda em andamento)
sobre a problemática de uso da água e a nova configuração da gestão de recursos hídricos. A
pesquisa tem como ponto de partida o contexto nacional e internacional de reformas
institucionais no setor de recursos hídricos, com um enfoque geográfico na experiência do Rio
de Janeiro e tomando a Bacia Hidrográfica do Rio Iguaçu, incluindo os afluentes Botas ou
Sarapuí, na Baixada Fluminense, como um estudo de caso. Estão sendo investigadas

1
Professor (lecturer) da Escola de Geociências e pesquisador do Aberdeen Centre for Environmental Sustainability
(ACES), Universidade de Aberdeen (a.ioris@abdn.ac.uk).
2
Professora Faculdade São José. Mestre em Geografia (UFMG) (mangelicamc@hotmail.com).
2

percepções e atitudes relacionadas ao uso e à conservação de recursos hídricos nos municípios


que formam aquela bacia hidrográfica,3 uma região altamente urbanizada, com escassez
(relativa) de recursos hídricos frente à elevada demanda e com notórias deficiências do serviço
público de água, esgoto, drenagem e coleta de lixo.4 Diretamente relacionado às falhas de das
demandas da população, a bacia hidrográfica apresenta altos níveis de degradação ambiental,
em particular devido à carga diária de poluição orgânica e questões relacionadas ao uso do solo.
A escolha dessa bacia hidrográfica para o estudo de caso também se deu em função de
iniciativas recentes em termos de reorganização administrativa e investimentos públicos,
notadamente a criação do Comitê Gestor da Baía de Guanabara (cuja primeira diretoria foi eleita
em 2007) e diversos projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).5
O objetivo da pesquisa é analisar a aparente contradição entre a relevância socioeconômica
e ambiental da água e a persistência de barreiras institucionais para que se concretize uma
gestão participativa e sustentável. Ao mesmo tempo que estuda a evolução normativa e
regulatória, a pesquisa também se preocupa em investigar como as populações locais percebem
o valor da água em meio a um contexto de mudanças nas políticas públicas, assim como busca
conhecer os mecanismos de organização popular e estratégias de resolução de problemas. A
pesquisa pretende contribuir para o debate sobre o futuro da gestão de recursos hídricos em
áreas metropolitanas, algo que demonstra ser um dos grandes dilemas da sociedade
contemporânea, em razão da combinação perversa entre um acelerado crescimento urbano,
mas dissociado do necessário progresso material, da distribuição justa de oportunidades e da
conservação do meio ambiente. No caso da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ),
trata-se de uma metrópole com elevada densidade demográfica, 1.899 habitantes por km2 e a
segunda maior entre as áreas metropolitanas brasileiras (Observatório das Metrópoles, 2005). O
crescimento desordenado das cidades tem causado impactos significativos sobre o meio
ambiente, em especial sobre os mananciais de águas. Os principais impactos verificados sobre
os sistemas hídricos das cidades brasileiras são: a) a contaminação dos mananciais urbanos,
como conseqüência da poluição dos sistemas hídricos e da ocupação desordenada das áreas

3
São João de Meriti, Nilópolis, Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Mesquita, Belfort Roxo e os bairros Bangu e Senador
Câmara do Rio de Janeiro.
4
Dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico do IBGE de 2000 revelam que existe necessidade de
racionamento de água em praticamente todos os municípios da Baixada, justificada principalmente pela falta de
reservatórios na região (OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES, 2005)
5
Além de investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento em ‘Saneamento e Urbanização de Favelas’
(que inclui execução de obras pelas prefeituras, pela SERLA e pela CEDAE – ver mais detalhes abaixo), podem ser
ainda destacadas iniciativas do PAC como Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, que será construído
numa área de 45 milhões de metros quadrados localizada no município de Itaboraí) e o Arco Metropolitano do Rio de
Janeiro, que irá integrar a Baixada Fluminense ao porto de Itaguaí. Tanto o Comperj, quanto o Arco Metropolitano
terão significativas repercussões em termos de demanda por água, produção de resíduos e alteração de uso do solo.
3

de proteção de mananciais, levando à redução da disponibilidade hídrica; b) falta de tratamento


e de disposição adequada de esgoto sanitário, industrial e de resíduos sólidos; c) aumento das
inundações e da poluição devido à drenagem urbana deficiente; d) ocupação das áreas de risco
de inundação, com graves conseqüências para a população (TUCCI, 2004).
O ‘caos’ urbano vivenciado nas grandes cidades pode ser melhor entendido se observado
pela sua origem: segundo Rolnik (2008), em menos de 40 anos (entre 1940 e 1980) a população
brasileira deixou de ser majoritariamente rural, uma vez que um vasto contingente de pobres
passou a migrar para as grandes e médias cidades, sem que se oferecessem as mínimas
condições básicas de urbanidade. Neste sentido, é comum observar a formação de duas áreas
distintas dentro de uma mesma cidade: uma chamada ‘de mercado’ é regulada por um
adequado sistema de leis, normas e contratos oferecendo melhores condições de urbanidade
para um público que possui condições econômicas satisfatórias; já a outra, ‘a cidade fora da
cidade’, é originada das terras cuja legislação urbanística ou ambiental não permite que se
construa ou não disponibiliza para o mercado - por serem terrenos frágeis - e ainda os espaços
precários da periferia (ROLNIK, 2008). As questões relacionadas à distribuição, uso e
conservação de água estão direta e indiretamente relacionas a essa urbanização desigual. Na
última década, as políticas públicas de gestão de recursos hídricos e, em particular, saneamento
ambiental vêm passando por um profundo processo de transformação no Brasil em decorrência
da aprovação de novos marcos legais e da reestruturação dos órgãos governamentais. Contudo,
análises recentes indicam que tais mudanças, no que se inclui ainda a criação de novos espaços
de representação e participação popular, não têm necessariamente resultado em melhoria
significativa dos serviços públicos de água e esgoto ou em melhores bases de uso e
conservação de recursos hídricos. A presente pesquisa pretende relacionar as especificidades
historico-geográficas locais com processos mais amplos de urbanização e gestão ambiental.

2. As reformas institucionais: visão geral

Nos últimos anos tem havido um alerta crescente a respeito da natureza e escala dos
impactos sobre o ambiente aquático causados pela ação humana, o que inclui questões
relacionadas com a extração de água, poluição dos cursos de água, modificação de
ecossistemas e alteração geomorfológicas. Aumenta a compreensão das conseqüências sobre a
saúde e o bem estar de grupos sociais relacionadas à degradação dos recursos hídricos, ao
mesmo tempo que fica cada vez mais claro que os grupos com maior vulnerabilidade social
sofrem impactos de forma desproporcional. Como resposta a tais problemas, organismos
internacionais e agências de cooperação vêm promovendo novos procedimentos e metodologias
4

voltadas à análise de problemas e formulação de respostas inspiradas, de modo particular, nos


conceitos de ‘gestão integrada de recursos hídricos’ (Conca, 2006) e ‘governança hídrica’
(Castro, 2007). A nova agenda de gestão inclui principalmente mudanças institucionais, tais
como descentralização, participação popular e reconhecimento do valor econômico da água.6
Especialmente a partir da Conferência de Dublin em 1992, a maior parte dos países têm
incorporado os novos preceitos em suas respectivas legislações nacionais e, em especial, vêm
desenvolvendo políticas públicas que ressaltam a dimensão econômica da água. Ao incorporar
aspectos econômicos e administrativos, tais reformas alteraram significativamente a forma como
os problemas são identificados e as soluções são propostas. Contudo, o novo modelo de gestão
tem obtido resultados apenas parciais nos países onde vem sendo implementado e, apesar de
um discurso de sustentabilidade ambiental e inclusão social, condições de degradação
ambiental e insuficiente acesso à água continuam sendo as características mais comuns.
Especialmente em áreas cronicamente excluídas do processo de desenvolvimento, existem
obstáculos sociopolíticos e institucionais que dificultam a aplicação dos princípios de integração
e governança. As dificuldades para reverter problemas de gestão são diretamente relacionadas
a disputas políticas e econômicas que transcendem o setor de recursos hídricos (Mollinga,
2008).
Historicamente, investimentos em uso e gestão de recursos hídricos tiveram uma
importância central no processo de desenvolvimento econômico e expansão urbana no Brasil.
Com o crescimento econômico e urbanização acelerada, a ‘geografia da água’ foi sendo
transformada por meio da construção de uma extensa infra-estrutura de captação e distribuição
de água, geração de energia hidrelétrica e irrigação agrícola. Gradualmente, as contradições do
desenvolvimento hídrico transformaram uma situação de relativa abundância em relativa
escassez, assim como levou a situações de degradação ambiental generalizada. Na década de
1990, a estrutura institucional e os procedimentos de gestão de recursos hídricos passaram por
uma significativa reformulação. Uma estrutura específica de regulação é introduzida, culminando
com a aprovação da Lei da Política Nacional dos Recursos Hídricos em Janeiro de 1997 (Lei
9.433/97), que serviu como referência para a legislação estadual do Rio de Janeiro (Lei
3.239/1999). Foi a partir da nova lei estadual que um comitê de recursos hídricos para a baía de
Guanabara foi instituído; sua primeira diretoria foi eleita em julho de 2007 e tinha, naquele
mandato, como vice-presidente um líder comunitário da Baixada Fluminense. Grande parte das
ações e atividades dos novos comitês de bacia no Brasil tem se concentrado na introdução da

6
Instituições são definidas, no sentido sociológico, como sistemas de regras que estruturam interações sociais
(Hodgson, 2006), as quais são mecanismos comples, de reprodução incompleta, provisória e instável, e que co-
evolvem com diversos outros fenômenos sociais emergentes e complexos (Jessop, 2001).
5

cobrança pelo uso da água. Sob inspiração dos princípios da Integrated Water Resources
Management (IWRM), a nova lei determina, entre outras inovações, que a água tem valor
econômico e que a cobrança pela água serve para indicar aos usuários o seu valor real. O
processo de implementação do marco regulatório, fazendo uso extensivo da mídia e do valor
simbólico da água, tem contribuído para estabelecer uma nova linguagem de gestão e da
redefinição dos espaços de representação popular por bacia hidrográfica.
Às transformações institucionais de gestão de recursos hídricos, somam-se reformas
recentes na provisão e regulação de saneamento.7 Além de serviços de abastecimento de água
e esgotamento sanitário, que formam o saneamento básico, a definição de saneamento
ambiental no Brasil também inclui outras atividades como coleta de lixo e drenagem urbana. O
saneamento ambiental tem uma importância fundamental em termos de saúde pública,
desenvolvimento humano e igualdade social. Após uma longa e conturbada tramitação no
Congresso Nacional, em 2007 foi finalmente aprovada uma nova legislação (Lei 11.445/2007), a
qual tem o objetivo de instaurar uma nova fase de investimentos voltados à universalização dos
serviços. A implementação da nova legislação está sob responsabilidade do Ministério das
Cidades, criado em 2003. Outra legislação relevante para a reforma do saneamento é o Estatuto
das Cidades (Lei 10.257/2001), que estabelece o direito a cidades sustentáveis, entendido como
o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao
transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.
Também a legislação sobre as parcerias público-privado (as chamadas PPP) definidas na Lei
11.079/2004, é considerada pelo atual governo federal como uma importante alternativa de
atração de capital privado para a execução de obras públicas. Apesar do avanço legal recente,
continuam existindo sérias barreiras para a universalização dos serviços, particularmente os
conflitos entre entidades públicas de diferentes níveis de governo, a crônica pobreza de largas
parcelas da população urbana e rural, e a degradação e conflitos ambientais (Britto e Silva,
2006).

3. A área em estudo
A pesquisa está sendo realizada na bacia hidrográfica dos rios Iguaçu/Botas/Sarapúi, na
Baixada Fluminense. A região ocupa a parte oeste da Região Hidrográfica da Baía de
Guanabara e é composta por municipalidades do entorno da cidade do Rio de Janeiro. Devido à

7
Observação dos autores: embora o presente estudo tenha por objetivo a gestão dos recursos hídricos, no que se
inclui todos os setores de usuários e demandas sociais e ambientais, no caso da Bacia do Rio Iguaçu o setor usuário
de maior relevância é o saneamento ambiental (i.e. abastecimento urbano, saneamento básico, coleta de lixo e
drenagem urbana), daí o destaque recebido nesta pesquisa.
6

densidade demográfica e problemas crônicos de urbanização, a região apresenta uma


diversidade de fatores socioeconômicos e ambientais altamente relevantes para o estudo em
questão. Segundo dados do IBGE (2004), 22% dos domicílios não têm acesso à rede geral de
água e 44% não tem conexão com a rede de esgoto (contando apenas com fossas sépticas ou
convivendo com esgoto a céu aberto). Entre os domicílios com coleta, existem problemas com a
regularidade e qualidade dos serviços. Todos os municípios da Baixada concederam à
companhia estadual de saneamento (CEDAE) a responsabilidade pelos serviços de água e
esgoto (embora em alguns municípios apenas a produção e distribuição foi contratada). Soma-
se a isso o problema de drenagem urbana, diretamente associado ao crescente processo de
ocupação desordenada do espaço urbano, impermeabilização do solo, e desmatamento das
margens dos rios. Apesar da grande concentração populacional e do significativo parque
industrial, as reservas de água são limitadas e insuficientes para o abastecimento. Isto por que a
região depende da transferência de água do Rio Paraíba do Sul através do sistema Lajes-
Guandu, que abastece a maior parte da região metropolitana.
A Baixada Fluminense teve seu processo de urbanização intensificada a partir da década de
1940, quando uma região de caráter fortemente agrário passou a se transformar em uma área
predominantemente urbanizada, mas sem contar com suficientes investimentos públicos em
infra-estrutura. Durante o período de expansão urbana, as diversas administrações locais e
estaduais não foram capazes de estabelecer controles normativos sobre a expansão dos
loteamentos privados. No final dos anos 1970, teve início um processo de mobilização da
população local, fortemente influenciado pelo encontro entre ativistas políticos que se
refugiavam na Baixada Fluminense8 com antigas lideranças políticas da região, formando assim
movimentos populares que desafiaram um poder político ainda autoritário, reivindicando
principalmente saúde, saneamento, educação e moradia (MACEDO et al., 2007). Ao longo dos
últimos 20 anos, especialmente em função de pressões políticas, a região vem recebendo
investimentos em infra-estrutura, embora o passivo deixado pelos 40 anos anteriores de
urbanização descontrolada não tenha sido eliminado. O movimento por saneamento na Baixada
se instituiu inicialmente por meio do Comitê Político de Saneamento da Baixada Fluminense
(que reunia representações das Federações Municipais de Associações de Moradores dos três
principais municípios, Duque de Caxias, Nova Iguaçu e São João de Meriti, mais tarde
complementadas pela Associação de Moradores de Belfort Roxo) e tornou-se um ator social
fundamental na construção das políticas estaduais. A partir dos anos 1980, esse Comitê passou

8
Em um contexto de perseguição política na década de 1970, a Baixada Fluminense tornou-se um local
adequado para a atuação política por atrair menos a atenção das autoridades do que os grandes centros e por
concentrar as classes socais mais desfavorecidas (MACEDO et al., 2007).
7

a ser um interlocutor privilegiado do poder público na decisão sobre os investimentos no setor de


saneamento na região. Contudo, a mobilização popular começou a se reduzir a partir da
segunda metade da década de 1990 em razão da fragilização do movimento nas bases e pelo
novo desenho institucional dos programas de saneamento, que passam a negar às esferas de
participação e a retomar a centralidade que tivera na década anterior (nota: a fragilidade da
mobilização popular é tema altamente controvertido, como temos verificado em diversas
entrevistas, e que será aprofundado ao longo da presente pesquisa). Por exemplo, após a
realização de duas Conferências das Cidades da Baixada, em 2003 e 2005, a cooperação entre
os municípios da Baixada tem sido praticamente nula (Santos, 2006).
Diversos estudos publicados pelo Observatório das Metrópoles demonstram que as políticas
públicas de saneamento desenvolvidas nas duas últimas décadas conduziram a uma série de
impasses. Primeiramente, a dificuldade de integração entre as ações previstas nos programas
desenvolvidos por diferentes administrações do governo estadual. Essas ações geralmente não
se articulam, pois ficam subordinadas à lógica própria de cada programa e ao perfil da política
pública que caracteriza cada administração. Desse modo, é notório que não exista ainda para a
Baixada Fluminense um programa global de ações a longo prazo, isto é, um plano de
saneamento para a região que vise à universalização dos serviços, com base em um diagnóstico
amplo, ou seja, do déficit real de serviços, em termos tanto de acessibilidade da população
quanto de qualidade dos serviços prestados (nota: a elaboração desse plano deveria ter um
envolvimento direto, talvez até mesmo a coordenação, do Comitê da Baía de Guanabara, órgão
de representação dos usuários, da sociedade civil organizada e do Estado). A elaboração de
cada programa parece ser precedida de estudos e diagnósticos orientados por metodologias
diferentes, sem que hoje se possa afirmar qual é o déficit real dos serviços. Na ausência desse
plano geral, que deveria orientar as ações, os programas seguem objetivos próprios, numa
perspectiva mais geral de aumento da cobertura dos serviços. O resultado dessas ações
desarticuladas, apesar do importante volume de recursos investido, é limitado em termos de
qualidade dos serviços efetivamente fornecidos à população.
O resultado é que muitos sistemas de abastecimento de água, de esgotamento e de
drenagem recém implantados na Baixada apresentam graves problemas de funcionamento e de
coerência técnica, ou seja, a descoordenação entre o planejamento das ações compromete de
maneira irreversível a qualidade dos sistemas implantados e significa, em última instância, um
desperdício de recursos públicos. Tais deficiências têm incluído investimentos na rede de
abastecimento sem que haja água em qualidade e quantidade satisfatórias, assim como
instalações de rede de esgoto sem que existam estações de tratamento de esgotos na região.
8

Algumas dessas ações deveriam ter se realizado dentro do Programa de Despoluição da Baía
de Guanabara. Porém, devido à forma de planejamento desse Programa e a atrasos no
andamento das obras, as ações previstas não foram realizadas. O contexto geral indica a
inexistência de uma visão integrada e a ausência de definição de uma política de saneamento
para a região. Além disso, também não há uma compatibilização entre as ações previstas nos
macroprogramas e os planos diretores municipais. Por conseguinte, os investimentos não se
ajustam necessariamente aos objetivos de desenvolvimento urbano local. Mais recentemente,
existem ações voltadas especificamente à gestão de recursos hídricos. Em especial, o Plano
Diretor da Baía de Guanabara inclui ações em 16 municípios voltadas a medidas estruturais e
não estruturais em termos de saneamento ambiental e conservação de bacias hidrográficas
orçadas em R$ 1,3 bilhão (PDRH-BG, 2005). Diversas obras incompletas estão sendo agora
retomadas e/ou concluídas dentro do Programa de Aceleração do Crescimento.

4. Notas sobre a metodologia de pesquisa


A presente pesquisa estuda a aparente contradição entre o alto valor socioeconômico e
ambiental da água e barreiras institucionais que dificultam a melhoria da gestão. Fazendo uso de
técnicas quantitativas e qualitativas, o estudo busca relacionar diferenças de percepção e atitude
entre diferentes grupos sociais e zonas espaciais com o arranjo institucional voltado à gestão de
bacias hidrográficas e serviços públicos de água e esgoto. Busca-se estabelecer correlações
entre diferentes percepções e atitudes de valorização da água com as condições sociais e
ambientais de diferentes grupos sociais, bem como em relação às instituições que influenciam a
tomada de decisões relacionadas a investimentos públicos e inclusão política e econômica. A
abordagem proposta para a pesquisa facilita a compreensão de conflitos pelo uso da água e
obstáculos para a conservação de bacias hidrográficas na região em estudo. Os resultados
finais terão relevância não somente acadêmica, mas podem servir como subsídio para a
elaboração de políticas públicas de recursos hídricos e para a adoção dos instrumentos de
gestão previstos na legislação de recursos hídricos e de saneamento básico.
A estratégia metodológica busca estabelecer uma síntese da ‘realidade concreta’, a qual
compreende estruturas, mecanismos e eventos (Sayer, 1992). São examinadas tanto as bases
qualitativas das relações sociais, bem como a dimensão material e a interação com o meio
natural. Os trabalhos de pesquisa seguem uma linha indutiva, onde o exame de relações entre
eventos, estruturas e mecanismos através de um senso estruturado de realidade oferece um
conjunto de métodos que explicam a realidade por meio da construção e reconstrução de teorias
(conforme proposto por Watts e Pett, 2004). A pesquisa tenta explicar como processos sociais e
9

ambientais interagem ao longo do tempo e através de diferentes escalas espaciais. Assim, a


investigação deve considerar processos que estão em permanente mudança, níveis de incerteza
e múltiplas perspectivas, o que requer uma análise que seja flexível e capaz de se adaptar a
diferentes situações e resultados obtidos ao longo do trabalho.
Um dos aspectos inovadores da pesquisa é a avaliação do valor integral da água para as
populações locais, considerando as dimensões sociais, ecológicas, culturais e econômicas.
Projetos similares têm enfocado o valor da água segundo uma perspectiva econômica, mas no
caso da presente pesquisa pretende-se ir além desse reducionismo econômico para enfocar a
valorização da água em relação à transformação do espaço e como resultado de processos
socioambientais que refletem disputas de poder. Outras pesquisas investigaram percepções,
práticas e atitudes de famílias em relação à qualidade do meio ambiente urbano, mas sem
considerar especialmente os aspectos de gestão de bacias hidrográficas, recursos hídricos e
reforma do setor de saneamento. A percepção do valor da água pelas populações locais será,
assim, avaliada como resultado de um contexto histórico-geográfico específico e em mutação
permanente.
Outro aspecto inovador da pesquisa é a análise de barreiras institucionais fazendo uso de
uma perspectiva de ecologia política. Isso significa que o arranjo institucional é estudado como
reflexo de processos de inclusão e exclusão social que determinam o acesso, uso e
conservação das bacias hidrográficas. Pesquisas recentes sobre reformas institucionais
identificaram a redução da confiança dos usuários nas políticas públicas e a expectativa de um
maior envolvimento na tomada de decisões sobre gestão de água e saneamento básico, mas
sem relacionar os problemas setoriais de recursos hídricos com problemas econômicos e
políticos mais abrangentes. Apesar da crescente relevância do debate sobre as barreiras
institucionais que impedem a resolução de problemas de uso e conservação de água, muitos
autores deixam de perceber a interação entre as políticas de inspiração neoclássica, baseadas
em incentivos de mercado, e a materialidade dos problemas socioambientais da água, o
contexto cultural e o regime institucional.
Os trabalhos de campo envolvem entrevistas confidenciais (semi-estruturadas) com usuários
de água, lideranças comunitárias, população diretamente atingida pelas obras do PAC,
servidores públicos e membros do comitê da bacia.9 O conteúdo das entrevistas é analisado de
forma a salientar pontos de convergência e divergência entre as posições de diferentes grupos,
mas também em relação às metas de políticas públicas e planos aprovados pelo comitê da

9
Até o momento; foram conduzidas cerca de 40 entrevistas com diferentes grupos envolvidos, as quais estão sendo
transcritas e analisadas.
10

bacia. A interpretação dos resultados se situa no campo da ‘ecologia política’, ou seja, o


entendimento que política é inevitavelmente ecológica, ao mesmo tempo que ecologia é
intrinsecamente política (Robbins, 2004). Além disso, os objetivos de políticas públicas são
analisados e comparados com os resultados produzidos. A metodologia inclui também a
participação em reuniões a respeito da estrutura institucional e sobre as atividades do PAC. Os
resultados das entrevistas, participação em reuniões e análise documental serão discutidos em
um seminário a ser organizado com gestores públicos e moradores da bacia estudada.

5. Resultados preliminares da pesquisa


5.1 Obstáculos ao ‘novo modelo’ de gestão de recursos hídricos

A Lei das Águas (Lei 9.433/1997) instituiu no Brasil a Política Nacional de Recursos Hídricos
(PNRH) e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SNGRH),
estabelecendo um novo marco institucional para os processos de gestão de recursos hídricos.
Como mencionado, esta lei introduziu uma perspectiva baseada nos fundamentos e princípios
discutidos nas últimas décadas, dentre eles o gerenciamento por bacia hidrográfica, a água
como um bem econômico, a descentralização, a integração e a participação dos usuários e da
sociedade civil no processo de gestão de recursos hídricos. A partir de então, os demais estados
da federação iniciaram o processo de discussão e implementação de suas próprias legislações,
baseadas em idéias similares à da lei federal. No estado do Rio de Janeiro, o principal texto
legal relativo à gestão de águas é a legislação estadual 3.239/99. Entretanto, em 2003 é
aprovada nova legislação (Lei 4247/2003) que, em meio a novas prioridades políticas, alterou
profundamente a lei estadual, chegando mesmo a se desviar das competências definidas na
legislação federal.
Enquanto a lei nacional estabelece que a cobrança pelo uso dos recursos hídricos é de
competência da Agência de Bacia, a nova lei estadual institui a ‘cobrança pelo uso de recursos
hídricos’ sujeitos à outorga como responsabilidade do Estado, antes mesmo que houvesse
comitês de bacia instalados. Assim, é concedida à Fundação Superintendência Estadual de Rios
e Lagoas (SERLA) amplos poderes em relação à gestão dos recursos hídricos e atraindo para si
atribuições que deveriam ser dos comitês de bacia, tais como: o estabelecimento de critérios de
cobrança, e aplicação e distribuição dos recursos dela derivados. O que se vê, neste processo, é
a implantação de um modelo de gestão centralizado em uma única instituição, a SERLA, em
detrimento de uma gestão descentralizada e participativa como estabelecido pela legislação
nacional. Na prática, tal atitude diminui a relevância e urgência de planos e de comitês de bacias
11

hidrográficas, comprometendo e colidindo com os princípios estabelecidos na lei federal


(Machado, 2006). Um dos reflexos mais diretos desse processo é o esvaziamento da
contribuição do Conselho Estadual de Recursos Hídricos e dos comitês de bacias no processo
de tomada de decisão.
Outras incongruências podem ser observadas nos critérios de aplicação financeira oriunda
da cobrança, determinados por lei federal, portanto não passível de objeto de nova
regulamentação. No entanto, no Estado do Rio de Janeiro parece ter havido um desvirtuamento
deste princípio e a transformação da cobrança pelo uso da água num instrumento de
arrecadação – e não de gestão, como determina a lei nacional (Portela e Braga, 2006). A
SERLA realiza a cobrança desde o ano de 2004 e os recursos arrecadados ficam aplicados no
Fundo Estadual de Recursos Hídricos – FUNDRHI, visando ao financiamento da implementação
dos instrumentos de gestão de recursos hídricos de domínio do Estado do Rio de Janeiro. Dos
cinco10 comitês de bacia existentes no estado, no momento apenas dois (CBH Guandu e Lago
de São João) conseguem ter acesso aos recursos oriundos do pagamento dos usuários de água
da bacia hidrográfica de atuação do colegiado (fonte: entrevista, funcionária SERLA, julho de
2008).
A mais recente alteração na legislação estadual refere-se à lei Nº. 5234/2008 que altera os
critérios da cobrança pelo uso da água no estado do Rio de Janeiro. O projeto prevê que, a partir
de então, “os acréscimos de custo verificados nos processos produtivos previstos nessa lei
serão suportados pelas empresas, sendo possível o repasse aos consumidores”. O principal
impacto desta medida será no setor de saneamento, o mais importante usuário de água e
atualmente principal inadimplente do instrumento da cobrança junto à SERLA. Este usuário, que
responde por grande parte do volume de água captado, não pagava pelo uso da água sob a
alegação de que não conseguia arcar com este custo; porém, com a nova lei a CEDAE e outras
concessionárias poderão repassar os valores deste instrumento aos seus clientes. O repasse
decorrente da cobrança pelo uso da água pelos prestadores dos serviços de saneamento será
explicitado na conta de água do consumidor, sendo o valor recolhido ao FUNDRHI. A principal
motivação para esta alteração, apresentada pelos proponentes da proposta, é dar início a um
‘Pacto pelo Saneamento no Estado’, com o objetivo de atingir, parcialmente com as receitas da
cobrança, a meta de 80% de cobertura dos serviços de coleta e tratamento de esgotos num
prazo de dez anos.
Fato relevante, no entanto, foi a reduzida discussão dessa alteração na legislação por parte
da nova estrutura de gestão de recursos hídricos do estado. Apesar da falta de estudos

10
São eles: CBH Guandu, CBH da Baía da Guanabara, CBH Lagos de São João, CBH Macaé e CBH Piabanha.
12

detalhados sobre o impacto na conta dos consumidores finais (sob a alegação que será uma
contribuição irrisória), os comitês de bacia foram mantidos afastados do debate. Um detalhe que
merece ser citado é que durante as entrevistas com lideranças comunitárias da Baixada e com a
população residente da Bacia do Rio Iguaçu, ao indagarmos sobre a opinião que elas têm sobre
esta nova legislação estadual e sobre os impactos da cobrança pelo uso da água, em particular,
todos afirmaram desconhecê-la. Isso demonstra a distância mantida entre as etapas de reforma
institucional no setor de recursos hídricos e a opinião geral da população. Em nossas
entrevistas, ao serem informados da nova taxa e do repasse aos consumidores finais, a opinião
foi geralmente de descontentamento (embora nem todos sejam terminantemente contra pagar),
uma vez que há uma conjunção de serviço de abastecimento precário e degradação ambiental
generalizada. A população tem dificuldade de aceitar que, tendo sido vítima da falta de políticas
de desenvolvimento urbano, seja ela agora imediatamente chamada a pagar por investimentos
que, no passado, foram feitos nos bairros de maior renda. A complexidade da justificativa e da
implementação do instrumento da cobrança pelo uso da água será, sem dúvida, um dos pontos
centrais na apresentação dos resultados finais da presente pesquisa.

5.2 O Comitê da Bacia Hidrográfica da Baía de Guanabara e Sistemas Lagunares


de Jacarepaguá e Marica (CBH Guanabara)

Tendo por base as informações obtidas até o momento no nosso trabalho de pesquisa, foi
possível perceber que o início da mobilização para formar o Comitê da Baía de Guanabara
deveu-se à reunião periódica de um grupo de pessoas que representavam os interesses da
população do lado leste da Baía de Guanabara. Paralelamente, outro grupo iniciava os trabalhos
no lado oeste da Baía no sentido de estabelecer o seu próprio Comitê. A mobilização inicial,
portanto, visava à formação de dois comitês independentes, uma vez que as características
hidrográficas e socioeconômicas são marcadamente diversas. Contudo, as ações no lado oeste
tiveram um avanço muito mais tímido do que na zona leste; até mesmo os documentos de
solicitação de formação de um comitê que haviam sido enviados para o CERH foram perdidos.
Já o lado leste conseguiu que a formação do seu Comitê de Bacia fosse aprovada no CERH em
2003, com a assinatura de um decreto, já que o comitê é um órgão de estado, em 2005. Para a
surpresa de ambos os grupos:

“A governadora assinou o decreto mas disse: vocês pediram um comitê de


bacia só para o lado leste da Baía mas vão ganhar o lado oeste e mais duas
regiões lagunares: a de Jacarepaguá e a de Maricá. (...) A proposta inicial
13

era que seríamos um comitê com oito municípios e ganhamos dezessete”.


(fonte: entrevista, representante diretoria do CBH Guanabara, julho de 2008)

Com esta dificuldade adicional de ter que agregar inúmeros municípios em prol de objetivos
comuns de gestão de águas, o Comitê ficou durante hum ano e meio fazendo reuniões de
mobilização para agregar os atores interessados em participar. Além do mais, outro agravante
nesse processo era a grande extensão territorial abrangida pelo novo Comitê associada à
ausência de recursos financeiros para subsidiar suas atividades. É sabido que o Estado não
oferece o apoio necessário aos comitês estaduais para que estes se estruturem nos seus
primeiros anos de formação. Neste sentido, o CBH Guanabara, assim como outros comitês de
bacia brasileiros, apresenta uma série de deficiências relativas à infra-estrutura física e de
pessoal para operacionalizar o seu amadurecimento. A esse problema material, soma-se ainda a
falta de normas claras para o funcionamento dos órgãos de direção e questões relativas à
própria eleição e composição dos órgãos colegiados.
Cabe mencionar brevemente o impacto do instrumento da cobrança pelo uso da água, em
razão de haver uma clara opinião entre os membros do comitê que os recursos arrecadados
serão a principal alavanca para o processo de gestão participativa. Como dito anteriormente, a
SERLA iniciou a cobrança pelo uso da água em 2004 e a parte que cabe ao CBH Guanabara
(estimada hoje em hum milhão e duzentos e cinqüenta mil reais, embora parece haver
discrepâncias em relação a esses valores) está ainda retida no FUNDRI pela falta de um órgão
executivo na estrutura do Comitê. Para acessar este dinheiro, a solução mais imediata depende
de o Comitê estabelecer um convênio com alguma entidade (e.g. ONG), que se dispusesse a
prover o apoio administrativo através de um convênio entre o CBH Guanabara, SERLA e o
FUNDRI. Foi-nos dito nas entrevistas que um dos principais impactos dessa barreira burocrática
para fazer uso dos recursos da cobrança é o desestimulo à participação dos usuários de água,
principalmente porque muitos entendem que estão pagando apenas mais um imposto, já que o
dinheiro vai para o caixa do governo e não chega ao CBH. Outro fato relevante nesta questão é
que mesmo sendo considerado um instrumento importante “o Comitê se envolve muito pouco na
problemática da cobrança” (Fonte: entrevista, representante diretoria do CBH Guanabara, julho
de 2008).
Há também críticas quanto ao Plano Diretor de Recursos Hídricos da Baía de Guanabara;
este documento apresenta as bases conceituais e os subsídios técnicos para orientar a gestão e
foi concluído em 2005 como parte do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG).
Mesmo sendo considerado um importante instrumento de gestão, membros do Comitê reclamam
que o plano foi feito por uma empresa de consultoria engenharia antes mesmo de o Comitê
14

existir. Outra crítica refere-se ao fato de os órgãos ambientais não consultarem as orientações
propostas pelo plano quando há alguma intervenção a ser feita nos corpos hídricos da região;
por fim argumenta-se que o Plano contém inúmeras falhas pois parece ter sido feito com base
em um “copia e cola” de documentos existentes nos órgãos ambientais estaduais. Neste sentido:
“o Plano é o documento oficial de gestão da Baía de Guanabara mas este tem falhas, sim, e é
usado de acordo com a conveniência do Estado” (fonte: relato oral em reunião Câmara Técnica
CBH Guanabara, junho de 2008)

5.3 O PAC-SERLA

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) proposto pelo governo federal vem


sendo apresentado como “um novo conceito de investimento em infra-estrutura que, aliado a
medidas econômicas, vai estimular os setores produtivos e, ao mesmo tempo, levar benefícios
sociais para todas as regiões do país” (fonte: http://www.brasil.gov.br/pac/conheca). Para o
estado do Rio de Janeiro estão previstos recursos para investimento total na ordem de 89,5
bilhões de reais até 2010 e 75,8 bilhões após 2010 (Brasil, 2008). Dentre os diversos projetos
contemplados com recursos do PAC, atentaremos ao Projeto Iguaçu, também conhecido como
PAC-SERLA, por se tratar de uma grande intervenção com o propósito de realizar investimentos
em saneamento básico na região alvo de nossa pesquisa. Este Projeto é uma atualização11 do
Plano Diretor de Controle de Inundações da Bacia do Iguaçu-Sarapuí (normalmente chamado de
Projeto Iguaçu), formatado durante a implantação do ‘Programa Reconstrução-Rio’ no ano de
1996. Este plano privilegiou intervenções estruturais e ações institucionais complementares ao
Reconstrução-Rio necessárias para reduzir o risco de inundações na bacia e preservar os
recursos hídricos na região hidrográfica dos rios Iguaçu, Botas e Sarapuí. Passados mais de dez
anos da concepção desse plano, não ocorreram mais investimentos de vulto na Baixada, sendo
que poucas ações discriminadas deste Plano foram implantadas (SERLA, 2007). Além do mais,
agravaram-se as condições de ocupação das margens das áreas de nascentes (o número de
famílias a serem reassentadas, por exemplo, aumentou 2,5 vezes) e o assoreamento por lixo e
sedimentos.
Estimativas apontam que o montante necessário para atingir as metas propostas pelo
Projeto Iguaçu como um todo giram em torno de 800 milhões de reais, porém até o momento há
garantia de recursos somente para a conclusão da primeira etapa (esta fase privilegiará
intervenções estruturais e projetos de reassentamento e terá duração de dois anos e meio), ou
seja, aproximadamente R$ 270 milhões. Em apresentações sobre o Projeto, gestores da SERLA
11
Esta atualização esta sendo feita pelo laboratório de hidrologia da COPPE/UFRJ e ainda não foi finalizada.
15

envolvidos neste programa afirmaram que o maior problema não é só o fato de existir recursos
financeiros apenas para a primeira fase, mas também a forma de implementação das ações, já
que há uma grande dificuldade em conseguir articulação e cooperação entre as esferas (poder
público municipal, estadual e federal) e instituições de gestão de meio ambiente. O fato de
grande parte da água para abastecimento ter origem na Bacia do Rio Guandu torna ainda mais
delicada a condição de vulnerabilidade socioambiental e potencializa o surgimento de conflitos
entre localidades e grupos de usuários.
A população que será diretamente atingida pelas obras do PAC-SERLA e as lideranças
comunitárias da Baixada criticam o fato das decisões a respeito dos projetos serem tomadas
sem seu conhecimento e sem que possam expressar sua opinião. Os gestores do processo
argumentam que o PAC foi um programa do governo federal que exigia que os projetos fossem
apresentados com certa pressa e, uma vez que o Projeto Iguaçu estava disponível, o mesmo foi
apresentado ao governo federal sem que houvesse tempo hábil para ser discutido com a
população. Em relação às críticas de inflexibilidade administrativa, os gestores alegam que os
recursos são ‘carimbados’, ou seja, não existe a possibilidade de remanejar a verba de
determinada ação para outras demandas que vão surgindo ou caso haja resistências por parte
da população afetada pelas obras do PAC.
Um dos processos mais polêmicos na atual conjuntura de intervenções na Bacia do Rio
Iguaçu está relacionado à remoção de mais de duas mil famílias que vivem na beira dos cursos
d’água a serem dragados como parte das obras do PAC. Durante uma das reuniões que a
SERLA e a CEHAB realizaram com famílias de Belfort Roxo, verificou-se que há grande
resistência das famílias em mudarem para um conjunto habitacional que está sendo construído
no bairro Barro Vermelho - considerado violento na cidade por ser próximo a uma comunidade
(favela Gogó da Ema) onde há presença de tráfico de drogas e tiroteios constantes. Assim,
nessa reunião houve um duro questionamento quanto aos detalhes e desdobramentos das
intervenções do PAC-SERLA12; os gestores públicos responderam que casos mais polêmicos
serão resolvidos posteriormente e de forma individualizada, e que outras questões levantadas
ainda estavam em análise (e.g. quem seria os beneficiários de imóveis alugados, o morador ou o
proprietário). As dúvidas e incertezas, porém, são também criadas dentro da própria estrutura do

12
Os principais questionamentos foram: por que não utilizam um terreno baldio existente no bairro onde residem
atualmente para construir o conjunto habitacional; por que a SERLA e a CEHAB não perguntaram para eles antes de
iniciar a construção do conjunto habitacional se eles queriam residir no Barro Vermelho; por que não há a opção de
indenização pois o dinheiro gasto seria melhor aproveitado por eles comprando outro imóvel; por que só vão tirar os
moradores de um lado do rio; por que apartamento e não casa; houve muitas dúvidas sobre a metragem (distância)
das casas até a beira do rio que necessitarão de remoção inúmeras famílias estão sendo cadastradas sem ter ao
certo a informação correta sobre a real necessidade de serem reassentadas e por fim dúvidas sobre como fica a
situação dos comércios, igrejas ou casas alugadas.
16

governo estadual: apenas recentemente o Projeto Iguaçu recebeu o licenciamento ambiental por
parte da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente – FEEMA (fonte: site SERLA,
matéria publicada em 05/09/2008 e acessada em 12/09/2008).

5.4 Avanços e barreiras em termos de reformas institucionais

Em que pese o fato de os problemas de saneamento e gestão de recursos hídricos na


Baixada serem extensivamente conhecidos (em especial, redução da poluição e controle de
cheias), o debate retomou visibilidade em função do anúncio de investimentos públicos vultosos.
Ou seja, a iniciativa de realizar investimentos públicos nas principais bacias hidrográficas,
através de vários projetos e subprojetos do PAC, recoloca a Baixada Fluminense no centro do
debate nacional sobre a reforma do setor de saneamento e sobre gestão de recursos hídricos
em geral. Esse fato é altamente significativo, ainda mais quando se considera que existe um
processo de declínio na mobilização popular na Baixada desde os grandes protestos nas
décadas de 1970 e 1980. A atenção despertada pelos investimentos do PAC, somados à lenta
organização do sistema estadual de recursos hídricos, tem servido para reforçar a necessidade
de se discutir os processos de uso e conservação dos recursos hídricos dentro de um contexto
maior de uso do solo, desenvolvimento urbano e prática democrática em diferentes níveis (dos
problemas da comunidade às políticas nacionais).
Em termos de investimentos em infra-estrutura, se por um lado através do PAC há uma
retomada dos objetivos de iniciativas anteriores, tais como os programas Reconstrução Rio e
Nova Baixada, nossos resultados preliminares de pesquisa indicam que as novas iniciativas
reproduzem, em grande medida, vícios e distorções do passado. Em especial, a liberação de
verbas do PAC continua a ocorrer de forma desvinculada do planejamento de uso dos recursos
hídricos e mesmo dos planos diretores municipais. Baseado nos dados coletados na pesquisa
até o momento, os problemas institucionais – no que se inclui o modelo de gestão previsto na lei
estadual de recursos hídricos e a coordenação com iniciativas estruturantes e/ou projetos
públicos de grande impacto (como o PAC) - talvez possam ser (preliminarmente) descritos em
três áreas fundamentais, quais sejam:

1) fragilidade da nova estrutura de gestão de recursos hídricos


2) incertezas quanto ao alcance e à continuidade dos investimentos públicos, e
3) dificuldade de incorporar a pluralidade de demandas sociais.13

13
Favor notar que estas são observações ainda bastante preliminares e que deverão ser aprofundadas e melhor
embasadas ao longo da pesquisa, a qual se estende até o segundo semestre de 2009.
17

Em primeiro lugar, é flagrante a dificuldade de fazer funcionar o Comitê da Baía de


Guanabara como órgão gestor de recursos hídricos, pelo menos segundo o desenho atual, que
inclui uma extensa e heterogênea área de abrangência (i.e. zonas leste e oeste da Baía de
Guanabara e sistemas lagunares de Maricá e Jacarepaguá). Em sua fase inicial, o Comitê tem
enfrentado sérias dificuldades para recrutar e manter seu corpo dirigente, o que pode ser
demonstrado pela recente demissão da sua presidente (coincidentemente, apenas poucos dias
após ser por nós entrevistada em julho de 2008). A diversos desentendimentos internos quanto
ao seu papel, agenda e composição, soma-se a distância ainda existente entre o Comitê e os
grupos de usuários (bem como entre o Comitê e as prefeituras municipais na Baixada). Em
nossas entrevistas, ficou claro o ceticismo de alguns membros do Conselho Estadual de
Recursos Hídricos em relação ao futuro do Comitê da Baía de Guanabara. Em parte, as
fraquezas do sistema de gestão no Rio de Janeiro se devem à forma como a lei estadual foi
aprovada, o que resultou em um sistema débil e confuso, em particular quanto à finalidade e aos
valores da cobrança pelo uso da água. A isso se soma o fato de que o principal usuário de água
na região metropolitana (a CEDAE) ter se recusado, por razões aparentemente justificáveis, a
pagar pelo uso da água conforme previsto na lei. O resultado desse contexto tumultuado,
conforme reconhecido pela ex-presidente, “é que o Comitê não está ainda fazendo gestão de
recursos hídricos”.
Em segundo lugar, existe ainda um nível de incerteza quanto ao futuro de investimentos
como PAC. Não é difícil de perceber o ceticismo da população local, descrente com a forma
como projetos anteriores se desenvolveram, em especial com o alegado caráter ‘eleitoreiro’ do
programa. Como a execução dos projetos está ainda na fase inicial e tendo em conta as
intempéries do orçamento público brasileiro, existem dúvidas sobre a continuidade do programa.
Além disso, cabe mencionar que o projeto de drenagem e controle de cheias, sob coordenação
da SERLA, é na verdade uma versão reduzida de um projeto desenvolvido anos antes (Projeto
Iguaçu), que vem sendo atualizado somente depois de iniciada sua implementação. Ou seja, um
projeto desenhado há vários anos atrás e segundo critérios basicamente hidrológicos foi
desengavetado e através de oportunismo político passou a fazer parte do PAC. À questão de
incertezas sobre a continuidade do programa, acrescenta-se o fato de que os municípios
continuam com baixa capacidade de gerir o seu território, ainda mais de adotar uma gestão por
bacia hidrográfica. Iniciativas de redução de cheias e controle de poluição deveriam observar o
desenho e a dinâmica das bacias hidrográficas, mas na maioria das vezes é o limite municipal
que determina onde começam ou acabam as intervenções. Ou seja, municípios que dividem a
18

mesma bacia hidrográfica continuam tendo uma imensa dificuldade de perceberem o espaço da
bacia como uma unidade de gestão efetiva.
Esse ponto nos remete ao terceiro problema fundamental do processo de reformas de
gestão de recursos hídricos: a distância que existe entre metas e decisões tomadas pelos
centros gestores e os locais de execução. Especialmente em relação à população de mais baixa
renda e que ocupa áreas nas margens dos rios, existe uma nítida negatividade em relação às
aspirações e demandas individuais. Por exemplo, apesar de esforços de comunicação da
SERLA, nossas entrevistas com moradores identificaram um residual de descrédito em relação à
forma como as pessoas que vivem em áreas ribeirinhas serão transferidas para novas
habitações. Programas como o PAC, apesar de destinar recursos para potencializar a
participação popular e mobilização, continuam mantendo uma barreira estrutural entre
tomadores de decisão e população em geral, o que se agrava pelo fato do CBH Guanabara
nunca ter funcionado e pelo descrédito das outras organizações representativas (como no caso
das associações de moradores). Preservam-se as dificuldades que sempre marcaram outros
projetos, como no caso do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, sobre o qual Britto
(2003) menciona que “não existiram ao longo do desenvolvimento do programa canais
permanentes de interlocução com a sociedade. As informações eram divulgadas ou pela grande
imprensa ou em eventos esporádicos promovidos pela coordenação do programa”.

5. Conclusões preliminares

Os resultados iniciais da pesquisa apontam para uma recorrente dificuldade para se instituir
um planejamento de uso e conservação de recursos hídricos de forma a observar o espaço da
bacia hidrográfica e envolvendo de forma democrática os diversos grupos sociais. Os resultados
de mais de quatro séculos de intensa atividade agrícola, urbana e industrial continuam sendo
rios e solos em sério estado de degradação, ao passo que saneamento básico e salubridade
adequada ainda são fatores inacessíveis a significativas parcelas da população. Os
acontecimentos recentes na Bacia do Rio Iguaçu parecem indicar uma continuidade entres as
atuais iniciativas com uma longa história de transformações socioambientais e desenvolvimento
desigual na Baixada Fluminense. A mudança do marco regulatório de gestão de recursos
hídricos tem significado, em grande medida, uma reforma restrita, burocratizada e centralizada.
Se no passado recente, quando os municípios da região passaram por uma fase de expansão
urbana acelerada, a conservação dos mananciais hídricos esteve praticamente ausente, nos
últimos anos os recursos hídricos indiscutivelmente passaram a receber uma atenção maior.
Porém, há ainda grande dificuldade institucional para definir uma gestão pública que enfrente, de
19

modo eficiente e integrado, a degradação ambiental e as desigualdades sociais e espaciais que


sempre marcaram o uso e a conservação dos recursos hídricos na Baixada Fluminense.

Agradecimentos: A presente pesquisa é supervisionada pelo Prof. Dr. Henri Acselrad e conta
com apoio financeiro (parcial) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq). Os autores também agradecem o apoio de diversas instituições
governamentais e não-governamentais que contribuíram com dados e informações, e, de modo
especial, aos moradores da Baixada Fluminense que gentilmente tomaram parte em entrevistas
e discussões.

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