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limites à produção da moradia social


no centro de São Paulo
relatório final
pesquisa de iniciação científica PIBIC – CNPQ
faculdade de arquitetura e urbanismo da USP
2003

bolsista. Francisco Toledo Barros


orientadora. Profa. Dra. Ermínia Maricato
coorientadora. Profa. Dra. Maria Lúcia Refinetti Martins

1
agradecimentos
a todos entrevistados
e colaboradores da ‘máquina’
companheiros de trabalho
xu, carol, barba, taís, ...
e, principalmente, pacientes,
Malú e Ermínia

2
resumo

A presente pesquisa tem por objetivo identificar os limites,


barreiras e dificuldades enfrentadas tanto pelo poder
público, como por movimentos sociais, construtoras,
cooperativas, assessorias técnicas e arquitetos na produção
de moradia social na região central de São Paulo em
quantidade e qualidade arquitetônica adequadas.
Para tanto foram realizados quatro estudos de caso de
projetos habitacionais pertencentes a diferentes programas
de promoção pública, bem como uma análise da produção
habitacional privada promovida por construtoras e
cooperativas. Dentre os limites identificados, destacam-se os
ideológico-culturais, políticos, legais, técnico-profissionais,
arquitetônicos e de gestão dos programas habitacionais.
Estas barreiras puderam ser levantadas pelo estudo das
diferentes formas de produção pública e privada, realizado
através de depoimentos dos atores envolvidos, pela visita à
bibliografia existente e pela coleta específica de dados e
informações. Através do quadro de limites elaborado, torna-
se possível uma melhor compreensão das dificuldades
enfrentadas pela população de baixa renda na luta pelo
acesso à infra-estrutura urbana, equipamentos públicos e
serviços de qualidade: cidade a que todos temos direito.

3
sumário

1. presentação...............................................................................................................................................................................10
2. introdução.................................................................................................................................................................................12
3. proposta de trabalho....................................................................................................................................................................17

3.1 tema e justificativa...........................................................................................................................................................17


3.1.1 justificativa da ampliação do tema de trabalho............................................................................................................21
3.2 objeto e objetivo de estudo.................................................................................................................................................22
3.3 metodologia....................................................................................................................................................................24
3.4 cronograma realizado........................................................................................................................................................27

4. produtos da pesquisa.....................................................................................................................................................................28

4.1 estudos de caso da promoção pública.....................................................................................................................................28


4.1.1 apresentação dos estudos de caso & dos programas habitacionais......................................................................................28
estudo I: Madre de Deus.........................................................................................................................................28
estudo II: Riskalah Jorge........................................................................................................................................31
estudo III: 21 de Abril............................................................................................................................................34
estudo IV: Favela do Gato.......................................................................................................................................37

4.1.2 relação dos agentes entrevistados.............................................................................................................................40


4.1.3 o papel dos movimentos populares de luta por terra e moradia no centro...........................................................................42
4.1.4 limites à promoção pública......................................................................................................................................44
4.1.4.1 limites gerais..........................................................................................................................................44
4.1.4.1.1 limites ideológico – culturais...........................................................................................................45
pré-conceito e discriminação...............................................................................................................45
escala urbana: a segregação sócio-espacial.....................................................................................45
escala da unidade habitacional: a idéia de ‘habitação popular’.............................................................51
especulação e ‘entesouramento’: influências de um sistema econômico............................................................56

4
inércia operacional do poder público: manutenção da lógica vigente................................................................66
difícil articulação do povo encortiçado: imobilismo e espera pelo paternalismo estatal.........................................69
4.1.4.1.2 limites políticos............................................................................................................................72
4.1.4.1.2.1 limites da política formal....................................................................................................72
não há ‘vontade política’: conjuntura adversa e correlação de forças incipiente........................................73
falta de recursos: o discurso das limitações financeiras do estado..........................................................77
leis que não se aplicam: o discurso de que pouco se pode fazer diante da atual correlação de forças...............80
desarticulação dos diferentes níveis de governo: disputa pelos louros das unidades habitacionais....................84
o tempo da política: períodos das gestões, calendário eleitoral e o apagar da história adversária....................86
4.1.4.1.2.2 limites da economia política................................................................................................91
localização: o alto custo da terra na região central...........................................................................93
baixos salários e desemprego: não há renda que pague a habitação........................................................98
baixos salários e desemprego: não há renda que mantenha a habitação.................................................104
gentrificação: expulsão das famílias de baixa renda.........................................................................108
4.1.4.1.3 limites jurídico – legais.................................................................................................................120
lei de HIS: entrave a soluções inteligentes e econômicas.............................................................................120
uso misto: programas públicos não o comportam......................................................................................123
irregularidades fundiárias: dívidas, desvios e litígios de propriedade...............................................................125
burocracia: morosidade e demora nos processos públicos............................................................................127
4.1.4.1.4 limites técnico – profissionais.........................................................................................................129
poucos técnicos e despreparados: a fazer trabalhos nunca antes realizados......................................................129
tecnologia: haveria um novo ‘ovo de Colombo’?........................................................................................131
4.1.4.1.5 limites de gestão dos programas......................................................................................................134
operacionalização: estrutura ineficiente na gestão das ações.......................................................................134
relação inter-secretarial: atomização setorial e falta de integração...............................................................136
bases de dados: por onde e com quem começar?.......................................................................................137
estoque de terras: não há uma política fundiária favorável..........................................................................139
4.1.4.1.6 limites arquitetônicos...................................................................................................................143
casas de baixo custo: pequenas, mal iluminadas e superadensadas.................................................................143

5
4.1.4.2 limites aos programas habitacionais específicos...............................................................................................146
4.1.4.2.1 limites ideológico – culturais específicos...........................................................................................146
especulação produtiva: normalidade na exploração do operário da construção civil.............................................146
o sonho da casa própria: por que pagar por aquilo que não é meu?.................................................................150
relação estado – associações: dificuldades de uma relação parietária..............................................................155

4.1.4.2.2 limites políticos específicos...........................................................................................................157


4.1.4.2.2.1 limite da política formal específico.....................................................................................157
clientelismo: servir apenas aos meus eleitores...............................................................................157
4.1.4.2.2.2 limite da economia política específico.................................................................................159
cadastro de seleção das famílias: mecanismo de exclusão sócio econômica.............................................159
4.1.4.2.3 limites jurídico – legais específicos.................................................................................................161
lei 8666: limites à aquisição de imóveis privados pelo poder público..............................................................161
lei 8666: limites à contratação de assessorias técnicas...............................................................................164
4.1.4.2.4 limites de gestão dos programas específicos.......................................................................................167
participação popular nos programas: necessidade de melhor qualificação da prática...........................................167
participação popular na concepção arquitetônica dos projetos: pontual e deficiente...........................................171
moradias transitórias: pequenas e de má qualidade...................................................................................175

4.2 análise da produção residencial pelo mercado.........................................................................................................................177


4.2.1 capitalismo sem mercado................................................................................................................................................177
4.2.2 lançamentos de empreendimentos habitacionais pelo mercado.......................................................................................179
4.2.3 lançamentos de empreendimentos de ‘HIS’ pelo mercado..............................................................................................184
4.2.4 a produção por cooperativas habitacionais autofinanciadas............................................................................................187
4.2.5 limites à produção residencial privada......................................................................................................................190
4.2.5.1 relação dos agentes entrevistados.................................................................................................................190
4.2.5.2 limites à produção por construtoras e cooperativas autofinanciadas........................................................................191
4.2.5.3 anexo I : agenda para ampliação da produção de HIS pelo mercado.........................................................................205

4.3 conclusões finais: limites à produção da moradia social no centro de São Paulo...............................................................................210

6
5. bibliografia fundamental...............................................................................................................................................................214
6. Anexos.....................................................................................................................................................................................219
I projetos e fotos dos estudos de caso
II tabela dos limites à promoção pública
III tabela dos programas públicos e sua produção habitacional
IV tabela de cruzamento das informações de faixa de valor de imóvel e localização no centro
V pranchas: imóveis lacrados, mercado e cooperativas habitacionais autofinanciadas.

7
siglas:

AVC – Associação Viva o Centro


BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano
CEF – Caixa Econômica Federal
Fecoohesp – Federação das Cooperativas Habitacionais do Estado de São Paulo
Gov. Est. – Governo do Estado de São Paulo
MMC – Movimento de Moradia do Centro
MNLM – Movimento Nacional dos Movimentos de Moradia
MSTC – Movimento dos Sem Teto do Centro
MTSTRC – Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto da Região Central
PAC – Programa de Atuação em Cortiços
PAR – Programa de Arrendamento Residencial
PHRCSP - Programa de Habitações da Região Central de São Paulo
PMSP – Prefeitura Municipal de São Paulo
RMSP – Região Metropolitana de São Paulo
Sciesp – Sindicato dos Corretores de Imóveis do Estado de São Paulo
Seade – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados
Secovi / SP – Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Comerciais e Residenciais de São Paulo
Sedu – Secretaria de Desenvolvimento Urbano (integrante da presidência da república, gestão Fernando Henrique Cardoso)
Sinduscon – Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo
UMM – União dos Movimentos de Moradia
ULC – Unificação das Lutas dos Cortiços

8
tabelas:

tabela 1: quadro das ocupações na região central de São Paulo pelos movimentos de luta por terra e moradia.
tabela 2: domicílios particulares vagos dos distritos centrais de São Paulo
tabela 3: gestões governamentais por legenda partidária
tabela 4: evolução do preço do m² de terreno e do salário mínimo
tabela 5: renda familiar por faixas de salário mínimo
tabela 6: distribuição percentual do numero de famílias e moradores por estrato de renda familiar.
tabela 7: critérios para a definição do comprometimento máximo da renda familiar.
tabela 8: lançamentos habitacionais na RMSP por faixas de valor de lançamento
tabela 9: localização dos empreendimentos e unidades habitacionais lançadas pelo mercado nos distritos centrais.
tabela 10: unidades lançadas no centro por faixas de valor de lançamento
tabela 11: tabela comparativa dos extremos da produção habitacional pelo mercado
tabela 12: lançamentos residenciais de ‘HIS’ na RMSP
tabela 13: empreendimentos e unidades de HIS aprovadas pela PMSP durante o período de um ano
tabela 14: localização dos lançamentos residenciais de ‘HIS’ no centro
tabela 15: dados de exemplos da produção de cooperativas habitacionais de autofinanciamento
tabela 16: lançamentos habitacionais de cooperativas na RMSP por faixa de valor do imóvel
tabela 17: lançamentos residenciais de cooperativas habitacionais, cooperativas habitacionais de ‘HIS’ e ‘HIS’ em geral
tabela 18: localização dos lançamentos residenciais por cooperativas autofinanciadas
tabela 19: custos da construção habitacional – comparação aproximada entre promoção pública e privada
tabela 20: estimativas do déficit habitacional urbano por faixas de renda mensal familiar na RMSP

9
1. apresentação gerais a todos os programas habitacionais abordados, seguidos dos
limites específicos a cada um deles.

O presente relatório final de iniciação científica apresenta os


Findada a incursão pela promoção pública, adentramos na análise da
resultados da pesquisa intitulada “Limites à produção da moradia
promoção residencial pelo mercado. Tecemos inicialmente algumas
social no centro de São Paulo”, realizada entre setembro de 2002 e
considerações acerca de questões inerentes ao tema, para sua
outubro de 2003.
posterior caracterização por meio de dados sobre os lançamentos
imobiliários na RMSP e no centro de São Paulo: tratamos de números
Inicialmente, na Introdução, tecemos um breve apanhado histórico
da produção residencial em geral, de interesse social e por
acerca de questões que permeiam o tema da pesquisa: a moradia
cooperativas autofinanciadas.
das classes de baixa renda no centro de São Paulo.

Em seguida apresentamos os limites à ampliação da produção da


Posteriormente, no capítulo 3 - proposta de trabalho, apresentamos
moradia popular pelo mercado, identificados nas entrevistas com
os objetivos, a metodologia empregada na pesquisa, bem como o
dirigentes de entidades representativas do setor: empresários da
cronograma das atividades realizadas.
construção civil, cooperativas e corretores de imóveis. Como
complementação às informações das barreiras à produção
Mais adiante, no capítulo 4 - produtos da pesquisa, apresentamos os
residencial privada, reproduzimos, como anexo a “Agenda para
resultados dos trabalhos, iniciando pelos estudos da promoção
ampliação do mercado da moradia popular”, produto do seminário
pública, em que primeiramente caracterizamos os programas
de mesmo nome, promovido pela PMSP em novembro de 2002.
habitacionais abordados, os estudos de caso, os agentes
entrevistados e, mais especificamente, o papel dos movimentos
A conclusão dos trabalhos encontra-se no final do relatório, em
populares de luta por terra e moradia na região central. Daí,
capítulo à parte, e congrega, por meio de uma breve análise, o
partimos para o relato da identificação dos limites à produção
esboço de algumas possíveis leituras acerca dos limites
habitacional de promoção pública, a partir de depoimentos dos
identificados, bem como descreve a necessidade de posterior
agentes envolvidos na cadeia produtiva das moradias e sobre o
continuidade da observação e da análise do material coletado, para
conteúdo da bibliografia fundamental. A apresentação desses limites
que daí, conclusões mais assertivas possam ser traçadas.
organiza-se segundo temas e abrangência: primeiramente os limites

10
As leituras programadas realizadas no decorrer dos estudos e a
bibliografia de referência podem ser observadas logo após a
conclusão, e antes dos anexos, que contém os projetos de
arquitetura dos estudos de caso, bem como outras tabelas e imagens
complementares à pesquisa.

11
2. introdução Deixemos essa questão para ser analisada em momento mais
oportuno. Vejamos, então, características mais recentes da
Antes de adentrarmos na proposta de trabalho e nos resultados da dinâmica urbana na qual o centro de São Paulo se insere. Para
presente pesquisa, faz-se necessária uma breve abordagem histórica tanto, serão abordados os trabalhos de Flávio Villaça acerca das
da habitação das classes de baixa renda no centro de São Paulo1. estruturas territoriais e suas localizações intra-urbanas, bem como
Segundo estudos de Flávio Villaça, há indícios da existência de uma de sua constituição e movimentação.3
regra de ordenamento espacial das cidades brasileiras, que não
permite a ocupação habitacional das regiões consideradas centrais Ao observar as estruturas intra-urbanas de São Paulo, Rio de
por indivíduos não detentores de ‘poder’. Aqui, no caso das classes Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife, Villaça nos
de baixa renda, o econômico. apresenta a segregação sócio-espacial4 como uma tendência
Iniciaremos nossa breve incursão histórica nos anos mais próximos da estruturadora das metrópoles brasileiras, apontada pela localização
república, certos de que se adentrarmos em períodos mais remotos, das populações de alta renda numa “única região geral” da
como a fundação da vila paulistana, também encontraríamos metrópole. No caso de São Paulo, essa população concentra-se sobre
indícios da existência dessa regra de ordenamento espacial das o vetor sudoeste, tendo primeiramente se estabelecido nos bairros
cidades brasileiras, como relatado por Antônio Rodrigues Porto em de Campos Elíseos, Higienópolis e Avenida Paulista, ao final do séc.
“História Urbanística da Cidade de São Paulo”: “(...) Por essa época XIX. Esta localização deu “início então à clara ocupação do
[1560], já existiam numerosas casas em São Paulo; porém os índios quadrante sudoeste da capital pelos bairros de alta renda num
passaram a mudar-se para as aldeias de Nossa Senhora dos Pinheiros caminho que permanece até hoje e se firmou como um elemento
e de São Miguel”2. Infelizmente por hora não temos como objetivo básico na definição de toda a estrutura territorial da metrópole”5,
adentrar neste período histórico, nem dispomos de informações que até atingir na atualidade, Alphaville e Itapecerica da Serra, já
expliquem a saída dos nativos da recente vila paulistana. O que é distantes do centro e fora do município de São Paulo.
certo é que os detentores de ‘poder’ na época não eram eles, mas Ao mesmo tempo em que as populações de alta renda se expandiam,
sim os recém chegados europeus. movimentando-se ao longo de um eixo, em busca de novos padrões
habitacionais e urbanos, o centro econômico da cidade, inicialmente
1 3
A área central referenciada para esta pesquisa será aquela compreendida pelos Villaça, “Espaço intra-urbano no Brasil”, 1998.
4
dez distritos que compõem a Administração Regional da Sé: Bom Retiro, Pari, Brás, Compreenderemos como conceito de segregação sócio-espacial: “a alta
Cambuci, Liberdade, República, Sé, Bela Vista, Consolação e Santa Cecília. concentração de camadas sociais [de renda próxima] em determinada parcela do
2
Porto, Antônio Rodrigues. “História urbanística da cidade de São Paulo (1554 a espaço urbano”, proposto por Villaça, 1999: 224.
5
1988)”. 1992:11. Villaça, 1998: 196.

12
localizado no centro histórico, passou a seguir “o encaminhamento habitacional, agora com maior intensidade, como observado por
das camadas de alta renda, e ter as posições abandonadas ocupadas Suzana Pasternak Taschner:
6
pelo comércio e serviços orientados para as camadas populares.”
“Uma vez analisada a evolução dos níveis de pobreza, convém
Nas décadas de cinqüenta e sessenta “já eram notáveis os sinais de enfatizar a existência de novas tendências na distribuição espacial
estagnação [econômica] do centro principal e de formação de um da pobreza. Essas tendências já eram insinuadas pelas mudanças no
padrão de crescimento demográfico intra-urbano: se o anel
centro novo na região Paulista – Augusta.”7 Têm-se com o
periférico cresce a ritmo menor e a pobreza aumentou, certamente
deslocamento das atividades de comércio e serviço voltadas à
ela se realocou espacialmente. Se até os anos 70 a associação
população de alta renda, um processo de criação de novas
periferia-pobreza-população jovem espelhava um modelo de
centralidades, que se estende até a atualidade. Cria-se então um urbanização concentrado no loteamento irregular – casa própria –
novo paradigma de ocupação, que “pode envolver a região da autoconstrução, nos anos 80 a inflexão do padrão periférico do
avenida Faria Lima, a da marginal do Rio Pinheiros e até mesmo a crescimento urbano, aliada ao empobrecimento, sugere uma forte
avenida Luís Carlos Berrini.”8 presença de cortiços em muitos pontos da área central”.11
Villaça conclui que o habitualmente chamado processo de
“decadência” ou “deterioração” da região central, trata-se do O mais recente levantamento completo da população encortiçada na
“abandono do centro principal como local de emprego das camadas cidade de São Paulo (FIPE, 1993), indica na área da Administração
de alta renda; abandono de diversão, lazer e atividades culturais; Regional da Sé, a existência de 119.255 pessoas, em 4.441 imóveis
como local de compras e moradia”.9 Afirmando ainda que “(...) na encortiçados, o que representa aproximadamente 25% dos
década de 1980, os centros principais já estavam quase que moradores da regional.12
totalmente tomados pelas camadas populares”.10 A presença de cortiços na região central de São Paulo é dada desde
1870, e segundo os estudos de Nestor Goulart Reis, em 1900 o
Enquanto o comércio e os serviços da região central voltam-se para cortiço é forma de residência para um terço das famílias da cidade,
a população de baixa renda, o mesmo ocorre com o uso devido à chegada de imigrantes europeus, e ao êxodo rural
resultante da abolição do trabalho escravo.13
6
Idem: 265.
7
Idem: 278
8 11
Idem: 266. Taschner, 1998: 175.
9 12
Idem: 277. Taschner, 1994.
10 13
Idem: 283. Reis, 1994: pág. 15.

13
Desde o aparecimento dos cortiços, o tratamento pelo poder público As primeiras unidades habitacionais produzidas diretamente pelo
sempre foi, em via de regra, o descaso ou a realização de uma poder público voltadas para a população encortiçada se deram na
14
“limpeza urbana” com sua demolição ou remoção . gestão municipal de Luiza Erundina (1989-92) pelo Programa
Mais de um século depois, em 1985, na gestão municipal de Mário Habitacional para a População de Baixa Renda da Região Central,
Covas, o poder público passou a considerar o cortiço, sob o aspecto através do programa Funaps Comunitário. Essa iniciativa,
legal e político, como um grave problema habitacional. O Plano conquistada pela pressão dos movimentos populares de luta por
Habitacional do Município15 propõe a reabilitação de imóveis terra e moradia do centro, tem como resultado material a
encortiçados, através de programa de autogestão. São concretizadas construção de dois edifícios situados na Moóca e no Brás, através do
apenas intervenções diretas e pontuais, ‘não construtivas’, como a regime de mutirão autogerido. O primeiro destes, com 45 unidades,
assistência aos moradores para a individualização das contas de luz, nomeado “Madre de Deus”, foi finalizado em 1995 na gestão de
16
conforme a mudança de gestão e à conseqüente alteração das Paulo Maluf (1993-96). O segundo, de 182 unidades, sito à avenida
políticas habitacionais. Celso Garcia, teve sua obra interrompida durante as duas
administrações seguintes18 e retomada pela gestão de Marta Suplicy
Doravante nesse campo, a realização de planos e programas de ação (2001-04), sendo inaugurado em maio de 2003.
tornar-se-ia uma constante. Mas produziria apenas projetos pilotos
pontuais, em número relativamente pequeno diante da enorme No ano de 1997, com a crescente organização da população
demanda, se observados os dados coletados por Helena Menna moradora de cortiços na região central, deflagrou-se a ocupação de
Barreto Silva, entre os anos de 1965 e 1997 foram produzidas imóveis vazios nos bairros centrais, por movimentos sociais de
153.758 unidades habitacionais na cidade de São Paulo pelo poder reivindicação por moradia digna19. Foram ocupados 30 edifícios em
público17. Deste universo, apenas 2,59 % localizam-se próximas à três anos, com o objetivo de pressionar o poder público pelo
região central, enquanto que 61,50% das unidades se encontram nos cumprimento do direito à habitação de qualidade, bem como pela
extremos da zona leste da cidade. efetivação de uma política de habitação de interesse social com
participação popular nas áreas centrais20. Ainda em agosto de 2003,

18
Piccini, 1999: pág. 94,95.
14 19
Bonduki 1998: pág.41. Os movimentos de moradia referenciados para esta pesquisa são os seguintes:
15
Sachs, 1990: pág. 190. Movimento de Moradia do Centro (MMC), Movimento dos Sem Teto do Centro
16
Taschner, 1997: pág 61. (MSTC), Unificação das Lutas de Cortiço (ULC), Fórum dos Cortiços e sem teto do
17
Compreendidas a produção de COHAB, HABI e CDHU, segundo dados do centro e Movimento dos Trabalhadores Sem Teto da Região Central (MTSTRC).
20
levantamento realizado por Silva, Helena (tese de doutorado) 1998. Jornal do Fórum Centro Vivo, no. 1, jun. 2001.

14
havia aproximadamente 1.500 famílias habitando 15 edifícios país24. Esse programa desencadeou o desenvolvimento de alguns
ocupados21. projetos de reciclagem de edifícios na área central para fins
habitacionais, com a participação direta dos movimentos de moradia
O Governo do Estado na gestão de Mário Covas (1995-98), através da e assessorias técnicas. Em maio de 2001 um primeiro edifício, com
CDHU, criou o PAC - Programa de Atuação em Cortiços, que desde 54 unidades habitacionais, teve sua reforma concluída. Em agosto de
então desenvolveu e encaminhou propostas de intervenção em áreas 2003 havia um total de 380 unidades edificadas e 84 em obras,
encortiçadas de Santos e São Paulo, apesar de que estudos no apesar do cemnúmero de estudos realizados não aprovados pela
sentido da criação desse programa pela CDHU datam desde a criação CEF.
22
da companhia . Em agosto de 2003, o programa atua por meio de
Setores Globais de Intervenção, nos quais pretende construir novas A gestão municipal de Marta Suplicy apresentou em maio de 2001
unidades e reciclar imóveis encortiçados. Os recursos provêem do 1% suas propostas para atuação na área central e realizou um convênio
da arrecadação do ICMS estadual, e do BID - Banco Interamericano com a CEF com o objetivo de acelerar os imóveis em reforma pelo
de Desenvolvimento, que prevê um empréstimo de U$ 70 milhões PAR. Deste então tem implementado o Plano Reconstruir o Centro,
23
para o programa . Em agosto de 2003 encontravam-se edificados que trata da questão habitacional através dos PRHI, Perímetros de
348 apartamentos no Pari e em Santa Cecília, e 66 em obras no Reabilitação Integrada do Habitat, idealizados no Programa Morar
Cambuci. Perto, inicialmente formulado por movimentos de moradia e
assessorias técnicas. Outra forma de provisão habitacional é o
Em abril de 1999 a gestão de Fernando Henrique Cardoso no Governo Programa de Locação Social, que prevê a construção de 1607
Federal (1999-02), criou o PAR, Programa de Arrendamento unidades até março de 2005, das quais 486 encontram-se em obras,
Residencial, que, por meio da Caixa Econômica Federal, e o restante em fase de projeto.
disponibilizou R$ 880 milhões para o financiamento de habitações
para famílias com renda de três a seis salários mínimos, em todo o Verificamos que nos últimos quinze anos são apresentados à cidade
de São Paulo programas, iniciativas e recursos para a produção de
21
União dos Movimentos de Moradia, agosto de 2003.
22
“A bem da verdade, programas novos como os de ação em cortiços, operações
moradias de interesse social na região central. O resultado até então
urbanas, inovações tecnológicas e renovação urbana estavam em estruturação na alcançado: 955 unidades habitacionais edificadas25, diante da
Companhia desde sua fundação. O fato de não terem sido implementados indica
que, muitas vezes, os ‘programas em estruturação’ servem de espaço para a
contenção de demandas que não estão no horizonte de realização da Companhia,
24
ficando em estudo até que enfraqueçam”. Royer, Luciana. 2003:70. Publicado no sítio da Caixa Econômica Federal, junho de 2001.
23 25
Publicado no sítio da CDHU, outubro de 2001. Unidades edificadas pela PMSP, CDHU e CEF, até set de 2003.

15
premente demanda e dos objetivos do próprio poder público26,
encontram-se muito aquém do esperado.
Quais os impedimentos ou limites que tornam inviável o
atendimento da demanda e a concretização dos objetivos da
produção da moradia social no centro?
De modo que possa ser efetivada, de forma ampla, uma política
urbana que reordene a localização das moradias na cidade como um
todo, respeitando o meio ambiente e as áreas de mananciais.

É da identificação desses limites que pretendemos tratar no


presente relatório de Iniciação Científica.

26
A demanda habitacional e os objetivos do poder público serão tratados no
decorrer de nossos estudos

16
3. proposta de trabalho
- As novas habitações para população de baixa renda se
encontram em grande parte na periferia, em conjuntos
3.1 tema e justificativa habitacionais (produzidos pelo próprio poder público) ou
unidades autoconstruídas em diversas ocupações ilegais
O presente relatório de pesquisa de Iniciação Científica aborda os (GROSTEIN, 1998). Muitas são uma ameaça aos mananciais ou
limites impostos ás iniciativas do poder público e do mercado de localizam-se em áreas de risco. Resultam em custos elevados
reversão da histórica falta de qualidade e insuficiente quantidade de para o poder público pela demanda de nova infra-estrutura.
moradias voltadas à população de baixa renda na região central de - Moradores de cortiço pagam o “aluguel” mais caro da cidade –
São Paulo. R$ 13,17/m², enquanto que a média da cidade é de R$
Optamos por este tema de estudo, dentre outros que serão mais 9,00/m² (Kohara, 1999).
adiante apresentados, pois, é de se notar que a cidade de São Paulo - Nos últimos dez anos houve uma perda de 19,73% de
apresenta um quadro de demandas objetivas, que demonstram a moradores do centro para as regiões periféricas, que no
premente necessidade da produção destas moradias na região mesmo período tiveram um crescimento de 210,30%, em
central. Anhangüera/zona norte, e 97,92% em Cidade Tiradentes/zona
Essas demandas são aqui apresentadas pelo déficit habitacional, leste, segundo a sinopse preliminar do recenseamento
como por dados urbanísticos e demográficos da cidade de São Paulo: realizado pelo IBGE em 2000.
- Trabalham na região central 38,5% dos paulistanos (FIPE,
a) Déficit habitacional da cidade: 1995), obrigando a realização de milhões de viagens
pendulares diárias, sobretudo na periferia, resultando em
- Aproximadamente 2 milhões de favelados (FIPE 1993). sobrecarga no sistema de transporte.
- Aproximadamente 600.000 encortiçados, dos quais 119.225 na - 59,9% dos chefes de família que habitam a região central vão
região central (20% dos cortiços da cidade e 25% da população a pé para o trabalho, e 65% das famílias não têm automóveis
da região central) (FIPE 1993). (FIPE 1998).
- 4.384 moradores de rua, apenas nos bairros da Moóca, Brás, - Pressão dos movimentos de luta por moradia organizados,
Sé, República e Liberdade. (FIPE 2000). com aproximadamente 1500 famílias ocupando 15 edifícios
(UMM, setembro de 2003).
b) Dados urbanísticos e demográficos:

17
Ao lado das demandas objetivas, podem ser apontadas diversas - Experiências internacionais e nacionais que poderiam
potencialidades, que indicam a possibilidade do desenvolvimento de contribuir com o processo de formulação e gestão das
uma ampla produção de moradias de interesse social, de qualidade, propostas, como Bolonha, Lisboa (CLADERA, 1995), Havana
localizadas no centro: (PLAN MAESTRO DE REVITALIZACIÓN INTEGRAL DE LA HABANA
VIEJA, 1999) e Salvador (FERRAZ, 1993 e BARDI, 1994).
- 38.556 imóveis vazios no centro, dos quais 40 edifícios - Três programas públicos em andamento: PAC, Programa de
completamente desocupados (IBGE, 2000), possíveis alvos de Atuação em Cortiços, do governo estadual com US 70 milhões;
reciclagem ou reforma para fins habitacionais. PAR - CEF, Programa Arrendamento Residencial, do governo
- 784.066 m² de terrenos vazios – 4,9 % das áreas de quadras - federal, com R$ 880 milhões; Programa de locação social,
(PMSP/SEMPLA, 1999), potenciais áreas para a edificação de parte integrante do Programa Morar Perto, com U$ 32
moradias. milhões.
- Baixa densidade de bairros da região central - Pari: 53,2
hab/ha, Bom Retiro: 69,5 hab/ha, Brás: 76,2 hab/ha, Diante do quadro fornecido pelas demandas objetivas e
Cambuci: 82,3 hab/ha, e Sé: 101,2 hab/ha (IBGE1991). potencialidades, poderíamos concluir pela viabilidade de uma
- Trata-se de uma área totalmente servida por infra-estrutura, significativa produção da moradia de interesse social na região
dispensando grandes investimentos públicos para seu central, mas não é que ocorre.
adensamento.
- Experiências piloto de habitação de interesse social na região Diante destas contradições, é que notamos a necessidade de uma
central, realizadas durante a gestão Luiza Erundina como o abordagem mais cuidadosa da questão da habitação das classes de
projeto elaborado por estudantes e professores do Escritório baixa renda no centro. Pois esta demonstrou ser reflexo claro e
Piloto do Grêmio Politécnico da USP, em setembro de 1999. didático dos conflitos de classe social presentes na lógica de
Este projeto demonstra possíveis alternativas de funcionamento da cidade de São Paulo.
requalificação de edifícios (LABORATORIO INTEGRADO E
PARTICIPATIVO PARA A REQUALIFICAÇÃO DE CORTIÇO, 1999). Á partir da participação nos seguintes encontros: “Habitação no
- Presença de edifícios de valor arquitetônico ou histórico, que Centro de SP: como viabilizar essa idéia?”, organizado pelo
com o uso habitacional poderiam ser recuperados e LABHAB/FAUUSP em outubro de 2000; “Seminário dos Movimentos de
preservados. Cortiços” e “6º Encontro Estadual de Moradia Popular”, organizados
pela União dos Movimentos de Moradia de São Paulo, em março e
18
maio de 2001, respectivamente; e “Comissão Especial de Estudos - É possível a construção de unidades habitacionais com uma
sobre Moradia na Região Central”, realizado na Câmara Municipal de área útil aceitável diante dos atuais valores dos imóveis no
São Paulo, de maio a setembro de 2001, é que percebemos a centro e os valores dos financiamentos dos programas
presença de barreiras, problemas ou limites à produção de HIS, a públicos?
partir de questões levantadas por representantes dos movimentos de - As exigências dos órgãos financiadores aplicam-se à realidade
moradia, técnicos do poder público, arquitetos, engenheiros... das famílias de baixa renda?
sempre a tentar identificar quais são e qual é a mais importante - Há levantamentos, cadastros e bancos de dados dos cortiços e
barreira à produção de HIS no centro. imóveis ociosos, necessários para informar as intervenções e a
Enumeramos abaixo as questões levantadas nos eventos referidos, produção das moradias?
colocadas por agentes da cadeia de produção dessas unidades. As - Há uma legislação que possibilite a reabilitação e reciclagem
questões mais recorrentes foram: de edifícios com mudanças de uso (por ex. comercial para
residencial ou uso misto), ou que viabilize a reformulação de
- A moradia de interesse social na região central é tida como seu projeto arquitetônico?
prioridade nas gestões governamentais? - Há técnicos suficientes e qualificados para a realização de
- Estariam os atuais programas organizados na maneira mais uma produção ou reforma em massa e de qualidade destas
econômica para a produção em massa e de qualidade dessas habitações? Há tecnologia disponível no país?
habitações? A máquina estatal estaria preparada para esta - A população participa efetivamente dos programas públicos,
produção? Haveria uma integração entre as diferentes esferas ou estes são impostos de cima para baixo, anulando a
de governo (Federal, Estadual e Municipal), bem como entre importante sinergia gerada pelo trabalho participativo?
suas próprias secretarias? - As populações de baixa renda têm condições de permanecer
- Devido à recente realização de investimentos na região em seus novos imóveis, diante do atual estoque habitacional
central, ocorre uma revalorização dos imóveis27 que e de um mercado residencial restrito? Há sustentabilidade
impossibilita sua compra pelo poder público ou pelos econômica para manutenção física destes edifícios? 28
moradores?
27 28
Entre 1996 e 1999 o poder público investiu na região um total de 191,7 milhões de Há casos como o de Salvador (após a gestão municipal de Mário Kertesz) em que
reais, e a iniciativa privada 152,1 milhões de reais. Tais recursos foram aplicados parte da população original mudou-se da região central, devido à valorização
em reforma e reciclagem de edifícios para sala de concertos, teatros, museus, imobiliária resultante da realização de investimentos no entorno, ou em suas
centros culturais, shoppings centers, hotéis, viadutos, dentre outros. (ANDRADE, residências. In: “Limites do habitar: segregação e exclusão na configuração urbana
2001) contemporânea de Salvador e perspectivas no final do séc. XX”. Souza, 1999: 125.

19
- Estão previstos incentivos fiscais para a produção de moradias
de baixa renda na região central?

Como se pode observar, essas questões demonstram haver


contradições ue levantam a possibilidade da existência de limites à
produção de HIS no centro.
Diante de tantas e ricas questões, inicialmente confusas e dispersas,
é que percebemos a necessidade de sua documentação, organização
e sistematização.

Pois, qualquer ação que se pretende transformadora, e que trabalhe


para a superação de entraves à equalização da qualidade de vida de
toda a população, necessita, primeiramente, do conhecimento e da
apreensão de quais são, e de como funcionam esses mesmos
entraves. Para que, posteriormente, sobre o universo desses
entraves, então apreensível, possa ser realizado um planejamento,
também cuidadoso, dos caminhos e das ações a se realizar para sua
clara e definitiva eliminação.

É de apresentar o estudo que buscou identificar quais são e como


agem os entraves, ou limites à produção de HIS no centro, que, por
hora, tratamos.

O mesmo fenômeno ocorreu em Buenos Aires, In: Revista Urbs, ano IV, no. 21,
abril/mai de 2001: 40-46.

20
3.1.1 justificativa da ampliação do tema de trabalho Diante deste ‘mercado estreito’, que atende apenas as famílias de
renda superior a doze salários mínimos, as classes de baixa renda
No início dos estudos dos limites à produção da moradia social vêem-se portadoras de um bem pelo qual não conseguem se manter.
promovida pelo poder público no centro, deparamo-nos com diversas E, diante das dificuldades econômicas, elas vêem-se obrigadas a
barreiras a essa produção causadas por deficiências na produção de vender suas casas, como forma de sobrevivência, utilizando-se dos
residências promovidas pelo mercado imobiliário. recursos para manutenção de suas despesas diárias, ou
Essas barreiras são resultado da dificuldade de acesso à moradia simplesmente para se alimentar, ou “comer a casa” (segundo relato
pelas classes sociais com faixas de renda entre seis e doze salários de uma das lideranças populares dos movimentos de moradia:
mínimos. Não há meios relevantes de financiamento habitacional Verônica Krol).
para essas famílias, compostas por trabalhadores regularmente
empregados, como funcionários públicos, bancários, professores, Assim, as famílias de renda média, que teoricamente deveriam ter
etc. acesso à moradia através do mercado, usufruem dos recursos
públicos, que teriam de estar voltados às famílias de menor renda.
Há principalmente apenas duas formas predominantes de Desta forma, a presença de um ‘mercado estreito’ torna-se uma
financiamento: a de juros altos, cobrados pelo sistema bancário de barreira e até um limite à permanência das famílias de baixa renda
mercado, que permitem apenas o acesso de famílias de renda na região central.
superior a doze salários mínimos, e outra de juros mais baixos,
subsidiados, voltados para famílias de renda inferior a seis salários Para a abordagem do limite identificado, aqui denominado como
mínimos, através dos programas públicos de habitação. ‘mercado estreito’, foi necessária a realização de uma análise
paralela aos estudos dos programas públicos de habitação social no
Esta situação faz com que as famílias excluídas do sistema de centro, pois este limite se manifesta em uma esfera de produção
financiamento, busquem as moradias produzidas com recursos diferente da promoção pública. Trata-se de uma esfera diversa,
subsidiados voltadas às classes de baixa renda. regida por outra lógica, mas que também sofre conseqüências de
Esta ‘busca’ por moradias produzidas pelos programas públicos faz barreiras colocadas aos programas públicos, como veremos mais
com que seu valor de mercado se eleve, devido sua procura por adiante.
famílias de renda maior.

21
3.2 objeto e objetivo de estudo Nos estudos da promoção pública foram abordadas as diferentes
formas de condução das seguintes partes ou áreas do processo de
O objeto de estudo da presente pesquisa é a produção da moradia produção das unidades habitacionais:
social de promoção pública na região central de São Paulo, e a
produção habitacional através do mercado na Região Metropolitana - Contexto e elaboração da política de habitação e do espaço
de São Paulo. urbano, bem como dos programas habitacionais.
Trata-se de uma pesquisa que analisa a produção, compreendida - Financiamento – por exemplo: carência, faixa de renda,
como um processo que envolve os agentes responsáveis pela quantia de recursos, taxa de juros, subsídios (...).
materialização das unidades habitacionais. Sua observação permite - Realização do projeto arquitetônico - ex: com a participação
nos revelar questões inerentes à prática, ao como fazer, de fato. da população moradora, isolado da população moradora (...).
- Construção/gestão da obra – por exemplo: mutirão,
O objetivo do estudo é identificar os limites, barreiras ou terceirizada, autogestão (...).
dificuldades impostos à produção da moradia social no centro, em - Acesso às unidades habitacionais – por exemplo: cadastro
massa, com qualidade, e segundo as reais demandas e necessidades público e sorteio por entidades públicas, cadastro de
da população.29 pontuação por participação popular em movimentos populares
(...).
Para o alcance deste objetivo, dividimos o referido objeto de estudo
em duas partes consonantes: abordagem da produção da moradia Para tanto, abordamos os agentes envolvidos na condução das
social promovida pelo poder público, através do estudo de quatro diferentes partes ou áreas do processo de produção:
projetos habitacionais pertencentes a diferentes programas; e
abordagem da produção habitacional promovida por empresas e - Poder público: governos federal, estadual e municipal.
cooperativas privadas. - Financiador das habitações: bancos privados / fundos
públicos.
- Projetistas das habitações: assessorias técnicas / empresas
29
Compreenderemos como “edificação em massa”, a quantia necessária para uma públicas ou privadas
efetiva diminuição do déficit habitacional paulistano, atingindo taxas aceitáveis de
desocupação de imóveis da região central. A habitação “de qualidade” será - Construtores das habitações: construtoras privadas/
compreendida como o conceito de “moradia digna”, apresentada pelo Tratado dos mutirantes / mistos.
Direitos Econômicos e Sociais da ONU, ratificado pelo Brasil em 1992. Publicado
pelo Instituto Cidadania, no “Projeto Moradia”, 2000, contracapa.

22
- Usuários da habitação: movimentos de moradia / associações Pois, como veremos na conclusão dos estudos, a tarefa do
/ encortiçados / cooperados. apontamento de soluções aos limites identificados não cabe a apenas
uma pessoa, ela é essencialmente coletiva.
Na análise da promoção pelo mercado residencial visitamos
informações acerca da produção habitacional por construtoras e por
cooperativas autofinanciadas.
Para tanto, abordamos dirigentes das instituições de representação
dos agentes produtores: construtoras e cooperativas.

De modo a certificar-nos da clareza dos objetivos da presente


pesquisa, reiteramos: a pesquisa de iniciação científica aqui
apresentada se trata de um despretensioso estudo que visa apenas
identificar os limites à produção da moradia social no centro.

Portanto, nossa única questão base é:

Quais são os limites à produção da moradia social no centro de São


Paulo?

Assim, não nos cabe aqui a elaboração de profundas conclusões,


hierarquização e comparação dos limites, e muito menos, o
apontamento de soluções para os limites identificados.
Nosso objetivo é de documentar ou retratar um dado momento da
história através do ponto de vista dos agentes envolvidos na
produção da moradia social no centro. Trata-se exclusivamente de
uma pesquisa de base, que objetiva alimentar futuros trabalhos ou
atividades acerca do tema.

23
3.3 metodo Jorge”, com 167 unidades, localizado na região do vale do
Anhangabaú, reformado por empreiteira.

Partimos da premissa de que os estudos de caso de projetos


3 – Projeto habitacional em fase de projeto, integrante ao PAC,
habitacionais e a análise das formas de produção pelo mercado nos
Programa de Atuação em Cortiços – desenvolvido pela CDHU, pela
permitiriam identificar as barreiras mais relevantes à produção da
gestão de 95/98, 99/2002, 2003/2007 do Governo do Estado de São
moradia de interesse social na região central.
Paulo. Empreendimento “21 de Abril”, em fase de finalização do
projeto executivo, localizado no Brás, a ser construído por
Para tanto, foi construído ao longo do período da pesquisa um
empreiteira.
embasamento teórico mínimo referente às questões arquitetônicas,
urbanísticas e sociais que permeiam o tema de estudo, por meio da
4 – Projeto habitacional em fase de projeto, integrante do Programa
seleção, análise e fichamento de trechos da bibliografia fundamental
de Locação Social – desenvolvido pela Cohab – SP, pela gestão de
apresentada.
2001/2004 da Prefeitura Municipal de São Paulo. Empreendimento
“Favela do Gato”, em obras, com 486 unidades, localizado junto à
Concomitantemente, foram identificados os limites específicos e
foz do rio Tamanduateí, a ser construído por empreiteira.
comuns à produção da moradia social no centro de promoção
pública, por meio de quatro estudos de caso, a saber:
Os estudos da produção residencial pelo mercado foram subdivididos
em dois temas, segundo sua forma específica de produção:
1 – Projeto habitacional edificado, integrante ao Programa
Habitacional para a População de Baixa Renda na Região Central de
A – Análise da produção residencial por empreiteiras ou construtoras:
São Paulo –desenvolvido pela SEHAB, gestão de 89/92 da Prefeitura
empresas com fins lucrativos.
Municipal de São Paulo. Edifício “Madre de Deus”, com 45 unidades,
localizado na Moóca, erguido por mutirão.
B – Análise da produção residencial por cooperativas habitacionais
autofinanciadas: sociedades civis sem fins lucrativos.
2 – Projeto habitacional edificado, integrante ao PAR, Programa de
Arrendamento Residencial – desenvolvido pela Caixa Econômica
Federal, gestão de 99/2002 do Governo Federal. Edifício “Riskalah

24
Os estudos de caso de promoção pública e a análise da produção Pesquisa de campo:
residencial pelo mercado foi organizada em duas etapas consecutivas
- o “estudo preliminar” e a “pesquisa de campo”, a saber: Esta etapa complementou os dados antes levantados através de:

Estudo preliminar: - entrevistas com 19 agentes envolvidos na produção dos


estudos de caso da promoção pública e 3 dirigentes de
Tratou de acumular informações gerais a respeito dos programas entidades representativas do setor privado residencial
habitacionais nos quais se inserem os projetos habitacionais, e as (agentes públicos, privados ou associativos), totalizando 1.050
formas de produção privada de HIS, publicadas em periódicos, sítios minutos de depoimentos.
na Internet, publicações e pesquisas acadêmicas. Os produtos - coleta de dados e consulta a arquivos primários e
elaborados no estudo foram utilizados como subsídio para a secundários, como o banco de dados de lançamentos
“pesquisa de campo”, sendo estes: imobiliários da Região Metropolitana de São Paulo, no
período de jan. de 1992 a set. de 2002, elaborado pela
- levantamento das formas de produção específicas, e da Embraesp e o banco de dados de Projetos de Habitação de
política pública no qual ela se insere. Interesse Social aprovados pela PMSP.
- escolha dos projetos habitacionais a serem analisados (apenas - documentação fotográfica dos edifícios em estudo e de
nos estudos de caso III e IV). imagens relevantes à compreensão das questões trabalhadas.
- levantamento de dados existentes sobre cada estudo de caso
de promoção pública: histórico, projeto arquitetônico, Durante o segundo semestre da pesquisa, foi realizado um
organização da produção, etc. acompanhamento dos programas habitacionais em andamento,
- participação na organização do Seminário “Como ampliar o através da participação nas reuniões semanais da coordenação
Mercado de habitação popular? Construído uma agenda”. executiva da UMM – União dos Movimentos de Moradia, espaço de
- apoio à elaboração de um banco de dados de articulação dos movimentos de luta por terra e moradia, dentre eles
empreendimentos de HIS aprovados pela PMSP. os quatro movimentos em atuação na região central. Outro espaço
- análise do material para desenvolvimento de novas hipóteses de acompanhamento dos programas habitacionais, mais
e elaboração da pesquisa de campo. especificamente os promovidos pela PMSP, é Fórum do Centro, órgão
de participação popular criado pela municipalidade, para o
acompanhamento, discussão e elaboração de propostas dos projetos
25
em andamento na região central pela PMSP, no qual participamos de Para qualquer classificação de um limite de ‘maior relevância’ para
suas reuniões quinzenais. um ‘maior aprofundamento’, torna-se primeiramente necessária a
leitura, a apreensão do todo, do conjunto, do universo dos limites,
De modo a certificar-nos da clareza da metodologia empregada na para que depois, lançar mão de outros métodos de pesquisa. Tais
presente pesquisa, reiteramos: como análises, conclusões, comparações, soluções, hierarquizações
dos limites, quais não pretendemos aqui realizar.
Utilizamo-nos do método da ampla coleta de depoimentos dos
agentes envolvidos na produção das unidades habitacionais, pois são
estes que se encontram diretamente envolvidos com a prática, o
fazer, o materializar do dia a dia do processo de produção. Sendo,
portanto, os mais aptos a contribuir com qualquer questão referente
ao tema.
Trata-se de um trabalho próximo ao ‘jornalístico’, pois o quê se
realizou foi principalmente escutar, observar, redigir e documentar
limites já de conhecimento geral dos agentes produtores dessas
habitações. Realizamos, portanto, um trabalho de união,
aglutinação, organização e sistematização dos limites num mesmo
espaço, num mesmo documento.

Estamos certos de que a metodologia empregada foi responsável


pela identificação dos limites à produção da moradia social no
centro de forma superficial e passageira. Pois, diante da
quantidade, e da característica sistêmica dos limites identificados
(além das limitações de tempo para realização de nossos estudos:
um ano), tomamos o partido de realizar uma observação geral, um
sobrevôo do todo: do conjunto dos limites.

26
3.4 cronograma realizado

Atividade / Mês 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
seleção, análise e fichamento
bibliográfico

estudo preliminar

relatório parcial

pesquisa de campo
estudos da produção pelo
mercado
acompanhamento dos
programas

relatório final

27
4. produtos da pesquisa
- Agente promotor: Habi / Sehab – Secretaria de Habitação
e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura Municipal de São
4.1 estudos de caso da promoção pública Paulo, Equipe de Cortiços. Programa FUNAPS VERTICAL.
- Elaboração e gestão do programa: Realizadas “com a
4.1.1 apresentação dos estudos de caso & dos contribuição e participação do movimento de cortiços e
programas habitacionais de assessorias técnicas que desenvolviam trabalhos em
habitação popular especificamente para os movimentos
de habitação”, enquanto forma de “assegurar a discussão
Estudo de caso I
constante do processo de elaboração do trabalho, naquilo
que os projetos tinham de específico ou de sua
contribuição para uma política geral”. 30 O programa
tinha como objetivo “tratar da constituição e
implementação de instrumentos públicos de cogestão
entre poder público e movimentos populares e
Mutirão Madre de Deus: Projeto habitacional edificado, assessorias técnicas”.31
desenvolvido pelo Funaps Comunitário - Objetivos da promoção: “Intervenções de produção de
Vertical: PHRCSP - Programa de unidades novas, objetivando tratar da constituição e
Habitações da Região Central de São Paulo implementação de instrumentos públicos de cogestão
– promovido pela SEHAB, gestão de 89/92 entre o poder público e movimentos populares e suas
da Prefeitura Municipal de São Paulo. assessorias técnicas”.32 “Essas intervenções constituir-se-
ão exemplos referências a posteriores propostas de
recuperação dos bairros centrais, segundo diretrizes a
I.I Programa Habitacional:
PHPRCSP – Programa de Habitações Populares da Região
Central de São Paulo, Programa de Produção de Habitação de
30
Interesse Social. Comaru, 1998, p.17.
31
São Paulo, 1992; apud Comaru, 1998: 19.
32
São Paulo, 1992, apud Comaru, 1998: 19.

28
serem definidas em conjunto com SEMPLA, tanto para os I.III Projeto de Arquitetura
33
projetos públicos quanto para os privados”.
- Estágio atual do programa: finalizado. - Agente responsável: Pedro Sales, equipe de cortiços de
Habi, com coordenação de Cláudio Manetti.
I.II. Financiamento: - Forma de concepção: projeto realizado a partir de dados
sócio econômicos das famílias. Reuniões entre os
- Agente financiador: FUNAPS – Fundo de Atendimento à projetistas, comunidade alvo e assessoria técnica AD,
População Moradora em Habitação Subnormal. Fundo onde foram alteradas questões pontuais do projeto de
criado em 1979, pela gestão de Olavo Egydio Setúbal, arquitetura, técnica construtiva e materiais.
com o objetivo da aplicação de recursos públicos a fundo
perdido, para financiamento de soluções de problemas I.IV Construção
habitacionais da população de baixa renda moradora no
município de São Paulo. - Agente construtor: Associação Comunitária para o
- Forma de financiamento: Autogestão, onde os recursos Mutirão Madre de Deus, com assessoria técnica da AD –
são transferidos para, e geridos pela Associação Ação Direta.
Comunitária para o Mutirão Madre de Deus. Os - Forma de construção: Mutirão autogestionário, com mão
financiamentos são individuais, voltados para famílias de obra contratada para serviços específicos.
com renda entre 1 e 4 salários mínimos, com limite - Tipo de construção: edificação nova
máximo de financiamento de US$ 12.000,00 (atualmente - Processo de construção: Remoção das famílias para
em torno de R$ 42.000,00); dos quais aproximadamente outro local próximo à obra, onde habitaram em
US$ 8.571,00 (R$ 30.000,00) poderiam ser utilizados para alojamentos provisórios de madeira; demolição da antiga
a construção do imóvel, e U$ 3.430,00 (R$ 12.000,00) residência encortiçada; construção de um barracão de
deveriam ser utilizados para a aquisição da terra e infra- obras; edificação do novo imóvel.
estrutura. - Estágio de construção: inaugurado em 26 de novembro
de 1995.

33
Idem: 20.

29
I.V. Demanda habitacional
I.VIII Outros empreendimentos do programa habitacional
- Agente catalisador: ULC – Unificação das Lutas dos
Cortiços - “Mutirão Celso Garcia”: Avenida Celso Garcia, 182
- Forma de cadastramento: Habi, através da ULC. unidades.
- Informações sociais: 20 famílias de baixa renda
originárias de três cortiços, antes existentes no local, 25
famílias de baixa renda provenientes de outros imóveis da
região.

I.VI Projeto Arquitetônico

- Localização: Rua Madre de Deus nº. 769 Moóca.


- Terreno: 750m²
- Área construída: 2.691,64 m²
- Programa: duas lâminas paralelas, compondo 2 edifícios,
totalizando 45 unidades habitacionais, com
aproveitamento quase total do lote.
- Área útil das unidades: 59,81m²
- Técnica construtiva: Alvenaria estrutural

I.VII Custos

- terreno: R$ 440.025,82 / U$ 145.938,67


- construção: R$ 1.162.022,10 / U$ 409.162,71
- total: R$ 1.735.472,43 / U$ 61.1081,84
- unidade: R$ 38.566,05/ U$ 13.579,60
- m² total: R$ 644,76 / U$ 277,03
30
Estudo de caso II 347 empreendimentos, totalizando 41.545 unidades
residenciais, a um custo médio de R$ 19.511,00, por
unidade. Na mesma data, encontrava-se em fase de
análise, 537 novas propostas de produção de
empreendimentos, contendo 89.114 unidades residenciais
em todo o território nacional”.35 Em setembro de 2003
ainda encontra-se em funcionamento. Deverá ser
Riskalah Jorge: Projeto habitacional edificado, desenvolvido pelo
finalizado em 31 de dezembro de 2003.
PAR - Programa de Arrendamento Residencial,
elaborado pela Caixa Econômica Federal, gestão de
II.II Financiamento:
99/2002 do Governo Federal.

- Agente financiador: Caixa Econômica Federal,


II.I Programa Habitacional:
utilizando-se de recursos do FAR - Fundo de
PAR – Programa de Arredamento Residencial
Arrendamento Residencial, criado pela Lei Federal
10.188/2001.
- Agente promotor: Caixa Econômica Federal
- Forma de financiamento: Este programa se caracteriza
- Elaboração e gestão do programa: Caixa Econômica
pelo arrendamento de unidades habitacionais, destinadas
Federal
à famílias com renda mensal até 6 salários mínimos. O
- Objetivos da promoção: “O Governo Federal lançou este
financiamento tem duração de 180 meses, sendo que a
Programa para atender, exclusivamente, a necessidade
taxa de arrendamento mensal é de 0,7% do preço da
de moradia da população de baixa renda, dos grandes
unidade habitacional. Após esse prazo, as famílias têm a
centros urbanos. Esse público terá acesso ao Programa
opção de comprar o imóvel. O valor máximo do
mediante contrato de arrendamento residencial, com
financiamento por unidade do edifício Riskalah Jorge, foi
opção de compra ao fim do período”.34
de R$ 20.000,00 na data da concessão do arrendamento,
- Estágio atual do Programa: “Em andamento por todo
em setembro de 2003 é de R$ 32.000,00, apenas para os
Brasil, em 23 de abril de 2001, o Programa já envolvia
centros metropolitanos.
34
Sítio eletrônico da CEF: http://www.caixa.gov.br/casa/produtos/asp/par.asp
35
(20.10.2003) Ídem.

31
II.III Projeto de Arquitetura II.VI Projeto Arquitetônico

- Agente responsável: Arquiteta Helena Saia - Localização: Avenida Prestes Maia


- Forma de concepção: Com a participação dos futuros - Terreno:
moradores do MMC, em assembléias e reuniões. - Área construída: 7.472 m²
- Programa: torre única com 17 andares; 167 apartamentos
II.IV Construção de área útil média de 30m²; com sala/dormitório, cozinha
americana, área de serviço integrada e banheiro.
- Agente construtor: Cury Empreendimentos - Técnica construtiva: estrutura pré-existente em concreto
- regime de construção: mão de obra contratada armado e vedos em alvenaria, novas divisórias de gesso.
- Tipo de construção: reforma - Arquitetura (desenhos e fotos): favor ver no anexo
- Processo de construção: demolição das paredes e
instalações indesejadas, construção das novas divisórias, II.VII Custos
passagem das instalações, limpeza e lichamento da
fachada, acabamentos. - edifício:
- Estágio de construção: inaugurado em 24.01.2003 - reforma:
- total: R$ 4.124.900,00
II.V Demanda habitacional - unidade: R$ 24.700,00
- m² construído: R$ 552,00
- Agente catalisador: MMC – Movimento de Moradia do
Centro II.VIII Outros empreendimentos parte do mesmo programa
- Forma de cadastramento: CEF, através do MMC. habitacional
- Informações sociais: famílias com renda entre três e seis
salários mínimos provenientes de cortiços da região e de - “Fernão Sales”: Rua Fernão Sales n° 24; 54 famílias.
ocupação situada na rua do Ouvidor. - “Maria Paula”: Rua Maria Paula n°171; 75 famílias.
- “Banespa”: Avenida Celso Garcia n°787; 84 famílias.
- “Brigadeiro Tobias”: Rua Brigadeiro Tobias n°290; 84
famílias.
32
- Cerca de 1150 unidades, em 9 empreendimentos, em
negociação com a Caixa, por iniciativa dos movimentos de
moradia.
- Cerca de 880 unidades, em 11 empreendimentos, em
negociação com a Caixa, por iniciativa do Pró
Centro/Sehab.

33
Estudo de caso III - Para sua implantação o programa prevê
parcerias com municípios, ONGs, e
associações de moradores.
- O Programa contempla programas sociais de
apoio, complementares ao desenvolvimento
social e integração das famílias aos serviços e
equipamentos existentes.

21 de Abril: Projeto habitacional em fase de finalização dos


- Objetivos da promoção: “tem como objetivo melhorar as
desenhos executivos, desenvolvido pelo PAC - Programa
condições de habitabilidade da população que mora em
de Atuação em Cortiços, promovido pela CDHU –
cortiços, por meio de atendimentos diversificados. Tem
Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano
como foco principal as áreas centrais das grandes cidades
do Estado de São Paulo.
do Estado de São Paulo, onde se concentra a maior parte
dos cortiços. Áreas que, mesmo dotadas de infra-
III.I Programa Habitacional:
estrutura e equipamentos públicos e privados adequados,
PAC – Programa de Atuação em Cortiços
passaram, ao longo do tempo, por um processo de
transformação de uso, que levou ao esvaziamento e à
- Agente promotor: CDHU – Companhia de
deterioração de grande parte dos imóveis lá edificados. É
Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São
também objetivo do PAC induzir processos de
Paulo
requalificação urbana nos setores degradados onde se
- Elaboração e gestão do programa: SGPAC –
encontram esses cortiços” 36
Superintendência de Gestão do Programa de Atuação em
- Estado atual do programa: Levantamentos dos setores
cortiços.
básicos de Intervenção em finalização. Projetos diversos
- Atua através de nove diferentes “Setores
em andamento. (mais informações não disponibilizadas).
Básicos de Intervenção”, o projeto em estudo
situa-se no setor 4 – Moóca.

36
CDHU, 2002: 10.

34
III.II Financiamento: - Apartamento no empreendimento Pari A –
para os que recebessem acima de 3,5 salários
- Agente financiador: recursos do Governo do Estado e BID mínimos (com subsídio de R$ 10 mil)
– Banco Interamericano de Desenvolvimento. - Possibilidade de aguardar, em outro local e
- Aspectos do financiamento: convênio assinado em junho por conta própria, pela construção ou
de 2002, prevê o financiamento a 5 mil famílias, até reforma do imóvel (com subsídio previsto de
junho de 2006. Valor total desta etapa: US$ 70 milhões. R$ 10 mil), desde que comprovassem de
- Formas de financiamento: “Os tipos de atendimentos imediato – e também à época da
propostos pela CDHU, no âmbito do PAC, estão comercialização – a renda mínima exigida.
diretamente relacionados à situação sócio econômica das
famílias e ao seu interesse por uma solução habitacional III.III Projeto de Arquitetura
ou ajuda de custo. Especificamente para os moradores
do Hospital 21 de Abril, consistiram em”: - Agente responsável: escritório de arquitetura contratado
- Carta de crédito para compra de imóvel - Forma de concepção: a partir do programa requisitado
ofertado pelo mercado (limitada a R$ 45 mil), pelo edital de licitação do projeto de arquitetura
com subsídio de R$ 10 mil, financiamento de
até R$ 20 mil e o restante, se for o caso, III.IV Construção
sendo coberto com recursos próprios e/ou
FGTS do beneficiário. - Agente construtor: construtora, aguardando término do
- Ajuda de custo única de R$ 1,8 mil, prevista proj. executivo para licitação.
para pagamento de aluguel temporário, para - regime de construção: mão de obra contratada
famílias sem renda e também para - Tipo de construção: construção nova
interessadas nesse tipo de atendimento. - Processo de construção: demolição total do antigo
- Financiamento de imóvel da CDHU em outras hospital por empresa contratada e construção de novas
regiões da cidade, desde que disponível para torres residenciais
recomercialização. - Estágio de construção: hospital demolido, edital de
licitação de obra em formatação.

35
III.V Demanda habitacional - “Pulmão” ou “Pari A”: 320 unidades.

- Agente catalisador: ULC – Unificação das lutas de cortiços


- Forma de cadastramento: através da CDHU
- Informações sociais:

III.VI Projeto Arquitetônico

- Localização: Rua 21 de Abril, n° 569.


- Terreno:
- Área construída:
- Programa: 210 unidades habitacionais
- Técnica construtiva:
- Arquitetura (desenhos e fotos): favor ver no anexo

III.VII Custos

- edifício:
- reforma:
- total:
- unidade:
- m² constrído:

III.VIII Outros empreendimentos do programa habitacional

- “Pirineus”: Rua Pirineus, 28 unidades.


- “Cinema da Moóca”:
- “Prédio Ana Cintra”: rua Ana Cintra; 70 unidades.
36
Estudo de caso IV - Estágio do programa: 486 unidades em obras e 1.144 em
projeto e órgão gestor das unidades de propriedade
pública em formatação.

IV.II. Financiamento:

- Agente financiador: Fundo Municipal de Habitação e BID


“Favela do Gato”: Projeto habitacional em fase de licitação: – Banco Interamericano de Desenvolvimento
desenvolvido pelo Programa Morar no Centro – - Aspectos do financiamento: Encontra-se em tramitação
Locação Social, promovido pela Cohab – SP. a realização de convênio com o BID, para o
financiamento do “Programa Reconstruir o Centro”, sob
IV.I. Programa Habitacional: o valor total de US$ 167 milhões, dos quais quantia ainda
Programa Morar no Centro / Projetos Especiais / Locação indefinida deverá ser alocada no programa específico de
Social locação social. Desta quantia, 80% serão providos pelo
BID e 20% pela PMSP.
- Agente promotor: Cohab - SP - Formas de financiamento: Para beneficiários com renda
- Elaboração e gestão do programa: Cohab - SP familiar até 2 salários mínimos, o comprometimento com
- Objetivos da promoção: “Visa a ampliação da oferta de gastos de aluguel será de 10 % desse rendimento. Acima
unidades de aluguel compatíveis com as necessidades das de 3 salários mínimos, o comprometimento pode chegar
famílias e com a capacidade de pagamento. Pretende a 15 % do rendimento familiar (nesses casos, serão
também atender às pessoas sem condições de renda para admitidas famílias cuja renda per capta não ultrapasse 1
serem incluídas nos programas de aquisição ou “leasing” salário mínimo). Nos casos em que o valor calculado do
disponíveis, garantindo que possam permanecer no aluguel da unidade habitacional for maior do que aquele
Centro, onde estão suas fontes de renda ou redes de que a família pode comprometer de sua renda mensal,
solidariedade”. será concedido um subsídio pelo Fundo Municipal de
Habitação para suportar essa diferença.

37
IV.III. Projeto de Arquitetura IV.VI. Projeto Arquitetônico

- Agente responsável: Projeto Básico - Wagner Germano, - Localização: Na região da Foz do Rio Tamanduateí, onde
Cohab – SP. Projeto Executivo – Caio Amore, Assessoria hoje se localiza a favela do gato.
técnica Peabiru. - Terreno: área de 175.000 m²
- Forma de concepção: Elaboração do projeto a partir de - Área construída:
informações sócio – econômica das famílias e - Programa: O projeto prevê para o setor leste, numa área
apresentação à comunidade. de aproximadamente 51.700,00 m², a implantação de
condomínios residenciais para habitação de interesse
IV.IV. Construção social, resultando 486 unidades habitacionais distribuídas
em 04 condomínios; sistema viário público interno ao
- Agente construtor: construtora a ser contratada empreendimento; edifícios não residenciais destinados a
- Regime de construção: mão de obra contratada Centro de Educação Infantil, padaria, farmácia e banca de
- Tipo de construção: edificação nova jornal.
- Processo de construção: em estudos - Área das unidades: três diferentes tipologias, 81
- Estágio de construção: em licitação das obras quitinetes de 28 m², 243 de um quarto com 36,01 m² e
162 de dois quartos com 44,32 m².
IV.V. Demanda habitacional - Arquitetura (desenhos e fotos): favor ver no anexo
- Técnica construtiva: alvenaria estrutural sobre pilotis
- Agente catalisador: Habi - Centro
- Forma de cadastramento: em elaboração IV.VII. Custos (estimados)
- Informações sociais: Parte da demanda será preenchida
diretamente pelas 350 famílias moradoras da favela do - terreno: R$ 25.850.000,00 (inclui área do parque)
gato, as unidades restantes deverão fazer parte do - construção: R$ 16.887.000,05
estoque público de locação social. - total: R$ 42.737.000,05 (inclui parque público)
- unidade: R$ 34.750,00 (apenas construção)
- m² construído: R$ 807,00

38
IV.VIII. Outros empreendimentos parte do mesmo programa
habitacional

- “Baronesa do Porto Carreiro”: Rua Baronesa do Porto


Carreiro n°167, 23 unidades.
- “Olarias (Semab)”: Rua das Olarias esquina com a Rua
Araguaia, 140 unidades.
- “Metrô Belém”: Rua Toledo Barbosa esquina com Rua
Álvaro Ramos, 180 unidades.
- “Bresser XIV”: Rua Visconde de Parnaíba esquina com Rua
Ariri Bresser, 140 unidades.

39
4.1.2 relação dos agentes entrevistados I. Madre de Deus – PMSP/Gestão Erundina

1. Cláudio Manetti, arquiteto, Habi.


2. Reginaldo Ronconi, arquiteto, Funaps Comunitário.
3. Pedro Sales, arquiteto, Habi.
4. Joel Felipe, arquiteto, AD assessoria técnica.
5. Sidney Eusébio, liderança popular - ULC / UMM.

II. Riskallah Jorge CEF: PAR

1. /2. Marco Antônio, economista, CEF.


3. (não quis dar entrevista) Helena Saia, arquiteta, Helena
Saia arquitetos associados.
4. Kennedy, engenheiro, Cury Empreendimentos Imobiliários
LTDA.
5. Gegê, liderança popular, MMC - UMM.

Alguns entrevistados: Luiz Cavalcanti e sua filha, em sua casa, no Madre de Deus; III. 21 de abril – CDHU: PAC - BID
Sidney Eusébio em seu novo apartamento, financiado com carta de crédito da
CDHU.
1./2. Lia Ferreira, arquiteta, CDHU – PAC/BID
3. (não identificado)
4. (não contratado)
5. Sidney Eusébio, liderança popular, ULC - UMM
1 - Órgão do Poder Público/empresa promotores do Projeto Habitacional
2 - Financiadores
3 - Projetistas
4 - Construtores
5 – Moradores ou representantes dos movimentos populares

40
IV. Favela do Gato – Cohab: Locação Social

1.1 Margareth Uemura, arquiteta, assessoria presidência da


Cohab
1.2 Luiz kohara, engenheiro, assessoria presidência de Habi
1.3 Helena Menna Barreto Silva, arquiteta, vice-presidente
do Pró Centro
1.4 Carolina Pozzi, arquiteta, Habi Centro
2. (não contatado) BID
3.1 Wagner Germano, arquiteto, Cohab.
3.2 Caio Amore, arquiteto, Assessoria técnica Peabiru
4. (não contratada)
5. Sassá, morador da favela do gato

depoimentos complementares:

- Verônica Krol, liderança popular, Fórum dos cortiços e sem


teto de São Paulo.
- Isabel Cabral, arquiteta, Assessoria técnica Ambiente

41
4.1.3 o papel dos movimentos populares de luta por
terra e moradia

Cabe aqui, de forma deveras breve, antes de adentrarmos nos


limites identificados à produção de HIS pelo poder público, menção
específica aos movimentos populares de luta por terra e moradia.
São coletivos de organização, formação e atuação de base das
famílias de baixa renda que lutam contra as condições impostas pelo
sistema de relações sociais a que estamos submetidos, em busca do
direito de poder habitar, usufruir da cidade qual são parte
integrante.
A história dos movimentos de moradia que atuam na região central
tem origem na Moóca, na Associação dos Trabalhadores da Moóca,
desde fins dos anos 70. Atualmente são sete movimentos que atuam
na região central de São Paulo. Sua estruturação se deu a partir de
subdivisões do grupo inicialmente formado na associação acima
referida, chamado de ULC: Unificação das Lutas dos Cortiços. Daí, a
partir de seu crescimento e da necessidade de organização de mais
e mais famílias, é que o grupo inicial se desmembrou nos sete grupos
ao lado representados:

fonte: Sidney Eusébio (ULC) e Verônica Krol (Fórum dos Cortiços), maio de 2003.

A atuação desses movimentos na história dos programas públicos de


habitação social no centro (que trabalharemos a seguir) demonstrou

42
funcionar como espécie de ‘mola propulsora’ de ‘ignição’ e apresentamos abaixo uma tabela resumida dos edifícios e a
‘manutenção’ das poucas unidades produzidas. Se não fosse sua quantidade de famílias residentes:
atuação é certo que esses programas não teriam sequer saído dos
planos de governo e das peças orçamentárias. Tabela 1: quadro das ocupações na região central de São Paulo
O reconhecimento da importância dos movimentos populares na pelos movimentos de luta por terra e moradia.
condução dos programas habitacionais nos levou a participar das movimento localização distrito famílias
reuniões semanais da coordenação executiva da UMM – União dos 1 ULC Rua Sólon Luz 100
37
Movimentos de Moradia para o acompanhamento dos programas 2 ULC Rua Paula Souza B. Retiro 74
habitacionais a partir do ponto de vista da população organizada 3 MMC Rua do Ouvidor Sé 85
‘moradora’ dos estudos de caso. 4 Fórum Rua dos Fraceses Bela Vista 34
Ao todo participamos de 12 reuniões, quais foram todas relatadas, 5 Fórum Rua da Abolição Bela Vista 163
mas que por exigüidade de espaço e tempo, não cabe aqui 6 Fórum Rua Paulino Guimarães 98
apresentar, tornando-se possível fonte de dados e informações para 7 Fórum Av. Nove de Julho República 74
futuros trabalhos acadêmicos acerca do tema. 8 Fórum Rua Conde de São Joaquim 18

Os movimentos populares de luta por terra e moradia atuam 9 MSTC Rua Ana Cintra República 70
10 MSTC Bresser Bresser 18
pressionando a sociedade para que se altere suas formas de
11 MSTC Brigadeiro Tobias Bom Retiro 200
organização social que resultam na atual condição de sobrevivência
12 MSTC Rua Aurora 150
das famílias de baixa renda. Essa atuação se dá através de variadas
13 MSTC Rua Mauá 80
formas de ação política. São atos públicos, seminários, marchas,
14 MTSTRC Av. Pres. Wilson Ipirinaga 180
festas, panfletagens, incursões nos meios de comunicação e
15 MMTI Av. Pres Wilson Ipiranga 106
ocupações de imóveis que não cumprem sua função social.
total fam. 1450
Apenas para uma melhor apreensão da escala das ocupações de
ULC Unificação das Lutas dos Cortiços
imóveis vazios ou subutilizados no centro, ações de maior MMC Movimento de Moradia do Centro

repercussão política realizadas por esses movimentos, é que MSTC Movimento dos Sem Teto do Centro
Fórum Fórum dos Cortiços
MTSTRC Movimento dos Trabalhadores Sem Teto da Região Central
MMTI Movimento de Moradia dos Trabalhadores Independente
37
A UMM congrega movimentos populares de moradia de toda a cidade, inclusos Fonte: UMM – União dos Movimentos de Moradia
quatro dos sete movimentos atuantes no centro: ULC, MMC, MSTC e Fórum dos
Data base: 08.08.2003
Cortiços.

43
4.1.4 os limites à promoção pública Para a definição de quais trechos coletados deveriam constar no
presente relatório, buscamos escolher apenas a quantidade
4.1.4.1 limites gerais necessária e suficiente para a abordagem mais didática possível que
demonstre a existência do limite em questão.
Por diversas vezes os limites aqui apresentados foram repetidos por
Iniciamos aqui a apresentação dos limites, barreiras, dificuldades,
diversos agentes entrevistados, daí, escolhemos apenas aqueles
problemas impostos à produção da moradia social no centro de São
depoimentos que o melhor exemplificam. Para uma visão mais geral,
Paulo promovida diretamente pelo poder público.
quase quantitativa dos limites mencionados em todas as entrevistas
Os limites aqui identificados foram listados através dos depoimentos
realizadas, organizamos uma planilha geral dos limites à promoção
dos agentes envolvidos diretamente na produção das unidades
pública de HIS, que pode ser visitada ao final, no anexo.
estudadas e das bibliografias visitadas.
A apresentação dos limites está organizada segundo a classificação
que acreditamos mais compatível com os temas identificados.
A ordem estabelecida para a apresentação não remonta uma lógica
hierárquica de relevância dos limites. Buscamos apenas enumerá-los
a partir da maior para a menor abrangência do limite: trata-se
apenas de uma questão de escala.
Desta forma, iniciamos com os limites gerais à produção pública, ou
seja, trabalharemos primeiramente enumerando as barreiras
relevantes encontradas nos quatro estudos de caso realizados, para
depois discorrer sobre os limites específicos a apenas um ou mais
programas.
A organização da apresentação se dará pelos temas dos limites, que
chamaremos de seções. Cada seção será subdividida em itens–limite
mais específicos, ou apenas itens. Dentro de cada item a
apresentação se dá segundo a forma específica que melhor coube à
compreensão das questões a serem explanadas.

44
4.1.4.1.1 limites ideológico – culturais compreendendo aí política em seu estado mais genérico e irrestrito.
Mas, optamos aqui por classificá-los sob a ‘rubrica’ específica da
ideologia e da cultura, pois reservaremos a caracterização de limites
“O real não se apresenta claramente aos nossos sentidos. Por isso, ele comporta políticos apenas àqueles relacionados às questões da esfera da
diferentes versões ou interpretações. Entendemos por ideologia (Chauí, 1981:21) política formal e da economia política, como veremos mais adiante.
aquela versão da realidade social dada pela classe dominante com visitas a facilitar
a dominação. Essa versão tende a esconder dos homens o modo real de produção de
suas relações sociais. Por intermédio da ideologia, a classe dominante legitima as pré-conceito e discriminação
condições sociais de exploração e de dominação, fazendo com que pareçam Dentre os limites ideológicos e culturais pesquisados, destacamos
verdadeiras e justas. A ideologia surge no seio da classe dominante através do inicialmente aqueles encontrados no âmbito do preconceito e da
descolamento das idéias da realidade social (atomização das idéias) e consiste na
discriminação entre as diferentes classes sociais. Estes se
transformação das idéias da classe dominante em idéias dominantes em uma
apresentam em duas escalas diferentes, a urbana, resultante na
sociedade, em determinado período histórico”.
(Villaça38) “segregação sócio espacial”, e a do edifício, ou da unidade
habitacional, resultante na idéia de “habitação popular”.
Primeiramente trabalharemos com a escala urbana, a “segregação
Iniciamos a apresentação da identificação dos limites à produção da sócio-espacial”:
moradia social no centro pelas dificuldades geradas por posturas
ideológicas e culturais presentes em parte da sociedade paulistana. pré-conceito e discriminação
Trata-se de um tema amplo, que interfere de modo orgânico, direta escala urbana: a segregação sócio espacial
e indiretamente nas ações inerentes à produção da moradia social O preconceito e a discriminação dificultam e influenciam de modo
no centro. difuso e direto a presença da população de baixa renda na região
Devido à amplitude com que o conceito ‘ideologia’ pode se vestir e central. Diversos depoimentos revelaram esta realidade, que
suas diversas leituras, utilizaremo-nos daquele acima proposto por demonstra não haver consenso de que as classes de baixa renda
Chauí, através de Villaça. tenham também o direito de desfrutar da parte da cidade dotada de
É certo que as barreiras abaixo identificadas podem ser também infra-estrutura, em fim, do direito à cidade. Esta postura, de certa
classificadas de outras formas, simplesmente como limites políticos, forma, aponta que há por parte de alguns paulistanos uma
concordância com a segregação sócio espacial que organiza nossas
38
Villaça, “Espaço intra-urbano no Brasil”, 1998: 343. cidades, com a idéia de que a população de baixa renda tem direito

45
apenas de se localizar nas periferias, onde a infra-estrutura é organizado que representa os interesses dos proprietários de imóveis
precária ou inexistente. e de estabelecimentos comerciais da região central:
Luiz Kohara, responsável pela implementação do programa de
locação social da PMSP, gestão Marta Suplicy, é que nos relata essa “Há resistências [à presença da população de baixa renda no centro],
realidade: as maiores são por parte da Associação Viva o Centro. Você tem
sempre um discurso que você precisa ter diversidade. Mas eles ainda
“Acredito que primeiro nunca se desenvolveu de forma mais não entenderam que para ter diversidade você tem que aumentar
profunda de que morar no centro é um direito da população de baixa em todas as faixas. Eles estão achando que tem muita população
renda (...). Isso é um problema conceitual, acho que é grave, pois pobre, e que você precisa ter mais renda média”. (depoimento de
trabalhar pobre e periferia parece que tem muito a ver. Essa é a Helena Menna Barreto Silva, estudo de caso favela do gato,
primeira questão de fundo para mim, que é o básico”.(depoimento arquiteta, PMSP, Sehab - Pró Centro).
de Luiz Kohara, estudo de caso favela do gato, engenheiro, PMSP,
Sehab – Habi, gestão Marta Suplicy). “Questionamento tem [sobre a presença da população de baixa renda
no centro]. A Viva o Centro sempre achou um absurdo isso, que a
Cohab está colocando pobre para morar lá. Eles acham que tem de
Este ‘problema conceitual’ foi encontrado em diversos depoimentos,
varrer, varrer os camelôs. (...) Resistência tem, mas eu acho que são
dos diferentes agentes envolvidos na produção da moradia social no
de grupos muito localizados. A Viva o Centro é uma delas, que tem
centro, que representam diferentes classes sociais. Apresentamos lá suas resistências, não sei que outro grupo mais teria algum
abaixo trechos de entrevistas que revelam a existência desta trabalho no sentido de impedir. Apesar de que, da Associação Viva o
questão, resultante de posturas creditadas a ‘proprietários de Centro, eu nunca tenha visto nenhuma ação, mas tem a retórica, a
39
imóveis’, ou à Associação Viva o Centro , identificada como grupo forma como eles apresentam, tem algum preconceito ali, isso tem.
Mas na minha opinião nada que impeça essa ação efetiva de estar
promovendo moradia para famílias de baixa renda na região
39
“A Associação Viva o Centro nasce em 1991 como resultado da tomada de
consciência das mais significativas entidades e empresas sediadas ou vinculadas ao central”. (depoimento de Wagner Germano, estudo de caso favela do
Centro de São Paulo do seu papel de sujeitos e agentes do desenvolvimento gato, arquiteto, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).
urbano. Organizada como associação de caráter cívico e representativo, sem fins
lucrativos e rigorosamente apartidária, é mantida por contribuições regulares de
seus associados e mantenedores, pela venda de seus produtos e serviços e ainda por Quando os movimentos populares de luta por terra e moradia no
doações e contribuições outras. (...) Associação objetiva o desenvolvimento da
Área Central de São Paulo, em seus aspectos urbanísticos, culturais, funcionais, centro sentavam-se à mesa para negociar a compra de imóveis para
sociais e econômicos, de forma a transformá-la num grande, forte e eficiente
Centro Metropolitano, que contribua eficazmente para o equilíbrio econômico e população”. trecho extraído do sítio eletrônico da Associação:
social da Metrópole, para o pleno acesso à cidadania e ao bem-estar por toda a http://www.vivaocentro.org.br/vivaocentro/index.htm ,em 10.10.2003.

46
os empreendimentos de HIS do programa PAR, o limite do não gasta, pobre não tem dinheiro para comprar as coisas que os
preconceito e da discriminação teve de ser superado novamente: ricos têm. Então por essa razão, nós não poderíamos morar no centro
da cidade. E foi um embate muito feio. Foi uma reunião de quatro a
“(...) a gente sempre enfrentou dificuldades. Quando a gente vai cinco horas que durou, parece mentira”. (depoimento de Verônica
conversar com o proprietário, e fala que é uma associação, dos Krol, liderança popular, integrante do Fórum dos cortiços).
cortiços, dos sem teto: ‘ah não, pode parar, por que não quero nada
com essa gente’. Então a gente tem todo esses confrontos, não só “Os anos de 97, 98, 99 e 2000, foram os anos das grandes ocupações
nas negociações. Agora as escolas, os postos de saúde, até que na região central. Essas ocupações deram um impacto político na
pararam um pouco, até um tempo atrás não conseguia vaga na burguesia nacional e internacional, ligada ao capital financeiro,
creche, vaga na escola. Agora até que eles mudaram, mas nas como Banco de Boston (dentre outros), que atuam como
negociações continua. Os proprietários ainda acham que vender um representantes do neoliberalismo. Eles perceberam isso quando o
prédio para os sem teto no centro é crime”. (depoimento de MMC ocupou um prédio da Caixa Econômica Federal na Roberto
Verônica Krol, liderança popular, integrante do Fórum dos cortiços). Simonsem, e um do Banco Nacional, na Libero Badaró. Foi quando ela
[a burguesia] acordou e disse: ‘Pérai, tem alguma coisa errada’. Pois
quando ocupávamos apenas prédios públicos, como do INSS, da
Outros representantes dos movimentos populares, que enfrentam
Secretaria de Cultura, diziam que eram ocupações de movimentos do
diretamente este limite, creditam esta postura a uma classe social,
PT, só por não estarmos no governo. (...) Foi quando a burguesia se
a burguesia:
apercebeu disso. (...) Me lembro de uma frase no ‘Jornal Nacional’,
no sábado à noite, em que disseram : ‘as ocupações no Centro de São
“Eles [a burguesia] não pensam na questão do pobre morar no Paulo começam a mexer com o capital financeiro. Ontem à noite o
centro. Eles pensam que o centro tem que ser para os ricos, trazer os MMC ocupou o edifício do Banco Nacional, falido e resgatado pelo
ricos de volta, fazer Shopping. Trazer os hotéis, trazer turismo para governo federal, dizendo que se o governo teve recursos do Proer
o centro da cidade. Então eles estão planejando uma cidade de São para garantir a falência do banco, por quê não tem dinheiro para
Paulo turística, e não para a população pobre morar no centro. Isso é garantir a moradia?’ Como que avisando a burguesia: vocês estão
muito claro quando você lê as revistas da Viva o Centro, aqueles vendo, se cuidem que está aí. (...) Há uma dificuldade enorme de se
caras burgueses lá. (...) É engraçado, que quando nós ocupamos o enxergar isso, inclusive por parte de alguns movimentos de
Hotel São Paulo, em 1999, fui numa reunião do Conseg (conselhos de moradia”. (depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de caso
segurança), de todos os Conseg do centro da cidade. E eles ficavam Riskalah Jorge, integrante do MMC).
dizendo que nós pobres estávamos enfeando o centro da cidade. Que
nós não tínhamos o direito de ocupar prédio no centro. Que nós não
tínhamos o direito de reivindicar moradia no centro, por que pobre

47
“Para quem não analisou do ponto de vista ideológico, se não tiver louca. Pesada”. (depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto, estudo
essa consciência de luta de classes, de divisão de classes, está até de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab - Habi gestão Luíza Erundina).
hoje sem saber o que e porque essas coisas aconteceram”
(depoimento de Maria Nilce Ferreira Souto, in: “Intervenção “(...) outra questão conceitual é a visão da moradia. Eu acho que por
Habitacional em cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão Celso muito tempo nós trabalhamos (os técnicos, quem elaborava a
Garcia” Comaru, Francisco, 1998:156). política) que moradia eram as quatro paredes. É outra questão
conceitual que também leva para a periferia. Pois se são necessárias
A idéia de que as classes de baixa renda devam habitar na periferia, só quatro paredes, então onde sai mais barato (onde dá para fazer
encontra ressonância, até dentro dos movimentos populares de luta quatro paredes melhor) é melhor. Aí quando você traz o conceito de
que a moradia é o direito à cidade, e você extrapola isso: é
pela moradia:
transporte, é acesso, tudo isso daí. Então você muda a visão. (...) é a
questão dos acessos, é você ter acesso à educação fácil, saúde,
“Os movimentos perderam o norte da disputa, pois dentro da própria
transporte, uma série de questões”. (depoimento de Luiz Kohara,
UMM (na época do governo Maluf), tinha um setor que incriminava,
estudo de caso favela do gato, engenheiro, PMSP, Sehab – Habi,
ou incrimina até hoje quem quer morar na região central, sem ver a
gestão Marta Suplicy).
importância de valorizar a moradia na região central. Havia setores
do movimento que sempre combatiam isso. Afirmavam ser uma
“Tem questionamento sim [acerca da presença da população de
forma ‘pequeno-burguesa’ de viver, de morar no centro. Era coisa da
baixa renda no centro]. O próprio BID, o que eles colocam, é que
burguesia”. (depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de caso
realmente em certas áreas da cidade, se você quiser valorizar, você
Riskalah Jorge, integrante do MMC).
não pode ter habitação de interesse social, pois vai atrair população
de baixa renda. (...) Por que a lógica deles é a seguinte: mesmo que
Segundo representantes da PMSP e dos movimentos de moradia, a você subsidie muito a população de baixa renda para morar no
mesma postura pode ser encontrada dentro da máquina pública, centro, eles não são consumidores, portanto se você só tiver
bem como dos órgãos públicos de financiamento: população de baixa renda morando numa certa área, você não tem
outros serviços, de proximidade. Você só vai ter os serviços de
“Os procuradores da área jurídica da PMSP, com todas as letras, só proximidade compatíveis que são compatíveis com essa faixa de
não escreviam, mas diziam que ‘pobre não deveria morar no centro renda. Então você tem um problema geral. Então o que temos dito
da cidade’. Quase dizendo que isso é ilegal. Nós fizemos, os (nós também defendemos isso), é que tem que ter diversidade, a
arquitetos, vários pareceres jurídicos, para você ter uma idéia a idéia tem lógica. Então você tem que ter diversidade, a diversidade
loucura que foi. Era uma contra-corrente de uma forma assim muito social interessa também à população de baixa renda, por que senão

48
tende realmente a acontecer isso”. (depoimento de Helena Menna organizados, a presença da população de baixa renda no entorno,
Barreto Silva, estudo de caso favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab também não é tida como consensual:
- Pró Centro, gestão Marta Suplicy).
“(...) há dois exemplos: quando nós [mutirantes do empreendimento
“(...) achavam um absurdo [técnicos da Cohab], colocar essa do PAC – Cdhu na rua Pirineus e a assessoria técnica Ambiente]
população para morar ali, apesar deles já estarem morando ali, e a estávamos fazendo o mutirão e começou a demolição, (...) colocaram
reivindicação é para não sair dali. (...) Mas tinha algumas pessoas a placa do governo, da associação [dos futuros moradores do imóvel].
[técnicos da Cohab] que não entendiam isso, viam isso de uma forma Daí, vários vizinhos vinham e brigavam mesmo. Puseram na
muito crítica. Então, tinha toda uma ‘construção’ que tinha que ser imprensa, chamaram polícia, fizeram o que estava ao alcance deles.
feita, dentro até do próprio poder público”. (depoimento de Wagner Foram extremamente grosseiros, tratando-os como bandidos. Essa
Germano, arquiteto, PMSP, Sehab, Cohab, gestão Marta Suplicy). história toda, de achar que já que tinha povo ali, pessoal de baixa
renda, aquilo ia ser um cortiço. Então tem uma pressão ali do
“Eu sinto que eles [governo] não querem que a gente fique por aqui, entorno, da sociedade próxima dali, muito grande. Há uma
os encortiçados fiquem por aqui, na área central. (...) quem tem um resistência cultural muito grande: ‘não vamos nos misturar’. São
salário mínimo tem que morar na periferia, manda para a periferia, Paulo foi e é tratada desse jeito, a mistura nunca é bem vista, não
vai, manda para lá! É uma pessoa a menos aqui na área central, para que a gente espere que ela seja bem vista, mas há essa cultura
dar problema na área central. Vai ser uma pessoa a menos na rua. mesmo. Há uma resistência, muito grande”. (depoimento de Isabel
Por que se você não consegue pagar os dez salários mínimos, o que Cabral, arquiteta, Assessoria técnica Ambiente).
acontece? Ou vai para a periferia, ou vai ficar na rua jogado. Então
se o governo der uma casa para você, dentro da sua renda familiar lá “(...) houve até uma festa [conquista de terreno para mutirão, não
na periferia, onde Judas perdeu as botas, ele vai ficar livre de você viabilizado], de capinamento, de tirar muro. Mas no dia seguinte,
aqui. Então, ele [governo] não sente isso: a discriminação de que apareceu tudo [tapumes da obra] pintado de fascista, com coisas
encortiçado não tem prioridade em nenhum dos governos. nazistas. Havia uma reação bárbara não se sabe de quem. Se era da
Praticamente política para nenhum deles, eles não querem, são vizinhança, era muito pouco provável, pois era também de baixa
tantas as dificuldades que o movimento tem”. (depoimento de renda, cortiços. Mas havia isso, pois estávamos lidando com 12.000
Sidney Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21 de Abril, metros, três terrenos. (...) Eram 450 unidades, com uma densidade
integrante da ULC). legal”.(depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto, estudo de caso
Madre de Deus, PMSP Sehab – Habi, gestão Luíza Erundina).
Para os moradores ou instituições próximas dos empreendimentos
habitacionais de HIS, ou de imóveis ocupados por movimentos

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“A gente escuta cada coisa... Nós estamos sempre no convencimento. grande torre, um grande prédio, um grande Shopping no centro. Mas
(...) Eu recebo aqui pelo menos uma entidade (ong) por semana como é que a gente vai trazer o nosso convidado para cá, se a gente
dizendo: ‘Como vocês estão promovendo de trazer os pobres para tem vergonha de trazer um convidado dentro do nosso escritório? Eu
cá?’. Acontece às vezes nas entrelinhas, e mesmo o mais simples não tenho vergonha! É prostituição senhor secretário! (...) tem que
entendem. (...) É cultural. (...) E os alunos para quem dou aula limpar a praça”. (depoimento de representante da Ação Local João
também: ‘por quê que vou ficar pagando impostos para atender os Mendes, em 16.06.1997. in: Frúgoli Jr., 2000:93).
pobres?’, e olha que são da universidade”. (depoimento de Margareth
Uemura, estudo favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, “Dessa forma, ainda que possa influir por melhorias nos
gestão Marta Suplicy). equipamentos e serviços públicos do Centro, do modo até agora
estruturado, a ‘organicidade de baixo’ representada pelas Ações
“Os colégios particulares, as indústrias e moradores de classe média Locais tem acarretado uma atuação conservadora e policialesca, ao
40
do bairro apoiaram o despejo, por que ‘o casarão’ sempre foi uma demandar principalmente a expulsão de uma população
exposição da miséria brasileira, como também um local de tráfico de ‘indesejável’, que sobrevive nas ruas, sendo esta tendência, ao
drogas, usado pelos passadores de drogas, portanto não teve menos até aqui, a predominante”.(Frúgoli Jr., 2000: 95).
nenhuma sensibilidade ao sofrimento das famílias. (...)”. (Habitat
International Coalition, Estratégias populares en los centros Ainda, segundo Audefroy, em ‘Estratégias populares en los centros
históricos, vol1.,1998: 5). históricos’, e Maricato, nos debates da Comissão de estudos sobre
habitação na área central, realizada em 2001, na Câmara Municipal,
O mesmo limite revela-se agora nas palavras de um integrante da
a imprensa também coopera para a difusão deste conceito acerca da
Ação Local João Mendes41, um comerciante, que nos indica e
população de baixa renda:
confirma a existência do preconceito, seguido de comentário e
Heitor Frúgoli Jr. acerca dessas entidades, em “Centralidade em São
“Outro problema encontrado é relativo à imprensa, é sua
Paulo: trajetórias, conflitos e negociações na metrópole”: agressividade com a população de baixa renda. A imprensa põe em
evidência a ilegalidade das ocupações, relacionam-nas com o tráfico
“O que tem que acontecer no nosso Centro aqui em São Paulo, na de drogas, e os habitantes destas ocupações são tratados como
minha opinião, é faxina, é limpeza. Depois sim, para vir algum delinqüentes”. (Audefroy, in: Habitat International Coalition,
construtor, que tenha o maior interesse em construir aqui uma Estratégias populares en los centros históricos, vol1.,1998:23)

40
Imóvel situado nos Campos Elíseos, antes ocupado por famílias de baixa renda,
alvo de um despejo pelo Governo do Estado.
“A ocupação de terra é admitida de uma forma hipócrita. Essa
41
Forma de organização de base da Associação Viva o Centro. hipocrisia, reforçada pela mídia, é tão grande que, quando a

50
ocupação é de um prédio abandonado no centro da cidade, trata-se
como uma comoção, porque pobre no centro não pode. Mas lá na Já Lefebvre credita a segregação sócio-espacial à toda a sociedade
várzea do Tietê pode. Ocupar área frágil ambientalmente, protegida capitalista:
por lei, arriscando a ser levado pela enchente a cada período de
chuvas, isso é permitido”. (Maricato, in: Relatório final da Comissão “A sociedade capitalista ‘tende a separar umas das outras suas
de estudos sobre habitação na área central, 2001:84) próprias condições’.O efeito de separação é inerente a essa
sociedade, à sua eficácia; ela se funda, praticamente, na divisão
Os depoimentos abaixo transcritos demonstram a existência de uma social do trabalho, levada ao extremo pelo intelecto analítico. A
ideologia, que é propagada por uma determinada classe social, a separação manifesta (projetando-as no campo, tornando-as
burguesia. Esta realidade é confirmada nas conclusões dos estudos evidentes) as contradições internas da sociedade, inacessíveis aos
de Villaça, em “Espaço intra-urbano no Brasil”: sentidos. Quando separa elementos da população, tal segregação
pode ter vantagens para o capitalismo; quando sai de certos limites,
“A segregação espacial das burguesias é um traço comum presente a operação dissociante não ocorre sem inconvenientes. (entre aspas
em todas nossas metrópoles. Trata-se de um aspecto de Marx, Cf. Teorias da Mais valia, t.II p. 488s e Obras escolhidas, II,
excepcionalmente importante para a compreensão das estruturas 1, p.260. in: Lefebvre, A Cidade do Capital, 2001:143).
espaciais. É um processo que está longe de ser uma particularidade
das décadas recentes e de uma eventual atuação do capital
imobiliário ou das leis de zoneamento contemporâneo. Ele vem se pré-conceito e discriminação
constituindo no Brasil há mais de um século”. (Villaça, “Espaço intra- escala da unidade habitacional: a idéia de ‘habitação popular’
urbano no Brasil”, 1998: 327). O preconceito e a discriminação sobre a população de baixa renda,
também atua sobre o conceito ideológico de ‘habitação popular’,
“(...) os homens não disputam enquanto ‘indivíduos’, mas enquanto
que é constantemente aplicado na projetação e edificação das
classes, e essa disputa determinará a estrutura intra-urbana em
unidades habitacionais voltadas para as classes de baixa renda. Este
qualquer modo de produção – não apenas no capitalismo – em
qualquer sociedade de classes (...)”(p.333). “As camadas de alta
conceito, pré-concebido, é dado como imutável, e acaba por
renda controlam a produção do espaço urbano por meio do controle distorcer e influenciar de modo difuso e direto a qualidade, a
de três mecanismos: um de natureza econômica – o mercado, no dimensão e a aparência das unidades habitacionais produzidas.
caso, fundamentalmente o mercado imobiliário; outro de natureza
política: o controle do Estado, e, finalmente, através da ideologia”. Diversos depoimentos revelaram a existência deste limite a uma
(Villaça, “Espaço intra-urbano no Brasil”, 1998: 335). produção de qualidade das moradias populares no centro. É uma

51
constante a ideologia de que a população de baixa renda pode rápida. Isso é uma falácia, porque se fosse verdade esse caminho, eu
apenas ter acesso a habitações baratas, e que isso deve resultar duvido que a gente não tivesse resolvido, desde a época do BNH que
necessariamente em unidades pequenas e de má qualidade se propôs a estimular a construção civil e a enfrentar a questão da
quantidade. Então é uma falácia, mas que a gente topa, porque a
construtiva. Estas ‘habitações’ são consideradas ‘normais’ ou
única voz que empurra é o mercado. E não faz da forma que seria
‘coerentes’ com as ‘condições em que vivemos’, negligenciando o
compreender aquela comunidade culturalmente, socialmente,
fato de que este grupo social também tem o direito de usufruir
financeiramente, olhar o sítio adequadamente e fazer para aquela
unidades dotadas de uma área mínima por pessoa, de uma qualidade comunidade um projeto que a atenda. E você não faz isso, e isso foi
construtiva que cumpra suas necessidades, bem como de uma o que você jurou que ia fazer, quando você se formou. Quando você
aparência que siga os anseios de seus habitantes. se formar, você vai fazer um juramento lá que é isso. Mas daí você
não faz, e você só atende a um grande senhor que é o mercado.
Destacamos abaixo, trechos do depoimento de Ronconi, arquiteto Então essa falta de compromisso, de inteligência, que a nossa
coordenador do programa Funaps Comunitário, da PMSP, gestão categoria aporta com o problema, eu acho que é uma grande
Luíza Erundina, que explicita a existência deste limite: loucura. Bom isso não é culpa dos arquitetos, a sociedade inteira vê
a habitação popular dessa forma, porém a nós cabe uma
responsabilidade importante. Você pode até falar, o Reginaldo está
“Eu acho que uma questão cultural que é violenta é o estigma que
viajando por quê está falando confortavelmente, por que não está
você tem da casa popular. (...) Uma pessoa nasce e já sabe que casa
vivendo do mercado. Mas vivi do mercado há muito tempo então eu
popular é um quadradinho, com um triângulo encima, e é tudo igual,
tenho tranqüilidade em dizer isso. É difícil, mas você tem que
colocado num terreno plano, sem árvores, sem nada. E isso é no
enfrentar essa questão, e tem de criar parâmetros para reverter
Brasil inteiro, em qualquer lugar que você vá, você reconhece o
esse quadro. Enquanto a gente tiver uma ação política dominante
conjunto popular, e reconhece por essa falta de qualidade, por essa
apoiada nesse quadro, em que habitação popular é a restrição da
falta de inteligência colocada no projeto. Porque se você analisar um
qualidade, por que é assim mesmo, porque é gente que não tem
absurdo desses, não significa que ela custou barato, ás vezes ela
dinheiro. O prejuízo social que isso causa é enorme. Eu defendo o
custou e custa para o poder público muito caro. Porquê ela não custa
subsídio porque sempre vai ter gente fora da faixa de salário que
só na hora que ela é mal feita, mas custa depois para corrigir
possa resolver o problema de moradia por si só. Agora, muita gente
problemas que quando o conjunto é ocupado, começam a aparecer.
ataca o subsídio, por que imagina que o subsídio é voltado para
Então essa questão cultural, ela é complicadíssima, e a nossa
aquela família, e no fundo, quando você projetar um conjunto
categoria, dos arquitetos, se recusa a aportar inteligência para esse
habitacional adequadamente, com qualidade de desenho, não é jogar
problema, e ficam correndo atrás do que o mercado dita. Então
dinheiro fora, mas é botar a inteligência onde tem de ser, você não
querem o material mais barato, a casa mais barata, a casa mais

52
está beneficiando só aquela família, a sociedade inteira é (depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto, estudo de caso Madre de
beneficiada. O entorno próximo é diretamente beneficiado, a deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza Erundina).
sociedade que vai ter pessoas com capacidade de desenvolvimento
maiores, por que isso está intrinsecamente ligado ao lugar que você “A dificuldade maior foi na questão de verba. Por que a gente tinha
vive, também vai estar recebendo parcelas desse subsídio. Na orçado um valor e estourou esse valor, em reforma você tem muito
medida em que as pessoas dormem melhor, vivem melhor, seus imprevisto pelo caminho. Você não sabe o quê que vai aparecer.
filhos estudam melhor, ela sai melhor para o mercado de trabalho, Você começa a quebrar uma parede e caem três ou quatro, esse é o
produzem mais, bom, é um ciclo. Então essa questão é cultural, grande problema. O problema financeiro foi um obstáculo grande
agora que a gente vai abrindo os raios dessa questão, você vai vendo para a gente. No Par não há aditamento, e você tem valor fixo, que
como ela é cultural, e como ela é importante. (...) O ideal é que fica fixo até o fim. E no final a construtora arcou com os custos que
você pudesse ter uma... é isso, eu não sei se aquilo é popular ou teve extra, e está arcando até hoje. Tem algumas manutenções, as
não, isso aqui é bonito, e isso que podia ser para todo mundo. E isso vezes é uma água que vaza: está tendo manutenção. A tendência da
não significa jogar dinheiro fora, significa botar a inteligência como manutenção é piorar, pois o pessoal vai começar a morar, e os
um investimento. Então eu acho que esse é um problema problemas vão aparecendo. Obra sempre tem problema, ainda mais
complicado”. (depoimento de Reginaldo Ronconi, arquiteto, estudo reforma. (...) É complicado, por que você nunca vai ter duas
de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab, Funaps Comunitário, gestão reformas iguais. Fica aquela discussão de tentar reaproveitar ao
Luíza Erundina). máximo aqueles insumos, em vez de trocar, por causa do custo.
Estamos muito presos no custo, por que o ‘PAR reforma’ está
Logo abaixo reproduzimos novos trechos de depoimentos de agentes limitado R$ 35 mil cada unidade, enquanto o ‘PAR cosntrução’ está
participantes da concepção arquitetônica e da construção dos em R$ 32.200,00. Então tínhamos que fazer uma pesquisa, por
empreendimentos em estudo, que apontam a existência do conceito exemplo: caixilhos. Dá pra recuperar os caixilhos ou tem que ter
troca total? Piso: a maioria desses prédios antigos era taco, então
de habitação popular em questão. Eles apontam para uma
tínhamos que retirar o taco de alguns quartos, pra deixar pelo menos
sobreposição da limitação de recursos para a reforma/construção
um andar todo por igual. E isso aí depois de pronto, trazia alguns
das unidades habitacionais sobre sua qualidade, área, aparência... :
inconvenientes. Por que embora o movimento participasse dessa
negociação desde o início, depois de pronto, se queixaram que
“Eu ainda acho que devia crescer um pouco as unidades poderia ter sido melhor, poderia ter colocado cerâmica. A CAIXA
habitacionais, infelizmente não tinha como, por que a gente também concorda com isso. Porém isso tem um ônus financeiro que
[técnicos de Habi] estava meio amarrado. Eram várias camisas de eles não teriam condição de pagar”. (depoimento de Kennedy,
força. Tinha a questão do financiamento que era forte”.

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engenheiro, estudo de caso Riskalah Jorge, Cury – Empreendimentos Mesmo nas unidades habitacionais que deveriam imbuir-se do
Imobiliários). emprego de componentes de maior durabilidade, por serem parte de
um programa de locação social, onde os imóveis são de propriedade
“(...) também se discutiu no projeto [dos apartamentos da favela do
do Estado, a mesma idéia de ‘habitação popular’ continuou a ser
gato] para que todas unidades pudessem ser transformadas para um
aplicada:
uso de portadores de deficiência física, que de alguma maneira nos
possibilitou rever alguns conceitos de arquitetura de interesse
“Era motivo para colocarmos materiais de melhor qualidade, para
social. Isso foi uma discussão que as pessoas achavam ótimo, quando
ter menos manutenção. (...) Foi um dos argumentos: já que é um
apresentávamos isso, todos aplaudiam, diziam ‘grande’, isso pode
projeto de locação social, vamos colocar coisas melhores, que você
ser uma marca da gestão, maravilha. Mas na hora que você mostrava
diminui a manutenção, que seria da Cohab. Mas também não rolou
o resultado, e aí quando percebiam que o espaço deveria ser um
como argumento”. (depoimento de Caio Amore, estudo de caso
pouco mais generoso, aí as pessoas: ‘ai, mas esse banheiro está
favela do gato, arquiteto, Assessoria técnica Peabiru).
muito grande’,‘puxa, isso custa muito’, então aí vinha o facão. Então
foram muitas brigas assim, até que chegou um momento que eu
fiquei cansado, e falei: ‘olha, eu não quero mais saber dessa O conceito de que a unidade habitacional para a classe de baixa
história, toca aí o projeto’. (...) O projeto chegou num ponto que renda, deve ser pequena e barata, resiste até a projetos em que a
não o reconheço mais, a gente conseguiu recuperar algumas coisas, limitação orçamentária não seja condicionante na concepção
outras não, mas saiu o projeto”. (depoimento de Wagner Germano, arquitetônica do empreendimento, como observado no depoimento
arquiteto, PMSP, Sehab-Cohab, gestão Marta Suplicy). de Amore:

“A outra [dificuldade] é a própria cultura que tem dentro do poder “(...) quando a gente fez o projeto, a gente procurou colocar as
público. Era um apartamento de 53m² e foi, foi, foi, diminuiu para coisas do bom e do melhor. Acabamento no banheiro inteiro, enfim,
43m², por um motivo ridículo: ‘as habitações da Cohab de dois um monte de coisas. Quando vimos o orçamento no final, você vai
dormitórios tem 42m²’. E daí? Vamos fazer maior então por que adequando todo o projeto, para uma quantidade de dinheiro que
42m² é pouco. E aí, ao longo do projeto, a Cohab ia falando algumas tem. (...) Aí foi tudo cortando. É uma galinha que você vai tirando
vezes isso, e ia depenando o projeto. Vai tirando uma coisa, vai uma pena, depois outra, e daqui a pouco está peladinha mesmo. (...)
tirando outra”. (depoimento de Caio Amore, estudo de caso favela Acaba-se usando de artifícios para baratear. Tirou-se a qualidade das
do gato, arquiteto, Assessoria técnica Peabiru). esquadrias, do banheiro, que tem só três fiadas de azulejo. Então
por um lado, tem esse movimento de ir depenando, e por outro tem
outro movimento, de quê na ‘favela do gato’, por ser um projeto

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que é ‘de visibilidade’, o projeto que vai ser ‘uma marca da pratica a autoconstrução, dificilmente encontra no comércio da
habitação social’. Eu me lembro dos técnicos da Cohab falando: ‘a periferia, material normatizado e de boa qualidade, para todas as
gente quer que isso seja uma referência como foi o Zezinho etapas da obra”.(Ronconi, ‘Habitações construídas com
Magalhães’. E aí a aparência dele, para a cidade, tem de ser de uma gerenciamento pelos usuários, com organização da força de trabalho
habitação muito bacana, mesmo que você vá enxugando as coisas, em regime de mutirão (o programa Funaps Comunitário), 1995: 135).
perdendo a qualidade da habitação. Por exemplo: a concepção
estrutural que a Cohab tinha era alvenaria estrutural e um térreo Nas palavras de integrantes de movimentos populares, os usuários
sob pilotis. Aí fizemos, colocamos um monte de pilotis, e eles destas habitações, a questão se confirma:
disseram: ‘não, não, aqui tem muito pilotis, vamos tirar alguns
pilotis’ e a estrutura hoje é quase 50% o valor da unidade, a
“(...) naquele dia nos foi apresentada uma unidade com dois
estrutura toda. Então você vai tirando dos outros tudo que você
quartos, sala cozinha e banheiro. E o pessoal achou que estava
puder para poder ter pilotis a menos, ter vãos maiores e tal”.
pequeno. Tudo bem que era dois quartos, mas estava pequeno (...) o
(depoimento de Caio Amore, estudo de caso favela do gato,
apartamento era muito pequeno. A cozinha era muito pequena. E foi
arquiteto, assessoria técnica Peabiru).
assim apresentado, com o questionamento de algumas pessoas.
Ninguém entendia o posicionamento da equipe de cortiços da Sehab,
Segundo Ronconi, em sua dissertação de mestrado ‘Habitações com um apartamento que se projeta pensando na própria família. Na
construídas com gerenciamento pelos usuários, com organização da formação que os técnicos têm, não se compreende a necessidade das
força de trabalho em regime de mutirão (o programa Funaps famílias. Não é possível que os técnicos não tiveram a sensibilidade
Comunitário)’, as construtoras de empreendimentos de interesse de captar a crítica que foi apresentada pelos futuros mutirantes,
social valem-se desta ideologia e da realidade econômica das futuros moradores”. (depoimento de Maria Nilce Ferreira Souto, in:
famílias de baixa renda, para aumentar as rendas provenientes da “Intervenção Habitacional em cortiços na Cidade de São Paulo: O
mutirão Celso Garcia” Comaru, Francisco. 1998:145).
construção:

Uma inversão de prioridades se faz necessária, segundo intervenção


“Nesses projetos [mutirão do Funaps Comunitário] foram
empregados materiais que tradicionalmente não são utilizados em
de arquiteto integrante de assessoria técnica, no encontro
projetos para essa população, ou por ela. Seja por que as ‘Habitação no Centro São Paulo: Como Viabilizar essa idéia?’,
construtoras em busca da ampliação dos lucros e fiscalizadas organizado pelo Lab Hab Fau Usp, em agosto de 2000:
precariamente pelo empreendedor (geralmente público) empregam
material de péssima qualidade, seja por que a população, quando

55
“Os projetos a serem financiados pelo PAR partem do estudo de um alimentadas pelas leis do mercado capitalista e a tradição burguesa
programa de necessidades. Mas, para ser viabilizado o financiamento, de acumulação.
são forçados a reduzir muito a área dos apartamentos. Essa não é
uma abordagem correta. O programa de necessidades deve ser
Segundo Aurélio Buarque de Holanda, especulação significa: “ato ou
priorizado”. (arquiteto integrante de assessoria técnica, in: Relatório
efeito de especular”, que por sua vez: “valer-se de certa posição,
do encontro: Habitação no Centro São Paulo: Como Viabilizar essa
de circunstância, de qualquer coisa, para auferir vantagens;
idéia? Lab Hab Fau Usp. 2000:23).
explorar”42, ou o simples ato de ‘tomar vantagem’ e ‘ganhar
É interessante notar o funcionamento de tal limite: como que dinheiro’ sem realizar esforço algum.
cultural e ideologicamente ele se enraíza na concepção
arquitetônica das unidades habitacionais de interesse social. Se Já ‘entesouramento’, significa: “ato de entesourar”, que por sua
observarmos outras obras públicas, como hospitais, pontes, ou vez: “Juntar, ajuntar, acumular, amontoar (dinheiro, riqueza, etc.)
estações do metrô, a condicionante ‘custo’ também estará presente 2. Arrecadar, guardar em tesouro ou como em tesouro (dinheiro,
em seus orçamentos. Mas, diferentemente das habitações, serão bens, etc.): ‘vendo, pela primeira vez na vida, dinheiro grosso,
construídos sob rígidos e severos parâmetros de segurança, conforto achou de bom aviso entesourá-lo para se resguardar de futuros
e aparência. As condicionantes: qualidade, segurança, conforto e apertos)”.43
aparência, definitivamente não se aplicam ao direito à habitação,
tão deflagrado em diversas ocasiões. A ideologia da especulação e do ‘entesouramento’, apesar de
aparentemente contraditórias podem resultar em limites parecidos,
e, aos olhos de um transeunte podem até ser confundidas.
especulação e ‘entesouramento’: Estas duas ideologias, ou conceitos, atuam sobre os programas
influências de um sistema econômico públicos de habitação de forma direta, muitas vezes até impedindo
Dentre os limites ideológicos e culturais identificados, os que nos a realização de um empreendimento habitacional. Há exemplos da
foram apontados como uma das principais barreiras à produção da inviabilização da produção devido à especulação de um proprietário
moradia social no centro de São Paulo, são a especulação e o de imóvel, que demanda do poder público quantia muito acima de
‘entesouramento’. Eles interferem nas ações dos proprietários e seu valor real, entesourando-o para ‘mais tarde’.
inquilinos de imóveis bem como dos investidores imobiliários, 42
Aurélio Buarque de Holanda, “Novo dicionário Aurélio”. 1975:566.
induzindo e cerceando-os a agir segundo essas ideologias, 43
Aurélio Buarque de Holanda, “Novo dicionário Aurélio”. 1975:534.

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Em outros exemplos veremos a avareza de um proprietário de Antes de adentrarmos no limite da especulação imobiliária, mais
cortiço, que também extrai renda, explorando e especulando sobre específica dentre as diversas formas de especulação que veremos,
os encortiçados, forçando a manutenção desta forma de moradia. vejamos rapidamente, como a afirmação de Sidney Eusébio é
Os depoimentos nos indicam inúmeras formas de especulação trabalhada por estudiosos do tema.
(extração de renda) e ‘entesouramento’ (manutenção da renda), Lefevbre, pesquisador das relações econômicas que regem a cidade
que dificultam a produção da moradia social no centro. capitalista nos confirma o depoimento de Sidney Eusébio,
Destacaremos abaixo apenas as consideradas mais relevantes para reafirmando os poderes do mercado imobiliário em impor a
nossos estudos. localização das moradias da população de baixa renda. Lefevbre
tece essa conclusão a partir da observação do funcionamento de
A especulação e o ‘entesouramento’ estão tão presentes em nossa cidades capitalistas européias, que, neste ponto específico, muito se
cultura, dita capitalista e arcaica, que até podem ser consideradas assemelham à lógica de funcionamento da cidade de São Paulo:
como princípios, regentes da moral dos cidadãos em geral. Elas
chegam até mesmo a acarretar na impossibilidade do abrigo de “Quando esse último [capitalista industrial], chega a se apossar do
famílias de baixa renda no centro da cidade, segundo o depoimento solo e da propriedade imobiliária, quando ela se concentra nas
mesmas mãos do capital, os capitalistas detêm um poder tão grande,
de integrante de movimento popular de luta por terra e moradia,
que eles podem até impedir os operários em luta de escolher
Sidney Eusébio:
domicílio sobre a terra”. (Lefebvre, A Cidade do Capital. 2001:163).

“O mercado imobiliário no Centro é completamente capitalista. É


Segundo estudos de Maria Lúcia Martins, a especulação econômica
aquele que não quer saber se você tem ou não tem condições: ou
característica do sistema capitalista encontra-se intrinsecamente
você vem [para o centro] por que você tem condições, ou você vai lá
para a periferia, por não ter condições. Ele é excludente, ao
vinculada ao ‘setor imobiliário’, ou seja, trata-se da especulação
extremo. Não tem meio termo. Ele não pensa nas condições humanas imobiliária. Desta forma, ‘grande parte dos ganhos do capital’ se dá
um momento sequer (...). A briga pelo espaço se torna como se fosse em transações imobiliárias, o que muitas vezes é ignorado pela
ouro, cada metro quadrado se torna super valorizado. (...) a sociedade em geral.
dificuldade toda é essa, a questão da terra, a questão dos metros
quadrados, a questão dos valores, a especulação imobiliária”. “(...) o setor imobiliário é hoje intrinsecamente associado a outros
(depoimento de Sidney Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21 setores do capital, fazendo parte dos setores de operação dos mais
de Abril, integrante da ULC). diversos grupos econômicos. É possível assim, considerar os
interesses fundiários sob o capitalismo em sua forma atual como um

57
setor do capital. No entanto, o debate público normalmente enfoca Primeiramente abordaremos a especulação imobiliária realizada
apenas os investimentos em bolsas de valores ou de mercadorias, pelos proprietários:
mas grande parte dos ganhos de capital são gerados no setor
imobiliário”. (Maria Lúcia Martins. ‘São Paulo, entre o
Os proprietários de imóveis vazios no centro44 fazem de tudo para se
‘entesouramento’ e o processo de reestruturação’. 1999:17).
manterem donos de seus imóveis até que o valor da procura por seu
imóvel atinja a quantia em dinheiro que gostaria de receber em
Novamente, Lefebvre nos confirma a importância do setor
troca de sua propriedade. Ou seja, a oferta por ele lançada é fixa, é
imobiliário, e o responsabiliza diretamente pela organização do
ela quem define o valor da procura. Incrivelmente a lei da oferta e
território urbano:
da procura não se aplica neste caso, pois os proprietários do centro
“O setor imobiliário se torna tardiamente, mas de maneira cada vez
não vendem se não querem, e lacram suas unidades com tijolos dos
mais nítida, um setor subordinado ao grande capitalismo, ocupado mais variados.
por suas grandes empresas (industriais, comerciais, bancárias), com
rentabilidade cuidadosamente organizada sob a cobertura da
organização do território”.(Lefevbre, a Cidade do Capital.
2001:164).

Temos, desta forma, amarrados: os ganhos, as rendas do capital, e a


especulação do setor imobiliário ao desenho e à organização
espacial das cidades. Mais adiante, na seção limites da economia
política, item gentrificação: expulsão das famílias de baixa renda,
enfrentaremos novamente esta questão.

Voltando a questão específica da especulação imobiliária, esta será janela lacrada em vila do Cambuci, set. 2003.
a primeira forma de especulação que trataremos, pois é uma
importante barreira a ser vencida na produção da moradia social no Vejamos com mais cuidado como isso se dá. Eles atingem este
centro. Esta pode se dar de duas formas: a partir dos proprietários objetivo de duas formas diferentes: eles ‘seguram’ suas
de imóveis, ou dos investidores, os detentores de capital.
44
Há 38.556 imóveis vazios no centro, dos quais 40 edifícios completamente
desocupados.(IBGE, 2000).

58
propriedades dizendo que simplesmente ‘não querem’ vendê-las, “Primeira coisa, para negociar com o dono do terreno, foi uma
deixando-as completamente lacradas e sem uma placa de ‘vende-se’ dificuldade, por que o dono valoriza o seu imóvel, (...) tudo foi com
à fachada. Eles as colocarão à venda apenas quando ‘houver os proprietários, a maior dificuldade nossa foi essa, a negociação
com os proprietários. Na área central é essa dificuldade, que é
mercado’, ou seja, quando houver uma procura tal que possa pagar
assim: o dono do terreno sou eu e eu vendo pelo preço que eu quero,
pelo valor por eles desejado/fixado.
peço um x e aí a prefeitura não tem, não compra, por que é muito
Desta forma, está excluída a possibilidade de acesso da população
alto, o preço médio do metro quadrado aqui na área central é muito
de baixa renda à esses imóveis. O proprietário aguarda que classes caro, então não dá, o valor é muito alto. (depoimento de Luiz
mais altas tenham o interesse pela região central, o que deverá Cavalcanti, liderança popular, estudo de caso Madre de Deus,
acontecer num médio prazo, como veremos mais adiante, na seção integrante da ULC).
limites da economia política, item gentrificação: expulsão das
famílias de baixa renda. “Em razão da instabilidade da mão de obra (crises), ruas inteiras
ficam algumas vezes desertas. A avareza preside a construção: As
A segunda forma de se atingir o objetivo inicial, é os proprietários já habitações ficam desocupadas”. (Lefebvre, A cidade do capital.
2001:21).
colocarem seus imóveis à venda, mas pelo valor que almejam
receber, ou um ‘valor futuro’, de quando revalorizada a região. Daí,
Margareth Uemura, arquiteta responsável pelos empreendimentos da
os proprietários aguardam a demanda (famílias de renda superior)
Cohab na região central, nos demonstra de modo explícito a postura
atingir o valor fixado pela oferta. Novamente há a exclusão das
de proprietários de imóveis localizados nos ‘Perímetros de
classes de baixa renda, pois a oferta é fixa.
Reabilitação Integrada do Habitat’, áreas delimitadas pela PMSP
como foco de futuras intervenções públicas devido à alta densidade
Este fenômeno, aparentemente estranho à lógica do mercado, como
de cortiços e imóveis subutilizados45:
vimos, vai de encontro à lei da oferta e da procura (resultando num
‘não mercado’), e será novamente abordado na seção dos limites da
economia política.
45
Em um dos levantamentos realizados pela PMSP, através da assessoria técnica
Passo, na região do Cambuci/Ipiranga, compreendido entre as Avenidas Radial Leste
O relato de uma das lideranças do movimento popular e o pequeno (ao sul), Linha Férrea e Av do Estado, foram identificados os seguintes dados: no.
de edificações encortiçadas/pensões: 86, edifícios sem uso (completamente vazios)
trecho bibliográfico, que reproduzidos abaixo, enriquecem esta : 258, terrenos sem uso/ e sem edificação: 129, terrenos subutilizados (menos de
constatação, de modo a confirmar o limite em questão: 20% de uso/edificação): 9, terrenos sem edificação e com uso comercial (ex:
estacionamentos, ferro velho): 222. fonte: Sehab/PMSP, dez de 2002.

59
“É tudo uma leitura curta: ‘então essa área está no BID, e como o “Ao menos até o estágio em que hoje se encontra, a organização
parque Dom Pedro também vai ter investimento, então o PRIH da Luz desses grupos comunitários [Ações locais] – na maioria dos casos, com
também vai ter, então essa área vai valorizar’. E aí começa o predomínio de comerciantes – é marcada pelo conservadorismo, ao se
discurso de alguns proprietários que vieram aqui discutir conosco, pautar por interesses diretamente ligados às suas condições de
que é o seguinte: ‘A gente está esperando a valorização da área proprietários, enfatizando soluções de expulsão dos camelôs e da
mesmo’, declarando isso. ‘ A prefeitura vai fazer investimento, população de rua, além de maior policiamento, com base em ações
então nós estamos esperando’. E aí é isso, ele quer usufruir do que vão da concorrência desleal do comércio informal a interesses
benefício, mas não quer participar da valorização. Então a conversa diretamente ligados à valorização de seu patrimônio imobiliário”.
dos mais abertos é essa. Uns não falam isso, mas outros falam (Frúgoli Jr. 2000:92).
claramente ‘nós vamos segurar a área, se quiser desapropriar,
desaproprie, mas a gente não vai vender agora’. Então tem um pouco Em artigo recentemente publicado no jornal Estado de São Paulo, a
disso também”. (depoimento de Margareth Uemura, estudo de caso valorização imobiliária demonstra ser de fato esperada pelos
favela do gato, estudo favela do gato, PMSP, Sehab – Cohab, gestão proprietários da região:
Marta Suplicy).

“Setor imobiliário pretende investir no centro. Mas para que isso se


O fenômeno da revalorização imobiliária do centro, citado no concretize empresários aguardam iniciativas da Prefeitura da
depoimento acima, tem como um importante motor os desejos dos Capital. (...) ‘Estamos numa época virtuosa e se a economia
proprietários pelo aumento da renda de seus imóveis, segundo a melhorar as pessoas voltarão a dar valor ao centro’. Para ele46,
ideologia dominante em questão. Meyer e Frúgoli nos demonstram ‘pequenas coisas’ como a mudança da prefeitura. secretarias
essa realidade, ao se referirem à Associação Viva o Centro e seus municipais e estaduais incentivam a iniciativa privada. ‘A ação
braços, as Ações Locais: pública vem em primeiro lugar, mas uma andorinha só não faz
verão”. (jornal O Estado de São Paulo, 5 de outubro de 2003, caderno
“(...) organizações que procuram relacionar interesses de móveis:11)
proprietários de imóveis localizados em áreas que estão sofrendo
processo de transição/deterioração com os interesses mais amplos da Para melhor compreensão do funcionamento econômico da idéia da
área onde estes imóveis se localizam [tendo] como objetivo especulação, acima referida, reproduzimos alguns trechos de
primordial reverter situações de declínio, de abandono e ameaça estudos realizados por Lefebvre, objetivando compreender os
para a área urbana onde estão instaladas as entidades que compõe a mecanismos da cidade capitalista. Focaremos mais especificamente
organização. (Meyer et al., 1993:9. in: Frúgoli Jr. 2000:92)
46
Ruy Pereira de Queiroz Filho, administrador de bens do centro.

60
no fenômeno do distanciamento, ou separação do ‘valor de troca’ do imaginário, contanto que o objeto se venda e se compre”. (Lefebvre,
‘valor de uso’ das mercadorias, aqui as imobiliárias: A Cidade do Capital, 2001:112).

“Assim e somente assim, a esse grau de desenvolvimento, nesse


“O valor de uso corresponde à necessidade, à expectativa, à
quadro e nesse sistema ‘artificiais’, tão distanciados da natureza
desejabilidade. O valor de troca corresponde à relação dessa coisa
quanto possível, o dinheiro, com o que ele carrega em si (o capital e
com as outras coisas, com todos os objetos e com todas as coisas, no
a força dos capitalistas) domina a mercadoria, sua condição, seu
“Mundo da mercadoria”. (Lefebvre, A Cidade do Capital. 2001:135).
antecedente, o mundo onde ele nasce, do qual ele se aproveita e que
ele mantém. O dinheiro se torna então a ‘matéria social da riqueza’,
Em nosso caso específico, da especulação imobiliária, há uma
liberando-se ao máximo do valor de uso e das matérias reais”.
separação, um descolamento febril do valor de troca e do valor de
(Lefebvre, A Cidade do Capital. 2001:148).
uso. A troca sobrepõe-se ao uso, e de forma tão clara: qualquer tipo
de uso é impedido nos imóveis lacrados do centro, segundo a Uma segunda forma de realização de lucros pode ser deflagrada por
vontade de seus proprietários de especular. Continuemos: indivíduos detentores de capital, que realizam então investimentos
através da compra de imóveis, que já sofreram valorização
“(...) a sociedade continua ligada e mesmo amarrada a terra. Pela
imobiliária, para sua posterior locação ou até mesmo a revenda.
propriedade e pelas múltiplas servidões que ela mantém.
Vejamos então, como funcionam as barreiras da ideologia da
Especialmente e, sobretudo subordinando a terra ao mercado,
fazendo da terra um ‘bem’ comercializável, dependente do valor de
especulação, quando posta em ação especificamente pelos
troca e da especulação, não do uso e do valor do uso. O cordão investidores, como nos descreve Pedro Sales:
umbilical, que levava a seiva e o sangue da matriz original à sua
filiação, a comunidade humana se transformou em uma corda, laço “Isso eu acredito estar dentro do embate ideológico do capital estar
seco e duro, que entrava os movimentos e o desenvolvimento dessa querendo se reproduzir, eu acho que na hora que você conseguir
comunidade. È esse o entrave por excelência”.(Lefebvre, A Cidade revitalizar o centro, seja qual for o conceito que você adote para
do Capital. 2001:161). revitalização, o capital vai estar lá, para querer ele ocupar. E daí, se
tem população de baixa renda morando lá, o capital vai falar: não,
“Com a burguesia, o valor de troca venceu o uso e o valor de uso; ela aqui eu posso locar para ganhar, isso a gente já viu acontecer em
o trata como uma serva, como uma escrava. Pouco importa a alguns lugares do mundo, vão surgir os loft´s, e aí vão para lá. Eu
necessidade que o objeto satisfaz, que venha ele do ventre ou do acho que essa discussão ideológica do capital querendo se
reproduzir, ela vai acontecer sempre. E ele vai lançar mão para

61
tomar para si um espaço que não foi ele quem construiu. (...) A melhorar isso’ defendendo a região como local de investimento. O
questão do interesse imobiliário, é no ponto de vista ideológico, o depoimento de Manetti, também revela essa realidade, durante o
maior [limite].” (depoimento de Pedro Sales, arquiteto, estudo de processo de desapropriação de terrenos no Pari para a edificação de
caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza Erundina).
unidades habitacionais de interesse social através de mutirão, no
final da gestão de Luíza Erundina na PMSP:
Da mesma forma que na especulação imobiliária realizada pelos
proprietários, para os investidores há também a espera pela
“Eram terrenos que historicamente sempre foram desocupados, e foi
valorização imobiliária da região resultante dos investimentos muito estranho, pois o decreto de interesse social foi publicado na
públicos. A diferença é que os investidores, enquanto aguardam a sexta feira, e na segunda os proprietários apareceram com projetos
valorização do centro, continuam a investir nas áreas mais rentáveis para a área, mesmo que os projetos fossem absurdos. Em um dos
a cidade, como relatado por Miranda e Caruso Jr: terrenos que era um quadrado, eles apareceram com uma planta
também de um quadrado grande desenhado, era um supermercado,
“A iniciativa privada fica à espera; se o poder público investir para apesar do zoneamento não permitir, o que quero dizer é que havia,
valer ela investe naquele pedaço da cidade. Caso contrário, ela e há alguns espiões de diário oficial, devem ser alguns advogados que
continua a investir no vetor de maior interesse. Isso é um problema devem ficar catando essas coisas, intermediando, impedindo, etc. Eu
para a cidade, (...)” (Rosana Miranda, in: Relatório final Comissão de me lembro que por causa disso aqui veio até um grandão do Secovi,
Estudos da Habitação no Centro. 2001: 87). botar o dedo no meu nariz dizendo: ‘você sabe quantos empregos a
cidade estará perdendo se não for feito o meu investimento? ’ Eu
“(...) há pessoas que possuem escritórios aqui, mas não estão aqui não sei e não quero saber. Tudo pela questão de estarem
devido ao escritório, mas sim por que eles têm interesse no Centro, desapropriando. Isso foi uma batalha, que durou até a outra gestão,
interesses de construção. Há construtores que têm escritórios aqui quando o governo que sucedeu levantou todos os decretos”.
no Centro, mas constroem em outros locais da cidade. Na verdade, o (depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto, estudo de caso Madre de
interesse deles seria no centro, mas não estão fazendo aqui por que Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão de Luíza Erundina).
não há retorno. Então, qual a função deles? É tentar melhorar isso,
para reverter essa situação. O Centro é um excelente local para se Outro campo agravado pela cultura especulativa em questão é a
investir”.(depoimento de Luiz Caruso Jr., comerciante e presidente compra dos imóveis pelo poder público, que resulta num aumento
da Ação Local João Mendes, em 13.08.1997. in: Frúgoli Jr. 2000:93).
ainda maior dos valores ofertados. Mais uma vez, as propriedades
têm seu valor de troca elevado, dificultando ainda mais o acesso da
Segundo o depoimento de Caruso Jr, acima reproduzido, os
população de baixa renda:
investidores (assim como os proprietários) também ‘tentam
62
Esta iniciativa de compra de imóveis especificamente pelo poder
“Em alguns casos eles [proprietários] procuram a CEF para saber de público, já gerou, segundo a Arquiteta Isabel Cabral, um aumento
fato existe esse programa. Se a CEF tem interesse mesmo em fazer dos valores dos imóveis ofertados pelos proprietários:
aquilo que o movimento está se propondo. A gente até esclarece,
explica, como é que funciona. Aí eu acho que ajuda o movimento “(...) é o que o pessoal tem falado, a própria Caixa, que hoje está
também um pouco, nesse sentido. Com respaldo da CEF eles têm um bem mais difícil. Percebe-se que tem um aumento sim. (...) Por que
poder de fogo muito maior. É que a CEF não gosta muito de os proprietários, naquela época achavam que nunca ia vender, um
aparecer, por que uma coisa é um proprietário vender uma coisa prédio invadido, nunca. Hoje os proprietários já sabem: ‘bom a CEF
para um movimento. Outra coisa é o proprietário vender seu imóvel vai comprar e é dinheiro ali, na mão’, a CDHU também, não fica
para a CEF. É evidente que para o movimento ele tem um preço, e aquela coisa, que era o entendimento dos proprietários: ‘ah, vai
para CEF, que é um banco, ele tem um outro preço. (...) a CEF hoje levar anos para pagar, aquela coisa’, hoje eles pagam rápido, nem
faz muita avaliação, a gente aluga imóveis para as nossas agências, e pode mais demorar tanto, né? Estão vendo como um bom negócio. É
é evidente, que hoje se você for negociar com um banco, o teu preço um mercado promissor. É a procura, como faz bem a cidade
é sempre outro, né doutor. De trinta por cento para cima. Para CEF capitalista”. (depoimento de Isabel Cabral, arquiteta, Assessoria
a conversa é outra”. (depoimento de Marco Antônio, estudo de caso Técnica Ambiente).
Riskalah Jorge, técnico da CEF, gestão Luiz Inácio Lula da Silva).

Esta mesma prática se aplica quando o poder público utiliza-se do


“É a dificuldade mesmo de negociação com alguns proprietários. (...)
Decreto de Interesse Social, para a desapropriação do imóvel objeto
Temos um primeiro contato com o proprietário aí ele fala: é X, aí
do empreendimento, gerando uma disputa jurídica:
você se mostra interessado, enquanto poder público, aí passa um
tempo e o cara vê que você está mesmo interessado, e fala assim:
‘olha, eu não quero X, quero X mais 20% de X’. Isso aconteceu “E muitas vezes que realizamos o Decreto de Interesse Social, há
algumas vezes, com alguns imóveis. O cara pediu uma coisa, depois problemas de que o proprietário não concorda com o preço, aí há
após todos os estudos, e ele resolve aumentar o valor, então aquele todo um procedimento, se a negociação não for favorável, então vai
trabalho todo que você tinha feito, tem de ser revisto, quando ele para uma ação do juiz, então há um processo com um pouco de
não desiste, ou não joga o valor para um patamar litígio. Pois o proprietário discorda do valor, então o juiz nomeia um
absurdo”.(depoimento de Wagner Germano, estudo de caso favela do perito dele, e isso vai ampliando o prazo, certo? ”. (depoimento de
gato, arquiteto,PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy). Lia Ferreira, Gov. Est., Cdhu – PAC, gestão Geraldo Alckmin).

63
Outra forma relevante de especulação é a realizada pelos imóvel ao mês], no cortiço, a hora que você somar toda a renda,
proprietários de imóveis encortiçados, que perpetuam a existência chega a ganhar 3% e pouco. Aí você está ganhando um sobre-lucro em
desta forma de habitação de baixíssima qualidade, a preços muito cima de um investimento que você não fez. (...) Quem constrói essa
lógica, de manter essa situação de exploração, tem interesses.
acima dos praticados pelo mercado formal de locação. Esta também
Quando alguém está ganhando, tem um interessado, com mais força
é considerada uma barreira à produção da moradia social no centro,
ou menos força. Então tem toda uma lógica que resolve isso daí e há
pois se os proprietários não tivessem como objetivo primordial a
a manutenção dessa lógica de exploração”. (depoimento de Luiz
especulação e a exploração indiscriminada, parte dos recursos Kohara, estudo de caso favela do gato, engenheiro, PMSP, Sehab –
captados pelos aluguéis poderiam ser revertidos em ampliações e Habi, gestão Marta Suplicy).
melhorias das unidades habitacionais. Elas até mesmo poderiam ser
vendidas ao poder público por valores acessíveis, ou diretamente às “Esse tipo de moradia [cortiço] ainda é um negócio imobiliário com
famílias encortiçadas, que poderiam investir o valor dos altos certa lucratividade, como o foi em diferentes períodos históricos ao
aluguéis na melhoria de suas unidades. longo da urbanização da cidade, devido à máxima subdivisão de cada
lote e da moradia em diversas unidades habitacionais e à falta de
despesas com impostos e com a manutenção do imóvel”. (Piccini,
Reproduzimos abaixo depoimento e trecho bibliográfico de
1999:36).
pesquisadores de questões relacionadas aos cortiços paulistanos,
Kohara e Piccini, bem como de Lefebvre, que relata fenômeno
“A indústria tratou como uma coisa o trabalhador liberado da
semelhante nas cidades capitalistas Inglesas, no séc. XIX: servidão. Ela o prende entre paredes que tombam em ruínas e que
ele deve adquirir pagando-as muito caro. O menor espaço foi
“Outra questão, que a pesquisa mostrou, é que o cortiço existia só utilizado” (p.20). “(...) os empreendedores e proprietários fazem
por que tinha o intermediário explorando. Tem uma questão aí, que pouca ou quase nenhuma manutenção. Eles não querem reduzir seus
é importante a gente discutir, que é a questão fundiária do centro. lucros”. (Lefebvre, A Cidade do Capital. 2001:92).
Por que existe um grande percentual de proprietários que estão
satisfeitos do imóvel ser cortiço. Por que se ele investir para
Agora, de modo diferente da especulação, a cultura do
melhorar o cortiço dele, ele vai gastar muito dinheiro, e quando ele
‘entesouramento’, ou o simples ‘apego aos bens’, aqui, no caso os
melhora não dá para alugar para aqueles, por aquele valor de
mercado ali. Então ele prefere ter aquela situação, para explorar
imobiliários ou patrimoniais, em grande quantidade, tão louvados
quem tem condições econômicas baixas e também tem uma baixa pelas elites, é também identificada como barreira à produção de HIS
expectativa, até por toda a negação que a pessoa vem, aquilo da no centro paulistano. Silva nos revela em depoimento, que há
mais lucro. Então enquanto no mercado ganha 0,8% [do valor do ocasiões em que os proprietários (à luz da cúria metropolitana, que

64
possui terrenos na região da Luz) deixam seus imóveis ‘parados’, ou tabela 2: Domicílios particulares vagos dos distritos centrais de
seja, vazios, como ‘patrimônio’: São Paulo

“Tem a lógica do proprietário, a lógica de proprietário da cúria, é de Distritos centrais de São Paulo. Domicílios particulares vagos
que aqueles terrenos sirvam para fomentar as vocações, e manter o Distritos Total de vagos vagos/total
recenseados
seminário, e fazer mais alguma coisa. Então ela não vai soltar o
Barra Funda 5 486 685 12,5%
terreno assim, é um patrimônio. (...) Os proprietários, a lógica deles Bela Vista 33 848 5 479 16,2%
Belém 14 997 2 500 16,7%
é manter parado, há muito tempo no centro como no restante da
Bom Retiro 10 807 1 821 16,9%
cidade, enquanto não incomodar ele vai ficar parado. Um Brás 11 622 2 789 24,0%
instrumento, ele vai demorar anos para ele chegar na cabeça de um Cambuci 11 370 1 910 16,8%
Consolação 29 577 3 694 12,5%
proprietário de que é desvantajoso ele manter parado”. (depoimento Liberdade 29 392 5 283 18,0%
de Helena Silva, estudo de caso favela do gato, arquiteta, PMSP, Mooca 25 331 3 675 14,5%
Pari 5 817 1 223 21,0%
Sehab – Pró Centro, gestão Marta Suplicy).
República 30 849 7 007 22,7%
Santa Cecília 36 171 6 343 17,5%
Sé 11 410 3 055 26,8%
Vejamos ao lado tabela que indica o número de imóveis vagos no
Total 13 distritos 256 677 45 464 17,5%
centro, segundo recenseamento realizado pelo IBGE, em 2000: Município de São Paulo 3 554 820 420 327 11,8%
fonte: IBGE. Censo de 2000

Podemos tratar o limite do ‘entesouramento’, como resultado direto


do sistema econômico a que estamos submetidos, calcado na
competição e nas incertezas individuais, exemplificadas pelas frases
comumente ouvidas: ‘e amanhã? Terei o que comer? ’, ou ‘quero
guardar para meus filhos um futuro seguro’...
Se o sistema econômico vigente tivesse como objetivo a garantia de
sobrevivência de todos seus indivíduos, a necessidade, hoje tida
como aceitável, de ‘entesouramento’, desapareceria, pois teríamos
a segurança de ‘amanhã ter o que comer’, e a certeza de que
‘nossos filhos vão viver bem melhor que nós...’.

65
O entesouramento de bens imóveis tornou-se possível a partir da re-aprender, um re-organizar, que é muitas vezes combatido pelos
propriedade privada da terra (ou fundiária), que exerce uma pressão funcionários públicos, os operacionalizadores destes sistemas.
sobre o desenvolvimento das cidades, como podemos rapidamente
observar em novo trecho de A Cidade do Capital: A dificuldade que o funcionalismo possui em enfrentar e propor
formas diferentes de ação, que façam com que ele se responsabilize
“A propriedade fundiária puxa, por assim dizer, para trás a por elas faz com que os processos administrativos demorem muito
sociedade inteira; ela não somente freia o crescimento, paralisa o tempo para se realizar. Segundo Ronconi, que enfrentou este
desenvolvimento, mas os orienta por meio de uma pressão problema no programa Funaps comunitário (primeiro estudo de caso:
constante. Não é a esta ação imperceptível e perpétua que é
mutirão Madre de Deus), este é um dos principais entraves à
necessário atribuir o caráter bastardo das extensões urbanas? (...) A
produção da moradia social através da autogestão (na época uma
posse não tem sido destituída; ela não perdeu seu lugar, nem mesmo
novidade para a máquina pública), seja ela no centro, ou em
seu prestígio. A pressão prática e ideológica da propriedade privada
(a da terra, se junta à dos capitais) cega os dirigentes, os próprios
qualquer outra localidade da cidade:
intelectuais; ela obscurece a imaginação dos arquitetos, dos
urbanistas”.(Lefebvre, A Cidade do Capital. 2001:168). “Uma primeira [barreira] é uma cultura na administração pública,
que é super complicada, sempre, pois a máquina pública vem num
movimento inercial se movimentando muito pouco ao longo do seu
inércia operacional do poder público: desenvolvimento. A burocracia, de uma certa forma, que tenta
manutenção da lógica vigente proteger um encaminhamento desprovido de interesse particular, no
fundo, acaba emperrando soluções mais ágeis, que queiram ser
Um novo limite ideológico e cultural identificado é a idéia presente
implementadas. Muitas vezes, há uma noção do que deveria ser
nos órgãos públicos de que as operações que alterem a ordem
burocrático, mas de fato nem é, e às vezes nem chega a ser algo que
estabelecida de funcionamento da máquina devam ser rejeitadas.
esteja registrado em procedimento, lei ou em decreto, mas que o
Trata-se de uma inércia, que dificulta qualquer tipo de proposição funcionário público passa a adotar como uma norma de
de um novo ordenamento do sistema organizacional da instituição. procedimento. Então, toda vez que se entra com um programa novo,
Esta cultura da manutenção e reprodução de um status quo inovador no sentido mudar o olhar público sobre uma questão, você
funcional, dito como eficiente, devido sua repetição, torna-se vai enfrentar esta bruma, esta coisa até um pouco velada, que não é
barreira à busca de novas soluções. A máquina não acompanha a muito explícita, mas que é uma resistência do funcionário. Que não
dinâmica da sociedade. A alteração de uma operação significa um tem nada a ver com que ele tenha que trabalhar mais, ou menos,
mas é uma postura que ele tem, basicamente de não assumir

66
responsabilidades. O funcionário público tem uma coisa que demora, poder público, que é uma coisa muito difícil de mudar. E é assim até
se você pesquisar os processos na prefeitura, você verá processos hoje, se procurarmos na prefeitura, em diversos órgãos, vamos
com oito, nove despachos, que é de uma pessoa mandando para encontrar esse problema, sendo este um dos grandes complicômetros
outra, para dar opinião sobre um problema que foi dado para ela ”. (depoimento de Reginaldo Ronconi, arquiteto, estudo de caso
resolver. Só que para tentar se resguardar, ela empurra para outro, Madre de Deus, PMSP, Sehab – Funaps comunitário, gestão Luiza
e o outro também vai para outro. Essa dificuldade em assumir Erundina).
responsabilidades, é um elemento complicado, quando você vai
trabalhar uma proposta nova, que é, sobretudo você assumir uma Na Caixa Econômica Federal, gestora do PAR, dificuldades como as
responsabilidade sobre um novo encaminhamento. Acredito que isso apresentadas acima também tiveram, e têm ainda, de ser
afetava diretamente a gestão da Luíza Erundina na secretaria, eram enfrentadas, segundo liderança do MMC, que desenvolveu com o
problemas (...) que enfrentávamos muito, que era de reformar, ou
órgão os dois primeiros edifícios de reciclagem habitacional no
formar de novo o funcionário público que estava lá. E isso o tempo
centro de São Paulo:
inteiro foi aparecendo em diversos momentos da gestão do
programa. Então aparecia desde os processos que você tinha para
“Nesses três anos a CEF se preparou, mudou algumas posturas. No
qualificar a demanda, para aprovar a demanda, depois para verificar
início ela era dura, ela não tinha jogo de cintura, ela só sabia dizer
projeto, aprovar projeto, até liberação de recursos e verificar o
não. Depois, quando apresentamos uma proposta, eles dizem: ‘vamos
dinheiro que havia sido gasto, aí se falava muito assim: mas o
ver, vamos estudar’. A cada dia ela melhora, apesar de ainda haver
tribunal de contas é um grande vilão. Realmente era, não estou
um setor reacionário dentro da Caixa. Se fosse para a burguesia esse
querendo desresponsabilizá-lo dos tormentos que causou, porém era
projeto aqui, eles fechavam os olhos e deixavam passar mais rápido.
internamente, dentro mesmo da prefeitura, os contadores que
O problema é porque é para pobre, para miserável, para pedinte,
estavam lá, dentro de Habi, também sofriam deste mesmo
mendigo. Isso é para mim ainda uma questão de preconceito”.
problema, questionando: como é que nós estamos passando dinheiro
(depoimento de Gegê, liderança popular, integrante do MMC).
direto para a população? Para eles isso era inconcebível. Eles não
conseguiam estruturar uma norma de procedimentos que deixasse
Já o PAC- Programa de Atuação em Cortiços, gerido pela CDHU, teve
isso límpido e transparente para qualquer consulta da população, ou
ao menos não tinham segurança suficiente para isso. Essa mesma
de atravessar anos de acertos para sua operacionalização, segundo a
deficiência você encontrava nos procuradores, que hora davam um arquiteta Lia Ferreira, integrante do corpo técnico da companhia:
parecer para um lado, hora parecer para outro. O que acredito que
suporta todas essas atitudes de certa forma desviadas dos interesses “O PAC toma forma de programa a partir de 1998... isso requer um
da administração, no fundo resume-se a uma inércia de resposta do processo de maturação”. (depoimento de Lia Ferreira, arquiteta,

67
estudo de caso 21 de Abril, Gov. Est. CDHU – PAC, gestão Geraldo A inércia que tem de ser vencida para o ajuste do funcionamento da
Alckmin). máquina pública aos novos programas encontra-se personificada nos
funcionários da Cohab. Temos aí nova dificuldade a ser vencida na
Segundo o depoimento de Isabel Cabral, este ‘processo de elaboração do programa de locação social, segundo o depoimento de
maturação’ do programa, que lentamente ajusta a lógica de Wagner Germano, arquiteto do órgão:
funcionamento do órgão às especificidades do trabalho com imóveis
encortiçados, ainda está sendo atravessado pela CDHU e seus “Não sei se há um grande limite, há sim uma ‘renca’ de empecilhos,
técnicos. Cabral comenta questões referentes às tipologias que são como um inferno, de todas as ordens, (...) não apenas para
habitacionais, que no centro, devem ser tratadas com maior uma produção de moradias no centro, mas de uma maneira geral, na
especificidade: estrutura da Cohab, há uma série de empecilhos. Desde a
morosidade para se contratar alguns serviços, há todas as
47
“Nós não podemos dizer que vai ter um outro Pirineus , outra Maria dificuldades, principalmente para coisas novas, aí a coisa fica um
48 49
Paula , não vai existir outro hotel São Paulo , cada projeto é um pouco mais delicada ainda. Esse programa teve de ser construído,
50
jeito, no centro da cidade. O da Joaquim Murtinho já é de outro tudo foi e está sendo estudado (...) essa experiência de se produzir
jeito. Se você pegar outro cortiço, já vai ter outro projeto de outro em área central, houve vários seminários com o pessoal da França,
jeito. Então eles [CDHU] não estão preparados para fazer essa da Itália (...). Você junta então isso com a própria dificuldade do
análise, com esse olhar, de aprovar, por que o centro é diferente, próprio poder público para contratar, licitar, tudo é super
eles não têm essa visão ainda. Eles ainda vêem como aquela coisa demorado. Às vezes se emperram em situações que nem são tão
que eles constroem na periferia, aqueles conjuntões enormes, e é difíceis de serem resolvidas, mas às vezes falta gente que diga ‘olha
isso que a CDHU tem. E para mudar isso é um jogo duro danado. Tem é assim, faça isso’, enfim. Às vezes isso é meio complicado, de as
que ser muito bom de bambolê senão você não muda mesmo”. pessoas assumirem, e se responsabilizarem”. (depoimento de Wagner
(depoimento de Isabel Cabral, arquiteta, Assessoria técnica Germano, estudo de caso favela do gato, arquiteto, PMSP, Sehab –
Ambiente). Cohab, gestão Marta Suplicy).

Ermínia Maricato, secretária municipal de Habitação da gestão Luíza


Erundina, confirma a presença da referida barreira aos novos
47
Empreendimento do PAC – BID na região da Barra Funda, recém inaugurado.
48
Empreendimento do PAR – CEF na região da Praça da Bandeira, em obras de programas de habitação social no centro, e afirma até haver um
reciclagem.
49
desejo do poder público51 de enfrentar a questão da moradia social
Edifício desapropriado pela PMSP, no Vale do Anhangabaú, que será requalificado
para o uso habitacional.
50 51
Empreendimento da PMSP, alvo de reforma para o programa de locação social. Refere-se às gestões do poder público em cargo no ano de 2000.

68
no centro, mas pondera que este desejo deveria ser de toda a “Essa falta de identidade é essencial de trabalhar no centro. Por que
sociedade, pois o governo “pode encontrar resistências no interior a pessoa não sente identidade? Por que a forma em que está
da própria máquina administrativa pública”52. organizado o centro não é para a população pobre, ele não é
voltado, e aí não possibilita que se construa uma identidade. E uma
população que não tem identidade, ela não luta por aquilo que não
se identifica, não se sente parte. (...) [a partir dos trabalhos no
difícil articulação do povo encortiçado:
Gaspar Garcia, nos anos 80] percebemos que as pessoas precisam que
imobilismo e espera pelo paternalismo estatal
se crie uma identidade, pois ela sentia que era ilegal, porque mora
A população encortiçada, alvo natural dos programas públicos de no cortiço, ela está entrando, ela é invasora de um espaço que ela
habitação no centro, enfrenta questões específicas inerentes a sua não tinha direito, que o lugar era ir para as periferias. (...) tinha
inserção social. Estas especificidades os condicionam a posturas de que comprar um barraco na favela, mas sempre longe. (...) Se fica
imobilismo e de desarticulação coletiva para a luta pela moradia de uma identidade só para banco, só para comércio, só para trânsito,
qualidade no centro: trata-se de um novo limite. Este ainda se você não é dali, você acaba morando, as pessoas de cortiço moram,
insere no campo da ideologia e da cultura, como um conceito, ou mas você não se sente parte. Ela se identifica pela situação dela”.
idéia, presente nas mentes da população encortiçada, que emperra (depoimento de Luiz Kohara, estudo de caso favela do gato,
engenheiro, PMSP, Sehab – Habi, gestão Marta Suplicy).
e dificulta a mobilização popular.
Uma das causas desta dificuldade de mobilização é muitas vezes
resultante de um limite ideológico e cultural anteriormente Esta resistência em ‘sentir-se’ parte do centro pode novamente ser
identificado, que concebe a população de baixa renda como classe identificada em relato de Ronconi, que aponta haver características
social que deva necessariamente habitar as periferias urbanas, e não específicas da população encortiçada, se comparadas às diferentes
as regiões centrais. Este conceito, observado agora pelo lado da situações de carência habitacional. A vida nos cortiços impõe
população de baixa renda, influencia diretamente a identidade condições que muitas vezes anulam o fomento da mobilização
desta população, e faz com que não se considere parte integrante popular:
dos ‘espaços centrais’ da cidade. Como demonstração desta barreira
cultural, reproduzimos abaixo depoimento de Kohara: “Claro que no centro havia questões específicas da organização do
movimento no centro, a evolução da organização dos movimentos de
cortiço foi mais lenta, do que o movimento de favela ou por moradia
na periferia. O centro, o cortiço, ele tinha uma dificuldade histórica
52
relatório final do encontro: “Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar de organização, pois o morador de cortiço se recusava a admitir-se
essa idéia?”. Lab Hab Fau Usp, 2000:60.

69
na posição de encortiçado, (...) na realização de algumas entrevistas que resultou em indivíduos desprovidos da compreensão de que são
em cortiços da região da aclimação, ao dizer que era uma entrevista, sujeitos de seu destino, ficando a aguardar orientações superiores
o que a maioria dos moradores falavam era de que não adiantava os para a resolução de seus problemas. Para Gegê, este se trata de um
entrevistar, pois na semana seguinte não se encontrariam mais lá,
dos principais limites, pois se assim não fosse, as pressões populares
pois estavam mudando e que sua vida estava melhorando. Ao voltar
seriam de tamanha envergadura que todas as barreiras estariam
lá semana depois, ele não estava mais lá, tinha saído mesmo, mas
resolvidas:
você andava um pouco mais, e em duas ou três semanas o encontrava
em outro cortiço, ele ia mudando de cortiço para cortiço. Acredito
que esta resistência, essa dificuldade em se assumir naquela “Há falta de valores humanos... Não se preocupam [população
situação, foi o que demorou a organização dos cortiços e foi algo encortiçada] consigo mesmo. Isso é um limite, e que cresce. A
difícil de superar mesmo quando o movimento de cortiços estava se construção individual de cada um não está completa. Se não tenho
organizando. Era quase que uma mácula a pessoa se identificar como completa minha individualidade, é muito difícil que se chegue a uma
tal. E por exemplo a organização de favelas venceu isso muito antes. construção coletiva. Isso passa pela formação política-ideológica. As
Acredito que toda a questão violenta na estrutura do aluguel do pessoas devem aprender a se defender e não serem defendidas. (...)
cortiço também dificultava essa organização, essa coisa de você ter Cidadania e dignidade não é um prato de comida ou um cigarro que
os xerifes de cortiço, que muitas vezes resolviam as questões se dá por aí, não. (...) É como um emprego, que a partir dele pode
locatárias com o auxílio de um parabelo na mão. Então acho que isso se conseguir comida, roupas. Deve haver um esforço pessoal. (...)
também dificultava a organização”. (depoimento de Reginaldo Não é Jesus Cristo desceu do Céu, ou o diabo veio do inferno e tudo
Ronconi, arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – se deu, não. Pode governar Jesus Cristo, que não vai melhorar. (...)
Funaps Comunitário, gestão Luíza Erundina). Nesses 503 anos estamos num vício desta cultura muito grande. É
preciso que se tenha claro que isso é um limite. (...) Nós não temos
salário, temos de criar condições para que o povo possa viver em
Além do ‘parabelo na mão’ dos intermediários, Joel Audefroy, em
suas casas, com emprego e salário digno. Do contrário seria
“Estratégias Populares en los centros históricos” (p.6), inclui como
paternalismo, seria o governo dando casas para o povo. (...) Achar
agravante à construção de relações coletivas nos cortiços, a
que um governo resolve, não resolve. É um erro achar que com uma
presença do tráfico de drogas, que, apesar de atuar em toda a eleição e tudo está resolvido. Os grandes pensadores da revolução,
cidade, se aproveita dos espaços socialmente mais vulneráveis para como Rosa Luxemburgo, Marx, Engels, Lênin, Trotski devem se
se estruturar. estremecer só de ouvir falar. É algo que se resolve com décadas. (...)
São 503 anos de uma cultura em que o pobre tem de baixar a cabeça,
Segundo Gegê, liderança do MMC, estas dificuldades de mobilização tem de andar de cabeça baixa, e para ele entender que tem de
da população encortiçada são resultado de um processo histórico, levantar a cabeça, serão dezenas de anos. É muito mais o limite do

70
movimento, esperando que alguém lhe dê, do que por problemas
específicos de um programa habitacional. Pois se eu percebo que,
por exemplo, a Cohab está segurando algum projeto, eu organizo o
povo e vou lá e quebro, ocupo, estouro. E pronto, esse limite
desapareceu”. (depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de
caso Riskalah Jorge, integrante do MMC).

71
4.1.4.1.2 limites políticos Estas influências se dão através das disputas políticas entre as
diferentes legendas partidárias, durante as gestões, e mais
4.1.4.1.2.1 limites da política formal intensamente nos períodos eleitorais. Diversas barreiras à produção
da moradia social no centro têm de ser enfrentadas neste ‘jogo das
forças políticas’, qual buscaremos apenas identificar nesta seção.
“(...) então não acontecerão novos projetos. E nem novos
projetos de cortiços, porque a maioria dos cortiços está no Cabe aqui uma ressalva: acabamos de adentrar em terreno de
centro da cidade. Isso faz lembrar aquela frase: “isso é filé disputa, e, dado que as ações humanas são emanadas segundo
minhon, morar na cidade é filé minhon, e pobre não come
concepções políticas inerentes a cada cidadão, e por termos como
filé minhon”. Esta é a antiga frase de um sujeito, um
principio que nenhuma ação foge do campo da política: desde o
especulador, Benjamim Barreira, aqui na Moóca que tem
uma imobiliária e uma construtora. E dizia sobre um terreno estar sentado a escrever um relatório de iniciação científica, até
na Barão de Monsanto, que nós do movimento estar sentado a analisar um determinado relatório de iniciação
reivindicávamos à muito tempo atrás, desde o tempo do científica. Daí, é dado que qualquer contribuição, seja ela em forma
prefeito Jânio Quadros, e ele dizia que aquilo é filé e pobre
de depoimento ou de trecho bibliográfico, emitirá uma postura
não come filé. Então eu nunca pensei tanto nessa frase,
como na época em que o Maluf entrou (...) e o PPB, a classe política. Ou seja, estamos a pisar em ovos, e qualquer conclusão
social que ele representa, a burguesia que ele pode ser precipitada e parcial. Buscaremos então, apenas identificar
representa(...),” e relatar a barreira criada pelas atuais formas que essa disputa tem
Maria Nilce Ferreira Souto53
se dado, encerrando-se, ela mesma, a disputa, enquanto um limite.

Para a apresentação dos limites da política formal, apresentaremos


As diferentes posturas ou concepções políticas sobre as diversas
em cada item as questões referentes a cada gestão, de modo a ter
questões inerentes às relações humanas, organizam-se (dentre
uma leitura mais clara do enfrentamento da questão habitacional
diversas outras formas) em partidos políticos, que conduzem as
segundo cada período político.
ações do poder público e influenciam de modo direto e decisivo a
produção da moradia social no centro.

53
Mutirante do Projeto Celso Garcia, e membro da coordenação da Associação dos
Trabalhadores da Região da Moóca e do Fórum dos Mutirões da cidade de São Paulo.
Depoimento em 05/09/97. In: Comaru, 1998: pág.155.

72
não há ‘vontade política’: maioria’ é por certas vezes manipulada pelo poder midiático e
conjuntura adversa e correlação de forças incipiente desbalanceada pelo poder econômico.

No item dos limites ideológicos e culturais tivemos contato com a Portanto, de modo geral, o que muito importa às gestões
falta de consenso na sociedade paulistana acerca da presença das governamentais é a realização de ações que visem alcançar o
classes de baixa renda na região central de São Paulo. Parte da máximo possível de aceitação, ou sustentação pela população. Este
população concorda e defende esta idéia, ou concepção de cidade, estado, ou retrato dessa sustentação, que varia de acordo com a
que exclui para a periferia os menos favorecidos no jogo do correlação das forças ideológico – culturais, ou políticas, em disputa
capitalismo. na sociedade, trataremos aqui como ‘conjuntura política’, ou
É certo que esta concepção de cidade, sustentada por uma parcela apenas ‘conjuntura’. Desta forma, as diferentes conjunturas
influente da população, tenha repercussão nas políticas e ações políticas, exprimem determinadas tendências de ação
governamentais. Ou seja, a parcela da população que sustenta a governamental.
idéia ‘pobre = periferia’, vai sustentar ações que sejam coerentes
com esta concepção de cidade. Daí, as ações governamentais que Segundo os depoimentos e trechos bibliográficos coletados, cada
fugirem a essa regra não deverão ter o apoio desta população para gestão sustenta-se sobre uma diferente conjuntura política, mais ou
que sejam colocadas em prática: temos aí um novo limite. menos favorável à produção de HIS no centro. Desta forma, temos aí
um limite importante a ser considerado. Como cada gestão encara a
Há uma relação direta entre a sustentação das ações produção de HIS no centro? Em outras palavras, qual a ‘vontade
governamentais pela sociedade que elege a própria gestão política’ de cada gestão?
governamental. Se determinado governo implementa ações em
desacordo com a vontade da maioria da população, este estará Na gestão da PMSP de Luíza Erundina, há um consenso dentre os
fadado a não se reeleger, ou até a não se manter no poder. agentes ouvidos. Segundo os técnicos e representante do movimento
popular, a realização de apenas 227 unidades no centro pelo
Cabe aqui ressaltar que por diversas vezes a ‘vontade da maioria’ programa Funaps Comunitário, é resultado direto da não priorização
não exerce tal influência sobre as ações do poder público, pois esta deste tipo de intervenção. A gestão teve como principal foco de
não possui meios para exprimir e exigir ‘sua vontade’ ao longo do ação a edificação de unidades habitacionais em regiões periféricas:
período de uma gestão. Ficando este momento restrito apenas às
eleições diretas. Cabe também ressaltar que esta ‘vontade da
73
“Tudo isso que nós fizemos sempre esteve nessa coisa do impossível, arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão
primeiro que ninguém bancou com fichas muito pesadas esse Luíza Erundina).
negócio, sempre foi um programa que era tido como experimental,
então não tinha grandes recursos”. (depoimento de Cláudio Manetti, “Por que ela fez só dois mutirões na área central? Ela [prefeitura]
arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão tinha muita dificuldade aqui na área central, (...) e não houve muito
Luíza Erundina). empenho da secretaria em relação à área central, não houve
empenho. O governo Erundina fez dois empreendimentos, e foi
“Não, não foi [prioridade do governo], sempre foi tratado como um muito difícil para chegar a esses dois. (...) Eles falavam que era
protótipo, sempre foi tratado como uma experiência, antes de tudo inviável fazer um projeto aqui na área central, um projeto grande,
(...). Por um lado já não era uma prioridade de Governo, que estava nas áreas encortiçadas. A dificuldade é essa, que a gente sempre
querendo demonstrar a questão da quantidade muito mais na encontrou. Agora se o governo quiser fazer, faz, mesmo sendo caro.
periferia, que é onde Habi tinha uma prática, desde o mutirão até Se quiser fazer faz. Só que o retorno para o cofre público não vai ser
assentamentos diversos. Então a questão do cortiço na área central como o governo quer, ele vai pagar 100% e vai receber 50%, aí esses
era muito mais demonstrativa e quase qualitativa. Isso apesar de que 50% é um fundo perdido, (...) isso que seria subsídio, é a dificuldade
essa qualidade foi muito uma questão que a gente conseguiu trazer, que a gente tem. Nenhum governo garante, e se garante é muito
segurar esse projeto, nós dentro de Habi, do grupo de cortiços pouco, e não contempla o metro quadrado aqui da Mooca, ou na área
conseguimos realizar. (...) [técnicos da PMSP questionavam] porque central, é muito caro. Então essa que é a dificuldade que a gente
que eu vou pagar trezentos no centro da cidade? Acredito que na percebe, que eles falam para nós. (...) Por isso é que eu falo, que é
época era isso (o que não importa). E aí voltamos para aquela uma dificuldade do governo, de achar que aqui na área central é
questão política que se remete para uma questão economicista e, mais caro, é mais caro, mas já tem toda a infra-estrutura, então
portanto tem a ver com a questão da quantidade. Não se imagina e acaba sendo mais barato”. (depoimento de Luiz Cavalcanti,
não se dispõe de instrumentos ou recursos para que eu tenha ganhos liderança popular, estudo de caso Madre de Deus, integrante da
de escala com um m² de terra valendo sessenta vezes mais que na ULC).
periferia. (...) Esse projeto sempre foi visto meio com desconfiança,
no mínimo, delírio, diziam coisas diversas. Mas havia de um lado Os projetos iniciados na gestão de Luíza Erundina na PMSP foram
uma pressão muito forte do movimento, muito firme. Teve até uma imediatamente paralisados quando iniciada a gestão seguinte, de
das invasões aqui na Sehab, quando vieram trezentas pessoas do Paulo Maluf, sustentada por um partido diferente (antes PT, agora
Celso Garcia e do Madre de Deus. Foram lá para cima, e naquele
PPB). Desta forma podemos identificar a interferência direta da
mesmo dia, o terreno do Banespa na Avenida Celso Garcia já tinha
gestão municipal e seu partido político na produção de HIS no
um decreto de interesse social”. (depoimento de Pedro Sales,
Centro. Esses dados podem ainda indicar a existência de uma

74
possível outra barreira à produção de HIS no centro, exatamente “A instituição financeira não poderia ser responsável por traçar
quando há uma mudança de gestão entre partidos políticos políticas, contudo, aceitaria propostas que se enquadrassem no PAR.
diferentes. Mais adiante enfrentaremos esta questão mais Com esta abertura conclui-se que o que faltou durante décadas foi a
vontade política de se enfrentar com coragem e criatividade as
específica, no item o tempo da política: períodos das gestões,
questões específicas sobre a habitação popular e também quanto a
calendário eleitoral e o apagar da história adversária.
preservação do patrimônio histórico”. (Helena Saia, in: relatório
final do encontro: Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar
No governo municipal de Celso Pitta, também do PPB, foi criado um essa idéia? 2000: 16).
programa habitacional voltado às classes de baixa renda da região
central, que segundo Maria Souto, não foi levado à diante: Na gestão de Mário Covas e Geraldo Alckmin (pertencentes ao
mesmo partido – PSDB) nas quais insere-se o programa PAC, há uma
“A política da PMSP não existe (...), um programa com nome bonito,
discordância a respeito da ‘vontade política’ destes governos. Como
mas que não saiu do papel: o Programa de Revitalização de Áreas
podemos observar através dos depoimentos de técnicos do poder
degradadas do Centro (PRADE)” (depoimento de Maria Nilce Ferreira
público, assessores técnicos e representantes de movimentos
Souto, in: “Intervenção Habitacional em cortiços na Cidade de São
Paulo: O mutirão Celso Garcia” Comaru, Francisco, 1998:52).
populares:

“Eu entendo que sim [é uma prioridade de governo], pelo volume de


Acerca da ‘vontade política’ da gestão federal de Fernando
ações que estamos colocando em prática, acredito que sim. Em
Henrique Cardoso, na qual foi criado o PAR, os agentes entrevistados
entrevistas, quando a questão é habitacional, é sempre lembrada a
não opinaram diretamente sobre a questão, deixando-a, portanto,
questão de cortiços”. (depoimento de Lia Ferreira, arquiteta, estudo
em aberto. A apresentação da arquiteta Helena Saia54 no encontro: de caso 21 de Abril, Gov. Est. CDHU - PAC, gestão Geraldo Alckmin).
“Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa idéia?”, ao
menos nos indica a não existência de uma ‘pró-atividade’ da CEF no “Um dos empecilhos também é a forma, enquanto governo, a forma
sentido da construção de uma política habitacional nas regiões que eles [governo do Estado] vêm trabalhando, não há interesse
centrais. O órgão entendia (na época) não ser de sua atribuição o político. Por que não há? É aquela velha história que a gente sabe, a
traçado destas políticas: colocação de toda a produção de HIS para fora do centro da cidade,
longe, para não ter essa interferência, para realmente não misturar,
ficar separado. Eu acho que a questão é de entendimento da cidade,
54 política mesmo, da divisão de classes”. (depoimento de Isabel
Arquiteta projetista dos empreendimentos ‘Fernão Sales’ e ‘Riskalah Jorge’,
reformas de edifícios pertencentes ao programa PAR – CEF. Cabral, arquiteta, Assessoria técnica Ambiente).

75
falta de recursos, primeiro ter o estoque, para depois fazer a
“Estrutura e dinheiro eles [governo do Estado] têm. Falta vontade discussão. Na verdade, o próprio poder público é um elemento de
política e parceria com os movimentos. (...) Diziam que amenizariam valorização, um ator que também precisa comprar. Teríamos de ter
os problemas do centro, e nós não imaginávamos que iríamos primeiro o estoque, para depois assegurar isso. Eu acho muito difícil
enfrentar esse paredão, essa burocracia de um governo não que uma reabilitação de uma região consiga assegurar uma
democrático, não socialista. (...) Nenhum governo do estado, este e população. Acho que tem uma fragmentação: todo mundo
todos os outros, nunca teve a moradia para a baixa renda nos investindo, só que eu acho que os tempos deveriam ser diferentes.
grandes centros urbanos como uma prioridade”. (depoimento de Tem uma contradição, eu não conheço nenhum lugar onde se fez
Sidney Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21 de Abril, reabilitação, (de forma geral, no mundo inteiro, que eu tenha lido):
integrante da ULC). Se não se preparou a reabilitação, [é difícil] que se consiga assegurar
a população. É quase um a conseqüência do outro”. (depoimento de
Na gestão de Marta Suplicy na PMSP, há depoimentos que apontam a Luiz Kohara, estudo de caso favela do gato, engenheiro, PMSP, Sehab
existência de uma disputa interna dentro do próprio governo. Hora a – Habi, gestão Marta Suplicy).
moradia social no centro é apresentada como prioridade, hora a
“Olha eu acho que é prioridade [produção de HIS no centro],
reabilitação do centro (voltada para outras ações que não a moradia
internamente no discurso do Paulo55, já entrou que é uma
social) são consideradas prioritárias. Temos aí mais um retrato da
prioridade. Acredito mesmo que as nossas dificuldades são
correlação de forças de sustentação do governo municipal, que
operacionais, não é nem de recurso. Ela é também de recursos, mas
resulta em ações ambíguas do poder público. Mais adiante, na seção eu digo que com os recursos que nós temos disponíveis, nós estamos
dos limites da economia política, onde identificaremos o fenômeno com muita dificuldade de fazer andar alguns projetos, por uma série
da gentrificação, esta contradição tornar-se-á mais nítida. Por hora, de coisas. (...) Então é prioridade sim”. (depoimento de Helena Silva
observemos depoimentos de técnicos da PMSP, assessor técnico e estudo de caso favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Pró Centro,
representante de movimento, ilustradores desta contradição: gestão Marta Suplicy).

“Eu acho que existe muita fragmentação nesse sentido [se é “No discurso aparece como prioridade a intervenção no centro, (...)
prioridade da gestão investir em HIS no centro]. Muitas vezes essas E no discurso aparece como uma tábua de salvação mesmo: ‘ah, tudo
intenções se fragmentam. É importantíssima essa questão da que os movimentos vem reivindicando’, eles pegam aquele discurso e
reabilitação, só que, como se amarra uma reabilitação assegurando jogam para a administração pública, sem ter um orçamento para
que a população não seja expulsa? Pra poder assegurar isso teríamos
55
de ter um estoque imobiliário. Não temos conseguido, mesmo por Secretário de Habitação de Desenvolvimento Urbano da PMSP, gestão Marta
Suplicy.

76
isso, não tem um programa. Exceto o programa de locação social, priorização pelo poder público, é de se esperar que melhores
não tem um programa que eu conheça. O Morar no Centro é muito resultados sejam alcançados.
mais um apoio aos recursos outros. Então como você constrói política Agora, se de fato a produção de HIS no centro não se trata de uma
sem fundo público. Isso que é um dos paradoxos, que vira muito mais
‘prioridade de governo’, é certo que esta postura se trata de um
programas de discurso, que ações concretas”. (depoimento de
limite importante à produção da moradia social no centro.
Amore, estudo de caso favela do gato, arquiteto, Assessoria técnica
Peabiru).

falta de recursos:
“Desde o orçamento participativo a idéia é de habitar o centro,
nesse programa da Marta. A idéia primordial deles é habitação (...).
o discurso das limitações financeiras do estado
Mas sem a prática, sem apoio político, sem querer. Falta querer Dentre os limites políticos identificados, inclui-se a quantidade de
fazer”. (depoimento de Sassá, liderança popular, morador da favela recursos empregados para a implementação das políticas de HIS no
do gato). centro. Esta quantia se relaciona à ‘vontade política’, mas não
necessariamente de forma diretamente proporcional, de modo que
O discurso de que habitação popular no centro é uma ‘prioridade de não significa que quanto maior a ‘vontade política’, mais recursos
governo’ é encampado pela maioria das instâncias governamentais, deverão ser empregados na produção de HIS no centro, ou: se há
quando diretamente questionadas. Ao passo que o discurso: ‘o que pouca ‘vontade política’ não haverá recursos.
falta é vontade política’ é sustentado pelos movimentos populares. As questões que envolvem este tema são por demais complexas para
A partir dos depoimentos coletados e das experiências acumuladas uma presente análise, e certamente deveriam ser alvo de estudos
no decorrer de nossos estudos, observamos que estas informações mais aprofundados. Por hora nos limitaremos a apontar alguns
devem ser analisadas com maior profundidade para a emissão de pontos de vista acerca da questão: os recursos disponibilizados para
qualquer conclusão acerca do tema. a produção de HIS no centro são suficientes para uma produção
Mas temos apenas como certo que os resultados alcançados por massiva e de qualidade destas unidades?
todos os programas estão muito aquém das necessidades da
população. É certo que não. O que pudemos identificar é que cada gestão
Portanto, se é verdadeiro o discurso de que a habitação social no aporta recursos para a implementação destas políticas de modos
centro é uma ‘prioridade de governo’, há então outros fatores bastante diferentes:
limitantes para que tenhamos a atual produção. Pois, diante de sua

77
“A prefeitura que sempre chora que não tem dinheiro, que tem que A falta de recursos neste caso parece não ser fator de limitação à
pagar a lei de responsabilidade fiscal, essa coisa. O Governo do produção, pois as dificuldades encontram-se no atual sistema
Estado nunca falou que não tem dinheiro, o que dificulta ele é financeiro de habitação, que pouco pode fazer para atender as
sempre a questão da lei 8.666. O Governo Federal nunca disse que
faixas de renda mais necessitadas, segundo André Luiz de Souza,
não tem dinheiro, pelo contrário, os dois sempre falam assim tem
representante da CUT no conselho curador do FGTS, em participação
dinheiro o que precisa é agilizar a questão da moradia. Mas como é
no encontro: “Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar
que você agiliza, se a renda das pessoas é baixa. Se não tem
subsídio, você não consegue agilizar. Então eu acho que tem que
essa idéia?”:
botar o dedo na ferida, que é a questão do subsídio. (...) Tem
dinheiro, pelo contrário. Tem que mudar a lei para agilizar mais”. Souza afirma que o FGTS só pode emprestar para quem pode
(depoimento de Verônica Krol, liderança popular, integrante do ressarcir, de modo que ele nunca atinge as famílias com até três
Fórum dos cortiços). salários mínimos. Já a CEF está subordinada ao Banco Central que
compreende crédito habitacional como crédito individual e não uma
Na gestão de Luíza Erundina na PMSP, a relação da ‘vontade política pública, devendo o risco ser operado pela própria instituição
política’ e do orçamento empregado para os programas habitacionais financeira. Ao mesmo tempo o Orçamento Geral da União (OGU) não
na região central, segundo os agentes entrevistados, é a seguinte: estabelece nenhum tipo de “mix” com o FGTS, nem mesmo as
políticas habitacionais dos estados.
“Se não havia uma política de massa, não seria necessário também Segundo Souza o principal limitador para que a CEF passe a atuar
uma destinação orçamentária equivalente”. (depoimento de Joel junto às faixas de menor renda é o seguinte:
Felipe, arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, assessoria técnica
AD). “(...) o setor público endividado não pode tomar novos
financiamentos, por causa da lei 2682. Assim, a Caixa só poderá
Já no Programa de Arrendamento Residencial, da CEF, a quantidade retomar o financiamento para o poder público daqui a 50 anos. Os
de recursos disponíveis é suficiente para uma produção de bancos privados podem conceder empréstimos, mas seu ‘spread’
aproximadamente 25.000 unidades habitacionais em todo o país. A mínimo é de 3%, enquanto o da Caixa é de 1%”. (André Luiz de Souza,
demanda direta por unidades habitacionais apenas pela população representante da Cut no conselho curador do FGTS. In: relatório final
encortiçada na região central é da ordem de 110.400 unidades do encontro: Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa
idéia? Lab Hab Fau Usp, 2000: 38).
habitacionais, segundo o último recenseamento total de cortiços de
São Paulo, de 1993, realizado pela Fipe.

78
Para a atual gestão do Governo do Estado, de Geraldo Alckmin, a “Não teve esse problema [falta de recursos], eu acho que esse
habitação popular no centro é uma prioridade. A CDHU conta com ‘vamos fazer menos’, é por que houve os episódios em que alguns
recursos suficientes para uma produção massiva de HIS no centro, a empreendimentos não se viabilizaram pelas questões que já falei
[entraves enfrentados no decorrer da operacionalização do
partir de parte da receita gerada pelo ICMS, que rende
programa], então tivemos de rever as estimativas em algum
aproximadamente R$10.850.000,00 reais/mês56, além do
momento, por conta das dificuldades naturais, problemas que foram
empréstimo junto ao BID de U$ 70mi para financiamento específico
aparecendo. Mas eu acho que o programa só não tem mais recursos,
do PAC. um aporte financeiro considerável para essa ação no centro, por toda
Segundo integrantes do movimento, a aplicação destes recursos tem essa dificuldade, essa morosidade, inclusive até de conseguir achar o
se realizado de forma equivocada, já que os resultados práticos caminho das pedras. Se estivéssemos ainda no segundo ano da
(número de unidades habitacionais produzidas) não são perceptíveis gestão, com certeza teria mais recursos. Então você abre frentes, e
aos olhos da população: aloca os recursos. Esse é um problema que administração vive. No
meio do ano há diversas reuniões para cortes no orçamento. (...) O
“(...) tem muito dinheiro, não faz nada, só faz pesquisa (...) e fica programa de locação social, habitação no centro, só não tem mais
sem utilizar, quando há tanto para resolver. (...) porque o governo recursos, por que não conseguimos abrir frentes”. (depoimento de
não decide colocar uma parte do dinheiro a fundo perdido e pelo Wagner Germano, estudo de caso favela do gato, arquiteto, PMSP,
menos fazer algum projeto?”. (Verônica Krol, integrante do Fórum Sehab, Cohab, gestão Marta Suplicy).
dos cortiços, in: relatório final do encontro: Habitação no centro de
São Paulo: como viabilizar essa idéia? Lab Hab Fau Usp,2000:52). Já para morador da favela do gato, alvo do empreendimento de
locação social em estudo, a ‘falta de verba’ lhe foi confiada como
Para a atual gestão da PMSP, a restrição orçamentária é um fato, uma barreira à atual produção:
mas não é fator limitante à quantidade e à qualidade das unidades
habitacionais produzidas para o programa de Locação Social. O “Área tem, tem bastante área desativada aí, área na própria mão
depoimento de Wagner Germano, técnico da Cohab, afirma a deles, são áreas grandes, para conjuntos habitacionais. Só que
sempre alegam que é falta de verba, falta disso, falta daquilo”.
presença de limitações de outra ordem:
(depoimento de Sassá, estudo de caso favela do gato, liderança
popular, morador da favela do gato).

56
segundo a média de arrecadação dos 1% do ICMS destinados à habitação no
período de dez anos (1990-1999). fonte: sítio eletrônico da CDHU, página:
http://www.cdhu.sp.gov.br/http/indexhtm.htm

79
leis que não se aplicam: tem-se uma inoperância governamental, que muitas vezes pouco ou
o discurso de que pouco se pode fazer diante da atual correlação nada realiza para a implementação de uma política pública que
de forças incida sobre o tema em questão.
É dado que as ações dos governos devem estar apoiadas em Para Verônica Krol, liderança do Fórum dos cortiços e Ermínia
instrumentos legais, ou leis, que as regulamentem. Para que Maricato, professora da Fau Usp, a legislação urbana existente não
estas leis sejam criadas, precisa-se de uma correlação de se aplica à realidade de nossas cidades. Neste aspecto, há também
forças favorável à sua aprovação, dentro dos parlamentos uma divisão da cidade, em ‘cidade da lei’ e ‘cidade sem lei’:

municipais, estaduais e federal. Passada essa disputa política


“Eu sempre digo, que para qualquer governo, o maior desafio é a
pela criação das leis, faz-se necessária uma nova correlação de questão do centro. Por que o centro, ele parece que é uma coisa que
forças, que favoreça sua aplicação. Desta forma, apesar de se fala: É um centro sem lei, é um mundo do cão, são os despejos de
adentrarmos no campo da legislação, ainda reportamos a cortiço, são os intermediários, é o valor do metro quadrado da terra,
causa deste fenômeno à esfera política. é você viabilizar um projeto, tudo é muito difícil, então é o desafio
de qualquer prefeito, qualquer governo”. (depoimento de Verônica
Das leis necessárias à produção de HIS no centro, algumas
Krol, liderança popular, integrante do Fórum dos cortiços).
foram aprovadas pelos parlamentos, faltando ainda diversos
instrumentos para uma produção massiva e de qualidade “A aplicação da legislação urbana não é universal. Esse é um dos
destas unidades. Estas leis, ditas como ‘necessárias’, são de paradigmas da sociedade brasileira. A aplicação da lei não é igual

várias ordens, desde as que regulamentam a construção das para todos. Nós não conquistamos a cidadania prevista na Revolução
Francesa”. (Ermínia Maricato, in: Os centros das metrópoles,
unidades habitacionais, como as leis edilícias, às que dispõem
reflexões e propostas para a cidade democrática do século XXI”.
sobre a ordenação urbanística da cidade, incidindo sobre a 2001:95).
função social da propriedade. Abaixo trataremos apenas da
não aplicação dos instrumentos legais considerados centrais à Mais especificamente, dentre as leis da ‘cidade sem lei’, destaca-se
produção de HIS no centro. a ‘Lei Moura’, proposta pelo vereador Luiz Carlos Moura, em 1991,
que desde então nunca foi aplicada. A lei Moura tem por objetivo
Segundo depoimentos e trechos bibliográficos visitados, diversas regulamentar a locação de quartos, pensões ou cortiços,
destas leis tornaram-se ‘letra morta’, devido à não existência de estabelecendo parâmetros de qualidade mínima ambiental e
uma correlação de forças que sustente sua aplicação. Desta forma,

80
construtiva, bem como regras para a relação entre locadores e anulação; na prática acaba por auto-invalidar-se”. (Andréa Piccini,
locatários. in: “Laboratório de projeto integrado e participativo para
Diante das atuais condições habitacionais na cidade de São Paulo, e requalificação de cortiço”. 2002:38).

da conjuntura a que estamos submetidos, sua aplicação tem se


tornado inviável. Reproduzimos abaixo trecho do caderno: Estas dificuldades apontadas por Piccini têm repercutido na atual
Laboratório Integrado e Participativo para Requalificação de administração municipal. Luis Kohara, técnico de Habi, afirma ser
Cortiço, que publica texto de Andréa Piccini, pesquisador do tema, de responsabilidade da PMSP a fiscalização destes estabelecimentos,
da escola Politécnica da USP: mas que, enquanto governo municipal, estão ‘discutindo isso’, e até
agora não realizaram nenhuma ação no sentido da aplicação da lei:
“Com relação a sua legalidade, as normas específicas de edificação
definidas em lei, como, por exemplo, a Lei Moura, colocam a maioria “(...) Então enquanto no mercado ganha 0,8% [do valor do imóvel ao
dos edifícios encortiçados, localizados na área central fora da mês], no cortiço, a hora que você somar toda a renda, chega a
legalidade. (...) A falta de fiscalização, que é uma função básica ganhar 3% e pouco. Aí você está ganhando um sobre-lucro em cima
atribuída por lei à administração pública municipal, acaba por de um investimento que você não fez. Então há uma lógica aí, que se
perpetuar condições de irregularidades em relação às edificações e permite que isso aconteça, eu acho que a gente teria que fazer algo.
de ilegalidade com relação à locação. (...) A fiscalização depende de Lógico cabe à prefeitura, e estamos discutindo isso”.(depoimento de
vontade política e de um programa de ação que possa dar conta de Luiz Kohara, estudo de caso favela do gato, engenheiro, PMSP, Sehab
uma quantidade tão grande de edificações irregulares. Por outro – Habi, gestão Marta Suplicy).
lado, se os proprietários forem multados de forma generalizada,
provocar-se-ia uma falta de habitações na cidade, sem que exista um Outra ação do poder público vital à produção de HIS no centro, e
estoque de moradias pronto para a substituição. A conclusão de que que possui arcabouço legal e não é colocada em prática devido à
é melhor deixar como está, dada a complexidade do problema e a falta de sustentação conjuntural, é o controle dos preços dos
falta de fiscalização, levam à tolerância que, por sua vez, beneficia imóveis na região central, através da imposição do cumprimento da
o profícuo mercado clandestino de aluguel”. (p.37) “Parece existir função social da propriedade, constante no plano diretor estratégico
um abismo entre a formulação jurídica dos instrumentos legais e a
do município.
prática do que se constrói em grande parte da cidade e onde mora a
maior parte da população. À distância às vezes é tão grande que os
Como vimos na seção dos limites ideológico – culturais, tópico
instrumentos propostos parecem feitos para a sua não aplicação
ou,quando são, criam situações incoerentes provocando sua própria
especulação e ‘entesouramento’, há uma manutenção artificial dos
preços dos imóveis na região central, acima da capacidade de
81
pagamento das classes de baixa renda (como também veremos na imóvel. Trata-se de uma forma de penalização do proprietário que
seção dos limites da economia política). especula com seu imóvel, forçando-o a colocá-lo à venda, ou a dar-
lhe algum uso. Ou seja, destinar-lhe a uma ‘função social’.
A necessidade de se estabelecer um controle sobre os valores dos
imóveis é latente. Mas há teses que consideram a possibilidade da Os instrumentos urbanísticos que definem e regulamentam o
produção da moradia social dentro do atual sistema capitalista de cumprimento da função social da propriedade nas cidades brasileiras
mercado, através de sua regulamentação legal. Meses antes da estão no ‘Estatuto da Cidade’, aprovado em julho de 2001 pelo
aprovação do Plano Diretor Estratégico de São Paulo, Nabil Bonduki, Congresso Nacional. Diversas publicações recentes debatem a fundo
arquiteto e vereador, possuía como estratégia a criação de leis que seu funcionamento e os meios de sua implementação57. Por hora
apenas interferissem nas leis de mercado, mas sem ‘revogá-la’: limitar-nos-emos a identificar a falta de sua aplicação e as
conseqüências disso à produção da moradia social no centro, muito
“(...) um desafio que temos: ninguém aqui quer revogar a lei de dificultada.
mercado por decreto ou mesmo no plenário da Câmara, mas temos
claro que a legislação é uma clara interferência, ela deve interferir Desde a aprovação do Plano Diretor Estratégico pela Câmara
nas leis de mercado, e tem de ser encontrados mecanismos para que Municipal, em setembro de 2002, o IPTU progressivo no tempo não
se viabilizem condições concretas para esse mercado
foi aplicado em nenhuma propriedade. Segundo Kohara, o maior
imobiliário”.(Nabil Bonduki, Vereador, in: “relatório da ‘Comissão de
limite à produção da moradia social no centro é a manutenção de
Estudos sobre Habitação na Região Central”, 2001: 107).
imóveis vazios na região central, ou a ‘questão fundiária’. As
dificuldades do enfrentamento desta questão são tão grandes que se
Uma das leis que tem como objetivo interferir na lógica de mercado
tornaram um ‘mito’ urbano. E, para ser quebrado, transformações
imposta pelos proprietários de imóveis, é o IPTU progressivo no
substanciais no modo de concepção de cidade seriam necessárias:
tempo, que funciona através do aumento da alíquota incidente
sobre o valor do imóvel, no calculo anual do IPTU. Quando um
“(...) O programa [morar no centro, PMSP, gestão Marta Suplicy]
imóvel se encontra vazio ou subutilizado por mais de cinco anos, a também previa, (não especificamente em relação à favela do gato)
alíquota de incidência pode ser de até 15% sobre o valor do imóvel, que se trabalhasse com a contradição de termos um dado do IBGE
a cada ano de sua não utilização. Se o proprietário não lhe destinar
algum uso, este poderá até ‘perdê-lo’ para o município, pois em 57
Por exemplo, o guia editado pela Câmara dos deputados, realizado pelo Instituto
pouco tempo o valor do imposto será igualado ao valor de seu Pólis: “Estatuto da Cidade. Guia para implementação pelos municípios e cidadãos”,
Câmara dos Deputados, Coordenação de publicações, 2001.

82
que diz haver em São Paulo 40 mil unidades vazias só na região da mas nada garante aquilo que é resultado das correlações de forças,
subprefeitura Sé. Por que não se aproveitam essas moradias? O que é especialmente em uma sociedade patrimonialista, onde a
um outro mito. Por que se temos 40 mil unidades domiciliares, propriedade privada da terra tem tal importância. Estamos no
teríamos pelo menos 150 mil podendo morar no centro. (...) A terreno da política e não da técnica. A discriminatória das terras
questão fundiária é o maior limite, nós ainda não sabemos como públicas aí está. É lei. Ela é, provavelmente, o mais radical
mexer com os imóveis vazios. Pra mim essa questão é a mais central. instrumento da política fundiária”.(Ermínia Maricato, in: “As idéias
(...) Acho que ainda estamos muito longe do poder público fazer esse fora do lugar e o lugar fora das idéias”, A cidade do pensamento
enfrentamento das unidades vazias. (...) Muitas coisas dizemos ser único, desmanchando consensos. 2000:185).
difíceis, mas ainda não foi enfrentado. Qualquer dificuldade que não
é enfrentada acaba sendo um mito, na verdade. No centro lidamos Para Amore, arquiteto da Assessoria Técnica Peabiru, mesmo se
com muitos mitos; a questão dos imóveis vazios mesmo, não foi aplicados os instrumentos do estatuto da cidade, a forma que se
enfrentada.”. (depoimento de Luiz Kohara, estudo de caso favela do viabilizaria a ‘reforma urbana’, tão defendida por parte de
gato, engenheiro, PMSP, Sehab – Habi, gestão Marta Suplicy).
urbanistas e movimentos sociais, ainda seria nos moldes do sistema
capitalista.
O ‘tabu’ mencionado por Kohara é explicitado por Maricato, e
Ações mais duras do poder público não se realizariam por falta de
pertence à esfera política, criada pela correlação de forças
uma correlação de forças favorável a isso, da mesma forma que um
resultante do poder encampado pelos proprietários imobiliários e o
instrumento legal que revogasse a lei de mercado, não seria
já abordado ‘‘entesouramento’’. Para Maricato, as leis, sozinhas,
atualmente factível, segundo Bonduki. Diante da atual conjuntura
não possuem poder algum, e são dependentes da correlação de
política, o fato de se democratizar o acesso à propriedade, no
forças:
Brasil, já teria ‘um peso enorme’:

“(...) Nenhum desses argumentos se iguala ao principal obstáculo ao


“A história da reforma urbana, ninguém fala em expropriação de
fortalecimento do IPTU, em especial à implementação do IPTU
imóveis vazios ou subutilizados. O que sempre se fala é: ‘incentivos
progressivo, que é dado pela correlação de forças que tem, nos
ficais, compensações para o proprietário’. (...) Sempre você vai
proprietários imobiliários e na histórica relação entre poder e
encontrando um jeito de se compensar isso. Então é uma reforma
‘entesouramento’, os limites para a aplicação da função social da
urbana, na legislação mesmo, é uma reforma urbana, mas ela é
propriedade”. (p.176). “Nesse caso, a questão central é fundiária e
pensada por uma via capitalista. É reforma urbana, por que
imobiliária. Não há planos ou fórmulas para superar os conflitos que
democratiza o acesso à propriedade. E no Brasil, isso tem um peso
essa questão implica. Instrumentos urbanísticos, textos legais podem
enorme, não é desprezível, mas é uma reforma urbana pela via
ser melhores ou piores, adequados ou inadequados tecnicamente,

83
capitalista, compensando o proprietário e tal”. (depoimento de Caio observada abaixo, e serve como ilustração aos trechos dos
Amore, estudo de caso favela do gato, arquiteto, Assessoria técnica depoimentos coletados:
Peabiru).

Tabela três: gestões governamentais segundo legenda partidária

desarticulação dos diferentes níveis de governo:


ano 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 04
disputa pelos louros das unidades habitacionais
Jân
Um novo entrave a uma maior e melhor produção de HIS no centro é Erundina Maluf Pitta Marta
município io
a falta de integração dos diferentes níveis de governo: município,
mário alckmi
estado e união. Ações sobrepõem-se, repetem-se estudos, e Quércia Fleury mário covas
estado covas n
trabalhos são feitos e refeitos. Nos últimos quinze anos, os três
níveis de governo sofreram sempre alterações de composição Sarney Collor Itamar FHC FHC Lula
união
política, sem que nunca houvesse um governo municipal que tivesse
como ‘aliado’ político, o governo estadual ou federal, com exceção
dos últimos sete meses, em que união e município são do mesmo PSDB
partido. PMDB
PPB
Apesar da obviedade teórica da necessidade de uma relação PT
harmônica entre os diferentes níveis de governo, PRN
independentemente do partido que compõe a gestão, a prática da PTB
não realização de acordos, convênios, ou contratos de cooperação
entre as gestões, tem demonstrado a necessidade de um diálogo Durante a gestão de Luíza Erundina na PMSP, período 89-92, as
mínimo ou uma mínima compatibilidade programática entre as relações com a gestão estadual eram exceções. Quando ocorriam
diferentes partes. acessavam também outras secretarias, que não a pasta de
habitação:
A composição política das gestões nos diferentes níveis
governamentais, segundo os períodos de atuação, pode ser “Não havia [relações entre governos municipal e estadual]. Exceções
existiam ou por necessidade muito concreta de divisão de tarefas

84
(caso do Cinema da Mooca, que, aliás, resultou em: ‘então, tocam A oposição política entre os partidos responsáveis pelas gestões
vocês...’ da PMSP para a CDHU) e quando os movimentos municipais (PT) e estadual (PSDB), tem minado as diversas
demandavam recursos de outras áreas, como no Jd. São Francisco, o tentativas de estabelecimento de parcerias entre os governos.
convênio com a Secretaria da Cultura para oficinas culturais com
Técnicos dos órgãos Cohab e Cdhu têm se comunicado de modo
crianças e adolescentes”. (depoimento de Pedro Salles, arquiteto,
proveitoso por diversas vezes, mas quando há a necessidade de um
estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza
comprometimento maior entre as partes, nada é realizado. Ambas
Erundina).
gestões possuem financiamento do BID para a implementação de
Relações de integração com o governo federal também não seus programas habitacionais, mas os conceitos de intervenção
ocorreram, ao menos aos olhos da população participante do empregados têm se mostrado conflitantes, como nos indica
programa: Margareth Uemura, técnica da Cohab:

“Não, não tinha [integração entre os governos], na época era só a “A gente está sinalizando há bastante tempo, uma das primeiras
prefeitura, em nossa época nunca teve não, nenhum dinheiro federal propostas que a gente fez para a CDHU, por exemplo, foi de utilizar
para construir casa. Se veio, para nós não chegou”. (depoimento de os subsídios diretos, que ela poderia jogar isso no programa de
Luiz Cavalcanti, liderança popular, integrante da ULC). locação social, já que ela não tem programa de locação. Com isso ela
poderia estar financiando algumas unidades de locação social, mas
Na atual conjuntura, junho de 2003, as relações entre o município e essa discussão ela não avançou por várias coisas. Primeiro que a
o estado têm se dado de modo incipiente, e fatos concretos não são nossa discussão sobre o BID apoiar um programa de locação social, e
o BID financia tanto um programa quanto o outro, ela demorou
conferidos pelos movimentos populares:
muito tempo, foi uma batalha enorme. As pessoas não têm idéia do
que foi o desgaste que a gente teve aqui dentro, por que o BID tem
“Não existe relação entre os governos. Eu vejo a secretaria do
todo aquele discurso da análise neoliberal sobre os programas de
município pedindo: ‘pelo amor de Deus’ para a Secretaria do Estado,
habitação da Europa e outras. Ele acha que tem que se privatizar
e a Secretaria do estado, não diz nem sim nem não. Para mim é não,
mesmo os parques europeus. Então por que estar criando um
pois não faz. A Secretaria Municipal não tem recursos, apesar de ter
programa de locação social aqui, quando a tendência em todos os
um pouco de política. Têm companheiros na Secretaria Municipal,
países, que fizeram reformas liberais, por exemplo, a Inglaterra, foi
capazes de tocar. E o Governo do estado tem dinheiro, mas não tem
desfazer os parques de locação social, por que se tornaram guetos de
política”. (depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de caso
população pobre com vários problemas socais, urbanos e etc... então
Riskalah Jorge, integrante do MMC).
foi muito difícil de convencer que o programa de locação social,

85
(...). Então a nossa negociação com a CDHU também teve essa complexas como a que se insere São Paulo. Estes conflitos e
dificuldade, acho que agora que está claro para o BID que nós vamos incompatibilidades se tornam muitas vezes barreiras aos objetivos
fazer o programa, pode ser que a retomada do subsídio para a que buscamos compreender de sua não realização: a produção da
locação seja mais fácil, esse convênio da CDHU para o centro. (...) A
moradia social no centro de São Paulo.
gente começou uma atuação agora mais em detalhes, no PRIH da
Luz, mas realmente precisamos ver melhor como isso funciona, tem
Segundo depoimento de Cláudio Manetti, técnico de Habi na gestão
reuniões [com a CDHU] que estamos marcando e tudo”. (depoimento
de Margaret Uemura, estudo de caso favela do gato, arquiteta, PMSP,
de Luíza Erundina, podemos observar uma das barreiras resultantes
Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy). dos conflitos gerados pelas diferenças entre o ‘tempo social’ e o
tempo da política formal:

o tempo da política: “Fui eu e o Zico em uma reunião lá [Belenzinho], quando já tinham


períodos das gestões, calendário eleitoral se passado seis anos depois da gestão. E o cara falou: ‘fizemos uma
reunião recentemente, e discutimos que fizemos uma besteira em
e o apagar da história adversária
não aceitar o subprograma na época’. Eu aí falei: ‘Mas seis anos
O tempo, os períodos estabelecidos pela política formal organizam e
depois?’ E caiu uma outra ficha, que é pouco essa coisa do tempo de
interferem diretamente nas políticas de habitação social no centro.
decantação desses instrumentais, não que você desconfie deles. Mas
O sistema de democracia formal a que estamos condicionados, parece que eles precisam ter uma clareza ideológica, ou compatível
necessita de uma organização severa que ordene as ações realizadas às linhas das lutas de base daquele grupo organizado, ou o que
pelo poder público. Esta organização estabelece períodos significa isso em termos de desenvolvimento social. Parece que essas
determinados para a duração das gestões, e conseqüentemente para coisas vão mais no tempo das coisas do que você simplesmente
a realização das eleições para as gestões conseguintes. implantar e acabou. (...) É uma pena essa coisa de interromper,
Os períodos da política formal são rogorosamente estabelecidos e justamente na hora que a gente estava para começar realmente o
condicionam toda a vida da população. Ou seja, a existência destes programa, em larga escala. Tinha uma série de imóveis no Pari,
algumas áreas na Moóca. Se não saísse a gente realmente teria
períodos é pressuposto a todas as atividades relacionadas à política
constituído programa em larga escala, numa história interessante,
formal, até que se altere a constituição federal.
inclusive discutindo alguns modelos de habitação, se tivesse um
exercício contínuo, teria sido, e saído coisas muitíssimo
Desta forma, é de se esperar que tamanha camisa de força gere interessantes”. (depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto, estudo
algum tipo de conflito, ou incompatibilidade com os períodos do de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza Erundina).
viver humano, incerto e maleável, quando mais em sociedades
86
Esta mesma problemática é identificada na publicação da ‘Coalizão “Agora, no centro (...) deveríamos ter uma composição de áreas mais
Internacional pelo Habitat’, por Joel Audefroy, que congrega ampla do que a que aconteceu, mas também é difícil resolver essas
experiências de resistência das classes de baixa renda, que questões todas no tempo que o Funaps Comunitário durou, que de
fato, durou dois anos, na verdade um ano e dez meses, pois no
organizadamente conseguiram fazer frente ao desalojamento
finalzinho do último ano já não havia mais o que fazer. Então
resultante dos processos de gentrificação nos centros de metrópoles
devemos olhar um pouco esse período também, o período de
de diversos países do mundo:
gestação, de gerar o programa, e depois de gerir a implantação do
programa, e trabalhar com quase 12 mil unidades num período muito
“Este princípio [harmonia dos ritmos administrativos e políticos com
curto, então há várias pontas que acredito que deveriam ser
os ritmos sociais] não foi contemplado em nenhum dos casos
resolvidas mais tarde. Uma delas eu acho que é esta, ainda hoje
estudados. Os ritmos sociais são completamente diferentes dos
acredito que os edifícios que foram construídos para cortiço
ritmos administrativos e políticos. Os habitantes necessitam de
deveriam ter uma multiplicidade maior de ofertas. Deveriam ter
tempo para se organizar e para enfrentar as novas situações. Não
apartamentos maiores do que tem e menores, e apartamentos
atuam como a mecânica administrativa, que aplica regras e leis
médios, para poder realmente abarcar o universo complexo que é
sistematicamente”. (Joel Audefroy, Estrategias populares en los
demanda de cortiço. Porque nos demais extratos de demanda por
centros historicos. 1998:29).
moradia são mais uniformes, a família é mais estável”. (depoimento
de Pedro Sales, arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, PMSP,
Outra barreira direta à qualidade dos programas habitacionais, Sehab – Habi. Gestão Luíza Erundina).
gerada pelo ‘tempo político’, é o período estabelecido para duração
das gestões governamentais. Diversos depoimentos apontaram para Ainda como demonstração das interferências causadas pelo curto
a existência deste problema, que obriga a realização de ações período das gestões, que resulta até em remendos e subterfúgios na
precipitadas, realizadas de modo rápido e sem o cuidado necessário condução dos programas habitacionais, relatamos trecho do
para a construção de uma política pública habitacional. Isto faz com depoimento de Cláudio Manetti, também técnico integrante da
que as realizações tornem-se apenas respostas às pressões, em equipe de cortiços de Habi, na gestão de Luíza Erundina na PMSP:
forma apenas de ‘ações políticas’.
“Não foi um programa montado logo no começo, não tinha tempo, as
Pedro Salles, arquiteto de Habi na gestão de Luíza Erundina nos pressões eram muito grandes. Não tinha recurso, então tudo era
indica esta problemática, enfrentada pelo Programa de Habitações criado dessa maneira. Outra coisa importante, o Funaps, que é o
Populares da região central de São Paulo: fundo financiador, foi um fundo criado pela Marta Gordinho, na

87
Gestão de Mário Covas, é um fundo de assistência, e não um fundo
de produção em larga escala de habitação. O que faz com que Habi, “Nós indicamos três terrenos, para o governo da Luíza Erundina, no
58
não conseguiu romper com isso, na época o Nabil queria criar uma Pari Canindé, que foram decretados área de interesse social, que
fundação. Ele queria criar um fundo que pudesse fazer um programa Maluf depois devolveu esses terrenos, sendo que alguns deles já
habitacional em larga escala. E o Funaps, (...) ele não era um fundo haviam sido parcialmente pagos para seus donos, e o dinheiro, pelo
criado para isso, então o dinheiro público, ele não funciona tão fácil que me pareceu, não foi devolvido”. (depoimento de Gegê, liderança
assim, ele tem regras de uso e tal. Então ele podia usar, gastar popular, estudo de caso Riskalah Jorge, integrante do MMC).
desde que você tivesse uma resolução votada no conselho do Funaps,
e esse dinheiro iria para uma frente de produção... Então foi tudo “Teve um problema na administração Maluf e depois Pitta, que a
um grande subterfúgio institucional para usar uma fonte de verba que era para sair mensalmente (há uma verba que estava
recursos, (...) tudo isso foi meio montado numa estrutura muito destinada para os mutirões), com a mudança de governo, entrando
frágil. Não só o programa de cortiços, também o programa de governo Maluf, entrando governo Pitta, tudo parou. A gente recebeu
favelas, mutirão (...)”. (depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto, ainda, no final do governo Pitta, as últimas parcelas, de 25.000,00
estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza para o pára-raio e outras coisas. (...) o cronograma era de um ano e
Erundina). seis meses de obra, e nós demoramos quase quatro anos para
construir, ficou parado aqui, durante um ano e meio, levando chuva
Os problemas resultantes do curto período para concepção, e sol, imagine tudo levando água. Nesses governos que entraram a
planejamento, organização, construção e implementação de gente sofreu demais, a gente sofreu. Por que não tinha nenhuma
políticas públicas de HIS no centro seriam minorados se as gestões vontade política”. (depoimento de Luiz Cavalcanti, liderança
popular, estudo de caso Madre de Deus, integrante da ULC).
conseguintes não tivessem como objetivo primordial de governo o
desmonte e a desconsideração das ações realizadas pelos governos
“Nos primeiros meses de 1994 as perspectivas eram bastante
anteriores. Quando a substituição de gestões ocorre entre partidos
desfavoráveis. O canteiro paralisado e sem materiais, diversas
políticos adversários, como observado em São Paulo, entre as famílias sofrendo ações de despejo nos cortiços onde moravam, e
gestões de Luíza Erundina e Paulo Maluf, este desmonte se faz de todos os problemas sociais decorrentes” (p.53). (depoimento de
modo mais perverso. Ações já colocadas em andamento, com Sidney Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21 de Abril,
recursos públicos aplicados, foram completamente paralisadas, integrante da ULC).
todos os investimentos iniciais foram desconsiderados e totalmente
perdidos, segundo lideranças dos movimentos populares MMC e ULC: Por parte dos mutirantes do conjunto ‘Madre de Deus’, havia a
consciência de que se a gestão de Luiza Erundina não conseguisse
58
Superintendente de Habi, PMSP, gestão de Luíza Erundina.

88
eleger seu candidato, as obras poderiam ser paralisadas. Isto fez até “(...) uma análise mais crítica permite perceber que tudo parece
que alguns mutirantes se pusessem pessoalmente a participar da indicar que o andamento da obra do mutirão Celso Garcia esteve
campanha eleitoral para prefeito: influenciado pela conjuntura política por que passava a PMSP. No 1º
período (1993/1996) as liberações possuem alguma uniformidade a
certa constância. A partir do segundo semestre de 1993 as liberações
“Bom, muita gente trabalhou nas eleições. A gente era apaixonada
são interrompidas pelo prazo de dois anos e 9 meses no ano em que
(...) a gente distribuía papelzinho (...) e dizia: vamos lá
ocorre a mudança na administração na PMSP. Em 1996 a Associação
companheiro para o nosso mutirão continuar” (depoimento de Maria
volta a receber recursos para a obra nos meses de maio, julho,
Nilce Ferreira Souto, in: “Intervenção Habitacional em cortiços na
setembro e outubro. Em 1997 recebe liberações em março, abril e
Cidade de São Paulo: O mutirão Celso Garcia” Comaru, Francisco,
junho. A maior liberação de verba ocorrida durante todo o
1998:152).
empreendimento ocorre no mês de setembro de 1996. Os meses das
eleições para a PMSP foram outubro e novembro de 1996” (Francisco
Para os técnicos da atual administração da PMSP, que desenvolvem o
Comaru, “Intervenção Habitacional em cortiços na Cidade de São
programa de Locação Social, há o receio do que pode vir a ocorrer Paulo: O mutirão Celso Garcia” Comaru, Francisco, 1998:94).
se a próxima administração não der continuidade aos trabalhos
programados: Quando as eleições se aproximam a liberação de recursos aumenta.
Apesar de parecer positivo, pois as obras acontecem, muitas vezes
“Então é um programa difícil, por que ele está nascendo agora, a
isto se torna também prejudicial à qualidade das unidades
gente espera que ele tenha continuidade na próxima administração.
habitacionais. Pois quando o período eleitoral se aproxima, tudo
Por que senão é um trabalho grande que vai ser perdido”.
(depoimento de Wagner Germano, estudo de caso favela do gato,
deve se voltar à rápida finalização das obras, para sua inauguração
arquiteto, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy). numa data próxima das eleições. Ou seja, não importa em que fase
esteja a obra, o que importa é que ela deve ser terminada, e
Um último aspecto problemático relacionado às imposições do inaugurada próximo ao período eleitoral. E de qualquer jeito:
calendário político, que se torna muitas vezes um empecilho à
normal condução das obras públicas, é o período das eleições. As “(...) em 1996 vimos a tentativa de cooptação pelo ano eleitoral,
ofereceram dinheiro para terminar logo o mutirão, para virar palco
obras têm seu ritmo ditado pelo período eleitoral, pois quando as
político para o Pitta. (...) eles pediram para a Assessoria Técnica
eleições estão distantes, as obras caminham em ritmo lento:
atestar em um documento que era possível terminar a obra em um
certo prazo, setembro parece. E é claro que o mutirão não terminou.

89
Descobriram que não dava, mas já tinham liberado o dinheiro pessoas trabalhando. Ainda que pelo projeto, estamos recebendo
mesmo, a gente continuou a construção até dezembro (...)”. nem um por cento da obra, o que deveria ser 5%. Isso impede um
(depoimento de Maria Nilce Ferreira Souto, in: “Intervenção projeto mais elaborado e outras coisas”. (depoimento de Caio
Habitacional em cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão Celso Amore, estudo de caso favela do gato, arquiteto, Assessoria técnica
Garcia” Comaru, Francisco, 1998:167). Peabiru).

Mesmo sem a finalização completa das obras, mutirantes e


assessoria técnica decidiram concluí-las. Ainda faltavam serviços
diversos como o reservatório e a entrada de água, mas como
estavam com receio de não receberem mais recursos do novo
prefeito, Celso Pitta, inauguraram a obra.

O mesmo fenômeno se repete na atual gestão municipal, limitando a


qualidade do projeto de arquitetura do conjunto ‘Favela do Gato’.
Segundo Caio Amore, arquiteto da assessoria técnica Peabiru, as
condições de trabalho são agravadas pela pressão exercida pelo
calendário eleitoral:

“Tem sido o caminho da prefeitura em todas as áreas, tem saído no


jornal isso, que vão transformar a cidade num canteiro de obras,
nesses um ano e meio finais de governo. Para então dois anos de
projeto e construção nos outros dois. Isto é um problema só para o
lado dos movimentos, nos mutirões, em que você os vai apertando
com prazos inviáveis para poder inaugurar. O calendário eleitoral
vira uma condição. (...) O prazo de execução do projeto executivo
foi de quatro meses e meio, para fazer um projeto dessa dimensão,
quinhentos hectares, quase quinhentas unidades, e ainda querer
discutir tecnologias novas, é impossível. Acaba essa loucura, temos
de trabalhar doze horas por dia. Não tem como, nem se tivesse dez

90
4.1.4.1.2.2 limites da economia política sistema econômico a que estamos submetidos. Dizem ser uma
‘questão econômica’, que não dá para resolver... como se fosse,
apenas, uma questão setorial e cientificamente separada, e
“No sistema capitalista, o problema social não será resolvido. incompreensível. Algo técnico e apolítico, discutível apenas
(...) Neste sistema, no qual estamos, é impossível,
seguindo-se as ‘leis’ da economia, que comentadas apenas por
mesmo que um iluminado ganhe a eleição”.
(Gegê59). ‘especialistas’, repercutem por programas de rádio, jornal e
televisão. São de ‘ordem econômica’. Se assim ordenado realmente
“Para Engels a questão da habitação fosse, classificaríamos então os próximos limites apenas de: ‘limites
é somente um aspecto subordinado
econômicos’, e todos dormiríamos tranqüilos.
de um problema central [o sistema econômico]”.
(Lefebvre60).
Já, segundo alguns pensadores por hoje tidos como ‘antigos’, e
“No capitalismo, a base econômica comanda. ‘ultrapassados’, as coisas não são tão simples assim. E, bem que não
O econômico domina”. é tão impossível assim de se compreender dessa outra forma: mais
(Lefebvre61)
total, e integrada, complexa ou completa.
Segundo Carl Marx, pensador europeu do século XVIII: “Quando
estudamos um país do ponto de vista da Economia Política,
Diante dos limites já abordados, podemos ter uma compreensão do
começamos por sua população, sua divisão de classes, sua
relacionamento e da interdependência de cada uma das questões
repartição entre cidades e campo, na orla marítima; os diferentes
enfrentadas em cada seção, bem como entre elas. O ideológico e
ramos da produção, a exportação e a importação, a produção e o
cultural resultam em determinadas posturas políticas, que ao se
consumo anuais, os preços das mercadorias, etc.”62 Marx segue
realizarem alimentam novamente uma nova ideologia e cultura,
adiante e afirma ser uma forma de abordagem que observe as coisas
diferente da inicial, mas baseada em seus princípios.
como ‘um todo’ (para sermos rápidos e resumidos).
Diversos outros depoimentos apontam em consonância para um
Ainda, Lefebvre, em ‘A Cidade do Capital’ comenta a denominação
outro grupo de questões centrais à produção de HIS no centro: o
utilizada por Marcos em sua obra ‘O Capital. Crítica da Economia
59
Gegê, liderança popular, in: Relatório final da Comissão de estudos sobre a política’. Lefebvre considera (aqui também comentamos a questão
habitação. 2001:39.
60
Lefebvre, A Cidade do capital. 2001:117.
61
Idem: 112. 62
Marcos, Carlos. “Para a crítica da economia política” 1857, in: Os pensadores,
Marx. 1978: 116.

91
de modo rápido e resumido, pois é o que nos permite o
espaço/tempo) que o subtítulo da referida obra não pretende de
modo algum, e pelo contrário, caracterizar seu ensaio sobre o
capital como algo parecido com um tratado sobre economia. Marx
objetivava realizar exatamente uma crítica “do econômico enquanto
‘separado’, da ciência fragmentada que se transforma em
dispositivos de coação, da ‘disciplina’ que fixa e cristaliza certas
relações momentâneas, elevando-as ao estatuto de ‘verdades’ ditas
científicas”63. Ou seja, na economia capitalista, não há apenas
‘relações econômicas’, em que há uma simples troca de produtos.
Há sim relações políticas, entre pessoas, que estão colocadas por
detrás de todos os produtos: as ‘coisas’. A separação do político e
do econômico tem como objetivo cristalizar e deixar intocáveis as
relações políticas entre as pessoas, quando realizam as trocas de
mercadorias.

Feito este rápido ‘pormenor’, continuemos a tratar as questões com


cuidado, e com muito cuidado, mesmo, para buscarmos não incutir
nos mesmos erros que resultaram no exato presente momento: que
os trata como ‘antigos’ e ‘ultrapassados’. Continuemos.

63
Lefebvre, A Cidade do capital, 2001:76.

92
localização Tabela 4: Evolução do preço do m² de terreno e do salário
o alto custo da terra na região central mínimo.
Ao indagarmos os agentes envolvidos na produção da moradia social
no centro, notamos ser unânime a identificação do limite: ‘a terra
no centro é muito cara para a classe de baixa renda’.
Trata-se de uma característica das cidades de mercado livre, onde o
valor monetário exigido na troca da mercadoria terra/imóvel que se
localiza em áreas dotadas de infra-estrutura urbana completa e
centralmente localizadas seja considerado: ‘alto’.
Portanto, parece lógico concluir que tudo estaria solucionado se as
famílias de baixa renda tivessem sua renda aumentada, e daí
poderiam ter acesso a esses imóveis! Mas não é o que acontece.
Desta forma, temos então um binômio limite: terra cara e renda
baixa.
Se mantida a lógica vigente, ilustrada pelo gráfico ao lado, esta Abordaremos esta questão em suas duas partes. Inicialmente nos
oposição tende a não se resolver, como se vê o crescer do valor dos deteremos na identificação deste valor ‘alto’ dos imóveis centrais, a
imóveis em geral e o decrescer da renda dos trabalhadores: partir de depoimentos e trechos bibliográficos.

Lideranças populares que atuam no centro apontam com clareza ‘o


valor da terra’, como uma efetiva barreira à presença da população
de baixa renda na região:

“Outra dificuldade, é quando se tem grandes centros urbanos, onde


se tem muita especulação imobiliária, onde há a disputa por espaço,
a gente sabe que nos grandes centros urbanos, é onde se desenvolve
a economia, onde se tem dinheiro, onde tudo é gerado, renda,
dinheiro, tudo. A briga pelo espaço se torna como se fosse ouro,
cada metro quadrado se torna super valorizado. O governo até

93
compra, até constrói em áreas urbanizadas, mas os preços do metro
quadrado são muito caro, que depois vêm cair nas costas das
famílias. Aí é que se emperra a questão da renda. Faz-se uma conta
do valor do terreno mais da reforma, que vai dar um valor X, em que
as famílias não vão poder pagar, né. É um valor que é
absurdo”.(depoimento de Sidney Eusébio, liderança popular,
integrante da ULC).

“Inicialmente eles [PMSP] estavam propondo verba para nós, ou uma


moradia que seria de baixo custo, só que na periferia. Para nós que
temos criança, e emprego aqui no centro, fica difícil para se
deslocar, como seria o nosso caso. Aqui no centro eles [PMSP] alegam
que a área é cara. Tudo fica em torno do financeiro”. (depoimento
de Sassá, estudo de caso favela do gato, liderança popular, morador
da favela do gato).

A constatação de Sidney Eusébio e Sassá, de que a área central é Caderno especial de imóveis, Folha de São Paulo, 18.10.2003.
‘muito cara’, lhe é dado um valor que é ‘um absurdo’, pois tudo fica
‘em torno do financeiro’, é confirmada por Villaça, em seus estudos A influência deste fenômeno na localização das pessoas na cidade é
sobre a localização dos imóveis no espaço urbano e sua concepção decisiva, pois dita o local em que cada classe social poderá se
como mercadoria. estabelecer:

“Na cidade de economia de mercado, a localização é a mercadoria “(...) as pessoas de diferentes faixas de renda decidem sua
mais importante no mercado imobiliário”. (Villaça, O uso do solo localização na cidade conforme o preço que podem pagar pelos
urbano. 1978:12). imóveis, pela moradia. O preço dos terrenos ou prédios é mais caro
em áreas atrativas para uma demanda de maior renda, e mais baixo
nas zonas menos atrativas” (Helena Menna Barreto, Silva – “O
movimento pela reabilitação do centro de SP e a problemática
Habitacional”.200X:41).

94
organização do espaço é feita pela disputa entre as diversas classes
Ainda como caracterização e compreensão da localização enquanto ou grupos sociais”. (Villaça, “A localização como mercadoria”. Fau
mercadoria, e seu poder ditatorial sobre a espacialização das Usp, 19-?).

pessoas de diferentes ‘faixas de renda’, ou classes sociais,


Talvez seja até desnecessário completar que quando Villaça refere-
utilizaremo-nos novamente de trechos escritos por Villaça, em A
se ao ‘mecanismo’ de distribuição deste produto ‘desigual’ e
localização como mercadoria:
escasso, ele se refere às relações de compra e venda, mediadas pelo
“No modo de produção capitalista as localizações são mercadorias. dinheiro, ou o capital.
Inseparáveis de sua base material que é a terra, a localização é Desta forma, têm acesso às melhores áreas apenas os detentores de
produzida e distribuída como valor de troca. (...) quando uma pessoa mais capital, sendo sumariamente excluídas as classes de baixa
compra um terreno ela compra duas mercadorias. Um pedaço de renda:
terra e uma localização. A primeira muda pouco ou nada, e no caso
das localizações urbanas tem pouca importância. (...) A segunda está “Em uma sociedade em que a desigualdade social é radical como a
em constante transformação, independentemente do fato do brasileira, o direito à cidade é uma utopia. O fato de um terreno
proprietário do terreno nela fazer ou não melhorias ou edifícios. contar com investimentos de infra-estrutura urbana e interessar ao
(...) As localizações são contínuas e ininterruptamente produzidas mercado imobiliário, já é motivo para excluir a maior parte da
(alteradas) não só pelas obras públicas, mas também pelos população de seu acesso”. (Ermínia Maricato, in: Laboratório de
progressos ou transformações nos meios de transportes, pelas projeto integrado e participativo para requalificação de cortiço.
construções privadas ou pelos loteadores. (...) Nunca será possível 2002: 33).
produzir duas localizações iguais. Esse fato e ainda a outra
peculiaridade dela ser indispensável a todo ser humano, fazem com
que a distribuição desse produto vital seja um problema crucial em
todas as sociedades. Daí provém o fato de todas as sociedades serem
obrigadas a desenvolver mecanismo cujo objetivo é distribuir por
entre seus membros, esse produto que é necessariamente desigual.
(...) Essas características fazem do espaço – ou a terra quanto base
material das localizações – uma mercadoria altamente disputada,
presa fácil da especulação e finalmente, inclusive pela
indisponibilidade de sua distribuição eqüitativa, o produto cuja
divisão melhor exibe a luta de classes. (...) Vê-se portanto que a

95
acerca do mutirão Celso Garcia, edificado pelo mesmo programa em
abordagem no estudo de caso ‘Madre de Deus’:

“O solo, a questão fundiária e imobiliária essa é a questão


fundamental, são questões inter-relacionadas, mais a questão dos
recursos necessários, e isso tem a ver também com os valores
imobiliários praticados no centro, (...). A questão mesmo do solo,
valores, recursos disponíveis pelo poder público e instrumentos que
viabilizassem essa questão, acredito serem esses primeiros dados
fundamentais. (...) Outra dificuldade que a gente encontrava para
provar que era viável morar na área central, é que nunca ninguém
vista das janelas de um dos apartamentos do Riskalah Jorge, centralmente fez, ou porque não quis, ou por que não sabe fazer dos custos gerais
localizado. de uma política urbana que privilegia construir na periferia, contra a
re-ocupação da área central. (...) se você começar a colocar, escola,
Mesmo que ‘mais caros’, os imóveis da região central poderiam ser a infra-estrutura disponível etc. Enfim, toda aquela gama enorme de
alvo da ocupação por classes de renda mais baixa. Há urbanistas que recursos públicos para transformar uma área rural em urbana: esse
consideram a presença da população de baixa renda no centro uma custo nunca entrou naquela conta da comparação dos ‘cinco com os
trezentos’. Então como é que é isso? Ninguém quis fazer, ninguém
estratégia de economia urbana, afirmando ser ainda mais barata que
sabe fazer, como é que se agrega, apropria esses custos. Então essa é
se localizada na periferia. Esta leitura difere-se da comumente
uma questão fundamental, por que na hora de comparar seco
efetuada, pois sua apreensão é mais ampla. É de outra escala. Ela
[isoladamente], evidentemente, em termos de viabilidade
circunscreve a questão da ‘economia para a produção da moradia’ financeira, parece melhor”. (depoimento de Pedro Salles, estudo de
no perímetro de toda a cidade, e não apenas em cada família, cada caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza Erundina).
lote, ou empreendimento. Ela observa o custo da implantação de
infra-estrutura na periferia mais o valor das unidades, e o compara “O objetivo de executar o conjunto na área central, com custos
com o custo quase nulo de implantação de infra-estrutura no centro equivalentes aos dos conjuntos executados em outras regiões da
mais o valor das unidades. cidade, inclusive na periferia, foi alcançado. Ou seja, o custo mais
Vejamos o que nos dizem Pedro Salles, técnico de Habi, gestão de elevado do terreno na região onde foi implantado o empreendimento
foi compensado pelo custo não incidente, portanto nulo, da infra-
Luíza Erundina e Francisco Comaru, em sua dissertação de mestrado

96
estrutura urbana” (Francisco Comaru, “Intervenção Habitacional em abordagem da PMSP no enfrentamento da questão ‘custo da terra’
cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão Celso Garcia” 1998:117). na formatação do programa de locação social:

“Um dos problemas que é meio óbvio até, é a questão do custo, o


terreno, o custo do imóvel no centro, (...) No início da gestão, muito
se discutiu o que fazer com um dos terrenos da Cohab, localizado no
Belém, um terreno que é caro. Está do lado da estação do metrô do
Belém, num bairro que tem toda a infra-estrutura. Um bairro
central, absolutamente bem localizado (um terreno que vale muito)
e aí pensar em fazer qualquer empreendimento habitacional para
atender a população que a gente quer atender, de baixa renda,
ficava inviável. Por que a hora que você colocava o custo do terreno
na discussão, já de cara, só pelo custo do terreno, já ficava inviável
Madre de Deus em rua dotada de infra-estrutura completa, na Moóca. o empreendimento. Me lembro de algumas reuniões na Cohab, em
que se discutia em vender os terrenos do Belém, do Bresser, que
Há ainda uma outra forma de concepção de cidade que parte da valem muito, e aí com o dinheiro que a gente arrecadar com a
compreensão do acesso à cidade como um direito, e que deve ser venda, a gente compraria terrenos maiores. E aí me recordo que
ficamos discutindo (...) temos poucos terrenos no centro (...) temos
sustentado por todo o coletivo urbano. Outro ‘mecanismo’ de
de arranjar alguma maneira de equacionar essa questão do custo.
distribuição da mercadoria ‘localização’ é empregado. Trata-se da
Essa história ficou em cima da mesa (...) aí discutindo o programa de
sustentação estatal direta da moradia, ou locação social, que é uma
locação social, percebemos que estava lá a solução, dado que aí
forma artificial de manter a população de baixa renda no centro, então não seriam vendidos, ficando como um patrimônio público,
sem interferir nas causas estruturais do sistema econômico. As continua na companhia. Perfeito, com isso a gente conseguiria
famílias são sustentadas pelo programa, enquanto são re-inseridas trabalhar no centro, e sem esse problema inicial, da compra dos
na sociedade capitalista, recebendo formação para o trabalho imóveis, o dinheiro necessário para comprar o imóvel”. (depoimento
assalariado de baixo rendimento. de Wagner Germano, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).

Wagner Germano, arquiteto responsável pelo risco inicial do projeto


de locação social da favela do gato, nos relata abaixo como se deu a

97
baixos salários e desemprego:
não há renda que pague a habitação
Completando o ‘binômio limite: terra cara e renda baixa’,
adentramos agora nas condições econômicas de
pagamento/endividamento da população de baixa renda para o
acesso à mercadoria habitação.
Quão baixa é essa renda? O que diz essa população ao se ver
impedida de acessar uma moradia na ‘cidade’, apenas por possuírem
uma renda baixa?
Ponderações acerca dessas questões poderão ser observadas nos
vista da favela do gato, com Anhembi ao fundo, extremamente bem localizada.
relatos e trechos da bibliografia, que identificaram de forma
Já para a construção de um cenário que permita uma efetiva consensual o limite da renda das famílias interessadas em morar no
produção massiva, e de qualidade, da moradia social no centro, centro. Buscamos abaixo apenas identificar e organizar estas
algumas modificações no ‘mecanismo’ de distribuição de terras constatações, pois acreditamos necessárias à compreensão das
urbanas faz-se necessária: contradições e conflitos da metrópole paulistana.

“O que fica evidente é que sem reforma fundiária e imobiliária nós Segundo lideranças dos movimentos populares e assessores técnicos,
não vamos avançar. É necessário mexer nos lucros imobiliários a renda de parte das famílias para a compra da moradia é tão baixa,
especulativos e construir uma aliança entre os que querem que o parcelamento de seu pagamento por 25 anos é insuficiente.
democratizar o acesso à moradia e os representantes do setor de Desta forma, reivindicam políticas de subsídio e alternativas de
construção”. (Ermínia Maricato, in: Relatório final da comissão de acesso à moradia para estas famílias:
estudos sobre habitação na área central. 2001:79).

“Não [as famílias não conseguiam pagar as prestações de sua


moradia]. Há famílias que sobrevivem de doação de cestas básicas.
Seguramente são necessárias políticas de subsídio, assim como outras
formas de produção alternativas para mais baixa renda”.
(depoimento de Joel Felipe, estudo de caso Madre de Deus,
Assessoria Técnica AD).

98
“O custo de reprodução da força de trabalho não inclui o custo da
“Mas como é que você agiliza [a moradia no centro], se a renda das mercadoria Habitação, fixado pelo mercado privado. Em outras
pessoas é baixa. Se não tem subsídio, você não consegue agilizar. palavras, o operário da indústria brasileira, mesmo muitos daqueles
Então eu acho que tem que botar o dedo na ferida, que é a questão regularmente empregados pela industria moderna fordista (industria
do subsídio”. (depoimento de Verônica Krol, liderança popular, automobilística), não ganha o suficiente para pagar o preço da
integrante do Fórum dos Cortiços). moradia fixado pelo chamado mercado formal. A situação é
freqüentemente mais precária em se tratando de relações de
“Então eles [governos] alegam, tanto a prefeitura, como o governo trabalho também precárias. O acesso ao financiamento é quase
estadual, que as famílias que residem nas áreas encortiçadas não impossível. (...) O consumo da mercadoria habitação se deu,
contemplam o programa deles, por que o programa deles é de três portanto, em grande parte, fora do mercado marcado pelas relações
salários mínimos para cima, e que acontece? Como a maioria aqui capitalistas de produção” (Ermínia Maricato, A cidade do pensamento
ganha um salário mínimo, então é claro que não entra mesmo. Ai único, desmanchando consensos. 2000:155).
eles dizem o seguinte, que não tem o suficiente para financiar, para
ajudar as famílias a pagar. Por que se tem um subsídio, o governo Parte desta moradia acessada ‘fora do mercado de habitação’ se dá
paga uma parte e a família paga outra. Essa é uma dificuldade que nos cortiços, ocupações, ruas ou praças localizadas na região
estamos enfrentando. Eles não têm nenhuma política para atender central de São Paulo. Essa população é considerada a ‘população
famílias até três salários mínimos. Eles têm de três para cima, só
alvo’ dos programas habitacionais em estudo. Para compreendermos
que ninguém ganha isso, R$ 720,00 por mês. Então essa é a
melhor a renda destas pessoas, observemos alguns dados de
dificuldade que estamos enfrentando, tanto com o governo do estado
levantamentos sócio econômicos recentemente realizados.
como com prefeitura”. (depoimento de Luiz Cavalcanti. liderança
popular, integrante da ULC).

Essa dificuldade de compra da moradia com recursos próprios,


enfrentada pelos trabalhadores de baixa renda, é confirmada por
Ermínia Maricato, em ‘A cidade do pensamento único,
desmanchando consensos’, que credita essa barreira à estrutura de
trabalho e renda do sistema econômico a que estamos submetidos.
Os salários dos operários objetivamente os impedem de comprar
uma moradia:

99
A tabela ao lado apresenta porcentagens incidentes da renda Tabela 5 – renda familiar por faixas de salário mínimo
familiar por salários mínimos de moradores de edifícios
encortiçados. A primeira e segunda coluna possuem dados coletados levantamento
por Francisco Comaru64, em dois imóveis ocupados por movimentos Comaru Fipe Sead
populares de luta por terra e moradia, em 2000. O imóvel ‘Ana renda ana cintra banespa 1997 2001
Cintra’, localizado na rua de mesmo nome, abriga 73 famílias. A salários mínimos % de famílias % de famílias % de famílias % de famílias

segunda ocupação era de um imóvel de propriedade do banespa, s/ renda 6,2 13,5 3,5
localizado na avenida Celso Garcia, com 84 famílias. A terceira 0a1 0 13,6 3,2
23,8
coluna é de dados coletados pela Fipe, em 1997, nas áreas da 1a2 19,3
18,8 9,1
Subprefeitura da Sé e Mooca. O universo referido é de 31.500 2a3
famílias, em 4.500 imóveis encortiçados. Na quarta coluna os dados 3a4 56,6
37,5 50 26,7
são referentes ao levantamento realizado pela Fundação Sead - 4a5
5 a 10 37,5 9,1 39 14,7
Sistema Estadual de Análise de Dados, em dezembro de 2001, em
mais de 10 0 4,5 10,5 2,7
oito ‘Setores Básicos de Intervenção’65, áreas delimitadas para
total 100 100 100 100
intervenção da CDHU, programa PAC. O universo é de 15.950
famílias, em 1.648 imóveis encortiçados.
Fonte: relatório do encontro ‘habitação no centro de SP: como viabilizar essa
idéia?’ , Lab Hab FAU USP,2000.
Como a tabulação das faixas de renda se deu de forma diferente em
cada levantamento, a elaboração de um resultado médio das quatro Relacionando os dados levantados pela Fipe em 1997, apresentados
medições é impossibilitada, além da nítida diferença dos resultados na tabela, ao número de pessoas por família e à idade dos
encontrados em cada uma delas; daí sua apresentação em colunas integrantes, Silvia Schor, economista da Fipe, realizou uma análise
separadas: das possibilidades de acesso à moradia segundo as faixas de renda
familiar, ou ‘estratos de renda familiar’. Schor estabeleceu três
estratos: 1 - os que não têm condições de acessar nenhum programa
de financiamento no centro; 2 - os que têm condição para adquirir
64
Para o encontro promovido pelo Lab Hab Fau Usp e a CEF: ‘Habitação no centro um imóvel na periferia; 3 - os que podem acessar programa de
de São Paulo: como viabilizar essa idéia?’.
65
Pari, Barra Funda/Bom Retiro, Brás, Bela Vista, Belém, Cambuci, Liberdade, financiamento c/ base nos atuais valores imobiliários do centro. Na
Mooca e Santa Cecília.

100
tabela abaixo podemos observar as porcentagens incidentes para esta população representa respectivamente 23,8% e mais de 26% das
cada ‘estrato de renda familiar’: famílias encortiçadas.
Os depoimentos coletados ilustram essa constatação:
Tabela 6 – distribuição percentual do número de famílias e
moradores por estrato de renda familiar. “Me parece que são prestações de R$ 180,00 , e que muita gente já
na CEF foi barrada, que não conseguiu o financiamento”.
estratos famílias moradores (depoimento de Kennedy, engenheiro, estudo de caso Riskalah Jorge,
de renda % % Cury Empreendimentos Imobiliários).

1 23,8 17,1
“Eu sempre disse que o PAR é excludente. Ele é muito excludente.
2 39,6 38,3
Ele limita as famílias de três a seis salários mínimos. É uma faixa
3 36,6 44,6
que poucas pessoas aqui alcançam”. (depoimento de Gegê, liderança
total 100 100
popular, estudo de caso riskalah Jorge, integrante do MMC).

Fonte: relatório do encontro ‘habitação no centro de SP: como viabilizar essa


“O pessoal aqui, grande parte, que é carroceiro, eles ganham, não é
idéia?’, Lab Hab FAU USP, 2000.
renda, eles ganham mesmo, sabe, as pessoas dão, uma ajuda ali,
uma cesta básica. Não tem carteira nem nada. Eles nunca vai poder
Os moradores de rua, também considerados ‘população alvo’ dos
estar de frente com uma Caixa Econômica ou um PAC. (...) A média é
programas habitacionais em estudo, foram pesquisados pela Fipe,
um salário, mas um salário de duzentos”. (depoimento de Sassá,
em 2000. O universo analisado foi de 4.676 pessoas em situação de estudo de caso favela do gato, liderança popular, morador da favela
rua, na região central da cidade. A renda média foi de 1,5 salários do gato).
mínimos por pessoa, extraída principalmente de trabalhos
relacionados à reciclagem de lixo. A necessidade de comprovação de renda e a lógica da forma de
acesso à moradia através do PAC podem ser compreendidas em
Os programas habitacionais PAC e PAR, têm apresentado depoimento de Lia Ferreira, técnica da CDHU, que reproduzimos
dificuldades de acesso às famílias de renda até 3 salários mínimos. abaixo:
Entrevistados queixam-se das exigências de comprovação de renda,
que têm impossibilitado o acesso à moradia de muitas destas “Estamos dentro do sistema financeiro habitacional, que tem regras,
famílias. Segundo os levantamentos da FIPE e Sead apresentados, e quais são as regras básicas desse sistema? Você tem que ter uma
capacidade de pagamento, você tem, portanto de ter alguma forma

101
de comprovar qual é a sua renda, então a CDHU tem alguns Como observamos nos dados das pesquisas de renda familiar, parte
procedimentos, para que você comprove. Então ao você comprovar da população moradora em cortiço possui renda suficiente para o
sua renda, você tem acesso até um determinado limite de pagamento das prestações, já que o valor pago pelo aluguel nas
financiamento, do qual a sua renda permite que você se comprometa
pensões significa uma certa capacidade de pagamento. Para essas
com esse financiamento. É uma operação da qual você tem que ter: a
famílias, parar de pagar o aluguel, e passar a pagar uma prestação
renda, e o que ela é capaz de pagar, o objeto, que seria a unidade
de um imóvel do qual futuramente terão a posse, é um avanço
habitacional, e o prazo que você vai ter para pagar isso, como
qualquer sistema financeiro. (...) Sim, enfrentamos barreiras, como
considerável:
em todo o sistema habitacional, pois é a sua renda que vai delimitar
o que você é capaz de você ter como ‘dívida’ (...)”. (depoimento de “A Maria Paula67 vai ficar com a prestação em R$ 130,00, mas parece
Lia Ferreira, arquiteta, Gov. Estado, estudo de caso 21 de Abril, que é R$ 9,00 de seguro (no caso de morte de um dos cônjuges passa
CDHU – PAC, gestão Geraldo Alckmin). a pagar metade), aí tem mais não sei o quê que é $R8,00. Aí tem o
condomínio, estamos vendo que vai dar uns R$ 60,00, R$ 70,00, se
for em auto-gestão, vai dar uns R$ 220,00, por unidade, para morar
Não apenas de dificuldades de acesso ao sistema de crédito
naquele lugar ali, pelo amor de Deus, né? A Pirineus68 a prestação
padecem as famílias de menos de três salários mínimos. Mesmo que
deve chegar a uns R$90,00 pelo menos, a água é tudo individual.
tenham sido ‘aprovadas’ pela análise sócio-econômica de concessão
Então as prestações, se você analisar, elas são até menos que as
de crédito, elas têm problemas em quitar as prestações de sua pessoas pagam nos cortiços, que você aluga um quarto por $R 250,00
unidade: e você tem que pagar luz, e água, e corre o risco de não amanhecer
no cortiço. Então a gente fala para o pessoal, e eles falam, nossa
“Se não alterarem as regras, as pessoas não vão morar. Vai acontecer mas só isso? O povo tá achando bom. Olha eu estou pagando 20 anos
o que ocorre no Pari66 hoje que tem uma inadimplência de 50%. O de aluguel, e olha como é que eu estou hoje? Então o povo pobre,
pessoal não consegue pagar nem o gás de rua. Está muito difícil no ele pensa que ele quer uma coisa para ele. Se não as casas Bahia,
Pari, eles [CDHU] deveriam aprender com o Pari, e alterar o Marabráz, não existiam né? Tinha acabado. (...) O pessoal pobre dá
programa, e não entrar com recursos jurídicos para tirar as famílias jeito para tudo, pode atrasar um pouco, mas paga”. (depoimento de
que não pagam”. (depoimento de Sidney Eusébio, liderança popular, Verônica Krol, liderança popular, integrante do Fórum dos Cortiços).
estudo de caso 21 de Abril, integrante da ULC).

67
Edifício em reforma pelo PAR - CEF, inicialmente ocupado pelo Fórum dos
Cortiços.
68
Edifício construído pelo PAC – CDHU, em terreno ocupado pelo Fórum dos
66
Primeiro empreendimento finalizado pelo PAC – CDHU. Cortiços.

102
Para as famílias de renda até três salários mínimos, o poder público estudo de caso favela do gato, engenheiro, PMSP, Sehab – Habi,
prevê que a forma de acesso à moradia deverá ser através da gestão de Marta Suplicy).
locação social. Neste caso o imóvel é de propriedade do Estado,
“As pessoas têm renda para alguma coisa, tanto que elas se mantém
devendo a família pagar um aluguel proporcional à sua renda.
e pagam muito no cortiço para morar muito mal. Se elas usarem uma
Segundo os planos do poder público, mesmo as famílias sem renda
parte do que elas usam lá, para manter um condomínio
deverão ter acesso às unidades e passarão por um processo de
adequadamente, e continuar tendo recursos do poder público para
inserção no mercado de trabalho. irmos aumentando o nosso estoque de locação social, ele também vai
Reproduzimos abaixo trechos de entrevistas com técnicos do poder influindo mais na oferta de locação na área central. Ele vai tendo a
público que justificam a existência do programa, contextualizando presença no equilíbrio da oferta. E acho que a gente vai demonstrar
sua criação: uma qualidade, que vai promover uma aceitação maior. Eu não vejo
uma outra solução para pessoas mais idosas, para famílias que a
“É uma opção entre aspas, (...) por que no fundo, a locação é a única renda está muito baixa. E às vezes o estar na locação social, não
opção que a família até três tem, por enquanto, por que não tem significa que vá se manter lá o tempo todo, ela pode de repente
outra política. Seja no centro, ou na periferia, por que todos os fazer uma poupança e acessar uma outra modalidade. Mas deixar
financiamentos, eles não aceitam, não comportam. Então o aquilo ali para outras famílias”. (depoimento de Helena Barreto
problema não é aqui na área central, é no todo, a política não Silva, arquiteta, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão Marta Suplicy).
existe. Então o que tem de problema, são as famílias até três, as
acima de três, poderiam tentar entrar num programa outro que Habi Um problema não mencionado nas entrevistas e na bibliografia
ofereça, ou que o fundo ofereça, ou o Par, pela CEF, que é de três a visitada, mas muito debatido nas reuniões da coordenação da União
seis”. (depoimento de Margareth Uemura, estudo de caso favela do dos Movimentos de Moradia, é a quantidade de unidades
gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão de Marta Suplicy).
habitacionais que deverão ser construídas em curto-médio prazo
pela PMSP. Estão previstas 1144 unidades, quando havia ao menos
“A locação social foi uma alternativa que desvincula o pagamento,
7.245 famílias encortiçadas de renda inferior à três salários
do custo do financiamento; vinculando-o à capacidade de pagamento
das famílias. Reponde àquele setor específico daqueles que não têm
habitando a região central, em 1997, quando realizado o
acesso. Dá-se também certa prioridade aos idosos, aos deficientes, a levantamento da Fipe.
quem está em situação de rua ou em situação de risco. É o público
que menos tem acesso à habitação.” (depoimento de Luiz Kohara,

103
baixos salários e desemprego:
não há renda que mantenha a habitação “Tivemos problema com o gás, e a tubulação de rua não comporta,
Observando as condições econômicas das famílias interessadas em então haverá uma central de GLP, e vão ter de instalar o sistema
morar no centro, ainda segundo o binômio-limite ‘terra cara e renda assim que se mudarem, e vão ter que desembolsar dinheiro do
condomínio para fazer isso, e isso já vai causar um transtorno, por
baixa’, identificamos dificuldades na manutenção das unidades
que o pessoal já está pagando prestação, e já não tem muito
habitacionais pelas famílias de baixa renda. Despesas como
dinheiro, que é pessoal de baixa renda, e agora vai ter que colocar
condomínio, água, luz, gás, tornam-se muito altas, pelos mesmos
gás, e isso e aquilo. (...) E os elevadores, que vai ter o problema de
motivos acima elencados. colocar ascensorista nos elevadores, nós mantivemos a mesma linha
Destacamos alguns trechos de depoimentos, que ilustram a presença dos elevadores, nós não mexemos em nada, não tinha custo para
deste novo limite da economia política: isso, por que muita agente deu a idéia de colocar uma régua com
sensor. A régua com sensor ia ficar uma nota. Então se deixou como
“Acho também que as contas de água e luz são abusivas e deveriam está. Quando o edifício era comercial, tinha um ascensorista, então
ser pagas, por exemplo, pelos bancos”. (depoimento de Joel Felipe, o pessoal vai ter que contratar um, por que tem muita criança,
arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, Assessoria Técnica AD). muita gente idosa. A porta abre e não dá tempo, ela fecha e se pega
uma porta daquela lá no braço... outro dia pegou no braço de um
“Hoje o condomínio aqui é de 80,00 para manter, o custo maior aqui pessoal da caixa, que a mulher ficou dolorida. Vai ter que pôr, não
é de água. (...) Além disso, a gente paga a luz nossa, cada adianta. Isso vai ser também um outro probleminha que eles
apartamento tem a sua luz separado, que dá uma média de 30 a 40 [moradores do edifício] vão ter que enfrentar”. (depoimento de
reais. (...) Não tem condições de pagar, para quem ganha 250 reais Kennedy, engenheiro, estudo de caso Riskalah Jorge, Cury
não tem condições de pagar, atrasa, quem fica desempregado acaba Empreendimentos Imobiliários S.A.).
atrasando, por que não tem condições. Depois negocia e paga
parcelado”. (depoimento de Luiz Cavalcanti, liderança popular,
estudo de caso Madre de Deus, integrante da ULC).

No Edifício Riskalah Jorge, estudo de caso da presente pesquisa,


reformado através do PAR – CEF, pela Cury Empreendimentos, o
custo de manutenção do edifício também é alto. Segundo Kennedy,
a falta de recursos para a obra ainda deixou algumas pendências
onerosas às famílias:

104
(depoimento de Isabel Cabral, arquiteta, Assessoria técnica
Ambiente).

No programa de locação social, em formatação pela PMSP, acredita-


se que as dificuldades financeiras recaiam mais sobre o valor da
manutenção dos edifícios, do que sobre o aluguel. Para Margareth
Uemura, técnica da Cohab, a gestão desses imóveis, em formatação
pela companhia, poderá transformar-se num problema para as
futuras famílias locatárias:

“Qual é o nosso medo? Não é o do aluguel, viu? Eu acho que o aluguel


não vai ter problema deles pagarem, a gente tem medo, e aí por isso
nós estamos fazendo um investimento grande na discussão, é na
elevador, edifício Riskalah Jorge gestão condominial. Porque em alguns casos o condomínio vai ficar
mais caro do que aluguel, e há famílias que vão pagar mais de
Segundo a arquiteta Isabel Cabral, da Assessoria técnica Ambiente, condomínio do que de aluguel. (...) Pelo que temos visto com os
projetista do edifício ‘Pirineus’, localizado em Santa Cecília, as síndicos dos edifícios do PAR, percebemos que quando tem água
famílias arrendatárias do PAC, programa qual pertence o imóvel, coletiva, vai para cinqüenta, quando a água não é coletiva, desce.
também sofrerão revés com os custos de manutenção do edifício: Qual que é o nosso objetivo em todos os empreendimentos de
locação? É a água não ser coletiva para diminuir. Vamos dizer que
“Esse programa, em especial que tem que pagar o arrendamento, e tenha um bom gerenciamento e a gente consiga chegar a 25, 30, que
depois tem que ter dinheiro para a administração do condomínio, aí é o que achamos que pode ser, se for autogestão, que é o queremos
é complicado, eles não vão conseguir sobreviver. Então é uma que Habi trabalhe muito com os moradores. A gente acredita, até
discussão difícil, que nesse aspecto, até acho que para atender nesse tendo como parâmetro o mutirão, que esse custo pode se manter.
prédio, com esse valor, família com um salário, é muito difícil. Ela Possam ter um fundo de reserva que eles mesmos possam constituir,
não vai conseguir manter um prédio que tem elevador, que precisa e que esse fundo ajude essas famílias mais carentes. Agora tudo isso
de manutenção. Só se houver também um subsídio depois, também é um arranjo nos tais modelos de gestão, que a gente acha que é o
do Estado, junto com um acompanhamento e outros programas para grande gargalo que nós temos, que o maior problema é como gerir os
aquelas famílias. Mas por enquanto não há nada nesse sentido”. condomínios”. (depoimento de Margareth Uemura, estudo de caso

105
favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão de Marta acabam vendendo, elas não conseguem permanecer. Acho que
Suplicy). deveria haver mudanças no programa, já no Pari. As pessoas que lá
vivem estão com um pé fora e um dentro de suas casas”.
A conseqüência última da renda baixa das famílias, identificada (depoimento de Sidney Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21
como barreira à moradia no centro, é a venda/repasse do imóvel de Abril, integrante da ULC).
acessado através dos programas públicos de habitação.
Apesar da recorrente venda das moradias nos programas públicos, os
“(...) não é verdade que todos os moradores atuais vão poder pagar contratos de compra e venda e arrendamento, não permitem essa
(...). Como é possível uma mulher só, com filho, que ganha R$ prática, como já afirmou Sidney Eusébio. A CDHU não tem
300,00 pagar uma prestação? Não adianta discutir como vai ser o conhecimento dessa prática, como nos explica Lia Ferreira, técnica
apartamento (...). Sem emprego, quem garante que poderão estar da companhia:
aqui daqui a 15 anos? A miséria é que faz as pessoas precisarem
vender, ‘comer’ os apartamentos” .(Verônica Krol, liderança “Não sei se elas têm interesse [de venda das moradias], pode ser até
popular, integrante do Fórum dos Cortiços, in: relatório final do que tenha. As pessoas confundem a forma de financiamento, elas
encontro: “Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa pensam que elas têm a posse [do imóvel], mas não, elas têm a
idéia?” Lab Hab Fau Usp, 2000:51). concessão onerosa para usá-lo, nos cinco anos. Se você estiver em dia
com a sua prestação, ao final desse prazo você passa para o
“Aquelas famílias que não têm condição de ficar pagando, dentro financiamento, que aí você tem a prestação de um financiamento.
desse custo, com certeza saiu, ai venderam, venderam o Então se elas têm interesse ou não [de vender as unidades], elas não
apartamento. (...) Das 45, mais ou menos umas dez, saíram. (...) O têm essa capacidade perante a forma da concessão de uso que elas
convênio não prevê venda, mas se você já comprou, já tem direito têm. Elas não podem fazer isso, diferentemente com o que acontece
adquirido grande, então para eles que estão entrando é bom, por em outros empreendimentos, em que há os famosos contratos de
que se comprou, tem condições de pagar”. (depoimento de Luiz gaveta. Mas nesse caso é diferente, pois foi dado àquela família, foi
Cavalcanti, liderança popular, estudo de caso Madre de Deus, dado àquele indivíduo o subsídio, que é familiar, não é para o
integrante da ULC). imóvel, é para a família, daí o fato de ser uma concessão onerosa,
então não há essa possibilidade legal de venda, isso não existe”.
“Tem muita gente querendo vender, não por oportunismo, mas (depoimento de Lia Ferreira, arquiteta, estudo de caso 21 de Abril,
porque não agüenta pagar o empreendimento. Não se pode vender Gov.Est., CDHU – PAC, gestão Geraldo Alckmin).
na verdade. Mas como elas vão conseguir viver lá? Saindo na rua com
uma mão na frente e outra atrás, sem recursos? Então as pessoas

106
Uma das causas da pressão identificada para a venda das unidades, cooperativas. Limitaremo-nos agora apenas a identificar esse limite,
que potencializa o limite da renda baixa das famílias, é um que será mais bem abordado no capítulo análise da produção
problema crônico do capitalismo brasileiro: ‘o capitalismo sem residencial pelo mercado.
mercado’, comentado por um dos participantes do encontro
‘Habitação no centro: como viabilizar essa idéia?” Para Verônica Krol, do Fórum dos Cortiços, essa barreira é latente,
bem como para Luiz Kohara, que se queixa da falta de uma ‘política
“Não há como impedir que uma pessoa de baixa renda venda seu habitacional’ e de incentivos à reabilitação de imóveis:
apartamento. Primeiro, porque isso pode corresponder à sua
necessidade de obter recursos; segundo, porque há um déficit “Como que a gente faz para que o mercado imobiliário abaixe o
habitacional também para a classe média. O mercado precisa valor da terra? Com o governo produzindo habitação. Se o governo
viabilizar empreendimentos para a classe média” (comentários do não produzir habitação, o mercado cada vez vai aumentando mais [o
público, in:‘relatório final do encontro: Habitação no centro de São valor dos imóveis], isso é óbvio. Sem explicação nenhuma muito, né?
Paulo: como viabilizar essa idéia?. Lab Hab Fau Usp. 2000:23). Por isso que o mercado está do jeito que está hoje, por que nunca
houve uma política habitacional. Se houvesse uma política
Segundo Maricato, um grande problema para a realização dos habitacional, talvez o mercado não tivesse com tanto poder como
programas de moradia social no centro é o “travamento do mercado está hoje. A verdade é essa. Eu avalio por esse lado”. (depoimento
habitacional brasileiro”, que considera extremamente concentrado: de Verônica Krol, liderança popular, integrante do Fórum dos
Cortiços).
“Nosso grande problema é o travamento do mercado habitacional
brasileiro. Em geral é necessário um financiamento privado, mas os “Se não há incentivos por um lado, por que não se pune [os
bancos não se interessam muito e atingem apenas as faixas de 10 proprietários de imóveis vazios], por outro lado também não há
salários mínimos para cima. Por isso, 60% dos moradores de São incentivos de reabilitar. Há também a questão da política financeira
Paulo e 70% da população brasileira não têm acesso ao mercado”. no Brasil. O investimento no mercado financeiro é o que traz
retorno, muito maior do que fazer investimento no mercado
No decorrer dos trabalhos da presente pesquisa, consideramos o imobiliário. Então gastar 50 mil para fazer reforma num predinho de
apartamentos, na hora de locar, o retorno é muito
‘travamento’ do mercado habitacional uma importante barreira à
menor”.(depoimento de Luiz Kohara, engenheiro, estudo de caso
produção da moradia social no centro. Portanto, atribuímos a essa
Favela do Gato, PMSP, Sehab – Habi, gestão Marta Suplicy).
questão um cuidado maior de análise, reservando parte de nossos
estudos à produção de HIS através de empresas privadas e

107
gentrificação: de valor inferior ao recebido pela moradia vendida. A diferença
expulsão das famílias de baixa renda entre o valor recebido e o gasto para o pagamento da nova moradia,
O fenômeno da gentrificação, identificado também como um limite tende a ser incorporado nos diversos custos de manutenção da
da economia política, nasce atrelado à barreira acima verificada: a família.
escassez de recursos das classes de baixa renda. Quando esse processo ocorre não apenas com uma família, mas com
Para compreender melhor essa relação, vejamos primeiramente, o toda uma comunidade, bairro, ou coletividade urbana, temos então
significado do termo ‘roubado’ do inglês ‘gentrification’: a gentrificação.
O processo de gentrificação pode se dar também de formas
“Gentrification é o processo pelo qual a população de classe média diferentes da exemplificada acima, mas sempre análogas ao
(do inglês britânico ‘gentry’, pessoas bem abaixo da nobreza) ocupa conceito mais geral da mudança de classe social que ocupa uma
residências numa área tradicionalmente operária, alterando seu
determinada área da cidade. Passando de uma classe de renda x,
caráter. Segundo o dicionário de Inglês Collins (Collins, 1989, pág.
para uma classe de renda x+y.
314)”. (Eduardo A. C. Nobre, in ‘Intervenções Urbanas em Salvador:
Desta forma, se não houvesse as enormes diferenças de renda, e
turismo e ‘gentrificação’ no processo de renovação urbana no
Pelourinho’, X Encontro Nacional da Anpur).
daí, a baixa renda, esse processo não seria deflagrado. Assim, a
gentrificação é alimentada pela barreira da renda baixa, e tem
Numa sociedade como a paulistana, já conhecida pela brutal como causa inicial a procura, a busca de novas áreas de ocupação
diferença de renda entre as famílias que a compõe, a gentrificação por classes sociais de renda superior.
atrela-se ao problema da renda baixa da seguinte forma:
Diversos depoimentos e trechos bibliográficos indicam a
Há uma família de baixa renda (operária) que possui a propriedade, possibilidade da ocorrência de um processo de gentrificação do
posse ou uso de um determinado imóvel. A partir de diversas causas, Centro de São Paulo, devido às intervenções urbanísticas e edilícias
seja por melhorias no entorno, na edificação, ou pela simples que vêm sendo empreendidas pelo poder público, seja ele o
expansão populacional, uma outra família, de renda superior, passa município, estado ou união. Há também opiniões que dizem que esse
a ter interesse em habitar nesse imóvel. Diante disso, o que processo já teve início, bem como, por outro lado, há crenças de
normalmente ocorre é a venda desse imóvel para a família de renda que isso não venha a ocorrer.
superior por um valor maior ao inicialmente despendido pela família
de baixa renda, que desloca-se para um outro imóvel, normalmente Antes de adentrar na questão específica sobre se há, haverá ou não,
gentrificação no centro de São Paulo, observemos algumas
108
características de funcionamento deste fenômeno e como ele se
funde a questões urbanas também presentes em outros países. Mais “Pois é: da carta de Atenas à corretagem intelectual de planos de
especificamente as questões tangentes à ação do capital imobiliário gentrificação, cujo caráter de classe o original inglês (gentry) deixa
e o deslocamento forçado, ou a expulsão, das populações de baixa tão vexatoriamente a descoberto. Daí a sombra de má consciência
que costuma acompanhar o emprego envergonhado da palavra, por
renda dos centros históricos em ‘recuperação’:
isso mesmo escamoteada pelo recurso constante ao eufemismo:
revitalização, reabilitação, revalorização, reciclagem, promoção,
“As políticas de recuperação de áreas centrais são mais recentes (a
requalificação, até mesmo renascença, e por aí afora, mal
partir dos anos 70/80). E mesmo em países onde os direitos humanos
encoberto, pelo contrário, o sentido original de invasão e
são mais respeitados, a expulsão da população pobre, de áreas
reconquista, inerente ao retorno das camadas afluentes ao coração
renovadas e recuperadas é mais regra do que exceção. Esse
das cidades. Como estou entendendo, o planejamento estratégico
fenômeno é conhecido por gentrification. (...) Atualmente, o
pode não ser mais do que um outro eufemismo para gentrification,
interesse do capital imobiliário por áreas urbanas centrais
sem no entanto afirmar que sejam exatamente a mesma coisa, (...)”.
decadentes constitui uma tendência mundial. Como se sabe,
(Otilia Arantes, in: A cidade do pensamento único, desmanchando
mercado e moradia social não guardam muita afinidade”. (Ermínia
consensos’, 2000: 31).
Maricato, in: Laboratório de projeto integrado e participativo para
requalificação de cortiço’. 2002:32).
Outra citação que merece destaque é Maura Veras, proferida no
encontro ‘Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa
Seguindo a mesma tese de Maricato, de que as ações de
idéia?, que indica a influência do capital internacional nas
‘recuperação’ das áreas centrais são uma ação do capital
centralidades mundiais, gerando produtos edilícios e sociais:
imobiliário, Otília Arantes estabelece uma relação mais ampla, a de
que o Planejamento Estratégico, cartilha de muitos prefeitos do
“As funções das áreas centrais, sob a influência dos setores do
mundo, também possui estreitas relações com a especulação
capital internacional, tornando-as competitivas no cenário global,
imobiliária de capitais transnacionais, nos planos de renovação procuram concentrar serviços especializados ligados à gestão e
urbana de áreas centrais, tendo como eixo investimentos na área da controle do capital, ocorrem processos de verdadeira autofagia
cultura. Trata-se de um amplo tema, qual não poderemos aqui nos urbana. Buscam-se edifícios inteligentes, parques de hotelaria de
deter com a devida atenção. Recortamos apenas um trecho do luxo, centros de covenção, ocorre ‘gentrification’ e expulsão dos
referido texto, como ilustração de uma das pontas do imenso mais pobres. Ora, manter os habitantes no centro, nesse cenário, é
iceberg que conforma as ações capital-estado na recuperação, ou ainda uma utopia e merece apoio e estímulo de muitas reflexões
requalificação dos centros urbanos: para viabilizar essa idéia”. (Veras, Maura P.B., in: relatório do

109
encontro: Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa
idéia? ’Lab Hab Fau Usp. 2000:6). “Marx se pergunta como o proprietário fundiário, sem dispor de
capitais, sem investir, pode captar uma parte da mais-valia.
Sarah Feldman, estudiosa dos processos de gentrificação, ao Resposta: O caráter formal da propriedade (do direito de
participar de um dos seminários organizados pela ‘Comissão de propriedade) permite-lhe isso. Ele extrai da terra, sem mesmo
Estudos sobre Habitação na Área Central’, promovida pela Câmara explorá-la, sem tocá-la com seus dedos, mesmo ausente, a renda
dita absoluta e uma grande parte das rendas ditas diferenciais, vindo
Municipal de São Paulo em 2001, também tece relações entre a
da diversidade das terras, de sua fertilidade variável, da localização
‘revitalização’ das áreas centrais e os objetivos do mercado
mais ou menos favorável, dos trabalhos de infra-estrutura efetuados
imobiliário paulistano:
e dos capitais investidos.” (Lefebvre, ‘A Cidade do capital’.
2001:166).
“A chamada ‘revitalização’ das áreas centrais é hoje um dos esteios
das políticas neoliberais em nível municipal, pautadas na prevalência
Retomamos também o conceito de localização, que a define como
dos interesses de mercado e conseqüente redução e mudança do
um produto social coletivo, mas privatizado, a partir de estudos de
papel do estado. Para dar nome certo, não se trata de estratégia de
‘revitalização’, mas de ‘revalorização imobiliária’ dos centros. E há
Flávio Villaça:
inúmeros exemplos de projetos, nessa perspectiva, bem-sucedidos na
Europa e nos Estados Unidos, e alguns em curso no Brasil”. (Sarah “(...) a localização é um produto social, uma vez que é claramente
Feldman. in: “Comissão Especial de Estudos sobre Moradia na Região um produto do trabalho coletivo. Na cidade capitalista a localização
Central”, Câmara municipal de São Paulo. 2001:20). é apropriada pelo proprietário do respectivo terreno, juntamente
com a propriedade deste”. (Villaça, ’ O uso do solo urbano’.
1978:15).
Bem, a presença de relações entre os interesses imobiliários e a
política de requalificação da área central de São Paulo já foi
Por último, revemos as influências do alto custo dos imóveis, ou
identificada na seção ‘limites ideológico – culturais’, item
‘maiores exigências locacionais’ nas funções urbanas, e a
‘especulação e ‘entesouramento’, bem como na seção ‘limites
impossibilidade de mistura das atividades de menor renda,
políticos’, sub-seção ‘limites da economia política’, item
consideradas ‘pobres’ com as de mais alta renda, em localizações
‘localização’. Com o objetivo de apenas relembrar o funcionamento
‘mais disputadas’:
da captação da renda por parte de um proprietário imobiliário, nos
utilizaremos de trecho organizado por Lefebvre, em A Cidade do
capital:

110
“A localização tem profundas implicações sobre os custos
operacionais das funções urbanas, inclusive sobre a residencial. A idéia de ‘salvação’ do centro pelas burguesias será tratada com
Quanto mais ricas e desenvolvidas essas funções, maiores são suas
maior cuidado mais adiante, quando observada a ‘Associação Viva o
exigências locacionais, (...) Quanto mais pobre a atividade, menos
Centro’. Por hora abordaremos os relatos que consideram possível a
exigente ela é forçada a ser quanto à localização, já que não pode
ocorrência de um processo de gentrificação no centro, ou que ele
pagar pela localização mais disputada”. (Villaça, ’ O uso do solo
urbano’. 1978:17).
‘voltasse a ser como antigamente’.
Os primeiros relatos comentam que os investimentos públicos e
Relembrada a lógica de funcionamento da organização dos processos privados nas áreas de hotelaria e cultura funcionam como ‘atração
urbanos, vejamos como se dá em São Paulo, o processo de turística’, ou seja, para ‘freqüentadores que vêm de fora’:
‘revitalização’ engendrado pelos poderes públicos. Sabido que se dá
“O mercado hoje está se planejando para o futuro, de um centro
segundo a idéia dominante sobre a cidade, gerida pelas classes de
histórico da cidade de São Paulo, turístico. Quando você pega uma
alta renda, que considera atualmente o centro da cidade como
esquina da Martins Fontes da Rua Augusta, onde era o antigo diário
‘deteriorado’: popular, transformado em um hotel, flat. Você espera o quê? Quanto
que não valorizou aquela área ali? Que era uma área degradada,
“O processo rotulado de ‘deterioração’ pela idéia dominante refere- então quando você vai vendo isso, você já vai se preparando”.
se ao estado de quase ruína em que são deixados muitos edifícios dos (depoimento de Verônica Krol, liderança popular, integrante do
centros tradicionais, em virtude de seu abandono pelas camadas de Fórum dos Cortiços).
alta renda, que produziram novos centros. Como o centro é uma área
importante da metrópole, a classe dominante não pode assumir esse “Sou um defensor da cultura, mas cultura para quem tem onde
fato e precisa ocultá-lo, formulando uma versão que não morar. Ter os prédios da cultura, em que os freqüentadores vêm de
comprometa sua posição de classe dominadora. Cria, então, a fora, pois o povo da região não tem condições de acompanhar. É
ideologia da “deterioração”, que é uma versão que “naturaliza” um preferível não ter nenhum dos dois. Deve-se construir os dois por
processo social. (...) veiculando a idéia de que o que ocorria era um igual”. (depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de caso
processo normal e inexorável, decorrente do envelhecimento do Riskalah Jorge, integrante do MMC).
centro. É claro que a ideologia dominante procurou difundir a idéia
de que, apesar dessa inexorabilidade, ela estava fazendo de tudo o Não apenas lideranças de movimentos sociais revelam este
que estivesse a seu alcance para “salvar” o centro, para que esse
direcionamento dos investimentos. Estudos realizados por Júlia
fosse “revitalizado” e voltasse a ser como antigamente”. (Villaça,
Andrade, em seu trabalho final de graduação do curso de geografia
‘Espaço intra-urbano no Brasil’. 1998:345).

111
da USP, revelam dados que comprovam essa tendência de perfil de
investimentos. Em fevereiro de 2001 o centro já concentrava a
perspectiva de investimentos da ordem de R$ 343,8 milhões, dentre
órgãos do poder público e iniciativa privada. São obras na Bolsa de
Mercadorias e Futuros (R$ 27mi), no Hotel Mercure Down Town (R$
24 mi), no Shopping Light (R$ 50mi), Mappin Extra (R$ 15mi), Hotel
Normandie Design (R$ 6 mi), Centro comercial São Bento (R$ 2,1
mi). Os investimentos públicos de maior porte são: Sala São Paulo
(R$ 50 mi), Centro Cultural dos Correios (R$ 20 mi), Teatro São
Pedro (R$ 11,5 mi), Pinacoteca do Estado (R$ 14 mi), Dops (R$ 9 mi),
Centro Cultural Banco do Brasil (R$ 8 mi).
Em 2003, há novos investimentos não contabilizados pelos estudos
de Andrade, provenientes de contratos de empréstimos junto ao
BID, Banco Interamericano de Desenvolvimento com a PMSP, o Gov.
Estado e União. O contrato com a PMSP resultará em mais U$
100,4mi de investimentos na região69, com o Gov. Estado são U$
70mi, para o programa PAC, e União U$ 8mi70, programa BID
Monumenta.

69
"O programa revitalizará o desenvolvimento econômico e social do centro de São
Paulo, que sofre uma perda de população da classe média e teve o valor das
propriedades muito diminuído", afirmou o BID em um comunicado.O banco
multilateral financiará também a restauração de moradias e proporcionará
"hospedagem temporal para as famílias do bairro". artigo de jornal pela Internet:
alguns dos edifícios alvo dos investimentos de reforma e restauração
agência REUTERS, 01/10/2003.

70
publicado no sítio da Associação Viva o Centro, em dez de 2001.

112
Dentre os investimentos realizados pela PMSP em contrapartida excluem na outra” 72. Desde sua criação, a lei não foi revista, tendo
(metade dos recursos são do BID e metade da PMSP) do vigência ainda em setembro de 2003.
financiamento com o BID, parte são resultado de arrecadação da
‘Operação Urbana Centro’: Os investimentos realizados no centro, que resultam em valorização
imobiliária direta, também incluem os realizados pelos programas
“A Operação Urbana Centro abrange as áreas chamadas de Centro habitacionais públicos abordados pela presente pesquisa. Há
Velho e Centro Novo, e parte de bairros históricos como Glicério,
depoimentos que indicam este fato, que contribui para o
Brás, Bexiga, Vila Buarque e Santa Ifigênia. Esta Operação Urbana foi
aprofundamento do mecanismo da gentrificação. Apesar de
criada para promover a recuperação da área central de cidade,
aparentemente paradoxal, vejamos por que isso ocorre:
tornando-a novamente atraente para investimentos imobiliários,
comerciais, turísticos e culturais. Serão concedidos vários tipos de
“A especulação imobiliária não deixa viabilizar os programas, e os
incentivos, tais como o aumento do potencial de construção, a
governos alimentam isso, dizendo nos jornais e televisões que vão
regularização de edificações, a cessão de espaço público aéreo ou
comprar imóveis. (...) Quando um governo vem implementar um
subterrâneo, em troca das contrapartidas pagas à Prefeitura.
projeto no centro, falam em questões de compra e venda de imóveis,
Conforme previsto em todas as Operações Urbanas, os recursos delas
elas abrem muitas obras para grandes empresas, construtoras, e isso
advindos devem ser obrigatoriamente aplicados na própria região de
acaba elevando os preços no mercado, e isso acaba inviabilizando os
cada Operação Urbana. A remodelação da Praça do Patriarca, por
projetos, que se tornam pontuais. (...) O governo, desta forma,
exemplo, foi feita com recursos dessa operação”. (sítio da Prefeitura
acaba não favorecendo as classes mais baixas e sim os grandes
municipal de São Paulo71).
especuladores, as grandes imobiliárias, as grandes construtoras”.
(depoimento de Sidney Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21
Helena Silva, no encontro “Habitação no centro de São Paulo: como
de Abril, integrante da ULC).
viabilizar essa idéia?”, organizado pelo Lab Hab Fau Usp, considera
que esta legislação, criada em 1997, deve ser revista, devendo-se
Técnicos da PMSP, gestão Marta Suplicy, também externam
“repensar os instrumentos que se baseiam na obtenção de recursos
insegurança quanto aos investimentos habitacionais no centro, pois
advindos da valorização imobiliária, inclusive as operações urbanas.
podem ‘dar comida para o mercado’:
(...) Isto é, supostamente promovem benefícios numa ponta, mas

71
72
http://portal.prefeitura.sp.gov.br/empresas_autarquias/emurb/operacoes_urbanas relatório do encontro “Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa
/operacao_centro/0001 idéia?”. Lab Hab Fau Usp, 2001: 62.

113
“(...) temos [PMSP] o objetivo de atender a uma população que não prédios pelos valores anteriormente praticados ou comprometidos”
consegue a carta de crédito da CDHU e da CEF. No entanto não (p.38).
sabemos, ou melhor, estamos pesquisando qual é o potencial de
imóveis que tem essa característica que queremos ofertar. Então,
Segundo Helena Silva, no mesmo encontro73, o fenômeno da
reunir as duas coisas é difícil. E como esse nosso mercado é uma
valorização imobiliária já ocorreu quando anunciada a existência do
coisa oportunista, temos que ter um critério muito firme por que
PAR – CEF: “logo subiram o valor dos imóveis. Foi só dizer que o
todo o imóvel vai ter o valor da carta de crédito, ou seja, a gente vai
inflacionar todos os imóveis, todos eles vão valer a mesma coisa”.
Centro ia ser reformado que veio a especulação imobiliária. (...) o
(depoimento de Margareth Uemura, estudo de caso favela do gato, MMC recebe pelo menos uma carta por dia oferecendo imóveis.
arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy). (...), mas os valores são muito altos. Os proprietários vêm oferecer
imóveis com valores que assustam”. Desta forma, Silva considera
“A maioria dos investimentos da prefeitura, nesse sentido de que o poder público “atrapalha a si mesmo”, com as ações que
assegurar a população, não é com área [terreno disponível] do valorizam o Centro, “forma de tirar cada vez mais os pobres do
mercado, são áreas que a própria prefeitura já possuía: favela do Centro e jogar para a periferia”.
gato, Belém, Bresser, SEMAB. Então o grosso do nosso investimento
ainda está sendo nas áreas públicas; por que ainda não temos forma
O depoimento de Marco Antônio, gerente da CEF – São Paulo, nos
de enfrentar o mercado. Pode ser que estejamos dando comida para
aponta a mesma barreira: Há uma valorização imobiliária no centro
o mercado também, na hora que se faz reabilitação”. (depoimento
de São Paulo, e ela já causa problemas para a viabilização de
de Luiz Kohara, estudo de caso favela do gato, engenheiro, PMSP,
Sehab – Habi, gestão Marta Suplicy).
empreendimentos do PAR – CEF:

“O mercado no centro velho de São Paulo, onde a gente mais está


Segundo Aser, representante da CEF no encontro “Habitação no
trabalhando, a gente tem notado que ele está começando a ter uma
centro de São Paulo: como viabilizar essa idéia?”, organizado pelo
valorização imobiliária. Acho que com a inauguração desses novos
Lab Hab, “aumentar o limite de financiamento quase nunca é uma
PAR no centro, e você vê que no centro já foi a faculdade Anhembi
solução, pois o mercado de alguma maneira se ajusta” (p.38). Ele Morumbi, não é? Haverá também um SESC, não é? Com a mudança
considera que a CEF estava com “muita dificuldade para viabilizar a agora da prefeitura, que vai para o banespinha, não é? E eu acho que
utilização destes recursos (...)” (p.38), pois apenas com a isso daí vai começar a dar uma melhorada boa, em termos
possibilidade do aumento do patamar máximo de financiamento em imobiliários na cidade. Eu acho que o foco é esse mesmo. Eu acho
São Paulo, “os movimentos passam a ter dificuldades em negociar os
73
Idem:64.

114
que tanto os governos federal, estadual e municipal tem que investimentos concretos, programados de valorização da área
procurar fazer isso daí, ao meu ver, opinião minha, com bastante central. Você tem discurso, você tem investimento, você tem uma
cuidado. (...) Esse que é o problema [manter a população de baixa ação do poder público mesmo com relação a isso. Então vamos ter
renda com a valorização imobiliária], se esse boom imobiliário, se a uma dificuldade maior [em produzir HIS no centro], inicialmente se
iniciativa privada começar a enxergar isso como bom negócio, e contava ainda com terrenos, que já eram um pouco mais caros que
começar a aplicar recursos próprios aqui no centro, talvez nós vamos na periferia, mas claro com um aproveitamento intensivo você podia
começar a enfrentar problemas, principalmente para atender esse ainda pensar em habitação popular. Cada vez vai ficar mais difícil. As
pessoal aí. O regime capitalista é complicado, quanto mais custa o zeis, elas tentam se contrapor a isso, mas a experiência que nós
preço da terra, fica mais complicado da gente atender mesmo. (...) estamos tendo é de que nas áreas de zeis o terreno não está
O governo vai ter que intervir pesado, se deixar só na iniciativa diminuído de preço, o pessoal da CDHU já fez uma pesquisa na área
privada, nós corremos o risco de explodir o custo disso e aí nós não da Luz, e o terreno da Luz aumentou depois da zeis. E aumentou por
vamos poder atender esse pessoal não”. (depoimento de Marco que subiu o coeficiente de aproveitamento. (...) Eu tenho falado
Antônio, estudo de caso Riskalah Jorge, técnico da CEF – São Paulo, muito do problema do estoque, do estoque. Agora, para você pensar
gestão Luiz Inácio Lula da Silva). numa produção de larga escala, que vai dialogar com o processo de
revalorização que já está aí, e vai ser muito maior, você tinha que
Se observarmos dados de pesquisa realizada pelo Secovi – SP estar realmente mobilizando recursos em estoque de habitações.
fornecida à PMSP, acerca da evolução dos valores dos aluguéis na Agora, neste momento, nós não temos linhas de recursos, de
financiamento para fazer estoque. Por exemplo, o PAR não pode
cidade de São Paulo, constatamos que entre os meses de janeiro e
fazer estoque. O PAR só pode negociar o prédio no final da linha.
março de 2003 houve um aumento médio de 5,54% dos valores das
Quer dizer, quando você já está com tudo fechado, projeto
locações residenciais do centro, enquanto que em toda a cidade
aprovado, proprietário e etc. Então o PAR, do ponto de vista da
esse índice foi de 0,3%. relação com a valorização imobiliária ele é a pior coisa possível. Ele é
Um novo depoimento, central para as questões trabalhadas em um programa que tem muito dinheiro, e não consegue, não vai
nossos estudos, é o proferido por Helena Silva, que identifica as conseguir fazer um programa de larga escala, por que ele está sendo
barreiras da revalorização imobiliária e a conseqüente gentrificação, atropelado pela valorização imobiliária”. (depoimento de Helena
como fenômenos já em andamento: Silva, arquiteta, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão Marta Suplicy).

“Eu acho que a gente [PMSP] mudou muito a situação de 2000 para Bem, os valores dos imóveis podem estar mais altos, ou mantidos
cá, em 2000 você tinha só um discurso da reabilitação, então você artificialmente em seu valor de procura por classes de alta renda,
sabia que ia valorizar e etc. De 2001 para cá, você já tem como vimos no item especulação e ‘entesouramento’. Mas, segundo

115
Gegê, liderança do MMC, se aplicados os instrumentos previstos no de HIS com novos investidores é a grande contradição e o grande
Plano Diretor, que obrigam o cumprimento da função social da desafio. O Estatuto da Cidade é uma condição necessária mas não é
propriedade, o ‘mercado imobiliário vai ter que se enquadrar’. Caso suficiente”. (Sílvia Schor, in: relatório do encontro: ‘Habitação no
centro de São Paulo: como viabilizar essa idéia? ’. Lab Hab Fau Usp,
estes instrumentos sejam realmente aplicados, o processo de
2000:4).
gentrificação previsto pode ser enfraquecido:

“Respondendo à pergunta do vereador Laurindo sobre a questão do


“Com o novo Plano Diretor, e o estatuto da cidade, o mercado
mercado imobiliário estar atento a essas reformas e iniciar um
imobiliário vai ter de se enquadrar. Daqui uns cinco anos para
processo de valorização da circunvizinhança, impossibilitando o
frente, esse mercado perde espaço, pois se o prédio que está ali,
barateamento da unidade habitacional refeita: o processo de
vazio a cinco anos, sem cumprir sua função social, vai ser tomado
revitalização se baseia nisso, na valorização que vai sendo induzida
pela prefeitura. O mercado não vai fazer nada no prédio, e vai
pelas readaptações. Se houver condições de mercado para levar
perder. (...) Hoje um cara ligou para mim para oferecer quitinetes a
habitação para o centro da cidade a preços convidativos, a iniciativa
270.000,00 reais, aqui no Centro”. (depoimento de Gegê, liderança
privada também o fará. A partir do momento em que se leva
popular, estudo de caso Riskalah Jorge, integrante do MMC).
habitação e unidades de lazer para o Centro e se valorizam as áreas,
atraindo outro público, os valores vão ser maiores. Então a
Já segundo a economista Silvia Schor e o empreendedor imobiliário utilização do centro não revitalizado para a solução de baixa renda
Cláudio Bernardes, a resposta para nossa questão, de se haverá ou teria um tempo de vida limitado”. (Cláudio Bernardes, representante
não um processo de gentrificação no centro, será determinada pelo do Secovi, in: relatório do encontro: ‘Habitação no centro de São
perfil futuro da demanda por habitação e outros serviços da região Paulo: como viabilizar essa idéia? ’. Lab Hab Fau Usp, 2000:97).
central. Pois, como já vimos anteriormente, a demanda é quem
define o perfil do mercado, independentemente da aplicação ou não Tudo vai depender da demanda. Se seduzidas as burguesias a
dos instrumentos urbanísticos defendidos acima por Gegê, como regressar ao centro, e resolverem assim o fazer, o centro sofrerá um
passíveis de ‘enquadrar o mercado’: processo de gentrificação. Atualmente quem se dá o direito de
decidir sobre as questões urbanas no tocante à localização espacial
“Para saber o que vai acontecer com os preços, precisamos saber o das classes sociais em todo o perímetro da cidade é a burguesia.
que vai acontecer com a demanda. A demanda corresponde às A última palavra cabe a ela, segundo Villaça74, é ela quem comanda
receitas futuras, as curvas de demandas estão cheias de expectativas o mercado.
dos proprietários para a valorização. (...) A oferta de terra é
elástica em função do uso que se pode fazer dela. (...) A combinação 74
Villaça, ‘Espaço Intra-urbano no Brasil’, 1998.

116
Segundo seus estudos acerca das estruturas territoriais e suas recursos do espaço urbano”. Dentre as vantagens geradas pelo
localizações intra-urbanas, bem como de sua constituição e usufruto de determinados espaços urbanos, o tempo é um dos mais
movimentação, a tendência estruturadora das metrópoles Brasileiras valiosos, devido sua imutabilidade, inelasticidade e congelamento: o
é a segregação sócio-espacial das classes de alta renda. Ou seja, tempo não pode ser alterado. Lefevbre denomina esse fenômeno de
essas populações localizam-se numa “única região geral” da ‘dialética do tempo e do espaço’:
metrópole, pois o mercado submete-se a elas, como se viu no Rio de
Janeiro, Barra da Tijuca: “Comprasse um emprego de tempo, e esse emprego de tempo é o
valor de uso do espaço. (...) o espaço envolve o tempo e que esse
“(...) as investigações precedentes [para a construção da barra da não se deixa reduzir. É o caso do espaço urbano, no qual se atua
tijuca no rio] revelaram quais os interesses concretos das burguesias sobre o espaço para reduzir o tempo, já que não se pode atuar sobre
ao definirem a localização de seus bairros e ao se segregarem numa o próprio tempo, pois este não se deixa reduzir” (Lefebvre, Dialética
mesma região geral da cidade, condicionando desse modo o mercado do tempo e do espaço. 1974:391, in: Villaça “Espaço intra-urbano no
imobiliário. Quando o setor imobiliário procura contrariar os Brasil”. 1998:357).
interesses das burguesias ele fracassa. (p.352). (...) Quando o setor
imobiliário, representando os interesses das burguesias, escolhe uma Segundo Villaça, a quantidade de tempo gasto no deslocamento das
determinada localização para um empreendimento, ele pesa os pessoas pelas localizações no espaço urbano das classes de alta
vários prós e contras envolvidos nessa escolha. Dentre os primeiros, renda tem o poder de desenhar a cidade:
destaca-se o meio ambiente e dentre os segundos, os deslocamentos
envolvidos. A infra-estrutura vem depois, ela é trazida pelas
“A luta de classes pelo domínio das condições de deslocamento
burguesias”. (Villaça,”Espaço intra-urbano no Brasil”. 1998:355).
espacial consiste na força determinante da estruturação do espaço
intra-urbano (p.329). (...) A produção do espaço aparece, então,
Desta forma, a burguesia ‘domina’ as cidades brasileiras pelo espaço como forma de controle do tempo, por meio de um trabalho
urbano, portanto, se a burguesia ‘resolver’ voltar ao centro haverá coletivo, social, no qual as classes entram em conflito visando
gentrificação. Mas a burguesia quer voltar ao centro? Que fez com apropriar-se diferenciadamente dos frutos do trabalho envolvido
que ela algum dia saísse de lá? Vejamos: nessa produção”. (Villaça,”Espaço intra-urbano no Brasil”.
1998:359).
Ainda segundo Villaça, “entende-se por dominação por meio do
espaço urbano o processo segundo o qual a classe dominante Desta forma temos como importante determinante para a
comanda a apropriação diferenciada dos frutos, das vantagens e dos localização das ‘classes de alta renda’ a escolha de locais que lhes

117
proporcionem uma ‘economia de tempo’, já que podem adquirir as ‘entesouramento’: influências de um sistema econômico, a mesma
terras onde bem desejarem, pois o custo não lhes imprime barreiras. associação é identificada como congregadora dos ensejos dos
Assim, a rápida locomoção pela cidade, segundo Villaça, possibilitou proprietários de imóveis, tendo como objetivo defender um processo
a saída das classes de alta renda do centro da cidade: de valorização imobiliária da região, caracterizando a presença da
‘ideologia da especulação’, no caso, a imobiliária.
“A verdade é que a nova mobilidade territorial, (...) aliada à Vejamos como constam publicados formalmente os objetivos dessa
conveniência de acessibilidade das burguesias e à produção de associação, segundo seu sítio eletrônico:
bairros novos por parte do capital imobiliário, é que impulsionou o
abandono dos centros tradicionais. Não foi nem o congestionamento, “A Associação objetiva o desenvolvimento da Área Central de São
nem a poluição, nem a idade”. (villaça, intra-urbano, p.346). Paulo, em seus aspectos urbanísticos, culturais, funcionais, sociais e
econômicos, de forma a transformá-la num grande, forte e eficiente
Nos últimos anos os congestionamentos na cidade têm consumido Centro Metropolitano, que contribua eficazmente para o equilíbrio
muito tempo dos paulistanos de todas as classes sociais. Desta econômico e social da Metrópole, para o pleno acesso à cidadania e
forma, a burguesia tenderá a localizar sua moradia em área próxima ao bem-estar por toda a população”.75
do local de trabalho. Se este local for o centro, talvez tenhamos
como certa sua gentrificação. A Associação Viva o Centro tem como principais patrocinadores as
seguintes empresas: Banco de Boston, Bolsa de Valores de São Paulo,
Agora, a burguesia tem interesse em trabalhar e morar no centro? Bolsa de Mercadorias e Futuros, Banco Itaú, Serasa, Pinheiro Neto
Advogados, dentre outras empresas, bancos e estabeleciemntos
Esta nos parece uma questão central. Se dependermos das ações de comerciais.
propaganda e marketing da Associação Viva o Centro, a resposta é
sim. Segundo a arquiteta Sarah Feldman, em apresentação na “Comissão
Como já vimos na seção limites ideológicos culturais, item pré- l de Estudos sobre Moradia na Região Central”, realizado na Câmara
conceito e discriminação, escala urbana: a segregação sócio Municipal de São Paulo, de maio a setembro de 2001, “a Associação
espacial, a Associação Viva o Centro, representa uma das entidades Viva o Centro é a expressão da nova disputa pela área central, do
que atuam na região central que se pronuncia de modo interesse imobiliário pela sua valorização”,(p.22).
preconceituoso no que se refere à presença da população de baixa
renda no centro. Na mesma seção, item especulação e
75
http://www.vivaocentro.org.br/vivaocentro/index.htm

118
centro de São Paulo: viabilização de programas habitacionais”,
Observando as dezenas de publicações, eventos e pronunciamentos 2002:2).
públicos da associação, pode-se notar de modo direto as ações de
propaganda pela necessidade da volta dos investimentos públicos e Como últimas informações coletadas, acerca da incerta volta das
privados na região, e consigo moradias de renda mais alta. classes de renda mais alta para o centro, reproduzimos abaixo
trecho do depoimento de Orlando de Almeida Filho, presidente do
Sindicato dos Corretores de Imóveis do Estado de São Paulo:
Temos aqui mais um nó que necessita de mais estudos e que mais
anos de passem para termos uma resposta às questões levantadas.
“Olha rapaz, daqui a uns três anos, vai haver uma super valorização
Trata-se de uma grande incerteza, pois, como vimos, há
dos imóveis no centro (...)” (depoimento de Orlando de Almeida
pronunciamentos dos mais diversos.
Filho, presidente do Sindicato dos Corretores de Imóveis do Estado de
Em novo seminário organizado pelo Lab Hab, em 2002, com o tema: São Paulo).
“Habitação no centro de São Paulo: viabilização de programas
habitacionais”, a questão da valorização dos imóveis da região
central e sua conseqüente gentrificação demonstram a falta de
consenso entre os atores envolvidos no tema, como relatado em
trecho do relatório do encontro:

“A redução de preços dos imóveis pode ser uma decorrência da


aplicação de seus instrumentos [estatuto da cidade / Plano Diretor],
porém ainda aparece como uma questão incerta que dependerá em
grande parte do processo de requalificação urbana da área central.
(...) Uma das principais questões discutidas em várias sessões do
evento é o preço dos imóveis, existe uma expectativa de valorização
imobiliária na área central em função das intervenções e
conseqüente expulsão da população de baixa renda da área. Alguns
técnicos apontaram que a redução do preço dos imóveis está
relacionada com o esvaziamento populacional enquanto
requalificação da área apontaria para a valorização imobiliária”.
(Lab Hab Fau Usp, relatório resumo do Seminário “Habitação no

119
4.1.4.1.3 limites jurídico - legais Primeiramente observaremos os limites gerados especificamente
pela legislação em vigor, apesar de por diversas vezes,
representantes do poder público terem sinalizado para uma rápida
“No projeto Madre de Deus a história foi uma loucura. O alteração desses entraves legais. O que pudemos notar no decorrer
filho do dono (herdeiro) era um deficiente físico. A de um ano de estudos foi nenhuma alteração significativa na
propriedade não estava sendo usada. A lentidão é prejudicial
legislação.
para todas as partes envolvidas. No caso do Casarão já são
seis anos. As leis emperram. As leis da propriedade foram
tão bem elaboradas que praticamente inviabilizam qualquer
proposta desse tipo.” lei de HIS:
76
(Maria Nilse Ferreira Souto ). entrave à soluções inteligentes e econômicas
A barreira imposta pela atual legislação municipal para a produção
de HIS, que aufere parâmetros projetuais para as unidades
Nesta seção identificaremos a presença de limites à produção da habitacionais, é considerada, nos depoimentos coletados, como
moradia social no centro impostos pela legislação e pelo sistema secundária às questões limitantes à produção da moradia social no
jurídico em vigor. As barreiras impostas pela legislação são das mais centro. Isso não significa que não deva ser considerada, pois ela
variadas, são problemas para a aprovação de projetos arquitetônicos impede, de fato, que soluções de desenho coerentes com o
que resolveriam de melhor forma questões da falta de qualidade programa arquitetônico específico da moradia social no centro se
projetual das unidades, questões da forma de ocupação dos materializem. Se diferente da atual, a legislação possibilitaria ao
terrenos, que resultariam em menor custo das mesmas, entraves na projeto do edifício o cumprimento de seu papel, de ‘resolução’ de
gestão da máquina pública, que tem de seguir procedimentos muitas tão difícil construção, e não de arremedo formal de imposições
vezes morosos e descabidos às práticas de produção habitacional, jurídicas artificiais à habitação nas áreas centrais da cidade.
bem como pelos processos de litígio fundiário que se estendem por
anos a fio, enquanto o imóvel ‘aguarda’ uma decisão judicial. O depoimento do arquiteto Wagner Germano nos exemplifica essa
característica da legislação municipal de HIS:

“De cara a gente viu que a lei tem de ser revisada, deveria ter um
76
in: “Intervenção Habitacional em cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão olhar particular para a questão da reciclagem. Uma questão é o
Celso Garcia” Comaru, Francisco, 1998:144).
estacionamento, que não tem como ter vaga de garagem num

120
edifício da área central, que não tem garagem. Apesar de que lotes, sejam elas horizontais ou verticais, devido à exigência dos
acredito que a legislação nunca foi um empecilho, uma barreira. (...) recuos, resultando em barreiras à aprovação de vilas, condomínios
Era lógico, mais uma pimentinha na história, mas muito pequenina horizontais, prédios em lâmina com fachada contínua, ou
se comparada a questão de como que deveria ser feita a compra do
configurando pátios internos às quadras e residências geminadas.
imóvel. (...) Há uma proposta de alteração já feita, que falta ser
Diversos projetos econômicos e de boa qualidade construídos no
aprovada”. (depoimento de Wagner Germano, estudo de caso favela
exterior, ou mesmo no Brasil, antes das atuais normas urbanísticas,
do gato, arquiteto, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).
atualmente não seriam aprovados.
De fato, a lei de HIS é instaurada através de decreto, de 26 de maio Moretti também comenta a existência de dificuldades na
de 1992, sob no. 31.601. Segundo a arquiteta Heléne, em palestra à “caracterização dos empreendimentos e agentes que poderão se
‘Comissão de Estudos sobre Moradia na Região Central’, realizada utilizar das prerrogativas da legislação. A polêmica se estabelece
na Câmara Municipal de São Paulo, seu objetivo maior é de quanto à eficácia dos meios legais para impedir a utilização dos
regulamentar a construção de unidades em terrenos na periferia da critérios especiais da HIS para produção de moradia para população
cidade. Desta forma torna-se “totalmente inapropriada para de maior poder aquisitivo” (p.18). Desta forma, há o risco de que as
construção em lote urbano, na medida em que exige normas e “privilégios” concedidos para HIS beneficiem as famílias
estacionamento descoberto e garagem e outras questões que não se de maior renda não apenas em sua comercialização inicial, mas de
adequam de maneira alguma às necessidades de um programa que estes imóveis sejam rapidamente transferidos para famílias fora
habitacional em áreas centrais”.77 da faixa de renda de interesse social.
Moretti também considera que “a produção de unidades
Novas considerações acerca das legislações urbanísticas para a habitacionais de interesse social através da reforma de edificações
regulamentação de unidades de interesse social podem ser existentes é uma alternativa que deve ser contemplada na
encontradas em publicação organizada por Cláudio Moretti, legislação” (p.18).
intitulada “Normas urbanísticas para habitação de interesse social. Em capítulo posterior aborda a problemática presente no “controle
Recomendações para a elaboração”. do poder público versus autonomia do projetista” (p.29), pois da
Moretti nos indica a presença constante de três problemas nas forma que a legislação se apresenta, esta “pode tolher a autonomia
normas municipais brasileiras: edificações isoladas nos centros dos dos projetistas e impedir boas soluções de projeto” (p.29).

77
As ‘boas soluções de projeto’ que são impedidas pela legislação
Heléne, in: relatório da “Comissão de Estudos sobre Moradia na Região Central”,
Câmara Municipal de São Paulo, 2001: 75. extremamente amarrada, resulta em projetos quase que

121
padronizados, centralizados em seus lotes e impossibilitados de se politicamente fortes, resolveram sair por aí, que eu acho mais
adequarem às características do entorno. Quando a ‘autonomia do interessante, que acabou dando uma solidez. Está completamente
projetista’ foi respeitada, pois a legislação foi completamente fora da legislação”. (depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto,
estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza
descartada78, as soluções de projeto podem ser consideradas
Erundina).
‘melhores’, como nos relatam Cláudio Manetti e Pedro Sales,
responsáveis pelo projeto do edifício Madre de Deus, estudo de caso
“E tudo isso, acabou gerando um outro conflito, (...) que era a
da presente pesquisa: legislação vigente na época, e vigente até agora. Questão 1 : recuo.
Com aquela exigüidade de terreno, a gente não poderia de frente,
“(...) e o mais interessante foi assim. Foi uma única exigência [da nem lateral, nem de fundo, então fomos obrigados a realizar um
comissção de aprovação de projetos habitacionais de interesse social projetinho demonstração para comparar o uso daqueles 15 x 50
da PMSP]: ‘faz um diagrama de sombras’. Por que nós estamos metros, usando o que dispunha os parâmetros de zoneamento
encostando o edifício sem recuo, para ver se não vai fazer sombra na daquela área. Cinco de frente, um meio de não sei do quê, duas
piscina do vizinho. E o mais legal disso tudo, na hora que se fez, é vezes a área do terreno, que resultava numa torrezinha, de dez a
que não só não fazia sombra, como se fizesse o edifício nos moldes doze andares, e a idéia era fazer isso para demonstrar que essa
da legislação, aí sim o edifício faria. (...) Nós começamos a discutir torre, em relação à posição da orientação, mostrando que a
que os projetos da região central, pelas configurações das quadras, configuração regular causava muito mais impacto no vizinho, em
pelas configurações de vizinhanças, eles precisariam de uma forma termos de sombra, em termos de privacidade, nos dois vizinhos, do
de compreensão de que a quadra é um edifício de vários edifícios que o nosso bloquinho, encostado nas divisas, e tudo mais. Outra
diferenciados, mas que tem que ter uma relação da sua questão que se coloca até hoje, a Helena79 cansa de lutar contra isso,
espacialidade. O que cheio, o que é vazio, o quê é cego, o quê é é a questão do estacionamento, as vagas de estacionamento. É uma
aberto. E nós começamos a ver o seguinte, você pega um edifício no legislação super arcaica, que pede uma vaga a cada três unidades,
centro da cidade, ele tem uma empena de não sei quantos andares, mas que é descabido, no fundo, no sentido de que se está falando de
por não sei quantos metros de largura. Você falar que aqui tem um área central, presumivelmente você tenha essa maior
sol nascente é brincadeira, por que o próprio edifício vai fazer um disponibilidade de transporte”. (depoimento de Pedro Salles,
sombreamento de sol nascente. Então tem uma outra forma de pegar arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão
o sol, uma outra forma de captar, uma outra forma de ter conflito Luíza Erundina).
de vizinhança. E no caso do Madre de Deus, o pessoal da comissão,
que estava com medo de enfrentar a Luíza, e os movimentos

78 79
O projeto foi aprovado por decreto emtido pela prefeita em cargo. Helena Menna Barreto Silva, vice-presidente do Pró Centro, gestão Marta Suplicy.

122
Como os edifícios voltados para famílias de baixa renda produzidos
pelos programas públicos têm de, ao menos inicialmente, de
pertencer ao estado, para que as famílias de baixa renda os
adquiram através das prestações, estes imóveis estão sujeitos à
legislação incidente sobre a propriedade pública.

Para o arquiteto responsável pelo projeto arquitetônico do edifício


Madre de Deus, Pedro Salles, a legislação que impede a instalação
de estabelecimentos comerciais nos imóveis habitacionais públicos,
gerou conseqüências irreparáveis ao edifício, como comenta em seu
implantação edifício Madre de Deus, sem recuos laterais e frontal.
depoimento:
O edifício Madre de Deus, também não possui vagas de
estacionamento, além dos recuos laterais, frontais e de fundo. “O fato de o solo ser público, subsidiado, colocou uma outra questão
importante, particularmente no Celso Garcia, onde havia solo
publico, habitação de interesse social, e a pretensão de que o térreo
fosse comércio voltado para os moradores. E não houve jeito de
uso misto:
equacionar isso: solo público, habitação de interesse social e
programas públicos não o comportam
exploração de atividades comerciais sob solo público. Eu me lembro
Apesar de aparentemente sem muita importância, a impossibilidade de passar tardes com figuras renomadas, para a gente tentar chegar
da instalação de estabelecimentos comerciais nos primeiros pisos e definir um instrumento jurídico, uma abertura jurídica, mas não
dos edifícios tem por diversas vezes interferido de maneira decisiva conseguimos. Essa é uma questão que se coloca, de caráter jurídico,
na qualidade dos projetos habitacionais, bem como na manutenção de caráter legal, mas que acaba influindo no próprio programa, e
física dos imóveis. impede realmente uma possibilidade de financiamento dessas
A renda gerada pela locação destes espaços para fins comerciais unidades. Precisava ter uma licitação, mas você não pode licitar algo
poderia direcionar recursos para os condomínios, que melhor em terreno que foi desapropriado. Então há uma série de impasses
que de repente acabam travando a exploração de novas tipologias,
investiriam na manutenção dos imóveis, além de configurarem uma
de uso misto e etc. que são no meu ponto de vista fundamentais para
ocupação mais racional dos exíguos espaços centrais.
a área central. Elas têm que absorver essa variedade de funções por
diversas razões, o retorno financeiro para a comunidade, gerar esse

123
ambiente realmente mais coletivo de funções que as cidades
européias cansam de dizer para a gente e etc. Mas que de certa
maneira, continua impedido, então o próprio projeto, acho que ele
tem que começar a considerar isso aqui, como é que eu reproponho
essas linhas alternativas em solo desapropriado. Esse era um outro
limite, que no fundo inibiu o projeto, mas que gerou conseqüências
complicadas depois”. (depoimento de Pedro Salles, arquiteto, estudo
de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza Erundina).

No estudo de caso do PAR – CEF, a mesma barreira se coloca. Helena


espaço térreo que poderia ser de uso comercial, Riskalah Jorge.
Saia, arquiteta responsável pelo projeto de restauração afirma80 que
o edifício Riskalah Jorge, anteriormente de uso comercial no térreo,
O mesmo ocorre no Programa de Atuação em Cortiços da CDHU, que
teve de ser adaptado ao uso apenas habitacional, devido exigências
impede a locação do térreo para usos diversos:
da CEF. O engenheiro responsável pelas obras do edifício, também
identifica a existência do limite: “Não, não, nada [permite o uso comercial], inclusive tem uma
questão que também se encontra em outros programas. Sempre eles
“Como é arrendamento, quem detém o prédio é a CEF, então ela não esbarram com a questão de uso misto, sempre se aprova só a
está querendo liberar o térreo para comércio”. (depoimento de habitação, a gente fala e fala que tem que misturar, e não se tem
Kennedy, engenheiro, estudo de caso Riskalah Jorge, Cury como aprovar. É uma loucura, numa cidade como São Paulo”.
Empreendimentos Imobiliários). (depoimento de Isabel Cabral, arquiteta, Assessoria técnica
Ambiente).

Ao que tudo indica, os imóveis de locação social também não


poderão ceder espaços para fins comerciais privados, devendo ficar
reservados a áreas anexas às moradias.

80
relatório do encontro: “Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa
idéia?”, Lab hab Fau Usp, 2000:16.

124
irregularidades fundiárias: Na Cohab - SP, o mesmo fenômeno se repete:
dívidas, desvios e litígios de propriedade
Problemas na titulação da propriedade privada da terra é um fato “E a COHAB recebe muito telefonema, a pró-centro então, nem se
comum na área rural, já de conhecimento público notório. Distante fala. A dificuldade é sempre que tem alguma irregularidade de
alguma natureza. E aí a gente não consegue como poder público
dos centros urbanos.
fazer a desapropriação”.(depoimento de Margareth Uemura, estudo
A produção da moradia social no centro tem demonstrado que o
de caso favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta
mesmo ocorre nos grandes centros urbanos, ao menos em São Paulo.
Suplicy).
Identificamos a presença de imóveis com dívidas impagáveis de IPTU
e comprovação incipiente de propriedade como os mais comuns a Mais especificamente, as irregularidades podem se dar pelo atraso
emperrar os processos de aquisição de imóveis. no pagamento de impostos incidentes sobre a propriedade ou infra-
estrutura urbana. Um dos casos freqüentes é o simples não
Para o poder público dar início a um processo de compra ou pagamento do IPTU, enquanto o imóvel fica subutilizado, devido à
desapropriação de algum imóvel, ele tem de certificar-se da morosidade na cobrança judicial. Há em trâmite na câmara
regularidade deste. Lia Ferreira, técnica da CDHU nos revela a municipal um projeto de lei (decreto de remissão) que permitiria o
existência deste limite, que leva processos aparentemente fáceis a ‘desconto’ do valor devido na desapropriação do imóvel, como nos
levarem anos de espera pela decisão judicial: apresentam Helena Silva e Margareth Uemura, técnicas da PMSP,
gestão Marta Suplicy.
“Então um segundo problema é o tempo para que se tenha a situação
fundiária definida, e aí poder executar o empreendimento. Isso não
“Acredito mesmo que as nossas dificuldades são operacionais, não é
quer dizer que enquanto o processo de DIS esteja em
nem de recurso. (...) É muito lento. A maneira de tratar com a
encaminhamento, a gente não tenha outros procedimentos paralelos
questão de obtenção dos terrenos está na raiz disso. Como o PAR
para agilizar esse empreendimento, certo. Mas é sim uma das
encara essa questão da obtenção do imóvel está na raiz. Então eu
dificuldades que a gente encontra.” (depoimento de Lia Ferreira,
acho que poderia ser mais rápido. É uma prioridade, agora nem
arquiteta, estudo de caso 21 de Abril, Gov. Est. CDHU – PAC, gestão
todas as soluções apontadas, são mágicas. Por exemplo, a questão
Geraldo Alckmin).
dos edifícios com dívidas do IPTU, por exemplo, se tem um problema
na justiça, se a justiça cobrasse muito mais rapidamente as dívidas,
nós conseguiríamos negociar muito mais rapidamente o terreno.
Nesse momento, o proprietário deixa de pagar (caso do Brigadeiro

125
Tobias) um tempão; não registrou a propriedade. Agora fizemos uma Outra forma de irregularidade fundiária recorrente é a falta de
proposta de lei que eu acho que é interessante, de que é possível título de propriedade, que por razões diversas não se encontram
perdoar a dívida, no momento em que o prédio é adquirido para regularizadas. Trechos de relatos e bibliográficos nos indicam de
habitação de interesse social. As pressões não são suficientes para
forma clara a existência do problema:
você forçar o pagamento”. (depoimento de Helena Silva, estudo de
caso favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão
“Então, agora, é claro que você tem os problemas objetivos da
Marta Suplicy).
situação de propriedade aqui da área central. As escrituras são
enroladas, múltiplos proprietários num prédio só (...)”. (depoimento
“A gente percebeu que tem dois pontos que emperram essa operação
de Helena Silva, estudo de caso favela do gato, arquiteta, PMSP,
nossa, de desapropriação. Uma é imóveis irregulares e imóveis com
Sehab – Pró Centro, gestão Marta Suplicy).
dívida. Eu acho que esses imóveis não valorizam por que tem
também esses problemas, eles estão quase abandonados. Qual é a
“Então a gente tem problema com titularidade de terreno,
dinâmica desses proprietários (e não são pequenos proprietários)?
unificação de título, que é uma parte burocrática, e isso eu acho que
Eles são proprietários de várias áreas no centro. Agora o que ele faz?
é um trabalho longuíssimo, por que são terras devolutas, é margem
Aluga o térreo, que é o que tem valor; mantém mais ou menos o
do rio, então há uma série de problemas e de ajustes técnicos a
restante do edifício e deixa isso pra lá, e vai arrastando a dívida.
fazer. (...) No São João a gente tem tido uma série de dificuldades,
Então parece que é uma dinâmica aqui, por isso está se repetindo
mas é por que o proprietário tinha pendências, dívidas, problemas
muito. Todo prédio que a gente ouve o proprietário que levanta, é a
de herança, de quem assina o documento. Se não, acho que teria
mesma coisa: está desocupado o resto dos andares, o térreo está
sido mais curto o prazo”. (depoimento de Margareth Uemura, estudo
ocupado. O cara tem uma dívida altíssima de IPTU, e, portanto não
de caso favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta
pode negociar o terreno conosco. Por que ele quer além de não pagar
Suplicy).
a dívida, receber. Tem a história da dação do pagamento, como se
chama. Agora, é isso. O cara pra fazer a dação, tem que concordar;
“Os imóveis a serem adquiridos com recursos do PAR devem, por
você não tem como obrigar o cara. Tem um outro instrumento que
preceituação legal, possuir regularidade documental, o que é raro na
chama decreto de remissão. Com esse acho que a gente pode compra
área central. Muitas vezes são imóveis frutos de herança ou espólios
o imóvel com dívida, mas com outro procedimento. Esse ainda não
mal resolvidos, com documentação duvidosa ou que não podem ser
está aprovado, esse está tramitando. Parece que esse é um
regularizados para uma operação envolvendo recursos públicos, com
instrumento legal que pode cobrir o que a dação não pode fazer”.
legalidade ou titularidade apresentando restrições documentais”.
(depoimento de Margareth Uemura, estudo de caso favela do gato,
(Bruno Sandin, in: relatório final da “Comissão de Estudos sobre
arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).

126
Moradia na Região Central”, Câmara Municipal de São Paulo, serviços hoje terceirizados fossem realizados por funcionários
2001:94). públicos, a demora nos processos de licitação seria minorado.
O relato de Maria Souto, também para a dissertação de Francisco
Comaru, nos demonstra a insatisfação do movimento popular ULC
burocracia:
com a morosidade dos processos:
morosidade e demora nos processos públicos
Relatos de demora nos processos administrativos são também “(...) no dia da invasão do prédio Martinelli, nós estávamos com dois
unânimes, poder público e movimentos populares identificaram essa anos de Administração Luíza Erundina. Naquele dia se somavam 54
realidade, que muitas vezes resulta em conflitos e enfrentamentos reuniões com representantes da prefeitura e o movimento de
políticos diretos. moradia por cortiços, dia 8 de abril de 1991. E projeto ainda não
É certo que o emprego de recursos públicos deva ser realizado com havia começado.” (depoimento de Maria Nilce Ferreira Souto, in:
todas as garantias de lisura necessárias. O limite aqui identificado “Intervenção Habitacional em cortiços na Cidade de São Paulo: O
mutirão Celso Garcia” Comaru, Francisco, 1998:143).
não se refere a esta ‘burocracia necessária’, mas sim a
procedimentos excessivamente controlados e compartimentalizados
A mesma demora também é identificada nos processos
que resultam em ações extremamente morosas. Como vimos na
administrativos da CDHU para o desenvolvimento do PAC. Lia
seção dos limites ideológicos e culturais, item inércia operacional do
Ferreira técnica do órgão, gestão Geraldo Alckmin, nos aponta
poder público: manutenção da lógica vigente, há por diversas vezes
motivos para que o órgão opere desta forma:
procedimentos que não necessariamente significam um controle ou
zelo pelos recursos públicos, mas que são realizados pelos
“Se você considerar o prazo de execução de um empreendimento, ele
funcionários públicos, de modo a dirimir responsabilidades pessoais é longo, mesmo numa obra particular. Desde que você tenha o
sobre as decisões tomadas. terreno, até que seja concluída a edificação, é um processo bastante
lento, desde equacionar o fundiário, até todos os projetos, é normal.
O depoimento de Cláudio Manetti em “Intervenção Habitacional em Edificação, casa, não é uma coisa rápida. Ela requer uma série de
cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão Celso Garcia”, nos atitudes e de procedimentos, para que você tenha um produto, não é
aponta diversos problemas, a começar pela morosidade na assim num estalar de dedos. (...) Cabe uma informação mais didática
[aos movimentos populares], pois isto é moroso mesmo, por mais que
contratação de serviços terceirizados, e cita como o exemplo a
a gente agilize, se você pegar a sua experiência, ou de qualquer um:
contratação de projetos executivos. É certo que, se parte dos
quero construir! Mas tem todo um procedimento, certo? (...) a

127
construção civil é o setor mais burocratizado de todos os outros todos atrasados. O fragmento de depoimento posterior, de Helena
setores, porque você está gerando um bem patrimonial, então têm Silva, demonstra o fato da lentidão na operacionalização do
muitas ações, muitos cuidados que tem que ser feitos. São programa:
procedimentos legais, são procedimentos técnicos, e isso tudo tem
de ser percorrido sim”. (depoimento de Lia Ferreira, arquiteta, “Está atrasado (...) a previsão era que já se tivesse unidades agora
estudo de caso 21 de Abril, Gov. Est. CDHU – PAC, gestão Geraldo para ser gerenciada. Então teve um atraso de projeto, de execução,
Alckmin). e por isso a gente agora vai ter que correr atrás para tentar ter esse
piloto das 1.600 unidades operando até o fim do ano que vem”.
Da mesma forma, para Sidney Eusébio e Luiz Cavalcanti, da ULC, a (depoimento de Margareth Uemura, estudo de caso favela do gato,
‘burocracia’ do PAC – CDHU torna-se uma barreira às reivindicações arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).
do movimento:
“(...) independente do preço, ou qualquer coisa, você não tem
“Diziam que amenizariam os problemas do centro, e nós não estruturas operacionais que façam você obter facilmente coisas que
imaginávamos que iríamos enfrentar esse paredão, essa burocracia aparentemente são muito fácil de se obter. Existe todo o diálogo
de um governo não democrático, não socialista”. (depoimento de com o movimento social: ‘e por que não isso, e por que não aquilo?’
Sidney Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21 de Abril, A gente realmente não consegue, a máquina pública ainda está
integrante da ULC). muito lenta. Uma parte são dificuldades legais, e outra é
operacionalizar isso, é ter a estrutura adequada, com as pessoas
“O governo do estado tem o projeto do cinema, de trezentas adequadas, para tomas as decisões adequadas, com tempo e com
unidades, que já toma aí quase doze anos no papel. Mas se recurso chegando a tempo. Então muitas vezes eu acho que
considerar a parte política da negociação, tem mais de vinte anos. misturando todos os instrumentos que você tem você poderia fazer
Fizemos o mais difícil, comprou o terreno, tirou as famílias, demoliu muito mais coisas do que você consegue objetivamente fazer. E às
o prédio, o cortiço, e aí está lá o terreno no chão criando rato e vezes não é má vontade, é que tudo é muito lento, tudo é muito
barata. O mais difícil nós fizemos e o mais fácil o governo não faz, lento”. (depoimento de Helena Silva, estudo de caso favela do gato,
que é a construção. Já tem aí, praticamente, desde o terreno vazio, arquiteta, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão Marta Suplicy).
já faz dezoito meses”. (depoimento de Luiz Cavalcanti, liderança
popular, estudo de caso Madre de Deus, integrante da ULC).

O programa de Locação Social não foge desta barreira. Segundo


Margareth Uemura, os cronogramas de ações do programa estão

128
4.1.4.1.4 limites técnico – profissionais estão os profissionais preparados para lidar com movimentos
populares de luta por terra e moradia. Trata-se de uma
irresponsabilidade das universidades diante das necessidades da
“Tem uma fala do Antônio José (MNLM), num seminário em população, muitas vezes alimentada pela negligência histórica do
Guarulhos, que dizia assim: ‘experiências nós já estado brasileiro diante da questão.
acumulamos, técnicos nós não temos muito, mas temos o
A metodologia de trabalho dos programas em estudo tem de ser
suficiente, mas mesmo assim eu não conheço nenhum bairro,
desenvolvida no fazer de cada ação. Daí tantos desacertos, erros e
nenhuma região da cidade, que tenha sido construída
segundo os preceitos da reforma urbana, que os movimentos recuos.
defendem’. Se há um número de técnicos suficiente? Há o
número de técnicos na estrutura das assessorias, que Identificamos a presença desse relevante limite a partir da
aglutinam esses técnicos, que estão interessados em
observação do funcionamento do poder público e das assessorias
produzir desta forma. (...) As assessorias, do jeito que estão
estruturadas não resolveriam o déficit habitacional, bem técnicas que trabalham com os movimentos populares, bem como
como o poder público, do jeito que se estrutura, pelos depoimentos coletados. Vejamos algumas colocações
dificilmente resolveria sozinho. (...) Isso resulta numa pertinentes à questão, segundo as especificidades dos modos de
dicotomia atual: ‘quantidade, em massa x qualidade e
produção de cada programa abordado:
participação popular’”.(depoimento de Caio Amore,
arquiteto, assessoria técnica Peabiru)
“Ainda dentro da esfera pública, outra questão complicada, é a falta
de pessoal formado para isso [trabalho com mutirão autogerido].Essa
formação, no fundo, ela é muito específica, e não ocorre, não
poucos técnicos e despreparados:
ocorria nas escolas, nas mais diversas áreas, e não ocorria num
a fazer trabalhos nunca antes realizados
processo de reciclagem do poder público. Então, um engenheiro que
É de se esperar que os técnicos do poder público e das assessorias estava lá para fiscalizar uma obra, já tinha uma metodologia para
técnicas aos movimentos e moradia estejam despreparados para fiscalizar uma empreiteira. Esses técnicos, eles não dispunham de
lidar com as questões que envolvam a produção da moradia social segurança técnica para trabalhar com os processos de auto-gestão.
em regiões centrais. Trata-se de uma novidade. A formação Então isso se tornava uma loucura, pois ao mesmo tempo em que
profissional nas universidades não está voltada para o trabalho com colocávamos o programa para andar, tínhamos de formar uma equipe
reciclagem de edifícios, imóveis para locação social, empreitadas para fiscalizá-lo. Outra dificuldade interna violenta”. (depoimento
em mutirão autogerido ou apenas em autogestão. Muito menos ainda de Reginaldo Ronconi, arquiteto, estudo de caso Madre de Deus,
PMSP, Sehab – Funaps Comunitário, gestão Luíza Erundina).

129
durante o processo é que o pessoal foi se instituindo, o que era um
“Um dos grandes problemas que a gente teve foi equacionar essas processo de descoberta para todo mundo, para o técnico, para a
questões todas que a gente não tinha experiência. (...) É um organização que ele está montando. O que foi muito positivo, pois
procedimento que é novo, não existia, então tem todo um muita gente saiu formada neste processo. Porém para o programa,
aprendizado mesmo, de todos os técnicos (...)”. (depoimento de na época isso significava um girar mais lento das engrenagens que
Wagner Germano, estudo de caso favela do gato, arquiteto, PMSP, deveriam produzir habitações. Isso era uma dificuldade que não dava
Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy). nem para a prefeitura, nem ninguém mais conseguir abreviar este
processo, o único caminho que poderia tornar isso mais fácil, era que
Como o poder público não possui funcionários para dar conta dos a formação desses profissionais tivesse esse conceito sendo
trabalhos demandados pela população, seja por falta de recursos ou trabalhado anteriormente. Como não existia, não dava para correr
por questões ideológicas (modelo do estado gerencial), a maior atrás”.(depoimento de Reginaldo Ronconi, arquiteto, estudo de caso
Madre de Deus, PMSP, Sehab – Funaps Comunitário, gestão Luíza
parte das atividades inerentes aos programas são realizadas por
Erundina).
escritórios técnicos contratados. São as assessorias técnicas:
entidades de direito privado sem fins lucrativos que atuam em
O trabalho das entidades de assessoria técnica aos movimentos
parceria com os movimentos populares os assessorando
populares voltou-se inicialmente à condução de mutirões
profissionalmente nas questões enfrentadas em suas lutas pela terra
autogeridos na periferia de São Paulo. Sua atuação nas áreas
e pela moradia. Essas entidades são formadas por profissionais de
centrais da cidade tornou-se mais constante com as ocupações de
engenharia, arquitetura, sociologia, direito, dentre outras.
imóveis vazios da região pelos movimentos populares. Como já
vimos, trabalhos deste tipo em regiões centrais dotadas de infra-
Abaixo, o relato de Ronconi refere-se ao final dos anos 80, momento
estrutura são uma novidade, portanto pouca experiência foi
de estruturação das assessorias técnicas, para atuação no Programa
adquirida para estas atividades. Como tem se mostrado de praxe, é
Funaps Comunitário, qual foi responsável nos primeiros anos da
a prática que tem formado esses profissionais. Como os projetos de
gestão de Luíza Erundina:
HIS no centro têm se mostrado exceções aos projetos de HIS pela
cidade, torna-se ainda mais difícil a formação de técnicos para essa
“Havia outros problemas que influenciavam o poder público, mas
prática.
cuja origem era exterior, era a não existência de uma base técnica
instalada também fora da Prefeitura. As assessorias técnicas foram
Helena Silva, em seu depoimento identifica esse problema:
se formando ao longo do processo do Funaps comunitário, havia
poucas assessorias. Na verdade havia apenas duas em São Paulo, e

130
“Eu acho que é um limite no programa sim. Há muito que avançar na técnicos nós não temos muito, mas temos o suficiente, mas mesmo
capacitação das assessorias técnicas. Acho que estamos tendo assim eu não conheço nenhum bairro, nenhuma região da cidade, que
problemas, e precisamos avançar mais. Estamos tentando tenha sido construída segundo os preceitos da reforma urbana, que
desenvolver isso através de seminários, dos seminários que a gente os movimentos defendem’. Se há um número de técnicos suficiente?
fez, parte delas compareceu, estamos conseguindo levantar um Há o número de técnicos na estrutura das assessorias, que aglutinam
pouco os problemas da reforma, mas eu acho que ainda tem o esses técnicos, que estão interessados em produzir desta forma. (...)
problema de projeto”. (depoimento de Helena Silva, estudo de caso As assessorias, do jeito que estão estruturadas não resolveriam o
favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão Marta déficit habitacional, bem como o poder público, do jeito que se
Suplicy). estrutura, dificilmente resolveria sozinho. (...) Isso resulta numa
dicotomia atual: ‘quantidade, em massa x qualidade e participação
Já para o arquiteto ex-integrante de assessoria técnica, Joel Felipe, popular’”.(depoimento de Caio Amore, estudo de caso favela do
a qualificação dos quadros técnicos é suficiente para os trabalhos gato, arquiteto, assessoria técnica Peabiru)
necessários para uma produção massiva e de qualidade de HIS no
centro:
tecnologia:
“Acho que não há o problema de ‘quadro técnico suficiente e haveria um novo ‘ovo de Colombo’?
qualificado’ no poder público. Principalmente se se pode contar com Por diversas vezes a falta de uma tecnologia nacional para a
a ampliação do quadro com o trabalho dos escritórios de Assessoria produção das moradias populares é apontada como uma das
Técnica”. (depoimento de Joel Felipe, arquiteto, assessoria técnica barreiras à sua produção. Dentre os depoimentos coletados, e as
AD).
experiências estudadas nas disciplinas de tecnologia da construção,
este tem se demonstrado um ‘limite dependente’. Ou seja, é fato
Um dado é certo. O número de técnicos qualificados para
que dispomos de técnicas suficientes para o enfrentamento das
desenvolver os projetos de moradia popular na região central de São
questões tocantes à construção civil, mas também é fato que por
Paulo na quantidade e qualidade necessárias é insuficiente. Como
diversas vezes elas não são aplicadas.
observa Antônio José, do Movimento Nacional de Luta por Moradia,
O que nos parece é que se trata mais de uma questão de
através do depoimento de Caio Amore, na abertura dessa seção:
dependência da política, ou da economia política, a sua não livre
difusão entre as obras civis. Talvez royaltes e concentração de renda
“Tem uma fala do Antônio José (MNLM), num seminário em
excessiva imponham a falsa idéia de que ‘o que falta é tecnologia’,
Guarulhos, que dizia assim: ‘experiências nós já acumulamos,

131
como se para a edificação das moradias de alta renda ela também menor duvida”. (depoimento de Helena Silva, estudo de caso favela
faltasse. do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão Marta Suplicy).
Trata-se de um amplo campo de estudo, que infelizmente não
poderemos por hora abordar, pois não dispomos de dados e Como há o limite de custos para a produção da moradia social,
informações suficientes. devido às questões tratadas na seção limites da política formal, item
O depoimento Joel Felipe, da assessoria técnica AD, aponta para falta de recursos: o discurso da limitação financeira do estado, as
esta mesma conclusão: reformas de imóveis podem tornar-se um empecilho para a moradia
social, pois durante as obras há sempre a possibilidade de alterações
“Sobre Tecnologia, permita-me expressar a minha ojeriza por esse orçamentárias devido aos imprevistos de projeto, como nos
debate, uma vez que permanece a preocupação dentro da explanam Marco Antônio e Kennedy, atores envolvidos no projeto
universidade de ficar formando arquitetos-Colombos que precisam Riskalah Jorge:
criar ovos (de pré-fabricados de concreto ou argamassa armada, de
adobe, cascas autoportantes, de aço, de solo-cimento...) que possam “Dentre os dificultadores (...) em terceiro: chegar ao produto ideal
reproduzir alojamentos em massa. Como se esse fosse o problema da (muito complicado); (...) a insegurança muito grande com relação ao
habitação popular... Então vamos virar o disco, né?”. (depoimento orçamento apresentado. Como são prédios na maioria bem antigos
de Joel Felipe, arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, assessoria da década de ’40, ’50 em alguns sequer tínhamos a planta original
técnica AD). dele lá atrás. Tínhamos que fazer mais um trabalho de prospecção.
Alguns lugares, com alguma planta antiga de estrutura que você
A faceta da ‘falta de tecnologia’, compreendida como um ‘limite tinha, achava que tinha um pilar passando num lugar; quando você ia
dependente’ é revelada em trechos de depoimentos destacados mexer, não era lá, aparecia em outro lugar. Lugar que você achava
abaixo. As colocações versam sobre as dificuldades técnicas para que não tinha uma viga, aparece. Então tudo isso fazia com que seu
intervenções em edificações já existentes, ou a reciclagem de orçamento previsto desse um furo grande. Então acho que hoje ainda
edifícios para habitação, devido ao costume das empresas a dificuldade grande nossa é poder fazer um orçamento bem
detalhado das interferências que nós vamos ter que fazer”.
construtoras em apenas edificar novas unidades e pouco reutilizar
(depoimento de Marco Antônio, estudo de caso Riskalah Jorge,
imóveis já erguidos:
técnico da CEF, PAR, gestão Luiz Inácio Lula da Silva)

“Mas tem também o problema da industria e das construtoras, as


“A dificuldade maior foi na questão de verba, né? Por que a gente
indústrias de componentes que não está acostumada. Temos de fazer
tinha orçado o valor e estourou esse valor, por que reforma você
um esforço maior aí para melhorar a tecnologia da reforma, sem a

132
tem muito imprevisto pelo caminho, você não sabe o quê que vai
aparecer, você começa a quebra uma parede e caem três ou quatro,
esse é o grande problema entendeu? O problema financeiro foi um
obstáculo grande para a gente. No PAR não há aditamento, e você
tem valor fixo, que fica fixo até o fim. E no final a construtora arcou
com os custos que teve extra aí, e está arcando até hoje. Por que
tem algumas manutenções, as vezes é uma água que vaza, está tendo
manutenção, e a tendência de manutenção é piorar, pois o pessoal
vai começar a morar, e os problemas vão aparecendo. Obra sempre
tem problema, ainda mais reforma”. (depoimento de Kennedy,
engenheiro, estudo de caso Riskalah Jorge, Cury Empreendimentos
Imobiliários).

133
4.1.4.1.5 limites de gestão dos programas
Muitas vezes o problema é estrutural. A máquina pública
historicamente nunca foi pensada para trabalhar com estes
“Há uma pesquisa, realizada pela Poli, que nos dá o custo da unidade considerando objetivos. Seu arcabouço organizacional está começando a ser
a máquina. Eles estudaram quantas unidades são produzidas, qual o valor dela, montado, como demonstra o depoimento de Cláudio Manetti para a
somado às folhas de pagamento do órgão, entre outros gastos. (...) A conclusão que
dissertação de Francisco Comaru:
eles chegaram é que o custo da unidade da Cohab é uma coisa extremamente cara.
Você tem uma estrutura enorme lá, e quantidade de unidades produzidas ridícula.
“(...) no começo de 90 começaram a pensar na coisa de um programa
Isso chegou a um valor tal (em dinheiro, lógico que não em política) que valia mais
a pena ter apenas um escritório que comprasse unidades produzias pelo mercado, e de cortiços, me colocaram como coordenador (...) Não tinha sala,
repassasse para o pessoal, do que uma máquina montada para fazer as coisas”. tive de serrar o cavalete na mão para poder apoiar uma prancheta,
(depoimento de Caio Amore, arquiteto, assessoria técnica Peabiru) coisas assim, não tinha secretária. E o nosso desconhecimento da
administração pública. (...) lá na prefeitura nós tivemos essa coisa
assim: precisa de um projeto dessa ordem? Custa x. Qual é a classe
operacionalização: de licitação que ele vai cair? Então monta lá. Quem monta? Bola
estrura ineficiente na gestão das ações pingando na área” (Cláudio Manetti, in: “Intervenção Habitacional
em cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão Celso Garcia”.
A escala de produção responsabilizada aos órgãos públicos que tem o
Comaru, 1998:137).
papel de gerir e executar as políticas habitacionais é enorme. As
dificuldades enfrentadas por estes órgãos em fazer cumprir sua
Quando questionada se a Cohab está atualmente preparada para
importante missão, de não apenas produzir unidades habitacionais
uma produção massiva e de qualidade de unidades habitacionais de
em quantidade suficiente, mas de dar-lhes um caráter de ‘política
interesse social no centro, Margareth Uemura, técnica do órgão
pública’, com a qualidade inerente a cada cidadão não tem se
respondeu:
mostrado uma tarefa fácil.
Os órgãos públicos estão suficientemente organizados para cumprir “Acho que não, a gente vai se estruturar para isso. E por isso, todo o
essas responsabilidades? resto a CoHAB já faz, a avaliação... todo esse procedimento é um
Segundo a bibliografia visitada, e os depoimentos coletados, a procedimento que entra na linha da COHAB. Qual é o procedimento
resposta é não. Temos aí um novo limite, a falta de organização e que a COHAB não tem? (vamos dizer assim, não tem por que a gente
de estrutura dos órgãos públicos responsáveis pelas políticas de vende a unidade habitacional ), é mais a tutela. Por que tá cheio de
habitação social, especificamente as voltadas para a região central. inadimplência... então, no fundo, a COHAB já faz um trabalho via

134
assistentes sociais, nos empreendimentos que são ‘dívida em dívida’. projetuais, o que tem levado a soluções muitas vezes sem
Só que como a gente acha que a operação para locação social é muito qualidade, como veremos na seção limites arquitetônicos. Os
mais assistida, tem que ser muito mais acompanhada, a COHAB está técnicos destes órgãos aprovam apenas projetos de arquitetura que
querendo montar uma estrutura especial para o acompanhamento.
possam ser facilmente fiscalizados e aferidos. Qualquer alteração
Então estamos contando que a HABI se encarregue de toda a parte
das normas, ou um desenho diferenciado é visto com maus olhos:
social, e toda a parte financeira e administrativa a COHAB faz o
acompanhamento. HABI também já tem uma avaliação que também
“Fazer um piso de qualidade, já que vai abrir para a cidade:
já dá conta disso. Então qual é o grande trunfo que a gente tá
propusemos um piso orgânico. E a Cohab disse: ‘poxa, mas isso daqui
querendo trabalhar? É capacitar a ponta, que são os moradores, para
como é que executa?’, aí e explicamos como executar. (...) A gente
fazer a gestão. É lógico que isso tudo é uma perspectiva de melhorar
sabe aqui como é a Cohab, a construtora, no começo, fala que faz
a operação. Agora isso não exime a COHAB de convocar o que é dela,
aquilo, e aí chega no final, a construtora está desgastada, já pediu
manutenção vai ter que ter. Então não tem estrutura hoje pra isso,
mil aditamentos, e acaba que fica ruim. E a Cohab não consegue
ela vai ser montada”. (depoimento de Margareth Uemura, estudo de
acompanhar isso. Aí discutimos, para que então toda a estrutura da
caso favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta
Cohab, a final de contas, que só está aí para avaliar projeto,
Suplicy).
contratar e acompanhar obra. Se não vai fazer isso, se vai depenar
de novo o projeto, para que serve a Cohab?”. (depoimento de Caio
Outros órgãos mereceriam uma revisão em sua organização
Amore, estudo de caso favela do gato, arquiteto, assessoria técnica
operacional, segundo a arquiteta Isabel Cabral, da assessoria técnica Peabiru).
Ambiente, contratada para a realização de diversos projetos para a
CDHU, órgão em questão:

“Eu acho que eles têm corpo para isso, é o que me parece, mas eu
acho que às vezes, por um lado tem pouca gente, por que a coisa não
anda, e por outro lado, em outros momentos eu acho que é
superdimensionada. Está sobrando e está faltando, eu acho que ela
tem de ser revista, tem de ser reorganizada”. (depoimento de Isabel
Cabral, arquiteta, Assessoria técnica Ambiente).

Diante da grande escala de produção desses órgãos, eles enfrentam


questões quanto à massificação e estandardização de suas soluções

135
relação inter-secretarial intra-governamental: Suplicy na PMSP, mas que para sua efetivação tem enfrentado uma
atomização setorial e falta de integração série de ‘desafios’. Identificamos abaixo as dificuldades para sua
Uma nova barreira ao eficiente funcionamento dos programas de HIS implementação.
no centro é a falta de um relacionamento e, conseqüentemente, de O depoimento de Caio Amore recai sobre o mesmo programa, qual
ações integradas entre as diferentes secretarias de um mesmo nível acredita funcionar aquém de um trabalho inter-secretarial:
de governo. As pastas não se articulam para potencializar os
resultados e o alcance das políticas habitacionais, que muitas vezes “A favela do gato, que é uma das primeiras áreas de locação social a
ficam fragilizadas por suas ações isoladas. entrar em obra, tem uma especificidade de tratar a favela do gato
Podemos apontar, apenas como exemplo da existência desse limite, como um todo, não só a parte habitacional, então ela tem um terço
de área habitacional e os outros dois terços ocupados com outros
que se mostrou presente nos quatro programas estudados, o
usos. E eu acho que o grande desafio da favela do gato é para a
depoimento de Sidney Eusébio, liderança da ULC. Ele nos relata a
gente conseguir fazer a área toda. (...) E a gente tem uma
falta de integração entre as frentes de trabalho promovidas pelo
dificuldade de gestão, porque a gente tem várias secretarias atuando
Governo do Estado, geridas pela Secretaria do Emprego e Relações lá para se tornar esse projeto o modelo que a gente quer. Que é ter
do Trabalho, e o Programa de Atuação em Cortiços, gerido pela habitação, área verde, a revitalização do espaço do CDM, que
CDHU. Se os programas fossem integrados, certamente o nível de queremos dar outro uso, e inserir aquela área no Bom Retiro, que é
inadimplência no pagamento das prestações das unidades outro desafio, e que a gente tem um projeto viário com a Siurb”.
81
habitacionais não seria tão elevado , pois as famílias não sofreriam (depoimento de Margareth Uemura, estudo de caso favela do gato,
de desemprego e de salários baixos. arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).

“No gato, a Cohab está de um lado e Habi do outro. Uma faz o


Reproduzimos abaixo dois trechos de depoimentos que tratam do
projeto e a obra e a outra faz o social. O quê é essa integração? É
tema, como breve identificação de sua existência. São depoimentos
cada um fazer o seu papel, ou é pensar o problema junto? Cada
de Margareth Uemura, técnica da Cohab, e de Caio Amore, arquiteto
poderia trazer sua ótica, e fazer uma discussão disso, junto com a
da assessoria técnica contratada para a realização do projeto população local. (...) Falou-se que o gato seria o plano inter-
executivo dos edifícios da favela do gato. secretarial, mas eu como projetista nunca participei de reuniões com
Segundo Uemura, a ação inter-secretarial no programa de Locação outras secretarias. (...) Parece que houve reuniões antes de
Social é um ‘modelo’ que deve ser seguido pela gestão de Marta fazermos o projeto. (...) Deve-se qualificar o que é essa integração.
(...) Não há uma coordenação do projeto que seja integrada. Por
81
Os dados exatos da inadimplência nos empreendimentos do PAC não foram fornecidos pela
CDHU, mas o depoimento de Sidney Eusébio, liderança da ULC, nos informou que ‘são altos’. exemplo, ter reuniões periódicas dessa comissão, e transformar isso

136
em trabalho, mesmo”. (depoimento de Caio Amore, estudo de caso devido à presença de problemas mais amplos e estruturais. Caso o
favela do gato, arquiteto, assessoria técnica Peabiru). poder público dispusesse das bases de dados necessárias, não
teríamos uma significativa alteração da atual escala e qualidade de
O depoimento de Sassá, liderança dos moradores da favela do gato produção. Se as barreiras mais centrais à produção deixarem de
exprime sua desconfiança em relação às ações intersecretariais de existir, os efeitos da não existência de bases de dados poderiam ser
geração de em prego e renda, prometidas pela PMSP: mais bem observados. O que ocorreria seria uma melhor aplicação
dos recursos públicos, a fim de potencializar sua aplicação, pois
“Eles [PMSP] falam que vão resolver o problema de trabalho, vão
desta forma os órgãos públicos poderiam planejar onde, quando,
fazer cooperativas. Mas como vai saber quanto vai ganhar isso aí, às
com quem e como intervir.
vezes vale mais a pena ser mesmo carroceiro. Mas como até agora é
tudo papo, a gente não sabe. A gente não sabe que emprego que
é”.(depoimento de Sassá, estudo de caso favela do gato, liderança Como identificado em outros itens, a falta de uma base de dados
popular, morador da favela do gato). não se trata de um limite estanque, mas de mais um dificultador,
que se não existisse facilitaria e potencializaria o alcance dos atuais
programas habitacionais.
bases de dados:
por onde e com quem começar? Cada programa, segundo sua lógica de funcionamento necessita de
Para a organização e o embasamento das ações do poder público mais ou menos dados para a operacionalização de suas ações. Há
faz-se necessária uma base de dados acerca da demanda por dados em falta, bem como dados em excesso. Segundo depoimentos
moradia na região, dos imóveis encortiçados em que ela se coletados há um mau planejamento acerca de quando e quais dados
encontra, do valor dos imóveis e das condições de operação do são realmente essenciais à condução desses programas, pois:
mercado, dentre outras informações. Segundo os depoimentos
coletados e a bibliografia visitada, a prática da organização de “(...) não adianta ter uma grande base de dados, se não for ter
investimentos naquela área. Estamos pensando assim, onde formos
dados pelos órgãos do poder público para intervenções habitacionais
investir, é preciso conhecer melhor a área a se investir”.
tem se mostrado falha, ou até inexistente.
(depoimento de Luiz Kohara, estudo de caso favela do gato,
engenheiro civil, PMSP, Sehab – Habi, gestão Marta Suplicy).
Nos programas estudados, a falta de dados não se apresentou como
uma barreira limitadora à produção da moradia social no centro,

137
“Eu acho que é importante ter base de dados, agora eu acho que tem É certo que, como já comentado acima, se a PMSP dispusesse de
horas não vale a pena. A realidade do centro é dinâmica, então não mais dados os resultados do programa não sofreriam significativa
adianta você ter levantamentos muito detalhados, num determinado alteração:
momento. Acaba se gastando muito em levantamentos, e depois não
os mantém”. (depoimento de Helena Silva, estudo de caso favela do
“Não [não havia uma base de dados]. Quase no final do governo, se
gato, arquiteta, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão Marta Suplicy).
não me engano, foi contratada por HABI uma consultoria de Maura
Veras Pardini (PUC-SP) para o trabalho sobre dados do IBGE para a
“Falta uma discussão um pouco mais séria de qual a base que se definição do déficit de moradias em cortiço. Mas acho que já não foi
precisa. Por que senão vai sempre justificando: ‘não fazer por que utilizado para nada”. (depoimento de Joel Felipe, arquiteto, estudo
não tem uma base’. O Morar Perto foi um pouco isso: ‘antes vamos de caso Madre de Deus, assessoria técnica AD).
fazer um levantamento’, aí demorou dois anos para contratar os
levantamentos, para ter uma base que no final do levantamento já
O programa PAC, da Cdhu, dispõe de levantamento socioeconômico
está desatualizado, por que a dinâmica do mercado imobiliário é
das famílias moradoras em cortiços e físico, dos imóveis em que
louca. Aí chega no final e fala: ‘ah, essa base já não funciona, então
habitam, realizado pela fundação Sead, em 2000. Esses dados foram
vamos fazer de novo’. Então ficaremos só fazendo bases de
levantamento e não se atua no programa. Falta uma discussão mais
coletados nos setores básicos de intervenção, divisão territorial que
qualitativa, sobre qual base de dados de cortiços seria estratégica organiza o programa. O programa não dispõe de dados sobre o
para as intervenções nos cortiços”. (depoimento de Caio Amore, mercado imobiliário suficientes para a aquisição dos imóveis, como
estudo de caso favela do gato, arquiteto, assessoria técnica Peabiru). relatado por integrantes dos movimentos de moradia do centro em
reuniões da coordenação da UMM.
Segundo Joel Felipe, o Funaps Comunitário, em sua atuação na
região central através do Programa de Habitações da Região Central A CEF dispõe de dados pontuais acerca do mercado imobiliário de
de São Paulo, não dispunha de dados precisos acerca das carências e locação da região, pois suas agencias estão em parte localizadas em
potencialidades da região. Quando eles começaram a ser tratados imóveis alugados. Outras informações são normalmente adquiridas
com maior cuidado, não puderam mais ser utilizados, devido a através de consultorias específicas, também pontuais.
mudança de gestão, como vimos na seção limites da política formal,
seção o tempo da política: períodos das gestões, calendário eleitoral Os banco de dados da Cohab, órgão executor do programa de
e o apagar da história adversária. locação social está em fase de construção, e atualmente tem se
utilizado de dados produzidos por entidades privadas. Segundo

138
Margareth Uemura, a PMSP pretende organizar um ‘observatório’ do “O governo não tem um banco de terras, não tem áreas próprias, ou
mercado imobiliário da região, mas que atualmente encontra-se em de imóveis no centro, pois depois os custos recaem sobre as costas
fase de projeto. das famílias”. (depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de
caso Riskalah Jorge, integrante do MMC).

“Não [há uma base de dados]. Na verdade essa base [de dados] está
sendo construída. Acho que tem um avanço em organização de dados Os depoimentos acima reproduzidos identificam a falta de um
no centro, que o pró-centro já vem fazendo há algum tempo. Hoje, a planejamento por parte do poder público no que se refere à
COHAB conta com uns dados que estamos recolhendo via alguns consolidação de um banco de terras, ou um estoque público no
organismos como o SECOVI, CRECI, que estão se dispondo a abrir centro que subsidie as ações dos programas habitacionais.
esses dados. Uns dos projetos do Pró-Centro é ter um observatório. Historicamente os estoques de terra para as políticas públicas de
Então os dados hoje estão em montagem, servem para uma análise, habitação têm se localizado nas franjas da cidade, nas distantes
uma discussão, mas não é ainda o que se deseja. A falta desse
periferias, como vimos na seção limites ideológico – culturais, item
observatório é um nó. É um nó”. (depoimento de Margareth Uemura,
pré-coceito e discriminação, escala urbana: a segregação sócio-
arquiteta, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).
espacial.

A consolidação de um estoque de terras públicas no centro é


estoque de terras:
necessária para que a escala da produção habitacional passe das
não há uma política fundiária favorável
intervenções pontuais a uma produção massiva. Devido a questões já
Muitas vezes uma política de terras é reivindicada pelos movimentos
tratadas nos limites da política formal, como o pouco empenho de
de moradia, e é tida como inexistente. Partimos do pressuposto que
recursos para a implementação dos programas, a não realização de
atualmente há uma política de terras em implementação pelos
um estoque de terras resulta em entraves estruturais nos programas
poderes públicos, mas que não tem se mostrado favorável à
habitacionais, que sofrem de falta da matéria prima essencial para a
produção da moradia social no centro. Vejamos como se dá essa
produção das unidades: terra.
política, de forma breve:

“A dificuldade hoje é não ter um banco de terras”. (depoimento de


O Programa de Habitações da Região Central de São Paulo, da PMSP
Luiz Cavalcanti, liderança popular, estudo de caso Madre de Deus, gestão Luíza Erundina, sinalizou algumas ações que levariam a
integrante da ULC). criação do que poderia se chamar de um estoque de terras, mas que
foi limitado por sua escala, pequena:

139
que não é o caso da presente pesquisa. Desta forma identificamos e
“Timidamente, havia um estoque de terras, através do Sub-programa classificamos o limite em questão como geral a todos os programas,
de Cortiços. Foi criada uma linha que destinava recursos segundo os depoimentos das lideranças dos movimentos populares
diretamente a Associações de Moradores de cortiços para a aquisição logo acima reproduzidos, e a falta de informações acerca da
dos imóveis onde moravam para a reforma ou produção habitacional. realização de um estoque de terras pela CDHU, ou seja, pelo
Acho que foram somente 5 ou 6 terrenos bem pequenos (em torno de
Governo do Estado, gestão de Geraldo Alckmin.
1.000 m²)”. (depoimento de Joel Felipe, arquiteto, estudo de caso
Madre de Deus, assessoria técnica AD).
As entrevistas realizadas com técnicos da PMSP nos informaram que
a atual gestão não pretende realizar uma política de estoque de
A CEF tem até então efetuado apenas a compra dos imóveis
terras específica do centro. Há uma política geral, para toda a
destinados ao PAR, não realizando um estoque prévio, capaz de
cidade. Normalmente assim é feito, e quando comparados os valores
interferir nos preços do mercado da região. Além de, por lei, ser
dos imóveis, por toda a cidade, normalmente o poder público opta
obrigada a efetuar as transações imobiliárias segundo os preços
pela compra da terra aparentemente mais barata, na periferia,
estabelecidos pelo mercado. Portanto, se o mercado trabalha com
como vimos na seção limites ideológico-culturais, item preconceito
valores irreais, como visto na seção limites ideológico-culturais,
e discrimnação, escala urbana: a segregação sócio espacial.
item especulação e ‘entesouramento’: influências de um sistema
O depoimento de Margareth Uemura, arquiteta da Cohab, é que nos
econômico, a CEF tem de segui-los.
informa da situação:

A arquiteta Lia Ferreira, técnica da CDHU, nos informou que para a


“Não, não chega a ser uma política de estoque. Não, não chega a ser
produção das 5.000 unidades da primeira etapa do PAC, a companhia
mesmo por que não tem recurso pra isso. A COHAB tem uma política
está desapropriando imóveis na região, mas não dispunha da de estoque de terra, por que a COHAB agora não tem mais estoque.
quantidade e o valor específico das desapropriações e nem de sua Tem uma política de estoque de terras, mas ela é ampla, geral e
localização. Não encontramos dados que nos indiquem ou não a irrestrita. Pra cidade toda, ninguém diz que é pro centro. O projeto
realização de um estoque de terras pelo Governo do Estado. Temos do centro não tem uma política de estoque. O que a gente tem feito,
aí uma lacuna de informações para que possamos classificar com é usando o que tem de informação organizada pelo pró-centro, e as
segurança a não realização de estoques de terras públicas como um informações que recebemos via movimento, ou via CRECI, ou via
limite geral a todos os programas. Estamos certos que tais dados quem for; estamos tentando montar os potenciais. Tendo o
orçamento, a idéia é ir negociando. Como esses processos são longos,
seriam necessários para estudos mais detalhados e aprofundados, o
hoje nós temos 1.600 unidades no programa de locação social. Agora,

140
a primeira pesquisa é dentro da prefeitura, sobre os terrenos está com tudo fechado, projeto aprovado, proprietário e etc. Então
municipais, pra não ter despesa na compra da área.” (depoimento de o PAR, do ponto de vista da relação com a valorização imobiliária ele
Margareth Uemura, estudo de caso favela do gato, arquiteta, PMSP, é a pior coisa possível. Ele é um programa que tem muito dinheiro, e
Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy). não consegue, não vai conseguir fazer um programa de larga escala,
por que ele está sendo atropelado pela valorização imobiliária.
Segundo Helena Silva, vice-presidente do Pró Centro, a criação de Agora, o problema do estoque também, ele dependeria de um acordo
um estoque de terras no centro seria fundamental para os programas com o movimento social muito claro em relação a isso. Da maneira
habitacionais do centro, pois ‘com a valorização imobiliária que está que nós estamos atuando hoje, que é o meu projeto e meu projeto...
Quer dizer, você não consegue trabalhar, você só vai conseguir
aí’, a produção de HIS num médio prazo vai ser inviabilizada.
discutir o problema do estoque numa discussão mais ampla com o
Silva também comenta a impossibilidade da realização de um
movimento popular, do quê que é programa de curto prazo. Que
estoque através do PAR - CEF, bem como dos problemas causados
parcela investir no estoque. Por que se você investe mais no
pelas ocupações dos movimentos populares, que muitas vezes estoque, você tem menos para a produção. Como dialogar com a
ocupam imóveis que seriam destinados para uma renda maior, questão do médio prazo, com a questão dos compromissos, e que o
atropelando o planejamento do poder público. É interessante notar estoque não seja, não entre também na linha de ‘bom vamos ocupar
a transferência da responsabilidade pela produção pontual de o estoque enquanto ninguém faz nada’. Se a gente não tiver o
unidades para os movimentos populares em vez do próprio poder mínimo de lógica de planejamento na região central, de gestão, e
público: dos atores todos entendendo. Os financiadores, os promotores, o
pessoal do projeto e da produção, e os movimentos sociais se
“Para mim essas duas coisas seriam essenciais. Uma política entendendo sobre isso, vai ser muito difícil passar da situação de
fundiária, que se compõe de instrumentos adequados, projetos pontuais. Essa questão do projeto pontual, nós já tínhamos
operacionalização muito mais eficiente e recursos específicos para a apontado naquele seminário de 2000. A gente já tinha falado muito
política fundiária. (...) Eu tenho falado muito do problema do sobre isso, que os da Luíza Erundina tinham sido pontuais. Eu receio
estoque, do estoque. Agora, para você pensar numa produção de que realmente a gente continue com coisas pontuais com o PAR, se a
larga escala, que vai dialogar com o processo de revalorização que já gente não conseguir definir essas questões maiores”. (depoimento de
está aí, e vai ser muito maior, você tinha que estar realmente Helena Silva, estudo de caso favela do gato, arquiteta, PMSP, Sehab –
mobilizando recursos em estoque de habitações. Agora, neste Pró centro, gestão Marta Suplicy).
momento, nós não temos linhas de recursos, de financiamento para
fazer estoque. Por exemplo, o PAR não pode fazer estoque. O PAR só O depoimento de Caio Amore, arquiteto da assessoria técnica
pode negociar o prédio no final da linha. Quer dizer, quando você já Peabiru confirma a política da PMSP de não direcionar recursos para

141
a consolidação de um estoque de terras na região central, e é crítico
quanto a isso:

“(...) Pois como que a reforma urbana é vista, como que é tratada a
política para áreas públicas, tanto de consolidação de um estoque de
terras, quanto as que já tem, como que se trata tudo isso, é um
problema. (...) Uma política de estoque mesmo, eu não conheço.
Parece que os hotéis, hoje de moradia provisória, parece que
poderão possivelmente ser requalificados, com recursos públicos,
caixa ou CDHU. É aquela história, a PMSP tem construído essa
política sem recursos próprios, só articulando recursos externos”
(depoimento de Caio Amore, arquiteto, estudo de caso favela do
gato, assessoria técnica Peabiru).

142
4.1.4.1.6 limites arquitetônicos casas de baixo custo:
apertadas, mal iluminadas e superadensadas
Há uma dificuldade enorme entre os arquitetos em projetar
“Nossos projetistas,
ao invés de aumentar o banheiro, moradias que arquitetonicamente imprimam uma qualidade de vida
querem diminuir o nenê!” necessária para uma vida saudável diante de todas as condições
Suzana Pasternak82, limitantes à produção da moradia social no centro. São casas
pequenas, sem dependências básicas, como área para secar roupas,
Apresentamos abaixo os limites arquitetônicos à moradia social no sem ventilação e iluminação suficientes.
centro de São Paulo. O fazemos por último dentre os limites gerais a
todos os programas, pois observamos que o projeto arquitetônico é Se as famílias que habitam as unidades aqui estudadas, tivessem a
decorrente de todos os limites anteriormente identificados. Trata-se possibilidade de habitar em outro lugar certamente já teriam o
da materialização possível aglutinadora de todas as dificuldades teriam feito. Mas como é de se imaginar, a necessidade as obriga a
mapeadas. O projeto de arquitetura sozinho não tem o poder de habitar em tais condições. Desta forma, consideramos os projetos
‘milagrosamente’ resolver a falta de qualidade e a insuficiência arquitetônicos estudados, idealizados para as famílias de baixa
quantitativa das moradias populares no centro. Necessariamente, os renda, como a materialização do limite por hora abordado.
diversos limites visitados, de ideológicos a legais, de políticos a Os apartamentos abordados nos estudos de caso não são moradias
profissionais, irão imprimir, cada um deles, uma condicionante ‘de qualidade’, não ‘resolvem’ a produção da moradia colocada no
plástica aos projetos de arquitetura. objetivo da presente pesquisa: identificar os limites à produção da
moradia social no centro, em quantidade e qualidade necessárias
Por exemplo, o limite da renda baixa das famílias incide sobre a para as famílias de baixa renda.
obrigatoriedade de edificação de unidades de baixo custo, o que,
segundo os limites ideológicos vigentes significa casas de pouca A característica dos projetos de arquitetura é a materializar as
área, com materiais de baixa qualidade, e localizadas em terrenos condições impostas à sua realização. Portanto, se mantidos todos os
de implantação desfavorável. limites, barreiras, problemas e dificuldades à produção da moradia
Temos novamente, um ‘limite dependente’. social no centro, o tipo de moradia que buscamos não se fará
possível. Trata-se de um conjunto de questões, que se encontram
82
in: relatório do encontro “Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa intrinsecamente amarradas e inter relacionadas.
idéia?”. Lab Hab Fau Usp, 2000:45)

143
Observemos os relatos:
As áreas de serviço das unidades são pequenas, e às vezes até
Reproduzimos abaixo trechos dos depoimentos de Luiz Cavalcanti e inexistentes, como verificamos no edifício Riskalah Jorge:
Gegê, lideranças de movimentos populares de luta por terra e
moradia que acompanharam o desenvolvimento dos projetos: “O único problema que eu vejo ali, que o pessoal vai ter que ser bem
educado, é que por ser muito pequena a área de serviço, é o pessoal
não ficar pendurando toalha na fachada do prédio. Isso eu acho que
“Para algumas famílias não foi de acordo [o tamanho da unidade],
é uma coisa que vai ficar deplorável se o pessoal não tiver uma
aceitou por que não tinha outra opção, mas pela quantidade de
educação, não começar a doutrinar. O único problema do centro que
filhos, não dá, tem uns aí que tem cinco seis filhos, então realmente
eu vejo é esse, de o prédio ficar muito fantasiado na parte de fora,
não dá, é pequeno. (...) Tem família aqui que tem oito filhos, oito
com roupa, toalha. Isso que vai pegar, pois a área de lavanderia é
filhos num apartamento desse aqui, como é que fica? Não dá. (...)
muito restrita”.(depoimento de Kennedy, engenheiro, estudo de caso
Mas comparando como era antes no cortiço, aí mudou para esse
Riskalah Jorge, Cury Empreendimentos Imobiliários).
espaço aqui e ficou melhor”. (depoimento de Luiz Cavalcanti,
liderança popular, estudo de caso Madre de Deus, integrante da
ULC).

“A discussão era: ou a gente fazia até R$ 20.000,00 para dar certo83,


ou fazia mais de 20.000,00 para não dar certo. A gente discutiu isso,
metragem e valor. (...) Qualquer reforma, haverá imposições da
estrutura, diferente da construção nova, não tem como mexer na
estrutura do prédio. Não tem como deixar tudo do mesmo tamanho.
Isso é uma questão para o movimento, que aceita ou não o projeto,
não é o arquiteto, não é a assessoria que tem de ser responsável por
isso. As assessorias cumprem com um papel importantíssimo,
fundamental, mas com limites. O projeto arquitetônico passa pela
política do movimento. Apesar de estar aquém do ideal, muito
aquém do ideal”. (depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de
caso Riskalah Jorge, integrante do MMC).

83
Na época da realização do projeto o limite de custos por unidade do PAR era de interior de apartamento de aproximadamente 28 m²,
R$20.000,00.

144
edifício Riskalah Jorge: PAR – CEF. Para as famílias moradoras da favela do gato, outro
descontentamento é a tipologia adensada em blocos de
O mesmo edifício apresentou problemas sérios de iluminação nas
apartamentos que desagradam os anseios das famílias. Sassá,
unidades voltadas para o interior da quadra. O imóvel teve seus
liderança das famílias é que faz essa consideração:
apartamentos divididos em diversas unidades menores, sendo que
algumas delas ficaram com a área antes utilizada como área de “Já imaginou num terrenão desse, se fossem casinhas, e cada um
serviço. O depoimento do engenheiro responsável pela obra de pagando trinta ou quarenta anos, a gente estaria de bom tamanho.
reforma do edifício nos indica a ‘fatalidade’: Aí seria a revitalização do Centro. Sem exclusão social. Ia gastar
menos e o pessoal ficava mais animado”. (depoimento de Sassá,
“Sobre os apartamentos escuros? Isso não tem nem que discutir liderança popular, estudo de caso favela do gato, morador da favela
muito é a sorte do cara que pegar esse apartamento para morar, do Gato).
(...) o problema é a luminosidade, que tem alguns que é muito
falha, né? Mas nada inabitável, dá para viver tranqüilamente desse Passaremos agora a discorrer sobre os limites identificados na
jeito, por ser um prédio alto, ele ventila bem, então não tem produção da moradia social no centro apenas em alguns programas
problema de mofo e essas coisas”. (depoimento de Kennedy, habitacionais. Ou seja, aqueles que foram identificados desta forma
engenheiro, estudo de caso Riskalah Jorge, Cury Empreendimentos
não são consideramos ‘estruturais’, ou gerais a toda a produção de
Imobiliários).
HIS no centro.

janela da sala de uma unidade ‘dos fundos’, Riskalah Jorge.

145
4.1.4.2 limites aos programas habitacionais específicos (Reginaldo Ronconi84).

Neste grupo de limites apresentaremos os limites ou barreiras Novamente discorremos sobre as dificuldades impostas aos
identificados em programas habitacionais específicos. Trata-se de programas habitacionais originárias na esfera da ideologia e da
um grupo de questões inerentes a um ou mais programas, e que não cultura. Na produção das unidades habitacionais, há uma idéia que
constituem uma barreira sistêmica ou universal. São problemas beira o senso comum em nossa cultura construtiva, trata-se da
pontuais, que certamente poderiam ser minorados, ou até forma de construção das moradias em estudo. Esta idéia, ou
eliminados se alteradas as práticas que levam a estas condições. Ou ideologia nos afirma que os empreendimentos habitacionais devam
seja, se um dos quatro programas não apresentou este limite, é ser realizados por empresas construtoras. Seu modo de produção,
certo que os programas que o manifestaram poderiam ao menos muitas vezes imbuído por anseios especulativos, de gerar lucro e
‘aprender’ com os que não o apresentaram. renda a partir da edificação de uma unidade habitacional, resulta
em unidades habitacionais 20% mais caras (no mínimo) do que as
produzidas em autogestão85. Este ‘sobrecusto’, ou lucro, tem muitas
4.1.4.2.1 limites ideológico - culturais específicos vezes impossibilitado o acesso às unidades pelas famílias de renda
mais baixa.

O depoimento de Gegê, liderança do MMC, é esclarecedor quanto à


especulação produtiva:
posição do movimento em que atua frente ao funcionamento das
normalidade da exploração do operário da construção
empresas construtoras:

“O problema é que ainda há um setor da sociedade que se beneficia


“Acredito ser de fundamental importância que a população possa exercer cada vez
com o Programa, e não é quem vai morar. Quem é esse setor? São as
mais,
e muito de perto, o gerenciamento de qualquer projeto que lhe diga respeito.
84
Sem dúvida esse é o grande exercício da cidadania, in: “Habitações construídas com gerenciamento pelos usuários com organização
normalmente praticado apenas por alguns setores sociais, da força de trabalho em regime de mutirão”. 1995:53.
85
Para uma melhor apreensão das obras realizadas em autogestão na cidade de São
que dispõe de espaços de manifestação reconhecidos Paulo, visitar: Ronconi, “Habitações construídas com gerenciamento pelos usuários
e que conseguem influir mais diretamente nas decisões do Estado” . com organização da força de trabalho em regime de mutirão”. 1995. e Comaru,
“Intervenção Habitacional em cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão Celso
Garcia”, 1998.

146
empreiteiras. Enquanto continuar esta lógica de que quem tem que autogestão, seria feito com melhor qualidade. Claro que ficou
86
construir o PAR, são as empresas gericada pela CEF, o cartel das bonito, mas aqui, ali deu umas escorregadas, que não era o que a
empreiteiras continuará ativo. Isso pode não ser intenção da CEF, gente queria que tivesse feito. Como é pela construtora, qualquer
mas desta forma, ele se mantém. (...) Sem pensar no lucro, eu coisinha ela está aditando. Como nós acompanhamos de perto, a
poderia chamar um amigo aqui para fazer a reforma daqui do gente queria saber por quê esse aditamento, questionava. Mas, se
ouvidor. Apesar de entendermos por que a CEF faz isso. Mas de deixava liberado, eles fazem aditamento, e quando você vai ver,
qualquer modo um incentivo às pequenas empresas deveria existir. ficou num custo muito alto. (...) A Maria Paula, mesmo no PAR, nós
(...) Poderia ser em autogestão, que para mim significa o homem discutimos o projeto. E quando não estava a coisa bem feita, no
controlando o dinheiro, sem pensar no lucro. Pensou no lucro, deixou projeto (...) Então eu sempre brigo com o Dr. Paulo [CEF], que se nós
de ser autogestão. Já virou um empreendimento imobiliário tivéssemos o dinheiro na mão, nós tínhamos terminado o prédio em
qualquer. Parte do dinheiro deveria também servir para a formação muito melhor qualidade que está, e não tinha gastado os R$
político - ideológica da população, lazer, direito à vida”. 800.000,00 com aquela reforma, com certeza. Então tem essa
(depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de caso Riskalah diferença, da autogestão para a construtora. A construtora visa o
Jorge, integrante do MMC). lucro dela. O quanto que ela vai ganhar por metro cúbico de
concreto, eu vi muito claro essa diferença”. (depoimento de
Além de ‘se beneficiarem’ dos programas as obras realizadas por Verônica Krol, liderança popular, integrante do Fórum de Cortiços).
empreiteiras tem apresentado qualidade inferior àquelas
gerenciadas através da autogestão. Verônica Krol, do Fórum dos A falta de qualidade, indicada por Verônica, e de cuidado com a
Cortiços, participante de obras autogeridas, nos coloca as diferenças escolha dos materiais nas obras realizadas por empreiteiras não tem
qualitativas entre os modos de produção: ocorrido nas obras por autogestão, como constatou Reginaldo
Ronconi, em sua dissertação de mestrado, para a Escola de
“A construtora, ela não faz de uma boa qualidade, (...) eu acredito Engenharia de São Carlos:
que tanto na Pirineus, como na Maria Paula, se nós tivéssemos a
“Nesses projetos [mutirão do Funaps] foram empregados materiais
86
Empresa ‘gericada’, ou que ‘tem geric’, é aquela que preenche requisitos de
que tradicionalmente não são utilizados em projetos para essa
‘risco de crédito’ da CEF. Ou seja, são empresas que possuem um capital população, ou por ela, seja por que as construtoras em busca da
suficientemente grande e outras ‘seguranças’, para que a CEF não corra ‘riscos’ no
ampliação dos lucros e fiscalizadas precariamente pelo
decorrer das obras (por exemplo, a empresa falir, ou simplesmente não conseguir
honrar os contratos com a CEF). Geric vem de ‘gerência de riscos de crédito’, setor empreendedor (geralmente público) empregam material de péssima
da CEF que emite os certificados de que a construtora pode participar de licitações qualidade, seja por que a população, quando pratica a auto-
realizadas pelo banco.
construção, dificilmente encontra no comércio da periferia, material

147
normatizado e de boa qualidade, para todas as etapas da obra”. “O terreno custou 175 mil reais, a construção estava me 17.000 reais
(Reginaldo Ronconi, “Habitações construídas com gerenciamento por unidade, em mutirão, hoje eu sei que está em torno de 23.000 a
pelos usuários com organização da força de trabalho em regime de unidade, por construtora. (...) Eles devem ter dado de BDI em torno
mutirão”. 1995:135). de 17 a 15%, bem baixo, pois queriam ter cadastro, foi oportuno
para eles”. (depoimento de Isabel Cabral, arquiteta, Assessoria
Outra diferença é o menor desperdício de material na obras de técnica Ambiente).
autogestão. O que repercute diretamente em seu custo final:
Já no caso estudado por Francisco Comaru em sua dissertação de
“Essa é uma coisa importante da auto-gestão: se incorpora por um mestrado que aborda o mutirão Celso Garcia, pertencente ao mesmo
lado uma vantagem que é do capitalismo, da iniciativa, do benefício programa habitacional do mutirão Madre de Deus, na gestão de
pessoal e ao mesmo tempo está beneficiando uma produção social, Luíza Erundina na PMSP, podemos notar a economia gerada pela mão
uma produção apropriada pelo trabalhador e pelo consumidor. E aí de obra mutirante. Este valor é de 10,33% do custo global do
vem todos os outros ganhos: a redução do desperdício que pode empreendimento, calculados pelo custo médio da mão de obra
acontecer numa obra desse tipo, que precisa ser melhor aplicada pelas famílias, sem compararmos com os acréscimos de BDI
quantificada. Uma coisa é um trabalhador de numa empresa, se ele
das construtoras:
não desperdiçar a massa, se ele quebrara menos bloco, se ele não
deixar a areia escorrer quando chove, etc. a vantagem é do patrão;
“Como aspecto específico das obras realizadas através do sistema de
outra coisa é a vantagem ser dele por que ele também o beneficiário
mutirão, devemos destacar a “economia” realizada pela mão de obra
daquela produção. Essa é uma coisa fundamental: a não alienação do
mutirante. Esta economia tem influência direta nas contas públicas
trabalhador em relação ao produto do trabalho, a questão do
voltadas à produção habitacional. Computando todas as horas
desperdício, a questão da qualidade”. (depoimento de Nabil Bonduki,
trabalhadas durante a construção dos edifícios, e dando-lhes um
in: Ronconi, “Habitações construídas com gerenciamento pelos usuários
“valor de mercado”, como pago nas obras de construção civil, e
com organização da força de trabalho em regime de mutirão”. 1995:254).
retirando-lhe 20% de seu valor, devido à sua produtividade
relativamente mais baixa, encontra-se o valor de US$ 283.067,71, se
A diferença de custo entre as obras em autogestão e empreiteira o valor de cada hora custar US$ 2,26. Dividindo o valor total pelo
gira em média entre 20 a 40%. O exemplo destacado pela arquiteta número de famílias, cada uma contribuiu com US$ 1.583,81 para a
Isabel Cabral, no projeto Pirineus, pelo PAC – CDHU, nos dá um valor construção de sua casa. Esse valor, considerado “não pago” pela
de 27%, como se pode ver: PMSP, representa 14,91% do custo de construção, ou 10,33% do custo
global do empreendimento (incluindo terreno). Certamente, se
realizadas as obras por empreiteiras, as unidades teriam um custo

148
mais alto. Para aferir a produtividade da mão de obra (incluindo a (depoimento de Wagner Germano, arquiteto, estudo de caso favela
contratada), de maneira comparativa com as médias realizadas nas do gato, estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab – Cohab, gestão
obras realizadas por construtoras, chega-se aos valores de 34h/m2 Marta Suplicy).
no mutirão e 37h/m2 nas obras tradicionais. Os custos finais da obra
apresentam valores próximos aos realizados em obras da CDHU Nas palavras de Cláudio Bernardes, empresário da construção civil,
localizados na periferia. O valor de construção e do terreno por m² podemos notar a diferença de 20% entre o custo real das unidades e
foi de US$ 310,14”. (Francisco Comaru, “Intervenção Habitacional em valor de sua colocação para o mercado pela empresa que é
cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão Celso Garcia”, 1998).
proprietário, na compra, reforma e venda de um edifício na região
central de São Paulo:
O ‘BDI das construtoras’, acima mencionado significa ‘Bonificação e
Despesas Indiretas’, que incute no valor da obra uma porcentagem “O custo da compra e reforma de cada unidade foi de R$ 40.000,00
voltada para custos diversos e principalmente, o lucro das empresas. em média, já sua venda foi de R$ 50.000,00 em média, em sua
Wagner Germano, técnico da Cohab nos exemplifica seu cálculo e maioria financiados individualmente pela CEF, com prazo de
sua lógica de funcionamento nas licitações públicas da Cohab: pagamento em torno de 20 anos, e prestações máximas de R$ 140,00.
O custo da reforma foi de R$ 118,00 o metro quadrado”. (Cláudio
“No gato, quando fizemos o orçamento chegamos num valor da Bernardes, diretor do secovi, in: “relatório do encontro: Habitação
unidade, e a Cohab fala: ‘põe 25% de BDI’, então aumenta em ¼ o no centro de São Paulo: como viabilizar essa idéia?”. Lab Hab Fau
valor da unidade para a licitação. Na licitação, a empreiteira vai Usp, 2000).
baixar um pouco esses preços, pois a base utilizada para orçamento é
feita, sobretudo sobre valores unitários de tabela, pois eles As obras, quando realizadas em autogestão, são acompanhadas por
negociam esses valores em escala, e com garantia de fornecimento. escritórios de assessoria técnica aos movimentos de moradia,
Então nessas negociações, item por item, eles conseguem baixar
entidades sem fins lucrativos contratadas pelas associações
bastante. Enquanto que a Cohab parte dos valores unitários e 25% de
responsáveis pelas obras. O depoimento de Ronconi nos elucida a
BDI. A empreiteira consegue baixar isso e capitaliza os recursos, é o
existência de preconceitos ideológico - culturais contras essas
lucro, né? E se comparar com o mutirão, se eles conseguirem algum
desconto no valor dos materiais, ou se reverte isso na qualidade da
entidades, configurando a raiz do limite em abordagem:
moradia, ou o mutirão pode optar por devolver os recursos,
barateando o valor a ser pago pelas unidades. Então essa história do “As assessorias técnicas tinham que enfrentar uma cultura
BDI vira uma caixa preta mesmo. Ninguém sabe o que é Benefício de estabelecida de projeto, uma cultura estabelecida de relações
Despesas Indiretas, que pode ser qualquer coisa, eles põem tudo lá”. comerciais, uma cultura estabelecida de relações técnicas, com Crea

149
e etc... (...) Nessa história, a assessoria precisava de assistente Inseridos na lógica da cidade capitalista, ao observarmos os valores
social, advogado, às vezes de biólogo, era uma composição dos imóveis na região central e a renda da população alvo dos
interdisciplinar muito múltipla”. (depoimento de Reginaldo Ronconi, programas, chegamos a uma conta que ‘não fecha’, como já
arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Funaps
abordado na seção limites da economia política. Diante desta
Comunitário, gestão Luíza Erundina).
‘equação aberta’, torna-se necessária a inserção do fator ‘poder
público’, que insere recursos próprios, ou subsídios (das formas mais
O programa habitacional que, segundo seus princípios iniciais de
variadas), na produção destas unidades habitacionais.
funcionamento, não suportaria obras autogeridas seria o de locação
A partir dos estudos dos programas habitacionais de HIS no centro,
social, pois o imóvel construído é de propriedade do estado, como
nos deparamos com deferentes formas de enfrentamento da questão
aponta Wagner Germano:
do subsídio e da propriedade dos imóveis. Foram identificadas
“Há o impedimento para a autogestão, por que o proprietário é o
diferentes barreiras, de maior ou menos intensidade, em cada
estado, não é o cara que vai morar lá. (...) Para possibilitar o programa.
programa de LS, temos de fazer primeiro o ‘arroz com feijão’, que é Antes de apresentar as barreiras identificadas, observemos de forma
isso, o estado vai ser proprietário, é gestor dessa encrenca, ele tem bastante breve algumas questões que permeiam o tema.
que produzir e oferecer o imóvel para a população interessada, de
baixa renda, que precisa morar no centro. Depois de realizadas as A questão da propriedade das unidades habitacionais é alvo de
primeiras ações, aí serão discutidas outras alternativas. Que possam controvérsias ideológicas profundas. Há setores que defendem que a
até aumentar o número de unidades”. (depoimento de Wagner
propriedade dos imóveis deva ser estatal, compreendendo que a
Germano, arquiteto, estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab –
moradia é um direito universal, portanto deveria ser tratada como
Cohab, gestão Marta Suplicy).
mais um dos serviços públicos básicos à sobrevivência humana, como
educação e saúde. Esta idéia foi, e ainda é, muito combatida
o sonho da casa própria: durante os governos ditatoriais no Brasil, pois consideravam essa
por que pagar por aquilo que não é meu? prática no mínimo inoportuna à sociedade:
Desde os anos de governo ditatorial no Brasil é presente o discurso,
“Era la época del trinunfo de la revollución cubana [anos sessenta] y
ou a idéia, de que em nossas vidas devemos necessariamente
de los moviminetos de esquerda em Latinoamérica. La influencia de
realizar um sonho: morar em nossa ‘casa própria’.
la Alianza para el progresso, favoreció que los programas se
orientaram a la vivienda en propriedad, y dejaram fuera a los de

150
vivienda en alquiler por considerar-los ideológicamente perigosos”. [do terreno], foi a tal da permissão de uso, por tantos anos, não deu
(Audefroy Jr, “Vivir em los centros históricos”, 1999:14). para desafetar”. (depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto, estudo
de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza Erundina).
Diante do pouco espaço que dispomos para a apreciação da histórica
imposição ideológica do ‘sonho da casa própria’, limitaremos-nos Devido à interrupção do programa pelas duas gestões conseguintes,
apenas a seguir os objetivos iniciais da presente pesquisa, que busca o modelo de propriedade dos imóveis ainda é alvo de debates entre
identificar os limites à produção da moradia social, certos que este a PMSP e os movimentos de moradia, como nos apresenta Luiz
trabalho se trata de uma pesquisa de base, e de que haverá outros Cavalcanti, liderança da ULC:
momentos e indivíduos que poderão realizar essa importante
‘conversa’ com o merecido cuidado. Desta forma, apontamos abaixo “Aqui mesmo, isso [barreira do enquadramento financeiro das
pessoas] se dá aqui no caso do Madre de Deus, (...) hoje nós estamos
trechos bibliográficos e de depoimentos coletados demonstrativos
discutindo a questão do contrato, e é a dificuldade que nós estamos
das diferentes conseqüências de cada modelo de propriedade
enfrentando. Pois quando nós entramos aqui era de zero até cinco
adotado.
salários mínimos, isso era o que nós sabíamos desde o início do
governo de 89 a 91, e essa era a política. Quando chegou agora, eles
No programa Funaps Comunitário, da PMSP, gestão Luíza Erundina, descartaram quem ganha de zero a três salários mínimos. Só estão
houve um intenso debate sobre o modelo de propriedade a ser considerando a renda familiar de três salários mínimos para cima. E
adotado pelo programa. A forma encontrada foi a concessão de um o que acontece com aqueles que ganham menos? Esse apartamento
‘termo de permissão de uso’ provisório às famílias, devido a que a gente fez, é nosso, por que nós construímos, foi com dinheiro
questões legais pela demora para a regularização do imóvel, público, mas ele é nosso, por que nós fizemos em mutirão. É claro
desapropriado pela PMSP, segundo Cláudio Manetti: que a gente vai pagar, o dinheiro que entrou a gente vai pagar para
a prefeitura, que é um dever nosso pagar. Só que para aqueles que
tem renda maior que três eles consideram donos e aqueles que não
“Outra coisa importante, que não conseguiu se fazer, conseguir ter
tem essa renda, não é dono, daí acontece que vai ter uma TPU, vai
clareza, de quem era dono de quê. Tinha uma corrente que achava
morar lá dez, quinze anos, mas não é seu, e você que construiu ele,
que as habitações públicas deveriam ser como equipamentos, já que
você acabou construindo ele, você fez isso todo dia. Agora um
há uma alta rotatividade de famílias, isso não era de ninguém, era
exemplo, eu ganho mais de três salários mínimos e tenho direito de
público, você tinha um gestor público, (...) Tinha gente que achava
compra e venda do meu imóvel, enquanto que outro companheiro
que deveria vender mesmo, tinha gente que achava que não era uma
que teve a mesma mão de obra, fez o mesmo serviço que eu fiz, e
coisa e nem outra. Pela figura de Habi e pela própria desapropriação
ele não tem direito de compra e venda, por que ganha menos de três

151
salários mínimos? Essa que é a questão. Estamos debatendo isso, que disso. Então, talvez cinco anos, a pessoa sabe se ela quer morar ali
as famílias tem fez e ganha um, ganha três, ganha cinco, ganha dez, ou não, pagou, não deve nada para a CDHU, nem a CDHU para ela e
tem que ter o mesmo critério. Inclusive tem um encontro sábado, e está pronto”. (depoimento de Verônica Krol, liderança popular,
depois uma reunião com a Cohab”. (depoimento de Luiz Cavalcanti, integrante do Fórum dos Cortiços).
liderança popular, estudo de caso Madre de Deus, integrante da
ULC). Segundo técnicos da CDHU esse modelo de propriedade é adotado,
pois a companhia considera que os subsídios são direcionados
Como se pode notar, a formatação de um modelo que agrade os especificamente a cada família. Daí, se uma família vende sua
anseios do ‘sonho da casa própria’, ideologicamente consolidados unidade para ‘comê-la’, esse subsídio seria apropriado por uma
nas mentes das famílias de mais baixa renda não é tarefa fácil, pois outra família talvez de renda não tão baixa quanto a que se deseja
segundo a lógica do sistema econômico a que estamos submetidos, subsidiar.
essas famílias não conseguirão pagar pelos imóveis com recursos O mesmo ocorre com o PAR – CEF que tem os subsídios embutidos
próprios. Bem, mas aí a PMSP poderia entrar com subsídios a fundo nos juros de 6 % (abaixo dos 12% normalmente cobrados pelo
perdido e quitar a diferença faltante? Sim. Mas como já mercado de financiamento habitacional). Daí o arrendamento para
deflagramos, trata-se de uma questão que envolve diversas questões as famílias por 15 anos e a posterior opção de compra do imóvel,
políticas, e aqui, ideológicas. Limitaremos-nos novamente a apenas considerado o valor já pago na locação do imóvel durante os quinze
identificar mais esta barreira. primeiros anos.

Já o programa PAC - CDHU, segundo as lideranças de movimentos O modelo de propriedade que mais tem gerado polêmicas e
ouvidas, o modelo de propriedade proposto não tem causado enfrentado resistências por parte das famílias beneficiadas pelo
discordâncias com os anseios das famílias: programa, é o da locação social. Neste programa, a propriedade é
do Estado, da PMSP, e é alugado às famílias de baixa renda, segundo
“Cinco anos é locação social [arrendamento], e depois você tem a
a renda de cada família, a partir de um cálculo de porcentagem,
compra. De alguma forma, eu acho que é uma proposta boa, por que
segundo a tabela na página seguinte:
assim, tem muitas pessoas que ficam no movimento, lutam, lutam, e
aí pegam uma casa, como um apartamento desses da Pirineus, e às
vezes a pessoa pega e vende a troco de dois, três mil reais, quatro
mil, e volta para o cortiço de novo, vai para a favela, ou vai querer
voltar para o movimento de novo. Nós tivemos casos, a gente sabe

152
tabela 7: critérios para a definição do comprometimento máximo aquilo nunca vai ser dele. Não tem condição.(...) E o carroceiro, que
da renda familiar. ganha pouco, vai pagar parte desse pouco, para nunca ser dele? Sou
contra a locação social. Nem que fosse um financiamento de trinta
anos. (...) A maioria é de opinião iludida, com os problemas
número de
enfrentados nos alojamentos, e a locação social, pois falaram que a
pessoas por comprometimento
gente ia ter um apartamento, uma coisa de cada um, e acaba nisso...
renda familiar família máximo de renda
o apartamento que nós vamos mudar nunca vai ser nosso. (...)
até 2 salários mínimos qualquer
10% Mesmo assim, vai para o aluguel social, e vem o mês de frio ou de
(até R$ 480) quantidade
chuva, e ele não vai poder sair na rua, não vai poder pagar, e a
1a4 12%
prefeitura põem eles na rua, e vai para outra favela. (...) É uma
de 2 a 3 salários mínimos 5a7 11%
meia exclusão ainda, sabe. É meio bom para quem tem emprego
(R$ 480 a R$ 720) 8 ou mais 10% fixo, mas poucos aqui têm”. (depoimento de Sassá, liderança
3a4 15% popular, estudo de caso favela do gato, morador da favela do gato).
acima de 3 salários * (mais 5 a 7 14%
de R$ 720,00) 8 ou mais 13% “Quando eles apresentaram o projeto, eles falaram que ia ser da
gente. Que ia fazer um carnê para a gente pagar uma prestação todo
* permitido apenas famílias com renda per capita inferior a 1 salário mínimo (R$240,00) mês. E a gente ficou feliz com isso. Só que nessa reunião de agora,
que fizeram, saiu todo o mundo revoltado com esse negócio de
Fonte: Cohab – SP, 2003. aluguel social. (...) Vai pagar aluguel o resto da vida para a
prefeitura? E nunca vai ser da gente? É igual aluguel. Só que se não
A posição das famílias moradoras da favela do gato é a seguinte: pagar vai para o olho da rua. Acho que ninguém gostou aqui...
Mesmo que sejam dois dormitórios, não ajuda, se eu colocar cinco
“Eu não concordo com o aluguel social, por que é uma coisa que a crianças, e as outras, que tenho dez?”. (depoimento de Cláudia,
gente vai pagar, estar pagando, todo mês vai ter que tirar aquele liderança popular, estudo de caso favela do gato, moradora da favela
dinheiro, e aquele imóvel nunca vai ser nosso. Eu acho que isso não é do gato).
um futuro. Ele nunca vai ser da gente. Se fosse nosso, todo mundo ia
pagar. No Cingapura, todo mundo faz um esforço lá para pagar, os Apesar de serem alvo de um programa que possibilita o acesso à
carnezinhos, todo mês. Mas sabe que um dia aquilo vai ser da moradia de famílias de renda muito baixa, e até sem renda, com um
pessoa. Aí a pessoa ainda se anima, ela está pagando ali sabendo que comprometimento de renda aceitável, as famílias ainda se negam a
é um futuro. Mas pagar um aluguel social, que a pessoa sabe que
concebê-lo como viável. Como fazer para que essas famílias possam

153
acessar suas ‘casas próprias’ tão sonhadas? É certo que sua renda aquela família. (...) O problema muitas vezes não é a forma de
pode, e deve, ser melhorada, mas por quê tamanha dificuldade de acesso, é o quanto se gasta para morar naquela unidade e a
se habitar algo que apenas juridicamente não se tem a propriedade? estabilidade [econômica]. Esses dois referenciais são mais
importantes do que a forma de acesso. (...) Seria estranho se o
pessoal aceitasse de primeira, se tivesse clareza. Por que é uma
Luiz Kohara, técnico de Habi, responsável pela criação do programa
coisa nova, que vai contra a ideologia de nossa sociedade. Mas temos
de locação social pondera acerca da questão:
que ter a convicção de que essa é uma forma possível também. É o
jeito que se tem para garantir o acesso [à moradia] a eles. Tanto é
“A discussão da locação social no Brasil é antiga, mas a
que o grande problema do PAC é que ninguém consegue pagar. (...)
implementação nunca ocorreu. Nós vemos toda essa ideologia da
O que muita gente diz: ‘ Por que faz locação social? Por que não dá
casa própria. O direito da propriedade muitas vezes foi superior ao
de graça? Eu vejo assim: estamos numa sociedade capitalista. Então
direito à moradia, e muitas vezes ao direito à vida: você vê o que
muitas vezes receber de graça, não é receber. Aquilo acaba não
acontece com os sem-terra...”. (depoimento Luiz Kohara,
sendo um valor. Por que eles querem um contrato que eles
engenheiro, estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab – Habi,
paguem... existe toda uma pedagogia, onde você sente
gestão Marta Suplicy).
responsabilidade. Outra coisa é ter um parque público, onde quando
as pessoas não precisarem mais da locação, possam passar àqueles
“Acho que devemos explicar [a favela está contra a locação], por que
que precisam. Acho que a locação [social] é a alternativa na falta
eles seriam o público que ficaria excluído de um programa de
das alternativas. Sabemos que vamos enfrentar diversas
financiamento. Outra fantasia que se tem, é que o CINGAPURA é de
dificuldades, sem dúvida”. (depoimento de Luiz Kohara, engenheiro,
propriedade ‘deles’. Não é. Até hoje ninguém tem propriedade de
estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab – Habi, gestão Marta
nenhum CINGAPURA, por que também não é permitido. Fora a
Suplicy).
questão da regularização. Na verdade, eles têm uma concessão do
CINGAPURA ( até deu a maior confusão...). Acho que na verdade o
Essas ‘dificuldades’ mencionadas por Kohara também já foram
aluguel social procura ser mais transparente: se é locação, é locação.
È um parque público, onde vai se concentrar investimento social,
enfrentadas nas negociações com o órgão financiador do programa,
usando como base a moradia. A gente sabe que não adianta investir, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, BID:
se não há uma referência à moradia. Quando se dá moradia e
estabilidade [econômica], há uma melhoria social. (...) Às vezes a “Primeiro que a nossa discussão sobre o BID apoiar um programa de
pessoa não tem condição de pagar, mas ela quer ter uma mercadoria locação social, (...) ela demorou muito tempo, foi uma batalha
para ser comercializada (apesar de não ser dela). Nós achamos que enorme. As pessoas não têm idéia do que foi o desgaste que a gente
não, que isso tem que mudar. Nós queremos dar estabilidade para teve aqui dentro, por que o BID tem todo aquele discurso da análise

154
neoliberal sobre os programas de habitação da Europa e outras. Ele cuidado na seção limites de gestão dos programas específicos, item
acha que tem que se privatizar mesmo os parques europeus. Então participação popular nos programas: necessidade de melhor
por que estar criando um programa de locação social aqui, quando a qualificação da prática.
tendência em todos os países, que fizeram reformas liberais, por
exemplo, a Inglaterra, foi desfazer os parques de locação social, por
que se tornaram guetos de população pobre com vários problemas
relação estado – associações:
socais, urbanos e etc... então foi muito difícil de convencer que o
dificuldades de uma relação parietária
programa de locação social, primeiro ele não é único, ele é um
Temos aqui um limite ideológico – cultural identificado
programa que acompanha outros programas, então ele está
destinado a uma população específica, que ele apóia um programa, e
especificamente no programa Funaps Comunitário, estudo de caso
que ele era a única maneira de evitar um processo geral de Madre de Deus. Os técnicos coordenadores do programa tinham
gentrificação na área central, que não interessa para ninguém. como um dos objetivos estabelecer parcerias com as associações das
Primeiro que as pessoas não vão embora, elas vão ficar aqui, e vão famílias mutirantes e suas assessorias técnicas, indo além da simples
voltar, vão ficar no cortiço ou na rua, se valorizar. (...) Uma coisa participação popular, tema que será debatido na seção limites de
que fica clara, é que não se vai conseguir fazer na área central gestão dos programas específicos, item participação popular nos
abaixo de uma certa faixa de renda, com casa própria. Eu acho que programas: necessidade de melhor qualificação da prática. Para
duas coisas a gente avançou muito no programa de locação social.
tanto se estabeleceu um convênio entre poder público, Associação
Uma foi montar na prefeitura e ter financiamento, uma outra é a
Comunitária para o Mutirão Madre de Deus e assessoria técnica AD,
atitude do movimento com relação à locação social, eu acho que está
onde a produção das unidades foi realizada por todos, como
extremamente positiva, e eu acho que se a gente tiver uma parceria
com o movimento na gestão, que é a coisa mais difícil, pode dar
parceiros, ou sócios, cada qual com suas responsabilidades.
certo”. (depoimento de Helena Silva, arquiteta, estudo de caso O objetivo de uma relação de co-responsabilidade na produção das
favela do gato, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão Marta Suplicy). unidades não foi atingido por uma série de mutirões. Os
movimentos, acostumados com uma relação de produtor – cliente,
O depoimento de Helena Silva considera que os movimentos de não se comportavam como parceiros do poder público. O mesmo
moradia estão de acordo com a forma de acesso à moradia através ocorria com alguns técnicos da PMSP, que se viam no papel de
da locação social, apesar das famílias que habitam a favela do gato, prestadores de um serviço às famílias.
desorganizadas enquanto movimento, não concordarem com a Pudemos identificar essa dificuldade de postura e de
proposta. Essa disparidade de posições e de nível de participação comportamento na parceria estabelecida entre poder público e
nas discussões inerentes ao programa será tratada com maior associações de moradores, no programa Funaps Comunitário, a

155
partir do depoimento de Ronconi, coordenador do programa, gestão trabalhada como moeda mesmo, colocada no empreendimento, era
Luíza Erundina: mais difícil. Para o movimento, e igualmente para o poder público,
talvez com interesses diferentes, situações e entendimentos
diferentes, mas toda vez que você afirmava que o movimento era
“Acredito que um problema complicado era a organização dos
sócio do empreendimento, você tomava pau nas esferas da
movimentos, que agiam segundo a possibilidade de atendimento de
prefeitura, e alguns eram sócios a ponto de eles terem comprado o
uma demanda reprimida, que era muito grande, através de uma
terreno. Era terreno deles que estava sendo colocado para o
pressão direta, política. Isso até deixou de lado um importante
financiamento da prefeitura”. (depoimento de Reginaldo Ronconi,
momento de avançar na própria organização, para se qualificar para
arquiteto, estudo de caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Funaps
o programa e daí pressionar não tanto esperando uma resposta como
Comunitário, gestão Luiza Erundina).
um cliente, mas induzindo a resposta como um parceiro.
No fundo o programa propunha, a coordenadoria do funaps
comunitário, uma parceria entre poder público, assessoria técnica e
comunidade. A gente propunha o entendimento de que a comunidade
deveria ser um dos empreendedores deste processo.
Agora, este entendimento não era claro nem no poder publico, nem
na comunidade. O poder público queria agir como um executor e
para a comunidade era fácil se deixar levar como aquele que estava
recebendo um atendimento, que era historicamente o que o Funaps
fazia. Essa tensão perdurou durante o programa inteiro.
Claro que isso não dá para generalizar que todos os movimentos
agiram dessa forma, e acho que todos eles foram evoluindo nesse
processo, mas a tensão dessa evolução estava um pouco nisso, que
era de conquistar o status de parceiro, não o status de atendido.
Quer dizer, até que o poder público e o movimento conseguissem
evoluir na compreensão de que o valor da hora trabalhada de cada
um poderia ser entendido como um dinheiro que estava sendo
bancado ali pelo empreendimento, era difícil. Pois para o poder
público parecia ser obrigação deles trabalharem, e para o
movimento, não percebia o valor das horas de trabalho, pois não os
recebiam diretamente. Então para ele visualizar àquela hora

156
4.1.4.2.2 limites políticos específicos ali pavimentar melhor o seu caminho para obter o financiamento. E
isso era complicado, pois encontrava eco na máquina. Então você não
conseguia criar de uma vez por todas um único portão por onde
4.1.4.2.2.1 limite da política formal específico
passasse qualquer movimento que tivesse organizado dentro dos
parâmetros que você estava ditando, e este era nosso objetivo. Pelo
menos da coordenadoria do Funaps Comunitário, que estava sob
clientelismo: minha responsabilidade. Era construir um portão que criasse ali uma
servir apenas aos meus eleitores lista de pré-requisitos que um movimento devesse possuir, e que não
A prática do favorecimento de grupos políticos alinhados às gestões importava muito qual a origem deste movimento, pois entendíamos
governamentais, demonstrou-se presente em apenas um dos que eram sempre movimentos carentes por habitação,
programas habitacionais. Apenas dois depoimentos identificaram a independentemente de sua filiação política. O que não era o
entendimento de todo mundo. Então sempre tinham ali as pressões
existência dessa prática, relatando como ela pode interferir
clientelistas e seus reflexos dentro da máquina. Sendo este um
negativamente no cumprimento dos objetivos dos programas.
problema complicadíssimo dentro da Superintendência de
A partir da metodologia empregada: coleta de depoimentos dos
Habitação”. (depoimento de Reginaldo Ronconi, arquiteto, estudo de
agentes participantes do processo de produção habitacional dos caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Funaps Comunitário, gestão Luíza
programas públicos, estamos certos de que o clientelismo Erundina).
dificilmente poderia ser identificado, pois é tema que pode causar
constrangimentos aos entes envolvidos. Desta forma, não temos Abaixo, o depoimento de Salles identifica o mesmo problema, o
como nos certificar da presença ou não desta prática em outros considerando como uma ‘restrição’ a uma produção em maior escala
programas, que não apenas naquele aqui citado. das unidades habitacionais:

Reproduzimos abaixo trechos de depoimentos que demonstram a “Um terceiro aspecto: a questão da pontualidade e da escala.
presença do clientelismo, e como ele se dava, no Programa Funaps Acredito que tem a ver um pouco com a visão política que
Comunitário, gestão de Luíza Erundina da PMSP: preponderava em habi naquela época, ou seja, primeiro a questão
dos movimentos organizados. Segundo, os movimentos organizados
“Uma terceira dificuldade interna, complicada de se falar até, é estarem mais ou menos filiados a uma corrente político-partidária.
uma prática do clientelismo batendo no poder público. E é interna Então isso gerava uma certa seleção, um certo filtro, que também de
porque, claro, trata-se de uma resposta a uma pressão externa. certa maneira entrava como um certo limite. Não sei se exatamente
Eram vereadores, eram líderes de comunidades, querendo conseguir como uma dificuldade, mas era um critério que de certa maneira

157
restringia, até estrategicamente para aquele momento,
demonstrativo mesmo, e que de certa maneira limitava uma
produção maior”. (depoimento de Pedro Salles, arquiteto, estudo de
caso Madre de Deus, PMSP, Sehab – Habi, gestão Luíza Erundina).

Como já mencionamos, esta ‘restrição’ aqui identificada é


específica ao programa referido, o que não impede que a mesma
prática também possa ocorrer nos outros programas habitacionais
em estudo, pelos motivos de seu compreensível ‘sigilo’.

158
4.1.4.2.2.2 limite da economia política específico reforma do edifício, apenas 10% das famílias poderão habitá-lo. Os
outros 90% deverão necessariamente buscar outro local de abrigo.

cadastro de seleção das famílias: Já o PAC – BID tem atendido famílias de menor renda, mas aquelas
mecanismo de exclusão sócio econômica sem renda, ou com renda de até um salário mínimo não são
Como pudemos observar na seção limites da economia política, item contempladas pelo programa. Segundo Eduardo Trani, técnico da
baixos salários e desemprego: não há renda que pague a habitação, Cdhu, em seminário organizado pelo órgão em maio de 2003, essas
parte das famílias de baixa renda não possuem rendimento famílias ‘não poderão habitar no centro’, a não ser que consigam
suficiente para a compra de unidades habitacionais. Desta forma, há habitar em uma das futuras unidades do programa de locação social
programas habitacionais que lançam mão de formas de seleção das da PMSP.
famílias de maior renda e conseqüente exclusão das famílias de
renda inferior. O depoimento de Verônica Krol, Sidney Eusébio e Luiz Kohara
Isto tem ocorrido nos programas PAR – CEF e PAC – BID. Os ilustram de modo breve a situação enfrentada por essas famílias:
programas geridos pela PMSP, seja o Funaps Comunitário ou o de
Locação Social, não possuem mecanismos de seleção das famílias por “Hoje a CEF e a CDHU não exigem que você esteja registrado, que
renda insuficiente. Todas as famílias inscritas que comprovarem comprove renda, essas coisas, mas ainda tem o raio do cadastro que
é feito lá. É uma ficha cadastral, em que fazem umas cinqüenta
baixa renda participam do programa. O que ocorre é que as de
perguntas para a pessoa, que a pessoa acaba ela mesmo se
renda inferior a três salários mínimos não serão proprietárias do
excluindo. Por que quanto mais coisa você paga, menos chance de
imóvel.
entrar no projeto você tem. Por que se tivesse um subsídio, isso não
iria acontecer, de precisar excluir a família por conta disso”.
Segundo lideranças dos movimentos populares filiados a UMM, o PAR (depoimento de Verônica Krol, liderança popular, integrante do
– CEF, quando implementado no centro de São Paulo, tem Fórum dos Cortiços).
possibilitado a inscrição de famílias apenas com renda acima de 5
salários mínimos. No empreendimento Fernão Sales, desenvolvido “O governo não tem o bom senso de uma mudança nos critérios de
pelo MSTC com a assessoria técnica Grão, apenas dez por cento das seleção das famílias”. (depoimento de Sidney Eusébio, estudo de
famílias que atualmente ocupam o imóvel foram aceitas pelo caso 21 de Abril, liderança popular, integrante da ULC).

sistema de seleção de famílias da CEF. Ou seja, quando finalizada a

159
“Por que dentro dos critérios do PAC - BID grande parte da população
dos cortiços tá fora. Por que de novo, aquele problema que tem na
CEF e na CDHU. A história de comprovação de renda é um critério
rigorozíssimo, não vai atender [a demanda]”. (depoimento de Luiz
Kohara, engenheiro, estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab –
Habi, gestão Marta Suplicy).

160
4.1.4.2.3 limites jurídico – legais específicos “O artigo 24 inciso 1870 da lei 8.666 autoriza a compra direta de
imóveis quando é um imóvel que atende às especificidades. Em tese
a gente até poderia comprar, com base nesse artigo da lei de
licitações, direto. Em que escolhemos, e pela falta de imóveis, é
lei 8666:
geralmente o único que tem disponível, e compramos, justificamos.
limites à aquisição de imóveis privados pelo poder público
Essa é uma das possibilidades. A outra é fazer um processo
A lei de licitações promulgada em 1993 pelo então presidente em licitatório falando ‘A COHAB quer comprar imóveis com tais
cargo, estabelece regras para o relacionamento comercial do Estado características, quem quiser vender, venha’, é uma licitação, com
com a sociedade, nos atos de compra de bens ou serviços acima de competição, e tal. E a outra é a desapropriação. A gente [COHAB] só
um valor determinado, exigindo que todas essas transações está usando a via da desapropriação, judicial ou amigável, conforme
comerciais devam ser efetivadas através da licitação pública. for. Por que tem dado muito problema junto ao tribunal de contas e
A referida lei é popularmente conhecida como ‘lei 8666’, e tem ministério público a compra direta. Essa justificativa de dizer que
como objetivo, segundo os princípios do ‘Estado gerencial’, tentar deve ser tal imóvel é uma dificuldade convencê-los da necessidade
daquele imóvel. E um procedimento licitatório é quase impossível de
impedir qualquer forma de favorecimento de empresas ou outros
se fazer um critério objetivo de classificação, dizendo por que
grupos econômicos privados nas transações comerciais Estado –
imóvel x é melhor do que y. Tem dois imóveis, como vou saber qual é
sociedade.
melhor? A gente até tentou elaborar um edital, mas paramos no
Como já abordado na seção limites jurídico-legais, item uso misto: meio por que é muito difícil. A desapropriação é mais simples,
programas públicos não o comportam, os imóveis de HIS edificados envolve todo esse mesmo trabalho que envolveria uma compra
por programas públicos, têm de inicialmente ser de propriedade direta. Mas aí você faz um decreto de necessidade social, interesse
estatal. Para tanto o Estado tem de adquiri-los cumprindo os social etc. Homologa-se judicialmente um acordo. Então os gestores
ditames da ‘lei 8666’. públicos não compram direto por medo. Por que tem muito
problema, ou pra justificar o imóvel escolhido, ou pra justificar o
A tentativa de aplicação desta lei na compra de imóveis de forma preço pago, sempre inventam algum problema. Se você faz pela via
direta pelo poder público tem se demonstrado juridicamente difícil,
segundo o depoimento de Fernando Aith, advogado da Cohab, em
87
“para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades
seus trabalhos recentemente realizados: precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização
condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de
mercado, segundo avaliação prévia;(Redação dada pela Lei nº 8.883, de 8.6.94)”

161
judicial, acaba tendo homologação judicial que supera todos os real”. (depoimento de Cláudio Manetti, arquiteto, PMSP, Sehab –
questionamentos, por que o juiz acompanha, tem laudo judicial”. Habi, gestão Luíza Erundina).
(depoimento de Fernando Aith, advogado, estudo de caso favela do
gato, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy). Atualmente, a Cohab retornou à aplicação do DIS, que tem durado
por volta de três meses, apenas quando amigável, ou seja, quando o
Apesar de considerar a desapropriação, ou DIS - decreto de Interesse proprietário do imóvel concorda com sua desapropriação. Quando
Social, ‘mais simples’ que a compra direta ou a licitação, sua este não concorda, os prazos têm durado tempo maior. Segundo
aplicação tem se mostrado problemática e demorada pelas Margareth Uemura, técnica do órgão, não tem sido ‘ruim’ o método:
companhias Cohab e Cdhu.
Já na gestão de Luiza Erundina, anterior a aprovação da Lei 8.666, o “O que a COHAB conseguiu foi fechar tudo em três meses. O
acesso aos imóveis do Programa Funaps Comunitário no centro se problema é que os três meses é o prazo ideal, se o proprietário não
deu através do DIS. Desde então este processo tem se mostrado negar, se o juiz não pedir perícia, se ele... várias coisas; aí você
moroso e mais caro, quando comparado com a compra direta do consegue fechar esse processo num período curto. (...) A DESAP diz
imóvel pela associação das famílias moradoras, como realizado no que demorava um ano pra fazer isso. O fato da COHAB poder
operacionalizar a desapropriação não é ruim. E se for amigável, acho
‘subprograma’, também gerido pela PMSP, Sehab – Habi, na gestão
que não é problema. E tem sido amigável”. (depoimento de
Luíza Erundina:
Margareth Uemura, arquiteta, estudo de caso favela do gato, PMSP,
Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).
“O tempo que nós levamos para obter os imóveis foi um tempo muito
longo, por quê nós não encontramos outro meio, a não ser por
A Cdhu também tem aplicado o DIS para a aquisição de imóveis, o
desapropriação. A idéia que nós tínhamos, e eu acho que é a idéia
mais interessante, é a idéia de se fazer uma permuta. (...) de uma
que tem tomado, segundo Lia Ferreira, tempo considerável dos
certa maneira, a gente iria gastar muito menos dinheiro que empreendimentos de HIS da companhia, que o caracteriza como
desapropriar. Por que o juiz estabeleceu, junto com o perito, o valor ‘moroso’:
potencial que é o preço lá na frente. Então você comprava o imóvel
degenerado, que valia aquilo, por um valor lá na frente, como se “A CDHU, também como agente promotor, não apenas no PAC, um
fosse um imóvel muito bom. Com base nisso, desenvolvemos um dos grandes problemas é o acesso a terra. Por sermos uma empresa
subprograma que passaria os recursos para as famílias comprarem pública, a gente não tem nenhuma compra direta. São todas
diretamente os imóveis (...) negociando com um valor de mercado concorrências, portanto não existe a possibilidade de a gente
comprar diretamente qualquer coisa, e dentro disso, os terrenos.

162
(...) Portanto a maneira que encontramos de ter acesso a terra foi preços menores, favorecendo o próprio governo. Mas quando vai
através do DIS, Decreto de Interesse social. diretamente o governo (...) eles põe o preço lá encima, e aí não se
Este processo, independentemente do órgão publico, é moroso. viabiliza nada. Nem para o movimento, nem para o governo, ficando
Então nós realizamos um diagnostico da área, mapeamos as lá o imóvel fechado, mais anos e anos”. (depoimento de Sidney
oportunidades, simulamos uma intervenção conforme as regras do Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21 de Abril, integrante da
PAC e observamos sua viabilidade. Se o empreendimento atender ULC).
nossa demanda então realizamos o DIS. O DIS tem um processamento
meio lento, antes ele era mais moroso, agora já houve a supressão “O cinema da Moóca e o prédio da São João88, cujos valores ficaram
de algumas instâncias, então ele foi agilizado, apesar de ainda tão caros que certamente não permitirão que as famílias de
requerer um certo tempo. Antes ele durava em torno de dois anos, encortiçados possam morar neles. Os movimentos precisam ter
atualmente ele foi reduzido para um tempo inferior, que não saberia autonomia para comprar e podem fazer isso bem” (p.52). (Verônica
dizer qual é. Mas ele é sim a forma que nós encontramos para Krol, integrante do Fórum dos Cortiços, in: “relatório final do
realizar os procedimentos. É realizado então um laudo de avaliação, encontro ‘Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa
como qualquer outro laudo existente no mercado, com um idéia?”. 2001:52).
responsável que faz a avaliação. É a partir desta avaliação que
fazemos então a simulação, estando viável, a gente envia então para Diferentemente da Cohab e CDHU, a Caixa Econômica Federal pode
DIS com este valor avaliado pelo mercado”. (depoimento de Lia realizar a compra direta de imóveis. Essa possibilidade tem se
Ferreira, arquiteta, Gov.Est., CDHU – PAC, gestão Geraldo Alckmin).
mostrado um fator de sucesso do programa, neste item específico,
quando comparado aos outros programas em estudo. Verônica Krol,
Segundo lideranças dos movimentos populares de luta por terra e
liderança do Fórum dos Cortiços nos apresenta o ‘salto’ da CEF:
moradia, as atuais gestões governamentais (PMSP e Gov. Est.) não
têm possibilitado a compra de imóveis diretamente pelas “E a outra questão, que esbarra quando você fala que vai fazer
associações das famílias moradoras. O acesso aos imóveis através do moradia, entra a desapropriação. A desapropriação de terra é
DIS resulta em valores superiores à compra direta. A diferença entre inviável. Então eu acredito que a CDHU, tanto a PMSP, e a CEF já fez
os valores, logicamente, tem ser paga pelas famílias, em prestações isso, é sair fora da desapropriação. Os governos têm de acreditar nas
mais caras: entidades que estão fazendo essa luta pelo movimento. Então não
adianta. Nós vimos o exemplo do Hotel São Paulo, o tanto que
“O governo não deixa o movimento negociar os edifícios, que muitas demorou. A Joaquim Murtinho, pelo governo do estado, demorou
vezes conseguem negociar diretamente com os proprietários por
88
Empreendimentos habitacionais do PAC atualmente em fase de projeto.

163
dois anos para desapropriar um cortiço. A desapropriação em si, é eu acho que ajuda o movimento também um pouco, nesse sentido,
muita burocracia que trava. A CEF, conseguiu dar esse salto, quando né? Com respaldo da CEF
ela criou esse programa que diz: ‘vocês negociam o valor do prédio, eles têm o pode de fogo muito maior (...)”. (depoimento de Marco
faz o projeto, aprova e compra o prédio junto com a construtora’. Antônio, estudo de caso Riskalah Jorge, técnico da CEF, PAR, gestão
Mas aí o que acontece? A PMSP e Gov. do estado, tem a tal da lei Luiz Inácio Lula da Silva).
8666. Essa lei deveria ser revista, essa lei é que entrava tudo. Então
eu acredito que o governo federal, o senado, o congresso, deveriam Desta forma, parece-nos clara a presença da barreira imposta pela
rever essa lei. Por que enquanto existir essa lei, para fazer política lei 8.666, que imprime custos maiores à aquisição dos imóveis, além
de moradia para a população pobre, eles não vão ter acesso mesmo a da morosidade dos processos burocráticos, quando comparada com a
nada. (...) Parece que essa lei virou um bicho para a gente. (...) O
compra direta por órgão público ou por associação das famílias
PAC é um programa bom que nós temos do governo do estado,
moradoras.
infelizmente são as leis que os deputados votam. O que demora
mesmo é a desapropriação, é difícil. Se a CDHU tivesse a autonomia
de fazer como a CEF faz, de nós achar um predinho ali, (...) em
qualquer órgão, se fugir da questão da desapropriação, a habitação lei 8666:
vai andar mais rápido. O que pega tudo é a terra, tem que ter uma limites à contratação de assessorias técnicas
outra forma de comprar a terra sem ser desapropriação”. Da mesma forma que a lei de licitações conduz o acesso aos imóveis
(depoimento de Verônica Krol, liderança popular, integrante do para o DIS, com valores mais altos que a compra direta, o mesmo
Fórum dos Cortiços). tem ocorrido com a contratação de escritórios de assessoria técnica
para a execução de projetos e acompanhamentos de obras através
Marco Antônio, técnico da CEF nos apresenta a questão, que tem da auto-gestão. A lei 8.666 tem também dificultado a contratação
sido resolvida ‘sem problema algum’: desses escritórios pelas associações de moradores. Se realizadas as
obras através da auto-gestão com a parceria das assessorias
“A relação é de compra. A CEF nem tem poder para desapropriar
técnicas, os imóveis seriam mais baratos que os desenvolvidos por
ninguém, o único órgão que pode desapropriar seria a PMSP. Mas nós
empresas construtoras, como vimos na seção limites ideológico-
[CEF] não. É um contrato de aquisição normal, uma relação
comercial, sem problema algum. (...) Em alguns casos os movimentos
culturais específicos, item especulação produtiva: normalidade na
até trouxeram os proprietários aqui, sentaram conosco na mesa (...). exploração do operário da construção civil.
Se a CEF tem interesse mesmo em fazer aquilo que o movimento está
se propondo, a gente até esclarece, explica, como é que funciona. Aí

164
O depoimento de Verônica Krol aponta para a existência desse Helena Silva, técnica do Pró Centro, nos esclarece as dificuldades
limite, imposto pela lei 8.666, no programa PAC – BID, gerido pela enfrentadas pela Cohab:
CDHU. Nos últimos meses o órgão tem se mostrado aberto à
apresentação de propostas pelos movimentos para que o programa “Eu acho que a carta de crédito coletiva é excelente para trabalhar
possa também funcionar através da auto-gestão, com a contratação com auto-gestão. Aliás, ele foi pensado nisso, e toda nossa
preocupação, é que não estamos conseguindo criar condições para
dos escritórios de assessoria técnica, o que não tem se mostrado
operacionalizar esse instrumento, para empreendimentos de porte
fácil:
médio a pequeno. Está exposto conceitualmente da seguinte forma:
Uma associação adquire um imóvel, seja um terreno, seja um prédio,
“(...) a única droga [do PAC – BID], para falar a verdade, é a
e à partir de um projeto de construção ou de reforma. Pode-se pagar
licitação, que tem que ser aberta. Não pode fazer um convênio com
um arquiteto e etc. ela pode fazer uma gestão dessa obra. O que
a associação, que era a nossa reivindicação também, que o projeto e
está esbarrando exatamente, é por que você tem vários empréstimos
a obra fosse feito em auto-gestão e que o projeto fosse feito um
sucessivos, e o pessoal do jurídico está encontrando, que em algumas
convênio com a associação para contratar assessoria. E aí isso estava
partes, está se ferindo a lei de licitação, que isso seria escapar da
no PAC, e quando entrou em vigor o diacho da lei 8666, acabou
nova lei de licitação. A autogestão, não necessariamente seria
tirando essas famílias nossas, se não fosse a questão dessa lei, o PAC
mutirão, a associação formada estaria contratando uma empresa. O
seria o programa ideal para a gente, por que atenderia a família
problema é de ela contrata uma empresa sem licitação, na prática
dentro do cortiço, poderia fazer convênio com associação e fazer a
você está passando um recurso público para uma empresa, sem
auto-gestão. O que pegou foi aí. Hoje estamos rediscutindo a carta
licitação. Então o que nós estamos tentando dar um nó no pingo
de crédito com esse subsídio de fazer o PAC reforma, por exemplo,
d´água é fazer uma licitação em que se faça uma seleção de
em auto-gestão. A CDHU deu autonomia para a gente discutir isso, e
associações, com renda dentro três e seis salários. E aí vinculasse o
agora nós vamos apresentar, e acredito que agora é o momento de
projeto, como no PAR, onde há um terreno e uma empresa. Então
nós fazermos isso”.(depoimento de Verônica Krol, liderança popular,
haveria associações pré-selecionadas, que vem oferecendo um
integrante do Fórum dos Cortiços).
determinado produto para aquele terreno. Que é uma empresa que
pode construir um determinado projeto. A dificuldade é a seguinte,
A atual gestão da PMSP também tem buscado alternativas de
se você tem uma associação só, perfeito, certamente os preços dela
produção dos imóveis de HIS no centro através da auto-gestão, pelo vão estar mais baixos, se você tiver duas, qual o melhor projeto? Se
programa de carta de crédito coletiva, mas tem enfrentado você tiver dois projetos, você vai ter que analisar projeto, então
dificuldades jurídicas para sua implementação. O depoimento de partimos do seguinte: partimos de um projeto de reforma para um
projeto já realizado por nós, e abrimos uma licitação para ver que

165
associação (pré-selecionada) que oferece o menor custo, para ele pode reduzir o custo, aí poderia se fazer o PAR sem lucro, com
executar aquela obra. Se tiver três, tudo bem, eu seleciono aquela muito pouca reforma. A proposta para auto-gestão, se ela for
que ofereceu o melhor preço. Essa pode ser uma modalidade. Então voltada para prédios menores, ou para grupos de prédio menores,
nós estamos fechando a maneira de poder não ferir a legislação. casarões, enfim, pode ser interessante”. (depoimento de Helena
Acredito que para o ano que vem isso já vai estar podendo Silva, arquiteta, estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab – Pró
funcionar”. (depoimento de Helena Silva, arquiteta, estudo de caso Centro, gestão Marta Suplicy).
favela do gato, PMSP, Sehab – Pró Centro, gestão de Marta Suplicy).
Esta barreira à produção de unidades a preços menores foi aqui
O Programa de Arrendamento Residencial, gerido e financiado pela classificada como limite específico, pois o programa Funaps
CEF tem atualmente impossibilitado a contratação de empresas Comunitário de atuação no centro, gestão de Luíza Erundina
menores para a condução das obras dos edifícios, bem como sua possibilitava a contratação de assessorias técnicas e obras em auto-
realização através da auto-gestão. O programa atravessa um período gestão, o que resultou em unidades habitacionais significativamente
de alterações em suas regras de funcionamento, sendo que o atual mais baratas, como visto na seção limites ideológico-culturais
modelo impede a participação de assessorias técnicas e de empresas específicos, item especulação produtiva: normalidade na exploração
não ‘gericadas’89, o que tem impedido a produção de unidades de do operário da construção civil.
menor custo.
Novamente, Helena Silva é que nos indica a presença dessa barreira,
que alimenta a produção de unidades por um custo maior do que
outras formas de produção, que não se valem da lucratividade
imperante nas empresas construtoras:

“Além do mais no PAR, há a história do Geric, que só lida com


empresas grandes, e quando começar a lidar com empresas menores

89
Empresa ‘gericada’, ou que ‘tem geric’, é aquela que preenche requisitos de
‘risco de crédito’ da CEF. Ou seja, são empresas que possuem um capital
suficientemente grande e outras ‘seguranças’, para que a CEF não corra ‘riscos’ no
decorrer das obras (por exemplo, a empresa falir, ou simplesmente não conseguir
honrar os contratos com a CEF). Geric vem de ‘gerência de riscos de crédito’, setor
da CEF que emite os certificados de que a construtora pode participar de licitações
realizadas pelo banco.

166
4.1.4.2.4 limites de gestão dos programas específicos Um dos programas que não apresentou dificuldades significativas no
que tange a participação popular, foi o Funaps Comunitário,
especificamente o que atuou na região central. Sua condução se deu
“Se há uma política de se cercear os direitos do povo, aí sim é um limite. através de convênios de parceria entre poder público, movimento
O governo Maluf, Pitta e agora, do PSDB, em São Paulo, têm esse limite. popular e assessoria técnica. Segundo o depoimento de Joel Felipe,
É dificultar os direitos de participação e de conquista do povo”. da assessoria técnica AD, responsável pela execução da obra, a
(depoimento de Gegê, liderança popular, integrante do MMC).
participação do movimento popular ULC foi central e indutor na
criação e formatação do programa.

participação popular nos programas: “Sim, os movimentos foram protagonistas, uma vez que os
necessidade de melhor qualificação da prática moradores que então eram representados pela ULC – Unificação das
Diversos depoimentos coletados indicam a falta de participação das Lutas de Cortiços (que deu origem aos atuais MMC, MSTC, Fórum de
famílias moradoras na elaboração das diretrizes de ação dos Cortiços e o que restou da ULC) forçaram o surgimento uma política
programas habitacionais bem como em sua implementação. Cada para cortiços. No primeiro semestre de 1989 foi apresentado um
programa demonstrou tratar a questão da participação popular de projeto para o Casarão da Celso Garcia à prefeitura, baseado no
forma diferente. Há aqueles que travam uma relação constante trabalho de um TFG de Selma Scarambone, então membro da AD”.
(depoimento de Joel Felipe, arquiteto, assessoria técnica AD).
entre movimentos populares e técnicos, desde a formatação dos
programas, até a materialização das unidades, e outros que
O Programa de Arrendamento Residencial da CEF, em sua
estabelecem contatos pontuais, o que tem gerado maiores ou
elaboração (1998), passou por períodos de participação dos
menores dificuldades para a produção das unidades habitacionais.
movimentos populares do centro de São Paulo, mas por medidas
De certa forma, acreditamos que uma maior integração entre
políticas foi alterado e implementado sem a incorporação das
moradores e poder publico tende a facilitar a condução dos
questões debatidas com as lideranças. Verônica Krol, do Fórum dos
programas, pois possíveis discordâncias seriam sanadas no decorrer
Cortiços é que nos esclarece como se deu o processo:
do processo, e concordâncias seriam potencializadas, numa soma de
esforços mútuos para o enfrentamento dos diversos limites outros
“Na verdade, nós [movimentos do centro] discutimos o PAR, com o
identificados na presente pesquisa.
Sérgio Cutoudo [ex - diretor da CEF] (em 1998). Aí, eu não sei por
quê, tiraram o Sérgio, e colocaram outro diretor, que já veio com
essa proposta do PAR, que a gente não discutiu, pois para a gente

167
atender as famílias de baixa renda é muito difícil. O outro que nós diretrizes e restrições impostas pelas regras antes estabelecidas pela
discutimos, sim ele atendia, porque tinha condições de fazer Caixa Econômica Federal.
autogestão. Deram um fim no programa nosso, tínhamos discutido
com o pessoal do Belém. O que a gente queria e não queria, dentro
Na elaboração do Programa de Atuação em Cortiços, gerido pela
do programa. E aí por nossa surpresa, quando nós amanhecemos sem
Cdhu, também houve momentos de participação das lideranças dos
o Sérgio, sem o programa, aí veio esse, de goela abaixo socado na
movimentos populares, que exigiram a participação das
goela da gente, e aí a gente tem tentado trabalhar, o que é muito
difícil para nós”. (depoimento de Verônica Krol, liderança popular,
comunidades na condução do programa:
integrante do Fórum dos Cortiços).
“O PAC, em jan de 1999, nós ficamos quatro dias dentro da CDHU, os
movimentos do centro e o BID, discutindo a sua proposta do PAC.
O depoimento de Gegê, do MMC, nos indica como se deu a
Então cada um colocou seu ponto de vista. Aí a partir dessas
‘apresentação’ do PAR pela CEF aos movimentos, que já ‘chegou
propostas formuladas, que a CDHU começou a formular o PAC,
pronto’ para implementação:
enviou para Brasília assinar. Com o PAC nós tivemos uma
participação mesmo com esse governo. O que conseguimos arrancar
“Sem políticas públicas com participação popular, pode governar
desse PAC BID é que tem que ter a participação da comunidade. (...)
Jesus Cristo, que não vai melhorar. Essas políticas não devem ser
O PAC demorou, foi uma coisa demorada, mas teve a participação”.
apenas de conhecimento dos governantes. Parece que o povo deve
(depoimento de Verônica Krol, liderança popular, integrante do
apenas usufruir as políticas, não é preciso que o povo tenha
Fórum dos Cortiços).
entendimento. (...) O programa chegou pronto, criado pela caixa.
Não houve participação. A gente ia ser despejado de um prédio da
Há uma significativa diferença entre participação e parceria na
Caixa, na Roberto Simonsem, mas para eles não nos despejarem, eles
nos apresentaram o PAR, e nós apresentamos o Fernão Sales”.
elaboração e condução dos programas habitacionais. Sidney Eusébio,
(depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de caso Riskalah liderança da ULC reconhece que houve participação dos movimentos
Jorge, integrante do MMC). na elaboração do programa, mas que suas reivindicações não foram
atendidas. Segundo ele, uma parceria se faz necessária, e afirma
A participação dos movimentos no PAR CEF ocorre em momentos que buscarão alterações no programa que contemplem suas
pontuais de implementação do programa, como na escolha dos necessidades ‘na porrada mesmo’:
imóveis, elaboração do projeto arquitetônico e indicação das
famílias moradoras. Todas essas ações devem ser enquadradas nas “A primeira dificuldade é: quando os movimentos elaboram um
programa de uma forma, mas ao chegar nas mãos do governo, estes

168
alteram tudo, suas cláusulas, fazem mudanças que em vez de informações essa semana”. (depoimento de Luiz Cavalcanti,
beneficiar, vêm a dificultar o acesso da população de baixa renda. liderança popular, estudo de caso Madre de Deus, integrante da
(...) Esse não é o programa que a gente queria, não é o Programa de ULC).
Atuação em Cortiços. (...) Nós não temos abertura neste governo, e
o que eles fazem não nos contempla em nada o que nós queremos. Segundo Lia Ferreira, técnica da CDHU, a dificuldade de acesso a
(...) Falta vontade política e parceria com os movimentos. O informações do programa PAC pela população alvo dos
programa só funcionaria só com a parceria com os movimentos
empreendimentos se tornou um dos limites à produção da moradia
populares. (...) Se tem uma coisa que a gente sabe fazer, é bater,
social no centro. Há dificuldades de compreensão do funcionamento
quando é preciso. E a gente vai bater mesmo. Se não sair [as
do programa e das ações que necessariamente precisam ser
alterações do programa] por compromisso com a população, vai sair
por dor, vai sair na porrada mesmo, a gente vai ter que arrancar
realizadas pelo órgão, o que tem gerado mal entendidos entre
mudança deste governo, do Geraldo Alckmin”. (depoimento de população alvo e poder público:
Sidney Eusébio, liderança popular, estudo de caso 21 de Abril,
integrante da ULC). “Um limite é o nosso público alvo, a população a quem a gente se
direciona entender todos os passos desse processo. Uma forma de
Um dos indícios da falta de parceria entre associações de moradores intervenção junto ao nosso público alvo, de deixar claro quais são os
ou movimentos e órgãos do poder público (aqui no caso a Cdhu) é o procedimentos, para que depois não haja talvez um mal entendido
na compreensão das ações de uma agente financeiro, promotor ou de
depoimento de Luiz Cavalcanti, liderança da ULC, que demonstra
comercialização, do porque de isso tudo”. (depoimento de Lia
desconhecimento total acerca de informações básicas do
Ferreira, estudo de caso 21 de Abril, Gov. Est, CDHU, PAC, gestão
empreendimento Cinema da Mooca, qual tem acompanhado pelo
Geraldo Alckmin).
movimento:

A elaboração do programa de Locação Social da PMSP, gestão Marta


“Ficam dizendo, ah estamos revendo o projeto, que inicialmente era
Suplicy teve a participação dos movimentos de moradia do centro
de 180 famílias, mais ou menos, e aí disseram que eram poucas
famílias para o valor do terreno, então não dava, e iam aumentar
em reuniões e seminário entre poder público municipal, movimentos
para duzentos e pouco, para baratear mais o custo do terreno. (...) e técnicos estrangeiros de países onde a locação social é comum. Já
Isso são eles que falam. E esse último estudo agora ficou com para a gestão do programa, a PMSP instituiu um fórum de
trezentas unidades, só não sabemos o valor dos apartamentos, não acompanhamento dos programas municipais de habitação no centro,
sabemos como foi feito esse cálculo, quantos prédios vão ser, de onde participam técnicos do poder público, movimentos e suas
quantos andares, tudo isso a gente não sabe, pegamos essas assessorias técnicas, e se reúne a cada quinze dias.
169
O depoimento de Margareth Uemura comenta brevemente a
existência do fórum e seu funcionamento. O trecho que se refere às “Não é uma participação da população moradora, mas é do
limitações de atendimento da demanda por habitação no centro movimento. Isso é uma diferença fundamental de se fazer. Por que
você entra nessa discussão de quanto que o movimento representa a
diante da ‘pouca área’, demonstra a utilização deste espaço como
população moradora. É uma questão, sim. Como é? Três por cento da
mesa de negociações de locação de demandas reprimidas dos
população encortiçada é ligada ao movimento. (...) Teve uma
movimentos, bem como possível espaço de cooptação destes, pois aí
participação do movimento na elaboração do programa. Falta
‘cada um sede um pouco para acontecer o programa’: qualificar essa participação. Teve reuniões com lideranças dos
movimentos, o que não gerou alteração de sua participação, que é
“Instituiu-se um fórum, que eu tenho esperança que seja o local de de resultados, de número de unidades. Ficando na história da
debate, de participação da população, e de unificação do reivindicação pontual de edifícios. (...) Mudar essa lógica é difícil,
conhecimento sobre o programa (estabelecer critérios...). Como ele trazer os movimentos para a discussão de política urbana, mais
[o programa] está em processo de montagem, é um espaço abrangente, dos movimentos se colocarem como população
importante para aparar as arestas. Vai ter sempre discussão entre os moradora, por exemplo, que tem também outras demandas que não
movimentos, mas é um pouco pra não ter disputa, por que como eu moradia. É um salto difícil de ser dado, devido à lógica de atuação
disse tem pouca área pra muita demanda. Se o critério estabelecido dos movimentos. Eles fazem sim essa discussão, posteriormente à
fica de comum acordo, acho que fica mais fácil de discutir essa conquista da moradia, como por exemplo, nos mutirões”.
limitação. E aí, cada um sede um pouco pra poder acontecer o (depoimento de Caio Amore, arquiteto, estudo de caso favela do
programa”. (depoimento de Margareth Uemura, arquiteta, estudo de gato, assessoria técnica Peabiru).
caso favela do gato, PMSP, Sehab – Cohab, gestão Marta Suplicy).

Sassá, liderança das famílias atualmente alojadas na favela do gato,


O depoimento de Caio Amore, arquiteto responsável pelo projeto
e futuras locatárias do programa, confirma a pouca participação das
executivo do empreendimento Favela do Gato, estudo de caso da
famílias, demonstrando não possuir informações a respeito da
presente pesquisa e parte integrante dos projetos da PMSP no
distribuição das famílias nos imóveis. Ele nos informa também as
centro, pondera acerca da representatividade dos movimentos de
poucas vezes que formam ‘chamados’ a receber informações acerca
moradia do centro diante das famílias da região e a forma que esta
do projeto e do programa:
participação tem se dado. Segundo Amore os movimentos
reivindicam projetos pontuais e isolados no centro, deixando de lado “A nossa preocupação é saber quem vai ter direito a um, a dois
uma ação articulada, o que configuraria uma política urbana quartos, a quitinete. É que eles estão estabelecendo um critério.
integrada: Isso é muito dúbio. De repente ela tem três filhos, e um é casado. Se

170
ele vai ficar junto? Não tem condições. (...) A gente só foi chamado Já na produção de HIS pelo poder público essa etapa é, em via de
duas vezes, na primeira apresentaram o projeto e na segunda regra, simplesmente subtraída, como se fosse desnecessária.
falaram da locação. Foram mais de cem pessoas, eles queriam que A falta de participação das famílias de baixa renda na concepção
fosse um a cada dez, mas acabou indo mais gente”. (depoimento de
arquitetônica de suas residências não é um limite determinante à
Sassá, liderança popular, estudo de caso favela do gato, morador da
produção da moradia popular no centro. Ela não impossibilita sua
favela do Gato).
produção, mas impede que as unidades sejam erguidas com
qualidade. Compreendemos como ‘moradia de qualidade’ aquela
participação popular na concepção arquitetônica dos projetos: moradia que cumpre as necessidades das famílias moradoras,
pontual e deficiente incluída aí concordância com seu projeto arquitetônico.
Apenas um dos programas habitacionais visitados teve a participação
das futuras famílias moradoras na concepção do projeto A argumentação recorrente é de que não há tempo hábil para uma
arquitetônico90. discussão de projeto, e que a produção de HIS não pode ser
As dificuldades, e até a impossibilidade de participação das famílias individualizada. Temos aí um falso paradigma, como veremos mais
de baixa renda na definição do desenho arquitetônico da moradia adiante.
que irão habitar trata-se de uma manifestação do limite ideológico –
cultural identificado na seção limites ideológico-culturais, item pré- Observando os estudos de caso de cada programa habitacional
conceito e discriminação, escala da unidade habitacional: a idéia de podemos verificar as diferentes formas de tratamento da questão:
‘habitação popular’. Pois, para realizar projetos ‘individualizados’
horas de trabalho de prancheta são necessárias, o que significaria No item anterior vimos a importante participação das famílias do
custos indesejados aos projetos. edifício Madre de Deus na elaboração do programa habitacional e de
Por outro lado, a participação de famílias de alta renda na definição sua implementação, mas na elaboração do projeto arquitetônico, a
de questões arquitetônicas de suas futuras moradias é tida como participação das famílias na discussão do projeto arquitetônico foi
ideal aos projetos de arquitetura. Sua participação é muitas vezes considerada ‘pouca’. Segundo Joel Felipe, um dos arquitetos
essencial, e sua prática é considerada ‘louvável’. responsáveis pela obra do edifício, em sistema de mutirão
autogerido, a participação foi restrita a questões pontuais de
projeto e de técnica construtiva:
90
Compreendemos como ‘concepção do projeto arquitetônico’ a definição do
programa das unidades, seu dimensionamento, técnica construtiva, materiais
empregados e, finalmente, sua concepção estética.

171
“Houve pouca participação [dos mutirantes]. Foi montado um GT- conferir pouca (ou nenhuma) materialização dos anseios dessas
Cortiços em Habi, sob coordenação de Cláudio Manetti (...). As famílias, sendo o resultado final muito aquém do por elas requerido.
discussões com a comunidade se reduziram à apresentação da Reproduzimos abaixo novamente o trecho do depoimento de Gegê,
proposta do GT em assembléia e a proposta de algumas alterações
liderança do MMC, onde podemos melhor compreender como as
(tanque no interior da unidade, p. ex.) e a técnica construtiva
pressões externas (dos diversos limites) resultam na impossibilidade
sugerida pela Assessoria”. (depoimento de Joel Felipe, arquiteto,
da materialização construtiva dos ensejos arquitetônicos reais
assessoria técnica AD).
dessas famílias, quando estas são chamadas a opinar diante dos
Apesar da possibilidade de poucas interferências no projeto Madre projetos.
de Deus, como nos relatou o arquiteto Joel Felipe, Luiz Cavalcanti Desta forma, à partir das condições impostas pelo sistema a que
ainda considera que através do sistema de mutirão, ‘a qualidade é estamos submetidos, nós nunca saberemos, de fato, como é o
outra’: desenho, o projeto, a forma, a plástica de uma habitação popular
em sua essência projetual. Não sabemos como quer, nem como
“Com o empreiteiro você não participa de nada, você só recebe a gostaria de morar o povo paulistano no centro da cidade.
chave, se não consegue nem opinar sobre nada, sobre se o material é Seriam apartamentos grandes, com diversos quartos, e banheiros?
de primeira ou de segunda, você não pode falar. Se ele põe uma Haveria uma lavanderia? E um lavabo? Nem eles sabem, pois não
porta aqui de isopor, você não pode falar nada, se põe uma janela podem nem pensar em saber. Vejamos:
aqui do jeito que eles querem, não pode falar nada. Aqui, nós
escolhemos tudo, a qualidade é outra”. (depoimento de Luiz “A discussão era: ou a gente fazia até R$ 20.000,0091 para dar certo,
Cavalcanti, liderança popular, estudo de caso Madre de Deus, ou fazia mais de R$20.000,00 para não dar certo. A gente discutiu
integrante da ULC). isso, metragem e valor. (...) Qualquer reforma, haverá imposições da
estrutura, diferente da construção nova, não tem como mexer na
No projeto do edifício Riskalah Jorge, do PAR – CEF, a participação estrutura do prédio. Não tem como deixar tudo do mesmo tamanho.
das famílias chegou ao debate da concepção arquitetônica do Isso é uma questão para o movimento, que aceita ou não o projeto,
projeto, mas como já vimos na seção limites arquitetônicos, item não é o arquiteto, não é a assessoria que tem de ser responsável por
casas de baixo custo: pequenas, mal iluminadas e superadensadas, o isso. As assessorias cumprem com um papel importantíssimo,
projeto de arquitetura é dependente de muitos dos limites fundamental, mas com limites. O projeto arquitetônico passa pela

identificados em nossos estudos. Daí, neste projeto, onde houve


uma interferência das famílias na projetação das unidades, pudemos 91
Na época da concepção do projeto de arquitetura o limite do financiamento por
unidade pelo PAR era de R$ 20.000,00.

172
política do movimento. Apesar de estar aquém do ideal, muito aquém financiamento junto ao BID, essa população não morava no imóvel,
do ideal”. (depoimento de Gegê, liderança popular, estudo de caso pelo fato de tê-lo comprado vazio. Acredito ser essa a situação desse
Riskalah Jorge, integrante do MMC). endereço. Não serão necessariamente essas pessoas que irão morar
neste imóvel, pois há as regras de acesso. Se dentre o valor do
Os projetos arquitetônicos do programa PAC – CDHU, são realizados imóvel e o valor da obra, há uma equação que temos de atender, se
por escritórios de arquitetura contratados através da lei 8.666, e a família tiver renda, ela pode pleitear. (...) Nós ainda não temos
ainda o formato de escolha das famílias, mas é certo que ficarão
devem ser realizados para famílias genéricas, segundo o ‘termo de
dentro do setor básico de intervenção, pois é característico dessas
referência’ elaborado pela companhia. Trata-se da prestação de um
famílias não querer sair do centro, então ela tem que ter esses pré-
serviço, considerado apolítico e impessoal, segundo a concepção de
requisitos para ter acesso ao financiamento. Se vai ser sorteio ou
um Estado gerencial. Não importa quem irá habitar essas unidades, não, eu desconheço, não foi feito ainda, não sei como foi feito no
a participação dos futuros moradores não ocorre e é evitada pelo Pari94, que é uma outra situação. Isso ainda não está concluído. Há
termo. algumas formas, mas ainda não está concluído.” (depoimento de Lia
A arquiteta Lia Ferreira, uma das responsáveis pelo projeto, nos Ferreira, arquiteta, estudo de caso 21 de Abril, Gov. Est., CDHU –
esclarece da postura da companhia diante da não participação PAC, gestão Geraldo Alckmin).
popular na concepção arquitetônica do projeto:
Na concepção do projeto arquitetônico das novas moradias da favela
“Voltando à lei 8.666, que é a lei de licitação. A gente vai comprar do gato, integrantes do programa de locação social, a participação
um serviço [projeto de arquitetura], é uma compra. É feita então da população se deu apenas em uma reunião, onde o projeto (já
uma licitação, é feito o termo de referência, que é o que nós pronto) foi apresentado às famílias. Wagner Germano, arquiteto
queremos, com o programa. É feita a licitação, e nós acompanhamos projetista dos edifícios, justifica a metodologia adotada, devido à
o desenvolvimento do projeto. É a compra de um serviço. (...) Tanto
‘insegurança’ política para sua realização. Ele afirma que se as
no Hospital92, como em outros projetos, a CDHU comprou o imóvel
famílias tivessem questionado e discordado do projeto, eles teriam
vazio. Eles não eram moradores do imóvel, é uma postura diferente.
realizado as alterações possíveis. Logicamente segundo as restrições
Ele foi ocupado93 e houve uma concessão da companhia para essa
população morar nesse imóvel. Então, dentro das regras de
limitantes já observadas por nossos estudos:

92
O estudo de caso referente ao programa PAC é uma intervenção em um terreno
94
anteriormente ocupado por um hospital. Empreendimento do PAC – BID edificado, localizado nom Pari, onde suas unidades
93
Há dois movimentos populares de luta por terra e moradia que ocupavam o formam (a contragosto da companhia) ‘fatiadas’ entre os movimentos de moradia
imóvel, a ULC e o MSTRC. do centro, após ocupação política do imóvel.

173
“Não tiveram uma participação muito efetiva no processo de expectativa, e em dois ou três meses, deveríamos voltar tudo atrás
concepção do projeto. Obviamente, quando fizemos o estudo, eu por causa de uma alteração no projeto que se alterava devido
venho dessa escola, que está acostumada a fazer projeto discutindo discussões com outra secretarias da PMSP. E meio que fomos levando
com a população, então para mim isso é complicado, fazer o projeto a coisa. E obviamente, assim que concluímos o estudo (...) chamamos
95
da nossa cabeça. Ao mesmo tempo, nesses dez anos de Usina , nessa a população para apresentar a proposta, e discutir com eles e ver
linha de trabalho, nos sensibiliza muito nessas questões. Então, como é que era a aceitação e tal. Mas estávamos sabendo que
obviamente, que a minha postura em relação ao projeto, ela corríamos o risco de levar uma vaia e de ter de rever, e se assim
contempla, ela observa algumas questões que dizem respeito a essa fosse reveríamos. Quando chamamos a população, a aceitação foi
expectativa, a esse diálogo com a população. Não era possível a total. A gente também trabalhou com conhecimento do perfil da
gente fazer um projeto participativo. Tinha uma dificuldade, até por demanda, do perfil familiar (...) vimos que tinha um número
que a gente tinha tantas dúvidas em relação a esse empreendimento. considerável de pessoas que moravam sozinhas, por isso que fizemos
Se ele seria realizado ou não, (...) achavam [técnicos da Sehab] um as quitinetes (...). Há um trabalho de Habi constante na favela, e
absurdo, colocar essa população para morar ali. Mas, não, essa quando a obra for encaminhada, vão fazer um recadastramento para
população já mora ali, eles já moram ali e a reivindicação é para não ver a evolução da população”. (depoimento de Wagner Germano,
sair dali. Mas tinha algumas pessoas que não entendiam isso, viam arquiteto, estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab – Cohab,
isso de uma forma muito crítica, então, tinha toda uma ‘construção’ gestão Marta Suplicy).
que tinha que ser feita, dentro até do próprio poder público. Esse
projeto, quando fizemos os estudos na Cohab, o fizemos por O arquiteto Caio Amore, da assessoria técnica contratada para a
encomenda do próprio Paulo Teixeira96, que recebeu a população: realização do projeto executivo dos edifícios, participou da reunião
‘olha precisamos dar uma resposta para a população’ (...). [contatos de apresentação do projeto, referida por Wagner Germano, e nos dá
com outras secretarias, costuras internas ao poder público que
maiores detalhes do ocorrido, confirmando seu relato:
demoraram, em dado momento ficou em ‘banho maria’, dúvidas. Até
que se falou ‘vamos fazer’, e tocamos a parte hab. (Peabiru),
“Quando a gente [técnicos da assessoria técnica Peabiru] foi fazer a
enquanto se articulava os trabalhos paralelos] (...) Foi um processo
sondagem, nem entramos na favela, a gente teve de entrar pelo
que não teve um ritmo, uma linearidade, então por isso também era
alojamento, onde parte dos prédios vai ficar. E entramos nos
complicado trazer a população, por que a gente tinha uma
clubes97. O outro contato que tivemos com a população foi uma
insegurança de dizer ‘traz a população para discutir’ e levantar uma
apresentação que teve em uma salinha da PMSP, para um grupo de
moradores, de 60 pessoas (mais ou menos). (...) tinha uma
95
Assessoria técnica aos movimentos de moradia, onde os projetos de arquitetura
97
provêm de uma ampla discussão com os moradores das unidades. A implantação dos blocos habitacionais do conjunto favela do gato se dará onde
96
Secretário da Habitação PMSP gestão Marta Suplicy. hoje há CDM´s, Clubes Desportivos Municipais.

174
maquetinha eletrônica da escola, que a gente acabou levando, foi moradias transitórias:
tudo meio assim. Disseram [técnicos da Cohab] antes para pequenas e de má qualidade
prepararmos o material, por que não estava no contrato, então foi Segundo a ideologia e a cultura operante, observada na seção
meio improvisado. (...) Foi mais explicar como é que era o prédio,
limites ideológico – culturais, item pré-conceito e discriminação,
quantos prédios seriam, uma explicação bem rápida. Não foi uma
escala da unidade habitacional: a idéia de ‘habitação popular’, é
discussão, com aprovação, nada. Foi uma mera apresentação do
‘normal’ a falta de qualidade nas moradias das famílias de baixa
produto mesmo. (...) As perguntas, na verdade ficaram mais
dirigidas à história da obra. Quando que vai fazer, qual o prazo. Mas
renda. Daí, como pressuposto, ‘normal’ seria se os alojamentos para
não questionando o projeto. Eu não me recordo de nenhuma elas erguidos seguissem a mesma lógica.
pergunta nesse sentido”. (depoimento de Caio Amore, arquiteto,
assessoria técnica Peabiru). As famílias desalojadas pelo incêndio ocorrido em 2001 na favela do
gato foram alvo dessa prática, possivelmente alimentada pelo
O depoimento de Sassá, liderança dos moradores da favela do gato, referido limite.
que também participou da mesma reunião relatada por Germano e Essa prática deflagra a existência de mais um limite, agora
Amore, nos informa que no momento da reunião qualquer alteração específico, ao programa de locação social em implementação pela
do projeto tornava-se difícil. Considera ainda que seria ‘melhor’ se PMSP, gestão Marta Suplicy.
tivessem os convocado para uma discussão do projeto: Ele se manifesta como uma barreira à produção massiva e de
qualidade de moradias na área central, compreendida a produção
“Em nenhum momento fomos chamados para discutir o projeto. A em todas suas etapas, inclusive as moradias transitórias.
gente conheceu a Maquete e a planta, numa reunião. O projeto já
estava pronto, e não tinha jeito de mudar, já estava até em
Os depoimentos reproduzidos abaixo identificam com clareza a
concorrência. (...) Seria melhor se tivessem chamado, aí cada um já
presença desse limite:
dava a sua opinião certa”. (depoimento de Sassá, liderança popular,
estudo de caso favela do gato, morador da favela do gato).
“E a gente vai ter que fazer outra mudança... isso ñ está certo.
Dessa forma assim, tudo descontrolado, a gente vai sem saber se vai
para um lugar melhor ou pior! (...) Imagine só, já colocaram a gente
em barracos apertados, se mudarmos para um menor ainda... não
está certo. (...) Sem saber quando que estes prédios estarão
prontos... eles dizem um ano. Mas se for como nos alojamentos, que

175
nos prometeram que sairíamos em seis meses, e já estamos lá a dois “E agora que vai mudar para um alojamento de dois andares.
anos? (...) Eles prometeram ainda que teria segurança, que não Imagina o pessoal que trabalha, ninguém consegue dormir à noite.
seríamos jogados, largados aqui... e que fizeram? Segurança (...) Eles [PMSP] não poderiam fazer um pouco maior? Esses aí que
nenhuma! Você nem imagina os riscos que corremos aqui... quantos não cabe nada, mal cabe a cama e um fogão, nem uma geladeira,
coitados tiveram de deixar aqui por causa disso..., deixar tudo para que não tenho, não teria condição de por”. (depoimento de Cristina,
trás”. (depoimento de Sassá, liderança popular, estudo de caso liderança popular, estudo de caso favela do gato, moradora da favela
favela do gato, morador da favela do gato). do gato).

alojamentos provisórios favela do gato


foto: Pedro Arantes, 2001.

Uma produção habitacional de moradias de qualidade não pode


deixar de lado as famílias durante o processo de produção das
unidades, logicamente compreendendo como parte do processo, já
de responsabilidade da PMSP, as moradias transitórias. Cristina,
moradora da favela do gato complementa o depoimento de Sassá,
reafirmando as condições dos barracos transitórios:

176
4.2 análise da promoção residencial pelo mercado transcendia a produção habitacional de promoção pública. Tratava-
se do extremamente concentrado mercado imobiliário paulistano,
resultante do fato de que apenas um pequeno número de famílias
4.2.1 capitalismo sem mercado
tem a possibilidade de adquirir suas casas ‘de qualidade’.

A presente pesquisa tem como objetivo identificar quais são as


Este ‘extremamente concentrado’ mercado imobiliário realiza uma
barreiras à produção da moradia social no centro. Como já antes
forte pressão de valorização das unidades habitacionais ‘de
mencionado, não de qualquer produção, mas aquela realizada
qualidade’ produzidas pelo poder público para as famílias de baixa
segundo as qualidades necessárias à boa habitabilidade das famílias
renda. Diante de um grande número de famílias de renda média que
moradoras. Buscamos entraves à produção de habitações
também não conseguem acessar moradias habitacionais ‘de
minimamente humanas.
qualidade’, pelos motivos que veremos mais adiante, as unidades
Se estudarmos toda a produção habitacional para as famílias de
alvo da primeira parte de nosso estudo podem ser rapidamente
baixa renda no centro, certamente estaríamos adentrando nas
transferidas para as famílias de renda média, num processo análogo
pensões, quartos, cortiços, favelas e casebres. Formas de habitação
ao da gentrificação, abordada na seção limites da economia política,
que são mais regra que exceção no centro de São Paulo. Abrigos sem
item gentrificação: expulsão das famílias de baixa renda, só que
qualidade para o bom desenvolvimento das atividades humanas
desta vez, pontual: unidade a unidade é passada a famílias de renda
caseiras.
maior. Ao mesmo tempo em que as famílias de renda menor voltam
Ao nos depararmos com a questão, de como se daria a produção de
para suas antes má condições de habitação.
unidades voltadas para essas famílias, mas ‘de qualidade’, tivemos a
primeira notícia de que essa produção só seria possível através de
Partimos do pressuposto de que todas as famílias têm o direito ao
programas públicos de habitação. Pois, como vimos na seção limites
acesso à moradia digna, mas diante de uma sociedade
da economia política, item baixos salários e desemprego: não há
extremamente estratificada, desigual e de renda absurdamente
renda que pague a habitação, a renda dessas famílias é
concentrada, seria possível um normal funcionamento de uma
extremamente baixa, e o acesso à moradia só seria possível com o
economia de mercado? Para que todos possam participar deste
aporte de recursos do Estado. Pusemo-nos então a observar como se
mercado, que tem como regra de funcionamento a competição entre
dá o processo de funcionamento dos programas públicos e a
seres humanos, estes devem estar dotados de condições
identificar por que mal funcionam esses programas. Em determinado
minimamente igualitárias. Temos então um nó. É de identificar o
momento de nossos estudos deparamo-nos com uma barreira que
atamento desse nó mercadológico que se trata esta breve segunda
177
etapa da presente pesquisa: Como funciona o já antes mencionado
‘capitalismo sem mercado’?

178
4.2.2 lançamentos de empreendimentos habitacionais indica que o mercado habitacional privado praticamente não
pelo mercado atende, através de financiamentos, as classes de renda inferior a
esses 10 salários mínimos, o que representa mais de 80% da
população brasileira.
Antes de adentrarmos nos depoimentos de agentes envolvidos na
produção habitacional de interesse social através do mercado, faz-se
necessário um breve sobrevôo sobre a produção habitacional
paulistana privada em geral: O quê e onde o mercado produz?

Para uma breve análise desta questão, é que elaboramos algumas


tabelas compostas por dados gerais dos lançamentos residenciais
pelo mercado na região Metropolitana de São Paulo, de janeiro de
1992 a setembro de 2002. Essas informações foram extraídas de um
banco de dados elaborado pela EMBRAESP – Empresa Brasileira de
Estudos de Patrimônio, fornecido pela PMSP.
A partir deste banco de dados organizamos uma primeira tabela, que
nos informa a quantidade de unidades habitacionais lançadas pelo
mercado segundo faixas de valor de lançamento98. Nela, podemos
observar o total de unidades lançadas no período, que é de 350.469
unidades, dentre residências unifamiliares horizontais e verticais.
Deste total, apenas 2,78% são de imóveis de até U$ 20.000,00 (R
$56.800,0099), accessíveis através de financiamento bancário por
famílias de renda de mais de 10 salários mínimos, como veremos
mais adiante, na página 194 (quando compreenderemos por quê uma
casa de R$ 60.000,00 só pode ser acessada por uma família de renda
de 10,8 salários mínimos, através de financiamento da CEF). Isso nos

98
Atenção, pois as faixas de valor não estão subdivididas de forma proporcional.
99
U$ 1,00 = R$ 2,84 , câmbio de 16 de outubro de 2003

179
Tabela 8 : Lançamentos habitacionais na RMSP por faixas de valor continuação
de lançamento 1.000 U$ unidades hab % do total
1.000 a 1.500 237 0,07
lançamentos habitacionais na RMSP 1.500 a 2.000 192 0,05
por faixas de valor
1.000 U$ unidades hab % do total 2.000 a 3.000 60 0,02
0 a 10 0 0,00 total 350.469 100,00
10 a 20 9.732 2,78
20 a 30 41.578 11,86 Fonte: EMBRAESP, Jan de 1992 a Set de 2002.
30 a 40 52.967 15,11
40 a 50 49.467 14,11
50 a 60 43.495 12,41
60 a 70 25.342 7,23
70 a 80 25.649 7,32
80 a 90 18.312 5,22
90 a 100 14.397 4,11

100 a 125 22.285 6,36


125 a 150 14.417 4,11
150 a 175 8.759 2,50
175 a 200 5.514 1,57

200 a 300 10.778 3,08


300 a 400 3.755 1,07
400 a 500 1.643 0,47

500 a 750 1.493 0,43


750 a 1.000 397 0,11

180
Fonte: EMBRAESP, jan de 1992 a set 2002.

Com o objetivo de identificar a localização dos imóveis lançados Para melhor espacialização destes distritos elaboramos mapa
pelo mercado no centro da cidade, área de nosso estudo, é que simplificado contendo as principais vias de circulação:
elaboramos a tabela abaixo. Pode-se notar que apenas 8.821
unidades foram lançadas na região, totalizando 2,52% dos
lançamentos em toda a RMSP. Destacamos o dado de que 4.167
unidades, quase metade do total lançado na região encontram-se
em áreas consideradas ‘nobres’, onde atualmente há interesse em
realização de empreendimentos residenciais, ou seja, onde ‘há
mercado’:

Tabela 9 : localização dos empreendimentos e unidades


habitacionais lançadas pelo mercado nos distritos centrais.

localização lançamentos unidades


barra funda 14 1.516 fonte: sítio da PMSP:
brás 5 812 http://portal.prefeitura.sp.gov.br/subprefeituras/spse/mapas/0001
bela vista 52 3.003
cambuci 7 1.065 Para identificação dos valores dos imóveis lançados na região
consolação 13 1.164 central, elaboramos uma tabela de cruzamento dos dados das faixas
liberdade 2 174 de valor pela localização dos imóveis (uma tabela que separe por
pari 2 156 distrito as faixas de valor dos imóveis também foi elaborada, mas
santa cecília 10 703 encontra-se nos anexos, devido sua dimensão avantajada). Á partir
sé/republica 2 228
da tabela abaixo verificamos que há uma similaridade nas
total centro 107 8.821
proporções de lançamento de unidades no centro e na RMSP. Ou
total RMSP 5.000 350.469
seja, para cada faixa de valor, as porcentagens são próximas, por
% da RMSP 2,14 2,52
exemplo, o lançamento de unidades de valor até U$ 20.000 (R
181
$56.800,00100) é parecida: 2,2% no centro e 2,76 na RMSP, e assim Algumas outras considerações podem ser feitas a partir de nossa
por diante, com algumas diferenças em determinadas faixas de visita ao banco de dados da EMBRAESP, mas que não podem ser
valor. Na tabela localizada em anexo, identificamos que 85% dos visualizadas nas tabelas apresentadas. A primeira delas é a
lançamentos localizados no distrito da bela vista são de valor constatação de que o mercado formal de habitação não consegue
superior a U$ 30.000,00, acessíveis apenas pelas camadas de renda produzir unidades de valor inferior a U$ 12.750,00, ou R$ 36.210,00
mais alta, demonstrando ser a parte do centro que encontra-se ‘no , mas cabe informar sua localização e área útil: Itaquaquecetuba,
mercado’. com 48,46 m². Logicamente distante das áreas mais valorizadas da
cidade.
tabela 10 : unidades lançadas no centro por faixas de valor de
lançamento Outra consideração relevante é acerca da amplitude do mercado de
habitação e de suas disparidades, a ponto de termos uma produção
valor UH centro RMSP de 826 unidades habitacionais de valor superior a U$ 1.000.000,00,
por 1.000 U$ UH % UH % num período próximo de dez anos. Desta forma, elaboramos uma
0 a10 0 0 0 0 tabela complementar a nossos estudos, de relevância certa para a
10 a 20 195 2,2 9.684 2,76 compreensão das disparidades sócio-econômicas a que estamos
20 a 30 909 10,3 41.626 11,88 submetidos.
30 a 40 1.340 15,2 52.807 15,07
40 a 50 688 7,8 49.627 14,16
50 a 60 2.332 26,4 43.466 12,40
60 a 70 720 8,2 25.371 7,24
70 a 80 1.328 15,1 25.649 7,32
mais de 80 1.309 14,8 102.239 29,17
totais 8.821 100 350.469 100

fonte: EMBRAESP, jan 1992 a set 2003.

100
todas os cálculos de dólar para real estão na cotação de U$ 1,00 = R$ 2,84 ,
câmbio de 16 de outubro de 2003

182
É interessante notar a coluna do meio, que nos indica o fator de
proporção diferencial, ou seja, quantas vezes a maior unidade
habitacional é maior que a menor unidade habitacional lançada ao
mercado:

Tabela 11: tabela comparativa dos extremos da produção


habitacional pelo mercado
quesito valor uni// fator quesito valor uni//
mais caro 3.000.000,00 U$ 235 mais barato 12.750,80 U$
maior área 800 m² 38 menor área 21 m²
mais qtos. 5 uni//s 10 menos quartos 0,5 uni//s
mais wc´s 6 uni//s 6 menos wc´s 1 uni//s
mais vagas 8 uni//s menos vagas 0 uni//s
m² mais caro 2.670,23 U$ 17 m² mais barato 154,87 U$

Fonte: EMBRAESP, Jan de 1992 a Set de 2002.

183
4.2.3 lançamentos de empreendimentos de ‘HIS’ pelo decreto considera os empreendimentos que podem usufruir dos
mercado benefícios fiscais e urbanísticos aqueles que possuírem área total
máxima de até 72 m², apenas um banheiro, máximo de uma vaga de
estacionamento descoberta por unidade, áreas máximas de lote de
Observada a produção habitacional privada, voltada mais
100m² quando unifamiliar e 20.000m² quando multifamiliar, e,
especificamente às classes sociais de maior renda, buscaremos a
finalmente, as famílias que podem ter acesso a essas unidades
seguir, também de forma rápida, coletar alguns dados relevantes à
podem ter renda de até 12 salários mínimos101.
compreensão do universo específico da produção de HIS pela
Desta forma temos as unidades de ‘HIS’, que servirão de base para
iniciativa privada. Quantos são esses empreendimentos? Onde se
nossos estudos. Essa aproximação é suficiente para a busca das
localizam na RMSP?
informações necessárias para a presente pesquisa. Apenas para
aferir o valor dos imóveis do universo de ‘HIS’ encontrado,
Antes de adentrarmos nas informações que buscam responder as
observamos que o imóvel de ‘HIS’ de maior valor de lançamento
questões colocadas, algumas ressalvas e considerações acerca da
encontrado segundo a metodologia apresentada é de U$ 61.122,24
formatação do material coletado são necessárias, pois até agosto de
ou R$ 173.546,00. Para aferir sua ‘veracidade’, o comparamos com o
2002 não havia há dados específicos acerca da produção de HIS pelo
valor máximo de um imóvel que pode ser comprado por uma família
mercado. Devido ao fato de até então não haver um sistema de
de renda de 12 salários mínimos (como vimos na lei de HIS), e
armazenamento e tabulação dessas informações pela PMSP, ou por
comprometimento de renda de 20% para o pagamento das
qualquer outra entidade de pesquisa. As planilhas elaboradas pela
prestações do financiamento, com juros de 8%, e chegamos a uma
EMBRAESP aqui utilizadas não diferenciam a característica de
habitação de R$ 170.400,00. O que nos parece suficientemente
aprovação dos lançamentos imobiliários, se são HIS ou não. Desta
próximo.
forma, utilizamos a metodologia elaborada por Carolina Pozzi de
Castro, em sua dissertação de mestrado: “A Explosão do
autofinanciamento na produção da moradia em São Paulo nos anos
90”, no qual realizou uma aproximação de quais empreendimentos
dos fornecidos pela EMBRAESP podem ser considerados de Interesse
Social. Esta aproximação foi possível pela seleção das unidades que
se enquadram nos parâmetros de caracterização de HIS segundo a
legislação que regulamenta a Habitação de Interesse Social. O
101
segundo o decreto lei de 26 de maio de 1992

184
A seguir podemos identificar o universo de ‘HIS’ lançadas na RMSP, período de um ano (agosto de 2002 a julho de 2003). Se
no período de jan de 1992 e set de 2002: compararmos com os imóveis de ‘HIS’ lançados e documentados pela
Embraesp, e fizermos uma média de quantas unidades são lançadas
Tabela 12 : lançamentos residenciais de ‘HIS’ na RMSP por ano, chegaremos a 1.520 imóveis de ‘HIS’/ano. Esta diferença
pode talvez ser explicada pelo crescimento verificado nessa
lançamentos res. RMSP modalidade de produção durante o período utilizado como base de
HIS' total RMSP % estudo. Há, por exemplo, no ano de 1992, 874 unidades de ‘HIS’
empreendimentos 146 5.000 2,92 lançadas; já em 2001, o mercado lançou 2002 unidades.
unidades 16.216 350.469 4,63
Tabela 13 : empreendimentos e unidades de HIS aprovadas pela
Fonte: EMBRAESP, jan 1992 a set 2002.
PMSP durante o período de um ano

Apenas como informação complementar, apresentamos abaixo o


empreendi/os unidades
número de HIS aprovadas pela PMSP de agosto de 2002 a julho de
ago/02 11 1246
2003. Atentamos aqui que estes dados da produção de HIS são os set/02 6 324
únicos que podemos tratar como certos ou exatos, pois foram out/02 4 185
extraídos do banco de dados recentemente elaborado pela PMSP102, nov/02 7 222
em Aprov, órgão da Sehab responsável pela aprovação de dez/02 4 123
edificações. jan/03 3 224
Devido sua recente criação, não o utilizaremos para subsidiar as fev/03 3 165
questões por hora trabalhadas, mas sim apenas para aferir e mar/03 3 308
comparar com os dados de ‘HIS’ extraídos do banco de dados da abr/03 1 36
EMBRAESP. mai/03 7 218

Segundo o referido banco de dados de Aprov, foram aprovadas 3.792 jun/03 12 501
jul/03 9 240
unidades habitacionais de HIS em todo o município de São Paulo no
total 70 3792
localizados no centro 0 0
102
Este banco de dados foi elaborado em agosto de 2003, momento qual me foi
dada a possibilidade de contribuir em parte de sua elaboração inicial como parte
dos trabalhos de campo da presente pesquisa. fonte: PMSP, Sehab – Aprov banco de dados.

185
Dos empreendimentos de HIS aprovados pela PMSP elencados na
tabela anterior (tabela 13) nenhum deles localiza-se no centro de
São Paulo. Mas se observarmos os imóveis de ‘HIS’ lançados pelo
mercado no centro, segundo a Embraesp, veremos que totalizam 993
unidades, o que significa 6,12% dos lançamentos de ‘HIS’ de toda a
RMSP.

Tabela 14 : localização dos lançamentos residenciais de ‘HIS’ no


centro

lançamentos de ‘HIS’ no centro


empreendi/os unidades ‘HIS'
barra funda 14 1.516 210
brás 5 812 0
bela vista 52 3.003 0
cambuci 7 1.065 0
consolação 13 1.164 404
liberdade 2 174 0
pari 2 156 0
santa cecília 10 703 151
sé/republica 2 228 228
total centro 107 8.821 993
total RMSP 5.000 350.469 16.216
% da RMSP 2,14 2,52 6,12

Fonte: EMBRAESP, jan 1992 a set 2002.

186
4.2.4 a produção por cooperativas habitacionais de São Paulo, onde houve o lançamento de apenas 496 unidades, ou
autofinanciadas 0,7% do total produzido pelas cooperativas na RMSP.
Antes de compreender o por quê da presença maciça de
cooperativas apenas nas regiões menos centrais, vejamos alguns
A produção habitacional por cooperativas foi pela primeira vez
dados e características de sua produção:
regulamentada em 1964, com o advento do golpe militar, e a
criação do BNH. Anos após, são criados os INOCCOPS, entidades civis
tabela 15 : dados de exemplos da produção de cooperativas
sem fins lucrativos que então incubariam cooperativas habitacionais
habitacionais de autofinanciamento
por todo o país. Desde sua regulamentação muitas alterações em
quadro resumo da produção de cooperativas habitacionais de
suas regras de funcionamento foram estabelecidas, como a
autofinanciamento
obrigatoriedade de incursão de agentes do governo central militar
area
em suas estruturas com o objetivo de ‘fiscalizá-las’.
UH útil custos (R$)*
Á partir da constituição de 1988, uma nova onda de produção de coop. localiz. Q financiam/o
prod. uni//
unidades por cooperativas habitacionais se deu nas cidades m² uni// m² prestaç.
brasileiras, e em nosso caso, em São Paulo. É deste período da 2 57,86 69.000,00 1.192,53 487,00 CEF, Bancos
Inocoop
produção cooperada de habitações que iremos de forma muito breve 115 RMSP Privados e
- SP 3 71,85 79.500,00 1.106,47 550,00
tratar mais adiante. Para um maior aprofundamento acerca desse Autof.
tema, pós 1988, da produção habitacional por cooperativas, visitar a Coop.
Zona
dissertação de Mestrado de Carolina Pozzi de Castro: “A Explosão do Hab 714 2 61,68 65.704,32 1.065,25 456,28 Autof.
NO MSP
autofinanciamento na produção da moradia em São Paulo nos anos Piratin.
1 38.000,00
90”. RMSP e 37 a 753,00 a 300,00 a
Bancoop 2.598 a a Autof.
litoral 67 1.613,00 1.200,00
3 147.900,00
Há dados que indicam uma intensa produção habitacional por
Coop.
cooperativas autofinanciadas em toda a RMSP. Entre janeiro de 1992
Hab. do 1 38.480,00
e setembro de 2002, foram lançadas ao mercado 67.702 unidades, 313,00 a
Estado 4.200 RMSP e indef. a indef. Autof.
706,00
ou 19,32% de todos os lançamentos residenciais na RMSP. Trata-se de São 2 71.500,00
de uma produção significativa, mas pouco presente na região central Paulo
*valores de agosto de 2002

187
fonte: material apresentado por cooperativas habitacionais no Seminário “Como tabela 16 : lançamentos habitacionais de cooperativas na RMSP
ampliar o mercado de habitação popular? : construindo uma agenda”, promovido
por faixa de valor do imóvel.
pela Sehab/PMSP e LabHab Fau Usp, em novembro de 2002.

lançamentos habitacionais RMSP


Na tabela ao lado podemos ver a quantidade de imóveis produzidos
preço UH cooperativas total RMSP
por faixa de valor de lançamento, onde se pode notar um maior
% das % das UH total
volume de lançamentos nas faixas de 30 a 40 mil U$, ou R$
por 1.000 U$ UH coop RMSP UH %
85.200,00 a R$ 113.600,00, totalizando quase a metade dos
mais de 80 160 0,24 0,16 102.239 29,17
lançamentos da faixa em toda a RMSP: 49,62%. Essas unidades 70 a 80 575 0,85 2,24 25.649 7,32
voltam-se às rendas mensais familiares de oito a dez salários 60 a 70 1.770 2,61 6,98 25.371 7,24
mínimos, caracterizando a produção de unidades de cooperativas 50 a 60 9.441 13,94 21,72 43.466 12,40
habitacionais como uma forma massiva de produção habitacional 40 a 50 19.823 29,28 39,94 49.627 14,16
para a classe média paulistana. 30 a 40 25.573 37,77 48,43 52.807 15,07
Vale ainda ressaltar os extremos da produção cooperativa, que 20 a 30 9.112 13,46 21,89 41.626 11,88
produz unidades de U$ 16.938,00 (R$ 47.535,00) no Tremembé, com 10 a 20 1.248 1,84 12,89 9.684 2,76
45,5 m² de área útil, e U$ 117.790,00 (R$ 334.523,00) em Cotia, 0 a10 0 0,00 0,00 0 0
com 184 m² de área útil, demonstrando a amplitude das faixas de totais 67.702 100 19,32 350.469 100

renda que atende.


fonte: EMBRAESP, jan 1992 a set 2002.

188
Aprofundando um pouco mais a caracterização da produção A localização das cooperativas habitacionais pode ser observada
habitacional por cooperativas autofinanciadas, vejamos a tabela abaixo. Como se vê, há apenas 496 unidades lançadas no centro, das
abaixo, que nos fornece dados acerca dos lançamentos cooperados quais 208 localizam-se no distrito da consolação, rua Bela Cintra,
de ‘HIS’, totalizando 6.634 unidades: 9,79% da produção por por U$ 38.628,47 (R$ 109.704,85) e US 52.083,33 (R$ 147.916,66) e
cooperativas na RMSP, e 40,91% dos lançamentos de ‘HIS’ de toda a do Brás, rua Ipanema, por U$ 73.890,51 (R$ 208.890,51).
RMSP.
tabela 18 : localização dos lançamentos residenciais por
tabela 17 : lançamentos residenciais de cooperativas cooperativas autofinanciadas
habitacionais, cooperativas habitacionais de ‘HIS’e ‘HIS’ em geral.
lançamentos residenciais por cooperativas
lançamentos residenciais RMSP total
total 'HIS' total coop no centro coop no MSP coop
total coop coop 'HIS'
RMSP RMSP RMSP
% do % do % do
% do % do
total total total
quanti// total quanti// quanti// total quanti// quanti// quanti// quanti//
'HIS' coop coop
RMSP RMSP
RMSP RMSP RMSP
empreendi/os 194 3,88 31 21,23 146 2,92 5.000 empreendimentos 3 1,5 108 55,7 194
UH 67.702 19,32 6.634 40,91 16.216 4,63 350.469 unidades 496 0,7 30.268 44,7 67.702

fonte: EMBRAESP, jan 1992 a set 2002. fonte: Embraesp, jan 1992 a set 2002.

189
4.2.5 limites à produção residencial privada

4.2.5.1 relação dos agentes entrevistados

A. cooperativas habitacionais autofinanciadas

- William Kun Niscolo, advogado, presidente da Fecoohesp.

B. construtoras

- Celso Luiz Petrucci, engenheiro, diretor do Secovi.


- Orlando de Almeida Filho, corretor de imóveis, presidente do
Sciesp.

190
4.2.5.2 limites à produção por construtoras e cooperativas Uemura, arquiteta, estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab –
autofinanciadas Cohab, gestão Marta Suplicy).

Helena Silva, vice-presidente do Pró Centro, PMSP, também


Como relatado no início desta etapa acerca da produção privada de
considera a falta de incentivos, e de financiamento, como barreiras
HIS, a presença de um mercado estreito, ou de um regime de
à produção privada, considerando-as tão relevantes quanto os
‘capitalismo sem mercado’, acaba por se tornar mais uma barreira à
instrumentos do Estatuto da Cidade, já aplicados na região central
produção da moradia social no centro.
nas ZEIS 3103, que buscam incentivar a produção de HIS. Ou seja,
Alguns depoimentos e trechos bibliográficos coletados já apontaram
Silva conclui que de nada adianta a presença destes instrumentos se
para este fato. Antes de apresentarmos as considerações dos
não há incentivo e financiamento:
agentes diretamente envolvidos na produção de HIS pelo mercado,
vejamos alguns trechos de depoimentos dos agentes inseridos no “Em função da questão fundiária, nós definimos o instrumento Zeis,
processo de produção de HIS pelo poder público acerca do tema. foi um avanço, é muito importante. Mas a Zeis, assim como qualquer
instrumento do Estatuto da Cidade, ele não funciona sozinho,
Margareth Uemura, técnica da Cohab, nos indica algumas das nenhum instrumento urbanístico, por melhor que ele seja, ele
barreiras à produção privada de HIS no centro. Trata-se da falta de funciona se ele não for acompanhado de gestão, de promoção
incentivos aos empreendimentos, falta de punições dos proprietários mesmo, de mobilização que o poder público faz dos agentes
que não cumprem a função social de seus imóveis, bem como a envolvidos, e se não tiver financiamento para responder. Ontem eu
discuti essa questão, também noutro Seminário do Ministério das
inexistência de uma política nacional de investimentos em
Cidades. Por exemplo: em todas as áreas de zeis 3, você tem o
habitação:
instrumento da urbanização com edificação compulsória, que tem a
taxação progressiva. Vamos falar da urbanização compulsória. Ela
“Não há incentivos [a produção privada de HIS no centro], por um
serve para quê? Quando você sabe que se o proprietário, ele não
lado por que não se pune, por outro lado também não há incentivos
fizer aquilo [destinar algum uso ao seu imóvel], depois de um certo
de reabilitar. Há também a questão da política financeira no Brasil.
tempo, ele vai ter o imposto progressivo. E depois de mais algum
O investimento no mercado financeiro é o que traz retorno, muito
tempo ele vai ter a desapropriação por títulos da dívida. Bom para
maior do que fazer investimento no mercado imobiliário. Então
que serviria isso? O proprietário, ele vai raciocinar, e vai ver que o
gastar 5o mil para fazer reforma num predinho de apartamentos, na
hora de locar, o retorno é muito menor”. (depoimento de Margareth 103
Os imóveis inseridos nas áreas delimitadas como Zeis 3 no plano diretor
estratégico de São Paulo, devem, dentre outros requisitos, reservar nos novos
empreendimentos 50% de sua área construída voltada para HIS.

191
imposto dele vai aumentar muito, e que vai ficar caro aquele Ermínia Maricato, professora da Fau Usp, em participação no
terreno, e muito melhor seria ele vender. Uma das idéias da encontro: “Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa
urbanização compulsória é aumentar a oferta, ela aumenta, mas ela idéia?”, considerou que se faz necessária a criação de um programa
tem de ser aproveitada por alguém. Então para o poder público
nacional de financiamento habitacional especificamente voltado à
aproveitar a oferta, ele tem que ter recurso para adquirir. Para o
produção de HIS nas regiões centrais das grandes cidades, segundo
setor privado também aproveitar, ele também tem que ter recurso
consta no ‘Projeto Moradia’, proposta de política habitacional
para adquirir para uma demanda, que é aquela que nos interessa
colocar nas zeis. Se você não tiver recursos para produzir habitação
nacional organizada pelo Instituto da Cidadania:
de interesse social, você corre o risco de estar congelando,
imobilizando zonas, por que você não tem saída. Não adianta você “Precisamos de Um programa nacional de financiamento voltado
ter instrumentos, dos quais você não tem uma saída de viabilidade. para a moradia social em áreas centrais de grandes cidades. Algo que
Então a questão da política é uma política fundiária, que conta com tem sido discutido e está no Projeto Moradia, é a questão dos
instrumentos operacionais e que conta com recursos: é base para subsídios escalonados. Toda faixa de renda tem alguma capacidade
que os instrumentos funcionem. Se não é discurso, é demagogia, e o de poupança. Alguns podem até autofinanciar suas moradias, como
movimento fica achando que o programa vai andar e não anda. Por revelou a pesquisa da Fipe sobre a capacidade de poupança de um
que primeiro você tem a propriedade privada, a propriedade terço dos entrevistados” (Ermínia Maricato, in: relatório final do
privada. (...) Agora, outra coisa, é também a parceria entre os encontro “Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa
construtores e os proprietários de terreno. Então o poder público, idéia?”, Lab Hab Fau Usp, 2000:59).
ele pode até entrar com um pouco de recursos, mas ele tem que
entrar muito é mostrando como os instrumentos funcionam. Que é, Maricato teceu estas considerações a partir de estudos que indicam
por exemplo, o que estamos fazendo na Cúria104”. (depoimento de como barreira à produção habitacional pelo mercado a falta de um
Helena Silva, arquiteta, estudo de caso favela do gato, PMSP, Sehab – modelo de financiamento compatível com a realidade econômica da
Pró Centro, gestão Marta Suplicy). maior parte das famílias brasileiras. Vivemos sob um modelo
produtivo que não foi criado para produzir para estas pessoas:

104
“Nos anos 90, o financiamento habitacional oferecido pelo mercado
O Pró Centro, através do ‘escritório antena’ (grupo de técnicos voltados à
atuação em um perímetro pré-definido do centro) tem realizado reuniões privado ilegal, ou seja, pelos bancos, não atinge aqueles que ganham
sistemáticas com a Cúria Metropolitana, proprietária de imóveis em um dos menos de 10 salários mínimos, de modo geral. Algumas cooperativas
perímetros delimitados, para que lá possam realizar uma parceria público-privada
de investimentos, onde 50% da área construída deverá ser de unidades de HIS. Isto associativas como é o caso da Cooperativa do Sindicato dos
ocorre no PRIH – Luz (Perímetro de Reabilitação Integrada do Habitat, localizado na bancários, em São Paulo, chegam com seus produtos à faixa mínima
região da Luz).

192
de 8 salários mínimos (1999). Essa, entretanto, não é a regra. Para habitação), e as de até três salários, recursos subsidiados pelo OGU –
dar uma idéia de grandeza, na região metropolitana de São Paulo Orçamento Geral da União (que produziriam unidades mais baratas e
apenas 40% das famílias, aproximadamente, tem renda de dez simplórias).
salários mínimos para cima. Ou seja, quase 60% da população da
metrópole paulistana estão excluídos do mercado legal privado de
Petrucci, ao comparar o modelo supra citado com o atual
moradia”. (Maricato, in: “A cidade do pensamento único,
funcionamento do sistema de financiamento habitacional, afirma
desmanchando consensos”, 2000:156).
que há muitas diferenças. Entre elas é a “dificuldade de critérios de
Para compreender melhor o porque da não inclusão destes 60% da aprovação de financiamento: elitizando a aplicação dos recursos do
população paulistana na produção habitacional pelo mercado, FGTS: a caixa é seletiva na aplicação dos recursos”.Daí, “quem
realizamos uma entrevista com um dos diretores do Secovi - poderia ter recursos do SBPE (acima de 10) utiliza o FGTS, que é
Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração subsidiado, perde-se o subsídio para até os 10 salários, e quem
de Imóveis Comerciais e Residenciais de São Paulo, Celso Luiz toma é quem tem bem mais condições”.
Petrucci. Engenheiro e responsável pela diretoria de produção Atualmente o FGTS assiste famílias com até 4.500,00 de renda (18
habitacional voltada aos 60% excluídos do mercado: a produção de salários mínimos). Petrucci reivindica formas de “trazer este
HIS pública e privada. Possui, portanto, olhos treinados para funding (FGTS) para uma classe mais baixa, de 2.400, 3.500,00,
observar a produção de HIS pela ótica empresarial, compreendendo vendo se despreciona os recursos do FGTS para quem realmente
suas dificuldades e carências. precisa”.

Petrucci inicia sua explanação sobre o tema apontando como Petrucci lista as maiores barreiras à produção de HIS privada no
deveria funcionar o financiamento habitacional para uma sociedade centro, muitas delas comuns à produção pública, já vistas nas seções
estratificada e marcada pelas desigualdades: de forma desigual. As anteriores:
famílias de renda acima de dez salários mínimos devem acessar
1: alto custo da terra: “Falta disponibilidade de terra a um preço
maiores vultos de dinheiro (o que resulta em casas maiores e
compatível com o preço que tem que ter o imóvel”.
melhores) diretamente das cadernetas de poupança dos bancos
privados. As famílias de renda até 10 salários, recursos razoáveis da
maior ‘poupança pública’, o FGTS, com juros mais baixos que os de
mercado (resultando em casas suficientemente boas para

193
2: desconhecimento dos incentivos existentes: “Falta um pouco de estado, o município, CEF e sindicatos. Havia um acordo de
conhecimento para os nossos empresários, da Operação Urbana cooperação técnica, uma das propostas era montar um banco de
105
Centro , por que ela traz uma série de incentivos”. ofertas, e a outra, lógico, era de fazer um banco de demandas. Para
ver se conseguíamos que qualquer nível de governo tivesse acesso às
3: demora na aprovação dos projetos pela PMSP: “Apesar de todas mesmas informações e procurassem formatar programas mais
as iniciativas, do pessoal de Aprov on-line106, nós ainda temos uma integrados. (...) É uma idéia que se tem que conseguir desenvolver,
demora muito grande para aprovação de projetos. Ainda é, a gente a gente houve muito: ‘no centro tem não sei quantas mil unidades
houve muitos empresários que tem dificuldade. A gente vê a desativadas, não sei quantos prédios abandonados’ mas cada um faz
dificuldade que é para se detectar uma oportunidade, e sair dessa um pedacinho do levantamento. Eu imagino, que no centro deva ter
oportunidade até a aprovação do projeto e a incorporação” milhares de metros quadrados parados. Só que ninguém sabe disso,
ninguém sabe quem é o dono, se a propriedade está legalmente
4: falta de um banco de dados de demanda e ofertas: “Os acessível, por serem propriedades antigas”.
programas que tem, o PAR, por exemplo, são bastante burocráticos,
você tem uma exigência de memorial descritivo muito forte, e você 5. conjuntura econômica: “Um construtor, um empreendedor vai
tem os números deles, que são muito apertados para você trabalhar. para qualquer lugar que tiver oportunidades, se o Cláudio foi lá
(...) Se torna muito difícil você detectar oportunidades no centro. mexer nesse prédio, no centro, é por que quando ele fez a conta, no
107
Para o Cláudio Bernardes , eu tenho a certeza que as pessoas final dava lucro, se não ele não ia. Só que para começar a pensar em
oferecem as coisas, por que como ele fez dois projetos no centro, ele alguma coisa, nós estamos passando por uma conjuntura tão
acaba tendo ofertas até de terrenos. Mas você não tem um banco de complicada que as empresas mal e mal estão dando conta daquilo
ofertas imobiliárias, você depende, eu fico pensando: ‘como é que que estão fazendo. E tem que ser muito competente nas coisas que
eu vou prospectar um negócio no centro da cidade. (...) ninguém tem está fazendo, para não piorar a conjuntura da própria empresa,
uma base de dados. Essa era uma idéia de um antigo convênio, (...) então eles não têm o tempo para ver se tem alguma opção de
um acordo de cooperação entre a SEDU, no ano retrasado: Sedu, gov. negócio numa região central”.

105
A operação Urbana Centro, criada em junho de 1997, abre a possibilidade de 6. limitação cultural do empresariado brasileiro: “Há uma limitação
maiores taxas de ocupação para novos empreendimentos imobiliários no centro, cultural, isso deu para perceber quando estivemos outro dia com um
além de outros incentivos.
106 Francês, numa consultoria. Ainda estamos, o empresário nosso, numa
Trata-se de uma nova forma de gerenciamento dos processos de aprovação de
edificações pela PMSP/Sehab/Aprov, que permita o acompanhamento dos processos cultura de que construir significa... como a história da nossa
pela Internet, e outras facilidades. ver sítio da PMSP: construção é muito engraçada: a maioria das grandes empresas de
http://plantasonline.prefeitura.sp.gov.br/
107
Empresário que recentemente realizou dois empreendimentos habitacionais na hoje começaram quando esses engenheiros eram recém formados na
região central, a partir da compra dos imóveis, reforma e posterior venda.

194
USP, Mauá, e faziam sobradinhos, com o dinheiro do pai (assim que imaginar a reforma que você vai ter que fazer, saber a
começaram as empresas de engenharia). Essas empresas de adaptação que você vai ter que fazer, a legislação que mudou (por
engenharia, que são espacializadas no ramo imobiliário, elas nunca que esse prédio tem 30 anos), ou seja, o quê que você vai ter que
(São Paulo tinha tanta coisa por se fazer nos últimos anos, fazer para transformar esse prédio numa mercadoria para venda.
principalmente durante os anos 80) viram o mercado de reforma, Mas eu tenho percebido nos próprios empresários, e aqui em
como um mercado empresarial, para se ganhar dinheiro, para se particular, que já existe um interesse muito grande nesse tipo de
consolidar uma empresa nesse mercado. E eu acho que esta questão coisa. Eu acho que o que falta ainda é oportunidade. De aparecer
hoje, ela começa a ser vista de uma outra forma. A partir do alguém falando: ‘olha, eu tenho ali um hotel que está sendo
momento que você começa a perceber que aquilo que se investe na desativado. É tudo conta110, para mim é tudo conta: estou vendendo
França em reformas, é de 50%. Eu tenho visto no Brasil inteiro que se a mil reais, quantos apartamentos dá para fazer nesse hotel? Dá para
começa a pegar uma cultura desse tipo, agora, sempre que a gente fazer 20 apartamentos de 40.000,00 (dentro dos dez salários), dá
fala isso em termos empresariais, outro dia vi um empresário que uma receita de R$ 800.000,00, quanto que eu vou gastar para pegar
fez uma revitalização no centro do Rio, e fica muito legal, mas veja esse prédio, re aprovar, transformar uma matrícula só em várias
só o resultado do negócio: um negócio de um milhão de reais, vamos matrículas, numa fração ideal, ir ao registro de imóveis, transformar
dizer que este foi o custo, e no fim que tenha sobrado, um lucro de isso numa incorporação imobiliária e tal, vou ver se dentro desses R$
200.000 reais, o que é uma rentabilidade boa, mas você pega o 800.000,00 dá para fazer tudo isso. Se dá para reformar, e se dá
tempo que ele demandou para conseguir isso: conseguir aprovar um para ganhar dinheiro, né? Isso aqui hoje é ainda muito, é muito
projeto desse, conseguir colocar dentro das diretrizes da prefeitura. complicado. As pessoas não estão para isso, ainda que a conjuntura
Deve ter sido em uns 20 meses, por exemplo. Dá 10.000 reais por não permite, elas não estão para perder tempo. Se chegasse alguém
mês. E com um empresário nosso da indústria imobiliária, ele está e falasse assim: ‘tenho dez imóveis lá no centro, vamos lá dar uma
108
acostumado com um outro tipo de coisa: É um ‘developer’ mesmo, olhada para ver se algum interessa e tal, os imóveis estão sendo
bem no estilo americano. Está acostumado a ver um terreno, ver que vendidos a preço de mercado, eu tenho um terreno, que dá para
existe uma oportunidade, é o ‘filing’109 dele. Uma pesquisa, um fazer uma operação urbana, que me permite um aproveitamento de
estudo, diz que ali dá para fazer um bom negócio: ele desenvolve o seis vezes’. Não existe isso, não existe essa oferta no mercado. Eu
produto, aprova o projeto, registra a incorporação, vai a um banco acho que essa informação é hoje muito mais dos poderes públicos,
ou não e lança esse produto no mercado. É muito diferente da que da iniciativa privada. Você deve ter esse tipo de levantamento
logística que exige você ir ver o prédio que está disponível para na Viva o Centro, na Prefeitura, mas ninguém junta isso para dizer:
vender, você ter que imaginar o que está por trás das paredes. Ter ‘olha ali tem um terreno vazio ali, vamos tentar viabilizar um

108
‘desenvolvedor’, do Inglês.
109 110
‘sentimento’, faro pelo ‘negócio’, enquanto transação comercial, do inglês. matemática, equação que informa se o empreendimento imobiliário gera lucro.

195
empreendimento ali, tem um monte de imóvel que dá para fazer sucesso, e depois virar um ‘case’111 mas que é um ‘case’ que no fim
retrofit, e nós vamos ofertar esses imóveis’”. vai atender aqui doze famílias. Bem diferente do que você ter uma
ação integrada, ás vezes de um dois órgãos do poder público, e
7. Falta de parceria entre o poder público e a iniciativa privada: tentar fazer um negócio um pouco mais atrativo”.
“Tem este exemplo do Rio de Janeiro (é muito complicado você fazer
uma operação imobiliária) onde ele pegou dois imóveis antigos, e 8. Morosidade na regularização das antigas escrituras: “O que está
transformou esses dois imóveis comerciais antigos em uns doze vago e disponível, pode se tornar indisponível por problema de
apartamentos. Agora, seria muito mais atrativo, se isso fosse, por documentação. Todas as regiões mais antigas você tem isso.
exemplo, uma quadra. Estou falando isso pelo seguinte: se a PMSP Antigamente as escrituras não tinham uma frase que é muito comum
conseguisse fazer no centro o que em Salvador eles conseguiram hoje: ‘um terreno que encerra a área de 250 m²’. Se não tem isso
fazer, no pelourinho, ou seja, você atrair os proprietários de uma ele se torna indisponível. Aí você tem que chamar todos os imóveis
certa região, mostrando para eles tudo que vai ser feito de melhor lindeiros, e tem que provar que 10x25m dá 250m², e todos os
nessa região. Se você melhora aqui, questões de circulação, vizinhos têm que concordar”.
estacionamento, colocar serviços, colocar comércio, em regiões hoje
degradadas. Por exemplo, se pegarmos uma quadra da Conselheiro 9. Dificuldades na realização de obras na região central: “Entre
Crispiniano, onde hoje para andar é complicado. (...) e se você ao você começar alguma coisa num bairro como na Vila Mariana, e
invés de estar trabalhando imóveis isoladamente e estiver começar uma coisa no centro, eu acho que as pessoas acabam
trabalhando numa área um pouquinho maior, você gera optando pelo centro, pelas dificuldades todas que tem no centro.
oportunidades, utilizando-se de instrumentos como o recém criado Inclusive pelas restrições para obras, como horários para
agora pela medida provisória: os Programas de Parceria Privada, o determinados serviços, o que pode envolver num aumento de custos
tal dos PIPS, e o FIDC da CEF, que é Fundo de Investimento de nas obras”.
Direitos Creditórios, que serve para esse tipo de coisa: eu detecto
uma oportunidade, um terreno numa área que esteja precisando de Acerca da questão anteriormente trabalhada na seção limites da
desenvolvimento. Eu vou ao poder público e falo ‘vou fazer um economia política, item gentrificação: expulsão das famílias de
pouco de habitação social, um flat, algumas lojas, um prédio de baixa renda dos limites à promoção pública, que trata das
estacionamento e tal’, faz um fundo e pulveriza-se isso. É muito
dificuldades da permanência da população de baixa renda em um
mais fácil do que essa iniciativa isolada, às vezes até quixotesca, de
centro em processo de valorização imobiliária, Petrucci considera
eu conseguir um imóvel na cidade, fazer um retrofit dele, e ter um
esse processo ‘natural’:

111
‘Caso’, do inglês, projeto piloto, pontual, exemplo.

196
“Isso [revalorização imobiliária] vale para qualquer região. E eu acho “Eu sou contra propostas que tenham a intervenção pública de
que o centro fica cada vez mais atrativo. Agora parece que a PMSP qualquer forma. Mas eu acho que aí, eu acho que se nós temos um
112
vai lá para o Banespa , algumas secretarias também. Até a própria centro da cidade que efetivamente poderia estar morando lá o dobro
CDHU parece que deve ir para o centro. Eu acho natural que aja uma da população que hoje mora, e o poder público precisasse investir
valorização. Da mesma forma de quando saiu todo mundo do zero de infra-estrutura (lá é bem atendido de sistema viário, de
113
centro , houve uma desvalorização acelerada. Eu acho que a partir transporte de massa) eu acho que aí se você quer preservar algumas
do momento que você começa a voltar, vai haver essa valorização. áreas, para que você possa trazer hoje pessoas que estão morando
Mas eu acho isso natural no mercado. Não acho que isso seja ruim. A em Guaianazes ou em Perus, eu acho que aí só com intervenção
gente vai vendo isso em diversos bairros: Eu, quando era moleque pública que você consegue, (eu ouso dizer). Só com intervenção
morava em pinheiros, e era um bairro completamente de classe pública é que você conseguiria segurar esse tipo de coisa. Ou seja,
média, com as casinhas todas, sobradinhos. Você vai hoje e vê não é dentro do meu liberalismo, mas eu acho que se existem não sei
prédios de altíssimo padrão, coisas caríssimas na Capote Valente, na quantos mil prédios parados no centro da cidade, uma das coisas que
Cristiano Viana, a Vila Madalena. Hoje você acha apartamentos de podia ser feita é começar a mexer nesses prédios, se pensar em
3.000,00 o m² de área útil. Há uma grande concentração de desapropriação, pensar em maneiras de se fazer retrofit nesses
intelectuais, bastante coisa de cultura. Então eu acho isso natural, e edifícios. (...) Pois se eu tenho uma população X hoje no centro e eu
eu acho que se voltar para o centro, e eu acho que isso vai acho que poderia ter uma população Y, e quero conseguir fazer que
acontecer, da mesma forma que aconteceu em Nova York, da mesma o poder público possa ocupar toda a infra-estrutura e tirar a
forma que acontece em outras cidades. Quando você começa a puxar ociosidades, isso vai levar vinte anos. A não ser que eu atraia a
um bairro, isso é natural, é do ser humano, com certeza”. iniciativa privada, e se eu fizer algumas interferências pode ser que
eu consiga fazer isso em cinco anos, em dez anos. Daí eu acho que
Em seguida, o questionamos acerca da população de baixa renda, valeria a pena se começar a fazer a conta do quê que é melhor para
público alvo de nossa pesquisa. Como ela habitaria em um centro a cidade, em termos de investimento. Se for melhor fazer isso, do
‘re-valorizado’? que fazer infra-estrutura lá em Valo Velho, eu ouso dizer que aí você
precisaria ter intervenção pública para você preservar algumas
Petrucci afirma que essas famílias só poderão habitar no centro com
possibilidades para se construir HIS na cidade. (...) Mais ou menos
investimentos públicos diretos (apesar de a seu contra-gosto), como
dentro de uma linha para um ‘edge city’114: eu fico pensando muito
medida mitigadora dos efeitos da alta dos preços dos imóveis:
na Avenida São Luiz, que teria tudo para ser um lugar maravilhoso
112 na cidade. Se você for conhecer aqueles prédios lá (é tudo
Edifício do Banespa localizado entre o vale do Anhangabaú e a praça do
Patriarca, diante do viaduto do Chá.
113 114
Petrucci deve aqui se referir à classe social de maior renda. do inglês: ‘cidade de fronteira’, ou cidade ‘de vanguarda’, ‘cidade limite’.’

197
apartamento de um andar), onde poderia ser um belo boulevard,
cheio de mesas nas calçadas, um exemplo do que poderia ser feito Ainda com o objetivo de compreender e identificar os limites à
ali. Mas com isso eu acho que atraía esse público, eu não afasto a produção de HIS no centro realizada por entidades privadas, é que
hipótese de você ter que levar famílias de uma classe de renda realizamos uma entrevista com William Kun Niscolo, advogado,
melhor, até para atrair as famílias de renda mais baixa. Em outras
presidente da Fecoohesp – Federação das Cooperativas Habitacionais
palavras, poderia ser que algum movimento de modismo, como hoje
do Estado de São Paulo.
é a Vila Madalena, de repente virasse moda morar na Avenida São
Niscolo inicia sua explanação respondendo a questão já por muitos
Luiz. Com certeza seria mais fácil você conseguir viabilizar coisas ali
do lado, na República, na Ipiranga. Agora, sempre com intervenção
colocada. Por quê não há nenhuma unidade habitacional produzida
pública”. por cooperativas na região central de São Paulo?

Segundo Petrucci já há notícias de empreendimentos habitacionais “O por que as cooperativas não trabalham no centro? É simples, o
nosso problema continua sendo dinheiro. (...) Qual o problema de se
no centro voltados à classe média, que sofreram considerável
ter dinheiro de um banco, como, por exemplo, da CEF, que vai ter
valorização desde seu lançamento. Ele nos dá o exemplo de imóveis
aqueles 5 bilhões do Lula? É por que um banco quer lucro. (...) E aí,
recentemente erguidos no Cambuci, próximos à avenida do Estado:
o grande problema é a capacidade de pagamento do cidadão. (...) Ou
há um subsídio, uma participação dos poderes públicos, ou haverá
“Sabe quantos apartamentos a Gafisa vendeu ali? 1100, e vendeu
sempre gente na favela, sem saúde, sem educação, sem nada. (...) A
todos. O mais caro a R$ 80.000,00 (de três dormitórios), e começou
falta de cooperativas trabalhando no centro? O problema é
vendendo à vista, por R$ 49.000,00 (de dois dormitórios)”.
financeiro, 95% das cooperativas habitacionais no Brasil, são auto-
financiadas. As pessoas pagam uma mensalidade, segundo um plano
Quando questionado se é consensual na sociedade paulistana a de pagamento, e vai se construindo segundo a entrada de recursos.
realização de investimentos no centro para a manutenção e Para eu pegar um prédio aqui no centro para reformar, eu posso até
aumento da população de baixa renda na região, Petrucci afirma: fazer isso. Fazer um orçamento, com uma construtora, ver quanto
que custa para reformar, criar um plano de pagamento, e fazer com
“Eu acho que no centro da cidade tem lugar para todo mundo (...) e que as pessoas paguem por mês o necessário para a reforma.
não acho que você está trazendo HIS para o centro, você vai o Brasileiro é imediatista, ele quer um prazo curto, quer pagar hoje e
desvalorizar (...) apesar de que acho que isso não é consensual, acho já estar morando amanhã. Então não adianta chegar e cobrar 50
que tem essa visão, é por que tem uma visão elitista, tem uma visão reais por mês de um prédio só de 80 apartamentos, que vai dar um
sectária. (...) Eu acho que pode ter gente que não concorda com pagamento de R$ 4.000,00 por mês. Para reformar um prédio
isso”. inteiro, não dá nada. É impossível, eu vou ficar anos reformando o

198
prédio, com o pessoal pagando pouquinho, então se for para atender cooperativa de trabalho, tem situações que as cooperativas
essa camada que pudesse pagar R$ 50,00 , que é a classe baixa, eu poderiam amparar o lado social da classe de baixa renda. Agora
vou ter uma obra muito lenta, e eles vão demorar muito para morar. quem tem que amparar financeiramente é o governo”.
E se cobrar aí 350,00 da classe média, vezes 80 apartamentos, já são
R$ 28.000,00 mês, o que para uma reforma já começa a melhorar, A partir desta colocação, Niscolo nos responde a seguinte questão:
mas ainda é insuficiente. (...) Ou vem alguém para me ajudar no se houvesse um aporte de recursos públicos que complementasse a
lado financeiro, para que eu consiga para dar agilidade na reforma
renda das famílias, as cooperativas poderiam trabalhar no centro?
ou não vai para frente”.

“Então, o que uma cooperativa habitacional poderia fazer em termos


A produção de poucas unidades, como se dá no centro, para uma de centro de São Paulo, para atender a classe baixa? É a aglutinação,
cooperativa autofinanciada gera os problemas acima identificados: a administração, o caráter social, de educação social, e de ir
uma obra muito lenta, pois arrecada poucos recursos por mês. Seu administrando o financeiro junto com um órgão público, ou com um
funcionamento se dá em empreendimentos de maior escala, como banco que não seja tão feroz na forma de arrecadar juros, de cobrar
nos apresenta Niscolo: em cima do pessoal, por que é uma capacidade de pagamento que
eles não tem”.
“Funciona assim: tem uma construtora, e dentro da projeção
financeira, fazemos um planejamento físico-financeiro e vamos Outra dificuldade, já identificada nas seções dos limites à promoção
executando. (...) Hoje nossa forma de produção é como uma escada. pública, é o alto valor da terra no centro de São Paulo. Niscolo
Enquanto um está na fundação, outro está na estrutura e outro está discorre também sobre a questão, comparando valores praticados
no telhado. Eu destino os recursos para três prédios. Isso me dá uma nos empreendimentos que atualmente tem trabalhado:
agilidade de entregar um prédio de oito andares a cada três meses. É
uma máquina construtiva. (...) Isso é muito bem administrado. (...) “O valor da terra em Cotia, dá R$ 26,00 o m². Já em São Paulo
O cooperativismo moderno, acha um terreno, monta um projeto, vê (risos), em Guilhermina, esse é o único terreno que nós estamos
quanto custa tudo, monta-se o produto, aí você vai para o mercado, pagando ainda, é um terreno muito caro. (...) Terreno em São Paulo
para chamar os cooperados. A cooperativa hoje nasce com seu é muito caro, há muita especulação com os terrenos, e como nós
produto, não vai primeiro chamar as pessoas para depois fazer. Há pagamos em longo prazo, então o proprietário adicionou juros em
cooperativas aí que estão a dez anos aí, e não tem nada feito. Tem cima. Eu recebo, por exemplo, R$ 100.000,00 (dos cooperados) por
que nascer com o produto pronto. (...) Cooperativa é um método que mês e tenho de dirigir R$ 70.000,00 para o terreno e o restante para
a gente não visa somente a casa, temos todo o lado social que pode a obra. Então o proprietário recebe em 40 meses e vai colocar juros
ser dado de apoio, pode-se organizar esse pessoal para uma em cima. Lá foi R$ 416,00 o m², por que teve a desapropriação de

199
uma parte do terreno no meio das obras (CPTM), e não tínhamos CEF tem medo de negociar com 2.000 donos. Ao passo que com uma
como voltar atrás. (...) Eu recebi uma proposta outro dia de R$ construtora, você tem garantias, tem aval. Se der um ‘piripac’ ela
120,00 o metro, o que já é caro para a cooperativa autofinanciada. sabe quem acionar: a construtora. Se acontece isso com uma
(...) O preço de mercado é menor, mas como pagamos em vezes cooperativa, ela vai acionar pessoas físicas, uma sociedade formada
aumenta mais o valor. (...) Demoramos ainda um ano para começar a por pessoas físicas. Então isso não dá segurança, para todo
pagar o terreno, que é para juntar os cooperados. Aí, eles financiamento. (...) Além do que tem cooperados que não seriam
[proprietários dos terrenos] pedem um sinal: ‘sinal é tchau’, não aceitos pela burocracia da CEF. Numa cooperativa é só entrar e
tem jeito... Ás vezes alguns proprietários aceitam em área pagar. Ela [CEF] tem de rever os seus conceitos para atender a
construída”. demanda. E eu duvido que vá mudar, pois é um banco, e que visa o
lucro e quer garantias. (...) Por exemplo, se você pegar um crédito
Mais adiante, William Niscolo refere-se ao programa PAR – CEF, e de R$ 50.000,00 num consórcio da CEF, você vai pagar R$ 65.000,00.
por que não trabalham com os recursos do programa: Nós lançamos um empreendimento em Cotia em 1996, a R$ 206,00
hoje está a R$ 380, 00, em quase oito anos, aumentou R$ 180,00. Nós
“O PAR, da CEF, é interessante, mas depende da vontade da CEF de não cobramos os juros, sim a correção monetária, a CUB. (...) Eu
investir em um prédio aqui ou ali, e tem que ser construtora acho que a CEF deveria se transformar num banco social do país, (...)
gericada. Tem uma burocracia que às vezes estrangula as ações. Ou e deixar os bancos privados fazerem sua especulação, que ganhem
muda-se a lei da CEF, ou cria-se algum método, como em Pelotas seus lucros, de quem puder pagar”.
(RS), em que foram realizadas 900 unidades pelo PAR, numa parceria
da prefeitura com as construtoras, empresas de material de As cooperativas também enfrentam dificuldades com a legislação de
construção, cooperativas de construção: montaram um plano de HIS, que é diferente em cada município. Outro problema apontado
atendimento à população de baixa renda. E está dando certo. São por Niscolo são os trâmites para a aprovação dos projetos pelas
900 unidades em um ano e meio de obras. (...) Estive com o municipalidades, que são demorados e tratam as cooperativas da
secretário de habitação de pelotas e estamos conversando para ver mesma forma que as construtoras:
como que ele conseguiu esse apoio da CEF. Ela é muito complicada, é
um banco, e tem seus acionistas. Temos que ver que tem uma
“Os três projetos nossos são de HIS, e cada cidade da região
camada da população que tem carência habitacional. Ou se abaixam
metropolitana tem a sua legislação. Que lei rege a produção
os juros, ou utiliza-se de outros métodos. (...) CEF e Cooperativas
imobiliária? É uma pluralidade de leis, (...) deveria se ter uma
Habitacionais nunca deu certo. (...) Eu acho que para a CEF nós não
padronização mínima, para facilitar para os produtores. (...) Já para
somos seguros, pois se ela acaba investindo numa cooperativa...
a aprovação dos projetos, é uma briga nossa, de termos
quantos donos tem uma cooperativa? Aqui nós temos 2.000. Então a
procedimentos mais fáceis para as cooperativas. Pois nós temos o

200
mesmo tratamento, que as construtoras que gasta 25.000,00 para
construir e vende a R$ 120.000,00 , e eu que construo a R$ 25.000,00 Para finalizar, Niscolo coloca ‘o que falta às cooperativas’ para que
vou passar pelos mesmos trâmites. Desde que seja uma cooperativa sua posição no cenário da produção possa ser de maior escala:
filiada a OCESP, constituída, independente, que siga realmente os
princípios, essa poderia ter um tratamento diferenciado. Agora tem “O que nos falta? É apoio do governo para essa camada da sociedade.
umas construtoras que se fazem de cooperativas para ter Como o que meche com tudo no mundo capitalista é o dinheiro. Se a
facilidades, aí não. Estamos com um convênio da OCESP com o gente conseguisse abrir as portas tanto do governo estadual,para
ministério público para moralizar as cooperativas, que é um criar algum subsídio, ou que venha do governo federal, as
problema, e temos que limpar. Nós que somos sérios acabamos mal cooperativas tem total situação de apoio para desenvolver esse
por parecer estarmos no mesmo barco”. trabalho. Nós trabalhamos. Se vier o financeiro, a gente une o útil
ao agradável. (...) O que falta é a gente sentar para conversar, a
Uma última barreira apontada é de âmbito cultural. Niscolo queixa- caixa e os governos: estamos todos aí”.
se que poucos conhecem a produção habitacional por cooperativas,
mais especificamente, os promotores de justiça: “Falta uma lei habitacional, que regulamente a produção por
cooperativas. Portugal tem uma lei, o Uruguai tem a sua também. Eu
“Quando chega o processo nas mãos de um promotor de justiça, eles sempre digo uma coisa: o poder executivo quer saber quanto que eu
olham e dizem ‘ah cooperativa, isso é loteamento clandestino’. Há faturo para me tributar; o legislativo quer acabar comigo por que as
entendimento, aprendizado sobre o que é cooperativa. Estava outro construtoras têm um lobby muito forte, nós somos uma pedra no
dia (no seminário da Prefeitura) conversando com o representante sapato das construtoras; e o judiciário nem sabe que a gente existe,
dos cartórios de imóveis, e falamos que cooperativas não precisavam eles olham: ‘cooperativa? consumo! Então é o código do consumidor’,
fazer incorporação, ele não acreditou. (...) É lógico que não, eu não mas péra aí, e a lei do cooperativismo? Quando que eles vão
vendo nada. É rateio de despesa. É diferente de venda, que tem aprender?”.
lucro. Então na incorporação existe sempre um empresário, um
dono, a unidade tem que ser determinada e tem o objetivo de lucro. Como última fonte de informações ‘vivas’ para a redação da
Cooperativa: tenho pluralidade de donos, ninguém sabe onde vai conclusão da presente pesquisa realizamos uma conversa com
morar, é sorteio, e eu não tenho lucro. Há um dossiê do ministério
Orlando de Almeida Filho, presidente do Sindicato dos Corretores de
público que diz que se é incorporação não é cooperativa e se é
Imóveis do Estado de São Paulo. Dentre as inúmeras questões
cooperativa, não é incorporação. E na lei, eu tenho redução na taxa
tratadas em nosso encontro, destacamos apenas aquelas referentes
de registro de imóveis. (...) Muitos cartórios não gostam disso daí,
por que vão deixar de ganhar dinheiro”.

201
a sua opinião quanto a não existência de um mercado atuante no Somando-se este fato, Almeida Filho nos confirma haver uma espera
centro. dos proprietários de imóveis do centro e dos investidores
imobiliários pela consolidação dos investimentos públicos
Almeida Filho afirma ainda “não haver compradores para os recentemente anunciados pela PMSP na região: “se ocorrer o que se
imóveis” da região, não há interesse do mercado pela moradia no promete, o centro vai ficar lindo”, “haverá oferta e procura”, e
centro “devido principalmente a questões de falta de segurança”: conclui: “Daqui a uns três anos vamos ter [no centro] uma
“as pessoas tem medo de andar por lá”. Caso os investimentos na valorização imobiliária muito grande”.
área de segurança forem concretizados, Almeida Filho acredita que
pode ocorrer o mesmo que ocorreu na Avenida Paulista, que teve o O encontro com Almeida Filho nos proporcionou uma melhor
valor de aluguel dos escritórios dobrados apenas com a instalação de compreensão dos custos básicos de um empreendimento
115
mais cabines pela Polícia Militar com o patrocínio da Associação habitacional promovido por uma empresa com fins lucrativos em
116
Paulista Viva , financiada principalmente por bancos e comparação com um promovido pelo poder público. Desta forma ele
proprietários de imóveis na Avenida. pode nos melhor esclarecer quais as dificuldades enfrentadas pela
promoção privada para a produção de imóveis por valores acessíveis
pelas classes com renda de até três salários mínimos. Como resumo
115
“Trata-se da implantação de 40 cabines móveis denominadas "Supedâneos", desta conversa elaboramos a tabela apresentada na próxima página.
permitindo um esquema ostensivo de vigilância. Após a instalação das primeiras 15
ao longo da Avenida Paulista foi registrado uma queda de 70% no índice de
criminalidade na região. Os policiais estão equipados com modernos e eficientes
recursos e estão monitorados por sistema de comunicação inteligente. Para a
realização deste projeto, a Prefeitura do Município autorizou o uso da via pública e
o Governo do Estado de São Paulo criou o 34º BPOE (Batalhão de Policiamento
Ostensivo Especial) que conta com policiais especialmente treinados para, além de
combater a criminalidade, auxiliar a população e orientar o turista que circula
pela região. Os policiais têm ainda o diferencial de serem bilíngües e utilizam uma
braçadeira com a indicação do idioma que o mesmo domina”. : trecho extraído do
sítio Associação Paulista viva: http://www.paulistaviva.com.br/index2.htm

116
A Associação Paulista Viva conta com a colaboração de diversos associados da
‘comunidade’ da avenida, dos quais 16 são bancos: “a COMISSÃO PAULISTA VIVA
que, mais tarde, em 1996, veio se transformar em associação, cujo mantenedor é o voluntários, empresários e executivos de grandes empresas sediadas na região que
próprio empresariado da região da Avenida Paulista. Até Outubro de 2001, contava aceitaram o desafio de manter a AVENIDA PAULISTA como o orgulho maior dos
com a administração do Dr. Olavo Setúbal, quando passou a ser administrada por paulistanos”. sítio da associação: http://www.paulistaviva.com.br/index2.htm

202
tabela 19 : custos da construção habitacional – comparação A partir da tabela ao lado, Almeida Filho pondera que a diferença
aproximada entre promoção pública e privada entre os custos de uma produção e outra é de aproximadamente
30%, se mantido o lucro mínimo de 15%117.
custos da produção habitacional Para exemplificar as proporções propostas por Almeida Filho,
promoção % da optamos por aplicar um valor de R$ 60.000,00 para a produção
promoção pública
privada prom. privada para que possamos atingir na promoção pública um valor
pública próximo dos R$ 42.000,00 atualmente praticados pela Cdhu na
comparação
% do em produção das unidades de HIS no centro, através do programa PAC –
valor em com a valor em
custo relação
R$ promoção R$ BID.
total à prom.
privada
despesas privada
Cabe aqui agora uma importante ressalva: o valor de R$ 60.000,00,
mantém-se o
terreno 9.000,00 15 valor dos 15% 9.000,00 100,0 que poderíamos considerar o valor mais baixo para a promoção
mantém-se o privada no centro é exclusivamente apenas o valor de produção das
construção 33.600,00 56 valor dos 56% 33.600,00 100,0 unidades. Para termos o valor real de acesso desse imóvel para as
financeiras famílias, devemos incluir ainda as despesas com os juros do
(juros) 3.000,00 5 baixa para 2% 869,39 29,0 financiamento, que é de 8,16% ao ano para a carta de crédito da
comercialização 3.600,00 6 inexistente 0,00 0,0 CEF (mais baixos que os praticados pelos bancos privados, acima de
impostos 1.800,00 3 inexistente 0,00 0,0 10% ao ano). Teremos então um valor final de pagamento de R$
lucro 9.000,00 15 inexistente 0,00 0,0 116.995,29, quando ela custou R$ 60.000,00 para ser produzida, se
total 60.000,00 100 43.469,39 72,4 financiada em 180 parcelas, ou 15 anos, resultando em parcelas
(corrigidas) de R$ 649, 97, o que pode ser pago apenas por famílias
fonte: conversa com Orlando Almeida Filho, agosto de 2003.
de renda superior a 10,8 salários mínimos, se comprometerem 25%
de sua renda.

117
Almeida Filho considera o lucro mínimo como 15% dos custos do
empreendimento, pois é o mesmo valor aproximado das despesas com um novo
terreno. Base para um novo empreendimento, de modo a ‘fazer girar o capital’.

203
Temos aí, nos juros do financiamento uma das maiores dificuldades
de acesso à moradia pelas famílias de renda média, como se vê na Se observarmos a tabela abaixo, que nos indica o déficit
reprodução da manchete abaixo: habitacional da RMSP, por faixas de renda familiar mensal, veremos
que 23% da população não tem meios de acesso à moradia, segundo
os caminhos acima trilhados. Os que necessitam de subsídios
governamentais são nada mais que 72% da população:

tabela 20 : estimativas do déficit habitacional urbano por faixas


de renda mensal familiar na RMSP

faixas de renda mensal familiar (em salários mínimos)


de 5 a mais de total (inclusive
até 3 de 3 a 5 10 10 sem renda)
792.466 132.598 100.437 46.994 1.087.316
401.239 81.766 58.661 22.204 577.195
1.193.705 214.364 159.098 69.198 1.664.511
72 13 10 4 100

fonte: Dados básicos: IBGE 2000


folha de São Paulo, 03.07.2003
elaboração: Fundação João Pinheiro, Centro de Estatísticas e Informações.

É por isso que, segundo Mário Watanabe em artigo ‘O desafio de


privatizar a moradia popular’ na revista ‘Qualidade na construção’
do Sinduscon São Paulo: “Existe um buraco negro no mercado, na
faixa de renda de 6 a 12 salários mínimos”, pois poucas são as
famílias que dispõe de recursos para comprar um imóvel à vista,
tendo de necessariamente de se utilizar dos financiamentos
imobiliários, muito onerosos, ainda que praticados por bancos
públicos como a CEF.

204
4.2.5.3 anexo I : agenda para ampliação da produção de HIS a. aspectos financeiros da produção habitacional
pelo mercado
- Estabelecer um novo modelo de financiamento que garanta
Com o objetivo de melhor compreender as barreiras à produção de uma política ampla de subsídios para os setores de baixa
HIS no centro pelo mercado, é que inserimos aqui, como um anexo, renda118, inclusive com subsídios diretos para as famílias.
os resultados do Seminário ‘Como Ampliar o Mercado de Habitação - Adequar as prestações dos financiamentos à capacidade de
Popular? Construindo uma agenda’, qual participei de sua equipe de pagamento dos beneficiários, para isso desenvolver estudos
organização, como parte integrante dos trabalhos da presente específicos sobre a demanda.
pesquisa, através do Laboratório de Habitação e Assentamentos - Diversificar os agentes financeiros: companhia hipotecária,
Humanos da FAU USP, prestador de serviços à Sehab - PMSP. cooperativa de crédito, agente público (não financeiro) de
apoio à estruturação de operações, agentes públicos, entre
Este seminário teve como objetivo reunir os setores da produção de outros.
HIS pelo mercado, como construtoras, cooperativas autofinanciadas - Utilizar fontes de recursos estáveis, permanentes e com baixo
e suas entidades representativas para a formatação de uma agenda custo de captação, para a promoção de uma política de
que conduza as ações do poder público e iniciativa privada para a financiamento e sustentação de subsídios, como o FGTS,
superação dos entraves à ampliação dessa produção. Poupança e os orçamentos: federal, estadual e municipal.
Para isso, é necessário que a Lei de Responsabilidade Fiscal
O produto final do evento, a ‘Agenda para a ampliação do mercado adote uma diferenciação entre investimento e despesa no
de habitação popular’, é material que consideramos relevante às cálculo do limite de endividamento dos municípios.
questões trabalhadas na presente pesquisa. Deste modo, aqui a - Incentivar (pela via tributária) os Fundos de Pensão a investir
reproduzimos , para composição dos insumos à elaboração das no mercado habitacional popular
conclusões de nossos estudos. - Criar um agente regulador para o financiamento imobiliário
para substituir o Banco Central que não é considerado o órgão
adequado para exercer tal função.

118
O Projeto Moradia propõe a criação de fundos especiais de moradia nas três
esferas de governo, o Fundo Nacional de Moradia seria formado por um Fundo de
Aval, um Fundo de Subsídios e um Fundo de Equalização de taxas e juros.

205
- Revisar os critérios de Provisão de Risco da Resolução 2.682 do 2. Padrões habitacionais para os empreendimentos
Banco Central. Os critérios precisam ser compatíveis com a populares (HIS/HMP)
demanda popular e com o agente financeiro e não
determinados para todo o mercado. - Definir padrões urbanísticos e arquitetônicos específicos para
- Revisar a MP 2.221 referente ao Patrimônio de Afetação a fim HIS e HMP.
de garantir que novos empreendimentos não sejam afetados - Desenvolver alternativas regionais e específicas para cada tipo
por fracassos antigos. de problema de moradia, levando em consideração as
- Criar incentivos para o mercado secundário por meio da características da população local, suas formas de organização
desoneração tributária. e as suas condições econômicas e urbanas.
- Reduzir os juros para o financiamento. - Alterar a legislação para permitir a construção de vilas com
- Criar seguros para os mutuários nos casos de desemprego, padrões habitacionais diferenciados
problemas de saúde, entre outros. - Definir como requisito básico para qualquer intervenção
- Criar linhas de crédito e financiamento específicas para as habitacional a sustentabilidade social, econômica e ambiental.
cooperativas e para empreendimentos de HIS e HMP. - Revisar da Lei de Interesse Social, assegurando um nível
- Garantir a vigência das regras contratuais de financiamento adequado de regulação com alguma flexibilização, eliminando
independentemente das mudanças governamentais. assim o conflito com o Código de Obras e facilitando a
- Explicitar e simplificar os critérios e procedimentos de produção habitacional pela iniciativa privada.
aprovação de financiamentos junto a CEF. - Criar incentivos para o setor privado de construção atuar
- Revisar legislação referente a: execução na Vara de também na reabilitação de edifícios precários e promoção
Habitação, arbitragem, firmeza à alienação, pagamento habitacional em áreas centrais e na reurbanização de favelas.
principal indiscutível amortizando saldo devedor, dando maior Para tal:
agilidade ao Judiciário. • Incentivar Fundos imobiliários a investir em áreas
centrais
• Criar condições de absorver imóveis desocupados e
estoques existentes.
- Incluir a avaliação pós-ocupação nos empreendimentos
habitacionais HIS/HMP.

206
- Criar mecanismos de participação da demanda e usuários. dispensá-la nos casos de aprovação de empreendimentos
habitacionais por meio de plano integrado (quando não
c .fluxos e procedimentos: licenciamento e registro de ocorre somente o parcelamento)
imóveis • Propor a criação de mecanismos específicos para
viabilizar e agilizar a aprovação de empreendimento de HIS
- Criar um Grupo de Trabalho formado por todos os órgãos e HMP tendo em vista as dificuldades existentes.
municipais e estaduais envolvidos com a aprovação e o • Verificar a possibilidade de diminuir ou isentar de
licenciamento de projetos com a finalidade de agilizar e emolumentos cartoriais os empreendimentos de HIS e HMP.
otimizar os procedimentos e fluxos. Esse GT teria como
atribuições e objetivos: d. o mercado de terras e a política urbana.
• Revisar e definir as devidas competências de cada um dos
órgãos municipais e estaduais envolvidos com o - Garantir na política habitacional: definição específica do
licenciamento de empreendimentos, inclusive o ambiental, público alvo, recursos e agentes; regionalização dos
para evitar a repetição e sobreposição de análises técnicas. programas, formas alternativas ao financiamento para o acesso
• Revisar a legislação vigente, propor alterações à moradia e integração das políticas nacional, estadual e
necessárias e tornar compatíveis leis concorrentes. municipal.
• Propor alteração da Norma da Corregedoria 211 (item C). - Definir uma política fundiária que favoreça o capital produtivo
• Revisar, conjuntamente com a Corregedoria dos Cartórios - Aumentar a oferta de terrenos para a construção de
de Registro de Imóveis, o Provimento 58 referente ao empreendimentos habitacionais de HIS e HMP.
registro dos conjuntos habitacionais - Estabelecer metas para implantação de instrumentos119 do
• Simplificar as exigências (lista de documentos) para o Estatuto da Cidade, previstos no Plano Diretor, no intuito de
licenciamento. aumentar a oferta de terrenos desocupados, inclusive galpões
• Definir como atribuição do Município a regularização (vazios ou subutilizados) localizados em áreas industriais que
técnica de conjuntos habitacionais e loteamentos já não tenham mais interesse para esse uso, desde que não
implantados.
• Simplificar o processo de anuência do Estado nos casos de 119
ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social; Outorga Onerosa; demarcação de
empreendimentos previamente aprovados pelo Município e imóveis sub-utilizados; taxação progressiva: IPTU – progressivo no tempo; Operações
Urbanas.

207
apresentem riscos para a implantação de empreendimentos e. produtividade na construção habitacional
habitacionais.
- Desenvolver programas de habitação na área urbanizada do - Controlar, pela legislação vigente, os preços de materiais e
município visando ao aproveitamento máximo de terrenos insumos básicos oligopolizados.
vazios ou subutilizados. - Definir padrões urbanísticos para a elaboração de projetos que
- Criar um sistema público de gestão para a questão da oferta e garantam a qualidade ambiental com menor custo de infra-
do preço da terra. Para tanto, deve utilizar os instrumentos de estrutura.
gestão e concertação previstos no Estatuto da Cidade e que - Fixar parâmetros e exigências para projetos executivos que
estão no Plano Diretor para a produção projetos habitacionais, viabilizem preços mais precisos e licitações e cronogramas
visando a atender o mercado de habitação popular – HMP e o físico/financeiros mais confiáveis.
mercado de Habitação de Interesse Social – HIS. - Normatizar os componentes e materiais de construção, além
- Criar e manter atualizado um banco de dados sobre a oferta de dos insumos básicos, visando garantir a compatibilização e a
imóveis. qualidade.
- Criar um sistema de informações sobre moradia que - Estruturar um programa de aumento da produtividade e
disponibilize dados sobre os recursos públicos e privados, qualidade que tenha como foco:
investidos e disponíveis, para a produção e o financiamento • Analisar a formação de preços da cadeia produtiva para
habitacional e sobre as características da demanda e dos identificar os fatores que interferem na redução de custos.
beneficiários. • Analisar os fatores que interferem no prazo e,
- Promover alteração do zoneamento de glebas de terra conseqüentemente, na rentabilidade da construção.
passíveis de utilização para empreendimentos habitacionais • Estruturar uma rede de conhecimento que informe aos
bem como a construção de imóveis de uso misto - usuários sobre fatores que interferem na qualidade e
comercial/serviços e residencial - principalmente em produtividade da construção e forneça índices de produção
corredores e pólos comerciais regionais. para melhorar os orçamentos.
- Diminuir os custos de taxas, impostos e despesas cartoriais • Unificar as certificações de qualidade nos níveis federal,
para negociações de terrenos destinados a empreendimentos estadual e municipal.
imobiliários residenciais de HMP e HIS. • Revisar o pagamento por tabelas estimativas de INSS e ISS
- Incentivar a formação de técnicos em moradia para a política quando as empresas já recolhem pelos dados reais.
urbana e habitacional.
208
• Criar um programa de capacitação e valorização
profissional para profissionais liberais, oficiais, serventes,
mestres, técnicos, desenhistas, entre outros.
• Desenvolver um programa de formação gerencial para
empresários e gerentes de pequenas empresas, de
cooperativas e de assistência técnica à autoconstrução
• Incorporar o terceiro setor como instrumento de
participação e controle das políticas públicas
•Adotar princípios éticos que garantam que quem estiver
trabalhando na formulação dos planos e programas não
sejam contemplados na sua implementação operacional
• Articular a Política Habitacional com uma política de
desenvolvimento nacional e geração de emprego.

209
4.3. conclusões finais: limites à produção pública e na formulação do conceito de localização, proposto por Flávio
Villaça.122
privada da moradia social no centro de São Paulo Helena afirma ser “(...) a principal dificuldade para acesso à
moradia na cidade de São Paulo: o preço da terra. Ou seja,
enfrentar a questão do mercado imobiliário. O acesso à moradia nas
cidades brasileiras (...) está determinado pelo mercado. As pessoas
“Para quem não analisou do ponto de vista ideológico, se não tiver
de diferentes faixas de renda decidem sua localização na cidade
essa consciência de luta de classes, de divisão de classes, está até
conforme o preço que podem pagar pelos imóveis, pela moradia.”123
hoje sem saber o que e porque essas coisas aconteceram”
Essa localização, segundo Villaça é “ a mercadoria mais importante
Maria Nilce Ferreira Souto120
no mercado imobiliário, (...) e na formação da estrutura intra-
urbana.”124 “ A localização tem profundas implicações sobre os
custos operacionais das funções urbanas, inclusive sobre a
residencial. (...) Há um preço da localização que é função da renda
Realizamos a seguir, de forma breve e resumida, algumas
da terra, o qual, em última instância, é determinado pela
considerações finais acerca do universo visitado nas páginas
acessibilidade ao centro da cidade (no caso da terra urbana)”.125
anteriores de intensa documentação dos limites impostos à produção Deste modo, acreditamos que o centro de São Paulo, ainda que
da moradia social no centro. considerado desvalorizado pelo mercado imobiliário, possui imóveis
com custos superiores aos alcançáveis pelos financiamentos dirigidos
Mas vejamos antes, como se portava a hipótese lançada na redação à população de baixa renda, principalmente de zero a três salários
do projeto da presente pesquisa, há mais de ano atrás: mínimos.
A segunda hipótese a ser colocada, trata das dificuldades de
“A hipótese central que norteia esta pesquisa será que a produção da operacionalização da máquina estatal para a produção da
moradia social na região central de São Paulo tem como um de seus moradia social na região central, causadas pela não priorização
principais limites: o preço da terra. Esta hipótese fundamenta-se no destas moradias nas políticas públicas implementadas pelas gestões
relato da apresentação da pesquisadora Helena Silva, no encontro em estudo. Esta hipótese fundamenta-se nos depoimentos dos
‘Habitação no centro de São Paulo: como viabilizar essa idéia?’ 121
,e movimentos de moradia e assessorias técnicas, realizados nos

120
depoimento de Maria Nilce Ferreira Souto, in: “Intervenção Habitacional em
122
cortiços na Cidade de São Paulo: O mutirão Celso Garcia” Comaru, Francisco, In: Uso do solo urbano. CEPAM, 1978.
123
Silva, 2000: 41. Grifo nosso.
1998:156. 124
Villaça, 1978: 13.
121 125
LABHAB/FAUUSP, 2000. Villaça, 1978: 17. (grifo do autor).

210
encontros e seminários citados no item “Tema e Justificativa” deste interdependentes, como numa teia. Devemos, portanto, para
projeto de pesquisa”.126 compreensão de apenas um limite, observar primeiramente o todo,
o universo: visualizar ‘o baralho completo sobre a mesa’. Por isso
Bem, nos parece que a hipótese levantada ao menos não ‘errou o essa necessidade da identificação de todos os limites,
alvo’, mas vejamos por quê acreditamos não ter acertado primeiramente, para posteriores incursões localizadas.
diretamente em seu centro:
Identificados os limites, as incursões mais pontuais sobre apenas
A resposta para nossa ‘falta de mira’ está no objetivo inicial da alguns limites devem se dar com certo cuidado. Pois, há
pesquisa, e no método empregado em nossos estudos, somados à determinados limites que se ‘mexidos’, esbarram n’algum outro.
característica dos limites identificados. Vejamos alguns exemplos hipotéticos:

Nossa ‘meta’ tratava de apenas identificar os limites à produção da Caso, resolvêssemos agir sobre o limite do preconceito operante.
moradia social no centro. Portanto, não nos propúnhamos a analisar, Trabalhar a vontade coletiva de que a população de baixa renda tem
hierarquizar, selecionar os mais relevantes limites. E, nos parece de morar na periferia, por meio de publicação de mensagens nos
que assim foi feito, e apenas isso, por compreendermos (agora outdoors, esbarraremos na dificuldade financeira de realizar essas
enquanto metodologia), que se trata de uma etapa primeira, inicial, ações. Procuraríamos então o poder público para financiar
ou seja: de base. Um momento de ‘colocar as cartas na mesa’ para campanhas sobre o tema, mas que talvez não possuirá recursos para
‘ver como jogar’. Um momento de apreensão ‘do estado da arte’, tanto, ou simplesmente os funcionários discordariam dessas ações,
para preparar ‘um samba’. Para daí, então, em outro momento, nos que alterariam o ‘bom’ funcionamento da máquina pública.
debruçarmos, qualquer cidadã(ao), sobre o material coletado, de
forma mais cuidadosa, e ensaiar conclusões mias estratégicas. Então que tal alterarmos as leis que atrapalham a produção de HIS
no centro, como a que impede unidades sem vagas de automóvel, ou
Ainda, como relatamos acima, soma-se ao objetivo e ao método o uso misto. Haveria resistência das montadoras de automóvel, que
recitados, as características dos limites identificados: se colocariam contra a matéria na Câmara de Vereadores, pois
Estes demonstraram um comportamento de inter-relacionamento, querem produzir mais, extraindo mais renda dos operários da
de modo sistêmico. Ou seja, encontram-se interligados, indústria automobilística, à luz das empreiteiras.
126
Barros, Francisco. Projeto de pesquisa de iniciação científica: “Limites à
produção da moradia social no centro de São Paulo”. maio de 2002:10.

211
Ou ‘simplesmente resolver ter’ recursos públicos ‘ad eternum’ para Ou melhor, seria ele a especulação sobre a terra?
produzir as unidades necessárias para zerar o déficit! Mas como Pois, se tratada, de fato, como um crime, como consta na
agirão os funcionários em uma máquina pública burocratizada e constituição, poderia ser combatida. O que resultaria em valores de
voltada historicamente para outras ações. Lembremos que não há imóveis mais baixos, ao ponto da população de baixa renda poder
técnicos preparados para encampar esses trabalhos e a legislação ter-lhes acesso. Os imóveis seriam reformados, empregos seriam
não permitirá o acesso aos imóveis, a desapropriação tomará muito gerados, uma cadeia virtuosa se formaria?
tempo, e a população não possui renda suficiente para quitar as Com a aplicação dos instrumentos do estatuto da cidade, talvez isso
prestações das unidades. Mas então, vamos fazer só locação social! tudo ocorreria.
Os financiadores não aprovarão, pois discordam de ações
estatizantes, e não haverá recursos. Ou seria também um destes limites nodais, a existência de classes
sociais tão antagônicas, com diferenças sociais tão alarmantes, e a
Outro caminho então seria reformar todo o centro, para que possam renda tão concentrada, que impossibilitam as classes de renda mais
ao menos viver numa cidade mais bela, se não se consegue intervir baixa de ‘acumular’ o mínimo para sobreviver? Mas como combater
nos cortiços. Mas essas ações resultarão na demolição dos cortiços, e esse limite, sem alterar o sistema econômico a que estamos
as famílias terão de migrar novamente para suas terras de origem submetidos?
com passagem paga pela PMSP. Mas desta forma não enfrentamos a
questão, voltamos quase aos tempos da cidade escravocrata de Seria este limite, as altas taxas de juros, que se baixadas
outrora... aumentariam a produção habitacional como um todo, em tamanha
escala, que o valor dos imóveis baixaria vertiginosamente?
A latente dificuldade de encontrar apenas um limite que se
solucionado, não seja anulado pela presença de outro, não significa Agora, apesar de corriqueiras e de superficialmente colocadas, as
que não possamos eleger alguns deles, um grupo, como um foco, hipóteses acima, podem, pelo leitor que transpassou por todas as
centrais. Seriam limites que amarram e potencializam todos os páginas anteriores, ser mais bem ponderadas e analisadas.
outros. Que, se por obra da população alguns destes ‘nós’ do
sistema forem alterados, ou até eliminados, o desmanchar dos Isto posto, fechamos, então, a ‘casa para balanço’, ou seja, para
outros limites pode ser facilitado. uma posterior necessária análise mais profunda do material
coletado. Estão todos convidados.
Seria esse limite a posse da terra?
212
Há ainda mais considerações:

Devido à característica sistêmica dos limites aqui identificados,


concluímos que qualquer ação prática de tentativa de superação das
barreiras à moradia social no centro, deve abranger ‘no mínimo’
uma grande (não sabemos dizer quantas) parte dos limites. Assim,
para uma ação que altere algo ‘sistêmico’, necessariamente deve
ser dada e sustentada por parte da coletividade que opera este
mesmo sistema: trata-se de uma ação coletiva.

Ou seja, na prática, de nada adianta agir sobre apenas um dos


pontos da ‘teia limite’, de forma ‘voluntarista’, por meio de ações
‘iluminadas’. São necessárias ações deflagradas de forma coletiva e
organizada, concomitante e harmônica, de preferência sobre os nós
do sistema, nos pontos que mais o enfraquecem. Daí, a importância
do convite acima: estão todos convidados.

213
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Paulo”. FAU/USP (Dissertação de Mestrado), 1985.
UNIÃO DOS MOVIMENTOS DE MORADIA. “Programa morar perto – Sítios visitados na Internet
centro: projeto participativo e integrado de reabilitação de
217
ASSOCIAÇÃO VIVA O CENTRO. www.vivaocentro.org.br
CAIXA ECONOMICA FEDERAL.
FÓRUM CENTRO VIVO. www.forumcentrovivo.hpg.com.br
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. www.saopaulo.sp.gov.br
OFICINA DEL HISTORIADOR DE LA CIUDAD.
PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. www.prefeitura.sp.gov.br
SECRETARIA ESPECIAL DE DESENVOLVIMENTO URBANO – SEDU.
www.planalto.gov.br

Revistas e periódicos consultados

O Estado de São Paulo (OESP)


Folha de São Paulo (FSP)
Jornal do Fórum Centro Vivo, Fórum Centro Vivo.
Revista Istoé.
Urbs, Associação Viva o Centro.

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7. anexos III tabela dos programas públicos e sua produção habitacional
IV tabela de cruzamento das informações de faixa de valor de
imóvel e localização no centro
I projetos e fotos dos estudos de caso
V pranchas: imóveis lacrados, mercado e cooperativas habitacionais
II tabela dos limites à promoção pública
autofinanciadas.

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