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PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA

APRESENTAÇÃO ....................................................................................................................................................... 1

I. DEUS - DUAS CONCEPÇÕES .............................................................................................................................. 1

II. EVOLUÇÃO DA ÉTICA ...................................................................................................................................... 9

III. MÉTODOS DE VIDA ........................................................................................................................................ 16

IV. A PERSONALIDADE HUMANA .................................................................................................................... 23

V. OS TRÊS BIÓTIPOS TERRESTRES ............................................................................................................... 32

VI. O DESTINO ........................................................................................................................................................ 40

VII. PSICANÁLISE .................................................................................................................................................. 47

VIII. A NOVA PSICANÁLISE ................................................................................................................................ 53

IX. TÉCNICAS DE TRATAMENTO ..................................................................................................................... 61

X. ÉTICAS DO SEXO .............................................................................................................................................. 68

XI. A ÉTICA SEXÓFOBA DO CRISTIANISMO ................................................................................................. 73

XII. O SEXO COMO PROBLEMA ATUAL ......................................................................................................... 80

XIII. CONCLUSÕES. AMOR E CONVIVÊNCIA SOCIAL .............................................................................. 85

Vida e Obra de Pietro Ubaldi (Sinopse)....................................................................................página de fundo


Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 1
I. DEUS - DUAS CONCEPÇÕES
PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA
Deus existe Uma prova poderia ser a que nos é oferecida pe-
lo materialismo ateu, que O nega. Assim como a sombra implica
APRESENTAÇÃO
a presença da luz, também a negação pressupõe a existência do
que se nega. Só se pode afirmar a não-existência daquilo que sa-
Princípios de uma Nova Ética é o 10o volume da II Obra, bemos que existe. De outra maneira, de que se afirmaria a não-
existência? Do nada? Mas o nada já não existe por si próprio, e
que foi chamada de brasileira, porque escrita no Brasil. Este
para que ele não exista, não é necessário afirmar a sua não-
livro segue o recém publicado, Queda e Salvação, que é o 9o existência. Nada se pode dizer do que não conhecemos, porque
volume da II Obra. Assim está sendo publicada esta segunda não existe. Como se pode afirmar que não existe o que não sa-
série de 12 volumes, paralela à primeira, já quase toda editada bemos o que é? Se não sabemos o que é o nada, é porque ele não
no Brasil, também de 12 volumes. existe. Como se pode afirmar a sua não-existência, quando nin-
guém sabe da sua existência? Portanto, se negamos uma coisa, é
Estamos, desse modo, nos aproximando do encerramento porque ela existe. A negação de Deus prova a Sua existência.
desta gigantesca Obra, que é composta de duas partes, a I e a II No caso do materialismo ateu, porém, essa negação não re-
Obra, formando um conjunto com cerca de 10.000 páginas. Por presenta a negação de Deus no que Ele é – porque, para o ho-
isso, a fase atual de desenvolvimento do pensamento central da mem, isto está além do seu conhecimento e porque, no absoluto,
Deus está acima de toda a nossa negação ou afirmação – mas
Obra não é mais aquela das teorias gerais orientadoras do co-
somente a negação da ideia que o homem, num dado momento
nhecimento a respeito do imenso problema do universo, mas é a histórico, tem de Deus, isto é, da representação que ele, num de-
fase do estudo das consequências das afirmações gerais e das terminado tempo, faz de Deus, conforme o grau de evolução
suas aplicações no terreno prático, para iluminar quem queira atingido. Assim, por exemplo, um materialista entre os selvagens
viver com inteligência e honestidade, compreendendo o pensa- seria quem nega a existência do Deus do feiticeiro, representado
por um boneco com a cara e as qualidades do selvagem.
mento das leis que dirigem a existência de todos os seres.
Há, então, dois pontos bem diferentes na questão: 1) Deus
É neste ponto que o leitor amadurecido poderá ver a im- em Si mesmo, no absoluto, acima da compreensão humana; 2)
portância destes últimos livros conclusivos, escritos para nos Deus como ideia concebida pelo homem no seu relativo, consti-
dirigir na ação, o que significa agir com inteligência, evitando tuindo a imagem que ele faz de Deus conforme os seus poderes
de representação. O primeiro caso nos foge completamente,
erros que, depois, pelos princípios de equilíbrio e justiça da
porque está além do nosso conhecimento. O segundo caso re-
Lei, é inevitável ter de pagar, duramente, cada um às suas cus- presenta tudo o que conseguimos saber de Deus, isto é, uma re-
tas, com a própria dor. presentação a nós relativa, mas progressiva em função do grau
Nestes livros, porém, não queremos impor conduta alguma. de evolução por nós atingido.
Cada um permanece livre, e ninguém pode constranger o ou- Que negou, então, o materialismo da ciência? Negou somen-
te a única coisa que ele podia negar, isto é, o que o homem co-
tro. Podemos apenas aconselhá-lo, mostrando-lhe qual a con-
nhecia: o conceito relativo de Deus, sustentado pelas religiões
sequência fatal de não se viver de acordo com a Lei, mas con- no período histórico em que o materialismo apareceu. No entan-
tra ela, e indicando-lhe o melhor caminho para evitar a rea- to, pelo próprio fato de que aquele conceito, sendo relativo, está
ção da Lei, que é a dor, saudável aviso para não voltar ao er- em evolução e de que hoje a humanidade entrou numa fase mais
ro. O destino de cada um está nas próprias mãos, e não nas de adiantada de amadurecimento mental, o qual leva tudo a ser
concebido, e também Deus, com outra forma psicológica e dife-
quem, pensando e escrevendo, pode com isso explicar, pelas rentes pontos de referência, eis que o velho materialismo ateu
leis que dirigem a vida, o que acontece ao indivíduo como acabou por se encontrar perante uma nova ideia de Deus, e não
consequência de seu livre comportamento. Para um ser inteli- mais aquela que ele estava negando. Com a evolução, que tudo
gente, que sabe raciocinar, tal demonstração poderia bastar. arrasta no seu caminho, esta ideia havia-se transformado, devido
a um amadurecimento evolutivo geral, do qual a própria ciência
Mais do que isto o escritor não pode fazer. Se o leitor não en-
materialista, com a sua negação do velho conceito de Deus, faz
tender, terá depois de ler um outro livro, escrito por si mesmo, parte. Disto se segue que o clássico materialismo ateu não repre-
com a sua dor, no seu destino. No entanto é bom oferecer-lhe senta, hoje, senão uma negação da velha concepção de Deus
uma explicação preliminar, servindo como um aviso, para que sustentada pelas religiões, enquanto a própria ciência acabou de-
ele, conhecendo o funcionamento das leis que regulam a sua sembocando numa concepção mais adiantada de Deus, a qual
ela não pode mais negar, tendo, pelo contrário, de aceitá-la, por-
vida, possa assim evitar o seu próprio prejuízo. que esta ideia explica e funde em unidade os resultados parciais
As teorias gerais de que acima falávamos estão contidas da ciência, dando a eles um sentido orgânico e telefinalista, sem
nos livros básicos da obra: A Grande Síntese, Deus e Univer- o qual tudo fica abandonado na desordem do acaso e no mistério
so, O Sistema e Queda e Salvação. Eles oferecem um sistema dos incontáveis problemas ainda não resolvidos.
Assim, na economia da vida, o materialismo ateu não foi
científico-filosófico-ético-teológico completo, cujos pormeno-
um meio para chegar à negação de Deus, mas apenas para des-
res os outros livros da Obra explicam, ampliando aspectos truir a velha ideia que Dele era feita pelo homem nas religiões
particulares. Nesses livros básicos, o leitor encontrará as de- e, com isso, atingir uma nova concepção, mais evoluída, com-
monstrações que nos autorizam a chegar às conclusões conti- pleta e convincente. Tal processo ainda está realizando-se. De
das no presente volume. Isto prova que não chegamos a elas fato, a nova ciência destruiu a concepção materialista da maté-
ria, a qual ela desintegrou, desmaterializando-a em energia.
levianamente, fantasiando, mas sim amadurecidos pelo pen-
Hoje, como estamos vendo acontecer, a ciência está sendo
samento desenvolvido em milhares de páginas, que constituem constrangida pelos fatos, os quais ela não pode negar, a abstra-
a premissa positiva das conclusões. ir-se cada vez mais da materialidade sensória para chegar a en-
2 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
tender a matéria como uma realidade imaterial, explicando a tes da outra, muitas vezes submetidas a sofrimentos diversos,
substância das coisas com um conceito que cada vez mais se sem que elas saibam o porquê dessa diferença e de tal conde-
aproxima e tende a coincidir com aquele imponderável inteli- nação. Esse Deus pode fazer qualquer coisa, pelo direito do
gente, chamado de espírito no passado. mais forte, na mais desordenada e injustificável arbitrariedade,
O que nos interessa agora é observar quais são essas duas e a criatura tem de obedecer cegamente, sem ter o direito de
concepções de Deus, com tudo o que delas decorre, sobretudo saber, obedecendo não porque entendeu e aceitou convencida,
a respeito da conduta humana, o que nos conduz ao terreno da mas porque é constrangida, pelo cálculo egoísta, a fugir do ter-
ética, nosso atual assunto desenvolvido neste volume. Como ror do inferno e, pela cobiça, a buscar os deleites do paraíso.
sempre acontece entre o que está morrendo e o que está nas- Entender não é possível, sendo até mesmo proibido, porque
cendo no seu lugar, as duas concepções estão em luta. A pri- considera-se ousadia querer desvendar os mistérios. Não resta,
meira está fixada nas religiões e na respectiva forma mental, assim, senão a fé cega, o terror e a ignorância.
filha do passado menos evoluído. A segunda é representada De tudo isto não se pode culpar ninguém, porque nada dis-
pelos espíritos mais amadurecidos, que se rebelam contra o so foi feito com propósito de maldade. Este é o nível evolutivo
passado, antecipando a nova maneira de conceber Deus e as tanto dos chefes como de seus rebanhos, e, neste nível, o ho-
relações do homem com Ele. mem não sabe conceber e funcionar com outra forma mental.
O conceito de Deus e a respectiva ética que nos oferecem as Mas é lógico que, se desta psicologia sai um tal conceito de
religiões atuais, corresponde ao grau de amadurecimento evolu- Deus, dela saia também uma proporcionada concepção de éti-
tivo atingido pela humanidade atual. Esse é o único conceito ca, dada por uma moral egoísta e de arbítrio, com base nos
que as religiões nos podem oferecer, porque é o único que a mesmos princípios, tanto o da força, que autoriza Deus a man-
maioria pode entender, aquele com o qual ela concorda, porque dar, como o da astúcia, que permite o homem se evadir daque-
ele, não importa se atrasado, corresponde aos seus instintos na- le comando. Essa é uma posição falsa e emborcada da ética.
turais. Um conceito mais adiantado a massa não poderia aceitar, Estamos num terreno escorregadio, que, em lugar de levar em
porque está fora da sua forma mental, que estabelece quais são subida para o S, leva o ser em descida para o AS. Isso repre-
as ideias vigentes em nosso mundo. Como já explicamos em senta o triunfo do involuído, que tudo criou no seu mundo para
outros livros nossos, o biótipo dominante na Terra é o involuído si, à sua imagem e semelhança. No seu plano evolutivo, tudo é
e, sendo ele a maioria, tem todos os direitos, afirma e pratica a regido pela lei da luta, pela seleção do mais forte e pelos ins-
verdade que quer, não importa qual seja a sua fé teoricamente tintos que ela constrangeu o homem a desenvolver, nos quais
professada nas verdades eternas, as quais, por longa experiên- se baseia a sua ética atual. Nesta fase primitiva não é possível
cia, ele sabe torcer, para adaptá-las às suas comodidades. apoiar-se na inteligência e exigir que ela funcione, quando ain-
Qual é então esse conceito que acabamos de mencionar? da não está suficientemente desenvolvida.
Uma vez que aqui falaremos de ética, iremos examinar tal con- Se o conceito de Deus é esse, bem terreno, de um patrão que
ceito sobretudo no que se refere à nossa conduta humana, tendo manda, punindo quem não lhe obedece, só pelo direito que lhe
como ponto de referência Deus e a nossa concepção Dele, da vem da sua força de todo-poderoso, a lógica posição do fiel é,
qual depende a ética. A ideia que o homem possui de Deus, por equilíbrio e defesa da vida, a do servo que procura evadir-
herdada do passado, está ligada sobretudo a um ser todo- se, seja amansando a ira do patrão, que ele provocou com a sua
poderoso, que, por isso, pode fazer o que bem entender, violan- desobediência (fazendo de tudo para arrancar seu perdão, com
do arbitrariamente e à vontade as leis que Ele próprio estabele- preces, arrependimentos, promessas, ofertas, honras etc., mes-
ceu para o funcionamento da fenomenologia universal. Assim o mo que mentirosas), seja procurando subtrair-se à dura lei do
homem, com a sua forma mental, tinha construído um Deus patrão, com enganos e todas as escapatórias possíveis. Essa ati-
com as suas próprias e bem humanas qualidades, de dominador tude é fatal consequência dessa posição em que o homem se co-
rebelde, cujo poder se realiza e se manifesta pela imposição da loca perante Deus, de antagonismo, e não de fusão de interes-
sua vontade a todos, seja ela qual for, cioso dos rivais e egoisti- ses, posição devida ao estado de revolta, na qual, pela queda, a
camente preocupado apenas em dominar seus súditos, para ser criatura se colocou perante o Criador. Essa posição invertida
obedecido por eles. O poder deste Deus, então, não estava na vai-se endireitando cada vez mais com a evolução. E assim se
ordem, e sim na violação da ordem. Mas isso é justamente o explica como a condição do atual ser primitivo seja de inimiza-
poder da revolta, que gera desordem e destruição, representan- de com Deus, isto é, a situação do mais fraco que foge do mais
do o poder negativo do anti-Deus, e não o positivo de Deus. Es- forte, e não de amizade com Deus, isto é, a situação de um
tamos nos antípodas. Instintivamente, o homem criou para si amigo que colabora para uma finalidade comum.
uma ideia de Deus feita à sua imagem e semelhança, ideia deri- Explica-se desse modo a estrutura das religiões atuais, feitas
vada da posição do próprio homem, invertida pela queda no sobretudo de práticas exteriores, que são fáceis de realizar com
Anti-Sistema. (Que o universo está cindido nos dois termos pouco sacrifício e, o mais importante, não incomodam a liberda-
opostos do dualismo, Sistema e Anti-Sistema, já foi explicado de de conduta do indivíduo, deixando a cada um a possibilidade
em nosso volume O Sistema. Também no presente livro, quan- de satisfazer os seus instintos e realizar os seus negócios. É re-
do falarmos de Sistema, abreviaremos com S; e quanto falar- conhecido, desta maneira, e respeitado o direito de pecar, isto é,
mos de Anti-Sistema, abreviaremos com AS). de violar a Lei, constituindo esta prática sempre a grande atração
Tal Deus faz milagres, contrapondo-se arbitrariamente à dos primitivos, que formam a maioria. Tal violação é, assim,
Sua própria ordem, o que leva a uma contradição absurda, pos- prevista de antemão por uma organização encarregada de eter-
sível na criatura que se revolta contra Deus, mas inadmissível namente remendar tais pecados, para os quais fica, então, amplo
em Deus, que, neste caso, estaria revoltando-se contra Si mes- lugar no seio das religiões, sem que eles produzam graves con-
mo. Mas o homem não podia sair da sua forma mental e, nada sequências para quem os praticou. Em vez de ter, inexoravel-
mais possuindo, teve de construir para si a sua ideia de Deus mente, de pagar aquelas consequências até o último ceitil em ou-
somente com os conceitos que lhe forneciam as suas experiên- tras encarnações, sem escapatória possível, é lógico que convém
cias terrenas, ficando fechado dentro do seu inexorável antro- mais rezar uma leve penitência e, com um provisório e fortuito
pomorfismo. Esse Deus favorece, com a Sua graça, apenas arrependimento de relativa duração, considerar-se quite, pronto
quem Ele quer, infringindo o Seu princípio de justiça. Ele cria a repetir o erro, continuando assim a satisfazer-se. Adaptado à
do nada as almas e as envia, pelos Seus imperscrutáveis desíg- comum psicologia atual, este método é aceito porque o paga-
nios, para viver na Terra, cada uma em condições bem diferen- mento é barato, convindo como bom negócio. Permanece assim,
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 3
com tal método, o defeito de ser ele um engano que o homem cias humanas, parece que o único, neste jogo, a ficar enganado
desejaria praticar à custa da justiça de Deus, tentativa inútil, pois é Deus com a Sua lei. Isto é o que pode pensar o homem com a
tudo acaba recaindo sobre o culpado, que nem por isso pode es- sua forma mental de involuído e de rebelde à ordem, julgando,
capar àquela justiça, tendo da mesma forma de pagar nas reen- com tal psicologia de primitivo, que possa haver vantagem em
carnações futuras a sua dívida, e isto sem entender nada. E Deus intrujar a Deus. Mas o homem não sabe que o único a não ser
não aparece na Terra para esclarecer e impor à força a Sua lei, enganado é exatamente Deus e que o engano cairá em cima
mas deixa que o ser a descubra às próprias custas, experimen- dos enganadores, os quais não poderão deixar de pagar os ter-
tando. Assim, não obstante o homem acredite que lhe escapa ríveis efeitos da sua astúcia. Somente a ignorância do primitivo
com a sua astúcia, a Lei continua funcionando do mesmo modo, pode acreditar que seja possível intrujar a Deus. Assim, o invo-
porque, para isso, ela não precisa do nosso conhecimento. E o luído é espontaneamente levado a tal absurdo pelo seu instinti-
homem, enquanto não tiver consciência da Lei, terá de pagar vo impulso de revolta, ao qual ele, inconscientemente, obedece
com o seu sofrimento o preço da sua ignorância. sem ter conhecimento da Lei nem suspeitar das suas reações,
Eis, então, o que se encontra na realidade dos fatos. Temos, pelas quais querer enganar a Deus significa apenas enganar-se
de um lado, a casta sacerdotal, que justifica, enquanto represen- a si próprio. No entanto, as religiões ainda desconhecem o con-
tante de Deus, a sua existência e posição de domínio, apoiada teúdo da Lei e os princípios que regem a vida, de modo que
em poderes espirituais dos quais depende a nossa vida futura. não os podem ensinar. Enquanto não entender tudo isto, o
Do outro lado, temos o termo oposto, representado pela massa mundo continuará vivendo satisfeito com esse acordo, que,
dos fiéis, que procuram os meios para assegurarem as melhores embora lhe ofereça a vantagem de satisfazer o seu instinto de
condições de vida na sua continuação depois da morte. Uns e aproveitar-se de tudo com a sua astúcia, condena-o depois a
outros são impulsionados pelo mesmo instinto vital, que exige pagar inexoravelmente o seu erro e saldar a dívida com a justi-
viver e sobreviver, e lutam por isso. Mas todos, uns e outros, ça divina. O jogo é bem combinado. As castas sacerdotais po-
vivem num mundo e pertencem a um nível de evolução onde dem ficar nas suas posições, e a massa dos fiéis pode, pagando
não há ser que não seja rival de outro. Para satisfazer a necessi- apenas com práticas exteriores e seguindo nas suas comodida-
dade fundamental de todos, que é viver, torna-se indispensável des, satisfazer-se durante a vida, assegurando, ao mesmo tem-
concordar numa convivência, à qual não é possível chegar sem po, sua salvação para depois da morte. Desse modo, todos es-
se estabelecer um equilíbrio entre as exigências opostas, o que tão contentes, porque puderam continuar vivendo, atingindo o
pode ser atingido com o método da troca, pelo qual, para que maior resultado com o menor esforço, o que representa para
seja possível coexistir, cada um dos dois dá alguma coisa, para todos um grande ideal. A maioria fica satisfeita apenas com o
receber outra. Cada um, então, dá o que tem. Assim, a casta sa- presente, interessando-se somente com a vantagem imediata.
cerdotal oferece ao mundo a solução do problema da vida de Para ela, porquanto desconhece a Lei e o seu conteúdo, o futu-
além-túmulo com a salvação eterna, recebendo em troca os re- ro – que constitui o nosso presente de amanhã – é algo incon-
cursos materiais e o domínio que precisa para viver. Do outro cebível, desaparecendo nas neblinas do mistério.
lado, a massa dos fiéis recebe da autoridade espiritual, para isso ◘◘◘
encarregada por Deus, a garantia de uma vida futura feliz, exe- Esse jogo corre bem, enquanto o homem permanece nas su-
cutando apenas algumas praticas exteriores e afirmando que as atuais condições de involução e de ignorância, as quais não
acredita em coisas que não entende nem lhe interessa entender. lhe permitem aperceber-se quão prejudicial é para ele tal méto-
Com isto, a classe sacerdotal, pelo princípio da troca, tem direi- do de enganos, que, no fim, não deixará de levá-lo a pagar esse
to que a sociedade lhe retribua essa dádiva, reconhecendo o seu erro, à sua custa e com o seu sofrimento. Se, hoje, ele sabe ape-
poder terreno com todas as suas decorrências. nas entender o que se verifica no presente imediato, sem se
Realiza-se, assim, a troca que permite a convivência, consti- aperceber, devido à sua miopia, das consequências do seu mé-
tuindo o meio necessário para, nesse nível evolutivo e confor- todo atual, é fatal que elas acabem chegando e que, assim, ele
me suas respectivas leis, chegar à simbiose. Assim, cada um é acabe pagando. Desse modo, a dor cumpre a tarefa de lhe ensi-
pago com a moeda que o outro lhe oferece. Simbiose entre o nar a conhecer a Lei, para que ele não erre mais, ou seja, não vá
espiritual e o material, na qual cada um dá o que tem e recebe o mais contra ela. É assim que, pela dor, a mente humana irá
que lhe falta. O espiritual concede o paraíso e obtém a sua posi- aprendendo cada vez mais e, com isso, começará a entender
ção material. O material dá vantagens concretas, mas exige por quão louco e perigoso é o seu método atual.
isso ser pago, tomando as vantagens espirituais. Mas cada um Mas, por enquanto, estamos bem longe de chegar aí. O
faz as suas contas, e o mundo, sabendo muito bem o valor do homem ainda funciona impulsionado irresistivelmente pelos
que ele concede e do que ele calcula receber, procura dar o me- seus instintos, fruto do seu passado. Ainda não soube libertar-
nos possível, sobretudo em relação a qualquer incômodo esfor- se deles, evoluindo, e continua satisfeito em obedecer-lhes ce-
ço individual. Como em tudo na Terra, há luta também entre os gamente. O fato é que a lei desse plano de vida é a luta pela
dois termos da simbiose, cada um procurando para si a maior conquista de uma posição superior à dos outros, e quem se en-
vantagem possível à custa do outro. Então, para receber a sua contra situado nesse nível de evolução aceita e vive essa lei. É
posição na sociedade e nela se manter, era necessário que o po- por isso que tal método tende a prevalecer em todas as raças,
der religioso não pedisse sacrifícios demasiados ao mundo, religiões e partidos, ou seja, onde quer que exista o homem.
permitindo-lhe a possibilidade de atingir o seu objetivo de sal- Esta é a razão pela qual quem tem o poder e manda é, muitas
vação final, praticando uma moral que consentisse muitas esca- vezes, levado a se aproveitar dessa posição não para cumprir
patórias, com as quais, mantendo o mais profundo respeito pe- uma tarefa diretiva, mas para dominar e levar vantagem sobre
las práticas exteriores, fosse possível dar suficiente satisfação os seus dependentes, que, por sua vez, procuram pagar aos
aos instintos involuídos, a principal exigência da maioria. chefes na mesma moeda, defendendo-se o mais que podem e
Deste modo, todos ficam satisfeitos, porque cada um acre- tentando todas as escapatórias para se evadir das leis. É assim
dita ter sido o mais astuto, recebendo mais do que dá. O espiri- que o povo busca enganar os ministros das religiões, mostran-
tual, dando promessas de salvação, mas recebendo a vantagem do-se fiel nas práticas, mas fazendo ao mesmo tempo os seus
bem positiva da sua posição social; o material, ganhando a sal- negócios e aproveitando as oportunidades, enquanto os chefes
vação com o mínimo de incômodo e esforço possível. O único ficam com o poder, prometendo em troca a salvação eterna.
que não ficou satisfeito foi Deus, cuja justiça reclama e exigirá Esta é a lei deste nível, que a forma mental humana deseja. Es-
pagamento de ambas as partes. Pela grande sabedoria das astú- ta é a posição na qual tantos ficam satisfeitos, porque a ela cor-
4 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
responde a natureza do homem, que, desse modo, fica ao sabor cor, cansadas pelo peso do tempo, com o sentido já perdido pa-
dos seus instintos. E todos se julgam, assim, inteligentes e sá- ra o ouvido moderno. Não é que na alma, sobretudo na dos jo-
bios. É neste esforço de superação recíproca que está o seu vens, falte a sede de verdades eternas. Mas as velhas teologias
maior trabalho, a satisfação do seu orgulho, a demonstração da não são adequadas aos problemas dos tempos modernos. Quan-
sua inteligência e a prova do seu valor. tos não gostariam de ser esclarecidos, para poderem resolver os
Há, porém, outro fato. A lei do progresso trabalha continu- problemas máximos do conhecimento e, assim, tornarem-se ca-
amente para tirar o homem dessa sua triste condição, impulsio- pazes de se dirigir inteligentemente com a sua conduta! Toda-
nando-o a evoluir. Através de incessantes e duras experiências via, existem ideias velhas, feitas para nos embalar no sono da
neste baixo nível de vida, o homem acabará forçosamente atin- indiferença, com conceitos que, no decorrer do tempo, esgota-
gindo o amadurecimento necessário para compreender a estupi- ram o seu impulso vital e que o progresso abandonou ao lado
dez de tal método, pelo qual cada um sabe agir somente em do caminho da evolução. Os jovens de hoje cansaram-se e não
obediência cega aos instintos do inconsciente. O homem terá prestam mais ouvidos. Eis de onde nasce a hodierna indiferen-
assim de aprender a pensar, para depois, então, comportar-se ça, o desinteresse de quem, por falta de convicção, não toma
com inteligência e consciência. A lei da evolução, que o está mais a sério tais coisas, assumindo o absenteísmo espiritual.
incansavelmente impulsionando de baixo para cima nesse sen- Mantém-se assim uma indiferença cheia de respeito, como exi-
tido, não pode tolerar que tão involuído jogo dure para sempre gem as religiões, o mesmo respeito que se deve ter para com os
e que o homem continue sendo apenas um menino, dirigido pe- monumentos do passado e os túmulos dos mortos. Indiferença
lo seu subconsciente animal, como um menor que não sabe o que desemboca no materialismo ateu, no epicurismo, na filoso-
que faz, incapaz de receber de Deus as suas liberdades, por não fia animal do primitivo, triste substituto de tudo que em vão se
sabe assumir as suas responsabilidades. A vida somente pode procura, mas não se encontrou; fruto do desespero da alma in-
permitir tudo isto a seres primitivos, no atual baixo nível bioló- satisfeita que, precisando de uma filosofia qualquer para se di-
gico. Pela fatal lei do progresso, a mente humana terá de se rigir, não achou coisa melhor.
abrir, a fim de poder chegar a dirigir a vida com métodos mais Os jovens estão famintos de sinceridade, honestidade e jus-
inteligentes, honestos e vantajosos. tiça; estão desiludidos do passado, que muitas vezes lhes soa a
Essa é exatamente a mudança que hoje se começa a realizar. engano, pelo mau uso que foi feito de tantas verdades. E, se
A mente humana está saindo das névoas de sua menoridade. eles estão revoltados, não é por maldade sua, mas porque en-
Ela, agora, faz perguntas e pede respostas, não mais aceitando, contram falta de bondade. Eles, que agora aparecem no palco
somente por fé cega, verdades apoiadas no mistério. Começa a da vida, vão observando o que há de verdade por detrás das
raciocinar, olhando as coisas com espírito crítico, e, antes de aparências, e ficam tristes, desnorteados pela falta de uma ori-
obedecer, quer ver claramente com a lógica e a razão, exigindo entação sadia, coerente e convincente, que os ajude a navegar
de quem manda que justifique a sua posição. Insatisfeita com as no oceano desconhecido da vida, dando a esta um significado e
tradicionais palavras e afirmações teóricas, quer ver o que está uma finalidade a atingir, que justifique e valorize tantos esfor-
atrás dos bastidores das verdades proclamadas e da autoridade ços, lutas e sofrimentos. Esse é o pão substancial que é urgente
que, nelas, pretendem se apoiar. dar ao mundo, um pão de honestidade e de verdade. Disto o
Chegou a hora de explicar tudo com sinceridade e justiça, se mundo precisa muito mais do que de atingir a Lua ou ir a ou-
quisermos que os indivíduos obedeçam às leis. Até ontem, foi tros planetas (quem sabe para levar até lá as suas guerras!), ou
necessário o método da fé cega, porque não se pode dar expli- então de fazer novos inventos para destruir a humanidade e a
cações a meninos incapazes de entendê-las, já que isso geraria sua civilização. O indispensável, hoje, é uma moral que corte
naqueles cérebros primitivos complicações e mal-entendidos até às raízes toda a possibilidade de violência e de mentira –
perigosos. Mas hoje, que o homem começa a amadurecer, é ca- como lamentávamos acima – mostrando que há leis na vida
da vez mais necessária uma verdade demonstrada, que explique que ninguém pode enganar.
tudo e responda aos porquês, resolvendo os problemas, isto se No nível animal-humano, a vida se desenvolve num regime
não quisermos que ele vire as costas a qualquer princípio supe- de luta, porque esta é a lei desse plano evolutivo. Disto decorre
rior, entregando-se ao ceticismo. Mas, infelizmente, é o que es- que, em tal ambiente, a regra é que os bons, por não serem for-
tá acontecendo. De fato, o homem atual encontra-se perante sis- tes nem astutos, são explorados e eliminados. Para o nosso
temas velhos, adaptados a outras formas mentais, que ele não mundo, a bondade é uma forma de fraqueza que todos têm o di-
aceita mais. O que ele pede hoje é um pão verdadeiro, um nu- reito de explorar, utilizando-a para sua própria vantagem. Na
trimento vivo, aderente à realidade biológica e proporcionado prática, até se assiste ao absurdo de se tentar aproveitar da bon-
ao seu estômago mais exigente, que está pronto para digerir no- dade de Deus, pois tal mundo sabe que Ele é infinitamente
vos pratos, no qual sejam completadas e explicadas nos seus bom. É necessário então desvendar esta tão perigosa ilusão, fi-
mistérios as mesmas verdades eternas, porém demonstradas pa- lha da ignorância e dos instintos primitivos. Se o mundo, por-
ra convencer, atualizadas a par do grande progresso da ciência, que lhe convém, gosta de imaginar Deus dessa maneira, é ne-
atrás da qual hoje as religiões, outrora na vanguarda do pensa- cessário entender que Ele não é bom somente para que seja
mento mundial, ficaram atrasadas, quase que abandonadas co- possível explorar Sua bondade com o engano, mas que Ele é,
mo coisa velha, destinadas a um sótão ou a um museu. Ao in- sobretudo, inteligente, de modo que ninguém, com a sua astú-
vés de satisfazer essa legítima nova fome espiritual, as religiões cia, pode lográ-Lo e se evadir da Sua lei, como o homem, de
continuam a repetir as mesmas coisas antigas, com as velhas acordo com a sua forma mental, almejaria. É preciso compre-
palavras de sempre, nas quais os séculos passados adormece- ender que o fato de Deus ser bom não significa que, por isso,
ram, deixando, assim, de levar em conta e acompanhar essa re- Ele seja um simplório, a quem se pode enganar. Este tipo de
novação que se está verificando na forma mental humana. psicologia é terrena e somente serve para atingir as finalidades
Os jovens pedem esse nutrimento novo e fresco, apresenta- da lei da seleção do mais forte. Na sua concepção de Deus, o
do numa forma mais vigorosa, como os tempos apocalípticos o homem não sabe sair desta sua forma mental, produto do seu
exigem, e vão procurá-lo alhures, sobretudo na ciência, porque, grau de evolução, adaptada para promover, neste ambiente, o
nas religiões, encontram apenas um nutrimento rançoso, que trabalho de seu progresso biológico.
hoje ninguém mais digere, apresentado naquela forma estereo- Perante Deus e a Sua lei, é loucura querer ser astuto, por-
tipada pela longa repetição e consumida pelo uso dos séculos, que não há escapatórias. Quem faz o mal tem de pagá-lo à sua
própria para os adormecidos, feita de palavras aprendidas de custa, não importando se é crente ou não. A nossa opinião, fé
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 5
religiosa ou filosofia não podem fazer mudar as leis da vida. Eis a técnica do fenômeno. Como se diz em palavras sim-
Ninguém pode embrulhar Deus e a Sua lei. Mas o homem não ples, Deus defende com a sua justiça os honestos, que o mun-
gosta de semelhante conceito, preferindo antes, e por isso ima- do condena e persegue. Deus protege quem Lhe obedece.
ginou, um Deus bom, que se pode enganar. Mas isso não cor- Quem observa a Sua lei, está defendido por Ele. A arma para
responde à verdade, sendo apenas um produto do subconscien- salvar os honestos está na defesa proporcionada por Deus, na
te instintivo, uma redução do conceito de Deus dentro dos li- qual se encontra o grande poder dos que abandonaram as ar-
mites da psicologia terrena de luta, uma criação da mente hu- mas da força e da astúcia. Isto é importante, sobretudo com
mana para satisfazer um desejo seu. Deus é o que é, em forma relação ao tema que estamos tratando aqui, a ética, porque
positiva para todos, incluindo os ateus, e não o resultado do aqueles julgados os mais fracos pelo mundo podem, de fato,
que cada um, conforme a sua natureza, gosta mais de crer. O com tal jogo de elementos, tornar-se os mais fortes. E isso
homem aceita o conceito de um Deus ludibriável porque lhe acontece devido à existência de uma lei positiva que rege a
agrada pensar que pode aproveitar-se desse Deus, satisfazendo vida e que está sempre pronta para funcionar, tão logo o indi-
assim o seu instinto de prevalecer acima de todos. Ora, é ne- víduo se coloque nas devidas condições.
cessário não cair nesse engano, pelo qual quem quer enganar Tudo isto está escrito na Lei, que representa o pensamento de
acaba sendo enganado. O que de fato ocorre é o contrário do Deus e a Sua vontade para realizá-lo. Assim, essa lei é formada
que o homem pensa. Deus abandona ao poder da reação da Lei não apenas pelos princípios que dirigem os caminhos da vida,
quem quer fugir à obediência, enquanto defende os sinceros e mas também pelos impulsos que realizam estes princípios. Essa
honestos, que, seguindo o método da justiça, não querem se lei foi escrita por Deus no funcionamento do universo, através da
aproveitar de ninguém, protegendo-os contra um mundo que, Sua criação, e toda a fenomenologia a cumpre. Tudo e todos têm
seguindo o método da luta, explora-os e esmaga-os, pois, na- de obedecer à Lei, se não lhe querem sofrer as reações. Mas o
quele nível, eles são considerados simplórios e tolos, isto é, o primeiro a obedecer – e eis a grande maravilha – é o próprio
biótipo do fraco a ser eliminado pela lei da seleção. Deus, que, assim, apenas obedece livremente à Sua própria von-
Na sua ignorância, o homem acredita que a sua pequena tade, por Ele codificada na Sua lei. Ora, obedecer a si mesmo não
biologia terrestre representa toda a biologia do universo, em é obedecer, mas sim mandar. É por essa obediência de Deus, que
todos os seus níveis, e não entende que, em níveis superiores o ser tem o mesmo dever de obediência dentro da mesma ordem
de existência, situados ao longo do caminho da evolução, pos- universal, que não admite ser violada pela vontade descontrolada
sam vigorar leis tão diferentes na proteção da vida, que, peran- do arbítrio de Deus. Perante a Sua ordem, isso não representaria
te elas, os nossos atuais métodos se tornam absurdos e prejudi- liberdade, mas sim violação e erro. Ora, essa violação pode suce-
ciais, a ponto de parecerem emborcados, tamanha a distinção e der com o ser, que por essa culpa terá de pagar (assim se redi-
a oposição entre eles. De fato, trata-se de um progressivo pro- mindo), mas não é possível em Deus, pois Ele não pode errar.
cesso de endireitamento das qualidades do AS nas do S. Acon- A Lei, então, representa não somente um princípio de ordem
tece então que, num mais adiantado plano de existência, os universal inviolável, mas também um compromisso entre o Cria-
primeiros de hoje serão os últimos de amanhã e os últimos de dor e a criatura, com a garantia absoluta para esta de que a Lei
hoje serão os primeiros de amanhã. Verifica-se o fato de que o sempre responderá com exatidão aos movimentos do ser, conso-
ser, ao progredir do AS para o S, em virtude da evolução, vai- ante os princípios estabelecidos e em proporção ao merecimento
se gradualmente harmonizando no seio da Lei, encontrando-se, do ser. Esta conclusão, que também diz respeito ao nosso atual
por isso, cada vez menos no estado de separatismo – qualidade tema da ética, é de grande importância para a nossa conduta, por-
dos involuídos que os deixa sozinhos e abandonados, entre- que, conhecendo este fato, o indivíduo sabe que, ao cumprir o
gues apenas aos seus recursos individuais – e cada vez mais no seu dever de obediência à Lei, ele tem o direito de receber em
estado de unificação, qualidade dos evoluídos, que os funde no troca uma ajuda para defendê-lo. Esse é o princípio pelo qual
organismo universal, permitindo-lhes desse modo utilizar os funciona a Providência de Deus. O real apoio do homem honesto,
seus recursos e os meios de defesa. O homem não entende que condenado pelo mundo, é a certeza de que Deus, acima de todos,
a Lei é viva e representa um pensamento querendo manifestar- também respeita a Sua lei, merecendo por isso toda a confiança.
se, estando sempre pronta a entrar em ação, tão logo o ser, com Há também outra razão em que nos podemos apoiar para
os seus movimentos, ative o seu funcionamento. A Lei atua em ter essa confiança, e ela está na segurança que nos vem dos re-
relação a tais movimentos, sendo estes dependentes da nature- sultados, necessária para nos resolvermos a praticar todos os
za do indivíduo, que é, por sua vez, consequência da posição sacrifícios da obediência e o esforço de uma conduta correta.
ocupada por ele na escala da evolução. É lógico então que a lei A ideia a respeito de Deus oferecida a nós pelas religiões é a
feroz da seleção do mais forte no plano físico funcione só no de que Ele criou o universo, tirando-o do nada ou do caos.
plano animal-humano, no seio da biologia desse nível, ao pas- Mas, depois de haver estabelecido a Sua ordem, Ele ter-se-ia
so que outra lei, aquela de harmonia e de justiça, funcione num ausentado para os céus, ficando a olhar lá de longe a Sua obra,
plano superior, no seio da biologia desse outro nível. Assim, sem tomar parte ativa no seu funcionamento. Ora, queremos
verifica-se que, no plano inferior, quem é julgado o melhor (o aqui salientar que nada é mais absurdo do que essa ideia da au-
mais forte, vencedor) torna-se o pior no plano superior (o re- sência de Deus, a qual permite imaginá-Lo afastado, longínquo
belde à ordem, delinquente), enquanto no plano inferior, quem e, assim, mais facilmente ludibriável, quando, na verdade, a
é julgado o pior (o homem bom e honesto, julgado fraco) tor- lógica exige e tudo nos fala da Sua presença viva e contínua
na-se no plano superior o melhor (o mais forte, vencedor, por- entre nós no funcionamento orgânico do todo, dirigindo tudo
que defendido pela Lei). A Lei apenas aceita o método da luta de perto, vigiando, controlando, velando e realizando. Este fato
pela seleção do mais forte nos níveis inferiores, onde tal méto- acarreta importantes consequências no terreno da ética, porque
do representa uma defesa da vida. Mas tudo se transforma na um Deus tão próximo penetra toda a nossa vida por dentro e
evolução do AS para o S, inclusive o método de defesa, que por fora, constituindo uma atmosfera em que todos estamos
deixa de ser representado pela supremacia bestial de um indi- mergulhados e todos respiramos, da qual não há possibilidade
víduo sobre outro, como convém num mundo em estado de ca- de nos separarmos. Trata-se de um Deus que está conosco em
os, para se constituir numa posição de obediência na ordem, todo lugar e a toda hora, inclusive fora dos templos, em meio à
como convém num mundo que atingiu o estado orgânico, onde nossa vida de lutas; um Deus independente de seus ministros,
os impulsos inimigos (AS) chegaram, através de tanta luta, a o que elimina a possibilidade de enganá-Lo.
coordenar-se em harmonia (S). ◘◘◘
6 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
Há, portanto, duas maneiras de se conceber Deus, das quais do sofrimento, para ensinar tão bem o que ninguém pode deixar
derivam dois métodos de pensar e de viver, duas éticas diferen- de aprender? A verdadeira ética não depende do homem, mas
tes, filhas de dois tipos de religião: a do homem atual, ainda in- de Deus. Ela está acima de tudo e de todos, escrita na Lei e
voluído, correspondente à sua forma mental de primitivo, e a do dentro da própria natureza das coisas, razão pela qual não se
evoluído, super-homem do futuro, correspondente a uma forma pode fugir-lhe. Então, por que lutar contra os inferiores, se isto
mental completamente diferente. No primeiro caso, o homem serve apenas para excitar neles a ofensa e os artifícios do enga-
concebe Deus antropomorficamente à sua imagem e semelhan- no? Por que lutar para que eles entendam, se, pelo seu nível
ça, rebaixando-O até ao seu nível humano, sujeitando-O à sua evolutivo, não podem entender? Por que forçar a sua evolução,
lei de luta e tratando-O com o seu método de astúcia e psicolo- se o progresso é fatal e se apenas Deus tem o poder de impulsi-
gia de engano, com que costuma enfrentar os seus semelhantes. oná-los para frente? Por que, se a nossa pregação da verdade
No segundo caso, o homem, possuindo outra forma mental, gera na sua forma mental apenas uma procura por escapatórias?
concebe Deus como um ser que está acima das leis do plano Por que, se de fato não se atinge no mundo uma verdade única
humano e das suas maneiras de pensar e agir. Trata-O, por con- e total, mas apenas uma disputa entre verdades e religiões, cada
seguinte, com absoluta sinceridade e confiança, adotando um uma considerando-se como absoluta e em luta para destruir as
método completamente diferente, apoiado na honestidade, no outras? Por que nos substituirmos à sabedoria de Deus, quando
merecimento e na justiça. Não se trata aqui das aparências cos- a correção de todo erro é automática e a dor é o grande mestre,
tumeiras, que o mundo desejaria tomar por verdades, nem tão sempre pronto a nos colocar no caminho certo?
pouco das exterioridades apresentadas pelas doutrinas das reli- Nada mais podemos fazer senão explicar, aos que têm ouvi-
giões. Estamos falando da substância vivida nos fatos, e não dos para ouvir e inteligência para entender, os imensos prejuí-
das éticas pregadas. Falamos daquilo que o homem de fato é, zos que derivam da ética hoje vigorante. O atual sistema de in-
pensa e faz, sendo isso a única coisa que interessa e vale. sinceridade tem o mesmo valor daquele utilizado tanto pelo pa-
O que de fato existe no mundo, então, são dois tipos de reli- trão capitalista que explora os operários, pagando-lhes o menos
gião: a vigente, filha do passado, e outra, que antecipa o futuro. possível, como pelo operário que, buscando uma compensação,
Ambas correspondem a dois níveis de evolução e são conse- procura explorar o patrão, trabalhando pouco e da pior maneira
quência da forma mental e das leis que regem a vida do involu- possível. Que rendimento pode dar um sistema de enganos e
ído e do evoluído. Isso se deve ao fato de ser o homem uma cri- atritos recíprocos, quando a energia tem de ser desperdiçada
atura em evolução, ou seja, em estado de transformismo, pelo nessa luta para se explorarem um ao outro? Mas é recolhendo
qual, ao lado do velho, que está morrendo, aparece e existe o os tristes resultados desse método, que se acaba entendendo
novo, que está nascendo. Esta é a razão para existirem duas quão pouco ele seja rendoso, o que impulsiona a escolher outro,
verdades diferentes, aparentemente contraditórias, mas que não sem tais rivalidades e atritos, até se atingir um estado de cola-
passam de posições mais ou menos adiantadas ao longo do boração, que representa a maior vantagem para todos. O mesmo
mesmo caminho da evolução. São momentos sucessivos da acontece, como já vimos, no caso do método empregado tanto
mesma lei, que está sendo cumprida por seres pertencentes a pela casta sacerdotal, que, do seu lado, consegue ficar na sua
dois níveis biológicos sucessivos, um acima do outro. De cada posição de domínio, empregando a ameaça do inferno e a pro-
uma dessas duas verdades deriva, coexistindo lado a lado, uma messa do paraíso, como pela massa de seguidores, que acredita
ética específica correspondente: a inferior, praticada pela maio- apenas no seu interesse e busca se compensar, enganando a
ria involuída, e a outra, que, sendo exceção à regra comum, é Deus e seus ministros, com a execução somente de práticas ex-
seguida por uma minoria de evoluídos. teriores, pensando ganhar com elas a salvação. Chega-se assim
Isto é apenas uma constatação de fatos, feita sem a inten- a uma religião às avessas, onde se satisfazem os instintos infe-
ção de condenar ou reformar. Com efeito, nada pode ser feito riores e se aprende a arte da mentira. Tal método, porém, pelos
neste sentido por um homem ou um grupo, mas somente pelas muitos sofrimentos que gera para todos, persiste apenas en-
poderosas e sábias forças da vida, que se manifestam nos quanto eles não aprendem um outro, menos prejudicial – que,
grandes acontecimentos históricos, tratando-se de profundos sem praticar enganos, não termine no engano – apoiado na sin-
amadurecimentos biológicos. E os honestos deste mundo são ceridade com Deus e consigo mesmo.
poucos demais para formar um grupo poderoso, além de não Esta é a religião para a qual o impulso do progresso e a es-
possuírem as qualidades de agressividade necessárias para cola de tão duras experiências terá de levar o homem. Religião
vencer no terreno animal-humano. Quem segue o método do futuro, mais livre, porém sem possibilidade de enganos;
evangélico da não-resistência foge da luta e, consequentemen- imaterial, mas inflexível, e não mais flexível como as atuais.
te, não pratica qualquer forma de imposição de ideais, condi- Ela não quer destruir as antigas, e sim insuflar no seu cárcere de
ção que implica em ter de respeitar a ignorância na qual o forma material, com o qual elas se estão fundindo e confundin-
próximo, pronto a lutar para defendê-la, permanece fechado. do, um novo sopro espiritual, para rejuvenescê-las e vivificá-
Quem não aceita o método da luta tem de repudiá-lo, mesmo las, libertando-as o mais possível daquela forma, que, quando
quando não haja outro meio para tirar a cegueira aos cegos, se troca o vaso pelo conteúdo, representa um perigo. Trata-se
rendendo-se a deixá-los ser como quiserem ser. de um progresso que nos aproxima mais do verdadeiro conceito
O que desejamos fazer aqui é apenas indicar àqueles poucos de Deus. Isto quer dizer conquistar uma posição mais adiantada
indivíduos inteligentes as tristes consequências do método hoje no caminho da evolução e, por isso, mais poderosa e perfeita,
em vigor, explicar-lhes como, comparado ao que merece, são porque mais próxima do S.
poucas as dores do mundo; fazê-los ver que é a Lei, e não o É estranho, porém, que as religiões atuais considerem tal
homem, que manda; mostrar-lhes que é a dor que ensina, fa- progresso uma ameaça e prefiram ficar cristalizadas nas suas
zendo isto com fatos, e não com palavras, deixando cada um velhas formas, o que é morte, ao invés de correr ao encontro da
acreditar e pregar à vontade, mas fazendo-o pagar sempre como vida, renovando-se. Avaliado com as velhas unidades de me-
merece. Não há, pois, necessidade de impor à força ideias ou dida, quem procura a renovação é julgado irreligioso, rebelde,
até mesmo a salvação, já que isso excita o instinto de agressivi- herético e, como tal, é condenado. E os conservadores não en-
dade, provocando reação e luta, o que é um convite para a ani- tendem que esses indivíduos aparentemente revolucionários
malidade funcionar. Para que incomodar a fera com sábias pre- não trabalham para destruir o velho, mas sim para salvá-lo,
gações, quando ela se ofende em ouvi-las e se revolta contra porque a vida está no movimento e na renovação. Quem esta-
elas? Para que isto, quando, nas mãos da Lei, está pronta a lição ciona a fim de se conservar, envelhece e morre. Sobretudo nas
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 7
horas das mais rápidas mudanças biológicas, como a atual, de autoridade. Assim, aparece o hábito do controle analítico das
quem não as segue acaba ficando abandonado para trás, morto coisas e ideias, pelo qual, se o indivíduo se apercebe que os ide-
no túmulo do passado. E, pela lei da evolução, o novo está des- ais proclamados não correspondem à realidade dos fatos e às
tinado a arrombar mais cedo ou mais tarde as portas fechadas exigências da vida, então os repele. Quando, com a psicanálise,
de todas as resistências. começa-se a controlar a natureza subconsciente – onde estão as
Os julgados revolucionários não são destruidores, mas sim raízes de nossas ações – de tantos dos nossos impulsos secretos,
construtores, para que amanhã, das ruínas das velhas religiões, aos quais, no passado, o homem obedecia inconscientemente,
que estão desmoronando juntamente com os respectivos siste- como uma verdade absoluta, então não é mais fácil convencer e
mas éticos nelas apoiados, alguma coisa de firme e seguro per- obter obediência. Os pilares da velha lógica não se sustentam
maneça no mundo, para orientar positivamente o homem do fu- mais, porque está mudando por evolução a forma mental huma-
turo e dirigir com clareza e honestidade a sua conduta. A atual na. Mas, se neles se baseia o edifício dos princípios que dirigem
falta de fé, constatada no fato de não se tomar mais a sério as a nossa conduta, eis que esta fica sem alicerces, e o edifício todo
coisas de Deus – não importa se disfarçado atrás de aparências ameaça cair. Então os que são intelectual e espiritualmente mais
formais – representa um grave perigo que ameaça as religiões fortes começam a pensar com a sua própria cabeça, dirigindo-se
atuais, anquilosadas na sua imobilidade, num momento em que por si mesmos e assumindo sinceramente, perante Deus, as suas
todo o pensamento da humanidade está em crise e renovando- responsabilidades. Eles são condenados como rebeldes por saí-
se. A ciência não soube substituí-las por nada e, portanto, não rem das fileiras, o que é escândalo. Mas quem tem uma cabeça
pode dirigir o homem. Ir à Lua ou a outros planetas não orienta não pode deixar de usá-la para pensar, nem pode cortá-la num
o homem na sua conduta, deixando assim sem solução o pro- suicídio espiritual, que é a renúncia ao conhecimento. Quanto
blema individual e o social. O homem permanece uma fera, po- mais a evolução produz tal tipo de homem, tanto mais se torna
rém armada de recursos terríveis. Sobre a cabeça dos povos que contraproducente para as religiões o velho método absolutista.
conseguem engordar no bem-estar está suspensa por um fio a Concordar somente numa base de recíproca utilidade, que é o
espada de Dámocles, ameaçando uma guerra destruidora da princípio da troca já visto por nós, não pode ser vantajoso, por-
humanidade e da sua civilização. que não é seguro para durar, nem sólido para construir.
Se nestes livros procuramos explicar tudo, encarando e re- A evolução nunca para neste seu trabalho, lento mas cons-
solvendo os maiores problemas, a fim de dar uma resposta ho- tante, de amadurecimento da forma mental humana. Chega-se
je ausente, isto não é com a finalidade de criar uma nova teo- assim a uma nova maneira de se conceber e se orientar com
logia para substituir as antigas, mas sim para lhes dar um con- uma nova psicologia, o que significa dirigir-se com uma ética
teúdo positivo, demonstrado, de cuja lógica a razão não possa e método de conduta diferentes. O ser aprende então que, para
fugir, cumprindo a função não de atingir abstrações filosóficas, além de todas as formas exteriores, há uma realidade interior
mas de chegar a conclusões práticas, para uma conduta correta, independente delas, representada pela existência da mente di-
tendo por base princípios claramente definidos e convincentes. retora de tudo, Deus, que fixou o Seu pensamento e a Sua von-
O que procuramos é uma religião capaz de, sem permitir esca- tade de realização na Sua lei. Deus está assim sempre presente,
patórias, levar o homem a uma ética que, pela sua justiça evi- imanente em nosso universo, e, por essa Sua presença, o ser
dente, tenha o direito de impor o cumprimento dos deveres existe mergulhado e fundido Nele, que, representando o prin-
exigidos por ela, porque se baseia na realidade da vida, e não cípio da própria existência, sustenta e anima tudo. Trata-se de
em abstrações teóricas, situadas fora dessa realidade e, por is- um Deus do qual ninguém pode sair e do qual nada se pode es-
so, entendidas por poucos. Perante uma religião inteiramente conder. Um Deus vivo ao nosso lado e presente a toda hora,
demonstrada e a natural ética decorrente dela, formando um com a Sua inteligência e atividade. Quanto mais o ser é evolu-
conjunto que explica positivamente as consequências fatais de ído, tanto mais ele se torna consciente dessa presença e vive
cada ato nosso, com as quais cada erro tem de ser pago, não é em contato direto com Deus, fundindo-se na Sua vontade e
possível ficar neutro nem há lugar para a hodierna indiferença. tornando-se assim, ao contrário da criatura egocêntrica e re-
Acreditamos que só assim é possível vencer esse inimigo mor- belde, Seu fiel instrumento. Um fato assim tão fundamental
tal de toda espiritualidade, que inicia a decomposição final das orienta de maneira completamente diferente a vida, que se tor-
religiões e preludia a sua morte. na outra coisa. Então o ser se faz consciente do funcionamento
O que desejamos esclarecer é que não se trata de agressivi- orgânico do todo, dos princípios que o regem e da tarefa que
dade destruidora, mas sim de uma desesperada tentativa de lhe cabe realizar. Ele compreende a lógica do plano divino na
aplicar uma injeção vital, para salvar da velhice da forma os va- direção tudo e percebe que a sua maior vantagem está em se-
lores eternos. Quando estes vão caindo, então as religiões – gui-lo. Profundamente convencido disto, ele julga loucura o
porque lhes falta a substância e nada mais resta senão o ceti- espírito de revolta do homem atual e, espontaneamente, colo-
cismo – adoecem e, esvaziadas de todo o conteúdo vital, ficam ca-se na ordem, para obedecer à sabedoria da Lei.
ameaçadas de morte. O que de fato prevalece hoje é o materia- ◘◘◘
lismo religioso, dado por uma aparência formal de religião, pra- Dessa nova maneira de conceber decorrem consequências
ticamente ateia na substância, representando esta a última fase importantes. Antes de tudo, o ser atinge um conceito comple-
da decadência. Na Idade Média, os problemas religiosos eram tamente diferente de Deus, da religião e da ética. Ao princípio
percebidos vivos, e os homens lutavam naquele terreno. Hoje antropomórfico do sistema hierárquico se substitui o princípio
tais problemas não interessam mais. O mundo voltou-lhes as superior do sistema de tipo unitário. Neste, a criatura não é
costas, para tomar a sério os problemas da ciência, a única fonte mais um súdito sujeito à vontade de um rei que se colocou em
que parece oferecer um resultado capaz de satisfazer as exigên- cima de uma hierarquia de dependentes, perante o qual o indi-
cias da mente moderna. Como ninguém agride um morto, assim víduo não tem outro direito a não ser obedecer à lei que o rei
as religiões saíram do terreno da luta, que é o terreno da vida. quer e faz, transmitida por intermédio dos seus ministros, que
Quanto mais a mente se desenvolve, tanto mais o homem se o representam, mandando em nome dele. A tal conceito, com-
torna exigente em querer conhecer as razões pelas quais ele tem pletamente humano, que é a reprodução da condição encontra-
de se conduzir de uma dada maneira, suportando os respectivos da em nosso atual nível biológico, substitui-se outro, de um es-
deveres e sacrifícios. Desponta então um espírito crítico e uma tado orgânico, segundo o qual a criatura é uma célula do todo,
autonomia de juízo que não permitem mais a aceitação cega das nele harmonicamente fundida numa ordem superior, ou seja,
ideias simplistas do passado, impostas por sugestão ou princípio na Lei, que, com justiça imparcial, tudo dirige e domina. A po-
8 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
sição natural do ser não é, então, de automática rebeldia – à fugir do seu dano? Ninguém pode ir contra a sua própria vida.
qual o rebelde é levado pelo fato de seus interesses, como O problema é só um: chegar a compreender quão contraprodu-
acontece na sociedade humana, não serem os mesmos do che- cente é o atual método da conduta humana. Quando o homem
fe, que manda apenas porque venceu como o mais forte – mas, entender a conveniência de ser honesto, ele só não fará o que
pelo contrário, é de espontânea obediência, porque esta é a mais lhe convém, se for louco.
condição da sua maior vantagem. Apesar de tudo, muitos quereriam ficar parados, descansan-
E é lógico que seja assim, porque o conteúdo de um plano do nas velhas posições do passado, poupando-se ao trabalho de
evolutivo superior não pode ser senão de tipo unitário, como é progredir. Mas a evolução não os deixa em paz, impulsionando-
o S, do qual aquele plano está mais próximo, e porque o conte- os irresistivelmente para frente. O homem, aos poucos, irá as-
údo de um plano evolutivo inferior, como o humano, não pode sim entendendo cada vez mais, até se aperceber quão mais sa-
ser senão de tipo egocêntrico separatista, como é o AS, do qual tisfatória é uma conduta livre, com a obediência espontânea, di-
este plano está mais próximo. União, fusão, eis a psicologia de rigida pelo conhecimento e pela convicção, em vez de uma dis-
quem atingiu a forma mental superior, que está nos antípodas ciplina imposta à força, pelo terror da punição. A isto levará a
da psicologia egocêntrica, de oposição a tudo e a todos, divi- evolução, o que significa afastar-se do AS e de suas caracterís-
dindo em vez de unificar. Trata-se de duas formas opostas de ticas, para aproximar-se do S, isto é, de Deus.
pensamentos e de existência. É assim que Ele se aproxima de nós, e nós Dele. É uma sen-
De tudo isto decorre uma diferente forma de conceber e rea- sação deslumbrante a percepção dessa presença. É maravilhoso
lizar as relações sociais. O indivíduo, então, não é mais um ri- poder absorver a Sua potência vital, observando o pensamento
val do seu semelhante, em luta contra ele, num regime de ini- Dele escrito na Sua lei e lendo esse livro, onde estão os princí-
mizade, guerra e atritos, mas é seu amigo, num regime de com- pios que dirigem a vida de tudo o que existe. Ele representa a
preensão, paz e colaboração. Tudo isto representa uma grande atmosfera dinâmica e conceptual que respiramos em todos os
mudança nas atuais condições da sociedade humana e será a re- momento e lugares, circulando ao nosso redor, penetrando-nos
volução que transformará um mundo de feras num mundo de e enchendo-nos por dentro. Que esplendor não ter de imaginar
seres conscientes e civilizados. Deus afastado, longínquo nos céus, mas poder senti-lo vivo en-
Tudo isto é diferente da ética e das religiões em vigor. Dife- tre nós, trabalhando ao nosso lado, ajudando-nos em nossa luta
rente não do que elas pregam e sustentam em teoria, mas sim para evoluir, com o Seu imenso poder, bondade e sabedoria!
do que a maioria faz na prática, devido à natureza involuída do Não pode deixar assim de acabar por si mesmo o jogo in-
homem atual, que, com sua forma mental, não sabe sair do seu teresseiro para nos assegurar a vida futura, quando sabemos
plano e concebe tudo antropomorficamente, reproduzindo o que que ela está automaticamente garantida para quem a mereceu,
ele vê acontecer na Terra. A culpa, então, não é das religiões, conforme a justiça exige, e que, seja qual for a nossa astúcia,
mas do homem ainda não evoluído, que não sabe pensar de ou- nada podemos obter, se não for merecido. A massa dos fiéis
tro modo. Para ele, são necessárias as formas exteriores, os ab- de hoje, porém, não gosta e não aceita tal verdade, porque não
solutismos dogmáticos, o espírito de grupo para condenar todos sabe renunciar à bela miragem que satisfaz os seus instintos,
os que se encontram fora dele, a exclusividade da verdade, a com a qual lhe parece possível realizar o sonho de receber
coligação de interesses, um Deus atingível só através dos seus sem pagar, de obter sem merecer. Neste nível prevalece o
representantes materiais, bem visíveis e concretos, o terror do princípio da força e da astúcia, enquanto no nível superior
dano (inferno) e a cobiça da vantagem (paraíso), sem o que tu- domina o princípio da justiça. Nestes dois níveis biológicos, a
do cairia no abuso. Trata-se, então, dada a natureza humana, de vida se defende com armas diferentes. As primeiras são de ti-
um método indispensável, de um mal necessário, pois não se po inferior, mais próximo do AS, e representam, por isso, um
pode permitir liberdade às massas ignorantes, que, não pos- método involuído, de superfície, levando a uma vitória mais
suindo qualquer instinto de autodisciplina consciente, mas só a imediata, porém temporária, destinada a acabar na falência,
desordenada inconsciência dos impulsos egocêntricos individu- porque baseada no engano, e não no merecimento. Neste caso
alistas, acabariam na anarquia. trata-se de um edifício que tem de cair, porque, não tendo os
Se, porém, num nível superior a este, o ser atinge a consci- seus alicerces nos princípios da Lei, é desequilibrado. As ar-
ência da Lei e da presença de Deus e, nesta consciência, encon- mas que defendem a vida no outro nível biológico são de tipo
tra a autodisciplina que dirige a sua conduta, tudo o que é pro- superior, mais próximo do S, e representam, por isso, um mé-
duto daquela necessidade prática para dominar os rebeldes com todo evoluído, que trabalha na profundeza, com uma vitória
o medo da pena e o desejo do prêmio, como agora mencioná- em longo prazo, porém estável, que não acaba na falência,
vamos, não é mais necessário e, pelo fato de não ter mais razão porque baseada na verdade e no merecimento. Neste caso, tra-
para existir, tem de desaparecer. Não há mais nada que justifi- ta-se de um edifício que não cai, porque, tendo os seus alicer-
que tais métodos, quando o ser conhece a sua posição no todo e ces nos princípios da Lei, é equilibrado.
obedece a Deus com toda a liberdade, por convicção, sem pre- Chegando a esse superior plano de evolução, mudam as re-
cisar de ser constrangido, porque sabe que obedecer à Lei re- lações entre o ser e Deus. Nada mais de arbítrio irresponsável,
presenta a sua maior vantagem. Esse novo tipo de ética repre- pelo direito do mais forte. Tal conceito não pode existir senão
senta a maioridade das religiões, que a nova civilização do III na forma mental humana, em relação ao nível desta e para as
Milênio alcançará. Poderão assim desaparecer por evolução os finalidades do seu mundo. Chegou a hora de aplicar a psicanáli-
pontos fracos que vimos a respeito das religiões atuais. se a este e outros conceitos que dominam nas religiões, para ver
Numa religião clara e visível, positiva e racionalmente de- de que impulsos do subconsciente eles nasceram. É absurdo
monstrada, sem nuvens de mistério, não há mais lugar para en- que, mais no alto, domine a mesma desordem e espírito de pre-
ganos. Perante um Deus que a mente concebe verdadeiramente potência reinante no nível humano. Direitos e deveres existem
presente, e não só em teoria, não terá mais sentido desenvolver para todos, escritos na Lei. E Deus é o primeiro que dá o bom
a arte das escapatórias. Quando não houver mais comando pra- exemplo de obediência à Lei. Se imaginarmos Deus igual a um
ticado com a psicologia de patrão, não haverá mais razão para a chefe humano que pode fazer tudo com o seu arbítrio, então o
revolta que nasce no coração da criatura. Para que então deso- ser estará, justamente por isso, autorizado a agir da mesma
bedecer a Deus, quando a mente entendeu que isto é absurdo e forma, tendo o direito de fazer perante Deus, como de fato
prejudicial, uma vez que rebelar-se quer dizer ferir-se com as acontece, o que fazem os súditos humanos, que procuram, com
próprias mãos? Quem não procura a sua vantagem e não quer o engano, evadir-se da lei do mais forte.
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 9
É lógico que, em dois níveis biológicos diferentes, seja di- trão despótico e caprichoso, como também sabe que pode con-
verso o conceito de Deus. A concepção antropomórfica do arbí- tar com Ele, porque Ele, honestamente, mantém a Sua palavra.
trio descontrolado tem de desaparecer no nível superior, porque Quando se torna um justo, o ser não tem mais nada a esconder
aí, onde reina uma ordem preestabelecida e perfeita, ela se torna ou a temer de Deus, passando a confiar Nele. Deus, então, não
absurda. Isto não ofende a liberdade de Deus, pois quem obe- é mais um inimigo a temer, como os rebeldes acham que seja,
dece à sua própria vontade não é escravo. A primeira concep- mas sim um amigo que vem ao nosso encontro para nos ajudar.
ção se baseia, de um lado, no princípio da força, que em nosso Então o ser sabe que, obedecendo a Deus, pode, em nome da
mundo constitui o direito do patrão, e, do outro, como reação Sua própria justiça, reclamar perante Ele o cumprimento dela,
correspondente, no princípio da astúcia, que a criatura utiliza pois ninguém mais do que Deus pode exigir respeito pela or-
para exercer o seu equivalente direito à vida, porquanto este é dem estabelecida por Ele mesmo. Então cada um que tenha
comum a todos. A segunda concepção não se baseia mais em verdadeiramente cumprido todo o seu dever e esteja com a
tal princípio de antagonismos e rivalidades, pelo qual o mais consciência limpa, pode dizer: “Senhor, em nome da Tua pró-
fraco tem de obedecer ao mais forte, mas sim num princípio de pria justiça, que procurei realizar com todas as minhas forças,
equilíbrio estável e de justiça, representado pela reciprocidade defende-me para eu obter justiça neste mundo de injustiças”. A
dos direitos e deveres. Temos assim uma ordem perfeita para verdadeira ofensa contra Deus seria se essa justiça não fosse re-
ambos os termos do binômio: Deus e criatura. O conceito de alizada para quem a mereceu e, assim, prevalecesse no lugar da
arbítrio está ligado ao de ignorância, tentativa, escolha entre Lei, que é a voz do S, a vontade do rebelde, que representa a
opostos, dualismo, egocentrismo individualista, desordem, im- voz do AS. O ser pode pecar, rebelando-se contra a vontade de
perfeição, e nada disto é compatível com a perfeição de Deus. Deus. Mas como pode Deus pecar, rebelando-se contra Sua
Em um nível superior, o ser sabe com clareza o que ele deve própria vontade? E como pode ser culpa reclamar perante Deus
fazer, tendo certeza de poder contar com a Lei, que lhe permite que seja realizada a Sua lei, isto é, que seja feita a Sua vontade?
calcular os efeitos das suas ações.
A palavra obediência toma outro significado neste nível su- II. EVOLUÇÃO DA ÉTICA
perior. Nos planos inferiores, o egocentrismo individualista di-
vide e a obediência significa escravidão perante uma vontade O problema da ética é fundamental no fenômeno evolutivo,
inimiga. Nos planos superiores, a obediência do ser representa que é o maior do universo. Daí a sua extraordinária importân-
concordar e harmonizar-se com os princípios que regem a pró- cia. A ética é fundamental porque representa a norma que dirige
pria vida dele, para sua maior vantagem. Mas ser constrangido a nossa evolução, ensinando-nos o caminho que nos leva à sal-
à obediência para realizar o próprio bem não é obedecer, mas vação. Ela contém a regra de vida que, praticada, leva o ser ca-
sim realizar plenamente a própria vontade. A diferença entre os da vez mais a se aproximar do seu estado perfeito de origem, no
dois níveis está no fato de que, nos planos inferiores, prevalece qual ele se encontrava no S, antes da queda. A importância da
o antagonismo, o qual divide os seres entre si e contra Deus, ética é fundamental, porque ela está conexa com a Lei, repre-
tornando a obediência uma opressão antivital, enquanto, nos sentando a expressão direta dela, da qual enuncia o pensamento
planos superiores, tudo isto desaparece numa unidade na qual e manifesta a vontade a respeito da conduta do homem, dentro
os seres se fundem entre si e com Deus, numa só vontade, diri- dos limites que ele pode entender e praticar em relação à sua
gida para a mesma finalidade de bem, o que transforma a obe- posição ao longo da escala evolutiva.
diência em elemento vital. No segundo caso, então, a obediên- É por isso que encontramos éticas relativas e progressi-
cia não significa, como acontece com os patrões terrenos, que vas, como também relativa e progressiva é toda verdade con-
Deus esmaga a criatura sua escrava, mas sim que Ele a ajuda, quistada pelo ser na sua subida, em proporção ao conheci-
dignifica e respeita nela a Si próprio, todos colaborando juntos mento da Lei por ele atingido, somente em função do qual a
para o bem e a felicidade de cada um. ética relativa pode ser entendida e praticada. Seria, por isso,
Antes de ter o dever de obedecer, o ser tem o direito de sa- interessante fazer um estudo da contínua transformação evo-
ber em proporção ao seu merecimento, desenvolvendo com o lutiva das verdades declaradas absolutas pelas religiões. Te-
seu esforço a sua capacidade de entendimento. E Deus quer que mos de lembrar que, em qualquer tempo ou lugar, cada fe-
a desenvolvamos sempre mais, para entender cada vez melhor. nômeno – portanto também a própria existência – não pode
Ai de quem adormece por preguiça na fé cega, sustentando que ser entendido senão como um vir-a-ser e que, assim, o ser
tudo já foi resolvido e é conhecido! A obediência será tanto não pode estar situado senão dentro desse universal transfor-
mais perfeita quanto mais perfeito for o conhecimento. Quanto mismo evolutivo nem pode viver senão em função dele. É
mais este se desenvolve, tanto mais o ser entende que é sua por isso que a cada nível biológico corresponde uma ética re-
vantagem obedecer, fundindo a sua vontade com a de Deus, lativa, ou moral de conduta, a qual se transforma tão logo o
que só quer o bem da criatura. E esta fusão pode ser realizada, ser suba a um nível de evolução mais adiantado.
uma vez que, subindo, desaparecem os egocentrismos separatis- Eis como nasce e se justifica o conceito, a ser desenvolvido
tas dos rebeldes, levando os seres a se coordenarem e organiza- por nós agora, de uma ética atual, inferior, que chamamos do
rem dentro do único egocentrismo de Deus. Então, o maior de- involuído, e de uma ética futura, mais adiantada, que chama-
sejo e satisfação é fazer a vontade do Pai, com a qual a nossa mos do evoluído. Vemos ambas existindo em nossa humanida-
vontade se funde, tornando-se uma só, porque Ele quer o que de, em luta entre si: a ética da teoria e a da prática; a do Evan-
nós mais desejamos, isto é, a nossa felicidade. Neste nível, não gelho, que quer instaurar na Terra o reino de Deus, e a do mun-
fazem mais sentido nem têm mais lugar os métodos praticados do, que, feita de cobiça e destruição, quer continuar. Mas so-
no nível atual, baseados na ideia da vingança, no terror da pena mente com esses conceitos se pode explicar a convivência de
e nas astúcias para escapar à Lei. duas éticas em contradição, em luta uma contra a outra. Isto se
O ser pode então se movimentar com conhecimento, num deve ao fato de, atualmente, a humanidade se encontrar numa
regime de lógica e clareza, que lhe garante os resultados. Ele se fase de transição evolutiva, que vai de um plano biológico para
encontra finalmente perante um Deus sobretudo inteligente, que outro, condição pela qual, em nosso mundo, podemos hoje ver
não condena como culpa o desejo de conhecimento e que admi- coexistir a velha ética do animal, ainda não extinta, ao lado da
te perguntas inteligentes, às quais responde para quem tem ou- nova ética super-humana, que se vai afirmando cada vez mais.
vidos. O ser sabe que tem os seus direitos e quais são eles, por- Podemos assim entender esse fenômeno à semelhança da luta
que Deus escreveu tudo na Sua lei; sabe que Deus não é um pa- que se verifica entre a luz e as trevas na alvorada, ambas exis-
10 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
tindo no mesmo tempo e lugar. É por isso que enfrentamos aqui evolutiva redentora. Foi assim que, pelo fato de buscar uma
o problema da ética nesta forma dupla, pois este é o aspecto as- demasiada sabedoria, o ser automaticamente se condenou à ig-
sumido por ela em nosso mundo. norância, ficando por esta qualidade do AS – da qual derivam
Qual é então a diferença entre as duas éticas? Tomamos como todos os males, pois não saber significa errar – condenado à
pontos de referência os máximos do universo: o S e o AS. O que dor, que, sendo consequência do erro, representa no período
nos permite julgar uma ética, oferecendo-nos a unidade de medi- evolutivo o meio utilizado pela técnica da redenção para levar à
da do seu valor, é a sua posição ao longo da escala da evolução. salvação. Todo esse processo já estava potencialmente contido
A ética do involuído é mais próxima do AS e das suas qualida- na Lei e, tão logo o ser, pela sua livre vontade, quis movimentá-
des, portanto mais afastado do S e das qualidades deste. A ética lo, desenvolveu-se automática e irresistivelmente, como uma
do evoluído, por sua vez, é mais afastada do AS e das suas quali- desintegração atômica em cadeia.
dades, portanto mais próxima do S e das qualidades deste. As Assim, aconteceu que, chegando ao ponto final da involu-
qualidades da primeira, como já vimos, são do tipo negativo, ção, no AS, que representa a plenitude da realização do plano
com todas as consequências que derivam disto. As qualidades da da revolta, o ser, em vez de se encontrar no estado desejado de
segunda são do tipo positivo, com os correspondentes resultados. sabedoria e felicidade máximos, encontrou-se na condição de
A ética representa a sabedoria que o ser, com o seu esforço, con- ignorância e sofrimento máximos. O plano, como é lógico, pois
quistou no caminho da sua evolução, que o leva para a salvação, não podia acontecer de outro modo, tinha fracassado, embor-
com o regresso ao S. Sendo diferente conforme o plano de vida cando-se na insatisfação, mal este saudável, porque, como au-
atingido, esta sabedoria constitui o resultado de experimentações tomática correção do erro da revolta, constituiu-se no remédio
realizadas e lições aprendidas através do sofrimento, por meio de para a doença, uma vez que o tormento da insatisfação, cravado
tentativas progressivas e aproximações cada vez maiores para no ser como um irresistível e instintivo anseio de libertação da
conhecer e atuar em obediência à Lei, até chegar à perfeita coin- dor, é o maior impulso para o progresso no caminho da evolu-
cidência com ela, no S. É assim que, quanto mais o ser sobe, tan- ção. Ocorre que, se o período da descida involutiva foi de cria-
to mais perfeita se torna a sua ética, porque ela tanto mais con- ção da dor, o da subida evolutiva representa o período de des-
corda e coincide com a Lei. A ética completa e perfeita é a que se truição da dor; se o primeiro foi de destruição da sabedoria e de
encontra em toda a sua pureza no S. criação da ignorância, o segundo é de reconstrução da sabedoria
Eis então que o fenômeno da ética, como todos os fenô- e de destruição da ignorância. Isto quer dizer endireitar na obe-
menos, está sujeito ao processo evolutivo. Mas por que e de diência a desobediência, em que ela se havia emborcado com a
que modo acontece isto? No estado orgânico original do S, revolta. É assim que se realiza todo o ciclo de ida e volta, por
como já explicamos em nosso livro O Sistema, cada ser estava esses momentos sucessivos, consequência um do outro: 1) A
fechado entre limites estabelecidos de conhecimento, em rela- sabedoria e a felicidade no S (ponto de partida); 2) A revolta do
ção à função que lhe pertencia realizar no organismo do todo. ser; 3) A sua ignorância; 4) Os seus erros, com sofrimento má-
A revolta consistiu na tentativa de sair e subir acima desses ximo na plenitude do AS. Aqui acaba o caminho da descida e
limites, tal como se uma célula de tecido muscular quisesse inicia-se o oposto, da subida: 1) A ignorância e o sofrimento no
tornar-se uma célula de tecido mais nobre, de tipo nervoso ou AS (ponto de partida para o retorno); 2) A eliminação do erro
cerebral. Quando o ser se desloca da posição estabelecida para pela escola da dor; 3) A eliminação da ignorância e a reconstru-
ele por Deus, isto significa rebelião com objetivo de destruir a ção da sabedoria; 4) O regresso, com a sabedoria, à obediência
ordem universal. Mas tal ordem havia sido escrita e fixada por na ordem; 5) A sabedoria e a felicidade no S, ponto de chegada
Deus na Sua lei, sem possibilidade de destruição, acima de final de todo o processo, que retorna ao seu ponto de partida.
qualquer tentativa de desordem. Tivemos de voltar aqui a este assunto, já tratado em outros
Aconteceu então que a desordem permaneceu fechada den- dos nossos livros, para explicar o significado profundo da ética,
tro da ordem e, assim, limitada e disciplinada pela Lei, acabou entendida como norma relativa e progressiva que, por constan-
sendo canalizada num caminho bem definido, constituído pelo tes e cada vez maiores aproximações da Lei, dirige o ser ao es-
ciclo involução-evolução. O resultado da revolta foi, então, que tado perfeito, representado por ela no final de todo o caminho.
o ser, ao invés de emborcar a Lei e a ordem, para se substituir a Vemos assim que, por esse processo, o ser está constrangido a
elas, terminou por emborcar-se a si próprio, semeando a desor- conquistar de novo a sabedoria perdida, porque é atormentado
dem somente para si, dentro da ordem, que, no seu conjunto, pela dor, que o impulsiona a procurar libertar-se dela, e isto por
permaneceu inviolável e inviolada. A Lei, ao invés de ser que- tentativas, único maneira possível para quem ignora as leis da
brada, permaneceu, pelo contrário, firme e reagiu. O resultado vida. Isto significa ter de descobrir com o seu esforço éticas ca-
foi, então, o contrário do previsto, fazendo a revolta cair toda da vez mais adiantadas e próximas da verdade, que contém a
em cima do rebelde. Vemos assim vigorar o princípio pelo felicidade, e cada vez mais afastadas do erro, que representa a
qual, se a causa gera o efeito, este tem de voltar a ela, que é o dor. O ser deve realizar essa conquista, descobrindo novamente
seu ponto de partida. Este é o princípio com base no qual po- a verdade à sua própria custa. Foi o ser que, com a sua liberda-
demos afirmar que, quando alguém faz o bem ou o mal, ele o de, escolheu o caminho da descida e quis gerar a sua dor. Então
faz a si próprio. É por isso que o caso mencionado nos últimos é a ele que pertence agora o trabalho de percorrer o caminho
capítulos de nosso livro Queda e Salvação, desenvolveu-se de- oposto de se remir pela sua dor. A Lei não pode ser protecionis-
pois nos fatos, exatamente conforme a teoria ali enunciada, e o ta. Foi o ser que, colocando-se contra ela, expulsou a si próprio
agressor ficou preso dentro da sua própria rede, porque todo o do seu ambiente originário de forças positivas favoráveis, lan-
mal que tinha lançado voltou contra ele, por força da Lei. çando-se assim num mundo de forças negativas inimigas, que
Foi assim que, à expansão procurada pelos espíritos contra agora o perseguem sem piedade e o perseguirão até que ele, pe-
os equilíbrios da Lei, na grande revolta, seguiu-se uma corres- lo muito sofrer, aprenda e evolua, pagando a sua dívida perante
pondente contração; à saída fora dos limites correspondeu uma a Lei e libertando-se dessa condenação. O ser tem de se recons-
compressão dentro dos limites. Foi assim que à pretensão de truir na sua sabedoria, porém, uma vez que não conhece o ca-
uma sabedoria fora da medida estabelecida seguiu-se a igno- minho certo, tem de descobri-lo por tentativas, sofrendo as con-
rância. Mas eis que esta tem de voltar ao seu ponto de partida, sequências dolorosas de cada erro. O ser tem de encontrar onde
que foi a sabedoria, assim como o período de afastamento do S, está a porta para sair do cárcere dos seus sofrimentos, através
ou descida involutiva, tem de ser contrabalançado por um cor- de incontáveis tentativas, tateando as paredes como um cego e
respondente e inverso período de aproximação do S, ou subida batendo contra elas a sua cabeça, até aprender de novo todo o
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 11
conteúdo da Lei. O ser, pela sua ignorância, tem de experimen- atrasados, que pertencem a planos de vida inferiores, e os mais
tar todas as dores que se seguem a seus erros, até ter aprendido adiantados, que pertencem a planos superiores ao seu. Os pri-
toda a lição da Lei, regra por regra, letra por letra. meiros são afastados como delinquentes; os segundos são per-
Falamos tudo isto para mostrar que o valor da ética está exa- seguidos como idealistas e utopistas, ou fracos e ineptos. Tais
tamente no conteúdo das normas de conduta, as quais, relativa- julgamentos dependem da forma mental de quem julga, con-
mente ao nível evolutivo atingido pelo ser, cumprem a função de forme a sua posição ao longo da escala evolutiva. Assim, se o
iluminá-lo e dirigi-lo nas suas tentativas, para que ele, cometen- nosso mundo julga como imoral e condena tudo o que se en-
do sempre menos erros, possa cada vez mais se libertar dos so- contra abaixo do seu nível biológico, os evoluídos, que perten-
frimentos decorrentes. Em outras palavras, a ética representa o cem a um plano de vida mais adiantado, também julgam imo-
guia que nos orienta e dirige no caminho da evolução, o qual nos ral a nossa sociedade e condenam a sua maneira de pensar e
leva para a salvação e a felicidade. Eis o significado da ética. agir, considerando-a primitiva e não civilizada.
◘◘◘ É assim que podemos entender o que está acontecendo em
Deixemos agora as teorias gerais que nos explicam as razões nosso mundo, chegando agora às últimas consequências das
de tais fenômenos e observemos mais de perto as suas conse- teorias já desenvolvidas, sobretudo em relação à teoria da que-
quências, tal como as encontramos em nossa vida prática. Agora da, sem a qual não poderíamos ter conhecido a primeira ori-
podemos saber o que é moral ou imoral, quando e por que uma gem desta realidade que vemos vigorar na prática, nem ter en-
coisa é lícita ou ilícita. O ponto de referência da ética, a unidade tendido o seu significado e finalidade. O conteúdo desta reali-
de medida do valor positivo ou negativo das nossas ações, é a lei dade, que salta à vista logo que o indivíduo se eleve acima do
de Deus. Tudo o que está dentro das suas regras é bom e lícito, nível evolutivo da maioria, é o choque entre a ética do involuí-
tudo o que está fora das suas regras é mau e ilícito. É moral tudo do e a do evoluído. A primeira pertence ao passado, que quer
o que leva para o S; é imoral tudo o que pertence ao AS. É mo- continuar a viver, mas tem de morrer; a segunda pertence ao
ral tudo o que, pertencendo à positividade em obediência à Lei, futuro e, apesar da resistência que a outra lhe opõe, tem de
constrói; é imoral tudo o que, pertencendo à negatividade em vencer. É justamente por isso que o tema interessa, pois trata-
desobediência à Lei, destrói. No S não existe o imoral, sendo tu- se da nossa regra de vida de amanhã.
do moral, positivo, conforme a Lei; no AS não existe o moral, Para o involuído, que caiu no separatismo do AS, o ponto
sendo tudo imoral, negativo, contra a Lei. Foi pela cisão, devida de referência não é o organismo do todo, em função do único
à queda, que nasceu o dualismo dos opostos, moral e imoral, centro de tudo, Deus, mas tão-somente o centro particular cons-
originando o conceito de anti-Lei, inexistente no S. Neste tudo é tituído pelo seu eu. Então a sua moral, que estabelece a medida
moral. Quanto mais uma ética é evoluída, tanto mais ela é mo- do bem e do mal, é representada pelo seu próprio interesse. O
ral, no sentido de que se aproxima da moral perfeita do S; quan- bem, para ele, é tudo que lhe é útil, e o mal é tudo que constitui
to mais uma ética é involuída, tanto mais ela é imoral, no senti- o seu dano. Por isso a lei, para ser entendida e obedecida, tem
do de que se afasta da moral perfeita e se aproxima da sua nega- de usar o método do prêmio ou da pena. Então não é mais Deus
ção completa no AS. Isto quer dizer que, quanto mais uma ética que faz a lei universal, mas é o indivíduo que faz para si a sua
é evoluída, tanto mais as suas normas se afastam da animalidade lei particular. Assim, a unidade da ordem universal, estabeleci-
para a espiritualidade, das qualidades do AS para as do S. Signi- da pela lei de Deus, pulverizou-se no caos das tantas leis parti-
fica também que, quanto mais uma ética é involuída, tanto mais culares de cada indivíduo, ligadas entre si apenas no negativo,
ela obedece aos imperativos dos instintos inferiores gravados no isto é, por rivalidades na luta infernal que vemos em nosso
subconsciente, como muitas vezes acontece em nossa humani- mundo. Mas tal estado de atrito e destruição recíproca significa
dade. Tais impulsos representam o passado, isto é, o período no fraqueza, enquanto a união, isto é, o estado orgânico do S, re-
qual prevaleciam no ser as qualidades do AS. presenta a força, porque a evolução, conduzindo a ele, devolve
Eis então que cada ser, conforme pertença a um ou outro ao ser o seu poder originário, que foi sua qualidade no S. Ora,
plano de evolução, possui uma ética diferente. No plano huma- uma vez que isto é uma vantagem, o ser então, buscando gozar
no, as éticas não são todas iguais, mas dependem do nível bio- dela, sente-se impulsionado a abandonar o separatismo do AS,
lógico do indivíduo e, consequentemente, da respectiva forma para se fundir com os outros seres na unidade do S, ficando as-
mental, com a qual ele estabelece a sua maneira de conceber a sim, automaticamente, constrangido a evoluir.
vida. A moral de que falamos aqui é aquela da qual o ser está Com base nestas premissas, o problema da vida é concebido
convencido e que, por corresponder aos seus instintos e impul- e resolvido de maneira completamente diferente, conforme o
sos espontâneos, é de fato vivida por ele. Trata-se da moral que indivíduo pertença ao tipo involuído ou evoluído. Iremos ob-
é realmente praticada, e não daquela oficialmente proclamada, servar agora o que acontece em nosso mundo a este respeito.
muitas vezes professada só para melhor esconder a verdadeira A nossa organização social se baseia no princípio da autori-
conduta, bem diferente. Não nos interessam as aparências feitas dade, que representa o cume da pirâmide. A autoridade, até há
para enganar, mas somente a realidade que existe atrás delas. pouco tempo, foi exercida em nome de Deus por quem se auto-
Assim, uma vez que, em nosso mundo, o nível biológico nomeava Seu ministro. Isto deveria significar que a função da
oscila do plano do involuído ao do evoluído, a ética relativa autoridade era aplicar na Terra os princípios de uma ética supe-
também varia de um extremo a outro, indo do tipo involuído rior à do plano humano, para corrigir a força com a justiça, a
ao tipo evoluído. Ela vai da fera ao santo, do nível do subde- mentira com a verdade, a traição com a honestidade etc., ensi-
senvolvido, selvagem e feroz, ao nível do super-homem, civi- nando e educando o ser dessa maneira, para levantá-lo do nível
lizado e evangélico. A maioria se equilibra no meio destes dois biológico do involuído ao do evoluído. Só neste sentido a auto-
extremos, com uma moral ambígua, que pretende ser do se- ridade podia descer de Deus e ser praticada em nome Dele. E
gundo tipo, embora muitas vezes, na substância, seja do pri- nisto os povos de boa fé acreditaram por muito tempo. Eis, po-
meiro. Moral anfíbia, de adaptações entre o superior e o inferi- rém, que, um belo dia, a sua inteligência, aguçada pelo sofri-
or; ética de transformação, em que coexistem dois níveis de mento, conseguiu aperceber-se que a ética praticada pelos do-
vida, com as normas de conduta do nível inferior convertendo- minadores era a mesma dos súditos, aquela do próprio interes-
se nas do superior, que vai sendo conquistado por lentas apro- se. Entendeu então que todos lutavam no mesmo plano, pelas
ximações evolutivas. Com essa ética, correspondente à sua po- mesmas razões e com os mesmos métodos, e que os chefes
sição biológica, a sociedade humana, pelo direito do mais for- mandavam não por direito divino ou por superioridade moral,
te, que a maioria possui, condena e expulsa de seu seio os mais mas pelo direito do mais forte, conquistado pelo vencedor.
12 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
O problema da autoridade é importante, porque se trata de Mas depois de terem atingido o seu objetivo, é o povo que tem
escolher quem manda e quem deve obedecer. Então ele foi re- de obedecer aos seus eleitos. Então, se os governantes procuram
solvido de outra maneira. Ninguém pensa hoje que um presi- evadir-se do cumprimento das suas promessas, os cidadãos pro-
dente da república tenha de ser tal só porque foi consagrado por curam evadir-se da obediência. De fato, todos são cidadãos do
Deus, através do intermédio dos chefes das religiões. Então, mesmo plano evolutivo, sujeitos às mesmas leis e praticando a
desfeita a lenda do poder dos reis por direito divino, esse poder, mesma ética de luta, que é a do vencedor e a do vencido.
ao ficar sem a base teórica que o justificava, foi substituído, Em tal regime, quem atingiu o poder tem, antes de tudo, de
numa concepção realista, por outro, pelo poder da maioria, das lutar para defendê-lo. O bem é o dele, acima de qualquer coisa.
massas humanas, apoiado no direito, muito mais sincero, dos A virtude é o respeito à sua autoridade, e a culpa é a desobedi-
seus interesses. Que uso fizeram do poder o rei, a aristocracia e ência a ela. O bem do povo é coisa longínqua, menos tangível,
o clero antes da revolução francesa? Eles traíram a missão des- pouco urgente, adiável enquanto este se mantiver quieto e não
tinada por direito divino às classes dominantes, que é dirigir a entrar em luta, exigindo que aquele seu bem se realize. Também
marcha evolutiva do povo, o qual lhes está sujeito somente por os povos não têm direito a nada, nem a vida lhes confere qual-
esse motivo. Foi assim que esse poder, pelo mesmo direito di- quer vantagem, enquanto eles não tiverem merecido isso pela
vino sustentado por elas como base para exercê-lo, foi-lhes reti- sua inteligência e com o seu esforço. A natureza deixa que os
rado pela vida, porque, segundo um princípio da lei de Deus, povos atrasados sejam explorados, porque são eles os que mais
quem faz mau uso de uma posição de vantagem, e não o uso precisam, pelo sofrimento, aprender a sua lição, necessária para
que deveria fazer – utilizando-a não para ajudar os outros a su- evoluir. Que esforço tremendo o povo francês teve de fazer com
bir, finalidade pela qual ela é concedida, mas só para explorá- as guerras napoleônicas para se libertar da escravidão de uma
los em seu interesse egoísta – perde aquela posição de vanta- monarquia e aristocracia podres, prontas a continuar exploran-
gem e retrocede de um plano de vida mais adiantado, no qual se do-o para sempre! A vida exigiu tal esforço porque, sem ter lu-
mostrou indigno de permanecer, para um plano de vida inferior, tado e merecido, não se pode ter direito a melhoramento algum.
do qual, com a sua forma mental atrasada, deu prova de ser ci- Não há progresso para os preguiçosos. Para subir o monte da
dadão. A Lei exige que o indivíduo possua e pratique a ética do evolução, não há elevador, mas somente as nossas pernas. Se o
nível evolutivo ao qual pretende pertencer, cumprindo os res- povo francês não tivesse enfrentado a sua luta e vencido a sua
pectivos deveres. Não é possível ficar em posições sociais não batalha, teria ficado até hoje na sua posição anterior.
merecidas, sem cumprir a função evolutiva que a vida confia a Outra consequência de estar a grande maioria no mesmo
quem se encontra nelas. Esta é verdade universal para todos os plano evolutivo, praticando com a mesma forma mental a
tempos e lugares, verdade que muitos ainda hoje não entendem, mesma ética, é que a autoridade, para obter obediência, tem de
mas que, por inexorável lei biológica, todos têm de aprender à empregar o princípio melhor entendido pela maioria, o da força
própria custa, por meio de duras experiências. ou da ameaça de dano individual, representado pela cadeia ou
A vida é sempre honesta e utilitária. O resultado útil atingido pelo inferno. Por que deva ser assim, somente se explica com
assim por ela foi a conquista de uma defesa melhor para si, pelo estas observações que aqui vamos desenvolvendo. Não poderia
fato de que, com o sistema representativo, tornou-se maior a ex- ser de outra maneira, quando a forma mental dominante, que
tensão dos interesses protegidos, abrangendo não só os de uma impulsiona as ações da maioria, é dada pelo próprio interesse
classe dominante, mas os de toda uma nação. Então, de um nível egoísta individual e pela luta para satisfazê-lo. Os próprios diri-
de ética para o qual o mundo não se havia demonstrado maduro, gentes estão constrangidos a usar tais métodos, porque a massa
o poder desceu a um nível mais baixo, prático e destituído de não entenderia outros e se aproveitaria para fazer o mal. No
ideais, estabelecido pelo interesse. É assim que os homens de passado, o problema do governo para os chefes civis, assim
governo acabaram não sendo mais os representantes de um po- como para os religiosos, foi não somente educar, mas também
der por direito divino, mas somente empregados da massa dos amansar e domesticar a fera humana. Nos níveis mais baixos, o
cidadãos, que, na organização do Estado, pode exigir que eles educador precisa ser antes de tudo um domador, se não quiser
prestem conta do seu trabalho e cumpram o seu dever. Mas isto ser devorado pelos seus alunos. O nível do ensino depende do
só era possível agora, quando a massa deixou de ser um rebanho nível destes, ao qual o mestre tem de se proporcionar.
inconsciente, para se tornar um povo que atingiu a consciência Verifica-se, assim, a mesma coisa que acontece numa clas-
coletiva de nação e que, amanhã, junto com os outros povos do se de estudantes em relação à disciplina. O mestre está sozi-
mundo, conquistará a consciência coletiva de humanidade. nho, mas tem nas mãos o poder de punir. Os alunos, sem poder
Nivelou-se, assim, tudo no plano da realidade biológica, um algum, têm apenas o dever da obediência, mas possuem a força
nível evolutivo mais baixo, porém positivo. A lei desse plano é a do número. Assim, os dois poderes – o da autoridade, conquis-
luta pela vida para a seleção do mais forte, que, só pelo fato de tada e sustentada pela lei na organização social, e o da multi-
ser o vencedor do mais fraco, tem o direito de mandar. Os che- dão, constituído pelos pobres, que procuram impor-se pelo pe-
fes não são seres superiores, biologicamente mais evoluídos, so da sua massa – estão diante um do outro, sempre em luta, e
que, por isso, possuem o direito de dirigir os outros, mais atra- dos dois é o mais forte quem vence e domina. Se o mestre é
sados, para o bem destes. A posição de comando não depende bom e fraco, ao passo que os alunos são rebeldes, a classe se
do Alto, mas é apenas uma delegação de poderes a alguns esco- transforma num inferno e o mestre num pobre vencido. Quan-
lhidos, por parte de quem é julgado o verdadeiro dono, que é a do o chefe é fraco, como Luís XVI na França, ou como o Czar
massa dos cidadãos da nação. Ficam então todos no mesmo ní- Nicolau na Rússia, então estouram as revoluções. Se, neste ní-
vel, funcionando com a mesma forma mental e a ética a ela rela- vel biológico, a força é o único argumento que todos enten-
tiva, obedecendo todos à mesma lei da luta, que faz cada um ri- dem, a culpa é de todos, porque eles pertencem a um plano de
val do outro. Assim, divididos em governantes e governados, os vida onde, pela forma mental e ética dominante nos fatos, o
primeiros ficam com o direito do comando e os segundos com o método inteligente de agir espontaneamente, por compreensão
dever de obediência, assumindo um a posição de patrão e outro e convicção, representa algo ainda inconcebível. As duas par-
a de criado, em luta entre si, porque esta é a lei do seu plano, já tes se conhecem e se compreendem, porque possuem a mesma
que o nível superior, no qual vigora o princípio da colaboração, forma mental. Tudo na luta é previsto e calculado. Os dois
ainda não foi atingido. Nessa luta, cada um dos dois termos usa impulsos opostos, cada um para defender o seu interesse e
os poderes que possui. Durante as eleições, o povo manda, e os atingir a sua vantagem, param no ponto em que se estabelece
candidatos então o cortejam, para que ele lhes entregue o poder. o equilíbrio entre os seus poderes contrários, que representam
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 13
o seu valor. E, quando a força não basta ou faz falta, segue-se Quem vive num plano biológico mais adiantado não pode
então o caminho da astúcia, que representa uma força mais su- deixar de ficar aterrorizado pelas culpas daqueles que, na sua
til, constituída pela inteligência, com todo o seu cortejo de ignorância, pertencem a um plano biológico mais atrasado e
enganos e escapatórias, como já vimos. conservam perfeita convicção de inocência. A delinquência
Tal é a forma mental e o método de vida do involuído. O das feras assassinas é honesta em relação à moral delas. Com
seu sistema social, consequência do seu tipo de ética, é pesado, a evolução, subindo de um nível e de sua respectiva ética a
pois se baseia no egoísmo, na desconfiança e na luta. Por isso um nível e sua respectiva ética superiores, muita coisa julgada
ele requer infinitos controles, uma vez que cada célula do orga- moral se torna imoral. Para a forma mental do evoluído, a
nismo tem de ser constrangida à força a cumprir o seu dever. nossa sociedade atual, tanto no terreno civil como no religio-
Esta é razão pela qual a grande máquina da ordem social, seja so, admite como lícitas ações e métodos que aquele biótipo
civil ou religiosa, não pode funcionar senão por disciplina im- não pode praticar e contra os quais ele se rebela, porque, para
posta à força ao indivíduo, que é naturalmente rebelde a qual- ele, são profundamente imorais, representando um instintivo
quer obediência. E os povos têm de carregar esse peso, forçoso produto do subconsciente, tolerável apenas na ética de um ní-
porém merecido, porque outro meio não há em nosso mundo vel de existência ainda animal. É destes fatos que aqui procu-
para manter um início de ordem, necessário para se encaminhar ramos continuar dando exemplos explicativos.
a um nível mais adiantado de vida. Eis porque a sociedade tem ◘◘◘
de suportar o peso de leis coercitivas, armadas de sanções pe- Quando não é o evoluído a julgar o involuído, mas sim o
nais, tropeçando a cada passo com regulamentos, administrado- contrário, como muitas vezes acontece em nosso mundo, é ló-
res, fiscais, verificações, burocracia, tribunais, polícia, cadeias e gico que, então, a ética do evoluído seja condenada como uto-
outras tantas delícias da moderna organização social. Tudo isto pia. É natural que assim sejam julgados pelos atrasados um ní-
representa um trabalho contínuo, despesas, desperdício de vel de existência mais adiantado e a sua respectiva ética. E, de
energia, perda de tempo, atritos e complicações, incluindo a ne- fato, trata-se de um mundo novo, que está fora da realidade co-
cessidade de manter um exército para defender a ordem interior nhecida dos involuídos, na qual eles acreditam estar toda a rea-
e a segurança contra os inimigos exteriores. Tanto tormento de- lidade. Fechados no seu egocentrismo, eles acreditam que a sua
saparece naturalmente no nível do evoluído, que, conhecendo a verdade particular seja toda a verdade.
sua posição no organismo coletivo e o correlativo dever, cum- Há, porém, um fato. A utopia do presente muitas vezes re-
pre-o livremente, colocando-se sem atritos no lugar que lhe per- presentou a realidade do amanhã. Por outro lado, não há outro
tence, porque ele sabe que nisso está o seu interesse, mas um meio para fugir dos defeitos da posição atual, bastante pesados,
interesse inteligente e consciente, diferente daquele egoísta e a não ser realizando o esforço para que se torne real um mundo
destruidor, praticado pelo involuído. diferente, hoje julgado utópico porque fora da nossa presente
Trata-se de dois tipos opostos de ética, com todas as suas realidade. Os homens práticos podem rir-se de tudo isto, já que
consequências. O tipo de ética do involuído é exterior, formal, lhes parece um sonho. Mas não há dúvida de que a posição atu-
de superfície, apegado às aparências, que deixam possibilidade al é de muitos sofrimentos. E quem, por ventura, não quer liber-
de enganos. Tal sistema, para se realizar, necessita de um cons- tar-se deles? Quem fica satisfeito com uma posição desagradá-
trangimento vindo de fora, empregando a força material ou psi- vel, quando poderia conquistar uma melhor? Quem gosta de fi-
cológica, apoiado no medo do dano ou na cobiça da vantagem, car estacionário, renunciando ao progresso? E o que é o pro-
pois só por estes impulsos o egoísmo do indivíduo, mergulhado gresso, senão uma contínua corrida à procura de superiores
na sua ignorância, sabe funcionar. O tipo de ética do evoluído é formas de vida, julgadas utópicas no passado? Se tudo isto é
interior, substancial, profundo, ligado a verdades que não dei- sonho, que os positivos têm de desprezar, então fiquemos satis-
xam possibilidade de enganos. Tal sistema se realiza esponta- feitos com os métodos, sofrimentos e perigos atuais, até que
neamente, apoiado somente no convencimento, porque a cons- eles nos levem talvez à destruição da humanidade.
ciência despertou e tirou o indivíduo da sua ignorância, de mo- Com as modernas armas atômicas e a dominante psicolo-
do que, agora, ele pode livremente dirigir-se com o seu conhe- gia do involuído, tal ameaça é real. Com a sua forma mental
cimento. O atual trabalho da evolução em nosso mundo é pas- de primitivo instintivo, o homem atual ainda não consegue en-
sar do 1o tipo de ética para o 2 o. O eu vai assim despertando ca- tender que o método das guerras nunca resolve, mas, pelo
da vez mais, aproximando-se das raízes espirituais do ser, fun- princípio de ação e reação, representa apenas a semente de
cionando sempre mais com as qualidades do S, e sempre menos uma nova guerra. Na história, vemos que tal método resultou
com as do AS. Trata-se do lógico desenvolvimento da evolu- somente num permanente estado de luta, gerando uma cadeia
ção, de uma conquista biológica necessária, que traz consigo de desequilíbrios que nunca conseguem resolver-se na posição
um novo tipo de ética e estilo de vida, conforme o telefinalismo equilibrada de uma paz definitiva. Cada vitória então, em
de todo o fenômeno, que vai do AS para S. substância, não é uma vitória, mas sim uma derrota. Isto por-
Trata-se de um passo para frente no caminho que vai do que se trata de um mundo ainda situado perto do AS, onde vi-
primeiro ao segundo desses dois extremos. A ética do evoluído gora o princípio do emborcamento. Assim o homem tem de
é mais livre, todavia mais rigorosa que a do involuído. Às exi- ficar mergulhado neste seu ambiente de ilusões, até que o so-
gências da substância é mais difícil de se subtrair do que às frimento tenha desenvolvido a sua inteligência o suficiente
exigências da forma. O evoluído, pela sua própria lógica, tem para ele entender que, a fim de sair deste impasse, é necessá-
de exigir virtude sobretudo de si, porque a sua finalidade é su- rio superar a sua atual forma mental e a respectiva ética da
bir. O involuído, pela sua forma mental diferente, é levado a força, para assumir a forma mental do evoluído, hoje julgada
exigir virtude, antes de tudo, dos outros, porque a sua ética é utópica, e a respectiva ética de justiça. Enquanto vigorar a
de luta, para os sobrepujar. O primeiro procura a honestidade atual psicologia do egoísmo separatista, serão inevitáveis os
antes de tudo em si mesmo, para benefício dos outros. O se- choques entre os impulsos opostos e os sofrimentos que deri-
gundo procura a honestidade antes de tudo nos outros, para vam disto. Eles somente poderão acabar quando o homem al-
melhor explorá-los em seu proveito. O evoluído pede que os cançar uma forma mental de compreensão e colaboração, pela
outros, para o próprio bem deles, pratiquem a honestidade, pra- qual os impulsos, ao invés de se chocarem como inimigos,
ticada primeiramente por ele. O involuído pede que os outros harmonizam-se como amigos, substituindo assim a ordem ao
pratiquem a honestidade, mas apenas para que ele, o primeiro a caos. Alega-se, no entanto, que tal biótipo não existe na práti-
não praticá-la, possa aproveitar-se. ca, sendo necessário, por isso, trabalhar com o que o homem
14 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
é, e não com o que ele deveria ser. Muito bem. Mas então te- o homem, com o seu esforço, tenha desenvolvido a inteligên-
mos de ficar com as nossas dores. cia necessária para resolvê-los.
Não queremos renovar o mundo. Seria loucura pensar que Então, qual é o maior utopista: quem, baseando-se no co-
alguns livros possam fazer isso. Queremos tão somente convidar nhecimento das leis da vida e dos objetivos da evolução no
o mundo, se ele assim desejar, a renovar-se por si próprio, expli- seio do sistema do universo, pode contar com o resultado,
cando-lhe como tudo funciona e mostrando-lhe que os sofrimen- porque tem a certeza que ele está garantido, ou quem, igno-
tos pelos quais ele é atormentado são devidos ao fato de seus rando tais leis, apegado aos resultados imediatos e concretos,
movimentos não serem realizados com inteligência no seio do movido não pela inteligência e pelo conhecimento, mas sim
grande organismo do universo, de acordo com a lei de Deus, que pelo instinto, vai-se movimentando loucamente dentro da rede
o dirige. Não estamos aqui para ensinar métodos rápidos e fáceis de forças da Lei, semeando assim, inconsciente, as causas das
para atingir a felicidade. Só procuramos explicar a causa das suas futuras dores, para acabar fatalmente na ilusão e no so-
nossas dores, permanecendo no terreno positivo da realidade dos frimento? Esta é a verdadeira diferença que existe entre os
fatos. Se libertar-se delas é utopia, e não coisa prática, positiva e homens, uma diferença substancial, que depende da maneira
realizável, que fiquemos então com todas estas dores. Se tal de- de se conceber a vida. Perante tal divisão fundamental, perde
sejo é um engano, deixemo-nos enganar também por todas as todo o valor qualquer separação existente entre os vários
outras ilusões de que está repleto o nosso mundo, acreditando agrupamentos humanos. Que importa se um indivíduo perten-
que a injustiça da força possa gerar a paz, que a agressividade ce a este ou àquele partido ou religião, quando ele não sabe
possa criar o bem estar, que do roubo possa advir riqueza, que pensar nem pode deixar de continuar a agir conforme a sua
do mal dos outros possa nascer o nosso bem, etc. Continuemos, forma mental de involuído, com todas as consequências de-
pois, a nos deixarmos ser dirigidos pela nossa ignorância das leis correntes? Um homem desonesto permanecerá sempre um pe-
da vida, para atingirmos sempre novas ilusões e termos assim, rigo social, seja qual for o partido ou a religião a que ele per-
somente pela dura escola dos sofrimentos, de aprender aonde tence. E o contrário acontecerá em qualquer partido ou reli-
elas nos levam. Continuemos a praticar loucuras e a exigir que gião, se o indivíduo for honesto.
se realize o absurdo. E, se a solução de tais problemas é conside- Assim a verdadeira divisão entre os homens não está nos
rada utopia, só porque na dura cabeça do homem atual não há seus grupos e respectivos interesses – divisão formal, visível,
lugar senão para uma psicologia de subconsciente, isto não im- de superfície – mas na natureza do indivíduo, que os divide em
porta, pois a dor resolverá tudo automaticamente à força, uma justos e injustos. Que adianta, então, continuar repetindo sem-
vez que dessa solução depende o futuro da humanidade. pre o velho jogo de inventar novas divisões e agrupamentos,
A humanidade está hoje completamente fora da rota. Ideais atrás dos quais estão os mesmos interesses, deixando o homem
e religiões caíram em completo descrédito. A maioria é religio- sempre no mesmo nível evolutivo, para continuar, de forma di-
sa por fora, mas ateia por dentro. A ciência não resolve o pro- ferente, fazendo as mesmas coisas? Isto nada resolve. O pro-
blema. Um homem capaz de fazer o mal, mas que sabe ir à Lua blema é diferente. Trata-se da transformação biológica de invo-
e a outros planetas, permanece sempre um homem capaz de fa- luídos em um número sempre maior de evoluídos, o que signi-
zer o mal, e dessa vez em qualquer parte do sistema solar. Um fica adquirir outra psicologia, outro conhecimento, outra ética e
involuído desprovido de sentido moral, necessário para a con- outra conduta, para fazer o mundo ser regido por outros princí-
vivência com os seus semelhantes, fica sempre um involuído pios e funcionar com outros métodos. Não há dúvida que se tra-
em qualquer parte do universo onde se encontre. Perante as leis ta de uma revolução. Mas não da costumeira revolução de tipo
biológicas, sempre terá mais valor um justo evoluído. O pro- horizontal, só para dividir o mundo em grupos diferentes dos
blema não é de criar novas armas para dominar o mundo, mas precedentes, e sim de uma revolução em direção vertical, que
de criar homens justos, que não queiram usar mais armas. O corta o mundo em dois tipos de vida, próprios de dois biótipos
problema não é de se tornar astronauta, mas de não haver la- diferentes. Trata-se de substituir o princípio da luta egoísta do
drões e delinquentes. O que de fato interessa para a nossa civi- ignorante pelo da compreensão e colaboração do homem inteli-
lização é mais a conquista da honestidade do que a do espaço. gente. Se isto parece utopia hoje, deverá ser a realidade do futu-
Na Terra, as religiões prometem a felicidade, mas numa ro, se a humanidade quiser civilizar-se. A futura divisão não se-
outra vida, incontrolável no além-túmulo. As ideologias pro- rá como a atual, entre grupos políticos ou religiosos, mas sim
metem-na neste mundo, mas para um problemático e longín- entre justos e injustos. A nova revolução não é para vencer os
quo dia, em função de incertos acontecimentos futuros. Elas se semelhantes com os seus mesmos métodos, ficando todos no
baseiam na modificação dos sistemas exteriores da vida, sem mesmo nível evolutivo, mas sim para mudar de método, subin-
transformar, porém, os elementos humanos que os constituem. do a um nível de vida superior. Esta é a verdadeira revolução.
Muda-se o estilo da arquitetura do edifício, mas este continua Eis o que significa: “princípios de uma nova ética”.
sendo construído sempre com o mesmo material. Muda-se a ◘◘◘
estrutura e a música da orquestra, mas os músicos são sempre A nova revolução não é de superfície, onde se espalham os
os mesmos. Este não é o caminho da solução. Baseamo-nos no grupos atuais, não é para dividir seus elementos de outra manei-
fato positivo da evolução biológica, da qual já explicamos ra em outros grupos, mas é uma revolução que se realiza em
alhures os planos, os objetivos e a sua férrea vontade de atingi- outra dimensão, volumétrica, pela qual o ser, aprofundando
los. Podemos fazer isso porque as suas transformações, lentas mais as suas raízes no âmago da vida, levanta-se a um nível de
e imperceptíveis no passado, sofreram uma aceleração incrível vida superior. Então a divisão não está mais na forma, mas sim
no atual momento histórico, adquirindo uma grande velocidade na substância; não mais no vaso que contém, mas no seu conte-
de renovação, que é decisiva, pois está sendo realizada a pas- údo; não mais nas aparências, mas na realidade, na natureza do
sagem de um nível evolutivo para outro superior. Existe hoje o indivíduo. A diferença será entre o biótipo do evoluído e o do
fato positivo de que a estrutura do sistema nervoso-cerebral e a involuído. Trata-se de uma revolução interior, que produz um
inteligência estão se desenvolvendo de forma considerável. homem diferente, e não exterior, como as outras, que deixam o
Trata-se de um profundo amadurecimento biológico, pelo qual homem na mesma condição. Não se trata apenas de praticar as
o homem deverá ser levado a compreender que, enquanto ele mesmas coisas com teorias, palavras e estilos diferentes, mas de
continuar a conceber a vida com a sua forma mental atual e a viver a vida superior do ser verdadeiramente civilizado.
seguir a respectiva conduta, os problemas que o atormentam Trata-se de substituir o princípio fundamental do nosso ní-
não poderão ser resolvidos, como é justo que não sejam, até que vel biológico, apoiado na luta pela vida para a seleção do mais
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 15
forte – princípio individualista e separatista – por outro, colabo- inteligência o levará a entender a estrutura do organismo do to-
racionista, para formar um estado orgânico unitário. Não se tra- do e o conteúdo da lei de Deus, que o rege. Então o homem não
ta de pequenos reajustes dos velhos sistemas, mas de cortar o será mais um menino dirigido por leis e forças que não compre-
mal pela raiz, iniciando outra forma de vida. Não se trata de ende, mas poderá ele mesmo dirigir o fenômeno da sua evolu-
construir novos grupos para travar a luta de sempre contra os ção, superando o método atual da tentativa cega e dos erros que
outros grupos, a fim de que somente um domine todos os ou- disto derivam, evitando todos os sofrimentos correspondentes.
tros, mas de acabar com o desperdício de forças que a luta con- Tudo isto, até agora, ocorreu assim pela falta de inteligência do
tínua representa. Esse método já atingiu os seus resultados e, homem, que, por isso, como um menino inexperiente, não po-
por isso, foi útil, enquanto era necessário. Mas agora, que o dia deixar de se chocar a cada passo com as normas da Lei, ex-
homem é o dono do planeta, não há mais finalidade biológica citando as suas dolorosas reações. Mas a salvação é automática,
em destruir-se reciprocamente na luta, método que se tornou pois a própria Lei contém o amargo remédio. Este remédio é a
contraproducente e, por isso, a vida está pronta a abandoná-lo. dor, que constitui o impulso maior para a realização da evolu-
Quando for conquistado o sentido da verdadeira honestida- ção. É o sofrimento que tem o poder de abrir os olhos também
de, com uma forma mental evoluída e uma ética inteligente, os aos cegos. Deste modo, mesmo os involuídos mais rebeldes,
justos se reconhecerão entre si pelas suas qualidades, que repre- depois de terem experimentado todas as dores, deverão acabar
sentarão o selo de reconhecimento, impresso de forma indelé- entendendo o significado delas, identificando-as como um efei-
vel, como um sinal de fogo, na sua própria natureza. E eles to dos seus erros e vendo na dor um instrumento da evolução,
permanecerão juntos, não pelo constrangimento de uma autori- dentro da lei de justiça de Deus. A essa altura, a grande trans-
dade e pelo respectivo medo de sanções, mas porque, entre ho- formação biológica já terá sido realizada e o homem haverá su-
nestos, sempre se encontra o ponto onde concordar, baseando- bido a um novo nível de vida, onde, com outra mente, vigora
se na sinceridade e boa vontade de colaborar, ao passo que, en- outra ética; desse modo o involuído se terá tornado evoluído e o
tre desonestos, movidos pelo instinto de domínio egoísta, sem- homem injusto se terá tornado um justo.
pre se encontra o ponto onde discordar, porque se baseiam no Eis o significado da revolução da qual estamos falando, di-
engano e na vontade de explorar. rigida pela Lei, em comparação com as do nosso mundo, diri-
Hoje, justos e injustos estão misturados em todos os grupos. gidas pelo homem. Neste segundo caso, o impulso é somente
Pode haver ótimos elementos nos piores grupos, assim como dos lutadores, nada havendo atrás deles senão os seus interes-
péssimos no seio dos melhores. Faz-se muita questão do que ses particulares, que muitas vezes não concordam com as leis
aparece por fora e pode ser percebido materialmente, enquanto da vida, contrastando com as finalidades que ela quer atingir.
passa despercebida a realidade interior, que se procura escon- Por isso a Lei não os ajuda, deixando-os abandonados a si
der. O justo não luta para submeter os outros à dependência, mesmos. No primeiro caso ocorre ao contrário, os homens são
mas se oferece para com eles se coordenar. Há uma imensa di- instrumentos da Lei, e atrás deles está a pressão das forças bio-
ferença entre os dois métodos de vida e, portanto, entre suas lógicas, que exigem a realização dos seus objetivos. As revo-
respectivas éticas, porque se trata de duas posições biológicas luções do mundo não se realizam dentro da Lei, seguindo os
colocadas em dois diferentes pontos da escala evolutiva. O per- seus princípios e acompanhando os seus impulsos, mas se fa-
curso evolutivo entre eles é grande, porque se trata de passar da zem substituindo a vontade humana à da Lei, para sobrepô-la,
categoria dos injustos, que pertencem a um nível de vida, à ca- procurando torcê-la no sentido daquilo que se acredita ser a
tegoria dos justos, que pertencem a outro nível e representam própria vantagem. Há uma grande diferença entre quem traba-
outro biótipo. A renovação é ampla, porque não se trata de mu- lha colaborando, em harmonia com o organismo de forças da
dar de roupa, passando de uma religião, partido ou grupo hu- Lei, e quem, pelo seu egocentrismo, colocando-se em posição
mano para outro, deixando tudo mais ou menos como antes e de antagonismo com a Lei, fica sozinho, abandonado aos seus
usando os mesmos métodos, mas trata-se de se renovar comple- pobres recursos. Sobre este último não desce a luz do Alto,
tamente, para pensar com outra forma mental e agir conforme orientadora e amiga, mas sobe até ele a caótica tempestade das
uma ética diferente. Uma vez que não se trata de uma mudança forças do AS, desorientadoras e inimigas.
superficial, para trocar só de forma, mas de uma transformação As duas revoluções também podem ser reconhecidas cada
em profundidade, para mudar de substância, ela só pode ser uma pelo seu método completamente diferente. A revolução do
realizada pelo amadurecimento evolutivo realizado pelas forças evoluído não se faz polemizando para destruir as velhas verda-
biológicas, e não pelo capricho ou interesse de grupos huma- des, mas só explicando e vivendo as novas. O espírito de agres-
nos. Não se trata de pintar por fora, com novas aparências de sividade é a primeira coisa que deve desaparecer em quem pro-
civilização, a mesma ferocidade da desapiedada luta egoísta cura superar o nível animal-humano. Quem se coloca do lado
que se esconde atrás das leis religiosas e civis, mas sim de aca- do S não pode trabalhar senão em sentido positivo, como cons-
bar com essa contínua mentira, adquirindo a natureza, a perso- trutor, enquanto quem se coloca do lado do AS não pode traba-
nalidade e a ética do homem justo e sincero. lhar senão em sentido negativo, como destruidor. Que faz o ra-
Então, se alguns homens tomarem parte nessa revolução, mo novo ao despontar acima do galho velho e caído, que está
eles não poderão fazê-lo como dirigentes do movimento, que apodrecendo? Ele constrói o novo e deixa morrer o velho. Os
está além das possibilidades humanas, mas só como instrumen- impulsos da vida descem do S, por isso a natureza representa
tos das leis da vida, no momento e na forma que estas escolhe- uma irrefreável vontade positiva de construção, que sempre
rem. Tão profundas mudanças não podem ser confiadas ao ho- acaba vencendo a oposta vontade negativa de destruição, repre-
mem, que não possui a força necessária, o conhecimento dos sentada pelos impulsos de morte, que sobem do AS. Por isso a
planos da vida e a inteligência para realizá-los. Nunca, até hoje, revolução do evoluído é sempre positiva e construtiva, não
o homem dirigiu o fenômeno da sua evolução, mas foi sempre obedecendo a nenhum impulso negativo de destruição, que se
dirigido, no seu estado de subconsciência instintiva, pela sabe- manifesta no método da luta, agressividade e polêmica. O novo
doria das leis da vida, que conhecem qual é o seu objetivo final galho não agride o velho para destruí-lo, mas busca apenas se
e o caminho para atingi-lo. E os grandes reformadores da hu- desenvolver, deixando o velho apodrecer por si mesmo.
manidade foram intérpretes dessas leis, executores obedientes Para superar o velho e continuar o caminho evolutivo da
da sua vontade, operários que colaboraram com elas. Mas, no vida, não é necessário destruí-lo, porque, automaticamente, o
futuro, o homem terá de amadurecer até adquirir o conhecimen- velho é destruído por dentro pelos impulsos negativos de
to daqueles planos de vida, porque o desenvolvimento da sua morte, que chegam do AS, enquanto o novo, automaticamen-
16 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
te, é construído por dentro pelos impulsos positivos de vida, III. MÉTODOS DE VIDA
que chegam do S. Mas o velho, empregando o resto do que
ainda ficou nele dos impulsos vitais, descidos do S, procura Vimos no capítulo precedente qual é o método de vida do
lutar para resistir a esse impulso de destruição, que o domina evoluído. Se nele consiste a sua revolução e se esta sua posição
cada vez mais. O problema da velhice é uma questão de luta biológica representa um ponto de chegada do seu caminho evo-
entre as forças do AS e as do S, manifestando-se no momento lutivo, qual será, por outro lado, o trabalho do involuído para se
em que, ecoando como um retorno da primeira revolta, as aproximar desse novo nível de existência? Qual deverá ser o
primeiras levam vantagem sobre as segundas, quando os im- método de vida e a ética de tal biótipo? Como a vida utilizará
pulsos do S esgotam a sua função evolutiva de continuação e esse material, forjando-o para os seus objetivos?
renovação periódica da vida. Porém não adianta o velho lutar Não há dúvida de que o grande trabalho que as leis da vida
para sobreviver, porque o impulso mais poderoso, destinado têm de realizar no plano evolutivo humano é levantar o atual bi-
a vencer, não é o da morte, mas sim o do S, isto é, o da vida, ótipo dominante para formas de vida mais adiantadas, para que
não é o da revolta, mas sim o de Deus, porque não é o AS lhe seja possível entender e praticar a ética do evoluído. Este não
que manda, mas sim o S, e isto confere à evolução o direito e a quer impor aos atrasados, mas apenas ajudá-los a amadurece-
o poder absoluto de atingir os seus objetivos, sem que nin- rem, até ao ponto de poderem viver esta ética superior. O evolu-
guém possa pará-la . Eis porque a revolução do evoluído, que ído não julga o involuído culpado ou mau, apenas o considera
opera por dentro e em função da Lei, da qual ele se torna ins- um menino a educar, ao qual é útil mostrar, para ele aprender, o
trumento, tem garantia de alcançar sucesso. Em se tratando que lhe é mais conveniente fazer para seu bem. Cabe aos mais
do poder das vontades humanas, é sempre possível encontrar adiantados o dever de ajudar os menos adiantados, não os con-
o poder de outra vontade que o vença. Mas isto não é possí- denando, mas indo ao seu encontro com a devida compreensão.
vel quando se trata de uma vontade cujo poder está acima do Este é o método que revela o evoluído, e quem não o pratica não
poder de todas as vontades humanas. o é. A maior força do evoluído reside na sua justiça; a superiori-
Eis as profundas razões que justificam o método de realiza- dade do seu método, que o leva à vitória, está em ter superado o
ção praticado pelo evoluído. Ele não precisa do esforço da método humano da luta, praticando o método oposto, com base
agressão destruidora, porque a sua revolução não se realiza pela no perdão e na inocência. É nesta que está a maior força de
iniciativa e vontade dele ou do seu grupo sozinho no universo, quem se colocou do lado do S, assim como na culpa está a maior
mas pela iniciativa e vontade de Deus e Sua lei, que dirige todo fraqueza do lutador, que se colocou do lado do AS. Se a vida
o universo. Para que então entrar no mundo do involuído, usan- não abandona ninguém, alguém tem de tomar conta do involuí-
do o seu método de luta e colocando-se na posição desvantajosa do. É dever, então, dos seus irmãos maiores cuidar dele.
de isolamento dos maiores poderes da vida, quando o evoluído, A qualidade fundamental do método de vida do involuído é
que se tornou instrumento da Lei, sabe que atrás dele, para sus- a luta para vencer com a força ou com a astúcia. Já o evoluído,
tentá-lo, estão aqueles poderes? Eis a base de sustentação da para vencer, pratica, pelo contrário, o método da justiça e da
ética que o involuído, com a sua forma mental, não pode enten- honestidade. A tarefa da evolução é transformar o primeiro tipo
der: a ética da não-resistência pregada pelo Evangelho. de forma mental e respectiva ética, no segundo. Ora, como po-
Quem polemiza, mesmo que seja para sustentar a mais sa- de a técnica da evolução realizar essa transformação, utilizando
grada das verdades, revela a sua natureza de involuído, que o material involuído existente com as suas qualidades? Se as
nunca consegue afastar-se do método do seu baixo nível evolu- qualidades que ele desenvolveu são a força e a astúcia, como
tivo. Método errado, porque não alcança o seu objetivo. Quem, podem estas se tornar honestidade e justiça?
acreditando que a sua verdade particular seja verdadeira, busca Um primeiro passo foi dado com a instituição das leis hu-
impô-la à força, aplica sem saber o princípio do separatismo, manas, cuja tarefa é estabelecer entre limites exatos os direitos
próprio do AS, levantando uma parede que o divide e afasta do e deveres de cada um, condição sem a qual a vida social não é
seu interlocutor, ao invés de abrir uma porta e de lançar uma possível. É assim que a força, cada vez mais apertada no torno
ponte que o aproxime e una a ele. Tal método não cria amigos de uma disciplina, foi-se gradativamente adaptando e moldan-
que possam entender e aceitar a nossa verdade, mas inimigos do dentro dos quadros do direito. As leis humanas representam
que não a podem entender ou aceitar. Como é lógico, os méto- uma primeira tentativa de evolução do estado caótico do invo-
dos do AS não podem gerar senão resultados opostos. Assim, luído ao estado orgânico do evoluído. É o direito que se sobre-
na afirmação de uma verdade, toma-se de antemão a posição põe à força, para domesticá-la. Mas o fenômeno, no seu trans-
do lutador que espera o seu antagonista para vencê-lo. Isto ge- formismo, encontra-se hoje ainda perto do seu ponto de parti-
ra automaticamente, com o ataque, uma reação de defesa, pois da: a força, e vai lentamente encaminhando-se para o seu pon-
querer impor a alguém uma verdade nossa, destruindo a dele, to de chegada: a justiça. É por isso que a substância da justiça
significa atacar o patrimônio das suas verdades e, portanto, a é a força e, nesta, continua sempre a basear-se. De fato, no
sua personalidade. Acontece então que o espírito de oposição conceito humano de direito, não se concebe a lei sem a respec-
acorda o instinto da luta, fazendo nascer desconfiança e revol- tiva sanção ou constrangimento, sem o que a obediência não
ta, ao invés de confiança e convicção. É assim que o método pode ficar garantida. Hoje, uma lei que atuasse apoiada apenas
da discussão, pela sua própria natureza, serve apenas para ex- na força do convencimento, para que os cidadãos a cumpris-
citar revolta ou legítima defesa, e não para convencer. E, de fa- sem espontaneamente, seria utopia absurda, coisa fora da rea-
to, o método da polêmica não representa uma procura da ver- lidade. Mas este é justamente o ponto de chegada, sem o qual
dade, juntando os esforços para encontrá-la, mas sim uma pe- faltaria um objetivo à evolução do direito, que justifica o seu
leja para destruir a verdade do antagonista. trabalhoso transformismo. Só assim se pode entender o signifi-
O método do evoluído está nos antípodas. Não lhe inte- cado biológico do fenômeno da evolução do direito. É verdade
ressa afirmar, pelo seu próprio egoísmo de vencedor, que só que, no fundo deste, ainda sobrevive o mundo do involuído,
ele está certo e que todos os outros estão errados. Assim, ele com o princípio da força, mas é verdade também que, pelo di-
não excita a natural reação de autodefesa, convidando à con- reito surgido no mundo, existe e vai-se cada vez mais radican-
fiança, e acaba desse modo sendo aceito sem constrangimen- do o oposto princípio da justiça. No atual nível evolutivo hu-
tos psicológicos, vencendo apenas com as armas da sua con- mano, os dois princípios, o da força e o da justiça, estão ainda
vicção e sinceridade. Tais são os métodos e os resultados de misturados, como é lógico que aconteça num período de tran-
uma ética mais adiantada. sição, a exemplo do nosso tempo, conforme já explicamos.
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 17
Qual é, então, a posição dos elementos força e astúcia – ar- Será que homem é culpado, então, por continuar sempre
mas da desobediência no mundo do involuído – dentro do pro- fazendo guerras como os seus antepassados pré-históricos?
cesso evolutivo, que as leva para a honestidade e a justiça do es- Mas é culpada a fera pelo fato de ser fera? Decerto que não. A
tado orgânico de obediência no mundo do evoluído? A técnica ferocidade faz parte da sua ética, porque é necessária para o
da evolução consiste numa contínua reordenação e reorganiza- ser conseguir sobreviver, condição indispensável para que se
ção da desordem e do caos em que, devido à revolta, o universo realize a sua evolução. A realidade é que, assim como a fero-
caiu. O resultado da queda foi que nada ficou destruído, mas cidade revela a fera, a guerra também revela o involuído,
somente saiu da sua posição correta, ficando fora do seu devido mostrando-o como um ser não civilizado, que pertence ainda
lugar no seio da ordem estabelecida pela lei de Deus. Assim a ao nível biológico do animal. Esta é a grande glória de que se
força, princípio do involuído, representa o poder original na po- pode ufanar o nosso mundo atual.
sição inversa, isto é, deslocado da sua posição de meio de cola- Será culpado aquele biótipo que costuma esconder a sua
boração no seio do organismo do S à sua posição oposta, de verdadeira face com as suas astúcias? Mas, se isto representa
meio de luta de todos contra todos no estado de separatismo in- um meio de defesa num mundo feito de luta, como se pode
dividualista, próprio do AS. O princípio que, no S, representava exigir que tal biótipo renuncie a tal arma? Para ser sincero e
a fusão de todos os elementos numa unidade de entendimento e mostrar o que está dentro de si, o ser não deveria possuir pon-
de trabalho, tornou-se, no AS, no princípio da cisão, que os di- tos fracos, dos quais seus semelhantes estão sempre prontos
vidiu num constante estado de desordem e de luta. É lógico que, para se aproveitar em vantagem própria e em prejuízo dele. Pa-
se este foi o caminho da involução, oposto tenha de ser o cami- ra expor a verdadeira fisionomia, é necessário ser forte, por-
nho da evolução. Trata-se, então, de submeter a um processo de que, em nosso mundo, só aos fortes é permitido viver. Não há
reorganização, num sistema de disciplina, os elementos que se indivíduo, mesmo ignorante, que não conheça tais elementos
espalharam numa posição de guerra entre si. Portanto o processo da ética humana. Enquanto o homem se mantiver no seu atual
evolutivo não consiste em destruir o elemento força, mas em nível biológico, a força e a mentira serão armas às quais ele,
restringi-lo cada vez mais com os princípios da Lei, para canali- para viver, não poderá renunciar. Assim, o que dos nossos ros-
zá-lo no caminho que leva à realização dos objetivos da Lei. tos aparece por fora é só uma máscara, atrás da qual o indiví-
Eis como as qualidades do involuído podem continuar fun- duo procura se esconder, para se defender ou para enganar no
cionando, porém cada vez mais dentro dos limites da nova or- ataque. Cada um constrói a máscara que mais lhe convém e
dem que se vai realizando, na qual a força é empregada não com ela cobre o rosto. Por trás dela olha para fora através de
mais para fazer guerra, agredindo e destruindo, mas para cum- dois buracos, que são os olhos, espiando o que acontece no
prir a Lei, buscando o triunfo da justiça, e não o esmagamento mundo cheio de perigos. E é sobretudo pelos olhos que o indi-
do fraco. É assim que, ao lado do puro elemento da força, pró- víduo se comunica com o exterior, sendo eles, como se diz, “o
prio do nível do involuído, desponta e cada vez mais vai-se espelho da alma”, revelando os íntimos impulsos e deixando
afirmando o elemento justiça, próprio do nível do evoluído. Eis, transparecer as reais intenções. O que se chama educação em
então, que o primeiro passo do involuído é colocar as suas qua- nosso mundo consiste em aprender a arte de esconder os ver-
lidades inferiores a serviço do ideal. A finalidade pode justifi- dadeiros pensamentos. Mas não é nisto que consiste a civiliza-
car os meios somente quando o indivíduo não pode deixar de ção. Ela só começa quando, pelo desenvolvimento da inteli-
empregar meios tão atrasados, porque outros melhores na sua gência, é possível substituir a ética da luta e suas tristes conse-
natureza ele não possui. De outro modo, que trabalho superior quências pela ética da compreensão e da sinceridade.
poderia realizar o involuído? Usando os métodos do seu plano Também a ciência, que por sua natureza é amoral, sem éti-
de vida, os únicos que conhece, ele vai subindo os primeiros ca, concorre indiretamente para a realização dessa evolução,
degraus da sua evolução para o plano de vida do evoluído. porque a ela se deve um fato que representa um passo a frente
É assim que pode ser tolerada a sobrevivência do passado, no sentido da superação do método da força, pois hoje se ad-
mas somente pelo fato de se ter colocado o elemento inferior a mira como grandes homens o cientista e o astronauta, e não
serviço do que é superior. Presença tolerada apenas na condição somente o guerreiro que, por ter destruído o maior número
de que o inferior vá sendo sempre mais eliminado, para se trans- possível de inimigos, é julgado herói. Os triunfos da ciência
formar em superior. Explica-se desse modo como seja hoje pos- estão introduzindo, em primeiro plano, na tábua dos valores
sível usar a força para realizar os ideais, junção entre opostos esta humanos, acima dos tradicionais da força e da habilidade em
que, sem tal conceito de transformação evolutiva de um nível de vencer com a astúcia, a inteligência.
vida para outro, representaria um absurdo inaceitável. Assim a É no princípio da luta que se baseiam a vida e a ética do
fera, colocando as suas garras, que representam tudo o que ela nosso nível evolutivo, e é por ele que está moldada a nossa
possui, a serviço da justiça, procura sair do seu estado para entrar forma mental. Tudo acaba sendo reconduzido a ele, inclusive
em um mundo novo, aprendendo pouco a pouco novas regras de quando se acredita aplicar os princípios de uma ética superior.
vida. Isto quer dizer passar da ética do involuído à do evoluído. Assim, em nosso mundo de luta, quando alguém fala de justi-
Eis como funciona a técnica da evolução de um tipo de ética para ça, está, sem querer, falando de uma sua justiça particular, con-
o outro. A medida da realização dessa evolução é marcada pelo forme a sua verdade e em seu favor, contra a justiça de todos
ponto que o ser atingiu no processo de transformação da ética do os outros, que a concebem também em favor de si mesmos. Is-
involuído, cuja base é a força, na ética do evoluído, cuja base é a to quer dizer luta entre justiças opostas, exatamente como ve-
justiça. Assim o ser, quanto mais usa a força e quanto menos pra- mos ocorrer nos tribunais.
tica a justiça, tanto mais é atrasado e, quanto mais se apoia na É o princípio da luta que domina na ética do nosso mundo
justiça, em vez de se apoiar na força, tanto mais é adiantado. En- atual. Mesmo quando, neste nível de vida, têm de ser aplicadas
tão, em nosso mundo, a força existe somente como um mal que, normas de uma ética superior, isto se realiza por meio de leis
devido à natureza involuída do biótipo dominante, ainda não se civis e religiosas armadas com a força das suas sanções, por-
consegue dispensar. Nunca deveríamos esquecer que, quando a que, sem uma imposição, nada pode ser obtido em nosso mun-
agressividade dos inferiores nos leva ao emprego da força, na- do. Quem não obedece é julgado culpado e tem de ser punido
quele momento descemos ao nível biológico deles, que é o do pela sua desobediência. Só quem possui suficiente força ou as-
animal. Os seres verdadeiramente superiores, como por exemplo túcia pode desobedecer ou até mesmo chegar a impor a sua lei
Cristo, nunca usam de tais meios. Explica-se assim o que signifi- diferente. Tudo não pode acabar senão na posição do mais forte
ca a ética da não-resistência, proclamada pelo Evangelho. que manda e do mais fraco que tem de obedecer. Em nosso
18 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
mundo sempre acaba vigorando a lei do seu nível biológico, à Jesus lhe disse: “Embainha a tua espada, pois todos os que to-
qual também uma ética superior, quando desce de um plano mam a espada morrerão pela espada”, e, tendo tocado a orelha
mais alto, tem de se adaptar. Em tal regime de luta, como se ferida, Ele a curou.
pode exigir que alguém, não possuindo suficiente força, deixe Vemos aqui chocarem-se dois sistemas, o segundo e o ter-
espontaneamente de se defender com a arma da mentira, seu ceiro dos casos acima mencionados. Simão Pedro pretendia
único meio de defesa? E como pode isto acontecer, quando ele usar a força para uma finalidade benéfica, defendendo um jus-
sabe que, tal exigência é feita por quem busca se aproveitar de to. Mas Cristo preferiu praticar o método superior do evoluído,
tal sinceridade para vantagem própria e prejuízo alheio? da não-resistência e do perdão, para dar este exemplo e ensinar
Então, para estabelecer a responsabilidade e a culpabilidade esta lição, avisando ao mesmo tempo do perigo que representa,
do indivíduo, é necessário levar em conta a sua posição na esca- para quem desce ao nível do involuído e pratica os seus méto-
la evolutiva e a respectiva ética, considerando tudo em função dos, ter de ficar depois sujeito ao domínio das reações e das
deste contexto relativo e em evolução. É grande a diferença de leis ferozes daquele plano.
posição entre o involuído, que, no nível animal, encontra-se no ◘◘◘
seu ambiente natural, usando contínua e espontaneamente a for- Antes de encerrar o assunto, observemos estes princípios
ça e a astúcia, porque mais a sua mente não sabe conceber, e o aplicados ao caso oposto, no qual, ao invés de termos o evoluí-
evoluído, que só excepcionalmente aceita aplicar tais métodos, do vivendo no mundo dos involuídos, temos o involuído viven-
quando constrangido pela necessidade de cumprir o seu dever de do num ambiente mais evoluído que o seu. Da estrutura da
sobrevivência naquele ambiente, ao qual teve de descer e que forma mental humana, da qual se originam esses casos, faremos
não é o seu. A diferença existente entre os dois biótipos é a um estudo mais pormenorizado nos capítulos seguintes. So-
mesma encontrada entre a fera, que é sempre assim pela sua na- mente nos conceitos que vamos aqui explicando pode-se encon-
tureza, e o caçador, que tem de usar os meios das feras, mas só trar um ponto de referência e uma unidade de medida para esta-
quando se encontra na selva, entre elas, deixando-os tão logo re- belecer a respectiva responsabilidade e punibilidade do indiví-
torne à cidade e se encontre entre civilizados. Neste caso, o ca- duo, porque ela é concebida em relação à sua posição na escala
çador usa tal método não porque seja o seu único e normal mé- da evolução ou nível biológico e correspondente forma mental.
todo de vida, mas somente porque, temporariamente, isto lhe foi Apela-se muito, neste caso, à consciência, como a um tribu-
imposto pelo ambiente de feras em que se encontra. A diferença nal íntimo que pode formular infalíveis julgamentos da verda-
está no fato de que, no caso do evoluído, o uso de tais meios é de. Mas, se observarmos bem, teremos de admitir que, no final
imposto pelo ambiente e não corresponde à sua natureza, não das contas, quem age de uma certa maneira o faz em perfeita
representa um desabafo de instintos inferiores e de agressividade consciência e convencimento de que suas ações sejam boas pa-
egoísta, não é um mau uso da força contra a justiça, mas, pelo ra ele. Não podemos, portanto, acusá-lo de insinceridade. O
contrário, tais meios são empregados com inteligência, fazendo- problema é saber o que ele julga ser bom e para quem. Então
se deles um bom uso, para uma finalidade de bem. Neste caso, não se trata de mentira, mas de um julgamento errado, fruto da
os métodos do mundo não são empregados a favor do mundo, forma mental do involuído, a única que, neste caso, o ser possui
mas contra ele, em favor de valores que estão acima dele, não para julgar. Mentira seria no caso em que o ser possuísse a for-
obedecendo, portanto, à ética do subconsciente animal, mas sim ma mental do evoluído, isto é, a necessária iluminação de cons-
impondo-lhe obediência a uma ética superior. Então uma tal ciência para entender, e quisesse depois agir contra as diretrizes
descida justifica-se somente enquanto representa um incidente que essa consciência sabe formular.
ocasional, imposto por exigências superiores e dependente des- Quanto mais primitivo é o ser, tanto menor é o patrimônio
tas, sustentado por um princípio de honestidade e justiça, orien- de ideias que ele possui para se orientar e resolver os casos da
tado em função da ordem do S, e não da desordem do AS. sua vida. É assim que, para ele, os problemas de consciência
Tudo isto se origina do fato de que o nosso ambiente huma- são muito simples. O bem é, para ele, o que lhe traz vantagem
no contém diferentes graus de evolução e de éticas correspon- ou satisfação; e o mal, o que lhe acarreta prejuízo ou sofrimen-
dentes, mantendo assim, misturados, indivíduos mais ou menos to. O bem é só o seu bem; o mal é só o seu mal. Então, na sua
evoluídos, ligados por uma convivência recíproca. No fundo, mente simples, não há razão para que ele não procure pelo ca-
nas posições mais atrasadas, estão os piores do plano animal minho mais curto o seu bem, evitando o seu mal. Quanto mais
humano, que praticam o mal sem escrúpulos, com o método da o ser é primitivo, tanto mais ele está fechado e isolado no seu
prepotência. Acima deles estão os mais adiantados, que vão se egocentrismo. Assim, não existem para ele, uma vez que não as
aproximando da vida superior, conforme o modelo evangélico, percebe, as más consequências para os outros das suas ações,
praticando ainda o método precedente, mas para uma finalidade vivendo ele só em função do seu eu, que é a única coisa que en-
de bem. Acima desses, mais adiantados ainda, estão os evangé- tende. Mais não pode produzir uma forma mental que somente
licos, que praticam este método superior e, seguindo o exemplo sabe ir em linha reta até aos seus objetivos, para os quais se
de Cristo, custe o que custar, não entram na luta, não descem ao sente impelida por seus impulsos elementares.
nível do involuído, não reagem, mas perdoam, ficando em per- Neste nível não pode existir senão a ética do próprio inte-
feita inocência perante a Lei. Assim cada um, situado no lugar resse. A ética diz que devem ser seguidos os ditames da consci-
que lhe é próprio, cumpre a sua função, recebendo o que mere- ência. Mas, para o primitivo, os ditames da consciência são
ce. Os maus, como consequência da sua conduta, recebem a li- exatamente os do seu interesse. E, se para atingir a sua vanta-
ção do sofrimento, que os ensina a evoluir. Aqueles que come- gem, ele tem de fazer mal aos outros, nada o impede de fazê-lo
çam a empregar os meios do nível humano para uma finalidade com plena consciência e convencimento de estar fazendo o
benéfica, vão-se encaminhando para um plano de vida superior. bem, que para ele, neste caso, é só o seu bem, ou seja, aquilo
E os evangelizados, com a sua presença e exemplo, vão edu- que constitui a sua exclusiva vantagem. De acordo com a sua
cando os mais atrasados, para trazê-los ao seu nível mais eleva- forma mental, isso representa a sua sinceridade e honestidade.
do, ao mesmo tempo em que, procedendo assim, eles mesmos E como pode ser acusado de mentira quem age conforme aquilo
vão progredindo e alcançando posições mais adiantadas. que é, revelando exatamente a sua natureza? Trata-se, portanto,
O contraste entre essas diferentes posições biológicas nos de um problema de egoísmos rivais, onde o que é bem para o
aparece evidente no exemplo de quando Cristo foi preso no interesse de um é mal para o interesse dos outros, sendo que es-
Getsêmani e Simão Pedro, puxando da espada, deu um golpe tes, encontrando-se na posição oposta, julgam ser mal e mentira
no servo do sumo sacerdote, decepando-lhe uma orelha. Então, somente para eles, enquanto para o ofensor é bem e verdade, pe-
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 19
lo fato de ele querer ganhar só para si, sem se aperceber que es- só em função de si próprio, separado de todos os outros seres pe-
tá prejudicando os demais. Acontece então que todos, possuin- lo seu egoísmo e incapaz, por isso, de entender que está fazendo
do a mesma forma mental, querem atingir somente a sua pró- mal, enquanto este mal não se torna mal também para ele.
pria e exclusiva vantagem, e cada um assim, para melhor alcan- É assim que o sofrimento, quando é dos outros, parece in-
çá-la, exige que os outros pratiquem uma ética de sinceridade e consistente, originado no defeito ou na fraqueza, e a piedade
honestidade, pois isto representa proveito para si, não importa nasce no indivíduo somente quando ele também está incluído
se em prejuízo dos outros. Esta é a razão pela qual, num tal am- naquele sofrimento, porque este também é seu. A solidariedade
biente de egoísmos opostos, tudo acaba na luta, bem conhecida vem somente numa dor comum. Se alguém chora pelos outros,
nossa, de todos contra todos. é porque, com isso, está chorando também por si mesmo. Mas,
Se, na forma mental do primitivo, dirigido pelos impulsos quando ele tem a certeza de que aquela dor nunca o atingirá,
do subconsciente animal, não apareceu ainda a ideia de uma então é difícil que se interesse por quem a sofre.
ética para freá-lo e orientá-lo por outros caminhos, e se tal ideia A conclusão é que, para o homem se confraternizar com o
é coisa que ele apenas ouviu falar sem entender nada, por se próximo, torna-se necessário ele o ter compreendido, por haver
tratar de um conceito que está acima do seu nível evolutivo, experimentado em si próprio todas as dores que podem ator-
como pode ele renunciar àquilo que na sua mente é o seu bem? mentar os outros, pois, enquanto não tiver feito tal experiência,
Quem pode deixar de procurar o próprio bem? Uma vez um não poderá entender o que está acontecendo com eles.
missionário perguntou a um selvagem por que ele não criava Nasce assim a ética que condena o mal, concebida por aque-
para si uma vaca, ao invés de furtá-la do vizinho. A resposta do les que o receberam em si mesmos e, porque experimentaram a
selvagem foi: “porque dá menos trabalho furtá-la, pois ela já es- dor que acarreta, sabem o que ele é. Surge então a ética que
tá pronta e não é preciso criá-la”. Na sua lógica simples, que afasta e isola na sociedade o involuído que ainda não aprendeu
não entendia senão a sua vantagem particular e imediata, não que não se pode procurar o próprio bem isoladamente, porque
existia razão para ele deixar de escolher o caminho mais curto e este não é mais um bem quando se torna um mal para os outros.
fácil, de menor resistência ou menor trabalho. Por que então Então, o que mais sabe, porque mais experimentou, torna-se ins-
não furtar, em vez de trabalhar? E esta é também a psicologia trumento da evolução, ensinando aos que menos sabem, porque
de muitos que se julgam civilizados. Para eles, os simplórios menos experimentaram. Nasceram assim, como fruto de tal sa-
trabalham, mas não eles, que são espertos e, por isso, sabem bedoria, os mandamentos: “não matarás, não adulterarás, não
ganhar sem fazer esforço, à custa dos outros. furtarás, não cobiçarás...”. Assim, a dura experimentação dos
Tais indivíduos, no entanto, trazem em si mesmos a própria prejudicados acabou impondo tais regras de ética, disciplinando
punição, porque a vida os deixará nos níveis mais atrasados, a conduta dos inferiores inexperientes e introduzindo na vida o
onde a luta é feroz e o sofrimento maior. E, se quiserem sair do conceito de respeito recíproco, necessário para a vida coletiva.
seu baixo plano de vida, terão de realizar todo o esforço neces- É assim que, por ações e reações, pelo fato de que se rece-
sário. Hoje eles fazem somente o que podem entender como o be depois de volta todo o mal que se faz, este automaticamen-
seu bem. O bem do evoluído é para eles algo ainda inconcebí- te tende à sua destruição. Todos esses impulsos representam o
vel, porque ninguém pode sair, se não por lenta evolução e du- tratamento e a cura da doença e estão contidos na Lei, de mo-
ro trabalho, da sua forma mental, na qual está aprisionado. Pa- do que não podem deixar de funcionar em favor do saneamen-
ra o involuído, somente é concebível como bem o que repre- to e da evolução. O resultado final de todo o processo é o fim
senta uma vantagem perceptível para os sentidos do seu nível do mal, fato que se realiza ao ser atingido o S, ponto final da
biológico, o seu gozo e bem-estar material. Se, para atingir tal subida evolutiva.
objetivo, ele tem de enganar, furtar, matar ou arruinar os ou- ◘◘◘
tros, isso para ele não é mal, porque não o percebe na própria Com tais conceitos explica-se como, em nosso mundo, para
carne como sofrimento, mas sim, pelo contrário, como satisfa- que uma moral superior possa ser entendida pela maioria atra-
ção, pois, por este caminho, ele atinge o seu bem-estar, a única sada, é indispensável aplicar-se a seu respeito o único raciocí-
coisa que lhe interessa. E só há um meio para ele se deter: ser nio que todos podem entender, dado pelo medo do próprio pre-
impedido pela reação do atacado, que o faz, com isso, entender juízo e pela esperança da própria vantagem. É de tal ética, ba-
na própria carne o mal contido no prejuízo que inflige aos ou- seada na forma mental de quem só é sensível ao sofrimento ou
tros. A medida e a forma dessa reação, para não cair em outros à satisfação individual, que deriva a exigência da presença de
excessos, foi, nos países civilizados, disciplinada em forma de sanções, sejam materiais (cadeias), com as leis penais, sejam
lei, que constitui o direito. Mas permanece o fato fundamental espirituais (inferno), com as leis religiosas. Esta é uma necessi-
de que, enquanto o involuído não receber de volta as conse- dade imposta pela natureza do primitivo, que só por tais meios
quências do dano que infligiu aos outros, a consciência lhe dirá pode ser educado. Infelizmente, muitas vezes, a ferocidade das
que está agindo acertadamente. Pensando assim, o prejuízo dos leis é devida à ferocidade dos indivíduos.
outros não o atinge. A satisfação que goza lhe prova que ele Neste nível, o ser obedece aos impulsos descontrolados do
tem razão. Tal indivíduo somente pode começar a se aperceber seu subconsciente. Quando ele está com um desejo e vê algo
que faz o mal, quando dos seus maus atos deriva um mal tam- que pode satisfazê-lo, não lhe resta senão apoderar-se daquilo,
bém para ele. Este é o processo pelo qual acorda nele a consci- para assim satisfazer-se. O problema para ele é só um: vencer
ência do mal feito, que não é um conceito abstrato, mas sim os obstáculos que se interpõem entre ele e o objeto da sua cobi-
fruto de uma experimentação pessoal. ça. Na sua ética, o valor está todo em saber vencer tais obstácu-
Eis a única finalidade benéfica que pode ter a punição, por- los pelo caminho mais curto, com o menor esforço e prejuízo
que ela cria uma conexão de ideias entre a ação errada e o so- possíveis. Então não há razão, quando falta a força ou é proibi-
frimento, estabelecendo uma ligação mental causa-efeito pela do usá-la, para não usar a astúcia. E por que, quando tal involu-
qual o indivíduo aprende que, para evitar a dor, é necessário não ído vive em nosso mundo, não deveria ele usar tal meio para
cair em culpa. É assim que a dor pode tornar-se uma escola, um vencer as leis humanas, se isto está de acordo com a sua psico-
instrumento para aprender, um meio utilizado pela Lei para en- logia? Para ele, isto é legítimo. Melhor não sabe fazer o primi-
sinar ao indivíduo o que é bem e o que é mal, para ele saber o tivo, pois ainda não conquistou o sentido moral, que é o fruto
que deve e o que não deve fazer. Aqui funciona a sabedoria da de uma longuíssima experiência de punições recebidas pelas
Lei, que cumpre assim a tarefa de educar. Não há método me- reações dos lesados. Mas, se esse método é legítimo para ele,
lhor, pois trata-se de um biótipo egocêntrico, que concebe tudo não o é, porém, para a sociedade onde ele vive, que o julga e iso-
20 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
la como um perigo social, até chegar um dia a eliminar comple- duos, que então recorrem à astúcia. Assim, por exemplo, se um
tamente do seu seio estes elementos cancerosos. involuído se apercebe que, através da mentira – mostrando-se
Eis como o involuído pode entender as normas que, pelo fraco e vítima de injustiça, apesar de ser de natureza oposta –
menos oficialmente, dirigem o nosso mundo. Eis como pode ser consegue tirar vantagem com tal método, explorando a piedade
vista a nossa ética, quando olhada de baixo para cima pelos dos bons, não há na sua forma mental razão para que não se
mais atrasados. Para eles, então, as leis civis e religiosas repre- regozije pela bela descoberta e não procure praticar o máximo
sentam somente um obstáculo a vencer, um inimigo do qual se possível, em seu proveito, tão rendoso truque, enquanto encon-
defender, um dos tantos empecilhos a superar na luta pela vida. trar quem acredite em seus enganos.
Tudo isto é perfeitamente lógico na forma mental do primitivo. Mas nem sempre há tanta cegueira, que parece má fé, fruto
Conforme a sua ética elementar, a habilidade do indivíduo está mais de perversão do que de ignorância. A consciência é um po-
em saber superar essas dificuldades, impostas pelo inimigo, que ço fundo no qual impulsos do subconsciente instintivo e cálculos
manda. Então as leis têm de ser conhecidas não para lhes obe- impostos pelas necessidades materiais se misturam com atos
decer, mas para enganá-las. Eis como a desordem vai se insinu- praticados de boa fé e tentativas para subir, pelo que o mal é fei-
ando dentro da ordem, como a mentira vai roendo as institui- to sem querer, só por falta de conhecimento e de capacidade pa-
ções sociais, até chegar ao ponto, quando tais elementos tor- ra saber fazer melhor. Para esclarecer, apresentamos outro
nam-se maioria, de destruir uma nação. exemplo. Não há dúvida que a posição de ministro ou represen-
Tal fenômeno tem a sua lógica. Assim, na forma mental do tante de Deus, em qualquer religião, pode oferecer para alguns a
involuído, uma vez que ele está mais próximo do AS do que do vantagem de uma boa situação social, que representa um melho-
S, é lógico que a virtude apareça em sentido emborcado, não de ramento nas condições de vida. Se isto constitui para a maioria
ordem mas de desordem, não de obediência mas de revolta con- um desejo honesto e natural, o mais almejado objetivo a realizar
tra as leis, que representam a ordem do S. Na forma mental de pela própria lei de evolução, é lógico que naquela forma mental,
um rebelde egocêntrico, é lógico que o valor consista na sua vi- já vista por nós, movida por tais impulsos elementares, possa
tória contra a ordem social e que, para ele, represente uma der- despontar com toda fé a vocação para as coisas do espírito. E
rota o seu eu ser constrangido a agir em função dos outros. A por que não deveria ela parecer espontânea e legítima em plena
obediência na ordem é para ele escravidão, e não um superior consciência, quando o indivíduo percebe muito bem e, sobretu-
estado orgânico. Para o involuído, disciplinar-se dentro de uma do, entende aquela vantagem concreta, que corresponde ao seu
ordem que não seja aquela na qual ele manda, significa ficar instintivo impulso de crescimento? No entanto lhe escapa o ver-
submetido ao serviço dos outros e, portanto, ser vencido na luta dadeiro sentido da palavra vocação, porque, pela sua forma
pela vida, que, pelo contrário, o impulsiona a submeter os ou- mental, ele não pode entender o tremendo peso dos imponderá-
tros. É lógico que os valores do involuído estejam nos antípo- veis valores do espírito. Tudo isto poderá chocar, como profana-
das aos do evoluído, de modo que o valor, para o primeiro, con- ção, um evoluído, mas, para este outro biótipo, que funciona
sista na revolta para instaurar o reino onde domina o seu eu se- com tal psicologia, torna-se lógico e natural. Que lhe pedem e
parado, enquanto, para o segundo, ele esteja na obediência à exigem dele as leis e as normas de vida vigentes? Qual é o seu
ordem em que se realiza o estado orgânico do reino de todos dever formal, exterior, que ele entende? Ele quer cumpri-lo e o
irmanados em unidade. Eis então que, do lado do involuído, há cumpre de verdade, com toda a honestidade. Ele sabe que a sua
rivalidade e luta, ao passo que, do lado do evoluído, há paz e tarefa consiste em sustentar e pregar alguns princípios ideais que
harmonia. Eis por que os delinquentes são rebeldes à ordem so- lhe ensinaram, repetindo-os aos outros e sacrificando-se para
cial e por que, quanto mais é involuído o nível humano, tanto praticar algumas regras de vida formais. Com isso, o seu dever
mais vigora a lei biológica da luta pela vida. está feito, e ele pode ficar descansado. Este é o trabalho que lhe
Desta posição emborcada do involuído deriva toda a sua ló- pertence, e ele o faz. Este é o peso carregado por ele, com o qual
gica às avessas. Assim o delinquente tem a sua honra e orgulho paga honestamente o que recebe em troca da sociedade, como
de rebelde contra a ordem social, e para ele, que está fora dela, defesa, sustento, segurança, respeito, coisas que, no cérebro de
é traidor quem se torna honesto em obediência a esta ordem, quem conhece quão dura seja a luta pela vida, são de importân-
assim como, para quem está dentro, é culpado quem a desobe- cia fundamental. A posição implica algumas desvantagens, que
dece. Na estrutura desta sua forma mental, produto do AS, está são, porém, aceitas fielmente, pois são compensadas com as cor-
a razão pela qual, para o involuído, a justiça consiste na revolta respondentes vantagens. A paixão pelo ideal é outra coisa, e isso
contra tudo o que desce do S, enquanto este, por isso, quer en- é tudo o que se pode exigir nesse nível.
direitar tudo o que pertence ao AS. Os princípios fundamentais Não se pode acusar tal biótipo de insinceridade, quando ele,
que explicamos em nosso volume O Sistema continuam encon- das coisas de espírito, apenas lhes pode entender a forma exteri-
trando a cada passo novas confirmações. Eis de onde nasce essa or e quando as pratica com toda a exatidão, obedecendo a todas
psicologia tão comum, pela qual é prova de inteligência saber as regras mecânicas estabelecidas. Como se pode dizer que tal
enganar o próximo, embrulhar a lei, aproveitando tudo e todos homem, pela sua forma mental, não seja honesto? Como pode
só para vantagem própria. Se, na forma mental do involuído, a ele ser julgado culpado, se o mundo ideal do evoluído está aci-
autoridade não pode ser concebida senão como um meio para ma do seu entendimento e se ele dá prova de tanta boa vontade
dominar os fracos, então, para ele, é legítimo procurar evadir-se em procurar realizar o que não consegue entender? Não será
de uma obediência que significa servidão. Eis por que, em nos- bom que sobretudo quem, ainda não estando maduro, tem de
sa sociedade, as leis não podem funcionar senão por força de cumprir os seus primeiros passos no caminho da espiritualidade,
sanções e a ética tem de ser um torno de ferro, impondo uma inicie a sua carreira espiritual por esse caminho, aproximando-se
disciplina sem saída. E, onde tudo não pode existir senão em assim do conhecimento de valores ainda inconcebíveis para ele?
forma de luta, a vida não pode ser senão um inferno. Alguns se escandalizam porque, neste caso, pode parecer que tal
Eis o que infelizmente, muitas vezes, encontra-se na reali- indivíduo faça negócio das coisas de Deus. Mas como pode ele
dade. Quando um indivíduo está com desejo de possuir alguma fazer diferente, se esta é a ética que vigora na sua consciência e
coisa, o problema para ele é somente apoderar-se dela. O preço se, somente quando ele conseguir evoluir até um nível biológico
que ele tem de pagar se constitui em cumprir o esforço neces- superior, poderá chegar a vibrar pela paixão que arrasta apenas
sário, inclusive aquele de escapar às sanções das leis e enganar quem entendeu o poder imenso e o valor sublime das coisas do
a boa fé dos honestos. No mundo atual, o uso da força ficou lí- espírito? O indivíduo comum não sabe nada disso e aprende a
cito somente entre nações em guerra, mas não entre indiví- sua lição de cor, repetindo-a fielmente. Que mais se pode exigir
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 21
dele? Com isso, ele deu tudo o que tem e está convencido de ter poderá ele sobreviver aí? Não representa tal método uma con-
feito tudo o que devia ser feito. Não segue ele na sua vida uma denação à morte? E como se pode exigir que o homem não a
conduta exemplar, conforme as regras? Só falta a alma, aquilo converta numa forma de hipocrisia, atrás da qual ele continua
que de fato sustenta e justifica as formas. Mas como se pode praticando o que a vida lhe impõe para se salvar? Se ele usa o
exigir de alguém que dê o que não possui? sistema do mundo, trai os princípios das religiões, que se apres-
Então, o que parece um mal pode ser feito em perfeita boa sam a puni-lo com o inferno; mas, se ele pratica o sistema das
fé e convencimento de bem. O imenso peso do imponderável religiões, isto significa derrota e escravidão de vencido. Como
não pode ser percebido senão em planos de vida mais adianta- poderá, então, o primitivo não acabar sendo destruído? E, se ele
dos. Como se pode exigir que os surdos ouçam, se eles ainda não continuar vivendo, como poderá realizar-se a sua evolução?
não desenvolveram o sentido da audição? É lógico que eles re- Então, na prática, o impulso das religiões na direção da subida
conduzam tudo ao seu nível, entendendo e praticando somente poderia representar um elemento contraproducente na economia
as leis deste plano, e permaneçam insensíveis onde, para um da vida, porque constituiria um perigo de destruição ao invés de
evoluído espiritualizado, desencadeiam-se as maiores tempes- um fator de construção. É por isso que o instinto de conserva-
tades e se revelam as mais elevadas belezas da vida. É lógico ção reage com escapatórias e modera com os acomodamentos
que desse mundo os primitivos entendam apenas o que podem, humanos o esforço evolutivo que as religiões impõem.
rebaixando-o e transformando-o em alguma coisa possível de Tudo isto nos mostra também como é perigoso outorgar o di-
ser utilizada para o seu uso no seu ambiente, que obedece a ou- reito de livre exame, quando essa é a forma mental e a consciên-
tras leis e impõe outras exigências. É assim que os representan- cia do involuído. Como se lhe pode deixar uma autonomia de
tes das religiões podem tornar-se eficientes administradores de julgamento que o autorize a dirigir a sua vida com tal psicolo-
uma ótima organização burocrática, cumprindo o seu dever de gia? Se ele não possui o sentido dos valores éticos, julgará tudo
modo perfeito. Tudo funciona então às mil maravilhas, no en- com a mente que possui, não podendo por isso ser julgado res-
tanto, apesar de pouco considerado pelo mundo, falta o mais ponsável. Então, para que ele não fique abandonado a si mesmo,
importante: o conteúdo espiritual, do qual tal religião ficou to- algumas religiões tiram a liberdade do livre exame e impõem
talmente esvaziada. Ora, o fato de ter ficado de pé somente a disciplina. Esta, no entanto, sendo uma imposição que vem de
forma exterior, não sustentada por qualquer substância, pode fora para dentro, fica exterior e formal, criando autômatos que
representar a última fase da decadência de uma religião. Mas, executam mecanicamente, sem nada entender. Os impulsos espi-
onde o homem espiritual se abala e estremece, o mundo conti- rituais das religiões deveriam seguir o caminho oposto, isto é, de
nua cuidando dos seus negócios. dentro para fora, e não como no caso precedente, onde se chega
Podemos apreciar um encontro entre esses dois tipos bioló- a uma espiritualidade emborcada na materialidade, pela qual a
gicos frente a frente, cada um funcionando com a forma mental substância fica mergulhada e afogada na forma. Mas já vimos
do seu plano de evolução, no romance de Alessandro Nanzoni, que absolutamente nada de espontaneidade e de livre exame po-
I promessi Sposi (Os noivos prometidos). O bom padre Don de sair de dentro para fora em seres com a forma mental do in-
Adondio, pároco numa pequena aldeia, encontra-se com o car- voluído, restando apenas o constrangimento à força, pelo medo
deal Frederico Borromeo, arcebispo de Milão, e na conversa de punições. No fim, então, é o biótipo dominante que impõe a
entre eles revela-se o abismo que divide as duas psicologias. O sua psicologia de luta – expressão da lei do seu plano – às reli-
primeiro, preocupado apenas em evitar o perigo para si, fugindo giões. Estas, por sua vez, têm de aceitá-la, se quiserem subsistir
dos maus e poderosos para salvar a si próprio, indiferente com num mundo de rebeldes, que, mais do que serem iluminados e
o que acontecesse aos outros fracos e esmagados, que ele deve- convencidos, precisam antes de tudo ser domesticados. E eles,
ria proteger. O segundo, inflamado e ardendo de paixão para concebendo a vida na forma de luta, reagem e, se não podem fa-
defender em nome da justiça os fracos e esmagados, preocupa- zê-lo com a força, fazem-no com o engano e a hipocrisia. Como
do não com os seus perigos, mas somente com o cumprimento se vê, trata-se de um círculo vicioso, pelo qual tudo volta à fon-
do seu dever, não importando o que sucedesse consigo. O pri- te, cabendo ao indivíduo, quando não é maduro, arcar com todas
meiro agia de acordo com as suas obrigações formais e as suas as consequências. Se a função das religiões é levantar o homem
comodidades; o segundo, fremente de espiritualidade, transbor- para níveis de evolução mais adiantados, elas têm, contudo, se
dava de santidade. O colóquio entre eles nos mostra como o quiserem sobreviver na Terra, de se adaptar ao mundo, descendo
primeiro, muito bom homem, nada conseguiu entender da psi- ao nível de evolução em que se encontra a maioria. Tudo depen-
cologia do outro, julgando se tratar da loucura dos santos. de do grau atingido pelo biótipo dominante.
Tudo isto nos mostra quão difícil é o trabalho – que as reli- ◘◘◘
giões têm de realizar na Terra – de trazer o ideal ao nosso Assim o panorama se transforma à medida que subimos pa-
mundo. Elas pedem que sejam praticados princípios opostos ra planos de vida mais adiantados. Eis os vários graus de ama-
aos deste, querendo arrancar ao homem as garras que lhe são durecimento evolutivo que se encontram em nosso mundo.
necessárias para vencer na sua luta pela vida. O que todos en- Com este quadro resumimos e concluímos este capítulo:
tendem é a ideia da competição. Basta falar em termos de luta, 1o grau – O princípio que dirige a vida do indivíduo neste
para que todos logo se interessem e vibrem. Como silenciar es- nível é muito simples. Se ele deseja uma coisa, estende a mão e
se impulso, se ele é fundamental no nível humano, devido à se apodera dela, satisfazendo assim o seu desejo. Forma mental
constante presença do adversário num mundo inimigo, onde elementar, com sua respectiva ética de obediência mecânica aos
não é possível sobreviver, senão praticando a cada passo o mé- impulsos primitivos.
todo do ataque e defesa? Para ninguém é lícito, sob pena de 2o grau – Aqui, o caso nem sempre é, assim, tão fácil de re-
perder a própria vida, esquecer, nem por um só instante, qual é solver. Encontram-se dificuldades e resistências que dificultam
a dura realidade biológica em que estamos todos mergulhados. a satisfação do desejo. Desponta deste modo o princípio da luta,
E, se a maior necessidade é a defesa, como impedir que os fra- necessária para arrancar das mãos dos outros o que o ser quer
cos procurem nas religiões, em vez do novo esforço que elas possuir. Então ele se movimenta, usando o método da força, e,
exigem para evoluir, um abrigo que ofereça segurança e um se vence, conquista a sua presa, atingindo deste modo o seu ob-
alívio que torne a vida menos difícil? jetivo e satisfazendo o seu desejo. Eis a forma mental e a res-
É nestas duras condições de ambiente que aparecem as reli- pectiva ética do cidadão desse plano, conforme sua consciência.
giões para tirar do homem suas armas e, assim, despido de todo Neste nível a presença de leis civis e religiosas representa para
recurso para a luta, lançá-lo num mundo de guerreiros. Como o indivíduo apenas um obstáculo a superar. No estado atual da
22 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
sociedade humana já existe uma ordem coletiva, que constrange então, podemos medir quão imenso seja o valor da inteligência
com a força aquele indivíduo a obedecer às leis. Porém, no ter- que não só construiu o universo físico e a sua ordem matemá-
reno internacional, ainda não existe uma disciplina entre as na- tica, mas também soube produzir a célula viva e organizar bi-
ções, que julgam legítimo satisfazer os seus desejos com as lhões delas no corpo humano, resolvendo todos os respectivos
guerras, praticando a lei da força, que é proibida para o indiví- e complexos problemas particulares, como era necessário para
duo no terreno particular. Assim as unidades coletivas estão atingir tais resultados. Somente com a presença de tal inteli-
mais atrasadas do que ele e, quanto maiores são, tanto mais gência se pode entender o significado de todos os fenômenos,
tempo e trabalho é necessário para se civilizarem. sejam eles físicos, dinâmicos ou espirituais. Neles ela fala e se
3o grau – Este é o estado em que o indivíduo obedece às revela. Nós ficamos simplesmente escutando. Eis onde se ba-
leis, mas somente na forma exterior e porque constrangido à seia o nosso sistema filosófico.
força. Julga-as sempre como um obstáculo a superar, um inimi- Dentro dessa inteligência, vimos que está escrito também o
go a vencer, porque o impede de atingir seu objetivo, que é rea- Evangelho, constituindo um objetivo cuja realização será atingi-
lizar a satisfação do seu desejo. Então, constrangido pela poder da no futuro, como produto da evolução da vida. As religiões
que a organização social possui, contra a qual ele não tem bas- são um meio para chegar a isto, conforme planos históricos pre-
tante força para se rebelar, o indivíduo emprega outro meio, um estabelecidos por aquela mente diretriz. Pelo seu atrasado nível
substituto dela, a astúcia. Prevalece, assim, sob um ambiente evolutivo, o homem atual quereria repelir a concepção evangéli-
pacífico na superfície e na aparência, uma luta subterrânea, in- ca, situada fora da realidade da vida, como coisa que só pode
visível por fora, terrível e desapiedada, mas bem escondida sob pertencer a um mundo transcendente e sobrenatural, reservada à
um manto de hipocrisia. A forma da luta mudou, mas permane- esfera espiritual dos ideais religiosos. Mas aqui já explicamos
ceu na substância. O princípio e o método de vida permanece- que se trata apenas de duas posições diferentes ao longo da esca-
ram, mas de um modo mais sutil e aperfeiçoado. Eis a forma la da evolução, uma no presente, do involuído, e outra no futuro,
mental e a respectiva ética do cidadão deste plano, conforme do evoluído, de modo que a segunda está pronta para aparecer
sua consciência. Então o constante trabalho do indivíduo está tão logo se esgote a função biológica da primeira.
em se evadir das leis, que ele continua a julgar um obstáculo a Se estas são as bases do nosso sistema filosófico, a ética que
superar. E permanece sempre o mesmo objetivo de satisfazer os sustentamos aqui representa as consequências deste sistema.
seus desejos, mas praticando a arte de escapar às sanções penais Trata-se, então, de uma ética concebida em função de uma visão
das leis. A finalidade não é colaborar, obedecendo na ordem, universal, da qual logicamente derivam estas conclusões práti-
mas sim rebelar-se para o triunfo do próprio eu. A diferença cas. Poderemos assim, nos capítulos seguintes, entrar em outros
com o caso precedente está no fato de que agora a violência não pormenores. Inferno e paraíso não são fantasia, mas sim realida-
é mais física, e sim econômica, nervosa, psicológica, mantendo de. O primeiro é o AS, o segundo é o S. A vida evolui do pri-
a desobediência disfarçada sob as aparências de obediência. meiro para o segundo. O paraíso das religiões representa uma
4o grau – Se o 1o grau é o nível do animal, o 2o, o da fera, do realidade biológica futura, que constitui uma posição positiva de
selvagem, do delinquente ou primitivo mais involuído, e o 3 o, o existência, colocada como último objetivo no fim do caminho
do homem atual, ou involuído mais adiantado, o 4 o grau é o ní- evolutivo. A ética representa o guia que nos dirige ao longo des-
vel do homem evoluído, que abandonou todos esses métodos de se caminho, para nos levar a esse ponto final. Por isso é de nosso
luta, porque conseguiu entender a lei de Deus, obedecendo-a interesse fundamental conhecê-la, para praticá-la, porque se trata
espontaneamente. Nisto ele atinge o seu objetivo e satisfaz o de nossa felicidade. Veremos agora outros aspectos dessa ética,
seu desejo de bem. Eis a forma mental e a respectiva ética do a respeito dos quais o nosso mundo está navegando na mais
cidadão desse plano, conforme sua consciência. O mencionado completa obscuridade, condição esta inevitável, quando não se
princípio da luta e o respectivo método de vida ficaram defini- sabe dar resposta lógica e convincente às perguntas fundamen-
tivamente abandonados nos níveis biológicos inferiores, dos tais da existência, como por que vivemos, de onde viemos, para
quais o evoluído não faz mais parte. onde vamos etc. Vivemos num universo que funciona conforme
Eis os biótipos que encontramos em nosso mundo atual, um plano preestabelecido, que vai se desenvolvendo em mo-
cada um com a sua forma mental e a respectiva ética. Nos ca- mentos encadeados um no outro, sucessivamente, por uma fér-
pítulos seguintes, teremos de encarar também outros proble- rea conexão lógica. Não há fenômeno que, assim, não esteja
mas no terreno da ética. E o nosso sistema filosófico nos per- vinculado a infinitos outros. O que acontece a cada um de nós
mite resolvê-los. Cada filosofia representa uma dada interpre- neste momento é o resultado último de impulsos que se movi-
tação da realidade, filtrada através do temperamento de um mentaram há milhões de séculos e, agora, chegam daquele pas-
dado pensador. Nós não seguimos esta ou aquela escola, não sado longínquo até nós, trazidos na onda do tempo. É por isso
adotamos nenhuma interpretação particular e pessoal da reali- que não é possível entender e resolver qualquer caso particular,
dade, apenas nos colocamos perante os fatos e os deixamos se se não soubermos orientá-lo no plano universal.
manifestar e falar. Nós ficamos somente olhando e escutando, Há problemas escaldantes e tormentosos ainda por resolver
deixando eles nos apresentarem o seu sistema filosófico, con- em nossa sociedade, como por exemplo o da delinquência, que
tido no pensamento que rege o seu funcionamento. Cada fe- se procura remediar com punições legalizadas. Mas o delin-
nômeno nos mostra, no seu desenvolvimento, a lei à qual obe- quente nasce assim ou por tendência hereditária, transmitida de
dece. Tudo isto significa a presença de uma inteligência, e pais para filhos, que a recebem sem saber nem querer, ou por
procuramos entender o seu pensamento. assimilação do ambiente no qual ele teve de se desenvolver,
A matéria com que se organiza o nosso universo se apre- sem possibilidade de escolha. Então a culpa está nos outros, ou
senta como uma maravilhosa construção lógica e matemática. seja, na sociedade, que julga o delinquente pessoalmente res-
Sobre esta base física se levanta a vida, movimentando-se na- ponsável e como tal o pune, justificando-se com abstratas teori-
turalmente em função das finalidades que ela deve atingir, as as de justiça, enquanto, de fato, só luta pelo seu interesse, po-
quais explicam e justificam o seu contínuo esforço evolutivo. dendo julgar e condenar somente porque se encontra na posição
O trabalho de tal íntima autoelaboração representa a nossa fa- do mais forte e o outro na do mais fraco. E, de fato, vemos o
diga de hoje, mas o seu fruto será o nosso triunfo de amanhã, que acontece nas revoluções, quando tal posição se emborca,
para o qual nos leva uma irresistível atração. Ora, pode-se me- devido ao enfraquecimento da ordem social. O primeiro crime é
dir a inteligência com o método dos testes, e o que uma inteli- da sociedade, ao permitir que sejam gerados esses infelizes,
gência produz nos dá a medida do seu valor. Com tal método, deixando a procriação livre para todos, e admitir, assim, o nas-
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 23
cimento também de doentes físicos e mentais, inconscientes, ir- Alemanha foram punidos pelos Estados Unidos, que agora es-
responsáveis, loucos, criminosos etc., semeando sofrimento pa- tão ameaçados de serem punidos pela Rússia, cujo poder eles
ra si e para os outros. É da sociedade o primeiro crime também, próprios criaram com as suas mãos, para vencer a Alemanha.
porque a ela, acima de todos, interessa muito mais reprimir, pu- Se a Rússia vencer, depois chegará a China para punir os seus
nindo os culpados, do que prevenir a culpa. Ela pode legalmen- crimes, e assim por diante. Deste modo, cada um paga os seus
te praticar em sua vantagem o desabafo do seu instinto de pecados e, acima de todas as injustiças humanas, filhas do uso
agressividade e impor-se para dominar, já que prevenir, evitan- da força, triunfa, com o sofrimento por todos merecido, a justi-
do que os crimes se realizem, exige esforço, sacrifício e amor, ça de Deus. Tal será o destino do mundo, enquanto ele não aca-
elementos necessários para melhorar o ambiente, substituindo bar com tal método de vida, parando de cometer injustiças, para
as condições de vida inferior por outras mais adiantadas, onde o não precisar mais de ser punido.
mal não pode nascer. Assim, quem é condenável de fato, antes Sabemos que, para a forma mental dos práticos, as nossas
de tudo, é a própria sociedade, porque pune as suas culpas so- palavras parecem utopia, porque outra é a realidade da vida.
mente em alguns indivíduos, que são apenas o efeito delas. A Mas não há dúvida também que estes não podem deixar de ser
realidade é que o nosso mundo ainda não sabe se conduzir com os resultados da psicologia e métodos hoje vigorantes. Como há
inteligência, para dirigir os fenômenos fundamentais da sua vi- pouco dizíamos, tudo está logicamente encadeado num proces-
da. Teremos assim, neste livro, de examinar o problema em so de desenvolvimento consequente, de modo que, quando es-
mais profundidade e penetrar o mistério da personalidade hu- colhemos um dado método de ação, nele ficamos fatalmente
mana, sem o que nada se pode resolver. presos até às suas últimas consequências. Quem semeia causas
Eis a dura realidade. Quantos problemas terá de resolver a de um dado tipo terá depois de aceitar os seus efeitos, até que
nossa sociedade, antes que possa chamar-se civilizada! O ho- os impulsos movimentados sejam completamente esgotados.
mem atual resolve os seus problemas empiricamente, sem sus- Um método de ação representa a aplicação de alguns princípios
peitar que está obedecendo a impulsos do seu subconsciente, básicos, desenvolvidos ao longo de um caminho marcado, do
julgando sem conhecimento da lógica das leis que Deus escre- qual, uma vez sendo iniciado num dado sentido, não é possível
veu em todas as coisas. Falamos há pouco do método da força e se afastar, já que ele deve ser seguido até ao fim, para realizar a
da astúcia, como sendo do involuído. Não é este o método pra- sua lei. O homem ainda terá muito trabalho e incríveis dores
ticado hoje pelo nosso mundo? Trata-se do método do rebelde, para chegar a entender que existe uma lei dirigindo tudo, da
que só sabe cometer erros e, com isso, gerar sofrimentos. Mas qual ninguém pode sair. E, por fim, se quiser parar de sofrer, te-
pode-se imaginar maior absurdo que este método, pelo qual um rá de aprender a se movimentar dentro dela com inteligência,
ser sedento de felicidade vai continuamente construindo com obedecendo-lhe, ao invés de se chocar com ela a cada passo.
suas mãos as próprias dores. É o que está acontecendo nas rela- Neste momento em que estou concluindo este assunto, abro
ções entre indivíduos e grupos, inclusive entre as maiores na- por acaso uma revista europeia e leio: “O materialismo que ho-
ções, com todas as suas consequências. je domina no mundo impulsiona-o para a sua ruína. Toda a
O método das rivalidades e da luta traz consigo a necessi- ideia de espiritualidade desapareceu, a fera ruge no homem, que
dade de vencer. Neste nível, então, a vida deve ser uma con- caiu no abismo das trevas morais. Em vão, as religiões procu-
quista contínua, baseada na força. E é lógico que a outras con- ram levá-lo para o bem. Os ouvidos dos homens-animais se
sequências não possa levar o princípio egocêntrico de tal mé- tornaram surdos e não entendem mais. Até a ciência, que dirige
todo. Não pode haver paz senão com a submissão dos outros. a humanidade, vive na obscuridade, sem nenhuma orientação a
Toda vitória e grandeza é um trono que se levanta sobre um respeito dos supremos objetivos da vida”. E, de fato, o mundo é
cemitério cheio de mortos ou uma prisão de escravos. Convi- ateu na prática, dividido em duas formas de ateísmo: os materi-
vência pacífica, que não seja em função do domínio de um alistas, abertamente declarados, e os religiosos, que se escon-
vencedor, não é possível. Hoje se fala de paz, intensificando a dem sob práticas exteriores. Assim, o nosso mundo, apoiando-
corrida armamentista. Primeiro a astúcia diplomática e, atrás se na sua ignorância da existência e da presença imanente de
dela, as armas prontas para saltar em cima da outra parte, logo Deus e de Sua lei funcionando entre nós, acredita ter resolvido
que esta der um sinal de fraqueza. Mas ninguém, nem sequer o os seus problemas, simplificando-os no nível mecânico animal,
fraco, renuncia à vida gratuitamente. No fim, ele a defenderá e haver alcançado a solução certa e permanente. Há, porém, de-
com a força do desespero, preferindo que morram todos ao in- vido a esta imanência, o irresistível impulso da evolução, e ca-
vés de morrer ele sozinho. Eis que o resultado final do método be a ele realizar fatalmente a transformação do involuído em
atual tende fatalmente, pela sua própria natureza, à destruição evoluído, arrastando tudo e todos, porque representa a própria
de todos, vencedores e vencidos, trazendo a paz do cemitério, vontade de Deus, a qual exige e garante a nossa salvação, mes-
que representa o triunfo da negatividade do AS. mo que isto deva custar ao homem, para ele aprender a lição
Eis o que são as vitórias humanas, pois cada uma delas re- necessária, ter de sofrer todas as dores que tiver merecido.
presenta um desequilíbrio conquistado à força, uma violação da
harmonia universal e, por isso, um débito a pagar à justiça da IV. A PERSONALIDADE HUMANA
Lei. Assim, a história não é senão uma série de guerras, vitó-
rias, débitos e sofrimentos a pagar. Quem vence é a justiça de A ciência já chegou a admitir que o universo é o produto de
Deus, que constrange todos a pagar. Ele deixa sempre um novo uma grande inteligência, que está anteposta ao seu funciona-
vencedor triunfar, utilizando-o como instrumento para punir o mento. Então deve haver um princípio, uma ordem, uma lei
velho vencedor, agora vencido. Todos então, em rodízio, ficam que tudo regula. A ciência também admite que nada se cria e
envolvidos no mesmo ciclo. Assim, os cidadãos da Revolução nada se destrói. Isto quer dizer que tudo o que existe, apesar de
Francesa foram instrumentos da justiça de Deus, para punir os ir sempre mudando de forma, fica indestrutível na substância.
excessos da aristocracia. Mas, por também terem cometido os Disto se segue que a personalidade humana, cuja existência é
seus crimes, foram punidos pelo povo francês, que, por sua vez, um fato positivo, não pode ser destruída, devendo sobreviver à
foi punido pelas dores e mortes das guerras napoleônicas, cujo morte. A ciência admite a lei da evolução. Ora, evolução, co-
chefe acabou também punido com a derrota e o desterro. E as- mo já explicamos em outros livros, quer dizer subida, o que
sim por diante. Nos tempos modernos, a Inglaterra teve as suas implica a ideia de alturas ou níveis diferentes ao longo desse
culpas punidas pela Alemanha, com as duas últimas guerras, processo de ascensão. Então a nossa concepção de planos de
nas quais perdeu o seu império colonial. Depois, os crimes da vida diferentes e sobrepostos não é arbitrária, mas sim a con-
24 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
seqüência direta do conceito de evolução. Esta significa um Enfrentemos, então, o problema, procurando em primeiro
caminho a percorrer, dirigido para finalidades estabelecidas. E, lugar chegar ao conhecimento da personalidade humana na
de fato, vemos que tudo é imperfeito, mas vai procurando me- sua estrutura, observando-a na sua posição estática. Enfrenta-
lhorar-se, subindo para a perfeição. remos depois o mesmo problema no seu aspecto dinâmico,
Vemos, assim, aparecerem claras as linhas fundamentais observando a personalidade humana na técnica da sua cons-
do fenômeno de nossa vida, regido por estes quatro princí- trução. De fato, a consciência que constitui o nosso eu não re-
pios: ordem, indestrutibilidade, evolução e finalismo. Mais presenta uma posição estável, mas uma entidade em contínua
especificamente, conclui-se com os seguintes resultados: 1) A transformação, devido ao seu deslocamento ao longo do ca-
existência de Deus e da Sua lei, que tudo dirige. 2) A sobrevi- minho da evolução. Isto corresponde ao conceito já mencio-
vência à morte. 3) O conceito de uma existência muito mais nado de planos de vida diferentes, cada um deles correspon-
vasta – uma vez que o caminho da evolução não pode ser per- dente a uma correlativa forma de consciência e grau de enten-
corrido senão atravessando níveis de vida diferentes – na qual dimento, conquistado por evolução, conforme as experiências
se juntam, como os vários anéis de uma cadeia, as vidas su- realizadas nas vidas sucessivas. A teoria da reencarnação já
cessivas, sem o que não poderia haver evolução. 4) O fato de foi por nós demonstrada no livro Problemas Atuais.
nossa condição presente ser o produto da nossa conduta no Há, porém, outro fato. O que chamamos de nossa consciên-
passado, assim como a nossa condição no futuro se constituir cia, dentro dos limites da qual percebemos, pensamos e nos
do resultado de nossa conduta no presente, tudo sempre em sentimos vivos, não representa todo o nosso eu, mas apenas
função da última finalidade da evolução. Eis que, por esse uma parte dele. Além desta, existe outra parte, cujo conteúdo e
caminho, chegamos até às raízes que justificam e fundamen- limites não conhecemos e escapam ao nosso controle, mas que
tam as normas da ética. Agora, as linhas gerais do fenômeno é imensa e fica mergulhada no mistério, como se fosse um es-
podem ser vistas claramente. trato profundo e escondido, sobre o qual se eleva e se eviden-
Mas, neste livro, queremos aproximar-nos cada vez mais da cia, como se saísse de um mar, a parte consciente do nosso eu.
realidade prática da vida. Por isso, dos princípios que a regem, Esta parte desconhecida é o que chamamos de inconsciente.
temos de descer até ao exame do caso particular, olhando-o de Então o nosso consciente é uma entidade que emerge do in-
perto, pois isto é o que mais interessa ao indivíduo. Em outras consciente, isto é, de um mar desconhecido, que está além de
palavras, para saber qual deve ser a nossa conduta na vida e co- nossa consciência. Esta entidade, com a evolução, vai-se deslo-
nhecer as suas respectivas consequências, estabelecendo assim cando de um plano de vida ou nível biológico para outro. Ob-
as nossas responsabilidades, é necessário conhecer a estrutura servemos ainda mais de perto o fenômeno, nos seus pormeno-
de nossa personalidade e a linha de nosso destino, dois proble- res, procurando antes de tudo entender qual é o conteúdo desse
mas que não podem ser resolvidos senão em função um do ou- inconsciente, situado além dos limites do nosso consciente.
tro. Veremos, assim, como os princípios gerais que regem a vi- Podemos conceber o consciente como um segmento situado
da podem ser aplicados ao caso particular de cada indivíduo, entre duas zonas de inconsciente: uma evolutivamente inferior,
conforme o seu tipo de personalidade e destino. que chamamos de subconsciente, e outra evolutivamente supe-
Na maioria dos casos, o indivíduo vive cegamente, sem rior, que chamamos de superconsciente. Evolutivamente infe-
saber quem é e sem conhecer as finalidades para as quais ele rior significa que, ao longo do caminho da subida evolutiva, o
existe, que explicam e justificam a sua vida. Assim, não orien- subconsciente representa o trecho já percorrido, ou seja, vivido
tado pelo conhecimento, ele se movimenta ao acaso, sem a di- e assimilado no passado. Evolutivamente superior significa
reção de uma norma de conduta correta, que somente pode ser que, ao longo do mesmo caminho, o superconsciente represen-
atingida vendo claro na própria personalidade o respectivo ta o trecho que ainda deve ser percorrido, ou seja, a ser vivido
destino. O indivíduo movimenta-se, assim, obedecendo ape- e assimilado no futuro.
nas aos impulsos descontrolados dos instintos, momento por Então o nosso eu pode existir em três zonas ou níveis dife-
momento, sem consciência de uma trajetória em sua vida, que rentes: 1) No subconsciente; 2) No consciente; 3) No super-
se desenvolve em função de um objetivo a atingir. Desprovido consciente. Estas três zonas são como três camadas sobrepos-
da autonomia de direção de quem é sabedor do sentido da sua tas, que correspondem a três fases sucessivas de evolução ou
viagem evolutiva, ele é apenas mecanicamente arrastado pelas níveis de existência do eu: 1) O eu inferior; 2) O eu médio; 3)
forças da Lei. Tal é a triste posição do involuído, mergulhado O eu superior. Não podíamos deixar de enfrentar o estudo do
nas trevas da sua ignorância. problema de nosso eu observando-o como transformismo pro-
Aqui está a grande diferença entre o evoluído e o involuí- gressivo, em função do fenômeno da evolução, porque este é
do. Este concebe a sua vida isolada no curto trecho que pode fundamental para tudo o que existe. No biótipo humano co-
perceber com os sentidos, fechado entre o nascimento e a mor- mum, o eu funciona conscientemente no nível médio, enquanto
te, como se este parêntese percorrido no plano físico fosse toda as atividades do eu inferior, bem como as do superior, ficam
a vida. Além destes dois pontos, tudo é mistério para ele. O escondidas, ocultando-se na zona misteriosa do inconsciente.
evoluído, pelo contrário, tem consciência de uma vida muito Assim, o fenômeno do eu pode ser visto não apenas em seu as-
mais vasta, que se estende além destes dois limites, uma vida pecto luz-sombra, para nos indicar quais são os limites do ter-
imensa, que abrange o seu caminho evolutivo na eternidade. reno dominado pela nossa consciência, que se ergue como uma
Ele conhece os elementos do duplo problema: personalidade e ilha sobre o mar do inconsciente, mas também em seus três
destino, ou seja, sabe quem ele é e qual é o objetivo particular momentos sucessivos, correspondendo às três diferentes posi-
que ele deve atingir na sua atual vida física, em função dos ob- ções ao longo da sua ascensão evolutiva.
jetivos maiores de toda a sua evolução. Então, para os dois Observemos agora o conteúdo, ou qualidades, dessas três
biótipos, involuído e evoluído, a vida é concebida e se torna formas de existência do nosso eu, para ver depois como é possí-
uma coisa completamente diferente. Para o primeiro, ela con- vel, por evolução, deslocar-se de uma para outra. Na sua estrutu-
tém posições materiais que ele concebe como uma realidade ra, a personalidade humana poderia ser comparada ao espectro
estável e verdadeira, feita para durar. Para o segundo, trata-se solar. Assim, a parte inferior, dada pelo infravermelho, faixa do
somente de cenas que aparecem em contínuo deslocamento, espectro não perceptível pela visão, corresponde ao subconsci-
apenas como expressão exterior tangível de outra realidade ente, que também está fora da percepção da consciência. Fruto
profunda, dada por um movimento de forças, com efeito de das lições aprendidas no passado, esta é a zona dos instintos,
amadurecimento, no desenvolvimento lógico de um destino. constituídos pelos automatismos adquiridos através da longa re-
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 25
petição, que, por isso, não precisam mais do controle da consci- rem na personalidade sob a forma de novas qualidades adquiri-
ência para realizar o funcionamento do organismo físico, pois se das. Vemos assim como se efetua a obra de ascensão evolutiva.
tornaram automáticos. A parte superior, dada pelo ultravioleta, O fato é que subconsciente, consciente e superconsciente
faixa do espectro igualmente não perceptível pela visão, corres- representam não somente três níveis de existência do eu, mas
ponde ao superconsciente, que também está fora da percepção também três fases sucessivas do seu desenvolvimento. A pri-
da consciência. Esta é a zona das qualidades superiores ainda a meira constitui a fase atrasada, de tipo ainda animal; a segun-
conquistar no futuro, zona das antecipações evolutivas, onde ex- da, a fase atual, de tipo humano; e a terceira, a fase adiantada,
cepcionalmente se realizam as superiores funções psíquicas e de tipo super-humano. Temos assim três níveis nos quais pode
espirituais da intuição do gênio, às quais está confiada a desco- existir a personalidade humana, que vai evoluindo de um para
berta de verdades cada vez mais vastas e profundas, mais pró- o outro: 1) O eu inferior, ou animal, 2) O eu médio, ou huma-
ximas do absoluto. Por fim, a parte intermediária, situada na fai- no, 3) O eu superior, ou super-humano. Pouco se interessam
xa superior ao infravermelho e inferior ao ultravioleta, porção por este último os psicólogos, porque se trata de um nível ex-
visível do espectro, corresponde à consciência normal, que tam- cepcional. No entanto ele existe e é importante, porque repre-
bém está situada entre dois extremos invisíveis para ela, existen- senta o futuro da raça humana.
tes fora dela, um abaixo e outro acima, ambos situados além dos Poderemos melhor entender o fenômeno observando-o nas
limites do seu conhecimento. Em ambos os casos, somente suas características elétricas. Em A Grande Síntese, já vimos as
quando o ritmo vibratório, tanto da luz como da consciência, fi- origens elétricas da vida. Então o subconsciente ou eu inferior
ca dentro do limite de um dado comprimento de onda, é que representa a baixa voltagem da força vital, a forma inicial de
aparece o fenômeno chamado por nós de luz ou de consciência. consciência, a mais involuída, a mais densa, próxima da maté-
Então, quando falamos de personalidade, ela pode ser en- ria, aquela que se poderia chamar de espírito inferior. Isto pode-
tendida não apenas no sentido restrito, limitada à sua parte visí- ria corresponder à onda longa, de baixa frequência, do infra-
vel de consciência, mas também no sentido mais vasto, na sua vermelho. O consciente ou eu médio representa a média volta-
totalidade, abrangendo também a sua parte invisível, subterrâ- gem da força vital, forma mais adiantada e completa da consci-
nea, que se estende no inconsciente. Uma parte de nós ainda é ência, mais desmaterializada, cerebral, psíquica, que se poderia
desconhecida em nosso tempo, mas representa um lado essen- chamar de espírito médio. Isto poderia corresponder à onda
cial do nosso eu, na qual a moderna psicanálise está procurando média, de média frequência, do espectro visível. O supercons-
penetrar. Trata-se de uma parcela importante da personalidade, ciente ou eu superior representa a alta voltagem da força vital,
porque é daí que saem, subindo de baixo ou descendo do alto, forma ainda mais adiantada e completa de consciência, não
os vários impulsos que chegam no terreno da consciência. Sem mais cerebral e psíquica, mas sim espiritual, que se poderia
tais pesquisas, estes impulsos ficariam escondidos no mistério, chamar de espírito superior. Isto poderia corresponder à onda
sendo impossível conhecer sua origem e significado. Às vezes, curta, de alta frequência, do ultravioleta.
a consciência do eu transborda para além dos seus costumeiros Assim, no fenômeno da evolução da consciência verifica-se
e restritos limites, despertando em zonas do inconsciente, que o mesmo processo de aumento de frequência vibratória e dimi-
se transformam então em consciente. Isto é possível porque o nuição de comprimento de onda que encontramos no desenvol-
eu existe em todos os três níveis, mas em forma diferente, ou vimento do espectro solar, na passagem do infravermelho ao ul-
seja, tanto atual e ativo, acordado no consciente, como latente travioleta. Do primeiro até ao segundo, o número das vibrações
ou automático, adormecido no inconsciente. Os três níveis não sobe de 400 a 750 trilhões de vibrações por segundo, enquanto
representam três compartimentos estanques, pois o ser pode os- que, paralelamente, o comprimento de onda diminui de 0,776
cilar de um para o outro, conforme o seu estado vibratório e mícron no vermelho a 0,400 mícron para o violeta. Assim, re-
amadurecimento evolutivo. Isto ocorre porque o eu, ainda que sumindo: o subconsciente ou eu inferior representa um estado
em forma diferente, consciente ou inconsciente, existe nessas vibratório de baixo potencial ou voltagem, de onda longa e bai-
três posições, não importando se ele tem ou não conhecimento xa frequência; o consciente ou eu médio representa um estado
delas. Nem tudo o que constitui a nossa personalidade está con- vibratório de médio potencial ou voltagem, de onda média e
tido na parte consciente, como nem todas as formas de luz estão média frequência; e o superconsciente ou eu superior representa
contidas no espectro visível. O conhecimento de nós mesmos um estado vibratório de alto potencial ou voltagem, de onda
não alcança além da nossa consciência normal. curta e alta frequência. Em outras palavras, a quantidade se
Assim, subconsciente, consciente e superconsciente nada transforma em qualidade, a massa de uma força vital grosseira
mais são do que três formas de existência do mesmo eu, obser- torna-se uma forma de existência mais sutil e poderosa, o que
vado em três de suas diferentes dimensões, sucessivamente con- corresponde à transformação operada pelo processo evolutivo
quistadas por evolução. Cada uma é maior do que a precedente, nas qualidades do AS, para lhes substituir as do S.
erguendo-se e construindo-se sobre esta, tal como na passagem Eis, nas suas grandes linhas, o conteúdo do fenômeno da
da dimensão linear à superfície e ao volume, pela movimentação personalidade humana, o qual nos mostra como o eu pode exis-
numa direção perpendicular à dimensão precedente. Desta for- tir em vários níveis, manifestando-se em três formas diferentes.
ma, a dimensão do consciente domina a do subconsciente, e a O princípio funcional que é produto do subconsciente, ou eu in-
dimensão do superconsciente domina a do consciente. Portanto a ferior, e o caracteriza é o instinto. O princípio funcional que é
razão domina o instinto, e a intuição domina a razão. produto do consciente, ou eu médio, e o caracteriza é o raciocí-
Quais são então as qualidades de cada uma dessas três di- nio. O princípio funcional que é produto do superconsciente, ou
mensões, ou estados do eu, e como podemos, observando-as, eu superior, e o caracteriza é a intuição. Observaremos agora,
saber a que nível elas pertencem: subconsciente, consciente ou mais pormenorizadamente, estas características.
superconsciente? No biótipo comum do homem médio, o cons- ◘◘◘
ciente abrange a parte livre e responsável pela semeadura das Conforme o seu desenvolvimento, o indivíduo pode viver
causas, a parte acordada e ativa para a conquista de novos esta- funcionando num ou noutro desses três níveis biológicos. As
dos de consciência, onde, com esta finalidade, realiza-se o traba- qualidades que ele possui nos mostram a qual desses três
lho de experimentação da vida, enquanto o subconsciente repre- graus de evolução ele pertence. O biótipo que existe só no
senta o trabalho já realizado, cujos resultados, fixados nos ins- plano do subconsciente ou eu inferior é elementar, instintivo,
tintos, foram definitivamente adquiridos, e o superconsciente re- emotivo. Ele só possui a sua sensibilidade e, com ela, vai-se
presenta o trabalho ainda a realizar, para seus resultados se fixa- movimentando ao acaso, porque ainda não construiu um inte-
26 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
lecto que lhe permita pensar e se controlar, dirigindo-se com superiores, que querem com elas ensinar ao homem ignorante
conhecimento. Este é o nível do primitivo, ainda não desen- os princípios de um sábio comportamento. Então, para aplicar
volvido. Ele funciona por reações inconscientes, seguindo ce- uma norma de conduta correta, esse biótipo possui outros re-
gamente os impulsos dos sentidos, pois ainda não sabe racio- cursos para se guiar, mais adiantados, apoiados nas soluções
cinar e, assim, não entende o mundo das ideias, só podendo oferecidas pelas éticas teoricamente aceitas, que representam
ser impressionado e sugestionado. uma sabedoria descida dos planos superiores.
Como resolve ele o problema da sua conduta? A sua ética se Eis então que tal biótipo funciona não somente por meio de
baseia nos instintos animais, aos quais obedece cega e mecani- sua sensibilidade, mas também pelo pensamento da sua mente,
camente. Sem entender o porquê de suas ações, ele não se orien- com o qual ele procura dirigir-se por si mesmo, entendendo e
ta com autonomia de juízo, mas apenas imita os outros, repetin- resolvendo os seus problemas. Ele aceita as normas da ética,
do o que fazem, pois, para ele, a maioria representa a verdade. porém não mais como repetição cega e mecânica, e sim com
Uma vez que não possui recursos mentais individuais, as solu- autonomia de juízo. Tal biótipo não conhece tudo, mas tem
ções oferecidas pelo subconsciente coletivo representam para ele vontade de conhecer. Ele sabe que há limites na sua sabedoria,
a única orientação onde encontra uma norma de conduta. enquanto o biótipo precedente, não tendo consciência da sua
Eis então como funciona tal biótipo. Ele só possui a sua sen- ignorância, acredita saber tudo. Ele não fica quieto e satisfeito
sibilidade, sendo movimentado pelo que impressiona os seus num mundo de mistérios, como o ser inferior, que fica saciado
sentidos. Em vez de pensar com a sua cabeça, repete por suges- com a satisfação dos seus instintos, sem querer saber nada
tão. Uma vez que não entendeu nem resolveu os seus problemas, mais. Pelo contrário, neste nível, o indivíduo procura sair desse
ele não se autodirige, mas apenas funciona por imitação, acei- estado de ignorância, penetrando com as pesquisas da ciência
tando a solução dos outros e praticando a mesma conduta. Os as trevas do desconhecido, fato que explica a razão da rebeldia
indivíduos desse nível se movimentam com o método do reba- do homem moderno contra o método dos mistérios e da fé cega
nho de ovelhas, onde cada uma faz o que as outras fazem, mas das religiões. Os seus problemas não são apenas os da vida
nenhuma sabe a razão daquilo que faz. Tal biótipo não conhece animal, da fome e do sexo, mas também os do conhecimento,
nem deseja conhecer. Ele não tem problemas morais e intelectu- da vida social e da sua evolução. Trata-se de realizar conquis-
ais, mas só os da sua vida física. A ignorância é o seu estado tas, descobrindo caminhos novos para o progresso da humani-
normal, razão pela qual ele aceita como coisa justa e natural as dade, e não somente de continuar funcionando nas velhas posi-
trevas do mistério, fato que explica como essa psicologia seja ções biológicas. A vida progrediu e hoje apresenta problemas
tão difundida nas religiões. Os problemas dos quais ele toma co- mais difíceis para resolver do que os dos planos biológicos in-
nhecimento são mínimos, restringindo-se apenas aos da vida feriores. A escola que o homem está agora não é mais primá-
animal, de fome e sexo, e do esforço necessário para satisfazer ria, onde basta decorar para aprender, e sim avançada, onde se
as necessidades de tais instintos. E ele os resolve da maneira cogita de compreender e julgar com a inteligência, qualidade
mais simples, aceitando e repetindo cegamente a solução dos que se vai desenvolvendo agora.
outros, como um produto em série deles. Nesta fase, ele não vê Observemos por fim quais são as características e o com-
senão estes problemas, que são os mais elementares e urgentes portamento do biótipo que existe no nível evolutivo do super-
para a continuação da vida, com os quais ele amadurece, para consciente, ou eu superior. Aparecem aqui novas qualidades,
que ela lhe apresente outros amanhã, mais difíceis de resolver, que o fazem mais completo. Não há somente, como da parte do
inerentes ao nível médio e superior. Neste nível inferior, esta- consciente ou eu médio, o controle racional dos instintos do
mos ainda na escola primária, onde se aprende sem entender, subconsciente, nem se trata apenas de estar acima da sensibili-
apenas repetindo por sugestão e imitando um modelo, até que, dade e emotividade, unicamente onde o eu inferior sabe vibrar.
pela longa repetição, adquirem-se hábitos mecanicamente, que Neste nível, o ser não só construiu o intelecto, que sabe pensar,
se fixam, assim, no subconsciente como novas qualidades. Neste mas chegou a adquirir uma qualidade nova: o sentido da intui-
nível, o ser é impressionável e receptivo, apelando para a memó- ção. Esta lhe permite perceber a verdade por visão, tornando
ria, que registra, e não para a inteligência autônoma, que com- possível ele chegar a entender diretamente, pelo caminho curto
preende e julga, qualidade ainda desenvolvida por ele. da compreensão imediata, o pensamento que rege o funciona-
Observemos agora quais são as características e o compor- mento de muitos fenômenos, sobretudo os que são menos atin-
tamento do biótipo no nível evolutivo do consciente ou eu mé- gíveis com o método da observação e experimentação da ciên-
dio. Aparece aqui uma forma mental mais complexa, controla- cia. Enquanto a ciência, amarrada ao contato imediato com os
da e racional. Acima da sua sensibilidade, tal ser construiu seu fatos, vai pelo seu caminho longo e só depois, procurando se
intelecto. Desse modo, ele sabe agora não somente sentir, mas erguer acima dele, sai do terreno concreto e analítico para
também pensar; não somente imitar, mas também se orientar, atingir os princípios gerais, construindo, do particular para o
controlando os instintos e as emoções com a sua inteligência. geral, hipóteses e teorias cada vez mais vastas, o superconsci-
Este é o nível do homem moderno e culto, dos países mais civi- ente, no terreno dos princípios abstratos e sintéticos, chega ao
lizados. Além da sensibilidade, ele também possui uma mente contato com as causas e, por intuição, atinge diretamente o
para orientá-la, com a qual dirige os impulsos cegos do seu conteúdo do pensamento pelo qual a Lei, que tudo rege, é
subconsciente, em vez de se abandonar a eles. Percebendo não constituída. Este é o nível do homem mais desenvolvido do fu-
somente o que lhe revela a mecânica dos sentidos, mas também turo. Ele se dirige não somente pela razão, mas também pelo
as ideias, é capaz de entender um processo lógico e o valor dos conhecimento do sábio. Só então os parciais processos lógicos
conceitos, podendo ser levado, por meio de provas e demons- da ciência ficam orientados por uma visão de conjunto, que
tração, à compreensão e à convicção. pode revelar o plano geral da obra de Deus. Tal biótipo fica
A base fundamental da sua conduta está sempre nos instin- espontaneamente convencido, porque tem o sentido da verda-
tos animais, impulsos sobre os quais as leis religiosas e civis de, assim como o nosso olho tem o sentido das cores. Ele não
sobrepuseram as normas de uma ética prática, ainda primitiva e precisa de provas que lhe demonstrem que o vermelho é ver-
empírica, que estabelece uma disciplina e uma ordem, pelo me- melho, ou que o verde é verde etc. Quem as exige é o cego,
nos exterior e formal. Aqui também continua vigorando o mé- que não conhece as cores e, neste caso, representaria o biótipo
todo da imitação, pelo qual o ser age sem saber o porquê, po- existindo no nível evolutivo do consciente ou eu médio.
rém não mais como cega repetição dos frutos do subconsciente Os fundamentos da conduta do evoluído não são mais os
coletivo, mas sim em obediência a regras ditadas por mentes instintos do subconsciente animal, nem as normas da ética
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 27
primitiva e empírica vigentes na forma de prática exterior e no passa da escola primária ao ginásio e, por fim, à faculdade, a
formal em nosso mundo. Este biótipo, assim como o preceden- vida também proporciona as suas aulas à inteligência e conhe-
te, não aceita apenas por sugestão e imitação, por fé e obediên- cimento adquiridos pelo indivíduo.
cia (princípio de autoridade), sem ter entendido, as normas de Podemos, então, pelas suas qualidades, conhecer a que nível
comportamento ditadas pelas mentes superiores, pois ele pró- de evolução um homem pertence, se ao do subconsciente, do
prio é um ser superior, que as atinge com os seus recursos de consciente ou do superconsciente. É lógico que a posição de
intuição. Então, uma vez que, neste caso, o indivíduo pode quem chegou a um nível superior domina a do inferior. O supe-
chegar ao conhecimento por si mesmo, a sua disciplina, porque rior entende o inferior, mas o inferior não entende o superior.
iluminada e convencida, é espontânea e representa uma neces- Portanto é inútil raciocinar com o homem do primeiro nível. Ele
sidade para a consciência do ser evoluído, que, por haver en- não se convence, sendo somente impressionado por sugestão no
tendido, não pode deixar de se colocar na sua devida posição seu subconsciente. Assim o indivíduo do terceiro nível, se quer
dentro da ordem. A sua ética está acima das humanas, porque ser entendido pelo homem do segundo nível, tem de traduzir a
ele a possui na sua própria consciência. Trata-se de uma ética sua linguagem intuitivo-sintética para a analítico-racional deste.
que, se formalmente parece mais livre, é substancialmente Em outras palavras, para que possa ser entendido, ele tem de
mais exigente e rigorosa. Ele tem em si mesmo o seu guia, demonstrar a verdade com a lógica e as provas dos fatos, apoi-
porque possui o conhecimento. Assim, ao invés de agir como ando-se em argumentos racionais e experimentais.
uma ovelha, transferindo aos pastores a sua própria responsa- ◘◘◘
bilidade, ele a assume diretamente perante Deus, com todas as Temos até aqui estudado a personalidade humana na sua es-
consequências, que não podem ser ignoradas por quem sabe e, trutura, observando-a nas suas qualidades e funcionamento nos
por isso, não tem direito a desculpas. seus três níveis. Chegamos assim ao conhecimento do problema
Eis então que tal biótipo funciona de modo diverso dos ou- de nosso eu, examinando-o na sua posição estática. Tal fenôme-
tros dois. Ele não somente vibra pela sua sensibilidade, não so- no, porém, não se nos apresenta só neste seu aspecto, porque ele
mente pensa com a sua mente, racionalmente dirigindo os im- também é um processo em contínuo desenvolvimento. O eu não
pulsos instintivos do seu subconsciente, mas também a ilumina permanece estacionário num dos três níveis mencionados, mas,
com o conhecimento, orientando-a e dirigindo-a pelo caminho na sua evolução, vai-se movendo de um para outro, mudando
de uma conduta correta. Se o biótipo que existe no plano do com isso as suas qualidades e o seu funcionamento. Estudaremos
subconsciente ou eu inferior não conhece nem deseja conhecer, agora, como já prometemos no início deste capítulo, o fenômeno
e se o biótipo que existe no plano do consciente ou eu médio não da personalidade humana no seu aspecto dinâmico, isto é, como
conhece tudo, mas está com vontade de conhecer, o biótipo que transformismo evolutivo. Veremos então qual é o trabalho que o
pertence ao plano do superconsciente ou eu superior chegou a ser, em cada fase, tem de realizar para cumprir a sua evolução e,
satisfazer esse seu desejo de conhecimento e possui a sua verda- desse modo, progredir de um nível para outro superior. Assim,
de relativa, com a qual pode dirigir-se em plena consciência e depois de ter estudado a personalidade humana na sua estrutura,
autonomia. Então, não mais se encontrando no estado de igno- iremos agora estudá-la na técnica da sua construção.
rância, que satisfaz o primitivo, ele fica satisfeito por ter alcan- Como já frisamos no início deste capítulo, aqui desenvolvi-
çado agora um estado de sabedoria. A sua posição não é mais a do e completado agora, o subconsciente representa tudo que foi
dos mistérios das religiões, aceitos por fé cega, nem a do pesqui- vivido, o trabalho de experimentação realizado, as qualidades já
sador que, rebelando-se contra este método, procura penetrá-los assimiladas e fixadas no nível que agora representa a parte mais
e explicá-los com as descobertas da ciência, mas sim a de quem baixa, primitiva e menos evoluída da personalidade humana.
resolveu o conteúdo deles, saindo do estado de ignorância. Assim, o subconsciente abrange tudo o que foi aprendido no
É lógico que estas palavras possam soar estranhas em nosso passado, gravado na alma por longa repetição, e que agora volta
mundo, o qual se acha no nível evolutivo do consciente ou eu e continua funcionando em forma de automatismos ou hábitos
médio, onde a autonomia de juízo, porque tudo está feito para adquiridos. O fenômeno é semelhante a um projétil interplane-
funcionar em série, é olhada com suspeita e condenada como tário, que requer o esforço do primeiro impulso na fase de lan-
uma forma de revolta. Num mundo assim, é lógico se repelir çamento, mas que, depois, continua viajando no espaço auto-
como rebelde a ovelha que não permanece no rebanho, porque, maticamente, obedecendo ao impulso inicial recebido. A este
não obedecendo com disciplina, ela traz a desordem. Mas é mesmo princípio obedecem também os nossos automatismos fi-
verdade também que, apesar de tudo isto, a evolução da huma- siológicos. Na atual fase de evolução, esta parte de nossa per-
nidade está confiada a esses tipos excepcionais, pertencentes ao sonalidade fica submersa, permanecendo fora da consciência,
plano biológico do superconsciente ou eu superior. uma vez que o centro ativo da vida do homem atual não traba-
No nível do eu inferior, o ser não faz perguntas. No segundo lha mais desperto no nível do subconsciente, no qual o animal
nível, o do eu médio, o ser as faz, mas sem obter uma resposta trabalha na sua construção e, mais atrás, a planta já se constru-
convincente. No terceiro nível, o do eu superior, o ser obteve a iu. Para o homem, tudo isto deixou de ser presente e passou a
resposta e a sua aspiração foi saciada. É lógico que os seres dos constituir a história passada, representada pela zona da persona-
planos inferiores devam repelir as verdades superiores, pois, lidade na qual estão contidos os automatismos assimilados, que
não sendo ainda biologicamente amadurecidos o bastante, não chamamos instintos. Esta zona é importante também para o
as podem entender. A evolução vai colocando perante o ser, a homem, porque nela está escrita e pode ser lida a história do
cada passo, novos problemas, sempre mais difíceis, para ele re- seu passado. Trata-se de um livro impresso, acabado e fechado,
solvê-los com os seus recursos, conforme os poderes que con- depois do qual se poderá escrever outro, que continuará o pre-
quistou. O tipo que só funciona no nível do eu inferior fica sa- cedente e poderá até modificá-lo ou corrigi-lo, mas nunca pode-
tisfeito ao resolver os problemas impostos pelos instintos da rá destruir o que foi escrito na longa história da evolução. Esta
fome e do sexo, no plano físico, onde se esgota toda a sua sabe- é a parte que mais interessa à personalidade e aos métodos psi-
doria. O tipo que funciona no nível do eu médio resolve pro- cológicos para tratá-la, porque, no atual nível humano, o sub-
blemas e satisfaz desejos mais complexos, no plano mental e da consciente contém a base da personalidade, constituindo as ca-
organização social, com maior sabedoria, mas sempre cercado madas mais velhas e solidificadas, que estabelecem os alicerces
pelas trevas do mistério. O tipo que funciona no nível do eu su- dela, construídos pelo eu no seu passado, até às camadas mais
perior resolve o problema do conhecimento, atingindo a sabe- próximas do estado atual, e representando, assim, a chave im-
doria e libertando-se das trevas do mistério. Assim como o alu- prescindível para se poder entender e explicar o presente.
28 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
O consciente abrange a zona desperta e ativa das novas cons- Mais exatamente, o eu pode ser representado não apenas
truções, representando o terreno virgem em que ferve a experi- por um ponto subindo ao longo da linha da evolução, mas sim
mentação da vida, onde são semeadas as novas causas, que ge- como uma linha dividida em três partes: a parte mais adiantada
ram novos efeitos, prontos a se realizarem depois, quando esse ou cabeça, que espera e antecipa o trabalho futuro, represen-
trabalho do consciente atual pertencer ao passado, tornando-se tando o superconsciente; a parte mediana ou corpo, que está
automatismo assimilado, qualidade adquirida, instinto do sub- realizando o trabalho presente de construção, representando o
consciente. No desenvolvimento desse fenômeno ao longo do consciente; e a parte mais atrasada ou cauda, que contém ar-
caminho evolutivo, o correr do tempo coloca o presente no pas- mazenado todo o trabalho de construção já realizado, represen-
sado, transformando o futuro em presente e este, depois, em pas- tando o subconsciente. A parte na qual o ser vai explorando
sado. Isto quer dizer que o terreno, uma vez dominado pelo cons- por tentativas o futuro, experimentando o novo, é a cabeça ou
ciente, passa depois ao domínio do subconsciente, tornando-se superconsciente. A parte na qual o ser vai se apoderando des-
automatismo ou instinto, assim como o que pertencia ao super- sas experiências, fixando-as no próprio eu, é o corpo ou cons-
consciente desce ao nível do consciente, para, depois, chegar ao ciente. A parte na qual se conserva tudo o que foi adquirido e
subconsciente. A semeadura das causas se encontra sempre na está agora fora da zona do trabalho, abandonado no passado,
fase precedente, que, no processo da construção do eu, representa representando o caminho evolutivo já percorrido pelo consci-
a fase de lançamento dos impulsos, ativa e livre, enquanto a co- ente durante a subida, é a cauda ou subconsciente.
lheita dos efeitos se encontra na fase seguinte, na qual aparecem Segue-se que, relativamente a um dado nível de evolução, o
os resultados, sendo ela obrigatória, imposta pela Lei, que se ser pode se encontrar em três posições diferentes: no supercons-
apodera daqueles impulsos para levá-los fatalmente até às suas ciente, no consciente ou no subconsciente. Isto quer dizer que,
consequências. É assim que, no consciente atual, vemos emergir, em relação ao ser, o conteúdo de um dado nível de evolução po-
em forma de qualidades nossas, impulsos instintivos e ideias ina- de se apresentar de três maneiras: 1) Como antecipação intuitiva
tas axiomaticamente aceitas, resultantes de nossas vidas passa- e primeira tentativa de atuação; 2) Como trabalho de aquisição
das, fruto do que aprendemos nela com a nossa experimentação. de novas qualidades; 3) Como qualidade adquirida. No 1 o caso,
Então, para entender o fenômeno da personalidade humana, o nível está situado na posição de superconsciente em relação ao
é necessário conhecê-lo não apenas no seu aspecto estático, ser, representando o futuro, de cuja realização o ser procura cada
como estrutura, mas também no seu aspecto dinâmico, ou vir-a- vez mais se aproximar. No 2o caso, o nível não representa mais
ser, como realização do trabalho de construção da personalida- o futuro, mas sim o presente, para cuja realização o ser está tra-
de. É necessário entender que o eu é um edifício cuja constru- balhando na posição de consciente, porque, por evolução, subiu
ção o esforço evolutivo do ser vai executando aos poucos, um até lá. Neste nível, anteriormente acima do seu entendimento, o
andar após o outro, num longo processo, realizado através de ser está agora ativo e consciente, realizando um trabalho de as-
imensos períodos de tempo, no qual ocorrem mudanças na for- similação do conteúdo daquele mundo superior, que antes repre-
ma de existência e no gênero de experiências, sempre subindo e sentava o superconsciente. No 3o caso – que tomamos como
se aperfeiçoando, até conquistar novamente as qualidades per- ponto de referência deste processo evolutivo – o nível, depois de
didas pela queda, necessárias para voltar a ser cidadão do S. ter constituído o futuro e em seguida o presente, representa ago-
Enquanto não possuirmos esta orientação universal, não coloca- ra o passado, fixado na personalidade como qualidade adquirida,
remos no seu devido lugar o fenômeno da personalidade huma- assimilada pela experimentação da vida, de modo que o seu con-
na, da qual, assim, pouca coisa poderemos entender. teúdo, tendo sido uma vez o superconsciente, para tornar-se de-
Para o atual biótipo humano, o superconsciente representa pois consciente, existe agora gravado no subconsciente, mani-
uma fase de evolução ou nível biológico ainda a explorar e festando-se na forma automática de instinto.
conquistar, que hoje é atingido somente por alguns isolados e Assim, a evolução realiza uma contínua conquista do su-
fora de série, pioneiros do porvir, como os heróis, os gênios e perconsciente, efetuada através do trabalho de aquisição que se
os santos. Esta fase, porém, terá de ser atingida pela humani- opera na fase ativa do consciente. Isto nos mostra qual é a fina-
dade, porque representa seu estado futuro, para onde fatalmen- lidade da vida e a importância da experimentação que ela nos
te levará a evolução. Tudo depende do nível em que o ser está constrange a realizar. O ser existe para evoluir e, assim, colo-
situado, no qual ele trabalha na sua fase ativa e consciente de car-se em planos de existência cada vez mais adiantados, pro-
assimilação das experimentações da vida. Chamamos de sub- gredindo deste modo do AS para o S. Este é o processo pelo
consciente o nível biológico em que o primitivo está situado, qual se realiza a subida do ser ao longo do caminho da evolu-
funcionando vivo e ativo. Chamamos de consciente o nível em ção. Parece um processo de descida do superconsciente até ao
que se encontra o homem atual. E chamamos de superconsci- subconsciente, mas trata-se na verdade de um processo de su-
ente o nível em que está o super-homem. Cada um vive e tra- bida do ser, que, transformando-se através da vida, desloca-se
balha para a construção do próprio eu num plano ou altura para níveis evolutivos preestabelecidos, ascendendo do inferior
evolutiva diferente, que é estabelecido pelo seu próprio nível e para o superior. É tarefa das religiões e da ordem social educar
lhe pertence conforme sua natureza. Assim, todos os seres vão o indivíduo para que ele adquira as qualidades de um nível su-
aprendendo a sua lição, cada um de uma forma diferente, expe- perior, transformando-as em hábitos através de longa repeti-
rimentando o que lhe é mais útil e adaptado. ção, para que fiquem gravadas na sua personalidade, em forma
Com o progresso desse fenômeno verifica-se que a posição de instinto do subconsciente.
ou estado de consciente do ser, isto é, o ponto em que, ao longo Esta é a técnica da construção do eu, representando uma lei
da escala da evolução, ele está vivo e ativo, trabalhando na cons- geral, que funciona em todos os níveis da evolução e para todos
trução do seu eu, sobe do nível subconsciente ao consciente e os seres. A posição de cada um é relativa aos níveis que lhe são
deste ao superconsciente. Assim, o que para ele constitui super- superiores ou inferiores. Portanto o que para um ser inferior re-
consciente torna-se depois consciente e, por fim, subconsciente. presenta o superconsciente ainda a atingir no futuro, pode cons-
Em outras palavras, o ser não só vai despertando num plano tituir para um ser superior o subconsciente instintivo, pois já foi
evolutivo cada vez mais adiantado, tornando-se vivo nele, cons- assimilado no seu caminho evolutivo passado.
ciente e ativo, mas também vai armazenando na sua personali- Assim, quando um ser nasce, seja planta, animal ou ho-
dade, em forma de qualidades adquiridas, o fruto do seu traba- mem, demonstra conhecer tudo quanto é necessário para de-
lho. É nesse processo de experimentação e fixação dos seus re- fender a sua vida, pois, qualquer que seja seu nível, ele possui
sultados que consiste a técnica da construção da personalidade. armazenado em si o fruto das experiências das suas vidas pre-
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 29
cedentes. Mas, através de seu contínuo viver, o ser vai trans- Neste caso, falar em criação tirada do nada quer dizer con-
formando a sua ignorância em sabedoria e completando cada trapor um estado positivo de existência a um oposto estado ne-
vez mais o seu conhecimento, para encontrar condições de vi- gativo de não-existência da substância, e não apenas contrapor
da diferentes, que apresentam todas as oportunidades de de- duas formas diferentes da mesma substância. Admitir tal cria-
senvolvimento. E as exigências das novas formas de vida nos ção originada do nada significa admitir em Deus a coexistência
níveis mais adiantados continuam sempre ensinando, numa de dois estados opostos, isto é, a cisão da unidade no dualismo,
longa evolução, em que a aprendizagem nunca pode parar. E o que é estado somente da criatura rebelde decaída e que, portan-
ser, cada vez que nasce novamente, leva consigo a síntese des- to, não pode existir em Deus, pois, caso contrário, Ele estaria
tilada das suas experiências passadas, que se tornaram lição dividido contra si mesmo. É o maior dos absurdos pensar que a
inesquecível, porque aprendida à sua custa, com o seu sofri- unidade de Deus possa ficar despedaçada. Aceitar o dualismo
mento, ficando gravada na própria alma. fora do terreno gerado pela queda da criatura, reservado so-
Explica-se assim como que o indivíduo, nascendo, traz mente a esta, é politeísmo.
consigo uma personalidade já feita. Os psicólogos e psicana- Deus é uno e existe no positivo. O negativo não pode exis-
listas não se perguntam de onde ela vem, quem a construiu ou tir em Deus, mas só no universo corrupto e decaído, que contra
porque ela se apresenta agora desta maneira, e não de outra. Ele se rebelou, ficando assim emborcado negativamente. Se
Mas, também no plano fisiológico, vemos que a vida, na sua Deus significa existir e o nada é a negação da existência, ou
forma atual, repete e resume as suas fases evolutivas já per- seja, de Deus, então em Deus não pode existir a negação Dele
corridas, das quais esta é a consequência (a ontogênese repete mesmo. Ora, Deus, criando tudo do nada, teria tirado tudo de
e resume a filogênese). O processo da formação da personali- uma negação Dele mesmo, a qual, por isso, não pode existir.
dade não está situado fora da vida e, por isso, não pode ser re- Como pode Deus ter derivado tudo de uma coisa que Nele não
gido por outras leis. E vimos que ele se realiza pela técnica da podia existir, a qual não podemos conceber senão em função
descida das experiências do consciente no subconsciente. A do que apareceu depois, em consequência da revolta e da con-
evolução psíquica e a evolução orgânica morfológica estão li- sequente queda da criatura?
gadas, porque constituem o mesmo processo evolutivo. Uma E não é possível pensar em um nada existindo além de
não pode de ser isolada da outra, porque a evolução morfoló- Deus, fora Dele, porquanto Deus é tudo o que existe, sendo
gica nada mais é senão a expressão exterior da evolução do impossível existir coisa alguma além ou fora Dele, pois, se as-
princípio espiritual, que constrói para si mesmo, regendo-o, o sim fosse, haveria alguma coisa que não é Deus e, então, Deus
seu organismo no plano físico. não seria mais Deus. Ele é um infinito que abrange tudo, ao
A lógica de todo esse processo evolutivo psicofísico nos qual nada se pode acrescentar nem tirar. Não é possível conce-
constrange a admitir, em paralelo à série das formas sucessivas, ber existência alguma além e fora desse infinito. Não! Quem é
uma série de existências sucessivas, nas quais o princípio espiri- tudo o que existe não pode encontrar a primeira origem de tu-
tual daquelas formas vai-se elaborando, tornando-se capaz de do senão dentro de si mesmo, o que significa neste caso um es-
construir tipos cada vez mais adiantados. Por isso, quando fala- tado de positividade dentro do qual não há lugar para nenhum
mos de evolução orgânica, não podemos deixar de falar também conceito de negatividade. Mas como pode entender isto o ho-
de evolução do princípio espiritual gerador dela, o que implica a mem, se, pela sua forma mental, filha do seu mundo relativo,
necessidade de existências sucessivas, ou seja, reencarnação. ele não pode conceber a criação senão como uma transforma-
◘◘◘ ção de um estado em outro?
Como já foi mencionado, falamos bastante da teoria da re- Como pode o nada ter constituído a primeira fonte de onde
encarnação no fim de nosso livro Problemas Atuais, mas te- foi derivada a criação, se ele representa a não-existência? A
mos de retomá-la aqui porque, sem ela, não podem ser enten- sombra pode ser um efeito ou uma consequência da luz, mas
didos o fenômeno da personalidade humana e, sobretudo, a não a luz um efeito ou uma consequência da sombra. O que
técnica da sua construção. Quem não compreendeu que essa existe primeiro é a luz, da qual depende a existência da sombra,
teoria faz parte da técnica da evolução – fenômeno fundamen- e não a sombra, da qual não depende a existência da luz. No
tal no universo – não pode praticar uma psicanálise verdadeira plano das primeiras causas, quando não há outro positivo ante-
e completa. Sem tal conhecimento, a psicanálise é incompleta, rior, o negativo não pode ser o antecedente do positivo. Do
pois permanece limitada apenas à vida atual, que se torna mu- conceito do nada não pode ser derivado o conceito do existir.
tilada sem o seu passado, unicamente onde é possível encon- De um pai que não existe, não pode nascer um filho que existe.
trar as causas do estado presente. No terreno do absoluto, onde se trata da substância em si, e não
O que mais nos desvia da compreensão do fenômeno é a de mudança de forma, o não-existir não pode gerar o existir.
afirmação não provada de que o espírito seja gerado, por uma A primeira fonte de tudo o que existe não pode ser senão
criação tirada do nada, no momento do nascimento físico do Deus, que é o existir. Somente depois, em função desta existên-
corpo. Ora, tal afirmação é completamente antropomórfica, de- cia, pode nascer a sua posição inversa, que é o nada, assim co-
rivada não de Deus, mas do relativo e do transformismo em que mo do S pode nascer o AS, mas do AS não pode nascer o S, se-
o ser existe. Pela sua forma mental, fruto do seu estado e inex- não no sentido de reconstrução de um S desmoronado, que já
periência, o homem sabe que, para criar o novo, este deve ser existia anteriormente. Ora, o homem pensa que seja possível
tirado de um estado precedente de inexistência, que ele chama uma criação derivada do nada exatamente pelo fato de possuir a
de nada. Mas trata-se apenas de um nada relativo, pois este é forma mental de quem está situado no AS. É lógico que o cida-
formado pela mesma substância, que tinha outra forma antes de dão do AS conceba tudo ao contrário. Esta é a razão pela qual o
ser transformada em uma nova forma pela criação do homem. homem, atribuindo antropomorficamente a Deus as suas quali-
Para Deus, no entanto, situado fora do relativo e desse vir-a- dades, concebe a criação às avessas, sendo isto equivalente a
ser que muda uma forma em outra, não pode existir um nada dizer que a sombra não é consequência da falta de luz, mas sim
concebido assim. Em Deus, diferente do que acontece com o que a luz é gerada pela ausência da sombra. Esta é a concepção
homem, o nada não pode ser entendido como um estado de emborcada do rebelde, na qual o centro e a gênese foram deslo-
não-existência da nova forma, que é tirada da anterior por trans- cados da positividade na negatividade, da luz nas trevas. Trata-
formação. Deus existe e opera no absoluto, e não no relativo. se de uma concepção luciferiana, que está nos antípodas da ori-
Então, quando falamos do nada com relação a Deus, temos de ginária divina. Então não é Deus que tira tudo da sua positivi-
entendê-lo em sentido absoluto, e não relativo. dade, mas é o ser rebelde que tira tudo da sua negatividade. É o
30 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
egocentrismo do ser que prevalece sobre o de Deus, procurando tão não temos mais somente vida, mas sim uma mistura de vida
substituir-se a Ele. Eis de onde sai tal concepção da criação de- e morte, num estado de dualismo e contradição entre dois ele-
rivada do nada, segundo a qual a obra de Deus se torna um ab- mentos opostos. Essa contínua mudança de posição constitui a
surdo. Tudo isto não pode ser senão produto do AS. base do transformismo evolutivo, que se realiza oscilando do
O conceito negativo do nada e da criação a partir dele não polo positivo ao negativo do existir, para transformar as quali-
podia existir dentro do infinito de Deus – que era todo positi- dades negativas do AS nas positivas do S. Se o processo invo-
vidade na hora da criação – mas só pôde nele aparecer depois, lutivo gerou a morte, a tarefa do processo evolutivo é construir
como AS, isto é, na parte do infinito positivo de Deus que, de novo a vida. Eis como encontramos assim, a cada passo, es-
com a revolta, tornou-se corrompida, emborcando-se ao nega- tes dois termos, que fundamentam a reencarnação.
tivo no AS. Ora, com a ideia da criação tirada do nada, o ho- Se, em nosso universo, a existência toma a forma de mu-
mem, pelo fato de pertencer ao AS, desejaria atribuir a Deus, dança alternada entre vida e morte, oscilando sempre de um pa-
na obra maior da criação, uma ideia negativa, que só pode ra outro destes dois polos, eis que o conceito de reencarnação
existir no AS, como produto da revolta do ser contra Deus. O está no centro do plano e da técnica funcional do fenômeno da
homem, na sua ignorância de decaído e na sua posição de re- evolução do universo. A cada passo, morte e reencarnação. Não
belde, só possuindo esta concepção negativa, atribui tal ideia há outra maneira para realizar o transformismo evolutivo. A
também a Deus, fazendo dela, que representa a destruição, a morte representa o emborcamento da vida, devido à revolta. A
base da criação. E não importa se isto é um absurdo, pois este vida representa o S, que vai se reconstruindo com a evolução. A
conceito de criação tirada do nada continua dominando no positividade do S, ou vida, que se emborcou ao negativo, com a
mundo, sendo uma ideia inerente à forma mental do homem, queda no AS, gerando a morte, vai-se endireitando ao positivo,
que consegue assim dar ao problema da criação uma resposta com a evolução para o S, reconstruindo a vida. Eis que a técni-
facilmente concebível para ele, aceitando-a por isso. ca da reencarnação se enxerta em cheio no processo evolutivo,
Tivemos de esclarecer esse conceito da criação tirada do na- base do transformismo, que representa a condição de renovação
da porque dele deriva um outro, ou seja, o da criação da alma no para a salvação, sem a qual não se pode voltar a Deus.
momento do nascimento do corpo, por uma gênese a partir do Tudo isto é evidente. No quadro do plano do universo, a re-
nada. Isto quer dizer que, neste momento, Deus tira a alma de encarnação representa a única ideia que pode completar o dese-
um precedente estado de não-existência, que, como já vimos, nho. Voltamos a este assunto da reencarnação porque agora,
não se pode encontrar Nele, que é todo o existir, nem além ou após termos desenvolvido outros problemas, podemos resolver
fora Dele, que é tudo o que existe. Assim, criação e nada repre- este ainda em maior profundidade, como nos permite o novo
sentam duas ideias que não podem ficar juntas, porque a segun- amadurecimento hoje atingido 1.
da aniquila a primeira. Se tentarmos entender tal nada não em Se não houvesse uma vida precedente, onde cada um seme-
sentido absoluto, mas apenas relativo à alma, isto é, num seu es- asse para si as causas da vida atual, quão grande seria a injusti-
tado de não-existência como individuação separada, enquanto ça de Deus, ao criar seres que, sem uma culpa sua precedente,
ela já existia no seio de Deus, do qual se destacaria no momento ficariam condenados a uma vida de sofrimento! Quando preci-
do nascimento do corpo, então chegamos a outro absurdo. Neste samos do máximo de experiência adquirida para enfrentar o fu-
caso, a criação constituiria apenas uma mudança de forma, pela turo, não a temos, porque ainda somos jovens, porém a possuí-
transformação da mesma substância de Deus de um estado não mos ao máximo na velhice, quando, devido à proximidade da
individualizado em um individualizado. Ora, tratando-se da morte, não precisamos mais dela. Qual a justificativa lógica pa-
mesma substância, cada alma deveria possuir as mesmas quali- ra isto? Só a reencarnação pode dar a explicação, admitindo que
dades de Deus, no entanto isso não acontece, como podemos ve- o fruto da lição, resultado da aprendizagem, seja utilizado na
rificar na forma em que a alma aparece no mundo, apresentando vida seguinte, quando não o pode mais ser na atual. E, de fato, a
não as qualidades de Deus, mas sim opostas, anti-Deus, as quais juventude é dirigida mais pelo produto instintivo do subconsci-
nos revelam um precedente bem diferente, constituído de uma ente do que pelo raciocínio, que só aparece na maturidade.
longa experiência no relativo e uma imensa ignorância do abso- ◘◘◘
luto. Concluindo, se não quisermos nos perder no absurdo, te- Encerrada esta breve digressão sobre a reencarnação, vol-
remos de aceitar a teoria da reencarnação, não importa qual seja temos ao assunto precedente. Os conceitos desenvolvidos por
o lado pelo qual olhemos o problema. nós até aqui permitem entender muitos fatos que, de outro mo-
Provas que confirmam essa teoria nos chegam também de do, ficam sem explicação. Vemos que os indivíduos nascem
outras partes. Qual seria o objetivo de uma alma assim imper- com uma personalidade própria já feita. Mas quem a fez? Há
feita e mal feita, nascida da perfeição de Deus e destinada a quem nasce mau, quem nasce bom, quem nasce pacífico, quem
voltar a Ele, ter de atravessar uma só e, portanto, breve experi- nasce agressivo, quem nasce estúpido, quem nasce inteligente.
ência terrestre, que quase nada ensina, cheia de perigos, com Outros nascem ladrões, assassinos, artistas, cientistas, heróis ou
uma grande probabilidade de acabar nos antípodas do ponto santos. Por que isso? O ambiente e a educação não mudam o ti-
que deve atingir? Não há dúvida sobre o fato de vivermos num po fundamental da personalidade, que, apesar de ser no aspecto
mundo que é a negação de Deus, onde triunfa o mal, e não o exterior filha dos seus antepassados, contém sempre qualidades
bem. Não será, então, uma tal experiência feita mais para nos próprias, que a diferenciam dos outros. Uma vez que o destino
afastar de Deus do que para nos levar de volta a Ele? E do seio do indivíduo depende de tudo isto, significando assim uma vida
de quem teria saído um tal mundo infernal? de satisfação ou de desespero, com todas as suas consequências
Outra prova da reencarnação a encontramos no binário vida na vida futura, não se pode deixar tal fato sem explicação, sob
e morte, dois elementos fundamentais do processo evolutivo. A domínio do mistério e dos impenetráveis desígnios de Deus,
vida representa o S; a morte, o AS. Eles são indispensáveis, porque as consequências são nossas e nos queimam. Para ser-
como dois polos insupríveis entre os quais oscila a existência mos julgados responsáveis por nossa conduta, temos de conhe-
do ser no seu estado de decaído. Toda a técnica da evolução, cer aquilo que tão de perto nos pertence. Com as suas qualida-
que significa a destruição do universo do AS e a reconstrução des, a personalidade revela o seu passado.
do universo do S, baseia-se nesta contínua oscilação vida- Vivemos para construir o nosso eu, e cada um o constrói
morte. O existir, na forma encontrada hoje por nós em nosso como quer, mas depois fica cristalizado naquela forma, como
universo, não é puro e íntegro como no S, mas fica manchado
1
pelo seu princípio oposto, a morte, que é a negação da vida. En- Ver no livro O Sistema.
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 31
uma estátua, até realizar outro trabalho para modificá-la. A es- no diferente, conforme aquilo que semeou no seu passado. Des-
tátua construída representa o subconsciente; a estátua em cons- se fato derivam os choques entre os biótipos que não são iguais,
trução, na qual se trabalha, representa o consciente; a nova está- porque cada um é filho de uma dada experimentação. Conhecer
tua que poderá ser produzida por esse trabalho representa o su- tudo isto é importante para saber quem somos e o que nos espe-
perconsciente. Assim, tudo é lógico e compreensível. Os psica- ra na vida. Mas filosofia, ciência e religiões ignoram tudo isto,
nalistas, que falam tanto de subconsciente, não se preocupam embora este conhecimento seja fundamental para viver com in-
em explicar como ele nasceu e se construiu, nem em saber qual teligência, sem desperdiçar as energias em tentativas, erros e
o fator que o fixou na sua forma atual, desinteressando-se de correlativos sofrimentos, como em geral acontece.
tentar enquadrar tal fenômeno numa visão filosófica que o ex- Em resumo, o homem, na sua vida terrena, possui três fon-
plique e justifique em função da fenomenologia universal. tes de conhecimento e de impulsos, que o dirigem conforme a
O nosso sistema orienta perfeitamente esse fenômeno den- sua natureza: 1) O subconsciente, que oferece em síntese o re-
tro do plano geral da existência, fundamentando-se na evolução sultado final das operações já realizadas nas vidas passadas,
e reconstrução do eu que, depois de ter descido no período in- mas sem mostrar racionalmente o seu conteúdo, pois não anali-
volutivo, sobe do AS para o S, voltando assim ao ponto de par- sa nem procura entender ou explicar, limitando-se apenas a re-
tida: Deus. Dessa forma, subconsciente, consciente e super- petir inconscientemente a lição aprendida, conforme as quali-
consciente não são senão três posições mais ou menos adianta- dades adquiridas. Esta é a zona de onde são enviados de volta
das ao longo do caminho da evolução do eu, que vai do AS pa- os impulsos com os quais o eu foi formado no passado; 2) O
ra o S. Trata-se, então, de três estados sucessivos de desenvol- consciente, que pensa, observa e quer entender o que está sendo
vimento. Podemos, assim, entender que eles representam três feito e porquê, constituindo a fase racional, que, erguendo-se
níveis: o emotivo, o racional e o intuitivo, situados um acima acima da precedente, instintiva animal, surge com a inteligência
do outro, cujos significado e função se explicam em relação ao do homem. Este é o nível em que aparecem a filosofia e a ciên-
plano universal da existência. cia; 3) O superconsciente, que revela ao homem, em lampejos
É verdade que cada ser, nascendo, possui uma sabedoria já de intuição, fases de evolução superiores, pertencentes ao futu-
pronta, apta a satisfazer as exigências de sua vida. Cada orga- ro para ele. Esse é o plano das revelações das religiões, assim
nismo físico possui um organismo psíquico proporcional para como das novas descobertas da ciência.
dirigi-lo. Isto em todos os níveis, inclusive nas plantas. Como Portanto subconsciente, consciente e superconsciente não
foi construída esta sabedoria, adaptada à vida terrestre do indi- são somente três níveis de desenvolvimento do eu, mas também
víduo? Diz-se que essa sabedoria é fruto do instinto. Mas co- representam, cada um deles, uma fonte diferente de conheci-
mo, então, nasceu o instinto? Trata-se de uma sabedoria parti- mento e de impulsos para se dirigir na vida. Assim o homem
cular, específica, proporcionada ao ambiente onde o indivíduo, pode ser movido pelos instintos do animal (a conquista já reali-
seja planta, animal ou homem, tem de viver. Então esse instin- zada, para sustentar a vida), pelo raciocínio e pela inteligência
to deve ter-se formado no mesmo ambiente, porque hoje se (o trabalho de conquista atual, para fixá-la), ou pela inspiração,
apresenta como resultado de experiências do mesmo tipo das com a qual a verdade é percebida por homens excepcionais,
atuais, que o ser demonstra conhecer desde o nascimento, mais evoluídos, originando as revelações das religiões (o traba-
quando ainda desconhecia a vida presente. Quem ensinou aos lho de conquista a realizar no futuro, para progredir).
animais a andar e voar? Quem ensinou às feras a arte da luta, Cada indivíduo funciona vivo e ativo num ou noutro desses
aos fracos a estratégia da fuga ou da astúcia, às fêmeas as pro- níveis, conforme o seu grau de evolução. Entre indivíduos do
vidências da maternidade e da criação, dando a cada um uma mesmo nível não ocorre conflito de sistemas, e a compreensão
técnica sua particular proporcional ao ambiente e aos meios de é fácil. O choque, porém, é intenso entre indivíduos de níveis
defesa, tudo para que tanto o indivíduo como a espécie possam evolutivos diferentes, que praticam sistemas e falam linguagens
sobreviver? Tudo isto, como já dissemos, não pode ter sido diferentes. Então ambos, um não entendendo nada do outro,
aprendido senão em vidas precedentes. condenam-se reciprocamente. Uma vez, porém, que a imensa
Vemos que os seres do mesmo tipo repetem as mesmas coi- maioria se encontra no mesmo nível animal, o entendimento
sas em série, com o mesmo método e estilo. Isto porque, ao entre os indivíduos se desenvolve até atingir um pensamento
nascer, eles não têm de aprender uma sabedoria nova, mas ape- comum, que constitui o chamado subconsciente coletivo, pelo
nas relembrar o seu passado, para continuarem a ser dirigidos qual é possível realizar uma concordância mútua, tal como
pelo que já sabem e, ao mesmo tempo, aperfeiçoarem esse co- acontece nos hábitos sociais, nas eleições do sistema represen-
nhecimento, levando-o consigo ao longo do caminho da evolu- tativo, na aceitação e aplicação das leis civis e religiosas etc.
ção. Se tantas vidas diferentes, espalhadas no tempo, vão repe- Disto se segue que a vida coletiva se baseia mais no sub-
tindo as mesmas coisas, isto mostra que se trata da mesma li- consciente do que no consciente, obedecendo assim mais a uma
ção, repetindo-se na mesma escola. Se houvesse só uma vida, ética empírica-instintiva do que a princípios racionais, produto
cada uma deveria ser independente da outra. da inteligência. E isto a maioria faz com pleno convencimento,
Tudo isto se confirma quando verificamos que a natureza conforme a sua assim chamada consciência, porque a mais axi-
também utiliza o método de derivar tudo de um respectivo pre- omática e indiscutível verdade é aquela afirmada pelos instin-
cedente, aperfeiçoando-o por meio da repetição. Diz-se que a tos, que representam o produto das experiências mais antigas e
natureza não dá saltos. E, de fato, vemos que ela realiza a evo- mais profundamente assimiladas. Mas que verdades pode con-
lução por meio de um transformismo lento e gradual. Tudo o ter o subconsciente senão aquelas mais elementares da vida,
que foi aprendido fica armazenado no subconsciente, que repre- necessárias para vencer na luta para a sobrevivência? Trata-se,
senta a base do conhecimento sobre a qual se constrói o novo. então, apenas da sabedoria da força e da astúcia, que é aquela
Os alicerces da personalidade estão no subconsciente, e deles sempre encontrada de fato em nosso mundo. Não se pode exigir
depende o novo edifício que, com a evolução, sobre eles temos que o homem pratique uma lei superior à do seu plano biológi-
de levantar. Daí a grande importância do subconsciente no es- co, nem se pode pensar que ele não esteja convencido, com to-
tudo da personalidade humana. da a sinceridade, que tal método de vida é o melhor e represente
É assim que cada um traz consigo o seu passado, razão pela o ideal maior, porque a experiência passada e presente lhe con-
qual nascem personalidades diferentes, cada uma com os seus firmam a cada passo ser esse, na prática, o método mais rendo-
impulsos e qualidades próprias, conforme o que foi experimen- so para sua defesa e vantagem. Isto é provado pelo fato de que,
tado e aprendido por ela. Por isso cada um nasce com um desti- em nosso mundo, quem segue um superior ideal espiritual é jul-
32 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
gado um ingênuo desconhecedor da realidade da vida. E não é raciocínio, mas apenas sugestionado por impressões. Age não
esta a lição que, sob pena da própria vida, o homem teve de por entendimento seu, mas por imitação do que fazem os ou-
aprender à sua custa e que, também à própria custa, terá de tros. Não se interessa pelos efeitos de longo prazo, mas somen-
aprender o idealista ao descer em nosso mundo? Se o biótipo do te pelos resultados imediatos. O que mais o convence é a lin-
nível animal tem de viver nesse mundo e se, para sobreviver aí, guagem dos sentidos, relativa ao seu prazer ou ao seu sofri-
ele precisa desta sua forma mental, como se pode exigir, então, mento. Estes são para ele fatos bem concretos, porque bastante
que ele possua outra? O próprio sistema representativo chega a perceptíveis, além dos quais tudo é um imenso mistério, onde
ponto de confiar a escolha dos melhores – pelos quais a nação ele sabe que não pode penetrar. Assim, para ser entendido por
deveria ser dirigida – à maioria, constituída pelo tipo inferior de tal indivíduo, é necessário usar a sua linguagem, que é dada
homem, que é exatamente o menos competente para tal escolha, pelo seu lucro ou seu dano, prêmio ou pena, paraíso ou infer-
pois não pode entendê-los, e que deveria, pelo contrário, ser di- no. Esta é a linguagem que o nosso mundo usa para dominar e
rigido por uma classe de indivíduos mais adiantados. Este seria impor obediência e ordem. Não há lei religiosa ou civil que te-
o caminho mais lógico e curto para evoluir. Mas quem admite nha valor, se não for sustentada pela força para punir o trans-
tais princípios e está preparado para aplicá-los? gressor. O nosso mundo zombaria de um governo sem tribu-
A lição aprendida pela massa humana em suas vidas prece- nais, polícia e cadeias, assim como desdenharia uma religião
dentes não é senão o que a história nos conta sobre os feitos dos sem inferno ou seus equivalentes. O biótipo desse nível obede-
homens do passado. Este é o ensinamento que agora volta para ce apenas ao mais forte, que tem o poder nas mãos e, por isso,
dirigir a conduta atual. Eis a tremenda realidade da vida, escon- pode fazer-lhe bem ou mal. Para ele, o fraco não merece res-
dida atrás das aparências das leis civis e religiosas, através das peito algum, devendo, pelo contrário, ser escravizado.
quais o homem pretenderia ser civilizado. No fundo da alma fi- O biótipo mais adiantado, o chamado tipo civilizado que o
cou gravada uma verdade bem diferente, que a dura experiência homem deveria ser, vive no nível do consciente, falando e en-
lhe ensinou. Aprendeu-se então não só a mentir e a desconfiar, tendendo a linguagem da razão. Mais do que sugestionado por
o que constitui boa parte da vida social, mas também a temer o impressões, ele pode ser convencido pelo raciocínio. Não segue
próximo, que representa um inimigo natural. Eis que o estudo os outros por imitação, mas procura saber porque ele tem de
psicológico da primeira origem das nossas ideias nos dá a cha- agir desta ou daquela maneira. Enxerga mais longe, além dos
ve para entender a nossa vida social. simples resultados imediatos, prevendo, observando, analisando
É lógico que, em tal mundo, a ordem não possa ser senão o e calculando. Acima da linguagem dos sentidos, entende o raci-
resultado de uma disciplina sustentada pela força. E, de fato, ocínio de sua mente, com a qual controla a sua conduta, para
vemos que, tão logo tal controle fique impedido ou seja suspen- atingir com maior segurança o seu benefício e fugir do seu da-
so, imediatamente aparece a ferocidade do guerreiro, sempre no. Para dirigir esse homem não basta o medo do fracasso ou a
pronto para a revolta. Por isso o mundo precisa de leis, tribu- esperança de vantagem, mas é necessário convencê-lo de que
nais e cadeias, para ensinar à força, com os velhos métodos, tudo representa de fato o seu interesse e corresponde a um prin-
hábitos novos. Ao menor sinal de fraqueza das classes dirigen- cípio de equidade. Para ele, não é mais mistério a vida, que a
tes, as camadas inferiores mais involuídas estão sempre prontas ciência começa a desvendar. Tal homem, controlado pelo pen-
a se rebelar, mostrando assim o que elas são de fato. A lição samento, não pode mais, como o biótipo precedente, ser domi-
aprendida no passado lhes ensinou que é mais seguro desconfi- nado somente pela força, no entanto ele a respeita pela vanta-
ar do que acreditar de boa fé, porque, atrás das pregações das gem material que pode usufruir, pois ela representa um poder
várias filosofias, religiões e poderes políticos, o elemento do- econômico, bélico, político e social. Assim os impulsos funda-
minante, constantemente aninhado no fundo delas, era na práti- mentais da vida permanecem os mesmos do nível precedente.
ca, apesar das teorias, a má fé, a tentativa de engano e a explo- O biótipo ainda mais adiantado, o homem superior, excep-
ração da ingenuidade. Eis a realidade que aparece, quando cional em nosso mundo, vive no nível do superconsciente, fa-
olhamos o nosso mundo não por fora, mas por dentro. Eis a lando e entendendo a linguagem da verdade. Ele não age suges-
verdade que um exame psicológico dos fatos nos descortina. tionado por impressões ou somente pelo raciocínio, mas guia-se
pelo conhecimento que possui do sentido da verdade. Não fun-
V. OS TRÊS BIÓTIPOS TERRESTRES ciona por imitação ou calculando com o raciocínio, mas porque
já sabe que deve agir de uma determinada maneira, e não de ou-
Somente depois de ter explicado no capítulo precedente tra. A sua vista vê tão longe, que abrange a sua existência na
qual é a estrutura da personalidade humana e, sumariamente, a eternidade, em função do todo. Acima da linguagem dos senti-
técnica da sua construção, é possível enfrentar agora o proble- dos e da mente, ele entende a linguagem das coisas, das quais
ma do destino, que, contendo e nos revelando a lei do desen- intui por visão interior o sentido profundo. Esse homem não é
volvimento da personalidade, somente pode ser entendido neste dirigido pela simples reação sensória, como no nível do sub-
sentido, isto é, como processo evolutivo do eu. consciente, ou pela análise racional do seu cérebro, como no
O estudo que fizemos até aqui do fenômeno da personalida- nível do consciente, mas sim por uma autonomia de julgamento
de humana, em relação ao seu conteúdo, qualidades e funcio- e orientação que é consequência do conhecimento, qualidade de
namento, observando nele o transformismo evolutivo em seus quem vive no nível do superconsciente. Quando não há mais
três momentos, como subconsciente, consciente e superconsci- trevas de mistério, só pode haver um único caminho, pelo me-
ente, mostra-nos que a cada um destes três níveis de desenvol- nos nas linhas gerais, para o homem, e este será o caminho cer-
vimento do eu corresponde um respectivo biótipo humano. Pas- to. Assim vive tal biótipo, sem querer dominar, não precisando
semos então a observá-los, a fim de nos encaminharmos à com- de provas racionais para entender e ser convencido, pois já
preensão do fenômeno do destino. atingiu o conhecimento e possui a verdade.
A sensibilidade, o conhecimento e a capacidade de enten- Para melhor esclarecer o nosso pensamento, observemos
der do indivíduo, fatores determinantes do seu tipo de vida e mais de perto esses três casos. No nível do subconsciente ou
destino, dependem da sua natureza, que corresponde ao nível plano animal, a direção da vida é realizada pelos dois instintos
evolutivo no qual o seu eu vive e funciona. Cada um possui e fundamentais: a fome, que garante a continuação do indivíduo,
somente entende a linguagem do seu plano biológico. O primi- e o sexo, que garante a continuação da raça. Estes são os im-
tivo, que vive no nível do subconsciente, fala e entende somen- pulsos básicos que dirigem o ser primitivo. Sobre esta base
te a linguagem das emoções, não podendo ser convencido pelo apoiam-se as paixões elementares que movimentam o elemen-
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 33
to deste nível. Quando ele satisfaz a fome e o sexo, fica satis- que deve dirigir, a maior necessidade é um rebanho de ovelhas
feito, não entendendo nem procurando outra coisa, porque obedientes. Não se pode esquecer em que mundo vivemos. Nele,
atingiu o seu objetivo principal: viver. que está cheio de gente querendo possuir e mandar, é lógico en-
No nível do consciente, apoiado nestes dois instintos bási- tão que seja a coisa mais agradável e desejada encontrar quem,
cos, inicia-se, no primeiro caso, e levanta-se a construção do renunciando à posse e ao poder, substitua estes dois impulsos
edifício da propriedade, da riqueza e das correlativas proteções pelas virtudes da pobreza e da obediência.
legais, através das posições sociais, das honras, do poder religio- Esta é a razão pela qual São Francisco foi glorificado por
so e do poder político, acrescentados ao redor do eu para aumen- um mundo que está nos seus antípodas. Talvez, na providência
tá-lo, enquanto, no segundo caso, levanta-se a construção do de Deus, não houvesse outro meio para que seres situados no
edifício da família, para a defesa da mulher e dos filhos, estabe- nível evolutivo do subconsciente instintivo pudessem, no seu
lecendo direitos e deveres na conduta, na propriedade, na heran- ambiente, aceitar um biótipo tão diferente deles, pertencente ao
ça etc. A base e o centro de tudo isto é, como no caso preceden- nível evolutivo do super-homem. E, de fato, os seus seguidores
te, o egocentrismo do eu, para garantir, agora em forma mais ficaram no próprio nível, rebaixando tudo até eles, porque, mais
completa, a continuação da vida, seja como indivíduo, seja co- do que a sua natureza continha, eles não podiam entender. É
mo coletividade. A sua principal finalidade é possuir, na maior inevitável que, ao descer do alto, qualquer ideal não possa so-
medida possível, não só poder e recursos para dominar, mas breviver na Terra senão em forma torcida, adaptando-se às con-
também mulheres para se multiplicar nos filhos e, afirmando-se dições biológicas dos indivíduos que têm de realizá-lo. O nosso
assim, espalhar-se no mundo, conquistando o mais que puder. mundo não é dirigido pelas antecipações ideais do futuro, mas
Estamos no nível do egoísmo e da luta de todos contra to- sim pelos instintos, fruto da longa experiência do passado, que
dos, cada um querendo dominar. A guerra é o estado normal, e dão mais garantia de sobrevivência, tornando mais seguro se-
a família constitui um castelo armado contra as outras famílias, guir os velhos caminhos já conhecidos do que arriscar uma
naturalmente rivais e inimigas, sendo preciso vencer para não aventura na exploração do novo. É por isso que, perante os au-
ser vencido. O grupo familiar fica, desta forma, unido pelo seu daciosos pioneiros, a vida se defende como se enfrentasse um
egoísmo, que representa neste plano a base da vida. Constroem- perigo e os aceita com prudência, glorificando-os, mas sem imi-
se, assim, e ficam unidos os grupos nacionais, nos quais os po- tá-los, adaptando tudo às suas comodidades, o que pode parecer
vos se unem para se armar contra outros povos. Esse é o estado hipocrisia e traição do ideal, mas que, de fato, representa uma
atual da nossa humanidade, que alcançou apenas a organização autodefesa, pois é extremamente diferente a realidade biológica
racional, ao nível do consciente, dos instintos fundamentais que em que o ideal quer tomar forma concreta. O amadurecimento
movimentam o ser no nível do subconsciente. das massas, pelo qual serão levadas ao entendimento das coisas
A verdadeira revolução biológica só aparece no nível do su- superiores, é lento e trabalhoso, exigindo tais adaptações para
perconsciente. Para maior clareza, damos um exemplo prático, permitir uma assimilação gradual, em percentagens progressi-
escolhendo como modelo um ser verdadeiramente superior, que vas. Este fato, porém, não pode impedir que, à vista dos mais
foi Francisco de Assis, em cuja terra nasci e vivi muito tempo. evoluídos, tais adaptações pareçam mentiras.
Com os três votos básicos da sua regra, ele quis despedaçar os Como pode o ser primitivo praticar tais virtudes superiores,
correspondentes instintos fundamentais do homem, a eles con- se para ele, que não sabe ressuscitar num nível mais alto, elas
trapondo como virtudes três impulsos opostos. Ao 1 o, o instinto representam um suicídio? A vida quer o progresso, mas se re-
de possuir, ele contrapôs a regra da pobreza; ao 2 o, o instinto do trai e recua quando esse caminho se torna perigoso demais. O
sexo, contrapôs a regra da castidade; ao 3 o, o instinto do ego- progresso é necessário, e, se à Terra não descessem os ideais,
centrismo dominador, contrapôs a regra da obediência. Assim, cuja função é antecipar e preparar o futuro, não seria possível a
o indivíduo fica como que aniquilado no nível do subconsciente evolução, pois faltaria orientação para o caminho daqueles que,
(instintos) e do consciente (razão a serviço dos instintos). O seu antes de tudo, são menores e precisam ser educados por alguém
passado biológico é esmagado de uma vez, mas sendo conduzi- que possua mais conhecimento e saiba dirigi-los. Quem se en-
do a uma superação. A vida, assim cortada nas suas velhas raí- contra deslocado em nosso mundo é o homem superior, que,
zes, parece condenada a morrer, mas, pelo contrário, é levada a tendo de se adaptar a viver num nível biológico inferior, ao
ressurgir mais poderosa num plano mais alto. Este é o signifi- qual ele não pertence, deve, por isso, conhecer os instintos, de-
cado biológico e a lógica do espírito franciscano. feitos e paixões que movimentam os primitivos. Estes, pelo
Na prática, os indivíduos estão bem longe de se encontrarem contrário, encontram-se confortáveis no ambiente terrestre, po-
prontos para realizar uma revolução biológica. Tudo isto chegou rém ninguém mais do que eles precisa de uma educação superi-
a um mundo dirigido por impulsos bem diferentes. Pelo entusi- or, para tirá-los desse pântano e levantá-los para o alto.
asmo que a pregação arrebatadora de São Francisco acordou no ◘◘◘
povo sofredor, porque lhe oferecia a esperança de uma vida me- No ambiente terrestre se encontram misturados os três bió-
lhor, reuniu-se atrás dele uma multidão de seguidores, tanto tipos que vimos, cada um vivendo no seu respectivo nível: sub-
mais porque o entusiasmo popular se concretizou numa imensa consciente, consciente e superconsciente. Cada um desses bió-
colheita de recursos, com os quais foi rapidamente construído tipos reage contra o outro de acordo com a sua própria nature-
em Assis, para honrar a pobreza, o mosteiro e a basílica de São za, julgando e agindo conforme a sua forma mental. Trata-se de
Francisco, um castelo imenso, que hoje vale bilhões. Na igreja três níveis diferentes, cada qual com um tipo de sensibilidade e
superior da basílica de São Francisco, existe, à direita, um afres- compreensão: a sensória, a racional e a espiritual.
co de Giotto, que representa o Papa Inocêncio III, tendo uma vi- O homem do subconsciente encontra-se completamente
são em sonho, na qual a grande basílica do Laterano em Roma escravizado pelos seus impulsos instintivos, sem nenhum con-
estava caindo enquanto São Francisco a sustentava, evitando que trole sobre eles. O homem do consciente é dono dos seus ins-
ela caísse. É lógico que esse papa aprovasse e mesmo santificas- tintos, que são controlados por ele com a razão, através da
se o homem cuja inspiração havia levantado o entusiasmo popu- qual pesquisa o desconhecido e da qual é escravo, pois não
lar para Cristo e o Evangelho, que constituíam as bases teóricas possui outro meio para se dirigir. O homem do superconscien-
do poder terreno da Igreja, representado pela basílica do Latera- te é dono dos instintos e da razão, que domina e controla, ori-
no. O grande exemplo cristão de São Francisco confirmava a entado pelo seu conhecimento. É como se, no desenvolvimen-
doutrina na qual se baseia o papado e, com isso, a legitimidade to da sensibilização, houvesse três dimensões sucessivas, uma
da hierarquia eclesiástica e do seu poder terreno. Para o pastor acima da outra, correspondendo à linha, à superfície e ao vo-
34 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
lume. Trata-se de algo semelhante a três camadas sobrepostas, fica inerte, adormecido pelo tédio. Há coisas preciosas à porta
que revelam as sucessivas posições ocupadas pelo ser no seu da sua casa, com maravilhas batendo para entrar, mas ele não
crescimento, tal como acontece no tronco das árvores ou nas responde, retornando às misérias do seu mundo pequeno, as
estratificações geológicas. únicas que ele sabe entender.
É lógico que o ser do plano superior seja mais completo do É necessário que os seres dos planos superiores reduzam o
que o ser do plano inferior. Assim quem está em cima, olhando seu patrimônio mental aos limites dos planos inferiores, condi-
os outros em baixo, não pode deixar de julgá-los mancos e fa- ção sem a qual a comunicação não é possível e os ensinamentos
lhos. É claro que um homem do 1 o nível (subconsciente), ob- não são recebidos. É assim que os superiores conhecem a forma
servado por quem está situado no 2o nível (consciente), apare- mental e o mundo dos inferiores, mas estes não conhecem a
cerá a este como um ser que ainda não sabe pensar e ao qual forma mental e o mundo dos superiores. O subconsciente, o
não adianta explicar nada, pois ele não pode entender. Também consciente e o superconsciente são como três andares do mes-
é claro que um homem do 2o nível (consciente), observado por mo edifício, no qual o ser pode morar no andar inferior, no mé-
quem está situado no 3o nível (superconsciente), aparecerá a es- dio ou no superior, que correspondem aos diferentes níveis de
te como um cego que busca conhecer a natureza das coisas, ta- evolução. Quem mora no inferior não pode conhecer o que há
teando com os sentidos a superfície delas. Então, para ser en- no superior, enquanto não entrar no novo apartamento, subindo
tendido por um tal cego, é necessário lhe explicar tudo com as a escada que o leva até lá. Mas quem mora no apartamento su-
palavras da razão, que podem ser entendidas por ele. Tal prin- perior se lembra do que há nos inferiores, onde ele morou no
cípio é universal. Assim, é possível falar com os animais, se passado. Pode, assim, acontecer que o homem racional, do ní-
utilizarmos a sua linguagem, que se baseia nos instintos funda- vel consciente, venha a seguir no seu comportamento os instin-
mentais da vida. Então aquilo que representa o mais poderoso tos animais, que a ele retornam do subconsciente, isto é, do an-
argumento para um ser superior pode passar completamente de- dar inferior, onde ele residiu no passado. Isto significa um mo-
sapercebido para um ser inferior. E pertence ao primeiro a tare- mentâneo retrocesso a posições evolutivas atrasadas.
fa de descer até ao segundo, pois quem sabe mais pode enten- O homem atual subiu há pouco do andar inferior da anima-
der quem sabe menos, mas não ao contrário. lidade ao intermediário da consciência racional, no qual está
Para que os mais adiantados possam comunicar-se com os aprendendo a morar. A lembrança, a forma mental e os hábitos
mais atrasados, fazendo-se compreender por estes, impõe-se aos de inquilino do andar inferior ainda estão vivos nele, sempre
primeiros a necessidade de traduzirem e adaptarem a sua lingua- prontos a voltar. Mas, agora, ele vive mais próximo do terceiro
gem à forma mental dos segundos. Assim, o homem racional, se andar, o superconsciente, e essa vizinhança já lhe permite per-
quiser ser entendido pelo homem do subconsciente, terá de des- ceber alguma coisa do que acontece nesse andar superior. É daí
cer ao nível dos sentidos e das emoções. Da mesma forma, o que descem não só as revelações das religiões, que o iluminam
homem intuitivo terá de transpor a sua linguagem para o racio- e estabelecem qual deve ser a sua conduta, mas também os in-
cínio lógico, utilizando demonstrações e provas, se quiser ser divíduos cuja missão é, com a palavra e o exemplo, mostrar o
entendido pelo homem do nível do consciente. O ser não pode caminho para subir até esse andar.
compreender o que está acima do seu nível de evolução. Por is- Eis, então, que o nosso mundo está como que suspenso en-
so, em nossos livros, foi necessário traduzir as nossas visões na tre dois outros mundos, um debaixo e um acima dele, receben-
linguagem racional, que corresponde à atual forma mental hu- do do primeiro impulsos inferiores e do segundo impulsos su-
mana. Para serem entendidas pelos biótipos do nível do sub- periores, os quais, apesar de opostos e em luta, representam,
consciente, teria sido necessário traduzir as visões em termos porém, o trabalho criador do amadurecimento evolutivo. As-
emocionais de medo, esperança ou entusiasmo, estimulando-os sim, quando em nós surge um impulso, podemos pela sua natu-
com representações bem perceptíveis pelos sentidos. Tal descida reza entender de que nível evolutivo ele chega. As chamadas
é uma necessidade imposta pela natureza das coisas. Esta é a ra- tentações do pecado, para fazer o mal, pertencem ao nível infe-
zão pela qual, a cada passo, encontramos esse fenômeno nas re- rior, enquanto as boas inspirações para fazer o bem pertencem
ligiões, cuja tarefa é exatamente levar até ao nível dos mais in- ao superior. Mas, em cada indivíduo, surgirão com mais poder
voluídos os princípios superiores, que eles nunca saberiam atin- os impulsos do seu plano biológico, e estes vencerão. Assim,
gir de outro modo. Quem fala, se quiser ser compreendido, tem com a sua conduta, cada um revelará a que plano pertence,
de falar a linguagem dos ouvintes. Isto é o que de fato acontece dando a conhecer a sua natureza e o seu grau de evolução. É
em nosso mundo, quando se trata de convencer as massas popu- claro que, tratando-se de indivíduos em transformação, destina-
lares. Daí a necessidade do uso das imagens e das representa- dos mais cedo ou mais tarde a mudar de um andar para outro,
ções nos rituais das religiões. Para convencer o povo na propa- encontramos em nosso mundo impulsos e condutas de todos os
ganda política, nas campanhas eleitorais e na venda de produtos gêneros. E a tarefa de dirigir a escolha entre estes impulsos per-
comerciais, usam-se slogans simples, que não requerem raciocí- tence às vozes que descem do plano superior.
nio nem esforço de pensamento, constituindo-se de mensagens O observador superficial poderia ser levado a pensar que o
repetidas em forma de sugestão hipnótica, dirigidas ao subcons- homem possuí três almas diferentes, cada uma procurando diri-
ciente e apoiadas nos impulsos elementares deste. gir a sua conduta. Mas, na verdade, trata-se apenas de três posi-
O instinto do involuído é reduzir tudo dentro dos limites da ções diferentes ao longo da escala da evolução. Quando apare-
sua forma mental. O que não cabe dentro da sua cabeça passa cem apenas os impulsos elementares instintivos, como a simpa-
despercebido, como se fosse inexistente para ele. Mas, com a tia, o ódio, o medo do perigo ou a atração sexual, trata-se de
evolução, a vida se torna uma conquista contínua, revelando produtos do nível inferior, pertencentes ao subconsciente.
uma realidade sempre mais vasta. A progressiva sensibilização Quem vive neste plano não conhece mais do que isto, resolven-
permite penetrar numa parte cada vez maior das vibrações do do assim os problemas de sua vida. Quando o homem começa a
universo. O campo dominado pela consciência, que, na involu- pensar, observar, fazer perguntas e procurar respostas, deduzin-
ção, foi comprimido até chegar à matéria, vai cada vez mais se do e controlando, então ele atingiu o nível médio, do conscien-
ampliando com a evolução, até chegar ao espírito. É assim que, te, no qual ele procura resolver os problemas da vida racional-
onde o evoluído percebe um mundo imenso, o involuído fica mente. Quando o homem chega a responder às suas perguntas
cego e surdo, nada percebendo. Onde um cientista, um pensa- e, assim, resolve os problemas da vida com conhecimento, vi-
dor ou um artista é arrebatado por pensamentos e emoções pro- vendo esclarecido e, por conseguinte, conduzindo-se retamente,
fundas, impelido às mais enérgicas reações, um homem comum então o ser chegou ao nível superior, do superconsciente.
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 35
Subir de um nível para outro é justamente o duro trabalho porque sabe o quanto vale o do mundo. O tipo médio é vaidoso,
no qual se constitui a evolução, que não é inútil, mesmo do porque está vazio. O tipo superior é humilde, porque é virtuoso
ponto de vista da vantagem para o indivíduo. Aumentando o e, por isso, o seu valor não precisa dos louvores dos outros. As
seu conhecimento, aumenta também o poder de defesa de sua finalidades do tipo médio estão todas neste mundo, enquanto as
existência, porque conhecimento quer dizer sábia orientação e, do tipo superior encontram-se além, num mundo superior. Na
portanto, menor número de erros – que têm de ser pagos – e luta para defender a própria vida, cada um dos dois segue mé-
menos sofrimentos. Assim o esforço evolutivo é compensado, todos completamente diferentes. O primeiro se conduz como
porque, quanto mais o ser evolui, tanto mais protegida é a vida. um ser que vive isolado do universo e de Deus, somente po-
Com a evolução, ela ganha em segurança, amplitude, poder e dendo contar com os seus únicos recursos: a força e a astúcia. O
satisfação, como é lógico que aconteça, porque, evoluindo, o segundo não vive isolado no universo nem separado de Deus,
ser se afasta do AS e se aproxima do S. A vida não pode deixar pois sabe que basta seguir a Lei para ele poder contar com for-
de ser diferente para cada um, conforme ele viva no 1 o nível, ças superiores, que impõem a justiça de Deus. O 1o acredita
como um ser impulsivo, instintivo e inconsciente; no 2o nível, que, fazendo o mal, seja possível vencer. O 2o sabe que isto
como um ser racional e inteligente; ou no 3 o nível, como um ser significa perder. O 1o representa a forma mental do mundo. O
iluminado, que atingiu o conhecimento. 2o representa, ao contrário, o superior espírito do Evangelho.
◘◘◘ Assim, conforme sua natureza, o indivíduo traz consigo, já
Podemos agora enfrentar o problema de nosso destino, que estruturado, o seu destino, não como uma fatalidade cega e in-
é o assunto deste capítulo, como anunciamos no seu início. justa, mas sim como uma lógica e justa consequência das cau-
Mas, antes, era necessário observar a natureza destes três dife- sas semeadas e das qualidades impressas no eu em suas vidas
rentes biótipos, porque do que somos e dos nossos impulsos precedentes. A maioria vive cega a respeito de tais problemas.
depende nosso tipo de destino, que corresponde a cada um dos Mas eles são fundamentais para quem queira viver dirigindo-se
três níveis a que pertencemos. Assim, neste capítulo, observa- com inteligência. Então, para conhecer qual o tipo de destino
remos o fenômeno do destino em geral, em função do nível bio- que lhe pertence, é necessário, antes de tudo, saber a que nível
lógico em que o indivíduo vive. Veremos, então, que aos três evolutivo o indivíduo pertence: ao inferior, instintivo, do sub-
tipos de homem correspondem três tipos de destino. Veremos consciente; ao médio, racional, do consciente; ou ao superior,
depois, dentro do grande desenho deste quadro geral, as linhas iluminado, do superconsciente. Trata-se de três níveis biológi-
do destino no caso particular do indivíduo separadamente. cos, em cada um dos quais a vida é regida por leis diferentes.
Cada um de nós traz ao nascer o seu tipo de destino con- Ora, pertencer a um ou outro desses níveis estabelece a lei a
forme suas próprias qualidades, que construímos em nossas vi- que o indivíduo tem de ficar sujeito, segundo a qual são regula-
das passadas. Delas dependem os impulsos que nos movimenta- dos todos os seus movimentos e o desenvolvimento do seu des-
rão em nossa vida atual, dos quais deriva o tipo de conduta e, tino. É lógico que o conteúdo de cada vida dependa da posição
por isso, de nossa existência. O fato se verifica com qualquer ocupada pelo ser ao longo do caminho da evolução, em função
semente, cuja própria natureza nos diz desde o início qual será daquele que já foi percorrido no passado. Esta é a base para co-
o desenvolvimento de toda a sua existência, que ela já contém nhecer, nas suas linhas gerais, qual deve ser o conteúdo de nos-
em si potencialmente. Isto porque a vida atual não é senão um sa vida, conforme o tipo de destino próprio de cada um.
trecho a mais, que se junta a um imenso caminho percorrido no Teremos, então, três tipos fundamentais de destino, confor-
passado. O desenvolvimento de um destino representa sim- me o ser viva no 1o, no 2o ou no 3o nível.
plesmente a realização atual do que já estava potencialmente No 1o caso, o desenvolvimento da vida é simples, sendo di-
contido na personalidade ao nascer. Assim, quando conhece- rigido por alguns impulsos fundamentais, dos quais é fácil pre-
mos o tipo de personalidade, é possível conhecer qual será o ti- ver os efeitos. Neste nível, o indivíduo possui poucas ideias,
po de destino. Pelo fato de pertencermos à raça humana, temos com as quais resolve os seus poucos problemas, que são os da
antes de tudo um destino biológico geral, que estabelece os vá- fome e os do amor. Ao saciar os desejos do estômago e do se-
rios períodos e duração de nossa vida. Além dele, temos tam- xo, o ser fica satisfeito, pois cumpriu as duas funções que a vi-
bém um destino econômico e social, que depende da posição e da lhe pede: assegurar a conservação do indivíduo e a da espé-
do ambiente em que nascemos; um destino, poder-se-ia dizer, cie. Com isso, a sua tarefa biológica se esgota. Além disto, que
clínico, que marca com antecedência a nossa pré-disposição a é todo o seu mundo, ele nada sabe nem procura. A lei desse ní-
esta ou àquela doença, conforme o organismo físico que rece- vel biológico não vai além desses estreitos limites, que estabe-
bemos dos nossos pais; e por fim, acima de todos, um destino lecem o caminho ao longo do qual se desenvolverá o destino de
ao qual poderíamos chamar psicológico e espiritual, que revela quem vive nesse nível. Para ele, o impulso de crescimento po-
a verdadeira personalidade e o poder do eu, mais ou menos do- derá manifestar-se no desejo de satisfazer sempre mais os seus
no de si mesmo, reagindo contra as condições impostas pelos impulsos fundamentais, do estômago e do sexo, isto é, engor-
outros destinos, inferiores, para dominá-los e tornar-se sempre dar, gozar, possuir mulheres, ter filhos e não trabalhar, perma-
mais livre, impondo a eles sua vontade e, se for maduro, deslo- necendo sempre em tal tipo de experiências. Esse é o conteúdo
cando-se, com a sua conduta moral, a um plano de vida mais al- do tipo de destino do indivíduo do 1o caso.
to, a fim de aí se realizar como ele quer, conforme sua natureza. No 2o caso, devido à sua maior experiência, que enriqueceu
É preciso entender que amadurecimento evolutivo significa o eu de novas qualidades, o desenvolvimento da vida se torna
elevação de nível biológico e, portanto, de tipo de destino, com mais complexo, sendo dirigido por novos impulsos, com maior
as correlativas vantagens e deveres. Tudo isto depende do com- amplitude tanto na escolha como nos respectivos efeitos. O in-
portamento do indivíduo, que age de acordo com as suas quali- divíduo conquistou novas ideias, concebendo e conseguindo
dades, buscando diferentes objetivos conforme o seu nível. As- resolver problemas maiores, que, superando aqueles apenas
sim um homem do 2o tipo poderá ser sincero e virtuoso, mas elementares do estômago e do sexo, dizem respeito ao poder, à
sobretudo por calcular uma vantagem para si (paraíso ou infer- organização social, ao domínio sobre as forças da natureza, à
no etc.), enquanto um homem do 3 o tipo o será sobretudo por riqueza, à glória, ao conhecimento etc. Nesse nível, a vida con-
um princípio ideal. O tipo médio aterroriza-se com as condena- tinua exigindo a conservação do indivíduo e da espécie, po-
ções do mundo e procurará na sua conduta a aprovação do rém, agora, ela deseja que isto seja feito com maior abundância
mundo, coisa para ele muito importante. O tipo superior depõe e segurança, desenvolvendo para o serviço da defesa uma arma
sua consciência perante Deus e pedirá apenas o Seu julgamento, mais poderosa do que a dos primitivos: a inteligência. Esta, no
36 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
entanto, permanece confinada dentro de limites, além dos lutar para subir de um plano biológico para outro, no entanto,
quais a mente da maioria nada sabe e pouco procura saber, fi- uma vez atingido um nível mais adiantado, isto implica auto-
cando satisfeita neste seu nível com a solução daqueles pro- maticamente no desenvolvimento da sua existência conforme
blemas, sem olhar para outros mais longínquos. Eis, então, um tipo de destino diferente dos precedentes, proporcionado
que, dentro de tais limites, está marcado o caminho ao longo ao novo nível em que o indivíduo, de acordo com o seu ama-
do qual se desenvolverá o destino de quem vive nesse nível. durecimento, mereceu nascer.
Além do conteúdo que constitui a sua forma mental, relativa ◘◘◘
ao seu plano de evolução, o indivíduo nada pode conceber ou Chegando até este ponto, a conclusão por nós obtida é que
realizar, razão pela qual o seu destino também não pode conter há três tipos fundamentais de destino, conforme a natureza do
nada mais. Enquanto não subir para formas de vida superiores, indivíduo, definida pelo nível evolutivo em que ele se encontra.
ele ficará amarrado a tal tipo de experiências, sendo esta a tare- Ora, quando conhecemos esse fato básico, eis que já possuímos
fa que lhe cabe realizar, para cumprir sua evolução. A visão os elementos para estabelecer qual é o tipo de destino que cabe-
desse biótipo não enxerga horizontes mais vastos. Assim, até rá a cada indivíduo na sua vida. Quando, através do estudo das
que ele tenha adquirido um novo amadurecimento evolutivo, a nossas qualidades, podemos individuar qual é o nosso tipo bio-
porta de entrada para um nível superior permanecerá fechada, lógico, eis que já podemos determinar nas suas linhas gerais
impedindo-o de alcançá-lo. Sabemos, então, qual é o conteúdo qual será o nosso destino. Estabelecido esse primeiro ponto de
do tipo de destino do indivíduo do 2 o caso. nossa pesquisa, continuemos aprofundando, cada vez com mai-
No 3o caso, por ter feito novas experiências e conquistado or exatidão, a observação do fenômeno.
novas qualidades, o desenvolvimento da vida se torna ainda O que dissemos até aqui a este respeito não nos oferece se-
mais complexo, dirigindo-se para horizontes imensamente mais não uma visão esquemática básica para nos orientarmos na
vastos. Pelo novo entendimento adquirido, nascem novos impul- pesquisa e enfrentarmos a solução do problema. O nosso obje-
sos, movimentando o ser para novos caminhos, que o levam tivo é chegar a estabelecer um método que nos ensine como
além dos precedentes. Ele não existe mais só para si, cercado de conhecer e prever o desenvolvimento do destino particular de
mistério, fechado em seu pequeno mundo terrestre, mas vive cada um. Isto se torna possível para nós agora, pelo fato de es-
conscientemente, em função do universo, do qual se torna cida- tarmos orientados dentro do plano do universo, segundo a so-
dão, coordenando-se organicamente no seio do seu funciona- lução oferecida em nossos livros para os diversos problemas
mento. Ele concebe e resolve novos problemas. Seu progresso que religiões, filosofias e ciência ainda não resolveram. Os
no conhecimento da natureza das coisas não lhe deixa mais cair problemas menores e particulares não podem ser resolvidos
vítima das tantas ilusões da vida. Finalmente, ele entendeu que senão depois de se obter a solução dos problemas universais,
os velhos objetivos pelos quais tanto lutava têm valor relativo. A que nos orienta na pesquisa. O nosso mundo procura soluções
sua vida transbordou para além dos velhos limites em que estava isoladas, mas nenhum problema pode ser resolvido isolada-
presa, adquirindo assim um novo significado e conteúdo. Ao in- mente, num universo onde tudo é ligado e comunicante, regido
vés das restritas conquistas terrenas, para escravizar os vencidos, por uma só lei, fundamentalmente unitária.
surgem as conquistas da inteligência e do espírito, para erguer É preciso levar em conta o fato de que, na prática, os men-
todos a um nível evolutivo mais adiantado e feliz. Chegando a cionados três níveis não se apresentam como três compartimen-
esse plano, o ser transformou a sua vida de cego, dirigido por tos estanques, absolutamente separados um do outro, mas sim
instintos mais ou menos controlados, na de um iluminado, diri- como três fases sucessivas e contíguas do mesmo processo evo-
gido pelo conhecimento. Eis, então, que o caminho ao longo do lutivo, que todos estão percorrendo. É fácil assim compreender
qual se desenvolverá o destino de quem vive nesse nível tam- que o passado transposto esteja superado, mas não completa-
bém está marcado, contudo vai muito além dos velhos limites e mente destruído, podendo voltar a sobreviver como um retorno
em direção diferente. O ser não está mais fechado neles, pois ou lembrança daquele passado. Aparece, então, na superfície da
descobriu uma nova forma de existência, adquirindo uma nova consciência o que foi escrito nas camadas inferiores da persona-
forma mental e a respectiva conduta. Com isso, ele mudou o lidade, ao longo do caminho do seu desenvolvimento.
caminho do seu destino. Por ter atingido esse nível superior, tor- Pode ocorrer que um indivíduo não viva somente num dado
nou-se possível para o indivíduo realizar os valores imperecí- nível biológico, sujeito ao correlativo tipo de destino, mas se
veis, situados atrás das aparências que constituíam o mundo do encontre numa fase de transição de um nível para outro, na
nível inferior precedente. É lógico que, tratando-se de outro bió- qual lutam para se concretizar impulsos provenientes tanto dos
tipo, o ser do 3o caso tenha um tipo de destino cujo conteúdo é planos inferiores como dos superiores. A prevalência de um ou
completamente diferente dos dois casos anteriores. de outro depende da medida em que o passado foi superado.
Nestes três casos, vemos o indivíduo funcionar em três ní- Lembremo-nos de que se trata de um fenômeno de evolução, o
veis diferentes. No 1o caso, ele funciona como ventre, no 2o co- que representa um contínuo transformismo. Eis como pode
mo cérebro, e no 3o como espírito. O centro da vida se desloca nascer a luta entre o velho, que não quer morrer, e o novo, que,
dos sentidos à mente e depois à alma, subindo para formas de por lei de evolução, quer e deve nascer. Velho e novo signifi-
existência cada vez mais evoluídas. Na luta pela vida, cada um cam as diversas qualidades da personalidade e os respectivos
resolve o problema fundamental da sua defesa de uma maneira impulsos que dirigem a sua conduta. É preciso, então, para es-
diferente. O 1o biótipo ignora qualquer ideia de justiça, contando tabelecer qual será o destino do indivíduo, conhecer o tipo bio-
apenas com a força bruta dos seus recursos físicos; o 2o conhece lógico que prevalece nele, pois o mais poderoso vencerá a luta.
o que é justiça, mas somente a utiliza para defender os seus inte- Para prever, então, qual será o destino de um homem, é neces-
resses, em seu proveito; o 3o biótipo não julga, mas entrega-se sário, antes de tudo, saber em que medida a sua personalidade
completamente à justiça de Deus, a verdadeira e única, usando a contém as características de cada um dos três níveis. No 1 o ca-
sua obediência à Lei como único meio para a sua defesa. so, o ser vive todo no plano instintivo animal, não havendo lu-
Deste modo vão progredindo juntas a sensibilização do ser, ta entre impulsos diferentes. No 2 o caso, que abrange a maioria
a sua inteligência e a sua capacidade de entender, evitando-se humana, surge o problema de saber até que ponto o animal do
assim os erros e as respectivas dores. É lógico que, assim, mu- 1o caso ainda está vivo no homem, e até que ponto já surgiu e
da o tipo de vida ao qual o ser pertence. Isto significa que a se afirmou o biótipo deste 2o caso. No 3o caso, que é excepcio-
evolução também transforma o tipo de destino estabelecido nal na Terra, o problema é saber até que ponto sobrevive no
para o indivíduo em seu nascimento. Desse modo, o ser tem de indivíduo o biótipo do 1o e do 2o caso.
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 37
Pode, assim, acontecer que o indivíduo não ocupe somente Observemos, agora mais de perto, como se desenvolve,
um nível de evolução. Como já frisamos no capítulo preceden- dentro da amplitude que o eu abrange, essa luta entre planos
te, a estrutura do eu, melhor do que por um ponto, pode ser re- evolutivos diferentes. Este assunto é importante, porque nesta
presentada por um trecho de linha avançando ao longo do ca- luta se manifesta a técnica pela qual o processo da evolução se
minho da evolução. O seu ponto mais adiantado representa a realiza através do amadurecimento do eu. A este respeito já
cabeça, que vai explorando o futuro para subir. O seu ponto vimos que ele pode se encontrar em uma das três posições: 1 a)
mais atrasado representa a cauda, que vai morrendo, abando- Nível inferior; 2 a) Nível médio; 3 a) Nível superior. Tais posi-
nada no passado. Com a evolução, a vida se desenvolve do la- ções, no entanto, são apenas três degraus sucessivos do contí-
do da cabeça, ficando superada no lado da cauda. Então a luta nuo caminho evolutivo percorrido pelo ser. Para o homem, o
pode nascer entre a cabeça, que exige todas as energias vitais ponto de partida é a posição N o 1, isto é, da animalidade, e o
para subir, e a cauda, cuja vontade é permanecer dona do ter- ponto de chegada é a posição N o 3, isto é, da espiritualidade.
reno que era seu. Tudo isto acontece dentro da amplitude evo- A evolução consiste nesse deslocamento de um nível para o
lutiva que o eu abrange. A conduta do ser depende das quali- outro. O processo da evolução humana se realiza na amplitude
dades que ele possui e dos impulsos que nele prevalecem. representada por estes três níveis. É por isso que os estamos
Quando o indivíduo deixa prevalecer os impulsos do lado da estudando, pois eles nos mostram o caminho do desenvolvi-
cauda, que representa o mal, então está voltando para trás, in- mento da personalidade humana.
voluindo para o AS. Quando o indivíduo deixa prevalecer os O homem do nível inferior é um primitivo ignorante, que
impulsos do lado da cabeça, que representa o bem, então está não sabe o que faz, pois é dirigido apenas por alguns elemen-
progredindo para frente, evoluindo para o S. tares e animalescos instintos, aos quais ele obedece cegamen-
Eis que este estudo de psicanálise nos leva ao terreno da éti- te. Em nosso mundo, ele constitui as raças inferiores, com-
ca, do qual ela não pode separar-se. Podemos agora entender o pondo as camadas mais baixas da sociedade, não necessaria-
significado da luta que as religiões ensinam contra os instintos mente no sentido econômico, mas sim no intelectual e moral,
inferiores, para superar a animalidade, substituindo-a por outros de modo que tal tipo de involuído pode ser encontrado tam-
hábitos e qualidades. Explica-se como possam ter valor e fun- bém no meio dos ricos e seletos da nossa sociedade. Mas seja
ção biológica a renúncia pelo ideal e os impulsos de sublima- qual for a sua posição exterior, tal biótipo fica sempre na la-
ção, conceitos que, de outro modo, parecem biologicamente ma, que é o seu ambiente natural, do qual gosta e não deseja
destrutivos e, por isso, condenáveis. sair. Está satisfeito na Terra, seu paraíso, onde encontra ego-
É coisa sabida, em nosso mundo, que religiões e leis, se ísmo, ferocidade, guerras, roubos e crimes, tudo que ele preci-
quiserem ser entendidas, têm de se moldar ao homem. De fato, sa para desabafar os seus instintos.
a ética atual se baseia na premissa de que elas se proporcionam Um trabalho superior, dirigido para a espiritualidade, inicia-
e se adaptam ao tipo dominante, quando querem educá-lo para se no nível médio, no qual está situada a nossa civilização.
a superação dos seus instintos animais, a fim de que prevale- Aqui, o homem começa a sair do pântano da animalidade, ad-
çam nele impulsos mais elevados. Realmente, as religiões quire e desenvolve a inteligência, funda religiões e cria filosofi-
pressupõem no indivíduo um pecador que elas têm de conver- as, descobrindo a arte, a organização social e a ciência. No en-
ter do mal para o bem. Existem, porém, embora excepcional- tanto o nível precedente, por ainda não estar esquecido e defini-
mente, biótipos mais adiantados, para os quais, logicamente, tivamente superado, continua sobrevivendo no subconsciente e
essa ética resulta absurda, porque, com a sua forma mental de volta daí para dominar, colocando a seu serviço a inteligência,
outro nível biológico, eles, já tendo realizado aquelas supera- que deveria ser usada para o ser libertar-se dele. As religiões,
ções exigidas dos outros, concebem tudo de forma diferente. em nome do ideal de espiritualidade do 3o nível, pregam a liber-
Mas pode haver também o caso de um biótipo do 3 o nível que tação e a superação da animalidade do 1o nível, mas, para quem
tem de lutar para não prevalecerem nele, no lugar dos impulsos pertence a um plano biológico inferior, é muito difícil entender
do 3o nível, os do 1o e do 2o. Isto pode acontecer no caso em a verdade de um plano superior. Então tal biótipo aceita tal ori-
que o indivíduo entrou há pouco neste novo plano de existên- entação apenas na aparência, praticando-a como uma forma de
cia e, até esta altura, ainda não consegue levantar todo o seu eu hipocrisia. A verdade na qual o indivíduo acredita de fato é
das suas precedentes moradas inferiores. aquela do seu nível de vida. Esta é a verdade que ele traz im-
Uma ética completa deveria ser construída por níveis di- pressa na sua personalidade e que representa a sua forma men-
ferentes, para ser proporcionada à natureza e exigências da tal, com a qual ele concebe, entende e julga tudo. Um verdadei-
personalidade de cada um desses biótipos. Logicamente, a ro trabalho de superação por sublimação, que afasta o ser da
ética que dirige o trabalho de construção biológica, própria animalidade, somente se faz no 3o nível. Em nosso mundo apa-
para um involuído, não pode ser igual à ética praticada por recem as funções do consciente racional, mas estas são usadas
um evoluído. Uma das coisas que o nosso mundo mais procu- em favor do subconsciente animal. Existem grandes descober-
ra é o menor trabalho possível, razão pela qual busca fazer tas científicas testemunhando o valor da inteligência humana,
tudo em série para as maiorias, mantendo a minoria fora da mas elas são usadas para fazer guerras, matar e destruir, obede-
série abandonada a si mesma. Pode assim haver luta entre cendo aos instintos da animalidade. Isto nos mostra que, no
éticas de níveis diferentes, cada uma feita para dirigir um fundo, o homem moderno possui a mesma forma mental da fera
biótipo diferente, sendo os mais evoluídos expulsos da regra da floresta, da qual ele difere apenas porque, para satisfazer os
geral, que vale para a maioria. É lógico, então, que tais indi- seus impulsos primitivos, usa métodos inteligentes, empregan-
víduos se isolem, afastando-se das massas, pois elas seguem do armas atômicas, em vez de dentes e garras. O conhecimento
outro caminho, completamente diferente do seu. Pode assim que o homem atingiu com a ciência não é utilizado para se ori-
acontecer que os melhores sejam condenados como inimigos entar de maneira diferente e superar os instintos, mas sim para
das religiões, quando eles talvez sejam os únicos que possu- satisfazê-los com meios mais poderosos. Assim, ao invés de
em a verdadeira espiritualidade. dominar o inferior, o eu se colocou às suas ordens. O poder da
De tudo isto podemos concluir quão complexo seja o pro- inteligência foi conquistado não para subjugar o subconsciente,
blema da ética e entender a razão pela qual ele não pode ser re- mas para servi-lo. Em vez de ser utilizada para subir, a inteli-
solvido isoladamente, mas somente em função da solução de gência se tornou astúcia, sendo dirigida para obter satisfações
muitos outros problemas, como até aqui os temos estudado. materiais e vantagens imediatas egoístas. O que devia ser um
◘◘◘ meio de ascensão, prostituiu-se a serviço do que é inferior.
38 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
o
O verdadeiro trabalho de construção da espiritualidade ini- para quem vive nesse nível, o homem do 3 tipo é julgado ir-
cia-se no nível superior. O eu superior começa a afirmar-se religioso e constitui causa de escândalo, porque está fora do
com a sua luta contra os impulsos do subconsciente, para atin- rebanho, sendo condenado por isso. Mas, para o homem do 3 o
gir a definitiva superação da animalidade. Neste plano, o ho- tipo, o ser que vive no 2 o nível é movido não pelo conheci-
mem não coloca a sua inteligência a serviço da sua parte infe- mento, e sim pelos instintos do subconsciente. E, quando o 3 o
rior, mas sim da superior. O eu não se alia à sua parte mais tipo adverte que a religiosidade não é o que deveria ser, os re-
baixa, e sim à mais alta. A balança que se inclinava incerta no presentantes das religiões interpretam sua queixa como uma
nível médio, ora para um lado, ora para outro, em tentativas condenação das coisas santas, considerando isto falta de reli-
nem sempre bem sucedidas na luta contra o subconsciente, giosidade e suspeitando de uma rivalidade de interesses reli-
agora pende para o lado do superconsciente. Dividindo a am- giosos, porque esta é a forma mental dos homens do 2 o tipo,
plitude da personalidade humana em três terços ou níveis, po- que pronunciam esse julgamento. Tudo somente pode existir
demos ver que: no trecho inferior domina o 1 o nível; no trecho em função da capacidade de entendimento de um dado bióti-
intermediário começa a dominar o 2 o nível, mas em favor do po. Também as religiões têm de obedecer à psicologia das
1o, realizando ao mesmo tempo tentativas para subir ao 3 o ní- massas, adaptando-se às formas exigidas por ela, se quiserem
vel; e no trecho superior domina o 3 o nível, que se alia ao 2o penetrar em nosso mundo. O 2 o tipo precisa de imagens que
para dominar e superar definitivamente o 1 o nível. É neste 3o impressionem os seus sentidos, enquanto o 3 o tipo, em vez
caso, então, que se realiza a grande batalha da sublimação, le- disso, ocupa-se em modificar a sua vida a cada momento. O
vando o ser para o plano biológico superior. Certamente, para 2o tipo procura seguidores para potencializar o seu grupo. O
o homem que, por já ter atingido o 3 o nível, é levado pela sua 3o tipo, deixando tais proselitismos fanáticos e jamais impon-
própria natureza a tomar a sério o ideal, vivendo-o de fato, de- do à força a sua fé aos outros, procura tornar-se melhor e
ve parecer uma coisa muito estranha a utilização do ideal para aperfeiçoar sua conduta para com os outros.
encobrir e ajudar o esforço de satisfazer os impulsos inferiores. Eis então que o homem do 3o nível é um desterrado em nos-
Mas, por outro lado, como pode o homem do 2 o nível entender so mundo, sendo expulso pela maioria, que, obedecendo às leis
algo que está acima da sua natureza, situado além dos limites do seu plano biológico, faz tudo só para si. Tal expulsão é lógi-
da sua forma mental? E como se pode exigir que ele tome a sé- ca, porque esse homem está saindo das fileiras da gente co-
rio, para vivê-lo, um ideal que ele não pode entender? Entre mum, deslocando-se com o seu centro vital para outro plano de
um plano de vida e outro há uma grande distância, e o ser tem vida, ainda desconhecido dos outros, e não pode, portanto, fun-
de percorrê-la toda, se quiser atingir o superior. Mas, apesar de cionar como eles, em série, dentro do rebanho comum. O 3 o ti-
tudo, é no 3o nível que terá de chegar a humanidade de amanhã po está definitivamente superando e abandonando em seu pas-
e é esse tipo superior de homem que dominará no futuro. sado tudo que pertence ao nível inferior dos instintos – o qual
Chegando a este ponto da sua evolução, o ser não gasta representa para ele o mundo dos outros – e está acordando no
mais o seu tempo e energias na luta contra o seu semelhante, nível do superconsciente. Dura é a vida desse tipo, mas é ver-
pois a inteligência mostrou a ele qual é o verdadeiro sentido da dade também que ele está realizando o maior trabalho da evo-
vida, o seu objetivo e o caminho a percorrer. Então tempo e lução: fazer nascer um novo ser. E ele tem de cumprir tal esfor-
energia são inteligentemente usados, não mais como vãs tenta- ço no meio da luta pela vida, que não cessa na Terra. Então,
tivas de um cego, e sim no trabalho de superação da animalida- neste caso, o indivíduo tem de sustentar duas lutas: uma interior
de e de aperfeiçoamento moral, que dá mais frutos na conquista e outra exterior, uma para chegar à superação das suas velhas
da felicidade. A ética e as religiões se tornarão problema atual, formas de vida e outra para não ser esmagado pela agressivida-
vital e biologicamente fundamental, porque terão de cumprir in- de dos outros. O mundo só pratica a segunda luta, dirigida con-
teligentemente a tarefa de dirigir a evolução da humanidade. tra o próximo, sem interessar-se pela primeira, encontrando-se,
Há uma diferença básica entre a religiosidade do homem do por isso, numa posição que, por demandar menos trabalho, é
2o nível e a do homem do 3o nível. O primeiro, obedecendo à vantajosa. Porém, assim, o mundo não realiza o esforço da su-
lei do seu plano, concebe tudo em forma de luta e segue o mé- peração e, por isso, permanece no seu nível evolutivo, o que re-
todo gregário, segundo o qual uma doutrina ou religião é, antes presenta a sua maior condenação, pois sabemos quais dores es-
de tudo, um grupo a que ele pertence e que representa um caste- tão aí contidas. Tudo isto está claro para quem entendeu que a
lo armado contra todos os outros, onde ele mora. Na religião verdadeira finalidade da vida é a conquista de valores superio-
desse biótipo, seja qual for ela, está implícita a condenação de res, para avançar no caminho que vai do AS ao S.
todas as outras, que constituem para ele grupos humanos rivais Enquanto o mundo muito pouco entendeu de tudo isto, o bió-
e inimigos. É lógico que os ideais das religiões, produto do 3 o tipo do 3o nível está todo empenhado no esforço da superação. A
nível, não podem, descendo ao nosso mundo, modificar as leis sua personalidade contém e domina os três momentos ou posi-
biológicas vigorantes, que são as do 2o nível. ções evolutivas do eu: a inferior (instintos), a média (razão) e a
A religião do biótipo do 3o nível é imparcial e universal, não superior (conhecimento). Neste último caso, o que dirige a vida
constituindo partido ou grupo. Pela sua forma mental comple- é o espírito, dominando os outros dois momentos do eu com um
tamente diferente, ele não pode sujeitar-se à maneira de conce- regime de disciplina, estabelecida conforme os princípios supe-
ber e agir das massas. Expulso do terreno delas, ao qual ele não riores da lei de Deus. Assim, ao impulso para o gozo substitui-se
pôde se adaptar, porque a sua fase de trabalho evolutivo é dife- o hábito da virtude. Cabe ao eu superior tomar a iniciativa das
rente, o homem do 3o nível permanece isolado e condenado no novas criações biológicas, arrastando para frente a sua parte in-
mundo, envolvido num tremendo esforço ascensional, pelo qual ferior, ignara e preguiçosa, amarrada aos velhos caminhos que já
este solitário pioneiro do porvir está procurando aproximar-se experimentou e refratária a enfrentar o perigo de outros novos.
sempre mais de Deus. Tal indivíduo não pode ficar preso às di- O eu inferior sabe que constitui a parte sólida, onde se funda o
ferentes formas que dividem as religiões, porquanto, para ele, a edifício da vida, e repele a aventura que lhe oferece o fascínio
coisa mais importante não é a forma, mas a substância, que pou- do desprendimento, pelo qual é arrebatado para o alto o eu supe-
co interessa ao nosso mundo. Ele sabe que a verdade de Deus rior. Eis então dois destinos: um para o homem do mundo e ou-
está acima da luta e que ela não pode ser atingida pelo homem tro para o super-homem. Pequeno e cinzento o primeiro, esgo-
através de absolutismos, porque é relativa e progressiva. tando-se em engordar e proliferar; trágico e sublime o segundo,
Mas o nosso mundo é constituído pelo homem do 2 o nível, cheio de lutas e dores, mas com vitórias imensas.
que pensa com a sua forma mental e dela não pode sair. Ora, ◘◘◘
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 39
Mas, afinal, o que esse homem superior quer? Ele é um ser inteligência deve ser usada para obter a própria vantagem e do-
que procura a libertação. Entramos em nosso mundo pela porta minar os outros, procurando dominar quem a utiliza para vanta-
do prazer, para sermos condenados a uma vida de ilusões e do- gem dos outros e prejuízo próprio, que é considerado louco.
res, permanecendo ao mesmo tempo dominados por uma imen- Mas eis que, acima das sagacidades humanas, o que de fato
sa fome de felicidade. E o homem a procura por todos os mei- manda e acaba vencendo é a justiça da Lei. O homem do 2 o ti-
os, furtando-a para obtê-la, violando assim a lei de Deus. Po- po obtém a sua vantagem imediata de vencer no seu mundo e,
rém, quanto mais alegria ele acredita encontrar, tanto mais se com essa satisfação, recebe a retribuição do seu trabalho, que é
afunda na insatisfação e no sofrimento. Isto parece um jogo momentânea e acaba com a morte. Assim, na vida seguinte, ele
cruel e traidor, mas corresponde à lógica e à justiça. O ser dese- se encontra no mesmo nível evolutivo, sem ter avançado ne-
jaria voltar a possuir de graça a felicidade perdida do S, mas, nhum passo. O homem do 3o tipo é um desterrado e vencido
para atingi-la, ele precisa remir-se, percorrendo em subida e neste mundo, onde não encontra senão luta e sofrimentos, es-
com fadiga o caminho fácil que foi percorrido na descida, com tando envolvido num duro trabalho de evolução, que o outro
a involução gerada pela revolta. Assim, estamos amarrados à biótipo não conhece, mas que ele realiza para construir o seu
cruz, mas almejamos a felicidade. Então, acreditando ser astu- futuro. Na sua vida seguinte, ele receberá o fruto desse traba-
tos, quando de fato somos ignorantes, escolhemos o caminho lho, porque se encontrará num mundo de nível evolutivo mais
mais agradável, descendo para o AS, que é sofrimento, ao invés adiantado, usufruindo bens valiosos.
de subir para o S, que é felicidade. Esta é a trágica posição do É um princípio da evolução que todo esforço realizado pelo
homem do 2o nível, tal como um esfomeado que não pode co- ser para subir seja compensado por um proporcional melhora-
mer, porque não é capaz de encontrar outro alimento senão mento das condições de sua existência. Esta é a justiça da Lei.
aquele envenenado por ele mesmo com a sua revolta. E, para Ora, se a vida pode ser mais fácil para o homem do 2o tipo, por-
purificá-lo, não há outro meio senão o caminho da cruz. Eis o que ele não se fadiga com trabalhos em sentido evolutivo, ele fi-
drama da vida humana: desesperadamente almejar felicidade, ca, no entanto, estacionário no mesmo nível, o que, do ponto de
mas estar condenada ao sofrimento, do qual não é possível sair vista do seu progresso, torna inútil a sua existência, representan-
senão por um doloroso esforço de superação. do perante o maior objetivo desta um tempo perdido. Disso o
O homem do 3o nível, por já ter entendido tudo isto, sabe que indivíduo é avisado pela sua intima insatisfação, sentindo uma
há um caminho através do qual é possível atingir a libertação e o sensação de vazio e cansaço de tudo, a qual o persegue e desva-
enfrenta corajosamente. Assim, vai subindo e se afastando do loriza as coisas mais preciosas para ele. É regra geral que tudo
nosso mundo, deixando nele, mergulhado no sofrimento, o ho- quanto possuímos apenas tem valor proporcional ao esforço por
mem do 2o nível, que procura em vão realizar o paraíso no seu nós despendido para obtê-lo. Eis então que o bem-estar no ócio
inferno terrestre. Outra solução não há. Parece coisa bem estra- tira todo valor à vida do indivíduo, que não pode deixar de sentir
nha que, procurando gozar, o indivíduo encontre justamente o sua nulidade, porque nada sabe nem quer fazer. Assim, pela lei
contrário, não sendo possível alcançar a alegria senão através do de justiça, aquelas que parecem ser as melhores posições sociais,
sofrimento. Tudo isto parece um truque diabólico, um embor- invejadas pela maioria, são muitas vezes as piores, porque roídas
camento para enganar. Mas ocorre assim justamente porque se por dentro por essa desvalorização do indivíduo, devida à inuti-
trata de endireitar o que estava emborcado, por culpa do próprio lidade de sua vida no bem-estar.
ser, devido à sua revolta contra a lei de Deus. É por isso que a Ora, o homem do 3o tipo, que luta desesperadamente contra
escola da vida é uma dura lição cheia de dores. Ela representa o o mundo para superar a sua própria inferioridade animal, não
caminho difícil da subida, que deve corrigir o outro fácil, às pode deixar de ter consciência do seu valor, testemunhado pelas
avessas, percorrido na descida. A vida é um jogo sutil, comple- conquistas que ele está realizando. No meio dos seus sofrimen-
tamente diferente daquele que parece ser. O nosso destino, tanto tos, sabe que está se deslocando para o alto e, assim, realizando
nos seus princípios universais como no caso particular de cada o maior impulso da vida, que é o crescimento, esforço ao qual
indivíduo, contém exatamente aquilo que nos pertence, nem os preguiçosos se recusam. O teclado que tal biótipo pode tocar
mais nem menos, pelo nosso merecimento, segundo a justiça. estende-se muito além daquele comum, porque seu centro vital
Quão justa e tremenda é a lei que existe atrás das aparên- está se deslocando de baixo para cima, permanecendo ativo em
cias! E o homem acredita que possa, com a sua força e astúcia, vários níveis. Assim ele possui uma personalidade rica, que po-
eximir-se dela! Cada um escolhe o seu caminho. Há então o de chegar ao ponto de, na luta entre o subconsciente e o super-
gozador, sedento de prazer; o avarento, apegado à posse dos consciente, parecer múltipla ou, segundo o psicanalista superfi-
bens materiais; o orgulhoso, ávido de poder e glória; o agressi- cial, patológica. No meio dessa guerra para a superação, a per-
vo, do tipo guerreiro; e há também o virtuoso, que segue a ve- sonalidade fica fervendo numa febre contínua, que não aparece
reda do sacrifício e do amor. Assim, cada um constrói o seu em quem está tranquilamente adormecido, arraigado no 2o ní-
destino, no qual se realiza a prestação de contas. Em geral, isto vel. Tal febre pode significar complexos, crises de adaptação,
significa ter de pagar a violação da Lei com o próprio sofrimen- impulsos e movimentos desequilibrados ou conduta contraditó-
to. O princípio de egoísmo, separatismo, antagonismo e luta, ria, que, apesar de parecerem sintomas indicadores de doença,
que gera tantos dos nossos males e constitui a base de nosso representam na verdade crises de crescimento. Trata-se de um
tormento, não foi criado por Deus, pois Ele não podia agir con- modelo biológico diferente daquele do homem do 2 o nível, que
tra si mesmo, mas sim pela criatura, como consequência da sua se encontra equilibrado, mas numa posição estática, ignorando
revolta. Por isso é justo que paguemos. No entanto o homem do tais dinamismos revolucionários e criadores. É lógico, então,
2o tipo está fechado na forma mental do seu nível, não lhe sen- que o biótipo do 2o nível, enxergando de acordo com esta sua
do possível, assim, entender estes conceitos. perspectiva, condene o homem do 3o nível.
Para tal tipo, a sabedoria não consiste em ter compreendido a Sobre estas bases se levanta o destino de cada um, já marca-
imensa vantagem de obedecer à lei de Deus, mas em saber en- do conforme sua natureza. O mundo parece se aperceber incons-
ganá-la para satisfazer-se, obedecendo aos instintos inferiores. A cientemente da desvantagem de sua posição, pois demonstra ter
inteligência serve para esconder o verdadeiro rosto sob uma ciúme de quem quer superar tal método de vida. Assim, na ten-
máscara que permite parecer por fora pessoa nobre e digna de tativa de paralisá-lo, agarra-se a ele, obstruindo a sua subida.
respeito. Para ele, o homem sincero que acredita no ideal é um Então, num mundo onde, mais do que ser virtuoso, o que im-
simplório ignorante das coisas da vida, sendo por isso o tipo porta de fato é parecê-lo, o homem superior acaba sendo o mais
mais procurado, porque é fácil enganá-lo e explorá-lo. Assim a censurado, porque não trabalha para esconder os seus defeitos,
40 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
mas sim para destruí-los, ajudando com isso a agressividade dos tro desse quadro geral que fica situado o destino individual do
outros contra si mesmo. Deste modo, ao invés de se encobrir, ele ser. Logicamente, o caminho que terá de ser percorrido por um
se expõe; ao invés de se desculpar, ele se acusa. O mundo se re- tipo inferior não pode ser igual àquele do tipo médio ou superi-
bela com tal inversão dos seus métodos, que soam para ele como or, porque estes, sendo movidos por outros impulsos, possuem
uma condenação. Assim, o homem do 3o nível será sempre con- reações ao ambiente e exigências evolutivas de tipo diferente.
denado pelo mundo como um escândalo e um mau exemplo, Depois de ter estabelecido tais limites do quadro geral, que con-
porque é considerado um perigoso descobridor de mentiras, que tém o caso particular do indivíduo, teremos de pesquisar, para
incomoda, estragando o fruto da trabalhosa adaptação milenária conhecer o seu destino pessoal, qual é o conteúdo da personali-
dos ideais às exigências da animalidade humana. dade dele na sua posição atual, seja como consequência e con-
Eis que, no mundo, o destino do homem superior é ser tra- tinuação do caminho percorrido no passado, seja como prepara-
tado como um louco e condenado como um rebelde, para ter- ção e antecipação do caminho a percorrer no futuro.
minar esmagado e vencido como um fraco merece, quando, na Assim teremos agora de voltar ao estudo da personalidade
verdade, ele é o vencedor da maior batalha da vida: a evolução. humana, para aprofundar o nosso conhecimento das leis que re-
Eis o conteúdo biológico dessa sabedoria que o mundo chama gem o processo da sua construção e, com isso, o desenvolvi-
de loucura dos santos. Eis a explicação racional e o sentido ci- mento do seu destino individual. Será possível, então, chegar a
entificamente positivo da aparentemente estranha vida de tais conhecer uma coisa de importância vital, que é a técnica da
indivíduos, que as religiões veneram, mas sem nos esclarecer a construção de nós mesmos, conhecendo o método com o qual
respeito disso com estes conceitos, dos quais o homem moder- cada um pode, por si próprio, construir o seu destino.
no precisa para ficar convencido. Para realizar a construção da personalidade, que representa
Assim se desenvolve nos seus vários níveis o complexo jo- o trabalho da evolução em nossa fase atual, a inteligência da
go da vida e de nosso destino. vida usa o método da transmissão ao subconsciente, segundo
o qual as experiências e soluções, havendo sido longamente
VI. O DESTINO repetidas pelo fato se terem demonstrado úteis à sobrevivên-
cia, tendem a continuar se repetindo automaticamente, pela
Observamos nos dois capítulos precedentes o fenômeno da velocidade adquirida, impulsionando o ser a prosseguir na
personalidade humana nas suas qualidades e comportamento, mesma direção. Assim, o que foi vivido no passado se torna
conforme ela pertença ao 1o, 2o ou 3o dos três níveis evolutivos: automatismo, fruto assimilado, fixado no subconsciente na
subconsciente, consciente e superconsciente. Observamo-la de- forma de novas qualidades adquiridas, constituindo o que
pois na sua evolução do 1o ao 2o e ao 3o destes três níveis. Vi- chamamos de instintos. Esse é o método pelo qual o homem,
mos como, à medida que o ser vai evoluindo, deslocando-se de assim como os animais e qualquer forma de vida, vai sempre
um plano de existência para outro, a sua natureza muda, trans- aprendendo com a sua experimentação e, com isso, adquirindo
formando o seu tipo de vida e de trabalho. Assistimos assim ao novas características inatas, que, através de impulsos instinti-
processo de reconstrução do eu na sua subida ao longo do ca- vos, dirigem cada nova existência terrestre.
minho da evolução, que o leva do AS para o S. Não repare o leitor se às vezes temos de repetir coisas já di-
Vimos também que o tipo de destino do ser é estabelecido tas. Isto pode ser necessário para enquadrar e iluminar novos
pela sua posição ao longo desse caminho, conforme a altura problemas, em relação aos quais elas são lembradas, mas com
evolutiva na qual ele está situado, pertencendo a um ou outro sentido e finalidade diferente.
destes três níveis. Assim, vimos que há uma correspondência Então cada indivíduo, com o nascimento, traz consigo um
entre cada um dos três tipos biológicos e os respectivos desti- impulso que o impele para uma direção já assinalada, conse-
nos, de modo que aos três níveis evolutivos e correlativos tipos quência fatal das experiências realizadas e das forças (tipo e
biológicos correspondem três tipos fundamentais de destino, os velocidade) lançadas nas vidas precedentes. Este patrimônio
quais mudam com a evolução do ser. Modifica-se então a tábua de conhecimento adquirido no passado constitui a verdade
dos valores e, com isso, a ética e a correlativa conduta, atingin- axiomática oferecida pelo instinto. Valendo mais do que a ra-
do-se um diferente grau de conhecimento e, com isso, de res- zão, esta verdade a sobrepuja, porque representa o produto de
ponsabilidade, porque, sendo diferente a posição do ser na esca- uma experimentação prática, realizada em contato com a rea-
la evolutiva, conforme seu tipo, é diferente também o caminho lidade dos fatos. A razão faz pesquisas, explorando por tenta-
a percorrer, o tipo de experiências úteis para evoluir, o trabalho tivas o novo desconhecido. O instinto permanece num terreno
de construção a realizar e a lei que o dirige. mais limitado, porém mais controlado pela experiência e, por
Temos desta forma apresentado até aqui o problema do isso, mais seguro. Em substância, a ciência, quando descobriu
destino nos seus termos gerais, estabelecendo as suas bases em o método experimental, ao qual deve os seus mais brilhantes
relação ao tipo biológico. Dentro dessas grandes linhas que di- resultados, nada mais fez do que imitar o método já praticado
rigem o fenômeno no seu conjunto, enfrentaremos agora o pela vida para chegar à conquista do conhecimento, fator in-
problema do destino no caso particular do indivíduo, para atin- dispensável para continuar existindo. Em outras palavras, o
gir o conhecimento do seu conteúdo também nos pormenores método experimental da ciência representa, num nível mais
específicos, contidos dentro do caso geral. Não há dúvida que elevado, a continuação do método experimental que a vida
o fato de estar o indivíduo situado num dado nível de evolução utiliza para construir a sabedoria, da qual o ser precisa para
e correlativo plano de existência, representando um determina- resolver o problema da sobrevivência.
do tipo biológico, estabelece a priori quais devem ser o modelo Apesar de dificultado pelas resistências do ambiente e cor-
e as características fundamentais do seu destino. Estes elemen- rigido pela reação da Lei, tal impulso tende a continuar na
tos estão ligados entre si e assinalam o tipo de caminho que o mesma direção, estabelecendo a base de uma vida e seu desti-
ser terá de seguir na sua vida. Mas estas são apenas as grandes no, que assim propenderá a se realizar na direção seguida no
margens da corrente da existência do indivíduo. Dentro dessa passado. Esta é a razão pela qual existem acontecimentos que
corrente, cada um segue um caminho próprio, que representa o parecem realizar-se por vontade própria. O que constitui essa
seu destino particular. É neste fenômeno que agora queremos vontade é a velocidade adquirida anteriormente, a qual conti-
focalizar a nossa observação. nua impulsionando na mesma direção. Os velhos hábitos cons-
Para entendê-lo, é necessário antes de tudo estabelecer qual tituem uma força com tendência a uma contínua atuação, se-
é o nível evolutivo e o correlativo tipo biológico, porque é den- gundo a lei de causa-efeito, pela qual o ser é automaticamente
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 41
constrangido a colher o fruto do que semeou. O passado, qual tado instintivo espontâneo, pois já assimilado no seu subconsci-
quisemos vivê-lo, ressurge indestrutível no presente. Podere- ente, as qualidades que para os outros, ainda atrasados, repre-
mos corrigi-lo com novos impulsos da nossa vontade, mas não senta o superconsciente, ou seja, uma posição mais adiantada a
aniquilá-lo, porque um impulso, uma vez lançado, não pode ser alcançada no futuro, a qual lhes é ensinada por todas as
ser detido nos seus efeitos, até que estes se esgotem. formas de civilização, mas ainda não é entendida nem aceita
Eis, então, que conhecemos qual é o caminho ao longo do por eles, que, por isso, têm de aprender à força. Nascem assim
qual se desenvolve o destino de cada um. Claro que tudo isto o poeta, o artista, o cientista, o gênio, o herói e o santo. Eles são
presume a reencarnação, da qual já falamos no Capítulo IV. os super-homens superdesenvolvidos, vivendo em meio aos
Assim, o que acontece na vida depende do indivíduo e de subdesenvolvidos, que os desprezam e os condenam, pois não
como ele viveu o seu passado. O tipo de existência que nos os compreendem. É lógico que os mais adiantados, ao renasce-
deram nossos pais e seu respectivo ambiente é a consequên- rem na Terra, encontrem em forma instintiva e espontânea, gra-
cia da escolha feita pelo indivíduo ao nascer, porque ele foi, vado no seu subconsciente, o resultado de todas as experiências
por lei de afinidade, levado a se aproximar dos indivíduos já vividas por eles, como também é lógico que tudo isto, para
que possuíam qualidades afins àquelas adquiridas por ele nas quem ainda não evoluiu até àquele ponto, represente um super-
suas vidas precedentes. concebível a ser conquistado no futuro. Tudo depende do cami-
Focalizemos as condições do indivíduo no momento do seu nho percorrido na subida evolutiva.
nascimento. Ele traz consigo, construída por ele mesmo, uma Eis então que, no período da juventude, o homem vai
personalidade já feita, que o acompanhará por toda a vida, diri- acordando e revelando a sua verdadeira personalidade, que se
gindo-o com a forma mental adquirida e levando-o a resultados encontra latente, escondida no subconsciente. O ambiente ter-
bons ou maus, mas sempre merecidos. A este dado tipo de per- restre oferece resistências, dificuldades e problemas para to-
sonalidade poderão ser feitos alguns retoques, mas ninguém o dos, mas cada um os vence e os resolve de maneira diferente,
poderá mudar completamente. Tal personalidade representa um mostrando, com o seu tipo de reação, qual é a sua verdadeira
movimento que quer continuar percorrendo a trajetória na dire- natureza. Há, então, não somente o terreno já feito, sobre o
ção estabelecida inicialmente, vencendo as resistências encon- qual se anda, mas também o indivíduo que sobre ele anda
tradas ao longo do caminho. Isto é verdade a respeito do nosso como quer. E nem todos andam da mesma forma sobre o
passado, que revive em nosso presente, bem como a respeito do mesmo terreno, pois cada um, conforme a sua natureza, ca-
nosso presente, que reviverá em nosso futuro. minha de maneira diferente. Tudo depende do patrimônio
No início de cada vida, tudo o que foi vivido no passado pessoal que cada um trás consigo do seu passado, definindo
está oculto, gravado no subconsciente. É sobre esta base que seus recursos e qualidades. Nenhum indivíduo nasce nu, mas
cada nova vida continua construindo o edifício da personali- traz consigo, para enfrentar cada nova vida, armazenado no
dade. Tal como, na ontogênese, o ser resume a filogênese, ou subconsciente, o fruto de toda a sua experiência passada. Em
seja, assim como o embrião, no seu crescimento, repete rapi- sua viagem no tempo, o ser traz consigo como que uma mala,
damente as fases percorridas no desenvolvimento da espécie, onde vão sendo colocadas sempre mais novas sabedorias e
também o homem, na meninice e mocidade, antes de chegar capacidades. Durante a juventude, ele a vai abrindo e tirando
ao uso da razão, dirige-se com as qualidades gravadas no seu dela as ferramentas que ali encontra, para realizar o seu atual
subconsciente, adquiridas nas vidas precedentes, repetindo trabalho terrestre. No fim da sua vida, ele coloca tudo de no-
rapidamente as fases percorridas no seu desenvolvimento, até vo na mala, cujo conteúdo ele pode ter modificado ou não,
iniciar na maioridade, com o despertar da consciência, seu aumentado ou diminuído, melhorado ou piorando, conforme
trabalho da nova construção. Assim, tal como o ser, na sua ele viveu, para, com essa nova bagagem, enfrentar a vida su-
vida embrionária, vai repetindo em resumo o seu passado fi- cessiva, e assim por diante. Cada vida é sempre uma continu-
siológico, ele também repete depois, na sua vida extrauterina, ação e uma consequência, não sendo possível construir senão
o seu passado psicológico. Trata-se de dois desenvolvimentos em cima do que já foi construído no passado.
consecutivos, fazendo parte do mesmo processo evolutivo, É o conteúdo dessa mala que representa a parte determi-
que vai da matéria ao espírito, progredindo das mais simples nística do destino, porque estabelece a base para o ponto de
construções biológicas aos complexos sistemas nervosos, ce- partida do seu desenvolvimento, constituindo aquilo que já foi
rebrais, psíquicos e espirituais. e continuará a ser escrito no livro da vida, segundo o qual se
Essa repetição do passado se realiza de forma tanto mais rá- definem os impulsos já movimentados que agora querem che-
pida, quanto mais velha é a lição aprendida, o que significa di- gar à sua realização. Eis que, chegando ao conhecimento de
zer mais repetida e, por isso, melhor fixada. E, ao contrário, nós mesmos por meio da análise das qualidades que possuí-
quanto mais a lição é recente, tanto menos ela foi repetida e mos, poderemos não somente reconstruir a história do nosso
aprendida e, por isso, precisa ser mais profundamente assimila- passado, no qual as gravamos em nosso subconsciente, mas
da com uma nova repetição, chegando ao ponto no qual uma li- também, pelo mesmo princípio, prever no futuro as conse-
ção completamente nova na vida atual deve ser vivida momento quências do presente, onde continuamos a gravar no próprio
a momento, na lenta sucessão dos acontecimentos concretos. subconsciente outras qualidades. Deste modo, é possível pre-
Explica-se assim como há na juventude quem se desenvolve dizer qual será o desenvolvimento de nosso destino, porque,
rapidamente, revelando inteligência e qualidades superiores, conhecendo seus elementos componentes, identificamos as
porque já as possuía, tendo-as conquistado no passado, e como causas semeadas por nós e, com isso, os efeitos que delas não
há também quem, apesar da maturidade física, apresenta-se poderão deixar de resultar. A lei de causa-efeito liga, de ma-
subdesenvolvido, porque ainda é atrasado e se encontra no bai- neira incindível, passado, presente e futuro, num único fenô-
xo nível evolutivo dos primitivos. Explica-se assim o fenômeno meno em continuação. No passado, encontramos o material já
dos gênios precoces, antecipadamente superdesenvolvidos. Tais adquirido, que utilizamos para construir o presente, contudo
indivíduos já trabalharam nas vidas precedentes para conquistar podemos, no presente, juntar ao velho material outro novo,
essas qualidades, que agora reaparecem porque eles as possuem para construir o futuro, sempre melhor se quisermos. Eis que
gravadas no seu subconsciente, na forma de conhecimento ins- o homem, se for bastante inteligente para chegar a entender
tintivo adquirido, assim como os outros possuem, na mesma tais princípios, poderá tornar-se dono do seu destino, constru-
forma instintiva, as qualidades inferiores próprias da animali- indo-o à sua vontade e dirigindo-o para onde quiser.
dade. Desse modo, os indivíduos superdotados possuem no es- ◘◘◘
42 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
Esta análise do fenômeno nos permite atingir três resultados: Esta expressão pode ser lida no seguinte sentido: assim como
1) Analisando os elementos constituintes de nossa perso- a natureza da causa „a‟ nos mostra a natureza do efeito „b‟, as
nalidade, através da observação das qualidades que hoje pos- nossas condições no destino atual e as qualidades adquiridas
suímos, sobretudo as mais espontâneas e instintivas, emersas por nós agora com o trabalho que estamos realizando na vida
do subconsciente, podemos reconstruir o trabalho, realizado presente, „c‟, também nos revelam „x‟, isto é, qual será, como
por nós mesmos, pelo qual elas foram gravadas em nosso ser necessária consequência, o nosso destino nas vidas futuras.
e, desta forma, saber qual o tipo de experiências, vividas em Desse modo, será possível conhecermos também o valor desta
nosso passado, que nos levaram, como resultado, à atual es- outra incógnita, ou seja, o conteúdo de nossas vidas futuras,
trutura de nossa personalidade, conhecendo assim o conteúdo avaliando os elementos que encontramos em nossa personali-
de nossas vidas passadas. dade nas condições de nossa vida atual.
2) Quando conhecemos o que fizemos em nosso passado, A chave para chegar ao conhecimento tanto de nosso passa-
podemos, como continuação e lógica consequência desse traba- do como de nosso futuro está no elemento „c‟, o único que po-
lho anterior, entender qual deverá ser o novo trabalho a realizar demos controlar com a nossa observação. Trata-se, então, de es-
em nossa vida atual. O conhecimento de nosso passado revelará tudar a nossa personalidade em seus dois aspectos, seja nas suas
qual a direção do caminho que a nossa vida tomou no desen- qualidades atuais, com as quais ele se construiu no passado, seja
volvimento do nosso destino, tornando possível assim prever a nas suas presentes condições de vida e no trabalho que ela está
forma na qual ele terá propensão para continuar se realizando agora realizando para adquirir as novas qualidades do futuro.
no presente, como lógica consequência do passado, e no futuro, Este estudo de nossa personalidade significa um profundo
como lógica consequência do passado e do presente. ato de introspecção, realizado através de um severo e sincero
3) Quando tivermos atingido esta muito mais ampla visão exame de consciência. O psicanalista poderá praticar este exa-
da vida, que, estendendo-se além dos estreitos limites de nosso me, dirigindo as pesquisas e ajudando o inexperiente na sua
presente imediato, enxerga o passado e o futuro, será possível, confissão. O homem inteligente poderá praticá-lo sozinho, ob-
agora que conhecemos o processo evolutivo da construção da servando em si mesmo os impulsos que o movimentam, os re-
personalidade, introduzir nele, onde existirem erros, os impul- sultados atingidos, o tipo de acontecimentos que prevalecem na
sos necessários para corrigi-lo e endireitá-lo, atuando de uma sua vida, a direção para a qual esta tende a se desenvolver etc.
forma inteligente e espontânea, antes de sermos constrangidos à O que interessa conhecer é o valor do elemento „c‟, porquanto
força pela reação da Lei a pagar duramente com a nossa dor. ele está situado ao longo de uma trajetória, da qual lhe pedimos
Obteremos assim a capacidade de moldar o nosso próprio des- para nos revelar o antecedente e o consequente, ou seja, o nosso
tino, tornando-nos donos dele, iluminados pelo conhecimento, passado e o nosso futuro ao longo do caminho da evolução.
ao invés de sermos arrastados como cegos pelas forças da vida. Assim o próprio sujeito poderá realizar um processo interior
Que imensa vantagem poder atravessar o oceano da existência de autopsicanálise, pesquisando no seu subconsciente para ler o
em evolução, sabendo dirigir o próprio navio, ao invés de ter de que foi aí escrito por ele mesmo no passado. O valor dos resul-
ficar ao sabor dos ventos e das ondas, nas trevas da ignorância, tados depende da exatidão e da profundidade desse exame. O
obrigado a bater a cada passo nos rochedos do erro e naufragar, método da pesquisa para chegar ao conhecimento da incógnita
para aprender, através de contínuos sofrimentos, qual é o cami- „x‟ nos seus dois sentidos, isto é, em relação ao conteúdo tanto
nho certo! Analisamos esse duro método corretivo da Lei em de nossas vidas passadas como de nosso futuro destino, baseia-
nosso livro Queda e Salvação. Assim, para conhecer o nosso se na observação do único elemento que temos em mãos e po-
passado, é necessário conhecer o seguinte princípio da Lei: demos observar, o elemento „c‟, do qual, porém, pode ser dedu-
“Onde hoje há uma dor, aí esteve no passado o nosso corres- zido todo o restante. Isto quer dizer que o exame deve ser com-
pondente pecado contra a Lei”. Da mesma forma, para conhe- pleto, para nos mostrar qual é o conteúdo de nossa vida atual,
cer o nosso futuro, é necessário, também pelo mesmo princípio realizando a pesquisa em duas direções: 1) Observando intros-
da Lei, saber que: “Onde hoje se comete um pecado contra a pectivamente as qualidades da nossa personalidade e os respec-
Lei, aí estará no futuro a nossa correspondente dor, constituindo tivos impulsos instintivos que emergem do subconsciente; 2)
a penitência encarregada de corrigi-lo”. Dada a estrutura do or- Observando exteriormente as condições de nossa vida atual, o
ganismo do todo, ninguém pode cindir a complementaridade nosso comportamento, as nossas realizações e os acontecimen-
que liga os dois elementos, culpa e sofrimento. tos através dos quais se manifesta o nosso destino atual. Em ou-
Aprofundemos estes conceitos. Como é possível descobrir o tras palavras, analisando o que somos hoje, por nos termos as-
conteúdo de nossas vidas passadas? Qual será o desenvolvi- sim construído em nosso passado, e observando o trabalho que
mento de nosso futuro destino? Com qual lógica e através de estamos realizando atualmente, com o qual estamos construin-
que técnica pode-se realizar isto? do a nossa personalidade futura, poderemos prever o destino
1) Exprimindo com as letras abaixo os seguintes conceitos, que estamos preparando para nós mesmos amanhã. Assim, se
isto é, „a‟=causa, „b‟=efeito, „x‟=conteúdo das nossas vidas concebermos a vida em tão mais vastos termos, indo além dos
passadas e „c‟=nossas qualidades atuais, poderemos estabelecer estreitos limites do seu atual trecho terrestre, poderemos enxer-
a seguinte proporção: gar um destino nosso maior, que vai amadurecendo pouco a
a:b=x:c pouco, à medida que a personalidade vai-se deslocando e su-
Esta expressão pode ser lida no seguinte sentido: assim co- bindo ao longo do caminho da evolução, desde o seu ponto de
mo a natureza do efeito „b‟ nos expressa a natureza da causa partida no AS até ao seu ponto de chegada no S.
„a‟, as nossas qualidades atuais „c‟ também nos revelam „x‟, is- Essas pesquisas no passado e no futuro, que parecem desco-
to é, o trabalho realizado por nós para adquiri-las nas vidas pas- bertas incríveis, tornam-se possíveis, quando os horizontes
sadas. Desse modo, será possível, avaliando os elementos que abrangidos pela nossa observação estão situados além dos habi-
constituem a nossa personalidade atual, conhecermos o valor da tuais e limitados de nossa vida atual. Estes, então, passam a ser
incógnita „x‟, ou seja, o conteúdo das nossas vidas passadas. concebidos como um momento de uma imensa vida maior, re-
2) Exprimindo com as letras abaixo os seguintes conceitos, presentada por uma trajetória que, como tal, está sujeita a uma
isto é: „a‟=causa, „b‟=efeito, „c‟=nossas qualidades, condições e lei própria de desenvolvimento e segue um percurso lógico. O
destino atual, „x‟ = nosso destino futuro, poderemos estabelecer fato de se conceber a vida e o destino como um fenômeno em
a seguinte proporção: evolução, no qual a lei e a lógica do amadurecimento do próprio
a:b=c:x processo estabelece a ligação entre passado, presente e futuro,
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 43
permite-nos descobrir também as partes que escapam à nossa tos, passando, pelo contrário, a saber como escolher o melhor
observação direta, como é sempre possível fazer, quando há uma caminho para ele. Isto significa possuir um meio para dirigir o
trajetória da qual conhecemos apenas alguns elementos, mas sa- seu destino inteligentemente, evitando assim os erros e as res-
bemos qual é a lei do seu desenvolvimento. Assim é possível pectivas dores, que cumprem a função de endireitá-lo. Podemos,
calcular também o valor das zonas desconhecidas do fenômeno. portanto, evitar estes choques contra a Lei e nos livrarmos das
É preciso entender que o processo da construção da perso- tristes consequências disso. Queremos a felicidade, mas, para al-
nalidade é único, estando canalizado dentro do processo evolu- cançá-la, é necessário conhecer e seguir as leis que nos condu-
tivo universal, sujeito às regras estabelecidas, orientado dentro zem até ela, das quais a mesma depende. Deste modo, como já
de um plano pré-ordenado e necessariamente direcionado para dissemos, dominaremos a arte de moldar o nosso destino, o que
um telefinalismo. Tudo isto faz parte da técnica da reconstrução significa possuir a técnica da construção da nossa personalidade,
do universo, da qual temos falado bastante em outros livros. A sendo este conhecimento fundamental para a nossa libertação e
ignorância não nos deixa ver senão um pequeno e momentâneo salvação, porque ele nos permite subir para níveis de vida cada
trecho de nosso destino, separado daquele imenso processo e vez mais adiantados e, por isso, mais felizes.
isolado no vazio, enquanto tudo é lógica consequência e férrea O destino poderia ser definido como o caminho que o indi-
continuação, tal como acontece com a trajetória de um projétil víduo percorre na construção da sua personalidade. Os resulta-
lançado no espaço. Neste caso, assim como no destino, a posi- dos dependem da escolha que ele faz neste caminho, seguindo
ção de cada momento está ligada àquelas posições de todos os ou contrariando a Lei, aproximando-se ou afastando-se dela.
momentos precedentes e sucessivos, estando o presente contido Agora, já sabemos que há no destino uma parte determinística,
no passado e o futuro contido no presente. Uma vez iniciado representada pelo retorno e continuação do passado, a qual te-
um movimento numa dada direção, tudo tende a continuar mo- mos de aceitar à força. Mas há nele também uma parte livre, na
vimentando-se na mesma direção. Sem sombra de dúvida, ape- qual podemos tomar novas iniciativas. Então, se o passado foi
sar de termos liberdade para introduzir na trajetória de nosso errado e hoje nos esmaga, é possível nos libertarmos dele, neu-
destino novos impulsos, capazes de modificá-lo, a lei que esta- tralizando-o, seja deixando que ele esgote o seu mau impulso e
belece o percurso de uma trajetória, uma vez que ela tenha sido suportando com paciência os sofrimentos decorrentes, seja
iniciada num dado sentido, representa no fenômeno um impulso substituindo os velhos hábitos contra a Lei por outros novos, de
de tipo determinístico, ao qual todo o processo fica inexora- acordo com ela. Eis o que, inteligentemente, fazem os sábios.
velmente sujeito. Com a sua livre escolha, o ser se lança no Já demonstramos suficientemente que o segredo da felicidade
caminho da vida numa direção ou em outra, da qual ele depois está em nos libertarmos de nosso passado inferior, abandonan-
não poderá sair senão através de impulsos diferentes, lançados do a animalidade, para avançar no caminho da evolução. Isto
por si mesmo em outra direção. Mas até que ele realize com o significa nos afastarmos sempre mais do inferno do AS, para
seu esforço esta mudança, tudo continuará avançando na dire- nos aproximarmos do paraíso do S. O segredo da felicidade está
ção precedente. E mudar não é fácil. É muito difícil modificar em saber mudar o nosso destino de involuídos no de evoluídos.
os instintos. Eles representam uma massa lançada, que, adqui- Nisto consiste o processo evolutivo para o homem, trabalho
rindo velocidade, tem, por inércia, uma autônoma vontade de que cada um tem de realizar com seu próprio esforço, para si
continuar, cuja direção não é fácil corrigir. mesmo, sozinho perante a justiça da Lei, carregando todo o pe-
Assim como um projétil tem a sua trajetória no espaço, cal- so do seu passado, mas sempre com a possibilidade de se liber-
culável segundo as suas características, a personalidade tam- tar dele, começando a construir a sua personalidade em sentido
bém tem, no seu desenvolvimento, a sua trajetória no tempo, diferente. Eis qual deve ser o conteúdo e a maior finalidade da
calculável segundo as suas características. Essa trajetória no ética. O peso das qualidades gravadas no passado, no subcons-
tempo é o que se chama destino. Tanto no espaço como no ciente humano individual e coletivo, é imenso, e é ele que diri-
tempo, tão logo aparece um movimento, tudo mais é conse- ge a maior parte de nossa vida. Qual é o nosso passado recente
quência, dando origem a uma ligação entre antecedente e con- e o que se pode exigir de uma humanidade que ainda há pouco
sequente, à qual o desenvolvimento do fenômeno fica amarrado tempo estava mergulhada nas trevas e ferocidades da Idade
sem saída. Esta é a razão pela qual o futuro, antes de se tornar Média? Tudo isto continua pronto para ressurgir do subconsci-
presente, já está demarcado ao longo de uma linha que o prende ente na primeira oportunidade. E vimos o que aconteceu na úl-
antes do seu nascimento. O efeito está envolvido e enredado no tima guerra mundial, como vemos também, todos os dias, o
seio da sua causa, assim como o feto no seio materno e como a gosto que as pessoas têm para contos e crônicas de crimes.
planta na sua semente. Tudo chega à existência por esse método Um dos maiores perigos para a vida social é o espírito de lu-
de filiação, fenômeno que permite a conservação dos valores ta, instinto ao qual o ser está fortemente apegado, porque deve a
adquiridos, a continuidade no desenvolvimento e a orientação ele a sua sobrevivência, o que torna difícil apagá-lo. Pelo prin-
constante no caminho evolutivo, estabelecendo um estado de cípio, há pouco mencionado, do retorno e continuação do pas-
ordem e de organicidade neste imenso movimento de todo o sado, este impulso guerreiro, que representa a parte determinís-
universo. Assim nada morre, mas tudo ressurge nesta contínua tica do destino, continua funcionando mesmo quando ele não
repetição do passado. São estes liames que mantêm em unidade representa mais uma defesa da vida, e sim um meio de destrui-
a imensa multiplicidade do todo. Não há existência que não es- ção universal. Com a evolução, mudam as leis que regem a vi-
teja em movimento, pois tudo se encontra em perene transfor- da. Assim, o que era útil pode tornar-se um perigo e o que era
mação, mas sempre dentro da disciplina estabelecida por tais vantagem pode tornar-se um dano. É dessa forma que, no traba-
princípios. Assim, nascemos aprisionados pelo nosso passado, lho da evolução, chegou a hora de mudar de caminho, substi-
como indivíduos e como sociedade, sendo constrangidos a an- tuindo, como já dissemos, os velhos hábitos por novos, adqui-
dar de novo nos trilhos já percorridos, que, no terreno da vida, rindo outros instintos. A humanidade terá de atravessar novas
continuamente escavamos com os nossos pés. experiências, para aprender uma lição mais adiantada, que lhe
◘◘◘ ensinará uma conduta diferente do passado, porque, com a evo-
Agora que conhecemos a técnica do desenvolvimento de lução, estão mudando os valores e os pontos de referência de
nosso destino, podemos nos perguntar qual a utilidade de saber nossa ética. No futuro próximo, o herói da guerra será sim-
tudo isto. A vantagem está no fato de que o indivíduo, quando plesmente um criminoso, como é hoje quem mata outro cida-
tem conhecimento, deixa de ser um boneco cego, como a maio- dão. A vida tende a permanecer apegada aos velhos caminhos –
ria, condenada a aprender duramente através dos seus sofrimen- já bem experimentados e, por isso, mais seguros – mas, ao
44 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
mesmo tempo, a evolução impulsiona para a subida, e tal im- giões, o fanatismo, o sectarismo, a intransigência, a perseguição
pulso representa um elemento de renovação, pelo qual a des- etc. O resultado, portanto, é que o subconsciente das massas
truição do velho e a criação do novo se torna inevitável. vence e os princípios superiores perdem. Isto porque as grandes
É verdade que até agora a guerra foi um meio de renovação, verdades reveladas pertencem ao Céu, descendo daí à Terra, on-
destruindo o velho para lhe substituir o novo. Um contínuo de a animalidade está bem radicada no seu ambiente natural, no
bem-estar na paz é antievolutivo. Ela pode ser sinônimo de qual é necessário, a fim de permitir a realização daquelas verda-
inércia, significando a posição de um mundo estático, que enve- des, o consentimento das massas, que na Terra, pela força do
lhece e apodrece na rotina e na repetição. Aqui, porém, não fa- número, são bem poderosas. A involução da maioria se impõe a
lamos de destruir a luta e o correlativo esforço criador, mas sim tudo em nosso mundo, e não há coisa que lhe possa escapar.
de abandonar essa forma involuída de luta, que não sabe atingir Com estas observações, vamos nos explicando muitos fatos
a renovação senão por meio da destruição. O trabalho a ser rea- dos quais, de outro modo, não poderíamos entender a origem, o
lizado na atual fase de evolução biológica continua seguindo os sentido e a finalidade. A utilidade de tudo isto está no fato de
impulsos da luta criadora, mas tirando dela toda a negatividade que tal conhecimento nos permite dirigirmo-nos consciente-
que a acompanhava no passado, ou seja, tudo que é violência, mente no caminho de nossa evolução, pois nos fornece a técni-
agressividade e destruição. Trata-se de canalizar os velhos ins- ca da construção de nossa personalidade. A nossa vida adquire,
tintos, dirigindo-os para atividades criadoras, não destrutivas. O então, uma significação superior, que a orienta para o ponto fi-
inimigo a ser combatido não será mais o vizinho, e sim os ma- nal e resolutivo do processo evolutivo. O conteúdo da vida é
les que atormentam o mundo. Descobriremos, então, que a paz um processo de experimentação progressiva, que deixa uma
tem também um aspecto positivo, e não somente o negativo, marca perene no subconsciente, como uma espécie de fita de
como vimos. É assim que poderemos ter uma paz maravilho- gravação e armazenagem, onde o patrimônio experimental ad-
samente dinâmica e criadora, cujo produto não será a decadên- quirido vai se acumulando na forma de conhecimento e quali-
cia na inércia, mas a construção do bem de todos. Este será o dades. Assim, o nosso eu, por essa contínua registração, conti-
conteúdo das guerras do futuro. nuamente sedimentada em suas camadas profundas, constituí-
É maravilhoso observar que o homem é constrangido a su- das pelo subconsciente, vai sempre mais se enriquecendo, dila-
bir à força pelo impulso evolucionista. Com o desenvolvimento tando-se e aperfeiçoando-se, aproximando-se da sua meta, que
da inteligência e o progresso científico, transformou-se a tal é o S. Então, tudo o que nos acontece na vida não é mais um
ponto a técnica da guerra, que ela não será mais possível. As- enigma, deixando de ser um impenetrável mistério de Deus. No
sim a mente humana, sem querer, uma vez que se movimenta entanto o homem atual ainda procura explicações ao acaso,
na direção materialista, produziu condições de vida nas quais o culpando isto ou aquilo, sem entender nada das verdadeiras
pacifismo e o colaboracionismo evangélicos, pregados em vão causas de um dado desenvolvimento do seu destino.
por milênios, terão agora de se realizar, se a humanidade quiser ◘◘◘
sobreviver. O instinto de conservação exigirá a realização da- Continuemos a aprofundar este assunto, observando outros
quilo que até hoje foi utopia. E os atávicos produtos do sub- casos, para entender o seu significado. Com que sabedoria o
consciente terão de se modificar, gerando novas qualidades, homem se dirige nas suas ações, antes de desenvolver as suas
porque experiências apocalípticas estão prontas para corrigir os qualidades racionais? Tal como os animais, ele se dirige pelo
velhos instintos, ensinando uma nova lição. instinto. Isto acontece com todos os subdesenvolvidos, sejam
Todo o processo evolutivo se realiza com esse método da eles animais ou seres primitivos. Tudo depende do nível de evo-
substituição do velho pelo novo, por meio de novas experiên- lução atingido. Este período infantil pode ser superado desde a
cias, que, no lugar dos antigos, fixam novos hábitos e qualida- primeira meninice, em indivíduos superdesenvolvidos, como
des no subconsciente. É assim que as leis religiosas e civis pro- também pode suceder que não seja superado nem sequer na ve-
curam fazer do homem um ser civilizado, educando-o na ordem lhice, em seres atrasados. Ser dirigido pelo instinto, como já fri-
da vida social. Aparece então a luta dos instintos do animal, samos, quer dizer funcionar obedecendo cegamente aos automa-
impressos no subconsciente, contra essa nova lição, que eles tismos adquiridos nas vidas precedentes, repetindo o que foi
não querem aprender. Tais instintos representam a sobrevivên- gravado no subconsciente pela experiência passada. Somente
cia do passado, que volta, rebelando-se para não ser destruído. depois de ter atravessado esse período de repetição automática e
Vemos, portanto, que a ética constitui uma luta entre a luz e as instintiva, que resume rapidamente o passado, o indivíduo inicia,
trevas, entre o futuro e o passado. Isto resulta, por um lado, no na fase consciente, o trabalho de continuar construindo a sua
esforço do indivíduo para se evadir de todas as leis e, do outro, personalidade. É no período da maturidade que o indivíduo, co-
na luta das autoridades para obter obediência, as civis por meio mo se acordasse de um estado de sonho no qual ele era dirigido
da polícia e das cadeias, e as religiosas por meio dos diabos e pelo subconsciente, desperta para um estado consciente e toma
do inferno. Assim as leis, teoricamente ótimas, não podem che- iniciativas novas, continuando o trabalho de construção da sua
gar à sua realização prática senão em forma torcida, transfor- personalidade, realizado no passado e armazenado no subcons-
mando-se para se adaptar às exigências do subconsciente das ciente. Este é o período dinâmico das novas experiências, consti-
massas, a força que mais se impõe na realidade da vida. tuindo a fase ativa da exploração e assimilação. Trata-se da via-
As religiões, cuja função é trazer para a realização prática os gem do eu que se lança para fora no mundo exterior, onde en-
princípios superiores, situados acima do nosso nível biológico, contra choques, digerindo e assimilando impressões.
estão constrangidas a levar em conta esse fato da resistência do Assim o gasto da energia de que são ricos os jovens acaba
subconsciente, ao qual tem de se adaptar, respeitando as suas produzindo a sabedoria da velhice. A carga de dinamismo se
exigências fundamentais, porque esta é a primeira condição para transforma em psiquismo. Esta é a função da vida no seio do fí-
a obediência das massas, sem a qual as religiões ficariam como sio-dínamo-psiquismo que constitui a evolução. Poder-se-ia as-
teoria abstrata fora da vida. Assim, o que se encontra nos fatos é sim definir o fenômeno biológico como um processo de trans-
um produto híbrido, no qual Céu e Terra se misturam no resul- formação da energia em conhecimento, pensamento e inteli-
tado do embate entre o ideal e a animalidade. Assim, a prática é gência. Então o fenômeno biológico representa o trecho dinâ-
diferente da teoria, de modo que a pregação é uma coisa, mas a mico-psíquico dentro do transformismo físico-dinâmico-
vida vivida é outra bem diferente. Então, os princípios superio- psíquico, que é o percurso da evolução. A sabedoria da velhice
res das religiões acabam sendo aplicados como exigem os instin- é o equivalente psíquico dos valores dinâmicos da juventude.
tos inferiores da animalidade. Aparecem assim, no seio das reli- Nada se destrói, tudo se transforma. Quando o indivíduo, por
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 45
ter experimentado bastante, tem as suas energias esgotadas, está do AS, dirigido no sentido negativo, destrutivo e antievolucio-
rico de novas qualidades, as quais valem o que ele perdeu como nista, que funciona como freio do progresso em subida, porque
energia. Na velhice, o consciente adormece, cristalizando-se de desejaria paralisá-lo. Este impulso do AS triunfa com a morte
novo na inércia, mas o seu trabalho de toda a vida ficou filtrado do ser, mas apenas temporariamente, porque há também o im-
no subconsciente, do qual estará sempre pronto a ressurgir no pulso oposto, realizado pelo S, que logo ressurge e, por sua vez,
futuro, para dirigir o ser automaticamente, enquanto o consci- prevalece, desenvolvendo-se em cheio com uma nova vida. A
ente não estiver acordado para realizar o trabalho de continuar a revolta gerou o dualismo, que divide o universo em duas partes:
construção realizada no passado. S e AS, em luta entre si. Por isso a evolução é trabalhosa, preci-
Este período ativo, no qual o eu está acordado no consci- sando, para se realizar, do esforço do indivíduo, a fim de vencer
ente, constitui aquele em que é possível realizar o esforço da a resistência do AS, que quer o reino do anti-Deus, e não de
subida e progredir no caminho evolutivo. Os outros períodos Deus. Tais problemas da personalidade humana não podem ser
têm funções diferentes, servindo para descanso, compreensão, resolvidos isoladamente, como desejaria a ciência, mas só em
reorganização e assimilação profunda. Esta fase de consciên- função da solução dos maiores problemas do conhecimento.
cia acordada na vida é a mais independente do determinismo O subconsciente representa o passado da evolução, o lado
do subconsciente, constituindo-se não mais de repetição au- da inconsciência, as trevas do AS. O consciente representa o fu-
tomática, mas sim de livre iniciativa do novo. É neste período turo da evolução, o trabalho de construção da inteligência, a
que o livre arbítrio pode funcionar melhor, sobrepondo-se ao conquista da luz do S. Podemos agora entender porque a nossa
instinto, para corrigi-lo. existência se alterna entre a vida e a morte, duas formas opostas
Durante esta fase descarrega-se a energia vital da juventude, e em luta uma contra a outra. Este conceito, que significa reen-
que existe para essa finalidade, dando origem a uma nova cons- carnação, baseia-se na própria estrutura dualista do nosso uni-
trução. Trata-se de uma imensa reconstrução, que vai do AS ao verso e na íntima natureza do fenômeno evolutivo. Eis por que
S. Nisto consiste o processo da evolução. Cada vida representa o nosso eu oscila – ora na posição de vida, acordado no consci-
um passo para frente. O desenvolvimento deste processo pode- ente, ora na posição de morte, adormecido no inconsciente –
ria ser expresso por uma linha em forma de onda, na qual temos entre um estado de luz e outro de trevas, conforme vença e pre-
um trecho de descida, no período da velhice até à morte, e um valeça o S ou o AS, fontes de dois impulsos opostos.
trecho de subida, situado depois da juventude, na plenitude da Podemos, assim, entender a substância da evolução. Trata-se
maioridade, no qual é alcançada uma altura superior àquela de um processo que, indo do inconsciente ao consciente, cumpre
atingida na vida precedente, de modo que o resultado final de o trabalho de destruição do primeiro e de reconstrução do se-
todo o movimento ondulatório é uma ascensão contínua. Então, gundo, consistindo na conquista da consciência, ou melhor, na
neste processo de reconstrução da personalidade, o período reconquista da consciência originária. Por isso vivemos experi-
verdadeiramente ativo, como ascensão evolutiva, é a fase cons- mentando, para despertar do sono da inconsciência, fruto da
ciente da vida, na qual é possível a livre escolha, ficando acima queda. Esta é a razão pela qual a vida vai do subconsciente ao
dos instintos, ou seja, do retorno automático do passado. De- consciente e ao superconsciente, saindo do mistério para chegar
pois desse período, tudo cai nas engrenagens da Lei, que se ao conhecimento, prestando-se para o desenvolvimento da inte-
apodera dos resultados do trabalho executado naquela fase ligência. O livre arbítrio que cada um possui é proporcional ao
consciente e os dirige fatalmente para as suas consequências, nível de evolução por ele atingido, pois depende da medida na
até que o contínuo transformismo amadureça outro período de qual o ser possui consciência, inteligência e conhecimento. O
vida ativo e consciente, no qual, baseando-se naquelas conse- grau de liberdade do ser depende da sua evolução. Assim, quan-
quências, continua o trabalho da construção da personalidade. to mais evoluído é o ser, mais livre está do determinismo com o
O desenvolvimento desse processo evolutivo poderia ser qual a Lei dirige os cegos involuídos, liberdade só possível
expresso também pela abertura de uma espiral, como encon- quando surge a consciência necessária para se autodirigir.
tramos descrito em A Grande Síntese, na figura que representa De tudo isto segue-se que, quanto mais o ser evolui, tanto
o “desenvolvimento da trajetória típica dos motos fenomêni- mais vastos e longos são para ele os períodos de consciência,
cos”2. O período dinâmico consciente do trabalho construtivo nos quais se existe no estado desperto, e tanto mais restritos e
da idade madura, no qual se realiza a subida evolutiva, é repre- curtos se tornam para ele os períodos de inconsciência, como a
sentado pelo trecho de abertura da espiral, que expressa o ca- velhice, a meninice e a fase de sono na morte. De fato, vemos
minho de expansão ascensional da evolução. O oposto trecho as almas superiores ficarem com a mente acordada até à velhi-
de contração involutiva da espiral, que recua um pouco para ce e, quando se encarnam, acordarem já desde a primeira me-
trás, fechando-se sobre si mesmo, representa o período de invo- ninice, mais cedo do que é comum, constituindo os gênios pre-
lução e inércia da velhice, no qual tudo o que foi vivido desce coces. Com a evolução aumenta a zona da consciência e dimi-
ao subconsciente, onde permanece gravado para o indivíduo, nui a da inconsciência. É a extensão dessa zona, num sentido
como lembrança do passado, que ressurgirá amanhã. O fato de ou noutro, que nos revela o nível de evolução atingido pelo in-
que no inicio de sua nova vida, até atingir a maioridade, o indi- divíduo. Na velhice há para todos um regresso involutivo, no
víduo é dirigido pelo conteúdo gravado em seu subconsciente, é qual a personalidade, como que se enrolando, fecha-se em si
representado pela reabertura da espiral, percorrendo em subida, mesma, encerrando dentro de si os resultados do trabalho da
na juventude, o trecho que, na precedente velhice, foi percorri- sua vida atual. Depois chega a morte, o silêncio, a vida intros-
do em descida, mas acrescentando a ele um novo trecho em su- pectiva, como compensação da sua parte inversa e complemen-
bida, que constitui o trecho conquistado a cada vida no caminho tar, extrovertida, que também chamamos de vida. Quanto mais
progressivo da evolução. E o processo continua assim, de modo o indivíduo é primitivo, tanto mais poderosa e real é a segunda
que, por esse jogo alternativo de expansão e contração, no qual forma de vida e tanto mais fraca, misteriosa e irreal é a primei-
cada expansão é sempre maior e cada contração é sempre me- ra. Quanto mais o ser é adiantado, tanto mais ilusória é a vida
nor, pode-se realizar o processo evolutivo que vai do AS ao S. terrena e tanto mais poderosa, real e viva é a vida extracorpó-
Poderíamos perguntar, então, por que sempre se repete a fa- rea depois da morte. Por isso o primitivo julga como irrepará-
se de contração e retrocesso? Ou, em outras palavras, por que vel a perda da vida física e luta desesperadamente para conser-
existe a velhice? Tais resultados são produzidos pelo impulso vá-la, enquanto o evoluído possui a sensação de que a morte
não o atinge, porque não apaga o seu estado de consciência
2
Cap. XXV, fig 4. desperta, no qual ele fica vivo, apesar da morte.
46 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
Ao iniciar uma nova vida, o eu, que na velhice se enrolou cordam nestes pontos? Isto acontece porque tais verdades fica-
sobre si mesmo, fechando-se no subconsciente, desenrola-se na ram impressas no subconsciente como fruto das experiências
meninice e juventude da nova encarnação, assumindo como passadas. Muitas das ideias que dirigem o mundo não são fruto
ponto de partida da nova vida aquele que foi o ponto de chega- de lógica e raciocínio, mas de impulsos instintivos do subcons-
da no fim da vida precedente. A conclusão do processo é a con- ciente. Então, muitas vezes, não é o racional que dirige nossa
quista da imortalidade. Este é o resultado final da evolução. E vida, mas sim o irracional, do qual agora conhecemos a origem
imortalidade, de fato, não é senão um estado contínuo de cons- e o profundo significado. Assim, há verdades axiomáticas tão
ciência desperta, com conhecimento da própria existência e da profundamente enraizadas na mente humana, que ninguém as
dos outros, no qual a mente percebe e a inteligência entende. pode abalar. Elas são as mais antigas, confirmadas pela experi-
Potencialmente, tudo o que existe é eterno, indestrutível, imor- ência como indispensáveis à sobrevivência, sendo básicas para
tal. Assim também os primitivos são imortais. Mas não sabem a existência. E estas grandes verdades elementares, construídas
disso, porque, com a morte, perdem a consciência, que os faz pela vida nos níveis biológicos inferiores, continuam vigorando
sentirem-se vivos. Tudo depende da própria capacidade de per- também no plano humano, dentro da mente racional, apesar da
ceber, de acordo com o grau de sensibilidade atingido. Quem inteligência e do conhecimento do homem.
não sabe sobreviver à morte senão em estado de inconsciência, No caso dos involuídos, que não possuem ainda uma cons-
está morto, porque não sabe que ainda está vivo. Esta inconsci- ciência para se dirigir, quem os impulsiona pelo caminho certo
ência também é imortalidade, mas decaída na matéria e em tudo para o seu futuro é o pensamento e a vontade da Lei. Não é ao
o que ruiu no AS, invertida ao negativo, como vida imobilizada acaso que o ser tem de progredir, e sim ao longo de um cami-
na inconsciência da morte. A verdadeira imortalidade é aquela nho já assinalado, porque a evolução vai de um universo tipo
que a evolução realiza, levando o ser até ao S, erguendo-o da AS para um universo tipo S. O caminho já está marcado, pois
matéria até ao espírito, despertando-o do estado de inconsciên- trata-se de endireitar o que se emborcou com a queda, e isto
cia próprio do AS para o estado de consciência próprio do S. significa ter de percorrer em subida o caminho que, em descida,
Então a sensação da sobrevivência como capacidade de in- foi percorrido na fase da involução. Assim, o crescimento do eu
trospecção no período de desencarnado depende do grau de de- pode realizar-se automaticamente também nos níveis inferiores,
senvolvimento de consciência atingido pelo indivíduo. Por isso como no caso da matéria, das plantas e dos animais, nos quais
esta capacidade não é igual para todos, como não o é também o ainda não existe uma consciência que possa dirigir-se por si
poder de orientar a sua nova vida e se autodirigir no caminho própria. O caminho a percorrer já foi assinalado no período da
da evolução, que, pelo fato de ser conquista de consciência, descida involutiva. Trata-se agora de percorrer o mesmo cami-
também é conquista de autonomia de existência. É lógico que a nho, mas na direção oposta, em subida, ao invés de descida.
capacidade de introspecção, pelo fato de ser um ato consciente, Não somente já estão marcados o ponto de partida e o ponto de
não pode aparecer senão quando o indivíduo está suficiente chegada, mas também a trajetória da evolução, que os liga,
maduro. Para os primitivos, prevalece o determinismo da Lei, unindo-os no mesmo processo. Não é possível uma conquista
que se encarrega, com seus impulsos, de despertar quem ainda do nada, um caminho sem uma direção e uma meta. O tipo de
se encontra em estado de inconsciência. E que sejam desperta- desenvolvimento da existência do ser já está escrito na Lei, de
dos não só é a vontade da Lei mas também é bom para eles. modo que o percurso não pode ser senão um caminho de re-
Eis então o que acontece. No período da vida, todas as expe- gresso, cumprindo o trajeto do AS–S.
riências ficam registradas no subconsciente, como numa fita. Ao Seria absurdo pensar que o processo evolutivo tivesse de fi-
desencarnar, o ser transporta essa gravação para a outra forma car ao dispor das capacidades de compreensão do ser. O conhe-
de vida, que chamamos de morte, e pode observar os registros cimento somente aparece quando o ser, merecendo pelo seu es-
gravados. Oposta e complementar à precedente, essa é a fase de forço de percorrer o caminho, está bastante adiantado. O surgi-
decantação e filtragem, de digestão e assimilação, de interpreta- mento da consciência é um efeito, e não a causa, do amadure-
ção e compreensão, trabalho que antes, no meio da luta, não po- cimento. E, de fato, vemos em nossa própria vida que o destino
dia ser feito. Essa nova operação será tanto mais profunda e per- simplesmente atua, sem nos explicar o porquê de sua ação, cuja
feita, quanto mais o ser for evoluído. O fenômeno fundamental razão cabe ao indivíduo encontrar. Este, porém, não pode en-
que permanece constante, ligando uma vida à outra, é essa assi- contrá-la senão quando se tornar bastante evoluído para enten-
milação nas profundezas do eu em contínuo crescimento. Ve- der qual é, com relação a ele, a vontade da Lei, que, assim, nada
mos, então, que o nosso conceito de subconsciente é muito mais podendo explicar, fustiga-o continuamente, até ele entender.
vasto e completo do que o da psicanálise atual. Assim como ◘◘◘
acontece no tronco de uma árvore, cada vida sobrepõe uma nova Observemos ainda outros aspectos do problema da persona-
camada às precedentes, que nos contam toda a história daquela lidade humana e do destino.
existência. Cada um leva consigo o livro em que tudo foi escrito, A diferença entre o evoluído e o involuído é que só o
o qual não pode ser apagado, mas pode ser lido, e a psicanálise primeiro dirige conscientemente a sua vida. Esta é uma sabe-
do futuro será capaz de fazer esta leitura. Cada qualidade, im- doria que o ser tem de conquistar com seu próprio esforço,
pulso ou movimento no presente não é senão a consequência de como faz o menino para aprender a andar, caindo, levantan-
tudo o que foi vivido no passado. Só poderemos compreender a do-se e caindo de novo. Mas aonde o conhecimento do ser
nossa vida, se a encararmos neste seu vastíssimo sentido, que a não chega, automaticamente funciona a Lei, que o leva na
abrange em todo o seu caminho evolutivo. sua corrente. Assim, quando ele tenta afastar-se dela com
Estamos presos pelas consequências do nosso passado. So- seus impulsos errados, procurando desvios, a Lei o corrige
mos o que somos porque assim nos construímos nas vidas pre- com a dor. Com tal método, ele acaba por fim aprendendo a
cedentes, não nos sendo possível sair de nossa forma mental já se manter dentro dessa corrente e a segui-la, acompanhando
feita, pois ela é o único instrumento que possuímos para enten- seus impulsos, movimentando-se na mesma direção deles, e
der e julgar. A nossa sabedoria atual é filha da escola que a en- não contra. Então o progresso, em vez de se realizar pelo
sinou para nós. Tal é a história da formação e da presença dos choque contra a reação da Lei, que se opõe às tentativas erra-
instintos. Há na natureza humana verdades fundamentais que, das, toma uma forma muito mais fácil e rápida, porque a evo-
pela sua evidência, não precisam de demonstração para serem lução não é mais freada pela luta entre dois impulsos opostos,
entendidas e admitidas, sendo aceitas de forma axiomática por mas sim sustentada e estimulada por dois impulsos que con-
todos. Por que isso? Como é que todos, espontaneamente, con- cordam e se somam: o da Lei e o do ser.
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 47
Temos falado bastante destes dois tipos biológicos, o evolu- outros destinos, que, também querendo se realizar, vão-se de-
ído e o involuído. Eles representam dois extremos, entre os senvolvendo juntos. No cumprimento de um destino há uma
quais há vários tipos intermediários de indivíduos e destinos. necessidade absoluta de realização, mas não se trata de algo rí-
Cada um, então, apesar de estar ligado às leis da grande corren- gido e mecânico, e sim de uma vontade contínua, que exerce
te que arrasta a todos, pode percorrer o caminho da vida de ma- uma pressão constante e implacável, tendendo e estando sempre
neira diferente, particular a ele, continuando a seguir o caminho pronta a se realizar tão logo o ambiente permita. Tal vontade
da sua vida precedente, conforme o construiu no passado. Na funciona por tentativas, mas age com tenacidade, sempre apro-
juventude, ele abre a mala que contém os instrumentos coloca- veitando toda e qualquer oportunidade. Eis, então, que na férrea
dos aí por ele no fim da vida precedente e, tal como os encon- atuação da lei de causa e efeito permeia uma elasticidade de
tra, utiliza-os na sua nova vida. Trata-se dos seus instintos, im- adaptação às circunstâncias do momento. Se não encontrar logo
pulsos e qualidades de todo gênero. as condições para se descarregar, a pressão dessa força continu-
Nesta altura poderia surgir uma dúvida, a qual deve ser es- ará esperando a oportunidade, mas nessa espera ela irá se con-
clarecida. Como, em meio a tantos outros, progredindo juntos centrando progressivamente, comprimida cada vez mais pela
dentro de uma mesma lei geral que os abrange, pode cada desti- falta de desabafo. Assim, aquela força continuará impelindo
no se desenvolver livre e completo no seu devido caminho, sem com cada vez mais urgência, sempre no mesmo sentido estabe-
ser torcido pela proximidade dos outros? E temos, de fato, mui- lecido pela lei causa-efeito, até que explodirá, conseguindo
tos destinos diferentes, que se desenvolvem um perto do outro, transformar-se em realidade no fato concreto. Uma vez que o
mas cada um seguindo o seu caminho particular conforme a lei indivíduo, com o seu livre arbítrio, lançou tais forças, elas au-
do seu desenvolvimento. Como então, nesta rede, permanecem tomaticamente caem no domínio da Lei, que as canaliza, con-
separados os fios condutores de tantos destinos, seja ele de amor forme seus princípios, em caminhos dos quais elas não podem
ou de ódio, de bondade ou de maldade, recebendo cada um aqui- sair, tendo de segui-los até seu esgotamento. E o indivíduo fica
lo que merece segundo a justiça, sem que dela ninguém possa amarrado a estas forças, pois elas fazem parte do sistema de
fugir? Deus não pode permitir que seja violada a justiça da Lei, forças que constituem a sua personalidade. É assim que o pas-
segundo a qual cada um pode semear e colher somente no seu sado está dentro de nós, amadurece conosco, define o trajeto de
terreno, o que significa receber apenas conforme os seus méritos nosso destino e nos acompanha no presente e no futuro, aju-
e culpas, sem que ninguém possa interferir no que não é seu. E dando-nos ou perseguindo-nos conforme houvermos merecido.
como é possível tantos destinos diferentes, ao invés do caos, O princípio de justiça na realização de um destino fica
acabarem construindo em conjunto, tal como numa tapeçaria, respeitado, porque ele depende da escolha que o indivíduo faz
um desenho coletivo maior, no qual se encaixa e se cumpre o entre tudo o que encontra no seu ambiente e do uso que ele
menor de cada indivíduo separadamente? Como se pode à rigi- faz de tudo isto, assim como a manifestação das doenças de-
dez da lei de causa e efeito, caracterizada pelo seu férreo enca- pende da predisposição clínica do ser e também do próprio
deamento, no qual se baseia o desenvolvimento de nosso desti- ambiente microbiano geral. A culpa está na fraqueza congêni-
no, conciliar a necessidade de convivência recíproca entre desti- ta – consequência do passado – que estabelece uma predispo-
nos assim entrelaçados? E tudo isto sem que um destino cometa sição para dados ataques, constituindo uma atração que repre-
qualquer violência contra a liberdade dos outros, impondo-se à senta um convite a determinados tipos de agressões. São as
força. Se, pelo princípio de justiça, pagar as consequências, sem consequências do nosso passado, na forma de nossas qualida-
possibilidade de confusão, empréstimos ou escapatórias, atende des, que nos faz sair vencidos ou vencedores. Assim as forças
a uma necessidade absoluta, então cada um tem de assumir ple- que o indivíduo movimentou no passado, com sua personali-
namente as suas responsabilidades em relação ao seu próprio li- dade, agora o dirigem para preferências instintivas, que orien-
vre arbítrio, sem que qualquer outra pessoa possa ser responsá- tam e governam sua vida. Das mesmas coisas e no mesmo
vel em seu lugar. Cada um tem de pagar pelas suas culpas, e não ambiente, indivíduos de natureza diferente podem fazer um
pelas dos outros, assim como tem de ser premiado pelas suas uso diferente, com resultados diferentes. Assim cada um paga
virtudes, e não pelas dos outros. Segundo a justiça de Deus, tudo pelas suas culpas, e não pelas dos outros, sendo cada um é
o que nos acontece na vida deve ter sido merecido por nós, logo premiado pelas suas virtudes, e não pelas dos outros.
a causa deve estar em nós mesmos. Portanto é em nosso passado É assim que tantos destinos diferentes, enredados no mesmo
que temos de procurá-la, e não nos outros. ambiente, podem, apesar disso, realizar-se juntos, uns ao lado
Observando como se processa a evolução, vemos que ela dos outros, sem se misturar, cada um recebendo conforme seu
procede por tentativas. E assim acontece porque o seu caminho merecimento. Isto é possível porque o impulso do qual depende
é percorrido por um ser ignorante, que, justamente através da o nosso destino é provido de elasticidade e adaptação, consti-
sua experimentação, está conquistando o conhecimento. Essas tuindo ao mesmo tempo uma poderosa vontade de se realizar, o
tentativas representam uma incerteza de oscilação nas experi- que significa uma tendência e pressão constante, que não pode
ências, no entanto a amplitude delas está contida dentro do tri- deixar de atingir o seu objetivo.
lho preestabelecido pela Lei, que dirige o plano geral de de-
senvolvimento do ser. Trata-se, então, de uma amplitude limi- VII. PSICANÁLISE
tada da liberdade de cometer erros, confinada dentro de uma
ordem maior, estabelecida pela Lei, que, se os admite, logo os Para concluir, com este capítulo e o seguinte, o estudo da
corrige e endireita pela dor. personalidade humana e do destino, trataremos agora da psica-
Eis então que, em cada ação do indivíduo, concorrem juntos nálise. Para nós, ela é a arte de fazer pesquisas no subconsciente,
três impulsos ou elementos: 1) A ignorância dele, da qual deri- para descobrir quais são os elementos componentes da persona-
vam a incerteza das suas tentativas e os seus erros; 2) O rigor lidade do indivíduo, o seu passado, no qual ele assim a constru-
da lei causa-efeito, pela qual o indivíduo está sujeito às conse- iu, e, por fim, o seu destino, segundo o qual, como consequência
quências do seu passado; 3) A liberdade do ser para tomar no- necessária, aquele passado e o presente devem continuar se de-
vas iniciativas, sobrepondo novos impulsos aos velhos, que, po- senvolvendo. Tal estudo tem importância fundamental para en-
rém, a limitam, até que eles se esgotem. tender a nossa vida, porque é na profundidade da nossa psique
Há, portanto, no cumprimento de um destino uma tendência que se encontra a primeira raiz de nossos atos. O que existe an-
que, apesar de irresistível, é ao mesmo tempo suscetível de se tes de tudo, como verdade indiscutível e premissa axiomática
adaptar ao ambiente, ao momento e à pressão dos impulsos dos de todo julgamento, é a forma mental do indivíduo, filha do seu
48 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
temperamento, que constitui para cada um a sua unidade de me- a construiu e como isto aconteceu? É preciso não só responder
dida dos valores, representando uma conclusão preconcebida a a estas questões, mas também desvendar o mistério do nosso
todo exame, porque a mente é o instrumento com o qual o ho- futuro. Para isso, no entanto, em vez de limitar o conceito de
mem tudo percebe, entende e julga. Tudo é submetido a esse nosso destino no próximo amanhã, devemos concebê-lo como
meio e reduzido dentro dos seus limites, seja religião, moral, fi- um percurso imenso, que vai se desenvolvendo ao longo de
losofia prática, política ou orientação na vida individual e social, uma mesma linha, atravessando o passado, o presente e o fu-
bem como toda forma de compreensão e comportamento. Não é turo. Trata-se de um destino cósmico, representado pelo ca-
possível entender o significado dos nossos atos sem ter entendi- minho percorrido pelo ser na grande viagem de sua evolução,
do de que impulsos interiores a conduta humana deriva. que vai do AS ao S. Para que se possa entender um fenômeno,
Isto prova a importância da psicanálise, mas concebida não não basta apenas observá-lo isoladamente no seu estado pre-
como a atualmente em vigor, e sim num sentido mais vasto, sente, é necessário conhecê-lo também no seu transformismo
como ciência que desvenda o mistério da alma, descobrindo o ao longo do tempo adequado.
que fomos no passado e, por conseguinte, seremos no futuro, As qualidades que cada um leva consigo, impressas na sua
revelando o conteúdo de uma vida nossa muito maior, da qual personalidade, representam os instrumentos com os quais ele
a atual não é senão um breve episódio. Trata-se de um mundo terá de realizar o trabalho de sua nova vida, como continuação
desconhecido, que a ciência não leva em conta e o materialis- do trabalho realizado nas vidas precedentes. Assim a psicanáli-
mo ateu ignora, como se ele não existisse, deixando-nos, no se, através da leitura do subconsciente, estudando as caracterís-
fim da vida, cair cegos no abismo. As religiões nada sabem de ticas mais espontâneas do indivíduo, pode chegar a uma psico-
positivo e, com afirmações vagas, às vezes inaceitáveis porque síntese capaz de revelar qual é a direção tomada pelo ser no tra-
absurdas, impõem o dever de aceitar por fé, cegando-nos a vi- balho de construção da sua personalidade. Apesar de todos se
são e deixando-nos nas mesmas trevas. Só a primitiva forma movimentarem ao longo da mesma grande via da evolução, ca-
mental do homem atual pode permitir que ele fique satisfeito da um tem o seu próprio caminho, diferente dos outros, porque
com esta sua ignorância a respeito das coisas que, se quiser- a evolução leva ao aperfeiçoamento pela especialização, não
mos viver inteligentemente, compreendendo os longínquos para afastar os indivíduos uns dos outros, mas sim para juntá-
elementos em função dos quais se desenvolve a nossa vida los depois em unidades coletivas, nas quais eles cooperem co-
atual, são as mais urgentes a saber. mo elementos complementares. É lógico que a tendência da
Eis que, já de início, prontamente aparece quão diferente, evolução seja de atingir o estado orgânico, porque o ponto final
mais profunda e completa é esta nova psicanálise, em relação à dela é o S: a unidade orgânica máxima.
comum hoje aceita. Esta permanece fechada dentro dos dois li- Sem conhecer tudo isto, ficamos sem orientação, tornando-
mites estreitos do nascimento e da morte física, abrangendo, as- se impossível, assim, dirigirmos inteligentemente o caminho
sim, de nossa verdadeira existência somente um trecho mínimo, de nossa vida no seu trabalho mais importante, que é a cons-
demasiadamente curto para nos explicar o que mais necessita- trução do eu. A vida vai sempre mudando, apresentando a cada
mos saber. Nos capítulos precedentes, vimos que o nosso ser, um, a todo o momento, problemas novos a resolver, novas ex-
quando do nascimento físico, traz consigo uma longa história periências a realizar e novas lições a aprender. Cada um evolui
escrita no subconsciente, no qual ela pode ser lida. Esta é a fun- de modo diferente, conforme os recursos que possui. A sabe-
ção fundamental desta nova psicanálise, indispensável para doria para se dirigir com conhecimento tem de ser duramente
compreender a personalidade humana e o significado do seu es- adquirida com o próprio esforço. O ponto de partida é a igno-
tado presente. Isto não pode ser feito por uma psicanálise in- rância no AS, estado do qual o ser procura sair por tentativas,
completa como a atual, que não vai além do momento do nasci- movido pela conquista do desconhecido. Mas a tentativa leva
mento, ficando assim limitada ao terreno dos efeitos, ignorando ao erro, e o erro leva à dor, que nos ensina, repetindo-se até
o das causas, de onde tudo deriva. Falta-lhe, então, a parte mais que aprendamos. Este trabalho de termos de aprender tudo à
importante, aquela onde estão os alicerces que sustentam o edi- nossa própria custa pode parecer uma condenação, mas é justo,
fício do eu, as raízes onde se apoia a árvore da personalidade, as porque é consequência da revolta e da queda. É lógico, então,
razões que explicam e justificam o estado atual do indivíduo. que o destino bata nos pontos mais fracos da personalidade,
Então a primeira característica desta nova psicanálise é que aqueles mais desprovidos de experiência e conhecimento, onde
ela atinge a parte mais profunda do eu – a mais escondida, po- predomina a ignorância e, por conseguinte, o erro e a dor. As-
rém mais enraizada e firme, porque a mais antiga; a mais ver- sim, através da dor, a personalidade se enriquece de sabedoria,
dadeira, porque controlada por mais longa experimentação – o ponto fraco se fortalece e a dor, consequência do erro, extin-
que é a parte situada antes do nascimento. Esta psicanálise não gue-se. A psicanálise tem de descobrir quais são esses pontos
abrange somente o passado, mas se estende também no futuro, onde somos mais vulneráveis, contra os quais se encarniça o
que, como ela sabe, está contido no passado e no presente, não destino, porque neles está o desvio que a Lei quer endireitar. E
podendo ser deles senão uma lógica consequência. Trata-se en- desse trabalho ninguém pode escapar, seja querendo subir ou
tão de uma psicanálise que não só analisa o período antes do seja querendo descer. Na vida, seja qual for o caminho esco-
nascimento, mas também prevê qual será o destino do indiví- lhido, há pão duro de sobra para todos roerem. Há quem saia
duo. No menino, apesar de latente e invisível, já está fixado o dela adiantado, e há quem saia atrasado. À psicanálise pertence
adulto, assim como na semente está potencialmente contido to- a tarefa de dirigir este trabalho, orientando as consciências de
do o desenvolvimento futuro da árvore. Alargando a sua pes- forma científica, positiva e inteligente.
quisa e conhecimento tanto no passado como no futuro, tal psi- Saindo do estado de AS e tendendo a levar tudo ao estado
canálise nos oferece uma visão completa de nossa vida, e não de S, o transformismo constitui a grande corrente da evolução,
só de um limitado trecho dela, insuficiente para o indivíduo, no que arrasta todos os seres, porque dentro dela está imerso tudo
seu caso, entender a sua posição, a sua natureza e o seu porvir. o que existe. Completamente envolvido por ela, o indivíduo só
Mas, para chegar a tão vastas conclusões, é necessário que a possui uma relativa liberdade de oscilação, adequada aos seus
psicanálise, nas suas pesquisas, seja orientada e sustentada por particulares impulsos. Porém o que domina todos os seres,
um sistema filosófico completo, que de tudo dê uma explicação acima de tudo, é a vontade da Lei, que dos destroços do AS
lógica, alicerce ainda inexistente na psicanálise atual. quer reconstruir o S. É esta vontade que, através da dor, recon-
O indivíduo nasce com a sua personalidade já construída, duz o ser ao caminho certo, todas as vezes que ele se afasta pe-
que, mesmo somente se revelando mais tarde, já existe. Quem lo erro. É lógico que cada violação da Lei produza nela uma
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 49
espécie de ferida que se repercute no próprio eu, como é lógico minho específico que aquele ser escolheu na sua evolução, isto
também que cada inversão de rota do ser no caminho evolutivo é, o tipo de sua especialização, para individualizar claramente a
gere fatalmente para ele uma correspondente inversão de valo- sua personalidade. 3) Determinar qual é o tipo e o percurso do
res, pela qual o positivo se torna negativo, transformando a destino do indivíduo, estudando o processo da construção de sua
alegria, qualidade do S, em dor, qualidade do AS. Assim, de personalidade na estratificação, que revela o crescimento do eu.
uma ação em excesso nasce uma reação em forma de carência. 4) Determinar, observando os produtos do subconsciente, qual é
É lógico que qualquer violação da Lei, como na primeira re- a natureza dos impulsos instintivos que, como retorno do passa-
volta, volte a gerar as qualidades do AS, assim como cada es- do, emergem dele hoje, para assim chegar a conhecer de que ti-
forço para realizar a vontade da Lei tenda a gerar as qualidades po e série de experiências o estado presente é a consequência.
do S. Ora, a psicanálise deveria conhecer a técnica dessas Deste modo, será possível descobrir quais foram as causas que
compensações, para descobrir qual foi no passado o excesso nos escapam no passado, as quais é necessário conhecer, para
que gerou a carência de hoje, identificando o gozo ilegítimo tratar os efeitos que agora temos de enfrentar. Somente assim se-
que produziu o atual sofrimento. Só assim é possível fazer um rá possível chegar a conhecer qual foi a primeira e longínqua
tratamento das doenças da alma, tarefa de caráter ético e reli- origem da nossa atual forma mental, nos seus pontos torcidos e
gioso, que pertence a uma psicanálise mais evoluída. doentes, que formam os complexos, e, com isso, encontrar o an-
O melhor resultado que a ciência pode atingir é a diminui- tídoto corretivo do mal, determinando o tipo de tratamento psí-
ção da dor, aumentando o bem-estar. Então a tarefa da psicaná- quico anticomplexo adaptado àquele caso particular.
lise, no estudo da personalidade, é descobrir nesta quais são Nessas pesquisas, grande parte do trabalho fica confiada à
seus pontos fracos, que carecem de positividade devido ao tra- capacidade de penetração intuitiva individual, da qual depen-
balhou realizado às avessas pelo indivíduo, em descida, a favor dem os resultados. Mas, pelo fato de, na prática, tal capacidade
da negatividade ou AS, e fortalecer tais pontos com injeções nem sempre existir, seria necessário oferecer ao psicanalista
de positividade, endireitando o caminho errado do indivíduo uma técnica de pesquisa já pronta, que possa ser usada meca-
na direção da vontade da Lei, isto é, para o S. Tal psicanálise, nicamente por qualquer pessoa, constituindo-se num aparelho
conhecendo a técnica de construção da personalidade, como já capaz de funcionar nas mãos de todos. Mas isto não é possível
explicamos, poderá intervir na direção deste importantíssimo fazer aqui. Limitar-nos-emos, então, a estabelecer os princípios
processo, que hoje está abandonado à ignorância do indivíduo. gerais para orientação.
Trata-se de canalizar os seus esforços, para evitar o doloroso ◘◘◘
desperdício de forças e, assim, atingir o maior resultado útil Por que o passado ressurge e volta a nós, determinando o
possível. Isto significa acompanhar com inteligência a vontade nosso destino atual? Como podemos, com a nossa livre esco-
de salvação da Lei, para, do modo mais rápido e com o menor lha, criar um destino e como pode ele ser fatal? Já vimos que o
trabalho, aproximar-se o máximo possível do S, realizando a fato do passado ressuscitar das suas cinzas é devido à tendên-
evolução. Trata-se de dar à vida uma orientação racional, per- cia do primeiro impulso de continuar na mesma direção em
mitindo que cada um entenda o seu destino e o significado dos que foi lançado. Trata-se de uma força de tipo espiritual, que,
acontecimentos contidos nele. O problema que mais nos inte- uma vez lançada pelo seu impulso de origem, torna-se autô-
ressa resolver, fundamental para atingir a nossa felicidade, é noma e quer, pela sua própria vontade, tal como um indivíduo
como dirigir a nossa escolha, da qual depois tudo depende, pa- independente, atingir o seu objetivo. Essa força faz parte do
ra saber assim intervir no terreno das causas, no momento da feixe de forças que constituem a personalidade do indivíduo,
semeadura e da formação de um destino, no ato do lançamento dentro da qual continua a se movimentar, de modo que ele a
das forças, porque disto depende tudo o mais, que não pode ser obedece instintivamente, julgando obedecer a si mesmo, por-
depois senão o automático desenvolvimento da trajetória esta- que, sendo ela parte dele, a vontade dela é a vontade dele. O
belecida pelo primeiro impulso. resultado é que o indivíduo pensa e age como quer essa força,
Hoje só existe o médico do nosso organismo físico. O psi- que se tornou parte integrante da sua personalidade. É assim
canalista do futuro será o médico do nosso organismo espiritu- que o ser, imaginando realizar a sua vontade, fica amarrado à
al, de cuja saúde depende o bem-estar do corpo. Mas, para che- necessidade de realizar essa outra vontade, que agora o domi-
gar a isto, é preciso entender como nasce e se desenvolve um na. Eis como surge o conceito de fatalidade do destino. Poder-
destino, para conhecer a técnica desse fenômeno e poder inter- se-ia dizer, então, que o nosso passado nos escraviza, porque
vir nele, introduzindo novos impulsos corretivos, quando o ca- lança o eu numa dada direção, congelando assim o nosso livre
minho iniciado estiver errado. Assim como faz o médico do arbítrio em determinismo, do qual seremos escravos até que,
homem no plano físico, também o médico do espírito, depois em novas vidas, consigamos nos libertar dele.
de efetuar a leitura do subconsciente, para fazer um exame da O destino é fatal no sentido de que nós somos no presente
estrutura da personalidade do indivíduo e, assim, estabelecer do modo como no passado construímos nosso eu e, portanto, o
uma psicodiagnose do caso, deverá tratar o organismo psíquico, nosso mundo interior, segundo o qual percebemos, entende-
fortalecendo-o nos pontos fracos, medicando-o nos pontos do- mos, julgamos e reagimos ao que nos chega de fora. O nosso
entes, compensando carências, corrigindo complexos, endirei- eu de hoje é a consequência fatal do nosso eu do passado. Este
tando hábitos errados, controlando a conduta e estabelecendo continua funcionando em nós, criando imagens que nos im-
um regime saudável. Isto significa, sobretudo, ter de educar, pressionam, miragens que nos convidam e atraem, impulsos
penetrando no terreno da ética, que, diferente da atual, não mais que nos empurram numa dada direção, desejos que reclamam e
será empírico produto do subconsciente como já explicamos, exigem satisfação, de modo que, mais cedo ou mais tarde, o
mas sim uma ética científica, positiva, racional e demonstrada. indivíduo acaba sendo arrastado. Eis como o passado ressurge
Os remédios não se encontrarão nas farmácias, porque, para e volta a nós, determinando o nosso destino atual. Esta junção
doenças psíquicas, são necessários medicamentos psíquicos. entre passado, presente e futuro é imposta pela necessidade de
Os elementos fundamentais da psicodiagnose serão: 1) De- manter a continuidade do processo evolutivo, que, sem ela,
terminar qual é o nível evolutivo do indivíduo, porque disto de- acabaria despedaçado em inúmeros fragmentos desconexos,
pende a lei biológica à qual está sujeita a sua vida (a medicina perdendo assim a sua unidade como um único fenômeno, que,
para tratar um involuído é bem diferente daquela que é necessá- abrangendo tudo, vai do AS ao S.
ria para tratar um evoluído); 2) Determinar perante que tipo de O ser, no momento que está constrangido a obedecer ao seu
indivíduo o psicanalista se encontra, identificando qual foi o ca- destino, obedece a si mesmo. Mas trata-se de seguir o desejo de
50 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
um seu eu antigo e superado, diferente do atual. Tal vontade, linha de desenvolvimento no caso particular do indivíduo que
então, pode ser hoje bem diferente da sua e representar coisa estamos estudando. Aqui, no ponto onde houve erros, o psica-
velha, obsoleta e atrasada, que é bom abandonar, pois a evolu- nalista começa a função corretiva do passado. O tratamento é
ção tem pressa e impulsiona para frente. Pode surgir assim luta psicológico-moral. A receita dos remédios está escrita na Lei, e
entre duas posições evolutivas dentro do mesmo indivíduo que o médico tem de se tornar intérprete dela para ajudar o paciente
as contém. De um lado, a sabedoria do instinto, bem compro- a entendê-la e aplicá-la, ensinando-lhe a arte da obediência inte-
vada e confirmada por longa experiência, profundamente ar- ligente, que, refreando a resistência do indivíduo, evita atritos e
raigada nos alicerces da vida, de cuja defesa ela é encarregada, choques com a Lei, para não deixá-lo ser atingido em cheio pe-
para garantir-lhe a continuação. De outro lado, a sabedoria do lo duro método por ela empregado: a correção pela dor.
homem consciente, constituindo uma conquista nova, que se Aqui começa a parte mais importante do trabalho do psica-
coloca acima do instinto e é destinada não mais a conservar o nalista. Uma vez que ele descobriu o fio condutor do destino do
passado, mas sim a explorar o futuro. Tudo isto corresponde às indivíduo examinado, a sua função é orientar esse destino, diri-
duas finalidades fundamentais que a vida quer atingir: a con- gindo-o, conforme a sua natureza e os elementos que contém,
servação do passado e a conquista do futuro. A luta é entre es- para um futuro melhor, no qual sejam, por meio de lógicas cor-
sas duas exigências opostas. Trata-se da luta entre a matéria e reções de conduta, eliminados erros, complexos e sofrimentos.
o espírito, o involuído e o evoluído, a fera e o anjo. São dois O princípio geral é que o paciente deve ser orientado de modo a
impulsos da vida, que podem tomar forma de duas personali- desenvolver o seu caminho na direção do S, que representa o
dades diferentes dentro do mesmo indivíduo, como se ele ti- bem, a felicidade, Deus. Trata-se de uma psicanálise profunda-
vesse uma dupla personalidade. Isto se revela na luta travada mente moral e religiosa, ligada aos princípios daquela ética que,
contra si mesmo, a qual acontece nos indivíduos em fase de pelo fato de ser uma premissa indispensável para o estudo da
transformação evolutiva, que os leva do nível da animalidade psicanálise, intencionalmente explicamos neste mesmo volume.
ao da espiritualidade, através de um contínuo choque de uma Nele, estudamos também a estrutura da personalidade e a técni-
contra a outra, até a segunda vencer, superando a primeira. ca da sua construção, porque a função maior do psicanalista,
Criam-se assim instintos superiores, que tomam o lugar dos in- depois de ter descoberto no indivíduo esta estrutura, é guiar
feriores, substituindo-se o novo ao velho. aquela construção, a fim de que ela se realize da melhor forma,
A nossa personalidade é constituída por tudo o que herda- para o bem e a felicidade dos homens de boa vontade. No futu-
mos do passado, fruto das experiências por nós vividas, lança- ro, a finalidade da ciência não será a criação de armas para des-
das e confirmadas por longa repetição, razão pela qual agora truir vidas, assim como não será objetivo das religiões a perse-
voltam como uma inabalável vontade de continuar se realizan- guição de pecadores. A meta comum será atingir, com uma
do na mesma direção, resistindo a toda tentativa de desvio. Eis conduta sábia e inteligente, o objetivo mais útil, que é, por isso,
o mundo imenso que o impulso ascensional da evolução quer e entendido por todos: a própria felicidade. A tarefa da psicanáli-
deve transformar! Quanto pior tenha sido o nosso passado, tan- se é construir destinos sadios e felizes, dando saúde às almas,
to maior é o peso da carga que temos de carregar nas costas, pe- curando as doentes, fortalecendo as fracas, sanando feridas, tu-
lo qual somos paralisados no caminho da subida. As forças que do isto no terreno do espírito, assim como o médico do corpo
uma vez movimentamos, agora nos acompanham, ajudando-nos faz no terreno da vida física. Hoje só existe o segundo médico.
ou perseguindo-nos como pessoas vivas. Determinando os mo- No futuro, porém, os dois trabalharão lado a lado, juntando as
vimentos do indivíduo, estas forças acabam por colocá-lo nas suas duas sabedorias numa só, para chegar a um único diagnós-
posições desejadas por elas, atraindo as pessoas mais adaptadas tico e ao respectivo tratamento físico-psíquico, através de uma
e produzindo as circunstâncias e os acontecimentos para reali- síntese clínica que abrangerá, ao mesmo tempo, corpo e alma,
zar seu destino, que é fatal consequência destes impulsos. numa incindível unidade, como de fato é o ser humano.
Podemos, assim, compreender como tudo depende de nós, ◘◘◘
do que fizemos e merecemos no passado e, por conseguinte, do É lógico que o tratamento e a direção dependem do tipo do
que fazemos no presente. O ambiente é o mar onde todos esta- indivíduo e do seu grau de adiantamento no caminho evolutivo.
mos imersos e onde cada um, entre as coisas que encontra, es- Os erros, sofrimentos e experiências, bem como as éticas e as
colhe aquelas preferidas por ele, conforme seu temperamento. leis que dirigem a vida do ser, são diferentes conforme o plano
Assim, conforme as suas qualidades adquiridas no passado, ca- biológico em que o indivíduo existe. O psicanalista pode en-
da um se coloca na posição que lhe pertence. Agora podemos contrar tanto um primitivo do tipo animal, como um super-
compreender como a primeira causa do que nos acontece se en- homem e, entre estes dois extremos, uma vasta série de tipos in-
contra antes de tudo dentro de nós. Seria suprema injustiça de termediários. O que vale para um não é adaptado para o outro.
Deus que aos outros fosse entregue o poder de nos infligir um O psicanalista tem de conhecer e acompanhar o desenvolvi-
destino por nós não merecido. Se aos outros fosse dado o arbí- mento da vida e das suas leis, adaptando a sua ação a esta trans-
trio de modificar o nosso destino à vontade, eles poderiam alte- formação do ser, na qual tudo muda de um nível a outro. Neste
rar o caminho da evolução, destruindo a responsabilidade do processo, o conteúdo do subconsciente vai se enriquecendo e se
indivíduo e a justiça de Deus. Quando um indivíduo, por ter-se dilatando cada vez mais, até conter, ao invés de uma vida regi-
construído com determinadas qualidades, possui certas predis- da por poucos instintos elementares, uma concepção tão vasta
posições, é fatal que mais cedo ou mais tarde, entre as inúmeras da existência, que ela é realizada em função do universo.
forças com as quais ele terá de se encontrar na vida, acabem O conteúdo do subconsciente da atual maioria humana fica
funcionando aquelas que serão atraídas por afinidade ou então evidenciado pelos tipos mais difundidos de filmes no cinema,
as que serão impulsionadas pela Lei, para compensar os pontos de crônicas nos jornais e de romances nos livros, aqueles mais
negativos de carência e, assim, restabelecer o equilíbrio. apreciados pelo público. Basta falar de crimes, processos poli-
A função da psicanálise deveria ser a de estabelecer uma ciais e roubos ou de sexo na sua forma inferior de violência e
psicodiagnose com base nestes princípios, lendo no subconsci- vício, que muitos se interessam. O que se encontra no fundo da
ente do indivíduo tudo o que foi ali escrito por ele em seu pas- alma humana é a lembrança da recente experiência da fera. Tu-
sado. Uma vez conhecidos os impulsos nas suas origens, será do isto revela quais são os instintos ainda dominantes, que se
possível observar como eles se desenvolveram até o presente, procura desabafar através de tais meios, com a fantasia, por-
onde aqueles impulsos estão se realizando. Será deste modo quanto as leis de um mundo mais civilizado proíbem que tais
possível estabelecer qual o tipo de destino, o seu conteúdo e sua impulsos se concretizem nos fatos. Assim, a mente se satisfaz
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 51
com tais substitutos, revelando a sua natureza, que está sempre dos seres do primeiro tipo não são dos mesmos tipos do segun-
pronta a se desafogar com fatos, tão logo desapareça o freio da do. Por isso colocamos neste livro, como premissa ao estudo da
ordem na disciplina mantida pela força. psicanálise, o conhecimento da personalidade. O psicanalista te-
Para calcular os efeitos do que ele encontra escrito no sub- rá de possuir a arte de se adaptar ao caso particular. Os comple-
consciente, o psicanalista tem de aplicar os princípios de equi- xos de um tipo não são os do outro. A evolução transforma a na-
líbrio e compensação que estão escritos na Lei. Ele terá de ob- tureza do ser, que depende do nível por ele atingido. Para uns,
servar as forças que a personalidade do indivíduo contém, as pode constituir problema tremendo e vital aquilo que, para ou-
qualidades e a potência delas, identificando aquelas benéficas, tros, ainda não apareceu dentro dos limites de seu concebível.
favoráveis, e aquelas maléficas, contrárias. Trata-se de um Às vezes, um indivíduo pode parecer doente, quando, na verda-
verdadeiro exame de consciência, que o paciente tem de fazer de, ele se encontra apenas numa fase de deslocamento de um ní-
perante a Lei, enquanto está se confessando com o psicanalis- vel biológico para outro, envolvido numa crise de crescimento,
ta. Tudo tem de vir à superfície, da profundeza da alma, calcu- que não é doença, mas sim trabalho criador bem sadio. Neste ca-
lando débitos e créditos perante a justiça de Deus. Os momen- so, então, psicodiagnose e tratamento terão de ser diferentes.
tos sucessivos do exame psicanalítico, como veremos melhor Este não é o caso mais comum, porque a maioria está bem
no Cap. IX, são, da parte do paciente, o exame de consciência longe de ser evoluída. Mas é o caso mais refinado, difícil e in-
e a confissão e, da parte do médico, a interpretação da confis- teressante da psicanálise. Surge, então, o problema de como
são e dos sintomas psíquicos, a leitura no seu subconsciente, a corrigir a falta de adaptabilidade do evoluído no baixo ambien-
definição da estrutura de sua personalidade e a identificação te humano. Deverá o psicanalista se tornar um mestre de invo-
das correções necessárias conforme a linha de seu destino. Se- lução, para que o evoluído, retrocedendo, possa aprender de
gue então, da parte do paciente, o arrependimento e a vontade novo a conduta indispensável para sobreviver na Terra, ou de-
de praticar as mudanças necessárias, realizando-as de fato, pa- verá ele abandonar tal indivíduo ao seu destino? Este homem
ra endireitar os erros adquiridos no passado. Tudo isto em se tornou, por evolução, justo, honesto, sincero e evangélico.
forma de estreita colaboração entre os dois, unidos por um li- Tal lição, que os outros apenas começam a aprender, foi por
ame de sinceridade, confiança, inteligente compreensão e von- ele tão profundamente assimilada, que se tomou impulso es-
tade de fazer o bem. Pode haver micróbios patogênicos tam- pontâneo e instintivo. Assim ele esqueceu a coisa mais impor-
bém no ambiente psíquico, sendo às vezes necessário esterili- tante na Terra, isto é, a arte da luta e do engano, servindo ao
zar tal ambiente, assim como se faria com um doente. instinto do egoísmo e da autodefesa. Como poderá sobreviver
As diretivas para o involuído podem estar nos antípodas da- na Terra um ser que, por evolução, tornou-se de diabo em anjo,
quelas indicadas para o evoluído. O primeiro é um ignorante perdendo as garras? O seu destino é se dirigir para outros
que precisa ser dirigido para formas de vida superior pelo medo mundos. Terá ele, então, que renunciar à vida na Terra, esco-
do seu prejuízo, único argumento entendido por ele. A coisa lhendo o caminho do martírio e da morte?
mais urgente é cortar-lhe as garras de fera, para que se torne um A tarefa de dirigir o indivíduo num ou noutro destes dois
ser civilizado. Ele chegou há pouco no ambiente terrestre, su- sentidos cabe ao psicanalista, que enfrentará, assim, o problema
bindo de níveis biológicos mais baixos. A finalidade de sua vi- de decidir qual das duas alternativas ele irá usar para salvar a vi-
da atual na Terra é se transformar de fera em homem. O pro- da desse homem no ambiente terrestre. Deverá ele cometer o
blema é bem diferente no caso do evoluído, que, ao invés de ter crime de orientá-lo para uma descida involutiva, intervindo no
subido à Terra de um nível biológico inferior, desceu a ela de seu destino em sentido negativo, ou deverá ele estimulá-lo ainda
um nível superior. O problema para ele não é civilizar-se, mas mais no caminho da ascensão, salvando-o, mas com isso impe-
conseguir sobreviver no meio de seres não civilizados. Então a lindo-o a se tornar cordeiro, para ser devorado pelos lobos? Qual
coisa mais urgente não é cortar-lhe as garras, mas sim ensiná-lo das duas vidas deve ser salva: a presente ou a futura? Deve-se
a se comportar como uma fera, fornecendo-lhe como meio de cortar-lhe as asas e ajudá-lo a desenvolver as garras para o seu
luta pela vida as armas de ataque e defesa, que há muito tempo bem imediato, ou deve-se acompanhar o seu sacrifício, cortan-
ele abandonou para conquistar qualidades superiores. Neste ca- do-lhe as garras e ajudando-o a desenvolver as asas, para o seu
so, deveria ser completamente diferente a lição do psicanalista, bem futuro? A resposta do psicanalista revelará quem ele é.
o qual deveria orientar o evoluído, ensinando-lhe como é trava- ◘◘◘
da esta luta, que é a coisa mais necessária na Terra. Trata-se de Vale a pena observar o fenômeno mais de perto, porque
uma conduta já esquecida por ele, mas que é praticada pelos in- ele também tem um significado moral, religioso e social. A
voluídos, para os quais ela é fácil e instintiva, porque representa primeira coisa que faz uma lei religiosa ou civil é estabelecer
uma experiência recente, ainda bem gravada no subconsciente, a sanção punitiva pelo seu não cumprimento. O que se presu-
enquanto, para o evoluído, é uma experiência longínqua, supe- me, então, não é a obediência, mas a desobediência. Que o ci-
rada há muito tempo e sepultada nas camadas inferiores do eu, dadão tenha de ser constrangido à força, sob a ameaça de uma
que agora vive em outro nível de evolução. pena, constitui a base de qualquer lei. Assim, o indivíduo é
A maior função da psicanálise deverá ser dirigir as consciên- prejulgado um rebelde. Por que isso? Porque a base da vida na
cias, mas com o conhecimento psicológico que as religiões atu- Terra é a luta. O homem isolado, por ser o mais fraco, não
ais não possuem. O psicanalista deverá, então, ser um educador, possui, contra as religiões ou os governos, as sanções que es-
mas capaz de lidar com alunos diferentes, a cada um dos quais, tes possuem contra ele. Quem não possui força não possui di-
conforme a respectiva natureza, deverá dispensar uma lição es- reitos. O povo tem direitos somente quando se organiza e a
pecífica. Assim o psicanalista deverá ser psiquiatra, confessor, unidade do número o torna o mais forte.
amigo, confidente, mestre e salvador, devendo ser dotado de in- Em nosso mundo, autoridade e dependentes são inimigos
tuição para penetrar os segredos da alma e entendê-los melhor naturais. Os indivíduos, não possuindo a força, procuram, como
do que o próprio sujeito, indo além do que este conhece ou saiba fazem os mais fracos, evadir-se com o engano, que é a arma
explicar. Os sofrimentos do indivíduo podem depender de sua dos servos. Os primeiros empregam a cadeia ou o inferno para
incapacidade para se adaptar aos valores e medidas que a maio- lutar, os segundos usam a astúcia para escapar. Como fica então
ria faz para si, seja isto por defeito, porque ele é atrasado de- o indivíduo fora de série, que não luta nem se defende, perma-
mais, seja por excesso, porque ele é muito adiantado. É claro necendo, por sua natureza, espontaneamente obediente e hones-
que, em cada um destes dois casos, são necessários tratamentos to? Neste ponto, o psicanalista pode iniciar seu trabalho, para
opostos. Os problemas, os sofrimentos e as doenças psíquicas estudar o fenômeno da honestidade como um complexo, desco-
52 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
brindo suas origens e praticando um tratamento. Mas por que Um sistema de conduta pode ser produtivo e, por isso, acei-
complexo? Porque o homem honesto se coloca fora da regra da to até um determinado nível de evolução, além do qual ele se
luta para ataque e defesa, na qual se baseia a vida na Terra. E de torna contraproducente para os objetivos que a vida quer atin-
fato, na prática, o nosso mundo julga o homem honesto como gir, sendo então abandonado por ela. Assim, o sistema de luta
um fraco do qual é bom tirar proveito, um deficiente que não entre os indivíduos pode ser útil num mundo de elementos se-
sabe vencer, um doente mental. parados, no qual a defesa da vida está confiada a cada ser isola-
O caso é doloroso e delicado para resolver. O que deve fazer damente, conforme os recursos que ele possui. Mas este méto-
o psicanalista? Ele poderia dizer ao paciente: “Não seja tão sim- do, porque cheio de atritos destruidores, torna-se contraprodu-
plório. Na prática, para se evadir das leis religiosas e civis, já cente num mundo de elementos sabiamente coordenados, que
existem as escapatórias, elaboradas por milênios na sabedoria formam uma sociedade organizada, na qual a defesa da vida es-
dos astutos. Não acredite nas palavras e aparências. Atrás delas, tá confiada à inteligência, encarregada de dirigir o bom funcio-
tudo está pronto, sendo já bem conhecido pelo longo uso. Por namento do conjunto, e à regular obediência a ela de todos os
que você não se aproveita, como é de costume? Na prática, po- elementos daquela sociedade. Então a iniciativa individual é
de-se conciliar tudo, tanto o céu como o mundo, à religião, que, substituída pelo poder central, que monopoliza a força e a auto-
bem adaptada e acomodada na elasticidade de consciência, per- ridade, tirando-as dos cidadãos, mas apenas para manter a or-
mite e legitima muitas das coisas que a tua consciência proíbe. dem, que dá segurança e é vantagem para todos. Essa transfor-
Está tacitamente concordado e presumido que você saiba apro- mação já se realizou dentro dos limites de um povo, no seio da-
veitar tais oportunidades. Se não o fizer, ninguém lhe agradece- quelas nações que já chegaram a viver no estado orgânico. Mas,
rá, mas, pelo contrário, o condenará como inexperiente. Se você fora desses limites, nas relações entre nações, vigora ainda o
vencer pelo caminho subentendido, será admirado e respeitado, individualismo dos elementos separados, com o método contra-
mas, se você não souber vencer assim, será desprezado”. producente das rivalidades e da guerra. No entanto a evolução
A conversa com o paciente poderia continuar: “Enquanto da vida exige que a vantagem já atingida dentro do limitado
permanecer honesto, tanto pior para você. Ninguém reclama, plano nacional, no interesse de cada povo, tenha de ser alcan-
porque os outros gostam da sua derrota. Nisto você não os in- çada também no mais vasto plano internacional, no interesse de
comoda, pelo contrário, pode ser vantajoso para eles encontrar, toda a humanidade. O principio é o mesmo, e o processo de sua
na luta, uma vítima para explorar. O perigo aparece quando vo- realização já foi iniciado. Trata-se somente de continuá-lo.
cê começa a exigir que os outros pratiquem a mesma honesti- Este exemplo nos mostra que a vida está sempre pronta a
dade utilizada por você. Se você, como de fato o é, proclama-se abandonar um método, quando este não lhe seja mais útil, para
honesto, isto é visto pelos outros como uma acusação de deso- substituí-lo por outro mais vantajoso. Este é o processo em an-
nestidade, razão pela qual eles o julgam um inimigo e, arman- damento hoje na humanidade, que terá de acabar compreenden-
do-se com suas condenações, começam a lutar. E isto acontece do a utilidade de passar do caos à ordem também no terreno in-
porque o método que você prega atrapalha os interesses deles. ternacional, como já o fez a nível nacional. Ela, então, elimina-
Não se deve descobrir as armadilhas do próximo, mas sim pa- rá o sistema atual de luta, rivalidades e guerras, suprimindo o
recer amigo e acompanhá-lo, tirando vantagem delas. Você correlativo estado de insegurança e sofrimento.
quer endireitar o mundo, mas será esmagado por ele”. Ora, o método do homem honesto, que não vive mais fe-
Do outro lado, o paciente responde que não pode funcionar chado em seu egoísmo, na insegurança do estado de guerra con-
senão conforme sua natureza, que é de honestidade, não lhe tra todos, mas sim na segurança do estado de paz com todos,
sendo possível mudar este seu instinto. Então o psicanalista representa a posição do tipo mais evoluído, que entendeu a uti-
continua: “Procuremos entender o fenômeno. Você, assim co- lidade de passar do caos à ordem, acabando com o sistema con-
mo o mundo, segue os seus impulsos, obedecendo aos seus traproducente de luta, egoísmo e agressividade, para eliminar o
instintos. Por que tanta diferença entre eles? Vimos que esta correlativo estado de atrito, insegurança e sofrimento. A evolu-
espontaneidade depende das experiências vividas no passado, ção da vida terá de levar o homem até esta nova posição bioló-
gravadas no subconsciente, que agora as devolve. Que ensinou gica. Ao invés de seres fortes ou astutos, terá de produzir seres
a vida ao homem no passado? Ensinou que só o mais forte ou honestos, pois só eles poderão se tornar elementos do novo es-
o mais astuto vence e pode sobreviver, restando aos que não tado orgânico da humanidade. Isto porque tal posição de ordem
souberem sê-lo, derrota, sofrimento e morte. A honestidade, representa uma vantagem que a vida aceita, por ser utilitária e
que, por princípio, impõe sacrifícios no interesse dos outros, constituir um aperfeiçoamento que a evolução deseja.
representa neste mundo um altruísmo antivital, contra o qual a Podemos agora entender qual o significado, em relação às leis
vida se rebela. Colocar-se na posição de cordeiro no meio dos do nível biológico da humanidade, do biótipo do homem hones-
lobos, prontos a devorá-lo, é loucura. Quem quer tomar o to. Ele representa uma antecipação da evolução, pertencendo, por
Evangelho a sério, sem entender que ele mata, é um doente isso, a um plano de vida mais adiantado, aonde, porém, terão de
mental, não lhe restando senão acabar sendo martirizado, como chegar também os outros, que formam a maioria humana e que,
aconteceu com Cristo e não pode deixar de acontecer com to- por viverem em outro nível de evolução, agora o condenam. Nes-
dos que queiram segui-lo de verdade, e não apenas com pala- te ambiente, ele se encontra como um desterrado, sendo movido
vras. Portanto, biologicamente o mundo tem razão”. por impulsos que poucos compartilham, impulsionado por instin-
Continuemos estudando o fenômeno, para chegar a uma tos fora de série, que o fazem parecer um ser destacado da reali-
psicodiagnose. Se, no paciente, a honestidade se tornou tão pro- dade, um inexperiente, um doente mental. Mas, na verdade, esta
fundamente gravada no subconsciente, manifestando-se agora aparência é apenas fruto do julgamento correspondente à forma
com a espontaneidade irresistível de instinto, enquanto nos ou- mental de uma humanidade atrasada, tendo como ponto de refe-
tros acontece o contrário, isto quer dizer que a lição aprendida rência a fase evolutiva de nosso mundo atual.
por ele, com a experimentação vivida e assimilada no passado, O método do homem honesto representa o modo de vida
é diferente daquela que os outros viveram e aprenderam. O pre- que o homem de amanhã alcançará. Assim, a posição do ser
sente só se pode explicar com o passado. Perguntamos então: o evoluído é de inferioridade somente com relação à atrasada fase
atual estado do paciente revela uma anormalidade doentia, um evolutiva de nossa humanidade atual, mas, em função da histó-
complexo a se curar, ou constitui uma posição apenas relativa, ria desta, constitui uma posição de superioridade. Um ser de
de inferioridade somente em relação ao julgamento do mundo, grande inteligência e bondade é um desprezível inepto num
mas não em sentido absoluto, com relação às leis da vida? mundo de feras. Não possuindo armas, que são a base da vida,
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 53
ele será devorado. Todavia este ser representa o germe do futu- curado, isto é, destruído, porque ele representa um defeito, ou
ro desenvolvimento da humanidade, a única esperança e meio deve ser confirmado e aperfeiçoado, porque ele representa um
que ela possui para sair da barbárie. Se o mundo está contra ele, valor? Mas trata-se de um defeito somente perante o mundo,
as forças da evolução estão a seu favor, pois tal biótipo repre- porquanto é de grande valor perante a maior dentre as leis da vi-
senta o progresso. Se a vida o repele nos seus níveis inferiores, da: a evolução. É lícito, para eliminar os choques com um mun-
ela o aceita e o glorifica nos superiores. Se os atuais métodos do inferior, sacrificar valores superiores? Para atingir uma van-
do mundo, porquanto úteis e proporcionados ao ambiente, são tagem imediata, pode o médico intervir negativamente no pro-
aceitos pela vida, ela está sempre pronta a repeli-los tão logo, cesso evolutivo e paralisá-lo, impulsionando o indivíduo a retro-
numa posição biológica diferente, eles se tornem prejudiciais, ceder, com um prejuízo muito maior do que aquela vantagem
quando então será o homem desprezado que triunfará. imediata? Então o psicanalista não deveria lutar para eliminar o
Esta é a análise do caso, como nos propusemos fazer, para complexo, mas sim para alimentá-lo, aumentando a doença. E,
chegar a uma psicodiagnose do que chamamos complexo de para fazer isto, ele deveria se colocar contra o mundo, conde-
honestidade. Eis quais são os elementos que o psicanalista de- nando assim o seu paciente a derrotas e sofrimentos.
veria levar em conta. Mas, a esta altura, temos de lhe oferecer A solução depende do médico e, sobretudo, do paciente. Es-
as respostas a outras perguntas. Por qual processo o indivíduo, te, se for verdadeiramente anjo, nunca se adaptará a tornar-se
apesar disto lhe custar prejuízo imediato, chegou ao seu estado diabo, jamais aceitando um retrocesso involutivo, que represen-
de maior compreensão, que o faz honesto? Como tal forma ta para o ser a maior condenação. Ele nunca compactuará com o
mental se radicou tão profundamente nele, a ponto de se tornar mundo, mas sempre procurará cada vez mais afastar-se dele,
impulso espontâneo, hábito, instinto? Que experiências pesso- prosseguindo no caminho de ascensão. Ainda que esteja conde-
ais levaram o indivíduo a esse amadurecimento? Esta é a parte nado a viver no atual nível humano, ele jamais renunciará ao
que mais interessa ao psicanalista para o tratamento do caso. seu direito de fazer parte de humanidades mais adiantadas. Ou-
A inteligência da vida usa um método muito eficaz para tro caminho não há para o biótipo evoluído.
educar, convencendo sem constrangimento, com todo o respei-
to pela liberdade do ser. Ela o deixa correr atrás de suas mira- VIII. A NOVA PSICANÁLISE
gens e errar à vontade, permitindo que ele obedeça aos seus
impulsos e desabafe seus instintos inferiores, os quais, pela sua Conforme explicamos nos capítulos precedentes, os instin-
própria natureza, estão condenados a se chocar contra a reação tos são automatismos adquiridos nas vidas precedentes, os
da Lei e a ser corrigidos automaticamente pela dor. É o próprio quais são gravados no subconsciente, onde o psicanalista pode
homem que, pela sua natureza, carrega a sua punição. Sua co- ler o que foi vivido pelo indivíduo no passado. É nesta experi-
biça insaciável, sua natureza egoísta e seu espírito de revolta o mentação por ele vivida que se baseia o processo de construção
levam ao abuso, que representa o erro no qual é mais fácil cair, da personalidade observado pelo médico. Então, como pode-
abrindo as portas à dor, encarregada de corrigi-lo. Assim, co- mos ver, a ideia de pesquisa no terreno existente antes do nas-
nhecedor das astúcias do mundo mas ignorante das leis da vi- cimento físico é fundamental em psicanálise, que, sem tal in-
da, o homem julga poder escapar-lhes, porém acaba ficando formação, não pode entender o presente, pois este é consequên-
preso nelas, tendo de pagar tudo. cia daquele passado, no qual apoia suas raízes.
Eis como o homem, por ter experimentado as consequências Eis, então, que uma das características mais importantes da
dolorosas do abuso, pode chegar à honestidade. Assim como se nova psicanálise apresentada aqui é essa penetração no terreno
chega à virtude por se ter sofrido demais com o vício, a huma- pré-natal, conceito inexistente na psicanálise clássica atual. O ti-
nidade chegará à paz por ter sofrido demais com a guerra etc. po desta ciência que aqui oferecemos é mais completo e integra-
Neste caso, o ser leva consigo, gravada no seu subconsciente, do, pelo fato de procurar reconstruir toda a história da personali-
uma experiência dolorosa, que lhe ensina a não mais cometer dade, seguindo o processo de sua formação e levando em conta
aquele erro. O ser aprendeu à sua custa, pelas duras consequên- elementos que escapam à psicanálise hoje praticada. O subcons-
cias, a não cometer mais excessos. Eis como pode nascer o que ciente contém um mundo muito mais vasto do que se julga,
chamamos de complexo de honestidade. O indivíduo aprendeu abrangendo um imenso passado, no qual o ser viveu incontáveis
que todo o mal já praticado por ele contra os outros, acreditan- experiências, que constituem a sua atual sabedoria inata, dife-
do com isto chegar à sua própria satisfação, acabou por levá-lo rente para cada um, conforme o caminho por ele percorrido.
ao próprio sofrimento. Ele se tornou honesto porque se quei- Sem dúvida, a parte da psicanálise que mais interessa na prá-
mou pela sua desonestidade. Um complexo é uma queimadura tica é o tratamento das neuroses e complexos. Por isso o próprio
do espírito, que jamais a esquece. Freud preferiu deixar de lado o aspecto filosófico e espiritual da
Esta fase da punição do pecado representa o primeiro passo psicanálise, desconsiderando o problema das causas longínquas
no caminho da subida para um nível de vida superior. O sofri- e dirigindo-se para o seu lado prático, com foco no tratamento. E
mento mostra onde ocorreu o erro e convence a não cair mais foi isto que tornou Freud popular. Acontece, porém, que tam-
nele. Assim, a inteligência começa a se desenvolver, até chegar bém esse problema prático não pode ser resolvido, se não tiver
a entender a vantagem de praticar métodos de vida mais adian- como base para se apoiar uma teoria fundamental, com um sis-
tados, substituindo-os aos velhos. O indivíduo vai, desse modo, tema filosófico completo que tudo oriente no seio do funciona-
repetindo experiências cada vez mais completas, até que o novo mento universal, sem o que qualquer ação será uma tentativa ce-
estilo de vida esteja bem assimilado e a nova qualidade se torne ga, porque carente dos seus princípios diretivos, que só o conhe-
instinto, tornando espontâneos os impulsos de honestidade, co- cimento do plano geral da vida pode oferecer. A ciência desco-
mo aconteceu com o evoluído. No fim, o que impele o ser a su- briu leis particulares, mas, por não levar em conta o fato de que
bir não é mais a repulsão da Lei, mas sim a própria atração da elas funcionam dentro de uma lei maior universal, que a todas
Lei, que recompensa quem progride no caminho do bem. abrange e coordena, não foi capaz de entendê-las no seu verda-
Podemos agora chegar a algumas conclusões. Não há dúvida deiro valor, nem colocá-las em ação no terreno da prática, per-
que destruir tal complexo de honestidade representa uma vanta- manecendo no estado de incerteza de quem não conhece todo o
gem imediata para o indivíduo, porque ajuda a adaptação dele ao problema. Assim como cada fenômeno menor se processa em
mundo, entre os quais há uma inimizade recíproca, e serviria função de fenômenos maiores, também cada problema particular
como um tratamento capaz de amenizar tal estado de luta. Surge não pode ser resolvido senão em função do conhecimento
então um problema para o psicanalista. Deve tal complexo ser do problema universal e de sua solução. Então o problema de se
54 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
achar um tratamento certo para as doenças psíquicas e espiritu- cas constituem o choque resultante da reação da Lei, que restitui
ais não é solúvel senão em função da solução de outros proble- o mesmo mal da violação e desequilíbrio gerado pelo indivíduo
mas mais vastos, que dizem respeito ao conhecimento da natu- dentro dela e, portanto, dentro de si mesmo. Assim, justamente
reza da personalidade, da técnica de sua construção, da finalida- esse impulso negativo que o ser, no âmbito da sua liberdade, mo-
de de tal processo evolutivo, da leitura do passado pré-natal es- vimentou em sentido errado, lançando-o em sentido anti-Lei e,
crito no subconsciente etc. Trata-se de curar um sofrimento, por- portanto, antivida, repercute agora nele e o fere no espírito.
tanto é indispensável conhecer o que é a dor, qual a razão de sua Já frisamos que um complexo é uma queimadura do espírito.
existência, por que ela aparece num dado momento, qual é sua Este fica magoado pelo choque de tal reação, que, sendo de natu-
origem e que função exerce no plano geral da existência. Uma reza negativa, produz uma doença no organismo mental, um
verdadeira psicanálise, se quiser ser completa, deve abranger ho- trauma psíquico, uma ferida na alma, originando uma dor naque-
rizontes de amplitude bem maior que os atuais. Ela não pode ser le ponto, com todas as suas consequências cerebrais, nervosas e
entendida só como fenômeno psicológico, mas também como até mesmo físicas. Eis o que é a neurose, a psicose etc. Depois
fenômeno ético, religioso, biológico, evolutivo, social etc. que a livre vontade do ser movimentou o primeiro impulso, todas
A psicanálise original de Sigmund Freud recebeu sucessivas as consequências, até atingir finalmente a doença, desenvolvem-
modificações e desenvolvimentos por Adler, Rank, Jung, Stekel se automaticamente, em forma determinística, fora da vontade e
etc. Freud viu na personalidade humana, antes de tudo, o ele- da liberdade do indivíduo. É por isso que neuroses e complexos
mento sexo, cujos impulsos foram considerados por ele como se manifestam como automatismos situados fora do controle da
fator fundamental. Seu seguidor, Jung, respondeu-lhe que “o consciência. Esta é a razão pela qual Jung teve de afirmar que a
cérebro não pode ser somente um apêndice das glândulas geni- cura do paciente se atinge ajudando-o a individuar os símbolos
tais”. Assim, a concepção feminina da personalidade humana, de seu subconsciente. Isto porque, assim, é possível, a partir do
baseada no instinto sexual, foi por Jung substituída pela con- conhecimento da natureza dos atuais impulsos do subconsciente,
cepção masculina baseada na vontade de domínio. Cada um dos deduzir a natureza das causas determinantes de sua origem no
dois cientistas viu um dos dois aspectos fundamentais e com- passado, observando agora o que, como consequência, surge do
plementares do mesmo fenômeno, portanto não se contradizen- subconsciente, cuja expressão se realiza por símbolos ou ima-
do, mas sim completando-se. A personalidade humana é um gens, e não por processos conscientes racionais. Dado que o tra-
conjunto de dois elementos ou aspectos, um relativo ao macho tamento tem de se dirigir não contra os efeitos, mas sobretudo
e outro à fêmea, que constituem o espírito de luta, para a função contra as suas causas, para endireitá-las, neutralizando o mal na
biológica da conquista, e o espírito de bondade e amor, para a sua fonte, podemos agora, porque já as conhecemos, determinar
função biológica da proteção e conservação. O primeiro impul- qual deve ser a solução. Esta deverá, então, consistir em contra-
so executa a tarefa da defesa para a afirmação e sobrevivência por novos impulsos volitivos na direção certa, em sentido oposto
do indivíduo, o segundo impulso assegura a continuação da ra- àqueles lançados em direção errada no passado, para poder assim
ça. Era inevitável que, na psicanálise, aparecesse e se revelasse corrigi-los. Trata-se de dirigir a atividade do paciente, fazendo
o fato da existência destas duas funções fundamentais da vida, que ele, ao invés de em sentido negativo, contra a Lei, para se ar-
assumindo as duas posições: a do macho e a da fêmea. ruinar, atue em sentido positivo, conforme a Lei, para se salvar.
Mas eis que o próprio Jung se encaminhou para uma con- Este novo caminho para se aproximar novamente da Lei pode,
cepção mais vasta, referindo-se aos princípios gerais de uma lei assim, constituir o tratamento para o caminho anterior, que foi de
superior. No seu livro O Arquétipo É Uma Presença Eterna, afastamento dela, estabelecendo com o novo processo, de obedi-
Jung explica o seguinte: “(...) muitas neuroses do homem mo- ência, a possibilidade de curar o precedente, de revolta.
derno nascem de ofensas que o consciente gerou nos arquéti- Neste ponto, onde aparece uma terapia mais ampla e inte-
pos. Então, estes reagem do inconsciente, perturbando o equilí- gral, Jung parou. A porta de uma psicanálise mais profunda es-
brio psíquico do indivíduo. Atinge-se a cura, ajudando o doente tava aberta, mas ele não entrou. Não podia, porque, não levan-
a individuar os símbolos do seu próprio subconsciente”. do em conta as vidas precedentes, escapava-lhe toda possibili-
Deste modo, assim como nós, Jung admite, antes de tudo, que dade de pesquisa no terreno do passado pré-natal, justamente a
a ação saia do consciente, mas faz isso sem explicar que este fato que mais interessa, pois nele se encontram as primeiras causas
representa, como já dissemos, a parte ativa do processo da cons- da doença, as quais o tratamento tem de corrigir, determinando
trução do eu. A ideia mais importante da afirmação de Jung é que no paciente impulsos opostos. Além disso, faltava a Jung, como
as neuroses nascem de ofensas geradas pelo consciente nos ar- já mencionamos, um sistema universal para se dirigir nessa
quétipos. Isto corresponde ao nosso conceito de violação da or- pesquisa, uma visão cósmica que explicasse qual é a finalidade
dem da lei de Deus, já explicado por nós no livro Queda e Salva- da vida e de sua evolução, mostrando o futuro à espera do ser
ção. Corresponde também à nossa afirmação de que a desobedi- no seu desenvolvimento, pelo qual ele é levado do AS ao S.
ência a essa lei representa uma ofensa, contra a qual ela reage, Somente provido de uma tal premissa, conhecendo a técnica da
devolvendo-a ao violador na forma de dor, que é neste caso a de- construção da personalidade e levando em conta não somente o
sordem da neurose. Mas Jung não explica a técnica desse fenô- passado do eu, mas também o futuro que o espera, é possível
meno. Neste caso, porém, também não pôde deixar de aparecer e curar os pontos errados no velho tipo, destruindo-os com a
se revelar na psicanálise o fato de existir uma lei que é a base da substituição por um novo, sabendo identificar, segundo a Lei, o
estrutura do universo e que dirige seu funcionamento. Os arqué- que está certo e o que está errado, o que gera saúde e o que traz
tipos equivalem ao que chamamos de imutáveis princípios da doença. A esta altura, a psicanálise tem de entrar no terreno do
Lei. A reação surge daquele mundo que, para o homem ignoran- superconsciente, no qual se realizam as novas construções do
te, é o inconsciente, pois está situado acima do seu conhecimento eu, usando a técnica da superação evolutiva e praticando o tra-
ou consciência, que representa a sua forma mental, na qual está tamentos de neuroses pelo estranho caminho da sublimação,
contida toda a sua sabedoria, adquirida pela sua experiência pas- que ainda está limitado ao terreno da ética e das religiões, sen-
sada no trabalho de construção do eu. O resultado da violação, do desconhecido pela ciência positiva. Então, a doença pode ser
como reação da Lei, é uma perturbação que altera o equilíbrio resolvida em sentido evolutivo, cortando o mal pela raiz, atra-
psíquico do indivíduo. O efeito é da mesma natureza da causa. A vés do amadurecimento do indivíduo, que se desloca do seu ní-
Lei devolve ao ser desobediente à ordem o mesmo choque e de- vel biológico para outro superior, com todas as consequências
sordem que este lançou contra ela e que agora, ricocheteando pa- decorrentes. Isto será mais bem explicado mais adiante.
ra trás, volta ao ofensor. Eis que as doenças nervosas e psicopáti- ◘◘◘
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 55
Eis, então, que chegamos a uma nova psicanálise, conce- necessário. Então suprimi-lo, como faz a medicina, só nos seus
bida de outra maneira. Trata-se de uma ciência que, observan- efeitos, sem conhecer as causas para eliminá-las, significa sufo-
do os produtos instintivos surgidos do subconsciente, procura car o natural descarregamento do mau impulso, que assim, im-
reconstruir a história passada do indivíduo, identificando onde pedido de se desabafar, é constrangido a se concentrar, com-
e como, no seu caminho evolutivo, ele se movimentou em primindo-se até chegar a uma nova explosão, que lhe é indis-
sentido errado, diante da Lei, que é o ponto de referência em pensável, devido ao impulso equilibrante da Lei. Isto muda os
relação ao qual se pode julgar. A doença da neurose é um atuais conceitos de doença e seu tratamento.
efeito desse movimento em sentido anti-Lei, constituindo a fa- Se fecharmos esta válvula de segurança que é a doença,
tal consequência de sofrimento resultante de cada violação. Se esta acabará explodindo de novo. Assim, se, em vez de neu-
a causa foi a desobediência, que gera a desordem, o remédio tralizar suas causas, cortando na raiz o impulso que gera a do-
está na obediência, que reconstrói a ordem. O tratamento con- ença, procurarmos eliminar somente os efeitos, tentando su-
siste na reintegração dessa ordem, de que dependem a saúde e primi-los à força, e tratar apenas os últimos resultados que
o bem-estar, neutralizando assim a desordem, de que depen- vemos, ignorando suas origens longínquas, acabaremos ge-
dem a doença e a dor. Já explicamos bastante os princípios rando com tal método sempre novas doenças. Tal conceito,
nos quais se baseia essa interdependência entre erro e sofri- para a ciência positiva, pode parecer fantasia fora da realida-
mento, entre o conceito de pecado e o de penitência. Pode-se, de. Mas não é exatamente isto o que está acontecendo no
então, reconstituir o equilíbrio psíquico perturbado do indiví- mundo atual, onde, ao lado de tantas descobertas e doenças
duo através da correção do erro, que foi a causa, eliminando vencidas, surgem sempre outras em novas e diferentes for-
assim a doença, que é o efeito. mas? E como a ciência explica esse fato?
Eis que a psicanálise, antes de tudo, deve conhecer o conteú- Cabe à psicanálise descobrir as causas longínquas, porque,
do da Lei, a fim de se orientar no tratamento. Assim, ao lado do na interdependência espírito-corpo, pode haver doenças físicas
elemento psicológico e biológico, nessa ciência entram o ele- dependentes de causas psíquicas, ligadas à estrutura da persona-
mento filosófico, o ético e o religioso. Já há uma nova tendência lidade, que o indivíduo construiu no seu longo passado. Eis en-
revolucionária da medicina psicossomática que sustenta a exis- tão que, para resolver um caso, pode ser necessária, ao lado do
tência de um liame entre distúrbios emotivos e distúrbios físicos. diagnóstico médico, uma análise por parte do psicanalista, por-
Eis então que a própria medicina, apoiando-se na psicanálise, que o ser humano é uma unidade bipolar indivisível, não sendo
procura entender por novos caminhos o significado da doença, possível tratar-se artificialmente uma doença orgânica como um
afirmando que o indivíduo adoece porque naquele ponto houve fenômeno isolado, sem levar em conta a sua correspondente
uma culpa, pela qual ele se colocou numa posição errada, contra parte espiritual. A moral desta conversa é que o primeiro remé-
as leis da vida. Culpamos os micróbios, o regime ou o ambiente, dio está em não ter merecido a doença com os nossos erros.
mas estes fatores podem ser somente as causas próximas, de ca- Uma vez, porém, que eles tenham sido cometidos e, por isso,
ráter secundário, enquanto as verdadeiras, aquelas fundamentais, escritos em nosso destino, com todas as suas consequências,
são mais remotas e profundas. É verdade que a ciência poderia não nos resta senão aprender a lição através do sofrimento, para
objetar que, por esse caminho, nos afastamos da realidade susce- não repeti-los mais. Então, a doença é uma experiência de sal-
tível de observação direta e de controle experimental imediato. vação, na qual se manifesta a sabedoria da vida, para tirar o in-
Mas também é verdade que a ciência, pelo fato de seguir o seu divíduo do impasse em que ele, por ter errado, caiu. O homem
caminho positivo, desconsidera elementos cuja influência pode recebe apenas o mal que, na sua inconsciência, lançou contra si
ser de fundamental importância para a doença e o seu tratamen- mesmo, sendo agora obrigado a suportá-lo. Mas, no fundo do
to, sendo este o ponto de maior interesse para a ciência. sofrimento, está o impulso para o bem-estar e, no íntimo da do-
Mudam assim o conceito de doença e o método de seu tra- ença, a vida trabalha para restaurar de novo a saúde, assim co-
tamento. Eis uma medicina que levaria em conta também o ele- mo a morte contém o princípio da ressurreição e, dentro da ruí-
mento moral e espiritual, tratando o ser humano não como um na do S decaído no AS, está presente e trabalha o Deus imanen-
organismo somente animal, mas sim no seu aspecto completo, te, para reconduzir tudo de novo ao estado perfeito de S. Eis a
que constitui um conjunto físico e psíquico ao mesmo tempo. que profundos equilíbrios a vida obedece.
Pode-se assim concluir que a doença é um deslocamento resul- A conclusão deste parágrafo é que a doença não pode ser
tante de forças mal dirigidas, levando elementos a se colocaram “definitivamente” eliminada senão pelo método da penitência,
fora do seu devido lugar. Se, então, a doença representa uma de- com o correlativo aprendizado da lição, a qual é transmitida ao
sordem e nos mostra, pela sua natureza, qual foi o tipo particular subconsciente, onde fica retida, para que o erro não se repita
e específico dessa desordem, eis que, implicitamente, ela nos in- no futuro. Esta conclusão concorda com a do parágrafo prece-
dica qual deverá ser o tipo particular e específico de tratamento dente, confirmando a possibilidade de se tratar as neuroses
necessário para reconstruir naquele ponto a ordem violada. com o método da obediência à Lei, através da sublimação, que
Há mais ainda para quem entendeu o conceito de doença pe- corrige os velhos impulsos, ensinando a praticar outros novos,
rante a Lei, em função dos seus princípios fundamentais de de um plano biológico superior.
equilíbrio e de justiça. Pode-se concluir então que, se a primeira O mundo luta desesperadamente contra a dor, mas não sabe
causa de uma doença foi um impulso negativo, de desordem e o que ela é, ignorando qual a razão de sua existência e a sua
desequilíbrio, ou seja, um movimento contra as leis da vida – função no seio do equilíbrio universal. Assim, o mundo luta
também chamado culpa ou pecado no plano ético – então a contra os últimos efeitos sem atingir as causas, e o resultado de
própria doença não somente representa, na forma de dor, con- tais métodos é que a dor permanece. É necessário entender que
forme já demonstramos, a lógica consequência do erro, cum- somente poderemos alcançar bons resultados, se agirmos con-
prindo a justa e fatal reação compensadora por parte da Lei, forme a Lei, cumprindo sua vontade, seguindo seus impulsos e
mas também constitui o pagamento da dívida, a devida penitên- acompanhando o caminho de suas forças. Mas, se quisermos
cia pela culpa, a necessária expiação, a correção do erro, a for- agir contra a Lei, opondo-nos à suprema vontade que, canali-
ma mais adequada para reconstituir a ordem e o equilíbrio. En- zando tudo em sua corrente, dirige e movimenta o universo, en-
tão o tratamento do doente está na própria doença, que é de fato tão não encontraremos senão resistência e dificuldades, tornan-
um mal como julga a ciência, mas isto somente no momento de do-se vãos todos os nossos esforços, porque lançados contra
sua gênese pelo erro, porquanto, na sua fase de amadurecimen- poderes superiores, que não podem ser vencidos.
to atual do processo, constitui um mal saudável, um curativo ◘◘◘
56 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
Observemos agora outros aspectos da pesquisa psicanalíti- Quem vive apenas no nível da superfície percebe somente os
ca, para individuar outro método no tratamento das doenças pormenores e as aparências, sendo capaz de resolver os peque-
mentais, realizado através da penetração introspectiva nas ca- nos problemas e vencer na luta de cada dia, mas está cercado de
madas profundas da personalidade do paciente. mistérios e desnorteado a respeito dos grandes problemas, come-
Para entender toda a personalidade humana, é necessário tendo nas questões de longo prazo erros que depois terá de pagar
observá-la nos seus vários níveis. O consciente está na super- e sendo, no fim, apanhado desprevenido pela morte. Ele tem ra-
fície, onde se realiza a vida, desenvolvendo-se a parte ativa da zão e vence, mas só relativamente ao seu mundo e enquanto nele
nova experimentação, que aumenta o patrimônio do conheci- vive. Além disto, quase nada ele sabe e pode fazer.
mento e das qualidades do indivíduo. Esta é uma zona em Pelo contrário, quem olha na profundeza descobre, atrás das
contínuo movimento, feita de pequenos fatos sucessivos no aparências exteriores, uma realidade interior mais profunda,
tempo, encadeados uns aos outros. Trata-se de uma zona ana- atingindo o conhecimento da sua verdadeira natureza e do seu
lítica, feita de pormenores exteriores, práticos e concretos, destino numa visão de conjunto. Ele pode, então, orientar-se a
que constituem a nossa chamada realidade da vida. Nesta zona respeito dos grandes objetivos de sua vida, dirigindo-se inteli-
se realiza o novo trabalho de construção da personalidade ao gentemente, por si próprio, para atingi-los, seguindo planos su-
longo do caminho evolutivo. periores tão vastos, que escapam completamente ao outro tipo,
Debaixo desta zona, na qual o homem comum vive a sua que é, assim, servo do destino, enquanto o outro é dono.
vida de cada dia, há outras zonas sobrepostas, situadas fora Há resultados diferentes, com vantagens e desvantagens, em
desse consciente, no inconsciente. A tarefa da psicanálise é cada um dos dois casos. Um ser completo deveria saber realizar
pesquisar essa imensa parte de nós, que está submersa e es- as duas formas de pesquisa. Mas é raro que isto possa aconte-
condida no subconsciente. Ela é fundamental no ser humano e cer. Assim, cada um dos dois acaba vivendo o seu tipo de vida:
existe sem que ele tenha conhecimento dela, constituindo 1) A vida exterior, prática e compensada por sucessos imedia-
sempre o mais íntimo âmago do nosso eu. Aí, as tempestades tos, terminando em desejos insatisfeitos e desilusão diante da
sensórias da superfície se acalmam e o pensamento, ao invés morte, no desconhecido; 2) A vida interior, incompreendida no
de ser analítico e feito de pormenores exteriores, é vasto, inte- mundo e condenada por derrotas imediatas, mas que, na morte,
rior e profundo, funcionando por visões de conjunto, dirigido desemboca numa continuação de vida conhecida e prevista, na
não para a exploração do novo e da construção do eu, mas pa- qual o indivíduo bem orientado realiza seus desejos. Também
ra a assimilação e conservação do velho. Nessa zona, temos nas religiões, a maioria pertence ao primeiro tipo, sendo que tal
camadas diferentes, uma debaixo da outra, cada vez mais pro- religião aparecerá como irreligiosa, ou mesmo ausência de reli-
fundas, às quais vai descendo e, por estratificação, fixando-se gião, ao homem do segundo tipo.
tudo o que foi vivido pelo consciente na superfície. Se, por Para os dois tipos, os valores da vida são diferentes. O que
um lado, para se realizar no plano da vida prática, o homem vale para o primeiro são os recursos materiais. O que vale para
tem de se projetar ativo e dinâmico para fora, no seu ambien- o segundo são os recursos espirituais. Para o 1 o, a finalidade da
te, por outro lado ele, para conhecer esse seu mundo interior, vida está na Terra e, em função disto, ele entende e trabalha.
tem, ao contrário, de se concentrar em si mesmo, em calma e Para o 2o, a finalidade da vida está fora da Terra e, em função
silêncio, escutando as vibrações sutis desse outro ambiente disto, ele entende e trabalha. Para o 2o tipo, representa uma con-
subterrâneo. A maioria vive somente a vida de superfície, que tínua profanação a maneira prática e interesseira que o 1 o tipo,
contém apenas uma parte dos valores do ser, escapando-lhe apesar de estar convencido de ser honesto e religioso, tem de
todo o restante num profundo mistério. conceber as coisas espirituais,.
Qual é a lógica desse comportamento? A projeção neste Ora, a função da psicanálise é penetrar neste mundo interior
mundo exterior dos sentidos e da matéria é o resultado da que- do 2o tipo, a fim de ajudar o homem comum, do 1 o tipo, a des-
da do S no AS, que significa a descida do espírito na matéria. cobrir o conteúdo de sua personalidade, ensinando-lhe a prati-
No terreno do AS, isto é, na matéria, o homem vai realizando, car pesquisas interiores profundas por introspecção, para des-
ao longo do seu caminho involutivo-evolutivo, o trabalho para vendar assim o mistério escondido fora do consciente e, com is-
voltar ao S, isto é, ao espírito, reconstruindo-se como tal atra- so, revelar seu destino individual, orientando sua conduta em
vés da sua experiência exterior no seio da matéria, seu atual função dele, até chegar ao tratamento das doenças, neuroses e
reino. Por esse processo, o homem vai acumulando nele tudo complexos, que dependem deste mundo interior. Estas questões
que, lutando no seio do AS, vai reconquistando do S. Assim a são todas conexas e fazem parte do grande problema da perso-
experiência de cada vida deixa, acumulada debaixo da superfí- nalidade humana, que é o ponto central da psicanálise.
cie, uma nova camada em cima das antigas. Ao mesmo tempo, As grandes descobertas da psicologia e da parapsicologia do
o ser transporta o seu trabalho de conquista criadora para um futuro nascerão desta análise que desce às mais secretas cama-
nível mais alto, enquanto a zona da experimentação ativa se das interiores do eu. Esta nova ciência aparece hoje porque,
levanta para um plano biológico mais adiantado, onde se repe- agora, os limites da mente humana estão se ampliando para no-
te o mesmo processo. E assim por diante. vos horizontes, como resultado da evolução, o que exige um
Em nosso ambiente terrestre, o biótipo de homem que mais conhecimento mais profundo de nossa personalidade. A conti-
se encontra é aquele extrovertido, dirigido para fora, atuando no nuação da vida no tempo leva a um aumento progressivo das
seu ambiente material, no qual realiza sua vida, enquanto é experiências e do conhecimento adquirido, resultando numa fa-
mais raro o biótipo introvertido, dirigido para dentro, atuando tal acumulação em nós mesmos de um material que, tornando-
no seu mundo interior, no qual realiza a sua vida. O primeiro se sempre maior, não pode deixar de acabar explodindo para
representa o mundo involuído da matéria, que gravita para o além dos velhos limites. Este é o resultado atual do amadureci-
AS; o segundo representa o mundo evoluído do espírito, que mento biológico da raça humana. Por isso, hoje, surgiu a psica-
gravita para o S. Os dois estão nos antípodas, e um julga o ou- nálise, ciência inconcebível nos séculos passados, em que todos
tro em relação à sua posição. O primeiro avisa o segundo do pe- viviam satisfeitos na mais profunda ignorância dos problemas
rigo de perder contato com a realidade da matéria, esquecendo- da personalidade humana. Nesta época, tudo era dirigido, tanto
se das férreas necessidades da luta pela vida. O segundo avisa o a conduta como as leis civis e religiosas, pelos impulsos instin-
primeiro do perigo de acreditar no mundo, que não é senão uma tivos do subconsciente e pela respectiva forma mental, que re-
grande ilusão, ignorando as grandes verdades das quais a vida presentava a unidade de medida das verdades dominantes. Ho-
depende. Quem tem razão? je, com o constante aumento da prevalência do elemento psí-
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 57
quico em nossa cada vez mais complicada vida social, torna-se pecção e as profundas pesquisas de uma psicanálise muito
sempre mais necessário o conhecimento de nossa personalida- mais vasta podem orientar o indivíduo para uma vida melhor,
de, com tudo o que ela contém e que dela pode nascer. A práti- dirigindo a sua conduta. Uma psicanálise completa não pode
ca de uma vida psicologicamente mais refinada exige a solução ficar limitada ao tratamento das doenças nervosas e mentais,
de problemas até agora desconhecidos, situados além da super- mas tem de entrar no terreno ético, para dirigir com inteligên-
fície das aparências. O homem começa a entender a vantagem cia a conduta humana. Suas pesquisas devem abranger todo o
de viver com maior conhecimento e inteligência. imenso campo do inconsciente, situado fora do controle ime-
Neste ponto pode surgir uma dúvida que é necessário es- diato do consciente, penetrando os mistérios da personalidade
clarecer. Com a finalidade de orientar o indivíduo para uma não somente no terreno do subconsciente, mas também no do
vida melhor, dirigindo-o mais inteligentemente na sua condu- superconsciente. Elas devem atingir não somente o passado
ta, que valor podem representar as profundas pesquisas interi- do indivíduo, mas, acima de tudo, o seu futuro, numa visão de
ores da psicanálise, quando sabemos que o subconsciente não conjunto em que passado e futuro se fundem no mesmo pro-
contém senão o nosso passado, isto é, a parte inferior do nosso blema. Assim, a penetração psicanalítica do inconsciente po-
ser, atrasada, involuída, animal, já superada hoje? Que vanta- derá ser completa, porque atingirá ambos os seus aspectos: o
gem poderemos tirar deste mergulho na parte pior de nossa subconsciente e o superconsciente.
personalidade? Por que, então, descer a estas camadas pro- Depois destas explicações, já podemos entender melhor o
fundas, onde não se pode encontrar senão o que foi vivido nos sentido das palavras de encerramento do primeiro parágrafo do
níveis biológicos inferiores? presente capítulo, onde afirmamos que a psicanálise tem de en-
É verdade que, por este caminho às avessas, poderíamos trar no terreno do superconsciente, no qual se realizam as novas
chegar ao fundo do AS, isto é, da queda. Mas é verdade também construções do eu. Agora podemos compreender como e por-
que, precedendo este ponto, há toda a história da descida, desde que é possível realizar isto, bastando, para tanto, a psicanálise
o seu ponto de partida, que foi o S. Esta história não foi destruí- utilizar a técnica da superação evolutiva, praticando o tratamen-
da, mas está apenas latente, esquecida, sepultada na ignorância to das neuroses pelo caminho da sublimação.
do ser. O período atual de evolução está contido nesta história, ◘◘◘
constituindo a segunda fase, oposta e complementar ao primeiro Observemos agora algumas posições mais próximas da per-
período, o involutivo, do mesmo ciclo de ida e volta. O percurso sonalidade, enfrentando problemas mais específicos e acessí-
evolutivo depende do precedente percurso involutivo, sem o veis, cujo tratamento é a tarefa da psicanálise atual. Trata-se
qual não poderia existir. A segunda parte do fenômeno não pode dos problemas do subconsciente ligados ao conteúdo das suas
ser entendida senão como consequência da sua primeira parte. camadas mais recentes, que foram nele estratificadas nas vidas
Uma vez que é consequência, a evolução não pode existir sozi- precedentes e que são analisados na pesquisa do período antes
nha nem criar uma nova lei própria, mas apenas pode existir em do nascimento. Desenvolveremos, assim, os conceitos com os
função do precedente período de involução, funcionando somen- quais iniciamos este capítulo.
te como reconstrução do que foi destruído pela queda, isto é, do Tal pesquisa não tem somente importância teórica e filosó-
S e do domínio da lei de Deus. Temos de entender bem essa fica, mas também prática. No tratamento das doenças, a ciên-
afirmação: a evolução não pode ser uma criação de coisa nova. cia vai apenas até às causas próximas, e não às remotas. Mas,
Esta é a razão pela qual o seu caminho já está marcado antes de enquanto estas não forem atingidas, o problema da libertação
ser percorrido, pois não se trata senão de passar através dele em da dor não poderá ser resolvido. Para tratar exaustivamente os
sentido oposto, repetindo em subida o caminho que já foi per- seus casos, a psicanálise tem de conhecer não apenas a técnica
corrido em descida. É por isso que a evolução já possui o seu pela qual, no duplo ritmo vida-morte, o crescimento e a cons-
ponto de partida e de chegada. Trata-se de um fenômeno contido trução da personalidade se realizam, mas também saber qual o
na ordem da Lei, de onde nada pode sair, sendo assim orientado trabalho que o ser realiza no período pré-natal, antes do nas-
com antecedência, sem jamais estar abandonado ao acaso, mas cimento físico; como que as experiências da vida precedente
sempre submetido a princípios preestabelecidos, que o dirigem se incorporam no eu, tornando-se lição aprendida e consti-
para um seu telefinalismo evidente. tuindo os impulsos instintivos que, depois, emergem do sub-
Eis o imenso mundo que as profundas pesquisas interiores consciente; como se realiza o fenômeno da estratificação das
podem revelar. Além das camadas inferiores situadas no sub- camadas sobrepostas; por qual processo, aquilo que foi vivido
consciente, há esta grande história maior, de cujas profundezas na forma de consciente sensório numa vida se torna depois
o S continua enviando os seus apelos, para conduzir o ser à sal- automático produto do subconsciente na vida sucessiva; onde
vação, trazendo-o de volta ao seu seio. Desse modo, se os pio- e como se constrói a parte determinística de nosso destino, à
res impulsos nos chegam dos baixos níveis da evolução, os me- qual, por ser ela efeito fatal da semeadura realizada no passa-
lhores provêm deste outro passado – muito mais longínquo, do, estamos fatalmente sujeitos.
mas nem por isso morto, e sim apenas adormecido – que vai, Sem conhecer a primeira origem dos complexos, a psicaná-
com a evolução, despertando e se reconstituindo. Assim, esta lise não poderá fazer um verdadeiro tratamento deles, sobretu-
observação introspectiva pode nos revelar toda a nossa história, do para aqueles mais profundos e radicados, cujas causas de-
com tudo o que ela contém, mostrando não somente o nosso terminantes não é possível encontrar na vida presente, sendo
passado inferior, mas também o nosso mais longínquo passado necessário, por isso, procurá-las nas vidas precedentes, cuja
superior, do qual decaímos. Com isto, os resultados dessa in- história a psicanálise terá de aprender a ler, pois ela está escrita
trospecção pode nos mostrar também o que está potencialmente no subconsciente, como já explicamos. Há qualidades indivi-
contido no plano geral da evolução, indicando-nos assim o seu duais cuja presença a hereditariedade pais-filhos, antepassa-
futuro desenvolvimento e, portanto, o nosso porvir. dos-descendentes, não basta para explicar. O processo evoluti-
Eis, então, que esta nossa pesquisa interior, depois de ter vo não pode ficar todo ele confiado somente à transmissão do
atravessado as camadas inferiores situadas no subconsciente, organismo físico, uma vez que a reprodução se faz na juventu-
pode dilatar-se além delas e alcançar a visão de um mais vasto de, quando a experiência adquirida pelos pais é mínima, en-
inconsciente, onde está contido um passado mais longínquo, quanto, para a evolução poder assegurar a sua continuidade e
que retorna e já alvorece na consciência dos mais evoluídos, acumular os frutos de seu trabalho, a reprodução deveria reali-
na qual ele, percebido pelas intuições do superconsciente, vai zar-se na velhice, no final da vida dos pais, quando eles possu-
se revelando como antecipação do futuro. Eis como a intros- em o máximo de sabedoria a transmitir.
58 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
A biologia só conhece o canal da evolução da forma física, o que vemos ressurgir dele nos sonhos. Mas não poderemos en-
pelo qual se transmitem as qualidades orgânicas, que constituem tender o significado destes produtos nem saber como neutrali-
as conquistas fisiológicas. Mas, para transferir as qualidades e zá-los, se não soubermos retroceder ao longo de todo o cami-
conquistas espirituais – que são de natureza diferente e tornam- nho de seu desenvolvimento.
se cada vez mais importantes, quanto mais a vida evolui – tem Acompanhemos, então, esta nova psicanálise no seu cami-
de existir outro canal de transmissão, sendo este, no dualismo nho retrospectivo da vida do indivíduo antes do nascimento.
universal, justamente o outro polo do fenômeno, constituindo a Há, antes de tudo, o período de prelúdio à existência física, vi-
sua parte inversa e complementar, na qual o processo se comple- vido no ventre da mãe. Com a fecundação do óvulo materno
ta e equilibra. Este canal tem de ser individual e pessoal, pois, de inicia-se a queda e a fusão do espírito na matéria, período no
outra forma, não se poderia realizar o fenômeno da construção qual é realizado o trabalho do eu para se revestir de uma forma
do eu através da evolução, porque o trabalho de uma vida ficaria que lhe permita entrar em contato com o mundo físico. Esta fa-
desligado de outra, faltando ao progresso uma continuidade e se representa a descida no AS, constituindo o período mais obs-
desenvolvimento lógicos, uma vez que, assim, ele seria o resul- curo e doloroso da vida, e isso tanto mais quanto mais o ser é
tado de incontáveis experiências, realizadas por diferentes indi- evoluído, porque, assim, tanto maior é a descida como perda de
víduos, todas elas desconexas ou misturadas na desordem do ca- liberdade e conhecimento. Mas nem por isso o ser se torna in-
os. Nesta confusão, cada um seria obrigado a viver em função e sensível e perde a sua receptividade. É neste estado de perma-
a sofrer a consequência fatal das ações de outros, não importa se nência dentro do ventre materno que o ser é mais vulnerável,
antepassados ou mesmo desconhecidos, ficando sujeito a uma porque não possui nenhum meio para se defender e reagir, en-
injustiça, porque privado de liberdade e responsabilidade indivi- contrando-se em posição de completa passividade e impressio-
dual, condição totalmente contra a justiça, porque o indivíduo nabilidade. Ele tem de aceitar e absorver tudo o que lhe chega
teria de sofrer pela culpa de quem viveu anteriormente, tendo de da parte do organismo físico-psíquico da mãe, que lhe fornece
aceitar um destino construído por outros. todo o material para a construção do corpo. Assim, vai-se im-
A psicanálise não pode prescindir do exame do paciente no primindo no eu do feto o estado orgânico e mental da mãe, que
período pré-natal. Ela já admite o registro das experiências no pode ser bom ou mau, alegre ou triste, sadio ou doente, sendo
subconsciente, onde elas ficam gravadas e de onde, depois, transferido como tal à personalidade do filho. O feto percebe
emergem no consciente. Mas, nesta pesquisa, a psicanálise para todos os movimentos maternos, suas crises nervosas, seus es-
no momento do nascimento e, assim, ignora o que houve antes, forços e sofrimentos, recebendo assim impressões e choques
deixando de retroceder até atingir o terreno onde foi feita a que ficam gravados no subconsciente, de onde depois ressurgi-
primeira semeadura das condições atuais. Como se pode, então, rão na forma de impulsos e complexos. O terreno da psicanálise
desfazer um trabalho errado ou endireitar um caminho torcido, é sobretudo este das influências mentais por parte da mãe sobre
sem conhecê-lo todo, desde o seu início? Como se pode corrigir o organismo psíquico do filho, um campo importante de pes-
um defeito com um tratamento oposto, sem conhecer todo o quisas para descobrir a origem de muitos dos impulsos instinti-
processo de sua formação e desenvolvimento. vos, atitudes mentais e complexos do filho.
A psicanálise trabalha na parte espiritual do ser, cuja evolu- Apesar de tudo isto, a sua personalidade já estava feita. A
ção é um processo único, devido à persistência do eu individual estratificação deste período não é senão uma das mais recentes,
ao longo do percurso de seu caminho ascensional, que vai do debaixo da qual existem camadas mais velhas e profundas,
AS para o S. O médico do organismo físico pode, até certo pon- acumuladas nas vidas precedentes. Para chegar até lá, é preciso
to, limitar-se ao presente, isolando-o desse seu imenso passado. aprofundar a pesquisa no período pré-natal. O ser que se en-
Tal restrição, porém, não pode ser aplicada pelo médico do or- contra no feto, utilizando o material orgânico fornecido pelo
ganismo espiritual. O psicanalista tem de observar o processo pai e pela mãe, já construiu a sua personalidade até um deter-
do desenvolvimento da personalidade do paciente, para desco- minado ponto de sua evolução e inicia agora, em continuação,
brir qual foi o choque inicial que gerou o complexo a ser trata- um novo trecho daquele caminho e trabalho, do qual ela repre-
do e qual o caminho por ele percorrido, a fim de acompanhá-lo senta o resultado. Ora como este resultado passa de uma vida
até ao seu estado presente, que só assim pode ser entendido. para outra? Que acontece e qual é a forma de vida no período
Enquanto não levarmos em conta tudo isto, nossos métodos di- de além-túmulo? É preciso enfrentar o problema da personali-
agnósticos serão incompletos. Mas nem mesmo o médico que dade humana em todos os seus aspectos, conhecendo a sua his-
trata somente do corpo pode prescindir completamente de tais tória em todos os seus momentos, inclusive nos períodos de
fatos. Espírito e matéria são conexos, podendo haver doenças existência que chamamos de morte.
físicas devidas a causas espirituais. Há doenças que são conse- Kant afirmou que passar da forma de vida do ser vivo à
quência de desequilíbrios no sistema nervoso, que dirige o fun- forma de vida do ser que chamamos de morto, significa “uma
cionamento do sistema vegetativo. Portanto as doenças com metamorfose da percepção sensória em percepção espiritual. Is-
verdadeira base anímica podem representar apenas a última fase to é o que constitui o outro mundo. Não se trata então de um
desta série de momentos sucessivos: 1) Desordem espiritual; 2) lugar diferente, mas só de uma diferente maneira de perceber”
Desorientação psíquica; 3) Desequilíbrio nervoso; 4) Distúrbios (Kant's Vorlesungen úber Psychologie). Eis que Kant intuiu a
funcionais; 5) Alteração do ritmo vegetativo; 6) Doença orgâ- presença de duas formas de percepção opostas. Mas o que sig-
nica. É somente esta última etapa que o médico percebe e trata nifica exatamente percepção sensória e percepção espiritual?
isoladamente, deixando de levar em conta os seus precedentes Procuremos responder a todas estas perguntas.
e, assim, de eliminar as suas primeiras causas. ◘◘◘
O conhecimento que a psicanálise tem do subconsciente é Pela lei do dualismo universal, que tudo divide e reúne em
incompleto, porque abrange somente as camadas mais recentes duas partes inversas e complementares, como consequência da
e superficiais da personalidade. Ora, o conhecimento de apenas originária cisão em S e AS, também o ser, na sua unidade, está
um trecho da história do paciente não pode bastar para julgar o dividido em duas partes inversas e complementares, que consti-
seu caso e tratá-lo. É necessário estender a pesquisa até às ca- tuem os dois polos do eu: o consciente (positivo) e o inconscien-
madas profundas do eu, não se detendo no momento do nasci- te (negativo). Quando se iniciou a fase evolutiva, ainda no nível
mento, no qual a personalidade aparece já feita, como resultado do AS ou matéria, o inconsciente era tudo e a ignorância domi-
do seu longo passado. É muito bom o método de analisar todas nava todo o ser. Tal estado constituía um vazio que cabia à ex-
as manifestações instintivas do subconsciente, observando tudo perimentação da existência preencher por camadas sucessivas,
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 59
como já vimos, sobrepostas ao longo da subida da evolução, pa- para o exterior, fazendo voltar-se para fora tudo que antes es-
ra escalar o céu, voltando assim ao espírito, ou seja, ao S. tava dirigido para dentro. Assim, o período de exteriorização
Em nossa vida, essas duas partes cumprem duas funções se completa com o oposto de interiorização. Em relação ao
opostas, dois trabalhos que se completam reciprocamente. O ser mundo físico, é ativa e positiva a fase vida, enquanto é passiva
oscila de um ao outro nas suas duas formas de existência, que e negativa a fase morte. Em relação ao mundo espiritual, é ati-
são a vida e a morte. Eles são alternados. Um funciona no perí- va e positiva a fase morte, enquanto é passiva e negativa a fase
odo de vida encarnado, o outro no período de vida desencarna- vida. Um desencarnado é um adormecido em relação aos vivos
do. Sempre ansiosa por atingir o seu objetivo final, a vida nun- e, pelo seu nascimento físico, acordará em nosso mundo da
ca para no seu trabalho evolutivo, ao longo do qual ocorre uma matéria. Um encarnado é um adormecido em relação aos mor-
contínua inversão, de modo que ele se realiza sempre embor- tos e, pela sua morte, acordará no mundo espiritual. Com esta
cando a sua posição relativamente à precedente. Quais são, en- inversão de posições, é possível para o ser um trabalho contí-
tão, esses dois tipos de trabalho? nuo, alternando o período ativo entre cada um dos dois lados,
No período de vida encarnado, o ser executa de forma cons- ao mesmo tempo em que descansa do outro.
ciente a fase do seu trabalho de construção da personalidade, pro- Uma concepção completa da vida somente pode ser obtida
jetando-se por meio dos sentidos no mundo exterior, no ambiente se juntarmos ambas as fases opostas. Ela constitui um contínuo
físico terrestre, onde realiza experiências e recebe as impressões adormecer de um lado e acordar do outro, alternadamente,
das respectivas reações, que lhe vão ensinando, por intermédio da sempre trabalhando no lado acordado, enquanto repousa no la-
dor, a distinguir nos seus movimentos qual aqueles certos e quais do adormecido. Eis, então, que a vida do além-túmulo significa
os errados, tudo em relação à Lei, cujo conteúdo representa a li- um despertar da consciência na profundeza do inconsciente,
ção que o ser tem de aprender para voltar ao S. A cada momento, enquanto esta permanece limitada à sua superfície no período
tudo fica registrado e armazenado no inconsciente. de vida na matéria. E toda a história do indivíduo está escrita
No período de vida desencarnado, o ser faz o trabalho opos- justamente naquela profundeza, onde fica escondida a parte
to, percorrendo a fase inversa do mesmo trabalho bipolar, numa mais importante e secreta da sua personalidade, aquela que é ta-
forma que, relativamente à precedente, parece passiva e incons- refa da psicanálise descobrir. Em substância, trata-se de dois
ciente, mas que, em substância, é igualmente de atividade e aspectos ou momentos do mesmo fenômeno, no qual a mesma
consciência, constituindo simplesmente uma forma situada nos consciência vai oscilando de um polo ao outro do eu, percor-
antípodas. Trata-se, então, somente de dois tipos de trabalho, rendo-o completamente, por meio de duas diferentes formas de
cada um a seu tempo, sendo ambos ativos e conscientes. Em atividade e aprendizagem, nas quais ele fica sempre desperto
outras palavras, trata-se de duas posições do mesmo trabalho para trabalhar na sua construção, ora no período de encarnado,
construtivo do eu, sendo cada uma, alternadamente, ativa e ora no período de desencarnado. Ambas as formas de atividade
consciente com relação à outra, que ao mesmo tempo se encon- são necessárias, assim como o são as funções de comer e dige-
tra na fase oposta, de descanso, passiva e inconsciente. rir. A primeira representa a fase da conquista para se apoderar
Durante este seu período de desencarnado, existindo em do material, a segunda constitui a fase de sua absorção, ambas
ambiente imaterial, o ser realiza um trabalho interior, de caráter com o mesmo objetivo, que é sempre o enriquecimento do eu.
introspectivo, no qual ele, meditando, entendendo e organizan- Portanto permanece vivo tudo o que pertenceu à vida e mor-
do todas as impressões registradas e armazenadas no período de reu. Assim a morte é relativa e aparente, sendo apenas um pa-
encarnado, transforma em substância própria tudo o que foi ra- rêntese de repouso com respeito à parte oposta, que está ativa no
pidamente engolido em sua vida na matéria. Na fase de encar- período da vida. Então a verdadeira vida, que é a do espírito na
nado, as experiências vividas e os respectivos resultados foram forma de desencarnado, fica interrompida pela sua forma oposta
apenas guardados e gravados, por isso ainda não constituem um no período de existência na matéria, consequência da queda no
ensinamento compreendido e aprendido. É necessário agora um AS, repetida por este período, do qual, porém, com a evolução,
trabalho diferente, que complete o precedente, realizando um que significa regresso ao S, o ser vai cada dia mais se libertando.
processo inverso, de elaboração, digestão e assimilação desse Podemos agora compreender quão incompleta é uma psicanálise
material, a fim de torná-lo qualidade da personalidade, patri- que fica limitada à observação apenas do período físico desse
mônio do eu, impulso instintivo, forma na qual tudo deverá de- duplo processo da vida, tornando-se assim incapaz para julgar
pois, na fase de atividade, ressurgir no consciente. Sem esse se- qualquer assunto pertencente à personalidade humana.
gundo trabalho de assimilação, o eu não poderia, através de su- O que mais interessa para desvendar os mistérios da perso-
as vidas, realizar seu crescimento, enriquecimento e desenvol- nalidade humana é penetrar o conteúdo e o sentido dessa outra
vimento, que representam o conteúdo e a função da evolução. vida interior, que, na fase atual de vida física, está adormecida
Eis o tipo de trabalho que o ser realiza no período de desen- no inconsciente. Que acontece nesta estranha forma de exis-
carnado, constituindo uma forma de atividade inversa e com- tência que vivemos depois de ter pertencido ao mundo físico e
plementar à do período de encarnado. Eis o binário que, em du- antes de voltar a ele? Podemos agora ver como se realiza o
as formas opostas, garante a continuidade do processo evoluti- processo do crescimento do eu em evolução. As experiências
vo. Eis o fio condutor através do qual a psicanálise pode per- da vida descem ao subconsciente, estratificando-se nele por
correr, voltando para trás, o caminho que o indivíduo percorreu camadas sucessivas e ficando aí gravadas e armazenadas. O
do seu passado até ao momento atual de sua história. período de desencarnado não é para captar novas experiências
À semelhança das condições enfrentadas durante o dia e a no mundo exterior, mas sim para trabalhar no mundo interior,
noite, a existência do ser oscila entre duas posições: uma no a fim de elaborar tudo que foi adquirido, meditando sobre as
período de encarnado, num estado acordado em relação à ma- experiências vividas. Este é o material a analisar, compreender
téria, mas adormecido no que respeita ao espírito, e outra no e ordenar, num profundo exame de consciência, a fim de en-
período de desencarnado, num estado adormecido em relação à tender o que foi feito e o que é necessário ainda fazer, para, as-
matéria, mas acordado no que respeita ao espírito. A passagem sim orientado, tomar decisões e diretrizes que permitam conti-
da vida de sua forma desperta à outra, na morte, representa um nuar o caminho da evolução na nova vida que seguirá. Isto po-
deslocamento do centro ativo do eu para o interior, fazendo de significar a tomada de resoluções tremendas, às quais, de-
voltar-se para dentro tudo que antes estava dirigido para fora. pois, o ser poderá ficar fatalmente acorrentado. No estudo da
A passagem de sua forma adormecida na morte àquela desper- personalidade humana, é necessário levar em conta também
ta na vida representa um deslocamento do centro ativo do eu tais autossugestões por nós mesmos impressas no subconscien-
60 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
te no período pré-natal, porque depois, no período da vida físi- ção. A capacidade de entender e dirigir-se livremente é pro-
ca, elas podem ressurgir do subconsciente na forma de impul- porcional ao grau de desenvolvimento do ser. Somente o evo-
sos instintivos e ideias inatas, enxertando-se irresistíveis na luído sabe viver em estado de lucidez no período de desencar-
parte determinística de nosso destino. nado. Nesta fase, o involuído, que a ignorava em vida, perma-
Nas jazidas do subconsciente fica depositado tudo o que ne- nece ignorante. Então, sendo limitada a sua compreensão das
le colocamos. De lá, tudo está pronto para ressuscitar no cons- experiências vividas, ele não sabe ir além de reações automáti-
ciente da vida atual. Em substância, trata-se de uma restituição cas, retraindo-se para trás, mudando de caminho e dirigindo-se
pela qual o subconsciente devolve ao consciente o material que para pontos diferentes daqueles em que acabou chocando-se
este conquistou e lhe transmitiu durante a vida, o qual, porém, com a dor. Assim, as resoluções de que há pouco falávamos,
retorna a ele agora elaborado e assimilado em forma de impul- para o indivíduo orientar sua vida futura, diferem para cada
sos e qualidades pessoais. Isto prova quanto as duas formas de um, sendo elas tanto mais inteligentes, livres e poderosas
vida estejam fundidas na mesma unidade, da qual não represen- quanto mais o ser é evoluído. Com a evolução, a reserva de sa-
tam senão dois aspectos ou momentos. Há entre elas, tal como bedoria armazenada no inconsciente torna-se sempre maior,
entre dois vasos comunicantes, uma contínua troca do material podendo, no caso de um evoluído, ser imensa, apesar de não
construtivo da personalidade, que pode assim, passando de uma emergir na consciência normal no período de vida material.
para outra forma, ser sucessivamente adquirido, ingerido, ela- Do nível evolutivo do ser depende a intensidade de sua vida
borado e assimilado, atravessando todas as fases do processo de desencarnado, como clareza de compreensão, profundidade
construtivo do eu, até ficar por fim definitivamente assimilado. de penetração, autonomia de juízo, poder de decisão, organici-
Temos de levar em conta também outro fato. Nestes dois ti- dade de movimentos e liberdade de orientação. No período de
pos de vida – apesar de interrompidos a cada passo, para cada desencarnado, o ser vive tanto mais acordado quanto mais ele é
um se mudar na sua forma contrária – há uma continuidade, pe- evoluído. Com a evolução, cuja função é destruir o AS, o sono
lo fato de cada um, depois dessa interrupção no período oposto, da morte, que é produto dele, torna-se cada vez menos profun-
voltar à sua forma de vida precedente. Vemos, então, que se do, constituindo, no caso do evoluído, um estado bem desperto.
trata, em substância, de duas imensas vidas – uma em cada polo Com a descida involutiva, potencializa-se a vida na matéria e se
do ser, o positivo e o negativo – que abrangem todo o caminho enfraquece e adormece a vida no espírito, enquanto, com a su-
evolutivo, como vidas maiores, nas quais os pequenos trechos bida evolutiva, potencializa-se a vida no espírito e se enfraque-
de cada vida particular se juntam numa série, constituindo as- ce a vida na matéria. Através da evolução aumenta a parte do
sim uma vida completa de cada um dos dois tipos. Temos en- eu constituída pelo inconsciente, que é considerado como tal
tão, de um lado, uma imensa vida de tipo físico e, de outro, uma somente em relação à vida na matéria, mas não em relação à
imensa vida de tipo espiritual. vida no espírito, na qual constitui o consciente. Isto significa
Que acontece com a evolução? A vida de tipo negativo ou que, com a evolução, aumenta o patrimônio espiritual, por re-
físico corresponde ao AS, e a vida de tipo positivo ou espiritu- absorção do AS na reconstrução do S. Trata-se de uma conquis-
al corresponde ao S. A tarefa da evolução é transformar o pri- ta do existir em sentido positivo, isto é, da vida no espírito ou
meiro tipo de existência no segundo. Trata-se de um processo S, por eliminação do seu emborcamento ao negativo, isto é, da
evolutivo, cuja finalidade é endireitar o inverso processo invo- morte na matéria ou AS. Esta é a função da evolução: conquis-
lutivo, que emborcou o tipo de existência do S no oposto tipo tar a vida através da destruição da morte, acordando-nos no es-
de existência do AS. Com a evolução, vai gradativamente di- pírito e libertando-nos da inconsciência, fruto da involução.
minuindo a forma de existência de tipo físico (AS=Matéria) e O patrimônio com o qual o indivíduo nasce é o mesmo que
aumentando a forma de existência de tipo espiritual ele possuía no período de desencarnado. Então a vida do indi-
(S=Espírito). Em substância, existe uma só vida, que vai per- víduo nos pode revelar o trabalho feito por ele naquele perío-
dendo suas características negativas e adquirindo as positivas. do, não só na elaboração, entendimento e assimilação das ex-
Trata-se de um processo de transformação das qualidades do periências vividas, mas também em relação ao que ele resolveu
AS nas do S, até que estas prevaleçam e cubram todo o terreno fazer na vida atual, como consequência de seu passado. É claro
da vida, tornando-a completamente positiva, porque todo o ne- que, por permanecer consciente, um evoluído pode pensar e
gativismo do AS foi reabsorvido e neutralizado pelo processo resolver muita coisa, dirigindo inteligentemente sua evolução,
evolutivo, cujo objetivo é assim atingido. com uma sábia e esclarecida escolha das condições de sua no-
Trata-se de duas imensas vidas, que constituem os dois as- va vida. Um involuído nada sabe fazer de tudo isto. Então, no
pectos de todo o existir: o negativo, do AS, cuja potência é má- seu sono, não há para ele outra possibilidade senão ser arrasta-
xima no início do processo evolutivo, mas vai diminuindo com do como um destroço pelas correntes da vida, obedecendo ce-
este, até desaparecer; e o positivo, do S, cuja potência, devido gamente à vontade da Lei. Eis que o conteúdo e o trabalho da
ao precedente período involutivo, foi reduzida ao mínimo no vida de desencarnado não são iguais para todos. Quanto mais o
início do processo evolutivo, mas vai aumentando com este, até ser evolui, tanto mais, pelo maior conhecimento, ele se torna
atingir o domínio absoluto e, assim, eliminar o outro. Como consciente das diretrizes da Lei e de suas decisões em função
podemos concluir, trata-se de uma existência única, que se rea- dela. A evolução é conquista de consciência, de autonomia e
liza em duas formas opostas, oscilando entre o seu lado negati- de liberdade, porque vai do AS ao S. A vida se torna, assim,
vo e o seu lado positivo, mas que vai, devido ao impulso da sempre menos trabalho passivo e cega tentativa, e sempre mais
evolução, cada vez mais se deslocando para o lado positivo, até trabalho orgânico de construção do eu.
haver transformado completamente o tipo de existência todo O evoluído vive com sabedoria, e isto representa uma imen-
negativo no tipo de existência todo positivo, reintegrando o AS sa vantagem, porque o conhecimento evita o erro, que é a ori-
no S. É lógico que a vida não possa existir senão em função do gem da dor. O involuído vive na ignorância, o que significa er-
maior fenômeno do universo: a transformação do AS em S. rar a cada passo e ter de pagar o erro com a dor. Este ainda tem
A esta altura, visando esclarecer algumas dúvidas que po- de errar e sofrer muito, até conquistar a sabedoria dos mais adi-
dem surgir, é necessário focalizar determinados pontos há antados, que eles já conquistaram e que é agora inalienável pa-
pouco mencionados, os quais podemos agora compreender me- trimônio deles. Cada um vive com o que possui, sendo este o
lhor e podem interessar à psicanálise. Os fenômenos da perso- seu patrimônio, que varia de um indivíduo para outro, conforme
nalidade humana diferem conforme a sua natureza, que depen- o trabalho realizado por ele no passado. O primitivo conhece
de da posição atingida pelo ser ao longo do caminho da evolu- só alguns jogos de astúcia para enganar o próximo nesta vida, e
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 61
nisto está toda a sua sabedoria, que ele usa como lícito meio de Abordaremos agora a questão que mais interessa à maioria,
defesa, pois, como os animais, não possui coisa melhor. O evo- entrando no terreno prático do tratamento dos complexos. A
luído, para cada ato seu, exige conhecer as razões profundas primeira coisa a fazer é chegar a conhecer qual foi a origem de-
que o justifiquem e o tornem útil para ele, em função das su- les, tarefa que se torna possível agora, porque possuímos os
premas finalidades da existência. princípios para nos dirigir nesta pesquisa. É necessário descobrir
De tudo isto, quando se compara o caso de um involuído qual foi o ponto da personalidade onde se verificou o choque e
com o de um evoluído, pode-se depreender quão desiguais se- se iniciou o desvio, isto é, o caminho torcido ou o desabafo do
jam no período de desencarnado os trabalhos de preparação para impulso comprimido. Trata-se não somente de parar a repressão
uma nova vida, quão diversas são as premissas com que tal nova em sentido antivital dos impulsos que as leis da vida não querem
vida aparece em nosso mundo, quão diferente, como qualidade e que sejam reprimidos, mas também de ajudar o desenvolvimen-
quantidade, pode ser a bagagem que cada indivíduo leva consi- to deles, agora endireitados na posição correta, melhor orienta-
go, escondida no seu subconsciente. Eis o imenso terreno que é dos, canalizando com inteligência, em sentido vital, todas as
tarefa da psicanálise descobrir e entender, penetrando-o com as manifestações dos sadios e necessários impulsos da existência.
suas pesquisas; eis como lhe será possível tratar inteligentemen- Eis, então, que o trabalho do psicanalista se desenvolve em
te das doenças psíquicas e espirituais de sua competência. dois momentos: 1o) A pesquisa sobre a origem e o decurso da
doença, para estabelecer um diagnóstico do mal; 2o) O trata-
IX. TÉCNICAS DE TRATAMENTO mento, para eliminar o contraste e o atrito, causadores da doen-
ça, estabelecendo a harmonia e suprimindo a luta interior entre
Agora, após havermos tratado bastante da penetração in- os impulsos opostos, geradores do choque, cicatrizando a ferida,
trospectiva nas camadas profundas da personalidade, para co- orientando e deixando agora se aliviar pelo caminho certo tudo
nhecer o produto do seu trabalho no período pré-natal, e ter- que não se pôde desabafar senão pela via errada, dando vazão
mos identificado outros elementos de pesquisa no terreno men- aos impulsos da vida, ao invés de suprimi-los, corrigindo tudo o
tal, para proceder a uma psicodiagnose mais completa, pode- que estava torcido, substituindo a satisfação oblíqua e doente pe-
mos voltar com maior conhecimento ao problema central da la reta e sadia. É preciso procurar educar de novo o indivíduo,
psicanálise, que é a cura das neuroses e complexos, a fim de até chegar a imprimir na sua personalidade novos hábitos, que
poder finalmente explicar o método de tratamento por subli- serão amanhã suas qualidades e impulsos instintivos, alcançando
mação, como prometemos. com isto a libertação do mal e a cura da doença.
A psicanálise freudiana admite que os complexos sejam de- Para chegar a tais resultados, o psicanalista possui cinco
vidos aos choques advindos da luta entre subconsciente e cons- meios: 1) Análise, como já explicamos, da estrutura da persona-
ciente, isto é, entre os desejos incondicionais do primeiro para lidade e do destino do paciente, observando os seus impulsos
satisfazer os seus impulsos instintivos e as negações impostas a instintivos, para reconstruir através do exame deles o trabalho
tudo pelo segundo, por princípios éticos e racionais, que, ao in- que os gerou e fixou no passado do indivíduo. 2) Análise de to-
vés de espontânea satisfação, exigem disciplina, sacrifício e de- do produto espontâneo do subconsciente, manifestação que pode
ver. Conforme as teorias de Freud, um complexo é o produto de aparecer melhor quando o controle do consciente é afastado, co-
um desejo subconsciente reprimido. Trata-se de uma automáti- locando-se o paciente em estado de distensão nervosa, para o
ca continuação do passado, manifestada através de uma incons- psicanalista poder escutar e analisar as suas confissões, que
ciente e irracional vontade que, batendo à porta do consciente, constituem desabafo espontâneo de seu subconsciente. 3) Análi-
para pedir o apoio de sua anuência, é negada por ele, porque is- se dos seus sonhos, outro meio para penetrar no íntimo do paci-
to não concorda com os princípios que o dirigem. Esse contras- ente, através do qual se atinge o objetivo do psicanalista, que é
te pode provir do encontro entre os produtos de um passado abrir e ler o livro do subconsciente, onde tudo está escrito (dei-
que, por ainda não ter morrido, ressurge das camadas inferiores xaremos de lado, como fez Freud, o método da hipnose, que nos
do ser e o impulso da evolução, que impele para frente, fazendo levaria longe demais). 4) Tratamento por substituição do velho
pressão para se realizarem as novas construções do futuro. As pelo novo, enxertando-o no contínuo transformismo da evolu-
velhas experiências ainda estão vivas, agitando-se no fundo, e ção. 5) Tratamento por sublimação, processando essa substitui-
de lá voltam, enquanto novas experiências estão se sobrepondo ção em sentido evolutivo, orientada para um tipo de vida biolo-
e querem substituir-se a elas. É assim que se pode verificar, gicamente mais adiantado. Observemos melhor estes pontos.
dentro da mesma personalidade, o choque entre dois impulsos 1)Do primeiro já falamos bastante. Trata-se de observar
antagônicos, um devido à inércia do misoneísmo conservador e como funciona a vida do indivíduo, por que motivações ela é
o outro devido ao dinamismo ascensional do transformismo dirigida, a que estímulos ele responde e como reage aos mes-
evolutivo, que exige renovação e superação. mos, quais são as suas ideias inatas, a que impulsos espontâ-
Quando não é possível um acordo entre subconsciente e neos ele obedece. É possível assim reconstruir a história do
consciente, eles entram em luta. Então ocorre o choque, desen- paciente, estabelecendo o tipo e a linha de desenvolvimento do
cadeando-se a neurose. Isto pode acontecer sobretudo com os seu destino, como já explicamos. A história menor dos seus
imaturos, quando o indivíduo, tentando sufocar demasiadamen- complexos está contida nessa sua história maior, que constitui
te, à força, instintos que querem explodir, quer reprimir a von- a base do exame da origem, natureza e desenvolvimento das
tade do inconsciente de se realizar, ou quando o próprio ambi- doenças. Trata-se de um método de pesquisa racional, baseado
ente torna essa realização impossível. Então o impulso com- na lógica e na observação, de caráter positivo, importante tam-
primido acaba produzindo formas mentais torcidas e, com esse bém pelo fato de permitir que uma pessoa inteligente possa ser
esmagamento, a própria personalidade fica magoada e ferida. o observador de si mesma, tornando-se o psicanalista do seu
Nesse ponto surge, como já mencionamos, um trauma psí- próprio caso. Então, o paciente pode, ele próprio, realizar em si
quico, que é uma doença particular do organismo mental. Ora, tais pesquisas. Chega-se assim à autopsicanálise, tornando-se
muitas vezes, não se pode encontrar a primeira origem de tais possível atingir resultados introspectivos mais completos, pois
contrastes e choques na vida atual, mas só no período pré-natal. a observação pode ser mais bem percebida e conduzida, por-
Os complexos que derivam deles são os mais profundos e radi- quanto o observador é também o paciente, o que lhe permite
cados, constituindo os mais difíceis de se corrigir, porque, sen- descer na profundeza do fenômeno, constituído por ele mesmo.
do mais velhos e confirmados pelo tempo, estão, por isso mes- Afinal de contas, a psicanálise faz parte do problema funda-
mo, bem impressos e fixados na personalidade. mental do: “Conhece-te a ti mesmo”.
62 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
2) A confissão feita ao psicanalista ou, no caso da autopsi- seus pecados, ou seja, os erros que constituíram o ponto fraco
canálise, feita a si mesmo, com um sincero exame de consci- no qual teve origem a doença, da natureza dos quais depende o
ência, é o meio para descobrir o conteúdo do subconsciente e trabalho atual de endireitamento, para realizar a cura.
conhecer, assim, aquela parte do nosso eu desconhecida, que 3)A análise dos sonhos do paciente representa outra forma
pensa e funciona fora de nossa consciência atual, como auto- de pesquisa para penetrar no subconsciente e descobrir o seu
mática consequência dos impulsos por nós lançados nas vidas conteúdo. É durante o sono que ele se mostra como é, quando,
passadas. A condição fundamental é a espontaneidade e a sin- pela falta de controle do consciente, fica abandonado aos seus
ceridade, para que a confissão revele qual o verdadeiro conte- impulsos espontâneos. Então, o psicanalista aproveita esse fato
údo do subconsciente. É necessário, por isso, analisar tudo para observar os sonhos e, interpretando os desabafos emersos
com uma visão imparcial e sem preconceitos, afastando todas do mundo interior do paciente, chegar à reconstrução de sua
as resistências das barreiras inibitórias oferecidas pelo contro- história passada, na qual está contida a história da doença. Po-
le e pela autocrítica, atrás das quais o indivíduo procura es- de-se descobrir, desta forma, quais foram as exigências não sa-
conder-se e disfarçar-se, constrangido a isso para defender, na tisfeitas ou mal satisfeitas e os choques recebidos, assim como
luta pela vida, a parte mais íntima e preciosa de sua personali- as consequentes feridas, traumas e chagas que ocorreram na
dade, onde estão contidas todas suas qualidades. Assim, para personalidade; qual foi o erro inicial que deu origem aos desvi-
que o paciente possa abrir completamente a sua alma, é neces- os e depois à doença e aos correlativos sofrimentos; como e on-
sário ele ter absoluta confiança no seu psicanalista, o qual, por de nasceu o primeiro germe que se aninhou na personalidade,
sua vez, tem de merecê-la e saber aproveitá-la, para proceder com todas as suas consequências. Estamos ainda na fase da
a uma profunda pesquisa com perguntas inteligentes e uma pesquisa e análise do caso, para chegar à sua diagnose, da qual
sábia interpretação das respostas. depois derivará o tratamento. Temos de seguir esse caminho,
A confissão pode ter também outra função, representando porque se trata de desatar o nó que foi feito no passado.
não somente uma forma de pesquisa, mas também um meio A psicanálise estuda os sonhos porque eles contêm a reali-
útil para aliviar e, assim, eliminar a carga interior, deixando o zação imaginária dos impulsos que, por não terem podido reali-
paciente desabafar com o seu psicanalista, que deve ser seu zar-se nos fatos, aparecem então nos sonhos, revelando-se tanto
amigo e confidente. A confissão se torna, assim, um alívio, mais quanto mais tenham sido comprimidos. Os sonhos repre-
constituindo o primeiro passo para se chegar ao tratamento. O sentam um trasbordamento do subconsciente para além dos li-
paciente se fortalece com a convicção de ter um apoio que lhe mites impostos pelo consciente, quando este, na sua passivida-
permite entregar os seus sofrimentos nos braços de um amigo. de, adormece e deixa a personalidade sem o seu controle, livre
Então o psicanalista pode iniciar o seu trabalho, antes de tudo para se manifestar à vontade. É assim que, nos sonhos, o sub-
acalmando as águas, colocando o paciente em estado de tran- consciente nos devolve as impressões recebidas, revelando-nos
quilidade, que neutraliza a tempestade e permite iniciar o ca- os seus segredos e contando-nos a sua verdadeira história, o que
minho oposto, de correção e endireitamento. Portanto o pri- lhe é proibido de dia pela consciência desperta, que sabe quão
meiro passo é enfraquecer o inimigo do tratamento, diminuin- perigosa fraqueza é, na luta pela vida, cada sinceridade. De dia,
do a resistência do indivíduo, que deseja manter-se nas velhas a personalidade tem de estar desconfiando de todos e fica cala-
posições e seguir os velhos caminhos. A confissão é, assim, da, cercando-se de prudência. Mas os impulsos que, de dia, não
um método que muitos procuram instintivamente realizar, foi possível realizar, são satisfeitos durante o sono, realizando-
apoiando-se em uma pessoa amiga. Trata-se do mesmo méto- se na forma de imagens e miragens, através de uma criação psi-
do praticado pelo catolicismo, que presume, porém, um con- cológica interior, que representa o substituto da impossibilitada
fessor inteligente, habilitado na difícil arte de dirigir consci- realização concreta dos desejos.
ências, aptidão rara de se encontrar, porque depende de quali- ◘◘◘
dades pessoais que nem todos possuem. Assim, na prática, a Com estes três pontos, esgotamos o primeiro período, que é
confissão se reduz à aplicação mecânica de regras estabeleci- constituído pela pesquisa e análise do caso, do qual agora co-
das, dadas por uma lista de pecados e pelas correlativas peni- nhecemos a origem e a história. É possível, então, concluir esta
tências, com tudo estandardizado no baixo nível da consciên- primeira fase com o diagnóstico, que será a base para enfrentar
cia média da maioria, para facilitar a prática, reduzindo tudo a a última fase de nosso trabalho: o tratamento. Mas, antes de es-
formas administrativas burocráticas e exteriores. Seguindo es- tudar este outro aspecto do problema, completemos o assunto
tas normas, o confessor assume a posição de juiz imparcial, com mais algumas observações.
mas fica ausente do mundo interior do penitente, com a van- O psicanalista deve chegar a conhecer a personalidade do
tagem de não se meter em problemas psicológicos difíceis de paciente, tarefa que ele pode realizar observando todas as suas
resolver e de não se comprometer, pois deixa de assumir res- manifestações, por meio de exames psicológicos, grafológi-
ponsabilidades, nada dando de si mesmo e, com frias prega- cos, testes de inteligência etc. O psicanalista deve possuir
ções regulamentares, pouco realizando de espiritual. qualidades pessoais de intuição para penetrar na alma do paci-
Pelo contrário, o psicanalista deve possuir qualidades pes- ente, orientando-se nas suas pesquisas com estas teorias ge-
soais de intuição, para saber adaptar a pesquisa e o tratamento rais, aplicando-as e adaptando-as ao caso específico e particu-
ao caso particular. É necessário muita compreensão e compai- lar do indivíduo, com a sagacidade que o caso exige. Chegar a
xão, penetração e bondade, porque se trata de penetrar no mais ler no subconsciente não é fácil, pois ele se encontra bem fe-
íntimo segredo da alma, de manobrar as forças espirituais que chado, sendo protegido e defendido pelo próprio paciente,
determinam o destino do indivíduo, a sua felicidade ou o seu porque lá está contido o segredo de sua verdadeira personali-
sofrimento, a sua conduta e o seu futuro. Trabalho difícil e de dade, principalmente nos seus pontos fracos, cuja revelação é
grande responsabilidade. Mais do que no cérebro, trata-se de perigosa na luta pela vida, pois se trata de uma debilidade que
uma intervenção na própria alma, tarefa difícil, porque pode é necessário esconder para se defender de todos os inimigos,
salvar, mas também pode matar. É preciso desvendar mistérios sempre prontos para agredir e destruir.
ao próprio paciente, penetrando com o desapiedado bisturi da É preciso individuar em qual profundidade do eu se verifi-
pesquisa o terreno mais cioso das culpas secretas, que o ser não cou o trauma psíquico, determinando até que camada da per-
revela nem mesmo a si próprio. Trata-se de fazer, por meio da sonalidade do paciente é necessário descer na longa história do
confissão, juntamente com o paciente, um exame de consciên- seu passado, para encontrar a primeira origem da doença
cia que revele, antes de tudo a ele, quais foram no passado os mental atual, que surgiu assim. Temos, então, de ir à procura do
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 63
ponto onde ela nasceu, buscando descobrir onde ele está situa- forma mental compreensível e acessível para a maioria.
do ao longo da história da vida do paciente, se no passado mais Quem não é feito assim, está errado. Em nosso mundo é ne-
próximo ou mais longínquo, e localizar sua correspondente cessário antes de tudo ser normal, pertencer ao nível comum,
profundidade na personalidade, na série das estratificações su- pois o indivíduo excepcional acaba sendo considerado anor-
cessivas de suas experiências. Tal ponto de origem dos cho- mal e, por isso, é condenado e expulso.
ques pode encontrar-se situado tanto na superfície, ou seja, na 4) Neste ponto, como há pouco mencionávamos, o psicana-
história recente, vivida há poucos anos na vida atual, como na lista, uma vez concluída a sua pesquisa para determinar o diag-
profundidade, ou seja, na história mais antiga, vivida há muito nóstico, pode enfrentar a segunda e última parte, constituída pe-
tempo nas vidas precedentes. Ora, as doenças não podem ser lo tratamento. Falamos de tratamento por substituição, mas co-
tratadas senão voltando ao seu ponto de origem. E, quando este mo ele pode ser realizado?
é longínquo, torna-se necessário, onde quer que ele esteja, al- Ele se baseia no fato de que a vida é um fenômeno em
cançá-lo, porque, de outro modo, não é possível realizar o tra- evolução, razão pela qual está sujeita a um contínuo transfor-
tamento por correção do caminho percorrido. mismo. Isto se verifica ao longo de um caminho feito por uma
Pode-se verificar o caso em que o choque parece ser recen- concatenação causa-efeito, pela qual cada efeito é por sua vez
te, quando em substância ele não o é. Também nas doenças a causa de outro efeito, e assim por diante. Isto significa não
nervosas, assim como nas físicas, o fato de contraí-las ou não somente que o presente é consequência fatal do passado e o
depende da predisposição do indivíduo, que é estabelecida pe- futuro consequência fatal do presente e do passado, mas tam-
los pontos onde ele já tenha recebido antes outro choque e so- bém que é possível enxertar na sucessão desses movimentos
frido, assim, a respectiva ferida ou trauma psíquico. Esta, en- de forças encadeadas outras diferentes, através das quais é
tão, é a razão pela qual o paciente ficou marcado pelo novo possível corrigir a trajetória daquele caminho. Existe assim a
complexo ou neurose, que encontrou o terreno já preparado e possibilidade de se endireitar o que foi lançado em sentido er-
adaptado para isso pelos choques precedentes, cuja atuação ge- rado. Este método se baseia no fato de ser possível, pelo seu
ra a predisposição e a vulnerabilidade à correlativa doença livre arbítrio, o indivíduo gerar novos impulsos, que funcio-
mental. É assim que, por não se terem tornado predispostos, há nam como novas causas e, substituindo-se às velhas, podem
indivíduos mais resistentes e, deste modo, menos sujeitos a gerar novos efeitos para neutralizar os precedentes, conse-
adoecer. Por isso é necessário conhecer toda a história do indi- quência das velhas causas. É esta atmosfera de movimento,
víduo, pois a primeira origem das neuroses e complexos, à devida ao transformismo evolutivo, que, deixando atravessar
qual é necessário voltar para corrigi-los, nem sempre está no novas experiências, permite essa contínua renovação do ser e,
ponto próximo recente como parece, mas muito mais longe, no com isso, a correção do passado.
passado. Temos, assim, de levar em conta no tratamento o fato A tarefa do psicanalista é estimular e dirigir o lançamento
de que, às vezes, lutamos contra doenças que se desenvolve- de novos impulsos corretivos da parte do paciente, porque nisto
ram e cada vez mais se fixaram na personalidade, sobrepondo- consiste o tratamento. Este é constituído pela neutralização dos
se e somando-se ao longo do passado. movimentos errados iniciados no passado, dos quais deriva a
Vimos aqui só alguns aspectos do difícil caminho que o doença. Trata-se de substituir a vida anterior por uma nova, di-
psicanalista tem de percorrer na floresta de problemas que po- ferente, educando o indivíduo, a fim de que ele, com uma nova
dem surgir no tratamento de cada caso particular. Para desco- experimentação, possa assimilar e armazenar no subconsciente
brir o verdadeiro temperamento, as qualidades e as reações do qualidades melhores. Aí está o remédio e a cura. Por isso ante-
paciente, o psicanalista deveria, pelo menos por um período de pusemos a estas observações um estudo sobre o processo da
tempo, conviver com o doente. Não é por meio de uma pesqui- construção da personalidade.
sa rápida e superficial, realizada numa consulta, que é possível Ao longo do caminho evolutivo, o tempo mede fatalmente o
penetrar na personalidade, entender e resolver um caso. Mas, incessante transformismo, sobrepondo na estrutura da persona-
em geral, o médico está assoberbado de consultas em série, lidade uma camada sobre a outra e levantando assim o edifício
adaptadas aos tipos dominantes, orientadas pela preocupação do eu. O ser vai assim escrevendo uma longa história, que fica
do ganho material e, por isso, pela necessidade de satisfazer o nele escrita indelevelmente. Este é o livro que o psicanalista
cliente, adaptando-se à sua forma mental. Tudo na vida funci- deve ler, para nele introduzir algumas páginas inéditas, constru-
ona num regime de luta, que domina tudo, enquanto o trabalho ídas pela psicanálise com a sublimação. Ele deve se tornar o
do psicanalista deveria ser independente de preocupações eco- engenheiro da grande obra da construção da personalidade, rea-
nômicas, praticado como missão e sacerdócio, com espírito de lizando o levantamento do edifício do eu. Se a função da psica-
compreensão e amor. O nosso mundo está cheio de sofredores, nálise fosse apenas tirar doenças e dores, ela poderia realizá-la
que pedem e precisam de ajuda. E são os próprios métodos de através da supressão da luta entre consciente e subconsciente –
vida de tal mundo que, por sua natureza feroz, geram tais do- atrito no qual está a causa dos complexos – deixando o sub-
enças e tornam difícil o seu tratamento. Em última análise, elas consciente animal desabafar à vontade. Mas, assim, a psicanáli-
são o resultado de um imenso erro coletivo, devido a uma for- se se tornaria uma escola de involução, traindo a sua maior fi-
ma mental e regime de vida desviados, abrangendo não só mé- nalidade, que é ser um meio de evolução.
dicos e doentes, mas toda a sociedade. Tudo isto contém e nos indica, implicitamente, o sentido pa-
O próprio psicanalista precisa de um ponto de referência, ra o qual se deve dirigir a obra do psicanalista. Então o melhor
em função do qual possa realizar o seu trabalho. Por isso ele tratamento é aquele que, atuando para realizar uma transforma-
deve estabelecer como modelo a propor ao doente um tipo ção em sentido evolutivo, leva o paciente para o alto e, assim,
biológico a ser imitado. Ora, este não poderia ser um super- além de cumprir o objetivo de corrigir o passado, também con-
homem evoluído, porque, devido à falta de amadurecimento, duz ao progresso espiritual, o que significa atingir um mais adi-
apenas poucos podem entender tal tipo, sendo mais raro ain- antado plano biológico e, portanto, melhores condições de exis-
da quem possa imitá-lo. É necessário que a distância entre o tência. A função fundamental da psicanálise pode ser, então,
doente a educar e o seu modelo não seja grande demais, se não somente corrigir defeitos e curar doenças, mas também
quisermos que um homem comum consiga superá-la. Então o ajudar o ser a evoluir, impulsionando-o a seguir o caminho que
modelo, ou ponto de referência, deve ser o biótipo médio vai do AS ao S, para conduzi-lo assim a formas de vida mais
comum, que não seja demasiadamente evoluído e que, apesar avançadas e, por isso, mais felizes.
de pouco valor biológico, possua, em compensação, uma ◘◘◘
64 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
5) Eis como surge na psicanálise a ideia de sublimação co- car o dente estragado que dói, é preciso substituí-lo por outro,
mo método de tratamento. A ela já nos referimos, e agora che- com o qual o indivíduo possa comer.
gou o momento de desenvolver este assunto, como prometemos O método de tratamento por sublimação representa a parte
no início deste capítulo. positiva do trabalho do psicanalista, realizada na segunda fase.
A força na qual o psicanalista tem de se apoiar é o sadio Esta, no entanto, deve ser precedida pela primeira fase, a parte
impulso vital que anseia pelo crescimento, buscando o pro- negativa, que exige muito cuidado. Pode acontecer que, a fim
gresso, o aperfeiçoamento, a subida para a felicidade. Mas há de resolver mais rapidamente o caso, o psicanalista seja levado
seres muito atrasados, surdos a tudo isto, que, mergulhados na a bombardear os complexos, para eliminá-los. Ora, esta luta pa-
sua ferocidade e ignorância, não sabem conceber formas de vi- ra destruir o velho, substituindo-o pelo novo, tem de ser prati-
da superiores, nada mais possuindo no subconsciente senão o cada sem que o paciente se aperceba, para não excitar com isso
resultado de experiências de tipo animal. A sua ética, propor- as suas resistências inibitórias, prontas a paralisar o tratamento.
cionada ao seu nível, é primitiva, inadequada para viver na so- É necessária a aceitação, a boa vontade e a obediência do doen-
ciedade civilizada, enquanto seria ótima entre as feras da selva. te. Ora, pelo fato de sua personalidade estar formada com os
Tais seres constituem os delinquentes. O mundo pensa sobre- seus complexos, qualquer tentativa para destruí-los pode ser
tudo em se defender deles e, por isso, afasta-os e isola-os nas percebida e entendida por ele como uma tentativa de destruição
cadeias, punindo nos involuídos a culpa de serem movidos por da sua própria personalidade, que, apesar de doente, constitui o
uma ética de violência, que foi no passado o ideal do homem seu eu, defendido ao máximo por ele, como exige o seu instinto
sadio e que agora, pelo progresso, tornou-se crime. O resultado de sobrevivência, segundo as leis da vida. Então, se o psicana-
é a repressão violenta, que gera reações, piorando a situação, lista não souber dissimular o tratamento, ocultando o verdadei-
porque confirma o criminoso na sua revolta e na convicção da ro conteúdo do seu trabalho, ele poderá encontrar no doente
sua justiça. Pelo contrário, a função da sociedade deveria ser uma reação inconsciente, que, agindo com uma vontade oposta,
educar o indivíduo e melhorar as condições de vida onde nasce buscará neutralizar o seu trabalho de salvação. É necessário,
o crime, seguindo, tanto quanto possível, a técnica da supera- portanto, oferecer ao doente um tratamento fictício, contra o
ção, para elevar em direção ao que é melhor, em vez do méto- qual ele possa dirigir a sua luta de resistência, para que assim,
do do esmagamento, que confirma o direito à revolta, empur- sem perceber, ele se deixe guiar pelo tratamento verdadeiro, ao
rando o ser para baixo, em direção ao que é pior. qual não presta atenção. Trata-se de colocar o sujeito vivendo
O método de tratamento por sublimação pode ser aplicado num ambiente oposto ao precedente, a fim de que os complexos
com tanto maior amplitude quanto mais o paciente é evoluído. não encontrem mais alimento para sustentar-se e os velhos há-
O tratamento deve ser proporcionado às capacidades de com- bitos tenham, assim, de morrer por desuso e atrofia.
preensão e reação do indivíduo. Cabe, assim, ao psicanalista Chega-se deste modo à segunda parte do trabalho do psica-
entender e julgar de acordo. É possível ocorrer o caso no qual o nalista. A primeira parte representa a forma mais elementar de
doente seja mais evoluído e inteligente do que seu médico. En- tratamento, adaptada aos menos evoluídos. A segunda dirige-
tão, pode acontecer que o paciente faça a psicanálise do psica- se aos mais maduros, que, por isso, podem tentar escalar um
nalista. Mas o próprio fato de que o primeiro vai no consultório novo degrau da evolução, resolvendo o seu caso pelo caminho
do médico, já estabelece as posições recíprocas, pelo que, a da superação, canalizando as suas energias do nível animal-
princípio, um se coloca em posição de inferioridade, para ser humano para formas superiores. Como não existem apenas du-
julgado, e o outro em posição de superioridade, para julgar. Tu- as classes separadas entre amadurecidos e imaturos, mas sim
do se baseia na interpretação do psicanalista, cuja percepção e uma série de formas intermediárias ao longo destes dois ex-
entendimento ocorrem segundo a sua forma mental, que é a tremos, o psicanalista terá de praticar nos seus pacientes inje-
premissa axiomática de todo julgamento. Então a psicologia do ções de superação proporcionadas à sua capacidade de absor-
psicanalista faz parte do fenômeno e da observação do fenôme- ção e assimilação, se ele não quiser fazer um trabalho inútil ou,
no psicológico do doente. Carl Gustav Jung, nos seus contatos o que é pior, provocar uma reação da parte do paciente capaz
com Sigmund Freud, fez a psicanálise deste, chegando à con- de levá-lo para o sentido oposto.
clusão de que o complexo de Édipo, tomado por Freud como No caso dos mais adiantados, pode acontecer que a neurose
base de suas teorias, era o complexo do próprio Freud. Con- seja o resultado de uma crise de crescimento. Sair da animalida-
forme o julgamento de Jung, a psicologia freudiana teria sido de, passando de um nível biológico a outro, representa desloca-
uma psicologia neurótica. O psicanalista pôde, assim, praticar mentos e esforços enormes, acarretando a necessidade de uma
uma psicanálise imaginosa e destrutiva, baseada no seu próprio trabalhosa e progressiva adaptação a uma atmosfera diferente,
temperamento. Por isso, temos aqui sustentado que ela deve se rarefeita demais para os pulmões do homem atual; representa ter
basear num sistema filosófico positivo e completo, através do de realizar uma profunda transformação do organismo, sobretu-
qual ela possa orientar-se e, assim, realizar-se em relação a um do nervoso e cerebral, para acompanhar o nascimento e permitir
dado modelo biológico, em função das leis da vida, sobretudo a vida do novo tipo biológico espiritualizado. Os distúrbios neu-
da mais fundamental, que é a evolução. ropsíquicos podem ser, então, devidos ao esforço que um desen-
O problema do tratamento dos complexos e neuroses não é volvimento demasiadamente rápido da personalidade requer.
fácil, requerendo na prática sagacidade e adaptações ao caso Nestes casos, o problema da neurose deve ser enfrentado de
particular. Mas, em linhas gerais, esse trabalho pode ser divi- maneira completamente diferente, não como um fenômeno pato-
dido em duas partes fundamentais: 1) A parte negativa, cujo lógico, mas sim inerente à evolução biológica. A presença das
objetivo é a destruição do velho, que estava errado, extraindo neuroses pode, então, assumir um sentido e valor diferente. Nes-
assim a causa da doença, tal como se arranca o dente estraga- te caso, o trauma psíquico é o resultado de um esmagamento do
do que dói. 2) A parte positiva, cujo objetivo é a substituição subconsciente, devido à luta travada contra ele pelo consciente,
do velho pelo novo, enchendo com um conteúdo novo e cor- que quer substituir nele os impulsos inferiores por outros, supe-
reto o vazio produzido pela destruição precedente. É um erro riores. Então a doença não é uma derrota, porque ela existe em
perigoso, no qual caíram as religiões em sua perseguição à na- função de uma superação, fazendo parte do processo da evolu-
tureza humana inferior, destruir a vida embaixo, esmagando- ção, pelo qual o direito de vencer pertence ao consciente, pois
a, sem substituí-la por formas de existência mais adiantadas. este é mais adiantado do que o subconsciente, que deve ser su-
Qualquer destruição é elemento negativo, antivital, que só po- perado, porque a lei da vida é o progresso. O trabalho da cons-
de ser tolerado como condição de progresso. Não basta arran- trução da nova personalidade do futuro realiza-se no consciente,
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 65
pois a ele pertence o comando e deve estar sujeito o inferior Se a doença nervosa pode ser o resultado de uma crise de
subconsciente animal. Então aquilo que parece uma derrota não crescimento, dada por um esforço concentrado para realizar
o é de fato, constituindo apenas a destruição de um mundo infe- uma evolução rápida demais, representando ela o preço pago
rior, condição necessária, porque sem ela não é possível subir. pelo indivíduo para evoluir, eis que, neste caso, o tratamento
Portanto doença e sofrimento são meios naturais e inevitáveis, para eliminar o complexo consistiria, como já frisamos, em
inerentes ao processo evolutivo, como indispensáveis instrumen- deixar o subconsciente desabafar sua espontaneidade livremen-
tos de progresso. Trata-se das saudáveis feridas do guerreiro, te, sem constrangimentos, conforme os seus instintos inferiores,
porque somente descendo à luta pode-se realizar a coisa mais como procura fazer a maioria, que, por isso, não possui com-
importante da vida, que é a evolução. Tais males representam, plexos. Mas eis que, agindo assim, o psicanalista impulsionaria
na justiça da Lei, o preço do resgate para se remir da queda, cor- o indivíduo a retroceder, e não a progredir, paralisando a evolu-
respondendo ao necessário trabalho para se voltar ao S. ção, que é a maior finalidade da existência.
Neste caso, a função do psicanalista não é combater as neu- Há pouco dizíamos que, para tratar um complexo, é útil co-
roses apenas para destruí-las, mas sim acompanhá-las, utilizan- locar o paciente em um ambiente oposto àquele que continha as
do-as para ajudar o desenvolvimento do paciente. A doença, condições geradoras da doença. Mas se esta nasceu devido a
neste caso, nada mais é senão um elemento do processo evoluti- uma vontade de substituir um vício por uma virtude, isto é, uma
vo. A atenção do psicanalista deverá, então, dirigir-se para o fe- forma de vida involuída por uma mais adiantada, então, para
nômeno mais importante, que é a evolução do indivíduo, e só eliminar o complexo, seria necessário abandonar a virtude e
em função desta cuidar do fenômeno secundário, que são os ma- voltar ao vício, isto é, à forma de vida que não exige esforço
les consequentes do esforço necessário para se obter uma con- para evoluir, resultado espontâneo para o indivíduo atrasado.
quista biológica. Isto não significa que o psicanalista não tenha Mas isto, para o psicanalista, representa o desvirtuamento de
de tratar os distúrbios nervosos, mas sim que ele deverá fazer is- sua função, que, como já mencionamos, é sobretudo educar,
to em função do fator mais importante, constituído pela trans- impulsionando para a subida. Hoje, alguns psicanalistas reve-
formação evolutiva que se está realizando no paciente. Então os lam fraqueza perante o doente, preocupados, antes de tudo, em
distúrbios poderão desaparecer por si próprios, quando tiver tirar-lhe os sofrimentos, procurando assim, custe o que custar,
acabado o processo de transformação do qual eles são o efeito. deixá-lo curado e satisfeito. Dessa forma, o doente, ao invés de
Vemos aqui quão mais complexo pode ser o problema do aprender hábitos novos e melhores, continua praticando os ve-
tratamento das neuroses e quão mais vasta pode ser a tarefa do lhos e piores, que deste modo, em vez de serem eliminados por
psicanalista. Ele pode ser um construtor da personalidade, tor- desuso, acabam fortalecidos pela reutilização.
nando-se artífice da evolução. Em todos os indivíduos há ener- A sabedoria do psicanalista está em conciliar as duas exi-
gias vitais, que, em alguns casos, na tentativa mal sucedida do gências opostas, reclamando do paciente o esforço que ele pode
indivíduo se evadir à lei de evolução, foram comprimidas, tor- dar no sentido da evolução, mas deixando-lhe, ao mesmo tem-
cidas e deformadas, expandindo-se para baixo, ao invés de para po, um mínimo alívio de satisfação inferior, necessária para
o alto. Por isso vemos surgir a dor, deparando-nos com almas acalmar o complexo. Por isso é importante que a arte de substi-
aleijadas e doentes. A descida é a direção perigosa, que leva pa- tuir os velhos hábitos por novos e melhores, seja realizada com
ra a doença, enquanto a direção certa está na subida, que leva inteligência, por degraus, adaptada ao indivíduo, para não gerar
para a verdadeira saúde. A expansão das energias em descida choques e, assim, novos complexos, evitando que o próprio tra-
confirma e fortalece no subconsciente os instintos inferiores da tamento acabe piorando a doença, ao invés de curá-la. Se, de
animalidade, prendendo o ser sempre mais aos sofrimentos de um lado, é preciso eliminar os complexos, de outro é preciso
um plano de vida atrasado, do qual o médico, promotor da saú- também evoluir. Se exigirmos esforço demais no sentido evolu-
de, deveria procurar afastar o paciente, ajudando-o a deslocar- tivo, perseguindo o paciente, acabaremos gerando novos com-
se em subida, e não em descida. plexos. Por outro lado, se o deixarmos completamente ao sabor
Eis, então, que o psicanalista pode canalizar as energias dos seus instintos inferiores, curaremos os complexos, mas se-
comprimidas, orientando-as e dirigindo-as para um mundo su- remos mestres de retrocesso, e não de progresso. A sabedoria
perior, a fim de realizar assim o progresso do indivíduo, o que está em se equilibrar no meio, para atingir o máximo resultado
significa atingir um resultado muito maior do que somente tra- útil, tanto no terreno do tratamento como no da evolução, sa-
tar uma doença. E, para um indivíduo maduro, apto para isso, bendo proporcionar o tratamento às capacidades de progresso e
tal método de tratamento por sublimação representará a valori- ao grau de evolução do indivíduo.
zação de seus esforços evolutivos. O paciente será sustentado ◘◘◘
pela ideia de que o seu caso não é uma doença, mas sim uma Vemos, então, que a psicanálise pode entrar também no ter-
crise de evolução; que ele está em fase de crescimento, e não reno – até agora reservado à ética e às religiões – da direção psi-
doente; que os seus sofrimentos são a condição necessária de cológica e espiritual para a salvação das almas, agindo não em
seu progresso. Esperança grande, que leva a uma aceitação forma empírica, mas com competência científica. Eis que, num
mais fácil; ideia saudável e salvadora, que ajuda muito mais, mundo mais inteligente, esta nova psicanálise poderá oferecer-
porquanto ela corresponde à verdade. Quanto aos menos ama- nos um método positivo de redenção, praticando, com conheci-
durecidos, tal tratamento por sublimação também pode ser acei- mento da natureza do fenômeno, os princípios das religiões, que
to, porquanto se apoia no natural amor próprio do indivíduo, ensinam a utilidade de aceitar a dor, porque a podemos trans-
levando-o assim a acreditar que logo vai pertencer à classe mais formar em instrumento de ascensão evolutiva e, portanto, de
adiantada dos evoluídos. Baseando-se nesta fé, ele começará a salvação. Tudo isto nós sabemos, não por aceitação cega de fé,
fazer alguns esforços na direção da subida, que, de qualquer mas por demonstração positiva e pela lógica da fenomenologia
forma, serão vantajosos para ele, pois representam pelo menos universal, que é convincente a quem queira pensar. Assim as ci-
uma tentativa de superação da animalidade. ências psicológicas se amplificam e atingem horizontes muito
Em resumo, na prática, o psicanalista tem de lutar contra mais vastos, tornando-se ciência do espírito e conquistando, de-
duas exigências opostas: 1) Impulsionar o paciente pelo cami- vido ao seu conhecimento dos problemas da psique, desconhe-
nho da evolução, levando-o a superar os instintos inferiores, cidos pelas religiões, o direito de dirigir as almas.
porque este é o caminho da salvação; 2) Tratar os complexos, Podemos, assim, entender com a nossa forma mental mo-
eliminando os choques que os geraram no esforço para reali- derna, em termos de psicanálise e evolução, o método da su-
zar aquela superação. blimação, que as religiões praticam há milênios. Elas quiseram
66 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
fazer de cada fiel um soldado do ideal, para conquistar um pla- que de tranquilizantes e divertimentos, que intoxicam. O sis-
no de vida biologicamente superior (o Reino de Deus). Foram tema filosófico racional que oferecemos em nossa Obra, para
elas que, no passado, estabeleceram as normas de conduta, en- dirigir com conhecimento a nossa conduta, quer cumprir a ta-
carregando a consciência de impô-las ao subconsciente, para refa de dar ao mundo um meio para salvá-lo da loucura. A
dominar seus inferiores instintos de animalidade e transformá- causa da neurose coletiva que vai se espalhando cada dia mais
los no sentido evolutivo. A mesma coisa deveria fazer a nova é a desordem espiritual, sendo esta a coisa mais urgente para se
psicanálise, ou seja, colocar o indivíduo no caminho da evolu- curar. Eis como a psicanálise, se cumprir uma função orienta-
ção e impulsioná-lo para frente, aplicando, mas com verdadeiro dora, pode adquirir importância social.
conhecimento do fenômeno, o velho método empírico das reli- Com o método da sublimação, a psicanálise aplica um trata-
giões, que consiste em direcionar para o caminho do S, que leva mento das neuroses, oferecendo uma válvula de segurança que
à saúde e à felicidade, o paciente extraviado no caminho do AS, permite descarregar os impulsos comprimidos do subconsciente
que leva à doença e à dor. Trata-se de acompanhar e dirigir o na direção mais útil à vida, ou seja, no sentido evolutivo, como
crescimento do ser, auxiliando a transformação do animal em forma de conquista e progresso biológico. Assim, o caminho er-
homem, para o nascimento do super-homem do futuro. rado pode ser endireitado, neutralizando-se a doença com um
De fato, o método das religiões é despertar a consciência (o substituto sadio, sendo ela resolvida por superação, num traba-
consciente), para ela controlar os impulsos inferiores (subconsci- lho confiado ao consciente desperto, que representa a parte do
ente instintivo), que o involuído tende a seguir. O exame de eu encarregada da obra da construção da personalidade. Com is-
consciência faz parte deste método. Trata-se, na verdade, de uma to, a psicanálise adquire uma importância nova, muito maior,
observação introspectiva dos impulsos aninhados no subconsci- porque se torna uma escola de evolução, cuja função não é mais
ente, submetidos assim ao controle e domínio do consciente, que só tratar doenças, mas também ajudar o homem novo a nascer,
conhece e está encarregado de impor as regras de conduta ensi- realizando o milagre da transformação biológica do involuído
nadas a ele pelas religiões. Este método faz parte do processo de em evoluído, ou seja, do atual ser primitivo no biótipo que deve-
descida dos ideais, vindos do alto para a Terra. Assim, os maus rá constituir a humanidade do futuro. Então a psicanálise se tor-
hábitos podem ser transformados em virtudes. Com a repetição, na a arte de educar o homem, para levantá-lo a um plano de vida
podem ser gravadas no subconsciente novas e melhores qualida- superior. Ela pode desse modo colocar-se ao lado da ética e das
des, o que torna possível educar o homem e realizar a evolução, religiões, iluminando-as no terreno difícil da direção das almas,
construindo a personalidade em formas cada vez mais adianta- trabalho que hoje elas fazem empiricamente, com métodos ob-
das. Eis o ponto de contato entre psicanálise e religião, consti- soletos e, às vezes, até contraproducentes, senão danosos.
tuindo a ponte pela qual elas podem comunicar-se. É inevitável que seja assim, quando tudo tem de ser feito em
Assim, ambas podem enriquecer-se, a primeira com a longa série, seguindo uma medida universal, adaptada apenas ao tipo
experiência da segunda e esta com o conhecimento dos fenôme- médio. Pode acontecer, então, que o indivíduo superior, por ser
nos psicológicos que só a primeira possui. Desta forma, a ciên- muito mais moral e religioso do que o tipo médio, seja conde-
cia poderá entender não só o significado biológico da sublima- nado. É nestes casos que a psicanálise, ao invés de se dirigir pa-
ção religiosa e do misticismo, mas também o valor positivo dos ra o subconsciente, onde está a parte inferior, tem de acompa-
métodos psicológicos praticados pelas religiões. Assim, o que nhar o indivíduo na sua exploração e antecipação do supercons-
foi descoberto por intuição, mas ficou empírico na prática, pode- ciente, pois este, pelo amadurecimento do ser, já começa a
rá ser sustentado pela lógica de uma demonstração racional. transparecer, procurando se manifestar, enquanto fica compri-
Eis o que Carl Jung escreve a respeito da relação entre psi- mido pela incompreensão dos atrasados, que impõem a todos as
canálise e religião: “Entre todos os pacientes que encontrei na regras oficiais mais convenientes para si mesmos. Então a psi-
segunda metade de minha vida, não houve um cujo problema, canálise pode ajudar os evoluídos, que têm de se defender para
em última análise, não fosse o de encontrar uma concepção re- não retrocederem ao nível de involuídos.
ligiosa da vida. Todos estavam doentes porque tinham perdido Eis que o próprio Jung escreve a este respeito: “O homem
o sustentáculo e o apoio oferecido pelas religiões, e posso afir- „normal‟ é um modelo ideal para todos os que estão ainda abai-
mar que nenhum deles foi verdadeiramente curado sem ter an- xo do nível normal de adaptação. Mas, para os homens que
tes conquistado uma concepção religiosa”. possuem capacidades superiores à média, a ideia e a obrigação
Há, porém, uma diferença entre a psicanálise e as religiões. moral de não poder ser outra coisa senão homens normais,
Para os seres primitivos, que funcionam mais por sugestão do constitui um leito de Procusto, um enjoo mortal e intolerável,
que por raciocínio e entendimento, é ótimo o sistema da fé, por um inferno estéril e sem esperança. Quantos neuróticos há que
meio do qual o indivíduo se entrega cegamente, como na hip- adoecem porque não podem se tornar normais!”.
nose, nas mãos de quem o dirige, deixando-lhe toda a respon- Parece que em nossa sociedade é um dever ser involuído.
sabilidade, porque, sozinho, ele não sabe pensar nem sabe o Este é o modelo para todos, constituindo a unidade de medida
que fazer. Para essa massa de gente simples, são bem adapta- que a maioria, porque lhe convém, escolhe e impõe a todos.
das e bastam as religiões. O mundo moderno está, porém, tor- Cabe ao evoluído defender-se, se ele quer sobreviver como tal.
nando-se cada dia mais racional e inteligente, sabendo muito Pude observar vários casos nos quais a neurose nos evoluídos
bem – como lhe ensina a ciência – que, para crer, é necessário foi gerada pelo esmagamento que eles tiveram de suportar por
exigir demonstrações e provas. Por isso a psicanálise, quando parte da maioria dos involuídos, que lhes quiseram impor a sua
se dirige para esse outro tipo de homem, tem de oferecer uma maneira de conceber a religião e a moral. Infelizmente, em
orientação demonstrada, capaz de convencer, dando prova das muitos casos, esta maneira não representa senão um desabafo
razões pelas quais temos de segui-la, o que só é possível pos- de instintos primitivos, de impulsos do subconsciente, que se
suindo o conhecimento do problema. Somente uma religião as- procura justificar, disfarçando-os em formas diferentes, prati-
sim concebida pode resistir aos assaltos do materialismo cien- cadas até em nome de Deus. Coisa natural para um involuído,
tífico. Talvez seja exatamente uma tal religião positiva o que mas horrível para um evoluído, que possui outra sensibilidade
mais falta ao nosso mundo moderno, sendo esta ausência de moral. Assim, no passado, ninguém se apercebia da terrível e
uma correta orientação a causa da angústia que o oprime. Ele evidente contradição entre o Evangelho e as guerras santas, a
precisa de uma ideia que dirija a sua vida, de uma esperança inquisição, as perseguições, as matanças de heréticos etc. Pu-
que o sustente, de uma meta a atingir, de uma razão para lutar de observar o caso de um indivíduo que teve de se afastar da
e sofrer. Necessita mais dela para curar as suas neuroses, do religião porque nela não encontrava senão pessoas determina-
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 67
das, com sua forma mental e conduta, a paralisar suas tentati- Como pode o biótipo que entende apenas a matéria suspei-
vas de superação da neurose pelo caminho da sublimação. tar que o valor das religiões possa estar sobretudo no seu conte-
Não era culpa das religiões, mas dos involuídos que as repre- údo espiritual? Tudo depende da forma mental, que é o instru-
sentavam. O resultado foi que, para conservar uma religião, mento com o qual se julga. Para o evoluído, a parte formal, que
sem ter de se submeter a outras, e seguir o caminho da subli- representa para o involuído toda a religião – desprovida assim
mação, pelo qual sua vida seria salva, aquele indivíduo foi de qualquer conteúdo espiritual – pode parecer uma profanação
constrangido a fechar as portas de sua alma, suprimindo qual- e uma mentira. Perante maneiras tão diferentes de conceber a
quer manifestação exterior – aquilo que mais atrai a intromis- religião, cada um está convencido de possuir a verdade. Mas é
são dos involuídos – e a continuar sozinho, para salvar a sua claro que cada um não possui senão a sua verdade pessoal, es-
espiritualidade, aprofundando as suas vivas relações com tabelecida a princípio pela absoluta e indiscutível premissa do
Deus apenas em seu íntimo, aonde eles não chegam. seu temperamento individual.
◘◘◘ Ora, quando um indivíduo passa a fazer parte da nossa so-
Mas temos de observar também o outro lado da medalha. ciedade, ele logo se coloca junto daqueles que possuem a sua
Nem todos os indivíduos estão prontos para aceitar uma inter- forma mental, agrupando-se assim com os seus semelhantes.
venção no sentido de uma sublimação. Por isso o psicanalista Seus impulsos espontâneos, fruto de sua experimentação nas
tem de estudar a personalidade do paciente, para ver se tal mé- vidas passadas, que constitui a sua sabedoria, dizem-lhe qual a
todo está adaptado a ele. Tudo depende do estado de amadure- verdade a ser por ele escolhida entre as que encontrou no
cimento do indivíduo. A sublimação não é coisa que se pode mundo. Então ele, com segurança e plena consciência, escolhe
impor à força a quem não está pronto para recebê-la. Neste ca- a verdade que mais lhe convém, aquela temporária e relativa
so, ela se torna uma forma de perseguição, o que representa que, para ele, porque corresponde a seu temperamento, repre-
aquele esmagamento da personalidade, constituindo o caminho senta a verdade absoluta. Entre os indivíduos do mesmo tipo
direto para a neurose. A destruição do que é inferior, sem uma biológico, logo surge um entendimento recíproco, porque, pela
simultânea substituição pelo que é superior, é somente negati- sua idêntica forma mental, eles escolhem a mesma verdade,
vidade suicida, contra a qual a vida tem toda razão de se rebe- concebendo-a da mesma forma e falando a mesma linguagem.
lar, defendendo-se com as suas reações, porque a perda causada Assim eles se unem por afinidade, para funcionar em série, se-
pela destruição não é compensada por uma paralela construção guindo os mesmos princípios e métodos. “Diz-me com quem
positiva. Nestes casos, uma tentativa de sublimação pode exci- andas e te direi quem és”. É o impulso de atração que instinti-
tar revolta ou adaptações torcidas, gerando desvios, ao invés de vamente liga entre si os semelhantes.
superações, o que significa descida, e não subida. Quando o indivíduo entra na vida da coletividade, vai bus-
No ambiente humano se encontram todas as possíveis for- car no armazém de seu subconsciente a ideia que o dirigia na
mas de vida. Quem escolhe é o indivíduo, conforme seu gosto, vida anterior, não podendo usar outra senão a que nele encon-
atrações e forma mental, revelando nisto a sua natureza. A espi- trar. Vai depois procurando no mundo o ambiente onde possa
ritualidade das religiões oferece apenas exemplos de sublimação realizar aquela ideia. Na vida do indivíduo, esta é a parte de-
a todos, aconselhando e impulsionando nessa direção. Mas o terminística, que representa o seu destino. Ora, o primitivo,
primeiro instinto do involuído é se rebelar contra o esforço de quando chega à Terra, traz consigo, já pronto no seu subconsci-
superação ou então, se isto não for possível, evadir-se dele. As- ente, todo o conhecimento necessário para viver no baixo nível
sim, o sadio impulso em sentido evolutivo se resolve, na prática, de existência de nosso mundo. Aqui, tal biótipo encontra um
em procurar escapatórias, através de fingimentos para se disfar- ambiente a ele bem adaptado, feito na medida para os seus ins-
çar, de mentiras para esconder a realidade e de adaptações para tintos animais. É fácil para ele resolver o problema da vida,
satisfazer os instintos da besta, salvando assim as aparências. Eis porque a sua sabedoria inata lhe basta, representando exatamen-
o tipo de sabedoria que as religiões, impondo a superação, mui- te o que é necessário para viver aqui. No caso do evoluído, po-
tas vezes acabaram gerando nos seus seguidores. Eis como as rém, acontece o contrário. Por ser mais adiantado, ele já assimi-
entende o involuído, ainda mergulhado no plano animal. Nem lou na sua personalidade as qualidades de um nível biológico
por sonho ele pensa que os ideais de superação sustentados pelas superior, sendo instintivamente levado a dirigir a sua conduta
religiões possam ser praticados na realidade. Nestes casos, o mé- de acordo com elas, que, porém, tornam-no inepto para viver na
todo da sublimação se torna uma escola de enganos. Isto é tudo Terra, onde se pratica outros métodos, obedecendo a outras leis,
o que o involuído pode entender dos princípios de uma vida su- que condenam e punem a superior maneira de conceber e de
perior, porque eles estão situados acima de seu nível biológico. agir do evoluído. Este biótipo adquiriu e possui, em forma de
E, dado que tal biótipo representa a maioria, esta é a maneira de instinto, qualidades que, para a maioria do mundo, é somente
viver os ideais que prevalece em nosso mundo, com um consen- um ideal longínquo situado no futuro, e, dada essa sua posição
timento geral subentendido. Isto não acontece por maldade, mas biológica, não pode de modo algum retroceder ao nível da ani-
por falta de capacidade de compreender. Tais indivíduos fazem malidade humana, dirigida por instintos inferiores.
isto em perfeita consciência (relativa ao seu nível), convencidos Tivemos de salientar a importância de uma interpretação do
assim, conforme sua forma mental, que são honestos e religio- tipo de personalidade, porque é nela que se baseia a possibilida-
sos, acreditando possuir e praticar a verdade. Por isso, em nome de de tratar as doenças nervosas com o método da sublimação.
dela, concordam em condenar quem quer levar a sério os ideais, Este será tanto mais adaptado quanto mais o paciente for um bi-
condenando-o porque ele exige dos outros algo que para eles, ótipo evoluído, e vice versa. Como já frisamos anteriormente,
por ser inconcebível, é inaceitável. tentar aplicar o tratamento por sublimação a um indivíduo não
O evoluído diz: “acabai de uma vez com esta vergonha de maduro para isso, ainda involuído, pode ser inútil ou até contra-
adaptações para intrujar a Deus, praticando uma religião de producente. No caso, porém, de indivíduos que demonstram já
mentiras e uma moral só de interesse”. E o involuído respon- ter conquistado instintos superiores, um tratamento psicanalítico
de: “mas eu não engano ninguém, sou sincero e honesto. É por sublimação representará sem dúvida o método mais adapta-
assim que se pratica a religião. Temos o dever de levar em do, constituindo um impulso para a salvação e uma ajuda que o
conta as necessidades concretas da vida, para não nos matar, paciente aceitará de todo o coração. Eis que o estudo por nós
vivendo fora da realidade, nas nuvens. Para ser um bom reli- aqui anteposto da personalidade humana é indispensável para o
gioso, bastam as formas exteriores. Nós as praticamos. Então psicanalista, porque não é possível fazer com sucesso tratamento
somos bons religiosos”. algum, sem ter antes conhecido a qual biótipo ele se dirige.
68 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
Pode assim acontecer que, em alguns casos, o tratamento se Tudo o que existe está no seu devido lugar. O nosso mundo
possa basear não somente na correção do subconsciente, mas inferior está adaptado ao homem atual, para que ele realize as
também na antecipação do superconsciente. De fato, relativa- suas experiências de primitivo. É lógico que, para os mais adian-
mente à própria posição na escala evolutiva, para todos existe tados, este mundo não possa ser senão lugar de desterro e sofri-
uma zona superior a conquistar, apesar do conteúdo e do nível mento. Ele não é terreno para a realização do superconsciente
serem diferentes para cada indivíduo, de modo que o psicana- (aqui o ideal é utopia fora da realidade), mas sim para o domínio
lista pode sempre se tornar, além de médico, mestre de evolu- e desabafo dos impulsos inferiores do subconsciente. Em nosso
ção para todos, funcionando também como construtor de perso- mundo não é o espírito que quer subjugar a matéria, mas é a ma-
nalidade. Esta tarefa, para quem a entenda, poderia ser maravi- téria que quer subjugar o espírito. Apesar de tudo isto, no mun-
lhosa, constituindo uma grande missão. do, o evoluído, que já tem os ideais assimilados no subconscien-
Eis como poderíamos imaginar o indivíduo que progride ao te, não poderá deixar de se realizar no sentido da espiritualidade,
longo do caminho da evolução. O superconsciente é como uma ainda que haja martírio, assim como o involuído não poderá dei-
linha de alimento que se prolonga na frente, ainda a atingir e de- xar de se realizar no sentido da animalidade. Isto porque, para o
vorar. O consciente é a boca do ser, que segue aquela linha e evoluído, os ideais superiores se tornaram instinto, impulso es-
trabalha para mastigar e engolir aquele alimento. O subconscien- pontâneo, querendo se realizar deterministicamente, como parte
te é o estômago, que o recebe e assimila, processo pelo qual o integral do destino do indivíduo, consequência fatal das causas
corpo vai engordando, isto é, a personalidade vai crescendo, en- semeadas e das qualidades adquiridas nas vidas precedentes. O
riquecendo-se e progredindo ao longo do caminho marcado pelo psicanalista deve conhecer a lógica e a técnica desses processos,
superconsciente. Eis o que se realiza na vida, apesar de cada um razão pela qual fomos levados a estas explicações.
ter uma posição diferente ao longo do caminho da evolução. Eis a psicanálise que apresentamos aqui. Uma psicanálise
Então qualquer forma de progresso é sempre uma subli- muito mais vasta, porque é uma ciência da alma, abrangendo os
mação relativamente à precedente posição inferior. Por subli- maiores problemas da vida: a personalidade humana, a evolução
mação entendemos o progresso dos mais maduros, o que sig- biológica, a orientação individual e social, a direção da conduta,
nifica superação por espiritualidade. Então a regra para o psi- a espiritualidade, a ética e as religiões. Por seguir o percurso do
canalista no tratamento das neuroses é adequar o método da nosso eu até às suas passadas encarnações e ser mais completa
sublimação ao amadurecimento espiritual do indivíduo. em conhecimento, trata-se de uma psicanálise à qual se pode
Quando este se encontrar pronto, ele mesmo será instintiva- confiar a tarefa de nos dirigir para os mais altos destinos, se-
mente levado a solucionar o seu caso pelo caminho da supera- guindo a lei de Deus e trabalhando em função do plano geral da
ção em sentido espiritual, porque as fases precedentes já terão existência. Um objetivo muito maior do que tratar doenças men-
sido percorridas, cabendo ao psicanalista somente acompa- tais é assim atingido: a construção da personalidade, levantando-
nhar e dirigir o natural processo evolutivo. a com inteligência para formas de vida superior e reconhecendo
Não se trata de novidade, porque tudo é implícito e está fun- que, algumas vezes, o que parece doença se assemelha às dores
cionando pela própria estrutura da lei de Deus. A psicanálise pra- do parto, necessárias para gerar um novo ser. Uma psicanálise
tica o que a Lei já realizava sem o homem saber. A finalidade de que não é conhecimento avulso e isolado, mas está fundida no
reeducar, endireitando o passado errado, como faz a psicanálise, funcionamento do todo, concebido como um fenômeno orgânico
é a mesma que a Lei quer atingir quando corrige o indivíduo, en- do qual esta ciência faz parte; uma psicanálise que penetra o
direitando o seu erro por meio de uma dor proporcionada. Então mistério do espírito e trabalha na luta entre a animalidade e o
a tarefa do psicanalista é a mesma que a da Lei, isto é, impulsio- ideal, para a superação dos instintos inferiores em favor da espi-
nar e dirigir o paciente para ele voltar ao caminho certo, reconsti- ritualidade, ajudando a transformação do biótipo primitivo no
tuindo-se na ordem da qual se havia afastado. No caso da Lei, ela homem evoluído do futuro; uma psicanálise que se enxerta no
faz o mesmo trabalho de endireitamento realizado pelo psicana- âmago do funcionamento das leis da vida, penetrando e operan-
lista, diferindo, porém, pelo fato de dirigir o indivíduo para a au- do no drama cósmico da evolução e da redenção.
tocorreção por intermédio da dor, que neste caso representa o Poderíamos acrescentar muitas coisas ainda, mais profundas
remédio utilizado no tratamento, o agente encarregado de endi- e já amadurecidas no pensamento. Mas, para sobreviver, todas
reitar o torto, o mestre que ensina a lição a ser aprendida, para as energias devem ser absorvidas na luta pela vida contra os pi-
não se errar mais. Pode-se, assim, verificar o caso em que o psi- ores elementos. Em nosso mundo infernal, torna-se cada dia
canalista tem de aceitar o método de tratamento usado pela Lei, mais difícil se encontrar segurança e sossego para nos abstrair-
reconhecendo a utilidade e, às vezes, a necessidade destas lições mos em trabalhos de ordem superior, que, por não terem remu-
de dor. Há casos em que ela não pode ser suprimida, porque faz neração, não produzem os recursos indispensáveis para viver.
parte do tratamento realizado automaticamente pela própria Lei.
Então o psicanalista terá de aceitar a dor como parte integrante e X. ÉTICAS DO SEXO
meio de cura, porque suprimi-la seria tirar o remédio. O médico,
porém, pode explicar ao paciente qual é o sentido e a função do Em função de sua atitude em relação ao problema do sexo,
sofrimento, ensinando a ele como utilizá-lo para seu próprio bem. tanto os povos como os diferentes períodos históricos poderiam
Vemos, assim, quantos outros problemas o psicanalista tem se distinguir em duas grandes categorias: a dos sexófilos e a dos
de levar em conta e resolver para praticar o método do trata- sexófobos. Mas por quê?
mento por sublimação. As lições que os indivíduos têm de Para compreender, é necessário subir aos conceitos funda-
aprender na vida são diferentes para cada um. A maioria, tendo mentais. Vejamos então. Pelo princípio do dualismo universal,
subido há pouco do nível animal, tem de aprender o que lhe po- devido à quebra (através da revolta e da queda) da unidade do
de ensinar a luta para vencer e satisfazer as suas necessidades todo em Sistema e Anti-Sistema, tudo o que existe está dividido
materiais, conquistando deste modo os primeiros graus da inte- em duas partes opostas, inversas e complementares, que lutam
ligência. Trata-se de uma forma de experimentação e um tipo uma contra a outra como inimigas, devido ao princípio divisio-
de aprendizagem que não têm mais sentido para o ser evoluído, nista da revolta, dirigido para o Anti-Sistema, mas que, ao
pois este se tornou apto a viver num estado social orgânico, no mesmo tempo, abraçam-se, atraindo-se reciprocamente, em vir-
qual o trabalho da vida não consiste mais somente na luta para tude do princípio oposto, cujo impulso quer reconstruir tudo em
o domínio material no caos dos primitivos, mas sim na conquis- unidade. Em nenhum outro fenômeno biológico aparece tão
ta do conhecimento e da espiritualidade. claramente, ao mesmo tempo, esse contraste e essa atração en-
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 69
tre opostos, como neste caso do sexo, que é um dos mais ne- como antípodas, atraem-se, unindo-se fora do próprio raciocínio,
vrálgicos da vida, no qual os dois princípios, o egocentrismo e, sem se compreenderem, invertem-se um no outro, conseguin-
separatista (Anti-Sistema) e o amor reunificador (Sistema) lu- do deste modo atingir uma fusão em que ambos ficam satisfei-
tam para prevalecer um sobre o outro. tos, porque, assim, cada um pode compensar com o outro a sua
Essa é a primeira origem do fenômeno da divisão dos sexos, complementaridade, cedendo aquilo que tem de sobra e adqui-
que se poderia chamar como bipolaridade biológica, caso parti- rindo aquilo que mais lhe faz falta.
cular da bipolaridade universal. Explica-se assim, no amor, esse Estes são os dois modelos que a vida nos oferece em nosso
contraste, que todos conhecemos e constatamos a toda hora, en- planeta, em relação ao fenômeno do sexo, incluindo a raça hu-
tre o instinto de generosidade altruísta, querendo dar tudo sem mana. É deste fato que derivam, neste terreno, dois tipos fun-
nada pedir, e o oposto instinto de cobiça egoísta, querendo apo- damentais de ética:
derar-se de tudo sem nada retribuir. A primeira forma de amor 1) A ética masculina da força, de natureza sexófoba.
é própria do evoluído, mais próximo do Sistema, a segunda é 2) A ética feminina do amor, de natureza sexófila.
própria do involuído, mais próximo do Anti-Sistema. A segun- Trata-se de dois aspectos inversos e complementares da éti-
da evolui para a primeira, fato pelo qual o amor é cada vez me- ca humana do sexo, constituindo a razão dessa sua estrutura. A
nos egoísmo, avidez de possuir, agressividade e ciúme, para se história da humanidade desenvolveu-se seguindo ora um e ora
tornar cada vez mais altruísmo, generosidade, benevolência e outro destes dois tipos de ética. Houve e há povos e raças do 1 o
desejo de ajudar, tudo isto se manifestando tão mais acentua- tipo, com a respectiva forma mental, amarrados à ética sexófo-
damente, quanto mais nos aproximarmos da espiritualidade, ba, assim como houve e há povos e raças do 2 o tipo, com a res-
afastando-nos dos níveis inferiores, onde vigora a animalidade. pectiva forma mental, amarrados à ética sexófila. Agora que
Esta é a estrutura e o fundamento do fenômeno do sexo. observamos as origens, a natureza e a razão deste fenômeno,
Eis, então, o nosso mundo biológico dividido de acordo com o podemos compreender o problema do sexo e da sua ética.
esquema macho e fêmea. Vimos agora as primeiras origens ◘◘◘
deste fato. Mas esta cisão, pela qual a unidade ficou dividida Encontramos no mundo povos de diversas naturezas. Temos
em duas partes, representa também uma divisão no trabalho da os povos guerreiros e conquistadores, dotados das virtudes
luta pela sobrevivência, que constitui, por sua vez, um meio de masculinas da força, do trabalho e da inteligência, com a res-
evolução. O macho luta contra o ambiente hostil, as feras e os pectiva forma mental, que, desprezando o amor, dá origem a
elementos, tendo assim de desenvolver a força e a inteligência uma ética sexófoba. Temos também os povos pacíficos e sensí-
nos seus níveis mais baixos, da agressividade, da ferocidade, veis, com as virtudes femininas da bondade, da tranquilidade e
da guerra como objetivo da conquista, do egoísmo para o do- do sentimento, com a respectiva forma mental, que, apreciando
mínio. A fêmea luta para o mesmo objetivo, mas por outro ca- o amor, dão origem a uma ética sexófila.
minho, vencendo a morte com a geração. Para isso, desenvolve Essa distribuição que encontramos no espaço, também a en-
os instintos de proteção maternal, de pacifismo conservador, contramos no tempo. A história nos oferece períodos masculi-
de altruísmo e de submissão ao poder do macho. Em forma di- nos e femininos. Assim, o ser humano vai oscilando alternada-
versa, os dois opostos colaboram, canalizados ao longo do mente de um polo a outro do fenômeno. Ora prevalece e se de-
mesmo caminho, e rumam em direção à mesma finalidade, que senvolve um lado, ora outro, enquanto o seu contrário fica à es-
é viver para evoluir. Para este objetivo converge todo o esfor- pera. Trata-se de posições e qualidades opostas e complementa-
ço, que, enquanto defende, ao mesmo tempo ensina e, ensinan- res. O povo ou o tempo que desenvolve uma não pode desen-
do, realiza a evolução. Isto porque a ascensão tem de ser atin- volver a outra. Assim elas têm de funcionar em rodízio, uma de
gida pelo esforço da criatura que, com a sua revolta, decaiu. cada vez. Nos períodos de paz, o ser trabalha em sentido femi-
Eis aqui o motivo desta desapiedada e contínua luta para ven- nino (requinte, sexualidade, arte, exterioridade religiosa etc.).
cer a morte (Anti-Sistema) e voltar à felicidade (Sistema). Nes- Nos períodos de guerra, o ser trabalha em sentido masculino
te fato, também encontramos novas confirmações dos princí- (agressividade, conquistas, expansão política, domínio comer-
pios gerais desenvolvidos em nossos precedentes volumes. Su- cial, inteligência e progresso no conhecimento etc.). No primei-
as últimas consequências, vemo-las em nosso mundo, até na ro caso, o modelo é a mulher, e o homem torna-se efeminado
estrutura física do organismo do macho e da fêmea. O tipo ma- (como no século XVIII). No segundo caso, o modelo é o ho-
cho tem os ombros largos, desenvolvidos para a luta e para o mem, e a mulher se masculiniza (como no tempo atual de
trabalho, com a inteligência mais aguçada para a função de di- emancipação e independência feminina). No 1o caso, é o espíri-
rigir. O tipo fêmea, pelo contrário, têm os quadris mais desen- to feminino que domina tudo, inclusive o homem. No 2 o caso, é
volvidos para as funções da geração, com mais agudas quali- o espírito masculino que domina tudo, inclusive a mulher. No
dades de sensibilidade, intuição e sentimento. 1o caso, é a mulher que vence e prevalece, enquanto o homem
Estes são os dois tipos complementares da atividade humana. vive em função dela (como amante). No 2o caso, é o homem
Assim, encontramos no macho a força para vencer e, na mulher, que vence e prevalece, enquanto a mulher vive em função dele
o amor para gerar. É por isso que, no primeiro caso, temos o que (reduzida a máquina para gerar guerreiros).
foi chamado o sexo forte e, no segundo, o sexo belo. E, de fato, Os dois polos do dualismo lutam um contra o outro para
o que é mais apreciado no homem é a força, enquanto na mulher prevalecer. Assim que, por ter esgotado sua função, um se es-
é a beleza. Estas são as qualidades que um sexo mais procura no gota, o outro leva vantagem sobre ele, e vice-versa. Esta oscila-
outro. Conforme estas suas qualidades, cada um dos dois tipos, ção é também uma compensação, porque o que se perde de um
pelo seu egocentrismo, desejaria impor-se, dominando o outro. lado é ganho do outro, e ao contrário. Não se pode existir na
Isto porque, se tanto mais eles são aliados quanto mais são evo- plenitude de uma posição sem que isto gere um vazio corres-
luídos, pelo contrário, quanto mais são involuídos, como em pondente na posição oposta. Não se pode, ao mesmo tempo,
nosso mundo inferior, tanto mais são rivais. Acontece então que, triunfar em cheio em ambos os polos opostos. Ou um, ou outro.
para o macho (o ser da força) o amor se torna um ato de con- Assim, no 1o caso, quando é a mulher que domina, o homem
quista e, para a fêmea (o ser do amor) a conquista se torna um perde a sua virilidade, enfraquecendo nas suas qualidades de lu-
ato de amor. Assim o amor é uma luta em que o macho ama ta, trabalho e agressividade (tipo Luís XV e XVI na França).
com a força, enquanto a mulher conquista com o amor, usando No 2o caso, quando é o homem que domina, a mulher perde a
as armas da beleza e da bondade. Deste modo, os dois biótipos, sua feminilidade, tornando-se masculinizada, trabalhadora e in-
apesar de raciocinarem com forma mental oposta e concebendo dependente, lutando ao lado do homem e até contra ele. É o que
70 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
ocorre nos períodos revolucionários ou bélicos, destrutivos e dade do macho e o amor da fêmea. Acontece, porém, que,
reconstrutores, nos quais é realizado o maior esforço evolutivo. quanto mais o homem se distrai na luta pela sua atividade se-
O contrário sucede nos períodos opostos. Depois de ter realiza- xual, tanto menos ele se encontra pronto para a defesa, sempre
do o seu esforço, cada tipo repousa, enquanto funciona o tipo necessária no meio de mil perigos. Ora, este enfraquecimento
contrário, gozando neste intervalo dos frutos do seu trabalho das suas virtudes defensivas de guerreiro, em favor das de
precedente, para depois iniciar outro, como antes, e assim por amante, pode levar a consequências terríveis num mundo onde
diante. Deste modo, com esta forma alternada, progride o traba- a sobrevivência depende de uma vitória contínua na luta de-
lho para ambos os opostos, no qual cada um dos dois polos sesperada contra todos. No subconsciente instintivo, tiveram
complementares compensa e corrige o outro, pois, se assim não de ficar gravadas as impressões de muitas dessas derrotas, de-
fosse, o princípio feminino sozinho acabaria apodrecendo na vidas e conexas a momentos de fácil abandono à ingênua ale-
estagnação da inércia, enquanto o princípio masculino sozinho, gria de viver nos gozos do sexo. Então, no subconsciente, as
não compensado pelo seu oposto, acabaria destruindo tudo. ideias de satisfação sexual, enfraquecimento e derrota, com as
Como se vê, tão logo coloquemos cada coisa no seu devido suas terríveis consequências, juntaram-se e soldaram-se uma à
lugar, vemos aparecer em tudo uma sua razão para existir, dada outra, fazendo que a dura experiência tantas vezes repetida le-
pela função lógica que o justifica. Nada há de errado nas leis da vasse à assimilação do conceito conclusivo de todo o processo,
vida. Tudo cumpre devidamente a sua tarefa útil. Não se trata gerando deste modo o instinto de condenação da sexualidade.
de superioridade ou inferioridade, mas somente de uma inteli- Assim explica-se esse fenômeno e encontra-se a primeira ori-
gente divisão de trabalho. Por isso não há lugar para desprezo gem dessa respectiva forma mental da ética sexófoba.
ou condenações. Complementando-se na diversidade, ambos Permanece o princípio geral de que o ser, quando tem, por
têm razão. Aqui, procuramos observar e explicar o que aconte- qualquer razão, de cumprir um esforço, deve canalizar todas as
ce na realidade dos fatos, e não impor conclusões e opiniões. suas energias nesse sentido, evitando qualquer desperdício em
Notamos acima que, em geral, os povos guerreiros e con- outras direções. Assim um indivíduo ou um povo, quando tem
quistadores seguem uma ética sexófoba, enquanto os pacifistas e de realizar uma luta para defesa ou conquista, deve concentrar
sentimentais seguem uma ética sexófila. Mas por que acontece nesse objetivo todas as suas forças, abandonando todo o res-
isso? Procuremos compreender a razão desse fato. É lógico que tante. Neste momento, a vida impõe ao ser algo que para ele,
as energias humanas não podem encaminhar-se simultaneamen- nessa condição, é necessidade absoluta, ou seja, a forma men-
te para esses dois canais, pois cada um deles é, por si só, bastan- tal e a respectiva ética sexófoba. Acontece, deste modo, que os
te para absorver todo o esforço possível. Acontece então que o povos machos, conquistadores, são naturalmente sexófobos,
ser, quanto mais se torna poderoso e tem abundância de um dos até vencerem os obstáculos e atingirem o domínio. Então a vi-
lados, tanto mais se enfraquece e sente falta do outro. A vida da lhes dá um prêmio, recompensando com o bem-estar o es-
compensa essas unilateralidades opostas por meio de uma distri- forço bem sucedido. Mas eis que, neste ponto, não sendo mais
buição tanto no espaço como no tempo, complementando reci- necessário o esforço, é lícito finalmente descansar, entregando-
procamente cada um dos dois termos com o outro. Desse modo, se às satisfações do sexo. Prevalece então não mais o principio
a vida atinge o equilíbrio e a ordem num conjunto completo, do esforço, mas sim o da vida fácil, com a respectiva forma
permitindo que funcionem as duas qualidades opostas, uma de mental da ética sexófila. Mas eis que, por este caminho, o povo
cada vez. Foi assim que à corrupção do reino de Luís XV, com a esquece as suas virtudes guerreiras, necessárias à defesa, e
sua ética sexófila, dirigida para o prazer, seguiram-se na França acabam engordando e enfraquecendo-se no bem-estar, até que
a revolução, com o feroz puritanismo de Robespierre, e o perío- outros povos, mais acordados pela necessidade e mais prontos
do guerreiro napoleônico, com a sua ética sexófoba, dirigida pa- para a luta, venham a agredi-lo e vencê-lo facilmente. O pro-
ra a conquista. Por este processo, a vida acordou e renovou blema do sexo está conexo com todos os outros, dos quais nos
aquela sociedade, que de outro modo teria apodrecido na inércia. revela a posição. Assim o ciclo se fecha e aquela civilização de
Trata-se de dois impulsos fundamentais, que se dirigem, bem-estar sexófilo acaba na corrupção em favor dos novos
por dois caminhos diferentes, para a defesa e a conservação da vencedores sexófobos, até que o mesmo ciclo se verifique
vida. Trata-se de duas qualidades complementares. O fortale- também para eles, e assim por diante.
cimento dos instintos de agressividade implica no enfraqueci- Tudo isto é lei geral da vida e se realiza para os povos, as
mento dos impulsos eróticos, e vice versa. Por isso nas socie- classes sociais, as famílias e os indivíduos. Assim decaiu o Im-
dades militaristas e imperialistas tem valor e domina a força, e pério Romano, quando suas antigas virtudes se corromperam e
não as qualidades do amor, que é desprezado como fraqueza os costumes se amoleceram no luxo e nas comodidades que o
feminina. Nos povos e tempos em que vigora a ética sexófoba, poder oferecia. Assim também declinou a aristocracia francesa,
a guerra ou o trabalho são as coisas mais importantes, enquan- com Luís XV, o rei das mulheres, até cair na boca da revolução.
to vale menos o amor. Nos povos e tempos em que vigora a E o mesmo está pronto a acontecer à velha Europa, rica e civili-
ética sexófila, a guerra ou o trabalho são as coisas menos im- zada, que se tornou saboroso petisco para as hordas russas e
portantes, enquanto vale mais o amor. O fato é que o ser hu- asiáticas, cada vez mais famintas, devido ao aumento da popu-
mano, quando segue o caminho da força e da agressividade, lação, prontas a repetir a história das invasões bárbaras dos po-
negligencia o do amor, e ao contrário. Assim os dois termos vos germânicos contra Roma. A vida está sempre alerta e vigi-
opostos: espírito de luta e abandono à sexualidade, não podem lante. Ela escuta e percebe esses pontos fracos, acorrendo para
existir juntos. Quando um dos dois prevalece, todas as energias fortificá-los. Este objetivo ela atinge destruindo quem perdeu a
são absorvidas por ele, que as tira do outro. Quem está preso força e substituindo-o por novos e mais poderosos agressores,
ao esforço de ataque e defesa não pode se abandonar às satis- assim como, para a mesma finalidade, os micróbios acorrem
fações do amor, pois, ficando enredado nestas, não pode se de- nas doenças ao ponto fraco, de menor resistência, que represen-
fender na luta e será facilmente vencido por qualquer agressor. ta em cada organismo o calcanhar de Aquiles, cuja vulnerabili-
É assim que o espírito de luta se une à sexofobia, ética com a dade constitui um convite para o mais forte aproveitar. É por is-
qual o encontramos sempre ligado, e é assim que o amor gera a so que a ética sexófoba da agressividade e a ética sexófila do
sexofilia, ética com a qual o encontramos ligado. bem-estar são rivais. Quem se abandona à segunda perde a for-
A vida tem de se defender numa luta contínua contra todos ça e cai presa de quem vive a primeira. O que assegura a vida é
os inimigos, para sobreviver como indivíduo e como raça num a ética sexófoba da agressividade, e não a sexófila do bem-
ambiente hostil, vencendo a fome e a morte com a agressivi- estar. Por isso os bárbaros conquistaram o Império de Roma, a
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 71
Revolução Francesa conquistou com Napoleão a Europa realis- tanto lutaram para atingi-la e agora precisam de descanso. As
ta, e a Ásia guerreira, militarizada pelo comunismo imperialis- belezas de uma civilização mais adiantada, com a qual eles to-
ta, prepara-se para conquistar a velha Europa. Assim, em rodí- mam contato, são para eles um convite irresistível. Por outro
zio, todos percorrem o mesmo ciclo, obedecendo à mesma lei. lado, trabalha para o mesmo objetivo o instinto na mulher, que,
Estas observações nos podem explicar algumas coisas. É atraída pela fascinação exercida sobre ela pela força do vence-
um fato que, em geral, os regimes velhos e maduros, acomoda- dor, sente-se impulsionada a se lançar nos braços dele. Então
dos ao bem-estar da classe dominante, são sexófilos, enquanto todas as mulheres dos vencidos pertencem aos vencedores, para
os regimes jovens e conquistadores, filhos de guerras ou revo- os quais a satisfação do domínio se transforma na satisfação do
luções, são sexófobos. Por exemplo, os antigos romanos, em re- rico banquete do bem-estar. Com isso, o vencedor fica absorvi-
lação ao povo etrusco, que eles venceram e quase destruíram, do e submetido ao ambiente do vencido. Assim, a ética sexófo-
eram o que, em nosso século, foram os prussianos de Hitler. ba do primeiro se transforma na ética sexófila do segundo. Por
Naquele tempo, os etruscos, mais civilizados em relação aos sua vez, os dominadores assimilam paulatinamente as qualida-
romanos, eram corrompidos sexófilos, enquanto os romanos, des dos dominados e, como eles, acabam se enfraquecendo,
cheios de todas as virtudes da agressividade, eram puritanos se- realizando o mesmo ciclo e seguindo o mesmo destino.
xófobos. O mesmo aconteceu quando os bárbaros do Norte Deste modo, cada um dos dois termos cumpre a sua função.
desceram na península itálica para conquistá-la. Quem venceu O macho, para chegar à sua posição de domínio, desenvolve
foram os povos de costumes severos contra os povos de costu- força e inteligência. A fêmea, para chegar à multiplicação e,
mes relaxados, devido ao mesmo principio pelo qual a ética com isso, à conservação da raça, realiza o trabalho de geração,
austera do cristianismo, espiritualmente lutadora, puritana e se- que se valoriza ainda mais como seleção pelo concurso de um
xófoba, venceu no plano religioso a ética fácil e enfraquecida, tipo biologicamente superior, qual é o vencedor. Eis que a vida,
livremente sexófila, dos descrentes e lassos pagãos de Roma. movimentando pelos instintos os seres inconscientes, atinge com
Os mesmos conceitos se poderiam repetir hoje a respeito a sabedoria das suas leis os melhores resultados, porque assim
dos regimes totalitários como o fascista, o nazista e o comunis- não somente preenche os vazios produzidos pela destruição rea-
ta, que procuraram canalizar todas as energias dos povos no lizada pelos agressores, mas também renova os falecidos da raça
esforço dirigido para o domínio (a filosofia de Nietzsche se velha e enfraquecida, dando-lhes filhos mais fortes, porque des-
tornou a de Hitler), realizando por isso uma ética sexófoba. E cendentes dos vencedores. No fim, a raça se liberta dos fracos e
isto se explica pelo fato de que tais regimes são filhos de revo- se fortalece com o sangue dos fortes. Este é o verdadeiro conte-
luções, nas quais se trava uma luta contra a ordem precedente. údo das guerras e sentido da história, do qual, porém, não se fala
Então, para que os rebeldes possam sobreviver, é necessário nos livros, apesar de ser ele o mais importante e duradouro.
vencer, custe o que custar, razão pela qual ser forte é um pro- ◘◘◘
blema de vida ou morte. Eles têm de realizar a ética da agres- Eis como se cumpre o ciclo da transformação dos resulta-
sividade, naturalmente sexófoba, porque, para quem vive de dos das duas lutas complementares. Vemos, então, como o
luta, não se admite fraqueza, que significa a derrota e, portan- impulso da agressividade acaba abrindo as portas à realização
to, a própria destruição. do impulso da sexualidade, assim como o impulso da sexuali-
Então todas as energias têm de ser canalizadas de maneira a dade acaba abrindo as portas à realização do impulso da
se tornarem agressividade, sendo que o mais urgente é possuir o agressividade. No primeiro trecho trabalha o homem, enquan-
espírito varonil de luta, enquanto qualquer sentimento feminino to vigora a ética sexófoba; no segundo trabalha a mulher, en-
é considerado perigoso desperdício. São exaltadas, então, as quanto vigora a ética sexófila. Cada um desejaria suplantar o
virtudes de coragem e de força, sendo desprezadas as de bon- outro para substituir-se a ele, invadindo todo o terreno, e com
dade e de amor, que se tornam fraqueza imperdoável. Tudo tem este objetivo ambos lutam como rivais, enquanto na verdade
de se transformar neste sentido. Fica a família, mas de tipo coe- colaboram para o mesmo resultado. A razão que funde em
lheira, como fábrica de filhos, para fazer deles novos guerreiros unidade os dois termos contrapostos está no fato de serem eles
e, assim, aumentar o poder demográfico-bélico. Do amor se de natureza complementar, de modo que cada um dos dois
percebe só o valor prolífico, e a mulher se transforma numa lu- egocentrismos opostos necessita do outro para se completar.
tadora ao lado do homem, para o trabalho e a conquista, ficando O resultado final de todo o processo é que os dois opostos,
as suas verdadeiras funções de mulher reduzidas somente à de conservando o seu egocentrismo, trabalham em concordância,
máquina reprodutora. Tem-se assim os regimes guerreiros, on- como os dois polos da mesma unidade, para cumprirem cada
de o Estado é tudo e tudo é devorado por ele, inclusive os fi- um a metade que lhe cabe do mesmo ciclo comum.
lhos, que lhe pertencem como meio de luta para o domínio. Este fato nos mostra que a vida não está de modo algum ir-
É assim que, no choque entre as duas éticas, vencem os po- remediavelmente dividida em dois termos separados pelo dua-
vos sexófobos, porque os outros, enfraquecidos, não sabem re- lismo universal, numa cisão irreparável. Pelo contrário, tudo fica
sistir e acabam sendo destruídos ou escravizados pelos invaso- sempre mais fundido em unidade, porque o egocentrismo sepa-
res. Mas eis que, neste mesmo ponto, a natureza reage, para re- ratista de cada um dos dois termos permanece sempre compen-
conduzir ao equilíbrio o desenvolvimento demasiadamente uni- sado e corrigido pelo egocentrismo oposto, sendo equilibrado
lateral. Aparece então a reação sexófila da vida, através da mu- por ele na mesma balança que os unifica. Assim a vida oferece
lher, construída para isso e encarregada dessa função. Logo de- trabalho e descanso a cada um, em rodízio, deixando um traba-
pois do movimento realizado pelos machos conquistadores, ela lhar, enquanto o outro repousa. O ciclo se inicia do negativo pa-
entra por sua vez em ação, para conquistá-los e compensar as- ra o positivo, para se inverter, depois, do positivo para o negati-
sim, com a geração de novos seres, que preenchem os vazios da vo. Na primeira metade do ciclo, o movimento começa partindo
morte, a destruição de vidas realizada por eles, trabalho de re- do negativo, representado pela necessidade que excita no macho
novação para o qual ela chama, a fim de colaborarem como (elemento positivo) uma reação positiva, conforme a sua nature-
amantes, os vencedores destruidores. Desta forma, tão logo te- za. Da necessidade (–) nasce o esforço que o macho (+) tira de si
nham sido atingidas a vitória e a conquista, a ética sexófoba do próprio, gerando a masculinização, a sexofobia, a agressividade,
macho conquistador tende a se transformar na ética sexófila do a conquista e a vitória, que representa o clímax da positividade.
macho enamorado. Todos são por instinto, nos quais falam as Atingido o cume da subida neste sentido, o fenômeno se
leis da vida, levados para este caminho. Ninguém está mais emborca, retrocedendo para o seu ponto de partida. Eis então
ansioso de gozar os frutos da vitória do que os vencedores, que que, na segunda metade do ciclo, o movimento inverso começa
72 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
partindo da saciedade e do cansaço do elemento positivo, devi- gráfico, de modo que dela possa ser aproveitado o máximo nú-
do ao esgotamento do seu impulso. Esta condição gera um va- mero. Assim, a vida abaixa o nível de existência, voltando à
zio que permite a intervenção do elemento oposto, podendo es- necessidade, que estimula um novo esforço varonil, para novas
te agora funcionar conforme a sua natureza, que é negativa. Se conquistas, e assim por diante. O resultado final dessa sequên-
o ponto de partida da precedente metade do ciclo era a necessi- cia de períodos alternados, seja do princípio masculino no seu
dade, que desperta o impulso, o ponto de partida desta sua se- esforço para a conquista, seja do princípio feminino no seu es-
gunda metade é, por sua vez, o bem-estar, que adormece. Do forço para a geração, é uma perene atividade, cujo fruto é a
repouso na paz (+) nasce a atividade que a fêmea (–), conforme continuação da vida e a sua evolução.
a sua natureza de sinal negativo, tira de si própria, gerando a ◘◘◘
feminilização, a sexofilia, a conquista do macho e a vitória do Temos até aqui explicado qual é a origem da ética sexófoba.
sexo, que representa o clímax no sentido oposto. Neste ponto, o O princípio geral é que um indivíduo ou um povo, quando pre-
ócio, o enfraquecimento das virtudes guerreiras e o aumento da cisa fazer o necessário esforço para vencer na sua luta pela vi-
população levam novamente ao ponto de partida precedente, da, tem de concentrar neste esforço as suas energias, canalizan-
dando início a um novo ciclo semelhante. do-as todas para essa finalidade, a fim de evitar qualquer des-
Chamamos de positiva a primeira metade do ciclo, e de ne- perdício, desinteressando-se assim da sexualidade, que enfra-
gativa a segunda, porque o nosso ponto de referência foi o ma- quece. Eis por que deve tornar-se sexófobo quem tem de lutar.
cho. Mas, se escolhermos como ponto de referência a fêmea, Ora, o esforço que o ser deve fazer pode não ser somente de
esta metade poderia ser chamada de positiva, e a outra metade tipo guerreiro, conquistador, como até agora observamos, mas
de negativa. Nada há, em sentido absoluto, de verdadeiramente também de outro gênero. Permanece, no entanto, da mesma
positivo e construtivo ou de negativo e destrutivo, pois cada um forma a necessidade de concentrar todas as energias num dado
dos dois elementos assume o respectivo sinal somente em rela- objetivo, que pode não ser mais a conquista bélica. Em nosso
ção ao outro, que é o seu oposto. Na substância, ambos cum- mundo, a luta pela vida assume formas mais adiantadas, como a
prem sempre uma função útil a favor e em vantagem da vida, conquista econômica. Pode-se então, sempre pela mesma ne-
porque cada um, destruindo o que o outro constrói, constrói o cessidade de fazer um esforço e canalizar todas as energias num
que o outro destrói. Isto significa que onde o macho, como lu- sentido particular, chegar à ética sexófoba não somente para
tador, destrói com as guerras as vidas que a mulher constrói, ele atingir, com a agressividade bélica, a conquista material, mas
também, com a vitória e o trabalho, constrói os recursos que, também, por exemplo, para atingir, com o trabalho pacífico, a
para viver, gerar e criar filhos, a mulher destrói. E, ao contrário, supremacia econômica, o poder comercial e financeiro, a con-
isto significa também que onde a mulher, para viver, gerar e quista e o domínio do dinheiro etc.
criar filhos, destrói os recursos que o macho com a vitória e o Vigorando sempre o princípio geral acima desenvolvido, ele
trabalho constrói, ela também, com a geração, constrói as vidas pode agora se aplicar também a um esforço de tipo diferente, di-
que o macho, com suas lutas, destrói. rigido para outros objetivos, o que leva sempre, como todo es-
Tudo isto nos mostra que dentro da natureza existe uma forço, à ética sexófoba. Encontramos essa ética ligada não so-
proporção, ou quase uma equivalência, entre a massa vital e os mente ao esforço da conquista bélica, de tipo militar imperialis-
recursos que a sustentam. Esse equilíbrio nos revela a tendência ta, mas também conexa a outros dois diferentes tipos de esforço:
da vida para transformar o bem-estar e a abundância, que repre- 1) O econômico, para trabalhar na produção de riqueza; 2) O es-
sentam o fruto da vitória das lutas do princípio masculino, em piritual, para atingir a sublimação pela superação evolutiva.
aumento demográfico. O bem-estar enfraquece os instintos de O primeiro caso é o da nação norte-americana. O segundo é o
agressividade e excita os sexuais, adormecendo o impulso de do cristianismo. Observaremos os dois porque, apesar de terem
luta da ética sexófoba e acordando o oposto, da ética sexófila, seguido caminhos diferentes, ambos acabaram na ética sexófoba,
em que funciona não mais o macho, e sim a fêmea. Neste mo- assemelhando-se nisto. Assim, depois de termos estudado as re-
mento, a vida entra na segunda metade do ciclo, no qual o obje- lações entre agressividade e sexofobia, examinaremos agora as
tivo que ela quer atingir não é mais a conquista, utilizando o relações que existem entre dinamismo produtivo e sexofobia, as-
homem, mas sim a geração, utilizando a mulher. Podemos ob- sim como entre sublimação espiritual e sexofobia. Trataremos
servar como isto se verifica nos animais, quando, pelo fato de neste fim de capítulo o primeiro destes dois casos, que diz respei-
viverem no cativeiro do homem, a sua existência é assegurada to à América do Norte, enquanto o segundo, referente ao cristia-
sem a necessidade de luta, pois a nutrição não falta, suprimindo nismo, será desenvolvido nos próximos três capítulos, porque ele
o esforço para obtê-la. Então esse estado de segurança libera as é muito mais vasto e importante, abrangendo o problema da ética
energias destinadas à luta e as canaliza para o caminho da sexu- sexual em vigor na civilização ocidental cristã.
alidade, que vemos ser despertada nos animais submetidos a es- O fato que a América do Norte nos fornece no terreno da éti-
sas condições. Um caso parecido se verifica no ser humano, ca do sexo é a prevalência nela do princípio sexófobo, como
quando ele começa a civilizar-se. aconteceu no fascismo, no nazismo e no comunismo, apesar de
Com esse método, a vida estabelece o equilíbrio demográfi- nestes, como há pouco dizíamos, ter ocorrido por razões diver-
co em relação aos recursos disponíveis. Método automático pa- sas e para atingir finalidades diferentes. Observando os fatos,
ra correção e equilíbrio „a posteriori‟, porque se trata de coleti- vemos que os Estados Unidos nos oferecem um tipo de mulher
vidades que ainda não atingiram o estado orgânico, enquanto, emancipada, trabalhadora e masculinizada, lutando no mesmo
nas sociedades animais já organizadas, a geração é regulada „a plano do homem e, às vezes, competindo com ele na corrida pa-
priori‟, em proporção aos meios de subsistência. Isto acontece ra a afirmação pessoal. Essa masculinização da mulher nos diz
por exemplo nas espécies das abelhas e das formigas, mais adi- que o princípio varonil da luta prevalece sobre o oposto princí-
antadas como unidades orgânicas do que a sociedade humana. pio feminino do sexo. Nesta condição, então, não nos encontra-
Neste caso, a natureza nos mostra um estado de controle inteli- mos na fase sexófila (de feminização do homem), mas sim na
gente da multiplicação, proporcional às reservas armazenadas, sua oposta (de masculinização da mulher). Por que aconteceu is-
representando, para a defesa da vida, uma sabedoria que o ho- so? Como e por que, neste caso, prevaleceu a ética sexófoba?
mem ainda tem de conquistar. Há duas razões fundamentais:
Eis como a vida equilibra as duas metades do ciclo: a agres- 1) A civilização norte-americana recebeu essas suas caracte-
sividade conquistadora e a sexualidade geradora, colocando o rísticas pela intransigência puritana que os primeiros emigran-
impulso da luta e o fruto da vitória a serviço do aumento demo- tes levaram às colônias da New England. Por sua vez, a atitude
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 73
sexófoba do puritanismo não é senão um caso particular daque- rado um povo rico, de elevado padrão de vida, economicamente
la assumida pelo cristianismo. Mas deste problema trataremos poderoso, mas nem por isso um povo feliz. A riqueza, sem o
separadamente no próximo capitulo. amor e tudo o que ele gera e traz consigo, não dá felicidade. O
2) A sociedade norte-americana deparou-se com a necessi- indivíduo fica preso na engrenagem da luta, sem saída. No
dade de fazer um esforço gigantesco e indispensável para a meio de toda a abundância, a alma pode permanecer na mais
conquista de um continente. Aquele povo tinha de realizar esse amarga necessidade, por falta de bondade e de carinho. Quan-
esforço para alcançar este objetivo, porque aquela terra era a do, ao invés de se juntarem por amor, os dois elementos fun-
sua pátria, procurada pela cobiça das nações europeias, que a damentais da vida – complementares e feitos para se fundirem,
reclamavam como colônia. Tratava-se de uma revolução tam- constituindo uma só unidade – ficam divididos pelo seu ego-
bém de princípios, os mesmos sustentados pela Revolução centrismo, fechados neste como rivais um contra o outro, a vi-
Francesa contra os da velha Europa, e nenhuma revolução po- da, desiludida, chora dentro deles, sobretudo na mulher, cuja
de realizar-se senão com a luta e a vitória do novo contra o ve- função específica é o amor. Não há para ela vantagem que pos-
lho. A necessidade instava e impelia a conquistar a indepen- sa compensar uma tal perda.
dência, o território e o poder político, para assumir uma posi-
ção entre as nações do mundo. XI. A ÉTICA SEXÓFOBA DO CRISTIANISMO
Tem-se aí a necessidade de ser feito o imprescindível esfor-
ço para realizar essa conquista. Mas não se trata da luta do Vejamos agora, a respeito da ética do sexo, um caso bem
guerreiro para submeter outros povos, ação que desenvolve os mais importante, encontrado no cristianismo. A sua evidente
instintos da agressividade, mas sim da atividade do trabalhador moral sexófoba responde sempre ao mesmo princípio do esfor-
para dominar um continente virgem, tarefa que desenvolve os ço necessário para realizar qualquer conquista. Vigora então,
instintos da laboriosidade. Urgia a necessidade de vencer. Im- também neste caso, que parece tão diferente, o mesmo princípio
punha-se, dessa forma, a atuação do princípio já acima desen- biológico fundamental pelo qual, quando a luta pela vida o exi-
volvido, pelo qual um indivíduo ou povo, quando precisa se es- ge, é necessário canalizar neste sentido as energias, para que
forçar para obter uma conquista, tem de canalizar todas as suas elas não sejam desperdiçadas por outros caminhos, sobretudo o
energias no sentido da luta, deixando de lado o restante e, as- erótico. Neste caso também, se a forma é diferente, a substância
sim, abandonando a forma mental sexófila. Então tudo se mas- é a mesma. Podemos assim compreender quais foram as pri-
culiniza, inclusive a mulher, e prevalece a ética sexófoba do lu- meiras origens e explicar o fenômeno dessa atitude sexófoba do
tador, enquanto, no caso oposto, quando o bem-estar não exige cristianismo nas suas formas de catolicismo, protestantismo etc.
esforços para a conquista, tudo se feminiza, inclusive o homem, A diferença entre a atitude sexófoba das revoluções acima
e prevalece a ética sexófila do amante. mencionadas (francesa, fascista, nazista, comunista etc.), resul-
Os Estados Unidos se encontram num caso que, apesar de tante da sua agressividade expansionista, a atitude dos norte-
diferir na forma, é em substância igual àquele do lutador guer- americanos, resultante da concentração de todo o esforço na
reiro. Eles tiveram de enfrentar o esforço de todas as revolu- atividade produtora, e atitude puritana do cristianismo, está no
ções, como a francesa, a fascista, a nazista e a comunista, por- fato de que, neste último caso, a concentração das energias ne-
que os princípios da vida funcionam iguais para todos. Há no cessárias para sustentar a luta não está dirigida para a conquis-
caso, porém, uma grande diferença, pois, em vez de tomar a ta bélica ou econômica, mas sim para a conquista espiritual. Os
forma de agressividade guerreira, dirigindo-se para a conquista elementos e a técnica do fenômeno são iguais, mas o objetivo é
de outros países e o domínio sobre outros povos, o esforço nor- diferente. Esta última também é uma dura conquista, que re-
te-americano tomou o caminho do trabalho produtivo, orien- quer muito esforço. Daí a necessidade de praticar a ética do
tando-se para a atividade econômica, a fim de atingir a riqueza puritanismo sexófobo, a fim de canalizar neste caso também,
e elevar o nível de vida. tal como nos outros dois, todas as energias somente para o ob-
Assim, pode-se explicar a presença do puritanismo sexófo- jetivo a atingir, evitando qualquer desperdício, que seria fra-
bo e a posição social da mulher nos Estados Unidos. A luta não queza imperdoável. Isto nos mostra como as leis biológicas
foi para a conquista bélica, mas sim para o dinheiro. Foi a ado- dominam toda a vida, mesmo quando esta assume aspectos re-
ração do sucesso econômico que tomou o lugar da adoração da ligiosos de sublimação espiritual.
feminilidade. O impulso do sexo foi absorvido pela febre de Desta vez, o grande inimigo a vencer, contra o qual se lan-
trabalhar para o progresso e a supremacia econômica. Em pri- ça o instinto de luta e agressividade, não são outros povos ou
meiro lugar estava não a agressividade bélica, mas a suprema- o ambiente hostil, mas sim a própria natureza humana, ainda
cia do dólar. Chegou-se deste modo, como efeito da luta para a submersa na animalidade. Então o conteúdo fundamental que
conquista do dinheiro, ao triunfo da ética sexófoba, que tam- explica, justifica e valoriza o princípio sexófobo dentro do
bém é o resultado final equivalente da outra forma de luta, diri- cristianismo é o conceito de sublimação espiritual. E não se
gida à conquista bélica. Trata-se sempre de um esforço que exi- pode dizer que isso seja biologicamente errado. Pelo contrá-
ge a canalização das energias num dado sentido, subtraindo-as rio, o processo de espiritualização interessa de perto à vida,
às outras finalidades. Prevaleceu então a forma mental do traba- porque ele significa progresso ao longo do caminho da evolu-
lho em detrimento da sexófila, que foi absorvida. ção, que, nos seus níveis mais elevados, resolve-se em espiri-
A raça foi assim submetida a um processo de masculiniza- tualidade. Mesmo sendo elevado, este objetivo não pôde, con-
ção, do qual nasceu o biótipo da mulher norte-americana. Evol- tudo, impedir que a tentativa para realizar tal transformação
vida nesse processo, ela tomou parte na corrida para o sucesso, evolutiva fosse executada com os meios disponíveis e ao al-
fazendo dele o seu objetivo principal e desabafando suas ener- cance das mãos do homem, conforme sua forma mental de lu-
gias na forma de trabalho, que substituiu a atividade e as quali- tador e os seus inferiores instintos animais. Aconteceu então
dades naturais da feminilidade. A mulher se tornou econômica que, para superar a animalidade, ele começou a agredi-la, a
e socialmente independente, livre da sua habitual e natural fim de destruí-la, praticando contra ela uma guerra na qual os
submissão ao homem. Mas, se ganhou de um lado, não pôde instintos inferiores funcionavam em cheio e, assim, sem que-
deixar de perder de outro. Conquistou respeito, liberdade e po- rer, confirmando-a e fortalecendo-a, em vez de eliminá-la. O
der, mas perdeu a sua posição de rainha no domínio do amor, processo se revelou contraproducente, porque, tornando-se
que, se interessa ao homem, é também fundamental para a mu- uma atitude de autoperseguição, muitas vezes, ao invés de le-
lher. Essa transformação da sexofilia em sexofobia pode ter ge- var ao progresso resultou num desvio.
74 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
Assim o resultado final foi que, para vencer a animalidade, mas, haja sido escolhido exatamente este para ser definido, dei-
acabou-se fazendo funcionar plenamente a animalidade. Mas xando em suspenso tantos outros, espiritualmente mais impor-
como podia o ser humano atuar diferentemente, se esta era a tantes e urgentes para o indivíduo e para a coletividade. A di-
sua natureza e ele não possuía outros recursos? Não conseguin- vindade de Cristo não precisava do apoio desse dogma para se
do sair do nível dos instintos, tudo o que ele fez foi lançar o seu sustentar. Se, em primeiro lugar, surgiu esse problema no inte-
instinto de agressividade contra os impulsos do sexo. Quando lecto masculino dos representantes do cristianismo, isto ocorreu
ele enfrentou o problema da evolução espiritual, não soube e como reflexo dos instintos que queimavam aninhados no sub-
não pôde utilizar senão a forma mental que já possuía, constitu- consciente, onde o impulso do sexo, apesar de estar escondido,
ída da luta pela vida. Foi assim que, chamada a funcionar, essa é mais vivo e ativo. O subconsciente é uma mina secreta de im-
psicologia instintiva de ferocidade, em vez de ser vencida e pulsos inferiores, assimilados na vida animal do passado, sem-
eliminada, fortaleceu-se. Dessa forma, procurando-se a evolu- pre prontos a aparecer no intelecto, disfarçados em forma mais
ção espiritual, foram atingidos resultados contrários. Pela con- nobre, para satisfazer a consciência e assim, sendo admitidos,
centração de toda a atenção e esforço na guerra contra o inimi- conseguirem desafogar-se. Não há dúvida que, se os ministros
go, representado pelos instintos inferiores, quem se valorizou do cristianismo, em vez de pelo biótipo homem, tivessem sido
foi o próprio inimigo, que acabou sendo o grande pesadelo da representados pelo biótipo mulher, que concebe o amor na for-
vida espiritual da Idade Média. Mas, naquele tempo, era desco- ma passiva de silêncio, tal problema a respeito da mãe de Cris-
nhecida a crítica da psicanálise, para que fosse possível aperce- to, em vez de ter sido um dos primeiros a ser resolvido, haveria
ber-se da verdadeira natureza de tais fenômenos. sido enfrentado por último, ou mesmo nunca.
Nasceu assim, devido a esse impulso de agressividade e es- Mas desses involuntários jogos de ilusão da mente os ho-
sa psicologia de perseguição, o conceito de amor-culpa, ou se- mens da Idade Média, desprovidos de qualquer crítica psicoló-
xo-pecado. O instinto de luta (sexofobia) prevaleceu sobre o gica, nada suspeitavam, caindo neles com pleno convencimen-
instinto do amor (sexofilia). O divino milagre da gênese foi to da verdade. Percebe-se claramente que, neste caso, o pro-
condenado e repelido como um mal. O ser humano tornou-se fi- blema foi resolvido pelos homens, com a forma mental do ma-
lho de um pecado, só tolerado como indispensável meio de ge- cho, segundo a qual a condição mais imediata para uma mulher
ração e reduzido apenas a essa finalidade. Assim, para atingir a permanecer respeitável é o seu afastamento da presença de
sublimação do amor, foi estimulado e reforçado o instinto de qualquer outro macho, principalmente neste caso, onde a mu-
agressividade, que levou vantagem sobre o outro. Vamos, as- lher deveria ser honrada e venerada com amor, como santa, ato
sim, penetrando na estrutura do mecanismo biológico e psico- impossível para um homem praticar, quando algum outro já se
lógico que originou a atitude repressiva sexófoba do cristianis- tenha aproximado dela, o que significa tê-la sob domínio, con-
mo, da qual nos é possível deste modo compreender a gênese e dição pela qual só ele é o proprietário, sendo considerado furto
a razão de ser. Fenômeno interessante, pois essa atitude repre- a aproximação de qualquer outro. Neste caso é prontamente
senta um fracasso em termos espirituais, uma vez que, neste ca- despertado o instinto fundamental da luta pela seleção, bem
so, em vez de levar à ascensão, isto é, ao progresso evolutivo, vivo e difundido, porque os indivíduos que mais o praticaram e
alcançou o resultado oposto, ocasionando uma descida aos im- assimilaram através de suas experiências reproduziram-se em
pulsos inferiores combatidos pelo cristianismo, ou seja, um re- maior número. Eis o substrato psicológico desse problema da
trocesso involutivo. Sem querer, a religião havia penetrado e gênese de Cristo. Esta é a realidade biológica oculta que rege e
mexido no sensível terreno de um dos mais fundamentais pro- impulsiona tudo por detrás das aparências teóricas. Para tran-
blemas da vida: a evolução, tocando um dos seus pontos mais quilizar o instinto do subconsciente masculino, sempre pronto
nevrálgicos, justamente o fenômeno do sexo, ao redor do qual a impor-se, surge a necessidade da castidade de São José, pai
mais refervem todas as lutas, sobretudo a luta para a seleção. E ideal, que não deve possuir os direitos do homem, dando ori-
tudo isto o cristianismo da Idade Média fez sem conhecimento gem à ideia de um substituto espiritual, com a concepção por
algum das leis biológicas e psicológicas que regem tais fenô- intermédio do Espírito Santo.
menos, ignorando a ação do subconsciente e a técnica da for- É possível, como neste caso, atingir um acordo universal
mação dos instintos, seguindo apenas princípios empíricos, por espontâneo consentimento coletivo, quando este se refere
desprovidos de qualquer controle racional, sem qualquer co- a uma ideia que tem as suas raízes profundas no subconscien-
nhecimento dos métodos da psicanálise e da psico-síntese. te das massas, onde os indivíduos funcionam em série e é fácil
É perigoso esquecer que atrás dos bastidores, das aparên- chegar assim à aprovação da maioria. Esta aprovação, em ge-
cias exteriores e das teorias religiosas e filosóficas há uma in- ral, não é resultado raciocinado do conhecimento, mas apenas
vencível realidade biológica, cuja reação é inevitável, quando um produto descontrolado do subconsciente. Neste caso, invo-
ofendemos as suas leis, às quais não se pode ignorar sem ter luntariamente, apenas se idealizou e se legitimou o desabafo
depois de pagar as consequências do erro. Mas essa realidade é de um instinto, afirmando-se energicamente que a mulher é
a chave para nos explicar o porquê de tantos fatos que depois, profana, quando ela se aproxima de qualquer outro homem
sem sabermos como, aparecem na vida. A razão do fenômeno que não seja o próprio sujeito. No fundo reaparece sempre a
da sexofobia tem raízes profundas na estrutura das leis bioló- mesma realidade biológica, em que é fundamental o instinto
gicas e da psique humana, que, sendo levada por seu egocen- da luta pela conquista e exclusividade sexual, fato do qual de-
trismo (tudo só para si) à rivalidade ciosa na posse, está, por riva a sexofobia, dirigida contra todos os outros, mas em favor
isso, sempre pronta a lutar contra todos, sobretudo pela posse de si próprio. Não há teologia que possa paralisar esse impul-
sexual, reservada aos mais fortes, conforme a lei da seleção. so pelo qual cada macho é rival do outro e cada fêmea é rival
Essa é a realidade biológica situada no fundo desses proble- da outra. A sexofobia é também um derivado subconsciente
mas, muitas vezes despercebida. Essa é a verdade escondida do instinto de rivalidade (ciúme). Cada um é sexófobo para
por trás das afirmações humanas, mesmo quando elas sobem com os outros, mas não para consigo próprio.
até ao plano filosófico, religioso e teológico. Ninguém é culpado nem condenável por isso, pois este
Um exemplo nos pode esclarecer melhor. Observemos no comportamento significa apenas que, apesar do cristianismo,
cristianismo, com todo o respeito, mas com olhos de psicanalis- ainda não se conseguiu superar este nível evolutivo do animal
ta, o caso da proclamação oficial da virgindade da mãe de Cris- humano, onde vigora o princípio da luta, pelo qual a satisfação
to. Somente a grande importância do instinto sexual, fundamen- sexual deve constituir prêmio só para quem deu prova de ser
tal no subconsciente, pode explicar como, entre tantos proble- mais forte que os outros, vencendo-os na conquista da fêmea. O
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 75
que mais interessa à vida nesse plano é chegar à seleção desse almente agressiva e antivital. Mas, se é fácil condenar, lançan-
biótipo, ao qual, mais do que a todos os outros, pertence o direi- do a culpa aos outros, isto não explica nem resolve nada.
to de se reproduzir. Os demais que sejam expulsos do banquete. Cada moeda tem o seu reverso. Quem de fato resolve esses
Os fracos têm de desaparecer. casos é a maioria com a sua forma mental, filha dos seus instin-
◘◘◘ tos, que obedecem às leis biológicas vigorantes no nível evolu-
Vão surgindo assim as razões desta atitude sexófoba e as tivo em que o ser vive. É o peso enorme da maioria que, se-
causas biológicas deste instinto repressivo contra os outros, im- guindo o seu subconsciente, estabelece as correntes de pensa-
pulsos próprios também dos homens das religiões, porque nin- mento e os pontos de concordância, determinando o que é ver-
guém pode evadir-se das leis do seu plano de vida. E neste seu dade. E, quando a verdade chega à realidade através da revela-
plano eles permaneceram, apesar de vislumbrarem de longe um ção, a massa humana a interpreta, transformando-a e adaptan-
mundo superior e procurarem na sublimação espiritual a supe- do-a para si, porque, de outro modo, ela não seria utilizável. Pa-
ração e a libertação. Exceto pelo que ficou nos domínios do so- ra o cristianismo sobreviver, ele teve de aceitar essa adaptação.
nho, as virtudes tornaram-se na realidade muito mais uma pre- Trabalho despercebido e absolutamente de boa fé, porque fruto
gação para os outros e uma caça ao pecador, do que propria- dos impulsos instintivos do subconsciente, onde a sabedoria da
mente um desejo de realizar a própria sublimação. vida, fora do conhecimento consciente dos seres humanos, pro-
Disto não se pode culpar o cristianismo. Trata-se aqui da curou resolver o contraste através de um compromisso de adap-
transformação de um biótipo do mundo. E se ela representa o tação. Para que isto não acontecesse, seria necessário uma mai-
objetivo principal das religiões, nem por isso deixa de constituir oria de santos. Mas, já que ela não existe, que mais se poderia
um trabalho longo e difícil, que se realiza na profundidade do esperar de uma maioria de involuídos?
fenômeno biológico, renovando-o no seu ponto mais central e Não há dúvida que o Evangelho representa a lei da liberda-
substancial. Aconteceu então que, dentro do cristianismo, ves- de e do amor. Mas a humanidade não estava pronta para isso.
tidos com a nova roupa de cristão, permaneceram tanto o bióti- Como se pode conceder liberdade a quem não sabe senão apro-
po do guerreiro romano, enfraquecido, como o do bárbaro do veitá-la para lançar-se no abuso? Para quem possui apenas o
norte, não enfraquecido, sendo ambos grandes lutadores e não instinto de revolta, é necessário salientar não a bondade de
podendo oferecer senão aquilo que possuíam, ou seja, o seu ins- Deus, mas sim o seu poder punitivo, com a ameaça do inferno.
tinto de agressividade, o qual eles deixaram prevalecer também O Evangelho é amor. Mas a única forma de amor normalmente
no terreno do cristianismo, na forma de perseguição sexófoba. conhecida e concebível era o amor carnal, fruto da experiência
Isto não quer dizer que o princípio da sublimação em vigor imediata, e não o amor espiritual para Deus e para o próximo,
no cristianismo não seja ótimo. Ele corresponde perfeitamente que é considerado natural inimigo pelo egocentrismo instintivo
às leis da evolução biológica. Mas, exatamente por isso, pres- de cada um. Se, para as massas, o amor não pode ser senão de-
supõe indivíduos evolutivamente maduros, prontos para pode- sabafo e sexualidade animal, então não se pode permitir o
rem dar esse salto à frente. A menos que se tenha o estofo ne- amor, mas apenas exigir a castidade. Se o ideal está no espírito
cessário, quem poderá fazer isso? Não há dúvida que, neste e se este permanece inatingível, porque a vida humana está
sentido, o cristianismo produziu exemplos maravilhosos de he- concentrada toda no corpo, então nos lançamos com toda a nos-
róis do espírito, nos grandes santos, lutadores e vencedores des- sa ferocidade contra este corpo, pois não conhecemos outro
se terreno. Mas eles foram, antes de tudo, fruto da vida, que ne- caminho para atingir o espírito. Não se pode negar, apesar da
les atingiu o grau de amadurecimento necessário. Chegaram sua falência, a potência e a beleza desse esforço titânico, dessa
depois as religiões, que os enquadraram nos seus princípios e os desesperada tentativa de superação em que foi envolvida a Ida-
assimilaram, transferindo-os para o seu seio. A sua glorificação de Média, povoada de delinquentes e de santos.
chegou posteriormente, como consequência da sua vida, que Na teoria, a palavra amor tinha um sentido, mas, na prática,
era por sua vez consequência da sua natureza. Onde esta não se ela tinha outro bem diferente. Na luta entre o amor espiritual e
encontrava, as religiões geraram apenas seres medíocres. O re- o material, o segundo era o mais forte. E deste lado estavam
conhecimento oficial não representa senão a última fase do fe- todos os instintos, que representavam o impulso maior. O con-
nômeno, na qual o mundo dá prova de ter percebido a presença traste entre os dois mandamentos, o da natureza física e o do
de um ser superior, o que de resto nem sempre acontece, apesar espírito, era intenso, sendo a guerra inevitável. Mas nem todos
da vida produzi-los em todos os tempos e lugares. eram santos para conseguir vencê-la em favor do espírito, e
O cristianismo aceitou e confirmou muitos desses seres ex- muitos a perderam em favor da animalidade ou, pior ainda,
cepcionais. Mas, se eles viram o lado positivo e construtivo das evadiram-se da luta por desvios e substitutos, nos quais estão a
virtudes e foram criadores poderosos no terreno dos valores es- base dos muitos complexos e formas psicológicas torcidas e
pirituais, a grande massa do povo, por não ser nada amadureci- aberrantes que atormentam os cidadãos da nossa civilização
da, rebaixou tudo a seu nível e, da sublimação espiritual, viu moderna. A falência do ideal cristão neste terreno está no fato
apenas o lado negativo, de perseguição contra a animalidade. de que, em vez de realizar uma revolução espiritual do amor,
Por esta ser representada pelo corpo, que é tudo quanto o involu- indo ao encontro da vida, ele tomou uma atitude negativa ou
ído conhece, ele transformou as renúncias das virtudes não em de perseguição contra o maior impulso vital da existência: o
um meio para evoluir, mas numa moral de agressão, num impul- amor, indo de encontro à vida. O erro e o prejuízo no terreno
so de destruição contra a vida, seguindo a tendência dos seus biológico foi que, neste caso, o esforço humano, em vez de se
instintos, que representava o caminho mais curto e menos difícil. dirigir no sentido evolutivo, ou seja, positivo e construtivo, di-
Foi assim que o sexo se tornou sinônimo de pecado e a cas- rigiu-se no sentido involutivo, ou seja, negativo e destrutivo.
tidade, uma regra ideal de vida. A agressividade, desta vez diri- Em vez de se chegar ao paraíso de um amor sublimado, che-
gida não contra um inimigo para a conquista bélica, mas contra gou-se assim ao inferno da negação e da perseguição de todo o
si próprio e os semelhantes, gerou uma ética sexófoba e repres- amor. Por esse caminho de destruição não foi possível chegar
siva, nos antípodas do espírito do Evangelho, com consequên- senão ao vazio, onde puderam crescer e prosperar os instintos
cias às vezes opostas às que este queria atingir, resultando em egocêntricos da luta e da agressividade, os maiores inimigos
desvio e retrocesso involutivo, em vez de progresso evolutivo. do Evangelho e de qualquer progresso alcançado através da
Os inimigos do cristianismo salientam este fato como de devas- organização coletiva da sociedade humana. Repetimos que isto
tação milenária, que abrange toda a Idade Média, cujos efeitos não foi culpa do cristianismo, porque o objetivo estava certo.
até hoje atormentam a sociedade moderna com uma ética sexu- A culpa foi do animal humano, que, para evitar o obstáculo,
76 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
procurando atalhos e escapatórias, afastou-se do caminho, impulso para a ascensão e a correspondente evasão mística do
caindo em desvios e becos sem saída. Assim, do ideal religioso sexo se tornou, muitas vezes, uma contorção da verdade e
ficou somente o seu aspecto antivital, feito de virtudes negati- uma depravação dos instintos.
vas e de moral opressora, porque a destruição do inferior não A atitude de ferocidade repressiva era natural e passava des-
foi compensada com a construção do superior para substituí-lo. percebida na Idade Média, porque estava proporcionada à insen-
Difícil e longo é o trabalho de domesticar no homem o animal, sibilidade da maioria e não chocava como hoje choca a nós to-
e o cristianismo encontra-se ainda no começo. dos, que podemos percebê-la por nos encontrarmos na diferente
◘◘◘ posição de mais sensibilizados. Por isso somente hoje surgiu tal
Foi como consequência de todos esses fatos que o cristia- contraste, que nossa atual percepção permite enxergar. O con-
nismo assumiu uma atitude sexófoba. O anseio de sublimação, ceito da sublimação dos instintos se tornará sempre mais com-
em vez de ser incremento de vitalidade em favor do espírito, preensível, à medida que a humanidade for evoluindo. Mas de-
acabou, pela imaturidade da maioria, sendo dirigido como via ser coisa difícil entendê-la num mundo herdeiro dos pagãos
agressividade antivital contra o corpo, canalizando sem querer romanos e dos ainda mais pagãos bárbaros invasores. É lógico
as energias, comprimidas pela falta de desafogo sexual, no sen- que os primeiros passos para a superação no sentido cristão não
tido da ferocidade perseguidora, da doença mental, dos com- podiam tomar senão a forma de luta para subjugar, que represen-
plexos psicológicos, dos instintos torcidos e dos desvios eróti- tava o universal método de vida. Se o ideal impunha domesticar
cos substitutos, em lugar de canalizá-las no sentido da subida. no homem a fera da animalidade, a primeira coisa a fazer era
Por detrás das teorias teológicas, o que vigorou de fato foi submetê-la à força. Este era o modelo psicológico dominante na
a ética do subconsciente, na qual se procurava desabafar ce- forma mental do ser humano naqueles tempos. Eis como o prin-
gamente, às escondidas, os impulsos dos instintos, torcendo cípio da sublimação espiritual, apesar de não conter em si nada
aquelas teorias para cobrir-se com elas e justificar-se, ou en- de agressivo, transformou-se num sistema de guerra.
tão buscando escapatórias. Hoje, a psicanálise nos revelou a Mas não podia acontecer de outro modo. Nesta primeira fa-
verdadeira origem de tais atitudes e ilusões psicológicas. As- se, como primeiro degrau da subida, espírito e corpo estavam
sim, o programa cristão de sublimação espiritual se tornou longe demais um do outro, para que fosse possível concorda-
por vezes uma estratégia contra a vida, originando nela todas rem colaborando. Tratava-se de terríveis inimigos entre si, tanto
as reações consequentes. Desta luta contra si mesmo, poucos mais que o espírito procurava tirar a vida ao corpo, para deslo-
saíram vencedores, mas muitos ficaram torcidos, feridos e car seu centro a um nível mais alto. É necessário entender que,
mutilados, condições que, pela repetição milenária, fixaram- para o ser vivendo no plano físico, a vida espiritual representa a
se como qualidades na raça, gerando o biótipo atual da nossa negação e a morte daquela sua forma de existência. É natural,
sociedade neurótica. Podemos, assim, compreender a causa então, conforme a economia da vida, que o corpo não queira
desse seu estado, sobretudo nos países mais civilizados do morrer e reaja em legítima defesa, quando a evolução para o
mundo ocidental cristão. espírito se apresente numa forma de agressão destruidora. E o
O objetivo ideal era a sublimação espiritual, mas o que corpo, com a sua animalidade, sabe muito bem fazer a guerra,
prevaleceu de fato foi o instinto de luta. Sem dúvida não há lu- que está no centro dos seus instintos vitais, e pode fazê-la, por-
ta que não sirva para desenvolver a inteligência, uma das mai- que ele se encontra na plenitude do seu plano, no mundo físico,
ores finalidades da vida. Mas, aqui, a inteligência se aguçou e sua pátria e seu terreno, sendo aí, por isso, mais forte que o es-
aperfeiçoou no sentido dos imaturos, para um nível mais bai- pírito, que não é ali senão um pobre desterrado.
xo, da astúcia e da mentira, utilizadas como meios de ataque e Estas são as duas dificuldades que os primeiros dois milê-
defesa, sendo isto, num regime de luta, o que mais interessava. nios de cristianismo tiveram de superar. Hoje, que este pri-
Se o mundo dos séculos passados tivesse conhecido as exigên- meiro degrau foi galgado, vislumbra-se a possibilidade de um
cias absolutas das leis da realidade biológica, teria compreen- trabalho espiritual mais requintado, todo ele pacífico, sem a
dido que era melhor procurar uma aproximação gradual da guerra e suas respectivas consequências, um trabalho de cola-
atuação do ideal, fazendo a animalidade evoluir, em vez de boração entre os dois termos opostos, e não mais de inimiza-
agredi-la para destruí-la; respeitando a natureza, em vez de de. Então o corpo, domesticado por um cérebro mais inteli-
forçá-la; passando pelo caminho do aperfeiçoamento natural gente, torna-se obediente instrumento do espírito, para ajudá-
do amor, desde os seus níveis inferiores; ajudando a evolução, lo numa obra de progresso, que conduz à vantagem comum.
em vez de oprimi-la, para não excitar assim as perigosas rea- Já falamos em outro lugar que a ética é relativa e evolui. É ló-
ções da vida, que, quando ofendida num dos seus pontos mais gico, então, que a nossa ética seja diferente da ética da Idade
importantes, é constrangida a se revoltar. É lógico que, de uma Média, porque o plano evolutivo em que o homem vive hoje
tal ignorância das leis biológicas e psicológicas nos séculos te- não é o mesmo do passado. A psicologia medieval hoje nos
nebrosos da Idade Média, mais não se podia exigir. Todavia as aparece feroz, porque somos diferentes e compreendemos o
consequências de tal ignorância pesam até hoje sobre a estrutu- quanto ela seja contraproducente, o que não era concebível
ra psicológica da sociedade moderna. naquele tempo, pois ela parecia bem natural para quem possu-
Teria sido melhor enfrentar o problema da sublimação dos ía aquela forma mental. Ninguém se escandaliza ou se ofende
instintos com mais inteligência e sinceridade, para resolvê-lo com algo que corresponde à sua natureza, pois isso somente
honestamente, com conhecimento, levando em conta as exi- sucede quando nos encontramos numa posição diferente.
gências fisiológicas. Assim, para suprimir tudo, exigindo de- Pela mesma razão, a ideia de um inferno eterno – que era
mais, o ser se enredou nas areias movediças do fingimento. necessária em outros tempos, porque o ser irracional não obe-
Desenvolveu-se e aperfeiçoou-se então o método da hipocri- decia senão pelo receio do seu próprio dano – hoje convence
sia, por meio da qual, fazendo-se aparentemente puros, procu- cada vez menos e, por isso, torna-se tanto mais contraproducen-
ra-se, por caminhos oblíquos, escapar furtivamente da agres- te quanto mais o homem aprende a raciocinar. Não é com a se-
sividade sexófoba dos pregadores de virtude. Explica-se, as- veridade das punições, sejam elas civis ou religiosas, que se
sim, como nasceu o tipo de moral vigorante no mundo atual, pode eliminar o mal e civilizar o mundo. Temos visto quais os
herdada desse passado, pela qual os sinceros e ingênuos, cain- resultados que produziu o sistema do terror civil e religioso na
do em erro visível, são condenados, enquanto os astutos, que Idade Média. A humanidade evoluiu não graças a ele, mas sim
sabem representar a comédia da virtude, vão para o céu. Ex- apesar dele. A imposição dá origem a uma reação defensiva, e
plica-se, deste modo, como é que, nos resultados práticos, o não ao comportamento desejado; gera, como defesa, a mentira,
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 77
ao invés de sinceridade e verdade; produz a revolta, e não a co- les mais fracos, que a vida, com a luta pela sobrevivência, pro-
laboração. A obediência obtida pela força é traidora, como cura eliminar. Quem de fato venceu no terreno biológico não
aquela arrancada do escravo que, odiando o patrão, espera foram as meigas ovelhas, mas os lobos ferozes, os rebeldes que
qualquer oportunidade para se rebelar. não se deixaram submeter, os inteligentes que souberam trans-
Aquele método, porém, foi útil no seu tempo, porque, com formar a força em astúcia, vencendo com o engano. Foram es-
a punição, começou a estabelecer-se uma conexão de ideias tes os que triunfaram, porque eram os mais providos de quali-
entre o ilícito e o dano. Pelo fato de, todas as vezes que ocorria dades para vencer na luta pela vida. Realizou-se assim, no cris-
a desobediência, aparecer o sofrimento, as duas ideias começa- tianismo, a comum seleção biológica, que representa para ele,
ram a ficar ligadas uma a outra no subconsciente. Então, cone- porém, uma seleção involutiva, às avessas, resultando na fa-
xa com o mal, surgiram as ideias de medo, remorso, culpa, ar- lência dos seus ideais. Assim, o biótipo inferior do AS venceu
rependimento e de consciência do mal cometido, iniciando en- contra o superior do S, que apareceu só em casos excepcionais,
tão uma forma de educação. Assim, a desobediência levava a nos santos, fora da realidade comum.
um estado psicológico de insegurança. Todo erro se tornou pe- A substância da vida ficou sendo a luta feroz (Maquiavel),
cado, gerando culpa, fato que despertou por si mesmo o medo com a prevalência daqueles que, não acreditando de forma al-
da desobediência e, com isso, um sentido de responsabilidade guma na sublimação espiritual, utilizaram a religião para sua
individual. Foi por esse caminho que o ser, pelo hábito, foi vantagem material, estabelecendo uma escola de hipocrisia,
acabando com os velhos instintos da fera, para substituí-los por ainda vigente até hoje.
novos instintos, menos atrasados. Já explicamos em outro lu- ◘◘◘
gar que a longa repetição gera automatismo e, com isso, a as- Estamos observando a atitude do cristianismo medieval por-
similação no subconsciente de novas qualidades, que constitu- que, nela, encontram-se as raízes que deram origem ao atual es-
em depois os novos instintos. É assim que, armazenando expe- tado da sociedade moderna na civilização ocidental de origem
riências com a vida, o ser vai evoluindo. cristã, dando-nos a explicação dele. Podemos assim compreen-
Estamos observando o verso e o reverso do problema, para der como nasceram a forma mental e a respectiva ética hoje do-
conhecê-lo de todos os lados. Foi assim que o mundo medie- minante, em vigor na substância, e não na aparência, manifesta-
val se enredou no culto terrorista do diabo, mais que no culto da nos fatos, e não nas teorias, que sustentam outra verdade.
vivificante do amor de Deus. Muitas energias se canalizaram Temos falado de hipocrisia, mas, se a sabedoria das leis da
para a negatividade destruidora, num caminho às avessas, pa- vida permitiu que ela aparecesse e se fixasse na realidade bio-
ra o AS, em vez de se dirigirem para a positividade construto- lógica dos fatos, é porque a hipocrisia cumpre uma função que
ra, que representa o caminho direto para o S. Obteve-se assim justifica a sua presença. Por que razão, então, ela surgiu, desen-
um movimento oposto, involutivo, e não evolutivo; de tortura, volveu-se e existe em nosso mundo?
e não de sublimação do espírito; para triunfo de Satanás, e não Não há dúvida que a evolução humana progride para a su-
de Deus. Chegou-se então a uma religião de opressão e sofri- blimação espiritual, sustentada pelo cristianismo. Mas trata-se
mento, em vez de alegria e satisfação. E o homem, quando de um cume a ser atingido, sendo necessário desenvolver paula-
queria alívio, bem sabia onde encontrá-lo, buscando os gozos tinamente a inteligência, um grau após o outro. Ora, o cristia-
materiais da animalidade fora da religião, indo contra os prin- nismo, indicando desde o início o ideal supremo, colocou-se em
cípios por ela pregados. absoluto contraste com a realidade da vida, que existe e quer
Nasceu assim, no seio do cristianismo, um outro mundo continuar existindo no seu terreno de nível inferior, bem afasta-
completamente anticristão, nos antípodas daquele pregado por do daquele cume. Torna-se inevitável, então, o choque entre o
Cristo. Contra o Deus da bondade, do perdão e do amor, pre- ideal e os fatos, duas exigências opostas dentro da vida, daí a
valeceu o Deus da vingança, da punição e do terror, dominan- necessidade de conciliá-los de qualquer maneira, resolvendo o
do a religião da inquisição, das fogueiras, dos feiticeiros, das conflito na prática, para que seja possível viver.
bruxarias e do inferno com os seus diabos. A sublimação mís- O problema está no fato de que a realidade biológica ba-
tica se tornou uma forma de perseguição sádica do corpo, com seia-se na luta para a seleção do mais forte. Ora, como prover a
todos os seus castigos infligidos à carne (penitência, flagela- necessidade de lutar, quando o cristianismo corta as garras à
ção, cilícios). Dessa repressão sexófoba não só nasceram os fera e lhe tira todas as armas de defesa? Então, o que pode fa-
erotismos torcidos, degenerados no sadismo e no masoquis- zer o cristão, se ele, assim, fica desprovido dos meios indis-
mo, mas também, explodindo dos instintos comprimidos e pensáveis para sobreviver num mundo cujo fundamento é a lu-
corrompidos, as psicoses individuais e coletivas. Isto por se ta? A vida, no seu conjunto de massas humanas, não pode
ter, à força, exigido demais de indivíduos imaturos, sem com- aceitar a posição do cordeiro que se oferece em sacrifício so-
preender que a sublimação do espírito não se pode atingir mente para engordar os lobos vorazes.
agredindo a vida para destruí-la, mas somente educando-a e Então o homem, preso dentro desta armadilha, tem de
ajudando-a a elevar-se. Nasceu assim um cristianismo às aguçar a sua inteligência para encontrar uma solução. Assim,
avessas, que não vai ao encontro da vida, construindo, mas de ele começa a galgar o primeiro degrau neste novo sentido. Até
encontro a ela, destruindo. Prevaleceram, assim, disfarçadas agora tratou-se apenas de força bruta e estúpida, ou, quando
como do bem, as forças do mal. Não se pode destruir o amor muito, dirigida com astúcia. Neste ponto da sua evolução, o
sem destruir o impulso fundamental da existência, pois isto homem tem de deixar a força de lado, para substituí-la por um
significa ir contra Deus. Por esse caminho chega-se ao suicí- instrumento mais sutil: a inteligência. Todavia trata-se ainda
dio, e não à elevação espiritual. Não há dúvida que a tarefa de uma inteligência primitiva e míope, que vence no momen-
fundamental da evolução é sublimar esses impulsos, mas que- to, obtendo a vantagem imediata na luta, mas que perde no
rer destruí-los é um grande erro, que se paga caro. longo prazo a batalha maior, de vastos resultados. Desenvol-
Por detrás dos bastidores das aparências e das verdades ve-se deste modo a inteligência da astúcia e do engano, como
proclamadas pelas teorias religiosas, foi vigorando uma verda- a encontramos em nossa civilização atual. Mais não pode
de diferente, a feroz realidade da vida, feita de luta desapieda- compreender e melhor não pode fazer um ser ainda fechado
da para o triunfo do mais forte. Quem mais sofreu com a atitu- no seu egocentrismo. É lógico que ele terá de sofrer todas as
de de agressividade antivital foram os sinceros, honestos e consequências dolorosas desse método ainda imperfeito. Mas
obedientes, mais sugestionáveis e prontos para aceitar a verda- o sofrimento está aí exatamente para cumprir a sua função,
de que lhes é oferecida. Biologicamente, porém, eles são aque- que é ensinar a quem ainda não sabe.
78 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
Na substância, evolução biológica e sublimação espiritual qual o lobo é prontamente revelado, para se usar em seu lugar a
são a mesma coisa. Esses são os primeiros passos no caminho astúcia, por meio da qual o lobo pode esconder-se nas aparên-
da subida. Trata-se de transformar o mundo da matéria no do cias de cordeiro. É assim que, em nossa sociedade, tornaram-se
espírito, com todas as suas qualidades. Isto significa transfor- possíveis as aparências de uma tranquila convivência social.
mar a ignorância em conhecimento, desenvolvendo a inteligên- A nossa sociedade atingiu o ápice desse método no frívolo
cia, para atingir a compreensão de tudo o que pertence à vida e século XVIII, no qual, com o maior respeito formal pela reli-
alcançar a sabedoria, a fim de orientar-se com consciência de si gião e reconhecimento do pleno triunfo do poder da hierarquia
próprio, evitando assim o erro e o mal, que trazem sofrimento, eclesiástica, prestando a mais hipócrita homenagem aos ideais
e praticando a verdade e o bem, que trazem felicidade. O ponto religiosos e exaltando o puritanismo sexófobo, a classe privile-
de partida da sublimação espiritual é a fera, e o ponto de chega- giada, fervorosa em todas as práticas edificantes, exercia uma
da é o anjo. O caminho é um só e sempre o mesmo, emprestem- feroz exploração dos pobres e, debaixo da moral oficial, levava
se-lhe as palavras da ciência ou as das religiões. Subindo do AS uma vida de livre licenciosidade. Esse foi o século mais cor-
para o S, este é o caminho correspondente ao impulso funda- rompido, no entanto foi nele que mais se construíram igrejas e
mental do existir do universo, que ninguém pode parar. capelas, como uma tentativa de cobrir com a plenitude exterior
Hoje estamos ainda nos degraus mais baixos desse caminho. o vazio interior. Triunfo da hipocrisia, pela qual foi possível
O espírito está ainda envolvido nas trevas da ignorância, preso conciliar as duas exigências opostas: manter a posse de um ide-
na cadeia de erro e sofrimento da matéria, constrangido a viver al, colocando-o longínquo no céu e no futuro, afastado o sufici-
dentro de um corpo que não pode sobreviver a não ser à custa ente para não incomodar, e, ao mesmo tempo, vencer na luta do
de uma luta feroz. Em vez da luz da inteligência, temos armas modo mais fácil possível, por meio de uma conduta às escondi-
para o ataque e defesa. Eis de que se necessita no mundo: força! das, coberta de ideais e com aparência evangélica.
No terreno da inteligência, a mais útil é a inferior, ao nível da ◘◘◘
astúcia, para enganar o próximo e vencê-lo na luta, armando ci- Em terreno algum prevaleceu tanto este método do fingi-
ladas com as armadilhas da mentira. Isto terá de durar até o mento quanto no dominado pelo puritanismo sexófobo. Obser-
homem chegar a compreender, à sua custa, quanto esse método vemos as razões desse fenômeno. O fingimento representa a
seja contraproducente e perigoso. Então ele o abandonará, para válvula de segurança da vida, aparecendo como uma escapatória
seguir o muito mais vantajoso método da sinceridade e da ho- todas as vezes que ela precisa resolver um conflito entre dois
nestidade, galgando um novo degrau da subida. opostos, sendo necessário conciliá-los. Neste caso, temos, de um
O cristianismo não existe fora da vida, nem pode sair das lado, o princípio da agressividade sexófoba, que o cristianismo
suas leis, estando por isso sujeito a esse processo de desenvol- da Idade Média estabeleceu em nossa civilização ocidental. Pre-
vimento biológico e à forma que este assumiu. Se, com a sua lei valeceu, assim, o conceito da satanização do amor, que se tornou
de amor, o ideal cristão suprimiu a força, nem por isso o ser condenável como culpa e pecado. Da luz da sublimação espiri-
pode permitir-se o luxo de ficar fraco, sem defesa alguma. A tual não chegou à Terra senão essa sombra de negatividade a
cobra, por não ter presas e garras, teve de desenvolver o veneno respeito do maior impulso da vida. Assim, o estímulo para a
para se defender e sobreviver. Assim, a natureza criou outras evolução se emborcou, torcido, em sentido antivital. De outro
armas mais sutis. Daí a necessidade de se passar da fase da for- lado, temos o princípio oposto, muito mais próximo e percebido,
ça à fase da astúcia, que é mais refinada e constitui o passo se- porque constituído não por ideais e teorias, mas pela realidade
guinte no caminho da evolução. Aparece automaticamente en- biológica. Trata-se do principio da continuação da vida, que se
tão, esse outro método de luta, necessário para ensejar uma se- impõe por meio do instinto do amor, impulso este que, quanto
leção mais adiantada, na qual começa a surgir a inteligência. mais é comprimido, tanto mais se torna poderoso, reagindo tanto
Ora, esse fato tinha de se verificar no seio do cristianismo, que, mais, quanto mais é agredido com condenações.
com o seu princípio de sublimação dos instintos, havia-se tor- Os dois princípios, o sexófobo em nome da sublimação es-
nado instrumento de evolução. Mas de que grau de evolução? piritual e o sexófilo proveniente da natureza, estão um contra o
Se o cristianismo não pode sair das leis da vida, é lógico que outro. Os seres humanos, mergulhados nas trevas da ignorância,
ele tinha de operar dentro do nível atingido pelo ser humano. não compreendem nada desse fenômeno que eles estão viven-
Portanto a transformação biológica que ele podia realizar não do. Então é a vida que resolve o conflito no subconsciente de-
era aquela teoricamente proclamada e pregada, da sublimação les, oferecendo automaticamente o resultado final da operação
espiritual, mas sim, conforme já observamos, a do plano ani- com a qual ela resolve o problema. Como cada uma das duas
mal-humano, para transformar a força em astúcia. Assim, o forças é poderosa o bastante para não ficar vencida pela outra,
cristianismo realizou somente o que biologicamente podia rea- não sendo possível a eliminação de uma com a vitória completa
lizar, conforme a sua natureza. da outra, os dois impulsos opostos ficam existindo próximos
Isto não é culpa de ninguém. A universal luta pela vida não entre si, cada um deixando um pouco do seu espaço para o ou-
é brincadeira, tratando-se de uma terrível necessidade para to- tro. Atinge-se desta maneira, que é a única possível, um estado
dos. Cada fraqueza pode custar a própria vida! Não condena- de amigável convivência, fazendo brilhar na superfície os ideais
mos o cristianismo. Mas reconhecemos que ele não podia fazer com a sua moral perfeita de puritanismo sexófobo, enquanto,
mais do que fez, porque não há religião capaz de permitir ao debaixo dela, deixa-se funcionar as concretas satisfações mate-
homem sair de súbito do seu nível de evolução sem ter de obe- riais, atendendo aos instintos da vida.
decer às leis que nele vigoram. Assim se apresenta o problema, Se isto pode ser chamado hipocrisia do ponto de vista do
quando o enfrentamos com a forma mental positiva da psicaná- ideal, por quem o queira tomar a sério, é, entretanto, ótimo para
lise, observando-o objetivamente, como fenômeno biológico. a maioria, que não pensa nisso, porque sacia todas as exigên-
Tudo isto dissemos para explicar como nasceu em nossa ci- cias, satisfazendo os ideais do espírito nas aparências e aten-
vilização cristã o hábito e o método da mentira. O fato é racio- dendo na substância a realidade do corpo. Assim, tributando to-
nal e biologicamente justificado. Respondemos, assim, à per- das as honras exteriores aos princípios das religiões e dando to-
gunta que há pouco nos fizemos. da a satisfação positiva aos instintos materiais, o caso foi bem
Do acima exposto, segue-se que, neste caso, a lição de fato resolvido, como de fato acontece, para a satisfação de todos.
aprendida por muitos, por ser a única possível neste nível, foi a Não estamos formulando julgamentos e muito menos con-
astúcia, que substituiu a força como arma necessária, porém denações, mesmo porque isso seria presunção inútil, que não al-
mais refinada. Foi possível assim dispensar a violência, pela teraria nada. Estamos apenas observando o que vai acontecendo
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 79
em nosso mundo, para encontrar uma explicação e compreen- xe o problema não resolvido, sempre à espera de solução. E
der o fenômeno pelo qual, através da mentira, foi possível che- com isto concorda perfeitamente a maioria, que nada mais al-
gar a um compromisso que, conciliando as duas exigências meja senão ficar pecadora.
opostas, resolve assim o caso com a coexistência pacífica. O Deste modo, cada um realizando os seus objetivos, não se
ideal da sublimação espiritual é pesado, e a ascensão requer poderia atingir concórdia maior. Eis como tal posição se estabe-
muito esforço. Além disso, surgem prontas a todo instante as leceu nos séculos e por que a encontramos em nosso mundo.
escapatórias que permitem a evasão. Eis como se estabeleceu a Não se pode negar que, neste gênero, esta seja uma obra prima
coexistência entre o método da proibição oficial, em perfeita de arte realizada pela sabedoria da vida, conseguindo, nesta fa-
obediência aos princípios-ideais, que permaneceram assim res- se de transição no caminho evolutivo, conciliar temporariamen-
peitados e triunfantes, e o método da desobediência tacitamente te dois impulsos opostos, sem destruir nem um nem outro, pois
praticada e tolerada, para satisfazer as exigências da animalida- ambos são necessários. Os dois têm de existir, porque cada um
de humana. Porém a vida resiste a tudo, e não há puritanismo deve cumprir a sua função: de um lado, a geração livre e abun-
sexófobo que possa subjugá-la. Deste modo permaneceu o in- dante, como quer a natureza, e, de outro, a ascensão espiritual,
suprimível impulso do amor, em muitos casos olhado como pe- como quer a evolução. É necessário reconhecer, imparcialmen-
cado que leva às punições eternas do inferno, em vez de ser te, o direito da vida atingir com todos os meios, custe o que
concebido como uma forma de bondade para compensar tantas custar, a sua finalidade, que é a geração da quantidade, necessá-
das maldades de que está cheia a vida. ria para dela, com a seleção posterior, tirar a qualidade e, assim,
Foi assim instituída, por seres naturalmente nascidos pe- realizar a evolução. Não está contra as leis da vida que, para a
cadores, uma automática e contínua produção de pecados. maioria ainda imatura, os esforços requeridos pela sublimação
Mas eis que, tal como para as doenças há prontamente médico espiritual representem um empecilho, constituindo um peso do
e farmácia, também para os pecados as religiões oferecem to- qual ela deve libertar-se. Não se pode exigir que um involuído
dos os remédios. A função delas é exatamente limpar pecados, obedeça leis de planos superiores, situadas acima do seu nível
de modo que, para a difusão e prosperidade de si mesmas, a de evolução e, portanto, fora da sua forma mental.
abundância de pecadores e de pecados é útil, assim como, pa- Tudo isto não escandaliza a vida, que contém em cada nível
ra a prosperidade dos médicos e farmácias, é útil a abundância de evolução uma ética respectiva, diferente e proporcionada a
de doentes e doenças. Chegou-se desse modo a um acordo tá- ele. Contudo podemos nos escandalizar, se escolhermos como
cito entre autoridades espirituais e pecadores, que puderam ponto de referência o ideal, porque assim nos apercebemos da
assim permanecer como tais, porquanto necessários para justi- posição atrasada da nossa ética humana em relação à superior.
ficar a presença dessas autoridades com o seu trabalho de sal- É pelo contraste, então, que se reconhece quanto o ideal seja
vação, com o qual as organizações religiosas se sustentam, mentira na Terra. Mas, para a vida, tudo é natural e justo, se co-
tornando-se necessárias. Felizmente atingiu-se a solução do locado no seu devido lugar e julgado a respeito do seu plano de
conflito com a satisfação de todos, porque, no mundo, deve evolução, e não de outros. Em cada plano de existência, a vida
haver lugar para todos em paz, convindo a todos o compro- raciocina de modo diferente. Amanhã, numa humanidade mais
misso subentendido. Por fim, tudo acaba sendo lógico e equi- evoluída, a vida irá querer aplicar princípios mais adiantados,
librado. Dado os dois impulsos opostos em ação, cada um como aqueles ligados à sublimação espiritual. Estes, porém,
exigindo a sua satisfação, essa é a solução perfeita. podem representar hoje, para a maioria imatura da involuída
Como é lógico, venceu o mais forte, isto é, a lei que vigora humanidade atual, uma negação antivital, contra a qual a vida
no nível biológico, no qual está situado o ser humano. Venceu e reage, defendendo-se. Na obra de Deus não se pode dizer que
continuou funcionando a realidade da vida, tal como ela é neste alguma coisa não seja perfeita, enquanto estiver cumprindo a
plano, enquanto no alto das torres se desfraldava ao vento a sua função. Se nos aparece de uma maneira diferente, é porque
bandeira do ideal, como testemunho, para satisfazer o orgulho, não entendemos o seu lugar e a sua função.
dissimulando com a nobreza a animalidade (bem escondida) do É lógico que as exigências do plano de vida onde se encon-
ser humano. Assim, não só a honra dos pecadores foi salva, tra hoje o homem sejam completamente diferentes das exigên-
mas também a sua satisfação, enquanto, ao mesmo tempo, as cias do nível de evolução que ele atingirá no futuro, quando
religiões preservaram a sua posição terrena. A pregação dos chegar a realizar os ideais das religiões. O ideal da vida no ní-
ideais ficou para embelezar o mundo. Permaneceu a obra sal- vel humano atual é a seleção do mais forte através da luta. Só
vadora da redenção dos pecadores, sempre em grande número, quem, por ter desenvolvido os instintos de agressividade egoís-
quais fregueses indispensáveis e razão de ser do poder social, ta, venceu e sobreviveu foi escolhido para formar a raça atual e
econômico e político das organizações religiosas. o biótipo hoje dominante. Então é lógico não só que ele siga
Então todos ficaram satisfeitos: os pecadores com os seus esses instintos e com eles funcione, mas também que deles de-
pecados, e os condenadores com as suas condenações. Assim, pendam a sua forma mental e a sua conduta. Portanto é natural
a secreta satisfação dos instintos satisfez o corpo, enquanto a que ele tenha no sangue o gosto da agressividade, pois deve a
condenação pública da culpa satisfez o espírito. Deste modo, a ela a sua sobrevivência. Oferecer a este tipo alguma coisa para
vida, sempre utilitária, consegue atingir o acordo entre opos- agredir e destruir, significa oferecer-lhe uma oportunidade para
tos, por meio de um ajuste no qual cada um dos dois cede de satisfazer os seus instintos.
um lado para ganhar do outro, deixando o que para ele é me- Ora, quando esse indivíduo, no mundo civilizado, depara-se
nos importante e ficando com o que mais lhe interessa. Foi as- com a lei, que lhe pede para viver na ordem, ele nada compre-
sim que cada um pôde levar a sua parte. De um lado, os peca- ende desse princípio superior, vendo nele apenas um obstáculo
dores ficaram com os seus pecados, o que mais lhe interessa. a separá-lo de sua liberdade, como uma provocação que o esti-
Do outro lado, os pastores permaneceram com a coisa mais mula à revolta e à luta. Explica-se assim a instintiva satisfação
importante para eles, ou seja, suas posições, conservando-as na violação da lei, considerando-se a exigência de obediência a
bem assentes sobre um vasto rebanho de pecadores, sempre ela não como uma vantagem, mas como um ataque contra o
pecadores, que nunca poderia acabar, pois, tão logo isso acon- qual é bom se defender. Tudo acorda a cada passo o instinto do
tecesse, desapareceria o trabalho que as justifica. Faz-se ne- lutador e a reação do rebelde. A coisa proibida, só por isso, tor-
cessário um rebanho de seguidores continuamente rebeldes, na-se mais preciosa e procurada. Possuí-la significa ser forte e
que devem ser convertidos, mas que nunca se convertem. É vencedor, merecendo como tal ter direito ao respeito. Eis como
preciso um estado de pecado universal e permanente, que dei- tudo se transforma nas mãos do involuído, conforme o que ele
80 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
é. O indivíduo forte nesse plano é lutador e, como tal, gosta de XII. O SEXO COMO PROBLEMA ATUAL
proibições para violá-las, de inimigos para vencê-los e de peri-
gos para superá-los. Trata-se de uma forma ainda inferior, mas Observamos os princípios gerais da ética do sexo e o caso
já há na luta um princípio de esforço, e isto é evolução. da atitude sexófoba do cristianismo no seu significado e conse-
Chegamos ao final. Que acontece então, quando tal biótipo quências. Procuremos agora observar a ética do sexo como
se encontra perante a proibição do puritanismo sexófobo? Para problema atual, na forma em que ele se nos apresenta no tempo
tal ser, cada obstáculo representa uma dificuldade a vencer e, presente. Coloquemos imparcialmente os elementos na mesa do
por isso, um convite à luta. Então qualquer coisa, só pelo fato laboratório da vida, não para lutar e condenar, mas para com-
de ser condenada, torna-se para ele mais interessante e procura- preender e resolver.
da. O perigo representa um desafio que excita o desejo de ven- Os elementos do problema são os seguintes: 1) De um lado,
cer, e a ideia do não permitido confere um sabor de coisa espe- o cristianismo, com a sua ética sexófoba, cujas origens e razões
cial e preciosa. Com a proibição, aumenta a falta, com a falta, o explicamos, concepção que levamos em conta porque domina a
desejo e, com o desejo, o valor. É a lei natural da oferta e da nossa civilização cristã ocidental. 2) Do outro lado, a realidade
procura. Assim funciona a psicologia humana. Uma coisa per- biológica, com as suas leis inerentes ao atual nível de evolução
mitida, que se pode encontrar em abundância, só por isso perde atingido pela raça humana. Essa realidade é o que de fato pre-
parte do seu valor, enquanto, ao contrário, uma coisa rara, difí- valece na vida e dirige o indivíduo por meio dos instintos, para
cil de obter, que não se pode atingir senão às escondidas e à que sejam atingidas as necessárias finalidades biológicas. Te-
custa de muito esforço, só por isso adquire valor. mos de levar em conta ambos estes elementos, com os respecti-
Eis então que, no plano animal-humano, este conceito do vos impulsos, objetivos e resultados.
puritanismo sexófobo do cristianismo se reduz a um convite Ora, no tempo presente acontece que, enquanto a atitude
para o indivíduo lutador experimentar o seu valor. Assim, o sexófoba do cristianismo permaneceu inalterada, verificaram-
objetivo atingido foi completamente diferente do previsto. se no terreno da vida fatos novos devidos à ciência moderna.
Acima dos princípios ideais das religiões, venceram os princí- Sobretudo o homem civilizado acabou por se encontrar em
pios inferiores da realidade biológica de fato em vigor. Ora, condições biológicas diferentes das antigas. Trata-se de um
isto contradiz absolutamente as finalidades da sublimação es- fato controlável na domesticação dos animais que, quando
piritual do cristianismo, significando a sua falência nesse ter- eles se encontram protegidos e, por isso, não têm necessidade
reno, porque, na vida real, o homem chegou no ponto contrá- de concentrar as suas energias na luta pela defesa e pela ali-
rio daquele que ele deveria chegar. As leis que venceram fo- mentação, ambas asseguradas nesta condição, então, como já
ram aquelas biológicas do presente, vigorantes no atual nível mencionamos, essas energias se canalizam no sentido erótico.
de evolução, e não as do mundo espiritual do futuro, vigoran- Diminuem assim a ferocidade e a agressividade, enquanto
tes num mais alto nível de evolução. Estas permaneceram aumenta o impulso do sexo. Isto sucede porque a natureza
longínquas nos céus, à espera de descer um dia à Terra, para quer utilizar cada bem-estar supérfluo, tão logo este apareça,
aqui serem concretizadas. não para o gozo do indivíduo, mas para a multiplicação da ra-
Realizou-se no mundo a verdade deste nível, que é bem di- ça, o que lhe interessa muito mais. Desse modo, a vida abaixa
ferente. Aqui, de fato, a vida recompensa o guerreiro que sabe o nível de existência em favor do número.
vencer, porque, nesse plano, este é o biótipo mais valioso, o O homem civilizado encontra-se nessas condições. Pela
qual ela quer que se reproduza. E, de fato, é neste sentido que a segurança atingida no que diz respeito à defesa e à alimenta-
vida se manifesta no instinto da mulher, no momento da esco- ção, diminuíram nele os instintos de ferocidade e agressivi-
lha sexual. Neste momento, o mais procurado é o homem forte, dade, de modo que, pela complementaridade dos dois cami-
pois ele garante a defesa, enquanto é desprezado o meigo ho- nhos (agressividade ou sexo) como já vimos, as energias se
mem do Evangelho, que, pelo fato de tomar a sério e viver os dirigiram no sentido do sexo, tendo este impulso levado van-
ideais das religiões, é julgado na prática um ser inútil, por se tagem sobre os demais. Com isso, a natureza quer utilizar em
encontrar fora da realidade da vida. favor da multiplicação da vida o melhoramento atingido no
Então a moral que de fato prevaleceu em nosso mundo não nível de existência.
foi a cristã, mas sim a do mais forte, a quem, nesse nível onde Mas outro fator importante concorre em favor do aumento
vigora o princípio do egoísmo, pertence o direito de estabelecer do número. O progresso da medicina diminuiu a mortalidade,
sua própria verdade, de acordo com a sua vontade. Ele construiu estabelecendo, com as suas descobertas e seus novos métodos,
assim a sua ética sexual, garantindo domínio e completa liber- como já mencionamos, um verdadeiro controle da morte, cuja
dade para si, mas fazendo vigorar para a mulher, porque fraca e, consequência automática é um notável e cada vez maior au-
por isso, sem direitos, a lei da obediência. Para o macho audaci- mento da população, pelo fato de não ter havido um proporcio-
oso, ficou reservado todo o direito de seduzi-la e abandoná-la, se nal controle dos nascimentos. Isto se acentua ainda mais, uma
ele for astuto. Neste caso, o filho tem de nascer ilegítimo e a vez que a ética sexófoba do cristianismo condena o correspon-
mãe ser desonrada. Para eles, porque mais fracos, toda a culpa e dente controle dos nascimentos, suprimindo assim o único meio
todo o dano. Então, também no casamento, o instinto leva o ho- que poderia equilibrar o controle da morte.
mem a considerar a mulher como sua propriedade. O resultado final de tudo isto é um aumento vertiginoso da
Assim a vida continua o seu caminho, indiferente às prega- população. Como consequência, a humanidade está se encami-
ções de princípios superiores, torcendo-os continuamente. As nhando para um desastroso estado de fome. O progresso técni-
proibições do puritanismo sexófobo são utilizadas pela vida pa- co para aumentar a produção alimentar não consegue preencher
ra realizar a seleção dos mais rebeldes e astutos, que melhor sa- a falta gerada pelo consumo de tão grande multidão de seres
bem violar essas proibições, dando assim prova do seu valor e, humanos. Disto se segue que, hoje, dois terços da humanidade,
com isso, adquirindo o direito de serem escolhidos pela vida especialmente na Ásia, em relação aos 400 milhões de indianos,
para se reproduzirem, multiplicando-se com a geração daquele recebem uma alimentação inferior à que recebia no passado e
tipo. O que de fato prevalece na realidade é a vida inferior da menos do que é necessário para viver.
animalidade, e não a superior das religiões. Este fato nos prova Os fenômenos estão ligados um ao outro como os elos de
que o nosso mundo atual está mais próximo do AS que do S. uma corrente. Acontece então que, de um lado, graças à civi-
Para o homem evangélico, que toma Cristo a sério e o segue, lização, a vida se torna mais segura, com a defesa e a alimen-
não há outra posição senão a de crucificado, como Ele. tação garantidas, razão pela qual os impulsos eróticos se inten-
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 81
sificam, aumentando a geração, enquanto de outro lado, ao não produto instintivo do subconsciente, é mister encarar cora-
mesmo tempo, a ciência médica, diminuindo as mortes, au- josamente e com toda a sinceridade o problema. Não susten-
menta a sobrevivência. A consequência inevitável é que a tamos uma teoria contra a outra, nem aconselhamos uma ou
produção dos recursos alimentares não corresponde em pro- outra solução. Só deixamos falar os fatos, escutando o que eles
porção ao aumento da população. O homem não regula o fe- nos dizem e observando as suas consequências.
nômeno com um controle dos nascimentos, deixando tudo ◘◘◘
nas mãos da natureza, que intervém com as suas desapieda- Perguntamos então. Terá o uso do sexo um significado e va-
das leis, resolvendo automaticamente o problema. Ela, então, lor apenas de função reprodutiva, como máquina de multiplica-
age por dois caminhos: 1) Ou mata a superpopulação com a ção de seres, ou terá ele também outro significado e valor, co-
fome; 2) Ou, acordando os instintos da agressividade (ador- mo função neuropsíquica, que se cumpre em benefício do indi-
mecidos pelo bem-estar produzidos pela civilização), desen- víduo? Se esta é a segunda função do sexo e se a ignoramos ou
cadeia guerras, invasões, destruições e mortes, que estabele- perseguimos, como não cair nas consequências desastrosas da
cem de novo o equilíbrio. Ambos caminhos levam igualmen- neurose patológica, fazendo surgir por toda a parte complexos
te à morte. À natureza pouco interessa a vida e o bem-estar psicológicos, como de fato os encontramos em nosso mundo,
do indivíduo, pois sua finalidade é a seleção de uma raça de na prática, resultantes dos erros da civilização, quais a psicaná-
fortes, em função do qual ela o sacrifica. lise de Freud nos revelou? Este é o perigo da ética sexófoba.
O raciocínio da vida não é o mesmo do homem. Neste ciclo Podemos perguntar também qual é o significado e valor bio-
de impulsos e elementos há como que um princípio de determi- lógico dessa ética? Será ela um produto racional, que merece
nismo do qual ninguém pode sair. O instinto de alguns insetos, consideração, ou trata-se apenas de um produto descontrolado
como as abelhas e as formigas, mais evoluído que o do homem, do subconsciente, que aparece em obediência aos instintos de
como já mencionamos, impulsiona-os a gerar só em proporção agressividade, já observados acima? Então, como se pode con-
aos recursos alimentares que eles possuem, regulando o número siderar um dever moral a sustentação de uma ética substancial-
da sua população em função do provimento. O homem não sabe mente baseada no princípio da agressão? Não são porventura os
fazer isto, porque ainda não atingiu o estado orgânico dessas instintos de agressividade os mais atrasados, justamente aqueles
sociedades, vivendo, pelo contrário, numa fase atrasada de ego- que, para nos civilizarmos, é mais urgente superar e eliminar?
centrismo individualista, coletivamente caótico. Mas, pela lei Então sustentar a ética sexófoba do cristianismo, desviada não
de evolução, o homem também terá um dia de atingir o estado por culpa dele, mas sim dos homens que não o entenderam, po-
orgânico de verdadeira sociedade. Ele terá então de tomar as de conduzir não ao progresso que a religião quer, mas sim a
rédeas dos fenômenos biológicos, dos quais depende a sua vida, uma involução para métodos inferiores, apoiados na ferocidade
dominando sobretudo o fundamental fenômeno da geração. Es- agressiva. Sustentar tal ética pode significar ir de encontro ao
te, então, não será mais abandonado ao acaso, ficando entregue objetivo maior do cristianismo, que é a paz e o amor fraternal, e
ao poder da ferocidade das leis da natureza, mas será regulado não a luta gerada pela sexofobia com a incitação dos instintos
inteligentemente em relação às possibilidades de sustento da- de agressividade. Eis que essa atitude sexófoba, produto pato-
queles que vão nascendo, para não permitir o crime de se gerar lógico dos homens da tenebrosa Idade Média, e não do cristia-
seres destinados à morte, e não à vida. nismo originário, levou o conceito de sublimação a um sentido
Esta é a realidade biológica, e dela ninguém pode fugir. torcido, que representa o seu emborcamento. Neste caso, não
Não se pode resolver o caso sem levá-la em conta, baseando- foi o espírito cristão que venceu, mas sim o instinto do homem.
se sobre princípios teóricos, que nada têm a ver com ela. E a Prevaleceu assim a ética de agressividade do involuído, retró-
solução que nos oferece a natureza, com seus meios de con- grada e biologicamente contraproducente, porque negativa em
trole demográfico, já vimos quão terríveis são. A ética sexual relação ao objetivo fundamental tanto da vida como das religi-
do cristianismo, condenando o controle, resolve o problema ões, que é o progresso evolutivo.
otimamente em teoria, com a castidade ou a continência, mas O fenômeno da riqueza e da geração, quando não é dirigido
estabelece assim um visível contraste com as condições atuais pelo homem, mas sim deixado nas mãos da natureza, constitui
de intensificação do impulso sexual, decorrentes, como vi- um fenômeno de produção e consumo de desenvolvimento au-
mos, da civilização. Que acontece então? Acontece que a na- tomático. Para sair da necessidade, o homem, com o seu esfor-
tureza, rindo-se das proibições da ética sexófoba, continua por ço, gera a abundância. Uma vez instalado no bem-estar, ele
sua conta a impulsionar o ser para um maior erotismo, dirigi- procura satisfação na mulher. Segue-se então a geração dos fi-
do para a multiplicação descontrolada da vida, com todas as lhos. Mas, quanto maior é essa geração, tanto mais desaparece a
suas consequências. Então o choque entre aquela ética repres- abundância, porque aumentam os consumidores. O número
siva e os impulsos da natureza é inevitável. Como resolve o abaixa o padrão de vida e destrói o bem-estar. Assim, a mulher
caso o indivíduo que está no meio desse choque? Qual das desempenha a sua função, enquanto o homem regressa à neces-
duas exigências sairá vitoriosa? Será possível que o mundo sidade, para cumprir a sua função, que é criar novamente, com
não possa ter outra escolha a não ser continuar com o velho o seu esforço, a abundância, e assim por diante, num rodízio
método das escapatórias e da mentira, fazendo todos às es- pelo qual as duas funções complementares se realizam. A ne-
condidas o que todos publicamente proíbem e condenam? cessidade acorda o dinamismo masculino. Então as energias do
Mas isto não é solução e se, por falta de um melhor, este pode homem se dirigem no sentido da agressividade conquistadora,
parecer um remédio momentâneo, ele não é inteligente nem com a guerra ou com o esforço produtivo do trabalho. Chega-
vantajoso, muito menos honesto. se, assim, à abundância. Neste ponto, o principio masculino,
Este método só é eficaz nas aparências, superficialmente, por já ter funcionado o bastante, atingiu o seu objetivo, esgo-
deixando todo o mal amadurecer na profundidade, uma vez tando o seu impulso, e tem de descansar da sua atividade, a fim
que, na realidade, provoca um grande prejuízo, em razão de de recuperar as energias. O homem, então, descansa no bem-
todos desvios, substitutos e resultados torcidos que gera. Isto estar, entregando-se às satisfações do sexo. Nestas condições, o
pelo fato de não ser possível destruir um impulso que, quanto oposto princípio feminino, atraído pela riqueza, de que ele ne-
mais comprimido, tanto mais força adquire, acabando por se cessita para se sustentar e cumprir a sua missão de gerar, entra
descarregar na direção errada, se não lhe for possível descarre- em ação. Assim como, perante a necessidade, despertou o di-
gar-se na direção certa. Então, se quisermos pelo menos enca- namismo masculino, conquistador de recursos, agora, perante a
minhar-nos para uma solução verdadeira, que seja racional, e abundância, desperta o dinamismo feminino, gerador de filhos.
82 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
Enquanto o homem descansa e se recupera no bem-estar, a mu- tos, chegaremos no fim do século ao número assustador de cer-
lher trabalha e se esgota na geração. Chega-se assim à multipli- ca de seis bilhões de habitantes. Que acontecerá depois? Para
cação do número dos seres, pela qual a abundância é destruída, onde nos leva esse caminho?
despertando com isso, através da necessidade, novamente o di- Agora, a válvula de segurança da agressão contra outros
namismo masculino, que agora, depois de já ter descansado o povos não funciona mais. Estamos fechados na superfície da
bastante e recebido no gozo a sua recompensa, pode começar Terra e não vamos agredir outros planetas. Então não há outro
novamente o seu trabalho. caminho no caso de superpopulação, a não ser a descida do ní-
Trata-se, portanto, de um trabalho contínuo nos dois senti- vel de vida, até chegarmos à necessidade e à fome. Antigamen-
dos, cujo fruto vai sempre se transformando em aumento de- te, para isto, havia como remédio a pilhagem da casa do vizi-
mográfico. O ciclo pequeno dos dois elementos no grupo fami- nho. O ciclo que vimos está agora quebrado no ponto em que a
liar, homem e mulher, torna-se o ciclo maior formado, de um necessidade costumava acordar o dinamismo masculino, diri-
lado, pelos povos pobres, famintos e agressivos, e, de outro, pe- gindo as energias do homem no sentido da agressividade con-
los povos ricos, civilizados e pacíficos. Os primeiros cumprin- quistadora. E não há trabalho que possa renovar completamen-
do a sua função masculina de atividade conquistadora, e os se- te o ciclo da produção de alimentos. Assim, o homem entrou
gundos a sua função feminina de passividade, a ser conquistada num beco sem saída. E a consequência fatal é uma descida in-
e fecundada pelos invasores, para fornecer a eles a abundância volutiva, que paralisa a civilização. Se a multiplicação dos se-
da riqueza, necessária para uma nova multiplicação de seres. A res destrói a abundância e se a superpopulação hoje não repre-
realidade biológica que sustenta a história e os seus movimen- senta mais um poder como meio de conquista para voltar à
tos é esse dualismo ou principio de complementaridade entre os abundância, então todo o processo do ciclo fica parado, sem
dois termos opostos e em equilíbrio, o masculino e o feminino. compensação, no ponto morto da necessidade, do baixo nível
Assim desenvolve-se o ciclo das civilizações. Na sua fase de vida, da fome, e isto significa um retrocesso involutivo para
inicial dominam a necessidade e o esforço (período masculino). os estados primitivos da humanidade. Eis que se impõe a exi-
Na sua fase final dominam a abundância e o descanso (período gência de regular inteligentemente o fenômeno demográfico,
feminino). Quando acaba de funcionar o primeiro princípio, controlando o aumento da população, de modo que o número
prevalece o segundo. Quando repousa o homem guerreiro e tra- não destrua o progresso conquistado pela civilização.
balhador, movimenta-se a mulher geradora. Trata-se de elemen- O problema não é solúvel com os métodos do puritanismo
tos complementares, porém rivais, pois cada um produz somen- sexófobo do cristianismo. Esse controle dos nascimentos não
te no sentido que lhe cabe, e não no terreno do outro, cujo pro- pode ser realizado com sistemas repressivos, pois ninguém po-
duto aquele destrói. E de fato, o trabalho da mulher, multipli- de aniquilar o instinto do amor, que é fundamental na vida. Se
cando os seres, destrói a abundância, que é fruto do trabalho do o comprimirmos, ele estourará, como já mencionamos, em
homem, assim como o homem, com a sua agressividade bélica forma diferente, com característica patológica, o que represen-
e seu esforço de lutador, destrói as vidas, que são fruto do tra- ta outro perigo, sendo necessário, para evitá-lo, escolher um
balho da mulher. Estabelece-se, desta forma, na economia da caminho diferente, se não quisermos cair na perigosa evasão
natureza, o equilíbrio entre recursos e prole, e vice-versa. Ten- dos substitutos, na vergonha da hipocrisia ou no desastre dos
do lugar novamente a abundância, há nova geração de filhos, complexos e das doenças mentais.
nova necessidade, novo esforço, e assim por diante. O resultado ◘◘◘
final é a queda das velhas civilizações e o nascimento e desen- Para resolver o problema, é necessário equacioná-lo de ou-
volvimento das novas, em rodízio, através de um contínuo esta- tra maneira. É preciso entender que, para o indivíduo, o amor é
do de esforço do ser humano, ora do homem, ora da mulher, cu- uma necessidade não só fisiológica, mas também nervosa e es-
jo resultado final é a expansão demográfica, a conquista do piritual. O amor não é somente um elemento do mecanismo de
mundo e o progresso da raça humana. geração, que apenas tenha direito de existir em função dela. Es-
Tudo vai muito bem, mas não pode continuar assim ao infi- ta é uma concepção primitiva, bestial, anticristã e antiespiritual.
nito. Há um limite, constituído pelo espaço determinado pela É necessário reconhecer que o amor cumpre duas grandes fun-
superfície do nosso planeta. Tal processo pressupõe um regime ções: uma em favor da espécie e outra em favor do indivíduo. O
demográfico e econômico fechado dentro dos limites de um amor deve então ser defendido em ambos os casos. O indivíduo
povo, pronto a interagir e compensar-se com os igualmente cer- pode ter absoluta necessidade do amor para sustentar o seu
cados terrenos dos outros povos. Hoje, porém, a humanidade equilíbrio fisiológico, nervoso e mental.
está-se tornando um só povo, não sendo mais possível esta Segundo a moral vigente, no entanto, o direito do ser ao
compensação. Aumentar o poder demográfico de um povo co- amor só é tolerado enquanto constitui meio indispensável para
mo meio de invasão bélica, vai-se tornando cada vez mais coisa a geração e dentro dos limites desta finalidade. O indivíduo
sem sentido, inclusive pelo fato de serem as guerras hoje feitas não possui outro direito a não ser o de cumprir a função de
cada vez menos com massas humanas e cada vez mais com as instrumento multiplicador de seres. Nestas condições, se ele
armas produzidas pela ciência e dirigidas pela técnica. quer defender a sua saúde, então é obrigado a gerar, com to-
Se a abundância da geração já pôde representar uma bênção das as consequências inerentes, entregando-as ao acaso, sem
para um povo, porque a riqueza demográfica constituía um po- que seja possível prever, assumir e, depois, cumprir as suas
der para vencer outros povos, hoje tal conquista está se tornan- responsabilidades, deixando assim tudo cegamente nas mãos
do cada vez mais difícil e absurda. O aumento da população já da natureza, cujos métodos para resolver depois tudo já vimos
não tem mais na invasão de outros países uma porta de saída quão ferozes podem ser.
para se descarregar. Então o processo fica fechado em si pró- Dada a posição atual do problema, com estes seus elemen-
prio, no ponto em que o número destrói os recursos e a quanti- tos, dos quais não se pode fugir, vemos que o homem ainda
dade aniquila a qualidade. Que a civilização aumentou o núme- não tomou a direção do fenômeno da sua reprodução, deixan-
ro dos habitantes do planeta, é um fato. Além disso, as novas do-o abandonado às leis da natureza neste nível, que são as da
condições de vida impedem que a natureza equilibre o fenôme- animalidade. O mundo, assim, vê-se obrigado a aceitar o con-
no, praticando os seus habituais meios de destruição. Se, no trole demográfico realizado pela natureza, o que significa fome
tempo do Império Romano, a população do mundo pode ter si- ou guerra. O cristianismo, com as suas teorias fora da realidade
do de uns duzentos milhões, hoje temos mais de dois bilhões e biológica, não resolve o problema nem se responsabiliza pelas
meio, prevendo-se que, se não sucederem novos acontecimen- consequências. De fato, com a sua ética sexófoba, ele somente
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 83
pode levar a um destes dois resultados: 1) Ou reprime, gerando involuído, inexperiente e inconsciente, levado muito mais a
desvios patológicos; 2) Ou canaliza as energias para a agressi- procurar na lei um meio para se evadir dela do que tentar com-
vidade, em vez de o serem para o amor. Em ambos os casos, o preender a vantagem de obedecê-la.
remédio é pior que a doença. Hoje, o sistema para desafogar a Então tudo está proporcionado, tanto o homem à sua respec-
superpopulação – à qual se chegou por falta de diretrizes do tiva lei, como a lei ao seu respectivo indivíduo. Há um equilí-
fenômeno da procriação – com a invasão de outros países tor- brio entre as normas que, de um lado, regulam a conduta huma-
na-se cada vez menos aceitável e cada vez mais difícil e peri- na e os instintos que, do outro lado, dominam o ser. Para que
goso. Vimos o que custou ao mundo a recente tentativa da seja possível realizar a reforma do homem, são necessárias leis
Alemanha para a conquista do seu espaço vital. E só Deus sabe mais adiantadas. Mas, para que seja possível, sem perigo, sua-
o que poderá acontecer agora que a Ásia superpopulosa des- vizar as leis nesse sentido, é necessário um biótipo humano
pertou. A conclusão é que o homem deve tomar inteligente- mais adiantado. Os dois termos se influenciam reciprocamente,
mente a direção do fenômeno da sua reprodução, para que ela de modo que, na prática, o progresso se realiza através de um
não fique abandonada às leis inferiores do plano biológico da vínculo mútuo, pelo qual, quando um deles dá um pequeno pas-
animalidade, com todas as suas consequências. O progresso so para frente, o outro o segue, possibilitando ao primeiro
sempre consistiu no esforço bem sucedido para que a inteli- avançar ainda um pouco mais, condição na qual o outro pode,
gência humana substitua com a sua ordem mais evoluída a de- por sua vez, progredir ainda um pouco, e assim por diante.
sordem dos níveis de vida mais involuídos. A reforma é grande, porque se trata de mudar a atual co-
É necessário compreender, ajudar e desenvolver o impulso mum psicologia do amor. Trata-se de não mais concebê-lo
do amor, em vez de agredi-lo na tentativa de suprimi-lo. Ele é apenas como função animal reprodutiva, para a qual, pela pró-
o princípio da gênese e também da restauração individual. Per- pria satisfação, dois corpos se unem, mas sim como função so-
seguindo-o, colocamo-nos ao lado das forças destruidoras, bretudo de geração espiritual, para a qual duas almas se fun-
atentando não somente contra a vida da espécie, mas também dem. Eis que, assim, a sexualidade aparece com um significa-
contra a vida do indivíduo. As civilizações futuras reconhece- do positivo, ampliando-se para além da sua função de multipli-
rão e garantirão sempre o amor, como um direito à satisfação cação no plano material. A simples proliferação não pode re-
de uma das fundamentais necessidades da vida. É necessário, presentar todo o conteúdo do amor. Sustentar que assim o seja
portanto, um amor completo, e não somente uma parte dele; significa viver exclusivamente no plano da animalidade.
um amor que cumpra ambas as suas funções, realizando tanto a Quando falamos de amor, entendemos sobretudo este amor
função em favor da espécie, para garantir a geração, como a maior e mais nobre. Mas o biótipo atual não pode alcançá-lo
função em favor do indivíduo, para garantir o bem-estar indi- apenas de um salto. O ponto de partida está nos instintos. É
vidual. Temos, então, de individuar os dois aspectos e momen- necessário então nobilitá-los, e não agredi-los para os destruir.
tos do fenômeno, para que, se necessário, seja possível isolá- É preciso secundá-los, canalizando as suas energias em sentido
los, evitando a atual confusão, na qual eles se encontram mis- evolutivo, para que o amor – impulso fundamental da vida –
turados indiscriminadamente. seja utilizado para atingir a sua suprema finalidade, que é a as-
Assim, uma coisa é gerar, outra coisa é amar. A primeira sa- censão. Esta força tremendamente poderosa, se não for dirigida
tisfaz as exigências da espécie, a segunda as do indivíduo. As nesse sentido, tomará o caminho da agressividade e da luta, in-
duas podem ficar juntas, mas há casos em que elas têm de ficar do desafogar-se no sentido descendente, e não ascendente. En-
separadas. No caso de pobres absolutamente necessitados, gerar tão iremos contra o verdadeiro espírito do cristianismo, cuja ta-
significa criar fome. No caso de doentes com marcas hereditá- refa é melhorar as condições de vida, amansando a fera e sua-
rias, gerar quer dizer criar sofrimento. Para não gerarem conde- vizando as relações sociais, para se chegar à pacífica colabora-
nados, os pais não têm outra escolha a não ser condenarem-se a ção. Por isso é necessário canalizar as energias no sentido do
si próprios à castidade. O impasse está no fato de que sempre amor bem entendido, e nunca da agressividade. Mas é mister
tem de haver uma vítima. Se não pagam os pais, têm de pagar compreender que ele contém algo mais do que somente o sexo
os filhos. Com o sistema atual não há outra escolha: se os pais como função animal de reprodução. Então será possível o
não querem sofrer, têm de condenar os filhos ao sofrimento. E amor que o indivíduo precisa, pelo qual ele não será obrigato-
isto, infelizmente, é fácil, porque os filhos não podem se defen- riamente levado a um aumento de população, o que, em muitos
der. A sociedade se carrega assim de produtos de refugo, desti- casos, significa ter de voltar à luta e à ferocidade.
nados apenas à criminalidade, às cadeias e aos hospitais. Estes são os elementos do problema, que nos indicam haver
Mas eis que, perante a necessidade de intervir no fenômeno uma única solução: canalizar as energias não para a guerra, mas
da geração, para dirigi-lo e elevá-lo acima dos impulsos primi- para o amor, sem que ele tenha sempre e necessariamente de
tivos da natureza, surge o problema de saber fazer tudo isto implicar a geração. Não há razão para se ter de esperar que a
com inteligência, sinceridade e honestidade. Para chegar a este natureza, com a fome ou a guerra, mate os filhos para restabe-
ponto, seria mister possuir essas qualidades ou, então, dispor lecer o equilíbrio, quando este pode existir sem ser perturbado,
da educação necessária para atingi-las, a fim de não se cair em se o homem se tornar dono do fenômeno e souber regulá-lo
outros erros. Para nos apoderarmos das alavancas dos fenôme- com inteligência, não gerando filhos no caso acima citado, no
nos biológicos e manuseá-las, é necessário conhecermos a arte qual a natureza tenha depois de intervir para equilibrar, através
e possuirmos o amadurecimento de quem sabe se dirigir. A re- da destruição. Há povos que se encontram em condições dife-
alidade, porém, apresenta, pelo contrário, um amontoado de rentes, mas estas são raras e excepcionais.
conceitos absurdos radicados no subconsciente, derivados dos A reforma é grande, e não pode ser realizada senão por de-
instintos primitivos da animalidade, com predominância do es- graus. A evolução é um monte que tem de ser escalado um pas-
pírito de egocentrismo e agressividade. Se as leis religiosas so após o outro, utilizando os elementos que a vida nos oferece.
muitas vezes seguem a direção sexófoba, não é por culpa das E um dos fundamentais é o impulso do amor. Nos seus primei-
religiões, que tiveram de tomar essa atitude em função da falta ros degraus, ele é só conquista animal, para que vença o mais
de amadurecimento do ser humano. É perigoso conceder liber- forte. Mas não se pode prescindir deste elemento básico, nem
dade a um ser que, não possuindo ainda capacidade para fazer se pode substituí-lo, porque não há outro. Tudo o que podemos
dela bom uso, é, pelo contrário, instintivamente levado ao abu- fazer é utilizá-lo, aperfeiçoando-o, requintando-o e espirituali-
so. A sexofobia do cristianismo justifica-se assim pela neces- zando-o. Este é o caminho lógico e natural, conforme a lei da
sidade de impor à força ordem e disciplina a um homem ainda evolução. O erro dos representantes do cristianismo foi não le-
84 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
varem em conta esta realidade biológica e terem-se lançado, as- sair desse nível evolutivo. É um fato, porém, que ninguém pode
sim, contra a animalidade para destruí-la, tomando, com a ética parar a evolução e impedir que a humanidade atinja a sua fase
sexófoba, uma atitude negativa, de agressão contra a vida, ao orgânica, na qual estas teorias, por encontrarem um ser mais
invés de ajudá-la a subir, reconhecendo o que ela é de fato e adiantado, poderão tornar-se realidade.
utilizando o grande impulso do amor para a construção da espi- ◘◘◘
ritualidade. O erro foi exigir a realização de um modelo espiri- Nestas páginas não estamos aconselhando ou sustentando te-
tual quase inconcebível para o biótipo comum, impondo-o à oria alguma. Estamos apenas observando o fenômeno por todos
força, com o método da agressividade, que não só é o mais con- os lados. A geração é uma coisa séria, que leva a consequências
traproducente, mas também está totalmente nos antípodas do graves e duradouras, não podendo, por isso, ser feita leviana-
verdadeiro espírito cristão do amor. mente. Não se trata de um fato apenas pessoal, que pode ser dei-
A espiritualização do amor constitui um problema da evolu- xado ao poder do capricho do indivíduo, mas também e sobretu-
ção individual, e dirigi-la é tarefa sobretudo das religiões, en- do de um fato de interesse coletivo, no qual está implícita a vida
quanto o problema da geração interessa mais à coletividade, fe- de outros seres, impossibilitados de se defenderem. Não há outra
nômeno cuja direção é tarefa das leis civis e da ciência médica. saída: se não quisermos aprender a dirigir inteligentemente o fe-
Vimos a que resultados desastrosos pode levar uma geração des- nômeno, alguém terá de suportar as consequências de cada erro
controlada. Não é possível que a humanidade mais organizada e desordem. A ética em vigor neste terreno é produto empírico
do futuro queira, em função do elemento fundamental da vida dos instintos do subconsciente, nada resolvendo. Não se pode
social, ficar refém da reprodução indiscriminada. Num mundo encontrar uma nova ética a não ser subindo a um plano de vida
mais ordenado não poderá ser permitido que a inconsciência dos superior, onde o ser funciona com outra forma mental, necessá-
simplórios semeie à vontade as causas da fome, das revoluções, ria para agir com inteligência e consciência. Mas isto não é fácil,
das guerras e de tantos sofrimentos. Então, a vida terá de ser pois trata-se de subverter e renovar uma psicologia radicada
protegida e garantida para todos. Por isso a geração não será através de milênios no subconsciente, intervindo no próprio
apenas fruto de cego desafogo dos instintos, mas sim de um pla- âmago da vida, onde se realiza o fenômeno da evolução. Levan-
nejamento racional, em que seres conscientes tomam as suas tar o homem de um plano de existência para outro significa rea-
responsabilidades. Será julgado como crime o egoísmo dos pais lizar uma transformação biológica profunda. Até que isto acon-
que geram só para sua satisfação, fugindo às consequências. Ho- teça, será difícil aplicar estas teorias, que, desacompanhadas das
je, todos podem proliferar, tanto os indivíduos com doenças he- qualidades necessárias, podem levar a tristes consequências. Tu-
reditárias de caráter físico ou mental, como os criminosos e os do o que podemos fazer agora é demonstrar a necessidade lógica
ineptos, todos eles geradores de desgraçados. Tudo isto é lícito de algumas soluções, que poderão ser realizadas num longínquo
atualmente e até abençoado no casamento, sendo consequência futuro, por uma humanidade mais inteligente e honesta. Até en-
da confusão entre amor e reprodução, resultado da ética sexófo- tão, a atual terá de ficar, como é lógico, na sua presente posição,
ba, pela qual não é lícito o amor sem a geração. Infelizmente, a sofrendo as respectivas consequências.
humanidade é ainda como um relógio em que cada roda anda Pelo princípio de que se deve todo o respeito às autoridades
por sua conta. Ela terá, porém, de se tornar um relógio em que civis e religiosas, também devem ser respeitados os princípios
cada roda funcione de acordo com todas as outras, com movi- sustentados por elas no terreno do “birth control 3”, sobretudo
mentos calculados e coordenados. Para chegar a isto, o mundo porque isto cai sob a sua responsabilidade. No código penal
terá de se educar, adquirindo consciência eugênica. italiano há um artigo (553) que proíbe qualquer forma de pro-
Reconhecido a todos o direito de amar, inclusive aos que paganda anticoncepcional. É interessante, porém, observar
não geram porque não devem, não haverá mais a desculpa do como o mundo atual resolve o problema com tal ética e forma
direito ao amor, que constrange a gerar. Então, uma geração na mental. Neste caso acontece o que já dissemos em geral a este
qual ninguém se entrega ao acaso, será uma coisa séria, feita respeito, isto é, prevalece o método do fingimento, pelo qual,
com plena consciência das consequências, onde se assume em reservadamente, faz-se o que todos concordam em condenar
relação a si próprio todas as responsabilidades. A vida, evolu- oficialmente. Assim, apesar das leis, o ser humano vai livre-
indo, ficará sempre menos sob o poder dos seus impulsos ele- mente experimentando, para ter depois de aceitar as conse-
mentares, ligados ao estado de caos – em que cada indivíduo quências. Como sempre, estamos perante o método da tentati-
tem de procurar o seu caminho na luta – e estará cada vez mais va. Nem outro é possível num regime em que o homem foi fei-
sujeita ao poder da inteligência do homem, num estado orgâni- to livre por Deus, mas, devido à queda, tornou-se ignorante. É
co em que tudo é previsto e garantido. Ninguém pode impedir lógico, então, que, também neste terreno, não se possa chegar
que tudo esteja interligado, fato pelo qual tantos desastres ao bom uso da liberdade, com todas as suas vantagens, senão
atormentam a humanidade e não podem ser evitados senão re- depois de se ter feito, pelo contrário, mau uso dela, experimen-
gulando inteligentemente, com a devida antecedência, os fe- tando todos os prejuízos consequentes.
nômenos em suas causas. O que deslocou completamente os termos do problema, até
A vantagem não será apenas para a sociedade e para os fi- agora imóvel na sua posição de indivisibilidade entre geração e
lhos – com a primeira passando a não ser mais perturbada por amor, admitindo-se somente a castidade como forma de não-
maus elementos e os segundos encontrando uma vida agradá- geração, foi o fato novo realizado pelo progresso da ciência mé-
vel, porque mais preparados para ela, num ambiente mais sele- dica, por meio da qual os dois termos, geração e amor, puderam
cionado e, portanto, melhor – mas também para os pais, sejam tornar-se independentes um do outro. A consequência destas
eles doentes ou não, criminosos ou não, ineptos ou não, que te- descobertas, se fossem bem entendidas, seria que a geração, pelo
rão o direito de se sustentar com o conforto do amor, sem que, fato de não encontrar mais desculpa no desafogo sexual, deveria
para isso, tenham de praticar o crime, hoje lícito, de gerar mais ser realizada somente com plena consciência e responsabilidade.
desgraçados, condenados ao sofrimento. Hoje, a geração está Isto leva a uma valorização muito maior da vida humana, que
abandonada ao acaso, como uma tentativa cega, na qual muito assim não é mais gerada por acaso ou por erro, fruto não deseja-
pouco é previsto, deixando-se o indivíduo largado sozinho às do da própria satisfação, tornando-se uma vida mais protegida e
suas forças, para encontrar o seu caminho num caos onde impe- garantida, porque fruto de uma vontade consciente das conse-
ra o método do individualismo egoísta, submetido a uma condi- quências, as quais são desejadas neste caso e das quais, assim,
ção controlada somente pelas leis brutais da animalidade, e não
3
pela inteligência do homem, que ainda não está maduro para “Controle da natalidade”. (N. da E.)
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 85
assume-se todas as responsabilidades. O objetivo a atingir com o Os seguidores e cidadãos continuam criando as suas comodida-
método do controle deveria ser uma garantia cada vez maior de des, satisfeitos e quietos, sendo isso o que as autoridades mais
vida para os filhos, que, gerados propositadamente, passam a precisam, ou seja, bons súditos e homens de bem. Elas, assim,
constituir um sagrado dever, do qual agora não há mais desculpa gozam também da vantagem de não assumir responsabilidades,
para evasões. Então a finalidade do método é esta, e não o desa- porque a culpa, se houver, será dos pecadores desobedientes.
fogo de uma ilimitada satisfação pessoal, fugindo-se às conse- Estes gostariam muito de ser oficialmente autorizados, para fu-
quências. Este é o mau uso que o ser humano, aproveitando-se girem de toda condenação e responsabilidade. Mas os dirigen-
de tudo inconscientemente, está pronto a fazer desta nova posi- tes sabem se defender bem e não assumem essa perigosa res-
ção do problema. E esta é a razão que justifica e torna necessá- ponsabilidade. Então tudo continua sendo feito em forma proi-
rias as proibições atuais, que têm, por isso, direito a todo respei- bida, mas com risco e perigo apenas para quem o faz.
to. Infelizmente, dada a ignorância e inconsciência do ser huma- Assim, debaixo das proibições oficiais, o mundo continua a
no atual, não há pelo momento outra solução. fazer por conta própria as suas experiências, para aprender. E
O problema do divórcio está implicitamente resolvido em neste nível, no qual o homem se debate atualmente, não é a ten-
função desta orientação geral que explicamos aqui. Com o mé- tativa o método normal da vida para explorar o desconhecido?
todo da geração não mais casual, e sim planejada, o primeiro Então, quando se chega a constatar que os novos métodos não
direito, caso ela se verifique, pertence aos filhos. Quando não trazem prejuízo, mas sim vantagem, eles se tornam universais.
há filhos, pode prevalecer então o interesse dos pais, sem preju- Mas, quando se tornam um estado de fato, aceito por todos, por-
ízo para ninguém. Mas, quando há filhos, é o interesse destes que deles se viram os bons resultados, então, por não ser mais
que tem de prevalecer acima do interesse dos pais. Quando só perigoso assumir pessoalmente a responsabilidade, que antes pe-
há os pais, o problema fica limitado a eles e, se lhes convier, o sava somente nas costas do violador, as autoridades reconhecem
divórcio é possível, porque não implica o prejuízo de outras como certo todas as coisas e aceitam tudo, justificando a sua
pessoas. A presença dos filhos torna o liame entre os pais não mudança como sendo um progresso que acompanha os tempos.
mais uma união só em função de si próprios, mas também em É lógico que, num mundo de luta, ela exista também entre auto-
função do interesse dos filhos, para cuja criação é necessária a ridades e súditos, portanto é lógico também que aquelas tenham
colaboração de ambos. Neste caso, quando desponta o prejuízo de pensar antes de tudo na defesa de si mesmas, e não na daque-
de outros, não pode ser lícito um divórcio, pois este criaria ví- les, que, por outro lado, desejariam a autorização oficial somen-
timas. Ele será possível quando os filhos estiverem criados, não te para lançar a responsabilidade de sua culpa sobre os chefes e,
precisando mais dos pais. A posição da mulher moderna – me- dessa forma, satisfazerem-se livremente, sem o incômodo freio
nos sujeita ao homem, porque, com o trabalho, tornou-se eco- da proibição e a responsabilidade da violação.
nomicamente independente – alterou a posição do problema do Eis então, resumindo, a posição atual do fenômeno:
divórcio, tornando-o mais fácil em relação à mulher, que possui 1) A ciência médica está desenvolvendo meios de controle
assim meios de subsistência, permanecendo, porém, sempre o cada vez mais simples e baratos, acessíveis a todos.
mesmo princípio, pelo qual o divórcio deveria ser possível só 2) A proibição não impede, pelo contrário ajuda a divulga-
aos casais sem filhos, ou depois do casamento destes. ção, pois o que é proibido torna-se mais interessante e, por isso,
Nada resolve esconder no silêncio ou sob hipócritas apa- procurado. Pelo princípio da luta, o ser é levado mais para a de-
rências estes assuntos escaldantes, e não adianta procurar so- sobediência do que para a obediência, sendo esta julgada uma
lucionar ou eliminar o problema com condenações e proibi- derrota, reservada aos fracos, que não sabem se defender.
ções. Que ele está vivo, prova o fato de que muito se fala nele, 3) Os métodos de controle podem representar uma proteção
e nós não podemos esquecê-lo diante dos outros que estamos para os fracos, incapazes de se defender, e isto conforme a mo-
observando. O cirurgião não cobre a chaga para não vê-la, ral cristã, porque assim se realiza a eliminação dos filhos ilegí-
julgando curar desse modo o doente, mas sim a observa, para timos, impedindo o seu surgimento, como no caso da mulher
fazer o diagnóstico do problema, indicando o tratamento, que que se torna desonrada por ter gerado fora do casamento, com
é aceito ou não pelo doente. todas as suas consequências (aborto, mulher ou filhos abando-
Já observamos o problema nos seus dois polos opostos: de nados, prostituição etc.). Nestes casos, a sociedade condena e
um lado, a condenação oficial; do outro, os impulsos da nature- persegue os efeitos, e não as causas, porque é mais fácil perse-
za. Vimos também como ele, na prática, foi resolvido com o mé- guir os fracos do que os fortes.
todo do fingimento. Que temos então? O homem não se rebela 4) Alguns países sustentam o controle abertamente. E nos
abertamente contra o ideal, porque não quer parecer nem mau países onde é proibido, ele é praticado da mesma forma, mas às
nem atrasado. A presença de um sonho tão bonito embeleza a escondidas, o que oferece uma oportunidade para experimentar e
sua vida e satisfaz o seu orgulho de homem respeitável e respei- assim conhecer o valor prático, os danos e as vantagens de tal
tado. Mas, ao mesmo tempo, ele não é tão ingênuo a ponto de método. O mundo vai assim, por sua conta e risco, aprendendo
levar a sério o ideal e, por ele, renunciar à sua satisfação, que é do modo que sempre o faz com o novo, por meio do habitual
coisa bem positiva e sensível. Estando bem apegado à realidade, sistema da tentativa, como quem vive no escuro ou não tem
ele resolve então o caso, praticando reservadamente o que, ofici- olhos para ver, não podendo avançar senão tateando o seu cami-
almente, condena em público e nos outros, desenvolvendo nesse nho ao acaso. É lógico que as massas, sendo dirigidas por edu-
jogo a sua inteligência. O resultado final não poderia ser melhor, cadores que desses novos problemas sabem menos do que elas,
porque permanece o ideal bem visível e, com ele, a consciência tenham de se educar por si mesmas, pagando se errarem e assim,
satisfeita, que sustentou a virtude. Mas prevalece na realidade como é justo, conquistando com o seu esforço a sua sabedoria.
dos fatos a satisfação positiva, aquilo que mais interessa.
Dessa forma, concilia-se otimamente os dois opostos: para XIII. CONCLUSÕES.
Deus, a parte espiritual; para si próprio, o gozo saboroso. As- AMOR E CONVIVÊNCIA SOCIAL
sim, o engenho humano chegou a resolver a contradição, pois
as coisas da terra representam uma vantagem imediata e con- Já observamos qual é a posição assumida pelo cristianismo
creta, enquanto as do céu são duvidosas e longínquas! Foi atin- perante o problema do sexo. Não estamos tomando posição
gida assim a convivência pacífica. As autoridades religiosas e contra ele, nem censurando as suas condenações. O que mais
civis continuam, com a aprovação de todos, pregando a moral nos interessa é explicar os fatos. Como sabemos, tudo o que
teórica perfeita, justificando desta forma a sua posição social. existe tem a sua razão de ser, pois de outro modo não existiria.
86 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
As condenações são assim explicadas e, do seu ponto de vista, da para a decadência, que a vida se tornou sexófoba, canalizan-
também justificadas. O cristianismo teve de iniciar uma luta ti- do em compensação as energias para o dinamismo da luta sal-
tânica contra a bem enraizada e poderosa animalidade humana, vadora. Esta é a razão pela qual apareceu no cristianismo o
travando-a em tempos muito mais ferozes do que os nossos, princípio da agressividade, inerente àquele mundo inferior. Não
quando a forma mental, os pontos de referência e os problemas sendo mais dirigido para a guerra e a conquista material, tal
eram diferentes dos atuais. No entanto mesmo o cristianismo princípio foi torcido, mas continuou em pé como instinto fun-
não pôde deixar de também ser arrastado pelo progresso, que damental, sendo utilizado em outro tipo de luta, dirigida para a
tudo renova. Não lhe é possível, porém, correr demais, para não conquista dos valores espirituais. Se hoje, em posição histórica
se destacar das massas, lentíssimas nos seus movimentos evolu- diferente, essa ética sexófoba nos pode aparecer como uma con-
tivos. Por isso ele não pode operar transformações rápidas de- tradição e um anacronismo, ainda assim ela se explica e se jus-
mais, tornando-se pioneiro do novo, o que poderia parecer re- tifica, pois representava a única forma que a luta, para superar a
volução e gerar desordem na massa. animalidade, podia tomar naquele momento e condições de
O cristianismo teve o grande mérito de lançar no mundo, ambiente. Da ascensão espiritual, então, apareceu antes de tudo
ainda que às vezes em forma feroz (como era necessário naque- o seu lado negativo, de destruição do velho, e não de constru-
le ambiente), o conceito da superação da animalidade para a es- ção do novo. O que se impunha de imediato era afastar o inimi-
piritualidade pela sublimação da matéria, concepção que está de go presente, representado pela licenciosidade da animalidade
pleno acordo com as leis da evolução, mesmo sendo tal fato dominante, à qual se contrapunha o ideal da sublimação espiri-
desconhecido na época, pois eram desconhecidas estas leis bio- tual, onde estava representado o novo impulso que a vida pro-
lógicas. O que dominava no mundo era o ideal pagão do bem- curava lançar para ressurgir da decadência. E tudo isso confor-
estar terreno, baseado no direito do mais forte e nos gozos ma- me a natureza, que não costuma realizar inovações rápidas, mas
teriais. Foi contra essa concepção dominante que o cristianismo sim proceder por continuidade.
teve de impor um ideal situado nos antípodas daquele ambiente, ◘◘◘
do qual representa um emborcamento completo de valores. A posição biológica e as exigências históricas atuais são di-
O cristianismo teve de fazer o esforço do primeiro impulso ferentes, assim como outros são os nossos problemas. Hoje, a
para quebrar o elo de ferro do egocentrismo dos involuídos. É psicanálise nos revelou os desvios e as doenças mentais que o
lógico que, no seu desejo de realizar esse objetivo, o homem, método repressivo da agressividade sexófoba pode produzir.
mesmo representando o cristianismo, fosse levado a usar o seu Pelas diferentes reações de um organismo mais sensibilizado
velho e habitual método da luta, que estava enraizado nele e, em sentido psíquico e nervoso, pode ser prejudicial hoje o que
como ele sabia, era necessário para alcançar qualquer conquis- uma vez foi útil e necessário. A ética sexófoba cometeu o erro
ta. Assim, a luta o levou automaticamente para a agressividade. de separar e contrapor o espírito à carne, fazendo de dois ami-
E é lógico que ele não pudesse, de uma só vez, tornar-se outro gos que deveriam colaborar, dois inimigos que lutam para se
biótipo, como também é lógico que, apesar do ideal, ele não destruir um ao outro. Tratando-se dos dois elementos compo-
pudesse deixar de se revelar cidadão do AS, qual ele é. nentes do nosso ser humano, que é uno, eles têm de viver jun-
Como podia o cristianismo, no seu início, usar o método da tos e, por isso, deveriam existir em harmonia e equilíbrio, e
bondade evangélica com um ser levado por instinto à desobedi- não no antagonismo inerente dos rivais. Alma e corpo formam,
ência e à luta, pronto a abusar de qualquer liberdade que lhe pelo menos enquanto vivemos na Terra, um composto único,
fosse concedida? Nos níveis inferiores de existência aparece o conjugando matéria e espírito. É impossível dividi-los e peri-
ideal da ordem, qualidade do S, mas não há outro meio para goso contrapô-los. Assim, neste terreno, o cristianismo, sem
efetivá-lo senão pela imposição à força, que é qualidade do AS. querer, sustentou da vida uma concepção errada e patológica,
Quando toda a humanidade está mergulhada num nível inferior que pode representar um verdadeiro desvio dos princípios de
de evolução, a pregação de uma teoria nova não pode assumir o bondade e amor, fundamentais nele. Desta luta entre espírito e
poder de subverter as leis biológicas, deslocando de uma só vez corpo, muitas vezes o primeiro, em vez de sublimar, terminava
os seres daquele seu plano de vida para outro mais adiantado. estropiado, efeito pelo qual um método que, no início, parecia
Tal transformação pode ser apenas o resultado final do proces- ótimo revelou-se contraproducente, porque acabava levando
so, sendo isto, portanto, o que o cristianismo poderá realizar no para resultados opostos aos previstos.
fim do seu trabalho terrestre, e não o que poderia ter feito no O amor tem de ser reabilitado deste estado de condenação
seu início. Por isso o evangelho é uma meta longínqua, ainda a como pecado, para ser elevado ao estado de força divina, cri-
atingir, e não uma forma de vida atual. No presente estágio de adora e defensora da vida, de impulso positivo de bem, dirigi-
evolução da humanidade vigoram leis bem diferentes daquelas do para o S, com a finalidade de vencer o impulso negativo do
pelas quais é regida a biologia muito mais evoluída do Evange- ódio, da morte e do mal, dirigido para o AS. É necessário
lho. E, para iniciar o lento trabalho de civilizar o homem, de compreender que o amor está do lado de Deus, porque repre-
modo que ele pudesse chegar até lá, o cristianismo não teve ou- senta as forças amigas da vida, e não do lado do anti-Deus, is-
tra alternativa senão assumir, ele também, os métodos e a ética to é, das forças inimigas da vida. É necessário desenvolver, e
da luta, que eram os únicos compreensíveis naquele ambiente. não suprimir o amor. Qualquer agressão ou tentativa de des-
Foi assim que o cristianismo, para sobreviver, teve de se adap- truição neste sentido significa ir de encontro à vida, e não ao
tar às condições do mundo, usando os métodos deste, impondo- seu encontro. Nos castos, inertes e nas pedras não há impulso
se à força como regra de disciplina, organizando-se, na Terra, algum para sublimar. Os frígidos não possuem o calor do
antes de tudo como hierarquia de guerreiros, providos de recur- amor, que é indispensável para se tornarem santos. Com o
sos materiais e de armas espirituais. cristianismo apareceu na Terra o ideal magnífico da sublima-
Este foi o mundo contra o qual o cristianismo teve de se im- ção espiritual, mas ele se enredou na luta contra a animalida-
por. Era o mundo corrupto do Império Romano na sua deca- de, que, em vez de ser vencida por ele, muitas vezes acabou
dência. A sexofobia nasceu como reação a esse estado de fato, por vencê-lo, oferecendo-nos dele a forma torcida que vemos
no qual o amor, tendo-se tornado apenas sexo, abuso e vício, vigorando atualmente. O trabalho a ser feito hoje seria endi-
constituía um meio de destruição da civilização. Dentro dos reitá-la novamente, e esta poderia ser a obra de um cristianis-
impulsos que se revelaram no cristianismo, era a própria vida mo mais inteligente e iluminado, para não tornar inútil e des-
que estava presente, reagindo para se salvar dessa queda. Foi perdiçar um ideal que representa um dos maiores valores
por isso, para negar aquele tipo de amor, pelo qual ela era leva- construtivos no terreno da evolução.
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 87
O caminho para Deus não está nos atritos da luta, mas na aparências, sob as quais o homem moderno procura cobrir essa
harmonização, porque a vida evolui da desordem para a ordem, sua falência. Mas, infelizmente, Freud limitou-se a ficar no ter-
e não ao contrário. Por isso é necessário não contrapor, mas sim reno curativo, não entrando no campo das reformas sociais,
harmonizar espírito e corpo, moralidade e sexo, misticismo e porque isto lhe teria sido muito mais difícil, devido à resistência
sentidos, ideal e instintos. Permanece o fato de haver a experi- contraposta pela própria humanidade a toda reforma de ideias
ência nos ensinado que a concepção sexófoba não levou a hu- que se encontrem profundamente assimiladas no subconsciente.
manidade para a sublimação no espírito, tendo gerado uma ci- As ideologias políticas, nos diversos sistemas em que se di-
são da natureza humana, em vez de uma fusão entre os seus vide o mundo, são em substância apenas formas diversas do
dois polos opostos. A influência das religiões deveria ser sem- mesmo egoísmo e espírito de agressividade para chegar ao do-
pre benéfica, em favor da vida; sempre construtiva, e jamais mínio em favor de algumas classes escolhidas. O que pode, para
destrutiva. A santidade não pode ser regra, mas apenas exceção. a grande maioria, suavizar e embelezar a vida é o amor, mas um
Alguns ideais de perfeição não podem descer ao seio da maio- amor bem compreendido, antiegoísta, sem perseguição nem
ria, a não ser desviados e corrompidos. Foi o homem que abai- mentiras, um amor que aplaca os ódios, abranda a agressividade,
xou tudo ao seu nível e, com a sua inferioridade, transformou o acalma as invejas, a cobiça e o orgulho, tranquiliza e enternece a
amor em luta de egoísmos, em culpa e mal. alma, gera paz onde há guerra e alegria onde há dor, trazendo
A humanidade dos séculos passados, muito mais grosseira, ordem e harmonia tanto para o indivíduo como para a sociedade.
ignorava os nossos problemas psicológicos, revelados a nós por Ordem e harmonia, eis para onde progride a evolução. Nes-
Freud, que demonstrou como tantos complexos nascem e alte- te sentido é necessário canalizar as nossas energias, não lan-
ram a estrutura da personalidade. A humanidade atual está se çando um contra o outro os dois polos do nosso ser, alma e cor-
tornando neurótica e, portanto, precisa de uma ética menos po, mas, como já mencionamos, harmonizando-os, para que
grosseira e mais inteligente, menos agressiva e mais benévola. concordem e colaborem no mesmo e único objetivo da vida: a
A civilização é uma forma de ascensão em benefício da vida, de ascensão espiritual. A humanidade precisa se equilibrar na
modo que não pode deixar de suavizar tudo com o tempo. harmonia, por dentro e por fora, isto é, tanto no indivíduo, ele
Não se pode menosprezar a função do sexo como elemento consigo mesmo, como na sociedade, cada um com os seus se-
equilibrador na formação e na saúde psíquica da personalidade. melhantes. Não é o alto nível econômico do padrão de vida,
Um dos aspectos fundamentais do valor da obra de Freud é ter nem o poder político, a supremacia bélica ou o domínio do
demonstrado a grande importância da influência do sexo na vi- mundo que podem sanar o mal, mas somente um amor que nos
da individual e social, com a clara intuição do prejuízo que a encha de simpatia para com todos os seres e nos devolva a per-
harmonia, tanto do indivíduo como da sociedade, recebeu com dida alegria de viver. A inimizade em que vivemos, de todos
a moral sexófoba. Essa se reduziu por fim a um desabafo de contra todos, divide, seca e destrói tudo. Precisamos de uma
instintos de agressividade contra a mais poderosa, benéfica e bondade que alimente, construa e una tudo. Só isso poderá dar
cristã das forças da vida, que é o amor, com todas as conse- um alívio à nossa adoentada alma moderna. À atual tendência
quências morais, sociais e patológicas daí decorrentes. Freud, do mundo para concentrar tudo na conquista bélica ou na supe-
num escrito seu, declara: “Todo o nervosismo do nosso mundo rioridade econômica, segundo o mesmo princípio de luta ao
contemporâneo é devido à ação deletéria da repressão sexual, qual obedecem hoje as duas maiores potências do mundo, o
típica da nossa civilização”. O tema central da doutrina freudi- Brasil poderá contrapor uma contribuição sua e única no plane-
ana é de fato “a origem sexual de quase todas as neuroses”. ta, feita de bondade e amor. A Europa já viu bastante os resul-
Estamos acostumados à junção dos dois princípios pela tados da aplicação das teorias do super-homem de Nietzsche, o
qual a sublimação espiritual está ligada à condenação da sexu- herói da força. A nova mensagem é viver em paz e amizade
alidade. Daí o nosso medo de que, se acabarmos com a sexo- com todas as criaturas do universo.
fobia vigorante, sejam destruídos os maiores valores ideais da Hoje, o trabalho que mais interessa à vida, não é esmagar-se
nossa civilização, representados pela espiritualidade. A experi- uns aos outros para selecionar o mais forte, mas sim fazer da
ência milenária do cristianismo fixou essa conexão de ideias humanidade um corpo coletivo unitário, como sociedade orgâ-
no subconsciente das massas. Para corrigir este desvio, seria nica. Quando se construiu a sociedade orgânica das células que
necessário submetê-las a um trabalho de psicanálise às aves- constituem o corpo humano, esse resultado não foi atingido
sas. No estado atual, parece que não seja possível conceber a com a invenção de sistemas ideológicos e de métodos de orga-
evolução espiritual senão na forma agressiva de autopersegui- nização exteriores, mas sim pela transformação da natureza dos
ção e de autodestruição, o que representa a premissa natural elementos singulares componentes, dotando-os de todas as qua-
das neuroses sadistas e masoquistas. É lógico que as conse- lidades necessárias para torná-los aptos a viver no estado orgâ-
quências estão reservadas para os fracos, que acreditaram e nico, em vez de num estado de desordem como indivíduos se-
obedeceram. Isto não aconteceu com os rebeldes, que soube- parados. Da mesma forma, ao estado orgânico da sociedade
ram se defender, não tomando a sério a religião, e desenvolve- humana, mais do que através de sistemas exteriores políticos e
ram a sua inteligência para conseguir se evadir. Estes são os sociais, será possível chegar pelo amadurecimento evolutivo
chamados fortes, que pensam com sua própria cabeça, e não dos indivíduos considerados isoladamente, que desenvolverão
com a dos outros. Mas se estes foram condenados e expulsos, as qualidades necessárias para saber viver e funcionar como
só ficaram dentro das religiões as ovelhas meigas, formando o elementos constitutivos de uma sociedade orgânica. O ser hu-
rebanho dos fracos, que se refugiam nelas em busca de defesa mano terá de se educar nessas novas formas de coexistência,
na luta, o grupo não dos vencedores do espírito, mas dos ven- mais adiantadas do que as atuais. Isto não é desprezo ou conde-
cidos da vida, doentes na alma atormentada, porque uma su- nação do estado presente. É um convite que se faz para civili-
blimação espiritual mal interpretada não gerou um amor maior, zar-se, porque representa uma imensa vantagem para todos.
mas sim o destruiu. Não é fácil intervir nas leis da vida. É ne- ◘◘◘
cessário vê-las com inteligência positiva e conhecer o que elas Os problemas estão todos ligados, ecoando e repercutindo
são de fato na realidade biológica, em vez de basear-se apenas uns nos outros. Por isso a solução do problema do sexo signifi-
em abstrações filosóficas e teológicas. ca também ajudar a solucionar o problema da convivência soci-
Parece que a civilização cristã trouxe consigo o desenvol- al. Tudo depende de nós, do que somos e queremos ser, condi-
vimento de uma quantidade de formas psicopatológicas indivi- ção em função da qual nos colocamos numa ou noutra diferente
duais e sociais. Freud descobriu a chaga que havia debaixo das posição no plano orgânico do universo, com todas as suas con-
88 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
sequências. As tristes condições de nossa vida atual derivam de que mesmo o divino princípio da vida torna-se pecado. Mas to-
nossa concepção primária errônea. Vivemos em estado de cisão das as vezes que isto acontece, é porque o AS prevalece sobre o
e de revolta. Desta posição inicial seguem-se todas as outras, S. O que encontramos na realidade é uma luta recíproca entre
porque da revolta nasce a reação corretora por parte da Lei, ge- amor e egoísmo, na qual o mais forte vence, revelando a natu-
rando o estado de culpa, ou seja, de desordem, de onde surge o reza do indivíduo, conforme a sua posição ao longo da escala
sofrimento. Esses elementos estão encadeados um ao outro, e da evolução. O amor liga em sentido positivo, porque só quer
todos juntos constroem o nosso mundo inferior. O termo final, dar, enquanto o egoísmo liga em sentido negativo, porque só
que é o sofrimento, existe em função da revolta, que é o termo quer receber, tirando dos outros. Então há quem faça do amor
inicial. Mas, se tirarmos o primeiro termo e o substituirmos pe- um negócio, como há quem por amor fique espoliado. Porém
lo seu oposto, o mesmo também acontecerá aos outros termos quem enriquece explorando se aprisiona, e quem empobrece
sucessivos, num encadeamento até à conclusão. Assim, se su- dando se liberta. Isto porque o primeiro involui para o AS e o
primirmos a desobediência à ordem, desaparecerá a reação da segundo evolui para o S. O primeiro reforça em si as qualidades
Lei e, portanto, não advirão a culpa, o estado de desordem e o que o isolam da vida, abismando-o cada vez mais no reino da
sofrimento. E, se no lugar daquele primeiro termo colocarmos a prepotência e da mentira; o segundo adquire qualidades que o
obediência à ordem, aparecerá a ajuda por parte da Lei, conso- unificam com a vida, levantando-o cada vez mais para o reino
lidando a nossa posição acertada num estado de ordem e nos da bondade e da sinceridade. Então a evolução, que significa a
trazendo a respectiva felicidade. Tudo isto é automático e lógi- nossa própria vantagem, está em eliminar do amor o egoísmo,
co. Assim como sofrimento está ligado à revolta e à consequen- processo por cuja consecução ela se realiza.
te desordem, a felicidade está ligada à obediência e à conse- Se tal eliminação ainda não foi realizada, pois este é o pro-
quente ordem. Na obediência, o sofrimento tem de desaparecer, blema atual, cuja solução somente poderá ser alcançada no fu-
porque então não tem mais razão para existir. turo, e se a inferioridade de instintos é o que se entende hoje
Então o ser, quanto mais evolui e se civiliza, tanto mais se pela palavra amor, as reformas sexófilas não podem ser efetua-
harmoniza com os ditames da Lei e, com isso, liberta-se da dor. das no estado atual, porque, se o amor hoje predominante tem a
Quanto mais a parte inferior do ser humano se liberta da sua forma de animalidade, então sexofilia significaria a proteção
animalidade, tornando-se menos besta, tanto mais se torna pos- dos seus baixos instintos, o que seria involução, e não evolução.
sível uni-la à parte superior, que é o espírito, porque então elas Esta nossa exposição se reduz assim a uma explicação dos fatos
estão mais próximas uma da outra. Somente nos níveis inferio- e a um programa para as gerações futuras, que, por terem con-
res de existência, em ambientes onde tudo é luta e rivalidade, o quistado outras qualidades e instintos, tornarão possível viver-
corpo é inimigo do espírito. Porém, tão logo se ascende na es- se uma concepção de amor mais adiantada, como liberdade e
cala evolutiva, tudo se harmoniza e irmana. Então o corpo não é espiritualização, a qual não pode hoje, sem prejuízo, ser entre-
mais uma fera rebelde que é necessário subjugar, nem uma pri- gue às mãos do homem atual. Numa sociedade que não é um
são na qual está presa uma alma revoltada, mas é uma casa para organismo de seres conscientes, mas sim um amontoado de
morar e trabalhar, constituindo o templo onde vive a divina elementos inimigos, não pode haver lugar para o que se poderia
centelha de um espírito evoluído. Nesta condição, perde todo o chamar de um superamor. A triste conclusão é que, enquanto o
sentido e automaticamente se desfaz com a evolução o assalto amor continuar sendo concebido e praticado sobretudo como
do cristianismo sexófobo contra o corpo. uma inferior função animal, na qual estão despertos os mais
Na sua essência, o amor é um impulso próprio do S, porque baixos instintos de egoísmo e de luta, a ética não poderá, sem
deste tipo são as suas qualidades, sendo a sua função unificar e gerar prejuízo, sair da atitude sexófoba do cristianismo.
gerar. O que pertence ao AS é, pelo contrário, o impulso opos- Quando o moralista invoca o amor como tranquilizador e
to, constituído pelo egocentrismo separatista e destruidor. elemento de pacificação social, ele se refere a esse tipo de
Quanto mais o ser sobe na escala evolutiva, tanto mais esquece amor bondoso e inteligente. Mas foi neste mesmo sentido que
o seu individualismo de elemento isolado no todo, para se fun- lutou o cristianismo, quando, com a sua sexofobia, revoltou-se
dir em unidade com todos os outros seres, não mais lutando contra o que no amor é inferior instinto de egoísmo e animali-
contra eles, mas sim colaborando com eles. Nisto aparece evi- dade, e não contra o que nele é superior anelo de bondade e
dente a passagem dos métodos do AS para os do S. Em nosso espiritualidade. O cristianismo procurou ser uma escola de su-
mundo, que está situado ao longo do caminho evolutivo, é lógi- peração, para a evolução da vida. Mas que podia ele realizar,
co que não prevaleça nem um nem outro dos dois métodos, mas se a maioria de seus representantes, tanto dirigentes como diri-
sim que os encontremos funcionando juntos, ainda que, muitas gidos, era constituída de involuídos? Como é lógico, eles abai-
vezes, pelo fato de estarem em oposição, lutando entre si para xaram tudo ao seu próprio nível de animalidade, concebendo
se eliminarem reciprocamente. É assim que, em nosso mundo, tudo, inclusive o amor, com a respectiva forma mental. A cul-
o princípio altruísta do amor (S) se encontra unido ao princípio pa não é dos princípios do cristianismo, mas do estado de invo-
egoísta da posse (AS), e o amor costuma ser, antes de tudo, a lução do biótipo pelo qual ele teve de ser representado na Ter-
procura da nossa satisfação, mesmo se obtida pelo sacrifício ra. Foi assim que, entregue nas mãos do involuído, o ideal da
dos outros, e não a satisfação dos outros com o nosso sacrifício. sublimação, ao invés de se realizar como impulso para o alto,
Assim como a luz se opõe às trevas, o princípio da união (S) lu- acabou desviado e torcido para baixo, transformando-se em
ta contra o princípio da divisão (AS), e ao contrário. Então re- perseguição sexófoba. Nem podia acontecer de outra maneira,
conhecemos como perfeito o amor que tem as qualidades do S, num mundo regido pelo princípio e forma mental da luta, que
e como condenável o que tem as qualidades do AS. Tanto mais tudo domina e transforma em agressividade. E, de fato, esta é a
é superior o amor, quanto mais ele perde as características da psicologia vigente, que aparece nas mais diferentes manifesta-
animalidade, afastando-se dela. ções humanas, seja fascismo, nazismo, comunismo, negocismo
Assim, em nosso mundo, podemos em cada ato nosso en- norte-americano, cristianismo etc., porque é sempre o mesmo
contrar, misturados, tanto o método do S como o do AS, de homem que, de formas diferentes, faz as mesmas coisas.
modo que a todo o momento estamos oscilando em nossa esco- Se é verdade que a tentativa do cristianismo de transformar
lha entre o bem e o mal, ou seja, entre o caminho que vai para o o mundo não alcançou os resultados esperados, tendo grande
S e o que vai para o AS. É assim que, no nível humano, onde a parte do seu esforço acabado na forma torcida das psicoses mo-
pureza ideal do S está manchada pela imundície do AS, encon- dernas, também é verdade que a tentativa foi feita, pois a ideia
tramos o amor corrompido pelo egoísmo, numa tal condição, foi lançada e o mundo chegou a possuir o conceito da sublima-
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 89
ção espiritual, que corresponde à concepção biologicamente É lógico que o homem tem a liberdade de continuar com o
verdadeira de superação por evolução. Esta concepção pode sistema atual, porém ele não pode fugir das respectivas conse-
transformar o amor animal em um superamor mais rico, espiri- quências. Não é possível deixar de levar em conta as leis da vi-
tual e nobre. É lógico que os primitivos da Idade Média enten- da. O impulso do sexo não pode ser esquecido nem destruído,
dessem a espiritualização do único modo concebível por sua porque ele quer atingir os seus objetivos fundamentais. Então os
forma mental, segundo o tipo desta, vendo na sublimação espi- pontos fixos preestabelecidos, dos quais não é possível fugir, são
ritual o seu aspecto negativo e destruidor, pois estas são as qua- os seguintes: 1) Se destruirmos os valores espirituais, involuire-
lidades dos atrasados do AS, e não o seu lado positivo e cons- mos sempre mais para a animalidade. Com isso, pagaremos o er-
trutor, qualidades que só os evoluídos do S possuem. Mas um ro. 2) Se não dermos alívio aos instintos na direção natural e
esforço para subir foi feito. Sem ele, a humanidade teria ficado correta, eles partirão para outra, cega e errada, gerando comple-
apodrecendo por lhe faltar o impulso que essa ideia nova lan- xos neuróticos e outras alterações da personalidade. Com isso
çou no mundo. Em alguns seres mais adiantados, aptos a com- pagaremos o erro. 3) Se não gerarmos em função das nossas bo-
preender, aquela chama de dinamismo referveu e realizou o as qualidades de saúde e meios de subsistência, criaremos, como
ideal cristão. Nasceram assim os santos, formando as estrelas consequência do egoísmo e da leviandade, filhos doentes ou ne-
que iluminaram os tenebrosos céus da Idade Média. cessitados. Com isso pagaremos o erro. 4) Se a humanidade não
◘◘◘ aprender a gerar inteligentemente, em proporção aos recursos e
Para concluir, nas condições atuais da evolução humana, a espaço disponíveis, a natureza resolverá o problema, matando os
posição do problema poderia ser resumida nos seguintes pontos: que são de mais. Com isso pagaremos o erro.
1) Respeito ao cristianismo, reconhecendo o valor biológico da Se tudo isto, pela imaturidade humana, ainda não é realizá-
ideia da superação pela sublimação espiritual, sem cair, porém, vel hoje, terá fatalmente de se realizar amanhã, porque teremos
na perseguição sexófoba; 2) Abolição da sexofobia, devido às de sofrer até aprendermos, e a dor nos ensinará. A evolução não
consequências deformatórias que ela pode produzir na persona- pode deixar de guiar o mundo para uma nova ordem, dirigida
lidade, como neuroses, desvios, complexos etc., assumindo-se pela inteligência do homem, mas de tipo diferente do atual. Um
uma atitude mais racional e compreensiva em face da sexualida- homem consciente da sua posição dentro da lei de Deus e do
de; 3) Correta educação sexual, para construir uma consciência funcionamento orgânico do universo; um homem que, por isso,
eugênica, necessária para dirigir inteligentemente os instintos não se movimenta mais ao acaso, cegamente, por tentativas,
eróticos e as suas consequências, aceitando-se toda a responsabi- movido só pelos seus instintos, errando e pagando a cada passo,
lidade da criação dos filhos no caso de geração, sempre prevista mas age inteligentemente, com conhecimento e honestidade. Se
e voluntária por meio do controle, somente admissível amanhã, quisermos acabar com o sofrimento, é necessário começar a nos
nas mãos de indivíduos conscientes; 4) Direção do fenômeno encaminharmos desde agora, para chegar até lá. Devemos ces-
biológico no planeta, confiada ao homem, sobretudo na parte sar qualquer impulso de agressividade, que é sempre destrutiva
que lhe pertence, para procriar em proporção aos recursos dis- em todos os campos. É preciso conciliar os opostos, levando
poníveis, em número adequado às condições de ambiente, evi- em conta a realidade freudiana e os ideais das religiões, e isto
tando-se necessidades, fome, guerras, invasões, revoluções etc., sem cair em excesso nem de um lado nem de outro, ou seja,
como convém numa sociedade civilizada que chegou ao estado nem na repressão sexófoba, com a ideia de sexo-pecado, nem
orgânico, onde nada pode haver de imprevisto. na licenciosidade e corrupção, com o descontrolado gozo, fim
Poderiam deste modo ser atingidos os seguintes resultados: em si mesmo. Temos de levar em conta as necessidades da al-
1) Defesa do ideal cristão da pureza, entendida corretamente, ma, juntamente com as do corpo, e vice versa, dando a César o
como sublimação de instintos; 2) Defesa do normal e sadio de- que é de César e a Deus o que é de Deus. É urgente educar o ser
senvolvimento da sexualidade, com o tratamento e a supressão humano, para que ele, tornando-se mais consciente, possa fazer
das causas dos respectivos desvios; 3) Defesa dos filhos, com uso de liberdades das quais hoje não pode gozar, porque tudo
uma geração não mais casual e irresponsável, mas sim consci- tem de ser proibido a quem de tudo está pronto a abusar. É ne-
entemente controlada, com o consequente e absoluto sentido de cessário civilizar o homem tanto no terreno religioso como no
responsabilidade; 4) Defesa da humanidade em relação aos pe- erótico, para que ele encontre o equilíbrio do seu eu entre os
rigos que a ameaçam hoje, como necessidade, fome, guerras dois polos opostos: a animalidade a superar e a espiritualidade a
etc., com todas suas consequências. conquistar. Por isso este grande impulso vital, que é o amor, em
Assim, evitando o atrito que os destrói, poderão ser salvos vez de ser condenado e sufocado, deve ser chamado a colabo-
os maiores valores da vida, prevendo-se e evitando-se as diver- rar. Jamais destruir, mas tudo respeitar, enobrecer e dignificar,
sas calamidades que hoje afligem o mundo. Deixamos que os dirigindo-o para o bem. Assim devemos utilizar tudo, inclusive
fatos nos levassem a estas conclusões. Se não as aceitarmos, eis o amor, para chegarmos à sublimação cristã.
as consequências: 1) Perda dos valores espirituais do ideal cris- A estas soluções a natureza humana involuída está sempre
tão, necessário para conseguir a superação, fenômeno que inte- pronta a opor resistência a cada passo. A imaturidade paralisa
ressa de perto à vida no seu ponto central: a evolução; 2) Triun- qualquer aperfeiçoamento. A maior dificuldade a vencer é a
fo de uma sexualidade-pecado, comprimida e torcida em todos atávica forma mental do homem, que construiu uma ética sexu-
os seus desvios patológicos, fonte de distúrbios e sofrimentos, al em seu benefício, pelo direito do mais forte. É lógico que a
em vez de uma sexualidade sadia, fonte de alegria e bem-estar; moral do sexo reservada para a mulher seja completamente di-
3) Falta, em muitos casos, de qualquer garantia de defesa dos ferente, porque se trata de um ser fraco. Se, neste nível biológi-
filhos, consequência da geração descontrolada e irresponsável, co, a lei que vigora é a da força e do egoísmo e se tudo para o
realizada apenas como desafogo de instintos, ficando de pé o macho vai bem, por que preocupar-se com os outros? É ridículo
prejuízo individual e social dos filhos ilegítimos e da mulher pensar que, num tal mundo, os fracos possam exigir direitos.
desonrada e abandonada, com todas as suas consequências. 4) Para esta forma mental não há razão pela qual o mais forte re-
Nenhuma defesa contra o controle por meio da morte, aplicado nuncie à posição de favor que, naquele plano, pertence a ele por
pela natureza para equilibrar o aumento demográfico devido à direito. Se isto representa prejuízo para os outros, a culpa é de-
falta de controle dos nascimentos, ficando a humanidade, então, les. Eles que aprendam a defender-se. Se não sabem fazê-lo
submetida a métodos ferozes e desapiedados, como a fome, as com a força, façam-no com a mentira, dando prova de possuir
guerras etc., através dos quais a vida tudo corrige e compensa, pelo menos a astúcia, que neste nível representa o valor da inte-
eliminando com a destruição a superpopulação. ligência. Tudo é lógico, porque o princípio é que qualquer van-
90 PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA Pietro Ubaldi
tagem só pertence a quem sabe conquistá-la, demonstrando as- os campos: político, industrial, religioso, familiar, cultural, tra-
sim possuir capacidade para vencer. Quando escolhemos um balhista etc. O problema das relações sociais é um problema de
princípio, ficamos presos às suas consequências e não podemos reciprocidade e compreensão. Neste sentido, a máquina social,
fugir da sua lógica desapiedada, tendo de ir até o fundo. hoje, funciona muito mal, fato que custa lutas, resistências e du-
Caminha assim o nosso mundo, sobrecarregado de injusti- ras reações, gerando choques e dores para todos. Com isso, pa-
ças e sofrimentos, abrindo um tapete triunfal de vítimas sob os gamos, como é justo, o nosso erro. Constituiria uma vantagem
pés do vencedor. Aqui, o amor, o maior impulso de salvação fantástica nos tornarmos suficientemente inteligentes para sa-
da vida, está reduzido a uma fonte de lutas e aflições. A solu- bermos evitar tantos erros, que tão caro nos custa.
ção está na canalização das energias deste grande impulso no Isto é ciência psicológica, uma arte a ser aprendida, com as
sentido da evolução, e não da perseguição; está no refinamen- suas regras, técnica e dificuldades. Assim como as células do
to, que faz do amor, além de um elemento de funções reprodu- corpo humano, cada indivíduo também lança o fruto do seu fun-
tivas, um meio de regeneração espiritual e de pacificação soci- cionamento no reservatório comum do corpo coletivo do ambien-
al. Lembremos que a natureza nada destrói, mas tudo trans- te social, do qual cada elemento faz parte e recebe a resposta cor-
forma. A evolução exige que o amor se torne alguma coisa a respondente. São motivos psicológicos, circulando como impul-
mais do que apenas meio de fecundação animal ou satisfação sos mentais de indivíduo para indivíduo, numa troca de ações e
do instinto. Trata-se de elevá-lo a uma tarefa consciente de co- reações, de atrações e repulsões, de simpatia e antipatia, que con-
operação criadora junto à obra divina da vida, para vencer a tinuam ecoando de um para outro, de alma para alma, até que
morte e continuar sempre subindo. Tudo, por evolução, tem de acabam voltando à fonte, como se estivessem fechados dentro
se espiritualizar, tornando-se o amor prodígio de sintonização dos limites de um espaço curvo. O fato é que a humanidade cons-
de almas que, em comunhão mística com a essência criadora titui um todo psicológico, dentro do qual fica tudo o que nele
do universo, no mistério da gênese, cumprem, com a descida nasce. Ali, as vibrações nervosas circulam como o sangue no
de uma alma que se encarna, a função religiosa da ascensão corpo humano. Para a vida de todos e de cada um, é necessária a
para Deus. Trata-se de elementos vitais, sem os quais, hoje, o circulação do sangue, que, conforme as células sejam sadias ou
matrimônio, mesmo formalmente perfeito e existindo do modo doentes, traz saúde ou sofrimento. Mas é preciso que ele flua sem
mais regular, é apenas um acasalamento físico-animal. A evo- parar, seguindo os caminhos do grande corpo coletivo. Para isto,
lução nos levará a uma nova concepção do amor, que se torna- os canais de circulação têm de permanecer abertos. A bondade os
rá então instrumento de superação do egocentrismo separatista, abre; a agressividade os fecha. Fazer o bem é vital; fazer o mal é
mostrando-nos que somos complementares com todos os ou- antivital para todos. No primeiro caso, despertaremos confiança,
tros seres e que todos são necessários uns aos outros, em mú- e todas as portas se abrirão. No segundo caso, despertaremos
tua interdependência, quais elementos da mesma vida, incluí- desconfiança, e todas as portas se fecharão. Então o próximo,
dos na mesma unidade, fundidos no mesmo organismo univer- constrangido a colocar-se em posição de ataque e defesa, movi-
sal, no seio e em função do qual todos existimos. mentar-se-á no sentido da luta e, uma vez dado o primeiro passo
O nosso maior desejo é que a humanidade amadureça para neste sentido, esse impulso negativo continuará repercutindo,
chegar a compreender tudo isto, a fim de poder gozar das liber- destruindo tudo no seu caminho, até que um oposto impulso de
dades que, hoje, ainda não pode receber sem prejuízo. A espe- amor o vença, neutralizando-o e extinguindo-o, substituindo-se a
rança para o futuro é o advento de uma humanidade mais cons- ele com a sua positividade salvadora. Assim cada um vai envian-
ciente dos seus deveres, para que ela possa usufruir de maiores do uma mensagem e esperando uma resposta. Mas como é possí-
direitos, e mais inteligente, para compreender a vantagem de vel receber boas respostas de más mensagens? Todos gostariam
viver na ordem, sem a ameaça contínua da força, das cadeias e de receber confiança e amor, mas muitas vezes estão transmitin-
do inferno. Conhecemos as leis da vida e sabemos que ela não do o oposto. Seria necessário levar em conta o que temos de pen-
poderá deixar de passar do seu estado de guerra-destruição ao sar a respeito dos outros, para receber dos outros o que desejarí-
seu estado de amor-construção. O progresso vai do mal, que amos que eles pensassem a nosso respeito.
semeia ruína, para o bem, que semeia paz e felicidade. Terá de Como podemos receber bondade, se semeamos veneno? A
ser superada a forma mental do super-homem da força, do do- ilusão de nossa ignorância está em acreditar que o mal possa ser
minador esmagador de vítimas. A Alemanha pagou com a sua lançado só contra os outros, sem que ele repercuta em nós. O
ruína por ter acreditado nas nefastas teorias nietzschianas. egocentrismo nos faz acreditar no absurdo de que vivemos di-
O amor representa o elemento unificador que pode corrigir vididos, quando vivemos todos juntos, e de que o dano dos ou-
e superar o egoísmo separatista, sendo o único meio para que- tros possa ficar isolado do nosso, quando na vida nada há que
brar esse estado de divisionismo caótico, feito de rivalidades. possa existir separado. Assim, o sofrimento vai-se espalhando,
Se destruirmos o amor, não restará senão egoísmo. Quem não atingindo todos. Para sofrer menos, é necessário ser melhor e
irradia para os outros, concentra somente para si. Daí o orgu- menos egoísta. Não se pode endireitar o mal com o mal, nem a
lho, a cobiça de posse e a ambição de domínio. O caminho do violência com a violência, mas somente com o bem e a bonda-
amor é o da evolução, que vai para a unificação no S. O cami- de. Perseguir, mesmo em nome de Deus, não melhora, pelo
nho do egoísmo é o da involução, que vai para o separatismo contrário piora. Perante quem diz “eu” para se impor, todos ins-
no AS. Cabe ao primeiro corrigir o segundo. Eis o grande va- tintivamente são levados a contrapor o seu “eu”. Então surge a
lor do amor: ser instrumento da evolução para nos levar de luta. Logo que na Terra surge uma força, eis que aparece a sua
volta ao S, o que significa salvação. contraforça, que a equilibra. Mas, se, ao invés de dizermos
◘◘◘ “eu”, dissermos “nós”, então os outros também serão levados a
Se nestes capítulos falamos de sexofobia, foi porque o fenô- dizer “nós”. Então surge a concórdia e a paz. A mansidão nos
meno do amor tem uma significação profunda e universal. Dele outros nos tira a vontade de lutar, porque não há mais motivo
depende a solução do problema da convivência social. Trata-se para isso. Há leis psicológicas que os indivíduos inteligentes
de um dos mais vivos e urgentes a resolver, porque da sua solu- podem usar ainda melhor e com mais eficiência do que qual-
ção depende a pacífica colaboração entre os semelhantes, elimi- quer técnica empregada no pugilismo. Logo que se aproxima
nando-se os atritos da luta, de onde nascem os sofrimentos. Nin- um amigo, todos abrem os braços; logo que se aproxima um
guém pode viver sozinho. Quanto mais a humanidade evolui, inimigo, todos se armam. Não há vantagem cuja conquista pos-
tanto mais organiza e funde os seus elementos. A coexistência se sa compensar a destruição material e espiritual que a luta gera
consolida cada vez mais, tornando-se problema vital em todos ou compensar a morte que a guerra semeia.
Pietro Ubaldi PRINCÍPIOS DE UMA NOVA ÉTICA 91
A primeira fonte de tantos sofrimentos nossos está nessa de que ele compreenda qual é o verdadeiro caminho e aprenda,
forma mental atrasada, feita de egocentrismo separatista e de à sua custa, a lição, renovando a sua forma mental e conduzin-
agressividade. A culpa fundamental está na falta de amor, que é do-se melhor. Nós só podemos fazer votos que isto aconteça o
como a falta de luz, de ar e de calor, elementos necessários para mais rapidamente possível. De uma coisa não há dúvida: en-
viver. É esta falta que nos faz mergulhar no negativismo, e isto quanto o homem não aprender a arte da conduta correta, terá de
significa afundar nas trevas, na incompreensão, na luta, no erro viver mergulhado num ambiente de inimizade entre indivíduos
e no sofrimento, que é o ponto final de todo o processo. A culpa e entre povos, num estado de luta contínua, de insegurança uni-
não é de Deus, pois a Sua obra não é mal feita. A culpa é do versal, de perigos e de sofrimentos sem fim.
ser, que não sabe se movimentar inteligentemente dentro das
regras com as quais a Lei tudo regula. Pregar e explicar não
basta para renovar o homem. Assim, não há outro remédio para FIM
ele senão continuar sofrendo, até a dor abrir a sua mente, a fim
O MISSIONÁRIO
Vida e Obra de Na primeira semana de setembro de 1931, depois da grande decisão fran-
ciscana, Cristo novamente lhe apareceu e, desta vez, acompanhado de São

Pietro Ubaldi Francisco de Assis. Um à direita e outro à esquerda, fizeram companhia a Pie-
tro Ubaldi durante vinte minutos, em sua caminhada matinal, na estrada de
Colle Umberto. Estava, portanto, confirmada sua posição.
Em 25 de dezembro de 1931, chegou-lhe de improviso a primeira mensa-
(Sinopse) gem, a Mensagem de Natal. Por intuição ele sentiu: estava aí o início de sua
missão. Outras Mensagens surgiram em novas oportunidades. Todas com a
mesma linguagem e conteúdo divino.
O HOMEM No verão de 1932, começou a escrever A Grande Síntese, a qual só termi-
nou em 23 de agosto de 1935, às 23h00min horas (local). Esse livro, com cem
Pietro Ubaldi, filho de Sante Ubaldi e Lavínia Alleori Ubaldi, nasceu em capítulos, escrito em quatro verões sucessivos, foi traduzido para vários idio-
18 de agosto de 1886, às 20:30 horas (local). Ele escolheu os pais e a cidade mas. Somente no Brasil, já alcançou quinze edições. Grandes escritores do
onde iria nascer, Foligno, Província de Perúgia (capital da Úmbria). Foligno fi- mundo inteiro opinaram favoravelmente sobre A Grande Síntese. Ainda outros
ca situada a 18 km de Assis, cidade natal de São Francisco de Assis. Até hoje, compêndios, verdadeiros mananciais de sabedoria cristã, surgiram nos anos se-
as cidades franciscanas guardam o mesmo misticismo legado à Terra pelo guintes, completando os dez volumes escritos na Itália:
grande poverelo de Assis, que viveu para Cristo, renunciando os bens materiais 01) Grandes Mensagens
e os prazeres deste mundo. 02) A Grande Síntese - Síntese e Solução dos Problemas da Ciência e do Espírito
Pietro Ubaldi sentiu desde a sua infância uma poderosa inclinação pelo
03) As Noúres - Técnica e Recepção das Correntes de Pensamento
franciscanismo e pela Boa Nova de Cristo. Não foi compreendido, nem poderia
sê-lo, porque seus pais viviam felizes com a riqueza e com o conforto proporci- 04) Ascese Mística
onado por ela. A Sra. Lavínia era descendente da nobreza italiana, única herdei- 05) História de Um Homem
ra do título e de uma enorme fortuna, inclusive do Palácio Alleori Ubaldi. As- 06) Fragmentos de Pensamento e de Paixão
sim, Pietro Alleori Ubaldi foi educado com os rigores de uma vida palaciana. 07) A Nova Civilização do Terceiro Milênio
Não pode ser fácil a um legítimo franciscano viver num palácio. Naturalmen- 08) Problemas do Futuro
te, ele sentiu-se deslocado naquele ambiente, expatriado de seu mundo espiritual. 09) Ascensões Humanas
A disciplina no palácio, ele aceitou-a facilmente. Todos deveriam seguir a orien- 10) Deus e Universo
tação dos pais e obedecer-lhes em tudo, até na religião. Tinham de ser católicos
Com este último livro, Pietro Ubaldi completou sua visão teológica, além
praticantes dos atos religiosos, realizados na capela da Imaculada Conceição, no
de profundos ensinamentos no campo da ciência e da filosofia. A Grande Sínte-
interior do palácio. Pietro Ubaldi foi sempre obediente aos pais, aos professores, à
se e Deus e Universo formam um tratado teológico completo, que se encontra
família e, em sua vida missionária, a Cristo. Nem todas as obrigações palacianas
ampliado, esclarecido mais pormenorizadamente, em outros volumes escritos
lhe agradavam, mas ele as cumpriu até à sua total libertação. A primeira liberdade
na Itália e no Brasil, a segunda pátria de Ubaldi.
se deu aos cinco anos, quando solicitou de sua mãe que o mandasse à escola, e
O Brasil é a terra escolhida para ser o berço espiritual da nova civiliza-
aquela bondosa senhora atendeu o pedido do filho. A segunda liberdade, verdadei-
ção do Terceiro Milênio. Aqui vivem diferentes povos, irmanados, indepen-
ro desabrochamento espiritual, aconteceu no ginásio, ao ouvir do professor de ci-
dentes de raças ou religiões que professem. Ora, Pietro Ubaldi exerceu um
ência a palavra “evolução”. Outra grande liberdade para o seu espírito foi com a
ministério imparcial e universal, e nenhum país seria tão adaptado à sua mis-
leitura de livros sobre a imortalidade da alma e reencarnação, tornando-se reen-
são quanto a nossa pátria. Por isso o destino quis trazê-lo para cá e aqui com-
carnacionista aos vinte e seis anos. Daí por diante, os dois mundos, material e es-
pletar sua tarefa missionária.
piritual, começaram a fundir-se num só. A vida na Terra não poderia ter outra fi-
Nesta terra do Cruzeiro do Sul, ele esteve em 1951 e realizou dezenas de
nalidade, além daquelas de servir a Cristo e ser útil aos homens.
conferências de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Em oito de dezembro do ano se-
Pietro Ubaldi formou-se em Direito (profissão escolhida pelos pais, mas ja-
guinte, desembarcaram, no porto de Santos, Pietro Ubaldi acompanhado da es-
mais exercida por ele) e Música (oferecimento, também, de seus genitores), fez-se
posa, filha e duas netas (Maria Antonieta e Maria Adelaide), atendendo a um
poliglota, autodidata, falando fluentemente inglês, francês, alemão, espanhol, por-
convite de amigos de São Paulo para vir morar neste imenso país. É oportuno
tuguês e conhecendo bem o latim; mergulhou nas diferentes correntes filosóficas e
lembrar que Ubaldi renunciou aos bens materiais, mas não aos deveres para
religiosas, destacando-se como um grande pensador cristão em pleno Século XX.
com a família, que se tornou pobre porque o administrador, primo de sua espo-
Ele era um homem de uma cultura invejável, o que muito lhe facilitou o cumpri-
sa, dilapidou toda a riqueza entregue a ele para gerencia-la.
mento da missão. A sua tese de formatura na Universidade de Roma foi sobre A
Em 1953, Pietro Ubaldi retornou à sua missão apostolar, continuou a re-
Emigração Transatlântica, Especialmente para o Brasil, muito elogiada pela ban-
cepção dos livros e recebeu a última Mensagem, Mensagem da Nova Era, em
ca examinadora e publicada num volume de 266 páginas pela Editora Ermano
São Vicente, no edifício “Iguaçu”, na Av. Manoel de Nóbrega, 686 – apto. 92.
Loescher Cia. Logo após a defesa dessa tese, o Sr. Sante Ubaldi lhe deu como
Dois anos depois, transferiu-se com a família para o Edifício “Nova Era” (coin-
prêmio uma viagem aos Estados Unidos, durante seis meses.
cidência, nada tem haver com a Mensagem escrita no edifício anterior), Praça
Pietro Ubaldi casou-se com vinte e cinco anos, a conselho dos pais, que es-
22 de janeiro, 531 – apto. 90. Em seu quarto, naquele apartamento, ele comple-
colheram para ele uma jovem rica e bonita, possuidora de muitas virtudes e fina
tou a sua missão. Escreveu em São Vicente a segunda parte da Obra, chamada
educação. Como recompensa pela aceitação da escolha, seu pai transferiu para
brasileira, porque escrita no Brasil, composta por:
o casal um patrimônio igual àquele trazido pela Senhora Maria Antonieta Sol-
11) Profecias
fanelli Ubaldi. Este era, agora, o nome da jovem esposa. O casamento não esta-
va nos planos de Ubaldi, somente justificável porque fazia parte de seu destino. 12) Comentários
Ele girava em torno de outros objetivos: o Evangelho e os ideais franciscanos. 13) Problemas Atuais
Mesmo assim, do casal Maria Antonieta e Pietro Ubaldi nasceram três filhos: 14) O Sistema - Gênese e Estrutura do Universo
Vicenzina (desencarnada aos dois anos de idade, em 1919), Franco (morto em 15) A Grande Batalha
1942, na Segunda Guerra Mundial) e Agnese (falecida em S. Paulo - 1975). 16) Evolução e Evangelho
Aos poucos, Pietro Ubaldi foi abandonando a riqueza, deixando-a por con- 17) A Lei de Deus
ta do administrador de confiança da família. Após dezesseis anos de enlace ma- 18) A Técnica Funcional da Lei de Deus
trimonial, em 1927, por ocasião da desencarnação de seu pai, ele fez o voto de
19) Queda e Salvação
pobreza, transferindo à família a parte dos bens que lhe pertencia. Aprovando
aquele gesto de amor ao Evangelho, Cristo lhe apareceu. Isso para ele foi a 20) Princípios de Uma Nova Ética
maior confirmação à atitude tão acertada. Em 1931, com 45 anos, Pietro Ubaldi 21) A Descida dos Ideais
assumiu uma nova postura, estarrecedora para seus familiares: a renúncia fran- 22) Um Destino Seguindo Cristo
ciscana. Daquele ano em diante, iria viver com o suor do seu rosto e renunciava 23) Pensamentos
todo o conforto proporcionado pela família e pela riqueza material existente. 24) Cristo
Fez concurso para professor de inglês, foi aprovado e nomeado para o Liceu São Vicente (SP), célula mater. do Brasil, foi a terceira cidade natal de Pie-
Tomaso Campailla, em Módica, Sicilia – região situada no extremo sul da Itália tro Ubaldi. Aquela cidade praiana tem um longo passado na história de nossa
– onde trabalhou somente um ano letivo. Em 1932 fez outro concurso e foi pátria, desde José de Anchieta e Manoel da Nóbrega até o autor de A Grande
transferido para a Escola Média Estadual Otaviano Nelli, em Gúbio, ao norte da Síntese, que viveu ali o seu último período de vinte anos. Pietro Ubaldi, o Men-
Itália, mais próximo da família. Nessa urbe, também franciscana, ele trabalhou sageiro de Cristo, previu o dia e o ano do término de sua Obra, Natal de 1971,
durante vinte anos e fez dela a sua segunda cidade natal, vivendo num quarto com dezesseis anos de antecedência. Ainda profetizou que sua morte acontece-
humilde de uma casa pequena e pobre (pensão do casal Norina-Alfredo Pagani ria logo depois dessa data. Tudo confirmado. Ele desencarnou no hospital São
– Rua del Flurne, 4), situada na encosta da montanha. José, quarto No 5, às 00h30min horas, em 29 de fevereiro de 1972. Saber quan-
A vida de Pietro teve quatro períodos distintos (v. livro Profecias – “Gêne- do vai morrer e esperar com alegria a chegada da irmã morte, é privilégio de
se da II Obra”): dos 5 aos 25 anos  formação; 25 aos 45 anos  maturação in- poucos... O arauto da nova civilização do espírito foi um homem privilegiado.
terior, espiritual, na dor; dos 45 aos 65 anos  Obra Italiana (produção concep- A leitura das obras de Pietro Ubaldi descortina outros horizontes para uma
tual); dos 65 aos 85 anos  Obra Brasileira (realização concreta da missão). nova concepção de vida.

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