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1

A
Desconstrução
de um mito
Um mito nada moderno sobre coisas vistas na Terra,
porque os discos voadores podem não existir

Carlos Reis
Ubirajara Rodrigues

Juiz de Fora / MG

2
2009
A Desconstrução de um mito
Copyright© Carlos Reis & Ubirajara Rodrigues

Editor Responsável
João Antonio Carvalho

Produtora Editorial
Pryscila Bilato Grosschädl

Revisão
Pryscila Germini

Revisão Técnica
Pryscila Bilato Gosschädl

Imagem de capa
Sachim Ghodke/Stock.XCHNG

Capa
Rodrigo Rojas

Diagramação
Ana Maria Totaro

Impressão & Controle de Qualidade


Rafael Ferreira Soares

Catalogação da publicação
LivroPronto Editora
Reis, Carlos A.
R375d
A desconstrução de um mito, um mito nada moderno sobre
coisas vistas na Terra, porque os discos voadores podem não
existir. Carlos Reis, Ubirajara Rodrigues, São Paulo:
LivroPronto, 2009.

ISBN 978.85.7869.076.2
Literatura brasileira – ensaios 2. Vida em outros planetas
1 Título. Rodrigues, Ubirajara F.
CDU 82-4(81):573.5
Bibliotecário responsável: Clever Adauto

São Paulo, 2009


1ª Edição

Nenhuma parte desta publicação pode ser armazenada, fotocopiada,


reduzida por meios eletrônicos ou outros quaisquer
sem a prévia autorização da Editora

3
Agradecimentos

Estamos certos de que apesar do empenho, dedicação e


extremo cuidado na preparação deste trabalho, falhas serão notadas,
erros detectados e lacunas ficarão abertas. Desde já, sinceras
desculpas. Ao longo de dois anos fomos abastecidos por um volume
tal de informações que deparamos com uma difícil decisão: ou
dividíamos em dois volumes e então não saberíamos por quanto
tempo estaríamos protelando seu término, ou teríamos a indesejável
tarefa de selecionar e condensar este farto material de modo a não
comprometer a clareza da obra. Pois essa foi a nossa opção. Muito
deveria e precisaria ficar, mas nem por isso a consideramos
inacabada. Ela cumprirá sua finalidade última através do leitor.
Nossa gratidão aos amigos que generosamente contribuíram
com sua experiência e conhecimento – Laura Elias, Lúcio Manfredi,
Rogério Chola e Vanderlei D´Agostino. Suas responsabilidades se
restringem apenas às suas colaborações, não tendo necessariamente
que concordar com os autores no restante da obra. Nosso muitíssimo
obrigado também a Elaine Villela, Lílian Maria R. Conde. Luciano
Stancka, Mariângela Nascimento e Rogério Campos, pela valiosa
colaboração.

Por fim, um reconhecimento pessoal e especial dos autores.


Carlos Reis - à minha querida companheira Izaura pelo suporte
afetivo e inúmeras sugestões no aprimoramento da escrita, fator
decisivo para a leveza e compreensão da matéria principalmente em
seus pontos mais complexos. Ubirajara Rodrigues – à minha mulher
Dione pelo seu incondicional apoio, engajamento e plena
participação durante todo o processo de pesquisa e preparação da
obra.

4
Índice

006 Introdução à guisa de prefácio


019 Os alquimistas somos nós
026 Paradoxo de Escher
036 A subjetividade de uma realidade objetiva
057 Anatomia de um erro
077 Embriaguez ufológica ou a nau dos insensatos
101 A ingenuidade é uma fratura exposta
125 De como o extremismo pode estar abalado
155 O “grande irmão” sideral
170 Religião vs Ciência ou Anjos vs Demônios
195 Uma nação de patetas
217 Um mito nada moderno
264 Enfim, sós?
274 Vigiando a ponta do nariz
287 Comandantes estelares: somos marionetes?
298 A árvore de dourados frutos
318 O mito e seu subproduto – os RODs
338 Ser ou não ser – eis a questão
351 Basta só um pouco de inteligência
360 Reflexões periféricas
393 Índice iconográfico
394 Notas biográficas

5
Introdução a guisa de prefácio

O mito é um modo de pensar que


parte do princípio de que,
se não se pode compreender tudo,
não se pode explicar coisa alguma.

Claude Lévi-Strauss

O título desta obra poderia ser qualquer um – “A Ufologia


revisitada” ou, remetendo a uma aventura no tempo, “Em busca da
Ufologia perdida” ou a algo mais incisivo como “A Ufologia
passada a limpo”, que a ideia seminal não mudaria – promover uma
depuração vigorosa nas entranhas do tema para extrair dele o
excesso de gordura que impede um exame mais nítido de sua
verdadeira natureza.
Mesmo sabendo que jamais teremos acesso à “verdadeira
natureza” do que quer que seja, ao menos aspiramos erradicar de vez
a panaceia1 e a confusão reinante no meio. Ainda que com bom
humor nos tenham chamado ora reacionário raivoso ora antiufólogo,
podemos assegurar que tais adjetivos estão longe da realidade. Não
se trata de uma atitude dissidente, anárquica ou revoltosa, nem o
presunçoso desejo de a obra se impor tutelar, mas um processo
natural de substituição dos rótulos e arcaísmos por uma macrovisão
historiográfica corretiva dos fatos.
Seria confortável ficar observando a entediante inoperância da
Ufologia, mas isso significaria violentar nossos princípios e ir contra
tudo aquilo que defendemos e acreditamos como pesquisadores e
analistas. Por isso, reconhecemos este livro catártico, porque
capitalizamos através dele a nossa indignação diante de um
espetáculo com todos os adereços de um manicômio a céu aberto.
1
N.A.: Esta obra usou a Nova Ortografia. Apesar do cuidado na revisão, pode haver falhas,
pelas quais nos desculpamos.
6
Para que não pairem dúvidas sobre porque catártico, descemos a
minúcias sobre o significado de catarse recorrendo a Joseph
Campbell ao se referir às interpretações metafóricas para Kátharsis2:

Num papiro antigo, é “abrir”, “limpar”; Em outro papiro, é “joeirar”,


como na separação dos grãos; Diocles usava o termo como a imagem
de limpar o alimento através do cozimento; Teofrasto usava como
“podar”; Filodemo e Epicuro usavam-na como “esclarecimento”;
Galeno, como sentido de “cura” através da aplicação de um remédio, e
por fim, para Crísipo era a “purificação” por meio do fogo. A nossa
receita aqui reuniu num único caldeirão as palavras-chaves limpar,
joeirar, cozer, podar, esclarecer, medicar e purificar.

Quanto ao subtítulo – Um mito nada moderno sobre coisas vistas


na Terra – o leitor familiarizado com o assunto certamente
perceberá a clara alusão à antológica obra de Carl G. Jung, que será
mencionada algumas vezes aqui – Um Mito Moderno Sobre Coisas
Vistas no Céu, de 1958. Longe de ser uma pretensiosa comparação,
até porque o enfoque é outro, e também jamais uma sátira
desrespeitosa, este livro convida a uma profunda reflexão sobre o
outro lado deste espelho mágico que reflete nossa própria imagem, e
entender por que um mito nada moderno.

Para saber por onde esta obra vai enveredar, vamos começar
procurando apreender o significado de mito, ressaltando que, embora
implícito nestas entrepáginas, sua amplitude não permite
simplificações, já que ele é inesgotável por excelência. O leitor
interessado em mitologia tem à sua disposição belíssimas obras
como, por exemplo, O Poder do Mito3 e O Homem e seus Símbolos4,
de Joseph Campbell e Jung, respectivamente. E já que estamos
falando de duas das maiores autoridades no assunto, nada mais
oportuno do que extrair de um deles, ainda que superficialmente, sua
definição sobre mito.
Campbell declara que:

2
Mitos, Sonhos e Religião, Ediouro, RJ, 2001.
3
Palas Athena, SP, 1991.
4
Nova Fronteira, RJ, 1964.
7
O mito tem muitas funções. A primeira é que os mitos fazem uma
conexão entre nosso despertar de consciência e o mistério inteiro do
universo. Esta é sua função cosmológica. Ele permite ver a nós mesmos
em relação à natureza, conforme falamos em Pai Céu e Mãe Natureza.
Existe também uma função sociológica para o mito, à medida que ele
suporta e valida uma certa ordem social e moral para nós. (...) Por
ultimo, o mito tem uma função psicológica que nos oferece uma
maneira de atravessar e lidar com os vários estágios desde o
nascimento até a morte.

E finaliza:

Os mitos saem da imaginação criativa que todos nós partilhamos e a


história que cada um de nós reconhece em sua própria busca que
permeia todas as lendas de herói, como a dos Cavaleiros da Távola
Redonda, que deviam viajar a um mundo desconhecido e guerrear com
os poderes das trevas de modo a poder retornar com o presente do
conhecimento.5

Mas uma terceira obra precisa ser mencionada pela sua


atualidade, e aqui vão os primeiros respingos dela:

Outra característica peculiar da mente humana é a capacidade de ter


ideias e experiências que não podemos explicar racionalmente.
Possuímos imaginação, uma faculdade que nos permite pensar a
respeito de coisas que não se situam no presente imediato e que,
quando as concebemos, não têm existência objetiva. A imaginação é a
faculdade que produz a religião e a mitologia. O mito trata do
desconhecido; fala a respeito de algo para o que inicialmente não
temos palavras. Portanto, o mito contempla o âmago de um imenso
silêncio. Os seres humanos sempre foram criadores de mitos. 6

Os mitos não nascem da imaginação desenfreada do homem ou


de um capricho dos deuses, nem constituem forma de pensamento
pré-científico. Eles são a expressão simbólica de forças vivas e
atuantes que trabalham nos subterrâneos da psique. A função destas
forças parece ser a de relacionar o homem às profundezas

5
Entrevista a Eugene C. Kennedy, The New York Times, 1979.
6
Armstrong, K. Breve História do Mito, Companhia das Letras, SP, 2005.
8
arquetípicas do universo, estabelecendo um vínculo entre a
superfície da consciência e o si-mesmo incognoscível.
Tornou-se lugar-comum falar em crise das religiões, que, ou
teriam se tornado desnecessárias ou estariam sendo reprisadas pela
iconoclastia da época. Contudo, o que está acontecendo é que os
pensamentos religiosos estão migrando para fora dos cultos
institucionalizados, transferindo-se para canais alternativos: arte,
ciência, política, etc. Em alguns casos – como no da política, essa
transferência pode ter resultados catastróficos – as teocracias de
Hitler e Stalin ou a idolatria dos americanos pelo seu presidente.
Com bons ou maus resultados, entretanto, esse movimento de
sacralização do profano é um fato, nitidamente observável e
aparentemente irreversível. A questão que se apresenta é saber se o
fenômeno Óvni7 estaria desempenhando o papel de um desses
campos alternativos para a expressão das questões religiosas, entre
outras.
E por que nada moderno? Porque o que vamos discutir aqui não
tem mesmo nada de atual, e a continuação sobre coisas vistas na
Terra é emblemática: o mito a que nos referimos não é esse criado
por nós a que chamamos de Óvni, porque dele pouco – ou nada –
sabemos. O mito em tela é aquele que moldamos sobre nós mesmos.
A matriz desse pensamento é que a Ufologia gravita em torno de um
fenômeno ainda maior – o próprio homem.

O repúdio e o inconformismo aqui expostos revelam a


transparência de propósitos e reforçam o empenho em provocar uma
ruptura nos atuais padrões de pesquisa. Traduzem também a
inquietação característica dos espíritos genuinamente libertários,
inquiridores e insatisfeitos, reafirmando o compromisso de uma luta
sem tréguas contra a passividade e o imobilismo, ao invadir o
“templo sagrado” de uma Ufologia ortodoxa e suas semisseculares e
anacrônicas (in)certezas. Libertário, por ser atuante e dinâmico em
sua nascente, inquiridor porque lança dardos agudos contra verdades
7
Optamos por usar a sigla Óvni (Objeto Voador Não Identificado), mantendo a expressão em
inglês Ufo apenas para os casos de citação, títulos de obras ou situações em que julgamos
correto preservá-la. Além disso, a palavra Óvni - strictu sensu , designa “objetos que voam e
não podem ser identificados”. Optamos também pela grafia do acrônimo Óvni de acordo
com os dicionários e manuais normativos da Língua Portugues.
9
“estabelecidas”, e insatisfeito, face a pobreza escancarada da ação e
do discurso praticado, tão ruminante quanto dominante.
Podemos até nos imaginar reescrevendo a história da Ufologia, e
tomara estejamos, porque nossos escritos almejam ser uma bússola
confiável nesse oceano desconhecido, apontando um norte para uma
travessia de longo curso e, quem sabe, ser uma caixa de ressonância
em algum lugar no tempo e no espaço. Só o tempo dirá. Podemos até
imaginar também que havia uma Ufologia antes e que haverá outra
depois. Só o tempo dirá isso também.
Quando nos perguntam se a Ufologia é polimórfica, dizemos que
não, ao contrário, é totalmente amórfica, mas camaleônica ela é sim,
sem dúvida. E também sincrética. Não sabemos do que trata o
fenômeno, embora para alguns segmentos não exista mistério, já que
para eles as respostas sobrepassam as perguntas. Este é o erro
imperdoável que se comete impunemente, gerando um painel
confuso entulhado de explanações canhestras, lacunas que não se
preenchem, clichês surrados recendendo a jornal velho, respostas
inconclusivas e arrevesadas, enfim, uma cantilena desarmônica
interminável. Se for para encontrar a luz no fim do túnel, temos
primeiro que achar o túnel. Não estamos aqui reivindicando os
“direitos autorais” da Ufologia nem defendendo uma verdade íntima
ou criando um duelo de convicções pessoais. Estamos, sim,
alinhados com o que se passa no resto do mundo, em todos os
campos do conhecimento: ciências, religião, relações humanas e
sociais, ética, política, história, economia, artes, educação, literatura,
comportamento, Filosofia, todos interagindo entre si. Nenhum
escapa ao olhar cada vez mais sensível de uma sociedade
perscrutadora, exigente e crítica.
Também não se trata de levar a Ufologia ao tribunal e
colocá-la no banco dos réus, até porque não está sendo acusada de
nada, ao contrário, é vítima, por deixar flancos abertos vulneráveis a
toda espécie de críticas e ataques e à invasão desenfreada de pseudo
pesquisadores metidos a entendidos no assunto. Solo fértil, portanto,
à afluência de aportes debochados, quando não pejorativos, alguns
plenamente justificáveis. Por não ter dicção própria, qualquer um
pode se apresentar como porta-voz, e aí reside o perigo. A ausência
de métodos e o foco errado das pesquisas têm sido os grandes, mas

10
não únicos vilões. Nossa proposta é uma tentativa de contribuir para
a melhoria dos instrumentos de investigação e elucidar alguns
aspectos ainda bastante obscuros, porque a coisa chegou a um ponto
insustentável.
É uma atitude, acima de tudo, de responsabilidade e coerência
com os princípios elementares da crítica. A radiografia revela uma
situação que exige um tratamento invasivo e definitivo: drenar a
insensatez acumulada pela falta de inteligência para ocupar essas
cavidades.
Para começar, uma providência imprescindível e inegociável,
antes que sejamos engolfados por um pessimismo incurável –
extirpar os males que foram ao longo do tempo e sabe-se lá por quais
razões, incorporados à Ufologia, tornando-se verdadeiras células
cancerosas de um corpo originalmente saudável. Isto requer precisão
cirúrgica no corte: pirâmides, triângulo das Bermudas, círculos
ingleses, crânios de cristal, ossadas incomuns, mensagens
telepáticas, canalizações8, chupacabras, implantes, Terra oca,
aparições marianas, pistas de Nazca, deuses astronautas, bases
submarinas ocultas, relevos marcianos e uma infinidade de outros
temas que não trouxeram nenhuma luz e se transformaram em um
autêntico festival de sandices.
A Ufologia tornou-se hospedeira natural destes parasitas,
um buraco negro tragando para seu interior tudo aquilo que
tangencia seu “horizonte de eventos”, um vertedouro de
aberrações e absurdos indescritíveis rodopiando em torno de si
mesma num carrossel de impossibilidades. Essa Ufologia
coisificada e embalada para consumo imediato está
nitidamente introjetada no espírito atual, por sua vez
desprovido de um comando capaz de abortar essa linha suicida
de pensamento.
Imaginamos que, sem eles, ou ela se tornará um abatedouro

8
Canalização é um fenômeno estudado pela ParaPsicologia, enquadrado na categoria dos
fenômenos Theta,. Ocorre quando alguma forma de manifestação externa se utiliza de uma
pessoa (sensitivo ou médium) como veículo de comunicação. A canalização seria, então,
uma forma de “mediunidade”, diferente da telepatia, pois envolve a palavra falada e
normalmente a inconsciência do receptor, sem vincular fenômenos ou efeitos físicos
externos ocorrendo no ambiente.
11
ou um orfanato de ufólogos com neurônios desocupados, ou então –
e aí se daria um salto extraordinário – eles se tornarão realmente
ufólogos, pesquisando somente o que interessa e da maneira correta.
Por outro lado, é bastante provável também que uma reviravolta em
conceitos tão fossilizados provoque algum revertério em massas
cinzentas mais cinzentas que massa, mas esse é o preço da
maturidade. Talvez assim acabe de vez o contorcionismo mental a
que se está sujeito cada vez que surge um novo modismo.
Tudo bem que foram tentativas honestas e bem
intencionadas de se encontrar alguma relação com o assunto, uma
explicação para tantas dúvidas, mas, ao invés disso, embaralharam
ainda mais a sua compreensão. Seus prazos de validade dentro da
Ufologia se esgotaram há muito, por isso devem ficar confinados às
suas respectivas arenas, sejam quais forem. Certos fatos são tão
poderosos em seu potencial de convencimento que não se tornam
evidentes em sua falsidade ou logro.

Uma das lições mais tristes da história é a seguinte: se formos


enganados por muito tempo, a nossa tendência é rejeitar qualquer
evidência do logro. Já não nos interessa descobrir a verdade. O engano
nos aprisionou9.

Numa só palavra, a Ufologia, tal como é vista e tratada, hoje, não


passa de um grande engano, e os ufólogos, fiéis signatários, não
percebem que estão encabrestados por um autoengano. Quanto mais
estacionado na obsolescência, mais difícil entender, absorver e
acompanhar as mudanças no mundo.
O fio condutor que impulsionou esta empreitada foi a inadiável
necessidade de se instaurar uma revisão ampla e legítima em um
assunto impregnado de questões adjacentes e subjacentes que jamais
deveriam fazer parte de seu estudo. Uma proposta ainda mais
desafiadora que a matéria principal, sem dúvida, pois estamos
pisando em terreno minado – um tropeço e voamos pelos ares (é
preferível imaginar que estamos pisando em ovos). Há uma
indolência generalizada, um ranço, uma abstinência, uma atrofia
intelectual que dificulta a busca de caminhos alternativos para o

9
Sagan, C.; O Mundo Assombrados pelos Demônios, Cia. de Bolso, SP, 2006.
12
entendimento de um fenômeno que contraria todos os postulados da
lógica, da ciência, da racionalidade e do bom senso.
Por isso, esta obra ousa ser singular e pioneira na contracorrente
do mercado editorial no gênero, porque pretende preencher um vazio
na bibliografia ufológica brasileira, não só por nunca ter havido uma
que desnudasse a Ufologia com olhar agudo, implacável e mordaz,
mas também porque nenhuma outra atreveu solapar os pilares
erguidos em todos estes anos e provocar fissuras em sua estrutura
básica. Ela é também, por sua própria natureza, nosso labor
oratorium hoje – o melhor e mais eficiente instrumento para
expressar e compartilhar experiências e resultados.
Mas as ambições deste livro não param por aí. Anseia ser o
precursor de uma nova linguagem em oposição à informação
estratificada, repetitiva, retrógrada e alienante que recheia livrarias,
estantes e bibliotecas, salvo raras exceções. Deseja ser um oásis no
deserto literário sobre o tema, dar um sopro de lucidez nas ideias
empoeiradas nos porões da inteligência, remodelar o pensamento
desgastado e viciante e parir um novo conceito de pesquisa. Um
divisor de águas, marco zero para a emancipação de uma disciplina
que nem mesmo tem status para ser assim chamada. A rigor, a
Ufologia sequer figura nos bancos acadêmicos, não é matéria
curricular de escola alguma, não gera empregos nem divisas, não dá
diploma nem doutorado e muito menos forma especialistas. Está
desorientada no meio do nada. Se almeja uma “inserção social”, um
“reconhecimento oficial” ou uma estatura representativa, precisa
adotar uma fala inteligente e palatável, nem que para isso tenha que
ser virada pelo avesso e recomeçar do zero.
Portanto, não nos permitimos concessões nem concisões, no que
pedimos complacência para com as críticas mais ácidas, nunca
gratuitas, e sábia compreensão quando houver traços de rebeldia. Na
gíria adolescente, não deixamos barato, abrimos a caixa de
ferramentas e mandamos ver. Temos um compromisso com o futuro.
Basta de rifar a Ufologia. Estamos atendendo a um apelo de nossas
consciências. Se há um comprometimento explícito ele é, antes de
tudo, com o leitor, mas com o de hoje e o de amanhã, porque o de
ontem vai ter que rebolar para se entender conosco, ou estará
predestinado a viver eternamente nesse atraso. Ou você acompanha

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o ritmo do mundo ou fica na cadeira de balanço dando adeus a quem
passa. Com este pensamento, somos genuinamente argonautas em
busca do tempo perdido
.
Não há como precisar quando exatamente este livro começou a
ser escrito, uma vez que permaneceu incubado em nossos ideais por
um período impossível de ser estimado. O que podemos dizer com
segurança é que foi moldado ao longo das vivências e lapidado pelas
experiências individuais, forjado pela premência de sanear uma
história eivada de falhas de construção argumentativa, conduzida por
abordagens daltônicas e esquivas e nutrida por pesquisas que se
intitulam científicas, mas que não passam de procedimentos
amadores e caricatos, arremedos da verdadeira pesquisa científica.
Malgrado esse perfil, consegue atrair uma plateia cativa, ávida por
revelações ainda que espúrias. Além disso, este trabalho vem
emoldurar uma militância de mais de 30 anos de andanças, jornada
essa que também foi vítima de falhas, próprias da necessidade de
convencer e se convencer de uma realidade que até então era o que
se dispunha para estudo. Não vamos contabilizar os erros, fizeram
parte do ofício. O tempo da ingenuidade e do obscurantismo ficou
para trás. A ignorância prescreveu em favor de uma visão assentada
na lógica, na racionalidade, no equilíbrio e na percepção crítica dos
fatos.
Ao percebermos que nossas convicções não eram mais
suficientes para atender às indagações, pois apresentavam furos no
seu tecido, fiapos que se esfacelavam frente aos fatos, à reflexão, à
maturidade que a vida se encarregava de nos presentear, decidimos
nos afastar do rebanho, sair do turbilhão de eventos e apreciar o
movimento das peças. Porém, não mais como um jogador inábil
diante de um adversário imbatível, mas como observadores e
analistas desapaixonados, e o panorama que se descortinou foi
sombrio e desolador. Então, como escreveu alguém certa vez, é
preferível viver um dia de leão a cem de carneiro, e o resultado é
este que está em suas mãos.
A escassez de propostas, a parcimônia nas ações e a falta de
perspectivas foram vetores decisivos para cinzelar essa iniciativa.
Mais que um impulso moral ou dever de consciência, há uma

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espécie de gratidão para com um tema que tem nos ensinado muito
não sobre discos voadores, extraterrestres e toda essa coisa, até
porque continuamos tão ignorantes como quando começamos, mas
sobre o ser humano, essa figura contraditória, incoerente, ambígua,
desconhecida, ilógica e frágil. Nada mais justo, portanto, do que
retribuir com o nosso aprendizado até onde nos foi possível chegar.
Está mais do que na hora refazer essa história e começar a mostrar
uma Ufologia que desconhece a si própria.
É curioso e ao mesmo tempo gratificante imaginar que a distância
geográfica que separa cada página se estenda por quilômetros.
Embora a obra tenha sido escrita por ambos, simultaneamente, o
tempo todo, utilizando todos os recursos de comunicação disponíveis
e com o precioso apoio de colaboradores notáveis, nos esforçamos
para o leitor não perceber onde termina a letra de um e começa a do
outro. Essa sintonia fina, o espírito consensual e a sobreposição de
ideias foram a pièce de résistance e principal força motriz que
tornou possível o empreendimento. Descontadas pontuais
divergências, sobressai uma respeitosa e bilateral influência. Por
mais essa razão, foi um trabalho de fôlego e imersão até a medula
em incansáveis horas diárias dedicadas à elaboração dos textos, a
releituras, revisões, reflexões, diálogos, monólogos e silêncio.
Meses foram investidos em pesquisas, confirmação e atualização
de dados. Mergulhamos em extensa bibliografia na busca de
informações detalhadas no rigor de fontes seguras, que nos levou a
um prolífico e por vezes obsessivo passeio por searas inabitualmente
exploradas – neurociências, Psicologia, mitologia, psiquiatria,
Antropologia, Sociologia e Filosofia, e na repescagem de antigos
escritos, alguns deles revisados e reaproveitados, uma vez que se
mostraram atemporais, sem sinais de envelhecimento. Procurando
não comprometer o prazer e o fundamento da leitura, redobramos os
cuidados com a semântica para neutralizar as interpelações
virulentas com que provavelmente seremos fustigados com apetite
voraz, conforme a sanha dos predadores. Que venham, desde que
com inteligência e respeito, porque surtos esquizoides, efusões
misticoides ou achaques imbeciloides serão sumariamente
ignorados. Não nos intimida a artilharia que poderá ser utilizada
porque má pontaria e balas de festim costumam ser a tônica. O

15
recado está dado. Recomenda-se abastecer o cérebro antes de dar
vazão a uma incontinência verbal apoplética. É a única forma de
saber se esta obra realmente surtiu o efeito desejado: provocar,
incitar, estimular uma reestruturação de valores.
Paradas obrigatórias foram estratégicas para uma eventual
correção de rota, para exorcizar os insidiosos fantasmas da soberba e
do excesso de autoconfiança (se houve excesso foi no preciosismo
da escrita), para desintoxicar a mente de uma inevitável congestão
temática, repensar opiniões, abolir vãs suposições e abdicar de
velhas certezas. Nenhuma interrupção foi improdutiva, nenhuma
lembrança pertinente ou insight deixaram de ser registrados. Por
exemplo, em um descontraído passeio pelas areias de Paraty,
observar as pegadas sendo apagadas pelas ondas acentuou o esforço
de não permitir que este trabalho também fosse diluído pelas marés
do tempo. No contraponto desta reflexão, uma íngreme caminhada
de três horas pela trilha inicial da Estrada Real10 fortaleceu a
obrigação de rever a história e “abrir caminhos” com base na visão
lúcida dos acontecimentos.
Salvo engano, por tudo isso e muito mais, é de se presumir
turbulências pela frente, porque alguns petardos foram desferidos
com mira telescópica, enquanto outros alvos que estavam na linha de
tiro foram poupados por pura indulgência. É quase certo que o
desafinado coro dos ressentidos será amplificado, que a república
dos insurretos franqueará suas portas e a temperatura das discussões
irá esquentar. Pretextos não faltarão, precipitação e destempero vão
sobrar. Entre confrontos, desencantos e desencontros é aconselhável
optar pelos primeiros, que pressupõe, na melhor das hipóteses, um
diálogo pendular e equidistante entre o que é e o que não pode ser.
Entretanto, sabemos que independentemente deste livro, a Ufologia
continuará seguindo seu caminho.

A cruzada que ensejamos aqui sob o selo da responsabilidade é


resultado de um trabalho árduo, cioso e diligente, canalizado para
10
A Estrada Real foi criada pela Coroa portuguesa no século 17 com a intenção de fiscalizar a
circulação das riquezas e mercadorias que transitavam entre Minas Gerais - ouro e diamante
- e o litoral do Rio de Janeiro. Com aproximadamente 1.400 km, ligava a cidade de
Diamantina a Paraty (Caminho Velho) e posteriormente à do Rio de Janeiro (Caminho
Novo). Para maiores informações, consulte www.estradareal.org.br.
16
discutir a forma e o conteúdo de um campo de estudo cuja
claustrofóbica atmosfera, abafada e rarefeita, encontra-se
contaminada. Nada mais que isso. Qualquer outra interpretação que
venha a ser feita não corresponde à realidade, mesmo que algumas
páginas exponham comentários mais apimentados que o habitual ou
um humor corrosivo, e outras nem sempre fina ironia, fruto natural
da eloquência passional na defesa de um ponto de vista, embora
permeadas aqui e ali com pinceladas poéticas. Se não
compactuamos com a parvoíce instaurada, temos obrigação de
delatar os desmandos aplicados à Ufologia e cerrar fileiras no
combate às estultices e promiscuidade intelectual para obstruir sua
continuidade, até porque tem sido uma maratona extenuante e
interminável recolher os destroços e corrigir as lambanças que
andam fazendo estrada afora. Enquanto algumas feridas cicatrizam
mais rapidamente, outras não param de sangrar. Este livro espera ser
um torniquete e um bálsamo. Em resumo ele é, por excelência,
denunciador de logros, reordenador de fatos e prospectivo nas ações.
Desmistificador e desmitificador, também. Que prolifere e seja berço
para reflexões. Como dizia Moliére, não somos responsáveis apenas
pelo que fazemos, mas também pelo que deixamos de fazer.
Este livro deixará de nos pertencer quando alcançar a luz das
ruas. Em última instância, pretende servir como um legado às futuras
gerações, das quais nossos e seus filhos farão parte, mostrando o
lado sério e viável da pesquisa ufológica, com consciência,
determinação, ponderação e discernimento, exatamente como
sempre fizemos questão de marcar nossa presença nesse árido
território, muitas vezes à custa de um alto tributo. Inegavelmente, é
uma visão de longo prazo, um esforço sincero de empreender uma
ação que traga benefícios concretos e duradouros. Não cogitamos
ver esta obra relegada ao Index librorum prohibitorum, mas, se
acontecer, talvez não seja de todo ruim. Em vão é que ela não foi
escrita, primeiro porque não nos imaginamos pregando no deserto
muito menos combatendo moinhos de vento, e segundo porque
nossa biografia e produção literária não permitem – não admitem –
desperdícios de tempo, tinta e papel.
Por essas e outras razões, aos olhos do leitorado esta obra poderá
parecer pretensiosa em alguns momentos, porque apostamos na

17
potencial repercussão que ela carrega, respaldados na seriedade das
intenções. É um direito nosso reclamar por uma revolução no
pensamento e na forma de se olhar a matéria daqui em diante.
Um novo olhar se impõe. Em razão disso, vamos estabelecer um
pacto com o leitor: pode fechar este livro a qualquer momento
quando achar que a arrogância e a prepotência estão passando dos
limites, mas advertimos: se não prosseguir, não se inteirar dos fatos
que foram passados a limpo e da alquimia que a obra se propôs,
então certamente continuará caminhando do outro lado do muro,
alheio às grandes mudanças que florescem à sua volta o tempo todo.
Só não as vê quem não quer ou é extemporâneo a elas.
Por outro lado, se continuar, então estará travando um silencioso
diálogo conosco, e, por que não, assumindo discreta cumplicidade.
Por fim, é importante ressaltar que esta obra foi urdida de forma a
ser um harmonioso conjunto de textos interagindo e
complementando-se continuamente para ser absorvida de forma
plena. O objetivo final está claro: transferir ao leitor a
responsabilidade pelo que há de vir, e tal se justifica lá na frente ao
completarmos a frase Temas medíocres continuarão existindo...

18
Os alquimistas somos nós11

Somos um todo sem tempo,


sem culpa, sem verdades absolutas,
amarrados apenas na transitoriedade da existência.
Lucimar Brasil

Vivemos uma época única, não apenas pelo início de um terceiro


milênio, por si só um fato histórico à parte as fracassadas previsões
nostradâmicas de fim dos tempos - nem as bestas ressurgiram do mar
nem as estrelas caíram do firmamento, embora, é bem verdade, as
águas andam revoltas e os céus, tenebrosos. Entretanto, mesmo que a
passagem de ano seja uma data comum, não se pode negar o fascínio
e a aura mística que um número redondo costuma causar – ano 1000,
1500 ou 2000 – por onde transpira o que Umberto Eco chamou de
“paranoia interpretativa”: basta um evento traumático ou luzes
piscantes no fundo negro e lá está o sinal do “apocalipse”, e por mais
que se diga que seu significado é revelação e não fim, o medo
permanece.
São temores naturais assumidos, dissimulados, negados ou
ampliados, um amálgama de medo, desespero e esperança. É o
sentido religioso em busca de uma direção e o sentimento religioso
em busca de uma transformação, uma espécie de reorganização das
identidades individuais e grupais, identidade essa que se ancora na
longa memória coletiva perdida no tempo.
Trata-se, talvez, de uma oportunidade única, um bonde que não
podemos deixar de pegar e passando veloz, uma ponte que se
estende entre o passado recente e o futuro próximo na recomposição
de valores, princípios, atitudes. O tempo presente, esse que mal se
nota no cotidiano, que nos devora, desorienta, aniquila, dispersa,
abandona, confunde, que sequer dá chance de conhecermos a nós
11
Este capítulo teve a colaboração de Laura Maria Elias, Vanderlei D´Agostino e Lúcio
Manfredi. Alguns textos foram editados a partir de matérias já publicadas, outros são
inéditos.
19
mesmos, esse passa voando pelas janelas da alma e nos envelhece
cada vez mais rápido. A ponte que devemos atravessar é a senda da
reflexão, da percepção e do sentir, porque o tempo da revolução é
contínuo – e necessário, por ser o único que nos empurra para frente.
É assim que termina a epígrafe que abriu este capítulo: Não podemos
ser os mesmos para sempre, porque este conceito termina no fim da
leitura. Quando fechamos um livro, uma nova realidade se impõe.
Se pinçarmos da linha do tempo os principais acontecimentos
ufológicos que justifiquem um mergulho na sua investigação,
veremos uma coletânea insossa de casos, uma luz aqui, uma foto ali,
um suposto contato acolá, uma improvável abdução mais além e,
com raras exceções, um ou outro evento mais interessante. Há, no
fundo, um “vazio existencial ufológico” que nem mesmo a pesquisa
consegue preencher, porque é claudicante, mal elaborada, um
inventário de registros solitários, descoordenados e desconexos,
simulacros de uma autêntica investigação. Nada disso faz sentido.
Uma averiguação é construída a partir de interrogações,
metodologia, apuro, precisão, rigor e disciplina.

Estudos indicam que o ser humano adulto processa cerca de 50


mil pensamentos por dia, sendo que da esmagadora maioria sequer
toma conhecimento, porque o cérebro apaga automaticamente as
experiências irrelevantes. Isto se chama memória-fluxo-de-duração-
pessoal, ou seja, que não se preocupa em manter o que não seja de
interesse, imediato ou não, ou que para nós não possua qualquer
significado, seja por um ângulo afetivo ou do próprio conhecimento.
Daí essa incômoda sensação de que não temos tempo para mais nada
ou que o tempo parece passar cada vez mais rápido. Não se faz mais
uma seleção adequada do que é realmente importante na vida, o
tempo está fora de controle, o concreto engole o imaginativo, o hoje
pulveriza o amanhã.
Os botões da tecnologia aceleram o futuro e não nos deixam viver
o presente, muito menos repensar o passado. É o que se chama de
tirania do presente. Mas é possível que a explicação para essa
“impaciência” esteja no nosso cérebro, faça parte dessa rebuscada
ligação de neurônios na conexão entre o sistema límbico, sede das
nossas emoções, com o córtex pré-frontal, a última camada

20
responsável pelos nossos pensamentos. Há um duelo ininterrupto
entre a longevidade da vida e a impermanência do homem. A
impaciência é vítima dela própria e isso perpetua um agir conflitante.
Quando somos crianças e queremos entender como as coisas são
ou funcionam, perguntamos aos nossos pais; mais tarde, já em idade
escolar, também aos professores. Quando não conseguimos as
respostas que procuramos, consultamos colegas, buscamos
informações em livros e reviramos bibliotecas e universidades. Se
nossa dúvida é sobre algo mecânico, sobre fenômenos naturais ou
qualquer outra área coberta e estudada pela ciência, teremos
explicações objetivas e verificáveis. Se não concordamos com aquilo
que nos informam, vamos procurar “provas” do que nos é dito.
Normalmente as encontramos com facilidade e a explicação é dada
de forma a dirimir todas as nossas dúvidas.
Porém, quando a busca é por questões que envolvam princípios
religiosos ou divinos, caímos numa região de brumas. Quando
questionamos o porquê da vida, quem é Deus, por que o universo
existe, qual o propósito dos fenômenos inexplicados, ficamos sem
informações satisfatórias e inequívocas. Essas questões ultrapassam
até a ontologia, tornam-se simplesmente transcendentais. Ou
aceitamos pacientemente que tudo isso seja misterioso e está acima
de nossa capacidade de compreensão ou então que são recursos
mentais, neurológicos, enzimáticos que nos fazem ter sensações ou
ilusões de algo que seja superior a nós. Nenhuma das duas opções
responde aos nossos questionamentos mais profundos porque não
calam a pergunta básica e simples que é o porquê de nossa
existência.
A religião nos diz que fomos criados, a ciência, que evoluímos,
mas nenhuma das duas explica por que existimos, ou melhor, para
que existimos. Não houvesse a espécie humana, o planeta não estaria
poluído, com florestas devastadas e animais em extinção. Por outro
lado, se aqui estamos, é possível que algum significado ou função
nossa existência deva ter. Seríamos um acontecimento aleatório na
história da Terra ou, pelo contrário, um acontecimento planejado?
Não há como responder a estas questões. Talvez nunca haja. Porém,
as perguntas continuam sendo feitas há gerações e respondidas de
uma maneira que não nos satisfaz.

21
Todos querem saber de onde viemos, mas, como os primórdios se
perderam nas brumas da pré-história, criamos mitos sobre nossos
antepassados, que não são históricos, porém ajudam a explicar atitudes
atuais em relação a nosso ambiente, nossos semelhantes e nossos
costumes. Também queremos saber para onde vamos, por isso
elaboramos histórias que falam de uma existência póstuma (...) E
queremos explicar os momentos sublimes, quando parece que somos
transportados para além de nossas preocupações ordinárias. A
mitologia foi, portanto, criada para nos auxiliar a lidar com as
dificuldades humanas mais problemáticas. A mitologia muitas vezes
deriva de uma ansiedade profunda relacionada a problemas
essencialmente práticos, que não podem ser mitigados com argumentos
puramente lógicos12.

As respostas talvez nem sejam tão importantes quanto as dúvidas


que nos lançam a procurá-las. Cada um de nós, ao seu modo e em
seus próprios termos, encontra uma maneira de respondê-las. Alguns
na religião, outros na ciência e outros ainda em direções místico-
ocultistas diversas. Muitas destas pessoas as encontram na Ufologia.
Teria ela condições de atender a estes apelos da consciência que
busca sua inclusão em algum plano evolutivo no universo? Muitas
vezes damos uma interpretação especial a acontecimentos que são
normais ou naturais, simplesmente porque queremos acreditar que
haja algo de diferenciado que nos dê prioridade em sua
manifestação. Queremos ser escolhidos, queremos que aquilo que
acreditamos ser a verdade realmente o seja, queremos ter nossas
perguntas respondidas e nesta busca ficamos cegos, surdos e mancos
à coerência, à racionalidade, à responsabilidade para conosco e para
com os outros. Perdemos o senso crítico e passamos a acreditar,
quando deveríamos analisar, questionar e investigar. Fatores e
pressões internas e externas como percalços da vida, violência,
desmoronamento dos limites do certo e do errado, acelerada
revolução de costumes e princípios morais, doenças, solidão,
desilusões, acabam servindo de gatilho ou incentivo para buscas
desesperadas por soluções de curto prazo.
Conviver no mundo moderno e tecnológico com suas mazelas e
cobranças requer mais que boa vontade. Requer aprendizado e sólida

12
Armstrong, K.; op. cit.
22
formação. Porém, na busca da resposta mais fácil que, de
preferência, confirme aquilo que gostaríamos que fosse verdade,
deixamos nos levar e muitas vezes nos levamos por caminhos
estranhos. Nesse contexto, a Ufologia serve, grande parte das vezes,
não como um estudo que amplie os paradigmas e mostre novas
maneiras de pensar nossa cultura e nossa sociedade, mas sim como
muletas e escudos que nos amparam e protegem de nós mesmos.
Transformá-la em seita, numa corrente de crença de cunho místico-
religioso de forma a se eximir de toda e qualquer responsabilidade
sobre sua própria evolução mental, não é a saída. Ler mensagens
messiânicas de seres que supostamente vivem em outros planos e
crer que essa é a resposta que buscamos é cavar, sem perceber, uma
enorme cova para enterrar nosso senso crítico, nossa capacidade de
discernimento e, muitas vezes, nossa sanidade.
A Ufologia sempre esteve envolvida por uma névoa de mistério,
palavra cuja raiz semântica do verbo grego mýein tem forte
conotação religiosa e, em outro sentido, adquire o significado de
“segredo”. Mistério é, fundamentalmente, uma realidade
transcendente, intransponível para a razão, vale dizer, uma
“realidade” simplesmente inatingível para o pensamento humano. O
maior de todos os mistérios, no sentido conotativo, somos nós
mesmos, nossa capacidade criativa, nossa imaginação. O grande
trunfo não é a confirmação de vida extraterrestre, que, se algum dia
ocorrer oficialmente, não será por ufólogos, mas por instituições de
pesquisas científicas. O trunfo é o ser humano e suas capacidades
todas. Endeusar aquilo que é produto de nossa vontade não responde
a perguntas, apenas mascara o que porventura poderíamos saber,
caso nos dedicássemos a procurar por elas com sabedoria.
Muito se tem falado sobre Marte e a possibilidade de abrigar vida
bacteriana. A aceitação e a divulgação de uma descoberta desta
magnitude poderão acontecer mais cedo ou mais tarde, assim como
não saberemos os segredos do universo apenas porque sonhamos
com naves e alienígenas ou porque filmamos ou fotografamos um
Óvni. A Ufologia traz consigo a necessidade de estudos nas mais
variadas áreas, de conhecimentos diversificados e, principalmente,
de argumentos para questionar e ampliar nossas ideias em relação ao
universo. Ela faz com que muitas vezes nos olhemos com olhos de

23
extraterrestres e perguntemos a nós mesmos, caso fôssemos de outro
planeta e viéssemos à Terra, se gostaríamos daquilo que iríamos ver.
Mas isso não faz dela uma religião. E não transforma seres
extraterrestres em deuses. Embora os incas acreditassem que os
espanhóis eram deuses e os tratassem como tais, não impediu que
estes cometessem todas as barbaridades que a história nos conta. A
questão ufológica demanda coragem para questionar, para estar
aberto a possibilidades, e não para crença.
Forjar acontecimentos ou fantasiá-los é apenas fugir à verdade.
Os relatos farsescos e os devaneios lisérgicos que se multiplicam no
quadro ufológico não nos desmentem. A casuística acolhe em seu
ventre situações tão descabidas quanto inverossímeis, muitas delas
aceitas como reais e consideradas “clássicas”, seja por veleidades – a
falta de interesse em esclarecer os fatos –, ou por conveniência,
conivência, preguiça, comodismo e desleixo, quando não
inexperiência. A rigor, nenhum caso passa pelo crivo de uma
inspeção mais robusta. Discutiremos alguns exemplos. A verdade,
seja ela qual for, talvez resida mais em prestarmos atenção em nós
mesmos e às nossas reações do que em nos agarrarmos a conceitos
mirabolantes e exóticos, quando não a ideias esquizotéricas13, que
nos levam para fora de nossa capacidade racional. A Ufologia pode,
sim, ajudar-nos a enxergar o mundo por outro ângulo, não porque os
supostos Ets sejam santos ou demônios, mas porque ela nos excita a
usar aquilo que de mais precioso temos: nosso pensamento e
capacidade intelectual. Para fazê-los funcionar, temos como
combustível o estudo, a pesquisa, a crítica, a reflexão. Contudo, para
entupir esse canal, basta uma única dose de desatino e obtusidade.
O pesquisador ufológico está tão desorientado que dá a
impressão de viver no interior de uma câmera fotográfica, só
percebendo o mundo exterior quando o diafragma é acionado numa
fração de segundo. Depois, tenta entender o que se passou olhando
cada um dos fotogramas isoladamente. Há uma evidente dissociação
com a realidade, falta a visão do todo, falta dedicar o momento
“ocioso” à introspecção. Em suma, falta pensar! A Ufologia está
abarrotada de consumidores passivos, enquanto carece de

13
Neologismo dos autores: uma fusão bem humorada, mas verdadeira, de esquisitices com
ezotéricas, com “z” para reforçar o caráter corrompido da expressão.
24
pensadores ativos. Não se pode viver o tempo todo em um parque de
especulações. É como a fábula dos quatro homens com os olhos
vendados que, tateando um elefante pela primeira vez tentavam,
cada um à sua maneira, descrevê-lo. Um apalpava orelhas e tromba,
outro segurava o rabo, um terceiro tocava nas patas e o último
alisava o corpo do animal. Não chegavam a um acordo até que um
deles abriu os olhos e exclamou: - É isso um elefante?!
A partir disso podemos inferir uma Ufologia
“frankensteiniana”, um tema costurado com pedaços de outros sem
nenhum vínculo entre si e que, ao invés de apenas fazer parte deste
corpo como apêndices, dele se apropriaram e comandam seus
movimentos. Um monstro disforme, mas que – ora vejam – tem
alma. Falta-lhe cérebro, contudo. É em busca dessa alma e na
formação deste cérebro que nos lançamos aqui, mesmo com a
certeza de que não viveremos o suficiente para finalizar a tarefa. Mas
um corpo montado dessa forma está sujeito a sucumbir por “falência
múltipla dos órgãos” em efeito cascata. Pressentimos que o luto seja
iminente se for este o caminho natural, porque o odor nauseabundo
de um corpo em decomposição já se faz sentir de longe.

25
O Paradoxo de Escher

Fazemos ciência com os fatos assim como


uma casa é feita com tijolos;
mas um acúmulo de fatos não é ciência assim
como um amontoado de tijolos não é uma casa.
Henri Poincaré

Outra comparação ao menos um pouco mais elegante que se pode


fazer da Ufologia é com a esfinge, uma criatura majestosa,
enigmática, encerrando em sua imobilidade um mistério que
emudece ignaros e ineptos, hipnotiza extasiados e produz nos sábios
respeitosa admiração. Só que, aqui, a frase histórica se inverte:
devora-me ou te decifro (Mário Quintana). Para os primeiros, nada
mais que uma estátua de pedra com cabeça humana em um corpo de
leão. Para os últimos, uma convocação intelectual, um convite à
reflexão. Para os intermediários, apenas silêncio. Decifrar, enlevar
ou permanecer calado – a escolha depende de como se olha a
questão. E por que não projetar também, inspirados no enunciado
proposto por Ryle14, uma Ufologia “atômica”? Neste raciocínio, a
Ufologia poderia ser um átomo, uma partícula infinitesimal de uma
estrutura tridimensional de proporções inimagináveis.
Resta saber qual átomo nos é dado ver, se está conectado a outros
e ainda, se os “espaços vazios” também fazem parte dessa estrutura.
Paralelo a essa proposta está o pensamento do escritor Juan Atienza,
pesquisador do insólito e analista do conteúdo simbólico do
fenômeno:

Não creio que possamos encontrar explicações ou provocar o


fenômeno, e afirmo que a razão dessa impossibilidade está no simples

14
Gilbert Ryle (1900-1976), filósofo inglês. Seu pensamento pode ser resumido em uma única
frase: “As coisas são mais que a soma de suas partes. Exemplo: ao penetrarmos nos
meandros do cérebro em busca da alma que o anima, não a encontraremos entre as sinapses,
vasos e células. Ela poderá estar em toda parte, inclusive na complexidade da própria
estrutura cerebral”.
26
fato de ignorarmos a totalidade dos fatores que se conjugam para que o
15
fenômeno aconteça .

Esse é o tamanho da encrenca que temos pela frente e, não


obstante, tem gente achando que já conhece o plano de voo de uma
engenhoca que não passa de um esboço na prancheta.
A partir do momento em que uma criatura razoavelmente
inteligente lançou um olhar consciente sobre o magnífico espetáculo
que se renovava dia após dia, noite após noite em sua vida – a
própria vida! –, esse mesmo deslumbrado ser pensante começava sua
marcha intelectual rumo aos grandes segredos que se situam entre os
extremos da vida – nascimento e morte, principalmente estes –,
jornada essa sem prazo para terminar. De uma ponta à outra, quanto
mais mergulhamos no microscópico mundo da gênese humana como
nos aventuramos no universo macroscópico da escalada cósmica,
manifesta-se uma diversidade de acontecimentos muitos dos quais
sequer imaginamos existir, quanto mais desvelar tais mistérios.
Diante de um tempo em vertiginosa transformação, que parece
encolher na razão inversa à necessidade de reflexão e introspecção, a
busca por respostas simples e rápidas torna-se a via de acesso com
maior trânsito. O ser humano necessita obstinadamente de luz à suas
indagações, mesmo se não as faz corretamente, para não se sentir no
escuro e à margem de sua história. Uma explicação ou resposta,
qualquer uma, é melhor que o silêncio, e se a ciência e a razão não o
atendem, a fé precisa suprir essa carência, pois é a ligação da sua
consciência mítica ancestral com o sagrado que permanece viva
desde sempre.
Mas o mistério não tem pressa, ao contrário, desfila instigante e
abusado, intimidando-nos com sua exuberância, reinando em sua
atemporalidade, projetando-se para além do espelho que reflete a si
próprio. O segredo está exatamente nesse ponto de intersecção, nesse
abismo existencial entre o real e o imaginário, nessa interrogação
invisível entre um e outro não importando qual é qual. Todo mistério
está envolvido por uma bruma densa e constante, mostrando uma
face inexplorada, desconhecida, mutante, transcendente e fugaz.
Mutante, transcendente e fugaz. Faz parte de sua natureza. Faz parte
15
Atienza, J.; La Gran Manipulación Cósmica, Martinez Roca, 1981.
27
do jogo. Faz parte do desafio. E o desafio proposto aqui é resgatar a
legitimidade de um tema de característica multifocal, onde os
códigos se ocultam e se misturam por trás de cada palavra,
entrelinha, frase, parágrafo, capítulos inteiros. Cabe a você
desvendá-los, e se o fizer, poderá ter uma noção melhor sobre os
tortuosos e estreitos caminhos que conduzem ao desenvolvimento de
uma adequada conduta de análise.
A Ufologia que surgiu na metade do século passado
seguramente não acompanhou a tendência vertiginosa das
transformações; encontra-se, isto sim, em permanente estado de
imóvel suspensão. Se atentarmos bem, e recorrendo às obras de
Campbell, poderíamos dizer que talvez esteja vivendo o seu “rito de
passagem” rumo a um outro universo de estudos. Para acompanhar
e entender essa transição, a palavra de ordem é lucidez, escorada por
discernimento, equilíbrio, foco e responsabilidade, ou, como
aconselhava Kant, perseverança e rigor. Para a Ufologia conquistar
o respeito que tanto pede, precisa eliminar os aspectos mais nocivos
que tomaram de assalto todo o corpo da história. Para cada tese, uma
antítese, para cada mal, uma vacina. Há que se buscar a síntese.
A dialética surge como instrumento neutro, catalisador e
polarizador das discussões. A dialética repousa nas contradições
internas, ou nos opostos, presentes em todas as áreas da vida
humana16. A perspectiva é otimista, a expectativa nem tanto. É
preciso usar a razão, mais que a ciência ou o método científico, para
absorver de forma plena o impacto que a realidade do fenômeno
exerce sobre nossa existência. Há que se ir ao encontro do Óvni, e
não de encontro. A Ufologia não é o que parece ser, e não se parece
com nada do que está aí. Nenhum mistério pode ser mapeado, e o
fenômeno também não. Pelo menos por enquanto. Mas, como diz
Nicholas Fearn, consegue-se convencer muita gente de praticamente
qualquer coisa, contanto que não se empregue uma argumentação
racional.
De tão bizarros, alguns aspectos nem serão comentados para não
repelir o leitor desavisado, tais como Jesus era alienígena (e estão
prometendo o seu retorno singularmente majestoso para “muito
breve”), Óvniportos, interpretação ufológica para o dilúvio, o
16
Fearn, N;. Aprendendo a Filosofar , Jorge Zahar Editor, RJ, 2004.
28
assassinato do presidente Kennedy por querer abrir os arquivos
secretos sobre Óvnis17. A morte “encomendada” da princesa Diana
por saber demais sobre o assunto, a eventual fuga de Saddam
Hussein numa nave extraterrestre quando fosse cercado pelo exército
americano, Ets infiltrados em postos-chave na política, nas ciências,
na sociedade, miscigenação cósmica, ou ainda a virgem de Fátima
como um ser extraterrestre. Transcomunicação instrumental com
aliens, espiritismo como elemento explicativo para os “contatos
telepáticos”, presença extraterrestre nas sagradas escrituras, gurus
ufológicos. Se o leitor acha que extrapolamos na crítica, saiba que
todos estes assuntos já foram e ainda são polos de acirradas
discussões, temas de palestras, livros e debates. Dentro e fora do
circo ufológico.
Faremos breves comentários sobre as séries televisivas e as
superproduções cinematográficas apenas como medida cautelar,
porque fazem um grande número de pessoas acreditar que “ali está
uma verdade oculta”. Chegaram a sugerir uma minuciosa
investigação na vida do cineasta Steven Spielberg dada a sua
“incomum” vocação para histórias sobre Óvnis e alienígenas. Ele
seria um “emissário” tentando passar mensagens através de seus
filmes. Para pessoas que veem a Ufologia e a vida por essa ótica, não
há lentes que corrijam tal distorção.
O que está sacramentado para os ufólogos sobre os “não-
identificados” é que são espaçonaves extraterrestres (primeira
grande incoerência – não são não-identificados?), nada mais que
isso. Qualquer outro raciocínio que fuja a essa realidade visa apenas
complicar algo essencialmente simples. Errado. Não é não, em
ambos os casos: nem o fenômeno é tão simplista nem qualquer outra
interpretação tem a intenção de complicar. Os exemplos que se
multiplicam dados pela ciência do século 20 nos obrigam a
reconhecer que o universo fenomênico tem a desagradável
característica de se pautar sempre pela explicação mais complexa,
tanto no sentido de “complicada” quanto “composta por vários
elementos”.

17
A norma gramatical pede que, no caso de siglas, como Óvni, Ufo, Et não se use no plural,
mas optamos por quebrar essa rigidez (N.AA.).
29
Essa conceituação compreende um amplo espectro de situações
em todas as áreas do conhecimento. Não há um só campo das
ciências humanas ou naturais que não esteja submetido a um
profundo, criterioso e contínuo reexame de suas produções. A
ciência sabe que não contém o gene da verdade absoluta nem uma
explicação definitiva e imutável para as questões que investiga, e
que seu conhecimento é falível, incompleto e impreciso. Seria uma
temeridade se pensasse o contrário, uma visão de altíssimo risco.
A ciência também erra, na prática e na teoria, mas hoje muito
menos que ontem, em razão do conhecimento adquirido, somado,
dividido e multiplicado. Ela também possui o seu “buraco negro”
por onde uma torrente de perguntas é absorvida sem que as respostas
saiam pelo outro lado. Sua “palavra final” é sempre temporária.
Diante destas zonas de silêncio, impera um solene mutismo, mas não
marasmo investigativo. Todavia, a visão corrente – errônea – que se
tem da ciência é que ela deve responder a tudo, ter todas as
explicações, ter um “porque” a cada “por quê?”. A prática está
léguas distante da teoria. Ela, a ciência, não tem obrigação de dar
todas as respostas, mas tem o dever de investigar todas as perguntas.
Foi assim no começo, quando raios e trovões eram considerados a
“ira dos deuses”, ou o arco-íris um “sinal divino”, até que um dia a
meteorologia apareceu com as respostas; ... que a Terra era o centro
do universo, e a Astronomia mostrou que estamos na orla de uma
gigantesca galáxia ao lado de milhares de outras; ...que a epilepsia,
até não muito tempo atrás considerada “possessão demoníaca”, hoje
sabemos tratar-se de uma disfunção cerebral. É assim, com pesquisa,
esclarecimentos e comprovações que se constrói o conhecimento, e
continuará sendo, quando respostas surgirão em substituição a lendas
e crendices. Pode apenas demorar um pouco mais com a Ufologia, já
que os ufólogos se apropriaram do tema e permanecem acantonados
como um bloco de resistência combatendo um inimigo invisível
numa batalhar irreal.

Há dois tipos de revoluções científicas, aquelas impulsionadas por


novos instrumentos e aquelas estimuladas por novos conceitos. O efeito
de uma revolução conceitual é a explicação de coisas antigas de
maneiras novas.

30
Essa afirmação provém do físico Freeman Dyson18 ao expor a
questão dos caminhos que se abrem para a ciência na busca de
respostas. Já Umberto Eco diz que a ciência moderna não crê que o
novo está sempre certo. Ao contrário, baseia-se no princípio da
"falibilidade", (enunciado pelo filósofo americano Charles Peirce,
retomado por Popper e muitos outros teóricos e posto em ação pelos
próprios cientistas),

(...) segundo o qual a ciência avança corrigindo-se constantemente,


desmentindo suas hipóteses por meio de tentativa e erro, reconhecendo
os próprios enganos e considerando que um experimento mal-sucedido
não é um fracasso, mas tão valioso quanto outro bem-sucedido, por
provar que determinada linha de pesquisa estava equivocada e que é
necessário corrigi-la ou até recomeçar do zero.

A “nova ciência” amplia os limites da “velha ciência” onde esta


não consegue mais transitar. Se um dos maiores nomes da Física
contemporânea, Stephen Hawking, reconhece ter cometido alguns
enganos na sua teoria sobre os buracos negros, ocupando-se agora
em refazer a trajetória desse estudo com as devidas correções, e se
todos os setores da vida humana estão passando por uma
reformulação, por que teria que ser diferente com a Ufologia?
Por que não reavaliar o modo como as pesquisas têm se
conduzido se não levaram a lugar algum? Por que fincar uma
posição refratária às mudanças que se impõem, montando
acampamento em um latifúndio tão limitado quanto limitante?
Talvez Kurt Lewin19 ou Rudolf Steiner20 possam oferecer pistas para
se compreender posições tão inflexíveis: Lewin preconizava que o
aprendizado e a mudança se processam em três níveis: Cognitivo –
que é o aprendizado racional, obtido através de informações e
pesquisas; Valores – que compreende o nível emocional, o
envolvimento, crenças e paradigmas, e Conduta – que trata
essencialmente da ação.
Por sua vez, Steiner, fundador da Antroposofia, chegou à mesma
conclusão afirmando que o aprendizado é resultante de uma

18
Mundos Imaginados, Companhia das Letras, SP, 1998.
19
Psicólogo alemão (1890 – 1947).
20
Filósofo e educador austríaco (1861 – 1935).
31
combinação entre o saber, o sentir e o agir. A questão toda se resume
na sinonímia conduta/agir: absorver o conhecimento, amoldá-lo aos
valores culturais e percepções individuais e assimilar a necessidade
de uma postura de ajuste aos novos tempos é um fluir natural. Mas
essa última etapa esbarra numa resistência íntima irremovível
conhecida pelo condenável deixa-como-está-para-ver-como-é-que-
fica.
Não é lógico nem sensato, muito menos inteligente, querer
resultados diferentes se as mesmas ações são repetidas
indefinidamente. No campo ufológico as incoerências estão por toda
parte. Pensam praticar a Ufologia do futuro, mas usam as
ferramentas do passado. E por falar nisso, em qual campo ela se
insere como disciplina de estudo? Em todos simultaneamente ou em
algum ainda a ser criado? Se couber a primeira opção, então
definitivamente o fenômeno Óvni não tem uma resposta simples
como sugerida há pouco. Se a segunda for a verdadeira, aí sim é que
não será simples em absoluto.
Em Ufologia, como em todas as ciências (o que não quer dizer
que ela seja uma), não existem respostas simples. Esse tipo de
resposta cabe apenas àqueles que querem ver o mundo dividido em
compartimentos estanques, com cada coisa metida em seu lugar
próprio, sem nenhuma confusão entre os rótulos. Mas esses rótulos,
como seus autores, são feitos da matéria de que os sonhos são
tecidos. Onde termina o disco voador e onde começa o homem?
O fato é que tudo gira conforme nossas crenças, que nascem
através de idiossincrasias e são desmanteladas ou deformadas pelas
nossas limitações. O pesquisador franco-americano Jacques Vallée
usa uma metáfora bastante simpática para tentar explicar a sua visão
do fenômeno, e invariavelmente recorremos a ela: imaginando que
os Óvnis estejam atuando como numa tela de cinema, seu interesse
reside não somente em “assistir” ao filme, mas principalmente voltar
sua atenção para a origem – a “cabine de projeção”. São exatamente
estas as suas palavras:

Como a tecnologia do cinema, a tecnologia dos Óvnis é um


metassistema. Ela gera qualquer fenômeno apropriado para nosso
nível, em uma dada época, em uma determinada condição do
"mercado". Enquanto nossos colegas ufologistas ficam na caçada
32
entrevistando os frequentadores do cinema, eu acredito que as
perguntas importantes devam ser feitas em outro lugar. Minha pesquisa
conduziu à escada dos fundos, onde ninguém sobe. Meu objetivo é
penetrar no segredo da pequena cabine de projeção, e descobrir
finalmente o que faz os rolos se moverem e a máquina funcionar21.

O problema reside em saber onde está essa “cabine”, ou ainda, se


existe. Não difere muito do pensamento zen, sutil e ao mesmo
tempo óbvio, quando diz que um dedo pode ser usado para apontar
para a Lua, mas que, uma vez localizada, devemos esquecer o dedo.
Não estarão os Óvnis “apontando” para um alvo no infinito de nossa
mente que ainda não apreendemos embriagados que estamos com
sua presença? Que ponto seria esse? Que mensagem estão querendo
passar? Para qual direção devemos olhar?
Pode-se ouvir uma polifonia de vozes no plenário argumentando
que a casuística disponível em todo o mundo não deixa dúvidas
quanto à realidade do fenômeno. Que os contatos, vestígios físicos,
testemunhas, fotos, filmagens, depoimentos, captação eletrônica e
tudo o mais formam um vasto conjunto de dados e informações de
confiabilidade total. Será mesmo? Confiabilidade total? Jamais. E
não se trata de discutir aqui a realidade do fenômeno, e sim o
próprio fenômeno.
Se fazer perguntas é uma arte, como fazê-las é uma arte ainda
maior. A Ufologia é composta por questões extremamente
complexas numa curva espiral ascendente. Há alguns anos a
jornalista Iracema Pires foi feliz ao definir que os Óvnis são as
respostas para perguntas que ainda não sabemos como formular. Se
pensarmos de forma um pouco diferente, a questão se agrava:
Estamos fazendo as perguntas certas?
Com discreta dose de atrevimento, tomamos a iniciativa de
enquadrar a Ufologia naquilo que cunhamos escrupulosamente de
“Paradoxo de Escher”22, por entendermos as obras deste artista como
a representação imagética do desafio intelectual de abrangência e
profundidade impenetráveis ao raciocínio lógico que se tornou a
Ufologia hoje – uma estrutura “impossível” à primeira vista, mas

21
Vallée, J.; Confrontos, Best Seller, RJ, 1990.
22
Maurits Cornelis Escher (1898-1972), artista gráfico holandês. Para saber mais, consulte
www.mcescher.com
33
que comporta em si mesma uma naturalidade e um nexo
inapreensíveis aos sentidos. É a tradicional ilusão de ótica
transformada brilhantemente em arte. Tomando como exemplo a
ilustração, podemos ver claramente um conjunto arquitetônico no
qual pessoas sobem ou descem as escadas, onde tudo seria normal
não fosse a concepção surreal da construção. É um ir-e-vir contínuo,
sem levar a lugar algum! Releia essa frase.
Várias de suas ilustrações cumprem à perfeição o papel de
“retrato falado” da Ufologia, onde os elementos se misturam, se
fundem e se transformam em outros totalmente diferentes. Quem
pode negar que a Ufologia não apresenta a mesma configuração,
enovelando-se, metamorfoseando-se e mostrando-se conforme
aquilo que queremos ou desejamos ver? O resultado é um jogo
intelectual de perplexidade, com dimensões e perspectivas que
mostram ao observador os hábitos e os limites dos seus sentidos23. O
autor desta frase está se referindo às obras do artista, mas poderia ser
sobre Ufologia e ninguém notaria a diferença.
Escher, com seu estilo inconfundível, tornou-se uma referência
em estudos de percepção graças à combinação das formas, ao jogo
de luz e sombra, à irrealidade e infinitude dos traços que soube
manejar com singular maestria e domínio técnico apurado. Sua obra
conduz a uma desorientação inquietante, uma contradição explícita
da tridimensionalidade e um permanente questionamento sobre
“como pode?”. E que impacta, está diante de nós, é visível,
“palpável”, não estamos diante de uma aberração. O prédio está lá
com toda a sua estrutura física, a escada, os homens que, afinal,
sobem ou descem? No entanto, nada disso é possível! Como pode?

23
Bruno Ernst in O Espelho Mágico de M. C. Escher, Taschen Verlag, Berlim, 1991.
34
É ou não autorretrato da Ufologia?

35
A subjetividade de uma realidade objetiva

Se tentarmos separar as partes de um gato


para ver como ele funciona,
a primeira coisa que teremos em mãos
será um gato que não funciona.24

Douglas Adams

Os homens observam a vida segundo suas próprias condições,


sejam de percepção – seus órgãos dos sentidos – ou do seu nível de
conhecimento. Então, sendo uma realidade objetiva, independente
do que observa ou conhece dela, ou tratando-se exclusivamente de
uma realidade subjetiva, construída a partir de distúrbios de
percepção ou de crenças no sobrenatural, o Óvni subsiste como
fenômeno. Cabe sistematizar o estudo desse fenômeno.
No entanto, a Ufologia tem sido um receptáculo de fatos sem
qualquer critério que possa filtrar o “ruído de fundo” – a inflação de
informações muitas delas improcedentes –, que acaba
proporcionando uma visão preconcebida e, em decorrência disso, um
resultado equivocado. O que temos fundamentalmente a esse
respeito é uma somatória de erros e conceitos distorcidos desde o
princípio, e em tempos globalizados como hoje, um erro, por menor
que seja, é percebido em toda sua extensão e ampliado por milhares
de olhos, simultaneamente. Segundo o professor Alberto Oliva,

Até o estudioso preocupado em realizar a mais rigorosa investigação


está sujeito a distorcer fatos, a forçar o enquadramento dos dados na
moldura teórica com a qual trabalha e a elaborar análises e
interpretações inconsistentes25.

Desnecessário dizer que também nos cercamos de extremo


cuidado para não escorregar nesse chão molhado. “Extremo” no

24
Dawkins, R. O Capelão do Diabo, p. 296, Companhia das Letras, SP, 2005.
25
Oliva, A. Filosofia da Ciência, Jorge Zahar Editor, RJ, 2003.
36
mais agudo sentido – não deixar farelos de uma postura que possa
ser erroneamente entendida como tendenciosa e parcial.
De acordo com o professor Oliva, existem determinadas
atitudes que inviabilizam a conquista do conhecimento. A relação
lhe pertence, a interpretação é nossa:

1. Antecipação que prevalece sobre a observação


Aqui se localiza o “pecado original” da Ufologia – acreditar que a
origem do fenômeno não possa ter nenhuma outra explicação a não
ser a extraterrestre, antecipando a resposta à pergunta. Essa tese
tornou-se a pedra angular da principal – e única – teoria sobre a
procedência dos Óvnis, e toda a sua sintaxe foi construída sob este
pressuposto. Pôr abaixo essa árvore semicentenária e confrontar o
egossistema26 existente é o mesmo que dar braçadas contra uma
correnteza tsunâmica ou apagar incêndio florestal com cubos de
gelo. Pois nós encaramos esse desafio.

A resposta ao fenômeno Óvni não pode se antecipar à pergunta

2. Interesses e predisposições que fazem passar por conceito o


que não passa de preconceito
O “egossistema” mencionado não permite que outras
possibilidades possam ser exploradas para não correr o risco de se
autodestruir. São muitos os interesses em jogo: sociais – os grupos
26
Neologismo dos autores. Dispensa interpretações.
37
formados preenchem as ambições pessoais de notoriedade; culturais
– a hipótese extraterrestre é a mais conveniente e de pronta
aceitação; econômicos – livros, revistas, simpósios, turismo, vigílias,
congressos e mídia têm retorno garantido quando não se propõem a
discutir, apenas exibir; e políticos – a manipulação de “informações”
e “segredos” fortalece a imagem de aparente poder de quem os
possui.

3. Reiteração passiva do que a tradição toma como sabido


É a síndrome da repetição ad nauseaum de uma verdade
estabelecida no passado como única, um procedimento
tautológico cíclico, um discurso requentado que se repete sem
alimentar dúvidas nem provocar discussões, satisfazendo toda
sorte de interesses. Encaixa-se na teoria da identidade social,
objeto de estudos de psicólogos há anos – o desenvolvimento de
uma “percepção coletiva” que envolve o indivíduo e o faz acatar
os valores e as regras do grupo com o bordão: “Nós, unidos,
jamais seremos vencidos”. Este tópico será retomado à frente.

4. Fascínio pela autoridade intelectual em detrimento da


argumentação impessoal
Quando o indivíduo conquista um status usando o tema de sua
ocupação como trampolim para o sucesso, ele se destaca em meio à
sua classe. Nesta posição, incomoda ser sabatinado a respeito de
suas convicções sabendo da superficialidade que elas possam conter.
Pressionado pela solidez de uma arguição bem construída, não
conseguirá rebater no mesmo nível e ostentar aquela posição de
realce por muito tempo.
5. Encantamento pela retórica às expensas da demonstração
lógica e da comprovação empírica
Uma oratória requintada, uma postura dinâmica impressiva e
expressiva, um razoável mostruário intelectual e um corpo de
raciocínio bem elaborado, ainda que duvidoso, são instrumentos
que dispensam réplicas, abortam dúvidas – na verdade não
levanta nenhuma – envolvem e, de certa forma, anestesiam a
plateia, encobrindo uma argumentação frágil e quebradiça.

38
6. A tendência a tomar como certo e estabelecido o que, na
melhor das hipóteses, é apenas provável
Complemento do item terceiro, a aceitação literal e
inquestionável de uma verdade que se supõe ser única, sem
necessidade de comprovação. É a tendência natural de seguir
adiante com o que já está dado como definitivo, ainda que não em
definitivo.

7. A subordinação da razão à fé
Um aspecto perigoso, semente para uma conduta
fundamentalista, sectária, portanto inflexível, autoritária, repressiva
e intolerante. Não envolve somente questões psicológicas, culturais
ou sociais, é de natureza intestinal, entranhada na alma. É crer ou
crer, e quanto mais próxima do “divino” estiver essa crença, mais
instila a lealdade cega, revestida de um forte tônus emotivo, onde a
argumentação lógica é totalmente abandonada. O indivíduo não é só
criador dessa fé, é, principalmente, vítima dela.

8. O uso descuidado da linguagem


Um complicador tão letal que mereceu uma abordagem mais
extensa à frente. É, também, uma variação do quarto item quando a
“falação”, no sentido do blablablá, da bobagem, oculta um
distanciamento real do assunto e se preenche por evasivas e
subterfúgios. É quase um ajuntamento de palavras sem nenhuma
amarração que lhes dê sentido e direção. Há uma diferença entre a
mentira e a bobagem: enquanto o mentiroso reconhece a verdade
mas afasta-se dela, o “enrolador” a despreza e se opõe a ela. O
filósofo e professor da Universidade de Princeton, Harry G.
Frankfurt, afirma que é como se a pessoa percebesse que, uma vez
que não faz sentido tentar ser fiel aos fatos, deve, em vez disso,
esforçar-se para ser fiel a si mesma27. O desconhecimento das regras
básicas de expressão e da nomenclatura correta na comunicação são
os principais obstáculos para o adequado entendimento das
proposições.
Como se vê, a prática da Ufologia hoje se enquadra em todos os
quesitos relacionados pelo professor Oliva. Não evoluiu
27
O Globo, Rio de Janeiro, Caderno Prosa & Verso, 8/10/05, p 4.
39
absolutamente nada desde o avistamento de Kenneth Arnold em
1947, convencionado marco da chamada Ufologia moderna. Parou
no tempo, anda em marcha lenta e no refluxo da história, com
grandes possibilidades de ficar em “ponto morto” em virtude da
insistência mundial, cada vez mais cultuada, de se tratar o fenômeno
sob uma desgastada capa de “democracia”, nada mais que substituto
da falta de conhecimento científico e filosófico por crendices
místico-esotéricas escapistas. Em meados da década de 80, já
alertávamos para o fato de que se não revíssemos nosso papel como
estudiosos e pesquisadores, continuaríamos, no século seguinte,
perseguindo “luzinhas” no céu como crianças a correr atrás de pipas,
discutindo se a Terra é oca, se Ashtar Sheran é real, se a planície de
Nazca ou os moais de Páscoa foram feitos por alienígenas... anos
depois, é fácil conferir que nada mudou. Piorou. A Ufologia está
vulgarmente transformada nessa “coisa de discos voadores e
alienígenas”.
A mediocridade come pelas beiradas e quando dermos conta, não
haverá mais qualidade à mesa. O Leito de Procusto28 é mais crítico
em áreas inundadas de rudimentos ideológicos ou com focos
conflitantes. Tudo começou a partir da crença primal da hipótese
extraterrestre, que fermentou livremente, sem barreiras, sem
balizadores, sem rumo e que impera soberana num ambiente
congestionado de suposições, numa quase celebração à ignorância
coletiva através do monopólio da fé – eu acredito em discos
voadores! Chegou a esse ponto numa viagem sem escalas, sem
parada para reflexões, ponderações, reabastecimento das
possibilidades. E está aí até hoje, intocável, mas com essa
confortável posição ameaçada por uma visão expandida e focada em
outras diretrizes.
Há um murmúrio que começa a perturbar essa sinfonia
monocórdica, uma erosão nas muralhas que lhe servem de defesa. A
Ufologia partiu de uma premissa errada, e isso é inegável. Não
estamos criticando, acusando ou imputando culpa a quem quer que
28
Na mitologia grega, Procusto era um salteador sanguinário que obrigava suas vítimas a
deitar sobre um sinistro leito de ferro, do qual nenhuma saía com vida: se elas fossem mais
curtas que o leito, estirava-as com cordas e roldanas; se ultrapassassem as medidas, cortava
a parte que sobrava. Conf. Cláudio Moreno.
40
seja, simplesmente não poderia ser diferente – teria que haver um
ponto de partida. O problema é que essa abordagem equivocada
nunca foi questionada e muito menos admitida e corrigida. Resta
agora mensurar a extensão das avarias.
A diversificação do pensamento ufológico deverá aumentar a
bolha daquela hipótese não para lhe prover com novos dados, mas
para provocar um deslocamento no seu eixo de forma a tirá-la do
delicado equilíbrio em que se encontra atualmente. Há um déficit
colossal entre tempo decorrido e resultado produzido. Para efeito
comparativo dessa estagnação, chega a ser desanimador constatar,
por exemplo, que a descoberta do DNA em 1953 alcança hoje, no
mesmo período cinquentenário da Ufologia, um patamar invejável
de conhecimento.
Graças à engenharia genética, o projeto Genoma e as pesquisas
em torno da célula-tronco tornaram-se rotina e atividade diária nos
principais laboratórios do mundo. Está claro que tal comparação não
implica dizer que a Ufologia deveria ter evoluído com a mesma
consistência, mas poderia pelo menos ter crescido alguns
centímetros. Nem isso fez. “Nasceu” há 50 anos e continua borrando
as fraldas, balbuciando uma fala intraduzível. Em praticamente todos
os campos houve algum avanço, exceto na Ufologia. Por quê? É o
que modestamente estamos tentando mostrar e mudar.
Eis aqui o ponto para onde converge a confusão de
pensamentos que inibe a quase totalidade dos ufólogos de distinguir
um fenômeno das crenças pessoais que os fazem moldar esses
acontecimentos com suas bases conservadas em formol. O fenômeno
existe, só que fenômeno deve ser entendido como algo que
independa de nossas experiências, permitindo-nos fazer juízos que
sintetizem a compreensão de fatos conforme a pureza da razão. O
fato existe, mas seu substrato depende da interpretação. Só podemos
nos aproximar dessa realidade com ideias que comportem
fundamentos de verdade, conforme a linha de Kant.
Porém, a insistente atitude da maioria dos ufólogos apresenta
uma impalpabilidade de argumentação, baseada que está apenas na
crença que se sustenta na tradição, na autoridade e na revelação, e
deverá ceder terreno para o bom senso. Dito de outra forma, a

41
coerência dos alicerces construídos pela lógica e pela dialética
ocupará os espaços deixados por uma postura provinciana e
antiquada. Não há outra forma de agir, não há outro caminho a
seguir. É um novo olhar sobre um antigo problema. Se a
retrospectiva histórica dos acontecimentos não permite outro
enfoque, a perspectiva lógica não propõe alternativa, ao contrário,
imprime um fluxo de contestações no mesmo ritmo e na mesma
velocidade com que se apertam as teclas da era digital. É a evolução
natural e irrefreável dos fatos.
É exatamente o que antes comentávamos. Para a fenomenologia,
criada por Husserl, inspirado em Kant, a realidade compõe-se de um
aspecto próprio – em grego, noumenon – racional em si mesma. Mas
apresenta-se para a nossa compreensão, para a nossa razão ou
consciência, por outro aspecto – o fenômeno, em grego,
phaemomenon. Só que, numa atitude depois alcunhada de cética,
Kant não admitia ser possível à nossa razão conhecer a coisa-em-si,
o noumenon, mas apenas o fenômeno.
Eis porque fenomenologia tem este significado – o de se
conhecer o que só a consciência consegue. Desta maneira, para
Husserl, os fenômenos são constituídos pela nossa própria
consciência. Então, o conhecimento científico, o trabalhar com a
razão para, com o método, tentar chegar à verdade, permitirá separar
os fatos, os fenômenos, da sua verdadeira essência. Enquanto
fenomênico, o Óvni permanecerá ao sabor de variantes e de
diferentes meras opiniões. Mas, bem estudado, poderá levar a juízos
interessantes. Suas causas e origens poderão ser exclusivamente
psicológicas, consequências de fanatismo religioso substituído por
misticismo da era tecnológica, produtos de simples boatos,
influência de fantásticos pensamentos fictícios resultantes de fatores
sociológicos extrínsecos e/ou manifestações de “naves
extraterrestres”. Pouco importa, continuará sendo um fenômeno.
Se a crença é o pincel que vem tingindo a Ufologia com os atuais
tons, não será um ceticismo monocromático que lhe dará nova cor. É
preciso grifar o pensamento de que vivemos uma época em que tudo
está sendo questionado e discutido - crenças, verdades, dogmas. Essa
liberdade de pensamento é o principal instrumento para fazer surgir
uma sociedade democrática e tolerante, além de pluralista, e é com

42
este binômio que se desenrola esta obra – pluralista e tolerante, até
certo ponto.
Não desviaremos do nosso ideal de ampliação do conhecimento
em oposição a um modelo que se mostra ineficaz e decadente.
Mesmo assim, é possível trabalhar sinergicamente, operando com os
dados “do lado de lá” de modo a esclarecer os argumentos “do lado
de cá”, lembrando uma vez mais e quantas forem necessárias que
não há só antagonismo, há também complementaridade.
Como exemplo, e para justificar a questão, é necessário que se
pare, urgentemente, de confundir causa com efeito, fenômeno com
realidade intrínseca dos fatos. Ou seja, ainda para exemplificar, não
é porque ocorre o fenômeno que suas causas ou peculiaridades sejam
indiscutivelmente “extraterrestres”, manifestadas desde naves
construídas por civilizações de fora dotadas de impensável
tecnologia. Não vamos desprezar o que a história produziu até agora,
porém nem tudo é aproveitável.
Com tanto entulho a ser removido, é preciso garimpar o que há de
melhor, adiantando que o que sobrar será pouco mais que nada.
Ignorar os erros cometidos induz pensar que podem ocorrer
novamente, mas o fato é que não se pode mais beber desse coquetel
entorpecente de venusianos, marcianos, ganimedianos, canalizações,
deuses astronautas, teses milenaristas, Área 51, teorias
conspiratórias, políticas de sigilo, contato final, hipnose regressiva,
manipulação genética, intervenção extraterrestre, interpretações
bíblicas, abduções, implantes, estigmatizados.
Não cooptamos com esta linha de conduta. Eles não serão
analisados ou comentados dentro dos padrões habituais, mas estarão
na pauta de discussão junto com as alucinações, os comportamentos
psicóticos, contatos telepáticos, transcomunicações, e até mesmo a
possibilidade de uma “inteligência não-humana” será passível de
estudo, tudo submetido ao escrutínio crítico – nenhum endosso é
definitivo. Na disputa ombro-a-ombro entre o pensamento racional e
o ideológico, o tempo será o árbitro. É preferível andar pela estrada
sinuosa, porém certa, a correr em linha reta pelo caminho errado. É
preferível ser contemporâneo do futuro a vanguarda do passado.

43
Até o momento, a Ufologia tem-se pautado, via de regra, por uma
perspectiva semiótica29, afirma Lúcio Manfredi em um ensaio inédito.
Se um contatado declara que conversou com um anjo loiro de Vênus,
caso não consigamos afastar a possibilidade de uma farsa (o que nunca
se consegue de modo absoluto), obrigatoriamente considera-se que o
tal ufonauta veio mesmo de Vênus e, como a ciência afirma que a vida
humana é impossível em Vênus, despreza-se essas afirmações tomando-
as como infundadas. Mas existe a outra maneira de encarar os fatos.
De um ponto de vista hermenêutico30, “Vênus” pode ser não uma
referência literal ao planeta, mas uma metáfora para alguma outra
coisa, uma representação virtual de algo – um símbolo.

Já a psicóloga Elaine Villela observa que com a tentativa de


rotular a Ufologia como ciência – e veremos que isso ela não é –,
perde-se a chance de vislumbrar novos conceitos originários da
própria casuística, pois não se pode medir os mesmos com
ferramentas meramente tridimensionais.

Mais uma vez, se perderia muito de seu contexto, pois a ciência


terrestre certamente é obsoleta para os fenômenos ufológicos. Por
outro lado, para o homem não imbuído do sentimento de evolução e
crescimento, o tema será sempre uma faca de dois gumes: o
pesquisador que possua informações nesta área pode sofrer a tentação
do suposto saber e descambar para as mais diversas psicopatologias
relacionadas ao poder, se não contiver o ímpeto de encará-las como
algo meramente circunstancial e importante que deve ser
compartilhado com todos os interessados.

Provavelmente, neste momento estamos traçando a linha


demarcatória que dividirá estes dois hemisférios – o novo e o antigo.
O castelo da Ufologia sofrerá alguns abalos, pois o que se propõe é
uma reforma estrutural e não uma pintura exterior decorativa. Por

29
A semiótica considera os fatos como representações significativas em si mesmas, conforme
terminologia proposta por Carl G. Jung. A Semiótica foi um termo proposto por Lockee
para indicar a doutrina dos signos, correspondente à lógica tradicional.
30
A hermenêutica, ainda segundo Jung, encara os fatos como símbolos, isto é, a melhor
expressão aproximada para aquilo que escapa a uma formulação conceitual adequada.
Hermenêutica são técnicas próprias de interpretação. Antes de trabalhar com símbolos, a
hermenêutica lida com signos, tal como na nota anterior referente a Jung. É uma operação
através da qual o intérprete estabelece a referência de um signo ao seu objeto. Veja
Abbagnano, Nicola, Dicionário de Filosofia, Martins Fontes
44
falar em castelo, é correto dizer que cada caso pesquisado se torna
um tijolo que levanta a parede (desde que não seja da torre de
Babel), mas parece que estão esquecendo de colocar algumas
janelas. Enquanto isso, abre-se um profundo fosso à sua volta que o
isola cada vez mais do continente da razão.
Se o fenômeno é volátil, nossa capacidade de raciocínio não é
ágil o suficiente para captar a informação embutida. Se mimético,
nossa percepção deixa escapar sutilezas fundamentais. Estamos
diante de um labirinto inescapável? Talvez sim, talvez não. O certo é
que nos sentimos como crianças tentando resolver uma equação
matemática! É natural. Ao observarmos o calendário cósmico criado
por Carl Sagan, vamos verificar, com algum assombro, que a
compreensão filosófico-existencial no homem só surgiu nos últimos
cinco segundos dessa escala, um período que compreende
aproximadamente 2.500 anos, com Aristóteles, Platão e toda aquela
turma de pensadores. A idade da Terra é estimada em cerca de 4,6
bilhões de anos, enquanto o Cosmo tem 15 bilhões! Essa medida de
tempo nos coloca no devido lugar na ordem planetária – a infância
cósmica –, e mostra um longo caminho para a maturidade. Com uma
ressalva, pelo menos alguns mistérios já desvendamos: Papai Noel
não existe, cegonhas não carregam bebês, fadas não trocam moedas
por dentes caídos e, sim, Elvis está morto.

45
Calendário cósmico criado por Carl Sagan (simplificado)

Para a ciência, quem pensa de forma transcendente não pode


evocar princípios constitucionais de proteção à fé religiosa para
entrar no meio científico. A Ufologia não é respeitada porque ainda
não fez por merecer, já que tem muita gente que acha que pensar
com as próprias convicções e opiniões subjetivas é válido. Como,
por exemplo, essa ingênua e tola mania de dar "abertura" para todas
as "linhas". O que poderíamos chamar de holismo na verdade não
passa de pseudo-holismo.
Fala-se hoje que em Ufologia tudo é válido, porque esta não é
mesmo ciência. Tergiversação barata, um superficial e astucioso
jogo de palavras criado para encobrir ou desculpar a falta de
compromisso com o bom procedimento de pesquisa.
Disfarçadamente tem-se, pois, que Ufologia pretende ser uma outra
área do conhecimento humano (sic). Em que categoria ela se
encaixaria? “Categorias” são espécies de "áreas" de termos
(palavras, vocábulos), então, o certo deve ser - em qual área do
conhecimento ela se enquadra? Para tanto, vamos esclarecer quais
são as áreas do conhecimento conforme os alfarrábios considerados
e adotados em Filosofia e em metodologia:

46
Conhecimento filosófico

Todas as áreas possuem formas de pensamento, atuação e


método. O conhecimento filosófico é, basicamente, sistemático, pois
segue regras de raciocínio, principalmente através da dialética
platônica (conforme Aristóteles, a arte de raciocinar com método e
justiça), e da lógica aristotélica. É exato, em virtude das exigências
de tais técnicas de pensamento e atuação. Mas é, sobretudo, racional,
pela exigência de se pensar e argumentar exclusivamente com a
razão, ao contrário do que os mal informados imaginam. ~
O conhecimento racional é típico da Filosofia. Finalmente, para
não entrar em maiores detalhes, certamente enfadonhos, a Filosofia
ou o conhecimento filosófico instrui necessariamente o
conhecimento científico. Já temos, pois, um primeiro aspecto –
raciocinar, argumentar. Ou se pensa nas regras filosóficas. ou nada
feito.
O pensamento científico é essencialmente metodológico e
sistemático, pois deve estruturar-se e organizar-se: método científico
de experimentação e, no último passo, na exposição da linguagem,
que é a exposição do próprio conhecimento obtido. Porém, o
conhecimento científico é falível, não defendendo verdades
absolutas, perenes, imutáveis e irretorquíveis. Para quase todo o
pensamento científico, tudo é relativo (herança do positivismo e, em
termos gregos antigos, do sofisma).
O pensamento científico é o único que reconhece e tem
consciência de que pode e deve mudar, a qualquer momento, diante
de novos resultados – daí a sua falibilidade. Abreviando o
pensamento científico, resta que: se há método, isto exige
plausibilidade de hipótese: há vida extraterrestre? Pode haver? Em
que condições? Pode esta vida ter-se desenvolvido a tal ponto de
adquirir tecnologia para viagens interestelares? Esta vida pode estar
se manifestando aqui? Discos voadores são físicos? Materiais? Se
positivo, são fruto de nossa tecnologia ou de alguma desconhecida?
Não são materiais? Então são o quê, "energéticos", "fluídicos",
"espirituais"? Se não são objetos materiais, serão frutos de sintomas
psicológicos – ilusões, visões, alucinações? De consequências
sociológicas – folclores, lendas, mitos? De condições psíquicas
como crenças, substituições, compensações, inclusive sonhos?
47
O conhecimento científico é acadêmico. Ponto. O que é
acadêmico não admite e torce o nariz para neologismos não
fundamentados pela certeza científica (não confundir com absoluto),
tais como "energéticos" – termo vago que exige uma especificação,
"espirituais" – absurdo jamais utilizado em Filosofia, em Psicologia
ou em Psicanálise, no sentido genérico que lhe é atribuído como
sinônimo de "algo de personalidade íntegra após a morte", ou ainda
"fluídicos", não pertencentes, no sentido estrito, à terminologia
científica a não ser em química e em eletrônica, mas exclusivamente
a uma insinuação puramente místico-esotérica, portanto totalmente
inválido. Resultado: ou os Óvnis são físicos ou são psíquicos (para
abranger as hipóteses retro especificadas). O resto é resultado de
elucubração absolutamente incongruente, de conotação inatingível,
por construções toscas e fantasistas. Se forem físicos ou psíquicos,
então em que área do conhecimento podem ser enquadrados?

Conhecimento teológico

Este é sistemático: as teologias bem estruturadas têm seus


fundamentos; infalível: Deus não pode falhar; dogmático: suas
teorias e afirmações não admitem questionamentos e resultam de
convenções e é, pois, transcendental, por escapar aos métodos
comuns e humanos de origem do conhecimento. Assim se autodefine
tal área. No conhecimento teológico enquadram-se as extrapolações
e falácias pseudofilosóficas ditas místicas e esotéricas. Ou seja, o
conhecimento teológico não serve para a compreensão e, sim, para
pura aceitação, logo, não tem enquadramento válido para
compreendermos os Óvnis. Mas atente-se que estamos tentando ir à
raiz, ou seja, apenas ainda teoricamente, ou são físicos ou são
psíquicos. E ninguém aqui está afirmando que sejam definitivamente
um ou outro.

Conhecimento popular

Também chamado vulgar. Assistemático, inexato, falível, sem


método. Podemos até eliminá-lo desta discussão que não fará a
48
menor diferença. Pertence exclusivamente ao interessado ou
fascinado com os Óvnis, aquele que folheia revistas populares,
assiste filmes de ficção, programas de TV dominicais e depois
pergunta na rua - E aí, esse negócio em Varginha aconteceu mesmo?
Ou - Você viu? Os cientistas dizem que houve vida em Marte, e para
piorar ainda mais, - Frequentei um curso do Pró-Vida e já sei como
usar meu “poder da mente”.
Para encerrarmos, que conhecimento nos serve para estudar e
tentar compreender o fenômeno Óvni? Somente aquele que serve
para tentarmos compreender, estudar, racionalizar, metodificar e
classificar qualquer coisa – o conhecimento científico,
fundamentado e instruído pelo conhecimento filosófico. Nenhum
outro. Perguntamos de novo então: a Ufologia é um conhecimento
científico? Ela comporta o conhecimento científico? Deve ser tratada
sob o conhecimento científico? Lembremos sempre que o
conhecimento científico é falível.
Entretanto, não é aceitável que se dê mera aparência ao modo de
raciocinar e de atuar. Atualmente, os mal informados a tal respeito
ficam excitados como adolescentes em sua primeira conquista
quando supõem que certos ramos da ciência estejam “confirmando”
suas acepções místicas. Geralmente alegam que quem age só
cientificamente tem a visão vedada a outras “realidades” do
universo, mas exultam e aplaudem quando acham que as feições
mais atuais das ciências parecem lhes dar respaldo, mesmo que isto
possa ser um grande equívoco.
Nesse instante, eis que, por exemplo, sai a insuportável expressão
"a mecânica quântica está provando..."! Lá pelas tantas, depois de
idas e vindas em discussões via internet, o embate chegou ao ponto
de se citar a descoberta da antimatéria! Este avanço científico,
concebido a partir das inferências propiciadas pelos experimentos
com partículas, foi então recrutado, em conclusão, para justificar que
significou o fim, a derrocada, a invalidade do materialismo, ou seja,
se há “antimatéria”, eis o golpe mortal no "materialismo".
Antimatéria! Percebeu, caríssimo leitor? Acredite, este tipo de
argumento foi e continua sendo usado, como veremos mais à frente!
Também, pudera.

49
Devemos reconhecer um ponto a favor desses entusiasmados.
Nada é perfeito, evidentemente, e também no meio acadêmico certas
“pérolas” acontecem, inclusive de comportamento, daí, alguns
julgam que podem livremente usar o nome das ciências. Eles não
podem ser censurados, pois há físicos formados nas melhores
universidades que habitualmente anunciam cursos de mecânica
quântica, incluindo no teor programático temas como: “O que são e
de onde vêm os extraterrestres”; “O que querem de nós”; “Qual o
motivo de sua visita”; “Como funciona o mecanismo de propulsão
dos discos voadores”; “Tipos de civilizações extraterrestres e quais
são suas intenções para conosco”; “Por que eu não acredito no caso
X ou Y”.
Quando nos propomos a falar ou escrever publicamente, é
imprescindível que conheçamos as regras básicas não só de
comunicação e expressão, mas também, e principalmente, formas
corretas de argumentação e construção de raciocínio. Essas regras
exigem sobriedade e isenção. Quando passamos anos pensando que
somos "iniciados" ou privilegiados detentores de um chamado
"conhecimento oculto", e de repente vemos ou achamos que estamos
diretamente envolvidos em eventos extraordinários, tais como filmar
minúsculos corpos supostamente estranhos, aí então essas regras
devem ser observadas com o dobro, o triplo ou excesso do mesmo
rigor, caso contrário, só haverá uma saída digna – silenciar.
Será que, quando ocorrem conosco, os fatos ou "fenômenos"
também não merecem estudo, não se revestem de nenhuma
complexidade e, por sermos nós, já podemos ter certeza que suas
causas são atribuíveis a "eles"? Que um abduzido pode produzir
situações meramente subjetivas, nada reais, por fatores múltiplos de
ordem psicológica ou mesmo psíquica, e nós não? Que uma
testemunha com credibilidade, mesmo depois de um contato
supostamente real, passe a ser um "arauto dos Ets", nós também
devemos assim nos tornar?
Que um suposto abduzido, a partir de um sequestro passe a
se tornar intencionalmente um "guru", nós também podemos sê-lo?
Que um pretenso paranormal porta-voz de extraterrestre engendre
todo um festival de mentiras abjetas, porém inspirado em alegações
tidas pela Ufologia como reais, nós passaremos a nos anunciar e nos

50
insinuar igualmente "escolhidos por Et", como ele? Uma revista
especializada no assunto deixará de ser um canal de divulgação para
se tornar a publicação oficial de algum tipo de seita messiânico-
místico-religiosa, fundamentada em “greys” protetores e em
entidades benevolentes?
Em meio a estultos profetas ufológicos, contatados gurus,
abduzidos messiânicos e ufólogos travestidos de cientistas, há o
protagonista sério, a testemunha que incomoda com seu
comportamento arredio e suas condições psicológicas e emocionais
abaladas por ocorrências ainda não explicadas, que faz valer a pena o
estudo ufológico distanciado de toda a irresponsável atuação a que
assistimos hoje aqui e no mundo. Uma realidade com a qual
devemos aprender a conviver.
Muito mais importante e interessante para a pesquisa, porém, não
são as pessoas que simplesmente se sentem constrangidas em
partilhar tais fatos, e sim aquelas que sofreram forte impacto
psicológico diante de um fenômeno extraordinário, complexo e
estranho a elas, ao ponto de por vezes se fecharem em si mesmas,
submeterem-se a tratamentos até psiquiátricos, terem a vida familiar
e social atingida.
Contrastando com seu elevado grau de cultura ou no exercício de
relevantes cargos na sociedade, com o choque que sofreram,
oferecem, a nós ufólogos, um fascinante e às vezes assustador
campo de estudos. Pessoas que jamais investiram numa suposta
sabedoria de banca de jornal, cultuando cristais e rituais picaretas à
beira de fogueiras em nome de uma "bruxaria" da moda que, por
sinal, contam-se aos milhares, e deixam logo à primeira vista a
impressão de que algo no mínimo fantástico está ocorrendo, bastante
físico e traumatizante, cujos reflexos de ordem científica e filosófica
são difíceis de serem previstos.
Ao comentarmos que a Ufologia não é ciência, não julgamos que
seja impossível agir cientificamente. Ainda que ela tenha de se
conformar de que a responsabilidade do estudo de qualquer
fenômeno seja da alçada das ciências estabelecidas, o mínimo que
um ufólogo sensato pode fazer é constituir um pensamento lógico,
bem como uma metodologia de ação. Até por isto é bom saber que,
caso o fenômeno ufológico tenha origens desconhecidas, ou seja,

51
algo não classificado na área do conhecimento científico, a Ufologia
está longe de ser ciência. Nota-se na Ufologia mundial uma quase
totalidade de estudiosos completamente desguarnecidos de
metodologia científica, e o que é mais grave, parecem acreditar que
para agir com tal técnica basta pensar com aparente isenção, ou que
só precisam não esposar ideias de fundo místico-religioso. Pearson
acentua que não são os fatos que fazem a ciência, mas o método por
meio do qual são tratados31. De acordo com o professor Oliva, o
método científico estipula um conjunto geral de regras e técnicas
com base nas quais deve ser feita a pesquisa32.
A metodologia correta se inicia, por exemplo, com um bom
planejamento da investigação, antecedida por uma escolha de
hipóteses viáveis. Toda a pesquisa, a partir daí, culminará na
confirmação ou na negação dessas escolhas, o que significa dizer
que um fenômeno deve ser analisado com neutralidade. Entretanto,
muitos pesquisadores formulam seu raciocínio intentando encontrar
discos voadores por detrás do fenômeno, desejando provar que os
Óvnis são extraterrestres, necessariamente naves espaciais e que
definitivamente civilizações de fora nos visitam com esta ou aquela
intenção, que são povos de índole pacifica ou hostil, que sua
tecnologia está muito avançada, que isso, que aquilo.
Assim agindo, cometem, além de um imperdoável e inadmissível
erro de metodologia, uma negligência que deixa os famosos céticos
“antidiscovoadoristas” em confortabilíssima vantagem. No Brasil, as
cultuadas listas de discussão pela internet – a “Ufologia.com” –
exibem preciosidades notáveis de ingenuidade daqueles que estão à
frente dos estudos ufológicos. É o equívoco primário de não se saber
distinguir o que é simples questão de crença, portanto subjetivo,
pessoal, do que já possa ser considerado demonstrado e provado.

E, para outros ainda, geralmente membros de "cultos dos discos


voadores" ou grupos de "verdadeiros crentes", significa a vinda à Terra
de seres geralmente bons cujo objetivo evidente é comunicarem, de um
modo geral a relativamente poucas pessoas, selecionadas e eleitas –
quase sempre sem testemunhas –, mensagens de “importância

31
Pearson, K.; A Gramática da Ciência, citado por Alberto Oliva in Filosofia da Ciência.
32
Op. cit.
52
cósmica”. Estes receptadores eleitos têm, usualmente, experiências de
contato que se repetem, envolvendo outras mensagens. A transmissão
de tais mensagens a crédulos voluntários e sem espírito crítico conduz,
quase sempre, à formação do culto do disco voador sendo o
"comunicador" ou "contatado" o líder voluntário e óbvio do culto.

Embora relativamente poucos, os defensores deste tipo de disco


voador influenciaram enormemente a opinião pública através de seus
atos irracionais – às vezes até as opiniões de homens cultos como o
Dr. Edward Condon e seus seguidores (grifo nosso)33.

Se vivo estivesse. Hynek constataria com desespero que


atualmente tal índice se inverteu. Os adeptos da fantasia desenfreada
formam a maioria hoje. Se alguns creem que discos voadores são
extraterrestres e máquinas pilotadas por civilizações tecnológicas
altamente evoluídas, é o sagrado direito de opinião a ser respeitado,
mas que isso possa ser publicamente afirmado com a naturalidade de
quem acha que seja algo incontestável é um absurdo dialético
irredimível. Quando se age assim, não existe diferença de um
pensamento com feições fantasistas, portanto meramente
supersticioso, que não consegue disfarçar a ausência de um modo
condizente com as regras de raciocínio e argumentação.
Se for para agir dessa forma, que se despreze de vez a razão e se
parta para a postura religiosa, deixando de lado a brincadeira de
fazer ciência. Almejando discursar sobre as intenções ou modo de
agir dos “extraterrestres que nos visitam”, como se os heroicos
ufólogos já tivessem esta premissa maior totalmente superada –
Óvnis são extraterrestres – um pesquisador lançou nas listas de
discussão um artigo procurando mostrar porque os tripulantes dos
Óvnis abduzem, realizam exames físicos, parecem amigáveis,
respeitadores, pacíficos ou então são indiferentes a tudo isso. Será
que o autor não tem noção da inviabilidade do raciocínio? Será que
não percebe tratar-se de uma convicção estritamente pessoal
totalmente subjetiva? Crença pessoal não conta ponto para o
convencimento público, mesmo que um grande número de pessoas
seja simpatizante da mesma crença. Ciência é objetiva, não

33
Hynek, J.A.; Ufologia – Uma Pesquisa Científica, p. 15. Nórdica, RJ, 1980.
53
subjetiva. Todavia, quando se tenta propor um espírito crítico como
base inicial de discussão, esta é rechaçada de imediato.
As listas, que aqui tomamos como exemplos, oferecem ainda
outras evidências da linha equivocada com que agem os ufólogos
brasileiros. Muitas mensagens e artigos expressam verdades
“reveladas pela espiritualidade”, ou seja, por entidades ou espíritos,
e desenvolvem todo o seu repertório de afirmações com absoluta
confiança nessa realidade. A partir disso, uma revista publica um
longo artigo fundamentado em tais revelações, em nome de uma
“salutar” abertura, de uma ação não discriminatória, dita “holística”.
A mesma abertura que, nos últimos trinta anos, tem levado
milhares de pessoas a palestras e cursos de “Contato telepático com
Ets”, de “Extraterrestres, suas origens e intenções”, a conferências
de “escolhidos” para viagens a outras estrelas, de paranormais
farsantes, de preparadores do arrebatamento, e que leva poucas e
escassas dezenas de solitários interessados aos congressos da
chamada Ufologia científica. Que, convenhamos, ultimamente de
“científica” não tem apresentado nada.
Entretanto, as tais pérolas se enfileiram como num colar. Se
alguém se pronunciar manifestando dúvidas quanto à procedência
extraterrestre, será considerado um “descrente”, como se crença
fosse virtude e descrença um defeito censurável. Não sabem que o
ceticismo, na verdadeira essência e conceito do termo, é necessário e
condição primordial para quem quer apurar a realidade objetiva de
um fato, um fenômeno ou um experimento. Falta-lhes, aos
acusadores, ampliar o leque de conhecimento em direção a obras
técnicas e livros de metodologia, aferrados que estão por uma
bibliografia exclusivamente ufológica que recrudesce suas limitadas
concepções e os faz conviver com o eco de suas próprias vozes.
E olhe que informação é o que não falta! Somos bombardeados
ininterruptamente por um manancial de imagens e textos jamais
visto em toda a história da humanidade. Além de uma leitura
diversificada, carecem de frequentar, regular e gradativamente, o
meio acadêmico, cursos de qualificação e reciclagem de
conhecimentos, que dão uma abertura de consciência inigualável. E
assim segue a Ufologia, com a sensação íntima de muitos que, com
anos de perplexidade disfarçada de sabedoria, comportam-se como

54
legítimos messias, no impulso de que um dia poderão salvar a
humanidade da ignorância sobre a “vida superior extraterrestre”.
O professor de literatura, filósofo e escritor Roger Shattuck, em
sua obra Conhecimento Proibido34, faz uma fecunda viagem ao
reino da mitologia e suas relações com a cultura contemporânea.
Considerando a extensão e o enredamento da obra, ele teve
competência e habilidade para desmembrar o conhecimento em seis
categorias, e a que nos chamou atenção se aplica na presente análise,
o chamado “Conhecimento Dúplice”:

Tanto o bom senso como a história da Filosofia reconhecem duas


espécies, duas tendências do conhecimento. Podemos aproximar-nos do
objeto conhecido, penetrar nele, entrar em sintonia com ele, unir-nos a
ele, a fim de obter um conhecimento subjetivo. Ou então podemos
permanecer do lado de fora, observar, anatomizar, analisar o objeto
conhecido, meditar sobre ele, para atingir o conhecimento objetivo.

Certamente o leitor percebeu a correlação com a Ufologia,


quando fazemos também duas divisões nas categorias de
pesquisadores: aqueles que estão direta e emocionalmente
envolvidos com o fenômeno, e aqueles que se mantêm à distância na
condição de observadores. Shattuck ainda acrescenta:

O conhecimento subjetivo, ou empático, nos faz perder uma perspectiva


judiciosa sobre o objeto; o conhecimento objetivo, buscando manter
essa perspectiva, perde o laço da empatia. Não é possível conhecer
alguma coisa pelos dois métodos ao mesmo tempo [grifo nosso].

Esse é um ponto crucial. Nós, autores, em nossas respectivas


experiências, convivemos de perto com o fenômeno tanto no
passado como no presente, num certo sentido “penetramos” nele,
“interagimos” com ele, o que nos permitiu adquirir ao longo do
tempo aquele conhecimento subjetivo. Isso nos deu alguma
bagagem. Sob outro aspecto, estamos agora do lado de fora,
observando, analisando, anatomizando, elaborando um
conhecimento objetivo. Isso consubstancia aquela bagagem.
Concordando com Shattuck quando diz não ser possível conhecer
34
Cia. das Letras, SP, 1998.
55
alguma coisa pelos dois métodos simultaneamente, desviamos nosso
olhar para Kant quando, em Crítica do Juízo, escreveu que é
preciso evitar chegar perto demais e ao mesmo tempo tratar de não
ficar muito longe, referindo-se naturalmente na busca da
compreensão de certos mistérios.
Há uma imagem que usamos com frequência para demonstrar a
grandiosidade da tarefa que nos aguarda – o iceberg. Enquanto que
acima da linha da superfície está um conjunto de dados conhecidos,
na porção submersa encontra-se um abissal e inexplorado campo de
estudo e reflexão. Snorkel e pé-de-pato não bastam para nos levar a
tais profundezas. É preciso um considerável suprimento de oxigênio,
visão aguçada e coragem para enfrentar o desconhecido. E,
principalmente, claro, saber nadar.
Antes que seja tarde, cabe uma confissão. Cá entre nós, no fundo,
gostaríamos de não ter que escrever este livro. Gostaríamos que não
houvesse uma mísera razão para que dedicássemos, com a vontade
que nos moveu por dias e noites, um volume como este, carregando
em seu ventre farpas e insinuações, pontuado de sarcasmo,
transpirando confrontações. Ele não teria razão de existir se a
Ufologia fosse exatamente isso que aparenta ser: simplesmente a
presença constante de naves e discos voadores nos céus e
extraterrestres em terra e nossas tentativas de deslindar origens,
intenções e comportamento. Gostaríamos que a busca de cada um se
somasse às dos demais, e não que se transformasse em retalhos
mambembes dispersos pelo vento. Gostaríamos, sinceramente, que
fosse assim. Mas a conjuntura que se apresenta não permite
atenuantes, não comporta displicência e não combina com
aleivosias. Ela se interpõe entre o que gostaríamos que fosse e o que
precisa ser feito. Não é uma sensação agradável promover devassa
em campos que não pertençam só a nós, portanto, não nos sentimos
exatamente confortáveis, mas, como dizem por aí, alguém tem que
fazer o trabalho sujo. Desejamos profundamente que cada página
expresse a sinceridade dos nossos ideais, porque é assim que este
livro foi escrito, com alma, numa delicada mistura de razão e
sensibilidade.

56
Anatomia de um erro35

O marciano encontrou-me na rua, e teve


medo de minha impossibilidade humana.
Como pode haver, pensou consigo, um ser que,
no existir, põe tamanha anulação de existência?
(...) E fiquei só, em mim, de mim ausente.
Carlos Drummond de Andrade

Há muito tempo o ser humano busca, no intangível, luzes para


profundas reflexões de ordem filosófica. Pensadores de todas as
épocas dedicaram-se ao entendimento dos anseios humanos e
tentaram explicar os comportamentos e os talentos da humanidade,
baseando-se naquilo que lhes parecia a verdade. Influência dos
deuses, manifestação da natureza, processos físicos e um sem-
número de enunciados poderiam fornecer respostas para o porquê
desta ou daquela característica. Porém, a alma humana alçava voos
maiores que seus analistas.
A fé é atávica, surgiu antes da razão, por isso ciclos e fenômenos
naturais e a visão de inalcançáveis estrelas despertavam nos homens
primitivos a admiração e o respeito, a ponto de darem a estas
ocorrências o status de divindade. Jung asseverava: O impulso
religioso é uma das forças psíquicas fundamentais do homem.
Surgiria daí o homo religiosus. Mas o impulso religioso não provém
apenas destas forças psíquicas. Voltaremos ao assunto quando
explorarmos um pouco mais o campo das neurociências.
Conforme o planeta era explorado e desbravado, deixava de
existir um horizonte desconhecido. Na proporção em que os
caminhos diminuíam, as perguntas aumentavam. Então, restou-nos
aquilo que parecia impossível abraçar e desvendar, onde certamente
estariam as chaves para todos os enigmas: o espaço. É interessante
analisar a relação entre as dúvidas existenciais e o fato de situar as
respectivas respostas em algo inatingível, acima de nós.
35
Colaboraram Laura Elias e Vanderlei D´Agostino, com participação de Lúcio Manfredi.
57
É voz corrente entre os estudiosos da área comportamental que o
homem tende a projetar a “solução” dessas questões em algo distante
e de difícil acesso. Conforme demonstraremos adiante, esse
mecanismo faz, automaticamente, com que o buscador encontre ao
longo da jornada uma natural evolução da qualidade e profundidade
dos questionamentos, e, consequentemente, de sua própria evolução
como ser humano.
É nossa intenção neste capítulo desenvolver uma linha de análise
voltada não exatamente ao fenômeno ufológico e suas manifestações
ou sistematizações de estudo, e sim àquelas pessoas que constituem
a espinha dorsal da Ufologia: os ufólogos. Será a tônica o ser
humano e suas atitudes perante o meio ufológico, sempre tomando
por base teórica os posicionamentos das ciências do comportamento,
e lembrando que somos extraordinariamente influenciados pela
conjunção socioeconômica e cultural na qual estamos inseridos.
Embora a ciência já viesse desde o século 17 ampliando e
modificando a visão do homem em relação ao mundo que o cercava,
foi o século 20 o palco em que estas transformações se fizeram mais
atuantes no cotidiano das pessoas. As facilidades de comunicação e
do acesso à informação alteraram o pensamento e a condição do ser
humano perante o universo. A invenção e o sucesso do cinema
ajudaram na ampliação das possibilidades criativas e o sonho com o
imponderável ganhou forma. Foram também nestes 100 anos que
livros, jornais e revistas se tornaram artigos de consumo fácil, a
televisão surgiu e com ela uma verdadeira revolução de costumes e
ideias. Depois dela, foi a vez dos computadores e da internet
implantarem uma nova visão do mundo.
Na ciência, as teorias de Einstein trouxeram conceitos
reformuladores dentro da Física; a biologia se transformou com o
estudo mais aprofundado da genética iniciado por Mendel, e as
contribuições de Freud e Jung na Psicanálise e no conhecimento do
inconsciente humano transformaram de maneira definitiva conceitos
até então arraigados, muitas vezes em bases extremamente
questionáveis.
O século 20 foi também arena de confrontos mundiais, da guerra
fria, da conquista espacial e de movimentos culturais que abalaram
profundamente as estruturas sociais e religiosas que vinham se

58
mantendo praticamente inalteradas no Ocidente. Foi nesse cenário
efervescente e de intensas transformações que algo começou a
chamar a atenção de muitas pessoas, em especial nos anos 30 e 40.
Tinha-se, até então, a possibilidade da existência de vida
extraterrestre como matéria de discussões contidas entre quatro
paredes com acadêmicos na Europa e nos Estados Unidos.
No entanto, meios de comunicação como o cinema e o rádio – em
especial a famosa transmissão radiofônica simulando uma invasão
de marcianos, baseada na obra de H. G. Wells, Guerra dos Mundos,
realizada por Orson Welles, em outubro de 1938 – fizeram com que
essa discussão aflorasse, ainda que de forma muitas vezes jocosa ou
como puro assunto lúdico, notadamente na indústria
cinematográfica.
Contudo, uma sequência de acontecimentos mudou o enfoque
dado até então à hipótese de que vida extraterrestre inteligente
estaria nos visitando, justamente num ambiente que teve como pano
de fundo o mundo do pós-guerra, chocado e traumatizado pelas
imagens de destruição e terror que ceifou milhares de vidas. Nesse
clima, no qual a reconstrução dos países e da sociedade de um modo
geral se misturava ao medo da aniquilação, as notícias de que algo
diferente ocorria nos céus começaram a chamar a atenção do mundo.
Tornado um ícone, foi o avistamento de Kenneth Arnold – dentre
outros que ocorreram no mesmo período, meados de 1947 – o
responsável por transformar o lúdico em factível e palpável.
De uma perspectiva histórica, torna-se evidente que a Segunda
Guerra foi um referencial social da era mais conturbada da história,
enterrando de vez o passado e fazendo nascer o período
contemporâneo. As linhas de montagem invadiram o mundo, os
Estados Unidos enriqueceram com a ruína da Europa, exportando o
american way of life e desenvolvendo a chamada sociedade de
consumo.
O Ocidente e o Oriente colocaram-se em oposição; o muro de
Berlim, sinal concreto da simbólica Cortina de Ferro, cindiu a
humanidade. Psicologicamente, foi o momento mais tenso jamais
enfrentado. As forças demoníacas que se encontravam acorrentadas
nas profundezas da psique libertaram-se e lançaram-se sobre o
mundo, devorando as almas de milhões de homens. Jung antecipou a

59
catástrofe que se abateria sobre a civilização, atribuindo grande
responsabilidade pelo sucedido ao deus-demônio Wotan, a
personificação do paganismo alemão. Banido pelo cristianismo,
aguardava em estado latente o momento em que as condições
políticas, sociais e econômicas convergiriam para levar à
ressurreição de comportamentos primitivos e arcaicos que o nazismo
não tardaria a externar.
A invasão da consciência por esses fundos psíquicos
inconscientes, os quais submergem a razão e induzem as pessoas a
comportamentos anormais, configura o que, em psicopatologia, se
denomina psicose coletiva. Nunca antes uma epidemia psíquica fora
tão destrutiva, nem mesmo a guerra anterior. Nunca antes uma
epidemia liberara forças capazes de destruir a humanidade. Diz
Jung:

Por outro lado, caso o indivíduo seja capaz de agarrar-se a um último


resto de consciência ou de preservar os vínculos de relacionamento
humano, pode surgir no inconsciente, justamente através da confusão
do entendimento consciente, uma nova compensação que possivelmente
será integrada pela consciência. Apareceriam novos símbolos de
natureza coletiva que refletiriam agora forças de ordenamento. Medida,
proporção e ordenamento simétrico encontram-se nesses símbolos em
sua estrutura singularmente matemática e geométrica. Representam
uma espécie de eixo e são conhecidos como mandalas36.

Em outro trabalho, dedicado exclusivamente às mandalas e


incluído em seu Formaciones de lo Inconsciente37, Jung enfatiza
seu formato circular ou discoide. Em muitas das reproduções que
apresenta, vemos as mandalas flutuando no céu, entre as nuvens, as
estrelas ou sobre as cidades. Parecem reproduções de Óvnis,
pintados pelos seus pacientes muito antes que entrassem na ordem
do dia. Teria o interesse coletivo se voltado para os Óvnis como um
reconhecimento intuitivo de que eles poderiam simbolizar forças

36
Mandala, termo hindu que significa círculo. Uma forma de emblema, diagrama geométrico
em que alguns se acham de concreta correspondência com um atributo divino determinado.
Instrumento de contemplação e concentração, como auxílio para levar a estados alterados de
consciência. Juan-Eduardo Cirlot, Dicionário de Símbolos, Editora Moraes, São Paulo,
1984.
37
Paidós, Buenos Aires, Argentina, 1982.
60
ordenadoras que se contrapunham à dissolução psíquica que
grassava livre? Jung acreditava que sim, e escreveu isso em Um
Mito Moderno na esperança de demonstrá-lo. Todavia, essa obra foi
muito mal recebida, sendo considerada quase uma mancha em seu
currículo por aqueles que não compartilhavam de suas opiniões.
Grande parte dos ufólogos, com exceção de Aimé Michel e uns
poucos mais atentos, nem se deu ao trabalho de examinar os
argumentos do psicólogo, preocupados mais com as fotografias e os
“venusianos”, empurrando-o ao ostracismo e inscrevendo-o no
index. Jung afirmava que os discos voadores eram arautos de uma
profunda transformação da consciência, tornada necessária pelas
condições criadas desde a guerra na Europa, que provocou uma
aceleração geométrica da tecnologia, abrindo ao homem o caminho,
por um lado, em direção às estrelas, e por outro, à fome e à miséria
para mais da metade do mundo.
Mais importante do que isso, colocou em suas mãos poderes
fundamentais do universo – as forças atômicas – que lhe deram a
autoridade de um deus, aptas a criar ou destruir mundos. Um poder
dado prematuramente, sem dúvida, motivo pelo qual praticamente
todas as mensagens atribuídas aos extraterrestres versam sobre a
problemática nuclear.
O que seriam aqueles artefatos voadores? Quem os tripulava? E,
principalmente, o que estariam buscando em nosso planeta?
Independentemente da veracidade desses avistamentos, eles foram o
ponto central de um significativo movimento psicossocial mais tarde
denominado de Ufologia. Não estamos nos referindo aqui à pesquisa
sistemática das aparições, e sim à reação da sociedade diante de um
dado novo. Foi a Ufologia que fomentou o aparecimento do
personagem principal dessa discussão – o pesquisador do fenômeno,
o ufólogo. Como todo movimento social, este também tem
características intrínsecas que podem e devem ser analisadas, para
que se possa entender de maneira mais acurada os meandros do
fenômeno Óvni e aqueles que o pesquisam.
Uma dessas características está estreitamente ligada aos aspectos
míticos que permeiam o imaginário humano desde tempos distantes,
como a eterna busca daquilo que está “em cima”, “no firmamento”,
“lá fora”..., coisas de alguma forma inacessíveis ao ser humano e, ao

61
mesmo tempo, representando o “paraíso”, a “iluminação”, a “morada
dos deuses”, ou seja, aquilo que é bom, dependendo da cultura do
protagonista. Temos muitos exemplos disso: monges taoístas, ao
atingirem a iluminação, são levados por um dragão alado.
Os santos e anjos católicos, por sua vez, têm sua morada ao lado
de Deus, que está no “céu”. De acordo com a mitologia, deuses
sumérios também vieram “de cima”. A ponte entre o sagrado e o
humano, entre o divino e o terreno nós chamamos de religião, e
nesse sentido, a Ufologia nada mais é que uma releitura desse
pensamento mítico incorporada aos valores atuais. O céu se afigura
como local das manifestações divinas, sejam boas ou ruins. Temos
vários relatos na tradição religiosa judaico-cristã que mostram
claramente essa associação divino-celeste – num deles, Moisés foi
guiado por uma coluna de fogo ou uma coluna de nuvem durante o
Êxodo.
Da mesma forma, a estrela de Belém que guiou os reis magos
para encontrarem o Salvador e as “línguas de fogo” que desceram
sobre os apóstolos em Pentecostes são outros marcantes episódios
bíblicos. Seguindo por essa linha, os “deuses” se valiam de sinais
celestes para marcar sua presença ou demonstrar sua intenção. Ainda
que muitos pudessem ver tais sinais, somente os “eleitos” tinham
pleno acesso àquilo que as divindades queriam transmitir à
humanidade, tendo a função de intermediários, com grande
influência sobre seus seguidores. Estas fortes referências ao divino,
que estão presentes de forma inconsciente em nossa cultura,
tornaram o fenômeno ufológico atraente aos olhos do público –
ainda que este muitas vezes o visse com certo medo ou reserva. O
fato é que temos tido, nestes últimos 50 anos, uma verdadeira
“invasão” extraterrestre em nosso planeta, protagonizada não pelos
alienígenas, mas pelo cinema, pelas agências publicitárias, pelas
revistas em quadrinhos, pela literatura ficcional.
Embora o fenômeno tenha um forte apelo ao desconhecido, ao
misterioso e ao mítico, não são todas as pessoas que se sentem
compelidas a penetrar neste universo de forma atuante. Na verdade,
o número de estudiosos é percentualmente menor em relação ao de
pessoas que estariam aptas, ao menos em tese, a estudá-lo –
indivíduos com um grau mínimo de escolaridade, acesso à

62
informação e estado socioeconômico que lhes permitissem
direcionar uma fatia de sua renda em material de pesquisa –
publicações, viagens, equipamentos – e algum tempo livre para se
dedicar ao assunto. Quais seriam, então, os motivos que levam
alguém a se voltar ao estudo ufológico, quando tantos outros não o
fazem?
Há exceções, mas, via de regra, segundo sugere o psicólogo
Walter Klein Júnior, seria o conjunto de três fatores que atuariam
nessa decisão: curiosidade inata, necessidade de “construir”
conhecimento e, principalmente, o tipo de estímulo do continente
cultural em que a pessoa se desenvolveu. É preciso assinalar que
estas características estão naturalmente presentes no perfil de
pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento – e não
somente dos ufólogos.
No que se refere à curiosidade inata ao fenômeno ufológico,
certas linhas de pensamento espiritualista propõem possibilidades
que, embora interessantes, fogem ao escopo de nossa abordagem,
por isso vamos nos ater às explicações oferecidas pelas ciências
comportamentais para o desenvolvimento cultural e social humano.
Estudos apontam pessoas que, se na infância têm seus naturais
questionamentos respondidos, possuem forte tendência a
desenvolver maiores níveis de discussões e, portanto, querem
construir conhecimento estruturado. Os estímulos recebidos podem
ser originários de diversas fontes: família, escola, meios de
comunicação, amizades, ambiente religioso e eventuais experiências
pessoais com o fenômeno ufológico.
Ainda segundo Klein, dentro deste grupo de pessoas que se
dedicam à pesquisa, poderíamos destacar aquelas que buscam este
universo por necessidade de se diferenciar das demais do grupo ao
qual pertencem, além das necessidades de autoafirmação, de
encontrar uma justificativa frente a intenso sofrimento e as geradas
por crises existenciais. Neste último caso, as pessoas tendem a não
se aprofundar em suas pesquisas e montam a realidade de acordo
com suas carências internas, inclusive tecendo teorias mirabolantes,
usando a Ufologia como suporte para suas vidas. Tomando por base
os dados teóricos até aqui colocados, podemos ter uma visão mais
clara de como, por que e em qual conjuntura social surgiu a figura

63
do ufólogo nos moldes que conhecemos hoje. Voltando ao final da
década de 1940, quando o assunto ganhou as manchetes,
identificamos vários dos tópicos até aqui desenvolvidos.
Os avistamentos relatados que afloraram naquela época traziam
claramente o componente mítico anteriormente citado – o que vem
“de cima”, “dos céus” –, que certamente influenciou o surgimento da
primeira geração de pesquisadores. Segundo os contatados daquele
tempo, os discos voadores, agora se mostrando como uma real
possibilidade de visitas extraterrestres, passaram a nos visitar com
uma constante mensagem antibelicista, devido à crescente tensão
entre União Soviética e Estados Unidos e a potencial ameaça de
autodestruição de nossa civilização por um conflito atômico em
escala global.
Vê-se nesse palco uma imagem claramente doutrinária, sendo o
receptor da mensagem o “eleito”, que tem acesso à informação que
vem “do alto”, cuja função é ser o intermediário entre ele – do alto –
e a humanidade. Por outro lado, há aqui uma evidente interpretação
do fenômeno conforme o contexto político do momento. A
enxurrada de relatos de avistamentos e contatos estimulou o
despertar da curiosidade de algumas pessoas, que se sentiram
impulsionadas a investigar melhor estas ocorrências, tentando
agrupar e organizar dados no sentido de construir um conhecimento
sobre o assunto, que serviria para base de futuras pesquisas.
É aí que surge a pergunta básica: por que isto aconteceu? Por que
não soubemos avaliar melhor o fenômeno que tínhamos à mão? A
resposta pode parecer por demais simples à primeira vista, porém
uma leitura atenta desta obra mostra a extensão de sua
complexidade. Resumidamente, podemos dizer que o fenômeno foi
mal interpretado desde o princípio porque os que se lançaram a
pesquisá-lo eram pessoas leigas e despreparadas que,
compreensivelmente, se deixaram arrebatar por algo jamais visto
antes. Como era desconhecido para elas – por todos – as respostas
vieram antes das perguntas, como se estivessem engatilhadas
esperando apenas o momento de desabrochar.
A expressão “disco voador” foi adaptada a partir da descrição
dada pelo piloto americano que abriu as portas da Ufologia moderna
– os objetos deslocavam-se no ar como pires atirados na superfície

64
da água. Pronto, a Ufologia acabava de ser inventada por aqueles
que não faziam a menor ideia do que era e para quê servia.
Intempestivamente, a imprensa sensacionalista e os candidatos a
ufólogos batizaram o fenômeno sem esperar por um julgamento mais
abalizado daqueles que poderiam dar outras explicações.
Quando estes se manifestaram tentando dar uma resposta ou
apresentar outras possibilidades, foram solenemente rechaçados,
dispensados e ignorados como se engendrassem secretamente um
conluio para desmentir os achados. A Ufologia mal nascia e já
começava a “política de sigilo e acobertamento”, no entender dos
emergentes pesquisadores.
Lembramos que estes pioneiros da pesquisa ufológica não eram,
necessariamente, pessoas com formação acadêmica ou especialistas
em ciência que, a priori, seriam as mais indicadas ao estudo do
fenômeno, como astrônomos, meteorologistas, físicos ou biólogos.
Muitos dos primeiros ufólogos não tinham graduação em nenhuma
dessas áreas, o que não foi obstáculo para se aventurarem na
pesquisa ufológica. Muito pelo contrário, serviu para muitos –
acontece até hoje – como incentivo para ampliar conhecimentos de
conceitos acadêmicos com o intuito de uma compreensão mais
extensa do conjunto de dados que coletavam. Entretanto, apenas boa
vontade não bastava, era e é necessário ir mais longe, estender e
transformar esse espírito aventureiro em investigativo.
O desenrolar dos fatos pós 47 trouxe um binômio essencial para a
formação de toda uma cultura em pouco tempo: pesquisa versus
divulgação de casuística. Mais e mais pessoas começavam a se
interessar pelo assunto, com maior ou menor grau de intensidade,
graças aos meios de comunicação que “compraram” a ideia,
utilizando-a até como forma de aumentar seu faturamento. Passada
uma década do que se denominou como princípio da era moderna, o
vulto que tomou o manancial de eventos e rumores sobre o assunto
já era expressivo o suficiente para que Jung, um dos grandes nomes
da psiquiatria, se dispusesse a tratar do mesmo em Um Mito
Moderno.
A partir de 1960, novos fatos e conceitos trouxeram uma nova
forma de interação entre o pesquisador e a sociedade. Já nessa época,
a figura do ufólogo estava praticamente institucionalizada, grupos

65
civis organizados eram uma realidade e, com vários anos de
casuística como base de dados, protocolos de estudo se tornaram
mais aperfeiçoados, ainda que muito, muito distantes do ideal. O
incessante desenvolvimento científico, em especial as ciências
ligadas à Astronomia e à Astronáutica com o início da efetiva
corrida espacial, fizeram do pesquisador do fenômeno Óvni um
ponto de referência para aqueles que eram meros curiosos ou
estavam iniciando seus estudos. Essa mesma “especialização” do
ufólogo trouxe um incômodo que perdura até hoje: o comportamento
cientificista dos meios acadêmicos e de seus membros começou a
ver neles um segmento que merecia atenção, ainda que não admitida.
Os dados mostram, porém, que o establishment fazia de tudo para
rechaçar teorias com certo embasamento científico vindo de seu
próprio meio. A história mostrou, inclusive, que muitos cientistas
pertencentes a instituições com essa linha demonstravam interesse
no que os ufólogos tinham a dizer, sendo cerceados, porém, pelo
receio de eventuais represálias em sua atuação profissional. Essa
situação desenvolveu-se até chegar a certo grau de radicalização por
ambas as partes, gerando no ufólogo uma crescente necessidade de
provar suas argumentações, em contraponto ao acadêmico que ia – e
ainda vai – à mídia para desmentir o modelo proposto pelo primeiro.
Pode-se considerar esta contenda lucrativa não só para os dois
lados, mas também para o público leigo no assunto, que teve, a partir
de então, discussões em escala mais elevada na imprensa,
popularizando informações que estavam restritas a um pequeno
universo de pessoas, transformando o ufólogo num agente formador
de opinião – uma situação delicada como se verá depois. Por uma
questão de coerência, nós também podemos ser vistos como, e
somos, formadores de opinião, mas com uma diferença fundamental:
não impomos nada nem assinamos os termos da verdade, não só por
não termos a escritura definitiva – ninguém tem – mas
principalmente porque o nosso objetivo é trazer os fatos à luz da
razão, o que já não é pouco, e deixar que o leitor chegue às suas
próprias conclusões fazendo uso dessa razão. Subscrevemos Gide:
não tenho medo dos que procuram a verdade. Temo pelos que a
encontraram.
Foi também nesse período que novos paradigmas se mostraram

66
de forma mais ativa, levando os pesquisadores a novos
questionamentos e, muitas vezes, a um reposicionamento em relação
às manifestações ufológicas. As abduções, as mutilações de animais
e a difusão das ideias da ufoarqueologia (a pesquisa da existência de
Óvnis na história antiga) possibilitaram o surgimento de novos
conceitos em relação ao entendimento da casuística que se
apresentava. Tais conceitos, especificamente os dois primeiros, não
eram necessariamente uma antítese do que se tinha até então, e sim
um complemento natural dos aspectos místicos ou messiânicos que
destacamos anteriormente.
Estruturado há mais de 2.500 anos na China, o Taoísmo mostrou,
inclusive de forma pictográfica, a eterna polaridade, interação e
complementação dos opostos para se obter um sistema completo.
Essa visão, baseada na observação dos ciclos naturais – dia e noite,
frio e calor – e do ser humano – tristeza e alegria, saúde e doença –
diz que o “todo” somente estará completo e equilibrado quando as
duas facetas, yin e yang, fizerem seu papel dentro de um contexto
maior, atuando em conjunto para que o equilíbrio se mantenha, cada
qual exercendo sua função, interagindo entre si, no decorrer de uma
ação infindável,
transformando-se continuamente um no outro. Esta chamada
“bipolaridade” também foi adotada pela Filosofia que influenciou o
Ocidente, notadamente a partir da cosmologia, que tentava explicar o
devir, ou seja, a mudança das coisas com sua passagem a outro
modo de existir, contrário ao que possuía. Para a cosmologia, os
seres vivem através de uma oposição entre eles, além de sua
multiplicidade e de sua mutabilidade. Quando surgiu a Filosofia, o
grego Heráclito de Éfeso, cerca de 540 a.C., falava que o mundo é
um fluxo perpétuo em que nada fica como é, tudo se transforma em
seu contrário. É dele a famosa proposição não se pode entrar duas
vezes no mesmo rio 38.
Baseados nessa milenar e profunda visão do Cosmo, podemos
notar que os dados trazidos pela abdução e mutilação de animais
representam o outro lado de uma mesma moeda, no que se refere à
38
Fragmento 91 in Os Filósofos Pré-Socráticos, Gerd Borhneim, Cultrix, São Paulo, 1977. A
metáfora do rio é bem significativa. O rio é sempre o mesmo, mas por trás dessa aparência,
suas águas fluentes correm sempre e nunca são as mesmas, daí não poder se banhar duas
vezes nas mesmas águas.
67
forma de interação do fenômeno Óvni com o ser humano. A visão
messiânica encontrou sua contrapartida de forma clara nas
traumáticas experiências relatadas pelos abduzidos, que forçaram os
pesquisadores a tomar uma visão mais nítida da complexidade do
assunto. Aquilo que até então era “simplesmente” o estudo da
possibilidade da visita amistosa de extraterrestres em nosso planeta
tornou-se também um estudo da possível invasão ou intervenção
genética de seres alienígenas em nossa espécie.
É nosso sentimento que essa outra faceta não invalida o
posicionamento dos ufólogos que tinham uma visão mais romântica
do fenômeno. Assim como o yin e o yang se mesclam e se
complementam para dar equilíbrio, o mesmo princípio deve ser
aplicado nessa situação, sem deixar-se levar aos extremos,
lembrando que o todo é maior que a soma das partes. Dito de outra
forma, não se pode mais levar adiante a dicotomia pura e simples da
crença versus ceticismo, da ciência versus religião.
O terceiro item citado como sendo responsável pela ampliação
dos paradigmas ufológicos teve sua popularização nas hipóteses de
ufoarqueologia propostas por Erich von Däniken no final dos anos
60, engrossada por Robert Charroux, Peter Kolosimo, W. R. Drake,
Zecharia Sitchin e outros. Embora atualmente seu trabalho seja
muito questionado, sua influência foi inegável para muitos dos
pesquisadores daquela época, coisa que até hoje acontece com os
neófitos.
Este é um dos aspectos mais controversos e delicados do
relacionamento entre o ufólogo e o objeto pesquisado, ou seja, entre
o sujeito cognoscente e o objeto conhecido, tal como trata a teoria do
conhecimento ou Gnosiologia. Ambos os elementos se mesclam de
forma indelével em certos momentos, sendo uma preocupação da
metodologia científica, que não consegue evitar pelo menos a
chamada pesquisa-ação, quando o experimentador ou investigador
interfere, ao menos em algum grau, nos rumos e nos resultados do
seu trabalho.
Em Ufologia, o objeto conhecido e o sujeito cognoscente tornam-
se um só, de forma especial, considerando-se o total
desconhecimento da essência do fenômeno, fazendo prevalecer as
crenças e as preferências de interpretação do estudioso. Tal objeto,

68
um verdadeiro Santo Graal de todo pesquisador, poderia tornar-se
agora na arma que, literalmente, mataria deus (em minúsculo).
Considerando plausíveis as afirmações feitas pela ufoarqueologia,
praticamente todas as religiões seriam destronadas de suas posições
de depositárias do “divino”. Nota-se, porém, que a imensa maioria
das propostas feitas por essa linha não tocava – ou, se o fazia, era de
forma muito sutil – na figura central do cristianismo ocidental.
Praticamente todas as culturas e religiões antigas foram dissecadas
de tal maneira que os questionamentos pareciam pertinentes. Ficava
claro que tanto os ufólogos como os simpatizantes da Ufologia
evitaram se aprofundar no ponto que balizou toda a estrutura social e
cultural religiosa na Europa e nas Américas por centenas de anos. De
onde vinha esse cuidado? Seriam astronautas apenas os deuses dos
outros?
Havendo uma necessidade vital por uma influência religiosa,
chegamos aqui a um impasse para o ufólogo: quais as consequências
de estar se aprofundando de forma imparcial nessa área de estudo?
Decerto não seriam as mais agradáveis. Conforme lembra o
psicólogo Klein,

A verticalização do assunto é complicada. Toda pesquisa gera


questionamento do que já se sabe, amolecendo as colunas de
sustentação interna das crenças de cada um. Isso gera instabilidade,
medo e angústia, o que vai fazer com que as pessoas persistam ou não
na pesquisa é o quão bem elas lidam com o desconhecido e o grau de
coragem e curiosidade de cada um.

A porta aberta pela ufoarqueologia traz suas consequências até os


dias atuais, quando ainda encontramos certo extremismo entre as
pessoas que se interessam especificamente por esse assunto. Ao
mesmo tempo em que alguns demonizam tais conceitos, outros
simplesmente os veem como verdade absoluta, negando a
“divindade”. É fundamental lembrarmos que o contexto sociológico,
político e cultural da década de 60 também trazia novos modelos
que, direta ou indiretamente, afetaram o posicionamento das pessoas
em relação à vida e ao mundo que as cercava.
Esses foram os anos da guerra do Vietnã, da Primavera de Praga,
dos movimentos estudantis na França, da crise dos mísseis em Cuba,
69
do assassinato de Kennedy, das ditaduras na América Latina, da
expansão do movimento feminista, da radicalização da luta pelos
direitos civis nos Estados Unidos e do surgimento de um movimento
de contracultura representado em particular pelos hippies, que teve
grande penetração nas formas de expressão artística. Este último foi
o agente de resgate cultural das Filosofias orientais, em especial
chinesas e indianas, que propunham uma maneira mais
espiritualizada de se entender a existência humana e a sua interação
com a natureza.
Todos esses fatos, unidos às novas faces que a Ufologia
apresentava, tiveram um forte impacto tanto como estímulo para o
aparecimento de novos pesquisadores quanto para um novo enfoque
do fenômeno daqueles já atuantes. Surgia então a semente daquilo
que viria se transformar mais tarde numa corrente informalmente
denominada new age dentro do movimento ufológico. Nos anos que
se seguiram, o amadurecimento dos pesquisadores, muito aquém do
desejado, delineou novas linhas de pesquisa e diferentes
posicionamentos. Os extraterrestres vistos como salvadores ou
benevolentes, que vinham ao planeta para nos redimir, cederam
lugar a outros nada bondosos, que tratavam o ser humano como ratos
de laboratório prontos para serem esgarçados em suas pesquisas.
Mais uma vez, a Ufologia se bifurcava entre os “do bem” e os “do
mal”. Contudo, as coisas não podem ficar restritas a um dualismo tão
primário.
Assim como não se explica a uma cobaia o que se vai fazer com
ela, da mesma forma nada era explicado aos declarados abduzidos,
deixando um rastro de medo e traumas após a experiência. A visão
que se tinha anteriormente de extraterrestres fraternos foi estampada
de maneira inconfundível por Steven Spielberg em Contatos
Imediatos do Terceiro Grau, inclusive incentivando novos
pesquisadores a ingressarem no estudo ufológico.
Embora o filme tivesse todo um embasamento nos estudos da
casuística disponível, a forma de contato apresentada tinha um forte
componente emocional-afetivo, revelando aquilo que intimamente o
ser humano queria que fosse, independente da realidade dos fatos.
Mais uma vez recorremos a Klein: O ser humano busca o conforto, o
bem-estar interno, não importando se é verdade ou não. Um

70
exemplo claro disso é a forma dissociada de violência como as
abduções são tratadas no filme, mostrando não um sequestro, mas
uma disposição das pessoas a serem levadas. Isso fica evidenciado,
por exemplo, na cena em que os indianos se utilizam de mantras39
para atrair os seres visitantes, na sugestiva passagem da película em
que o garotinho, ao ver uma luz vinda do espaço, abre sem medo a
porta de sua casa, mesmo contra a vontade da mãe, para seus
“amiguinhos” entrarem, e na cena final, quando o personagem
central se apresenta como voluntário para entrar na nave e ir embora
com os aliens. Essas e outras passagens de Contatos Imediatos
precisam ser analisadas em toda sua plenitude.
Quando do lançamento do filme, um fato novo fez com que algo
que estava quase adormecido para os ufólogos voltasse à tona,
criando mais uma opção no modo de se encarar a interação entre
humanos e Ets. Quando Jesse Marcel, já na reserva da Força Aérea
Norte-Americana, revelou à imprensa as ocorrências de 1947 que
envolviam o suposto acobertamento oficial da queda de um Óvni em
Roswell e a remoção dos corpos de seus ocupantes, os pesquisadores
se viram diante de algo inaudito. Era uma cena muito conhecida,
mas o diferencial estava justamente no fato de Marcel ter participado
dos acontecimentos e ser uma fonte teoricamente íntegra. O
acobertamento oficial, os movimentos de desinformação40 e a
difusão da imagem do ufólogo como alguém pouco confiável,
visando desacreditar trabalhos sérios perante o público, já não eram
novidade.
O relato de Marcel, seguido do de outras testemunhas, teve um
efeito catalisador para o escape de anos de suspeita e de
inconformismo dos estudiosos em relação à atitude oficial das forças
39
Mantra, do sânscrito, significa instrumento para conduzir o pensamento. Consiste na
emissão de sons como poemas, orações ou conjugações de sílabas que vibram de forma
especial, produzindo um caminho energético para liberação do pensamento. O mantra mais
conhecido é Om Mani Pädme Hum.
40
Desinformação no sentido de “não informar corretamente”, e não “sem informação”.
Segundo Olavo de Carvalho, in O Globo, 17/03/2001, desinformação consiste em
estender sistematicamente o uso da técnica militar de informação falseada para o
campo mais geral da estratégia política, cultural, educacional etc., ou seja, em fazer
do engodo, que
era a base da arte guerreira apenas, o fundamento de toda ação governamental e,
portanto, um instrumento de engenharia social e política. O uso deste termo ao longo
da obra se baseia nesta definição.
71
armadas. Indiscutível e também compreensivelmente, há cautelas
por parte dos órgãos oficiais em relação ao fenômeno Óvni, mas não
podemos esquecer que este texto trata do ser humano e de suas
reações diante de novos fatos. Crer que o governo esteja mentindo
ou ocultando algo não é privilégio dos pesquisadores ufológicos.
Parece haver uma pré-disposição em todos nós de olhar com suspeita
as atitudes oficiais – é a síndrome da “conspiração de silêncio”.
No campo da Ufologia, estas suspeitas são exacerbadas
justamente porque o objeto de estudo não é palpável e por mais que
se busque uma prova daquilo que se diz, esta não é encontrada de
maneira evidente. Outro fator veio contribuir para a aceitação –
muitas vezes sem questionamentos – das revelações que surgiram
neste período, ainda que nem um único contato aberto tivesse
ocorrido: a ansiedade do pesquisador de provar a sua verdade,
somada à posição de total negação dos governos. Esses ingredientes
acabaram transformando aquilo que era um dos entraves à pesquisa e
ao levantamento de dados numa verdadeira usina de teorias
conspiracionistas durante os anos 80 e 90.
Essa nova perspectiva, que afirmava que o contato já havia
ocorrido e que extraterrestres agiam de forma violenta contra a
humanidade com pleno consentimento do governo norte-americano
em troca de tecnologia, cresceu e ganhou corpo de tal maneira que
em pouco tempo já se falava em um “governo mundial oculto”. Não
se está afirmando aqui que conspirações não existam, mesmo porque
elas vêm pautando a história das civilizações, e sim, mostrar o
panorama em que os pesquisadores passaram a atuar naquele
momento.
Visto que os meios de comunicação são balizadores em quase
todos os aspectos da sociedade humana, é importante lembrar a
popularização de conceitos científicos que por muitos anos estavam
restritos aos meios acadêmicos. Desde a década de 70, livros e
periódicos trazem para dentro de casa aquilo que era de difícil
compreensão para leigos de uma forma mais barata e didática.
Conceitos sobre Física, Química e biologia não eram mais algo tão
complexo, e sim uma ferramenta de fácil acesso – inclusive para dar
respaldo a várias teorias apresentadas dentro do universo ufológico.
Isso ajudou a refinar o posicionamento dos pesquisadores perante a

72
opinião pública, fazendo-os perceber que muito do que eles próprios
intuíam tinha um respaldo, ainda que teórico, dentro do
desenvolvimento da ciência.
O que podemos chamar de a maior revolução em termos de
comunicação nos últimos anos foi a chegada definitiva dos meios
eletrônicos de divulgação – a internet. Essa ferramenta, embora
valiosa como fonte de pesquisa e difusão de ideias, deve ser
considerada por dois ângulos. Se, por um lado, novos pesquisadores
sérios surgiram no meio ufológico, incentivados pela telinha à sua
frente, por outro vicejou uma florada de pessoas que, repetindo o
não-aprofundamento na questão ufológica, de certa forma distorceu
o trabalho desenvolvido pelos estudiosos mais antigos, amoldando-o
às suas carências pessoais. Esse foi apenas um dos danos causados à
Ufologia nos últimos tempos.
O fenômeno Óvni deveria ser avaliado, em várias etapas, mas a
leitura atual mostra que depois de 60 anos coletando dados ao redor
do mundo, o estudo continua primário e inconsistente, quando não
inconseqüente. Faltou, desde o princípio, um mínimo de reflexão e
reavaliação da prática de pesquisa, resultando em conclusões do tipo
seja-o-que-deus-quiser-desde-que-tenha-uma-resposta. Dessa forma,
qualquer que seja a questão suscitada, a resposta virá desprovida da
necessária e indispensável solidez. Como trabalhar com dados que
não transmitem a menor segurança? Como chegar a um estágio
maduro de reflexão se toda a construção do raciocínio pode cair por
terra como um castelo de cartas a um sopro de irresponsabilidade?
Há que se mudar e amadurecer muitos conceitos em relação ao
tema. Não há outra saída, muito embora alguns insistam em
permanecer estacionados onde estão, mais parecendo a versão
moderna de um outro mito... o de Sísifo41. Diante de tantos
obstáculos e tantos elementos que influenciaram o ufólogo, trazendo
uma modificação em seus alicerces existenciais e na convivência
com tudo que o rodeia, parece oportuno lembrar os passos traçados
por Campbell, que seriam comuns a todos os heróis, em todo o
mundo e em todas as épocas.
41
A tarefa de Sísifo consistia em rolar uma enorme pedra até o alto de um morro, mas quando
se encontrava bem avançado na encosta, a pedra rolava de novo para a planície e ele tinha
que recomeçar o trabalho. O que faz o ufólogo hoje, senão pesquisar, pesquisar e não sair
do lugar?
73
Esta aventura, que está descrita em seu livro O Herói de Mil
Faces42, serviu como base para a obra de Cristopher Vogler, A
Jornada do Escritor43. Vejamos o esquema feito por Vogler, por
ser de mais fácil compreensão que o de Campbell, e o convidamos a
adaptar estas etapas à sua vida como ufólogo. É importante dizer ao
leitor que, por entendermos que muitas vezes o pesquisador do
fenômeno Óvni passa por estes estágios em seu caminho, não apenas
a manifestação ufológica em si tem aspectos míticos, mas também
aqueles em quem ela desperta a curiosidade. Não esqueça também o
que foi dito sobre a interação entre o sujeito cognoscente e o objeto
do conhecimento.

O mundo comum: O herói é levado para fora de seu mundo


comum cotidiano em direção a um especial, novo e estranho.

Chamado à aventura: O herói se vê diante de uma convocação


para uma aventura, um desafio de grande risco. Uma vez que
toma contato com este chamado, ele não consegue mais
permanecer em seu mundo comum.

A recusa do chamado: É normal que o herói sinta medo. Caso


este medo o impeça de seguir sua jornada, um estímulo vindo de
um mentor ou uma nova mudança na ordem natural das coisas o
auxilia a vencer o medo e aceitar a façanha.

Encontro com o mentor: Este não é necessariamente um mentor


físico, podendo ser também um mentor intelectual. Esta relação
entre ambos é uma das mais comuns na mitologia e pode
representar a relação entre pai e filho, professor e discípulo, Deus
e homem etc. O mentor, entretanto, acompanha o herói até certo
ponto da jornada. Dali em diante ele segue só seu caminho rumo
ao desconhecido. Um herói pode ter vários mentores.

Travessia do primeiro limiar: É o momento em que o herói se


compromete de forma plena com sua aventura no mundo do

42
Pensamento, SP, 1995.
43
Ampersand, RJ, 1992.
74
desconhecido. Daqui em diante ele não tem mais como voltar.

Testes, aliados, inimigos: Ao adentrar o desconhecido, o herói


depara com novos desafios, provas, aliados e inimigos que o
perseguem. Este estágio de sua saga pode se repetir várias vezes.

Aproximação da caverna oculta: Neste momento, o herói está


próximo de um lugar perigoso, onde se encontra o objeto de sua
busca. Este é o local mais ameaçador do mundo desconhecido.
Uma vez dentro da caverna, o herói atravessa o segundo limiar.

A provação suprema: Neste ponto o herói enfrenta a face da


morte. Aqui ele tem que morrer para renascer em seguida. É uma
morte não necessariamente física, mas um renascer da
consciência.

A recompensa: Após sobreviver à morte, o herói pode pegar a


recompensa que veio buscar: um tesouro, uma poção mágica, um
símbolo ou simplesmente o ganho de experiência, sabedoria ou
reconhecimento.

Caminho de volta: Este momento marca a decisão do herói de


voltar ao mundo comum, porém seu retorno será pontilhado ainda
por aventuras e perseguições.

Ressurreição: Novamente o herói morre e ressurge, e com esta


ressurreição ele se transforma. O herói já pode voltar à vida
comum, como um ser mais experiente, mais evoluído, com um
novo entendimento do mundo.

O retorno com o elixir: O herói volta ao mundo comum. Sua


façanha não terá valor caso não traga consigo sua recompensa,
que pode ser um tesouro ou simplesmente um conhecimento, uma
experiência que poderá ser útil à comunidade ou a ele mesmo.

O que se pretende mostrar aqui, com todas as implicações dessa


demonstração, é que o desenvolvimento da Ufologia apresenta uma

75
estrutura semelhante ao modelo de vida do herói e que, portanto, é o
resultado de um ordenamento de forças intensas do Zeitgeist – o
espírito da época. Como o herói, também a Ufologia teve um
nascimento relacionado a prodígios celestes – precisamente os Óvnis
que, como os acontecimentos miraculosos da infância do herói,
acompanharam o crescimento da Ufologia. Esta enfrenta agora a
crise de transição para a maturidade, no mito do herói marcada pelo
combate com o dragão.
É necessário explicar a figura desse dragão. Conforme O Mito do
Eterno Retorno44, do mitólogo e historiador Mircea Eliade, o
combate entre o herói e o monstro é muitas vezes situado como o
marco inicial da Criação, que começa justamente com a vitória
daquele sobre este. É a partir dessa vitória que o universo começa a
ser ordenado, geralmente sendo usado o próprio corpo do monstro
como matéria-prima. Por isso, Eliade conclui que o dragão
personifica o caos, o estado amorfo e indiferenciado contra o qual se
opõe o ordenamento do universo, ou seja, o dragão corresponde ao
que é modernamente conhecido como entropia.
A entropia possui um aspecto relacionado à teoria da informação
e à cibernética. Nesse contexto, é a medida de desorganização de um
dado sistema de informação e, sendo a Ufologia um sistema como
tal, seu grau de entropia é muito elevado. Escreveu, há alguns anos,
o falecido ufólogo Rafael Durá:

Ao invés de unificar os esforços para um só objetivo e resultado, os


ufólogos de dividem em grupos, subgrupos e setores, intentando cada
um ser o dono da verdade, pregando Filosofias estrambóticas que mais
parecem ideias nascidas dos reclusos de algum hospício, quando não,
se pavoneando com supostas verdades que somente eles sabem, numa
irritante vaidade messiânica.

Dominada pelo caos informacional, a Ufologia encontra-se em


um estado análogo ao do herói devorado pelo dragão. Uma vez
dentro dele, o herói alimentava-se cortando pedaços do dragão.
“Cortar”, com o sentido original do grego analyó – de onde derivou
o verbo analisar. Isso talvez signifique que num futuro próximo o

44
Edições 70, Portugal, 2000.
76
caos informacional ceda lugar a um movimento organizado, com
uma conscientização maior de seus objetivos e dos instrumentos
disponíveis para atingi-los.

77
Embriaguez ufológica ou a nau dos insensatos45

Não é porque existe peixe-voador


que seja da natureza do peixe voar.
Joseph de Maistre

No capítulo anterior desenvolvemos o tema com base em


pesquisas nas áreas de história, Psicologia e Sociologia, e também
em nossas próprias observações e experiências dentro do universo
ufológico. Porém, não produzimos estes textos sozinhos, pois
tivemos a participação de vários pesquisadores a quem agradecemos
a gentil colaboração, dada através de entrevistas on-line, cujo intuito
era originariamente fornecer dados demonstrativos. Entretanto, o
resultado mostrou-se uma grata surpresa, uma vez que as respostas
dos colegas corroboraram o fio de argumentação delineado em
esboço feito antes do envio das perguntas.
O pequeno questionário a eles submetido consistiu de quatro
perguntas que considerávamos essenciais como subsídios para
desenvolvermos um texto com fundamentos na experiência do
personagem principal deste artigo: o ser humano. Faremos a seguir
um apanhado geral dos resultados, chamando a atenção para as
significativas coincidências que existem entre aquilo que nos foi
respondido e a descrição de alguns passos da jornada do herói já
vistos. Cabe ainda a observação de que esta pesquisa é meramente
ilustrativa e não tem nenhuma validade estatística, porque não
obedece aos rigores do método científico.
O que os ufólogos consultados responderam? Quanto aos motivos
que os levaram a se iniciar no estudo ufológico, encontramos razões
que convergem para os três itens principais elencados no capítulo
anterior – curiosidade, estímulos internos e externos e necessidade
de construir conhecimento. Respostas como Fiquei intrigado, queria

45
Colaboraram Laura Maria Elias e Vanderlei D´Agostino.
78
saber mais, olhava o céu e pensava por que só nós? ou Desde
criança que adorava o assunto têm sua base na curiosidade humana
inata, que de alguma forma foi despertada para o campo ufológico.
Encontramos também respostas que apontam para estímulos
externos, como Tive um avistamento quando criança, após assistir a
um filme, vi algumas fotos... E também, ratificando o terceiro item,
Eu queria saber mais sobre o assunto, me senti motivado a
pesquisar para entender e Fascínio à aquisição de conhecimento.
Apenas como informação, o número de pessoas instigadas por
curiosidade e construção de conhecimento foi praticamente igual. A
maioria dos entrevistados teve seu “fator iniciador” em estímulos
externos – grande parte através dos avistamentos. Vemos também
aqui o primeiro e o segundo passos da jornada do herói, já estudada:
A Saída do Mundo Comum e O Chamado à Aventura.
No que tange aos objetivos dos ufólogos envolvidos na pesquisa,
perguntamos se houve alguma modificação ao longo dos anos, ou se
se mantinham em seu objetivo inicial. Novamente encontramos
respostas que se ajustam perfeitamente como exemplo do que
tratamos ao longo do texto. Conforme os pesquisadores angariavam
novos conhecimentos, experimentaram uma modificação em suas
metas, o que demonstra amadurecimento em sua visão do fenômeno
Óvni. Alguns ícones no Brasil e no mundo foram citados,
principalmente Jacques Vallée, Flávio Pereira, Moacyr Uchoa,
Walter Bühler e outros. Alguns depoimentos, inclusive, deixaram
claro que foi por influência destes nomes que muitos ufólogos
persistiram na área. Estamos diante do terceiro, quarto e quinto
passos do herói: Recusa do Chamado, Encontro com o Mentor e
Travessia do Primeiro Limiar.
A terceira pergunta foi sobre eventuais mudanças na maneira de
enxergar o mundo e a vida, em razão de seus estudos sobre os
objetos voadores não identificados. As respostas foram praticamente
unânimes: quase todos sofreram profundas transformações internas,
e de uma forma contundente frisam que se tornaram “melhores seres
humanos”. Abrir parênteses: para nós, autores (não os colaboradores
deste capítulo), as respostas não indicam isto, mas tão somente uma
visão diferente por modificação nítida de princípios meramente
morais.

79
Ora, o resultado insinua exclusivamente a conclusão de
encantamento e ao mesmo tempo de inferioridade diante do
desconhecido ou de algo supostamente “maior”. Esta inferiorização,
quase um complexo, é comum também diante de estados de
conversão religiosa, e denota alguns sintomas quase imperceptíveis
de complexo do tipo messiânico. O que, aliás, coincide com outras
de nossas acepções anteriores. Fechar parênteses. Outras respostas
foram muito significativas, como Fiquei mais humilde; Compreendo
melhor as outras pessoas; Tenho uma visão mais ampla em relação
a tudo que me cerca; Ajudou-me a ter uma visão macroscópica da
vida; Me levou a questionamentos muito profundos, etc. Outro fator
que vale ser destacado é que o amadurecimento foi um processo
natural diante da complexidade do estudo ufológico, para usar as
palavras de um dos entrevistados. Na jornada do herói, identificamos
aqui os passos oito, nove e onze: A Provação Suprema, A
Recompensa e A Ressurreição.
A última questão se referia ao modo como a interação entre
pesquisador e sociedade eventualmente poderia ter sofrido alguma
mudança. As respostas variaram na forma, não no conteúdo. De
maneira geral, a maioria dos pesquisados respondeu que, sim, sua
interação mudou e para melhor. Ainda que não se tenha por escopo
interpretar a conclusão dos entrevistados, muito menos interferir no
resultado aleatoriamente, é bom observar que uma resposta dessa
pode, por outro lado, camuflar exatamente o contrário.
A sociedade continua a enxergar o ufólogo por uma ótica pouco
amigável, depreciativa até, só que a pessoa não sofre esse enfoque
diretamente, ou seja, não percebe necessariamente a resistência
contra ela. Não é comum que se ataque de forma direta e clara quem
lida com esse tipo de assunto. Somente um cuidadoso e isento senso
de autocrítica possibilita uma avaliação sóbria da citada interação
com a sociedade.
É interessante ressaltar que muitos disseram que, apesar de terem
encontrado dificuldades iniciais em relação à postura da sociedade
sobre suas atividades ufológicas, hoje são vistos com um pouco mais
de respeito e simpatia – inclusive por aqueles que alguma vez os
detrataram. Esta conclusão, apresentada por certos entrevistados,
pode significar uma compensação, atuante quase de forma

80
inconsciente – o ufólogo, convencido inarredavelmente dos
resultados de seus estudos, costuma dar como impensável qualquer
tipo de dúvida ou contestação. Dessa forma, acredita estar sendo
respeitado, no entanto, pode não passar de produto do que ele
gostaria que fosse e não do que realmente é. Também ficou claro que
o estereótipo é um entrave para muitos pesquisadores, e que esta
visão de que ufólogo é maluco infelizmente ainda atrapalha a
divulgação dos trabalhos e interfere em seus relacionamentos
profissionais e pessoais.
Esta é a principal razão pela qual fizemos questão de frisar que os
questionários não foram distribuídos com o rigor exigido pela
metodologia científica. Somente aqueles elaborados com regras,
evitando-se a indução, a sugestão e a condução de respostas, seriam
aplicáveis de forma mais segura. Tome-se o exemplo dos que
concluíram sobre a mudança de tratamento por parte da sociedade.
Um questionário adequado para se obter um resultado nesse sentido
não deveria ser dirigido ao ufólogo, mas à própria sociedade, com a
escolha certa de universo e amostragem.
Somente isto permitira uma avaliação mais próxima da realidade
sobre se o aprofundamento ou o amadurecimento da investigação
ufológica faz aumentar o respeito por alguém. Uma pesquisa
quantitativa, vale dizer, com bases estatísticas. Este é um
posicionamento que incomoda os pesquisadores sérios e nivela por
baixo – perante a opinião pública – todo o trabalho de pesquisa
ufológica, sendo ele consistente ou não. Segundo a definição de Eva
Maria Lakatos, em seu livro Sociologia Geral46, estereótipos são
construções mentais falsas, imagens e ideias de conteúdo alógico,
que estabelecem critérios socialmente falsificados. Os critérios
baseiam-se em características não comprovadas e não
demonstradas, atribuídas a pessoas, coisas e situações sociais, mas
que, na realidade, não existem.
Sabemos que este conceito, embora muitas vezes injusto para
com os pesquisadores, está entranhado na imagem que o público em
geral, e a mídia em especial, fazem da Ufologia. Conforme
ressaltava o pesquisador Ademar Eugênio de Mello, falecido em
2005, há dois tipos de estereótipos vinculados ao pesquisador
46
Atlas, SP, 1985.
81
ufológico.
O primeiro e mais clássico é o do “maluco” (ainda que expresso
de forma velada), e o segundo é o de “quem tem todas as respostas”.
Ambas são posições extremadas que podem ser mudadas através de
um trabalho sério, bem embasado e com toda honestidade, com a
melhor formação possível e a ajuda de outros profissionais de áreas
diversas. Ainda segundo Mello, este conjunto de atitudes fará o
trabalho vingar com o tempo, ajudando a eliminar aqueles rótulos
atribuídos aos ufólogos. É desejável também que o anedotário que
usualmente circula em torno do tema ceda lugar a uma política de
maior seriedade.
Indivíduos com Filosofias parecidas tendem a se agrupar, o que
acaba produzindo trilhas de um mesmo pensamento. Não
poderíamos esperar que fosse diferente no tocante ao fenômeno
Óvni, mas também não imaginávamos que os ufólogos se tornassem
tão reféns deste, em seu próprio cativeiro, num processo irrefletido
de autoanulação! Estes posicionamentos estão intimamente atrelados
ao inconsciente dos indivíduos e aos aspectos mais profundos da
formação de suas personalidades. Assim, o modo como cada ufólogo
irá trabalhar seu entendimento do fenômeno é intrínseco à maneira
como ele o vê. No caso da Ufologia, justamente porque o objeto de
estudo não é controlável nem passível de reprodução programada, as
divergências de posicionamentos restringem as pessoas a
argumentações que visam apenas demonstrar a “verdade” de cada
lado – o que resulta em afastá-las do fato em si –, colocando o
fenômeno como secundário no contexto geral. Justamente por
seguirem a mesma trilha, isso resulta, de forma subliminar, em algo
que poderíamos chamar de “reprodução de comportamento”, ou seja,
um pesquisador atuante emite seu parecer sobre um dado assunto e a
corte acata respeitosa e incondicionalmente.
Pode o leitor perguntar, com toda razão, se os autores também
não tiveram influências na defesa de suas argumentações.
Naturalmente que sim, precisamos ter, e demonstramos isso através
das frequentes citações, não só para absorver experiências e adquirir
subsídios como nutrientes para nossa trajetória, mas também – isso é
importante – para rastrear, cotejar e apurar o que é realmente
consistente e aplicável aos estudos, sem ter que idolatrar a fonte,

82
como normalmente ocorre. Referência sim, reverência não.
Por certo, discussões bem embasadas são gatilhos essenciais para
o aumento de conhecimento, porém, sempre levando em conta que a
explicação não pertence a ninguém. Tudo o que se pode afirmar
categoricamente em relação às manifestações ufológicas é que elas
existem e que não se sujeitam à vontade ou ao controle de quem quer
que seja. Repetindo, vale lembrar que o todo é maior que a soma das
partes e que, portanto, discussões estéreis, além de nada
acrescentarem, roubam a oportunidade de compreender de forma
ampla o panorama que tem se apresentado nos últimos anos. Os
argumentos desenvolvidos aqui devem ser pensados de uma forma
mais profunda para que se possa ter uma visão maior do trabalho do
ufólogo. Muitos dos que se dedicaram ou ainda se dedicam ao
estudo tiveram, ao longo dos anos, problemas familiares,
profissionais e pessoais em nome daquilo que pensavam ser a
resposta para as dúvidas que acompanham a espécie humana em seu
isolamento cósmico. Estas pessoas, seja de que linha de pensamento
for, merecem respeito por seu trabalho pioneiro em um terreno
incerto e escorregadio.
O pesquisador precisa entender que ele deve ser, acima de tudo,
dentro da sua esfera de competência, crítico, atuante, atento,
alinhado com o pensamento contemporâneo e não um pensador
atado a concepções ultrapassadas. Embora não tenham consciência
disso, são formadores de opinião e precisam estar cientes das
obrigações que lhes cabem. Há uma cadeia de responsabilidades em
jogo, e cada um tem sua função no papel que exerce quanto à
divulgação dos fatos. Não nos esqueçamos que vivemos numa era
globalizada, e se antes uma crise no outro lado do mundo não nos
afetava, hoje essa ideia é impensável. Precisamos nos acostumar
com isso. Essa rede é muito mais extensa, flexível e “pegajosa” do
que imaginamos.
Seria de se esperar que essa fosse a atitude do ufólogo, o que
deveria acontecer em suas atribuições na qualidade de pesquisador
supostamente isento. Na prática, infelizmente, não é o que ocorre,
pois muitos ainda se encantam com suas sombras bruxuleantes na
caverna47, entrincheirados nas suas conveniências, acuados pela
47
Referência ao mito ou alegoria da caverna, de Platão.
83
covardia de não ousar ir além, prisioneiros e escravos de suas
convicções, sem se dar conta do quanto isso depõe contra si mesmos,
deixando um nervo exposto a todo tipo de infecção e aos efeitos
colaterais que advêm dessa situação. A Ufologia hoje mais se
assemelha com a nau dos insensatos à deriva num oceano de
inexplicabilidade do que um estudo que pretende ser levado a sério.

Debatemo-nos como um náufrago para nos manter à tona no mar de


incompreensões, e o pavor aumenta quando por vezes somos puxados
para o fundo no momento em que nossas forças parecem nos
abandonar. Muitos se entregam, sendo sugados para baixo, deixando
de viver na razão ao ouvir o canto das sereias,

(... ) disse certa vez o pesquisador Osni Schwarz, já falecido.


Individualmente, é vivenciada como uma religião, de onde provém
um comportamento idólatra que é um transtorno, sob o ponto de
vista psicológico e, por extensão, psiquiátrico, se constatada a fuga
da realidade. O que se tem observado nos últimos anos é de uma
mediocridade assustadora, e quando se fala em “últimos anos” não é
data recente, é coisa de 15, 20 anos, tempo mais que suficiente para
que houvesse um amadurecimento de fato, uma análise crítica e
inteligente, um diálogo em larga escala e alto nível com a ciência e
um acompanhamento com as atuais curvas de pensamento. O
ufólogo se submete com leniência ao fenômeno, ao invés de
subjugá-lo. O problema não está em submeter-se, mas em como
subjugar.
Uma afirmação como O medo do governo [de tornar público seus
arquivos secretos] é que a divulgação disso evidencie o quanto
nossas forças armadas são vulneráveis e cause pânico na população
remonta ao paleolítico. Pior que isso, só mesmo achar que uma
“frota de 15 mil naves interestelares está a postos em órbita do
planeta para salvar 150.000 almas do holocausto final”! É
deprimente admitir que essa atitude seja a tônica nas entrevistas,
matérias assinadas e declarações públicas, de longa data. Por outras
vias, pesquisadores investem tempo e dinheiro em “Óvniportos”,
pousadas e turismo ufológico. Templo, teatro e mercado numa só
voz. Definitivamente, isso preocupa.

84
“Discussão em alto nível com a ciência”. Por que esse flerte com
a ciência? Porque se trata de uma disciplina constituída
academicamente, com vida própria, métodos complexos e
universalmente aceitos que se chama epistemologia e, para tanto,
reconhecida pelo meio por ser sistemática em seus estudos, na
prática - experimentos - e em teoria - doutrina, fundamentos, o
conhecimento em si. A busca de causas com métodos apropriados. A
Ufologia não é nada disto, é apenas um projeto embrionário que
ainda está na tentativa de comprovação da própria existência do
fenômeno que tenta estudar.
Porém, quase nenhum ufólogo sabe ou tem consciência disto. Por
exemplo, em uma das listas de discussão privadas pela internet,
registramos o inconformismo de um ufólogo contra o tratamento
puro e simples de “fenômeno” dado às suas “naves extraterrestres
pilotadas por não-humanos”. Para ele, o termo fenômeno soa
pejorativo, o que nos deixa perplexos! Falta-lhe, como à quase
totalidade dos conhecidos e ativos entusiastas do assunto no Brasil e
em outros países como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha,
México, vá lá - no resto do mundo - o conhecimento mais básico de
Filosofia, de regras de raciocínio, e o que é mais grave, de boa
aplicação de linguagem.
Ufólogos como o colega citado acreditam que seus pensamentos
puramente subjetivos e suas crenças pessoais fundadas em declarado
fascínio possam constituir um conhecimento válido à adoção de
todos. O que se verifica, por conta disso, é o desconhecimento
básico de ciência, ainda que não se exija de ninguém que seja um
cientista de formação completa. Tais pessoas, parece, nunca se
preocuparam em ler algo mais além de livros sobre o tema, e mesmo
havendo alguns interessantes e sérios, geralmente não se
comprometem com a boa lógica e com argumentação realmente
meritória.
O que, de novo, lamentamos. Pausa para um toque de humor
filosófico. Numa conversa informal on-line com a nossa
colaboradora Laura, ela acidentalmente digitou “discos coadores”, e
foi quando percebemos que de fato estes discos parecem “coar”,
peneirar o que de melhor se pode extrair de sua realidade. A matéria
“fina” que passa por esse coador imaginário resulta naquilo que
85
efetivamente pode e deve ser bebido, degustado e digerido. O
grosso, que fica na parte de cima e não passa pelo filtro, descarta-se.
Muitos desses ufólogos – o que é elogiável sob a restrita ótica da
paixão pelo tema – passaram boa parte de suas vidas defendendo a
seriedade das próprias pesquisas que, no entanto, nunca foram
embasadas em um método simples que fosse. Dessa forma, por
vezes profissionais bem qualificados, bons palestrantes e
participativos para a formação da casuística ufológica, visivelmente
iludem-se apenas por essa camada de seriedade. Tão importante
quanto saber falar é saber ouvir.
Pois este verniz de sobriedade acaba por ofuscar um trabalho que,
se bem construído na metodologia e desenvolvido com
imparcialidade e isenção, justificaria e até poderia suplantar a
realidade de tais ufólogos, qual seja, a total falta de formação
acadêmica. Lidam com Ufologia colocando-a como preferência no
desenvolvimento da sua própria cultura, deixando totalmente de lado
não apenas o trabalho na acepção mais abrangente, como não se
ocupam nem preocupam em se informar a respeito de como
raciocinar e argumentar. Por isto, confundem causa com efeito,
desconhecem a terminologia correta e a nomenclatura científica
necessária à exposição de suas ideias desprovidas de juízo autêntico,
provocando o desvão que se observa entre a base do tema e seu
processo de informação.
Depois, sentem-se pessoalmente ofendidos quando alguém,
tentando seguir pelo caminho da crítica, procura aprimorar as
informações divulgadas camufladas de artigos proveitosos sendo, no
entanto, não mais que populares. A própria crítica não é por eles
assimilada, no seu mau costume de compreender certas expressões
somente num tom negativo, quando muito conotativo. Interpretam
crítica como “falar mal” ou “apontar erros e falhas”.
Parecem desconhecer que crítica é, entre outras coisas, a arte ou
faculdade de examinar e/ou julgar as obras do espírito; discussão
de fatos históricos; apreciação minuciosa, conforme esclarece o
léxico. É comum que um ufólogo, divulgando um fato pesquisado,
sinta-se ferido em seus brios quando outro colega simplesmente
solicita maiores dados da ocorrência, para tentar estudar com um
pouco mais de aprofundamento o fenômeno. Ufólogos com esse

86
ponto de vista demonstram apenas o quanto estão emparedados em
suas convicções, que seriam para eles uma espécie de substituto (não
estamos de todo errados se dissermos “refúgio”) de suas crenças
religiosas. Não seria exagero afirmar, inclusive, que, não existindo a
Ufologia, alguém teria que inventá-la. Por alguma razão familiar ou
social, viram-se desprendidos de dogmas místico-esotéricos de
cunho religioso, mas não cuidaram paralelamente de desenvolver um
estudo sistemático e organizado o suficiente a lhes dar sustentação.
Então substituem os dogmas, tal como fazem os fanáticos que se
autointitulam “profetas de Et”, divindades arraigadas durante seu
processo de individuação, pelos mesmos “extraterrestres, nossos
visitantes, irmãos cósmicos”.
Seu conteúdo pseudo-religioso é visível, e não o percebem.
Tentar convencer o mundo a qualquer custo ou cumprir uma missão
pouco definida dá a eles a certeza no futuro, nesta ou talvez em uma
vida ulterior, conceito que, aliás, acompanha a grande maioria dos
supostos pesquisadores em Ufologia. Por isto, não resistem por
muito tempo declarar ao mesmo mundo, num rompante de
iluminação que os faz confessar com segurança e de forma
emocionada, aliviadora, que “chegaram à conclusão” de que estão,
desde há muito, sendo guiados por seres transcendentais, os mesmos
extraterrestres tão externos à Terra quanto o eram os desconhecidos
e inatingíveis deuses dos homens primitivos.
Só que, após esta constatação, perdem totalmente os escrúpulos
de ordem dialética, renunciam completamente ao bom senso e
passam a se intitular arautos de seres intergalácticos, utilizando-se
do seu exemplo para convencer e converter o mundo, numa clara
demonstração de total ignorância. Erro, ou melhor, absurdo de
ordem metodológica e de raciocínio, dos mais elementares,
conhecido de qualquer principiante no estudo científico – acreditar
que suas próprias vivências pessoais, que nem experiências são no
sentido correto, provem alguma coisa.
Impressiona e desagrada o fato de termos que destacar uma
observação tão simplista e básica, uma vez que, obrigatoriamente,
deveria ser do conhecimento deles. Não se pode admitir algo como
verdade até que outros ou todos a comprovem, reproduzam,
analisem, comentem, contribuam, corrijam, mudem, confirmem ou

87
neguem. Mas os ufólogos, infelizmente a grande maioria, trabalham
o assunto com tal convicção que suas percepções, quase sempre
falhas e influenciadas pelo estupor emocional, bastam – a verdade
está ali estampada.
Ao invés de se colocarem como propagadores de uma nova
possibilidade, apresentam-se como agentes de uma impostura
intelectual, usando uma argumentação rebuscada, porém rasteira, ou,
em casos mais graves, enganosa e embusteira. De maneira geral –
com raras exceções – os ufólogos se aparentam com o avestruz, não
porque enfiem a cabeça num buraco, mas porque têm olhos maiores
que o cérebro. É flagrante o colossal descompasso entre o ritmo das
mudanças em todo o mundo e a paralisia mental que acomete a
esmagadora maioria dos pesquisadores.
Pausa para que sejamos um pouco realistas. Ora, realmente
nossas convicções pessoais são um incentivo inigualável, porém,
quando utilizamos nossas impressões e posições dogmáticas como
fundamento de altercação, obviamente para lançar ao mundo e
persuadir terceiros, isto é no mínimo uma heresia, uma literal falta
de inteligência das regras de pensamento sóbrio, para não dizer coisa
pior, e exemplos não faltam. Um conhecido ufólogo, que de maneira
bem-humorada e simpática se intitula “caçador de sondas”, talvez
seja o mais característico.
Discussões acaloradas em torno de fotografias dessas mesmas
“sondas”, de avistamentos desses pequenos supostos objetos que
parecem sair do interior de naves maiores e perseguem pessoas,
principalmente no meio rural, sempre contam com os engraçados
comentários desse alegre colega. Nesses debates – que por esta e
outras razões acabam mesmo por redundar em tom humorístico – ele
costuma afirmar que a ocorrência realmente foi manifestação de uma
“sonda”, sob o brilhante argumento: Porque eu estou acostumado a
ver sondas e então minha experiência torna inegável que se tratou
de uma sonda. Observe-se a ingenuidade e a ilusão flagrante de
acreditar que, só porque viu, acha e tem certeza, então é mesmo o
que ele julga ser... Não raro, este mesmo ufólogo deixa um pouco de
lado seu bom humor para, em tom intimidante e visivelmente
contrariado, alertar que ninguém ouse contradizê-lo, ou mesmo a

88
outros que, segundo ele, são prova de que suas afirmações são
incontestáveis.
Ainda sobre este assunto ou por vezes em relação a outros temas,
ele recorre à figura de seu falecido amigo General. E ai de quem
falar mal de meu amigo General. Sem dúvida, o personagem
lembrado, Gal. Moacyr Uchoa, foi figura das mais respeitáveis, não
apenas nos meios militares nacionais, como também na Ufologia
brasileira, que ajudou a desenvolver com afinco e idealismo. Pessoa
de bom conhecimento científico, professor em grandes instituições,
indivíduo de alto conceito e caráter exemplar. Mas a questão é outra,
é a evocação a todas as luzes, ardilosa e infantil, do apelo à
autoridade, quando se tenta dizer que “só porque fulano disse é
verdade”. Tudo fica ainda mais lamentável quando declara que a
simples hipótese de alguém contestar seria “falar mal” do seu amigo.
Enquanto a raça humana ainda estuda a si mesma, enfiada nos
laboratórios tentando desvendar os enigmas do cérebro e da mente,
as mudanças do comportamento, a gênese das doenças, a estrutura
do DNA e o surgimento da vida, eis que aparece alguém
identificando, classificando e normatizando o perfil, o
comportamento e a morfologia dos extraterrestres! De outra parte,
exalta-se a bondade, a generosidade e o espírito protetor dos “irmãos
das estrelas”.
Do outro lado do mundo (talvez nem tão longe assim), um
professor Pardal48 qualquer esquematiza a tecnologia dos Óvnis,
muitas vezes sem saber sequer como trocar uma lâmpada, abastecido
por especulações vazias, teorias esdrúxulas e improváveis. Exemplo:
um concurso promovido pela revista UFO premiou como melhor
artigo “A propulsão dos discos voadores no voo interestelar”. Não
vamos discutir o conhecimento do autor sobre a matéria central,
mas, segundo um especialista consultado, o artigo está baseado em
questões teóricas, algumas até ultrapassadas, e também existem
alguns erros de conceituação e entendimento. Por exemplo: a
"velocidade da luz" é uma barreira e não um limite para partículas
que possuem massa de repouso >049.

48
Personagem infantil criado por Walt Disney, inventor de engenhocas mirabolantes.
49
Rogério Chola, por email.
89
Ufologicamente falando, o seu argumento parte da premissa de
que os extraterrestres já estão aqui com suas naves, e a partir daí se
baseia em achismos e suposições: Importante raciocinarmos que,
seja qual for a natureza das civilizações extraterrestres que nos
visitam, certamente estarão constituídas sobre uma organização
social jurídica, um estado baseado no direito, com normas muito
precisas sobre planejamento e economia, de modo a permitir o bem-
estar da coletividade. Ele começou com raciocínio enviesado e
conseguiu entortá-lo ainda mais até o final.
Há tempos estudamos o voo das abelhas tentando encontrar um
padrão de comunicação entre elas, sua organização e seus
mecanismos de orientação, e, no entanto, basta uma dezena de
avistamentos de supostos Óvnis para que se saiba tudo a respeito de
suas origens e intenções! Mergulhamos diariamente nas profundezas
oceânicas para observar, identificar e estabelecer padrões para
espécies marinhas – golfinhos, tubarões, anêmonas, águas-vivas e
toda uma riquíssima fauna e flora –, ao passo que alguns “contatos”
já trazem uma plêiade de informações inquestionáveis e definitivas
sobre a inteligência alienígena. Pois se há uma inteligência no
universo, a depender dos ufólogos nossa é que não é.
E depois entram em litígio com a comunidade científica porque
não leva a sério os frutos de sua pesquisa. Que pesquisa? Que frutos?
Não satisfeitos, compram briga com a imprensa por tratar o assunto
de forma leviana e preconceituosa ao utilizar expressões como
“homenzinhos verdes”, “terráqueos”, “marcianos”, “venusianos”.
Vamos a uma rápida digressão aqui porque julgamos oportuno
fazer uma análise sumária do papel dos veículos de comunicação na
visão que têm do tema e nos critérios que balizam a sua atuação.
Não somos do ramo, não atuamos no jornalismo, não temos
procuração para falar em nome dele e nem temos a fluência
necessária para advogar nessa causa, mas é sabido que existe uma
engrenagem extremamente complexa que opera nos “bastidores” da
notícia. Ao mesmo tempo em que a grande imprensa age de acordo
com inúmeros interesses em jogo, ela precisa, de alguma forma, em
seu próprio benefício, captar e retransmitir o pensamento, o
sentimento, a expectativa geral de uma sociedade como mediadora
das relações sociais e formadora de uma identidade coletiva.

90
A partir desta referência destacada, cabe uma pergunta, aliás,
duas: teria a mass media capacidade de criar um mito,
contemporâneo, invisível, que se esgueira sorrateiramente por
debaixo dos travesseiros enquanto dormimos? Seria ela uma “fábrica
de mitos” e disso não nos damos conta quando abrimos o jornal,
ligamos o rádio, a TV ou navegamos pela rede? Segunda: é possível
desfigurar e/ou reconfigurar qualquer mito sob uma nova ordem de
ver as coisas?
Bem, é até possível que quando a imprensa surgiu já trouxesse
furtivamente nas entrelinhas da primeira página o seu mito: a de que
ela falaria por e para nós, daria forma ao nosso imaginário, traria luz
às nossas trevas, verdades às nossas mentiras. Será? Os fatos
mostram que não é bem assim. “Complexa engrenagem” ou
“interesses em jogo” não são meros eufemismos, são fatos e
obedecem a regras claras e bem definidas: conveniências
econômicas, comerciais, políticas, sociais e culturais; linha editorial,
censura interna, diretrizes, domínio de regras, arranjos
mercadológicos e por aí vai. Isto significa dizer que não devemos
dar ouvidos ao que a mídia nos diz? Queimar jornais? Desligar
aparelhos? Evidentemente que não.
Amparando nosso raciocínio e sendo a própria fonte, tomamos
como primeira referência o professor de linguística e um dos mais
importantes pensadores de nossa época, Noam Chomsky, na obra
Para Entender o Poder50, um caudaloso e rico extrato de
informações obtido através de entrevistas dadas entre 1989 e 1999.
Suas observações a respeito do funcionamento da mídia moderna,
entre inúmeros outros temas essenciais para a compreensão do
mundo atual, são incisivas e de uma percepção singular, além de
reconhecidamente verdadeiras.
Expressões como rebanho desordenado, fabricação da
aquiescência, filtros, fabricação de consenso, formadora de agendas
e lavagem cerebral sob liberdade permeiam o grosso volume de
quase 600 páginas e fazem ligação com as diversas argumentações
do autor ao longo da obra, engendradas por um raciocínio de
profunda sagacidade. Todas essas expressões encontram respaldo
nos debates atuais, onde a capacidade de compreensão da realidade
50
Mitchel, P.R.; e Schoeffel, J.; Bertrand Brasil, RJ, 2005.
91
do espectador-ouvinte-leitor é, na média, considerada baixa. O
sociólogo francês Pierre Bourdieu, crítico feroz da má qualidade
cultural contemporânea produzida pelos veículos de comunicação,
dizia que Os meios de comunicação estão cada vez mais submetidos
a uma lógica comercial inimiga da palavra, da verdade e dos
significados reais da vida51.
Chomsky: Existe uma divisão bem perceptível entre a
opinião popular e a da elite, e a mídia reflete consistentemente a
opinião da “elite” (referindo-se à “elite política”, que é quem toma
as decisões de uma sociedade, segundo o autor). O que se depreende
da obra, em conjunto com uma percepção global dos mecanismos da
mídia, é que a imprensa é uma corporação comercial. Não são os
leitores que geram lucro e, sim, a publicidade – o departamento
comercial é o “coração” da empresa. Fundamental é que o veículo se
esgote na praça, não encalhe, a qualquer custo, e, nesse sentido,
agilidade é a palavra-chave. A notícia precisa ser absorvida em
tempo real e rapidamente pelo espectador-ouvinte-leitor, que é
apenas um vetor de consumo. Atropelado pelo volume de
informações uma após outra, sem intervalo, sobra-lhe pouco tempo
para um pensar mais profundo, gerando irreflexão e até certo
embotamento cognitivo.
Que a mídia manipula, direciona e subverte a informação
todo mundo sabe e ninguém duvida. E ninguém desmente, também.
É o chamado “Quarto Poder” – elege presidentes e derruba
governos, prega a paz e fomenta a guerra, constrói mentiras e destrói
verdades, elimina tabus e gera crendices. Para um rebanho
desordenado, aplicam-se filtros na fabricação de consenso para uma
lavagem cerebral sob liberdade. Essa frase, aqui construída, não está
explícita no livro mas nem por isso é menos verdadeira.
A manipulação consciente e inteligente das opiniões e
hábitos organizados das massas é um aspecto crucial de um sistema
democrático. Cabe às “minorias inteligentes” executar essa
manipulação das atitudes e opiniões das massas. Esta frase, de
1920, é do decano dos jornalistas americanos Walter Lippman, que
criou a expressão “rebanho desnorteado” referindo-se à população de
um modo geral. O esquema abaixo montado a partir da leitura e
51
Questions aux vrais maîtres du monde, citado em O Legado Crítico de Pierre Bourdier.
92
análise das entrevistas de Chomsky e de outros textos sintetiza os
(des)caminhos da mídia até chegar ao seu destino final, e as razões
para isso acontecer:

MÍDIA

Elites Povo
Temas decisórios Temas alienatórios
Política Futebol
Economia Sexo
Negócios Violência
Finanças Trivialidades
Cultura (Reality show,
Ciência auditório)
Tecnologia Banalidades
Educação Extraordinário
Mundo (discos voadores,
paraPsicologia,
Investimentos mistérios)
Novelas
Publicidade
Opinião
Audiência
Servilismo
Doutrinação

O assunto “Ufologia” pode não estar inscrito no rol dos assuntos


proibidos, mas certamente é visto com indiferença – não por uma
conduta conspiracionista ou política de ocultação de informações –
simplesmente não há informações a serem divulgadas e, quando
existem, se não forem manchetes bombásticas e sensacionalistas, são
aquelas dadas pelos próprios ufólogos, nem por isso necessariamente
críveis. Quem não se lembra da famosa “onda” de maio de 1986,
quando a defesa aérea brasileira foi acionada em razão de uma
sequência de avistamentos envolvendo pilotos civis e militares,
93
gerando um pronunciamento das autoridades? Naquela ocasião não
houve a habitual banalização porque a fonte das informações tinha
respaldo oficial, e quando fomos procurados para comentar o
episódio, o tratamento dado às nossas declarações seguiu os
parâmetros da seriedade.
Se a notícia chega incompleta, distorcida, falseada, a quem cabe a
culpa – ao informante ou ao repórter? Há uma incompreensível
implicância com estes profissionais como se fosse um bando de
preconceituosos ignorantes e despreparados. Como eles não têm o
conhecimento de todos os assuntos, cabe às fontes fornecer o
material mais íntegro e completo possível, mas lembrando sempre –
há uma “engrenagem complexa” – entenda como hierarquia, se
preferir, bem ajustada que, de uma forma ou de outra, interfere no
produto final.
Repetindo, não fomos nomeados para defender qualquer causa
neste sentido, mas como já vivenciamos ambos os lados da moeda,
tanto pelo caráter sensacionalista como pelo viés mais sério,
sabemos que o repasse das notícias está quase que exclusivamente
em nossas mãos. No que nos diz respeito, na esmagadora maioria
das vezes em que fomos consultados, prestamos esclarecimentos,
atendemos reportagens ou simplesmente divulgamos algum fato
pertinente, tivemos sempre uma resposta no mesmo nível de
qualidade e respeito com que nos apresentamos. As exceções foram
irrelevantes. Quando o leitor virar outro tanto de páginas à frente e
deparar com todo um corpo de argumentos a respeito do ufólogo,
ficará mais fácil entender esta breve avaliação sobre o cinturão
midiático que cerceia a expedição das noticias em geral, e sobre a
Ufologia em especial.
Mas façamos justiça afinal de contas, porque tem muita
cabeça boa trabalhando de forma correta. Vejo a Ufologia como um
sistema de quebra de paradigmas que temos hoje. Não podemos é
transformar o estudo em mais um deles52. Mas já foi transformado,
no paradigma da insensatez e incapacidade analítica. A Ufologia é o
arame farpado que separa a areia movediça letal do fanatismo da teia

52
Rogério Chola, por e-mail. Ainda que, bom frisar, “quebrar” paradigmas, como expressão
modista muito ligada à administração de empresas, deveria ser entendida como
substituição, já que paradigmas (padrões, modelos), não se quebram, mas são trocados.
94
mortal dos delírios paranoicos. É nele que os ufólogos se equilibram.
Vale dizer ainda que a sustentação desse fio se faz em terreno
arenoso e instável.
Os dados coletados a partir dos anos 50 compõem-se de um
material suficiente para provocar profunda reflexão e reavaliação dos
resultados. No entanto, usa-se e abusa-se do direito de exibir
gráficos estatísticos como prova de que estes artefatos têm
procedência extraterrestre, quando nenhum deles nem de longe
confirma tal possibilidade. Esse é o menor dos males. Há piores, o
que é uma lástima. É muito comum que alguns pesquisadores sejam
vistos como “céticos pedantes”, “donos da verdade” ou estejam
causando prejuízo aos trabalhos quando, embasados por uma análise
cuidadosa, elaborada a partir de critérios técnicos, lógicos e
imparciais, negam um caso inicialmente considerado autêntico.
Em 1984, foi publicado um estudo acerca de um avistamento
registrado através de fotografias ocorrido em 1952. Durante 30 anos
este caso foi considerado autêntico e indiscutível não só pelos
ufólogos que à época cuidaram da pesquisa, como pelos das
gerações posteriores, que o aceitaram como um clássico da
casuística apenas porque vinha acompanhado de estudos feitos por
técnicos da Aeronáutica (reveja o item terceiro do professor Oliva, à
pág. 27). Inexplicavelmente, o que ninguém, com raras exceções,
havia observado ou gostaria de admitir, é que essas mesmas análises
continham erros primários na sua execução.
Quando foram re-elaboradas corretamente os erros ficaram
evidentes, e foram acompanhados de veemente (furiosa seria mais
apropriado) contestação por parte dos responsáveis pelas primeiras
investigações, que se recusaram a reconhecer as falhas, apoiando-se
exclusivamente na fidelidade das testemunhas. Só para ilustrar:
como um dos pontos discutíveis dizia respeito à sombra do objeto
fotografado em relação à luz do sol, um conceituado ufólogo da
velha guarda teve a coragem de afirmar que os Óvnis podem projetar
a sombra para o lado que quiserem, pois não sabemos do que eles
são capazes de fazer!
Dissensões como essas ocorrem não apenas entre os ufólogos,
mas também com as testemunhas quando têm suas vivências
recompostas para uma versão mais real dos fatos ao final das

95
investigações. Elas fazem questão de que suas experiências sejam
comprovadas e certificadas, mesmo quando a análise indica de
maneira indiscutível tratar-se de erro de interpretação, falha de
percepção ou algo semelhante. Para a testemunha, não há enganos,
ela tem certeza do que viu ou fotografou, e não será um “ufólogo
qualquer” que irá lhe contradizer, em que pese demonstrações em
contrário.
Até mesmo para quem não é ufólogo ou testemunha, a não
validação de um caso ou a revelação de sua faceta fraudulenta gera
muitos desagravos, pelo simples fato de “negar a realidade“ do
fenômeno. Certa vez, um experiente fotógrafo jornalístico flagrou
um enorme objeto esférico brilhante por trás das nuvens próximo à
linha do horizonte, pouco depois do entardecer. Cruzando
informações com colegas, levantando dados e consultando
efemérides astronômicas concluímos, por todos os cálculos feitos e
todas as condições verificadas que não deixavam dúvidas, para
profundo desespero do profissional, se tratar da lua em condições
atípicas de observação. O leitor bem pode imaginar os impropérios
com que fomos agraciados.
Importante ressaltar que, a rigor, a qualificação profissional ou
social não pode e não deve ser considerada como fator liquidante
para a credibilidade do depoimento. Do taxista à Sua Excelência, do
astronauta ao pagodeiro, do médico ao feirante, do ministro ao
ascensorista, em princípio todos merecem crédito e valor em sua
justa medida, e somente uma averiguação com rígida metodologia
poderá decretar a sentença. Um julgamento precipitado pode induzir
ao erro.
Em uma ocasião, um dos autores53 foi convidado por uma
emissora de TV a opinar sobre um filme em VHS obtido pelo filho
de uma conhecida fazendeira da região. Pela simples comparação e
com base em sua larga experiência, pôde perceber de imediato tratar-
se da filmagem do planeta Vênus, que sempre confundiu o leigo e
sempre confundirá, a contragosto dos ufólogos que não se
conformam com esta explicação tão banal, mesmo porque a cena
apresentava pontos de referência como montanhas e outras estrelas,

53
Ubirajara F. Rodrigues, a convite da EPTV, afiliada Globo, em julho de 1996 na cidade de
Varginha, MG.
96
além do conhecimento astronômico mínimo necessário. Aquela
senhora sexagenária ficou transtornada diante da possibilidade de
aquilo que tinha certeza ser um “disco voador” fosse, na verdade, um
engano de observação que ocorre costumeiramente.
Tamanha foi sua insistência, lançada de modo impetuoso e com
furor, que não restou ao ufólogo senão comentar: Bem, eu não sabia
que a senhora entendia tanto de filmagem, de fotografia, Astronomia
ou mesmo de Ufologia. Pensei que, pelo menos neste assunto, o
entendedor fosse eu! Esses embates ocorrem a todo momento,
alguns bem mais rudes que os comentados, em que se poderia
suspeitar, com pouca margem de erro, de casos limítrofes a dementia
praecox.
Um comportamento como esse adquire um caráter ainda
mais nocivo na proporção direta da gravidade dos fatos. Enquanto o
litígio e os entreveros se restringem ao âmbito da pesquisa, enquanto
a “roupa suja” é lavada em casa e as pendengas circunscritas apenas
à esfera dos pesquisadores, é compreensível; porém, quando caem
no domínio público, a devastação pode ser irrecuperável. Não foram
poucos os programas de rádio e TV em que leigos, neófitos,
cientistas e ufólogos cruzaram espadas em defesa de suas teorias.
Não é de hoje que autoridades e “autoridades”, “contatados”,
artistas, testemunhas e oportunistas concedem entrevistas com sua
argumentação pífia, quando não artificiosa, pondo em risco a
credibilidade do assunto e do pesquisador sério. Ao público falta
conhecimento e informação para discernir o real do fantasioso, o
autêntico e honesto do mentiroso e enganador, e o mesmo se aplica
aos meios de comunicação, ávidos que estão pelos melhores índices
de audiência. A ambos, público e mídia, importam o fantástico, a
novidade, o circo, bem de acordo com o esquema mostrado há
pouco. É nesse clima caótico de despreparo, imaturidade, vaidades e
miopia que se desenvolve a Ufologia, em todo o planeta. É uma
visão de alcance raso, desalinhada, posicionada abaixo do patamar
mínimo da lógica e do equilíbrio. Há um exemplo bem recente que
precisa ser esclarecido, primeiro pela repercussão que o fato gerou,
segundo porque se impõe deixar registrada nossa posição sobre o
assunto, já que por ocasião do episódio fomos inteiramente mal
compreendidos, e terceiro, para revelar os bastidores de uma história

97
muito diferente daquela que foi levada ao conhecimento público.
Em abril de 2004, a revista UFO lançava uma campanha nacional
com o título “ÓVNI: Liberdade de Informação Já”, na qual cobrava
do Governo, entenda-se Forças Armadas, mais especificamente a
Aeronáutica, como se a responsabilidade pelas investigações só
coubesse a ela, o fim do sigilo e o “reconhecimento oficial” da
atividade ufológica no país. A plataforma para essa reivindicação era
de que “O Brasil tem riquíssima, profunda e diversificada casuística
ufológica, reconhecida até mesmo no exterior”, como se o aval de
outros países fosse justificativa para sensibilizar as autoridades
brasileiras.
Desde o princípio estivemos contra essa iniciativa, primeiro pelo
primarismo e inconsistência da proposição; segundo, porque
obviamente sabíamos que aquilo que iria a público seriam meras
filigranas. Mas não só isso. Tínhamos convicção de que as diretrizes
da campanha se articulavam em oposição ao senso comum e só
poderiam desembocar num retumbante fracasso, no que alertamos
aos responsáveis do erro em que estavam incorrendo e da cilada
iminente de que seriam vítimas. Desnecessário dizer que, além de
não nos darem ouvidos, ainda fomos considerados desleais à causa.
Por que uma iniciativa primária e inconsistente? Para começar,
basta ler alguns dos itens relacionados na “Carta de Brasília”,
documento redigido de forma popular e referendado por vários
participantes durante o I Fórum Mundial de Ufologia em fins de
1997, que serviu de gatilho para disparar a tal campanha sete anos
depois, com cópias encaminhadas para representantes civis e
militares, escoradas por um abaixo-assinado com cerca de 36.000
nomes. Convém salientar que “abaixo-assinado” não é e nunca foi a
forma correta, técnica e aceitável do ponto de vista legal, de se
reivindicar ou de se requerer alguma coisa. Pedimos ao leitor
especial atenção aos trechos grifados por nós:

Parágrafo 1: “É de conhecimento geral que o fenômeno UFO,


manifesto através de constantes visitas de veículos espaciais ao
planeta Terra, é genuíno, real e consistente, e vem sendo
confirmado independentemente por ufólogos civis e militares de
todo o mundo, há mais de 50 anos”.

98
Por esta primeira assertiva, depreende-se que já está
definitivamente concluído que o “fenômeno UFO” já não é mais
fenômeno - são visitas ao planeta de veículos espaciais, confirmado
por civis e militares! Mais que ridícula, uma afirmação absurda e
contraditória.

Parágrafo 2: “O fenômeno já teve sua origem suficientemente


identificada como sendo alheia aos limites de nosso planeta, e os
veículos espaciais que nos visitam de forma tão insistente são
originários de outras civilizações, provavelmente mais avançadas
tecnologicamente que a nossa, que coexistem conosco no universo,
ainda que não conheçamos seus mundos de origem”.

Como é possível tal conclusão se não sabemos absolutamente


nada a respeito do fenômeno, pelo menos e justamente enquanto
ainda “fenômeno”? Se analisarmos cumulativamente, de acordo com
o documento temos certo que o fenômeno que não é mais fenômeno
são veículos espaciais provenientes de outras civilizações
tecnologicamente mais avançadas que a nossa, alheias aos limites
da Terra, coexistindo conosco embora não saibamos como e onde!
O que mais as autoridades poderiam informar que já não seria do
conhecimento dos ufólogos? Ou, sendo mais claro, o que elas devem
ter achado da afirmação de que algo dito “comprovadamente
extraterrestre” deixa de ser um fenômeno em virtude disto?

Parágrafo 3: “Tais civilizações encontram-se num visível e


inquestionável processo de contínua aproximação da Terra e de
nossa sociedade planetária e, assim agindo, em suas manobras e
atividades, na grande maioria das vezes não demonstram hostilidade
para conosco”. De qual “sociedade planetária” fazemos parte? Existe
tal sociedade? Em que se baseia o documento para falar em “visível
e inquestionável processo de contínua aproximação”? Isso é ilação
deslavada sem qualquer critério ou lastro científico mínimo para ser
levada em consideração. Convocar a “comunidade ufológica
brasileira”, investir tempo e dinheiro numa campanha que se
arrastou por mais de um ano apenas para pedir que o governo “abra
seus arquivos referentes a pelo menos dois episódios específicos e

99
marcantes da presença de objetos voadores não identificados em
nosso território”? Nos seus 50 e tantos anos de pesquisa, as
autoridades não teriam nada mais atraente a oferecer? E se tivessem,
ofereceriam? Claro que não.
Mas o mais penoso dessa história toda ainda iria acontecer.
Quando proclamamos não só o risco de fiasco como a inversão de
mão em que a campanha se conduzia, tínhamos muito claro que o
desenrolar dos acontecimentos traria um aspecto altamente
prejudicial para os ufólogos. Não é preciso muito esforço mental
para perceber que qualquer campanha que se torne pública com
antecedência vai dar tempo para que a outra parte prepare e se
prepare para uma eventual resposta. Tanto estardalhaço e foguetório
para nada.
Foi exatamente o que aconteceu. Como se diz popularmente, “o
tiro saiu pela culatra”. Com a comitiva ufológica embandeirada em
seu périplo rumo à Capital Federal, as autoridades tiveram tempo de
sobra para selecionar o que poderia ser liberado, criando um clima
receptivo, convidando a imprensa para testemunhar as boas
intenções e no final deixaram os ufólogos aparvalhados saboreando
as migalhas oferecidas – alguns casos pouco expressivos, fotos,
desenhos, gráficos, ou seja, nada de revelador, bombástico,
inusitado, surpreendente, até porque não há nada disso por lá.
Aliás, cabe uma pergunta aos ufólogos obcecados por
documentos “oficiais”: se a Ufologia propaga com veemência que
possui fortes, inquestionáveis, irrefutáveis e definitivas provas de
que o fenômeno UFO são naves tripuladas por extraterrestres
provenientes do espaço, que outras revelações mais explosivas que
essas poderiam obter dos documentos “confidenciais”? Precisam
deles porque duvidam de suas próprias afirmações? O que esperam
encontrar, acordos bilaterais de desenvolvimento tecnológico?
Confirmação de experimentos genéticos? Quedas e acidentes de
Óvnis? Capturas de Ets? Informações altamente sigilosas de
infiltração de alienígenas em nosso meio? Haja imaginação! Haja
ficção!
Sempre soubemos que seria assim! Será que os ufólogos
realmente acreditavam que os arquivos secretos, confidenciais,
sigilosos, os mais “quentes” e coisas do tipo seriam mesmo

100
liberados, atendendo aos anseios da “comunidade”? Se pensaram ou
pensam dessa forma são muito mais ingênuos quanto pensávamos
que fossem. Depois desse carnaval todo, haverá clima para se cobrar
mais alguma coisa de agora em diante?Não era isso que os ufólogos
queriam – a abertura dos arquivos? Pois aí está, portanto não têm
mais nada a reivindicar, e assim perderam uma boa oportunidade de
ficarem quietos no seu canto elaborando formas mais sensatas e
eficazes de entendimento com os organismos oficiais.
Essa quixotesca e catastrófica aventura ao santuário dos maiores
segredos ufológicos, quase uma indigência de ufólogos esmolando
uma atitude de reconhecimento da existência de um fenômeno,
qualquer que fosse, tornou-se o modelo clássico do estrago que a fé
numa doutrina fantasiosa pode provocar. Faltaram, repetimos,
preparação, discussão, discrição, estratégia, cautela, perspicácia e
inteligência, sobrando, em contrapartida, precipitação, ingenuidade e
impaciência. A reflexão deu lugar à inflexão e, em casos mais
graves, à genuflexão. As sereias emitiram seus acordes
embriagadores e os incautos navegantes naufragaram nas águas da
ilusão. Se um é fábula, o outro é fato. Mas o ponto nevrálgico, a
revelação maior que elucida uma série de fatos, virá no capítulo a
seguir.
No sentido oposto e muito antes daquela desafortunada
expedição, mais exatamente em 1997 em San Francisco, Califórnia,
um conselho formado por nove cientistas54 membros do
Massachussetts Institute of Technology, das Universidades de
Cornell e Princeton e de institutos alemães e franceses, analisou a
documentação apresentada por oito ufólogos55 convidados de várias
partes do mundo, sobre as principais ocorrências de Óvnis e suas
respectivas pesquisas.
Uma das conclusões é que a comunidade científica tem mostrado
um interesse muito pequeno sobre o assunto. A outra é que as
evidências não demonstraram que estamos recebendo visitantes do

54
Von R. Eshleman, EUA; Thomas Holzer, EUA; Randy Jokipii, EUA; François Louange,
França; H. J. Melosh, EUA; James Papike, EUA; Guenther Reitz, Alemanha; Charles
Tolbert, EUA; Bernard Veyret, França
55
Richard Haines, EUA; Illobrand von Ludwiger, Alemanha; Mark Rodeghier, EUA; John
Schuessler, EUA; Erling Strand, Noruega; Michael Swords, EUA; Jacques Vallée, EUA;
Jean-Jacques Velasco, França.
101
espaço nem que os supostos Óvnis desrespeitam algumas das leis
conhecidas da Física. Por outro lado, é verdade também que o
conselho entendeu que algumas ocorrências são suficientemente
tangíveis que merecem uma investigação mais aprofundada. Era
uma aproximação desse naipe que deveria ter acontecido, e não a
pantomima que se verificou. Se o exemplo americano não era
interessante o suficiente para ser seguido, tanto a festejada campanha
como a comitiva eram perfeitamente dispensáveis. Infelizmente
Sagan tinha razão quando escreveu que poderíamos um dia nos
tornar uma nação de patetas56.

56
Sagan, C.; O Mundo Assombrado pelos Demônios, Companhia das Letras, SP, 2006.
102
A ingenuidade é uma fratura exposta

A primeira lei da História é nunca dizer falsidades.


A segunda é nunca recear dizer a verdade.
Papa Leão XIII

Uma vez que muito se tem falado e escrito sobre os


extraterrestres e pouco sobre a vinda “deles” até aqui, o que resta
para a Ufologia? Resta uma casuística repleta de componentes que
insinuam uma cópia, rica em detalhes e ajudada por lampejos de
criatividade, de filmes que mesclam a ficção científica com
estratégias militares e técnicas de espionagem. Diante da completa
falta de provas da manifestação do que a maioria chama de “nossos
visitantes”, a Ufologia supõe que governos e forças armadas saibam
muito mas escondem tudo. Ou que as tais provas existem e o
aparelho estatal não admite.
Daí, fica-se com uma “Área 51”, onde não apenas projetos
secretos de desenvolvimento armamentista e testes com aeronaves
mais potentes e aperfeiçoadas são colocados em prática. Lá deve
haver também uma espécie de “engenharia reversa” destinada a
descobrir o funcionamento de naves extraterrestres, acidentadas ou
capturadas desde a década de 40, nos EUA, e em outras partes do
mundo, notadamente do “disco voador” do qual o exército norte-
americano se apossou em 1947, em Roswell. Ou, quem sabe,
daquele “desmontado pela polícia” em Varginha, como
eventualmente citado em 1997 num popular programa de auditório.
Certamente não este último, porque neste conhecido e polêmico caso
o que menos existe é a presença de um esperado e desejado disco
voador, talvez porque os colegas americanos não admitam tal
“concorrência” com a sua nave extraterrestre – a de Roswell.
Sejamos mais objetivos.
Os ufólogos estão solidamente convencidos de que o fenômeno
Óvni tem como causa a incursão constante de seres extraterrestres
em nosso planeta, mas sabem que suas provas não são “provas” e
103
que nada conseguem provar perante o meio acadêmico, a chamada
ciência oficial. Então, sua lógica se transforma em certeza de que as
instituições militares possuem-nas – as provas. Fica-se também com
dois interessantes e marcantes incidentes passados no campo do
governo e das forças armadas, no Brasil.
O primeiro se deu em 1986, quando 21 objetos teriam sido
seguidos por caças da Força Aérea Brasileira. Na época, os pilotos
que bateram em perseguição aos supostos Óvnis declararam à
imprensa, em entrevista coletiva, que realmente seguiram “objetos
voadores não identificados”, cujo comportamento e aparência não
poderiam ser comparados a algo conhecido. Na ocasião, o ministro
da Aeronáutica, brigadeiro Otávio Moreira Lima, confirmou
publicamente os acontecimentos e prometeu um relatório completo
em poucos dias. Nunca o divulgou e, dez anos mais tarde, fez
declarações totalmente em contrário.
O segundo episódio girou em torno das revelações do falecido
coronel reformado da Aeronáutica, Uyrangê Bolívar Soares
Nogueira de Hollanda Lima. No segundo semestre de 1977, ainda
capitão, Hollanda comandara a conhecida Operação Prato, destinada
a investigar uma série de incidentes envolvendo possíveis Óvnis e a
população de localidades ribeirinhas da Amazônia. Ele teria enviado
ao 1o Comando Aéreo Regional – COMAR – em Belém, no Pará,
relatórios detalhados sobre suas investigações, dos quais constariam
não apenas os depoimentos de várias testemunhas, dentre elas
autoridades e uma médica que também veio a público confirmar as
ocorrências, mas também o que ele e seus comandados haviam
presenciado e filmado. Os resultados permaneceriam registrados na
Aeronáutica sem divulgação.
Questões como essas servem para sustentar a convicção de que a
população está sendo enganada, com o “sistema” escondendo uma
“indiscutível realidade” sobre a invasão de extraterrestres. Mas não
basta – piora – porque a ânsia pela verdade construída pelos
ufólogos só é mais estimulada por eventos deste porte, dos quais,
propositalmente, não pretendemos entrar em detalhes, de tão
conhecidos que são, não apenas dos aficionados pelo tema, mas até
pelo grande público. Ainda que, reconhecemos, seus enredos
contenham a participação de pessoas e detalhamento de fatos, que os

104
tornam de grande importância para análise e crítica, realmente
contrastando com casos ou situações ufológicas desprovidas de
informações mais claras e objetivas.
Afunila-se, assim, a esperança da Ufologia e esta precisa atrair
para mais perto a possibilidade de comprovar aquilo que tanto
persegue, enquanto nada se consegue provar com a atitude isolada de
um amontoado de milhares de amantes do tema espalhados pelo
mundo, desorganizados por método de pesquisa e em meio a várias
linhas completamente apartadas da boa atitude científica. E ao passo
que – obviamente os ufólogos sabem mas a maioria tem horror de
admitir – que somente a ciência e os grandes institutos de pesquisa e
estudo poderiam colher as provas, com toda a dificuldade que o tema
impõe e exige. São salvos pela certeza de que isto já ocorreu, porém
sem divulgação e admissão públicas. Esta complicada operação
psicológica tem nuances de aventura.
Há ufólogos que trabalham acreditando que até sua própria
atuação seja aproveitada pelos meios militares e governamentais,
que trabalham em sigilo. São muitos os exemplos, mas um ou dois
bastam para ilustrar esta outra faceta comportamental da Ufologia.
No Brasil, uma exaustiva e elogiável coleta de casos interessantes
tornou clássico o papel do falecido médico e ufólogo Walter Bühler
à frente de uma espécie de ONG denominada Sociedade Brasileira
de Estudos de Discos Voadores, no Rio de Janeiro.
Durante anos, o Dr. Bühler publicou um boletim, reconhecido em
todo o mundo, usado como fonte de referência por ufólogos através
dos tempos. Para isso, corria atrás de casos descobertos e
pesquisados por outros ufólogos, em atitude correta e aconselhável;
no entanto, achava que alguns de seus colegas eram “aliados” de
agências de espionagem e inteligência, como a CIA e o FBI. Para
ele, eventos importantes recebiam, de imediato, a atenção de agentes
secretos e de corporações sigilosas, que monitoravam as aparições
de discos voadores.
Outro exemplo, mais contemporâneo, foi o do também já falecido
e respeitado Húlvio Brant Aleixo, de Belo Horizonte, que presidia o
CICOANI – Centro de Investigação Civil de Objetos Aéreos Não
Identificados. O próprio nome do seu grupo de estudos já fazia
denotar uma certeza de que investigação de Óvnis era, antes de tudo,

105
competência dos militares. O psicólogo e professor universitário,
que também contribuiu de forma notável para o registro de eventos
de diversos tipos, agia de forma semelhante à de seu colega médico.
Além de desejar confirmar o que outros descobriam, em atitude
científica correta, acabava por dar um ar de “sigilo” àquilo que ele e
terceiros estudavam e obtinham. Por vezes, parecia insinuar que,
voluntária ou involuntariamente, trabalhava “em conjunto” com os
organismos militares.
Mas, e hoje? Em que ponto deságua esta tentativa desesperada de
trazer os extraterrestres para mais perto, já que seus planetas de
origem são tão distantes, como distantes tornam-se, cada vez mais,
as possibilidades e os recursos dos ufólogos? A certeza parece ser
levada pela torrente da ilusão, lamentavelmente. Alguns ufólogos
não mais se resignam com a possibilidade de o reconhecimento da
existência de discos voadores só vir a acontecer num futuro remoto –
se vier, caso existam como “naves de outros planetas”.
A impressão de “lentidão” do tempo, diante da vida humana,
provoca o desespero. Esta prova tem que surgir enquanto vivermos.
Se não acontecer, precisamos ao menos firmar outra realidade por
detrás desta maior que tanto se deseja – os governos e as forças
armadas sabem. Melhor, precisam reconhecer a importância do
trabalho dos ufólogos. Urge que os militares tenham, na Ufologia,
uma parceira, que ao menos a reconheçam! Um clamor surdo, que se
ouve do outro lado da cidade. Pois acaba de acontecer: de poucos
anos para cá, no Brasil, repercutiu nos meios ufológicos de todo o
mundo: a Aeronáutica Brasileira concordou em trabalhar em
conjunto com os ufólogos e, não bastasse, abriu seus arquivos
secretos. Agora esta é uma grande e fascinante certeza, para um
grande número de adeptos. Porém... será mesmo?
Tudo começou com uma intensa campanha intitulada “UFOs:
Liberdade de Informação Já”. Idealizada pela incansável revista
UFO, a campanha desejava, como ainda deseja, que o governo
federal revelasse de vez tudo o que sabe sobre discos voadores e
suas variantes. Começou a ser publicada em abril de 2004 e angariou
mais de 30 mil nomes que assinaram documentos de deflagração
para serem apresentados ao presidente e ao vice-presidente da
República, aos ministros de Estado, alguns deputados federais,

106
senadores, diversas autoridades das forças armadas etc. Para
encabeçá-la, criou-se uma Comissão Brasileira de Ufólogos. Após
meses de discussão por correio eletrônico, através de listas e grupos,
chegou-se à redação definitiva de um manifesto, cujos termos são
notáveis para o propósito deste livro. Eis seu conteúdo, devendo o
caro leitor prestar muita atenção ao que vai por nós sublinhado,
reforçando o que já foi esmiuçado no capítulo anterior:

MANIFESTO DA UFOLOGIA BRASILEIRA

A Comunidade Ufológica Brasileira, representada por ufólogos


individuais e grupos de pesquisas, investigadores e estudiosos,
simpatizantes e entusiastas da Ufologia, que firmam o presente abaixo-
assinado, reúnem-se através desse documento, sob coordenação da revista
Ufo, para dirigirem-se às autoridades brasileiras, neste ato representadas
pelo excelentíssimo senhor presidente da República e pelo ilustríssimo
senhor ministro da Aeronáutica, para apresentar os seguintes fatos:
1. Que é de conhecimento geral que o Fenômeno UFO, manifesto através
de constantes visitas de veículos espaciais ao planeta Terra, é genuíno,
real e consistente, e assim tem sido confirmado independentemente por
ufólogos civis e autoridades militares de todo o mundo, há mais de 50
anos.
2. Que tal fenômeno já teve sua origem suficientemente identificada como
sendo alheia aos limites de nosso planeta, e que os veículos espaciais que
nos visitam tão insistentemente são originários de outras civilizações,
possivelmente mais avançadas tecnologicamente do que a nossa, que
coexistem conosco no universo, ainda que não conheçamos seus mundos
de origem.
3. Que tais civilizações encontram-se num visível e inquestionável
processo de contínua aproximação da Terra e de nossa sociedade
planetária, e que, assim agindo, em suas manobras e atividades, na
grande maioria das vezes não demonstram hostilidade para conosco.
4. Que é notório que as visitas de tais civilizações não-terrestres ao nosso
planeta têm aumentado gradativamente nos últimos anos, segundo
comprovam as estatísticas nacionais e internacionais, tanto em
quantidade quanto em profundidade e intensidade, representando algo que
requer legítima atenção.
5. Que, em virtude do que se apresenta, é urgente que se estabeleça um
programa oficial de conhecimento, pesquisa e respectiva divulgação
pública do assunto, de forma a esclarecer a população brasileira a respeito
da inegável e cada vez mais crescente presença extraterrestre na Terra.

107
Assim, considerando atitudes assumidas em vários momentos da história
por países que já reconheceram a gravidade do problema como o Chile, a
Bélgica e China, respeitosamente recomendamos que o Ministério da
Aeronáutica da República Federativa do Brasil, ou algum de seus
organismos, a partir deste instante, formule uma política apropriada para
se discutir o assunto, nos ambientes, formatos e níveis considerados
necessários.
A Comunidade Ufológica Brasileira, neste ato representada pelos
estudiosos nacionais abaixo assinados, com total apoio da Comunidade
Ufológica Mundial, deseja oferecer voluntariamente seus conhecimentos,
seus esforços e sua dedicação para que tal proposta venha a se tornar
realidade e que tenhamos o reconhecimento imediato do Fenômeno UFO.
Como marco inicial deste processo, que simboliza uma ação positiva por
parte de nossas autoridades, a Comunidade Ufológica Brasileira
respeitosamente solicita que o referido Ministério abra seus arquivos
referentes a pelo menos dois episódios específicos e marcantes de nossa
pesquisa ufológica:

1. A Operação Prato, conduzida pelo I Comando Aéreo Regional - Com, de Belém


(PA), entre setembro e dezembro de 1977, que resultou em volumoso compêndio
que documentou com mais de 500 fotografias e inúmeros filmes a movimentação de
UFOs sobre a Região Amazônica, da forma como foi confirmado pelo coronel
Uyrangê Bolívar Soares de Hollanda Lima.

2. A maciça onda ufológica ocorrida em maio de 1986, sobre os Estados do Rio de


Janeiro e São Paulo, entre outros, em que mais de 20 objetos voadores não
identificados foram observados, radarizados e perseguidos por caças a jato da Força
Aérea Brasileira, segundo afirmou o ministro da Aeronáutica à época, brigadeiro
Octávio Moreira Lima.
Absolutamente conscientes de que nossas autoridades civis e militares
jamais se descuidaram da situação, que tem sido monitorada com maior ou menor
grau de interação ao longo das últimas décadas, sempre no interesse da segurança
nacional, julgamos que a tomada da providência acima referida solidificará o início
de uma próspera e proveitosa parceria.

Comissão Brasileira de Ufólogos

Parece difícil à comunidade ufológica compreender que todos


buscam o que possa ser verdade. Quando, no entanto, se trata de
interpelar o governo, um ministério, ou a própria presidência da
república, simplesmente deve-se colocar de lado as crenças, as
suposições ou mesmo afirmações ainda não respaldadas por
confirmação indiscutivelmente científica. Não haveria porque, por
exemplo, alguém peticionar a órgãos públicos, visando "a
108
divulgação ou o reconhecimento de casos ufológicos, de que existe
pesquisa oficial acobertada". Primeiro, é inocência sem par achar
que, por um manifesto de ufólogos, o Governo, na hipótese, iria
divulgar suas “pesquisas secretas”, ou mesmo reconhecer que Óvnis
existam ou, pior ainda, que venham de outros planetas. Ingenuidade
total, para não dizer coisa pior.
Ou se faz isto com tom, termos, expressões e forma corretas,
tecnicamente bem colocadas, e principalmente em linguagem isenta,
que bem observa regras de argumentação, ou se corre o total risco de
cair em desprezo ou escárnio. Ora, as ciências, o meio acadêmico,
desenvolvem a todo o momento a evolução de seus preceitos,
conceitos, princípios, teorias, enfim, o conhecimento científico, de
forma comprovada, observando regras, metodologia de investigação
e pesquisa, até admitir ou não um fenômeno.
Daí, após os passos da pesquisa ou experimentação científica,
chegam a conclusões que confirmem ou não o fenômeno e
principalmente demonstrem ou não suas causas, para somente então
partir para explicações e entendimento de processos. Enfim, se as
hipóteses escolhidas, e todas devem possuir um mínimo de validade
com base no que já se tem por aceito ou ao menos viável, foram ou
não confirmadas. Para o leitor, seria até desgastante continuarmos
nesta tecla. Pois bem, desde o surgimento da própria ciência, já se
tem por pública e regularmente comprovada a existência do
fenômeno Óvni? Obviamente que não!
No entanto, os ufólogos têm certeza que sim, por considerarem
que a farta comprovação se limita a um enorme número de
depoimentos. O que temos em mãos é simplesmente uma
justificativa para que governos, forças armadas e institutos de
pesquisa dediquem-se a um fenômeno que possa, supostamente,
hipoteticamente, valer a pena. Este é o ponto, talvez o único
aproveitável no manifesto acima reproduzido. Mesmo assim, essas
nossas evidências testemunhais são extremamente controvertidas,
complexas, e o fenômeno deveria, antes de tudo, ser retomado com a
análise e a discussão dessas alegadas evidências. Os ufólogos, em
sua maioria, têm certeza dele e, assim, têm não apenas direito, mas
bons motivos e um considerável número de dados ainda não
transformados em informação bem equacionada, para tentarem

109
convencer tais meios de que o assunto merece melhor atenção. Se e
quando conseguirem isto, terá sido uma vitória histórica.
Agora, pensando bem – se tudo ainda é assim – que dizer das
causas, explicações, processos, origens, razões enfim, até de
"motivos" que fundamentam tal fenômeno? Que absurdo sem
comparação, que equívoco dialético incomparável, que erro
grosseiro de argumentação, que falta de postura técnica dirigir um
manifesto, um "abaixo assinado" ou mesmo um requerimento – que
nem de longe é – aos organismos oficiais, todo ele redigido com
expressões do tipo visitas de veículos espaciais ao planeta Terra...
origem suficientemente identificada como sendo alheia aos limites
de nosso planeta... são originários de outras civilizações...
inquestionável processo de contínua aproximação de nossa
sociedade planetária... civilizações não-terrestres... inegável e cada
vez mais crescente presença extraterrestre na Terra e outras da
mesma espécie.
Opinião é mero entendimento pessoal, geralmente fundado em
crenças, em postura exclusivamente subjetiva. O que “eu acho”, o
que “eu creio”, intuo ou mesmo percebo não significa absolutamente
nada em relação ao tipo de verdade que a ciência busca – a objetiva
– a que necessariamente não é aquilo que vemos, sentimos, cremos.
Este é dos mais importantes princípios eternamente inspiradores do
trabalho científico. Então, a título de exemplo, jamais alguém
deveria escrever ao Governo ou à Aeronáutica requerendo que eles
"revelassem o que sabem" sobre os casos “X” ou “Y” só porque
meia dúzia de ufólogos afirma que têm testemunhas. E sem poderem
mostrar que testemunhas são estas, afinal. O Caso Varginha, meses
depois, passou a incorporar o manifesto.
A comunidade ufológica mundial, da qual a "Brasileira” acha que
já é uma espécie de classe reconhecida de altíssima importância, diz
possuir provas de que discos voadores são originários de outras
civilizações provavelmente mais avançadas tecnologicamente do
que a nossa. Daí, pensa fazer parte de um meio sabidamente
acadêmico, em que se podem oficializar conhecimentos ou admitir
fenômenos, suas causas e explicações. Lança uma campanha dessas
pedindo que as instituições oficiais sejam contra o mundo inteiro,
contra tudo o que se tem de reconhecido e aceito, desejando – como

110
se estas não fossem compostas por mentes racionais – que não
seguissem quaisquer regras de técnica e normas de pesquisa,
investigação e regulamentos, confessando ou reconhecendo que
discos voadores sejam naves de outros planetas! As inúmeras e
inesgotáveis discussões estabelecidas em torno de um simples
vestígio de suposta bactéria em meteoritos marcianos, encontrados
na Antártida, nada dizem para os iludidos. Nem percebem que, em
contrapartida, querem que o governo confesse que sabe da
existência de civilizações avançadíssimas em outros planetas nos
visitando!
A campanha é formalizada com um “abaixo-assinado”, por
adesão pela internet ou pelos Correios, e o subscritor referenda o
manifesto. Milhares de ufólogos e apaixonados pelo assunto
pretendem que oficialmente a nação reconheça algo de “tão natural”
e inconteste magnitude... uma atitude dessas demandaria anos, talvez
décadas, de intensas pesquisas e investigações que pudessem
fundamentar a afirmação de maior amplitude de toda a história, e de
agora para todo o sempre.
A alteração, os reflexos, as consequências de se admitir algo
assim, nas ciências, nas universidades, na Filosofia e nas Filosofias,
nos governos e regimes políticos, nas religiões e na economia seriam
de tal ordem, que exigiriam um processo de demonstração e
comprovação de complexidade sem par. Entretanto, e saudemos sem
dúvida a liberdade de pensamento, a Ufologia quer trazer para si não
apenas tal responsabilidade, mas também o mérito. Ela, que estuda
objetos voadores não identificados e algumas de suas nuances, está
certa de que isto basta para que os sistemas, fundamentados nas
aquisições dela, oficializem que a vida extraterrestre existe, que esta
vida gerou civilizações avançadíssimas, que “indiscutivelmente”
vêm “de forma tão insistente” nos visitar. O método é um abaixo-
assinado que, até o momento em que este livro é escrito, nunca foi
diretamente enviado às autoridades a que se destina.
O que deveria conter um requerimento neste sentido? Um
arrazoado ilustrado por uma documentação que comportaria talvez o
número de páginas comparável ao de diversas enciclopédias
extremamente volumosas? Os resultados, metodologicamente
elucidados, de longas pesquisas e confirmadas por institutos

111
reconhecidos internacionalmente, firmados por cientistas e
investigadores credenciados, de respeitada experiência e com
titulação que lhes dê autoridade para aceitação de suas conclusões?
A indicação de fatos, pessoas, órgãos e instituições, agora
comprovadamente envolvidos desde há muito, no Brasil e no
mundo? Tudo, por consequência do emprego de bilhões de dólares,
da utilização de elevados recursos tecnológicos e da realização de
fóruns, públicos e privados, nos meios acadêmicos de todo o
planeta? Bobagem. A Ufologia supera tudo isto, para assumir seu
papel messiânico de, com seu fascínio, e este lhe é de uma grandeza
inconteste, mudar com sua coletânea de casos o conceito que a
humanidade tem do universo.
Dirão alguns que o documento e a campanha apregoam que as
autoridades nunca se descuidaram da situação, que a “monitoram”
desde as últimas décadas e só querem que isto seja reconhecido. Só?
E que tal providência solidificaria o início de uma “próspera e
proveitosa parceria”. É o que está lá, com todas as letras. A intenção
é boa. Todo o processo que há pouco comentávamos pode ser, mais
uma vez, superado, se as forças armadas tomassem os ufólogos
como parceiros.
Uma proposta alvissareira e atraente, para os governos, tornarem-
se parceiros daquilo em que a maioria crê: seres extraterrestres se
manifestando disfarçados em terreiros de umbanda e centros
espíritas; invasão de discos voadores em centenas de balões tocados
a grande altura pelo vento no espaço aéreo mexicano; aparição de
naves espaciais luminosas em gotas de orvalho e grãos de poeira
grudados nas lentes de máquinas fotográficas; presença de pequenas
naves ou formas desconhecidas de vida no frágil voo de pequenos
insetos e esporos de vegetais em filmes; a heróica ajuda de irmãos
cósmicos, emprestada através de médiuns, à NASA, durante
problemas na reentrada dos ônibus espaciais na atmosfera; “seres
dimensionais”, com a maior naturalidade, aparecendo nos quintais
disfarçados de anjos ou demônios; fortes indícios da visita de seres
que habitam profundas camadas da crosta terrestre, já que a
existência de entidades apelidadas “intraterrenos” é algo
indiscutível; fenômenos aéreos quase sempre provocados por naves
ou veículos extraterrestres; caso como o de Varginha “só pode” ter

112
sido consequência da queda de um disco voador; comandantes de 15
milhões de naves, substitutos de Anjos e Arcanjos, merecendo toda a
atenção; paranormais como “canais” de comunicação com Ets. É
disso que os ufólogos querem que o governo seja parceiro? Sim, é
disso que os ufólogos querem que o governo seja parceiro!
Não se percebe, infelizmente, que a cada dia o percentual de
casos hipoteticamente tidos como autênticos, em termos de ainda
não comportarem explicação, reduz-se drástica e frustrantemente,
que, por visível falta de critério e devido a um fanatismo evidente, o
número de ocorrências a deixá-la esperançosa já se encontra, de
forma desanimadora, próximo do zero.
A ingênua postura tivera uma prévia nos idos de 1997, quando da
realização do Primeiro Fórum Mundial de Ufologia, em Brasília, por
iniciativa da Legião da Boa Vontade. O encontro foi encerrado com
a redação e assinatura de uma Carta de Brasília. Ufólogos brasileiros
e de outros 19 países participaram. Dirigiram a carta ao presidente
da República e ao ministro da Aeronáutica, em que, dentre outras
providências, sugeriam e solicitavam a liberação de documentos
oficiais sobre a “atividade ufológica” no Brasil. Os termos eram
praticamente os mesmos, retratando afirmações apriorísticas e
tendenciosas, tais como naves, extraterrestres e visitantes. Conforme
editorial da revista UFO, também distribuído pela Internet, e
constante de seu site, a carta foi entregue ao Senador José Roberto
Arruda, então líder do Governo no Congresso Nacional. Ele garantiu
que as entregaria, imediatamente, ao presidente da República,
Fernando Henrique Cardoso, e ao presidente do Congresso.
Outras duas cópias da Carta seguiram para os Coronéis aviadores
Zilmar Antunes de Freitas e Weber Luiz Kümmel, respectivamente
comandante do 6° Comando Aéreo Regional e da Base Aérea de
Brasília. Estes militares estavam, na oportunidade, representando o
então ministro da Aeronáutica, Brigadeiro-do-ar Lélio Viana Lobo.
Ambos asseguraram aos ufólogos presentes que entregariam o
documento de imediato ao ministro, a quem, inclusive, se
comprometeram recomendar a tomada das providências que o
mesmo requer.
O documento contém o mesmo sentido de se afirmar que discos
voadores são naves de outros planetas e as manifestações ufológicas

113
tratam-se indubitavelmente da atuação de seres extraterrestres. Um
desprezível número de ufólogos, por esta razão, recusou-se a assiná-
lo. Dos estrangeiros, o exemplo do estudioso argentino Alejandro
Agostinelli ensejou acirradas discussões paralelas, que o execraram
por isto. Posteriormente, o ufólogo expressou por e-mail seu espanto
com a ausência de percepção da Ufologia brasileira do absurdo de
dirigir um manifesto daquele tipo às autoridades, com a utilização de
termos tão ausentes de cunho científico.
Os editoriais, como o mencionado aqui, continuam até hoje
alegando que, apesar do compromisso publicamente assumido pelas
autoridades presentes ao Fórum de Brasília, de fazerem chegar a
Carta às mãos dos destinatários, não se sabe se isto aconteceu.
Simples: jamais houve uma resposta, quer do presidente da
República quer do ministro Viana Lobo. Como se a Carta de Brasília
jamais tivesse existido. Como é também simples o fato de uma
Carta, destinada ao presidente, ao ministro, ou à Presidência e a um
Ministério, nunca ter sido protocolada da forma correta, no órgão
certo e no lugar adequado.
Mais tarde, os mesmos equívocos, que complicaram o que é
simplificado, seriam repetidos com o manifesto que deflagrara a
comentada campanha. Não se protocolou o quer que fosse, seja onde
for e a quem destinado era... apenas entregaram cópias ao
comandante do I Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de
Tráfego Aéreo – Cindacta I, em Brasília. Até hoje continuam
insistindo em não protocolar qualquer requerimento, moção,
manifesto, abaixo-assinado (sic) ou que papel for, diretamente às
autoridades a que se destinam. Consciência, cautela, ou uma espécie
de constrangimento, por saberem que a eficácia é praticamente nula?
Antes de chegarmos ao ápice desta aventura, quando os ufólogos
se rejubilaram por acreditar que finalmente a Força Aérea abriria
seus supostos arquivos sigilosos e oficializaria uma parceria com a
Ufologia, façamos uma pausa para pensarmos, um pouco, em favor
dos bem intencionados militantes. Suponha o caro leitor, apenas a
título de raciocínio, que seja verdade o processo de acobertamento,
desinformação e sigilo imposto por setores militares, em torno do
fenômeno Óvni. Mesmo porque, seria tolice da nossa parte achar que
não exista sigilo ou discrição nos processos e métodos militares,

114
ainda mais em se tratando de defesa e segurança nacional, o que
torna a suposição bastante aceitável. Ora, na hipótese, a iniciativa da
Ufologia, aqui comentada, poderia em tese causar um imenso
malefício, simplesmente sem qualquer possibilidade de conserto, um
prejuízo que, por absoluta falta de visão, de espírito crítico e de
experiência, aquela atitude provocaria, de incalculável monta, para
os interesses da Ufologia.
Primeiro, que era de se esperar, como de fato aconteceu, um
alarde notável por parte da imprensa, ou seja, com a população
seguindo tais momentos de expectativa, principalmente através de
programas televisivos de grande audiência como o Fantástico, da
TV Globo, e de revistas com milhões de leitores semanais, como a
Isto É e tantos outros veículos de comunicação.
Queremos dizer, pública e notoriamente, que as Forças Armadas
estavam recebendo abertamente, pela primeira vez na história do
Brasil, as maiores representações da Ufologia e, afirmava-se, iriam
abrir seus apontamentos sigilosos... Em segundo lugar, a Força
Aérea estaria abrindo seus arquivos, inclusive os secretos, para
estudiosos cuja formação científica de quase todos era, e é, digamos,
um tanto embrionária, beirando a nulidade. Por derradeiro, se
pensarmos na hipótese de que os militares não revelam a verdade,
suponhamos que:
a) em 1986, por exemplo, caças da Força Aérea decolaram à
interceptação de alguns objetos;
b) realmente foi feito um relatório, como fartamente noticiado, e,
liberado aos ufólogos, constem meras narrativas, para resultar em
algo não conclusivo;
c) a Aeronáutica confirmasse os relatórios de eventos na
Amazônia, durante a Operação Prato, mas cujo conteúdo não
passasse da relação de alguns dados, portanto nada que tivesse sido
feito com um mínimo de metodologia, sem demonstrar uma pesquisa
científica. O que, em termos oficiais, nada significaria, nada
provaria, nada comprovaria. Então, fosse dito aos ufólogos – Aqui
está. Podem copiar à vontade. Nada mais temos. E com a imprensa
como testemunha...
Nesta hipótese, o que faria depois a Ufologia? O que ocorreria
posteriormente? O que ela seria, até por questão de dignidade e ética,

115
obrigada a declarar e, principalmente, a parar de afirmar o que vem
dizendo há décadas? Para nosso imaginário raciocínio, os meios
acusados de acobertamento e desinformação teriam um trunfo
extraordinariamente valioso, dali por diante. Os ufólogos vieram,
foram bem recebidos e atendidos em suas reivindicações e pronto,
aqui está! Nada temos.
O mundo inteiro assistiu. É incrível como pessoas que, durante
anos a fio, afirmam algo tão sério e complexo, simplesmente
resolvem agir sem critério e de modo aleatório, com o único recurso
de acreditarem que um manifesto obrigará a quebra de um processo
que elas mesmas supõem forte e rígido. E, pior, com o estímulo das
emoções de estarem agindo heroicamente, como responsáveis por
um momento que irá mudar a face do mundo.
Pois mesmo deixando-se de lado a ideia do sigilo, ainda que
alguns o considerem coisa de paranoico, os resultados da atitude dos
ufólogos foram exatamente os previstos acima. Aconteceram na
realidade. Uma desoladora realidade que somente os trouxe de volta
à terra firme, quando tempos depois começaram a sublimar seu
fascínio e sua perplexidade, permitindo a volta da mesmíssima ideia
de conspiração com a qual viveram durante toda a sua vida de
estudiosos de “naves extraterrestres”. Voltemos, todavia, à sequência
das proezas inspiradas pelo manifesto.
Era necessário retomar o processo de pressão para a liberação dos
arquivos da Aeronáutica, iniciado em 1997. A Ufologia continuaria
crendo-se capaz de realizar pesquisa, na exata acepção do termo,
suficiente para demonstrar a presença alienígena na Terra, na
contramão de todas as áreas científicas, técnicas e tecnológicas
naturalmente destinadas a tal autoridade, com toda a complexidade
inerente aos métodos, processos e demais recursos. Passaram-se
ansiosos anos até que chegássemos a fevereiro de 2005.
Com a divulgação das declarações de Uyrangê Hollanda sobre a
Operação Prato, na Amazônia, a imprensa procurava eventualmente
os órgãos da Aeronáutica para matérias a respeito. Obviamente, os
porta-vozes negavam ou se limitavam a dizer que só havia alguns
relatos enviados pelo capitão Hollanda, porém sem valor científico e
dados suficientes a fundamentar qualquer procedimento das
instituições oficiais.

116
Prosseguia o eterno contraste entre os detalhes espetaculares
divulgados pela Ufologia, tais como muitos depoimentos de
moradores, as informações de uma médica que dizia ter atendido até
pessoas feridas pela manifestação do fenômeno, o testemunho de
jornalistas e outros militares da região, e a postura da Aeronáutica
limitada ao dito de que nada havia de valioso.
Foi aí que o idealizador da campanha, o editor da revista UFO,
Adhemar José Gevaerd, publicou um vasto artigo no seu site
destinado aos ufólogos brasileiros e demais países da América do
Sul, registrando inconformismo com a postura dos porta-vozes da
Aeronáutica. O trabalho, muito interessante sob o ponto de vista dos
ufólogos, extremamente bem redigido e contendo boa argumentação,
continha, entretanto, um tom pesado, direto e agressivo. Rebatia a
alegação da Força Aérea de que não investiga a atuação de Óvnis em
território nacional, indagando se isto não passava de mentira ou
desinformação. Denunciando o que chamou de “negativa sistemática
e inconsequente”, o artigo, enviado a cerca de 500 mil endereços
eletrônicos, segundo o autor, comentou, dentre outras matérias, a
entrevista publicada pelo jornal Correio Braziliense com o major
aviador Antonio Lorenzo, do Departamento de Comunicação Social
da Aeronáutica, que admitiu a existência de relatórios sobre Óvnis
nos arquivos do Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro, porém
sem enfoque investigativo.
A matéria no jornal, de autoria de Ulisses Campbell, continha a
observação do major aviador no sentido de que os ufólogos não
precisavam colher 30 mil assinaturas para a abertura daqueles
arquivos, pois bastaria para tanto uma ordem do Comandante da
Aeronáutica ou do ministro da Defesa. Isto foi prontamente
contraditado pelo editorial, porque muitas tentativas já haviam sido
feitas e de nada adiantaram. Doze dias depois, em 17 de fevereiro, a
redação da revista UFO recebeu um e-mail do major Lorenzo, com o
assunto “Contato com a Força Aérea Brasileira”, dispondo-se a um
encontro com o ufólogo autor do artigo, a fim de lhe prestar alguns
esclarecimentos.
Dois ou três dias depois, Gevaerd retirou do ar o artigo e,
bastante animado – com razão, diga-se de passagem – passou a
anunciar um plano para a visita de uma comissão de ufólogos à

117
Aeronáutica. Segundo ele, o major teria dito que havia
predisposição da Aeronáutica de atender o pleito contido na
campanha, já que a Aeronáutica está ciente de que há a necessidade
de uma parceria entre ufólogos civis e seus integrantes; que a
Aeronáutica não pesquisa casos de UFOs no Brasil, mas que os
registra e mantém tais registros no Comdabra, em Brasília; que tais
dados estão apenas guardados no tal órgão, sem aproveitamento
algum, infelizmente subutilizados, teria informado o major; e que o
certo seria que os ufólogos civis tivessem não somente acesso a eles,
mas a possibilidade de analisar tais casos, dentre outras assertivas.
Em seguida, Gevaerd divulgou um comunicado de sua revista
dizendo que a reportagem do jornal Correio Braziliense publicara
ditos do major Lorenzo que não correspondem à realidade, ou seja,
um órgão de Ufologia cuidava de esclarecer, em nome do major, que
este não dissera coisas que um jornal publicara. Isto inspirou a
mudança do artigo, com seu autor voltando atrás nos seus escritos
revoltados contra as declarações antes atribuídas ao porta-voz da
Aeronáutica. Em 18 de maio chegava à revista outro e-mail, desta
feita tocando diretamente no assunto e subscrito por ninguém menos
do que o Chefe do Centro de Comunicação Social da Aeronáutica, o
Brigadeiro-do-Ar Antonio Guilherme Teles Ribeiro, divulgado pela
redação. Aqui seu inteiro teor, por ser de nosso interesse:

Esclarecimento à revista UFO.

Em virtude de mensagem eletrônica recebida em 16 de fevereiro que


tratava de entrevista concedida por oficial deste centro ao jornal
Correio Braziliense e, considerando a importância e a credibilidade
da revista UFO junto à comunidade científica nacional e
internacional, julgo importante prestar os seguintes
esclarecimentos:
A missão primordial da Força Aérea Brasileira é a defesa
da soberania do espaço aéreo nacional e, para isso, ela
conta com um sofisticado sistema de vigilância do espaço
aéreo, composto por uma rede de radares posicionados em
pontos estratégicos ao longo do território;

118
Por conta disso, mantém aeronaves em alerta de defesa
aérea diuturnamente, durante todo o ano, que são acionadas
para realizar interceptações de alvos radar não
identificados pelo Sistema de Defesa Aérea Brasileiro;

Como desempenha essa nobre missão, muitas vezes


imagina-se que a Aeronáutica realize investigações
científicas a respeito de todo tipo de fenômeno aéreo. Na
verdade, o Comando da Aeronáutica não dispõe de uma
estrutura especializada para empreender tal atividade;

A Operação Prato, que aconteceu em 1977 no Pará, foi uma


iniciativa pontual, promovida por militares daquela região e
que produziu um relatório com diversos depoimentos,
aparentemente sem fundamentação científica;

A Aeronáutica apenas mantém registros de relatos da


visualização de fenômenos aéreos que a ela são informados.
No intuito de resguardar a privacidade daqueles que
prestam esse tipo de informação, os registros são
classificados e guardados conforme legislação específica;

Cabe ressaltar que, logo após a divulgação da matéria do


jornal Correio Braziliense, em 30 de janeiro de 2005, este
Centro emitiu nota oficial e foi prontamente atendido pelo
jornal, que publicou o esclarecimento na íntegra na edição
de 1o. de fevereiro;

Por oportuno, informo que este Centro está à inteira


disposição dessa conceituada publicação para quaisquer
esclarecimentos que se façam necessários.

Ao que tudo indica, havia um ruído ou diferença de tons e


conteúdo entre o que o major teria dito ao editor da revista e o que o
Brigadeiro-do-Ar, Chefe do Centro de Comunicação Social da
Aeronáutica pretendia no esclarecimento. É bastante crível, portanto,
que a política da boa imagem estava à mercê da suposição, por parte
do Comando, de que o e-mail educado, porém objetivo, resolveria
119
um impasse que viera a público, perfeitamente controlável, e do
papel de boa e simpática diplomacia, no front, por parte do major. O
ufólogo e este último passaram a trocar correspondência branda e em
estilo amigável, quase que de velhos novos conhecidos.
Um salto de alguns meses levou Gevaerd, em meados de abril de
2005, a formar, bastante animado, uma comissão, desta feita para
fazer uma visita à Aeronáutica, em Brasília. Os militares estariam
também “entusiasmados” e o histórico encontro seria coberto pela
imprensa, inclusive pelo programa “Fantástico”, da Rede Globo.
Surpreendentemente, o major foi se encontrar com o produtor e
editor do programa, o jornalista Luiz Petry, no Rio de Janeiro, “para
definir o protocolo do encontro”, marcado para 20 de maio daquele
ano, data em que, dessa maneira, “as coisas mudariam para a
Ufologia Brasileira”. Em Brasília, quando gente importante do
Ministério da Defesa, da Aeronáutica, do Comdabra e do Cindacta
receberia os ufólogos, teria sido garantido que a Aeronáutica iria
abrir todos os seus arquivos para acesso “a absolutamente tudo”. O
major porta-voz do Centro de Comunicação Social afirmara que a
Aeronáutica não somente fazia questão disto, como desejava que os
ufólogos fossem bem recebidos e vissem tudo o que desejassem.
Gevaerd ressalta em e-mail que o major dissera que seus superiores
esperavam que daquele encontro saísse uma comissão mista de
investigação ufológica no Brasil.
Coincidentemente, na ocasião outros segmentos da sociedade
andavam concitando as forças armadas ao esclarecimento público
sobre diversas outras questões bastante sérias. Entidades dedicadas à
prática dos direitos humanos buscavam diariamente a liberação de
informações da época da repressão, quando o governo militar teria
cometido atos de sequestro, tortura e morte.
O assunto estava tão efervescente que levou à queda do ministro
da Defesa, José Viegas e à queima de documentos sigilosos em
Salvador, amplamente noticiada pela imprensa. Além do previsto na
Constituição Federal, estava para ser sancionada pelo presidente da
República uma lei derivada da Medida Provisória no 228/2004, que
obrigaria a transparência nas ações, com abertura de registros e
arquivos, da Agência Brasileira de Informações – ABIN – e das
forças armadas. Uma excelente oportunidade para a política de bom

120
relacionamento, claro que salutarmente desejada pelas autoridades!
Uma visita de ufólogos ligaria o imaginário popular a algo bem mais
brando do que o tema das ações do regime autoritário militar
iniciado com a Revolução de 1964, além de ser uma forma de
demonstrar a adesão à política de transparência e de não sonegação
de documentos. Ainda mais se coberta pela maior rede de televisão
do país.
Alie-se a isto a própria suposição da Ufologia de que há ações e
documentos, ligados ou não à segurança nacional, por parte das
forças armadas, que manteriam arquivos secretos sobre discos
voadores, com a atuação de uma espécie de “governo paralelo”.
Obviamente, se isto existira ou ainda existe, não seriam movimentos
populares e de órgãos privados, ou mesmo oficiais, que fariam
“tudo” e alguma coisa de secreto vir a público. Nem ordens judiciais
conseguiriam tal intento.
Basta pensarmos num habeas data – procedimento judicial que
visa a abertura, por entidades públicas, de dados e informações que
possuam das pessoas – concedido pelo Poder Judiciário a alguém.
Ou numa ordem judicial de revelação de informações e documentos
alegadamente secretos, dirigida à Força Aérea, a respeito de discos
voadores. Que conteria, em resumo, a obrigação de “entregarem à
leitura e à cópia, de arquivos, projetos e procedimentos tomados por
esta Arma no que diz respeito a Objetos Voadores Não
Identificados”, aos requerentes, à imprensa e a todos os interessados.
Bastaria uma defesa singela por parte das forças armadas, no
sentido de que os postulantes especificassem, indicassem e
demonstrassem a existência de tais documentos, sua procedência,
seu paradeiro, número, detalhes, datas, enfim, seu conteúdo, tudo o
que relacionasse quais documentos. A probabilidade de que a ordem
judicial fosse emitida seria praticamente nenhuma. Já no caso da
expedição de uma ordem liminarmente, que então conteria a
referência genérica a “quaisquer documentos e registros sobre Óvnis
que houver” redundaria num autêntico fiasco judicial – o oficial de
justiça cumpridor do mandado voltaria para justificar que “nenhum
documento neste sentido foi encontrado ou exibido”. A não ser que
os ufólogos acreditem que o tal “governo paralelo” não o seja, e
mantenha tudo bem organizado ao acesso livre de quem, munido de

121
uma ordem judicial, possa encontrar documentos secretos,
acobertados, escondidos nas gavetas dos primeiros armários que
encontrar. O contrassenso na e da Ufologia é notável!...
Uma semana antes do encontro em Brasília, a revista Isto É o
antecipou, com entrevistas de ufólogos. Raras notícias na imprensa,
bastante discretas, foram dadas, antes e depois, também pela mesma
revista e pelo jornal Folha de São Paulo. Outros ufólogos da linha
orgulhosamente chamada “mística” resolveram escrever para a
Aeronáutica, exigindo o mesmo tratamento e que também fossem
recebidos, o que mereceu a plena aquiescência do Órgão. A
exclusividade da cobertura praticamente ficou com a Rede Globo
através do programa “Fantástico”, que no domingo seguinte à visita
dos ufólogos a Brasília levou ao ar extensa matéria.
A reunião aconteceu na sede do VI Comando Aéreo Regional,
onde ficam o Cindacta I e o Comdabra. Os oficiais militares
receberam os ufólogos com toda a simpatia, ouvindo deles alguns
improvisados discursos e manifestações de apreço, que também
reprisaram os mesmos esclarecimentos antes passados em nota
oficial. Ainda lhes foram entregues cartas com o manifesto da
Ufologia Brasileira, que tanto comentamos. Mais uma vez dizia-se
que o chefe do Centro de Comunicação Social da Aeronáutica fora
destacado pelo alto comando da Aeronáutica para recebê-las em
nome do presidente Luís Inácio Lula da Silva, do ministro da Defesa
José Alencar e do comandante da instituição Luiz Carlos da Silva
Bueno
Outra vez a insistência por não se entregar o que quer que fosse a
seus reais destinatários, nos órgãos e repartições apropriadas. Pelo
menos ao Comandante da Aeronáutica foi destinada uma carta
direta, firmada no próprio dia 20 de maio de 2005. Permanece até
hoje sem resposta, talvez porque seu destinatário tenha-se
preocupado em excesso com a assustadora afirmação que seus
subscritores não resistiram deixar de incluir ao final: A Comunidade
Ufológica Brasileira crê que, mais do que uma recomendação, essa
seja uma necessidade frente ao avanço da ação extraterrestre em
nosso mundo... O grifo é nosso.
Os resultados foram fáceis de escriturar. Os ufólogos ouviram
dos militares carinhosos elogios, demonstração de simpatia e a

122
confirmação de que possuíam alguns arquivos com notícias de
fenômenos deste tipo desde 1954. E só! Após a amigável e agradável
recepção foram levados, acompanhados pelas lentes da Rede Globo,
a uma sala onde havia um armário de arquivo do tipo pasta suspensa.
Abertas as duas últimas gavetas, várias delas acusavam relatórios
sobre notícias e registros de ocorrências ufológicas. Um arquivo e
duas gavetas.
00Foi então informado aos presentes que bastaria o requerimento,
dirigido ao setor e autoridade competentes para terem acesso às
pastas, para cópias, coletas de dados e tudo mais que desejassem.
Isto não foi feito. Nada foi requerido até o momento em que
redigimos este modesto livro. O que mais se poderia esperar?
Aqui está. Podem copiar à vontade. Nada mais temos. E com
a imprensa de testemunha...

Por dignidade, justiça seja feita, a campanha continua. Ou


melhor, voltou à velha aspiração. Hoje, os ufólogos que a encabeçam
continuam a sua luta incessante, com boa dose de decepção, bom
ressaltar. Os ufólogos brasileiros foram submetidos a uma técnica
militar conhecidíssima, a chamada ´operação esvaziamento de
pressão´ , trouxe a revista UFO em uma de suas últimas edições,
conforme “um oficial da ativa” definira recentemente o que
significara o encontro em Brasília com a FAB. O círculo vicioso,
assim, continua girando. Onde está nossa resposta, presidente Lula?
Insiste a Ufologia. O que fora amplamente divulgado e afirmado
como uma parceria com a Força Aérea, com a Aeronáutica
reconhecendo finalmente o papel dos ufólogos, e abrindo seus
registros secretos e incalculavelmente reveladores, teve a batalha, o
anunciado “evento histórico”, encerrados desta forma.
O leitor, atento, deve ter percebido um pequeno hiato temporal,
de fevereiro a maio de 2005, entre a promessa de recepção dos
ufólogos em Brasília e a efetiva designação da data para o encontro
na Aeronáutica. Recorda-se também que o major porta-voz foi ao
Rio de Janeiro para combinar com o respeitado produtor do
“Fantástico” a pauta da reunião. Chamou muito a atenção,
identicamente, o modo isento com que o Centro de Comunicação da
Aeronáutica encarou o artigo rígido do idealizador da campanha e a
brusca e completa mudança de postura deste, quando de pronto
123
começaram a cogitar da visita dos ufólogos. Como dizíamos, a
pressão de segmentos civis sobre as forças armadas incidia com
temas socialmente mais graves do que o suposto acobertamento de
eventos envolvendo discos voadores. Na última quinzena de
dezembro de 2004 a imprensa descobriu que arquivos do antigo
DOPS – Departamento de Ordem Política e Social e do então SNI –
Serviço Nacional de Informações, hoje substituído pela ABIN,
estavam sendo clandestinamente incinerados.
Os correspondentes da Folha de São Paulo na Bahia, Eliane
Catanhêde e Iuri Dantas escreveram, em 19 de dezembro de 2004,
que peritos da Polícia Federal informaram ao governo que certos
documentos referentes ao regime autoritário militar, que imperou de
1964 a 1985, foram encontrados parcialmente queimados na Base
Aérea de Salvador. Contudo, não estavam arquivados nela, mas
teriam vindo de fora e introduzidos na Base não se sabe por quem.
O fato foi comunicado pela Polícia Federal aos Ministérios da
Justiça, da Defesa e ao Comando da Aeronáutica. Algumas cópias
foram salvas do fogo e continham carimbos de “secreto” e
“confidencial” de diversos órgãos governamentais, inclusive da
própria base. Havia documentos dos serviços de inteligência da
Força Aérea, da Marinha e do Exército, referentes a movimentos
estudantis, feministas, comunistas e de ações terroristas. Outros
documentos foram encontrados em um saco plástico, próximo das
peças queimadas.

Atente agora para este trecho da matéria na Folha de São Paulo:


A informação repassada pela PF a escalões superiores foi
recebida com alívio, especialmente no Comando da Aeronáutica,
porque as suspeitas mais fortes desde o início do caso – com a
divulgação pela Rede Globo da destruição dos papéis, no domingo
passado – são as de queima de arquivo comprometedor pelos
próprios oficiais da base.

E mais este texto, que encerra a notícia:


Antes da descoberta dos papéis queimados na Base Aérea de
Salvador, a Aeronáutica garantia que não tinha documentos. Na
versão da Força, eles teriam sido destruídos, num total de 30
toneladas, durante um incêndio no aeroporto Santos Dumont, no
Rio de Janeiro, em 1998.
124
Em dezembro, a Rede Globo iniciara o noticiário deste fato
constrangedor. Em fevereiro do ano seguinte, teria vindo a calhar o
“embate” entre a Ufologia e as declarações do major porta-voz do
Centro de Comunicação Social da Aeronáutica. Salvo engano, a
Globo resolvera não continuar batendo na tecla da queima e da
implantação de documentos comprometedores na Base Aérea de
Salvador.
A aliviadora investida dos ufólogos teria sido oportuna, ou fora
propositalmente aproveitada para desvio de atenção e ao mesmo
tempo para “compensar” um programa televisivo de domingo com
um fato inédito e tão chamativo quanto a “abertura” de arquivos
envolvendo Objetos Voadores Não Identificados? Pode ser. Ainda
mais se considerarmos que, tanto na época quanto agora, de tantas
transições e mudanças de atitude política e administrativa, não
convém que um órgão de comunicação fique destacando fatos que
remoam um passado bastante maculado.
Afinal, a queima clandestina foi registrada e tornou-se objeto de
Inquérito Policial Militar, tendo o Ministério da Defesa reivindicado
a concentração de todo documento deste tipo para a sua própria sede,
o que significa que o Governo não fez vista grossa e iniciou a
tomada de providências que lhe é de obrigação.
De qualquer forma, praticamente não mais se falou na imprensa
sobre a tentativa de destruição de documentos, a Aeronáutica
mostrou-se receptiva aos interesses do “Fantástico” na cobertura do
contato dos ufólogos com os registros sobre discos voadores
existentes em Brasília, e todos ficaram satisfeitos.
Pouco tempo depois, outro programa da TV Globo, “Linha
Direta”, levou ao ar um documentário teatralizado de qualidade
comparável aos caros trabalhos de grandes redes internacionais de
televisão, representando as principais ocorrências que envolveram a
Operação Prato na Amazônia, revelada pelo coronel Hollanda. A
audiência atingiu níveis extraordinários e fez com que até alguns
céticos ficassem espantados. Com as recentes repercussões dos
programas que destacaram a visita dos ufólogos à Base da
Aeronáutica em Brasília e os estranhos fatos compilados pela
Operação Prato, a produção do “Linha Direta” solicitou maiores
esclarecimentos à Força Aérea.
125
O ofício recebido repetia os argumentos enviados à revista UFO
em fevereiro de 2005. Destacou ainda que a visita de ufólogos ao
Cindacta I e ao Comdabra, em 20 de maio daquele mesmo ano,
aconteceu por iniciativa do Centro de Comunicação Social da
Aeronáutica (grifos nossos) e teve como objetivo mostrar a um
grupo de ufólogos o trabalho da Força Aérea Brasileira na área de
defesa e controle do espaço aéreo nacional.
No que diz respeito à Operação Prato, a nota esclareceu que o
Comando da Aeronáutica possui apenas registros baseados em dados
que teriam sido repassados por um dos participantes dessa atividade,
e que foi produzido um relatório com diversos depoimentos,
aparentemente sem fundamentação científica. Os mesmos termos de
anteriormente. Desta maneira estacava-se a euforia e o tom informal
fraterno que marcara a troca de combinações entre o porta-voz do
Centro e o editor da revista.
O retrocesso parece não ter minado de todo o ânimo dos
ufólogos. Eles continuam aguardando o fascínio que uma súbita
revelação do Governo lhes possa proporcionar. Iniciativas variadas
continuam acontecendo enquanto os meios oficiais e acadêmicos
prosseguem no aguardo de algo maduro, sério e concreto, por parte
da Ufologia. Em agosto de 2005, seis listas de discussão pela
internet, com milhares de assinantes, receberam um correio
eletrônico do ufólogo Francisco Baqueiro, para revolver a atuação
dos colegas. Ele convidava para a composição do que chamava de
“GRENA” – Grupo de Resistência a Extraterrestres Negativos e
Agressivos:

Sabemos que nem todos os ETs são assim, porém existem os que nos
querem como hambúrguer, gado de corte, suplemento alimentar ou que
quer que seja... este movimento que estou começando agora tem como
finalidade...bolarmos uma forma de resistirmos caso isso venha a
acontecer e ajudar pessoas que estejam sofrendo ataques desse tipo.

Se uma iniciativa desse tipo obtiver resultados, quem sabe a


Ufologia não os apresenta, um dia, ao Supremo Mandatário da
Nação, ao ministro da Defesa, ao Comando da Força Aérea, após
conseguir o aval e o referendo de grandes universidades e centros de
pesquisa. Sempre para fundamentar, de forma válida e aceitável, o
126
pleito de admissão pública de que o sigilo existe, que o Estado sabe
da invasão de alienígenas e que, ainda bem, estamos sendo visitados
por Ets “negativos” e por “positivos”...
Crítica não pode ser exageradamente pragmática. Os autores
desejam registrar que perceberam, na iniciativa dos ufólogos
idealizadores da campanha mencionada neste capítulo, mesmo que
por métodos ineficazes, a melhor das intenções, estimulada,
independentemente de tudo, pela busca de um ideal que, por ser
subjetivo, merece sincero respeito.

127
De como o extremismo pode estar abalado

Triste não é mudar de ideia.


Triste é não ter ideia para mudar.

Barão de Itararé

Recentemente, cientistas bem preparados aventuraram-se pelas


sendas da Teoria da Evolução, transpondo-a também para o terreno
social. Isto representa um dos mais recentes e significativos
inconformismos dos “intolerantes” homens de ciência. Há, nos
meios acadêmicos, uma tendência quase unânime de se considerar
“ciência” apenas a área das ciências naturais, como Física, biologia,
química. Portanto, somente é ciência – na evidente ideologia de
alguns – aquele campo de estudo que comporte cálculos e análises
laboratoriais diretas do seu objeto de pesquisa. Quando se fala em
humanas e em sociais, surge certo desdém, quase uma rejeição.
Este comportamento “de direita” nas ciências é absolutamente
normal e parece ser inquestionável para aquela maioria na qual a
ciência séria não permite ultrapassar o campo das naturais.
Exemplo: em um debate promovido pela Rádio CBN de Campinas
em que um dos autores se fez presente, o médico legista Fortunato
Badan Palhares57 comentou que um incidente como o ocorrido em
Varginha só seria viável de demonstração se tivesse sido realizada
uma pesquisa laboratorial, com as devidas análises de ordem
biológica e outras, e que, portanto, somente a ciência poderia prová-
lo. Enquanto isto não ocorresse, as alegações de que os militares
capturaram algo vivo permaneceria no campo da mera especulação.
Perguntado pelo autor quanto a este particular – de qual ciência
afinal estávamos falando – uma vez que comentávamos eventos e
fatos envolvendo testemunhas de diversas ordens, repercussão,

57
Que os investigadores do Caso Varginha afirmam ter participado do processo de
acobertamento de “criaturas” capturadas por militares naquela cidade mineira, em 20 de
janeiro de 1996.
128
reação, inclusive sociais e comportamentais, o interlocutor guardou
silêncio.
Com aquela brevíssima explanação inicial queremos chegar, caro
leitor, a um dos principais enfoques deste livro: haverá um dia uma
aproximação da Ufologia com as ciências? É possível pensar em
uma aliança de interesses, com ambas as partes dispostas a uma justa
troca de conhecimentos? Pouco provável. Mais certo é que estas
últimas passem a “tomar conta” da questão, o que, aliás, seria – é – o
mais recomendado e desejado. No entanto, pode estar ocorrendo um
meio-termo entre este ainda incipiente estudo e os cientistas mais
pragmáticos porque, como insinuado, certamente já ocorre no meio
científico. O que antes era inadmissível muda a passos rápidos.
As ciências naturais vêm admitindo maior interação com as
sociais, na coerente linha da interdisciplinaridade. O filósofo Daniel
Dennett, diretor do Centro de Estudos Cognitivos da Universidade
de Tufts, Estados Unidos, fervoroso simpatizante da Teoria da
Evolução, defensor da inclusão das ciências sociais no pensamento
darwinista, declarou, para a revista Der Spiegel, em entrevista a Jörg
Blech e Johann Grolle, publicada em 27 de dezembro de 2005:

Creio que podemos, devemos, e até mesmo temos que seguir essa rota.
Outros dizem que não, que devemos nos manter afastados de certas
áreas, que não se pode permitir que a Teoria da Evolução chegue perto
das ciências sociais. Creio que este é um conselho terrível. A ideia de
que devemos proteger as ciências sociais e a humanidade do
pensamento evolucionário é uma receita para o desastre.

Até porque, em sentido conotativo, isto é mesmo uma evolução


do pensamento. Inclusive Dawkins58, encastelado em seu rígido
ceticismo, admirou-se por Darwin pensar no quanto as suas ideias
lançaram luz em diferentes campos. Agora surge outro representante
do chamado “meio-termo”, ainda que nem se aproxime dos
interesses da Ufologia. Ele vai além do que fez o consagrado Carl
Sagan. Trata-se do astrônomo norte-americano David Grinspoon,
que, sem preconceitos, declarou a plena possibilidade da existência
de vida extraterrestre e, pelo que se deduz de seu pensamento, até de
vida inteligente. Grinspoon se torna um autêntico representante do
58
Dawkins, R.; op cit p. 115.
129
pensamento popular transposto para o científico. Sua obra Planetas
Solitários – A Filosofia natural da vida alienígena59 traz logo na
abertura o seguinte:

Um livro que resumisse tudo o que sabemos sobre vida alienígena


conteria uma única palavra: nada. Consegui acrescentar outras 150
mil, seguindo nossas buscas por alienígenas através da história, ciência
especulativa, Filosofia e fantasia.

Grinspoon, diga-se de passagem, tem cacife para falar do assunto,


afinal, foi colega de Sagan, sua avó era amiga de Isaac Asimov e ele
mesmo, consultor da Nasa, colaborou na execução do primeiro mapa
detalhado de Vênus.
Geralmente, alguém interessado em vida extraterrestre defende a
ideia de que o universo é grande demais para que somente a Terra
comporte vida. Uma frivolidade inexistente nas palavras do
astrônomo:

Com base no tamanho do universo e na quantidade de planetas, seria


uma loucura a evolução não ter ocorrido em outro lugar e resultado em
outras espécies inteligentes, até mais do que nós. Talvez, para eles, nem
sejamos considerados inteligentes. Tendemos a pensar na vida como a
conhecemos baseada em carbono, mas acho que há mais variabilidade
biológica no universo do que podemos conceber.

O astrônomo faz parte de uma moderna hoste de pesquisadores


cujo extremismo parece não mais surtir efeito. Que não se acredite,
no entanto, que ele esteja “corroborando” a Ufologia, pois
certamente não está. O senão é que a Ufologia tornou-se, no Brasil e
no mundo, uma declarada apologia à imaginária incursão de naves
espaciais, tripuladas por seres dotados de insondável tecnologia.
Grinspoon, todavia, é elegante e mais uma vez demonstra seu total
desinteresse por negações apriorísticas, porque simplesmente
desnecessárias:

59
Globo, RJ, 2005.
130
(...) Acho possível que o universo esteja cheio de vida inteligente.
Porém, se você me perguntar se os Óvnis avistados são naves espaciais
alienígenas, eu diria que não.

Sem desprezar a principal justificativa para a falta de um suposto


contato com civilizações de fora, qual seja, a absoluta ausência de
indícios, evidências e provas de que algumas delas possam estar
vindo até aqui, Grinspoon diz, no mesmo tom do pensamento vulgar,
por vezes até possivelmente correto por simples intuições:

Eles podem saber de nossa existência, mas não nos deixam perceber,
pois sabem que o contato entre civilizações diferentes é frequentemente
um desastre para a menos avançada. Outra hipótese é que eles até já
tenham estado aqui, mas não sabemos como reconhecê-los. Porém,
acho mais possível que não estejam interessados em nós, porque, em
comparação com o que há lá fora, talvez não sejamos avançados para
despertar interesse.

Com base nessas suas informais suposições, os defensores da


ufoarqueologia diriam que Däniken, Kolosimo, Sitchin e parceiros
talvez não estivessem de todo equivocados. E que os sociólogos,
tábua de salvação dos alegres contactees costumeiros, podem mesmo
ter suas assertivas utilizadas em favor do eterno silêncio que nos
deixa à mercê da arrepiante sensação de estarmos sim, sós no
universo. E o astrônomo ainda fala que mal conhecemos Marte,
Vênus, satélites de Saturno e de Júpiter, em favor da possibilidade de
existir vida por lá. Até da Lua, em que destaca a provável existência
de água e de condições de vida pouco abaixo da superfície.
Contudo, a diferença reside exatamente em simples questão de
lucidez científica e, mais raramente, até popular. Enquanto a grande
maioria dos ufólogos desesperados à cata da tão almejada revelação
definitiva não hesita em afirmar que “está mais do que provado que
são naves extraterrestres” – com a prova, é claro, vislumbrada
apenas em seu decantado idealismo – um cientista como aquele
apenas não debocha de uma simples construção de pensamento em
torno dessa possibilidade. Em consequência, o passar do tempo
inicia uma esperança – a de que certas ciências possam, lenta e
metodicamente, enxergar a mesma possibilidade como objeto de sua
dedicação. E isto, ao que parece, acontecerá por parte daqueles que
131
estão no campo intermediário entre os excessivamente pragmáticos e
os totalmente omissos, mas não vai acontecer por ação da Ufologia
em virtude dos rumos por ela tomados.
Impossível esperar que o contingente acadêmico abra seus
olhos e apure seus ouvidos para uma Ufologia que não tem mais
jeito, a não ser que esta recomece do zero, o que, sinceramente, pelo
andar da carruagem, não apostamos um tostão furado. Onde, aliás, se
encontra desde o começo e não quer admitir. O que prever da reação
de um cientista, um cético ou um acadêmico quando, ao pesquisar
nas publicações ufológicas algo que faça despertar seu interesse,
encontre alegações surpreendentes como a de que o ufólogo precisa
“abandonar o ego para entrar em sintonia” com o fenômeno, como
alardeiam vários ufólogos famosos no Brasil e no exterior? Atente o
leitor para o equívoco clássico, elementar e indesculpável, de o
pesquisador confundir-se com o objeto pesquisado, como vimos em
capítulo anterior.
Ou deparar com a narrativa de que não foram poucos os
momentos em que realmente senti a presença de alguma coisa muito
forte, ou mesmo de alguém, que de uma maneira ou de outra parecia
apoiar meu trabalho e até mesmo dirigi-lo, criando um rumo para
minhas buscas, como afirmou o ufólogo Marco Antonio Petit. Só
falta entoar uma adaptação do Salmo 23: O Et é meu pastor e nada
me faltará. O que pretendem tais ufólogos? Não se discute o direito
que lhes cabe – o de emitir opiniões, expor crenças, exprimir com
sinceridade o que é produzido por seu psiquismo, por suas emoções.
Isto resume o que pretendem, segundo a própria palavra de quase
todos. Mas... o que seria na verdade? Depende do enfoque.
Um psicólogo nada diria sobre “a verdade do fenômeno Óvni”
diante de tais declarações ou a partir desse tipo de comportamento.
Diria o que lhe compete, o que não nos cabe neste livro. Um
psicanalista não tentaria decifrar que tipo de criatura ou entidade
estaria por detrás das palestras e dos estudos de um ufólogo, a fim de
conduzir ou apoiá-los. Muito provavelmente tentaria ajudar o
ufólogo a ter noção do que se passa em seu inconsciente, a ponto de
ativar tais “sensações” tão concretamente. E ambos os profissionais
dariam um aviso aos amantes dos chavões do modismo misticoide
de atualmente – abandonar o ego: tenha seu ego desestruturado por

132
um processo neurótico crescente ou por insistentes tentativas de
fuga e desamor pelo pensar sóbrio, abandone o seu ego... que nós,
sem pestanejar, o encaminharemos a um psiquiatra.
E a iminente possibilidade de internação se torna ainda mais real
quando tal comportamento descamba – literalmente – para “escutas
telefônicas” e “perseguições dos homens de negro”. No primeiro
caso, o jornalista e ufólogo Aldo Novak defende a existência da
“Operação Echelon”, uma rede mundial altamente secreta de centros
de espionagem destinada, entre outras coisas, a grampear conversas
telefônicas de ufólogos, rastrear seus e-mails e toda forma de
comunicação. De acordo com as informações, o Echelon poderia ter
acesso à (sic) quase todos os telefonemas feitos no mundo, à maioria
das transmissões de fax e, mais recentemente, até aos e-mails de
determinadas pessoas.
Talvez não seja tão secreta assim, já que seu autor divulga fotos
de algumas dessas bases na Inglaterra, Austrália e Alemanha, por
exemplo. E mais: Descobriu-se que, por meio do Echelon, a NSA –
National Security Agency – monitoraria constantemente também
todas as transmissões de rádio e televisão, conversas em walkie-
talkies e até mesmo as transmissões dos rádios usados nos berços
das crianças, as chamadas babás eletrônicas. Isso é que é um
“Grande Irmão” de deixar Orwell morrendo de inveja. É de uma
insanidade total crer que inocentes crianças dormindo em seus
berços sejam tão perigosas quanto um líder terrorista à solta. Não
descartamos a existência de uma rede global de espionagem, mas daí
a ficar na escuta de ufólogos e vigiar correspondências é extrapolar
os limites do bom senso muito além da conta.
Para o segundo caso, o trauma da conspiração continua: ufólogos
e testemunhas seriam seguidos ou monitorados à distância por
personagens conhecidos como “homens de negro”. Esses soturnos
indivíduos estariam a mando de alguma “instituição militar” ou
“serviço de inteligência” ou até mesmo outros serviços “não-
oficiais”, com o firme propósito de obstruir, desinformar,
contrainformar, desacreditar ou contradizer as investigações
ufológicas civis, “silenciando” testemunhas por bem (compensação
financeira) ou por mal (complicadores para a vida profissional).

133
Já na década de 70, e provavelmente muito antes disso, se ouvia
falar, cada vez com mais insistência, que pesquisadores estavam
sendo seguidos quando saíam a campo nos seus ofícios. Quando não,
eram acintosamente abordados durante uma investigação,
interpelados e advertidos de que seria melhor que deixassem de lado
a pesquisa, para o seu próprio bem. Vá lá que possam até existir,
mas se tornaram peça ficcional por excelência. O exemplo mais
“recente” data de janeiro de 1996, envolvendo as jovens testemunhas
do Caso Varginha, e comentamos aqui com alguns detalhes para dar
uma visão mais ampla dessa questão.
Em abril daquele ano, D. Luzia, a mãe de quatro meninas, duas
delas envolvidas no caso, recebeu, tarde da noite, a “visita”
inesperada e inoportuna de quatro homens bem vestidos que em
nenhum momento se identificaram. Educadamente, mas com firmeza
e autoridade, insistiram na necessidade de as três garotas
urgentemente voltarem atrás nos seus depoimentos públicos.
Deveriam gravar uma entrevista de televisão, “não nas pequenas
emissoras locais”, pois eles pretendiam manter os depoimentos em
sigilo e divulgá-los através de uma grande rede de TV como se fosse
um “furo” de reportagem. Elas deveriam dizer que cometeram um
engano, que não haviam avistado o que diziam, e de nada tinham
certeza60.
Uma substancial soma em dinheiro seria depositada na conta-
poupança daquela senhora, suficiente para a independência
financeira da família. A coação, explícita e à queima-roupa, deixou a
mulher amedrontada e constrangida, até porque eles sabiam das
dificuldades econômicas da família para quitar dívidas com o imóvel
que habitavam. Fica claro que, a ser verdade, a mãe das garotas foi
visitada por aqueles a quem a casuística ufológica denominou de
“homens de negro”. Vale lembrar que o adjetivo “negro” sempre
carregou uma conotação negativa, depreciativa, algo como
“representante do mal”, bem de acordo com a literatura de terror e
ficção. Drácula vestia negro. Darth Vader também. Geralmente os
vilões são caracterizados com roupas desta cor, salvo raras exceções.
Mas nem sempre estes personagens vestiram roupas escuras,

60
Rodrigues, U. F.; O Caso Varginha, Grupo Editorial Paracientífico, MS, 2000.
134
inclusive neste caso, onde consta que na primeira aparição dois deles
vestiam ternos claros.
Nova tentativa foi feita em janeiro do ano seguinte, desta vez de
forma ainda mais ostensiva – de madrugada. Quando a mulher
voltava do trabalho, um carro se aproximou e um de seus ocupantes
intimou-a a aceitar uma carona. Afastados do perímetro urbano,
travaram uma conversação nervosa e, como da vez anterior, a
imposição para as filhas reconsiderarem os depoimentos – tudo não
passara de uma fantasia das meninas – que seria compensada por
uma vultosa quantia em dólares. Vocês dirão que foram os ufólogos
que afirmaram que se tratava de um ser de outro planeta61. Ao fim
do encontro, uma troca de perguntas foi interrompida pela
advertência: A senhora está fazendo muitas perguntas. Quem faz
perguntas aqui somos nós.
Quem seriam aqueles sujeitos? Por que tanta insistência em
dissuadi-las a continuar com a história? Por que táticas – calar a
boca – e estratégias – recompensa financeira – não surtiram o efeito
desejado? Por que Luzia não cedeu à tentação de ter a sua vida
resolvida mediante uma conversa com as filhas? Salientamos que
havia uma forte relação entre elas. Honestidade de princípios, pura e
simplesmente? Medo de que após o desmentido aqueles homens não
cumprissem o combinado? Receio de que o “acordo” fosse
descoberto e ela tivesse que passar por outra humilhação? E, por
último, algumas perguntas perturbadoras: Teria D. Luzia recebido
mesmo a visita daqueles homens? Ninguém, além dela, presenciou
os encontros. Devemos confiar, de novo, apenas em um depoimento
isolado? O que teria a ganhar inventando essa história, a mesma
notoriedade das filhas? Mais uma vez a Ufologia se atola em
reticências. No papel de advogado do diabo, tentaremos responder a
algumas questões.
Todos os detalhes deste incidente estão no livro mencionado.
Quem buscar tais minúcias irá perceber dois aspectos de suma
importância para a análise e o estabelecimento de hipóteses.
Primeiro, Luzia é uma senhora jovial, de muita energia, e convivia
com as duas filhas de maneira bastante apegada e com forte ligação,
uma adolescente de 14 anos e outra adentrando a juventude no viço
61
Ibidem
135
dos 16 anos à época. Para completar essa boa relação, Luzia
convivia diariamente com a terceira mulher que observara o “ser”
encostado ao muro, Kátia, já casada e com três filhos, também
jovem, de quem Luzia era confidente e mantinha estreitos laços de
amizade.
Cabem aqui algumas considerações importantes. Atente o leitor
para o fato de uma senhora casada, que à época lutava com enormes
dificuldades, quatro filhas mulheres e na convivência com uma
amiga, espécie de protetora das filhas. Nossa hipótese é de cunho
estritamente psicológico: uma necessidade premente de apoiar o que
filhas e amiga tinham avistado, e subitamente se tornado alvos de
comentários pelos mais diversos estratos sociais, não apenas da
cidade, mas do país, além do assédio cada vez mais crescente da
imprensa nacional e internacional. Possivelmente, o seu
envolvimento, enquanto apenas depondo sobre a honestidade das
três, tornava-se inócuo e efêmero. Em entrevista exibida pelo Canal
Discovery, Luzia, evidentemente com toda a razão de mãe, desabafa:
Minhas filhas não são de mentir e somos gente honesta. São
meninas muito religiosas e estão falando a verdade. Disto, eu dou a
minha palavra. A ingenuidade revestiu-se de probidade e da ânsia de
uma mãe ver a narrativa das filhas valorizada.
Entretanto, sabem os psicanalistas e psicólogos que há, sempre,
um forte componente subjetivo em momentos assim, que se mescla
com a simples intenção de testemunhar a verdade alheia. Uma forma
de projeção, em que o próprio indivíduo deseja compor o fato, como
se ele incorporasse aquele que pretende proteger. Comportamento
este com um segundo fito – o desejo de participação no evento,
ainda mais pelo fascínio da nunca antes sonhada presença em
programas de televisão e ter a face estampada nos maiores jornais.
Um comportamento assim caracteriza outra “testemunha indireta” do
Caso Varginha, envolvida no assunto da morte do policial que teria
apanhado a segunda “criatura” capturada.
A irmã deste resolvera participar diretamente das declarações
públicas a partir de uma entrevista coletiva, a qual compareceu
espontaneamente, sem convite. Antes limitando-se a referendar
algumas informações dadas pelos pais a respeito das atitudes do
policial à época dos eventos, passou rapidamente a transmitir uma

136
série de informações às quais, claramente, não teve acesso direto,
tais como a postura de negação sistemática do Comando da Polícia
Militar, como se o irmão falecido houvesse lhe segredado a
confirmação de tudo.
Não há nestes comentários qualquer insinuação sobre a
honestidade da senhora em foco, ao contrário, fala-se aqui de um afã
de ampliar a credibilidade de terceiros, e ao mesmo tempo satisfazer
a ansiedade e a angústia por não ter estado presente quando do
momento crucial. Isto é comum em depoimentos, até no âmbito
jurídico. Por isto a testemunha perde seu valor de isenção, quando
tais componentes tornam-se evidentes em ações judiciais. A regra,
de novo, vale para outras áreas. Luzia é testemunho único da visita
dos supostos “Mibs”. Suas declarações precisariam ser referendadas
por circunstâncias que comporiam as provas, mas não foram. Por
outro lado, e para fazer justiça diante de nossa hipótese, não é por ser
único que o depoimento seja inválido. Apenas torna-se menos
contundente na condução das conclusões.
Por que, então, se aquela senhora era tão mal informada das
histórias e vivências a respeito de Ufologia, lançaria mão exatamente
de um ponto comum em tramas envolvendo Óvnis? Aqui,
novamente, entram os ufólogos, com sua considerável parcela de
culpa. Os primeiros e principais investigadores tentaram evitar uma
influência ruim para a pureza da análise dos depoimentos, sem
sucesso, contudo. A enorme repercussão do caso, desde o início,
tornou tal impossível. Do estado de total ignorância sobre o assunto,
Luzia saltou para a absorção atenta, até pelo impacto da curiosidade
e do espanto de alguns comentários comuns entre os inúmeros
entusiastas, de quem recebia constantes visitas.
Mesmo porque, o avistamento das filhas e da amiga estava
envolto no ar de segredo que as próprias investigações dos ufólogos
provocavam, no rumo de que, ao que parecia, a verdadeira
“aventura” das criaturas avistadas talvez estivesse sendo acobertada
por autoridades. Seria natural, portanto, mesmo no caso de ela
jamais ter ouvido sobre os Mibs, que este ar de mistério e sigilo a
influenciasse de tal maneira, que sua lógica permitisse elaborar a
inconveniência de estranhos homens interessados no desmentido das
garotas. A primeira visita teria se dado em 28 de abril daquele ano,

137
portanto mais de três meses após o incidente, tempo mais do que
suficiente para que ela sofresse toda sorte de influência dos ufólogos
e se inteirasse, ao menos superficialmente, do assunto, e a partir daí
efabulasse a história do assédio noturno dos Mibs.
Eis assim, nossa primeira hipótese. Apenas para frisar a alguns
perplexos colegas que, dependendo do que o pensamento conduza,
há outras formas de interpretação que não apenas a participação de
“agentes da conspiração”. Partamos, pois, à outra hipótese. Esta,
pode-se dizer, provocaria um riso farto de grande eco, se um dia
pudesse ser confirmada. Não é para menos. Depois de tantas teorias
conspiratórias, em meio a inúmeras suposições envolvendo a captura
de seres extraterrestres, uma hipótese dessas mostraria o quanto algo
bem mais terreno, e literalmente secular pode implicar em uma lenda
repleta de ficção “tecnológica”...
Aqueles homens falavam firmemente, vestiam-se muito
bem, todos de ternos, dirigiam belos carros e seu comportamento
verbal, nos detalhes, um prato cheio para os psicólogos admiradores
de Skinner62. Ainda que, novamente, tomemos a liberdade de
remeter o leitor ao nosso livro mencionado, O Caso Varginha, para
que não fique na superficialidade da presente narrativa, vamos
relacionar os principais e mais destacáveis aspectos da fala daqueles
inoportunos visitantes. Na primeira visita, passada na residência de
Luzia, seus enfoques foram:

1 – Insistência para as três garotas voltarem atrás em seus


depoimentos.
2 – Para tanto, deveriam gravar em uma rede de televisão não
local.
3 – Na entrevista, diriam haver cometido um engano, que não
avistaram propriamente o que disseram e que não tinham
certeza de nada.
4 – Em troca, a família receberia uma quantia em dinheiro
suficiente para sua independência econômica, a ser
depositada em caderneta de poupança.

62
Burrhus Frederic Skinner, psicólogo norte-americano e professor de Psicologia em
Harvard, criador do que se classificou de “behaviorismo descritivo”, que é uma espécie de
estudo do comportamento.
138
5 – A entrevista seria lançada de forma a desmentir o avistamento
das garotas.
6 – Recusaram com firmeza qualquer possibilidade de se
identificarem.
7 – Prometeram voltar e não permitiram que ela os acompanhasse
na saída.

A segunda visita, a carona forçada, deu-se às duas da madrugada


de 18 de janeiro de 1997. Talvez deliberadamente, na antevéspera do
primeiro aniversário do caso. Eis seus pontos notáveis:

1 – Tratava-se de dois homens de ternos escuros e engravatados.


2 – Exibiram desenhos atribuídos à criatura de Varginha.
3 – Tentaram sensibilizá-la com muita energia, através de uma
constante insistência sobre “olhe só que coisa na verdade é
isto!”.
4 – Bateram sempre na tecla de que aquilo era algo ruim que
precisava ser desmentido.
5 – Que ela não deveria confiar muito nos ufólogos e suas teorias.
6 – Durante o encontro, Luzia pediu, por várias vezes, que eles
pelo amor de Deus,dissessem por que as pessoas não
poderiam saber dessas coisas. E, enfaticamente, de modo
súbito e em tom arbitrário, aqueles homens dispararam –
“Pare de falar pelo amor de Deus a toda hora!”

Quem se inteira dos detalhes do depoimento de Luzia, a respeito


dessa segunda visita, fica pasmo. Impressiona, como ela narra, passo
a passo, todos os instantes daquele quase sequestro, principalmente
as falas de seus interlocutores. Suas declarações fazem parte de uma
fita de vídeo de quase duas horas, colhida em um interrogatório feito
por cinco pesquisadores.
O fato é que o Caso Varginha estourara na mídia em janeiro de
1996, logo quando de uma inesquecível contenda pública travada
entre a Rede Globo de Televisão e os recém adquirentes da Rede
Record de Televisão. Talvez o leitor tenha lembrança disto. A
aquisição da Record pelos associados do presidente mundial da
Igreja Universal do Reino de Deus gerava uma série de polêmicas,
mormente de cunho ético, sobre as teóricas inconveniências de uma
139
facção religiosa, sectária, tornar-se proprietária de uma rede de
comunicações tão bem estruturada.
Mais ainda, a polêmica descambara para o lado da Receita, com
discussões a respeito de insinuadas sonegações por parte da
mencionada igreja evangélica, que na época expandia-se rápida e
enormemente pelo mundo. Passadas as primeiras tempestades
daquele tempo fechado entre Globo e Record/Universal, a bonança
trouxe a público o Caso Varginha, com diárias e sensacionais
incursões da imprensa televisiva, falada e escrita.
Ainda que os ufólogos, com o passar do tempo, divulgassem suas
aquisições em torno da história, insistindo pela ocorrência de um
método de acobertamento de “criaturas” capturadas vivas, o grande
destaque era aquele dado a três garotas – uma adolescente e duas
jovens –, que mostravam energia, naturalidade e simpatia. Mas,
antes de tudo, uma aparente sinceridade que comoveu, de uma forma
ou de outra, todo o país.
Pertenciam a uma classe de baixa renda, no entanto. Pessoas de
situação econômica humilde, ainda cursando o segundo grau de um
colégio municipal, uma mãe com dificuldades financeiras e outra
praticamente sozinha, protegendo as filhas envolvidas em uma
polêmica mundial. Que banquete para “correntes nada interessadas”
que o grande público se sinta fascinado por assuntos deste tipo!...
Ora, mais conveniente ainda seria se as garotas tivessem
concordado com o “desmentido”. O grande apoio da imprensa, em
nível nacional e mundial, deveu-se primordialmente, a bem da
verdade, ao fato de a Rede Globo de Televisão haver dado ao caso,
por três vezes, em matérias extensas, destaque principal como tema
do programa Fantástico. Para aqueles que não sabem, a audiência de
um programa de televisão aumenta muito além dos índices
considerados de variação normal, registrados pelo IBOPE e por
outros institutos de pesquisa, quando o assunto Ufologia é levado ao
ar.
O tema é tão poderoso para angariar audiência, que é considerado
assunto reservado para épocas de poucas notícias relevantes ou de
eventos que não despertem muito a atenção do público. O Caso
Varginha, então, era muito mais do que isto. Não se tratava de uma
“historiazinha” de pessoas que alegavam ter avistado estranhos

140
seres. Isto acontece a toda hora, a todo instante, em todos os cantos
do mundo. Mesmo que 99,9% não passem de meros enganos ou
fantasia, resta o 0,1% por conta de nossa condescendência.
Mas, neste, três garotas com ar de sobriedade e integridade,
joviais e de comportamento autêntico, ganhavam espaço nas
conversas do dia-a-dia, de norte a sul. Levá-las a uma grande rede de
TV, com uma direta declaração de desmentido, numa verdadeira
“conversão” por parte delas, seria um golpe indireto, porém violento,
na Rede Globo. Por incrível que pareça, elas foram objetos de
entrevistas e temas de reportagens de comportamento, revistas de
moda, de notícias sobre o meio artístico, de encartes infantis em
grandes jornais. Se tivessem concordado, não há como prever aonde
teriam ido parar as consequências de uma contenda desta
envergadura.
Nossos avós diziam – “Em briga de jacu, nhambu não entra”. Por
isto, o coautor deste livro, um dos primeiros investigadores do Caso
Varginha, jamais afirmou que os tais Mibs que visitaram Luzia, que
trajavam bons ternos, falavam com firmeza, andavam em grupo,
teriam oferecido dinheiro, levariam as garotas para uma grande rede
de televisão e insinuara que a mãe não deveria usar o nome de Deus
a todo instante... fossem pastores evangélicos. Pois esta é a nossa
segunda hipótese.
Desde o momento em que a senhora em pauta procurou os
principais investigadores, este autor vem tentando alertar de que a
suposta visita dos estranhos homens poderia comportar explicação
mais simples do que a hipótese conspiratória de “agentes secretos”.
Pouco tem adiantado. Ainda que as duas hipóteses aqui lançadas não
encontrem prova e, enquanto hipóteses, nem confirmadas nem
negadas, se provadas levarão a uma conclusão definitiva,
obviamente, e sejam meramente lançadas a compor um corpo de
explicações, têm o condão de demonstrar que as crenças da Ufologia
não são isoladas.
Na época, lançar tal hipótese seria, então, entrar mui
singelamente na contenda. Como um pequeno inseto que atravessa a
estrada larga, por entre dois rolos compressores. E, sabem os
caçadores da roça, o nhambu é um pássaro bem mais modesto, e
menos raro, que o jacu.

141
Como simples hipótese, que, sem constrangimento, não conta
com qualquer evidência que possa ser confirmada ou correta, esta
segunda pode perfeitamente andar de braços dados com a hipótese
dos Mibs, também muito menos fundamentada. Tal simples
desconfiança parte principalmente do comportamento dos visitantes
da mãe das garotas. Seu linguajar, que chega ao clímax quando
ficam visivelmente irritados quando ela evoca Deus por inúmeras
vezes, é típico de quem lidera a maioria das linhas evangélicas de
cunho fundamentalista.
Agentes secretos, certos de que a simplicidade das garotas e a
modéstia de situação sócio-econômica seriam fatores que as
convencessem facilmente a voltar atrás? Agentes secretos se
preocupariam tanto com as afirmações de ufólogos, que à época
tornavam-se secundárias para a população, diante da negação oficial
e sistemática dos setores militares e outros envolvidos? Agentes
secretos arriscariam confirmar à mãe delas, por meio de desenhos ou
fotos, que as “criaturas” realmente existiam, para então convencê-la
de que não deveriam continuar com seu testemunho público?
Agentes secretos procurariam a patroa da Luzia, como um deles
efetivamente o fez, numa última tentativa de fazer com que sua
empregadora a convencesse? Difícil de aceitar.
Diz o citado Skinner que muitos comportamentos verbais têm a
ver com a ação efetiva. Aqueles visitantes, se a hipótese fosse
demonstrada, não poderiam mesmo dizer de sua origem nem a qual
instituição pertenciam, até terem a certeza de que a família iria
concordar com a proposta, afinal, a cautela evitaria um problema
público desagradável, cujo tiro poderia sair pela culatra. E quase
aconteceu, quando a Sra. Luzia, ao invés de guardar para si e esperar
pela nova visita, logo na manhã seguinte expôs a ocorrência aos
ufólogos, que por sua vez correram à imprensa. Os “Mibs”, em tese,
agiram com prudência. Ainda segundo Skinner,

(...) quando um falante descreve, identifica ou relata acuradamente um


dado estado de coisas, ele aumenta a probabilidade de que o ouvinte
venha a agir de forma bem-sucedida com relação a ele; e quando o
ouvinte olha o falante para obter um aumento de suas capacidades
sensíveis, ou um contato com acontecimentos distantes, ou uma
caracterização apurada de uma situação problemática, o
142
comportamento do falante será mais útil para ele se o controle
ambiental não tiver sido perturbado por outras variáveis.

Tudo poderia estar levando a situação para a pregação de algo em


que aqueles “Mibs” criam, mas ao mesmo tempo com um
comportamento que não denunciasse suas possíveis verdadeiras
origens. Pare de usar o nome de Deus a todo instante!
Esta é a distinção entre fato e fantasia, entre verdade e ficção...,
prossegue Skinner. Da mesma forma quando um falante
intraverbalmente reconstrói instruções, regras de conduta e “leis de
pensamento”, ele aumenta respectivamente a probabilidade de
comportamento prático ético e intelectual bem sucedidos e seu êxito
nisso depende da ´pureza´ das relações de controle63.
Veja estas suposições: três garotas desmentindo, a bem de algo
que se considera “coisa do diabo”, como extraterrestres e
congêneres; e o fazendo por atuação de uma igreja, caso tenha sido
alguma, cujo público jovem é em grande número; retirando de vez a
ideia popular de que extraterrestres haviam aparecido em uma cidade
do interior. Percebeu, leitor? Fantasia por fantasia... Eis a nossa, em
meio aos fantásticos Mibs...
A Ufologia passou a tratar este incidente como “uma tentativa de
suborno das testemunhas civis conhecidas”. Suborno? Dentro da
hipótese, não necessariamente. Se uma grande rede de TV realmente
estivesse envolvida, a proposta teria sido de pagamento, pela
aparição pública em situação contrária àquela já divulgada pela
maior rede do país. Até isto estaria justificado, sem possibilidades de
ser interpretado como qualquer ato desonesto. Luzia não entendera
isto, ou seus visitantes não teriam sido tão claros, a bem de não
serem identificados? Suposições.
Assim prossegue na sua caminhada o literalmente fabuloso
mundo da Ufologia. Neste final de tópico, peço licença para falar na
primeira pessoa64, de forma inédita, já que o autor parceiro não tem
qualquer responsabilidade, antes, agora ou no futuro, com a
divulgação do Caso Varginha. Venho desde o início da grande

63
Citações de B.F.Skinner, O Comportamento Verbal, p. 498, Cultrix, São Paulo, 1978.
64
Ubirajara F. Rodrigues, um dos principais investigadores dos incidentes em Varginha.
143
comoção provocada pelo caso evitando fazer afirmações a respeito
da origem extraterrestre das “criaturas” que o protagonizaram.
Como sempre dito, pela simples total ausência de evidências,
indícios ou provas disto. De minha parte, sempre me interessei pelos
fatos, incluindo sua riqueza de aspectos psicológicos e sociológicos.
Pouca serventia teve. Há textos publicados em jornais, revistas e
páginas da internet, atribuindo-me escritos ou falas que afirmam
tratar-se de “Ets”. Jamais o afirmei.
Durante a repercussão mundial de incomparável interesse, tentar
corrigir artigos, entrevistas, crônicas ou opiniões errôneas, cunhadas
inadvertida e equivocadamente em torno do que de minha parte eu
afirmava, teria sido tarefa impossível, ou que me teria tomado meses
a fio, em prejuízo de minhas atividades profissionais e
relacionamento familiar e social. Esta foi a principal razão pela qual
escrevi “O Caso Varginha” – para que me responsabilizasse tão
somente e exclusivamente por aquilo que tivera sido escrito de
minha própria lavra. De pouco adiantou. Muitos são os ufólogos que
continuam acreditando que minhas convicções se prendem a um
fator extraterrestre ínsito ao episódio Varginha.
Jamais utilizei a expressão “Et de Varginha”, apelido que, mesmo
já consagrado mundialmente, confere aos fatos uma ligação
indissociável com seres extraterrestres. Mesmo assim, em artigos
que publiquei, manchetes e títulos que não escrevi foram grafados
com este sentido. Quanto ao livro, são quase 400 páginas daquilo
que consegui obter, ao lado de vários colegas coadjuvantes nas
investigações. Ele merece profundas críticas que, se nós autores da
presente obra fizermos, parecerá uma espécie de escudo, uma
tentativa de antecipar contraditórios para escapar à própria crítica.
Portanto, antiético. Mesmo assim, encerro minha incursão na
primeira pessoa, com a licença de meu coautor, para esclarecer o que
se segue.
Em 1996, logo após as primeiras investigações do Caso
Varginha, um manifesto foi redigido e assinado por dez das maiores
expressões da Ufologia brasileira, cujos grupos e equipes
acompanhavam a pesquisa em Varginha, publicado em dezenas de
veículos de jornais e revistas, do Brasil e no exterior. Através dele,
nós, ufólogos, declarávamos não haver dúvida de que uma operação

144
envolvendo várias instituições, inclusive militares, culminara com a
captura de criaturas não classificadas biologicamente. Enfatizávamos
que, para-cientificamente, essas criaturas são chamadas de “EBEs” –
Entidades Biológicas Extraterrestres.
A princípio, o intento daquele documento era registrar a
ocorrência e, por falta de melhor nomenclatura, declarar o encontro
de dois organismos teoricamente desconhecidos. Porém, a redação –
e, confesso ainda, de minha autoria – foi clara e não comporta, muito
menos agora dez anos depois, qualquer tentativa de justificativa em
contrário. Afirmávamos a captura de extraterrestres.
Como antes frisava, não adoto a postura de afirmar que o caso
envolvera entidades alienígenas de outros planetas. Todavia, um e-
mail do cético Kentaro Mori, há poucos anos, foi a mim dirigido,
contestando a minha postura. Lembrava-me que, com aquele
manifesto, eu afirmara, sim, e assinara um documento, que em
Varginha tinham sido capturados extraterrestres. Com total razão o
sempre benvindo alerta do cético. Não olvidemos a trave em nossos
próprios olhos, para falar do cisco nos olhos alheios. De fato o fiz.
Penitencio-me a todas as luzes.
E a mania persecutória prossegue nos dias atuais. Basta um
acontecimento sensacionalista expor um ou mais ufólogos para que
estes se sintam “observados” e/ou monitorados, tenham seus
telefones “grampeados”, sua correspondência vasculhada ou
interceptada, mesmo que não possam comprovar. A sensação de
estar sendo patrulhado precisa existir para fortalecer a aura de
mistério. E também o ego.
À parte tudo isto, ou ainda em continuidade aos exemplos de
comportamento estranho que assola a Ufologia, estão tentando,
desde há muito tempo, uma aproximação da Ufologia com a atitude
tipicamente religiosa. Pura redundância. Distanciada completamente
do método científico, a Ufologia já se iguala a uma religião. Nem se
tente justificar que as publicações de suas entidades (quase todas
informais) de pesquisa deem a público também matérias de estilo
científico, porque o que vem sendo regada é a avidez de um público
despreparado e fascinado por questões místico-religiosas. E isto até
alivia os leitores pela mesma razão dos ufólogos – o seu
distanciamento das religiões, sem eliminação do condicionamento

145
que estas lhes impuseram e se tornou permanente – substituindo
crenças e eliminando o respectivo medo de punição. Daí, novo
sincretismo, a ser detectado no futuro pelo sociólogo ou pelo
antropologo. Seres de outro planeta travestidos de espíritos e deuses.
Ufologia misturada com religião. Ou o contrário. Ou tudo isso junto.
Escolhamos um escritor/pregador dos mais conhecidos no meio, a
fim de pouparmos o leitor de inteirar-se dos ainda desconhecidos ou
anônimos, perfeitamente dispensáveis: Jan Val Ellam, pseudônimo
de Rogério de Almeida Freitas, um administrador de empresas e
ufólogo. Ele e outros mais afortunados contam com recursos para
escrever e publicar dezenas de livros, exercendo a prerrogativa de
livre pensamento e expressão, e se o torna público, nos confere, no
mesmo plano, o direito de citá-los e comentá-los.
Exatamente como ocorre com todos os militantes da Ufologia que
convertem ao pensamento dito místico ou transcendental, ele de
repente se vê diante de acontecimentos e reações à primeira vista
incompreensíveis e parte para a sua linha. Foco de dois programas
de rádio, com mais de duas dezenas de livros publicados, sua
mensagem é do tipo “espiritualista”, tanto que também é mentor do
“Projeto Orbum” que trata da “cidadania planetária”! Lidando com a
construção da casuística, através da pesquisa de eventos
aparentemente ufológicos como abduções, relata que para minha
surpresa, uma série de eventos que transcendiam o padrão comum
da ótica humana começou a ocorrer comigo, o que me levou a me
isolar cada vez mais, na tentativa de compreender o que estava
ocorrendo. Acho que só não enlouqueci porque tenho uma dose
suficiente de bom humor para levar adiante os fatos da vida65. Nota-
se, ao contrário do afirmado, o padrão de que subitamente fatos ou
sensações estranhas passam a acontecer, no legítimo instante em
que, na verdade, as tendências se sobrepõem à insistência da postura
racional. E surge a mescla, o sincretismo, pela forma de
racionalização. Nada de novo sob o sol. Está-se diante de alguém
que, como muitos, resolve não mais tratar o tema sob a ótica objetiva
e, em termos, digamos, cientificista.

65
UFO 103, setembro de 2004, p.11, em entrevista para Miriam H. Porto, Reinaldo P. Mello e
Nelson V. Granado.
146
O estudioso em tela de fato é um dos inúmeros ícones para
aqueles que não veem a Ufologia como um tema a ser tratado pelos
métodos ortodoxos ou modernistas. Sim, porque a quase totalidade
dos interessados em “discos voadores”, ao contrário, prega aberta e
veementemente que isto não é para as ciências; que o homem, com
seus métodos convencionais, jamais poderá compreendê-los, e que,
portanto, a singeleza e a cegueira da ciência não estão à altura de
com eles lidar. Isto porque há razões maiores para a incursão, em
nosso mundo, desse estarrecedor fenômeno, qual seja, a tese (sic) de
que a Terra está a ponto de deixar de ser um mundo isolado,
habitado por seres que se encontram em débito para com as leis que
regem a vida cósmica, e por isso, passível de ter no seu cotidiano a
prática de loucuras de todas as classes, sejam elas exercidas pelos
que aqui vivem, como também por alguns que chegam de fora. Nas
exatas, literais e cabais palavras de Val Ellam.
A partir de 1970, uma espécie de trabalho estatístico sem muito
método, mas calcado em cuidadosa observação, foi realizado por
alguns ufólogos que, pelo menos à época, trabalhavam em linha
mais objetiva, apelidada de científica. Constatou-se que o público
escasseava nos auditórios de congressos, palestras e seminários de
Ufologia e as causas não eram as constantes e eternas crises de
conjuntura econômica pelas quais passava o Brasil.
Era o enfoque do fenômeno. Aliás, nem poderia mais o tema ser
tratado sob uma terminologia de fenômeno. Quando se gastavam
vultosas somas de dinheiro, com o patrocínio de grandes empresas
como companhias de aviação comercial, grandes hotéis ou redes de
loja, mas anunciavam-se palestras de cunho cientificista, o número
médio de participantes girava em torno de 150, 200 pessoas.
Agora, se o encontro propagandeava temas como “Quem são os
Ets que nos visitam”, “Contatos Telepáticos com Extraterrestres”,
“Encontros Programados com nossos Irmãos Cósmicos” ou “A
Canalização e o Processo Mediúnico na Comunicação com os
Visitantes das Estrelas”, o sucesso era garantido: a média saltava
para mil, duas mil, por vezes três mil ou mais frequentadores. Era
não, é. Temos a informação de que no Congresso Brasileiro de
Ufologia Científica juntamente com o Encontro Diálogo com o
Universo, realizado na cidade de Curitiba (2006), o anfiteatro,

147
mesmo modesto, teve sua lotação esgotada durante os quatro dias do
evento por uma plateia atenta para ouvir palestras como “Os mundos
subterrâneos” (Terra oca, ainda, e de novo!), “A super onda
galáctica” (o que é exatamente uma super onda galáctica?),
“Hierarquias interplanetárias do sétimo reino – uma abordagem
amasófica sobre a creatura humana numa perspectiva cósmica”
(título rebuscado para um recheio pífio), “A necropsia do ET de
Santilli analisada por um professor de medicina legal da UFSC”, “As
incríveis e inéditas imagens de Ufos em Barbacena (MG) e
Guarabira (PB)”.
Para aumentar a voltagem do evento, foram apresentados
workshops como “Profecias extraterrestres – um alerta à
humanidade sobre o seu futuro”, “Bioenergia e Ufologia” e “O raio
verde negativo e os Ufos”. Seis meses depois, em nova edição, os
temas mais pareciam clonagem explícita: “As profecias: revelações
extraterrestres e mensagens espirituais”; “Segredos da Lança
Sagrada - discos voadores e nazistas na América do Sul”;
“Cataclismas mundiais em 2012 – como sobreviver a eles”;
“Medicina extraterrestre”; “O iminente contato ufológico – a
chegada do mestre Jesus”, entre outros. Para encerrar, “Consciência
segundo mensagens extraterrestres”.
Se essa amostragem não foi suficiente para sustentar o que
estamos alegando, outro evento ufológico, na “mística” cidade de
São Thomé das Letras (MG) abrindo uma turnê por várias cidades
do estado mineiro apresentou, entre outros temas: “São Thomé das
Letras e o mundo subterrâneo” e “Transcomunicação fotográfica ou
mundos paralelos?” para se ter uma ideia da trajetória dos assuntos:
“Extraterrestres em busca do homo-conscientia”; “Ufologia
trilógica: o que falta para o contato?” (apresentada por alguém que
se intitula “pesquisador em metafísica desinvertida” – alguns
acreditam que é caso para camisa-de-força); “Reptilianos – uma raça
secreta no planeta Terra”; “Os humanos como fenômeno cósmico”.
Entre uma e outra, não poderia faltar uma “vigília didática” e,
claro, Óvni flagrado em pleno voo, acidentalmente. Sobre isto,
convém lembrar o que dissemos a respeito do comportamento da
imprensa em relação ao assunto: procurado pelas emissoras de
televisão, rádio e jornal para dar o seu parecer sobre o objeto

148
fotografado durante o colóquio, um dos autores66 descartou a
possibilidade de se tratar de um “UFO trilógico” – como foi batizado
o objeto por um dos conferencistas presentes.
Em razão da reconhecida seriedade do entrevistado pelos
jornalistas, a matéria sequer foi cogitada para entrar no ar, para
frustração, ira, desespero e inconformismo dos simpatizantes
“trilógicos”. Segundo informações que circularizaram (sic) entre os
envolvidos para “interpretar” o que foi fotografado, viu-se de tudo:
beija-flor com um raminho de flor no bico, reentrada de satélite,
abelha voando perto da câmera fotográfica, paraquedista em queda
livre e, com toques de humor, ovo de páscoa, casulo do bicho-da-
seda preso na lente, o paraquedas não abriu e o coitado de má sorte
se enfiou todo no capacete...
Risos à parte, há um forte cheiro de embuste no ar... Ainda que
com extrema boa vontade pudéssemos aventar tratar-se de uma
“Ufologia esotérica”, isso está parecendo mais é com um
“endoterismo67” bem caviloso. Se compararmos com os títulos
elencados no início é fácil notar porque a Ufologia literalmente
parou no tempo, ruminando um perpétuo e mal disfarçado
retrocesso. Nenhuma abordagem consistentemente séria e
renovadora. Não houve um único trabalho voltado estritamente à
Ufologia que trouxesse uma expectativa otimista, algo que fizesse as
páginas deste livro se transformar num encadernado de papel velho.
É perturbador constatar que, justamente por isso, ele se robustece e
se mostra, mais do que nunca, necessário. Ao completarmos a frase
recortada ao término do primeiro capítulo fica claro o que queríamos
dizer: Temas medíocres continuarão existindo... enquanto houver
plateia medíocre a lhes aplaudir.
As realizações públicas promovidas pelo arquiteto Luiz Gonzaga
Scortecci de Paula na mesma década de 70 foram marcantes, quando
afirmava manter contatos diretos com Ets que lhe garantiam que
“brevemente” o mundo se afogaria em um novo dilúvio,
sobrevivendo apenas os que fossem residir em terras altas. Isto ficou

66
Ubirajara F. Rodrigues.
67
Desta vez o neologismo não é nosso. Descobrimos acidentalmente a expressão numa tela do
músico e hoje artista plástico Arnaldo Baptista. Não temos referências sobre a obra. De
qualquer forma,“endoterismo” foi colocado aqui com um sentido deliberadamente irônico:
esoterismo em benefício próprio.
149
conhecido como Projeto Alvorada. Algumas palestras e um dos
workshops mencionados acima foram apresentados por Scortecci,
agora com o pseudônimo de Ben Daijih e o renomeado “Projeto
Aurora”.
Não é difícil reconhecer os temas. Não menos sucesso fizeram os
congressos promovidos por Paulo Kronemberger, mentor e líder da
U.F.O - União da Força Objetiva, a quem se deve o real mérito de
tornar populares de uma vez por todas os encontros místicos de
Ufologia no Brasil. Anos depois, foi a atuação do peruano radicado
no Brasil, Carlos Paz Wells que atraiu milhares de pessoas a
palestras e eventos, sempre vendendo muitos livros, fundador do
Projeto Amar em substituição ao Grupo Rama68, que liderava em seu
país com o irmão Sixto.
Suas alegadas constantes viagens a outros planetas do sistema
solar empolgaram enorme público sedento pelas “viagens” neste tipo
de Ufologia. Mais recentemente, com o mesmo resultado em termos
de milhares de simpatizantes, o Projeto Portal, idealizado e dirigido
por Urandir Fernandes de Oliveira (mais uma vez as iniciais U-F-O
se prestando a estas “coincidências”) que, no final das contas,
aglutina tudo o que os demais antes dele declararam e fizeram:
viagens interplanetárias, promessas de “arrebatamento dos
escolhidos” por Ets, desenvolvimento de “paranormalidade”,
aliciamento de seguidores para adquirirem terras em lugares
estratégicos, etc.
Para finalizar, a fama mundial adquirida pelo farmacêutico
prático Thomas Green Morton, hoje residente em Pouso Alegre, sul
de Minas Gerais, que lhe rendeu o título de “Guru das Estrelas”, já
que seu público era composto pelos famosos da televisão, do
cinema, inclusive americano, e de outras camadas sociais. Morton
dizia, e segue dizendo, contatar energias extraterrestres e produzir
fenômenos paranormais.
Em suma, todos eles, de comportamento típico, padronizado e
previsível, representam bem a chamada “Ufologia mística” à qual se
deu guarida em nome de uma supostamente salutar e democrática

68
Ver obras do escritor espanhol Juan Jose Benitez, o maior divulgador dos trabalhos dos
irmãos Wells, notadamente em 100.000 quilômetros em Busca de Óvnis, publicado no
Brasil pela editora Nova Era.
150
“abertura” a partir dos anos 70, e que não mais conheceu obstáculos,
hoje suplantando de longe o interesse da grande maioria dos
fascinados e perplexos fanáticos por “discos voadores vindos das
estrelas”. Isto se tornou possível inclusive em virtude da má
interpretação do significado do termo “holismo”69 pelos que
detinham a vanguarda de promover encontros ufológicos. Trocando
em miúdos, a mesma comentada incompatibilidade entre os estilos,
as linhas de pensamento, os “métodos”, ou de como Richard
Dawkins70 ressalta, o absurdo de se achar que religião e ciência
estejam ou irão um dia se reconciliar ou mesmo harmonizar-se sob
tais aspectos.
Hoje, com um sem-número de gurus ou potenciais candidatos a
tais e profetas de extraterrestres, desconhecidos do público, mas
catalogados pelos estudiosos do tema, está-se diante da conhecida
terra de ninguém, do caos, do completo desgoverno. Enquanto isto, e
momentaneamente fora de ação, os famosos gurus de araque
aguardam a mão acolhedora das ciências quando estas resolverem,
sem preconceitos e sem medo de perder verbas ou cargos, abraçar o
estudo do fenômeno. Todavia, enquanto homens de ciências buscam
algo que os incentive ou estimule, apenas na Ufologia que hoje vem
sendo divulgada, tal não irá acontecer. A esperança permanecerá
latente, com vergonha de desaparecer.
Sinceramente, gostaríamos de entender como é que homens que
pregam a existência de civilizações evoluidíssimas fora da Terra,
que falam de uma tecnologia capaz de enfrentar distâncias
incomensuráveis, que insinuam e até intuem a enorme complexidade
de tudo isto, científica e filosoficamente falando, de forma a sequer
fazermos ideia de quando e como poderemos reproduzir tais feitos,
ao mesmo tempo reduzem tudo ao seu pequeno mundo, à sua
subjetividade completamente egocêntrica, aos visíveis resquícios de
sua formação religiosa infantil, pintada posteriormente por supostas
“Filosofias”?
Que tamanha incoerência, perceptível a todos, menos para eles...
mas há uma explicação. Assim como o homem criou Deus à sua
69
Abordagem, no campo das ciências humanas e sociais, que prioriza o entendimento integral
dos fenômenos, em oposição ao procedimento analítico em que seus componentes são
tomados isoladamente (Houaiss)
70
Op. cit.
151
imagem e semelhança, antropomorfizando a Divindade substituidora
do “grande herói” ou do “grande pai”, veio então a salvaguarda
pelos discos voadores, pelos seres que os tripulam aos moldes dos
crédulos. Não se trata de suposição. O contexto de tal pensamento
está nos alfarrábios, nos livros, nas palestras e nas entrevistas:

Os indicativos de que o processo ufológico que envolve esta


humanidade há tanto tempo levam alguns estudiosos a admitir a
hipótese de que o mesmo, em suas linhas gerais, parece estar sendo
financiado pela insistência amorosa de alguém especial que reside além
das fronteiras terrestres... a Jesus. Refiro-me a ele e a outros.

Numa verdadeira visão confusa da realidade, o mencionado


ecletismo caracteriza automaticamente os conceitos daqueles que
lidam com a Ufologia sem critérios. E isto se pode atribuir, na maior
parte das vezes, ao despreparo, à ausência de uma formação mínima
que acostume o indivíduo à crítica. Ou melhor, à autocrítica. Muitas
dessas pessoas têm a Ufologia como seu objetivo de vida de maneira
tão umbilical, que o mundo dos fenômenos as envolve como uma
teia que vai recobrindo, fazendo-as atribuir ocorrências triviais ou
incomuns, porém compreensíveis, ao seu “outro mundo” ilusório.
Uma atenção mais acurada nos levará a perceber que tudo o que
ocorre de pouco usual, fora dos padrões de normalidade, os faz
atribuir supostas causas a extraterrestres ou a espaçonaves
interplanetárias. O sintoma é que tais fatos aparentemente
extraordinários geralmente estão ligados aos ícones de céu, como
sinônimo de espaço, ou a luzes e luminosidades. O que não escaparia
a uma rápida e isenta observação, para eles se torna um fator
extraterrestre.
Veja a manchete do boletim UFO Informe, de 2005, modesto,
mas impresso com qualidade satisfatória: Os Extraterrestres
Confraternizam com a Nasa pelo Êxito na Descida do Discovery.
Não chamasse a atenção e despertasse tanto a curiosidade, essa
manchete já faria lembrar o alívio expresso por qualquer devoto
quando, diante de um evento preocupante ou perigoso que não
resulta em tragédia, exclama – Foi Deus que ajudou! Essa notícia,
por ocasião dos maus momentos vividos pelos tripulantes da nave
americana, que acabou com o retorno seguro à base de Edwards, nos
152
EUA, em 9 de setembro de 2005, é uma das poucas, senão única
publicação independente que sobrou da grande onda de edições
particulares de grupos ufológicos das décadas de 1970 e 1980.
O coeditor, Lafayette Cyríaco, enleva o sucesso do pouso do
ônibus espacial após os problemas do voo. Segundo ele, um médium
– canalizador – coloca-o amiúde em contato com um sempre solícito
amigo extraterrestre (sic). Aliás, não há nenhuma surpresa nisso – a
maioria dos contatados com “amigos extraterrestres” faz suas
“conexões” com a maior facilidade, sempre. Com a ajuda do
sensitivo Ailton Moraes, Cyríaco pediu ao extraterrestre que
ajudasse a tripulação da Discovery a retornar sã e salva,
principalmente nos momentos mais críticos, como na reentrada da
atmosfera terrestre. Sucesso previsível. O extraterrestre confirmou a
ajuda durante um encontro posterior através do sensitivo,
informando ainda que “eles” permaneceram a uma considerável
distância de forma a não serem notados. “Eles” contiveram bastante
a velocidade de entrada da nave, a fim de evitar um atrito maior,
embora forçando bastante a sua descida. O ângulo correto para
reentrada foi alterado, mais aberto, para cima... . Ainda bem, que
susto!
Assim, a Ufologia anda, discretamente, desempenhando um papel
altamente humanitário ao evitar sinistros dessa ordem. Por isto, não
está nem aí para o escárnio que quase todo diretor de cinema coloca
em seus filmes ao retratar grupos de pessoas concentrando-se,
meditando, entoando mantras na iminência da chegada de
extraterrestres. Pouco importa se filmes de grande bilheteria
mostrem idiotas extasiados olhando o céu segurando cartazes
welcome space brothers ou levem-me com vocês. E este papel
aliviador e tão altruísta permite então que se mantenha um humor
sereno, próprio dos que estão cônscios do cumprimento do seu dever
humanitário: Lafayette Cyríaco termina seu editorial: Quanto à
Nasa, estamos às ordens, caso necessitem novamente de nossos
préstimos. Nada mais a comentar.
Nota-se o quanto a Ufologia se altera em suas acepções. Ora
nossa tecnologia não é boa o bastante para evitar falhas ou superar
dificuldades, necessitando da ajuda “deles”, ora é tão invejável e
evoluiu tão rapidamente que só há uma explicação – foi dada por

153
“eles”. O ser humano não tem nenhum mérito pela suas descobertas,
invenções, pesquisas e estudos. Pela sua própria evolução, enfim. É
um pobre diabo, um infeliz, uma criatura estúpida que só presta para
procriação e autodestruição. Este aspecto é constantemente objeto de
discussões. Recentemente, um jovem interessado pelo tema expôs
sua dúvida a respeito da evolução dos conhecimentos do homem,
principalmente pelas aquisições tecnológicas que, segundo ele, não
seguiram um ritmo normal. De fato, nossa tecnologia tem avançado
muito ultimamente devido a um “detalhe” chamado Ciência.
Desenvolvimento gradativo, cronologicamente obtido através de
pesquisas, estudos, técnicas e métodos. Para alguns, entretanto, de
onde viria a criação para se fazer essas coisas, se não “de fora”? Os
argumentos do enigma: de onde teria nascido a ideia para se
conseguir criar um aparelho capaz de ler dados de um CD? Construir
uma máquina que pensa por nós, referindo-se aos computadores,
como se estes “pensassem” pelas pessoas?
Enfim, espanta-se porque “avançamos rápido demais”. Se aquele
ingênuo jovem tivesse uma ideia diferente da realidade, ele saberia
que ideias são concretudes e racionalizações do pensamento,
oriundas principalmente de conhecimento e pesquisa. Isto não lhe
parece nada óbvio, pois prefere uma “possibilidade impossível”, no
dizer de Pauwels e Bergier71. E, tal como a criança que precisa ser
educada, também a humanidade carece de um pai condutor e
precavido – mas tem certas coisas que eles não querem que a gente
descubra
Curiosa e coincidentemente, o garoto evocou o mesmo tipo de
incidente antes comentado – lembra da Challenger?72. Seus
argumentos são direcionados para a alegação de que nossa
tecnologia "veio de fora", ou seja, segundo ele, se a nossa tecnologia
não tivesse avançado "rápido", ou quem sabe, se nem tivéssemos
tecnologia, aí sim a coisa teria sido obra nossa, e não de
extraterrestres. Desastres e acidentes acontecem com velocípedes,
skates, bicicletas, motos, automóveis, navios, aviões, helicópteros...
Challengers e Discoverys.

71
Pauwels, L. e Bergier, J. ;O Planeta das Possibilidades Impossíveis, Melhoramentos, SP,
1972.
72
Ônibus espacial que em 28/jan/1986 explodiu logo após decolar, matando a tripulação.
154
Ainda assim não ficam satisfeitos, porque há um outro mistério.
A Nasa não detectara o defeito que fez a nave explodir sem mais
nem menos. Ora... os extraterrestres teriam explodido a Challenger!?
Quer dizer, tanto no passado como no presente, extraterrestres
aniquilam exércitos, mas desenvolvem agricultura; trazem
tecnologia em acordo com o governo americano, inspiram Bill Gates
no desenvolvimento de softwares e hardwares, explodem naves
espaciais, salvam outras.
Como explicar as pirâmides do Egito ou as estátuas na Ilha de
Páscoa, se humanos não tinham tecnologia para tanto a menos que
fossem dotados de superforça? Quando Faraday "descobriu" a
eletricidade, ninguém tinha ideia para o que serviria. Agora que
estamos às voltas com a nanotecnologia73, já podemos pensar em
nanoUfologia? Pelo menos para isso nanocabeças não faltam.
Quando o Sputnik foi lançado e girou no espaço, a pergunta foi em
que século poderemos fazê-lo pessoalmente? As adaptações e
avanços das ciências ocorrem e sempre ocorreram em um ritmo de
progressão geométrica. Saudemos a Ciência. Ela ainda pode não
detectar, entender ou reconhecer muitas coisas, mas certamente o
fará um dia.
Mesmo não vivendo de verdades absolutas, as ciências
constituem praticamente a única área do conhecimento humano que
tem a decência de reconhecer que é exatamente assim – falível. Não
é porque ainda não temos condições de compreender o que não
esteja à altura do nosso conhecimento que podemos atribuir tais
coisas a fatores ainda muito mais distantes do que a própria
compreensão das ciências. Caso contrário, incidiremos num
perigosíssimo risco, o de não percebermos racionalmente o que a
ciência vier a explicar, fazendo questão de manter nossas ilusões em
torno de mundos imaginários. Este risco chama-se alienação, literal e
figurativamente. É isto exatamente o que fazem as religiões, e
muitos dos fanáticos religiosos já se encontram no estado patológico.

73
Todo um conjunto de técnicas baseadas na física, na Química, na Biologia, na ciência e
engenharia de materiais e na computação, que visa estender a capacidade humana de
manipular a matéria até os limites do átomo. Cylon Gonçalves da Silva, físico, em
www.consciencia.br/reportagens/nanotecnologia/nano10.htm.

155
Que dirá, então de tal temeridade, se esta postura caracterizadamente
religiosa passar para o campo dos discos voadores e dos atuais
"deuses" extraterrestres?
Pode-se até divagar em algum tipo de hipotética influência de
civilizações de fora, no passado da humanidade. Isto não quer dizer
que possamos achar que nossos antepassados eram completos
ignorantes. Se assim fosse, nem o fogo ainda teríamos descoberto,
quanto mais chegar ao nosso atual estágio, com o avanço rápido a
que nos referimos.
Alguém observou que é justamente pela falta de respostas
concretas que as pessoas caem no fanatismo, seguindo a outras que
veem como salvadoras. Um breve estudo de Psicanálise ou de
Psicologia mostra em que tipo de comportamento e de desvios
descambam muitas pessoas, em virtude da sua mentalidade e estreita
visão do mundo.
A luta continua sendo a de tentar dar um impulso à importância
que o assunto merece. O que mais prejudica não são os erros, nem o
ceticismo, o escárnio, a crítica ou a depreciação. O que mais
contribui para o atual estado é o persistente primatismo mental74
daqueles que deveriam se esforçar para que o tema conquistasse a
tão decantada credibilidade. Mas não, agem sempre movidos por
pensamentos desestruturados, sem consistência, sem disciplina e sem
método, em virtude das ilusões em que mergulharam
irresponsavelmente, por não admitirem e ao mesmo tempo
alimentarem seus devaneios irreprimíveis.
Devaneios? Isso soa como elogio para o “desafio” lançado por
um ufólogo, ao final de 2006, convidando para um confronto
astrônomos, cientistas, religiosos, jornalistas, céticos e
personalidades que insistem em ridicularizar a Ufologia (sic), num
impulso de vaidosa autopromoção. Dizendo-se “bem preparado”, o
nada modesto desafiante se ofereceu ao programa Roda Vida, da TV
Cultura, em São Paulo, mas será atropelado no seu despreparo e
negligência, num clássico exemplo de olho comprido e visão curta.
A bem da Ufologia, tomara a direção do programa não leve a sério a
proposta, mas, se o fizer, só vemos duas razões para isso: ou

74
Outro neologismo dos autores: primatismo - dos primatas, cuja principal razão de existir é
sobreviver e procriar, não necessariamente nessa ordem.
156
pretende mesmo ridicularizá-la ou dar um toque de humor na
habitual seriedade levada ao ar.
Para encerrar, transcrevemos a fala do pesquisador francês René
Foueré, secretário-geral do Groupment d´Étude des Phénomènes
Aerospatiaux, da França, sobre essa atitude por vezes picaresca da
Ufologia:

Discos voadores! Terreno bizarro em que é preciso saber raciocinar.


Reino da fantasia mais desordenada, em que é preciso ter os pés à
terra. Meio onde se acotovelam os céticos e os “crentes”, os curiosos e
os falsários, os ingênuos e os interessados, em que importa ser
prudente. Mundo misterioso povoado de “homens de negro” e agentes
secretos, em que tão depressa se morre dum colapso cardíaco como
dum câncer galopante quando se sabe demasiado a respeito do assunto.
Curiosa faixa da sociedade, onde se perdem por vezes alguns cientistas
de boa-fé, depressa retomados ao bom caminho pela pressão sócio-
profissional. Capelas misteriosas, no coração das quais são tentadas
experiências de comunicação com seres extraterrestres em condições
incontroláveis. Grupos extravagantes onde se entrechocam cabelos
compridos e ideias curtas e cabelos curtos e ideias compridas.

157
“Grande Irmão” sideral 75

A religião é uma ilusão e deriva suas forças do fato


de que ela coincide com desejos instintuais.
Freud

Segundo Daisaku Ikeda, a origem do sentimento religioso está


implicitamente vinculada ao respeito pelo desconhecido, quando o
homem experimenta emoções profundas como a incerteza, o
infortúnio ou a morte, esta em escala de acentuado valor76. Os
sentimentos que esses fenômenos engendram estimulam estados de
respeito, medo, reverência, e o desejo de aplacar forças
supostamente poderosas, enfatiza Bryan Wilson, coautor da obra.
Além disso, situações de ansiedade como as experimentadas em
guerras, epidemias e calamidades econômicas podem gerar
vigorosas reações que assumem formas religiosas. Enfim, a crença
em alguma coisa, o respeito por ela e mesmo a aspiração, que não
pode ser percebida diretamente pelos sentidos, ajudam os seres
humanos a controlar e sublimar desejos e ansiedades.
Dessa forma, a análise do psiquismo humano diante do
inexplicado, do oculto e/ou do “milagroso” merece igualmente uma
atenção à parte. A curiosidade de um lado, o medo e a esperança de
outro, representam os primórdios da ligação do homem com tais
fenômenos, que se manifestam em um nível profundo da mente, por
si só inexplicável em termos puramente racionais. O dualismo
explícito do cristianismo, que polarizou as forças do bem e do mal
com contornos definidos, responde pela configuração do mal de
forma tenebrosa e grotesca. A igreja assume sua cota de
responsabilidade por ter tornado o diabo e sua comitiva algo
intrigante até para os cristãos convictos, condenando os indivíduos
que estivessem possuídos pelo demônio ou com ele efetuassem

75
Colaborou Lúcio Manfredi.
76
Ikeda, D. e Wilson, B.; Valores Humanos num Mundo em Mutação, Record, RJ. 1984.
158
“negociações”. De qualquer maneira, a ideia dessa opção, ao mesmo
tempo fascinava e repelia o homem.
É de se perguntar até que ponto a atitude dogmática do culto
religioso funciona como um estímulo? Não seria antes um
obstáculo? A história é testemunha de que, em tempos medievais,
certos processos religiosos serviram como obstrução ferrenha à
evolução humana em suas relações com a cultura e a ciência. Não
podendo conter o irrefreável avanço desta, a Igreja modificou sua
estratégia de influência no curso da civilização. Aceitou dialogar
sem deixar transparecer os indícios do enfraquecimento, optando por
alterar sua participação da sociedade de forma a estar voltada mais
para os aspectos morais e éticos.
Os progressos da tecnologia científica também não são de todo
louváveis. Aliás, nenhum progresso o é se racionaliza
demasiadamente num dos polos e não vem embalado por uma ética
de responsabilidade. Jung considera que ao magnífico
desenvolvimento científico e tecnológico, corresponde uma
assustadora carência de sabedoria e introspecção.
No contrabalanço, interessa-nos mais o declínio do poder da
Igreja. É Ikeda quem diz: quando uma religião se torna
excessivamente abstrata e vaga, e não consegue concorrer com
sucesso contra interesses seculares inegavelmente importantes, ela
perde influência sobre a mente do povo. Recorrendo a nossas
pesquisas pessoais, constatamos que o catolicismo vem sofrendo
sensível enfraquecimento em suas bases, não só pelo surgimento de
outras correntes, seitas e cultos, mas também pelo desmoronamento
das instituições eclesiásticas.
Esta substituição de valores e conceitos processa-se de forma
sutil, indistinguível aos sentidos, apoderando-se de nossa
inconsciência e aflorando nas crises existenciais ou situações novas
sem um referencial anterior. Neste ponto, a Ufologia surge como
importante instrumento de apoio, somando-se aos cultos religiosos
que vingam em várias sociedades. Promove mais a mistificação que
a racionalização, configurando a incerteza espiritual e a insatisfação
social.
De qualquer maneira, mantém o mesmo pilar de sustentação dos
ritos antecedentes – a transcendência do homem através da louvação

159
a mitos e da compensação final por um comportamento exemplar –
mesmo que estes apresentem exteriormente uma fachada
tecnológica. Aqui reside o ponto-chave: a transcendência, uma
concepção muito delicada do pós-vida ou da vida eterna. Grosso
modo, as religiões tradicionais não têm meios de comprovar o post
mortem, mas oferecem ao homem a perspectiva de acreditar que a
vida não se confina à presente existência, promessa descarada e
abusadamente condicional.
A Ufologia pode, a princípio, apresentar uma ideia mais concreta
de “vida eterna” ou, pelo menos, considerando-se as possibilidades
de manipulação dos conceitos de tempo, de “esticar”
indefinidamente a vida humana. O contato, neste momento, aparece
como elo com essas forças superiores fazendo o “diálogo” com
Deus, permitindo ao interlocutor humano ampliar suas
possibilidades de “sobrevivência infinita”. Quanto mais sublime for
esse contato, maiores as chances.
Nesse justo momento, indo ao encontro da possível salvação, o
homem abandona literalmente suas enraizadas convicções de
antropocentrismo, despojando-se do orgulho interior de criação
máxima da natureza. Disso resulta a atitude não muito surpreendente
de dar nomes a tais “divindades” – Deus não é um nome? – e a lista
não é pequena. Vejamos o significado de alguns deles: Cramish –
homem que veio do céu (hebraico); Adoniesis – senhor (hebraico);
Itakar – o que oculta algo (italiano); Semjase – a que dirige o veículo
celeste (hebraico); Ptaah – planejador (egípcio).
Em seu estudo sobre as novas seitas que parecem proliferar cada
vez mais em nossos dias, o historiador francês Jean-François
Mayer77 notou que algumas delas se baseavam na franca adoração
dos seres extraterrestres e suas naves. No Brasil, de fato, essas seitas
são bem mais numerosas do que “algumas”: segundo levantamento,
em todo o país existiria mais de uma centena de seitas ligadas direta
ou indiretamente ao culto dos discos voadores. Mayer cita ainda um
estudo de Ted Peters – UFO, the Religious Dimension, que
constata a presença, na estrutura do fenômeno Óvni, de quatro
elementos derivados diretamente da fenomenologia religiosa:

77
Novas Seitas – um novo exame, Loyola, SP, 1989.
160
1 – A transcendência: os objetos que vêm do alto, donde uma
associação de divagações com os céus, o divino e o infinito.

2 – A onisciência: em muitos relatos de encontros, os


extraterrestres conhecem de antemão seu interlocutor ou leem
os seus pensamentos; vigiam a Terra graças a meios
eletrônicos sofisticados e estão sempre prontos a intervir na
iminência de uma catástrofe planetária.

3 – A perfeição: os seres espaciais pertencem a uma civilização


muito mais “adiantada” que a nossa; sua excepcional
longevidade confina com a imortalidade, comparada com a
brevidade de nossa existência humana; seu mundo não
conhece os defeitos do nosso.

4 – A redenção: o “vale de lágrimas” terrestre será substituído


por um “novo céu” graças à tecnologia; os “salvadores
celestes” trazem a solução aos problemas que o próprio
homem provocou e lhe indicam uma boa direção.

Segundo Robert Ellwood, citado pelo mesmo autor, estamos


diante de uma transferência quase total do modelo religioso
tradicional para um contexto tecnológico moderno. Para Mayer,
entretanto, interessa assinalar certas conexões entre a Ufologia e as
correntes mais antigas, particularmente o espiritismo. Já na década
de 50 certos médiuns afirmavam receber mensagens provenientes de
extraterrestres, ao invés de atribuí-las, como no passado, a entidades
“desencarnadas”78. Dir-se-ia assim que mesmo um fenômeno de
caráter tão “inovador” na aparência como a Ufologia não surgiu do
nada, e se viu logo ligado com outros temas: na religiosidade
paralela, não raro, os diferentes setores se entrelaçam, o que lhes
permite finalmente reforçar-se mutuamente e criar credibilidade no
quadro de um “universo cultural paralelo”.

78
Na verdade, Mayer comete uma imprecisão, pois desde a fundação do espiritismo, no
século 19, seus adeptos “comunicam-se” com habitantes de outros planetas, notadamente
Marte e Júpiter. Ficaram célebres, a propósito, as mensagens “recebidas” de Marte pela
médium Helen Smith, que foi estudada do ponto de vista psiquiátrico por Theodore
Flournoy.
161
Segundo Jean-Bruno Renard79,

O fenômeno dos discos voadores é o ponto culminante da simbiose


entre os temas de ficção científica e as crenças pararreligiosas. O
problema da existência dos Óvnis e dos extraterrestres é, aliás,
espontaneamente posto em termos de crença: você acredita em discos
voadores?

Tudo começa com os chamados contatados, pessoas que


alegam terem encontrado seres de outro planeta, geralmente
“bonzinhos”. A partir de um determinado momento, esse
contatado transfere o modelo religioso tradicional para um
cenário contemporâneo, com veículos espaciais e seres
salvadores e ele mesmo sendo, como se fosse um escolhido,
portador de conhecimentos divinos.
O fenômeno de deificação dos Óvnis não é regra geral, mas
ocorre com frequência suficientemente elevada para se debruçar
sobre ele e perguntar qual o motivo disso. Quais são os fatores que
determinam a criação de novos deuses tecnológicos, que não apenas
substituem os antigos, mas chegam mesmo a absorvê-los, integrando
as características deles à sua própria estrutura básica? É essa
assimilação que explica, em grande parte, o êxito obtido pelas obras
de Erich von Däniken e seus seguidores que, como já sabemos, nada
mais fazem senão agrupar a liturgia das divindades de outrora ao
cânone das máquinas voadoras vindas das estrelas. Não nos
equivoquemos pelas aparências. A ufoarqueologia não é uma teoria
científica – é uma pregação teológica com direito a cosmogonia e
escatologia próprias.
No novo pensamento cosmogônico, Deus não criou o mundo em
seis dias para descansar no sétimo, nem esculpiu o homem de barro e
fôlego. Foi uma equipe de extraterrestres que colonizou a Terra e
criou o homem à sua imagem e conforme sua semelhança, mediante
a manipulação genética de antropoides autóctones. A menos que,
como quer outra versão, não tenhamos sido criados, e sim
expatriados do planeta Éden, Marte, Vênus ou Oz, onde
originalmente vivíamos. O que não deixa de lembrar Voltaire:
79
Religion, Science-fiction et Extraterrestres, Archives de Sciences Sociales des Religions,
julho de 1980.
162
Imaginaram os sírios que, tendo o homem e a mulher sido criados no
quarto céu, quiseram comer de uma torta em vez de ambrosia, seu
manjar natural. A ambrosia exalava-se pelos poros. Comendo a torta,
porém, era preciso ir à secreta. O homem e a mulher pediram a um
anjo que lhes indicasse onde ficava tal repartição do Paraíso. – Estão
vendo – disse-lhes o anjo – aquele planetinha insignificante, a uns
sessenta milhões de léguas daqui? Pois é lá. – Para lá se foram, e lá
os deixaram. Desde então, o mundo é o que é80.

Na realidade, muitas seitas ufológicas entenderam o recado da


ufoarqueologia e pegaram o mote dos deuses astronautas. É o caso
do movimento Raeliano, fundado na França por Claude Vorilhon
que, depois de iniciar seus contatos com extraterrestres, em 1973, foi
brindado com uma viagem ao planeta desses seres, realizada em
outubro de 1975. Os extraterrestres designaram-no como seu
mensageiro, e mudaram seu nome para Rael que, explicaram,
significaria “mensageiro” em hebraico81.
O movimento por ele criado para divulgar suas mensagens é
inteiramente baseado numa interpretação ufológica da Bíblia, em
grande medida inspirada nos livros – excelentes, por sinal – de Jean
Sendy. Partindo do princípio de que o nome de Deus em várias
passagens da Bíblia – Elohim – é na verdade um plural, podendo ser
traduzido como “os que vieram do céu”, os raelianos dizem que
esses “celestes” eram seres de outro planeta que colonizaram a Terra
e depois partiram, visitando-nos ocasionalmente com seus discos
voadores.
Devido à crise da corrida armamentista, os Elohim estariam para
intervir novamente em nosso planeta, com a finalidade de salvar um
número suficiente de pessoas como o núcleo de uma nova
civilização. Esse número seria de 150.000 pessoas, obviamente um
arredondamento dos 144 mil mencionados no Apocalipse.
A finalidade daquele movimento é preparar uma recepção
adequada para os Elohim e, naturalmente, selecionar aquele número
de pessoas para o “resgate”. Ao contrário de outras seitas que
intentam casar a Bíblia com os discos voadores, os raelianos não são

80
Voltaire, Dicionário Filosófico, Ediouro, RJ.
81
Errado. Mensageiro em hebraico é Malak.
163
fundamentalistas nem puritanos. Longe de considerarem o sexo
como itinerário do inferno, pregam um comportamento hedonista e a
prática ritual do nudismo, desenvolvendo uma técnica – a meditação
sensual – que parece bem dentro do espírito da contracultura82. Mas
não é apenas entre as religiões disquistas que a tendência a
interpretar Deus como um extraterrestre parece significar realmente
a deificação dos Ets. Mesmo entre os ufólogos adeptos da
ufoarqueologia, como R. L. Dione, é nítida essa intenção. Segundo
ele, A Bíblia revela o código de Deus para os homens, e como tal,
deve ser obedecido, pois é bom e justo. Deus tem o poder de punir
os transgressores. Dione não contesta os milagres bíblicos, explica-
os pelas leis físicas e pela tecnologia superior83. Ainda segundo ele,
A Terra está num estágio primitivo de desenvolvimento e, por essa
razão, está em quarentena de contato com outras civilizações
inteligentes. Por causa dessa quarentena, os Ufos podem visitar a
Terra, mas não podem estabelecer contato permanente ou direto. Sobre
o tema do Armagedon, é otimista: A humanidade tem pelo menos mais
dois mil anos antes do fim dos tempos. Isto é, o homem teve dois mil
anos de infância, dois mil de puberdade e agora entrou no terceiro e
último ciclo – o da maturidade. 84

Assim, de forma explícita, mais ou menos disfarçada na Ufologia


em geral e na ufoarqueologia em especial, o que assistimos é um
recapeamento de antigos mitos, revestidos com roupagem moderna.
É por isso que no fim dos tempos não será Jesus que virá numa
nuvem para nos salvar. Será um comandante extraterrestre à frente
de uma frota de discos voadores. Esse fenômeno de recapeamento já
havia sido entrevisto por Jung, que reconheceu nos discos voadores
o componente básico para a formação de um novo mito, um mito
moderno sobre coisas vistas no céu.
O rumo que essas coisas tomaram parece lhe dar razão quase
total. Para isso, seria aconselhável dar uma passada de olhos no
papel de formação dos deuses em geral. De todos os livros dedicados
ao tema, o trabalho do filósofo Hermann Usener85 é dos mais
82
Mayer, J-F. ; op cit.
83
Trata-se, literalmente, de um deus ex machina.
84
Briazack, N. J. e Mennick, S.; O Guia dos UFOs, Difel, SP, 1979.
85
Usener, H.; Os Nomes Divinos – ensaio para uma teoria da concepção religiosa.
164
interessantes. Essa obra, que foi uma das principais fontes do
conhecido estudo de Ernst Cassirer86, divide a gênese e o
desenvolvimento dos deuses em três etapas distintas. Inicialmente,
temos o que Usener definiu como “deus momentâneo”, que é a
personificação de momentos isolados que se revestem de forte
tonalidade afetiva. Eplica Cassirer:
Assim, cda impressão que o homem recebe, cada desejo que nele se
agita, cada esperança que o atrai e cada perigo que o ameaça pode vir
afetá-lo religiosamente. Quando a sensação momentânea do objeto
colocado à nossa frente, à situação em que nos encontramos, à ação
dinâmica que nos surpreende, é outorgado o valor e o acento de
deidade, então esse `deus momentâneo´ é criado.

Quando esses deuses momentâneos são, por assim dizer,


universalizados, passando a figurar esferas gerais da atividade
humana ou da atuação da natureza sobre o homem, então temos o
que Usener denominou de “deuses especiais”, que representam um
ponto de passagem necessário que a consciência religiosa deve
atravessar para chegar a seu objetivo supremo: a conformação de
deuses pessoais. A personificação dos deuses, terceiro e mais
elevado estágio do pensamento religioso87, não é um ato facultativo
da vontade, pois, como demonstrou Jung, são os próprios arquétipos
que, quando se manifestam aos homens, personificam-se a si
mesmos. É então que os deuses recebem um nome e um caráter
individualizado.
Vale lembrar que essas forças se constelam automaticamente
sempre que condições internas ou externas exigem um esforço de
adaptação a circunstâncias novas ou extraordinárias. Então surgem
os deuses, individuais ou coletivos, cuja atividade impede que o
homem seja submerso pela maré de desorientação que quase sempre
acompanha essas circunstâncias. É por isso que o escritor romano
Salústio escrevia, no século IV: Mitos são histórias que nunca
aconteceram, mas que sempre existiram.
Quando os deuses são conjugados por um estímulo externo,
86
Cassirer, E.; Linguagem e Mito, Perspectiva, SP, 1972.
87
Na opinião de Usener. Rigorosamente falando, existe um quarto e superior estágio, que é
aquele em que se chega a uma concepção de Deus ou dos deuses em que eles são
reconhecidos como forças impessoais que transcendem ao homem.
165
as forças arquetípicas se projetam no estímulo, aparecendo aos
nossos sentidos como sendo um predicado do objeto exterior, ao
invés de algo que se origina dentro de nós mesmos. Ocorre, assim,
uma fusão entre sujeito e objeto, através da ponte estabelecida por
essas forças como mediatrizes. É o que o antropologo Levy-Brühl
denominava de participation mystique. É assim que vamos
introduzindo o objeto à nossa própria psique. Dessa forma, ele vai
perdendo seu caráter de absoluta estranheza – nós nos adaptamos a
ele, e a libido88 de que ele se achava investido pode retornar para
dentro de nós.
Esse aparente predicado do objeto é sentido como sendo uma
alteridade total, dado que reúne o que eu desconheço nele e o que eu
desconheço em mim. O objeto é o Totalmente Outro, até que eu
possa incorporá-lo à minha visão do mundo. Com isso, ele também
se modifica. Essa ação é bipolar, tanto pode ocorrer em relação a
objetos exteriores quanto interiores à minha psique, contanto que
não se pense em limitá-la à consciência. Na verdade, o inner space –
nosso espaço interior – é tão vasto e desconhecido quanto o exterior
que tanto nos fascina.
A experiência do Totalmente Outro e ao sentimento a que ela
origina, o filósofo alemão Rudolf Otto denominou de numinoso,
considerando-o como o fundamento básico da religião que, como diz
o vocábulo latino religere – uma acurada e conscienciosa
observação de uma existência ou um efeito dinâmico não causados
por um ato arbitrário. Pelo contrário, o efeito se apodera e domina o
sujeito humano. O numinoso pode ser a propriedade de um objeto
visível, por exemplo, um Óvni, ou o influxo de uma presença
invisível, que produzem uma modificação especial na consciência89.
Voltando a Cassirer e à sua vívida descrição de como se forma o
“deus momentâneo”,:

Se a realidade externa não é simplesmente contemplada e percebida,


mas se acomete o homem repentina e imediatamente, no afeto do medo
ou da esperança, do terror ou dos desejos satisfeitos e libertos, então,

88
Libido é um sinônimo de “energia psíquica”. Sua distribuição no interior do sistema
psíquico é controlada pelos arquétipos, que se manifestam dessa forma. Podemos dizer,
por isso, que a libido é o veículo dos deuses.
89
Jung, C. G. Psicologia e Religião, vol. XI/I, Vozes, Petrópolis, 1995.
166
de alguma forma, salta a faísca: a tensão diminui a partir do momento
em que a excitação subjetiva se objetiva, ao se apresentar perante o
homem como um deus ou demônio.

Qualquer pesquisador que tenha conversado com alguém que


passou por uma profunda experiência ufológica deve ter constatado
que, na maioria das vezes, a pessoa sofreu um impacto tremendo.
Não resta dúvida de que, enquanto uma realidade inegavelmente
externa, os Óvnis não se limitam a ser admirados e percebidos, mas
assaltam a testemunha de maneira repentina – não são os “contatos
imediatos”? – tocando em suas emoções e desejos mais profundos.
Ninguém ignora que vivemos um tempo bastante peculiar da
história. Aprendemos a mobilizar energias capazes de nos destruir,
aniquilar a vida e o planeta – outro clichê de nossos dias, mas, por
acaso, um clichê verdadeiro. É uma situação sem precedentes e para
a qual não havíamos sido previamente preparados. Estamos diante
da contingência de tomar decisões éticas90 para condições as quais
não fomos ensinados a enfrentar. Paralelamente, o homem está se
desligando do planeta para enfrentar um território que também não
possui similares na longa jornada da vida na Terra. É óbvio que essa
passagem – incompletamente – exige a mobilização das forças
adaptativas do inconsciente.
Já vimos, entretanto, que a expressão par excellence dessas
forças, a religião, está extremamente enfraquecida. É necessário, por
conseguinte, encontrar sucedâneos para as imagens religiosas
tradicionais, que sejam adequadas dentro de nossa civilização
tecnológica. Não é difícil perceber que o fenômeno dos discos
voadores, entre outros, preenche exatamente essas características.
Mas há que se esclarecer um ponto importante: independentemente
da função que eles exerçam dentro de nossa cultura, é indubitável
que os Óvnis constituem um estímulo alheio a ela, cuja origem ainda
não pode ser determinada. Eles são, pois, alienígenas no sentido
pleno da palavra.

90
Éticas, não morais. Moral vem do latim mores, “costumes”, por sua vez derivado da raiz
mor, “maioria”. Os costumes da maioria, por definição, só se aplicam a situações já
digeridas pela tradição. A moral não pode dar conta de nenhuma situação realmente nova
e, por isso, reage recusando-se a encarar o problema, ou, como dizem os psicanalistas,
denegando-o.
167
É justamente esse princípio de alteridade absoluta dos Óvnis que
os torna um veículo tão adequado para os deuses. Trata-se de um
fenômeno que, por sua estranheza e origem misteriosa, tem todos os
requisitos para constelar os arquétipos. Uma vez reunidas ao seu
redor, as forças arquetípicas podem se irradiar para outros setores,
ampliando, assim, o conceito original do fenômeno e sua área de
ação, passando a incorporar em si elementos desses outros setores.
Podemos observar claramente o desenrolar desse momento
naquelas duas áreas mencionadas, a saber, o confronto com o espaço
exterior e a responsabilidade implicada pela manipulação da energia
atômica. De fato, como se manifesta o fenômeno Óvni senão como a
vinda de seres alienígenas em estágio de civilização mais avançado
que o nosso? As implicações desse quadro são mais que evidentes: o
universo não é um ambiente hostil, já que lá encontramos seres
semelhantes a nós, habituados a ele e que podem ajudar a nos
acostumarmos também.
E, por outro lado, se existem seres que passaram pelo estágio em
que estamos atualmente e sobreviveram, então o suicídio nuclear não
é tão inevitável e a crise que enfrentamos pode ser superada.
Encontramos ambos os corolários, em verdade, expressos com
bastante clareza na maior parte das mensagens que os contatados
alegam receber dos seus comandantes extraterrestres.
A ficção científica também pega os antigos mitos e os reveste de
uma roupagem tecnológica que os torna aceitáveis para a nossa
época. Lloyd Biggle Jr., escritor de ficção científica, diz:

O homem primitivo habitava um mundo onde até uma simples brisa


despertava uma interrogação, e o faiscar de um relâmpago constituía
uma ameaça de condenação. Ele não reconhecia as suas fantasias (os
mitos)91 como se fossem ficção científica, mas elas eram-no. O homem

91
Ainda que o autor citado tenha usado fantasia como sinônimo de mito, melhor teria sido o
uso do termo imaginação. As fantasias, conforme Freud as utilizou para conceituação, após
deixar de tê-las como simples sinônimos de imaginação em sentido linguístico; e depois
segundo Lacan, respectivamente conceito ligado à sexualidade e à construção da história
que o indivíduo faz de si mesmo, bem como a uma lógica do desejo. V. Roudinesco e Plon
(Dicionário de Psicanálise, Jorge Zahar Editor) e Chemama (Dicionário de Psicanálise
Larousse, Artes Médicas). Não mais convém dar imaginação e fantasia como sinônimos. Os
mitos, formas aproximadas, imperfeitas de verdade, portanto com um fundo de
verossimilhança, têm sempre significado moral, religioso, sobre a conduta do homem com
168
especula inevitavelmente sobre o desconhecido com base no que dele é
conhecido, e a palavra “ciência” significava originalmente
“conhecimento”. Ao longo de toda a história da humanidade, cada era
produziu uma “ficção científica” que refletia a tecnologia e o
pensamento científico dessa mesma época. 92

Simultaneamente, o ufólogo francês Bertrand Méheust


demonstrou, em seu livro Science Fiction et Soucoupes Volantes93,
que todas as constantes do fenômeno Óvni – formas, manobras,
técnicas de propulsão, dimensões e um interminável etc. – foram
antecipadas pela ficção científica dos anos 20 e 30, e mesmo muito
antes disso. Os crossovers entre a ficção científica e os discos
voadores são bastante frequentes e um caminho de mão dupla: se a
FC, especialmente no cinema, incorporou a imagem do disco
voador, a recíproca é igualmente verdadeira.
Existe como que um circuito de retroalimentação entre ambos.
Louis-Sébastien Mercier, em 1771, dedica um capítulo aos dirigíveis
intercontinentais projetados para o ano de... 2400! Louis Guillaume
de la Follie narra a visita de um mercuriano, em 1775, na obra Le
Philosophe sans Pretensions, numa estranha máquina amparada por
“dois gigantescos balões que giravam velozmente”. Em 1856 é a vez
de Alfred Driou conceber uma nave lunar ovoide tripulada. Já no
alvorecer do século 20, em 1909 mais precisamente, Pierre Giffard,
em Guerra Infernal, descreve uma nave em forma de “tartaruga
preta”, exatamente como os Óvnis seriam avistados muitos anos
depois: lenticular, com a base mais plana virada para baixo, uma
“cabine de comando” e pés de apoio.
Duas pequenas criaturas saem da nave por meio de uma
escadinha. Um ano antes, H. Gayar em Sur le Planéte Mars,
descreve uma estranhíssima nave em forma de “cubo”, rodeada por
uma luz azul e um ruído surdo, como o de um trovão, que saía dos
seus lados. A coisa não para por aí, tem muito mais. Como se vê, a
literatura da ficção científica nos inunda com milhares de obras
incrivelmente engenhosas, antevendo através da imaginação e da
relação aos outros e à divindade. V. Abbagnano (Dicionário de Filosofia). Os mitos
serviram para explicar o que o homem primitivo não compreendia e porque não sabia
teorizar, mas encerra sabedoria e criatividade. V. Larsen (Imaginação mítica, Somma).
92
Citado por Gilberto Schroeder, Ficção científica, Francisco Alves, Rio de Janeiro.
93
Mercure de France, 1978.
169
criação fantástica de seus autores toda uma fenomenologia que iria
se tornar realidade muitos anos depois.

A ficção científica do início do século 20 já antecipava o universo da Ufologia

A ficção, qualquer que seja sua forma de expressão, não exerce


influência apenas do ponto de vista psicológico, mas também no
simbólico e no psíquico, e uma obra como Scifi=Scifilo94, de Mark
Rowland, vem oportunamente embasar alguns pontos.
Estabelecendo uma proveitosa e inteligente relação da science fiction
com a Filosofia, Mark pretende criar um novo gênero literário – o
sci-phi95.
De início, nos coloca diante de estranhos “confrontos”, partindo
da premissa de que toda obra de ficção científica, seja filme ou livro,
gira em torno do encontro com algo que é basicamente alienígena –
um robô, um Et, um cyborg ou um monstro. Confrontar essas
criaturas estranhas é como ter um espelho diante de nosso rosto – ele
nos permite ver e entender a nós mesmos de maneira muito mais
clara. Ponto para Mark. Exatamente aí está o cerne do modelo
comportamental de todos nós, inclusive e principalmente do ufólogo.
Confrontar o mundo exterior é o mesmo que encarar o mundo
interior, e isso é um termômetro da nossa sanidade. Nada nos impede
de imaginar que quanto mais um pesquisador se extasia diante do
fenômeno que estuda, mais a ele se submete.
94
Relume Dumará, RJ, 2003.
95
SCI-PHI de science com philosophy
170
Por outro lado, o antropologo inglês Ioan M. Lewis comenta a
busca por outras formas de religião, principalmente entre os mais
jovens96, uma procura que conquistou seu ápice com o advento da
contracultura, quando o psicodelismo e as doutrinas de Thimoty
Leary prescreviam a combinação de luzes97, sons e alucinógenos
para induzir a experiências religiosas.
Por fim, Aniella Jaffé, discípula de Jung, estudou o modo como a
arte moderna pretende restabelecer a ligação com as forças
inconscientes, mostrando quais são os símbolos religiosos
subjacentes a esse movimento artístico98. A conclusão que
praticamente se impõe, portanto, é a de que, se os discos voadores
não são a única forma de expressão alternativa das forças
arquetípicas da psique, não há como duvidar, entretanto, que a
Ufologia está integrada em um multifacetado fenômeno histórico de
transformação da consciência. Resta ver de que modo isso opera nas
testemunhas. Trechos de dois autores distintos sob um mesmo tema
propõem a reflexão:

Os adultos continuam a apreciar a exploração de possibilidades


diferentes, e, como crianças, seguimos criando mundos imaginários. Na
arte, livres dos constrangimentos da razão e da lógica, concebemos e
combinamos novas formas que enriquecem nossa vida, e que nos
mostram algo muito importante e profundamente "verdadeiro", no qual
acreditamos. Na mitologia também elaboramos uma hipótese, damos
vida a ela por meio do ritual, agimos a partir disso, contemplamos seu
efeito em nossa vida e descobrimos que atingimos uma nova
compreensão no labirinto perturbador do mundo em que vivemos. Um
mito, portanto, é verdadeiro por ser eficaz, e não por fornecer dados
factuais. Contudo, se não permitir uma nova visão do significado mais
profundo da vida, o mito fracassa. O mito é essencialmente um guia;
ele nos diz o que fazer para vivermos de maneira completa. Se não
aplicarmos o mito à nossa situação e não o tornarmos uma realidade
em nossa vida, ele seguirá sendo tão incompreensível e remoto quanto
as regras de um jogo de tabuleiro, que frequentemente parecem
96
Lewis, I. M.; Êxtase Religioso, Perspectiva, SP, 1971.
97
O papel de luzes rítmicas na indução de estados alterados de consciência do tipo místico
começou a chamar a atenção da “nova Ufologia” quando ela percebeu que é exatamente
esse o tipo de ÓVNI que o falecido Dr. Hynek classificava como “luzes noturnas”.
98
Jaffé, A.; O Simbolismo nas Artes Plásticas, in C.G. Jung, O Homem e seus Símbolos,
Nova Fronteira, SP, 1964.
171
confusas e cansativas até o momento em que começamosa jogar.

A segunda citação pertence ao escritor Juan Atienza e é de se


notar a sutileza da última frase.

O Óvni cura aleijados, cria messias, traz mensagens de paz, esvazia a


massa encefálica dos crânios, zomba dos reatores supersônicos e
transporta em seu ventre todo um jardim zoológico de seres que vão do
anjo apolíneo e hiperbóreo sonhado por qualquer simpatizante do
nazismo ariano, até às quimeras elementais de contos infantis e das
histórias hagiográficas de pequenos demônios tentadores de santo-
antônios, com chifres – creio – e até caudas terminadas em ponta de
flecha. Tecnologia? Absurdo!
A única coisa decididamente certa é que, com prodígios e visões, com
contatos e levitações, com naves espaciais e com sóis que bailam, com
extraterrestres de cabeça descomunal ou angélicos hiperbóreos vindos
de Vênus, há uma evidente e inequívoca intenção de conscientizar os
homens. O problema está em chegar a saber – se é que se pode saber
algum dia – se essa tomada de consciência parte do próprio homem ou
chega até ele de uma entidade – pouco importa que nome tenha – que
lhe é superior.

172
Religião vs. Ciência ou Anjos vs. Demônios

Crê nos que buscam a verdade.


Duvida dos que a encontraram.

André Gide

Em que, afinal, o tratamento religioso dado ao fenômeno


ufológico pode interferir negativamente nas investigações? Como já
foi visto, o conhecimento humano tem várias áreas que se resumem
no conhecimento filosófico, científico, vulgar e teológico. Este
último não se pode confundir com um simples e generalizado
comportamento místico. Seus meandros o tornam complexo, mesmo
que alardeie tentar atingir o incognoscível, fundamentando o
conhecimento tipicamente dogmático do qual necessitam as
religiões.
Mas é um campo desenvolvido há muito tempo e restrito à
necessidade humana de se religar ao que a humanidade julga
transcendental, de tal forma que a satisfaça nas suas mais profundas
e inalcançáveis questões metafísicas.
O comportamento de tipicidade religiosa, abrangente, genérico e
de cunho místico que tente abarcar um campo como a Ufologia é
bem diferente. Nem sistemático, no sentido estrito, é. É
comportamento e não conhecimento, como o é o teológico. Eis sua
inconveniência – a de buscar o trato completamente infundado,
também inalcançável, de algo que, por ser da mesma forma
desconhecido, é presa fácil das atitudes de deslumbramento dos que
se aprazem pelo mistério. Então, não estamos falando aqui em
qualquer religião, mencionamos tão somente o comportamento do
tipo religioso, mesmo porque, na unanimidade dos casos, ele
prevalece por influência do pensamento crente daquele que o adota.
Dawkins alerta para a incompatibilidade entre esse
comportamento e a atitude científica. Defende com veemência que já
passa da hora de os homens de pensamento racional e científico
reagirem contra a histeria de se acreditar desrespeitosa a crítica
173
contra o trato místico, em detrimento da metodologia científica.
Nisto, este polêmico e cético escritor não está sozinho, nem
tampouco é pioneiro.
Em fins do século 19, Freud, corajosamente, já combatia a
influência da atitude de religião que tentasse substituir um
racionalismo prático. Seu futuro discípulo Erich Fromm, em
Psicanálise e Religião99, tratou de destacar como o psiquismo se
torna distanciado de uma realidade mais sadia, com a mescla da
tendência pelo sobrenatural e a ânsia de compreensão. De fato, isto é
tão melindroso, que se pode dizer que a fase mitológica da
humanidade, já deixada num passado distante, ainda não parou de
espargir sua névoa. Mas a era da razão, cada vez mais presente, entra
em conflito com tudo o que atualmente tenta permanecer firme como
mito. Daí notar-se hoje um verdadeiro duelo natural entre razão e
credulidade, e uma guerra declarada por preceitos místico-religiosos
contra teorias científicas.
A atual escalada de proibições, de ensinamentos de cunho
evolucionista nas escolas, em várias partes do mundo, notadamente
nos Estados Unidos, é exemplo inquestionável, por incrível que
possa parecer. A gravidade não está na proibição, que apenas em
tese, e somente a princípio, pareceria querer evitar um suposto
caráter definitivo da Teoria da Evolução para explicação da vida na
Terra e da aventura do homem neste planeta. É mais preocupante – a
proibição vem seguida da obrigação de se ensinar o pensamento
criacionista, e alguns estados americanos já vivem tal situação.
Os sociólogos, filósofos, antropologos e psicanalistas de moderna
observação veem, em tais fatos, a evidência do mencionado duelo
que o psiquismo da espécie humana trava consigo mesmo.
Desaparece a fase mitológica, surge a idade da razão, mas o passado
continua martelando, não se conformando com este panorama. Una-
se a isto a reação contrária, também natural na maioria, de se
procurar a compreensão através do método, que indiscutivelmente é
penoso, porém compensador, e eis o conflito. Essa evidência
reveste-se de um caráter medieval. Um último estertor dos modos da
Inquisição?

99
Editora Livro Ibero Americana, RJ, 1966.
174
A Ufologia vive tudo isto, ou melhor, é um sinal claro deste
momento. Alguns, por confundirem o bem-estar espiritual do
homem, preferem tal termo como sinônimo de algo sobrenatural, ao
invés de o aplicarem como significante de profundidade, sobriedade
e sensibilidade. Fromm, na citada obra, diz que homens como
Sócrates, Platão e Aristóteles preocupavam-se com a felicidade e o
desenvolvimento espiritual do homem, exprimindo-a com a
autoridade da razão, e não se arrogaram por transmitir revelações
divinas. Era nitidamente a atitude de quem sabia que, um dia, os
mencionados conflitos dariam lugar ao equilíbrio entre o
comportamento racional e a tranquilidade espiritual, aqui em sentido
que denota a evolução psíquica e psicológica do ser humano. Eles se
interessavam pelo homem em si mesmo, que consideravam o objeto
mais importante de estudo. Seus tratados de Filosofia e ética eram
ao mesmo tempo textos de Psicologia (obra citada, p. 7).
Ufólogos, em sua maioria, preferem as ilusões ao tratamento
racional, o qual têm como limitado e insosso ao gosto de suas
transcendências, para que possam substituir seu afastamento das
gnoses religiosas por seres salvadores e sobrenaturais, por isto
mesmo batizados de ultraterrestres, extraterrestres, intraterrestres...
uma ciranda de nomes que se amolda aos interesses. É que não se
desvencilharam, sem o perceberem, do condicionamento que lhes foi
imposto pelas influências de fundo religioso. Dessa forma, apenas
substituem deuses por Ets. Diz a escritora Karen Armstrong:

Em nossa era cética, com frequência se presume que as pessoas são


religiosas porque desejam algo dos deuses que veneram, Desejam vida
longa, livre de doenças e até a imortalidade. Pensam que os deuses
podem ser convencidos a lhes conceder favores. Mas o fato é que essa
hierofania inicial mostra que a adoração não precisa ter
necessariamente um fundo de interesse. Quando as pessoas aspiram
atingir a transcendência simbolizada pelo céu, sentem que podem
escapar da fragilidade da condição humana e passar para o que existe
além dela. 100

Há exemplos insofismáveis – o tal comandante de 15 milhões de


naves Ashtar Sheran ocupa o lugar de Jesus, que irá voltar. Este
100
Op. cit .
175
comandante/salvador/anjo guardião vem para um arrebatamento e,
por certo, adentrará pelas nuvens em uma cena digna de Dante e dos
clássicos como as cúpulas de Rafael e Michelangelo. Será que
venerar um “deus” irá abrandar a ira dos “deuses” e assim salvar a
humanidade de seu holocausto? A Ufologia está na infância pela
infantilidade de muitos que nela militam, e corre o risco de
extinguir-se precocemente antes de chegar, no mínimo, à
adolescência. Fromm cita seu mestre:

Freud não se limita a provar que a religião é uma ilusão. Ele diz que
toda religião constitui um perigo, porque tende a santificar instituições
viciosas, com as quais se tem aliado através dos tempos. Além disso,
porque ensina às pessoas a acreditarem em uma ilusão, condena o
pensamento crítico e condiciona certa estagnação intelectual.

Quando ufólogos não hesitam em tapar os ouvidos e ocultar dos


olhos suas ilusões de infância – super-heróis dos quadrinhos, naves
de outras galáxias, exércitos de Ets guardiões das leis interestelares
nem os temores por vezes prazerosos como anjos da guarda à
espreita, santos punidores pelas travessuras, deuses que impõem leis
contra os ímpetos dos instintos – demonstram que ainda se
encontram conduzidos por ideias primárias e elementares, por isto
mesmo, desajuizadas.
Daí, não se distinguem da versatilidade ingênua, cuja criatividade
ainda não se separou da fantasia. Portanto, vão a São Thomé das
Letras, à Chapada dos Guimarães, Macchu Picchu, Ilha de Páscoa e
a tantos outros locais de “concentração místico-esotérica” e não se
conformam quando nada presenciam. Mas veem. Veem e fotografam
“sondas ufológicas” no lugar de faróis de automóveis, luzes de casas
da roça nos altos dos morros, registram formas extraterrestres de
seres cabeçudos e longilíneos em fotografias de churrascos ou
encontros noturnos de turminhas que jogam RPGs, sentem-se
vigiados por “orbs” ao invés de notar respingos de chuva, partículas
de poeira e fungos nas lentes das câmeras, maravilham-se com
“rods” pensando tratar-se de formas de vida minúsculas e
desconhecidas ou de naves liliputianas. Fromm volta a referir Freud:

176
Ele acentua o contraste entre a brilhante inteligência das crianças e o
empobrecimento da razão adulta. Sugere que a natureza íntima do
homem talvez não seja tão irracional quanto o indivíduo se torna sob a
influência de ensinamentos irracionais.

Salta então à superfície a ausência de senso de autocrítica. O que


atormenta a grande maioria dos ufólogos é o fato de não ter
conseguido descobrir, com clareza, a essência do fenômeno
chamado disco voador. Isto provoca inquietação. Quase todos os
investigadores em Ufologia que atingem idade avançada partem,
com notável desespero, para explicações de compensação pelo seu
malogro. Não estão acostumados à maior virtude das ciências –
saber que uma descoberta definitiva ou o encontro de uma
compreensão límpida pode demorar, por vezes, centenas de anos.
O papel de um pesquisador pode-se dividir em diversos graus de
importância, do mais modesto aosmais produtivo, mas a atuação de
todos faz parte do caminhar e do progresso da ciência. Se hoje
alguns contribuem com tímida parcela, sua participação permitirá o
êxito daqueles que virão, no futuro, tornar compreendida uma
questão em fermentação.
No caso da crença em Ets – e aqui novamente não se trata de
negação renitente – o fascínio extremo não permite reflexões a título
de crítica do próprio conhecimento. É o que de novo Erich Fromm
destaca, neste sentido:

Se o homem prescinde da ilusão de um Deus paternal, se encara a sua


própria solidão e insignificância no universo, ele se sentirá como a
criança longe da casa paterna. Mas o verdadeiro sentido do
desenvolvimento humano consiste em sobrepujar esta fixação infantil.

Enquanto tais pesquisadores sabem conscientemente que suas


“descobertas” em nada avançaram, e alguns outros percebem que, ao
contrário, um número cada vez maior de casos clássicos vem sendo
explicado por efeitos naturais antes não percebidos – reflexos,
ocorrências atmosféricas e elétricas, insetos, esporos de vegetais em
suspensão etc. – inconscientemente mantêm a sensação inebriante de
estar lidando com algo transcendental, agindo com notório
comportamento messiânico.

177
O resultado disto são as mesmas fantasias, agora maquiadas de
“novos mistérios”. É o caso dos rods, uma apologia à ingenuidade,
de tão óbvia, porém encapada de “nova e desconhecida forma de
vida”. A Psicanálise está familiarizada com este comportamento.
Pode-se, inclusive, comparar as fases do desenvolvimento da
humanidade com aquelas pelas quais passa o indivíduo. Os filósofos
orientais sempre tiveram razão – o macro e o microcosmo nutrem
exata correspondência.
Charles Hanly, membro da Canadian Psychoanalitic Society e
autor de O Problema da Verdade na Psicanálise Aplicada101
sugere que a fase mitológica da humanidade, que deu lugar à era da
razão, foi seguida de um comportamento anímico das culturas
evocando o exemplo dos gregos, como, aliás, não poderia deixar de
ser, dada a importância que a Grécia teve para o desenvolvimento do
pensamento humano. Segundo ele, o salto para o racionalismo
passou por sobre um animismo, sob a influência de fatores
econômicos, geográficos, ambientais, tecnológicos, políticos e
sociológicos. Com o indivíduo, ocorre o mesmo – seu animismo são
as manifestações psicológicas, os efeitos que o seu psiquismo
provoca tanto ao externar um comportamento quanto ao construir
uma realidade subjetiva.
Nas chamadas ciências paralelas, quando raramente possuem ao
menos algum sutil aroma de ciência como a paraPsicologia, o
animismo é sinônimo da causa/mente na produção de ocorrências
tidas como paranormais, assim sem quaisquer agentes sobrenaturais
ou externos ao homem. Alexander Aksakoff, filósofo e um dos
grandes cientistas russos que se notabilizou na investigação dos
fenômenos espíritas do século 19, preferia chamar de
“personismo”102, pela causa ser a própria mente humana, nas suas
feições pessoais, fantasiadas de atribuições estranhas.
Assim, o que animava os acontecimentos para a humanidade
antiga era algo ínsito às coisas da natureza, enquanto para o homem
animista suas próprias faculdades, seus instintos, pulsões que

101
Imago, RJ, 1995.
102
Fenômeno entendido por comunicação mediúnica, mas na verdade de natureza psicológica.
Jung consagrou a personalidade como decorrência da persona – a máscara (ou aparência)
com que o sujeito ser apresenta ao mundo. A palavra persona é originária do teatro
romano, era a peça que escondia o rosto dos atores durante a representação.
178
constroem suas motivações, enfim, a sua própria atuação, anima
ocorrências que ele mesmo produz. O termo “animismo” foi usado
por Edward Tylor, em seu clássico Religion in Primitive Culture,
de 1934, para indicar a crença difundida entre os povos primitivos
de que as coisas naturais são todas animadas; daí a tendência a
explicar os acontecimentos pela ação de forças ou princípios
animados103.
Hanly vê validade na comparação, no nível fenomenológico,
de certos aspectos do funcionamento psíquico dos gregos homéricos
com o dos gregos dos séculos quatro e três a.C. Segundo sua
hipótese:

Os gregos homéricos eram na verdade empiristas ignorantes que


inventaram um conjunto de explicações complexo e coerente para os
eventos naturais baseados no que havia de mais familiar para eles – seu
próprio comportamento motivado e seus relacionamentos.

Eis aqui a fusão da fase mitológica da humanidade com a


animista. No plano individual, não seria diferente: Novas
observações do desenvolvimento infantil poderiam mostrar que
também as crianças modernas são empiristas ignorantes que usam
metáforas e analogias psíquicas para tentar compreender o mundo
que as rodeia. Para a humanidade e para o indivíduo, pode-se
resumir que, de forma criativa e imaginativa, conta-se com o melhor
de que se pode dispor, na construção de explicações, com o
comportamento típico de uma cultura pré-científica.
Está no espaço, voa, flutua, aparece em fotos sem observação a
olho nu, apresenta-se com formatos estranhos para quem não está
acostumado à análise técnica, então é disco voador, sobrenatural,
desconhecido. Causa espanto, fascínio, medo, perplexidade e,
consequentemente, alterações emocionais; então é de “alguém” e,
necessária cacofonia, do “além”. Unem-se, pois, de forma inevitável,
o concreto material com o concreto criado pela crença, dito
espiritual. Óvnis e pensamento religioso passam então a adquirir
perfeita simbiose.

103
Abbagnano, N.; Dicionário de Filosofia, Martins Fontes, SP, 2000.
179
Somos obrigados a mais um exemplo, bastante recente. Exemplo,
aliás, do que supunha o citado Charles Hanly. Com o advento da era
espacial e com a passagem para o terceiro milênio, aquela simbiose
entre naves extraterrestres e espíritos de mortos ganhou muito mais
força. As manifestações de seres extraterrestres, ora de poder
telepático ilimitado, ora com a faculdade de se deslocar pelo mundo
espiritual, aumentaram estatisticamente nas sessões espíritas durante
os transes mediúnicos.
Alguns espíritas ficam muito preocupados e inseguros diante da
dúvida sobre a origem dos que com eles se comunicavam. Seriam
sempre seres extraterrestres que durante as eras se manifestaram,
dizendo-se desencarnados? Ou sempre foram alguns desencarnados,
apelidados por vezes de brincalhões, por outras de “pouco
evoluídos” (sic)? Na realidade, muitos acham que ambas as
explicações servem ao que vem ocorrendo em centros espíritas,
terreiros de umbanda e similares.
Um fato interessante: se Hanly tiver razão e o comportamento da
humanidade por ele levado em conta voltar a se repetir como seria
de se esperar, passaremos da “fase dos espíritos”, para a “fase dos
Ets”, para então, de novo, concluir que estamos mergulhando,
inevitável e inexoravelmente, para a fase da razão.
O fato é que, sempre afeitos à já tão comentada “abertura
democrática” para todas as linhas de pensamento, a Ufologia vem
hoje dando a público a ingerência do pensamento místico-religioso
no estudo dos objetos voadores não identificados. A mundialmente
consagrada e única publicação brasileira especializada, fonte
valiosíssima de pesquisa para este nosso livro, a revista UFO104,
publicou a interessante manifestação de um espírita.
O que tem a visão espírita a ver com a Ufologia? Tudo. Da forma
como se enreda a Ufologia por sendas místicas, a questão é de
lógica. Para o meio acadêmico, Óvni é objeto de pura crença. O
104
Antes que se cometa injusta omissão, a revista UFO vem sendo editada desde 1985 tendo à
frente o ufólogo Ademar J. Gevaerd. Em que pese por vezes pesada censura, inclusive e
principalmente por parte destes autores, uma linha editorial e uma abordagem alvos de
inúmeras e nada brandas críticas, e outros pecadilhos menores, não podemos deixar de
enaltecer seu empenho sincero, que em todos estes anos ajudou a superar grandes
dificuldades e atropelar crises, tornando a publicação a mais longeva do mundo em sua
categoria. Entre prós e contras, optamos por reconhecer seu trabalho dedicado e
incansável.
180
discurso dos autointitulados céticos tem sido neste rumo – aceitar-se
que Óvnis existam é produto de credulidade. Não é para menos. Já
está cimentado nas pessoas o pensamento de que todo ufólogo acha
que disco voador vem do espaço – “naves espaciais extraterrestres”
– e está muito difícil apagar tal conceito.
O vício, tal como o do cigarro, recusa-se a largar os céticos e a
culpa é apenas dos ufólogos. Recentemente, uma discussão curiosa
redundou no argumento teleológico mais evidente que já se viu nos
meios ufológicos – estaríamos muito próximos de ter um contato
definitivo com “eles”. Extraterrestres são personalidades, caro leitor.
Claro que, ao menos no pensamento concreto desse tipo de ufólogo,
eles o são sem dúvida. Se estamos próximos disto, para que agora
tentar rever toda a Ufologia, como é uma das pretensões deste livro,
se não há mais tempo? Esta é uma pergunta que, se não passou pela
sua cabeça, decerto já povoa a de todos os ufólogos que ora o têm
em mãos.
A conclusão é somente uma: se a “revelação” acontecer, não
haverá mais razão para todo um trabalho árduo, gradativo, penoso de
tentar moralizar a atuação dos ufólogos. Um belo escapismo de
credulidade. Não é a primeira vez, nem será a última, que se crê em
“revelações definitivas”. Que, no final das contas, estão é velando a
cada dia a lucidez tão necessária para a compreensão de qualquer
fenômeno. O espiritismo é pouco sutil, ao intitular-se A Terceira
Revelação
A Segunda, em que, aliás, ele mesmo se baseia, pode-se dizer
teologicamente, toma conta de boa parte do mundo há uns dois mil
anos. E vem velando cada vez mais a compreensão do universo, ao
contrário do que creem seus adeptos. Agora, a Ufologia espera uma
breve revelação. Mais uma. Só não percebe que, também, esta se
fundamenta em pura crença: a de que seres extraterrestres pilotam os
Óvnis originários de outros planetas para dar as verdades universais.
Um cético nos disse certa vez que nem as evidências de um
fenômeno ufológico podem se constituir base para a aceitação de
que Óvnis existem. Não há ambiguidade aqui. Para ele, somente as
“provas” dariam tranquilidade para tal aceitação. E ainda se intitula
cético... porque cético não vê possibilidade de o pensamento humano
explicar o que quer que seja, muito menos em definitivo. Porém,

181
céticos como tais vivem pregando que somente as provas servem
para uma visão realista do universo, daí serem apenas sistemáticos,
ainda mais quando não conseguem se desligar de Ufologia e
assuntos afins, para ostentar sua postura. Ao que tudo indica, entre
ufólogos e céticos existe uma postura idêntica, ainda que somente
inversa, ou dialeticamente contrárias: uma diz que sim, outra que
não.
Que Óvnis são naves extraterrestres, que Óvnis não são nada.
Como adoram chamar ufólogo de pseudocientista, e que ufólogo de
verdade jamais admitirá que Ufologia seja ciência, ao que tudo
indica o qualificativo “pseudo” se aplica muito mais ao cético,
porque apregoa que Óvnis existirão somente quando, e se, provados.
Céticos, que admitem realidades comprovadas... isto sim é um tanto
incongruente.
Resta apenas uma observação, considerando-se sempre que o
artigo já publicado sobre a pseudoclassificação dos céticos
sistemáticos, em Ufologia, é altamente proveitoso: a de que seria
interessante que algum psicólogo, quem sabe psicanalista, fizesse
um dia um estudo particularmente voltado para esses colegas do
outro extremo. Algo os leva a, com afinco e com o máximo de
atenção, combater a Ufologia e seus adeptos. Por quê? Dirá o
contraditor ser natural para uma corrente que pretende afirmar
realidades para o mundo, caso dos ufólogos, surgir uma contrária.
Perfeitamente.
Mas isto não exime os dito céticos de seus componentes de
ordem psicológica. Ao que tudo indica, fascinaram-se pelo tema. É
até possível que tivessem partido desde um espanto qualquer com o
assunto (diz-se aqui de ordem exclusivamente intelectual) e,
posteriormente acostumados com o pensamento científico e
metodológico, ficado decepcionados com o trato oferecido ao
mesmo por parte principalmente dos ufólogos. E partiram para o
ataque. Não se deve censurá-los.
Pode ser que, no entanto, existam outros elementos mais
complexos nesta postura. Ou melhor, como reflexo da primeira.
Paralelamente, os pseudocéticos devem ter motivos mais fortes – de
ordem psicológica – para rechaçar com tanta rispidez a Ufologia. Ou
tão fortes quanto aqueles que inspiram os ufólogos. Possivelmente

182
de ordem até religiosa, unida à sua aparente aversão pelos aspectos
místicos e esotéricos dessas questões.
A ausência de crença religiosa, sempre num estado de inversão já
mencionado, impinge-lhes uma inegável situação de revolta,
geralmente justificada pelas duras trilhas seguidas pela humanidade
na busca do conhecimento científico, à procura da melhoria de vida
para o ser humano, enquanto muitos se dedicam a tais bobagens,
irresponsavelmente. Mas, no fundo, talvez inconscientemente, exista
a mesma força, contrária, de fundo religioso. Um dos sintomas é a
afinidade com que todos estes bem-vindos censores da Ufologia, os
pseudocéticos, têm por autores como Carl Sagan e por todos que, de
uma forma ou de outra, dedicaram ou dedicam-se fundamentalmente
ao combate de ocorrências dito paranormais ou ufológicas. Tais
preferências quase caracterizam uma espécie de idolatria. É linha
contrária, mas de mesma força motriz.
Em uma longa conversa com qualquer cético, de nada adiantaria
frisar que nem todo ufólogo crê em naves extraterrestres, mas
justifica seu estudo com o proveito de se buscar todos os intrincados
reflexos que a Ufologia possa gerar sob o ângulo psicológico,
psicanalítico, histórico, sociológico etc., mesmo que nada de
extraterrestre se demonstre, agora ou no futuro. Para o cético,
ufólogo é ufólogo, ou seja, um crente “naqueles extraterrestres
maravilhosos e suas fantásticas máquinas voadoras”. Culpa da
própria Ufologia. Perdão de novo - dos ufólogos. Devemos aguentar
e não chiar, diriam nossos avós.
E vem o espiritismo imiscuindo-se na Ufologia. Errado – é a
Ufologia insistindo por se misturar ao espiritismo, sempre com
alguma justificativa. Há seres extraterrestres manifestando-se de
algum tempo para cá, em centros espíritas. E, há mais tempo,
disfarçando-se de espíritos de mortos, o que faziam frente à
incapacidade ou para evitar o choque dos crentes, durante sessões
espíritas. Pois bem.
Outra vez, e como sempre, nada de novo sob o Sol. Deuses se
transformaram em Deus, que se fez homem sem deixar seu aspecto
divino, o divino se transformou em espíritos de mortos, os espíritos
dos que se foram agora são seres extraterrestres. Ainda bem que a
cibernética e a informática são técnicas estritamente “materialistas”,

183
caso contrário, extraterrestres já teriam se transformado, há muito
tempo, em “seres virtuais” tentando passar para “nossa dimensão”. O
leitor achou graça? Pois saiba que tem muita gente achando bastante
possível que um roteiro como o do filme “Matrix” possa ser uma
realidade...
O espírita, sejamos justos, não costuma muito intrometer-se em
searas alheias, só quando convidado. E aí despeja interessantes
ideias compostas de crença e ciência. O problema é ver o quanto de
realmente científico exista nisto, conquanto fosse ideal que cada
área do conhecimento humano não tentasse misturar instâncias. Tal
como querer argumentar que deus possa ser provado pela ciência, ou
que as religiões sejam acordes com as ciências, ou absurdos
semelhantes, completamente incompatíveis.
Tome-se o exemplo de um expert em espiritismo como Pedro de
Campos, que palestrou no 32º Congresso Brasileiro de Ufologia
Científica em Curitiba, PR, em novembro de 2005. Ele estaria
representando o “Espiritismo Científico” e publicou um artigo com o
título “Contatos com Ets na Visão Espírita”. Tal título, já
tendencioso por si mesmo ao comungar contatos com Ets tem, como
subtítulo, “Qual é o ponto de intersecção entre o mundo dos mortos e
o dos alienígenas?”.
Não é difícil responder. Esse ponto é a crença em algo de feições
sobrenaturais ainda longe de serem provadas. Natural, portanto –
ambas as áreas se tornam acordes, sem dúvida.
Diz o autor que a sua visão do fenômeno Óvni é científica, até o
ponto em que a nossa ciência pode assim entendê-lo. Alerta que, a
partir do momento em que este assume um caráter imaterial, sem
suporte concreto, então sua visão sob o tema também se altera,
passando a examinar a questão sob uma outra ótica – a do
espiritismo científico. Visão científica? Somente, até o presente
momento, se admitir que Óvnis sejam exclusivamente produtos de
reações psicológicas, ocorrências naturais confundidas ou, no
máximo, um reflexo mítico no folclore e nas lendas urbanas.
A ciência assim o entende, e está longe de entendê-lo como algo
totalmente estranho ou de origem inteligente desconhecida. Não se
pode confundir a visão de certos ufólogos com a das ciências
acadêmicas. Um engano colossal! Que amontoado de falácias e

184
absurdos! A visão do autor se altera quando o fenômeno assume um
“caráter imaterial” – imaterial significa espiritual? – para que ele
passe a encará-lo sob a ótica do espiritismo científico! Mas que
científico é o espiritismo? Algo científico que trate de um ser
imaterial, no significado estrito preferido?
Não há suporte “concreto” em um fenômeno que, como tal,
ocorra ou possa ser percebido? Nem ao menos concreto sob um
aspecto meramente pensado? Parece que certas categorias de termos
são sempre tomadas pelo sentido amplamente conotativo, quando
não se acha uma terminologia correta e condizentemente aplicável.
Impressionante. É lamentável dizer que, genericamente, os céticos
estão totalmente corretos ao chamar essas brincadeiras, esses
exercícios desprovidos de intelectualidade e transcendência, de
pseudociência!
Os espíritas orgulham-se de uma suposta tentativa de seu
codificador, Allan Kardec, de fazer jus a sua condição de cientista e
filósofo. Mas que não deu certo. Arvorar-se o espiritismo de
Filosofia, ciência e religião é altamente elogiável, mas, ao que tudo
indica, o que dele sobrou, via de seus adeptos, foi religião, tanto
dogmática como de postura. De Filosofia restou-lhe a profunda e
interessante tentativa de refletir sobre o universo. De ciência,
entretanto, nada tem. Tanto assim, que se vê atualmente rara situação
de pesquisa isolada em núcleos de universidades e, assim mesmo,
através de pesquisadores de declarada crença espírita. No mais, de
científico no espiritismo ficaram as pioneiras investigações do final
do século 19. E só.
Para adentrarmos aqui no mérito a respeito das fracassadas –
metodologicamente – pesquisas de Sir William Crookes em torno
das materializações do alegado espírito de Katie King pela médium
Florence Kook, seria obrigatória a exposição detalhada de como o
fascínio de então impediu uma visão isenta a respeito de uma fraude,
cujo estilo se perpetuaria, inclusive, nas ações de paranormais
farsantes de atualmente. À inconveniência de tal, nada resta para se
afirmar que o espiritismo seja científico. Mesmo porque, parte do
pressuposto de que o contato com espíritos de mortos seja
incontestável. Isto basta.
Kardec tentou:

185
O Espiritismo estabelece, pois, como princípio absoluto somente o que
é demonstrado com evidência, ou o que se deduz logicamente da
observação. Abordando todos os ramos da economia social, aos quais
presta o apoio das suas próprias descobertas, ele sempre assimilará
todas as doutrinas progressivas, de qualquer ordem que seja, chegadas
ao estado de “verdades práticas”, e saídas do domínio da utopia. Sem
isso ele se suicidaria. Cessando de ser o que é, mentiria à sua origem e
ao seu escopo providencial. (o grifo é nosso)

Este trecho, escolhido de Que é o Espiritismo? seguido de


Caracteres da Revelação Espírita105 mostra, de forma cristalina,
que Kardec dava prioridade a convicções vindas da prática, ou seja,
de uma tentativa de estudo científico de fenômenos que
referendassem as origens do que se obtinha de comunicação.
Contudo, parece que logo depois o veio do suicídio foi desviado pelo
da credulidade religiosa. É comum vermos líderes espíritas fazendo
questão de frisar que o fenômeno já não mais interessa, que é ponto
pacífico, importando mais as obras e o aprofundamento religioso.
Nada contra, é claro, mas não se diga que cientificamente o
espiritismo já adquiriu o respaldo antes pretendido. Ao contrário.
Mesmo que muitos de seus seguidores acreditem que se apoiam em
uma espécie de “religião científica”, o que por si só é colidente.
Recentemente, o rumoroso Caso Varginha completou dez anos.
Um líder espírita ouvido por uma TV local frisou que, para o
espiritismo, a vida em outros planetas é crucial para referendar o
pensamento reencarnacionista, mas que não acreditava no “Et de
Varginha”. Ainda bem. Nada há que demonstre, prove ou mesmo
evidencie de que em Varginha tenha se avistado um ser
extraterrestre.
O único ponto notável é que um líder religioso pode mesmo se
dar ao luxo de não acreditar em algo, afinal, isso só pode quem
acredita em outras coisas. Só quem crê pode raciocinar com
descrença. Ele crê que muitos espíritos de mortos se comunicam
com pessoas vivas, em várias partes do mundo, diariamente, mas não
acredita que em sua cidade tenha-se manifestado um ser material,
cuja crença de alguns afirma ter vindo de outro planeta. Nada mais
coerente.
105
Obras Completas de Allan Kardec, edição de luxo, Editora Formar, s/d.
186
Kardec talvez não apoiasse tais posturas, se vivo fosse.
O Espiritismo e a ciência completam-se reciprocamente; a ciência, sem
o Espiritismo, acha-se na impossibilidade de explicar certos fenômenos
só pelas leis da matéria, e o Espiritismo, sem a ciência, ficaria sem
apoio nem exame. O estudo das leis da matéria devia preceder o da
espiritualidade, porque é a matéria que primeiro fere os sentidos. Se o
Espiritismo tivesse vindo antes das descobertas científicas, teria
abortado, como tudo quanto surge antes do tempo106.

Como quer que seja, Campos, no artigo que comentávamos, acha


que a nossa ciência tem demonstrado não estar em um grau elevado
para examinar os Ufos. Ou seria o fenômeno Óvni que ainda não
ofereceu dados suficientes para a compreensão da ciência? É isto que
parece. Quando muito, e deixando aqui de lado casos envolvendo
supostos seres, alegados pousos, estranhas abduções e similares, há o
avistamento de luzes ou pontos diurnos no céu, aparentemente
apartados de ocorrências conhecidas.
Eles continuam sendo a pedra no sapato dos que não admitem a
existência de discos voadores. Porém é comum que ufólogos
afirmem que “não mais precisamos de simples avistamentos pois já
estamos muito além disto”. Mais um primaríssimo engano. Um
pequeno percentual de acontecimentos foge completamente ao que
se compreende de fenômenos naturais conhecidos, ainda que nada
haja, como sempre, que faça supor uma procedência extraterrestre.
Diante dessas manifestações, a maioria dos ufólogos ou deixa
propositalmente de lado o registro – o mencionado desprezo é
visivelmente um desdém provocado pela incapacidade de
compreensão, perceptível a qualquer iniciante em Psicanálise – ou
cai na mesmice: são naves extraterrestres e não se fala mais nisso!
Temos o exemplo da recente histeria provocada no meio,
pela divulgação, por Jaime Maussán, ufólogo mexicano radicado nos
EUA, da aparição de verdadeiras “frotas de discos voadores”
próxima às fronteiras entre os dois países. As notas, apesar de
revestidas de aparente seriedade, tais como o envolvimento de
supostas pesquisas empreendidas pela Universidade do México,
partiram para afirmar que se tratava de uma verdadeira invasão de
106
Op. cit.
187
naves vindas de fora. Se por um lado não se deve confiar na simples
percepção, nas sensações que os órgãos dos sentidos nos propiciam,
é importante que os olhos da razão deem respaldo ao que os do
organismo observam. Os filmes envolvendo a tal invasão mexicana
mostram balões de gás flutuando a grande altitude levados por
correntes de ar. Como ocorreu com o caso dos “rods”, também na
história da invasão mexicana foi necessário que alguns
pesquisadores perdessem seu precioso tempo para demonstrar o que
deveria ser óbvio. Isto foi feito, no Brasil, pelos nossos
colaboradores Laura M. Elias e Rogério Chola através de algumas
boas matérias.
Trata-se de balões de bexiga inflados com gás hélio usados em
festividades e comemorações. Em várias partes do mundo é usual
que milhares desses balões multicoloridos sejam soltos e alcancem
grandes altitudes, principalmente quando as condições climáticas são
favoráveis e, num determinado ponto, pareçam estáticos, com pouco
ou nenhum movimento. Quando tocados por correntes de vento,
fazem uma graciosa dança no ar, percorrem alguns quilômetros,
voltam a parar e tornam a se movimentar. Com o reflexo da luz
solar, apresentam-se visualmente brancos.
O que mais impressionou ufólogos no caso mexicano foi que em
meio aos objetos esféricos – a distância também torna os balões
ovalados com aparência arredondada – um ou dois apresentavam-se
disformes, ou mais propriamente com formas alongadas ou
parecendo triangulares. É comum os balões serem unidos formando
figuras imitando bichos, bonecos etc. Os adeptos da “invasão de uma
verdadeira frota de discos voadores” vêm argumentando também
que a quantidade de objetos captados nas filmagens não permite
concluir que fossem bolas de bexiga. Outro engano. De pouco tempo
para cá, até no Brasil pegou-se a moda de se soltar dezenas de
milhares de uma só vez, para preencherem visualmente o espaço.
Quase sempre são de uma única cor, ou de apenas duas ou três cores,
como a representar bandeira, símbolos de associações, marcas e
similares.
Pela internet pode-se achar inúmeros exemplos, com fotografias
que ilustram o uso cada vez mais comum de balões cheios de gás,
em festas de aniversário, comemorações públicas, jogos e festivais,

188
levados ao local pelas companhias promotoras dos eventos em
enormes recipientes ou amarrados em sacos de rede, alguns com
mais de sessenta metros de comprimento. Atados no alto de prédios,
os invólucros protetores são cortados e as bexigas escapam
salpicando o azul de pontos multicoloridos. São tantas que de longe
parece que o espaço está sendo todo tomado por fumaça.
O portal Rank Brasil – O Livro dos Recordes Brasileiros – traz
várias fotos sobre o assunto. O site informa que a Associação
Comercial de São Paulo surpreendeu os paulistas com a soltura de
110 mil balões no dia 31 de dezembro de 2004, no Páteo do Colégio,
em São Paulo. Desde 1991, a ACSP preenche os céus do centro da
cidade com os seus balões de gás em diversas cores, para comemorar
a chegada do ano novo. Uma rápida busca na rede fará que se
encontrem muitas fotos registrando essas revoadas de bolas de
bexiga a grande altitude, com aparência idêntica à daquelas filmadas
no México.
Mas, voltando ao ponto que nos trouxe aqui, Campos, o espírita,
confia que um espírito cognominado Erasto ditara-lhe uma obra
psicografada mencionando a possível finalidade daquele avistamento
de luzes no céu. Um fenômeno preparatório para contatos mais
efetivos com o homem no futuro. Bem, ainda que não tenhamos a
pretensão de afirmar o que quer que seja sobre “os desígnios dos
espíritos” (parafraseando os demais religiosos a respeito de Deus),
fica difícil saber por que razão Erasto não tenha alertado Campos de
que as flotillas mexicanas de Óvnis não passavam de balões soltos
aos milhares, durante festejos nacionais, como é costume e mania
em vários pontos daquele país.
Sobre isso, o autor comentado não titubeia: As centenas de naves
observadas naquela região... pareciam uma verdadeira “exibição”
de vida inteligente, vinda de outras paragens do Cosmos. Nova e
clara tentativa de postura científica. Enquanto tudo apenas parecia
uma verdadeira exibição, entre aspas, de vida inteligente, os pontos
observados eram mesmo, antes de tudo, “centenas de naves”. Naves,
bom frisar.
Kardec confiava que os fenômenos inspiradores da religião que
codificava encontrariam por parte das ciências um apoio
incondicional. Mas não foi assim, o que, aliás, é de se lamentar, já

189
que todo fenômeno não pode ser desprezado, mesmo diante dos
constantes constrangimentos de certos pesquisadores, que morrem
de medo de perder o emprego ou ver verbas cortadas por
demonstrarem interesse em destrinchar essas coisas – espíritos ou
Óvnis.
E, quando aconteceu, nada foi encontrado que demonstrasse ou
provasse com segurança, que espíritos de mortos se comunicam com
os vivos. Tudo o que se tem até agora é uma série de ilações de
ordem psicológica, e raramente da física, no sentido de que se pode
explicar fenômenos antes atribuídos a espíritos, a fatores bem mais
“materiais” ou naturais, ainda que raros e na maioria das vezes não
controláveis. Mesmo que certos espíritas insistam por achar absurdo
demais que a mente humana pudesse ser veículo de certas
ocorrências, preferindo admitir o mais fantástico, e exterior ao
homem, do que o mais possível.
Esta postura decorre, muitas vezes, pela falta de informação a
respeito das fontes e, por outras, do que já seja corriqueiro nesses
meios tais como brincadeiras, testes de falsificação, reprodução
proposital de imagens com o fito de comparação ou descoberta de
modos de fraude. Isto se torna uma verdadeira ausência de
percepção, refletida em completa falta de espírito crítico. Veja-se o
caso dos rods ou mesmo dos orbs, geralmente provocados por
respingos de orvalho, sujeira ou fungo nas lentes, que o mal
informado acredita serem Óvnis não perceptíveis manifestando-se
nas fotos.
O ufólogo mexicano Jaime Maussán é pertinaz em divulgar
material rumoroso e controvertido. É dele a proeza de turbinar a
crença de que os seres extraterrestres já começam, ou vêm
aumentando suas aparições em fotos. Como sempre, o fotógrafo
nada vê, mas se espanta ao revelar a película ou exibir a foto na tela
do computador. Mas, ao que tudo indica, são fraudes e das bem
grosseiras. Campos, no entanto, confia nesse tipo de foto para alegar
que os “seres” que nelas aparecem apresentam embaçamento, ou
seja, enquanto os seres humanos nas fotos estão sempre nítidos, as
entidades alienígenas, a seu turno, apresentam-se desfocadas. Essa
falta de definição na imagem, esse embaçamento das formas, é fato
característico do processo. Isso também é visto na materialização de

190
espíritos. Perigosa comparação. As tentativas de linguajar científico
prosseguem, apesar de tudo. O estado embaçado da forma antecede
seu estado sólido. Espantoso! Isto é realmente extraordinário!
Após outros tão fantásticos equívocos, tais como afirmar que
militares mexicanos teriam usado método científico na análise dos
balões, ou melhor, dos “milhares de Óvnis” (e o apontamento disto
fica por conta dos colaboradores citados), prossegue o articulista
fazendo outra afirmação claramente distanciada de quem esteja
acostumado às possibilidades tecnológicas. Sugere que um plano de
contato deva ser urgentemente elaborado para que a comunicação
com tais seres, que agora se manifestam de forma tão constante e
escandalosa, fosse mais produtiva. Eis no que se baseia sua
proposição: Se os Ufos não forem conduzidos por inteligências
artificiais, as chances de comunicação aumentam e muito! Mas é
justamente o oposto! Uma comunicação codificada, regular e
elaborada em linguagem científica, como a matemática, seria muito
mais eficaz diante de um possível extremo distanciamento de
idiomas, se é que Ets falam, apesar de mencionarmos em um
capítulo específico alguns supostos “diálogos” relatados pelas
testemunhas.
Quando se comentam entendimentos como este, pode-se notar
outro ponto do padrão de comportamento do próprio estudioso.
Quem trilha pelas áreas chamadas “paraciências” recebe direta
influência de pesquisadores antecessores, precursores e de fatos tidos
como verdadeiramente acontecidos.
Certas acepções vão sendo firmadas, aceitas por um número cada
vez maior de pessoas e então passam a incorporar o plano de
estudos. Isto se dá com a própria ciência. A diferença é que para as
ciências algo é verdadeiro, válido e aceitável após muita repetição,
depois de intensas tentativas de verificação, quando se levam em
conta fatores múltiplos e complexos. Passando o tempo, as
investigações sendo checadas, reavaliadas e criticadas por terceiros,
um fenômeno e suas peculiaridades passam a fazer parte do
princípio dado como válido pela maioria. Nisto têm razão os que
classificam a Ufologia de “protociência”. Mas há um viés perigoso
nisto.

191
Em áreas como Ufologia, paraPsicologia e aparentadas, partir
para o pensamento de verossimilhança é um método frágil e
arriscado. A partir de um instante na história, em que essas
ocorrências passam a fazer parte de um embrionário e rudimentar
campo de estudos, podemos ver que isto se deu à margem das
disciplinas acadêmicas – o que todo mundo sabe. Então, não se
conhecem pesquisas pioneiras que tenham sido empreendidas com
todo o rigor científico.
Quando muito, algumas tentativas isoladas conseguiram dar
início a uma coletânea de casos, para firmar uma já farta casuística.
Todavia, este grupo de casos não se preocupou muito com uma
classificação além da criação de neologismos ou empréstimos, tais
como a adoção de termos do tipo “Contato Imediato”, “Encontros
Próximos”, “Abdução”, “Sondas” e “UFO”. Os níveis de veracidade
e de credibilidade ficaram restritos ao parecer dos investigadores e
divulgadores dos casos.
Isto provocou um dos maiores equívocos da Ufologia – partir de
certos casos como se servissem de parâmetros genuínos do
comportamento do fenômeno, tanto física como psiquicamente. Ou
seja, se Edward Meyer107 mostrou filmes em super-8 que registram
um disco voador aparecendo e desaparecendo subitamente, isto é
evidência de que os Óvnis são capazes de se “materializar” e de se
“desmaterializar” à vontade. Casos assim servem de lastro para
ufólogos afirmarem essa faculdade do objeto voador não
identificado, faculdade essa ainda inexplicável para nós, quando não
se parte para explicações mescladas de fantasia e ciência. E nesses
instantes, coitada da física nuclear, da mecânica quântica, dos ainda
emergentes estudos de projeção holográfica em laboratório...
Com a paraPsicologia não é diferente. Todo mundo acha ser
ponto pacífico que as pessoas, concentrando-se devidamente,
influenciam metais e os entortam. A certeza começou com o
polêmico Uri Geller, de quem ninguém, por mais que tentasse,
conseguiu averiguar a veracidade dos “poderes”. Este israelita que

107
Edward “Billy” Meyer, suposto contatado suíço que dizia manter contatos telepáticos com
extraterrestres, posteriormente transformados em contatos físicos, quando começou a
filmar os “discos voadores” que os transportavam. As filmagens e fotografias são truques
primários e comprovadamente fraudulentos.

192
faz da paranormalidade um show, inspirou vários homens em
diversas partes do planeta na sua aventura de se intitularem dotados
de faculdades estranhas. No Brasil, o mineiro Thomas Green Morton
imitou Geller, conseguindo excelentes resultados no seu afã de se
tornar um mago mundialmente conhecido.
A imitação foi tão descaradamente deliberada que até no tocante
ao parapsicólogo que referendou a sua história se parece com a de
Geller. O israelita teve o respaldo de Andrija Puharich, enquanto
Morton o de Mário do Amaral Machado, presidente de uma
associação brasileira de paraPsicologia. Ambos os parapsicólogos
são curiosamente parecidos. Mas Morton sempre foi um mágico, um
ilusionista. Através de seus truques, convenceu muita gente, e
engana-se quem supõe serem seus seguidores pessoas de pouca
cultura. Artistas, médicos, políticos e autoridades fazem-lhe a corte
em sua chácara na cidade de Pouso Alegre, no sul do Estado de
Minas Gerais. Há um sem-número de ufólogos brasileiros e
estrangeiros que têm como certa a aparição de luzes sobre árvores,
de diversas cores, em meio a plantações ou próximas das pessoas em
alpendres e janelas, exatamente por causa de Thomas, que as
produzia com a participação de diversos ajudantes usando trajes
escuros nas adjacências de sua propriedade.
Estão certos de que Óvnis têm desenvolvido poderes e
paranormalidade em alguns “abduzidos” ou “contatados”,
exatamente pela sua ação, em Geller e em meia dúzia de espertinhos
espalhados pelo planeta, que Óvnis aparecem em fotografias sem
que o fotógrafo perceba, aparecendo somente quando revelado o
filme ou exibida a imagem no monitor. Uri Geller inspirou Morton,
que troca moedas por debaixo da mesa, entorta garfos e facas num
torno, substituindo-os com a habilidade de um ilusionista, que
inspirou Urandir Fernandes de Oliveira quando pede a um ajudante
que retire um prato de vidro do forno quente, coloque-o sobre a fria
mesa de pedra e este, a um “comando do pensamento”, explode em
estilhaços de vidro. São as “proezas” dos “paranormais” brasileiros.
Assim tem caminhado a “academia ufológica”, a tão orgulhosamente
autonomeada Comunidade Ufológica Brasileira.

193
Assim funciona a Ufologia, misturada à paraPsicologia,
respaldada em espiritismo108. Para o autor do artigo em pauta, o
administrador de empresas Pedro de Campos, teoricamente pode-se
comparar a velocidade de alguns Óvnis com a “velocidade dos
espíritos” (sic). É que o mencionado Billy Meyer, durante décadas
foco de discussão entre ufólogos, apesar das suas ridículas maquetes
de discos voadores pendurados em fios de nylon, afirmou que
contatou Semjase, uma ET que tripulava os Óvnis que ele conseguia
atrair. E que esta personagem informou estarem eles capacitados a
vir de algum astro nas Plêiades até a Terra num período de 7 horas.
Campos, numa rápida conta, concluiu que isso seria possível se
aqueles alienígenas viajassem 600 mil vezes mais rápido que a luz.
Daí em diante foi um piscar de olhos para que não apenas o autor,
mas muitos passassem a ter como certo o fato de que estes aparelhos
conseguissem atingir velocidades superiores à da luz.
Mas a credulidade não para por aí. Uma velocidade como tal
seria a rapidez do pensamento. Novamente, como se fosse
indiscutível que esse chavão tão replicado – o pensamento viaja a
velocidades instantâneas e inconcebíveis – fosse definitivamente
válido. Nunca se demonstrou, em qualquer lugar e em qualquer
tempo, que o pensamento possua uma “velocidade”. Porém, seres
sólidos não fazem isto. Surge então outra interferência do raciocínio
de um espírita – os ufonautas não seriam seres sólidos, mas viventes
talvez em outra dimensão, referendado pela falta de contato tentado
pelos esforços do governo, ainda não conseguido porque esse tipo de
vida talvez seja ultraterrestre, outra hipótese da Ufologia. Hipótese
festejada há cerca de duas décadas, principalmente através das obras
“místico-teosóficas” do respeitável General Uchoa. Tudo se encaixa.
Está justificado o porquê de se divulgar a visão de um espírita em
uma publicação de Ufologia.
Campos diz não se interessar por entrar no mérito da questão a
respeito de Billy Meyer, mas o utiliza como referência de uma
ocorrência como se fosse incontestável, talvez corriqueira. Fala que
a teoria dos ultraterrestres surgiu em razão da imaterialidade do
fenômeno UFO. Difícil é saber o que seria “imaterialidade”.

108
“Em” espiritismo, ao invés de “no” ou “pelo” espiritismo. Isto para evitar distorções na
compreensão do texto.
194
Os Óvnis seriam “espirituais”? Seria isto? Campos, em meio ao
seu artigo, é discreto na sua clara e inconveniente tendenciosidade de
espírita. E, para dar um cunho de pseudociência, recorre aos vazios
interestelares para dizer que, mesmo à velocidade alegada pela
Semjase de Meyer – literalmente, pois se constatou, com segurança,
que a tal criatura não era outra senão sua esposa usando peruca – as
viagens dos Óvnis não seriam possíveis: teríamos de usar a
velocidade dos espíritos. Com a mesma maestria, justifica
posteriormente a consideração de que ufonautas devem ser
ultraterrestres. Todos esses rompantes de uma aparente lógica
formal levariam o leitor, tranquilamente, a notar então que realmente
há nítida intersecção entre a Ufologia e o espiritismo. Fique a
vontade para refletir a respeito.
Sociólogos que fazem raros exercícios de imaginação diante do
fenômeno Óvni não estão mais sozinhos. Enquanto calculam o
impacto que o contato com uma civilização muitas vezes mais
adiantada ocasionaria, vejamos que choque a relação com seres
ultraterrestres provocaria. O mesmo articulista acha que o contato
com o ultraterrestre renovaria o espírito humano. Bem, se
literalmente, espírito com espírito... De fato, concepções incríveis
poderiam ser reveladas... O problema é que, da casuística
considerada com alguma credibilidade, o fenômeno tem-se mostrado
bem “sólido”, termo preferido pelo autor comentado, dentro daquele
percentual otimista de 1% de casos consideráveis. Razão lhe seja
dada, entretanto, porque os restantes 99% têm como fontes
testemunhas completamente suspeitas.
Primeiro, em virtude de falta de condições e conhecimento para o
correto registro da sua própria observação. Segundo, por decorrência
de um fanatismo totalmente desconectado de qualquer compromisso
com a razão – pessoas que vêm luzes de postes distantes, faróis de
carros em montanhas, satélites artificiais e até vaga-lumes, como
iremos comentar – e afirmam ter avistado sondas e discos voadores.
Em meio a estas, está um enorme percentual de testemunhas
cujas experiências limitaram-se ao subjetivismo de sessões para
tentativa de “contato telepático programado” e, sem embargos,
sessões de cunho espírita. Para fundamentar, o artigo lança mão de
um silogismo no mínimo tendencioso. Os tripulantes dos Óvnis e

195
seus operadores realizariam na matéria uma transmutação insólita.
Imaginamos neste ponto um físico lendo isto:

Quando um rastro de UFO aparece na tela de radar, ele pode ser visto
por todos, mas é apenas um sinal. Quando se tenta interceptar o UFO e
percebe-se apenas uma luz, ele é uma luz! Mas quando ela se movimenta
de modo ordenado e depois desaparece, não é uma simples luz. Algo
inteligente está por trás dela.

Vamos relembrar o que disse um conceituado pesquisador a


respeito destas ações tão “inusitadas”: os Óvnis podem projetar a
sombra para o lado que quiserem, pois não sabemos do que eles são
capazes de fazer! Guarde bem estas duas afirmações, pois
voltaremos a analisar outros exemplos mais à frente. Ora, afinal, que
estado espiritual, que situação material pode-se constatar, ou mesmo
supor, diante desse tipo de argumento?
Nada mais a comentar, pois que o restante do artigo, aqui
escolhido para exemplificar uma visão espírita dentro da Ufologia,
prefere acepções típicas do espiritismo. E crenças religiosas não são
de nosso escopo. Em nota, procuramos esclarecer que estamos,
como autores deste livro, cientes de que o espiritismo não se faz
representar oficialmente pela postura de um autor, mas este
representa bem que a tal faceta científica do espiritismo, ao que tudo
indica, estagnou-se à época da sua codificação. De lá para cá, o que
se tem? Pouco ou quase nada. Por conseguinte, ainda que se tente
dar abrangência ao fenômeno Óvni, não será o aspecto científico do
espiritismo que lhe trará qualquer compreensão. Isto ficará albergado
exclusivamente nos guetos da cultuada “Ufologia mística”, cujos
filiados abrem os lábios num sorriso irônico diante dos “pobres
mortais” que ainda não têm condições de compreender “certas
realidades” do universo.
Kardec, como cientista, tentou. Além dele, outros como, por
exemplo, Epes Sargent, jornalista e escritor, em Boston, com seu
consagrado The Scientific Basis of Spiritualism109, Depois, como
dito, muito pouco ou quase nada.

109
Bases Científicas do Espiritismo, editado no Brasil pela Federação Espírita Brasileira, Rio
de Janeiro, 1945.
196
Se Ufologia não é ciência, e realmente não é, não justifica o trato
de um fenômeno de maneira absolutamente crédula. Queiramos ou
não, com ou sem preconceito, que as ciências dela tomem conta.
Cabe ao simples ufólogo a obrigação de ao menos se portar
cientificamente, mesmo que dentro de limitadíssimas possibilidades.
Mas o próprio fenômeno não é conotativamente científico, dirão
muitos. Verdade. Nem a ciência ainda admite sua própria condição
de fenômeno, bradarão outros. Outra verdade. A Ufologia, incipiente
como tal, ainda se encontra na fase de colher dados para que as
ciências admitam o fenômeno. Porém, se há ufólogos que insistem
por achar que “luzinhas no céu não mais interessam”, ou que “eles”
estão à beira de se revelar, paciência. Só nos resta respeitar quem, ao
iniciar uma palestra em um congresso ou seminário de Ufologia,
antes convide o auditório a entoar com ele uma oração, um mantra
ou uma louvação. Ou o salmo 23, adaptado. Paciência!

197
Uma Nação de Patetas

As memórias são como pássaros em voo.


Vão para onde querem.
E podemos chamá-las que elas não vêm.
Só vêm quando querem.
Moram em nós, mas não nos pertencem.
Rubem Alves

Se existe um mecanismo delicado e sensível em sua estrutura e


que essencialmente é a porta de entrada para todo um conjunto de
percepções, esse mecanismo é o da visão, o que não desqualifica a
importância dos demais sentidos. Uma intricada rede operacional
entra em ação no exato momento em que um evento exterior é
observado e captado pelos nossos olhos e, na sequência, filtrado e
interpretado pela mente a partir de concepções e condições
fisiológicas específicas do observador.
Nessa contínua e ultrarrápida troca de informações visão-cérebro,
ocorrem estímulos sensoriais que irão moldar a imagem conforme
critérios altamente subjetivos. Nesse intercurso, dispositivos internos
do observador têm influência também em determinadas situações
externas. Certos estímulos exteriores acionam a percepção, sem que
o indivíduo note ao ponto de lhe chamar a atenção, que condicionam
o resultado conforme certas regras ou interesses sociais, culturais e
psicológicos. Não se trata de uma “falsa” realidade, mas uma
realidade “pessoal” construída a partir de parâmetros individuais.
Nos últimos quarenta anos os melhores cientistas, doutores na
disciplina de neurologia e suas ramificações – neurofisiologia e
neurobiologia, além de psicólogos, antropologos e sociólogos, têm
se dedicado a pesquisar e entender de maneira mais sistemática os
meandros da mente e os resultados comportamentais derivados de
sua atividade, enveredando por áreas surpreendentes como a

198
novíssima neuroteologia110, por exemplo. Para estes homens, a visão
é o portal de acesso ao universo labiríntico da consciência, e apesar
dos progressos impressionantes até então, há um consenso de que o
desafio mal começou.
A ambiguidade perceptiva não é apenas um comportamento estranho
característico da organização do sistema visual. Ela nos diz algo sobre
a organização de todo o cérebro e como ela nos faz conscientes da
informação sensorial.

Quem afirma é o professor Nikos K. Logothetis, do Max Planck


Institute for Biological Cybernetics, de Tübingen, Alemanha.111 Os
jogos de ilusionismo, mais do que simpáticos passatempos de
almanaques, tornaram-se uma chave interessante para estas
pesquisas, contribuindo não só para ajudar a entender o
funcionamento do mecanismo visual, como, principalmente,
acompanhar a atividade do cérebro na construção da mensagem até a
sua formulação completa na mente. Os avanços no campo das
neurociências acontecem de forma cada vez mais rápida, graças não
só à tecnologia e às novas técnicas de investigação, mas também
porque os especialistas envolvidos estão convencidos de que devem
trabalhar com espírito aberto e sempre pronto a novos desafios, com
maior elasticidade cognitiva como estímulo para entender de
maneira mais ampla, certos acontecimentos tido como misteriosos
ou inexplicáveis. A ilustração mostra aonde queremos chegar.
A primeira etapa consiste na observação de um evento de
qualquer natureza – no nosso caso, um Óvni. Parte da energia
contida na imagem captada pelo olho é transmitida ao cérebro
através de impulsos eletroquímicos a uma rapidez estonteante. Num
segundo estágio, o cérebro lê parte dessa informação e aciona os
arquivos da memória onde estão armazenados nossos padrões

110
A denominação neuroteologia, em ascensão embora já consagrada, ainda gera alguma
controvérsia, segundo o professor. Hans-Ferdinand Angel da Universidade de Graz,
Alemanha. Para ele, talvez o termo mais apropriado fosse neuroPsicologia da
religiosidade, uma vez que o que está em estudo é a religiosidade do indivíduo, e não a
teologia ou a religião como disciplina de estudo.
111
Logothetis, N.K.; Leopold, DA.; Steinberg, D.L.; Neural mechanisms of perceptual
organization, p.87-104 in Neural Basis of Consciousness, John Benjamins Ed., 2006
199
cognitivos, valores, ética, princípios, etc. É nessa conjuntura que se
dá o ajuste final.
A imagem, ainda codificada conforme os estímulos sensoriais
iniciais, começa a ser decifrada de modo a se encaixar nos padrões
conhecidos. Feita a leitura, parte da informação volta aos córtices
visuais iniciais para “ajustes” a fim de evitar discrepância entre o
que foi visto e o que foi interpretado.
Em síntese, o que foi observado, além do Óvni, é também uma
representação criada pelo cérebro a partir de um conjunto de
padrões pessoais que pode ter uma ligação desvirtuada com a
imagem inicialmente observada. E há mais dois dados determinantes
a se considerar: o que é captado pelos olhos se bifurca em direção
aos hemisférios direito – lógico, racional, e esquerdo – emocional,
intuitivo, engrossando ainda mais essa emaranhada teia mental. É
preciso ter em conta também que a visão capta uma estreitíssima
faixa do espectro visível, apenas 2%, enquanto o restante
desproporcional, incríveis 98%, permanece totalmente ignorado. Se,
por um lado, isso é frustrante para multiplicar nosso conhecimento,
ao mesmo tempo é um alívio, porque nosso cérebro não teria como
administrar um universo tão rico e complexo de informações sem
correr o risco de um colapso.

O triângulo de Kanizsa112 é um modelo perfeito de como o cérebro reconstrói uma imagem aparentemente
“incompleta”, preenchendo os espaços vazios ou completando as linhas interrompidas, dando-lhe forma e
significado, neutralizando os efeitos de um possível conflito conceitual. Os triângulos inexistentes acabam
por se tornar “reais” porque foram reconstituídos pela mente – ela precisa “terminar” a imagem para não
sucumbir à “rivalidade visual” que surge em decorrência dessa disfunção cognitiva.

112
Gaetano Kanizsa (1913-1993), psicólogo italiano.
200
O mundo dos sentidos que dá textura ao presente não é mais que
um arquipélago no insondável mar aberto da percepção113. O fato
mais relevante que queremos ressaltar é o que acontece durante a
ligação entre as etapas dois e três. A informação recebida na etapa
final já vem estruturada por uma quantidade de emoções e
abstrações, que passam a se combinar com os padrões cognitivos -
“programas”, códigos próprios que o cérebro já mantinha
arquivados.

//

O sistema visão-cérebro resulta infinitas possibilidades


A percepção final é sempre verbal ou simbólica e, portanto, codificada
na ”estrutura” preexistente de quaisquer linguagens ou sistemas que
tenham sido ensinados ao cérebro. O processo não é uma reação
linear, é uma transação sinérgica. Esse produto final é uma
“construção neurossemântica”, um tipo de metáfora.114

Para aqueles diretamente envolvidos com o fenômeno – os


ufólogos, o resultado é agravado pela cumplicidade e necessidade de
respostas que a própria pesquisa demanda, pela experiência e
informação acumulada, acabando por estabelecer uma interpretação
pessoal ao fenômeno e que, ao reincidir, se fortalece e se estratifica
ao longo dos anos, criando uma base de dados difícil de ser
contestada. É o que podemos chamar de túnel de realidade, onde as
concepções construídas ao longo de uma vida “fecham-se” como

113
Gianetti, E..; O Valor do Amanhã, Cia. das Letras, SP, 2005.
114
Wilson, R. A.; A Nova Inquisição – Racionalismo Irracional e a Fortaleza da Ciência,
Madras, pg. 22, SP, 2004.
201
anéis em volta do indivíduo e o fazem caminhar por uma trilha
única, obliterando a “paisagem” externa.
Todos nós, sem exceção, temos uma construção pessoal da
realidade, um modelo que nos satisfaz, supre nossas necessidades,
conveniências, desejos e carências. É um mapa que nos orienta e
indica o rumo a seguir. Porém, quando este mesmo mapa ou este
mesmo túnel se torna flexível no sentido de ampliar os espaços ou
multiplicar os caminhos disponíveis, isso possibilita transitar
livremente por distintas interpretações, não necessariamente
excludentes entre si.
Ainda assim, estaremos distantes da essência, que é muito mais
complexa e que pela própria natureza jamais se revelará em sua
totalidade. Mas, pelo menos um caminho assim estendido mostrará a
luz dessa limitação, enquanto que um [túnel] “fechado” continuará
circunscrevendo o caminhante dentro de limites rigidamente
definidos.
Podemos dizer que, neste túnel de realidade, identifica-se algo
próximo a um fundamentalismo ufológico e, como tal, via de mão
única. Além disso, já vimos que quanto maior a idolatria, maior o
sacerdócio e maior a servidão. Quanto mais alto o pedestal, menor a
criatura que se posta diante dele.
Carl Sagan, criticado por um grande número de ufólogos, disse
em sua obra O Mundo Assombrado pelos Demônios: Se você quer
acreditar em UFO, você tem dois caminhos: rezar ou estudar. Foi
daí a frase que já comentamos: Se não praticarmos os hábitos da
vigilância, da dedicação e da coragem, não podemos ter a
esperança de solucionar os problemas sérios com que nos
defrontamos, e nos arriscamos a nos tornar uma nação de patetas.
O que Sagan talvez estivesse querendo dizer é que o ufólogo é parte
do problema. Se não for o próprio. Einstein dizia:

Não devemos exigir que a ciência nos revele a verdade. Num sentido
corrente, a palavra “verdade” é de uma concepção muito vasta e
indefinida. Devemos compreender que só podemos visar a descoberta
de verdades relativas. Além disso, no pensamento científico existe
sempre um elemento poético. A compreensão de uma ciência requer, em
certa medida, processos mentais idênticos. Mas a ciência não pode
significar o mesmo para todo mundo. Para nós [referindo-se aos
202
cientistas em geral] ela é em si mesma um fim, pois seus homens são
espíritos inquisidores.

Entre os presentes que a ciência tem para oferecer está, ainda nas
palavras de Sagan, um “kit de detecção de falácias”. E, ironizando,
complementa:

É assim que se testa as credenciais dos super-humanos extraterrestres


que vêm em multidões à Terra abduzir humanos para experimentos
sexuais (para um considerável lucro das vítimas quando elas vendem
suas histórias para a imprensa). Ocasionalmente, eu recebo uma carta
de alguém que está em ´contato´ com extraterrestres e sou convidado a
perguntar a eles qualquer coisa. Então, durante anos eu preparei uma
pequena lista de perguntas. Como se supõe que os extraterrestres são
muito avançados, eu pergunto coisas como: Por favor, forneça uma
pequena prova do Último Teorema de Fermat... Nunca recebo uma
resposta. Por outro lado, se pergunto algo como Nós devemos ser
bons? quase sempre recebo uma resposta. Qualquer coisa vaga,
especialmente envolvendo julgamentos morais convencionais, esses
aliens são extremamente felizes em responder. Mas sobre qualquer
coisa específica, onde há a chance de descobrir se eles realmente
sabem alguma coisa além do que a maioria dos humanos sabe, há
apenas silêncio. Os cientistas podem rotineiramente predizer um eclipse
solar, desde um minuto, até um milênio adiante. Você pode ir ao médico
bruxo para fazer um feitiço que cura a sua perniciosa anemia, ou você
pode tomar vitamina B12. Se você quiser salvar o seu filho da pólio,
você pode rezar ou pode vacinar. Se está interessado em saber o sexo
do seu filho que ainda não nasceu, pode fazer "simpatias" o quanto
quiser... Mas se quiser certeza, tente amniocentese ou ultrassonografia.
Tente a ciência.

Existe um pensamento consensual dentro da Física de que o


observador é parte integrante de um fenômeno. Ele é o sustentáculo
do evento observado, que traduz em termos verbais, ainda que
precariamente, algo que era até então apenas uma manifestação no
espaço e no tempo. É uma interconectividade acausal, onde
observador e observado se complementam, interagem individual e
reciprocamente sem que tenha havido necessariamente um elo
comum de ligação.

203
Isto já era um alerta filosófico em teoria do conhecimento. Neste
instante, ocorre interação entre o sujeito cognoscente e o objeto
conhecido, por vezes tão forte que o primeiro acaba por se confundir
com o segundo, havendo, no mínimo, a urgente necessidade de se
entendê-lo – ao homem – em maior amplitude, sob pena de não se
chegar à compreensão do objeto de estudo.
A comunicação entre os dois lobos cerebrais está exigindo dos
especialistas uma atenção especial, diferenciada, do ponto de vista
clínico, neurológico, antropológico, psicológico e cultural. Isso é
relevante porque seguramente muitas lacunas do conhecimento serão
preenchidas, muitas pontes ligando memória, inteligência, humores,
deficiências, fobias, estímulos, ações e reações, distúrbios, desvios,
sentimentos, pulsões e sensações deverão ser construídas,
proporcionando um salto de qualidade extraordinário, impulsionando
cada vez mais novas e melhores pesquisas. É o homem em busca do
homem, a mente tentando entender a si própria numa das maiores
investidas científicas da humanidade.
No momento em que escrevemos este texto, dispomos das mais
recentes informações sobre as investigações da mente e do cérebro,
pouco mais de um mês depois de termos escrito o parágrafo anterior,
e, certamente, antes do fim desta linha, novas descobertas estarão
dando um novo rumo às pesquisas. Já há um novo enfoque, já se
esboça uma abordagem que promete rever todos os conhecimentos
até então. Não há limites para a capacidade humana de desvendar o
mistério último de sua existência.
A questão que se coloca é: qual é a reação diante de uma situação
que se pode rotular bondosamente de “incomum”? Que mecanismos
são deflagrados para a interpretação final? Como a lógica e o
raciocínio analítico estarão naturalmente eclipsados durante esse
trânsito – pelo menos num primeiro momento – deduz-se que a parte
emocional, “mística, religiosa ou espiritual” será acionada e
compelida a “traduzir” a experiência sensorial vivida. Com que
profundidade e consequências pode-se avaliar a “distorção” na
última fase de identificação desta experiência? Há algo de subjetivo
em tudo isso.
Mas é preciso enfatizar que a ciência é também Filosofia e –
principalmente – reflexão, e não apenas uma sucessão de teoremas,

204
formulações matemáticas e combinações químicas. A dificuldade
está em que, tratando-se de Óvnis, não há uma aferição explícita ou
um peso molecular em jogo. Então redirecionamos nosso olhar para
as pesquisas do Prof. Christian Koch, que tem sua atenção voltada
para a descoberta do elo entre cérebro e consciência. De acordo com
as experiências relatadas, o registro de uma imagem pode, pode
exemplo, desfigurar ou mesmo suprimir outras. Tais efeitos são
conhecidos entre os psicólogos da percepção por “mascaramento”. O
fenômeno deixa claro que nossas percepções, em certas
circunstâncias, divergem dos acontecimentos reais. É fundamental
levar isso em conta!
E qual o papel da memória em todo este jogo de decifrações?
Como confiar em nossa capacidade de estocar recordações, se os
mais simples eventos de nossa vida estão sujeitos a alterações
involuntárias e distorção da sua realidade? O que dizer de
acontecimentos impactantes como os contatos ou avistamentos de
Óvnis? E o que é “memória”? Como se dá o seu arquivamento?
Sucintamente, memória é a aquisição ou aprendizado,
armazenamento e recuperação de informações. Dela depende uma
imensa quantidade de ações que acabam por definir nossa própria
trajetória de vida. É uma função regulada por vias nervosas
vinculadas às emoções e aos estados de ânimo, onde diferentes áreas
cerebrais processam diferentes tipos de memórias – visual, olfativa,
tátil, auditiva e palatal. É importante saber, por exemplo, que a
lembrança de um rosto, um objeto ou um quadro não está “pronta”
na mente, como se fosse uma “fotografia”.
Ela – a lembrança – se forma à medida que vasculhamos na
memória as informações que “compõem” aquele rosto, objeto ou
quadro. A “plasticidade” da memória e sua durabilidade são
características não inteiramente compreendidas pela ciência, e por
isso mesmo, fascinantes. Pesquisas na área criminal, por exemplo,
revelam um dado perturbador: quando testemunhas são convocadas
para identificar suspeitos de um crime, elas apontam para alguém
específico, ainda que o verdadeiro culpado não esteja presente.
Essa “falsa identificação” não é rara, ao contrário, alcança um
índice próximo dos 70%. Basta um detalhe, um elemento adicional
ou mesmo uma interpelação mal formulada para reconstruir o fato

205
numa versão diferente da original. Nem vamos aprofundar nos
aspectos puramente psicológicos diretamente envolvidos: o trauma,
o desconforto e o medo de uma identificação, resultando na vontade
de “terminar logo com aquilo”; a necessidade de “cumprir o dever
cívico” para com a sociedade; o desejo de punição, indo ao
paroxismo da vingança e, num enfoque mais subjetivo, o papel de
“vítima” e centro das atenções. A Justiça requer com frequência o
auxílio de psicólogos e psicanalistas para desvendar casos que
apresentam estes sintomas.
Antonio Damásio, chefe do Depto. de Neurologia da Faculdade
de Medicina da Universidade do Iowa e professor adjunto no Salk
Institute for Biological Studies, San Diego, utiliza a expressão
representações dispositivas aos circuitos de interconexão neural que
existem em pequenos grupos de neurônios – as “zonas de
convergência” – onde são formadas as imagens.

O que as representações dispositivas armazenam em suas pequenas


comunidades de sinapses não é uma imagem per se, mas um meio de
reconstruir um esboço dessa imagem. Se você possui uma
representação dispositiva para o rosto de tia Maria, essa representação
não contém o rosto dela como tal, mas os padrões de disparo que
desencadeiam a reconstrução momentânea de uma representação
aproximada (grifo nosso) desse rosto nos córtices visuais iniciais115.

Toda e qualquer lembrança não existe isoladamente no cérebro


como se fosse uma imagem impressa. Ela está distribuída em toda
sua extensão sob a forma dessas representações e se reordena de
maneira temporária no breve momento da evocação. Breve sim,
simples jamais, pois entram em operação várias estruturas
interconectadas: o córtex pré-frontal, o hipocampo, os córtices
entorrinal, parietal e cingulado anterior e a amígdala basolateral.
Não vamos invadir o campo médico, laicos que somos. Presumimos
que o leitor percebeu aonde queremos chegar.
Os avanços das neurociências, mais especificamente da
neurobiologia no campo da memória têm sido notáveis, e estão
ajudando a entender as funções comportamentais do homem. O mais
extraordinário é que este avanço se acelerou somente nos últimos 20
115
in O Erro de Descartes, p.130, Cia das Letras, SP, 1994
206
anos, notadamente nos anos 90, a “década do cérebro”. A memória
como função biológica transformou-se em uma disciplina especial
chamada “neurociência cognitiva da memória”, pois é um alimento
vital para nossa sobrevivência. Ela é a própria identidade do
indivíduo e se o leitor acha que estamos supervalorizando sua
importância, analise esta situação:

Você acaba de sair de um importante almoço de negócios e está retornando para


o escritório numa ensolarada e movimentada avenida. As pessoas à sua volta
dançam apressadas num labirinto imaginário. Então, você para na calçada
esperando a abertura do sinal de pedestres. De repente, seu olhar se fixa no
nada, você vasculha com os olhos alguma coisa indefinida... Olha para os lados,
as pessoas aguardam a vez de atravessar a rua... E aí percebe um “branco” na
sua mente. O que estou fazendo aqui? Para onde estou indo? Com expressão
assustada, olha para si mesmo e se vê de terno, gravata e uma bela pasta na mão.
Estou indo ou voltando do trabalho? E onde fica minha empresa? Qual é a
minha empresa? Qual é o meu trabalho? Calma, isso passa, é só um lapso de
memória... O sinal está prestes a abrir e você ainda não dimensionou o problema
em toda sua abrangência. Começa a transpirar, a se sentir sufocado, afrouxa o
nó da gravata, tenta recompor os pensamentos, mas as lembranças não voltam.
Preciso de ajuda. Saca o celular do bolso, localiza a lista de nomes... Márcia,
Maurício, Carol, Guilherme, Sérgio, Bruna... Quem são essas pessoas? O que
vou dizer, que estou perdido numa esquina e não sei para onde ir? Vão pensar
que fiquei louco ou é alguma brincadeira! Aos poucos o pânico vai se
apoderando do que lhe resta de equilíbrio e lucidez. As dúvidas se acumulam...
O que devo fazer? O que está acontecendo? O sinal abre e as pessoas começam
a empurrar, incomodadas com sua inércia, você não sabe para onde ir e está
atrapalhando o fluxo... esbarrões, trombadas, irritação... Você dá um passo em
direção ao nada prestes ao desespero. O que seria apenas um “lapso” tornou-se
um problema grave. Você recua, se isola, respira fundo e tenta encontrar uma
saída, as dúvidas se multiplicam... Estou de carro? E onde é minha casa? Sou
casado, tenho filhos? Moro com meus pais? O que vou fazer?...
Definitivamente, meu amigo, você está enrascado! E tudo isso só porque uma
sinapse ou um pequeno conjunto delas resolveu abortar suas funções, deixando
de levar um fluxo de informações aparentemente banais... É por isso que o Dr.
Marc Schwob116 as chama [as sinapses] de “grandes sacerdotisas das relações”.

Se uma ficção como essa não o convenceu do quanto sua


memória e percepção dos fatos são essenciais em sua vida, mesmo
naquilo que lhe pareça pouco importante, vamos reforçar relatando
um fato real que presenciamos. Inspirados por uma antiga

116
in Como Conservar e Desenvolver sua Memória, Ediouro, RJ, 2005.
207
experiência da Universidade de Harvard, um grupo de estudantes de
comunicação, em São Paulo, elaborou um teste bastante interessante
para avaliar os níveis de percepção dos espectadores e a capacidade
de memorização e reconstituição dos fatos. Um vídeo produzido
pelo grupo exibia um círculo de seis jovens identificados pelas cores
das camisetas – três vermelhas e três azuis – posicionados
alternadamente, onde cada um jogava uma bola para o seu
companheiro de camiseta. Tínhamos então rapazes e moças jogando
duas bolas simultaneamente em direção aos seus respectivos pares.
Ao espectador era solicitado que observasse se, em algum momento,
o jogador “vermelho” jogaria a bola para um “azul” e vice-versa. O
vídeo durava alguns minutos. Ao fim da projeção, entretanto, a
pergunta era outra, absolutamente inesperada: você viu o gorila?
A grande maioria dos assistentes em nenhum momento reparou no
animal – gorila? Que gorila? Naturalmente, um jovem fantasiado
que circulou entre o grupo imitando os movimentos típicos do
animal por alguns momentos, saindo de cena como entrou,
sutilmente. Os “reprovados” no teste não se conformaram e
duvidaram que o tal “gorila” de fato tivesse aparecido. Na reprise, se
convenceram de sua presença, de forma até cômica, mas ninguém
soube explicar como não o tinham visto antes. Essa brincadeira,
envolvendo percepção e memória, nos mostra que apesar de
estarmos atentos ao que se desenrola à nossa frente, nosso cérebro
deixa escapar detalhes, preenchendo essas lacunas de uma forma
ainda não inteiramente compreendida.
As diversas “camadas de memória” que têm sido identificadas
permitem, por um lado, perceber quais setores são acionados quando
estimulados, e por outro, ampliam o leque de dificuldades para
entender se atuam independentes de outras camadas ou se interagem
com elas, de uma forma ou de outra. Como explicar o que acontece,
por exemplo, quando queremos lembrar o nome daquele artista
conhecido, famoso, aquele bonitão que ganhou o Oscar, o... o...
aquele, que fez o papel de mafioso naquele filme... como é mesmo o
nome do filme?... e isso não vem à mente por mais que nos
esforcemos? Então, deixamos de lado, “esquecemos” que queremos
nos lembrar do tal ator e, de repente, do nada, 10 minutos, 1 hora, 3
dias depois, como num passe de mágica, o nome salta à nossa frente!

208
“Quem” esteve procurando pelo nome enquanto nossa mente se
ocupava com outras coisas? Que parte do cérebro continuou a
operação-procurar-celebridade mesmo depois de esquecida essa
tarefa? Para o Dr. Robert Jaffard, Diretor do Laboratório de
Neurociências Cognitivas da Universidade de Bordeaux, França,
esses diferentes sistemas interagem, cooperam e, em certos casos,
até entram em conflito, dependendo das situações particulares
enfrentadas. Memórias de curta e de longa duração, memória
espacial, cognitiva, declarativa e não-declarativa, consciente e
inconsciente, todas se subdividem em estratos formando uma cadeia
neural inimaginável.
Ao longo dos anos 60, diversos cientistas se dedicaram ao estudo
do funcionamento da memória sob o ponto de vista clínico,
provocando artificialmente as vias nervosas do cérebro através de
impulsos elétricos, percebendo que a memória de fato ficava
potencializada por longo tempo após os experimentos. Este é um
dado importante para o nosso estudo, e pedimos ao leitor – com
perdão pela brincadeira – que o guarde na memória porque
voltaremos a falar sobre isso mais à frente. Por ora, é preciso
enfatizar que os mecanismos da memória estão intrinsecamente
ligados aos da percepção visual e, mais que isso, trabalham em
conjunto como um processo único. Há um detalhe que não pode ser
ignorado: a memória tem instrumentos com os quais o cérebro não
participa voluntariamente. Por exemplo, quando vemos um copo de
água sobre a mesa, sabemos do que se trata e o que queremos fazer,
mas o ato de estender o braço e pegá-lo é feito de forma automática,
ou seja, não precisamos nos “lembrar” de levar a mão até ele. Muito
do que fazemos diariamente obedece a esse gesto, são ações motoras
reconhecidas, condicionadas, que não requisitam a participação da
vontade. Charles Chaplin retratou isso de maneira cômica, porém
cruelmente verdadeira em Tempos Modernos.
Outra informação relevante a se destacar é que a lembrança de
um fato não é a sua restituição literal, mas uma reconstrução
determinada pela identidade do sujeito. Diversas experiências
demonstraram como a memória vai ordenando os fatos dentro de um
dado período, sofrendo menores ou maiores variações na
recomposição da lembrança conforme o tempo decorrido. Uma única

209
conexão incompleta entre bilhões é suficiente para provocar
alterações sensíveis no quadro geral da memória, e essas
imperfeições ocorrem com muito mais frequência do que se imagina.
O Dr. Schwob sinaliza para a dificuldade em se diferenciar as
verdadeiras das falsas recordações, também conhecidas como
paramnésia.
:
A lembrança é uma combinação complexa que integra fragmentos
registrados do acontecimento, conhecimentos preexistentes, crenças e
expectativas que o sujeito traz em relação ao acontecimento, assim
como propriedades do ambiente no qual a experiência é restituída.117

O professor Hermann Ebbinghaus, da Universidade de Berlim


deduzia, já em 1885, que a memória vai integrando, sem
percebermos, modificações do nosso comportamento em função das
diversas experiências que acumulamos ao longo da vida. A memória
é seletiva, queiramos ou não. Enquanto certas reminiscências se
diluem com o tempo, algumas alternam de lugar com outras, se
recompõem com falhas, se reconstroem de forma incompleta, onde
buracos passam a ser preenchidos com fatos ocorridos em outra
conjuntura. Como podemos nos lembrar de coisas que na verdade
não aconteceram? Essa pergunta foi feita ao doutor Hans
Markowitsch, psicólogo da Universidade de Bielefeld, Alemanha118,
um pesquisador da chamada “memória autobiográfica”. A seguir,
vejamos alguns trechos de suas respostas, pinçados de acordo com a
pertinência ao nosso tema:

As lembranças são sempre relacionadas e integradas a informações


preexistentes, retrabalhadas com base nelas. Normalmente, isso se dá
sem problemas, ou seja, a lembrança permanece coerente com o que foi
vivido de fato. Mas não é assim quando estamos estressados, exaustos
ou passamos por experiências dramáticas. Nesse caso, pode ocorrer a
chamada síndrome das falsas lembranças. Em situações extremas, as
pessoas chegam a acreditar que foram sequestradas por alienígenas.
Por sua complexidade, a memória autobiográfica é a mais fácil de ser
perturbada [porque uma rede de estruturas emocionais é ativada, ao
contrário da memória “factual” - chamada de Percepção ou de
117
Op cit..
118
Transient Global Amnesia and Related Disorders, Hognefe & Huber Publ. Inc., 1990
210
Reconhecimento - operações matemáticas, informações em geral.
N.AA.].

Quanto à questão “Os neurocientistas são capazes de distinguir as


lembranças genuínas das imaginadas?”, respondeu:

É difícil dizer quando alguém fala a verdade ou apenas acredita estar


falando a verdade, mas com o auxílio de procedimentos de diagnóstico
por imagens, é possível saber quando alguém se lembra de fato de
alguma coisa e quando está mentindo de forma deliberada.

A pergunta agora é nossa: quando é que alguma testemunha de


avistamento, sequestro ou abdução foi submetida a um exame
desses? Ao que se saiba, nunca!
Segundo o Dr. Hans, as lembranças verdadeiras estimulam
aquelas estruturas cerebrais ligadas às emoções, ao passo que as
recordações inventadas ativam apenas uma região conhecida como
the mind´s eye – nosso olho interior –, localizada na parte posterior
da cabeça, pouco antes do córtex visual. Para ele, a ressonância
magnética faz, às vezes, o papel de um detector de mentiras. Por fim,
quando indagado sobre o fato de a testemunha não mentir
deliberadamente, mas estar convicta de que sua lembrança é fiel aos
fatos, o professor Hans foi taxativo:

É um problema. Quando uma pessoa tem certeza de que algo se passou


da forma como ela se lembra, também o cérebro reage de modo
semelhante, isto é, como se recordasse de fato. O que se pode descobrir,
no entanto, é se alguém está falseando uma lacuna na memória.
A hipnose clássica já detectara esta certeza. Há, evidentemente,
enorme diferença entre fraude e lembrança de lacuna ou falsa
lembrança. No primeiro caso, o indivíduo mente, e pode ser, durante
uma regressão de memória, por exemplo, facilmente desmascarado,
bastando que se lhe apliquem testes da chamada suscetibilidade. Se
ele não estiver realmente hipnotizado, mas apenas fingindo um
transe hipnótico para justificar sua inverdade consciente, o
hipnólogo experiente saberá sem margem de erro que ele não está de
fato no aparente transe.

211
No segundo caso – a falsa lembrança – quem está submetido
acredita na verdade exposta durante a regressão. É isto que faz a
hipnose não ser um método infalível em favor da realidade concreta
e objetiva de um caso de abdução, sempre a título de exemplo. Ela é
um meio, não um fim, servindo como método tão somente para se
constatar se o indivíduo está ou não sendo sincero. Vale dizer, se
está ou não mentindo. Então, nada prova sobre as abduções ou
outros tipos dos chamados Encontros Próximos com Óvnis. Existe,
por outro lado, completamente separada das técnicas clássicas, e que
a Psicanálise preferiu apenas como método paralelo e raramente
aplicável, a hipnose eriksoniana119.
Esta, por se constituir apenas como um recurso terapêutico
através de induções indiretas e condução do paciente a chegar às
suas lembranças, mas não propriamente fazendo-o “reviver”
efetivamente um fato, torna-se ainda mais falha contra distinção das
falsas lembranças, do que poderia ser, teoricamente, a memória de
um fato real.
A memória é uma função apenas parcialmente submetida ao
controle consciente, comportando-se, em sua maior parte, de uma
forma frustrantemente autônoma – lembramos de coisas quando não
queremos e não lembramos do que precisamos lembrar. Quem
controla essa faceta independente da memória? Certos estavam os
antigos gregos, para os quais a memória era uma deusa –
Mnemosyne – além e acima da consciência humana, capaz de
transformar totalmente a realidade apenas manipulando nossas
lembranças. Sabemos hoje que a memória mantém estreita ligação
com o hemisfério direito e este, por sua vez, com o sistema límbico,
que rege o emocional.
Tal associação implica dizer que a memória está intimamente
relacionada com fatores emocionais, dado de vital importância neste
estudo. Diante de situações traumatizantes, o organismo provoca
descargas elétricas que vão interferir diretamente nas vias neuronais,
provocando distorções e reações em todos os sentidos. Diante disso,
o desencadear de lembranças torna-se um ato fora de controle.
Resumindo, temos, numa primeira análise, que:

119
Método de hipnose “consciente” elaborado por Milton Hyland Erickson, psiquiatra norte-
americano falecido em 1980.
212
a) A memória agrega informações que não são conscientemente
conhecidas por nós;
b) Opera com dados os quais o cérebro não tem participação
direta e, para tornar o quadro mais “divertido”,
c) Situações em que são fornecidas informações falsas ou fictícias
induzem a memória a adaptar esses dados, reunindo-os à lembrança
original.

Há relatos de sobreviventes de guerra que afirmaram


categoricamente terem sido vítimas de voos rasantes dos aviões
inimigos, quando fatos históricos apontaram a inexistência de tais
ocorrências. Como contradizer depoimentos de testemunhas que
viram “com os próprios olhos” aquelas máquinas infernais tão
próximas que podiam se contar os rebites da fuselagem? São
memórias “emocionais” adquiridas, provavelmente, em situações
vividas por outros sobreviventes e que foram acrescentadas ou
misturadas aos seus depoimentos.
A historiadora Joanna Bourke, do Birkbeck College, de Londres,
concluiu que no caso de vivências tão drásticas como as ocasionadas
por uma guerra, e aqui entendemos também como “vivência
drástica” um contato e/ou uma “abdução”,

Um fenômeno observado com regularidade pelos pesquisadores sociais


é a padronização das lembranças, que assumem um formato comum,
rememorado por todos. Estas, embora repousem sobre um fundo de
experiências similares, são muitas vezes falseadas, reinterpretadas e
geradas no processo comunicativo.

O professor Harald Welzer, pesquisador de Psicologia Social da


Universidade Witten/Herdecke, da Alemanha, esclarece que a
representação visual de acontecimentos passados possui enorme
força subjetiva de persuasão, e apresenta uma explicação que chega
a surpreender:
O fato é que o ocorrido não precisa imprimir-se em nossa retina para
que, depois, seja armazenado na mente. Os sistemas de processamento
das percepções visuais da imaginação e da fantasia parecem sobrepor-
se.

213
E finaliza, contundente:
Acontecimentos deixam-se incorporar em nossa história tanto mais
facilmente quanto melhor se encaixam no panorama da nossa
disposição psíquica. A memória é oportunista: acolhe o que lhe serve e
descarta o que lhe parece supérfluo ou desagradável 120(grifo nosso).

Que lições podemos extrair disso? Em primeiro lugar, que a


nossa memória não é absolutamente confiável, sujeita a deterioração
e manipulação, um mosaico de peças soltas e ocultas nos escaninhos
da mente que nem sempre formam uma imagem coerente e
verdadeira. Mas podemos dizer também, com um toque de lirismo,
que o tempo guarda para si, numa caixinha hermeticamente fechada,
muito dos detalhes de nossa vida que por direito pertencem só a nós,
e a enterra bem debaixo do nosso nariz.
Segundo, que pode ser induzida por lembranças falsas ou
imaginárias, ou ainda por sugestões deliberadas, que congestionam o
repositório original. E em terceiro, que a nossa própria experiência
de vida acrescenta fatos aos quais não temos nenhuma certeza de que
tenham sido realmente vividos. Não se sabe inteiramente como a
“falsa memória” opera nem a extensão desse mecanismo, mas o fato
é que ela tem provocado a atenção permanente e deixa de sobreaviso
os pesquisadores no que diz respeito à distinção entre ilusão e
realidade. Ou seja, não dá para confiar no depoimento ufológico
como expressão da verdade, e isso é definitivo.
Segundo Vallée, o fenômeno dos Óvnis funciona como um
“transformador” da realidade, provocando nas testemunhas uma
série de situações simbólicas que se tornam indistinguíveis da
realidade. Estas situações, que frequentemente se iniciam por uma
sequência atordoante de luzes coloridas piscando ou de
extraordinária intensidade, induzem a um estado de profunda
confusão nos envolvidos, que se tornam franqueados à inserção de
novos pensamentos e experiências visuais inéditas.
Os encontros com Óvnis são cenários completos, nos quais a
personalidade das testemunhas se projeta. Como nos filmes que
aterrorizam, fazem rir, chorar ou transpirar de medo, a experiência se
120
Welzer, H.; Grandpa wasn´t nazi: nazism and the holocaust in german family
remembrance, p. 182, AJC, 2005
214
torna parte da realidade da testemunha. Os ufólogos se comportam
como pesquisadores sociais que, ao tentar compreender o fenômeno
do cinema, entrevistam pessoas ao acaso, e aceitam seu
testemunho de acordo com as aparências. Como testemunhas, estas
pessoas não mentem. Algumas viram Godzilla, outras viram Bambi.
A experiência, em qualquer um dos casos, foi real para elas.
A implausibilidade deste tema é muito mais que um simples
componente da engrenagem – é toda a engrenagem. Não é uma peça
do quebra-cabeça, é todo ele. A mente não pode trabalhar
linearmente com um fenômeno de ação multidirecional. É um
despropósito, uma perversão intelectual.
A civilização esperou séculos pelo lançamento do primeiro
homem ao espaço. Até então, não se fazia a menor ideia de como era
a Terra vista “de fora”. Tínhamos algumas informações baseadas em
suposições, observações, cálculos... Sabíamos que o planeta era
redondo, que tinha um diâmetro X, uma circunferência Y, um peso
Z, faltava era a percepção visual da coisa. Então aconteceu.
Rompemos as correntes, ascendemos rumo ao infinito negro e de lá
vislumbramos e nos emocionamos com o maravilhoso espetáculo
que inundava os olhos... A Terra é azul, foi a expressão pungente. A
partir daí, todos os conceitos e valores sobre o planeta modificaram
radicalmente.
Pouco a pouco foram se revelando as extensas áreas
comprometidas pela devastação do homem e pela erosão natural, e a
consciência ecológica tomou forma. Redesenharam com mais
precisão as fronteiras territoriais, o que agravou embates per si
intermináveis. A superfície foi – tem sido – esquadrinhada
milimetricamente e a descoberta de riquezas naturais tem dado novo
impulso às pesquisas e à preservação do ecossistema. Abriu-se um
amplo leque de investigações sobre a vida humana e as
possibilidades reais de sua continuidade.
Em outras palavras, a humanidade tomou noção de que seu
habitat corre sérios riscos e trata de não postergar correções para
evitar a hecatombe. Isto só foi possível porque saímos da inércia e
tivemos uma visão da totalidade do problema. Eis aqui um ponto
nevrálgico. Um dos problemas básicos, em nossa opinião, é que os
ufólogos estão de tal forma envolvidos com e no fenômeno que não

215
se permitem a um sobrevoo para ver como ele atua no todo. Assim
como na fábula do burrico que corre atrás da cenoura pendurada à
sua frente, parece que há um Óvni pendente à frente dos
pesquisadores, que só apontam o nariz na direção em que o objeto se
desloca.
Se a árvore não deixa ver a floresta, o Óvni não deixa ver a
Ufologia.
A era espacial exige que mudemos nossas ideias sobre nós mesmos, mas
nós queremos nos agarrar a elas. É por isso que há um ressurgimento
da ortodoxia antiga em tantas áreas diferentes ultimamente. Não há
horizonte no espaço e pode não haver horizonte em nossa própria
experiência. Nós não podemos nos apegar a nós mesmos ou aos nossos
grupos íntimos como uma vez fizemos. A era espacial torna isso
impossível, mas as pessoas rejeitam esta necessidade ou não querem
pensar nela. Então elas se empurram de volta ás igrejas de verdade
única, ao movimento ´black power´, ou aos sindicatos, ou à classe
capitalista.121

Esse é o reflexo cabal da ausência de referenciais. Esse


desligamento do homem com a sacralidade do passado, e mais que
isso, a desvinculação desse passado com a sua individuação e com o
sentido da reflexão, da criatividade e da própria liberdade,
resultaram nesse “vazio existencial” que faz inclusive com que ele
perca de vista qualquer expectativa futura. A ciência não pode suprir
essa carência porque exige que ele, de certa forma, tenha a formação
científica clássica para poder entendê-la. E se disséssemos que a
ciência é hermética e esotérica? Se o leitor tomou um susto, acalme-
se. Na verdade, a afirmação não é nossa, mas concordamos com ela:

A ciência é esotérica não porque contenha segredos que devem se


preservados; a ciência é esotérica porque, simplesmente,
incompreensível a um mortal comum. Quantas pessoas são capazes de
atravessar um livro como The Meaning of Relativity, de Einstein? Vai
lá, você sozinho: fure a selva dos tensores, das conexões simétricas e
assimétricas, dos símbolos de Christofell, dos escalares e pseudo-
escalares de curvatura; procure compreender a solução de

121
Joseph Campbell, em entrevista a Eugene C. Kennedy para o New York Times, 1979
216
Schwarzschild, onde nascem teoricamente os buracos negros; procure
compreender a teoria unificada do campo assimétrico...122

O homem médio não tem essa formação. As opções esgotam-se.


Se as igrejas, os movimentos, os sindicatos, as classes ou a ciência
não atendem mais aos clamores ou não são suficientes para
responder a indagações seculares, a quem recorrer? O leitor sabe a
resposta, e pode compará-la com o que Campbell complementa:

Esta nova vida [ainda referindo-se à era espacial] não está bem definida.
É por isso que queremos nos prender ao passado. A jornada para esta
nova vida – e é uma jornada que todos devemos fazer – não poderá ser
feita a menos que deixemos o passado para trás. A realidade da vida no
espaço significa que nós nascemos de novo, não “renascer” como
dizem as antigas religiões, mas nascer para uma nova ordem de coisas.
Nós estamos em queda livre para o futuro, que é misterioso. Ele é muito
fluido e isso está desconsertando muitas pessoas. Tudo que você precisa
fazer é saber como usar um paraquedas.

Queremos chamar sua atenção para os trechos em destaque dessa


citação, a começar por prender ao passado. Em um painel com a
professora de ciências políticas Mariângela Nascimento, da
Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais, o foco central
do debate se assentou no pensamento da filósofa alemã Hannah
Arendt (1906-1975), na qual asseverava que o homem moderno123
rompeu seus laços com o passado, perdendo com isso a dimensão do
futuro, tornando-se meramente um animal laborans – o homem que
se prende ao círculo vicioso da produção e do consumo, do aqui e
agora. Nesse interlúdio, ele perde sua condição de agente criador e
livre e passa a ser subjugado por uma condição biológica –
sobrevivência. Para a pensadora alemã, para a cientista política e
para estes autores, o homem não só há muito tempo perdeu-se nos
labirintos que ele mesmo construiu como também a autonomia de
suas ações, e ao invés de preservar os laços com sua condição

122
Guimarães, S. L., Viagem à Terra dos Sonhos, Áquila, SP, 1997.
123
Modernidade aqui está definida historicamente a partir dos Séculos 15 e 16, com o
Renascimento e o desenvolvimento das atividades econômicas e culturais. Campbell,
quando fala em era espacial, refere-se naturalmente às primeiras investidas nessa área, ao
final dos anos 50.
217
intrínseca de “criador”, no sentido de “pensador”, acabou por
enredar-se em um verdadeiro “nó górdio” de sua existência.
Nascer para uma nova ordem de coisas é o próximo segmento
destacado. Essa nova ordem professada é precisamente a tecla a qual
vimos batendo há anos em relação ao tema que estamos envolvidos,
recebendo, em troca, ouvidos moucos. Perceba que o trecho vem na
sequência de quando Campbell se referia à era espacial. Foi com
esse passeio que a humanidade se deu conta do seu lugar no cosmo e
foi a partir daí que nasceu essa nova ordem de pensar a vida – uma
tarefa que vem sendo conduzida por poucos. Por fim, o terceiro e
último trecho nada mais é que o complemento deste breve desvio –
estamos em queda livre para o futuro. Alguém ainda tem dúvida? O
conselho dado é saber usar o “paraquedas”, e cremos que o leitor
inteligente percebeu de qual paraquedas Campbell estava se
referindo.
Se demos um salto das neurociências para os mitos e a
religiosidade, parece-nos oportuno fazer neste momento uma ligação
entre estes três tópicos, e ver o que resulta disso. Lembramos Jung
ao dizer que um dia Psicologia e Ciência iriam se encontrar por
caminhos distintos, e parece que estes tempos estão próximos. Já faz
parte das sessões acadêmicas uma nova disciplina aglutinadora – a
neuroPsicanálise. Para tanto, recorremos aos estudos dos Drs.
Andrew Newberg, neurocientista, diretor de Medicina Clínica
Nuclear da Universidade da Pensilvânia, e Eugene D´Aquili,
psiquiatra da mesma instituição, já falecido. Seus experimentos
envolveram o monitoramento da atividade cerebral durante estados
de meditação e profunda contemplação religiosa, chegando a
resultados muito interessantes.
Quando os voluntários encontravam-se naqueles estados, havia
uma diminuição significativa da atividade cerebral, em especial no
lobo parietal, área responsável pela definição de onde termina o
“mundo interior” e começa o “exterior”. Para Andrew e D´Aquili, os
sentimentos religiosos têm uma base neurológica, ou, dito de outra
forma, as pulsões religiosas – o anseio pela experiência metafísica –
estavam inscritas no cérebro.
Em decorrência, aqueles especialistas acreditam que a formação
dos mitos tenha esse mesmo fundamento, posto que seja uma

218
“resposta fisiológica” ao medo, ao perigo, o que prepara o corpo
para a fuga ou para a luta, até porque o mito invoca forças
desconhecidas para resolver esses impasses existenciais – vida e
morte, deuses e homens, etc. Para Karen Armstrong, o mito trata do
desconhecido; fala a respeito de algo para o que inicialmente não
temos palavras... A mitologia foi, portanto, criada para nos auxiliar
a lidar com as dificuldades humanas mais problemáticas.
De alguma forma, os mitos fazem-nos experimentar a própria
divindade, segundo essa autora. Há uma necessidade imperativa de
tentar “explicar” o mundo, e o cérebro atua incessantemente na
elaboração de mitos que possam explicar os mistérios que a mente
não alcança. Embora ainda sejam estudos embrionários, sua
aceitação ganha adeptos, amplia largamente os rumos investigativos
e abre perspectivas impensáveis até poucos anos atrás.
A humanidade possui dois telescópios imaginários para ajudá-la
em sua caminhada cósmica. Um está voltado “para trás”, para as
suas origens, sua história, por onde tenta desvendar os grandes
segredos ocultos no útero dos acontecimentos, nos vestígios de sua
passagem pelo planeta, nos monumentos e nas ruínas silenciosas e
inescrutáveis, entre o começo dessa história e um ponto impreciso
onde ela retoma sua jornada. Há um hiato existencial e uma memória
inexistente, um elo literalmente perdido, e nem mesmo a ciência e a
tecnologia ainda foram capazes de desfazer essa névoa de
ignorância, embora muito progresso tenha sido feito e muito se fará.
O outro está apontado para o futuro, para o que ainda vamos
escrever, para as nossas esperanças, nosso crescimento, nossa
maturidade. É tão misterioso quanto o passado, mas com uma
vantagem – podemos construir ou destruir, temos competência para
um ou para outro, as ferramentas para ambas as opções – se
soubermos usá-las para o bem, ótimo, caso contrário, é só uma
questão de tempo “fechar a conta”. O mesmo caso se aplica à
Ufologia – temos o instrumental, mas nunca soubemos usá-lo
corretamente. Ou aprendemos de uma vez por todas ou então vamos
enterrar nossas cabeças na areia e deixar a vida seguir seu curso sem
a nossa participação. Depois não adianta espernear tentando entender
ou consertar o que já aconteceu...

219
Um mito nada moderno

É a ousadia das nossas perguntas


e a profundidade das nossas respostas
que dão significado à nossa existência
Carl Sagan

Em Ufologia, como em qualquer outra área do conhecimento,


uma conclusão prematura é inescapável ao erro, já que a elaboração
de um argumento anêmico, impreciso, meramente indutivo torna-se
presa fácil do raciocínio lógico. A neutralidade e a isenção,
normalmente ausentes nestes casos, propiciam uma linha sinuosa na
defesa de conceitos pré-estabelecidos. É preciso empregar a técnica
socrática para desfazer falsas crenças e eliminar os agentes
maliciosos de pensamento.

De um ponto de vista mais técnico, a falta de rigor no levantamento de


dados, a análise e interpretação malfeitas dos fatos e o uso incorreto de
metodologias confiáveis impedem a geração de conhecimento.124

O mito dos discos voadores origina-se de uma realidade material


desconhecida, mas transcende-a à medida que incorpora dinamismos
psicológicos, forças arquetípicas e padrões culturais, forjando um
novo significado para a articulação de tais elementos. Esse processo
faz com que a realidade material que serve de substrato ao mito
perca toda a importância, submersa pela configuração formada.
Chegamos inclusive a nos perguntar se esse mito não existiria
mesmo sem qualquer referência ao plano físico, o qual
duvidosamente desempenha o papel de mero alicerce para uma
construção psicossociológica que lhe supera em importância tanto
quantitativa como, sobretudo, qualitativamente.
De acordo com isso, e dentro da perspectiva hermenêutica, a
própria Ufologia pode ser descrita como um processo de
reatualização do pensamento mítico, parecendo construir uma rede

124
Oliva, A.; op. cit.
220
holística. Esta, consciente ou inconscientemente, integra os antigos
mitos à cosmovisão técnico-coletiva sobre a qual se apoia nossa
cultura, completando-a e, dessa forma, transformando-a. Por isso,
um dos aspectos mais fascinantes da Ufologia é o estudo dos
“deuses-astronautas”, que busca suas fontes no passado remoto,
assimilando mitologia e história. Seu objetivo, não declarado nem
reconhecido, é integrar os discos voadores às raízes do espírito
humano, renovando o contato com elas.

Quando algo vem à luz – escreve Jacques Lacan – algo que somos
forçados a admitir como sendo novo, quando uma outra ordem da
estrutura emerge, ele cria sua própria perspectiva no passado, e então
dizemos: isto jamais pôde não ter estado aí, existe desde toda
eternidade.125

É uma regra empírica cujo alcance pode ser demonstrado até


mesmo no âmbito da Ufologia. Que o fenômeno Óvni é “uma outra
ordem da estrutura”, eis algo que só agora começamos a perceber
com todas as suas implicações, e a novidade está em ser algo
“velho”, captada pelo menos desde o brado de alerta de Kenneth
Arnold. Isto jamais pôde não ter estado aí, disseram os ufólogos, e
puseram-se a rastrear os registros históricos, míticos e lendários,
bíblia, escrituras indianas, para concluir que somos visitados por
extraterrestres “desde toda eternidade”. É quase certo que a busca
dos deuses-astronautas seja, de fato, uma busca de deuses.
Se consultarmos qualquer compêndio de mitologia, dificilmente
encontraremos um tema que já não tenha sido reescrito em
linguagem espacial por Däniken, Charroux, Kolosimo e todos
aqueles defensores da teoria dos deuses-astronautas. O sucesso dessa
empreitada ratifica a alteridade do fenômeno como fator estruturante
da ordem mítico-histórica: os Óvnis podem realmente estar por aí há
milhares de anos, mas a novidade é acreditar piamente que se trata
de naves espaciais tripuladas por extraterrestres. Essa é uma das
mais fortes evidências de que, com os discos voadores, estamos
assistindo ao nascimento de um novo mito. Um mito moderno.
No fundo, estamos lidando com uma questão muito antiga – a
125
O Seminário, livro 2: O Eu na Teoria de Freud e na Prática Psicanalítica. Jorge Zahar
Editor, RJ, 1985.
221
percepção da realidade conforme a nossa percepção da realidade.
Nos séculos 6 e 7 a.C. já se discutia a relação homem-objeto com
Sócrates, Tales, e outros grandes pensadores. Protágoras, o pai do
relativismo, foi exilado em 415 a.C. só por afirmar que com relação
aos deuses, não posso ter certeza de que existem ou não, nem de
como são em aspecto; pois são muitas as coisas que bloqueiam o
conhecimento seguro – a obscuridade do conhecimento e a
brevidade da vida humana.126 Mas esse é apenas o ponto de partida.
Atravessamos dois milênios e a discussão permanece em aberto,
para deleite – ou desespero – dos filósofos. Entretanto, trata-se aqui
não de discutir ou filosofar a realidade do fenômeno Óvni que é –
perdoe a redundância – indiscutível. O problema são os
procedimentos na abordagem do fenômeno, estes sim, altamente
discutíveis.
O rei está ou não nu?
No sentido mais estrito, nada pode ser verdadeiramente provado
por indução, e a Ufologia tem tirado suas conclusões através de
propostas eminentemente indutivas – aquelas que são prováveis à luz
das evidências. A questão é que não existem evidências e sim
indícios, e essa diferença linguística faz muita diferença. Enquanto o
fenômeno é circunstancial, instável, atípico, inapreensível,
insinuante e dissimulado, sua pesquisa é ilusória, caótica,
inconclusiva e tendenciosa.
Essa fratura inviabiliza a consolidação das relações entre um e
outro. É preciso reaprender as formas de investigação, romper o fio
tênue do discurso vazio e arejar um ambiente saturado de caprichos
quiméricos. É essa a Ufologia que está aí, que corre solta ao sabor
dos ventos, onde aventureiros, crédulos, bem-intencionados, franco-
atiradores, ingênuos, viajantes, visionários, delirantes e diletantes se
cruzam e se afastam, se chocam e se repelem, sem quaisquer
perspectivas de voos mais altos ou mergulhos mais profundos. É a
parte visível daquele iceberg.
O rei está ou não vestido?

126
Fearn, N.; Aprendendo a Filosofar em 25 lições, Jorge Zahar Editor, RJ, 2004.
222
A verdadeira Ufologia não é essa que desfila diante dos nossos olhos

Dentro do leque de manifestações que fazem a Ufologia se


assemelhar a um inextrincável quebra-cabeças, estão as abduções,
cuja credibilidade é altamente questionável em razão de um quadro
conhecido como “sintomatologia de abdução pós-traumática”, ou
seja, sequelas Físicas e comportamentos observados nas pessoas que
afirmam terem sido sequestradas por alienígenas. Mas estes sintomas
e estas marcas também se produzem por outras causas, outro ponto
controverso na investigação dessas narrativas.
Há um mecanismo inconsciente em ação que tem sido objeto de
estudos não apenas dos psicólogos e psiquiatras – especialistas mais
diretamente envolvidos com essa casuística – como também dos
neurologistas, sociólogos e antropologos, já que é necessário
primeiro separar aqueles componentes inconscientes para se chegar a
um diagnóstico mais correto. É consenso entre estes estudiosos que
diversas outras experiências apresentam o mesmo quadro
sintomatológico, como as Experiências de Quase-Morte (EQM), as
chamadas “viagens astrais”, se forem realmente possíveis, e o uso de
alucinógenos, entre outras.
O que não se sabia sobre o funcionamento do cérebro, décadas
atrás, começa agora a ter maior e melhor conhecimento.
O desenvolvimento de novas drogas para uso medicinal,
principalmente com aplicação em neurologia, tem proporcionado aos
223
pesquisadores descobertas quase revolucionárias que colocam em
xeque certas crenças no campo da paraPsicologia, como a “projeção
astral”, por exemplo. Em 2002, o neurologista suíço Olaf Blanke
descobriu que, excitando determinadas áreas do cérebro através da
estimulação elétrica em pacientes prontos a serem operados para o
tratamento de epilepsia, ele provocava o desencadeamento de
sensações como abandono do corpo e flutuações pelo recinto.

Os médicos da equipe de Olaf, dos Hospitais Universitários de Genebra


e Lausanne, acreditam que o giro angular seja o local onde a
informação visual é associada com o sistema de representação do
corpo através de dados sensoriais, como o tato. Ao que tudo indica,
existem no cérebro grandes áreas relacionadas às emoções, que se
encontram fortemente ativas durante as experiências místicas, os
estados meditativos, as experiências extracorpóreas e as experiências
próximas à morte. Do mesmo modo, dois pesquisadores da
Universidade da Pensilvânia, Andrew Newberg e Eugene D'Aquili, que
escreveram o livro Why God won't go away (Porque Deus não vai
embora), estudaram grupos de meditantes budistas e freiras
franciscanas em oração, e comprovaram que em estado de oração ou
meditação profunda ocorre uma diminuição drástica da atividade
cerebral no lobo parietal superior, justamente a mesma área do cérebro
responsável pelo senso de orientação no tempo e no espaço, bem como
a diferenciação entre o indivíduo e os demais seres e coisas.127

O que significa isto? Aonde queremos chegar? Significa que o


avanço da ciência, em particular da neurobiologia, está abrindo
novos caminhos a respeito da investigação cerebral, caminhos nunca
antes trilhados porém intuídos e exaustivamente procurados. Com
isso, queremos dizer q
\ue toda e qualquer manifestação de caráter paranormal,
mediúnico, místico, esotérico, ocultista, que tenha suas raízes na
mente humana, deve ser reexaminada profundamente, sem qualquer
preconceito. Seria lícito supor – por mais absurdo que possa
parecer – que existem áreas no cérebro cujos circuitos são
especializados em fé ou apego religioso? É exatamente aí que se
inicia a penumbra do nosso conhecimento. Talvez por isso os

127
In O cérebro e as viagens astrais, Dr. Luiz Otávio Zahar, www.ippb.org.br
224
neurocientistas tenham se negado sistematicamente a dedicar tempo
e pesquisa ao tema.
Esse é o pensamento do Dr. Edson Amâncio, neurocirurgião do
Hospital Albert Einstein, de São Paulo. Ele lança ainda uma outra
dúvida: Pode uma avaria, um curto-circuito nas redes neurais que
parecem governar a fé, desencadear uma crença que não existia ou
estava adormecida?128 Se as perguntas estão apenas começando, não
se pode pretender respostas definitivas de quem quer que seja. De
qualquer forma, recomendamos que guarde bem esta informação,
porque ela será bastante útil quando chegarmos ao capítulo “A
árvore de dourados frutos”.
Voltando às tão discutidas abduções, o que se pode dizer? A
palavra “abdução” pertence ao ramo médico – é o movimento que
permite separar um segmento corporal da linha média do corpo –
mas é adequadamente usada para classificar um suposto sequestro
por parte dos tripulantes de um Óvni, em que a vítima é submetida
(ou não) a um escaneamento psicofísico. Não sabemos o porquê da
adoção deste termo, mas, filosoficamente falando, parece que foi
escolhida de forma feliz por quem quer que a tenha enquadrado no
campo da Ufologia, em um passado não muito remoto.
Poucos filósofos adotam o termo, mas há alguns que o colocam
como uma das formas de raciocínio, ao lado da indução e da
dedução. A abdução seria um meio, ou método de pensar, que pode
levar a um conhecimento não obtido pela ação comum do raciocinar.
Ela difere do método indutivo, pois este escolhe fenômenos
individualizados, no campo do particular, para que se chegue a
conclusões gerais.
O dedutivo parte do que se forma como princípio, já se conhece
como característica do todo, do geral, para enquadramento de um
fenômeno particular, que siga ou não o que está estabelecido como
abrangente. Já a abdução não é forma de pensar semelhante. Ela
parece estar próxima da intuição, mas mesmo esta é considerada pela
Filosofia da ciência como um procedimento do pensar que vai em
direção à essência das coisas e dos fenômenos.
Através dela, o indivíduo não pensou nem aplicou método de
raciocínio, qualquer que seja ele adotado por certas ciências ou
128
Scientific American Brasil, Religião e Epilepsia, abril de 2006
225
disciplinas – como o indutivo e, mais comumente o dedutivo – mas
teve ou colheu um conhecimento por uma via quase que paralela da
ação mental, como se este se originasse de outra mente ou de um
meio pouco convencional. Para as linhas pragmáticas da Filosofia da
ciência, a abdução não passa da escolha de uma suposição, de uma
hipótese, na observação de um fenômeno, para que depois em sua
experimentação seja esta confirmada ou não. É, em termos, o que no
campo do concreto ocorre com os abduzidos em Ufologia. Levam a
vida normalmente até que algo a situe em outra dimensão espaço-
temporal, encobrindo uma situação até então desconhecida, como se
o sujeito vivesse uma história paralela à que protagoniza em seu dia-
a-dia. A abdução, portanto, por fugir do que geralmente se nomeia
como métodos mais comuns de raciocinar, vem a calhar no campo
da Ufologia, mas apenas do ponto de vista filosófico, devemos
enfatizar.
As abduções, ainda que tema complexo, podem perfeitamente
enquadrar-se no rol dos fenômenos atribuíveis tão somente à mente
humana, nas suas variações de ordem psicológica e psicanalítica.
Ousamos oficializar de vez, inclusive, uma “tese” que se pode
incorporar á nomenclatura ufológica. Pensamos já ser tempo da
Ufologia separar o que seja abdução de supostos acontecimentos de
ordem eminentemente física, desde antigamente chamados de
“sequestro”. No máximo para efeito de classificação, bom
esclarecer, porque estes geralmente são casos compostos da ida
forçada de indivíduos a bordo de objetos voadores não identificados,
após uma espécie de paralisia induzida, conduzidos por estranhos
seres quase sempre de compleição humanoide, vale dizer, seres de
aparência humana trajados de forma típica à de astronautas ou de
personagens da ficção científica.
Um dos primeiros casos registrados identificando esta situação
data de 1961 envolvendo Barney e Betty Hill, que foram submetidos
a uma bateria de “exames clínicos” em um ambiente sugerindo algo
como um “laboratório alienígena”. Estudos recentes indicam fortes
possibilidades de tudo ter sido uma fantasia. Depois deles, mostra a
casuística, milhares de pessoas já passaram e continuam passando
por essa experiência. Milhares é diminuir a conta, pois de acordo
com alguns autores, a cifra alcança a casa dos muitos milhões.

226
Ocorre que tais fenômenos – diferentemente daqueles raríssimos
(mesmo assim ainda não comportando uma explicação definitiva)
que se dão aparentemente no campo somente físico – em que
pessoas estão caminhando, dirigindo veículos ou trabalhando na
roça, afirmam que, de repente, teriam recebido a visita ou
testemunhado a aparição de objetos voadores e seus tripulantes. A
abdução ocorre durante o sono, reflete-se no estado emocional da
pessoa, influencia seus valores e quase sempre seu comportamento.
Em grande número de vezes torna-se recorrente, noticiando a
insistência de visitantes estranhos e, invariavelmente, aterrorizantes.
Mas algumas explicações começam a tomar forma, colocando as
peças nos seus devidos lugares. Ainda que não sejam a palavra final,
certamente trazem esclarecimentos e fazem mais sentido do que a
enxurrada de bobagens que entope o assunto. O ponto de partida
para uma nova compreensão acerca das abduções começa quando
estamos... dormindo! Ou quase. Existem dois caminhos – o quase-
sono e o falso despertar – muito mais comuns do que se pensa,
atingindo uma fatia representativa da população, incluindo crianças.
O primeiro se situa naquele limiar entre o estado pré-dormente e o
primeiro nível do sono, enquanto o segundo ocorre no momento que
antecede o final de um sono: você pensa que acordou, executa as
tarefas habituais, se alimenta, troca de roupa, anda pelo quarto, mas
num dado momento acorda de novo – de verdade – e percebe que
ainda estava dormindo. Este momento do falso despertar pode vir
acompanhado por um outro fenômeno conhecido como “paralisia do
sono”, do qual falaremos mais à frente.
Por apresentarem a participação de alegados seres diferentes dos
humanos, que dominam a vontade do indivíduo, subjugando-o física
e psiquicamente, as abduções inspiram os ufólogos a insistir por sua
origem objetiva e alienígena, exógena, como sinônimo de ataque de
seres extraterrestres, por vezes fantasmagóricos. Porém, muito de
seus pressupostos indicam que têm origem nos sonhos. Sabe-se, pela
Psicanálise freudiana, que os sonhos possuem dois conteúdos: o
manifesto e o latente.
O conteúdo manifesto dos sonhos é o enredo com que este se
apresenta à mente do indivíduo e é formado por aquilo que se
consideram experiências recentes, tais como o que foi vivido durante

227
o dia ou nos mais recentes. Não é pecado supor que a influência da
hipótese de existirem seres extraterrestres a bordo de naves
intergalácticas, haja ou não interesse do sonhador pelo assunto,
esteja presente na constituição do sonho, mesmo porque, todas as
pessoas estão sujeitas a tal tipo de influência e isto não é tão
moderno nem tão raro quanto se imagina. A ideia de naves espaciais
não pertence apenas ao século 20, ao contrário, a ficção que as
utiliza vem dos primórdios do século 18, como já vimos.
A literatura está repleta de relatos de pessoas que “juram” ter
acordado e vivenciado experiências das mais assustadoras –
presença de espíritos, entes queridos distantes, falecidos ou não,
luzes brilhantes pelo ambiente, músicas celestiais ou ruídos
desagradáveis, perfumes inebriantes ou odores nauseantes, paisagens
e cenários de indescritível beleza e a visão de “estranhas criaturas”.
Na falta de uma explicação satisfatória, recorre-se ao campo da
paranormalidade ou da Ufologia como única resposta plausível.
Nossos bisavós já sabiam, por vivência natural, que uma boa noite
de sono mantém nosso metabolismo perfeitamente regulado e a
mente, inclusive processos criativos, funcionando a plena carga.
Hoje, a neurofisiologia demonstra, através do imageamento cerebral
e de gráficos, o que ocorre em nosso cérebro durante um sono
estável ou quando sob estresse e perturbações, indisposição, traumas,
ansiedades ou sob influência de fármacos. Não vamos entediar o
leitor com a difícil terminologia médica para explicar esse
mecanismo, nem com o histórico de pesquisas ao longo de décadas.
Vamos direto ao que nos interessa.
Dirão alguns opositores que as abduções não são frutos apenas de
nossa admiração pelas viagens espaciais, no que estão certos. E isto
confirma, em termos, a hipótese aqui lançada. Um levantamento
mais atento e minucioso poderia mostrar se as abduções realmente
aumentaram nos últimos cinquenta anos, ou se estatisticamente
sempre foram registradas. Se positivo, é fácil e lógico concluir que
antes as abduções apenas não mereciam tanta atenção dos estudiosos
e profissionais da saúde, diluindo-se em meio a patologias
conhecidas e a distúrbios cujos sintomas as abrangiam e absorviam
nas classificações científicas. Como quer que seja, Freud estabeleceu
uma integração entre os conteúdos manifesto e latente dos sonhos.

228
Este último, formado pelas experiências antigas da pessoa, é
infinitamente mais complexo e importante. Observando a estrutura
dos sonhos, chegou a compará-la à estrutura das neuroses. Com isto,
anunciou que com os sonhos o estudioso poderia chegar ao
inconsciente da pessoa analisada.
Os ufólogos conhecem o conceito leigo do “neurótico de guerra”,
que geralmente sonha com situações de amargura, comportando-se
em sono de forma agitada e violenta, por vezes projetando esse
comportamento em situações específicas do dia, quando desperto e
em vigília. Não raro, a agressividade se manifesta como forma
defensiva, chegando a apresentar sintomas semelhantes aos da
alucinação, demonstrando terror e revolta. Alguma semelhança com
certos abduzidos? Por certo que sim.
O fascínio pela hipótese extraterrestre, bem como a necessidade
de fuga dos problemas de ordem pessoal ou familiar e social, podem
contribuir para a elaboração de sensações ou enredos de abdução. Na
formação dos sonhos, destacam-se sentimentos, pensamentos e
desejos reprimidos no inconsciente. Inúmeras questões desse tipo
poderiam provocar uma experiência de abdução.
Ao adormecer, o corpo inicia um processo automático de
relaxamento muscular involuntário, ao mesmo tempo em que
inúmeras alterações fisiológicas começam a ocorrer: a atividade
cerebral, a pressão arterial e a frequência cardíaca diminuem; o
sistema nervoso autônomo mantém suas funções reguladoras, o que
nos permite mudar de posição várias vezes. Depois de algum tempo,
variável para cada pessoa, a atividade cerebral retoma um ritmo
próximo ao da vigília, os movimentos oculares se tornam mais
rápidos, a respiração e a frequência cardíaca aceleram: é o sonho que
começa a tomar forma. Em alguns casos, são tão vívidos,
impactantes e persuasivos que temos dificuldade em diferenciá-los
da realidade. Em outros, mais raramente, sabemos tratar-se de um
sonho e inexplicavelmente assumimos o seu controle – é o sonho
lúcido. Não se precipite. Não estamos alegando que sonhos e
abduções sejam a mesma coisa. Ainda não chegamos nesse ponto.
Mas guarde a seguinte informação:

Umas das tarefas mais importantes do cérebro, seja dormindo ou


acordado, é construir um modelo do mundo à nossa volta, a chamada
229
consciência. Quando acordado, esse modelo utiliza predominantemente
estímulos sensoriais. Quando dormindo, muito pouco estímulo está
disponível, logo, o “mundo” passa a ser determinado por suposições.
129

È importante destacar novamente, como fizemos a certa altura,


que não se torna fácil simplesmente afirmar casos isolados de
abdução como se causados por fatores desse tipo, objetivamente
atuantes. Que seja entendida assim nossa finalidade neste capítulo,
qual seja, a de demonstrar que as abduções também estão sujeitas a
uma regra notável: não se pode explicar um caso como causado
indiscutivelmente por seres extraterrestres, uma vez que tal premissa
nem é válida para nossos atuais conceitos científicos.Há explicações
para ela. E teoricamente convincentes.
O conteúdo latente do sonho é um fenômeno psíquico de extrema
consistência. Para melhor entendê-lo devemos tomar como exemplo
os enredos normalmente narrados em casos de abdução. Os
abduzidos geralmente apresentam vagas lembranças da ida, a
contragosto, ao interior de um objeto desconhecido, em que passam
por situações angustiantes, submetendo-se a experimentos e exames
de ordem biológica e anatômica, com grandes incômodos e fortes
dores.
Ou então, não se recordam de nada disto, apresentando um
comportamento na vida diária como se influenciado por cenas,
situações, pessoas e lugares corriqueiros, ligados a uma situação não
presente no seu consciente, porém manifestada pela forma de mal-
estar e sensações desagradáveis de diversas ordens.
Em qualquer dos dois tipos podemos encontrar sinais dos
múltiplos fenômenos psíquicos que contribuem para a formação dos
sonhos. Aliás, a presença de amnésia, a lembrança de apenas parte
de alguma ocorrência, ou a não existência desta na memória
consciente, é comum em vários tipos de sonhos, não apenas nas
abduções. Contudo, ao que parece, a maioria dos ufólogos que
considera a abdução como uma intervenção invasiva de seres
alienígenas, toma exatamente esse aparente esquecimento ou a

129
LaBerge, S.; Lucid Dreaming a Concise to Awakening in Your Dreams and in Your Life.
Sounds True, 2004.
230
ausência de informações conscientes, como evidência de uma
“manipulação”. Pode-se notar que não é bem assim.
Dos fenômenos psíquicos formadores dos sonhos, a lembrança,
vaga ou nítida, do sequestro durante a noite por seres estranhos, com
a ida ao interior de naves e a submissão a desconfortos de ordem
física, pode pertencer precisamente ao conteúdo manifesto de um
sonho. A narrativa surge na lembrança, pois pertence ao consciente
do sonhador, na quase totalidade dos casos como imagens visuais.
Os psicanalistas sabem que a pessoa pode ou não se lembrar
dessas imagens do conteúdo manifesto, depois de desperto. Ocorre
que o sono acaba por sofrer uma espécie de manipulação, uma
influência do ego – o psiquismo formado e equilibrado pelas
tendências e impulsos do Id – ou inconscientemente, que agem em
razão de nossa condição natural e pelas rédeas do superego, as regras
a que nos acostumamos e nos conformamos.
O ego então, diante de desejos, pensamentos, sentimentos e tudo
mais que sofre o seu disfarce e abrandamento, enfrenta o que se
encontra reprimido no inconsciente, deixando aparecer sob outras
formas, mais lapidadas, modificadas. É o que se chama Elaboração
Onírica do Sonho. Esta é a razão pela qual alguns estudiosos
consideram teoricamente possível que abduções representem até
fatos mais insuportáveis, pelos quais o sonhador tenha passado em
tenra idade, ao contrário de uma psicanalista que prefere não afirmar
isto senão em estudo de caso com provas difíceis e penosas de
conseguir, como mencionaremos em outro capítulo.
Os maus-tratos e sofrimentos impostos ao indivíduo que sonha,
quando ainda bebê ou na fase anal e edipiana, podem converter-se
futuramente na representação de seres estranhos, de constituição
horrorosa e amedrontadora, tripulantes de um objeto não
convencional. Teoricamente estariam representando adultos, cuja
relação objetal do sonhador tenha sido traumatizante, podendo ser
pais, padrastos, madrastas ou qualquer adulto ainda que estranho na
relação familiar, que tenha participado de evento altamente negativo
no processo de individuação do abduzido. As aflições e dores
vividas no interior dos Óvnis, durante as abduções, representariam o
que de mais significativo marcou a pessoa, as sensações
insuportáveis mantidas no inconsciente, provocadas por seres que

231
simulam as pessoas que as provocaram no passado remoto do
sonhador. Da mesma forma, este não suportaria admitir
conscientemente, com clareza, assumindo desde logo que tais
pessoas seriam, no momento atual da sua vida, encaradas na figura
de malfeitores.
Em páginas seguintes, mencionaremos a impossibilidade de
se afirmar a substituição de um estupro ou tortura física provocados
por pais ou outras pessoas, na infância, mas falaremos estritamente
no tocante a uma ocorrência deste tipo. Todavia, isto não quer dizer
que outros eventos marcantes, traumatizantes, não possam vir
representados na atualidade do sujeito que sonha, pela forma de
seres humanoides monstruosos, habitantes de um ambiente hostil ao
mesmo nível – o Óvni em que o abduzido se situa para reviver seus
sofrimentos.
Tudo, portanto, virá ao consciente ou à lembrança pré-
consciente depois de ter sido elaborado. Somente a boa e eficaz
análise poderá detectar e interpretar as verdadeiras razões daquele
enredo disfarçado, proibitivo, representado. Ou seja, o conteúdo
latente de um sonho pode revelar que os seres abdutores, ou mais
apropriadamente abducentes, bem como o disco voador que os traz
inexoravelmente, não passam dos temores e terrores de fatos e
pessoas reprimidos no inconsciente. Se a abdução é recorrente,
repetida periodicamente como informam os registros sobre um
menor número de casos, tais fundamentos se tornam ainda mais
aceitáveis.
Reconhecemos que, em comparação, as abduções poderão
parecer mais complexas e difíceis de solucionar do que “simples”
casos de sonhos. Estes possuem, entretanto, todo um emaranhado de
fatores que os colocam no mesmo nível daquelas, só que
apresentando, desde há muito, para a Psicanálise, elementos com os
quais esta disciplina já se familiarizou. Isto justifica, por exemplo, a
participação imprescindível de profissionais de saúde mental na
coleta e no estudo de abduções.
O que os ufólogos têm feito até agora é a velha e salutar
elaboração de casuística, porém, na maior parte das vezes, sem o
emprego de um método apropriado para o aprofundamento do
estudo. Pode-se então perceber o quanto é difícil uma pesquisa desse

232
naipe. No mínimo, há necessidade de um psicanalista ou psicólogo,
como ocorre em toda pesquisa científica, resultando um ou outro: a
abdução é um tipo de sonho; a abdução não é um sonho, caso o
estudioso devidamente conhecedor não puder detectar as
características de um sonho, obviamente. Mas o que será então?
Será, certamente, algo desconhecido, pois que, salvo melhor juízo,
não conseguimos recordar um só caso de abdução que não comporte
significativa comparação com um sonho.
Neste ponto, como entusiastas da Psicanálise, ousamos
lançar uma ideia que dependerá do juízo dos profissionais mais
experientes e das duras críticas dos especialistas. Uma pessoa pode
disfarçar tão rigorosamente suas angústias, desejos inconfessáveis e
sentimentos reprimidos no inconsciente, pela forma de uma abdução,
que isto tornará dificílimo, quase impossível, que se detectem os
fatores psíquicos e seus efeitos que possam ter produzido um mero
sonho.
Abdução é um tema cada vez mais fascinante, abarcando o
público de cinema, televisão, revistas e livros. A era atual, em que a
técnica astronáutica é cada vez mais avançada e as incursões de Ets
valiosas para o enriquecimento do imaginário popular, torna as
abduções um fenômeno concreto, que justifica por si só a dedicação
à Ufologia, principalmente se constituírem um tipo de fenômeno
psíquico ainda a estudar, para compor a classe dos sonhos, pode-se
dizer, atípicos. É o que são as abduções, ao que muitos de seus
pressupostos intrínsecos indicam.
Se, contudo, muitos preferirem a explicação menos
complicada, como um modo de, como sempre, substituir a ação do
psiquismo por intrusos que, vindos do exterior, “só podem” ser a
causa delas, paciência. Novamente estaremos diante do velho
arcabouço histórico da ausência de compreensão. Trocando nossas
angústias e horrores por monstros que nós mesmos geramos,
representando nossa mente incomodada por veículos vindos de
lugares sombrios, no interior dos quais seremos torturados. E,
enquanto estudiosos, olhando de camarote os abduzidos, agindo
como habitantes das cavernas e nos satisfazendo como os empíricos
das épocas dos mitos – suprindo nossa ignorância e nosso
desconhecimento com dominadores de outros planetas. Não se creia

233
que haja qualquer simplicidade dos sonhos, em comparação com as
abduções.
A descoberta da importância de sua análise e interpretação
constitui o seio da Psicanálise. Na atualidade, psicanalistas não
ortodoxos aplicam métodos menos gravosos e mais rápidos,
conhecidos como psicoterapias breves. Porém, quando necessária a
utilização de meios clássicos para sessões sucessivas e gradativas,
uma terapia psicanalítica pode durar, não raro, dez anos. Não é
geralmente fácil que o psicanalista consiga, de pronto, a fase de um
paciente conseguir associar fatos, pessoas, situações e pensamentos
de forma a obter resultados positivos. O trabalho psicanalítico, e,
claro, pode-se dizer do psicólogo, é intrincado, minucioso, rigoroso.
Por conseguinte, é possível imaginar o quanto é mesmo penoso
analisar e estudar um caso de abdução, para que se tente uma
conclusão. Seremos repetitivos, o quanto for necessário: pode-se e
deve-se fazer ciência em Ufologia desde que se reprograme o
pensamento, eliminando a infantil ideia, enquanto insubstituível, de
que discos voadores e Ets abducentes venham, como única hipótese,
de outros planetas.
Por outro lado, as abduções apresentam histórias entrecortadas.
Certos trechos são omitidos pelo paciente que depõe, por exemplo,
em transe hipnótico, quase sempre utilizado por estudiosos para
tentar retirar da lembrança do abduzido fatos esquecidos ou
canalizados. Mesmo que a hipnose não garanta o depoimento da
realidade objetiva de um sequestro real, quando bem aplicada pode
firmar o depoimento sincero de alguém. Não se admite que um
hipnotizado minta, desde que de fato colocado em um nível de transe
profundo.
O problema reside em saber se o pesquisador que aplica a
hipnose é conhecedor experiente e profissional o suficiente para
aferir se seu paciente se acha mesmo em tal nível. A eficácia dessa
técnica abandonada por Freud130 e, principalmente por questão de
praticidade, uma vez que a indução hipnótica correta costuma tomar

130
Daí nasceu a Psicanálise, pela necessidade da elaboração de métodos que permitissem ao
paciente ter consciência de
seus problemas e vivenciar por si mesmo sua análise e recuperação.
234
muito tempo e nem sempre funciona, tem sido usada para a
compreensão de lacunas da lembrança.
E o que é “paralisia do sono” e o que tem a ver com as abduções?
Quando estamos dormindo profundamente, a musculatura em geral
encontra-se relaxada; muito embora o cérebro esteja, de certa forma,
“ativo”, os sinais neurais não têm força suficiente para provocar
movimentos, ou teríamos espasmos involuntários contínuos e
desconfortáveis. Isso acontece apenas nos primeiros minutos,
naqueles sobressaltos e “trancos” que ocorrem pouco depois de
deitarmos esperando pelo sono.
Mas pode acontecer de nos sentirmos “paralisado” mesmo, antes
de adormecer ou logo após acordar. Às vezes, isso é interpretado
como fazendo parte do sonho, e você simplesmente “deixa rolar”, já
que a qualquer momento irá acordar. Você ouve o barulho vindo da
rua, percebe os movimentos de alguém andando pela casa, o
despertador do vizinho, o cachorro latindo ao longe, mas nada disso
consegue fazê-lo mexer-se, nem mesmo abrir os olhos ou emitir
qualquer som. Há uma pressão incômoda no peito e um desconforto
psíquico começa a crescer. Como não tem parâmetros que possam
oferecer uma explicação para o que está acontecendo, medos, fobias,
suposições, fantasia e imaginação passam a ser os únicos elementos
disponíveis, e a mente começa a trabalhar com eles.
É aqui que o quase-sono e o falso despertar encontram
parentesco. Todos aqueles movimentos e ruídos familiares começam
a fazer parte de um mundo onírico e fantasioso, construindo um
enredo que remete ao imaginário coletivo: luzes brilhantes? Óvnis!
Criaturas estranhas? Ets! Paisagem deslumbrante e música “divina”?
Mundo espiritual! Ruídos estranhos? É o “motor” da nave. Estou
deitado, paralisado e sentindo um “peso” no peito? Estou sendo
submetido a algum tipo de exame físico por entidades alienígenas!
Espíritos de parentes e amigos distantes?
Ou também foram abduzidos ou é um disfarce destas criaturas
para me acalmar. Outros efeitos já foram registrados durante este
“transe paralisante”: sensação de ser observado, presença próxima
indistinguível, toques em partes do corpo como braços, pernas,
abdômen, tórax, cabeça. Sussurros, flutuação, mudança de
temperatura corporal, suores, perda da noção de tempo, puxões na

235
roupa ou nos lençóis e até mesmo “cirurgias” foram relatadas pelas
vítimas, embora não fossem constatadas cicatrizes, punções ou
lesões visíveis.
Mas há um outro elemento pertencente ao mundo dos sonhos
detectado pelas pesquisas, ainda na esfera das suposições: a criação
de novas “memórias” a partir das preexistentes, novos pensamentos,
ideias e insights. A história é pródiga em exemplos. Trazida para o
campo da Ufologia, essa faculdade, ainda não inteiramente
compreendida pelos estudiosos, coloca os depoimentos em regime
de quarentena por tempo indeterminado.
De novo insistimos, não tire conclusões prematuras. Não estamos
afirmando que seja essa a explicação para os casos de abdução,
apenas trabalhando com conjecturas, hipóteses, nada mais que um
exercício investigativo a partir dos mais recentes avanços tanto da
Psicanálise como das neurociências. Lembramos ainda dois fatores
que precisam ser levados em consideração nesta análise, que estão
mais bem explicados em pontos distintos da obra: as alterações de
percepção a que estamos sujeitos por estimulação do lobo temporal,
e os desejos conscientes e inconscientes de nos destacarmos do
cidadão comum através de experiências singulares e marcantes.
Quando esses resultados são obtidos, pode-se dizer que
conseguiram fazer com que a memória pré-consciente se permitisse
associar fatos a tudo aquilo que ficou escondido nos mais
insondáveis recantos do inconsciente, sobretudo as sensações mais
evitadas. Se o sonhador elabora uma história de abdução com a
finalidade de deixar o conteúdo manifesto do sonho encobrir seus
verdadeiros fundamentos, é possível que tenha suprimido trechos
que lhe são inconvenientes e terríveis, inconscientemente.
É a atuação do psiquismo, conhecida por Censor Onírico,
também a fazer parte da formação do sonho. Uma legítima censura
pessoal do sonho. Em grande número de casos ufológicos de
abdução, a pessoa começa a narrar sua desagradável aventura dentro
de uma nave espacial e passa a entrecortar sua sequência com lapsos
de memória, como se recordasse o que se passava quando deitada
sobre uma espécie de cama suspensa, e de repente já se visse de pé,
do outro lado do que considera uma sala, não sabendo como fora
parar lá.

236
Temos casos em que o indivíduo viu aproximar-se de sua cabeça
um aparelho que comparou a úberes de vaca, a vista escureceu e
imediatamente depois retomou “a consciência” de se preparar para
ser devolvido ao local de onde fora bruscamente retirado. A
testemunha sofrera a ação de um aparelho usado para sondar seu
corpo, mais propriamente o cérebro, ou simplesmente o lapso de
consciência faz parte de um trecho propositalmente censurado de seu
sonho, por se associar a algo mais grave? Difícil saber, mas não
impossível.
Essa atuação inconsciente não é isolada. Se atentarmos para o que
Freud chamou de Mecanismos Defensivos do Ego, veremos o
quanto a pessoa pode atuar em prol do próprio enredo do sonho,
apesar de não estarmos aqui falando em “moldar o sonho” antes de
dormir, como alguns acreditam ser possível. As abduções são, de
certo modo, padronizadas, sendo o que se extrai da casuística
colecionada por ufólogos como Bud Hopkins. Mostram seres de
aparência semelhante, com atuação seguindo um método ou
procedimento quase ritualístico durante os exames físicos a que
submetem o abduzido.
Sua aparência, cuja intervenção não se consegue resistir, consiste,
na quase totalidade, de humanoides acinzentados, longilíneos,
cérebro avantajado, similares a “fetos adultos”. Inevitável achar
surpreendente que tais seres se pareçam com fetos humanos. O fato é
que toda essa padronização convence os interessados de que há
mesmo uma realidade objetiva por detrás disto, resumida na crença
de que criaturas de outros planetas, membros de civilizações mais
avançadas estão, desde há muito, usando seres humanos para suas
experiências de ordem genética, monitorando de perto a vida na
Terra.
Tais semelhanças entre casos ocorridos em distantes partes do
mundo, poderiam até mesmo permitir o encontro de postulados ou
princípios gerais para aplicação na Ufologia, como se faz nas
ciências através do método dedutivo. Teríamos que resumir um tipo
de “lei das abduções”: seres de outro planeta dominam a
humanidade e periodicamente colhem espécimens para exames e
estudos. Uma espécie de lei geral de cunho fenomenalista, por certo.
Mas não é o caso, realmente. Os padrões mais se aproximam a

237
sonhos, que nos perdoem ufólogos entusiastas e psicanalistas mais
exigentes.
Um dos expedientes defensivos do ego pode servir à explicação
desses “padrões”: a simbolização. A questão dos símbolos é
praticamente o maior campo de controvérsia e expansão das ideias
psicanalíticas desde Freud e Jung. A linha dos junguianos é mais
afeita ao estudo e á atuação dos símbolos no campo psíquico, mas
Freud nunca os desprezou. Ele chegou a aceitar a existência de uma
linguagem simbólica universal utilizada por todos os sonhadores.
Por ela, um símbolo teria o mesmo significado para todos os que
sonham, em qualquer parte do mundo, independente de cultura e
sociedade. Zimerman explica que a simbolização consideraria uma
linguagem universal,

(...) de tal sorte que um mesmo símbolo teria o mesmo significado para
todos (por exemplo, o aparecimento de uma serpente em qualquer
sonho seria sempre um símbolo fálico). 131

Esclarece logo a seguir que Freud foi aos poucos considerando


que

(...) o simbolismo onírico corresponde aos significados específicos de


cada indivíduo e, também, das suas respectivas repressões (assim,
aquela hipotética serpente do sonho pode, para alguns, de fato,
representar um pênis, enquanto para outros pode significar uma pessoa
má, pérfida, traiçoeira, qual uma cobra venenosa, e assim por diante).

Resta então que, mesmo hoje os especialistas admitindo uma


simbolização correspondente aos significados específicos para cada
pessoa, tais significados também são comuns, até padronizados, não
apenas para alguns mas para todos os indivíduos. Uma serpente pode
não ser sempre e apenas um símbolo fálico para todos os seres
humanos, mas será certamente o de uma pessoa má para milhões.
Qual a razão, no entanto, para tantas abduções, mesmo com as
considerações até aqui tecidas? É que o ser humano precisa delas
para, literalmente, sonhar. Ousamos novamente – as abduções são

131
Zimerman, D. E.; Fundamentos Psicanalíticos, Teoria, Técnica e Clínica, Uma
abordagem didática, p.176, Artmed, RS, 1999.
238
sonhos modernos. Deveremos assim falar em funções do sonho e
não em suas razões. A principal delas é a proteção, o equilíbrio, a
segurança do sono. Para Freud o sonho é o guardião do sono.
Dormindo, portanto com a atuação consciente quase inerte, o
indivíduo está sujeito à irrupção dos mesmos desejos proibidos, dos
sentimentos inconfessáveis e das sensações insuportáveis que vêm
do inconsciente, já que o sonho permitiria fossem gratificados e
enfrentados. O papel protetor do sonho, com as transformações e
disfarces já comentados, evita os prejuízos de ordem psíquica que a
ação inconsciente não controlada causaria. É o que alerta Zimerman,
resumindo:

Quando o sonho não consegue cumprir o seu papel de guardião


protetor do sono, pode acontecer o mesmo fenômeno conhecido como
terror noturno, que frequentemente as crianças manifestam (no adulto,
corresponde, na linguagem psicanalítica, aos “sonhos de angústia”,
popularmente chamados de pesadelos).
Nem sempre o sonho cumpre tal papel. Quando isto acontece,
surge outro componente, decorrente dos mesmos fundamentos, dos
sonhos de abdução, tal como acima demonstrado. As abduções são
tão similares aos pesadelos, que certos ufólogos desavisados buscam
em detalhes sinais de abdução por seres alienígenas, quando, ao que
tudo indica, deveria ser ao contrário. Nosso singelo jargão as
abduções são os sonhos modernos contém pretensão ainda maior,
para o sorriso irônico da crítica acadêmica. É que depois de Freud as
teorias sobre o sonho, acima utilizadas quanto às abduções, ficaram
na berlinda.
Com o passar dos anos, várias correntes psicanalíticas, e de
psicólogos, substituíram as clássicas e pragmáticas acepções
freudianas sobre os sonhos por outras bases completamente diversas.
Mesmo estas coincidem em tantos aspectos com as narrativas de
abduções em suas explicações da atuação do psiquismo, que chegam
a surpreender. Isto é, com a devida licença, surpreender a nós,
ufólogos. A corrente conhecida como Psicólogos do Ego encara os
sonhos como uma representação da própria atuação da estrutura da
mente, e não sempre como uma manifestação simbólica após as
elaborações do ego, como se os sonhos retratassem a atividade
dinâmica das pulsões do id, das defesas do ego e das ameaças do
239
superego. Traduzindo, os sonhos resultam da interação entre o que
vem forçando desde o inconsciente, em nosso maior recôndito de
tendências naturais, a interferência e os disfarces do ego, como
resultado das rédeas, alertas e iminência de punição ocasionadas
pelo superego.
Zimerman usa como exemplo uma manifestação das mais
primárias desse tipo, acabando por evocar exatamente uma cena com
a qual os ufólogos já estão acostumados: sonhos de pacientes que
narram terem visto várias pessoas desconhecidas, homens e
mulheres, circulando entre os três andares de um prédio, subindo e
descendo, entrando e saindo. Para ele, Freud interpretaria esse sonho
como símbolos que expressam o desejo reprimido de relações
sexuais – entrando e saindo... Já os Psicólogos do Ego acham que a
movimentação entre os três andares de um prédio traduz como
estaria processando o trânsito adaptativo entre as três citadas
estruturas da mente.
Os casos de abdução que temos em mãos, tal como em muitos
clássicos, apresentam este tipo de cena. Num deles, vários “seres”
circulam entre salas e compartimentos, sob intensa movimentação,
silenciosamente. As abduções, por outro lado, podem delinear
situações mais graves, condições psíquicas doentias. Isto pode ser
fundamentado no modo de encarar certos sonhos pela Escola
Psicossomática de Paris, outra que os encara de forma diversa da
freudiana. Existem sonhos típicos para determinadas psicopatologias
ou doenças mentais.
Pessoas acometidas por elas podem assemelhar-se mais ainda aos
abduzidos, pois é comum em psicóticos a confusão da realidade com
condições sonhadas, por vezes fantasiadas. Neste ponto, a Ufologia
depararia com um quadro preocupante e grave, porque estaríamos
retornando à opinião extremamente rígida e pesada daqueles que
acham serem as narrativas do contato involuntário com
extraterrestres, casos de pessoas doentes. Infelizmente, essa opinião
não é despropositada. Os psicanalistas franceses, adeptos da
mencionada corrente, são respaldados por pesquisas
eletrofisiológicas que demonstraram uma atividade onírica de
pessoas deprimidas

240
(...) muito próxima à atividade pré-consciente da vigília, de modo que o
sonho de tais pessoas é de um nível muito superficial, e contam que
sonham como se estivessem despertas, com conteúdo do sonho de
caráter opressor e que não se distinguem das suas preocupações da
vigília. 132

Aqui, bom lembrar as abduções que, mesmo após os pacientes


terem ido para a cama, dão-lhes a impressão de terem ocorrido
quando ainda se encontravam despertos, mas impossibilitados de se
locomover, como se pudessem ver e ouvir tudo o que se passava no
quarto no momento da invasão de seres invasores, sem condições de
reagir, acometidos de completa paralisia do sistema motor.
A tendência dos estudiosos atuais é também considerar uma das
funções dos sonhos como sendo uma forma de elaborar situações
traumáticas, principalmente nos casos das abduções recorrentes, para
cuja testemunha os seres “sempre voltam” para abduzi-la por várias
vezes.
O tema se torna mais delicado quando passamos para este campo,
o das psicopatologias. Afirmar, na verdade diagnosticar que um
abduzido, simplesmente por narrar seus sintomas, seja um psicótico,
é no mínimo um ato do tipo exercício ilegal de profissão, enquanto o
estudioso age simplesmente como ufólogo. Agora entram em campo
não mais os psicanalistas e os psicólogos clínicos, mas os
psiquiatras. Já frisamos que sob a ótica das duas primeiras
disciplinas não é fácil definir um caso, o que se torna então mais
ainda complexo quando se trata de doença mental.
Todavia, também aqui os ufólogos devem conformar-se, pois
muitos abduzidos apresentam sintomas idênticos aos dos acometidos
de certas doenças psíquicas. Nosso impasse é este. Um dilema,
diríamos, senão vejamos: a) Se sequer a vida extraterrestre foi
demonstrada; b) Muito menos que esta vida seja inteligente e tenha
atingido estágio de avanço tecnológico que permita sua vinda até a
Terra; c) Sintomas de psicopatologias são conhecidos e fartamente
classificados cientificamente; d) Se abduzidos apresentam tais
sintomas... logo, abduzidos são mesmo sequestrados por seres de

132
Op. cit, p. 180.
241
outros planetas. O caro leitor percebeu o “raciocínio lógico” que
geralmente é utilizado pela maioria dos ufólogos?
Certas pessoas perturbadas mentalmente demonstram uma crença
firme na realidade de sua experiência, o que é característica de
abduzidos, para quem a verdade de seu sequestro por alienígenas é
indelével. Sabem os psiquiatras que a crença que acompanha as
perturbações é seguida de resposta emocional e comportamental
correspondente ao conteúdo das perturbações, o que é comum em
casos de delirium. Até nas pessoas “normais” algo semelhante
ocorre. Freud demonstrou que fatos esquecidos de nossa história
pessoal continuam a influenciar nossa conduta. Por infeliz
coincidência com o tema da abdução, as pessoas acometidas de
delirium geralmente apresentam sintomas mais graves durante a
noite e nas primeiras horas do dia. E, pior, certos pacientes
comportam-se como delirantes somente à noite, agindo como
perfeitamente lúcidos durante o dia.
Tal como nos distúrbios do sono, o esquecimento dos fatos
passados em certos lapsos de tempo também está presente nas
psicopatologias. Um dos aspectos mais fascinantes das abduções é a
amnésia, relativa ao período pelo qual a testemunha teria
permanecido no interior de um artefato desconhecido comparável ao
Óvni. Esta é outra razão para a utilização da regressão de memória
por hipnose, para que o sequestrado revele detalhes do objeto, de
seus tripulantes e da incômoda aventura que vivera. Existe uma
crença generalizada de que a hipnose “rompe” uma “amnésia
induzida” ou provocada pelos seres sequestradores, trazendo à tona
da consciência eventos que, sob a ótica dos malfeitores astronautas,
deveriam permanecer escondidos da humanidade.
Esta crença está, em termos e até certo ponto, correta. A hipnose
não se presta exclusivamente a desfazer lapsos de memória, tendo
sido estes induzidos ou não por invasores extraterrestres. Ela, da
mesma forma, desgraçadamente, pode “produzir” fatos não
ocorridos para preencher lacunas de memória no hipnotizado. Podem
ocorrer na maior parte das sessões de regressão de memória
realizadas por hipnólogos, ou não credenciados e, portanto,
inexperientes em alguma área de saúde mental, ou desatentos à total
interação que existe entre experimentador e experimentando. Uma

242
sutil palavra do hipnotizador influencia de tal maneira o hipnotizado,
que induz o comportamento deste no sentido que a palavra
expressar, ou na direção da interpretação óbvia que se pode fazer do
contexto em que se utilizar tal palavra. Então, a produção do que
modernamente se convencionou chamar de “falsa memória” ou
“falsas lembranças” é algo que pode ocorrer com quase 100% de
possibilidade.
Logo, ficamos confortáveis em afirmar que as abduções precisam
mesmo ser tratadas, estudadas e analisadas pela Psicanálise. Jung
explica em Psicologia do Inconsciente133 que a Psicanálise surgiu
pelo chamado método associativo, que, segundo ele, indica com
precisão a presença de conflitos na forma dos “complexos” ideo-
afetivos, manifestados nas perturbações típicas das vivências. E o
método mais importante para se chegar ao conhecimento dos
conflitos patogênicos é a análise dos sonhos. Na verdade, o melhor
caminho para se chegar ao conhecimento do que acontece no
inconsciente do paciente é a Psicanálise, o método associativo, que
veio para entrar no lugar da hipnose, considerada insatisfatória.
Note-se: a hipnose era utilizada para induzir o paciente à
produção espontânea de fantasias, além de outras finalidades. Pode-
se supor assim que a hipnose apenas permite ao experimentador
observar as narrativas do abduzido, sendo indispensável que o
conhecimento psicanalítico a acompanhe para o devido estudo.
Enquanto a amnésia dos abduzidos fascina e estimula a
curiosidade dos ufólogos, sabe-se na psiquiatria que seus vários tipos
estão identificados nos doentes mentais. Para nosso interesse,
destaca-se a amnésia pós-traumática, que é a perda de memória com
relação a fatos passados em um período definido de tempo, após a
experiência do indivíduo que sofreu a amnésia. A discussão na
Ufologia em torno desse “sintoma” é antiga, só que se limita à
dúvida se a perda de memória teria sido provocada pelos alienígenas
sequestradores, ou se o próprio choque da experiência traumatizante
levara a uma queda, a um desligamento e, como espécie de defesa
psíquica, ao próprio esquecimento. Outro ponto para a Ufologia,
justiça seja feita.

133
p. 13, Vozes, Petrópolis, 1978.
243
Destaque-se, porém, que é característica clínica da síndrome e do
transtorno amnésico o que a nomenclatura classifica por
“confabulação”134. Através dela, a pessoa preenche lacunas de
memória com falsas informações, que acredita serem verdadeiras. O
mundo da psiquiatria é farto de aspectos apresentados nos casos de
abdução. Chega a assustar o quanto de similitude existe entre
sintomas de esquizofrenia e outras doenças com as narrativas de
abduzidos, tais como delírios, alucinações e vários distúrbios do
pensamento.
Contudo, não é e nem pode ser esta a finalidade deste livro, qual
seja, um mergulho nas profundezas da medicina e da saúde mental.
Nem somos credenciados para tanto, ainda que arrisquemos
esporadicamente alguns comentários fundamentados na leitura e na
pesquisa, e apenas nelas, jamais por experiência própria. Porém, o
conhecimento, ao menos em suas nuances primárias, está para ser
buscado, principalmente quando queremos justificar a premente
necessidade de os ufólogos se conscientizarem de que sua área de
estudos não pode – nunca pôde – andar só.
A pesquisa de uma abdução é para ser feita mediante a
participação ativa e o parecer de psicanalistas, psicólogos e
psiquiatras. Portanto, uma investigação bem feita pode durar anos.
Quem sabe isto trará um reflexo salutar de ordem estatística – com a
eliminação da pressa e de opiniões afoitas – e os ufólogos notarão
que a infundada e absurda afirmação corrente e aceita de que “a cada
minuto alguém é abduzido no mundo” poderá cair para um número
bem mais modesto, chegando, quem sabe, a zero.
Ora, milhões já foram levados por Ets e quem o afirmara fora
exatamente o falecido psiquiatra e professor da Universidade de
Harvard, John E. Mack. Se ele o fez, então, com a palavra os
psiquiatras. Afinal, ninguém aqui está negando que há muita gente,
leiga ou formada e bem titulada, que considera como certa a
intervenção extraterrestre na vida do ser humano.
Insistimos que o tema das abduções, por relativa e
marcantemente atual, já poderia compor o inesgotável rol de
informações que algumas linhas da Psicanálise consideram como

134
Denominação estritamente dentro da área de saúde mental, mais propriamente da
neurologia. A interpretação popular para confabular tem sentido totalmente diferente.
244
arquetípicas, nos moldes de Jung. Sempre com a ressalva de que os
símbolos são significativos para as pessoas de forma específica,
mesmo que muitos deles incorporem a simbolização universal do
psiquismo humano e, portanto, possuam uma razão objetiva para
todos. Jung dizia em O Homem e Seus Símbolos que:

Os símbolos naturais são derivados dos conteúdos inconscientes da


psique, portanto, representam um número imenso de variações das
imagens arquetípicas essenciais (...) os símbolos são naturais e
espontâneos...

A totalidade dos abduzidos, ao acusar a presença de


sequestradores similares a fetos humanos, ou os famosos seres de
baixa estatura, quase sempre fortes e violentos, pode estar referindo
à ação do símbolo do anão135, presente em sonhos. Essa figura é
sempre relacionada ao passado, encontrando-se apenas na
lembrança, e para o paciente representa pessoa insignificante, aquém
do ideal desejado , segundo Fausto Motta, em Contos e Lendas
Interpretados pela Psicanálise136.

Jung, novamente, desta vez em Memórias, Sonhos e


Reflexões137, conceituou um arquétipo como:

... derivadoda observação reiterada de que os mitos e os contos da


literatura universal encerram temas bem definidos que reaparecem
sempre e por toda parte. Encontramos esses mesmos temas nas
fantasias, nos sonhos, nas ideias delirantes e ilusões dos indivíduos que
vivem atualmente (grifo dos autores). A essas imagens e
correspondências típicas, denomino representações arquetípicas.
Quanto mais nítidas, mais são acompanhadas de tonalidades afetivas
vívidas... Elas nos impressionam, nos influenciam, nos fascinam. Têm
sua origem no arquétipo que, em si mesmo, escapa à representação,
forma preexistente e inconsciente que parece fazer parte da estrutura
psíquica herdada e pode, portanto, manifestar-se espontaneamente
sempre e por toda parte.

135
Cirlot, J-E.; Dicionário de Símbolos Editora Moraes, São Paulo, 1984: Segundo Jung, no
plano psicológico podem ser considerados guardiães do umbral do inconsciente. A pequenez
pode ser também signo de deformidade, anormalidade e inferioridade..
136
Vozes, Petrópolis, p. 180, 1984.
137
Compilação de Aniella Jaffé, p. 352, Nova Fronteira, RJ, 1963.
245
Momento para iniciar uma conclusão sobre este tema. Nossa
intenção é justificar que a abdução deveria compor a classificação
ufológica privilegiando-se os casos passados durante ou na
iminência do sono. Sugerimos mais: deve a Ufologia separar
sequestros em que testemunhas alegam um encontro súbito com um
Óvni, ao estarem dirigindo seus automóveis, trabalhando ou
caminhando, das histórias de condução forçada por seres abdutores,
a partir do sono. Não que queiramos dizer que os primeiros
incidentes sejam atribuíveis, inquestionavelmente, à ação de discos
voadores de outros planetas. Nosso escopo é, nem mais nem menos,
justificar, para melhor compreensão, uma classificação metodológica
das duas espécies de casos, mesmo porque já mencionamos que
também nos casos de vigília os fatores psíquicos comentados
importam muito.
Seria dispensável a escolha de uma típica abdução e indicar como
geralmente é narrada nos anais ufológicos, partindo da suposição de
que todo leitor esteja familiarizado com esse tipo de história. Como
não há garantia disto, imagine-se o caso de uma pessoa que, ao se
deitar, aproximando-se do sono – que alguns preferem chamar de
“limiar de semivigília” – começa a ser acometida de paralisia
corporal, a respiração torna-se pesada e difícil e, ainda que continue
vendo e sentindo tudo o que ocorre no quarto, percebe que perdeu
seu controle motor. A partir deste instante, sente que não está mais
só, mesmo que em vários incidentes haja alguém dormindo na
mesma cama em sono profundo. Vultos ou seres de constituição
característica, como as já descritas, apresentam-se como se
subitamente materializados, parecendo ter penetrado pela parede ou
pela porta fechada.
A pessoa acelera seus batimentos cardíacos, tenta pedir socorro,
chamar a atenção da que está dormindo, em vão. Logo depois, sente-
se flutuar, ou que mãos fortes e firmes passam a carregá-la para fora
do quarto. Na maioria das vezes, sem notar como lá chegara, se vê
no centro de um ambiente desconhecido, composto de salas,
aparelhos, ocupado por várias outras criaturas. Deitada sobre
aparadores ou mesas semelhantes às de um hospital ou clínica, é
submetida a exames e sondagens orgânicas pelo nariz, olhos, boca,
ânus, vagina, umbigo, com fortes dores e incômodos traumáticos.
246
São retiradas amostras de pele, saliva, óvulos, esperma, sangue,
secreções. Em alguns eventos há a comunicação com os
sequestradores, seca, objetiva, ou por sinais, raramente em palavras
no idioma da vítima; por outras, somente pelo olhar, como se
estivesse ocorrendo algum tipo de interação telepática. Quando
retornam, podem acordar fora da cama ou do quarto, ou ainda
distantes do local de onde foram retirados.
Alguns desses seres prometem voltar e outros o fazem
efetivamente, abduzindo a pessoa de forma repetida, desde a infância
ou a partir de certas fases da vida. A pessoa começa a manifestar
tendências, impulsos, comportamento gestual, alterações de humor,
para ela inexplicáveis, durante o dia, porque não se lembra do
sequestro ocorrido durante a noite. Inicia uma involuntária
associação com pessoas, cores, móveis, lugares, situações, cheiros e
gostos a algo afrontoso à sua individualidade, mas não consegue
definir com o quê.
Com o passar dos anos, aos poucos vai acusando a abdução, ou
revela essa experiência traumática quando submetida a sessões de
regressão de memória por hipnose. Obviamente, tais casos são ricos
em detalhes, porém, as abduções do sono resumem-se a esses passos.
Tais acontecimentos pessoais podem ser uma forma atual de
transtorno ou distúrbio do sono. Os indivíduos neuróticos
traumáticos têm a insônia como principal sintoma. Por outro lado,
quando alguns deles dormem, possuem excesso de excitação e seu
trauma tem repetição ativa nos sonhos, o que é ao mesmo tempo um
alívio psíquico para eles, apesar de torturá-los terrivelmente.
Os psiquiatras consideram que, à medida que o indivíduo vai
repetindo sua experiência traumática no sonho, recupera o controle
de si mesmo aos poucos, que ajuda na eliminação das tensões. Da
mesma forma, esses sonhos tornam possível o sono, ainda que
provoquem muita tensão. Podem eles ficar ruminando o choque
quando em vigília, isto é, acordados. Fazem isto ecoando o fato
traumatizante, agora como sujeitos ativos pela forma de ataques
emocionais ou movimentos repetitivos na forma de tiques e
semelhantes, ou não conseguindo livrar-se de pensar, a todo o
momento, no tal fato impactante. São chamados pela Psicanálise
sintomas de repetição por transtornos do sono.

247
O clássico da Psicanálise, Otto Fenichel, fala ainda dos
oníricos histéricos e dos transtornos da consciência em Teoria
Psicanalítica das Neuroses138. Segundo suas palavras, os estados
oníricos histéricos relacionam-se estreitamente com as convulsões.
Do mesmo modo que no caso destas, os sonhos acordados, que
representam derivados daquilo que se reprimiu, tomam posse
involuntariamente da personalidade.

O sonho acordado, excrescência das fantasias edipianas, irrompe como


tal, retirando o indivíduo da realidade... Em certos casos, vê-se
diretamente o significado sexual desta ausência no prazer voluptuoso
que a pessoa obtém com ela. Com mais frequência, o afeto também é
reprimido e a nova onda de repressão contra os derivativos mobilizados
mantém-nos tão distantes da consciência, que o próprio indivíduo não
consegue explicar de modo algum o que experimentou, apenas
percebendo uma lacuna na consciência.

Ensina, igualmente, que formas de sonambulismo assemelham-se


a transes hipnóticos. Os movimentos que o sonâmbulo faz
respondem ao seu sonho manifesto ou aos conflitos latentes que
estão na base do sonho.

Não se sabe que condições físicas ou mentais possibilitam o uso do


aparelho motor durante o sono, contrariamente à regra geral de que,
em condições normais, quando se adormece, é o aparelho motor que
primeiro se paralisa; o fato, todavia, ajusta-se à observação de que, no
sono hipnótico, a motilidade é livremente acessível a comandos139.

Em outras manifestações, como no tipo de devaneio tido por


“sonho diurno”, conforme esclarecido por Laplanche e Pontalis em
Vocabulário da Psicanálise140, compõe-se um enredo imaginado no
estado de vigília, sublinhando assim a analogia desse devaneio com
o sonho. Os sonhos diurnos constituem, como o sonho noturno,
realizações de desejo; os seus mecanismos de formação são
idênticos, com predomínio da elaboração secundária. Freud
comparou a origem dos sonhos diurnos com a dos noturnos,
138
Atheneu, p. 211, SP, 1998.
139
Idem, p. 212.
140
Martins Fontes, p. 492, SP ,1998.
248
constatando que aqueles desempenham papel na constituição destes.
Postulou ainda que há uma considerável quantidade de fantasias
inconscientes nos sonhos diurnos, que assim devem permanecer por
causa de seu conteúdo e de sua origem no material recalcado,
conforme citado por Pontalis.
É interessante esta observação sobre os sonhos diurnos, de Freud,
reproduzida na obra aqui utilizada: os sonhos diurnos constituem
uma parte importante do material do sonho. Podem encontrar-se nele
os restos diurnos, e são como estes submetidos a todas as
deformações; podem, de forma mais específica, fornecer à
elaboração secundária um enredo completamente montado, a
´fachada do sonho´. 141
Para melhor exemplificarmos a premente necessidade de se
deixar nas mãos dos especialistas os casos de abdução, partamos
para uma relação rápida de transtornos do sono e seus principais
sintomas, deixando a cargo do leitor vislumbrar se há ou não ao
menos uma analogia com os enredos protagonizados pelos
demonoides extraterrestres da Ufologia. A fonte é o conhecido e
obrigatório Compêndio de Psiquiatria, de Kaplan e Sadock142.
Procuramos, na medida do possível, transcrever literalmente:

Transtornos do Sono

Cerca de um terço de todos os adultos norte-americanos sofrem de algum tipo


de transtorno do sono durante suas vidas...
Principais sintomas – insônia, hipersonia, parassonia. A parassonia é um
fenômeno incomum ou indesejável que aparece subitamente durante o sono ou
ocorre no limiar entre o estado de vigília e o sono. Ocorre geralmente nos
estágios três e quatro e, portanto, está associada com fraca recordação quanto
à perturbação.
Um tipo de parassonia é o “transtorno do pesadelo”. Um pesadelo é
caracterizado por um sonho longo e assustador, do qual o indivíduo desperta
assustado. Outro é o “transtorno de terror noturno” que é um despertar
durante a primeira terça parte da noite, durante o sono NREM profundo
(estágios três e quatro), sendo quase que invariavelmente inaugurado por um
grito lancinante e acompanhado de manifestações comportamentais de intensa
ansiedade, beirando o pânico. Tipicamente, os pacientes ficam sentados na
cama com uma expressão assustada, gritam alto e, por vezes, acordam

141
Idem, p.493.
142
Kaplan, H. S.; Benjamin, J.; Grebb, J. A.; Artes Médicas, RS, 1997.
249
imediatamente com um sentimento de intenso terror. Às vezes, os pacientes
permanecem acordados e desorientados. Mais comumente adormecem e, como
no caso do sonambulismo, esquecem os episódios... O terror noturno está
simplesmente associado ao fato de acordar aterrorizado. Não existe, em geral,
lembrança de qualquer sonho, mas ocasionalmente pode haver a recordação de
uma única imagem assustadora.

Talvez mais importante à nossa finalidade, vem à baila a


“parassonia sem outra explicação”. Serve para perturbações
caracterizadas por um comportamento ou eventos fisiológicos
anormais durante o sono ou transições do sono para a vigília, mas
que não satisfazem os critérios para uma parassonia mais específica.
Dentre essas perturbações, destaca-se a paralisia do sono,
sumariamente abordada há pouco: É uma incapacidade para executar
movimentos voluntários durante a transição entre a vigília e o sono.
Os episódios podem ocorrer no início do sono (hipnagógicos) ou
com o despertar (hipnopômpicos). Os episódios, em geral, estão
associados com extrema ansiedade e, em alguns casos, medo de
morte iminente. A paralisia do sono ocorre habitualmente como um
sintoma adicional da narcolepsia e, nesses casos, deve ser codificada
separadamente.
Um dado que chama a atenção é a semelhança entre os
depoimentos do ponto de vista da estrutura da abdução: o sequestro
propriamente dito, o ambiente, o comportamento dos seres, a
movimentação interna – exames, conversas, troca de informações – e
o retorno. Ao lado destas semelhanças, contudo, há enormes e
significativas diferenças, nem sempre anotadas pelos pesquisadores.
É como se estivéssemos comparando filmes de ação com todos os
seus elementos: uma ameaça social – terrorismo, narcotráfico,
conspiração mundial – um destemido agente e uma bela garota como
parceira, habilidades, truques e golpes de sorte, etc. Mudam os
atores, os vilões, a cena do crime, as ações espetaculares, mas o final
é sempre o mesmo. O enredo é igual, o filme não. Com as abduções
não é diferente. As sutilezas referidas compõem um quadro no
mínimo duvidoso, já comentado antes:

1. O abduzido não se vê um “escolhido”, como acontece com o


contatado, o que lhe dá um caráter de casualidade, eximindo-o de
um possível compromisso, sendo mais fácil sustentar sua história;
250
2. A abdução nunca é amistosa, ao contrário, transpira dramaticidade,
reforçando sua presumível legitimidade;
3. Quase sempre há uma sequela psicofísica, passível de inúmeras
interrogações;
4. A atmosfera central geralmente se mostra com todos os adereços da
ficção científica, alimentando um toque de inverdade;
5. Um abduzido “vende” – no literal sentido comercial do termo – mais
que um contatado e mais ainda que uma simples testemunha.

Poderíamos continuar discorrendo sobre muitos outros aspectos,


mas perderíamos o foco da abordagem. Fato é que as abduções, do
ponto de vista estritamente ufológico, em qualquer nível, apresentam
inconsistência, fragilidade, fendas que as faz desmoronar como
castelos de areia, capitulando ao primeiro sinal de uma investigação
competente. Com os ufólogos de linha cientificista, a atitude
científica. Com os psicanalistas, psicólogos e psiquiatras, as
abduções.
O Dr. Kenneth Ring, professor da Universidade de Connecticut,
autor de Life at Death e um dos maiores pesquisadores de EQM
declarou:

Quando chegamos à área de crenças pessoais, no entanto, poderíamos


esperar encontrar algumas correlações definidas com EQMs. Pessoas
com forte orientação religiosa ou profunda convicção em uma vida
após a morte poderiam aparentemente ter mais probabilidades do que,
digamos, agnósticos ou ateus, de passar por EQMs.143

Obviamente não estamos dizendo que abduções e Experiências


de Quase Morte sejam a mesma coisa, apenas que ambas apresentam
similitudes entre si, assim como outras patologias, o que torna
extremamente difícil qualquer conclusão a respeito. A diferença é
que a EQM pode até ser induzida através de técnicas específicas,
enquanto que a abdução não (não?). Até mesmo o famoso “Caso
Hill”, envolvendo o casal Barney e Betty Hill, que abriu as portas às
pesquisas de abdução, passou por uma reavaliação que suscitou
fortes suspeitas de que tudo não seria uma criação elaborada por
Betty.

143
Banchs, R. E.; O Significado das Abduções por ET.
251
Para o autor da matéria, Roberto Banchs, doutor em Filosofia,
situações como essa podem ser interpretadas como projeções, dentro
de uma dimensão psíquica singular. Nestes casos, até os sonhos
poderiam ser enquadrados nessa categoria. Alguns sonhos realmente
são influenciados pelo inconsciente. Mas as projeções são sempre
manifestações externas, ou para a construção de cenas, de momentos
etc., ou lançadas sobre terceiros, sobre pessoas.
Se uma pessoa acredita que foi abduzida por extraterrestres – quando
sabemos muito bem que simplesmente levou uma pancada na cabeça e
passou uma semana inconsciente no hospital – ela poderia ter chegado
a essa conclusão usando os mesmos critérios que nós: por exemplo, as
estranhas cicatrizes em sua cabeça e a perda de memória. Se lhe
dissermos que a operação para reparar os ferimentos causou as
cicatrizes e que a amnésia é uma reação normal a drogas sedativas, ela
poderá acatar nosso ponto de vista. Se não o fizer, não estará mais
jogando o jogo das evidências. Nesse caso, não podemos dizer que sua
crença é equivocada, já que não é do tipo que pode ser certa ou errada.
O abduzido pode, é claro, pensar que está certo e queixar-se de que tem
´provas´ indiscutíveis de seu ponto de vista, mas não cabe a ele
decidir.144

Se no exemplo acima, apenas um modelo teórico, o “abduzido” é


desprovido de senso crítico e não participa da leitura analítica de sua
própria experiência, então não há nada a fazer exceto deixá-lo
imerso em suas convicções. Se começássemos aqui a discorrer sobre
cada um dos milhares de episódios deste tipo, teríamos que produzir
uma coleção de volumes apenas sobre este tópico e é evidente que
não faremos isso.
Como os pacientes não sofreram abduções reais, apresentando
diversas patologias com sintomatologia semelhante, é preciso ter
muito cuidado no diagnóstico final. Certamente esta é uma das
justificativas para a premente necessidade de a pesquisa ufológica
contar com a assessoria de psiquiatras e psicólogos. E o número de
pseudo-abduzidos é imenso. Evitamos usar a expressão “falso
abduzido” porque boa parte dos protagonistas destes acontecimentos
sequer imagina o que lhe aconteceu, cuja história só vem à superfície
através de tratamentos psicológicos ou psiquiátricos como

144
Nicholas, F.; op. cit
252
subproduto da terapia. Embora também, é verdade, existam
aventureiros que tecem toda uma trama baseada numa falsa abdução
por motivos mais do que óbvios.
O que a casuística apresenta de relatos desta espécie é algo que
beira o escabroso. Segundo dados da revista UFO, a cada minuto
alguém avista um Óvni em alguma parte do mundo. Estamos falando
de mais de 1.400 avistamentos diários, quase 10 mil por semana,
40.000 por mês... 480.000 ao ano. Um cálculo matemático dos
últimos dez anos dá... 4.800.000 casos de avistamentos! Fantástico.
Um número impressionante, capaz de calar a boca dos detratores e
céticos do mundo inteiro, se se soubesse com quais critérios foi feita
essa pesquisa, e isso a revista não explica.
Mas a “estatística” vai além: a cada 6 horas alguém é abduzido!
Vamos às contas: quatro infelizes por dia... 1.460 por ano, uns
15.000 nos mesmos dez anos! Em outro artigo, o número de
abduzidos, em todos os tempos, atinge um número hiperbólico: 570
milhões! Está claro que não vamos nem de longe considerar essa
numerologia toda como válida. Foi apenas um informe numérico
como ponto de partida para as nossas próximas discussões.
O que nos interessa é como admitir um único caso de abdução, se
nenhum deles traz em seu âmago um só dado confiável para análise?
Acreditar única e exclusivamente na validade do depoimento? Já
vimos que é impraticável. Apostar que a hipnose possa revelar dados
consistentes e irrefutáveis é ignorar as próprias limitações da técnica.
Cicatrizes, marcas no corpo, lapsos de memória, comportamento
estranho, fobias, atitudes incompatíveis com a posição e a
personalidade do envolvido, nem mesmo o conjunto desses
elementos fornece provas incontestáveis que possam validar sua
experiência. Como disse uma cientista americana, se os alienígenas
ao menos ficassem com todas essas pessoas que raptam, o nosso
mundo seria um pouco mais sadio.145 Se não tivermos rigor crítico
corremos o risco de uma paranoia epidêmica incontrolável.
Vamos analisar um caso que pode ser tomado como exemplo, já
que contém todos os ingredientes da receita do modelo apresentado.
Trata-se de um agricultor residente em Massapé, Ceará, que alegou
ter sofrido uma abdução numa noite de agosto de 1997, através de
145
In Carl Sagan, op cit.
253
uma luz que apareceu e o cobriu, imobilizando-o. Com lesões físicas
por alguns dias, foi atendido no hospital de Sobral, cidade próxima
com mais recursos, despertando a atenção dos médicos, jornalistas e
curiosos, intrigados com sua história de “ataque por extraterrestres”.
Não houve testemunhas. Os ufólogos que o visitaram “ficaram
impressionados com as queimaduras em suas costas”. 146
Ainda convalescendo do “ataque”, em outra noite novamente
uma luz penetrou em seu quarto e uma “voz” lhe indicou um
remédio para curá-lo das queimaduras e da imobilização parcial que
acometia suas pernas. No dia seguinte, dirigindo-se à farmácia, foi
abordado por uma mulher morena, alta, de longos cabelos negros,
que o chamou pelo nome e também lhe receitou uma infusão de
ervas. Ao se voltar para agradecer, a mulher havia desaparecido.
Após tomar várias doses do remédio, sentiu-se curado. Para ele, os
extraterrestres não o haviam abandonado, mas, por via das dúvidas,
preferiu tomar o medicamento indicado pela mulher, de aparência
mais “humana”.
Dias depois, seus “sequestradores” voltaram e o convidaram a
passear em sua nave para conhecer o seu (deles) mundo. A partir daí,
passou a realizar curas milagrosas, tornou-se amigo dos
extraterrestres que às vezes o acompanham nas sessões de cura, e
desenvolveu a telepatia que permitia conversar com eles. Vem
“empolgando” plateias nas palestras que tem realizado na região
norte-nordeste, realizando curas no local do evento, e, claro, como
não poderia deixar de ser, transmitindo sua mensagem ao mundo:

Temos que acordar para uma nova realidade. Nós poluímos o planeta e
eles, os seres extraterrestres, são totalmente contra isso. Comemos
carne vermelha, destruímos as florestas e matamos os animais que
nelas vivem. Eles se opõem a todas essas atitudes impensadas do ser
humano. Estamos dormindo há muito tempo e precisamos preservar
nossa essência. De imediato, a primeira coisa que os ET proíbem [grifo
nosso] é o consumo de carne vermelha, porque através dela recebemos
toda a energia negativa sofrida pelo animal.

Esse é o perfil de mais uma história semelhante a milhares –


considerando a estatística da revista – que ocorrem em todo o

146
Amigo de Alienígenas, UFO, p. 28, .março, 2004.
254
mundo. Existem ainda vários detalhes que preferimos omitir para
não tornar a análise por demais cansativa. O caso foi publicado sem
fornecer o histórico mínimo da investigação: quem pesquisou, quais
critérios foram utilizados que confirmam os acontecimentos, os
médicos e especialistas envolvidos.
Qual o diagnóstico do paciente, quais exames foram feitos, se
houve uma avaliação psicológica, se os ufólogos estiveram no local
da “abdução” em busca de indícios ou marcas. As roupas que vestia
na noite do evento foram levadas para análise? Ele conta que teve
que se arrastar até um rio e se molhar para recuperar as forças.
Alguém na região observou a “luz” que o teria atingido? Estas e
muitas outras questões não ficaram esclarecidas.
Tudo foi omitido na matéria, o que nos faz pensar que apenas o
depoimento e posteriormente as sessões de cura foram suficientes
para legitimar o caso. Penúria absoluta de método. Quando a luz
apareceu no seu quarto, somente ele a viu? Porque a matéria não traz
declarações da mulher e dos filhos, que certamente acompanharam
tudo de perto? Nada têm a dizer, deslumbrados com o acontecido?
Antes de entrar no mérito do caso, o autor teria obrigação de historiar
todos os procedimentos que envolveram a pesquisa, listar as dúvidas
que surgiram no curso da mesma, as possíveis contradições, lacunas,
a improbabilidade de determinados aspectos. Nada disso foi feito, o
que é, sob todos os aspectos, repreensível e condenável.
As “abduções” deste agricultor não pararam por aí. Desde então,
ele afirma ter viajado outras vezes – o que descaracteriza como
abdução. São agora passeios, viagens ao planeta dos Ets. Claro que,
e isto a matéria faz questão de frisar, as informações passadas pelos
extraterrestres são inverificáveis: entre eles não existe a morte,
apenas o ser entra num laboratório e em dez minutos desencarna,
tornando-se uma “nova pessoa”, com energia renovada. Eles não
aparentam os anos vividos, pois têm aparência de 20 podendo ter
500 anos. Óbvio, eles não se renovam quando necessário? Não se
transformam numa “nova pessoa” em dez minutos? Se não existe a
morte, podem viver o tempo que bem entenderem, 500, 1000, dez
mil anos, tanto faz!
Segundo o abduzido, que a esta altura já poderia ser chamado
“turista das estrelas”, existem seres camuflados entre nós em

255
posições estratégicas nos governos, nas forças armadas, nos
segmentos políticos e, por fim, não poderia faltar uma afirmação
desse porte: Tal revelação ainda levará algum tempo, pois o homem
terrestre não estaria preparado para um contato com civilizações
mais avançadas, mas que esse dia chegará e então saberemos de
tudo. Quanto ao planeta visitado, também impossível de ser
comprovado, possui morros, plantas rasteiras e animais, alguns se
parecendo com humanos quando ficam em pé, atendem pelo nome
de robôs e obedecem aos seus criadores. O agricultor alega ter
recebido dois implantes – presença obrigatória nestes casos –
conhecidos como “chips”, entretanto os ufólogos ainda não os
localizaram.
É um clássico da literatura das abduções, um padrão bem acabado
de contato e, como dissemos, com todos os ingredientes de uma
receita pronta. Na mesma edição, a revista traz um box com outro
caso, pesquisado pelo mesmo autor, com vários pontos em comum:

1) agricultor idoso do interior do Rio Grande do Sul;


2) Uma “luz forte” a qual o homem não deu muita atenção até se
sentir incomodado;
3) Seres extraterrestres com altura entre 1,2 e 1,5 m, sendo um
bem mais alto; no caso anterior também havia um de estatura maior;
4) Sua roupa era justa e brilhante (idem);
5) Após o contato, dormência parcial no corpo e marcas que
desapareceram rapidamente.

Como o próprio autor afirma, casos dessa natureza são muito


comuns – até demais – e quase sempre com enormes dificuldades de
comprovação, ou em razão de uma pesquisa tardia e falha, ou porque
os sintomas sumiram. Dá para confiar só no depoimento da
testemunha?
Em ambos os casos, a matéria dá a entender que o pesquisador
aceitou prontamente o relato das testemunhas, não questionou nada
nem apresentou uma documentação que corroborasse a história. O
que não é novidade. Se fizéssemos um levantamento minucioso de
toda a casuística pertinente às abduções, seriam poucas as ocasiões
em que encontraríamos dados substanciais e relevantes amparados

256
por uma farta e bem elaborada documentação. Vamos a dois outros
exemplos, desta vez fora do território nacional: 1979, em Cergy-
Pontoise, nos arredores de Paris, três jovens teriam se envolvido com
um extraterrestre de nome Haurrio, depois de um deles ter sido
abduzido por um halo de luz.
Os especialistas não se convenceram em razão de contradições
nos depoimentos, pela falta de dados mais consistentes e existência
de pontos obscuros que não ficaram esclarecidos147. França, 1976,
em Pont du Martinet, próximo a Valence, a jovem Hélène deparou
com uma forma luminosa, à 1:30 h da manhã, e cobriu o rosto com
as mãos, dado o terror do momento. Ao olhar novamente, a luz havia
sumido; chegando em casa, surpreendeu-se por terem se passado 3
horas, quando, para ela, teriam sido apenas alguns minutos.
O que a jovem viu ficou registrado através da hipnose conduzida
por dois médicos: vejo dois anões (grifo nosso) por trás da luz...
Aproximam-se e me levam... Subo umas escadas... Passo por uma
porta de ferro e entro no aparelho... Amarram-me numa mesa de
ferro redonda... Sinto algemas nos pés e nas mãos... Me examinam
com um aparelho e botões... Tentam se comunicar comigo, mas eu
não os entendo... Querem deixar uma mensagem. A única
testemunha de sua experiência foi sua consciência. Veremos depois
se a hipnose é de fato instrumento confiável de pesquisa. Neste
ponto somos forçados a uma pausa para enfocar um dado
absolutamente necessário, convocando, para projetar algumas luzes
sobre a temática, autoridades reconhecidas em suas especialidades.
O Dr. Raymond Moody Jr., renomado pesquisador da EQM, diz
que poder-se-ia postular que a impressão de luz intensa relatada
por essas pessoas é simplesmente o resultado de eventos causados
por uma interferência no suprimento de oxigênio aos lobos frontais.
Já o Dr. Melvin Morse, também um estudioso da EQM, professor da
Universidade George Washington, observou que a estimulação
elétrica do lado direito do lobo temporal do cérebro, especificamente
no sulco de Silvius, pode produzir visões místicas, audição de
música sublime, imagens de anjos e parentes falecidos e a
retrospectiva panorâmica da vida: Quando as células morrem e o
material genético começa a se expandir como o faz no momento da
147
In Fenômeno ÓVNI. Século Futuro, p. 374, 1987.
257
morte, uma vigorosa carga de energia eletromagnética é liberada.
Esta luz é algo que as pessoas que tiveram EQM realmente veem,
não é uma alucinação.
O Dr. Raul Marino Jr., professor titular de neurocirurgia e
professor adjunto de neurologia e psiquiatria da Faculdade de
Medicina de São Paulo, menciona os experimentos semelhantes do
professor Michael Persinger, da Laurentian University, no Canadá,
relatados em sua obra Neuropsychological basis of God beliefs sobre
a aplicação de campos magnéticos transcranianos sobre os lobos
temporais, com os mesmos resultados, incluindo uma “presença”
não visível, a sensação de “unidade com o universo” e alucinações
como a aparição de uma “visão angelical”, sons, forte luminosidade
e sensações “sublimes”148, aquilo a que normalmente chamaríamos
de “estados alterados de consciência”, em outras palavras –
experiências “religiosas”. Em alguns casos, tais sensações vinham
acompanhadas de intensas vibrações corporais, rotação, medo,
alteração de personalidade.
Por outro lado, o Dr. Detlef Linke, do Departamento de
NeuroPsicologia Clínica da Universidade de Boon, na Alemanha,
alerta que a pesquisa neuroteológica precisa atentar para não
ultrapassar as fronteiras que separam os resultados das
experiências da interpretação dada a elas.
O que precisa ser colocado aqui é que essas experiências não são
ativadas exclusivamente por fatores externos, como uma estimulação
elétrica artificial ou um evento traumático de qualquer ordem.
Segundo o Dr. Marino, várias têm sido as tentativas de explicações
propostas para estes fenômenos, como diminuição do fornecimento
de glicose e oxigênio ao cérebro, produção cerebral de substâncias
psicotrópicas endógenas ou exógenas e hiperatividade do sistema
límbico, entre outras. De qualquer forma, temos a medicina
simulando e ao mesmo tempo tentando desvendar experiências
pertencentes ao campo metafísico, espiritual. O que pensar de tudo
isso?
O que queremos dizer é que as observações de Óvnis, se e
quando acontecem, não necessariamente são acompanhadas de
efeitos luminosos, sensações, sons ou “presenças” invisíveis. O
148
Marino Jr., R.; A Religião do Cérebro, Gente, SP, 2005.
258
mesmo vale para as alegadas abduções. Pode acontecer de serem
manifestações oriundas da psique da testemunha que, abalada pelo
impacto do avistamento, gera toda essa gama de perturbações,
incapaz de dissociar um evento do outro, integrando-os em um único
momento. Para finalizar, um aspecto capital deve ser realçado.
Mesmo depois de 20 anos de intensas pesquisas no campo da
neurologia e suas ramificações, tudo ainda é muito incipiente, fonte
de conhecimento e aprendizado, sujeito a revisões permanentes.
E os casos se sobrepõem ano após ano, por todos os
meridianos do planeta, com variações aqui e ali na forma, na
duração, nos detalhes, mas em nenhum deles, absolutamente
nenhum, foi possível se obter uma prova de sua realidade. Indícios,
muitos, todos perfeitamente aceitáveis dentro do perímetro de
anormalidades que o assunto abarca, mas apenas isso, indícios.
Os casos remanescentes precisam ser revistos. Alguns, mais
complexos, permanecem inexplicáveis, apresentando dificuldades de
serem avaliados com precisão, o que não significa serem inverídicos,
apenas inconclusivos. Outros, não passam pelo rigor de uma
inquirição minuciosa e invariavelmente levam o carimbo de fraude,
enquanto uma parcela é diagnosticada dentro das diversas patologias
médicas. Para alguns estudiosos, a atmosfera de quase todos estes
episódios obedece a uma lógica e um cenário próximos da ficção
científica: objetos com botões, sala circular com luzes difusas e
aspecto de “laboratório”, sem enfeites e com móveis frios e simples,
de aço polido, exames físicos, zumbidos, tudo isso sugerindo uma
“civilização tecnologicamente superior” utilizando humanos como
cobaias para suas experiências e análises.
Tudo muito “terreno”, contemporâneo, contrário ao que se
esperaria de uma “civilização superior”, na avaliação dos
especialistas. Em algumas abduções, os humanoides tinham trajes
brancos e máscaras, aplicaram liquido sobre as zonas de punção e
colocaram telas similares aos atuais aparelhos de raios X. São
estranhos anacronismos para uma raça superior. 149
Sobre isso, é importante sublinhar que muitas dessas situações,
que agregam aspectos da ficção científica do início do século 20,
como já comentamos, se fortalecem e se perpetuam com a expansão
149
in Fenômeno ÓVNI. Século Futuro, p. 389, 1987.
259
da ficção literária para o cinema. Não são poucos os filmes – na
verdade a lista é imensa – nos quais a presença dos alienígenas é o
tema central, seja mostrando-os explicitamente como no clássico
Contatos Imediatos, passando por ET, Inteligência Artificial,
Independence Day e o mais recente Guerra dos Mundos, seja de
forma indireta como O Segredo do Abismo, sem falar no gênero
terror – Alien – o 8º Passageiro e Sinais, e comédias como M.I.B. e
Marte Ataca. Há também os de extraterrestres mais “humanos”, e aí
temos Cocoon, O Homem das Estrelas, O Homem que caiu na
Terra, e, por fim, em que não aparecem diretamente, apenas
sugerindo sua existência – 2001, Esfera e Contato. Fora do cinema,
as séries de TV: as inesquecíveis Os Invasores e Perdidos no Espaço
e mais recentemente a bem produzida Arquivo X, além de Taken e
The 4400.
De uma forma ou de outra, ou até mesmo pelo “conjunto da
obra”, todos eles – filmes e séries – oferecem os ingredientes
indispensáveis para se arquitetar uma boa história de abdução,
consciente ou não. E tem mais um detalhe sutil implícito no
comportamento humano, quanto mais no de um abduzido: todo
mundo quer ser amigo de alguém em especial, uma personalidade,
uma autoridade, um atleta ou uma celebridade, e quanto mais
“especial”, melhor; neste caso, ser “amigo de extraterrestre” dá ao
felizardo um status imbatível. Esse é um tema recorrente na ficção e
nos contos infantis. Quase sempre as crianças têm seus amiguinhos
“secretos” ou “invisíveis”. Quando adultos, isso deixa de ser uma
fantasia para se tornar, em casos mais graves, uma obsessão
patológica. Se não acontece de verdade, cria-se uma situação em que
essa “amizade” se torne compulsivamente real. O “contato” e a
abdução são exemplos destas distorções.

Bertrand Méheust observa que os relatos das décadas de 60 e 70 eram


bem diferenciados e denotavam grande pujança de imaginação criativa
por parte de seus autores. Mas, a partir do início dos anos 80, esses
relatos se organizaram, tornaram-se mais precisos, e se ajustaram cada
vez mais a padrões bem definidos. Isso se deve, segundo o estudioso, à
melhor organização daquilo que ele chama de 'meio associado'
(trabalho dos ufólogos, edição de revistas e livros especializados,

260
divulgação de massa através da mídia). 150

Para alguns estudiosos, as abduções estão de tal forma


estruturadas que parecem obedecer a um comportamento padrão,
havendo pouquíssimas diferenças entre um caso e outro, desde a
captura um tanto “mágica”, passando pelos exames físicos,
mensagens, visitas a outros planetas ou simples viagens pelo espaço,
palcos futuristas, retorno ao local próximo do sequestro e marcas
psíquicas, psicológicas e comportamentais indeléveis. Esse
estereótipo é analisado por Méheust, que faz a migração destes
elementos para a ficção científica clássica, com implicações morais,
sociais e éticas.151 Isto gera um moto autoalimentador da crença na
abdução, provendo o subconsciente com detalhes e fatos em sua
maioria inexistentes, tecendo uma trama instintiva de caráter mítico
adaptada ao imaginário moderno, que não pode mais ser reconhecida
pela razão. Como muito bem observou Pellegrini, os raptos por
discos voadores constituem, para a Psicologia e a Antropologia, a
matéria mais interessante da fenomenologia ufológica. Nunca antes
fora dada a essas duas disciplinas a oportunidade de observar uma
mitologia em formação.
Como aceitar essas histórias como efetivamente reais? Temos
enfatizado continuamente que a Ufologia é multifacetada, exigindo o
concurso de outras cátedras para elaborar uma bem conduzida
investigação, não podendo se valer apenas de suas próprias
conclusões. E o que a medicina e a Psicologia têm a dizer sobre
isso? Será que outras possíveis explicações seriam cabíveis?
Estaríamos sendo excessivamente rigorosos ou é a atitude
recomendada para quem está em busca de respostas? Somos
testemunhas do nascimento de um “novo” mito, como sugere
Pellegrini?
O Dr. Luciano Stancka é taxativo quando diz que a psiquiatria
tem todos os instrumentos necessários para lidar com a casuística
ufológica, e que seu uso deve ser responsável no caso de tratamento
de pessoas traumatizadas por ocorrências desse tipo. Por atender em
seu consultório todo tipo de patologia associada com distúrbios

150
Pellegrini, L..; A invenção dos discos voadores. Planeta, fevereiro, 1998.
151
Idem.
261
físicos, mentais e comportamentais, o Dr. Stancka salienta os
cuidados que se deve ter ao tratar pacientes que alegam terem tido
encontros com aliens, conduzindo a consulta e a terapia com extrema
prudência e indispensável rigor científico.
Ele adverte que há casos em que o paciente encontra enormes
dificuldades para se readaptar à sua nova forma de vida, alienando-
se e dissociando-se da família, dos amigos e da vida que
habitualmente levava. Num desses casos, um paciente levou ao
extremo sua experiência e batizou seu filho de Ovenis Homis
Terraquis.
É bem conhecido o caso de uma famosa cantora brasileira que
batizou os filhos com os nomes das “energias extraterrestres”
(Kriptus-Rá, por exemplo) que se comunicam com um não menos
notório “paranormal”, a quem investigações sérias já demonstraram
tratar-se de um hábil ilusionista. Sabemos que este comentário já
figurou em outro momento, mas a duplicação é proposital para
prevenir o risco de uma psicopatia coletiva galopante.
Anda segundo o Dr. Stancka, os cuidados no uso da hipnose – de
Hypnos, deus grego do sono – nos tratamentos psicoterapêuticos
devem ser extremos. A mente humana não tem uma cartografia
muito clara, na verdade, ela parece mudar de tempos em tempos
pelas novas descobertas, pelo estudo sistemático e cada vez mais
minucioso do cérebro, pelo ingresso de novas disciplinas como a
neuropsiquiatria, que ampliam e multiplicam extraordinariamente os
conhecimentos acerca dos distúrbios, desvios e alternâncias no seu
funcionamento detectadas continuamente.
Entre essas disciplinas está a hipnoterapia, uma técnica utilizada
desde a antiguidade pelos assírios, babilônios, romanos, entre outros.
Um papiro egípcio com 3.000 anos contém informações sobre o uso
da hipnose na época, não muito diferente do que é aplicado
atualmente, e outros documentos datados de 4.500 anos, na
Mesopotâmia, relatando a aplicação da hipnose para curas.
Os níveis em que a hipnose se divide permitem uma exploração
bastante profunda, o estado pré-hipnótico e hipnótico propriamente
dito, sendo que estes se escalam em cinco subníveis: o insusceptível,
em que o paciente ainda se encontra consciente e não totalmente
absorvido pela hipnose, muito embora não manifeste nenhuma

262
vontade contrária à submissão ao hipnotizador. No segundo estágio,
o hipnoidal, já há um relaxamento muscular, espasmos faciais e
expressão de ligeiro torpor.
A seguir, o transe ligeiro, onde o paciente sente o corpo pesado e
largado, a respiração lenta, mantendo certo grau de consciência o
suficiente para responder de forma vaga às perguntas formuladas.
No penúltimo estágio, o transe médio, a consciência diminui e é o
ponto em que se pode considerar hipnotizado, pois não há mais
resistências, exceto aquelas que possam contrariar seu código moral
ou integridade física.
O último estágio da técnica, o transe profundo, é quando se
completa o estado hipnótico, onde o paciente fica sujeito às ordens
externas, exceto aquelas que contrariem a “polícia íntima” da qual
falaremos mais à frente. É aqui que se processa a hipnose regressiva.
A alteração no quadro clínico é normal, como baixa pulsação, queda
da pressão arterial e temperatura das mãos e pés, sem que isso
signifique risco para o paciente. Mesmo assim, e por essa razão, a
sessão hipnótica tem a obrigatoriedade de ser conduzida por um
profissional da saúde e não apenas por um hipnoterapeuta. É
absolutamente imprescindível que o hipnólogo seja também e
principalmente médico ou psicólogo; no mínimo, um psicanalista.
Nesse momento da sessão, há que se observar um esmero
especial na condução das perguntas de forma a não induzir, forçar,
sugerir, questionar ou direcionar de forma dúbia, pois a interpretação
das respostas pode levar a diagnósticos imprecisos e tendenciosos.
Estresse, estados psicóticos, ansiedades, angústias e traumas
costumam desencadear tensões e fobias que podem custar sérios
desarranjos na mente do hipnotizado.
O grande número de hipnotizadores totalmente sem formação e
titulação para operarem com a mente humana acabou por colocar a
hipnose à margem das disciplinas acadêmicas. Por inexistir
atualmente uma proibição legal específica da prática por
inabilitados, muitos hipnotizadores acreditam poder limitar-se a
conhecer as reações e os sintomas do estado hipnótico, mas
desconhecem a grande complexidade com que a psique se apresenta
e isto, além de pressupor total invalidez de suas aparentes pesquisas,
coloca seus “pacientes” em grande risco.

263
O Dr. Luciano orienta sobre os distúrbios como a síndrome da
falsa memória, em que pessoas sob a tensão da vida cotidiana, não
necessariamente apenas sob tais condições, passam a criar
inverdades e acreditar nelas de forma umbilical. Assédio e embaraço
sexual, atentado ao pudor ou mesmo estupro no recesso familiar
podem ser mais facilmente revelados quando a mente do paciente
substitui o autor da violência pela imagem de uma pessoa
desconhecida, até mesmo um extraterrestre, e daí para se interpretar
como sendo um caso de abdução há uma distância muito pequena e
um perigo muito grande.
A psicóloga Dra. Lílian Maria Ribeiro Conde, ao ser consultada
sobre essa questão, declarou:

Tomados como fantasia, os relatos sobre abdução permitem a


interpretação de algum tipo de violência exercida contra seus
narradores. Isto se patenteia não apenas pela transposição de um lugar
para outro, feito de maneira involuntária como, também, pela injeção
de objetos no corpo daquele que diz ter sido abduzido, contra a sua
vontade. Entretanto, se esta violência se refere ou não à violência de
ordem sexual, é impossível afirmar, pois, a própria alimentação
forçada, por exemplo, pode oferecer um correlato de invasão corpórea
com o depósito de substância não desejada. Ou ainda, segurar uma
criança para lhe ministrar uma medicação por via oral ou venosa pode
ter sido vivido por ela como agressão e invasão corpórea.

Assim, mesmo que o relato de abdução encontre uma elaboração


de cunho agressivo, sua origem não pode ser determinada como
produzida a partir de um único e genérico evento lançado nas
sombras da repressão. Para que isto pudesse ser afirmado, seria
necessária profunda e extensa pesquisa.
Como a hipnose tem sido considerada uma técnica polêmica na
análise de abdução, é importante avaliá-la sob alguns aspectos. Há
muita discussão nos meios da paraPsicologia quanto à possibilidade
de o hipnólogo agir livremente sobre a vontade do hipnotizado. Não
existem dados que assegurem estar o sujeito, durante o transe, de
posse de sua vontade. Se vontade significar algo que move alguém a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa, não dependerá dela o ato do
indivíduo movido pela sugestão tipicamente hipnótica.
Psicologicamente, sim, poder-se-ia dizer que a sugestão hipnótica
264
impera mais forte sobre a vontade do hipnotizado, já que para a
Psicologia esta é apenas um processo de volição que se desenvolve,
ou seja, como uma atividade precedida de elaboração mental de
antecipação, incluindo opção ou escolha.
Na hipnose, o sujeito pratica o ato sob comando,
independentemente da sua vontade, já que a sugestão sobrepujou
todo e qualquer entendimento da realidade objetiva, criando na
mente do indivíduo um enredo subjetivo mais concreto, dentro do
qual ele pratica a ação que lhe é perfeitamente justificada. Certo é,
porém, que na própria hipnose existe uma maior complexidade de
discussões em se tratando de determinados atos. Nota-se, por
exemplo, que a seriedade de uma ação pode aqui ser enquadrada em
seus diversos estágios, levando-se em consideração o conceito de
certo e errado, de bem e mal do indivíduo hipnotizado, sem
esbarrarmos necessariamente no aglomerado de fatores que formam
seu caráter e sua personalidade.
Os crimes, apenas para ilustrar, provocam celeumas em se
tratando de hipnose. O psicanalista naturalizado brasileiro Karl
Weissemann, famoso por suas teses revolucionárias, declarou com
propriedade que existe na psique aquilo que ele chama de “polícia
íntima”, nada mais nada menos que as funções do superego sempre
alertas, inclusive no estado hipnótico, o que impossibilita o
hipnotizado de cometer atos contrários aos seus princípios. É
interessante saber que, pela simples e fortíssima sugestão, o
hipnotizado não matará alguém sem motivo imediato ou tendências
criminosas latentes nele, que outro autor chama de “taras criminais”.
Acontece, no entanto, que uma técnica similar à lavagem
cerebral, unida à sugestão, poderá levar o indivíduo à prática do
crime, desde que o ardil criado pelo hipnotizador seja convincente e
lançado mediante uma técnica apuradíssima e difícil. Devemos
lembrar que, até não muito tempo atrás, a hipnose não estava muito
bem definida, correndo o risco de escorregar por calhas
contraditórias, como a de Charles Richet152 e sua metapsíquica, pelo
magnetismo animal de Mesmer153 e, muito significativamente, pela
152
Charles Richet (1850-1935), francês, fundador da Metapsíquica e professor catedrático de
Filosofia da Faculdade de Medicina de Paris
153
Franz A. Mesmer (1733-1815), austríaco, médico, criador da teoria do magnetismo animal,
conhecida como mesmerismo.
265
corrente ocultista disfarçada de maneira complicada, que pregava
uma força estranha do hipnotizador sobre o hipnotizado.
Hoje se indaga se existe alguém que jamais tenha ouvido falar de
abdução. Possivelmente não, pois a amplificação midiática preenche
todos os espaços da falta de informação que possam existir. De
alguma forma as pessoas sabem de tais casos, mesmo as que vivem
no meio rural. É perfeitamente possível, portanto, que todos os
fatores comentados, transpostos para o campo ufológico, montem
uma história de abdução em qualquer um de nós.
Os detalhes mais ou menos incisivos variam nas pessoas que já
ouviram sobre o assunto daquelas que jamais atentaram para tais
casos. Restaria então que o pesquisador tentasse conhecer
detalhadamente toda a vida do hipnotizado para certificar-se em que
grau está seu conhecimento sobre abduções. É aqui que a Ufologia e
paraPsicologia se encontram – no depoimento humano. O
conhecimento científico da psique é indispensável, devendo ser
empregados métodos de Psicologia que acabem por embasar as
técnicas da parapsicologia.
Os sintomas psicológicos destacam-se no esquema de
envolvimento com o fenômeno Óvni. Muito observáveis são as
impressões causadas pela testemunha, e é aqui que entramos no
âmbito da paraPsicologia, quando o inconsciente torna-se
personagem principal. Dois extremos caracterizam as situações:
primeiro, os fatos não ocorreram, mas surgiram em função de uma
trama gerada pela mente em virtude de tendências e crenças
religiosas, e até de patologias que induzem o indivíduo a acreditar
numa situação real, que é só subjetiva. Em segundo, a substituição
de mitos, analisada pelo tão citado Jung – a crescente distância da fé
num plano divino implica na procura de objetos insólitos nos céus.
Mas, apesar de tudo o que escrevemos até agora, sabemos que as
abduções vão continuar ocorrendo indiscriminadamente, a todo o
momento e em qualquer lugar. Melhor dizendo, os relatos vão se
repetir, indefinidamente. Se até o presidente da Kalmikia, uma das
repúblicas da Federação Russa, o excêntrico bilionário Kirsan
Iliumjinov alega ter viajado num disco voador usando traje espacial,
manter contatos frequentes com seus amigos extraterrestres e crer
piamente no resgate final, um a mais, um a menos, a esta altura, não

266
fará diferença154. Pessoas que passaram por experiências desse tipo
reúnem-se regularmente para troca de ideias e divulgação das
informações passadas pelos “contactantes”, seja lá quem for e de
onde vier. E tudo isso vai engrossando aquela já bem fornida
“estatística” de milhões de abduzidos espalhados pelo planeta. Fique
atento, você poderá ser a próxima vítima.

154
Revista Época, edição 416, maio de 2006.
267
Enfim, sós?

Para que repetir erros antigos


havendo tantos novos a cometer?
Bertrand Russell

Quando se fala em “vida extraterrestre”, duas questões são postas


à mesa: dentro do universo conhecido, qual é a probabilidade real de
existir vida além da nossa e, em havendo e sendo suficientemente
inteligente, qual a chance de se estabelecer uma comunicação? De
pronto, não temos apenas um problema aqui, mas dois: “vida” e
“inteligência”. Se há um consenso entre os cientistas de que o
surgimento da vida se conjugou sob condições especialíssimas, será
que essas mesmas condições se repetiram por todo o cosmos? Se
sim, então não eram tão “especialíssimas” assim. Se, todavia, for um
caso único, e isso também não temos como saber, como afirmar que
possa haver “vida” espalhada por aí?
O que temos, a rigor, é pura especulação. De um lado, a chance
de haver vida fora do nosso sistema solar é perfeitamente possível,
entendendo-se por vida algo semelhante a microorganismos ou
organismos unicelulares, até porque não conhecemos outra forma –
o nosso exemplo é único! Por outro lado, o que é vida “inteligente”?
O falecido astrônomo e também ufólogo Joseph A. Hynek, consultor
da Força Aérea Americana durante 20 anos e um ícone para
pesquisadores do mundo todo, acalentava dúvidas sobre a existência
dos Óvnis, e proferiu um pensamento que colocava as coisas no seu
devido lugar: A possibilidade de haver vida inteligente no universo é
real, porém nossa concepção de inteligência é muito provinciana.
Esse é o ponto de partida para uma discussão razoável sobre o
assunto. Mas ele disse também, e a esmagadora maioria dos
ufólogos desconhece, esqueceu ou prefere ignorar:

Não existem provas materiais ou indícios tangíveis, nem informe


qualitativo ou quantitativo verdadeiramente sólido sobre os objetos
voadores não identificados. Há algumas fotografias que, após passarem

268
por testes razoáveis de autenticidade, demonstraram ser de pouco valor
científico155.

Não há um sinal sequer da existência de qualquer outro tipo de


vida que seja conhecido. Óbvio, sendo desconhecido, não temos
como saber de sua existência! Enrico Fermi, um dos mais
respeitados físicos, tinha bastante interesse na vida extraterrestre e
costumava discutir com seus colegas sobre esse assunto na sua
extensão natural – os Ets. Ele nunca desdenhou ou ironizou o
assunto, ao contrário, buscava, dentro do seu conhecimento, dados
que pudessem oferecer uma pista, ainda que mínima, da existência
de vida inteligente.
Quando começamos a fazer as contas sobre distâncias, dimensões
e tempo sob um padrão astronômico, percebemos que estamos
lidando com dígitos que escapam à nossa capacidade de medição:
estima-se que a nossa galáxia tenha 100.000 anos-luz de diâmetro156
e um tempo de vida em torno de 15 bilhões de anos, enquanto que a
vida na Terra surgiu nos últimos cinco bilhões. Dentro dessa
demarcação estima-se haver algo próximo a 400 bilhões de astros!
Como o nosso atual conhecimento só pode imaginar a vida tal
como a concebemos, é razoável supor que apenas planetas com
iguais condições ao nosso, em todos os sentidos, possam abrigar
vida inteligente em estágio evolutivo equivalente ou superior,
mesmo considerando que o que se entende por ”planeta” esteja
também sendo revisto (de acordo com a União Internacional de
Astronomia, em sua reunião anual de 2006, Plutão já era, ou seja,
não é mais um planeta no sentido clássico do termo. Seu lugar pode
ser ocupado por “Xena”, nome provisório do astro 2003UB313 , uma
decisão que deve levar algum tempo para ser ratificada.
Como se vê, também a ciência espacial passa por uma
reformulação de conceitos, menos a embalsamada Ufologia). É certo
também que surgiram planetas milhões de anos antes de nós,
portanto, talvez existam civilizações milhões de anos mais antigas.
Milhões de anos! Improvável que ainda existam, mas, por um
momento apenas, imaginemos uma única civilização um milhão de
155
Hynek, J.A.; op. cit.
156
Ano-luz é a distância percorrida pela luz em um ano: 300.000 km/s x 365 dias, o que
equivale a aproximadamente 9,5 trilhões de quilômetros.
269
anos mais velha, dispondo de tecnologia para viajar pelo espaço a
uma velocidade dez vezes mais rápida que a da luz. Este raciocínio
nos permite inferir que esteja perambulando por aí e talvez até tenha
colonizado dezenas de outros astros. Fermi então pergunta: Onde
estão todos?
A Ufologia verdadeira não acena com uma resposta porque não
tem nenhuma disponível. Não se deve confundir a possibilidade de
existência de seres extraterrestres, ou melhor, de vida inteligente em
outro planeta, com o problema dos discos voadores, com a tentativa
de explicar os Óvnis como naves provenientes de outras
civilizações.157 Assim, os indícios que poderiam apontar para um
“não estamos sós” mostram exatamente o oposto – nunca estivemos
tão sozinhos como agora.
A existência de vida no universo tem aceitação natural no meio
acadêmico embora ninguém se atreva assinar um certificado a
respeito. Teorias e conjecturas existem às pencas, divaga-se, calcula-
se à vontade, a conhecida “Fórmula de Drake” ou “Equação de
Green Bank”158 permanece válida para efeito de discussão. Os
projetos em busca de vida extraterrestre continuam em curso e
aperfeiçoados, e é só o que temos, mais nada. Não houve nenhuma
captação de sinais de rádio ou outra fonte que tenha vindo alhures
que sugerisse tratar-se de uma comunicação inteligente. Nenhum
planeta conhecido e, de certa forma, escaneado pelos equipamentos
mais modernos, revelou sinais que indicassem a presença de uma
civilização, quanto mais evoluída tecnologicamente. Nenhum
equipamento captou algo que pudesse ser enquadrado na categoria
de Óvni e muito menos de “nave extraterrestre”.
Entretanto, para os ufólogos, esse vazio só existe na mentalidade
dos astrônomos, cientistas, céticos, leigos e adeptos, porque as
respostas já foram dadas pelos discos voadores e seus tripulantes.
Que respostas? Para cobrir as grandes distâncias, esses
157
Mourão, R. R. F.; Quem é Vivo Sempre Aparece, DP&A, RJ, 1997.
158
Fórmula criada em 1961 pelo Dr. Frank Drake, astrônomo do National Radio Astronomy
Observatory of Green Bank (Virgínia), com a participação de Carl Sagan, Giuseppe
Cocconi, Shushu-Huang, Philip Morrison, Otto Struve e Melvin Calvin, entre outros.
Conhecido como “Projeto Ozma”, foi o ponto de partida para os projetos “SETI” – Search
of Extraterrestrial Intelligence. São tantas as variáveis e de tão diferentes interpretações
que não se chegou a um número razoável de planetas que possam abrigar uma civilização
tecnologicamente comunicativa.
270
“aparelhos” usariam a “força reversa”; eles têm domínio absoluto
sobre o continuum espaço-tempo e viajam através de portais
dimensionais; está comprovado que existem bases na Lua; a face
marciana é um indicativo de que eles estiveram e estão por lá ainda.
Baseadas em que tais afirmações foram proferidas, não se sabe. A
mentalidade de quem está vazia?
Repetidamente, a “comunidade ufológica” rejeita, com
estampada antipatia, declarações de cientistas e estudiosos quanto à
improbabilidade de determinados tópicos serem conclusivos como
abduções, hipnose, alienígenas, naves espaciais e vida extraterrestre.
Esse repúdio é um sintomático escudo de autodefesa disfarçado na
acusação típica: “esses caras não sabem do que estão falando”.
Recentemente, cientistas declararam sobre a possibilidade de ter
existido água na Lua e em Marte, que é bastante possível, e muito
embora a presença de água não implique necessariamente em
existência de vida, tal informação foi suficiente para fazer as teorias
colonizadoras entrarem em ebulição novamente. Na obra referida,
Mourão levanta uma questão interessante, e vamos ilustrá-la usando
um exemplo prosaico: se você pretende visitar um amigo ou passar
numa loja para comprar um produto específico, o mais lógico e
sensato é dar um telefonema antes para verificar se o amigo está
disponível ou se a loja tem o artigo desejado, caso contrário poderá
perder a viagem. Outro exemplo: quer ir ao teatro mas não sabe se a
peça ainda está em cartaz ou se tem ingressos à venda? Use o
celular.
Pois é exatamente o mote do autor para levantar essa
possibilidade no caso dos Ets:

Os defensores dos Óvnis acreditam que eles sejam naves espaciais de


origem extraterrena. Não levam em conta, entretanto, que nas supostas
ou prováveis supercivilizações galácticas o lema seja, quem sabe, o de
primeiro estabelecer uma comunicação e somente depois tentar o
deslocamento.159

Faz sentido. Não se concebe civilizações presumivelmente


adiantadas milhares de anos saindo por aí às cegas à cata de planetas,

159
Ibidem
271
habitados ou não, sem a menor noção do que irão encontrar pela
frente. Se soubessem, temos dúvidas se aportariam aqui. Ou então,
não seriam assim tão “inteligentes” e cautelosos, ainda que
modernos pensadores, inclusive sociólogos, gostem de raciocinar no
seguinte sentido: uma supercivilização, em adiantado estágio de
existência, passaria a existir com um único e último objetivo, qual
seja, sair pelo universo simplesmente para ajudar o impulso da vida
ou dar um “empurrão” no desenvolvimento da vida inteligente. Seria
a derradeira atitude de uma civilização para que tivesse sentido na
continuidade da sua própria existência. Isto, porém, evidentemente, é
fruto de mera suposição com nítida contribuição de valores morais.
Se não há interlocutores para esse colóquio, de quem é a culpa?
Bilhões de dólares são injetados em pesquisas; os mais notáveis
cientistas se empenham em estudos viáveis de comunicação;
equipamentos e técnicas são desenvolvidas e aprimoradas
exclusivamente com essa finalidade, enquanto que verbas
astronômicas – mais uma redundância – são destinadas aos mais
sérios projetos tecnológicos. Mourão tem razão quando escreve que
aescuta dos extraterrestres constitui uma verdadeira loteria. Existe
um número infinito de possibilidades, e somente algumas delas
serão escolhidas.160
As perguntas se multiplicam: ainda somos tão primitivos que
nossos mais avançados equipamentos são rudimentares perto da
tecnologia extraterrestre? Quais as coordenadas para os
radiotelescópios captarem algum sinal inteligente? Por quanto tempo
devemos ficar na escuta de um único quadrante? Afinal, sabemos o
que ou quem estamos procurando? Pensando bem, esse silêncio
sideral pode ser humilhante para o nosso orgulho. E, cá entre nós,
vale a pena nos procurar?
Se colocarmos em escala comparativa as dimensões colossais de
alguns dos maiores corpos celestes conhecidos, somadas às
distâncias imensuráveis que os separam, teremos a real grandeza da
nossa insignificância. Nessa grade cósmica em que a Terra é menor
que um grão de areia – “nosso pedacinho de detrito da explosão
cósmica”, como escreveu Dawkins – , achar que seja um “oásis

160
Ibidem
272
cósmico” serve apenas para afastar o medo fantasmítico161 da
solidão, quando na verdade só dissimula sua existência.
Entre bilhões e bilhões de astros e estrelas, o que nosso planeta
tem de tão interessante que justifique o interminável afluxo de
“visitantes”? Pegue uma carona no Hubble e veja as estupendas
imagens das galáxias, nebulosas e aglomerados e tente encontrar
estrelas como Arcturus, Pollux... tente o Sol também... e depois
responda: admitindo que possa mesmo haver vida extraplanetária
inteligente como defendem ardorosamente ufólogos e partidários,
não seria mais lógico aos navegantes espaciais deterem-se nestes
corpos extraordinariamente maiores, mais visíveis e com maiores
possibilidades de serem habitados? Não adianta apelar para o
argumento do homem como a “expressão máxima” da fauna, que
isso não é mesmo. Nós nos julgamos no topo da pirâmide evolutiva
somente porque até hoje não apareceu ninguém contestando essa
posição.

161
Fantasmítico – fantasma mitológico da solidão cósmica. Neologismo, naturalmente.
273
Mesmo a recente descoberta de um “planeta-irmão” da Terra – o
GL 581c, na constelação de Libra – não muda o panorama das
coisas. Esse corpo celeste, batizado por alguns como “superterra”
apenas por ser um pouco maior que a Terra, mas muito, muito mais
velho que ela, aguçou a expectativa de um dia ter abrigado alguma
forma de vida.
O que as pessoas esquecem é que quando olhamos para o
firmamento estamos vendo pontos luminosos que muito
provavelmente nem existam mais. Literalmente, estamos olhando
para o passado, e em se tratando do GL 581c, distante meros 195
trilhões de quilômetros – 20,5 anos-luz – é mais certo que talvez já
não esteja mais lá. Portanto, tudo o que se disser sobre ele será mais
um exercício de especulação do que afirmações concretas sobre sua
possível habitabilidade.
Um dado pitoresco nisso tudo é que quando acontecem os
contatos, os Ets acertam em cheio no idioma: em Londres o who are
you é impecável, em Paris o francês sai caprichado e no Brasil, o
português é irrepreensível, incluindo expressões regionais. Até em
mandarim a conversação flui naturalmente! Estima-se em quase
7.000 o número de idiomas e dialetos em todo o mundo e eles não
erram uma! Não há registro de um único encontro entre um árabe e
um “holandês” espacial ou um senegalês com um “asiático”
alienígena. Por que será?
Curiosamente, a grande maioria dos casos em que o Et emitira
sons ininteligíveis tratava-se exatamente das discutíveis abduções, o
274
que pode perfeitamente enquadrar-se como sintoma da realidade
fantasiosa vivida pelo abduzido, que, passando por uma experiência
influenciada por fatores inconscientes, tem esse aspecto da
comunicação caracterizado pelo fator de incompreensão,
determinado ou como defesa ou como confusão decorrente da sua
própria criação involuntária.
Enfim, uma última questão a ser analisada. Se os extraterrestres
de fato existirem, perguntamos: como será sua aparência? O que nos
faz crer que devam ser fisicamente semelhantes a nós? Em que se
baseia tal suposição? Se a evolução nos dotou de inteligência e
outras aptidões e moldou nosso corpo tal como o vemos hoje – após
milhares de anos – porque não supor que os tais seres, também
milhares ou milhões de anos à nossa frente, devam ter um biótipo
totalmente diferente do nosso e com faculdades mais distintas ainda?
Refazendo a pergunta de outra forma: se milhões de anos nos
separam, como explicar a incrível semelhança morfológica de
espécies tão longevas quanto distantes? Eles precisam da audição e
da fala? E a telepatia, ainda a usam? Estamos aptos a praticá-la? Se
usássemos, não seríamos por demais telepatéticos? Estamos prontos
para esse encontro? Queremos esse encontro? Parece que estamos
diante de um problema insolúvel, e as respostas minguam
drasticamente.
Uma outra linha de pensamento apadrinha a tese dos “universos
paralelos”, nos quais entidades se manifestam em nossa realidade
através de portais, passagens ou acessos ainda desconhecidos pela
nossa ciência. Pura ficção. A nossa dimensão é a nossa dimensão, e
nela só pode se manifestar aquilo que lhe pertence. Se houver –
repetimos – se houver outras dimensões, cada uma delas terá suas
propriedades existenciais restritas exclusivamente a elas e a
nenhuma outra. Elas não podem se misturar, não podem se
intercalar, e falar em “interconectividade dimensional”, além de
prematuro, é pura retórica. Nós não atravessamos nenhum portal a
outras dimensões e a recíproca é verdadeira. É uma impossibilidade
real determinada pela física.
Qualquer outro postulado passa a pertencer ao mundo ficcional.
Podemos, quando muito, conjecturar à vontade sobre mundos
paralelos, elaborar mil teorias, dar asas à imaginação e viajar pelo

275
assunto como bem entendermos. Mesmo que, por um instante,
aceitássemos a existência de pelo menos um único universo paralelo,
que subsídios temos para acreditar que ele seja tão semelhante ao
nosso a ponto de as “naves espaciais de lá” transitarem no de “cá”
com a desenvoltura que se diz por aí? Além disso, “paralelo” não
significa “semelhante”.
Como explicar que tais seres ou entidades tenham a mesma
aparência, falem o idioma local das aparições, usem o raciocínio e a
linguagem terrestres em suas comunicações? O universo do lado de
lá não tem nada a ver com o de cá. São planos existenciais
totalmente distintos! Nada faz crer que os habitantes de Magonia162
possam interagir com os da Amazônia, da Lapônia e da Patagônia e
ficar por isso mesmo. Não se pode inventar uma tese para tentar dar
corpo a essas explicações, e esse é um mal crônico no
comportamento de alguns estudiosos, quando tentam “encaixar”
respostas às suas diluídas e iludidas convicções. Leito de Procusto,
lembra?
Quando falamos em “nossa dimensão”, é preciso entender que
estamos lidando com a estrutura atômica da natureza, estrutura essa
que não se altera, é constante e imutável. Se fosse o contrário, este
livro não existiria, nem nós que o escrevemos. Aliás, nem você
deveria existir. Nada existiria, e somente o nada existiria, se é que
isso é possível – o nada existir! É um desafio e tanto para os físicos
desenvolverem uma teoria unificada e completa da natureza, a
chamada “Teoria do Tudo”. Eles não descartam a possibilidade da
existência de muitos outros mundos – muitos mesmo, algo em torno
de 10500 – e aí não teríamos mais um universo e sim um
“multiversos”, uma hipótese com base na “Teoria das Cordas” e em
complexas equações. Mas este é mais um assunto que não temos
suprimento nem para consumo próprio. Já basta o que nos ocupa.
No entanto, com a devida licença do poeta Drummond, há uma
pedra no meio do caminho. E que pedra! Desconcertante. A teoria
quântica. Ela nos diz simplesmente que um átomo pode estar em
dois lugares simultaneamente. Pior, pode estar em todos os lugares
ao mesmo tempo. O pensamento do físico Max Tegmark, da
Universidade da Pensilvânia, encorpa essa teoria. Segundo ele, a
162
Terra imaginária criada por J. Vallée de onde se originariam os seres de outras dimensões.
276
realidade que nos rodeia é exatamente igual ao mundo dos átomos,
ou seja, o livro que você tem em mãos agora está em todos os
lugares ao mesmo tempo, assim como a poltrona que está sentado, e
você não percebe essa dança maluca porque, claro, também está em
todos os lugares, junto com a poltrona e o livro.
Isso acontece, segundo Max, porque sua mente se divide para
poder observar a sucessão de eventos como sendo um só. Calma, é
só uma teoria, que não explica nem confirma a tese dos universos
paralelos, mas como se trata de uma especulação científica, é bom
ficar de olho. De qualquer forma, vale a pena reproduzir o desabafo
do físico Richard Feynman sobre a teoria quântica: Acho que posso
afirmar com segurança que ninguém compreende a mecânica
quântica 163.
A expressão “multiversos” é a forma de dizer que podem existir
outros universos fora dos limites observáveis do nosso, algo em
torno de 15 bilhões de anos-luz. Esse pensamento seria uma
continuação da Teoria da Inflação lançada em 1980 pelo físico Alan
Guth, uma espécie de autorreprodução de universos em escala
geométrica através de uma sequência de big bangs. Para esse
cosmólogo, é natural pensar que existam “bolhas” de universos
dentro de outras, e assim sucessivamente.
Nossa civilização é extremamente nova em relação ao tempo
cósmico e essa imaturidade tem levado aos arroubos típicos da
juventude – achar que está sempre certa. O que lhe sobra de
entusiasmo, vigor e ímpeto, lhe falta em experiência, sabedoria e
paciência. O curso do aprendizado é longo e o custo é alto.

163
Dawkins, R.; op. cit.
277
Vigiando a ponta do nariz

Explicar - explicare, é despojar a realidade das


aparências que a envolvem como véus a fim
de que se possa vê-la nua e face a face.
Pierre Duhem

De tempos em tempos milhares de pessoas – curiosos, amadores,


viajantes, neófitos, oportunistas, pesquisadores e astrônomos – em
ordem decrescente, ficam em alerta nos locais mais apartados das
grandes cidades observando a noite para detectar qualquer coisa que
se suspeite de origem alienígena: Óvnis, pontos brilhantes, vultos,
ruídos, objetos, rastros luminosos, qualquer coisa – inclusive rods164
– que justifique tamanha mobilização.
Olhos vazios representam uma incômoda e mal contida
frustração. Seja quando uma “onda” de aparições invade o país ou,
seu oposto, nada acontece e alguma coisa precisa ser feita para agitar
a tribo e reacender a discussão, isso ocorre de maneira sempre
desorganizada. Depois, reúnem as anotações, comparam descrições,
desenhos, depoimentos, filmes, fotografias e voilá, está consumada
mais uma vigília! Onde está a metodologia para tal ação? Como
estabelecer um protocolo para as pesquisas?
Como monitorar os acontecimentos? Como elaborar um relatório
válido a todos os sítios de observação? Quantos dos observadores
possuem conhecimentos mínimos de Astronomia, para ficar só nessa
matéria, que possam garantir a segurança dos registros? Como
apurar a qualidade dos relatos, a neutralidade dos testemunhos, a
confiabilidade das informações? Não queremos incomodar o leitor
com perguntas irrespondíveis, mas não há outra forma de extravasar
nosso desgaste diante de tamanho despreparo. Pelo menos algumas
delas podemos responder para amenizar a angustiante economia de
explicações.
Inexiste metodologia de ação, não há protocolo algum para
conduzir as pesquisas, é inviável monitorar os acontecimentos além
164
Leia o capítulo específico a respeito.
278
dos perímetros locais e não há relatório exequível a ser elaborado. A
maioria dos pesquisadores com razoável conhecimento astronômico
é altamente tendenciosa para se pensar em isenção. O que resta
fazer? Seria a vigília uma prática inútil? Não necessariamente,
embora esteja condenada ao empobrecimento ou restrita a grupos
seletos, habilitados e de absoluta capacidade técnica. Na verdade, é
um recurso de pouca ou nenhuma eficácia pelas razões que já
esmiuçamos à exaustão.
Além disso, a Ufologia não pode ser considerada ciência, porque
não o é, ponto final. Tentando ser objetivo na conceituação do que
seja ciência, é impossível deixar de se observar algumas questões
que importam muito. A ideia de fenômenos, por exemplo, que
podem ser conceituados rapidamente como os efeitos que os fatos
provocam, portanto, observáveis. O fenômeno ufológico, no entanto,
tem sido disperso, por dois fatores principais: a completa
impossibilidade de trazê-lo para o laboratório e reproduzi-lo e, em
consequência disto, as inúmeras controvérsias a respeito de suas
origens, modo de manifestação e, principalmente, suas causas.
Não se pode negar que fatos ufológicos ocorram, e nunca
negamos, mas suas causas e explicações são incontáveis, dentre
estas, as ainda ignoradas. Como esse desconhecimento parece
marcante, costuma-se partir para a escolha de hipóteses cuja
confirmação ainda é absolutamente impossível para o método e para
o próprio preceito científico.
Veja o exemplo da origem extraterrestre, de “naves pilotadas por
seres dotados de alta tecnologia”. Eis porque a Ufologia nada mais é
que uma disciplina novata, com pouca ou nenhuma metodologia,
ainda na fase de ensaio na coleta de dados sobre um fenômeno. Nem
informações concretas tem em seu poder, apenas alguns dados, e
mesmo assim, enfeixados numa complexa e enorme mistura de
teorias, entre acadêmicas e transcendentais. Das primeiras,
destacam-se todas as hipóteses explicativas de ordem psicológica e
sociológica, quando não as que pertencem aos campos da Geologia,
Física, astronomia e até meteorologia. Dentre as outras, as
atribuições a atuações sobrenaturais e, não se negue, a crença na
visita extraterrestre inteligente.

279
A Ufologia, pois, é apenas um campo de dedicação a fenômenos
atípicos, que define a coleção de uma casuística. Como tal, serve, ou
deveria servir de fonte para os estudos das ciências estabelecidas.
Estas só são assim consideradas quando possuem uma epistemologia
própria, aceita e adotada pelos meios acadêmicos, com metodologia
específica e aplicada. O fenômeno ufológico, como todo e qualquer
fenômeno, só pode ser compreendido e estudado com o uso da
razão, do método e sistematicamente – características do
conhecimento científico –, com utilização do raciocínio filosófico,
portanto dialético, lógico.

Qual o significado destas seculares manifestações? Como reconciliar


dados aparentemente tão contraditórios? Parece-me que qualquer
solução para isso depende exclusivamente do surgimento de novos
conceitos, quando nossa visão do mundo estiver suficientemente
iluminada; enquanto isso, o mínimo que podemos deduzir é que o que
observamos e rotulamos de “fenômeno Óvni” tem unicamente o
propósito de mudar o destino humano quando nos dá provas de nossas
limitações técnicas e intelectuais.165

Ciência, para Sílvio Luiz de Oliveira166, abrange praticamente


todos os campos do conhecimento humano relacionados com fatos
ou acontecimentos e agrupados por princípios que são as regras.
Regras que a Ufologia não possui, porque a maioria dos ufólogos
parece não saber que ciência se faz com regras. O autor ainda
conceitua ciência como o estudo com critérios metodológicos das
relações existentes entre causas e efeitos de um fenômeno qualquer,
no qual o estudioso se propõe a demonstrar a verdade dos fatos e
suas implicações práticas.
Para o procedimento científico, um dos principais passos é a
escolha da hipótese, que ao final deverá ser confirmada ou negada.
Muitas hipóteses já podem ser confirmadas ou negadas na Ufologia,
em se tratado do estudo de caso. E quando isto é possível, só se pode
raciocinar, agir e pesquisar dentro do conhecimento das ciências
estabelecidas e acadêmicas, caso contrário, não se fará ciência.
Aqui, cabível novamente o exemplo da hipótese extraterrestre de um

165
Vallée, J.; Passport to Magonia, 1972
166
Tratado de Metodologia Científica, Pioneira, SP, 1997.
280
Óvni – impossível de ser confirmada. E se algo em ciência não
admitir, a priori e ao menos teoricamente, ambas as possibilidades
para se trabalhar – negar ou confirmar a hipótese – não será
científico. Isto é regra elementar e indispensável de raciocínio e de
pesquisa.
Não há aqui qualquer negação ideológica da hipótese
extraterrestre. Acontece que é uma pressuposição ainda impossível
de ser trabalhada. Quando isto for possível à ciência – e só a ela cabe
tal tarefa – então a Ufologia fará parte oficial da Astronomia, da
Física, da Biologia ou de qualquer outra ciência estabelecida. Mas
continuará sendo um conjunto informativo e nada mais. Não se pode
ignorar a ideia de que os Óvnis possam estar impressivamente
relacionados e vinculados às pessoas que os veem, e não serem
objetos independentes. Não é o fenômeno propriamente dito, mas a
crença que ele inspirou que está sendo manipulada por grupos
humanos para a concretização de diversos objetivos obscuros.167
Isto quer dizer que temos, por um lado, os Óvnis como tais – reais e
à margem de nosso saber científico – e, por outro, seres humanos
explorando essa inacessibilidade, visando direcionar a opinião
pública e criando um segundo fenômeno.
Vejamos agora os aspectos lógicos da ciência, resumidos pelo
citado autor. Para ele, a logicidade da ciência manifesta-se por meio
de procedimentos e operações intelectuais, a saber:
a) Possibilitam a observação racional e controlam os fatos;
b) Permitem a interpretação e a explicação adequada dos
fenômenos;
c) Contribuem para a verificação dos fenômenos, positivados
pela experimentação ou pela observação;
d) Fundamentam os princípios da generalização ou o
estabelecimento dos princípios e das leis.

Fala-se em razão, quando se pode falar em regras de raciocínio. E


estas, pertencentes ao campo da dialética e da lógica, seguem o
compromisso do método e devem ser conhecidas por todo
pesquisador. Por exemplo, não há proposições de pensamento que
redundem em conclusões aceitáveis, se elas próprias ainda não

167
Vallée, J.; op. cit.
281
estiverem incorporadas à aceitação da área de conhecimento a que
pertencem.
O controle de fatos pode ser entendido como a manipulação
deles, para compreensão detalhada, ou como registro rigoroso de
ocorrências, em todas as suas nuanças. Muitos fenômenos ufológicos
comportam explicação adequada, outros não. Mesmo porque, se os
ufólogos mais influentes dizem que “não existe apenas a Ufologia
científica”, ou “não existe uma Ufologia mística e outra científica,
mas a Ufologia é uma só”, então não se pode misturar ciência com
alardeados conhecimentos transcendentais. Uma coisa é
completamente incompatível com a outra. Aliás, isto é, em dialética,
exemplo claro e visível de contradição.
Já podemos perceber princípios ou formular leis em torno da
manifestação do fenômeno ufológico? Por certo que não. E não se
confunda experimentação ou observação com emocionadas e
fascinantes experiências de cunho estritamente subjetivo, pessoal.
João Almeida Santos e Domingos Parra Filho, em Metodologia
Científica168, evocam Kant para conceituar o conhecimento
científico. Segundo o autor de Crítica da Razão Pura, existem
conhecimentos de natureza formal – isto é Lógica Formal – que
obtém na experiência o seu conteúdo, o conhecimento científico.
Então não bastam supostas experiências subjetivas, individuais,
destituídas das condições para análise racional baseada em bem
estruturados fundamentos.
Ou seja, o que Kant parece ter dito é que a experiência é a
aplicação prática do que se conhece em teoria e com bases seguras.
Isto já é Lógica Material, que trata do conteúdo do conhecimento.
Em termos exemplificativos, pois, pode-se ilustrar isto na Ufologia –
não serão o contatado ou o abduzido os personagens dessa dualidade
científico-racional mencionada por Kant, mas o pesquisador, o
sujeito cognoscente, que deve equilibrar prática e teoria.
Os dois autores dão um conceito sintético, porém realista, do que
seja ciência: um sistema de proposições rigorosamente
demonstradas, constantes, gerais, ligadas mediante as relações de
subordinação. Ufologia está muito longe disto. Podemos, porém,
fazer ciência na Ufologia? Devemos. Agir cientificamente é utilizar
168
Editora Futura, SP, 1998.
282
os conhecimentos das ciências, é óbvio, mas, como Ufologia não é
ciência, esperamos, com esperança, que receba a devida atenção
desta última.
Enquanto esperamos, e sentados, bom seria para a Ufologia a
elaboração cuidadosa de projetos de pesquisa com metodologia
firmada em normas técnicas. É tudo que necessita. Se isto não for
possível, ela não conterá pesquisa. Terá sido uma eterna perda de
tempo. Simples sensações nada provam, porque a percepção humana
é falha. Somente a criticidade, com conhecimento e metodologia, a
superam. O que se avista nada demonstra, pois, como já dissemos, a
visão não mostra, necessariamente, a realidade. Ou a Ufologia
aprende esta máxima, ou continuará promovendo vigílias tolas sem a
mínima obediência a normas e regras de pesquisa. É completamente
nula de validade uma circunstância em que os observadores se
limitam a ficar olhando o céu, à cata de discos voadores, achando-se
experientes o suficiente para saírem afirmando que avistaram
indiscutivelmente “sondas” ou “naves”.
Há método para tudo. Nestas vigílias eventualmente promovidas,
não se trabalha com qualquer levantamento ou observação
astronômica através de cartas estelares e com mapeamentos ou
registros – pontos radiantes de meteoros, efemérides, astros em auge
de brilho, etc. Não se dividem as áreas de forma geográfica e
geologicamente correta. Não se formam comissões de pilotos,
astrônomos, geólogos, psicólogos ou psicanalistas para discussão de
casos, análise e divulgação dos resultados. Não se pleiteia a efetiva
participação, ou o apoio, de órgãos tecnológicos como de aviação,
meteorologia, enfim, não se faz um projeto.
Em uma recente vigília, depois de se espalhar a notícia de que
três ou quatro ufólogos haviam detectado estas falhas inadmissíveis,
saiu-se em desabalada carreira atrás de mapas celestes na internet e à
distribuição extemporânea e tardia de alguns questionários
aleatórios, tudo para dar “cunho científico” à baderna consumada.
Uma vigília deste porte exigiria até análise quantitativa com
métodos estatísticos e elaboração de questionários apropriados, cujos
modelos e tipos são classificados pelos órgãos de normas técnicas e
de pesquisa. Nada nestes termos foi providenciado, simplesmente
porque nem se imaginou que isto seria necessário, mas apenas o

283
feito heroico de se conseguir uma vigília com esta envergadura. Pois
a Ufologia vive dessas fantasias, como se o mundo já desse por certo
que é uma área de importante ciência, em que pesquisadores
elogiáveis marcam bingo a todo instante. Uma ilusão tão entranhada
que chegaram a redigir um “Código de Ética do Ufólogo”, como se
Ufologia fosse profissão regulamentada e disciplina de formação
acadêmica, ou como se elementares princípios de ética não fossem
aplicáveis a todo tipo de atuação humana.
Código de brincadeira para um sistema idem, à semelhança de
concursos ufológicos de melhor obra, melhor palestra, melhor artigo
e prêmio revelação, também sem qualquer método, parecendo que
para esse tipo de levantamento ou pesquisa bastassem e-mails com
votos de preferência, lançados fortuitamente sem nenhum critério e
coleta de dados apropriados e cabíveis, para análise de
correspondência com quesitos.

284
Comandantes estelares: somos marionetes?169

É uma verdade absoluta


que a verdade é relativa.
André Maurois

Comandantes... o título já imprime uma posição hierárquica


superior, marca registrada nos contatos entre humanos e tripulantes –
não necessariamente – de Óvnis. Não necessariamente, pelo fato de
muitas vezes não ter sido observada nenhuma nave que explicasse o
surgimento do tal “comandante”. Em outras oportunidades, embora a
entidade não apareça fisicamente, sua presença é captada pelos
“sensitivos” no local do encontro. Telepatia? Sugestão? Fraude?
Hipersensibilidade mediúnica? Quem sabe? Na dúvida, ficam todos
sob suspeição.
Talvez a forma de comunicação seja irrelevante para os
“contatados” – eles entram em contato e pronto. Este capítulo da
Ufologia é o mais rico, fecundo e peculiar para o estudo
comportamental dos... humanos. Nós, mortais habitantes de um
minúsculo planeta perdido entre bilhões, somos uma espécie que mal
se conhece, mal saiu das fraldas e caminha rapidamente para a
extinção. No entanto, um punhado de gente por aí acha que já sabe
tudo sobre os alienígenas – comportamento, intenções, origens,
morfologia, tecnologia, valores morais, éticos e filosóficos, formas
de reprodução e tudo o mais. Daí, quando se busca uma resposta, ela
surge com uma naturalidade espantosa, como se fosse a coisa mais
normal do mundo. Estamos presenciando um balé de doidos onde
cada um dança conforme a música que ouve. Mesmo que não haja
música. O mais provável é que estejam todos surdos.
A rigor, essa história de comandante começou lá atrás, quando
entrou em cena um inusitado personagem chamado Ashtar Sheran,
líder da frota extraplanetária pertencente à “Confederação

169
Colaborou Rogério Chola.
285
Intergaláctica da Grande Fraternidade Branca Universal”.
Grandiloquência verbal pura. Dois nomes disputam a primazia de ter
sido o primeiro contatado: George Van Tassel e Herbert Victor
Speer. Correndo por fora, um dos mais famosos e polêmicos
personagens da Ufologia, George Adamsky, que nos anos 50
também alegava manter encontros assíduos com seres oriundos de
Marte, Vênus e Saturno.
Disparamos aqui outro sinal de alerta: se o leitor nutre simpatia
pela real existência de Ashtar Sheran, não iremos demovê-lo de tais
convicções. Se preferir, pode pular essa parte do livro. O fato é que a
partir daquela época pipocaram dúzias de supostos contatados, todos
eles com vários pontos em comum além das ligações com o tal
comandante: tornaram-se celebridades instantaneamente graças à
disposição da imprensa pelo extraordinário, escreveram livros,
proferiram palestras, encontraram-se com autoridades e cientistas
propagando incansavelmente uma filosofia messiânica e humanista
promulgada pelos seus interlocutores cósmicos, qual seja, a busca da
paz entre as nações e os vínculos de fraternidade entre os povos.
E, principalmente, o fim dos testes com armas atômicas, que
trariam sérios abalos ao equilíbrio ecológico dos planetas vizinhos
(lembrando que estamos falando de um período pós-guerra). Além
do que, quase todos falavam de um “plano de evacuação global” no
qual um contingente de pessoas, um número bastante simbólico –
144.000 – seria resgatado ante a iminência do holocausto final para
re-povoamento em algum lugar incerto e não sabido. Nunca se soube
que critérios seriam usados para eleger tais “afortunados”. Veja
como se daria essa “operação evacuação”:

Fase 1 - Evacuação ou resgate, de forma secreta, de líderes


espirituais e mestres pertencentes ao corpo de voluntários
dos “trabalhadores da luz”.
Fase 2 - Resgate de todos os voluntários “seguidores da luz” e
crianças especialmente selecionadas.
Fase 3 - Evacuação em massa em “naves espaciais”, até o último
momento possível antes da hecatombe planetária final que
acabaria com toda a vida na Terra.

A lista de “amigos” de Ashtar crescia a olhos vistos: George


286
King, Thelma B. Terrel, nomeada “biógrafa oficial” e autora de uma
obra considerada o estopim para a disseminação dessa febre
apocalíptica.170 O alemão Hermann Ilg foi outro nome desse elenco
de famosos, seguindo-se seu compatriota Ethel P. Hill, o suíço Karl
Schönenberger, o venezuelano Enrique Castillo Rincón, o italiano
Eugenio Siracusa, que compete com Adamsky no quesito
celebridade, o peruano Victor Yañez Aguirre e muitos outros. No
Brasil, campo fecundo a este tipo de manifestação, surgiram nomes
como Paulo Fernandes, fundador do Centro de Estudos
Exobiológicos Ashtar Sheran, em Salvador, com filiais em várias
capitais. Vale dizer que Ashtar Sheran nunca se mostrou fisicamente
– todos os contatos, sem exceção, se fizeram através de telepatia ou
“canalizações”. De qualquer forma, o palco estava montado e era
apenas uma questão de habilidade conquistar um público que
bancasse o espetáculo.
Para isso, era importante manter viva a onipresença de Ashtar
Sheran, e a descendência de contatantes seria uma garantia: os já
citados Sixto e Carlos Paz Wells, notadamente este, ganharam as
manchetes dos jornais e a simpatia de uma plateia cativa ao
relatarem suas experiências de contatos físicos. Para cobrir
jornalisticamente estes acontecimentos, da Espanha foi enviado um
desconhecido repórter, novato, ambicioso e inteligente – J. J. Benitez
–, que vinha reportando eventos desse tipo na Europa e América do
Sul.
Com farto material em mãos, não demorou muito a se lançar no
mercado editorial, publicando seus dois primeiros livros sobre o
assunto: UFOs: S.O.S. a la Humanidad (1975) e 100 Mil km trás
los Óvnis (1978). Credite-se a ele a difusão dos Wells e de Ashtar
Sheran nas duas últimas décadas. O certo é que a situação fugiu do
controle, encorpou e adquiriu vida própria, e ainda que pareça
abandonada, é ressuscitada aqui e ali por ações isoladas. Não há
como incluir nessa relação a multidão de anônimos que alega manter
contato com a tal entidade, em todo o mundo.
Afinal, quem ou o que é Ashtar Sheran? Delegado intergaláctico
ou embaixador das estrelas? Invasor extraterrestre, intraterrestre

170
Project: World Evacuation, citado por Rogério Chola em “Contatos com alienígenas e
seus protagonistas”, UFO, Edição Especial 33, abril/maio 2005.
287
ou ultraterrestre? Cientista, militar ou comandante? Salvador, juiz
universal, um deus ou um usurpador? Entidade dimensional,
personagem de ficção, mito, lenda ou fato?171 Um iluminado
transbordante de compaixão, um anjo enviado pelas potestades ou
um ardiloso manipulador da nossa fragilidade? Parece-nos que a
definição que melhor se encaixa foi dada pelo colaborador deste
capítulo: “ideia-conceito” – uma figura real, porém inexistente.
Ashtar Sheran não está sozinho na magnânima missão de
patrulhar e proteger a Terra. Faz-lhe companhia um panteão de
exóticos nomes: Karran, Agar, Aura Rhanes, Semjase, Setun Shenar
(quase outro anagrama de Ashtar Sheran) e outros tantos. Sua missão
secular: auxiliar a humanidade em sua evolução cósmica através de
atos, palavras e, se necessário, uma força mais drástica. Seus
ensinamentos sobre Deus e Verdade:

Não há um representante de Deus sobre a Terra. Nenhum homem foi


chamado por Ele para representá-lo. A humanidade possuía um
representante com plenos poderes de Deus, que foi barbaramente morto
porque conhecia suas leis e condenava a falsificação...

Nós, habitantes de outros planetas sabemos o quanto é difícil combater


o fanatismo. Nossa arma é a verdade, visto que outras não podemos
usar sem ordem superior. Para isto, passamos por uma preparação
inimaginável, a fim de podermos dar-lhes nossa arma, cuja potência
combaterá o erro evidente.

Quanto ao primeiro “ensinamento”, declinamos de comentar


tamanha a estreiteza filosófica. Quanto ao segundo, o que chama
atenção é que eles estão se preparando para nos dar uma arma tão
portentosa que requer “autorização superior”, a fim de que possamos
combater nossos erros! E ainda os chamamos de “irmãos do
espaço”? E, afinal, de que verdade está-se falando? Se é justamente
por causa de tantas “verdades” que o fanatismo tem nos levado a
terríveis carnificinas, vem mais uma por aí? Já não temos verdades
demais a sangrar nosso combalido planeta?
O contraditório nestas mensagens é que, ao final, apesar da nossa
declarada estupidez, incontrolável agressividade, notória inclinação

171
Ibidem
288
para o extermínio e inexaurível beligerância, querem nos presentear
com uma arma terrível para corrigir nossos erros, e ainda ficam
profundamente agradecidos por nossa compreensão e benevolência.
Compreensão e benevolência? É alguma piada de mau gosto? É
assim que erros são corrigidos? Isso quer dizer que, embora
estejamos sentados em um barril de pólvora com pavio aceso, uma
bomba-relógio em contagem regressiva, não devemos nos preocupar,
afinal, Ashtar e seus correligionários estarão prontos a intervir,
vigilantes e atentos ao nosso “apertar de botões”. Por via das
dúvidas, é melhor não arriscar, pois não sabemos se eles estarão de
plantão nesse dia.
É o dilema básico da espécie humana: incapaz de encontrar
soluções aos problemas criados pelo uso distorcido de uma
inteligência privilegiada, transfere essa tarefa aos supostamente mais
capazes, seja deus, deuses, heróis, anjos ou extraterrestres. Muito
conveniente. Mas vamos ficar por aqui. Devido ao adiantado da
hora não iremos nos ocupar com ilações filosófico-existenciais
impertinentes no momento.
Tais mensagens são de uma mediocridade absoluta, em todos os
sentidos. O conteúdo, o raciocínio e a elaboração obedecem a um
padrão indiscutivelmente terreno, incompatível com a alegada
“superioridade” de tais seres. E não venham nos dizer que este
comportamento é devido ao nosso atual estágio evolutivo, que
precisam falar a “nossa” linguagem para que possamos entendê-los!
Desculpa esfarrapada, falha de raciocínio lógico e uma inversão de
valores conhecida como dissonância cognitiva, termo cunhado pela
equipe do sociólogo Leon Festinger ao pesquisar seitas e
movimentos ligados ao fenômeno Óvni, especificamente em uma
comunidade na Califórnia, EUA, dirigida por Mrs. Keech. Permita-
nos uma breve pausa para tocar nesse assunto.
Os membros dessa sociedade acreditavam receber mensagens de
espíritos que se identificavam como tripulantes de Óvnis que
protegeriam a Terra de um desastre inevitável. Como tal não
aconteceu, o grupo, ao invés de admitir o engano ou, no mínimo,
suspeitar da fonte, ao contrário, acreditou ter participado de uma
experiência bem sucedida e que a Terra de fato estava salva. Este
mecanismo de defesa explica que quando o conjunto de crenças de

289
um grupo é contrariado, ele reage sobre o fato que desmente sua
crença e expectativa de modo a manter o mito vivo. Outro exemplo
de dissonância cognitiva é a Igreja Evangélica Adventista do Sétimo
Dia, fundada em meados de 1850 e fundamentada na probabilidade
de um fim de mundo vinda de mensagens canalizadas de seu
idealizador, que deveria ter ocorrido no século 19.
Como o fim do mundo não veio, e os membros da seita caíram no
ridículo, o grupo retrabalhou sua lógica de fé e continua a crer no
prenúncio do fim do mundo até hoje. Ou seja, haverá sempre a
reformulação para adequar o “previsto” e o “canalizado” vindo de
entidades espirituais ou extraterrestres, e nunca avaliada a
possibilidade de não estar acontecendo nenhuma mensagem
espiritual, divina ou não.
Decididamente, de superiores estas criaturas não têm nada.
Conclusivamente, não são nada. Não passam de fabulações de
mentes doentias próximas aos estados psicóticos, que bem ou mal
obtiveram êxito na difusão de suas ideias mundo afora. Para não se
pensar que forçamos a barra ou fomos levianos e imprudentes,
vamos a algumas situações em que, ou fomos testemunhas, ou são
relatos transmitidos por fontes absolutamente confiáveis. São Paulo,
1982, em um escritório no centro da cidade, então sede do nosso
grupo de pesquisas. Assistíamos a um filme em Super-8 de luzes
intermitentes observadas semanas antes por nós.
Essa aparição foi submetida a autoconfrontação, onde cada um
(éramos 8 na ocasião) desenhou a sua visão sem tomar
conhecimento das demais. O filme confirmava a conclusão da
investigação. Naquela sala havia cinco pessoas, sendo que apenas
um jovem casal desconhecia detalhes do avistamento e o resultado
da pesquisa. Depois de alguns minutos, a garota sentiu “algo
estranho”, fechou os olhos e disse que os seres daquela nave
estavam tentando se comunicar com ela. Se o leitor prestou atenção,
verá que seria impossível tal “contato”: a garota estava recebendo
uma comunicação telepática proveniente de um filme projetado na
parede! Entreolhamos-nos, guardamos silêncio e deixamos fluir os
acontecimentos na expectativa do que viria a seguir. Sentindo-se o
centro das atenções, a moça informou que os seres não poderiam
prosseguir com a comunicação porque algumas pessoas na sala não

290
estavam preparadas para aquele contato.
Como não seríamos coniventes com a situação, até porque
ninguém estava para brincadeiras, ao término da exibição
informamos ao casal que o filme, feito por um grupo de baloeiros da
região, mostrava a evolução de um balão que carregava uma figura e
fogos de artifício numa armação suspensa pela parte inferior
(cangalha). Era essa a conclusão da nossa investigação, e não havia
dúvidas quanto a isso. A jovem, surpresa e visivelmente
constrangida pela cena patética, saiu-se com a desculpa de que não
estava se sentindo bem, e diante do mal-estar reinante, o casal
escafedeu-se rapidamente.
Já que o assunto é “comunicação”, não podemos escapar à
oportunidade de um comentário adicional pertinente. Tomamos
conhecimento que durante o II Fórum Nacional Espírita, o músico e
astrólogo Waldemar Falcão afirmou que os animais podem se
comunicar telepaticamente com humanos. Em certa ocasião, teve a
coragem de informar a uma mulher no auditório que suas galinhas
lhe mandaram um recado: “elas gostam quando a dona lhes beija no
bico”, que ela não só acreditou como se emocionou! Comunicação
galinácea? Compatibilidade mental? Será que as penosas, cães,
gatos, papagaios e outros bichos comunicam-se “mentalmente” entre
eles e nós ainda não? Então, se Ets e galinhas se comunicam com
humanos, podemos deduzir comunicam entre si? Isto é
absolutamente inacreditável! Neste caso, o slogan da série de TV
“Arquivo X” deveria mudar para... “A verdade está lá fora... no
galinheiro”. Risos à parte, uma coisa é certa: quem age, pensa ou
defende tal prática está sujeito a não alcançar o nível das mensagens
dos seus bichinhos de estimação...
Voltando às nossas vivências pessoais, outro episódio ocorreu na
mesma época em um bar próximo ao escritório, quando
conversávamos com uma contatada bastante folclórica chamada Tita
Flores. Enquanto a conversa fluía ao sabor de um café, começamos a
fazer algumas perguntas relativas ao seu “contato”. Foi então que,
para espanto nosso, ao levantar a xícara e olhar um resto de café
derramado no pires, com o maior cinismo disse que aquilo era um
“sinal”, uma “orientação” do seu mestre para encerrar a conversa e
se retirar, pois não poderia revelar “certas coisas” a nós. E se retirou.

291
E nunca mais a vimos.Pelo menos nosso café não esfriou no balcão.
O caso seguinte ocorreu na cidade de Macaé, em 1995, relatado
por um dos colaboradores, Lúcio Manfredi. Um conhecido ufólogo
local mencionado páginas atrás, Lafayette Cyríaco, não se aventura,
sob hipótese alguma, a caminhar sozinho à noite pela cidade, pois
tem medo de ser substituído por um clone alienígena! Quem pode
lhe assegurar que já não o foi? Enquanto isso, na mesma cidade, uma
senhora garante que os Ets se comunicam com ela em código Morse
através de pigarros na sua garganta!
São casos isolados, é bem verdade, mas quantos deles com a
mesma feição idiotizante não estão ocorrendo por aí que não são do
nosso conhecimento? E assim poderíamos relatar dúzias de
episódios semelhantes, mas então este livro abandonaria sua
seriedade para se tornar uma antologia do anedotário ufológico, um
almanaque de histórias bizarras e rocambolescas jamais vistas nessa
área.
A estas ocorrências tragicômicas somam-se outras que parecem
extraídas dos mais criativos contos de ficção. Àqueles chamados de
comandantes somam-se ainda os epítetos de “tutores cósmicos”,
“confederados”, “príncipes siderais”, “irmãos das estrelas”,
“mensageiros”, tornando tudo mais indigesto quando são nomeados
“mestres ascencionados” e coisas do gênero. O teatro ufológico é
abundante em encenar peças deste gênero e o encantamento que
provoca não é pouco. Não é preciso ser psicólogo para deduzir em
que isso deságua – adoração, conversão, uma verdadeira
santificação. Lembre-se do “Salmo 23”: o Et é meu pastor e nada me
faltará.
A comparação procede não porque todos os contatos se
transformem numa espécie de religião, mas porque o contatado não
quer se distanciar do contactante, criando uma dependência quase
carnal, uma fé inquebrantável e uma aceitação tácita dessa
submissão religiosa no seu sentido mais estrito. A declaração de
Jung é a pá de cal: Em todos os meus pacientes, em mais de trinta e
cinco anos de prática, não há nenhum cujo problema não fosse o da
religação religiosa.
Excetuando-se os muitos casos de fraude, é óbvio que a
testemunha acredita em sua experiência e, mais importante ainda,

292
considera-a muito significativa. Definir algo como significativo
implica na existência de um significado, o que nos leva a perguntar:
o que significa a experiência ufológica para essas testemunhas? Pelo
que pudemos depreender até agora, trata-se de uma experiência
religiosa. Vejamos o que o padre jesuíta Fernando Bastos de Ávila
tem a dizer sobre o sentido subjetivo da religião que, analisado mais
detidamente, aparece contendo três elementos:
1) O reconhecimento da crença natural da existência de um
poder, ou poderes, que nos transcendem.
2) O sentimento de dependência com relação a ele.
3) Entrar em qualquer forma de contato ou de relação com ele.
Este “entrar em contato” constitui aquele sentido subjetivo da
religião.

Todos, sobretudo o último, estão presentes nas experiências


religio... perdão, ufológicas. Na verdade, a busca de um encontro
com seres superiores é a quintessência da Ufologia hoje, pouco
importando se chamamos de deuses ou astronautas, espíritos ou
extraterrestres, comandantes ou mestres. Para alguns, o contato se
dará a qualquer momento e o capítulo a seguir demonstra de maneira
irrefutável esse comportamento. Não bastasse isso para configurar o
contato como uma experiência religiosa, a própria etimologia de
“religião” poderá servir de apoio, já que existem duas versões para
explicá-las, pertinentes e complementares.
Para os filólogos, a palavra viria de re legere, significando reler,
reaprender, a observação cuidadosa e a consideração de certos
fatores transcendentes e incontroláveis. Já para os autores clássicos e
doutores da Igreja, a origem da palavra seria religio, que poderíamos
traduzir mais ou menos livremente como “contato imediato” –
religar, reunir.
No que concerne à Ufologia, a observação cuidadosa compete à
testemunha, cabendo ao ufólogo a tarefa de considerar o contato. O
primeiro passo para um estudo correto é o necessário
reconhecimento da natureza do que se está estudando. Por outro
lado, as experiências religiosas em geral constituem uma moeda de
dupla face. Enquanto instância psicológica, a religião é um fator de
equilíbrio psíquico, mantendo a consciência permanentemente
relacionada com suas raízes. Ao se afastar dessas raízes, ela se torna
293
fatalmente dogmática. Quanto mais dogmática, mais força as
pessoas a acreditarem em meia dúzia de pressupostos que são
determinados pelas autoridades eclesiásticas – ou por quem quer que
lhes faça as vezes nas formas não-institucionalizadas de culto. Sem
falarmos na exploração do instinto religioso para o lucro de umas
quantas pessoas que manipulam a sede humana pela transcendência,
outra armadilha fatal.
Em maior ou menor grau, todos esses aspectos evidenciam-se na
estrutura criada ao redor do contato. Por esse motivo, descartada a
questão de uma quimérica verdade objetiva, mais do que tudo cabe
ao ufólogo conscientizar as pessoas envolvidas nessa estrutura tanto
de seus aspectos positivos quanto, principalmente, dos negativos.
Mas não é o que acontece também aqui, infelizmente. Grande parte
das vezes, o ufólogo é o primeiro a adotar tal comportamento –
digamos – messiânico. A versão ufológica dessas crenças alastra-se
perigosamente. Acredita-se mesmo que uma frota de discos voadores
descerá para salvar os escolhidos quando o Juízo Final chegar. Ou
que, se eclodir uma guerra nuclear, os extraterrestres irão intervir
para abortar o Armagedon, o que dá no mesmo.
Foi exatamente a respeito do fenômeno Óvni que Jung traçou
uma profunda análise a respeito de nossa crescente perda de
individualidade. Descaracterizado e cada vez mais nivelado por
baixo ao homem médio das estatísticas, o ser humano apresenta uma
tendência cada vez maior a pensar em si mesmo como uma entidade
anônima. Ao invés de procurar viver, o ideal é apenas sobreviver
dentro de uma organização coletiva mais ou menos abstrata – o
trabalho, a escola, o Estado. Pois Jung foi o primeiro a ver no
fenômeno Óvni os sinais de uma reação contra essa forma
massificada de existência. A pessoa que passa por uma experiência
ufológica é distinguida dessa massa amorfa. Ela foi escolhida pelos
“poderes do alto” para o contato, por isso, pensa em si mesma como
sendo especial, diferente, mesmo que esse pensamento não seja
formulado conscientemente.
Nenhuma análise social científica nem qualquer outro enfoque
externo dissolvem o âmago da autêntica crença e o
comprometimento com a fé. Todavia, o destaque excessivo ao
misticismo tira a experiência de sua realidade, ao passo que a ênfase

294
de menos elimina o senso de mistério que gera a fé. Como fórmula
de pensamento, o raciocínio científico contrasta radicalmente com o
experimento transcendental. Enquanto o primeiro está sempre
sujeito à dúvida e à crítica, o segundo se oia na fé e na devoção – e é
justamente essa inflexibilidade que resulta na decadência da religião.
Por que a ideia de uma convulsão e consequente salvação da
espécie adquire tamanha importância? Além do aspecto “salvador”
que o fenômeno traz implícito, existe outro fator não menos
importante que poderíamos chamar de transferência de imagem, a
transposição que o homem faz de sua força ausente para alguém – os
ídolos de todos os tempos. Aqui, porém, a palavra ídolo assume uma
interpretação diferente: sua etimologia deriva do grego eydolón –
imagem, reflexo. Aquilo que o ser humano não possui consciente
dentro de seu quadro de qualidades é transportado para seu
semelhante dotado de poderes supranaturais, ainda que possua uma
fresta vulnerável.
É aí que surge a figura do extraterrestre, um verdadeiro
“semideus”: proveniente das alturas, superdotado, imediatamente
identificado como de um estágio evolutivo superior, um “emissário
dos deuses”, talvez até a personificação de um deles. O professor
Hermann Usener, já citado, separa o desenvolvimento das figuras
divinas em três estágios distintos, que encontram eco na Ufologia. É
necessário revermos essa classificação, mesmo já comentada, porque
sua aplicação aqui é indispensável:

1) Deuses momentâneos – a impressão transcendente


criada pela confrontação do homem com um fenômeno
singular. Equivalente aos avistamentos de discos
voadores e todo o amplo gradiente de respostas
emocionais que provocam, desde a mais glacial
indiferença às reações marcadamente histéricas.

2) Deuses especiais – em que se atribui um predicado às


divindades e elas deixam de ser efêmeras para se
relacionarem a determinada esfera fenomenológica.
Para a Ufologia, são seres que vieram para apropriar-se
da Terra ou nos salvar do Apocalipse – conquistadores

295
ou salvadores.

3) Deuses pessoais (o mais elevado, para Usener) – a


configuração dos “deuses pessoais”, nomeados e, de
certa forma, extrapolando seu âmbito particular para
ganhar uma identidade e um caráter individual. Aqui os
seres se transformam neste ou naquele ufonauta
específico, com personalidade e nome, seja Karran ou
Ashtar Sheran, Cramish ou Aura Rhanes. Ou Jesus.

Nesta última classificação, o contato interior é restabelecido


e o caldo ideológico das grandes religiões, cultos e Filosofias assume
um papel vivo e muito próximo do homem, que não quer perder essa
oportunidade única de se destacar e encontrar a sua identidade
faltante.
Para reforçar essa ideia, uma pesquisa levada anos atrás
pelos autores entre pessoas que acompanham o assunto, leigas ou
não, revelou dados interessantes: para 87% dos entrevistados, o
avistamento é importante; 71% indagariam sobre suas origens e 29%
tentariam o contato; se lhes fosse dado fazer um pedido com a
certeza de que seria atendido, 33% pediriam pela paz no mundo,
26% desejariam um auxílio pessoal – acertar na loteria, adquirir dons
paranormais, ter o poder da cura – enquanto o restante 41% faria
pedidos diversos. Por certo não pretendemos que essa pequena
amostra seja representativa da sociedade de um modo geral, mas
permite uma avaliação razoavelmente aproximada da realidade.
Há, inequivocamente, uma necessidade de contato e a questão da
proveniência deixa entrever a busca de vínculos com nossas origens:

Se estes seres são tão semelhantes a nós, oriundos de algum lugar do


espaço e estamos mantendo um contato, torna-se bastante possível que
eu tenha alguma ligação – talvez seja até um deles e tenha minha
verdadeira morada entre eles.

Na Espanha, à época dessa pesquisa, os pesquisadores Felix Ares


de Blas e Maria del Carmen Garmendía levaram a termo um trabalho
semelhante, chegando à conclusão de que quanto mais se acredita no
fenômeno Óvni e temas correlatos, menos se aceitam as formas
296
tradicionais de religião, porque o disco voador substitui tais crenças.
Para o grande público entrevistado pelos autores espanhóis, os Óvnis
são tripulados por seres protetores que aqui se encontram como
sentinelas de nossos atos mais insanos, prontos a intervir no caso do
derradeiro colapso.
Para o pesquisador Jacques Vallée, o que o impressiona nestes
casos é que as testemunhas descrevem uma mudança fundamental do
seu juízo sobre um grande número de problemas, entre eles as
noções sobre vida e morte. Para alguns, a observação é tão
impressionante que acabam pondo em xeque todas as reflexões sobre
a sua própria existência.
De fato, as pessoas que necessitam acreditar no caráter
messiânico dos Óvnis podem, num efeito bumerangue, ficar afetadas
por esse fenômeno e recriá-lo dentro de um contexto ainda mais
difícil de ser analisado. Basta lembrarmos da seita americana
“Heaven´s Gate” (Portão do Paraíso), surgida em 1975 nas ideias de
Marshall Applewhite e Bonnie Nettles, cujos membros,
considerando-se enviados do “Nível Superior ao Humano”,
praticaram o suicídio coletivo acreditando que uma nave estelar os
aguardava na cauda do cometa Hale-Bopp para resgatá-los e
conduzi-los à “vida eterna”.
Com algumas variações dessa estrutura está a seita brasileira
Universo em Desencanto - a Cultura Racional, outra espécie de
lavagem cerebral surgida em meados da década de 30, que ganhou
popularidade entre os anos 70 e 80 quando vários artistas a
abraçaram e ajudaram a divulgar. Muitos se arrependeram depois.
Neste caso, não foi um sensitivo ou contatado a fundar tal seita, mas
um “habitante do mundo racional em missão na Terra” (sic) -
Manoel Jacintho Coelho.
A quantidade de disparates que tem sido divulgada por essa
congregação em palestras, livros e boletins é de visível estultice.
Muitas outras facções estão espalhadas pelo mundo, aliciando
incautos fiéis com promessas inexequíveis através de algum
pseudolíder carismático e mentalmente perturbado. Para encerrar,
mais um caso tupiniquim nos mesmos moldes, o Movimento das
Borboletas Azuis, fundado por Roldão Mangueira, um comerciante
emergente nos anos 70 em Campina Grande, Paraíba. Ele previu que

297
em 13 de maio de 1980 um dilúvio poria fim à vida na Terra. Como
o sertão não virou mar, os decepcionados partidários borboletianos
bateram asas montanha abaixo reescrevendo a agenda. Ambos
faliram, movimento e comerciante.
Esse é um ponto delicadíssimo que não pertence exclusivamente
à esfera da Ufologia – trata-se de um componente social dos mais
complexos e terríveis: a incorporação de um pensamento individual
por uma consciência coletiva, desencadeando um comportamento
epidêmico padronizado. Todo integrante, membro ou partidário de
um grupo, clube, seita, partido, associação, confraria ou coisa do
gênero absorve todo o universo doutrinário do qual faz parte, e tanto
mais influência recebe quanto mais se identifica com a instituição.
Há inúmeros estudos a esse respeito, de longa data. Se uma gang de
jovens resolve praticar atos de vandalismo e desordem, até o mais
“santo” do grupo se vê na obrigação de corresponder às expectativas
do bando mesmo que depois, arrependido, se afaste dele.
Quantas vezes não presenciamos brigas generalizadas entre
jogadores de futebol que minutos antes externavam fraterna
amizade? No momento do confronto, distribuir sopapos e pontapés é
o que se espera dos companheiros em defesa das cores do time.
Foram exemplos extremos, propositais, porque são os que melhor
refletem uma ação individual a partir de uma ideia coletiva.
Mas poderíamos falar também do Hare Krishna, dos muçulmanos
ou dos judeus ortodoxos, que adotam um comportamento sacerdotal
fiel aos seus cânones, desde o vestuário, à fala, aos rituais, ao
comportamento e à obediência às leis internas, ou ainda, mudando
de direção, as manifestações populares contra um governo em atos
de protesto, arruaça e depredação, onde o outrora pacato cidadão se
vê no meio do tumulto atirando paus e pedras, instigado pela
multidão ensandecida à sua volta.
Tais estudos chegaram a duas conclusões preocupantes: a
primeira é que os indivíduos perdem a capacidade de realizar
julgamentos intelectuais e morais quando estão em grupo. A outra é
que as pessoas têm um impulso inevitável de agir de modo tirânico

298
quando se reúnem coletivamente e detêm poder172. Aqui nos parece
relevante sugerir ao leitor que reveja o item 3 apresentado pelo
professor Alberto Oliva, à página 27. Naturalmente, há a outra face
da moeda: se de um lado existe a banalidade do mal como nos
exemplos da gang e dos jogadores, e poderíamos mencionar dúzias
de exemplos, de outro há aspectos positivos quando indivíduos
compartilham a mesma identidade com propósitos mais elevados.
O que se discute aqui são os meios, não os fins. É importante
atentar que este comportamento não tem raízes unicamente
psicológicas, é também uma questão fisiológica. Uma das
descobertas mais importantes em neurociências nos últimos tempos
revelou a existência dos chamados “neurônios-espelho”,
responsáveis por reproduzirmos ações semelhantes no momento em
que observamos alguém executando-as, não se restringindo apenas a
atos ou gestos, mas a pensamentos e comportamento geral de um
dado grupo.
Localizados em regiões vinculadas principalmente à percepção e
movimentação, esse mecanismo talvez possa explicar como
aprendemos a sorrir, dançar, praticar esportes ou copiar reações
coletivas a partir de uma primeira observação. Essa postura se
observa mais comumente em crianças, mas tem reflexos também
entre adultos. Esses estudos não são recentes, é bem verdade, mas
ganharam novas perspectivas com o avanço das neurociências.
Alargando o foco dessa descoberta, é possível então entender
algumas atitudes, já que as pesquisas na Holanda, Itália, França,
Estados Unidos e outros países estão aos poucos desvendando os
mistérios que envolvem nossas emoções, humores, prazeres e
reações. Entretanto, o que queremos enfatizar é que, independente da
direção tomada pelo grupo – e essa também é outra das conclusões
daqueles estudos – as pessoas não perdem a capacidade de fazer
julgamentos, mas a base de suas decisões de desloca de suas noções
individuais para as crenças coletivamente estabelecidas (grifo
nosso)173.
Existe, portanto, inequivocamente, um padrão comportamental
172
Haslam, S. A.; e Reicher, S. D.; On the agency of individuals and groups: lessons from the
BBC prison study. P. 237-276. in Individuality and the Group. Advances in social
identity. Postmes, T.; Jetten, J. 2006
173
Idem.
299
que reflete normas e valores daquele grupo. O leitor certamente
percebeu que esta digressão foi necessária, simplificada ao máximo
por se tratar de um assunto extenso e complexo que foge ao escopo
mais profundo dessa análise. Serviu apenas para demonstrar o perfil
paradigmático dos ufólogos e testemunhas na condução de suas
ideologias.
Quando se fala em seitas, costumam surgir divergências sobre
quem é testemunha, contatado, canalizador ou sensitivo, então
precisamos apontar as diferenças pelo menos entre testemunha e
contatado (sensitivo será discutido à parte) a partir de um estudo
feito pelo pesquisador francês Henry Durrant, com algumas
adaptações nossas:

1) Para a testemunha, sua experiência é casual, dominada pelo


fator surpresa; sua visualização é independente e objetiva. Já o
contatado atende um “chamado”, uma intuição, um apelo de
origem indeterminada, portanto, causal.

2) A testemunha pode ou não ser confirmada por outras e


apresentar vestígios físicos. O contatado quase nunca dispõe
de qualquer tipo de comprovação. A ligação, o encontro, é
pessoal e intransferível.

3) A testemunha declara um comportamento frio e indistinto do


alienígena; o contatado deve transmitir à humanidade uma
mensagem de advertência, geralmente uma exortação à
filantropia e fraternidade universal, porque ele foi “escolhido”
para essa “sublime” missão.

4) A testemunha não se mostra muito propensa a divulgar sua


experiência, temendo o ridículo e eventuais ônus sócio-
profissionais, assumindo uma postura mais reservada. Por sua
vez, o contatado não tem limites, reúne adeptos, funda seitas e
grupos, publica livros, ministra conferências para grandes
plateias, faz a apologia da superioridade das raças cósmicas e
fomenta a esperança da salvação.

5) A testemunha geralmente descreve os seres com uma única


300
morfologia: baixos, cabeça desproporcional, indumentária
espacial, emblemas e uma comunicação nem sempre
compreensível. O contatado também o faz, mas com uma
tipologia toda especial: aspecto angelical, carismáticos, altos,
belos e loiros, beleza física incomum, olhar penetrante,
atitudes e mensagens de cunho messiânico.

6) A testemunha relata medo em algumas ocasiões; traumas,


choques e sensações desagradáveis são registradas. O
contatado exalta a beleza do contato, qualificando-o de
maravilhoso e inenarrável em termos humanos.

Naturalmente, essa classificação é meramente didática, pois, na


prática, encontramos exemplos justapostos – testemunhas podem ser
contatadas e vice-versa. Grosso modo, uma é coadjuvante, a outra é
o centro das manifestações. Para o pesquisador português Joaquim
Fernandes, isso significa a continuidade do pensamento mítico na
sociedade tecnológica e científica, na cultura urbana e globalizante
dos nossos dias, que traduz uma ligação visceral a elementos
arcaicos recuperados pelo cristianismo e demais religiões. Segundo
ele, os ensaios de interpretação científica destes fatos marcam novas
etapas no reconhecimento do quadro geral do chamado
“maravilhoso”, que traduz os traços básicos até hoje inalteráveis: o
onírico, a imaginação, a fábula, lado a lado com o espanto, medo,
pânico e angústia ante o desconhecido. No curso da história, esse
maravilhoso amoldou-se às tendências culturais, éticas e sociais em
cada tempo. A cientificação que identificou o século 20 e avança
pelo atual não representa sua dessacralização, ao contrário, a
ressacralização.

301
A árvore de dourados frutos

Erra tanto quem duvida demais,


como que acredita em excesso.

Diderot

No próprio mundo da ciência, nos chamados meios acadêmicos,


quando alguém anuncia uma descoberta ou enuncia uma nova teoria,
é comum que a comoção tome conta de todos. Imagine então quando
em nossas paragens cheias de incertezas, devaneios e fantasias, nas
chamadas “ciências paralelas”, alguém afirma que as respostas tão
longínquas estão agora às nossas portas. Discussões acirradas e uma
verdadeira guerra de ordem intelectual apenas mantêm acesas as
chamas do bom conhecimento, e têm contribuído para que as
ciências proporcionem às pessoas suas inúmeras utilidades. Somente
o mal informado não admite a discussão, a crítica e a atuação do
oponente. Este comportamento equivocado é típico de áreas do
conhecimento descomprometidas com o método, afastadas do
mínimo de racionalidade.

Era uma vez um reino onde as pessoas possuíam pouco alimento.


Não que a terra fosse improdutiva ou não houvesse possibilidade de
se encontrar novas fontes, mas apenas porque costumeiramente os
habitantes de lá consumiam sempre as mesmas coisas. Um belo dia,
surgiu uma árvore carregada de frutos dourados e chamativos, cuja
aparência suculenta levou os esfomeados habitantes do reino a
salivarem.

Sejamos mais claros. Alguns jargões, repetidos à exaustão por


místicos e supostos sábios magos iniciados e “espiritualistas”, giram
em torno de: “as pessoas têm de ver todos os lados”; “os estudiosos
não podem se fechar a outras linhas”; “temos de ter a mente aberta”;
“o verdadeiro buscador é aquele que não considera apenas a ciência
como caminho que leva à realidade”; “a Ufologia precisa ser

302
holística”; “na Ufologia não há duas facções, Ufologia é uma só
Ufologia”, e tantas outras considerações semelhantes.
Contudo, ainda que engajados firmemente neste tema há décadas,
não hesitamos agora vir a público estimulados por pensadores como
Richard Dawkins, que estão pregando a urgente reação dos homens
de linha racionalista e pragmática [o escritor e pesquisador fala do
meio acadêmico científico] contra o avanço incontido de
superstições e posturas marcadamente crédulas. O fato inegável é
que, se a verdade nunca é completamente atingida pelo homem, e
isto permite que diversas linhas de pensamento sejam consideradas,
a Ufologia brasileira, e do resto do mundo, está irremediavelmente
tomada pelo interesse exacerbado no misticismo e no sobrenatural,
por parte de um público sedento apenas de suposições e
especulações recheadas de estranheza e divagações fantásticas.
Então, se esse for o raciocínio predominante – e tudo indica que
sim – que sejamos pois considerados “não evoluídos”, que nos
julguem “radicais”, ainda que fosse melhor saberem o sentido mais
correto, denotativo, de tal termo. Que sejamos taxados de “cegos” e
“despreparados”. Não nos interessam, quaisquer que sejam as
afirmações, crenças, pensamentos, casos, pessoas, suposições,
hipóteses, trabalhos, artigos, livros, sites, congressos, reuniões,
cursos e práticas que relacionem propalados aspectos místicos,
ocultistas, “transcendentais” e/ou religiosos com a Ufologia. É nossa
palavra final. Se alguns acharem por bem certificarem de vez que,
com esta postura, definitivamente não somos, nem de longe,
“iluminados”, agradecemos sensibilizados. Não somos mesmo.
Preferimos buscar adquirir luz própria, ainda que aos trancos e
barrancos, aprendendo com os homens de pensamento útil.
Os olhos brilhavam de encantamento, admirando a beleza que
aqueles frutos dourados invocavam em seus inconscientes.
Agarrados à expectativa de receber um alimento rico e saboroso, não
ouviam os que, à sua volta, preveniam contra o perigo que os frutos
representavam. Ninguém sabia de onde tinham vindo e do que eram
feitos!

Já há alguns meses nossas observações em torno da relação entre


Ufologia e espiritismo – que alguns insistem por estabelecer –
303
estavam prontas. Como foi dado notar ao leitor, tínhamos escolhido
o artigo publicado na revista UFO no 103, sob o pseudônimo do
escritor, médium e autoproclamado reencarnação de Kardec, Jan Val
Ellam. Para nossa surpresa, e curioso estarrecimento, um e-mail do
editor dessa revista nos chegou às caixas postais, distribuído que fora
para milhares de pessoas. Nele, anunciava-se para Setembro de 2006
a edição no 126, em que sairia publicada uma extensa entrevista com
ninguém menos que Val Ellam ...uma bomba de proporções poucas
vezes vistas na Ufologia Brasileira e Mundial. Se é que algum dia
houve algo assim! foi a manchete por si só “bombástica”.
Este algo assim era a afirmação de que em pouco tempo haveria
“o contato”: muito menos [tempo] do que os mais otimistas
imaginam, segundo o “espiritualista” Val Ellam! De acordo com as
“mensagens” que andou recebendo, entre novembro de 2006 e abril
de 2007 dar-se-ia o tão ansiosamente aguardado encontro com
inteligências alienígenas, quando centenas de naves se aproximariam
da Terra para uma grande, incontestável e inequívoca (sic)
manifestação, tendo Jesus em destaque como autêntica autoridade
celeste em seu apoteótico regresso.
Centenas de naves, frise-se. Com Jesus à frente, frise-se
novamente. Céticos e crédulos, pesquisadores e curiosos, populares e
autoridades, anônimos e celebridades, qualquer um pode-se sentir
totalmente à vontade para afirmar que nenhum outro acontecimento
teria sido nem será tão importante e impactante, esperado a qualquer
momento. Se consultarmos o histórico, esse “a qualquer momento”
se protela há décadas. Uma vez que tais declarações se tornaram
públicas, sua responsabilidade extrapolou limites e nos obrigou
redigir este tópico não programado.

Completamente tomados pela sedução que brotava de suas almas,


pelas promessas contidas naquele alimento, atiraram-se a ele,
devorando, enlouquecidos, a casca dourada, a polpa macia, o doce
sumo. Durante algum tempo, sentiram-se felizes e saciados, toda a
sua fome havia sumido! Mas então, algo começou a acontecer.

Por precaução, prevendo estardalhaço quanto ao teor deste


capítulo e, por extensão, à obra como um todo, fizemos questão de
documentar publicamente nossa posição antes dos fatos preditos
304
para não deixar quaisquer dúvidas quanto à integridade e
transparência desse gesto. Ainda assim, as críticas que chegaram ao
nosso conhecimento mostraram falta de atenção na leitura e
entendimento do texto.
O documento na íntegra está no corpo deste capítulo, ajustado
minimamente apenas para manter a uniformidade da linguagem.
Como seguramente os presságios nos termos expressos por Val
Ellam não iriam se concretizar – e não se concretizaram – não
poderíamos ser acusados de termos preparado este capítulo de
maneira leviana e oportunista – após as datas aprazadas.
Não pretendemos difamar, execrar em praça pública ou afiar a
guilhotina na jugular do responsável por tais previsões, porém,
basear-se apenas e tão somente em mensagens de caráter mediúnico
anunciando a volta de Jesus e a chegada de um batalhão de naves
para tentar evitar nosso autoextermínio é jogar pelo vaso nosso
esforço em conquistar um mínimo de credibilidade para o assunto.
Uma brincadeira de muito mau gosto. Não sabemos se foi irrestrita e
cega confiança em seus informantes galáticos ou se imprudente
coragem na potência máxima. Provavelmente ambos, acrescida de
virginal credulidade.
Sabe-se que “ouvir vozes” pode, em tese, dependendo de
aguçados exames médicos, significar sintomas de uma
psicopatologia mais séria, mas isso é assunto para psiquiatras e
psicoterapeutas:

(...) afinal, uma pessoa saudável pode confiar que seus pensamentos e
intenções – construídos com base no que conhece do mundo – são
produtos realmente seus. Mas não é isso que experimenta, por exemplo,
alguém com esquizofrenia. O esquizofrênico julga que seus
pensamentos são um produto estranho a ele próprio e os considera,
muitas vezes, como ´vozes´ vindas de fora.174

Convém ressaltar duas coisas: a esquizofrenia engloba um vasto


campo de experiências e não é sinônimo de loucura; o
esquizofrênico mantém intacta sua consciência e capacidade
intelectual, apesar de ser uma doença da personalidade que afeta a
174
Vogeley, K., Newen, A.; Mirror Neurons and the Evolution of Brain and Language. John
Benjamins Publ. Co, 2002.
305
zona central do eu e altera toda a estrutura vivencial.
O esquizofrênico pode ser acometido de delírios – crença em
ideias falsas ou irracionais, em geral temas de perseguição, grandeza
ou místicos; e alucinações – percepção de estímulos inexistentes
como ouvir vozes ou pensamentos, enxergar pessoas ou vultos, além
de outros sintomas. Imagine o que aconteceria se as pessoas
resolvessem sair por aí fazendo ou falando coisas e depois alegassem
que apenas “seguiam ordens das vozes”? Isso tem nome e
sobrenome, impublicáveis.
Val Ellam declarou compromisso unicamente com sua
consciência, mas se esqueceu do mundo à sua volta, ignorando que o
“pós-contato”, em não acontecendo, traria irremediáveis prejuízos
para o tema, como, aliás, trouxe. Assim agindo, colocou-se acima da
Ufologia, como se a mesma existisse em função dele, e não o
contrário. Ellam não foi inédito ao anunciar sua previsão de caráter
nitidamente escatológico.175 Quando o e-mail que informa aos
leitores da revista terminou com uma emocionada expressão sobre o
ineditismo da previsão, antecipou tanta confiança nela, bem como no
fato previsto, que parece desconhecer as inúmeras vezes em que
pessoas, de todas as partes e em diversas ocasiões, reivindicaram o
privilégio de tal prodígio: Se é que algum dia houve algo assim. Em
notícias posteriores distribuídas pela internet, o mesmo editorial
comenta sobre sua importância. Justifica que, segundo seus próprios
termos, há ...picaretas aos montes, na Ufologia Mundial e na
Brasileira, em projetos e seitas de todos os tipos, fazendo esse tipo
de afirmação e não oferecendo nada de apoio a elas.
Portanto, qualquer comentário sobre o ineditismo da previsão
ficaria superado. Além disso, Ellam também não ofereceu nenhum
apoio à suas declarações. O se é que algum dia houve algo assim
está respondido pela própria publicação. O que também nos permite
evitar relacionar as incontáveis vezes em que supostos videntes, em
várias áreas e momentos, anunciaram a revelação pública do eterno
mistério dos discos voadores e a aparição de gigantescas naves, bem
como proclamaram a volta de Jesus e/ou outros eventos não menos
explosivos. Leia-se também o filme Independence Day, a série
televisiva “V – A batalha final”, o clássico do cinema O Dia em que
175
Escatologia – teorias relativas ao fim do mundo e do homem, lato sensu.
306
a Terra Parou e muitos outros.
Nunca quis nem quero aparecer, e trabalho para divulgar
informações que recebo por julgá-las importantes para muitas
pessoas. Teve ele noção do que significou essa sua altruística
atitude? Pois o fã-clube incensou-o com os mais efusivos elogios
enaltecendo sua coragem, seguindo-se uma carreata de e-mails e
cartas com uma diarreia verbal interminável.
Só faltou acompanhá-lo estrada afora no melhor estilo
Forrest Gump... Agora, o que comecei a receber desde março
passado tem sido tão pesado e tão contundente que precisarei
revelar a tantos quantos queiram me ouvir. Estou lidando com fatos
e não com questões produzidas somente por fenomenologia
mediúnica.176 Não deixou claro a quais “fatos” se referia, mas
admitiu a manifestação mediúnica na qual apostou a sua reputação.
Ou “patrimônio moral”, conforme lhe conferiu a revista. Não custa
ao leitor reler o trecho sobre a jornada do herói, onde a presente
análise encontra correspondência. É um evento típico, e nas palavras
de Campbell, essa tipicidade atinge seu clímax:

Moisés vai à montanha e de lá retorna com as leis para a formação de


uma nova sociedade; escolhe seus discípulos para ajudar a estabelecer
uma nova consciência em função do que descobrira (ou fora instruído
pela “voz”).

Qualquer semelhança não será mera coincidência: Ellam


teve o “contato”, uma “voz” lhe ditou as regras, a missão de erigir
uma nova sociedade – Projeto Orbum – e angariar adeptos
...precisarei revelar a tantos quantos queiram me ouvir... ainda que
esta última ação seja até negada ...não pretendo convencer alguém
de coisa alguma e não tenho seguidores. É o enredo clássico das
sagas heróicas e dos mitos religiosos, em todas as suas etapas, com
pouca ou nenhuma variação.
Primeiro, foi o comportamento que se alterou. Passaram a ver aqueles
que recuavam à sedução dos frutos como pessoas obtusas e frias, cujas
opiniões advinham do fato de não se deixarem levar pelos apelos da

176
Declarações contidas no site www.ufo.com.br, prévias relativas à edição UFO 126, de
setembro de 2006.
307
alma, não ouvirem seus corações. Passaram a se reunir em grupos onde
discutiam as benesses dos frutos, de que forma haviam se tornado
pessoas melhores, mais brilhantes, mais sábias, apenas porque se
alimentavam daquelas maravilhas.

Resta-nos partir para as duas principais premissas do editorial,


que favoreceriam a possibilidade do evento vir mesmo a acontecer.
Primeiro, o que teria sido oferecido pelo vidente em apoio a ela.
Depois, a credibilidade da fonte, vale dizer, o peso de a previsão ter
partido de quem partiu. Conforme o editorial, este tem
reconhecidamente um dos discursos mais consistentes a oferecer
sobre Ufologia e espiritualidade. É a sua subjetividade e seus
“métodos” estritamente pessoais. Tanto o editorial quanto todos os
ditos do autor da previsão versam sobre essa consistência em torno
dos seus canais espirituais e ufológicos, que lhe dão as informações
sobre os divulgados acontecimentos.
Os canais espirituais, sem embargo, são as comunicações com
entidades ou espíritos, e as tais vias ufológicas ficaram na retórica
ingênua: o que é chamado de ufológico são os mesmos canais,
nitidamente mencionados como se o vidente contatasse entidades de
outros planetas, mental ou espiritualmente. Em nível de valor, não há
a mínima diferença, nem entre tal comportamento e os modos de
atuação de quaisquer místicos ou religiosos que fazem, fizeram ou
farão futuras previsões.
O circo voltou a pegar fogo, ora se não. Semelhantes
episódios de contato próximo no melhor estilo Jesus está voltando já
foram outrora anunciados por personagens igualmente idôneos, com
formação profissional e pessoal acima de qualquer suspeita, ao lado
de outros com folha corrida um tanto duvidosa. Deu no que deu, ou
melhor, nada aconteceu – nem o mundo acabou nem Ets invadiram a
Terra. Agora não foi diferente, foi pior, pois o anúncio, acrescido de
que o Filho do Homem virá na comissão de frente, veio nas páginas
da única publicação brasileira sobre o assunto, a revista UFO, e isso
tornou o picadeiro ainda mais volátil, o mesmo que encharcar a lona
com gasolina.
A revista alegou que “não toma partido nem positiva nem
negativamente” numa neutralidade conveniente, entretanto, não
adianta se esquivar alegando uma aparente isenção, porque a
308
veiculação de uma notícia desse porte em nível nacional, com o
destaque que foi dado, implica assumir integralmente a
corresponsabilidade pela repercussão advinda do fato. Reforçando:
corresponsabilidade pela repercussão, e não pela declaração, bom
que se diga.
No que diz respeito à credibilidade, não é difícil comentar. Se
credibilidade for restrita aos conceitos de honestidade e sinceridade,
não temos a menor dúvida, nem poderíamos ter, de que o Sr. Val
Ellam tem total credibilidade. Mas o “x” do problema é outro. É o
maior veículo de comunicação ufológica do mundo, a revista
brasileira sob exame, achar que credibilidade seja restrita à boa
índole da pessoa. Esbarrou mas distanciou. Ou se apresenta alguma
consistência, quem sabe ao menos uma breve evidência que respalde
este desgastado e nada inédito tipo de previsão, sem que se exiba
exclusivamente subjetividade e crença, ou não haverá credibilidade
alguma.
Ao longo da entrevista, Val Ellam afirmou que o encontro seria
antecedido por uma devastação no Oriente Médio, com a explosão
de “uma ou duas” bombas nucleares ou químicas, ou biológicas,
com data marcada: 4 de outubro. Só essa notícia já seria suficiente
para colocar seu autor em regime de vigilância permanente pelas
agências internacionais de segurança. Duvidamos que tenha estado,
não porque soubesse de alguma coisa, mas porque “lhe disseram”
que assim seria. Corrigindo: o entrevistado alegava que as bombas
poderiam ou não explodir. Ou seja, se acontecesse, estava previsto,
portanto não haveria surpresa, caso contrário, perguntamos: seria por
obra e graça das entidades superiores que mudaram de ideia em cima
da hora? Ou pela “incapacidade do canal” (sic) de não apreender a
informação em todo o seu significado? Ora, assim fica fácil fazer
previsões – o contato pode ou não acontecer... o candidato pode ou
não se eleger... amanhã pode ou não chover...
Aquele fruto maravilhoso, cuja aparência sedutora, gosto maravilhoso e
polpa carnuda os fascinavam, mostrou finalmente o que era. Jazia em
sua essência um veneno de ação lenta, que aos poucos atingiu com
violência àqueles que alimentava. Alguns morreram, muitos perderam a
capacidade de raciocinar, a maioria enlouqueceu.

309
Eles, seus irmãos cósmicos, também lhe informaram que não
poderiam interferir em nosso livre-arbítrio, mas iriam tentar
influenciar as pessoas envolvidas no processo para evitar a
catástrofe. Como assim, eles não viriam depois das explosões? Por
que não antes? Não têm como saber antecipadamente o que vem por
aí? Iriam tentar corrigir o estrago, e depois de vê-lo consumado,
assistir a carnificina de camarote? Obrigado, mas não precisamos de
plateia para isso. As nossas perguntas se perdem em meio ao festival
de incoerência, disparates e “furos” nestas alegadas mensagens,
razão pela qual não vamos dissecar a matéria por inteiro. As tintas da
entrevista carregadas de falsa modéstia entregam uma fé absoluta
nas previsões, mas deixam uma providencial saída de emergência
caso não se concretizem: se estiver enganado, pagarei o preço dos
meus erros, o peso do desprezo alheio.
Enganar-se em relação a quê, exatamente? Ao conteúdo das
mensagens ou à fonte de informações? Pelo que se entende, ele
aposta todas as suas fichas em ambas as possibilidades, então, onde
estaria o engano? É como se dissesse: “Se nada disso acontecer a
culpa é deles, não minha, eu só fui o estafeta que não entendeu o
recado”. A se pensar dessa forma, não vamos culpar o motorista
embriagado que atropela pedestres na calçada. Culpemos o
fabricante da bebida.
Só faltou dizer que apenas os “preparados espiritualmente”
poderiam contemplar esse momento. Nesse caso, quem é preparado
espiritualmente para o quê? Nada aconteceu porque “forças ocultas”
impediram, mais uma vez, que a humanidade tomasse conhecimento
da volta do Messias ou de um Ashtar Sheran qualquer da vida? Ou
porque “ainda não estávamos prontos” para um encontro dessa
magnitude? Não foi a previsão que nos espantou. Espantou-nos o
espanto demonstrado no editorial, como fator de grande importância
para este nosso trabalho, que é estabelecer uma visão sobre o
comportamento dos que fazem e representam a Ufologia.
O seu caráter sensacionalista de alerta, para uma previsão dada
por alguém dotado da comentada credibilidade, é justificado
exatamente em virtude de tal caráter, como se a revista,
independentemente de referendar ou não a certeza de que o evento
ocorreria, devesse obrigação de divulgá-lo. Nada a contestar. Até o

310
ponto em que não tomasse partido de fato. Acontece que tomou.
Apesar de alegar que não, o partido foi visivelmente tomado. Como
introdução, seu autor destaca que o Sr. Val Ellam teve acesso a
informações e isto basta para afirmar total crédito na sua palavra. Tal
se torna mais evidente quando essas informações, conforme
expressão literal de Adhemar José Gevaerd, o editor da UFO, são
originárias de seus mentores espirituais e extraterrestres.
Nenhum jornalista ou editor que se preze simplesmente sai a
disparar notícias sem ter fontes confiáveis e seguras que as sustente,
ainda mais se estas são provenientes do “além”, do “éter” do “astral
superior” ou das profundezas. Pior ainda por se tratar de Ufologia.
Mas, no entender do editor, a entrevista é uma das peças mais sérias
que vi produzidas na Ufologia Brasileira, aconteçam os fatos
vaticinados ou não.177 Isto é seriíssimo, sem dúvida, mas não no
sentido sugerido pelo autor da frase.
Apesar da total ausência de demonstração de que mentores
espirituais e extraterrestres forneçam qualquer tipo de informação a
quem quer que seja, a atitude crédula, de fundo inegavelmente
religioso, está patente. Direito inalienável dos cidadãos. Contudo, se
não pudéssemos tecer quaisquer observações sobre o modo de operar
e de expressar de ufólogos, a Constituição da República teria
proibido expressamente a atuação de outras linhas ou correntes de
pensamento.
A Constituição garante a liberdade de crença. Isto é também a
liberdade de não crença. E a partir do momento em que crenças são
intelectualizadas em publicações escritas, sujeitarão suas afirmações,
mormente em termos de fatos, aos comentários críticos, em virtude
de outro princípio constitucional maior – a liberdade de pensamento
e de expressão. E em razão do maior princípio imposto pela
Filosofia da ciência – sem crítica, não há conhecimento. Se alguns
pensarem ao contrário, que registrem logo sua Ufologia como uma
religião codificada, ou como instituição religiosa. Aliás, parece que é
só isso que está faltando...
Quando as pessoas usam seu direito de expressar, em razão de
suas crenças, mas falam de fenômenos, acontecimentos, fatos,
estudos e pesquisas, o direito das outras linhas é simples questão de
177
Por e-mail, setembro de 2006.
311
equidade. Centenas de naves se aproximam da Terra para grande
manifestação nos próximos meses e tudo ocorrerá entre novembro
de 2006 e abril de 2007. Trata-se mesmo de uma afirmação
contundente, que aprisiona o tempo.
Entretanto, esse período de seis meses para um acontecimento de
tão grande monta, pode ser encarado como sintoma comum a todos
que, no passado, anunciaram esse evento de caráter bíblico-
apocalíptico. Um senão que coloca o vaticínio de Val Ellam no
mesmo nível das previsões incertas e nada incisivas, que
involuntariamente deixa o médium ou vidente em situação bem
cômoda. Se raríssimos eventos como tais, diz a própria Ufologia, já
ocorreram, viria a calhar que, depois de tanto tempo entre uma
ocorrência e outra, uma aparição como tal viesse a acontecer de
novo, pegando a todos de surpresa. Estamos falando de aparições de
Óvnis em grandes cidades ou aos olhos de muita gente.

Comenta-se que após certo tempo, outras árvores foram surgindo ao


longo do reino e as pessoas, ainda que conhecendo a história da
primeira árvore, recusavam-se a aceitar que fossem iguais e
continuaram a alimentar-se dos frutos venenosos. Nenhuma delas
jamais se perguntou por que, mesmo sabendo que estavam se
envenenando, atiravam-se, famintas, à sedução que as douradas
cascas ofereciam.

Por poucas vezes um fenômeno de cunho ufológico teria sido


observado simultaneamente por milhares de pessoas, em grandes
urbes, sobre estádios de futebol lotados, mesmo que sua
procedência, como sempre, permaneça indefinida. Os ufólogos
sabem da inconstância e imprevisibilidade das aparições ufológicas.
Até hoje os estudiosos não conseguiram decidir se tal aspecto
fugidio e eventual deve-se a ondas de interesse provocado pela
mídia, ou se algum fator, seja atmosférico ou em geral físico,
provoca sua súbita observação. Fica então cômodo e, em termos,
generoso, com relação à probabilidade, dar-se um “prazo” bem
elástico para que em alguma parte do mundo ocorra a observação de
um prodígio qualquer deste tipo.
Tal como os que adotam o dogma de que os desígnios de Deus
são insondáveis, é singelo contra-argumentar que os processos e

312
modos de operar de espíritos e extraterrestres superiores não nos
estejam à altura da compreensão. Não é mesmo fácil compreender as
razões pelas quais espíritos ou Ets evoluídos escolheram um
sensitivo terrestre para avisar de dois fatos simultâneos e correlatos
tão estrondosos – a aparição em massa de portentosas naves de outro
planeta e a volta de Cristo – e, incoerentemente, não informaram a
data:

São 20 anos recebendo um fluxo de informações que impressiona a mim


mesmo, cujos dados precisos e objetivos, apontam cirurgicamente (grifo
nosso) para o período compreendido entre a segunda quinzena de
novembro de 2006 e o mês de abril de 2007.

Sobre tal “exatidão” o Dr. Luciano Stancka comentou de forma


irônica e bem humorada: Essa precisão cirúrgica mataria qualquer
paciente nesse intervalo enorme de tempo. De fato, os seis meses
alardeados são um espaço de tempo considerável, ainda mais quando
se sabe que, com a ampliação dos sistemas globais de comunicação,
alegadas incursões de discos voadores ocorrem quase que
ciclicamente, ainda que em períodos incertos.
Entretanto, continuamos a notar vários outros pontos que dizem
respeito direto aos interesses deste nosso trabalho quanto às
peculiaridades filosóficas do pensamento ufológico. Enquanto
traçávamos estas linhas em um agradável sítio, o amigo anfitrião
comentou que talvez Jesus e seus arautos Ets também estivessem
sujeitos à oscilação do espaço-tempo prevista pela teoria da
relatividade geral de Einstein.E acrescentou, bem humorado: o
chato será que cheguem após a explosão das duas bombas atômicas
no Oriente Médio. E se isto provocasse uma reação em cadeia
planetária pela intervenção de países que dominam a energia
atômica, Cristo teria notado que seu retorno fora mal previsto pelo
Pai. Chegara tarde... seis meses não são seis horas...
Ironia à parte, esta é uma das técnicas que tornam o estilo de
afirmações como tais ainda mais subjetivo e, de certo modo,
exponencialmente mais arriscado. Sua base é a certeza absoluta em
duas questões: a existência e a vinda à Terra de seres extraterrestres.
Mais uma vez, como se tal fosse absolutamente aceito em termos de
probabilidade. E não está só, como já pudemos demonstrar em
313
diversas outras passagens. O editorial da revista que ganhou o “furo”
comentou que, em recente conferência em Campo Grande, Mato
Grosso do Sul, o sensitivo manifestou-se contra a repulsa religiosa,
científica e governamental à questão da presença alienígena na
Terra. Explicou também as razões para que, mesmo após décadas de
sua comprovação, ainda haja resistência a tal realidade. São nossos
os destaques. A revista, que não usa aspas, mescla-se e comunga
com a opinião do médium, afirmando claramente que a realidade da
presença alienígena na Terra está comprovada há décadas!
O impulso messiânico foi demonstrado amplamente no capítulo
anterior. De ufólogos e sensitivos. Nem sempre significa
necessariamente algum tipo de transtorno. Pode simplesmente
caracterizar um modo de pensar, notadamente quando certas pessoas
têm consciência de seu papel de formadores de opinião. Ressaltamos
– é um direito inquestionável – mas que não pode exigir o silêncio
da crítica. Quem faz afirmações fortes e contundentes, sempre o
mesmo editorial, deve aceitar que o meio também possua a
faculdade de comentar na mesma medida, ou seja, com igual força e
contundência.
Ellam, em trechos que serão tratados adiante, demonstra a maior
tranquilidade ao frisar que faz o que acha correto e de sua missão.
Ocorre que os seus divulgadores parecem divergir um pouco do
sensitivo que, se concorda com a origem subjetiva de suas previsões,
é apoiado por quem vai além. Literalmente, diga-se de passagem. O
editorial ressalta que ele vê e narra com excepcional objetividade
como nossos visitantes interagem com a raça humana.
Em segundo lugar, nas manifestações de Ellam, vem como uma
de suas premissas principais a figura respeitável da maior divindade
cristã que, ao afirmar a volta precedida das gigantescas naves,
considera como ponto pacífico – Jesus virá, portanto existiu. E, se
em sua existência prometeu voltar, a mesma se dará. Eis o caráter
tipicamente místico-religioso da linha de pensamento que
fundamenta a previsão: Jesus existiu, prometeu a volta e voltará
agora. Os Ets, unidos à “espiritualidade”, montam o teatro e as
portentosas naves adornam a cena.
Longe de nós a intenção de comentar, discutir, questionar e negar
crenças religiosas. No entanto, nossa vista volta-se ao estilo de

314
pensamento e aos fundamentos das afirmações, quando estas
parecem sequer supor, muito menos considerar, as inúmeras
divergências, incontáveis argumentos e as investigações de
pesquisadores e pensadores que sequer aceitam que Jesus tenha ao
menos existido. É o que queremos frisar. Não cabe neste trabalho
entrar em tal assunto, nem detalhá-lo.
Pretendemos, tão somente, realçar a postura dogmática e crédula
que parte da premissa de que todos aceitam, acreditam e consideram
certas questões como se fossem indiscutivelmente provadas e
adotadas. É o risco da falta de informações mais amplas, isentas, que
correm aqueles que preferem ater-se à leitura e à homogeneidade das
opiniões que lhes são afins.
O sensitivo prossegue na entrevista solicitando que as pessoas
reflitam sobre o que está dizendo, porque fala das revelações
narradas por seres mais evoluídos do que nós, seus “irmãos
cósmicos”. Em função de suas atividades profissionais e sociais, o
editorial considera que ele está longe de ter o perfil de guru ou
místico. Informa ainda que lá fora (em outros países, bom explicar)
ele é conhecido como mentor do “Projeto Orbum” – um manifesto
que trata da cidadania planetária – como já mencionamos. Alguém
que idealiza um projeto com vistas a uma “cidadania planetária” age
com modo típico de um guru, ainda que não haja qualquer motivo
para se definir este médium com a expressão “guru” em sentido
pejorativo.
O que caracteriza a semelhança das seitas e de seus idealizadores,
os gurus como tais, é exatamente o desenvolvimento das ideias
únicas dos seus fundadores, marcadas por algo singular e de
destaque, que se torna o carro-chefe ou base principal sobre a qual se
assenta o movimento. No caso em tela, a revelação de seres
extraterrestres mais evoluídos, considerados nossos irmãos mais
velhos que vêm para uma intervenção direta ou indireta, em
momento perigoso para a raça humana, simultaneamente à volta de
Jesus, o que constitui o ápice de um momento declaradamente
apocalíptico.

A resposta, talvez, os fizesse ver que não precisavam daquele


alimento, mas que poderiam melhorar os já existentes. Era só querer.
Exatamente aí residia o problema. (Laura Elias)
315
A junção desses dois eventos é óbvia demais, coincidindo com o
interesse cada vez mais crescente pelo mistério e pelo misticismo
popular. Ainda que nada inédito, voltamos a dizer, esse interesse
caminha forte, ao lado da quebra inevitável dos dogmatismos
religiosos tradicionais, acompanhado pela assustadora possibilidade
de o mundo explodir, concretizada pelo fortalecimento de outro tipo
de dogmatismo mais radical e absoluto representado pelas facções
dominantes no Oriente Médio. Essas facções estão sendo claras no
sentido de desafiar até os princípios de Direito Internacional,
representados pelos grandes organismos como a ONU.
O potencial de destruição em massa, ou “planetária” como é do
modismo místico dizer, amplia-se e isto é óbvio. Sabe-se que,
principalmente depois da derrocada da União Soviética e da crise
econômica que quase faliu a Rússia, ficou relativamente fácil a
aquisição de tecnologia, instrumental e outros recursos para o
desenvolvimento e construção da hodierna bomba atômica.
Neste exato instante, o Ocidente tenta barrar o potencial do
Irã de possuir a bomba. Como conclusão – e nem é necessário ser
ufólogo, maníaco de conspiração ou expert em esoterismo que crê
em um governo oculto – para saber da possibilidade de “uma ou
duas” bombas atômicas explodirem no Oriente Médio. Ainda mais
em pleno conflito instaurado entre Israel, Palestina e outros países,
ou pelas eternas guerras envolvendo Afeganistão, Paquistão, Índia,
Iraque etc. A ideia preocupante do Juízo Final, que para algumas
teorias talvez seja a maior representação daquilo que os analistas de
linha freudiana chamam de pulsão de morte, está em alta.
O final dos tempos é um recurso psicológico para nós
humanos, que sabemos do fim mas recusamos encará-lo e aceitá-lo.
Daí os livres intérpretes afirmarem que “final dos tempos” é
expressão que insinua ainda haver esperança. Final dos tempos não
seria final do mundo porque haverá, no mínimo, um arrebatamento.
Nos meios ufológicos, exatamente como ocorre nas sendas
religiosas, os tempos ou o mundo podem até acabar, mas alguém, ou
alguma coisa virá para nos levar a outras paragens, outros tempos...
Pode ser agora a vinda de Cristo, com as hostes magníficas que O
precederão e escoltarão. Pode ser já o fim do mundo. Contudo o
homem sairá antes, para outro mundo. É o que afirmam também os
316
ufólogos místicos, religiosos, gurus, profetas de ontem e de hoje.
Equivale à vinda do comandante de 15 milhões de naves, à
passagem do cometa que levou os precipitados suicidas, ao
arrebatamento pregado por Claude “Rael” Vorilhon, Trigueirinho,
Carlos Paz Wells, apenas para citar alguns dos mais “atuais”. Val
Ellam é mais do que atual, é novo em sua profecia tornada
mundialmente pública pela maior revista de Ufologia, porém velho
na previsão.
Dirá o contraditor – e não será precisamente essa unanimidade
que demonstra que tudo irá, insofismavelmente, acontecer? Sim,
pode ser. Entretanto, o que “pode ser” é apenas questão de retórica,
bem como é simples questão de retórica fazer uma previsão desse
tipo, em tais termos. Mormente quando se dá um tempo de “seis
meses”.
Ao se encarar algo como “pode ser”, isto é apenas o que designa
a chamada “conclusão apenas provável”, em termos de raciocínio.
Pura intelectualização lógica. Em nada diz respeito à realidade
objetiva. Se quisermos nos aproximar o mais possível da realidade
objetiva, estaremos lidando com o pensamento de cunho científico.
Nenhuma das previsões escatológicas ou tanatológicas conhecidas se
realizou porque nunca foram respaldadas cientificamente. Outra
conclusão: a se trabalhar com a subjetividade de um sensitivo, tudo
“pode ser”. Porém, a se usar a razão com pensamento fundamentado
em dados, informações e experimentos concretos, que possam ser
demonstrados... então não! Não irá acontecer a invasão das naves do
tamanho que forem nem o arrebatamento, a intervenção de Ets mais
evoluídos, a revelação bombástica da existência inquestionável dos
discos voadores, nem a volta de Jesus, entre novembro de 2006 e
abril de 2007 ou em qualquer outro tempo!
Ficamos com a explosão de uma ou duas armas atômicas ou
bombas químicas [tal como já foi amplamente usado por Saddam
Hussein – NA], por volta de outubro deste ano – outra das
afirmações proféticas expressas pelo médium kardecista. Quanto a
isto, só nos resta torcer para que não aconteça, independentemente
da previsão.
Todavia, o sensitivo resguarda-se perante esta possibilidade.
Enfatiza que seus amigos cósmicos e espirituais tentariam até o

317
último momento influenciar as pessoas envolvidas no processo, com
o fim de evitar a tragédia. Ou seja, se não explodir, terá sido pela
interferência deles, o que também nos deixa à vontade para
especular: se esta influência for bem sucedida, a vinda de Jesus e das
naves extraterrestres poderá também ser convenientemente adiada?
A linha de pensamento, bem como a previsão, expressa-se
claramente na entrevista concedida pelo médium. Ele faz afirmações
bastante contundentes, ao contrário do que tenta fazer crer o editorial
que as divulga. Sobre Jesus, por exemplo, Ellam diz que dissociar
dos fenômenos ufológicos é interpretação equivocada: essa
interpretação dos fatos é um erro. Com isto, deixa-nos novamente
com liberdade para comentar sobre quaisquer interpretações,
inclusive a dele.
Além de declarar que Jesus não tem absolutamente nada a ver
com qualquer religião (sic) – não se conhece algum fundamento
sobre Jesus que não tenha como causa e não seja em razão de
religiões – afirma que Ele veio como um ser de nossa própria
espécie, mas de outras moradas da casa do Pai, à maneira da
interpretação marginal a todas as teologias. O que gerou a
observação no editorial de que ele, por isto, não tem receio de atrair
a ira de espiritualistas ortodoxos e doutrinários, que veem a figura
de Jesus de uma maneira quase religiosa.
Fica incompreensível saber se há espiritualistas e doutrinários, no
sentido preferido pelo editorial, que não veem a figura de Jesus de
uma maneira religiosa. O “quase” restou isolado. Outras
salvaguardas podem ser detectadas nas palavras do médium e no
referendum da revista. Evitando a pecha de guru, já rechaçada por
antecipação no editorial, ele, que já publicou quinze livros, avisa que
nunca quis aparecer, mas pelo peso e volume do que começou a
receber desde março de 2006, é preciso revelar a tantos quantos
queiram me ouvir. Depois, volta a tocar no quesito prazo, para
informar que após a primeira aparição estrondosa, os seres, que o
inspiram a escrever seus livros, voltarão algumas outras vezes em
seus descomunais veículos preencher a abóbada.
Mas não pousando nem interagindo conosco até que chegue o
momento certo. Vê-se assim que o prazo, sutilmente, tornou-se agora
bem mais elástico. Se é que existe de fato um prazo. Continua

318
indeterminado. Tudo como dantes no quartel da Ufologia.
Com uma míope, vaga e ególatra réplica à nossa manifestação
pública, Ellam rezou a cartilha dos contatados que não querem ser
vistos como gurus, profetas ou “predestinados”. Entretanto, a escrita
e o raciocínio – sem qualquer intimidade com a ponderação e a
autocrítica – apontam no sentido inverso, na direção do figurino
analisado em capítulos anteriores, dentro da melhor espiritualidade
de almanaque do tipo “Com as pedras que me atiram levanto a
fortaleza do meu ser”. Alterna palavras de cunho rasgadamente
messiânico como âncora para suas débeis argumentações,
repudiando as críticas com traços de arrogância, como se os
questionadores fossem descerebrados estúpidos e ele um ser superior
acima da mesquinharia intelectual da plebe opositora. Como todos
que o antecederam, querendo ou não, postou-se no centro do
fenômeno, quando não passa de um epifenômeno dos mais frágeis,
adotando uma postura de falsa humildade no papel de emissário de
entidades cósmicas para ocultar uma acentuada carga de vaidade.
Nem para isto teve a competência de ser original. Ellam é mais uma
peça ficcional, autêntico boneco de ventríloquo, uma criatura
teleguiada pelos poderes invisíveis ou de sua própria mente. Como
das vezes anteriores, o público se retira antes de findo o espetáculo.
Ou nem espera começar. O saldo desastroso foi mais uma história
indexada nos anais folclóricos da Ufologia brasileira, desta vez
assinada pelo pseudônimo Jan Val Ellam.
Este capítulo, que deveria acabar no parágrafo acima, teve um
ingrediente inesperado que nos obrigou a um último comentário.
Exatamente no início da segunda quinzena de novembro de 2006,
fomos alertados por telefone e e-mails que, de acordo com novas
informações transmitidas pelo editor da revista UFO, Val Ellam
ratificara o “contato” fornecendo com exatidão data e hora do
evento, contrariando a expectativa inicial que não especificava
maiores detalhes: sábado, dia 18 de novembro, às 17:30 h., um mês e
meio depois da não explosão das bombas! Teríamos agora um não
contato? Com certeza. Fomos informados também, por outras fontes,
que uma chuva de meteoros “leonídeos” 178 estaria ocorrendo no

178
Meteoros que são observados a partir da constelação de Leão, por isso o nome leonídeos.
Esse fenômeno é anual, sempre por volta do mês de novembro.
319
mesmo período, coincidentemente, o que nos levou a supor que a
confusão seria total entre meteoros e “discos voadores”!
Tampouco poderíamos pensar mais em algo tão “grandioso,
monumental e inequívoco”, já que não teríamos Jesus e sua
exuberante aparição até porque, segundo Ellam, o contato duraria
apenas algumas horas e não haveria aterrissagem! Saiba o leitor que
este trecho final foi escrito dois dias antes da data, e se o mundo
aguardava com ansiedade o desfecho desta brincadeira (para usar
uma expressão mais branda), nós preferimos continuar o estudo e a
reflexão que são bem mais saudáveis. Nossa já bem curta paciência
não deixou que perdêssemos tempo com uma nova “manifestação
pública”, nem que ficássemos a postos em nossos quintais e
varandas à espera de meteoros e/ou discos voadores.
No dia seguinte ao não-contato, Ellam se pronunciou através de
uma emissora de rádio paulista, e causa pena a impudência de sua
defesa:

Devo aqui dizer que eu estou acostumado a perceber meus equívocos


no campo mediúnico e sempre tenho dito que me equivoco bastante.
Esclarecimentos no sentido de justificativas ou explicações não tenho
nenhum, porque isso deve constar como equívoco humano de minha
parte no processo, se é que assim é. Mas o interessante é que parece
que nem isso é. É algo mais estranho ainda.

Se entendemos bem, ele admite que talvez não tenha se


enganado, talvez a mensagem não tenha sido clara, ou talvez sua
“pequenez humana” (sic) não lhe tenha permitido compreender o
significado do recado. Não, seus interlocutores não o enganariam
dessa forma, muito provavelmente ele é que não está à altura de seus
mestres. Mas depois de 20 anos de “diálogo celestial”, só agora se dá
conta de que talvez ele não seja o canal adequado? Muito
rapidamente, de modo quase imperceptível, comentou que na noite
anterior havia sido informado de que a aparição não iria acontecer.
Suspeita e estranhamente, não retransmitiu a notícia.
Mas o que realmente causou perplexidade na entrevista foi
quando as “vozes” lhe disseram que...

As coisas teriam que ser desse modo para que as escrituras se


320
cumprissem. Era necessário que a segunda testemunha – ele – fosse
“ferida de morte”, ou seja, que ficasse com a sua credibilidade
totalmente abalada, sem o menor crédito, que fosse pisado, achacado,
destratado, violentamente atacado, pois era assim que estava escrito
nas profecias do capítulo 11 do apocalipse.

Ellam resistiu à tentação de usar a expressão “crucificado”, que


lhe cairia como uma luva e mais apropriada para descrever o
“calvário” pelo qual terá que passar a partir de agora. Tem ou não
tem o perfil de um contato religioso? Ao final, declarou que estaria
“encerrando sua carreira” e que seria sua “última” tentativa de falar
sobre datas ou sobre a “volta do Mestre”, pois sua condição humana
não estava mais entendendo o processo de contato mediúnico ou
contato imediato. Que assim seja, amém. Se nenhum fato novo
relativo ao Sr. Val Ellam ocorrer até a publicação deste livro, este
assunto se encerra aqui.

321
O mito e seu subproduto – rods

Um dia descobriremos que a verdadeira intenção


destes tais discos voadores era apenas
estudar a vida dos insetos.
Mário Quintana

Algumas pessoas têm dificuldade em entender que os mitos


continuam a ser elaborados – como sempre serão. Com menos
condescendência, outras não admitem que modernamente envolvem-
se diretamente na construção dos mitos, pois estes são um produto
direto do intelecto humano. É só reconhecer a existência de uma
tendência quase irresistível, principalmente daquelas que não estão
acostumadas ao pensamento metódico: na falta de explicações
conhecidas, constrói-se uma, geralmente desvinculada com as boas
regras do pensar. Este é um dos fatores da produção de mitos. O que
não se compreende passa a ser conceituado pelas suposições, de
preferência por aquelas inspiradas exclusivamente nas crenças
pessoais.

Naturalmente, nossas crenças podem ser falsas – e uma crença falsa


nunca é conhecimento. Por exemplo, há quem acredite que a capital do
Brasil seja Buenos Aires, mas quem assim pensa não pode saber isso,
porque Buenos Aires não é a capital do Brasil. A condição fundamental
para o conhecimento é que a crença seja verdadeira. É necessário que,
entre a crença verdadeira e aquilo que se diz saber, exista um vínculo
mais forte. Sem esse vínculo, não podemos dizer que essa pessoa sabe
algo, mesmo que sua crença seja verdadeira. A pessoa que tem a crença
verdadeira deve ser capaz de dar uma boa razão para ela, deve ser
capaz de justificá-la adequadamente (grifo nosso).179

Os psicólogos sabem da quase intransponível dificuldade que


temos em admitir que não sabemos das coisas, notadamente quando
não se encontram no rol do que oficialmente seja classificado pelas
179
Adaptado de Ceticismo, Smith, P.J.; Jorge Zahar Editor, RJ, 2004.
322
ciências e pela Filosofia. O exemplo de Deus é sempre bem-vindo.
Prefere-se acreditar em Deus a questionar se seria viável e aceitável
sua existência. Assim se dá com o fenômeno Óvni, na simples
tentativa de reconhecer a existência de algo ainda desconhecido,
geralmente manifestado por formas aéreas não identificadas, e, em
contrapartida, na ilusória afirmação de que necessariamente ele
provenha de “outros pontos do universo”.
Não há, hoje, qualquer diferença entre os mitos arraigados ao
pensamento humano desde a antiguidade, daqueles em construção. O
disco voador torna-se, pois, a representação atual e modernizada de
um demiurgo, quer seja uma divindade aceita pelos conselhos
religiosos, quer pelo imberbe e primário sistema intitulado Ufologia.
Ambos provêm do céu, ou melhor, de “outros pontos do universo”.
O difícil é ter sensatez e isenção para reconhecer isto.
Uma das facetas mais marcantes e evidentes dos mitos é
exatamente a capacidade que possui de gerar o que poderíamos
chamar de “submitos”, sem qualquer pretensão de se criar um
neologismo filosófico, até porque, no rigor da palavra, o correto
seria dizer um “subproduto” do mito central, no caso, o Óvni. Ou
seja, o mito precisa justificar-se a si próprio, uma vez que não se
trata de algo simplesmente superficial, mas, antes, possui toda uma
complexidade que o torna eterno. Eis porque o atual e crescente
encanto pelo fenômeno ufológico não precisa ser necessariamente
entendido como sintoma de que “algo será brevemente revelado”,
outro chavão profético usual no meio. Pode-se detectar a verdadeira
razão, qual seja, a de que o mito, para se firmar cada vez mais,
produz reflexos e aprimora-se, enriquecendo seu próprio fundamento
ilusório.
Atualmente, um exemplo inquestionável são os já famosos e
inconvenientes “rods”, expressão em inglês que significa “vareta” ou
“haste”. Estes incômodos objetos foram detectados em filmes a
partir da popularização das câmeras de vídeo e passaram a compor a
casuística ufológica baseada em fotos e filmagens. Geralmente os
rods só são detectados quando o cinegrafista, que nada percebera ao
obter suas cenas, reproduz o filme quadro-a-quadro, notando que
algo aparentemente em altíssima velocidade cortara o céu. Em
movimentos retilíneos ou aleatórios, aparecem como objetos

323
alongados e por vezes compostos de partes distinguíveis ou
apêndices laterais, em número de seis ou mais. As traduções do
termo inglês costumam também dá-lo como “bastão” ou “bastonete”.
Nada mais óbvio.
O céu próximo do cinegrafista está sempre repleto de esporos de
vegetais, hastes de plantas, sementes e flores, e é constantemente
fustigado por insetos miúdos que bailam ao sabor dos ventos. São
praticamente imperceptíveis a olho nu, tanto pelo tamanho como
pela rapidez de movimentos. É interessante notar que os rods
aparecem mais nitidamente quando a cena filmada tem como plano
de fundo geralmente o céu. Também é evidente que, qualquer objeto
minúsculo que plana, ao passar entre o cinegrafista e o motivo
principal da filmagem, principalmente se estiver próximo das lentes,
será flagrado “em altíssima velocidade”. Mesmo porque, filmados,
esporos de vegetais e diminutos insetos cruzam a cena com a rapidez
com que se movem na atmosfera. Este é, pois, inquestionavelmente,
um fenômeno puramente ótico, composto pelo pequeno objeto e pelo
efeito de movimento e velocidade que aquele imprime quando
capturado pelo celuloide.
O cinegrafista John Bro, que notara pequenos pontos brancos
voando pelo espaço em dia de céu claro e sol forte, passou a registrar
dezenas de horas de filmagens, apenas com a finalidade de provar a
existência de Ufos aos milhares, diariamente, que invadem a Terra
camuflando-se aproveitando a claridade do Sol (sic). Com uma
câmera VHS, Bro alertou a imprensa especializada em
documentários de tema ufológico. Em 1997, o programa de
audiência mundial ”Sighthings”, do canal USA, mostrou as
filmagens de Bro e o espanto da própria equipe de produção, que
passou a utilizar o método dele – ocultar o sol com algum anteparo,
mais exatamente a ponta do telhado de uma construção – para
conseguir captar no filme o halo formado pela claridade do astro e
assim poder registrar os rods.
Muito surpresos, aqueles profissionais passaram a acreditar que
filmavam algo desconhecido e inexplicável, procurando a ajuda de
um expert, o ufólogo norte-americano Jim Diletoso. Munido de uma
parafernália tecnológica, Diletoso afirmou descaradamente que

324
aquilo só podia mesmo tratar-se de “frotas de naves extraterrestres”
em constante incursão ao nosso planeta.
Surpreso mesmo deve ter ficado nosso leitor diante do fato de
profissionais de TV, que lidam com filmagens de todo tipo, a todo
instante, não terem se apercebido de um simples fenômeno ótico.
Ocorre que este é um fator complicador já muito conhecido. Certos
profissionais não conhecem necessariamente algumas ocorrências
notadas e notabilizadas por ufólogos, pelo simples fato de antes não
lhes despertar o menor interesse, sob quaisquer justificativas.
Até porque, certas situações são tão naturais, tão constantes e
comuns, que sequer são valorizadas a ponto de se dedicar uma
atenção ou uma pesquisa em especial, como no caso dos rods.
Certamente, cinegrafistas que viram passar à frente de suas lentes,
ou perceberem depois em seus filmes coisas que riscavam os céus,
ou não utilizaram a cena estragada por esta presença, ou nem ao
menos pensaram com mais carinho em torno dela, de tão óbvio que
era.
No entanto... aflora a partir disto a ampliação, a elasticidade, o
enriquecimento do mito através da mais completa ignorância e ânsia
pelo misterioso, em substituição ao que se possa conhecer com bom
senso. Os rods passaram a ser “artefatos inteligentemente dirigidos”,
tais como as sondas – supostos pequenos objetos que são avistados
saindo ou desprendendo-se de Óvnis. Pior, tornaram-se os próprios,
desta vez revestidos com maior aura de deslumbre. Espanta, mesmo,
o fato de algo tão claro e comum ter virado, de repente, motivo de
transcendência. No Brasil, o cada vez maior número de prosélitos da
esquisita “Ufologia mística” adotou outro dos velhos e falaciosos
chavões do modismo esotérico de banca de revista – Os rods podem
não ser tão simples assim... Podem ser algo muito mais importante e
extraordinário. E depois, melindrados, revoltam-se histericamente
quando um desmentido embasado em contraprovas esmagadoras
vem a público elucidar o “mistério”.
Porém, lá fora, a coisa, que vai de mal a pior, abarca um sem-
número de pseudopesquisadores agindo em completa
irracionalidade. O que ufólogos norte-americanos têm alegado e
argumentado pelo mundo é de se supor um preocupante estudo para
psiquiatras. Os rods tornaram-se ainda mais objeto de crendices

325
absurdas. Chega a ser incrível que alguém dedique centenas de
páginas para tentar insinuar que esses bastonetes façam parte do
fascinante mundo de “naves extraterrestres” apriorísticas!
Não é para menos. Isto já ocorrera, como ainda acontece, com
simples efeitos óticos de desfocamento, quando filmes e fotos
registram pontos de luz como luminárias distantes, planetas e outros
astros mais brilhantes, luzes de aviões e faróis de automóveis
refletidos no alto de montanhas ou em condições atmosféricas
especiais. Essas luzes apresentam-se arredondadas, espalhadas e
difusas em seu formato, devido à impossibilidade do foco
automático ou mal regulado dos equipamentos não tornar nítidos
seus contornos. E os mal informados passam a ver fotos ou filmes
registrando “objetos redondos com várias ranhuras e círculos
concêntricos”.
Existe uma fanática e condenável recusa em admitir o que é
incontestável, mesmo havendo milhares de exemplos, fartamente
demonstrados, de que se tratava de iluminação pública, faróis de
automóveis, astros, todos desfocados. Mais do que simples casos
para tratamento psiquiátrico, são, atrevemos dizer - de internação
imediata.
A revista UFO não deixou esse delirante comportamento sem
cobertura, contribuindo assim para uma suposta “abertura
democrática”, que na verdade só serve para nublar e encapar um
estudo científico que praticamente nem começou. Se os previsíveis
partidários dos rods como sendo naves extraterrestres fossem
orientados a dirigir bem sua atenção, notariam que o efeito, à
primeira vista realmente interessante, de fato não passa de algo
muito simples. Nós o reproduzimos, assim que o fascinado John Bro
espalhou seu êxtase pelo mundo. Usando uma câmera VHS e
obstruindo o sol com o beiral de uma casa, obtivemos vários minutos
de “proezas” dos rods.
Qualquer um pode fazê-lo, não sendo imprudente o suficiente
para esquecer que o sol não deve ser observado a olho nu ou
diretamente, sob pena de lesar a vista. O efeito obtido é o
mesmíssimo de Bro – insetos, por vezes painas e minúsculos esporos
de vegetais, nada mais. Depois, é só reproduzir o filme lentamente e
com atenção para perceber os efeitos.

326
Voltando à matéria publicada naquela revista, extraída do site
www.paranormal.com, o entrevistado José Escamilla, mexicano
naturalizado norte-americano, acha que os rods – para os quais,
segundo ele, ainda não há uma resposta definitiva do que sejam –
possam ser criaturas alienígenas ou uma espécie nova em nosso
planeta, até então desconhecida. Viva a democracia, porque havendo
liberdade de pensamento, há liberdade de crítica também. Inclusive
quando a razão demonstra ser totalmente irracional, no mínimo.
Escamilla também é considerado pioneiro na captação de rods, pois
desde 1994 dedica-se ao estudo. Lá se vão mais de dez anos e ainda
não sabe do que se trata! Alguns atribuem a ele a denominação do
fenômeno, o que é um alívio, já que ao menos de início a coisa
começou com um breve lampejo de sobriedade. Ele declarou ao
físico e mestre em energia nuclear, Cláudio Brasil, que estão
tentando desqualificar o fenômeno como se fosse algo banal, mas
temos milhares de imagens que nos dizem o contrário. 180
Sobriedade?
Aqui começa nossa justificativa para usarmos os rods como
exemplo dos reflexos do mito maior, ou, se preferir, subproduto
dele. As “milhares de imagens” dizem claramente que tudo não
passa de ciscos ou pequenos insetos, entretanto, a necessidade de
tornar a coisa um mistério decorre do mito que passa a dirigir o
pensamento do adepto do extraordinário. Escamilla anuncia-se
cineasta, dizendo estar acostumado a lidar com edições de vídeo,
imagens diversas e com isto fundamenta o que deseja – que os rods
possam ser uma nova forma de vida ou criaturas alienígenas. No
princípio deste capítulo, falamos da pessoa que, mesmo acostumada
a trabalhar com filmes, pode nunca ter notado a presença dos rápidos
objetos registrados nas tomadas pela simples falta de interesse.
Aliás, a ausência de interesse por algo, ou seja, a falta de
utilidade, costuma ser fator de não observação e até de registro na
memória, o que já foi objeto de comentários em trechos anteriores
deste livro, quando mencionamos a memória fluxo de duração
pessoal. Portanto, o argumento de Escamilla é uma impostura, um
nítido apelo à autoridade. O que se tem, em resumo, é que ele, antes
acostumado a filmar cenas, nunca tivera a intuição de que os
180
UFO n.110, de maio/2005, p.8
327
minúsculos rods pudessem ser algo estranho e, a partir do seu
também costumeiro trato com o assunto Óvni, um pequeno e fácil
pulo foi dado para considerá-los um fenômeno ainda inexplicado.
Os admiradores da estranheza desse fenômeno estão tentando
atrelá-lo à origem extraterrestre dos Óvnis. Isto é como se o
desconhecido sobre os discos voadores trouxesse à atualidade a
origem divina, portanto transcendental, das ocorrências ufológicas.
Um comportamento cosmogônico, pode-se dizer – característica de
todo e qualquer mito. De um lado, minúsculos corpos comumente
registrados em câmeras fotográficas e vídeo e, de outro, a maneira
com que tais ocorrências são narradas, comportando, portanto, uma
mensagem, para certos ufólogos, de cunho sagrado, cujos valores
agregados são de ordem puramente subjetiva, similar à religiosa.
Outra tipicidade dos mitos.
Quando alguém compara o fenômeno Óvni com a crendice antiga
de povos sem informação e carentes do pensamento racional e
científico, não está de todo equivocado, como já comentamos. A
transformação de deuses mitológicos em fabulações de roupagem
tecnológica salta aos olhos na postura de ufólogos desse naipe.
Existe uma composição de narrativas antigas, cujos pedaços de
objetos e crenças de antes formam o arranjo de atualmente. Quem
notou isto foi Claude Lévi-Strauss. Segundo ele, o discurso mítico
utiliza-se de um mecanismo de bricolage – ajuntamento de pedaços
e partes de objetos para se fazer um novo. Deuses viraram
extraterrestres, extraterrestres transformaram-se em abdutores, ou
melhor, abducentes salvadores ou maléficos. Tal como os deuses.
Fogos, luzes noturnas e prodígios sobrenaturais geraram muitos
discos voadores, que pariram “sondas” e, mais recentemente, rods.
Se é rápido, voa, movimenta-se erraticamente, aparece em fotos e
filmes em estranhos formatos, então é Óvni.
Essa tendência, esse dinamismo sequencial não tende a
desaparecer. Sabe-se lá o que mais virá compor o mundo da
Ufologia, de forma inesperada. Por certo, como o vaga-lume
encontra-se em extinção, é potencialmente o mais forte candidato.
Quem não está acostumado a frequentar o meio rural pode se deliciar
com um enxame de vaga-lumes pousado em uma árvore, como é
comum ser observado. Uma árvore de natal bem decorada torna-se

328
modesta diante de um fenômeno bioluminescente deste tipo. Daí, do
estado de alumbramento para a construção de um prodígio
sobrenatural o passo é muito pequeno. Ainda mais porque tem luz e
brilha à noite.
Tomara que esta predição não se realize. Só que a extinção de
muitas espécies de vaga-lumes poderá apanhar algum ufólogo
urbano desprevenido, com a súbita aparição de um desses insetos de
tamanho desproporcional, comparável às medidas de um besouro,
com dois “olhos” enormes de um verde extremamente brilhante.
Essa espécie povoa matas tropicais, geralmente à beira de buracos e
grutas.181 Em noites de total escuridão, seu brilho chega a refletir nas
folhagens mais próximas. Bom será se já houver um especialista em
Criptozoologia – ramo da História Natural que estuda os animais
pouco conhecidos, ou muito raros, assim como espécies em vias de
extinção – cultuando literalmente um vaga-lume desse tipo...
Não se deve pensar que a variedade de suposições acerca do
fenômeno Óvni seja fruto simplesmente da mente pervertida de
embusteiros. Ao contrário. Como mitômanos, eles operam
diversificando os significados do fenômeno, daí a suposta
positividade de se acreditar em diversas origens e causas para tais
ocorrências – extraterrestres, ultraterrestres, intraterrestres, viajantes
do tempo, espécies vivas inteligentes ou um misto de seres materiais
com entidades espirituais, seres de pura luz ou quase totalmente
energéticos. Essa imensa e disparatada sorte de altercações também
é própria dos mitos.
Apenas parecem pensamentos racionais, abstratos, passíveis de
conceituação, mas trata-se de uma atitude somente empírica,
concreta, deixando atualíssima a fase do pensamento humano
anterior à descoberta da razão, exatamente a fase mitológica, quando
o pensamento ainda não descobrira o caminho do método. Marilena
Chauí, no seu didático Convite à Filosofia182, diz que o mito opera
por metaforização contínua, isto é, um mesmo significante (palavra
ou conjunto de palavras) tenderá a possuir um número imenso de
significações ou de sentidos. O mito opera com a saturação do
181
Espécie de coleóptero da família dos Elaterídeos. A luz que emite é contínua e tão
desenvolvida que chega a projetar um halo de luz de quase 1 metro de diâmetro. Emiliano
Chemello, in A Química do Vaga-lume, NAEQ.
182
P. 311, Ática, 2001.
329
sentido, ou seja, um mesmo fato pode ser narrado de inúmeras
maneiras diferentes, dependendo do que se queira enfatizar, e as
coisas do mundo... podem receber inúmeros sentidos, conforme o
lugar que ocupem na narrativa.
Adendo a esse texto, de forma também clara e muito sintética, a
psicanalista Ana Vicentini de Azevedo, professora da Universidade
Federal de Brasília e PhD em literatura comparada pela
Universidade de Nova York, colocou as duas versões que
habitualmente são dadas à palavra “mito”, que geralmente se
misturam e trazem mais confusão que esclarecimento.183 Segundo
ela, a interpretação mais “popular”, a de senso comum, opõe-se à
verdade, à certeza, à exatidão científica sendo, portanto, sinônimo
de falso, de crença ou superstição, de engano – em suma, algo que
deve ser descartado em prol da razão, de um conhecimento veraz e
profundo.
De forma sucinta, ela conclui que um eixo se orienta para a
verdade, o conhecimento, o outro se inclina para o mito, a falsidade,
a fantasia, o engano. A oposição do mito à verdade, ao
conhecimento científico, à episteme, não é privilégio, ou equívoco,
somente desse jornal [referindo-se ao episódio que gerou o
comentário inicial]. É comum ouvirmos a expressão: ”Ah, isso é um
mito”, quando o ouvinte quer pôr em questão a autenticidade de um
fato que lhe é relatado. É essa dicotomia que precisa ser erradicada
em benefício de um entendimento maior e mais abrangente,
principalmente do assunto que ora nos dedicamos.
Cabe ainda uma última inserção da professora Chauí, na íntegra,
sobre a atitude científica (na mesma obra):

O que distingue a atitude científica da atitude costumeira ou do senso


comum? Antes de qualquer coisa, a ciência desconfia da veracidade de
nossas certezas, de nossa adesão imediata às coisas, da ausência de
crítica e da falta de curiosidade. Por isso, ali onde vemos coisas, fatos e
acontecimentos, a atitude científica vê problemas e obstáculos,
aparências que precisam ser explicadas e, em certos casos, afastadas.
Sob quase todos os aspectos, podemos dizer que o conhecimento
científico opõe-se ponto por ponto às particularidades do senso comum,
por ser objetivo, quantitativo (na busca de medidas, padrões, critérios
183
in Mito e Psicanálise, Jorge Zahar Editora, RJ, 2004.
330
comparativos), homogêneo (busca as leis gerais de funcionamento dos
fenômenos), generalizador (reúne individualidades sob as mesmas leis),
diferenciador (pois não reúne nem generaliza por semelhanças
aparentes) além de vários outros itens. Como conclusão, A ciência
distingue-se do senso comum porque este é uma opinião baseada em
hábitos, preconceitos, tradições cristalizadas, enquanto a primeira
baseia-se em pesquisas, investigações metódicas e sistemáticas e na
exigência de que as teorias sejam internamente coerentes e digam a
verdade sobre a realidade. A ciência é conhecimento que resulta de um
trabalho racional.

O fato é que muitos ufólogos acreditam que os rods podem ser


muito mais do que insetos ou ciscos. Tentando uma aparente
complexidade, afirmam que atualmente já se consegue obter
imagens acionando-se as câmeras em locais fechados e com baixa
luminosidade. Também é óbvio – a pouca luz que penetra destaca
corpos e corpúsculos em suspensão. Não dá para aceitar que
ninguém tenha assistido a algum filme em que os raios de luz que
passaram por janelas ou persianas tenham mostrado um sem número
de leves grãos de poeira. Nem que espantados ufólogos, em relax
num quarto semiescuro, jamais tenham se deixado enlevar por
tênues fachos da luz que escaparam pelas frestas de uma janela ou de
uma porta de madeira.
A argumentação não para nisto. Algumas fotos divulgadas por
“caçadores de rods” obtidas à entrada de grotas ou cavernas,
mostram esses aparentes corpúsculos em imagens congeladas. Sem
exceção, essas fotos foram obtidas sob sol intenso, deixando a
entrada e o fundo da caverna totalmente escuros, contrastando com a
luz solar, que inclusive mostra plantas e pedras em primeiro plano
totalmente claras, registradas com luminosidade excessiva. Quando
não, o fotógrafo utilizou um flash. O rod aparece no mesmo nível de
luminosidade das plantas e das pedras, claro, sempre com seus
formatos excêntricos. O inseto que passava foi colhido pela foto.
Como se deslocava rapidamente, aparece composto de vários
apêndices e partes como um trem com vagões, nas palavras dos
ufólogos. Então, cinegrafistas experientes, passando a ter a atenção
alertada pela primeira vez, imbuídos dos mais sinceros propósitos de
achar coisas estranhas nos céus ou em um campo de visão mais
próximo, abandonam a isenção de pensamento e se esquecem de que
331
até pequenas libélulas ou minúsculos insetos voadores podem
“transformar-se” em vários ou adquirir uma aparência alongada,
quando captados em apenas um frame. Ou, quanto mais próximos
estejam do fotógrafo ou cinegrafista, mais tênues se tornam seus
contornos, menos perceptível e autêntica se apresenta seu formato,
surgindo no quadro como se o “pintasse” com forma alongada e
difusa.
Quanto aos “vagões”, atribuíveis ao mesmo efeito ótico, são na
verdade apenas um corpo que impressionou a foto sucessivas vezes
devido à sua velocidade. Os insetos voadores apelidados de
“creatas” – pequeninas libélulas, aleluias e outros, muitos com dois
pares de asas perpendiculares ao corpo – são mestres na produção
desse efeito.

Escamilla diz que se interessou por isto quando revisava uma


filmagem e viu com mais clareza o que não havia percebido antes.
Sua primeira impressão foi de que se tratava de pássaros ou insetos.
Não se pode ficar mesmo na primeira impressão e neste caso ele
agiu como um bom pesquisador. Pena que durou pouco, pois passou
a transformar o óbvio em misterioso e inexplicável. Mesmo que sua
esposa tenha batizado o fenômeno de “Rod”, porque os objetos
filmados lembravam microorganismos em forma de filamentos ou
varetas que ela havia visto no microscópio, ou seja, diante da
realidade palpável, conhecida, demonstrável, o ufólogo ainda assim
preferiu criar algo incompreendido. Mito.
332
Puro comportamento mitômano. Evidentemente, as lentes da
câmera agem exatamente como as de um microscópio. Quando o
minúsculo corpo passa bem perto, fica ampliado e aí o efeito
acontece. Notável foi outra resposta deste que é considerado o maior
especialista em rods na atualidade. Indagado sobre o que acha que
sejam, Escamilla disparou que as imagens examinadas parecem
indicar que esses objetos podem ser organismos vivos! Mas é claro
que são! E arrematou com uma declaração que causa inveja à mais
minuciosa mente científica – Nesse instante, já temos certeza de que
eles voam. Acredite, foi isso que ele respondeu. Confira na
publicação indicada. E certifique-se também de que existe alguém
com coragem o suficiente para publicar algo assim!
Entristece, ao mesmo tempo em que provoca alívio ter de admitir
que alguns supostos céticos e negadores sistemáticos, ao chamarem
ufólogos de pseudocientistas, estão certos. Geralmente acostumados
à boa argumentação, não se pode negar, esses céticos foram brandos
e diplomáticos na utilização dessa expressão consagrada pelo
falecido Carl Sagan. Certos ufólogos não fazem pseudociência – são
verdadeiros imitadores, plágios de cientistas. O pior é que
conseguem enganar, com uma retórica de aparência, quase sempre
ilusória e por vezes beirando ao ridículo. Nosso bom exemplo de
mitômano argumenta que, para calar a boca dos detratores, que
estava certo tentariam desacreditar seu trabalho, passou a filmar o
sol diretamente, provocando de propósito reflexos nas lentes.
Mesmo assim, os rods apareceram com sua alta velocidade e formas
esquisitas. Assim, ele demonstrou o que os rods “não eram”. Mas...
não eram o quê?
Entretanto, uma falácia que assola a maioria das mentes da
anunciada comunidade ufológica – provar o que não seja! Um
absurdo de ordem dialética e lógica. A ciência deve trabalhar para
demonstrar o que existe, e só isto já é bastante complexo. Imagine-se
então demonstrar que algo seja extraterrestre, intraterrestre,
ultraterrestre, forma aérea de vida desconhecida – insetos voadores
ainda não classificados seriam bem mais fáceis de ser demonstrados
ou o que quer que seja, em proposital redundância. Aliás, uma pausa
aqui. Em 2004 estabeleceu-se um interessante debate pela Internet,

333
através das listas de discussão. Ou melhor, deveria ter-se
estabelecido.
Tudo começou com um desafio. Ufólogos deveriam demonstrar,
ou provar, que objetos voadores não identificados vinham de outros
planetas e eram pilotados por inteligências avançadas. Uma
comissão composta por acadêmicos da Universidade de São Paulo
mediaria os debates e depois julgaria quem tinha razão – se os
ufólogos desafiados ou os supostos céticos desafiantes. Na verdade,
ficou obscuro um ponto crucial, qual seja, de quem afinal teria
partido o desafio e se o cerne da questão deveria ser a origem
extraterrestre ou a própria existência dos Óvnis. Pelo menos, esta foi
a impressão de quem se limitava a assistir ao início do debate, que
em realidade foi uma estúpida desavença ocorrida entre os
debatedores e o acadêmico que intentou mediar a discussão. Não
importa, afinal o debate não aconteceu mesmo.
Num certo dia de flamejante troca de farpas, chegou um e-mail
de conhecido ufólogo, com mais de trinta anos nas lides com o
fenômeno Óvni. Em discussões como esta, detectam-se
despretensiosamente alguns absurdos de ordem dialética – de
raciocínio e de argumentação – e os ufólogos, tão visados e na
maioria das vezes desprezados pelos meios acadêmicos ortodoxos,
não prestam atenção aos deslizes imperdoáveis que por vezes
cometem. Geralmente isto ocorre por falta de observância de uma
linguagem correta, mais isenta e, porque não, acadêmica.
Numa de suas manifestações privadas, o mencionado ufólogo
sugeriu que, diante de desafios que nos exigem provas de que Óvnis
existem, ou que extraterrestres estejam nos visitando, rebata-se dessa
forma: quando eles dizem ´prove que UFO existe´, você responde
´prove então que não existe´. Inaceitável! Num certo sentido, é
quase como dizer que a Lua não está lá quando ninguém a está
olhando.
Ora, como realçado anteriormente, deve-se ter muito cuidado
com este tipo de argumento ou alegação. O ufólogo cometeu naquele
instante uma das mais inoportunas e inválidas proposições,
conhecida de qualquer iniciante no estudo da Filosofia. Tentaremos
ser mais claros: existe no mundo do raciocínio, das pesquisas, enfim
da chamada realidade objetiva, o que é conhecido por “ordem

334
natural das coisas”, ou “o que é normalmente aceito” e “o que ocorre
no mundo da simples observação corriqueira”.
Nada disto precisa ser provado. No entanto, sempre que alguém,
um grupo, uma classe afirmar existir algo considerado incomum, à
parte dessa ordem considerada natural, seja escasso ou raríssimo,
constitua-se como algum tipo de exceção à regra do mundo
classificado pela maioria, é isto o que precisa ser provado, ou seja,
deve ser provado que disco voador exista e jamais o inverso – que
não exista.
Esta é uma proposição totalmente inconcebível, como o é toda
tentativa de se obrigar alguém provar que algo “não exista”, mesmo
porque isto seria absolutamente impraticável. Basta pensar com
atenção: “prova” é um termo aplicável sempre que algo concreto,
mesmo que raro ou excepcional, necessite ser demonstrado. Provar
que algo não existe como parâmetro de raciocínio para ver se existe
ou não é um contrassenso dialético e uma impossibilidade filosófica
e científica. Seria inadequado lidar com uma hipótese que não
comportaria qualquer método.
É surpreendente que alguém, seja do mundo científico ou
acadêmico em geral, que trabalhe com o que pretensamente poderia
ser um método científico, se utilize desse expediente escapista.
Então, se um ufólogo estiver participando de um debate ao vivo, na
presença da comunidade científica ou de céticos, de repente expuser
um argumento desses, ficará em situação embaraçosa e inafiançável.
Os interlocutores irão tripudiar e divertir-se com tamanha
ignorância, porque terá sido literalmente uma asneira, convenhamos.
E, vale repetir, conhecido e batido nos meios acadêmicos. Não
podemos nos igualar, com esse tipo de uso, a verdadeiros leigos ou
descomprometidos com o método, daqueles que bem conhecemos e
combatemos, grande parte deles do nosso meio. Pessoas que jamais
se inteiraram de regras de raciocínio científico é que utilizam, a todo
momento, esse artifício.
Temos visto, lido e ouvido, constantemente, religiosos afirmarem
que se não podemos provar que Deus existe, então prove que Deus
não existe. Jamais seria possível provar que o saci-pererê não existe,
papai Noel não existe, discos voadores não existem. Agora... Provar
que Deus, saci, papai Noel e disco voador existem, isto tem de ser

335
perfeitamente possível. Se, no entanto, não for, é outra história. Urge
que mudemos o mais rápido possível as nossas posturas,
aproveitando discussões pela internet como circunstâncias que
possam nos ensinar.
Mas retornemos aos velozes rods como modelo do
comportamento amplificador de um mito, que já nos afastamos por
demais do foco. Os especialistas nos rods falam que constataram em
filmagens que os objetos desviam-se dos humanos como se
evitassem sua presença. Por vezes demonstram-se “amigáveis”, pois
em certa ocasião um deles quase colidiu com um base jumper184
numa caverna, tendo realizado uma manobra abrupta no último
segundo, para evitar o choque. Insetos geralmente aparecem em
filmes ou fotos como pequenos pontos brancos arredondados, mas
os rods assemelham-se a vagões de trem unidos entre si (destaca um
ufólogo brasileiro na mesma edição). Alguns deles voam na direção
do cinegrafista, aumentando de tamanho quando se aproximam da
lente. Com isto, chegam a calcular sua velocidade entre 250 e até
1.650 km. por hora. Para tanto, seu método de cálculo é fácil, como
dois mais dois são quatro – se um rod atravessa 1.000 metros em
cerca de dez quadros do filme por segundo, significa que ele cruzou
aquela distância em um terço de segundo. Assim, deduzem que tais
corpos podem viajar àquelas velocidades. Ainda precisamos chegar
à medida exata.
Não se pode afirmar com segurança se afirmações desse tipo
subestimam a todo leitor, julgando que não haja pelo menos um
pequeno número de pessoas dotadas da capacidade de raciocínio, por
mais simples que seja. Ou se tudo não passa de uma situação
completamente ilusória, fabuladora, portanto sincera, à maneira de
se acreditar que se faça ciência com total inversão do que possa ser a
realidade. Chega a ser preocupante quando alguém visivelmente
tenta dar ao real uma feição totalmente distorcida, ou mesmo
confunda a própria realidade, raciocinando e agindo fora dela.
Com a palavra os psiquiatras. Ora, quando os mitos foram
construídos na fase do pensamento humano, que precisava explicar a

184
A rigor, base jump - saltador de ponto fixo - se escreve B.A.S.E. Jump – Building,
Antenna, Span and Earth ou prédio, antena, ponte e montanha, os quatro pontos fixos dos
quais os jumpers saltam.
336
realidade de forma a satisfazer uma visão de mundo, isto foi
importante para que se chegasse ao pensamento abstrato, capaz de
elaborar conceitos e unificar a multiplicidade de fenômenos ou dos
componentes de ocorrências observáveis. Porém, mitificar o mais
possível alguma coisa, insistindo por suposições exclusivamente
embasadas apenas e tão somente na percepção, talvez não seja
apenas atitude de ignorância. Torna-se de fato motivo de séria
preocupação.
Os adeptos dos rods como sendo “algo mais” que insetos e
ciscos, ao acusarem os céticos de preferirem essa explicação porque
não têm outra melhor, demonstram um constante comportamento de
fuga da realidade palpável, imediata e concebível. Evidentemente, se
for um inseto, a tendência é desviar-se de qualquer anteparo,
mormente um ser humano. Se for cisco, a emanação de calor do
corpo ou o deslocamento de ar devido ao movimento da pessoa
provocam o mesmo desvio. Como escapar de deduções tão
evidentes? Somente de uma forma – explicar que os rods são formas
de vida estranha, minúsculas naves alienígenas, quase imperceptíveis
Óvnis! Insetos “amigáveis” podem chegar bem perto, mas desviam-
se em manobras abruptas (eis nova tentativa de falso linguajar
técnico) no último segundo.
Também por ser óbvio, insetos filmados a distâncias
consideráveis apresentam-se de fato com a forma de pontos de luz
arredondados. Se captados bem perto das lentes, aparecerão nos
quadros do filme como que alongados, em uma contínua
multiplicação da sua própria forma, assemelhando-se a algo como
um vagão de trem, em virtude da velocidade, proximidade e
desfocamento.
No que diz respeito ao cálculo de velocidade, o que não está
explicado é como diabos se calculou, como principal fator, que um
rod viaje a 1.000 m. em cerca de dez quadros por segundo. Um
pesquisador, usando apenas sua ilusão de ótica, olhando a paisagem
e o movimento do rod para supor, sem qualquer fundamento, que
este viaje em distância “x” por segundo, em dez quadros de filme...
E este método, dá a entender, será utilizado para se tentar calcular a
velocidade exata. Há necessidade de mais alguma refutação? O leitor
deste livro não merece ser subestimado.

337
Tudo parece indicar que, na verdade, a questão aqui tratada,
escolhida como exemplo da mitificação de fenômenos ufológicos,
não passe mesmo é de mistificação. Num sentido mais restrito, qual
seja, de se trabalhar com ocorrências desse tipo à base de um
misticismo irresistível, pela absoluta falta de costume no trato com
corretas estruturas de raciocínio, argumentação e pesquisa. Prefere-
se neste livro dar enfoque ao simples engano, à atitude de agir
involuntariamente com essa postura que acaba por gerar desvio de
percepção e de interpretação. Isto vai desde a mencionada ausência
de costume com o pensamento isento até situações mais sérias, em
diferentes graus de intensidade.
Uma pessoa pode ser acometida de manifestar subitamente, pela
primeira vez, algum distúrbio de cunho neuronal. Nesse caso, suas
percepções, que fundamentam suas concepções, conceitos e ideias,
sofrem uma espécie de desvio. Em Psicanálise, dir-se-ia perversão.
Então, quando vê, sente, percebe ou escuta, concebe – decodifica
erradamente as impressões e pensa que é uma coisa e não é. Então,
não é incomum que o sujeito construa uma explicação, por simples
imaginação, ou mesmo adote uma "lógica" que julga ser a única
aceitável. Por exemplo, ver uma esfera no céu e achar que é uma
"nave espacial", ou observar um inseto num filme e presumir que
seja uma forma estranha que viaja a 1.650 km. por hora.
Em nível de desenvolvimento, só para ilustrar, isto se manifesta
até em idade adulta, em casos de coprofilia185 e similares, quando a
pessoa confunde as próprias fezes com confeitos, bolo, doces, etc.
Alguns dizem que isto possa ser até uma forma do que os psicólogos
chamam de "regressão consciente e involuntária". Exemplo mais
aceitável – a pessoa vê um balão, sabe que é balão, já viu muitos por
várias vezes, mas no instante do avistamento está certa de que era
uma nave extraterrestre. Sim, caro leitor, isso é muito mais comum
do que se pensa.
Por outro lado, em outros casos fica difícil saber se as percepções
sofrem um desvio ou se são potencialmente ativadas quando uma
dada situação exige. As concepções são construídas ao longo da vida
e despertadas num determinado momento. Exemplo: a pessoa não
conversa habitualmente sobre Óvnis, apenas assiste vez por outra a
185
Coprofilia – atração mórbida por excrementos.
338
um filme, lê uma revista, ouve um noticiário ou acompanha alguma
reportagem mais extensa, sempre de modo superficial. Então,
quando surge uma situação inesperada, do tipo “esfera no céu”, ou
fotografa acidentalmente uma forma estranha, ela não "desvia" sua
percepção, mas desperta-a para esse evento.
Atavicamente, ela tem toda uma “estrutura” montada sobre o
assunto, mas como nunca precisou "usá-la", não veio à tona. Na
questão da regressão consciente e involuntária há apenas uma
aparente incongruência, ou mesmo contradição, entre os termos
consciente e ao mesmo tempo involuntária. Aparente porque, no
fundo, são complementares, e não contraditórias. Transferindo isso
para a Ufologia, o sujeito vê uma luz no céu e não sabe o que é, mas
conscientemente crê tratar-se de uma nave extraterrestre (nem Óvni
mais é – já se trata de "nave"). Isto foi involuntário, porque não
houve "tempo" de montar um raciocínio lógico a respeito. A lógica
do indivíduo foi falsa – é o problema da verdade falsa. Há um fator
complicador. Esqueçamos a pessoa, sua crença, sua percepção, sua
concepção. O que é uma "luzinha no céu" ou um minúsculo corpo
estranho que riscou o filme? Poderia ser qualquer coisa, no entanto,
não necessariamente o que a pessoa achou que era.
Com o desconhecido, confrontamo-nos com o perigo, o desconforto e a
aflição; o primeiro instinto é abolir essas sensações dolorosas.
Primeiro princípio: qualquer explicação é melhor que nenhuma... A
busca por causas é assim condicionada e instigada pelo sentimento do
medo. A pergunta “por quê?” não constitui uma busca em si, mas
encontrar um “certo tipo de resposta” - uma resposta que seja
pacificadora, tranquilizante e reconfortante.
O pensamento acima, extraído de Crepúsculo dos Ídolos, de
Nietzsche, parece peça de um quebra-cabeça que encontra seu
encaixe equivalente aqui. A postura mais sensata em ciência, e mais
ainda nas chamadas “para-ciências”, é agir com raciocínio isento, o
que de pronto implica em clareza. E é daí que percebemos as falhas,
equívocos, absurdos e exageros a que o tema nos leva. Por isso
deveríamos crer cada vez menos na existência de discos voadores e
Ets, mas sem podermos dizer do que se trata, em última análise. E
isso vale para tudo em Ufologia.

339
Pode até haver a inclinação de se aceitar que discos voadores
existam, mas a possibilidade de não existirem atrai da mesmíssima
forma. O grande absurdo é o indivíduo ter uma visão nitidamente
influenciada por sentido religioso, idêntico à credulidade, não
perceber isto e vir com manifestas substituições, conhecidas por
qualquer principiante em Psicanálise e em Psicologia. Transformar
rods em um legítimo subproduto do mito disco voador/nave
extraterrestre é o mais recente e bem acabado modelo disso.
Talvez o melhor – ou pior, dependendo de como se olha a
questão – exemplo para ilustrar o que acabamos de dizer é produto
nosso, contido nas páginas de um livro chamado Aparições de
Óvnis no Brasil, de Guilherme Raymundo. Se onde há fumaça há
fogo, prenunciam-se labaredas de grandeza ímpar. O mais alarmante
é que está à disposição num dos mais requisitados sites de compras.
Não há palavras para definir a aberração que começa já no release de
divulgação, muito menos do seu conteúdo:
Não somos vossos inimigos. Não fazemos guerras de conquistas. Não
desejamos subjugar ninguém, nenhuma humanidade e nenhum povo. De
nossa parte não há justificativa nem necessidade de matar alguém.
Pertencemos a uma humanidade livre que age com livre-arbítrio.
Podemos fazer e desfazer como desejamos. Temos porém, uma missão:
não devemos permitir que o criador do universo seja ofendido, nem
consentirmos que o cosmo seja danificado pela irresponsabilidade ou
pela leviandade. Nas páginas desta obra, o autor transmite ao leitor
inúmeras informações, bem como também as suas experiências e
vivências adquiridas ao longo do tempo que vem pesquisando os
fenômenos ufológicos no âmbito de sua eterna busca na compreensão
da atuação dos seres extraterrestres em nosso planeta.

Seria humanitário preservar o leitor do barbarismo literário que se


antevê, e mais ajuizado ainda omitir a obra para não lhe fazer
publicidade, contudo, movidos pelo dever de esclarecer os fatos e
justificar a ausência de comentários, julgamos obrigação antecipar o
que pretende o autor, usando suas próprias palavras. Os grifos e os
erros foram preservados:

Os RODS SÃO REAIS

340
A alguns anos estou estudando estas formas de vida no espaço. Tenho
várias filmagens a respeito. Estes objetos são sólidos, com voos
inteligentes, acredito que controlados por entidades de altos níveis
intelectuais. Já filmei vários, de cores diferentes, de modelos diferentes,
com aerodinâmica super moderna, e voam em velocidades superiores a
qualquer aeronave que temos.
Ultimamente tenho filmado vários, na cor laranja. Durante a noite
tenho filmado Rods iluminados, ou seja corpos iluminados. Tenho
alguns colegas e amigos pilotos de aeronaves que também estão
pesquisando este assunto, com convicção total das suas existências, e
que não são insetos, pássaros, ou qualquer outro tipo de vida existente
em nosso meio. São pesquisadores acostumados com o espaço,
acostumados com aeronaves, com cursos de IFR, e de comando de voo,
que não são enganados ou iludidos com coisas vãs.
Infelizmente, é muito dificil discutir este assuntos com pessoas que não
fizeram experiências deste tipo de filmagens. Eles, os Rods ou outro
nome que lhes sejam dados, existem, e ainda nada sabemos sobre eles,
apenas temos as filmagens, cujos objetos voam em altas velocidades, e
somente são vistos com o frame do video, a exemplo da experiencia
feita no Canadá, há alguns anos atrás.
Tanto eu como os meus colegas não discutimos este assuntos com
pessoas que desconhecem este estudo e esta experiência, e se
consideram os donos absolutos da verdade.

Juntados os dois textos o que se tem é uma aberração e estreiteza


que bem demonstram quem se julga “dono da verdade”. O veredicto
cabe ao leitor. Não vamos nos alongar para não sermos acometidos
de uma explosão verbal passível de impugnar este livro antes mesmo
de se tornar um. São tapeações dessa ordem que ocupam as
prateleiras e fazem transbordar o caldeirão caótico que se
transformou a Ufologia. A incompetência e mediocridade que
grassam desbragadamente compõem o leito por onde navegam as
maiores vergonhas que se tem notícia hoje neste campo de estudo.

341
Ser ou não ser – eis a questão
“Sei que não dá pra mudar o começo,
mas se a gente quiser, vai dar pra mudar o final”
Elisa Lucinda em “Só de sacanagem”

Seria imprudente nos aventurarmos pelos campos da


Psicanálise e da Psicologia, especialmente da psiquiatria, com a
finalidade de afirmar causas e explicações definitivas para casos de
avistamentos de Óvnis. Ainda mais inconsequente seria tentarmos o
uso dessas disciplinas para estabelecer ocorrências de ordem
meramente psíquica para o comportamento dos estudiosos do
assunto. Acima de tudo, uma excursão pela seara alheia de forma
completamente não habilitada de nossa parte. O que por vezes
tentamos é relacionar uma base de ordem emocional e cultural que
tipifica esta categoria de atividade, que mesmo ainda tão informal já
se constitui como um grupo de características comportamentais
próprias.
Parece que os ufólogos vivem em constante conflito entre suas
atividades não reconhecidas por serem de uma área de conhecimento
sem estrutura lógica, e uma realidade que insistem em afirmar como
objetiva. Eles não se veem dissolvidos e dependentes pelo próprio
sistema de crenças que criaram e do qual não abrem mão,
subsidiando-o permanentemente através de luzinhas no céu, marcas
no solo, mutilações de animais, contatos e abduções, como se a
Ufologia fosse apenas isso.
O pior é que nem isso ela é! Todavia, uma observação isenta
mostra o ufólogo como alguém que, eternamente tentando atravessar
uma ponte rústica feita de tábuas podres e corda puída, de repente se
vê agarrado em ambas as pontas quando esta ameaça arrebentar.
Sem saber o que fazer diante de um evento súbito, o primeiro
impulso é o espanto, mesclado com o estupor pela hipótese “nave/ser
extraterrestre”.
Após a perplexidade, vem aos poucos a razão, demonstrando que
explicações naturais podem melhor justificar a ocorrência, e o
ufólogo comporta-se como uma criança a quem a realidade trouxe de
342
volta de um mundo fantasioso. Nesse instante, parece surgir uma
espécie de constrangimento, que ainda assim não o retira de suas
inabaláveis crenças na origem estranha de um objeto qualquer. Sinal
de que a grande maioria mantém um mínimo de sobriedade diante da
casuística, quando se prova que a coisa era bastante terrestre.
Enquanto outro tanto, mesmo diante das evidências, continua por
insistir que “não é bem assim” ou que “algo mais” esteja por detrás
da ocorrência.
Continuamos nos inspirando na casuística regional, que está mais
próxima dos autores porque muitos dos casos foram originariamente
por estes pesquisados. O Estado de Minas Gerais, como citado em
várias oportunidades, é pródigo em eventos ligados à Ufologia, mas
convém deixar registrado de uma vez por todas: nunca se soube por
que, por exemplo, o sul do Estado é tão profícuo em aparições e
casos mais interessantes, desde as chamadas abduções e alegados
sequestros de pessoas para o interior de aparelhos estranhos, até as
fotografias de presumíveis discos voadores. Alguns estudiosos
preferem a antiga suposição, até hoje sem qualquer fundamento, ao
menos teórico, concreto, de que a região “deve” atrair discos
voadores por causa de minérios. Outros falam em correntes telúricas
ou em energias próprias para a movimentação de tais objetos.
Continuamos na dança das conjecturas, o tempo todo.
Tudo o que é do planeta é telúrico. Energia pode ser desde a
eletricidade, as influências de campos eletromagnéticos até uma
infinidade de classificações. Os Óvnis ainda estão perdidos neste
mar de enorme extensão. A título de exemplo, em Passa Tempo, no
sudoeste de Minas Gerais, fala-se em minério de ferro, de “grande
interesse aos extraterrestres”. Em São Thomé das Letras, mais ao
sul, tão profícua a investigações sem qualquer método sério de
pesquisa, mas repletas de infinita mistura de cunho místico, pensa-se
na sua formação geológica como sendo “um enorme capacitor”. Por
outras bandas, as águas da usina hidrelétrica de Furnas passam a ser
o polo de atenção.
E assim vão enfileirando hipóteses, suposições, “certezas”,
possibilidades e impossibilidades, numa série interminável e
repetitiva, no melhor estilo “recortar-colar”. O máximo que se

343
conseguiu a tal respeito ficou na década de 50, e nunca mais se falou
sobre o assunto.
Os franceses Fernand Lagard e Aimé Michel detectaram um
aparente seguimento de aparições em “linhas” imaginárias formando
uma espécie primitiva de balizamento para voo, estudo a que deram
o nome de ortotenias – grosso modo, “linhas retas”. Em seus
cruzamentos, ou nas proximidades, a existência de falhas geológicas
como crateras meteoríticas, cadeias de montanhas e fendas na crosta.
Isto só serviu para, desde lá e sem nenhuma evolução científica,
bifurcar as crenças dos ufólogos, sempre ansiosos de dar ao seu
objeto de estudo um atestado laboratorial. Por seu turno, os místicos
viram nas observações dos dois franceses uma confirmação das suas
“energias” – e isso foi um pulo para a evocação dos chamados
leys186 – correntes energéticas que ligam templos antigos e ruínas
pré-históricas, por alguma razão de aproveitamento para
mentalizações e ritos de ordem mental e espiritual.
De outro lado, para mostrar que fenômenos ufológicos, sempre
por razões desconhecidas, misturam-se a ocorrências de ordem
natural que fatalmente manifestam seus efeitos em regiões com essas
características geológicas – luzes, luminescência em plantas e
pedras, vibrações em montanhas e morros, descargas esféricas de
raios, índice de relâmpagos elevado e tantas outras.
A região sul do Estado é de fato um extraordinário laboratório
natural para vislumbrarmos Óvnis e seus incondicionais seguidores.
Em agosto de 2005, a Esquadrilha da Fumaça fazia uma exibição em
São Lourenço, outra cidade também marcada por misticismo e
“teluricamente” tão importante quanto São Thomé das Letras, onde
se encontra a sede regional da Sociedade Brasileira de Eubiose187.
Sendo estação de água mineral, a maior parte dos turistas que recebe

186
Leys, são alinhamentos de antigos lugares que se estendem através do horizonte. Antigos
sítios ou lugares sagrados podem estar localizados em linha que se estende por uma ou
duas e até muitas milhas de comprimento. Um ley pode ser identificado simplesmente por
sítios com marcadores alinhados, ou quem sabe visível no chão, por todo ou em parte de
seu comprimento, através dos restos de uma velha linha reta. As Ley-lines foram
descobertas em 30 de junho de 1921 por Alfred Watkins (1855-1935), um estudioso local
e respeitado homem de negócios de Herefordshire. Conforme Chris Witcombe, no site
Earth Mysteries: witcombe.sbc.edu /earthmysteries /EMLeyLines.html).
187
Entidade de linha teosófica, fundamentada principalmente no pensamento de Helena P.
Blavatsky, fundada, no Brasil, pelo falecido professor. Henrique José de Souza.
344
é do Rio de Janeiro, grande parte com acentuada inclinação a
questões esotéricas. Durante o evento, por volta das 16 h., um filme
flagrou um pequeno e rápido objeto na trajetória das aeronaves que
faziam as evoluções aéreas.
Com o filme congelado, o objeto aparece em formato alongado,
discoidal, de cor bege. Não havia dúvidas tratar-se de um “rod”, já
tão minuciosamente analisado aqui. Na expressão regional, “é bater
o olho e notar”. Mas os ufólogos locais “bateram o olho” e viram um
disco voador. Como sempre. Tal como ocorrera na famosa
manifestação de um Óvni, ou “sonda extraterrestre” que aparecera
em um filme em outra exibição da Esquadrilha da Fumaça188, no
momento em que a asa de um dos aviões desprendia-se fazendo-o
cair. Uma coincidência conveniente.
Isto é o que pouquíssimos ufólogos percebem – a mera
impressão, a sensação visual, contribuindo para a crença, pela
simples aparência, de uma nave espacial alienígena infiltrando-se
perigosamente onde não devia. O equívoco mais primário, que se
aprende a superar nos mais elementares estudos de metodologia e
observação científica, alertado pelos antigos gregos, nos idos de
2.300 a.C. é: a realidade não é necessariamente o que vemos e
percebemos.
O alvo das filmagens eram os aviões, logo, as câmeras
apontavam para o céu e este formava um fundo claro. Qualquer
esporo de vegetal, cisco ou inseto que passasse à frente das câmeras
daria exatamente o efeito necessário à impressão de que um estranho
objeto, inteligentemente guiado, metera-se na história. Junte-se a
tantos fatores – a coincidência de uma asa acidentalmente solta por
problemas mecânicos, um palco místico de que faziam parte
ufólogos crédulos, e pronto: ali estava um disco voador. O filme e
as fotos do rod de São Lourenço foram distribuídos por Eliseu
Moncitaba da Costa como sendo a constatação da presença de UFO
na apresentação da Esquadrilha da Fumaça. Enquanto a imprensa
local e alguns pesquisadores explicavam didaticamente que o objeto
não passava de um rod, nos meios ufológicos, notadamente pela

188
O filme, estudado e divulgado pelo ufólogo Reginaldo de Athayde, de Fortaleza, CE, foi
obtido em 16 de novembro de 1996 envolvendo um dos aviões Tucano, durante exibição
na Praia de Itararé, em São Vicente, litoral sul do Estado de São Paulo.
345
internet, aparecera realmente uma nave extraterrestre, novamente em
uma apresentação da esquadrilha brasileira de acrobacia aérea.
A finalidade de citarmos esses exemplos é analisar o
comportamento e o modo de percepção dos ufólogos, ainda que
aparentemente tenhamos cometido duas contradições: primeiro,
quando mencionamos algo como “provar o óbvio”. Depois, citamos
o exemplo de como um simples bater de olhos faz notar este mesmo
óbvio, apesar de ressaltado que não se pode trabalhar com mera
impressão visual. Porém, existe um fator importante nisto tudo. O
que é óbvio, na ordem natural das coisas, conhecido por todos pela
experiência, não precisa ser provado, mas a Ufologia tem-se tornado
esquisita até quanto à lógica. Diante de acontecimentos tão
claramente explicáveis, é incrível que alguns estudiosos precisem
gastar tempo, dinheiro, gráficos, saliva, números e paciência para
“demonstrar o óbvio”. Deveria ser o contrário. O extraordinário é
que precisa ser demonstrado e provado – no caso, que um disco
voador (não adianta limitar-se ao Óvni, pois que a sigla já é
sinônimo de nave extraterrestre para a grande maioria) foi o que
apareceu numa foto.
Um mínimo de experiência permite notar quando um inseto ou
cisco passa à frente das lentes, entretanto, surgem pessoas afirmando
tratar-se indiscutivelmente de um disco voador. E será um disco
voador, até que alguém, provavelmente espumando de raiva, sinta-se
na obrigação de ir ao laboratório e elaborar exaustivos laudos para
mostrar que a coisa é mais comum e ordinária do que se pensa. Foi o
que fizeram os ufólogos Claudeir Covo e Rogério Chola, para
demonstrar a coleção de asneiras que marcam as divagações de José
Escamilla e seus admiradores quanto aos rods. Foi o que fez Chola
para barrar a sensação de que no México teria ocorrido “uma invasão
de milhares de discos voadores” 189, na verdade centenas de balões
festivos levados por correntes de ar a grande altitude. Assunto para
mais tarde. Adiantou alguma coisa? Não. Pela internet, através das

189
O ufólogo e jornalista Jayme Maussán mostrou à plateia, durante o 14° International UFO
Congress and Film Festival Convention, realizado em março na cidade de Laughlin
(EUA), vários filmes registrando inúmeros pontos em movimentos aleatórios, a grande
altitude, em algumas cidades mexicanas.
346
informais listas de discussão e boletins de grupos ufológicos190, foi
um disco voador que apareceu em São Lourenço.
Este mundo da Ufologia é realmente impressionante, peculiar
mesmo. Ficamos imaginando como interpreta a mente de um
simples interessado não-pesquisador, que apenas lê, por prazer e
encanto, os casos ufológicos. Certamente desconhece o quanto é
vítima de tantos equívocos de entendimento e erros crassos de
postura dos “formadores de opinião”. A fantasia é de vital
importância para nossa estrutura mental, mas tem, no entanto, dois
gumes afiadíssimos. Pode desenvolver a sensibilidade, fazer valer o
dom da arte, tornar concreta a realização de sonhos salutares. É o
que em palavras similares diz Herbert Marcuse no seu Eros e
Civilização191:

A fantasia liga as mais profundas camadas do inconsciente aos mais


elevados produtos da consciência..., o sonho com a realidade; preserva
os arquétipos do gênero, as perpétuas, mas reprimidas ideias da
memória coletiva e individual, as imagens tabus de liberdade.

Por outro lado, as fantasias não podem superar a realidade, o


plausível, a razão. É um átimo para a alienação, ainda que Freud
tenha afirmado que esta é exatamente sua principal finalidade.
Porém, como processo independente. É que a fantasia harmoniza a
felicidade com a razão, ambas sendo antagônicas. A primeira surge
pela idealização, pela imaginação que trabalha com o ideal, a
segunda mostra a realidade, que é o oposto. Nisto prossegue
Marcuse:

Conquanto essa harmonia tenha sido removida para a utopia pelo


principio de realidade estabelecido, a fantasia insiste em que deve e
pode tornar-se real, em que o conhecimento está subentendido na
ilusão. As verdades da imaginação são vislumbradas, pela primeira vez,
quando a própria fantasia ganha forma, quando cria um universo de
percepção e compreensão – um universo subjetivo e ao mesmo tempo
objetivo.192

190 Boletim “UFO News”, aquele mesmo que noticiara a intervenção de um


extraterrestre/espírito através de um médium no retorno do ônibus espacial Discovery,
191
Jorge Zahar Editor, RJ, p.132.
192
Ibidem, pp. 134-135.
347
Harmonia. Se houver o desequilíbrio, e a fantasia tornar-se o
único moto do pensamento e da realidade, o mundo subjetivo tornar-
se-á o único. Em nosso caso, o único onde existirão discos voadores
e suas entidades tripulantes. Pior, “Ets” insetos e naves feitas de
cisco. Veja-se como a distância entre a fantasia e a realidade, por
vezes, é enorme! Por isto ela, a realidade, é tão terrivelmente
contrária.
Jung acertou em cheio quando escreveu seu Um Mito Moderno
– usou objetos, voadores e não identificados, para suas observações.
E foi proposital, principalmente ao estabelecer um paralelo entre
arquétipos – bolas e esferas no céu – e o que as pessoas dizem
avistar. Isto continua tão válido que a Psicanálise contemporânea
trabalha cada vez mais com o conceito de “relação-objeto”, que

(...) designa o modo de relação do sujeito com seu mundo, relação que
é o resultado complexo e total de uma determinada organização da
personalidade, de uma apreensão mais ou menos fantasista dos objetos
e de certos tipos privilegiados de defesa193.

Estamos cientes de que proposições como tais aplicam-se mais a


questões de afeto, decorrentes de relacionamento paternal e ligadas à
evolução do indivíduo e a psicopatologias, mas não há pecado na
transposição do conceito, basicamente, ao comportamento como o
que é discutido neste livro. Afinal, o consagrado dicionário citado
comenta que D. Lagache, muitas vezes, destacou que a comentada
evolução inscreve-se num movimento das ideias não exclusivo da
Psicanálise, e que leva a não considerar mais o organismo no estado
isolado, mas numa interação com o meio que o rodeia194.
Surge, em quase todos os ufólogos, geralmente em idade próxima
da pré-adolescência, o impulso pelo assunto. O fascínio se
transforma em atenção constante e em coleção de dados. Todos
começam desta forma, uma trilha natural e praticamente inevitável,
coletando recortes de jornais, adquirindo livros de Ufologia e
posteriormente correndo atrás de testemunhas. Na realidade, estão
correndo atrás do fenômeno, disfarçando sua busca pelo estudo dos
193
Laplanche e Pontalis. Vocabulário da Psicanálise, p.443, Martins Fontes, SP, 1998.
194
D. Lagache apud Pontalis, ibidem, p.444.
348
fatores ínsitos à ocorrência. Posteriormente, uns seguem substituindo
a finalidade inconsciente pela trilha da pesquisa construída por
método, ainda que embrionário.
Outros perseguem seu graal, como mencionado em outro
contexto. Não arriscamos opinar que tipo de instinto concorre neste
processo. Que a aquisição do conhecimento, de que tipo for, destina-
se a algum tipo de satisfação, não se negue e nem se caia em lugar
comum. O que implica também não negar que existe interação entre
os modos de percepção da pessoa e de como ela se desenvolve em
conexão com as necessidades instintivas e com as funções do juízo e
do pensamento. 195 Fenichel comenta exatamente sobre a adaptação e
o senso de realidade.
Devemos buscar, pois, na Ufologia, os mesmos métodos e vias
racionais da pesquisa científica como modo menos arriscado de
encontrar a realidade objetiva. A apregoada abrangência de estudo,
de forma a supervalorizar conceitos de ordem puramente esotérica
inspirada em crenças de cunho místico pode, no máximo, detectar,
raramente, alguma coincidência com o conhecimento das coisas em
seus aspectos objetivos. Ou seja, o que o pensamento meditativo
presenteia por mera intuição, com relação à realidade objetiva, ou o
que textos sagrados possam conter de verdadeiro, de vez em quando,
em termos históricos ou geográficos, não chega a fundamentar
amplamente conclusões ainda ausentes de fundamentação válida.
Ainda segundo Fenichel, ao lado de fatores constitucionais

(...) a experiência determina a que ponto tem êxito o desenvolvimento


do senso da realidade, a que ponto o mundo primário, vago, mágico,
temeroso, baseado em projeções e introjeções se transforma em mundo
julgado “real”, mundo a que reagem as forças aloplásticas – fatores ou
componentes que psiquicamente induzem à percepção de um objeto que
na realidade não existe – do indivíduo e que não é influenciado por
esperanças, sem medos; a que ponto persistem as formas antigas. É o
que nunca se realiza inteiramente. A realidade objetiva é
experimentada diferentemente por indivíduos diferentes... 196

195
International Journal of Psychoanalysis, The Synthetic Function of the Ego, XII, 1931,
apud Otto Fenichel, Teoria Psicanalítica das Neuroses, Atheneu, p. 46, SP, 1998.
196
Ibidem.
349
Assim, a atitude científica pelo método é a única que leva à
compreensão mais ausente das influências individuais acerca da
realidade objetiva. Os discos voadores têm sido, até agora, um
fenômeno de altíssimo risco quanto à participação dos fatores
subjetivos em excesso, na trilha da sua compreensão. O que nos
permite voltar à região sul mineira, este atrativo celeiro para os
Óvnis. Dois eventos significativos – e muito sintomáticos,
aconteceram na cidade mineira de Cambuquira, em abril de 2006,
como já sumariamente relatado. Aqui, entretanto, voltamos ao tema
de forma um pouco mais detalhada para encorpar nossa
argumentação e tornar claro o raciocínio.
No Morro do Piripau muita gente se aglomerava para uma
demonstração de saltos em paraglider. Da rampa de decolagem,
Maria Aparecida Santana Santos fotografava o salto do delegado de
polícia especial José Eduardo Zappi, que levava um passageiro em
seu paraquedas. Eram 12:47 h. A olho nu, a autora da foto só viu o
amigo saltando, mas depois a foto revelou algo estranho. Bem à
esquerda do paraquedista surgiu um objeto de formato atípico,
composto de partes arredondadas, brilhantes, com aparência metálica
e deformado em sua esfericidade, saliências sugerindo antenas,
protuberâncias, apêndices, ou seja, algo disforme, nada parecido
com qualquer coisa vista antes que pudesse ser identificado à
primeira vista.
Além do ponto em comum na maioria das fotos que retratam
rods, que é a não observação visual do objeto fotografado, apenas
notado após a revelação do filme, ou da exposição da fotografia na
tela do computador, a imagem obtida faz perceber, logo de imediato,
que existe nítido desfocamento entre o motivo principal e o suposto
Óvni. Este detalhe não é percebido apenas ao se olhar os motivos
fotografados, mas pode ser constatado na ampliação através de
softwares de tratamento de imagens, na qual os contornos tornam-se
“pixelizados”, ou seja, a definição dos pontos que compõem a foto
mostra a menor nitidez do objeto fora de foco.
Também neste caso, um objeto qualquer, podendo ser desde um
pedaço deformado de papel ou de plástico, relativamente pequeno,
que passou entre a câmera e o alvo da foto, de imediato tornou-se
um “UFO”, ao menos para a precipitada análise dos impacientes

350
ufólogos. Para sua felicidade, uma providencial coincidência fez
com que a fotografia se tornasse, o que é de costume, razão de
agitada histeria pela internet graças às já folclóricas “listas de
discussão”. Isso obrigou, mais uma vez, que especialistas mais
sóbrios entrassem em campo e, em certo sentido, dispensassem sua
valiosa atenção a uma absolutamente desnecessária pesquisa.
É que na ocasião acontecia, naquela cidade, o “I Encontro
Trilógico de Ufologia”, do qual participava o hipnotizador prático
Mário Rangel, que não possui formação na área de saúde mental,
mas é muito conhecido por suas investigações de casos ufológicos
com o uso de regressão de memória. Segundo Rangel, por e-mail,
curiosamente mais uma vez um Óvni apareceu em local onde se
realizava congresso de Ufologia, dessa vez convenientemente
formado por três partes diferentes, e que está sendo chamado de
Óvni Trilógico de Cambuquira. Mesmo deixando que os conceitos
de uma tal “trilogia” fique por conta dos fundadores de mais esta
seita, embasada nas acepções do psicanalista Norberto Keppe em
cuja trilha fundou-se uma chamada “Associação Stop a Destruição
do Mundo”, observa-se curiosamente o imediatismo que assalta
ufólogos ao fazerem analogias óbvias por meras coincidências de
ordem semântica, com projeção em algo físico. Uma circunstância
“trilógica” (sic) coincidindo com a aparição, em foto, de um objeto
“trilógico”, “tripartite”, em um congresso de Ufologia “trilógica”.
Ora, o fato de que em fotografias assim o objeto somente seja
notado após a revelação, é sinal claro se tratar de algo pequeno que
invadiu o cenário retratado, e que naturalmente nem despertou a
atenção, mas, dentro do contexto em que se deu o fato, isso se torna
irrelevante. A coincidência é mais do que isto. Três vezes mais, ao
que parece. Torna-se lógica. Uma lógica extraterrestre, talvez
mesmo transcendente em “razões que a própria razão desconhece”...
e às favas com esta tal de razão. Como quer que seja, estou muito
curioso com essa foto, inclusive porque fui um dos oradores no I
Encontro de Ufologia Trilógica em Cambuquira City/MG, no mesmo
fim de semana em que a foto foi batida em campeonato de
paraquedismo, ou seja, eu estava muito perto do que ocorreu, seja
lá o que for, afirmou Rangel em outro e-mail. Reforçamos ao leitor

351
que mantivemos a fidelidade das transcrições incluindo erros de
grafia, gramaticais e concordância.
Quando os que atuam com maior objetividade, portanto umas três
vezes menos visionários, arregaçaram as mangas, o discurso
começou a mudar até “normalizar-se” e baixar seu tom festivo. O
mesmo Rangel, por exemplo, resolveu enviar a foto a 12 escolas de
paraquedismo do Brasil e Portugal, para tentar relacionar o objeto
fotografado a algo conhecido na área. Excelente atitude. Nunca é
tarde. Outros mudaram o tom para algo mais “material” e
procuraram qualquer relação com sondas de análise atmosférica,
mesmo que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE,
através de seu especialista em balões, o ufólogo científico Ricardo
Varela tenha informado que nenhuma atividade desse tipo abrangeu
a região de Cambuquira. Como antes frisávamos, mesmo o óbvio
precisa ser aquilatado.
O episódio encerrou-se com duas curiosidades, uma delas
extremamente importante. O ufólogo Claudeir Covo divulgou várias
opiniões que recebera de correspondentes e interessados, no tocante
ao que imaginavam visualizar na foto em questão. Embora já
tenhamos mencionado algumas dessas interpretações, pedimos
licença para divulgar a relação completa, na íntegra, sem correções e
não autorizada. Com a palavra os psicólogos da Gestalt e os
conhecedores do teste de Rorschach. Eis o que alguns viram na foto
do “UFO Trilógico”:
- Acho que é um beija-flor, com um ramo no bico;
- Um ovo de páscoa;
- Um humanoide, cuja aparição ocorreu devido à realização de um tal
evento de Ufologia Trilógica;
- Pode ser uma ave em voo, comendo uma borboleta;
- Uma abelha voando perto da câmera;
- Um pilotinho aberto tirando um paraquedas do invólucro com o
paraquedista usando macacão prateado;
- Parece ser um paraquedas balístico (de aeronave) com uma aeronave
pendurada nele;
- Queda e reentrada de satélite;
- Poderia ser o paraquedas principal que foi descartado por apresentar
falha;

352
- Se ampliarmos a imagem podemos ver o cabo do paraglider à direita
da mesma, portanto é outro paraglider ou um balão usado para fins
obscuros, como por exemplo o descrédito da Ufologia. Atenção para
a direita da figura ampliada, descendo na diagonal a marca dos
cabos de um paraglider;
- Definitivamente trata-se de outro paraglider. Notam-se os cabos na
parte de baixo e o paraquedas ou asa inflável está torcida, talvez por
uma manobra mais radical de seu piloto;
- Parece uma pessoa caindo sem abrir o paraqueda;
- Parece ser um paraglider visto por baixo. Nem precisa ter pego uma
corrente de ar, pode ser que ele tenha feito uma manobra e com isso
na hora da foto saiu essa coisa esquisita;
- Me parece um segundo paraglider. Ele pode ter pego uma corrente de
ar quente e ao subir, fez uma curva e “entortou”. A foto foi obtida
neste momento;
- Posso (claro) estar errado mas parece um balão (talvez dois) com
alguma coisa pendurada... mas...;
- Paraquedas não abriu e o paraquedista entrou no capacete;
- Paraquedista ou skydiver;
- Casulo de bicho de seda grudado na lente.

Está explicado este nosso capitulo, caro leitor?


Justiça seja feita. Os autores deste livro têm sido frequentemente
acusados de incrédulos – o que agradecemos com sinceridade – mas,
maldosamente até, de detratores da Ufologia. Repudiamos esta. Não
discriminamos quem opta pela linha chamada mística, apenas
ressaltamos o grande distanciamento de posturas e o absurdo de se
querer dizer que se compatibilizam ou devam se harmonizar, à
maneira de Dawkins, que ressalta o engano de se achar que ciência e
religião devam andar de braços dados.
Provando isto, tomamos a liberdade de destacar que, durante as
discussões em torno dessa “coisa esquisita” fotografada naquela
cidade mineira, ao final das contas uma opinião deve ser destacada
como exemplo de isenção e coerência. Exatamente a de um ufólogo
da “banda mística”, Eustáquio Patounas, autor de vários livros da
corrente que trabalha com base em alegados contatos telepáticos ou
mediúnicos entre pessoas, inclusive ele, e seres evoluídos de outros
planos. Participando dessa discussão via internet, Patounas disse que

353
o Óvni de Cambuquira realmente desperta o fascínio e o interesse
por algo que, dependente ou independente de nós, vem ocorrendo
por uma realidade ainda não inteiramente compreendida, cujo valor
deve ser buscado. Algo que, em acontecendo, poderia ter sido, no
entanto, desde uma nave extraterrestre, um ser energético evoluído
manifestando-se em outro plano, ou algo que escapa inteiramente ao
entendimento humano... a um pedaço de papel, um inseto, um cisco,
um plástico tocado pelo vento... Nada como um mínimo de bom
senso para botar ordem na casa. Pena que esporádico e isolado.

354
Basta só um pouco de inteligência

A nossa maior ignorantice


é dela não termo nem consciência!
Daí nós seguí na mesma mesmice
Negando-a com toda a nossa eloquência.
Os Ignorantes, Pedro
Cardoso (trecho)

Este capítulo indica que estamos chegando ao final do livro, mas


não da nossa proposta. Como plantamos logo nas primeiras páginas,
queremos que ele seja o embrião de uma nova concepção de estudos,
por isso, mais uma vez o lirismo de Mário Quintana é uma pérola: O
leitor que mais admiramos é aquele que não interrompeu a leitura e
está continuando a viagem por conta própria. Prepare-se, portanto,
porque a sua viagem está apenas começando. Estas páginas
cumpriram a função de acolher nossos textos e compor uma obra a
catapultar o leitor para um novo universo de reflexões e percepções.
Muitas coisas aconteceram no transcorrer deste trabalho. Além da
leitura, da pesquisa permanente e da imprescindível atualização,
fatos e situações inesperadas forçaram-nos a ajustar algumas
passagens, reescrever parágrafos inteiros, adicionar comentários e
até escrever um capítulo não programado, o que não representou
nenhum desprazer nem apressou o desejo de terminar a obra em
detrimento da sua qualidade. Em nenhum momento, curiosamente,
tivemos que corrigir ou eliminar qualquer trecho que estivesse em
desacordo com o panorama apresentado. Isso é significativo em se
tratando de um tema com alternâncias totalmente imprevisíveis.
Significativo porque representa, de um lado, que os escritos não
sofreram descontinuidade nem estiveram fora da realidade, ao
contrário, foram confirmados e reforçados em sua maioria. E, por
outro, que aquelas alternâncias não foram tão imprevisíveis assim –
já eram esperadas, de algum modo.
Debruçados neste projeto, por várias vezes provocamos a
polêmica justamente para sentir se o que estávamos preparando iria
355
“ao encontro” ou “de encontro” ao pensamento disseminado pela
corrente ufológica contemporânea. O leitor, inteligente como é,
deduziu a resposta. Alguns ufólogos, em número insuficiente sequer
para se chamar de minoria, decidiram, como nós, desligar-se de vez
da autodenominada comunidade ufológica brasileira tal a profusão
de besteiras que turva o ambiente, só porque se propuseram a
questionar o “inquestionável”, discutir o “indiscutível”, negar o
“inegável”, incomodar o acomodado.
A Ufologia caminha, não podemos negar, a passos largos, porém
na contramão do bom senso, à claridade dos fatos, à busca da razão.
Caminha flagrantemente em direção ao endeusamento de Ets, à
aceitação tácita de qualquer acontecimento sem um juízo consistente
de sua procedência, à mistificação desenfreada e irresponsável, ao
mercantilismo, à estupidificação explícita pela falta de iniciativa e
atitude em prol de um crescimento genuíno. Uma postura crítica não
implica, necessariamente, em condenação de fatos e pessoas, mas se
apresenta, em larga medida, como instrumento de confrontação ao
conformismo e estagnação.
Se esse é o sentido inverso, poderá o mesmo leitor perguntar –
qual é o caminho então? A resposta para essa questão está embutida
em vários pontos deste livro: podemos não estar certos qual a
direção correta, mas estamos seguros qual é a errada. Depois de
meio século andando a esmo num labirinto escuro, não é de uma
hora para outra que iremos encontrar a saída. Há que se ter paciência
e perseverança para começar tudo de novo, algo que, para isso,
definitivamente, poucos têm. Ao que tudo indica, o melhor caminho,
o mais seguro e aquele que promete maiores esclarecimentos para
um tema tão obscuro e contraditório é a ciência.
Mesmo que falhe às vezes, mesmo que leve um tempo maior que o
desejado, que exija dos investigadores conhecimento além das suas
necessidades diárias, a ciência ainda é o meio mais adequado para
uma tentativa de aproximação ás respostas que tanto queremos.
Se não podemos confiar no depoimento humano como
testemunho cabal dos fatos – e vimos que não podemos mesmo. Se
não podemos aceitar que nossos sentidos sejam a única estrutura
cognitiva disponível em razão até da nossa limitação mental para
apreender tais mistérios, e vimos isso também aqui. Se não podemos

356
admitir como “prova” – no sentido literal do termo – fotos,
filmagens, registros diversos, pois que são inteiramente passíveis de
erros, isto foi amplamente mostrado.
E, finalmente, se não podemos acolher como informação
fidedigna “vozes”, “contatos”, “mensagens”, “canalizações” e outros
meios ainda mais exóticos como explicações convincentes e
definitivas para o fenômeno, não resta outra via a não ser a pesquisa
embasada em uma metodologia aplicada e rigorosa. Simplesmente
não há alternativa, por mais que esperneiem e vociferem os adeptos
de todas as outras linhas de atuação.
Essa é nossa conclusão, baseada em uma dedicada, prudente e
isenta análise da Ufologia, independente do seu lugar no mapa e na
história. Os fatos gerados por essa mesma história nos conduziram e
determinaram esse ponto final. A Ufologia, ou mais exatamente os
ufólogos em sua quase totalidade, não aceitam o fracasso de suas
pesquisas por motivos vários: orgulho, vaidade, intransigência,
egoísmo, imaturidade, precipitação, empáfia.
Não estamos falando de erros banais, falhas de pesquisa,
diagnósticos imprecisos, estudos inacabados, que isso é inerente ao
trabalho. Não. Estamos falando da concepção que têm do fenômeno,
do ponto fulcral em que se baseiam na percepção do todo – que
metaforicamente poderíamos chamar de “pecado original”, mais
apropriadamente, “engano primordial”. Também já dissemos isso,
mas não custa repetir: a árvore não deixa ver a floresta. O Óvni não
deixa ver a Ufologia.
Mas há uma outra conclusão, desta vez alicerçada não só nos
mesmos critérios acima como também na prática diária, no contato
com a testemunha, na pesquisa de campo, no encadeamento de todas
as variáveis, na reflexão. Durante décadas a Ufologia se dividiu
entre as linhas “mística” e “científica” como se pudessem conter as
respostas procuradas. Nenhuma outra ousou intrometer-se nessa
dualidade, embora algumas frágeis e breves investidas tenham sido
tentadas. Assim, nesse rio de águas revoltas pelas incertezas e
margens escorregadias, optamos por ancorar nosso barco na terceira
margem197, aquela que oferece segurança e certeza de solo firme.

197
Não por acaso nos referimos ao conto de Guimarães Rosa, A terceira margem do rio. Em
Outras Histórias. Segundo Rosa, a terceira margem é a saída em direção ao infinito e, ao
357
Quando apontamos a ciência como um caminho viável para elucidar
alguns aspectos da Ufologia, não estamos nos restringindo apenas ao
campo das ciências exatas, mas fundamentalmente às humanas –
Psicologia, Sociologia e Antropologia, porque entendemos que o
fenômeno é mais psicossocial que físico. Requer antes uma análise
do homem do que das supostas características físicas dos
presumíveis Óvnis. Imaginamos que, apenas pela leitura dessa
afirmação, aconteçam dois fatos distintos e ao mesmo tempo
interligados: os seguidores da vertente mística ou estão se rolando de
rir ou nos olhando com desdém e pena. Perfeitamente compreensível
e esperado.
Mas é confortante saber também que o caminho percorrido até
chegar a essa conclusão teve balizadores respeitados e reconhecidos,
ícones da Ufologia mundial, pensadores autênticos não
compromissados com uma linha específica de conduta, mas única e
exclusivamente com o bom senso e com a reflexão ampla. O extrato
que se obtém destes pensamentos pode ser resumido em três pontos
básicos:
1. A noção que se tem hoje sobre a Ufologia é que os
“contactantes”, deuses astronautas e interpretação bíblica nos
moldes ufológicos, são guias do passado, mentores do
presente e interventores do futuro na realização dos grandes
feitos, enquanto que, em outro extremo, o homem é o único
responsável pelas inomináveis tragédias. Dois pesos e duas
medidas: somos muito bons para o mal e muito ruins para o
bem. Não se percebe que só à humanidade cabe decidir sobre
seu destino. A sujeição ao extraterrestre é o maior dos
venenos, em todos os sentidos. É a “árvore de dourados
frutos”.
2. A crescente e desmedida “ufolatria” é cova funda pronta a
receber andarilhos incautos, crédulos e desconectados com a
realidade e a emergência de um novo modo de pensar a vida
e agir no mundo. A irracionalidade mística faz cada vez mais
adeptos ineptos.

mesmo tempo, à continuidade. É a verdadeira solução para os problemas, pois transcende o


ser e só quem tem sensibilidade poderá enxergá-la.
358
3. A comunidade científica precisa considerar a Ufologia, desde
que esta se apresente com credibilidade e conteúdo e não
estimule a rejeição e o escárnio. Será uma equação insolúvel?

Então é chegado o ponto da viagem em que é necessário


consultar o mapa, rever o caminho trilhado, encontrar nossa posição
na estrada e avaliar as opções que temos pela frente. Daí surge a
pergunta capital que tentamos responder algumas vezes, de formas
diferentes e por outras palavras que não somente a nossa: para quê a
Ufologia existe?
Para quê servem os discos voadores e os extraterrestres? Diante
de tudo o que foi mostrado, após a leitura atenta e imparcial desta e
de muitas outras obras, depois de muita ponderação envolta no mais
profundo silêncio, aquela “luz no fim do túnel” parece surgir tênue.
Ao lado das indefectíveis respostas “para ampliar nossa consciência
sobre o mundo, sobre a vida e sobre nós mesmos”, “para derrubar
nosso antropocentrismo”, “para reavaliar os paradigmas que regem
nossa existência”, todas válidas, diga-se, acrescentamos
modestamente a nossa, de cunho menos metafísico e transcendental:
para não se sentir só no universo, o homem tratou logo de arranjar
companhia, e a Ufologia veio a calhar. Enganosamente simples.
Extremamente complexa.
Basta olhar à volta para entender que tudo se resume numa só
palavra: solidão! Essa é uma questão cultural antiga que atinge todos
os povos em todos os tempos. Não há um único ser vivo em toda a
face do planeta que deseje ou goste de ficar só, por todas as razões
que se possa levantar. Mesmo entre os animais é fácil observar a
procura de parceiros entre as espécies, ou até de espécies diferentes.
Continue olhando e perceba que até o mais desafortunado
morador de rua tem um cão como companheiro, por mais vira-lata e
maltratado que seja, com quem reparte o pão duro e o trapo imundo
a que chama de cobertor. Um idoso, viúvo há anos, imprescinde da
presença dos netos, dos filhos, do indefectível e prazeroso jogo de
damas e das conversas políticas na praça, todo santo dia.
É angustiante, um sofrimento desnecessário e depressivo para o
ser humano sentir-se só, à margem dos acontecimentos, alheio ao
que se passa no mundo e nutrindo a sua impessoalidade. Não
cometemos nenhuma heresia ao afirmar que até mesmo a “criação”
359
de um deus – quem criou quem, afinal? – tem o propósito de
preencher esse vazio existencial. Se a religião não o faz, a ciência
deve. Se não há um deus, que haja um ex machina, um “alguém”,
seja de onde for, do “além” – espíritos –, ou das estrelas – “Ets”.
Poderíamos extrapolar essa argumentação e filosofar falando sobre
os rituais da morte e do morrer e a diversidade cultural desse
aspecto, mas isso significaria escrever um novo livro. Campbell foi
fundo nesse tema ao pesquisar sociedades antigas e modernas e suas
lendas e mitos. Em todos eles há um aspecto em comum, aliás, três:

1. A criação do mundo, o nascimento e a morte: não estamos


sempre fazendo as perguntas quem somos, de onde viemos e
para onde vamos?
2. As contradições entre criação e destruição, vida e morte,
deuses e homens: as mesmas mãos que dão a vida, tiram-na;
não somos deuses, mas adoramos homens semideuses e
muitas vezes nos colocamos como tais através dos super-
heróis do cinema, da literatura e da televisão.
3. O esforço de juntar ou harmonizar essas oposições para atenuar
nosso sofrimento: se os deuses do passado são incapazes de
nos atender, os do “futuro” serão. Estamos falando, em última
análise, de imortalidade, algo que o ser humano sempre
procurou, por todos os meios e de todas as formas. Inclusive
através da Ufologia.

Aquilo que dissemos páginas atrás se confirma aqui: se a


Ufologia não existisse, seria preciso inventá-la. Pois alguém
inventou. E não se pense que a busca de “vida extraterrestre” seja
prerrogativa de ufólogos, místicos, contatados e abduzidos, porque a
ciência também se engajou nessa procura com o Projeto SETI e
congêneres. Nenhum dos lados chegou a lugar algum, mas pelo
menos um deles mantém os pés firmes no chão, de onde se
depreende que caminha com mais segurança seja em que terreno for.
De todo modo, mesmo que não concordem com tudo o que foi
expresso aqui – e provavelmente não concordam – não poderão dizer
que não tentamos encontrar uma proposta alternativa mais
inteligente e nos acusar de omissos, submissos, conformados ou
covardes. Não há mordaça que nos faça calar ante a impunidade e o
360
descalabro que se oferece à luz do dia, e a frase de Arthur Clarke
desponta como síntese desta obra:

A única lição que aprendemos com os Óvnis é que eles não nos dizem nada a
respeito da inteligência alhures, mas dizem muito sobre a inteligência aqui na
Terra.

Quem sabe não floresça aqui uma força-tarefa invisível da qual


você, leitor, passe a integrar, como testemunha e aliado natural por
nos acompanhar até o fim, encorajado, quem sabe, pela força de uma
argumentação inaugurada sob os auspícios da sobriedade e da
lucidez. Cabe adotar uma postura cada vez mais exigente no que
concerne à reavaliação crítica desses fatos e tomar as rédeas de
nossas escolhas. Nosso papel é refletir, sem tréguas, por outras vias,
sepultar crenças e deuses que não mais se sustentam, rever os
paradigmas e ajustar o foco de nossa lente, ou corremos o risco de
entrar em um curso inexorável de anemia intelectual. As mudanças
estão acontecendo em nosso entorno, e não é dos novos modelos de
celulares que estamos falando. Há um senso ético e moral com
respeito às novas formas de pensar.
O choque do futuro nos atinge permanentemente e o entrechoque
da diversidade cultural é um avanço, não um entrave. As
transformações são mais profundas e mais aceleradas do que
podemos acompanhar. A era dos milagres ficou para trás há muito
tempo, o cometa Halley deixou de ser prenúncio de fim do mundo e
quem ainda não percebeu isso está carimbando seu passaporte para a
ilha da fantasia. Vivemos uma crise de inteligência nivelada por
marcadores perigosamente mínimos, sabotada pelo mercantilismo da
informação padronizada e anódina.
A curiosidade intelectual – presente dos deuses – tem sido
ignorada no circuito ufológico. Precisamos resgatar, cultivar,
conservar e multiplicar essa qualidade humana, o que temos de
melhor e único diferencial que nos distingue das outras espécies.
Não podemos esquecer o histórico de desacertos para não repeti-lo, e
encampar uma perspectiva que nos livre do atoleiro em que nos
encontramos. Não basta escutar, é preciso ouvir. Não basta olhar, é
preciso ver. Não basta agir, é preciso pensar. A Ufologia já foi um
exercício de tentativa-e-erro, e se as propostas do passado
361
redundaram em erros assumidos, é hora de apontar a proa para novas
águas e buscar novos horizontes.
Nosso continente de pesquisa é extraordinário, porém, com uma
topografia acidentada em terreno arenoso e traiçoeiro. Não podemos
ficar estáticos e extáticos indefinidamente em nosso bünker sob pena
de nos emparedarmos vivos. Quando o físico Freeman Dyson foi
convidado pela revista OMNI a redigir um texto que seria enviado a
extraterrestres, se pudessem nos entender, escreveu: Prezados
alienígenas, seu silêncio nos envergonha. Por favor, desculpem-nos
por fazer tanto barulho neste lindo Universo que dividimos com
vocês. Por favor, sejam pacientes diante de nossa impaciência,
sejam delicados quando formos grosseiros, sejam sábios quando
formos idiotas. Somos uma espécie jovem, que ainda tem muito a
aprender. 198 Já o cientista planetário David Grinspoon seria mais
irônico caso encontrasse um Et pela frente: Como vocês conseguem
conviver sem se destruir? Vocês têm um manual sobrando?
Em outra passagem de sua peça Os Ignorantes, o autor, ator e
diretor Pedro Cardoso declama mais versos do seu personagem, e
dois blocos espelham nosso pensamento a respeito da criatura
humana em seu perpétuo conflito entre vicissitudes e virtudes. Por
não se reconhecer incapaz em tantas coisas, o homem busca por
todos os meios uma resposta que confronte esse não-saber:

Nossa ignorância, e dela o disfarce


que é ser de si mesma desconhecida,
provoca um defeito na interface
que liga nós mesmo c´as nossa vida.
(...)
Por isso ninguém liberta-se a si
para um dia pensar então diferente
dos seus interesse, e assim conseguí
olhar para o mundo mais livremente.

Há muito trabalho pela frente. Precisamos deflagrar um espírito


anárquico para estabelecer uma nova ordem estética de ver o mundo,
contra-atacando diretamente na raiz das imposições. A falácia
contumaz da palavra entronizada agoniza diante da efervescência de

198
Mundos Imaginados, Companhia das Letras, SP, 1998.
362
um novo modelo discursivo.
Se a história se repetir como tem se repetido ao longo da história,
e a redundância obviamente é proposital, quem sabe uma nova safra
de pesquisadores seja estimulada a pensar antes de agir e uma nova
geração de cientistas se disponha a abrir suas oficinas e reinventar a
pesquisa. Adaptando a frase dos astrônomos Cocconi e Morrison, a
probabilidade de sucesso é difícil de estimar, mas, se não tentarmos,
a chance será nula199. De nossa parte, plantamos, sem qualquer
garantia se haverá colheita ou se a ela vamos assistir. Se nada disso
acontecer, ao menos levaremos conosco o singelo e proverbial
pensamento do cartunista Henfil – Se não houver frutos, valeu a
intenção da semente.

199
A probabilidade de sucesso é difícil de estimar, mas, se não pesquisarmos, a chance será
nula. Giuseppe Cocconi e Philip Morrison, do Centro de Pesquisa Ames. Citado por
Ronaldo Rogério F. Mourão in Quem É Vivo Sempre Aparece. DP&A, RJ, 1997.
363
Reflexões periféricas

Terra ou cabeça oca?

Sempre que este assunto era colocado em pauta em nossas


palestras, debates, mesas-redondas ou simples bate-papos,
retrucávamos, de maneira acintosamente irônica, com um plágio do
físico Ted Bloecher: Oca devia ser a cabeça de quem inventou essa
história. Sarcasmos à parte, é realmente espantoso como um grande
número de pessoas admite que possa realmente existir uma
civilização no interior da Terra, convivendo pacificamente com os
habitantes “de fora” – ou deveríamos dizer “de cima”?
Deve ser o mesmo grupo que abraça a ideia de que o homem
nunca esteve na Lua, ou acredita no monstro do Lago Ness ou no
abominável homem das neves. As fotos aérea e por satélite vistas
abaixo dão a noção exata de quando se fala em milhares de
quilômetros de extensão. Trata-se da maior mina de extração de
diamantes do mundo, localizada próxima à cidade de Mirny, no
coração da Sibéria Central, Rússia, e tem “apenas” 1.250 metros de
diâmetro por cerca de 500 de profundidade. Imagine agora como
seria um buraco de seis mil quilômetros, como alegam os defensores
da Terra oca!

364
É um assunto tão descabido que chegamos a pensar em não
escrever uma linha sequer, a exemplo de muitos outros que não
mereciam nem meia página deste livro, mas decidimos pôr uma
pedra em cima desse buraco. Não há nenhuma evidência geológica
ou geográfica a esse respeito, nenhuma argumentação com um
mínimo de lógica e lucidez e nenhum embasamento científico que
abone tais afirmações. Tudo não passa de uma teoria estapafúrdia
surgida por volta de 1690, retomada no século 19 e que ganhou força
a partir da publicação de obras pretensamente sérias que fomentaram
a ideia.
Buracos descomunais – seis mil quilômetros de diâmetro nas
calotas polares, uma distância superior ao eixo norte-sul do Brasil;
estranhos fenômenos luminosos observados nessas áreas, cavernas
inexploradas em regiões inóspitas do planeta, bases submarinas em
profundezas abissais, tudo serviu como pretexto para provocar
fantasias e, como não poderia deixar de ser, tornar-se mais uma
hipótese da origem dos Óvnis e dos extraterrestres. Perdão, neste
caso “intraterrestres”. Para que o assunto ganhasse aura de
“hermético”, usou-se, entre vários nomes conhecidos do ocultismo, o
de Helena P. Blavatsky, fundadora da Sociedade Teosófica, que teria
feito referência em duas de suas obras200 sobre a existência de
civilizações intraterrenas.
Apelou-se também a Platão que, em seu diálogo Timeus e Crítias,
menciona o continente desaparecido de Atlântida e seus habitantes,
os Atlantes: Para além daquelas que hoje se chamam colunas de
Hércules, acha-se um grande continente dito Posseidônis ou
Atlantis... poderia ser apenas uma ilha que existiu no Atlântico ou no
mar Egeu, segundo algumas teorias, e que deve ter submergido
durante um acidente natural. Antes que isso acontecesse, porém, os
sábios atlantes construíram túneis interligando várias regiões,
dando continuidade à sua sociedade nas terras que ficaram
conhecidas como Agharta ou Shamballah201, uma variação do
lendário nome de Shangri-lá, que realçou o mito de uma terra

200
Ísis sem Véu e A Doutrina Secreta, 1888.
201
Hilton, J.; Horizonte Perdido, Claridade, SP, 2002.
365
paradisíaca oculta nas montanhas do Himalaia e que seria um dos
portais de acesso aos mundos subterrâneos. Uma história
romanceada que suscitou nas mentes mais permeáveis a ideia de um
verdadeiro paraíso terrestre.
Será que as prospecções feitas nas camadas profundas do planeta
com a mais moderna tecnologia não teriam revelado esses “bolsões”
ou os intermináveis túneis que se alega existirem? Será que a
cartografia elaborada por satélites não teria detectado essas imensas
crateras polares? E os abalos sísmicos, tsunamis e terremotos
destruidores que se registram repetidas vezes em toda a superfície,
não abalariam as estruturas desse mundo oculto, soterrando seus
supostos habitantes? Será que temos mais uma conspiração do
silêncio por aqui? Improvável. Pois pensamos que tudo não passa de
fantasia e lenda, principalmente esta. É nesse caleidoscópio de
relatos sem fundamento que se construiu a teoria da Terra... oca em
sua própria nascente.
Essa ideia parece atrair, em especial, aos esoteristas de algibeira e
ufólogos místicos. A existência de cavernas, grotas e grutas é um
fator para criação de cultos em todo o mundo, e no Brasil, onde
existem em profusão, servem a práticas diversas. Em Minas Gerais,
os espeleólogos estão perdendo espaço para os místicos, cujo papel
torna certas regiões mais conhecidas do que pela atuação das
ciências. Quando geologicamente essas regiões são caracterizadas
por montanhas de pedra, o clima fica completo.
Uma “energia” desconhecida se presta aos mais diversos tipos de
prática. Isto não é novo. Pensa-se inclusive numa simbologia
acionada pelo inconsciente para representar a si mesmo, ou seja, a
penetração em mundos obscuros e subterrâneos, tal como o
inconsciente é geralmente representado. Nele, nossas pulsões,
principalmente transformadas em terror ou perplexidade como o
medo da morte e do desconhecido. Cavernas representam bem isto,
ao lado do desconhecimento do que esteja escondido, oculto, no
interior do sujeito ou no próprio mundo real. O Mito da Caverna
platônico vem novamente à baila.
Concentremos-nos numa pequena cidade, conhecida em todo o
mundo, a bucólica São Thomé das Letras, já mencionada aqui,
situada a pouco mais de 300 km. de Belo Horizonte. São Thomé

366
desenvolveu-se lentamente há pouco mais de vinte anos, quando
comerciantes vindos principalmente de cidades paulistas se
instalaram abrindo lojas, a maioria, claro, vendendo produtos
místico-religiosos. Até pouco tempo não havia pousadas ou hotéis, a
não ser algumas residências modestas em que se podia alugar um
quarto a preço módico.
Durante mais de 40 anos de visitas, pudemos observar uma
peculiaridade na reação dos visitantes. Enquanto algumas pessoas se
sentem muito bem, alegando “leveza” e bem-estar ímpares, outras,
ao contrário, detestam a cidade. À parte a influência psicológica e
emocional de se encontrar um lugar em que as pessoas comentam
haver “algo estranho”, não há meio termo – ou se ama ou se odeia.
Como mera possibilidade, escolhemos tentar observar se há uma
razão puramente física para isto. E tudo indica que sim.
O óbvio nem precisaria ser comentado, pois os enlevados pelo
misticismo fatalmente acham uma sensação diferente, pois que o
desejam tê-la. Alguns, no entanto, se decepcionam com a má
conservação do lugar, notadamente quanto à arquitetura, não
havendo até hoje um plano de obras que evite a destruição das
construções antigas ou mesmo a conservação de suas fachadas. O
pouco que resta das antigas casas erguidas com pedra sobre pedra,
sem argamassa, fica por conta da boa consciência de alguns
cidadãos.
Mas há também quem reclame de um “peso”, incômodos como
dores de cabeça e falta de ar. Tudo pelo mesmo óbvio. É um lugar de
elevada altitude – o ponto culminante na cidade, a Serra do Cruzeiro,
está a 1.493 m, enquanto no município o Pico do Gavião fica a 1.541
m. Não serve a quem tem problemas respiratórios ou de pressão.
Estes passam mal mesmo.
A razão principal do mal estar, no entanto, não provoca efeitos
apenas individuais, mas ecológicos e sociais. Quem costumava
frequentar São Thomé há mais de 30 anos hoje se assusta quando se
aproxima pela estrada principal, para subir a serra. As montanhas
estão literalmente nuas. É o exemplo vivo da destruição desenfreada
provocada por extratoras de pedras. São dezenas delas, que já
deformaram completamente a elevação em que fica a cidade, bem no
alto. Até a entrada provoca um choque visual desagradável, causado

367
por montes de cacos, resultados da lapidação de pedra. Rios e
cachoeiras, estas algumas poucas, oferecem um atrativo visual
razoável, poluídos que estão por esgotos de algumas propriedades
rurais. A maior causa do estrago é sempre a extração, que provoca o
escoar de pó e areia das pedras para os rios, comprometendo os
mananciais.
Este mesmo pó, conforme as condições atmosféricas, paira sobre
a cidade e por vezes é somente notado quando se olham as roupas ao
sol. Não há pulmão que aguente. Este fino pó, até a alguns anos, era
causa do curto período de vida de lavradores que trabalhavam sem
registro e ganhando pouco. Até por volta de 1980, uma cena ao
mesmo tempo curiosa e quase indigna podia ser observada pouco
antes do pôr-do-sol. Os extratores, cabisbaixos e em fila indiana,
com seus embornais nas costas, vinham das pedreiras ao final do
duro dia de trabalho, passando pelas trilhas nos altos das serras,
contrastando com o céu avermelhado, insinuando um silêncio de
conformismo. A média de vida girava em torno de 35 anos.
As inúmeras extratoras, que literalmente já desintegraram o
visual da serra de São Thomé, exploram o arenito e principalmente o
quartzito. Ana Maria Tibiriçá Bon, em tese de doutorado intitulada
“Exposição ocupacional à sílica e silicose entre trabalhadores de
marmorarias, no município de São Paulo”202, alerta que no Brasil
encontram-se em crescimento os índices de prevalência das doenças
crônicas causadas pela exposição dos trabalhadores à poeiras
minerais, sendo a silicose e a pneumoconiose de maior
prevalência”.
A FUNDACENTRO/Espírito Santo desenvolveu um projeto de
estudo das condições de trabalho e saúde no processo de extração,
transporte e beneficiamento de mármore e granito naquele Estado203.
O projeto possibilitou que o Ministério Público do Trabalho do
Estado de Goiás elaborasse proposta de melhoria das condições de
trabalho e controle dos riscos de acidentes e doenças, na atividade
mineradora da cidade de Pirenópolis, Goiás, onde são extraídos
materiais rochosos – quartzito – conhecidos na região como "pedras
de Pirenópolis". Foram coletadas algumas amostras do material

202
Universidade de São Paulo, 2006.
203
www.fundacentro-es.gov.br
368
extraído, que após análise petrográfica, efetivada com o apoio do
Instituto de Tecnologia da Universidade Federal do Espírito Santo –
ITUFES, indicaram uma composição de 90% de sílica livre
cristalizada e 10% de moscovita.
O relatório destaca a importância de observar que a sílica livre
cristalizada é um agente cancerígeno para o homem. Na extração do
quartzito, como ocorre em São Thomé, ocorre a constância de poeira
com alto teor de sílica, o que provoca doenças pulmonares como a
silicose, exigindo o uso de máscaras adequadas. Em 2002, o Projeto
Minas Ambiente, de responsabilidade da Fundação Estadual do
Meio Ambiente e mais oito instituições, fizeram publicar um livro
sobre o controle ambiental na mineração de quartzito pedra São
Tomé, obra técnica festejada pela Associação dos Mineradores de
São Thomé das Letras, evidentemente. Ainda que, salvo melhor
juízo, nada se trate nela a respeito da insalubridade presente nos
trabalhos das mineradoras, o projeto abrangeu a mineração do
quartzito em razão de vários fatores, porque dentre eles a exploração
do quartzito em São Thomé das Letras, concentrando um grande
número de extratores em uma área relativamente pequena, traz
visíveis danos ambientais a uma região que tem grande vocação
para o eco-turismo. Seus autores informam que a cidade é o mais
importante centro brasileiro de lavra de quartzitos plaqueados ou
folheados, e essa exploração trouxe desenvolvimento econômico,
mas também a geração de problemas ambientais.
O material estéril resultante das extrações, segundo os mesmos
autores, traz maior impacto do que a lavra propriamente dita. Por
isto, sugere-se por aí que os montes de cacos acabam por se
reintegrar à natureza, com líquens, mato e plantas nascendo sobre
eles. Tal como ruínas pré-históricas ou antigas, talvez? Como quer
que seja, o relatório aqui indicado nota que o grande volume de
material estéril depositado provoca impacto sobre a paisagem
natural, sobre a qualidade das águas devido ao arraste de partículas
por leitos fluviais para os cursos de água e sobre a morfologia dos
cursos d´água, devido ao assoreamento de material transportado das
pilhas e deposição direta na calha pluvial. Modo correto e técnico de
se dizer do desastre ecológico a que se reduz hoje aquele “Ralo do
Mundo”, como apelidou o anônimo esoterista bem humorado.

369
Notáveis soluções e projetos altamente eficazes foram sugeridos,
mas as providências ainda estão por ser tomadas.
Que nos perdoe o paciente leitor por esse – digamos – desvio
técnico, mas ele foi necessário para dar suporte à nossa
argumentação inicial, e mais necessário ainda para entender aonde
queremos chegar. Ao que tudo indica, a grande “energia” de São
Thomé das Letras hoje se manifesta pela poeira das extratoras, pela
destruição da montanha e pela poluição de rios e flora. Obviamente
que não discutiremos aqui as razões de ordem esotérica dos adeptos,
que para lá se mudam e por vezes fundam comunidades alternativas,
ao lado do excessivo consumo de drogas, mormente por ocasião de
festas da cidade, na atuação dos que por lá são conhecidos
popularmente como “bichos-grilos”.
E do grande consumo de álcool. Afinal, dizem alguns ocultistas,
que lugares assim são mesmo dicotômicos, e isto “faz parte”.
Interessa-nos muito mais os “discos voadores” da cidade que, apesar
dos pesares, se manifestam ali em índices bem menores do que em
lugares nem ao menos considerados como “janelas” de aparições.
Isto é, se dermos chance ao já comentado índice de 1% de
fenômenos com um mínimo de credibilidade. Claro que não
olvidaríamos destacar que a grande maioria dos interessados em
Ufologia que para lá se dirige realmente vê Óvnis. Ainda que os
vejam por eles identificados em termos de origem, finalidade,
intenção...
É interessante notar que essa gente considera um tal “estudo de
objetos voadores não identificados” como perfeitamente
identificados. Alguns afirmam a origem extraterrestre, quase todos
creem na procedência “intraterrena”. Os discos vêm do interior da
Terra, pelas aberturas desde Agartha, Shamballa e outros mundos
subterrâneos evoluídos, que presentearão a humanidade com mais
um Messias. Mesmo assim, durante 40 anos de pesquisas, os
depoimentos que registramos são realmente notáveis.
Os Óvnis são carros nos altos das serras, meteoros, bólidos, pipas
com pequenas lâmpadas penduradas, satélites artificiais, aviões, que
se transformam em discos voadores, portanto não identificados, até
porque ir até lá e nada ver significaria uma tremenda e insuperável
frustração, como já frisamos. Não há e nunca houve uma pesquisa de

370
Ufologia realmente isenta em São Thomé das Letras, o que permitiu
a injusta e injustificada fama de ser um local de aparições. Só se for
de rápidos sintomas de alucinoses provocados pela efêmera ação do
álcool, de drogas “populares” e, claro, do fanatismo. A maioria dos
depoimentos é prestada por pessoas com pré-disposição ao
avistamento, que transformam qualquer luz ou luminosidade em
nave extraterrestre. Ou, se preferir, neste caso intraterrena.
Perguntaria o leitor se nada ocorre lá, com relação ao pelo menos
teórico autêntico fenômeno ufológico. A resposta, sem
constrangimento, seria sim. Oriental Luiz de Noronha, que lá se
radicou e gosta dos aspectos históricos e arqueológicos da região,
bem como se dedica ao esoterismo, filmou ao pôr-do-sol, em VHS, a
trajetória retilínea de um objeto singular. As cenas do artefato
alongado e aparentemente metálico ainda não estão totalmente
analisadas, para que se descarte a hipótese de um dirigível ou avião,
mas são interessantes. Fica difícil recordar qualquer outro evento
digno de atenção, em meio às constantes e quase indiferentes
declarações de visitantes desesperados por encontrar um disco
voador, e de nativos que não gostam de fazer suposições do que
viram e os outros superestimam. Nunca houve uma investigação
criteriosa, de Ufologia, em São Thomé, de forma a concluir que lá
ocorra uma incomum manifestação de Óvnis. Só a fama
descomprometida e uma reação em cadeia de curiosos e fanáticos
propiciaram a equivocada ideia de que a cidade seja palco de
aparições. Palco. Talvez um termo melhor apropriado.
Um caso divulgado pelo mesmo Noronha registra o avistamento
de uma senhora do meio rural que, achando-se com marido e filha no
descampado, viu algo claro e brilhante no pasto acima de sua casa.
Ela resolveu correr em direção ao objeto sem se aproximar muito.
Tratava-se, em resumo, de algo disforme com aparência arredondada
e metálica, que parecia trazer alguma coisa presa em seu corpo.
O objeto, de grande dimensão, planava a pouca altura, baixava,
elevava-se lentamente, até que, como se tocado pelo vento, subiu aos
poucos até desaparecer. Este tipo de aparição, tão simples e ausente
de maiores dados, não mereceria citação em meio a tantos eventos
detalhados e espantosos que as pessoas costumam narrar, mas
representa bem o tipo de evento e, mais importante, a qualidade de

371
depoimentos e a postura dos ufólogos locais. Faça um singelo
raciocínio: com base nesta narrativa, o que seria de mais convincente
aceitação: a visão de uma estranha nave extra/intraterrestre, ou de
um balão de sondagem meteorológica que, perdendo o gás, andou
raspando a vegetação de uma serra, e tocado pelo vento elevou-se até
desaparecer da vista da testemunha?Na ausência de dados, a escolha
é livre – ou um balão nos seus últimos estertores, ou um disco
voador na visão de um ufólogo.
De resto, em São Thomé, sejamos justos, há um sem-número de
testemunhos dos “pesquisadores” de linha esotérico-místico-
ocultista. Um deles já visitou, não sabe se em sonho ou se numa
“realidade paralela”, os tais mundos subterrâneos. Quando acampava
e se ferira gravemente com o estilete para firmar a barraca, que lhe
vazou uma das mãos, recebera a visita de um estranho homem, que o
conduziu pelos caminhos de civilizações ocultas no interior da Terra.
Ao retornar, o ferimento estava completamente cicatrizado, ou
melhor, sem qualquer marca. Este mesmo pesquisador já comentou
em palestras que em um dos pontos turísticos da cidade, a Cachoeira
da Eubiose, há uma passagem lacrada que dá acesso a “um metrô
que conduz a um mundo subterrâneo”.
Outros que fazem de São Thomé seu reduto de “sabedoria”,
entram em contato regular com extraterrestres “dimensionais” – já
chegamos a perguntar, alhures, o que afinal seria isto..., que
aparecem através de “projeções holográficas”. Ainda outros, sempre
se utilizando da atual mania de dizer que a Física Quântica
“confirma” várias acepções místicas, acorrem à cidade
periodicamente para ministrar cursos de como entrar em contato com
Ets, suas origens, intenções, sistema social etc.
Convém repetir que nosso pensamento não considera as ciências
o único ou infalível caminho da realidade, mesmo porque, a
realidade subjetiva dá a todos o direito de pensar o que quiserem a
respeito do universo e adotarem acepções mais pobres do que
pseudoficção científica de revistas em quadrinhos de terceira
categoria. Afinal, como ensina o imortal Miguel Reale, a
despersonalização na postura científica nunca será total. Ressalta o
filósofo que uma das afirmações de Einstein, em seu relativismo, é a

372
de que até nas ciências matemáticas existe um coeficiente pessoal
inevitável.
Destaca ainda que o ideal seria o da isenção total do observador,
para que a realidade pudesse ser surpreendida de maneira objetiva,
exata e rigorosa, mas a epistemologia contemporânea reconhece
quão problemática é essa neutralidade isenta204. Que dirá, então, se
esta realidade é fundada estritamente no que vai ao íntimo do
indivíduo? Nem se alegue que tal conhecimento viria de uma espécie
de “intuição absoluta”, ou intuição pura que pudesse trazer uma
verdade independente do que vai no espírito do indivíduo, em seu
pensamento. Primeiro, que isto não corresponde a um conceito
estrito de intuição, mas sim a uma ideia genérica de sentido
estritamente conotativo. Nem Descartes, que aceitava ideias
chamadas inatas, acreditava em ideias que viessem “do nada”, ou
mais apropriadamente ao momento de nosso assunto, de um “astral”.
Quando céticos chamam a Ufologia de pseudociência, estão com
total razão, por culpa do comportamento nada científico dos
ufólogos. Quando muito, damos aparência do que chamamos de
pesquisa. Em regiões como a de São Thomé das Letras, este
comportamento é comum. Brinca-se de ciência, como se os antigos
sarrafaçais do pretório conspurcassem a fala dos reais oradores.
Tenta-se uma roupagem de ciência, contudo não se consegue escapar
ao condicionamento da credulidade mítica e mística. Exemplos não
faltam, e a Internet traz bons registros. Os termos denunciam a
simples aparência. Veja-se um “Projeto Ceppaxc”. 205
Anunciando-se como uma organização não governamental, o
Projeto, a se desenvolver nas altas serras de São Thomé das Letras,
faz “pesquisas nas áreas de Ufologia, metafísica, assuntos esotéricos
e místicos...” etc., tendo como metas “a construção de um
observatório de pesquisas e monitoramento de objetos voadores não
identificados ou não na região da serra da Mantiqueira... a fundação
de um centro planetário de medicina holística para atendimento da
população no Brasil e no mundo...”. Claro, o significado da sigla aí
vai: Ceppaxc - Associação Instituto Cidade Planetária de

204
Reale, M.; Filosofia do Direito, p. 68, Saraiva, SP, 2002.
205
http://cipacae.vilabol.uol.com.br/projetoceppaxc.index.html
373
Paraciências Acadêmicas Espiritualistas e Cósmicas. Paraciências
acadêmicas, não transcrevemos errado, caro leitor.
É inevitável aqui a citação deste grupo, que faz o que lhe é de
ampla liberdade e pleno direito, já que a Ufologia vem oferecida
num literal caldeirão, pelos que se “familiarizaram com a ideia da
criação de um novo rumo para o homem do planeta Terra, para a
ideia de voltar-se para a: Natureza, Agricultura e Medicinas
Naturais, Feng Shui, Biodinâmica, Reiki, Florais, Ecologia,
Tecnologias Alternativas, Acupuntura, Yoga, Shiatsu, Do In, Bio-
energética, Quiroprática, Homeopatia, Astronomia, Psicotrônica,
Radiônica, Radiestesia, Kardec, Alimentação natural, Esoterismo,
Astrologias, Planos de Consciência, Chakras, estudo dos Sete
Corpos, Ervas Medicinais, Desenvolvimento Mental e Físico, Seres
e Naves Intra e Extraterrestres”. Trata-se de mais uma comunidade
alternativa, funcionando à maneira de várias seitas instaladas na
região.
Sobre os extraterrestres e os discos voadores, a ONG chama
atenção para cidades como São Thomé, conhecidas como “pontos de
luz” ...áreas geográficas onde existe naturalmente grande
concentração de energia tanto material como transcendental; e, na
realidade, são estes locais planetários que possibilitam a
manutenção da vida como a conhecemos. Sempre buscamos
associar estes locais com os pontos empregados na acupuntura para
seus tratamentos. Assim como o corpo humano tem sete pontos de
grande concentração energética, comumente denominados por
"chakras", os quais se espalham por todo o corpo através de
meridianos, tendo em si mesmos vários pontos com maiores ou
menores concentrações e estes ativam determinados órgãos do
corpo, assim também é o Corpo Planetário. Todo planeta vivo é um
imenso "Ser" com seus "chakras" principais e vários subpontos a
estes conectados. As energias que mantêm a vida utilizam-se destes
pontos para vitalizar tudo e todos, sem a qual o planeta como um
todo transformar-se-ia, não ficando pedra sobre pedra.
Nosso anônimo e místico amigo parece ter razão. Se o mundo
possui tais pontos de entrada ou transformação de energia, a lógica
esotérica nos aponta no sentido de também existirem... pois bem,

374
saídas de energia. O apelido que ele cunhou pode servir como luva –
Ralo do Mundo.
O senso, a mera impressão, as ideias muito pessoais e subjetivas
constituem um conhecimento sujeito a limitações sérias. É aí que a
ciência assume outro aspecto quando concebida como algo que se
propõe a atingir conhecimento sistemático e seguro, de sorte que
seus resultados possam ser tomados como conclusões certas a
propósito de condições mais ou menos amplas e uniformes sob as
quais ocorrem os vários tipos de acontecimentos206. Assim se dá
com a própria ciência, o que nos inspira a duvidar muito dos
sistemas de concepções estritamente pessoais, baseados em outras
áreas regadas de mistério e que trabalham somente com o incerto, o
extraordinário, o imaginário.
Enquanto alguns afirmam a existência de um esoterismo centrado
em simbologia complexa, contida no conhecimento antigo de certas
linhas filosóficas e de organizações herméticas, o que se vê hoje é a
adoção incondicional de um comportamento misticoide de banca de
jornal, meramente modista, que prefere a mistura incompatível e a
desorganização de um suposto conhecimento sem sistema, chamada
equivocadamente de holística. A Ufologia não escapa, esboçou
breve reação na década de 70 e não teve forças para tanto. Ou não
quis, em virtude da pressa de espíritos afoitos não conformados com
a inexorabilidade do tempo.
É objeto não classificado, um corpo não identificado, e está feito
– é um disco voador extra ou intraterreno. Posto isto, há que se
explicar a furtiva manifestação desses seres desconhecidos pela via
mais frágil, apesar de aparentemente mais complexa. Na verdade,
incognoscível e inefável. Onde há certezas definitivas e métodos
esquisitos. Nem as ciências agem assim. Até os sistemas científicos
não arriscam ir tão longe a respeito da realidade do universo:

É de importância primordial, entretanto, encarar esses sistemas


explicativos não como corpo de conclusões fixas e indubitáveis, mas
como resultados não definitivos de um contínuo processo de
investigação que envolve incessante uso de um particular método

206
Ernst Nagel, professor de Filosofia da Universidade de Colúmbia, em Ciência: Natureza e
Objetivo, Filosofia da Ciência, organizado por Sidney Morgenbesser, p. 15, Editoras
Cultrix e USP, 1975.
375
intelectual de crítica. Esse método lógico é a glória específica da
Ciência moderna e o alicerce espiritual de toda civilização
genuinamente liberal. Nada pode substituí-lo na tarefa de atingir
conclusões fundadas acerca do mundo em que os homens vivem e do
lugar que nele ocupam. 207

Triângulo das Bermudas

O leitor certamente já ouviu falar dessa estranha região do oceano


Atlântico, onde aviões, navios, barcos e tripulações teriam
desaparecido misteriosamente, em pleno exercício de suas
atividades. Essa área, localizada na costa americana, desenha um
polígono imaginário entre Porto Rico, Bermudas e a cidade de
Melbourne, na Flórida. Todas as possibilidades têm sido levantadas,
de vórtices dimensionais a tecnologia extraterrestre, passando por
furacões, tornados e tempestades que teriam vitimado aviadores e
navegantes, novatos ou veteranos. Também aqui a Ufologia
apropriou-se do assunto.
Repare que conjugamos o verbo no tempo passado, porque não se
ouve mais falar destes estranhos desaparecimentos há muito, muito
tempo. Tudo começou a ganhar força junto à mídia depois que cinco
aviões Avenger da Marinha americana desapareceram em 1945,
durante um voo de treinamento, episódio utilizado na parte final do
filme “Contatos Imediatos de Terceiro Grau”. Nunca se soube ao
certo o que aconteceu, mas a explicação mais provável é a de que as
aeronaves, por não possuírem equipamento de navegação, se
perderam distantes da costa e sem combustível suficiente para
retornarem. Os últimos momentos da conversa entre base e pilotos
mostram como estes estavam desorientados: Não sei onde estamos,
acho que nos perdemos depois da última viragem... Tenho certeza de
que as Ilhas Rasas são aqui, mas... Não sei voltar para Fort
Lauderdale. Além disso, os controladores em terra perceberam que
os pilotos estavam se desentendendo entre si e que os instrumentos
de bordo não estavam funcionando corretamente, criando ainda mais

207
Idem, ibidem, p.24
376
apreensão e confusão.
Até mesmo uma embarcação brasileira quase chegou a
“desaparecer” nessa região, não por razões tão estranhas como
aquelas histórias, e sim por força de uma tempestade tropical – um
verdadeiro tornado, bastante comum na área. Isso se deu em 1916, e
apesar de castigado por ventos fortíssimos, ondas que cobriam o
convés fazendo ranger o madeirame e avarias consideráveis, a
habilidade e uma boa dose de sorte do capitão Jônatas permitiram
que o seu navio Purus escapasse da tragédia e não engrossasse as
estatísticas dos sumiços inexplicados.
Fato é que as narrativas em torno do “Triângulo das Bermudas”
tiveram maior repercussão após a publicação de um artigo assinado
por Vincent H. Gaddis em 1964 para a revista Argosy, e se
reforçaram com outras obras do gênero que promoveram e
sustentaram o mistério, embora nada trouxessem de revelador, não
passando de ficção especulativa: Invisible Horizons, de Gaddis, em
1965; Limb of the Lost, de John W. Spencer em 1973, e o best-
seller do gênero, The Bermuda Triangle, de Charles Berlitz, em
1974, que alçou o assunto às alturas. Algo parecido ocorre de tempos
em tempos, quando um best-seller que mexe com o imaginário
popular resulta em várias outras obras temáticas. O Código da Vinci
é o exemplo mais recente, que abriu caminho a uma infinidade de
autores escrevendo sobre mistério, chaves secretas, enigmas,
charadas. No ano seguinte, 1975, o pesquisador Lawrence D. Kusche
resolveu passar a limpo e desmistificar essa coletânea de obras
pseudocientíficas, desfazendo a aura de mistério de uma vez por
todas. Em The Bermuda Triangle - Mystery Solved, ele investigou
e analisou centenas de relatos, teve acesso aos arquivos oficiais e
entrevistou “sobreviventes”, constatando que muitas embarcações
tidas como desaparecidas sequer estavam na “área maldita”, ou que
avarias mecânicas ocasionaram desvios de rota, naufrágios e quedas
de aviões. Ele tem sua própria versão a respeito da lenda atribuída a
essa região do oceano:

Ela [a lenda] começou devido a investigações descuidadas, e foi


elaborada e perpetuada por escritores que, quer propositada, quer
involuntariamente, utilizaram concepções deturpadas, raciocínio

377
errado e sensacionalismo208

Qualquer semelhança com a Ufologia será mera coincidência?


Como não poderia deixar de ser, logo que a obra chegou às livrarias,
os defensores do “Triângulo do Diabo” se rebelaram, acusando o
autor de estar a serviço do governo americano com o intuito de
“abafar” as notícias, desmentir, negar, desinformar, contradizer,
enfim, nutrir a “política de sigilo e acobertamento”. Sempre foi e
sempre será assim. É bastante provável que também sejamos
defenestrados após a publicação deste livro.

Deuses não são astronautas. Astronautas não são deuses

Não se pode negar a Erich von Däniken o mérito da divulgação


da versão “deuses astronautas” na Ufologia. Se foi um bem ou um
dano, não nos cabe julgar, mas não há dúvidas de que tornou-se uma
efervescente polêmica jogada no caldeirão das improbabilidades.
Eram os Deuses Astronautas foi a sua melhor obra, a primeira de
uma série, de onde surgiu a expressão ufoarqueologia para designar
todos os estudos voltados à pré-história que sugerem a existência de naves e
seres extraterrestres, e de onde outros autores se juntaram e formaram uma
espécie de “linha de frente” – todos aqueles anteriormente citados – Sitchin,
Drake, Kolosimo e tantos mais.
A partir de pinturas rupestres, achados arqueológicos, sítios
históricos, narrativas, lendas e muita imaginação, estes autores
compuseram uma cronologia de fatos defendendo a presença de
seres alienígenas na face da Terra desde tempos imemoriais,
acompanhando e/ou interferindo na evolução do homem. Como toda
teoria que não pode ser comprovada, tem falhas, brechas e muita
especulação sem qualquer base. Indícios, há, porém a distância que
os separa de uma explicação convincente está tão longe quanto a
data de suas descobertas.
Como sempre, não havendo uma resposta conclusiva, a Ufologia
acaba se tornando o “baú de achados e perdidos”, afinal, estes
208
www.nomar.com.br
378
assuntos precisam ser encaixados em algum lugar, qualquer lugar.
Surfando na onda, nasceu a teoria não menos fantasiosa de que a
Terra seria uma espécie de laboratório para criaturas mais
inteligentes que aqui estiveram no passado, deixando uma fauna
diversificada para experiências, incluindo seres “quase” humanos,
para que se aperfeiçoassem através dos milênios. Eventualmente
estes seres voltam para saber como estamos e, de quebra, dar mais
um empurrãozinho em nosso crescimento. Se não voltarem,
ficaremos eternamente como criaturas híbridas inacabadas.
Para muitos povos aculturados no passado, a visita destas
criaturas – os deuses –resultou em rituais de adoração e perpetuação
através de imagens cravadas ou pintadas em pedra e esculturas, farto
material para os ufoarqueólogos do clube. Com essa teoria, fica dada
uma “meia-resposta” a uma das maiores indagações da humanidade:
quem somos? De onde viemos? Falta responder para onde vamos!
Como este é um assunto que foi amplamente discutido em capítulos
anteriores, não há muito mais a dizer, mas voltaremos a falar sobre
essa coisa de “laboratório extraterrestre”.
Na outra ponta da linha, se os deuses eram astronautas, seriam
deuses os astronautas? Se a Ufologia trata de “naves espaciais”,
quem mais poderia falar com alguma autoridade sobre o assunto a
não ser estes intrépidos navegadores cósmicos, que passam uma vida
inteira se preparando para – muitas vezes – fazer uma única viagem
ao espaço em suas minúsculas naves. Pois os depoimentos destes
verdadeiros desbravadores modernos trazem um tempero a mais na
discussão. Até que ponto suas narrativas devem ser consideradas
como “a maior prova” da existência de Ets, como defendem os
ufólogos mais afoitos?
O que não se discute é a competência destes personagens dada a
imensa dedicação por anos a fio em busca daquele ideal, a exaustiva
e interminável bateria de provas, testes e conhecimentos, o
treinamento, a disciplina, a capacidade, o talento, o equilíbrio ante
situações extremamente arriscadas – um segundo de hesitação e não
apenas uma missão pode fracassar como vidas podem ser
sacrificadas. É de se esperar, portanto, uma conduta próxima à
perfeição, dir-se-ia até sobre-humana, quase divina, num rasgo de
exagero. Como duvidar de sua palavra? Como imaginar que seus

379
depoimentos possam conter mentiras, inverdades, fantasias, delírios
ou invencionices?
Como não acreditar que suas naves tenham sido “acompanhadas”
por outras, não-terrestres, se eles assim o afirmam? Com calma,
vamos tratar de analisar e refletir com muito cuidado estes
acontecimentos. Não podemos atestar a autenticidade de suas
declarações, pois não as investigamos de perto (nem de longe), não
fizemos parte de nenhuma missão espacial, não temos parentes,
amigos ou cunhados informantes nas bases americanas.
O que temos são apenas reportagens, matérias, entrevistas, muitas
delas repassadas, traduzidas, editadas, ampliadas, cortadas e
recortadas. Enquanto algumas carregam nas tintas, outras sequer são
assinadas. Se não estamos negando suas declarações, então o que
afirmam é verdade? Pode ser que sim, pode ser que não. Se sim, se
eles chegaram à Terra e foram liberados para declarar terem mantido
contato, ainda que visual, com naves alienígenas, de novo, tudo o
que temos são apenas depoimentos, e mais nada. Nenhum filme
realmente àprova de balas, nenhuma foto inquestionável, nenhuma
evidência que lhes deem respaldo. As imagens disponíveis nos sites
de exploração espacial209 não revelam nada que, à luz de uma
verificação atenta e neutra se mostre excepcional, do ponto de vista
ufológico, naturalmente.
Mais por curiosidade que pesquisa, localizamos algumas entre
milhares que poderiam gerar algum interesse. Por exemplo, a
imagem AS11-36-5293 (abaixo, à esquerda), da missão Apollo 11,
mostra um fulgente reflexo solar na lente da câmera (parte superior
esquerda), e por muito menos que isso, ufólogos se precipitariam em
afirmar categoricamente tratar-se de um Óvni “acompanhando” o
módulo espacial, provavelmente rastreado pelos radares em terra.
Para não dizer que estamos sendo parciais, a foto ao lado – AS15-
96-13063 – da Apollo 15, foi publicada por uma revista
especializada como sendo uma misteriosa esfera flagrada sobre a
superfície lunar numa de suas últimas manobras. Observa-se a
característica arredondada do artefato que numa das fotos
apresenta-se elipsoide. 210

209
www.lpi.usra.edu/resources/apollo/catalog
210
Jackson Luiz Camargo, Intrusos na Lua, UFO 107, fevereiro 2005.
380
Só pela comparação destas imagens o leitor pode tirar suas
conclusões. Assim como elas, centenas de outras têm sido
divulgadas nos boletins, sites, livros, revistas e jornais em todo o
mundo como mais uma “prova incontestável” da presença de Óvnis
na Terra e nas missões tripuladas.Seria de se esperar que, depois de
exercícios tão rigorosos, tantas simulações de acidentes,
dificuldades, imprevistos de qualquer espécie ou natureza, os
astronautas tivessem em mãos um material de incalculável valor
de tudo o que presenciaram. Não pousaram na Lua? As fotos,
filmagens e amostras lunares comprovam que sim. Não fizeram
manobras de acoplamento, não saíram da nave para reparos
simulados e reais, não posicionaram manualmente instrumentos,
redirecionaram satélites e outros trabalhos?
Pois tudo isso foi fartamente fotografado por todos os ângulos
possíveis em belíssimas imagens. Não há como refutar essa
movimentação toda até por uma questão de inteligência, agora,
deixar passar um contato com extraterrestres? Ninguém se lembrou
de registrar esse acontecimento antológico?
Baixaram à Terra confiando apenas nos dados de memória? Ah,
sim, claro, lá vem de novo o insuportável coro da “política de sigilo
e acobertamento”, enquanto outra bancada berra em uníssono:
“porque a humanidade não está preparada para este momento!”
Então porque deixaram os astronautas “abrirem o bico” se não
podiam lhes dar retaguarda? Consta que o astronauta Neil Armstrong
teria cópias destas fotos, e presenteou a amigos, um deles nosso
velho conhecido, mas jamais o fez publicamente.
Se suas declarações estão garantidas por uma inegável

381
confiabilidade, se não há como e por que desmenti-las, então por que
não ratificá-las com “provas”? Será que só a palavra destes
“semideuses” basta? Não, não basta. Antes de serem “deuses”, são
humanos, com temperamentos, humores e reações particulares,
subordinados a uma instituição que depende de substancial verba
governamental daquela que é considerada a nação mais poderosa do
planeta, portanto, obrigados a severa obediência a todo tipo de
instrução, regra, norma, preceito, Filosofia, princípio, regulamento
ou, em último caso, de uma ordem. Violar um comando desse quilate
pressupõe sanções graves. No entanto, estão todos livres para dizer o
que sabem a respeito, da forma que bem entendem, quando e para
quem quiser ouvir. Só não têm como comprovar oficialmente, só
oficiosamente.
Segundo algumas publicações, a conversa entre os astronautas da
Apollo 11 e os controladores em Houston ficou registrada pelos
radioamadores. Uma amostra:

Nasa: Controle da missão chamando Apollo 11. O que há aí?


Apollo 11: Essas "coisas" são grandes, senhor! Enormes! OH
MEU DEUS! Vocês não iriam acreditar nisto! Eu estou dizendo
existem outras espaçonaves lá fora, bem do outro lado da beira da
cratera! Eles estão aqui na Lua nos observando!

A primeira questão é: os astronautas não estavam prontos para


qualquer imprevisto? A possibilidade de encontrar outras formas de
vida, por mais remota que fosse, não fazia parte dos planos? Sim,
fazia, segundo o responsável pela preparação técnica e psicológica
dos integrantes da missão de pouso na Lua, Maurice Chatelain.
Seguramente os técnicos da Nasa sabiam que as transmissões seriam
captadas e gravadas, que de ingênuos eles não têm nada, por isso
orientaram os astronautas a tomar cuidado com a comunicação,
usando um tipo de código – “Papai Noel” e “bebês” eram as
expressões que identificariam uma situação de contato –
convenhamos, óbvias demais, de forma a somente os envolvidos
saber do que se tratava.
Ou não deveriam relatar nada até retornarem da missão,
guardando o mais absoluto silêncio sobre suas vivências e
observações. Um momento de descontrole nos parece inconciliável
382
com a serenidade que se espera de homens experientes e preparados
para estas surpresas, por mais “surpresa” que fosse. Ou então...
Por mais inadmissível que seja, o leitor bem sabe que ainda hoje,
enquanto folheia estas páginas, muitos não aceitam o fato do homem
ter ido à Lua, tudo não passando de uma bem montada farsa para
ganhar a corrida espacial contra os soviéticos, manter a supremacia
geopolítica, a hegemonia tecnológica e toda aquela história que já
sabemos. Mas estas mesmas pessoas que não aceitam o pouso lunar
admitem o encontro com outras naves em pleno espaço e acham que
os astronautas forjaram as viagens, mas não mentiram sobre os
contatos com extraterrestres.
Quem é o incoerente aqui? Voltando à questão: se não há como
confirmar as declarações dos astronautas nem como desmenti-las,
podemos perfeitamente supor, e apenas isso – supor, que eles
faltaram com a verdade, ou seja, teriam sido instruídos a afirmar que
tiveram um contato quando tal não aconteceu. Se o leitor levou um
susto, arregalou os olhos, teve um esgar irônico e nos chamou de
malucos, tudo bem – por enquanto, estamos no terreno das
suposições.
Volte algumas linhas e releia o trecho sobre supremacia
geopolítica. A corrida espacial é também, em certo sentido, uma
“guerra”, uma batalha pela escritura de um território sem dono, a
confirmação da superioridade daquele que “chegar primeiro”, e
nesse sentido os americanos ganharam a parada, apesar de os
soviéticos terem largado na frente. A exploração do espaço não é
apenas uma aula de engenharia e tecnologia espacial, ou a busca de
fontes alternativas de vida, ou uma investigação sobre as origens do
planeta, da espécie e do universo. Não é apenas o conhecimento
sobre os demais corpos celestes. Ela é tudo isso e muito mais, é
vitrine do grau de inteligência humana, da capacidade e aplicação
positiva desse conhecimento.
É a demonstração do poder de defesa e ataque contra inimigos
ocultos e declarados, contra ameaças internas e externas – não Óvnis
e Ets (se quisessem nos dominar já o teriam feito sem maiores
dificuldades, como alegam alguns), mas cometas, asteroides, corpos
errantes em rota de colisão com o nosso frágil e indefeso planeta. Se
numa guerra “vale tudo”, se o que está em jogo é a soberania de um

383
território, seja no ar, no mar ou em terra, isso implica dizer que todos
os artifícios são válidos, inclusive, e principalmente, blefar.
E se a corrida espacial vem sendo disputada por estas duas
grandes nações, nada mais justo do que ouvir o outro lado, saber o
que os camaradas têm a dizer, e eles não ficam atrás em termos de
“contato”. E que contato! Em maio de 1981, a missão espacial
Salyut-6 teve um encontro absolutamente inacreditável, para não
dizer insuperável. Pelo menos desta vez, ao que tudo indica, não
houve nenhum acobertamento explícito, ao contrário, o próprio
chefe do programa espacial, general Georgi Beregovoy, se
encarregou de conduzir uma reunião aberta com ufólogos, militares,
autoridades, os cosmonautas da missão, Vladimir Kovalenok e
Viktor Savinykh e a imprensa. Isso é ainda mais extraordinário, e já
vamos ver por que. Em resumo, a nave soviética foi acompanhada
durante quatro dias por um artefato desconhecido, a poucos metros
de distância, uma esfera sem quaisquer marcas, sinais, desenhos que
a identificassem – adiantaria se tivesse? – com três tripulantes a
bordo!
Desta vez, surpreendentemente, o episódio foi gravado em vídeo;
embora jamais divulgado! Consta que foi exibido uma única vez,
naquela reunião mencionada, sem, contudo, permissão para a
divulgação pública. Como se trata de uma “rixa”, a declaração do
general Beregovoy é sintomática: Os norte-americanos ganharam a
corrida à Lua e muitas outras disputas com os soviéticos. Mas fomos
nós os primeiros a admitir os fatos relativos à Salyut-6. Fomos os
primeiros a anunciar um encontro com seres de outro mundo no
espaço. Alguma dúvida que se trata de um autêntico incêndio de
vaidades?
A descrição daquelas criaturas extraterrestres chega a um
preciosismo notável: sobrancelhas compridas e grossas, narizes
retos, grandes olhos azuis e expressão impassível, denotando
ausência de emoções, características excessiva e tipicamente
soviéticas: sobrancelhas grossas... nariz reto... expressão
impassível... junte Wladimir Putin com Leonid Brejnev e veja no
que dá. Todos estes detalhes foram vistos à distância de 40 metros!
Quando as tripulações exibiram reciprocamente seus “mapas
celestes”, houve troca de sinais – o cosmonauta fez o sinal de

384
“positivo”, e o navegador alienígena retribuiu igualmente!
Fantástico, o “positivo” é um símbolo universal. E a “conversa” foi
se estendendo: Kovalenok tentou comunicação utilizando o código
Morse – como, batendo com os dedos na escotilha? Transmissão por
rádio? Em qual frequência? Como não obteve sucesso, tentou se
fazer entender labialmente pronunciando uma frase em inglês – vá lá
que esse idioma seja quase hegemônico em todo o planeta, mas fora
dele também já é demais e, insistimos, a 40 metros de distância?
Depois, usando uma lanterna, sinalizou em código binário, e teve
como resposta um sinal luminoso. Eles também tinham uma lanterna
a bordo? Piscaram as luzes de navegação? Eles conhecem o código
binário? Finalmente estava consolidado o contato entre humanos e
alienígenas através da matemática. 211
Para avivar as chamas daquela fogueira, os americanos
informaram que também tiveram o seu contato com extraterrestres,
nos moldes dos camaradas russos, mas nunca se soube nada a
respeito, tornando-se mais um daqueles segredos trancafiados a
todas as chaves. Curiosamente, Kovalenok, hoje presidente da
Associação dos Cosmonautas, em 2004 declarou que apenas viu uma
pequena nave se aproximando, e ao pedir para o seu colega Vicktor
fotografar, o estranho artefato desapareceu subitamente deixando
um halo de fumaça no ar! Como assim, “fumaça” no espaço? E por
que uma versão tão diferente anos depois?212
Honestamente, dá para se acreditar em alguma coisa aqui? Como
ainda estamos navegando nas inquietas águas das suposições,
podemos remar para qualquer lado. E podemos naufragar também.
Podemos estar redondamente enganados. Pode ser que tudo o que
estes valorosos homens do espaço relataram seja a mais pura
expressão da verdade, que as fotos e filmes comprovando suas
declarações estejam zelosamente guardados nos cofres ocultos das
agências governamentais e que a política de sigilo apenas abrandou
suas penas. Pode ser. Ou então tudo isso é um blefe bem arquitetado
a nos fazer pensar que eles têm o poder da informação, sabem tudo a
respeito da presença alienígena na e fora da Terra, e até, como
querem os mais eufóricos, exista um “intercâmbio” de segredos

211
Revelando os segredos dos russos, Giorgio Bongiovani, UFO 83, dezembro, 2002.
212
Diário Las Últimas Notícias, Venezuela, agosto, 2004.
385
entre eles e “eles”. Em se tratando de Ufologia, tudo é possível.

Quem plantou implantes?

Implantes. Quem plantou essa ideia devia ter um “chip” a menos


na cabeça. Perdoe-nos pela falta de ética e deselegância, mas é a
única conclusão que podemos chegar depois de conhecer e refletir
sobre todos os aspectos que envolvem este ângulo um tanto
histriônico da Ufologia. A começar pela excêntrica ideia de Ets
estarem implantando minúsculos aparelhos – “chips”, no jargão
ufológico – em partes do corpo com a finalidade de monitorar a vida,
o organismo ou vai saber o que mais do infeliz escolhido.
A se admitir essa possibilidade, então estamos definitivamente
aceitando a existência de uma inteligência superior,
tecnologicamente mais avançada que a nossa, operando em local
incerto e não sabido, muito provavelmente pelas redondezas, com
objetivos que não podemos certamente considerar como eticamente
corretos. Se o leitor acolhe esta possibilidade, desculpe-nos por fazer
perder seu tempo. Ainda assim, pedimos um voto de confiança para
prosseguir na leitura. O que precisa ser implantado aqui é um novo
modo de olhar essa questão.
Se estes tais chips existirem, devem ter uma potência fantástica
para atravessar as distâncias estelares e retransmitir as informações
que colhem durante o seu tempo de vida útil. Só para efeito de
comparação, a missão americana Deep Impact lançou a sonda
Impactor, projetada para uma viagem de mais de 430 milhões de
quilômetros para colidir – e conseguiu – com o cometa Tempel 1.
quando este se encontrasse a uma distância de 130 milhões de
quilômetros da Terra. Um feito extraordinário e sem precedentes
graças a mais alta tecnologia e algumas das cabeças mais
inteligentes que a ciência oferece. Para os Ets e sua prodigiosa
tecnologia, no entanto, isso deve ser mais primitivo que os velhos
bondes puxados a cavalo.
Se observarmos atentamente, podemos perceber que a pesquisa
ufológica parece acompanhar seu tempo, mas não da maneira que
deveria ser. Na verdade, ela está sempre em busca de respostas para
386
perguntas que sequer sabe formular: quando lança mão do
espiritismo, é para explicar as comunicações telepáticas dos
extraterrestres e suas inócuas mensagens. Se os Óvnis não se
encaixam na possibilidade de serem originários da nossa periferia
planetária, hipótese que perdurou enquanto viajávamos pela
vizinhança, já que a exploração espacial indica não haver mesmo
vida pelas redondezas, apela-se para as viagens interestelares através
da via expressa dos “buracos negros” ou da novíssima e ainda
incipiente “Teoria das Supercordas” 213.
Quem levanta essa bandeira, na esmagadora maioria das vezes
não tem a menor ideia do que está falando. Quando surgiu a
revolucionária técnica da holografia, anos atrás, algumas
especulações surgiram tentando correlacionar e “explicar o
inexplicável” – os fantásticos e velocíssimos desaparecimentos dos
Óvnis não eram de objetos reais, mas “projeções holográficas”.
Quem as produzia e de onde vinham nunca tiveram resposta. Faliu
por inadimplência, ninguém pagou para ver. Supõe-se que a própria
teoria é que era “holográfica” demais. Agora chegou a vez dos
implantes, bem de acordo com os mais recentes avanços na medicina
e na tecnologia da informação.
Parece haver um padrão para a inoculação destas microscópicas
engenhocas, pois não são encontradas cicatrizes ou orifícios nos locais onde
supostamente foram introduzidas, não há rejeição pelo organismo e os
abduzidos – sim, os implantes só surgem em casos de abdução – não sabem
do que se trata e como aquilo foi parar em seu corpo. Houve até o caso de
um conhecido ufólogo que expeliu pela narina um destes esquisitos objetos
enquanto se banhava, contudo, sequer se deu ao trabalho de higienizar,
isolar e pesquisar. Literalmente, deixou escoar pelo ralo! Se foi abduzido
não sabemos, e talvez nem ele saiba. Deveria ter investigado mesmo que o
resultado frustrasse suas expectativas.
Os dados de pesquisas feitas com amostras revelaram que quase
todas são recobertas por uma fina camada orgânica com compostos

213
A Teoria das Supercordas propõe a união de duas outras: a da força gravitacional com a
mecânica quântica, resultando em algo próximo a uma “força gravitacional quântica”.Em
resumo, na teoria das supercordas os objetos básicos não são partículas, mas cordas
unidimensionais que podem ter extremidades ou se fechar em anéis, mantendo padrões
vibratórios ressonantes cujos comprimentos de onda se encaixam precisamente entre as
duas extremidades. De qualquer forma, a teoria não explica as viagens siderais dos Ufos.
Nem poderia.
387
de queratina, proteína fibrosa que protege a camada externa da pele,
pelos e unhas, encontrada também em calos e calosidades. Não têm
forma definida, apresentando contornos irregulares.
O corpo humano também pode “produzir” esses objetos, e os
anais da medicina têm registros dessas ocorrências em todo o
mundo. Há casos também de falha humana, embora mais incomum,
em que minúsculas peças de cateter, sondas, agulhas de sutura ou
outros objetos foram esquecidos ou escaparam ao manuseio dos
operadores, além de estilhaços provenientes de acidentes de trânsito
ou de trabalho – metalúrgicas, serralherias, etc. Como o organismo
não rejeitou nem houve maiores complicações, as pessoas nem
tomaram conhecimento. Só vieram a perceber quando o corpo
resolveu expelir esse corpo estranho indesejado.
A paraPsicologia também acena com inúmeros casos de pessoas
que viram surgir espontaneamente em seus corpos estranhos objetos,
geralmente na forma de agulhas ou pequenas peças metálicas, sem
qualquer explicação aparente. Há o caso de uma mulher residente em
Laguna, Santa Catarina, em que diversos objetos apareceram em seu
corpo, na maioria metais: parafusos, alfinetes, agulhas e até pedaços
de arame farpado, que eram retirados cirurgicamente. Minutos
depois, outros fragmentos surgiam e tinham que ser extraídos da
mesma forma.214 Abdução?
Outro caso que impressionou os pesquisadores foi o de uma
mulher em Brasília, que também teve seu corpo “invadido” por
agulhas, grampos de cabelo e até fios de nylon. Enquanto um
parapsicólogo destacado para estudar o caso aventou a hipótese de
um fenômeno mental, um médico igualmente convocado a avaliar
concluiu tratar-se de autoflagelação.215 Implante alienígena? Mais
um caso, desta vez uma mulher da cidade de Taubaté, São Paulo; na
frente de uma autoridade policial, extraiu sete agulhas, e alegou que
este fenômeno já durava havia 20 anos, retirando centenas dessas
peças. Só quando as dores começaram a ficar mais habituais e fortes
resolveu procurar um médico.216
Para finalizar, um garoto de 14 anos, em São Paulo, que expelia

214
Agulheiros Humanos, Fronteiras do Desconhecido nº 18, Editora Três, sd.
215
Idem
216
Ibidem
388
cacos de vidro, alfinetes, linha, feijão, fósforos, pregos enferrujados,
entre outras coisas.217 Não há uma explicação definitiva para todos
estes fatos, e as várias versões sugerem casos de aportes, poltergeist,
bruxarias e magia negra. Em nenhum deles se tocou no assunto
Ufologia, muito menos abdução.
Atualmente, a biotecnologia está pesquisando e aplicando
experimentalmente o uso de chips implantados em camadas
subcutâneas de seres humanos – em animais o uso é mais antigo –
com os mais diversos objetivos como monitoramento médico, estudo
de desenvolvimento de drogas preventivas específicas, rastreamento
de segurança, etc. Em outros casos, a aplicação de microimpulsos
elétricos na região do cérebro tem ajudado a minimizar os efeitos
deletérios ou disfunções neurológicas como Parkinson e epilepsia,
funções motoras lesadas, deficiências auditivas e visuais, além dos
neurotransmissores químicos, mais sutis e menos invasivos com
resultados eficazes. Isso é uma realidade, faz parte dos estágios mais
avançados da medicina, há um histórico detalhado, metodologia e
documentação acompanhando o desenvolvimento das pesquisas.
Há comparações, discussões e resultados. Isso é ciência. E nas
ondas desse verdadeiro progresso científico e tecnológico, a
Ufologia pegou carona e passou a divulgar casos de abdução com o
surgimento de tais implantes, a “bola da vez”, até que uma nova
moda tome seu lugar. Essa busca quase obsessiva por “novidades”
dentro da Ufologia embute um falso amadurecimento, como se
houvesse sempre um dado novo a revelar novos mistérios; no
entanto, nada mais é que uma máscara para disfarçar a presença
permanente da mais completa lassidão, um paliativo insípido contra
o amargo sabor da falta do que pesquisar.

Roswell vs. Varginha

Varginha foi o incidente que, de longe, se transformou no


segundo caso mais importante da Ufologia mundial. O primeiro foi –
e o será por muito tempo, o célebre caso Roswell, muito embora as

217
Ibidem
389
investigações mais cuidadosas tenham se iniciado cerca de trinta
anos depois, ao contrário do seu congênere brasileiro, que foi
acompanhado, e ainda é, desde o início. Há provas de que Roswell
tenha de fato ocorrido? Sim. Muitas. Há provas de que o
clássico/folclórico/mitológico Caso Varginha ocorreu? Nenhuma!
Não se precipite o leitor, ao pensar aprioristicamente. Um dos
autores deste livro, por ter sido um dos principais responsáveis pela
descoberta e divulgação do caso, não irá cometer a flagrante
contradição imaginada. Vamos por partes.
Nosso caminhar pela reflexão mais isenta, que tentará lançar
hipóteses nada desprezíveis, começa exatamente pela provocação
inicial. O que são provas? Depende. Prova de um fato, dentro do
conceito jurídico clássico, é o que demonstra inequivocamente tal
fato. Porém, a análise e o julgamento do fato não competem à
testemunha. Esta é apenas a prova. Prova de quê, todavia? De que
ocorrências deram-se no campo dos fatos, convém repetir, com
evidente redundância. Não nos ocupemos aqui com outros tipos de
prova, tais como as periciais e documentais, uma porque o fulcro
desta obra é a discussão sobre o comportamento das pessoas que
constroem o mundo da Ufologia, outra porque esse tipo de prova,
vale frisar novamente, simplesmente não foi coletado na pesquisa
sobre o caso Varginha.
O problema é aferir tudo o que contribui para que uma
testemunha narre o que tenha visto, sentido ou vivido. Eis, pois,
nossa primeira sugestão – o caso Varginha, para não escapar ao
cerne deste livro, é o equivalente da visita incontestável de seres de
outros planetas à Terra para a quase totalidade dos ufólogos que
lidam com o caso e veem nele um nível de credibilidade suficiente a
atestar sua autenticidade.
Excluindo as centenas de entrevistas em TVs, rádios, jornais e
sites concedidas por ufólogos a respeito do episódio, fiquemos
apenas com alguns poucos e bons exemplos:

...enquanto que no caso Varginha nós temos cada vez mais testemunhas
que fazem ligá-lo a reais seres de um outro mundo218.

218
Leir, R. K.; UFO Crash in Brazil, Uma Genuína Queda de UFO com Sobreviventes
Extraterrestres, San Diego, CA. The Book Tree, 2005.
390
Certamente as criaturas do espaço procuraram um local adequado onde
pudessem pousar, cientes de que o objeto não voaria por mais tempo219.

Há evidências suficientes que confirmam que um ET foi capturado pelo


Corpo de Bombeiros de Varginha e que as autoridades estão
escondendo o caso da população brasileira, num ato irresponsável e
inconsequente220.

Ainda desconhecemos que tipo de tratamento teve ou tiveram o ser ou


os seres, uma vez que não sabemos se o ET que levou os três tiros
também foi levado ao hospital221.

Bombeiros sobem o barranco com o ET na rede, colocam-no dentro de


uma caixa e cobrem com lona... As jovens Kátia, Liliane e Valquíria
veem o segundo ET222.

... Temos também o depoimento de testemunhas militares que foram os


principais informantes dos ufólogos. Elas afirmam ter recebido de seus
superiores a confirmação de se tratarem realmente de criaturas
extraterrestres... Portanto, se as autoridades do Governo envolvidas no
caso chamaram os seres de ETs, porque nós, ufólogos, que convivemos
e acreditamos no fenômeno iremos descartar essa probabilidade?223

Contudo, enquanto que para quase todos os ufólogos o Caso


Varginha é a prova indiscutível da visita de seres extraterrestres que,
desafortunadamente, tiveram sua nave espacial espatifada e foram
capturados vivos, não há qualquer evidência, indício e muito menos
prova disto. Há prova dos fatos e testemunhais, aos montes. Nenhum
dos depoimentos, contudo, oferece qualquer segurança para a
afirmativa de que se tratasse de seres extraterrestres.

219
Paccacini. V., Portes, M.; .Incidente em Varginha, Criaturas do Espaço no Sul de
Minas, Cuatiara, MG, 1996.
220
Equipe UFO, Alienígena é capturado em Minas Gerais e as autoridades negam, UFO n.43,
abril de 1996, p.16.
221
Covo, C.; Os ETs de Varginha, Planeta, edição 288, Editora Três, setembro,1996.
222
Equipe do Grupo Ufológico do Guarujá (GUG), Conheça, passo a passo, os Detalhes do
Caso Varginha, UFO Especial 13, julho de 1996.
223
Albino, W. ;Varginha no centro dos acontecimentos mundiais, UFO Especial 34, agosto de
2005.
391
O autor da última citação foi infeliz na escolha dos termos. Para
nossos conhecimentos científicos atuais – apesar da falaciosa e
infundada muleta hodierna de que “a mecânica quântica confirma” –
a probabilidade de que existam Ets nos visitando é nula. Não existe
tal probabilidade, ou seja, não se conhece o que torne provável que
discos voadores ou Óvnis, em existindo, sejam veículos que
transportem visitantes de outros planetas.
Ao contrário, por isso é sempre bem-vindo o chavão cunhado por
Ray Bradbury – A probabilidade de existirem seres extraterrestres é
tão grande quanto a probabilidade de não existirem. Queiram ou
não os ufólogos, gostemos nós ou não, enquanto a Astronomia e
afins, como a específica astrobiologia, julgam possível a vida
extraterrestre, tais disciplinas não veem como provável – o que pode
ser, uma verdade imperfeita, ainda não provada – que supostas
inteligências de fora consigam viajar até nós.
E aquele autor da última citação, aliás dos mais sinceros e
idealistas ufólogos brasileiros, parece ter em mente a premissa
inválida de que, sendo ufólogo, qualquer um que o seja acredita ou
convive com o fenômeno como se ele fosse necessariamente
extraterrestre. Esta mentalidade, portanto, que assim enxerga o Caso
Varginha, deve aceitar de que não há qualquer prova do caso
enquanto visto sob a ótica da imaginária origem extraterrestre. Mas,
e quanto aos fatos?
Como dizíamos, a testemunha vê os fatos, mas não o analisa nem
o julga. Se o fizer, deixa de ser testemunha e seu depoimento tornar-
se-á pequeno, ou de nenhum valor. Isto não vale apenas para os
meios jurídicos, é regra aplicável a qualquer credibilidade de
depoimentos. Em fazendo questão de afirmar sobre as origens,
finalidades e intenções do que diz ter visto, o indivíduo,
automaticamente, torna artificial e dúbio o seu testemunho. Será que,
testemunhando um fato, uma pessoa realmente o presenciou?
Reconhecemos que a complexidade e aparente contradição são
fatores complicadores.
Ao início, afirmávamos que há provas, e muitas, da ocorrência de
Roswell. E reafirmamos – provas dos fatos, testemunhais, em grande
número, devendo-se destacar a de militares, inclusive de altas
patentes na época, que mais de trinta anos depois vieram a público

392
dar seu depoimento. Porém, voltemos aos nossos comentários sobre
prova. Prova de que, existe no Caso Roswell? Dos fatos basilares. Se
algum fato não tivesse ocorrido em Roswell, os órgãos alegadamente
envolvidos não teriam dado tantas explicações através dos anos.
Mas nunca prova de que houve o resgate, pelo Exército ou pela
Força Aérea norte americanos, de uma “nave espacial extraterrestre”.
Ainda que em muito maior número, e com mais detalhes, as
testemunhas de Roswell, quando falam em um artefato de outro
planeta e em cadáveres de seres desconhecidos, ficam no mesmo
estilo das de Varginha. Nada apresentam de concreto, até porque isto
seria obviamente impossível.
A não ser que apresentassem laudos circunstanciados de
rigorosas análises laboratoriais, biológicas, mecânicas e de vários
outros tipos. Mas os meios oficiais negam. Se em Roswell foi
recolhido um balão de sondagem estratosférica, bonecos
paraquedistas do Projeto Mogull de treinamento de espionagem e
tantas outras explicações dadas desde lá, foram fatos. E a prova é o
próprio reconhecimento dos tais órgãos.
Em Varginha, nem há essas provas. Melhor esclarecer de vez – as
provas testemunhais, civis, limitam-se praticamente ao avistamento,
por menos de dez segundos, por três garotas, de um “homem com
várias deformidades que provocava até incômodo”, disse o major
Calza à imprensa internacional. De um garoto de apelido Luizinho,
autista, que inclusive vive agachado tal como elas viram a tal
“criatura”. Isto é o que foi visto, segundo grande parte da população
local. Uma anã grávida foi levada ao hospital na noite da grande
chuva que caiu sobre Varginha, em 20 de janeiro de 1996, por um
caminhão do Exército, continuam os porta-vozes da Escola de
Sargentos das Armas. E mais algumas outras explicações diversas,
que também surgem amiúde com o passar do tempo.
Ocorre que o caso Varginha, para a maioria dos ufólogos, foi
muito mais do que isto, quando surge a história da captura de dois
seres pelo Corpo de Bombeiros e Exército, a condução de um corpo
sem vida e outro com vida para a Universidade Estadual de
Campinas, a passagem de um desses seres por dois hospitais de
Varginha e etc. Disto há prova? Enquanto uma “prova” fica apenas
no conhecimento de um pequeno grupo, que alega não poder

393
repassá-la – e continuamos a falar em prova testemunhal – pelo
sigilo solicitado pelos depoentes; enquanto uma “prova” não possa
ser observada, analisada, criticada, discutida e sopesada por terceiros
e por todos... não é prova. Nem de longe.
Recorde-se o leitor – Roswell tem prova da queda de algo e da
captura de cadáveres. Só que o reconhecimento e a confissão das
forças armadas falam na queda de um balão atmosférico e na captura
de bonecos que foram confundidos com Ets. Então, eis a prova
definitiva dos fatos. Em Varginha, jamais foi admitido que algo
tivesse sofrido uma queda, nem que corpos passaram pelos hospitais
e que um cadáver tenha ido para Campinas. Em sendo o Caso
Varginha, para os ufólogos, tais alegados fatos muito mais
importantes do que o rápido avistamento de algo por três garotas,
nem sequer há provas desses fatos. “Prova sigilosa” não precisa e
não deve ser aceita por quem quer que seja.
Como bem notou o Dr. Leir na citada obra, o episódio de Roswell
parte da queda de um artefato para se chegar a cadáveres de
estranhos seres. Em Varginha, o episódio começa com a captura de
estranhos seres para se chegar à queda de alguma coisa que nem
sequer se pode alegar ter sido um Óvni. A presença de um disco
voador em Varginha é o que menos existe, conforme sempre
afirmamos desde o início. Uma ou duas alegações isoladas, sem
testemunhos paralelos, assim mesmo com, no mínimo, aparentes
conflitos de datas.

Andando em círculos... ingleses

Eis aí um enigma dos tempos atuais, um mistério digno de


Hitchcock, que um diretor indiano224, seu discípulo confesso na arte
cinematográfica, tentou passar para as telas. Ficou devendo – a
película concentrou-se nos aspectos culturais, psicológicos e
religiosos do personagem principal e misturou estações ao colocar
em cena extraterrestres com alto teor de agressividade. Sobre os
“círculos” mesmo, nada. A casuística destes insondáveis sinais

224
M. Night Shyamalan, Sinais, 2002.
394
cresceu assustadoramente na década de 90, em todo o mundo – mais
de 12.000 desde 1970 – verdadeiras obras-primas, onde a
criatividade e o preciosismo se tornaram padrão mundial, uma marca
registrada. Contudo, nenhum deles deixou claro tratar-se de um
fenômeno ufológico, pois ninguém até agora conseguiu flagrar
visualmente ou registrar eletronicamente o aparecimento de um
único círculo.
Da noite para o dia, literalmente, os desenhos surgem
absolutamente originais, com filigranas e arabescos simetricamente
elaborados, cobrindo o planeta e não mais circunscritos aos campos
ingleses como no começo das aparições. Aliás, antes eram apenas
círculos colocados lado a lado ou concêntricos, formando alguns
desenhos bastante simples, entretanto, o que se vê hoje são formas
geométricas de impressionante beleza e perfeição, baixos-relevos
esculpidos com precisão matemática, pictogramas, árvores,
esquemas, figuras que parecem signos. É um tapa com luvas de
pelica na nossa inteligência.
Livros no melhor estilo Annual Books têm sido publicados, sites
veiculam imagens inacreditáveis, estudiosos, especialistas e
aficionados perdem o sono e os cabelos tentando encontrar uma pista
que lhes dê a chance de entender o que está acontecendo, mas o
enigma prossegue indiferente e provocante. E nada de Óvni por
perto, de extraterrestres, mensagens, encontros programados,
contatos, fotos, filmes, nada. Silêncio absoluto por parte de quem se
intitula autor dessa façanha.
A tendência é esse estado de coisas prosseguir indefinidamente se
nenhum fato novo e flagrante incontestável acontecer. O que pode
ser lógico nestes tais círculos se o mistério maior reside exatamente
no caráter ilógico de suas aparições? O primeiro pensamento que nos
vem à mente quando olhamos para uma destas fotos é o que Charles
Fort225 diria sobre isso – Oh, não, começou tudo de novo!... Essa
ligação é inevitável, pois estamos diante do mais novo fenômeno
fortiano surgido no século passado e que certamente irá se estender
pelas próximas décadas. Fort investigou e descreveu mistérios
absurdos, verdadeiras aberrações – chuvas de rãs e peixes, pedras,
sangue, carne crua e uma série inesgotável de substâncias orgânicas
225
Charles Fort (1874-1932), autor de O Livro dos Danados, Hemus, SP, 2002.
395
que nunca tiveram explicação e, tal como os círculos, nunca foram
associadas com Óvnis. Se estivesse vivo, exclamaria também são
danados esses círculos!
Diversas tentativas de explicações surgiram nos últimos anos,
sem atender à demanda de perguntas. Foi levantada a suspeita não
satisfatoriamente confirmada de que dois homens faziam incursões
noturnas pelos campos cultivados para desenhar as figuras de
maneira simples, porém eficaz. Outras imagens, contudo, parecem
ter sido produzidas em sofisticados programas de computador, ou
apresentam tamanha semelhança com imagens conhecidas que só se
pode suspeitar de uma farsa muito bem engendrada por motivos
ignorados.
O fato é que os círculos se juntaram à elite dos grandes e
indecifráveis mistérios como as pistas de Nazca, entre outros, e
seríamos a geração privilegiada que estaria tendo a rara oportunidade
de ver a coisa acontecer, bem debaixo – literalmente, de novo – do
nosso nariz. Esse fenômeno tem sido investigado sob os mais
diversos ângulos, e as análises laboratoriais não revelaram nada que
trouxesse um esclarecimento definitivo. O estudo comparativo das
belas imagens busca encontrar um padrão, uma constante, uma
“assinatura”, sem sucesso até o momento. Decifrar os desenhos
igualmente tem se mostrado infrutífero, embora para alguns
pesquisadores eles pareçam sugerir uma remota possibilidade de
“comunicação”. Mas de quem? De onde? Temos que ter em mente
que nem sempre um desenho representa o que aparenta ser, ou que
pode significar várias coisas ao mesmo tempo. Quando achamos que
poderia representar um esquema estelar, algo totalmente diferente
nos leva a uma direção contrária fazendo perder um tempo precioso,
pois ela – a imagem – pode não estar “falando” a nossa língua.
Mandalas ou mapas astronômicos? Flores ou fractais? Não sabemos.
Ainda que os tais círculos mereçam um estudo mais apurado,
caso a caso, para que se possa separar o que seja mera brincadeira ou
tentativa de construção de algo com o fito de faturar ou de ganhar
fama, de alguns casos mais interessantes e curiosos, podemos
também aqui alertar para o velho e censurável comportamento da
Ufologia, qual seja, o de achar que, somente porque não haja
explicação para um certo número de eventos, estes "só podem" ser

396
atribuídos à ação de discos voadores ou de extraterrestres.
Como sempre, também quanto aos círculos em plantações, o
raciocínio vulgar e meramente crédulo prevalece. Enquanto não se
acha a resposta para um fenômeno de causas ainda não
definitivamente detectadas, prefere-se atribuí-las à ação de um fator
alienígena, de caráter nitidamente mitômano. O que os adeptos dos
crop circles não podem negar, é que, quando os círculos aparecem
subitamente, nunca se constatou a presença de supostos Óvnis nas
adjacências, antes durante ou depois. O que se tem até agora é
apenas a tentativa desesperada, desamparada de bons testemunhos,
de se atrelar os círculos a Objetos Voadores Não Identificados.

397
Índice iconográfico

P. 35 – John Atkinson, 2002. Arte digital sobre Ascending & Descending,


litogravura de M. Escher, 1960.
P. 37 – La Clairvoyance, 1936, René Magritte.
P. 167 – Arte sobre imagens de arquivo.
P. 197 – Arquivo dos autores
P. 198 – Arte dos autores
P. 221 – La Trahison des Images, 1928-9, René Magritte.
P. 269/70 – www.americanartarchives.com
P. 269/70 – www.portaldoastronomo.org; www.phototakeusa.com
P. 328 – Arquivo dos autores.
P. 360 –www.infinity.elfkam.net/files/images/clanky/diamantovydul/07.jpg
P. 376 – www.lpi.usra.edu/resources/apollo/catalog/70mm/magazine/?96

398
Carlos Reis
65 anos, designer, escritor.
Pesquisador há 45 anos, com forte
postura científica; articulista da revista
Planeta (1981-90) e colaborador de
publicações nacionais e internacionais.
Autor de Reflexões sobre uma
Mitopoética (2011)
e Naus da Ilusão (2016)

Ubirajara Rodrigues
61 anos, advogado, com formação
em psicanálise e professor
universitário.
Pesquisador desde os anos 70.
Autor de
Na Pista dos UFOs – Discos
Voadores no Sul de Minas (2000)
O Caso Varginha (2001).
Colaborador da revista Planeta e de
vários periódicos internacionais.

399

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