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A
Desconstrução
de um mito
Um mito nada moderno sobre coisas vistas na Terra,
porque os discos voadores podem não existir
Carlos Reis
Ubirajara Rodrigues
Juiz de Fora / MG
2
2009
A Desconstrução de um mito
Copyright© Carlos Reis & Ubirajara Rodrigues
Editor Responsável
João Antonio Carvalho
Produtora Editorial
Pryscila Bilato Grosschädl
Revisão
Pryscila Germini
Revisão Técnica
Pryscila Bilato Gosschädl
Imagem de capa
Sachim Ghodke/Stock.XCHNG
Capa
Rodrigo Rojas
Diagramação
Ana Maria Totaro
Catalogação da publicação
LivroPronto Editora
Reis, Carlos A.
R375d
A desconstrução de um mito, um mito nada moderno sobre
coisas vistas na Terra, porque os discos voadores podem não
existir. Carlos Reis, Ubirajara Rodrigues, São Paulo:
LivroPronto, 2009.
ISBN 978.85.7869.076.2
Literatura brasileira – ensaios 2. Vida em outros planetas
1 Título. Rodrigues, Ubirajara F.
CDU 82-4(81):573.5
Bibliotecário responsável: Clever Adauto
3
Agradecimentos
4
Índice
5
Introdução a guisa de prefácio
Claude Lévi-Strauss
Para saber por onde esta obra vai enveredar, vamos começar
procurando apreender o significado de mito, ressaltando que, embora
implícito nestas entrepáginas, sua amplitude não permite
simplificações, já que ele é inesgotável por excelência. O leitor
interessado em mitologia tem à sua disposição belíssimas obras
como, por exemplo, O Poder do Mito3 e O Homem e seus Símbolos4,
de Joseph Campbell e Jung, respectivamente. E já que estamos
falando de duas das maiores autoridades no assunto, nada mais
oportuno do que extrair de um deles, ainda que superficialmente, sua
definição sobre mito.
Campbell declara que:
2
Mitos, Sonhos e Religião, Ediouro, RJ, 2001.
3
Palas Athena, SP, 1991.
4
Nova Fronteira, RJ, 1964.
7
O mito tem muitas funções. A primeira é que os mitos fazem uma
conexão entre nosso despertar de consciência e o mistério inteiro do
universo. Esta é sua função cosmológica. Ele permite ver a nós mesmos
em relação à natureza, conforme falamos em Pai Céu e Mãe Natureza.
Existe também uma função sociológica para o mito, à medida que ele
suporta e valida uma certa ordem social e moral para nós. (...) Por
ultimo, o mito tem uma função psicológica que nos oferece uma
maneira de atravessar e lidar com os vários estágios desde o
nascimento até a morte.
E finaliza:
5
Entrevista a Eugene C. Kennedy, The New York Times, 1979.
6
Armstrong, K. Breve História do Mito, Companhia das Letras, SP, 2005.
8
arquetípicas do universo, estabelecendo um vínculo entre a
superfície da consciência e o si-mesmo incognoscível.
Tornou-se lugar-comum falar em crise das religiões, que, ou
teriam se tornado desnecessárias ou estariam sendo reprisadas pela
iconoclastia da época. Contudo, o que está acontecendo é que os
pensamentos religiosos estão migrando para fora dos cultos
institucionalizados, transferindo-se para canais alternativos: arte,
ciência, política, etc. Em alguns casos – como no da política, essa
transferência pode ter resultados catastróficos – as teocracias de
Hitler e Stalin ou a idolatria dos americanos pelo seu presidente.
Com bons ou maus resultados, entretanto, esse movimento de
sacralização do profano é um fato, nitidamente observável e
aparentemente irreversível. A questão que se apresenta é saber se o
fenômeno Óvni7 estaria desempenhando o papel de um desses
campos alternativos para a expressão das questões religiosas, entre
outras.
E por que nada moderno? Porque o que vamos discutir aqui não
tem mesmo nada de atual, e a continuação sobre coisas vistas na
Terra é emblemática: o mito a que nos referimos não é esse criado
por nós a que chamamos de Óvni, porque dele pouco – ou nada –
sabemos. O mito em tela é aquele que moldamos sobre nós mesmos.
A matriz desse pensamento é que a Ufologia gravita em torno de um
fenômeno ainda maior – o próprio homem.
10
não únicos vilões. Nossa proposta é uma tentativa de contribuir para
a melhoria dos instrumentos de investigação e elucidar alguns
aspectos ainda bastante obscuros, porque a coisa chegou a um ponto
insustentável.
É uma atitude, acima de tudo, de responsabilidade e coerência
com os princípios elementares da crítica. A radiografia revela uma
situação que exige um tratamento invasivo e definitivo: drenar a
insensatez acumulada pela falta de inteligência para ocupar essas
cavidades.
Para começar, uma providência imprescindível e inegociável,
antes que sejamos engolfados por um pessimismo incurável –
extirpar os males que foram ao longo do tempo e sabe-se lá por quais
razões, incorporados à Ufologia, tornando-se verdadeiras células
cancerosas de um corpo originalmente saudável. Isto requer precisão
cirúrgica no corte: pirâmides, triângulo das Bermudas, círculos
ingleses, crânios de cristal, ossadas incomuns, mensagens
telepáticas, canalizações8, chupacabras, implantes, Terra oca,
aparições marianas, pistas de Nazca, deuses astronautas, bases
submarinas ocultas, relevos marcianos e uma infinidade de outros
temas que não trouxeram nenhuma luz e se transformaram em um
autêntico festival de sandices.
A Ufologia tornou-se hospedeira natural destes parasitas,
um buraco negro tragando para seu interior tudo aquilo que
tangencia seu “horizonte de eventos”, um vertedouro de
aberrações e absurdos indescritíveis rodopiando em torno de si
mesma num carrossel de impossibilidades. Essa Ufologia
coisificada e embalada para consumo imediato está
nitidamente introjetada no espírito atual, por sua vez
desprovido de um comando capaz de abortar essa linha suicida
de pensamento.
Imaginamos que, sem eles, ou ela se tornará um abatedouro
8
Canalização é um fenômeno estudado pela ParaPsicologia, enquadrado na categoria dos
fenômenos Theta,. Ocorre quando alguma forma de manifestação externa se utiliza de uma
pessoa (sensitivo ou médium) como veículo de comunicação. A canalização seria, então,
uma forma de “mediunidade”, diferente da telepatia, pois envolve a palavra falada e
normalmente a inconsciência do receptor, sem vincular fenômenos ou efeitos físicos
externos ocorrendo no ambiente.
11
ou um orfanato de ufólogos com neurônios desocupados, ou então –
e aí se daria um salto extraordinário – eles se tornarão realmente
ufólogos, pesquisando somente o que interessa e da maneira correta.
Por outro lado, é bastante provável também que uma reviravolta em
conceitos tão fossilizados provoque algum revertério em massas
cinzentas mais cinzentas que massa, mas esse é o preço da
maturidade. Talvez assim acabe de vez o contorcionismo mental a
que se está sujeito cada vez que surge um novo modismo.
Tudo bem que foram tentativas honestas e bem
intencionadas de se encontrar alguma relação com o assunto, uma
explicação para tantas dúvidas, mas, ao invés disso, embaralharam
ainda mais a sua compreensão. Seus prazos de validade dentro da
Ufologia se esgotaram há muito, por isso devem ficar confinados às
suas respectivas arenas, sejam quais forem. Certos fatos são tão
poderosos em seu potencial de convencimento que não se tornam
evidentes em sua falsidade ou logro.
9
Sagan, C.; O Mundo Assombrados pelos Demônios, Cia. de Bolso, SP, 2006.
12
entendimento de um fenômeno que contraria todos os postulados da
lógica, da ciência, da racionalidade e do bom senso.
Por isso, esta obra ousa ser singular e pioneira na contracorrente
do mercado editorial no gênero, porque pretende preencher um vazio
na bibliografia ufológica brasileira, não só por nunca ter havido uma
que desnudasse a Ufologia com olhar agudo, implacável e mordaz,
mas também porque nenhuma outra atreveu solapar os pilares
erguidos em todos estes anos e provocar fissuras em sua estrutura
básica. Ela é também, por sua própria natureza, nosso labor
oratorium hoje – o melhor e mais eficiente instrumento para
expressar e compartilhar experiências e resultados.
Mas as ambições deste livro não param por aí. Anseia ser o
precursor de uma nova linguagem em oposição à informação
estratificada, repetitiva, retrógrada e alienante que recheia livrarias,
estantes e bibliotecas, salvo raras exceções. Deseja ser um oásis no
deserto literário sobre o tema, dar um sopro de lucidez nas ideias
empoeiradas nos porões da inteligência, remodelar o pensamento
desgastado e viciante e parir um novo conceito de pesquisa. Um
divisor de águas, marco zero para a emancipação de uma disciplina
que nem mesmo tem status para ser assim chamada. A rigor, a
Ufologia sequer figura nos bancos acadêmicos, não é matéria
curricular de escola alguma, não gera empregos nem divisas, não dá
diploma nem doutorado e muito menos forma especialistas. Está
desorientada no meio do nada. Se almeja uma “inserção social”, um
“reconhecimento oficial” ou uma estatura representativa, precisa
adotar uma fala inteligente e palatável, nem que para isso tenha que
ser virada pelo avesso e recomeçar do zero.
Portanto, não nos permitimos concessões nem concisões, no que
pedimos complacência para com as críticas mais ácidas, nunca
gratuitas, e sábia compreensão quando houver traços de rebeldia. Na
gíria adolescente, não deixamos barato, abrimos a caixa de
ferramentas e mandamos ver. Temos um compromisso com o futuro.
Basta de rifar a Ufologia. Estamos atendendo a um apelo de nossas
consciências. Se há um comprometimento explícito ele é, antes de
tudo, com o leitor, mas com o de hoje e o de amanhã, porque o de
ontem vai ter que rebolar para se entender conosco, ou estará
predestinado a viver eternamente nesse atraso. Ou você acompanha
13
o ritmo do mundo ou fica na cadeira de balanço dando adeus a quem
passa. Com este pensamento, somos genuinamente argonautas em
busca do tempo perdido
.
Não há como precisar quando exatamente este livro começou a
ser escrito, uma vez que permaneceu incubado em nossos ideais por
um período impossível de ser estimado. O que podemos dizer com
segurança é que foi moldado ao longo das vivências e lapidado pelas
experiências individuais, forjado pela premência de sanear uma
história eivada de falhas de construção argumentativa, conduzida por
abordagens daltônicas e esquivas e nutrida por pesquisas que se
intitulam científicas, mas que não passam de procedimentos
amadores e caricatos, arremedos da verdadeira pesquisa científica.
Malgrado esse perfil, consegue atrair uma plateia cativa, ávida por
revelações ainda que espúrias. Além disso, este trabalho vem
emoldurar uma militância de mais de 30 anos de andanças, jornada
essa que também foi vítima de falhas, próprias da necessidade de
convencer e se convencer de uma realidade que até então era o que
se dispunha para estudo. Não vamos contabilizar os erros, fizeram
parte do ofício. O tempo da ingenuidade e do obscurantismo ficou
para trás. A ignorância prescreveu em favor de uma visão assentada
na lógica, na racionalidade, no equilíbrio e na percepção crítica dos
fatos.
Ao percebermos que nossas convicções não eram mais
suficientes para atender às indagações, pois apresentavam furos no
seu tecido, fiapos que se esfacelavam frente aos fatos, à reflexão, à
maturidade que a vida se encarregava de nos presentear, decidimos
nos afastar do rebanho, sair do turbilhão de eventos e apreciar o
movimento das peças. Porém, não mais como um jogador inábil
diante de um adversário imbatível, mas como observadores e
analistas desapaixonados, e o panorama que se descortinou foi
sombrio e desolador. Então, como escreveu alguém certa vez, é
preferível viver um dia de leão a cem de carneiro, e o resultado é
este que está em suas mãos.
A escassez de propostas, a parcimônia nas ações e a falta de
perspectivas foram vetores decisivos para cinzelar essa iniciativa.
Mais que um impulso moral ou dever de consciência, há uma
14
espécie de gratidão para com um tema que tem nos ensinado muito
não sobre discos voadores, extraterrestres e toda essa coisa, até
porque continuamos tão ignorantes como quando começamos, mas
sobre o ser humano, essa figura contraditória, incoerente, ambígua,
desconhecida, ilógica e frágil. Nada mais justo, portanto, do que
retribuir com o nosso aprendizado até onde nos foi possível chegar.
Está mais do que na hora refazer essa história e começar a mostrar
uma Ufologia que desconhece a si própria.
É curioso e ao mesmo tempo gratificante imaginar que a distância
geográfica que separa cada página se estenda por quilômetros.
Embora a obra tenha sido escrita por ambos, simultaneamente, o
tempo todo, utilizando todos os recursos de comunicação disponíveis
e com o precioso apoio de colaboradores notáveis, nos esforçamos
para o leitor não perceber onde termina a letra de um e começa a do
outro. Essa sintonia fina, o espírito consensual e a sobreposição de
ideias foram a pièce de résistance e principal força motriz que
tornou possível o empreendimento. Descontadas pontuais
divergências, sobressai uma respeitosa e bilateral influência. Por
mais essa razão, foi um trabalho de fôlego e imersão até a medula
em incansáveis horas diárias dedicadas à elaboração dos textos, a
releituras, revisões, reflexões, diálogos, monólogos e silêncio.
Meses foram investidos em pesquisas, confirmação e atualização
de dados. Mergulhamos em extensa bibliografia na busca de
informações detalhadas no rigor de fontes seguras, que nos levou a
um prolífico e por vezes obsessivo passeio por searas inabitualmente
exploradas – neurociências, Psicologia, mitologia, psiquiatria,
Antropologia, Sociologia e Filosofia, e na repescagem de antigos
escritos, alguns deles revisados e reaproveitados, uma vez que se
mostraram atemporais, sem sinais de envelhecimento. Procurando
não comprometer o prazer e o fundamento da leitura, redobramos os
cuidados com a semântica para neutralizar as interpelações
virulentas com que provavelmente seremos fustigados com apetite
voraz, conforme a sanha dos predadores. Que venham, desde que
com inteligência e respeito, porque surtos esquizoides, efusões
misticoides ou achaques imbeciloides serão sumariamente
ignorados. Não nos intimida a artilharia que poderá ser utilizada
porque má pontaria e balas de festim costumam ser a tônica. O
15
recado está dado. Recomenda-se abastecer o cérebro antes de dar
vazão a uma incontinência verbal apoplética. É a única forma de
saber se esta obra realmente surtiu o efeito desejado: provocar,
incitar, estimular uma reestruturação de valores.
Paradas obrigatórias foram estratégicas para uma eventual
correção de rota, para exorcizar os insidiosos fantasmas da soberba e
do excesso de autoconfiança (se houve excesso foi no preciosismo
da escrita), para desintoxicar a mente de uma inevitável congestão
temática, repensar opiniões, abolir vãs suposições e abdicar de
velhas certezas. Nenhuma interrupção foi improdutiva, nenhuma
lembrança pertinente ou insight deixaram de ser registrados. Por
exemplo, em um descontraído passeio pelas areias de Paraty,
observar as pegadas sendo apagadas pelas ondas acentuou o esforço
de não permitir que este trabalho também fosse diluído pelas marés
do tempo. No contraponto desta reflexão, uma íngreme caminhada
de três horas pela trilha inicial da Estrada Real10 fortaleceu a
obrigação de rever a história e “abrir caminhos” com base na visão
lúcida dos acontecimentos.
Salvo engano, por tudo isso e muito mais, é de se presumir
turbulências pela frente, porque alguns petardos foram desferidos
com mira telescópica, enquanto outros alvos que estavam na linha de
tiro foram poupados por pura indulgência. É quase certo que o
desafinado coro dos ressentidos será amplificado, que a república
dos insurretos franqueará suas portas e a temperatura das discussões
irá esquentar. Pretextos não faltarão, precipitação e destempero vão
sobrar. Entre confrontos, desencantos e desencontros é aconselhável
optar pelos primeiros, que pressupõe, na melhor das hipóteses, um
diálogo pendular e equidistante entre o que é e o que não pode ser.
Entretanto, sabemos que independentemente deste livro, a Ufologia
continuará seguindo seu caminho.
17
potencial repercussão que ela carrega, respaldados na seriedade das
intenções. É um direito nosso reclamar por uma revolução no
pensamento e na forma de se olhar a matéria daqui em diante.
Um novo olhar se impõe. Em razão disso, vamos estabelecer um
pacto com o leitor: pode fechar este livro a qualquer momento
quando achar que a arrogância e a prepotência estão passando dos
limites, mas advertimos: se não prosseguir, não se inteirar dos fatos
que foram passados a limpo e da alquimia que a obra se propôs,
então certamente continuará caminhando do outro lado do muro,
alheio às grandes mudanças que florescem à sua volta o tempo todo.
Só não as vê quem não quer ou é extemporâneo a elas.
Por outro lado, se continuar, então estará travando um silencioso
diálogo conosco, e, por que não, assumindo discreta cumplicidade.
Por fim, é importante ressaltar que esta obra foi urdida de forma a
ser um harmonioso conjunto de textos interagindo e
complementando-se continuamente para ser absorvida de forma
plena. O objetivo final está claro: transferir ao leitor a
responsabilidade pelo que há de vir, e tal se justifica lá na frente ao
completarmos a frase Temas medíocres continuarão existindo...
18
Os alquimistas somos nós11
20
responsável pelos nossos pensamentos. Há um duelo ininterrupto
entre a longevidade da vida e a impermanência do homem. A
impaciência é vítima dela própria e isso perpetua um agir conflitante.
Quando somos crianças e queremos entender como as coisas são
ou funcionam, perguntamos aos nossos pais; mais tarde, já em idade
escolar, também aos professores. Quando não conseguimos as
respostas que procuramos, consultamos colegas, buscamos
informações em livros e reviramos bibliotecas e universidades. Se
nossa dúvida é sobre algo mecânico, sobre fenômenos naturais ou
qualquer outra área coberta e estudada pela ciência, teremos
explicações objetivas e verificáveis. Se não concordamos com aquilo
que nos informam, vamos procurar “provas” do que nos é dito.
Normalmente as encontramos com facilidade e a explicação é dada
de forma a dirimir todas as nossas dúvidas.
Porém, quando a busca é por questões que envolvam princípios
religiosos ou divinos, caímos numa região de brumas. Quando
questionamos o porquê da vida, quem é Deus, por que o universo
existe, qual o propósito dos fenômenos inexplicados, ficamos sem
informações satisfatórias e inequívocas. Essas questões ultrapassam
até a ontologia, tornam-se simplesmente transcendentais. Ou
aceitamos pacientemente que tudo isso seja misterioso e está acima
de nossa capacidade de compreensão ou então que são recursos
mentais, neurológicos, enzimáticos que nos fazem ter sensações ou
ilusões de algo que seja superior a nós. Nenhuma das duas opções
responde aos nossos questionamentos mais profundos porque não
calam a pergunta básica e simples que é o porquê de nossa
existência.
A religião nos diz que fomos criados, a ciência, que evoluímos,
mas nenhuma das duas explica por que existimos, ou melhor, para
que existimos. Não houvesse a espécie humana, o planeta não estaria
poluído, com florestas devastadas e animais em extinção. Por outro
lado, se aqui estamos, é possível que algum significado ou função
nossa existência deva ter. Seríamos um acontecimento aleatório na
história da Terra ou, pelo contrário, um acontecimento planejado?
Não há como responder a estas questões. Talvez nunca haja. Porém,
as perguntas continuam sendo feitas há gerações e respondidas de
uma maneira que não nos satisfaz.
21
Todos querem saber de onde viemos, mas, como os primórdios se
perderam nas brumas da pré-história, criamos mitos sobre nossos
antepassados, que não são históricos, porém ajudam a explicar atitudes
atuais em relação a nosso ambiente, nossos semelhantes e nossos
costumes. Também queremos saber para onde vamos, por isso
elaboramos histórias que falam de uma existência póstuma (...) E
queremos explicar os momentos sublimes, quando parece que somos
transportados para além de nossas preocupações ordinárias. A
mitologia foi, portanto, criada para nos auxiliar a lidar com as
dificuldades humanas mais problemáticas. A mitologia muitas vezes
deriva de uma ansiedade profunda relacionada a problemas
essencialmente práticos, que não podem ser mitigados com argumentos
puramente lógicos12.
12
Armstrong, K.; op. cit.
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formação. Porém, na busca da resposta mais fácil que, de
preferência, confirme aquilo que gostaríamos que fosse verdade,
deixamos nos levar e muitas vezes nos levamos por caminhos
estranhos. Nesse contexto, a Ufologia serve, grande parte das vezes,
não como um estudo que amplie os paradigmas e mostre novas
maneiras de pensar nossa cultura e nossa sociedade, mas sim como
muletas e escudos que nos amparam e protegem de nós mesmos.
Transformá-la em seita, numa corrente de crença de cunho místico-
religioso de forma a se eximir de toda e qualquer responsabilidade
sobre sua própria evolução mental, não é a saída. Ler mensagens
messiânicas de seres que supostamente vivem em outros planos e
crer que essa é a resposta que buscamos é cavar, sem perceber, uma
enorme cova para enterrar nosso senso crítico, nossa capacidade de
discernimento e, muitas vezes, nossa sanidade.
A Ufologia sempre esteve envolvida por uma névoa de mistério,
palavra cuja raiz semântica do verbo grego mýein tem forte
conotação religiosa e, em outro sentido, adquire o significado de
“segredo”. Mistério é, fundamentalmente, uma realidade
transcendente, intransponível para a razão, vale dizer, uma
“realidade” simplesmente inatingível para o pensamento humano. O
maior de todos os mistérios, no sentido conotativo, somos nós
mesmos, nossa capacidade criativa, nossa imaginação. O grande
trunfo não é a confirmação de vida extraterrestre, que, se algum dia
ocorrer oficialmente, não será por ufólogos, mas por instituições de
pesquisas científicas. O trunfo é o ser humano e suas capacidades
todas. Endeusar aquilo que é produto de nossa vontade não responde
a perguntas, apenas mascara o que porventura poderíamos saber,
caso nos dedicássemos a procurar por elas com sabedoria.
Muito se tem falado sobre Marte e a possibilidade de abrigar vida
bacteriana. A aceitação e a divulgação de uma descoberta desta
magnitude poderão acontecer mais cedo ou mais tarde, assim como
não saberemos os segredos do universo apenas porque sonhamos
com naves e alienígenas ou porque filmamos ou fotografamos um
Óvni. A Ufologia traz consigo a necessidade de estudos nas mais
variadas áreas, de conhecimentos diversificados e, principalmente,
de argumentos para questionar e ampliar nossas ideias em relação ao
universo. Ela faz com que muitas vezes nos olhemos com olhos de
23
extraterrestres e perguntemos a nós mesmos, caso fôssemos de outro
planeta e viéssemos à Terra, se gostaríamos daquilo que iríamos ver.
Mas isso não faz dela uma religião. E não transforma seres
extraterrestres em deuses. Embora os incas acreditassem que os
espanhóis eram deuses e os tratassem como tais, não impediu que
estes cometessem todas as barbaridades que a história nos conta. A
questão ufológica demanda coragem para questionar, para estar
aberto a possibilidades, e não para crença.
Forjar acontecimentos ou fantasiá-los é apenas fugir à verdade.
Os relatos farsescos e os devaneios lisérgicos que se multiplicam no
quadro ufológico não nos desmentem. A casuística acolhe em seu
ventre situações tão descabidas quanto inverossímeis, muitas delas
aceitas como reais e consideradas “clássicas”, seja por veleidades – a
falta de interesse em esclarecer os fatos –, ou por conveniência,
conivência, preguiça, comodismo e desleixo, quando não
inexperiência. A rigor, nenhum caso passa pelo crivo de uma
inspeção mais robusta. Discutiremos alguns exemplos. A verdade,
seja ela qual for, talvez resida mais em prestarmos atenção em nós
mesmos e às nossas reações do que em nos agarrarmos a conceitos
mirabolantes e exóticos, quando não a ideias esquizotéricas13, que
nos levam para fora de nossa capacidade racional. A Ufologia pode,
sim, ajudar-nos a enxergar o mundo por outro ângulo, não porque os
supostos Ets sejam santos ou demônios, mas porque ela nos excita a
usar aquilo que de mais precioso temos: nosso pensamento e
capacidade intelectual. Para fazê-los funcionar, temos como
combustível o estudo, a pesquisa, a crítica, a reflexão. Contudo, para
entupir esse canal, basta uma única dose de desatino e obtusidade.
O pesquisador ufológico está tão desorientado que dá a
impressão de viver no interior de uma câmera fotográfica, só
percebendo o mundo exterior quando o diafragma é acionado numa
fração de segundo. Depois, tenta entender o que se passou olhando
cada um dos fotogramas isoladamente. Há uma evidente dissociação
com a realidade, falta a visão do todo, falta dedicar o momento
“ocioso” à introspecção. Em suma, falta pensar! A Ufologia está
abarrotada de consumidores passivos, enquanto carece de
13
Neologismo dos autores: uma fusão bem humorada, mas verdadeira, de esquisitices com
ezotéricas, com “z” para reforçar o caráter corrompido da expressão.
24
pensadores ativos. Não se pode viver o tempo todo em um parque de
especulações. É como a fábula dos quatro homens com os olhos
vendados que, tateando um elefante pela primeira vez tentavam,
cada um à sua maneira, descrevê-lo. Um apalpava orelhas e tromba,
outro segurava o rabo, um terceiro tocava nas patas e o último
alisava o corpo do animal. Não chegavam a um acordo até que um
deles abriu os olhos e exclamou: - É isso um elefante?!
A partir disso podemos inferir uma Ufologia
“frankensteiniana”, um tema costurado com pedaços de outros sem
nenhum vínculo entre si e que, ao invés de apenas fazer parte deste
corpo como apêndices, dele se apropriaram e comandam seus
movimentos. Um monstro disforme, mas que – ora vejam – tem
alma. Falta-lhe cérebro, contudo. É em busca dessa alma e na
formação deste cérebro que nos lançamos aqui, mesmo com a
certeza de que não viveremos o suficiente para finalizar a tarefa. Mas
um corpo montado dessa forma está sujeito a sucumbir por “falência
múltipla dos órgãos” em efeito cascata. Pressentimos que o luto seja
iminente se for este o caminho natural, porque o odor nauseabundo
de um corpo em decomposição já se faz sentir de longe.
25
O Paradoxo de Escher
14
Gilbert Ryle (1900-1976), filósofo inglês. Seu pensamento pode ser resumido em uma única
frase: “As coisas são mais que a soma de suas partes. Exemplo: ao penetrarmos nos
meandros do cérebro em busca da alma que o anima, não a encontraremos entre as sinapses,
vasos e células. Ela poderá estar em toda parte, inclusive na complexidade da própria
estrutura cerebral”.
26
fato de ignorarmos a totalidade dos fatores que se conjugam para que o
15
fenômeno aconteça .
17
A norma gramatical pede que, no caso de siglas, como Óvni, Ufo, Et não se use no plural,
mas optamos por quebrar essa rigidez (N.AA.).
29
Essa conceituação compreende um amplo espectro de situações
em todas as áreas do conhecimento. Não há um só campo das
ciências humanas ou naturais que não esteja submetido a um
profundo, criterioso e contínuo reexame de suas produções. A
ciência sabe que não contém o gene da verdade absoluta nem uma
explicação definitiva e imutável para as questões que investiga, e
que seu conhecimento é falível, incompleto e impreciso. Seria uma
temeridade se pensasse o contrário, uma visão de altíssimo risco.
A ciência também erra, na prática e na teoria, mas hoje muito
menos que ontem, em razão do conhecimento adquirido, somado,
dividido e multiplicado. Ela também possui o seu “buraco negro”
por onde uma torrente de perguntas é absorvida sem que as respostas
saiam pelo outro lado. Sua “palavra final” é sempre temporária.
Diante destas zonas de silêncio, impera um solene mutismo, mas não
marasmo investigativo. Todavia, a visão corrente – errônea – que se
tem da ciência é que ela deve responder a tudo, ter todas as
explicações, ter um “porque” a cada “por quê?”. A prática está
léguas distante da teoria. Ela, a ciência, não tem obrigação de dar
todas as respostas, mas tem o dever de investigar todas as perguntas.
Foi assim no começo, quando raios e trovões eram considerados a
“ira dos deuses”, ou o arco-íris um “sinal divino”, até que um dia a
meteorologia apareceu com as respostas; ... que a Terra era o centro
do universo, e a Astronomia mostrou que estamos na orla de uma
gigantesca galáxia ao lado de milhares de outras; ...que a epilepsia,
até não muito tempo atrás considerada “possessão demoníaca”, hoje
sabemos tratar-se de uma disfunção cerebral. É assim, com pesquisa,
esclarecimentos e comprovações que se constrói o conhecimento, e
continuará sendo, quando respostas surgirão em substituição a lendas
e crendices. Pode apenas demorar um pouco mais com a Ufologia, já
que os ufólogos se apropriaram do tema e permanecem acantonados
como um bloco de resistência combatendo um inimigo invisível
numa batalhar irreal.
30
Essa afirmação provém do físico Freeman Dyson18 ao expor a
questão dos caminhos que se abrem para a ciência na busca de
respostas. Já Umberto Eco diz que a ciência moderna não crê que o
novo está sempre certo. Ao contrário, baseia-se no princípio da
"falibilidade", (enunciado pelo filósofo americano Charles Peirce,
retomado por Popper e muitos outros teóricos e posto em ação pelos
próprios cientistas),
18
Mundos Imaginados, Companhia das Letras, SP, 1998.
19
Psicólogo alemão (1890 – 1947).
20
Filósofo e educador austríaco (1861 – 1935).
31
combinação entre o saber, o sentir e o agir. A questão toda se resume
na sinonímia conduta/agir: absorver o conhecimento, amoldá-lo aos
valores culturais e percepções individuais e assimilar a necessidade
de uma postura de ajuste aos novos tempos é um fluir natural. Mas
essa última etapa esbarra numa resistência íntima irremovível
conhecida pelo condenável deixa-como-está-para-ver-como-é-que-
fica.
Não é lógico nem sensato, muito menos inteligente, querer
resultados diferentes se as mesmas ações são repetidas
indefinidamente. No campo ufológico as incoerências estão por toda
parte. Pensam praticar a Ufologia do futuro, mas usam as
ferramentas do passado. E por falar nisso, em qual campo ela se
insere como disciplina de estudo? Em todos simultaneamente ou em
algum ainda a ser criado? Se couber a primeira opção, então
definitivamente o fenômeno Óvni não tem uma resposta simples
como sugerida há pouco. Se a segunda for a verdadeira, aí sim é que
não será simples em absoluto.
Em Ufologia, como em todas as ciências (o que não quer dizer
que ela seja uma), não existem respostas simples. Esse tipo de
resposta cabe apenas àqueles que querem ver o mundo dividido em
compartimentos estanques, com cada coisa metida em seu lugar
próprio, sem nenhuma confusão entre os rótulos. Mas esses rótulos,
como seus autores, são feitos da matéria de que os sonhos são
tecidos. Onde termina o disco voador e onde começa o homem?
O fato é que tudo gira conforme nossas crenças, que nascem
através de idiossincrasias e são desmanteladas ou deformadas pelas
nossas limitações. O pesquisador franco-americano Jacques Vallée
usa uma metáfora bastante simpática para tentar explicar a sua visão
do fenômeno, e invariavelmente recorremos a ela: imaginando que
os Óvnis estejam atuando como numa tela de cinema, seu interesse
reside não somente em “assistir” ao filme, mas principalmente voltar
sua atenção para a origem – a “cabine de projeção”. São exatamente
estas as suas palavras:
21
Vallée, J.; Confrontos, Best Seller, RJ, 1990.
22
Maurits Cornelis Escher (1898-1972), artista gráfico holandês. Para saber mais, consulte
www.mcescher.com
33
que comporta em si mesma uma naturalidade e um nexo
inapreensíveis aos sentidos. É a tradicional ilusão de ótica
transformada brilhantemente em arte. Tomando como exemplo a
ilustração, podemos ver claramente um conjunto arquitetônico no
qual pessoas sobem ou descem as escadas, onde tudo seria normal
não fosse a concepção surreal da construção. É um ir-e-vir contínuo,
sem levar a lugar algum! Releia essa frase.
Várias de suas ilustrações cumprem à perfeição o papel de
“retrato falado” da Ufologia, onde os elementos se misturam, se
fundem e se transformam em outros totalmente diferentes. Quem
pode negar que a Ufologia não apresenta a mesma configuração,
enovelando-se, metamorfoseando-se e mostrando-se conforme
aquilo que queremos ou desejamos ver? O resultado é um jogo
intelectual de perplexidade, com dimensões e perspectivas que
mostram ao observador os hábitos e os limites dos seus sentidos23. O
autor desta frase está se referindo às obras do artista, mas poderia ser
sobre Ufologia e ninguém notaria a diferença.
Escher, com seu estilo inconfundível, tornou-se uma referência
em estudos de percepção graças à combinação das formas, ao jogo
de luz e sombra, à irrealidade e infinitude dos traços que soube
manejar com singular maestria e domínio técnico apurado. Sua obra
conduz a uma desorientação inquietante, uma contradição explícita
da tridimensionalidade e um permanente questionamento sobre
“como pode?”. E que impacta, está diante de nós, é visível,
“palpável”, não estamos diante de uma aberração. O prédio está lá
com toda a sua estrutura física, a escada, os homens que, afinal,
sobem ou descem? No entanto, nada disso é possível! Como pode?
23
Bruno Ernst in O Espelho Mágico de M. C. Escher, Taschen Verlag, Berlim, 1991.
34
É ou não autorretrato da Ufologia?
35
A subjetividade de uma realidade objetiva
Douglas Adams
24
Dawkins, R. O Capelão do Diabo, p. 296, Companhia das Letras, SP, 2005.
25
Oliva, A. Filosofia da Ciência, Jorge Zahar Editor, RJ, 2003.
36
mais agudo sentido – não deixar farelos de uma postura que possa
ser erroneamente entendida como tendenciosa e parcial.
De acordo com o professor Oliva, existem determinadas
atitudes que inviabilizam a conquista do conhecimento. A relação
lhe pertence, a interpretação é nossa:
38
6. A tendência a tomar como certo e estabelecido o que, na
melhor das hipóteses, é apenas provável
Complemento do item terceiro, a aceitação literal e
inquestionável de uma verdade que se supõe ser única, sem
necessidade de comprovação. É a tendência natural de seguir
adiante com o que já está dado como definitivo, ainda que não em
definitivo.
7. A subordinação da razão à fé
Um aspecto perigoso, semente para uma conduta
fundamentalista, sectária, portanto inflexível, autoritária, repressiva
e intolerante. Não envolve somente questões psicológicas, culturais
ou sociais, é de natureza intestinal, entranhada na alma. É crer ou
crer, e quanto mais próxima do “divino” estiver essa crença, mais
instila a lealdade cega, revestida de um forte tônus emotivo, onde a
argumentação lógica é totalmente abandonada. O indivíduo não é só
criador dessa fé, é, principalmente, vítima dela.
41
coerência dos alicerces construídos pela lógica e pela dialética
ocupará os espaços deixados por uma postura provinciana e
antiquada. Não há outra forma de agir, não há outro caminho a
seguir. É um novo olhar sobre um antigo problema. Se a
retrospectiva histórica dos acontecimentos não permite outro
enfoque, a perspectiva lógica não propõe alternativa, ao contrário,
imprime um fluxo de contestações no mesmo ritmo e na mesma
velocidade com que se apertam as teclas da era digital. É a evolução
natural e irrefreável dos fatos.
É exatamente o que antes comentávamos. Para a fenomenologia,
criada por Husserl, inspirado em Kant, a realidade compõe-se de um
aspecto próprio – em grego, noumenon – racional em si mesma. Mas
apresenta-se para a nossa compreensão, para a nossa razão ou
consciência, por outro aspecto – o fenômeno, em grego,
phaemomenon. Só que, numa atitude depois alcunhada de cética,
Kant não admitia ser possível à nossa razão conhecer a coisa-em-si,
o noumenon, mas apenas o fenômeno.
Eis porque fenomenologia tem este significado – o de se
conhecer o que só a consciência consegue. Desta maneira, para
Husserl, os fenômenos são constituídos pela nossa própria
consciência. Então, o conhecimento científico, o trabalhar com a
razão para, com o método, tentar chegar à verdade, permitirá separar
os fatos, os fenômenos, da sua verdadeira essência. Enquanto
fenomênico, o Óvni permanecerá ao sabor de variantes e de
diferentes meras opiniões. Mas, bem estudado, poderá levar a juízos
interessantes. Suas causas e origens poderão ser exclusivamente
psicológicas, consequências de fanatismo religioso substituído por
misticismo da era tecnológica, produtos de simples boatos,
influência de fantásticos pensamentos fictícios resultantes de fatores
sociológicos extrínsecos e/ou manifestações de “naves
extraterrestres”. Pouco importa, continuará sendo um fenômeno.
Se a crença é o pincel que vem tingindo a Ufologia com os atuais
tons, não será um ceticismo monocromático que lhe dará nova cor. É
preciso grifar o pensamento de que vivemos uma época em que tudo
está sendo questionado e discutido - crenças, verdades, dogmas. Essa
liberdade de pensamento é o principal instrumento para fazer surgir
uma sociedade democrática e tolerante, além de pluralista, e é com
42
este binômio que se desenrola esta obra – pluralista e tolerante, até
certo ponto.
Não desviaremos do nosso ideal de ampliação do conhecimento
em oposição a um modelo que se mostra ineficaz e decadente.
Mesmo assim, é possível trabalhar sinergicamente, operando com os
dados “do lado de lá” de modo a esclarecer os argumentos “do lado
de cá”, lembrando uma vez mais e quantas forem necessárias que
não há só antagonismo, há também complementaridade.
Como exemplo, e para justificar a questão, é necessário que se
pare, urgentemente, de confundir causa com efeito, fenômeno com
realidade intrínseca dos fatos. Ou seja, ainda para exemplificar, não
é porque ocorre o fenômeno que suas causas ou peculiaridades sejam
indiscutivelmente “extraterrestres”, manifestadas desde naves
construídas por civilizações de fora dotadas de impensável
tecnologia. Não vamos desprezar o que a história produziu até agora,
porém nem tudo é aproveitável.
Com tanto entulho a ser removido, é preciso garimpar o que há de
melhor, adiantando que o que sobrar será pouco mais que nada.
Ignorar os erros cometidos induz pensar que podem ocorrer
novamente, mas o fato é que não se pode mais beber desse coquetel
entorpecente de venusianos, marcianos, ganimedianos, canalizações,
deuses astronautas, teses milenaristas, Área 51, teorias
conspiratórias, políticas de sigilo, contato final, hipnose regressiva,
manipulação genética, intervenção extraterrestre, interpretações
bíblicas, abduções, implantes, estigmatizados.
Não cooptamos com esta linha de conduta. Eles não serão
analisados ou comentados dentro dos padrões habituais, mas estarão
na pauta de discussão junto com as alucinações, os comportamentos
psicóticos, contatos telepáticos, transcomunicações, e até mesmo a
possibilidade de uma “inteligência não-humana” será passível de
estudo, tudo submetido ao escrutínio crítico – nenhum endosso é
definitivo. Na disputa ombro-a-ombro entre o pensamento racional e
o ideológico, o tempo será o árbitro. É preferível andar pela estrada
sinuosa, porém certa, a correr em linha reta pelo caminho errado. É
preferível ser contemporâneo do futuro a vanguarda do passado.
43
Até o momento, a Ufologia tem-se pautado, via de regra, por uma
perspectiva semiótica29, afirma Lúcio Manfredi em um ensaio inédito.
Se um contatado declara que conversou com um anjo loiro de Vênus,
caso não consigamos afastar a possibilidade de uma farsa (o que nunca
se consegue de modo absoluto), obrigatoriamente considera-se que o
tal ufonauta veio mesmo de Vênus e, como a ciência afirma que a vida
humana é impossível em Vênus, despreza-se essas afirmações tomando-
as como infundadas. Mas existe a outra maneira de encarar os fatos.
De um ponto de vista hermenêutico30, “Vênus” pode ser não uma
referência literal ao planeta, mas uma metáfora para alguma outra
coisa, uma representação virtual de algo – um símbolo.
29
A semiótica considera os fatos como representações significativas em si mesmas, conforme
terminologia proposta por Carl G. Jung. A Semiótica foi um termo proposto por Lockee
para indicar a doutrina dos signos, correspondente à lógica tradicional.
30
A hermenêutica, ainda segundo Jung, encara os fatos como símbolos, isto é, a melhor
expressão aproximada para aquilo que escapa a uma formulação conceitual adequada.
Hermenêutica são técnicas próprias de interpretação. Antes de trabalhar com símbolos, a
hermenêutica lida com signos, tal como na nota anterior referente a Jung. É uma operação
através da qual o intérprete estabelece a referência de um signo ao seu objeto. Veja
Abbagnano, Nicola, Dicionário de Filosofia, Martins Fontes
44
falar em castelo, é correto dizer que cada caso pesquisado se torna
um tijolo que levanta a parede (desde que não seja da torre de
Babel), mas parece que estão esquecendo de colocar algumas
janelas. Enquanto isso, abre-se um profundo fosso à sua volta que o
isola cada vez mais do continente da razão.
Se o fenômeno é volátil, nossa capacidade de raciocínio não é
ágil o suficiente para captar a informação embutida. Se mimético,
nossa percepção deixa escapar sutilezas fundamentais. Estamos
diante de um labirinto inescapável? Talvez sim, talvez não. O certo é
que nos sentimos como crianças tentando resolver uma equação
matemática! É natural. Ao observarmos o calendário cósmico criado
por Carl Sagan, vamos verificar, com algum assombro, que a
compreensão filosófico-existencial no homem só surgiu nos últimos
cinco segundos dessa escala, um período que compreende
aproximadamente 2.500 anos, com Aristóteles, Platão e toda aquela
turma de pensadores. A idade da Terra é estimada em cerca de 4,6
bilhões de anos, enquanto o Cosmo tem 15 bilhões! Essa medida de
tempo nos coloca no devido lugar na ordem planetária – a infância
cósmica –, e mostra um longo caminho para a maturidade. Com uma
ressalva, pelo menos alguns mistérios já desvendamos: Papai Noel
não existe, cegonhas não carregam bebês, fadas não trocam moedas
por dentes caídos e, sim, Elvis está morto.
45
Calendário cósmico criado por Carl Sagan (simplificado)
46
Conhecimento filosófico
Conhecimento teológico
Conhecimento popular
49
Devemos reconhecer um ponto a favor desses entusiasmados.
Nada é perfeito, evidentemente, e também no meio acadêmico certas
“pérolas” acontecem, inclusive de comportamento, daí, alguns
julgam que podem livremente usar o nome das ciências. Eles não
podem ser censurados, pois há físicos formados nas melhores
universidades que habitualmente anunciam cursos de mecânica
quântica, incluindo no teor programático temas como: “O que são e
de onde vêm os extraterrestres”; “O que querem de nós”; “Qual o
motivo de sua visita”; “Como funciona o mecanismo de propulsão
dos discos voadores”; “Tipos de civilizações extraterrestres e quais
são suas intenções para conosco”; “Por que eu não acredito no caso
X ou Y”.
Quando nos propomos a falar ou escrever publicamente, é
imprescindível que conheçamos as regras básicas não só de
comunicação e expressão, mas também, e principalmente, formas
corretas de argumentação e construção de raciocínio. Essas regras
exigem sobriedade e isenção. Quando passamos anos pensando que
somos "iniciados" ou privilegiados detentores de um chamado
"conhecimento oculto", e de repente vemos ou achamos que estamos
diretamente envolvidos em eventos extraordinários, tais como filmar
minúsculos corpos supostamente estranhos, aí então essas regras
devem ser observadas com o dobro, o triplo ou excesso do mesmo
rigor, caso contrário, só haverá uma saída digna – silenciar.
Será que, quando ocorrem conosco, os fatos ou "fenômenos"
também não merecem estudo, não se revestem de nenhuma
complexidade e, por sermos nós, já podemos ter certeza que suas
causas são atribuíveis a "eles"? Que um abduzido pode produzir
situações meramente subjetivas, nada reais, por fatores múltiplos de
ordem psicológica ou mesmo psíquica, e nós não? Que uma
testemunha com credibilidade, mesmo depois de um contato
supostamente real, passe a ser um "arauto dos Ets", nós também
devemos assim nos tornar?
Que um suposto abduzido, a partir de um sequestro passe a
se tornar intencionalmente um "guru", nós também podemos sê-lo?
Que um pretenso paranormal porta-voz de extraterrestre engendre
todo um festival de mentiras abjetas, porém inspirado em alegações
tidas pela Ufologia como reais, nós passaremos a nos anunciar e nos
50
insinuar igualmente "escolhidos por Et", como ele? Uma revista
especializada no assunto deixará de ser um canal de divulgação para
se tornar a publicação oficial de algum tipo de seita messiânico-
místico-religiosa, fundamentada em “greys” protetores e em
entidades benevolentes?
Em meio a estultos profetas ufológicos, contatados gurus,
abduzidos messiânicos e ufólogos travestidos de cientistas, há o
protagonista sério, a testemunha que incomoda com seu
comportamento arredio e suas condições psicológicas e emocionais
abaladas por ocorrências ainda não explicadas, que faz valer a pena o
estudo ufológico distanciado de toda a irresponsável atuação a que
assistimos hoje aqui e no mundo. Uma realidade com a qual
devemos aprender a conviver.
Muito mais importante e interessante para a pesquisa, porém, não
são as pessoas que simplesmente se sentem constrangidas em
partilhar tais fatos, e sim aquelas que sofreram forte impacto
psicológico diante de um fenômeno extraordinário, complexo e
estranho a elas, ao ponto de por vezes se fecharem em si mesmas,
submeterem-se a tratamentos até psiquiátricos, terem a vida familiar
e social atingida.
Contrastando com seu elevado grau de cultura ou no exercício de
relevantes cargos na sociedade, com o choque que sofreram,
oferecem, a nós ufólogos, um fascinante e às vezes assustador
campo de estudos. Pessoas que jamais investiram numa suposta
sabedoria de banca de jornal, cultuando cristais e rituais picaretas à
beira de fogueiras em nome de uma "bruxaria" da moda que, por
sinal, contam-se aos milhares, e deixam logo à primeira vista a
impressão de que algo no mínimo fantástico está ocorrendo, bastante
físico e traumatizante, cujos reflexos de ordem científica e filosófica
são difíceis de serem previstos.
Ao comentarmos que a Ufologia não é ciência, não julgamos que
seja impossível agir cientificamente. Ainda que ela tenha de se
conformar de que a responsabilidade do estudo de qualquer
fenômeno seja da alçada das ciências estabelecidas, o mínimo que
um ufólogo sensato pode fazer é constituir um pensamento lógico,
bem como uma metodologia de ação. Até por isto é bom saber que,
caso o fenômeno ufológico tenha origens desconhecidas, ou seja,
51
algo não classificado na área do conhecimento científico, a Ufologia
está longe de ser ciência. Nota-se na Ufologia mundial uma quase
totalidade de estudiosos completamente desguarnecidos de
metodologia científica, e o que é mais grave, parecem acreditar que
para agir com tal técnica basta pensar com aparente isenção, ou que
só precisam não esposar ideias de fundo místico-religioso. Pearson
acentua que não são os fatos que fazem a ciência, mas o método por
meio do qual são tratados31. De acordo com o professor Oliva, o
método científico estipula um conjunto geral de regras e técnicas
com base nas quais deve ser feita a pesquisa32.
A metodologia correta se inicia, por exemplo, com um bom
planejamento da investigação, antecedida por uma escolha de
hipóteses viáveis. Toda a pesquisa, a partir daí, culminará na
confirmação ou na negação dessas escolhas, o que significa dizer
que um fenômeno deve ser analisado com neutralidade. Entretanto,
muitos pesquisadores formulam seu raciocínio intentando encontrar
discos voadores por detrás do fenômeno, desejando provar que os
Óvnis são extraterrestres, necessariamente naves espaciais e que
definitivamente civilizações de fora nos visitam com esta ou aquela
intenção, que são povos de índole pacifica ou hostil, que sua
tecnologia está muito avançada, que isso, que aquilo.
Assim agindo, cometem, além de um imperdoável e inadmissível
erro de metodologia, uma negligência que deixa os famosos céticos
“antidiscovoadoristas” em confortabilíssima vantagem. No Brasil, as
cultuadas listas de discussão pela internet – a “Ufologia.com” –
exibem preciosidades notáveis de ingenuidade daqueles que estão à
frente dos estudos ufológicos. É o equívoco primário de não se saber
distinguir o que é simples questão de crença, portanto subjetivo,
pessoal, do que já possa ser considerado demonstrado e provado.
31
Pearson, K.; A Gramática da Ciência, citado por Alberto Oliva in Filosofia da Ciência.
32
Op. cit.
52
cósmica”. Estes receptadores eleitos têm, usualmente, experiências de
contato que se repetem, envolvendo outras mensagens. A transmissão
de tais mensagens a crédulos voluntários e sem espírito crítico conduz,
quase sempre, à formação do culto do disco voador sendo o
"comunicador" ou "contatado" o líder voluntário e óbvio do culto.
33
Hynek, J.A.; Ufologia – Uma Pesquisa Científica, p. 15. Nórdica, RJ, 1980.
53
subjetiva. Todavia, quando se tenta propor um espírito crítico como
base inicial de discussão, esta é rechaçada de imediato.
As listas, que aqui tomamos como exemplos, oferecem ainda
outras evidências da linha equivocada com que agem os ufólogos
brasileiros. Muitas mensagens e artigos expressam verdades
“reveladas pela espiritualidade”, ou seja, por entidades ou espíritos,
e desenvolvem todo o seu repertório de afirmações com absoluta
confiança nessa realidade. A partir disso, uma revista publica um
longo artigo fundamentado em tais revelações, em nome de uma
“salutar” abertura, de uma ação não discriminatória, dita “holística”.
A mesma abertura que, nos últimos trinta anos, tem levado
milhares de pessoas a palestras e cursos de “Contato telepático com
Ets”, de “Extraterrestres, suas origens e intenções”, a conferências
de “escolhidos” para viagens a outras estrelas, de paranormais
farsantes, de preparadores do arrebatamento, e que leva poucas e
escassas dezenas de solitários interessados aos congressos da
chamada Ufologia científica. Que, convenhamos, ultimamente de
“científica” não tem apresentado nada.
Entretanto, as tais pérolas se enfileiram como num colar. Se
alguém se pronunciar manifestando dúvidas quanto à procedência
extraterrestre, será considerado um “descrente”, como se crença
fosse virtude e descrença um defeito censurável. Não sabem que o
ceticismo, na verdadeira essência e conceito do termo, é necessário e
condição primordial para quem quer apurar a realidade objetiva de
um fato, um fenômeno ou um experimento. Falta-lhes, aos
acusadores, ampliar o leque de conhecimento em direção a obras
técnicas e livros de metodologia, aferrados que estão por uma
bibliografia exclusivamente ufológica que recrudesce suas limitadas
concepções e os faz conviver com o eco de suas próprias vozes.
E olhe que informação é o que não falta! Somos bombardeados
ininterruptamente por um manancial de imagens e textos jamais
visto em toda a história da humanidade. Além de uma leitura
diversificada, carecem de frequentar, regular e gradativamente, o
meio acadêmico, cursos de qualificação e reciclagem de
conhecimentos, que dão uma abertura de consciência inigualável. E
assim segue a Ufologia, com a sensação íntima de muitos que, com
anos de perplexidade disfarçada de sabedoria, comportam-se como
54
legítimos messias, no impulso de que um dia poderão salvar a
humanidade da ignorância sobre a “vida superior extraterrestre”.
O professor de literatura, filósofo e escritor Roger Shattuck, em
sua obra Conhecimento Proibido34, faz uma fecunda viagem ao
reino da mitologia e suas relações com a cultura contemporânea.
Considerando a extensão e o enredamento da obra, ele teve
competência e habilidade para desmembrar o conhecimento em seis
categorias, e a que nos chamou atenção se aplica na presente análise,
o chamado “Conhecimento Dúplice”:
56
Anatomia de um erro35
58
mantendo praticamente inalteradas no Ocidente. Foi nesse cenário
efervescente e de intensas transformações que algo começou a
chamar a atenção de muitas pessoas, em especial nos anos 30 e 40.
Tinha-se, até então, a possibilidade da existência de vida
extraterrestre como matéria de discussões contidas entre quatro
paredes com acadêmicos na Europa e nos Estados Unidos.
No entanto, meios de comunicação como o cinema e o rádio – em
especial a famosa transmissão radiofônica simulando uma invasão
de marcianos, baseada na obra de H. G. Wells, Guerra dos Mundos,
realizada por Orson Welles, em outubro de 1938 – fizeram com que
essa discussão aflorasse, ainda que de forma muitas vezes jocosa ou
como puro assunto lúdico, notadamente na indústria
cinematográfica.
Contudo, uma sequência de acontecimentos mudou o enfoque
dado até então à hipótese de que vida extraterrestre inteligente
estaria nos visitando, justamente num ambiente que teve como pano
de fundo o mundo do pós-guerra, chocado e traumatizado pelas
imagens de destruição e terror que ceifou milhares de vidas. Nesse
clima, no qual a reconstrução dos países e da sociedade de um modo
geral se misturava ao medo da aniquilação, as notícias de que algo
diferente ocorria nos céus começaram a chamar a atenção do mundo.
Tornado um ícone, foi o avistamento de Kenneth Arnold – dentre
outros que ocorreram no mesmo período, meados de 1947 – o
responsável por transformar o lúdico em factível e palpável.
De uma perspectiva histórica, torna-se evidente que a Segunda
Guerra foi um referencial social da era mais conturbada da história,
enterrando de vez o passado e fazendo nascer o período
contemporâneo. As linhas de montagem invadiram o mundo, os
Estados Unidos enriqueceram com a ruína da Europa, exportando o
american way of life e desenvolvendo a chamada sociedade de
consumo.
O Ocidente e o Oriente colocaram-se em oposição; o muro de
Berlim, sinal concreto da simbólica Cortina de Ferro, cindiu a
humanidade. Psicologicamente, foi o momento mais tenso jamais
enfrentado. As forças demoníacas que se encontravam acorrentadas
nas profundezas da psique libertaram-se e lançaram-se sobre o
mundo, devorando as almas de milhões de homens. Jung antecipou a
59
catástrofe que se abateria sobre a civilização, atribuindo grande
responsabilidade pelo sucedido ao deus-demônio Wotan, a
personificação do paganismo alemão. Banido pelo cristianismo,
aguardava em estado latente o momento em que as condições
políticas, sociais e econômicas convergiriam para levar à
ressurreição de comportamentos primitivos e arcaicos que o nazismo
não tardaria a externar.
A invasão da consciência por esses fundos psíquicos
inconscientes, os quais submergem a razão e induzem as pessoas a
comportamentos anormais, configura o que, em psicopatologia, se
denomina psicose coletiva. Nunca antes uma epidemia psíquica fora
tão destrutiva, nem mesmo a guerra anterior. Nunca antes uma
epidemia liberara forças capazes de destruir a humanidade. Diz
Jung:
36
Mandala, termo hindu que significa círculo. Uma forma de emblema, diagrama geométrico
em que alguns se acham de concreta correspondência com um atributo divino determinado.
Instrumento de contemplação e concentração, como auxílio para levar a estados alterados de
consciência. Juan-Eduardo Cirlot, Dicionário de Símbolos, Editora Moraes, São Paulo,
1984.
37
Paidós, Buenos Aires, Argentina, 1982.
60
ordenadoras que se contrapunham à dissolução psíquica que
grassava livre? Jung acreditava que sim, e escreveu isso em Um
Mito Moderno na esperança de demonstrá-lo. Todavia, essa obra foi
muito mal recebida, sendo considerada quase uma mancha em seu
currículo por aqueles que não compartilhavam de suas opiniões.
Grande parte dos ufólogos, com exceção de Aimé Michel e uns
poucos mais atentos, nem se deu ao trabalho de examinar os
argumentos do psicólogo, preocupados mais com as fotografias e os
“venusianos”, empurrando-o ao ostracismo e inscrevendo-o no
index. Jung afirmava que os discos voadores eram arautos de uma
profunda transformação da consciência, tornada necessária pelas
condições criadas desde a guerra na Europa, que provocou uma
aceleração geométrica da tecnologia, abrindo ao homem o caminho,
por um lado, em direção às estrelas, e por outro, à fome e à miséria
para mais da metade do mundo.
Mais importante do que isso, colocou em suas mãos poderes
fundamentais do universo – as forças atômicas – que lhe deram a
autoridade de um deus, aptas a criar ou destruir mundos. Um poder
dado prematuramente, sem dúvida, motivo pelo qual praticamente
todas as mensagens atribuídas aos extraterrestres versam sobre a
problemática nuclear.
O que seriam aqueles artefatos voadores? Quem os tripulava? E,
principalmente, o que estariam buscando em nosso planeta?
Independentemente da veracidade desses avistamentos, eles foram o
ponto central de um significativo movimento psicossocial mais tarde
denominado de Ufologia. Não estamos nos referindo aqui à pesquisa
sistemática das aparições, e sim à reação da sociedade diante de um
dado novo. Foi a Ufologia que fomentou o aparecimento do
personagem principal dessa discussão – o pesquisador do fenômeno,
o ufólogo. Como todo movimento social, este também tem
características intrínsecas que podem e devem ser analisadas, para
que se possa entender de maneira mais acurada os meandros do
fenômeno Óvni e aqueles que o pesquisam.
Uma dessas características está estreitamente ligada aos aspectos
míticos que permeiam o imaginário humano desde tempos distantes,
como a eterna busca daquilo que está “em cima”, “no firmamento”,
“lá fora”..., coisas de alguma forma inacessíveis ao ser humano e, ao
61
mesmo tempo, representando o “paraíso”, a “iluminação”, a “morada
dos deuses”, ou seja, aquilo que é bom, dependendo da cultura do
protagonista. Temos muitos exemplos disso: monges taoístas, ao
atingirem a iluminação, são levados por um dragão alado.
Os santos e anjos católicos, por sua vez, têm sua morada ao lado
de Deus, que está no “céu”. De acordo com a mitologia, deuses
sumérios também vieram “de cima”. A ponte entre o sagrado e o
humano, entre o divino e o terreno nós chamamos de religião, e
nesse sentido, a Ufologia nada mais é que uma releitura desse
pensamento mítico incorporada aos valores atuais. O céu se afigura
como local das manifestações divinas, sejam boas ou ruins. Temos
vários relatos na tradição religiosa judaico-cristã que mostram
claramente essa associação divino-celeste – num deles, Moisés foi
guiado por uma coluna de fogo ou uma coluna de nuvem durante o
Êxodo.
Da mesma forma, a estrela de Belém que guiou os reis magos
para encontrarem o Salvador e as “línguas de fogo” que desceram
sobre os apóstolos em Pentecostes são outros marcantes episódios
bíblicos. Seguindo por essa linha, os “deuses” se valiam de sinais
celestes para marcar sua presença ou demonstrar sua intenção. Ainda
que muitos pudessem ver tais sinais, somente os “eleitos” tinham
pleno acesso àquilo que as divindades queriam transmitir à
humanidade, tendo a função de intermediários, com grande
influência sobre seus seguidores. Estas fortes referências ao divino,
que estão presentes de forma inconsciente em nossa cultura,
tornaram o fenômeno ufológico atraente aos olhos do público –
ainda que este muitas vezes o visse com certo medo ou reserva. O
fato é que temos tido, nestes últimos 50 anos, uma verdadeira
“invasão” extraterrestre em nosso planeta, protagonizada não pelos
alienígenas, mas pelo cinema, pelas agências publicitárias, pelas
revistas em quadrinhos, pela literatura ficcional.
Embora o fenômeno tenha um forte apelo ao desconhecido, ao
misterioso e ao mítico, não são todas as pessoas que se sentem
compelidas a penetrar neste universo de forma atuante. Na verdade,
o número de estudiosos é percentualmente menor em relação ao de
pessoas que estariam aptas, ao menos em tese, a estudá-lo –
indivíduos com um grau mínimo de escolaridade, acesso à
62
informação e estado socioeconômico que lhes permitissem
direcionar uma fatia de sua renda em material de pesquisa –
publicações, viagens, equipamentos – e algum tempo livre para se
dedicar ao assunto. Quais seriam, então, os motivos que levam
alguém a se voltar ao estudo ufológico, quando tantos outros não o
fazem?
Há exceções, mas, via de regra, segundo sugere o psicólogo
Walter Klein Júnior, seria o conjunto de três fatores que atuariam
nessa decisão: curiosidade inata, necessidade de “construir”
conhecimento e, principalmente, o tipo de estímulo do continente
cultural em que a pessoa se desenvolveu. É preciso assinalar que
estas características estão naturalmente presentes no perfil de
pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento – e não
somente dos ufólogos.
No que se refere à curiosidade inata ao fenômeno ufológico,
certas linhas de pensamento espiritualista propõem possibilidades
que, embora interessantes, fogem ao escopo de nossa abordagem,
por isso vamos nos ater às explicações oferecidas pelas ciências
comportamentais para o desenvolvimento cultural e social humano.
Estudos apontam pessoas que, se na infância têm seus naturais
questionamentos respondidos, possuem forte tendência a
desenvolver maiores níveis de discussões e, portanto, querem
construir conhecimento estruturado. Os estímulos recebidos podem
ser originários de diversas fontes: família, escola, meios de
comunicação, amizades, ambiente religioso e eventuais experiências
pessoais com o fenômeno ufológico.
Ainda segundo Klein, dentro deste grupo de pessoas que se
dedicam à pesquisa, poderíamos destacar aquelas que buscam este
universo por necessidade de se diferenciar das demais do grupo ao
qual pertencem, além das necessidades de autoafirmação, de
encontrar uma justificativa frente a intenso sofrimento e as geradas
por crises existenciais. Neste último caso, as pessoas tendem a não
se aprofundar em suas pesquisas e montam a realidade de acordo
com suas carências internas, inclusive tecendo teorias mirabolantes,
usando a Ufologia como suporte para suas vidas. Tomando por base
os dados teóricos até aqui colocados, podemos ter uma visão mais
clara de como, por que e em qual conjuntura social surgiu a figura
63
do ufólogo nos moldes que conhecemos hoje. Voltando ao final da
década de 1940, quando o assunto ganhou as manchetes,
identificamos vários dos tópicos até aqui desenvolvidos.
Os avistamentos relatados que afloraram naquela época traziam
claramente o componente mítico anteriormente citado – o que vem
“de cima”, “dos céus” –, que certamente influenciou o surgimento da
primeira geração de pesquisadores. Segundo os contatados daquele
tempo, os discos voadores, agora se mostrando como uma real
possibilidade de visitas extraterrestres, passaram a nos visitar com
uma constante mensagem antibelicista, devido à crescente tensão
entre União Soviética e Estados Unidos e a potencial ameaça de
autodestruição de nossa civilização por um conflito atômico em
escala global.
Vê-se nesse palco uma imagem claramente doutrinária, sendo o
receptor da mensagem o “eleito”, que tem acesso à informação que
vem “do alto”, cuja função é ser o intermediário entre ele – do alto –
e a humanidade. Por outro lado, há aqui uma evidente interpretação
do fenômeno conforme o contexto político do momento. A
enxurrada de relatos de avistamentos e contatos estimulou o
despertar da curiosidade de algumas pessoas, que se sentiram
impulsionadas a investigar melhor estas ocorrências, tentando
agrupar e organizar dados no sentido de construir um conhecimento
sobre o assunto, que serviria para base de futuras pesquisas.
É aí que surge a pergunta básica: por que isto aconteceu? Por que
não soubemos avaliar melhor o fenômeno que tínhamos à mão? A
resposta pode parecer por demais simples à primeira vista, porém
uma leitura atenta desta obra mostra a extensão de sua
complexidade. Resumidamente, podemos dizer que o fenômeno foi
mal interpretado desde o princípio porque os que se lançaram a
pesquisá-lo eram pessoas leigas e despreparadas que,
compreensivelmente, se deixaram arrebatar por algo jamais visto
antes. Como era desconhecido para elas – por todos – as respostas
vieram antes das perguntas, como se estivessem engatilhadas
esperando apenas o momento de desabrochar.
A expressão “disco voador” foi adaptada a partir da descrição
dada pelo piloto americano que abriu as portas da Ufologia moderna
– os objetos deslocavam-se no ar como pires atirados na superfície
64
da água. Pronto, a Ufologia acabava de ser inventada por aqueles
que não faziam a menor ideia do que era e para quê servia.
Intempestivamente, a imprensa sensacionalista e os candidatos a
ufólogos batizaram o fenômeno sem esperar por um julgamento mais
abalizado daqueles que poderiam dar outras explicações.
Quando estes se manifestaram tentando dar uma resposta ou
apresentar outras possibilidades, foram solenemente rechaçados,
dispensados e ignorados como se engendrassem secretamente um
conluio para desmentir os achados. A Ufologia mal nascia e já
começava a “política de sigilo e acobertamento”, no entender dos
emergentes pesquisadores.
Lembramos que estes pioneiros da pesquisa ufológica não eram,
necessariamente, pessoas com formação acadêmica ou especialistas
em ciência que, a priori, seriam as mais indicadas ao estudo do
fenômeno, como astrônomos, meteorologistas, físicos ou biólogos.
Muitos dos primeiros ufólogos não tinham graduação em nenhuma
dessas áreas, o que não foi obstáculo para se aventurarem na
pesquisa ufológica. Muito pelo contrário, serviu para muitos –
acontece até hoje – como incentivo para ampliar conhecimentos de
conceitos acadêmicos com o intuito de uma compreensão mais
extensa do conjunto de dados que coletavam. Entretanto, apenas boa
vontade não bastava, era e é necessário ir mais longe, estender e
transformar esse espírito aventureiro em investigativo.
O desenrolar dos fatos pós 47 trouxe um binômio essencial para a
formação de toda uma cultura em pouco tempo: pesquisa versus
divulgação de casuística. Mais e mais pessoas começavam a se
interessar pelo assunto, com maior ou menor grau de intensidade,
graças aos meios de comunicação que “compraram” a ideia,
utilizando-a até como forma de aumentar seu faturamento. Passada
uma década do que se denominou como princípio da era moderna, o
vulto que tomou o manancial de eventos e rumores sobre o assunto
já era expressivo o suficiente para que Jung, um dos grandes nomes
da psiquiatria, se dispusesse a tratar do mesmo em Um Mito
Moderno.
A partir de 1960, novos fatos e conceitos trouxeram uma nova
forma de interação entre o pesquisador e a sociedade. Já nessa época,
a figura do ufólogo estava praticamente institucionalizada, grupos
65
civis organizados eram uma realidade e, com vários anos de
casuística como base de dados, protocolos de estudo se tornaram
mais aperfeiçoados, ainda que muito, muito distantes do ideal. O
incessante desenvolvimento científico, em especial as ciências
ligadas à Astronomia e à Astronáutica com o início da efetiva
corrida espacial, fizeram do pesquisador do fenômeno Óvni um
ponto de referência para aqueles que eram meros curiosos ou
estavam iniciando seus estudos. Essa mesma “especialização” do
ufólogo trouxe um incômodo que perdura até hoje: o comportamento
cientificista dos meios acadêmicos e de seus membros começou a
ver neles um segmento que merecia atenção, ainda que não admitida.
Os dados mostram, porém, que o establishment fazia de tudo para
rechaçar teorias com certo embasamento científico vindo de seu
próprio meio. A história mostrou, inclusive, que muitos cientistas
pertencentes a instituições com essa linha demonstravam interesse
no que os ufólogos tinham a dizer, sendo cerceados, porém, pelo
receio de eventuais represálias em sua atuação profissional. Essa
situação desenvolveu-se até chegar a certo grau de radicalização por
ambas as partes, gerando no ufólogo uma crescente necessidade de
provar suas argumentações, em contraponto ao acadêmico que ia – e
ainda vai – à mídia para desmentir o modelo proposto pelo primeiro.
Pode-se considerar esta contenda lucrativa não só para os dois
lados, mas também para o público leigo no assunto, que teve, a partir
de então, discussões em escala mais elevada na imprensa,
popularizando informações que estavam restritas a um pequeno
universo de pessoas, transformando o ufólogo num agente formador
de opinião – uma situação delicada como se verá depois. Por uma
questão de coerência, nós também podemos ser vistos como, e
somos, formadores de opinião, mas com uma diferença fundamental:
não impomos nada nem assinamos os termos da verdade, não só por
não termos a escritura definitiva – ninguém tem – mas
principalmente porque o nosso objetivo é trazer os fatos à luz da
razão, o que já não é pouco, e deixar que o leitor chegue às suas
próprias conclusões fazendo uso dessa razão. Subscrevemos Gide:
não tenho medo dos que procuram a verdade. Temo pelos que a
encontraram.
Foi também nesse período que novos paradigmas se mostraram
66
de forma mais ativa, levando os pesquisadores a novos
questionamentos e, muitas vezes, a um reposicionamento em relação
às manifestações ufológicas. As abduções, as mutilações de animais
e a difusão das ideias da ufoarqueologia (a pesquisa da existência de
Óvnis na história antiga) possibilitaram o surgimento de novos
conceitos em relação ao entendimento da casuística que se
apresentava. Tais conceitos, especificamente os dois primeiros, não
eram necessariamente uma antítese do que se tinha até então, e sim
um complemento natural dos aspectos místicos ou messiânicos que
destacamos anteriormente.
Estruturado há mais de 2.500 anos na China, o Taoísmo mostrou,
inclusive de forma pictográfica, a eterna polaridade, interação e
complementação dos opostos para se obter um sistema completo.
Essa visão, baseada na observação dos ciclos naturais – dia e noite,
frio e calor – e do ser humano – tristeza e alegria, saúde e doença –
diz que o “todo” somente estará completo e equilibrado quando as
duas facetas, yin e yang, fizerem seu papel dentro de um contexto
maior, atuando em conjunto para que o equilíbrio se mantenha, cada
qual exercendo sua função, interagindo entre si, no decorrer de uma
ação infindável,
transformando-se continuamente um no outro. Esta chamada
“bipolaridade” também foi adotada pela Filosofia que influenciou o
Ocidente, notadamente a partir da cosmologia, que tentava explicar o
devir, ou seja, a mudança das coisas com sua passagem a outro
modo de existir, contrário ao que possuía. Para a cosmologia, os
seres vivem através de uma oposição entre eles, além de sua
multiplicidade e de sua mutabilidade. Quando surgiu a Filosofia, o
grego Heráclito de Éfeso, cerca de 540 a.C., falava que o mundo é
um fluxo perpétuo em que nada fica como é, tudo se transforma em
seu contrário. É dele a famosa proposição não se pode entrar duas
vezes no mesmo rio 38.
Baseados nessa milenar e profunda visão do Cosmo, podemos
notar que os dados trazidos pela abdução e mutilação de animais
representam o outro lado de uma mesma moeda, no que se refere à
38
Fragmento 91 in Os Filósofos Pré-Socráticos, Gerd Borhneim, Cultrix, São Paulo, 1977. A
metáfora do rio é bem significativa. O rio é sempre o mesmo, mas por trás dessa aparência,
suas águas fluentes correm sempre e nunca são as mesmas, daí não poder se banhar duas
vezes nas mesmas águas.
67
forma de interação do fenômeno Óvni com o ser humano. A visão
messiânica encontrou sua contrapartida de forma clara nas
traumáticas experiências relatadas pelos abduzidos, que forçaram os
pesquisadores a tomar uma visão mais nítida da complexidade do
assunto. Aquilo que até então era “simplesmente” o estudo da
possibilidade da visita amistosa de extraterrestres em nosso planeta
tornou-se também um estudo da possível invasão ou intervenção
genética de seres alienígenas em nossa espécie.
É nosso sentimento que essa outra faceta não invalida o
posicionamento dos ufólogos que tinham uma visão mais romântica
do fenômeno. Assim como o yin e o yang se mesclam e se
complementam para dar equilíbrio, o mesmo princípio deve ser
aplicado nessa situação, sem deixar-se levar aos extremos,
lembrando que o todo é maior que a soma das partes. Dito de outra
forma, não se pode mais levar adiante a dicotomia pura e simples da
crença versus ceticismo, da ciência versus religião.
O terceiro item citado como sendo responsável pela ampliação
dos paradigmas ufológicos teve sua popularização nas hipóteses de
ufoarqueologia propostas por Erich von Däniken no final dos anos
60, engrossada por Robert Charroux, Peter Kolosimo, W. R. Drake,
Zecharia Sitchin e outros. Embora atualmente seu trabalho seja
muito questionado, sua influência foi inegável para muitos dos
pesquisadores daquela época, coisa que até hoje acontece com os
neófitos.
Este é um dos aspectos mais controversos e delicados do
relacionamento entre o ufólogo e o objeto pesquisado, ou seja, entre
o sujeito cognoscente e o objeto conhecido, tal como trata a teoria do
conhecimento ou Gnosiologia. Ambos os elementos se mesclam de
forma indelével em certos momentos, sendo uma preocupação da
metodologia científica, que não consegue evitar pelo menos a
chamada pesquisa-ação, quando o experimentador ou investigador
interfere, ao menos em algum grau, nos rumos e nos resultados do
seu trabalho.
Em Ufologia, o objeto conhecido e o sujeito cognoscente tornam-
se um só, de forma especial, considerando-se o total
desconhecimento da essência do fenômeno, fazendo prevalecer as
crenças e as preferências de interpretação do estudioso. Tal objeto,
68
um verdadeiro Santo Graal de todo pesquisador, poderia tornar-se
agora na arma que, literalmente, mataria deus (em minúsculo).
Considerando plausíveis as afirmações feitas pela ufoarqueologia,
praticamente todas as religiões seriam destronadas de suas posições
de depositárias do “divino”. Nota-se, porém, que a imensa maioria
das propostas feitas por essa linha não tocava – ou, se o fazia, era de
forma muito sutil – na figura central do cristianismo ocidental.
Praticamente todas as culturas e religiões antigas foram dissecadas
de tal maneira que os questionamentos pareciam pertinentes. Ficava
claro que tanto os ufólogos como os simpatizantes da Ufologia
evitaram se aprofundar no ponto que balizou toda a estrutura social e
cultural religiosa na Europa e nas Américas por centenas de anos. De
onde vinha esse cuidado? Seriam astronautas apenas os deuses dos
outros?
Havendo uma necessidade vital por uma influência religiosa,
chegamos aqui a um impasse para o ufólogo: quais as consequências
de estar se aprofundando de forma imparcial nessa área de estudo?
Decerto não seriam as mais agradáveis. Conforme lembra o
psicólogo Klein,
70
exemplo claro disso é a forma dissociada de violência como as
abduções são tratadas no filme, mostrando não um sequestro, mas
uma disposição das pessoas a serem levadas. Isso fica evidenciado,
por exemplo, na cena em que os indianos se utilizam de mantras39
para atrair os seres visitantes, na sugestiva passagem da película em
que o garotinho, ao ver uma luz vinda do espaço, abre sem medo a
porta de sua casa, mesmo contra a vontade da mãe, para seus
“amiguinhos” entrarem, e na cena final, quando o personagem
central se apresenta como voluntário para entrar na nave e ir embora
com os aliens. Essas e outras passagens de Contatos Imediatos
precisam ser analisadas em toda sua plenitude.
Quando do lançamento do filme, um fato novo fez com que algo
que estava quase adormecido para os ufólogos voltasse à tona,
criando mais uma opção no modo de se encarar a interação entre
humanos e Ets. Quando Jesse Marcel, já na reserva da Força Aérea
Norte-Americana, revelou à imprensa as ocorrências de 1947 que
envolviam o suposto acobertamento oficial da queda de um Óvni em
Roswell e a remoção dos corpos de seus ocupantes, os pesquisadores
se viram diante de algo inaudito. Era uma cena muito conhecida,
mas o diferencial estava justamente no fato de Marcel ter participado
dos acontecimentos e ser uma fonte teoricamente íntegra. O
acobertamento oficial, os movimentos de desinformação40 e a
difusão da imagem do ufólogo como alguém pouco confiável,
visando desacreditar trabalhos sérios perante o público, já não eram
novidade.
O relato de Marcel, seguido do de outras testemunhas, teve um
efeito catalisador para o escape de anos de suspeita e de
inconformismo dos estudiosos em relação à atitude oficial das forças
39
Mantra, do sânscrito, significa instrumento para conduzir o pensamento. Consiste na
emissão de sons como poemas, orações ou conjugações de sílabas que vibram de forma
especial, produzindo um caminho energético para liberação do pensamento. O mantra mais
conhecido é Om Mani Pädme Hum.
40
Desinformação no sentido de “não informar corretamente”, e não “sem informação”.
Segundo Olavo de Carvalho, in O Globo, 17/03/2001, desinformação consiste em
estender sistematicamente o uso da técnica militar de informação falseada para o
campo mais geral da estratégia política, cultural, educacional etc., ou seja, em fazer
do engodo, que
era a base da arte guerreira apenas, o fundamento de toda ação governamental e,
portanto, um instrumento de engenharia social e política. O uso deste termo ao longo
da obra se baseia nesta definição.
71
armadas. Indiscutível e também compreensivelmente, há cautelas
por parte dos órgãos oficiais em relação ao fenômeno Óvni, mas não
podemos esquecer que este texto trata do ser humano e de suas
reações diante de novos fatos. Crer que o governo esteja mentindo
ou ocultando algo não é privilégio dos pesquisadores ufológicos.
Parece haver uma pré-disposição em todos nós de olhar com suspeita
as atitudes oficiais – é a síndrome da “conspiração de silêncio”.
No campo da Ufologia, estas suspeitas são exacerbadas
justamente porque o objeto de estudo não é palpável e por mais que
se busque uma prova daquilo que se diz, esta não é encontrada de
maneira evidente. Outro fator veio contribuir para a aceitação –
muitas vezes sem questionamentos – das revelações que surgiram
neste período, ainda que nem um único contato aberto tivesse
ocorrido: a ansiedade do pesquisador de provar a sua verdade,
somada à posição de total negação dos governos. Esses ingredientes
acabaram transformando aquilo que era um dos entraves à pesquisa e
ao levantamento de dados numa verdadeira usina de teorias
conspiracionistas durante os anos 80 e 90.
Essa nova perspectiva, que afirmava que o contato já havia
ocorrido e que extraterrestres agiam de forma violenta contra a
humanidade com pleno consentimento do governo norte-americano
em troca de tecnologia, cresceu e ganhou corpo de tal maneira que
em pouco tempo já se falava em um “governo mundial oculto”. Não
se está afirmando aqui que conspirações não existam, mesmo porque
elas vêm pautando a história das civilizações, e sim, mostrar o
panorama em que os pesquisadores passaram a atuar naquele
momento.
Visto que os meios de comunicação são balizadores em quase
todos os aspectos da sociedade humana, é importante lembrar a
popularização de conceitos científicos que por muitos anos estavam
restritos aos meios acadêmicos. Desde a década de 70, livros e
periódicos trazem para dentro de casa aquilo que era de difícil
compreensão para leigos de uma forma mais barata e didática.
Conceitos sobre Física, Química e biologia não eram mais algo tão
complexo, e sim uma ferramenta de fácil acesso – inclusive para dar
respaldo a várias teorias apresentadas dentro do universo ufológico.
Isso ajudou a refinar o posicionamento dos pesquisadores perante a
72
opinião pública, fazendo-os perceber que muito do que eles próprios
intuíam tinha um respaldo, ainda que teórico, dentro do
desenvolvimento da ciência.
O que podemos chamar de a maior revolução em termos de
comunicação nos últimos anos foi a chegada definitiva dos meios
eletrônicos de divulgação – a internet. Essa ferramenta, embora
valiosa como fonte de pesquisa e difusão de ideias, deve ser
considerada por dois ângulos. Se, por um lado, novos pesquisadores
sérios surgiram no meio ufológico, incentivados pela telinha à sua
frente, por outro vicejou uma florada de pessoas que, repetindo o
não-aprofundamento na questão ufológica, de certa forma distorceu
o trabalho desenvolvido pelos estudiosos mais antigos, amoldando-o
às suas carências pessoais. Esse foi apenas um dos danos causados à
Ufologia nos últimos tempos.
O fenômeno Óvni deveria ser avaliado, em várias etapas, mas a
leitura atual mostra que depois de 60 anos coletando dados ao redor
do mundo, o estudo continua primário e inconsistente, quando não
inconseqüente. Faltou, desde o princípio, um mínimo de reflexão e
reavaliação da prática de pesquisa, resultando em conclusões do tipo
seja-o-que-deus-quiser-desde-que-tenha-uma-resposta. Dessa forma,
qualquer que seja a questão suscitada, a resposta virá desprovida da
necessária e indispensável solidez. Como trabalhar com dados que
não transmitem a menor segurança? Como chegar a um estágio
maduro de reflexão se toda a construção do raciocínio pode cair por
terra como um castelo de cartas a um sopro de irresponsabilidade?
Há que se mudar e amadurecer muitos conceitos em relação ao
tema. Não há outra saída, muito embora alguns insistam em
permanecer estacionados onde estão, mais parecendo a versão
moderna de um outro mito... o de Sísifo41. Diante de tantos
obstáculos e tantos elementos que influenciaram o ufólogo, trazendo
uma modificação em seus alicerces existenciais e na convivência
com tudo que o rodeia, parece oportuno lembrar os passos traçados
por Campbell, que seriam comuns a todos os heróis, em todo o
mundo e em todas as épocas.
41
A tarefa de Sísifo consistia em rolar uma enorme pedra até o alto de um morro, mas quando
se encontrava bem avançado na encosta, a pedra rolava de novo para a planície e ele tinha
que recomeçar o trabalho. O que faz o ufólogo hoje, senão pesquisar, pesquisar e não sair
do lugar?
73
Esta aventura, que está descrita em seu livro O Herói de Mil
Faces42, serviu como base para a obra de Cristopher Vogler, A
Jornada do Escritor43. Vejamos o esquema feito por Vogler, por
ser de mais fácil compreensão que o de Campbell, e o convidamos a
adaptar estas etapas à sua vida como ufólogo. É importante dizer ao
leitor que, por entendermos que muitas vezes o pesquisador do
fenômeno Óvni passa por estes estágios em seu caminho, não apenas
a manifestação ufológica em si tem aspectos míticos, mas também
aqueles em quem ela desperta a curiosidade. Não esqueça também o
que foi dito sobre a interação entre o sujeito cognoscente e o objeto
do conhecimento.
42
Pensamento, SP, 1995.
43
Ampersand, RJ, 1992.
74
desconhecido. Daqui em diante ele não tem mais como voltar.
75
estrutura semelhante ao modelo de vida do herói e que, portanto, é o
resultado de um ordenamento de forças intensas do Zeitgeist – o
espírito da época. Como o herói, também a Ufologia teve um
nascimento relacionado a prodígios celestes – precisamente os Óvnis
que, como os acontecimentos miraculosos da infância do herói,
acompanharam o crescimento da Ufologia. Esta enfrenta agora a
crise de transição para a maturidade, no mito do herói marcada pelo
combate com o dragão.
É necessário explicar a figura desse dragão. Conforme O Mito do
Eterno Retorno44, do mitólogo e historiador Mircea Eliade, o
combate entre o herói e o monstro é muitas vezes situado como o
marco inicial da Criação, que começa justamente com a vitória
daquele sobre este. É a partir dessa vitória que o universo começa a
ser ordenado, geralmente sendo usado o próprio corpo do monstro
como matéria-prima. Por isso, Eliade conclui que o dragão
personifica o caos, o estado amorfo e indiferenciado contra o qual se
opõe o ordenamento do universo, ou seja, o dragão corresponde ao
que é modernamente conhecido como entropia.
A entropia possui um aspecto relacionado à teoria da informação
e à cibernética. Nesse contexto, é a medida de desorganização de um
dado sistema de informação e, sendo a Ufologia um sistema como
tal, seu grau de entropia é muito elevado. Escreveu, há alguns anos,
o falecido ufólogo Rafael Durá:
44
Edições 70, Portugal, 2000.
76
caos informacional ceda lugar a um movimento organizado, com
uma conscientização maior de seus objetivos e dos instrumentos
disponíveis para atingi-los.
77
Embriaguez ufológica ou a nau dos insensatos45
45
Colaboraram Laura Maria Elias e Vanderlei D´Agostino.
78
saber mais, olhava o céu e pensava por que só nós? ou Desde
criança que adorava o assunto têm sua base na curiosidade humana
inata, que de alguma forma foi despertada para o campo ufológico.
Encontramos também respostas que apontam para estímulos
externos, como Tive um avistamento quando criança, após assistir a
um filme, vi algumas fotos... E também, ratificando o terceiro item,
Eu queria saber mais sobre o assunto, me senti motivado a
pesquisar para entender e Fascínio à aquisição de conhecimento.
Apenas como informação, o número de pessoas instigadas por
curiosidade e construção de conhecimento foi praticamente igual. A
maioria dos entrevistados teve seu “fator iniciador” em estímulos
externos – grande parte através dos avistamentos. Vemos também
aqui o primeiro e o segundo passos da jornada do herói, já estudada:
A Saída do Mundo Comum e O Chamado à Aventura.
No que tange aos objetivos dos ufólogos envolvidos na pesquisa,
perguntamos se houve alguma modificação ao longo dos anos, ou se
se mantinham em seu objetivo inicial. Novamente encontramos
respostas que se ajustam perfeitamente como exemplo do que
tratamos ao longo do texto. Conforme os pesquisadores angariavam
novos conhecimentos, experimentaram uma modificação em suas
metas, o que demonstra amadurecimento em sua visão do fenômeno
Óvni. Alguns ícones no Brasil e no mundo foram citados,
principalmente Jacques Vallée, Flávio Pereira, Moacyr Uchoa,
Walter Bühler e outros. Alguns depoimentos, inclusive, deixaram
claro que foi por influência destes nomes que muitos ufólogos
persistiram na área. Estamos diante do terceiro, quarto e quinto
passos do herói: Recusa do Chamado, Encontro com o Mentor e
Travessia do Primeiro Limiar.
A terceira pergunta foi sobre eventuais mudanças na maneira de
enxergar o mundo e a vida, em razão de seus estudos sobre os
objetos voadores não identificados. As respostas foram praticamente
unânimes: quase todos sofreram profundas transformações internas,
e de uma forma contundente frisam que se tornaram “melhores seres
humanos”. Abrir parênteses: para nós, autores (não os colaboradores
deste capítulo), as respostas não indicam isto, mas tão somente uma
visão diferente por modificação nítida de princípios meramente
morais.
79
Ora, o resultado insinua exclusivamente a conclusão de
encantamento e ao mesmo tempo de inferioridade diante do
desconhecido ou de algo supostamente “maior”. Esta inferiorização,
quase um complexo, é comum também diante de estados de
conversão religiosa, e denota alguns sintomas quase imperceptíveis
de complexo do tipo messiânico. O que, aliás, coincide com outras
de nossas acepções anteriores. Fechar parênteses. Outras respostas
foram muito significativas, como Fiquei mais humilde; Compreendo
melhor as outras pessoas; Tenho uma visão mais ampla em relação
a tudo que me cerca; Ajudou-me a ter uma visão macroscópica da
vida; Me levou a questionamentos muito profundos, etc. Outro fator
que vale ser destacado é que o amadurecimento foi um processo
natural diante da complexidade do estudo ufológico, para usar as
palavras de um dos entrevistados. Na jornada do herói, identificamos
aqui os passos oito, nove e onze: A Provação Suprema, A
Recompensa e A Ressurreição.
A última questão se referia ao modo como a interação entre
pesquisador e sociedade eventualmente poderia ter sofrido alguma
mudança. As respostas variaram na forma, não no conteúdo. De
maneira geral, a maioria dos pesquisados respondeu que, sim, sua
interação mudou e para melhor. Ainda que não se tenha por escopo
interpretar a conclusão dos entrevistados, muito menos interferir no
resultado aleatoriamente, é bom observar que uma resposta dessa
pode, por outro lado, camuflar exatamente o contrário.
A sociedade continua a enxergar o ufólogo por uma ótica pouco
amigável, depreciativa até, só que a pessoa não sofre esse enfoque
diretamente, ou seja, não percebe necessariamente a resistência
contra ela. Não é comum que se ataque de forma direta e clara quem
lida com esse tipo de assunto. Somente um cuidadoso e isento senso
de autocrítica possibilita uma avaliação sóbria da citada interação
com a sociedade.
É interessante ressaltar que muitos disseram que, apesar de terem
encontrado dificuldades iniciais em relação à postura da sociedade
sobre suas atividades ufológicas, hoje são vistos com um pouco mais
de respeito e simpatia – inclusive por aqueles que alguma vez os
detrataram. Esta conclusão, apresentada por certos entrevistados,
pode significar uma compensação, atuante quase de forma
80
inconsciente – o ufólogo, convencido inarredavelmente dos
resultados de seus estudos, costuma dar como impensável qualquer
tipo de dúvida ou contestação. Dessa forma, acredita estar sendo
respeitado, no entanto, pode não passar de produto do que ele
gostaria que fosse e não do que realmente é. Também ficou claro que
o estereótipo é um entrave para muitos pesquisadores, e que esta
visão de que ufólogo é maluco infelizmente ainda atrapalha a
divulgação dos trabalhos e interfere em seus relacionamentos
profissionais e pessoais.
Esta é a principal razão pela qual fizemos questão de frisar que os
questionários não foram distribuídos com o rigor exigido pela
metodologia científica. Somente aqueles elaborados com regras,
evitando-se a indução, a sugestão e a condução de respostas, seriam
aplicáveis de forma mais segura. Tome-se o exemplo dos que
concluíram sobre a mudança de tratamento por parte da sociedade.
Um questionário adequado para se obter um resultado nesse sentido
não deveria ser dirigido ao ufólogo, mas à própria sociedade, com a
escolha certa de universo e amostragem.
Somente isto permitira uma avaliação mais próxima da realidade
sobre se o aprofundamento ou o amadurecimento da investigação
ufológica faz aumentar o respeito por alguém. Uma pesquisa
quantitativa, vale dizer, com bases estatísticas. Este é um
posicionamento que incomoda os pesquisadores sérios e nivela por
baixo – perante a opinião pública – todo o trabalho de pesquisa
ufológica, sendo ele consistente ou não. Segundo a definição de Eva
Maria Lakatos, em seu livro Sociologia Geral46, estereótipos são
construções mentais falsas, imagens e ideias de conteúdo alógico,
que estabelecem critérios socialmente falsificados. Os critérios
baseiam-se em características não comprovadas e não
demonstradas, atribuídas a pessoas, coisas e situações sociais, mas
que, na realidade, não existem.
Sabemos que este conceito, embora muitas vezes injusto para
com os pesquisadores, está entranhado na imagem que o público em
geral, e a mídia em especial, fazem da Ufologia. Conforme
ressaltava o pesquisador Ademar Eugênio de Mello, falecido em
2005, há dois tipos de estereótipos vinculados ao pesquisador
46
Atlas, SP, 1985.
81
ufológico.
O primeiro e mais clássico é o do “maluco” (ainda que expresso
de forma velada), e o segundo é o de “quem tem todas as respostas”.
Ambas são posições extremadas que podem ser mudadas através de
um trabalho sério, bem embasado e com toda honestidade, com a
melhor formação possível e a ajuda de outros profissionais de áreas
diversas. Ainda segundo Mello, este conjunto de atitudes fará o
trabalho vingar com o tempo, ajudando a eliminar aqueles rótulos
atribuídos aos ufólogos. É desejável também que o anedotário que
usualmente circula em torno do tema ceda lugar a uma política de
maior seriedade.
Indivíduos com Filosofias parecidas tendem a se agrupar, o que
acaba produzindo trilhas de um mesmo pensamento. Não
poderíamos esperar que fosse diferente no tocante ao fenômeno
Óvni, mas também não imaginávamos que os ufólogos se tornassem
tão reféns deste, em seu próprio cativeiro, num processo irrefletido
de autoanulação! Estes posicionamentos estão intimamente atrelados
ao inconsciente dos indivíduos e aos aspectos mais profundos da
formação de suas personalidades. Assim, o modo como cada ufólogo
irá trabalhar seu entendimento do fenômeno é intrínseco à maneira
como ele o vê. No caso da Ufologia, justamente porque o objeto de
estudo não é controlável nem passível de reprodução programada, as
divergências de posicionamentos restringem as pessoas a
argumentações que visam apenas demonstrar a “verdade” de cada
lado – o que resulta em afastá-las do fato em si –, colocando o
fenômeno como secundário no contexto geral. Justamente por
seguirem a mesma trilha, isso resulta, de forma subliminar, em algo
que poderíamos chamar de “reprodução de comportamento”, ou seja,
um pesquisador atuante emite seu parecer sobre um dado assunto e a
corte acata respeitosa e incondicionalmente.
Pode o leitor perguntar, com toda razão, se os autores também
não tiveram influências na defesa de suas argumentações.
Naturalmente que sim, precisamos ter, e demonstramos isso através
das frequentes citações, não só para absorver experiências e adquirir
subsídios como nutrientes para nossa trajetória, mas também – isso é
importante – para rastrear, cotejar e apurar o que é realmente
consistente e aplicável aos estudos, sem ter que idolatrar a fonte,
82
como normalmente ocorre. Referência sim, reverência não.
Por certo, discussões bem embasadas são gatilhos essenciais para
o aumento de conhecimento, porém, sempre levando em conta que a
explicação não pertence a ninguém. Tudo o que se pode afirmar
categoricamente em relação às manifestações ufológicas é que elas
existem e que não se sujeitam à vontade ou ao controle de quem quer
que seja. Repetindo, vale lembrar que o todo é maior que a soma das
partes e que, portanto, discussões estéreis, além de nada
acrescentarem, roubam a oportunidade de compreender de forma
ampla o panorama que tem se apresentado nos últimos anos. Os
argumentos desenvolvidos aqui devem ser pensados de uma forma
mais profunda para que se possa ter uma visão maior do trabalho do
ufólogo. Muitos dos que se dedicaram ou ainda se dedicam ao
estudo tiveram, ao longo dos anos, problemas familiares,
profissionais e pessoais em nome daquilo que pensavam ser a
resposta para as dúvidas que acompanham a espécie humana em seu
isolamento cósmico. Estas pessoas, seja de que linha de pensamento
for, merecem respeito por seu trabalho pioneiro em um terreno
incerto e escorregadio.
O pesquisador precisa entender que ele deve ser, acima de tudo,
dentro da sua esfera de competência, crítico, atuante, atento,
alinhado com o pensamento contemporâneo e não um pensador
atado a concepções ultrapassadas. Embora não tenham consciência
disso, são formadores de opinião e precisam estar cientes das
obrigações que lhes cabem. Há uma cadeia de responsabilidades em
jogo, e cada um tem sua função no papel que exerce quanto à
divulgação dos fatos. Não nos esqueçamos que vivemos numa era
globalizada, e se antes uma crise no outro lado do mundo não nos
afetava, hoje essa ideia é impensável. Precisamos nos acostumar
com isso. Essa rede é muito mais extensa, flexível e “pegajosa” do
que imaginamos.
Seria de se esperar que essa fosse a atitude do ufólogo, o que
deveria acontecer em suas atribuições na qualidade de pesquisador
supostamente isento. Na prática, infelizmente, não é o que ocorre,
pois muitos ainda se encantam com suas sombras bruxuleantes na
caverna47, entrincheirados nas suas conveniências, acuados pela
47
Referência ao mito ou alegoria da caverna, de Platão.
83
covardia de não ousar ir além, prisioneiros e escravos de suas
convicções, sem se dar conta do quanto isso depõe contra si mesmos,
deixando um nervo exposto a todo tipo de infecção e aos efeitos
colaterais que advêm dessa situação. A Ufologia hoje mais se
assemelha com a nau dos insensatos à deriva num oceano de
inexplicabilidade do que um estudo que pretende ser levado a sério.
84
“Discussão em alto nível com a ciência”. Por que esse flerte com
a ciência? Porque se trata de uma disciplina constituída
academicamente, com vida própria, métodos complexos e
universalmente aceitos que se chama epistemologia e, para tanto,
reconhecida pelo meio por ser sistemática em seus estudos, na
prática - experimentos - e em teoria - doutrina, fundamentos, o
conhecimento em si. A busca de causas com métodos apropriados. A
Ufologia não é nada disto, é apenas um projeto embrionário que
ainda está na tentativa de comprovação da própria existência do
fenômeno que tenta estudar.
Porém, quase nenhum ufólogo sabe ou tem consciência disto. Por
exemplo, em uma das listas de discussão privadas pela internet,
registramos o inconformismo de um ufólogo contra o tratamento
puro e simples de “fenômeno” dado às suas “naves extraterrestres
pilotadas por não-humanos”. Para ele, o termo fenômeno soa
pejorativo, o que nos deixa perplexos! Falta-lhe, como à quase
totalidade dos conhecidos e ativos entusiastas do assunto no Brasil e
em outros países como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha,
México, vá lá - no resto do mundo - o conhecimento mais básico de
Filosofia, de regras de raciocínio, e o que é mais grave, de boa
aplicação de linguagem.
Ufólogos como o colega citado acreditam que seus pensamentos
puramente subjetivos e suas crenças pessoais fundadas em declarado
fascínio possam constituir um conhecimento válido à adoção de
todos. O que se verifica, por conta disso, é o desconhecimento
básico de ciência, ainda que não se exija de ninguém que seja um
cientista de formação completa. Tais pessoas, parece, nunca se
preocuparam em ler algo mais além de livros sobre o tema, e mesmo
havendo alguns interessantes e sérios, geralmente não se
comprometem com a boa lógica e com argumentação realmente
meritória.
O que, de novo, lamentamos. Pausa para um toque de humor
filosófico. Numa conversa informal on-line com a nossa
colaboradora Laura, ela acidentalmente digitou “discos coadores”, e
foi quando percebemos que de fato estes discos parecem “coar”,
peneirar o que de melhor se pode extrair de sua realidade. A matéria
“fina” que passa por esse coador imaginário resulta naquilo que
85
efetivamente pode e deve ser bebido, degustado e digerido. O
grosso, que fica na parte de cima e não passa pelo filtro, descarta-se.
Muitos desses ufólogos – o que é elogiável sob a restrita ótica da
paixão pelo tema – passaram boa parte de suas vidas defendendo a
seriedade das próprias pesquisas que, no entanto, nunca foram
embasadas em um método simples que fosse. Dessa forma, por
vezes profissionais bem qualificados, bons palestrantes e
participativos para a formação da casuística ufológica, visivelmente
iludem-se apenas por essa camada de seriedade. Tão importante
quanto saber falar é saber ouvir.
Pois este verniz de sobriedade acaba por ofuscar um trabalho que,
se bem construído na metodologia e desenvolvido com
imparcialidade e isenção, justificaria e até poderia suplantar a
realidade de tais ufólogos, qual seja, a total falta de formação
acadêmica. Lidam com Ufologia colocando-a como preferência no
desenvolvimento da sua própria cultura, deixando totalmente de lado
não apenas o trabalho na acepção mais abrangente, como não se
ocupam nem preocupam em se informar a respeito de como
raciocinar e argumentar. Por isto, confundem causa com efeito,
desconhecem a terminologia correta e a nomenclatura científica
necessária à exposição de suas ideias desprovidas de juízo autêntico,
provocando o desvão que se observa entre a base do tema e seu
processo de informação.
Depois, sentem-se pessoalmente ofendidos quando alguém,
tentando seguir pelo caminho da crítica, procura aprimorar as
informações divulgadas camufladas de artigos proveitosos sendo, no
entanto, não mais que populares. A própria crítica não é por eles
assimilada, no seu mau costume de compreender certas expressões
somente num tom negativo, quando muito conotativo. Interpretam
crítica como “falar mal” ou “apontar erros e falhas”.
Parecem desconhecer que crítica é, entre outras coisas, a arte ou
faculdade de examinar e/ou julgar as obras do espírito; discussão
de fatos históricos; apreciação minuciosa, conforme esclarece o
léxico. É comum que um ufólogo, divulgando um fato pesquisado,
sinta-se ferido em seus brios quando outro colega simplesmente
solicita maiores dados da ocorrência, para tentar estudar com um
pouco mais de aprofundamento o fenômeno. Ufólogos com esse
86
ponto de vista demonstram apenas o quanto estão emparedados em
suas convicções, que seriam para eles uma espécie de substituto (não
estamos de todo errados se dissermos “refúgio”) de suas crenças
religiosas. Não seria exagero afirmar, inclusive, que, não existindo a
Ufologia, alguém teria que inventá-la. Por alguma razão familiar ou
social, viram-se desprendidos de dogmas místico-esotéricos de
cunho religioso, mas não cuidaram paralelamente de desenvolver um
estudo sistemático e organizado o suficiente a lhes dar sustentação.
Então substituem os dogmas, tal como fazem os fanáticos que se
autointitulam “profetas de Et”, divindades arraigadas durante seu
processo de individuação, pelos mesmos “extraterrestres, nossos
visitantes, irmãos cósmicos”.
Seu conteúdo pseudo-religioso é visível, e não o percebem.
Tentar convencer o mundo a qualquer custo ou cumprir uma missão
pouco definida dá a eles a certeza no futuro, nesta ou talvez em uma
vida ulterior, conceito que, aliás, acompanha a grande maioria dos
supostos pesquisadores em Ufologia. Por isto, não resistem por
muito tempo declarar ao mesmo mundo, num rompante de
iluminação que os faz confessar com segurança e de forma
emocionada, aliviadora, que “chegaram à conclusão” de que estão,
desde há muito, sendo guiados por seres transcendentais, os mesmos
extraterrestres tão externos à Terra quanto o eram os desconhecidos
e inatingíveis deuses dos homens primitivos.
Só que, após esta constatação, perdem totalmente os escrúpulos
de ordem dialética, renunciam completamente ao bom senso e
passam a se intitular arautos de seres intergalácticos, utilizando-se
do seu exemplo para convencer e converter o mundo, numa clara
demonstração de total ignorância. Erro, ou melhor, absurdo de
ordem metodológica e de raciocínio, dos mais elementares,
conhecido de qualquer principiante no estudo científico – acreditar
que suas próprias vivências pessoais, que nem experiências são no
sentido correto, provem alguma coisa.
Impressiona e desagrada o fato de termos que destacar uma
observação tão simplista e básica, uma vez que, obrigatoriamente,
deveria ser do conhecimento deles. Não se pode admitir algo como
verdade até que outros ou todos a comprovem, reproduzam,
analisem, comentem, contribuam, corrijam, mudem, confirmem ou
87
neguem. Mas os ufólogos, infelizmente a grande maioria, trabalham
o assunto com tal convicção que suas percepções, quase sempre
falhas e influenciadas pelo estupor emocional, bastam – a verdade
está ali estampada.
Ao invés de se colocarem como propagadores de uma nova
possibilidade, apresentam-se como agentes de uma impostura
intelectual, usando uma argumentação rebuscada, porém rasteira, ou,
em casos mais graves, enganosa e embusteira. De maneira geral –
com raras exceções – os ufólogos se aparentam com o avestruz, não
porque enfiem a cabeça num buraco, mas porque têm olhos maiores
que o cérebro. É flagrante o colossal descompasso entre o ritmo das
mudanças em todo o mundo e a paralisia mental que acomete a
esmagadora maioria dos pesquisadores.
Pausa para que sejamos um pouco realistas. Ora, realmente
nossas convicções pessoais são um incentivo inigualável, porém,
quando utilizamos nossas impressões e posições dogmáticas como
fundamento de altercação, obviamente para lançar ao mundo e
persuadir terceiros, isto é no mínimo uma heresia, uma literal falta
de inteligência das regras de pensamento sóbrio, para não dizer coisa
pior, e exemplos não faltam. Um conhecido ufólogo, que de maneira
bem-humorada e simpática se intitula “caçador de sondas”, talvez
seja o mais característico.
Discussões acaloradas em torno de fotografias dessas mesmas
“sondas”, de avistamentos desses pequenos supostos objetos que
parecem sair do interior de naves maiores e perseguem pessoas,
principalmente no meio rural, sempre contam com os engraçados
comentários desse alegre colega. Nesses debates – que por esta e
outras razões acabam mesmo por redundar em tom humorístico – ele
costuma afirmar que a ocorrência realmente foi manifestação de uma
“sonda”, sob o brilhante argumento: Porque eu estou acostumado a
ver sondas e então minha experiência torna inegável que se tratou
de uma sonda. Observe-se a ingenuidade e a ilusão flagrante de
acreditar que, só porque viu, acha e tem certeza, então é mesmo o
que ele julga ser... Não raro, este mesmo ufólogo deixa um pouco de
lado seu bom humor para, em tom intimidante e visivelmente
contrariado, alertar que ninguém ouse contradizê-lo, ou mesmo a
88
outros que, segundo ele, são prova de que suas afirmações são
incontestáveis.
Ainda sobre este assunto ou por vezes em relação a outros temas,
ele recorre à figura de seu falecido amigo General. E ai de quem
falar mal de meu amigo General. Sem dúvida, o personagem
lembrado, Gal. Moacyr Uchoa, foi figura das mais respeitáveis, não
apenas nos meios militares nacionais, como também na Ufologia
brasileira, que ajudou a desenvolver com afinco e idealismo. Pessoa
de bom conhecimento científico, professor em grandes instituições,
indivíduo de alto conceito e caráter exemplar. Mas a questão é outra,
é a evocação a todas as luzes, ardilosa e infantil, do apelo à
autoridade, quando se tenta dizer que “só porque fulano disse é
verdade”. Tudo fica ainda mais lamentável quando declara que a
simples hipótese de alguém contestar seria “falar mal” do seu amigo.
Enquanto a raça humana ainda estuda a si mesma, enfiada nos
laboratórios tentando desvendar os enigmas do cérebro e da mente,
as mudanças do comportamento, a gênese das doenças, a estrutura
do DNA e o surgimento da vida, eis que aparece alguém
identificando, classificando e normatizando o perfil, o
comportamento e a morfologia dos extraterrestres! De outra parte,
exalta-se a bondade, a generosidade e o espírito protetor dos “irmãos
das estrelas”.
Do outro lado do mundo (talvez nem tão longe assim), um
professor Pardal48 qualquer esquematiza a tecnologia dos Óvnis,
muitas vezes sem saber sequer como trocar uma lâmpada, abastecido
por especulações vazias, teorias esdrúxulas e improváveis. Exemplo:
um concurso promovido pela revista UFO premiou como melhor
artigo “A propulsão dos discos voadores no voo interestelar”. Não
vamos discutir o conhecimento do autor sobre a matéria central,
mas, segundo um especialista consultado, o artigo está baseado em
questões teóricas, algumas até ultrapassadas, e também existem
alguns erros de conceituação e entendimento. Por exemplo: a
"velocidade da luz" é uma barreira e não um limite para partículas
que possuem massa de repouso >049.
48
Personagem infantil criado por Walt Disney, inventor de engenhocas mirabolantes.
49
Rogério Chola, por email.
89
Ufologicamente falando, o seu argumento parte da premissa de
que os extraterrestres já estão aqui com suas naves, e a partir daí se
baseia em achismos e suposições: Importante raciocinarmos que,
seja qual for a natureza das civilizações extraterrestres que nos
visitam, certamente estarão constituídas sobre uma organização
social jurídica, um estado baseado no direito, com normas muito
precisas sobre planejamento e economia, de modo a permitir o bem-
estar da coletividade. Ele começou com raciocínio enviesado e
conseguiu entortá-lo ainda mais até o final.
Há tempos estudamos o voo das abelhas tentando encontrar um
padrão de comunicação entre elas, sua organização e seus
mecanismos de orientação, e, no entanto, basta uma dezena de
avistamentos de supostos Óvnis para que se saiba tudo a respeito de
suas origens e intenções! Mergulhamos diariamente nas profundezas
oceânicas para observar, identificar e estabelecer padrões para
espécies marinhas – golfinhos, tubarões, anêmonas, águas-vivas e
toda uma riquíssima fauna e flora –, ao passo que alguns “contatos”
já trazem uma plêiade de informações inquestionáveis e definitivas
sobre a inteligência alienígena. Pois se há uma inteligência no
universo, a depender dos ufólogos nossa é que não é.
E depois entram em litígio com a comunidade científica porque
não leva a sério os frutos de sua pesquisa. Que pesquisa? Que frutos?
Não satisfeitos, compram briga com a imprensa por tratar o assunto
de forma leviana e preconceituosa ao utilizar expressões como
“homenzinhos verdes”, “terráqueos”, “marcianos”, “venusianos”.
Vamos a uma rápida digressão aqui porque julgamos oportuno
fazer uma análise sumária do papel dos veículos de comunicação na
visão que têm do tema e nos critérios que balizam a sua atuação.
Não somos do ramo, não atuamos no jornalismo, não temos
procuração para falar em nome dele e nem temos a fluência
necessária para advogar nessa causa, mas é sabido que existe uma
engrenagem extremamente complexa que opera nos “bastidores” da
notícia. Ao mesmo tempo em que a grande imprensa age de acordo
com inúmeros interesses em jogo, ela precisa, de alguma forma, em
seu próprio benefício, captar e retransmitir o pensamento, o
sentimento, a expectativa geral de uma sociedade como mediadora
das relações sociais e formadora de uma identidade coletiva.
90
A partir desta referência destacada, cabe uma pergunta, aliás,
duas: teria a mass media capacidade de criar um mito,
contemporâneo, invisível, que se esgueira sorrateiramente por
debaixo dos travesseiros enquanto dormimos? Seria ela uma “fábrica
de mitos” e disso não nos damos conta quando abrimos o jornal,
ligamos o rádio, a TV ou navegamos pela rede? Segunda: é possível
desfigurar e/ou reconfigurar qualquer mito sob uma nova ordem de
ver as coisas?
Bem, é até possível que quando a imprensa surgiu já trouxesse
furtivamente nas entrelinhas da primeira página o seu mito: a de que
ela falaria por e para nós, daria forma ao nosso imaginário, traria luz
às nossas trevas, verdades às nossas mentiras. Será? Os fatos
mostram que não é bem assim. “Complexa engrenagem” ou
“interesses em jogo” não são meros eufemismos, são fatos e
obedecem a regras claras e bem definidas: conveniências
econômicas, comerciais, políticas, sociais e culturais; linha editorial,
censura interna, diretrizes, domínio de regras, arranjos
mercadológicos e por aí vai. Isto significa dizer que não devemos
dar ouvidos ao que a mídia nos diz? Queimar jornais? Desligar
aparelhos? Evidentemente que não.
Amparando nosso raciocínio e sendo a própria fonte, tomamos
como primeira referência o professor de linguística e um dos mais
importantes pensadores de nossa época, Noam Chomsky, na obra
Para Entender o Poder50, um caudaloso e rico extrato de
informações obtido através de entrevistas dadas entre 1989 e 1999.
Suas observações a respeito do funcionamento da mídia moderna,
entre inúmeros outros temas essenciais para a compreensão do
mundo atual, são incisivas e de uma percepção singular, além de
reconhecidamente verdadeiras.
Expressões como rebanho desordenado, fabricação da
aquiescência, filtros, fabricação de consenso, formadora de agendas
e lavagem cerebral sob liberdade permeiam o grosso volume de
quase 600 páginas e fazem ligação com as diversas argumentações
do autor ao longo da obra, engendradas por um raciocínio de
profunda sagacidade. Todas essas expressões encontram respaldo
nos debates atuais, onde a capacidade de compreensão da realidade
50
Mitchel, P.R.; e Schoeffel, J.; Bertrand Brasil, RJ, 2005.
91
do espectador-ouvinte-leitor é, na média, considerada baixa. O
sociólogo francês Pierre Bourdieu, crítico feroz da má qualidade
cultural contemporânea produzida pelos veículos de comunicação,
dizia que Os meios de comunicação estão cada vez mais submetidos
a uma lógica comercial inimiga da palavra, da verdade e dos
significados reais da vida51.
Chomsky: Existe uma divisão bem perceptível entre a
opinião popular e a da elite, e a mídia reflete consistentemente a
opinião da “elite” (referindo-se à “elite política”, que é quem toma
as decisões de uma sociedade, segundo o autor). O que se depreende
da obra, em conjunto com uma percepção global dos mecanismos da
mídia, é que a imprensa é uma corporação comercial. Não são os
leitores que geram lucro e, sim, a publicidade – o departamento
comercial é o “coração” da empresa. Fundamental é que o veículo se
esgote na praça, não encalhe, a qualquer custo, e, nesse sentido,
agilidade é a palavra-chave. A notícia precisa ser absorvida em
tempo real e rapidamente pelo espectador-ouvinte-leitor, que é
apenas um vetor de consumo. Atropelado pelo volume de
informações uma após outra, sem intervalo, sobra-lhe pouco tempo
para um pensar mais profundo, gerando irreflexão e até certo
embotamento cognitivo.
Que a mídia manipula, direciona e subverte a informação
todo mundo sabe e ninguém duvida. E ninguém desmente, também.
É o chamado “Quarto Poder” – elege presidentes e derruba
governos, prega a paz e fomenta a guerra, constrói mentiras e destrói
verdades, elimina tabus e gera crendices. Para um rebanho
desordenado, aplicam-se filtros na fabricação de consenso para uma
lavagem cerebral sob liberdade. Essa frase, aqui construída, não está
explícita no livro mas nem por isso é menos verdadeira.
A manipulação consciente e inteligente das opiniões e
hábitos organizados das massas é um aspecto crucial de um sistema
democrático. Cabe às “minorias inteligentes” executar essa
manipulação das atitudes e opiniões das massas. Esta frase, de
1920, é do decano dos jornalistas americanos Walter Lippman, que
criou a expressão “rebanho desnorteado” referindo-se à população de
um modo geral. O esquema abaixo montado a partir da leitura e
51
Questions aux vrais maîtres du monde, citado em O Legado Crítico de Pierre Bourdier.
92
análise das entrevistas de Chomsky e de outros textos sintetiza os
(des)caminhos da mídia até chegar ao seu destino final, e as razões
para isso acontecer:
MÍDIA
Elites Povo
Temas decisórios Temas alienatórios
Política Futebol
Economia Sexo
Negócios Violência
Finanças Trivialidades
Cultura (Reality show,
Ciência auditório)
Tecnologia Banalidades
Educação Extraordinário
Mundo (discos voadores,
paraPsicologia,
Investimentos mistérios)
Novelas
Publicidade
Opinião
Audiência
Servilismo
Doutrinação
52
Rogério Chola, por e-mail. Ainda que, bom frisar, “quebrar” paradigmas, como expressão
modista muito ligada à administração de empresas, deveria ser entendida como
substituição, já que paradigmas (padrões, modelos), não se quebram, mas são trocados.
94
mortal dos delírios paranoicos. É nele que os ufólogos se equilibram.
Vale dizer ainda que a sustentação desse fio se faz em terreno
arenoso e instável.
Os dados coletados a partir dos anos 50 compõem-se de um
material suficiente para provocar profunda reflexão e reavaliação dos
resultados. No entanto, usa-se e abusa-se do direito de exibir
gráficos estatísticos como prova de que estes artefatos têm
procedência extraterrestre, quando nenhum deles nem de longe
confirma tal possibilidade. Esse é o menor dos males. Há piores, o
que é uma lástima. É muito comum que alguns pesquisadores sejam
vistos como “céticos pedantes”, “donos da verdade” ou estejam
causando prejuízo aos trabalhos quando, embasados por uma análise
cuidadosa, elaborada a partir de critérios técnicos, lógicos e
imparciais, negam um caso inicialmente considerado autêntico.
Em 1984, foi publicado um estudo acerca de um avistamento
registrado através de fotografias ocorrido em 1952. Durante 30 anos
este caso foi considerado autêntico e indiscutível não só pelos
ufólogos que à época cuidaram da pesquisa, como pelos das
gerações posteriores, que o aceitaram como um clássico da
casuística apenas porque vinha acompanhado de estudos feitos por
técnicos da Aeronáutica (reveja o item terceiro do professor Oliva, à
pág. 27). Inexplicavelmente, o que ninguém, com raras exceções,
havia observado ou gostaria de admitir, é que essas mesmas análises
continham erros primários na sua execução.
Quando foram re-elaboradas corretamente os erros ficaram
evidentes, e foram acompanhados de veemente (furiosa seria mais
apropriado) contestação por parte dos responsáveis pelas primeiras
investigações, que se recusaram a reconhecer as falhas, apoiando-se
exclusivamente na fidelidade das testemunhas. Só para ilustrar:
como um dos pontos discutíveis dizia respeito à sombra do objeto
fotografado em relação à luz do sol, um conceituado ufólogo da
velha guarda teve a coragem de afirmar que os Óvnis podem projetar
a sombra para o lado que quiserem, pois não sabemos do que eles
são capazes de fazer!
Dissensões como essas ocorrem não apenas entre os ufólogos,
mas também com as testemunhas quando têm suas vivências
recompostas para uma versão mais real dos fatos ao final das
95
investigações. Elas fazem questão de que suas experiências sejam
comprovadas e certificadas, mesmo quando a análise indica de
maneira indiscutível tratar-se de erro de interpretação, falha de
percepção ou algo semelhante. Para a testemunha, não há enganos,
ela tem certeza do que viu ou fotografou, e não será um “ufólogo
qualquer” que irá lhe contradizer, em que pese demonstrações em
contrário.
Até mesmo para quem não é ufólogo ou testemunha, a não
validação de um caso ou a revelação de sua faceta fraudulenta gera
muitos desagravos, pelo simples fato de “negar a realidade“ do
fenômeno. Certa vez, um experiente fotógrafo jornalístico flagrou
um enorme objeto esférico brilhante por trás das nuvens próximo à
linha do horizonte, pouco depois do entardecer. Cruzando
informações com colegas, levantando dados e consultando
efemérides astronômicas concluímos, por todos os cálculos feitos e
todas as condições verificadas que não deixavam dúvidas, para
profundo desespero do profissional, se tratar da lua em condições
atípicas de observação. O leitor bem pode imaginar os impropérios
com que fomos agraciados.
Importante ressaltar que, a rigor, a qualificação profissional ou
social não pode e não deve ser considerada como fator liquidante
para a credibilidade do depoimento. Do taxista à Sua Excelência, do
astronauta ao pagodeiro, do médico ao feirante, do ministro ao
ascensorista, em princípio todos merecem crédito e valor em sua
justa medida, e somente uma averiguação com rígida metodologia
poderá decretar a sentença. Um julgamento precipitado pode induzir
ao erro.
Em uma ocasião, um dos autores53 foi convidado por uma
emissora de TV a opinar sobre um filme em VHS obtido pelo filho
de uma conhecida fazendeira da região. Pela simples comparação e
com base em sua larga experiência, pôde perceber de imediato tratar-
se da filmagem do planeta Vênus, que sempre confundiu o leigo e
sempre confundirá, a contragosto dos ufólogos que não se
conformam com esta explicação tão banal, mesmo porque a cena
apresentava pontos de referência como montanhas e outras estrelas,
53
Ubirajara F. Rodrigues, a convite da EPTV, afiliada Globo, em julho de 1996 na cidade de
Varginha, MG.
96
além do conhecimento astronômico mínimo necessário. Aquela
senhora sexagenária ficou transtornada diante da possibilidade de
aquilo que tinha certeza ser um “disco voador” fosse, na verdade, um
engano de observação que ocorre costumeiramente.
Tamanha foi sua insistência, lançada de modo impetuoso e com
furor, que não restou ao ufólogo senão comentar: Bem, eu não sabia
que a senhora entendia tanto de filmagem, de fotografia, Astronomia
ou mesmo de Ufologia. Pensei que, pelo menos neste assunto, o
entendedor fosse eu! Esses embates ocorrem a todo momento,
alguns bem mais rudes que os comentados, em que se poderia
suspeitar, com pouca margem de erro, de casos limítrofes a dementia
praecox.
Um comportamento como esse adquire um caráter ainda
mais nocivo na proporção direta da gravidade dos fatos. Enquanto o
litígio e os entreveros se restringem ao âmbito da pesquisa, enquanto
a “roupa suja” é lavada em casa e as pendengas circunscritas apenas
à esfera dos pesquisadores, é compreensível; porém, quando caem
no domínio público, a devastação pode ser irrecuperável. Não foram
poucos os programas de rádio e TV em que leigos, neófitos,
cientistas e ufólogos cruzaram espadas em defesa de suas teorias.
Não é de hoje que autoridades e “autoridades”, “contatados”,
artistas, testemunhas e oportunistas concedem entrevistas com sua
argumentação pífia, quando não artificiosa, pondo em risco a
credibilidade do assunto e do pesquisador sério. Ao público falta
conhecimento e informação para discernir o real do fantasioso, o
autêntico e honesto do mentiroso e enganador, e o mesmo se aplica
aos meios de comunicação, ávidos que estão pelos melhores índices
de audiência. A ambos, público e mídia, importam o fantástico, a
novidade, o circo, bem de acordo com o esquema mostrado há
pouco. É nesse clima caótico de despreparo, imaturidade, vaidades e
miopia que se desenvolve a Ufologia, em todo o planeta. É uma
visão de alcance raso, desalinhada, posicionada abaixo do patamar
mínimo da lógica e do equilíbrio. Há um exemplo bem recente que
precisa ser esclarecido, primeiro pela repercussão que o fato gerou,
segundo porque se impõe deixar registrada nossa posição sobre o
assunto, já que por ocasião do episódio fomos inteiramente mal
compreendidos, e terceiro, para revelar os bastidores de uma história
97
muito diferente daquela que foi levada ao conhecimento público.
Em abril de 2004, a revista UFO lançava uma campanha nacional
com o título “ÓVNI: Liberdade de Informação Já”, na qual cobrava
do Governo, entenda-se Forças Armadas, mais especificamente a
Aeronáutica, como se a responsabilidade pelas investigações só
coubesse a ela, o fim do sigilo e o “reconhecimento oficial” da
atividade ufológica no país. A plataforma para essa reivindicação era
de que “O Brasil tem riquíssima, profunda e diversificada casuística
ufológica, reconhecida até mesmo no exterior”, como se o aval de
outros países fosse justificativa para sensibilizar as autoridades
brasileiras.
Desde o princípio estivemos contra essa iniciativa, primeiro pelo
primarismo e inconsistência da proposição; segundo, porque
obviamente sabíamos que aquilo que iria a público seriam meras
filigranas. Mas não só isso. Tínhamos convicção de que as diretrizes
da campanha se articulavam em oposição ao senso comum e só
poderiam desembocar num retumbante fracasso, no que alertamos
aos responsáveis do erro em que estavam incorrendo e da cilada
iminente de que seriam vítimas. Desnecessário dizer que, além de
não nos darem ouvidos, ainda fomos considerados desleais à causa.
Por que uma iniciativa primária e inconsistente? Para começar,
basta ler alguns dos itens relacionados na “Carta de Brasília”,
documento redigido de forma popular e referendado por vários
participantes durante o I Fórum Mundial de Ufologia em fins de
1997, que serviu de gatilho para disparar a tal campanha sete anos
depois, com cópias encaminhadas para representantes civis e
militares, escoradas por um abaixo-assinado com cerca de 36.000
nomes. Convém salientar que “abaixo-assinado” não é e nunca foi a
forma correta, técnica e aceitável do ponto de vista legal, de se
reivindicar ou de se requerer alguma coisa. Pedimos ao leitor
especial atenção aos trechos grifados por nós:
98
Por esta primeira assertiva, depreende-se que já está
definitivamente concluído que o “fenômeno UFO” já não é mais
fenômeno - são visitas ao planeta de veículos espaciais, confirmado
por civis e militares! Mais que ridícula, uma afirmação absurda e
contraditória.
99
marcantes da presença de objetos voadores não identificados em
nosso território”? Nos seus 50 e tantos anos de pesquisa, as
autoridades não teriam nada mais atraente a oferecer? E se tivessem,
ofereceriam? Claro que não.
Mas o mais penoso dessa história toda ainda iria acontecer.
Quando proclamamos não só o risco de fiasco como a inversão de
mão em que a campanha se conduzia, tínhamos muito claro que o
desenrolar dos acontecimentos traria um aspecto altamente
prejudicial para os ufólogos. Não é preciso muito esforço mental
para perceber que qualquer campanha que se torne pública com
antecedência vai dar tempo para que a outra parte prepare e se
prepare para uma eventual resposta. Tanto estardalhaço e foguetório
para nada.
Foi exatamente o que aconteceu. Como se diz popularmente, “o
tiro saiu pela culatra”. Com a comitiva ufológica embandeirada em
seu périplo rumo à Capital Federal, as autoridades tiveram tempo de
sobra para selecionar o que poderia ser liberado, criando um clima
receptivo, convidando a imprensa para testemunhar as boas
intenções e no final deixaram os ufólogos aparvalhados saboreando
as migalhas oferecidas – alguns casos pouco expressivos, fotos,
desenhos, gráficos, ou seja, nada de revelador, bombástico,
inusitado, surpreendente, até porque não há nada disso por lá.
Aliás, cabe uma pergunta aos ufólogos obcecados por
documentos “oficiais”: se a Ufologia propaga com veemência que
possui fortes, inquestionáveis, irrefutáveis e definitivas provas de
que o fenômeno UFO são naves tripuladas por extraterrestres
provenientes do espaço, que outras revelações mais explosivas que
essas poderiam obter dos documentos “confidenciais”? Precisam
deles porque duvidam de suas próprias afirmações? O que esperam
encontrar, acordos bilaterais de desenvolvimento tecnológico?
Confirmação de experimentos genéticos? Quedas e acidentes de
Óvnis? Capturas de Ets? Informações altamente sigilosas de
infiltração de alienígenas em nosso meio? Haja imaginação! Haja
ficção!
Sempre soubemos que seria assim! Será que os ufólogos
realmente acreditavam que os arquivos secretos, confidenciais,
sigilosos, os mais “quentes” e coisas do tipo seriam mesmo
100
liberados, atendendo aos anseios da “comunidade”? Se pensaram ou
pensam dessa forma são muito mais ingênuos quanto pensávamos
que fossem. Depois desse carnaval todo, haverá clima para se cobrar
mais alguma coisa de agora em diante?Não era isso que os ufólogos
queriam – a abertura dos arquivos? Pois aí está, portanto não têm
mais nada a reivindicar, e assim perderam uma boa oportunidade de
ficarem quietos no seu canto elaborando formas mais sensatas e
eficazes de entendimento com os organismos oficiais.
Essa quixotesca e catastrófica aventura ao santuário dos maiores
segredos ufológicos, quase uma indigência de ufólogos esmolando
uma atitude de reconhecimento da existência de um fenômeno,
qualquer que fosse, tornou-se o modelo clássico do estrago que a fé
numa doutrina fantasiosa pode provocar. Faltaram, repetimos,
preparação, discussão, discrição, estratégia, cautela, perspicácia e
inteligência, sobrando, em contrapartida, precipitação, ingenuidade e
impaciência. A reflexão deu lugar à inflexão e, em casos mais
graves, à genuflexão. As sereias emitiram seus acordes
embriagadores e os incautos navegantes naufragaram nas águas da
ilusão. Se um é fábula, o outro é fato. Mas o ponto nevrálgico, a
revelação maior que elucida uma série de fatos, virá no capítulo a
seguir.
No sentido oposto e muito antes daquela desafortunada
expedição, mais exatamente em 1997 em San Francisco, Califórnia,
um conselho formado por nove cientistas54 membros do
Massachussetts Institute of Technology, das Universidades de
Cornell e Princeton e de institutos alemães e franceses, analisou a
documentação apresentada por oito ufólogos55 convidados de várias
partes do mundo, sobre as principais ocorrências de Óvnis e suas
respectivas pesquisas.
Uma das conclusões é que a comunidade científica tem mostrado
um interesse muito pequeno sobre o assunto. A outra é que as
evidências não demonstraram que estamos recebendo visitantes do
54
Von R. Eshleman, EUA; Thomas Holzer, EUA; Randy Jokipii, EUA; François Louange,
França; H. J. Melosh, EUA; James Papike, EUA; Guenther Reitz, Alemanha; Charles
Tolbert, EUA; Bernard Veyret, França
55
Richard Haines, EUA; Illobrand von Ludwiger, Alemanha; Mark Rodeghier, EUA; John
Schuessler, EUA; Erling Strand, Noruega; Michael Swords, EUA; Jacques Vallée, EUA;
Jean-Jacques Velasco, França.
101
espaço nem que os supostos Óvnis desrespeitam algumas das leis
conhecidas da Física. Por outro lado, é verdade também que o
conselho entendeu que algumas ocorrências são suficientemente
tangíveis que merecem uma investigação mais aprofundada. Era
uma aproximação desse naipe que deveria ter acontecido, e não a
pantomima que se verificou. Se o exemplo americano não era
interessante o suficiente para ser seguido, tanto a festejada campanha
como a comitiva eram perfeitamente dispensáveis. Infelizmente
Sagan tinha razão quando escreveu que poderíamos um dia nos
tornar uma nação de patetas56.
56
Sagan, C.; O Mundo Assombrado pelos Demônios, Companhia das Letras, SP, 2006.
102
A ingenuidade é uma fratura exposta
104
tornam de grande importância para análise e crítica, realmente
contrastando com casos ou situações ufológicas desprovidas de
informações mais claras e objetivas.
Afunila-se, assim, a esperança da Ufologia e esta precisa atrair
para mais perto a possibilidade de comprovar aquilo que tanto
persegue, enquanto nada se consegue provar com a atitude isolada de
um amontoado de milhares de amantes do tema espalhados pelo
mundo, desorganizados por método de pesquisa e em meio a várias
linhas completamente apartadas da boa atitude científica. E ao passo
que – obviamente os ufólogos sabem mas a maioria tem horror de
admitir – que somente a ciência e os grandes institutos de pesquisa e
estudo poderiam colher as provas, com toda a dificuldade que o tema
impõe e exige. São salvos pela certeza de que isto já ocorreu, porém
sem divulgação e admissão públicas. Esta complicada operação
psicológica tem nuances de aventura.
Há ufólogos que trabalham acreditando que até sua própria
atuação seja aproveitada pelos meios militares e governamentais,
que trabalham em sigilo. São muitos os exemplos, mas um ou dois
bastam para ilustrar esta outra faceta comportamental da Ufologia.
No Brasil, uma exaustiva e elogiável coleta de casos interessantes
tornou clássico o papel do falecido médico e ufólogo Walter Bühler
à frente de uma espécie de ONG denominada Sociedade Brasileira
de Estudos de Discos Voadores, no Rio de Janeiro.
Durante anos, o Dr. Bühler publicou um boletim, reconhecido em
todo o mundo, usado como fonte de referência por ufólogos através
dos tempos. Para isso, corria atrás de casos descobertos e
pesquisados por outros ufólogos, em atitude correta e aconselhável;
no entanto, achava que alguns de seus colegas eram “aliados” de
agências de espionagem e inteligência, como a CIA e o FBI. Para
ele, eventos importantes recebiam, de imediato, a atenção de agentes
secretos e de corporações sigilosas, que monitoravam as aparições
de discos voadores.
Outro exemplo, mais contemporâneo, foi o do também já falecido
e respeitado Húlvio Brant Aleixo, de Belo Horizonte, que presidia o
CICOANI – Centro de Investigação Civil de Objetos Aéreos Não
Identificados. O próprio nome do seu grupo de estudos já fazia
denotar uma certeza de que investigação de Óvnis era, antes de tudo,
105
competência dos militares. O psicólogo e professor universitário,
que também contribuiu de forma notável para o registro de eventos
de diversos tipos, agia de forma semelhante à de seu colega médico.
Além de desejar confirmar o que outros descobriam, em atitude
científica correta, acabava por dar um ar de “sigilo” àquilo que ele e
terceiros estudavam e obtinham. Por vezes, parecia insinuar que,
voluntária ou involuntariamente, trabalhava “em conjunto” com os
organismos militares.
Mas, e hoje? Em que ponto deságua esta tentativa desesperada de
trazer os extraterrestres para mais perto, já que seus planetas de
origem são tão distantes, como distantes tornam-se, cada vez mais,
as possibilidades e os recursos dos ufólogos? A certeza parece ser
levada pela torrente da ilusão, lamentavelmente. Alguns ufólogos
não mais se resignam com a possibilidade de o reconhecimento da
existência de discos voadores só vir a acontecer num futuro remoto –
se vier, caso existam como “naves de outros planetas”.
A impressão de “lentidão” do tempo, diante da vida humana,
provoca o desespero. Esta prova tem que surgir enquanto vivermos.
Se não acontecer, precisamos ao menos firmar outra realidade por
detrás desta maior que tanto se deseja – os governos e as forças
armadas sabem. Melhor, precisam reconhecer a importância do
trabalho dos ufólogos. Urge que os militares tenham, na Ufologia,
uma parceira, que ao menos a reconheçam! Um clamor surdo, que se
ouve do outro lado da cidade. Pois acaba de acontecer: de poucos
anos para cá, no Brasil, repercutiu nos meios ufológicos de todo o
mundo: a Aeronáutica Brasileira concordou em trabalhar em
conjunto com os ufólogos e, não bastasse, abriu seus arquivos
secretos. Agora esta é uma grande e fascinante certeza, para um
grande número de adeptos. Porém... será mesmo?
Tudo começou com uma intensa campanha intitulada “UFOs:
Liberdade de Informação Já”. Idealizada pela incansável revista
UFO, a campanha desejava, como ainda deseja, que o governo
federal revelasse de vez tudo o que sabe sobre discos voadores e
suas variantes. Começou a ser publicada em abril de 2004 e angariou
mais de 30 mil nomes que assinaram documentos de deflagração
para serem apresentados ao presidente e ao vice-presidente da
República, aos ministros de Estado, alguns deputados federais,
106
senadores, diversas autoridades das forças armadas etc. Para
encabeçá-la, criou-se uma Comissão Brasileira de Ufólogos. Após
meses de discussão por correio eletrônico, através de listas e grupos,
chegou-se à redação definitiva de um manifesto, cujos termos são
notáveis para o propósito deste livro. Eis seu conteúdo, devendo o
caro leitor prestar muita atenção ao que vai por nós sublinhado,
reforçando o que já foi esmiuçado no capítulo anterior:
107
Assim, considerando atitudes assumidas em vários momentos da história
por países que já reconheceram a gravidade do problema como o Chile, a
Bélgica e China, respeitosamente recomendamos que o Ministério da
Aeronáutica da República Federativa do Brasil, ou algum de seus
organismos, a partir deste instante, formule uma política apropriada para
se discutir o assunto, nos ambientes, formatos e níveis considerados
necessários.
A Comunidade Ufológica Brasileira, neste ato representada pelos
estudiosos nacionais abaixo assinados, com total apoio da Comunidade
Ufológica Mundial, deseja oferecer voluntariamente seus conhecimentos,
seus esforços e sua dedicação para que tal proposta venha a se tornar
realidade e que tenhamos o reconhecimento imediato do Fenômeno UFO.
Como marco inicial deste processo, que simboliza uma ação positiva por
parte de nossas autoridades, a Comunidade Ufológica Brasileira
respeitosamente solicita que o referido Ministério abra seus arquivos
referentes a pelo menos dois episódios específicos e marcantes de nossa
pesquisa ufológica:
109
convencer tais meios de que o assunto merece melhor atenção. Se e
quando conseguirem isto, terá sido uma vitória histórica.
Agora, pensando bem – se tudo ainda é assim – que dizer das
causas, explicações, processos, origens, razões enfim, até de
"motivos" que fundamentam tal fenômeno? Que absurdo sem
comparação, que equívoco dialético incomparável, que erro
grosseiro de argumentação, que falta de postura técnica dirigir um
manifesto, um "abaixo assinado" ou mesmo um requerimento – que
nem de longe é – aos organismos oficiais, todo ele redigido com
expressões do tipo visitas de veículos espaciais ao planeta Terra...
origem suficientemente identificada como sendo alheia aos limites
de nosso planeta... são originários de outras civilizações...
inquestionável processo de contínua aproximação de nossa
sociedade planetária... civilizações não-terrestres... inegável e cada
vez mais crescente presença extraterrestre na Terra e outras da
mesma espécie.
Opinião é mero entendimento pessoal, geralmente fundado em
crenças, em postura exclusivamente subjetiva. O que “eu acho”, o
que “eu creio”, intuo ou mesmo percebo não significa absolutamente
nada em relação ao tipo de verdade que a ciência busca – a objetiva
– a que necessariamente não é aquilo que vemos, sentimos, cremos.
Este é dos mais importantes princípios eternamente inspiradores do
trabalho científico. Então, a título de exemplo, jamais alguém
deveria escrever ao Governo ou à Aeronáutica requerendo que eles
"revelassem o que sabem" sobre os casos “X” ou “Y” só porque
meia dúzia de ufólogos afirma que têm testemunhas. E sem poderem
mostrar que testemunhas são estas, afinal. O Caso Varginha, meses
depois, passou a incorporar o manifesto.
A comunidade ufológica mundial, da qual a "Brasileira” acha que
já é uma espécie de classe reconhecida de altíssima importância, diz
possuir provas de que discos voadores são originários de outras
civilizações provavelmente mais avançadas tecnologicamente do
que a nossa. Daí, pensa fazer parte de um meio sabidamente
acadêmico, em que se podem oficializar conhecimentos ou admitir
fenômenos, suas causas e explicações. Lança uma campanha dessas
pedindo que as instituições oficiais sejam contra o mundo inteiro,
contra tudo o que se tem de reconhecido e aceito, desejando – como
110
se estas não fossem compostas por mentes racionais – que não
seguissem quaisquer regras de técnica e normas de pesquisa,
investigação e regulamentos, confessando ou reconhecendo que
discos voadores sejam naves de outros planetas! As inúmeras e
inesgotáveis discussões estabelecidas em torno de um simples
vestígio de suposta bactéria em meteoritos marcianos, encontrados
na Antártida, nada dizem para os iludidos. Nem percebem que, em
contrapartida, querem que o governo confesse que sabe da
existência de civilizações avançadíssimas em outros planetas nos
visitando!
A campanha é formalizada com um “abaixo-assinado”, por
adesão pela internet ou pelos Correios, e o subscritor referenda o
manifesto. Milhares de ufólogos e apaixonados pelo assunto
pretendem que oficialmente a nação reconheça algo de “tão natural”
e inconteste magnitude... uma atitude dessas demandaria anos, talvez
décadas, de intensas pesquisas e investigações que pudessem
fundamentar a afirmação de maior amplitude de toda a história, e de
agora para todo o sempre.
A alteração, os reflexos, as consequências de se admitir algo
assim, nas ciências, nas universidades, na Filosofia e nas Filosofias,
nos governos e regimes políticos, nas religiões e na economia seriam
de tal ordem, que exigiriam um processo de demonstração e
comprovação de complexidade sem par. Entretanto, e saudemos sem
dúvida a liberdade de pensamento, a Ufologia quer trazer para si não
apenas tal responsabilidade, mas também o mérito. Ela, que estuda
objetos voadores não identificados e algumas de suas nuances, está
certa de que isto basta para que os sistemas, fundamentados nas
aquisições dela, oficializem que a vida extraterrestre existe, que esta
vida gerou civilizações avançadíssimas, que “indiscutivelmente”
vêm “de forma tão insistente” nos visitar. O método é um abaixo-
assinado que, até o momento em que este livro é escrito, nunca foi
diretamente enviado às autoridades a que se destina.
O que deveria conter um requerimento neste sentido? Um
arrazoado ilustrado por uma documentação que comportaria talvez o
número de páginas comparável ao de diversas enciclopédias
extremamente volumosas? Os resultados, metodologicamente
elucidados, de longas pesquisas e confirmadas por institutos
111
reconhecidos internacionalmente, firmados por cientistas e
investigadores credenciados, de respeitada experiência e com
titulação que lhes dê autoridade para aceitação de suas conclusões?
A indicação de fatos, pessoas, órgãos e instituições, agora
comprovadamente envolvidos desde há muito, no Brasil e no
mundo? Tudo, por consequência do emprego de bilhões de dólares,
da utilização de elevados recursos tecnológicos e da realização de
fóruns, públicos e privados, nos meios acadêmicos de todo o
planeta? Bobagem. A Ufologia supera tudo isto, para assumir seu
papel messiânico de, com seu fascínio, e este lhe é de uma grandeza
inconteste, mudar com sua coletânea de casos o conceito que a
humanidade tem do universo.
Dirão alguns que o documento e a campanha apregoam que as
autoridades nunca se descuidaram da situação, que a “monitoram”
desde as últimas décadas e só querem que isto seja reconhecido. Só?
E que tal providência solidificaria o início de uma “próspera e
proveitosa parceria”. É o que está lá, com todas as letras. A intenção
é boa. Todo o processo que há pouco comentávamos pode ser, mais
uma vez, superado, se as forças armadas tomassem os ufólogos
como parceiros.
Uma proposta alvissareira e atraente, para os governos, tornarem-
se parceiros daquilo em que a maioria crê: seres extraterrestres se
manifestando disfarçados em terreiros de umbanda e centros
espíritas; invasão de discos voadores em centenas de balões tocados
a grande altura pelo vento no espaço aéreo mexicano; aparição de
naves espaciais luminosas em gotas de orvalho e grãos de poeira
grudados nas lentes de máquinas fotográficas; presença de pequenas
naves ou formas desconhecidas de vida no frágil voo de pequenos
insetos e esporos de vegetais em filmes; a heróica ajuda de irmãos
cósmicos, emprestada através de médiuns, à NASA, durante
problemas na reentrada dos ônibus espaciais na atmosfera; “seres
dimensionais”, com a maior naturalidade, aparecendo nos quintais
disfarçados de anjos ou demônios; fortes indícios da visita de seres
que habitam profundas camadas da crosta terrestre, já que a
existência de entidades apelidadas “intraterrenos” é algo
indiscutível; fenômenos aéreos quase sempre provocados por naves
ou veículos extraterrestres; caso como o de Varginha “só pode” ter
112
sido consequência da queda de um disco voador; comandantes de 15
milhões de naves, substitutos de Anjos e Arcanjos, merecendo toda a
atenção; paranormais como “canais” de comunicação com Ets. É
disso que os ufólogos querem que o governo seja parceiro? Sim, é
disso que os ufólogos querem que o governo seja parceiro!
Não se percebe, infelizmente, que a cada dia o percentual de
casos hipoteticamente tidos como autênticos, em termos de ainda
não comportarem explicação, reduz-se drástica e frustrantemente,
que, por visível falta de critério e devido a um fanatismo evidente, o
número de ocorrências a deixá-la esperançosa já se encontra, de
forma desanimadora, próximo do zero.
A ingênua postura tivera uma prévia nos idos de 1997, quando da
realização do Primeiro Fórum Mundial de Ufologia, em Brasília, por
iniciativa da Legião da Boa Vontade. O encontro foi encerrado com
a redação e assinatura de uma Carta de Brasília. Ufólogos brasileiros
e de outros 19 países participaram. Dirigiram a carta ao presidente
da República e ao ministro da Aeronáutica, em que, dentre outras
providências, sugeriam e solicitavam a liberação de documentos
oficiais sobre a “atividade ufológica” no Brasil. Os termos eram
praticamente os mesmos, retratando afirmações apriorísticas e
tendenciosas, tais como naves, extraterrestres e visitantes. Conforme
editorial da revista UFO, também distribuído pela Internet, e
constante de seu site, a carta foi entregue ao Senador José Roberto
Arruda, então líder do Governo no Congresso Nacional. Ele garantiu
que as entregaria, imediatamente, ao presidente da República,
Fernando Henrique Cardoso, e ao presidente do Congresso.
Outras duas cópias da Carta seguiram para os Coronéis aviadores
Zilmar Antunes de Freitas e Weber Luiz Kümmel, respectivamente
comandante do 6° Comando Aéreo Regional e da Base Aérea de
Brasília. Estes militares estavam, na oportunidade, representando o
então ministro da Aeronáutica, Brigadeiro-do-ar Lélio Viana Lobo.
Ambos asseguraram aos ufólogos presentes que entregariam o
documento de imediato ao ministro, a quem, inclusive, se
comprometeram recomendar a tomada das providências que o
mesmo requer.
O documento contém o mesmo sentido de se afirmar que discos
voadores são naves de outros planetas e as manifestações ufológicas
113
tratam-se indubitavelmente da atuação de seres extraterrestres. Um
desprezível número de ufólogos, por esta razão, recusou-se a assiná-
lo. Dos estrangeiros, o exemplo do estudioso argentino Alejandro
Agostinelli ensejou acirradas discussões paralelas, que o execraram
por isto. Posteriormente, o ufólogo expressou por e-mail seu espanto
com a ausência de percepção da Ufologia brasileira do absurdo de
dirigir um manifesto daquele tipo às autoridades, com a utilização de
termos tão ausentes de cunho científico.
Os editoriais, como o mencionado aqui, continuam até hoje
alegando que, apesar do compromisso publicamente assumido pelas
autoridades presentes ao Fórum de Brasília, de fazerem chegar a
Carta às mãos dos destinatários, não se sabe se isto aconteceu.
Simples: jamais houve uma resposta, quer do presidente da
República quer do ministro Viana Lobo. Como se a Carta de Brasília
jamais tivesse existido. Como é também simples o fato de uma
Carta, destinada ao presidente, ao ministro, ou à Presidência e a um
Ministério, nunca ter sido protocolada da forma correta, no órgão
certo e no lugar adequado.
Mais tarde, os mesmos equívocos, que complicaram o que é
simplificado, seriam repetidos com o manifesto que deflagrara a
comentada campanha. Não se protocolou o quer que fosse, seja onde
for e a quem destinado era... apenas entregaram cópias ao
comandante do I Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de
Tráfego Aéreo – Cindacta I, em Brasília. Até hoje continuam
insistindo em não protocolar qualquer requerimento, moção,
manifesto, abaixo-assinado (sic) ou que papel for, diretamente às
autoridades a que se destinam. Consciência, cautela, ou uma espécie
de constrangimento, por saberem que a eficácia é praticamente nula?
Antes de chegarmos ao ápice desta aventura, quando os ufólogos
se rejubilaram por acreditar que finalmente a Força Aérea abriria
seus supostos arquivos sigilosos e oficializaria uma parceria com a
Ufologia, façamos uma pausa para pensarmos, um pouco, em favor
dos bem intencionados militantes. Suponha o caro leitor, apenas a
título de raciocínio, que seja verdade o processo de acobertamento,
desinformação e sigilo imposto por setores militares, em torno do
fenômeno Óvni. Mesmo porque, seria tolice da nossa parte achar que
não exista sigilo ou discrição nos processos e métodos militares,
114
ainda mais em se tratando de defesa e segurança nacional, o que
torna a suposição bastante aceitável. Ora, na hipótese, a iniciativa da
Ufologia, aqui comentada, poderia em tese causar um imenso
malefício, simplesmente sem qualquer possibilidade de conserto, um
prejuízo que, por absoluta falta de visão, de espírito crítico e de
experiência, aquela atitude provocaria, de incalculável monta, para
os interesses da Ufologia.
Primeiro, que era de se esperar, como de fato aconteceu, um
alarde notável por parte da imprensa, ou seja, com a população
seguindo tais momentos de expectativa, principalmente através de
programas televisivos de grande audiência como o Fantástico, da
TV Globo, e de revistas com milhões de leitores semanais, como a
Isto É e tantos outros veículos de comunicação.
Queremos dizer, pública e notoriamente, que as Forças Armadas
estavam recebendo abertamente, pela primeira vez na história do
Brasil, as maiores representações da Ufologia e, afirmava-se, iriam
abrir seus apontamentos sigilosos... Em segundo lugar, a Força
Aérea estaria abrindo seus arquivos, inclusive os secretos, para
estudiosos cuja formação científica de quase todos era, e é, digamos,
um tanto embrionária, beirando a nulidade. Por derradeiro, se
pensarmos na hipótese de que os militares não revelam a verdade,
suponhamos que:
a) em 1986, por exemplo, caças da Força Aérea decolaram à
interceptação de alguns objetos;
b) realmente foi feito um relatório, como fartamente noticiado, e,
liberado aos ufólogos, constem meras narrativas, para resultar em
algo não conclusivo;
c) a Aeronáutica confirmasse os relatórios de eventos na
Amazônia, durante a Operação Prato, mas cujo conteúdo não
passasse da relação de alguns dados, portanto nada que tivesse sido
feito com um mínimo de metodologia, sem demonstrar uma pesquisa
científica. O que, em termos oficiais, nada significaria, nada
provaria, nada comprovaria. Então, fosse dito aos ufólogos – Aqui
está. Podem copiar à vontade. Nada mais temos. E com a imprensa
como testemunha...
Nesta hipótese, o que faria depois a Ufologia? O que ocorreria
posteriormente? O que ela seria, até por questão de dignidade e ética,
115
obrigada a declarar e, principalmente, a parar de afirmar o que vem
dizendo há décadas? Para nosso imaginário raciocínio, os meios
acusados de acobertamento e desinformação teriam um trunfo
extraordinariamente valioso, dali por diante. Os ufólogos vieram,
foram bem recebidos e atendidos em suas reivindicações e pronto,
aqui está! Nada temos.
O mundo inteiro assistiu. É incrível como pessoas que, durante
anos a fio, afirmam algo tão sério e complexo, simplesmente
resolvem agir sem critério e de modo aleatório, com o único recurso
de acreditarem que um manifesto obrigará a quebra de um processo
que elas mesmas supõem forte e rígido. E, pior, com o estímulo das
emoções de estarem agindo heroicamente, como responsáveis por
um momento que irá mudar a face do mundo.
Pois mesmo deixando-se de lado a ideia do sigilo, ainda que
alguns o considerem coisa de paranoico, os resultados da atitude dos
ufólogos foram exatamente os previstos acima. Aconteceram na
realidade. Uma desoladora realidade que somente os trouxe de volta
à terra firme, quando tempos depois começaram a sublimar seu
fascínio e sua perplexidade, permitindo a volta da mesmíssima ideia
de conspiração com a qual viveram durante toda a sua vida de
estudiosos de “naves extraterrestres”. Voltemos, todavia, à sequência
das proezas inspiradas pelo manifesto.
Era necessário retomar o processo de pressão para a liberação dos
arquivos da Aeronáutica, iniciado em 1997. A Ufologia continuaria
crendo-se capaz de realizar pesquisa, na exata acepção do termo,
suficiente para demonstrar a presença alienígena na Terra, na
contramão de todas as áreas científicas, técnicas e tecnológicas
naturalmente destinadas a tal autoridade, com toda a complexidade
inerente aos métodos, processos e demais recursos. Passaram-se
ansiosos anos até que chegássemos a fevereiro de 2005.
Com a divulgação das declarações de Uyrangê Hollanda sobre a
Operação Prato, na Amazônia, a imprensa procurava eventualmente
os órgãos da Aeronáutica para matérias a respeito. Obviamente, os
porta-vozes negavam ou se limitavam a dizer que só havia alguns
relatos enviados pelo capitão Hollanda, porém sem valor científico e
dados suficientes a fundamentar qualquer procedimento das
instituições oficiais.
116
Prosseguia o eterno contraste entre os detalhes espetaculares
divulgados pela Ufologia, tais como muitos depoimentos de
moradores, as informações de uma médica que dizia ter atendido até
pessoas feridas pela manifestação do fenômeno, o testemunho de
jornalistas e outros militares da região, e a postura da Aeronáutica
limitada ao dito de que nada havia de valioso.
Foi aí que o idealizador da campanha, o editor da revista UFO,
Adhemar José Gevaerd, publicou um vasto artigo no seu site
destinado aos ufólogos brasileiros e demais países da América do
Sul, registrando inconformismo com a postura dos porta-vozes da
Aeronáutica. O trabalho, muito interessante sob o ponto de vista dos
ufólogos, extremamente bem redigido e contendo boa argumentação,
continha, entretanto, um tom pesado, direto e agressivo. Rebatia a
alegação da Força Aérea de que não investiga a atuação de Óvnis em
território nacional, indagando se isto não passava de mentira ou
desinformação. Denunciando o que chamou de “negativa sistemática
e inconsequente”, o artigo, enviado a cerca de 500 mil endereços
eletrônicos, segundo o autor, comentou, dentre outras matérias, a
entrevista publicada pelo jornal Correio Braziliense com o major
aviador Antonio Lorenzo, do Departamento de Comunicação Social
da Aeronáutica, que admitiu a existência de relatórios sobre Óvnis
nos arquivos do Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro, porém
sem enfoque investigativo.
A matéria no jornal, de autoria de Ulisses Campbell, continha a
observação do major aviador no sentido de que os ufólogos não
precisavam colher 30 mil assinaturas para a abertura daqueles
arquivos, pois bastaria para tanto uma ordem do Comandante da
Aeronáutica ou do ministro da Defesa. Isto foi prontamente
contraditado pelo editorial, porque muitas tentativas já haviam sido
feitas e de nada adiantaram. Doze dias depois, em 17 de fevereiro, a
redação da revista UFO recebeu um e-mail do major Lorenzo, com o
assunto “Contato com a Força Aérea Brasileira”, dispondo-se a um
encontro com o ufólogo autor do artigo, a fim de lhe prestar alguns
esclarecimentos.
Dois ou três dias depois, Gevaerd retirou do ar o artigo e,
bastante animado – com razão, diga-se de passagem – passou a
anunciar um plano para a visita de uma comissão de ufólogos à
117
Aeronáutica. Segundo ele, o major teria dito que havia
predisposição da Aeronáutica de atender o pleito contido na
campanha, já que a Aeronáutica está ciente de que há a necessidade
de uma parceria entre ufólogos civis e seus integrantes; que a
Aeronáutica não pesquisa casos de UFOs no Brasil, mas que os
registra e mantém tais registros no Comdabra, em Brasília; que tais
dados estão apenas guardados no tal órgão, sem aproveitamento
algum, infelizmente subutilizados, teria informado o major; e que o
certo seria que os ufólogos civis tivessem não somente acesso a eles,
mas a possibilidade de analisar tais casos, dentre outras assertivas.
Em seguida, Gevaerd divulgou um comunicado de sua revista
dizendo que a reportagem do jornal Correio Braziliense publicara
ditos do major Lorenzo que não correspondem à realidade, ou seja,
um órgão de Ufologia cuidava de esclarecer, em nome do major, que
este não dissera coisas que um jornal publicara. Isto inspirou a
mudança do artigo, com seu autor voltando atrás nos seus escritos
revoltados contra as declarações antes atribuídas ao porta-voz da
Aeronáutica. Em 18 de maio chegava à revista outro e-mail, desta
feita tocando diretamente no assunto e subscrito por ninguém menos
do que o Chefe do Centro de Comunicação Social da Aeronáutica, o
Brigadeiro-do-Ar Antonio Guilherme Teles Ribeiro, divulgado pela
redação. Aqui seu inteiro teor, por ser de nosso interesse:
118
Por conta disso, mantém aeronaves em alerta de defesa
aérea diuturnamente, durante todo o ano, que são acionadas
para realizar interceptações de alvos radar não
identificados pelo Sistema de Defesa Aérea Brasileiro;
120
relacionamento, claro que salutarmente desejada pelas autoridades!
Uma visita de ufólogos ligaria o imaginário popular a algo bem mais
brando do que o tema das ações do regime autoritário militar
iniciado com a Revolução de 1964, além de ser uma forma de
demonstrar a adesão à política de transparência e de não sonegação
de documentos. Ainda mais se coberta pela maior rede de televisão
do país.
Alie-se a isto a própria suposição da Ufologia de que há ações e
documentos, ligados ou não à segurança nacional, por parte das
forças armadas, que manteriam arquivos secretos sobre discos
voadores, com a atuação de uma espécie de “governo paralelo”.
Obviamente, se isto existira ou ainda existe, não seriam movimentos
populares e de órgãos privados, ou mesmo oficiais, que fariam
“tudo” e alguma coisa de secreto vir a público. Nem ordens judiciais
conseguiriam tal intento.
Basta pensarmos num habeas data – procedimento judicial que
visa a abertura, por entidades públicas, de dados e informações que
possuam das pessoas – concedido pelo Poder Judiciário a alguém.
Ou numa ordem judicial de revelação de informações e documentos
alegadamente secretos, dirigida à Força Aérea, a respeito de discos
voadores. Que conteria, em resumo, a obrigação de “entregarem à
leitura e à cópia, de arquivos, projetos e procedimentos tomados por
esta Arma no que diz respeito a Objetos Voadores Não
Identificados”, aos requerentes, à imprensa e a todos os interessados.
Bastaria uma defesa singela por parte das forças armadas, no
sentido de que os postulantes especificassem, indicassem e
demonstrassem a existência de tais documentos, sua procedência,
seu paradeiro, número, detalhes, datas, enfim, seu conteúdo, tudo o
que relacionasse quais documentos. A probabilidade de que a ordem
judicial fosse emitida seria praticamente nenhuma. Já no caso da
expedição de uma ordem liminarmente, que então conteria a
referência genérica a “quaisquer documentos e registros sobre Óvnis
que houver” redundaria num autêntico fiasco judicial – o oficial de
justiça cumpridor do mandado voltaria para justificar que “nenhum
documento neste sentido foi encontrado ou exibido”. A não ser que
os ufólogos acreditem que o tal “governo paralelo” não o seja, e
mantenha tudo bem organizado ao acesso livre de quem, munido de
121
uma ordem judicial, possa encontrar documentos secretos,
acobertados, escondidos nas gavetas dos primeiros armários que
encontrar. O contrassenso na e da Ufologia é notável!...
Uma semana antes do encontro em Brasília, a revista Isto É o
antecipou, com entrevistas de ufólogos. Raras notícias na imprensa,
bastante discretas, foram dadas, antes e depois, também pela mesma
revista e pelo jornal Folha de São Paulo. Outros ufólogos da linha
orgulhosamente chamada “mística” resolveram escrever para a
Aeronáutica, exigindo o mesmo tratamento e que também fossem
recebidos, o que mereceu a plena aquiescência do Órgão. A
exclusividade da cobertura praticamente ficou com a Rede Globo
através do programa “Fantástico”, que no domingo seguinte à visita
dos ufólogos a Brasília levou ao ar extensa matéria.
A reunião aconteceu na sede do VI Comando Aéreo Regional,
onde ficam o Cindacta I e o Comdabra. Os oficiais militares
receberam os ufólogos com toda a simpatia, ouvindo deles alguns
improvisados discursos e manifestações de apreço, que também
reprisaram os mesmos esclarecimentos antes passados em nota
oficial. Ainda lhes foram entregues cartas com o manifesto da
Ufologia Brasileira, que tanto comentamos. Mais uma vez dizia-se
que o chefe do Centro de Comunicação Social da Aeronáutica fora
destacado pelo alto comando da Aeronáutica para recebê-las em
nome do presidente Luís Inácio Lula da Silva, do ministro da Defesa
José Alencar e do comandante da instituição Luiz Carlos da Silva
Bueno
Outra vez a insistência por não se entregar o que quer que fosse a
seus reais destinatários, nos órgãos e repartições apropriadas. Pelo
menos ao Comandante da Aeronáutica foi destinada uma carta
direta, firmada no próprio dia 20 de maio de 2005. Permanece até
hoje sem resposta, talvez porque seu destinatário tenha-se
preocupado em excesso com a assustadora afirmação que seus
subscritores não resistiram deixar de incluir ao final: A Comunidade
Ufológica Brasileira crê que, mais do que uma recomendação, essa
seja uma necessidade frente ao avanço da ação extraterrestre em
nosso mundo... O grifo é nosso.
Os resultados foram fáceis de escriturar. Os ufólogos ouviram
dos militares carinhosos elogios, demonstração de simpatia e a
122
confirmação de que possuíam alguns arquivos com notícias de
fenômenos deste tipo desde 1954. E só! Após a amigável e agradável
recepção foram levados, acompanhados pelas lentes da Rede Globo,
a uma sala onde havia um armário de arquivo do tipo pasta suspensa.
Abertas as duas últimas gavetas, várias delas acusavam relatórios
sobre notícias e registros de ocorrências ufológicas. Um arquivo e
duas gavetas.
00Foi então informado aos presentes que bastaria o requerimento,
dirigido ao setor e autoridade competentes para terem acesso às
pastas, para cópias, coletas de dados e tudo mais que desejassem.
Isto não foi feito. Nada foi requerido até o momento em que
redigimos este modesto livro. O que mais se poderia esperar?
Aqui está. Podem copiar à vontade. Nada mais temos. E com
a imprensa de testemunha...
Sabemos que nem todos os ETs são assim, porém existem os que nos
querem como hambúrguer, gado de corte, suplemento alimentar ou que
quer que seja... este movimento que estou começando agora tem como
finalidade...bolarmos uma forma de resistirmos caso isso venha a
acontecer e ajudar pessoas que estejam sofrendo ataques desse tipo.
127
De como o extremismo pode estar abalado
Barão de Itararé
57
Que os investigadores do Caso Varginha afirmam ter participado do processo de
acobertamento de “criaturas” capturadas por militares naquela cidade mineira, em 20 de
janeiro de 1996.
128
reação, inclusive sociais e comportamentais, o interlocutor guardou
silêncio.
Com aquela brevíssima explanação inicial queremos chegar, caro
leitor, a um dos principais enfoques deste livro: haverá um dia uma
aproximação da Ufologia com as ciências? É possível pensar em
uma aliança de interesses, com ambas as partes dispostas a uma justa
troca de conhecimentos? Pouco provável. Mais certo é que estas
últimas passem a “tomar conta” da questão, o que, aliás, seria – é – o
mais recomendado e desejado. No entanto, pode estar ocorrendo um
meio-termo entre este ainda incipiente estudo e os cientistas mais
pragmáticos porque, como insinuado, certamente já ocorre no meio
científico. O que antes era inadmissível muda a passos rápidos.
As ciências naturais vêm admitindo maior interação com as
sociais, na coerente linha da interdisciplinaridade. O filósofo Daniel
Dennett, diretor do Centro de Estudos Cognitivos da Universidade
de Tufts, Estados Unidos, fervoroso simpatizante da Teoria da
Evolução, defensor da inclusão das ciências sociais no pensamento
darwinista, declarou, para a revista Der Spiegel, em entrevista a Jörg
Blech e Johann Grolle, publicada em 27 de dezembro de 2005:
Creio que podemos, devemos, e até mesmo temos que seguir essa rota.
Outros dizem que não, que devemos nos manter afastados de certas
áreas, que não se pode permitir que a Teoria da Evolução chegue perto
das ciências sociais. Creio que este é um conselho terrível. A ideia de
que devemos proteger as ciências sociais e a humanidade do
pensamento evolucionário é uma receita para o desastre.
59
Globo, RJ, 2005.
130
(...) Acho possível que o universo esteja cheio de vida inteligente.
Porém, se você me perguntar se os Óvnis avistados são naves espaciais
alienígenas, eu diria que não.
Eles podem saber de nossa existência, mas não nos deixam perceber,
pois sabem que o contato entre civilizações diferentes é frequentemente
um desastre para a menos avançada. Outra hipótese é que eles até já
tenham estado aqui, mas não sabemos como reconhecê-los. Porém,
acho mais possível que não estejam interessados em nós, porque, em
comparação com o que há lá fora, talvez não sejamos avançados para
despertar interesse.
132
um processo neurótico crescente ou por insistentes tentativas de
fuga e desamor pelo pensar sóbrio, abandone o seu ego... que nós,
sem pestanejar, o encaminharemos a um psiquiatra.
E a iminente possibilidade de internação se torna ainda mais real
quando tal comportamento descamba – literalmente – para “escutas
telefônicas” e “perseguições dos homens de negro”. No primeiro
caso, o jornalista e ufólogo Aldo Novak defende a existência da
“Operação Echelon”, uma rede mundial altamente secreta de centros
de espionagem destinada, entre outras coisas, a grampear conversas
telefônicas de ufólogos, rastrear seus e-mails e toda forma de
comunicação. De acordo com as informações, o Echelon poderia ter
acesso à (sic) quase todos os telefonemas feitos no mundo, à maioria
das transmissões de fax e, mais recentemente, até aos e-mails de
determinadas pessoas.
Talvez não seja tão secreta assim, já que seu autor divulga fotos
de algumas dessas bases na Inglaterra, Austrália e Alemanha, por
exemplo. E mais: Descobriu-se que, por meio do Echelon, a NSA –
National Security Agency – monitoraria constantemente também
todas as transmissões de rádio e televisão, conversas em walkie-
talkies e até mesmo as transmissões dos rádios usados nos berços
das crianças, as chamadas babás eletrônicas. Isso é que é um
“Grande Irmão” de deixar Orwell morrendo de inveja. É de uma
insanidade total crer que inocentes crianças dormindo em seus
berços sejam tão perigosas quanto um líder terrorista à solta. Não
descartamos a existência de uma rede global de espionagem, mas daí
a ficar na escuta de ufólogos e vigiar correspondências é extrapolar
os limites do bom senso muito além da conta.
Para o segundo caso, o trauma da conspiração continua: ufólogos
e testemunhas seriam seguidos ou monitorados à distância por
personagens conhecidos como “homens de negro”. Esses soturnos
indivíduos estariam a mando de alguma “instituição militar” ou
“serviço de inteligência” ou até mesmo outros serviços “não-
oficiais”, com o firme propósito de obstruir, desinformar,
contrainformar, desacreditar ou contradizer as investigações
ufológicas civis, “silenciando” testemunhas por bem (compensação
financeira) ou por mal (complicadores para a vida profissional).
133
Já na década de 70, e provavelmente muito antes disso, se ouvia
falar, cada vez com mais insistência, que pesquisadores estavam
sendo seguidos quando saíam a campo nos seus ofícios. Quando não,
eram acintosamente abordados durante uma investigação,
interpelados e advertidos de que seria melhor que deixassem de lado
a pesquisa, para o seu próprio bem. Vá lá que possam até existir,
mas se tornaram peça ficcional por excelência. O exemplo mais
“recente” data de janeiro de 1996, envolvendo as jovens testemunhas
do Caso Varginha, e comentamos aqui com alguns detalhes para dar
uma visão mais ampla dessa questão.
Em abril daquele ano, D. Luzia, a mãe de quatro meninas, duas
delas envolvidas no caso, recebeu, tarde da noite, a “visita”
inesperada e inoportuna de quatro homens bem vestidos que em
nenhum momento se identificaram. Educadamente, mas com firmeza
e autoridade, insistiram na necessidade de as três garotas
urgentemente voltarem atrás nos seus depoimentos públicos.
Deveriam gravar uma entrevista de televisão, “não nas pequenas
emissoras locais”, pois eles pretendiam manter os depoimentos em
sigilo e divulgá-los através de uma grande rede de TV como se fosse
um “furo” de reportagem. Elas deveriam dizer que cometeram um
engano, que não haviam avistado o que diziam, e de nada tinham
certeza60.
Uma substancial soma em dinheiro seria depositada na conta-
poupança daquela senhora, suficiente para a independência
financeira da família. A coação, explícita e à queima-roupa, deixou a
mulher amedrontada e constrangida, até porque eles sabiam das
dificuldades econômicas da família para quitar dívidas com o imóvel
que habitavam. Fica claro que, a ser verdade, a mãe das garotas foi
visitada por aqueles a quem a casuística ufológica denominou de
“homens de negro”. Vale lembrar que o adjetivo “negro” sempre
carregou uma conotação negativa, depreciativa, algo como
“representante do mal”, bem de acordo com a literatura de terror e
ficção. Drácula vestia negro. Darth Vader também. Geralmente os
vilões são caracterizados com roupas desta cor, salvo raras exceções.
Mas nem sempre estes personagens vestiram roupas escuras,
60
Rodrigues, U. F.; O Caso Varginha, Grupo Editorial Paracientífico, MS, 2000.
134
inclusive neste caso, onde consta que na primeira aparição dois deles
vestiam ternos claros.
Nova tentativa foi feita em janeiro do ano seguinte, desta vez de
forma ainda mais ostensiva – de madrugada. Quando a mulher
voltava do trabalho, um carro se aproximou e um de seus ocupantes
intimou-a a aceitar uma carona. Afastados do perímetro urbano,
travaram uma conversação nervosa e, como da vez anterior, a
imposição para as filhas reconsiderarem os depoimentos – tudo não
passara de uma fantasia das meninas – que seria compensada por
uma vultosa quantia em dólares. Vocês dirão que foram os ufólogos
que afirmaram que se tratava de um ser de outro planeta61. Ao fim
do encontro, uma troca de perguntas foi interrompida pela
advertência: A senhora está fazendo muitas perguntas. Quem faz
perguntas aqui somos nós.
Quem seriam aqueles sujeitos? Por que tanta insistência em
dissuadi-las a continuar com a história? Por que táticas – calar a
boca – e estratégias – recompensa financeira – não surtiram o efeito
desejado? Por que Luzia não cedeu à tentação de ter a sua vida
resolvida mediante uma conversa com as filhas? Salientamos que
havia uma forte relação entre elas. Honestidade de princípios, pura e
simplesmente? Medo de que após o desmentido aqueles homens não
cumprissem o combinado? Receio de que o “acordo” fosse
descoberto e ela tivesse que passar por outra humilhação? E, por
último, algumas perguntas perturbadoras: Teria D. Luzia recebido
mesmo a visita daqueles homens? Ninguém, além dela, presenciou
os encontros. Devemos confiar, de novo, apenas em um depoimento
isolado? O que teria a ganhar inventando essa história, a mesma
notoriedade das filhas? Mais uma vez a Ufologia se atola em
reticências. No papel de advogado do diabo, tentaremos responder a
algumas questões.
Todos os detalhes deste incidente estão no livro mencionado.
Quem buscar tais minúcias irá perceber dois aspectos de suma
importância para a análise e o estabelecimento de hipóteses.
Primeiro, Luzia é uma senhora jovial, de muita energia, e convivia
com as duas filhas de maneira bastante apegada e com forte ligação,
uma adolescente de 14 anos e outra adentrando a juventude no viço
61
Ibidem
135
dos 16 anos à época. Para completar essa boa relação, Luzia
convivia diariamente com a terceira mulher que observara o “ser”
encostado ao muro, Kátia, já casada e com três filhos, também
jovem, de quem Luzia era confidente e mantinha estreitos laços de
amizade.
Cabem aqui algumas considerações importantes. Atente o leitor
para o fato de uma senhora casada, que à época lutava com enormes
dificuldades, quatro filhas mulheres e na convivência com uma
amiga, espécie de protetora das filhas. Nossa hipótese é de cunho
estritamente psicológico: uma necessidade premente de apoiar o que
filhas e amiga tinham avistado, e subitamente se tornado alvos de
comentários pelos mais diversos estratos sociais, não apenas da
cidade, mas do país, além do assédio cada vez mais crescente da
imprensa nacional e internacional. Possivelmente, o seu
envolvimento, enquanto apenas depondo sobre a honestidade das
três, tornava-se inócuo e efêmero. Em entrevista exibida pelo Canal
Discovery, Luzia, evidentemente com toda a razão de mãe, desabafa:
Minhas filhas não são de mentir e somos gente honesta. São
meninas muito religiosas e estão falando a verdade. Disto, eu dou a
minha palavra. A ingenuidade revestiu-se de probidade e da ânsia de
uma mãe ver a narrativa das filhas valorizada.
Entretanto, sabem os psicanalistas e psicólogos que há, sempre,
um forte componente subjetivo em momentos assim, que se mescla
com a simples intenção de testemunhar a verdade alheia. Uma forma
de projeção, em que o próprio indivíduo deseja compor o fato, como
se ele incorporasse aquele que pretende proteger. Comportamento
este com um segundo fito – o desejo de participação no evento,
ainda mais pelo fascínio da nunca antes sonhada presença em
programas de televisão e ter a face estampada nos maiores jornais.
Um comportamento assim caracteriza outra “testemunha indireta” do
Caso Varginha, envolvida no assunto da morte do policial que teria
apanhado a segunda “criatura” capturada.
A irmã deste resolvera participar diretamente das declarações
públicas a partir de uma entrevista coletiva, a qual compareceu
espontaneamente, sem convite. Antes limitando-se a referendar
algumas informações dadas pelos pais a respeito das atitudes do
policial à época dos eventos, passou rapidamente a transmitir uma
136
série de informações às quais, claramente, não teve acesso direto,
tais como a postura de negação sistemática do Comando da Polícia
Militar, como se o irmão falecido houvesse lhe segredado a
confirmação de tudo.
Não há nestes comentários qualquer insinuação sobre a
honestidade da senhora em foco, ao contrário, fala-se aqui de um afã
de ampliar a credibilidade de terceiros, e ao mesmo tempo satisfazer
a ansiedade e a angústia por não ter estado presente quando do
momento crucial. Isto é comum em depoimentos, até no âmbito
jurídico. Por isto a testemunha perde seu valor de isenção, quando
tais componentes tornam-se evidentes em ações judiciais. A regra,
de novo, vale para outras áreas. Luzia é testemunho único da visita
dos supostos “Mibs”. Suas declarações precisariam ser referendadas
por circunstâncias que comporiam as provas, mas não foram. Por
outro lado, e para fazer justiça diante de nossa hipótese, não é por ser
único que o depoimento seja inválido. Apenas torna-se menos
contundente na condução das conclusões.
Por que, então, se aquela senhora era tão mal informada das
histórias e vivências a respeito de Ufologia, lançaria mão exatamente
de um ponto comum em tramas envolvendo Óvnis? Aqui,
novamente, entram os ufólogos, com sua considerável parcela de
culpa. Os primeiros e principais investigadores tentaram evitar uma
influência ruim para a pureza da análise dos depoimentos, sem
sucesso, contudo. A enorme repercussão do caso, desde o início,
tornou tal impossível. Do estado de total ignorância sobre o assunto,
Luzia saltou para a absorção atenta, até pelo impacto da curiosidade
e do espanto de alguns comentários comuns entre os inúmeros
entusiastas, de quem recebia constantes visitas.
Mesmo porque, o avistamento das filhas e da amiga estava
envolto no ar de segredo que as próprias investigações dos ufólogos
provocavam, no rumo de que, ao que parecia, a verdadeira
“aventura” das criaturas avistadas talvez estivesse sendo acobertada
por autoridades. Seria natural, portanto, mesmo no caso de ela
jamais ter ouvido sobre os Mibs, que este ar de mistério e sigilo a
influenciasse de tal maneira, que sua lógica permitisse elaborar a
inconveniência de estranhos homens interessados no desmentido das
garotas. A primeira visita teria se dado em 28 de abril daquele ano,
137
portanto mais de três meses após o incidente, tempo mais do que
suficiente para que ela sofresse toda sorte de influência dos ufólogos
e se inteirasse, ao menos superficialmente, do assunto, e a partir daí
efabulasse a história do assédio noturno dos Mibs.
Eis assim, nossa primeira hipótese. Apenas para frisar a alguns
perplexos colegas que, dependendo do que o pensamento conduza,
há outras formas de interpretação que não apenas a participação de
“agentes da conspiração”. Partamos, pois, à outra hipótese. Esta,
pode-se dizer, provocaria um riso farto de grande eco, se um dia
pudesse ser confirmada. Não é para menos. Depois de tantas teorias
conspiratórias, em meio a inúmeras suposições envolvendo a captura
de seres extraterrestres, uma hipótese dessas mostraria o quanto algo
bem mais terreno, e literalmente secular pode implicar em uma lenda
repleta de ficção “tecnológica”...
Aqueles homens falavam firmemente, vestiam-se muito
bem, todos de ternos, dirigiam belos carros e seu comportamento
verbal, nos detalhes, um prato cheio para os psicólogos admiradores
de Skinner62. Ainda que, novamente, tomemos a liberdade de
remeter o leitor ao nosso livro mencionado, O Caso Varginha, para
que não fique na superficialidade da presente narrativa, vamos
relacionar os principais e mais destacáveis aspectos da fala daqueles
inoportunos visitantes. Na primeira visita, passada na residência de
Luzia, seus enfoques foram:
62
Burrhus Frederic Skinner, psicólogo norte-americano e professor de Psicologia em
Harvard, criador do que se classificou de “behaviorismo descritivo”, que é uma espécie de
estudo do comportamento.
138
5 – A entrevista seria lançada de forma a desmentir o avistamento
das garotas.
6 – Recusaram com firmeza qualquer possibilidade de se
identificarem.
7 – Prometeram voltar e não permitiram que ela os acompanhasse
na saída.
140
seres. Isto acontece a toda hora, a todo instante, em todos os cantos
do mundo. Mesmo que 99,9% não passem de meros enganos ou
fantasia, resta o 0,1% por conta de nossa condescendência.
Mas, neste, três garotas com ar de sobriedade e integridade,
joviais e de comportamento autêntico, ganhavam espaço nas
conversas do dia-a-dia, de norte a sul. Levá-las a uma grande rede de
TV, com uma direta declaração de desmentido, numa verdadeira
“conversão” por parte delas, seria um golpe indireto, porém violento,
na Rede Globo. Por incrível que pareça, elas foram objetos de
entrevistas e temas de reportagens de comportamento, revistas de
moda, de notícias sobre o meio artístico, de encartes infantis em
grandes jornais. Se tivessem concordado, não há como prever aonde
teriam ido parar as consequências de uma contenda desta
envergadura.
Nossos avós diziam – “Em briga de jacu, nhambu não entra”. Por
isto, o coautor deste livro, um dos primeiros investigadores do Caso
Varginha, jamais afirmou que os tais Mibs que visitaram Luzia, que
trajavam bons ternos, falavam com firmeza, andavam em grupo,
teriam oferecido dinheiro, levariam as garotas para uma grande rede
de televisão e insinuara que a mãe não deveria usar o nome de Deus
a todo instante... fossem pastores evangélicos. Pois esta é a nossa
segunda hipótese.
Desde o momento em que a senhora em pauta procurou os
principais investigadores, este autor vem tentando alertar de que a
suposta visita dos estranhos homens poderia comportar explicação
mais simples do que a hipótese conspiratória de “agentes secretos”.
Pouco tem adiantado. Ainda que as duas hipóteses aqui lançadas não
encontrem prova e, enquanto hipóteses, nem confirmadas nem
negadas, se provadas levarão a uma conclusão definitiva,
obviamente, e sejam meramente lançadas a compor um corpo de
explicações, têm o condão de demonstrar que as crenças da Ufologia
não são isoladas.
Na época, lançar tal hipótese seria, então, entrar mui
singelamente na contenda. Como um pequeno inseto que atravessa a
estrada larga, por entre dois rolos compressores. E, sabem os
caçadores da roça, o nhambu é um pássaro bem mais modesto, e
menos raro, que o jacu.
141
Como simples hipótese, que, sem constrangimento, não conta
com qualquer evidência que possa ser confirmada ou correta, esta
segunda pode perfeitamente andar de braços dados com a hipótese
dos Mibs, também muito menos fundamentada. Tal simples
desconfiança parte principalmente do comportamento dos visitantes
da mãe das garotas. Seu linguajar, que chega ao clímax quando
ficam visivelmente irritados quando ela evoca Deus por inúmeras
vezes, é típico de quem lidera a maioria das linhas evangélicas de
cunho fundamentalista.
Agentes secretos, certos de que a simplicidade das garotas e a
modéstia de situação sócio-econômica seriam fatores que as
convencessem facilmente a voltar atrás? Agentes secretos se
preocupariam tanto com as afirmações de ufólogos, que à época
tornavam-se secundárias para a população, diante da negação oficial
e sistemática dos setores militares e outros envolvidos? Agentes
secretos arriscariam confirmar à mãe delas, por meio de desenhos ou
fotos, que as “criaturas” realmente existiam, para então convencê-la
de que não deveriam continuar com seu testemunho público?
Agentes secretos procurariam a patroa da Luzia, como um deles
efetivamente o fez, numa última tentativa de fazer com que sua
empregadora a convencesse? Difícil de aceitar.
Diz o citado Skinner que muitos comportamentos verbais têm a
ver com a ação efetiva. Aqueles visitantes, se a hipótese fosse
demonstrada, não poderiam mesmo dizer de sua origem nem a qual
instituição pertenciam, até terem a certeza de que a família iria
concordar com a proposta, afinal, a cautela evitaria um problema
público desagradável, cujo tiro poderia sair pela culatra. E quase
aconteceu, quando a Sra. Luzia, ao invés de guardar para si e esperar
pela nova visita, logo na manhã seguinte expôs a ocorrência aos
ufólogos, que por sua vez correram à imprensa. Os “Mibs”, em tese,
agiram com prudência. Ainda segundo Skinner,
63
Citações de B.F.Skinner, O Comportamento Verbal, p. 498, Cultrix, São Paulo, 1978.
64
Ubirajara F. Rodrigues, um dos principais investigadores dos incidentes em Varginha.
143
comoção provocada pelo caso evitando fazer afirmações a respeito
da origem extraterrestre das “criaturas” que o protagonizaram.
Como sempre dito, pela simples total ausência de evidências,
indícios ou provas disto. De minha parte, sempre me interessei pelos
fatos, incluindo sua riqueza de aspectos psicológicos e sociológicos.
Pouca serventia teve. Há textos publicados em jornais, revistas e
páginas da internet, atribuindo-me escritos ou falas que afirmam
tratar-se de “Ets”. Jamais o afirmei.
Durante a repercussão mundial de incomparável interesse, tentar
corrigir artigos, entrevistas, crônicas ou opiniões errôneas, cunhadas
inadvertida e equivocadamente em torno do que de minha parte eu
afirmava, teria sido tarefa impossível, ou que me teria tomado meses
a fio, em prejuízo de minhas atividades profissionais e
relacionamento familiar e social. Esta foi a principal razão pela qual
escrevi “O Caso Varginha” – para que me responsabilizasse tão
somente e exclusivamente por aquilo que tivera sido escrito de
minha própria lavra. De pouco adiantou. Muitos são os ufólogos que
continuam acreditando que minhas convicções se prendem a um
fator extraterrestre ínsito ao episódio Varginha.
Jamais utilizei a expressão “Et de Varginha”, apelido que, mesmo
já consagrado mundialmente, confere aos fatos uma ligação
indissociável com seres extraterrestres. Mesmo assim, em artigos
que publiquei, manchetes e títulos que não escrevi foram grafados
com este sentido. Quanto ao livro, são quase 400 páginas daquilo
que consegui obter, ao lado de vários colegas coadjuvantes nas
investigações. Ele merece profundas críticas que, se nós autores da
presente obra fizermos, parecerá uma espécie de escudo, uma
tentativa de antecipar contraditórios para escapar à própria crítica.
Portanto, antiético. Mesmo assim, encerro minha incursão na
primeira pessoa, com a licença de meu coautor, para esclarecer o que
se segue.
Em 1996, logo após as primeiras investigações do Caso
Varginha, um manifesto foi redigido e assinado por dez das maiores
expressões da Ufologia brasileira, cujos grupos e equipes
acompanhavam a pesquisa em Varginha, publicado em dezenas de
veículos de jornais e revistas, do Brasil e no exterior. Através dele,
nós, ufólogos, declarávamos não haver dúvida de que uma operação
144
envolvendo várias instituições, inclusive militares, culminara com a
captura de criaturas não classificadas biologicamente. Enfatizávamos
que, para-cientificamente, essas criaturas são chamadas de “EBEs” –
Entidades Biológicas Extraterrestres.
A princípio, o intento daquele documento era registrar a
ocorrência e, por falta de melhor nomenclatura, declarar o encontro
de dois organismos teoricamente desconhecidos. Porém, a redação –
e, confesso ainda, de minha autoria – foi clara e não comporta, muito
menos agora dez anos depois, qualquer tentativa de justificativa em
contrário. Afirmávamos a captura de extraterrestres.
Como antes frisava, não adoto a postura de afirmar que o caso
envolvera entidades alienígenas de outros planetas. Todavia, um e-
mail do cético Kentaro Mori, há poucos anos, foi a mim dirigido,
contestando a minha postura. Lembrava-me que, com aquele
manifesto, eu afirmara, sim, e assinara um documento, que em
Varginha tinham sido capturados extraterrestres. Com total razão o
sempre benvindo alerta do cético. Não olvidemos a trave em nossos
próprios olhos, para falar do cisco nos olhos alheios. De fato o fiz.
Penitencio-me a todas as luzes.
E a mania persecutória prossegue nos dias atuais. Basta um
acontecimento sensacionalista expor um ou mais ufólogos para que
estes se sintam “observados” e/ou monitorados, tenham seus
telefones “grampeados”, sua correspondência vasculhada ou
interceptada, mesmo que não possam comprovar. A sensação de
estar sendo patrulhado precisa existir para fortalecer a aura de
mistério. E também o ego.
À parte tudo isto, ou ainda em continuidade aos exemplos de
comportamento estranho que assola a Ufologia, estão tentando,
desde há muito tempo, uma aproximação da Ufologia com a atitude
tipicamente religiosa. Pura redundância. Distanciada completamente
do método científico, a Ufologia já se iguala a uma religião. Nem se
tente justificar que as publicações de suas entidades (quase todas
informais) de pesquisa deem a público também matérias de estilo
científico, porque o que vem sendo regada é a avidez de um público
despreparado e fascinado por questões místico-religiosas. E isto até
alivia os leitores pela mesma razão dos ufólogos – o seu
distanciamento das religiões, sem eliminação do condicionamento
145
que estas lhes impuseram e se tornou permanente – substituindo
crenças e eliminando o respectivo medo de punição. Daí, novo
sincretismo, a ser detectado no futuro pelo sociólogo ou pelo
antropologo. Seres de outro planeta travestidos de espíritos e deuses.
Ufologia misturada com religião. Ou o contrário. Ou tudo isso junto.
Escolhamos um escritor/pregador dos mais conhecidos no meio, a
fim de pouparmos o leitor de inteirar-se dos ainda desconhecidos ou
anônimos, perfeitamente dispensáveis: Jan Val Ellam, pseudônimo
de Rogério de Almeida Freitas, um administrador de empresas e
ufólogo. Ele e outros mais afortunados contam com recursos para
escrever e publicar dezenas de livros, exercendo a prerrogativa de
livre pensamento e expressão, e se o torna público, nos confere, no
mesmo plano, o direito de citá-los e comentá-los.
Exatamente como ocorre com todos os militantes da Ufologia que
convertem ao pensamento dito místico ou transcendental, ele de
repente se vê diante de acontecimentos e reações à primeira vista
incompreensíveis e parte para a sua linha. Foco de dois programas
de rádio, com mais de duas dezenas de livros publicados, sua
mensagem é do tipo “espiritualista”, tanto que também é mentor do
“Projeto Orbum” que trata da “cidadania planetária”! Lidando com a
construção da casuística, através da pesquisa de eventos
aparentemente ufológicos como abduções, relata que para minha
surpresa, uma série de eventos que transcendiam o padrão comum
da ótica humana começou a ocorrer comigo, o que me levou a me
isolar cada vez mais, na tentativa de compreender o que estava
ocorrendo. Acho que só não enlouqueci porque tenho uma dose
suficiente de bom humor para levar adiante os fatos da vida65. Nota-
se, ao contrário do afirmado, o padrão de que subitamente fatos ou
sensações estranhas passam a acontecer, no legítimo instante em
que, na verdade, as tendências se sobrepõem à insistência da postura
racional. E surge a mescla, o sincretismo, pela forma de
racionalização. Nada de novo sob o sol. Está-se diante de alguém
que, como muitos, resolve não mais tratar o tema sob a ótica objetiva
e, em termos, digamos, cientificista.
65
UFO 103, setembro de 2004, p.11, em entrevista para Miriam H. Porto, Reinaldo P. Mello e
Nelson V. Granado.
146
O estudioso em tela de fato é um dos inúmeros ícones para
aqueles que não veem a Ufologia como um tema a ser tratado pelos
métodos ortodoxos ou modernistas. Sim, porque a quase totalidade
dos interessados em “discos voadores”, ao contrário, prega aberta e
veementemente que isto não é para as ciências; que o homem, com
seus métodos convencionais, jamais poderá compreendê-los, e que,
portanto, a singeleza e a cegueira da ciência não estão à altura de
com eles lidar. Isto porque há razões maiores para a incursão, em
nosso mundo, desse estarrecedor fenômeno, qual seja, a tese (sic) de
que a Terra está a ponto de deixar de ser um mundo isolado,
habitado por seres que se encontram em débito para com as leis que
regem a vida cósmica, e por isso, passível de ter no seu cotidiano a
prática de loucuras de todas as classes, sejam elas exercidas pelos
que aqui vivem, como também por alguns que chegam de fora. Nas
exatas, literais e cabais palavras de Val Ellam.
A partir de 1970, uma espécie de trabalho estatístico sem muito
método, mas calcado em cuidadosa observação, foi realizado por
alguns ufólogos que, pelo menos à época, trabalhavam em linha
mais objetiva, apelidada de científica. Constatou-se que o público
escasseava nos auditórios de congressos, palestras e seminários de
Ufologia e as causas não eram as constantes e eternas crises de
conjuntura econômica pelas quais passava o Brasil.
Era o enfoque do fenômeno. Aliás, nem poderia mais o tema ser
tratado sob uma terminologia de fenômeno. Quando se gastavam
vultosas somas de dinheiro, com o patrocínio de grandes empresas
como companhias de aviação comercial, grandes hotéis ou redes de
loja, mas anunciavam-se palestras de cunho cientificista, o número
médio de participantes girava em torno de 150, 200 pessoas.
Agora, se o encontro propagandeava temas como “Quem são os
Ets que nos visitam”, “Contatos Telepáticos com Extraterrestres”,
“Encontros Programados com nossos Irmãos Cósmicos” ou “A
Canalização e o Processo Mediúnico na Comunicação com os
Visitantes das Estrelas”, o sucesso era garantido: a média saltava
para mil, duas mil, por vezes três mil ou mais frequentadores. Era
não, é. Temos a informação de que no Congresso Brasileiro de
Ufologia Científica juntamente com o Encontro Diálogo com o
Universo, realizado na cidade de Curitiba (2006), o anfiteatro,
147
mesmo modesto, teve sua lotação esgotada durante os quatro dias do
evento por uma plateia atenta para ouvir palestras como “Os mundos
subterrâneos” (Terra oca, ainda, e de novo!), “A super onda
galáctica” (o que é exatamente uma super onda galáctica?),
“Hierarquias interplanetárias do sétimo reino – uma abordagem
amasófica sobre a creatura humana numa perspectiva cósmica”
(título rebuscado para um recheio pífio), “A necropsia do ET de
Santilli analisada por um professor de medicina legal da UFSC”, “As
incríveis e inéditas imagens de Ufos em Barbacena (MG) e
Guarabira (PB)”.
Para aumentar a voltagem do evento, foram apresentados
workshops como “Profecias extraterrestres – um alerta à
humanidade sobre o seu futuro”, “Bioenergia e Ufologia” e “O raio
verde negativo e os Ufos”. Seis meses depois, em nova edição, os
temas mais pareciam clonagem explícita: “As profecias: revelações
extraterrestres e mensagens espirituais”; “Segredos da Lança
Sagrada - discos voadores e nazistas na América do Sul”;
“Cataclismas mundiais em 2012 – como sobreviver a eles”;
“Medicina extraterrestre”; “O iminente contato ufológico – a
chegada do mestre Jesus”, entre outros. Para encerrar, “Consciência
segundo mensagens extraterrestres”.
Se essa amostragem não foi suficiente para sustentar o que
estamos alegando, outro evento ufológico, na “mística” cidade de
São Thomé das Letras (MG) abrindo uma turnê por várias cidades
do estado mineiro apresentou, entre outros temas: “São Thomé das
Letras e o mundo subterrâneo” e “Transcomunicação fotográfica ou
mundos paralelos?” para se ter uma ideia da trajetória dos assuntos:
“Extraterrestres em busca do homo-conscientia”; “Ufologia
trilógica: o que falta para o contato?” (apresentada por alguém que
se intitula “pesquisador em metafísica desinvertida” – alguns
acreditam que é caso para camisa-de-força); “Reptilianos – uma raça
secreta no planeta Terra”; “Os humanos como fenômeno cósmico”.
Entre uma e outra, não poderia faltar uma “vigília didática” e,
claro, Óvni flagrado em pleno voo, acidentalmente. Sobre isto,
convém lembrar o que dissemos a respeito do comportamento da
imprensa em relação ao assunto: procurado pelas emissoras de
televisão, rádio e jornal para dar o seu parecer sobre o objeto
148
fotografado durante o colóquio, um dos autores66 descartou a
possibilidade de se tratar de um “UFO trilógico” – como foi batizado
o objeto por um dos conferencistas presentes.
Em razão da reconhecida seriedade do entrevistado pelos
jornalistas, a matéria sequer foi cogitada para entrar no ar, para
frustração, ira, desespero e inconformismo dos simpatizantes
“trilógicos”. Segundo informações que circularizaram (sic) entre os
envolvidos para “interpretar” o que foi fotografado, viu-se de tudo:
beija-flor com um raminho de flor no bico, reentrada de satélite,
abelha voando perto da câmera fotográfica, paraquedista em queda
livre e, com toques de humor, ovo de páscoa, casulo do bicho-da-
seda preso na lente, o paraquedas não abriu e o coitado de má sorte
se enfiou todo no capacete...
Risos à parte, há um forte cheiro de embuste no ar... Ainda que
com extrema boa vontade pudéssemos aventar tratar-se de uma
“Ufologia esotérica”, isso está parecendo mais é com um
“endoterismo67” bem caviloso. Se compararmos com os títulos
elencados no início é fácil notar porque a Ufologia literalmente
parou no tempo, ruminando um perpétuo e mal disfarçado
retrocesso. Nenhuma abordagem consistentemente séria e
renovadora. Não houve um único trabalho voltado estritamente à
Ufologia que trouxesse uma expectativa otimista, algo que fizesse as
páginas deste livro se transformar num encadernado de papel velho.
É perturbador constatar que, justamente por isso, ele se robustece e
se mostra, mais do que nunca, necessário. Ao completarmos a frase
recortada ao término do primeiro capítulo fica claro o que queríamos
dizer: Temas medíocres continuarão existindo... enquanto houver
plateia medíocre a lhes aplaudir.
As realizações públicas promovidas pelo arquiteto Luiz Gonzaga
Scortecci de Paula na mesma década de 70 foram marcantes, quando
afirmava manter contatos diretos com Ets que lhe garantiam que
“brevemente” o mundo se afogaria em um novo dilúvio,
sobrevivendo apenas os que fossem residir em terras altas. Isto ficou
66
Ubirajara F. Rodrigues.
67
Desta vez o neologismo não é nosso. Descobrimos acidentalmente a expressão numa tela do
músico e hoje artista plástico Arnaldo Baptista. Não temos referências sobre a obra. De
qualquer forma,“endoterismo” foi colocado aqui com um sentido deliberadamente irônico:
esoterismo em benefício próprio.
149
conhecido como Projeto Alvorada. Algumas palestras e um dos
workshops mencionados acima foram apresentados por Scortecci,
agora com o pseudônimo de Ben Daijih e o renomeado “Projeto
Aurora”.
Não é difícil reconhecer os temas. Não menos sucesso fizeram os
congressos promovidos por Paulo Kronemberger, mentor e líder da
U.F.O - União da Força Objetiva, a quem se deve o real mérito de
tornar populares de uma vez por todas os encontros místicos de
Ufologia no Brasil. Anos depois, foi a atuação do peruano radicado
no Brasil, Carlos Paz Wells que atraiu milhares de pessoas a
palestras e eventos, sempre vendendo muitos livros, fundador do
Projeto Amar em substituição ao Grupo Rama68, que liderava em seu
país com o irmão Sixto.
Suas alegadas constantes viagens a outros planetas do sistema
solar empolgaram enorme público sedento pelas “viagens” neste tipo
de Ufologia. Mais recentemente, com o mesmo resultado em termos
de milhares de simpatizantes, o Projeto Portal, idealizado e dirigido
por Urandir Fernandes de Oliveira (mais uma vez as iniciais U-F-O
se prestando a estas “coincidências”) que, no final das contas,
aglutina tudo o que os demais antes dele declararam e fizeram:
viagens interplanetárias, promessas de “arrebatamento dos
escolhidos” por Ets, desenvolvimento de “paranormalidade”,
aliciamento de seguidores para adquirirem terras em lugares
estratégicos, etc.
Para finalizar, a fama mundial adquirida pelo farmacêutico
prático Thomas Green Morton, hoje residente em Pouso Alegre, sul
de Minas Gerais, que lhe rendeu o título de “Guru das Estrelas”, já
que seu público era composto pelos famosos da televisão, do
cinema, inclusive americano, e de outras camadas sociais. Morton
dizia, e segue dizendo, contatar energias extraterrestres e produzir
fenômenos paranormais.
Em suma, todos eles, de comportamento típico, padronizado e
previsível, representam bem a chamada “Ufologia mística” à qual se
deu guarida em nome de uma supostamente salutar e democrática
68
Ver obras do escritor espanhol Juan Jose Benitez, o maior divulgador dos trabalhos dos
irmãos Wells, notadamente em 100.000 quilômetros em Busca de Óvnis, publicado no
Brasil pela editora Nova Era.
150
“abertura” a partir dos anos 70, e que não mais conheceu obstáculos,
hoje suplantando de longe o interesse da grande maioria dos
fascinados e perplexos fanáticos por “discos voadores vindos das
estrelas”. Isto se tornou possível inclusive em virtude da má
interpretação do significado do termo “holismo”69 pelos que
detinham a vanguarda de promover encontros ufológicos. Trocando
em miúdos, a mesma comentada incompatibilidade entre os estilos,
as linhas de pensamento, os “métodos”, ou de como Richard
Dawkins70 ressalta, o absurdo de se achar que religião e ciência
estejam ou irão um dia se reconciliar ou mesmo harmonizar-se sob
tais aspectos.
Hoje, com um sem-número de gurus ou potenciais candidatos a
tais e profetas de extraterrestres, desconhecidos do público, mas
catalogados pelos estudiosos do tema, está-se diante da conhecida
terra de ninguém, do caos, do completo desgoverno. Enquanto isto, e
momentaneamente fora de ação, os famosos gurus de araque
aguardam a mão acolhedora das ciências quando estas resolverem,
sem preconceitos e sem medo de perder verbas ou cargos, abraçar o
estudo do fenômeno. Todavia, enquanto homens de ciências buscam
algo que os incentive ou estimule, apenas na Ufologia que hoje vem
sendo divulgada, tal não irá acontecer. A esperança permanecerá
latente, com vergonha de desaparecer.
Sinceramente, gostaríamos de entender como é que homens que
pregam a existência de civilizações evoluidíssimas fora da Terra,
que falam de uma tecnologia capaz de enfrentar distâncias
incomensuráveis, que insinuam e até intuem a enorme complexidade
de tudo isto, científica e filosoficamente falando, de forma a sequer
fazermos ideia de quando e como poderemos reproduzir tais feitos,
ao mesmo tempo reduzem tudo ao seu pequeno mundo, à sua
subjetividade completamente egocêntrica, aos visíveis resquícios de
sua formação religiosa infantil, pintada posteriormente por supostas
“Filosofias”?
Que tamanha incoerência, perceptível a todos, menos para eles...
mas há uma explicação. Assim como o homem criou Deus à sua
69
Abordagem, no campo das ciências humanas e sociais, que prioriza o entendimento integral
dos fenômenos, em oposição ao procedimento analítico em que seus componentes são
tomados isoladamente (Houaiss)
70
Op. cit.
151
imagem e semelhança, antropomorfizando a Divindade substituidora
do “grande herói” ou do “grande pai”, veio então a salvaguarda
pelos discos voadores, pelos seres que os tripulam aos moldes dos
crédulos. Não se trata de suposição. O contexto de tal pensamento
está nos alfarrábios, nos livros, nas palestras e nas entrevistas:
153
“eles”. O ser humano não tem nenhum mérito pela suas descobertas,
invenções, pesquisas e estudos. Pela sua própria evolução, enfim. É
um pobre diabo, um infeliz, uma criatura estúpida que só presta para
procriação e autodestruição. Este aspecto é constantemente objeto de
discussões. Recentemente, um jovem interessado pelo tema expôs
sua dúvida a respeito da evolução dos conhecimentos do homem,
principalmente pelas aquisições tecnológicas que, segundo ele, não
seguiram um ritmo normal. De fato, nossa tecnologia tem avançado
muito ultimamente devido a um “detalhe” chamado Ciência.
Desenvolvimento gradativo, cronologicamente obtido através de
pesquisas, estudos, técnicas e métodos. Para alguns, entretanto, de
onde viria a criação para se fazer essas coisas, se não “de fora”? Os
argumentos do enigma: de onde teria nascido a ideia para se
conseguir criar um aparelho capaz de ler dados de um CD? Construir
uma máquina que pensa por nós, referindo-se aos computadores,
como se estes “pensassem” pelas pessoas?
Enfim, espanta-se porque “avançamos rápido demais”. Se aquele
ingênuo jovem tivesse uma ideia diferente da realidade, ele saberia
que ideias são concretudes e racionalizações do pensamento,
oriundas principalmente de conhecimento e pesquisa. Isto não lhe
parece nada óbvio, pois prefere uma “possibilidade impossível”, no
dizer de Pauwels e Bergier71. E, tal como a criança que precisa ser
educada, também a humanidade carece de um pai condutor e
precavido – mas tem certas coisas que eles não querem que a gente
descubra
Curiosa e coincidentemente, o garoto evocou o mesmo tipo de
incidente antes comentado – lembra da Challenger?72. Seus
argumentos são direcionados para a alegação de que nossa
tecnologia "veio de fora", ou seja, segundo ele, se a nossa tecnologia
não tivesse avançado "rápido", ou quem sabe, se nem tivéssemos
tecnologia, aí sim a coisa teria sido obra nossa, e não de
extraterrestres. Desastres e acidentes acontecem com velocípedes,
skates, bicicletas, motos, automóveis, navios, aviões, helicópteros...
Challengers e Discoverys.
71
Pauwels, L. e Bergier, J. ;O Planeta das Possibilidades Impossíveis, Melhoramentos, SP,
1972.
72
Ônibus espacial que em 28/jan/1986 explodiu logo após decolar, matando a tripulação.
154
Ainda assim não ficam satisfeitos, porque há um outro mistério.
A Nasa não detectara o defeito que fez a nave explodir sem mais
nem menos. Ora... os extraterrestres teriam explodido a Challenger!?
Quer dizer, tanto no passado como no presente, extraterrestres
aniquilam exércitos, mas desenvolvem agricultura; trazem
tecnologia em acordo com o governo americano, inspiram Bill Gates
no desenvolvimento de softwares e hardwares, explodem naves
espaciais, salvam outras.
Como explicar as pirâmides do Egito ou as estátuas na Ilha de
Páscoa, se humanos não tinham tecnologia para tanto a menos que
fossem dotados de superforça? Quando Faraday "descobriu" a
eletricidade, ninguém tinha ideia para o que serviria. Agora que
estamos às voltas com a nanotecnologia73, já podemos pensar em
nanoUfologia? Pelo menos para isso nanocabeças não faltam.
Quando o Sputnik foi lançado e girou no espaço, a pergunta foi em
que século poderemos fazê-lo pessoalmente? As adaptações e
avanços das ciências ocorrem e sempre ocorreram em um ritmo de
progressão geométrica. Saudemos a Ciência. Ela ainda pode não
detectar, entender ou reconhecer muitas coisas, mas certamente o
fará um dia.
Mesmo não vivendo de verdades absolutas, as ciências
constituem praticamente a única área do conhecimento humano que
tem a decência de reconhecer que é exatamente assim – falível. Não
é porque ainda não temos condições de compreender o que não
esteja à altura do nosso conhecimento que podemos atribuir tais
coisas a fatores ainda muito mais distantes do que a própria
compreensão das ciências. Caso contrário, incidiremos num
perigosíssimo risco, o de não percebermos racionalmente o que a
ciência vier a explicar, fazendo questão de manter nossas ilusões em
torno de mundos imaginários. Este risco chama-se alienação, literal e
figurativamente. É isto exatamente o que fazem as religiões, e
muitos dos fanáticos religiosos já se encontram no estado patológico.
73
Todo um conjunto de técnicas baseadas na física, na Química, na Biologia, na ciência e
engenharia de materiais e na computação, que visa estender a capacidade humana de
manipular a matéria até os limites do átomo. Cylon Gonçalves da Silva, físico, em
www.consciencia.br/reportagens/nanotecnologia/nano10.htm.
155
Que dirá, então de tal temeridade, se esta postura caracterizadamente
religiosa passar para o campo dos discos voadores e dos atuais
"deuses" extraterrestres?
Pode-se até divagar em algum tipo de hipotética influência de
civilizações de fora, no passado da humanidade. Isto não quer dizer
que possamos achar que nossos antepassados eram completos
ignorantes. Se assim fosse, nem o fogo ainda teríamos descoberto,
quanto mais chegar ao nosso atual estágio, com o avanço rápido a
que nos referimos.
Alguém observou que é justamente pela falta de respostas
concretas que as pessoas caem no fanatismo, seguindo a outras que
veem como salvadoras. Um breve estudo de Psicanálise ou de
Psicologia mostra em que tipo de comportamento e de desvios
descambam muitas pessoas, em virtude da sua mentalidade e estreita
visão do mundo.
A luta continua sendo a de tentar dar um impulso à importância
que o assunto merece. O que mais prejudica não são os erros, nem o
ceticismo, o escárnio, a crítica ou a depreciação. O que mais
contribui para o atual estado é o persistente primatismo mental74
daqueles que deveriam se esforçar para que o tema conquistasse a
tão decantada credibilidade. Mas não, agem sempre movidos por
pensamentos desestruturados, sem consistência, sem disciplina e sem
método, em virtude das ilusões em que mergulharam
irresponsavelmente, por não admitirem e ao mesmo tempo
alimentarem seus devaneios irreprimíveis.
Devaneios? Isso soa como elogio para o “desafio” lançado por
um ufólogo, ao final de 2006, convidando para um confronto
astrônomos, cientistas, religiosos, jornalistas, céticos e
personalidades que insistem em ridicularizar a Ufologia (sic), num
impulso de vaidosa autopromoção. Dizendo-se “bem preparado”, o
nada modesto desafiante se ofereceu ao programa Roda Vida, da TV
Cultura, em São Paulo, mas será atropelado no seu despreparo e
negligência, num clássico exemplo de olho comprido e visão curta.
A bem da Ufologia, tomara a direção do programa não leve a sério a
proposta, mas, se o fizer, só vemos duas razões para isso: ou
74
Outro neologismo dos autores: primatismo - dos primatas, cuja principal razão de existir é
sobreviver e procriar, não necessariamente nessa ordem.
156
pretende mesmo ridicularizá-la ou dar um toque de humor na
habitual seriedade levada ao ar.
Para encerrar, transcrevemos a fala do pesquisador francês René
Foueré, secretário-geral do Groupment d´Étude des Phénomènes
Aerospatiaux, da França, sobre essa atitude por vezes picaresca da
Ufologia:
157
“Grande Irmão” sideral 75
75
Colaborou Lúcio Manfredi.
76
Ikeda, D. e Wilson, B.; Valores Humanos num Mundo em Mutação, Record, RJ. 1984.
158
“negociações”. De qualquer maneira, a ideia dessa opção, ao mesmo
tempo fascinava e repelia o homem.
É de se perguntar até que ponto a atitude dogmática do culto
religioso funciona como um estímulo? Não seria antes um
obstáculo? A história é testemunha de que, em tempos medievais,
certos processos religiosos serviram como obstrução ferrenha à
evolução humana em suas relações com a cultura e a ciência. Não
podendo conter o irrefreável avanço desta, a Igreja modificou sua
estratégia de influência no curso da civilização. Aceitou dialogar
sem deixar transparecer os indícios do enfraquecimento, optando por
alterar sua participação da sociedade de forma a estar voltada mais
para os aspectos morais e éticos.
Os progressos da tecnologia científica também não são de todo
louváveis. Aliás, nenhum progresso o é se racionaliza
demasiadamente num dos polos e não vem embalado por uma ética
de responsabilidade. Jung considera que ao magnífico
desenvolvimento científico e tecnológico, corresponde uma
assustadora carência de sabedoria e introspecção.
No contrabalanço, interessa-nos mais o declínio do poder da
Igreja. É Ikeda quem diz: quando uma religião se torna
excessivamente abstrata e vaga, e não consegue concorrer com
sucesso contra interesses seculares inegavelmente importantes, ela
perde influência sobre a mente do povo. Recorrendo a nossas
pesquisas pessoais, constatamos que o catolicismo vem sofrendo
sensível enfraquecimento em suas bases, não só pelo surgimento de
outras correntes, seitas e cultos, mas também pelo desmoronamento
das instituições eclesiásticas.
Esta substituição de valores e conceitos processa-se de forma
sutil, indistinguível aos sentidos, apoderando-se de nossa
inconsciência e aflorando nas crises existenciais ou situações novas
sem um referencial anterior. Neste ponto, a Ufologia surge como
importante instrumento de apoio, somando-se aos cultos religiosos
que vingam em várias sociedades. Promove mais a mistificação que
a racionalização, configurando a incerteza espiritual e a insatisfação
social.
De qualquer maneira, mantém o mesmo pilar de sustentação dos
ritos antecedentes – a transcendência do homem através da louvação
159
a mitos e da compensação final por um comportamento exemplar –
mesmo que estes apresentem exteriormente uma fachada
tecnológica. Aqui reside o ponto-chave: a transcendência, uma
concepção muito delicada do pós-vida ou da vida eterna. Grosso
modo, as religiões tradicionais não têm meios de comprovar o post
mortem, mas oferecem ao homem a perspectiva de acreditar que a
vida não se confina à presente existência, promessa descarada e
abusadamente condicional.
A Ufologia pode, a princípio, apresentar uma ideia mais concreta
de “vida eterna” ou, pelo menos, considerando-se as possibilidades
de manipulação dos conceitos de tempo, de “esticar”
indefinidamente a vida humana. O contato, neste momento, aparece
como elo com essas forças superiores fazendo o “diálogo” com
Deus, permitindo ao interlocutor humano ampliar suas
possibilidades de “sobrevivência infinita”. Quanto mais sublime for
esse contato, maiores as chances.
Nesse justo momento, indo ao encontro da possível salvação, o
homem abandona literalmente suas enraizadas convicções de
antropocentrismo, despojando-se do orgulho interior de criação
máxima da natureza. Disso resulta a atitude não muito surpreendente
de dar nomes a tais “divindades” – Deus não é um nome? – e a lista
não é pequena. Vejamos o significado de alguns deles: Cramish –
homem que veio do céu (hebraico); Adoniesis – senhor (hebraico);
Itakar – o que oculta algo (italiano); Semjase – a que dirige o veículo
celeste (hebraico); Ptaah – planejador (egípcio).
Em seu estudo sobre as novas seitas que parecem proliferar cada
vez mais em nossos dias, o historiador francês Jean-François
Mayer77 notou que algumas delas se baseavam na franca adoração
dos seres extraterrestres e suas naves. No Brasil, de fato, essas seitas
são bem mais numerosas do que “algumas”: segundo levantamento,
em todo o país existiria mais de uma centena de seitas ligadas direta
ou indiretamente ao culto dos discos voadores. Mayer cita ainda um
estudo de Ted Peters – UFO, the Religious Dimension, que
constata a presença, na estrutura do fenômeno Óvni, de quatro
elementos derivados diretamente da fenomenologia religiosa:
77
Novas Seitas – um novo exame, Loyola, SP, 1989.
160
1 – A transcendência: os objetos que vêm do alto, donde uma
associação de divagações com os céus, o divino e o infinito.
78
Na verdade, Mayer comete uma imprecisão, pois desde a fundação do espiritismo, no
século 19, seus adeptos “comunicam-se” com habitantes de outros planetas, notadamente
Marte e Júpiter. Ficaram célebres, a propósito, as mensagens “recebidas” de Marte pela
médium Helen Smith, que foi estudada do ponto de vista psiquiátrico por Theodore
Flournoy.
161
Segundo Jean-Bruno Renard79,
80
Voltaire, Dicionário Filosófico, Ediouro, RJ.
81
Errado. Mensageiro em hebraico é Malak.
163
fundamentalistas nem puritanos. Longe de considerarem o sexo
como itinerário do inferno, pregam um comportamento hedonista e a
prática ritual do nudismo, desenvolvendo uma técnica – a meditação
sensual – que parece bem dentro do espírito da contracultura82. Mas
não é apenas entre as religiões disquistas que a tendência a
interpretar Deus como um extraterrestre parece significar realmente
a deificação dos Ets. Mesmo entre os ufólogos adeptos da
ufoarqueologia, como R. L. Dione, é nítida essa intenção. Segundo
ele, A Bíblia revela o código de Deus para os homens, e como tal,
deve ser obedecido, pois é bom e justo. Deus tem o poder de punir
os transgressores. Dione não contesta os milagres bíblicos, explica-
os pelas leis físicas e pela tecnologia superior83. Ainda segundo ele,
A Terra está num estágio primitivo de desenvolvimento e, por essa
razão, está em quarentena de contato com outras civilizações
inteligentes. Por causa dessa quarentena, os Ufos podem visitar a
Terra, mas não podem estabelecer contato permanente ou direto. Sobre
o tema do Armagedon, é otimista: A humanidade tem pelo menos mais
dois mil anos antes do fim dos tempos. Isto é, o homem teve dois mil
anos de infância, dois mil de puberdade e agora entrou no terceiro e
último ciclo – o da maturidade. 84
88
Libido é um sinônimo de “energia psíquica”. Sua distribuição no interior do sistema
psíquico é controlada pelos arquétipos, que se manifestam dessa forma. Podemos dizer,
por isso, que a libido é o veículo dos deuses.
89
Jung, C. G. Psicologia e Religião, vol. XI/I, Vozes, Petrópolis, 1995.
166
de alguma forma, salta a faísca: a tensão diminui a partir do momento
em que a excitação subjetiva se objetiva, ao se apresentar perante o
homem como um deus ou demônio.
90
Éticas, não morais. Moral vem do latim mores, “costumes”, por sua vez derivado da raiz
mor, “maioria”. Os costumes da maioria, por definição, só se aplicam a situações já
digeridas pela tradição. A moral não pode dar conta de nenhuma situação realmente nova
e, por isso, reage recusando-se a encarar o problema, ou, como dizem os psicanalistas,
denegando-o.
167
É justamente esse princípio de alteridade absoluta dos Óvnis que
os torna um veículo tão adequado para os deuses. Trata-se de um
fenômeno que, por sua estranheza e origem misteriosa, tem todos os
requisitos para constelar os arquétipos. Uma vez reunidas ao seu
redor, as forças arquetípicas podem se irradiar para outros setores,
ampliando, assim, o conceito original do fenômeno e sua área de
ação, passando a incorporar em si elementos desses outros setores.
Podemos observar claramente o desenrolar desse momento
naquelas duas áreas mencionadas, a saber, o confronto com o espaço
exterior e a responsabilidade implicada pela manipulação da energia
atômica. De fato, como se manifesta o fenômeno Óvni senão como a
vinda de seres alienígenas em estágio de civilização mais avançado
que o nosso? As implicações desse quadro são mais que evidentes: o
universo não é um ambiente hostil, já que lá encontramos seres
semelhantes a nós, habituados a ele e que podem ajudar a nos
acostumarmos também.
E, por outro lado, se existem seres que passaram pelo estágio em
que estamos atualmente e sobreviveram, então o suicídio nuclear não
é tão inevitável e a crise que enfrentamos pode ser superada.
Encontramos ambos os corolários, em verdade, expressos com
bastante clareza na maior parte das mensagens que os contatados
alegam receber dos seus comandantes extraterrestres.
A ficção científica também pega os antigos mitos e os reveste de
uma roupagem tecnológica que os torna aceitáveis para a nossa
época. Lloyd Biggle Jr., escritor de ficção científica, diz:
91
Ainda que o autor citado tenha usado fantasia como sinônimo de mito, melhor teria sido o
uso do termo imaginação. As fantasias, conforme Freud as utilizou para conceituação, após
deixar de tê-las como simples sinônimos de imaginação em sentido linguístico; e depois
segundo Lacan, respectivamente conceito ligado à sexualidade e à construção da história
que o indivíduo faz de si mesmo, bem como a uma lógica do desejo. V. Roudinesco e Plon
(Dicionário de Psicanálise, Jorge Zahar Editor) e Chemama (Dicionário de Psicanálise
Larousse, Artes Médicas). Não mais convém dar imaginação e fantasia como sinônimos. Os
mitos, formas aproximadas, imperfeitas de verdade, portanto com um fundo de
verossimilhança, têm sempre significado moral, religioso, sobre a conduta do homem com
168
especula inevitavelmente sobre o desconhecido com base no que dele é
conhecido, e a palavra “ciência” significava originalmente
“conhecimento”. Ao longo de toda a história da humanidade, cada era
produziu uma “ficção científica” que refletia a tecnologia e o
pensamento científico dessa mesma época. 92
172
Religião vs. Ciência ou Anjos vs. Demônios
André Gide
99
Editora Livro Ibero Americana, RJ, 1966.
174
A Ufologia vive tudo isto, ou melhor, é um sinal claro deste
momento. Alguns, por confundirem o bem-estar espiritual do
homem, preferem tal termo como sinônimo de algo sobrenatural, ao
invés de o aplicarem como significante de profundidade, sobriedade
e sensibilidade. Fromm, na citada obra, diz que homens como
Sócrates, Platão e Aristóteles preocupavam-se com a felicidade e o
desenvolvimento espiritual do homem, exprimindo-a com a
autoridade da razão, e não se arrogaram por transmitir revelações
divinas. Era nitidamente a atitude de quem sabia que, um dia, os
mencionados conflitos dariam lugar ao equilíbrio entre o
comportamento racional e a tranquilidade espiritual, aqui em sentido
que denota a evolução psíquica e psicológica do ser humano. Eles se
interessavam pelo homem em si mesmo, que consideravam o objeto
mais importante de estudo. Seus tratados de Filosofia e ética eram
ao mesmo tempo textos de Psicologia (obra citada, p. 7).
Ufólogos, em sua maioria, preferem as ilusões ao tratamento
racional, o qual têm como limitado e insosso ao gosto de suas
transcendências, para que possam substituir seu afastamento das
gnoses religiosas por seres salvadores e sobrenaturais, por isto
mesmo batizados de ultraterrestres, extraterrestres, intraterrestres...
uma ciranda de nomes que se amolda aos interesses. É que não se
desvencilharam, sem o perceberem, do condicionamento que lhes foi
imposto pelas influências de fundo religioso. Dessa forma, apenas
substituem deuses por Ets. Diz a escritora Karen Armstrong:
Freud não se limita a provar que a religião é uma ilusão. Ele diz que
toda religião constitui um perigo, porque tende a santificar instituições
viciosas, com as quais se tem aliado através dos tempos. Além disso,
porque ensina às pessoas a acreditarem em uma ilusão, condena o
pensamento crítico e condiciona certa estagnação intelectual.
176
Ele acentua o contraste entre a brilhante inteligência das crianças e o
empobrecimento da razão adulta. Sugere que a natureza íntima do
homem talvez não seja tão irracional quanto o indivíduo se torna sob a
influência de ensinamentos irracionais.
177
O resultado disto são as mesmas fantasias, agora maquiadas de
“novos mistérios”. É o caso dos rods, uma apologia à ingenuidade,
de tão óbvia, porém encapada de “nova e desconhecida forma de
vida”. A Psicanálise está familiarizada com este comportamento.
Pode-se, inclusive, comparar as fases do desenvolvimento da
humanidade com aquelas pelas quais passa o indivíduo. Os filósofos
orientais sempre tiveram razão – o macro e o microcosmo nutrem
exata correspondência.
Charles Hanly, membro da Canadian Psychoanalitic Society e
autor de O Problema da Verdade na Psicanálise Aplicada101
sugere que a fase mitológica da humanidade, que deu lugar à era da
razão, foi seguida de um comportamento anímico das culturas
evocando o exemplo dos gregos, como, aliás, não poderia deixar de
ser, dada a importância que a Grécia teve para o desenvolvimento do
pensamento humano. Segundo ele, o salto para o racionalismo
passou por sobre um animismo, sob a influência de fatores
econômicos, geográficos, ambientais, tecnológicos, políticos e
sociológicos. Com o indivíduo, ocorre o mesmo – seu animismo são
as manifestações psicológicas, os efeitos que o seu psiquismo
provoca tanto ao externar um comportamento quanto ao construir
uma realidade subjetiva.
Nas chamadas ciências paralelas, quando raramente possuem ao
menos algum sutil aroma de ciência como a paraPsicologia, o
animismo é sinônimo da causa/mente na produção de ocorrências
tidas como paranormais, assim sem quaisquer agentes sobrenaturais
ou externos ao homem. Alexander Aksakoff, filósofo e um dos
grandes cientistas russos que se notabilizou na investigação dos
fenômenos espíritas do século 19, preferia chamar de
“personismo”102, pela causa ser a própria mente humana, nas suas
feições pessoais, fantasiadas de atribuições estranhas.
Assim, o que animava os acontecimentos para a humanidade
antiga era algo ínsito às coisas da natureza, enquanto para o homem
animista suas próprias faculdades, seus instintos, pulsões que
101
Imago, RJ, 1995.
102
Fenômeno entendido por comunicação mediúnica, mas na verdade de natureza psicológica.
Jung consagrou a personalidade como decorrência da persona – a máscara (ou aparência)
com que o sujeito ser apresenta ao mundo. A palavra persona é originária do teatro
romano, era a peça que escondia o rosto dos atores durante a representação.
178
constroem suas motivações, enfim, a sua própria atuação, anima
ocorrências que ele mesmo produz. O termo “animismo” foi usado
por Edward Tylor, em seu clássico Religion in Primitive Culture,
de 1934, para indicar a crença difundida entre os povos primitivos
de que as coisas naturais são todas animadas; daí a tendência a
explicar os acontecimentos pela ação de forças ou princípios
animados103.
Hanly vê validade na comparação, no nível fenomenológico,
de certos aspectos do funcionamento psíquico dos gregos homéricos
com o dos gregos dos séculos quatro e três a.C. Segundo sua
hipótese:
103
Abbagnano, N.; Dicionário de Filosofia, Martins Fontes, SP, 2000.
179
Somos obrigados a mais um exemplo, bastante recente. Exemplo,
aliás, do que supunha o citado Charles Hanly. Com o advento da era
espacial e com a passagem para o terceiro milênio, aquela simbiose
entre naves extraterrestres e espíritos de mortos ganhou muito mais
força. As manifestações de seres extraterrestres, ora de poder
telepático ilimitado, ora com a faculdade de se deslocar pelo mundo
espiritual, aumentaram estatisticamente nas sessões espíritas durante
os transes mediúnicos.
Alguns espíritas ficam muito preocupados e inseguros diante da
dúvida sobre a origem dos que com eles se comunicavam. Seriam
sempre seres extraterrestres que durante as eras se manifestaram,
dizendo-se desencarnados? Ou sempre foram alguns desencarnados,
apelidados por vezes de brincalhões, por outras de “pouco
evoluídos” (sic)? Na realidade, muitos acham que ambas as
explicações servem ao que vem ocorrendo em centros espíritas,
terreiros de umbanda e similares.
Um fato interessante: se Hanly tiver razão e o comportamento da
humanidade por ele levado em conta voltar a se repetir como seria
de se esperar, passaremos da “fase dos espíritos”, para a “fase dos
Ets”, para então, de novo, concluir que estamos mergulhando,
inevitável e inexoravelmente, para a fase da razão.
O fato é que, sempre afeitos à já tão comentada “abertura
democrática” para todas as linhas de pensamento, a Ufologia vem
hoje dando a público a ingerência do pensamento místico-religioso
no estudo dos objetos voadores não identificados. A mundialmente
consagrada e única publicação brasileira especializada, fonte
valiosíssima de pesquisa para este nosso livro, a revista UFO104,
publicou a interessante manifestação de um espírita.
O que tem a visão espírita a ver com a Ufologia? Tudo. Da forma
como se enreda a Ufologia por sendas místicas, a questão é de
lógica. Para o meio acadêmico, Óvni é objeto de pura crença. O
104
Antes que se cometa injusta omissão, a revista UFO vem sendo editada desde 1985 tendo à
frente o ufólogo Ademar J. Gevaerd. Em que pese por vezes pesada censura, inclusive e
principalmente por parte destes autores, uma linha editorial e uma abordagem alvos de
inúmeras e nada brandas críticas, e outros pecadilhos menores, não podemos deixar de
enaltecer seu empenho sincero, que em todos estes anos ajudou a superar grandes
dificuldades e atropelar crises, tornando a publicação a mais longeva do mundo em sua
categoria. Entre prós e contras, optamos por reconhecer seu trabalho dedicado e
incansável.
180
discurso dos autointitulados céticos tem sido neste rumo – aceitar-se
que Óvnis existam é produto de credulidade. Não é para menos. Já
está cimentado nas pessoas o pensamento de que todo ufólogo acha
que disco voador vem do espaço – “naves espaciais extraterrestres”
– e está muito difícil apagar tal conceito.
O vício, tal como o do cigarro, recusa-se a largar os céticos e a
culpa é apenas dos ufólogos. Recentemente, uma discussão curiosa
redundou no argumento teleológico mais evidente que já se viu nos
meios ufológicos – estaríamos muito próximos de ter um contato
definitivo com “eles”. Extraterrestres são personalidades, caro leitor.
Claro que, ao menos no pensamento concreto desse tipo de ufólogo,
eles o são sem dúvida. Se estamos próximos disto, para que agora
tentar rever toda a Ufologia, como é uma das pretensões deste livro,
se não há mais tempo? Esta é uma pergunta que, se não passou pela
sua cabeça, decerto já povoa a de todos os ufólogos que ora o têm
em mãos.
A conclusão é somente uma: se a “revelação” acontecer, não
haverá mais razão para todo um trabalho árduo, gradativo, penoso de
tentar moralizar a atuação dos ufólogos. Um belo escapismo de
credulidade. Não é a primeira vez, nem será a última, que se crê em
“revelações definitivas”. Que, no final das contas, estão é velando a
cada dia a lucidez tão necessária para a compreensão de qualquer
fenômeno. O espiritismo é pouco sutil, ao intitular-se A Terceira
Revelação
A Segunda, em que, aliás, ele mesmo se baseia, pode-se dizer
teologicamente, toma conta de boa parte do mundo há uns dois mil
anos. E vem velando cada vez mais a compreensão do universo, ao
contrário do que creem seus adeptos. Agora, a Ufologia espera uma
breve revelação. Mais uma. Só não percebe que, também, esta se
fundamenta em pura crença: a de que seres extraterrestres pilotam os
Óvnis originários de outros planetas para dar as verdades universais.
Um cético nos disse certa vez que nem as evidências de um
fenômeno ufológico podem se constituir base para a aceitação de
que Óvnis existem. Não há ambiguidade aqui. Para ele, somente as
“provas” dariam tranquilidade para tal aceitação. E ainda se intitula
cético... porque cético não vê possibilidade de o pensamento humano
explicar o que quer que seja, muito menos em definitivo. Porém,
181
céticos como tais vivem pregando que somente as provas servem
para uma visão realista do universo, daí serem apenas sistemáticos,
ainda mais quando não conseguem se desligar de Ufologia e
assuntos afins, para ostentar sua postura. Ao que tudo indica, entre
ufólogos e céticos existe uma postura idêntica, ainda que somente
inversa, ou dialeticamente contrárias: uma diz que sim, outra que
não.
Que Óvnis são naves extraterrestres, que Óvnis não são nada.
Como adoram chamar ufólogo de pseudocientista, e que ufólogo de
verdade jamais admitirá que Ufologia seja ciência, ao que tudo
indica o qualificativo “pseudo” se aplica muito mais ao cético,
porque apregoa que Óvnis existirão somente quando, e se, provados.
Céticos, que admitem realidades comprovadas... isto sim é um tanto
incongruente.
Resta apenas uma observação, considerando-se sempre que o
artigo já publicado sobre a pseudoclassificação dos céticos
sistemáticos, em Ufologia, é altamente proveitoso: a de que seria
interessante que algum psicólogo, quem sabe psicanalista, fizesse
um dia um estudo particularmente voltado para esses colegas do
outro extremo. Algo os leva a, com afinco e com o máximo de
atenção, combater a Ufologia e seus adeptos. Por quê? Dirá o
contraditor ser natural para uma corrente que pretende afirmar
realidades para o mundo, caso dos ufólogos, surgir uma contrária.
Perfeitamente.
Mas isto não exime os dito céticos de seus componentes de
ordem psicológica. Ao que tudo indica, fascinaram-se pelo tema. É
até possível que tivessem partido desde um espanto qualquer com o
assunto (diz-se aqui de ordem exclusivamente intelectual) e,
posteriormente acostumados com o pensamento científico e
metodológico, ficado decepcionados com o trato oferecido ao
mesmo por parte principalmente dos ufólogos. E partiram para o
ataque. Não se deve censurá-los.
Pode ser que, no entanto, existam outros elementos mais
complexos nesta postura. Ou melhor, como reflexo da primeira.
Paralelamente, os pseudocéticos devem ter motivos mais fortes – de
ordem psicológica – para rechaçar com tanta rispidez a Ufologia. Ou
tão fortes quanto aqueles que inspiram os ufólogos. Possivelmente
182
de ordem até religiosa, unida à sua aparente aversão pelos aspectos
místicos e esotéricos dessas questões.
A ausência de crença religiosa, sempre num estado de inversão já
mencionado, impinge-lhes uma inegável situação de revolta,
geralmente justificada pelas duras trilhas seguidas pela humanidade
na busca do conhecimento científico, à procura da melhoria de vida
para o ser humano, enquanto muitos se dedicam a tais bobagens,
irresponsavelmente. Mas, no fundo, talvez inconscientemente, exista
a mesma força, contrária, de fundo religioso. Um dos sintomas é a
afinidade com que todos estes bem-vindos censores da Ufologia, os
pseudocéticos, têm por autores como Carl Sagan e por todos que, de
uma forma ou de outra, dedicaram ou dedicam-se fundamentalmente
ao combate de ocorrências dito paranormais ou ufológicas. Tais
preferências quase caracterizam uma espécie de idolatria. É linha
contrária, mas de mesma força motriz.
Em uma longa conversa com qualquer cético, de nada adiantaria
frisar que nem todo ufólogo crê em naves extraterrestres, mas
justifica seu estudo com o proveito de se buscar todos os intrincados
reflexos que a Ufologia possa gerar sob o ângulo psicológico,
psicanalítico, histórico, sociológico etc., mesmo que nada de
extraterrestre se demonstre, agora ou no futuro. Para o cético,
ufólogo é ufólogo, ou seja, um crente “naqueles extraterrestres
maravilhosos e suas fantásticas máquinas voadoras”. Culpa da
própria Ufologia. Perdão de novo - dos ufólogos. Devemos aguentar
e não chiar, diriam nossos avós.
E vem o espiritismo imiscuindo-se na Ufologia. Errado – é a
Ufologia insistindo por se misturar ao espiritismo, sempre com
alguma justificativa. Há seres extraterrestres manifestando-se de
algum tempo para cá, em centros espíritas. E, há mais tempo,
disfarçando-se de espíritos de mortos, o que faziam frente à
incapacidade ou para evitar o choque dos crentes, durante sessões
espíritas. Pois bem.
Outra vez, e como sempre, nada de novo sob o Sol. Deuses se
transformaram em Deus, que se fez homem sem deixar seu aspecto
divino, o divino se transformou em espíritos de mortos, os espíritos
dos que se foram agora são seres extraterrestres. Ainda bem que a
cibernética e a informática são técnicas estritamente “materialistas”,
183
caso contrário, extraterrestres já teriam se transformado, há muito
tempo, em “seres virtuais” tentando passar para “nossa dimensão”. O
leitor achou graça? Pois saiba que tem muita gente achando bastante
possível que um roteiro como o do filme “Matrix” possa ser uma
realidade...
O espírita, sejamos justos, não costuma muito intrometer-se em
searas alheias, só quando convidado. E aí despeja interessantes
ideias compostas de crença e ciência. O problema é ver o quanto de
realmente científico exista nisto, conquanto fosse ideal que cada
área do conhecimento humano não tentasse misturar instâncias. Tal
como querer argumentar que deus possa ser provado pela ciência, ou
que as religiões sejam acordes com as ciências, ou absurdos
semelhantes, completamente incompatíveis.
Tome-se o exemplo de um expert em espiritismo como Pedro de
Campos, que palestrou no 32º Congresso Brasileiro de Ufologia
Científica em Curitiba, PR, em novembro de 2005. Ele estaria
representando o “Espiritismo Científico” e publicou um artigo com o
título “Contatos com Ets na Visão Espírita”. Tal título, já
tendencioso por si mesmo ao comungar contatos com Ets tem, como
subtítulo, “Qual é o ponto de intersecção entre o mundo dos mortos e
o dos alienígenas?”.
Não é difícil responder. Esse ponto é a crença em algo de feições
sobrenaturais ainda longe de serem provadas. Natural, portanto –
ambas as áreas se tornam acordes, sem dúvida.
Diz o autor que a sua visão do fenômeno Óvni é científica, até o
ponto em que a nossa ciência pode assim entendê-lo. Alerta que, a
partir do momento em que este assume um caráter imaterial, sem
suporte concreto, então sua visão sob o tema também se altera,
passando a examinar a questão sob uma outra ótica – a do
espiritismo científico. Visão científica? Somente, até o presente
momento, se admitir que Óvnis sejam exclusivamente produtos de
reações psicológicas, ocorrências naturais confundidas ou, no
máximo, um reflexo mítico no folclore e nas lendas urbanas.
A ciência assim o entende, e está longe de entendê-lo como algo
totalmente estranho ou de origem inteligente desconhecida. Não se
pode confundir a visão de certos ufólogos com a das ciências
acadêmicas. Um engano colossal! Que amontoado de falácias e
184
absurdos! A visão do autor se altera quando o fenômeno assume um
“caráter imaterial” – imaterial significa espiritual? – para que ele
passe a encará-lo sob a ótica do espiritismo científico! Mas que
científico é o espiritismo? Algo científico que trate de um ser
imaterial, no significado estrito preferido?
Não há suporte “concreto” em um fenômeno que, como tal,
ocorra ou possa ser percebido? Nem ao menos concreto sob um
aspecto meramente pensado? Parece que certas categorias de termos
são sempre tomadas pelo sentido amplamente conotativo, quando
não se acha uma terminologia correta e condizentemente aplicável.
Impressionante. É lamentável dizer que, genericamente, os céticos
estão totalmente corretos ao chamar essas brincadeiras, esses
exercícios desprovidos de intelectualidade e transcendência, de
pseudociência!
Os espíritas orgulham-se de uma suposta tentativa de seu
codificador, Allan Kardec, de fazer jus a sua condição de cientista e
filósofo. Mas que não deu certo. Arvorar-se o espiritismo de
Filosofia, ciência e religião é altamente elogiável, mas, ao que tudo
indica, o que dele sobrou, via de seus adeptos, foi religião, tanto
dogmática como de postura. De Filosofia restou-lhe a profunda e
interessante tentativa de refletir sobre o universo. De ciência,
entretanto, nada tem. Tanto assim, que se vê atualmente rara situação
de pesquisa isolada em núcleos de universidades e, assim mesmo,
através de pesquisadores de declarada crença espírita. No mais, de
científico no espiritismo ficaram as pioneiras investigações do final
do século 19. E só.
Para adentrarmos aqui no mérito a respeito das fracassadas –
metodologicamente – pesquisas de Sir William Crookes em torno
das materializações do alegado espírito de Katie King pela médium
Florence Kook, seria obrigatória a exposição detalhada de como o
fascínio de então impediu uma visão isenta a respeito de uma fraude,
cujo estilo se perpetuaria, inclusive, nas ações de paranormais
farsantes de atualmente. À inconveniência de tal, nada resta para se
afirmar que o espiritismo seja científico. Mesmo porque, parte do
pressuposto de que o contato com espíritos de mortos seja
incontestável. Isto basta.
Kardec tentou:
185
O Espiritismo estabelece, pois, como princípio absoluto somente o que
é demonstrado com evidência, ou o que se deduz logicamente da
observação. Abordando todos os ramos da economia social, aos quais
presta o apoio das suas próprias descobertas, ele sempre assimilará
todas as doutrinas progressivas, de qualquer ordem que seja, chegadas
ao estado de “verdades práticas”, e saídas do domínio da utopia. Sem
isso ele se suicidaria. Cessando de ser o que é, mentiria à sua origem e
ao seu escopo providencial. (o grifo é nosso)
188
levados ao local pelas companhias promotoras dos eventos em
enormes recipientes ou amarrados em sacos de rede, alguns com
mais de sessenta metros de comprimento. Atados no alto de prédios,
os invólucros protetores são cortados e as bexigas escapam
salpicando o azul de pontos multicoloridos. São tantas que de longe
parece que o espaço está sendo todo tomado por fumaça.
O portal Rank Brasil – O Livro dos Recordes Brasileiros – traz
várias fotos sobre o assunto. O site informa que a Associação
Comercial de São Paulo surpreendeu os paulistas com a soltura de
110 mil balões no dia 31 de dezembro de 2004, no Páteo do Colégio,
em São Paulo. Desde 1991, a ACSP preenche os céus do centro da
cidade com os seus balões de gás em diversas cores, para comemorar
a chegada do ano novo. Uma rápida busca na rede fará que se
encontrem muitas fotos registrando essas revoadas de bolas de
bexiga a grande altitude, com aparência idêntica à daquelas filmadas
no México.
Mas, voltando ao ponto que nos trouxe aqui, Campos, o espírita,
confia que um espírito cognominado Erasto ditara-lhe uma obra
psicografada mencionando a possível finalidade daquele avistamento
de luzes no céu. Um fenômeno preparatório para contatos mais
efetivos com o homem no futuro. Bem, ainda que não tenhamos a
pretensão de afirmar o que quer que seja sobre “os desígnios dos
espíritos” (parafraseando os demais religiosos a respeito de Deus),
fica difícil saber por que razão Erasto não tenha alertado Campos de
que as flotillas mexicanas de Óvnis não passavam de balões soltos
aos milhares, durante festejos nacionais, como é costume e mania
em vários pontos daquele país.
Sobre isso, o autor comentado não titubeia: As centenas de naves
observadas naquela região... pareciam uma verdadeira “exibição”
de vida inteligente, vinda de outras paragens do Cosmos. Nova e
clara tentativa de postura científica. Enquanto tudo apenas parecia
uma verdadeira exibição, entre aspas, de vida inteligente, os pontos
observados eram mesmo, antes de tudo, “centenas de naves”. Naves,
bom frisar.
Kardec confiava que os fenômenos inspiradores da religião que
codificava encontrariam por parte das ciências um apoio
incondicional. Mas não foi assim, o que, aliás, é de se lamentar, já
189
que todo fenômeno não pode ser desprezado, mesmo diante dos
constantes constrangimentos de certos pesquisadores, que morrem
de medo de perder o emprego ou ver verbas cortadas por
demonstrarem interesse em destrinchar essas coisas – espíritos ou
Óvnis.
E, quando aconteceu, nada foi encontrado que demonstrasse ou
provasse com segurança, que espíritos de mortos se comunicam com
os vivos. Tudo o que se tem até agora é uma série de ilações de
ordem psicológica, e raramente da física, no sentido de que se pode
explicar fenômenos antes atribuídos a espíritos, a fatores bem mais
“materiais” ou naturais, ainda que raros e na maioria das vezes não
controláveis. Mesmo que certos espíritas insistam por achar absurdo
demais que a mente humana pudesse ser veículo de certas
ocorrências, preferindo admitir o mais fantástico, e exterior ao
homem, do que o mais possível.
Esta postura decorre, muitas vezes, pela falta de informação a
respeito das fontes e, por outras, do que já seja corriqueiro nesses
meios tais como brincadeiras, testes de falsificação, reprodução
proposital de imagens com o fito de comparação ou descoberta de
modos de fraude. Isto se torna uma verdadeira ausência de
percepção, refletida em completa falta de espírito crítico. Veja-se o
caso dos rods ou mesmo dos orbs, geralmente provocados por
respingos de orvalho, sujeira ou fungo nas lentes, que o mal
informado acredita serem Óvnis não perceptíveis manifestando-se
nas fotos.
O ufólogo mexicano Jaime Maussán é pertinaz em divulgar
material rumoroso e controvertido. É dele a proeza de turbinar a
crença de que os seres extraterrestres já começam, ou vêm
aumentando suas aparições em fotos. Como sempre, o fotógrafo
nada vê, mas se espanta ao revelar a película ou exibir a foto na tela
do computador. Mas, ao que tudo indica, são fraudes e das bem
grosseiras. Campos, no entanto, confia nesse tipo de foto para alegar
que os “seres” que nelas aparecem apresentam embaçamento, ou
seja, enquanto os seres humanos nas fotos estão sempre nítidos, as
entidades alienígenas, a seu turno, apresentam-se desfocadas. Essa
falta de definição na imagem, esse embaçamento das formas, é fato
característico do processo. Isso também é visto na materialização de
190
espíritos. Perigosa comparação. As tentativas de linguajar científico
prosseguem, apesar de tudo. O estado embaçado da forma antecede
seu estado sólido. Espantoso! Isto é realmente extraordinário!
Após outros tão fantásticos equívocos, tais como afirmar que
militares mexicanos teriam usado método científico na análise dos
balões, ou melhor, dos “milhares de Óvnis” (e o apontamento disto
fica por conta dos colaboradores citados), prossegue o articulista
fazendo outra afirmação claramente distanciada de quem esteja
acostumado às possibilidades tecnológicas. Sugere que um plano de
contato deva ser urgentemente elaborado para que a comunicação
com tais seres, que agora se manifestam de forma tão constante e
escandalosa, fosse mais produtiva. Eis no que se baseia sua
proposição: Se os Ufos não forem conduzidos por inteligências
artificiais, as chances de comunicação aumentam e muito! Mas é
justamente o oposto! Uma comunicação codificada, regular e
elaborada em linguagem científica, como a matemática, seria muito
mais eficaz diante de um possível extremo distanciamento de
idiomas, se é que Ets falam, apesar de mencionarmos em um
capítulo específico alguns supostos “diálogos” relatados pelas
testemunhas.
Quando se comentam entendimentos como este, pode-se notar
outro ponto do padrão de comportamento do próprio estudioso.
Quem trilha pelas áreas chamadas “paraciências” recebe direta
influência de pesquisadores antecessores, precursores e de fatos tidos
como verdadeiramente acontecidos.
Certas acepções vão sendo firmadas, aceitas por um número cada
vez maior de pessoas e então passam a incorporar o plano de
estudos. Isto se dá com a própria ciência. A diferença é que para as
ciências algo é verdadeiro, válido e aceitável após muita repetição,
depois de intensas tentativas de verificação, quando se levam em
conta fatores múltiplos e complexos. Passando o tempo, as
investigações sendo checadas, reavaliadas e criticadas por terceiros,
um fenômeno e suas peculiaridades passam a fazer parte do
princípio dado como válido pela maioria. Nisto têm razão os que
classificam a Ufologia de “protociência”. Mas há um viés perigoso
nisto.
191
Em áreas como Ufologia, paraPsicologia e aparentadas, partir
para o pensamento de verossimilhança é um método frágil e
arriscado. A partir de um instante na história, em que essas
ocorrências passam a fazer parte de um embrionário e rudimentar
campo de estudos, podemos ver que isto se deu à margem das
disciplinas acadêmicas – o que todo mundo sabe. Então, não se
conhecem pesquisas pioneiras que tenham sido empreendidas com
todo o rigor científico.
Quando muito, algumas tentativas isoladas conseguiram dar
início a uma coletânea de casos, para firmar uma já farta casuística.
Todavia, este grupo de casos não se preocupou muito com uma
classificação além da criação de neologismos ou empréstimos, tais
como a adoção de termos do tipo “Contato Imediato”, “Encontros
Próximos”, “Abdução”, “Sondas” e “UFO”. Os níveis de veracidade
e de credibilidade ficaram restritos ao parecer dos investigadores e
divulgadores dos casos.
Isto provocou um dos maiores equívocos da Ufologia – partir de
certos casos como se servissem de parâmetros genuínos do
comportamento do fenômeno, tanto física como psiquicamente. Ou
seja, se Edward Meyer107 mostrou filmes em super-8 que registram
um disco voador aparecendo e desaparecendo subitamente, isto é
evidência de que os Óvnis são capazes de se “materializar” e de se
“desmaterializar” à vontade. Casos assim servem de lastro para
ufólogos afirmarem essa faculdade do objeto voador não
identificado, faculdade essa ainda inexplicável para nós, quando não
se parte para explicações mescladas de fantasia e ciência. E nesses
instantes, coitada da física nuclear, da mecânica quântica, dos ainda
emergentes estudos de projeção holográfica em laboratório...
Com a paraPsicologia não é diferente. Todo mundo acha ser
ponto pacífico que as pessoas, concentrando-se devidamente,
influenciam metais e os entortam. A certeza começou com o
polêmico Uri Geller, de quem ninguém, por mais que tentasse,
conseguiu averiguar a veracidade dos “poderes”. Este israelita que
107
Edward “Billy” Meyer, suposto contatado suíço que dizia manter contatos telepáticos com
extraterrestres, posteriormente transformados em contatos físicos, quando começou a
filmar os “discos voadores” que os transportavam. As filmagens e fotografias são truques
primários e comprovadamente fraudulentos.
192
faz da paranormalidade um show, inspirou vários homens em
diversas partes do planeta na sua aventura de se intitularem dotados
de faculdades estranhas. No Brasil, o mineiro Thomas Green Morton
imitou Geller, conseguindo excelentes resultados no seu afã de se
tornar um mago mundialmente conhecido.
A imitação foi tão descaradamente deliberada que até no tocante
ao parapsicólogo que referendou a sua história se parece com a de
Geller. O israelita teve o respaldo de Andrija Puharich, enquanto
Morton o de Mário do Amaral Machado, presidente de uma
associação brasileira de paraPsicologia. Ambos os parapsicólogos
são curiosamente parecidos. Mas Morton sempre foi um mágico, um
ilusionista. Através de seus truques, convenceu muita gente, e
engana-se quem supõe serem seus seguidores pessoas de pouca
cultura. Artistas, médicos, políticos e autoridades fazem-lhe a corte
em sua chácara na cidade de Pouso Alegre, no sul do Estado de
Minas Gerais. Há um sem-número de ufólogos brasileiros e
estrangeiros que têm como certa a aparição de luzes sobre árvores,
de diversas cores, em meio a plantações ou próximas das pessoas em
alpendres e janelas, exatamente por causa de Thomas, que as
produzia com a participação de diversos ajudantes usando trajes
escuros nas adjacências de sua propriedade.
Estão certos de que Óvnis têm desenvolvido poderes e
paranormalidade em alguns “abduzidos” ou “contatados”,
exatamente pela sua ação, em Geller e em meia dúzia de espertinhos
espalhados pelo planeta, que Óvnis aparecem em fotografias sem
que o fotógrafo perceba, aparecendo somente quando revelado o
filme ou exibida a imagem no monitor. Uri Geller inspirou Morton,
que troca moedas por debaixo da mesa, entorta garfos e facas num
torno, substituindo-os com a habilidade de um ilusionista, que
inspirou Urandir Fernandes de Oliveira quando pede a um ajudante
que retire um prato de vidro do forno quente, coloque-o sobre a fria
mesa de pedra e este, a um “comando do pensamento”, explode em
estilhaços de vidro. São as “proezas” dos “paranormais” brasileiros.
Assim tem caminhado a “academia ufológica”, a tão orgulhosamente
autonomeada Comunidade Ufológica Brasileira.
193
Assim funciona a Ufologia, misturada à paraPsicologia,
respaldada em espiritismo108. Para o autor do artigo em pauta, o
administrador de empresas Pedro de Campos, teoricamente pode-se
comparar a velocidade de alguns Óvnis com a “velocidade dos
espíritos” (sic). É que o mencionado Billy Meyer, durante décadas
foco de discussão entre ufólogos, apesar das suas ridículas maquetes
de discos voadores pendurados em fios de nylon, afirmou que
contatou Semjase, uma ET que tripulava os Óvnis que ele conseguia
atrair. E que esta personagem informou estarem eles capacitados a
vir de algum astro nas Plêiades até a Terra num período de 7 horas.
Campos, numa rápida conta, concluiu que isso seria possível se
aqueles alienígenas viajassem 600 mil vezes mais rápido que a luz.
Daí em diante foi um piscar de olhos para que não apenas o autor,
mas muitos passassem a ter como certo o fato de que estes aparelhos
conseguissem atingir velocidades superiores à da luz.
Mas a credulidade não para por aí. Uma velocidade como tal
seria a rapidez do pensamento. Novamente, como se fosse
indiscutível que esse chavão tão replicado – o pensamento viaja a
velocidades instantâneas e inconcebíveis – fosse definitivamente
válido. Nunca se demonstrou, em qualquer lugar e em qualquer
tempo, que o pensamento possua uma “velocidade”. Porém, seres
sólidos não fazem isto. Surge então outra interferência do raciocínio
de um espírita – os ufonautas não seriam seres sólidos, mas viventes
talvez em outra dimensão, referendado pela falta de contato tentado
pelos esforços do governo, ainda não conseguido porque esse tipo de
vida talvez seja ultraterrestre, outra hipótese da Ufologia. Hipótese
festejada há cerca de duas décadas, principalmente através das obras
“místico-teosóficas” do respeitável General Uchoa. Tudo se encaixa.
Está justificado o porquê de se divulgar a visão de um espírita em
uma publicação de Ufologia.
Campos diz não se interessar por entrar no mérito da questão a
respeito de Billy Meyer, mas o utiliza como referência de uma
ocorrência como se fosse incontestável, talvez corriqueira. Fala que
a teoria dos ultraterrestres surgiu em razão da imaterialidade do
fenômeno UFO. Difícil é saber o que seria “imaterialidade”.
108
“Em” espiritismo, ao invés de “no” ou “pelo” espiritismo. Isto para evitar distorções na
compreensão do texto.
194
Os Óvnis seriam “espirituais”? Seria isto? Campos, em meio ao
seu artigo, é discreto na sua clara e inconveniente tendenciosidade de
espírita. E, para dar um cunho de pseudociência, recorre aos vazios
interestelares para dizer que, mesmo à velocidade alegada pela
Semjase de Meyer – literalmente, pois se constatou, com segurança,
que a tal criatura não era outra senão sua esposa usando peruca – as
viagens dos Óvnis não seriam possíveis: teríamos de usar a
velocidade dos espíritos. Com a mesma maestria, justifica
posteriormente a consideração de que ufonautas devem ser
ultraterrestres. Todos esses rompantes de uma aparente lógica
formal levariam o leitor, tranquilamente, a notar então que realmente
há nítida intersecção entre a Ufologia e o espiritismo. Fique a
vontade para refletir a respeito.
Sociólogos que fazem raros exercícios de imaginação diante do
fenômeno Óvni não estão mais sozinhos. Enquanto calculam o
impacto que o contato com uma civilização muitas vezes mais
adiantada ocasionaria, vejamos que choque a relação com seres
ultraterrestres provocaria. O mesmo articulista acha que o contato
com o ultraterrestre renovaria o espírito humano. Bem, se
literalmente, espírito com espírito... De fato, concepções incríveis
poderiam ser reveladas... O problema é que, da casuística
considerada com alguma credibilidade, o fenômeno tem-se mostrado
bem “sólido”, termo preferido pelo autor comentado, dentro daquele
percentual otimista de 1% de casos consideráveis. Razão lhe seja
dada, entretanto, porque os restantes 99% têm como fontes
testemunhas completamente suspeitas.
Primeiro, em virtude de falta de condições e conhecimento para o
correto registro da sua própria observação. Segundo, por decorrência
de um fanatismo totalmente desconectado de qualquer compromisso
com a razão – pessoas que vêm luzes de postes distantes, faróis de
carros em montanhas, satélites artificiais e até vaga-lumes, como
iremos comentar – e afirmam ter avistado sondas e discos voadores.
Em meio a estas, está um enorme percentual de testemunhas
cujas experiências limitaram-se ao subjetivismo de sessões para
tentativa de “contato telepático programado” e, sem embargos,
sessões de cunho espírita. Para fundamentar, o artigo lança mão de
um silogismo no mínimo tendencioso. Os tripulantes dos Óvnis e
195
seus operadores realizariam na matéria uma transmutação insólita.
Imaginamos neste ponto um físico lendo isto:
Quando um rastro de UFO aparece na tela de radar, ele pode ser visto
por todos, mas é apenas um sinal. Quando se tenta interceptar o UFO e
percebe-se apenas uma luz, ele é uma luz! Mas quando ela se movimenta
de modo ordenado e depois desaparece, não é uma simples luz. Algo
inteligente está por trás dela.
109
Bases Científicas do Espiritismo, editado no Brasil pela Federação Espírita Brasileira, Rio
de Janeiro, 1945.
196
Se Ufologia não é ciência, e realmente não é, não justifica o trato
de um fenômeno de maneira absolutamente crédula. Queiramos ou
não, com ou sem preconceito, que as ciências dela tomem conta.
Cabe ao simples ufólogo a obrigação de ao menos se portar
cientificamente, mesmo que dentro de limitadíssimas possibilidades.
Mas o próprio fenômeno não é conotativamente científico, dirão
muitos. Verdade. Nem a ciência ainda admite sua própria condição
de fenômeno, bradarão outros. Outra verdade. A Ufologia, incipiente
como tal, ainda se encontra na fase de colher dados para que as
ciências admitam o fenômeno. Porém, se há ufólogos que insistem
por achar que “luzinhas no céu não mais interessam”, ou que “eles”
estão à beira de se revelar, paciência. Só nos resta respeitar quem, ao
iniciar uma palestra em um congresso ou seminário de Ufologia,
antes convide o auditório a entoar com ele uma oração, um mantra
ou uma louvação. Ou o salmo 23, adaptado. Paciência!
197
Uma Nação de Patetas
198
novíssima neuroteologia110, por exemplo. Para estes homens, a visão
é o portal de acesso ao universo labiríntico da consciência, e apesar
dos progressos impressionantes até então, há um consenso de que o
desafio mal começou.
A ambiguidade perceptiva não é apenas um comportamento estranho
característico da organização do sistema visual. Ela nos diz algo sobre
a organização de todo o cérebro e como ela nos faz conscientes da
informação sensorial.
110
A denominação neuroteologia, em ascensão embora já consagrada, ainda gera alguma
controvérsia, segundo o professor. Hans-Ferdinand Angel da Universidade de Graz,
Alemanha. Para ele, talvez o termo mais apropriado fosse neuroPsicologia da
religiosidade, uma vez que o que está em estudo é a religiosidade do indivíduo, e não a
teologia ou a religião como disciplina de estudo.
111
Logothetis, N.K.; Leopold, DA.; Steinberg, D.L.; Neural mechanisms of perceptual
organization, p.87-104 in Neural Basis of Consciousness, John Benjamins Ed., 2006
199
cognitivos, valores, ética, princípios, etc. É nessa conjuntura que se
dá o ajuste final.
A imagem, ainda codificada conforme os estímulos sensoriais
iniciais, começa a ser decifrada de modo a se encaixar nos padrões
conhecidos. Feita a leitura, parte da informação volta aos córtices
visuais iniciais para “ajustes” a fim de evitar discrepância entre o
que foi visto e o que foi interpretado.
Em síntese, o que foi observado, além do Óvni, é também uma
representação criada pelo cérebro a partir de um conjunto de
padrões pessoais que pode ter uma ligação desvirtuada com a
imagem inicialmente observada. E há mais dois dados determinantes
a se considerar: o que é captado pelos olhos se bifurca em direção
aos hemisférios direito – lógico, racional, e esquerdo – emocional,
intuitivo, engrossando ainda mais essa emaranhada teia mental. É
preciso ter em conta também que a visão capta uma estreitíssima
faixa do espectro visível, apenas 2%, enquanto o restante
desproporcional, incríveis 98%, permanece totalmente ignorado. Se,
por um lado, isso é frustrante para multiplicar nosso conhecimento,
ao mesmo tempo é um alívio, porque nosso cérebro não teria como
administrar um universo tão rico e complexo de informações sem
correr o risco de um colapso.
O triângulo de Kanizsa112 é um modelo perfeito de como o cérebro reconstrói uma imagem aparentemente
“incompleta”, preenchendo os espaços vazios ou completando as linhas interrompidas, dando-lhe forma e
significado, neutralizando os efeitos de um possível conflito conceitual. Os triângulos inexistentes acabam
por se tornar “reais” porque foram reconstituídos pela mente – ela precisa “terminar” a imagem para não
sucumbir à “rivalidade visual” que surge em decorrência dessa disfunção cognitiva.
112
Gaetano Kanizsa (1913-1993), psicólogo italiano.
200
O mundo dos sentidos que dá textura ao presente não é mais que
um arquipélago no insondável mar aberto da percepção113. O fato
mais relevante que queremos ressaltar é o que acontece durante a
ligação entre as etapas dois e três. A informação recebida na etapa
final já vem estruturada por uma quantidade de emoções e
abstrações, que passam a se combinar com os padrões cognitivos -
“programas”, códigos próprios que o cérebro já mantinha
arquivados.
//
113
Gianetti, E..; O Valor do Amanhã, Cia. das Letras, SP, 2005.
114
Wilson, R. A.; A Nova Inquisição – Racionalismo Irracional e a Fortaleza da Ciência,
Madras, pg. 22, SP, 2004.
201
anéis em volta do indivíduo e o fazem caminhar por uma trilha
única, obliterando a “paisagem” externa.
Todos nós, sem exceção, temos uma construção pessoal da
realidade, um modelo que nos satisfaz, supre nossas necessidades,
conveniências, desejos e carências. É um mapa que nos orienta e
indica o rumo a seguir. Porém, quando este mesmo mapa ou este
mesmo túnel se torna flexível no sentido de ampliar os espaços ou
multiplicar os caminhos disponíveis, isso possibilita transitar
livremente por distintas interpretações, não necessariamente
excludentes entre si.
Ainda assim, estaremos distantes da essência, que é muito mais
complexa e que pela própria natureza jamais se revelará em sua
totalidade. Mas, pelo menos um caminho assim estendido mostrará a
luz dessa limitação, enquanto que um [túnel] “fechado” continuará
circunscrevendo o caminhante dentro de limites rigidamente
definidos.
Podemos dizer que, neste túnel de realidade, identifica-se algo
próximo a um fundamentalismo ufológico e, como tal, via de mão
única. Além disso, já vimos que quanto maior a idolatria, maior o
sacerdócio e maior a servidão. Quanto mais alto o pedestal, menor a
criatura que se posta diante dele.
Carl Sagan, criticado por um grande número de ufólogos, disse
em sua obra O Mundo Assombrado pelos Demônios: Se você quer
acreditar em UFO, você tem dois caminhos: rezar ou estudar. Foi
daí a frase que já comentamos: Se não praticarmos os hábitos da
vigilância, da dedicação e da coragem, não podemos ter a
esperança de solucionar os problemas sérios com que nos
defrontamos, e nos arriscamos a nos tornar uma nação de patetas.
O que Sagan talvez estivesse querendo dizer é que o ufólogo é parte
do problema. Se não for o próprio. Einstein dizia:
Não devemos exigir que a ciência nos revele a verdade. Num sentido
corrente, a palavra “verdade” é de uma concepção muito vasta e
indefinida. Devemos compreender que só podemos visar a descoberta
de verdades relativas. Além disso, no pensamento científico existe
sempre um elemento poético. A compreensão de uma ciência requer, em
certa medida, processos mentais idênticos. Mas a ciência não pode
significar o mesmo para todo mundo. Para nós [referindo-se aos
202
cientistas em geral] ela é em si mesma um fim, pois seus homens são
espíritos inquisidores.
Entre os presentes que a ciência tem para oferecer está, ainda nas
palavras de Sagan, um “kit de detecção de falácias”. E, ironizando,
complementa:
203
Isto já era um alerta filosófico em teoria do conhecimento. Neste
instante, ocorre interação entre o sujeito cognoscente e o objeto
conhecido, por vezes tão forte que o primeiro acaba por se confundir
com o segundo, havendo, no mínimo, a urgente necessidade de se
entendê-lo – ao homem – em maior amplitude, sob pena de não se
chegar à compreensão do objeto de estudo.
A comunicação entre os dois lobos cerebrais está exigindo dos
especialistas uma atenção especial, diferenciada, do ponto de vista
clínico, neurológico, antropológico, psicológico e cultural. Isso é
relevante porque seguramente muitas lacunas do conhecimento serão
preenchidas, muitas pontes ligando memória, inteligência, humores,
deficiências, fobias, estímulos, ações e reações, distúrbios, desvios,
sentimentos, pulsões e sensações deverão ser construídas,
proporcionando um salto de qualidade extraordinário, impulsionando
cada vez mais novas e melhores pesquisas. É o homem em busca do
homem, a mente tentando entender a si própria numa das maiores
investidas científicas da humanidade.
No momento em que escrevemos este texto, dispomos das mais
recentes informações sobre as investigações da mente e do cérebro,
pouco mais de um mês depois de termos escrito o parágrafo anterior,
e, certamente, antes do fim desta linha, novas descobertas estarão
dando um novo rumo às pesquisas. Já há um novo enfoque, já se
esboça uma abordagem que promete rever todos os conhecimentos
até então. Não há limites para a capacidade humana de desvendar o
mistério último de sua existência.
A questão que se coloca é: qual é a reação diante de uma situação
que se pode rotular bondosamente de “incomum”? Que mecanismos
são deflagrados para a interpretação final? Como a lógica e o
raciocínio analítico estarão naturalmente eclipsados durante esse
trânsito – pelo menos num primeiro momento – deduz-se que a parte
emocional, “mística, religiosa ou espiritual” será acionada e
compelida a “traduzir” a experiência sensorial vivida. Com que
profundidade e consequências pode-se avaliar a “distorção” na
última fase de identificação desta experiência? Há algo de subjetivo
em tudo isso.
Mas é preciso enfatizar que a ciência é também Filosofia e –
principalmente – reflexão, e não apenas uma sucessão de teoremas,
204
formulações matemáticas e combinações químicas. A dificuldade
está em que, tratando-se de Óvnis, não há uma aferição explícita ou
um peso molecular em jogo. Então redirecionamos nosso olhar para
as pesquisas do Prof. Christian Koch, que tem sua atenção voltada
para a descoberta do elo entre cérebro e consciência. De acordo com
as experiências relatadas, o registro de uma imagem pode, pode
exemplo, desfigurar ou mesmo suprimir outras. Tais efeitos são
conhecidos entre os psicólogos da percepção por “mascaramento”. O
fenômeno deixa claro que nossas percepções, em certas
circunstâncias, divergem dos acontecimentos reais. É fundamental
levar isso em conta!
E qual o papel da memória em todo este jogo de decifrações?
Como confiar em nossa capacidade de estocar recordações, se os
mais simples eventos de nossa vida estão sujeitos a alterações
involuntárias e distorção da sua realidade? O que dizer de
acontecimentos impactantes como os contatos ou avistamentos de
Óvnis? E o que é “memória”? Como se dá o seu arquivamento?
Sucintamente, memória é a aquisição ou aprendizado,
armazenamento e recuperação de informações. Dela depende uma
imensa quantidade de ações que acabam por definir nossa própria
trajetória de vida. É uma função regulada por vias nervosas
vinculadas às emoções e aos estados de ânimo, onde diferentes áreas
cerebrais processam diferentes tipos de memórias – visual, olfativa,
tátil, auditiva e palatal. É importante saber, por exemplo, que a
lembrança de um rosto, um objeto ou um quadro não está “pronta”
na mente, como se fosse uma “fotografia”.
Ela – a lembrança – se forma à medida que vasculhamos na
memória as informações que “compõem” aquele rosto, objeto ou
quadro. A “plasticidade” da memória e sua durabilidade são
características não inteiramente compreendidas pela ciência, e por
isso mesmo, fascinantes. Pesquisas na área criminal, por exemplo,
revelam um dado perturbador: quando testemunhas são convocadas
para identificar suspeitos de um crime, elas apontam para alguém
específico, ainda que o verdadeiro culpado não esteja presente.
Essa “falsa identificação” não é rara, ao contrário, alcança um
índice próximo dos 70%. Basta um detalhe, um elemento adicional
ou mesmo uma interpelação mal formulada para reconstruir o fato
205
numa versão diferente da original. Nem vamos aprofundar nos
aspectos puramente psicológicos diretamente envolvidos: o trauma,
o desconforto e o medo de uma identificação, resultando na vontade
de “terminar logo com aquilo”; a necessidade de “cumprir o dever
cívico” para com a sociedade; o desejo de punição, indo ao
paroxismo da vingança e, num enfoque mais subjetivo, o papel de
“vítima” e centro das atenções. A Justiça requer com frequência o
auxílio de psicólogos e psicanalistas para desvendar casos que
apresentam estes sintomas.
Antonio Damásio, chefe do Depto. de Neurologia da Faculdade
de Medicina da Universidade do Iowa e professor adjunto no Salk
Institute for Biological Studies, San Diego, utiliza a expressão
representações dispositivas aos circuitos de interconexão neural que
existem em pequenos grupos de neurônios – as “zonas de
convergência” – onde são formadas as imagens.
116
in Como Conservar e Desenvolver sua Memória, Ediouro, RJ, 2005.
207
experiência da Universidade de Harvard, um grupo de estudantes de
comunicação, em São Paulo, elaborou um teste bastante interessante
para avaliar os níveis de percepção dos espectadores e a capacidade
de memorização e reconstituição dos fatos. Um vídeo produzido
pelo grupo exibia um círculo de seis jovens identificados pelas cores
das camisetas – três vermelhas e três azuis – posicionados
alternadamente, onde cada um jogava uma bola para o seu
companheiro de camiseta. Tínhamos então rapazes e moças jogando
duas bolas simultaneamente em direção aos seus respectivos pares.
Ao espectador era solicitado que observasse se, em algum momento,
o jogador “vermelho” jogaria a bola para um “azul” e vice-versa. O
vídeo durava alguns minutos. Ao fim da projeção, entretanto, a
pergunta era outra, absolutamente inesperada: você viu o gorila?
A grande maioria dos assistentes em nenhum momento reparou no
animal – gorila? Que gorila? Naturalmente, um jovem fantasiado
que circulou entre o grupo imitando os movimentos típicos do
animal por alguns momentos, saindo de cena como entrou,
sutilmente. Os “reprovados” no teste não se conformaram e
duvidaram que o tal “gorila” de fato tivesse aparecido. Na reprise, se
convenceram de sua presença, de forma até cômica, mas ninguém
soube explicar como não o tinham visto antes. Essa brincadeira,
envolvendo percepção e memória, nos mostra que apesar de
estarmos atentos ao que se desenrola à nossa frente, nosso cérebro
deixa escapar detalhes, preenchendo essas lacunas de uma forma
ainda não inteiramente compreendida.
As diversas “camadas de memória” que têm sido identificadas
permitem, por um lado, perceber quais setores são acionados quando
estimulados, e por outro, ampliam o leque de dificuldades para
entender se atuam independentes de outras camadas ou se interagem
com elas, de uma forma ou de outra. Como explicar o que acontece,
por exemplo, quando queremos lembrar o nome daquele artista
conhecido, famoso, aquele bonitão que ganhou o Oscar, o... o...
aquele, que fez o papel de mafioso naquele filme... como é mesmo o
nome do filme?... e isso não vem à mente por mais que nos
esforcemos? Então, deixamos de lado, “esquecemos” que queremos
nos lembrar do tal ator e, de repente, do nada, 10 minutos, 1 hora, 3
dias depois, como num passe de mágica, o nome salta à nossa frente!
208
“Quem” esteve procurando pelo nome enquanto nossa mente se
ocupava com outras coisas? Que parte do cérebro continuou a
operação-procurar-celebridade mesmo depois de esquecida essa
tarefa? Para o Dr. Robert Jaffard, Diretor do Laboratório de
Neurociências Cognitivas da Universidade de Bordeaux, França,
esses diferentes sistemas interagem, cooperam e, em certos casos,
até entram em conflito, dependendo das situações particulares
enfrentadas. Memórias de curta e de longa duração, memória
espacial, cognitiva, declarativa e não-declarativa, consciente e
inconsciente, todas se subdividem em estratos formando uma cadeia
neural inimaginável.
Ao longo dos anos 60, diversos cientistas se dedicaram ao estudo
do funcionamento da memória sob o ponto de vista clínico,
provocando artificialmente as vias nervosas do cérebro através de
impulsos elétricos, percebendo que a memória de fato ficava
potencializada por longo tempo após os experimentos. Este é um
dado importante para o nosso estudo, e pedimos ao leitor – com
perdão pela brincadeira – que o guarde na memória porque
voltaremos a falar sobre isso mais à frente. Por ora, é preciso
enfatizar que os mecanismos da memória estão intrinsecamente
ligados aos da percepção visual e, mais que isso, trabalham em
conjunto como um processo único. Há um detalhe que não pode ser
ignorado: a memória tem instrumentos com os quais o cérebro não
participa voluntariamente. Por exemplo, quando vemos um copo de
água sobre a mesa, sabemos do que se trata e o que queremos fazer,
mas o ato de estender o braço e pegá-lo é feito de forma automática,
ou seja, não precisamos nos “lembrar” de levar a mão até ele. Muito
do que fazemos diariamente obedece a esse gesto, são ações motoras
reconhecidas, condicionadas, que não requisitam a participação da
vontade. Charles Chaplin retratou isso de maneira cômica, porém
cruelmente verdadeira em Tempos Modernos.
Outra informação relevante a se destacar é que a lembrança de
um fato não é a sua restituição literal, mas uma reconstrução
determinada pela identidade do sujeito. Diversas experiências
demonstraram como a memória vai ordenando os fatos dentro de um
dado período, sofrendo menores ou maiores variações na
recomposição da lembrança conforme o tempo decorrido. Uma única
209
conexão incompleta entre bilhões é suficiente para provocar
alterações sensíveis no quadro geral da memória, e essas
imperfeições ocorrem com muito mais frequência do que se imagina.
O Dr. Schwob sinaliza para a dificuldade em se diferenciar as
verdadeiras das falsas recordações, também conhecidas como
paramnésia.
:
A lembrança é uma combinação complexa que integra fragmentos
registrados do acontecimento, conhecimentos preexistentes, crenças e
expectativas que o sujeito traz em relação ao acontecimento, assim
como propriedades do ambiente no qual a experiência é restituída.117
211
No segundo caso – a falsa lembrança – quem está submetido
acredita na verdade exposta durante a regressão. É isto que faz a
hipnose não ser um método infalível em favor da realidade concreta
e objetiva de um caso de abdução, sempre a título de exemplo. Ela é
um meio, não um fim, servindo como método tão somente para se
constatar se o indivíduo está ou não sendo sincero. Vale dizer, se
está ou não mentindo. Então, nada prova sobre as abduções ou
outros tipos dos chamados Encontros Próximos com Óvnis. Existe,
por outro lado, completamente separada das técnicas clássicas, e que
a Psicanálise preferiu apenas como método paralelo e raramente
aplicável, a hipnose eriksoniana119.
Esta, por se constituir apenas como um recurso terapêutico
através de induções indiretas e condução do paciente a chegar às
suas lembranças, mas não propriamente fazendo-o “reviver”
efetivamente um fato, torna-se ainda mais falha contra distinção das
falsas lembranças, do que poderia ser, teoricamente, a memória de
um fato real.
A memória é uma função apenas parcialmente submetida ao
controle consciente, comportando-se, em sua maior parte, de uma
forma frustrantemente autônoma – lembramos de coisas quando não
queremos e não lembramos do que precisamos lembrar. Quem
controla essa faceta independente da memória? Certos estavam os
antigos gregos, para os quais a memória era uma deusa –
Mnemosyne – além e acima da consciência humana, capaz de
transformar totalmente a realidade apenas manipulando nossas
lembranças. Sabemos hoje que a memória mantém estreita ligação
com o hemisfério direito e este, por sua vez, com o sistema límbico,
que rege o emocional.
Tal associação implica dizer que a memória está intimamente
relacionada com fatores emocionais, dado de vital importância neste
estudo. Diante de situações traumatizantes, o organismo provoca
descargas elétricas que vão interferir diretamente nas vias neuronais,
provocando distorções e reações em todos os sentidos. Diante disso,
o desencadear de lembranças torna-se um ato fora de controle.
Resumindo, temos, numa primeira análise, que:
119
Método de hipnose “consciente” elaborado por Milton Hyland Erickson, psiquiatra norte-
americano falecido em 1980.
212
a) A memória agrega informações que não são conscientemente
conhecidas por nós;
b) Opera com dados os quais o cérebro não tem participação
direta e, para tornar o quadro mais “divertido”,
c) Situações em que são fornecidas informações falsas ou fictícias
induzem a memória a adaptar esses dados, reunindo-os à lembrança
original.
213
E finaliza, contundente:
Acontecimentos deixam-se incorporar em nossa história tanto mais
facilmente quanto melhor se encaixam no panorama da nossa
disposição psíquica. A memória é oportunista: acolhe o que lhe serve e
descarta o que lhe parece supérfluo ou desagradável 120(grifo nosso).
215
se permitem a um sobrevoo para ver como ele atua no todo. Assim
como na fábula do burrico que corre atrás da cenoura pendurada à
sua frente, parece que há um Óvni pendente à frente dos
pesquisadores, que só apontam o nariz na direção em que o objeto se
desloca.
Se a árvore não deixa ver a floresta, o Óvni não deixa ver a
Ufologia.
A era espacial exige que mudemos nossas ideias sobre nós mesmos, mas
nós queremos nos agarrar a elas. É por isso que há um ressurgimento
da ortodoxia antiga em tantas áreas diferentes ultimamente. Não há
horizonte no espaço e pode não haver horizonte em nossa própria
experiência. Nós não podemos nos apegar a nós mesmos ou aos nossos
grupos íntimos como uma vez fizemos. A era espacial torna isso
impossível, mas as pessoas rejeitam esta necessidade ou não querem
pensar nela. Então elas se empurram de volta ás igrejas de verdade
única, ao movimento ´black power´, ou aos sindicatos, ou à classe
capitalista.121
121
Joseph Campbell, em entrevista a Eugene C. Kennedy para o New York Times, 1979
216
Schwarzschild, onde nascem teoricamente os buracos negros; procure
compreender a teoria unificada do campo assimétrico...122
Esta nova vida [ainda referindo-se à era espacial] não está bem definida.
É por isso que queremos nos prender ao passado. A jornada para esta
nova vida – e é uma jornada que todos devemos fazer – não poderá ser
feita a menos que deixemos o passado para trás. A realidade da vida no
espaço significa que nós nascemos de novo, não “renascer” como
dizem as antigas religiões, mas nascer para uma nova ordem de coisas.
Nós estamos em queda livre para o futuro, que é misterioso. Ele é muito
fluido e isso está desconsertando muitas pessoas. Tudo que você precisa
fazer é saber como usar um paraquedas.
122
Guimarães, S. L., Viagem à Terra dos Sonhos, Áquila, SP, 1997.
123
Modernidade aqui está definida historicamente a partir dos Séculos 15 e 16, com o
Renascimento e o desenvolvimento das atividades econômicas e culturais. Campbell,
quando fala em era espacial, refere-se naturalmente às primeiras investidas nessa área, ao
final dos anos 50.
217
intrínseca de “criador”, no sentido de “pensador”, acabou por
enredar-se em um verdadeiro “nó górdio” de sua existência.
Nascer para uma nova ordem de coisas é o próximo segmento
destacado. Essa nova ordem professada é precisamente a tecla a qual
vimos batendo há anos em relação ao tema que estamos envolvidos,
recebendo, em troca, ouvidos moucos. Perceba que o trecho vem na
sequência de quando Campbell se referia à era espacial. Foi com
esse passeio que a humanidade se deu conta do seu lugar no cosmo e
foi a partir daí que nasceu essa nova ordem de pensar a vida – uma
tarefa que vem sendo conduzida por poucos. Por fim, o terceiro e
último trecho nada mais é que o complemento deste breve desvio –
estamos em queda livre para o futuro. Alguém ainda tem dúvida? O
conselho dado é saber usar o “paraquedas”, e cremos que o leitor
inteligente percebeu de qual paraquedas Campbell estava se
referindo.
Se demos um salto das neurociências para os mitos e a
religiosidade, parece-nos oportuno fazer neste momento uma ligação
entre estes três tópicos, e ver o que resulta disso. Lembramos Jung
ao dizer que um dia Psicologia e Ciência iriam se encontrar por
caminhos distintos, e parece que estes tempos estão próximos. Já faz
parte das sessões acadêmicas uma nova disciplina aglutinadora – a
neuroPsicanálise. Para tanto, recorremos aos estudos dos Drs.
Andrew Newberg, neurocientista, diretor de Medicina Clínica
Nuclear da Universidade da Pensilvânia, e Eugene D´Aquili,
psiquiatra da mesma instituição, já falecido. Seus experimentos
envolveram o monitoramento da atividade cerebral durante estados
de meditação e profunda contemplação religiosa, chegando a
resultados muito interessantes.
Quando os voluntários encontravam-se naqueles estados, havia
uma diminuição significativa da atividade cerebral, em especial no
lobo parietal, área responsável pela definição de onde termina o
“mundo interior” e começa o “exterior”. Para Andrew e D´Aquili, os
sentimentos religiosos têm uma base neurológica, ou, dito de outra
forma, as pulsões religiosas – o anseio pela experiência metafísica –
estavam inscritas no cérebro.
Em decorrência, aqueles especialistas acreditam que a formação
dos mitos tenha esse mesmo fundamento, posto que seja uma
218
“resposta fisiológica” ao medo, ao perigo, o que prepara o corpo
para a fuga ou para a luta, até porque o mito invoca forças
desconhecidas para resolver esses impasses existenciais – vida e
morte, deuses e homens, etc. Para Karen Armstrong, o mito trata do
desconhecido; fala a respeito de algo para o que inicialmente não
temos palavras... A mitologia foi, portanto, criada para nos auxiliar
a lidar com as dificuldades humanas mais problemáticas.
De alguma forma, os mitos fazem-nos experimentar a própria
divindade, segundo essa autora. Há uma necessidade imperativa de
tentar “explicar” o mundo, e o cérebro atua incessantemente na
elaboração de mitos que possam explicar os mistérios que a mente
não alcança. Embora ainda sejam estudos embrionários, sua
aceitação ganha adeptos, amplia largamente os rumos investigativos
e abre perspectivas impensáveis até poucos anos atrás.
A humanidade possui dois telescópios imaginários para ajudá-la
em sua caminhada cósmica. Um está voltado “para trás”, para as
suas origens, sua história, por onde tenta desvendar os grandes
segredos ocultos no útero dos acontecimentos, nos vestígios de sua
passagem pelo planeta, nos monumentos e nas ruínas silenciosas e
inescrutáveis, entre o começo dessa história e um ponto impreciso
onde ela retoma sua jornada. Há um hiato existencial e uma memória
inexistente, um elo literalmente perdido, e nem mesmo a ciência e a
tecnologia ainda foram capazes de desfazer essa névoa de
ignorância, embora muito progresso tenha sido feito e muito se fará.
O outro está apontado para o futuro, para o que ainda vamos
escrever, para as nossas esperanças, nosso crescimento, nossa
maturidade. É tão misterioso quanto o passado, mas com uma
vantagem – podemos construir ou destruir, temos competência para
um ou para outro, as ferramentas para ambas as opções – se
soubermos usá-las para o bem, ótimo, caso contrário, é só uma
questão de tempo “fechar a conta”. O mesmo caso se aplica à
Ufologia – temos o instrumental, mas nunca soubemos usá-lo
corretamente. Ou aprendemos de uma vez por todas ou então vamos
enterrar nossas cabeças na areia e deixar a vida seguir seu curso sem
a nossa participação. Depois não adianta espernear tentando entender
ou consertar o que já aconteceu...
219
Um mito nada moderno
124
Oliva, A.; op. cit.
220
holística. Esta, consciente ou inconscientemente, integra os antigos
mitos à cosmovisão técnico-coletiva sobre a qual se apoia nossa
cultura, completando-a e, dessa forma, transformando-a. Por isso,
um dos aspectos mais fascinantes da Ufologia é o estudo dos
“deuses-astronautas”, que busca suas fontes no passado remoto,
assimilando mitologia e história. Seu objetivo, não declarado nem
reconhecido, é integrar os discos voadores às raízes do espírito
humano, renovando o contato com elas.
Quando algo vem à luz – escreve Jacques Lacan – algo que somos
forçados a admitir como sendo novo, quando uma outra ordem da
estrutura emerge, ele cria sua própria perspectiva no passado, e então
dizemos: isto jamais pôde não ter estado aí, existe desde toda
eternidade.125
126
Fearn, N.; Aprendendo a Filosofar em 25 lições, Jorge Zahar Editor, RJ, 2004.
222
A verdadeira Ufologia não é essa que desfila diante dos nossos olhos
127
In O cérebro e as viagens astrais, Dr. Luiz Otávio Zahar, www.ippb.org.br
224
neurocientistas tenham se negado sistematicamente a dedicar tempo
e pesquisa ao tema.
Esse é o pensamento do Dr. Edson Amâncio, neurocirurgião do
Hospital Albert Einstein, de São Paulo. Ele lança ainda uma outra
dúvida: Pode uma avaria, um curto-circuito nas redes neurais que
parecem governar a fé, desencadear uma crença que não existia ou
estava adormecida?128 Se as perguntas estão apenas começando, não
se pode pretender respostas definitivas de quem quer que seja. De
qualquer forma, recomendamos que guarde bem esta informação,
porque ela será bastante útil quando chegarmos ao capítulo “A
árvore de dourados frutos”.
Voltando às tão discutidas abduções, o que se pode dizer? A
palavra “abdução” pertence ao ramo médico – é o movimento que
permite separar um segmento corporal da linha média do corpo –
mas é adequadamente usada para classificar um suposto sequestro
por parte dos tripulantes de um Óvni, em que a vítima é submetida
(ou não) a um escaneamento psicofísico. Não sabemos o porquê da
adoção deste termo, mas, filosoficamente falando, parece que foi
escolhida de forma feliz por quem quer que a tenha enquadrado no
campo da Ufologia, em um passado não muito remoto.
Poucos filósofos adotam o termo, mas há alguns que o colocam
como uma das formas de raciocínio, ao lado da indução e da
dedução. A abdução seria um meio, ou método de pensar, que pode
levar a um conhecimento não obtido pela ação comum do raciocinar.
Ela difere do método indutivo, pois este escolhe fenômenos
individualizados, no campo do particular, para que se chegue a
conclusões gerais.
O dedutivo parte do que se forma como princípio, já se conhece
como característica do todo, do geral, para enquadramento de um
fenômeno particular, que siga ou não o que está estabelecido como
abrangente. Já a abdução não é forma de pensar semelhante. Ela
parece estar próxima da intuição, mas mesmo esta é considerada pela
Filosofia da ciência como um procedimento do pensar que vai em
direção à essência das coisas e dos fenômenos.
Através dela, o indivíduo não pensou nem aplicou método de
raciocínio, qualquer que seja ele adotado por certas ciências ou
128
Scientific American Brasil, Religião e Epilepsia, abril de 2006
225
disciplinas – como o indutivo e, mais comumente o dedutivo – mas
teve ou colheu um conhecimento por uma via quase que paralela da
ação mental, como se este se originasse de outra mente ou de um
meio pouco convencional. Para as linhas pragmáticas da Filosofia da
ciência, a abdução não passa da escolha de uma suposição, de uma
hipótese, na observação de um fenômeno, para que depois em sua
experimentação seja esta confirmada ou não. É, em termos, o que no
campo do concreto ocorre com os abduzidos em Ufologia. Levam a
vida normalmente até que algo a situe em outra dimensão espaço-
temporal, encobrindo uma situação até então desconhecida, como se
o sujeito vivesse uma história paralela à que protagoniza em seu dia-
a-dia. A abdução, portanto, por fugir do que geralmente se nomeia
como métodos mais comuns de raciocinar, vem a calhar no campo
da Ufologia, mas apenas do ponto de vista filosófico, devemos
enfatizar.
As abduções, ainda que tema complexo, podem perfeitamente
enquadrar-se no rol dos fenômenos atribuíveis tão somente à mente
humana, nas suas variações de ordem psicológica e psicanalítica.
Ousamos oficializar de vez, inclusive, uma “tese” que se pode
incorporar á nomenclatura ufológica. Pensamos já ser tempo da
Ufologia separar o que seja abdução de supostos acontecimentos de
ordem eminentemente física, desde antigamente chamados de
“sequestro”. No máximo para efeito de classificação, bom
esclarecer, porque estes geralmente são casos compostos da ida
forçada de indivíduos a bordo de objetos voadores não identificados,
após uma espécie de paralisia induzida, conduzidos por estranhos
seres quase sempre de compleição humanoide, vale dizer, seres de
aparência humana trajados de forma típica à de astronautas ou de
personagens da ficção científica.
Um dos primeiros casos registrados identificando esta situação
data de 1961 envolvendo Barney e Betty Hill, que foram submetidos
a uma bateria de “exames clínicos” em um ambiente sugerindo algo
como um “laboratório alienígena”. Estudos recentes indicam fortes
possibilidades de tudo ter sido uma fantasia. Depois deles, mostra a
casuística, milhares de pessoas já passaram e continuam passando
por essa experiência. Milhares é diminuir a conta, pois de acordo
com alguns autores, a cifra alcança a casa dos muitos milhões.
226
Ocorre que tais fenômenos – diferentemente daqueles raríssimos
(mesmo assim ainda não comportando uma explicação definitiva)
que se dão aparentemente no campo somente físico – em que
pessoas estão caminhando, dirigindo veículos ou trabalhando na
roça, afirmam que, de repente, teriam recebido a visita ou
testemunhado a aparição de objetos voadores e seus tripulantes. A
abdução ocorre durante o sono, reflete-se no estado emocional da
pessoa, influencia seus valores e quase sempre seu comportamento.
Em grande número de vezes torna-se recorrente, noticiando a
insistência de visitantes estranhos e, invariavelmente, aterrorizantes.
Mas algumas explicações começam a tomar forma, colocando as
peças nos seus devidos lugares. Ainda que não sejam a palavra final,
certamente trazem esclarecimentos e fazem mais sentido do que a
enxurrada de bobagens que entope o assunto. O ponto de partida
para uma nova compreensão acerca das abduções começa quando
estamos... dormindo! Ou quase. Existem dois caminhos – o quase-
sono e o falso despertar – muito mais comuns do que se pensa,
atingindo uma fatia representativa da população, incluindo crianças.
O primeiro se situa naquele limiar entre o estado pré-dormente e o
primeiro nível do sono, enquanto o segundo ocorre no momento que
antecede o final de um sono: você pensa que acordou, executa as
tarefas habituais, se alimenta, troca de roupa, anda pelo quarto, mas
num dado momento acorda de novo – de verdade – e percebe que
ainda estava dormindo. Este momento do falso despertar pode vir
acompanhado por um outro fenômeno conhecido como “paralisia do
sono”, do qual falaremos mais à frente.
Por apresentarem a participação de alegados seres diferentes dos
humanos, que dominam a vontade do indivíduo, subjugando-o física
e psiquicamente, as abduções inspiram os ufólogos a insistir por sua
origem objetiva e alienígena, exógena, como sinônimo de ataque de
seres extraterrestres, por vezes fantasmagóricos. Porém, muito de
seus pressupostos indicam que têm origem nos sonhos. Sabe-se, pela
Psicanálise freudiana, que os sonhos possuem dois conteúdos: o
manifesto e o latente.
O conteúdo manifesto dos sonhos é o enredo com que este se
apresenta à mente do indivíduo e é formado por aquilo que se
consideram experiências recentes, tais como o que foi vivido durante
227
o dia ou nos mais recentes. Não é pecado supor que a influência da
hipótese de existirem seres extraterrestres a bordo de naves
intergalácticas, haja ou não interesse do sonhador pelo assunto,
esteja presente na constituição do sonho, mesmo porque, todas as
pessoas estão sujeitas a tal tipo de influência e isto não é tão
moderno nem tão raro quanto se imagina. A ideia de naves espaciais
não pertence apenas ao século 20, ao contrário, a ficção que as
utiliza vem dos primórdios do século 18, como já vimos.
A literatura está repleta de relatos de pessoas que “juram” ter
acordado e vivenciado experiências das mais assustadoras –
presença de espíritos, entes queridos distantes, falecidos ou não,
luzes brilhantes pelo ambiente, músicas celestiais ou ruídos
desagradáveis, perfumes inebriantes ou odores nauseantes, paisagens
e cenários de indescritível beleza e a visão de “estranhas criaturas”.
Na falta de uma explicação satisfatória, recorre-se ao campo da
paranormalidade ou da Ufologia como única resposta plausível.
Nossos bisavós já sabiam, por vivência natural, que uma boa noite
de sono mantém nosso metabolismo perfeitamente regulado e a
mente, inclusive processos criativos, funcionando a plena carga.
Hoje, a neurofisiologia demonstra, através do imageamento cerebral
e de gráficos, o que ocorre em nosso cérebro durante um sono
estável ou quando sob estresse e perturbações, indisposição, traumas,
ansiedades ou sob influência de fármacos. Não vamos entediar o
leitor com a difícil terminologia médica para explicar esse
mecanismo, nem com o histórico de pesquisas ao longo de décadas.
Vamos direto ao que nos interessa.
Dirão alguns opositores que as abduções não são frutos apenas de
nossa admiração pelas viagens espaciais, no que estão certos. E isto
confirma, em termos, a hipótese aqui lançada. Um levantamento
mais atento e minucioso poderia mostrar se as abduções realmente
aumentaram nos últimos cinquenta anos, ou se estatisticamente
sempre foram registradas. Se positivo, é fácil e lógico concluir que
antes as abduções apenas não mereciam tanta atenção dos estudiosos
e profissionais da saúde, diluindo-se em meio a patologias
conhecidas e a distúrbios cujos sintomas as abrangiam e absorviam
nas classificações científicas. Como quer que seja, Freud estabeleceu
uma integração entre os conteúdos manifesto e latente dos sonhos.
228
Este último, formado pelas experiências antigas da pessoa, é
infinitamente mais complexo e importante. Observando a estrutura
dos sonhos, chegou a compará-la à estrutura das neuroses. Com isto,
anunciou que com os sonhos o estudioso poderia chegar ao
inconsciente da pessoa analisada.
Os ufólogos conhecem o conceito leigo do “neurótico de guerra”,
que geralmente sonha com situações de amargura, comportando-se
em sono de forma agitada e violenta, por vezes projetando esse
comportamento em situações específicas do dia, quando desperto e
em vigília. Não raro, a agressividade se manifesta como forma
defensiva, chegando a apresentar sintomas semelhantes aos da
alucinação, demonstrando terror e revolta. Alguma semelhança com
certos abduzidos? Por certo que sim.
O fascínio pela hipótese extraterrestre, bem como a necessidade
de fuga dos problemas de ordem pessoal ou familiar e social, podem
contribuir para a elaboração de sensações ou enredos de abdução. Na
formação dos sonhos, destacam-se sentimentos, pensamentos e
desejos reprimidos no inconsciente. Inúmeras questões desse tipo
poderiam provocar uma experiência de abdução.
Ao adormecer, o corpo inicia um processo automático de
relaxamento muscular involuntário, ao mesmo tempo em que
inúmeras alterações fisiológicas começam a ocorrer: a atividade
cerebral, a pressão arterial e a frequência cardíaca diminuem; o
sistema nervoso autônomo mantém suas funções reguladoras, o que
nos permite mudar de posição várias vezes. Depois de algum tempo,
variável para cada pessoa, a atividade cerebral retoma um ritmo
próximo ao da vigília, os movimentos oculares se tornam mais
rápidos, a respiração e a frequência cardíaca aceleram: é o sonho que
começa a tomar forma. Em alguns casos, são tão vívidos,
impactantes e persuasivos que temos dificuldade em diferenciá-los
da realidade. Em outros, mais raramente, sabemos tratar-se de um
sonho e inexplicavelmente assumimos o seu controle – é o sonho
lúcido. Não se precipite. Não estamos alegando que sonhos e
abduções sejam a mesma coisa. Ainda não chegamos nesse ponto.
Mas guarde a seguinte informação:
129
LaBerge, S.; Lucid Dreaming a Concise to Awakening in Your Dreams and in Your Life.
Sounds True, 2004.
230
ausência de informações conscientes, como evidência de uma
“manipulação”. Pode-se notar que não é bem assim.
Dos fenômenos psíquicos formadores dos sonhos, a lembrança,
vaga ou nítida, do sequestro durante a noite por seres estranhos, com
a ida ao interior de naves e a submissão a desconfortos de ordem
física, pode pertencer precisamente ao conteúdo manifesto de um
sonho. A narrativa surge na lembrança, pois pertence ao consciente
do sonhador, na quase totalidade dos casos como imagens visuais.
Os psicanalistas sabem que a pessoa pode ou não se lembrar
dessas imagens do conteúdo manifesto, depois de desperto. Ocorre
que o sono acaba por sofrer uma espécie de manipulação, uma
influência do ego – o psiquismo formado e equilibrado pelas
tendências e impulsos do Id – ou inconscientemente, que agem em
razão de nossa condição natural e pelas rédeas do superego, as regras
a que nos acostumamos e nos conformamos.
O ego então, diante de desejos, pensamentos, sentimentos e tudo
mais que sofre o seu disfarce e abrandamento, enfrenta o que se
encontra reprimido no inconsciente, deixando aparecer sob outras
formas, mais lapidadas, modificadas. É o que se chama Elaboração
Onírica do Sonho. Esta é a razão pela qual alguns estudiosos
consideram teoricamente possível que abduções representem até
fatos mais insuportáveis, pelos quais o sonhador tenha passado em
tenra idade, ao contrário de uma psicanalista que prefere não afirmar
isto senão em estudo de caso com provas difíceis e penosas de
conseguir, como mencionaremos em outro capítulo.
Os maus-tratos e sofrimentos impostos ao indivíduo que sonha,
quando ainda bebê ou na fase anal e edipiana, podem converter-se
futuramente na representação de seres estranhos, de constituição
horrorosa e amedrontadora, tripulantes de um objeto não
convencional. Teoricamente estariam representando adultos, cuja
relação objetal do sonhador tenha sido traumatizante, podendo ser
pais, padrastos, madrastas ou qualquer adulto ainda que estranho na
relação familiar, que tenha participado de evento altamente negativo
no processo de individuação do abduzido. As aflições e dores
vividas no interior dos Óvnis, durante as abduções, representariam o
que de mais significativo marcou a pessoa, as sensações
insuportáveis mantidas no inconsciente, provocadas por seres que
231
simulam as pessoas que as provocaram no passado remoto do
sonhador. Da mesma forma, este não suportaria admitir
conscientemente, com clareza, assumindo desde logo que tais
pessoas seriam, no momento atual da sua vida, encaradas na figura
de malfeitores.
Em páginas seguintes, mencionaremos a impossibilidade de
se afirmar a substituição de um estupro ou tortura física provocados
por pais ou outras pessoas, na infância, mas falaremos estritamente
no tocante a uma ocorrência deste tipo. Todavia, isto não quer dizer
que outros eventos marcantes, traumatizantes, não possam vir
representados na atualidade do sujeito que sonha, pela forma de
seres humanoides monstruosos, habitantes de um ambiente hostil ao
mesmo nível – o Óvni em que o abduzido se situa para reviver seus
sofrimentos.
Tudo, portanto, virá ao consciente ou à lembrança pré-
consciente depois de ter sido elaborado. Somente a boa e eficaz
análise poderá detectar e interpretar as verdadeiras razões daquele
enredo disfarçado, proibitivo, representado. Ou seja, o conteúdo
latente de um sonho pode revelar que os seres abdutores, ou mais
apropriadamente abducentes, bem como o disco voador que os traz
inexoravelmente, não passam dos temores e terrores de fatos e
pessoas reprimidos no inconsciente. Se a abdução é recorrente,
repetida periodicamente como informam os registros sobre um
menor número de casos, tais fundamentos se tornam ainda mais
aceitáveis.
Reconhecemos que, em comparação, as abduções poderão
parecer mais complexas e difíceis de solucionar do que “simples”
casos de sonhos. Estes possuem, entretanto, todo um emaranhado de
fatores que os colocam no mesmo nível daquelas, só que
apresentando, desde há muito, para a Psicanálise, elementos com os
quais esta disciplina já se familiarizou. Isto justifica, por exemplo, a
participação imprescindível de profissionais de saúde mental na
coleta e no estudo de abduções.
O que os ufólogos têm feito até agora é a velha e salutar
elaboração de casuística, porém, na maior parte das vezes, sem o
emprego de um método apropriado para o aprofundamento do
estudo. Pode-se então perceber o quanto é difícil uma pesquisa desse
232
naipe. No mínimo, há necessidade de um psicanalista ou psicólogo,
como ocorre em toda pesquisa científica, resultando um ou outro: a
abdução é um tipo de sonho; a abdução não é um sonho, caso o
estudioso devidamente conhecedor não puder detectar as
características de um sonho, obviamente. Mas o que será então?
Será, certamente, algo desconhecido, pois que, salvo melhor juízo,
não conseguimos recordar um só caso de abdução que não comporte
significativa comparação com um sonho.
Neste ponto, como entusiastas da Psicanálise, ousamos
lançar uma ideia que dependerá do juízo dos profissionais mais
experientes e das duras críticas dos especialistas. Uma pessoa pode
disfarçar tão rigorosamente suas angústias, desejos inconfessáveis e
sentimentos reprimidos no inconsciente, pela forma de uma abdução,
que isto tornará dificílimo, quase impossível, que se detectem os
fatores psíquicos e seus efeitos que possam ter produzido um mero
sonho.
Abdução é um tema cada vez mais fascinante, abarcando o
público de cinema, televisão, revistas e livros. A era atual, em que a
técnica astronáutica é cada vez mais avançada e as incursões de Ets
valiosas para o enriquecimento do imaginário popular, torna as
abduções um fenômeno concreto, que justifica por si só a dedicação
à Ufologia, principalmente se constituírem um tipo de fenômeno
psíquico ainda a estudar, para compor a classe dos sonhos, pode-se
dizer, atípicos. É o que são as abduções, ao que muitos de seus
pressupostos intrínsecos indicam.
Se, contudo, muitos preferirem a explicação menos
complicada, como um modo de, como sempre, substituir a ação do
psiquismo por intrusos que, vindos do exterior, “só podem” ser a
causa delas, paciência. Novamente estaremos diante do velho
arcabouço histórico da ausência de compreensão. Trocando nossas
angústias e horrores por monstros que nós mesmos geramos,
representando nossa mente incomodada por veículos vindos de
lugares sombrios, no interior dos quais seremos torturados. E,
enquanto estudiosos, olhando de camarote os abduzidos, agindo
como habitantes das cavernas e nos satisfazendo como os empíricos
das épocas dos mitos – suprindo nossa ignorância e nosso
desconhecimento com dominadores de outros planetas. Não se creia
233
que haja qualquer simplicidade dos sonhos, em comparação com as
abduções.
A descoberta da importância de sua análise e interpretação
constitui o seio da Psicanálise. Na atualidade, psicanalistas não
ortodoxos aplicam métodos menos gravosos e mais rápidos,
conhecidos como psicoterapias breves. Porém, quando necessária a
utilização de meios clássicos para sessões sucessivas e gradativas,
uma terapia psicanalítica pode durar, não raro, dez anos. Não é
geralmente fácil que o psicanalista consiga, de pronto, a fase de um
paciente conseguir associar fatos, pessoas, situações e pensamentos
de forma a obter resultados positivos. O trabalho psicanalítico, e,
claro, pode-se dizer do psicólogo, é intrincado, minucioso, rigoroso.
Por conseguinte, é possível imaginar o quanto é mesmo penoso
analisar e estudar um caso de abdução, para que se tente uma
conclusão. Seremos repetitivos, o quanto for necessário: pode-se e
deve-se fazer ciência em Ufologia desde que se reprograme o
pensamento, eliminando a infantil ideia, enquanto insubstituível, de
que discos voadores e Ets abducentes venham, como única hipótese,
de outros planetas.
Por outro lado, as abduções apresentam histórias entrecortadas.
Certos trechos são omitidos pelo paciente que depõe, por exemplo,
em transe hipnótico, quase sempre utilizado por estudiosos para
tentar retirar da lembrança do abduzido fatos esquecidos ou
canalizados. Mesmo que a hipnose não garanta o depoimento da
realidade objetiva de um sequestro real, quando bem aplicada pode
firmar o depoimento sincero de alguém. Não se admite que um
hipnotizado minta, desde que de fato colocado em um nível de transe
profundo.
O problema reside em saber se o pesquisador que aplica a
hipnose é conhecedor experiente e profissional o suficiente para
aferir se seu paciente se acha mesmo em tal nível. A eficácia dessa
técnica abandonada por Freud130 e, principalmente por questão de
praticidade, uma vez que a indução hipnótica correta costuma tomar
130
Daí nasceu a Psicanálise, pela necessidade da elaboração de métodos que permitissem ao
paciente ter consciência de
seus problemas e vivenciar por si mesmo sua análise e recuperação.
234
muito tempo e nem sempre funciona, tem sido usada para a
compreensão de lacunas da lembrança.
E o que é “paralisia do sono” e o que tem a ver com as abduções?
Quando estamos dormindo profundamente, a musculatura em geral
encontra-se relaxada; muito embora o cérebro esteja, de certa forma,
“ativo”, os sinais neurais não têm força suficiente para provocar
movimentos, ou teríamos espasmos involuntários contínuos e
desconfortáveis. Isso acontece apenas nos primeiros minutos,
naqueles sobressaltos e “trancos” que ocorrem pouco depois de
deitarmos esperando pelo sono.
Mas pode acontecer de nos sentirmos “paralisado” mesmo, antes
de adormecer ou logo após acordar. Às vezes, isso é interpretado
como fazendo parte do sonho, e você simplesmente “deixa rolar”, já
que a qualquer momento irá acordar. Você ouve o barulho vindo da
rua, percebe os movimentos de alguém andando pela casa, o
despertador do vizinho, o cachorro latindo ao longe, mas nada disso
consegue fazê-lo mexer-se, nem mesmo abrir os olhos ou emitir
qualquer som. Há uma pressão incômoda no peito e um desconforto
psíquico começa a crescer. Como não tem parâmetros que possam
oferecer uma explicação para o que está acontecendo, medos, fobias,
suposições, fantasia e imaginação passam a ser os únicos elementos
disponíveis, e a mente começa a trabalhar com eles.
É aqui que o quase-sono e o falso despertar encontram
parentesco. Todos aqueles movimentos e ruídos familiares começam
a fazer parte de um mundo onírico e fantasioso, construindo um
enredo que remete ao imaginário coletivo: luzes brilhantes? Óvnis!
Criaturas estranhas? Ets! Paisagem deslumbrante e música “divina”?
Mundo espiritual! Ruídos estranhos? É o “motor” da nave. Estou
deitado, paralisado e sentindo um “peso” no peito? Estou sendo
submetido a algum tipo de exame físico por entidades alienígenas!
Espíritos de parentes e amigos distantes?
Ou também foram abduzidos ou é um disfarce destas criaturas
para me acalmar. Outros efeitos já foram registrados durante este
“transe paralisante”: sensação de ser observado, presença próxima
indistinguível, toques em partes do corpo como braços, pernas,
abdômen, tórax, cabeça. Sussurros, flutuação, mudança de
temperatura corporal, suores, perda da noção de tempo, puxões na
235
roupa ou nos lençóis e até mesmo “cirurgias” foram relatadas pelas
vítimas, embora não fossem constatadas cicatrizes, punções ou
lesões visíveis.
Mas há um outro elemento pertencente ao mundo dos sonhos
detectado pelas pesquisas, ainda na esfera das suposições: a criação
de novas “memórias” a partir das preexistentes, novos pensamentos,
ideias e insights. A história é pródiga em exemplos. Trazida para o
campo da Ufologia, essa faculdade, ainda não inteiramente
compreendida pelos estudiosos, coloca os depoimentos em regime
de quarentena por tempo indeterminado.
De novo insistimos, não tire conclusões prematuras. Não estamos
afirmando que seja essa a explicação para os casos de abdução,
apenas trabalhando com conjecturas, hipóteses, nada mais que um
exercício investigativo a partir dos mais recentes avanços tanto da
Psicanálise como das neurociências. Lembramos ainda dois fatores
que precisam ser levados em consideração nesta análise, que estão
mais bem explicados em pontos distintos da obra: as alterações de
percepção a que estamos sujeitos por estimulação do lobo temporal,
e os desejos conscientes e inconscientes de nos destacarmos do
cidadão comum através de experiências singulares e marcantes.
Quando esses resultados são obtidos, pode-se dizer que
conseguiram fazer com que a memória pré-consciente se permitisse
associar fatos a tudo aquilo que ficou escondido nos mais
insondáveis recantos do inconsciente, sobretudo as sensações mais
evitadas. Se o sonhador elabora uma história de abdução com a
finalidade de deixar o conteúdo manifesto do sonho encobrir seus
verdadeiros fundamentos, é possível que tenha suprimido trechos
que lhe são inconvenientes e terríveis, inconscientemente.
É a atuação do psiquismo, conhecida por Censor Onírico,
também a fazer parte da formação do sonho. Uma legítima censura
pessoal do sonho. Em grande número de casos ufológicos de
abdução, a pessoa começa a narrar sua desagradável aventura dentro
de uma nave espacial e passa a entrecortar sua sequência com lapsos
de memória, como se recordasse o que se passava quando deitada
sobre uma espécie de cama suspensa, e de repente já se visse de pé,
do outro lado do que considera uma sala, não sabendo como fora
parar lá.
236
Temos casos em que o indivíduo viu aproximar-se de sua cabeça
um aparelho que comparou a úberes de vaca, a vista escureceu e
imediatamente depois retomou “a consciência” de se preparar para
ser devolvido ao local de onde fora bruscamente retirado. A
testemunha sofrera a ação de um aparelho usado para sondar seu
corpo, mais propriamente o cérebro, ou simplesmente o lapso de
consciência faz parte de um trecho propositalmente censurado de seu
sonho, por se associar a algo mais grave? Difícil saber, mas não
impossível.
Essa atuação inconsciente não é isolada. Se atentarmos para o que
Freud chamou de Mecanismos Defensivos do Ego, veremos o
quanto a pessoa pode atuar em prol do próprio enredo do sonho,
apesar de não estarmos aqui falando em “moldar o sonho” antes de
dormir, como alguns acreditam ser possível. As abduções são, de
certo modo, padronizadas, sendo o que se extrai da casuística
colecionada por ufólogos como Bud Hopkins. Mostram seres de
aparência semelhante, com atuação seguindo um método ou
procedimento quase ritualístico durante os exames físicos a que
submetem o abduzido.
Sua aparência, cuja intervenção não se consegue resistir, consiste,
na quase totalidade, de humanoides acinzentados, longilíneos,
cérebro avantajado, similares a “fetos adultos”. Inevitável achar
surpreendente que tais seres se pareçam com fetos humanos. O fato é
que toda essa padronização convence os interessados de que há
mesmo uma realidade objetiva por detrás disto, resumida na crença
de que criaturas de outros planetas, membros de civilizações mais
avançadas estão, desde há muito, usando seres humanos para suas
experiências de ordem genética, monitorando de perto a vida na
Terra.
Tais semelhanças entre casos ocorridos em distantes partes do
mundo, poderiam até mesmo permitir o encontro de postulados ou
princípios gerais para aplicação na Ufologia, como se faz nas
ciências através do método dedutivo. Teríamos que resumir um tipo
de “lei das abduções”: seres de outro planeta dominam a
humanidade e periodicamente colhem espécimens para exames e
estudos. Uma espécie de lei geral de cunho fenomenalista, por certo.
Mas não é o caso, realmente. Os padrões mais se aproximam a
237
sonhos, que nos perdoem ufólogos entusiastas e psicanalistas mais
exigentes.
Um dos expedientes defensivos do ego pode servir à explicação
desses “padrões”: a simbolização. A questão dos símbolos é
praticamente o maior campo de controvérsia e expansão das ideias
psicanalíticas desde Freud e Jung. A linha dos junguianos é mais
afeita ao estudo e á atuação dos símbolos no campo psíquico, mas
Freud nunca os desprezou. Ele chegou a aceitar a existência de uma
linguagem simbólica universal utilizada por todos os sonhadores.
Por ela, um símbolo teria o mesmo significado para todos os que
sonham, em qualquer parte do mundo, independente de cultura e
sociedade. Zimerman explica que a simbolização consideraria uma
linguagem universal,
(...) de tal sorte que um mesmo símbolo teria o mesmo significado para
todos (por exemplo, o aparecimento de uma serpente em qualquer
sonho seria sempre um símbolo fálico). 131
131
Zimerman, D. E.; Fundamentos Psicanalíticos, Teoria, Técnica e Clínica, Uma
abordagem didática, p.176, Artmed, RS, 1999.
238
sonhos modernos. Deveremos assim falar em funções do sonho e
não em suas razões. A principal delas é a proteção, o equilíbrio, a
segurança do sono. Para Freud o sonho é o guardião do sono.
Dormindo, portanto com a atuação consciente quase inerte, o
indivíduo está sujeito à irrupção dos mesmos desejos proibidos, dos
sentimentos inconfessáveis e das sensações insuportáveis que vêm
do inconsciente, já que o sonho permitiria fossem gratificados e
enfrentados. O papel protetor do sonho, com as transformações e
disfarces já comentados, evita os prejuízos de ordem psíquica que a
ação inconsciente não controlada causaria. É o que alerta Zimerman,
resumindo:
240
(...) muito próxima à atividade pré-consciente da vigília, de modo que o
sonho de tais pessoas é de um nível muito superficial, e contam que
sonham como se estivessem despertas, com conteúdo do sonho de
caráter opressor e que não se distinguem das suas preocupações da
vigília. 132
132
Op. cit, p. 180.
241
outros planetas. O caro leitor percebeu o “raciocínio lógico” que
geralmente é utilizado pela maioria dos ufólogos?
Certas pessoas perturbadas mentalmente demonstram uma crença
firme na realidade de sua experiência, o que é característica de
abduzidos, para quem a verdade de seu sequestro por alienígenas é
indelével. Sabem os psiquiatras que a crença que acompanha as
perturbações é seguida de resposta emocional e comportamental
correspondente ao conteúdo das perturbações, o que é comum em
casos de delirium. Até nas pessoas “normais” algo semelhante
ocorre. Freud demonstrou que fatos esquecidos de nossa história
pessoal continuam a influenciar nossa conduta. Por infeliz
coincidência com o tema da abdução, as pessoas acometidas de
delirium geralmente apresentam sintomas mais graves durante a
noite e nas primeiras horas do dia. E, pior, certos pacientes
comportam-se como delirantes somente à noite, agindo como
perfeitamente lúcidos durante o dia.
Tal como nos distúrbios do sono, o esquecimento dos fatos
passados em certos lapsos de tempo também está presente nas
psicopatologias. Um dos aspectos mais fascinantes das abduções é a
amnésia, relativa ao período pelo qual a testemunha teria
permanecido no interior de um artefato desconhecido comparável ao
Óvni. Esta é outra razão para a utilização da regressão de memória
por hipnose, para que o sequestrado revele detalhes do objeto, de
seus tripulantes e da incômoda aventura que vivera. Existe uma
crença generalizada de que a hipnose “rompe” uma “amnésia
induzida” ou provocada pelos seres sequestradores, trazendo à tona
da consciência eventos que, sob a ótica dos malfeitores astronautas,
deveriam permanecer escondidos da humanidade.
Esta crença está, em termos e até certo ponto, correta. A hipnose
não se presta exclusivamente a desfazer lapsos de memória, tendo
sido estes induzidos ou não por invasores extraterrestres. Ela, da
mesma forma, desgraçadamente, pode “produzir” fatos não
ocorridos para preencher lacunas de memória no hipnotizado. Podem
ocorrer na maior parte das sessões de regressão de memória
realizadas por hipnólogos, ou não credenciados e, portanto,
inexperientes em alguma área de saúde mental, ou desatentos à total
interação que existe entre experimentador e experimentando. Uma
242
sutil palavra do hipnotizador influencia de tal maneira o hipnotizado,
que induz o comportamento deste no sentido que a palavra
expressar, ou na direção da interpretação óbvia que se pode fazer do
contexto em que se utilizar tal palavra. Então, a produção do que
modernamente se convencionou chamar de “falsa memória” ou
“falsas lembranças” é algo que pode ocorrer com quase 100% de
possibilidade.
Logo, ficamos confortáveis em afirmar que as abduções precisam
mesmo ser tratadas, estudadas e analisadas pela Psicanálise. Jung
explica em Psicologia do Inconsciente133 que a Psicanálise surgiu
pelo chamado método associativo, que, segundo ele, indica com
precisão a presença de conflitos na forma dos “complexos” ideo-
afetivos, manifestados nas perturbações típicas das vivências. E o
método mais importante para se chegar ao conhecimento dos
conflitos patogênicos é a análise dos sonhos. Na verdade, o melhor
caminho para se chegar ao conhecimento do que acontece no
inconsciente do paciente é a Psicanálise, o método associativo, que
veio para entrar no lugar da hipnose, considerada insatisfatória.
Note-se: a hipnose era utilizada para induzir o paciente à
produção espontânea de fantasias, além de outras finalidades. Pode-
se supor assim que a hipnose apenas permite ao experimentador
observar as narrativas do abduzido, sendo indispensável que o
conhecimento psicanalítico a acompanhe para o devido estudo.
Enquanto a amnésia dos abduzidos fascina e estimula a
curiosidade dos ufólogos, sabe-se na psiquiatria que seus vários tipos
estão identificados nos doentes mentais. Para nosso interesse,
destaca-se a amnésia pós-traumática, que é a perda de memória com
relação a fatos passados em um período definido de tempo, após a
experiência do indivíduo que sofreu a amnésia. A discussão na
Ufologia em torno desse “sintoma” é antiga, só que se limita à
dúvida se a perda de memória teria sido provocada pelos alienígenas
sequestradores, ou se o próprio choque da experiência traumatizante
levara a uma queda, a um desligamento e, como espécie de defesa
psíquica, ao próprio esquecimento. Outro ponto para a Ufologia,
justiça seja feita.
133
p. 13, Vozes, Petrópolis, 1978.
243
Destaque-se, porém, que é característica clínica da síndrome e do
transtorno amnésico o que a nomenclatura classifica por
“confabulação”134. Através dela, a pessoa preenche lacunas de
memória com falsas informações, que acredita serem verdadeiras. O
mundo da psiquiatria é farto de aspectos apresentados nos casos de
abdução. Chega a assustar o quanto de similitude existe entre
sintomas de esquizofrenia e outras doenças com as narrativas de
abduzidos, tais como delírios, alucinações e vários distúrbios do
pensamento.
Contudo, não é e nem pode ser esta a finalidade deste livro, qual
seja, um mergulho nas profundezas da medicina e da saúde mental.
Nem somos credenciados para tanto, ainda que arrisquemos
esporadicamente alguns comentários fundamentados na leitura e na
pesquisa, e apenas nelas, jamais por experiência própria. Porém, o
conhecimento, ao menos em suas nuances primárias, está para ser
buscado, principalmente quando queremos justificar a premente
necessidade de os ufólogos se conscientizarem de que sua área de
estudos não pode – nunca pôde – andar só.
A pesquisa de uma abdução é para ser feita mediante a
participação ativa e o parecer de psicanalistas, psicólogos e
psiquiatras. Portanto, uma investigação bem feita pode durar anos.
Quem sabe isto trará um reflexo salutar de ordem estatística – com a
eliminação da pressa e de opiniões afoitas – e os ufólogos notarão
que a infundada e absurda afirmação corrente e aceita de que “a cada
minuto alguém é abduzido no mundo” poderá cair para um número
bem mais modesto, chegando, quem sabe, a zero.
Ora, milhões já foram levados por Ets e quem o afirmara fora
exatamente o falecido psiquiatra e professor da Universidade de
Harvard, John E. Mack. Se ele o fez, então, com a palavra os
psiquiatras. Afinal, ninguém aqui está negando que há muita gente,
leiga ou formada e bem titulada, que considera como certa a
intervenção extraterrestre na vida do ser humano.
Insistimos que o tema das abduções, por relativa e
marcantemente atual, já poderia compor o inesgotável rol de
informações que algumas linhas da Psicanálise consideram como
134
Denominação estritamente dentro da área de saúde mental, mais propriamente da
neurologia. A interpretação popular para confabular tem sentido totalmente diferente.
244
arquetípicas, nos moldes de Jung. Sempre com a ressalva de que os
símbolos são significativos para as pessoas de forma específica,
mesmo que muitos deles incorporem a simbolização universal do
psiquismo humano e, portanto, possuam uma razão objetiva para
todos. Jung dizia em O Homem e Seus Símbolos que:
135
Cirlot, J-E.; Dicionário de Símbolos Editora Moraes, São Paulo, 1984: Segundo Jung, no
plano psicológico podem ser considerados guardiães do umbral do inconsciente. A pequenez
pode ser também signo de deformidade, anormalidade e inferioridade..
136
Vozes, Petrópolis, p. 180, 1984.
137
Compilação de Aniella Jaffé, p. 352, Nova Fronteira, RJ, 1963.
245
Momento para iniciar uma conclusão sobre este tema. Nossa
intenção é justificar que a abdução deveria compor a classificação
ufológica privilegiando-se os casos passados durante ou na
iminência do sono. Sugerimos mais: deve a Ufologia separar
sequestros em que testemunhas alegam um encontro súbito com um
Óvni, ao estarem dirigindo seus automóveis, trabalhando ou
caminhando, das histórias de condução forçada por seres abdutores,
a partir do sono. Não que queiramos dizer que os primeiros
incidentes sejam atribuíveis, inquestionavelmente, à ação de discos
voadores de outros planetas. Nosso escopo é, nem mais nem menos,
justificar, para melhor compreensão, uma classificação metodológica
das duas espécies de casos, mesmo porque já mencionamos que
também nos casos de vigília os fatores psíquicos comentados
importam muito.
Seria dispensável a escolha de uma típica abdução e indicar como
geralmente é narrada nos anais ufológicos, partindo da suposição de
que todo leitor esteja familiarizado com esse tipo de história. Como
não há garantia disto, imagine-se o caso de uma pessoa que, ao se
deitar, aproximando-se do sono – que alguns preferem chamar de
“limiar de semivigília” – começa a ser acometida de paralisia
corporal, a respiração torna-se pesada e difícil e, ainda que continue
vendo e sentindo tudo o que ocorre no quarto, percebe que perdeu
seu controle motor. A partir deste instante, sente que não está mais
só, mesmo que em vários incidentes haja alguém dormindo na
mesma cama em sono profundo. Vultos ou seres de constituição
característica, como as já descritas, apresentam-se como se
subitamente materializados, parecendo ter penetrado pela parede ou
pela porta fechada.
A pessoa acelera seus batimentos cardíacos, tenta pedir socorro,
chamar a atenção da que está dormindo, em vão. Logo depois, sente-
se flutuar, ou que mãos fortes e firmes passam a carregá-la para fora
do quarto. Na maioria das vezes, sem notar como lá chegara, se vê
no centro de um ambiente desconhecido, composto de salas,
aparelhos, ocupado por várias outras criaturas. Deitada sobre
aparadores ou mesas semelhantes às de um hospital ou clínica, é
submetida a exames e sondagens orgânicas pelo nariz, olhos, boca,
ânus, vagina, umbigo, com fortes dores e incômodos traumáticos.
246
São retiradas amostras de pele, saliva, óvulos, esperma, sangue,
secreções. Em alguns eventos há a comunicação com os
sequestradores, seca, objetiva, ou por sinais, raramente em palavras
no idioma da vítima; por outras, somente pelo olhar, como se
estivesse ocorrendo algum tipo de interação telepática. Quando
retornam, podem acordar fora da cama ou do quarto, ou ainda
distantes do local de onde foram retirados.
Alguns desses seres prometem voltar e outros o fazem
efetivamente, abduzindo a pessoa de forma repetida, desde a infância
ou a partir de certas fases da vida. A pessoa começa a manifestar
tendências, impulsos, comportamento gestual, alterações de humor,
para ela inexplicáveis, durante o dia, porque não se lembra do
sequestro ocorrido durante a noite. Inicia uma involuntária
associação com pessoas, cores, móveis, lugares, situações, cheiros e
gostos a algo afrontoso à sua individualidade, mas não consegue
definir com o quê.
Com o passar dos anos, aos poucos vai acusando a abdução, ou
revela essa experiência traumática quando submetida a sessões de
regressão de memória por hipnose. Obviamente, tais casos são ricos
em detalhes, porém, as abduções do sono resumem-se a esses passos.
Tais acontecimentos pessoais podem ser uma forma atual de
transtorno ou distúrbio do sono. Os indivíduos neuróticos
traumáticos têm a insônia como principal sintoma. Por outro lado,
quando alguns deles dormem, possuem excesso de excitação e seu
trauma tem repetição ativa nos sonhos, o que é ao mesmo tempo um
alívio psíquico para eles, apesar de torturá-los terrivelmente.
Os psiquiatras consideram que, à medida que o indivíduo vai
repetindo sua experiência traumática no sonho, recupera o controle
de si mesmo aos poucos, que ajuda na eliminação das tensões. Da
mesma forma, esses sonhos tornam possível o sono, ainda que
provoquem muita tensão. Podem eles ficar ruminando o choque
quando em vigília, isto é, acordados. Fazem isto ecoando o fato
traumatizante, agora como sujeitos ativos pela forma de ataques
emocionais ou movimentos repetitivos na forma de tiques e
semelhantes, ou não conseguindo livrar-se de pensar, a todo o
momento, no tal fato impactante. São chamados pela Psicanálise
sintomas de repetição por transtornos do sono.
247
O clássico da Psicanálise, Otto Fenichel, fala ainda dos
oníricos histéricos e dos transtornos da consciência em Teoria
Psicanalítica das Neuroses138. Segundo suas palavras, os estados
oníricos histéricos relacionam-se estreitamente com as convulsões.
Do mesmo modo que no caso destas, os sonhos acordados, que
representam derivados daquilo que se reprimiu, tomam posse
involuntariamente da personalidade.
Transtornos do Sono
141
Idem, p.493.
142
Kaplan, H. S.; Benjamin, J.; Grebb, J. A.; Artes Médicas, RS, 1997.
249
imediatamente com um sentimento de intenso terror. Às vezes, os pacientes
permanecem acordados e desorientados. Mais comumente adormecem e, como
no caso do sonambulismo, esquecem os episódios... O terror noturno está
simplesmente associado ao fato de acordar aterrorizado. Não existe, em geral,
lembrança de qualquer sonho, mas ocasionalmente pode haver a recordação de
uma única imagem assustadora.
143
Banchs, R. E.; O Significado das Abduções por ET.
251
Para o autor da matéria, Roberto Banchs, doutor em Filosofia,
situações como essa podem ser interpretadas como projeções, dentro
de uma dimensão psíquica singular. Nestes casos, até os sonhos
poderiam ser enquadrados nessa categoria. Alguns sonhos realmente
são influenciados pelo inconsciente. Mas as projeções são sempre
manifestações externas, ou para a construção de cenas, de momentos
etc., ou lançadas sobre terceiros, sobre pessoas.
Se uma pessoa acredita que foi abduzida por extraterrestres – quando
sabemos muito bem que simplesmente levou uma pancada na cabeça e
passou uma semana inconsciente no hospital – ela poderia ter chegado
a essa conclusão usando os mesmos critérios que nós: por exemplo, as
estranhas cicatrizes em sua cabeça e a perda de memória. Se lhe
dissermos que a operação para reparar os ferimentos causou as
cicatrizes e que a amnésia é uma reação normal a drogas sedativas, ela
poderá acatar nosso ponto de vista. Se não o fizer, não estará mais
jogando o jogo das evidências. Nesse caso, não podemos dizer que sua
crença é equivocada, já que não é do tipo que pode ser certa ou errada.
O abduzido pode, é claro, pensar que está certo e queixar-se de que tem
´provas´ indiscutíveis de seu ponto de vista, mas não cabe a ele
decidir.144
144
Nicholas, F.; op. cit
252
subproduto da terapia. Embora também, é verdade, existam
aventureiros que tecem toda uma trama baseada numa falsa abdução
por motivos mais do que óbvios.
O que a casuística apresenta de relatos desta espécie é algo que
beira o escabroso. Segundo dados da revista UFO, a cada minuto
alguém avista um Óvni em alguma parte do mundo. Estamos falando
de mais de 1.400 avistamentos diários, quase 10 mil por semana,
40.000 por mês... 480.000 ao ano. Um cálculo matemático dos
últimos dez anos dá... 4.800.000 casos de avistamentos! Fantástico.
Um número impressionante, capaz de calar a boca dos detratores e
céticos do mundo inteiro, se se soubesse com quais critérios foi feita
essa pesquisa, e isso a revista não explica.
Mas a “estatística” vai além: a cada 6 horas alguém é abduzido!
Vamos às contas: quatro infelizes por dia... 1.460 por ano, uns
15.000 nos mesmos dez anos! Em outro artigo, o número de
abduzidos, em todos os tempos, atinge um número hiperbólico: 570
milhões! Está claro que não vamos nem de longe considerar essa
numerologia toda como válida. Foi apenas um informe numérico
como ponto de partida para as nossas próximas discussões.
O que nos interessa é como admitir um único caso de abdução, se
nenhum deles traz em seu âmago um só dado confiável para análise?
Acreditar única e exclusivamente na validade do depoimento? Já
vimos que é impraticável. Apostar que a hipnose possa revelar dados
consistentes e irrefutáveis é ignorar as próprias limitações da técnica.
Cicatrizes, marcas no corpo, lapsos de memória, comportamento
estranho, fobias, atitudes incompatíveis com a posição e a
personalidade do envolvido, nem mesmo o conjunto desses
elementos fornece provas incontestáveis que possam validar sua
experiência. Como disse uma cientista americana, se os alienígenas
ao menos ficassem com todas essas pessoas que raptam, o nosso
mundo seria um pouco mais sadio.145 Se não tivermos rigor crítico
corremos o risco de uma paranoia epidêmica incontrolável.
Vamos analisar um caso que pode ser tomado como exemplo, já
que contém todos os ingredientes da receita do modelo apresentado.
Trata-se de um agricultor residente em Massapé, Ceará, que alegou
ter sofrido uma abdução numa noite de agosto de 1997, através de
145
In Carl Sagan, op cit.
253
uma luz que apareceu e o cobriu, imobilizando-o. Com lesões físicas
por alguns dias, foi atendido no hospital de Sobral, cidade próxima
com mais recursos, despertando a atenção dos médicos, jornalistas e
curiosos, intrigados com sua história de “ataque por extraterrestres”.
Não houve testemunhas. Os ufólogos que o visitaram “ficaram
impressionados com as queimaduras em suas costas”. 146
Ainda convalescendo do “ataque”, em outra noite novamente
uma luz penetrou em seu quarto e uma “voz” lhe indicou um
remédio para curá-lo das queimaduras e da imobilização parcial que
acometia suas pernas. No dia seguinte, dirigindo-se à farmácia, foi
abordado por uma mulher morena, alta, de longos cabelos negros,
que o chamou pelo nome e também lhe receitou uma infusão de
ervas. Ao se voltar para agradecer, a mulher havia desaparecido.
Após tomar várias doses do remédio, sentiu-se curado. Para ele, os
extraterrestres não o haviam abandonado, mas, por via das dúvidas,
preferiu tomar o medicamento indicado pela mulher, de aparência
mais “humana”.
Dias depois, seus “sequestradores” voltaram e o convidaram a
passear em sua nave para conhecer o seu (deles) mundo. A partir daí,
passou a realizar curas milagrosas, tornou-se amigo dos
extraterrestres que às vezes o acompanham nas sessões de cura, e
desenvolveu a telepatia que permitia conversar com eles. Vem
“empolgando” plateias nas palestras que tem realizado na região
norte-nordeste, realizando curas no local do evento, e, claro, como
não poderia deixar de ser, transmitindo sua mensagem ao mundo:
Temos que acordar para uma nova realidade. Nós poluímos o planeta e
eles, os seres extraterrestres, são totalmente contra isso. Comemos
carne vermelha, destruímos as florestas e matamos os animais que
nelas vivem. Eles se opõem a todas essas atitudes impensadas do ser
humano. Estamos dormindo há muito tempo e precisamos preservar
nossa essência. De imediato, a primeira coisa que os ET proíbem [grifo
nosso] é o consumo de carne vermelha, porque através dela recebemos
toda a energia negativa sofrida pelo animal.
146
Amigo de Alienígenas, UFO, p. 28, .março, 2004.
254
mundo. Existem ainda vários detalhes que preferimos omitir para
não tornar a análise por demais cansativa. O caso foi publicado sem
fornecer o histórico mínimo da investigação: quem pesquisou, quais
critérios foram utilizados que confirmam os acontecimentos, os
médicos e especialistas envolvidos.
Qual o diagnóstico do paciente, quais exames foram feitos, se
houve uma avaliação psicológica, se os ufólogos estiveram no local
da “abdução” em busca de indícios ou marcas. As roupas que vestia
na noite do evento foram levadas para análise? Ele conta que teve
que se arrastar até um rio e se molhar para recuperar as forças.
Alguém na região observou a “luz” que o teria atingido? Estas e
muitas outras questões não ficaram esclarecidas.
Tudo foi omitido na matéria, o que nos faz pensar que apenas o
depoimento e posteriormente as sessões de cura foram suficientes
para legitimar o caso. Penúria absoluta de método. Quando a luz
apareceu no seu quarto, somente ele a viu? Porque a matéria não traz
declarações da mulher e dos filhos, que certamente acompanharam
tudo de perto? Nada têm a dizer, deslumbrados com o acontecido?
Antes de entrar no mérito do caso, o autor teria obrigação de historiar
todos os procedimentos que envolveram a pesquisa, listar as dúvidas
que surgiram no curso da mesma, as possíveis contradições, lacunas,
a improbabilidade de determinados aspectos. Nada disso foi feito, o
que é, sob todos os aspectos, repreensível e condenável.
As “abduções” deste agricultor não pararam por aí. Desde então,
ele afirma ter viajado outras vezes – o que descaracteriza como
abdução. São agora passeios, viagens ao planeta dos Ets. Claro que,
e isto a matéria faz questão de frisar, as informações passadas pelos
extraterrestres são inverificáveis: entre eles não existe a morte,
apenas o ser entra num laboratório e em dez minutos desencarna,
tornando-se uma “nova pessoa”, com energia renovada. Eles não
aparentam os anos vividos, pois têm aparência de 20 podendo ter
500 anos. Óbvio, eles não se renovam quando necessário? Não se
transformam numa “nova pessoa” em dez minutos? Se não existe a
morte, podem viver o tempo que bem entenderem, 500, 1000, dez
mil anos, tanto faz!
Segundo o abduzido, que a esta altura já poderia ser chamado
“turista das estrelas”, existem seres camuflados entre nós em
255
posições estratégicas nos governos, nas forças armadas, nos
segmentos políticos e, por fim, não poderia faltar uma afirmação
desse porte: Tal revelação ainda levará algum tempo, pois o homem
terrestre não estaria preparado para um contato com civilizações
mais avançadas, mas que esse dia chegará e então saberemos de
tudo. Quanto ao planeta visitado, também impossível de ser
comprovado, possui morros, plantas rasteiras e animais, alguns se
parecendo com humanos quando ficam em pé, atendem pelo nome
de robôs e obedecem aos seus criadores. O agricultor alega ter
recebido dois implantes – presença obrigatória nestes casos –
conhecidos como “chips”, entretanto os ufólogos ainda não os
localizaram.
É um clássico da literatura das abduções, um padrão bem acabado
de contato e, como dissemos, com todos os ingredientes de uma
receita pronta. Na mesma edição, a revista traz um box com outro
caso, pesquisado pelo mesmo autor, com vários pontos em comum:
256
por uma farta e bem elaborada documentação. Vamos a dois outros
exemplos, desta vez fora do território nacional: 1979, em Cergy-
Pontoise, nos arredores de Paris, três jovens teriam se envolvido com
um extraterrestre de nome Haurrio, depois de um deles ter sido
abduzido por um halo de luz.
Os especialistas não se convenceram em razão de contradições
nos depoimentos, pela falta de dados mais consistentes e existência
de pontos obscuros que não ficaram esclarecidos147. França, 1976,
em Pont du Martinet, próximo a Valence, a jovem Hélène deparou
com uma forma luminosa, à 1:30 h da manhã, e cobriu o rosto com
as mãos, dado o terror do momento. Ao olhar novamente, a luz havia
sumido; chegando em casa, surpreendeu-se por terem se passado 3
horas, quando, para ela, teriam sido apenas alguns minutos.
O que a jovem viu ficou registrado através da hipnose conduzida
por dois médicos: vejo dois anões (grifo nosso) por trás da luz...
Aproximam-se e me levam... Subo umas escadas... Passo por uma
porta de ferro e entro no aparelho... Amarram-me numa mesa de
ferro redonda... Sinto algemas nos pés e nas mãos... Me examinam
com um aparelho e botões... Tentam se comunicar comigo, mas eu
não os entendo... Querem deixar uma mensagem. A única
testemunha de sua experiência foi sua consciência. Veremos depois
se a hipnose é de fato instrumento confiável de pesquisa. Neste
ponto somos forçados a uma pausa para enfocar um dado
absolutamente necessário, convocando, para projetar algumas luzes
sobre a temática, autoridades reconhecidas em suas especialidades.
O Dr. Raymond Moody Jr., renomado pesquisador da EQM, diz
que poder-se-ia postular que a impressão de luz intensa relatada
por essas pessoas é simplesmente o resultado de eventos causados
por uma interferência no suprimento de oxigênio aos lobos frontais.
Já o Dr. Melvin Morse, também um estudioso da EQM, professor da
Universidade George Washington, observou que a estimulação
elétrica do lado direito do lobo temporal do cérebro, especificamente
no sulco de Silvius, pode produzir visões místicas, audição de
música sublime, imagens de anjos e parentes falecidos e a
retrospectiva panorâmica da vida: Quando as células morrem e o
material genético começa a se expandir como o faz no momento da
147
In Fenômeno ÓVNI. Século Futuro, p. 374, 1987.
257
morte, uma vigorosa carga de energia eletromagnética é liberada.
Esta luz é algo que as pessoas que tiveram EQM realmente veem,
não é uma alucinação.
O Dr. Raul Marino Jr., professor titular de neurocirurgia e
professor adjunto de neurologia e psiquiatria da Faculdade de
Medicina de São Paulo, menciona os experimentos semelhantes do
professor Michael Persinger, da Laurentian University, no Canadá,
relatados em sua obra Neuropsychological basis of God beliefs sobre
a aplicação de campos magnéticos transcranianos sobre os lobos
temporais, com os mesmos resultados, incluindo uma “presença”
não visível, a sensação de “unidade com o universo” e alucinações
como a aparição de uma “visão angelical”, sons, forte luminosidade
e sensações “sublimes”148, aquilo a que normalmente chamaríamos
de “estados alterados de consciência”, em outras palavras –
experiências “religiosas”. Em alguns casos, tais sensações vinham
acompanhadas de intensas vibrações corporais, rotação, medo,
alteração de personalidade.
Por outro lado, o Dr. Detlef Linke, do Departamento de
NeuroPsicologia Clínica da Universidade de Boon, na Alemanha,
alerta que a pesquisa neuroteológica precisa atentar para não
ultrapassar as fronteiras que separam os resultados das
experiências da interpretação dada a elas.
O que precisa ser colocado aqui é que essas experiências não são
ativadas exclusivamente por fatores externos, como uma estimulação
elétrica artificial ou um evento traumático de qualquer ordem.
Segundo o Dr. Marino, várias têm sido as tentativas de explicações
propostas para estes fenômenos, como diminuição do fornecimento
de glicose e oxigênio ao cérebro, produção cerebral de substâncias
psicotrópicas endógenas ou exógenas e hiperatividade do sistema
límbico, entre outras. De qualquer forma, temos a medicina
simulando e ao mesmo tempo tentando desvendar experiências
pertencentes ao campo metafísico, espiritual. O que pensar de tudo
isso?
O que queremos dizer é que as observações de Óvnis, se e
quando acontecem, não necessariamente são acompanhadas de
efeitos luminosos, sensações, sons ou “presenças” invisíveis. O
148
Marino Jr., R.; A Religião do Cérebro, Gente, SP, 2005.
258
mesmo vale para as alegadas abduções. Pode acontecer de serem
manifestações oriundas da psique da testemunha que, abalada pelo
impacto do avistamento, gera toda essa gama de perturbações,
incapaz de dissociar um evento do outro, integrando-os em um único
momento. Para finalizar, um aspecto capital deve ser realçado.
Mesmo depois de 20 anos de intensas pesquisas no campo da
neurologia e suas ramificações, tudo ainda é muito incipiente, fonte
de conhecimento e aprendizado, sujeito a revisões permanentes.
E os casos se sobrepõem ano após ano, por todos os
meridianos do planeta, com variações aqui e ali na forma, na
duração, nos detalhes, mas em nenhum deles, absolutamente
nenhum, foi possível se obter uma prova de sua realidade. Indícios,
muitos, todos perfeitamente aceitáveis dentro do perímetro de
anormalidades que o assunto abarca, mas apenas isso, indícios.
Os casos remanescentes precisam ser revistos. Alguns, mais
complexos, permanecem inexplicáveis, apresentando dificuldades de
serem avaliados com precisão, o que não significa serem inverídicos,
apenas inconclusivos. Outros, não passam pelo rigor de uma
inquirição minuciosa e invariavelmente levam o carimbo de fraude,
enquanto uma parcela é diagnosticada dentro das diversas patologias
médicas. Para alguns estudiosos, a atmosfera de quase todos estes
episódios obedece a uma lógica e um cenário próximos da ficção
científica: objetos com botões, sala circular com luzes difusas e
aspecto de “laboratório”, sem enfeites e com móveis frios e simples,
de aço polido, exames físicos, zumbidos, tudo isso sugerindo uma
“civilização tecnologicamente superior” utilizando humanos como
cobaias para suas experiências e análises.
Tudo muito “terreno”, contemporâneo, contrário ao que se
esperaria de uma “civilização superior”, na avaliação dos
especialistas. Em algumas abduções, os humanoides tinham trajes
brancos e máscaras, aplicaram liquido sobre as zonas de punção e
colocaram telas similares aos atuais aparelhos de raios X. São
estranhos anacronismos para uma raça superior. 149
Sobre isso, é importante sublinhar que muitas dessas situações,
que agregam aspectos da ficção científica do início do século 20,
como já comentamos, se fortalecem e se perpetuam com a expansão
149
in Fenômeno ÓVNI. Século Futuro, p. 389, 1987.
259
da ficção literária para o cinema. Não são poucos os filmes – na
verdade a lista é imensa – nos quais a presença dos alienígenas é o
tema central, seja mostrando-os explicitamente como no clássico
Contatos Imediatos, passando por ET, Inteligência Artificial,
Independence Day e o mais recente Guerra dos Mundos, seja de
forma indireta como O Segredo do Abismo, sem falar no gênero
terror – Alien – o 8º Passageiro e Sinais, e comédias como M.I.B. e
Marte Ataca. Há também os de extraterrestres mais “humanos”, e aí
temos Cocoon, O Homem das Estrelas, O Homem que caiu na
Terra, e, por fim, em que não aparecem diretamente, apenas
sugerindo sua existência – 2001, Esfera e Contato. Fora do cinema,
as séries de TV: as inesquecíveis Os Invasores e Perdidos no Espaço
e mais recentemente a bem produzida Arquivo X, além de Taken e
The 4400.
De uma forma ou de outra, ou até mesmo pelo “conjunto da
obra”, todos eles – filmes e séries – oferecem os ingredientes
indispensáveis para se arquitetar uma boa história de abdução,
consciente ou não. E tem mais um detalhe sutil implícito no
comportamento humano, quanto mais no de um abduzido: todo
mundo quer ser amigo de alguém em especial, uma personalidade,
uma autoridade, um atleta ou uma celebridade, e quanto mais
“especial”, melhor; neste caso, ser “amigo de extraterrestre” dá ao
felizardo um status imbatível. Esse é um tema recorrente na ficção e
nos contos infantis. Quase sempre as crianças têm seus amiguinhos
“secretos” ou “invisíveis”. Quando adultos, isso deixa de ser uma
fantasia para se tornar, em casos mais graves, uma obsessão
patológica. Se não acontece de verdade, cria-se uma situação em que
essa “amizade” se torne compulsivamente real. O “contato” e a
abdução são exemplos destas distorções.
260
divulgação de massa através da mídia). 150
150
Pellegrini, L..; A invenção dos discos voadores. Planeta, fevereiro, 1998.
151
Idem.
261
físicos, mentais e comportamentais, o Dr. Stancka salienta os
cuidados que se deve ter ao tratar pacientes que alegam terem tido
encontros com aliens, conduzindo a consulta e a terapia com extrema
prudência e indispensável rigor científico.
Ele adverte que há casos em que o paciente encontra enormes
dificuldades para se readaptar à sua nova forma de vida, alienando-
se e dissociando-se da família, dos amigos e da vida que
habitualmente levava. Num desses casos, um paciente levou ao
extremo sua experiência e batizou seu filho de Ovenis Homis
Terraquis.
É bem conhecido o caso de uma famosa cantora brasileira que
batizou os filhos com os nomes das “energias extraterrestres”
(Kriptus-Rá, por exemplo) que se comunicam com um não menos
notório “paranormal”, a quem investigações sérias já demonstraram
tratar-se de um hábil ilusionista. Sabemos que este comentário já
figurou em outro momento, mas a duplicação é proposital para
prevenir o risco de uma psicopatia coletiva galopante.
Anda segundo o Dr. Stancka, os cuidados no uso da hipnose – de
Hypnos, deus grego do sono – nos tratamentos psicoterapêuticos
devem ser extremos. A mente humana não tem uma cartografia
muito clara, na verdade, ela parece mudar de tempos em tempos
pelas novas descobertas, pelo estudo sistemático e cada vez mais
minucioso do cérebro, pelo ingresso de novas disciplinas como a
neuropsiquiatria, que ampliam e multiplicam extraordinariamente os
conhecimentos acerca dos distúrbios, desvios e alternâncias no seu
funcionamento detectadas continuamente.
Entre essas disciplinas está a hipnoterapia, uma técnica utilizada
desde a antiguidade pelos assírios, babilônios, romanos, entre outros.
Um papiro egípcio com 3.000 anos contém informações sobre o uso
da hipnose na época, não muito diferente do que é aplicado
atualmente, e outros documentos datados de 4.500 anos, na
Mesopotâmia, relatando a aplicação da hipnose para curas.
Os níveis em que a hipnose se divide permitem uma exploração
bastante profunda, o estado pré-hipnótico e hipnótico propriamente
dito, sendo que estes se escalam em cinco subníveis: o insusceptível,
em que o paciente ainda se encontra consciente e não totalmente
absorvido pela hipnose, muito embora não manifeste nenhuma
262
vontade contrária à submissão ao hipnotizador. No segundo estágio,
o hipnoidal, já há um relaxamento muscular, espasmos faciais e
expressão de ligeiro torpor.
A seguir, o transe ligeiro, onde o paciente sente o corpo pesado e
largado, a respiração lenta, mantendo certo grau de consciência o
suficiente para responder de forma vaga às perguntas formuladas.
No penúltimo estágio, o transe médio, a consciência diminui e é o
ponto em que se pode considerar hipnotizado, pois não há mais
resistências, exceto aquelas que possam contrariar seu código moral
ou integridade física.
O último estágio da técnica, o transe profundo, é quando se
completa o estado hipnótico, onde o paciente fica sujeito às ordens
externas, exceto aquelas que contrariem a “polícia íntima” da qual
falaremos mais à frente. É aqui que se processa a hipnose regressiva.
A alteração no quadro clínico é normal, como baixa pulsação, queda
da pressão arterial e temperatura das mãos e pés, sem que isso
signifique risco para o paciente. Mesmo assim, e por essa razão, a
sessão hipnótica tem a obrigatoriedade de ser conduzida por um
profissional da saúde e não apenas por um hipnoterapeuta. É
absolutamente imprescindível que o hipnólogo seja também e
principalmente médico ou psicólogo; no mínimo, um psicanalista.
Nesse momento da sessão, há que se observar um esmero
especial na condução das perguntas de forma a não induzir, forçar,
sugerir, questionar ou direcionar de forma dúbia, pois a interpretação
das respostas pode levar a diagnósticos imprecisos e tendenciosos.
Estresse, estados psicóticos, ansiedades, angústias e traumas
costumam desencadear tensões e fobias que podem custar sérios
desarranjos na mente do hipnotizado.
O grande número de hipnotizadores totalmente sem formação e
titulação para operarem com a mente humana acabou por colocar a
hipnose à margem das disciplinas acadêmicas. Por inexistir
atualmente uma proibição legal específica da prática por
inabilitados, muitos hipnotizadores acreditam poder limitar-se a
conhecer as reações e os sintomas do estado hipnótico, mas
desconhecem a grande complexidade com que a psique se apresenta
e isto, além de pressupor total invalidez de suas aparentes pesquisas,
coloca seus “pacientes” em grande risco.
263
O Dr. Luciano orienta sobre os distúrbios como a síndrome da
falsa memória, em que pessoas sob a tensão da vida cotidiana, não
necessariamente apenas sob tais condições, passam a criar
inverdades e acreditar nelas de forma umbilical. Assédio e embaraço
sexual, atentado ao pudor ou mesmo estupro no recesso familiar
podem ser mais facilmente revelados quando a mente do paciente
substitui o autor da violência pela imagem de uma pessoa
desconhecida, até mesmo um extraterrestre, e daí para se interpretar
como sendo um caso de abdução há uma distância muito pequena e
um perigo muito grande.
A psicóloga Dra. Lílian Maria Ribeiro Conde, ao ser consultada
sobre essa questão, declarou:
266
fará diferença154. Pessoas que passaram por experiências desse tipo
reúnem-se regularmente para troca de ideias e divulgação das
informações passadas pelos “contactantes”, seja lá quem for e de
onde vier. E tudo isso vai engrossando aquela já bem fornida
“estatística” de milhões de abduzidos espalhados pelo planeta. Fique
atento, você poderá ser a próxima vítima.
154
Revista Época, edição 416, maio de 2006.
267
Enfim, sós?
268
por testes razoáveis de autenticidade, demonstraram ser de pouco valor
científico155.
159
Ibidem
271
habitados ou não, sem a menor noção do que irão encontrar pela
frente. Se soubessem, temos dúvidas se aportariam aqui. Ou então,
não seriam assim tão “inteligentes” e cautelosos, ainda que
modernos pensadores, inclusive sociólogos, gostem de raciocinar no
seguinte sentido: uma supercivilização, em adiantado estágio de
existência, passaria a existir com um único e último objetivo, qual
seja, sair pelo universo simplesmente para ajudar o impulso da vida
ou dar um “empurrão” no desenvolvimento da vida inteligente. Seria
a derradeira atitude de uma civilização para que tivesse sentido na
continuidade da sua própria existência. Isto, porém, evidentemente, é
fruto de mera suposição com nítida contribuição de valores morais.
Se não há interlocutores para esse colóquio, de quem é a culpa?
Bilhões de dólares são injetados em pesquisas; os mais notáveis
cientistas se empenham em estudos viáveis de comunicação;
equipamentos e técnicas são desenvolvidas e aprimoradas
exclusivamente com essa finalidade, enquanto que verbas
astronômicas – mais uma redundância – são destinadas aos mais
sérios projetos tecnológicos. Mourão tem razão quando escreve que
aescuta dos extraterrestres constitui uma verdadeira loteria. Existe
um número infinito de possibilidades, e somente algumas delas
serão escolhidas.160
As perguntas se multiplicam: ainda somos tão primitivos que
nossos mais avançados equipamentos são rudimentares perto da
tecnologia extraterrestre? Quais as coordenadas para os
radiotelescópios captarem algum sinal inteligente? Por quanto tempo
devemos ficar na escuta de um único quadrante? Afinal, sabemos o
que ou quem estamos procurando? Pensando bem, esse silêncio
sideral pode ser humilhante para o nosso orgulho. E, cá entre nós,
vale a pena nos procurar?
Se colocarmos em escala comparativa as dimensões colossais de
alguns dos maiores corpos celestes conhecidos, somadas às
distâncias imensuráveis que os separam, teremos a real grandeza da
nossa insignificância. Nessa grade cósmica em que a Terra é menor
que um grão de areia – “nosso pedacinho de detrito da explosão
cósmica”, como escreveu Dawkins – , achar que seja um “oásis
160
Ibidem
272
cósmico” serve apenas para afastar o medo fantasmítico161 da
solidão, quando na verdade só dissimula sua existência.
Entre bilhões e bilhões de astros e estrelas, o que nosso planeta
tem de tão interessante que justifique o interminável afluxo de
“visitantes”? Pegue uma carona no Hubble e veja as estupendas
imagens das galáxias, nebulosas e aglomerados e tente encontrar
estrelas como Arcturus, Pollux... tente o Sol também... e depois
responda: admitindo que possa mesmo haver vida extraplanetária
inteligente como defendem ardorosamente ufólogos e partidários,
não seria mais lógico aos navegantes espaciais deterem-se nestes
corpos extraordinariamente maiores, mais visíveis e com maiores
possibilidades de serem habitados? Não adianta apelar para o
argumento do homem como a “expressão máxima” da fauna, que
isso não é mesmo. Nós nos julgamos no topo da pirâmide evolutiva
somente porque até hoje não apareceu ninguém contestando essa
posição.
161
Fantasmítico – fantasma mitológico da solidão cósmica. Neologismo, naturalmente.
273
Mesmo a recente descoberta de um “planeta-irmão” da Terra – o
GL 581c, na constelação de Libra – não muda o panorama das
coisas. Esse corpo celeste, batizado por alguns como “superterra”
apenas por ser um pouco maior que a Terra, mas muito, muito mais
velho que ela, aguçou a expectativa de um dia ter abrigado alguma
forma de vida.
O que as pessoas esquecem é que quando olhamos para o
firmamento estamos vendo pontos luminosos que muito
provavelmente nem existam mais. Literalmente, estamos olhando
para o passado, e em se tratando do GL 581c, distante meros 195
trilhões de quilômetros – 20,5 anos-luz – é mais certo que talvez já
não esteja mais lá. Portanto, tudo o que se disser sobre ele será mais
um exercício de especulação do que afirmações concretas sobre sua
possível habitabilidade.
Um dado pitoresco nisso tudo é que quando acontecem os
contatos, os Ets acertam em cheio no idioma: em Londres o who are
you é impecável, em Paris o francês sai caprichado e no Brasil, o
português é irrepreensível, incluindo expressões regionais. Até em
mandarim a conversação flui naturalmente! Estima-se em quase
7.000 o número de idiomas e dialetos em todo o mundo e eles não
erram uma! Não há registro de um único encontro entre um árabe e
um “holandês” espacial ou um senegalês com um “asiático”
alienígena. Por que será?
Curiosamente, a grande maioria dos casos em que o Et emitira
sons ininteligíveis tratava-se exatamente das discutíveis abduções, o
274
que pode perfeitamente enquadrar-se como sintoma da realidade
fantasiosa vivida pelo abduzido, que, passando por uma experiência
influenciada por fatores inconscientes, tem esse aspecto da
comunicação caracterizado pelo fator de incompreensão,
determinado ou como defesa ou como confusão decorrente da sua
própria criação involuntária.
Enfim, uma última questão a ser analisada. Se os extraterrestres
de fato existirem, perguntamos: como será sua aparência? O que nos
faz crer que devam ser fisicamente semelhantes a nós? Em que se
baseia tal suposição? Se a evolução nos dotou de inteligência e
outras aptidões e moldou nosso corpo tal como o vemos hoje – após
milhares de anos – porque não supor que os tais seres, também
milhares ou milhões de anos à nossa frente, devam ter um biótipo
totalmente diferente do nosso e com faculdades mais distintas ainda?
Refazendo a pergunta de outra forma: se milhões de anos nos
separam, como explicar a incrível semelhança morfológica de
espécies tão longevas quanto distantes? Eles precisam da audição e
da fala? E a telepatia, ainda a usam? Estamos aptos a praticá-la? Se
usássemos, não seríamos por demais telepatéticos? Estamos prontos
para esse encontro? Queremos esse encontro? Parece que estamos
diante de um problema insolúvel, e as respostas minguam
drasticamente.
Uma outra linha de pensamento apadrinha a tese dos “universos
paralelos”, nos quais entidades se manifestam em nossa realidade
através de portais, passagens ou acessos ainda desconhecidos pela
nossa ciência. Pura ficção. A nossa dimensão é a nossa dimensão, e
nela só pode se manifestar aquilo que lhe pertence. Se houver –
repetimos – se houver outras dimensões, cada uma delas terá suas
propriedades existenciais restritas exclusivamente a elas e a
nenhuma outra. Elas não podem se misturar, não podem se
intercalar, e falar em “interconectividade dimensional”, além de
prematuro, é pura retórica. Nós não atravessamos nenhum portal a
outras dimensões e a recíproca é verdadeira. É uma impossibilidade
real determinada pela física.
Qualquer outro postulado passa a pertencer ao mundo ficcional.
Podemos, quando muito, conjecturar à vontade sobre mundos
paralelos, elaborar mil teorias, dar asas à imaginação e viajar pelo
275
assunto como bem entendermos. Mesmo que, por um instante,
aceitássemos a existência de pelo menos um único universo paralelo,
que subsídios temos para acreditar que ele seja tão semelhante ao
nosso a ponto de as “naves espaciais de lá” transitarem no de “cá”
com a desenvoltura que se diz por aí? Além disso, “paralelo” não
significa “semelhante”.
Como explicar que tais seres ou entidades tenham a mesma
aparência, falem o idioma local das aparições, usem o raciocínio e a
linguagem terrestres em suas comunicações? O universo do lado de
lá não tem nada a ver com o de cá. São planos existenciais
totalmente distintos! Nada faz crer que os habitantes de Magonia162
possam interagir com os da Amazônia, da Lapônia e da Patagônia e
ficar por isso mesmo. Não se pode inventar uma tese para tentar dar
corpo a essas explicações, e esse é um mal crônico no
comportamento de alguns estudiosos, quando tentam “encaixar”
respostas às suas diluídas e iludidas convicções. Leito de Procusto,
lembra?
Quando falamos em “nossa dimensão”, é preciso entender que
estamos lidando com a estrutura atômica da natureza, estrutura essa
que não se altera, é constante e imutável. Se fosse o contrário, este
livro não existiria, nem nós que o escrevemos. Aliás, nem você
deveria existir. Nada existiria, e somente o nada existiria, se é que
isso é possível – o nada existir! É um desafio e tanto para os físicos
desenvolverem uma teoria unificada e completa da natureza, a
chamada “Teoria do Tudo”. Eles não descartam a possibilidade da
existência de muitos outros mundos – muitos mesmo, algo em torno
de 10500 – e aí não teríamos mais um universo e sim um
“multiversos”, uma hipótese com base na “Teoria das Cordas” e em
complexas equações. Mas este é mais um assunto que não temos
suprimento nem para consumo próprio. Já basta o que nos ocupa.
No entanto, com a devida licença do poeta Drummond, há uma
pedra no meio do caminho. E que pedra! Desconcertante. A teoria
quântica. Ela nos diz simplesmente que um átomo pode estar em
dois lugares simultaneamente. Pior, pode estar em todos os lugares
ao mesmo tempo. O pensamento do físico Max Tegmark, da
Universidade da Pensilvânia, encorpa essa teoria. Segundo ele, a
162
Terra imaginária criada por J. Vallée de onde se originariam os seres de outras dimensões.
276
realidade que nos rodeia é exatamente igual ao mundo dos átomos,
ou seja, o livro que você tem em mãos agora está em todos os
lugares ao mesmo tempo, assim como a poltrona que está sentado, e
você não percebe essa dança maluca porque, claro, também está em
todos os lugares, junto com a poltrona e o livro.
Isso acontece, segundo Max, porque sua mente se divide para
poder observar a sucessão de eventos como sendo um só. Calma, é
só uma teoria, que não explica nem confirma a tese dos universos
paralelos, mas como se trata de uma especulação científica, é bom
ficar de olho. De qualquer forma, vale a pena reproduzir o desabafo
do físico Richard Feynman sobre a teoria quântica: Acho que posso
afirmar com segurança que ninguém compreende a mecânica
quântica 163.
A expressão “multiversos” é a forma de dizer que podem existir
outros universos fora dos limites observáveis do nosso, algo em
torno de 15 bilhões de anos-luz. Esse pensamento seria uma
continuação da Teoria da Inflação lançada em 1980 pelo físico Alan
Guth, uma espécie de autorreprodução de universos em escala
geométrica através de uma sequência de big bangs. Para esse
cosmólogo, é natural pensar que existam “bolhas” de universos
dentro de outras, e assim sucessivamente.
Nossa civilização é extremamente nova em relação ao tempo
cósmico e essa imaturidade tem levado aos arroubos típicos da
juventude – achar que está sempre certa. O que lhe sobra de
entusiasmo, vigor e ímpeto, lhe falta em experiência, sabedoria e
paciência. O curso do aprendizado é longo e o custo é alto.
163
Dawkins, R.; op. cit.
277
Vigiando a ponta do nariz
279
A Ufologia, pois, é apenas um campo de dedicação a fenômenos
atípicos, que define a coleção de uma casuística. Como tal, serve, ou
deveria servir de fonte para os estudos das ciências estabelecidas.
Estas só são assim consideradas quando possuem uma epistemologia
própria, aceita e adotada pelos meios acadêmicos, com metodologia
específica e aplicada. O fenômeno ufológico, como todo e qualquer
fenômeno, só pode ser compreendido e estudado com o uso da
razão, do método e sistematicamente – características do
conhecimento científico –, com utilização do raciocínio filosófico,
portanto dialético, lógico.
165
Vallée, J.; Passport to Magonia, 1972
166
Tratado de Metodologia Científica, Pioneira, SP, 1997.
280
Óvni – impossível de ser confirmada. E se algo em ciência não
admitir, a priori e ao menos teoricamente, ambas as possibilidades
para se trabalhar – negar ou confirmar a hipótese – não será
científico. Isto é regra elementar e indispensável de raciocínio e de
pesquisa.
Não há aqui qualquer negação ideológica da hipótese
extraterrestre. Acontece que é uma pressuposição ainda impossível
de ser trabalhada. Quando isto for possível à ciência – e só a ela cabe
tal tarefa – então a Ufologia fará parte oficial da Astronomia, da
Física, da Biologia ou de qualquer outra ciência estabelecida. Mas
continuará sendo um conjunto informativo e nada mais. Não se pode
ignorar a ideia de que os Óvnis possam estar impressivamente
relacionados e vinculados às pessoas que os veem, e não serem
objetos independentes. Não é o fenômeno propriamente dito, mas a
crença que ele inspirou que está sendo manipulada por grupos
humanos para a concretização de diversos objetivos obscuros.167
Isto quer dizer que temos, por um lado, os Óvnis como tais – reais e
à margem de nosso saber científico – e, por outro, seres humanos
explorando essa inacessibilidade, visando direcionar a opinião
pública e criando um segundo fenômeno.
Vejamos agora os aspectos lógicos da ciência, resumidos pelo
citado autor. Para ele, a logicidade da ciência manifesta-se por meio
de procedimentos e operações intelectuais, a saber:
a) Possibilitam a observação racional e controlam os fatos;
b) Permitem a interpretação e a explicação adequada dos
fenômenos;
c) Contribuem para a verificação dos fenômenos, positivados
pela experimentação ou pela observação;
d) Fundamentam os princípios da generalização ou o
estabelecimento dos princípios e das leis.
167
Vallée, J.; op. cit.
281
estiverem incorporadas à aceitação da área de conhecimento a que
pertencem.
O controle de fatos pode ser entendido como a manipulação
deles, para compreensão detalhada, ou como registro rigoroso de
ocorrências, em todas as suas nuanças. Muitos fenômenos ufológicos
comportam explicação adequada, outros não. Mesmo porque, se os
ufólogos mais influentes dizem que “não existe apenas a Ufologia
científica”, ou “não existe uma Ufologia mística e outra científica,
mas a Ufologia é uma só”, então não se pode misturar ciência com
alardeados conhecimentos transcendentais. Uma coisa é
completamente incompatível com a outra. Aliás, isto é, em dialética,
exemplo claro e visível de contradição.
Já podemos perceber princípios ou formular leis em torno da
manifestação do fenômeno ufológico? Por certo que não. E não se
confunda experimentação ou observação com emocionadas e
fascinantes experiências de cunho estritamente subjetivo, pessoal.
João Almeida Santos e Domingos Parra Filho, em Metodologia
Científica168, evocam Kant para conceituar o conhecimento
científico. Segundo o autor de Crítica da Razão Pura, existem
conhecimentos de natureza formal – isto é Lógica Formal – que
obtém na experiência o seu conteúdo, o conhecimento científico.
Então não bastam supostas experiências subjetivas, individuais,
destituídas das condições para análise racional baseada em bem
estruturados fundamentos.
Ou seja, o que Kant parece ter dito é que a experiência é a
aplicação prática do que se conhece em teoria e com bases seguras.
Isto já é Lógica Material, que trata do conteúdo do conhecimento.
Em termos exemplificativos, pois, pode-se ilustrar isto na Ufologia –
não serão o contatado ou o abduzido os personagens dessa dualidade
científico-racional mencionada por Kant, mas o pesquisador, o
sujeito cognoscente, que deve equilibrar prática e teoria.
Os dois autores dão um conceito sintético, porém realista, do que
seja ciência: um sistema de proposições rigorosamente
demonstradas, constantes, gerais, ligadas mediante as relações de
subordinação. Ufologia está muito longe disto. Podemos, porém,
fazer ciência na Ufologia? Devemos. Agir cientificamente é utilizar
168
Editora Futura, SP, 1998.
282
os conhecimentos das ciências, é óbvio, mas, como Ufologia não é
ciência, esperamos, com esperança, que receba a devida atenção
desta última.
Enquanto esperamos, e sentados, bom seria para a Ufologia a
elaboração cuidadosa de projetos de pesquisa com metodologia
firmada em normas técnicas. É tudo que necessita. Se isto não for
possível, ela não conterá pesquisa. Terá sido uma eterna perda de
tempo. Simples sensações nada provam, porque a percepção humana
é falha. Somente a criticidade, com conhecimento e metodologia, a
superam. O que se avista nada demonstra, pois, como já dissemos, a
visão não mostra, necessariamente, a realidade. Ou a Ufologia
aprende esta máxima, ou continuará promovendo vigílias tolas sem a
mínima obediência a normas e regras de pesquisa. É completamente
nula de validade uma circunstância em que os observadores se
limitam a ficar olhando o céu, à cata de discos voadores, achando-se
experientes o suficiente para saírem afirmando que avistaram
indiscutivelmente “sondas” ou “naves”.
Há método para tudo. Nestas vigílias eventualmente promovidas,
não se trabalha com qualquer levantamento ou observação
astronômica através de cartas estelares e com mapeamentos ou
registros – pontos radiantes de meteoros, efemérides, astros em auge
de brilho, etc. Não se dividem as áreas de forma geográfica e
geologicamente correta. Não se formam comissões de pilotos,
astrônomos, geólogos, psicólogos ou psicanalistas para discussão de
casos, análise e divulgação dos resultados. Não se pleiteia a efetiva
participação, ou o apoio, de órgãos tecnológicos como de aviação,
meteorologia, enfim, não se faz um projeto.
Em uma recente vigília, depois de se espalhar a notícia de que
três ou quatro ufólogos haviam detectado estas falhas inadmissíveis,
saiu-se em desabalada carreira atrás de mapas celestes na internet e à
distribuição extemporânea e tardia de alguns questionários
aleatórios, tudo para dar “cunho científico” à baderna consumada.
Uma vigília deste porte exigiria até análise quantitativa com
métodos estatísticos e elaboração de questionários apropriados, cujos
modelos e tipos são classificados pelos órgãos de normas técnicas e
de pesquisa. Nada nestes termos foi providenciado, simplesmente
porque nem se imaginou que isto seria necessário, mas apenas o
283
feito heroico de se conseguir uma vigília com esta envergadura. Pois
a Ufologia vive dessas fantasias, como se o mundo já desse por certo
que é uma área de importante ciência, em que pesquisadores
elogiáveis marcam bingo a todo instante. Uma ilusão tão entranhada
que chegaram a redigir um “Código de Ética do Ufólogo”, como se
Ufologia fosse profissão regulamentada e disciplina de formação
acadêmica, ou como se elementares princípios de ética não fossem
aplicáveis a todo tipo de atuação humana.
Código de brincadeira para um sistema idem, à semelhança de
concursos ufológicos de melhor obra, melhor palestra, melhor artigo
e prêmio revelação, também sem qualquer método, parecendo que
para esse tipo de levantamento ou pesquisa bastassem e-mails com
votos de preferência, lançados fortuitamente sem nenhum critério e
coleta de dados apropriados e cabíveis, para análise de
correspondência com quesitos.
284
Comandantes estelares: somos marionetes?169
169
Colaborou Rogério Chola.
285
Intergaláctica da Grande Fraternidade Branca Universal”.
Grandiloquência verbal pura. Dois nomes disputam a primazia de ter
sido o primeiro contatado: George Van Tassel e Herbert Victor
Speer. Correndo por fora, um dos mais famosos e polêmicos
personagens da Ufologia, George Adamsky, que nos anos 50
também alegava manter encontros assíduos com seres oriundos de
Marte, Vênus e Saturno.
Disparamos aqui outro sinal de alerta: se o leitor nutre simpatia
pela real existência de Ashtar Sheran, não iremos demovê-lo de tais
convicções. Se preferir, pode pular essa parte do livro. O fato é que a
partir daquela época pipocaram dúzias de supostos contatados, todos
eles com vários pontos em comum além das ligações com o tal
comandante: tornaram-se celebridades instantaneamente graças à
disposição da imprensa pelo extraordinário, escreveram livros,
proferiram palestras, encontraram-se com autoridades e cientistas
propagando incansavelmente uma filosofia messiânica e humanista
promulgada pelos seus interlocutores cósmicos, qual seja, a busca da
paz entre as nações e os vínculos de fraternidade entre os povos.
E, principalmente, o fim dos testes com armas atômicas, que
trariam sérios abalos ao equilíbrio ecológico dos planetas vizinhos
(lembrando que estamos falando de um período pós-guerra). Além
do que, quase todos falavam de um “plano de evacuação global” no
qual um contingente de pessoas, um número bastante simbólico –
144.000 – seria resgatado ante a iminência do holocausto final para
re-povoamento em algum lugar incerto e não sabido. Nunca se soube
que critérios seriam usados para eleger tais “afortunados”. Veja
como se daria essa “operação evacuação”:
170
Project: World Evacuation, citado por Rogério Chola em “Contatos com alienígenas e
seus protagonistas”, UFO, Edição Especial 33, abril/maio 2005.
287
ou ultraterrestre? Cientista, militar ou comandante? Salvador, juiz
universal, um deus ou um usurpador? Entidade dimensional,
personagem de ficção, mito, lenda ou fato?171 Um iluminado
transbordante de compaixão, um anjo enviado pelas potestades ou
um ardiloso manipulador da nossa fragilidade? Parece-nos que a
definição que melhor se encaixa foi dada pelo colaborador deste
capítulo: “ideia-conceito” – uma figura real, porém inexistente.
Ashtar Sheran não está sozinho na magnânima missão de
patrulhar e proteger a Terra. Faz-lhe companhia um panteão de
exóticos nomes: Karran, Agar, Aura Rhanes, Semjase, Setun Shenar
(quase outro anagrama de Ashtar Sheran) e outros tantos. Sua missão
secular: auxiliar a humanidade em sua evolução cósmica através de
atos, palavras e, se necessário, uma força mais drástica. Seus
ensinamentos sobre Deus e Verdade:
171
Ibidem
288
para o extermínio e inexaurível beligerância, querem nos presentear
com uma arma terrível para corrigir nossos erros, e ainda ficam
profundamente agradecidos por nossa compreensão e benevolência.
Compreensão e benevolência? É alguma piada de mau gosto? É
assim que erros são corrigidos? Isso quer dizer que, embora
estejamos sentados em um barril de pólvora com pavio aceso, uma
bomba-relógio em contagem regressiva, não devemos nos preocupar,
afinal, Ashtar e seus correligionários estarão prontos a intervir,
vigilantes e atentos ao nosso “apertar de botões”. Por via das
dúvidas, é melhor não arriscar, pois não sabemos se eles estarão de
plantão nesse dia.
É o dilema básico da espécie humana: incapaz de encontrar
soluções aos problemas criados pelo uso distorcido de uma
inteligência privilegiada, transfere essa tarefa aos supostamente mais
capazes, seja deus, deuses, heróis, anjos ou extraterrestres. Muito
conveniente. Mas vamos ficar por aqui. Devido ao adiantado da
hora não iremos nos ocupar com ilações filosófico-existenciais
impertinentes no momento.
Tais mensagens são de uma mediocridade absoluta, em todos os
sentidos. O conteúdo, o raciocínio e a elaboração obedecem a um
padrão indiscutivelmente terreno, incompatível com a alegada
“superioridade” de tais seres. E não venham nos dizer que este
comportamento é devido ao nosso atual estágio evolutivo, que
precisam falar a “nossa” linguagem para que possamos entendê-los!
Desculpa esfarrapada, falha de raciocínio lógico e uma inversão de
valores conhecida como dissonância cognitiva, termo cunhado pela
equipe do sociólogo Leon Festinger ao pesquisar seitas e
movimentos ligados ao fenômeno Óvni, especificamente em uma
comunidade na Califórnia, EUA, dirigida por Mrs. Keech. Permita-
nos uma breve pausa para tocar nesse assunto.
Os membros dessa sociedade acreditavam receber mensagens de
espíritos que se identificavam como tripulantes de Óvnis que
protegeriam a Terra de um desastre inevitável. Como tal não
aconteceu, o grupo, ao invés de admitir o engano ou, no mínimo,
suspeitar da fonte, ao contrário, acreditou ter participado de uma
experiência bem sucedida e que a Terra de fato estava salva. Este
mecanismo de defesa explica que quando o conjunto de crenças de
289
um grupo é contrariado, ele reage sobre o fato que desmente sua
crença e expectativa de modo a manter o mito vivo. Outro exemplo
de dissonância cognitiva é a Igreja Evangélica Adventista do Sétimo
Dia, fundada em meados de 1850 e fundamentada na probabilidade
de um fim de mundo vinda de mensagens canalizadas de seu
idealizador, que deveria ter ocorrido no século 19.
Como o fim do mundo não veio, e os membros da seita caíram no
ridículo, o grupo retrabalhou sua lógica de fé e continua a crer no
prenúncio do fim do mundo até hoje. Ou seja, haverá sempre a
reformulação para adequar o “previsto” e o “canalizado” vindo de
entidades espirituais ou extraterrestres, e nunca avaliada a
possibilidade de não estar acontecendo nenhuma mensagem
espiritual, divina ou não.
Decididamente, de superiores estas criaturas não têm nada.
Conclusivamente, não são nada. Não passam de fabulações de
mentes doentias próximas aos estados psicóticos, que bem ou mal
obtiveram êxito na difusão de suas ideias mundo afora. Para não se
pensar que forçamos a barra ou fomos levianos e imprudentes,
vamos a algumas situações em que, ou fomos testemunhas, ou são
relatos transmitidos por fontes absolutamente confiáveis. São Paulo,
1982, em um escritório no centro da cidade, então sede do nosso
grupo de pesquisas. Assistíamos a um filme em Super-8 de luzes
intermitentes observadas semanas antes por nós.
Essa aparição foi submetida a autoconfrontação, onde cada um
(éramos 8 na ocasião) desenhou a sua visão sem tomar
conhecimento das demais. O filme confirmava a conclusão da
investigação. Naquela sala havia cinco pessoas, sendo que apenas
um jovem casal desconhecia detalhes do avistamento e o resultado
da pesquisa. Depois de alguns minutos, a garota sentiu “algo
estranho”, fechou os olhos e disse que os seres daquela nave
estavam tentando se comunicar com ela. Se o leitor prestou atenção,
verá que seria impossível tal “contato”: a garota estava recebendo
uma comunicação telepática proveniente de um filme projetado na
parede! Entreolhamos-nos, guardamos silêncio e deixamos fluir os
acontecimentos na expectativa do que viria a seguir. Sentindo-se o
centro das atenções, a moça informou que os seres não poderiam
prosseguir com a comunicação porque algumas pessoas na sala não
290
estavam preparadas para aquele contato.
Como não seríamos coniventes com a situação, até porque
ninguém estava para brincadeiras, ao término da exibição
informamos ao casal que o filme, feito por um grupo de baloeiros da
região, mostrava a evolução de um balão que carregava uma figura e
fogos de artifício numa armação suspensa pela parte inferior
(cangalha). Era essa a conclusão da nossa investigação, e não havia
dúvidas quanto a isso. A jovem, surpresa e visivelmente
constrangida pela cena patética, saiu-se com a desculpa de que não
estava se sentindo bem, e diante do mal-estar reinante, o casal
escafedeu-se rapidamente.
Já que o assunto é “comunicação”, não podemos escapar à
oportunidade de um comentário adicional pertinente. Tomamos
conhecimento que durante o II Fórum Nacional Espírita, o músico e
astrólogo Waldemar Falcão afirmou que os animais podem se
comunicar telepaticamente com humanos. Em certa ocasião, teve a
coragem de informar a uma mulher no auditório que suas galinhas
lhe mandaram um recado: “elas gostam quando a dona lhes beija no
bico”, que ela não só acreditou como se emocionou! Comunicação
galinácea? Compatibilidade mental? Será que as penosas, cães,
gatos, papagaios e outros bichos comunicam-se “mentalmente” entre
eles e nós ainda não? Então, se Ets e galinhas se comunicam com
humanos, podemos deduzir comunicam entre si? Isto é
absolutamente inacreditável! Neste caso, o slogan da série de TV
“Arquivo X” deveria mudar para... “A verdade está lá fora... no
galinheiro”. Risos à parte, uma coisa é certa: quem age, pensa ou
defende tal prática está sujeito a não alcançar o nível das mensagens
dos seus bichinhos de estimação...
Voltando às nossas vivências pessoais, outro episódio ocorreu na
mesma época em um bar próximo ao escritório, quando
conversávamos com uma contatada bastante folclórica chamada Tita
Flores. Enquanto a conversa fluía ao sabor de um café, começamos a
fazer algumas perguntas relativas ao seu “contato”. Foi então que,
para espanto nosso, ao levantar a xícara e olhar um resto de café
derramado no pires, com o maior cinismo disse que aquilo era um
“sinal”, uma “orientação” do seu mestre para encerrar a conversa e
se retirar, pois não poderia revelar “certas coisas” a nós. E se retirou.
291
E nunca mais a vimos.Pelo menos nosso café não esfriou no balcão.
O caso seguinte ocorreu na cidade de Macaé, em 1995, relatado
por um dos colaboradores, Lúcio Manfredi. Um conhecido ufólogo
local mencionado páginas atrás, Lafayette Cyríaco, não se aventura,
sob hipótese alguma, a caminhar sozinho à noite pela cidade, pois
tem medo de ser substituído por um clone alienígena! Quem pode
lhe assegurar que já não o foi? Enquanto isso, na mesma cidade, uma
senhora garante que os Ets se comunicam com ela em código Morse
através de pigarros na sua garganta!
São casos isolados, é bem verdade, mas quantos deles com a
mesma feição idiotizante não estão ocorrendo por aí que não são do
nosso conhecimento? E assim poderíamos relatar dúzias de
episódios semelhantes, mas então este livro abandonaria sua
seriedade para se tornar uma antologia do anedotário ufológico, um
almanaque de histórias bizarras e rocambolescas jamais vistas nessa
área.
A estas ocorrências tragicômicas somam-se outras que parecem
extraídas dos mais criativos contos de ficção. Àqueles chamados de
comandantes somam-se ainda os epítetos de “tutores cósmicos”,
“confederados”, “príncipes siderais”, “irmãos das estrelas”,
“mensageiros”, tornando tudo mais indigesto quando são nomeados
“mestres ascencionados” e coisas do gênero. O teatro ufológico é
abundante em encenar peças deste gênero e o encantamento que
provoca não é pouco. Não é preciso ser psicólogo para deduzir em
que isso deságua – adoração, conversão, uma verdadeira
santificação. Lembre-se do “Salmo 23”: o Et é meu pastor e nada me
faltará.
A comparação procede não porque todos os contatos se
transformem numa espécie de religião, mas porque o contatado não
quer se distanciar do contactante, criando uma dependência quase
carnal, uma fé inquebrantável e uma aceitação tácita dessa
submissão religiosa no seu sentido mais estrito. A declaração de
Jung é a pá de cal: Em todos os meus pacientes, em mais de trinta e
cinco anos de prática, não há nenhum cujo problema não fosse o da
religação religiosa.
Excetuando-se os muitos casos de fraude, é óbvio que a
testemunha acredita em sua experiência e, mais importante ainda,
292
considera-a muito significativa. Definir algo como significativo
implica na existência de um significado, o que nos leva a perguntar:
o que significa a experiência ufológica para essas testemunhas? Pelo
que pudemos depreender até agora, trata-se de uma experiência
religiosa. Vejamos o que o padre jesuíta Fernando Bastos de Ávila
tem a dizer sobre o sentido subjetivo da religião que, analisado mais
detidamente, aparece contendo três elementos:
1) O reconhecimento da crença natural da existência de um
poder, ou poderes, que nos transcendem.
2) O sentimento de dependência com relação a ele.
3) Entrar em qualquer forma de contato ou de relação com ele.
Este “entrar em contato” constitui aquele sentido subjetivo da
religião.
294
de menos elimina o senso de mistério que gera a fé. Como fórmula
de pensamento, o raciocínio científico contrasta radicalmente com o
experimento transcendental. Enquanto o primeiro está sempre
sujeito à dúvida e à crítica, o segundo se oia na fé e na devoção – e é
justamente essa inflexibilidade que resulta na decadência da religião.
Por que a ideia de uma convulsão e consequente salvação da
espécie adquire tamanha importância? Além do aspecto “salvador”
que o fenômeno traz implícito, existe outro fator não menos
importante que poderíamos chamar de transferência de imagem, a
transposição que o homem faz de sua força ausente para alguém – os
ídolos de todos os tempos. Aqui, porém, a palavra ídolo assume uma
interpretação diferente: sua etimologia deriva do grego eydolón –
imagem, reflexo. Aquilo que o ser humano não possui consciente
dentro de seu quadro de qualidades é transportado para seu
semelhante dotado de poderes supranaturais, ainda que possua uma
fresta vulnerável.
É aí que surge a figura do extraterrestre, um verdadeiro
“semideus”: proveniente das alturas, superdotado, imediatamente
identificado como de um estágio evolutivo superior, um “emissário
dos deuses”, talvez até a personificação de um deles. O professor
Hermann Usener, já citado, separa o desenvolvimento das figuras
divinas em três estágios distintos, que encontram eco na Ufologia. É
necessário revermos essa classificação, mesmo já comentada, porque
sua aplicação aqui é indispensável:
295
ou salvadores.
297
em 13 de maio de 1980 um dilúvio poria fim à vida na Terra. Como
o sertão não virou mar, os decepcionados partidários borboletianos
bateram asas montanha abaixo reescrevendo a agenda. Ambos
faliram, movimento e comerciante.
Esse é um ponto delicadíssimo que não pertence exclusivamente
à esfera da Ufologia – trata-se de um componente social dos mais
complexos e terríveis: a incorporação de um pensamento individual
por uma consciência coletiva, desencadeando um comportamento
epidêmico padronizado. Todo integrante, membro ou partidário de
um grupo, clube, seita, partido, associação, confraria ou coisa do
gênero absorve todo o universo doutrinário do qual faz parte, e tanto
mais influência recebe quanto mais se identifica com a instituição.
Há inúmeros estudos a esse respeito, de longa data. Se uma gang de
jovens resolve praticar atos de vandalismo e desordem, até o mais
“santo” do grupo se vê na obrigação de corresponder às expectativas
do bando mesmo que depois, arrependido, se afaste dele.
Quantas vezes não presenciamos brigas generalizadas entre
jogadores de futebol que minutos antes externavam fraterna
amizade? No momento do confronto, distribuir sopapos e pontapés é
o que se espera dos companheiros em defesa das cores do time.
Foram exemplos extremos, propositais, porque são os que melhor
refletem uma ação individual a partir de uma ideia coletiva.
Mas poderíamos falar também do Hare Krishna, dos muçulmanos
ou dos judeus ortodoxos, que adotam um comportamento sacerdotal
fiel aos seus cânones, desde o vestuário, à fala, aos rituais, ao
comportamento e à obediência às leis internas, ou ainda, mudando
de direção, as manifestações populares contra um governo em atos
de protesto, arruaça e depredação, onde o outrora pacato cidadão se
vê no meio do tumulto atirando paus e pedras, instigado pela
multidão ensandecida à sua volta.
Tais estudos chegaram a duas conclusões preocupantes: a
primeira é que os indivíduos perdem a capacidade de realizar
julgamentos intelectuais e morais quando estão em grupo. A outra é
que as pessoas têm um impulso inevitável de agir de modo tirânico
298
quando se reúnem coletivamente e detêm poder172. Aqui nos parece
relevante sugerir ao leitor que reveja o item 3 apresentado pelo
professor Alberto Oliva, à página 27. Naturalmente, há a outra face
da moeda: se de um lado existe a banalidade do mal como nos
exemplos da gang e dos jogadores, e poderíamos mencionar dúzias
de exemplos, de outro há aspectos positivos quando indivíduos
compartilham a mesma identidade com propósitos mais elevados.
O que se discute aqui são os meios, não os fins. É importante
atentar que este comportamento não tem raízes unicamente
psicológicas, é também uma questão fisiológica. Uma das
descobertas mais importantes em neurociências nos últimos tempos
revelou a existência dos chamados “neurônios-espelho”,
responsáveis por reproduzirmos ações semelhantes no momento em
que observamos alguém executando-as, não se restringindo apenas a
atos ou gestos, mas a pensamentos e comportamento geral de um
dado grupo.
Localizados em regiões vinculadas principalmente à percepção e
movimentação, esse mecanismo talvez possa explicar como
aprendemos a sorrir, dançar, praticar esportes ou copiar reações
coletivas a partir de uma primeira observação. Essa postura se
observa mais comumente em crianças, mas tem reflexos também
entre adultos. Esses estudos não são recentes, é bem verdade, mas
ganharam novas perspectivas com o avanço das neurociências.
Alargando o foco dessa descoberta, é possível então entender
algumas atitudes, já que as pesquisas na Holanda, Itália, França,
Estados Unidos e outros países estão aos poucos desvendando os
mistérios que envolvem nossas emoções, humores, prazeres e
reações. Entretanto, o que queremos enfatizar é que, independente da
direção tomada pelo grupo – e essa também é outra das conclusões
daqueles estudos – as pessoas não perdem a capacidade de fazer
julgamentos, mas a base de suas decisões de desloca de suas noções
individuais para as crenças coletivamente estabelecidas (grifo
nosso)173.
Existe, portanto, inequivocamente, um padrão comportamental
172
Haslam, S. A.; e Reicher, S. D.; On the agency of individuals and groups: lessons from the
BBC prison study. P. 237-276. in Individuality and the Group. Advances in social
identity. Postmes, T.; Jetten, J. 2006
173
Idem.
299
que reflete normas e valores daquele grupo. O leitor certamente
percebeu que esta digressão foi necessária, simplificada ao máximo
por se tratar de um assunto extenso e complexo que foge ao escopo
mais profundo dessa análise. Serviu apenas para demonstrar o perfil
paradigmático dos ufólogos e testemunhas na condução de suas
ideologias.
Quando se fala em seitas, costumam surgir divergências sobre
quem é testemunha, contatado, canalizador ou sensitivo, então
precisamos apontar as diferenças pelo menos entre testemunha e
contatado (sensitivo será discutido à parte) a partir de um estudo
feito pelo pesquisador francês Henry Durrant, com algumas
adaptações nossas:
301
A árvore de dourados frutos
Diderot
302
holística”; “na Ufologia não há duas facções, Ufologia é uma só
Ufologia”, e tantas outras considerações semelhantes.
Contudo, ainda que engajados firmemente neste tema há décadas,
não hesitamos agora vir a público estimulados por pensadores como
Richard Dawkins, que estão pregando a urgente reação dos homens
de linha racionalista e pragmática [o escritor e pesquisador fala do
meio acadêmico científico] contra o avanço incontido de
superstições e posturas marcadamente crédulas. O fato inegável é
que, se a verdade nunca é completamente atingida pelo homem, e
isto permite que diversas linhas de pensamento sejam consideradas,
a Ufologia brasileira, e do resto do mundo, está irremediavelmente
tomada pelo interesse exacerbado no misticismo e no sobrenatural,
por parte de um público sedento apenas de suposições e
especulações recheadas de estranheza e divagações fantásticas.
Então, se esse for o raciocínio predominante – e tudo indica que
sim – que sejamos pois considerados “não evoluídos”, que nos
julguem “radicais”, ainda que fosse melhor saberem o sentido mais
correto, denotativo, de tal termo. Que sejamos taxados de “cegos” e
“despreparados”. Não nos interessam, quaisquer que sejam as
afirmações, crenças, pensamentos, casos, pessoas, suposições,
hipóteses, trabalhos, artigos, livros, sites, congressos, reuniões,
cursos e práticas que relacionem propalados aspectos místicos,
ocultistas, “transcendentais” e/ou religiosos com a Ufologia. É nossa
palavra final. Se alguns acharem por bem certificarem de vez que,
com esta postura, definitivamente não somos, nem de longe,
“iluminados”, agradecemos sensibilizados. Não somos mesmo.
Preferimos buscar adquirir luz própria, ainda que aos trancos e
barrancos, aprendendo com os homens de pensamento útil.
Os olhos brilhavam de encantamento, admirando a beleza que
aqueles frutos dourados invocavam em seus inconscientes.
Agarrados à expectativa de receber um alimento rico e saboroso, não
ouviam os que, à sua volta, preveniam contra o perigo que os frutos
representavam. Ninguém sabia de onde tinham vindo e do que eram
feitos!
(...) afinal, uma pessoa saudável pode confiar que seus pensamentos e
intenções – construídos com base no que conhece do mundo – são
produtos realmente seus. Mas não é isso que experimenta, por exemplo,
alguém com esquizofrenia. O esquizofrênico julga que seus
pensamentos são um produto estranho a ele próprio e os considera,
muitas vezes, como ´vozes´ vindas de fora.174
176
Declarações contidas no site www.ufo.com.br, prévias relativas à edição UFO 126, de
setembro de 2006.
307
alma, não ouvirem seus corações. Passaram a se reunir em grupos onde
discutiam as benesses dos frutos, de que forma haviam se tornado
pessoas melhores, mais brilhantes, mais sábias, apenas porque se
alimentavam daquelas maravilhas.
309
Eles, seus irmãos cósmicos, também lhe informaram que não
poderiam interferir em nosso livre-arbítrio, mas iriam tentar
influenciar as pessoas envolvidas no processo para evitar a
catástrofe. Como assim, eles não viriam depois das explosões? Por
que não antes? Não têm como saber antecipadamente o que vem por
aí? Iriam tentar corrigir o estrago, e depois de vê-lo consumado,
assistir a carnificina de camarote? Obrigado, mas não precisamos de
plateia para isso. As nossas perguntas se perdem em meio ao festival
de incoerência, disparates e “furos” nestas alegadas mensagens,
razão pela qual não vamos dissecar a matéria por inteiro. As tintas da
entrevista carregadas de falsa modéstia entregam uma fé absoluta
nas previsões, mas deixam uma providencial saída de emergência
caso não se concretizem: se estiver enganado, pagarei o preço dos
meus erros, o peso do desprezo alheio.
Enganar-se em relação a quê, exatamente? Ao conteúdo das
mensagens ou à fonte de informações? Pelo que se entende, ele
aposta todas as suas fichas em ambas as possibilidades, então, onde
estaria o engano? É como se dissesse: “Se nada disso acontecer a
culpa é deles, não minha, eu só fui o estafeta que não entendeu o
recado”. A se pensar dessa forma, não vamos culpar o motorista
embriagado que atropela pedestres na calçada. Culpemos o
fabricante da bebida.
Só faltou dizer que apenas os “preparados espiritualmente”
poderiam contemplar esse momento. Nesse caso, quem é preparado
espiritualmente para o quê? Nada aconteceu porque “forças ocultas”
impediram, mais uma vez, que a humanidade tomasse conhecimento
da volta do Messias ou de um Ashtar Sheran qualquer da vida? Ou
porque “ainda não estávamos prontos” para um encontro dessa
magnitude? Não foi a previsão que nos espantou. Espantou-nos o
espanto demonstrado no editorial, como fator de grande importância
para este nosso trabalho, que é estabelecer uma visão sobre o
comportamento dos que fazem e representam a Ufologia.
O seu caráter sensacionalista de alerta, para uma previsão dada
por alguém dotado da comentada credibilidade, é justificado
exatamente em virtude de tal caráter, como se a revista,
independentemente de referendar ou não a certeza de que o evento
ocorreria, devesse obrigação de divulgá-lo. Nada a contestar. Até o
310
ponto em que não tomasse partido de fato. Acontece que tomou.
Apesar de alegar que não, o partido foi visivelmente tomado. Como
introdução, seu autor destaca que o Sr. Val Ellam teve acesso a
informações e isto basta para afirmar total crédito na sua palavra. Tal
se torna mais evidente quando essas informações, conforme
expressão literal de Adhemar José Gevaerd, o editor da UFO, são
originárias de seus mentores espirituais e extraterrestres.
Nenhum jornalista ou editor que se preze simplesmente sai a
disparar notícias sem ter fontes confiáveis e seguras que as sustente,
ainda mais se estas são provenientes do “além”, do “éter” do “astral
superior” ou das profundezas. Pior ainda por se tratar de Ufologia.
Mas, no entender do editor, a entrevista é uma das peças mais sérias
que vi produzidas na Ufologia Brasileira, aconteçam os fatos
vaticinados ou não.177 Isto é seriíssimo, sem dúvida, mas não no
sentido sugerido pelo autor da frase.
Apesar da total ausência de demonstração de que mentores
espirituais e extraterrestres forneçam qualquer tipo de informação a
quem quer que seja, a atitude crédula, de fundo inegavelmente
religioso, está patente. Direito inalienável dos cidadãos. Contudo, se
não pudéssemos tecer quaisquer observações sobre o modo de operar
e de expressar de ufólogos, a Constituição da República teria
proibido expressamente a atuação de outras linhas ou correntes de
pensamento.
A Constituição garante a liberdade de crença. Isto é também a
liberdade de não crença. E a partir do momento em que crenças são
intelectualizadas em publicações escritas, sujeitarão suas afirmações,
mormente em termos de fatos, aos comentários críticos, em virtude
de outro princípio constitucional maior – a liberdade de pensamento
e de expressão. E em razão do maior princípio imposto pela
Filosofia da ciência – sem crítica, não há conhecimento. Se alguns
pensarem ao contrário, que registrem logo sua Ufologia como uma
religião codificada, ou como instituição religiosa. Aliás, parece que é
só isso que está faltando...
Quando as pessoas usam seu direito de expressar, em razão de
suas crenças, mas falam de fenômenos, acontecimentos, fatos,
estudos e pesquisas, o direito das outras linhas é simples questão de
177
Por e-mail, setembro de 2006.
311
equidade. Centenas de naves se aproximam da Terra para grande
manifestação nos próximos meses e tudo ocorrerá entre novembro
de 2006 e abril de 2007. Trata-se mesmo de uma afirmação
contundente, que aprisiona o tempo.
Entretanto, esse período de seis meses para um acontecimento de
tão grande monta, pode ser encarado como sintoma comum a todos
que, no passado, anunciaram esse evento de caráter bíblico-
apocalíptico. Um senão que coloca o vaticínio de Val Ellam no
mesmo nível das previsões incertas e nada incisivas, que
involuntariamente deixa o médium ou vidente em situação bem
cômoda. Se raríssimos eventos como tais, diz a própria Ufologia, já
ocorreram, viria a calhar que, depois de tanto tempo entre uma
ocorrência e outra, uma aparição como tal viesse a acontecer de
novo, pegando a todos de surpresa. Estamos falando de aparições de
Óvnis em grandes cidades ou aos olhos de muita gente.
312
modos de operar de espíritos e extraterrestres superiores não nos
estejam à altura da compreensão. Não é mesmo fácil compreender as
razões pelas quais espíritos ou Ets evoluídos escolheram um
sensitivo terrestre para avisar de dois fatos simultâneos e correlatos
tão estrondosos – a aparição em massa de portentosas naves de outro
planeta e a volta de Cristo – e, incoerentemente, não informaram a
data:
314
pensamento e aos fundamentos das afirmações, quando estas
parecem sequer supor, muito menos considerar, as inúmeras
divergências, incontáveis argumentos e as investigações de
pesquisadores e pensadores que sequer aceitam que Jesus tenha ao
menos existido. É o que queremos frisar. Não cabe neste trabalho
entrar em tal assunto, nem detalhá-lo.
Pretendemos, tão somente, realçar a postura dogmática e crédula
que parte da premissa de que todos aceitam, acreditam e consideram
certas questões como se fossem indiscutivelmente provadas e
adotadas. É o risco da falta de informações mais amplas, isentas, que
correm aqueles que preferem ater-se à leitura e à homogeneidade das
opiniões que lhes são afins.
O sensitivo prossegue na entrevista solicitando que as pessoas
reflitam sobre o que está dizendo, porque fala das revelações
narradas por seres mais evoluídos do que nós, seus “irmãos
cósmicos”. Em função de suas atividades profissionais e sociais, o
editorial considera que ele está longe de ter o perfil de guru ou
místico. Informa ainda que lá fora (em outros países, bom explicar)
ele é conhecido como mentor do “Projeto Orbum” – um manifesto
que trata da cidadania planetária – como já mencionamos. Alguém
que idealiza um projeto com vistas a uma “cidadania planetária” age
com modo típico de um guru, ainda que não haja qualquer motivo
para se definir este médium com a expressão “guru” em sentido
pejorativo.
O que caracteriza a semelhança das seitas e de seus idealizadores,
os gurus como tais, é exatamente o desenvolvimento das ideias
únicas dos seus fundadores, marcadas por algo singular e de
destaque, que se torna o carro-chefe ou base principal sobre a qual se
assenta o movimento. No caso em tela, a revelação de seres
extraterrestres mais evoluídos, considerados nossos irmãos mais
velhos que vêm para uma intervenção direta ou indireta, em
momento perigoso para a raça humana, simultaneamente à volta de
Jesus, o que constitui o ápice de um momento declaradamente
apocalíptico.
317
último momento influenciar as pessoas envolvidas no processo, com
o fim de evitar a tragédia. Ou seja, se não explodir, terá sido pela
interferência deles, o que também nos deixa à vontade para
especular: se esta influência for bem sucedida, a vinda de Jesus e das
naves extraterrestres poderá também ser convenientemente adiada?
A linha de pensamento, bem como a previsão, expressa-se
claramente na entrevista concedida pelo médium. Ele faz afirmações
bastante contundentes, ao contrário do que tenta fazer crer o editorial
que as divulga. Sobre Jesus, por exemplo, Ellam diz que dissociar
dos fenômenos ufológicos é interpretação equivocada: essa
interpretação dos fatos é um erro. Com isto, deixa-nos novamente
com liberdade para comentar sobre quaisquer interpretações,
inclusive a dele.
Além de declarar que Jesus não tem absolutamente nada a ver
com qualquer religião (sic) – não se conhece algum fundamento
sobre Jesus que não tenha como causa e não seja em razão de
religiões – afirma que Ele veio como um ser de nossa própria
espécie, mas de outras moradas da casa do Pai, à maneira da
interpretação marginal a todas as teologias. O que gerou a
observação no editorial de que ele, por isto, não tem receio de atrair
a ira de espiritualistas ortodoxos e doutrinários, que veem a figura
de Jesus de uma maneira quase religiosa.
Fica incompreensível saber se há espiritualistas e doutrinários, no
sentido preferido pelo editorial, que não veem a figura de Jesus de
uma maneira religiosa. O “quase” restou isolado. Outras
salvaguardas podem ser detectadas nas palavras do médium e no
referendum da revista. Evitando a pecha de guru, já rechaçada por
antecipação no editorial, ele, que já publicou quinze livros, avisa que
nunca quis aparecer, mas pelo peso e volume do que começou a
receber desde março de 2006, é preciso revelar a tantos quantos
queiram me ouvir. Depois, volta a tocar no quesito prazo, para
informar que após a primeira aparição estrondosa, os seres, que o
inspiram a escrever seus livros, voltarão algumas outras vezes em
seus descomunais veículos preencher a abóbada.
Mas não pousando nem interagindo conosco até que chegue o
momento certo. Vê-se assim que o prazo, sutilmente, tornou-se agora
bem mais elástico. Se é que existe de fato um prazo. Continua
318
indeterminado. Tudo como dantes no quartel da Ufologia.
Com uma míope, vaga e ególatra réplica à nossa manifestação
pública, Ellam rezou a cartilha dos contatados que não querem ser
vistos como gurus, profetas ou “predestinados”. Entretanto, a escrita
e o raciocínio – sem qualquer intimidade com a ponderação e a
autocrítica – apontam no sentido inverso, na direção do figurino
analisado em capítulos anteriores, dentro da melhor espiritualidade
de almanaque do tipo “Com as pedras que me atiram levanto a
fortaleza do meu ser”. Alterna palavras de cunho rasgadamente
messiânico como âncora para suas débeis argumentações,
repudiando as críticas com traços de arrogância, como se os
questionadores fossem descerebrados estúpidos e ele um ser superior
acima da mesquinharia intelectual da plebe opositora. Como todos
que o antecederam, querendo ou não, postou-se no centro do
fenômeno, quando não passa de um epifenômeno dos mais frágeis,
adotando uma postura de falsa humildade no papel de emissário de
entidades cósmicas para ocultar uma acentuada carga de vaidade.
Nem para isto teve a competência de ser original. Ellam é mais uma
peça ficcional, autêntico boneco de ventríloquo, uma criatura
teleguiada pelos poderes invisíveis ou de sua própria mente. Como
das vezes anteriores, o público se retira antes de findo o espetáculo.
Ou nem espera começar. O saldo desastroso foi mais uma história
indexada nos anais folclóricos da Ufologia brasileira, desta vez
assinada pelo pseudônimo Jan Val Ellam.
Este capítulo, que deveria acabar no parágrafo acima, teve um
ingrediente inesperado que nos obrigou a um último comentário.
Exatamente no início da segunda quinzena de novembro de 2006,
fomos alertados por telefone e e-mails que, de acordo com novas
informações transmitidas pelo editor da revista UFO, Val Ellam
ratificara o “contato” fornecendo com exatidão data e hora do
evento, contrariando a expectativa inicial que não especificava
maiores detalhes: sábado, dia 18 de novembro, às 17:30 h., um mês e
meio depois da não explosão das bombas! Teríamos agora um não
contato? Com certeza. Fomos informados também, por outras fontes,
que uma chuva de meteoros “leonídeos” 178 estaria ocorrendo no
178
Meteoros que são observados a partir da constelação de Leão, por isso o nome leonídeos.
Esse fenômeno é anual, sempre por volta do mês de novembro.
319
mesmo período, coincidentemente, o que nos levou a supor que a
confusão seria total entre meteoros e “discos voadores”!
Tampouco poderíamos pensar mais em algo tão “grandioso,
monumental e inequívoco”, já que não teríamos Jesus e sua
exuberante aparição até porque, segundo Ellam, o contato duraria
apenas algumas horas e não haveria aterrissagem! Saiba o leitor que
este trecho final foi escrito dois dias antes da data, e se o mundo
aguardava com ansiedade o desfecho desta brincadeira (para usar
uma expressão mais branda), nós preferimos continuar o estudo e a
reflexão que são bem mais saudáveis. Nossa já bem curta paciência
não deixou que perdêssemos tempo com uma nova “manifestação
pública”, nem que ficássemos a postos em nossos quintais e
varandas à espera de meteoros e/ou discos voadores.
No dia seguinte ao não-contato, Ellam se pronunciou através de
uma emissora de rádio paulista, e causa pena a impudência de sua
defesa:
321
O mito e seu subproduto – rods
323
alongados e por vezes compostos de partes distinguíveis ou
apêndices laterais, em número de seis ou mais. As traduções do
termo inglês costumam também dá-lo como “bastão” ou “bastonete”.
Nada mais óbvio.
O céu próximo do cinegrafista está sempre repleto de esporos de
vegetais, hastes de plantas, sementes e flores, e é constantemente
fustigado por insetos miúdos que bailam ao sabor dos ventos. São
praticamente imperceptíveis a olho nu, tanto pelo tamanho como
pela rapidez de movimentos. É interessante notar que os rods
aparecem mais nitidamente quando a cena filmada tem como plano
de fundo geralmente o céu. Também é evidente que, qualquer objeto
minúsculo que plana, ao passar entre o cinegrafista e o motivo
principal da filmagem, principalmente se estiver próximo das lentes,
será flagrado “em altíssima velocidade”. Mesmo porque, filmados,
esporos de vegetais e diminutos insetos cruzam a cena com a rapidez
com que se movem na atmosfera. Este é, pois, inquestionavelmente,
um fenômeno puramente ótico, composto pelo pequeno objeto e pelo
efeito de movimento e velocidade que aquele imprime quando
capturado pelo celuloide.
O cinegrafista John Bro, que notara pequenos pontos brancos
voando pelo espaço em dia de céu claro e sol forte, passou a registrar
dezenas de horas de filmagens, apenas com a finalidade de provar a
existência de Ufos aos milhares, diariamente, que invadem a Terra
camuflando-se aproveitando a claridade do Sol (sic). Com uma
câmera VHS, Bro alertou a imprensa especializada em
documentários de tema ufológico. Em 1997, o programa de
audiência mundial ”Sighthings”, do canal USA, mostrou as
filmagens de Bro e o espanto da própria equipe de produção, que
passou a utilizar o método dele – ocultar o sol com algum anteparo,
mais exatamente a ponta do telhado de uma construção – para
conseguir captar no filme o halo formado pela claridade do astro e
assim poder registrar os rods.
Muito surpresos, aqueles profissionais passaram a acreditar que
filmavam algo desconhecido e inexplicável, procurando a ajuda de
um expert, o ufólogo norte-americano Jim Diletoso. Munido de uma
parafernália tecnológica, Diletoso afirmou descaradamente que
324
aquilo só podia mesmo tratar-se de “frotas de naves extraterrestres”
em constante incursão ao nosso planeta.
Surpreso mesmo deve ter ficado nosso leitor diante do fato de
profissionais de TV, que lidam com filmagens de todo tipo, a todo
instante, não terem se apercebido de um simples fenômeno ótico.
Ocorre que este é um fator complicador já muito conhecido. Certos
profissionais não conhecem necessariamente algumas ocorrências
notadas e notabilizadas por ufólogos, pelo simples fato de antes não
lhes despertar o menor interesse, sob quaisquer justificativas.
Até porque, certas situações são tão naturais, tão constantes e
comuns, que sequer são valorizadas a ponto de se dedicar uma
atenção ou uma pesquisa em especial, como no caso dos rods.
Certamente, cinegrafistas que viram passar à frente de suas lentes,
ou perceberem depois em seus filmes coisas que riscavam os céus,
ou não utilizaram a cena estragada por esta presença, ou nem ao
menos pensaram com mais carinho em torno dela, de tão óbvio que
era.
No entanto... aflora a partir disto a ampliação, a elasticidade, o
enriquecimento do mito através da mais completa ignorância e ânsia
pelo misterioso, em substituição ao que se possa conhecer com bom
senso. Os rods passaram a ser “artefatos inteligentemente dirigidos”,
tais como as sondas – supostos pequenos objetos que são avistados
saindo ou desprendendo-se de Óvnis. Pior, tornaram-se os próprios,
desta vez revestidos com maior aura de deslumbre. Espanta, mesmo,
o fato de algo tão claro e comum ter virado, de repente, motivo de
transcendência. No Brasil, o cada vez maior número de prosélitos da
esquisita “Ufologia mística” adotou outro dos velhos e falaciosos
chavões do modismo esotérico de banca de revista – Os rods podem
não ser tão simples assim... Podem ser algo muito mais importante e
extraordinário. E depois, melindrados, revoltam-se histericamente
quando um desmentido embasado em contraprovas esmagadoras
vem a público elucidar o “mistério”.
Porém, lá fora, a coisa, que vai de mal a pior, abarca um sem-
número de pseudopesquisadores agindo em completa
irracionalidade. O que ufólogos norte-americanos têm alegado e
argumentado pelo mundo é de se supor um preocupante estudo para
psiquiatras. Os rods tornaram-se ainda mais objeto de crendices
325
absurdas. Chega a ser incrível que alguém dedique centenas de
páginas para tentar insinuar que esses bastonetes façam parte do
fascinante mundo de “naves extraterrestres” apriorísticas!
Não é para menos. Isto já ocorrera, como ainda acontece, com
simples efeitos óticos de desfocamento, quando filmes e fotos
registram pontos de luz como luminárias distantes, planetas e outros
astros mais brilhantes, luzes de aviões e faróis de automóveis
refletidos no alto de montanhas ou em condições atmosféricas
especiais. Essas luzes apresentam-se arredondadas, espalhadas e
difusas em seu formato, devido à impossibilidade do foco
automático ou mal regulado dos equipamentos não tornar nítidos
seus contornos. E os mal informados passam a ver fotos ou filmes
registrando “objetos redondos com várias ranhuras e círculos
concêntricos”.
Existe uma fanática e condenável recusa em admitir o que é
incontestável, mesmo havendo milhares de exemplos, fartamente
demonstrados, de que se tratava de iluminação pública, faróis de
automóveis, astros, todos desfocados. Mais do que simples casos
para tratamento psiquiátrico, são, atrevemos dizer - de internação
imediata.
A revista UFO não deixou esse delirante comportamento sem
cobertura, contribuindo assim para uma suposta “abertura
democrática”, que na verdade só serve para nublar e encapar um
estudo científico que praticamente nem começou. Se os previsíveis
partidários dos rods como sendo naves extraterrestres fossem
orientados a dirigir bem sua atenção, notariam que o efeito, à
primeira vista realmente interessante, de fato não passa de algo
muito simples. Nós o reproduzimos, assim que o fascinado John Bro
espalhou seu êxtase pelo mundo. Usando uma câmera VHS e
obstruindo o sol com o beiral de uma casa, obtivemos vários minutos
de “proezas” dos rods.
Qualquer um pode fazê-lo, não sendo imprudente o suficiente
para esquecer que o sol não deve ser observado a olho nu ou
diretamente, sob pena de lesar a vista. O efeito obtido é o
mesmíssimo de Bro – insetos, por vezes painas e minúsculos esporos
de vegetais, nada mais. Depois, é só reproduzir o filme lentamente e
com atenção para perceber os efeitos.
326
Voltando à matéria publicada naquela revista, extraída do site
www.paranormal.com, o entrevistado José Escamilla, mexicano
naturalizado norte-americano, acha que os rods – para os quais,
segundo ele, ainda não há uma resposta definitiva do que sejam –
possam ser criaturas alienígenas ou uma espécie nova em nosso
planeta, até então desconhecida. Viva a democracia, porque havendo
liberdade de pensamento, há liberdade de crítica também. Inclusive
quando a razão demonstra ser totalmente irracional, no mínimo.
Escamilla também é considerado pioneiro na captação de rods, pois
desde 1994 dedica-se ao estudo. Lá se vão mais de dez anos e ainda
não sabe do que se trata! Alguns atribuem a ele a denominação do
fenômeno, o que é um alívio, já que ao menos de início a coisa
começou com um breve lampejo de sobriedade. Ele declarou ao
físico e mestre em energia nuclear, Cláudio Brasil, que estão
tentando desqualificar o fenômeno como se fosse algo banal, mas
temos milhares de imagens que nos dizem o contrário. 180
Sobriedade?
Aqui começa nossa justificativa para usarmos os rods como
exemplo dos reflexos do mito maior, ou, se preferir, subproduto
dele. As “milhares de imagens” dizem claramente que tudo não
passa de ciscos ou pequenos insetos, entretanto, a necessidade de
tornar a coisa um mistério decorre do mito que passa a dirigir o
pensamento do adepto do extraordinário. Escamilla anuncia-se
cineasta, dizendo estar acostumado a lidar com edições de vídeo,
imagens diversas e com isto fundamenta o que deseja – que os rods
possam ser uma nova forma de vida ou criaturas alienígenas. No
princípio deste capítulo, falamos da pessoa que, mesmo acostumada
a trabalhar com filmes, pode nunca ter notado a presença dos rápidos
objetos registrados nas tomadas pela simples falta de interesse.
Aliás, a ausência de interesse por algo, ou seja, a falta de
utilidade, costuma ser fator de não observação e até de registro na
memória, o que já foi objeto de comentários em trechos anteriores
deste livro, quando mencionamos a memória fluxo de duração
pessoal. Portanto, o argumento de Escamilla é uma impostura, um
nítido apelo à autoridade. O que se tem, em resumo, é que ele, antes
acostumado a filmar cenas, nunca tivera a intuição de que os
180
UFO n.110, de maio/2005, p.8
327
minúsculos rods pudessem ser algo estranho e, a partir do seu
também costumeiro trato com o assunto Óvni, um pequeno e fácil
pulo foi dado para considerá-los um fenômeno ainda inexplicado.
Os admiradores da estranheza desse fenômeno estão tentando
atrelá-lo à origem extraterrestre dos Óvnis. Isto é como se o
desconhecido sobre os discos voadores trouxesse à atualidade a
origem divina, portanto transcendental, das ocorrências ufológicas.
Um comportamento cosmogônico, pode-se dizer – característica de
todo e qualquer mito. De um lado, minúsculos corpos comumente
registrados em câmeras fotográficas e vídeo e, de outro, a maneira
com que tais ocorrências são narradas, comportando, portanto, uma
mensagem, para certos ufólogos, de cunho sagrado, cujos valores
agregados são de ordem puramente subjetiva, similar à religiosa.
Outra tipicidade dos mitos.
Quando alguém compara o fenômeno Óvni com a crendice antiga
de povos sem informação e carentes do pensamento racional e
científico, não está de todo equivocado, como já comentamos. A
transformação de deuses mitológicos em fabulações de roupagem
tecnológica salta aos olhos na postura de ufólogos desse naipe.
Existe uma composição de narrativas antigas, cujos pedaços de
objetos e crenças de antes formam o arranjo de atualmente. Quem
notou isto foi Claude Lévi-Strauss. Segundo ele, o discurso mítico
utiliza-se de um mecanismo de bricolage – ajuntamento de pedaços
e partes de objetos para se fazer um novo. Deuses viraram
extraterrestres, extraterrestres transformaram-se em abdutores, ou
melhor, abducentes salvadores ou maléficos. Tal como os deuses.
Fogos, luzes noturnas e prodígios sobrenaturais geraram muitos
discos voadores, que pariram “sondas” e, mais recentemente, rods.
Se é rápido, voa, movimenta-se erraticamente, aparece em fotos e
filmes em estranhos formatos, então é Óvni.
Essa tendência, esse dinamismo sequencial não tende a
desaparecer. Sabe-se lá o que mais virá compor o mundo da
Ufologia, de forma inesperada. Por certo, como o vaga-lume
encontra-se em extinção, é potencialmente o mais forte candidato.
Quem não está acostumado a frequentar o meio rural pode se deliciar
com um enxame de vaga-lumes pousado em uma árvore, como é
comum ser observado. Uma árvore de natal bem decorada torna-se
328
modesta diante de um fenômeno bioluminescente deste tipo. Daí, do
estado de alumbramento para a construção de um prodígio
sobrenatural o passo é muito pequeno. Ainda mais porque tem luz e
brilha à noite.
Tomara que esta predição não se realize. Só que a extinção de
muitas espécies de vaga-lumes poderá apanhar algum ufólogo
urbano desprevenido, com a súbita aparição de um desses insetos de
tamanho desproporcional, comparável às medidas de um besouro,
com dois “olhos” enormes de um verde extremamente brilhante.
Essa espécie povoa matas tropicais, geralmente à beira de buracos e
grutas.181 Em noites de total escuridão, seu brilho chega a refletir nas
folhagens mais próximas. Bom será se já houver um especialista em
Criptozoologia – ramo da História Natural que estuda os animais
pouco conhecidos, ou muito raros, assim como espécies em vias de
extinção – cultuando literalmente um vaga-lume desse tipo...
Não se deve pensar que a variedade de suposições acerca do
fenômeno Óvni seja fruto simplesmente da mente pervertida de
embusteiros. Ao contrário. Como mitômanos, eles operam
diversificando os significados do fenômeno, daí a suposta
positividade de se acreditar em diversas origens e causas para tais
ocorrências – extraterrestres, ultraterrestres, intraterrestres, viajantes
do tempo, espécies vivas inteligentes ou um misto de seres materiais
com entidades espirituais, seres de pura luz ou quase totalmente
energéticos. Essa imensa e disparatada sorte de altercações também
é própria dos mitos.
Apenas parecem pensamentos racionais, abstratos, passíveis de
conceituação, mas trata-se de uma atitude somente empírica,
concreta, deixando atualíssima a fase do pensamento humano
anterior à descoberta da razão, exatamente a fase mitológica, quando
o pensamento ainda não descobrira o caminho do método. Marilena
Chauí, no seu didático Convite à Filosofia182, diz que o mito opera
por metaforização contínua, isto é, um mesmo significante (palavra
ou conjunto de palavras) tenderá a possuir um número imenso de
significações ou de sentidos. O mito opera com a saturação do
181
Espécie de coleóptero da família dos Elaterídeos. A luz que emite é contínua e tão
desenvolvida que chega a projetar um halo de luz de quase 1 metro de diâmetro. Emiliano
Chemello, in A Química do Vaga-lume, NAEQ.
182
P. 311, Ática, 2001.
329
sentido, ou seja, um mesmo fato pode ser narrado de inúmeras
maneiras diferentes, dependendo do que se queira enfatizar, e as
coisas do mundo... podem receber inúmeros sentidos, conforme o
lugar que ocupem na narrativa.
Adendo a esse texto, de forma também clara e muito sintética, a
psicanalista Ana Vicentini de Azevedo, professora da Universidade
Federal de Brasília e PhD em literatura comparada pela
Universidade de Nova York, colocou as duas versões que
habitualmente são dadas à palavra “mito”, que geralmente se
misturam e trazem mais confusão que esclarecimento.183 Segundo
ela, a interpretação mais “popular”, a de senso comum, opõe-se à
verdade, à certeza, à exatidão científica sendo, portanto, sinônimo
de falso, de crença ou superstição, de engano – em suma, algo que
deve ser descartado em prol da razão, de um conhecimento veraz e
profundo.
De forma sucinta, ela conclui que um eixo se orienta para a
verdade, o conhecimento, o outro se inclina para o mito, a falsidade,
a fantasia, o engano. A oposição do mito à verdade, ao
conhecimento científico, à episteme, não é privilégio, ou equívoco,
somente desse jornal [referindo-se ao episódio que gerou o
comentário inicial]. É comum ouvirmos a expressão: ”Ah, isso é um
mito”, quando o ouvinte quer pôr em questão a autenticidade de um
fato que lhe é relatado. É essa dicotomia que precisa ser erradicada
em benefício de um entendimento maior e mais abrangente,
principalmente do assunto que ora nos dedicamos.
Cabe ainda uma última inserção da professora Chauí, na íntegra,
sobre a atitude científica (na mesma obra):
333
através das listas de discussão. Ou melhor, deveria ter-se
estabelecido.
Tudo começou com um desafio. Ufólogos deveriam demonstrar,
ou provar, que objetos voadores não identificados vinham de outros
planetas e eram pilotados por inteligências avançadas. Uma
comissão composta por acadêmicos da Universidade de São Paulo
mediaria os debates e depois julgaria quem tinha razão – se os
ufólogos desafiados ou os supostos céticos desafiantes. Na verdade,
ficou obscuro um ponto crucial, qual seja, de quem afinal teria
partido o desafio e se o cerne da questão deveria ser a origem
extraterrestre ou a própria existência dos Óvnis. Pelo menos, esta foi
a impressão de quem se limitava a assistir ao início do debate, que
em realidade foi uma estúpida desavença ocorrida entre os
debatedores e o acadêmico que intentou mediar a discussão. Não
importa, afinal o debate não aconteceu mesmo.
Num certo dia de flamejante troca de farpas, chegou um e-mail
de conhecido ufólogo, com mais de trinta anos nas lides com o
fenômeno Óvni. Em discussões como esta, detectam-se
despretensiosamente alguns absurdos de ordem dialética – de
raciocínio e de argumentação – e os ufólogos, tão visados e na
maioria das vezes desprezados pelos meios acadêmicos ortodoxos,
não prestam atenção aos deslizes imperdoáveis que por vezes
cometem. Geralmente isto ocorre por falta de observância de uma
linguagem correta, mais isenta e, porque não, acadêmica.
Numa de suas manifestações privadas, o mencionado ufólogo
sugeriu que, diante de desafios que nos exigem provas de que Óvnis
existem, ou que extraterrestres estejam nos visitando, rebata-se dessa
forma: quando eles dizem ´prove que UFO existe´, você responde
´prove então que não existe´. Inaceitável! Num certo sentido, é
quase como dizer que a Lua não está lá quando ninguém a está
olhando.
Ora, como realçado anteriormente, deve-se ter muito cuidado
com este tipo de argumento ou alegação. O ufólogo cometeu naquele
instante uma das mais inoportunas e inválidas proposições,
conhecida de qualquer iniciante no estudo da Filosofia. Tentaremos
ser mais claros: existe no mundo do raciocínio, das pesquisas, enfim
da chamada realidade objetiva, o que é conhecido por “ordem
334
natural das coisas”, ou “o que é normalmente aceito” e “o que ocorre
no mundo da simples observação corriqueira”.
Nada disto precisa ser provado. No entanto, sempre que alguém,
um grupo, uma classe afirmar existir algo considerado incomum, à
parte dessa ordem considerada natural, seja escasso ou raríssimo,
constitua-se como algum tipo de exceção à regra do mundo
classificado pela maioria, é isto o que precisa ser provado, ou seja,
deve ser provado que disco voador exista e jamais o inverso – que
não exista.
Esta é uma proposição totalmente inconcebível, como o é toda
tentativa de se obrigar alguém provar que algo “não exista”, mesmo
porque isto seria absolutamente impraticável. Basta pensar com
atenção: “prova” é um termo aplicável sempre que algo concreto,
mesmo que raro ou excepcional, necessite ser demonstrado. Provar
que algo não existe como parâmetro de raciocínio para ver se existe
ou não é um contrassenso dialético e uma impossibilidade filosófica
e científica. Seria inadequado lidar com uma hipótese que não
comportaria qualquer método.
É surpreendente que alguém, seja do mundo científico ou
acadêmico em geral, que trabalhe com o que pretensamente poderia
ser um método científico, se utilize desse expediente escapista.
Então, se um ufólogo estiver participando de um debate ao vivo, na
presença da comunidade científica ou de céticos, de repente expuser
um argumento desses, ficará em situação embaraçosa e inafiançável.
Os interlocutores irão tripudiar e divertir-se com tamanha
ignorância, porque terá sido literalmente uma asneira, convenhamos.
E, vale repetir, conhecido e batido nos meios acadêmicos. Não
podemos nos igualar, com esse tipo de uso, a verdadeiros leigos ou
descomprometidos com o método, daqueles que bem conhecemos e
combatemos, grande parte deles do nosso meio. Pessoas que jamais
se inteiraram de regras de raciocínio científico é que utilizam, a todo
momento, esse artifício.
Temos visto, lido e ouvido, constantemente, religiosos afirmarem
que se não podemos provar que Deus existe, então prove que Deus
não existe. Jamais seria possível provar que o saci-pererê não existe,
papai Noel não existe, discos voadores não existem. Agora... Provar
que Deus, saci, papai Noel e disco voador existem, isto tem de ser
335
perfeitamente possível. Se, no entanto, não for, é outra história. Urge
que mudemos o mais rápido possível as nossas posturas,
aproveitando discussões pela internet como circunstâncias que
possam nos ensinar.
Mas retornemos aos velozes rods como modelo do
comportamento amplificador de um mito, que já nos afastamos por
demais do foco. Os especialistas nos rods falam que constataram em
filmagens que os objetos desviam-se dos humanos como se
evitassem sua presença. Por vezes demonstram-se “amigáveis”, pois
em certa ocasião um deles quase colidiu com um base jumper184
numa caverna, tendo realizado uma manobra abrupta no último
segundo, para evitar o choque. Insetos geralmente aparecem em
filmes ou fotos como pequenos pontos brancos arredondados, mas
os rods assemelham-se a vagões de trem unidos entre si (destaca um
ufólogo brasileiro na mesma edição). Alguns deles voam na direção
do cinegrafista, aumentando de tamanho quando se aproximam da
lente. Com isto, chegam a calcular sua velocidade entre 250 e até
1.650 km. por hora. Para tanto, seu método de cálculo é fácil, como
dois mais dois são quatro – se um rod atravessa 1.000 metros em
cerca de dez quadros do filme por segundo, significa que ele cruzou
aquela distância em um terço de segundo. Assim, deduzem que tais
corpos podem viajar àquelas velocidades. Ainda precisamos chegar
à medida exata.
Não se pode afirmar com segurança se afirmações desse tipo
subestimam a todo leitor, julgando que não haja pelo menos um
pequeno número de pessoas dotadas da capacidade de raciocínio, por
mais simples que seja. Ou se tudo não passa de uma situação
completamente ilusória, fabuladora, portanto sincera, à maneira de
se acreditar que se faça ciência com total inversão do que possa ser a
realidade. Chega a ser preocupante quando alguém visivelmente
tenta dar ao real uma feição totalmente distorcida, ou mesmo
confunda a própria realidade, raciocinando e agindo fora dela.
Com a palavra os psiquiatras. Ora, quando os mitos foram
construídos na fase do pensamento humano, que precisava explicar a
184
A rigor, base jump - saltador de ponto fixo - se escreve B.A.S.E. Jump – Building,
Antenna, Span and Earth ou prédio, antena, ponte e montanha, os quatro pontos fixos dos
quais os jumpers saltam.
336
realidade de forma a satisfazer uma visão de mundo, isto foi
importante para que se chegasse ao pensamento abstrato, capaz de
elaborar conceitos e unificar a multiplicidade de fenômenos ou dos
componentes de ocorrências observáveis. Porém, mitificar o mais
possível alguma coisa, insistindo por suposições exclusivamente
embasadas apenas e tão somente na percepção, talvez não seja
apenas atitude de ignorância. Torna-se de fato motivo de séria
preocupação.
Os adeptos dos rods como sendo “algo mais” que insetos e
ciscos, ao acusarem os céticos de preferirem essa explicação porque
não têm outra melhor, demonstram um constante comportamento de
fuga da realidade palpável, imediata e concebível. Evidentemente, se
for um inseto, a tendência é desviar-se de qualquer anteparo,
mormente um ser humano. Se for cisco, a emanação de calor do
corpo ou o deslocamento de ar devido ao movimento da pessoa
provocam o mesmo desvio. Como escapar de deduções tão
evidentes? Somente de uma forma – explicar que os rods são formas
de vida estranha, minúsculas naves alienígenas, quase imperceptíveis
Óvnis! Insetos “amigáveis” podem chegar bem perto, mas desviam-
se em manobras abruptas (eis nova tentativa de falso linguajar
técnico) no último segundo.
Também por ser óbvio, insetos filmados a distâncias
consideráveis apresentam-se de fato com a forma de pontos de luz
arredondados. Se captados bem perto das lentes, aparecerão nos
quadros do filme como que alongados, em uma contínua
multiplicação da sua própria forma, assemelhando-se a algo como
um vagão de trem, em virtude da velocidade, proximidade e
desfocamento.
No que diz respeito ao cálculo de velocidade, o que não está
explicado é como diabos se calculou, como principal fator, que um
rod viaje a 1.000 m. em cerca de dez quadros por segundo. Um
pesquisador, usando apenas sua ilusão de ótica, olhando a paisagem
e o movimento do rod para supor, sem qualquer fundamento, que
este viaje em distância “x” por segundo, em dez quadros de filme...
E este método, dá a entender, será utilizado para se tentar calcular a
velocidade exata. Há necessidade de mais alguma refutação? O leitor
deste livro não merece ser subestimado.
337
Tudo parece indicar que, na verdade, a questão aqui tratada,
escolhida como exemplo da mitificação de fenômenos ufológicos,
não passe mesmo é de mistificação. Num sentido mais restrito, qual
seja, de se trabalhar com ocorrências desse tipo à base de um
misticismo irresistível, pela absoluta falta de costume no trato com
corretas estruturas de raciocínio, argumentação e pesquisa. Prefere-
se neste livro dar enfoque ao simples engano, à atitude de agir
involuntariamente com essa postura que acaba por gerar desvio de
percepção e de interpretação. Isto vai desde a mencionada ausência
de costume com o pensamento isento até situações mais sérias, em
diferentes graus de intensidade.
Uma pessoa pode ser acometida de manifestar subitamente, pela
primeira vez, algum distúrbio de cunho neuronal. Nesse caso, suas
percepções, que fundamentam suas concepções, conceitos e ideias,
sofrem uma espécie de desvio. Em Psicanálise, dir-se-ia perversão.
Então, quando vê, sente, percebe ou escuta, concebe – decodifica
erradamente as impressões e pensa que é uma coisa e não é. Então,
não é incomum que o sujeito construa uma explicação, por simples
imaginação, ou mesmo adote uma "lógica" que julga ser a única
aceitável. Por exemplo, ver uma esfera no céu e achar que é uma
"nave espacial", ou observar um inseto num filme e presumir que
seja uma forma estranha que viaja a 1.650 km. por hora.
Em nível de desenvolvimento, só para ilustrar, isto se manifesta
até em idade adulta, em casos de coprofilia185 e similares, quando a
pessoa confunde as próprias fezes com confeitos, bolo, doces, etc.
Alguns dizem que isto possa ser até uma forma do que os psicólogos
chamam de "regressão consciente e involuntária". Exemplo mais
aceitável – a pessoa vê um balão, sabe que é balão, já viu muitos por
várias vezes, mas no instante do avistamento está certa de que era
uma nave extraterrestre. Sim, caro leitor, isso é muito mais comum
do que se pensa.
Por outro lado, em outros casos fica difícil saber se as percepções
sofrem um desvio ou se são potencialmente ativadas quando uma
dada situação exige. As concepções são construídas ao longo da vida
e despertadas num determinado momento. Exemplo: a pessoa não
conversa habitualmente sobre Óvnis, apenas assiste vez por outra a
185
Coprofilia – atração mórbida por excrementos.
338
um filme, lê uma revista, ouve um noticiário ou acompanha alguma
reportagem mais extensa, sempre de modo superficial. Então,
quando surge uma situação inesperada, do tipo “esfera no céu”, ou
fotografa acidentalmente uma forma estranha, ela não "desvia" sua
percepção, mas desperta-a para esse evento.
Atavicamente, ela tem toda uma “estrutura” montada sobre o
assunto, mas como nunca precisou "usá-la", não veio à tona. Na
questão da regressão consciente e involuntária há apenas uma
aparente incongruência, ou mesmo contradição, entre os termos
consciente e ao mesmo tempo involuntária. Aparente porque, no
fundo, são complementares, e não contraditórias. Transferindo isso
para a Ufologia, o sujeito vê uma luz no céu e não sabe o que é, mas
conscientemente crê tratar-se de uma nave extraterrestre (nem Óvni
mais é – já se trata de "nave"). Isto foi involuntário, porque não
houve "tempo" de montar um raciocínio lógico a respeito. A lógica
do indivíduo foi falsa – é o problema da verdade falsa. Há um fator
complicador. Esqueçamos a pessoa, sua crença, sua percepção, sua
concepção. O que é uma "luzinha no céu" ou um minúsculo corpo
estranho que riscou o filme? Poderia ser qualquer coisa, no entanto,
não necessariamente o que a pessoa achou que era.
Com o desconhecido, confrontamo-nos com o perigo, o desconforto e a
aflição; o primeiro instinto é abolir essas sensações dolorosas.
Primeiro princípio: qualquer explicação é melhor que nenhuma... A
busca por causas é assim condicionada e instigada pelo sentimento do
medo. A pergunta “por quê?” não constitui uma busca em si, mas
encontrar um “certo tipo de resposta” - uma resposta que seja
pacificadora, tranquilizante e reconfortante.
O pensamento acima, extraído de Crepúsculo dos Ídolos, de
Nietzsche, parece peça de um quebra-cabeça que encontra seu
encaixe equivalente aqui. A postura mais sensata em ciência, e mais
ainda nas chamadas “para-ciências”, é agir com raciocínio isento, o
que de pronto implica em clareza. E é daí que percebemos as falhas,
equívocos, absurdos e exageros a que o tema nos leva. Por isso
deveríamos crer cada vez menos na existência de discos voadores e
Ets, mas sem podermos dizer do que se trata, em última análise. E
isso vale para tudo em Ufologia.
339
Pode até haver a inclinação de se aceitar que discos voadores
existam, mas a possibilidade de não existirem atrai da mesmíssima
forma. O grande absurdo é o indivíduo ter uma visão nitidamente
influenciada por sentido religioso, idêntico à credulidade, não
perceber isto e vir com manifestas substituições, conhecidas por
qualquer principiante em Psicanálise e em Psicologia. Transformar
rods em um legítimo subproduto do mito disco voador/nave
extraterrestre é o mais recente e bem acabado modelo disso.
Talvez o melhor – ou pior, dependendo de como se olha a
questão – exemplo para ilustrar o que acabamos de dizer é produto
nosso, contido nas páginas de um livro chamado Aparições de
Óvnis no Brasil, de Guilherme Raymundo. Se onde há fumaça há
fogo, prenunciam-se labaredas de grandeza ímpar. O mais alarmante
é que está à disposição num dos mais requisitados sites de compras.
Não há palavras para definir a aberração que começa já no release de
divulgação, muito menos do seu conteúdo:
Não somos vossos inimigos. Não fazemos guerras de conquistas. Não
desejamos subjugar ninguém, nenhuma humanidade e nenhum povo. De
nossa parte não há justificativa nem necessidade de matar alguém.
Pertencemos a uma humanidade livre que age com livre-arbítrio.
Podemos fazer e desfazer como desejamos. Temos porém, uma missão:
não devemos permitir que o criador do universo seja ofendido, nem
consentirmos que o cosmo seja danificado pela irresponsabilidade ou
pela leviandade. Nas páginas desta obra, o autor transmite ao leitor
inúmeras informações, bem como também as suas experiências e
vivências adquiridas ao longo do tempo que vem pesquisando os
fenômenos ufológicos no âmbito de sua eterna busca na compreensão
da atuação dos seres extraterrestres em nosso planeta.
340
A alguns anos estou estudando estas formas de vida no espaço. Tenho
várias filmagens a respeito. Estes objetos são sólidos, com voos
inteligentes, acredito que controlados por entidades de altos níveis
intelectuais. Já filmei vários, de cores diferentes, de modelos diferentes,
com aerodinâmica super moderna, e voam em velocidades superiores a
qualquer aeronave que temos.
Ultimamente tenho filmado vários, na cor laranja. Durante a noite
tenho filmado Rods iluminados, ou seja corpos iluminados. Tenho
alguns colegas e amigos pilotos de aeronaves que também estão
pesquisando este assunto, com convicção total das suas existências, e
que não são insetos, pássaros, ou qualquer outro tipo de vida existente
em nosso meio. São pesquisadores acostumados com o espaço,
acostumados com aeronaves, com cursos de IFR, e de comando de voo,
que não são enganados ou iludidos com coisas vãs.
Infelizmente, é muito dificil discutir este assuntos com pessoas que não
fizeram experiências deste tipo de filmagens. Eles, os Rods ou outro
nome que lhes sejam dados, existem, e ainda nada sabemos sobre eles,
apenas temos as filmagens, cujos objetos voam em altas velocidades, e
somente são vistos com o frame do video, a exemplo da experiencia
feita no Canadá, há alguns anos atrás.
Tanto eu como os meus colegas não discutimos este assuntos com
pessoas que desconhecem este estudo e esta experiência, e se
consideram os donos absolutos da verdade.
341
Ser ou não ser – eis a questão
“Sei que não dá pra mudar o começo,
mas se a gente quiser, vai dar pra mudar o final”
Elisa Lucinda em “Só de sacanagem”
343
conseguiu a tal respeito ficou na década de 50, e nunca mais se falou
sobre o assunto.
Os franceses Fernand Lagard e Aimé Michel detectaram um
aparente seguimento de aparições em “linhas” imaginárias formando
uma espécie primitiva de balizamento para voo, estudo a que deram
o nome de ortotenias – grosso modo, “linhas retas”. Em seus
cruzamentos, ou nas proximidades, a existência de falhas geológicas
como crateras meteoríticas, cadeias de montanhas e fendas na crosta.
Isto só serviu para, desde lá e sem nenhuma evolução científica,
bifurcar as crenças dos ufólogos, sempre ansiosos de dar ao seu
objeto de estudo um atestado laboratorial. Por seu turno, os místicos
viram nas observações dos dois franceses uma confirmação das suas
“energias” – e isso foi um pulo para a evocação dos chamados
leys186 – correntes energéticas que ligam templos antigos e ruínas
pré-históricas, por alguma razão de aproveitamento para
mentalizações e ritos de ordem mental e espiritual.
De outro lado, para mostrar que fenômenos ufológicos, sempre
por razões desconhecidas, misturam-se a ocorrências de ordem
natural que fatalmente manifestam seus efeitos em regiões com essas
características geológicas – luzes, luminescência em plantas e
pedras, vibrações em montanhas e morros, descargas esféricas de
raios, índice de relâmpagos elevado e tantas outras.
A região sul do Estado é de fato um extraordinário laboratório
natural para vislumbrarmos Óvnis e seus incondicionais seguidores.
Em agosto de 2005, a Esquadrilha da Fumaça fazia uma exibição em
São Lourenço, outra cidade também marcada por misticismo e
“teluricamente” tão importante quanto São Thomé das Letras, onde
se encontra a sede regional da Sociedade Brasileira de Eubiose187.
Sendo estação de água mineral, a maior parte dos turistas que recebe
186
Leys, são alinhamentos de antigos lugares que se estendem através do horizonte. Antigos
sítios ou lugares sagrados podem estar localizados em linha que se estende por uma ou
duas e até muitas milhas de comprimento. Um ley pode ser identificado simplesmente por
sítios com marcadores alinhados, ou quem sabe visível no chão, por todo ou em parte de
seu comprimento, através dos restos de uma velha linha reta. As Ley-lines foram
descobertas em 30 de junho de 1921 por Alfred Watkins (1855-1935), um estudioso local
e respeitado homem de negócios de Herefordshire. Conforme Chris Witcombe, no site
Earth Mysteries: witcombe.sbc.edu /earthmysteries /EMLeyLines.html).
187
Entidade de linha teosófica, fundamentada principalmente no pensamento de Helena P.
Blavatsky, fundada, no Brasil, pelo falecido professor. Henrique José de Souza.
344
é do Rio de Janeiro, grande parte com acentuada inclinação a
questões esotéricas. Durante o evento, por volta das 16 h., um filme
flagrou um pequeno e rápido objeto na trajetória das aeronaves que
faziam as evoluções aéreas.
Com o filme congelado, o objeto aparece em formato alongado,
discoidal, de cor bege. Não havia dúvidas tratar-se de um “rod”, já
tão minuciosamente analisado aqui. Na expressão regional, “é bater
o olho e notar”. Mas os ufólogos locais “bateram o olho” e viram um
disco voador. Como sempre. Tal como ocorrera na famosa
manifestação de um Óvni, ou “sonda extraterrestre” que aparecera
em um filme em outra exibição da Esquadrilha da Fumaça188, no
momento em que a asa de um dos aviões desprendia-se fazendo-o
cair. Uma coincidência conveniente.
Isto é o que pouquíssimos ufólogos percebem – a mera
impressão, a sensação visual, contribuindo para a crença, pela
simples aparência, de uma nave espacial alienígena infiltrando-se
perigosamente onde não devia. O equívoco mais primário, que se
aprende a superar nos mais elementares estudos de metodologia e
observação científica, alertado pelos antigos gregos, nos idos de
2.300 a.C. é: a realidade não é necessariamente o que vemos e
percebemos.
O alvo das filmagens eram os aviões, logo, as câmeras
apontavam para o céu e este formava um fundo claro. Qualquer
esporo de vegetal, cisco ou inseto que passasse à frente das câmeras
daria exatamente o efeito necessário à impressão de que um estranho
objeto, inteligentemente guiado, metera-se na história. Junte-se a
tantos fatores – a coincidência de uma asa acidentalmente solta por
problemas mecânicos, um palco místico de que faziam parte
ufólogos crédulos, e pronto: ali estava um disco voador. O filme e
as fotos do rod de São Lourenço foram distribuídos por Eliseu
Moncitaba da Costa como sendo a constatação da presença de UFO
na apresentação da Esquadrilha da Fumaça. Enquanto a imprensa
local e alguns pesquisadores explicavam didaticamente que o objeto
não passava de um rod, nos meios ufológicos, notadamente pela
188
O filme, estudado e divulgado pelo ufólogo Reginaldo de Athayde, de Fortaleza, CE, foi
obtido em 16 de novembro de 1996 envolvendo um dos aviões Tucano, durante exibição
na Praia de Itararé, em São Vicente, litoral sul do Estado de São Paulo.
345
internet, aparecera realmente uma nave extraterrestre, novamente em
uma apresentação da esquadrilha brasileira de acrobacia aérea.
A finalidade de citarmos esses exemplos é analisar o
comportamento e o modo de percepção dos ufólogos, ainda que
aparentemente tenhamos cometido duas contradições: primeiro,
quando mencionamos algo como “provar o óbvio”. Depois, citamos
o exemplo de como um simples bater de olhos faz notar este mesmo
óbvio, apesar de ressaltado que não se pode trabalhar com mera
impressão visual. Porém, existe um fator importante nisto tudo. O
que é óbvio, na ordem natural das coisas, conhecido por todos pela
experiência, não precisa ser provado, mas a Ufologia tem-se tornado
esquisita até quanto à lógica. Diante de acontecimentos tão
claramente explicáveis, é incrível que alguns estudiosos precisem
gastar tempo, dinheiro, gráficos, saliva, números e paciência para
“demonstrar o óbvio”. Deveria ser o contrário. O extraordinário é
que precisa ser demonstrado e provado – no caso, que um disco
voador (não adianta limitar-se ao Óvni, pois que a sigla já é
sinônimo de nave extraterrestre para a grande maioria) foi o que
apareceu numa foto.
Um mínimo de experiência permite notar quando um inseto ou
cisco passa à frente das lentes, entretanto, surgem pessoas afirmando
tratar-se indiscutivelmente de um disco voador. E será um disco
voador, até que alguém, provavelmente espumando de raiva, sinta-se
na obrigação de ir ao laboratório e elaborar exaustivos laudos para
mostrar que a coisa é mais comum e ordinária do que se pensa. Foi o
que fizeram os ufólogos Claudeir Covo e Rogério Chola, para
demonstrar a coleção de asneiras que marcam as divagações de José
Escamilla e seus admiradores quanto aos rods. Foi o que fez Chola
para barrar a sensação de que no México teria ocorrido “uma invasão
de milhares de discos voadores” 189, na verdade centenas de balões
festivos levados por correntes de ar a grande altitude. Assunto para
mais tarde. Adiantou alguma coisa? Não. Pela internet, através das
189
O ufólogo e jornalista Jayme Maussán mostrou à plateia, durante o 14° International UFO
Congress and Film Festival Convention, realizado em março na cidade de Laughlin
(EUA), vários filmes registrando inúmeros pontos em movimentos aleatórios, a grande
altitude, em algumas cidades mexicanas.
346
informais listas de discussão e boletins de grupos ufológicos190, foi
um disco voador que apareceu em São Lourenço.
Este mundo da Ufologia é realmente impressionante, peculiar
mesmo. Ficamos imaginando como interpreta a mente de um
simples interessado não-pesquisador, que apenas lê, por prazer e
encanto, os casos ufológicos. Certamente desconhece o quanto é
vítima de tantos equívocos de entendimento e erros crassos de
postura dos “formadores de opinião”. A fantasia é de vital
importância para nossa estrutura mental, mas tem, no entanto, dois
gumes afiadíssimos. Pode desenvolver a sensibilidade, fazer valer o
dom da arte, tornar concreta a realização de sonhos salutares. É o
que em palavras similares diz Herbert Marcuse no seu Eros e
Civilização191:
(...) designa o modo de relação do sujeito com seu mundo, relação que
é o resultado complexo e total de uma determinada organização da
personalidade, de uma apreensão mais ou menos fantasista dos objetos
e de certos tipos privilegiados de defesa193.
195
International Journal of Psychoanalysis, The Synthetic Function of the Ego, XII, 1931,
apud Otto Fenichel, Teoria Psicanalítica das Neuroses, Atheneu, p. 46, SP, 1998.
196
Ibidem.
349
Assim, a atitude científica pelo método é a única que leva à
compreensão mais ausente das influências individuais acerca da
realidade objetiva. Os discos voadores têm sido, até agora, um
fenômeno de altíssimo risco quanto à participação dos fatores
subjetivos em excesso, na trilha da sua compreensão. O que nos
permite voltar à região sul mineira, este atrativo celeiro para os
Óvnis. Dois eventos significativos – e muito sintomáticos,
aconteceram na cidade mineira de Cambuquira, em abril de 2006,
como já sumariamente relatado. Aqui, entretanto, voltamos ao tema
de forma um pouco mais detalhada para encorpar nossa
argumentação e tornar claro o raciocínio.
No Morro do Piripau muita gente se aglomerava para uma
demonstração de saltos em paraglider. Da rampa de decolagem,
Maria Aparecida Santana Santos fotografava o salto do delegado de
polícia especial José Eduardo Zappi, que levava um passageiro em
seu paraquedas. Eram 12:47 h. A olho nu, a autora da foto só viu o
amigo saltando, mas depois a foto revelou algo estranho. Bem à
esquerda do paraquedista surgiu um objeto de formato atípico,
composto de partes arredondadas, brilhantes, com aparência metálica
e deformado em sua esfericidade, saliências sugerindo antenas,
protuberâncias, apêndices, ou seja, algo disforme, nada parecido
com qualquer coisa vista antes que pudesse ser identificado à
primeira vista.
Além do ponto em comum na maioria das fotos que retratam
rods, que é a não observação visual do objeto fotografado, apenas
notado após a revelação do filme, ou da exposição da fotografia na
tela do computador, a imagem obtida faz perceber, logo de imediato,
que existe nítido desfocamento entre o motivo principal e o suposto
Óvni. Este detalhe não é percebido apenas ao se olhar os motivos
fotografados, mas pode ser constatado na ampliação através de
softwares de tratamento de imagens, na qual os contornos tornam-se
“pixelizados”, ou seja, a definição dos pontos que compõem a foto
mostra a menor nitidez do objeto fora de foco.
Também neste caso, um objeto qualquer, podendo ser desde um
pedaço deformado de papel ou de plástico, relativamente pequeno,
que passou entre a câmera e o alvo da foto, de imediato tornou-se
um “UFO”, ao menos para a precipitada análise dos impacientes
350
ufólogos. Para sua felicidade, uma providencial coincidência fez
com que a fotografia se tornasse, o que é de costume, razão de
agitada histeria pela internet graças às já folclóricas “listas de
discussão”. Isso obrigou, mais uma vez, que especialistas mais
sóbrios entrassem em campo e, em certo sentido, dispensassem sua
valiosa atenção a uma absolutamente desnecessária pesquisa.
É que na ocasião acontecia, naquela cidade, o “I Encontro
Trilógico de Ufologia”, do qual participava o hipnotizador prático
Mário Rangel, que não possui formação na área de saúde mental,
mas é muito conhecido por suas investigações de casos ufológicos
com o uso de regressão de memória. Segundo Rangel, por e-mail,
curiosamente mais uma vez um Óvni apareceu em local onde se
realizava congresso de Ufologia, dessa vez convenientemente
formado por três partes diferentes, e que está sendo chamado de
Óvni Trilógico de Cambuquira. Mesmo deixando que os conceitos
de uma tal “trilogia” fique por conta dos fundadores de mais esta
seita, embasada nas acepções do psicanalista Norberto Keppe em
cuja trilha fundou-se uma chamada “Associação Stop a Destruição
do Mundo”, observa-se curiosamente o imediatismo que assalta
ufólogos ao fazerem analogias óbvias por meras coincidências de
ordem semântica, com projeção em algo físico. Uma circunstância
“trilógica” (sic) coincidindo com a aparição, em foto, de um objeto
“trilógico”, “tripartite”, em um congresso de Ufologia “trilógica”.
Ora, o fato de que em fotografias assim o objeto somente seja
notado após a revelação, é sinal claro se tratar de algo pequeno que
invadiu o cenário retratado, e que naturalmente nem despertou a
atenção, mas, dentro do contexto em que se deu o fato, isso se torna
irrelevante. A coincidência é mais do que isto. Três vezes mais, ao
que parece. Torna-se lógica. Uma lógica extraterrestre, talvez
mesmo transcendente em “razões que a própria razão desconhece”...
e às favas com esta tal de razão. Como quer que seja, estou muito
curioso com essa foto, inclusive porque fui um dos oradores no I
Encontro de Ufologia Trilógica em Cambuquira City/MG, no mesmo
fim de semana em que a foto foi batida em campeonato de
paraquedismo, ou seja, eu estava muito perto do que ocorreu, seja
lá o que for, afirmou Rangel em outro e-mail. Reforçamos ao leitor
351
que mantivemos a fidelidade das transcrições incluindo erros de
grafia, gramaticais e concordância.
Quando os que atuam com maior objetividade, portanto umas três
vezes menos visionários, arregaçaram as mangas, o discurso
começou a mudar até “normalizar-se” e baixar seu tom festivo. O
mesmo Rangel, por exemplo, resolveu enviar a foto a 12 escolas de
paraquedismo do Brasil e Portugal, para tentar relacionar o objeto
fotografado a algo conhecido na área. Excelente atitude. Nunca é
tarde. Outros mudaram o tom para algo mais “material” e
procuraram qualquer relação com sondas de análise atmosférica,
mesmo que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE,
através de seu especialista em balões, o ufólogo científico Ricardo
Varela tenha informado que nenhuma atividade desse tipo abrangeu
a região de Cambuquira. Como antes frisávamos, mesmo o óbvio
precisa ser aquilatado.
O episódio encerrou-se com duas curiosidades, uma delas
extremamente importante. O ufólogo Claudeir Covo divulgou várias
opiniões que recebera de correspondentes e interessados, no tocante
ao que imaginavam visualizar na foto em questão. Embora já
tenhamos mencionado algumas dessas interpretações, pedimos
licença para divulgar a relação completa, na íntegra, sem correções e
não autorizada. Com a palavra os psicólogos da Gestalt e os
conhecedores do teste de Rorschach. Eis o que alguns viram na foto
do “UFO Trilógico”:
- Acho que é um beija-flor, com um ramo no bico;
- Um ovo de páscoa;
- Um humanoide, cuja aparição ocorreu devido à realização de um tal
evento de Ufologia Trilógica;
- Pode ser uma ave em voo, comendo uma borboleta;
- Uma abelha voando perto da câmera;
- Um pilotinho aberto tirando um paraquedas do invólucro com o
paraquedista usando macacão prateado;
- Parece ser um paraquedas balístico (de aeronave) com uma aeronave
pendurada nele;
- Queda e reentrada de satélite;
- Poderia ser o paraquedas principal que foi descartado por apresentar
falha;
352
- Se ampliarmos a imagem podemos ver o cabo do paraglider à direita
da mesma, portanto é outro paraglider ou um balão usado para fins
obscuros, como por exemplo o descrédito da Ufologia. Atenção para
a direita da figura ampliada, descendo na diagonal a marca dos
cabos de um paraglider;
- Definitivamente trata-se de outro paraglider. Notam-se os cabos na
parte de baixo e o paraquedas ou asa inflável está torcida, talvez por
uma manobra mais radical de seu piloto;
- Parece uma pessoa caindo sem abrir o paraqueda;
- Parece ser um paraglider visto por baixo. Nem precisa ter pego uma
corrente de ar, pode ser que ele tenha feito uma manobra e com isso
na hora da foto saiu essa coisa esquisita;
- Me parece um segundo paraglider. Ele pode ter pego uma corrente de
ar quente e ao subir, fez uma curva e “entortou”. A foto foi obtida
neste momento;
- Posso (claro) estar errado mas parece um balão (talvez dois) com
alguma coisa pendurada... mas...;
- Paraquedas não abriu e o paraquedista entrou no capacete;
- Paraquedista ou skydiver;
- Casulo de bicho de seda grudado na lente.
353
o Óvni de Cambuquira realmente desperta o fascínio e o interesse
por algo que, dependente ou independente de nós, vem ocorrendo
por uma realidade ainda não inteiramente compreendida, cujo valor
deve ser buscado. Algo que, em acontecendo, poderia ter sido, no
entanto, desde uma nave extraterrestre, um ser energético evoluído
manifestando-se em outro plano, ou algo que escapa inteiramente ao
entendimento humano... a um pedaço de papel, um inseto, um cisco,
um plástico tocado pelo vento... Nada como um mínimo de bom
senso para botar ordem na casa. Pena que esporádico e isolado.
354
Basta só um pouco de inteligência
356
admitir como “prova” – no sentido literal do termo – fotos,
filmagens, registros diversos, pois que são inteiramente passíveis de
erros, isto foi amplamente mostrado.
E, finalmente, se não podemos acolher como informação
fidedigna “vozes”, “contatos”, “mensagens”, “canalizações” e outros
meios ainda mais exóticos como explicações convincentes e
definitivas para o fenômeno, não resta outra via a não ser a pesquisa
embasada em uma metodologia aplicada e rigorosa. Simplesmente
não há alternativa, por mais que esperneiem e vociferem os adeptos
de todas as outras linhas de atuação.
Essa é nossa conclusão, baseada em uma dedicada, prudente e
isenta análise da Ufologia, independente do seu lugar no mapa e na
história. Os fatos gerados por essa mesma história nos conduziram e
determinaram esse ponto final. A Ufologia, ou mais exatamente os
ufólogos em sua quase totalidade, não aceitam o fracasso de suas
pesquisas por motivos vários: orgulho, vaidade, intransigência,
egoísmo, imaturidade, precipitação, empáfia.
Não estamos falando de erros banais, falhas de pesquisa,
diagnósticos imprecisos, estudos inacabados, que isso é inerente ao
trabalho. Não. Estamos falando da concepção que têm do fenômeno,
do ponto fulcral em que se baseiam na percepção do todo – que
metaforicamente poderíamos chamar de “pecado original”, mais
apropriadamente, “engano primordial”. Também já dissemos isso,
mas não custa repetir: a árvore não deixa ver a floresta. O Óvni não
deixa ver a Ufologia.
Mas há uma outra conclusão, desta vez alicerçada não só nos
mesmos critérios acima como também na prática diária, no contato
com a testemunha, na pesquisa de campo, no encadeamento de todas
as variáveis, na reflexão. Durante décadas a Ufologia se dividiu
entre as linhas “mística” e “científica” como se pudessem conter as
respostas procuradas. Nenhuma outra ousou intrometer-se nessa
dualidade, embora algumas frágeis e breves investidas tenham sido
tentadas. Assim, nesse rio de águas revoltas pelas incertezas e
margens escorregadias, optamos por ancorar nosso barco na terceira
margem197, aquela que oferece segurança e certeza de solo firme.
197
Não por acaso nos referimos ao conto de Guimarães Rosa, A terceira margem do rio. Em
Outras Histórias. Segundo Rosa, a terceira margem é a saída em direção ao infinito e, ao
357
Quando apontamos a ciência como um caminho viável para elucidar
alguns aspectos da Ufologia, não estamos nos restringindo apenas ao
campo das ciências exatas, mas fundamentalmente às humanas –
Psicologia, Sociologia e Antropologia, porque entendemos que o
fenômeno é mais psicossocial que físico. Requer antes uma análise
do homem do que das supostas características físicas dos
presumíveis Óvnis. Imaginamos que, apenas pela leitura dessa
afirmação, aconteçam dois fatos distintos e ao mesmo tempo
interligados: os seguidores da vertente mística ou estão se rolando de
rir ou nos olhando com desdém e pena. Perfeitamente compreensível
e esperado.
Mas é confortante saber também que o caminho percorrido até
chegar a essa conclusão teve balizadores respeitados e reconhecidos,
ícones da Ufologia mundial, pensadores autênticos não
compromissados com uma linha específica de conduta, mas única e
exclusivamente com o bom senso e com a reflexão ampla. O extrato
que se obtém destes pensamentos pode ser resumido em três pontos
básicos:
1. A noção que se tem hoje sobre a Ufologia é que os
“contactantes”, deuses astronautas e interpretação bíblica nos
moldes ufológicos, são guias do passado, mentores do
presente e interventores do futuro na realização dos grandes
feitos, enquanto que, em outro extremo, o homem é o único
responsável pelas inomináveis tragédias. Dois pesos e duas
medidas: somos muito bons para o mal e muito ruins para o
bem. Não se percebe que só à humanidade cabe decidir sobre
seu destino. A sujeição ao extraterrestre é o maior dos
venenos, em todos os sentidos. É a “árvore de dourados
frutos”.
2. A crescente e desmedida “ufolatria” é cova funda pronta a
receber andarilhos incautos, crédulos e desconectados com a
realidade e a emergência de um novo modo de pensar a vida
e agir no mundo. A irracionalidade mística faz cada vez mais
adeptos ineptos.
A única lição que aprendemos com os Óvnis é que eles não nos dizem nada a
respeito da inteligência alhures, mas dizem muito sobre a inteligência aqui na
Terra.
198
Mundos Imaginados, Companhia das Letras, SP, 1998.
362
um novo modelo discursivo.
Se a história se repetir como tem se repetido ao longo da história,
e a redundância obviamente é proposital, quem sabe uma nova safra
de pesquisadores seja estimulada a pensar antes de agir e uma nova
geração de cientistas se disponha a abrir suas oficinas e reinventar a
pesquisa. Adaptando a frase dos astrônomos Cocconi e Morrison, a
probabilidade de sucesso é difícil de estimar, mas, se não tentarmos,
a chance será nula199. De nossa parte, plantamos, sem qualquer
garantia se haverá colheita ou se a ela vamos assistir. Se nada disso
acontecer, ao menos levaremos conosco o singelo e proverbial
pensamento do cartunista Henfil – Se não houver frutos, valeu a
intenção da semente.
199
A probabilidade de sucesso é difícil de estimar, mas, se não pesquisarmos, a chance será
nula. Giuseppe Cocconi e Philip Morrison, do Centro de Pesquisa Ames. Citado por
Ronaldo Rogério F. Mourão in Quem É Vivo Sempre Aparece. DP&A, RJ, 1997.
363
Reflexões periféricas
364
É um assunto tão descabido que chegamos a pensar em não
escrever uma linha sequer, a exemplo de muitos outros que não
mereciam nem meia página deste livro, mas decidimos pôr uma
pedra em cima desse buraco. Não há nenhuma evidência geológica
ou geográfica a esse respeito, nenhuma argumentação com um
mínimo de lógica e lucidez e nenhum embasamento científico que
abone tais afirmações. Tudo não passa de uma teoria estapafúrdia
surgida por volta de 1690, retomada no século 19 e que ganhou força
a partir da publicação de obras pretensamente sérias que fomentaram
a ideia.
Buracos descomunais – seis mil quilômetros de diâmetro nas
calotas polares, uma distância superior ao eixo norte-sul do Brasil;
estranhos fenômenos luminosos observados nessas áreas, cavernas
inexploradas em regiões inóspitas do planeta, bases submarinas em
profundezas abissais, tudo serviu como pretexto para provocar
fantasias e, como não poderia deixar de ser, tornar-se mais uma
hipótese da origem dos Óvnis e dos extraterrestres. Perdão, neste
caso “intraterrestres”. Para que o assunto ganhasse aura de
“hermético”, usou-se, entre vários nomes conhecidos do ocultismo, o
de Helena P. Blavatsky, fundadora da Sociedade Teosófica, que teria
feito referência em duas de suas obras200 sobre a existência de
civilizações intraterrenas.
Apelou-se também a Platão que, em seu diálogo Timeus e Crítias,
menciona o continente desaparecido de Atlântida e seus habitantes,
os Atlantes: Para além daquelas que hoje se chamam colunas de
Hércules, acha-se um grande continente dito Posseidônis ou
Atlantis... poderia ser apenas uma ilha que existiu no Atlântico ou no
mar Egeu, segundo algumas teorias, e que deve ter submergido
durante um acidente natural. Antes que isso acontecesse, porém, os
sábios atlantes construíram túneis interligando várias regiões,
dando continuidade à sua sociedade nas terras que ficaram
conhecidas como Agharta ou Shamballah201, uma variação do
lendário nome de Shangri-lá, que realçou o mito de uma terra
200
Ísis sem Véu e A Doutrina Secreta, 1888.
201
Hilton, J.; Horizonte Perdido, Claridade, SP, 2002.
365
paradisíaca oculta nas montanhas do Himalaia e que seria um dos
portais de acesso aos mundos subterrâneos. Uma história
romanceada que suscitou nas mentes mais permeáveis a ideia de um
verdadeiro paraíso terrestre.
Será que as prospecções feitas nas camadas profundas do planeta
com a mais moderna tecnologia não teriam revelado esses “bolsões”
ou os intermináveis túneis que se alega existirem? Será que a
cartografia elaborada por satélites não teria detectado essas imensas
crateras polares? E os abalos sísmicos, tsunamis e terremotos
destruidores que se registram repetidas vezes em toda a superfície,
não abalariam as estruturas desse mundo oculto, soterrando seus
supostos habitantes? Será que temos mais uma conspiração do
silêncio por aqui? Improvável. Pois pensamos que tudo não passa de
fantasia e lenda, principalmente esta. É nesse caleidoscópio de
relatos sem fundamento que se construiu a teoria da Terra... oca em
sua própria nascente.
Essa ideia parece atrair, em especial, aos esoteristas de algibeira e
ufólogos místicos. A existência de cavernas, grotas e grutas é um
fator para criação de cultos em todo o mundo, e no Brasil, onde
existem em profusão, servem a práticas diversas. Em Minas Gerais,
os espeleólogos estão perdendo espaço para os místicos, cujo papel
torna certas regiões mais conhecidas do que pela atuação das
ciências. Quando geologicamente essas regiões são caracterizadas
por montanhas de pedra, o clima fica completo.
Uma “energia” desconhecida se presta aos mais diversos tipos de
prática. Isto não é novo. Pensa-se inclusive numa simbologia
acionada pelo inconsciente para representar a si mesmo, ou seja, a
penetração em mundos obscuros e subterrâneos, tal como o
inconsciente é geralmente representado. Nele, nossas pulsões,
principalmente transformadas em terror ou perplexidade como o
medo da morte e do desconhecido. Cavernas representam bem isto,
ao lado do desconhecimento do que esteja escondido, oculto, no
interior do sujeito ou no próprio mundo real. O Mito da Caverna
platônico vem novamente à baila.
Concentremos-nos numa pequena cidade, conhecida em todo o
mundo, a bucólica São Thomé das Letras, já mencionada aqui,
situada a pouco mais de 300 km. de Belo Horizonte. São Thomé
366
desenvolveu-se lentamente há pouco mais de vinte anos, quando
comerciantes vindos principalmente de cidades paulistas se
instalaram abrindo lojas, a maioria, claro, vendendo produtos
místico-religiosos. Até pouco tempo não havia pousadas ou hotéis, a
não ser algumas residências modestas em que se podia alugar um
quarto a preço módico.
Durante mais de 40 anos de visitas, pudemos observar uma
peculiaridade na reação dos visitantes. Enquanto algumas pessoas se
sentem muito bem, alegando “leveza” e bem-estar ímpares, outras,
ao contrário, detestam a cidade. À parte a influência psicológica e
emocional de se encontrar um lugar em que as pessoas comentam
haver “algo estranho”, não há meio termo – ou se ama ou se odeia.
Como mera possibilidade, escolhemos tentar observar se há uma
razão puramente física para isto. E tudo indica que sim.
O óbvio nem precisaria ser comentado, pois os enlevados pelo
misticismo fatalmente acham uma sensação diferente, pois que o
desejam tê-la. Alguns, no entanto, se decepcionam com a má
conservação do lugar, notadamente quanto à arquitetura, não
havendo até hoje um plano de obras que evite a destruição das
construções antigas ou mesmo a conservação de suas fachadas. O
pouco que resta das antigas casas erguidas com pedra sobre pedra,
sem argamassa, fica por conta da boa consciência de alguns
cidadãos.
Mas há também quem reclame de um “peso”, incômodos como
dores de cabeça e falta de ar. Tudo pelo mesmo óbvio. É um lugar de
elevada altitude – o ponto culminante na cidade, a Serra do Cruzeiro,
está a 1.493 m, enquanto no município o Pico do Gavião fica a 1.541
m. Não serve a quem tem problemas respiratórios ou de pressão.
Estes passam mal mesmo.
A razão principal do mal estar, no entanto, não provoca efeitos
apenas individuais, mas ecológicos e sociais. Quem costumava
frequentar São Thomé há mais de 30 anos hoje se assusta quando se
aproxima pela estrada principal, para subir a serra. As montanhas
estão literalmente nuas. É o exemplo vivo da destruição desenfreada
provocada por extratoras de pedras. São dezenas delas, que já
deformaram completamente a elevação em que fica a cidade, bem no
alto. Até a entrada provoca um choque visual desagradável, causado
367
por montes de cacos, resultados da lapidação de pedra. Rios e
cachoeiras, estas algumas poucas, oferecem um atrativo visual
razoável, poluídos que estão por esgotos de algumas propriedades
rurais. A maior causa do estrago é sempre a extração, que provoca o
escoar de pó e areia das pedras para os rios, comprometendo os
mananciais.
Este mesmo pó, conforme as condições atmosféricas, paira sobre
a cidade e por vezes é somente notado quando se olham as roupas ao
sol. Não há pulmão que aguente. Este fino pó, até a alguns anos, era
causa do curto período de vida de lavradores que trabalhavam sem
registro e ganhando pouco. Até por volta de 1980, uma cena ao
mesmo tempo curiosa e quase indigna podia ser observada pouco
antes do pôr-do-sol. Os extratores, cabisbaixos e em fila indiana,
com seus embornais nas costas, vinham das pedreiras ao final do
duro dia de trabalho, passando pelas trilhas nos altos das serras,
contrastando com o céu avermelhado, insinuando um silêncio de
conformismo. A média de vida girava em torno de 35 anos.
As inúmeras extratoras, que literalmente já desintegraram o
visual da serra de São Thomé, exploram o arenito e principalmente o
quartzito. Ana Maria Tibiriçá Bon, em tese de doutorado intitulada
“Exposição ocupacional à sílica e silicose entre trabalhadores de
marmorarias, no município de São Paulo”202, alerta que no Brasil
encontram-se em crescimento os índices de prevalência das doenças
crônicas causadas pela exposição dos trabalhadores à poeiras
minerais, sendo a silicose e a pneumoconiose de maior
prevalência”.
A FUNDACENTRO/Espírito Santo desenvolveu um projeto de
estudo das condições de trabalho e saúde no processo de extração,
transporte e beneficiamento de mármore e granito naquele Estado203.
O projeto possibilitou que o Ministério Público do Trabalho do
Estado de Goiás elaborasse proposta de melhoria das condições de
trabalho e controle dos riscos de acidentes e doenças, na atividade
mineradora da cidade de Pirenópolis, Goiás, onde são extraídos
materiais rochosos – quartzito – conhecidos na região como "pedras
de Pirenópolis". Foram coletadas algumas amostras do material
202
Universidade de São Paulo, 2006.
203
www.fundacentro-es.gov.br
368
extraído, que após análise petrográfica, efetivada com o apoio do
Instituto de Tecnologia da Universidade Federal do Espírito Santo –
ITUFES, indicaram uma composição de 90% de sílica livre
cristalizada e 10% de moscovita.
O relatório destaca a importância de observar que a sílica livre
cristalizada é um agente cancerígeno para o homem. Na extração do
quartzito, como ocorre em São Thomé, ocorre a constância de poeira
com alto teor de sílica, o que provoca doenças pulmonares como a
silicose, exigindo o uso de máscaras adequadas. Em 2002, o Projeto
Minas Ambiente, de responsabilidade da Fundação Estadual do
Meio Ambiente e mais oito instituições, fizeram publicar um livro
sobre o controle ambiental na mineração de quartzito pedra São
Tomé, obra técnica festejada pela Associação dos Mineradores de
São Thomé das Letras, evidentemente. Ainda que, salvo melhor
juízo, nada se trate nela a respeito da insalubridade presente nos
trabalhos das mineradoras, o projeto abrangeu a mineração do
quartzito em razão de vários fatores, porque dentre eles a exploração
do quartzito em São Thomé das Letras, concentrando um grande
número de extratores em uma área relativamente pequena, traz
visíveis danos ambientais a uma região que tem grande vocação
para o eco-turismo. Seus autores informam que a cidade é o mais
importante centro brasileiro de lavra de quartzitos plaqueados ou
folheados, e essa exploração trouxe desenvolvimento econômico,
mas também a geração de problemas ambientais.
O material estéril resultante das extrações, segundo os mesmos
autores, traz maior impacto do que a lavra propriamente dita. Por
isto, sugere-se por aí que os montes de cacos acabam por se
reintegrar à natureza, com líquens, mato e plantas nascendo sobre
eles. Tal como ruínas pré-históricas ou antigas, talvez? Como quer
que seja, o relatório aqui indicado nota que o grande volume de
material estéril depositado provoca impacto sobre a paisagem
natural, sobre a qualidade das águas devido ao arraste de partículas
por leitos fluviais para os cursos de água e sobre a morfologia dos
cursos d´água, devido ao assoreamento de material transportado das
pilhas e deposição direta na calha pluvial. Modo correto e técnico de
se dizer do desastre ecológico a que se reduz hoje aquele “Ralo do
Mundo”, como apelidou o anônimo esoterista bem humorado.
369
Notáveis soluções e projetos altamente eficazes foram sugeridos,
mas as providências ainda estão por ser tomadas.
Que nos perdoe o paciente leitor por esse – digamos – desvio
técnico, mas ele foi necessário para dar suporte à nossa
argumentação inicial, e mais necessário ainda para entender aonde
queremos chegar. Ao que tudo indica, a grande “energia” de São
Thomé das Letras hoje se manifesta pela poeira das extratoras, pela
destruição da montanha e pela poluição de rios e flora. Obviamente
que não discutiremos aqui as razões de ordem esotérica dos adeptos,
que para lá se mudam e por vezes fundam comunidades alternativas,
ao lado do excessivo consumo de drogas, mormente por ocasião de
festas da cidade, na atuação dos que por lá são conhecidos
popularmente como “bichos-grilos”.
E do grande consumo de álcool. Afinal, dizem alguns ocultistas,
que lugares assim são mesmo dicotômicos, e isto “faz parte”.
Interessa-nos muito mais os “discos voadores” da cidade que, apesar
dos pesares, se manifestam ali em índices bem menores do que em
lugares nem ao menos considerados como “janelas” de aparições.
Isto é, se dermos chance ao já comentado índice de 1% de
fenômenos com um mínimo de credibilidade. Claro que não
olvidaríamos destacar que a grande maioria dos interessados em
Ufologia que para lá se dirige realmente vê Óvnis. Ainda que os
vejam por eles identificados em termos de origem, finalidade,
intenção...
É interessante notar que essa gente considera um tal “estudo de
objetos voadores não identificados” como perfeitamente
identificados. Alguns afirmam a origem extraterrestre, quase todos
creem na procedência “intraterrena”. Os discos vêm do interior da
Terra, pelas aberturas desde Agartha, Shamballa e outros mundos
subterrâneos evoluídos, que presentearão a humanidade com mais
um Messias. Mesmo assim, durante 40 anos de pesquisas, os
depoimentos que registramos são realmente notáveis.
Os Óvnis são carros nos altos das serras, meteoros, bólidos, pipas
com pequenas lâmpadas penduradas, satélites artificiais, aviões, que
se transformam em discos voadores, portanto não identificados, até
porque ir até lá e nada ver significaria uma tremenda e insuperável
frustração, como já frisamos. Não há e nunca houve uma pesquisa de
370
Ufologia realmente isenta em São Thomé das Letras, o que permitiu
a injusta e injustificada fama de ser um local de aparições. Só se for
de rápidos sintomas de alucinoses provocados pela efêmera ação do
álcool, de drogas “populares” e, claro, do fanatismo. A maioria dos
depoimentos é prestada por pessoas com pré-disposição ao
avistamento, que transformam qualquer luz ou luminosidade em
nave extraterrestre. Ou, se preferir, neste caso intraterrena.
Perguntaria o leitor se nada ocorre lá, com relação ao pelo menos
teórico autêntico fenômeno ufológico. A resposta, sem
constrangimento, seria sim. Oriental Luiz de Noronha, que lá se
radicou e gosta dos aspectos históricos e arqueológicos da região,
bem como se dedica ao esoterismo, filmou ao pôr-do-sol, em VHS, a
trajetória retilínea de um objeto singular. As cenas do artefato
alongado e aparentemente metálico ainda não estão totalmente
analisadas, para que se descarte a hipótese de um dirigível ou avião,
mas são interessantes. Fica difícil recordar qualquer outro evento
digno de atenção, em meio às constantes e quase indiferentes
declarações de visitantes desesperados por encontrar um disco
voador, e de nativos que não gostam de fazer suposições do que
viram e os outros superestimam. Nunca houve uma investigação
criteriosa, de Ufologia, em São Thomé, de forma a concluir que lá
ocorra uma incomum manifestação de Óvnis. Só a fama
descomprometida e uma reação em cadeia de curiosos e fanáticos
propiciaram a equivocada ideia de que a cidade seja palco de
aparições. Palco. Talvez um termo melhor apropriado.
Um caso divulgado pelo mesmo Noronha registra o avistamento
de uma senhora do meio rural que, achando-se com marido e filha no
descampado, viu algo claro e brilhante no pasto acima de sua casa.
Ela resolveu correr em direção ao objeto sem se aproximar muito.
Tratava-se, em resumo, de algo disforme com aparência arredondada
e metálica, que parecia trazer alguma coisa presa em seu corpo.
O objeto, de grande dimensão, planava a pouca altura, baixava,
elevava-se lentamente, até que, como se tocado pelo vento, subiu aos
poucos até desaparecer. Este tipo de aparição, tão simples e ausente
de maiores dados, não mereceria citação em meio a tantos eventos
detalhados e espantosos que as pessoas costumam narrar, mas
representa bem o tipo de evento e, mais importante, a qualidade de
371
depoimentos e a postura dos ufólogos locais. Faça um singelo
raciocínio: com base nesta narrativa, o que seria de mais convincente
aceitação: a visão de uma estranha nave extra/intraterrestre, ou de
um balão de sondagem meteorológica que, perdendo o gás, andou
raspando a vegetação de uma serra, e tocado pelo vento elevou-se até
desaparecer da vista da testemunha?Na ausência de dados, a escolha
é livre – ou um balão nos seus últimos estertores, ou um disco
voador na visão de um ufólogo.
De resto, em São Thomé, sejamos justos, há um sem-número de
testemunhos dos “pesquisadores” de linha esotérico-místico-
ocultista. Um deles já visitou, não sabe se em sonho ou se numa
“realidade paralela”, os tais mundos subterrâneos. Quando acampava
e se ferira gravemente com o estilete para firmar a barraca, que lhe
vazou uma das mãos, recebera a visita de um estranho homem, que o
conduziu pelos caminhos de civilizações ocultas no interior da Terra.
Ao retornar, o ferimento estava completamente cicatrizado, ou
melhor, sem qualquer marca. Este mesmo pesquisador já comentou
em palestras que em um dos pontos turísticos da cidade, a Cachoeira
da Eubiose, há uma passagem lacrada que dá acesso a “um metrô
que conduz a um mundo subterrâneo”.
Outros que fazem de São Thomé seu reduto de “sabedoria”,
entram em contato regular com extraterrestres “dimensionais” – já
chegamos a perguntar, alhures, o que afinal seria isto..., que
aparecem através de “projeções holográficas”. Ainda outros, sempre
se utilizando da atual mania de dizer que a Física Quântica
“confirma” várias acepções místicas, acorrem à cidade
periodicamente para ministrar cursos de como entrar em contato com
Ets, suas origens, intenções, sistema social etc.
Convém repetir que nosso pensamento não considera as ciências
o único ou infalível caminho da realidade, mesmo porque, a
realidade subjetiva dá a todos o direito de pensar o que quiserem a
respeito do universo e adotarem acepções mais pobres do que
pseudoficção científica de revistas em quadrinhos de terceira
categoria. Afinal, como ensina o imortal Miguel Reale, a
despersonalização na postura científica nunca será total. Ressalta o
filósofo que uma das afirmações de Einstein, em seu relativismo, é a
372
de que até nas ciências matemáticas existe um coeficiente pessoal
inevitável.
Destaca ainda que o ideal seria o da isenção total do observador,
para que a realidade pudesse ser surpreendida de maneira objetiva,
exata e rigorosa, mas a epistemologia contemporânea reconhece
quão problemática é essa neutralidade isenta204. Que dirá, então, se
esta realidade é fundada estritamente no que vai ao íntimo do
indivíduo? Nem se alegue que tal conhecimento viria de uma espécie
de “intuição absoluta”, ou intuição pura que pudesse trazer uma
verdade independente do que vai no espírito do indivíduo, em seu
pensamento. Primeiro, que isto não corresponde a um conceito
estrito de intuição, mas sim a uma ideia genérica de sentido
estritamente conotativo. Nem Descartes, que aceitava ideias
chamadas inatas, acreditava em ideias que viessem “do nada”, ou
mais apropriadamente ao momento de nosso assunto, de um “astral”.
Quando céticos chamam a Ufologia de pseudociência, estão com
total razão, por culpa do comportamento nada científico dos
ufólogos. Quando muito, damos aparência do que chamamos de
pesquisa. Em regiões como a de São Thomé das Letras, este
comportamento é comum. Brinca-se de ciência, como se os antigos
sarrafaçais do pretório conspurcassem a fala dos reais oradores.
Tenta-se uma roupagem de ciência, contudo não se consegue escapar
ao condicionamento da credulidade mítica e mística. Exemplos não
faltam, e a Internet traz bons registros. Os termos denunciam a
simples aparência. Veja-se um “Projeto Ceppaxc”. 205
Anunciando-se como uma organização não governamental, o
Projeto, a se desenvolver nas altas serras de São Thomé das Letras,
faz “pesquisas nas áreas de Ufologia, metafísica, assuntos esotéricos
e místicos...” etc., tendo como metas “a construção de um
observatório de pesquisas e monitoramento de objetos voadores não
identificados ou não na região da serra da Mantiqueira... a fundação
de um centro planetário de medicina holística para atendimento da
população no Brasil e no mundo...”. Claro, o significado da sigla aí
vai: Ceppaxc - Associação Instituto Cidade Planetária de
204
Reale, M.; Filosofia do Direito, p. 68, Saraiva, SP, 2002.
205
http://cipacae.vilabol.uol.com.br/projetoceppaxc.index.html
373
Paraciências Acadêmicas Espiritualistas e Cósmicas. Paraciências
acadêmicas, não transcrevemos errado, caro leitor.
É inevitável aqui a citação deste grupo, que faz o que lhe é de
ampla liberdade e pleno direito, já que a Ufologia vem oferecida
num literal caldeirão, pelos que se “familiarizaram com a ideia da
criação de um novo rumo para o homem do planeta Terra, para a
ideia de voltar-se para a: Natureza, Agricultura e Medicinas
Naturais, Feng Shui, Biodinâmica, Reiki, Florais, Ecologia,
Tecnologias Alternativas, Acupuntura, Yoga, Shiatsu, Do In, Bio-
energética, Quiroprática, Homeopatia, Astronomia, Psicotrônica,
Radiônica, Radiestesia, Kardec, Alimentação natural, Esoterismo,
Astrologias, Planos de Consciência, Chakras, estudo dos Sete
Corpos, Ervas Medicinais, Desenvolvimento Mental e Físico, Seres
e Naves Intra e Extraterrestres”. Trata-se de mais uma comunidade
alternativa, funcionando à maneira de várias seitas instaladas na
região.
Sobre os extraterrestres e os discos voadores, a ONG chama
atenção para cidades como São Thomé, conhecidas como “pontos de
luz” ...áreas geográficas onde existe naturalmente grande
concentração de energia tanto material como transcendental; e, na
realidade, são estes locais planetários que possibilitam a
manutenção da vida como a conhecemos. Sempre buscamos
associar estes locais com os pontos empregados na acupuntura para
seus tratamentos. Assim como o corpo humano tem sete pontos de
grande concentração energética, comumente denominados por
"chakras", os quais se espalham por todo o corpo através de
meridianos, tendo em si mesmos vários pontos com maiores ou
menores concentrações e estes ativam determinados órgãos do
corpo, assim também é o Corpo Planetário. Todo planeta vivo é um
imenso "Ser" com seus "chakras" principais e vários subpontos a
estes conectados. As energias que mantêm a vida utilizam-se destes
pontos para vitalizar tudo e todos, sem a qual o planeta como um
todo transformar-se-ia, não ficando pedra sobre pedra.
Nosso anônimo e místico amigo parece ter razão. Se o mundo
possui tais pontos de entrada ou transformação de energia, a lógica
esotérica nos aponta no sentido de também existirem... pois bem,
374
saídas de energia. O apelido que ele cunhou pode servir como luva –
Ralo do Mundo.
O senso, a mera impressão, as ideias muito pessoais e subjetivas
constituem um conhecimento sujeito a limitações sérias. É aí que a
ciência assume outro aspecto quando concebida como algo que se
propõe a atingir conhecimento sistemático e seguro, de sorte que
seus resultados possam ser tomados como conclusões certas a
propósito de condições mais ou menos amplas e uniformes sob as
quais ocorrem os vários tipos de acontecimentos206. Assim se dá
com a própria ciência, o que nos inspira a duvidar muito dos
sistemas de concepções estritamente pessoais, baseados em outras
áreas regadas de mistério e que trabalham somente com o incerto, o
extraordinário, o imaginário.
Enquanto alguns afirmam a existência de um esoterismo centrado
em simbologia complexa, contida no conhecimento antigo de certas
linhas filosóficas e de organizações herméticas, o que se vê hoje é a
adoção incondicional de um comportamento misticoide de banca de
jornal, meramente modista, que prefere a mistura incompatível e a
desorganização de um suposto conhecimento sem sistema, chamada
equivocadamente de holística. A Ufologia não escapa, esboçou
breve reação na década de 70 e não teve forças para tanto. Ou não
quis, em virtude da pressa de espíritos afoitos não conformados com
a inexorabilidade do tempo.
É objeto não classificado, um corpo não identificado, e está feito
– é um disco voador extra ou intraterreno. Posto isto, há que se
explicar a furtiva manifestação desses seres desconhecidos pela via
mais frágil, apesar de aparentemente mais complexa. Na verdade,
incognoscível e inefável. Onde há certezas definitivas e métodos
esquisitos. Nem as ciências agem assim. Até os sistemas científicos
não arriscam ir tão longe a respeito da realidade do universo:
206
Ernst Nagel, professor de Filosofia da Universidade de Colúmbia, em Ciência: Natureza e
Objetivo, Filosofia da Ciência, organizado por Sidney Morgenbesser, p. 15, Editoras
Cultrix e USP, 1975.
375
intelectual de crítica. Esse método lógico é a glória específica da
Ciência moderna e o alicerce espiritual de toda civilização
genuinamente liberal. Nada pode substituí-lo na tarefa de atingir
conclusões fundadas acerca do mundo em que os homens vivem e do
lugar que nele ocupam. 207
207
Idem, ibidem, p.24
376
apreensão e confusão.
Até mesmo uma embarcação brasileira quase chegou a
“desaparecer” nessa região, não por razões tão estranhas como
aquelas histórias, e sim por força de uma tempestade tropical – um
verdadeiro tornado, bastante comum na área. Isso se deu em 1916, e
apesar de castigado por ventos fortíssimos, ondas que cobriam o
convés fazendo ranger o madeirame e avarias consideráveis, a
habilidade e uma boa dose de sorte do capitão Jônatas permitiram
que o seu navio Purus escapasse da tragédia e não engrossasse as
estatísticas dos sumiços inexplicados.
Fato é que as narrativas em torno do “Triângulo das Bermudas”
tiveram maior repercussão após a publicação de um artigo assinado
por Vincent H. Gaddis em 1964 para a revista Argosy, e se
reforçaram com outras obras do gênero que promoveram e
sustentaram o mistério, embora nada trouxessem de revelador, não
passando de ficção especulativa: Invisible Horizons, de Gaddis, em
1965; Limb of the Lost, de John W. Spencer em 1973, e o best-
seller do gênero, The Bermuda Triangle, de Charles Berlitz, em
1974, que alçou o assunto às alturas. Algo parecido ocorre de tempos
em tempos, quando um best-seller que mexe com o imaginário
popular resulta em várias outras obras temáticas. O Código da Vinci
é o exemplo mais recente, que abriu caminho a uma infinidade de
autores escrevendo sobre mistério, chaves secretas, enigmas,
charadas. No ano seguinte, 1975, o pesquisador Lawrence D. Kusche
resolveu passar a limpo e desmistificar essa coletânea de obras
pseudocientíficas, desfazendo a aura de mistério de uma vez por
todas. Em The Bermuda Triangle - Mystery Solved, ele investigou
e analisou centenas de relatos, teve acesso aos arquivos oficiais e
entrevistou “sobreviventes”, constatando que muitas embarcações
tidas como desaparecidas sequer estavam na “área maldita”, ou que
avarias mecânicas ocasionaram desvios de rota, naufrágios e quedas
de aviões. Ele tem sua própria versão a respeito da lenda atribuída a
essa região do oceano:
377
errado e sensacionalismo208
379
depoimentos possam conter mentiras, inverdades, fantasias, delírios
ou invencionices?
Como não acreditar que suas naves tenham sido “acompanhadas”
por outras, não-terrestres, se eles assim o afirmam? Com calma,
vamos tratar de analisar e refletir com muito cuidado estes
acontecimentos. Não podemos atestar a autenticidade de suas
declarações, pois não as investigamos de perto (nem de longe), não
fizemos parte de nenhuma missão espacial, não temos parentes,
amigos ou cunhados informantes nas bases americanas.
O que temos são apenas reportagens, matérias, entrevistas, muitas
delas repassadas, traduzidas, editadas, ampliadas, cortadas e
recortadas. Enquanto algumas carregam nas tintas, outras sequer são
assinadas. Se não estamos negando suas declarações, então o que
afirmam é verdade? Pode ser que sim, pode ser que não. Se sim, se
eles chegaram à Terra e foram liberados para declarar terem mantido
contato, ainda que visual, com naves alienígenas, de novo, tudo o
que temos são apenas depoimentos, e mais nada. Nenhum filme
realmente àprova de balas, nenhuma foto inquestionável, nenhuma
evidência que lhes deem respaldo. As imagens disponíveis nos sites
de exploração espacial209 não revelam nada que, à luz de uma
verificação atenta e neutra se mostre excepcional, do ponto de vista
ufológico, naturalmente.
Mais por curiosidade que pesquisa, localizamos algumas entre
milhares que poderiam gerar algum interesse. Por exemplo, a
imagem AS11-36-5293 (abaixo, à esquerda), da missão Apollo 11,
mostra um fulgente reflexo solar na lente da câmera (parte superior
esquerda), e por muito menos que isso, ufólogos se precipitariam em
afirmar categoricamente tratar-se de um Óvni “acompanhando” o
módulo espacial, provavelmente rastreado pelos radares em terra.
Para não dizer que estamos sendo parciais, a foto ao lado – AS15-
96-13063 – da Apollo 15, foi publicada por uma revista
especializada como sendo uma misteriosa esfera flagrada sobre a
superfície lunar numa de suas últimas manobras. Observa-se a
característica arredondada do artefato que numa das fotos
apresenta-se elipsoide. 210
209
www.lpi.usra.edu/resources/apollo/catalog
210
Jackson Luiz Camargo, Intrusos na Lua, UFO 107, fevereiro 2005.
380
Só pela comparação destas imagens o leitor pode tirar suas
conclusões. Assim como elas, centenas de outras têm sido
divulgadas nos boletins, sites, livros, revistas e jornais em todo o
mundo como mais uma “prova incontestável” da presença de Óvnis
na Terra e nas missões tripuladas.Seria de se esperar que, depois de
exercícios tão rigorosos, tantas simulações de acidentes,
dificuldades, imprevistos de qualquer espécie ou natureza, os
astronautas tivessem em mãos um material de incalculável valor
de tudo o que presenciaram. Não pousaram na Lua? As fotos,
filmagens e amostras lunares comprovam que sim. Não fizeram
manobras de acoplamento, não saíram da nave para reparos
simulados e reais, não posicionaram manualmente instrumentos,
redirecionaram satélites e outros trabalhos?
Pois tudo isso foi fartamente fotografado por todos os ângulos
possíveis em belíssimas imagens. Não há como refutar essa
movimentação toda até por uma questão de inteligência, agora,
deixar passar um contato com extraterrestres? Ninguém se lembrou
de registrar esse acontecimento antológico?
Baixaram à Terra confiando apenas nos dados de memória? Ah,
sim, claro, lá vem de novo o insuportável coro da “política de sigilo
e acobertamento”, enquanto outra bancada berra em uníssono:
“porque a humanidade não está preparada para este momento!”
Então porque deixaram os astronautas “abrirem o bico” se não
podiam lhes dar retaguarda? Consta que o astronauta Neil Armstrong
teria cópias destas fotos, e presenteou a amigos, um deles nosso
velho conhecido, mas jamais o fez publicamente.
Se suas declarações estão garantidas por uma inegável
381
confiabilidade, se não há como e por que desmenti-las, então por que
não ratificá-las com “provas”? Será que só a palavra destes
“semideuses” basta? Não, não basta. Antes de serem “deuses”, são
humanos, com temperamentos, humores e reações particulares,
subordinados a uma instituição que depende de substancial verba
governamental daquela que é considerada a nação mais poderosa do
planeta, portanto, obrigados a severa obediência a todo tipo de
instrução, regra, norma, preceito, Filosofia, princípio, regulamento
ou, em último caso, de uma ordem. Violar um comando desse quilate
pressupõe sanções graves. No entanto, estão todos livres para dizer o
que sabem a respeito, da forma que bem entendem, quando e para
quem quiser ouvir. Só não têm como comprovar oficialmente, só
oficiosamente.
Segundo algumas publicações, a conversa entre os astronautas da
Apollo 11 e os controladores em Houston ficou registrada pelos
radioamadores. Uma amostra:
383
território, seja no ar, no mar ou em terra, isso implica dizer que todos
os artifícios são válidos, inclusive, e principalmente, blefar.
E se a corrida espacial vem sendo disputada por estas duas
grandes nações, nada mais justo do que ouvir o outro lado, saber o
que os camaradas têm a dizer, e eles não ficam atrás em termos de
“contato”. E que contato! Em maio de 1981, a missão espacial
Salyut-6 teve um encontro absolutamente inacreditável, para não
dizer insuperável. Pelo menos desta vez, ao que tudo indica, não
houve nenhum acobertamento explícito, ao contrário, o próprio
chefe do programa espacial, general Georgi Beregovoy, se
encarregou de conduzir uma reunião aberta com ufólogos, militares,
autoridades, os cosmonautas da missão, Vladimir Kovalenok e
Viktor Savinykh e a imprensa. Isso é ainda mais extraordinário, e já
vamos ver por que. Em resumo, a nave soviética foi acompanhada
durante quatro dias por um artefato desconhecido, a poucos metros
de distância, uma esfera sem quaisquer marcas, sinais, desenhos que
a identificassem – adiantaria se tivesse? – com três tripulantes a
bordo!
Desta vez, surpreendentemente, o episódio foi gravado em vídeo;
embora jamais divulgado! Consta que foi exibido uma única vez,
naquela reunião mencionada, sem, contudo, permissão para a
divulgação pública. Como se trata de uma “rixa”, a declaração do
general Beregovoy é sintomática: Os norte-americanos ganharam a
corrida à Lua e muitas outras disputas com os soviéticos. Mas fomos
nós os primeiros a admitir os fatos relativos à Salyut-6. Fomos os
primeiros a anunciar um encontro com seres de outro mundo no
espaço. Alguma dúvida que se trata de um autêntico incêndio de
vaidades?
A descrição daquelas criaturas extraterrestres chega a um
preciosismo notável: sobrancelhas compridas e grossas, narizes
retos, grandes olhos azuis e expressão impassível, denotando
ausência de emoções, características excessiva e tipicamente
soviéticas: sobrancelhas grossas... nariz reto... expressão
impassível... junte Wladimir Putin com Leonid Brejnev e veja no
que dá. Todos estes detalhes foram vistos à distância de 40 metros!
Quando as tripulações exibiram reciprocamente seus “mapas
celestes”, houve troca de sinais – o cosmonauta fez o sinal de
384
“positivo”, e o navegador alienígena retribuiu igualmente!
Fantástico, o “positivo” é um símbolo universal. E a “conversa” foi
se estendendo: Kovalenok tentou comunicação utilizando o código
Morse – como, batendo com os dedos na escotilha? Transmissão por
rádio? Em qual frequência? Como não obteve sucesso, tentou se
fazer entender labialmente pronunciando uma frase em inglês – vá lá
que esse idioma seja quase hegemônico em todo o planeta, mas fora
dele também já é demais e, insistimos, a 40 metros de distância?
Depois, usando uma lanterna, sinalizou em código binário, e teve
como resposta um sinal luminoso. Eles também tinham uma lanterna
a bordo? Piscaram as luzes de navegação? Eles conhecem o código
binário? Finalmente estava consolidado o contato entre humanos e
alienígenas através da matemática. 211
Para avivar as chamas daquela fogueira, os americanos
informaram que também tiveram o seu contato com extraterrestres,
nos moldes dos camaradas russos, mas nunca se soube nada a
respeito, tornando-se mais um daqueles segredos trancafiados a
todas as chaves. Curiosamente, Kovalenok, hoje presidente da
Associação dos Cosmonautas, em 2004 declarou que apenas viu uma
pequena nave se aproximando, e ao pedir para o seu colega Vicktor
fotografar, o estranho artefato desapareceu subitamente deixando
um halo de fumaça no ar! Como assim, “fumaça” no espaço? E por
que uma versão tão diferente anos depois?212
Honestamente, dá para se acreditar em alguma coisa aqui? Como
ainda estamos navegando nas inquietas águas das suposições,
podemos remar para qualquer lado. E podemos naufragar também.
Podemos estar redondamente enganados. Pode ser que tudo o que
estes valorosos homens do espaço relataram seja a mais pura
expressão da verdade, que as fotos e filmes comprovando suas
declarações estejam zelosamente guardados nos cofres ocultos das
agências governamentais e que a política de sigilo apenas abrandou
suas penas. Pode ser. Ou então tudo isso é um blefe bem arquitetado
a nos fazer pensar que eles têm o poder da informação, sabem tudo a
respeito da presença alienígena na e fora da Terra, e até, como
querem os mais eufóricos, exista um “intercâmbio” de segredos
211
Revelando os segredos dos russos, Giorgio Bongiovani, UFO 83, dezembro, 2002.
212
Diário Las Últimas Notícias, Venezuela, agosto, 2004.
385
entre eles e “eles”. Em se tratando de Ufologia, tudo é possível.
213
A Teoria das Supercordas propõe a união de duas outras: a da força gravitacional com a
mecânica quântica, resultando em algo próximo a uma “força gravitacional quântica”.Em
resumo, na teoria das supercordas os objetos básicos não são partículas, mas cordas
unidimensionais que podem ter extremidades ou se fechar em anéis, mantendo padrões
vibratórios ressonantes cujos comprimentos de onda se encaixam precisamente entre as
duas extremidades. De qualquer forma, a teoria não explica as viagens siderais dos Ufos.
Nem poderia.
387
de queratina, proteína fibrosa que protege a camada externa da pele,
pelos e unhas, encontrada também em calos e calosidades. Não têm
forma definida, apresentando contornos irregulares.
O corpo humano também pode “produzir” esses objetos, e os
anais da medicina têm registros dessas ocorrências em todo o
mundo. Há casos também de falha humana, embora mais incomum,
em que minúsculas peças de cateter, sondas, agulhas de sutura ou
outros objetos foram esquecidos ou escaparam ao manuseio dos
operadores, além de estilhaços provenientes de acidentes de trânsito
ou de trabalho – metalúrgicas, serralherias, etc. Como o organismo
não rejeitou nem houve maiores complicações, as pessoas nem
tomaram conhecimento. Só vieram a perceber quando o corpo
resolveu expelir esse corpo estranho indesejado.
A paraPsicologia também acena com inúmeros casos de pessoas
que viram surgir espontaneamente em seus corpos estranhos objetos,
geralmente na forma de agulhas ou pequenas peças metálicas, sem
qualquer explicação aparente. Há o caso de uma mulher residente em
Laguna, Santa Catarina, em que diversos objetos apareceram em seu
corpo, na maioria metais: parafusos, alfinetes, agulhas e até pedaços
de arame farpado, que eram retirados cirurgicamente. Minutos
depois, outros fragmentos surgiam e tinham que ser extraídos da
mesma forma.214 Abdução?
Outro caso que impressionou os pesquisadores foi o de uma
mulher em Brasília, que também teve seu corpo “invadido” por
agulhas, grampos de cabelo e até fios de nylon. Enquanto um
parapsicólogo destacado para estudar o caso aventou a hipótese de
um fenômeno mental, um médico igualmente convocado a avaliar
concluiu tratar-se de autoflagelação.215 Implante alienígena? Mais
um caso, desta vez uma mulher da cidade de Taubaté, São Paulo; na
frente de uma autoridade policial, extraiu sete agulhas, e alegou que
este fenômeno já durava havia 20 anos, retirando centenas dessas
peças. Só quando as dores começaram a ficar mais habituais e fortes
resolveu procurar um médico.216
Para finalizar, um garoto de 14 anos, em São Paulo, que expelia
214
Agulheiros Humanos, Fronteiras do Desconhecido nº 18, Editora Três, sd.
215
Idem
216
Ibidem
388
cacos de vidro, alfinetes, linha, feijão, fósforos, pregos enferrujados,
entre outras coisas.217 Não há uma explicação definitiva para todos
estes fatos, e as várias versões sugerem casos de aportes, poltergeist,
bruxarias e magia negra. Em nenhum deles se tocou no assunto
Ufologia, muito menos abdução.
Atualmente, a biotecnologia está pesquisando e aplicando
experimentalmente o uso de chips implantados em camadas
subcutâneas de seres humanos – em animais o uso é mais antigo –
com os mais diversos objetivos como monitoramento médico, estudo
de desenvolvimento de drogas preventivas específicas, rastreamento
de segurança, etc. Em outros casos, a aplicação de microimpulsos
elétricos na região do cérebro tem ajudado a minimizar os efeitos
deletérios ou disfunções neurológicas como Parkinson e epilepsia,
funções motoras lesadas, deficiências auditivas e visuais, além dos
neurotransmissores químicos, mais sutis e menos invasivos com
resultados eficazes. Isso é uma realidade, faz parte dos estágios mais
avançados da medicina, há um histórico detalhado, metodologia e
documentação acompanhando o desenvolvimento das pesquisas.
Há comparações, discussões e resultados. Isso é ciência. E nas
ondas desse verdadeiro progresso científico e tecnológico, a
Ufologia pegou carona e passou a divulgar casos de abdução com o
surgimento de tais implantes, a “bola da vez”, até que uma nova
moda tome seu lugar. Essa busca quase obsessiva por “novidades”
dentro da Ufologia embute um falso amadurecimento, como se
houvesse sempre um dado novo a revelar novos mistérios; no
entanto, nada mais é que uma máscara para disfarçar a presença
permanente da mais completa lassidão, um paliativo insípido contra
o amargo sabor da falta do que pesquisar.
217
Ibidem
389
investigações mais cuidadosas tenham se iniciado cerca de trinta
anos depois, ao contrário do seu congênere brasileiro, que foi
acompanhado, e ainda é, desde o início. Há provas de que Roswell
tenha de fato ocorrido? Sim. Muitas. Há provas de que o
clássico/folclórico/mitológico Caso Varginha ocorreu? Nenhuma!
Não se precipite o leitor, ao pensar aprioristicamente. Um dos
autores deste livro, por ter sido um dos principais responsáveis pela
descoberta e divulgação do caso, não irá cometer a flagrante
contradição imaginada. Vamos por partes.
Nosso caminhar pela reflexão mais isenta, que tentará lançar
hipóteses nada desprezíveis, começa exatamente pela provocação
inicial. O que são provas? Depende. Prova de um fato, dentro do
conceito jurídico clássico, é o que demonstra inequivocamente tal
fato. Porém, a análise e o julgamento do fato não competem à
testemunha. Esta é apenas a prova. Prova de quê, todavia? De que
ocorrências deram-se no campo dos fatos, convém repetir, com
evidente redundância. Não nos ocupemos aqui com outros tipos de
prova, tais como as periciais e documentais, uma porque o fulcro
desta obra é a discussão sobre o comportamento das pessoas que
constroem o mundo da Ufologia, outra porque esse tipo de prova,
vale frisar novamente, simplesmente não foi coletado na pesquisa
sobre o caso Varginha.
O problema é aferir tudo o que contribui para que uma
testemunha narre o que tenha visto, sentido ou vivido. Eis, pois,
nossa primeira sugestão – o caso Varginha, para não escapar ao
cerne deste livro, é o equivalente da visita incontestável de seres de
outros planetas à Terra para a quase totalidade dos ufólogos que
lidam com o caso e veem nele um nível de credibilidade suficiente a
atestar sua autenticidade.
Excluindo as centenas de entrevistas em TVs, rádios, jornais e
sites concedidas por ufólogos a respeito do episódio, fiquemos
apenas com alguns poucos e bons exemplos:
...enquanto que no caso Varginha nós temos cada vez mais testemunhas
que fazem ligá-lo a reais seres de um outro mundo218.
218
Leir, R. K.; UFO Crash in Brazil, Uma Genuína Queda de UFO com Sobreviventes
Extraterrestres, San Diego, CA. The Book Tree, 2005.
390
Certamente as criaturas do espaço procuraram um local adequado onde
pudessem pousar, cientes de que o objeto não voaria por mais tempo219.
219
Paccacini. V., Portes, M.; .Incidente em Varginha, Criaturas do Espaço no Sul de
Minas, Cuatiara, MG, 1996.
220
Equipe UFO, Alienígena é capturado em Minas Gerais e as autoridades negam, UFO n.43,
abril de 1996, p.16.
221
Covo, C.; Os ETs de Varginha, Planeta, edição 288, Editora Três, setembro,1996.
222
Equipe do Grupo Ufológico do Guarujá (GUG), Conheça, passo a passo, os Detalhes do
Caso Varginha, UFO Especial 13, julho de 1996.
223
Albino, W. ;Varginha no centro dos acontecimentos mundiais, UFO Especial 34, agosto de
2005.
391
O autor da última citação foi infeliz na escolha dos termos. Para
nossos conhecimentos científicos atuais – apesar da falaciosa e
infundada muleta hodierna de que “a mecânica quântica confirma” –
a probabilidade de que existam Ets nos visitando é nula. Não existe
tal probabilidade, ou seja, não se conhece o que torne provável que
discos voadores ou Óvnis, em existindo, sejam veículos que
transportem visitantes de outros planetas.
Ao contrário, por isso é sempre bem-vindo o chavão cunhado por
Ray Bradbury – A probabilidade de existirem seres extraterrestres é
tão grande quanto a probabilidade de não existirem. Queiram ou
não os ufólogos, gostemos nós ou não, enquanto a Astronomia e
afins, como a específica astrobiologia, julgam possível a vida
extraterrestre, tais disciplinas não veem como provável – o que pode
ser, uma verdade imperfeita, ainda não provada – que supostas
inteligências de fora consigam viajar até nós.
E aquele autor da última citação, aliás dos mais sinceros e
idealistas ufólogos brasileiros, parece ter em mente a premissa
inválida de que, sendo ufólogo, qualquer um que o seja acredita ou
convive com o fenômeno como se ele fosse necessariamente
extraterrestre. Esta mentalidade, portanto, que assim enxerga o Caso
Varginha, deve aceitar de que não há qualquer prova do caso
enquanto visto sob a ótica da imaginária origem extraterrestre. Mas,
e quanto aos fatos?
Como dizíamos, a testemunha vê os fatos, mas não o analisa nem
o julga. Se o fizer, deixa de ser testemunha e seu depoimento tornar-
se-á pequeno, ou de nenhum valor. Isto não vale apenas para os
meios jurídicos, é regra aplicável a qualquer credibilidade de
depoimentos. Em fazendo questão de afirmar sobre as origens,
finalidades e intenções do que diz ter visto, o indivíduo,
automaticamente, torna artificial e dúbio o seu testemunho. Será que,
testemunhando um fato, uma pessoa realmente o presenciou?
Reconhecemos que a complexidade e aparente contradição são
fatores complicadores.
Ao início, afirmávamos que há provas, e muitas, da ocorrência de
Roswell. E reafirmamos – provas dos fatos, testemunhais, em grande
número, devendo-se destacar a de militares, inclusive de altas
patentes na época, que mais de trinta anos depois vieram a público
392
dar seu depoimento. Porém, voltemos aos nossos comentários sobre
prova. Prova de que, existe no Caso Roswell? Dos fatos basilares. Se
algum fato não tivesse ocorrido em Roswell, os órgãos alegadamente
envolvidos não teriam dado tantas explicações através dos anos.
Mas nunca prova de que houve o resgate, pelo Exército ou pela
Força Aérea norte americanos, de uma “nave espacial extraterrestre”.
Ainda que em muito maior número, e com mais detalhes, as
testemunhas de Roswell, quando falam em um artefato de outro
planeta e em cadáveres de seres desconhecidos, ficam no mesmo
estilo das de Varginha. Nada apresentam de concreto, até porque isto
seria obviamente impossível.
A não ser que apresentassem laudos circunstanciados de
rigorosas análises laboratoriais, biológicas, mecânicas e de vários
outros tipos. Mas os meios oficiais negam. Se em Roswell foi
recolhido um balão de sondagem estratosférica, bonecos
paraquedistas do Projeto Mogull de treinamento de espionagem e
tantas outras explicações dadas desde lá, foram fatos. E a prova é o
próprio reconhecimento dos tais órgãos.
Em Varginha, nem há essas provas. Melhor esclarecer de vez – as
provas testemunhais, civis, limitam-se praticamente ao avistamento,
por menos de dez segundos, por três garotas, de um “homem com
várias deformidades que provocava até incômodo”, disse o major
Calza à imprensa internacional. De um garoto de apelido Luizinho,
autista, que inclusive vive agachado tal como elas viram a tal
“criatura”. Isto é o que foi visto, segundo grande parte da população
local. Uma anã grávida foi levada ao hospital na noite da grande
chuva que caiu sobre Varginha, em 20 de janeiro de 1996, por um
caminhão do Exército, continuam os porta-vozes da Escola de
Sargentos das Armas. E mais algumas outras explicações diversas,
que também surgem amiúde com o passar do tempo.
Ocorre que o caso Varginha, para a maioria dos ufólogos, foi
muito mais do que isto, quando surge a história da captura de dois
seres pelo Corpo de Bombeiros e Exército, a condução de um corpo
sem vida e outro com vida para a Universidade Estadual de
Campinas, a passagem de um desses seres por dois hospitais de
Varginha e etc. Disto há prova? Enquanto uma “prova” fica apenas
no conhecimento de um pequeno grupo, que alega não poder
393
repassá-la – e continuamos a falar em prova testemunhal – pelo
sigilo solicitado pelos depoentes; enquanto uma “prova” não possa
ser observada, analisada, criticada, discutida e sopesada por terceiros
e por todos... não é prova. Nem de longe.
Recorde-se o leitor – Roswell tem prova da queda de algo e da
captura de cadáveres. Só que o reconhecimento e a confissão das
forças armadas falam na queda de um balão atmosférico e na captura
de bonecos que foram confundidos com Ets. Então, eis a prova
definitiva dos fatos. Em Varginha, jamais foi admitido que algo
tivesse sofrido uma queda, nem que corpos passaram pelos hospitais
e que um cadáver tenha ido para Campinas. Em sendo o Caso
Varginha, para os ufólogos, tais alegados fatos muito mais
importantes do que o rápido avistamento de algo por três garotas,
nem sequer há provas desses fatos. “Prova sigilosa” não precisa e
não deve ser aceita por quem quer que seja.
Como bem notou o Dr. Leir na citada obra, o episódio de Roswell
parte da queda de um artefato para se chegar a cadáveres de
estranhos seres. Em Varginha, o episódio começa com a captura de
estranhos seres para se chegar à queda de alguma coisa que nem
sequer se pode alegar ter sido um Óvni. A presença de um disco
voador em Varginha é o que menos existe, conforme sempre
afirmamos desde o início. Uma ou duas alegações isoladas, sem
testemunhos paralelos, assim mesmo com, no mínimo, aparentes
conflitos de datas.
224
M. Night Shyamalan, Sinais, 2002.
394
cresceu assustadoramente na década de 90, em todo o mundo – mais
de 12.000 desde 1970 – verdadeiras obras-primas, onde a
criatividade e o preciosismo se tornaram padrão mundial, uma marca
registrada. Contudo, nenhum deles deixou claro tratar-se de um
fenômeno ufológico, pois ninguém até agora conseguiu flagrar
visualmente ou registrar eletronicamente o aparecimento de um
único círculo.
Da noite para o dia, literalmente, os desenhos surgem
absolutamente originais, com filigranas e arabescos simetricamente
elaborados, cobrindo o planeta e não mais circunscritos aos campos
ingleses como no começo das aparições. Aliás, antes eram apenas
círculos colocados lado a lado ou concêntricos, formando alguns
desenhos bastante simples, entretanto, o que se vê hoje são formas
geométricas de impressionante beleza e perfeição, baixos-relevos
esculpidos com precisão matemática, pictogramas, árvores,
esquemas, figuras que parecem signos. É um tapa com luvas de
pelica na nossa inteligência.
Livros no melhor estilo Annual Books têm sido publicados, sites
veiculam imagens inacreditáveis, estudiosos, especialistas e
aficionados perdem o sono e os cabelos tentando encontrar uma pista
que lhes dê a chance de entender o que está acontecendo, mas o
enigma prossegue indiferente e provocante. E nada de Óvni por
perto, de extraterrestres, mensagens, encontros programados,
contatos, fotos, filmes, nada. Silêncio absoluto por parte de quem se
intitula autor dessa façanha.
A tendência é esse estado de coisas prosseguir indefinidamente se
nenhum fato novo e flagrante incontestável acontecer. O que pode
ser lógico nestes tais círculos se o mistério maior reside exatamente
no caráter ilógico de suas aparições? O primeiro pensamento que nos
vem à mente quando olhamos para uma destas fotos é o que Charles
Fort225 diria sobre isso – Oh, não, começou tudo de novo!... Essa
ligação é inevitável, pois estamos diante do mais novo fenômeno
fortiano surgido no século passado e que certamente irá se estender
pelas próximas décadas. Fort investigou e descreveu mistérios
absurdos, verdadeiras aberrações – chuvas de rãs e peixes, pedras,
sangue, carne crua e uma série inesgotável de substâncias orgânicas
225
Charles Fort (1874-1932), autor de O Livro dos Danados, Hemus, SP, 2002.
395
que nunca tiveram explicação e, tal como os círculos, nunca foram
associadas com Óvnis. Se estivesse vivo, exclamaria também são
danados esses círculos!
Diversas tentativas de explicações surgiram nos últimos anos,
sem atender à demanda de perguntas. Foi levantada a suspeita não
satisfatoriamente confirmada de que dois homens faziam incursões
noturnas pelos campos cultivados para desenhar as figuras de
maneira simples, porém eficaz. Outras imagens, contudo, parecem
ter sido produzidas em sofisticados programas de computador, ou
apresentam tamanha semelhança com imagens conhecidas que só se
pode suspeitar de uma farsa muito bem engendrada por motivos
ignorados.
O fato é que os círculos se juntaram à elite dos grandes e
indecifráveis mistérios como as pistas de Nazca, entre outros, e
seríamos a geração privilegiada que estaria tendo a rara oportunidade
de ver a coisa acontecer, bem debaixo – literalmente, de novo – do
nosso nariz. Esse fenômeno tem sido investigado sob os mais
diversos ângulos, e as análises laboratoriais não revelaram nada que
trouxesse um esclarecimento definitivo. O estudo comparativo das
belas imagens busca encontrar um padrão, uma constante, uma
“assinatura”, sem sucesso até o momento. Decifrar os desenhos
igualmente tem se mostrado infrutífero, embora para alguns
pesquisadores eles pareçam sugerir uma remota possibilidade de
“comunicação”. Mas de quem? De onde? Temos que ter em mente
que nem sempre um desenho representa o que aparenta ser, ou que
pode significar várias coisas ao mesmo tempo. Quando achamos que
poderia representar um esquema estelar, algo totalmente diferente
nos leva a uma direção contrária fazendo perder um tempo precioso,
pois ela – a imagem – pode não estar “falando” a nossa língua.
Mandalas ou mapas astronômicos? Flores ou fractais? Não sabemos.
Ainda que os tais círculos mereçam um estudo mais apurado,
caso a caso, para que se possa separar o que seja mera brincadeira ou
tentativa de construção de algo com o fito de faturar ou de ganhar
fama, de alguns casos mais interessantes e curiosos, podemos
também aqui alertar para o velho e censurável comportamento da
Ufologia, qual seja, o de achar que, somente porque não haja
explicação para um certo número de eventos, estes "só podem" ser
396
atribuídos à ação de discos voadores ou de extraterrestres.
Como sempre, também quanto aos círculos em plantações, o
raciocínio vulgar e meramente crédulo prevalece. Enquanto não se
acha a resposta para um fenômeno de causas ainda não
definitivamente detectadas, prefere-se atribuí-las à ação de um fator
alienígena, de caráter nitidamente mitômano. O que os adeptos dos
crop circles não podem negar, é que, quando os círculos aparecem
subitamente, nunca se constatou a presença de supostos Óvnis nas
adjacências, antes durante ou depois. O que se tem até agora é
apenas a tentativa desesperada, desamparada de bons testemunhos,
de se atrelar os círculos a Objetos Voadores Não Identificados.
397
Índice iconográfico
398
Carlos Reis
65 anos, designer, escritor.
Pesquisador há 45 anos, com forte
postura científica; articulista da revista
Planeta (1981-90) e colaborador de
publicações nacionais e internacionais.
Autor de Reflexões sobre uma
Mitopoética (2011)
e Naus da Ilusão (2016)
Ubirajara Rodrigues
61 anos, advogado, com formação
em psicanálise e professor
universitário.
Pesquisador desde os anos 70.
Autor de
Na Pista dos UFOs – Discos
Voadores no Sul de Minas (2000)
O Caso Varginha (2001).
Colaborador da revista Planeta e de
vários periódicos internacionais.
399