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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

NEUMA KAROLLYNE MEDEIROS PINHEIRO

ALIENAÇÃO PARENTAL: Um estudo acerca das intervenções realizadas na Rede de


Atendimento à Criança e ao Adolescente no município de Natal/RN.

NATAL-RN
2012
NEUMA KAROLLYNE MEDEIROS PINHEIRO

ALIENAÇÃO PARENTAL: Um estudo acerca das intervenções realizadas na Rede de


Atendimento à Criança e ao Adolescente no município de Natal/RN.

Monografia apresentada ao Curso de Serviço


Social da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte como requisito parcial para obtenção do
título de Bacharel em Serviço Social.

Orientadora: Josivânia Estelita Gomes de Sousa.

NATAL-RN
2012
NEUMA KAROLLYNE MEDEIROS PINHEIRO

ALIENAÇÃO PARENTAL: Um estudo acerca das intervenções realizadas na Rede de


Atendimento à Criança e ao Adolescente no município de Natal/RN.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Examinadora, como exigência parcial


para a obtenção de título de Graduação do Curso de Serviço Social da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte.

Aprovado em _____/_____/_____

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________
Profª. Josivânia Estelita Gomes de Sousa
Orientadora – UFRN/DESSO

______________________________________________________________________
Profª. M.ª. Ilka de Lima Souza
Membro – UFRN/DESSO

_______________________________________________________________________
Profª. M.ª Mônica Maria Calixto de Farias Alves
Membro – UFRN/DESSO
AGRADECIMENTOS

Agradecer é o mesmo que reconhecer a importância que algo ou alguém teve em


determinadas circunstâncias, neste caso dedico meus agradecimentos a tudo que exerceu boas
influências e contribuíram para meu amadurecimento pessoal e profissional. O sentimento de
gratidão é uma virtude dos humildes... Humildemente, hoje eu sou grata por todos os
momentos que tive a oportunidade de vivenciar e que acrescentaram algo em minha vida.
Primeiramente, àquele que me amou até mesmo quando eu não mereci, que me
perdoou erros imperdoáveis, que me consolou sempre que eu precisei, que me amparou e não
fez maus julgamentos e que me proporcionou uma família e amigos incrivelmente
maravilhosos, ao senhor meu Deus...
Em segundo lugar eu agradeço àquela que me trouxe ao mundo, minha melhor amiga,
meu amor maior, à gordinha mais linda do mundo, minha mainha.
Agradeço a painho e aos meus irmãos que apesar de, habitualmente, se expressar com
poucas palavras e até mesmo silenciosamente, me faz sentir acolhida, que me dá forças para
que eu persevere nos momentos de dificuldades, meu apoio firme e forte sempre.
À minha família materna, a qual agradeço em nome de Mamãe (Bisavó Hozana
Medeiros – In-Memorian), um exemplo de mulher autêntica, humilde, companheira, caridosa,
de um enorme coração de mãe e de uma alegria invejável, como seu próprio nome sugere,
HOZANA significa ALEGRIA. Agradeço em nome desta grande mulher a toda a família que
ela criou, por me acolher e apoiar em todos os momentos que precisei e me ensinar o valor
que possui uma família unida. E à minha família paterna, essas pessoas que conviveram mais
intensamente comigo durante minha infância e que eu construí um sentimento de apreço
incomensurável, pela simplicidade com que me acolhe e me incentiva até os dias atuais.
A todas aquelas pessoas que eu tive oportunidade de compartilhar os meus momentos
gloriosos e também de dificuldades, meus amores e desamores... Essas fazem parte do que eu
chamo de “meus tesouros”, foram aquelas pessoas que eu conheci no decorrer da vida e
conquistei o sentimento de amizade, carrego a certeza de que perto ou longe elas continuarão
fazendo parte da minha vida, todos os meus verdadeiros amigos e minha adoráveis amigas!
À pessoa que merece todos os créditos na minha formação acadêmica, que superou
comigo todas as dificuldades, que me deu o maior dos incentivos quando pensei que não ia
conseguir e que sempre acreditou no meu potencial, até mais do que eu mesma. À ela, que se
tornou uma amiga, confidente e é uma mulher de admirável postura profissional, um exemplo
a ser seguido, minha orientadora Josivânia. A você, mais do que ninguém, eu devo a
construção da minha formação profissional e, particularmente, do trabalho de conclusão de
curso.
À todos os professores que tive a oportunidade de aprender o que é ser Assistente
Social, que proporcionaram momentos tão ricos de discussões e construção do fazer
profissional e de uma formação de um pensamento crítico sobre a sociedade em que estamos
inseridos. E à todas as minhas apreciáveis Assistentes Sociais, aquelas que me acompanharam
esses quatro anos de faculdade, as meninas da turma de Serviço Social 2008.2.
À todas profissionais que eu tive a oportunidade de conhecer nas instituições – fora da
Universidade – , que contribuíram para meu crescimento enquanto profissional, em nome de
um exemplo a ser seguido, Genilda, meu muito obrigada a todas as demais Assistentes
Sociais.
O destino, as responsabilidades, a correria do dia-a-dia, as prioridades, os diferentes
caminhos escolhidos para serem trilhados acabam preenchendo nossa rotina e, portanto, nos
afastando de pessoas que foram essenciais em alguns momentos passados e que com certeza
de alguma forma exercem boas influências hoje, mesmo que distantes. Enfim, agradeço a
todas as pessoas que indiretamente fizeram parte da minha trajetória de vida acadêmica e
contribuíram para que eu pudesse alcançar e finalizar mais uma importante etapa da minha
vida.

Neuma Karollyne
Aos milhões de órfãos de pais vivos do Brasil.
“A diferença entre as falsas memórias e as verdadeiras
é a mesma das jóias:
são sempre as falsas que parecem ser as mais reais,
as mais brilhantes.”
(Salvador Dali)
RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso aborda um tema recentemente nomeado e


reconhecido pelo judiciário, a Alienação Parental. Dessa forma, partiu-se da violação
cotidiana dos direitos infanto-juvenis na perspectiva de investigar como o fenômeno da
alienação parental vem sendo trabalhada na rede de atendimento à criança e ao adolescente no
município de Natal/RN e, para tanto, o estudo foi realizado através de análises documentais,
revisão bibliográfica e pesquisa de campo, com entrevistas semi-estruturadas voltadas aos
profissionais da área. Assim, a discussão se direciona, inicialmente, para um resgate sócio-
histórico da política de atendimento à criança e ao adolescente no Brasil, descrevendo o
processo de reconhecimento desse público-alvo como sujeitos de direitos, pessoas em
condição peculiar de desenvolvimento e prioridade no atendimento, a partir da
institucionalização do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Posteriormente, a
reflexão se voltou ao debate sobre violência, família e suas configurações hodiernas e o
fenômeno da alienação parental, destacando como os profissionais entrevistados concebem tal
problemática. Desse modo, tendo como pressuposto o fato de que a alienação parental não é
devidamente identificada e enfrentada pelos sujeitos da pesquisa, inseridos em instituições
como o Conselho Tutelar, SOS Criança e Centro de Referências Especializado em Assistência
Social (CREAS), os resultados indicam certo desconhecimento dos profissionais sobre o
termo, apesar de reconhecerem a temática e terem consciência de que é uma situação
recorrente no seu cotidiano de trabalho. No que tange ao Serviço Social, uma profissão que na
contemporaneidade tem como objeto de trabalho as expressões da questão social, e, portanto,
lida com as diversas violações de direito, percebe-se que as intervenções nos casos de
Alienação Parental são válidas e importantes para identificação do fenômeno, bem como, a
elaboração de relatórios sociais que possibilitem contribuir para uma análise mais completa da
situação.

Palavras-Chaves: Criança e Adolescente. Direitos. Alienação Parental. Rede de


Atendimento.
ABSTRACT

The conclusion of this graduation thesis covers a topic recently appointed and recognized by
the Judiciary, the Parental Alienation. Thus, based on the daily violation of the rights of the
children and youth from the perspective of investigating how the phenomenon of parental
alienation has been functionated on the network of care for children and adolescents in the
city of Natal / RN and to this end, the study was accomplished through documentary analysis,
literature review and field research, with semi-structured interviews aimed at professionals.
So the discussion is directed initially to rescue a socio-political history of service to children
and adolescents in Brazil, describing the process of recognition of this target audience as
subjects of rights, people in the peculiar condition of development and priority assistance
from the institutionalization of the Child and Adolescent Statute (ECA). Subsequently, the
reflection turned to the debate on violence, family and its today’s settings and the
phenomenon of parental alienation, highlighting how the respondents perceive this
problematic. Thus, assuming the fact that parental alienation is not properly identified and
addressed by the research subjects, placed in institutions such as the Tutelar Council, SOS
Children and Reference Center Specializing in Social Work (CREAS), the results indicate the
lack of knowledge by the professionals about the term, while acknowledging the issue and are
aware that it is a recurrent situation in their daily work. With regard to Social Service, a
profession that in the contemporary has as an object of work the expressions of the social
question, and therefore deals with the various violations of law, it is clear that interventions in
cases of parental alienation are valid and important to identify the phenomenon as well as the
making of social reporting that enable to contribute to a more complete analysis of the
situation.

Key words: Child and Adolescents. Rights. Parental alienation. Network of care.
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Profissionais................................................................................ 49

Gráfico 2 - Tempo de trabalho na área de Criança e Adolescente................ 49

Gráfico 3 - Grau de Escolaridade................................................................. 50

Gráfico 4 - Vínculo Empregatício.................................................................. 50


LISTA DE SIGLAS

CBCISS – Centro Brasileiro de Cooperação Intercâmbio de Serviços Sociais


CEDUC – Centro Educacional
CIAD - Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Infrator
COMDICA – Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
CONDECA – Conselhos Estaduais da Criança e do Adolescente
CONSEC-RN – Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Rio Grande
do Norte
CREAS – Centro de Referência Especializado em Assistência Social
DCA – Delegacia Especializada da Criança e do Adolescente
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
FEBEM – Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor
FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
FUNDAC - Fundação Estadual da Criança e do Adolescente
GACC – Grupo de Apoio à Criança com Câncer
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome
MNMMR – Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua
ONG – Organização Não Governamental
PNAS – Política Nacional da Assistência Social
PNBEM – Política Nacional do Bem-Estar do Menor
RN – Rio Grande do Norte
SAM – Serviço de Assistência ao Menor
SAP – Síndrome da Alienação Parental
SDG – Sistema de Garantias de Direitos
SEMTAS - Secretaria de Trabalho e Assistência Social
SUS – Sistema Único de Saúde
UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 13
2 CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DA POLÍTICA DE
ATENDIMENTO ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES ................................. 15
2.1 DE “MENORES DELINQUENTES” A “SUJEITOS DE DIREITOS”................. 15
2.2 FUNCIONAMENTO E MAPEAMENTO DA REDE DE ATENDIMENTO Á
CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM NATAL-RN................................................. 23
3 VIOLÊNCIA, FAMÍLIA E ALIENAÇÃO PARENTAL................................... 28
3.1 A VIOLÊNCIA COMO UMA RAMIFICAÇÃO DA QUESTÃO SOCIAL......... 29
3.2 A FAMÍLIA E SUAS RECONFIGURAÇÕES ATUAIS........................................ 32
3.3 ALIENAÇÃO PARENTAL COMO FORMA DE VIOLÊNCIA CONTRA
CRIANÇAS E ADOLESCENTES............................................................................ 37
4 A ALIENAÇÃO PARENTAL E SUAS FORMAS DE ENFRENTAMENTO
NO MUNICÍPIO DE NATAL/RN......................................................................... 46
4.1 O PERFIL DOS PROFISSIONAIS DA REDE DE ATENDIMENTO................. 46
4.2 AS INTERVENÇÕES DO SERVIÇO SOCIAL..................................................... 52
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 60
REFERÊNCIAS....................................................................................................... 63
APÊNDICE A............................................................................................................ 67
APÊNDICE B............................................................................................................ 68
ANEXO A .................................................................................................................. 69
13

INTRODUÇÃO

A Alienação Parental se constitui como um tipo de violência, uma vez que se trata de
um abuso emocional e coloca o desenvolvimento completo da criança e do adolescente em
risco, além de violar os direitos dispostos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
dentre os quais se encontram o direito ao convívio familiar e de exercício parental.
O interesse pela temática surgiu no momento de inserção em campo de estágio no SOS
Criança Natal-RN, onde foi possível perceber um grande número de conflitos nas famílias
causados pela Alienação Parental, isto é, o processo incansável de acusações entre genitores,
pro-genitores e demais parentes próximos em que a criança e o adolescente são utilizados
como “armas” para atingir um de seus familiares.
Nessa perspectiva, este trabalho tem como escopo a sustentação da Alienação Parental
como violência, que deve ser identificada e enfrentada através de instrumentos e mecanismos
efetivos, depreendendo suas conseqüências na vida de crianças e adolescentes.
A limitação de estudos e discussões sobre o referido fenômeno é notável em todos os
âmbitos sociais, e no Serviço Social não é diferente. Assim, destaca-se a relevância acadêmica
do trabalho que se fortalece por ser algo inovador na área.
O profissional de Serviço Social possui uma formação técnica, ética e política,
fundada numa perspectiva crítica e de totalidade que permite compreender as determinações
que subjazem as relações sociais. O Assistente Social também afirma cotidianamente seu
compromisso com a efetivação e ampliação de direitos sociais e, entendendo que a violência é
uma ramificação da “questão social” (objeto de trabalho do Assistente Social), é que se torna
fundamental refletir criticamente sobre a Alienação Parental.
O objetivo geral do trabalho é analisar a forma como os casos de Alienação Parental
são trabalhados nas instituições da rede de atendimento à criança e ao adolescente em Natal-
RN. Seus objetivos específicos são: analisar a atuação das redes de atendimento à criança e ao
adolescente em relação ao tema; investigar se os profissionais que trabalham nas instituições
têm clareza sobre o tema e como trabalham os casos de Alienação Parental; e elucidar
possibilidades de atuação em casos de Alienação Parental no Serviço Social com o intuito de
amenizar os danos causados às crianças e aos adolescentes.
Partindo do pressuposto que a rede de atendimento nessa área não tem dado a
importância que a temática merece e, portanto, não tem trabalhado esses casos como deveria é
14

que foi realizada uma pesquisa em três instituições: Conselho Tutelar Zona Oeste, SOS
Criança e CREAS Leste, localizados no município de Natal-RN.
Dessa forma, o primeiro capítulo do trabalho se caracteriza pela apropriação do
levantamento bibliográfico, onde a coleta de dados teóricos e científicos foram utilizados com
uma perspectiva de construir uma contextualização sócio-histórica da política de atendimento
à criança e a adolescente no Brasil, discorrendo, portanto pelo processo de reconhecimento
desse público como sujeitos de Direitos perpassando os aspectos sociais, políticos, jurídicos e
culturais. Ainda neste capítulo é apresentado um breve mapeamento e funcionamento da rede
de atendimento à criança e ao adolescente no Rio Grande do Norte.
No segundo capítulo, o debate conceitua e discute categorias como: a violência e sua
relação com a questão social; a família e suas configurações modernas; e a Alienação Parental
enfatizando a criança e o adolescente como escudo na briga intra-familiar e traz também
alguns resultados das entrevistas realizadas com profissionais da rede de atendimento á
criança e ao adolescente de Natal/RN.
Com relação às entrevistas, estas se caracterizam por serem semi-estruturada, com
algumas perguntas abertas e outras fechadas, realizadas com o apoio da observação. Ao iniciar
a entrevista foi necessário obedecer alguns procedimentos básicos, os quais permitiram aos
entrevistados se sentirem à vontade durante sua realização, prestando esclarecimentos, foram
eles: inicialmente o entrevistador se apresentou e explicou o objetivo do trabalho,
posteriormente, solicitou a autorização para a gravação, garantindo o anonimato do
entrevistado e o sigilo das respostas. Este momento da pesquisa é riquíssimo na obtenção de
informações, pois foram analisados os perfis dos profissionais e as intervenções realizadas por
eles. Os instrumentos foram o formulário de entrevista (conforme Apêndice A e B) e o
gravador.
Por fim, o último capítulo da pesquisa compreende a análise dos dados coletados nas
entrevistas a partir do aporte teórico-crítico dialético, numa perspectiva marxista, pois permite
conhecer a especificidade histórica e a construção social dos fenômenos que permeiam a
problemática estudada, sem perder de vista a sua processualidade e sua transitoriedade.
Revela a natureza dinâmica da relação entre a aparência e a essência da Alienação Parental e
como ela é trabalhada na rede de atendimento de criança e adolescente no município de Natal-
RN, traçando um perfil dos profissionais inseridos nas instituições em questão. Ainda
Apresenta-se também perspectivas de atuação do serviço social ao que se refere a Alienação
Parental, sua identificação e intervenções realizadas por profissionais entrevistados.
15

2 CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DA POLÍTICA DE ATENDIMENTO


ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Uma análise de conjuntura é imprescindível num momento de transformações sociais,


pois a mesma possibilita referenciar cada mudança de acordo com os fatores que
influenciaram o processo. Portanto, para uma maior compreensão do funcionamento das
políticas sociais da criança e do adolescente no Brasil atualmente é necessário que se faça um
resgate histórico do seu surgimento.
Por muito tempo as crianças e os adolescentes deste país ficaram à mercê da miséria e
até as primeiras décadas do século XX a sociedade civil e as entidades religiosas, em especial
a Igreja Católica, eram os responsáveis pela assistência à essa parte da população. É somente
no final da década de 1920 que o Estado institucionaliza a assistência à infância e juventude,
pois é a partir desse período que a criança e o adolescente passam a ser concebidos como uma
ameaça ao desenvolvimento do país. Deixando de serem vistos como meros objetos e
passando a assumir características peculiares, suas representações sociais se caracterizavam
pela proteção social, controle e disciplina e repressão social. O poder público objetivava
prevenir a delinqüência e a marginalização com práticas repressoras, de isolamento dos
referidos “menores”, internando-os. Várias lutas sociais foram eclodindo no país, e a ausência
de atividades de re-socialização foi sendo discutida, o que levou às inúmeras conquistas
obtidas hoje, tanto em relação aos paradigmas quanto aos aparatos legais oficializados.
Os processos sociais determinaram, diante do contexto histórico, a consolidação de
uma nova representação social da infância e da juventude no percurso de sua construção
sócio-política, e levaram a concepção que se tem atualmente: crianças e adolescentes como
sujeitos de direitos sociais.
Este primeiro capítulo objetiva mostrar como esse processo de construção se deu no
âmbito social, cultural, jurídico e político. E apresenta um sucinto mapeamento e
funcionamento da rede de atendimento à infância e juventude em Natal-RN.

2.1 DE “MENORES DELINQUENTES” A “SUJEITOS DE DIREITOS”

A colonização do Brasil, dentre outros aspectos, contribuiu para a formação de uma


sociedade dependente econômica e politicamente, durante os séculos XVI e XIX, e esse
16

processo que ocorreu sob domínio da coroa portuguesa exerceu grande influência social e
cultural de onde se observa como herança as relações que privilegiam o favor, o clientelismo,
o paternalismo, a privatização do público.
Na área da infância e juventude não foi diferente, pois alguns estigmas sociais
portugueses foram implantados. A família, por exemplo, era considerada uma esfera social, na
qual os filhos se caracterizavam como propriedade privada de seus pais, os quais possuíam
poder absoluto sobre sua prole. E é nessa perspectiva que as crianças e adolescentes eram
considerados “pequenos adultos” como menciona Bidarra e Oliveira (2007). De acordo com
essas autoras, foi a partir do século XVIII que as crianças e os adolescentes recebem valor de
ser humano, pois até então os mesmos eram pertences absolutos dos pais. O status de
“pessoas” favoreceu para que obtivesse os direitos naturais inalienáveis, imprescritíveis e
universais inerentes a todo ser humano 1.
No século XIX, o Brasil sofreu transformações sociais, culturais, políticas e
econômicas, merecendo destaque a Abolição da Escravatura (1888) e a Proclamação da
República (1889). Esses acontecimentos trouxeram em seu âmago, dentre outros aspectos, um
significante crescimento dos centros urbanos, os quais receberam um maior investimento que
contrastou com um atraso do universo rural. Com sua arquitetura estereotipada aos moldes
europeus o contraste se destacava nas esquinas, becos e ruelas estreitas, os trabalhadores
pobres, vagabundos, mendigos, prostitutas e os chamados “pivetes”, enquanto nos centros
urbanos circulavam a riqueza. Milhões de crianças encontravam-se nas ruas, relegadas a sua
própria sorte, submetidas ao trabalho precoce e sem mínimas perspectivas de crescimento.
Acerca disto Rizzini (1993) destaca o discurso do Senador Lopes Trovão:

(...)Pois bem, senhores... quem com olhos observadores percórre a capital da


Republica vê apezarado que é nesse meio peçonhento para o corpo e para a
alma (a rua), que bôa parte da nossa infancia vive ás soltas, em liberdade
incondicional, ao abandono, imbuindo-se de todos os desrespeitos,
saturando-se de todos os vicios, aparelhando-se para todos os crimes...
(TROVÃO, 1896 apud RIZZINI, 1993, p. 75)

1
Fazendo alusão a esse processo de mudanças de estigmas que se constituiu como marco inicial para as
conquistas alcançadas futuramente no âmbito dos direitos sociais nesta área, as autoras ainda destacam que
“Sobre a ‘pessoa’ não pode haver o direito de propriedade e posse, a não ser nos casos específicos da escravidão
em que a própria condição humana é negada, na medida em que o ser é colocado na condição de objeto de
satisfação dos interesses e desejos de outrem”. (BIDARRA e OLIVEIRA, 2007, p. 156)
17

A “desordem” que a infância e juventude se constituíram na cidade passou a ser uma


preocupação e uma ameaça ao desenvolvimento do país, repercutindo publicamente através
de reações de violência e criminalidade. O descaso se relacionava com o abandono do Estado,
pois, até então desde a colonização, a Igreja Católica era a única instituição responsável pela
assistência aos pobres, doentes, idosos, crianças e quem dela precisasse. Nas circunstâncias
em que se encontrava o Brasil, chegou o momento crucial que Rizzini (1993) chama de
“salvar a criança era salvar o país”, e é nessa perspectiva que em 1900 surgiram as primeiras
iniciativas de política social no Brasil.
Foi inicio do século XX que as primeiras providências começaram a serem tomadas, no
âmbito jurídico e a primeira legislação foi instituída em 12 de outubro de 1927, com o decreto
17.943-A, constituído pelo primeiro Juiz de Menores da América Latina, José Cândido de
Albuquerque Mello Mattos. Tal direito tinha como objetivo proteger as crianças e os
adolescentes. Ao se referir a essa primeira conquista na legislação no âmbito da infância e
juventude no Brasil, Gohn, 1997 apud Sousa, 2009 b, destaca:

O novo código disciplinava sobre o trabalho das crianças, principais vítimas


da exploração selvagem das indústrias de um Estado até então sem
legislação trabalhista, a exemplo da Inglaterra no século XVIII e XIX. O
Código de 1927 definia também o ‘menor perigoso’ decorrente da situação
de pobreza (...), transforma a categoria menor, tida antes como termo
jurídico para se referir a uma data faixa etária, em uma categoria exclusiva
da infância pobre. E não se trata de diferença apenas terminológica, pois a
criança tida ‘normal’ (leia-se não pobre) passa a ser objeto de atenção na
Vara da Família, quando da solução de algum conflito, e a criança pobre
passa a ser objeto de atenção do Juizado de Menores. (GOHN, 1997, p. 115
apud SOUSA, 2009 b, p. 5)

O documento possuía um caráter repressivo, corretivo e punitivo, e pode-se perceber


essas características no capítulo VI do Código de Menores de 1927, intitulado ‘das medidas
aplicáveis aos menores abandonados’:

Art. 61º. Se menores de idade inferior a 18 anos forem achados vadiando ou


mendigando, serão apreendidos e apresentados à autoridade judicial, a qual
poderá:
I. Se a vadiagem ou mendicidade não for habitual:
a) Repreende-los e os entregar às pessoas que os tenham sob sua guarda,
intimando estas a velar melhor por eles;
b) Confiá-los até a idade de 18 anos a uma pessoa idônea, uma
instituição de caridade ou de ensino público ou privado.
II. Se a vadiagem ou mendicidade for habitual: interná-los até a
maioridade em escola de preservação.
Parágrafo único: Entende-se como menor vadio ou mendigo, aquele
apreendido em estado de vadiagem ou mendicidade mais de duas vezes.
(BRASIL, 1927)
18

Ao analisar o teor do conteúdo da legislação é perceptível em seu âmago uma essência


conservadora, que está explícita desde seu título quando de forma pejorativa a categoria é
chamada de “menores”, até os demais adjetivos utilizados durante o artigo, como “vadio” e
“mendigo”.
Após 1930, o governo brasileiro se reformulou, com a saída das Oligarquias Rurais do
poder, momento em que Getúlio Vargas assume a presidência da República. Nesse contexto,
durante o Governo Vargas, a problemática referente à infância e à juventude passa a ser
considerada como parte integrante do projeto de reformulação do papel do Estado. Com o
objetivo de fomentar a assistência aos menores abandonados, utilizando-se de uma
perspectiva de correção, foi criado em 1942, o Serviço de Assistência ao Menor (SAM). Para
melhor compreender o caráter do SAM, Costa (1990), menciona:

A orientação do SAM é, antes de tudo, correcional-repressiva. Seu sistema


de atendimento baseava-se em internatos (reformatórios e casas de correção)
para adolescentes autores de infração penal e de patronatos agrícolas e
escolas de aprendizagem de ofícios urbanos para os menores carentes e
abandonados. Até 1945, o órgão responde bem às finalidades para as quais
foi criado e estabelecimentos similares aos da Capital da República são
criados em vários Estados. (COSTA, 1990, p. 14 apud SOUSA, 2009 b, p. 7)

Essa entidade se extingue em virtude da falta de recursos e das constantes denúncias


de maus-tratos, em 1964, período em que o Brasil vivenciava a ditadura militar. Em seu lugar
foi criada a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), órgão que
normatizava as unidades de internação dos menores, Fundações Estaduais do Bem-Estar do
Menor (FEBEMs), administradas pela Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania, que fazia
parte da implementação da Política Nacional de Bem-Estar do Menor (PNBEM). Segundo
Pinheiro (2001) o trabalho realizado por essas entidades se caracterizava pela repressão com
ausência de atividades educativas e re-socializantes, como propunha as instituições.
(PINHEIRO, 2001, p. 54)
No período pós ditadura militar – década de 1970 – o Brasil vivenciou um momento
de efervescência política com forte influência dos movimentos sociais e o estabelecimento da
democracia brasileira. Esse período histórico favoreceu a luta por direitos e as reivindicações
voltadas para a consecução, pelo poder público, de ações voltadas para a melhoria de vida da
população. Um novo tecido social surgiu no âmbito da representação social da infância e
juventude brasileira, uma concepção mais madura, calcada na crítica ao conceito de menor e
em favor da concepção universal e integral da crianças e adolescentes, enquanto sujeitos de
19

direitos. (PINHEIRO, 2001). Nessa perspectiva, no final da década foi elaborado o Código de
Menores de 1979, promulgado em 10 de outubro de 1979 pela Lei nº 6.697. Essa Legislação
introduziu o conceito de “menor em situação irregular”, entendendo essa categoria pelas
seguintes definições:

Art 2º Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o


menor:
I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução
obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de:
a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;
b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;
II - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou
responsável;
III - em perigo moral, devido a:
a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes;
b) exploração em atividade contrária aos bons costumes;
IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos
pais ou responsável;
V - Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou
comunitária;
VI - autor de infração penal.
Parágrafo único. Entende-se por responsável aquele que, não sendo pai ou
mãe, exerce, a qualquer título, vigilância, direção ou educação de menor, ou
voluntariamente o traz em seu poder ou companhia, independentemente de
ato judicial. (BRASIL, 1979)

De acordo com Silva (2005) o Código já nasceu defasado porque conservava, em sua
essência, a filosofia menorista do Código anterior, não correspondendo aos interesses da
sociedade e nem das crianças e adolescentes, pois se fundamentava nas diretrizes da Política
Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM). Além disso, o novo Código apresentava duas
importantes críticas: os “menores” eram punidos por estarem em “situação irregular”, e,
portanto culpabilizados por uma responsabilidade da qual não detinham, pois eram fruto das
condições de pobreza em que viviam e pela falta de políticas públicas; e a segunda crítica se
refere à privação de liberdade sem direito a defesa desses “menores” por suspeita de ato
infracional. (SILVA, 2005, p. 33 apud BIDARRA e OLIVEIRA, 2007, p. 161)
É nesse contexto de transformação que a sociedade brasileira adentra a década de
1980, marcada por ser decisiva para a formação de uma nova postura política, social e
econômica no país. Mais uma vez a rua tinha se tornado o “lar” daquelas crianças e
adolescentes, construindo um cenário de realidade difícil: elevadas taxas de mortalidade
infantil, por fome ou doenças previsíveis ao extermínio desse público-alvo; prostituição
infanto-juvenil aos altos índices de analfabetismo; violência doméstica e institucional à
exploração; e à inserção precoce de crianças e adolescentes no mercado de trabalho. Naquele
20

momento era imprescindível que se fizesse uma análise de conjuntura, entendendo os


determinantes daquela situação, os condicionantes sociais que contribuíram para que os
meninos e meninas moradores de rua deixassem de ser estigmatizados de “menores” e
passassem a ser tratados como “cidadãos”. Nessa perspectiva, em 1985 foi criado o
Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), cujas concepções que
nortearam suas práticas estão explícitas na seguinte frase: “considerar a criança e o
adolescente como sujeitos da história; desenvolver o trabalho educativo no contexto social em
que eles estão inseridos” (PINHEIRO, 2001, p. 57). Ainda referindo-se a prática do MNMMR
Santos (1996) menciona:

“... considero como uma alternativa às práticas de atendimento à infância


pobre no Brasil, reconhecendo nas novas experiências a concepção das
crianças como sujeitos da história e os princípios da educação integral.
Dessa forma, criança e adolescentes passam da condição de objeto de
intervenção à de sujeito. Em outras palavras, essas novas experiências, ao
invés de adotarem o enfoque da caridade e da filantropia, permitem que o
trato da criança e do adolescente possa ser encarado como uma ação política
e pedagógica.” (SANTOS, 1996, p. 188 apud PINHEIRO, 2001, p. 57)

Desse modo, várias lutas sociais foram eclodindo no país e as décadas de 1970 e 1980
se caracterizam pelas conseqüências da chamada Globalização2. Esse fato exerceu algumas
influências nacionalmente, a sociedade brasileira na década de 1980 passa por um clima de
efervescência com o processo de transição político-democrática, merecendo destaque o
exercício de democracia, cidadania e regulamentação do estado de direito. O surgimento e a
consolidação de práticas que consolidaram a assistência à infância e juventude do Brasil, que
se concretizou no espaço da sociedade civil e o processo de articulação das entidades
governamentais, culminaram no processo de elaboração da Constituição Federal de 1988 3 e
dois dos seus artigos foram destinados à criança e ao adolescente 227 e 228:

Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e


ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à

2
Após a II Guerra Mundial, iniciou-se o mais longo período de crescimento contínuo do capitalismo, abalado
apenas pela crise do petróleo. Uma das principais causas desse crescimento foi a expansão de um grupo bem
definido de grandes empresas, das quais cerca de 500 atingem dimensões gigantescas, são as
denominadas multinacionais. A Globalização surge neste contexto e consiste na expansão mundial de
informação, e que a internet é seu principal precursor.
3
A Constituição Federal de 1988 é Lei maior, que organiza o Estado, estabelece a forma de governo e fixa os
direitos e garantias individuais. Nenhuma outra norma pode estar em desacordo com esta. As Constituições
estaduais completam a organização local e têm predominância sobre as leis estaduais. Sua aprovação e
promulgação é resultado de várias lutas sociais de um Estado democrático de poder.
21

alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à


dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da
criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não
governamentais e obedecendo aos seguintes preceitos:
I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na
assistência materno-infantil;
II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os
portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de
integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o
treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos
bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos
arquitetônicos.
§ 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos
edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a
fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.
§ 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o
disposto no art. 7º, XXXIII;
II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;
III - garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola;
IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato
infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional
habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;
V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à
condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de
qualquer medida privativa da liberdade;
VI - estímulo do poder público, através de assistência jurídica, incentivos
fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda,
de criança ou adolescente órfão ou abandonado;
VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao
adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins.
§ 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da
criança e do adolescente.
§ 5º A adoção será assistida pelo poder público, na forma da lei, que
estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão
os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação.
§ 7º No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se-á em
consideração o disposto no art. 204.
Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos
às normas da legislação especial. (BRASIL, 1988)

Essa Constituição consolidou e legitimou a representação da criança e do adolescente


enquanto sujeitos de direitos, evidenciando-se, portanto, o caráter democrático nos
documentos oficiais brasileiros. Nesse sentido, o MNMMR identificou a necessidade de se
criar uma legislação específica para a infância e juventude do Brasil, e para tanto,
impulsionou discussões e mobilizações, as quais culminaram com a falência do Código de
22

Menores e a promulgação de uma nova Legislação, o Estatuto da Criança e do Adolescente


(ECA), Lei Nº 8.069, de 13 de Julho de 1990. Foi a partir desse momento que o paradigma
“menores em situação de rua” foi substituído por “indivíduos em condição peculiar de
desenvolvimento”. Surgiu então, a “doutrina da proteção integral” e a respeito dessa conquista
Silva (2005) afirma:

“Assim, o ECA nasceu em resposta ao esgotamento histórico-jurídico e


social do Código de Menores de 1979. Nesse sentido, o Estatuto é processo e
resultado porque é uma construção histórica de lutas sociais dos movimentos
pela infância, dos setores progressistas da sociedade política e civil
brasileira, da ‘falência mundial’ do direito e da justiça menorista, mas
também é expressão das relações globais internacionais que se
reconfiguravam frente ao novo padrão de gestão de acumulação flexível do
capital. É nos marcos do neoliberalismo que o direito infanto-juvenil deixa
de ser considerado um direito ‘menor’, ‘pequeno’, de criança para se tornar
um direito ‘maior’, equiparado ao do adulto.” (SILVA, 2005, p. 36)

A nova legislação rompe com o conservadorismo contido nos Códigos de Menores e


inova seu conteúdo, método e gestão. Com relação ao primeiro, tem-se a implementação da
defesa jurídico-social, assistência médica e psicossocial e às crianças e adolescentes
vitimizados e a reorganização hierárquica das políticas públicas em circunstâncias
especialmente difíceis. No campo dos métodos e processos, observa-se que o trabalho sócio-
educativo abandona as práticas assistencialistas e correcional-repressivas e assume uma
proposta de abordagem sócio-educativa e emancipadora, calcada na noção de cidadania.
(COSTA, 1990 p. 33-34 apud SOUSA, 2009 b, p. 12) No que diz respeito à gestão, o ECA
impulsionou a criação de entidades representativas dos direitos de crianças e adolescentes em
todos os níveis, os conselhos municipais, estaduais e nacional, como está disposto do artigo nº
88:
Art. 88. São diretrizes da política de atendimento:
I - municipalização do atendimento;
II - criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da
criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em
todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de
organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais;
III - criação e manutenção de programas específicos, observada a
descentralização político-administrativa;
IV - manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos
respectivos conselhos dos direitos da criança e do adolescente; (BRASIL,
2010)

É nessa perspectiva que se reforça a idéia de que crianças e adolescentes necessitam


que lhe sejam dadas condições que favoreçam o seu desenvolvimento de maneira saudável,
23

condições estas que precisam ser garantidas pela família, sociedade civil e Estado, não nesta
respectiva ordem, mas concomitantemente. È imprescindível, portanto, a garantia de
condições de vida digna para o que se chama de “futuro da nação”.
É importante reconhecer o papel que o Estatuto da Criança e do Adolescente exerce na
sociedade brasileira, contudo, também se faz necessário um olhar crítico a respeito da
implementação das políticas que nele estão asseguradas. A violação de direitos persiste em
vários âmbitos da vida dessas crianças e desses adolescentes.
O que de fato ocorre hoje é que os direitos preconizados no ECA estão ameaçados,
precarizados, reduzidos, e suas condições reais de serem efetivados sofrem ameaça pelo
neoliberalismo, pois este que foi o impulsionador para sua promulgação4 é o mesmo que
impõem limites para sua implementação. Assim, a indispensável ampliação das políticas
públicas, como instrumento de efetivação do ECA tem ficado bastante restrita. O Estado tem
subsidiado políticas públicas fragmentadas e incentivado a intervenção da filantropia, nas
atuais Organizações Não-Governamentais (ONG’s).

2.2 FUNCIONAMENTO E MAPEAMENTO DA REDE DE ATENDIMENTO Á


CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM NATAL-RN

O início de uma análise de funcionamento de políticas sociais está na forma como se


encontram organizadas. De acordo com a teoria de Antônio Gramsci há uma estrutura
composta por Sociedade Civil e Sociedade Política, onde a primeira “é o espaço onde se
organizam os interesses em confronto, em que se tornam conscientes os conflitos e as
contradições”, compreendendo, portanto, “o conjunto de relações sociais que engloba a vida
cotidiana, a vida em sociedade, o emaranhado das instituições, ideologias, projetos e
interesses de classes distintos e, espaço de disputa pela hegemonia.”. Já a sociedade política
(O Estado em sentido restrito) “representa a classe dominante que exerce a violência através
da dominação coercitiva.” (GRAMSCI, 1977, p.1518 apud SIMIONATTO, 2011, p. 70-71).
Nesse sentido, essa sociedade política em conjunto com a sociedade civil forma o que o autor
chama de Estado Ampliado, que permite uma esfera estatal menos coercitiva e mais
consensual.

4
A promulgação do ECA foi promovida no Governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992), que assinou a
Lei por pressões exercida internacionalmente e nacionalmente. Ele obedeceu às reivindicações, pois seu governo
estava desacreditado. Assim, o ECA foi institucionalizado no movimento dialético entre a conjuntura nacional e
a internacional que caminhava em direção ao neoliberalismo.
24

Assim, a relação entre o Estado e a Sociedade Civil legitima a participação política


caracterizada por um processo como a gestação contínua do jogo político de interesses, em
que os segmentos majoritários, gradativamente, fazem-se ouvir e modificam-se, compondo o
que se chama de Estado democrático. Segundo Freitas e Papa (2003) o Estado reproduz as
relações de dominação presentes na sociedade, inclusive as contradições e os conflitos
derivados das desigualdades sociais. Nesse sentido, “a política é a atividade pela qual a
sociedade flexiona e questiona a validez de suas instituições com as suas normas e
comportamentos”. (FREITAS e PAPA, 2003, p. 14)
Dentro desse contexto, as políticas públicas surgem para solucionar uma determinada
situação que requeira intervenção estatal, porém o que se observa no Brasil é que essa política
possui algumas singularidades derivadas da sua formação histórica, na qual perpassam as
relações que privilegiam o clientelismo, implicado na formação de programas oficiais
caracterizados pela fragmentação, centralização dos recursos, baixa capacidade redistributiva,
privatização do público. Nessa perspectiva, na década de 1970 surgem as Organizações Não-
Governamentais (ONG’s), articulada com os movimentos sociais, e enquanto que estes
objetivavam dar respostas às necessidades específicas como defender os direitos da criança e
do adolescente, elas surgiram para contribuir com a organização interna dos movimentos
sociais, articular e transferir recursos para atender a demanda social. Tem sua ação
consolidada em 1988, com a descentralização das políticas públicas e se intensifica na década
de 1990, quando há uma redefinição no papel do Estado e dos atores sociais, prevalecendo o
econômico e favorecendo uma parcela mínima da sociedade.
Com a institucionalização do ECA, houve uma articulação entre vários órgãos da
iniciativa pública e privada e a intersetorialidade das políticas, como está disposto no seu
artigo 87, que impõe o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente. Essa
sistematização é composta por três eixos: Promoção de Direitos, Defesa e Controle Social, os
quais devem ser colocados em prática por meio de uma política de atendimento resultante de
um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais da União, dos
Estados, do Distrito Federal. No artigo 88 do ECA há uma série de diretrizes de natureza
político-administrativa para a construção desse Sistema de Garantia de Direitos, orientando as
ações a serem adotadas pela administração pública e pela sociedade civil organizada.
A Constituição de 1988, em seu artigo 30 preconiza a responsabilidade dos
municípios, pela organização e manutenção dos serviços básicos nas áreas de educação,
saúde, assistência social, criança e adolescente e por decorrência, a maioria inclui em suas leis
25

orgânicas, dispositivos de proteção à infância e à juventude, traduzindo para suas realidades


especificas, o mandato constitucional, ainda que, nem sempre definindo com maturidade a sua
competência. (NASCIMENTO, 2007, p. 38 – 39)
A responsabilidade pela promoção dos direitos infanto-juvenil entre a família, a
sociedade e o Estado é equânime, e para possibilitar essa integração foram criados
instrumentos de controle social da população. Trata-se dos conselhos de políticas públicas
(Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares), Delegacias Especializadas, Defensorias
Públicas, as Varas e Promotorias Especializadas da Infância e Juventude, os centros de Defesa
da Criança e do Adolescente (DCA).
Impulsionado pelo Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua no Rio Grande
do Norte surgiram iniciativas de formação da política de atendimento às crianças e
adolescentes na perspectiva de legitimar o ECA, nos artigos 87 e 88 (já citado anteriormente)
desta legislação:

Art. 87 São linhas de ação da política de atendimento :


I - políticas sociais básicas ;
II - políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para
aqueles
que deles necessitem;
III - serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às
vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e
opressão;
IV - serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e
adolescentes desaparecidos;
V - proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e
do adolescente.
VI - políticas e programas destinados a prevenir ou abreviar o período de
afastamento do convívio familiar e a garantir o efetivo exercício do direito à
convivência familiar de crianças e adolescentes;
VII - campanhas de estímulo ao acolhimento sob forma de guarda de
crianças e adolescentes afastados do convívio familiar e à adoção,
especificamente interracial, de crianças maiores ou de adolescentes, com
necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de
irmãos. (BRASIL, 2010)

Em 11 de Fevereiro de 1992 através da Lei Nº 6262, foi criado o Conselho Estadual


dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONSEC-RN), e seu objetivo é melhorar o
atendimento a esse público-alvo, visto que os conselhos de políticas públicas do Estado
estavam defasados nessa área de atuação. Nessa perspectiva a Lei Nº 8.137 de 04 de Julho de
2002 altera os dispositivos da anteriormente mencionada, garantindo a participação partidária
entre governo e usuários, onde suas deliberações são tomadas através de votação. Portanto, os
representantes do Governo tendem a se unir e a votar a favor das medidas que favoreçam e
26

que nem sempre coincidem com as necessidades da população. Ao realizar uma visita ao
CONSEC-RN em Abril de 2012, em conversas informais com um dos profissionais foi
possível constatar que não há nenhum trabalho sendo desenvolvido no que tange a Alienação
Parental, as capacitações, as campanhas e as discussões de competência desse órgão não tem
colocado na sua agenda essa temática.
O RN é composto por 167 municípios, em todos eles já tem implantado os Conselhos
Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente. De acordo com uma pesquisa realizada
em 2004, verificou-se que apenas 29% dos conselhos possuíam plano de ação, destes apenas
38% tinham feito monitoramento e avaliação. Esses fatos reforçam uma cultura histórica no
Brasil de não realizar avaliação da efetividade das políticas públicas
A Capital do RN, cidade de Natal, foi criada pela Lei Complementar Estadual 152 de
16.01.1997, fazendo parte do que se chama de Região Metropolitana de Natal as cidades de
Natal, Ceará-Mirim, Extremoz, Macaíba, Nísia Floresta, Parnamirim, São Gonçalo do
Amarante, São José do Mipibú, Monte Alegre e Vera Cruz. A capital potiguar é a capital com
melhor qualidade de vida do Norte-Nordeste, é a vigésima cidade mais populosa do país,
detendo em 2010 uma população de 810.780 habitantes, além de ser a sede da quarta maior
Região Metropolitana do Nordeste brasileiro, 15ª maior do país e 369ª maior do mundo. É na
cidade de Natal que se concentra grande parte das instituições de atendimento infanto-juvenil,
compreendida pelas Organizações Não-Governamentais, como: Grupo de Apoio à Criança
com Câncer (GACC), Casa Durval Paiva, Casa Renascer; Organizações Governamentais:
Fundação da Criança e do Adolescente (FUNDAC), a qual é composta pelo SOS Criança,
Centros Educacionais (CEDUC’s) e Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente
Infrator (CIAD); Delegacia Especializada da Criança e do Adolescente (DCA); Casa de
Passagem I, Casa de Passagem II, Casa de Passagem III e Casa de Passagem IV; I Vara de
Infância e Juventude, II Vara de Infância e Juventude. Centro de Referência Especializado em
Assistência Social (CREAS), nas quatro zonas da cidade, Leste, Oeste, Norte e Sul e
Conselhos Tutelares; Ministério Público.
Os órgãos e instrumentos de efetivação dos direitos sociais se constituíram por um
processo democrático, porém a política neoliberal tem favorecido para que haja uma regressão
das conquistas alcançadas. Neste momento é importante questionar o que de fato estão
chamando de “democracia”, uma forma de governo onde a população tem direito de participar
das decisões? As pessoas que estão no poder, teoricamente representando a vontade da
população, na verdade estão atendendo seus próprios interesses, favorecendo a lógica
27

Capitalista, e conseqüentemente, aprofundando as desigualdades sociais, contexto em que se


insere a população infanto-juvenil.
De fato, as crianças e os adolescentes precisam ser tratados como pessoas que possuem
uma característica que se diferencia dos adultos, seu estado iminente de desenvolvimento
físico e mental. Portanto, a categoria infanto-juvenil precisa de proteção e não de manipulação
e punição, porque apesar de ainda não possuírem condições de auto-independência eles
constroem um espaço de amadurecimento e desenvolvimento social correspondente às
condições de vida que lhe é proporcionada. O que se tem hoje é a desresponsabilização do
Estado de maneira um tanto disfarçada, pois assume as responsabilidades mínimas, não se
esvaindo totalmente e sutilmente provocando a participação da sociedade civil, que contribui
para que as mazelas da questão social sejam amenizadas.
28

3 VIOLÊNCIA, FAMÍLIA E ALIENAÇÃO PARENTAL

Há algumas décadas a violência tem feito parte dos espaços de discussões no mundo
inteiro, vem se intensificando e aprofundando cada vez mais as pesquisas a respeito desse
assunto. Foram constatados vários tipos de violência e de uma forma mais geral, ela se
classifica em violência física, aquela que deixa marcas visíveis no corpo da vítima e violência
psicológica, caracterizada por ser mais silenciosa, pois suas seqüelas não são visivelmente
encontradas no corpo das vítimas, uma vez que ela atinge o seu estado psíquico.
Ao discutir a violência é imprescindível que se faça uma análise da sua inserção nas
relações sociais, as quais produzem e reproduzem as mazelas sociais conhecidas como
expressões da “questão social”. Esta que é fruto da sociedade madura e ao longo do
desenvolvimento do Capitalismo vem recebendo novas configurações, caracterizando o que se
considera “novas roupagens da questão social”.
Essas novas transformações na sociedade se relacionam com fatores sociais, culturais,
econômicos e políticos, impulsionando uma modernização em todos esses âmbitos. Nesse
sentido, merece destaque, principalmente, as mudanças ocorridas no papel que as mulheres
vêm conquistando, cada vez mais participando da política e crescendo no mercado de
trabalho, enquanto que os homens ocupam um importante espaço no lar e na criação dos
filhos. Essas novas representações de gênero têm implicado o crescimento no número de
divórcios e o surgimento de famílias monoparentais, dentre outras implicações. Aqui merece
destaque a Alienação Parental, um fenômeno que não é novo, mas vem sendo denominado
recentemente, compreendido como um tipo de violência psicológica praticada contra crianças
e adolescentes. O entendimento da responsabilidade da família, comunidade, sociedade civil e
Estado, de proteção à integridade física e psicológica infanto-juvenil, é crucial para desvelar
as características e aspectos da Alienação Parental.
Destarte, é perceptível o nível mais profundo de interferência do sistema político-
econômico e social-histórico de produção capitalista, onde este alcança o subjetivo e as
relações sociais, aprimorando a individualidade e a desumanização da relação intrafamiliar
diante da questão econômica, sem levar em consideração o que a prática de furtar o convívio
do outro pode acarretar, visto que, o afeto é uma condição também objetiva de sobrevivência.
29

Assim, o presente capítulo apresentará a discussão acerca da alienação parental como


uma forma de violência na sociedade moderna, enfatizando a família e suas configurações
atuais. Traz uma parte dos resultados da pesquisa de campo realizada em três instituições no
município de Natal/RN: Conselho Tutelar Zona Oeste, SOS Criança e CREAS Leste. Onde
foram entrevistados 12 profissionais e coletados dados de instrumentos da rede de
atendimento sobre a temática em foco.

3.1 A VIOLÊNCIA COMO UMA RAMIFICAÇÃO DA QUESTÃO SOCIAL

A partir do século XIX, a população mundial assistiu à um fenômeno de intensificação


do desenvolvimento industrial, em que houve um imenso avanço tecnológico e uma
consequente urbanização. Esses fatos ocasionaram o surgimento de classes sociais bem
definidas: as detentoras dos meios de produção e as detentoras da força de trabalho (classe
burguesa e proletariado, respectivamente). Houve, portanto, um crescimento considerável da
pobreza. Nesse contexto de transformações sociais no modo de produção e reprodução das
relações sociais, a desigualdade social, a miséria, a disseminação de muitas doenças
ocasionadas pelas exaustivas jornadas de trabalho se destacaram, passando a configurar o que
denominou-se questão social.
Segundo Iamamoto (2008) “questão social é o conjunto das expressões das
desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é
cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação
dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade”.
(IAMAMOTO, 2008 p. 27). Tendo em vista que a questão social se refere às mazelas sociais
decorrentes da desigual distribuição de renda, ela é legitimada e determinada pela relação
capital/trabalho, o que caracteriza a exploração.
De acordo com Pastorini (2004) “as manifestações concretas e imediatas da ‘questão
social’ têm como contraface a lei geral da acumulação capitalista desenvolvida por Marx em
O Capital”. Esse fato reforça a ideia de que as principais manifestações da questão social –
como a pauperização, a exclusão, a violência, a criminalidade – são frutos das contradições
inerentes ao sistema econômico vigente, o Capitalismo, pois ela é constitutiva do
desenvolvimento deste sistema, que traz em seu âmago as características históricas da
formação econômica e política de cada país e/ou região. (PASTORINI, 2004, p. 97)
30

Assim, verifica-se que o desenvolvimento histórico social é um processo marcado pela


contradição, ele não se procede de forma linear numa progressão coerente com tal
desenvolvimento. A dinâmica que permeia a realidade social permite causar mudanças
impulsionadas pelo Capitalismo “globalizado”, “trans-nacional” e “pós-fordista”,
configurando o que passaram a considerar uma “nova pobreza”, se confundindo, portanto,
com uma “nova questão social”. Conforme Pastorini, na verdade, o que há de fato é o
surgimento de novos elementos e novos indicadores sociais. Trata-se de novas expressões da
mesma “questão social” que está vinculada ao processo de reprodução capitalista e aos
estágios do seu desenvolvimento. (PASTORINI, 2004, p. 102) Dialogando com Pastorini
(2004), Yazbek (2001) afirma que a questão se reformula e se redefine, mas permanece
substancialmente a mesma por se tratar de uma questão estrutural, que não se resolve numa
formação econômica social por natureza excludente, na contraditória conjuntura atual assume
novas configurações e expressões. (YAZBEK, 2001, p. 33 apud PASTORINI, 2004, p. 102.)
Para que se torne possível o surgimento de uma “nova questão social” é necessário que a
considerada “antiga questão social” tivesse sido superada e para isso deveria ter sido
modificado os fundamentos da sociedade burguesa, bem como o Modo de Produção
Capitalista.
É a partir desse contexto de exploração da massa trabalhadora que os detentores da
força de trabalho começam a se organizar e reivindicar melhoria nas condições de trabalho, e
é nesta perspectiva que as políticas sociais surgem. No Brasil, há uma ineficiência e até
ausência de políticas sociais que garantam proteção e socialização dos seus cidadãos, e
durante séculos esse fato vem agravando a situação de muitas famílias empobrecidas,
construindo representações e práticas de exclusão de seus membros, principalmente as
crianças que precisam de proteção por estar no primeiro estágio de sua formação.
(NASCIMENTO, 2007, p. 30)
Segundo Nascimento (2007), o Estado aparece de forma fragmentada, por meio de
iniciativas que não desenvolvem de fato serviços qualitativos e quantitativos para atender às
questões sociais. (NASCIMENTO, 2007, p. 30). A exemplo disso merece destaque o Sistema
Único de Saúde (SUS), as políticas de atendimento às crianças e adolescentes, a segurança e a
educação públicas, e diversos outros serviços que se encontram fragilizados e que repercutem
cotidianamente nas condições de vida da massa trabalhadora brasileira.
Dentre as problemáticas que permeiam o cotidiano das famílias atuais, conhecidas
como expressões da questão social, a violência é uma das mais gritantes, que se constitui
31

como uma temática de suma importância no debate contemporâneo. Segundo Passetti (2002),
a violência é tida como uma característica inerente à espécie humana, um tema com diversas
possibilidades de abordagens, uma marca cada vez mais perigosa, alardeada entre as práticas
sociais, porém o que se apresenta de fato é que a bondade é da natureza do homem e as
condições sociais é que os fazem perversos, violentos e mesquinhos.
Nesse sentido, entende-se por violência as ações de pessoas, grupos, classes ou nações
que afetem prejudicialmente a sua ou de outrem a integridade física, moral, mental ou
espiritual. É importante entender que a violência não é somente aquela cujas conseqüências
são identificadas na superficialidade, ela atinge o subjetivo e possui vários caminhos para se
concretizar. Como afirma Michel Wieviorka (2006), o mundo se transformou de forma
significativa, portanto, não há como se referir à violência como se fazia anos atrás, pois, a
violência também mudou assim como suas representações. O próprio entendimento de sua
concepção se alterou, esta passa a ser percebida para além das condições objetivas, cujo
alcance atinge o subjetivo – tão necessário para o desenvolvimento humano e a construção de
sua identidade.
Conforme Chaui (1985) é possível fazer uma associação da violência com um
elemento fundamental para sua concretização, o poder. O fato é que os seres humanos sofrem
um processo de “coisificação”, isto é, a violência é a “conversão de uma diferença e de uma
assimetria numa relação hierárquica de desigualdade com fins de dominação, de exploração,
de opressão (...)” (CHAUÍ, 1985, p. 37 apud PAVEZ e OLIVEIRA, 2002, p. 85). Ao
aprofundar a discussão entre força e poder, Chaui afirma:

“a violência deseja a sujeição consentida ou a supressão mediatizada pela


vontade do outro que consente em ser suprimido na sua diferença [...] a
violência perfeita é aquela que resulta em alienação, identificação da vontade
e da ação de alguém com a vontade e a ação contrária que a domina”
(CHAUÍ, 1985, p. 37 apud PAVEZ e OLIVEIRA, 2002, p. 85)

É nesta relação de “exploração”, em que a força e o poder se estabelecem nas relações


sociais que a violência vem ganhando espaço no debate contemporâneo, e considerando o
contexto e os novos determinantes sociais, ela se caracteriza como ramificação dessas “novas
roupagens da questão social”. É preciso, portanto, a incessante busca do que se chama de
combate às expressões da questão social.
Iamamoto (2001) aponta que o enfrentamento, requer, do Estado a afirmação de
políticas sociais de caráter universal, que atendam o interesse das grandes maiorias e não da
32

ordem burguesa, lutando pela democratização da economia, da política, da cultura na


construção da esfera pública. (IAMAMOTO, 2001, p. 10)
Portanto, ao se aprofundar no debate dos diversos tipos de violência, é necessário
compreendê-la no cenário atual e desenvolver suas análises numa perspectiva crítica de
superação do modelo econômico vigente, rompendo com os ideais neoliberais e lutando em
coletividade pela institucionalização de políticas sociais que consigam, de fato, abranger e
intervir na perspectiva de contribuir para a melhoria nas condições de vida da população.
A violência contra crianças e adolescentes atualmente te se intensificado dentro das
suas próprias casas, os violadores são seus parentes próximos. Portanto, a família é um dos
maiores espaços de violação de direitos infanto-juvenil.

3.2 A FAMÍLIA E SUAS RECONFIGURAÇÕES ATUAIS

A família possui suas representações e configurações que variam de acordo com o


período histórico e a localização em que estão inseridas. Alguns aspectos da sua história são
imprescindíveis para uma análise de apreensão do seu processo de modernização.
Nessa perspectiva é no século XV que as crianças (valendo salientar que esse dado se
restringia ao gênero masculino) passam a ser educadas em escolas e a família passa a se
concentrar em torno delas. (GUEIROS, 2002). Nos séculos seguintes, XVI e XVII, Bruschini
(1993) destaca que as famílias não tinham função afetiva e socializadora, possuindo as meras
funções de transmissão de vida, a conservação dos bens, a prática de um ofício, a ajuda mútua
e a proteção da honra e da vida em caso de crise, onde o marido era o soberano, pois a mulher
foi considerada incapaz juridicamente. Ao Estado cabia a interferência no que diz respeito ao
desenvolvimento da alfabetização e de novas formas de religião.
Com a ascensão da burguesia, por volta do século XVIII, a família muda de sentido,
deixa de ser uma unidade econômica e tende a tornar-se um lugar de refúgio, de afetividade,
enfatizando a intimidade familiar e o profundo amor parental pelos filhos, uso de ameaças de
retirada de amor, a título de punição, em vez de castigos físicos. Gueiros (2002) enfatiza a
mudança na arquitetura da casa, que passa a ter cômodos com separações para assegurar a
privacidade dos indivíduos da própria família, fato que caracteriza o respeito entre os
membros familiares.
Algumas convenções aos papéis sociais foram internalizadas e reproduzidas nas
relações sociais, os cuidados com os filhos são de responsabilidade da mãe e ao pai cabe o
33

sustento econômico do grupo familiar, ou seja, as mulheres são ensinadas desde cedo a cuidar
dos filhos e de tudo que diz respeito ao lar e ser mãe está associada à identidade da mulher,
uma vez que seu corpo proporciona uma estrutura para conceber seus descendentes. Já os
homens são ensinados a serem empreendedores, competidores, provedores e a paternidade é
uma função que poderá ser adicionada. Acerca disso Romanelli (2003) “assinala que na
construção social da identidade de gênero, homens e mulheres recebem orientações diferentes,
sendo os meninos preparados por seus pais para serem provedores, enquanto as meninas são
mais vigiadas e ensinadas a cuidar dos outros e do lar.” (ROMANELLI , 2003 apud SOUSA,
2009 a)
É somente no século XIX, que o modelo de família patriarcal recebe suas primeiras
críticas e questionamentos, impulsionadas pelo movimento feminista que desencadeou
discussões nas relações de gênero, redefinições dos papéis masculinos e femininos, papéis
públicos e privados, comportamento sexual definido segundo o sexo, constituição da mulher
como individuo e construção da individualidade e da identidade pessoal. É neste momento
que os papéis do homem e da mulher no casamento passam a receber nova compreensão. A
escolha do parceiro por amor, por exemplo, é algo que aparece muito fortemente superando a
dicotomia entre amor e sexo, caracterizando o modelo conjugal. No século XX, o Brasil
legitima judicialmente a mudança de papéis sociais, pois na Constituição de 1988 a mulher e
o homem são reconhecidos com igualdade no que diz respeito aos direitos e deveres na
sociedade conjugal. Porém, é possível observar que apesar das conquistas alcançadas esse
processo de modernização ainda não conseguiu abranger todas as camadas sociais e até os
dias atuais observa-se a existência do modelo patriarcal e do modelo conjugal. (GUEIROS,
2002, p. 107)
Mudanças que ocorrem em nível mundial atingem a dinâmica familiar, de forma mais
geral (macro-social), como a política ditada pelos países ricos, que tem como conseqüências o
desemprego, a recessão e a criminalidade. Esses fatos atingem direta e indiretamente as
famílias, o número de filhos por família tem se reduzido e o índice de conflitos familiares
aumentado, por exemplo. De uma forma geral, Gueiros (2002) destaca a alteração no perfil
demográfico da população, aumento da média expectativa de vida, expansão urbana,
crescimento dos serviços terciários, maior difusão da educação formal, mudanças nos padrões
culturais e crescimento de novos circuitos de comunicação, influindo diretamente na estrutura
familiar e gerando novas formas de sociabilidade, principalmente entre as mulheres e jovens.
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Cada membro familiar sofreu mudança no seu papel alterando sua estrutura e organização.
Nesse sentido Szymanski (2002) afirma:

“Há modos culturais e momentos históricos que impõem determinadas


práticas e as pessoas adaptam-se mais, ou menos, a elas. A solicitude,
entretanto, depende da maneira como o mundo em torno e a função de cada
um na família são interpretados, em especial por parte dos adultos. Essa é a
base sobre a qual a criança irá construir sua identidade e desenvolver futuros
relacionamentos com objetos, idéias e pessoas, sem desconsiderar que esse
processo continua pela vida toda e comporta modificações advindas das
experiências nos outros ‘mundos’ em que se vive.” ( SZYMANSKI, 2002, p.
16)

A família tem sido alvo de discussões freqüentes na atualidade, onde tem se discutido
bastante o que estão chamando de desestruturação familiar, caracterizada por uma crise na
estrutura de família considerada regular, que compreende pai (homem), mãe (mulher) e filhos.
A tradicional “família estruturada” teoricamente não vivencia conflitos entre pais e filhos, na
criação e convivência entre seus membros. Porém, ultimamente a sociedade tem assistido à
modelos diferenciados de estruturas familiares, que reproduzem as dinâmicas sócio-históricas.
Contudo, conceituar o que se chama de família hoje tem remetido para definições bem
pessoais, ao ideal que cada um tem sobre sua própria família, a qual assume diversas
configurações.
Numa perspectiva mais geral Losacco (2007) define que “família é a instituição
responsável pela socialização, pela introjeção de valores e pela formação de identidade”,
valendo salientar que essa instituição como organismo natural não acaba e que, enquanto
organismo jurídico, requer uma nova representação. Numa concepção conservadora e
ultrapassada, a religião reconhece a família como aquelas formadas unicamente pelo
casamento religioso. A nova concepção que se constrói é baseada mais no afeto do que nas
relações de consangüinidade, parentesco, ou casamento, abrangendo grupos formados por
qualquer um dos pais ou ascendentes e seus filhos, netos ou sobrinhos, seja mãe solteira, seja
pela união estável entre casais heterossexuais ou homossexuais. (LOSACCO, 2007, p. 64)
Desse modo, novas composições de família têm aparecido nas cenas atuais e nesse
sentido, Kaslow (2001) menciona as seguintes: família nuclear, com filhos biológicos;
famílias extensas, incluindo três ou quatro gerações; famílias adotivas temporárias (Foster);
famílias adotivas, que podem ser raciais ou multiculturais; Casais; famílias monoparentais,
chefiadas por pai ou mãe; Casais homossexuais com ou sem crianças; famílias reconstituídas
depois do divórcio; e várias pessoas vivendo juntas, sem laços legais, mas com forte
compromisso mútuo. (KASLOW, 2001 apud SZYMANSKI, 2002, p. 10) As transformações
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ocorridas na composição das famílias têm causado impacto à sociedade em geral e as pessoas
ainda estão em processo de assimilação do novo contexto. Mas o que de fato é importante
perceber é que a forma de composição de uma família não determina o relacionamento dos
membros, pois assim como afirma Szymanski (2002) “o que de fato exerce influência neste
caso é sua história de vida, a classe social a que pertence e a cultura.” (SZYMANSKI, 2002,
p. 17)
Os novos arranjos familiares se devem às mudanças nas relações sociais e uma das
mais marcantes e que exerceu intensa influência na família foram as conquistas das mulheres,
onde o movimento feminista se destaca como precursor nesse processo, consolidando a
representação das mulheres que está posta atualmente. As conquistas e mudanças
consolidadas nesses arranjos foram construções coletivas, uma vez que as transformações não
dependem de decisões individuais, e suas conseqüências exercem influências que abrangem
as relações sociais como um todo. A mulher detém exclusivamente o poder de decisão sobre a
geração de filhos, com o avanço da medicina e das técnicas de contracepção, elas decidindo o
momento desejado para engravidar, podendo fazê-lo sem, necessariamente, ter um marido.
Trata-se de um cenário de construção coletiva de muitas lutas para conseguir acabar
com alguns estigmas e conquistar uma posição digna e admirável numa sociedade machista.
Esse processo árduo proporcionou às mulheres incorporarem o discurso da independência e
da realização profissional, ou seja, ampliou-se a identidade feminina, anteriormente
caracterizada pelo modelo tradicional de dona-de-casa e de mãe. O número de famílias que
são chefiadas por mulheres têm crescido consideravelmente nas últimas décadas, apesar de
que o modelo de família patriarcal ainda exerce predomínio.
Segundo Ribeiro e Sabóia (1996), as famílias que o pai (marido) está ausente
encontram mais dificuldades na sua subsistência, isso se deve ao fato de que a mulher,
principal provedora da família, possui salário inferior ao dos homens e enfrentam dificuldades
adicionais de inserção regular no mercado de trabalho. As autoras acrescentam que as
crianças destas famílias, provavelmente, terão menores chances de escapar do círculo da
pobreza, pois precisarão ingressar no mercado de trabalho mais cedo para garantir a
sobrevivência, abandonando a escola precocemente.
Bruschini (1993) chama de três diferentes estruturas no papel que as mulheres
exercem na família atualmente: além da reprodução mais dois papéis foram adicionados, a
sexualidade (que era privativa do homem) e a socialização das crianças. O fato das mulheres
continuarem sendo donas-de-casa e trabalharem fora dela também tem causado uma
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sobrecarga na sua rotina, diante das exigências sociais e pessoais quanto ao seu desempenho
como mãe e profissional bem-sucedida e as diversas responsabilidades na vida pública e no
espaço doméstico, tem ocasionado um alto índice de desgaste físico e emocional.
(BRUSCHINI, 1993, p. 58). Acerca disso Coelho (2002) comenta:

“As dificuldades cotidianas que muitas mulheres enfrentam hoje para


conciliar as atividades da vida pública com as inerentes ao espaço doméstico
dão visibilidade a outra mudança no comportamento feminino que repercute
na família. Diversamente do passado, no qual as mulheres constituíam pelo
casamento e maternidade os seus projetos de vida, hoje é cada vez mais
amplos, que incluam o bem-estar do grupo familiar, mas também outros que
simbolizam o espaço em que elaboram sua independência, lutando por seu
reconhecimento pessoal.” (COELHO, 2002, p. 74)

O fato da mulher não mais ter dedicação exclusiva para seus filhos tem exigido do
homem uma maior participação na criação da sua prole. A figura de pai também tem
assumido uma nova configuração, tem crescido número de famílias monoparentais chefiadas
pelo pai e vivencia-se, portanto, um momento de aprendizado paterno e até mesmo de homens
“donos-de-casa”. Todavia, estudos recentes apontam que na divisão sexual de tarefas as
mulheres permanecem sobrecarregadas.
Esse cenário que permeia e adentra as famílias atualmente tem opiniões e definições
diversas, de modo que duas teorias primordiais fazem essa discussão: a teoria funcionalista,
ao refletir sobre a família acentua enfaticamente a importância de a criança ter, nos primeiros
estágios de desenvolvimento, uma relação especial, íntima e intensa com a mãe. Essa reforça
uma concepção tradicional, conservadora. Já a teoria Marxista concebe “a família como um
grupo social voltado para a reprodução da força de trabalho, no qual os membros do sexo
feminino têm a função de produzir valores de uso na esfera privada, e aos homens cabe a
produção de valores troca, através da venda da sua força de trabalho no mercado”.
(BRUSCHINI, 1993, p.59) Sendo assim a família é uma instituição mediadora entre o
mercado de consumo e o de trabalho. Esta é uma teoria mais moderna com valores
diferenciados, mas que ainda reforçam os definidos papéis entre masculino e feminino,
quando o modernismo tem abolido essas definições fechadas.
As transformações sociais decorrentes do processo histórico que construiu o novo
cenário das famílias atuais, as quais no senso comum e de forma pejorativa são conhecidas
pelas “famílias desestruturadas”, implicaram em novas dinâmicas da função de cada membro
que constitui essa família e desencadeou vários conflitos na sociedade.
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A famosa expressão “a família é a célula mater da sociedade” carrega nas suas


entrelinhas uma idéia de culpabilização dos membros familiares pelas suas próprias condições
de vida. Numa perspectiva conservadora e liberal, o Estado se utiliza desse discurso para se
esquivar das suas responsabilidades. O Estado alimenta a idéia de que a família é uma
instituição que dar conta de todos os problemas que afetam o grupo, uma ideologia que acaba
por reduzir o papel do Estado que tem se tornado executor de políticas sociais inadequadas,
fragilizadas, fragmentadas, com pouco investimento nas necessidades e demandas deste
grupo.
Crianças e adolescentes necessitam de proteção dos mais velhos no seu ambiente
familiar, deveriam receber esse apoio das pessoas que têm maior ligação afetiva, porém, nos
últimos tempos esse fato tem sofrido modificações e a violência doméstica tem atingido toda
a população do mundo, independente de nível cultural, social e econômico. Segundo Day Et
Al (2003), entende-se por violência doméstica:

“toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física,


psicológica, ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de um membro
da família. Pode ser cometida dentro e fora de casa, por qualquer integrante da
família que esteja em relação de poder com a pessoa agredida. Inclui também as
pessoas que estão exercendo a função de pai ou mãe, mesmo sem laços de
sangue.” (DAY Et Al, 2003 apud SACRAMENTO e REZENDE, 2006)

Sendo um fenômeno universal e endêmico, a violência doméstica atinge


cotidianamente o público infanto-juvenil, os casos registrados em todo país nos Conselhos
Tutelares, delegacias, hospitais são apenas uma alerta, os verdadeiros números desse tipo de
violência são muito superiores ao que se tem registrado. Há uma tendência em subestimar os
efeitos causados pela violência psicológica na infância, acreditando que o impacto seja
temporário e que desaparece no transcorrer do desenvolvimento infantil, mas é preciso
reconhecer que os efeitos dos traumas causados na fase infantil repercutirão para o restante da
vida.
Dentro do contexto de violência doméstica, encontra-se a alienação parental, a qual se
manifesta psicologicamente, não menos importante que as demais, pois cada uma possui um
nível de implicação na vida das vítimas que devem ser devidamente trabalhada e será
discutida mais adiante.

3.3 ALIENAÇÃO PARENTAL ENQUANTO FORMA DE VIOLÊNCIA CONTRA


CRIANÇA E ADOLESCENTE
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Do ponto de vista histórico e conforme Cunha (2010), primitivamente, na Roma


antiga, o pai detinha um poder tirânico para com os seus filhos podendo puni-los, vendê-los e
matá-los, quando nem o Estado poderia intervir no poder patriarcal. Com a influência do
Cristianismo, paulatinamente, esse fator cultural foi se modificando e foi se instituindo um
caráter mais social e protetivo, em que o Estado obteve sua inserção no que concerne ao
Direito Público, protegendo as novas gerações. (CUNHA, 2010, p. 14).
Assim como a relação entre pais e filhos, as relações entre os casais também sofreram
alterações e o Estado teve sua participação através do Poder Judiciário. Há algum tempo as
separações conjugais não são consideradas exceções na entidade familiar, pois, atualmente
tem ocorrido com muita freqüência e tem ocasionado vários desdobramentos nas relações
sociais. Ao ser publicada uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística5 (IBGE) em 2007, que mostra o aumento significativo de divórcios entre o período
de 1993 e 2003, o poder judiciário promulgou a Lei 11.441 de 05 de Janeiro de 2007, a qual
torna possível o divórcio através do tabelionato de notas, deixando de ser via processo judicial
e passando a ser consensual (concordância das partes) ou litigioso (discordância de uma das
partes em algumas questões como guarda dos filhos menores de idade). Segundo Oliven
(2010) os últimos dados estatísticos publicados pelo IBGE em 2008, demonstram a realização
de 90.421 separações judiciais, sendo 64.869 separações consensuais, 25.530 separações
litigiosas e 22 sem que se declinasse a natureza. No mesmo ano de 2008, foram realizados
953.627 casamentos no Brasil, dentre eles 100.264 homens e 69.049 mulheres eram
divorciados. (OLIVEN, 2010, p. 123)
Os dados divulgados pelo IBGE definem o novo cenário das famílias brasileiras, em
que a maior dificuldade enfrentada pelos cônjuges após a ruptura no relacionamento (quando
o casal possui filhos) “é o fato paradoxal de querer desligar-se de alguém que na verdade não
se poderá desprender totalmente, dada a parentalidade em comum”. (BRITO, 1997, p. 140
apud SOUSA, A, 2009, p.17). É necessário, portanto, que os ex-cônjuges estabeleçam uma
relação que diferencie a conjugalidade da parentalidade, lembrando que houve uma separação
conjugal, mas precisa haver a continuidade do vínculo parental. Este fato é o que Féres-
Carneiro (2003) chama de processo de desconstrução da conjugalidade e a reconstrução da
identidade individual, um real processo de grandes perdas e sofrimento, acompanhado,

5
Trata-se de uma fundação pública da administração federal brasileira criada em 1934 e instalada em 1936,
possui atribuições ligadas às geociências e estatísticas sociais, demográficas e econômicas, o que inclui realizar
censos e organizar as informações obtidas nesses censos, para suprir órgãos das esferas governamentais federal,
estadual e municipal, e para outras instituições e o público em geral.
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geralmente, por grande abalo emocional. A respeito disso Nazareth (2004) afirma que toda
separação tem conseqüências que provocam muita turbulência em todos os envolvidos.
Mesmo aquelas desejadas, as que ocorrem depois de anos de insatisfação e sofrimento, trazem
ao lado da sensação de alívio decorrente de algo penoso que se acaba, sentimentos intensos de
solidão, vazio e raiva. (NAZARETH, 2004, p. 32 apud SOUSA, 2009 a, p. 21)
O contexto sócio-histórico dos atores sociais envolvidos na trama conflituosa das
relações sociais é extremamente relevante na compreensão dos fenômenos sociais. Nesse
sentido, Bauman (2004) menciona a influência da atual “cultura consumista, as relações
amorosas, como sentimento, que visam um prazer e satisfação imediata”. (BAUMAN, 2004,
apud SOUSA, 2009 a, p. 23) Considerando esta relação baseada em interesses individuais,
egoístas e por vezes exploradora, é fácil estabelecer uma interlocução com o sistema
Capitalista, em que os bens materiais são a cada dia substituídos por outros mais modernos e
os relacionamentos estáveis perderam sua estabilidade e as pessoas se tornaram descartáveis e
são trocadas por uma versão mais “aperfeiçoada”.
Assim, Sousa 2009 a, aponta que apesar do crescente número de separações
conjugais, a mudanças no âmbito social, jurídico e legislativo, ainda são lentas e insuficientes
para darem o suporte necessário às famílias que vivenciam este conflito. Considerando que as
relações entre os ex-cônjuges, geralmente, terminam de maneira conflituosa há um grande
desafio: eles conceberem a idéia de que enquanto divorciados, eles deixam de possuir relação
marital, porém suas funções enquanto pai e mãe permanecem. A harmonia entre os pais
implicam diretamente no desenvolvimento dos seus filhos, como afirma Cunha (2010):

“... o bem-estar dos filhos depende do bem-estar dos pais e que a


participação destes no desenvolvimento emocional daqueles é inevitável,
circunstâncias levianas decorrentes da ruptura conjugal que deflagram
prejuízos emocionais aos filhos, devem ser consideradas, sob o ponto de
vista jurídico e psicológico, a presença do estado” (CUNHA, 2010, p. 58)

Portanto, diante de uma situação de tamanha complexidade, as crianças e os


adolescentes em especial, precisam da ajuda dos seus pais para enfrentar a separação,
momento difícil de ser concebível por eles. Esse fato favorece para que outros fenômenos
sejam desencadeados na trama das relações sociais. Um fenômeno que não é recente, mas que
vem se intensificando e sendo nomeado recentemente é a Alienação Parental.
A palavra “alienação” está relacionada à perda de consciência, é o estado em que a
pessoa fica alheia aos seus verdadeiros valores e se submete aos valores dados por outrem.
Richard Gardner, em meados da década de 1980, conceitua “Alienação Parental é a situação
40

na qual um genitor procura afastar seu filho ou filha do outro genitor intencionalmente,
causada através de informações contínuas no intuito de destruir a imagem do genitor alienado
na vida da criança”. (GARDNER, apud SOUSA, A, 2009, p. 123). Merece destaque o fato
desse fenômeno social não ser provocado somente pelos genitores, pois na tentativa de alienar
o pai e/ou a mãe, o outro parente próximo, como por exemplo avós e tios (as), fazem uma
série de acusações denegritória da imagem de outrem como forma de abuso emocional
enfraquecedor do relacionamento parental, causando uma disfuncionalidade decorrente dessa
dialética familiar, em que os filhos passam a ser objeto de litígio conjugal. As crianças são
usadas como instrumento de agressividade direcionada ao parceiro, provocando o que se
chama de “coisificação” do ser humano. A briga entre os parentes próximos da criança a
desestabiliza, pois sua formação depende da convivência com ambos os genitores. (OLIVEN,
2010, p.132)
Algumas décadas passadas a Alienação Parental era conhecida popularmente no Brasil
como “indução” visto que se caracteriza por uma campanha de desmoralização de um dos
genitores, onde os filhos são induzidos a odiar um de seus genitores. Acerca da indução e suas
possíveis conseqüências Paula Lôbo (2009) menciona:

“A alienação parental é uma indução psicológica para que a criança odeie


seu outro genitor. A alienação parental não apenas compromete a
convivência do filho com seu genitor, mas aquele com todos os parentes do
grupo familiar deste (tios, avós, primos). A demonização do outro e de seus
parentes deixa seqüelas traumáticas, às vezes irreversíveis, que
comprometem o equilíbrio psicológico da pessoa, inclusive em sua vida
adulta; o descobrimento tardio de que foi vítima de alienação parental quase
sempre vem acompanhado de intensa frustração e de sensação de perda
afetiva”. (LOBO, 2009, p. 402-403 apud OLIVEN, 2010, p. 133)

Os atos de alienar ou induzir provocam a existência de um conjunto de sintomas que


as crianças passam a apresentar, considerado um distúrbio psíquico que foi nomeado em
1985, pelo psicanalista e psiquiatra infantil Richard Gardner. De acordo com Silva (2011) a
“Síndrome da Alienação Parental (SAP) é uma patologia psíquica gravíssima que acomete a
criança cujos vínculos com o pai ou mãe alvo estão gravemente destruídos, por genitor ou
terceiro interessado que a manipula afetivamente para atender tais motivos escusos”. (SILVA,
2011, p. 46). Essa síndrome se caracteriza pelo constrangimento psicológico ocasionado nas
crianças que por ela são acometidas de forma sutil, em que o alienador se mostra
extremamente frágil, vitimizado, alguns das atitudes realizadas por ele são: recusar-se a passar
as chamadas telefônicas aos filhos; organizar várias atividades com os filhos durante o
período em que o outro genitor deve normalmente exercer o direito de visitas; apresentar novo
41

cônjuge ou companheiro aos filhos como “a sua nova mãe” ou “o seu novo pai”; interceptar a
correspondência dos filhos (por quaisquer meios: internet, redes sociais, cartas, telegramas,
telefonemas etc); desvalorizar e insultar o outro genitor na presença dos filhos; recusar
informações ao outro genitor sobre atividades extraescolares em que os filhos estão
envolvidos; impedir o outro genitor de exercer seu direito de visita; “esquecer-se” de avisar o
outro genitor de compromissos importantes (dentistas, médicos, psicólogos); envolver pessoas
próximas na “lavagem cerebral” dos filhos; tomar decisões importantes a respeito dos filhos
sem consultar o outro genitor (escolha da religião, escola etc); dentre outros. (SILVA, 2011,
p.59)
A partir das análises das 12 entrevistas realizadas na instituições Conselho Tutelar
Zona Oeste, SOS Criança e CREAS Leste, verifica-se que 58,3% mostrou domínio ao
conceituar o tema e 41,7% não conheciam o termo “Alienação Parental”. Apesar de mais de
50% dos entrevistados conseguirem conceituar esse tipo de violência, uma parcela
significativa dos profissionais que estão inseridos nos espaços que a alienação parental se faz
demanda recorrente ao ser interrogado sobre a temática respondeu: Entrevistado 10 – “Como
assim? Me explique mais alguma coisa, nunca ouvi falar sobre isso.”; Entrevistado 11 –
“Alienação Parental... esse nome talvez seja uma expressão muito técnica, eu preciso entender
melhor, você pode me explicar o que é isso?” Após ficarem sabendo do que se trata a
alienação parental todos os entrevistados dizem conseguir identificar como demanda na
instituição que trabalha, 66,7% com muita frequência e 33,3% como uma demanda que
aparece, porém com pouca frequência.
Ao analisar um dos instrumentos de trabalho utilizado no SOS Criança, a planilha de
registro dos casos de violação de direitos contra crianças e adolescentes (conforme Anexo 1),
verificou-se que alguns casos (10 especificamente analisados) que, pelas características das
informações colhidas, possivelmente fossem casos de Alienação Parental não foram
devidamente identificados e trabalhados como tal. A equipe, em seu fazer profissional, não
conseguiu constatar a violência denunciada e, por este motivo, encerrou o caso sem maiores
investigações para saber se de fato não estava havendo nenhum conflito familiar.
De acordo com uma pesquisa realizada pelo IBGE em 2002, 91% dos casos de
alienação parental o agente alienador é a mãe, e a metade dos casos no geral, são de acusações
de abuso sexual e é também os casos mais graves e devastadores para as crianças. Esses dados
reforçam a cultura conservadora que ainda predomina na sociedade brasileira, apesar dos
avanços alcançados, alimentando a idéia de que “pai não sabe cuidar da criança”, “o único
42

amor verdadeiro que existe é o de mãe”, e por estes dois motivos elas entram no jogo de
interesses próprios em que o único partido perdedor do jogo são seus próprios filhos.
As pessoas sofrem diariamente com os estragos causados pela SAP em suas vidas, a
partir da interrupção do exercício parental dos genitores alienados, são 20 milhões de “órfãos
de pais vivos” atualmente no Brasil, apesar dessa síndrome não ser registrada nos catálogos e
códigos internacionais (CID-10 e DSM-IV). (SILVA, 2011, p.64-65). Algumas implicações
desse número de crianças que sofrem essa violência psicológica são: queda no rendimento
escolar, perda de concentração, diminuição da motivação para outras tarefas, diminuição da
autoestima, é muito provável que desenvolva atitudes de rebeldia na adolescência etc. Alguns
dos comportamentos que merecem destaque são: a criança denegrindo a imagem do genitor
alienado, apoiando e sentindo a necessidade de proteger o genitor alienador, por medo das
ameaças que sofre, relata acontecimentos inverossímeis.
As “falsas memórias” é uma manipulação emocional que o alienador tenta impor sobre
a criança ou adolescente. São instauradas na mente e na vida de pessoas em estado peculiar de
desenvolvimento, além de induzi-los a mentir, de tanto repetir a faz acreditar na história, se
tornando um ato compulsivo de mentir e resultando no que Silva (2011) chama de “registros
memônicos”, é quando sua memória estrutura a ocorrência de fatos que não se concretizaram,
relata-os repetindo diversas vezes para várias pessoas, como psicóloga, assistente social,
delegado, Juiz, promotor de justiça, professora, dentre outros profissionais.
Nessa perspectiva, foi pensando nas transformações ocorridas na sociedade,
considerando a dimensão que essa violência psicológica ocasiona aos que dela sofrem,
entendendo que a afetividade materna e paterna é imprescindível para o desenvolvimento dos
filhos, apesar da dificuldade em identificá-los e classificá-los como alienação parental, é que
em 26 de Agosto de 2010 foi sancionada a Lei 12.318/2010 que dispõe sobre a temática,
alterando o artigo 236 da Lei 8069/1990:

Art. 2º Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação


psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida pelo pai ou
pela mãe, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua
autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause
prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. Art. 3º A
prática de ato de alienação parental fere o direito fundamental da criança ou
adolescente de convivência familiar saudável, constitui prejuízo à realização
de afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar, abuso moral
contra a criança ou adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à
autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda. (BRASIL, 2010)
43

Esse marco legal tem a intenção de proteger a formação psicológica da criança ou do


adolescente no sentido de prejuízo ou manutenção de vínculos com um dos genitores e/ou
demais familiares. O processo aludido aos casos de alienação parental tem tramitação
prioritária, medidas provisórias necessárias para a preservação da integridade psicológica da
criança ou do adolescente e será tratado judicialmente em caráter de urgência. A justificativa
para que o processo de alienação parental tramite de forma prioritária é que, para o alienador
quanto mais tempo o processo demorar mais tempo ele terá para induzir a criança a odiar o
seu genitor alienado. Dos procedimentos utilizados no processo, se destaca o estudo social
elaborado pela equipe multidisciplinar do judiciário, composta geralmente nesses casos por
psicólogos e assistentes sociais.
Esses profissionais são requeridos pelos magistrados para realizar visitas e conversas e
a partir do conteúdo apreendido por esses instrumentos de trabalho elaborar um laudo pericial
descrevendo a situação e se posicionando a respeito do caso. Este laudo deve ser apresentado
num prazo de 90 dias e não deve conter informações baseadas em “achismos”, ou seja, as
informações não devem ser infundadas, precisam de argumentos consistentes e bem
fundamentados, pois o laudo faz parte do que o magistrado considera como provas do
processo, subsidiando assim, sua decisão.
As decisões e intervenções realizadas pela equipe multidisciplinar do judiciário é de
extrema relevância para as famílias, uma vez que a responsabilidade de conceder a guarda,
maior demanda nos casos de Alienação Parental, é algo determinante para o curso de vida dos
envolvidos, principalmente das vítimas. Há algum tempo, a tutela dos filhos era de
responsabilidade da mãe, e ao pai lhe cabia o direito de visitas nos finais de semana, no
período de 15 em 15 dias. Esse modelo de guarda é o que se chama hoje de Guarda Única,
onde a mãe é estigmatizada como a que “manda” e o pai um mero “visitante”. Segundo Silva
(2011) “o termo ‘guarda’ carrega uma carga enorme de relação de poder; gente não é ‘coisa’
para se exercer o pretenso ‘poder’, o exercício desmedido do ‘controle’ e do ‘poder’ estão
ligados a todas as patologias de perversidade.” (SILVA, 2011, p.26)
O fato é que as pessoas além de desejarem exercer o tal poder, ainda abusam dele,
tornando-se uma atitude perversa. No entanto, é possível observar que esses fatores estão
intrinsecamente relacionados aos papéis construídos culturalmente e mudanças nesse âmbito,
geralmente, são muito difíceis e se concretizam lentamente. Nessa perspectiva de análise em
que os filhos são tomados pela possessividade de seus pais é que o pedido de guarda sempre é
algo recorrente e conflituoso.
44

Os advogados, geralmente, são requeridos para dá entrada no processo de pedido de


Guarda Única, e como profissionais liberais e bem pagos seus argumentos e seus
requerimentos não são de acordo com o interesse de bem-estar das crianças e adolescentes, e
sim de um dos genitores, seus clientes. Ultimamente os pais (homens) estão reivindicando e
lutando por uma convivência familiar mais intensa, extensa e ativa com seus filhos, deixando
para trás aquela mera função de visitante dos finais de semana. Considerando que os filhos
necessitam da paternidade e da maternidade igualitariamente para que seja construída uma
parentalidade biológica que favoreça seu desenvolvimento sadio é que surgiu a possibilidade
de casais separados criarem seus filhos com as mesmas responsabilidades, através da Guarda
Compartilhada, que está prevista na Lei nº 11.698, de 13 de Junho de 2008.
Nesses casos, as crianças e adolescentes, abaixo de 18 anos, possuem dois lares, o do
seu pai e da sua mãe, podendo transitar e conviver nas duas residências igualmente. As
decisões referentes aos filhos são de responsabilidade de ambos os genitores. Para Silva
(2011) “a guarda compartilhada induz a pacificação do conflito (Alienação Parental) porque,
com o tempo, os ânimos ‘esfriam’ e os genitores percebem que não adianta confrontar alguém
de poder igual. O equilíbrio de poder torna mais conveniente o entendimento entre as partes
para ambos”.
Segundo Silva (2011) no Brasil, a aplicação da guarda compartilhada, que é a mais
adequada em casos de alienação parental, apesar de ter um crescimento considerável ainda é
um número tímido, e isso acontece porque os setores conservadores da sociedade e do próprio
Judiciário tem uma visão tradicionalista, baseada no senso comum de que somente a mãe tem
competência para cuidar dos filhos, e por isso alguns profissionais da justiça (psicólogos e
assistentes sociais) e operadores do Direito (promotores e Juízes) ainda se sentem tímidos em
inovar suas posturas e decisões, preferindo, portanto, continuar na sua “zona de conforto”.
(SILVA, 2011, p. 30-31)
Nesse sentido, a Alienação Parental, bem como seus reflexos, é ainda um tema pouco
problematizado e revelado para a população. A publicização desta problemática na
comunidade local, na comunidade escolar e sociedade civil é um forte instrumento de
prevenção e denúncia, assim como está disposto no artigo 70 do ECA: “É dever de todos
prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente”
(BRASIL, 2010, p. 43). Os Organismos e Órgãos responsáveis pela defesa dos direitos da
criança e do adolescente, ademais, devem se capacitar, no que tange a esta temática, para
conseguir percebê-la e criar mecanismos de enfrentamento a esta prática.
45

É necessário inserir de forma mais intensa na agenda pública o debate sobre esta
forma de violação de direitos e ainda, a concretização da inserção desta temática no
enfrentamento da violência contra o público infanto-juvenil. Assim, os programas e ações
direcionadas para esse segmento da classe social devem promover práticas de discussões
visando clarear a problemática e viabilizar para a população a compreensão da SAP, visto que,
a comunidade e a escola são espaços importantes para a garantia do desenvolvimento
saudável deste segmento.
Dessa maneira, é fundamental o trabalho interdisciplinar, no qual a criança precisa ser
pensada dentro e para a família, e vice-versa. É nesse sentido que o profissional de Serviço
Social se faz também um importante elemento na detecção da Alienação Parental – tendo em
vista que o seu aporte teórico-crítico é direcionado pela ética-política, mediando conflitos de
interesses no qual a proteção da criança se encontra como prioridade. Tal profissional tem a
possibilidade de utilizar seu caráter pedagógico no enfrentamento deste fenômeno,
encaminhando as famílias que necessitem de apoio psicossocial e assistência social para os
órgãos responsáveis, a partir de uma articulação com a rede de atendimento à criança e ao
adolescente. E é com base nesse argumento que o próximo capítulo traz algumas reflexões
sobre o fazer profissional do Assistente Social com relação a SAP.
46

4 A ALIENAÇÃO PARENTAL E SUAS FORMAS DE ENFRENTAMENTO NO


MUNICÍPIO DE NATAL/RN

A alienação parental como forma de violência contra crianças e adolescentes, é uma


temática que se faz demanda institucional cotidianamente na rede de atendimento. Nesse
sentido, o presente estudo objetivou investigar de que forma estão sendo tratados estes casos
no município de Natal-RN.
A pesquisa foi realizada no Conselho Tutelar Zona Oeste, no SOS Criança e no
CREAS Leste demonstra algumas características de funcionamento dessas instituições.
Considerando que os profissionais são os principais atores desses espaços sócio-ocupacionais
é que as entrevistas foram aplicadas a eles, com o intuito de traçar um perfil baseado em
alguns aspectos determinantes na sua atuação profissional.
Neste capítulo, também será apresentado o trabalho do Assistente Social na área de
violação de direitos de crianças e adolescentes, enfatizando o lugar do Serviço Social nos
casos de alienação parental.

4.1 - O PERFIL DOS PROFISSIONAIS DA REDE DE ATENDIMENTO

A rede de atendimento à criança e ao adolescente compreende um conjunto de


instituições que trabalham em prol da infância e juventude, a fim de implementar as políticas
sociais pertinentes a esta área de atuação. Para que o funcionamento da rede e os serviços
oferecidos por ela funcione como se propõe, foi criado o Sistema de Garantias de Direitos
(SGD), o qual constitui-se na articulação e integração das instâncias públicas governamentais
e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos
47

mecanismos de três eixos, são eles: promoção (promove políticas públicas na assistência,
saúde e educação); defesa (compreende a sociedade civil organizada: os sindicatos, as
ONG’s); e controle (órgãos como delegacias, conselhos, programas sociais). O próprio ECA
dispõe essa estrutura no seu Art. 86. “A política de atendimento dos direitos da criança e do
adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-
governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.” (BRASIL,
2010)
Esses eixos devem trabalhar de forma articulada nas esferas: Federal, Estadual,
Distrital e Municipal. No entanto, após quase 22 anos de implementação do ECA este sistema
na prática, não está integralmente institucionalizado e vem trabalhando de forma
desarticulada, com problemas, inclusive, da qualificação de seus operadores e isso
compromete a implementação de políticas públicas que garantam os direitos assegurados pela
legislação em vigor.
As instituições em que esta pesquisa foi realizada são: Conselho Tutelar Zona Oeste,
SOS Criança e CREAS Leste. Estão inseridas, respectivamente, nos seguintes eixos: as
primeiras no eixo controle e a última na promoção. O Conselho Tutelar, assim como o SOS
Criança, foram criados para legitimação e efetivação das políticas preconizadas no ECA.
Assim de acordo com o estatuto as atribuições do Conselho Tutelar são:

“Art. 136. I - atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos


arts. 98 e 105, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII;
II - atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas
previstas no art. 129, I a VII;
III - promover a execução de suas decisões;
IV - encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração
administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente;
V - encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência;
VI - providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as
previstas no art. 101 , de I a VI, para o adolescente autor de ato infracional;
VII - expedir notificações;
VIII - requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente
quando necessário;
IX - assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta
orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança
e do adolescente;
X - representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos
direitos previstos no art. 220 , § 3º , inciso II , da Constituição Federal ;
XI - representar ao Ministério Público, para efeito das ações de perda ou
suspensão do pátrio poder.
XI - representar ao Ministério Público para efeito das ações de perda ou
suspensão do poder familiar, após esgotadas as possibilidades de
manutenção da criança ou do adolescente junto à família natural.” (BRASIL,
2010)
48

Com relação ao surgimento do programa SOS Criança, este foi impulsionado pelo
MNMMR em articulação com o Departamento de Psicologia da UFRN em 1992, os quais
demonstraram interesse pela proposta e tomaram a iniciativa de fundar o SOS Criança em
Natal-RN, Programa do Governo do Estado do Rio grande do Norte, o qual faz parte da
FUNDAC, responsável por receber denúncias de crianças e adolescentes que possuem seus
direitos violados, ele se legitima nas três ocasiões mencionadas no art. 98 do ECA:

Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis


sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:
I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
III - em razão de sua conduta. (BRASIL, 2010)

Já o CREAS, é um programa da Assistência Social que atende um público mais


abrangente, além de criança e adolescente, isto é, temáticas como idoso, mulher e a família
como um todo. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS) é o
responsável por sua criação e foi elaborado, portanto, um plano de ações universal, porém isso
não significa que todos venham seguindo tal plano, pois como o entrevistado 1 afirmou
“Aqui, especificamente nesse CREAS, nós temos uma equipe muito comprometida, mas não
sei como funciona nos outros CREAS, pois nós criamos nosso plano de ação e nossa filosofia
de trabalho, de acordo com o que achamos que deveria ser o trabalho realizado por esse
programa.” Percebe-se, portanto, o descompromisso em capacitar a rede para que trabalhe
com o mesmo propósito, o objetivado pela Política Nacional da Assistência Social (PNAS),
além de uma total desarticulação entre a rede. Isso implica uma confusão no entendimento dos
próprios profissionais a respeito da função do programa, que foi constatado na fala do
entrevistado 4, se referindo aos casos de alienação parental: “Eu não acredito que esse seja um
caso da nossa competência [...] Eu fiquei realmente em dúvida se seria um caso para ser
atendido no CREAS [...] Eu acho, que se tratar de conflito familiar não é atribuição do
CREAS.” Esse depoimento demonstra a falta de clareza do profissional do real papel da
instituição em que está inserido, o CREAS Leste.
Nesse sentido as entrevistas foram realizadas com o propósito de conhecer
minimamente como os profissionais da rede de atendimento têm tratado a temática da
Alienação Parental e foram entrevistados 12 profissionais, sendo 3 Conselheiros Tutelares da
49

Zona Oeste, 4 Educadores Sociais do SOS Criança e 5 profissionais do CREAS Leste e


conforme o gráfico elaborou-se um perfil desses profissionais com base nos seguintes
elementos: Tempo de atuação na área de criança e adolescente, grau de escolaridade e o
vínculo empregatício.

Profissionais

CREAS
SOS Criança
Conselho Tutelar

Gráfico 1

Apesar de todos os profissionais terem afirmado que gostam de trabalhar na área e a


maioria já possuírem alguns anos de trabalho com esse tema de acordo com o gráfico 2, não
demonstram domínio sobre os assuntos pertinentes as violações de direitos de crianças e
adolescentes, como por exemplo, situação de violência.

Gráfico 2
50

Apesar do maior número de profissionais possuírem ensino superior completo, não


atingiram as expectativas de resposta, isto é, não conheciam a respeito do que foi questionado
(vide apêndice A).

Gráfico 3

O vínculo empregatício é um dos fatores determinantes da postura profissional, pois


muitas vezes, limita as intervenções. Um vínculo mais estável possibilita uma maior
autonomia na atuação profissional, e apesar de a maioria possuírem um vínculo que lhe dão
estabilidade, não se utilizam desse fator para tomarem algumas decisões, expressarem suas
opiniões e realizarem suas intervenções.

Gráfico 4
51

Em relação aos encaminhamentos, estes são os instrumentos que supõem como


intervenções referentes à Alienação Parental: a escuta dos envolvidos e a realização de
orientações a respeito do problema, para que eles tomem consciência do que estão causando, e
a respeito disso o entrevistado 3 afirma:

“Primeiro, a gente faz uma escuta, na escuta a gente entende toda a dinâmica
familiar, às vezes a gente faz algumas colocações para as pessoas
entenderem com elas estão agindo em relação ao filho, muitas vezes tem
pessoas que não se colocam no lugar do filho e não consegue perceber que é
uma criança que está sofrendo, que não existe isso de escolher ou pai ou a
mãe, ele quer ter o pai e mãe sempre! Esse exercício faz a pessoa refletir e
pensar como ela está agindo com a família.” (Trecho da fala do entrevistado
3)

Um elemento que apareceu em várias entrevistas foi o apontamento da perda da


guarda, que soou mais como uma ameaça do que uma alerta aos pais. Somente o entrevistado
9, menciona a guarda compartilhada como uma alternativa de amenizar o conflito:

“[...] acho que o caminho seria a guarda compartilhada: um dia um deixa na


escola, o outro pega, passa um final de semana com um, final de semana
com o outro. Para que os filhos possam conviver mais equilibradamente
possível com o pai e com a mãe, porque ele precisa dos dois.” (Trecho da
fala do entrevistado 9)

Durante o atendimento com as crianças alguns entrevistados destacam a observância


de comportamentos que denunciam a violência sofrida pelas vítimas, e a respeito disso o
entrevistado 4 afirma: “[...] eu pude acompanhar o modo dele brincar e em alguns momentos
na brincadeira ele relatou alguns indícios de alienação parental.”
Outro aspecto que merece destaque nas falas dos entrevistados foi a presença de um
discurso conservador, ressaltado pelo entrevistado 6 ao relacionar a alienação parental com
“famílias desestruturadas” e o entrevistado 10, quando afirma: “Eu acho que um dos
problemas da família hoje é a falta de amor. Geralmente, o pai diz que dá pensão e acha que
isso é tudo, mas falta o principal, o amor né?”
Nesse contexto, destaca-se que a alienação parental é um fenômeno bastante antigo,
porém seu reconhecimento é recente, e a respeito de tal reconhecimento jurídico, o
entrevistado 5 afirma: “Toda transformação no âmbito jurídico é importante, e devagar vai se
implementando. Já é um grande avanço ter sido feita uma Lei específica para esses casos, com
um tempo isso vai sendo utilizado e os casos reduzidos.”
52

O entrevistado 8 ao ser interrogado sobre os encaminhamentos realizados por ele na


instituição em que está inserido comenta:

“Geralmente, nós ouvimos os pais, conversamos e encaminhamos a criança


para um acompanhamento psicológico, algumas vezes a gente vê que a
situação é muito conflitante, a gente pede apoio de um parecer técnico de
uma Assistente Social e uma Psicóloga. Eu trato como uma questão
psicossocial, (não significa que eu não tenha um olhar), mas aí é uma
questão profissional, eu não sou habilitado a fazer relatório e parecer técnico.
Eu vejo o meu olhar, tenho meu parecer enquanto conselheiro, mas as
minhas providências são de acordo com os pareceres das Assistentes Sociais
e das Psicólogas [...] Ali é um norte para que eu possa tomar providências, se
possível encaminhar para o ministério público.” (Trecho da fala do
entrevistado 8)

Nesta mesma perspectiva o entrevistado 12 confirma a importância do parecer técnico:

“A gente conta com vocês Assistentes Sociais, como a gente não tem bola de
cristal, a gente pede um relatório das assistentes sociais. Vocês que vão dizer
uma visão que nós não temos. Para averiguar quem está falando a verdade, a
gente pede um relatório da assistente social e da psicóloga, vocês fazem a
visita e observam a casa, analisa a situação e no final emitem um parecer
técnico. Depois de receber o parecer técnico a gente toma as providências.”
(Trecho da fala do entrevistado 12)

Considerando que o funcionamento da rede de atendimento depende tanto dos


profissionais que nela atuam como dos órgãos gestores e implementadores de políticas
públicas é que a alienação parental ainda é um tema que precisa ser inserido na agenda de
discussões da área da criança e do adolescente, pois a temática ainda é desconhecida e possui
uma deficiência na forma como é enfrentada. Profissionais, como os assistentes sociais,
precisam está atentos e agindo em prol da defesa dos direitos humanos e, nesse caso, direitos
de crianças e adolescentes, enfrentando, portanto, toda e qualquer forma de violação desses
direitos nos espaços sócio-ocupacionais que se inserem. Assim, o próximo ponto de discussão
apresenta os resultados da investigação acerca das intervenções do Serviço Social nos casos
de Alienação Parental.

4.2 AS INTERVENÇÕES DO SERVIÇO SOCIAL

O Serviço Social teve sua origem caracterizada pelo assistencialismo, fundamentado


nas doutrinas da Igreja Católica, praticada pelas “damas de caridade”. Porém, ao longo de sua
construção sócio-histórica, a sociedade amadurece em alguns aspectos que implicaram direta
53

e indiretamente no amadurecimento dessa profissão, atualmente requisitada em diversos


âmbitos sociais. Um longo percurso foi percorrido durante esse processo de construção para
que o Serviço Social se instaurasse como uma profissão que não faz uma mera ajuda, mas se
configura em espaços que trabalham com a garantia de direitos sociais, numa perspectiva
crítica, possuindo, portanto, uma utilidade social.
No início do novo milênio, o Serviço Social avançou na ruptura do conservadorismo
de forma significante, provocando o que se chama de Maturação. Os documentos de Araxá e
Teresópolis marcaram a perspectiva renovadora do Serviço Social no Brasil, configurando a
sincronização da (auto) representação profissional ao projeto e às realidades globais da
“modernização conservadora”. Nesse processo renovador houve uma intervenção do Estado
ditatorial no sentido de girar a face intelectual e operativa do Assistente Social.
Após Araxá e Teresópolis, surgiram no cenário dos Assistentes Sociais os colóquios
realizados no Rio de Janeiro, no centro de Estudos do Sumaré e no Alto da Boa Vista,
respectivamente em 1978 e 1984, os quais não obtiveram tanta repercussão que os seus
precedentes. O contexto social brasileiro em que estavam inseridos aponta para uma perda de
imantação da perspectiva modernizadora nos debates profissionais.
A politização ideal da perspectiva modernizadora decrescera a ponto de não se
expressar em qualquer dos dois seminários. Tanto no colóquio do Sumaré como no do Alto da
Boa Vista a condução da formulação dos problemas teóricos e culturais se operou de forma
que suas impostações se apresentaram como defasadas em confronto com a reflexão que se
encorpava nas expressões do debate profissional. Começava a fortalecer o discurso inovador
da tematização teórico-metodológica da profissão vinculada ao debate nas ciências sociais e
aos dados mais novos da conjuntura brasileira.
O seminário de Sumaré pretendia enfrentar três temas básicos: a relação do Serviço
Social com a cientificidade, a fenomenologia e a dialética. O que estava em pauta nas
discussões da profissão e das ciências sociais era a sua particularização concreta em termos de
clarificação histórico-social. É importante destacar o questionamento da tradição profissional
de raiz funcionalista. Foram os seminários promovidos pelo Centro Brasileiro de Cooperação
Intercâmbio de Serviços Sociais (CBCISS) em que se afirmou a perspectiva modernizadora.
No entanto, o processo de renovação profissional somente se consolida com a Intenção
de Ruptura, que possibilitou formular críticas em duas direções: as perspectivas
modernizadoras e de reatualização do conservadorismo. Esse processo foi realizado em três
momentos, sendo eles: o da sua emersão, o da sua consolidação acadêmica e do seu
54

espraiamento sobre a categoria profissional. Foi necessário romper substantivamente com o


tradicionalismo e suas implicações teórico-metodológicas e prático-profissionais. Abriu-se,
portanto, a possibilidade de receber influxos ideoculturais e sócio-políticos aptos a reverter o
seu direcionamento conservador, nesse sentido ocorre à oclusão dos condutos anais que
viabilizavam a sua interação com o movimento das classes sociais que, exatamente elas,
suportavam aquela possibilidade.
O atual quadro sócio-histórico interfere no cotidiano do exercício profissional do
Assistente Social e dos seus usuários. A compreensão das relações sociais capitalistas é
importante para o profissional trabalhar a vinculação da Questão Social e as políticas sociais;
fazer uma intervenção do tipo “conscientizadora”, proporcionando ao sujeito social o
entendimento da dinâmica desse sistema econômico, onde há uma relação de produção e
reprodução social; entender que a lei da reprodução capitalista causa exclusão e desigualdade
social, na medida em que quem produz não se apropria do produto; e que o processo de
reprodução cria novas necessidades que aprofundam essas desigualdades.
Portanto, analisar historicamente é romper com essa alienação, afirmando a totalidade
na apreensão da dinâmica da vida social e identificar o Serviço Social como participante da
produção e reprodução das relações sociais. O projeto profissional tem a função de articular
essas condições macro-societárias que determinam o contexto sócio-histórico em que se
insere a profissão, seus limites e possibilidades que vão além da vontade do sujeito individual
e de outro lado o caráter político e técnico-operativo, os quais se apoiam nos fundamentos
teóricos e metodológicos. O profissional precisa ser criativo e propositivo para negociar seus
projetos com a instituição, para defender seu campo de trabalho, suas qualificações e
atribuições profissionais. Sobre isso Iamamoto (1997) destaca:

“(...) que sendo desigualdade é também rebeldia, por envolver sujeitos que
vivenciam desigualdades e a ela resistem e se opõem, É nesta tensão entre a
produção da desigualdade e produção da rebeldia e da resistência, que
trabalham os assistentes sociais, situados nesse terreno movido por interesses
sociais distintos, aos quais não é possível abstrair ou deles fugir porque
tecem a vida em sociedade. Exatamente por isso, decifrar as novas
mediações através das quais se expressa a questão social hoje é de
fundamental importância para o Serviço Social em uma dupla perspectiva:
para que se possa tanto apreender as várias expressões que assumem, na
atualidade, as desigualdades sociais – sua produção e reprodução ampliada –
quanto projetar e forjar formas de resistência e defesa da vida. Formas de
resistência já presentes, por vezes de forma parcialmente oculta, no cotidiano
dos segmentos majoritários da população que dependem do trabalho para sua
sobrevivência. Assim, apreender a questão social é também captar as
múltiplas formas de pressão social, de invenção e re-invenção da vida
construídas no cotidiano, pois é no presente que estão sendo recriadas
55

formas novas de viver, que apontam um futuro que está sendo germinado.”
(IAMAMOTO, 1997, p. 14 apud PAVEZ e OLIVEIRA, 2002, p. 87 )

Considerando que a realidade social a qual é cenário do objeto de trabalho dos


Assistentes Sociais é dinâmica, é possível perceber que este profissional vem adquirindo
novas competências e atribuições profissionais. A Lei que regulamenta a profissão, Lei nº
8662/93 reserva dois artigos para mencionar competências e atribuições, artigos 4º e 5º,
respectivamente. Segundo Guerra (2000), um conjunto de capacidades foi construído
historicamente pela categoria profissional para materializar as duas dimensões do exercício
profissional, a investigação e a intervenção, por exemplo, que respondem as demandas
apresentadas pelo mercado de trabalho. Destaca-se, portanto, como espaços-ocupacionais:
saúde, educação, assistência social, assessoria e consultoria em empresas pública e privadas e
o sócio-jurídico.
É importante reconhecer o papel que o profissional de Serviço Social exerce na
sociedade, trabalhando na perspectiva crítica de análise e intervenção nas situações de
violação de direitos que persistem em vários âmbitos da vida dessas crianças e desses
adolescentes, os quais sofrem violações diariamente. Os órgãos públicos precisam agir de
alguma forma na defesa dessas pessoas que estão em peculiar situação de desenvolvimento
físico e mental, um processo que necessita de uma garantia de qualidade de vida digna e
saudável, e esses profissionais estão inseridos nos espaços ocupacionais destinados para a
execução, elaboração, avaliação e implementação de políticas que lidam com as situações
mencionadas.
No que tange a SAP, parte-se da idéia de que o Assistente Social é um profissional que
possui competência para identificar o fenômeno da alienação parental, bem como tomar as
providências coerentes ao caso. Ao ouvir os envolvidos, construir uma espécie de diagnóstico
inicial da situação, depois o segundo passo é realizar a visita domiciliar, e se necessário,
visitar a escola das vítimas, para que o cenário seja construído com mais elementos e se
obtenha mais informações para subsidiar um relatório e, posteriormente emitir um parecer
social. Com uma visão crítica, que ultrapasse o senso comum, o Assistente Social deve fazer
as orientações e realizar os encaminhamentos que possibilitem de forma coerente e concisa de
enfrentamento da violência, pensando sempre no bom desenvolvimento biopsicossocial das
vítimas, a fim de reparar os danos causados nos laços familiares e na condição social dos
sujeitos envolvidos.
56

De acordo com as entrevistas realizadas com duas Assistentes Sociais da mesma


instituição, há alguns aspectos interessantes a serem ressaltados. Ambas se identificam com o
trabalho na área de criança e adolescente, o entrevistado 1 enfatiza este fato mencionando:

“É uma área que se você não tiver muita paixão pelo o que faz, você não
trabalha. Porque não só são demandas muito complexas, muito pesadas,
muito difíceis, como as condições de trabalho, o que você tem para oferecer
aquela sujeito também é muito complicado. Então, se você não tiver amor e
muito sangue no olho, você não consegue.” (Trecho da fala do entrevistado
1)

É possível observar que ao demonstrar a afinidade que tem com a área de criança e
adolescente a fala do profissional se caracteriza por uma postura romântica, pois ele enfatiza
um certo “amor” pela profissão, sentimento este indicado como determinante na atuação
profissional. Este mesmo assistente social afirma que os casos de Alienação Parental chegam
com muita freqüência no CREAS, já o entrevistado 2 diz que “(...) sempre chega, mas não
com freqüência.” Há portanto, uma contradição na percepção dos dois profissionais já que
eles estão inseridos na mesma instituição de trabalho.
Ao conceituarem a Alienação Parental eles optaram por darem exemplos de casos que
já tiveram a oportunidade de trabalhar e ambos fazem menção às “falsas memórias”. O
entrevistado 1 diz a se tratar de um dos casos:

“Tem inclusive gravações dele induzindo a criança a falar as coisas... com


um linguajar que não é própria daquela situação, e que por a criança não ter
passado por aquela situação ele está fazendo com que a criança vivencie uma
situação que não existiu. Porque às vezes, você conta uma história para uma
criança, ela não consegue definir se é verdade ou não, se aconteceu ou não
aconteceu.” (Trecho da fala do entrevistado 1)

Ao que diz respeito às “falsas memórias”, o entrevistado 2 afirma: “(...) as vezes até se
utiliza de pedir para a criança mentir, colocar algumas situações que não aconteceram e
depois a criança acaba falando a verdade, diz que foi a mãe ou a avó que pediu para ela
mentir.”
É interessante observar que as chamadas “falsas memórias” são perceptíveis e
aparecem no processo investigativo de intervenção dos assistentes sociais, partindo da
premissa básica de que só se investiga aquilo que conhece e causa um certo incômodo, é que
essa atitude investigativa é o fomento básico desse profissional. A respeito desse caráter
investigativo Vera Lucia Tieko Suguihiro afirma:
57

A ação investigativa dá aos profissionais a oportunidade de pensar em si


mesmos e ao seu fazer profissional. Isto requer dos profissionais disposição
de analisar e refletir, de forma aberta e transparente, suas ações, seus dilemas
e falsos dilemas, imbuídos pelo interesse em desenvolver uma ação
planejada, resultante daquela reflexão, permitindo o enfrentamento de suas
questões operativas principais. A intenção de desvelar as práticas ocultas do
cotidiano só pode efetivar-se a partir da e na ação profissional.
(SUGUIHIRO, 2012)

No que se refere a intervenção realizada pelos assistentes sociais entrevistados merece


destaque as práticas previstas no inciso III e V do artigo 4º da Lei de Regulamentação da
profissão, respectivamente: III – encaminhar providências, e prestar orientação social a
indivíduos, grupos e população; V – orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos
sociais no sentido de identificar recursos de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa
de seus direitos. Em suas intervenções o entrevistado 1 ressalta a importância de passar a
informação: “(...) levar a informação para a família, porque as vezes existe alienação parental
mas o pai sequer sabe o que é aquilo, que aquela criança ou aquele adolescente é um sujeito
de Direito, que é resguardado por Lei.”
O entrevistado 2 acredita que a orientação às famílias é uma forma de resolução do
problema, por considerar um tipo de situação simples. Sua análise sobre a alienação parental
desconsidera o fator psicológico das vítimas, pois a orientação é voltada para os adultos (os
alienadores), porém não se trabalha a questão psicossocial com quem sofreu de fato uma
violência durante todo o processo de acusações, Está claro a despreocupação e o
desmerecimento com relação ao fenômeno social na sua fala: “Os casos de alienação parental
não são tão complexos quanto os outros tipos de violência porque normalmente por uma
orientação que pode perder a guarda, que existe lei, que estão prejudicando a criança, é
resolvido.”
O atendimento no CREAS é interdisciplinar como afirma o entrevistado 2. A respeito
disso o entrevistado 1 discorre um pouco na metodologia de trabalho:

“(...) fazemos a visita domiciliar para averiguar a situação, ver o que


procede e o que não procede. Na visita a gente vai definir as partes e o
cenário da situação (apreensão da realidade), aí depois a gente marca
atendimentos: psicológico, social, jurídico. E no caso da alienação parental a
gente faz mais a questão do atendimento psicológico, já que os danos não
são físicos. Aqui no CREAS infelizmente os profissionais não podem
assumir esse trabalho terapêutico, de terapia mesmo, a gente só faz
atendimentos breves. O CREAS tem o papel e encaminhar e construir o
relatório, encaminhar para a rede, o que a gente tem disponível.” (Trecho da
fala do entrevistado 1)
58

Ao serem interrogados a respeito da participação em espaços de discussão na área da


infância e juventude, os profissionais reconheceram a importância de se inserirem nesses
espaços de deliberação e o entrevistado 2 diz que está sempre participando, já que além de
assistentes social ele é coordenador do programa, mas afirma não ter visto o tema sendo
abordado nesses espaços de construção coletiva. Já o entrevistado 1 menciona sua intenção de
participação e justifica sua ausência nesses espaços:

“Deixo aqui meu testemunho e meu apelo, porque infelizmente nós temos
uma demanda constante, crescente, por mais que a gente trabalhe sempre
tem casos e também temos um número de profissionais restrito. A
precarização do serviço acaba nos tirando desses espaços de deliberação que
é tão importante.” (Trecho da fala do entrevistado 1)

Acrescenta seu testemunho lamentando a falta de interesse do órgão maior (a


secretaria a qual o programa é vinculado – Secretaria de Trabalho e Assistência Social -
SEMTAS) em investir na capacitação dos profissionais: “A comunicação da própria secretaria
é terrível, por exemplo: teve um evento relacionado ao idoso semana passada, a gente se quer
foi comunicado, só ficamos sabendo depois.”
O profissional de serviço social também é um trabalhador assalariado e faz parte dessa
sociabilidade que perpassa as relações capital-trabalho, portanto, é considerando estes fatores
que o assistente social possui o que se chama de “autonomia relativa” em alguns espaços-
ocupacionais. Os conhecimentos e os princípios éticos são bases de sustentação que
materializam a dimensão teleológica do trabalho do Assistente Social. O fato de possuir sua
força de trabalho mercantilizada (condição específica de trabalhadores assalariados),

“subordina esse trabalho de qualidade particular aos ditames do trabalho


abstrato e o impregna dos dilemas da alienação, impondo condicionantes
socialmente objetivos à autonomia do assistente social na condução do
trabalho e à integral implementação do projeto profissional.” (IAMAMOTO,
2010, p. 416)

É possível verificar, portanto, a tensão existente entre esse projeto profissional (compreende o
caráter prático-social dotado de liberdade e teleologia, capaz de realizar projeções e buscar
implementá-las na vida social) e a condição de trabalhador assalariado (onde as ações são
submetidas ao poder dos empregadores e determinadas por condições externas aos
indivíduos). Essa tensão é o que chama-se de “relativa autonomia do assistente social”, visto
que a instituição é responsável pela organização do processo de trabalho do qual esse
profissional participa. Esse fato possibilita muitas vezes, o não cumprimento do real papel ou
distorcendo sua intervenção, como o entrevistado 2 mencionou:
59

“Eu, enquanto coordenação, estou fazendo relatórios e encaminhando ao


Ministério Público colocando o real papel do CREAS para que eles
entendam e não encaminhem, mas o órgão gestor também precisa se
posicionar, porque se a SEMTAS disser que a gente precisa atender essas
demandas, a gente tem obrigação de atender. Mas vamos fazendo enquanto
não tiver indo contra nosso código de ética, temos que fazer.” (Trecho da
fala do entrevistado 2)

Em decorrência da alta demanda do CREAS, ela acaba por abarcar uma demanda que
não é sua competência e atrasa os casos que são de sua real função. É algo recorrente na rede
de atendimento em geral.
O Assistente Social, portanto, precisa reafirmar cotidianamente seu compromisso com
a Política Nacional de Promoção, Controle e Defesa dos Direitos da Criança e do
Adolescente, combatendo o aprofundamento das desigualdades e de violações de direitos
humanos infanto-juvenis, universalizando e fortalecendo o Sistema de Garantia de Direitos. É
necessário insistir na defesa de (re)politização das instituições governamentais, assim como as
ONG’s, para que o Estado e a sociedade civil se conscientizem do seu real papel e que a
política deve ser de responsabilidade do poder público. Com relação a SAP deve-se pensar
criticamente sobre a problemática, inseri-la na agenda de discussões, para se construir uma
forma de enfrentamento, delineando uma prática do assistente social pensando nas vítimas
desse processo, na perspectiva de amenizar os danos sociais causados na vida destas.
60

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No Brasil pode-se falar em política pública efetiva para crianças e adolescentes


conquistados tardiamente, somente em 1990 com a institucionalização do ECA, quando esse
público é reconhecido como sujeitos em situação peculiar de desenvolvimento e, portanto,
possuidores de proteção integral. Antes disso as práticas sociais no país foram marcadas pelo
caráter assistencialista, corretivo e repressor, por isso o ECA representa uma inovação no
campo da proteção infanto-juvenil.
Atualmente, há quem diga que a sociedade tem vivenciado um momento de regressão
dos direitos conquistados historicamente e há quem discorde dessa afirmação, o fato é que
barreiras culturais, econômicas, políticas e sociais existem para impor limites na efetivação
desses direitos.
O processo de produção da riqueza e sua apropriação, faz com que todas as dimensões
da realidade social sejam determinadas por esse processo de modo a construir uma
sociabilidade humana marcada pela precarização da vida da maioria da população em suas
várias dimensões. Esse fato implica numa imposição de valores que mercantilizam a vida,
submete interesses particulares ao interesse público, e gera o individualismo que
responsabiliza cada um por sua situação. No campo da infância e juventude o que se observa é
a responsabilização pelo cuidado e formação desse público atribuída à família,
culpabilizando-a, quando na realidade há uma vastidão de aspectos que exercem influências
na vida desses sujeitos e que têm seus direitos violados institucionalmente no seu cotidiano.
A família contemporânea vem desvelando novas configurações e, portanto, novos
arranjos na estrutura familiar, esse fato implica na aparição de conflitos familiares e a
intensificação de outros já existentes. As relações sociais são perpassadas por conflitos
sociais, a violência vem tomando a cena desses espaços e, a família protagonizando parte do
que chamamos violência doméstica. A alienação parental é um tipo de violência psicológica
praticada dentro do seio familiar, entre os pais ou parentes próximos. É uma temática que só é
nomeada em 2010, em virtude da intensificação no número de divórcios, mas não é um
61

conflito vivenciado recentemente. Crianças e adolescentes experimentam os danos acusados


por essa violência há muito tempo, tendo seus direitos de convivência familiar saudável
violados e, portanto, prejudicando seu desenvolvimento.
Partindo do pressuposto de que a alienação parental é um fenômeno social que está
distante das discussões no âmbito das políticas públicas, é que na pesquisa de campo algumas
premissas foram comprovadas. Entendendo a importância que a temática envolve nas diversas
camadas sociais e as implicações causadas na vida das vítimas é que se faz necessário que a
rede de atendimento à criança e ao adolescente reconheça essa demanda e trabalhe
coerentemente os casos, com o intuito de amenizar o prejuízo.
Nesse sentido, a investigação foi realizada em três instituições da rede pública do
município de Natal-RN, através de três formas de obtenção de informação: a observação, a
pesquisa documental (Planilhas – SOS Criança) e a entrevista. Na observação foi possível
perceber que alguns casos que chegavam no SOS Criança raramente recebiam os
encaminhamentos cabíveis ao caso, geralmente ao não comprovar a violência denunciada
inicialmente os casos eram encerrados, este fato se comprovou nas análises de um dos
instrumentos utilizados pelos profissionais (planilha – Anexo A), em que 10 casos com
características semelhantes ao que se pode identificar a alienação parental foram
desconsideradas e os casos foram encerrados sem maiores esclarecimentos.
Nas entrevistas, de uma forma geral, foi possível traçar um perfil dos profissionais que
estão inseridos nas instituições da rede de atendimento à criança e ao adolescente de Natal-
RN, concluindo que a maioria deles se identificam com a área de atuação, estão trabalhando
nela há um tempo considerável, possuem ensino superior completo e têm um vínculo
empregatício estável, porém estes aspectos não são suficientes para eles obterem domínio
sobre algumas temáticas que permeiam o eu cotidiano de trabalho, como a alienação parental.
Pois, embora reconheçam o fenômeno como recorrente nas demandas cotidianas, eles não
conseguem intervir de forma a encaminhar como deveriam. Ou seja, os casos de alienação
parental estão sendo trabalhados de forma incoerente, contribuindo portanto, para um
aprofundamento dos danos causados nas vítimas desse incansável processo de acusações entre
genitores e demais parentes próximos. O fato se deve a uma desarticulação na rede
atendimento, tendo em vista a necessidade de programas e ações direcionadas para esse
segmento da classe social que promovam práticas de discussões visando clarear a
problemática e viabilizar para a população a compreensão desta.
62

Além disso, foi realizada uma visita ao CONSEC-RN com o intuito de saber se esse
conselho tem algum trabalho desenvolvido em capacitações ou campanhas na área da
alienação parental, e a conclusão da visita é que este órgão responsável por discutir temáticas
que abrangem a infância e juventude do RN, não leva em consideração a importância do tema,
desconhecendo portanto, as implicações e relevância que ele possui na vida dos envolvidos.
É necessário discutir e avançar na política com o montante de recursos necessários,
pois pouca possibilidade existe de produzir os efeitos esperados se à sua amplitude tal valor
não tiver correspondência. Contudo, participação nos conselhos não deve ser desarticulada da
mobilização social e da vinculação com os movimentos sociais e organizações de base
popular da sociedade em defesa dos direitos e das lutas sociais no Brasil, ainda que vivendo
tempos de despolitização do significado da participação social.
É possível destacar ainda, a relevância desse tema para o debate do Serviço Social,
visto que é uma profissão que luta pela ampliação, execução e efetivação dos direitos sociais.
Os profissionais entrevistados tiveram opiniões divergentes em alguns aspectos, mas
conseguiram atingir uma expectativa de resposta coerente ao se tratar das intervenções
realizadas por ambos.
A família contemporânea, portanto, tem se transformado e vivenciado algumas
determinações da ordem burguesa, que impõe limites e influencia a sua organização e os
dilemas do seu cotidiano. Esta ordem faz parte do que o sistema sócio-econômico vigente
prega: a redução da intervenção estatal e maior responsabilização dos sujeitos sociais. Esse
fato impõe barreiras para que os direitos sociais sejam efetivados, implementando políticas
sociais precarizadas e insuficientes. Há também um grande desrespeito das conquistas sociais,
como a legislação vigente, no caso da infância e juventude, o ECA. A Alienação parental é
mais uma forma de ataque aos direitos preconizados no ECA, mas as instituições que
trabalham com esse público sequer reconhecem sua importância e, portanto, de forma geral
não realizam intervenções que possam amenizar os danos causados às vítimas do processo. E
isso faz parte das práticas neoliberais, onde os profissionais não se interessam e não recebem
investimento no que tange as temáticas que permeiam seu cotidiano de trabalho, é mais
confortável para o estado não se preocupar com essas problemáticas e injetar na mente da
população práticas individualistas, que culpabiliza cada ser social por sua condição de vida.
63

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67

APÊNDICE (A) - PROFISSIONAIS DA REDE DE ATENDIMENTO Á CRIANÇA E


AO ADOLESCENTE

I - IDENTIFICAÇÃO:

NOME:
DATA DA ENTREVISTA:
SEXO:
INSTITUIÇÃO EM QUE TRABALHA:
TEMPODE SERVIÇO NA INSTITUIÇÃO:
JÁ TRABALHOU EM OUTRA INSTITUIÇÃO DA MESMA ÁREA? QUAL? QUANTO
TEMPO?
VÍNCULO EMPREGATÍCIO:
GRAU DE ESCOLARIDADE:
II - Questionamentos
PONTOS A SEREM ABORDADOS DURANTE A ENTREVISTA:
GOSTA DE TRABALHAR COM CRIANÇAS E ADOLESCENTES (TEM
FAMILIARIDADE COM A ÁREA) ?
1. O que você sabe sobre Alienação parental?
2. No seu campo de trabalho você consegue identificar casos de Alienação Parental? Se
sim, com muita freqüência?
3. O que você acha que deve ser feito nesses casos?
4. De que forma a temática é trabalhada na instituição em que você está inserido (a)?
68

APÊNDICE (B) - ASSISTENTES SOCIAIS

I - IDENTIFICAÇÃO:
NOME:
DATA DA ENTREVISTA:
SEXO:
INSTITUIÇÃO EM QUE TRABALHA:
TEMPODE SERVIÇO NA INSTITUIÇÃO:
JÁ TRABALHOU EM OUTRA INSTITUIÇÃO DA MESMA ÁREA? QUAL? QUANTO
TEMPO?
VÍNCULO EMPREGATÍCIO:
II – Questionamentos:
1. Conceitue sucintamente a Alienação Parental.
2. Tendo em vista as demandas da instituição, você consegue enxergar casos de
Alienação Parental? Com que freqüência?
3. Ao intervir nesses casos, quais os encaminhamentos realizados de acordo com o seu
fazer profissional?
4. Você tem participado de momentos de discussão coletiva na rede de atendimento á
criança e ao adolescente, tem se articulado e debatido o tema?
69

ANEXO (A)
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