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A Basilica e a Gruta da Virgem de Lourdes
AS lVIA~AVILt{AS
DE

LOURDES
á face

da SCIENCIA e da HISTORIA

POR

.IU~Ctlli3ALDO ~Ii3EI~O

PARIS
LIVRARIA SÃO JOSÉ
TOLRA E SIMONET, EDITORES
28, rue d'Assas, et rue de \'augirard, 76 .•.
LIBRAIRIE DE LA GROTrE LIVRARIA PORTUGUEZA
DE JOAQUIJ[ IIARIA DA COSTA
à LOURDES
55, Largo dos Loyos
(Hautes-Pyrénées) PORTO (Pol'tugal)

1912
A 1\IEU ILLUSTRE AMIGO

SE~lf.O~ JOÃO JOA.QUifd OE SOUZA. SOB~I~flO,

Homenagem atfectuosa

DO

AOTO~
AS :IIARAVILHAS DE LOURDES IX

~ na Italia. Medicas eruditos e proficientissimos têm


discutido certas curas em muitas centenas de pagi-
nas; são trabalhos de apreço releçante.
Planeando meu liçro, eu me predispunha a dar
ul?ia noticia concisa do conjuncto da Historia de
Lourdes, considerada em si mesma, e em relação
com as Autoridades Ecclesiastica e Ciçil, examinada
e discutida á face da Sciencia e dos Factos.
Foi exactamente o que realisei.
Procnrei aproçeitar a alegre temporada de tres
mezes qne estiçe em Lourdes, onde passei o çerão
transacto, epoça do grande moçimento das Pere-
grinações. Apalpei com minhas proprias mãos e
vi com meus proprios olhos curas admiraçeis. Que
graça preciosa e ineffaçel I O phenomeno esplende
de tal maneira, que a escripta, embora a mais
caprichosa, brilhante e perfeita, não pode· pin-
tal-o ! ...
Acceite, meu caro Amigo, a homenagem d'esse
líçrinho, penhor do muito que o estimo.

ARCHIBALDO RIBEIRO.

Paris, Abril de 1912.

2
I

HISTORIA DAS APPARIÇÕES

Em uma tarde de inverno, a 11 de Fevereiro


de 1858, Bernadette Soubirous, Maria sua irmã,
e J oanna sua amiga, saíam, alegres, da cidade
de Lourdes em demanda dos arredores á busca
de lenha.
Eram pobres.
Já no campo, estava Bernadette nas visinhanças
do Gave, sosinha e separada das companheiras,
quando ouviu um forte ruido, semelhante a um
furacão que prenuncia tempestade. Olhou á di-
reita, á esquerda, examinou as arvores das mar-
gens do rio, e, vendo uma calma completa, julgou
ter-se enganado; continuou, pois, seu trabalho.
De repente, um novo rumor, como o primeiro,
repercutiu. Teve medo, e, firme, ficou de pé.
Attonita e silenciosa, sem poder falar e pensar,
voltou a cabeça para uma Gruta, onde zunia um
vento forte. << Quasi ao mesmo tempo, contou ella
depois, promanava do interior da Gruta uma nu-
2 AS 1f AR AVJLII AS DE LOC RDES

vem de ouro, e logo após uma Senhora Lella,


bellissima sobretudo, como igual jamais contem-
plei, appareceu á entrada d'uma abertura do ro-
chedo. Immediatamente me olhou; sorriu, e, t erna
como uma mãe, fez um signal para que eu me
approximasse . Esvaíra-se o pavor; eu não sabia
mais onde me achava. Eu abria os olhos, fechava,
desconfiada de mim mesmo e procurando a reali-
dade. E a Senhora permanecia sempre lá, sorrindo,
e fazendo-me comprehender que eu me não enga-
nava. Sem idéa de minhas acções, tirei meu terço
do bolso e ajoelhei-me. A Senhora approvou minha
deliberação, e ella mesmo passou para os dedos
um terço que trazia no braço direito. Deixou-me
rezar só; mas, correndo entre seus dedos os grãos
do terço, no fim de cada dezena pronunciava com-
migo : Gloria Patri, et Filio, et Spiritui Sancto.
Recitado o terço, a Senhora entrou no interior
do rochedo, e com ella occultou-se a nuvem de
ouro .
A Senhora poderia t er 16 ou 17 annos. Trajava
uma veste candida, presa na cintura por uma
faixa azul-celeste, cuja partes extremas pendiam
longamente. Um véo branco e cumprido cobria
sua cabeça, deixando apenas aperceber os cabellos.
Os pés estavam nús, quasi cobertos pela veste, e
brilhava sobre cada extremidade uma rosa côr
de ouro. No braço direito tinha um terço de contas
' brancas, cuja cadeia fulgia como as rosas dos pés.
AS MAilAVILHAS DE LOURDES 3

Maria e J oanna ainda encontraram Bernadette


de joelhos, e riram-se de boa vontade. Levando
cada uma seu feixe de lenha, pozeram-se em mar-
cha de regresso . Em caminho Bernadette pergun-
tou, simulando indifferença, se tinham visto algu-
ma cousa na Gruta.
(( Não, responderam. Porque? n
- Oh, então não é nada, minhas caras !
Em casa, recommendando segredo, relatou á
sua irmã Maria o facto maravilhoso da Gruta.
A imagem da Senhora apossou-se de seu espí-
rito, e á noite, estando toda a família reunida para
a oração commun, começou a chorar.
((Que tens? n - interrogou Luisa Casterot.
Maria, deante da pergunta materna, violou o
sigillo promettido e adeimtou-se em responder;
assim Bernadette foi obrigada a referir o caso
da Gruta.
(( São illusões, disse por fim sua mãe; é preciso
afugentares essas ideas de tua mente, e nunca mais
voltarás ás paragens de Massabieille. n

* **

Bernadetle, pensando na imagem graciosa e


amoravel da Senhora, não dormia; tornou-se
seria, reconcentrada, meditativa. Luisa se desvel-
lou em quanto poude para distraír sua filha :
contou-lhe mil historias, e disse-l.he até que o
AS MARAVILHAS DE LOURDES

espirito das trevas muitas vezes se transformava


em anjo de luz, para seduzir os incautos, e era de
crer que o mesmo ardil se tramasse em Massa-
bieille.
Bernadette tudo ouvia, sem, entretanto, ficar
persuadida. No dia 14 uma força irresestivel a
attraia á Gruta.
Como fazer, se sua mãe tinha prohibido? !. ..
Timida, pediu a sua irmã Maria conseguisse a
licença necessaria.
Não tendo effeito propicio essa intervenção,
J oanna Abbadie implorou a Luisa não resistisse
mais. Muito a custo, e crendo que, nada se repro-
dusindo na Gruta, se acalmasse o espirito de sua
filha, permittiu.
Maria e J oanna, que não resistiram á tentação
de quebrar o segredo desejado por Bernadette,
foram, pressurosas, communicar ás suas amigas
intimas que a licença estava dada.
Bernadette, lembrando-se das palavras de sua
mãe, premuniu-se contra todos os artificios do
demonio. Chegando á Gruta, ajoelhou-se no
mesmo lugar da vez passada, e orou.
Subito, exclamou :
« Eil-a !... Eil-a !... »
Suas amigas, mais de dez, caíram de joelhos
em torno de Bernadette, que então vivia uma
vida não commun, nos paramos do extasis.
Seu olhar, doce e tranquillo, como igual jamais
AS MARAVILHAS DE LOURDES 5

pintaram os mais celebres artistas, se fixava no


nicho rustico; era a encarnação de uma felicidade
divina I Seu rosto, transfigurado e radiante de
ventura, tinha uma expressão indefinivel.
Concluida a visão, mencionou o occorrido, que
era a repetição da visão precedente.
A irmã de Bernadette, soluçando, como succedeu
a muitas de suas amigas na Gruta, entrou em casa;
suffocada pela emoção, não poude explicar á sua
mãe o motivo de suas lagrimas. Esta, fóra de si,
prevendo alguma desgraça, partiu para a Gruta.
Encontrando no caminho duas ou tres mulheres
que lhe informaram achar-se Bernadette no
moinho de Savy, colerica se dirigiu para lá, onde
reprehendeu e ameaçou Bernadette. Ia castigai-a,
quando uma pessoa, que ha poucos momentos
havia estado na Gruta, susteve seu braço, di-
zendo :
<< Que faz eis? Porque assim tratais vossa filha?

Nunca olvidarei como ella se achava na Gruta! »


A mulher Soubirous sentou-se, olhando Berna-
dette que chorava.

***
Ao entardecer de um bello dia, 18 de Fevereiro,
as sras. Millet e Antoniette Peyret, já conhece-
doras das noticias das Apparições, espalhadas no
local, entravam na residencia Soubirous. Nesse
6 AS MARAVILHAS DE LOURDES

mesmo momento Bernadette sollicitava debalde a


autorisação de sua mãe para ir á Gruta. Millet e
Peyret defenderam seus rogos, empenhando-se e
promettendo acompanhai- a ao sitio almejado.
Não foi sem obstaculos que cantaram victoria.
Na manhã do dia seguinte se dirigiram as tres
para a Gruta.
Bernadette, ajoelhada, orava, quando, numa
palpitação de alegria, exclamou :
«· Lá está! ... Lá está! ... »
Houve um emocionante dialogo entre ella e a
Senhora, que lhe pediu viesse á Gruta durante
quinze dias.
Bernadette prometteu.

***

Francisco e Luisa Soubirous, quando Bernadette


Jhes informou o pedido da Senhora, ficaram per-
plexos. A Senhora que elles julgavam ser uma
forma vaporosa, creada pela phantasia de sua
filha, falava : era uma pessoa Peal, vivente. Quem
· seria essa Senhora? ! Seria mensageira de paz ou
de agonia?! Dariam licença a Bernadette?!
Era um problema difficil. Consultada uma
parenta, permittiram.
E no dia 19, procurando evitar a vista dos curio-
sos, Bernadette, Bernada sua tia, e Luisa partiram
AS ~lARAVILHAS DE LO URDES 7

para a Gruta. Apezar de todo o cuidado, algumas


pessoas as segmram .
Na Gruta, Bernadette, como sempre, ajoelhou-se
e orou. Immersa nas delicias da contemplação,
sorrisos encantadores e ineffaveis illuminaram-lhe
o rosto, e uma alegria celeste palpitava-lhe em
todo o ser. L ag~imas de commoção banharam os
olhos dos assist entes . Indescriptivel foi o abalo
experimentado pela mãe de Bernadette, que,
após o extasis, acolheu sua filha com amplexos
de ternura. Narrou Bernadette que a Senhora
se manifestara satisfeita por causa de sua ida á
Gruta, e prometteu fazer-lhe revelações.

***
Era 20 de Fevereiro.
A affluencia de pessoas na Gruta era crescente;
começou por grupos, chegando a centenas, e
passando de milhares. Bem cedo ainda, ao assomar
dos primeiros lampejos da aurora, Bernadette
saíu de seu lar querido, chegando ás 6 1/2 á Gruta.
Não se encommodou com os olhares da multidão
que a esperava. Serena, começou sua fervorosa
prece. Um momento depois resplandescia em seus
olhos uma luz extranha. Sua mãe, presente a esta
scena do céo, exclamou : « Desmaio, e não re-
conheço mais minha filha. »
O enthusiasmo foi commovente e geral. Depois
8 AS MARAVILHAS DE LOURDES

do extasis, Bernadette affirmou que a Senhora lhe


tinha ensinado, palavra por palavra, uma oração
intima.

***
O doutor Dozous, medico riquíssimo de fama e
pauperrimo de crença, julgando ir assistir a um
caso nevropathico, dirigiu-se á Gruta. Lamentava
as interpretações populares, e, facto extraordina-
rio, elle mesmo reconheceu que o problema de
que se tratava não podia ser explicado por seu
cabedal scientifico. Leiamos o que seu proprio
punho escreveu ácerca da sexta Apparição :
(( Logo que Bernadette chegou á Gruta, aj oe-
lhou-se e orou. De repBnte, uma mudança com-
pleta de seu rosto denunciava que ella estava
em communicação com a Apparição.
... Seguindo attento todos seus movimentos,
quiz saber qual era o estado da circulação do
sangue e da respiração. Segurei o braço da mo-
cinha, examinei a arteria radial : o pulso era tran-
quillo, regular, e a respiração facil; nada indicava
uma excitação nervosa. Depois que, concluído
meu exame, deixei o braço de Bernadette, ella

lr. levantou-se, adeantando-se para a Gruta. De


chofre, seu semblante, que era a expressão viva
I da fel_icidade mais perfeita, entristeceu-se; duas
lagrimas caíram de seus olhos. Fiquei surprehen-
dido. Ausentando-se o. ser mysterioso, perguntei-
AS MARAVILHAS DE LOURDES 9

lhe o que se passara em seu espirito com relação


aos indicias da dor, respondeu-me : « A Senhora,
afastando o olhar de mim, fitou o longe. Logo,
quando senti de novo seu olhar, lhe perguntei
o que soffria, e me disse : Orae pelos peccadores,
pelo mundo agitado!
- Retirou-se, como de costume, simples e
modesta (1). >>

Laicadé, Prefeito do Municipio; Dutour, Pro-


curador Imperial; J acomet, Commissario de poli-
cia, encarregados da tranquillidade publica, sob
o pretexto de que essa agglomeração de pessoas
na Gruta ia causar serios conflictos, reuniram-se
para ver o que se poderia providenciar. As Appa-
rições movimentavam toda Lourdes; operarios e
outras pessoas escravas do trabalho semanal,
aproveitando o domingo de 21 de Fevereiro, foram
á Gruta. A concurrencia foi notavel. As Autori-
dades alludidas, não querendo ferir a susceptibi-
lidade popular, deliberaram empregar esforços
para que, convencendo Bernadette, ella não vol-
tasse mais á Gruta, e, assim, eliminando a causa,
a effervescencia dos effeitos desappareceria :
sub lata causa, tollitur effectus.

(1) Vid. La Grotte de Lourdes, sa fontaine. ses guérisons


Dozous.
10 AS MARAVILHAS DE LOURDES

Dutour chamou Bernadette á sua presença, e


a interrogou da seguinte maneira :
« Menina, fazeis com que muito se fale de vosso
nome; é verdade que tendes intenção de continuar
vossas visitas á Gruta?
- Sim; isso prometti á Senhora.
- Mas, minha pobre criança, vossa Senhora
não existe; é um ser puramente imaginaria.
- Quando ella me appareceu pela primeira
vez, assim tambem julguei; hoje, porém, estou
convicta de que me não engano.
- Como sabeis?
- Porque a vi varias vezes, e ainda esta manhã
falou commigo.
- As Irmãs do Collegio que frequentais me
asseguram que se trata de uma illusão.
- Se as Irmãs do Collegio vissem como eu
vejo, acreditariam.
- Attendei : acabar-se-á descobrindo alguma
cousa occulta que explique vossa obstinação; já
se divulga que recebeis presentes ...
- Nada tenho recebido.
- Entretanto, fostes hontem á morada da sra.
Millet, acceitando alguma cousa ...
- :g verdade; a sra. Millet me fez tomar um
copo de agua:com assucar para acalmar minha
asthma; foi o que acceitei.
- Seja qual for o motivo, vossa ida á Gruta é
um verdadeiro escandalo; arrastais a multidão, e
AS ~URAVILIIAS DE LOURDES 11

é preciso que todas essas causas terminem. Pro-


metteis não voltar mais a Massabieille?
:É impossível.
:É vossa ultima palavra?
Sim, Senhor.
Então, parti ... Veremos .

***
J acomet, sem se preoccupar com o insuccesso
de Dutour, quiz falar com Bernadette. Estrade
que tanto blasonou contra Lourdes, convertendo-
se depois, compareceu a esse interrogatorio insi-
diosamente amavel; descreve-nos em um seu pre-
cioso livro (1), citado com a maior consideração
pelos homens mais eminentes que têm escripto
sobre Lourdes : « J acomet : J a terás comprehen-
dido, sem duvida, o fim de eu te ter chamado
aqui. Falaram-me de tantas bellas cousas de tuas
visões em Massabieille, que minha fé, como a de
todo o mundo, está anciosa para saber do que se
trata. Desagrada-te referir-me, e ao sr. Estrade,
os factos de teus encontros com a Senhora da
Gruta?
Não .
- Tu te chamas, creio, Bernadette? ...

(I) Vid. Les Apparitions de Lourdes: J.-B. ESTRAD~.


12 AS MARAVILHAS DE LOURDES

- Sim, Bernadette.
- Bem; e teu nom~ de família?
- Bernadette Soubirous.
- Que eda de tens?
- Quatorze annos.
- Não te enganas? - ajuntou o Commissario
sorrindo, como que a interrogando se não exagge-
rava.
- Não, não me engano; tenho quatorze annos.
- Que fazes em tua casa?
- Nada de relevante; desde que regressei de
Bartrês vou á escola para aprender o Catecismo;
depois da escola cuido de meus irmãos, que são
mais moços que eu.
- Então habitaste Bartrês? Que fizeste lá?
- Ordinariamente pastoreava um rebanho de
ovelhas.
O Commissario, em tom prazenteiro, versou sobre
assumptos secundarios, e quando julgou ter cap-
tado a confiança de Bernadette proseguiu : Agora
chegamos ao ponto que queremos conhecer de ti,
_isto é, á scena do rochedo de Massabieille, que
ardentemente te ha impressionado. Não temas
em explicar-te.
Bernadette, como se estivesse entre ·os seus, com
sua voz sympathica, tudo relatou com emoção e
olhos cheios de lagrimas. Emquanto ella falava, o
Commissario escrevia. Por fim, continuou elle : O
que me contas é com effeito assaz interessante;
AS MARAVILHAS DE LOURDES 13

mas, quem é essa Senhora de quem estás apaixo-


nada? Conheces?
- Não a conheço, respondeu com tocante
simplicidade.
- Dizes que é bella; como quem?
- Oh ! É mais bella que todas as senhoras que
tenho visto até aqui.
- Mais bella ainda que as senhoras F. et F.?
cita~Ja as mulheres mais formosas do lugar.
- Não ha rivalidade.
- Esta Senhora age, falá, ou permanece immo-
vel como uma estatua de Igreja?
- Ella gesticula, sorri, e fala como nós; entre
outras cousas me perguntou se eu tinha a bondade
de ir á Gruta durante 15 dias.
Que respondeste?
- Prometti que iria.
- Que dizem teus pais a respeito de tudo isso?
- A principio, que era illusão ...
- Sim, filha, teus pais têm rasão, e as cousas
que pensas ver e ouvir não existem senão em tua
imaginação.
- Outros me têm dito o mesmo; estou segura,
comtudo, do que affirmo.
- Escuta : Se a Senhora do rochedo fosse uma
pessoa como as demais, todos a pod,eriam admirar.
Não achas?
- Sem entrar em explicações, posso affirmar-
vos que a Senhora é real e vivente.
14 AS MARAVILH AS DE LOURDE S

Não tenho nenhum motivo para impedir


tua fé na existencia supposta da Senhora. Entre-
tanto, como é provavel que o Prefeito ou outra
Autoridade me peça informação do occorrido,
vejamos se estão bem escriptas as notas que me
déste. ))
O Commissario segurou a folha de papel, e,
desejando saborear um fructo de contradicção,
assim falou :
<< Disseste que a Senhora t em a edade de 19 a

20 a1mos? ...
- Não; disse de 16 a 17.
- Que está com uma veste azul e cinto bran-
co? ...
- O contrario : veste branca e cinto azul.
- Que os cabellos caem para traz? ...
- Entendestes mal : é o véo que cae. ll
Bernadette corrigiu, respeitosa e sem timidez, as
variantes do Commissario; este mudou de tactica,
tomando um ar serio e ironico :
« Minha cara Bernadette, deixei-te falar á von-
tade; agora devo declarar-te que já conheço a
historia de tuas pretendidas visões ; essa historia
é de pura invenção, e eu sei donde proveiu ... n
O Commissario fez uma pausa, e fitou a criança,
que respondeu :
« Sr., não vos comprehendo.
- Quero ser mais explicito. Dize-me : Alguem
não te aconselhou em segredo para proclamares
AS MARAVILHAS DE LOURDES 15

que a Virgem te apparecia em Massabieille, e que


fazen_do isto não somente passarias por uma
santa, mas ainda que a Virgem te seria grata ?
- Ninguem me aconselhou o que proferis.
- Sei como deverei proceder; não quero alar-
mar um escandalo, nem te collocar em má si-
tuação. Exijo de ti uma simples promessa, e é a
de não mais voltares á Gruta.
- Prometti á Senhora que voltaria.
- Ah! exclamou o Commissario, leçantando-se
da cadeira, e manifestando-se raiçoso . Crês então
que estaremos sempre de bom humor para ouvir
tuas historietas, e ceder a teus caprichos? Se neste
momento não te submettes á promessa indicada,
chamarei os soldados para te levarem á prisão. >>
Bernadette ficou impassível.
Estrade falou á vidente :
<< Minha filha, não te obstines; promette o que

te pede o Sr. J acomet; do contrario, sabes a negra


sorte que te aguarda? ! >>
Ficaram sem resposta as palavras do conse-
ft
lheiro.
Nesse ínterim, abriu-se uma porta, e um homem
do povo appareceu.
<< Que quereis? - interrogou o Commissario.
- Sou o pae desta criança, respondeu, indi-
gitando Bernadette.
- Bravo I Chegastes em boa occasíão; eu ia
mandar procurar-vos. Sabeis a farça de vossa
3
16 AS MARAVILHAS DE LOURDES

filha, que, nestes dias, doutrinada por alguem,


revela mentiras, enganando os imbecis. É preciso
que esta comedia termine, porque constitue um
perigo para o repouso da cidade. Eu vos previno
que se não tendes autoridade, para reter vossa
filha em casa, terei eu para retel-a em outra parte.
- Oh, St. Commissario, deix?-e-me ser franco :
quanto a mim, estou certo que a criança tudo conta
com sinceridade; agora, ella se enganará? É o nosso
embaraço ... Eu vos asseguro que eu e minha mu-
lher muito nos aborrecemos com isso. Desde tres
ou quatro dias nossa casa está repleta de curiosos,
e não sei como reprimir essa invasão. Sou feliz
em aproveitar-me de vossas ordens para fechar
minha porta ao publico. Quanto a Bernadette,
cuidaremos para que ella não volte mais a Massa-
bieille. »
O Commissario felicitou o pai de Bernadette
pelas suas boas disposições.
A sós, confessou Estrade a J acomet :
<< As respostas d'esta criança são extraordina-

rias !. ..
- Ella está magnificamente ensinada.
- Não partilho vossa opinião; esta criança se
acha fascinada, e o quadro que ella viu ou acre-
ditou ver está sob seus olhos; reproduzindo-os,
descreve aquillo que vê.
Qual ! Ella recita o que aprendeu !
Crêdes que uma pobre criança da qualidade
AS ~L\RAVILHAS DE LOURDES 17

d' ella desempenharia semelhante papel? É rm-


possivel!
- Meu caro, não tendes a pratica da policia. >>
Ambos excluiam o sobrenatural : um, via em
• Bernadette uma falsa devota; o outro, as seduc-
ções enganadoras de uma brilhante fascinação.

***
Agentes de policia vigiavam os passos de Ber-
nadette.
Na manhã de 22, segunda-feira, cumprindo as
ordens de seus pais, foi ao Collegio, com recommen-
dação expressa de não se desviar do caminho.
Entretanto, ordens mais soberanas que as da
policia e de seus pais a impelliam para a Gruta ...
E eil-a no dia 24 contemplando a Senhora de
seu amor l
Estrade, movido por mera curiosidade, e a
instancias de sua irmã, assistiu á septima Appa-
riçao. Assim nol-a descreve :
<< Na manhã aprazivel, chegando Bernadette á

Gruta, recatadamente se ajoelhou, e começou a


recitar o terço. Sem demora, com um sobresalto
de admiração, pareceu nascer a uma vida nova.
Illuminaram-se-lhe os olhos; sorrisos seraphicos
abriram-se-lhe nos labios; Bernadette não era mais
Bernadette !. .. Era um desses seres privilegiados,
que o Apostolo das grandes visões nos apresenta
18 AS MARAVILHAS DE LOURDES

deante do Throno do Cordeiro. Espontaneamente,


nós, os homens, tiramos os chapeos da cabeça, e
ajoelhamo-nos como as mulheres mais humil-
des. Fitando a Gruta nada víamos, mas o que
podíamos ver, comprehender, e attestar, era um
colloquio entretecido éntre a Senhora mysteriosa
e a criança que tínhamos sob os olhos ...
O extasis durou uma hora, e esvaecido imper-
ceptivelmente, contemplamos Bernadette sempre
amavei, mas rustica como antes. Emocionado, um
mundo de pensamentos abalava minh'alma. »

***
A 24 de Fevereiro, Bernadette chorava copiosa-
mente, amargurada como uma Magdalena arre-
pendida. Soluçando, disse, em meio do extasis, aos
que estavam na Gruta: << Penitencia! PenitenciaI
Penitencia ! >>
Reinava um silencio solemne, quando um Offi-
cial, acompanhado de um ajudante de ordens, em
um intervenção mesquinha e ridícula, exclamou,
rijamente.:
<< Que fazes, comediante? ... >>

Ferido pela falta da resposta, referiu,-se á mul-


tidão :
<< E tudo isso se contempla em pleno secu-

lo XIX!. .. >>
AS MARAVILHAS DE LOURDES 19

Um ameaço de justa indignação interrompeu a


eloquencia espectaculosa do Catão militar.
A todos j a era sympathica a pessoa perseguida
de Bernadette!

***
UI!fa nuvem de tristeza envolveu o espirito da
multidão que se achava na Gruta no dia 25.
<< Bernadette enlou"queceu !... >> diziam todos. E

porque?
Ouçamos o que ella respondeu ás pessoas que,
vendo-a depois do extasis e em caminho para a
cidade, sem nota alarmante- e caracterisadora de
imperfeito uso de rasão, lhe perguntaram :
« Bernadette, esta manhã muito te distraiste
na Gruta. Porque aquellas idas e vindas? Porque
escavaste a terra e bebeste a agua que te deveria
repugnar? Porque comeste a h erva?
- Quando eu orava, a Senhora ordenou-me
em voz amigavel, e ao mesmo tempo seria : « I de
beber e laÇJar-ÇJos na fonte. >> Como eu não soubesse
onde estava a fonte, dirigi-me para o Gave; a Se-
nhora chamou-me, e fez signal com o dedo para
approximar-me do angulo esquerdo da Gruta.
Uma força interior, como aquella qua me fez
comer a herva, induziu-me a esgravatar a terra :
- a agua brotou. Bebi, e lavei-me. >>
E desta fonte têm dimanado oceanos de gra-
ças!. ..
20 AS )IARAVILHAS DE LOURDES

Pessoas ~iedosas, que, depois da saida de Ber-


nadette, ficaram orando na Gruta, examinaram
o lugar esgravatado : corria um fio de agua; além
era absorvido pela areia. Era de manhã, e, depois
do meio-dia, houve um novo exame : a corrente
cresceu, e crescendo ainda, a pouco e pouco, cedo
levou agua abundante para o leito do Gave.
Bernadette estava rehabilitada, e cantos de
louvor foram erguidos á Senhora!

***
26 de Fevereiro.
Bernadette, chegando á Gruta, não se mani-
festou surprehendida pela fonte. A Senhora lhe
ordenou obras de expiação pelos peccadores.

***
Na Apparição de 27, em que as alegrias do
extasis se prolongaram mais que de ordinario, a
Senhora deu a seguinte mensagem a Bernadettc :
<< Ide dizer aos padres que aqui deve ser erigida

uma Capella. »
A vidente, apezar de conhecer o genio austero
do Vigario Peyramale, que não dava- assim como
seus Coadjutores - importancia ás noticias das
Apparições, apresentou-se a elle sem tardança.
AS MARAVILHAS DE LOURDES 21

O Padre, que não a conhecia, perguntou-lhe


quem era.
- Bernadette Soubirous.
- Ah !. .. f;s tu?! -disse o Padre com a indif-
ferença e seiJeridade de seu caracter, obseriJando o
perfil de Bernadette. Bem, que queres?
- A Senhora da Gruta me encarregou de trans-
mittir aos padres que desejava ter uma capella em
Massabielle.
- Quem é essa Senhora de quem falas? - disse
o padre, fingindo tudo ignorar.
- E uma Senhora muito bella que appareceu
no rochedo ...
- Sim; mas quem é? :É de Lourdes? Tu a
conheces?
- Nem é de Lourdes, nem a conheço.
- Tu acceitas de uma pessoa que não conheces
commissões como esta?
- Sr. Padre, a Senhora que aqui me enviou
não se parece com as outros senhoras.
- Que queres dizer com isto?
- Quero dizer que é formosa como só ella, e
penso que é do Céo.
- Perguntaste-lhe o nome?
- Sim; quando pergunto, inclina a cabeça,
sorri, e nada responde.
- Então é muda?
- Não; sempre fala commigo, e se fosse muda
eu não viria aqui ·procurar-vos.
22 AS MARAVILIIAS DE LOURDES

Conta-me o começo e curso de teus collo-


quios com ella. »
Bernadette expoz, com voz dulcíssima e persua-
siva, tudo o que se referia ás Apparições. O Viga-
rio, dissimulando as impressões que experimen-
tava, continuou o interrogatorio :
« Informaste-me que a Senhora que te apparece
te encarregou de dizeres a0s padres que anhela
ter uma Capella em Massabielle ...
- Sim, Sr. Padre.
- Mas, não vês que a Senhora quiz brincar
comtigo, expor-te ao ridículo? Se uma senhora da
cidade te tivesse dado semelhante encargo, cum-
pririas?
- Ha uma grande differença entre as senhoras
da cidade e a Senhora que vejo na Gruta.
- Com effeito, é grande a differença !... Uma
Senhora que não tem nome, que não se sabe donde
vem, que habita uma roca, com os pés nús, é
digna de seria consideração? I Minha filha, és vic-
tima de uma illusão. >>
Bernadette, abaixando a cabeça, nada redar-
guiu .
O padre :
tt Dize á Senhora que o Vigario de Lourdes não

tem o costume de tratar com gente que não con-


hece; que, antes de tudo, exige a declaração do
nome, e, demais, provas de que o dado nome lhe
pertence. Se a Senhora tem direito a uma Capella,
AS MARAVILHAS DE LOURDES 23

ella comprehenderá o sentido de minhas palavras,


e se não o comprehende, pode dispensar-te de
trazer ao Vigario novos recados.
Saíu Bernadette, saudando ao Vigario, em cujo
intimo algo de extraordinario se operava.

* •
**
Na madrugada de 28 um numero superior ao de
2.000 pessoas aguardava a chegada de Bernadette
á Gruta.
As communicações deste dia foram, como em
outras occasiões, particulares, e todos respeita-
ram o silencio da menina. Após o extasis, foi ella
ouvir · a Missa de domingo.

***
Obreiros piedosos endireitaram o caminho da
cidade para a Gruta, que deveria ser no futuro um
dos maiores e mais transitados do mundo. Em
uma piscina, construida por elles, se virificaram
as primeiras curas. As maravilhas iam ser multi- •
plicadas!
Em toda parte se agitava um grande movi-
mento. A campanha da imprensa impia estimulava
os extrangeiros e curiosos a virem a Lourdes.
Enlevados, testemunhavam a realidade; o
triumpho de Bernadette era maior! Na Apparição
24 AS MARAVILHAS DE LOURDES

de 1° de l\Iarço, que se effectuou sem particulari-


dades, esteve presente um padre de fóra, attraíndo
a attenção geral; era a primeira vez que se via
um sacerdote na Gruta!

***
Como no dia 27 de Fevereiro, depois do extasis
se levantou Bernadette muito preoccupada :
tinha nova missão para o Vigario, e não sabia
como apresentar-se deante de sua pessoa.
Ordenara a Senhora, e era forçoso partir!. ..
Pedindo a sua tia Bernada a acompanhasse,
dirigiu-se a cumprir seu dever. O padre Peyramale,
recebendo-as com gelida delicadesa, perguntou a
B ernadette :
<< Que vens communicar-me? A Senhora falou-te?

-Sim; encarregou-me de repetir-vos que deseja


ter uma Capella em Massabielle, aggregando
ainda : Quero que aqui se íJenha em procissão.
- Minha filha, não faltava mais ! Ou mentes,
ou a Senhora não é senão uma mascara d' aquella
que julgas. Sollicita uma -procissão, e para que?
Sem duvida, para fazer rir a gente sem crença, e
desconsiderar a Religião . Diz-lhe de minha parte
que ella conhece mal as attribuições hierarchicas
do clero. Se a reclamante fosse Aquella a quem
compete as honras que almeja, ella saberia que
não tenho faculdade para tomar a iniciativa de
AS )IARAVILHAS DE LOURDES 25

semelhante manifestação. Ella te mandaria ao


Bispo de Tarbes, e não a mim. ;
- Mas, Padre, a Senhora não me disse que
queria no-presente uma procissão, e, se bem com-
prehendi, trata-se do futuro.
- É tempo de sair d' esse labyrintho ! Dirás a
ella que com o Vigario de Lourdes é preciso falar
claro. Quer uma Capella? Quer uma procissão?
Com que titulos? Quem é ella? D'onde vem e por
que a ctos se recommenda? Vamos ao fim : Se a
Senhora é Aquella que a crença vulgar suppõe,
eis um meio de reconhecimento : Ella apparece
na Gruta sobre uma roseira; pois faça Ella florir
a roseira em presença da multidão, e dar-te-ci
então credito. Na manhã em que me declarares
este prodigio prometter-te-ei acompanhar-te á
Gruta.»
Bernadette e sua tia, sorrindo a essa linguagem,
que constrangia a Liberdade da Providencia,
cumprimentaram o Vigario, e retiraram-se.

* **

Um convencido do sobrenatural das Apparições,


visitando o Padre Peyramale, encontrou-o todo
pensativo, passeiando no seu mimoso jardim. O
Padre revelou ao visitante as communicações que
ha poucos momentos lhe fizera Bernadette, salien-
tando particularmente o pedido da procissão,
26 AS MARAVILHAS DE LOURDES

que lhe parecia estulto, incorrecto, intempestivo.


Se a criança diz a verdade - commentava o
Reverendo, - aquella que fala me propõe uma
insubordinação á autoridade ecclesiastica. Se não
fala a verdade neste ponto, que criterio poderei
formar do .resto de sua narração?
- Parece-me, Vigario, que o vosso raciocínio
se funda em falso supposto. Bernadette, em decla-
rando que se trata de uma procissão no futuro,
creio haver interpretado fielmente o pensamento
da Senhora.
- Quem poderá garantir isso?
- A logica dos factos.
- É uma logica de optimista.
- Oh! Para mim não ha duvida que assim a
capella como a procissão um dia se farão.
- Qual, homem !
- Guardae bem na vossa memoria : Vós um
dia, revestido da mais bella capa, vossos paro-
chianos, todos, nos transportes de uma alegria
santa, se dirigirão para a Capella de Massabielle,
e quando cantardes : Sancta Maria, serei feliz em
responder-vos : Ora pro nobis.

***
O tempo passou ... A Capella foi erecta ... E a
5 de Outubro de 1872 notava-se em Lourdes uma
imponente manifestação nacional, a primeira
AS 1\iARAVILHAS DE LOURDES 27

d'este genero, composta de 25.000 peregrinos. Ás


· duas horas da tarde do dia seguinte, todos, inclusive
oito Bispos, em solemne procissão, saíam da Igreja
Parochial em direcção da Gruta de Massabielle.
Homenagens civis e militares foram prestadas.
Quando o Vigario Peyramale elevou a voz, can-
tando : Sancta Maria, o visitante de 2 de Março
de 1858, J. B. Estrade, respondeu a seu lado cheio
de ve....TJ.tura: Ora pro no bis; houve entre os dous um
olhar de sublime eloquencia !...

***
Como uma ou outra vez, no dia 3 de Março a
Senhora não appareceu na Gruta.
Os trens vinham completamente cheios; o
agrupamento em Massabielle era grande; as
autoridades vigiavam. Os j ornaes discutiam entre
si : os catholicos nada, geralmente, proferiam sobre
as Apparições; os adversarios, avançando sem
exame, tudo averbava de fanatismo, ignorancia.
Paris borborinhava commentando o caso. Das
polemicas travadas, em que se enterreiravam as
melhores pennas da epoca, nada se definira.
No dia 4, chegando Bernadette á Gruta, um
fremito singular se propagou em mais de 20.000 es-
pectadores.
« Eis Bernadette !... >>
E ella, simples e humilde, caminhava entre o
28 AS MARAVILHAS DE LOURDES

povo que a acclamava. No extasis, ora era a ima-


gem da Felicidade, ora da Dor.
cc Como desappareceu a Senhora? - pergunta-
ram-lhe.
- Como sempre; sorriu, sem me dar, entre-
tanto, o adeus final.
- É terminada a quinzena; voltarás ainda á
Gruta?
- Oh, sim ! Eu voltarei sempre, mais ignoro se a
Senhora quererá reapparecer. »
Dous guardas, como na vinda, abriram ala para
a saída de Bernadette. Todos a queriam ver. As
mulheres extrangeiras, que não temiam as baione-
tas e arruaças de soldado, iam beijai-a.

***
Os jornaes impios, no período de 4 a 25 de Março,
clamavam que a vidente, abandonada pelo favor
popular, vivia encerrada na casa de seu pai, medi-
tando com tristeza sobre as glorias fugitivas e
ephemeras de sua habilidade sybillina.
Bernadette, entretanto, ia sempre á Gruta, e,
sem esque~r a Senhora, vivia satisfeita, trilhando
um caminho de paz e innocencia.
Muitos, é verdade, tinham por certo estarem
terminadas as Apparições, mas perseverava o
fogo da fé.
A noite de 24 foi de insomnia para Bernadette;
AS 1IARAVILHAS DE LOURDES 29

o recondito de sua alma ja era attingido pelos res-


plandores de proximo e portentoso acontecimento;
á alvorada de 25, pressurosa foi á Gruta. Che-
gando, já estava illuminado o nicho, e, como narra
Bernadette : « ELLA, com meiguice, olhava a mul-
tidão, como uma mãe carinhosa olha seus filhos.
Quando me puz de joelhos, pedi-lhe perdoasse
minha demora. Sempre boa para mim, fez-me
comprehender que não era preciso excusar-me.
Exprimi todos os meus jubilos em revel-a. Eu
orava; meu espírito era dominado pelo pensa-
mento de implorar-lhe o nome.
Eu temia ser importuna em reiterar essa per-
gunta, que num movimento irreprimível saíu de
meus labios. Como as vezes precedentes, inclinou
a cabeça, e nada respondeu.
Senti-me mais corajosa, e de novo · roguei-lhe
a mesma graça. Renovou o sorriso e uma graciosa
saudação, guardando silencio.
Implorei pela terceira vez, e ella com um ar
grave pareceu humilhar-se ... Juntou as mãos, ele-
vando-as sobre o peito ... olhou o Ceo ... ; lentamente
separando as mãos, inclinada para mim, disse-me :

EU SOU A IMMACULADA CONCEIÇÃO.

Celebrava a Igreja a festa da Annunciação, e


Maria Santissima, revelando-se na Gruta de
30 AS MARAVILHAS DE LOURDES

Lourdes, acolhia e ractificava os titulos do Dog-


ma Sagrado, que, em Dezembro de 1854, definiu
Pio IX, com jubilo intenso de todo o orbe catho-
lico ! Quando Bernadette repetiu o nome da
Senhora, um vento forte de emoção agitou o vasto
mar humano que murmurava em to_rno da Gruta.
Osculando as pedras da rocha, todos exclamavam
esta invocação grandiosa : Oh Maria, concebida
sem peccado, rogae por nós que recorremos aVós!...

***
Na Apparição de 7 de Abril tinha Bernadatte
um cirio na mão direita, cuja flamma lhe atraves-
sava os dedos durante um quarto de hora. Depois
do extasis, o Dr. Dozous, que estava na Gruta,
examinou a mão : estava intacta !. .. Pediu um
cirio, e fez com que Bernadette repetisse a scena.
Ella retirou logo a mão, exclamando : << Vós me
queimaes ! >>

*** •
A Virgem pedindo a Bernadette viesse á Gruta
durante quinze dias, melhor quinze vezes, não
determinou o lapso de tempo. Na festa do Carmo,
a vidente orava na Igreja Parochial. Ouviu a voz
melliflua da S. S. Senhora que a chamava á Gruta.
Obedeceu. Fixando o rochedo, transfigurada pela
aureola do extasis, disse : << Sim, sim, eil-a !. .. Ella
AS ~IARAVILHAS DE LOURDES 31

nos sauda por de traz da barreira ... » Bernadette


parecia, toda jubilosa, bella como nunca, querer
voar ao Céo !. ..
O sol adormecia no leito purpurina do occidente,
e o manto da noite começava a cobrir a bacia,
manancial divino, de Massabielle.
A Virgem, illuminando com um ultimo olhar
de ardente amor sua privilegiada, desappareceu ...
Adeus !... Bernadette só a reveria nos eternos
esplendores da Gloria I
32 AS MARAVILHAS DE LOURDES

DATAS DAS DEZOITO APPARIÇÕES

Apparição I" : 11 de Fevereiro de 1858.


Apparição n• : 14 de Fevereiro de 1858.
Apparição III" : 18 de Fevereiro de 1858.
Apparição Iv• : 19 de Fevereiro de 1858.
Apparição V" : 20 de Fevereiro de 1858.
Apparição VI• : 21 de Fevereiro de 1858.
Apparição VII" : 23 de Fevereiro de 1858.
Apparição VIII" : 24 de Fevereiro de 1858.
Apparição IX" : 25 de Fevereiro de 1858.
Apparição x• : 26 de Fevereiro de 1858.
Apparição XI" : 27 de Fevereiro de 1858.
Apparição XII" : 28 de Fevereiro de 1858.
Apparição XIII" : 1 de Março de 1858.
Apparição XIV" : 2 de Março de 1858.
Apparição xv• : 4 de Março de 1858.
Apparição XVI" : 25 de Março de 1858.
Apparição XVII" : 7 de Abril de 1858.
Apparição XVIII .. : 16 de Julho de ·1858.
AS MARAVILHAS DE LOURDES 33

PLACA COMMEMORATIVA DAS DEZOITO


APPARIÇÕES, E DAS REVELAÇÕES DA VIRGEM

Em uma placa de marmore branco, encravada


numa parede, perto da Gruta, memorando as Appa-
ricões e as principaes revelações da Virgem lmmacu-
lada, está escripto o seguinte :

L'AN DE GRACE 1858


7
DANS LE CREUX DU ROCHER OU L 0N VOlT SA STATUE
LA SAINTE VIERGE APPARUT A
BERNADETTE SOUBIROUS DIX-HUIT FOIS
LE 11 ET LE 14 FÉVRIER
CHAQUE JOUR, DEUX EXCEPTÉS, DU 18 FÉVRIER
AU 4 MARS
LE 25 MARS; - LE 7 AVRIL; - LE 16 JUILLET
7
LA SAINTE VIERGE DIT A L ENFANT 7 LE 18 FÉVRIER
<< VOULEZ-VOUS ME FAIRE LA GRACE DE VENIR
ICI PENDANT QUINZE JOURS
JE NE VOUS PROMETS PAS DE VOUS RENDRE HEUREUSE
DANS CE MONDE, MAIS DANS L'AUTRE
JE DÉSIRE QU'IL VIENNE DU MONDE »
LA VIERGE LUI DIT PENDANT LA QUINZAINE
« VOUS PRIEREZ POUR LES PÉCHEURS; VOUS BAISE!lEZ
LA TERRE
POUR LES PÉCHEURS
PÉNITENCE I PÉNITENCE ! PÉNITENCE !
ALLEZ DIRE AUX PRÊTRES DE FAIRE BATIR
UNE CHAPELLE
JE VEUX QU'ON Y VIENNE EN PROCESSION
ALLEZ BOIRE A LA FONTAINE ET VOUS Y LAVER
ALLEZ MANGER DE CETTE HERBE QUI EST LA »
LE 25 MARS 7 LA VIERGE DIT
« JE SUIS L'IMMACULÉE-CONCEPTION »
r
li

LOURDES E A AUTORIDADE
CIVIL

A descrença é uma epidemia que lavra nos


homens de governo; temendo um principio sobre-
natural, um soberano invisível que os julgue, dese-
jam negar sua existencia, e esforçam-se para
convecer a si mesmos e aos demais. Sem repouso
de animo, sem luz na consciencia e esperança no
coração, continuam sua obra demolidora. Entre-
tanto, o triumpho da Verdade, aspiração sagrada
das almas nobres, é mais pujante; narra a Historia
que os monumentos das conquistas mais grandio-
sas foram erigidos nos campos onde mais sangrenta
e porfiosa se desenvolveu a peleja. A mão que
recebe o beneficio, muitas vezes, despede a frecha
que mata; Lourdes, esquecendo o valor das gra-
ças, pretende destruir o throno da Rainha que
lh'as dispensa. No Capitulo antecedente descre-
vemos a attitude das Autoridades de Lourdes
36 AS MARAVILHAS DE LOURDES

deante das noticias das Apparições. Apezar da


relação de Bernadette ser confirmada pelo presti-
gio de multiplos acontecimentos, a lucta proseguiu.
lrrompeu fremente com um grito de falso trium-
pho, quando o pharmaceutico Latour deu de seu
laboratorio, a p€dido de adversarios das curas
miraculosas realisadas na fonte de Massabielle, o
seguinte despacho chimico :
« A agua da Gruta de Lourdes é muito límpida,
sem odor e sem gosto especial; seu pêso especifico
approxima-se muito do da agua distillada. Con-
tem estes elementos :
1° Chloruretos de soda, de cal, de magnesia; -
abundantes;
2o Carbonatos : de cal, e de magnesia;
3° Silicatos : de cal, e de alumina;
4o Oxydo de ferro;
5° Sulfato de soda;
'()o Phosphato ·: vestígios;
7o Materia organica.
Notamos, na composição d'€sta agua, uma
ausencia completa de sulfato de cal ou selenite.
Esta particularidade, realmente notavel, é toda
a seu favor, e deve nos fazer considerar que, sendo
muito leve, é facil á digestão, imprimindo á eco-
nomia animal uma disposição favoravel ao equi-
líbrio vital. Não muito avançamos em dizer que,
á vista da reunião e qualidades das substancias
que a constituem, a sciencia medica não tardará,
AS MARAVILHAS DE LOURDES 37

talçez (1), a reconhecer as virtudes curativas e


€speciaes que poderão classificai-a no numero das
aguas que formam a riquesa mineral de nosso
departamento.
A. LATOUR.
Maio 1858. Pharmaceutico. »

Supposto que este exame, em vez de ser apoiado


€m uma temeraria probabilidade, desse uma cer-
teza absoluta, ainda assim a sciencia medica era
intrinsecamente impotente na explicação d' este
phenomeno sempre repetido na piscina de Lour-
·des : A instantaneidade da cura !.. . Os corpos vi-
ventes são compostos de pequenas massas de uma
substancia plastica semi-fluida. Os plastidios,
<Jontidos nas cellulas, formam as partes de nosso
<lorpo : pelle, musculos, tessidos organicos, etc ...
As leis de restauração, por exemplo, dos tecidos,
quando são lesados, são as mesmas do crescimento :
{) protoplasma actual vem de um protophasma
anterior; a restauração é lenta.
E agora, como a agua de Lourdes causa, e
'Como a sciencia medica explica o restablecimento
momentaneo, rapido, de Carlos Brou, Margarida
Ménand, Carlos Augusto, J oaquine Dehant, Corbet,
...
Maria Borel-objecto de repugnancia dos mais
<lorajosos enfermeiros? !

(1) O grypho é meu.


38 AS MARAVILHAS DE LOURDES

Nunca! E é o que sempre se dirá no infinito dos


tempos ...
Engana-se, pois, o pharmacopola de Trie. O
exame de Latour e um zelo hypocrita inspiraram
o decreto abaixo, que, no dia 8 de Junho, se lia
nos muros da cidade de Lourdes e num poste
levantado no cume de Massabielle.
(( O Presidente do Concelho da villa de Lourdes,
Em virtude das instrucções que lhe foram dadas
pela Autoridade Superior;
Eu virtude das leis de 14-22 de Dezembro de
1789, de 16-24 de Agosto de 1790, de 19-22 de
Julho de 1791, de 18 de Julho de 1837, sobre a
administração municipal;
Considerando que o interesse da Religião exige
por um terno ás scenas deploraveis, que se passam
na Gruta de Massabielle, situada á margem esquer-
da do rio Gave;
Considerando, a demais, que o dever do Mu-
nicípio é zelar pela saude publica;
Considerando que um grande numero de pes-
soas, pertencentes e extranhas ao Termo, vem
tirar agua de uma surgente da dita Gruta;
Considerando que ha serias razões para pensar
que esta agua contem princípios mineraes, e que
é prudente, antes de usal-a, esperar uma analyse
scientiflca para ver o modo de sua applicação
prescripto pela medecina;
Considerando que a lei submette o lucro e
AS MARAVILHAS DE LO"GHDES 39

direcção das fontes mineraes á autorisação do


Governo;

DECRETA :

ART. I . - E' prohibido tirar aguada fonte allu-


dida.
ART. n. - E' egualmente prohibido passar ao
terreno municipal que circumda a Gruta.
ART. m.- Será construída á entrada da Gruta
uma barreira de pranchas para· impedir o in-
gresso.
Em poste será collocado o seguinte aviso : Não é
permittido entrar nesta propriedade.
ART. rv. - Toda desobediencia ao presente
Decreto será punida conforme á lei.
ART. v. - O Sr. Commissario de Policia, os
Corpos de cavallaria e infantaria, os guardas
campestres e as Autoridades do Termo ficarão
encarregados da execução do que foi aqui estabe-
lecido.

Dado em Lourdes, no Paço do Município, a


8 de Junho de 1858.

O Presidente do Concelho A. LACADÉ.

Visto e approvado.

O Prefeito : O. MASSY. n
40 AS MARAVILHAS DE LOURDES

Este decreto ateou a flamma da revolta no espí-


rito do povo; o incendio foi veloz. Uns diziam :
« Que importa ao Prefeito que creiamos ou não nos
acontecimentos da Gruta? Com que direito quer
impedir que bebamos d'aquella agua? Somos
homeus livres, ou escravos?! » Todos exclama-
vam : « Coragem 1 Destruamos a barreira! » Um
espírito calmo, dominando os animos febris,
propoz uma manifestação pacifica de protesto.
Acolhida a idéa, teve seu effeito no dia 10 de Junho,
quando, cessado o trabalho, innumeras pessoas se
reuniram perto do Pont- V ieux, d' onde se dirigi-
ram para a Gruta. As notas da Ladainha es-
praiavam-se, sonoras, nas quebradas dos alcanti-
lados montes. Apezar d'esta manifestação retum-
bante se repetir duas vezes no período de 4 a
16 de Junho, as Autoridades, insensíveis, nada
reprimindo e concedendo, pareciam ignorar tudo ..•
Então, na tarde de 17 de Junho, braços vigoro-
SDS desfizeram a barreira em pedaços, e no dia
18 o Prefeito, pezaroso, lia a seguinte communica-
ção :
« •.. O guarda campestre, na ronda d' esta man-
hã, ás 5 horas, achou a barreira destruída, e as
pranchas nas bordas do Gave. Só o poste foi respei-
tado. Acabo de mandar reunir a madeira para
reerguer a barreira. Fui fazer pesquizas afim de
descobrir os autores do delicto. Estando a Gruta
1solada de Lourdes, convirá, Sr. Prefeito, para
AS MARAVILHAS DE LOURDES 41

evitar a repetição do havido, que esta Gruta seja


inspeccionada durante a noite (1). »
Reconstruída a barreira, foi sempre despeda-
çada, ás occultas da vigilancia permanente de
Massabielle. Dous despachos successivos recebeu
o Prefeito : no primeiro se dizia que, além da
barreira, foi demolido o poste; no segundo, onde
o informante deixou transparecer um certo desa-
nimo, especificava-se que, tudo espatifado, poste
e pranchas foram atiradas ao Gave e levadas pela
corrente (2) .
Installado um rigoroso processo-verbal contra
aquelles que palmilhassem a propriedade munici-
pal de Massabielle, advertida a vigilancia, foi de
novo levantada a barreira.
A luta abriu suas fauces : de um lado, a auto-
ridade não se amainava; do outro, obreiros sobre-
. tudo, defendendo ardorosamente sua indepen-
dencia religiosa, no auge do despeito, decidiam :
« D'aqui a pouco os membros dos soldados correrão
na tona do Gave como as pranchas da barreira .. .
Nenhum conselho era ouvido; no meio de um
panico amedrontador, horrível, um Apostolo da
Paz se interpoz entre as partes litigantes, e,
referindo-se aos operarios, que antes não o atten-

(1) Vid. Lettre n. 130;- 1858, Correspond. de la Mairie de


Lourdes.
{2) Vid. Lettres n. 136 et 144;- 1858, Correspond. de la Mairie
de Lo urde.9.
42 AS MARAVILHAS DE LOURDES

deram, exclamou : « o sangue correrá, mas o


primeiro sangue a banhar a terra de Lourdes será
o de seu Pastor! »
O Vigario Peyramale vencera! Todos festejaram
o socego restaurado.
O proprio Prefeito que, conferenciando, a
mandado do Ministro de Culto, com o illustrado
Bispo de Tarbes a respeito dos factos da Gruta,
se oppoz em tudo á prudencia episcopal, . e que,
apezar de fazer propaganda de seu zelo religioso de
publicano nos primeiros considerandos do supraci-
tado decreto de 8 de Junho, sempre se manifestou
hostil á disposição ecclesiastica, do imo d'alma
congratulou-se com a intervenção proficua do
Vigario Peyramale.

***
O povo, sujeitando-se ás penas do processo,
pagando generosamente as multas, ia sempre,
em romaria de piedade e amor, á Gruta da Virgem.
Com gosto imrnenso, recordando Jesus no pretorio
de Pilatos, comparecia ás audiencias da justiça,
d'oude saía erguendo « Vivas a Nossa Senhora de
Lourdes I »
O Agente Callet (1), vigia da Gruta, antes de
cumprir as ordens de seus chefes, prostrado, com

(1) Callet falleceu h a poucos annos; em Lourdes, era o Cice-


rone mais conhecido e estimado dos Peregrinos.
AS MARAVILHAS DE LOURDES 43

fervor recitava todos os dias seu rosario ao lado


da barreira; depois de dar a Deus o que era de
Deus, ia dar a Cesar o que era de Cesar ...
A 28 de Julho, depois de meio dia, o guarda
lobrigou nas alturas de Massabieille uma elegante
senhora, trajando luto, ladeada por duas mocinhas,
tambem attrahentes pela dignidade de porte e
distincção de maneiras; caminharam, ajoelhando-
se perto do Gave.
Callet, approximando-se e tirando o képi, com
visível embaraço gaguejou :
« Senhora, ignorais, sem duvida, que é prohibido
chegar até aqui. »
- Vcj o, Guarda, que tendes um ar de optima
pessoa; sendo extrangeira, e não regressando
mais a Lourdes, peço-vos me permittais entrar á
Gruta com minhas duas filhas, e ser-vos-ci bem
grata.
- Mas, Sra., seríeis, assim, incluída no pro-
cesso ...
- Oh, que tem isso? I Feito o processo, tudo
pagarei. ))
Callet cedeu, e incontinente abriu a barreira. Em
voz alta as tres visitantes recitaram o rosario.
Depois beberam da agua, e, trazendo um raminho
de arvore como lembrança, estavam f óra da
barreira, quando Callet, respeitoso, se apresentou,
inquirindo o nome da mulher.
« Sou a esposa do Almiran.t e Bruat, governante
44 AS MARAVILHAS DE LO URDES

do Principe Imperial >>, respondeu simplesmente.


Callet, como se fosse attingido por uma corrente
electrica, turbou-se, e não lhe foi possivel acertar
uma letra. A Senhora sorriu, e, tomando a carteira
do guarda, ella mesmo escreveu o nome. Com
benevolencia e reconhecimento sandou a Callet,
e retirou-se.
Minutos depois, um homem de quarenta e cinco
annos, corpulento, transpondo a barreira, sem
ceremonia e sem licença penetrou a Gruta.
« Olá, sr. ! - gritou Callet. Não olhastes para o
poste que se acha no alto? !
- Sim; olhei, meu bom amigo, e li tamhem o
decreto de vosso chefe.
-E, com tanta placidez, não vos incommodais? 1
Dizei-me vosso nome e qualidades.
- Escrevei : Luiz Veuillot, redactor chefe
d' « UniCJers n de Paris. >>
Callet, que desconhecia a notoriedade dos ho-
mens de letras, não se commoveu tanto como
deante da sra. Bruat.
Veuillot, com o chapéo na mão, examinou a con-
formação do rochedo já famoso, fixou a vista no
nicho; em attitude de quem medita esteve du-
rante um quarto de hora. Finalmente, dirigindo
um ultimo olhar sobre todo o conjuncto da Gruta,
saíu, esquecendo-se de despedir-se do guarda.

* **
AS MARAVILHAS DE LOURDES 45

O celebre jornalista subia, fleugmatica e vaga-


rosamente as escarpas de Massabielle, emquanto
Callet praguejava : « que não pises mais aqui, gordo
mal educado !. .. n
Quando o Commissario de Policia aveviguou a
lista do dia, franziu as sobrancelhas : não sabia
que fazer com a Sra. Bruat e o afamado redactor
chefe d' << UniCJers n. Perplexo, foi conferenciar com
o Presidente do Concelho; este, achando o caso
intrincado e espinhoso para pronunciar seu pare-
cer, e não querendo tomar parte em uma critica
situação que elle não creara, disse ao Commissario
que consultasse o Prefeito, o qual, igualmente, se
affligiu. Informando o Prefeito ao Ministerio de
Culto que se achava na alternativa de : << ou citar
a Sra. Bruat e Luiz Veuillot, ou não perseguir
ninguem n, o Ministro, sem explicações, estatuiu
que << não perseguisse ninguem para sempre n.
Não obstante, a bilis do Prefeito não deixou de
ser amarga ...

***
Ainda reinavam duvidas sobre a verdadeira
natureza da agua de Lourdes; os crentes, teste-
munhando curas miraculosas, apoiavam o pro-
jecto de que um novo exame fosse feito por mãos
mais habeis. Convocado o Concelho (1), que queria

(1) Vid. Séance du Conseil municipal de Lourdes du 3 juin 1858.


46 AS MARAVILHAS DE LOURDES

uma brilhante e explícita confirmação, sem as


alternativas do talçez do exame do chimista já
nomeado, para obter a precisa realidade (1),
unanimemente se deliberou que fosse reiterado o
exame . Foi então convidado o eximio chimico
Filhol (2), o mais considerado nas regiões do
Midi, Professor da Faculdade de Sciencias de
Tolosa, caracter integro e muito conhecedor da
maior parte das fontes mineraes dos Pyreneos.
Publicada sua decisão, o sobrenatural triumphara!
Elle d'est'arte se expressou :
« Eu, abaixo-assignado ... , certifico ter analysado
uma agua proveniente de uma fonte que se encon-
tra em uma Gruta, nos arredores de Lourdes ... »
Eis os resultados da dissolução :
1o Oxygenio;
2o Azote;
3° Acido carbonico;
40 Carbonatos de cal, de magnesia, e vestígios
de carbonato de ferro;
5° Um carbonato ou um silícato alcalino,
chloruretos de potassio e de sodium;
6° Vestígios de sulfato de potassa e de soda;
7° Vestígios de ammoniaco;
8° Vestígios de iodio.

(1) Vid. R egistre des délib éra tions du Conseil municipal de


Lourdes.
(2) Vid. L eure n. 129; 16 juin 1858. :\Iairie de Lourdes.
AS MARAVILHAS DE LOURDES 47

Analyse quantitatiça da agua - Um kilogramma.

Accido carbonicoo o O gro 08 centigr.


'Üxygenioo . O gro 05
Azote o o o o o o O gro 17
Ammoniaco o o • vestigios
<Carbonato de cal o O gr. 096 miligr.
Carbonato de magnesia o gro 012
Carbonato de ferro . . vestigioso
Carbonato de soda • .
<.::hlorureto de sodium . O gro 008 miligr.
<.::hlorureto de potassium. vestigios.
Silicato de soda e vestigios de sili-
cato de potassa. . . . . . O gro 018 miligr.
Sulfato de potassa, de soda . vestigioso
Iodio . • • •
ToTAL • • • • O gro 134 miligr.

Deduz-se d'esta analyse que a agua da Gruta


de Lourdes tem uma composição tal, que pode ser
-considerada como uma agua potavel semelhante
á maior parte d' aquellas que se encontram nas
montanhas, cujo solo é calcareo.
Esta agua não possue substancia alguma activa
-capaz de dar-lhe especiaes propriedades therapeu-
ticas; pode ser bebida sem inconveniente. >>

FrLHOL. >>

Tolosa, 7 de Agos~o de 18580

A decepção dos adversarios foi cruel!. .. Na


a.gua limpida da Gruta, onde se effectuavam
5
48 AS MARAVILHAS DE LOURDES

curas admiraveis e radicaes de casos pathologicos,


como cancros, chagas, ankyloses, muitos recebiam
o baptismo da fé.
Sem embargo, apezar da decisão do Ministro de
Culto, e da resposta de Filhol, a barreira perseve-
rava, e já era delirio a guerra dos correligionarios
do Prefeito em nome da Religião, em nome da saude
publica! ...

***
Napoleão III, como todos os annos, veio passar
em Biarritz a estação deliciosa dos banhos de mar.
Aproveitando o ensejo, os habitantes de Lourdes
e dos arredores, capitaneados por pessoas respei-
tabilissimas, foram expor a Sua Magestade o pro-
cedimento arbitraria do Prefeito Massy. Ouvindo
attenciosamente, o Soberano, sem mesmo aguar-
dar o fim da audiencia, chamou seu secretario, a
quem ordenou telegraphasse ao Prefeito de
Tarbes para fazer desapparecer a barreira que
obstruia a entrada da Gruta, e não mais se intervir
nos factos das Apparições.
A 5 de Outubro foi demolida a barreira por
aquelles que a erigiram, sendo affixado nos muros
da cidade :

O Presidente do Município da r;illa de Lourdes,


Em virtude das instrucções que lhe foram
dadas pela Autoridade Superior,
AS MARAVILHAS DE LOURDES 49

DECRETA :

Está retirado o aviso dado a 8 de Junho de 1858.

Em Lourdes, no Paço Municipal a 5 de Outu-


bro de 1858.
O Presidente : A. LACADÉ.

Algumas semanas mais tarde, o M oniteur Offi-


ciel publicava a transferencia de Massy para Gre-
noble, e a de J acomet para Avinhão.
..
III

LOURDES E A AUTORIDADE
ECCLESIASTICA

Levianamente se affrrma que a Igreja é faoil


.em admittir o facto miraculoso, e já houve quem
dissesse que Lourdes era o grande laboratorio
oude ella forjava elementos para compor milagres.
E' a systematica asserção da ignorancia 1
Quem conhece, por exemplo, o Opus de SerCJorum
Dei Beatificatione et Beatorum Canonisatione, se
admirará, de certo, da norma rigida, publicada
pelo insigne Benedicto XIV, com que são examina-
dos os factos miraculosos. Falando do processo,
requer o sabio Pontifioe que alii çiri apresentem
seu franco depoimento, referindo-se aos medicas,
entre os quaes, segundo elle, devem ser preferidos
os << atheus, impios, adversarios da ordem sobre-
natural e extrascientifica ». O Codex Postulatorum,
que vigora na Igreja, recommenda a mesma
cousa. Verdade é que um medico sem crença, que
e_diflcou na materia o culto de sua divindade, não
sigilla directamente uma cura maravillosa com o
52 AS MARAVILHAS DE LOURDES

titulo de milagre; entretanto, seu exame illumina


a mente de quem pode defirâl-o.
Benedicto XIV prescreve sete condições para
que . uma cura possa ser denominada "miracu-
losa : I) que a enfermidade seja grave, _impossivel
ou difficil de curar-se; n) que a enfermidade não
esteja em sua ultima phase, tendente a um
proximo desapparecimento; m) que se não tenham
usado remedios, ou que estes certamente não
tenham sido efficazes; Iv) que a cura tenha sido
instantanea; v) que a cura tenha sido perfeita; vi)
que não tenha succedido nenhuma crise; vn) que
a mesma enfermidade não tenha reapparecido.
São estas as leis que a Igreja observa no estudo
das curas de Lourdes.
E' incontestado e conhecido o custo da Auto-
ridade Ecclesiastica em admittir a Apparição de
Nossa Senhora na Gruta de Massabielle. O Bispo
de Tarbes, apezar de sua veneravel prudencia,
riu-se deante das affirmações de Bernadette; o
Padre Sempé lamentava o estrepitoso enthusiasmo
das gentes; o Vigario Peyramale dizia que em
Lourdes se tratava de um Carnaçal de Appari-
ções.
A decisão ecclesiastica tardou muitissimo, e
só a 1° de Agosto de 1858 saíu á luz a :
« Ordem do Exmo e Rmo Sr. Bispo de Tarbes,
constitutiva de uma commissão encarregada de
investigar a authenticidade dos factos que se
AS MARAVILHAS DE LOURDES 53

têm produzido, ha seis mezes, por occasião de


umas Apparições, verdadeiras ou suppostas, ga
Santissima Virgem, em uma Gruta, situada ao
oeste da cidade de Lourdes :
Bertrão-Severo Lourenço, por Mercê de Deus
e Graça dà Santa Sé Apostolica, Bispo de Tarbes;
Ao Clero e aos Fieis de nossa diocese, saudação
e benção em Nosso Senhor Jesus Christo.
Veneraveis Irmãos e Filhos muito amados :
Factos de uma alta importancia, ligados á Reli-
gião, movimentam a Diocese inteira e repercutem
bem longe, desde 11 de Fevereiro. Fala-se que
Bernadette Soubirous, residente em Lourdes, da
edade de 14 annos, teve visões na Gruta de Massa-
bielle; que a Virgem ~mmaculada lhe appareceu;
que uma fonte surgiu; que o uso da agua d' esta
fonte tem operado um grande numero de curas;
que estas curas têm tido caracteres miraculosos;
que multidões, sejam de nossa diocese, sejam das
dioceses visinhas, vêm quotidianamente buscar
n' esta agua a cura de seus diversos males, invo-
<Cando a Virgem Immaculada. A Autoridade Civil
tem creado renhidas luctas á crença geral, e de
todas as partes, desde Março, roga-se que a Auto-
ridade Ecclesiastica se defina sobre este assumpto
momentoso.
Críamos, entretanto, não ter chegado a hora de
occupar-nos utilmente do caso, e que, para puijlicar
nosso juizo, era preciso proceder com uma sabia
54 AS MARAVILHAS .DE LOURD.ES

lentidão, desconfiar dos primeiros arrebatamentos,


deixar que os espiritos recuperassem a calma.
habitual, dar tempo á reflexão e pedir luzes paTa
uma observação attenta e esclarecida.
Tres classes de pessoas, com vistas differentes,
appellaram para nossa decisão.
Uma, desprezando, de prompto, todo exame,
não via nos factos da Gruta e nas curas attribuidas
á fonte, senão superstição, charlatanerias, enganos.
Seus jornaes proclamavam que nada mais havia
de que embuste, má fé, affnmando que os factos
da Gruta incluem um interesse sordido, uma
crença culpavel, ferindo, assim, o senso moral de-
nossas populações christãs. Que o partido de tudo
negar, de accusar as intenções é mais facil para
destruir as difficuldades, nós estamos de accordo;
mas, além de ser um methodo pouco leal, é perni-
ciosissimo, e proprio mais a irritar os espiritos que
a convencei-os. Oppor-se á possibilidade dos factos
sobrenaturaes, é seguir uma escola impia, é abjurar-
a religião chl'istã, é trilhar a rota da philosophia
incredula do ultimo seculo. Nós, catholicos, nãct
podemos pedir conselho, nesta circumstancia, ás
pessoas que afastam de Deus o poder de fazer
excepções nas ·leis geraes por elle estatuiclas para
o governo do mundo, - obra de suas mãos; nem
podemos tambem discutir com ellas para chegar
a co~nhecer se tal facto é ou não sobrenatural,
porque de antemão proclamam que o sobrenatural
AS MARAVILHAS DE LOURDES 55

é impossível. E confessando isto, é manifestar a


idéa de que Tepellimos, sobre os factos vigentes,
uma discussão longa, sincera, criteriosa, sob o
influxo da scien~ia e seus progressos?
Não, de certo. Nós a desejamos com todas as
nossas forças; queremos que estes factos sej aro
submettidos ás severas regras da critica prescrip-
tas pela sã philosophia, que, para decidir se são
sobrenaturaes e divinos, se chame para a discussão
homens imparciaes, instruidos, versados nas scien-
cias theologica, medica, physica, chimica, geolo-
gica, etc ... , e que, emfim, a verdadeira sciencia seja
ouvida, e pronuncie sua sentença. Desejamos que,
para se chegar á verdade, nenhum meio se omitta.
A .segunda classe não approva nem rejeita os
factos propalados; suspendendo seu juizo, para
formal-o, anhela conhecer a decisão da Autoridade
competente, e a sollicita com fervor.
A terceira, mais numerosa, já alimenta prema-
turas convicções sobre os ditos factos, e espera com
viva impaciencia que o Bispo Diocesano se mani-
feste sobre a materia. Apezar de nutrir a esperança
de uma decisão favoravel a seus piedosos senti-
mentos, bastante conhecemos sua submissão á
Igreja para estarmos conscios de que nossa palava,
fosse qual fosse, seria de bom .grado acolhida.
E', portanto, para o bem da Religião e piedade
de tantos milhares de fieis, para responder a ~m
appello publico, para sopitar as incertezas e acal-
56 AS MARAVILHAS DE LOURDES

mar os espíritos, que cedemos hoje ás instancias


que ha muito nos são dirigidas continuadamente
pedindo luzes sobre os factos que interessam
no mais elevado grau os fieis, o culto de Maria, e a
propria Igreja. Resolvemos, com effeito, nomear
na diocese uma Commissão permanente para
averiguar e registrar os factos que se passaram
-e poderão reproduzir-se na Gruta de Lourdes.
Particularisamos o caracter de nossos ordens,
para, d'esta forma, termos os elementos necessa-
rios e precisos para uma solução fundamentada.

A esta causa,

Invocado o Santo Nome de Deus, ordenamos:


ART. r. - Que uma Commissão, instituída na
Diocese de Tarbes, averigue :
1) Se têm havido curas operadas pelo uso interno
ou externo da agua da Gruta de Lourdes, e se
-estas curas podem ser explicadas naturalmente,
ou se devem ter attribuidas a uma causa sobrena-
tural.
2) Se as visões que Bernadette Soubirous diz
ter succedido na Gruta são reaes, e, n'este caso, se
ellas podem explicar-se naturalmente, ou se são
revestidas de um caracter sobrenatural e divino.
3) Se quem appareceu fez perguntas, mani-
festou intenções, se deu encargo de transmittil-as,
-e a quem, e qua(,:ls as intenções e perguntas.
AS MARAVILHAS DE LOURDES 57

4) Se a fonte que jaz hoje na Gruta existia antes


da referida visão de Bernadette Soubirous.
ART. n. - A Commissão não nos apresentará
senão factos firmados em solidas provas, com
estudos minuciosos.
ART. m.- Os Vigarios da Diocese são os prin-
cipaes correspondentes da Commissão. Deverão
notar : 1) os factos occorridos em suas respectivas
parochias; 2) as pessoas que testemunham a exis-
tencia d' estes factos; 3) os que por sua sciencia
poderão auxiliar a Commissão; 4) os medicas que
tenham examinado as doenças antes das curas.
ART. IV. - A Commissão fará especiaes inves-
tigações. As testemunhas serão ouvidas sob jura-
mento.
ART. v. - Recommendamos com ardor á
Commissão que só admittam em seu. seio homens
eruditos na medecina, physica, chymica, geolo-
gia, etc., afim de ser tudo discutido e estudado
com a maior penCia.
ART. vi.- A Commissão é composta dos nove
membros do Cabido de nossa Cathedral; dos
Superiores, dos Professores de Dogma, Moral e
Physica- o de Chymica será apenas consultado-
de nosso Seminario; do Superior dos Missionarios
da Diocese, do Vigario de Lourdes.
ART. vn.- Os cargos ficam distribuidos d'esta
maneira : Arciprestre Nogaro, Presidente; Conegos
Tabaries e Soulé, vice presidentes. A Commiss5.o
58 AS MARAVILHAS DE LOURDES

nomeará um secretario e dous vice-secretarias


escolhidos no seu gremio.
ART. vm. - A Commissão deverá immediata-
mente começar seus trabalhos, e sempre se reunirá
quando julgar necessario.

Dada em Tarbes, em nosso Palacio Episcopal,


aos 28 de Julho de 1858.

BERTRÃo-SEVERO, Bispo de Tarbes.


Conego FouRCADE,
Secretario. ))

Só depois de quatro annos de incessantes labores,


em que foram estrictamente executadas as ordens
do illustre Prelado, o publico, a 18 de J aniero de
1862, conheceu o Mandement de Mgr. l'ECJêque de
Tarbes, portant jugement sur l' apparition qui a eu
lieu à la Grotte de Lourdes. O Exmo Sr. D. Lou-
renço luminosamente, entre outras cousas, justi-
ficou a necessidade de um estudo lento e escrupu-
loso sobre o assumpto, as razões ponderosas que
influíram na concep.ção de seu Juizo. Referiudo-se
a Bernadette, realçou as provações de toda especie
que não a apavoraram, a sinceridade e firmeza de
suas palavras - dotes reconhecidos por seus pro-
prios contradictores, as graças que a tornavam
privilegiada da Mãe de Deus. Assim conclue :
Depois de termos conferenciado com nossos
. AS MARAVILHAS DE LOURDES 59

Veneraveis Irmãos dignatarios, Conegos do Cabido


da nossa Cathedral,

Invocado o Santo nome de Deus,

Fundando-nos sobre as regras sapientemente


traçadas por Benedicto XIV, na sua obra ácerca
da Beatificação e Canonisação dos Sanctos, para
diScernir as apparições verdadeiras das falsas;
Em virtude dos documentos favoraveis que nos
foram apresentados pela Commissão encarregada
de recolher informações sobre a Apparição na
Gruta de Lourdes, e sobre os factos que a ella se
referem;
Considerando que a Apparição, seja no que diz
respeito a Bernadette Soubirous, seja nos effeitos
extraordinarios d' ella dimanados, não se p óde
attribuir senão á intervenção de uma causa sobre-
natural;
Considerando, em segundo lugar, que esta
causa não pode ser senão divina, devido aos effei-
tos, dos quaes alguns são signaes sensíveis da graça
como a conversão dos peccadores; outros são
derogações das leis da natureza, como as curas
milagrosas, o que não pode ser attribuido senão
ao Autor de Graça e ao Senhor da Natureza;
Considerando, emfim, que nossa convicção é
roborada pelas pregrinações espontaneas de innu-
meros fieis á Gruta, peregrinações continuas
60 AS MARAVILHAS DE LOURDES

'
desde as primeiras Apparições, cujo fim é rogar
favores ou dar graças por aquelles já recebidos;
Para satisfazer a legitima impaciencia de nosso
Veneravel Cabido, do ·Clero, dos Filhos de nossa
diocese, de tantas almas pias que reclamam da
Autoridade Ecclesiastica uma decisão, a qual por
motivo de prudencia foi retardada;
Querendo tambem corresponder aos desejos de
muitos de nossos collegas no Episcopado, e de
muitos personagens distinctos;
Depois de ternos invocado as luzes do Espírito
Santo e a assistencia da S. S. Virgem.

DECLARAMOS :

ART. 1 . - Ser nosso parecer que Maria Immacu-


lada, Mãe de Deus, realmente appareceu a Ber-
nadette Soubirous, a 11 de Fevereiro de 1858, e
durante mais dias, no numero de dezoite vezes, na
Gruta de Massabielle, perto da cidade de Lourdes;
que esta Apparição é revestida de todos es carac-
teres da verdade, e que os fieis podem prestar-lhe
as homenagem de sua crença.
Submettemos humildemente nosso juizo ao do
Soberano Pontífice, a quem está confiado o governo
da Igreja Universal.

ART . ru . - Para nos conformarmos com a von-


tade da Santíssima Virgem, varias vezes expressa
..
AS MARAVILHAS DE LOURDES 61

nas Apparições, projectamos levantar um San-


tuario no solo da Gruta, que é hoje propriedade
dos· Bispos de Tarbes. Esta obra, estudada a posi-
ção difficil do lugar, exigirá muito trabalho e
fundos · consideraveis. Temos necessidade, para
realisar nossa piedosa vontade, do concurso dos
padres e fieis de nossa diocese, dos padrE;lS e dos
fieis da Françes, dos padres e fieis de todo o uni-
verso. Esperamos o auxilio de todos os corações
generosos, e particularmente das pessoas de todos
os paizes que sejam devotas da Immaculada Con-
ceição.

Dado em Tarbes, em nosso Palacio Episcopal,


aos 18 de Janeiro de 1862.

t BERTRÃO-SEVERO,

Bispo de Tarbes. »

Absolutamente não se pode increpar de preci-


pitada a decisão da Igreja sobre os acontecimentos
de Lourdes. Ao contrario; e, justiça seja feita,
a imprensa subsersiva arremettendo contra toda
a crença popular, que admittia a verdadeira
Apparição da Virgem, nunca, a principio, invec-
tivou o clero.
O Antistite de Tarbes aproveitou muitissimo
a doutrina da philosophia dos antigos : << O tempo
é um grande mestre; esperae. »
62 AS MARAVILHAS DE LOURDES

A impaciencia, traspassando a classe civil, inva-


diu o espirito de distinctas pessoas pias, como o de
D. Tiboud, illustrado Bispo de Montpellier, que,
deante dos casos sobrenaturaes que se davam na
Gruta, se admirava da demora da decisão eccle-
siastica.
Roma exultou! Em 1869, sete annos depois do~
Mandement de D. Lourenço, o immortal Pontifice·
da Immaculada. (1) entoava o canto de seus lou-
vores á Virgem S. S. da Gruta de Lourdes, coroada,
por sua disposição, em Junho de 1876. Foi uma
solemnidade singular, em Lourdes, á qual com-
pareceram mais de 100.000 pessoas.
Leão XIII, gloria luminosa da intellectualidade
humana, e que, com os lampejos de sue genio,
despediu clarões que assombraram seu seculo,
escrevia em 1899 : « I-Ia quasi cincoenta annos que
na cidade de Lourdes a Misericordiosissima Virgem,
Mãe de Deus, prodigalisa da maneira mais bril-
hante aos infortunados de todo o genero as graças
de seu poderoso soccorro e a termera de seu cora-
ção maternal (2). >> Sempre deslumbrado com a
fulgencia d·os triumphos de Lourdes (3), autorisou
elle um Officio e uma Missa propria da Apparição;
e Pio X, a 13 de Novembro de 1907, sem prece-
dentes no curso de oito seculos, estendeu a festa

(1) Vid. Breve de Pio I X: 4 de Setembro de 1869.


(2) Carta ao Bispo de Liege, datada de 11 Fevereiro 1899.
(3) Vid. Le Triomphe de Lourdes: GuY DE PrERREFEU; Paris.
AS )lARAVILUAS DE LOURDES 63

da Apparição á Igreja Universal, sendo liturgica-


mente obrigatoria no dia 11 de Fevereiro. Lourdes
é do mundo inteiro I
Como J erulasem e Roma, é o centro carinhoso
de todas as Peregrinações . Catholicas.
Nos jardins do Vaticano está edificado um
lindissimo Templo, copia elegante e delicada do
existente na Gruta de Lourdes. Pio X, que sente
não ter visitado Lourdes antes de sua elevação ao
Pontificado, sempre se demora com amor e devo-
ção deante da pequena Basilica de seu vasto j ar-
dim. Apraz-lhe rememorar aos que o acompanham
os eventos de Massabielle, onde o manto protector
de Maria Virgem se abriu para abrigar seus filhos
nos invernos dolorosos da vida.
Pio X, como seus antecessores, é de grave pon-
deração em manifestar seu juizo sobre as curas
milagrosas. Em uma Peregrinação franceza de
duzentos medicos a Roma, Boissarie, gosando, em
intimas opportunidades, da conversação do vene-
,.
Tando Pontifice, reconheceu de perto, como o diz
em suas obras, o rigor da Santa Sé, e a severidade ·
do processo camonico sobre uma cura miracu-
losa. Um dia, enviou elle uns casos bem estu-
dados d'essas curas ao Dr. Lapponi, para que
-este os apresentasse ao Santo Padre. Eis o que, a
proposito, lhe escreveu o celebre e já fallecido
medico de Sua Santidade :

6
64 AS MARAVILHAS DE LOURDES

« Muito caro Dr. Boissarie :

« Communiquei tanto o conteudo de sua carta


como os factos extraordinarios de Lourdes ao
Santo Padre, que se manifestou alegre e consolado.
Para o julgamento, porém, a Curia deverá insti-
tutir um processo regular, especialmente para a-
veriguar a identidade das pessoas, as deposições
medicas, e as testemunhas.
« De todo o coração o Santo Padre envia ao
Dr. Boissarie e a seus Collegas do Bureau sua
Benção Apostolica.

Roma, 23 de Outubro de 1905.

Dr. LAPPONI. J>


IV

LOURDES
e
BERNADETTE SOUBIROUS

Como o aroma á flor, assim está ligado o nome


de Bernadette Soubirous á historia de Lourdes.
Consagremos-lhe, pois, um capitulo de nosso livro.
Sendo o ser privilegiado dos colloquios de belleza
e amor, docemente entretidos ás margeus do
Gave, sendo o instrumento de profusas graças
celestiaes, e, testemunhando, com as Apparições,
a existencia de um au-delà, foi attingida pela
animosidade dos que acham Deus um intruso no
governo dos mundos. E' natural : quem se escra-
visa ao vicio e ao crime tende sempre a negar e
destruir todo o dominio legitimo. A aureola ful-
gurante de Bernadette illumina os bons e offusca
os maus.
A filha primogenita de Francisco Soubirous e
Luisa Casterot, nascida a 7 de Janeiro de 1844, foi
66 AS ~IARAVILHAS DE LOURDES

simples e modesta. Sem vaidade, não se perturba va


com os ataques do sectarismo.
Era de saude delicada; parte de sua infancia
passou em Bartrés, na companhia de sua mãe de
leite, como se diz. Era inteiramente resignada á
sua pobre condição, e cedo, no verdor dos annos,
todos os dias já banhava sua fronte o suor do tra-
balho.
Em Bartrés, como Joanna d'Arc em Doremy,
pastoreava; em Lourdes, cuidava de seus irmãos
mais moços, buscava lenha para o uso domestico,
ou para vender ...
Foi no campo de seu trabalho que desabrochou a
Rosa Mystica de seu amor. Depois das Apparições
ainda viveu por muitos annos em Lourdes, e
partiu depois para um convento de Nevers.
' A mudez do claustro exaltou nella o amor de
Deus, sempre susceptível de intensidade; morreu
como uma santa a 16 de Abril de 1879, com
35 annos, 3 mezes e 9 dias de idade.
« Sua felicidade não era da terra »; entretanto,
apezar de seus soffrimentos, viveu sempre com
placido sorriso nos labios, com alegria infinita na
alma. A resignação é uma especie de ventura.
Os adversarios do sobrenatural usam de uma
arma commum, que, ferindo Bernadette, quer aluir
todo e edificio das Apparições. Bernadette é uma
allucinada : grita a patulea nas esquinas, propagam
jornalistas na imprensa, commentam scientistas
AS MARAVILHAS DE LOURDES 67

que julgam, assim, ter descoberto a chave do


enigma.
Para provar a má fé com que se argumenta,
a falta de sinceridade na discussão, cito aqui o
Dr. Voisin, que, em uma conferencia sobre a allu-
cinação, desevolvendo a these de que toda ella
geralmente termina na loucura, temerariamente
dizia que o milagre de Lourdes era firmado na fé
de uma criança allucinada, a qual, alienada, se
achava sob a clausura do convento das Ursulinas
de Nevers (1). »
Entre outros, foi publicado o seguinte docu-
mento (2) :

« Caro Senhor :

« Como já sabeis, um professor de Salpêtriere,


explanando suas theorias sobre as allucinações,
sustentou, como o tem feito de ha muito, que Ber-
nadette Soubirous, em religião Maria-Bernard,
estava encerrada, como uma louca, no Convento
das Ursulinas de Nevers. Tenho a honra de decla-
rar :
« 1) Que a Irmã Maria-Bernard nunca poz os pés
no Convento das Ursulinas de Nevers;
« 2) Que, residindo em Nevers, ella se acha na

(1) Vid. Union médicale. Junho de 1872.


(2) Vid. L' Uniçers. Outubro de 1872.
68 AS MARAVILHAS DE LOURDES

casa matriz das Irmãs de Caridade da Instrucção


Christã, onde entrou e vive como as demais reli-
giosas;
<< 3) Que, longe de ser uma alienada, é uma pes-

soa de um senso e uma calma pouco communs.


« Demais, convido o supranomeado professor
a vir pessoalmente verificar a verdade d'essa trí-
plice affirmação. Se tiver a bondade de participar-
me o dia de sua chegada, encarregar-me-ci de
mostrar-lhe a Irmã Maria-Bernard, e, para evitar
toda duvida sobre a identidade, rogarei ao Sr. Pro-
curador da Republica a fineza de lh'a apresentar.
3 de Outubro de 1872.

t AGOSTINHO, Bispo de Neçers. »

O Dr. Voisin nada respondeu!. ..


O Dr. Damoiseau, Presidente da Sociedade
Medica de« Orne», pediu dados positivos do estado
de espírito de Bernadette ao Dr. Roberto Saint-
Cyr, Presidente de uma Socied~de de Beneficencia,
que era o clinico assistente de Bernadette. Eis a
preciosa res-gosta :

a N evers, 3 de Setembro de 1872.

« Meu caro Collega :

« Não podia Vossê dirigir-se a melhor pessõa


para pedir noticias de Bernadette, hoje Irmã
AS MARAVILHAS DE LOURDES 69

Maria-Bernard. Sendo eu o medico da Communi-


dade, esteve ella sob meus cuidados durante muito
t empo, inspirando-me sua melindrosa saude vivas
inquietações. Actualmente está bem melhorada;
de doente passou á enfermeira, e, com perfeição,
desempenha seu cargo. Pequena, de pouca appa-
rencia, tem 27 annos. E' de uma natureza calma e
doce, trata os doentes com interesse e sem omittir
todas as prescripções feitas. Gosa de muita auto-
ridade, e, de minha parte, plena confiança.
«· Vê Vossê, portanto, meu caro Collega, que
.essa Irmã nem longínquos symptomas de alienada
apresenta, e sua natureza tranquilla, simples e affa-
vel, não a dispõe para esse caso.
« Tendo o prazer de ser-lhe util nessa occasião,
sou etc.
« Rob erto SAINT-CYR,
Presidente da Sociedade Medica de Nieçre. >>

Esta carta é, na verdade, uma energica repri-


menda ás arremettidas violentas e audazes da
humilhada facção inimiga. Prosigamos.
Dr. Balencie, o mais influente membro de uma
suspeita e parcial commissão nomeada pelo Pre-
feito perseguidor, para aveviguar a saude de Ber-
nadette, achou na vidente symptomas de allucina-
ção . Companheiro inseparavel de Dozous, ímpio
radicado, inimigo acerrimo do sobrenatural, << está
hoje, diz Boissarie, mais convencido que eu. E'
70 AS MARAVILHAS DE LOURDES

nosso collaborador, nosso guia, o homem da


tradição, o testemunho vivo; o medico que, assi-
gnando um documento que attestava a allucinação
de Bernadette, tem redigido e assignado, ha quinze
annos, certificados de curas no Bureau des Cons-
tatations de Lourdes (1). »
Dr. Diday, o medico de Lyon tão reputado por
seu grande talento, foi quem com maior brilho de
pensamento e mais sagacidade de espírito atacou
as portentosas maravilhas de Lourdes, escrevendo
contra Bernadette- <<a allucinada », e pretendendo
explicar as curas da Gruta. Um dia, seu scepticis-
mo, como o fumo do incendio que se ennovella e
se dilue nas alturas, soerguendq-se para investir
contra a Mãe de Deus, dissipou-se ao calor divino
da verdade e ao influxo vivificante da graça.
Convertido, começou a viver uma vida de repa-
ração, e morre, mais tarde, invocando o nome
protector e santíssimo da Virgem Immaculada de
Lourdes (2).
E quantos, em sua vertiginosa campanha contra
Lourdes, não caíram, como Saulo no caminho de
Damasco, fulminados por uma luz de amor divino,
para depois, nOCJi homí,nes, resurgirem, e, como
Paulo nos Areopagos do paganismo, pregarem.
fervorosos, o sobrenatural das Apparições? I Mossy.

(1) L' CEu~re de Lourdes : BoiSSARIE, 1909.


(2) Vid. Annales de Notre·Dame de Lourdes. 1902.
AS MARAVILH .\.S DE LOURDES 71

Lacadé, Jacomet, Dozous, Dutour, dolorosamente


arrependidos, corrigiam sua atrabiliosa obra do
passado, rendendo culto de filial affecto á Virgem
de Massabielle ...
Examinemos, com rigor, a allucinação de Berna-
dette; ouçamos, com imparcialidade, a doutrina
dos mais notaveis alienistas.
Bernadette, estupefacta e atemorisada, sur-
prehendeu-se quando, ás margeus do Gave, ouviu
aquella especie de rajada de vento que precedeu á
primeira Apparição . Notando a quietude posterior,
pensou que -se houvesse enganado. Depois, repe-
tido o phenomeno do ruído, vendo a Senhora
na Gruta, duvidosa da realidade, fechou e reabriu
os olhos. Perguntou a Maria e J oanna se ouviram
algum barulho. No Commissariado declarou a sua
perplexidade primitiva. Ora, o allucinado não se
surprehende, não raciocina sobre sua surpresa,
não se maravilha. De facto, « a falta de assombro
ou admiração é um dos melhores caracteristicos
da allucinação (1) ».
Igualmente a ausencia de duvida é um caracter
essencial da allucináção; é o que ensinam Esqui-
ral, Mattos, Tissot, Onimus, Matet, Ritti.
Bernadette, como se vê, está em inteira oppo-
sição com estes dados d'individuo allucinado. E'

(i) Vid. htBERT, GouRBEYRE: La Stygmatisation; v. 11 . Paris.


Cons. Lourdes, Milagre e Scienàa : Dr. Teotonio VIEIR .\ DE
CASTJ\0,
72 AS MARAVILHAS DE LOURDES

indiscutido : o allucinado não tem potencia crea-


dora; nada inventa. Vê uma imagem : é uma mera
reproducção.
Bernadette declara cousas que anteriormente
não vira nem pensara (1), ouve verdades que não
comprehende, como se deduz de suas perguntas

(1} E. Zola, que barateava a propria consciencia em todos os


mercados, não teve escrupulo de affirmar, em seu romance
Lourdes, que as Apparicôes <le Bernadette tinham sua origem
no que fôra lido e ouvido em Bartrês. Os bons, em nome da
verdade, lavraram o seguinte protesto :
Bartres, 31 juillet 1894.
• Monsieur E. Zola,
« C'est au nom de la vérité audacieusement dénaturée que nous
venons à l'unanimité, nous, membres du Conseil municipal de
Bartrês, protester con tre les faussetés insérées dans votre nou-
veau roman, Lourdes, dans ce qui a trait à l'existence de Berna-
dette Soubirous dans notre commune.
• Nous déclarons d'abord, à !'encontre de votre affirmation,
que !e pêre nourricier de Bernadette, Basile Lagues, n'a jamais
fait dans sa famille les lectures dont vous parlez : ce fait est
attesté par son propre fils, frêre de lait de la petite voyante.
Vous affirmez ensuite que, tout un hiver, des veillées se firent
dans notre église, avec l'autorisation de M. l'abbé Ader. Nous
!e nions absolument.
« Et cependant ce serait là, d'aprês vous, que Bernadette aurait
conçu ses idées d'apparition. Vous déclarez que nos familles
d'alors accouraient à l'église dans le but d'économiser la lu-
miêre, et de se réchaufTer ainsi toutes ensemble.
• Quelle affirmation grotesque, alors que nos maisons regor-
gent de bois de chaufTag.e! 11 n'y avait d'ailleurs aucune famille
assez pauvre qui n'eut de quoi s'éclairer !e soir.
• Vous représentez notre modeste église comme un lieu ou
l'imagination de la pieuse enfant se serait exaltée par la vue
d'autels somptueux aux riches dorures, de viP.rges aux yeux
bleus, et aux lêvres de vermillon. Hélas I comment, aprês avoir
vu vous-même l'état des lieux, avez-vous pu parler ainsi? Tout
cela est absolument faux, vous !e savez bien.
• Devant ces fantaisistes affirmations, pour l'honneur de la
vérité, et comme preuve de notre foi en la réalité des appa- -
ritions, nous avons cru de notre devoir de représentants de la
AS MARAVILHAS DE LOURDES 73

á cerca do sentido d' esta expressão : J e suis l' I m-


maculée-Conception. A Virgem da Gruta era sem
rival, mais bella que as Virgens dos mais geniaes

commune, de rétablir l'exactitude des faits indignem ~n t déna-


turés.
« Agréez, Monsieur, nos salutations empressées.
« LAURENT, maire; CAPDEVIELLE, adjoint; LAGUES, Du-
llARRY, PASQUINE, DuPAs, LAMATHE, HouRTANt,
« Vu, pour la légalisation des signatures ci-dessus.
• Bartrês, !e 31 juillet 1894.
« LAURENT, maire. »

Bartres, 2 septembre 1894.


« Monsieur Émile Zola,
« Sans en trer dans l'explication plus ou moins embrouillée de
l'histoire de la lettre que nous vous avons adressée, et qui
d'ailleurs n'a auc1me importance dans la question, nous affir-
mons que les RR. PP. de Lourdes ne sont en aucune façon !es
inspirateurs de notre protestation.
« En plus, nous maintenons avec la même énergie toutes nos
.affirmations précédentes : jamais !e pere nourricier de Berna-
dette n'a pu faire les nombreuses lectures de la Bible et autres,
dont i! est parlé dans votre roman, par la bonne raison qu'il ne
savait pas !ire : ce fait est attesté par son propre fils.
« Jamais M. l'abbé Ader n'a autorisé des veillées dans notre
·église et n'a pu par conséquent y faire les récits qui troublent
votre bonne foi.
« Jamais nos paysans, pas plus que vos paysans du Nord,
n'ont pris l'église pour une auberge ou un cercle, et ne s'y sont
réunis pour économiser !e bois et la lumiere. Enfin cet autel
« vague et somptueux •, ces tableaux aux couleurs " violettes •,
toute cette mise en scene qui va si bien à votre but, tout cela
n'est que !e produit de votre imagination. Nous serons demain,
Monsieur, pres de 300 devant la grotte de Lourdes; témoignage
·éclatant de la foi de la commune aux apparitions.
• Agréez, Monsieur, nos salutations empressées.
« LAURENT, maire; CAPDEVIELLE, adjoint; PASQUINE, PON-
,.ICO, LAGUES, DuBARRY, DuPAs, LA~IATHE J.-M., HocoRTONE,
conseillers.
« Vu, pour la légalisation des signatures ci-dessus.
• LAURE NT, maire. •
(Le Monde, 13 septembre 1894.)
74 AS MARAVILHAS DE LOURDES

artistas. Quando Fabisch, primoroso exculptor,


concluiu a obra prima de seus trabalhos, reprodu-
zindo em marmore de Carrara a Senhora das
Apparições, pediu o juizo de Bernadette, que,
rindo-se, exclamou :
«E' formosa, mas não é ella. Oh 1 A differença é
como da terra ao céo !... >>
O allucinado não prophetisa, ignora o que deve
ver e esperar, e, contra as leis da allucinação, Ber-
nadette, a 18 de Fevereiro de 1858, dizendo que a
Senhora lhe pedira voltar á Gruta mais quinze
dias, sabe que vae gosar de mais quinze Appari-
ções futuras.
O caracter do allucinado é bilioso, irritavel,
insubordinado, orgulhoso, inquieto, egoísta, insen-
sível ás ternuras do affecto. Nada descreve com
precisão; é confuso, incoherente. Entretanto,
Bernadette é de uma serenidade de espírito que
confunde seus delatores; meiga e humilde, é um
archanjo de amor na vivenda domestica, obediente
em tudo, sem o mormorinho dos rebeldes, ás
palavras e ordens de seus pais. De uma intelligencia
medíocre, narrava com enlevadora simplicidade os

Para dissipar a possibilidade de una suggestão exercida no


espirito de Bernadette pelo vigario de Bartrês, sobre a qual
Zola fala em seu Lourdes, basseado em uma mà interpretação
das palavras do Prore~sor Barbet, basta ler a resposta que,
ácerca do assumpto, deu o illustre autor da excellente Cuide
de Lourdes ao Mons. RICARD, a 2 de Junho de 1894. (Vid. RI-
CARO : La vraie Bernadette de Lourdes, pp. 20-21.)
AS ~fARAVILHAS DE LOURDES 75

acontecimentos da Gruta. A allucinação avilta :


Bernadette é o contraste.
L' hallucination abaisse et dégrade ses CJ Íctimes;
les CJÍsions de Bernadette l' éleCJerent et l' ennobli-
rent (1).
A allucinação é escrava de varias particulari-
dades. Collocae o allucinado em tal posição, sob tal
reverbero de luz, sob tal influencia : a allucinação
fatalmente se reproduzirá.
Bernadette, que frue inteira independencia de
<londições, não obedece a essa fatalidade mecha-
nica. Não podia ser attingido pelos reflexos do sol
o lugar dás Apparições, que, além disso, se realisa-
ram em diversas horas do dia. O que contemplava
a vidente não era convicção de seu organismo;
houve dias em que, indo á Gruta para CJer a Sen-
hora, depois de orar, declarou, penalisada, nada
ter CJÍsto. Não obstante, f óra do ordinario, de impro-
viso viu a Senhora a 25 de Março.
Observemos seus movimentos naturaes e mul-
tiplos no momento das Apparições : o olhar, o
rosto, a maneira com que falou com as amigas,
<lom que aspergiu a agua benta, o modo com que
se levantou e caminhou, sua hesitação ácerca da
fonte. Accrescendo a isto a clareza de seus senti-
mentos, a descoberta da surgente miraculosa,
julguemos a pretendida allucinação de Bernadette

{1)Georges B E RTRIN: H isto ire critique des événements de Lourdes.


76 AS MARAVILHAS DE LOURDES

deante de tantos signaes sensíveis que a favore-


cem na questão.
Eis aqui uma allucinada. Colloquemos uma de
suas mãos sobre a flamma de uma vela durante
quinze minutos; no fim, estará quasi carbonisada.
E como explicarão os proselytos da allucinação
r. de Bernadette o caso do cirio, que intensamente
I impr~ssionou Dozous? Á parte a insensibilidadP.,
que dirão da falta do menor resquicio de queima-
dura? I O embaraço é grave, insuperavel. Com
effeito, é força admittir : a anesthesia é relativa,
a queimadura é absoluta; o tecido se consome á
acção do fogo, embora não haja dor. Ponhamos
uma braza sobre um morto, um chloroformisado;
e, não se dando a resump ção da perdida sensibi-
lidade, os tecidos, comtudo, ardem. Triumpha,
pois, Bernadette, com o sobrenatural das Appari-
ções.
v
MILAGRE E FORÇA OCCULTA

Larousse (1) e Renan, plageando Kant ou


Feuerbach, seguindo o pensamento de Spinosa ou
Voltaire, receiam que, admittida a possibilidade
objectiva do milagre, vacille o edificio da Sciencia
na inconstancia das leis naturaes. ~ uma timidez
pueril, oriunda da concepção erronea do milagre.
Admittir o milagre não' é admittir alteração na
essencia metaphysica e na substancia das cousas,
e é sobre esta essencia, absoluta e necessaria, que
versa a certeza immutavel da Sciencia. A verda-
deira Sciencia reconhece o limite do seu poder (2),
e proclama que o milagre não é a destruição de
uma lei, e sim a sancção muito logica e plausivel
de uma outra lei : a lei da suspensão, que não inva-
lida o principio geral. Baqu0a igualmente, por-

(1) Grand Dictionnaire du XI X• siecle.


(2) GRASSET : Les Limites de la Biologie; Drnror : Logique
surnaturelle objectioe; CAMPBELL : Dissertations ou miracles;
MOWLEY-EIGHT : Lectures ou mirarles, London; FRENCH : Notes
on the miracles of 6. Lood.
I

78 AS MAI:tAVILHAS DE LOl'RDES

tanto, o systema d' aquelles que, dependendo a


existencia de um Deus distincto do mundo mate-
rial, impugnam, num falso supposto de contra-
dicção, sua possibilidade methaphysica (1). Racio-
cinemos, e então veremos que uma obra divina,
que consiste na suspensão do curso de uma lei
n~tural, promulgada pela ordinaria providencia
do Creador, é uma mera derogação. E se um legis-
lador humano pode, em especial circumstancia,
suspender o curso de uma lei por si estatuída,
porque em Deus, onde residem eminentiori modo
todas as perfeições da .creatura, não se pode veri-
ficar a mesma competencia? ... Achou Rousseau tão
dara a resposta affirmativa, que negou uso de
rasão áquelle que a desse em sentido contrario.
E' patente, na verdade. De facto, assim a critica
philosophica define o milagre : um e:ITeito sensível,
extraordinario, o qual se funda não em uma
causa natural, mas em uma causa sobrenatural (2),
ipso facto sem a exigencia das leis da natureza. A
lei da natureza é naturalis inclinatio çel determi-
natio rebus a Deo impressa, ut ad proprios fines
secundum cujusque naturam certo et uniformi modo
tendant. E' sem argumento solido que os panthei-
tas, deistas, materialistas, racionalistas e outros

li) Vid. Bo:-~NIOT: l .e Mirac!e et ses contr•façons; NEWMANN:


Essais ou mtracles; GONDAL : Surnaturel.
(2) M iraculum est opus sen.çibile, divinitus factum, superans
ordinem naturre.
AS !IIARAVILHAS DE LOURDES 79

inculcam a necessidade absoluta e metaphysica


da constanóa d' essa lei. Sabemos, com effeito,
que a execução das leis physicas obtem-se por
acções das causas naturaes, e que estas causas,
para agir, além de outras condicções, requerem,
.como prova a Theodicea, o concurso divino. Deus
dotou as causas segundas de virtudes e leis, afim
de que operassem. Algumas vezes, comtudo, e
fóra da linha normal, Deus pode recusar seu con-
curso, porque, se geralmente o dá, não o dá
sempre e necessariamente, e gosa de plena indepen-
dencia de toda creatura in operando ou não
operando. Sua omnipotencia estende-se a tudo
aquillo que não envolve repugnancia, como, por
exemplo, negar o seu dito concurso, embora ordi-
nariamente debitum, ás causas segundas. E' sem
duvida, pois, que cremos na possibilidade do
milagre. - Ha espíritos que, apaixonados do
.crime, fogem e soezmente negam os .princípios da
justiça; temendo a pena, exaltam o delicto. E' a
treva que receia a luz. Quando Gueroult, redactor
chefe de La Presse, dizia, em Paris, que se alguem
de confiança lhe dissesse haver na praça da Con-
cordia um milagre, elle não se encommodaria
para ir ver, muito bem replicou Luiz Veuillot :
« Se se annunciasse ao Sr. Guéroult que em nome
de Christo ia ser operado um milagre na praça da
Concordia, elle não se abalaria de sua poltrona
para ir contemplai-o. Faria bem, já que tanto se
7
80 AS MARAVILHAS DE LOURDES

interessa em permanecer incredulo! n Lapponi


affirmou : « ha medicos que, vendo os mortos
resuscitarem, não creriam. n O erro é da vontade.
Ha uma objecção antescientifica, milhares de
vezes proposta e resolvida, com que nossos adver-
sarios puerilmente pretendem nos confundir. E' a
seguinte : Não podemos conhecer todas as forças
da natureza, de modo que um facto attribuido
pelos crentes a uma causa sobrenatural vem de
um força ainda occulta.
As forças da natureza são immensas, mas
limitadas, e não infinitas. Não podemos conhecer
as forças da natureza em sua intensidade; d'ahi,
porém, não se segue que as não possamos conhecer
em sua parte contraria, isto é, não sabemos « o
quanto pode a natureza dentro de seu circulo n,
mos sabemos o << que não pode n. Não ha força
natural, incognita, que ressuscite um morto, que
instantaneamente faça desapparecer um lesão
organica; é incontestavel. Jamais uma sciencia
nova surgirá, contraria á sciencia antiga e aos
princípios estab~lecidos pelos sabios (1); são pala-
vras de um medico illustre e incredulo, professor
de grande celebridade. A theoria fracassa; a lei
nunca. Uma lei descoberta ou é baseada numa
lei conhecida, ou vive com ella em perfeita har-

(1) Les Phénomenes psyrhique.<, par J. MAXWEL. Préface de


Charles RrcnET, mernbre de I' Acadérnie dP rnédecine, professeur
à la Faculté de médecine de Paris.
AS MARAVILHAS DE LOURD:CS 81

monia. O que hontem foi verdade não póde ser


hoje falsidade.
« Il y a autant de surnaturel dans la guérison
instantanée d'une égratignure que dans celle
d'une plaie (1). >> Zola queria dizer que a lei da
natureza é limitada, e só progressivamente repara
chagas e ulceras : uma reconstituição momenta-
nea de tecidos está acima de seu poder. O roman-
cista francez apezar de ver o milagre, sempre
o negou com uma impertinencia inqualificavel.
Quantas vezes uma utilidade material não se
impõe aos deveres sagrados da consciencia I Elle
mesmo escreveu : « J e verrais tous les malades
recouvrer la santé instantanément que je ne croi-
rais pas encore au miracle. n Em 1892 referiu a
um redactor do Temps, falando sobre Lourdes :
« Eu mesmo vi pessoas, que não podiam mover-
se, levantarem-se de repente, e, curadas, caminha-
rem. n E', repito, inqualificavell Admittia o limite
da força natural, rechassava a idea da força oc-
culta; não obstante, era um incredulo. Quando elle
veio a Lourdes mascarando seus sentimentos,
acompanhando, sob as apparencias da piedade
mais profunda, as procissões, orando, de joelhos,
como a beata mais contricta, todos exclamavam :
Emílio Zola está no caminho da conversão I Em

(I) Palavras de Zola prof ~rirlas em Lourdes, 22 de Agosto


de ·tsn.
82 AS MARAVILHAS DE LOURDES

uma tarde primorosa de estio, dizia-me ao lado


da Gruta memoravel um velho respeitavel : « aqw
vi Zola numa attitude de supplica ardente, mais
mystico que uma freira. 11 Então eu lhe referi :
« tambem ao lado do Mestre amado palpitava
um coração traidor e hypocrita. » Seria possível
-que Zola fosse sincero no Santuario? Quem sabe? 1
Viu elle em Lourdes a magestada inexpugnavel
do facto ! O certo é que sua viagem tinha um
intuito perverso, hediondo; tinha que frabicar o
pão da mentira para dar aos famintos da paixão,
da miseria e do crime. São importantes os seguintes
trechos, transcriptos de uma carta aberta (1),
dirigida por Lasserre ao autor de Lourdes :

<< Achava-me eu em Lourdes ha dois annos


na occasião em que v. ex." realisou sua viagem á
cidade dos milagres. Por intermedio d'um amigo
meu, p.erguntou-me v. ex.a se podia bater á minha
-porta sem l'eceio de ser mal recebido.
<< Confesso que nunca lera obra alguma de v.
ex.a. Apresentava-se v. ex." como um incredulo
que procura, com lealdade não mentida, a verdade.
Eu, por conseguinte, não tinha razão alguma para
<> não receber.
<<Veio v. ex." visitar-me, em differentes occasiões,
ao hotel em que me achava hospedado.

(1) La Croix, de 20 de Setembro de 189 4.


AS MARAVILHAS DE LOURDES 83

« Falei a v. ex." das maravilhas sem numero de


que, todos os annos, sou testimunha, por minha
felicidade. Tratei de collocal-o nesse anguio espe-
cial em que o homem que até então viu sem nada
vêr, lança sobre elle o que Ernesto Hello chamou
cc o primeiro olhar >>, e d'improviso percebe a ver:..
dade.
cc Um christão jámais desespera da salvação de
nenhum de seus semelhantes. Prescindindo mesmo
da acção da graça divina, a evidencia com que
apparece á nossa vista o sobrenatural é tão grande
em Lourdes, que é mister tender a uma de duas
coisas : ou crêr, ou renunciar a toda a razão.
cc Um dia julguei conveniente levar v. ex. a
visitar o sitio memoravel, que segundo meu
parecer é, depois da gruta, o mais commovedor
que ha em toda Lourdes : refiro-me ao miseravel
tugurio, onde habitava Bernadette, quando a Rai-
nha do Ceu a escolheu para mensageira, dando-lhe
a incumbencia de chamar toda a terra ás Rochas
de Massabielle.
cc Aquella basilica, aquellas egrejas, aquelles
marmoreos edificios, aquella cidade erguida no
desterro, aquelle ouro cosmopolita, aquellas milha-
res de curas extraordin~ias, aquellas ínnumera-
veis almas voltadas á fé e á alegria, aquella cons-
tante cruzada de mil regiões do globo - tudo
estava virtualmente contido no simples facto de
que uma delicada menina, ignorante e innocente,
84 AS MARAVILHAS DE LOURDES

saiu um dia da sua pauperrima choça a recolher


nas margens do Gave o feixe de lenha de que tinha
necessidade para faz er os pobres manjares de que
se alimentava... Por experiencia sabia eu a im-
pressão que causa similhante contraste. Só con-
tando com a Omnipotencia de Deus se póde chegar
a concordar este nada dos meios com o infinito dos
resultados.
«Esta mesma impressão a experimentou v. ex .a,
snr. Zola. O adorador da carne e da falsa vida
entreviu alguma coisa dos esplendores do espirito :
acaso pela vez primeira contemplou uma vaga
visão da verdadeira vida.
cc Permaneceu v. ex." por alguns momentos
sem responder ás minhas palavras. Em seu rosto
transpareceu bem clara a revolução que se ope-
rava no seu espirito. Aos olhos de v. ex.', duros
e seccos por costume, assomaram duas lagrimas...
Lagrimas que brilhavam um instante sem se des-
prenderem; e então exclamou v. ex.". »
cc Isto é portentoso I Grandes são as emoções que
em Lourdes tenho experimentado, mas nenhuma
como esta I É este o ponto de partida de todas as
marar ilhas? I Eis aqui Bethlem I Este é o humilde
esta bulo I É esta a sua origem I Isto é portentoso I
- Milagroso! dirá v. ex .•, snr. Zola. ''
Recobrando alento, repetiu v. ex." :
cc É portentoso I
- Creia v. ex.', snr. Zola, que poderá ter succe-
dido outra coisa mais portentosa.
AS MARAVILHAS DE LOURDES 85

-Que outra coisa? perguntou-me v. ex." abrindo


desmesuradamente os olhos um tanto espanta-
dos, dos quaes tinham desapparecido as duas
lagrimas.
- Seria mais portentoso, snr. Zola, . que tal
resultado fosse produzido por aquella menina,
valendo-se d'uma mentira ou estando sujeita a
um accesso d'enfermidade mental, a uma alluci-
nação.
- Nunca direi isso I - replicou-me v. ex.",
entre perplexo e sobresaltado. Bernadette nunca foi
uma embusteira nem uma allucinada : não foi mais
que o instrumento d' esse grande A u-delà que domina
a existencia humana. Todaçia, d'isto aos dogmas
concretos em que os senhores crêem, ha alguma dis-
tancia. >>
Abriu-se a porta, entrou um sacerdote e muda-
mos de conversa ... Porém eu tinha surprehendido
o homem da materia vagando extraviado pelos
campos do espírito, o chefe do realismo temeroso
e indeciso ante a propria realidade.
Não sou dos que crêem poder obrigar pela força
as almas. Sem o forçar a isso, antes muito por sua
iniciativa, poucos momentos depois v. ex." me
manifestava este pensamento :
Sem me ter conçertido em crente, estou çendo em
Lourdes o que nem por sonhos houçera imaginado :
uma terra de consolação, d' esperança e ainda de
cura para uma infinidade de desgraçados em quem
se ceçam toda a especie de dores e as mais crueis
86 AS ?.1ARAVILHAS DE LOURDES

enfermidades. É este um ponto culminante, um


CJerdadeiro oasis no meio do mundo.
Depois v. ex.• continuou com as seguintes
e textuaes phrases :
Attentar contra isto, de qualquer modo que fosse~
seria um crime de lesa humanidade; e pela minha
parte CJos prometto, snr. Lasserre, que nenhuma das
minhas palaCJras affligirá os amigos de Lourdes, e
poderia accrescentar que na minha obra encontrareis
mil coisas que sem duCJida CJos agradarão.
E~tas phrases, que ninguem vos obrigou a pro-
nunciar, pareceram-me sincera~, e continúo a
crel-as taes, ainda depois de v. ex.• ter commettido
o que mui justamente chama um crime.
s~ a prevaricação da vossa penna é inexcusavel,
pelo menos não é inexplicavel.
Achava v. ex.a grande difficuldade em ser
(são suas estas palavras) um historiador indepen-
dente.

Reconhecer como sobrenaturaes e divinos os


acontecimentos de Lourdes, teria equivalido a
confessar a existencia de um Deus, de uma moral,
de uma religião; teria sido o mesmo que proclamar
como verdadeiro e augusto o que os escriptos de
v. ex.• não têm cessado de combater, de blas-
phemar, de pretender arrancar do coração hu-
mano.
Teria sido o mesmo que pôr em relevo, illumi-
nadas com o resplendor d' essa luz, sua demencia
AS MARAVILHAS DE LOURDES 87

e a ignominia de seu largo trabalho de corrupção;


teria sido, n'uma palavra, renegar todo o seu
passado, queimando em publico o que tanto tempo
foi objecto de suas adorações, adorando o que tinha
queimado . Teria sido, empreguemos a phrase
habitual, « converter-se».
Outros, antes de v. ex.", o fizeram; não vejo
inconveniente em que v. ex.a os imitasse.
Sua conversão porém implicava a necessidade
de variar, sem perda de tempo, o curso d'esse rio
corrompido e venenoso que, ha vinte annos, as
tristes obras da vossa edade madura não têm
deixado de fazer correr sobre o nosso solo, deshon-
rando-nos. E o caso é que esse rio de lodo arrasta
sem cessar, em sua vertiginosa corrente, areia de
ouro. Cortar d'um golpe o seu curso, a ruina imme-
diata equiçaleria á perda de 80 ou 100 mil libras de
renda.
Isto, senhor, podia v. ex." tambem ter feito.
Se v. ex." o tivesse levado a effeito, sua fama,
que outra coisa não é hoje senão uma vergonha,
que em toda a parte resoa, se trocaria em gloria
immarcessivel.
Em resumo, collocado na alternativa de consum-
mar toda a especie de sacrificios, ou de sustentar
e augmentar todos os beneficios, estava v. ex .a nas
condições de ser um historiador independante e
um juiz imparcial? >>
Avalie o leitor o apreço que merecem todos os
zoilos, negadores do milagre de Lourdes.

I
('
Pedro DE RUDDER
VI

PEDRO DE RUDDER.

Operario agrícola do sr. du Bus de Ghisignies,


habitava, em 1867, J abbecke, villa de Flandres
Occidental. Bem robusto, .contava 44 annos de
edade, quando foi victima de um inopinado infor-
tunio. Nas visinhanças do Castello do Sr. du Bus
um grosso tronco de arvore violentamente caíu
sobre sua perna esquerda, deixando-a em um
estado que inspirava lastima e commiseração.
Chamado, sem demora, o Dr. Affenaer, d'Ouden-
bourg, diagnosticou uma melindrosa fractu·r a da
tibia e do peroneo, pouco mais abaixo da rotula.
Passados poucos dias, appareceu uma . ulcera
no tarso do pé, e tambem, na parte superior da
perna, uma chaga cancerosa, que se communicava
com a abertura da fractura.
Fragmentos, nadando em pus, saíam do periosto,
assignalando, assim, não se haver vereficado o
inicio da desejada reparação.
As dores eram horríveis.
90 AS MARAVILHAS DE LOURDES

Apezar dos cuidados assíduos do Dr. Affanaer,


o mal cre 3cia na desesperança da cura.
<< E ninguem se admirará - escreve Des-
champs; - toda fractura complicada com chaga
é muito grave, maxime numa epoca em a qual
não era ainda conhecido o tratamento antisep-
tico. A este respeito, na verdade, surgiu a dou-
trina de Lister em 1866; entretanto, foi preciso
tempo para ser vulgarisada, e então applicada. »
O Dr. Affenaer, impotente contra a suppuração,
declarou incuravel a molestia de Rudder.
Consultados um medico de Varssenaere, o
Dr. Van-Hoestenberghe de Stalhille, os Drs. Jac-
ques e Ver~iest de Bruges, foram todos aecordes
em pronunciar o mesmo juizo do Dr. Affenaer.
O Professor Fluriat, de Bruxellas, chamado
por Du Bus, disse, depois de ter examinado o
doente, que nada se poderia fazer senão a am-
putação.
Rudder não quiz submetter-se a este remedio
extremo, e, inhabilitado para o trabalho, pade-
cendo dores atrozes, preferiu viver gemendo no
seio de sua familia desolada, sempre protegido
pelo sr. Du Bus, que lhe dava uma generosa
pensão .
Sem assistencia medica, elle mesmo limpava as
feridas duas ou tres vezes durante o dia, envol-
vendo a perma em pannos finos.
Como observam os Drs. Royer, Hoestenberghe,
AS MA!llVIL1IAS DE LOURDES 91

Desch<Unps e outros, esse tratamento não podia


naturalmente causar effeito algum.
Na primavera de 1875, a pedido do paciente, o
Dr. Van-Hoestenberghe o examinou.
Rudder se achava .em deploravel condição!
Na parte superior da tibia existia uma chaga
oval, com o comprimento de 10 e largura de 5 cen-
tímetros, d' onde escoava um humor purulento,
f.etido. Segurando a parte inferior da perna, e
dando um impulso para traz, as extremidades
asperosas das rupturas appareceram na chaga.
Segurando de novo o medico a parte superior da
perna com a mão esquerda, e o calcanhar com a
direita, facilmente o virou para deante, traçando
com elle uma semi-circumferencia. O proprio Rud-
der, pegando no joelho, balançou o pé como um
pendulo (1).
A chaga do pé se tinha aggravado.
Continuava sem melhora, como consta de varios
depoimentos medicos.
No dia 5 de Abril apresentou-se no castello de
J abbecke para obter do Visconde a licença afim
de tomar parte em uma peregrinação á Gruta de
Lourdes de Costacker {perto de Gand), onde os
Belgas veneram uma Virgem que se acha, toda
amorosa, em uma gruta rustica, copia da dos
Pyrineos.

(1) Vid. A.nnales de NotrE·Dam• de Lourdes.


92 AS MARAVILHAS DE LOURDES

Concedido o beneplacito, a partida foi aprazada


para o dia 7. No referido dia 5, estando a noiva (1)
do Visconde no castello de seu futuro esposo,
movida pelo espirito de curiosidade, quiz ver a
perna de Rudder, cujo estado lhe causou piedade
e irreprimivel repugnancia.
Realisando-se a viagem na data designada,
não foi sem os maiores sacrificios que chegou Rud-
der á Gruta. Após ligeiro descanço, ajudado por
sua mulher, lentamente começou a acompanhar os
peregrinos nos giros que faziam em torno do mi-
moso santuario.
« No terceiro giro, contou elle, faltaram-me as
forças, e minha consorte, auxiliada por uma
pessoa desconhecida, transportou-me a um banco.
Sentei-me, e orei ... »
Subito, um extranho impulso o abalou; com-
movido, agitado, f óra de si, não reflectindo, aban-
donando as moletas, esquecendo que ha oito annos
não andava sem ajuda, levantou-se, e, sem apoio,
atravessou as filas dos peregrinos, indo ajoelhar-se
deante da Imagem.
De joelhos, recordou-se então de ter cami-
nhado.
« Eu de joelhos? ! - exclamou. Onde estou, meu
Deus?! ))

(1) Em 1904 confirmou ella em Lourdes esta noticia. Vid.


J o u~nal de la Grotte, 25 Setembro 190'•·
AS ~IARAV!LHAS DE LOURDES 9.3

Ergueu-se pleno de forças, radiante de jubilo,


e banhado de lagrimas, lagrimas santas de uma
alegria suprema, num delírio de amor e gratidão,
fez devotamente o giro da Gruta.
Deante d'esse aspectaculo sua esposa vascillou,
desmaiando. Depois de alguns instantes, Rudder,
acompanhado por uma multidão enorme, dirigiu-
se ao Castello da Marqueza A. de Cauterbonne.
Com pasmo que arrancou pranto, a perna e o pé,
examinados ha cinco dias, vistos ha poucos mo-
mentos inflammados e despedindo máo cheiro,
tinham adquirido o volume natural. As chagas
estavam cicatrisadas, os ossos unidos, as duas
pernas de egual tamanho.
Maravilha sem nome !
O agraciado voltou á Gruta, e, á partida, teve
· de accelerar o passo, correndo, para tomar o
Omnibus que dava signal de saída para Gand.
Pedro de Rudder falleceu de pulmonite a
22 de Março de 1898, com 75 annos de edade, e
vinte e cinco depois de sua cura. A pedido medico,
foi a 24 de Maio de 1899 exhumado seu cadaver, e
na photographia presente verá o leitor como foram
encontrados os ossos da perna.
As pernas de Pedro DE RuooER.
obs"-rvadas na autopsia.
CRITICA DO CASO DE RUDDER

Sabemos que as . partes osseas, como as demais.


do corpo animal, são sempre constituidas pela~
intuscepção de particulas, denominadas elementos
anatomicos, camadas cellulares. A cellula é, de
facto, o elemento vivo e completo, . dotado de
energia propria e procreadora, é o orgão primitivo
e fundamental de todo o ser vivente, o principio
constitutivo d' onde provêm todas as complic.adas
partes 'do organismo. A unidade cellular, pois, é o.
primeiro apparelho physiologico de todo ser dotado·
de vida. ~ d' esta unidade anterior que, estudando·
a genese da cellula, dimana a cellula posterior,·
pela multiplicação maravilhosa operada nos conhe-
eidos phenomenos da gemmiparidade, e scissipa-
ridade, fraccionamento endogenico, segmentação.
Omnis cellula a cellula et in cellula, ensinam os
mais celebres physiologistas, refutando a theoria
absurda dos que admittem a geração espontanea
no meio do blastema, hoje sem bases de ante das
experiencias de Pasteur.
Os ossos, formados de osseina e phosphato e
. 8
96 AS MARAVILHAS DE LOURDES

carbonato de calcio, têm um desenvolvimento


lento; na edade tenra, são cartilaginosos, e, no
homem, a ossificação só se completa quando
chega elle aos 25 annos.
D'ahi é facil deduzir-se que se, lesado qualquer
tecido, como o epithelial, o conjunctivo, para sua
reparação . é indispensavel um certo espaço de
tempo, muito mais tempo se requer para a repa-
ração do tecido osseo. E no caso de Rudder accresce
a demora do effeito reparador, á visto da gravidade
das fracturas communicantes, sujeitas ás maiores
e contínuas crises de suppuração, que prejudicam
grandemente o processo regular e normal da repa-
ração. Os autores divergem na determinação dO>
tempo para a reparação em geral. Esta diver-
gencia, entretanto, origina-se da maneira com que/
falam na reparação : uns se referem á formação de
um callo resistente, que permitte os primeiros
movimentos; outros á cura completa, que permitte
a função normal.
Quanto á formação do callo e consolidação
ossea, hoje ordinariamente se exigem tres ou quatro
semanas. Muito mais tempo se requer para o resta-
belecimento total.
Malgaigne testificou que, não havendo compli-
cação, o callo se cria em trinta e cinco ou qua-
renta días.
Ha poucos annos appareceu o novo methodo
da massagem e mobilisação, preconisado pelo
AS MARAVILHAS DE LOURDES 97

Dr. Lucas-Championniêre, distincto operador de


Paris. Quando é applicavel, produz resultados
mais rapidos que aquelles de tratamento por meio
da immobilisação. Não obstante, um certo e não
pouco tempo é indispensavel, no que concordam
os medicos. Um d'elles não ha muito referiu :
« não só hoje nenhum cirurgião ousaria pre-
tender realisar em tres semanas a cura completa
de uma fractura dos dous ossos da perna de um
adulto, mas ainda, por mais confiança que tenha
em sua arte, jamais pensará que no futuro isto
se effectue ».
« Nada podemos contra as leis naturaes. » Ora,
a cicatrisação dos tecidos é um phenomeno essen-
cialmente progressivo, determinado por leis phy-
siologicas bem patentes. O progresso é limitado,
e não ultrapassa as raias do impossível.
Á presença do exposto conclue-se logicamente
que o restabelecimento de Pedro de Rudder se
verificou com a maior independencia das leis
physiologicas ou naturaes. A dupla fractura da
tibia e do peroneo, no decurso dos oito annos que
precederam á cura, achava-se em condições que
de todo impediam o processo da reparação. A
mobilidade excessiva e anormal, vista pelo Dr.
Hoestenberghe, era um signal pathognomico da
infecção; tratava-se de uma especie de arthoropiose
complicada. Além da dita mobilidade e da sup-
puração continua, a distancia permanente das

J
98 AS MARAVILHAS DE LO U RDES

extremidades dos ossos se oppunha á formação do


callo.
É proprio do philosopho e do espírito culto
estudar uma era com a propria era, e não com
uma era posterior. Pois bem, é preciso recordar
que na epoca da enfermidade de Rudder não se
dispunha ainda do aperfeiçoado recurso que
ofl'erece a cirurgia moderna. Proferiu Gemelli com
relação a Rudder : Oggi noi possiamo resecare i
frammenti, suturarli e con cio ridare CJita ai mon-
coni; innestare il periostio e con cio rendere possi-
bile il processo de riparazione. Comungue sia, nulla
di tutto questo fu fatto nel presente caso, sia per le
condizioni nelle quali si troçaça l' ammalato, sia
per le condizioni della chirurgia del tempo.
A instantaneidade da cura de Rudder é indiscu-
tida; provaram-na muitos medicos, innumeras
testemunhas. Sem a menor difficuldade diagnos-
tica, era evidente a gravidade avantajada do
mal : todos, doutos e não doutos, tinham compe-
tencia para conhecei-a.
A cellula vem da cellula, e a trama do tecido,
so.bretudo do osseo, é vagarosa. E é por isso
que, na reparação de uma fractura, a conso-
lidação é graduada, e os primeiros movimentos
são indecisos, tímidos, dolorosos. Não obstante,
nós contemplamos Rudder ligeiro e pressuroso,
caminhando perfeitamente, fóra dos casos com-
muns, prostrado e agradecido ao Poder Supremo,
AS MARA VIU-IAS DE LOURDES 99

d'onde só poderia promanar a mercê grandiosa ...


Esta cura, que abrandou corações e converteu
ímpios, confundiu as crenças do Visconde Du Bus,
que repudiava o milagre. Dr. Hoestenberghe,
reconhecendo a intervenção divina, não hesitou
em dizer : eu (Jejo, ezl creio! ... De Weisch, impio
acirrado, exclamou : a incredulidade é impossível;
eu Creio no milagre ! >>
Em Outubro de 1901, a palavra da Sciencia
foi ouvida numa selecta e erudita assembléa (1),
onde estavam congregados mais de cem illustres
medicos, sob a presidencia do Dr. Duret. Depois
·que o Dr. Le Bec expoz a cura de Rudder, offere-
cendo ao minucioso exame dos collegas um modelo
dos ossos da perna, foram votadas as seguintes
conclusões :
<< Os membros, da Sociedade de S. Lucas, tendo

examinado as circumstancias da cura de Pedro


de Rudder, que soffreu durante oito annos uma _
fractura communicativa ria perna, attestam :
I . - Que a reparação ossea integral, como consta
da autopsia, não podia ser operada instantanea-
mente pelos uni cos meios naturaes;
II. - Que as asseverações de numerosas teste-
munhas oculares, as quaes viram o doente pou-
quíssimo antes da cura, são sufficientes para

(1) Vid . B oletim- da Sociedade Medica <ie S. Lucas de Paris;


Janeiro de 1902.
100 AS MARAVILHAS DE LOURDES

ractificar a persistencia da fractura, posto que


falte certificado medico redigido n' aquelle mo-
mento .
III. - Cr~m, por conseguinte, que esta cura
repentina deve ser considerada como um feito de
uma ordem sobrenatural, isto é, miraculoso. »
Sem conta são os estudos (1) feitos sobre Pedro
de Rudder.
Drs. Jacques O'Donnel e John Sherry, medicos
inglezes, quiçá nos paroxismos da duvida da reali-
dade historica, dirigiram-se a Anvers; eis o que
escreveu o Dr. J acques :
« Sud. Str. Londres W. C., 4 de Junho de 1905.
«Em companhia do Dr. J. J. Sherry e do Rvmo

(i) Para fa cilidade de consulta e estudo de leitor intelligente,


cito : Anna[Ps de NotrP-Dame de Lourdes, t. XXVI; Journal
de la Grotte, 1909; a discussão publicada no periodico Chro-
nique Médicnle, entre Boissarie, F. de Backer, Deschamp~, e
Fourt>stié, Geley, Lefêvre, 1907 e 1908; iliARTIN : Lettre ouverte
au Dr. Deschamps tl. l'occasio n de sa conférence: un miracle con-
temporain (Bibl. des étudiants nationalistes de Gand), 1905;
Une polémique récente à propos d'un miracle contemporain (Collec-
tion : Les Tracts du Courrier do Huy), 1905; A. DESCHA MPS,
ROYER, VAN HOESTENDERGHE : Guérison subite d'une fracture,
Récit et étude scientifique. Bruxelles, L. Lagaert, 1900; A. DEs-
CHA~IPS : Un miracle contemporain; P.-A. GEMELLI : La lotta
contro Lourdes, Florença, 1911; Eine Wunderheinlung der
Neuzeit, Frankfurter Zeitgemasse Broschüren, B. XXVII,
H. s. Hamm. VV, 1907; WILDENHUES: Eine . Wunderthatsache
der Nugeit und die Ung!aiibige Wi.•senschaft, Leucbturm, 1909,
t. XI; A. VAN DER BoN: Ein winkliches Wunder aus Neuerster
zeit, Frei Nach den Aerzten : Dr. L. VAN HoESTENBERGHE,
Dr. RoGER, Dr. A. DESCHAMPS, 1.000 Kronen demjenigen, der
dieses Wunder auf naturliche Weise erklaren oder dessen ges-
chichtlichen Wahrheit aus triftgen Gründe Jeugnen kan. Kirch-
berg a. Wagram , 1905; A. DE MEESTER: Les fortles de Lourdes
Huysmans, ed. xx1x, pages, 281, 282, 283, 28ft, 285, 287.
AS MARAVILHAS DE LO URDES 101

J. Rankin, visitei, a 30 de Abril de 1905, a aldeia


onde viveu o velho chamado Pedro de Rudder.
<< Lendo a noticia de sua cura numa relação

€scripta em francez, desejei confirmar-me, estu-


dando e averiguando eu mesmo a fonte dos factos
apontados. Meu exame foi feito sem a menor
disposição parcial.
« Examinando os ossos de Rudder no « Instituto
de Santo Ignacio », em Anvers, deparei irrecusa-
veis vestígios de uma carie de muito longa dura-
ção. Entretanto, os ossos estavam fortemente
soldados, e, como testemunhas o affirmaram,
tendo-se verificado a soldadura em um só dia,
torna-se-me impossível esta cura por meios natu-
raes.
« De Anvers fui a J abbeke, oude Rudder viveu,
e perto da aldeia reside ainda, na data actual, o
Dr. Van-Hoestenberghe. Foi amabilíssimo o acolhi-
mento com que nos penhorou este notavel medico.
Apezar de seus 74 annos, é um homem agil e
vigoroso.
« Notei, sem demora, que era summamente sin-
cero no que informava e respondia ás nossas per-
guntas. Confirmou o que escrevera outr'ora :
« Guérison subite d'une fracture >>, não podendo
explicar a instantaneidade da soldadura, operada
nos fragmentos esseos, senão em admittindo o
milagre.
« As testemunhas que vimos pertenciam á
102 AS MARAVILHAS DE LO URDES

classe operaria, eram honestos cultivadores, e


suas deposições eram explicitas e criteriosas
(depozeram: Van-Horren, que falou sobre o estado
da perna, e partida de Rudder para o sanctuario;
Luiz Ruockaert, que tinha visto a perna tres
dias antes da cura; J. Houstsaeger, que a tinha
visto cinco dias antes). Todas as testemunhas eram
accordes em affirmar tanto a infecção, como o
escoamento da ferida .
... Mesmo no dia da partida para Oostaker saía
pus das chagas, e nenhuma lei natural conhecida
pela sciencia medica poderia reunir os ossos em
um momento, cicatrisar as feridas e restituir a
pelle, succedendo tudo isso emquanto Rudder se
achava sentado junto do santuario.
« Com effeito, todos os sabios versados na
medecina admittem unanimemente que não ha
acção nervosa que possa, em semelhante caso,
causar um effeito como a soldadura de ossos que-
brados.
« ... Factos como este são inteiramente inexpli-
caveis pelas leis naturaes.

« Dr. J acques J. O'DoNNEL. >>

Interessam-nos igualmente as sentenças do


Dr. Sherry:
AS ;11ARAVILHAS DE LOURDES 103

3~9-Coswel Road, Londres E. C., 8 de Junho 1905.

« Lendo a descripção d'esta cura (de Rudder)


pela primeira vez, confesso que me não convenci
da realidade do facto, embora eu não ousasse con-
culuir que fosse inexacto.
« •.• Os ossos das duas pernas foram separados
do cadaver de Rudder, e actualmente estão em
Anvers, sob os cuidados de P. A. Deschamps,
doutor em medecina: São conservados para provar
o acontecimento.
« . .. Uma cura instantanea de uma fractura
complicada é contraria a toda a experiencia obser-
vada até ao presente, e a todas as leis da natureza
que conhecemos e que a sciencia demonstra.
« Não resta duvida, pois, que uma só conclusão
logica resta no caso de Rudder, a saber : a cura
deve ser attribuida a agentes sobrenaturaes.

« Dr. John J.-A. SHERRY. »

Em 1909, epoca de uma momentosa campanha


em I talia contra Lourdes, a palavra eloquente e
substanciosa do Fr. Dr. Gemelli confundiu seus
adversarios, destruindo-lhes os argumentos sub-
versivos. Uma sua brilhante conferencia sobre os
milagres de Lourdes occasionou um convite que
lhe dirigiu o Dr. Forlanini, o qual informava que
um grupo de socios da Associação Sanitaria de
104 AS MARAVILHAS DE LOURDES

Milão apresentara á Presidencia o pedido de ser


convidado o Fr. Gemelli para repetir na Mesma
Associação, d'oude tambem era membro o illustre
religioso, os themas de suas referidas conferencias.
Gemelli, um dos medicas mais considerados nos
centros da I talia, acceitou, especialisando que
suas conferencias e discussões estabelecidas com
seus collegas versariam, como lhe propozeram,
sob o ponto de vista scientifico, mesmo por quanto
a questão philosophica e religiosa do milagre
requeria uma peculiar competencia, que, geral-
mente, não se pode presumir nos medicas. Realisa-
ram-se as conferencias á presença de um numeroso
auditoria de medicos, a quem se facultou tomar
parte nas discussões. O exito foi maravilhoso. A
imprensa, até a liberal, encomiou o Dr. Gemelli,
·que falou « como um verdadeiro medico ».
A este respeito escreveu elle a « Lotta contro
Lourdes », onde se revela possuidor de grande
cabedal scientifico. Refere-se especialmente ao
caso de Rudder com uma proficiencia admiravel,
como ao de J oanna Tulasne, victima de um
antigo mal de Pott, desapparecido em Lourdes
completa e persistentemente, o que foi attestado
peles drs. Vulpian, Le Bec, Fleury, Barushy, os
quaes conhecendo sua enfermidade, attribuiram
a cura a uma intert.Jenção superior e dit.Jina.
A obra de Gemelli, enriquecida com valiosos
documentos, é merecedora de apreço e do mais
serio estudo.
nbcr, o 3cfu, boli ic!) :.Di r · ftct~ bonfbor . 61eíbe' für
bie (~nobcn bicfc.r mlaHfn~rt, on ber tcilõune~m~n
;.t\11 miá) gniibig bcrufcn ~ajt, 1mb boB·· ddj aUaeit
mit bcmfclbcn · unbcorcn 0tcú fncrtrot!en tuiéber ben
jilleg 0u SDir unb Stlcincr unf>effedt~n Wluttcr ~in~
fd)ln~e. !llmcn. / Q .

lllebt,t' 111m ~1. ~olt~~.

n ... _: _ _ _ .l - , . -
VII

ROUCHEL, DE METZ

A sra. Rouchel, nascida em 1851 em Diebling,


a 4 de Setembro de 1903 veio a Lourdes, tomando
parte na peregrinação de Metz, oude hoje reside.
Seu estado era triste, lamentavel. O nariz, o
labio superior, o veo do paladar, tudo estava car-
<Jomido e deformado por um lu pus complicado i
a suppuração era continua, abundante e fetida.
Havia duas perfurações: uma situada á face direita,
<Jerca de tres centímetros do augulo da bocca i
tinha o diametro de um dedo mínimo. A outra se
achava na juncção das partes molles e solidas do
paladar, tendo um meio centímetro de largura e
-dous de cumprimento. Pela primeira se dava
uma communicação da bocca com o ex~erior,
sendo preciso fechai-a com uma forte mecha
.quando a enferma necessitava beber, afim de impe-
-dir a passagem dos líquidos pela abertura. No
jnterior, toda a mucosa estava inflammada.
Numerosos medicos foram consultados : os
Drs. Bar, de Gorge i Maurice, d' Arnaville, Weis,
106 AS l\IARAVILHAS DE LOURDES

Ernest, de Metz; Kramer, de Saint-Julien; Reiss,


·e muitos outros. Para evitar o progresso das
chagas, o Dr. Bender arrancou-lhe todos os dentes,
cauterisando o interior da bocca com ferro em
brasa; tudo em vão, e sem o effeito almeja do.
Mudando-se o Dr. Bender para Wiesbaden, Rou-
chel ficou aos cuidados do Dr. Müller, que tambem
tentou a cauterisação por meio do fogo. Não melho-
rando a penosa situação, disse, por fim, o Dr. Mül-
ler :
<< Paremos, e deixemos que a natureza opere. »

A natureza, como a arte, nada produziu; e,


exgottada a economia de todos os recursos, foi
convocada uma reunião medica, que proferiu a
sentença fatal :
« Não ha esperança; o mal é incuravel. »
A infeliz, gemendo, foi obrigada a ficar de
cama durante muito tempo. Era objecto de
inevitavel repugnancia. A ulcera proseguia sua
marcha de destruição, invadindo-lhe o rosto.
Desesperada, alimentou a idéa do suicídio; um
padre piedoso a salvou, dirigindo-lhe os passos
para a região sagrada de Nossa Senhora de Lour-
des.

A viagem foi bem dolorosa.


De dez a dez minutos, como confessa a enfer-
meira Irmã Sophia, el'a mister substituir a faxa

-
AS MARAVILHAS DE LOURDES 107

de linho que envolvia a face da doente. Tendo


consciencia do asco que causava sua presença,
implorou e conseguiu um quarto reservado em
um Hospital de Lourdes; não havia visinho, por
mais heroe que fosse, capaz de supportar o máo
cheiro de suas chagas. Como o fez no trem, nas
piscinas, nas procissões, em tudo ella procurava
isolar-se dos demais.
Refugiada e solitaria, num canto da Igreja do
Rosario, ella orava com o fervor de uma santa,
quando, na tarde de 5 de Setembro, passou a seu
lado o Bispo de Saint-Dié, trazendo Jesus Sacra-
mentado, o mesmo Jesus que curou os paraly-
ticos e ressuscitou os mortos. Destacou-se então a
faxa, posta ha tres horas e já toda molhada, e
caíu sobre um livro aberto que tinha nas mãos,
imprimindo nas paginas uma grande mancha de
sangue e pus. Era o primeiro testemunho, << teste-
munho mudo » e grandioso, de sua cura. Sem
nada notar, ajustou a faxa, que, depois, caíu de
novo.
Chegando ao Hospital, encontrou a Irmã Ro-
mana, que, surprehendida, indagou porque não
trazia a faxa. Apparecendo n'esse ínterim a Ir-
mã Sophia, a sra. Rouchel, desgostosa, lamentou
que cuidadosamente não tivesse sido feito o ultimo
tratamento de suas feridas. E a Irmã, contem-
plando as faces reconstituídas, banhada de lagri-
mas, exclamou :
108 AS MARAVILHAS DE LOURDES

« Senhora Rouchel, sra. Rouchel, agradecei a


Deus e á SS. Virgem : tudo desappareceu; vossas
chagas não existem mais. >>
Referiu a Irmã Sophia : « Uma pe1le nova se
tinha formado; o interior da bocca estava comple-
tamente curado, e não havia mais perfuração
alguma, nem vestígios de secreção. O labio supe-
rior tinha adquerido a posição normal. Dei-lhe
um pouco de legumes e carne, comendo ella sem
difficuldade, o que lhe era impossível ha muito
tempo.
Não se pode avaliar a alegria da pobre mulher 1

Attendendo a todos os depoimentos (1), que


escrupulosamente foram feitos, é certíssimo que
as duas perfurações existiam, como tambem os
de mais symptomas, até ás 4 1/2 horas da tarde
de 5 de Setembro, expellindo a mesma materia
fetida e insupportavel, composta de sanie e pus.
Ás 5 horas as perfurações estavam fechadas, e as
chagas cicatrisadas.
« Esta instantaneidade da reparação das chagas
não é um facto da ordem medicai ll, affirmou o

(1) Vid. BoiSSARIE: L'(Euçre de Lourdrs; p. 253 (anno 1910);


La Guérison de Madame Rouchel deçant les Médecins des Hôpi-
taux de Paris et deçant les Tribuna!tX de Metz, nos Annales de
Notre-Dame de Lourdes, 30 Abril 1910.
AS MARAVILHAS DE LOURDES 109·

erudito Presidente do Bureau des Constatations


M édicales de Lourdes, onde, á presença de um
grande numero de medicos francezes e belgas, foi,
com estupefacção geral, examinada a sra. Rouchel.
Charcot, narrando a historia da Senhorita
Coirin, cruada de uma chaga do seio pela suggestão,
claramente confessa que a cicatrisação não foi
completa senão depois de alguns dias, « porque,
diz elle, uma cicatrisação exige sempre tempo
para se effectuar. Só dezoito dias mais tarde a
pelle do orgão estava lisa, isenta de toda especie
de ulcera. » Accrescenta : « Nas curas qualificadas
de subitas, pelas leis physicas é sempre indispen-
savel um tempo sufficiente para a cicatrisação
das chagas. »
E mais ainda : « Jamais se tem observado a
reconstituição instantanea de tecidos destruidos. »
Agora, que dizem os Charcots do caso Rouchel? ! ...

O Dr. Ernest, que de ha muito tratava da Sra.


Rouchel, minuciosamente a examinou durante
onze dias, antes de sua partida para Lourdes, e
notou o que já foi descripto : as duas perfurações,
as chagas, o máo cheio, o labio superior ferido e
inflammado, obstruindo a respiração pelas nari-
nas, etc .. .
Ainda a viu na manhã do dia da viagem para
110 AS ~!ARAV!LHAS DE LO URDES

Lourdes (1). Declara em um certificado : « Foi em


1875 que vi pela primeira vez a Sra. Rouchel no
Bureau de Bienfaisance, e certifiguei que ella sof-
fria um lupus no rosto, o qual lhe corroia o nariz e
labio superior. Todos os remedios (iod. de potas-
sio, etc .) foram impotentes para dehellar o mal.
O especialista Dr. Bender, a quem recommendei a
doente, empregou o tratamento de curettage e
cicatrisação; tudo, porém, foi inutil, e no curso
do anno de 1899 o paladar apresentava uma per-
furação, e a bochecha direita, em 1901, apre-
sentava uma outra.
Onze dias antes da partida d'ella para Lourdes,
em Agosto de 1903, seu aspecto era lamentavel,
devido á deformidade e estragos do interior e
exterior do nariz, do labio superior, da face direita
e do paladar. O nariz e o labio superior estavam
muito deteriorados, e cobertos de uma suppuração
fetida.
Examinei a Sra. Rouchel cinco dias depois de
seu regresso de Lourdes; estava completamente
mudada. A vermelhidão tinha desapparecido, as
perfurações da face e paladar estavam fechadas;
na parte exterior da perfuração da face existia
apenas uma mancha rubra, da grandeza de uma
lentilha. O labio e as ulceras tinham uma crosta
nova, de bella apparencia; dous terços da inflam-

( 1) Qu11.rta Reu11 ião Medica em Metz, sobre o Caso Rouchel.


AS MARAVILHAS DE LOURDES 111

mação tinham desapparecido, e quasi nenhum


vestígio de ferida se notava. No contorno da antiga
inflammação estavam alguns pontos cicatrizantes.
Esta melhora prodigiosa, e poder-se-ia dizer
esta cura, tem perseverado até hoje. Não posso
{{Ualificar senão de extraordinaria a melhora
conseguida, á: vista da marcha continua do mal
até á partida da sra Rouchel para Lourdes_. É-me
impossível explicar naturalmente a mudança ope-
rada em tão pouco tempo. ))
Entre outros muitos testemunhos, que são
valiosos, cito aqui o depoimento do Conde
.d' Autane, illustre publicista :
<< Achando-me na Gruta ás 10 horas da manhã

de 5 de Setembro (1903), appareceu a Sra. Rouche1,


e observei a faxa, impregnada de pus, que ella tra-
zia. Sem approximar-me d' ella, senti fortemente
um odor fetido que saía de suas chagas, e isto
bastou-me para a distinguir dos outros enfermos
presentes então em Lourdes. Quando se falou de
sua cura procurei vel-a e no dia 6, de manhã, eu
a encontrei, sentada em um bane~ á direita da
Gruta, no espaço reservado aos doentes, tendo o
rosto completamente cicatrisado, e, como é claro,
sem a faxa. Não havia o menor signal de suppura-
çào, nem má o cheiro; não duvidei, pois, de sua
cura. ll

9
112 AS MARAVILHAS DE LOURDES

O restahelecimento da Sra. Rouchel tem sido


objecto de porfiadas controversias e profundos
estudos. Na imprensa francesa e allemã tem-se
ateado uma polemica muito calorosa, violenta,
sempre apaixonada e crescente.
O Dr. Westphalen, de Metz, publicou uma
brochura bem acabada sobre o caso, em que
expõe os depoimentos das testemunhas e as impres-
sões dos competentes.
Os medicos da cidade referida, em quatro reu-
niões trataram do assumpto, convidando o Dr.
Boissarie para elucidar o caracter da portentosa
cura.
Na primeira reunião o Dr. Ernesto apresentou a
sra. Rouchel aos collegas, descrevendo a sua en-
fermidade. Foi declarado por todos os presentes,
inclusive o Dr. Ernesto, que a doente não estava
restabelecida, e a « melhora » constatada pelo
Dr. Ernesto poderia ser attribuida a factores natu-
raes; tudo isso foi transmittido aos jornaes. O
combate visava, não a sra. Rouchel, que se achava
satisfeita e forte, mas Lourdes.
Os medicos, esquecendo-se das perfurações, que
radicalmente tinham desapparecido, baseavam
suas sentenças ligeiras em um vestigio do lupus.
Um estudante de medecina que, em um exame
de clinica, quizesse estabelecer um diagnostico,
firmando-se unicamente na consideração de symp-
tomas diversos e isolados, sem estudar a connexão
AS ~IARAVILHAS DE LOL'RDES 113

existente entre os mesmos, abraçaria um methodo


defeituoso, e, com certeza, não seria bem pre-
miado ...
Concedemos que havia vestígios de um lupus
não totalmente curado, mas porque se não falou
e se não admittiu a cura total das perfurações,
etc? !. .. A decisão dos medicos de Metz não foi
sincera, e o publico a rejeitou.
Um deputado de Reischsrath, Dr. Sustersic,
astim escrevia no W aterland de Vienna em Setem-
bro de 1904 : << Os medicos de Metz agitaram a
questão, e nada resolveram; deixaram de lado as
feridas, as perfurações, e não se preoccuparam
senão do lu pus, que deixou vestígios na cicatriz;
é preciso, porém, não perder de vista este facto
unico que nos interessa : a sra. Rouchel foi curada
a 5 de Setembro de 1803, em poucos instantes, de
duas chagas profundas, rebeldes a toda a especie
de tratamento. :g este o ponto do problema (1).
Se os medicos de Metz crêm poder dar uma ex-
plicação natural d'esta mudança instantanea, rea-
lisada a 5 de Setembro de 1803, até hoje não
conseguida, apezar de todos os desejos publica-
mente manifestados, eu os convido a isso, no inte-
resse e nome da Sciencia. n
Um anno depois, em Setembro de 1805, publica-

(1) É tambem o pengamento dE' innumeros medicos, como os


drs. Castel, Lebec, etc.
114 AS MARAVILHAS DE LOURDES

va Boissarie : (( A Sra. Rouchel for curada de uma


perfuração do céo da bocca e de uma outra situada
no rosto, pela qual era facil introduzir o dedo
minimo até ao interior da bocca; em um tempo
curto foram ambas fechadas por cicatrizes solidas
e definitivas. A suppuração, que durava desde
9 annos, desappareceu sem deixar vestígios. Eis
o facto que supera todas as theorias, e desafia toda
explicação. »

Acceitando o Dr. Boissarie o convite que lhe


fôra dirigido, no dia 10 de Abril de 1905 assistia
a uma sessão extraordinaria, cujo fim, depois da
abertura, foi explicado pelo Conselheiro da Hy-
giene Dr. Lentz, Presidente. (( Dr. Ernesto, diz a
palaçra da presidencia, em certa epoca, deu um
certificado da cura da Sra. Rouch el, reputada por
elle quási miraculosa. A Sociedade medica de
Metz, estudando o caso, affirmou que o lupus da
sra. Rouchel não tinha de&apparecido; o Dr. Er-
nesto, pode-se dize-r, restractou seu certificado. :E
de importancia aclarar o caso, discutindo-o com o
Dr. Boissarie.
Dr. Boissarie : Sou grato á Sociedade pelo
convite que me dirigiu, afim de tomar parte
nesta sessão. Caminhemos exclusivamente no
terreno scientifico, sem tocar na questão do mila-
AS MARA.V1LHAS DE LOURDES 115

gre. Falaremos da sra. Rouchel como se se tratasse


de um caso de hospital ou de clinica.
Sabeis o estado da sra. Rouchel. Não me com-
pete dizer se a doente tinha o germen de uma outra
enfermidade diversa do lupus. Pensaes que tinha
somente um lupus tuberculoso, ou existia ainda
uma outra complicação?
IJr. Lentz : Estamos de accordo neste ponto :
ella tinha mais alguma cousa além do lupus .
.Dr. Müller (1), especialista nos molestias enta-
neas : No que se refere a isto, é fóra de duvida
que se tratava de um lupus complicado com uma
outra diathese. Mas, seja lá o que for, sería, na
verdade, sorprehendente que as fistulas constadas
na sra. Rouchel fossem curada-s em poucos instan-
tes. Pergunto ao Dr. Boissarie se antes e no mesmo
dia de cura elle visitou a paciente. Do contrario,
não podemos nos occupar do caso. Os leigos (2)
não podem dar testemunhos com valor scientifico.
Se a sra. Rouchel não foi visitada immediatamente
antes de sua cura por algum medico, não pode-
mos prestar attenção a outros testemunhos,
inclusive o da Irmã Sophia, que, tendo embora

(1} Não 6 o Dr. Müller que tratou da Sra. Rouchel.


(2) O illustre especialista ofTerecia. optima pillula ao audi-
torio : é preciso cursar os estudos universitarios, é indispen-
savel competencia medica para sentir máo cheiro de chagas, para
attestar a existencia de grandes perfurações, de feridas vivas,
para conhecer uma suppuração continua de pus e sangue ...
Prosit!
116 AS MARAVILHAS DE LOGRDES

uma certa practica no tratamento dos doentes,


pertence, todavia, á classe leiga e não tem o
estudo da sciencia.
Dr. Boissarie : Chegarei á questão. O certificado
de Dr. Ernesto, escripto dez dias antes da cura,
regista que a sra. Rouchel tinha, mesmo no
momento da feitura do mesmo certificado, uma
perfuração na face e outra no veo do paladar; -
que estas perfurações continuaram na viagem,
consta pelos depoimentos de innumeras pessoas,
que merecem o maior respeito e acatamento .
A enfermidade a constatar é de ordem vulgar,
e todo individuo pode garantir a existencia
d'estas perfurações depois de tel-as visto e tocado.
Temos uma prova muda e irrecusavel : na passa-
gem do Santíssimo Sacramento cae a faxa, im-
primindo uma grande mancha no livro aberto
que a mulher segurava; é um attestado das chagas,
da suppuração ... A doente não podia beber antes
da procissão : o liquido introduzido pela bocca
passava pelas perfurações do nariz e da face; era
preciso o recurso da mecha. Depois da procissão
ella comeu e bebeu como qualquer pessôa. :É
força, porconseguinte, admittir : que uma serie de
testemunhos nos conduz a uma certeza completa
Nenhum medico dirá, eu creio, que taes perfura-
ções poderiam ser curadas em oito ou dez dias, e,
com maior razão, em um dia, em uma hora.
Dr. Müller : Sabemos que o Dr. Boissarie não
AS MARAVILHAS DE LOURDES 117

viu a sra. Rouchel antes da cura, a qual, em taes


condições, não existe, ou é considerada não exis-
tente para um homem de sciencia. O Dr. Boissarie
pergunta se fistulas da natureza allegada podem
desapparecer em dez dias : não só é possível, mas
é um facto que vemos com frequencia.
Dr. Boissarie : Primeiramente, admittis que a
enferma, no dia de sua partida para Lourdes,
tinha as perfurações?
Dr. Müller : Sim, eu o creio; mas, nada vi.
Dr. Boissarie : De modo que fóra dos medicos
admittis outros testemunhos. :g perigoso para vós.
Tratamos de constatações de ordem commum, e
não de ordem exclusivamente scientifica. Os que
viram de perto a sra. Rouchel podem affirmar, por
exemplo, se ella tinha uma perfuração na face, se
era facil passar o dedo minimo nesta perfuração, e
se os líquidos ingeridos saiam por ella. Estas teste-
munhas têm, sem a menor duvida, o valor das
testemunhas scientificas.
Dr. M üllcr, eílitando e desprezando os depoi-
mentos d' estas testemunhas, accrescentou : Uma
cura em dez dias de perfurações do genero das que
ora nos occupamos, não é absolutamente uma
cousa rara. Basta que um charlatão tenha minis-
trado á doente uma forte dose de iodo para obter
a fechadura das perfurações. Não ha quem nos
assegure se a doente não fez uso d'este iodo. Isto
succede quando as perfurações se fecham rapida-
118 AS MARAVILHAS DE LOURDES

mente. É sem importancia a consideração de que


a cura foi operada num lapso de tempo de dez
dias.
Dr. Ernesto protesta : Antes da partida vi a
sra. Rouchel, e observei que continuava a sair
pelo nariz o que ella bebia. Empreguei o iodo e o
merourio em doses abundantes, dez mezes ante-
riores á partida para Lourdes, e nada obtive. A
hypothese do charlatão é de todo gratuita : nos
ultimos seis mezes a sra. Rouchel não tomou
remedio algum.
Persistindo o Dr. lvlüller em declarar que a cura
de perfurações semelhantes nada tem de excepcio-
nal em um tratamento intensivo no espaço de dez
a onze dias, o Dr. Boissarie redargue : O medico
da enferma usou d' este tratamento intensivo sem
resultado, e nos ultimas seis mezes, como foi dito,
€lla nada tomou. Demais, não nos esqueçamos de
que a paciente foi restabelecida não em dez dias,
mas instantaneamente, ás 4 1/2 horas da tarde de
5 de Setembro.
Dr. Zammert : Um professor de Paris me disse
que um cura de perfurações d' este genero pode
ser feita em oito dias.
Dr. Boissarie : Quem ~ este professor?
Dr. Zammert : O Dr. Tenneson.
Dr. Boissarie: Ha dous dias vi o Dr. 'fenneson,
e muitíssimo falei com elle sobre o caso Rouchel,
€ manifestou-me o contrario : <r esta cura effectuada
AS MARAVILHAS DE LOURDES 119

em tão curto espaço de tempo é inexplicavel (1). »


Sendo impossível terminar a questão, o Dr. Bois-
sarie propoz que fosse ella submettida a uma ar-bi-
tragem.
Presidente : O Dr. Boissarie propõe que as con-
clusões d' elle e as vossas sejam submettidas a um
medico de Saint-Louis, escolhido de commun
acoordo.
Dr. Müller : Muito hem; mas peço que uma
autoridade da Allemanha, o Professor Walff, de
Strasbourg, seja egualmente informado do havido.
Como autoridade extrangeira, proponho o Dr.
Fournier, de Paris.
Dr. Boissarie: Notae : Nomeastes para vós um
arbitro em Strasbourg, e para mim um arbitro
em Paris; e.u, entretanto, não determinei ninguem.
A Assemblea decidiu que cada parte escolhesse

(1) Eis aqui alguns trech os de uma preciosa carta de.Tenneson a


Boissarie, verdadeiro desmentido ás affirmações de Zammert :
• Apresentando-me a Sra. Rouchel, quizestes meu juizo
sobre a cura. Notei as cicatrizes que succederam ao desappareci-
mento das u1ceras. Uma das cicatrizes era situada no paladac, e
uma notra na face direita; nesta se conhecia uma communica-
ção da bocca com o exterior. Esta cicatriz é apenas vis i ve!.
Taes perfurações são de uma raridade extrema no lupus. Mais
extraordinaria ainda é a cura das duas perfurações, das lesões
suppurativas e ulcerosas da hocca, realisada em Lourdes em
poucos horas.
Declaro que não ha theraupeuthica capaz de produzir effeito
.semelhante, o qual, verificando-se, ultrapassa a ordem medicai f
10 de J.ulho de 1905.
Dr. PE.NNESON,
M edico do Hospital de Saint-Leuis.
120 AS ~IARAVILHAS DE LO"GRDES

seu arbitro; os dous constituídos foram : Professor


Fournier, de Paris; e Dr. Besnier, do Hospital de
Saint-Louis.

Os dous arbitres, a quem fôra apresentada a


sra. Rouchel, dizendo que suas sentenças « não
modificariam os pareceres das partes litigantes »,
allegando que para « se pronunciarem a respeito
precisariam de tres mezes », tempo de que não
dispunham, fugindo da verdade que se impunha,
declinaram do cargo honroso.
Não obstante, o assumpto não precisava de
juizes : a solução era inevitavel, evidente.
Os medicas de Metz; em geral, falsificando docu-
mentos, tentaram uma campanha biliosa, que não
ganhou terreno a seu favor. Referindo-se á acirrada
discussão, o erudito Dr. Boissarie assim me falava
no dia 20 de Julho de 1911 no Bureau des Consta-
tations de Lourdes : Elles (medicas de Metz) não
tratavam senão de um lupus que não foi total-
mente curado, deixando á parte as perfurações e
as chagas, cuja maravilhosa cicatrisação instanta-
nea transcende a virtude medicai.
Nesta confusão entre ordens de lesões distinctas
baseavam-se os medicos de Metz, que clamavam :
O lupus não foi curado, respondendo-lhes então os
AS MARAVILHAS DE LO URDES 12·1

medicas de Lourdes : que o lupus não foi curado,


estamos de accordo; mas o desapparecimento pleno
das perfurações e das chagas é inexplicaçel.

H a olhos que não vêm l. ..


VIII

A SENHORA GORDET

Numa tarde de Agosto, em que Emílio Zola,


em Lourdes,. se apavoneava num punch que lhe
offereciam, jubilosos, livres pensadores, a gare da
terra de Bernadette recebia a Peregrinação de
Bel'ry. Com auxilio descia penosamente do trem
uma mulher, bem moça ainda, mas em cujas faces
graves enfermidades tinham cavado profundos
sulcos. Tranportada nos braços dos Brancardiers,
e accommodada, foi logo ao Hotel e á Espla-
nada do Rosario, onde assistiu, pela primeira vez
em sua vida, ao espectaculo soberano de uma
procissão· aux flambeaux.
Era a sra. Gordet.
Narremos, com Bertrin, a historia de sua vida :

Nas.cida em 1860 em Henrichemont (Cher),


pertencente a uma honoravel Família,. muito
124 AS MARAVILHAS DE LOURDES

conhecida no commercio de sua cidade natal,


casou-se, na flor da adolescencia, com um distincto
joven de seu paiz. A lua de mel foi apreciada sob os
melhores auspícios. Os illustres esposos, a princi-
pio, não conheceram da vida senão encantos e
sorrisos. A saude, a intelligencia, a alegria, a for-
tuna, tudo lhes promettia um porvir venturoso;
seus passos atravessavam caminhos perfumados,
onde vicejavam gosos e esperanças.
O soffrimento, comtudo, não tardou, apparecen-
do com os symptomas da primeira maternidade.
O parto da joven esposa foi doloroso, deixando-a
prostrada durante muito tempo.
Ainda não estava restabelecida de sua fraqueza,
quando, dous annos depois do parto, o timão de
um omnibus carregado lhe alcançou a espadua.
Ferida, caiu f óra de si.
Na impossibilidade de caminhar, vivia numa
cadeira de braços, passeiando de quando em
quando em um pequeno carro.
Em 1884 foi victima de uma angina, depois de
uma bronchite, e, minada pela febre, foi mister
não saír do quarto durante todo o inverno. Mais
tarde, padeceu successivamente do apparelho di-
gestivo, de uma gastralgia, e de uma gastrite.
Esteve duas · vezes em Bourboule, uma outra em
Pougues, Vichy; tudo debalde.
Era uma dessas doentes votadas a um peregrinar
continuo nos tramites da amargura, de saude para
sempre perdida, e por quem os medicos, interes-
AS MARAVILHAS DE LOURDES 125-

sando-se e prescrevendo diversos remedios, deses-


peram, por fim, na inefficacia de todos os recursos.

***
O distincto casal, posto que educado chris-
tãmente, vivia numa crença tepida; um e outro
abandonaram ou esqueceram seus deveres reli-
gwsos.
Um dia abençoado, entretanto, entrava a
doente, em Vichy, na Igreja de S. Luiz dos Fran-
cezes. Ajoelhada defronte de uma imagem de
Nossa Senhora de Lourdes, pensando na impo-
tencia dos homens, que não minoravam seus males,
perguntou a si mesma se não seria melhor implorar
o soccorro de Céo, e logo formulou um projecto
de viagem á Gruta da Virgem. Quando regressou
a Henrichemont, teve a noticia de uma Peregrina-
çao de Berry. Inscreveu-se na lista dos peregrinos
com piedoso gaudio. Não podendo effeituar a
viagem, em virtude do estado melindroso de sua
mãe, quiz, ao menos, pagar a viagem de uma
pobre doente que a substituiu.
Sua caridade não teve signal de recompensa.
Em Janeiro de 1889 começou a soffrer dores
internas, extremamente agudas. Seus gritos deli-
rantes eram ouvidos pelos transeuntes, que vaga-
vam nas proximidades de sua casa. Durante quatro
mezes crises violentas se succederam a intervallos
diminutos; o medico declarou que · um orgão
12t AS i\tARAVILHAS DE LOURDES

intimo se deslocara, sendo de inteira necessidade


um absoluto repouso no leito .
Apparecendo uma melhora, a doente quiz ir á
Igreja em landeau. Embora não tivesse que atra-
vessar senão uma praça, soffreu, todavia, uma
nova crise.
As pernas, destituídas de forças e movimento,
não podiam dar o menor passo; era necessario o
uso das molletas. Aggravou-se a enfermidade
interior, complicada de phlegmon e tumor.
Muitos medicas cuidaram da sra. Gordet. Cita-
mos, em particular, os drs. Barbey e Castay, de
Henrichemont; e Témoin, de Bourges. Até celebres
homeopathas foram procurados; nestas situações
tristes, quando se póde gastar, todos os remedios
são experimentados e todos os competentes são
ouvidos.
<< Consultei quatorze doutores, dizia a doente;

durante douze annos segui á risca suas ordens, mas


todas minhas esperanças foram desilludidas :
desde o primeiro dia de meus infortunios desci
sempre uma escarpa fatal. »
Uma outra crise, gravíssima, parecia querer
abrir-lhe a sepultura. O dr. Castay noticiou aos
paes da doente o estado da filha, que, recebendo a
Extrema-Uncção, se resignou á morte. Uma pelçi-
peritonite se tinha declarado.
AS MARAVILHAS DE LOURDES 127

O anno de 1890 foi tão funesto como o prece-


dente.
Na primavera de 1891 em Março, a paciente,
fatigada da inefficacia de todos os meios, consultou
seu medico, que lhe respondeu : « Não temos
um só alvitre a tentar ... Procurae crear forças, e
quando for possível supportades uma viagem a
Paris, um cirurgião habil fará a operação, indis-
pensavel para vosso restabelecimento. ll
Era, portanto, preciso uma intervenção cirur-
gica, e a fraqueza não lhe permittia procurai-a.
Dous mezes depois, entre outras cousas, escre-
via numa missiva : (( Hoje meu maior passeio é ir
á minha poltrona, com o auxilio de minhas molle-
tas. ))
Esperava sempre fazer uma peregrinação a
Lourdes.
(( Mas, ai ! dizia na carta supradita, como poderei
suppotar o transporte, eu que, nos dias de minhas
melhoras, não posso resistir, ao menos, no meu
pequeno carro, uma viagem de meio kilometro? ! ll
E uma voz secreta lhe communicava que seria
curada na Gruta, caso pudesse lá ir.
Ajuntava: (( Submetto-me á vontade de Deus, e
espero. ll
Esperou ...
E a vontade de Deus parecia ser contraria á
sua ida á Gruta no anno que passava, porque, sob
o ponto de vista medicai, a viagem era uma lou-
'lO
128 AS MARAVILHAS DE LOURDES

cura; a doente reconhecia isto mesmo, dizend()


que poderia morrer no caminho. Em vigentes
condições o Vigario de Henrichemont, seu confes-
sor, aggregou suas instancias ás de sua família,
com palavras persuasivas e tendentes á renuncia
de tão perigoso desejo.

No horizonte dos tempos surgiu o anno de 1892.


Exprimindo a doente sua idéa antiga a seu mei-
dico, este lhe respondeu : « A cirurgia faz grandes
progressos. ~ melhor decidirdes ir a Paris, para
fazer a operação.
- Não, doutor; nem eu nem minha família
queremos esta operação... Penso ir a Lourdes,
onde serei curada sem lancetas ...
- Esta viagem a Lourdes é quasi impossível
para vós, e la não haveis de encontrar vossa
saude. »
Ella bem comprehendia o perigo. Conhecendo-se
temeraria, e receiando que sua temeridade cau-
sasse prejuiso á Religião, implorava ao Senhor :
<< Chamae-me a vosso seio antes que eu parta

para Lourdes, se acaso deverei morrer em via-


gem.»

Apezar de tudo ella partiu.


AS MARAVILHAS DE LOURDES 129

O marido a acompanhava. Ambos deveriam


achar-se, no dia 28 de Agosto, em Cháteauroux,
onde era aprazado o rendez-çous geral dos Peregri-
nos de Berry. Da cidade de Henrichemont á Es-
tação de trem o pequeno carro da enferma, que
deveria vencer cerca de dous kilometros, impul-
sionado a braços, rodava lentamente, afim de ser
evitado todo extremecimento.
A sra. Gordet pensava melancholicamente em
sua filha, em seus pais, em sua casa, que ella deixa-
va, e talvez para sempre. Contemplava com emo-
ção o vergel ameno, a paysagem querida que a
. circumdava.
« Vendo este circulo magestoso e immenso de
collinas coroadas de espessas florestas, vendo
estes valles attraentes, as pradarias, os campos
de verdura, quasi tudo olvidado em sua doença,
parecia-lhe mais magestoso que nunca o conjuncto
delicioso de todas aquellas bellezas naturaes,
porque ella estava condemnada a abandonar o
mundo {1). n Era o ultimo adeus ...
Dizia a si mesma : << quando eu passar por aqui
de novo será sobre meus pés vigorosos, ou carre-
gada num esquife. >>
Borboleteava, assim, entre a flor da esperança
e o abysmo do desespero; uma voz a chamava a
Lourdes, uma outra The murmurava, no fundo do

(1) BoURNICHO N : Un des beaux faits de Lourdes.


130 AS MARAVILHAS DE LOURDES

coração, que não se afastase do seio, de sua familia


e de seu paiz, e que, sendo preciso morrer, era
melhor exhalar o ultimo suspiro no meio dos seus,
e não em jornada, nos caminhos.
Um pouco mais tarde, quando o trem, silvando,
partia, seu marido viu grossas lagrimas cairemlhe
dos olhos.
Seu pai, que não partilhava de suas esperanças,
nem de sua fé, tinha-se opposto terminantemente
á sua partida, e por isso não quiz abraçai-a ao
despedir-se. Na vespera, depois de todos os esforços
empregados para dissipar a idéa da viagem, reti-
rou-se á campanha, onde, sem testemunhas,
chorou copiosamente, lembrando-s~ de sua filha,
que elle não esperava mais rever.

Durante a viagem merecia a piedade de todos


que a viam.
Viajou em primeira classe até Cháteauroux,
mas a partir d'aqui não havia mais wagons de
primeira, e os de segunda estavam repletos. Foi
obrigada a procurar um lugar na terceira, já
muito cheia. Com difficuldade o encontrou.
« Eramos seis pessoas, conta uma CJiajora (1),
eramos seis pessoas, inclusive nosso affavel Viga-

(1) Senhorita Helena Bellier de ~Iontrouse. Vid. Cow·rier de


l' lle Bourbon.
AS MARAVILHAS DE LOURDES 131

rio, todas vindas de Morlac; esperavamos em Cha-


teauroux completar nosso departamento com tres
peregrinos. Um só lugar, que deveria ficar vasio,
nos promettia tornar menos penosa a viagem.
Passar a noite assentadas uma ao lado da outra,
rectas, não é, certamente, bem agradavel. O
tempo voava, e ninguem apparecia; uma vaga

- esperança nos alentava o coração : em vez de um,


íamos ter quatro lugares ... Que achado !. ..
Á ligeira, no momento em· que o trem amea-
çava partir, abre-se a porta, e deante de nossos
olhos vimos uma padiola, onde uma mulher moça,
cor de chumbo, estava deitada.
Meu Deus! Uma doente! ...
Proferindo palavras de protesto, tentamos
impedir o ingresso da nova companhia, dupla-
mente encommoda. Nossas objecções foram im-
proficuas; o marido, galgando a escadinha do
wagon, ajudava o transporte de sua esposa para
dentro. Continuamos a defender-nos; presto, a
douçura com que nos falou a extrangeira profun-
damente nos commoveu.
« Sou doente, disse-nos, e mais do que pensais;
o menor abalo violento póde produzir-me uma dor
mensageira da morte. Grande é a inquietude de
meus pais, que me viram partir, e a de meu esposo,
que me acompanha. Percorremos todos os wagons,
completamento cheios; só aqui encontrei lugar.
Deixae-me partir comvosco, e no curso da viagem
132 AS MARAVILHAS DE LOURDES

meu marido me mudará para outra parte. » E


como ficassemos silenciosas, sem armas deante de
uma suavidade angelica, ella accrescentou com ar
humilde : « Estou desolada por encoinmodar-vos,
e bem comprehendo vossa contrariedade ... ))
Tratamos então de reparar nosso primeiro mo-
vimento de egoísmo (1), cuidando da enferma e seu
marido, dando-lhes os dous cantos, e entre os
bancos formanos, com varias malas, uma especie
de cama para ella descançar.
Não podia estar sentada por muito tempo. Ha
douze annos adoecera, e ha quatro não caminhava,
soffrendo dores internas, e gritando quando
alguem a tocava. Partindo de sua casa de manhã,
estava hem fatigada!... etc. etc. Á meia moite,
ouvimol-a dizer ao marido : << estou estafada, se
pudessemos ter trazido para aqui minha padiola ... ))
O dia seguinte foi assolador; um fogo de tempe-
ratura insupportavel nos impellia para fóra do
wagon a cada Estação, afim de respirarmos um
pouco de ar sob as arvores, e refrescarmos nossos
rostos e mãos nas aguas das fontes.
Ella, a doente, que não podia mover-se, suppor-
tava, sem gemidos, essa immobilidade, que lhe
augmentaria o soffimento do calor.
Quando se contemplava, um -pouco depois de

(1} Bem criminoso, é verdade; e sobretudo para um peregrino


que se dirige a Lourdes ... (O autor.)
-
AS MARAVILHAS DE LOURDES 133

Agen, a estatua monumental de Nossa Senhora do


Bom Encontro, que, no seu plyntho - alta collina,
dominava a campanha, a doente fruiu um jubilo
intenso, falando com o intimo d'alma :
« Bom Encontro, Bom Encontro! Sim, minha
Mãe, encontrei-vos no meu caminho. Tenho fé
em vós, eu vos amo! Curae-me!. »
Em Tarbes, participou ella da emoção de todos
os Peregrinos, « descobrindo no horizonte os flan-
cos nevados dos altos Pyrineus, illuminados pelo
sol. Os montes gigantescos se desenhavam niti-
damente, apezar das quinze leguas que nos sepa-
ravam ainda. Todos exclamavam : é lá, é a terra
de Maria.»
Seis horas. Lourdes I Chegamos a Lourdes !. ..
Esta palavra magica correu de uma extremi-
dade á outra do trem, sacudindo todas as almas
<lom fremitos de enthusiasmo, como acontecia
outr'ora, entre os primeiros Cruzados, ao avistar-
se a Cidade Santa : J erusalem ! J erusalem ! Eis
Jerusalem!

Com o coração animado de alegria fervorosa a


sra. Gordet chegou ao Hotel, pedindo logo que a
transportassem á Gruta para assistir á passagem
da procissão aux flambeaux.
A multidão -era immensa naquella noite.
A enferma admirava extacticamente aquelle
134 AS MARAVILHAS DE LOURDES

cortejo sem fim. De longe, ouvia os canticos dos


peregrinos, vendo brilhar a doce e tremula luz dos
cirios, sem distinguir as mãos, occultas nas som-
bras, de quem os seguravam. Seu olhar se concen-
trava naquelle rio de fogo, naquelle mar em
movimento, cujas vagas pareciam ser formadas
de estrellas rubidas e buliçosas. Ou melhor -
interpretando seu pensamento, que se dirigia para
o alto -, milhares de estrellas, que, caídas do Céo,
vinham á terra prestar homenagens á Immaculada,
girando em torno d'Ella-a Virgem, constellando
feericamente um novo mundo.
As vozes innumeraveis chegavam confusas a
seus ouvidos. Não obstante, um canto se destacava
solemnemente, e, repetido de momento a momento
por diversos grupos, formava uma especie de invo-
cação ininterrupta, sem fim, sempre retumbante :
Ave, Ave, Ave, Maria!
A sra. Gordet repetia estas palavras sagradas
com verdadeiro affecto.
Saudava, com o maior ardor de sua alma,
Áquella a quem vinha procurar de tão distante,
e de quem esperava sua cura. Relembrava os
douze annos de seus soffrimentos, de suas amar-
guras (1).
Presentemente, e ha tres annos, soffria uma

(1) De 1880 a 1892 Virginia Gordet so!Yreu :


1880 : Um aborto; gastralgia.
1881 : N evra!gias in tensas e prolongadas; dyspepsia.
AS MARAVILHAS DE LOURDES 135

peritonite com suppuração. Os abcessos, formados


no exterior, abriam-se todos os quinze dias; no
dia 25 de Agosto um d'elles tinha expellido uma
quantidade consideravel de pús. Na antevespera
de sua viagem, seu medico, fazendo-lhe a ultima
visita, disse convictamente :
« Quanto regressardes de Lourdes, não deveis
ficar aqui; ireis a Paris. É indispensavel a opera-
ção, o remedio unico capaz de favorecer vosso
restablecimento. >>
O mal, portanto, que ia desapparecer mediante o
auxilio da Virgem, estava em plena actividade .
<< Quem sou eu, raciocinafJa ella, para obter um

tão excepcional favor?! ... Ha outros que pedem


a meu lado, e suas preces merecem mais attenção
que as minhas. E se eu obtivesse miraculosamente
a saude perdida, que responsabilidade para o resto
de minha vida !... >>
O milagre, que ella tinha tanto desejado, a
intimidava ...
Com esses sentimentos diversos, de esperança
e de medo, de confiança e resignação, a doente
1882 : Bronchites repetidas; dôres de espadua; debilidade
geral.
1883 : Anginas consecutivas; receios de tuberculose.
1884 e 1885 : Irregularidades do lado do coração.
1886 : Gastralgia; gastrite.
1887 : Arthritismo no joelho esquerdo.
1888 : Inflammação dos intestinos; deslocamento do u tero.
1889 a 1892 : Pelvi-peritonite; phlegmons; tumor interno-
ovaro-salpyngite; impossibilidade absoluta de estar de pé, e de
mover-se sem apoio.
136 AS llfARl\.VILHAS DE LOURDES

admirava aquella noite inesquecive~ amena e


-dolorosa ao mesmo tempo, ouvindo o echo dos
-canticos que se expandia nas bordas do Gave, e
vendo a immensa serpente de fogo traçar em torno
de si interminaveis anneis de luz. Quando chegou
a seu Hotel, a procissão terminava. Aqui e acolá
peregrinos isolados se despediam da Virgem com
um A çe de adeus, e na obscuridade, que a pouco e
pouco se apossava de tudo, se destacavam círios
dispersos, reunidos, errando na noite es-cura, e
procurando o caminho da cidade; eram os ultimos
testemunhos da festa magnífica que acabava de
ser concluída.
A sra. Gordet não dormiu. Seu espírito agitado
pelos sentimentos contrarias, · que ella alimentou
na procissão aux flambeaux, não lhe permittia
-conciliar o somno.
Era sua ultima resolução : (( Senhor, í!eja feita
vossa vontade ! >>

Eis, emfim, a memoravel aurora!


A manhã envolvia o mundo numa luz nova, e
()S primeiros ruídos denunciavam o despertar da

vida.
A doente levantou-se.
Era 30 de Agosto, data que 1he seria para sempre
immorredoura. Logo ás 6 horas foi á Gruta, onde
a Peregrinação assistia á Missa.
AS MARAVILHAS TIE LOURDES 137

Apoiada em suas molletas, e ajudada por seu


marido, approximou-se das grades para Commun-
:gar, reentrando depois em sua carrêta.
Supplicou á Santíssima Virgem a graça de sua
. <lura, acceitando, entretanto, com docilidade, os
desígnios da Providencia; ella fazia generosamente
<> sacrificio de sua vida e de sua saude, se Deus de-
terminasse seu soffrimento ou sua morte.
Um pouco mais tarde foi ao Bureau des Constata-
tions M édicales, onde impetrou ao Presidente lhe
fizesse um exame. O Dr. Boissarie, lendo o certi-
ficado que ella trazia, respondeu-lhe : .
« Nosso exame nada adeantaria. Sua enfermi-...
dade é muitíssimo conhecida, e ninguem poderá
melhor testemunhar a delicadeza de seu estado
que seus proprios medicas. Se a Virgem lhe der a
<lura, uma grande graça será feita. JJ
Estas ultimas palavras foram proferidas fria-
mente. ~ uso no Bureau calmar a esperança dos
~nferm<>s, em vez de excitai-a.
Retirou-se a sra. Gordet um pouco tristonha.
Uma hora depois ella apparecia nas piscinas ...
'Era dez horas, narra a graciosa escriptora supra-
nomeada; eu acabava de orar na Gruta, e ia voltar
para o Hotel, quando um movimento de extranha
agitação me attraiu para o lado das piscinas. No
mesmo instante um grito de victoria irrompeu de
<lentenas de peitos: Magnificat! ...
Uma doente era curada ...
138 AS MARAVILHAS DE LOURDES

O povo correu para deante e todos querem ver,


querem contemplar, querem admirar o caso.
'fambem olho. Oh, maravilha I Que alegria im-
mensa! Que emoção sem egual !...
Reconheci nossa doente, nossa enferma, nossa
companheira de viagem I
Sua confiança em Maria fôra recompensada :
estava curada! Caminhando triumphante, e, sem
notar o que se passava em redor d'ella foi ajoelhar-
se ao pé da estatua da Virgem poderosa. »
Que se passara? Diremos :

Chegando para tomar seu banho, a sra. Gordet


ouviu, compungida, as exhortações do padre, que
pedia a todos afervorassem as preces, porquanto a
Peregrinação ia regressar, e este anno não tinha
ainda sido agraciada com uma só cura.
Interessando-se piedosamente por esses habi-
tantes de Metz e Strasbourg, francezes de coração,
apezar das calamidades da guerra, a sra. Gordet
esqueceu-se de si mesma, e implorou a Deus cu-
rasse uma das doentes, retardando, se fosse pre-
ciso, sua propria cura.
Com este acto de caridade li.eroica entrou nas
piscinas.
Lá se achavam, como enfermeiras, a Condessa
de Coetlosquet, a viuva Mongeolle, ambas de Nan-
cy, e mais duas Religiosas de Niederbronn. Estas
AS MARAVILHAS DE LOURDES 139

mulheres collocaram a doente num lençol que ellas


seguravam, e d' este modo a mergulharam n' agua
miraculosa. Ao sentir o frio da agua a sra. Gordet
repetiu em alta voz a oração que já tinha feito no
secreto de sua alma :
« Meu Deus, seja feita vossa vontade! »
<< Todas quatro, escreçeu a Condessa, ficamos

intensamente emocionadas. A sra. Mongeolle


perguntou á doente : Não credes que a Santa Vir-
gem poderá curar-ços?
- Sim, respondeu. '
E, saindo do banho, sem o menor signal de
soffrimento levantou-se com firmeza, começando
a andar. Nossos braços estavam abertos para lhe
prestarem soccorro, no caso em que ella enfra-
quecesse ... Mas a cura era completa!
Unimo-nos todas na acção de graças a Maria.
O dever da gratidão dominava o espirito da sra.
Gordet; sempre a verei com as mãos juntas, sempre
ouvirei estas suas palavras :
<< Ah, senhoras, ajudae-me a agradecer á Virgem

Santissima! f; facil pedir uma graça, mas é difficil


manifestar o reconhecimento, como é preciso. »
Passada a primeira emoção, ella saiu, sosinha,
subindo os tres degraus da piscina ... Foi á Gru-
ta (1). >>

(1) Correspondencia da Condessa de Coêstlosquet, 17 de Outu-


bro 1892. Vid. Un des beaux faits de Lourdes, pag. 186.
140 AS MARAVILHAS DE LOURDES

« Eu a vi sair, dizia-nos um assistente -o padre


M eyer, caminhando pressurosa. Chegando á frente
da estatua da Virgem S. S., ajoelhou-se com uma
expressão sublime de reconhecimento infinito. n
O sr. Gordet, ancioso, esperava sua mulher
debaixo de uma arvore, segurando a carreta.
Derepente ella se dirige para o lugar onde elle
estava, trazendo as molletas nas mãos, com pasS(}
firme e sorriso nos labios. Pensando que seus olhos
contemplavam uma miragem enganadora, per-
guntou a si mesmo se estava sonhando, temend()
ser victima de uma illusão. E sua mulher approxi-
mou-se-lhe, e eil-a a seu lado, plena de saude e
vida! De joelhos, soltou elle um grito, fóra de si.
A sra. Gordet pegou o timão de seu pequen()
carro, conduzindo-o á Gruta.
« O Marido a seguia, com o olhar extranho ... , es-
tupefacto. n
<< Uma cura! Uma cura! n Esta nova ondulou ()

mar da multidão, e o M agnificat foi entoado por


milhares de vozes, que, potentes, se animavam
nos transportes de uma grande alegria. Minutos
depois a sra. Gordet apresentou-se de novo fi()
Bureau des Constatations Médicales, mas d'esta
vez toda transfigurada, sem o menor apoio. Em-
bora tão habituado á presença das curas miracu-
losas, o Presidente olhou com admiração sensível,
numa attitude toda singular e sorridente, a phy-
sionomia indizivelmente bemaventurada da mulher
AS MARAVILHAS DE LOURDES 141

que apenas havia uma hora tinha saido de seu


Bureau.
Fez logo um exame minucioso, auxiliado pelos
Drs. Thomassin, d'Achéville (Vosges); e Paulo
Ducreux, de Bligny-sur-Ouche (Côte-d'Or).
Foi relido o certificado do medico da doente.
Não achamos o menor vestigio, escre()e o Dr.
Boissarie, d' esta inflammação tão antiga e adean-
tada. O estado geral é magnifico; e, quanto ás
lesões locaes, desappareceram sem deixar o menor
signal (1). »
« Ao lado d'ella, notou o mesmo Doutor, estava
seu marido, louco de alegria, não achando pala-
vra para traduzir ou balbuciar seus sentimen-
tos. »
Na manhã do dia seguinte, ás 7 horas, a Pere-
grinação de Berry estava reunida na Igreja do
Rosario. No primeiro banco, perto dos degraus do
santuario, a sra. Gordet se achava sentada; no
momento da Communhão, ella e seu marido
approximaram-se ãa Sagrada Mesa.
A Virgem curou ao mesmo tempo o corpo da
esposa e a alma do esposo ...

Ás tres horas da tarde, a feliz mulher foi ao


Bureau des Constatations.

(1) Annales de Notre-Dame de Lourdes, vol. xxvr, page 230.


142 AS MARAVILHAS DE LOURDES

« Ella estava transformada, diz o registro official,


a proposito da segunda i,Jisita; parecia uma curada
de seis mezes. Tinha comido pão com appetite, o
que não podia fazer ha muitos annos. »
Ella ignorava porque era anciosamente esperada
no Bureau.
Eis a verdade : Zola tinha pedido no dia 30 de
Agosto uma audiencia ao Presidente do Bureau,
e este quiz conceder-lhe o favor numa occasião
faustosa, em que elle podia ver de perto um novo
milagre.
Quando ella estava no Bureau, não sabia quem
era o raro visitador que lhe falava. Confundiu
Zola com um medico, que muito se interessava por
sua saude. O Presidente fez com que contasse a
historia de sua enfermidade e cura, autorisando
Zola a interrogai-a se fosse de seu desejo.
O escriptor começou expressando seu desprazer
por não terem os medicos de Lourdes examinado
a doente.
<< Com effeito, respondeu o Dr. Boissarje.&,~ós

o poderíamos ter feito, porquanto ella me~ nos


veio pedir. Mas o certificado do medico assistente
que a cuidou no curso da doença tem mais auto-
ridade que o exame que pudessemos ter feito num
instante, necessariamente incompleto. >>
Era bom ter accrescentado que a palavra de
um medico incredulo tinha mais valor que a sua,
no conceito de muita gente, e, com certeza, mesmo
no conceito de Zola.
AS 1\fARAVILHAS DE LOURDES 143

Observou este que o certificado era antigo.


Firmado a 9 de Agosto, datando de tres semanas,
€ra infinitamente pouco para uma velha enfermi-
dade, destinada, por sua natureza, a aggravar-se
sem cessar, e que não podia ser curada, como
dizia um medico, senão pela ablação dos orgãos
doentes. Zola dirigiu-se á sra. Gordet :
« Porque resististes a submetter-se á operação
que vos fôra aconselhada?
~

- Porque eu não esperava o minimo resultado,


e tinha toda certeza de que a Virgem me curaria
em Lourdes. >>
Deante d'esta energica profissão de fé, d'esta
confiança no sobrenatural, d'este des~em da
sciencia humana, o naturalista ficou algum tempo
silencioso; depois continuou :
<< Porque, tendo uma tão bella fé, não viestes aqui

ha mais tempo?
- Porque meu Vigario me tinha prohibido.
- Então, disse Zola ao Vigario de Henriche-
mont, qúe se achaça presente, retardastes a cura de
vossa parochiana? Ou talvez tinheis menos con-
fiança que ella no resultado? ...
- Desculpae-me, senhor ... ; a familia da sra.
Gordet negava o consentimento para a viagem,
que o medico achava impossivel : não era meu
dever encoraj al-a ...
- Era prudente ... E porque, sendo as mesmas e
talvez peiores as condições d'este anno, concedesws
o que outr' ora negastes?
11
i44 AS MARAVILHAS DE LOURDES

Os obstaculos tinham desapparecido. A


familia, em geral, deu seu beneplacito, o marido
prometteu acompanhai-a, o medico, já não op-
pondo temiveis difficuldades, lhe deu o certificado,
e eu fui feliz de vir até aqui juntar minhas preces
áquellas que foram tão bem ouvidas.
- Muito bem ... ; no vosso lugar eu faria o
mesmo ...
- E que se dirá, agora, em vossa parochia,
Reverendissimo?
- Ignoro. Mas estou certo de que lá se prapara
uma grande manifestação.
- Insinuada antecipadamente por vós? ...
- Ha vinte e quatro horas, diz o Vigario
com toda a tranquillidade, que o milagre se effec-
tuou.
Pedi ao sr. Gordet e sua esposa nada informassem
a seus parentes, querendo eu que uma noite ·se
passase para confirmar esta cura maravilhosa. Só
esta manhã elles telegrapharam, enviando eu
tambem a noticia agradavel a meu coadjutor.
- Está direito, Reverendissimo Vigario. Agis-
tes como um sabio. >>
Embaraçado, não sabendo mais que dizer, o
escriptor passava a mão sobre a fronte, e torcia os
bigodes. Referindo-se á sra. Gordet :
« Sois nervosa?
- Meu Deus, não sei como responder ... Talvez
sim, talvez· não, segundo o sentido que se queira
AS l\IARAVILHAS DE LOURDES 145

dar á quaestão. Como as demais mulheres, soffro


dos nervos de tempos em tempos, mas não creio
que os nervos me dominem. »
O marido interveiu, e disse que sua mulher ja-
mais apresentara symptoma especial a este res-
peito, e que a enfermidade, que ella soffria ha
muito tempo, de nenhuma maneira tinha sua
origem no systema nervoso.
O proprio Zola confessou que a mulher lhe pare-
cia calma e senhora de si mesma. Apresentava
suas objecções ordinarias: a sra. Gordet era curada
de uma paralysia; ora, isto podia ser causado pelo
systema nervoso.
Esquecia-se de que uma paralysia inveterada
cessa de ser puramente funccional; torna-se orga-
nica, insensível aos effeitos da suggestão. Demais,
no caso actual toda a economia estava attingida,
existindo ainda um grave tumor.
Zola : << Este tumor não foi constatado.
- Sim, foi constatado; o medico o reconhe-
ceu, e o pús abundante que saía dissipava a menor
duvida sobre a existencia d'elle.
- Se este tumor existia, quem nos assegura que
elle não voltará? »
O futuro : não voltou ...
Zola, em todas estas questões, manifestara um
estado de espírito bem aturdido . Agora põe como
difficuldade ser a cura muito recente, não confir-
mada ainda pelo tempo; quando lhe foi apresen-
146 AS MARAVILHAS DE LOURDES

tada uma cura de um anno, a de Clementina Trou-


vé, disse que era muito velha.
Ê preciso concluir, portanto, que elle se decidia
a fechar os olhos obstinadamente ...

A Peregrinação de Berry chegou a Bourges no


dia 2 de Setembro, á meia hora da tarde. Um
grupo de cinco ou seis pessoas examinava na gare
os passageiros que desciam, com uma febre de
impaciencia.
Distinguiam-se sobretudo uma mocinha de dez
annos, e um homem que tinha mais de cincoenta.
Quando a sra. Gordet lhes appareceu, no meio da
multidão, caminhando só, sem apoio e com paso
seguro, uma emoção violenta os parou, impedindo-
os de caminhar. E ella, garrida, se dirigia para a
parte em que estavam seu pai e sua filha, sorrindo
e abrindo os braços. Desorientado, não sabendo
o que fazia, o pai recuava á proporção que a filha
se approximava. Indescriptivel foi o encontro ...
Topando o Vigario de Henrichemont, o velho,
satisfeito, exclamou : << Permitti que eu v.o.s ab.race;
em parte fostes nosso salvado.r. »
Depois de tantas angustias, que felicidade
naquelle dia, naquella hora inolvidavel na vida I
Havia quatro horas de permanencia em Bourges.
Era preciso almoçar. A sra. Gordet comeu sem
1
AS MARAVILHAS DE LOURDES 147

difficuldade alimentos solidos, o que seu estomago


não supportava desde muitos annos. Seu pai
olhava este phenomeno com lagrimas nos olhos.
Elle, que descordara da peregrinação, que,
amando seu scepticismo, não frequentava as Igre-
jas, foi vencido por um incomparavel sentimento
de gratidão; alegre, perdendo a cabeça, levantou a
taça cheia de vinho, exclamando : « Á saude da
bôa Virgem de Lourdes ! li ''
Era uma oração, oração que espontanea brotava
de sua alma fervorosa, e que, apezar da forma
original, voou, sem duvida, até ao Céo ...

Á tarde chegou a Henrichemont. Multidão


immensa esperava a privilegiada. Todo o mundo
a queria ver.
No dia 3 de Setembro, de manhã, o Dr. Castay
visitou-a, ficando profundamente impressionado.
« Desejo - disse elle - examinar-vos com o
maior cuidado; quero verificar a mudança, fa-
zendo um exame rigoroso. Voltarei esta tarde. ''
E voltou.
Vãmente se demorou em procurar os vestígios
da dolorosa inflammação, do abcesso que, ha tres
annos, suppurava progressivamente. Tudo tinha
desapparecido.
Encontrou tecidos restaurados, e como que uma
148 AS MARAVILIIAS DE LOURDES

creação de novos orgãos. Escreveu um longo


certificado, no qual confessou :
<< Medicalmente falando, sou autorisado a attes-

tar a cura, talçez completa e duradoura (1). n


Na ultima expressão transparece um espírito
atheu, que desconfia do dia de amanhã.
Emílio Zola, para evitar o reconhecimento do
milagre da sra. Gordet, tambem se refugiara nas
incertezas do futuro.
Pois bem, o tempo nos falará da cura ...

E o tempo falou, dando-nos um testemunho


incontestavel.
Antes de começar estas linhas, cu mesmo quiz
saber da parte da sra. Gordet o que sentira em
sua saude após a cura em 1892, passados 12 annos.
Ella respondeu-nos :

Henrichemont, 28 de Setembro.

Senhor:

Apresso-me em responder vossa carta, e certi-


fico que tudo que o autor narra n' Un des beaux
faits de Lourdes, concernente á minha pessoa, é
inteiramente verdadeiro.

(1) Vid. Archivo do Bureau Méch cal.


AS MARAVILHAS DE LOURDES 149

A cura f.oi assim perfeita como instantanea, e


desde meu primeiro banho na piscina, a 30 de
Agosto, de 1892, a enfermidade jamais reappare-
ceu.
Os medicos não acham o menor vestigio de meus
males. Não tive convalescença, e logo depois de
meu regresso de Lourdes comecei a trabalhar, sup-
portando muitas fadigas. De minha longa e cruel
doença não me resta senão a lembrança, a qual
guardarei em toda minha vida para ser grata
Áquella que se mostrou tão misericordiosa para
IDIID.
Amor, reconhecimento, e gloria a Nossa Senhora
de Lourdes !...
Recebei, sr ... etc.
Virginia GoRD ET. »

***
Neste mesmo anno conversei com a sra. Gordet
nas margens poeticas do Gave; ella tinha vindo a
Lourdes numa peregrinação de amor, para dar
graças a Maria. A doente de outr'ora era uma
mulher robusta e vigorosa.
Appellara-se para o tempo : elle respondeu,
confirmando plenamente os resultados radicaes
do primeiro dia ...
150 AS MARAVILHAS DE LOURDES

Publicamos o certificado seguinte, referente a


Virgínia Gordet, victima de um mal interior, que só
poderia ser extirpado pelo bisturi, sendo seu corpo
um receptaculo de ínnumeras enfermidades até ao
dia de sua cura.
Hoje ella sempre repete: Gloria a Nossa Senhora
de Lourdes ! ! !
E tem razão de fitar o alto ...
A natureza não faz taes prodígios.
<< Eu, abaixo assignado, João Baptista Castayt

Doutor em medecína pela Faculdade ·de Paris,


resdente em Henríchemont (Cher), attesto ter
tratado da sra. Virgínia Gordet, empregando meios
para debellar uma oflaro-salpyngite suppuratifla,
situada no lado direito, datando de tres anno.s e
oito mezes. A sra. Gordet, no período de sua longa
enfermidade, estava quasi sempre deitada, apre-
sentando graves symptomas de pelfli-peritonite-
suppuratifla, com inflammações em cada período
menstrual.
Desde alguns mezes notei uma calma relativa,
mas permanecia sempre uma gangue in:flammatoria
comprimindo o utero, operando-se lentamente o
desapparecimento.
Apezar d'esta melhora, as dôres eram vivas,
sendo impossível á doente estar de pé, e dar
passos sem o auxílio das molletas.
· A pedido da sra. Gordet, fiz-lhe um exame
no dia 9 de Agosto de 1892.
AS MARAVILHAS DE LOURDES 151

A résorption do exsudet tinha feito progressos,


sem ser completa.
Hoje, 3 de Setembro de 1892, fiz um novo
exame, minucioso, e observo que les produits de
l'inflammation aflaient totalement disparu; les culs-
de-sac étaient flides, l'utérus libre, le toucher et le
palper combinés completement indolores. A sra.
Gordet diz não soffrer o menor soffrimento, espon-
taneo ou provocado; senta-se, levanta-se, e camin-
ha com uma inteira liberdade de movimentos.
Medicalmente falando, sou autorisado a registar
sua cura, talvez (1) completa e duradoura.
Em fé, etc ...

Henrichemont, 3 de Setembro de 1892.

J. CASTAY.

(1) O talçez do Dr. Castay, escripto em 1892, passou a ser


absoluto ... Mesmo depois de 1904 (douze annos após o certifi-
cado do Dr. Castay), data em que a Sra. Gordet ·e screveu a
carda suprapub!icada ao Pr. Dr. Bertrin, continuou a feli:r.
mulher a gosar de saude completa e duradoura. (O Autor.)
.!
I
I. .
'

Ii ,
I

Gabriel GARGAM
IX

GABRIEL GARGAM

Agosto de 1911.
Carregou-se o azul dos ceus, embaciaram-se os
.ares, e as ventanias rolavam desorientadas de
todas as partes.
Era uma tarde tempestuosa. E na esplanada,
á frente da Igreja do Rosario, a Peregrinação .
Nacional de 1911, quieta e tranquilla, no fervor
de uma piedade sem exemplo, acclamava Jesus
Sacramentado, o Rei dos seculos e Redemptor
das almas. Eu quiz ficar durante muito tempo
no meio d'aquella multidão, composta de mais de
cem mil pessoas . Era um espectaculo indefinível!
Rugia este tão celebre e raivoso furacão do
111idi; as arvores do Calvario, da praça, açoitadas
pelo vento ríspido, envergavam-se numa gritaria
doida; a agua descia em corrente do alto das
montanhas. E o povo, insensível á ingratidão
do tempo, num enthusiasmo febril, exclamava á
passagem de Jesus ao lado dos doentes :
154 AS MARAVILHAS DE LOURDES

« Hosanna ao Filho de David I


<< Bemdito seja Aquelle que vem em nome d()
Senhor!
« Senhor, nós vos amamos!
« Senhor, nós vos adoramos!
« Hosanna, hosanna, hesanna ao Filho de Da-
vid I >>
Levantou-se uma mulher, mais outra : eram
duas curadas ...
Eu vi as elegancias do mundo, trajando custosas
vestes, ajoelhadas, como o faziam os mais humil-
des, na lama abundante, entoarem, com amor e
\
reconhecimento, o Adoremus ! ... Eu não conhecia
na terra uma scena tão tocante : nec lingua CJalet
dicere, nec littera exprimere ...
Terminada a Benção, arredei-me da praça, e,
molhado, fui ao Bureau des Constatations. Á
entrada, um medico meu amigo gentilmente me
falou :
« D'onde vem vossê tão empapado? Tomou
algum banho na piseina com sua sotana e chapéo?
Estive á sua procura, para apresentar-lhe um
personagem que lhe ha de interes:sar. Venha. >>
Caminhamos em direcção de um grupo, com-
posto, em sua maior parte, de medicos e j orna-
listas, e onde algo se commentava com interesse.
Meu amigo, abrindo ala, fez-me parar deante de
um homem, a quem disse :
« Senhor Gargam, apresento-lhe o Pe. Dr . .Ar-
AS MARAVILHAS DE LOURDES 155

chibaldo Ribeiro, de longínquas terras, do Brasil,


que estuda com perseverança a questão de
Lourdes.
Meu Amigo, apresento-lhe o Sr. Gargam, cuja
historia principal de sua vida merece uma relação
especial no seu futuro livro. >>
De facto, muito applaudi e agradeci a idéa de
meu amigo. Quem conhecer os annaes de Lourdes,
não ignora o nome de Gabriel Gargam.
Contemplei-o demoradamente. Alto, de manei-
ras distinctas, cuidadosamente vestido, mas sem
• affectação, rosto expressivo e corado, era vigoro-
samente forte, gosava de plena e perfeita saude.
Duas cousas me attraíram sobremodo a attenção :
a calva precoce, que invadira a fronte ainda joven,
e dous olhos bem azues, vivos, ardentes e insacia-
veis. Conversei de boa mente com esse amavel
peregrino, que tinha vindo a Lourdes em Agosto
de 1911, viagem que fazia todos os annos, para
reiterar á Virgem as homenagens de sua gra-
tidão.
Narremos sua historia :

A's 10 1/2 da noite de 17 de Dezembro de 1899,


sob o rigor de um frio invernoso e cortante, Gabriel
Gargam, empregado ambulante do Correio, tomou
em Bordeaux o Rapido que partia para Paris. O
156 AS MARAVILHAS DE LOURDES

wagon, onde elle trabalhava com mais tres com-


panheiros, era um dos ultimos do comboio.
Gargam não tinha ainda trinta annos. Desem-
penhava seu cargo com applausos dos Supe-
riores. Como alumno do Lyceu d'Angoulême, fez
seus estudos com brilhante exito, bacharelando-se.
Com afan se preparava para tomar parte num
concurso de admissão á Escola Superior do Cor-
reio, afim de poder chegar mais tarde a um dos
primeiros e elevados postos de profissão que
abraçara.
Seu pai, oriundo da Bretanha, era um conhecido
official de marinha. Chamado á fundição dos
canhões de Rouelle, perto d' Angoulême, lá esteve
residindo, nascendo nessa epoca seu filho Gabriel.
Tornando-se homem a criança, desejava com
fervor as honrarias de sua carreira, como outr'ora
desejara e conseguira seu pai na propria; era uma
ambição hereditaria ...
Viajando no exercício de seu emprego, cheio de
vida e forças, não sabia que a desgraça de um
momento iria dissipar as esperanças de muitos
annos!
A velocidade do trem diminuir a; a locomotiva
estava bastante deteriororada. Chegando á subida
de Livernant, a alguns kilometros d' Angoulême, a
machina não poude proseguir sua marcha, e parou
de vez. Apezar de todos os esforços do machinista,
ella permaneceu em sua immobilidade no meio
AS MARAVILHAS DE LOURDES 157

apavorador das trevas. Era pouco mais de meia


noite. Infelizmente o trem estacionara depois de
transpor uma curva, de modo que as luzes de
detraz não eram vistas senão a pouca distancia.
« Apenas paramos, conta Gargam, ouvimos um
ruido surdo, um ruido funesto. Era o Expresso
que, partindo de Bordeaux dez minutos depois de
nós, ligeiro nos havia alcançado com uma veloci-
dade de oitenta kilometros por hora. Tivemos um
ou dous segundos para conhecer a imminencia do
desastre : iamos ser esphacellados ... E foi só o que
pensamos. .. Perdemos logo o uso da razão, e
sabemos o qu e se passou depois por referencias
alheias. »

Na manhã do dia seguinte os vendilhões de


j ornaes percorriam todo Paris e demais cidades
visinhas numa algazarra não habitual, gritando a
bons pulmões : << Ultima novidade ! Grave desastre
na Estrada de Ferro! » Era o reclamo para a
venda, o alarme da desgraça para o ganho. E o
lucro foi certo. O povo, avido de sensação, com-
prou a valer os diarios mensageiros da triste nova.
Dizia uma mulher á mãe de Gargam, quando
lhe entregava o Petit J ournal : Já tendes conheci-
mento do grande desastre que succedeu esta manhã
na Estrada de Ferro?
·- Um desastre na Estrada de Ferro? ! - excla-
158 AS MARAVILHAS DE LOURD ES

mou a senhora, empallidecendo, numa attitude de


quem quer conhecer a t,Jerdade e teme-a ao mesmo
tempo.
Qual foi o trem?
- O Rapido, que foi esmagado pelo Expresso.
Creio que ha varias mortes. No Hospital ha feridos,
e particularmente se fala de quatro empregados do
Correio. »
E' preciso ser mãe, para avaliar o que se
passou ...
Ella bem sabia que seu filho vinha no wagon-
poste do Rapido, e, assim, o julgou morto. Em
pranto copioso correu ao Hospital d' Angoulême,
em o qual encontrou Gabriel, que acabava de read-
quirir o uso dos sentidos. O wagon-poste tinha
sido reduzido em pequenos pedaços. Houve mortes
e feridos. Á violencia do choque, Gargam, com
graves contusões, foi atirado a dezoito metros da
linha, caindo dentro da neve, onde foi descoberto
ás 7 horas da manhã, inerte, sem palavra, e sem
conhecimento.

Tinha chagas nas pernas, na cabeça, e uma


fractura da clavícula. Fractura e feridas foram
curadas rapidamente, mas o terrível infortunio
produziu em todo organismo fataes desordens
interiores. Paralytico do umbigo aos pés, soffria
horrivelmente; era quasi impossível alimentar-se.
AS ~IARAVILHAS DE LOURDES 159

Sem poder retirar-se do Hospital, recebia todos os


dias as visitas de sua mãe afflicta. A Irmã Supe-
riora, vendo approximar-se a hora derradeira do
enfermo, preparava o coração materno para o
golpe extremo, falando-lhe da resignação christã,
e do Céo, Paraíso em que as mães reencontram
seus filhos, para juntos entrarem no goso de uma
felicidade eviterna.
A mãe de Gargam definhava sob a agonia e o
pranto.
Quando ia visitar o filho enxugava as lagrimas,
e esforçava-se para apparecer-lhe serena e calma,
proferindo palavras de esperança. Occultava do
marido as noticias alarmadoras do estado do
doente, temendo que ellas occasionassem a morte
do respeitavel ancião de 86 annos, que, ao ter
sciencia da catastrophe, caiu de joelhos, orando
por muito tempo em silencio.
cc Meu pai, narra-nos hoje Gargam, não era hostil
nem á Religião, nem a seus representantes. Mas,
creatura da sociedade em que viveu, victima de
suas relações, deixou de frequentar a Igreja. Sua
fé estava latente, adormecida, quando foi desper-
tada pelo abalo de minha desgraça. »
Não é raro ver-se a fraqueza da natureza, já
esquecida do supremo poder de Deus, voltar-se
para o Céo, no momento doloroso em que amarga
uma desventura e reconhece que o mundo é limi-
tado para prestar-lhe o menor soccorro ! ...
12
160 AS MARAVILHAS DE LOURDES

O enfermo peiorava.
Durante os primeiros treze dias nada comeu;
chupou apenas alguns gomos de laranja. Só no
dia 1° de Janeiro de 1900 poude beber um ôvo.
Sua alimentação continuava a ser muitíssimo
exígua, e após oito mezes quasi nenhuma. Recor-
reu-se á introducção das substancias nutritivas
por meio de sondas, o que, causando-lhe grandes
soffrimentos, elle só supportava uma vez durante
vinte e quatro horas.
Assim, a debilidade cresceu, e elle, um homem
de estatura superior á media, não pesava mais de
36 kilos.

Sendo movida uma acção de responsabilidade


contra a Companhia d'Orleans, o Dr. Decressac,
a pedido, escreveu o seguinte certificado, datado
de 29 de Dezembro de 1900:
c< Eu, abaixo-assignado, doutor em medecina,

antigo interno dos Hospitaes de Paris, convocado


a examinar o estado do sr. Gargam, em tratamento
no Hospital d' Angoulême, attesto ter verificado o
seguinte :
O sr. Gargam, victima de um choque de trenst
na linha da Estrada de Ferro de Bordeaux-Paris,.
apresentava, quando entrou no Hospital, contu-
sões multiplas, u~ abatimento consideravel, mas
sem a menor lesão traumatica importante; em
AS li1 ARAVI LHAS DE LOURDES 161

rigor, não posso declarar a existencia de fractura


ou luxação da columna vertebral. Entretanto,
era-lhe impossível sair da cama, e parecia soffrer,
se não de uma impotencia completa, ao menos de
uma difficuldade immensa no movimento dos
membros inferiores.
Progressivamente appareceram signaes de para-
plégie, no começo flaccida, depois rígida e spasmo-
dica, acompanhada de dores variadas, e de per-
tubações em diversos orgãos.
Actualmente, os symptomas observados são
estes :
O doente se acha na impossibilidade absoluta de
mover as pernas e o tronco; está muito magro, e
vive no leito. Não existe em nenhuma parte vestí-
gios de traumatismo; não apparece a menor
desviação ou deformação da columna vertebral.
Exame da sensibilidade : - Existe uma anes·-
thesia cutanea, da parte inferior do corpo até á
bacia, e uma hyperesthesia no abdomen.
Na parte superior do thorax a sensibilidade
tactil é normal.
O enfermo se queixa de vivas dores no thorax e
entre as espaduas; estas dores não são permanen-
tes. Ás vezes são bruscas e muitos agudas, ás
vezes lentas, dando a sensação de uma constric-
ção intensa.
Não existe nas pernas a menor dor espontanea,
phenomeno notado desde o principio do desastre.
162 AS MARAVILHAS DE LOURDES

Queixa-se o sr. Gargam, h a mezes, de uma dor


muito fina no nível da segunda vertebra lombar;
esta dor se accentua sobretudo quando se faz a
menor pressão.
Exame da mobilidade : - Impossível mover as
pernas e o tronco ; as pernas estão inteiriçadas na
extensão, e não ha o menor movimento nas arti-
culações dos membros inferiores. Esta impotencia
não provém de lesões articulares, mas resulta da
rigidez muscular. Os movimentos dos braços, da
face, e do pescoço são normaes.
Todas essas variações da sensibilidade e mobili-
dade foram observadas desde muito tempo.
Estado dos réflexes : - Eram outr'ora muito
notaveis, maxime o phenomeno do pé (trepidação
épileptoide).
Na data presente, o réflexe rotulien não pode ser
examinado pelo processo habitual, devido á rigi-
dez e extensão das pernas. Não obstante, o choc do
·tendão provoca manifestas contracções no triceps
femoral. - Os réflexes cutaneos são bem notaveis,
e em particular os réflexes abdominaes; com effeito,
o simples tacto da parede abdominal produz uma
viva contracção dos musculos abdominaes. - O
réflexe crémastérien é norm~l. O phenomeno do pé
existe; comtudo, menos que outr' ora.
Troubles trophiques : - Além da magreza de
todo o corpo, existe uma atrophia muito pronun-
ciada nos musculos dos membros inferiores; assim,
AS MARAVILHAS DE LOURDES 163

a circumferencia da barriga das pernas (mollets) é


de 25 centímetros, a da côxa é de 33 na parte media.
- No sacrum, vermelhidão e ameaça de escara.
- Nenhuma alteração nos pellos, unhas, e pelle.
- A fricção produz na pelle uma vermelhidão
persistente.
Vias digestivas:- Atonia geral, ausencia com-
pleta de appetite, sensação de desgosto, lingua
escura e sêcca; a deglutição é possivel, mas a pre-
sença dos alimentos provoca um espasmo do eso-
phago. O doente é alimentado pela sonda de
Debove. - Não ha vomitos, nem azias, mas são
frequentes as dores na região do estomago. -
Constipação rebelde.
Coração : - Algumas palpitações. - Nenhum
signal de lesão. - Pulso normal. - Amiudadas
sensações de desgosto e angustia na região pre-
cordial.
Pulmão : - Na da de extraordinario á ausculta-
ção; não ha tosse; a respiração é feita mecanhica-
mente; movimentos thoracicos defeituosos.
Funcção urinaria : - No decubito o doente
urina muito bem, mas lentamente, e a bexiga não
fica completamente vasia; após a micção ai!lda
escoam algumas gottas de urina. - Quando está
de pé, a micção é involuntaria. - As urinas não
contem nenhum elemento anormal.
Orgão dos sentidos : - A vista é boa, não ha
nem strabismo, nem ptose, nem modificação
164 AS MARAVILHAS DE LOURDES

pupillar; a pupilla reage bem á luz; nada de desi-


gualdade. A vista das cores é normal.
Nada de especial quanto á audição e ao olfato.
Todos estes symptomas, dos quaes são carac-
terísticos : a paralysia com contractura; a atrophia
muscular; a anesthesia dos membros inferiores,
gradualmente apparec'ida; constituem uma affec-
ção da medulla vertebral, chamada sclerose lateral
amyotrophica.
O diagnostico, segundo meu parecer, póde ser
estabelecido na paralysia pela compressão medul-
lar, ou hystero-traumatismo.
Este estado morbido claramente me parece ter
sido causado pelo accidente da Estrada de Ferro
em questão. Este estado constitue uma enfermi-
dade permanente, pouco susceptível de melhora,
e sobretudo inclinada a uma evolução progressiva
e fatal.

Angoulême, 29 de Dezembro de 1900.

Assignado : DECRESSAC.

Na verdade, o ma:l augmentava, e o preclaro


doutor tinha sobeja razão em certificar que o
estado da enfermidade era permanente, pouco
susceptiçel de melhora, e com muita tendencia a um
desençolçimento progressiço e fatal.
A 19 de Junho elle insiste em dizer que as con-
AS MARAVILHAS DE LOURDES 165

dusões de seu primeiro attestado conservam o


mesmo valor, no que se refere á incurabilidade e
€volução da doença. Eis o seu Rapport Supplé-
mentaire :
<< Eu, abaixo-assignado, doutor em medecina,

antigo interno dos Hospitaes de Paris, attesto ter


€Xaminado o sr. Gargam a 19 de Junho de 1901,
com o intuito de averiguar as modificações de seu
€stado pathologico.
O exame permitte-me registar o seguinte : /.
Sensibilidade : - Ausencia completa na parte
.. inferior do corpo, a começar da bacia. - Dema-
siada no nivel do abdomen e· da parte inferior do
thorax. - ~ normal na parte superior do corpo.
Existem no meio inferior do thorax, e no meio
superior do abdomen, dores espontaneas, profun-
das, de frequencia e intensidade variaveis, incli-
nadas á continuidade. Outras dores, não existentes
quando redigi o primeiro attestado, appareceram
nos membros superiores.
Mobilidade:- Não ha modificações. O tronco
€ as pernas acham-se inteiriçadas, e não podem
executar o menor movimento, quer espontaneo,
quer provocado.
Réflexes : - Em virtude da intensidade das
contracturas, o exame dos réflexes tendinosos não
é possivel ser feito; os réflexes cutaneos estão
augmentados, sobretudo os réflexes crémastériens
€ abdominaes.
166 AS MARAVILHAS DE LOt:RDES

Troubles trophiques : - Un pouco mais accen-


tuados. A atrophia muscular cresceu : assim, a
circumferencia dos membros inferiores não passa
de 24 centímetros na barriga da perna (mollet), e
de 33 cent. e 1/2 no meio da coxa.
O estado das funcções digestivas, respiratorias,
circulatorias, manifesta diminuta modificação.
Cumpre notar, entretanto, que a deglutição só é
possível para os líquidos, e a alimentação é exclu-
sivamente feita mediante o emprego das sondas
esophagiana e rectale. Os orgãos dos sentidos con-
servam-se no mesmo estado, exceptuando o
ouvido esquerdo, que muito pouco distingue os
sons.
Resumindo, observo que as novas modificações
são pouco importantes, mas nos mostram uma
certa peiora, que é o resultado dos symptomas
seguintes : apparição de dores nos braços; -
augmento da magreza; - mau estado das vias
digestivas.
As conclusões, concernentes á incurabilidade e
evolução progressiva da molestia, são as mesmas.

Angoulême, 19 de Junho de 1901.

H. DECRESSAC.

Accresce confessar uma complicação grave, pos-


terior a estes certificados. Um dia, o enfermeiro
AS MARAVILHAS DE LOURDES 167

descobruiu que a extremidade dos pés estava


ennegrecida, e, pressuroso, crendo que se tratava
de falta de limpeza, friccionou o lugar. Grande foi
seu espanto ao ver que a pelle se abriu, cedendo
á pressão de seus dedos, molhados de um puz
fetido. Era a gangrena!
Gargam, que tinha a , parte inferior do corpo
insensivel como um cadaver, horrorisou-se deante
do começo da decomposição de sua propria carne I
Era o aviso da morte, que, esfaimada, não espe-
rava, para saciar-se, a escuridão da tumba ...

Era ventilado o processo contra a Companhia


d'Orleans, que, emfim, attendendo ás relações de
medicos especiaes que visitaram Gargam, offe-
receu a este uma pensão annual de 5.000 francos.
Entretanto, numa Decisão de 20 de Fevereiro
de 1901, o Tribunal Ci(Jil d' Angoulême, depois de
ter ouvido os medicos que examinaram Gargam,
declarou que as « promessas da Companhia, em
presença da situação lamentavel em que, por
culpa d'ella, se achava o requerente, eram muitis-
simo irrisorias ».
Bem ponderado o caso, foi condemnada a Estra-
da de Ferro de Paris a Orleans a pagar a Gargam
uma indemnisação de 60.000 francos, e uma pen-
são annual e vitalicia de 6.000 francos. O Tribunal
168 AS MARAVILHAS DE LOURDES

reconhecia, por conseguinte, o estado grave do


enfermo, como tambem o comprova o Agente da
Companhia que, tendo visto o ferido, compromettia
a Estrada a pagar 12.000 francos de pensão vita-
lícia e annual, sem indemnisação, dizendo elle a
seus correligionarios que o lucro de sua parte era
-certo, porque Gargam se abeirava da sepultura.
Esta proposta não teve effeito !
A Companhia, não concordando com a Decisão
jurídica do Tribunal d' Angoulême, appellou para
a Côrte de Bordeaux. O recurso foi desventurado.
A Côrte aggravou a Decisão do Tribunal, decla-
rando que a quantia da indemnisação e pensão
deveria ser paga a contar, não do dia da petição,
como prescrevia o theor das primeiras disposi-
ções, mas do dia do accidente, e que, se acaso o
interessado obtivesse uma pensão civil, a pensão
de 6.000 francos, dada pela Companhia, não
diminuiria de quantidade.
A Sentença da Côrte é datada de 2 de Julho
.de 1901, que, em todos os seus artigos, foi acceite
pela Companhia no dia 12 de, Agosto do mesmo
anno.

Conheçamos, na integra, a Decisão do Tribunal


d' Angoulême e a Sentença da Côrte de Bor-
deaux:
AS MARAVILHAS DE LOURDES 169

Decisão do Tribunal Civil d' Angoulême, de 20 de


Feçereiro de 1901.

Considerando que Gargam, na sua Citação,


expõe que, na noite de 17 para 18 de Dez~mbro
de 1899, se achando no exercício de suas funcções,
num wagon-poste do Rapido n° 22, viajando de
Bordeaux a Paris, o Rapido foi alcançado pelo
Expresso n° 24;
Que, em virtude do choque, elle foi projectado
f óra de seu wagon, sendo encontrado, sem conhe-
cimento, n9 meio da neve, e transportado ao Hos-
pital de Angoulême;
Que, desde sua entrada ao Hospital, seu estado
não tem tido melhoras de especie alguma, apezar
dos cuidados assíduos que recebia, e que, ha mais
de um anno, elle se acha no leito, privado de movi-
mento e sensibilidade em toda a parte inferior do
<Jorpo, alimentando-se por meios artificiaes; que
não póde prever a epoca de sua cura, e assim a
<Jonservação de sua existencia requer cuidados
meticulosos e despezas consideraveis;
Que pede que a Companhia da Estrada de Ferro
de Paris a Orleans, conforme o art. 1382 do Codigo
Civil, repare o damno que elle soffre, sendo con-
demnada a pagar-lhe uma pensão annual e vitali-
<Jia de 12.000 frs., uma indemnisação de 300.000 frs.
e, quanto antes, uma provisão de 10.000 frs.;
170 AS MARAVILHAS DE LOURDES

Visto isso defende-se a Companhia, que aliás


não nega ser ella responsavel do accidente do qual
Gargam foi uma victima, affirmando tão somente
que o pedido de Gargam é exagerado, que este exa-
gero a impediu de propor uma solução amigavel;
que ella está disposta, como sempre o esteve, a
dar ao requerente uma indemnisação proporcio-
nada ao prejuízo; que, considerando de uma parte
as despezas de tratamento e o futuro que elle-
Gargam - podia legitimamente esperar, e consi-
derando, de outra parte, as disposições da Lei de
9-13 de Junho de 1853 sobre as pensões civis, uma
pensão de 3.000 frs. constituiria uma justa repa-
ração; que ella se offerece, pois, a dar a Gargam
uma pensão annual e vitalícia de 3.000 frs.
O Tribunal não acceita as offertas da Compa-
nhia, declarando que estas offertas, deante da
situação lamentavel em que se acha o requerente
por causa d' ella, são as mais irrisorias;
Que deverá, entretanto, ser determinada uma
pensão e uma indemnisação que a Companhia ha
de dar a Gargam;
Considera no que diz respeito á pensão :
Que Gargam não é abrigado a viver num I
Hospital ou numa Casa de Saude; que elle tem
direito a viver numa casa que lhe convenha, apro-
priada á delicadeza de seu estado; que elle tem
necessidade de ter perto de si ao menos duas pes-
soas sufficientemente habeis para lhe darem, dia e
AS MARAVILHAS DE LOURDES 171

noite, cuidados melindrosos e indispensaveis á


conservação de sua existencia; que elle precisa
da assistencia frequente de um medico; que é claro
que uma somma muito superior a que foi ofTerta
pela Companhia é indispensavel para o pagamento
de aluguel de casa, dos alimentos, das visitas
medicas, dos ordenados das pessoas que o tratam;
Que é mister, outrosim, decidir se a pensão que
a Companhia dará a Gargam é sujeita á reducção
no caso em que elle obtenha uma pensão civil em
virtude das disposições da Lei de 9-13 de Junho
de 1853;
Considera no que diz respeito á indemnisação :
Em virtude de que a Companhia de nenhuma ma-
neira poderá convencer de que o pagamento feito
por ella a Gargam de uma a pensão vitalícia seja
uma reparação sufficiente do prejuízo que ella
causou ao requerente; considerando que a defeza
de seus interesses lhe faz muito facilmente perder
de vista quaes as consequencias do desastre que,
por falta sua, sofTre Gargam; que esquece haver
reduzido Gargam a um miseravel estado, fazendo
d'elle uma CJerdadeira ruína humana, na qual só a
intelligencia permane ceuintacta; que ella esquece
ainda haver, por obra sua, abatido Garga'm em
plena mocidade, começando a ter elle então uma
existencia amargurada, vendo dissipados todas as
suas justas esperanças de um futuro ditoso; que
é de equidade, por conseguinte, que a Companhia
172 AS MARAVILHAS DE LOURDES

se responsabilise a dar, na medida precisa, isto é1


mediante uma quantia sufficiente, uma indemni-
sação a Gargam, á vista dos soffrimentos physicos
e moraes que ella lhe inflingiu para sempre; que
julga ser sufficiente a somma de 60.000 frs.;
Considera no que diz respeito á petição de Gar-
gam referente a uma provisão de 10.000 frs. para
as primeiras necessidades :
É baseada na justiça essa petição, por quanto
Gargam deve tratar de sua installação definitiva,
de receber os indispensaveis cuidados medicos;
é mister ordenar sobre esse ponto a execução
provisoria da decisão;

Por estes motiços

O Tribunal, depois de ter deliberado, condemna


a Companhia da Estrada de Ferro de Paris a
Orleans a pagar a Gargam uma pensão annual e
vitalícia de 6.000 frs., que deverá ser recebida por
mez e adeantadamente, a contar do dia da Peti-
ção, e uma indemnisação de 60.000 frs.; condemna
a Companhia a pagar desde já uma provisão de
10.000 frs.;
Ordena a execução provisoria d'esta ultima
parte não obstante o appello;
Determina que, no caso em que Gargam obtenha
uma pensão civil, em virtude da lei de 1853, a
pensão vitalicia que a Companhia é obrigada a
AS MARAVILHAS DE LOURDES 173

dar-lhe será diminuída da importancia d'esta


pensão, e isto a contar do dia em que a pensão
civil começar a ser recebida;
Condemna a Companhia da Estrada de Ferro de
Paris a Orleans ao pagamento das despezas.

Sigillo de SÉvENET,
Advogado - Angoulême,

Copia conforme :
L. CLA VRIE, advogado.

Decisão da Côrte de Bordeaux, sanccionada a 2 de


Julho de 1901.

Considerando que os primeiros juizes bem deter-


minaram, quer no que se refere á indemnisação,
quer no que se refere á pensão vitalícia, as sommas
que devem ser dadas a Gargam, para reparar,
emquanto for possível, os prejuízos enormes que
lhe trouxeram a desgraça succedida na noite de
17 para 18 de Dezembro de 1899, da qual a Compa-
nhia de Orleans se reconhece responsavel;
Considerando ainda que, segundo informações
fornecidas á Corte, a quantia de 6.000 francos, que
será a pensão vitalícia, e a quantia de 60.000 fran-

cos, que será a indemnisação, apenas bastarão
para as despezas annualmente necessitadas por
Gargam, cujo estado é triste, em virtude do
174 AS MARAVILHAS DE LO URDES

tetrico e memoravel acontecimento; considerando


que importa decidir se a pensão vitalícia será
diminuída da importancia que elle (Gargam) po-
derrá obter á vista da lei de 1853;
Considerando, além disso, que o Tribunal deci-
diu que a pensão vitalicia começaria do dia da
petição, e que convem definir se, a titulo de sup-
plemento de damnos e interesses, a pensão vita-
lícia começará do dia da catastrophe, e se a Com-
panhia pode descontar no pagamento a somma de
2.690 francos, a qual ella declara e justifica ter
pagado ao Hospital d' Angoulême pelos cuidados
que recebe~ Gargam;

Por estes motiços

A Côrte, depois de ter estudado a questão :


Confirma a Decisão do Tribunal que condemna
·a Companhia a pagar a Gargam : 1° uma pensão
annual e vitalícia de seis mil francos, que deverá ser
paga por mez e adeantadamente; 2a uma indemni-
sação de sessenta mil francos.
Reformando e fazendo o que os primeiros jui-
zes deveriam ter feito, prescrevemos que a pensão
vitalícia de seis mil francos não será diminuída da
importancia da pensão civil que Gargam poderá
obter em virtude da Lei de 1855; prescrevemos,
demais, que a dita pensão começará do dia do
desastre, podendo, entretanto, a Companhia da
AS MARAVILHAS DE LOURDES 175

Estrada de Ferro de Orleans descontar no paga-


mento da dita pensão vitalicia os 2.690 francos
que ella pagou ao Hospital d' Angoulême a favor
de Gargam; e
Condemnamos a Companhia appellante ao
pagamento da multa e das despezas.

L. CLAVERIE.
SÉVENET.

Esta segurança material não confortava Gar-


gam, que, a passos largos, caminhava para a
sepultura.
Sem fé e resignação christã, era uma tortura
seu viver.
Sua devotada Mãe conhecia a irritabilidade de
seu caracter quando alguem lhe falava de qualquer
assumpto religioso, e por isso evitava mesmo tocar
no nome de Deus em sua presença.
Houve quem, de corrida, se aventurasse a
lembrar-lhe o manancial de Lourdes, ouvindo elle
com desprezo e escarneo.
Entretanto, almas piedosas não deixavam de
fervorosamente implorar as graças do Céo para
'Gargam. A mão perversa que sangrou o lado de
Jesus foi molhada pelo sangue redemptor; Gar-
gam, o incredulo, ia receber de Deus, contra quem
blasphemava, testemunhos de amor .. .
13
176 AS MARAVILHAS DE LOURDES

O Dr. Tessier, sendo de parecer que se tratava


de uma compressão da medulla, prescreveu a tre-
panação das vertebras, e o doente, que não queria
submetter-se a esta operação, gostosamente aban-
donou o Hospital.
Era mais consolante morrer no seio da família ...
Num arrojo de caridade materna, a sra. Gargam
supplicou-lhe com lagrimas que se decidisse ir a
Lourdes. O filho mais endurecido e miseravel
não póde, impassível, ver o pranto da mulher
mais querida a qvem elle consagra a maior pureza
de seu affecto.
Assim, Gargam accedeu.
Foi inscripto numa Peregrinação que deveria
partir para Lourdes, e, embora sem convicção
intima, confessou-se, segundo prometteu á sua
mãe, com lealdade de coração, commungando no
dia 16 de Agosto.
Tres dias depois elle tomava o trem para os
Altos Pyreneos.

Em um brancard fabricado ad hoc, com os pés


gangrenados e fetidos, num período de horripilante
decomposição, com a parte interior do corpo
completamente insensível, e a superior sujeita
a dores agudas e síncopes prolongadas quando
elle se movia, chegou Gargam, magro como um
esqueleto repellente, na manhã de 30 de Agosto
AS MARAVILHAS DE LOURDES 177

a Lourdes. Levava a sonda resophagiana, unico


meio de alimentar-se. Logo na gare soffreu uma
sincope que demorou mais de uma hora. Tres
pessoas o acompanhavam : sua mãe, uma amiga
de sua familia, e uma enfermeira.
Antes da chegada, quando o trem serpenteava
nas margens do Gave, a mãe lhe mostrara a grande
estatua de Christo que se vê no Calvario, e Q filho
com seu scepticismo rebelde mirou de esguelha
a montanha, e logo voltou a face para não ver
Salvador, e rogar-lhe a cura de seus males.
Indo logo á Gruta, sem ardor e fé approximou-se
da Sagrada Mesa, commungando, da mesma ma-
neira que o fez em Angoulême, com uma pequena
particula de hostia, pois tinha grande difficuldade
para engulir.

Sentindo o Deus de Amor e Misericordia dentro


de seu peito, experimentou uma sensação pro-
funda que o transformava, emquanto uma luz
nascente illumina sua alma.
Os olhos se lhe marejavam de dôces prantos, a
garganta se lhe afogava em soluços.
Quiz orar, e as palavras não lhe vinham aos
labios : chorou ... A graça de Deus descia, e Gar-
gam, o novo homem, purificado pelas lagrimas do
arrependimento, agora cheio de fé, sentiu no seu
coração uma palpitante alegria sem igual.
178 AS MARAVILHAS DE LOURDES

Á tarde, ás duas horas, foi á piscina para tomar


o banho. Repetiu em voz alta e pela primeira vez
as orações acostumadas :
« Minha Mãe, tende piedade de nós I Nossa
Senhora de Lourdes, curae-me ! Saude dos enfer-
mos, rogae por nós I
Como era doce orar !. ..
Ás quatro horas, o peregrino se commovia ao
ver, na Esplanada, Gargam, deitado num leito
ambulante, pallido, fatigado da viagem, sem
conhecimento. Sua face estava um pouco azulada
e fria.
<< :É preciso levar d' aqui este moribundo - disse
alguem, elle poderá morrer deante dos demais
doentes, occasionando uma emoção perigosa. »
Os brancardiers iam obedecer, quando uma
outra voz protestou :
« Não; deixae-o. Se elle morrer, cobrir-lhe-ei a
cabeça, e ninguem o verá. »
Passado algum tempo, o doente reabre os olhos,
recobra os sentidos.
Julgou que a procissão tivesse acabado, e sentiu
uma tristeza profunda. Logo milhares de vozes
exclamaram :
« Senhor, temos confiança em vós!
Senhor, curae os enfermos!
Senhor, se vós quereis, serei curado I ''
Extremeceu, num fremito de jubilo. Como
quem ouve uma voz de soberano commando,
AS MARAVILHAS DE LOURDES 179

tentou levantar-se, e, sentindo fraqueza nas per-


nas, caíu; tentou mais uma vez, impediram-no;
insistiu, e eil-o, de pé, em fraldas de camisa, todo
cheio de vida, como Lazaro ao sair da tumba. Deu
alguns passos em direcção do S. S. Sacramento,
e mãos fortes o seguraram, sendo-lhe dito que era
preciso vestir-se ... A multidão entoou o Magnificat,
vendo o moribundo de vinte mezes readquirir,
num minuto, a sensibilidade, o movimento, a
vida!. ..

Terminada a procissão, foi Gargam conduzido á


salla dos medicos da Gruta.
cc A entrada de Gargam no Bureau des Consta-
tations, escreCJe o Dr. Boissarie, forma um dos mais
tocantes episodios que temos testemunhado. Ses-
senta medicos estavam a nosso lado : medicos de
hospitaes, professores de clínica, medicos estran-
geiros, e ainda numerosos correspondentes da
jornaes, muitos convencidos e incredudos.
Gargam chegou numa taboa, trajando uma
camisa longa, acompanhado de seu enfermeiro, de
sua mãe, e de muitos senhores do Hospital. Elle
se apresentou deante de nós : era um espectro. »
A multidão enthusiasta ameaçava invadir o
Bureau. Por fim, o Presidente decidiu que o exame
minucioso seria feito no dia seguinte.

***
180 AS MARAVILHAS DE LOURDES

Um israelita descreveu no jornal inglez Daily


Mail a cura de Gargam: é uma narração brilhante.
Conta elle, como testemunha fidedigna, a grandiosa
scena que se passou na Esplanada, emquanto << a
custodia de ouro scintillava aos raios de um sol
ardente >>, e Jesus Sacramentado curava enfermos
e convertia ímpios.

No Hospital, longe dos gritos e dos vivas do


povo, eis o filho e a mãe olhando-se mutuamente,
num silencio sublime. Relembrando o scepticismo,
as penas do passado, e deante da graça, da felici-
dade do presente, que pensar1am essas duas al-
mas?!...

Disse Gargam que tinha fome, e quiz jantar;


apresentaram-lhe sôpa, ostras, gallinha, uvas.
Comeu como qualquer pessoa, afastando para
longe de si a sonda resophagiana, trazida d' An-
goulême. Tinha verdadeiro appetite, e sem cere-
monia protestou contra as admoestações que lhe
deram para comer menos. Apezar da vigilancia,
esteve sujeito a um longo interrogatorio ·: todos
queriam falar-lhe, ouvir de seus labios a historia
de sua cura. Gargam acaba de contar a historia,
e, sem tomar folego, a recomeçava; era, como me
dizia elle mesmo, « uma repetição infinita ... >>
AS MAl AVILHAS DE LOURDES 1f11

Deu graças a Deus quando chegou o momento


de dormir. Passou uma noite tranquilla, sonhando
com a ventura que recebera do Céo.

Na manhã fagueira do dia seguinte entrou, com


um fato novo, no Bureau des Constatations, onde
estavam numerosos medicos, que, unanimemente,
ficaram perplexos deante de um caso que não
conheciam nas suas clinicas. Foram examinados
os pés; a gangrena desapparecera, e a cicatrisação
se operava a olhos vistos. As pernas tinham read-
quirido o exercicio de suas funcções. Sua magreza
era extrema, e as massas musculares não existiam.
<< Meus senhores e collegas, diz o Presidente do

Bureau, devemos primeiramente affirmar, sob o


ponto de vista medicai, que se o sr. Gargam se
acha na impossibilidade de caminhar : a elastici-
dade da machina desappareceu, elle não tem mais
musculos. »
E, entretanto, ordena-se a Gargam que caminhe,
e elle obedece desembaraçadamente; é mages-
toso I

Vejamos se foi classificada a lesão, o soffrimento


' de Gargam.
O medico director de Hospital d' Angoulême,
182 AS MARAVILHAS DE LOURDES

como se sabe, era inclinado a crer que se tratava


de uma affecção na medulla rachidiana; o Dr.
Tessier preferia admittir uma compressão da
medulla pelas vertebras, baseado nas dores de que
se queixava o doente na região lombar.
O que é certíssimo é o seguinte : todos os medi-
cos, sem divergencia, asseguravam que a enfer-
midade, sob o aspecto pathologico, era verda-
deiramente incuravel, tendente a uma evolução
progressiva e fatal. O Tribunal averbava o ferido
de « ruína humana, onde só a intelligencia ficara
intacta ». Entre os sessenta medicos que se acha-
vam no Bureau, no meio das considerações scienti-
ficas sobre o mal e cura de Gargam, uma voz sen-
horil e autoritaria de um grande operador dos
Hospitaes de Paris impoz silencio :
(( Porque esse investigar inutil, meus srs., sobre
a região da lesão? No caso presente, a lesão estava
em toda parte, o organismo estava todo destrui-
do.''

Tres semanas depois da cura, Gargam tinha


ganho o augmento de 10 kilos, e 12 centímetros na
circumferencia de suas pernas. Hoje elle tem pouco
mais de 75 kilos, peso normal numa homem de sua
edade e estatura; supporta trabalhos fatigantes.
Como a sra. Rouchel e outros curados em Lourdes,
conserva elle exíguo vestígio de sua emfermidade.
AS MARAVILHAS DE LOURDES 183

Hoje, de saude perfeita, sente apenas uma certa


fraqueza nas costas, na parte em que o Dr. Tes-
sier suppunha estar a medulla comprimida pelas
vertebras. É a demonstração authentica da exis-
tencia do mal. É talvez, como muito bem racioci-
nava um benemerito historiador de Lourdes, o
providencial argumento contra as vãs pretenções
dos adversarios que dizem ter sido victima Gar-
gam de uma molestia nervosa. Porquanto, no
supposto de que a enfermidade fosse meramente
nervosa e funcionaria, e não organica, tudo teria
desapparecido absolntamente, todas as funcções
teriam sido restauradas, sem deixar o menor
vestígio particular.

Digitus Dei est hic ...

Quando o peregrino, em Lourdes, ver no serviço


da Gruta um brancardier amavel, alto, de ma-
neiras distinctas, rosto expressivo e corado, vigo-
roso, de olhos azues, bem azues e vivos : é Gabriel
Gargam, servo voluntario da caridade, o feliz ~de
nossa narração.
X

MARIA BAILLY, DE LEÃO

Maria Bailly, nascida em Leão, não poude


passar alheia a uma dolorosa influencia heredi-
taria. Seus pais morreram victimados por cruel
tuberculose pulmonar; esteve ella votada ao mes-
mo fim : era tuberculosa.
Cêdo, ·nessa edade formosa em que sorri o in-
fantil encanto da vida, Bailly, pallida como uma .
flor de cêra, começou a sorver o fel do soffrimento.
Tossia muito no inverno, sempre muito fraca, e
ás vezes ,escarrava sangue. Tinha apenas 13 annos
de edade quando o Dr. Terver, medico de sua fami-
lia, lhe ordenou uma temporada na campanha,
probibindo-lhe todo trabalho intellectual. Uma
tosse mais constante, acompanhada de quando
em quando de golfadas de sangue, a inquietava.
Em 1896, aos 16 annos, appareceu-lhe uma
pleurisia dupla; deveria ser operada.
Sua debilidade era grave, e o Dr. Chabalier, no
Hospital de Saint-Joseph, recusou fazer a puncção,
186 AS MARAVILHAS DE LOURDES

dizendo que ella falleceria depois de algumas horas.


Recebeu então a enferma os sacramentos da Igreja,
e uma Irmão collocou no seu collo uma medalha
milagrosa.
Contra toda espectaciva, passado um dia come-
çou a melhorar. Depois os medicos acharam seu
estado capaz de supportar a operação, que foi
feita. Em duas puncções successivas saíram dous
litros e meio de liquido. Deixando o Hospital,
ainda esteve de cama durante seis mezes.
Em 1898, toda inchada dos pés á cabeça, foi
obrigada a regressar ao Hospital de Saint-JosPph,
onde esteve sob o serviço do Dr. Clemente.
Como não melhorasse, em Abril de 1899 foi
transportada para a Hospital de Saint-Foy. O
Dr. Roy escreveu no seu caderno : tuberculose
pulmonar, laryngite. A enferma tomou arsenico em
pillulas e em injecções, creosote, vivendo quasi
deitada em uma cadeira larga ao ar livre. E a
molestia crescia ....
A voz extingue-se-lhe a pouco e pouco, a en-
fermidade quer invadir a larynge; feizeram-se
juncções das cordas vocaes ao acidolactico.
Dr. Foudet reconhece uma infiltração das car-
tilagens; á busca de uma ar mais puro, que lhe
fosse favoravel, Bailly, em Maio de 1901, partiu
para Chabannes, perto do L e Puy.
· A tuberculose parece querer consumir os intes-
tinos; as dores são violentas, horriveis. Declina o
AS MARAVILHAS DE LOURDES 187

estado geral, e a doente, perdendo o appetite,


emmagrece mais ainda; o ventre, muito sensivel,
augmentou de volume.
Regressando a 7 de Novembro ao Hospital de
Sainte-Foy, o Dr. Roy fez o seguinte diagnostico :
peritonite-tuberculose. Desde o começo de Dezem-
bro não saíu mais do leito, que, segundo o juizo
de todos, seria seu esquife. :B accommettida de
fortes dores de cabeça, manifestando-se uma ten-
são dos membros e da nuca. O Dr. Roy reconhece
uma meningite-tuberculose, com symptomos fataes.
Curada a meningite, a peritonite continuou sua
evolução. Dr. Roy envia a doente ao Hospital de
Saint-Joseph para ser operada; era a ultima ten-
tativa contra o progresso da peritonite. Dr. Goul-
lioud, operador do Hospital, examinou a doente,
e reconheceu uma peritonite-tuberculose em gráo
avançado, e, deante da gravidade do estado geral,
achou inefficaz a operação. Confiou Bailly aos
cuidados do Dr. Clemente, que reconheceu tambem
uma melindrosa peritonite-tuberculose. Voltando
de novo ao Hospital de Sainte-Foy, seu estado se
aggrava, a magreza chega ao extremo, o ventre é
dolorosamente sensibilíssimo; Dr. Roy declarou
o caso perdido, desesperado.
E eis Bailly, bem moça, olhos fundos, alva
como o lençol de seu leito, esperando a hora supre-
ma, o chamado da Eternidade ...
***
188 AS MARAVILHAS DE LOURDES

Como ella veio a Lourdes?


« Sem duvida, responde ella mesmo, por um
desígnio recondito e generoso da Providencia.
Da ha muito eu não implorava mais minha cura.
Um dia, no Hospital, um medico disse deante de
mim a especie e gravidade de minha molestia : foi
uma declaração bem amarga! Eu tinha somente
20 annos, e não queria acreditar que eu estivesse,
sem esperanças, condemnada á morte. Acceita-se
com paciencia a enfermidade, o soffrimento, por-
que no horisonte de nossas dores brilha sempre
um iris que nos consola; mas, se este horisonte
se turva bruscamente, se o futur onos apparece
ennegrecido, e deante de nós só vemos a desolação,
a tumba ...
Entretanto, reagi a pouco e pouco, fiz o sacrificio
de minha existencia, e, submettida á vontade de
Deus, resignada, eu esperava meu fim; não com-
prehendo como senti o pensamento de ir a Lourdes.
Era uma moite de Março. Eu soffria uma dor
aguda, immensa. Derepente Lourdes se apresentou
em meu espírito, e logo advinhei que lá eu iria
encontrar minha cura. Máo grado a opposição de
minha família, das religiosas, e de todos, que me
não viam com forças para resistir ás incommodi-
dades da viagem, inscrivi-me, e parti com os doen-
tes da peregrinação; numa padiola fui transpor-
tada ao trem.
A viagem foi extremamente penosa; gemi ao
AS MARAVILHAS DE LOURDES 18~

peso de dores insupportaveis, e acreditei não chegar


viva a Lourdes. O medico, que por muito tempo
esteve em meu compartimento, admirou-se de
me ver tão forte. Perguntou-me elle se eu tinha fé
na minha cura, accrescentando : esta fé CJiCJe na
alma de todos os doentes.
Na da, absolutamente nada tomei em todo o
decurso de minha viagem, nem mesmo uma colher
de leite. >>

B de relevante importancia o que notou o


Dr. (1) ... durante a viagem e permanencia de Maria
Bailly em Lourdes. Relato uma pequena parte :
<<Segunda-feira, 26 de Maio. No trem. Uma mocinha
de 24 annos, pallida, feições consumidas. Chama
sobretudo attencção o estado de seu ventre, muito
crescido. Do lado esquerdo ha uma saliencia no-
tavel, onde se nota uma massa resistente. Parece
que o abdomen contem massas duras, separadas

(1) Este Doutor... , medico em Leão, e3creven com seu proprio


punho um manuscripto, o qual se acha guardado no Bttreau des
Constatations 111Micales de Lourdes, em que descreve os sofTri-
mentos de Maria Bailly desde a infancia até á cura extraordi·
naria. Em varias cartas, posteriores á cura, bem curiosas, onde
se espelha a fraqueza de um espírito que teme a verdade publica,
elle pediu seu manuscripto ao Dr. Boissarie, desejando que seu
nome sobre o caso Bailly não fosse mencionado nas obras do
inclyto Presidente do Bureau. Quanto á segunda parte, como o
fez o Dr. Boissarie, obedeçamos tambem á vontade enferma do
medico do Leão ... Quem se interessar em conhecei-o, vid. os
documentos archivados no • Bureau • sobre a cura de M. Bailly.
Actualmente elle vive em N ew-Y ork.
190 AS MARAVILHAS DE LOURDES

por partes mais depressiveis; é o aspecto de uma


peritonite sob a forma : ulcero-caséeuse.
Em virtude d'estes symptomas, dos anteceden-
tes hereditarios e pessoaes, do diagnostico de um
grande competente como o Dr. Gouilloud, fiz o
diagnostico de peritonite-tuberculose. Era impossí-
vel formar uma outra hypothese.
A pressão sobre a parte esquerda é muito dolo-
rosa; a respiração é rapida, fatigante. Pulso a 120;
edema nas pernas. Em certos momentos a face se
crispava; a doente, comtudo, é calma, sem exalta-
ção mystica.
27 de Maio. Lourdes. A viagem aggravou seu
estado : vomitos, dores muito fortes, respiração
accelerada, pulso a 120.
28 de Maio. A doente não melhorou. Conforme
a sua vontade expressa, é transportada á Gruta,
ás piscinas; foram feitas loções de agua fri9: no
peito e no ventre.
Regressando ao Hospital, seu estado· se tornou
alarmante. Pallida, desfigurada, respiração muito
rapida. O coração palpita a 150; o rosto um pouco
azulado. Injecção de cafeína, pannos quentes,
gelo sobre o ventre.
28 de Maio, á 1 hora e 15 m. - Peior ainda. A
doente responde com difficuldade e de utna ma-
neira vaga as perguntas que lhe são feitas. Ventre
tumido e augmentado, e muito doloroso. Pulso
irregular, fugindo sob o dedo, quasi innumera-
AS MARAVILHAS DE LO URDES 191

vel, a 160; respirações inquieta- a 90; face enre-


gada, ligeiramente violacea. O nariz, as orelhas,
as extremidades estão frias.
Chega o Dr. Geoffray, de Rive-de-Gier; olha a
doente, examina, ausculta o coração e o pulmão,
e diz : está na agonia. Houve labios que balbu-
ciaram preces a favor do transito bemaventurado
de sua alma. A doente quer de novo ir á Gruta;
ás pressas se cumpriu seu desejo.
1 hora e 50 m. - Eil-a na Gruta. Inerte,
deitada, cabeça para traz, maçãs do rosto viola-
ceas, respiração rapidíssima. Sob a coberta arqueia-
se o ventre. Chegou ás piscinas. >>

Depois de haver vencido a opposição de enfer-


meiros e medicos, accordes em que o transporte
accelaria a morte, e em que á Gruta chegaria
apenas o cadaver, Maria Bailly, flamma que bruxo-
leava, ainda chegou ás piscinas respirando o ar
da vida. Como ella mesmo narrou, não podia mais
orar, mas, elevando seu coração á Virgem, espe-
rava, confiante, uma graça da munificencia divi-
na ...
Não lhe permittiram a immersão, e no momento
em que a agua era passada em seu corpo, interior-
mente diz a Noss-ra Senhora de Lourdes : « Se
192 AS MARAVILHAS DE LOURDES

quereis, podeis curar-me assim pelo banho com(}


pela loção. »
Ao contacto da agua ella experimentou uma
dor sem precedente, atrocissima, e, subito, appa-
receu uma calma de doçura infinita; exclama :
« Estou curada I »
Suas faces se ruborisam, seu olhar se torna lím-
pido e vivaí., e sae das piscinas unindo seu canto
ao canto das multidões : Magnificat an.ima mea
Dominuml

Volta ao hospital, e todos pasmaram deante


d'essa renascença de vida. No Bureau os medicos.
registraram o restabelecimento, indefinível pela
sciencia. O medico. assistente, em seu já falado·
relatorio, referindo-se a esta guérison brusque,
segundo suas palavras, descreve muito bem a
gravidade dos males de Bailly, salva por um poder
sobrenatural. Como outros, é precioso o certifi-
cado do Dr. Geoffray Paul, de Rive-de-Giers
(Loire), escripto em Lourdes a 22 de Maio de 1902.
O illustre medico, maravilhado de ver Bailly resta-
belecida, o abdomen normal e a ausencia completa
de todos os soffrimentos, termina seu certificado
dizendo que uma peritonite tuberculose, como a
de Maria Bailly, com meios humanos jamais
AS MARAVILHAS DE LOURDES 193

poderia ser curada da maneira que succedeu em


Lourdes.

Maria Bailly vive ainda, e é hoje uma edificante


religiosa.
Sua saude remanece em estado perfeito."
XI

MARGARIDA SAVOYE, D'tTOILE

Faz pena contemplai-a!. ..


Margarida attrae a attenção de todos, confran-
gindo os corações mais duros. De uma pallor ex-
tremo, sem voz e sem forças, é um cadaver, com-
posto de pelle e ossos, que vagueia entre os vivos.
E: um verdadeiro typo de mumia!
Com 45 annos de edade, pesava apenas 40 libras;
seus pés eram pequeninos, como os de uma
criança. Vindo a Lourdes, seu medico declarou que
ella só viveria quinze dias mais, ao maximo; ine-
vitavelmente marchava para a tumba.
Nas piscinas ninguem ousava introduzi-la den-
tro d'agua. Todos, inclusive os medicos, temiam
tocai-a, sabendo que ao menor contacto poderia
ser destruido o finissimo fio de sua existencia.
Muitíssimos annos esteve de cama, e ha mais de um
lustro nenhuma substancia solida tomava para ,. .
seu alimento, que consistia apenas em• algumas
colhcrinhas de caldo, de agua assucarda. Só em
196 AS MARAVILHAS DE LOURDES

grandes intervallos podia digerir algumas pastilhas


de chocolate.

Nesse triste estado se achava na Gruta (16 de


Setembro de 1892), quando, á passagem do San-
tissimo Sacramento, sentindo um impulso vio-
lento e irreprimivel, ergue-se de seu leito e salta
em terra, ajoelhando-se ao lado de seu brancardier,
que se assustou. Levanta-se, e uma nova luz
brilhava em seu olhar.
<< Estou curada I » Esta, exclamação, vibrante

como o clarim, se propagou no seio do povo, des-


pertando o mais ardente enthusiasmo.
Referindo-se a seu restabelecimento, escreveu
um medico erudito : « era mais que uma cura :
era uma resurreição. ))

Regressando da Gruta ao Hospital, senta-se


á mesa commun, e come como os demais. Seu
medico, Dr. Guichard, de Lons-le-Saulnier, vendo
e attestando o seu completo restabelecimento,
accrescenta que esta C~lra é realmente miraculosa.

Apezar dos 25 annos, seu crescimento retomou


AS MARAVILHAS DE LOURDES 197

seu curso, e no espaço de alguns mezes ganhou


sete ou oito centimetros. O peso, de quarenta
libras passou, não dentro de muito tempo, a cento
.e mais.
Gosando de vigorosa saude, é ella hoje uma
mulher trabalhadora, exemplar na sua piedade e
virtudes .
. j

j .
As cicatrises das chagas dr )faria BoREL, obse!'vadas
logo depois da cura.
MARIA BOREL

A cura prodigiosa da ·senhorita Borel, realisada


na Peregrinação Nacional de Agosto de 1907, é
uma das mais consideraveis que nos patentea a
historia de Lourdes.
Sua vida foi o soffrimento; provou ella quasi
todas as manifestações da dor (1) ...
Teve na edade de 21 annos muitas crises de
appendicite, que logo foram, por meios variados,
combatidas no Hospital de Mende. Aggravando-se
os_soffrimentos, foi a Montpellier, onde, a 23 de J a-
neiro de 1901, o Dr. Forgues a submetteu a uma
operação. Vinte e um dias depois da operação
regressou ao Hospital de Men~, permanecendo
aqui quatro mezes. Passada a longa convales-
cença, ella, ainda fraca, se consagrou á manufac-
tura de roupa. Após tres mezes appareceu um
abcesso na cicatriz da operação, que foi aberto no
Hospital de Mende; esta primeira abertura desde
então e para sempre se tornou fistulosa.

(1) Vid. La Croix de la Lozere, de 8 de Decembro de 1907.


'200 AS MARAVILHAS DE LOURDES

Mais tarde foi obrigada a carpir suas dores no


Jeito, sem esperança de mais levantar-se. Tinha
-então 24 annos, mais ou menos. Após dous mezes
-de cama, estuou, e espontaneamente se abriu um
novo abcesso, d' onde a principio saía pus, e final-
mente materias fecaes mescladas com pus. Tam-
bem a primeira fistula tomou o mesmo caracter da
segunda. Mais um abscesso brotou na linha axillar,
{)rigina:rido uma outra fistula estercoral ; sem
-demora as tres se communicaram entre si.
Mais tarde dous novos abscessos na região
lombar brotaram, e, abrindo-se como os prece-
-dentes, transformaram-se em fistulas purulentas.
Eis ainda·uma sexta fistula (1) na linha axillar,
perto da fistula n° 3, expellindo igualmente mate-
das excrementicias.
Maria Borel não bebia ·senão um pouco de leite
gelado; soffria vomitos contínuos.
Seu estado inspirava piedade e repulsão. Os
medicos, desalentados, não ordenavam mais reme-
dios. As Irmãs, heroínas da caridade, cuidadosas
tratavam da enferma, dando-lhe, para allivio das
dores, injecções de morphina, ás vezes sete por
dia. Os intestinos se alargaram, e todas as materias
fecaes saíam pelas quatro fistulas; não ia mais á

(1) « Devemos adoptar as conclus·ões discutidas sobre o caso


presente, affirmando que as fi~tulas eram de origem tubercu-
losa»;- Dr. Le Bec, 191 O. "Achei-me de ante de uma tuberculose
i ntestina l "; - Dr. Forgue. Vid. Archivo do Bureau.
AS MARAVILHAS DE LOURDES 201

latrina. Para urinar era necessario o recurso da


sonda; soffria gravemente da uma paralysia da
bexiga. ( J ournal de la Grotte, 25 Agosto 1907 .)
Tal era o estado de Maria Borel na occasião de
sua partida de Mende para Lourdes, onde, depois
de uma penosa e fatigante viagem de mais de trinta
horas, chegou a 17 de Agosto de 1907 (1).

Maria Borel despertou vivo interesse em Lour-


des. Assistindo um medico e sua esposa tambem
medica, ambos protestantes, a uma pensadura
das fistulas, quatro das quaes expelliam materias
fecaes, perguntou-lhe a doutora
« Ou de habitaes? »
Em Mende.
Tendes pais?
Somente minha mãe.

( 1) Quando ella chegou a Lou rdes, confessa a senhorita Ar-


naud, piedosa enfermeira, desatei as faxas, tirei o algodão e a fina
tela encerada; tudo estava maculado de pus e ma terias. Pus e
uma massa de materias intestinaes cobriam todo o ventre,
toda a parte direita dos rins. Depois da limpeza e lavagem com
agua tepida, appareccram as seis fistula~. As quatro de deante
-expelliam materias fecaes e pus; as outras de detraz, pus em
abundancia. As aberturas situadas perto dos rins estavam muito
dolorosas, e em muito má o estado; o pus era mais copioso e
mais esverdinhado que o proveniente das demais chagas. »
Vid. o Journal de la Grotte de 18 de Dezembro de 1910, onde está
publicado o Rapport de M. le Dr. Le Bec, chirurgien en chef de
l' Hôpital Saint-Joseph de Pari.• sur la guérison dP _il:[ lle Marie
Borel, surçenue à Lourdes les 21·22 aoút 1907.
í

202 AS MARAVILHAS DE LOURDES

Pobre ! Que loucura a de te terem enviado


aqui neste estado !
- Ninguem me enviou.
- Não comprehendo porque não morrestes em
caminho.
Ella, a doutora, ignorava o poder de Deus!
Borel está nas piscinas, vae de novo tomar
mais um banho . As fistulas suppuravam, apezar
de serem tratadas ha pouco tempo. Era de manhã,
e resplandescia a aurora de um dia immortal,
22 de Agosto de 1907. Ao contacto da agua,
desmaiou, e só recobrou os sentidos nos braços
da Sra. La Salle, que, chorando de prazer, lhe
friccionava o peito. No meio de pesado silencio,
Borel, examinando seu lado, exclamou.
« Oh, minhas chagas, minhas chagas!... »
- É verdade - responderam varias sras.
- Verificae as tres ultimas que eu não posso
ver.
Estão bem fechadas ...
Ha especie de alegrias que a penna não des-
creve ...
« Para a conversão dos peccadores », Maria
Borel estava curada! Os orgãos voltaram ás suas
funcções normaes, e ella caminhou perfeita-
mente.
No Bureau des Constatations foi vista por
varios medicos, estando presente o casal protes-
tante. A medica confessou :
AS MARAVILHAS DE LOURDES 203

« Em nossa religião não ha soberbos testemunhos


de fé como este; sou catholica! »
O marido fez a mesma profissão, e os dous,
enthusiasmados, acompanharam, durante todo
o dia, a miraculada, que para a Virgem de Lourdes
só tinha esta expressão : Merci, ma Mere, merci/

***
No Bureau os profissionaes ficaram estupefactos
deante d' este restabelecimento instantaneo. Borel,
cheia de alegria, respondia com simplicidade o
interrogatorio medico. Caminhava e ajoelhava-se
facilmente; as chagas, as fistulas estavam cicatri-
sadas, sem o menor signal da suppuração, que
datava de seis annos; a fossa illiaca estava flexivel;
não se notava vestigio algum de rijeza; todos os
movimentos eram completos, e todas as funcções
perfeitas. O appetite reapparecera. Começou a
affectuar-se a evacuação natural.
Ás 7 horas da noite, faustosa, regressou a Mont-
pellier, onde foi recebida com caloroso festejo.
Tres dias depois adquirira mais tres kilos de peso.

Reproduzo aqui os principaes trechos de uma


carta que, sobre o caso Borel, enviou o Dr. Bar-
doi ao Dr. Boissarie :
204 AS MARAVILHAS DE LOURDES

Mende, 15 de Outubro de 1907.

« Durante muito tempo tratei, no Hospital de


Mende, de Maria Borel, que . soffria de fistulas
estercoraes na região da fossa iliaca direita, por-
conseguinte de lesões no c:ecum e appendice. Foi
ella primeiramente operado no Hospital de Mont-
pellier pelo Dr. Forgues.
<< Mais tarde uma segunda incisão foi feita por

mim no Hospital de Mende; mas, com sinceridade,


devo confessar que minha operação na fossa
iliaca foi bem limitada, encontrando meu dedo
explorador uma especie de barreira membranosa,
que impedia toda investigação directa ...
Depois da peregrinação de Lourdes-, Maria
Borel se acha muito bem, recuperando o uso de
suas necessidades pelas vias naturaes.
E: innegavel que foi curada em Lourdes ines-
peradamente. Meu amigo Dr. H ... , discipulo de
Charcot a quem expuz o caso, absteve-se de toda
interpretação medicai. Faço como elle, sendo da
mesma escola, que se curva deante da evidencia
dos factos, embora falte a explicação dos mesmos.

« Dr. BARDOL. >>

Dr. Le Bec, descrevendo a molestia de M. Bo-


rel, affirma que é absolutamente impossiçel attri-
AS MARAVILHAS DE LOURDES 205-

buir sua cura completa a causas naturaes. O


estado da enfermidade requeria, para seu desappa-
recimento e no caso da efficacia dos meios, não
horas, mas muitos annos de tratamento. Esta
cura, pois, continua ainda o afamado medico, é
çerdadeiramente sobrenatural, isto é, miraculosa.
Dr. Sablé, Interno dos Hospitaes de Lille, e
Laureado pela Faculdade de Medecina de Paris,
falando dos padecimentos de Borel, do exame
feito, após o banho de 22 de Agosto, no Bureau,
sob a direcção do Professor Desplats, conclue que
a cura de que tratamos está << acima das leis ordi-
narias da medecina, sendo inexplicavel pela scien-
cia. Não se pode negar a intervenção de um poder·
sobrenatural, e é forçoso reconhecer o facto mira-
culoso. »
,.- -

I
I
I- '
-- -------- -----.,...~-------------

li. HAUTON , quando chegou a Lourdes.


HENRIETTE HAUTON,
DE LISIEUX

Desde a edade de 10 annos o organismo de Hen-


riette começou a definhar. As funcções digestivas
€ram irregulares, diarrhea e vomitos contínuos,
-complicados com hemorragias do estomago e do
i'ntestino, funestamente se aggravaram. Emmagre-
cida, esteve de cama ·durante cinco annos. Era
um espectro humano !
Os medicos prescreveram injecções de serum,
clysteres nutritivos, tentaram -alimentai-a mediante
uma sonda introduzida no estomago, recorreram
.aos meios mais poderosos de sua arte, que não
puderam alliviar os males da doente. Foi desen-
.ganada.
Depois de transpor as maiores difficuldades e
sacrificios, ella chegou a Lourdes no dia 8 de Se-
tembro de 1908, tendo feito uma penosa viagem
de tinta e seis horas, em a qual nada mais tomou
·do que um pouco d'agua e de champagne. Sua
-debilidade era muito grande. Pesava 35 libras;
15
208 AS MARAVILHAS DE LOURDES

na edade de 10 annos, quando começou a enfermi-


dade, tinha ella 80 libras.

Em entrando no Hospital, pediu logo um copo


da agua da Gruta; desde este momento os vomitos
cessaram. Nas piscinas, depois do meio dia, expe-
rimentou uma sensível melhora : a diarrhéa, até
então incoercivel, parou; na procissão sente a
volta de suas forças.
Passou bem a noite, depois de ter comido dous
biscoitos e um pouco de dôce.

Assim nos conta ella, mais ou menos, a sua cura


completa :
« Era 9 de Setembro, dia para sempre inolvi-
davel. O Senhor Bispo d'~vreux trazia o Santis-
simo Sacramento. O Padre Truffant, vigario de
Saint-Grégoire-du-Vievre, fazia as invocações. Os
doentes formavam uma roda na praça do Rosario;
eu estava á esquerda. O Bispo começou a dar a
Benção ás pessoas da direita, onde vi, por um
milagre, levantar-se uma mocinha de Torigni,
uma de minhas companheiras de carro, quando
fomos transportadas da Estação para o Hospital
de Sept-Douleurs; nesta occasião ella me contou
AS MARAVILHAS DE LOURDES 209

em poucas palavras sua enfermidade. Ha sete


annos ella vivia na cama, impossibilitada de
caminhar.
Promettemos rezar mutuamente uma pela
outra; Deus, sem duvida, vendo a união caridosa
de nossas preces, quiz curar-nos na mesma oppor-
tunidade.
Quando o Bispo chegou perto de mim, ao receber
a Benção da Hostia Santa, senti o inexplicavel
effluvio da graça sobrenatural, e exclamei : Tam-
bem eu quero levantar-me; estou curada! Oh,
como Deus é misericordioso I Sentei-me em minha
padiola. Uma senhora, obedecendo a um signal
dos Bispos, impediu que eu me levantasse com-
pletamente. Chorando de alegria, eu disse : tenho
fome, e faz tanto tempo que eu a não conheço!
Meu amavel enfermeiro deu-me algumas pastilhas
de chocolate; eu as saboreei com appettite,
bebendo tambem um pouco d' agua.
Terminada a procissão, fui conduzida ao
Bureau des Constatations, onde entrei sem apoio.
Os medicos se admiraram de ver um corpo
como o meu, sem musculos, sem nervos, sem
synóvia, caminhar ao ar livre, sosinha, e sem auxi-
lio de pessoa alguma. Minha cura foi registrada;
era « uma ressurreição n, na palavra do Director
do Bureau.
Eu tinha sempre fome, e á tarde, entrando no
,. Hospital, bebi leite. Comi um guisado de vitela, e
210 AS MARAVILHAS DE LOURDES

uma fructa. Tudo foi digerido, desapparecendo de


todo a diarrhéa.
No dia 10, ao meio dia, comi um prato de
macarrão. Já me era facil ajoelhar-me para dar
acções de graça depois de minha Communhão.
Minhas mãos, outr' ora geladas, tinham o calo~ da
vida. Antes de meu regresso tomei um banho.
Meu retrato foi tirado por ordem dos medicos, e
durante um dia e meio fui frequentemente cha-
mada ao Bureau. >>

O vento d'esta noticia grandiosa espalhou-se no


povo, e todos, numa tempestade de acclamações,
festejaram o restabelecimento de Henriette Hau-
ton, da satisfeita peregrinação de Coutances.
Douze dias depois da cura escrevia a Senhorita
Hauton : « De 35 libras (18 kilos), péso agora
61 I. e 150 gr. (31 kilos). Como, durmo, e não ha
o menor symptoma de minha enfermidade. »
Em Dezembro do mesmo anno pesava 100 libras.
No começo do mez de Outubro de 1911, conver-
sei demoradamente, no salão do Bureau M édical
de Lourdes, com essa distincta mocinha. Com
lagrimas nos olhos narrou-me as penas de sua
molestia, e com profunda emoção e intenso jubilo
falou-me da graça de sua cura. Transformada, é
hoje muito forte, formosa, de olhar intelligente;
é um testemunho vivo das grandezas de Lourdes.
1-! . II AUTON , algum tempo depO!S
àc curada.
XII

A PEREGRINAÇÃO
DE EMILIO ZOLA A LOURDES
um exame critico de suas doutrinas, de seu ro•
mance sobre as curas miraculosas, e dos casos
de que se occupou. Exposiçâo da verdade.

Eniilio Zola passou treze ou quatorze dias em


Lourdes, consagrando quasi todo este tempo na
recepção de visitas de um diluvio de reporters,
portavozes de sua popularidade. Duas horas ape-
nas esteve no Bureau des Constatations; não tra-
çou uma linha, nem estudou as investigações das
curas que elle mesmo testemunhara. E assim foi
que accumulou cabedal para escrever centenas
de paginas sobre as curas Lourdes !
Não podemos dizer que o livro do escriptor
francez é um ultrage á sciencia de Lourdes,
porque Zola não escreveu como um scientista.
Como um romancista, aliás de valor, julgou-se
senhor de privilegias absolutos. Mas o romancista
não pode, como elle o fez, ousada e brutalmente
212 AS MARAVILHAS DE LOURDES

penetrar o Templo da Verdade, da Sciencia, da


Historia, para empanar a luz, negar principias,
falsificar e truncar factos.

Eis o que diz Zola, referindo-se ao Bureau : Du-


rante minha visita poderiam lá estaT cc cincoenta
pessoas : muitos curiosos, testemunhas, vinte me-
dicos, e quatro ou cinco padres. Os medicos, vin-
dos d'aqui e d'alli, deixavam-se ficar, quasi todos,
quê dos e silenciosos. Quem seriam elles? Pronuncia-
dos os nomes, eram interiamente desconhecidos. »
Deixando de parte o conto, vejamos como lhe
responde o Dr. Boissarie : cc Durante a peregri-
nação nacional de 1892 mais de cincoenta medicos
(conservamos os nomes) assistiram ás nossas inves-
tigações. No dia da visita de Zola estavam na
salla : um operador de um Hospital de Paris,
membros de Academias de Medecina, antigos e
effectivos internos nos Hospitales de Paris, medi-
cos de nossas principaes cidades, de nossos mais
celebres estabelecimentos thermaes, e das Facul-
dades extrangeiras. »

Zola buscou na suggestão o segredo das curas


que elle vira, ou conhecera, isto é, de Maria Le-
AS MARAVILHAS DE LOURDES 213

marchand (Elise Rouquet), Maria Lebranchu


(Grivotte), Clementina Trouvé (Sophia Couteau),
de quem, mudando os nomes, se occupou parti- _
cularmente.
O Presidente do Bureau des Constatations esteve
com estas senhoras quinze ou dezesseis annos
depois das curas maravilhosas, todas gosando de
saude, o que é um poderoso argument9 contra a
pretenção suggestÍC!a de Zola. Se ellas provassem
apenas effeitos de suggestão, que não elimina tu-
berculos, proseguiria a tuberculose seu curso
fatal; ha muito tempo estariam mortas.
Lemarchand (Rouquet), que soffria de uma
tuberculose nos dous pulmões, de um lupus que
lhe invadira e deformara a face, tornando-a,
segundo a expressão de seu medico, une loque
humaine, horrivel e monstruosa, assim escrevia

<<
.
ao Dr. Boissarie em Novembro de 1907 :
Fruo sempre uma perfeita saude; o mal
horrendo, que tanto me fez padecer, e que desap-
pareceu a 21 de Agosto de 1892, jamais apresen-
tou o menor vestigio.
<< ••• Minha cura tem regenerado muitas almas,

e ainda produz sensação em meu paiz.


<< Maria LEMARCHAND. »

Depois de recebida esta carta, Dr. Boissarie


ainda viu a Sra. Lemarchand, hoje casada e mãe
de filh os. Não era mais a doente ele Zola, << avec
214 AS MARAVILHAS DE LOURDES

cette ulcération lente dévorant les muqueuses, les


cartilages du nez presque mangés, la bouche
rétractée, tirée à gauche par l'enflure de la lêvre,
pareille à une fente oblique, immonde et sans.
forme. Une sueur de sang mêlée à du pus coulait
de l'énorme plaie livide. >>
Zola viu de perto Lemarchand, e conhece a:
instantaneidade de sua cura extraordinaria. Elle
mesmo se commoveu de ante d' aquella cicatrisação
completa, do desapparecimento absoluto da sup-
puração e das inflammações. Temos o valioso e
competente testemunho de um medico, que a
viu antes e depois da immersão : « Eu me lembro
muito bem, diz o Dr. d' Hombres, de ter visto Maria
Lemarchand nas piscinas, esperando a sua vez
de tomar o banho. Impressionou-me seu aspecto
repugnante. As duas faces, a parte inferior do
nariz, o labio superior estavam invadidos por umat
ulcera de natureza tuberculosa, d' onde provinha
abundancia de pus. Ao sair da piscina fui imme-
diatamente ao Hospital, ao lado d'essa mulher.
Muito bem a reconheci, embora estivesse inteira-
mente transformado o aspecto de seu rosto. No
lugar da chaga asquerosa que eu acabava de ver
encontrei uma superficie, ainda vermelha, é verda-
de, mas secca e como coberta de uma epiderme de
no"a formação. O linho que lhe servira para ultimo
tratamento antes do banho estava maculado de
pus.
AS MARAVILHAS DE LOURDES 215-

Esta pobre enferma tinha tambem, antes de


entrar na piscina, uma outra chaga na perna, da
natureza alludida, que, como a do rosto, se seccou
no banho.
Confesso com sinceridade que fiquei vivamente
impressionado na contemplação d'este subito·
restabelecimento, occasionado por uma simples
immersão na agua fria, sendo de notar que o
lupus é uma affecção summamente rebelde a toda
especie de medicamento. »
O Dr. La Néelle, ex-chefe de clinica no Hótel-
Dieu de Caen, vendo a transformação de sua jo-
ven cliente ao regressar de Lourdes, escreveu estas
palavras francas e corajosas : << Ainda sinto a
impressão que tive ao tocar com o dedo esta
cura, absolutamente sobrenatural. Maria Lemar-
chand tinha tambem uma tuberculose avançada,
cuja existencia me era muito conhecida, e que agora
de todo desappareceu. »
No mesmo dia da cura ella foi examinada por
numerosos medicos, que nada achavam de anor-
mal no seu peito; nada mais havia da tisica. Ao
feridas estavam bem cicatrisadas. Disse o Dr. Bois-
sarie ao romancista, que um dia manifestara o
desejo de ver uma chaga viva completamente
curada, para então se convencer :
«Eis, Sr. Zola, o caso que almejais: uma chaga,
sensivel a todos os olhos, subitamente fechada !
Ohae bem esta mocinha I
216 AS MARAVILHAS DE LOURDES

- « Ah ! respondeu, procurando ás claras sair


do embaraço : não posso fitai-a; ella ainda está
muito abatida. »

Um medico illustre, pedindo a seu collega


Dr. Néelle uma noticia segura d'esta cura estupen-
da, então realisada ha muitos annos, teve, em 1904,
a presente resposta

<< Meu caro :

« Ha uns douze annos dei ao Dr. Boissarie, na


circumstancia da cura de Maria Lemarchand,
todos os dados necessarios sobre a enfermidade
d'ella, com uma observação completa. Ella soffreu
uma tuberculose pulmonar, ulceras no rosto, mui-
tíssimo suppurantes e largas como as mãos.
Tinha ainda chagas da mesma natureza nas per-
nas, e contracção hysterica de um membro.
« Ella foi curada subitamente, tomando um
banho nas piscinas de Lourdes. Sentiu uma dor
aguda, e logo se viu livre de todos os symptomas
de sua enfermidade. As feridas, seccadas immedia-
tamente, ficaram cobertas de um tecido cicatri-
zante vermelho, perdendo esta côr nos fins de algu-
mas semanas. As cicatrizes ainda se viam alguns
annos depois. Examinei Lemarchand logo após seu
AS MARAVILHAS DE LOURDES 217

regresso de Lourdes. Não a reconheci : grande era


sua mudança.
« Era um graciosa mocinha que eu via deante
de mim, em vez d' aquella « loque humaine », de
face horriçel e monstruosa, a expandir um cheiro
nauseante, que eu tinha çisto dez dias atraz.
« A tuberculose tinha desapparecido egualmente.
Acceitae, meu caro Collega, a expressão, etc.

<< Dr. Nf;ELLE,


• Ex-chefe de Clinica no Hôtel-Dieu de Caen.

Dr. Tenneson, admirado, tambem examinou,


em 1906 ou 1907, M. Lemarchand, que se achava
em perfeito estado de saude, o qual ella hoje ainda
frue, entoando sempre hosannas de graças a Nossa
Senhora de Lourdes.

Zola conhecia o certificado medico que trouxe


Maria Lebranchu (Grivotte) a Lourdes. No « Hô-
tel-Dieu », onde esteve ella sob os cuidados do
Professor Germano Sée, foram observadas na
analyse de sua saliva cohortes de bacillos de Koch.
Quando, para ir a Lourdes, saiu do Hospital
« Franco-Neerlandais », onde habitam especial-
mente os tuberculosos, o Dr. Marquezy affirmou,
num certificado, que ella era minada por uma
218 AS MARAVILHAS DE LOURDES

tuberculose pulmonar no ultimo periodo, com


amollecimento e cavernas. Ha dez mezes estava
de cama, e, vomitando sempre pus e sangue,
perdeu logo 48 libras de seu peso : era um sympto-
ma fatal. Em Agosto de 1892, ao effeito salutar de
um banho nas piscinas, não era mais, disse Zola,
aquella doente que « eu tinha observado no
wagon, de face aterradora, tossindo e escarrando
sangue ».
Era impossivel reconhecei-a : « A Grivotte
estava de pé, faces ardentes, olhos scintillantes. J>
Zola, que conhecia a verdade d'essa cura per-
feita, estudada e definida com o maior criterio e
proficiencia, commetteu um crime, e foi mais que
desleal, matando, na sua obra, a meiga G~ivotte,
predilecta da graça de Maria, nossa Mãe.
Sendo o attestado vivo do sobrenatural, era
preciso exterminai-a ; Zola pretendeu fazel-o !
Perguntando o Dr. Boissarie a Maria Lebranchu
se ella viu seu assassino depois de seu restabeleci-
mento, cuja noticia minuciosa, que se lê na compe-
tente pagina official, redigido pelo Bureau des
Constatations, verdadeiramente nos maravilha,
obteve a seguint-e resposta em Dezembro de
1907 (1) : << Eu o vi pela ultima vez em 1895, tres

(1) Nesta epoca, em que a Grivotte ainda entoava louvores

r a Nossa Senhora de Lourdes, Zola já tinha morrido tristemente,


e, quiçá, amaldiçoado, como os Phariseus do Evangelho, que
resistiram aos rr.ilagres do Salvador! Emfim, grande é o segredo
da misericordia divina!
AS ~1ARAVILHAS DE LOURDES 219

annos depois de minha cura. Veio convidar-me e


a meu marido para irmos a Belgica, assegurando-
nos meios de vida; não acceitamos suas offertas. »
Tinha o escriptor realista interesse em afastai-a
de todo exame, afim de que, com melhor exito, se
transformasse a tumba do esquecimento em que
ella iria viver numa como que tumba real...
Um dia, em Paris, o Presidente do Bureau per-
guntou-lhe porque elle apregoava a morte da Gri-
votte, que se achava muito bem de saude. Eis a
resposta : « Sou senhor absoluto de meus perso-
nagens, os quaes posso crear e matar segundo
minha vontade; Lebranchu não tem razão para
se queixar, desde que se acha curada. Demais,
não creio nos milagres; se eu visse todos os doen-
tes readquirirem a saude instantaneamente, ainda
assim eu não creria. ,, Emílio Zola era da tempera
de Guéroult ...
É digno de attencção este optimo documento :

Angers, 18 de Julho de 1901.

cc ... Tenho competencia para affirmar que a


Grivotte se acha curada de uma enfermidade já
conhecida, desde treze ou quatorze annos.
cc Vestígios muito tenues na parte superior dos
pulmões, uma debilidade respiratoria quasi im-
perceptível, conhecida pelo exame radiocospico
e attenta auscultações, não deixam, é verdade,
220 AS MARAVILHAS DE LOURDES

a menor duvida sobre a existencia de lesões an-


tigas muito graves, mas o estado actual da
doente, inteiramente satisfactorio sob todos os
aspectos, é a prova vivente da intervenção mira-
culosa a seu favor ...
« A Grivotte gosa de perfeito estado de saude ...
Jamais soffreu o mais leve symptoma de suas
antigas e profundas lesões tuberculosas.

« Dr. JAMIN. »
1, rue Chevreul.

Zola, passando sobre a verdade, manifesta que


a cura de Maria Lebmarchand foi lent« e pro-
gressiCJa, negando a provada instantaneidade.
Quanto á sua Grivotte, foi mais temerario ainda;
desnaturando os factos, levou-a até á sepultura.
A cura da Grivotte foi a mais excellente, dura-
doura possivel. Em 1893, vindo ella a Lourdes,
numa doce peregrinação de amor e reconheci-
mento, compareceu ao Bureau des Constatations,
que registrou : Logo depois da primeira immersão
na piscina (1892), Maria Lebranchu experimentou
subitamente um grande bem estar, e o exame,
feito no Bureau com o maior cuidado, revelou o
desapparecimento de todo vestigio da grave
enfermidade que a prostrava. Desde este tempo
a cura foi completa, permanente, apezar de um

...
AS MARAVILHAS DE LOURDES 22f

ataque de influenza que ella soffreu no inverno


passado (1). »

Sobre Clementina Trouvé (Sophia Couteau),


hoje Irmã Ignez, curada em Lourdes aos 14 annos
de edade, em Agosto de 1892, assim se externa
Pedro Eremite : « Pobre creança I Do fundo do
coração eu a lamentava. Bem joven ... dous gran-
des olhos . azues, feições francas e intelligentes
sob seus cabellos louros, que formavam uma
aureola de ouro em torno de seu pequeno capulet
branco; com uma voz meiga ella contou sua histo-
ria : tinha o calcanhar completamente cariado,
não podendo caminhar. Confessa claramente os
olhares de inveja com que contemplava suas com-
panheiras mais favorecidas, repete as orações
ardorosas que fazia á SS. Virgem para que um dia
pudesse tamhem calçar suas botinas ... Durante a
viagem a ulcera suppurou tanto que foi exgottada
a provisão de linho que havia feito. Mostra o pé
completamente são. Apenas uma ligeira depressão
indica o lugar da raiz do mal. Zola esteve presente
á consulta.
Trouvé levanta-se, e, sendo-lhe permittida a
retirada, calça a meia e a botina, e parte como um

(1 ) Vid. Annales de Notre·Dame de Lourdes, t. XXVI.


222 AS MARAVILHAS DE LOURDES

passaro, toda desejosa de fugir aos olhares curiosos


.que não perdiam um só de seus movimentos. »

Clementina Trouvé chegou a Lourdes a 20 de


Agosto de 1891, e no dia seguinte, na piscina, foi
instantaneamente curada do mal que ha tres annos
a atormentava. Os protestantes de Rouillé (Vienna),
parochia de Clementina, não receberam com muito
agrado o attestado palpitante da graça de Maria
Virgem.
Enviperaram-se irritadiços á presença do facto
sobrenatural, a começaram a campanha.
Alfredo Bénézech (1), Duproix (2), Fraulu
Puaux (3), occuparam-se acremente d'esta cura.
Todos os adversarios basearam-se nas investi-
gações e referencias suspeitas de Bénézech. Este
pastor protestante foi duas vezes a Rouillé, a
20 e 25 de Setembro de 1894, gastando apenas
algumas horas no interrogatorio feito o seis pes-
soas, autoridades que elle indica por simples ini-
daes. Só o nome do Dr. Cibiel sae ás claras. Uma
declaração do medico confirma a cura em Lourdes
de uma lesão chronica do calcaneum, com ferida
fistulosa; logo scientificamente é inexacto dizer,

(1) Vid. Causeries morales et reiigieuses.


(2) Vid. Oe qu' on voit à Lo urde.•.
(3) Journal des Débats, 29 novembre 18 9ft .
AS ~IARAVILHAS DE LOURDES 223

como o fez o pastor, que o << caso Trouvé é uma


verdadeira embustice. »
Bénézech, sem documento, insiste em tornar a
seu favor informações pessoaes que lhe deu o
Dr. Cibiel. Desculpe-nos, mas é força não admittir
sua palavra deante d'estes dous certificados (1) :
<< O medico abaixo-assignado certifica que a

joven Clementina Trouvé, de Rouillé, soffre uma


ostéo-périostite no calcanhar, rebelde ao tratamento
da incisão e injecções detersivas.
Esta enfermidade só poderá desapparecer ou
mediante uma operação radical, ou mediante um
tratamento de longo tempo, baseado no uso de
reconstituintes geraes e da antisepsia local.

Lusignan, 11 junho 1891.


<< Dr. CIBIEL. »

Quando Clementina regressou de Lourdes,


Dr. Cibiel estava em Bagnols (Orne). Logo que
viu sua cliente, lavrou o seguinte certificado :
<< O medico infra-assignado certifica que a j oven

Clementina Trouvé, padecente, á data de 11 de


Junho de 1891, de uma fistula no calcanhar, de
origem periosteo-tuberculose, actualmente se acha
curada, e não apresenta outros vestígios de sua
antiga enfermidade que marcas de cicatrizes e um

~1) Annales de Nvtrc-Damc de Lourdes, L XXVIII.


IG
224 AS MARAVILHAS DE LOURDES

desenvolvimento pouco consideravel da reg1ao


plantar. Certifico, além disso, que a pressão exer-
cida na superficie não é dolorosa, e o pé muito bem
sustenta o corpo de Clementina.

Lusignan, 1o de setembro 1 S91.

« Dr. CIBIEL. »

Estes documentos desafiam as affirmações do


Sr. Bénézech ...
O Dr. Cibiel é um indifferente em materia de
religião : repetiu elle ao Vigario de Rouillé o que
antes dissera á mãe de Clementina : « Attribua-se
ao diabo ou a Deus, mas o facto é que a pequena se
acha curada, bem curada, acontecimento que me
torna feliz, muito feliz. >>
Innumeras pessoas (1), citadas nominalmente,
provam a instantaneidade d' esta cura indiscutida.
A Senhora Lallier (rua de I' Epée, 6, Sens, Yonne),
que, a 21 de Agosto de 1891, immergiu os pés da
enferma na piscina, assim se exprime :
« Approximou-se de mim Clementina Trouvé.
Seu ar puro e candido, e o semblante pallido e
valetudinario muito me impressionaram. Arras-
tava-se penosamente, apoiando-se numa grossa
canna. Com precaução e respeito segurei as pernas

(1 ) Vid. Annales de Notre-Dame de Lourdes de Agosto de 1891,


e Ma rço, e Abril de 1895.
AS MARAVILHAS DE LOURDES 225

da doente, e eu mesmo as mergulhei dentro da agua


abençoada.
Terminando a Açe Maria, comecei a invocação:
Bemdita seja a Immaculada Conceição, etc.; não
tive tempo de concluir, porque a pobre criança,
perfilando-se, clamou : « Deixae-me, estou cu-
rada!»
Com effeito, ella estava curada e bem curada,
graças á agua miraculosa de Nossa Senhora de
Lourdes. Vi no seu calcanhar direito uma larga cica-
triz, que se formaça, por assim dizer, sob meus
olhos. >>
Eis o depoimento da Viscondessa de Rrederer :
« A criança foi curada no dia 21 de Agosto, no
momento em que se banhara na piscina; a chaga
foi fechada instantaneamente.
· « Reencontrei Clementina no Hospital de
(( Sept-Douleurs »; ella saltaça de uma só çez
çarios degras de uma escada, e ensaiava corridas.
Sua alegria era indescriptivel; dizia: Agora já posso
correr, mas não sei como se faz ... Os medicos de
Lourdes, no mesmo dia, registraram a cura. .

((De G., viscondessa DE RmDERER. >>

Zola não ignorara a verdade exarada nestes


documentos, sabia que a cura de Clementina tinha
226 AS ~IARAVILHAS DE LOURDES

sido instantanea, completa, absolnta, mas foi seu


gosto descrever o contrario.
Chega. a um ponto em que, ora duvidando do
facto, ora suppondo-o, procura um systema, um
meio para explicai-o : « Quem sabe se a pretendida
cicatrisação instantaneanão care ceu de dias para
se formar?! Ou, melhor, que força occulta ,teria
agido?! etc. » « Testemunham os medicas?!
Quem conhece todas as leis da medicina? ! »
, Zola era um novellista, e não conhecia este prin-
cipio : « Contra scientiam est theorias redificare ad
explicanda facta, qure quomodo orta sint ipsa
historia et ipsa scientia clare manifestant. »
Sim, inteira e perfeitíssima é a certeza que nos dá
a historia da existencia do mal de Clementina
existente antes e desapparecido depois do banho.
Por sua vez, a sciencia nos mostra o limite de
seu poder.
Porconseguinte, o que já está definido é fóra
de novas explicações. Sobre isso não ha duvida.
A theoria da força conhecida e da força occulta
já {oi aclarada; é um systema pretencioso, con-
trapoducente.

Como muitos, puerilmente perguntou Zola ao


Dr. Boissarie se elle tinha visto e examinado
F ... e F ... , inclusive Clementina Trouvé, antes da
cura. É não conhecer Lourdes I Os mnm;neros
AS JIIARAVILHAS DE LOURDES 227

attestados medicos, · que trazem os enfermos, não


supprem, por ventura, a ausencia de exame dos
medicos do Bureau? I Só na Peregrinação Nacionai
o Bureau recebe mais de mil attestados medicos;
como seria possível, pois, examinar de novo todos
os doentes aos quaes se referissem os attestadós,
durante a curta permanencia de quatro ou cinco
dias em Lourdes? ! ...
Quando se trata de uma cura, nas suas severas
investigações o Bureau nada proclama sem um
estudo minucioso do facto.
Em muitos casos todo homem é juiz capaz para
testemunhar uma cura, como a de uma chaga.
De facto, em uma carta, o celebre Dr. Tenneson
(Julho de 1905), referindo-se ao caso Rouchel,
assim se exprime : « Para estabelecer a certeza
d'esta cura (de Rouchel), é preciso admittir as rela-
ções fornecidas pela doente e pelos que viram seu
estado. ~ o que fazem os medicos todos os dias.
Recusado este methodo no caso vigente, é uma
prova da maior parcialidade. Não ha razão para
consagrar-se a esta cura um exame critico excep-
cional, só pelo facto de se tratar de Lourdes. »
Entretanto, as exigencias do Bureau não se
contentam, para julgar uma cura, de t estemunhos
leigos, na expressão de um medico .
Em toda investigação da cura logo se pergunta:
o certificado medico?
Dada a possibilidade de que fosse facil aos
228 AS MARAVILHAS DE LOCRDES

medicos de Lourdes examinar todos os doentes,


esses exames ligeiros teriam, por ventura, maior
valor que os feitos pelos medicos ordinariqs dos
proprios enfermos?!
As objecções de Emilio Zola já passaram de
moda e de epoca, e hoje só entrelaçam na sua
trama espíritos deslembrados dos acontecimentos
· de Lourdes e das noções da bôa Sciencia.

Eis ahi, caros leitores, a sinceridade d' este


homem de letras, « doutor em sciencias humanas n
e que á humanidade deixou como legado não
poucos males. Medicos e personagens emmentes, de
nomes respeitabilíssimos, têm consagrado annos e
muitos annos, vidas inteiras, no estudo das
maravilhas de Lourdes, que entraram no campo e
no mundo da sciencia. Passando poucos dias em
Lourdes, considerando-se sabedor de tudo, bam-
baleando-se na vaidosa e triste exhibição de suas
ideas, quiz dar, no Bureau, lições e programmas
de clínica, de exames, insultando depois, no seu
livro, os medicos, o clero, os peregrinos.
Faltando com os mais rudimentares deveres de
um adversario honesto, vê o facto e nega-o, engen-
drando evasivas, desprezando o exemplo de nossos
maiores antagonistas, como Charcot, que, sobre
Lourdes, dizia: « Ha muitas cousas que não com-
AS MARAVILHAS DE LOURDES 229

prehcndemos; o futuro se encarregará de explicar. »


Bernheim, Professor ·na Faculdade de Medecina
de Nancy, reconhecendo formalmente que a sugges-
tão não pode causar o desapparecimento de uma
lesão, restaurar uma substancia destruída, sendo
inefficaz nas enfermidades organicas, affirmou :
« As observações de Lourdes têm sido recolhidas
por homeus honrados, instruidos; os factos existem, ,
só a interpretação nos dii,Jide. »
Prescindamos da idéa primitiva que trouxe
Emílio Zola a Lourdes. O facto é que elle vendo
de perto os resplandores da fé, sentindo os bafe-
jos do sobrenatural, ouvindo a voz imperiosa da
verdade, pareceu curvar-se. Visitou os Hospitaes,
estupefacto deante do espectaculo da caridade
christã. Emocionado viu os trabalhos e cuidados
d'estas Irmãs incomparaveis, que o mundo não
comprehende, e a quem a mesma França tem
movido, em tributo de tantos serviços, as hostili-
dades mais encarniçadas. Na procissão do Santís-
simo Sacramento, disse-me um personagem alta-
mente observador e illustrado : « Emilio Zola foi
tocado pela graça. Não o perdi de minha vista: era
a imagem de um convertido. >> Quem sabe? !. ..
Um dia, numa de suas varias visitas a Clemen-
tina Trouvé, encontrou-a, no Hospital, muito
silenciosa. Perguntou-lhe derepente : << Que tens?
Porque não falas? >>
Ella respondeu : « Rogo por vós. >>
230 AS MARAVILHAS DE LOURDES

- <<Sim, fazes muito bem; tenho grandê neces-


sidade de tuas preces. >>
Realmente, por uma graça divina, elle viu este
phenomeno grandioso, sobrenatural : o milagre,
deante de quem sua consciencia foi obrigada a
prostrar-se. Entretanto, não teve forças suffi-
cientes para proclamar o triumpho do espírito
sobre conveniencias mundanas, e é meu parecer,
seguindo opinião mais corrente, que em Lourdes
elle não teve o corajoso pensamento de transfor-
mar os costumes de sua vida, de destruir toda a
obra deleteria de seu passado, e ambicionar um
futuro norteado pela estrella da regeneração c do
Bem.
O fim de sua peregrinação era corrompido.
Uma condição essencial para a conversão é a
sinceridade, e Zola nunca foi sincero. No seu
<< Lourdes », á pagina 193, elle nos mostra o desejo

de ver uma chaga viva subitamente fechada, para


então inclinar-se deante do milagre. Misericordio-
samente foi saciado seu desejo; elle sabia que a
<< natureza não reparava suas bréchas num mo-

mento », lei certa e inabalavel; viu essa reparação


dependente de um poder sobrenatural, e, não
obstante, porfiou em publicar sua incredulidade,
duplamente criminosa. De facto, era material e
formal a falta de Zola, em desprezando os ensina-
mentos da Providencia.
Depois da publicação de seu romance emp~llide-
AS ~IARAVILHAS DE LOURDES 231

ceu funestamente a estrella de seu destino, vivendo


tristonho, sem a popularidade do passado, até ao
asphyxiamento que lhe causou a morte. Um critico
francez, incredulo, commenta esta quadra de sua
vida : << Lourdes, seu romance, trouxe-lhe o germen
de uma melancolia, que só se extinguiu nas som-
bras da tumba. Julgando que sua obra culminasse,
prometteu ao publico, por meio da imprensa,
fixidade de argumentos em torno de Lourdes. A
decepção foi grande! O publico não se contentou,
imquirindo todos : onde está a fixidade dos argu-
mentos, as provas de suas affirmações? !
Muitos de seus amigos combateram seu livro,
vivamente atacado e sem enthusiasmo defendido,
e onde, entretanto, tambem chammej a o fino
estylo d'este literato nacional. ''
O livro e o procedimento de Zola movimenta-
taram na imprensa um curioso incidente; inter-
vistado, respondeu o seguinte : « Lebranchu me
reprehende porque não creio no milagre e nego
a evidencia; com que direito? Sua fatuidade é
extrema em reconhecer-se na minha Grivotte; sou
um romancista antes de tudo, e porconseguinte
dono de meus personagens. Certamente o romance
permanece sempre sob a dependencia da historia,
mas sem perder o escriptor a absoluta libertade
que tem de tirar personagens de seu cerebro. É
mais que liberdade : é um dever, segundo minha
maneira de julgar.
232 AS MARAVILHAS DE LOURDES

-Mas o retrato que fizentes é muito semelhante


ao de nossa pessoa, patenteada em vossas descrip-
ções.
-Não nego que fosse ella o ponto de partida de
minha Grivotte. Sim, fui seduzido pelo seu ar
extranho, pelo brilho de seus olhos, pelos annéis
de seus cabellos. Não passei meu tempo em Lour-
des a tomar notas. Observei, interroguei, e foi
com minhas lembran ças e impressões que compuz
meu romance. »
Sobre E. Rouquet : << Ainda affirmo : nenhum
de meus personagens é real. Não sou um historia-
dor; que diabo ! Sou um romancista, c escrevi a
synthese de Lourdes. »
Sem embargo, ha espíritos, poucos, é bem ver-
dade, que crêm encontrar em Zola o nectar da
doutrina para pugnar contra a questão de Lourdes.
Ainda me recordo de um anoitecer patrio e sau-
doso, em que illustre amigo narrava as maravilhas
de sua visita á legendaria Gruta de Massabielle,
descrevendo, emocionado, as soberbas epopeas
do sobrenatural, concretisadas nas curas que
recebem os enfermos mediante a intervenção de
Maria Virgem. Uma voz o interpellou : << A fé tam-
bem cura! Zola foi quem escreveu bem sobre
Lourdes. » Eis ahi ! O homem d' esse aparte,
respeitavel por suas virtudes, ignorando comple-
tamente os factos de Lourdes, os limites da psy-
chotherapia, sem estudo e, portanto, sem autori-
dade, queria, apoiado em Zola, o unico autor que
AS )IARAVILHAS DE LOURDES 233

mal elle conhecia ácerca de Lourdes, destruir a


obra soberha deante de quem se têm curvado
summidades e glorias mundiaes da sciencia.
O livro de Zola, escripto sob o influxo de uma
dupla alma, é, como conhece toda intelligencia
esclarecida, de apreciavel valor para nós. Zola
viu a cura, a graças obrenatural : ás vezes, invo-
luntariamente c sob o influxo da alma sincera, clle
a confessa; ás vezes, então sob o influxo da alma
fingida e traidora, elle a nega. D'ahi, pullulam
as contradicções ...
Tem paginas magníficas, brilhantes quanto ao
estylo, e valiosas quanto á substancia, em que elle
sabe com fino gosto, indubitavelmente de esco-
lhido artista, descrever a verdade, o bello e o
sublime de Lourdes. Ha outras que são uma ver-
dadeira anthitese : o autor de N ãnã se revela em
seu realismo degenerado, numa desabrida de pala-
vra e de pensamento : é uma catadupa de iniqui-
dades. O protagonista principal do romance é um
padre sem vocação, creado e educado á forma
do escriptor. Zola ignora a vida dos Seminarios,
os ensinamentos da Igreja, e, assim, nos apresenta
o seu lisonjeado Reverendo Pierre como um typo
de creatura mundana, um theologo que mal
raciocina, e não conhece ao menos os preli-
minares da doutrina ecclesiastica, efficacissimos
para dissiparem as nuvens de uma incredulidade
filha da ignorancia.
A Igreja sabiamente condemnou o romance
234 AS ~IARAYILHAS DE LOURDES

Lourdes, que é uma affronta á pureza dos costu-


mes e aos princípios da fé. Se o Estado Civil pode
justiceiramente, abraçando meios preventivos,
vedar o uso de armas e de tudo que pode compro-
metter a tranquillidade publica, muito mais pode
a Igreja, sociedade superiormente perfeita, que
visa um fim supremo, prohibir tudo aquillo que
tende a corromper a innocencia e a felicidade
espiritual dos povos. Na da mais pernicioso do que
a má leitura ! A imprensa perversa e o livro sem
pudor cream essa grande chaga social, fonte
putrida de horrores e miserias ...
Eis um homem que assassina, uma joven que
troca o remanso domestico pelo borborinho dos
lupanares, uma mulher que adultera e conspurca
a honra sagrada de seu esposo; cederam á influen-
cia da leitura ...
Zola, com sua penna, tem sido um factor de
inenarraveis e grandes delictos. Não e somente a
Igreja; innumeras são as sociedades profanas que
prohibem a circulação de suas obras.
O livro cae sempre n' alma como uma fiam-
mula : illumina-a, se é bom; incendeia-a. se é
máo ...
XIII

AS OBJECÇÕES

<<Em Lourdes o facto existe », e tão evidente


que mesmo não sei em que terreno se fundamentam
nossos adversarios, para nos propor com seriedade
suas objecções. Elles já titubeam quando nos per-
guntam : A cura, que se diz miraculosa, não será
causada por alguma çirtude therapeuthica que se
acha na agua? ! ...
Mas na agua, como ficou provado em capitulo
anterior, conforme se deduz de innumeros exames,
não existe tal çirtude.
-Não poderá ser então o effeito da forte impres-
$àO que sente o enfermo ao contacto da agua stunma-
mente fria das piscinas?
Nem sempre as curas se realisam nas piscinas.
O liquido transportado em garrafas para lugares
longinguos tem operado as mesmas maravilhas.
Assim, entre mil casos, podemos citar o de Ste-
phania Proteau. Esta mocinha de 17 annos habi-
tava a villa de Prelier (Vendée), e ha vinte e quatro
236 AS MARAVILHAS 'nE LOURDES

mezes, mais ou menos, soffria um tumor branco no


joelho esquerdo, e uma atrophia consecutiva em
toda a perna. Aconselharam-na a friccionar com a
agua de Lourdes as partes mais dolorosas, e a
fazer ao mesmo tempo um voto de ir, á pé, á
Gruta, afim de agradecer a graça que ella poderia
receber da Virgem. No dia 28 de Outubro de 1908,
em presença de varias pessôas, ella disse : << Se a
Virgem Santíssima me curar, irei a Lourdes
caminhando, numa peregrinação de acção de
graças. » Friccionando a mão esquerda, tambem
inerte como a perna, com a agua de Lourdes, o
effeito foi immediato : a mão paralytica readquiriu
o uso de seus movimentos. Bebeu um pouco da
agua, e sentiu que seu peito ardia, como se hou-
vesse ingerido tintura de iodo. Poucas horas depois
tirou o apparelho que trazia na perna, e começou
a caminhar como se nunca houvesse soflrido cousa
alguma. Um certificado medico, datado de 2 de
Abril de 1908, registra seu maravilhoso restabele-
cimento (1).
No dia 30 de Julho do mesmo anno, depois de
mais de um mez de longa viagem, Stephania
chegou a Lourdes, havendo cumprido com piedade
e amor sua promessa.
E se o adversario persiste em affirmar que na

{1) Vid. Adolpho RETTÉ : Les Miracles de Lourdes; réponse


aux objections (15• mille). - PoLvA et M, SIMONET, éditeurs
(Paris); pag. 4,
AS MARAVILH AS DE LOURDES 237

agua ha uma virtude therapeuthica, pensa elle,


por ventura, na unidade do remedio, na. diversi-
dade das doenças, na instataneidade das curas? !. ..
Admittindo mesmo que na agua de Lourdes exis-
tisse a supposta virtude, por mais potente que
fosse, jamais poderia reconstituir momentanea-
mente uma chaga, etc ...
Demais, nem sempre por meio da agua tem a
Virgem manifestado seu poder glorioso. Innumeras
são as curas, como as de Pedro de Rudder e Ga-
briel Gargam, que se têm realisado na Procissão do
SS. Sacramento, na Gruta, em casa e nos caminhos.
Noemia Nightingale, ingleza, de 25 annos de edade,
sofTria uma perforação purulenta no tympano,
incuravel aos esforços assíduos de especialistas
os mais autorisados. Chegou a Lourdes surda,
completamente surda. A historia de seus males
e de sua cura ella mesmo nos descreve num manus-
cripto que se acha archivado no Bureau M édi-
cal (1).
Entre outras cousas, diz ella :
« Quinta-feira ultima, 21 de Maio de 1908, eu
recitava meu terço na Gruta, á tarde, pelas almas
do Purgatorio; era 6 h. e 45 m., quando, dere-
pente, senti dores muito agudas nos ouvidos.
Pensando que fossem passageiras, não me queixei.

(1) Vid. L ettre de No ém ie N ightin gale, sur sa guérison; no


B urean de~ Constatat ions médicales de Lourdes.
238 AS )[ARAVILHAS DE LOURDES

Cresceram e tornaram-se violentas, como iguaes


jamais eu soffrera na minha vida; julguei que eu ia
enlouquecer. Numa especie de torpor causado
por esse soffrimento intenso, eu não sabia o que se
passava a meu lado. Magnificat : foi a primeira
palavra que ouvi! Eu não podia acreditar que
tivesse ouvido, mas o prodigio se confirmou : eu
estava curada ! »
Ha um caso recente e importante, que basta
para sopitar esses ~ous ataques : o primeiro, dos
que dizem que os doentes se curam em Lourdes,
porque em Lourdes ha uma energia natural e
especial; o segundo, dos que dizem que os doentes
se curam mediante o uso da agua de Lourdes,
porque a agua de Lourdes contem elementos
therapeuthicos.
Eil-o : A Senhorita Margarida Verzier não foi
a Lourdes, nem usou da agua de Lourdes; invocou
apenas o nome de Nossa Senhora de Lourdes,
em La Teppe (Drôme), e ficou perfeitamente
curada de uma fractura do femur. O Dr. João
Tournaire, num certificado, escripto em Tain a
14 de Julho de 1909, confirmado numa carta
que elle dirigiu em Novembro de 1911 ao Dr. Eu-
genio Vincent, Professor na Faculdade de Medecina
de Leão, declarou que << se achava em presença de
uma fractura completa do femur direito (na parte
media), occasionada por uma queda da altura de
7 metros, « e rebelde a todo o tratamento, á
AS 0\fARAVILHAS DE LOURD E S 239

extensão e contra-extensão, ao emprego do appa-


relho de Bonnet >>. Referindo-se á consolidação
instantanea da fractura, mercê do auxilio da Vir-
gem, diz o illustre medico que lhe « é impossível
explicai-a, medicalmente falando >>. Este caso (1),
muito bem estudado pelos Drs. Tournaire, Euge-
nio, Van der Elst, é muito semelhante ao de
Pedro de Rudder, e prova que uma oração ardente
feita á Virgem de Lourdes merece a graça do mi-
lagre, e que não é em Lourdes, nem na agua de
Lourdes que existe a energia da cura, mas num
principio soberano e sobrenatural. O sr. Dugas,
professor de Philosophia no Lyceu de Rennes,
não ha muito dizia a seus discípulos : H ouçe um
tempo em que os homens acreditaçam que as preces
poderiam suspender o curso dos phenomenos natu-
raes, debellar as afflicções e enfermidades. Esse
tempo passou ...
Seus discípulos protestaram, clamando : E
Lourdes? I E Lourdes? I Sim : « o facto existe >>.
O caso de Margarida Verzier foi citado; era uma
lição para o mestre ...
Outros adversarios, que nos falam de auto-sug-
.gestão, porque não nos mostram casos assim admi-
~·aveis nas experiencias de Charcot e da escola de

(1) Vid. Jlflle Verzier, guérie instantanhnent d'une fra cture


complete du fémur," no Journai de la Grotte de 29 Agos~o de 1909;
Anna/es de Notre-Dame de Lourdes, 1909;- Réunion des Mi-
racnlés de Lourdes, Paris. - Bon Théâtre, 1911; La Croix de
Paris, 10 rle Dezembro 1911.
17
240 AS MARAVILHAS DE LOURDES

Nancy? A auto-suggestão requer que o doente


deseje curar-se, e que se não distraha desse desejo.
Gargam, por acaso, queria curar-se? Noemia
desejava curar-se, sem a distracção d' esse desejo? r.
Vamos mais além.
f: uma these indiscutida : as crianças estão
alheias a todo o influxo da suggestão. E como
nossos adversarios explicam, com seu systema, as
curas de Jorge Lemesle (2 annos e 7 mezes de
edade); Fernando Balin (2 annos e 6 mezes);
Paulo Mercere (1 anno); Pedro Estonnet (6 me-
zes); etc., etc ... ?
A reconstituição momentanea de tecidos, de
· partes destruídas, como no caso Rudder, poderá
attribuir-se á suggestão?
Bernheim, o mestre eminente da suggestão, nos
responde : Impossível. De feito, « pode-se curar
aquillo que é curavel; a suggestão não pode
restaurar aquillo que está destruido (1) >>.
Os Zoilos nos falam de um sopro curador das
multidões-souffle guérisseur des foules, que produz
a cura em Lourdes. As preces e os cantos, que
formam aquella athmosphera toda religiosa que
se espraia na Esplanada, na Gruta, tocam, sem
duvida, o coração do enfermo. Mas, concluir
d'ahi que tal souffle faça desapparecer ulceras

(! ) Vid. BERNHEIM : Hyp notisme, suggestio n, psychotérapie;


1903.
AS MARAVILHAS DE LOURDES 2tí1

inveteradas, caries osseas, etc ., é asisudamente


raciocinar? !
E que nos dizem dos doentes como Stephania
Proteau € Lévêque, que recuperaram a saude
fóra do contagio do souffle das multidões.
Num ·dos primeiros dias de Outubro de 1911
conversei em Lourdes com a senhorita Lévêque,
que me fôra apresentada pelo amabilíssimo
Dr. Cox. Era ella professora em Nogent-le-:Ro-
trou, quando começou a soffrer de uma chaga na
fronte, que se aprofundou, transformando-se :em
uma carie ossea, muito sup-purante. Apresentava
tambem symptomas de uma enfermidade do cora-
ção. Usou improficuamente de todos os remedios
que lhe ensinaram, e quando chegou a Lourdes, a
15 de Julho de 1908, seu estado era bem melindroso.
Indo á Gruta, seus soffrimentos augmentar.am,
de modo que foi reconduzida, numa carreta, a:o
Hotel por pessoas amigas, as quaes, deixando-a
no quarto, regressaram á Gruta, para assistir á
Missa de 6 horas.
Eis o momento do milagre !
« Eu soffria, conta a gentil senhorita, dures lanci-
nantes. Tinha a cabeça entre as mãos, com os
cotovellos apoiados nos meus joelhos. Ás 6 horas
senti uma calma indefinível, e conheci que alguma
cousa de grande, de extraordinario, de divino,
palpitava dentro de meu ser.
Um cantico de acção de graças subiu de meu
242 AS 1IARAVILHAS DE LOURDES

coração a meus labios, e exclamei: esta~~ curada!


A senhorita Lévêque. numa sala do Bureau 111é-
dica!, tirou o chapéo, e mostrou-me na sua fronte
·uma larga cicatriz, dizendo-me ao mesmo tempo :
« Oh, como estimo ter esse signal da graça de
Maria! Eu ficaria triste, se essa cicatriz desappa-
recesse. »
Sua saude é perfeita.
Foi, acaso, a influencia magnetica da multidão,
le souffle des foules, que curou essa doente, num
quarto silencioso de um Hotel?!...
Attribuindo-se, como muitos o pretendem, as
maravilhas de Lourdes a uma força natural, ainda
não definida, faz-se mister admittir a existencia
de uma energia especial e poderosa, que age, não
somente no ambito da celebre cidadesinha dos
Pyreneus, mas longe ainda, e que opera, não por
arte medica, mas por um capricho da natureza, em
opposição a todas as leis da naturaes. Essa hypo-
these é tão absurda, que nem se discute. Ê mais
natural, porconseguinte, reconhecer uma energia
sobrenatural. Ha quem negue o sobrenatural em
nome da Sciencia; é, comtudo, mais scientifico
não dissertar sobre essa energia occulta, que é um
supposto aereo, definindo, portanto, que a Scien-
cia, reconhecendo claramente o limite das energias
naturaes, reconhece, ipso facto, uma energia
sobrenatural.
Lourdes, máo grado todos os combates, é um
AS MARAVILHAS DE LOURDES 243

testemunho do valor de nossa fé, que triumpha!


Lá se realisam cada anno centenas de conversões.
Não é sem grande commoção que amiudo me
recordo de Gertrudes Kastner (1). Esta distineta
senhora allemã, casada com um illustre francez,
professor em Berlim, tinha recebido uma educa-
ção protestante, contraria aos ensinamentos da
Igreja Catholica. Viera a Lourdes como uma
touriste, curiosa de ver de perto um « espectaculo
que ella em Berlim, d'.onde era filha, tinha, con- .
forme suas expressões, 11ehementemente criticado >>.
Indo assistir ás ceremonias da Procissão do Santís-
simo Sacramento na Esplanada, quiz a Providen-
cia que ella ficasse ao lado de uma doente de Bor-
deaux, - J oanna Guiraud. Approximando-se o
sacerdote com Jesus Sacramentado, a protestante
allemã inclinou a fronte com respeito. E emquanto
o padre traçava lentamente uma cruz com a Cus-
todia, J oanna Guiraud, como se houvesse desper-
tado de um pesado somno, apoia as duas mãos
nas beiras de sua alva cama ambulante, altêa o
peito, senta-se, levanta-se, e, com os olhos bem
abertos, onde fulgurava um luz extranha, con-
templa transfigurada, a multidão immensa, como
se visse um mundo novo, e depois, muito inten-
samente, a Hostia Santa, que estava nas mãos

(1) Vid. La Croix de Lourdes, 3 de Setembro de 1911; Anna!es


de N otre-Da me de Lourdes, 1911.
2:44 AS :O.IARAVILHAS DE LOURDES

tremulas do sacerdote, e exclama : Magnificat


anima mea Dom in um I
Dizja-me a sra. Gertrudes, debaixo das arvores
mais proximas da Basilica do Rosario, numa tarde
primorosa de estio : « Quando vi essa doente er-
guer-se como uma resuscitada, insensivelmente
caí de joelhos, chorando. Qlliz falar não pudei
quiz orar á Virgem dos catholicos, não sabia.
Meu marido, comprehendendo o que se passava,
segurou-me, e afastou-me do meio do povo.
Ambos choravamos. Perguntou-me o que eu que-
ria, e foi minha primeira resposta : quero ser catho-
lica, quero um padre ... » Na manhã seguinte, 1° de
Setembro de 1911, Gertrudes Kastner, na edade
de 27 annos, abjurou solemnemente o protestan-
tismo deante do Exmo. Sr. D. Schrepfer, Bispo de
Tarbes, que lhe administrou o Baptismo, a Confir-
mação, e lhe deu a Primeira Communhão.
Adolpho Retté, o grande literato francez, o
intemerato convertido, assim conclue Les M iracles
de Lourdes, manifestando que Lourdes é a terra
salvadora da Fé da França :
<< Sim. é verdade! Nas horas de tristeza e de

abatimento, basta meditarmos nas obras de Lour-


des para reconhecer que Deus ama sempre os
francezes. Elle lhes concedeu o privilegio adoravel
de ser no seu territorio onde a Virgem multiplica
indizíveis prodígios.
Lá, numa pequena gruta da montanha, a Vir-
AS ~IARA.VILHAS DE LOURDES 245

gem constituiu sua morada. Lá, os cirios ardem


dia e noite. Lá, as orações perpetuamente brotam
das almas. Lá, existe o centro da Graça que protege
todo nosso paiz.
Digamos, portanto, com o coração cheio de
esperança : é debalde que a impiedade, como
um furacão, acommette contra nossa terra; é
.em vão que as trevas se accumulam sobre nossas
cabeças.
Nossa Senhora de Lourdes vela por nós l
Ella é a estrella da Manhã, cujo brilho não cessa
de scintillar através das nuvens que nos opprimem.
É a guarda de nossa cara França, e contra Ella
não prevalecerão as artimanhas do inferno. n

« Lourdes - diz Pio X - é uma lição para a


:humanidade de hoje. É um estimulo de Fé não
.somente para a França, mas para o mundo in-
teiro. n
**'l'
Dedicado amigo enviou-me, pelo correio, o vo-
~ume XCII da Re11ue de Paris, onde o Dr. A. Gril-
1iere, num extenso artigo (1) de 25 paginas, estuda

(1) Vid. La R e~ue, antiga Re~·ue des R e~ ues; volume XCII,


!Pag. 36 (Lourdes, Constatations des Miracles); Setembro 1911.
246 AS i\1.\.RAVILIIAS DE LOt:RDES

e critica a questão de Lourdes. Para definir o


milagre, recorre á autoridade de Santo Thomaz
de Aquino : « O caracter essencial do milagre pro-
priamente dito é o de ultrapassar a ordem e as
forças da natureza creada, assim visível como
invisível, sendo attribuido, portanto, só a Deus. O
fim primeiro e geral de todo o milagres é a gloria
de Deus. >> Conclue, e com razão : « para affirmar,
pois, a derogação de uma lei natural, é necessario
que essa lei seja indiscutível. Mas, se o exame do
milagre é ás vezes bem difficil, nem sempre o é,
e nem sempre efferece essa impossibilidade ou
« quasi impossibilidade apregoada pelo illustre
medico, quando, por exemplo, se trata da deroga-
ção completa de uma lei conhecida, inatacavel,
evidente.
Como se deduz do artigo, a mim parece-me que
o Dr. Grilliere tem por these, como sua convic-
ção intima, que na natureza não ha lei plenamente
conhecida e indiscutível. É uma pretenção anti-
philosophica e antiscientifica.
Pretendendo confutar uma supposta opinião
do Dr. Bertrin, concernente á força occulta,
divaga inutilmente, e foge á questão, ao amago do
assumpto. O que Bertrin e a philosophia catholica
admittem é o seguinte : As leis da natureza, des-
conhecidas, embora, absolute, não o são relative,
relate ad aliquas. Isto é, posto que ignoremos a
energia da natureza em seu todo, posto que igno-
AS MARAVILHAS DE LOt:RDES 247

remos a força de todas as leis da natureza, isso,


comtudo, não nos impede de conhecer e definir
que tal ou tal lei é conhecidissima, e, portanto,
incontestada.
Nosso antagonista, como medico, não se fia
nos princípios de sua medecina. Dizendo que << os
milagres modernos são caracterisados nas curas ))'
decreta : « a medecina não é uma sciencia; o mara-
vilhoso deve aproveitar, de certo, de nossa igno-
rancia e de sua incerteza (1) >l.
Bravo, doutor !
Querendo impugnar a doutrina dos que não
admittem naturalmente a momentanea reconsti-
tuição de tecidos, defende-se, apoiado nas expe-
riencias dos Srs. A. Carrel e Montrose T. Barrows,
do Instituto Rockefeller, « que cultivam tecidos
viventes, f óra do organismo, no plasma sanguíneo,
tentando descobrir as leis da cicatrisação )). Mas
as conclusões dos experimentadores não favorecem
o Dr. Grilliere. « Hoje, dizem elles, essas leis são
completamente ·ignoradas; o conhecimento d'ellas
poderá permittir, por exemplo, a cura de uma
chaga cutanea em algunas horas, e a de uma frac-
tura em poucos dias (2). >>

(1) • Les miracles modernes sont principalement des guéri-


sons. Ne nous en étonnons pas; la médecine n'est pas une science;
le merveilleux doi t profiter de notre ignorance et de son incer-
titude. » Pages 57 e 58 da citada R evue.
(2) Vid. la Presse Médicale; n° 22; 18 de i\Iarço 1911.
248 AS )IARAVILHAS DE LOURDES

E é assim que o Dr. Grilliére, sob a egide de


uma mera probabilidade, que, aliás, não o apa-
·drinha, quer, destruir um systema conhecido e
definido l Sejamos generosos para com o Dr. Gril-
liére; admittamos que os Srs. A. Carrel e M. Bar-
rows tenham dado com o descobrimento das noCJas
leis da cicatrisação, e que em algumas horas se
possa curar uma haga cutanea, e em alguns dias
uma fractura. Entretanto, ainda d'esta forma não
fica provada a cicatrisação instantanea natural,
nem as investigações dos distinctos ·doutores lhe
dispensam manto protector.
E: preciso notar que as leis da cicatrisação não
habitam um mundo incognito : omnis ccllula a
cellula ... E: possivel e muito provavel que os esfor-
ços da medicina consigam accelerar o processo da
{;icatrisação; desejar e tentar uma cicatrisação
instantanea, dentro dos limites naturaes, é um
-sonho irrealisavel.
O que é mais grave é que o Dr. Grilliére clama
que falta provar uma cura instantanea mediante
a intervenção de Lourdes. Para quem conhece a
historia de Lourdes, é um erro ou um crime de lesa-
sinceridade. O infatigavel escriptor, que, de vôo,
tocou no nome de Pedro de Rudder, desconhece,
acaso, a cura instantanea de uma graCJe fractura? ! ...
Porque não estudou e discutiu o restabelecimento
de Rudder?!...
A attitude do Dr. A. Grilliére é curiosa, mesmo
AS MARAVILHAS DE LOURDES 249

leviana. Definindo o milagre com os conceitos de


Thomaz de Aquino, manifesta-se não contrario á
possibilidade do milagre. Querendo demonstrar
que « o estudo, até hoje não feito, das curas de
Lourdes é interessante (1) n, aconselhando a orga-
nisação de um novo Bureau des Constatations
-com todos os apparelhos modernos, conclue :
<< Com estes meios poder-se-ão obter conclusões

certas. Se ficar provado que as curas são naturaes,


a medecina deverá estudai-as para proveito de
sua arte; se, ao contrario, não são explicaveis
senão pelo milagre, será meu dever inclinar-me, o
que cumprivei com prazer, porque procuro a ver-
dade (2). >>
Mas, se o Dr. confessa que a questão de Lourdes
ainda não foi seriamente estudada, se vacilla entre
o natural e sobrenatural de Lourdes, porque, tão
cedo e em contradicção palmar comsigo mesmo,
sem meditar nos criterios que distinguem o pseu-
domilagre do milagre verdadeiro, declara que os
milagres de Lourdes são uma falsa repetição dos
falsos milagres da antiguidade idolatra e supersti-
ciosa, segundo nos relata a historia (3)? ...

(1) " L'étude des guérisons de Lourdes e~t intéressante, et


illle est encore à faire »; pag. 3'1 da R evue.
(2) « Si les guérisons son t naturelles, c~ se ra à la m~decine ri e
l~s étudier et d'e n Caíre son proft t.
• R'il est prouvé, au contraíre, qu'elles ne sont exp!icables que
par !e miracle, i! ne restera plus qu'à s'incliner et je ~erai heureux
df' le Caíre, car je cherche la vérité. • Pag. tiO.
(3) " La force qui agit à Lourdes ne nous est inconnue que
250 AS MARAVILHAS DE LOURDES

Para clareza de argumentação, formou o


seguinte dilemma : Ou as curas de Lourdes são
naturaes, ou são sobrenaturaes. Si são naturaes,
não podem ser produzidas senão por estas tres
causas : a natureza da agua da gruta, a suggestão,
uma força occulta. Ora, prosegue, admitto que a
causa das curas não seja a natureza da agua da
gruta, e tambem que a suggestão presentemente
não explica todas as curas de que tratamos.
Bem. E se o Dr. Grilliere pára deante do terceiro
elemento - a força occulta, que, no caso de
Lourdes, poderá ser natural ou sobrenatural, se
affirma que no momento actual é impossível ter-
se uma conclusão decisiva sobre Lourdes; se diz
que por ora nada se pode negar ou dar por certo
com fixidade, porque então, esbarrocando-se, de
golpe e categoricamente se abalançou a procla-
mar, impavido, que a força que age em Lourdes
é a mesma que, agindo em Athenas, etc., pro-
duziu milagres não de origem divina?!. ..
Como ficou exposto, não gosa de procedencia
o largo artigo do Dr. A. Grilliere, publicado na
ReíJue de Paris.

***
dans son c~sence; mais ses manifestations nc ~ont pas nouvelles!
C'est elle qui agissait à Épidaurc et à Athênes; c'est elle qui gué-
rissait au cimetiêre Saint-Médard. On ne nous dira pas qu'ell~ y
h1t d'origine divioo. • Pag. 59.

I
AS MARAVILHAS DE LOURDES 251

Abordamo-nos de um assumpto delicado e pe-


noso. Não o deixo de lado, porque quero que o
leitor, na analyse de meu livro, veja que observei
fielmente o programma que me tracei: com inteira
independencia e sinceridade dar um idéa da histo-
ria de Lourdes.
Nossos adversarios, salteados do vivo desejo
de combater o sobrenatural de Lourdes, abroque-
lam-se com certas curas, declaradas miraculosas
por ligeireza e incompetencia de exame.
Uma tarde invernosa de Janeiro de 1912, á
Avenida Breteuil de Paris, dizia-me um illustre
medico, hoje autor de uma importante obra sobre
Lourdes:« Comecei a escrever sobre este assumpto
combatendo o aspecto sobrenatural. O Vigario F ...
festejara ruidosamente o pretendido restabele-
cimento de uma sua parochiana. Conhecia eu o
caso, e, certo da perseverança da enfermidade,
publiquei um artigo de forte critica. Respon-
deram-me; precisei então de estudar a questão
de Lourdes, o que fazendo sem parcialidade, pude
descobrir que havia casos de cura scientificamente
inexplicaveis, e comprehendi que ab illo nada se
deduzia sobre os outros. Era preciso, portanto,
separar do joio o bom trigo. Entreguei-me á obra,
e, mudando da opinião primitiva, com o ardor
que o Sr. conhece defendo agora o sobrenatural
que outr' ora ataquei. >>
Como este facto, ha outros. O que nos penalisa
252 AS MARAVILHAS DE LOURDES

é que nem todos atacam Lourdes com sinceridade,


e muitos, desprezando ou evitando armas bem
temperadas, persistem em querer ferir-nos apaixo-
nadamente com outras que lhe foram dadas em
momentos de uma emoção ardente e perigosa.
Respeito disto as autoridades competentes têm,
graças a Deus, tomado serias providencias. Sem
embargo, alguma cousa resta a desejar. Tive occa-
sião de ver um ou outro movimento na Gruta ou
na Basilica, declarando-se algum doente estar
curado de seus males. Ia ao Bureau des Constata-
tions. Logo se approximava, entre outros, um
reporter de um diario catholico, e, sem esperar um
definitivo exame medico, tomava notas; depois
de duas horas apparecia o jornal, trazendo sobre
o caso, longo artigo cheio de lyrismo e de harmo-
nias romanticas, intitulado : MILAGRE ! MILA-
GRE! MILAGRE! A multidão comprava o jor-
nal, e logo a noticia do tal milagre passava de
bocca em bocca. Esse modo de attrair populari-
dade, ou esse instincto de lucro, que tanto se tem
refinado no seio de Lourdes, ha prejudicado a
causa da Virgem da Gruta, que, sagrada, deveria
permanecer fóra de toda especulação leviana e,
sem duvida, prejudicial.
O orgão official J ournal de la Grotte, os Annales
de Notre-Dame de Lourdes, os juizos do Bureau des
Constatations, as decisões ecclesiasticas, formam a
fonte de conhecimento ácerca de Lourdes, e é um
AS MARAVILHAS DE LOURDES 253

meio para que um espírito consciencioso possa estu-


dar os factos e comparai-os entre si com muito
fructo. Mal se estriba quem de um facto lido neste
ou naquelle jornal, dito por esta ou aquella pessoa,
quer conhecer e combater as maravilhas de Lour-
des, e age contrariamente a todo principio de sabe-
doria, querendo d'esse facto singular, não bem
interpretado, tirar uma conclusão geral. Não é
impossível encontrar erro e engano, inevitaveis em
obra humana, em alguma narração official; mas.
isso não compromette a verdade de Lourdes, por-
que as provas abundam com uma clareza irrefra-
gavel. Ha curas longe de toda a duvida, como a de
Pedro Rudder, Gordet, Gargam, Bailly, etc., etc ...
A prudencia e severidade do Bureau des Consta-
tations são notaveis. Muitas vezes vi o Dr. Boissarie
reprehender, com a delicadeza que lhe é habitual,
representantes da imprensa que tomavam notas
sobre falsas curas, ou sobre curas explicaveis pela
sciencia. Numa Peregrinação da Hespanha, vi
uma mulher ser transportada ao Bureau; levan-
tando-se de seu palanquim contou a transforma-
ção .que sentira. Lido o attestado de seu medico,
soube-se que essa pobre mulher vivia na cama ha
muitos annos, alimentando-se somente de substan-
cias liquidas. O Dr. Boissarie declarou que não
seria registrado o caso, porquanto se tratava de
uma molestia, que, sendo grave, era, todavia, de
caracter nervoso. Observando como estranhei essa
254 AS ~IARAVILHAS DE LOURDES

deliberação, disse-me minutos depois o illustre


Presidente do Bureau: «Não se admire, meu caro.
Como catholico, não nego que a cura seja miracu-
losa; mas, como medico, é força não sair do campo
da medecina, e assim sou obrigado a attestar que
ella é explicavel pela sciencia. Não quero que nossos
adversarios se aproveitem d'essa cura, e de outras
semelhantes, para nos combater. »
B o procedimento continuo dos medicas de .
Lourdes.
« Verdadeiramente se pode assegurar, diz
J. K. Huysmans (1) em seu precioso liCJro - Les

(1) Vid. pag. 87, 88; edição XXIX.


HuYSMANs, dando·nos uma idéa dos medicos de Lourdes,
do rigor do Dr. Boissarie, " juiz instruido, mas inflexível •,
segundo suas expressões, refere a pura verdade sobre o Bureau
e a imprensa. Les foules de Lourde.• do illustre escriptor é um
livro de merito; tem sido bastante atacado, mas sem ser com -
prehendido. A graça de Deus, regenerando uma alma, sobre-
naturalisa-a na sua vida, nos se us actos, no ideal e no nm a
que tende; não altera, com tudo, seus caracteres pessoaes. Con-
vertido, Huysmans continua a ser o mesmo Huysmans na sua
forma !iteraria. Mestre do realismo, sempre escreveu no estylo
que lhe era original e proprio. Na !iça penosa sempre terceu
pela verdade e pelo bem.
De suas paginas resalt am, luminosos, os caminhos que elle
trilha e onde guia os outros, como disse o sr. Suau (Etudes;
Paris, 20 de Dezembro de 1906), um, entre poucos, que compe-
tentemente analysou a vida !iteraria e reJigiosa de Huysmans.
Muitos, lendo En Route, Les foules de Lourdes, cluvidaram
da sinceridade de sua conversão. Elle mesmo confuta essa
s upposição. Numa carta, escripta em Paris, e datada de 25 de Fe-
vereiro de 1895, dizia elle a um particular amigo : « Lendo o
livro que lhe envio, lembre-se de que o escrevi para os catholicos,
e sobretudo para o mundo intellectual de Paris (Huysmans
i ntime, por D.-A. nu BooRG, Lettres et Souçenirs, Paris, 1908.) E
noutra carta de 3 de Abril de mesmo anno : • As observações que
V. me fez após a leitura d'En Route são justas, sob o ponto de
AS l\IARAVILHAS DE LOURDES 255

fo[Lles de Lourdes, que o Bureau des Constatations


não favorece o milagre, porque toda affecção que
pode ter proveniencia do systema nervoso é, sem
demora, supprimida de toda consideração e do
livro do Registro. No tocante ás outras curas,
jamais se pronuncia definitivamente senão depois
de alguns annos, tomando assim tempo para fazer
um exame Tigoroso e ver se o restabelecimento
persiste.
Por infelicidade a imprensa desconsidera essas
regras de prudencia, fala sem reflexão de curas
sobrenaturaes, dando, assim, razão á critica,

vista que vossê considera meu livro. Considere o publico não


catholico a quem especialmente me dirijo, e julgue-me. Que é o
catholico? Um homem fortalecido, ou já curado. Os outros são
doentes; é preciso tratai-os. Daria vossê a todos o mesmo reme-
dio? Não, de certo. Admitte, portanto, que os muito doentes,
como aquel!es de quem me occupo -bem memorosos - , devem
ser curados com remedios brandos, porque não podem supportar
os fortes. » Pag. 25 do livro ult. citado). Este amigo, que tambem
não acreditara na real conversão de Huysmans, fez mais tarde
brilhantes panegyricos da fé sincera, ardente e profunda, do
autor immortal do Oblat, da Cat/Lédrale, de Sainte Lidwine,
Foules de Lourdes, seu ultimo livro admiravel, que é um fer-
voroso canto de amor em honra da Virgem Immacudada.
Mas, nem tudo são flore s. Os escriptos de Huysmans, consul-
tando nosso gosto, não são nem ap reciaveis nem perfeitos todos.
Ao lado de paginas sublimes, como iguaes ninguem escreveu,
h:.t paginas frivolas, ridicul as, de nma banalidade extrema. E
do meio d 'essa~ paginas, que ora provocam riso, ora repugnancia,
o leitor vê ao longe o Ideal que o autor visa, e que, para não ser
maculado, paira bem distante da poeira da terra. Alma de artista,
amante fervoroso da esthetica, tem um titulo que o ennobre e
glori fica - a sinceridade. Escreve o que sente, sem a menor
divagação, sem o minimo palliativo. A verdade, como elle a
concebe, é nua e cruel na sua penna. Eis ahi porque aos Lour-
denses não é cara sua memoria. Entretanto, se a critica foi forte,
nem sempre foi injusta ...
18
256 AS MARAVILHAS DE LOURDES

obrigada a se basear em notas forçosamente


inexactas. Se merecessem credito os correspon-
dentes dos jornaes catholicos vindos para assistir
ás Peregrinações, os milagres pullulam, como se
fossem vistos em todos os momentos e em todos
os cantos de Lourdes. »
Lourdes merece o estudo dos homeus serios.
« O facto existe », como diziam Bernheim, Carlos
Richet. O primeiro, em seu Traité de la suggestion
appliquée à la thérapeutique, reconhece que no
exame das curas de Lourdes, meticulosamente
feito por homens competentes e honorabilissimos,
ha o maior rigor da mais ampla sinceridade.
Dubois di Berna, grande na cultura da Psycho-
terapia, talvez de nomeada superior a Bernheim,
attesta: « Os factos que se multiplicam em Lourdes
são incontestaveis, e por isso mesmo authenticos.
Lá estive, e em vez de encontrar une mise en scene,
como eu esperava, fui obrigado a convencer-me
da materialidade do facto, e hoje só me cumpre
estudar e discutir sua interpretação. >>
O New York Médical diz que é muito vulgar o
riso sceptico sobre os acontecimentos de Lourdes,
notando que essa maneira de duvidar é mais facil
que explicai-os scientificamente.
A maior parte das objecções contra Lourdes
nasce da ignorancia, que, sem observação e crite-
rio, julga ser tarefa facillima destruir uma obra
actualmente reconhecida por homens de verdadeira
nota e de absoluta imparcialidade.
XIV

IMPRESSÕES DE UM PEREGRINO

CONCLUSÃO

Julho de 1911.

Cheguei a Lourdes nos preludies de um verão


ardente e causticante. Longe, para os lados de
Gavarnie, brilhavam os altos cumes das monta-
nhas, eternamente embranquecidas pela neve.
Deixando a praça da Estação, atravessando a
APenue de la Gare, e o BoulePard de la Grotte,
entre alas de objectos de piedilde expostos nas
vitrinas e nas portas dos armazens, deparei-me
com a ponte chamada Neuf. Abaixo, num leito
artificial de pedras, passava o Gave soluçante,
cujo curso fôra mudado, afim de ser construída
a Esplanada. Vae correndo lentamente, traçando .
aqui e acolá bellissimos meandros hydrographi-
cos. Pouco me demorei no meu Hotel, que, ma-
gnificamente situado, não estava distante da
Gruta, e celere corri ao Santuario. Entrei em cheio
258 AS :IIARAVILHAS DE LOURDES

na Esplanada, no meio da multidão. Havia uma


Peregrinação de Montpellier, e outra da Hes-
panha. O sol, descambando no poente, perdia o
ardor inclemente de seus raios.
A Basilica, em seu todo, sem ter os encantos
artísticos de Notre-Dame Paris ou da Cathedral de
'
Chartres, é, comtudo, de agradavel aspecto; de
um estylo gothico muito seductor, quasi transpa-
rente na delicadeza de suas linhas, semelha, á
distancia, uma branca pomba, descançando ás
encostas de um monte.
Rui direito á Gruta. Parei á frente das piscinas,
onde um padre tirava um terço, emquanto doentes
se banhavam. Ao mesmo tempo se organisava a
Procissão do Santíssimo Sacramento.
Uma linda oustodia, num reverberar ofTuscantc,
rebrilhando sempre, estava no altar da Gruta,
guardando o Corpo de Jesus.
Da Gruta e das piscinas, assim como dos
Hospitaes, eram conduzidos doentes de todas as
especies para a frente do Rosario, á Esplanada,
onde, dispostos em ordem, iam esperar a visita
augusta do Redemptor. A impressão do viajante,
ao ver-se no meio d'esse museu de horrores ou
d'essa exposição de enfermidades, é grandiosa e
triste, mixto .de conforto e commiseração. ~grato
notar essa conformação resignada e absoluta com
o soffrimento, mas o « soffrimento é sempre o
soffrimento >> •••
AS MARAV!LHAS DE LOURDES 259

Aqui, aleijados ·se arrastam com tregeitos que


fazem dó; alli, homens combalidos por todas as
molestias procuram apoio num hombro amigo. A
cabeça de um moço, perturbado pela paralysia
agitante, movimenta-se num vae e vem continuo,
como se fosse um pendulo· vertiginoso. E este
pobre que passa, com seu pé monstruoso e infor-
me, aberto em chagas, transmudado numa grande
esponja rubra? !. ..
Brancardiers puxam carretas, transportando pa-
ralyticos de labios abertos e lingua de fóra; hydro-
picos caminham pausadamente, olhando o céo,
como se elles mesmos se horrorisassem do proprio
ventre tumido e inflado. Tisicos, de olhos ardentes
c envernisados, vagam por toda a parte. São ver-
dadeiras imagens da Dor Humana!
O serviço dos brancardiers- servos voluntarios
dos enfermos, dá ao mundo uma lição soberana e
sagrada da caridade christã. A real solidariedade,
termo hoje muito em voga na philosophia athéa,
realisa-se em Lourdes, terra da piedade e da
crença, onde existe a maior união dos espíritos na
mesma Verdade, a mais intima união das vontades
na mesma Moral, a mais profeita união dos-cora-
ções no mesmo Amor.
Respira-se iodoformio, um ar de pus, de feridas
e de chagas. O Peregrino, retendo a respiração,
depois se vê obrigado a hauri(a largos sorvos a
athmosphera pestilenta, saturada dos germens dt>
260 AS )fARAVILHAS DE LOURDES

todas as miserias. Marginando o Gave para não


atravessar a fila da procissão, encontrando um ou
outro pedaço de algodão impregnado de sanie
e sangue, acerquei-me bem da Gruta pelo lado
esquerdo. A Gruta, de forma irregular, alta á
esquerda e baixa á direita, está cheia de objectos
que significam promessas, graças recebidas; innu-
meras moletas quasi carbonisadas dependuram-se
nos contornos da roca, e, oscillando, dansam á
menor lufada ou agitação do vento.
Ha um altar, em que Cardeaes, Bispos, Mon-
senhores, Conegos ou sacerdotes que apresentem
credenciaes de altas representações ou pergaminhos ·
de titulos extraordinarios celebram o Sacrificio da
Missa. É mais facil dizer uma Missa no tumulo de
São Pedro em Roma, que no Altar da Gruta em
Lourdes.
Numa placa de esmalte roga-se silencio, que
é observado com todo rigor; ouvem-se amiudo os
estalidos dos cirios, e os movimentos alegres da
passarada que descanta pelas frondes dos· alamos
circumjacentes. Ao lado da fonte está uma pequena
sacristia, e mais além um deposito de velas e
cousas de piedade.
Isso de vender velas e trocar terços ou medalhas
no mesmo Santuario, bem pertinho da Gruta sa-
grada, escandalisa o espirito simples do Peregrino
escrupuloso. Os máos, como Zola, nada mais vêm
do que « um ganho ou uma exploração simoniaca ... »
AS ::'II ARAVIL HAS DE LOURDES 261

No postigo natural em que a Bem dita Senhora


appareceu a Bernadette está a estatua da Virgem
feita por Fabisch; é uma obra defeituosa. Berna-
dette tinha razão quando disse ao celebre esculp-
tor que sua obra tanto se distanciava da Virgem
como o finito do infinito. Á esquerda da estatua
acha-se um pulpito, onde a eloquencia fervorosa
fala ás multidões sobre o poder e a gloria da Mãe
de Deus. f: nesse pulpito que, no tempo das Pere-
grinações, um sacerdote tira o terço da tarde.
A t emperatura da Gruta é sempre calida, máo
grado as virações suaves que sempre sulcam os
ares : milhares e milhares de velas ardem sem ces-
sar, dia e noite. Verdadeiramente, o espectaculo
d' estes milhares de cirios em ignição é admiravell
Á esquerda do altar - lado da E pistola- ha um~
superposição de muitas corôas de cobre, grandes
na base, e, diminuindo depois aos poucos de diame-
tro, tornam-se pequenas na parte alta; á face supe-
rior estão cheias de pontas, que se destinam a
sustentar os círios. Estes cirios se envergam,
inclinando-se para diversos lados, sob a acção do
calor. Aproveitando a idéa rustica de um patrício,
mas expressiva, direi que esse grupo de velas muito
bem imita um pé viçoso dos nossos gravatás do
Norte, com folhas brancas e lisas, e pontas de
fogo. Em vez do fructo, destaca-se a mais elevada
e maior chamma da grande vela central.
No fundo da Gruta, seguindo a superficie da
262 AS MARAVILHAS DE LOURDES

pedra, estendem-se tres linhas de ferro negro,


cheias de círios, que choram, uns espaçadamente,
outros precipitadamente, lagrimas brancas e ama-
relias.
Neste ou naquelle ponto es.t rallejam cirios de
cinooenta e cem francos, que duram semanas. E
no meio d'essa efflorescencia de fogo, um homem
de avental azul ora recebe cirios dos Peregrinos,
ora cuida dos accêsos. Morre um, nasce outro;
a flamma nunca se extingue, é perpetua.
No lugar da barreira de outr'ora está hoje uma
grade de ferro; em horas determinadas os visi-
tantes entram pela porta do lado esquerdo -
entrée- beijam a pedra que forma um pedestal á
estatua, e saem pela direita - sortie -. Entre a
Gruta e as Piscinas estão douze torneiras, d' onde
corre a agua santa. Tive paciencia para esperar a
opportunidade de abeirar-me de uma d'ellas, e
beber um copo d' agua.
Vi muitos que bebiam dous, tres e mais ainda ;
outros, bebendo apenas metade, com o resto
banhavam o rosto, as orelhas, os olhos. Mulheres,
prendendo os vestidos entre os joelhos, para não
se molharem, enchiam garrafas e mais garrafas.
Havia mais de uma hora que os directores da
Procissão estavam organisando-a. Terminaram,
por fim. Subi a rampa esquerda da Basilica, que-
dando-me defronte da Crypta. Era um sitio pre-
cioso. Adeante, innumeras senhoritas, precedidas.
AS MARAVILHAS DE LOURDES 263

por bellos estandartes, vinham chegando, entoando


hymnos a Maria. No mesmo tempo, os padres que
vinham atraz, dous a dous, trazendo velas nas
mãos, cantavam e Adoremus. E o cortejo desfilava,
bello e interminavel... Eis que entra o Bispo, sob
tl pallio, trazendo o Sacramento, no circulo dos
doentes, abraçados pelas duas e immensas rampas
do Santuario. Uma convulsão extraordinaria se
propaga em todas as almas. O Bispo começa a
abençoar enfermo por enfermo, com Jesus Sacra-
mentado. :É uma ceremonia fundamente tocante.
Ainda me parece ver aquella mulher lacrimosa,
abrindo os braços, e, como se a sós falasse com o
divino Mestre, qual viuva de Naim, exclamando :
« Senhor, Vós que sois o Deus de Misericordia,
Vós que sois o Todo Poderoso, lançae um Vosso
olhar sobre minha filhinha, e ella será curada I. .. »
E mostrava uma criança immovel num berço, da
côr da cêra que arde em torno dos catafalcos ou
das sepulturas ... Nunca vi fé tão ardente, crença
tão confiante !
E emquanto o Bispo ia circulando, um padre,
escolhido entre seus collegas de vozes mais retum-
bantes, estacionado no centro, fazia, na plenitude
do ar livre, as seguintes invocações, fortemente
repetidas pelos fieis :

Senhor, nós Vos adoramos I


Senhor, nós nGs confiamos em Vós!
Senhor, nós Vos amamos!
264 AS ~IARAVILHAS DE LOURDES

Salvação dos enfermos, rogae por n ós !


Mãe do Salvador, rogae por nós!
Mãe Puríssim a, rogae por nós!
Nossa Senhora de Lourdes, rogae por nós I
Adoremus in ;eternum, etc. Todos, em côro .

Bemdito seja Aquelle que vem en nome do Senhor!


Vós sois o Christo, Filho de Deus Vivo I
Vós sois meu Senhor e meu Deus !
Hosanna! Hosanna ao Filho de David I
Mãe de Jesus, roga e por nós !
Mãe do Autor da Graça, rogae por n ós !
Consoladora dos Afflictos, roga e por nós!
M~onstra te esse Matrem, etc. Todos, em côro.

Senhor, nós cremos, mas augmentae nossa Fé I


Vós sois a Resurreição e a Vida I
Salvae-nos, J esus, nós perecemos!
Jesu s, Filho de Maria, tende piedade do nós 1
Virgem, poderosa ao lado de Deus, rogae por nós I
Virgem, cheia de bondade, rogae por nós I
Porta do Céo , rogae por nós 1
Parce, Domine, etc. Todos, em côro.

Meu Deus, vinde a nosso auxilio, vinde a nosso soccorro I


Senhor, se vós quereis, Vós me podeis curar 1
Jesus, que tanto nos amastes, tende piedade de nós 1
Jesus, todo humildade e doçura de coração, tende
(piedade de nós I
Jesus, nosso refugio, tende piedade de nós 1
Mãe do Salvador, rogae por nós I
Saude dos enfermos, rogae por pós I
Monstra te esse Matrem, etc. Todos, em côro.

Jesus, Filho de David, tende piedade de nós 1


Jesus, Pae dos pobres, tende piedade de nós 1
Jesus, Consolador dos Afflictos, tende piedade de nós I
AS )IARAVILIIAS DE LOURDES 265

Jesus, nosso Refugio, tende piedade de nós!


Santa Maria, Mãe de Deus, rogae por nós I
Refugio dos peccadores, rogae por nós!
Soccorro dos christãos, rogae por nós I
Parce, Domine, etc. Todos, em côro.

Senhor, aquelle que amais está enfermo !


Senhor, fazei que eu veja!
Senhor, fazei que eu ouça I
Senhor, fazei que eu caminhe I
Senhor, dizei uma só palavra e serei curado !
Rainha do Santíssimo Rosario, rogae por nós!
Bemdita seja a Santa e lmmaculada Conceição ! ! !
Adoremus in reternum, etc. Em cõro.

Terminada a Procissão com o Tantum Ergo e


a Benção, dada á porta da Igreja, entrei na Crypta.
Era quasi noite. Animavam-se os ares numa
singular palpitação de azas, ruflando; eram as
andorinhas que, num chilrear febril e estridulo,
festejavam doidamente a hora do crepusculo.
Baixa, com todo o tecto salpicado de luzes mul-
ticolores, sem o desapparecimento, entretanto, da
religiosa penumbra, a Crypta impressiona doce-
mente. Num silencio profundo, só se fala com os
Ministros de Deus - emissarios do conforto e do
perdão, no Tribunal da Penitencia. f: o lugar onde
confessam os Padres da Gruta. Dia e noite ouvem
soluços de almas que choram, e que lhes mostram
as chagas de suas consciencias. O mais abundante
e maior milagre de Lourdes é a regeneração ou a
salvação do homem.
266 AS MAUAVILHAS DE LOURDES

Saindo da Crypta fui ao Hotel, voltando duas


horas depois, para tomar parte na bem conhecida
e imponente Procissão aux flambeaux.
Avisinhando-me do Pont-Neuf, tive a idéa de
que a população de Lourdes ahi estava, atropel-
lando o viandante, e gritando-lhe com força aos
ouvidos : un cierge, Monsieur!
B um commercio suffocante! Dei graças a Deus
quando transpuz o portão da Esplanada, onde
não penetram esses vendilhões ambulantes de
velas. A Basilica, estrellando focos electricos de
todas as cores, desde a base até á extremidade da
frecha, destacaya-se risonha nas suas vestes de
luz. Fui á Gruta, d'onde, accesas as velas, pro-
manava a corrente da procissão. Subiu a rampa
esquerda do Santuario e desceu pela direita,
prolongou-se até ao portão principal, voltou,
sempre em zigs-zags e espiraes, pela fita marginal
do rio, concentrando-se toda, num movimento
ordenado e festivo, á frente do Rosario. Aqui já se
achavam agglomeradas centenas e centenas de
pessoas, e da Gruta se deslisava ainda, rolando
aos poucos, a immensa caudal de fogo. Quando, por
minha vez, cheguei com minha velinha ao terraço
qui se espraia ao lado da Crypta, volvi o olhar em
cheio para o longo da Esplanada, extremecendo
num fremito de enthusiasmo. O solo fertilmente
abrolhava numa espessa vegetação de cham-
mas, emquanto de varias partes se evoluíam
AS MARAVILHAS DE LOURDES 267

alegres canticos de amor á Virgem de Lourdes :


Açe, Açe, Açe Maria!
J~ um quadro empolgante !
E a enorme serpente de luz, encolhendo~se
aqui e estendendo-se acolá, veio finalmente se
encaracolar de todo entre os braços de Santuario.
Nesse momento todos os braços elevaram as velas,
e de todos os labios, de todos os corações, irrom-
peu, magestoso e solemnissimo, no idioma litur-
gico, o
Credo in unum Deum, Patrem Omnipotentem,
jactarem cceli et terrm, çisibilium omnium et inçisi-
bilium. Et in unum Dominum J esum Christum,
Filium Dei unigenitum. Et ex Patre natum ante
omnia smcula. Deum de Deo, Lumen de Lumine,
Deztm çerum de Deo çero. Genitum, non jactum,
consubstantialem Patri; per quem omnia jacta
sunt. Qui propter nos lwmines et propter nostram
salutem descendit de omlis. Et incarnatus est de
SpirituSancto ex Maria Virgine; ET HOMO FACTUS
EST. Crucifixus etiam pro nobis, sub Pontio Pilato,
passus et sepultus est. Et resurrexit tertia die,
secundum Scripturas. Et ascendit in ccelum; sedet
ad dexteram Patris. Et iterum çenturus est cum
gloria, judicare çiços et mortuos : cujus regni non
erit finis. Et in Spiritum sanctum, Dominum et
çiçificantem : qui ex Patre Filioque procedit. Qui
cum Patre et Filio simul adoratur et conglorificatur :
qui locutus est per Prophetas. Et unam, sanctam,
268 AS MARAVILHAS DE LOURDES

catholicam et apostolicam Ecclesiam. Confiteor


unum baptisma in remissionem peccatorum. Et
expecto resurrectionem mortuorum, et CJitam CJenturi
St:eCLlli. Amen. '
Esse soberbo canto de fé, numa lentidão tocante
e augusta, atravessava, abalando todas as almas,
o ambito das velas, e expandia-se nas trevas do
firmamento. Era a offerenda suprema que povos
de muitas nações, numa só lingua, enviavam da
terra ao Céo; era o perfume vocal do vigoroso
Symbolo dos Apostolos, que, como o incenso
sagrado das Igrejas, ia diffundir-se aos pés de
Maria Virgem, as lado do Throno do Altissimo.
E lá no alto, scintillando no Pie du J er -
Calvario transformado em Thabor, a grande Cruz
luminosa, elevada do meio da escuridão, parecia
presidir áquella scena e querer voar ao Paraiso,
dizendo : V inde todos a meus braços; eu sou o
Sacrificio, mas tambem SOll a Resurreição e a CJida I
Subi a cruel montanha que, de permeio, nos separa;
CJencei essa escuridão horrenda, e, transpondo
abysmos, CJinde gosar commigo da Eterna Luz, da
Luz da Immortalidadel Morrei para o mundo, e
CJiCJei para a Gloria I
Dispersou-se a Procissão. Alguns ficaram no
Rosario, onde havia adoração nocturna do SS. Sa-
cramento; os demais voltaram á cidade. Aqui se
ilhavam grupos de velas, ali vagueiam outros, e
mais além um só vae errando no seio da treva.
AS MARAVILHAS DE LOURDES 269

Passaram-se poucos minutos, e sem demora o


silencio da noite com todos os seus mysterios se
apossou de Lourdes.

***
Ao amanhecer do dia seguinte fui prestes á
Basilica de Nossa Senhora de Lourdes, que fica
sobre a do Rosario e a Crypta, para celebrar o
Sacrificio da Missa. Quiz uma muito feliz eventua-
lidade que me fosse destinado o altar-mor, sobre
o qual pendia do tecto o auriverde pavilhão de
meu Brasil, offerta imperial da Esposa de Pedro I I.
Terminada a Missa, e antes de minha saída, per-
corri toda a Igreja, estudando de passagem sua
graciosa conformação. O alto está bordado de
bandeiras de todos os paizes, trazidas por diver-
sas Peregrinações, attestando que a Virgem de
Lourdes é conhecida e amada no mundo inteiro .
Ao primeiro lance de vista, o todo é agradavel,
enganador até; mas, se a observação é demorada
e reflectida, apparecem logo innumeras desharmo-
nias de linhas que desagradam o gosto do artista
menos exigente. As paredes e os altares estão
cheios de tributos de gratidão á Virgem por graças
/
recebidas.
Concluindo essa minha primeira e rapida visita,
saí da Basilica justo ás 8 horas. A manhã era tão
amena, tão meiga e límpida, que tinha a doçura
270 AS MARAVILHAS DE LOURDES

de uma alvorada encantadora, alvorada de risonha


primavera. Elevava-se mansamente o sol entre
nuvens doiradas, e a benignidade de seus raios
brandos me tornava deslembrado da mais cruel
das estações. Virações tepidas, auras perfumadas
passavam ligeiras, como invisíveis e fugitivas
caricias. Uma sorte de alegria vegetal palpitava
em redor de mim; o balanceio dos arvores, os
ruídos esparsos da natureza chegavam a meus
ouvidos suaves e ternos, como o preludio de uma
symphonia celeste. Seria, certo, sob um céo
semelhante, que Platão contemplara a sublime
harmonia do universo... Essa manhã salpitara
toda a Esplanada com flores de finos matizes.
Defronte do Rosario, de um grande circulo de
rosas e lyrios, elevava-se a alva imagem da Virgem
de Lourdes, - Vierge Couronnée - que parecia
ser a Senhora ou a Rainha triumphante d' essa
festa matinal.
Ás 10 horas acompanhou-me ao Bureau des
Constatations o illustre e muito captivante Coronel
Marmet, que amavelm~mte se dignou apresentar-
me ao Doutor Boissarie e a seu ajudante - o
infatigavel Doutor Cox.
O Dr. Boissarie, com sua voz grave e olhar
vivíssimo, revela uma intelligencia não commum.
Sobrio nas suas palavras, claro e conciso nos seus
JWzes, é a grande autoridade medicai a que se
une a historia das curas de Lourdes. Devo-lhe
AS MARAVILHAS DE LOURDES 271

todas as facilidades que me eram necessarias para


examinar sem embaraços os factos de Lourdes, e é
sempre com a mais indefinida gratidão que me
recordo de sua estimada e prestimosa pessôa.
Passando das relações de bôa politica á intimi-
dade, veio a ser um meu eminente amigo, guiando-
me por toda a parte, admittindo-me no convívio
apreciavel de seu lar abençoado e querido, onde
conversavamos por horas saudosas e inesquecidas.
Com o maior respeito ouvi sempre suas sabias
lições, e com o animo todo penhorado recebi e
conservo suas provas inequívocas de honrosa
amisade.
Outr' ora as curas eram apenas certificadas por
medicas particulares . Para maior força de teste-
munho, foi então organisado em 1882 o serviço
ou clinica official do milagre, isto é, o Bureau
des Constatations. A creação d'este Bureau se deve
ao Barão de Saint-Maclou, medico de saber
conhecido, estrenuo paladino das glorias de Lour-
des. O exame é feito livremente, por qualquer
medico, nacional ou estrangeiro, que se apre-
sente no Bureau. Situado á margem do Gave,
sob alguns arcos da formosa e grande rampa es-
querda que começa na Esplanada e termina na
Crypta, o Bureau des Constatations compõe-se
de tres sallas : duas pequenas, das quaes a primeira
é reservada ao Dr. Boissarie, e a segunda ao exame
dos doentes e curados. Na outra salla, maior que
19
272 AS MARAVILHAS DE LOURDES

as demais, e muitíssimo pequena relativamente á


affluencia sempre crescente de dia a dia, reunem-se
medicas, jornalistas, e outras pessoas distinctas
que, vencendo difficuldades, lograram um accesso.
Ahi, são conduzidos os recem..,curados, que, após
uma rélação publica da enfermidade e restabele-
cimento, são submettidos a um rigoroso exame.
De quando em quando o Dr. Boissarie pede a
um medico presente ·faça uma exposição documen-
tada sobre alguma cura dos annos anteriores.
Dos quadros que ornam as paredes, dous ou
tres sobretudo nos attraem a attenção : os que
. estão cheios de photographias dos que foram
curados milagrosamente.
Sobre uma grande mesa se acha uma reproduc-
ção em bronze dos ossos da perna de Rudaer,
que foi curado, mediante a intervenção da Virgem
de Lourdes, de uma fractura complicada.
Ordinariamente o Dr. Boissarie, sentado na
cadeira presidencial, recebe os medicos e outros
visitantes, interroga -algum doente sobre sua
molestia ou cura, emquanto o sympathico Dr. Cox
redige actas.

***
Setembro de 1911.

Passavam-se os dias.
·Quasi sempre eu me achava no Bureau, -assi'S-

,
AS MARAVILHAS DE LOuRDES 273

tindo aos interrogatorios e exames, folheando o


Archivo. Ha muita cousa interessante, digna de
um estudo bem demorado. O Archivo do Bureau é
sufficientemente organisado, encontrando-se ·nelle
dados decisivos e clar0s sobre muitíssimas curas.
Entre os innumeros attestados scientificos,· o leitor
nota uma especie de quasi geral pavor dos medicos
quando · devem declarar a enfermidade de seus
clientes. tA.lguns ha ·que negam sem reservas o
certificado ao doente que pretende buscar sua ·c-ura
na Gruta de Lourdes. (])utros, o ·que é ·mais com-
-mun, dão o certificado, mas em palavras que nada
significam, em expressões balofas que, ás vezes,
enchem J>aginas, e das quaes apenas transparece
que Pedro ou Paulo é um enfermo. Vi um velho ·d e
uma :Peregrinação que tinha toda a rotula.-aberta
em uma enorme chaga suppurante, e o attestado
medico se contentava de dizer que essa·pobre;·pes-
sõa soffria dores : il est t,~Íctime des douleurs ! ... E
era só ... « Isso tr.aduz, diz o Dr. Lafitte, não uma
ignorancia profissional, e sim uma má fé com que
meus collegas se empenham em recusar o menor
apoio ao triumpho do sobrenatural ou da verdade.))
O Bureau conserva muitos attesta-dos d'esse gene-
ro,· que por si só,·-em realidade, em nada auxiliam
o exame d' esta '()U d' aquella cura, para mostrar
como é temida ·a « clínica )) de t Loulfdes.
Sempre 'depois das sessões vespertinas do
Bureau eu costumava r passar uma ·meia hor.a ·na
274 AS MARAVILHAS DE LOURDES

Gruta, onde todos oravam, e onde até o silencio


é uma prece.
O ultimo dia que ahi estive tem para mim uma
recordação muito curiosa. Havia uma Peregri-
nação de Pamplona, cidade da Hespanha. Certo
momento uma gargalhada torpe attraíu a attenc-
ção de todos. Uma mulher, muito moça, ridicula-
mente trajando as elegancias de uma moda duvi-
dosa, terminando o riso, que já era um insulto,
proferiu as mais obscenas palavras, cuspindo
blasphemias sobre a Virgem e os Peregrinos.
Mas não poude proseguir. Uma mão forte a se-
gurou.
Os Hespanhoes, sobretudo alguns vascos, agi-
tando os braços, saltando e gritando, pediam que
fosse atirada a mulher diabolica nas profundas do
Gave. Entretanto, logo se deliberou que ella aban-
donasse quanto antes a cidade, e todos a levaram
para a Estação, numa algazarra ensurdecedora.
Não havia conselho de calma que os contivesse.
Os Guardas da gare, que nada podiam contra a

- furia de oito mil pessoas, de braços cruzados assis-


tiram á invasão, esqueciàos todos os direitos de
ordem. No primeiro trem que passou, em direc-
ção de Pau, foi a infeliz introduzida como um
fardo, sem vontade e sem go;,to, com lenços de
côr amarrados na bocca, afim de que ninguem
mais ouvisse sua voz impura. Nessa occasião não •
houve esconderijo ou recanto em Lourdes em que
AS MARAVILHAS DE LOURDES 275

não tremulasse o echo da saudação vigorosa e


lenta dos Hespanhoes : Buen CJiaje ! ...
Toda essa scena tinha durado muito pouco,
meia hora. A locomotiva corria nas alturas de
Betharram, e um grupo dava satisfação ao Chefe
da Estrada de Ferro, emquanto noutros se com-
mentava o incidente :
« f: uma louca, diziam uns.
- Não; é um instrumento pago para o escan-
dalo e para a affronta, acudiam outros.
- Seja quem for, concluíam todos; ella que
procure um asylo, ou vá dar o resultado de sua
missão a seus senhores. »

***
A fé com que sempre acreditei nos milagres de
que nos fala a Sagrada Escriptura foi sempre toda
absoluta. Absoluta tambem é minha fé nos mila-
gres que se unem ao desenvolvimento e á vida
da Igreja, que é no mundo a continuação da mis-
são de .Jesus Christo. Mas, se com muita nitidez e
precisão vi sempre a possibilidade do milagre, e
se muito intimamente me inclinei á existencia do
milagre, jamais, comtudo, arrefeceu em mim a
curiosidade ou o desejo de ser testemunha d'uma
d'essas provas do Poder Sobrenatural. Não era a
duvida do facto; era a ambição de sentil-o com
sensações pessoaes. Em Lourdes quiz a Providen-
276 AS )IARAVILHAS DE LOURDES

cia que eu visse o reflexo de sua magestade nessas~


manifestações singulares, peregrinas e grandiosas
de seu incomparavel amor ás creaturas. Entoei
muitas vezes ·o Laudate e.o M agnificat com o povo
arroubado, cheio de uma alegria intensa e com-
municativa, que se propagava como a vibração e
rapidez do relampago, vendo perto de mim um
paralytico que caminhava, um surdo que ouvia,
um leproso que mostrava as pernas· recemcicatri-
sados e atirava para um lado o panno que, ser-
vindo-lhe no ultimo tratamento, com a sucção da
esponja, absorvera sangue e pús. Infelizmente não
me foi possível tratar minuciosamente neste livro
das curas que presenciei. O Bureau des Constata-
tions, antes de bem discutir o theor e procedencia
dos attestados medicos, antes de conseguir os
documentos mais sisudamente fornecidos, não nos
offerece a menor base offlCial. É um rigor inflex.i-·
vel.
Entretanto, não me desampara a esperança de
mais tarde· publicai-as. Ao ingenito amor da ver-
dade deve-se ter· saído á luz este volume. Oxalá
que sua doutrina seja lida sem desprezo, e que,
corno uma bôa semente, germine, cresça, floreie e
fructifique, mostrando nas maravilhas de Lourdes
os· deslumbrantes esplendores da Vida Eterna,
P.atria Commun e Fim Supremo dos bons e dos
justos·!
FIM.
APPENDICE
APPENDICE

« Joanna Abbadie. -A 27 de Agosto de 1910 Deus


chamou a seu seio esta piedosa e humilde mulher,
uma das amigas de infancia de Bernadette, e que,
com a irmã da Vidente, tinha, a 11 de Fevereiro
de 1858, acompanhado a candida criança dos Soubi-
rous á Gruta de Massabielle.
Informado da morte de J oanna Abbadie, uma hora
antes de seu enterramento o Exmo. Sr. D. Schoepfer
dignou-se de presidir aos funeraes. Á hora das Ves-
peras dos mortos, psalmodiadas na Igreja Parochial
de Lourdes, o Bispo de Tarbes, em presença dos restos
da defuncta, realçou, em termos emocionantes, as
obras bellissimas da vida de J oanna Abbadie. Esta
oração, improvisada e visivelmente dictada pelo
coração do illustre Pastor, arrancou lagrimas.
Queiram lembrar-se nossos leitores em suas orações
d'esta boa mulher, que, embora pobre, educou sempre
numerosos orphãos. E oxalá que, pelo poder de noss~s
preces, obtenha ella, fallecida sabbado, dia consagrado
á S. S. Virgem, a graça de ser logo admittida, case
ainda o não foi, a gosar da visão d'Aquella de quem
teve a ventura de contemplar o reflexo, na face
transfigurada de sua joven e santa amiga, Bernadette
280 AS MARAVILHAS DE LOURDES

Soubirous : Per speculum in amigmate, tunc autem


facie ad faciem. >>

(Extr. do Journal de la Grotte de 4 Setembro de 1910,


e dos Annales de Notre-Dame de Lourdes, t. XLIII,
pp. 282-283.)

J oanna Abbadie, fallecida h a pouco mais de um


anno, teve a felicidade de ouvir na mesma Gruta,
onde ella estivera com Bernadette no dia 11 de Feve-
l'eiro de 1858, canticos de louvor consagrados á Virgem
Apparecida! Em Lourdes foi o anjo da caridade, que
visitava com amor os tugurios da indigencia, levando
o pão que mata a fome e proferindo palavras que
consolam o espírito ...

MEDICOS que se apresentaram no B urea~~ des


Constatations de Lourdes, de 1890 a 1912 exclusive.

NUMERO :\ U MERO
ANNO DOS MEDICOS AN:'i!O DOS l\IEDICOS

1890 27 1901 328


1891 36 1902 268
1892 120 1903 228
1893 109 1904 246
1894 169- 1905 274
1895 177 1906 278
1896 202 1907 347
1897 211 1908· 624
1898 200 1909 445
1899 '240 1910 477
-1900 216 1911 534
AS )IARAVILHAS DE LOURDES 281

NUMERO das curas redigidas pelo Bureau des


Constatations Médicales de Lourdes, de 1894 a 1912
exclusive:

A:\'::\'0 NU~IERO ANNO NUMERO

1894 111 1903 105


1895 156 1904 109
1896 209 1905 114
1897 165 1906 115
1898 236 1907 101
1899 200 1908 118
1900 154 1909 130
1901 127 1910 119
1902 103 1911 100
N. B.- Como se infere da leitura do lino, o Buremt
não registra todas as curas que se realisam em Lourdes.

NATUREZA das enfermidades, que, attcnta a Rela,.


ção do Bnreau JJ! édical, têm sido curadas em Lourdes.

I. - E:-<FERMIDADES DO APPARELl-10 DIGESTIVO,


E ANNEXOS :

Entero-colite. Cancro do estomago.


Dysphagia. Dilatação do estomago.
Esophagite. Vomitos incoercíveis.
Pharyngite. Appendicite.
Gastritc. Ulcera pyloro.
Gastralgia. Enterite.
Ulcera do gstomago. Gastro-enterite.
Dyspepsia. Anus contra natureza.
282 AS MARAVILHAS DE LOURDES

Perfuração intestinal. Gastrodynia.


Hernia. Abcesso do figad o.
Peritonite. Kysto do figado.
Meteorismo. Cancro de figado.
Ascite. Gastrorrhea.
Abcesso do estomago. Enfermidades do figado.
Cirro.

11. -ENFERMIDADES DO APPARELHO CIRCULATORIO :

Insufficiencia aortica. Phlebite.


Arterio-sclerose. Syncopes.
Enfermidades do coração. Cancro do coração.
Varizes.

III. -ENFERMIDADES DO APPARELHO RESPIRATORIO :

Bronchite. Pleuresia.
Emphysema pulmonar. Asthma.
Pneumonia. Lesões pulmonares.
Congestão pulmonar. Laryngite.

IV. - E ::\'F ERMIDADES DO APPARELHO URINARIO

Nephrite aguda. H ydronephi te.


Mal de Bright. Uremia e hematuria.
Rein mobil. Albuminuria.·
Lithiasis renal (calculos). Anuria.
Incontinencia da urina. Cystite.

V. - E NFERMIDADES DA MEDULLA

Mal de Little. l\1yelite aguda.


Tabes. Esclerose.
AS MARAVILHAS DE LOURDES 283

VJ. - ENFERMIDADES DO CEREBRO

Aphasia. Nevrite.
Congestão cerebral. Hemorrhagia cerebral.
Surdo-mudo. Alalia
Meningite aguda. Paralysia.
Pachymeningite. Paraplegia.
Hemierania. Paresia.
Cephalalgia. Astasia.
Meningite tubere. Ataxia locomovel.

VII. - AFFECÇÕES OSSEAS :

Cyphose. Ü!>-teo-myelito.
Escoliose. Carie ossea.
Desviação da columna Osteite.
vertebral. Necrose.
Mal perfurante. Pseudarthrose.
Carie da columna verte- Fracturas ou consequen-
bral. cias de fracturas .

VII I. - DAS ARTTCt:LAÇÕES :

Synovite. Hydarthroso.
Entorse. Relaxa çã o das artícula-
Genu valgum. ções da bacia.
Pé aleijado. Deslocações.
Arthrite.

IX. ENFER~IIDADES DOS OLHOS

Conjunctivite. Cegueira.
Keratite. Blepharite.
Atrophia papillar. Deslocação da retina.
Enfermidades indetermi- I ri te.
nadas.
J .284 AS MARAVILHAS DE LOURDES

X. - ExFERMIDADES Dos ouviDos

Otite. Surdez.
Othorrea.

XI. - ENFERMIDADES DAS FOSSAS NASAE"l ' :

Sinusite.

XII. - ENFERMIDADES CU1'ANEAS :

Eczema. Purpura-herpetica.
Pemphigos. Ecthyma.
Erupções. Icthyose e . lepra.
Queímaduras. Elephantiasis.

XIII. - EXFERMIDADES DO UTERO, E ANXEXAS :

Fibronia. Metrorrhagia.
Salpyngitc. Prolapso uterino.
Kysto do OYarw. Carcinoma uterino.
Metrite. Mammite.
Ovarite. Amenorrhea.

XIV. - TuBERCULOSES :

Tuberculose pulmonar. Mal de Pott.


Tuberculose intestinal. Coxalgia.
Tuberculose ossea. Adenite cervical.
Tuberculose renal. Fistulas.
Tumor branco. Spina-ventosa.
Lu pus. Peritonite tuberculosa.
AS MARAVILHAS DE LOURDES 28!:

XV. - E~FERi\IIDADES AGUDAS

Cholera. Crup.
Diphteria. Tetano.

XVI. - TuMORES :

Tumores periphericos. Tumores e cancros osseos.


Tumores abdominaes. Tumores da fossa iliaca.

XVII. - CORPOS ESTRANHOS : '

Agulha no dedo.

XVIII. - El'I' FERi\I'IDADES ::'iERVOSAS

Nevralgias. Catalepsia.
Epilepsia. Sciatico.
Hysteria. Choréa.
N eurasthenia. Obsesso.
Allucinações. Papeira-exophtalmica.

XIX. - ENFERMIDADES GRAES E DIVERSAS

Rheumatismo. Suores contínuos.


Cachexia. Esclerose multipla.
Cancros. Torticollo.
Diabetes. Atrophia muscular.
Mordeduras de viboras. Edema.
Rac:hitismo. Anemia.
Syphilis. Chagas.
Desordens abdaminaes. Mutismo.
Influenza. Adenite.
286 AS :\IARAVILHAS DE LOURDES

Gangrena das extremi- Fragueza geral.


dades. Phlegmão.
Enfermidades indetermi- Morphinomania.
nadas. Contracções.
Febre. Ankylose.
Hemorrhogia. Etc., etc.

AS AUTORIDADES ECCLESIASTICAS E O
MILAGRE

No tocante aos milagres, é bom considerar a origem


das investigações e definições canonicas em geral,
e das de Lourdes em particular.
O Concilio de Trento, na XXVa Sessão, prescreveu
que nenhum milagre fosse admittido authentico sem
ser rigorosamente reconhecido e approvado pelo
Bispo Dio&;esano. Mais tarde Benedicto XIV, como
doutor privado, redigiu, com grande sereridade,
para o reconhecimento do facto sobrenaUlral, Regras
Especiaes, Vid. Cap. m, que ficaram celebres, e que
servem de norma ás Autoridades Ecclesiasticas.
Pio X, em 1905, expressou o desejo de ver as curas de
Lourdes bem estudadas e submettidas a estas Regras.
Ouvida a voz do Santo Padre, decisões Canonicas
foram pronunciadas :
A 27 de Outubro de 1907, pelo Exmo. Sr. D. Renou,
Arcebispo de Tours, sobre a cura de J oanna Tulasne;
a 4 de Fevereiro de 1908, pelo Exmo. Sr. D. Williez,
Bispo d'Arras, sobre a cura de Elisa Lesage; a 5 de
Fevereiro de 1908, pelo Eminentíssimo Senhor Car-
deal Andrieu, Arcebispo de Marselha, sobre a cura da
Irmã Maximiliana; a 11 de Fevereiro de 1908, pelo
Exmo. Sr. D. Meunier, Bispo d'Evreux, sobre a cura
AS MARAVILHAS DE LOURDES 287

do Padre Cirette; a 11 de Fevereiro de 1908, pelo


Eminentíssimo Senhor Cardeal Luçon, Arcebispo de
Reims, sobre a cura de Maria Theresa Noblet; a 25 de
Março de 1908, pelo Exmo. Sr. D. Meunier Bispo
d'Evreux, sobre a cura da Irmã Beatriz; a '1:7 de
Abril de 1908, pelo Exmo Sr. D. Heylen, Bispo de
Namur (Belgica), sobre a cura de Joaquina Dehaut; a
1° de Maio de 1908, pelo Exmo. Sr. D. Douais, Bispo
de Beauvais, sobre a cura de Aurelia Huprelle; a
10 de Maio de 1908, pelo Exmo. Sr. D. L~gonnés,
Bispo de Rodez, sobre a cura da Irmã Santo Hilario;
a 6 de Junho de 1908, pelo Eminentíssimo Senhor
Cardeal Amette, Arcebispo de Paris, sobre as curas
de : Clementina Trouvé, Maria Lemarchand, Maria
Lebranchu, Esther Braehmann, Labreuveies; a 1o de
Julho de 1908, pelo Exmo. Sr. D. Dubourg, Arcebispo
de Rennes, sobre a cura do Padre Salvador; a 2 de
Julho de 1908, pele Exmo. Sr. D. Bougouin, Bispo de
Périgueux, sobre a cura de J oanna DUbos; a 25 de
Julho de 1908, pelo Extno. Sr. D. Waffelaer, Bispo de
Bruges (Belgica), sobre a cura de Pedro de Rudder;
a 15 de Agosto de 1908, pelo Exmo. Sr. D. Delamaire,
Arcebispo de Méthymne, coadjutor de Cambrai, sobre
as curas da Irmã Maria da Presentação, de Lille, e de
Maria Savoge, de Cateau-Cambrêsis; a 30 de Agosto
de 1908, pelo Exmo. Sr. D. Meunier, Bispo d'Evreux,
sobre a cura da Irmã Eugenia Mabille; a 10 de Ou-
tubro, pelo Exmo. Sr. D. Douais, Bispo de Beauvais,
sobre a cura de Anna Jourdain; a 1° de Novem-
bro de 1908, pelo Exmo. Sr. D. Douais, Bispo de Beau-
vais,, sobre a cura de Clementina Malot; a 8 de De-
zembro de 1909, pelo Exmo. Sr. D. Gibier, Bispo de
Versalhes, sobre a cura de Cecilia de Franssu; a 30 de
Julho de 1910, pelo Exmo. Sr. D. Catteau, Bispo do
Luçon, sobre a cura de Biré; a 5 de Agosto de 1910,
20
288 AS MARAVILHAS DE LOURDES

pelo Exmo. Sr. D. Rumeau, Bispo d'Angers, sobre a


cura de Amada Allopé; a 8 de Setembro de 1910, pelo
Exmo. Sr. D. Walravens, Bispo de Tournai (Belgica),
sobre a cura de Amelia Chagnon; a 6 de Novem-
bro de 1910, pelo Exmo. Sr. D. Henry, Bispo de Gre-
noble, sobre a cura de Antonia Moulin; a 4 de Junho
de 1911, pelo Exmo. Sr. D. Gély, Bispo de Mende,
sobre a cura de Maria Borel; a 7 de Março de 1912,
pelo Exmo. Sr. D. Ncgre, Bispo de Tulle, sobre a cura
da Irmã J uliana, das Ursulinas de Brive.
Lourdes forçou a Medecina a discutir e proclamar
o sobrenatural; ella tem provado que innumeras
c.uras não são explicaveis pela Sciencia. Entretanto,
as 29 Decisões supracitadas - D. Lourenço procla-
mara, em 1862, o caracter miraculoso de sete curas, -
relativamente pouquíssimas deante dos casos extraor-
dinarios e seiQ conta que se multiplicam em Lourdes,
bem alto comprovam o escrupuloso rigor das Auto-
ridades Ecclesiasticas na publicação de uma cura
miraculosa. Não ha discutir essa verdade.

NUMERO dos Prelados -comprehendendo uns cem


Cardeaes, muitos Patriarchas, Nuncios e Primazes, e
innumeros Arcebispos e Bispos, - vindos a Lourdes
de 1868 a 1912 excJusive

NUMERO NUMERO
ANNO DOS PRELADOS ANNO DOS PRELADOS

1868 3 1871 9
1869 3 1872 19
1870 11 1873 3'Z
AS MARAVILHAS DE LOURDES 289

NUMERO NUMERO
ANNO DOS PRELADOS ANNO DOS PRELADOS

1874 36 1893 45
1875 33 1894 55
1876 58 1895 56
1877 41 1896 55
1878 38 1897 56
1879 27 1898 58
1880 50 1899 93
1881 32 1900 . 81
1882 36 1901 72
1883 52 1902 62
1884 29 1903 55
1885 44 1904 69
1886 49 1905 76
1887 62 1906 54
1888 64 1907 42
1889 48 1908 174
1890 53 1909 79
1891 46 1910 86
1892 30 1911 90
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

PROCEDENTIA nacional dos Prelados- compre-


hendendo Cardeaes, Patriarchas, Nuncios, Primazes,
Arcebispos e Bispos, - vindos a Lourdes de 1868
a 1912 exclusive :

França; Portugal;
Hespanha; Canadá;
Italia; Oceania, especialmente :
Inglaterra; da Australia,
Allemanha; das Philippinas, ·
290' AS MAR:ANILHAS DE LO.URDES

da No.va~Zelandia, NicaL'agua;,
da. ·N ova-Calelllonia; , Reino de S.ião;
India; Bulgaria;
China; Russia; .
Brasil; Mandchuria;
Irlanda; SeychelJes;
Mexiw; Argenti:na;
Austro..JI ungria; Haiti;
ColomJo.ia; Martinica;
Armenia; Zanguehar;
Syria; Birmaná:a;
Ceylão; Venezuela;
Belgica~· Perú;
Suissa.; . Madagascar;
Mona co·; Africa-Central;
Natal; · Polonia;
Guatemala; Chile;
Coréa; Equador;
Mongoií.a'; Ilha Maurice;
Costa-Rica;
Colo:mhi:a Britannica;
Palesthm;
Cuba;
Guadelnpe;
Nova-Escossia;
'
Curaçáo; Japão;
Pbenicia-; Ab-yssinia;
M:esopo.tamia; Senegambia;
Bolivia; Tonking;
.A:merica Russa; Cochinchina;
E gypto; Noruega;
Reunião; Trinidade;
Uruguay; Açores; I
Paraguay; Bosnia;
Duas· Gl!llinés.; Marrocos;
Hollanda; Cabo Verde;
Honduras;, t Madeira;
AS MARAVILHAS DE LOURDES 293

ANNO NOMES

D. Duarte Leopoldo, Bispo de Curityba, hoje


Arcebispo de São Paulo;
1905 D. Adaucto de Miranda Henriques, Bispo da
Parahyba;
D. Silverio Gomes Pimenta, Bispo - hoje
Arcebispo - de Marianna;
1908 D. Lucia Antonio de Souza, Bispo de Botu-
catu;
D. Joaquim S. de Souza, Bispo de Diamantina;
D. Luiz da Silva Britto, Bispo de Olinda;
D. Xisto Albano, Bispo resignatario de S. Luiz
do Maranhão e titular de Bethsaida, que
muitas vezes esteve em Lourdes;
1910 Conego Manoel da Silva Gomes, hoje Bispo
Coadjutor do Ceará;
1911 D. Sebastião Leme, Bispo titular de Orthosia
e Coadjutor do Rio de Janeiro.
Uma Estatística Geral (de 1868 a 1912 excl.) diz
que mais de 40 Arcebispos e Bispos Brasileiros visi-
taram Lourdes; examinando ás pressas os Annales,
os outros nomes escaparam-me á leitura.

A REALEZA EM LOURDES

Reis, Soberanos, e Grandes do mundo têm vindo a


Lourdes prestar, ao lado dos humildes, homenagens de
amor á Virgem da Gruta. Com summo prazer traduzo
aqui o que gostosamente li nos Annales, a respeito de
personagens que a nós brasileiros de perto nos inte-
ressam.
294 AS MARAVILHAS DE LOURDES

<< A 1° de Agosto de 1888 S. M. Theresa Christina

Maria de Bourbon, acompanhada de S. A. Real Dona


J anuaria Gonzaga, Condessa d' Aquila e irmã do
Imperador, do Principe Luiz de Bourbon e filho, che-
gou a Lourdes. Entre as quinze pessoas do sequito
distinguiam-se o Visconde de Carapebús, Camareiro-
~1or, e sua Esposa, Primeira Dama de honra.
Um perfumado salão de verdura e flores, ornado
de bandeiras com as côres nacionaes, fôra construido
na gare para receber a Augusta personagem.
Chegou ás 7 horas da noite; apezar da chuva tor-
rencial, a Estação regorgitava de povo. A Imperatriz
dirigiu-se ao Hotel de la Grotte.
Á entrada, as bandeiras brasileira e franceza se
entrelaçavam; á porta, um formoso arco triumphaJ
tinha sido levantado. Festões e cortinas de rosas bella-
mente engalanaram os balcões.
Durante o jantar, a banda municipal tocou lindas
peças; o hymno nacional brasileiro fazia p-arte do
escolhido repertorio.
Quinta feira, ás 9 horas da manhã, uma assistencia
numerosa occupava piedosamente as visinhanças da
Gruta. Sua Magestade, que não trazia distinctivo
algum, só foi reconhecida quando se separou do
cortejo para tomar posse do lugar que lhe era reser-
vado.
O Bispo de Tarbes, ladeado pelo Vigario Geral e
pelo Padre Sem pé, começou a Missa. Não causou
surpreza - despertando, entretanto, vivo enthu-
siasmo, - quando a Filha dos Bourbons de Napoles,
cunhada da Veneravel Maria Christina de Savoia, e
Filha do Conde de Chambord, se approximou da Sa-
grada Mesa Eucharistica.
Todas as orações se elevaram aos ceos, pedindo gra-
AS MARAVILHAS DE LOURDES 295

ças e bençãos para o Imperador Dom Pedro e Sua


Família. Terminada a Missa, a Imperatriz trocou
palavras de fina contesia com o Exmo. Bispo, com o
Superior dos Missionarios, e com aquelles que lhe
tributavam as mais sinceras homenagens. Expressava
a todos palavras de delicadas saudações, emquanto se
encaminhava, entre as alas da multidão, para a sua
carruagem. A doçura de seu olhar e a affabilidade de
suas maneiras captivaram todos os corações.
Recebeu S. A. R. o Duque de Nemours, que viera
de Cauterets para fazer-lhe uma visita.
Percorreu minuciosamente todo o Santuario, e os
arredores da cidade.
Admirando os pavilhões que ornaYam a Basilica de
Notre-Dame de Lourdes, a Augusta Senhora se dignou
prometter-nos uma mimosa offerta : a bandeira do
Brasil, que depois, feita como a de Bolívia, nos foi
entregue em seu nome. Viu o Calice de ouro, enrique-
cido de pedrarias, que foi um dom de seis piedosas
pessoas do Rio de Janeiro.
Sexta-feira, antes de seu regresso, assistiu á Missa.
Os presentes, quasi tão numerosos como na vespera,
ficaram edificados de seu nobre recolhimento.
(Vid. Annales de Notre-Dame de Lourdes, 1887-89;
20-21 année.
14-15 de Janeiro : O Imperador do Brasil 1890.)
O Imperador do Brasil veio em peregrinação á
Gruta, acompanhado de S. S. A. A. R. R. o Conde e
Condessa d'E u, e dos tres j ·~':ens Príncipes Pedro,
Luiz e Antonio. No se quito, composto de trinta pessoas,
I)Otaram-se : o Conde de Aljezur, o Barão e Baroneza
de Muritiba, o Barão e Baroneza de Loreto, o Conde
de Maia e Família.

- Duplo motiYo de reconhecimento conduziu D. Pedro


296 AS MARAVILHAS DE LOURDES

aos pés de nossa bôa Mãe. H a dezoito mezes, quando o


estado de sua preciosa saude inspirava cuidados, não
foi debalde que se recorreu á Virgem de Massabielle.
A visita da Imperatriz a Lourdes e a remessa do
pavilhão brasileiro isto relembram e testemunham.
Em meio de novas afflicções e de novas lagrimas,
o Imperador se viu dentro de uma revolução trium-
phante. Nossa Senhora de Lourdes foi mais uma vez
implorada, e o Monarcha, livre de sua prisão (1),
poude sair são e salvo de seus Estados. Essa peregri-
nação foi promettida pela piedosa Imperatriz Dona
Theresa Christina Maria de Bourbon, que, succum-
bindo á dor, não viu a aurora do novo anno. De uma
parte melhor se associou á peregrinação, onde a
família Imperial, inconsolavel por sua perda, saudo-
samente a recorda, implorando ao Senhor lhe conceda
os gosos de sua gloria. Apenas chegou ao Hotel d'An-
gleterre, a 14 de Janeiro, o Imperador logo se dirigiu á
Basilica, e visitou, como um verdadeiro peregrino, « os
santos lugares francezes ». Sua oração foi longa na
Gruta. Ajoelhou-se no mesmo lugar em que a Impera-
triz commungara em presenç-a de uma grande mul-
tidão. A piedade de D. Pedro é bem arlmiravel.
No dia 15, ouviu a Missa cercado dos membros de
sua família e de sua côrte. Os illustres visitantes

(1) O Chronista dos Annales ignora que como a Proclamação


da Independencia, assim a Proclamação da Republica é um facto
unico na Historia da hilm . •idade. Pedro 11, grande patriota e
homem dr muito saber, foi sempre, no Poder e no Exilio, querido
e amado por todo o brasileiro. Os maiores vultos da Republica
fazem a justica de exaltar-lhe os meritos. Sua ,·ida nunca. foi
attentada, nem passou elle pela escuridão do carcere. • Seu
carcere - confessa um proprio adversario politico - foi e é o
coração brasileiro, onde sua memoria gloriosa será prisioneira
para sempre. •

.- .
AS MARAVILHAS DE LOURDES 297

occuparam cadeiras e genuflexorios que lhe tinham


sido reservados. Vendo o pavilhão brasileiro, collocado
perto do altar-mor, o Imperador deveria muito orar
para este povo que quiz fazer-se feliz livrando-se da
escravatura, e que agora não é livre dos embates das
revoluções.
Commungou, com a fé de um monarcha muito
christão; sua família e sua côrte seguiram o helio
exemplo.
Nesse mesmo dia regressou. LATAPIE.
(Annales de Notre-Dame de Lourdes, 1889-91 (22-23 an-
nóe.)

« Na Peregrinação Nacional de 1895 visitaram a


Gruta:
« O Conde e a Condessa d'Eu, com os tres Príncipes
seus Filhos.
« Annales de Notre-Dame de Lourdes, 1895-96 (28 an-
née). n

« Visitaram a Gruta : O Príncipe Carlos de Bourbon


e a Princeza Luiza de Orleans.
« Annales de Notre-Dame de Lourdes, vol. XLIII,
an. 1910-1911. n
A Realeza de Portugal tem vindo assiduamente
a Lourdes. Já em 1878 (Annales, 1877-1879; 10-11 an-
née), D. Fernando, com o Infante D. Augusto e a
Condessa d'Edla, visitou a Gruta, onde, não ha muito,
a Rainha Amelia implorava á Virgem concedesse
).... graças á sua cara e desditosa patria (Annales, vol.
XLIII; an. 1910-1911).
t O Journal de la Grotte, 1907, 27 de Agosto - des-
' creve uma visita do sympathico Rei da Hespanha.
'-
'298 AS MARAVILHAS DE LOURDES

Nos ultimos tempos (vid. Annales, vol. XLHI;


an. 1910-1911~, foi notoria a visita de Eduardo VII,
Rei da Inglaterra. •Foi num delicioso mez de Abril que
Sua Magestade, a automovel, chegou a Lourdes. Era
o momento da procissão do SS. Sacramento. Deixando
o automovel, desceu á pé a rampa septentrional do
Rosario. Encontrando na Esplanada o padre que, ao
lado de tres Bispos, trazia a Custodia, o Rei, respeito-
samente, de chapéo na mão, fez uma profunda venia.
Minutos depois, topando um Prelado, trocou com
elle palavras affectuosas, dirigindo-se em seguida para
a Gruta. Aqui, vendo a estatua da Virgem, de novo
tirou o chapéo da cabeça, examinando com interesse
todo o conjuncto do lugar memoravel.
Havendo visitado a fonte e outras partes do San-
tuario, com as honras e attencções que merecia sua
pessôa, retomou o automovel, e, partindo, commenta-
ram os que ficavam : Que attitude nobre e respeitosa a
elo Rei Eduardo I

NATHALIA, Rainha da Servia, esteve ultimamente


em Lourdes, onde assistiu, na Egreja Parochial, ao
matrimonio de uma sua joven amiga de Biarritz, e,
seguindo o louvavel costume dos habitantes da cidade,
levou os recem-casados á Gruta, afim de implorar-se á
Virgem Santíssima a maior copia de felicidades para o
novo lar (Annales, 1910-1911).
A'S l\f;{RAVILRAS DE LOURDES 299'

PEREGRINAÇÕES VINJ!>AS A LOURDES DESDE


1867 ATÉ 1912 EXCL.

l~.NNOS PEREGRINAÇÕES PEREGRINOS

1867 36 28.000
1868 24 28.000
1869 26 21.000
1870 43 30.000
1871 34 28.000
1872 149 119.000
1873 183 140.000
.... 97.000
1874 127
1875 81 65.000
1876 88 71.000
1877 68 46.000
1878 85 65.000
1879 78 66.000
1880 79 75.000
1881 115 77.000
1882 118 115.000
1883 203 213.000
1884 85 75.000
1885 114 91.000
1886 99 92.000
1887 93 79.000
1888 105 80.000
1889 130 112.000
1890 124 97.000
1891 127 110.000
1892 171 145.000
1893 101 105.000
300 AS MARAVILHAS DE LOURDES

ANNOS PEREGRINAÇÕES PEREGRINOS

1894 175 155.000


1895 153 15<1.000
1896 225 164.000
1897 140 139.000
1898 123 141.000
1899 158 164.000
1900 147 149.000
1901 189 191.000
1902 128 142.000
1903 138 148.000
1904 200 211.000
1905 159 167.000
1906 153 161.000
1907 154 162.000
1908 360 401.000
1909 180 191.000
1910 163 187.000
1911 185 203.000

N. B. - Não está incluido o numero de peregrinos


isolados e outros viajores.
ERRATA

A' intelligencia do leitor bondoso confio a emenda


dos erros de imprensa, infelizmente não muito pou-
cos, que escaparam á leitura apressada do revisor.

Propriedade da Obra dos Tabernaculos,


Paris - rua Nitot, 10.
NIHIL OBSTAT.

Manuel GONZALEZ,

Congregationis Missionis,
Censor Deputatus.

IMPRIMATUR.

Parisiis, die 24 Junii 1912.

p, FAGES, v. G.

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