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real e o imaginário
Rogério de Almeida
O
“Falam por mim os que estavam sujos de tristeza e feroz desgosto de tudo,
que entraram no cinema com a aflição de ratos fugindo da vida,
são duras horas de anestesia, ouçamos um pouco de música,
visitemos no escuro as imagens – e te descobriram e salvaram-se.”
necessariamente mentir, pois para mentir é mas pelo contrário, dinamismo prospectivo
preciso saber a verdade e ocultá-la. O sujeito que, através de todas as estruturas do pro-
mentiroso tem em mente duas informações jeto imaginário, tenta melhorar a situação
paralelas. A que ele sabe correta e a outra do homem no mundo”.
que ele coloca em seu lugar. Os detectores de
mentira, embora não sejam confiáveis, cap- Por outras palavras, é a mesma consta-
tariam esse “excesso” de energia dispendido tação de George Steiner (2003, p. 14): “[...]
pelo corpo, que necessita simultaneamente só o homem, a princípio, possuiria os meios
pensar no que se diz e no que se oculta. para alterar seu mundo recorrendo a cláusu-
Por isso, a mentira é intencional, enquanto las condicionais hipotéticas”. O imaginário
o engano é involuntário. põe em jogo as possibilidades: “e se fosse
Estabelecidas essas diferenças, podemos assim?”, “e se fizéssemos de outro modo?”,
retornar ao imaginário para entender que ele “e se olharmos por outra perspectiva?”.
se relaciona tanto com o real quanto com a Essas cláusulas condicionais hipotéticas
ilusão. O imaginário pode, assim, produzir nos lembram que o futuro, como tempo ainda
imagens, discursos, sentidos que afirmem não vivido, não é materialidade concreta, mas
o real, que confirmem a realidade do que um efeito produzido pela linguagem, e mais
existe, assim como também pode produzir especificamente pelo tempo verbal. Contudo
imagens, discursos, sentidos que sejam ilu- se, como linguagem, o futuro depende da
sórios, que neguem a realidade ou sua parte imaginação, a compreensão da linguagem
desagradável. O imaginário responde tanto como um todo depende cognitivamente de
pelos fantasmas, monstros e pesadelos quanto operações de tradução: “Entre línguas ou
pelos pensamentos, discursos e devaneios. no interior de uma língua, a comunicação
Isso porque, de acordo com Cassirer (1994), humana é igual à tradução” (Steiner, 2005,
o homem é um animal symbolicum, isto é, p. 72). De modo mais geral, compreender
opera uma mediação simbólica no trato com é traduzir, não somente nos casos em que
o mundo, com o outro e consigo mesmo. se verte de uma língua para outra, mas no
Assim, linguagem, ciência, religião e arte interior da própria língua, quando traduzimos
são formas simbólicas, mediações sem as um termo por outro, ou ainda nos casos de
quais não nos situaríamos no mundo. tradução intersemiótica, em que interpreta-
O imaginário não é uma válvula de es- mos “signos verbais por meio de sistemas
cape, uma fuga da vida, subterfúgio ou es- de signos não verbais” (Jakobson, 2003, p.
tratagema de evasão, mas modalidade de 65) e vice-versa. É por isso que “leitura e
trato, de lida com o real, principalmente interpretação são, em última análise, ‘tra-
por meio de sua função eufemizadora. Para dução’ que dá vida, que empresta vida à
Gilbert Durand (1988, p. 121), obra gelada, morta” (Durand, 1998, p. 252).
O imaginário, portanto, não é mero re-
“a função da imaginação é antes de mais flexo da realidade, mas seu agente transfor-
nada uma função de eufemização, não um mador, pois preconcebe objetos, arquitetu-
simples ópio negativo, máscara que a consci- ras, artes, técnicas, pensamentos, ideologias,
ência ergue face à horrenda figura da morte, interpretações, perspectivas, etc. Se o real
abre janelas para realidades que vão muito cativo do cinema, como “articulação entre o
além das experiências concretas a que esta- real que lhe ultrapassa e o interior de quem
mos limitados. Disso resulta o caráter edu- o vê” (Almeida, 2017, p. 14).
Bibliografia