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Dimitri Dimoulis
Mestre em direito público pela Universidade Paris-I Sorbonne. Doutor e pós-doutor em direito pela Universidade do
Sarre (Alemanha). Professor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Professor visitante da
Universidade Panteion e da Universidade Politécnica de Atenas. Secretário de redação da Revista Thesseis (Atenas).
Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais (IBEC).
1. Tentativas de definição
1 Barroso, 2007.
2 O texto foi publicado em sete revistas brasileiras entre 2005 e 2007
(http://biblioteca.senado.gov.br:8991/F/LI3XJGU261X1QHJ6PCL7X1RKNL6GPFYHBQRHKX1AN9RX
PI7Y74-01194?func=full-set-set&set_number=015629&set_entry=000030&format=999), além de sua
publicação em dois volumes coletivos e em vários sites da internet.
3 Cf. a título indicativo, Bello, 2007, p. 11-14.
4 Cf. o resumo feito pelo autor: “Em suma: o neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional, na
acepção aqui desenvolvida, identifica um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no
direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados, (i) como marco histórico, a formação do
Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX (...)
(iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a
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2. Crítica
“Exposição da Carta constitucional e das garantias individuais, assim como das instituições políticas que a
Carta consagra. Não se trata mais de um simples sistema filosófico entregue às disputas pessoais. É uma lei escrita,
reconhecida que pode e deve ser explicada, comentada, da mesma maneira como a lei civil ou qualquer outra parte de
nossa legislação”.11
10 “Une Constitution est un corps de lois obligatoires, ou ce n’est rien” (Bastid, 1934, p. 32).
11 Texto citado por C. Bon-Compagni na introdução em: Rossi, 1866, p. V.
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“Quando os patriotas dos diferentes Estados italianos reivindicavam, nas primeiras décadas do século XIX,
uma Constituição junto aos seus Soberanos, até então absolutos, não pediam simplesmente uma Constituição escrita (ou
instrumental) nem somente uma Constituição no sentido formal, mas um documento solene que introduzisse as
doutrinas liberais do período, que instituísse órgãos parlamentares representativos e garantisse um mínimo de direitos
12 Ruffía, 1966, p. 7.
13 Zoller, 1999, p. 36-40, 105-131; Lunardi, 2006, cap. 3.1.
14 Sarmento, 2007, p. 116 refere-se à “singular exceção norte-americana” e sustenta: “a idéia que
prevalecia no ‘mundo constitucionalizado’ até meados do século XX era a de que as constituições eram
proclamações políticas importantes mas não autênticas normas jurídicas”.
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“A Constituição, produto do poder constituinte do povo, constitui a lei fundamental do Estado, que
regulamenta os limites e o modo de atuação de cada um dos poderes políticos do Estado e, conseqüentemente, também
do poder legislativo. As disposições fundamentais da Constituição foram instituídas como absolutamente imutáveis e as
demais normas constitucionais podem sofrer alterações somente se forem respeitadas determinadas condições (artigo
107 da Constituição).
Isto evidencia que, cada vez que os tribunais constatarem um claro conflito entre a Constituição e uma lei
oriunda do poder legislativo ordinário, não podem considerar como derrogada a Constituição imutável. Devem
imperativamente resolver a antinomia reconhecendo a primazia da Constituição e considerando que a lei não possui o
Diante disso, carecem de justificativa, tanto cronológica como teórica, algumas afirmações
peremptórias que encontramos no texto do Prof. Barroso: “Hans Kelsen foi o introdutor do controle
de constitucionalidade na Europa, na Constituição da Áustria de 1920”18 ou ainda: “o Estado
“Art. 113. O Tribunal Federal decide também sobre: (...) 3. Reclamações relacionadas à violação de direitos
constitucionais dos cidadãos ou reclamações de particulares sobre violações de concordatos ou tratados
internacionais (...). Em todos esses casos, são, porém, vinculantes para o Tribunal Federal as leis e
resoluções geralmente obrigatórias editadas pelo Congresso Federal, assim como os tratados internacionais
por ele admitidos”.
17 Decisão n. 6.664 de 1892. Tradução para o português em: Dimoulis, 2003, p. 219.
18 Barroso, 2007, p. 210, nota 20.
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Esse critério permite elaborar classificações dos ordenamentos jurídicos utilizando, pelo
menos, três elementos.
Primeiro, o início do controle judicial de constitucionalidade (sendo, atualmente,
pouquíssimos os países que proíbem explicitamente esse tipo de controle).
Segundo, o alcance do controle, levando em consideração suas limitações materiais ou
temporais em cada país.
Terceiro, as formas de controle vigentes em cada país (preventivo ou repressivo; difuso ou
concentrado; etc.).
Mas em todos esses casos estamos diante de Estados constitucionais que adotaram uma
Constituição rígida e configuram de formas variadas sua garantia.
A não previsão ou mesmo a vedação do controle judicial de constitucionalidade confere, de
fato, ao legislador ordinário a possibilidade de determinar o que deve “valer” como constitucional.
Mas isso não isenta o legislador do dever jurídico de respeitar a Constituição, nem afasta a
supremacia constitucional e a possibilidade de sancionar, jurídica e politicamente, legisladores que
violarem mandamentos constitucionais. Cabe ao intérprete identificar as possíveis sanções em caso
de produção normativa inconstitucional (cassação, responsabilidade civil ou penal, não reeleição
etc.). Mas não se pode afirmar que o ordenamento jurídico permite a violação da Constituição.
Um bom exemplo para tanto oferece a Constituição do Império no Brasil de 1824.
Sabidamente não havia previsão de controle judicial de constitucionalidade, mas mesmo a
Constituição era vista como superior à legislação ordinária e o Poder Legislativo obrigado a
respeitar e preservar a supremacia constitucional. O artigo 15, inciso IX da Constituição confirmava
a instauração de um Estado constitucional ao estabelecer:
“E' da attribuição da Assembléa Geral (...) IX. Velar na guarda da Constituição, e promover o bem geral da
Nação.”
vedação.
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A terceira afirmação que encontramos no texto do Prof. Barroso parte também de um fato
incontestável. Há miríades de doutrinadores e aplicadores que utilizam, em suas interpretações
acadêmicas ou oficiais, as técnicas de ponderação e concretização de cláusulas gerais e princípios
jurídicos. Também são incontáveis aqueles que afirmam o poder criativo dos aplicadores do direito.
Mas essa opção metodológica não tem o menor traço de inovação, ao contrário da afirmação
feita pelo Prof. Barroso (e muitos outros). Na história do direito ocidental, muitas são as referências
teóricas e práticas de interpretação flexível, casuística, até mesmo livre do direito. Basta pensar em
termos tais como “direito pretoriano”, “equidade”, “espírito da lei”, “analogia”, “direito livre” para
entender que a importância dada aos princípios jurídicos e ao papel-poder criativo do aplicador não
constitui novidade.29
Mais especificamente, no período do constitucionalismo, encontramos já no século XIX
críticas contra a aplicação mecânica, literal, automática, subsuntiva etc. de leis supostamente claras,
assim como a insistência no papel criativo dos aplicadores e, particularmente, dos juízes. Basta
pensar nas notórias publicações de juristas como Oskar Bülow30 (1837-1907) na Alemanha, Eugen
Ehrlich31 (1862-1922) na Áustria ou François Gény32 (1861-1959) na França, para entender que
não há a menor novidade na interpretação “aberta” e “principiológica” da Constituição.
Além disso, essa visão não tem origem nem aplicação especificamente constitucional, pois é
endossada por autores das mais variadas áreas do direito. Sem citar a riquíssima bibliografia
jusprivatista, naturalmente inclinada a valorizar as cláusulas gerais e o poder do aplicador, podemos
indicar que, um dos mais conhecidos penalistas do século XIX, o alemão Karl Binding (1841-
1920), afirmava que o julgador tem o poder de ordenar aquilo que o legislador não quis, sendo a
sentença judicial um ato que combina elementos de conhecimento científico com elementos de pura
criação normativa.33
Se isso era dito no campo taxativo do direito penal já no século XIX e se isso provinha de
um autor pouco preocupado com os direitos humanos (Binding foi defensor da eutanásia dos
doentes mentais34) como associar o neoconstitucionalismo com semelhantes opiniões de abertura
da interpretação? Isso seria tão pouco esclarecedor como definir o futebol como um jogo coletivo
que utiliza uma bola.
Talvez seja interessante lembrar também que a proposta apresentada como “nova
interpretação constitucional” não destoa da opinião do mais celebre juspositivista, Hans Kelsen. Na
primeira edição da Teoria pura do direito em 1934, Kelsen utilizava os seguintes termos:
“A interpretação da lei não leva necessariamente a uma única decisão como a única correta, porém pode levar a
várias, todas de igual valor (...), mesmo se uma só entre elas se tornará direito positivo através da decisão judicial (...).
A criação de uma norma individual mediante execução da lei é, na medida em que preenche o quadro da norma geral,
Seria Kelsen também um neoconstitucionalista por ter afirmado o papel criativo do juiz e
criticado a “ilusão da segurança jurídica”?36
Constatamos que nenhum dos elementos apresentados pelo Prof. Barroso como peculiares
do neoconstitucionalismo pode ser considerado indicativo de uma nova abordagem do direito
constitucional. Apresentaremos em seguida algumas reflexões sobre a possibilidade de entender o
neoconstitucionalismo como forma de definição e interpretação do direito constitucional
relacionando-o com a controvérsia entre positivismo e moralismo jurídico.
Estudos teoricamente rigorosos sobre o neoconstitucionalismo, realizados principalmente
por teóricos do direito italianos, indicam a heterogeneidade dos autores e abordagens classificadas
como tais e observam que não se trata de uma opção teórica clara, e sim de “ambiente cultural” cujo
elemento preponderante é o distanciamento do positivismo jurídico.37
Isso se torna claro em autores que utilizam os termos “constitucionalismo” e
“neoconstitucionalismo” como sinônimos. Ao contrário dos posicionamentos do Prof. Barroso e de
outros autores nacionais,38 no debate internacional não é considerada decisiva a (suposta) ruptura
entre um antigo e um novo constitucionalismo.
Aquilo que é considerado decisivo é o posicionamento de cada intérprete da Constituição em
relação à tese da conexão entre direito e moral que, modernamente, é defendida com referência a
princípios e valores constitucionais e considera como protagonistas as Cortes Constitucionais
“ativistas” que empregam técnicas de ponderação.39 Seriam, nessa ótica “constitucionalistas” (ou
“neoconstitucionalistas”) os pensadores moralistas que consideram a vinculação entre direito e
moral como presente, necessária e efetiva nos Estados constitucionais modernos.40
Em nossa opinião, a opção de considerar o neoconstitucionalismo como sinônimo do
(“verdadeiro”) constitucionalismo apresenta dois problemas: por um lado, torna o primeiro termo
redundante, por outro lado, oculta o fato de que entre os constitucionalistas modernos há muitos que
rejeitam os posicionamentos moralistas, criticando-os do ponto de vista do positivismo jurídico.41
Independentemente dos problemas de definição, o neoconstitucionalismo não tem nada de
novo. Tendo identificado como (neo)constitucionalista a abordagem de jusfilósofos como Ralf
Dreier e Robert Alexy na Alemanha, Ronald Dworkin nos EUA, Gustavo Zagrebelsky e Luigi
Ferrajoli na Itália e Carlos Santiago Nino na Argentina,42 seria preferível abandonar o termo
genérico e, por isso inexpressivo, de (neo)constitucionalismo, indicando o cerne da abordagem que
se encontra na postura antipositivista.43 Temos aqui uma opção terminológica e substancial que nos
parece convincente e foi endossada com clareza, na doutrina nacional, por Écio Duarte.44
Nessa perspectiva, os (neo)constitucionalistas seriam juristas que reconhecem, como todos
os demais, a supremacia constitucional e a necessidade de criar mecanismos para a sua preservação.
O elemento peculiar estaria na crença de que a moral desempenha um papel fundamental na
definição e na interpretação do direito.
Há muitos autores contemporâneos que aceitam a leitura moral da Constituição, diluindo a
normatividade em idéias e reivindicações difusas e incertas, mas também promissoras. Outros
autores consideram que o neoconstitucionalismo enquanto moralismo jurídico possui pontos fracos,
mas realiza certos avanços em termos de teoria de interpretação constitucional.45 Seria também
possível afirmar, como nos parece correto, que “a maior parte das teses do neoconstitucionalismo
não é somente errada, mas desastrosamente errada”.46
Mas em todas as hipóteses devemos entender que o neoconstitucionalismo é um sinônimo
vago e impreciso do moralismo jurídico e se faz necessário evitar análises que incorrem em
simplificações e distorções.
O neoconstitucionalismo é uma forma de re(vi)ver uma prática constitucional utilizada há
mais de 200 anos, como (velha) solução para problemas que acompanham o direito desde sua
estruturação com base na Constituição. Não seria equivocado dizer que, passados dois séculos, esse
conjunto de ideologias e práticas institucionais deveria receber a denominação de
paleoconstitucionalismo.
Bibliografia